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RESGATANDO BRINCADEIRAS

TRADICIONAIS DA INFÂNCIA
MÓDULO I: O BRINCAR NO DESENVOLVIMENTO DE TODOS

2020
RESGATANDO BRINCADEIRAS TRADICIONAIS DA INFÂNCIA

CAROS CURSISTAS, SEJAM BEM-VINDOS!


Esperamos que este material possa contribuir com o seu desenvolvimento profissi-
onal, viabilizando aplicações práticas dos conhecimentos abordados. Cada módulo apre-
senta 2 atividades, o Teste seus Conhecimentos e o Fórum. No Teste seus Conhecimen-
tos você verifica a aprendizagem dos conteúdos propostos no módulo, se achar neces-
sário reveja o material e refaça o teste. O fórum tem o objetivo de discutir a temática
proposta pelo tutor. Por isso, ao responder, apresente seu ponto de vista e comente o
dos colegas, interagindo. É essa interação entre cursistas, mediada pelo tutor, que irá
ampliar e ou consolidar os seus conhecimentos sobre o assunto. Para isso, porém, é im-
portante que as colocações sejam fundamentadas no conteúdo do material proposto,
em conhecimentos teóricos e científicos sobre o tema. É importante ressaltar que a cre-
dibilidade do que se escreve aumenta quando nossa opinião está pautada em pesquisas
de especialistas evitando o simples achismo. No entanto, ao citar fragmentos de textos
ou afirmações de autores, não esqueça de indicá-lo, evitando plágio.
No módulo II, além das duas atividades (teste seus conhecimentos e fórum), você
terá que responder a “Atividade Obrigatória”. Essa atividade tem cunho prático e objeti-
vo de verificar se os conteúdos do curso estão atrelados à prática educativa, favorecen-
do a construção de novos conhecimentos e propiciando experiências significativas, vis-
tas a qualificar o processo de ensino e aprendizagem.
No módulo III, além das duas atividades (teste seus conhecimentos e fórum), esta-
rá disponível a “Avaliação” do curso”. Essa atividade é importante, por meio dela você
terá a oportunidade de fazer considerações sobre a atuação dos palestrantes, tutores,
organização estrutural e material do curso, trazer sugestões e críticas.
Esperamos que aproveite o material que preparamos para você e bom curso!
Equipe Organizadora
2020
RESGATANDO BRINCADEIRAS TRADICIONAIS DA INFÂNCIA

OBJETIVOS DO CURSO
• Problematizar e incluir no discurso da importância sobre o brincar todas as pessoas
que estão na escola, tendo em vista que o brincar é mais que uma ferramenta de
aprendizado, é um eixo estruturante do currículo.
• Discutir sobre as culturas das infâncias a fim de compreender a dimensão estrutu-
rante do brincar no currículo.
• Dialogar sobre as contribuições culturais, sociais, afetivas e cognitivas dos jogos e
brincadeiras nos processos de desenvolvimento e aprendizagem nas diferentes fa-
ses e ciclos de aprendizagem.
• Compartilhar o repertório de jogos e brincadeiras, seus objetivos, estruturas e as
possibilidades de aplicação no contexto escolar.
• Resgatar jogos e brincadeiras tradicionais.

CONTEÚDO DO MÓDULO
Módulo I – 23/03 a 29/03 - O brincar no desenvolvimento de todos
• Diferentes infâncias, diferentes brincar.
• Retomando os teóricos Piaget, Vygotsky, Wallon sob a luz da contemporaneidade.
• O saber da experiência que configura o brincar.

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INTRODUÇÃO AO CURSO

Caros participantes,

Sejam bem-vindos a mais uma oportunidade de aprender e


compartilhar saberes a partir da reflexão de um tema tão
caro: o brincar. Nestas três semanas de curso teremos a
oportunidade de olhar mais profundamente para este te-
ma que, quase que unanimemente, ao menos nos ambien-
tes pedagógicos, atribui-se uma grande relevância e valor.
Apesar disso, o que vemos cada dia mais é o brincar sendo
deixado de lado ou considerado como ocupações de menor importância, que devem ficar res-
tritas aos momentos em que reste algum tempo para realizá-las.
Assim, esse material, embora centrando-se principalmente nos professores, tem o objeti-
vo de ajudar estagiários, auxiliares, coordenadores, diretores e todos aqueles que influenciam
direta ou indiretamente as vidas das crianças e ajudam a perceber como o brincar pode ser
verdadeiramente utilizado para o desenvolvimento e a aprendizagem durante toda a vida.
Pois, segundo Loizos (1969, p.275): “Longe de ser uma atividade supérflua, para “o tempo li-
vre”, o brincar, em certos estágios iniciais cruciais, pode ser necessário para a ocorrência e o
sucesso de toda a atividade social posterior.”

