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Psicologia do Desenvolvimento e

da Aprendizagem
Ministério da Educação Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

Secretaria de Educação a Distância

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologiado Sul de


Minas Gerais - Campus Muzambinho.

Centro de Educação a Distância – CEAD

Curso
Licenciatura em Pedagogia EaD

Coordenadora do Curso e Professora Assistente


Valdirene Pereira Costa

Disciplina

Professora
Maria Lúcia Queiroz Guimarães Hernandes

Diagramação
Sônia Maria Dias
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA 1

Cara aluna, Caro aluno do curso de Licenciatura em Pedagogia do


IFSULDEMINAS.
Na disciplina Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem utilizaremos um
material organizado de modo a atender a ementa da disciplina. Iremos apresentar os
principais teóricos que influenciaram a Educação e a partir do estudo de cada um deles,
procuraremos estabelecer relações com o processo educativo escolar uma vez que eles
(teóricos), em sua maioria, não elaboraram suas teorias especificamente pensando no
processo de ensino. Na verdade, foram os educadores se apropriaram delas (teorias)
e as relacionaram aos processos pedagógicos proporcionando grande influência no
processo ensino e aprendizagem. Para melhor compreensão, tanto das teorias, como
de sua articulação com a Educação escolar, será dada especial atenção à relação entre
desenvolvimento e aprendizagem presente em cada abordagem teórica e ao papel do
professor que emerge de cada uma. Muitas das ideias contidas trazidas por esses
autores poderão ser identificadas por vocês uma vez que todos que até chegaram
frequentaram a escola como aluno e/ou professor.
Na sequência dos estudos trataremos acerca de alguns temas contemporâneos
de importante reflexão por estarem diretamente relacionados ao processo ensino e
aprendizagem, portanto, diretamente ligados ao trabalho do professor.
Sou grata pela oportunidade de compartilhar e realizar esse trabalho junto com
vocês.

Grande abraço.
Maria Lúcia de Queiroz Guimarães Hernandes

____________________________________
1
O material desta disciplina foi produzido a partir de textos selecionados e/ou escritos pelos docentes. A
organização e disponibilização dos materiais em arquivo único visa exclusivamente a facilidade de
acesso aos materiais selecionados, os responsáveis reforçam os direitos autorais dos respectivos autores
destacados no início de cada material utilizado.
O estudo científico da
1
criança: um pouco da sua
história
Maria Lúcia de Queiroz Guimarães Hernandes

Licenciatura em Pedagogia
1 O estudo científico da criança: um pouco da sua história

Este texto é parte integrante do material utilizado na disciplina “Teorias do


Conhecimento, a criança de 0 a 6 anos”, ministrado no curso de Especialização em
Teorias e Práticas Pedagógicas da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL),
modalidade EaD.