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PARA REFLETIR

Um pouco de história: a infância ao longo do tempo

Vamos pensar: O que é uma criança? Do que ela precisa para viver e se desenvolver?
Qual o lugar dela na família e na sociedade? Será que a criança sempre foi vista da mes-
ma maneira?
A infância nem sempre teve a importância e a visibilidade que tem atualmente, e entender
a forma com esse tema era considerado em outros tempos é de extrema importância para
entendermos o modo como pensamos sobre a criança hoje. Compreender a concepção de
criança através dos tempos também nos ajudará não só a entender a valorização que o
brincar ganhou nos discursos que perduram até hoje, como também ter um panorama do
espaço que essa prática ocupou no decorrer dos séculos.

ANTIGO REGIME – SÉCULOS XVI E XVII


Famílias aristocráticas

Nesta época, as crianças eram muitas vezes


cuidadas por criados ou mandadas para as
casas de outros integrantes da nobreza, pa-
ra serem educadas. Os pais pouco se ocu-
pavam de seus herdeiros, e os primeiros
vínculos das crianças eram normalmente
estabelecidos com outras pessoas fora do
núcleo familiar. A amamentação era função das amas-de-leite. A mortalidade infantil era bas-
tante comum e poucos eram os cuidados dispensados às crianças. Não havia uma diferencia-
ção clara entre a infância e a maturidade. Tanto era assim que um adulto podia sentir-se
ameaçado por uma criança, inclusive revidando de forma violenta seus atos de voluntarieda-
de e desobediência. A educação envolvia espancamentos e punições públicas quando havia
transgressão das regras estabelecidas pela tradição e pela hierarquia social. Nestas situações, o
desejo era provocar na criança o sentimento de vergonha.

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Famílias camponesas
Além das famílias aristocráticas existiam as
famílias camponesas que viviam em aldei-
as e vilas onde tudo era comunitário: o la-
zer, as comemorações, os eventos e qual-
quer acontecimento significativo. Da mes-
ma forma como nos castelos, onde viviam
as famílias aristocráticas, não havia valori-
zação da privacidade: as crianças assistiam aos atos sexuais dos pais, pois as casas eram peque-
nas e isso era considerado natural. Os laços afetivos dos filhos não estavam restritos aos geni-
tores. Tomar conta dos filhos era algo compartilhado entre parentes, em especial moças soltei-
ras e idosos, já que essa tarefa não era algo central na vida dos pais e nem tão carregada de
afetos. Havia alta taxa de mortalidade infantil, relacionada a hábitos pouco higiênicos e subali-
mentação. Amamentar era considerado um incômodo e uma perda de tempo. Os bebês eram
enfaixados para que não se movimentassem de forma a atrapalhar o trabalho dos adultos. As
crianças costumavam ficar sozinhas em casa desde a tenra idade ou eram deixadas com amas-
de-leite, quando havia recursos para isso. Mães muito pobres expulsavam seus filhos da casa e,
assim, ficavam livres para o trabalho fundamental ao seu sustento.
A educação ocorria principalmente entre os 7 e os 10
anos na casa de uma família que não a de origem. As crian-
ças circulavam de forma relativamente livre pelo espaço e
aprendiam a depender mais da comunidade do que dos
pais. A função da transmissão de conhecimento, fiscalizada
pelo coletivo, era a de manter a tradição da aldeia, sendo
que a aprovação e a desaprovação eram relativas às regras comuns e à submissão hierárquica.
Quando isso era descumprido, os castigos eram em sua maioria físicos.

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Século XVIII
Somente a partir do século XVIII as mães passaram a ser vistas como “cuidadoras” dos fi-
lhos, substituindo as amas de leite. Estas foram acusadas de promulgar os maus hábitos e falta
de saúde nas crianças. Assim, a noção de higiene e cuidados com as crianças passam a ser cen-
tral. Surge a noção de “amor materno”.