1.1 – Concepções de infância: o processo de individualização da criança


2 Concepções de infância: o processo de individualização da criança
De acordo com Fontana e Cruz (1997), estamos em contato com a criança
em tempos e lugares distintos, dia a dia, em casa, na escola, na creche, no
educandário, nos encontros familiares, religiosos. Estudamos muito para podermos
ser sua professora, seu professor. Para exercermos esse papel social, trazemos a
bagagem da vida e dos estudos, estudamos sobre o desenvolvimento infantil, sobre
os aspectos pedagógicos, em nossa rotina aprendemos a cuidar dos menores,
mediamos conflitos, compartilhamos alegrias, lemos histórias, organizamos a rotina
escolar, preparamos aula, carregamos no colo, brincamos de roda, nos preocupamos
quando estão doentes, quando faltam muito. Vivemos ao lado e com elas grande parte
O estudo científico da criança: um pouco da sua história 1
do tempo, mas se pararmos para perguntar o que é ser criança, muitas respostas
surgirão e muitas reflexões poderão surgir.
Os modos de conceber a criança variam muito de pessoa a pessoa devido
à história de vida, ao processo de formação, e do lugar social vivido por cada um. Os
modos de significar e conceber a infância, além de poder variar entre a concepção de
cada um de nós, variou e se transformou ao longo da história da humanidade e essas
transformações, por sua vez, estiveram inseridas e relacionadas a contextos maiores
que envolvem concepções de mundo e de Homem, como veremos a seguir.
Nesse encontro, veremos como se deu o processo de individualização da
criança. Para isso, voltaremos um longo período no tempo e na história, que se estima
o início da transição da Idade Média à Modernidade. Devemos lembrar que essa
transição, marcando os distintos períodos históricos, não acontece em um dia
específico, mas no decorrer de séculos. Essa volta ao tempo é para compreendermos
como a criança era concebida em sua relação com a família e com o meio social em
que estava inserida.
De acordo com Gélis (1991), durante séculos predominou na Europa
Ocidental uma representação de mundo que pode ser chamada de naturalista. Isso
porque a sociedade da época era basicamente rural e a terra – mãe era considerada
como a origem de toda forma de vida e símbolo da renovação. Viam essa renovação
no próprio ciclo da natureza por meio das estações do ano e na renovação dos seres,
principalmente, da espécie humana.
Nessa lógica, a esterilidade do casal era algo grave, pois romperia esse
ciclo vital e natural de solidariedade da linhagem que era mantido pelo adulto em idade
de procriar mantendo o laço entre o passado e o futuro, entre pessoas que já se foram
e entre aqueles que estariam por vir. Romper esse ciclo era algo sério. A mulher por
gestar, dar luz e alimentar a criança, tinha um papel fundamental por garantir a
perpetuação da espécie. Daí, então, a se submeter a ritos de fertilidade junto a locais
da natureza (fontes, árvores, outros) considerados santuários de fertilidade, era como
se a criança fosse uma semente que estivesse na natureza, em certos locais
privilegiados, tal qual as outras sementes.

2 O estudo científico da criança: um pouco da sua história


O indivíduo sai da terra por meio da concepção e a ela retorna por meio da
morte (GÉLIS, 1991). Os mortos que estavam sob a terra retornariam na mesma
família através da reencarnação na figura de um dos seus netos, por isso o hábito de
dar às crianças o nome dos avós para melhor assegurar a continuidade de família.
Por trás dessas crenças e desses comportamentos revela-se a estrutura circular de
um ciclo vital original e transparece a ideia de um mundo pleno, de uma grande família
de vivos e mortos, sempre igual em número, perdendo aqui o que recupera lá (GÉLIS,
1991, p. 311).
A estrutura e a organização da família eram de dependência mútua. Cada
indivíduo “saía da terra através da concepção e a ela voltava através da morte. Sob a
terra estava a morada dos mortos, a reserva das almas à espera de uma reencarnação”
(GÉLIS, 1991, p. 311). Essa crença abriga em seu bojo a ideia de “uma grande família
de vivos e mortos, sempre igual em número, perdendo aqui o que se recupera lá”.
(GÉLIS, 1991, p. 312).
Em relação à imagem do corpo nessa estrutura, cria-se certa ambivalência,
pois, mesmo cada um tendo o seu próprio corpo, havia o vínculo deste em relação à
sua família, aos antepassados, à linhagem e à solidariedade de sangue, o que não
permitia ao indivíduo sentir autonomia plena, pois ao mesmo tempo em que era seu,
era também um pouco o dos outros elementos da família, incluindo aí, os vivos e os
mortos (GÉLIS, 1991, p. 312).
Entre o corpo individual e o corpo da coletividade, primava-se pelo corpo
da coletividade, pois ele era, prioritariamente, para preservar e perpetuar a vida. Sob
essa representação, surge uma questão interessante entre a relação individual e
coletivo. No contexto dessa representação ambivalente entre o individual e o coletivo,
“a criança era considerada um rebento do tronco comunitário, uma parte do grande
corpo coletivo que, pelo engaste das gerações, transcendia o tempo. Assim, pertencia
à linhagem, tanto quanto aos pais. Nesse sentido era uma criança pública” (GÉLIS,
1991, p.313). Ao mesmo tempo em que era considerada uma criança pública, recebia
cuidados pelo estreito laço que a unia à mãe.
O que parece contraditório, no entanto, a explicação para tal fato, é que a
criança nasce incompleta por não ser capaz de satisfazer sozinha suas necessidades.