Século XIX
Famílias burguesas
Diferente das famílias do Antigo Regime, a família burguesa vivia num contexto urbano,
regido pela produtividade e competitividade. Neste
contexto os lares eram locais protetores, santuários.
As crianças passaram a ganhar uma maior importân-
cia social. Vistas como futuras forças produtivas, era
preciso prepará-las desde cedo para assumirem
posteriormente esse papel. Assim, eram treinadas a
José Ferraz de Almeida Júnior
Cena de Família de Adolfo Augusto Pinto—1891 respeitar regras e amar seus superiores.
Era esperado que a criança, desde muito cedo - mais cedo do que suas capacidades
permitiam - aprendesse a controlar seu corpo, mantendo-o limpo e impedindo manifestações
de agressividade ou de sexualidade. A expectativa em relação aos pequenos era de obediência
aos adultos. Qualquer expressão inadequada era vista como ingratidão e maldade, fazendo
com que a criança se sentisse extremamente culpada e temesse a perda do amor dos pais, ou
seja, daqueles que eram praticamente seus únicos vínculos.

Famílias operárias
As crianças da classe operária foram aquelas nasci-
das originalmente em famílias camponesas que passa-
ram a habitar os polos urbanos. Desde muito novas, já
trabalhavam em moinhos e minas ou nas próprias fábri-
cas, às vezes junto com os pais.

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A partir dos 13 ou 14 anos saíam de casa à procura de um sustento.


Apesar da organização familiar ter sofrido importantes mudanças
em relação ao Antigo Regime, a maneira de criar os filhos ainda trazia
ligeira influência das origens comunitárias do campesinato. Os pequenos
eram criados de modo informal, sem grande atenção dos pais e receben-
do poucos cuidados de vizinhos e parentes. Também acontecia de serem
deixadas em casa, quando nenhum adulto podia estar com eles, ou de
vagarem pelas ruas.
A sujeira das casas e das ruas contribuía para que não houvesse grande preocupação com
a higiene. Não havia nem tempo nem preparo para educar e instruir as crianças; o que elas
aprendiam vinha da sua experiência nas ruas e da disciplina exigida nas fábricas. A partir do
movimento sindical foram conquistados direitos mínimos que possibilitaram uma aproximação
das famílias operárias ao modo de vida das famílias burguesas. Isso resultou em uma maior
preocupação em relação ao futuro das crianças e, consequentemente, com sua formação.

Século XX e XXI
Família moderna
Chegamos aos dias de hoje. Será que sofremos influências do mo-
do como as crianças foram consideradas nestas diferentes épocas?
Atualmente a infância é pensada de formas muito variadas. Alguns
acreditam que as crianças são seres inocentes e puros; outros a
consideram travessas e indomáveis. Há ainda aqueles que acredi-
tam que as crianças nada sabem do mundo e precisam ser preen-
chidas de conhecimento; enquanto que, para outros, as crianças já trazem sobre o mundo de-
terminadas competências e ideias que vão se transformando à medida que ela aprende e expe-
rimenta. Todas essas perspectivas sobre a infância se formaram com alguma influência do que
foi historicamente pensado e vivido sobre esse tema. Por isso, consideramos importante trazer
essa breve perspectiva histórica do olhar sobre a criança nas sociedades de cada época. Olhar
para trás nos faz entender melhor o presente, não é mesmo?

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A partir disso, não podemos deixar de considerar o capitalismo