O estudo científico da criança: um pouco da sua história 3


Precisa, ainda, estar sob cuidados para sobreviver. Após receber o sangue como
alimento no período da gestação, recebe a nutrição pelo leite materno, concebido
como sangue embranquecido. Era amamentada até por volta de 24 ou 30 meses.
Ao adentrar na primeira infância, amplia-se a educação e os ensinamentos
junto coletividade (educação pública) embora ainda predominem os ensinamentos
junto aos pais por muito tempo. Desde o nascimento da criança, o entrelaçamento e
a dependência entre o privado e o público acontece com frequência. O parto acontece
no local privado, no cômodo privativo dos seus pais, só que na presença de um grupo
de pessoas que seriam as mulheres da família e as vizinhas.
Alguns rituais visando ao bom desenvolvimento e autonomia da criança,
bem como à tranquilidade dos pais, ocorriam em lugares públicos, como os primeiros
passos que simbolicamente ocorriam no cemitério, junto aos ancestrais, ou na missa,
na presença da comunidade e mostrando a continuidade da linhagem (GÉLIS, 1991,
p. 314).
Outros ritos ocorriam, como, na ausência do padre, após o batismo, rolar a
criança no altar para fortalecê-la e evitar o raquitismo. Para evitar a gagueira, a
madrinha e o padrinho deviam beijar-se na saída da igreja, embaixo do sino, ou ainda,
em algumas localidades, durante o cortejo do batismo, os jovens faziam barulho com
martelos para que o menino tivesse boa voz e ouvidos e a menina cantasse bem e
não tivesse problemas de fala (GÉLIS, 1991, p. 314). .
A aprendizagem da criança, na primeira infância, também se dava nos
espaços público e privado: nos arredores da casa, na aldeia, nas redondezas. No
convívio com crianças de faixas etárias variadas aprendiam sobre as regras de
convivência na comunidade, sobre as coisas da vida, sobre as brincadeiras. Os pais
tinham um papel de extrema importância na educação dos filhos. A partir de 7 ou 8
anos antes de ir com um vizinho ou com um parente aos campos, ele ia com o pai,
enquanto que a menina permanecia em casa com a mãe para aprender os afazeres
referentes ao papel da mulher(GÉLIS, 1991, p. 315).
As aprendizagens da infância e da adolescência deviam, pois, ao mesmo
tempo fortalecer o corpo, aguçar os sentidos, habilitar o indivíduo a superar os revezes
da sorte e principalmente a transmitir também a vida a fim de assegurar a continuidade

4 O estudo científico da criança: um pouco da sua história


da família. Havia nisso uma forma de educação em comum, um conjunto de
influências que faziam de cada ser um produto da coletividade e preparavam cada
indivíduo para o papel que dele se esperava. Em tal contexto existia pouca intimidade,
porém, dia após dia, reforçava-se cada vez mais o sentimento de pertencer a uma
grande família, à qual e estava unido para o melhor e para o pior (GÉLIS, 1991, pág.
315).
Ao final do século XIV, nos meios abastados dos centros urbanos,
despontava uma nova relação com a criança, no tocante à preocupação em preservar
a sua vida. Essa tendência acentua-se ao longo do século XVII. Salvar os filhos de
doenças e curá-las é o desejo dos pais. Obviamente, no período anterior, os pais
sentiam profundamente a morte dos filhos, porém, mesmo diante do sofrimento pela
perda, diante da crença no ciclo vital, não havia outro recurso senão seguir a vida e
ter outro filho. Era preciso perpetuar a linhagem(GÉLIS, 1991, p. 316).
Essa nova preocupação em relação a prolongar a vida da criança é um dos
aspectos que mostram o surgimento de um novo imaginário e de uma representação
que o homem lança sobre si e sobre o tempo. Essa preocupação surge já a partir do
século XVI. Diante da grande demanda de cuidados que surge em toda parte e da
incapacidade dos médicos em atender a elas pelo fato de a classe médica estar mal
preparada, surgem algumas obras que orientam os pais em como preservar a saúde
dos filhos (GÉLIS, 1991, p. 316).
Emerge uma dualidade entre o pertencer à grande família e à própria
individualidade: Não é fácil conciliar as exigências da linhagem, a necessidade sempre
premente de sua perpetuação e o crescente desejo do indivíduo de viver plenamente
a própria vida e dela dispor com liberdade. Empenhado em manter a linhagem,
estabelecendo o elo entre passado e futuro, até então ele praticamente não tivera de
preocupar-se consigo mesmo. E agora se põe a pensar em seus próprios interesses,
imediatos e por vir, aprende a contar, sabe que seu tempo é contado – o tempo de
viver (GÉLIS, 1991, pág. 316). Diante de novo desejo e de novas formas de
comportamento, novas regras.
Aos poucos, o espírito de linhagem cede lugar aos interesses do indivíduo.
Sabe que o corpo perecível, mas procura poupá-lo da doença, do sofrimento e

O estudo científico da criança: um pouco da sua história 5


prolongar a vida. A perpetuação do indivíduo se dá agora através da semente do corpo
do filho. A criança, nesse novo simbolismo, passa a ocupar um lugar importante para
os pais e passa a ser amada por ela própria (GÉLIS, 1991, pág. 317). “Nesse contexto,
o indivíduo tem seu próprio peso, e a sombra do grupo familiar, da parentela, já não
apaga a personalidade” (GÉLIS, 1991, pág. 319).
Essa nova forma de pensar coloca a criança em outro patamar. Diante das
preocupações dos pais, é amada por ela mesma. Cada indivíduo, no seio da família,
passa a ter importância própria e em relação ao grupo familiar já não apaga a
personalidade. Essa mudança cultural é fruto de um longo processo difícil de ser
precisado cronologicamente. Teve seu início no final do século XIV. Nos séculos XV e
XVI, as crianças foram afastadas das atividades adultas. “A ideia de infância como um
período particular somente se consolidou no século XVII, acompanhada da
elaboração de uma teoria filosófica sobre a especificidade infantil, que tornou possível
o posterior aparecimento de uma psicologia da criança e de seu desenvolvimento”
(FONTANA e CRUZ, 1997, pág.120). Ocorreu primeiro nos centros urbanos, depois
no campo.
A relação com a terra-mãe tende a desaparecer, bem como atenua-se a
forte referência em relação aos ancestrais. O problema de esterilidade do casal passa
a ser tratado de modos diferentes, não mais sob a forma de ritos “naturais” e mágicos.
Esse novo modo de pensar leva a um novo comportamento de recolhimento da
criança junto à família e um arranjo no espaço doméstico mais íntimo (GÉLIS, 1991,
pág. 319).
Essa nova relação entre pais e filhos influencia no comportamento das
crianças que passam a ser percebidas como mais espertas e maduras. Diante de tal
sagacidade, surgem, por parte dos moralistas, as orientações aos pais de amarem
seus filhos, porém sem exageros de liberdade, pois esses podem ser nefastos à
criança. “Os mimos são as causas de muitas fraquezas” (GÉLIS, 1991, pág. 323).
Ao longo do século XVII, há uma corrente que procura amenizar a
afetividade considerada exagerada, e coloca regras de comportamento amenizando
tal intensidade na educação realizada em casa, no núcleo familiar. Talvez essa seja

6 O estudo científico da criança: um pouco da sua história


uma das razões que levaram a Igreja e o Estado a assumirem o encargo do sistema
educativo.
Essa transferência do privado ao público coincide com a vontade do poder
político e religiosos de controlar o conjunto da sociedade. E as novas estruturas
educativas, em particular as dos colégios, logo recebem a adesão dos pais,
convencidos de que seu filho está sempre à mercê de instintos primários que devem
ser reprimidos e de que é preciso “sujeitar seus desejos ao comando da Razão.” Assim,
colocar na escola equivale a tirar da natureza. Entretanto, não é essa a causa
essencial de tal adesão. A nova educação deve seu êxito ao fato de moldar as mentes
segundo as exigências de um individualismo que cresce sem cessar (GÉLIS, 1991,
pág. 323).
Nesse momento, não há diferenciação entre a visão de educação dada no
núcleo familiar, pelos pais, e na educação pública, pois nas duas instâncias há que se
valorizar o indivíduo, sendo que essa formação seria melhor proporcionada se feita
por terceiros,

(...) preceptores e orientadores de estudos, cuja missão consiste em


abrir a criança para conhecimentos que seus pais compreendem que
o isolamento no espaço físico poderia frustrar a criança, pois eles
próprios são incapazes de dar-lhe uma formação alternativa como a
que receberam outrora da comunidade (GÉLIS, 1991, pág. 324).