como um grande transformador da forma de ver e pensar a cri-
ança. Com o seu avanço, as crianças passaram a ser pensadas co-
mo futuros consumidores e produtores, ganhando assim impor-
tância na sociedade. A educação passou a habilitá-las para in-
gressar no mercado de trabalho ao se tornarem adultas, estimu-
lando a competição. Os brinquedos, produtos e serviços infantis tornaram-se um mercado ex-
pressivo, e a propaganda - ainda pouco regulamentada – tornou-se mais uma mostra de que
elas eram preparadas para consumir.
Além disso, o capitalismo contribui para a cultura dos descartáveis, tanto para os objetos
que não funcionam mais quanto para as relações, o que tornou os laços afetivos substituíveis.
Os indivíduos, dessa maneira, ganharam mais liberdade e autonomia de decisão sobre suas li-
gações afetivas ao mesmo tempo em que esses mesmos laços se tornaram mais frágeis e efê-
meros. Isso causou grandes transformações nas famílias.
Ao refletir sobre a infância em tempos modernos, além das mudanças nas relações e no
consumo, não podemos deixar de citar a influência do avanço tecnológico. Aqui, pela primeira
vez na história, o saber da criança supera o do adulto em relação à capacidade que as crianças
apresentam com os aparelhos tecnológicos. Para além dos benefícios que programas de televi-
são, internet e jogos eletrônicos possam trazer, há sempre o outro lado. Quais serão os impac-
tos sociais, psíquicos e corporais que isso trará?
Enfim, falar da infância é algo bastante complexo e um assunto
inesgotável. Através desse breve recorte convidamos vocês a refleti-
rem:
Como essas diferentes visões da criança podem se relacionar
com o brincar?
Em qual dos períodos vocês acham que as crianças tiveram mais
oportunidades de se expressar através da brincadeira?
Qual a relação entre brincar e sociedade?

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ASSISTA AO VÍDEO DA UNESCO

A Invenção da Infância
Este documentário, realizado em 2000, aborda as diferentes visões da infância em si-
tuações sociais distintas. Utilizando-se da frase proferida ao final do vídeo: “ser criança
não significa ter infância”, o filme convoca a uma reflexão relevante sobre o que é ser
criança no mundo contemporâneo. Assinala, porém, que assegurar o direito à infância
não significa garantir o direito a viver a infância, seja pela exclusão social promovida
pela exploração do trabalho infantil ou pela exposição às rotinas exaustivas do mundo
adulto. O documentário auxilia, ainda, na reflexão sobre o que é ser criança nos dias
atuais, mostrando realidades de infâncias expostas às violações dos direitos huma-
nos.
Produção: M. Schmiedt - Ministério da Cultura/Governo Federal
Idioma: Português
Palavras-chave: Direitos da criança. Inclusão. Infância. Ser criança. Trabalho.
Duração: 25min56s
https://vimeo.com/64661145

RETOMANDO OS TEÓRICOS PIAGET, VYGOTSKY, WALLON SOB A


LUZ DA CONTEMPORANEIDADE
Cultura e brincadeira
O sentido de infância está intimamente relacionado ou associ-
ado a condicionantes políticos, econômicos e sociais. Como
vimos, no Antigo Regime, bebês e crianças pequenas não exis-
tiam socialmente e não tinham um espaço na sociedade, pois
não trabalhavam, não participavam da vida ativa e não servi-
am como mão de obra, na concepção dos camponeses. Já as
crianças, filhos de nobres, eram consideradas como "adultos
em miniaturas": educadas desde cedo para o futuro e não ti-
nham tempo e espaço para brincar. A brincadeira era conside-
rada, quase sempre, como algo fútil, isto é, tinha como única
utilidade a distração, o recreio.

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Neste período, até o final do século XVIII, o brincar constituía


uma atividade comum a adultos e crianças. É possível perceber isso
na obra Jogos infantis de Pieter Bruegel, que, neste módulo, ilustra
as famílias camponesas do Antigo Regime.
Com o advento da sociedade industrial no final do século XVIII
e início do século XIX - na qual predominava a produção de bens
em grande escala - a atividade lúdica modifica-se: ela torna-se seg-
mentada, passa a fazer parte especificamente da vida das crianças;
ao mesmo tempo em que torna-se "pedagógica", entrando dentro da escola com objetivos
educacionais. Estes fenômenos são acompanhados do surgimento do brinquedo industrializa-
do, a institucionalização da criança, o movimento da mulher para o mercado de trabalho que,
aliado à falta de espaço e segurança nas ruas das grandes cidades, transforma o brincar em
uma atividade mais solitária e que acontece em função do apelo ao consumo de brinquedos.
No século XIX surge, porém, uma visão de infância dife-
rente: as crianças passam a ser vistas como futuras for-
ças produtivas, no caso da burguesia, e como mãos de
obra nas fábricas e comércio, no caso das famílias operá-
rias. Surge também a família nuclear, organizada em tor-
no da criança pequena. Os laços afetivos se estreitam
bastante e passa-se a pensar a criança como ingênua,
inocente e graciosa. Portanto, é preciso proteger a crian-
ça e fortalecê-la, desenvolvendo seu caráter e sua razão. Assim, passa a haver uma valorização
das atividades espontâneas da criança, e a brincadeira aparece como o comportamento por
excelência dessa criança rica de potencialidades interiores.
Brougère (1997, p. 91), diz que, segundo o alemão Friedrich Fröebel (1782- 1852), “a brin-
cadeira é boa porque a natureza pura, representada pela criança, é boa. Tornar a brincadeira
um suporte pedagógico é seguir a natureza”. Fröebel foi um dos primeiros educadores a aplicar
tais ideias num sistema de educação pré-escolar,o Kindergarten.

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As técnicas utilizadas até hoje em Educação Infantil


devem muito a Fröebel. Ele acreditava que as brincadeiras
eram o primeiro recurso no caminho da aprendizagem. Não
as considerava apenas diversão, mas um modo de criar re-
presentações do mundo concreto com a finalidade de en-
tendê-lo. Brougère (1997, p. 92) continua, citando Fröebel,
“A brincadeira é o mais alto grau de desenvolvimento infan-
til nessa idade, porque ela é manifestação livre e espontânea do interior exigida pelo próprio
interior (...)”.
Ao realizarmos esse breve percurso histórico e analisarmos a concepção de infância atra-
vés dos tempos, podemos perceber como fatores políticos, culturais, socioeconômicos, urba-
nos, educacionais são influenciadores diretos na constituição da visão de criança e, consequen-
temente, na concepção de infância. É preciso também chamar atenção de que as informações
trazidas nestas análises se referem a um contexto europeu que, mesmo influenciando o mundo
ocidental, não deve ser usado como molde exato para explicar outras realidades, como a do
Brasil.
De forma bastante resumida tomamos as palavras de Kramer (2007, p. 15) para nos lem-
brar acontecimentos marcantes que influenciaram a infância no Brasil:
(...), é preciso considerar a diversidade de aspectos sociais, culturais e políticos: no
Brasil, as nações indígenas, suas línguas e seus costumes; a escravidão das populações
negras; a opressão e a pobreza expressiva parte da população; o colonialismo e o
imperialismo que deixaram marcas diferenciadas no processo de socialização de
crianças e adultos.

PARA REFLETIR

Como esses acontecimentos marcantes influenciaram, além da infância, a


brincadeira em nosso país?
Vocês conseguem ver reflexos dessas influências ainda nos dias de hoje? Poderiam pen-
sar em exemplos relacionados à infância e às brincadeiras?

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VOCÊ SABIA?

Entender como as crianças se relacionavam com o mundo e como produziam


cultura foi o que mobilizou importantes pesquisadores no fim do século XIX,
como o psicólogo e filósofo francês Henri Wallon (1879-1962), o biólogo suíço Jean Piaget
(1896-1980) e o psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky (1896-1934) a concluírem que boa
parte da comunicação das crianças com o ambiente se dá por meio da brincadeira e que é
dessa maneira que elas se expressam culturalmente. Até então, a concepção dominante
era a de que as crianças não faziam isso, ou seja, não eram produtores de cultura.

O SABER DA EXPERIÊNCIA QUE CONFIGURA O BRINCAR


Mas afinal: o que é o brincar?

ASSISTA AO VÍDEO DA UNESCO

Assistam aos dois vídeos abaixo no site do Território do Brincar, uma óti-
ma referência sobre o tema do nosso curso: o brincar.
https://territoriodobrincar.com.br/videos/memorias-do-sr-adao/
https://territoriodobrincar.com.br/videos/memorias-de-dona-joana-2/

Os dois vídeos trazem as memórias de brinquedos e brincadeiras do Sr. Adão e da Dona


Joana impregnadas da concepção de infância de uma época e lugar específicos.
Inspirando-se nas histórias desses dois personagens do nosso Brasil pensem e respondam
às seguintes perguntas:
a) Vocês se lembram de alguma brincadeira que aprende-
ram na infância?
b) Com quem aprenderam?
c) Como foi que aprenderam?
O termo brincar vem do latim vinculum e significa vínculo,
laço, união, não possuindo esta definição equivalência nas línguas europeias, como o francês,
inglês, alemão ou espanhol. (SANTA ROZA, E. 1993 p. 23 apud CORSINO, 2008).