Assim se efetua uma dupla passagem: da família-tronco à família nuclear,


de uma educação pública comunitária e aberta, destinada a integrar a criança na
coletividade para que incorpore os interesses e os sistemas de representação da
linhagem, a uma educação pública de tipo escolar, destinada também a integrá-la,
facilitando o desenvolvimento de suas aptidões (GÉLIS, 1991, pág. 325).
Essas mudanças contribuíram para que se afirmasse o sentimento de
infância, acompanhadas de disposições legais com preocupações de âmbito público
e religiosa ao mesmo tempo. “Pouco aplicada, então, essa legislação atesta os
primeiros balbucios de uma política de proteção à infância, primícias de uma
intervenção mais ampla do Estado” (GÉLIS, 1991, pág. 325).

O estudo científico da criança: um pouco da sua história 7


Ao comentar sobre essa transição em relação ao modelo social e à visão
de criança, Gélis (1991, pág.328) afirma que o interesse ou o desinteresse pela
criança coexiste no seio de uma mesma sociedade, “uma prevalecendo sobre a outra
em determinado momento por motivos culturais e sociais que nem sempre é fácil
distinguir”.
A retirada da criança do mundo adulto teve repercussões no modo de
pensar sobre ela, uma vez que os filósofos começaram a apontar a existência de um
mundo próprio e autônomo da criança. Essa nova visão em relação a ela e mesmo de
ser humano iniciada no século XVI, levou a preocupações filosóficas com relação à
sua formação.
Já um dos primeiros filósofos humanistas do Renascimento, o francês
Michel de Montaigne, em seus ensaios, irá mencionar uma nova proposta para a
educação das crianças. John Locke, filósofo inglês dos mais importantes para a
filosofia liberal, burguesa e capitalista, também escreverá um artigo sobre educação
do cavalheiro e, em suas considerações, defende a ideia, até então totalmente nova,
que para formar um cavaleiro era necessário preocupar-se com a educação da tenra
infância. Montaigne e Locke serão os inspiradores de Rousseau, que iria revolucionar
a visão de educação e de infância. Rousseau explicita em seu tratado sobre educação,
o Emílio, a criança no centro das preocupações dos educadores. Essa é uma filosofia
que, se não mudou a tradicional forma de educação escolar moldada na disciplina e
na consideração Medieval de criança como objeto, como adulto em miniatura,
conduziu o pensamento filosófico a um outro caminho no que diz respeito à formação
das crianças. Decorrerem das ideias de Rousseau o surgimento da filosofia de
Pestalozzi (os orfanatos), de Froebel (com os jardins da infância), entre tantos outros
educadores.

Rousseau, Pestalozzi e outros consideram que a mente infantil opera


diferentemente da dos adultos. Isso possibilitou o estudo científico da
criança e seu desenvolvimento em suas formas próprias de
organização. Mas foi apenas no início do século XX que se iniciou
efetivamente o estudo científico da criança e do comportamento
infantil. Desde então vem se desenvolvendo uma série de pesquisas
sobre diferentes aspectos da vida psíquica da criança. (FONTANA E
CRUZ, 1997, Pág. 08)

8 O estudo científico da criança: um pouco da sua história


Essas novas formas de ver e de pensar a criança e sua educação trazem
evidentes preocupações com a maneira como as crianças conhecem, aprendem.
Surgem teorias do conhecimento sobre a criança e com elas emergem muitas
abordagens sobre o processo de aprendizagem e desenvolvimento. Algumas dessas
abordagens têm exercido considerável influência nos meios educacionais e levado a
reflexões sobre as metodologias e conteúdos do ensino escolar.

Saiba Mais

ARIÈS, P. A história social da família e da criança. Rio de Janeiro:


Zahar, 1978.

KORCZAK. Quando eu voltar a ser criança. São Paulo: Summus.

MIRANDA, M.G. O processo de socialização da criança: a evolução da condição


social da criança: In: LANES, S.T.M., CODO, W. Psicologia Social: o homem em
movimento. São Paulo: Brasiliense, 1984.

REFERÊNCIAS

GÉLIS, J. A individualização da criança. In: ARIES, P. (org.). História da vida


privada, v. 3 - da Renascenças ao Século das Luzes. São Paulo, Companhia das
letras, 1991.

FONTANA, R. A. e CRUZ, M.N.da. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo:


Atual, 1997.
.

O estudo científico da criança: um pouco da sua história 9


A abordagem Inatista
2
Maturacionista
Roseli Aparecida Cação Fontana e Maria Nazaré da
Cruz

Licenciatura em Pedagogia
3 A abordagem Inatista Maturacionista

FONTANA, R.A.C; CRUZ, M.N.da. A abordagem inatista-maturacionista. In:


Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997.

Todos nós já ouvimos ou dissemos coisas como: "Ele ainda não tem
maturidade para aprender a ler"; "Meu filho tem uma aptidão incrível para a
matemática"; "A Marina é tão inteligente! Puxou ao pai!”.
Maturidade, aptidão, inteligência são temas tradicionalmente abordados
pela psicologia numa perspectiva que atribui um papel central a fatores biológicos no
desenvolvimento da criança. Essa perspectiva, que estamos denominando inatista-
maturacionista, parte do princípio de que fatores hereditários ou de maturação são
mais importantes para o desenvolvimento da criança e para a determinação de suas
capacidades do que os fatores relacionados à aprendizagem e à experiência.

Mas o que são esses fatores hereditários ou de maturação?

10 A abordagem Inatista Maturacionista


A hereditariedade pode ser entendida como um conjunto de qualidades ou
características que estão fixadas na criança, já ao nascimento. Ou seja, quando
falamos em hereditariedade estamos nos referindo à herança genética individual que
a criança recebe de seus pais. Todos sabemos que traços como, por exemplo, a cor
dos olhos e do cabelo, o tipo sanguíneo, o formato da orelha e da boca já estão
determinados geneticamente quando nascemos.
A ideia de maturação refere-se a um padrão de mudanças comum a todos
os membros de determinada espécie, que se verifica durante a vida de cada indivíduo.
O crescimento do feto dentro do útero da mãe, por exemplo, segue um padrão de
mudanças biologicamente determinado. As transformações do corpo, o crescimento
dos órgãos, etc. acontecem de acordo com uma sequência predeterminada, que, a
princípio, não dependeria de fatores externos.
Você pode estar se perguntando o que essa história de cor dos olhos ou do
desenvolvimento do feto tem a ver com uma abordagem psicológica da maturidade,
das aptidões e da inteligência.
É que, na psicologia, teóricos da perspectiva inatista-maturacionista
supõem que, do mesmo modo que a cor dos olhos, aptidões individuais e inteligência
são características herdadas dos pais e, portanto, já estão determinadas
biologicamente quando a criança nasce. Ou então que, à maneira do crescimento das
partes do corpo, o desenvolvimento do comportamento e das habilidades da criança
é governado por um processo de maturação biológica, independentemente da
aprendizagem e da experiência.
São essas concepções que estudaremos no decorrer deste capítulo.