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O Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Auré-


lio Buarque de Holanda (1a edição, 1975, p. 228
apud CORSINO, 2008) nos revela que o verbo lati-
no vinclu originou vrincro; em seguida vrinco, che-
gando a brinco, que significa laço. Curiosamente,
os primeiros sussurros de uma mãe acalentando
seu filho nos braços eram chamados de “brincos”.
Assim nasceram as primeiras canções de ninar em que mãe e filho embalados pelo ritmo e por
uma sonoridade singela estabeleciam seus primeiros vínculos.
O brincar como linguagem de conhecimento é criativo e gera vínculos afetivos, deixando
marcas significativas na história da vida das crianças. Assim, podemos inferir que brincar é esta-
belecer conexões, laços.
No Brasil herdamos duas palavras para significar o fenômeno lúdico. Consideramos o
brincar e o jogar de formas distintas, enquanto a maioria das outras línguas possui uma só pa-
lavra para significar essas duas qualidades. É importante darmos atenção a essa distinção, pois
ela traduz uma ampliação da nossa compreensão das singularidades do universo das brincadei-
ras e dos jogos. Discernir sobre essa distinção traz significados novos para compreensão da cul-
tura infantil e aponta o brincar como seu verbo principal. Nós, brasileiros, associamos ainda a
palavra brincar aos folguedos e às festas populares, cujos mestres dos brinquedos são chama-
dos de brincadores ou brincantes. Essas conotações culturais - particularidades de determinada
manifestação humana - ampliam o universo de entendimento do verbo brincar. A espontanei-
dade como essência dessas manifestações populares se junta à espontaneidade presente nas
brincadeiras da infância, que entendemos aqui como
uma expressão que nasce no corpo e se prolonga em
movimentos de “sentido”. Nada é aleatório no reper-
tório das brincadeiras das crianças, pois elas carre-
gam dentro de si uma memória do passado e do fu-
turo.

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RESGATANDO BRINCADEIRAS TRADICIONAIS DA INFÂNCIA

Qual a importância do brincar?


Independente do nível social ou contexto cultural nos
quais estão inseridas, todas as crianças, em maior ou
menor quantidade, brincam. O brincar oferece às crian-
ças a oportunidade de se desenvolverem neurologica-
mente, cognitivamente, sócio-emocionalmente e fisiolo-
gicamente de maneira divertida. Como bônus, ele tam-
bém as guia na construção de suas relações de amor e de confiança com as pessoas ao redor e
com o mundo. Além disso, faz parte do nosso impulso natural de explorar relacionar-se e
transformar os ambientes que nos cercam, de forma espontânea e leve.
Segundo Vygotsky (1998), o brincar é uma atividade humana criadora, na qual imagina-
ção, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de interpretação, de
expressão e de ação pelas crianças, assim como de novas formas de construir relações sociais
com outros sujeitos, crianças e adultos.
A brincadeira é uma atividade que a criança realiza a partir de um desejo que tem de co-
nhecer o mundo que a cerca. Por meio deste desejo que não pode ser realizado efetivamente
e no aqui agora, a criança constrói um mundo imaginário no qual pode viver situações e assu-
mir papéis que não poderia no mundo real. Esta forma de entender a brincadeira da criança
também nos remete a compreender que tal criação se torna possível devido à ação dos adul-
tos e parceiros mais experientes, que lhes apresentam o universo do faz de conta.
Se a brincadeira parte de um desejo, podemos dizer que ela implica
necessariamente um prazer ou um interesse intrínseco, pois nasce da cri-
ança a iniciativa de brincar ou parte dela a aceitação desta atividade. Sen-
do assim, uma característica que ajuda a contextualizar a brincadeira in-
fantil é o fato dela representar uma escolha da criança, ou seja, escolher
se quer ou não brincar e, também, escolher os significados que dará na
constituição do seu mundo imaginário.

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RESGATANDO BRINCADEIRAS TRADICIONAIS DA INFÂNCIA

O fato de a criança escolher a brincadeira e ter essa possibi-


lidade de escolha não significa que sua brincadeira não pos-
sui regras. As regras sempre vão existir, mas a questão é
que, no faz de conta, as regras estão pautadas na própria
situação imaginária que definirá a atribuição de significado
para os brinquedos e para a organização dos espaços, que
também definirá o enredo e os personagens.
Por fim, é preciso retomar a ideia de que a brincadeira de faz de conta é uma linguagem
pela qual a criança compreende o mundo e manifesta sua compreensão. Não é uma linguagem
tal como a língua oral. Trata-se de uma linguagem que tem como característica a simbologia,
ou seja, é uma linguagem não literal, que dá aos objetos, cenas e pessoas significados diferen-
tes do real e, por meio desta simbologia, é capaz de criar uma situação comunicativa.
Se o período da infância é marcado pelo aprendizado da língua materna e este se dá no
decorrer de um tempo longo, a brincadeira é uma linguagem que a criança aprende desde o
seu nascimento e precocemente consegue utilizá-la, como ferramenta de construção de sabe-
res sobre o mundo e, também, como ferramenta de construção com o outro.
Sendo assim, se a: BRINCADEIRA

É uma linguagem, é constitutiva do sujeito.


Se permite aprendizagens tão significativas, como formação da identidade e autonomia,
criação de formas de se relacionar com o mundo e aprender sobre ele, ser criativa, interagir e
respeitar e valorizar o outro, desenvolver valores básicos para o convívio social, entre tantos
outros...

É importante que no ambiente escolar a brincadeira seja valorizada como uma experiên-
cia em si e, também, como um meio que favorece as crianças a vivenciarem outras experiên-
cias.

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RESGATANDO BRINCADEIRAS TRADICIONAIS DA INFÂNCIA

Mas como podemos fazer isso?

Por meio de atividades que favoreçam a brincadeira livre, articulada a outros momentos
em que a brincadeira é alimentada por uma atividade dirigida ou em que é utilizada como es-
tratégia para o trabalho com os outros conteúdos. Segundo Moyles (2002, p.33):
Por meio do brincar livre, exploratório, as crianças
aprendem alguma coisa sobre situações, pessoas, ati-
tudes e respostas, materiais, propriedades, texturas,
estruturas, atributos visuais, auditivos e cinestésicos.
Por meio do brincar dirigido, elas têm uma outra di-
mensão e uma nova variedade de possibilidades, es-
tendendo-se a um relativo domínio dentro daquela
área ou atividade. Por meio do brincar livre subsequente e ampliado, as crianças provavelmen-
te serão capazes de aumentar, enriquecer e manifestar sua aprendizagem.
Para conseguirmos fazer esta articulação entre as diferentes experiências que as crianças podem
viver no ambiente escolar, é importante compreendermos quais são as intervenções do professor na
brincadeira da criança:

Intervenções diretas:
Organização dos espaços e materiais
Incitação
Papel de coautor

Intervenções indiretas:
Observação
Atividades dirigidas

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A Sala Infantil, inaugurada em 11 de agos-


to de 2018, é um espaço que visa proporci-
onar, através do ambiente lúdico e acervo
infantil, uma experiência agradável para as
crianças que visitam a Biblioteca Mário de
Andrade.

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/
secretarias/cultura/bma/acervos/
index.php?p=24109

BIBLIOGRAFIA
Referências bibliográficas
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2012.
BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e cultura. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1997.
CORSINO, Patrícia. Pensando a infância e o direito de brincar. Série “Jogos e brincadeiras: desafios e
descobertas”. Salto para o Futuro, maio de 2008.
FRIEDMANN, Adriana. O brincar no cotidiano da criança. São Paulo: Moderna, 2006.
FRIEDMANN, Adriana. O desenvolvimento da criança através do brincar. São Paulo: Moderna, 2006.
HOLANDA, Aurélio Buarque de Novo Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 1975.
KISHIMOTO, Tizuko Morchida (org.). O brincar e suas teorias. São Paulo: Cengage Learning, 1998.
KRAMER, Sonia. A infância e sua singularidade. In: BEAUCHAMP, Jeanete (Org.). Ensino Fundamental
de Nove Anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. 2. ed. Brasília: Ministério
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VYGOTSKY, L. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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lic Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=22003495
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