A abordagem Inatista Maturacionista 11


2.1 A questão das diferenças individuais e a hereditariedade da inteligência:
filho de peixe, peixinho é?

Por que as pessoas são diferentes umas das outras? Por que algumas
crianças parecem mais inclinadas para atividades artísticas, enquanto outras se saem
melhor com números? Foram perguntas desse tipo que orientaram, no começo do
século, as primeiras investigações psicológicas sobre o problema da natureza
hereditária das aptidões e da inteligência.
Interessados em saber por que uma pessoa é
diferente da outra – quanto a traços de personalidade, de
habilidades, de desempenho intelectual, etc – pesquisadores
procuraram obter dados que permitissem estabelecer
comparações entre pessoas.
Eles constataram, então, que pessoas com uma
aptidão especial (um artista, por exemplo) normalmente
tinham familiares que apresentavam o mesmo tipo de aptidão.
Ou, ainda, que gêmeos idênticos apresentavam aptidões e
nível intelectual com um grau de semelhança maior do que o encontrado entre irmãos
não gêmeos. Por outro lado, identificaram diferenças de aptidões e de traços mentais
entre homens e mulheres ou entre raças diferentes.
Essas constatações foram interpretadas como indicadoras de que os
fatores inatos são mais poderosos na determinação das aptidões individuais e do grau
em que estas podem se desenvolver do que a experiência, o meio social e a educação.
O papel do meio social, segundo essa perspectiva inatista, se restringe a impedir ou
a permitir que essas aptidões se manifestem. Assim, uma criança – filha, neta ou
sobrinha de músicos – apresenta inclinação e facilidade para aprender música porque
herdou de seus familiares a aptidão, o “dom” para a música, e não porque foi educada
num ambiente em que, provavelmente, a música é valorizada e ensinada. Do mesmo
modo, crianças brancas e negras apresentam diferenças no desempenho de

12 A abordagem Inatista Maturacionista


determinadas tarefas em razão da herança genética de suas raças, e não de
diferenças culturais ou de oportunidades.
Foi nessa linha da preocupação com as diferenças individuais que se
desenvolveram os primeiros estudos psicológicos com o objetivo de avaliar a
inteligência. Um dos pioneiros desses estudos, o pesquisador francês Alfred Binet,
interessou-se especialmente pela mensuração da inteligência através de testes.

Quem foi Binet?


Alfred Binet nasceu em 1857 e viveu até 1911. Formou-se em Medicina, mas
desde cedo interessou-se pela psicologia da criança e do
deficiente, área em que se tornou conhecido
Em 1904, quando era diretor do Laboratório de
Psicologia Fisiológica da Universidade de Sorbonne,
participou de uma comissão de médicos, educadores e
cientistas, nomeados pelo ministro da Instrução Pública da
França, que tinha como objetivo estabelecer métodos e
formular recomendações para o ensino de crianças deficientes mentais Binet foi
incumbido da tarefa de desenvolver um instrumento que permitisse identificar as
crianças mentalmente deficientes.
Pode-se dizer que o desenvolvimento dessa escala marcou o início da medida
da inteligência, tal como a conhecemos hoje. Os testes de Binet e Simon foram
traduzidos e utilizados também em muitos outros países e deram origem a inúmeras
revisões, realizadas por outros pesquisadores, bem como inspiraram a elaboração de
outros testes de inteligência.
No Brasil, seus estudos e testes foram introduzidos em 1916 por educadores
ligados ao Laboratório de Psicologia Pedagógica do Rio de Janeiro.
Binet concebia a inteligência como aptidão geral que não depende das
informações ou experiências da vida do indivíduo. Segundo ele, as principais
características da inteligência seriam as capacidades de atenção, de julgamento e de
adaptação do comportamento a objetivos:

A abordagem Inatista Maturacionista 13


Parece-nos que na inteligência há uma faculdade fundamental.... Esta
faculdade é o julgamento, também chamado bom senso prático,
iniciativa, a faculdade de adaptar-se às circunstâncias. Julgar,
compreender e raciocinar bem; estas são as atividades essenciais da
inteligência o desenvolvimento da inteligência nas crianças. (Binet e
Simon, O desenvolvimento da inteligência nas crianças Apud Bee, H.)

É importante compreender que, nessa perspectiva, a ideia de inteligência


não se confunde com conhecimentos adquiridos pelo indivíduo durante sua vida.
Habitualmente, consideramos como muito inteligente uma pessoa que demonstra ter
um vasto conhecimento: ou seja, dizemos que os mais inteligentes (entre nossos
colegas, por exemplo) são os que sabem mais.
No entanto, o que define a inteligência de um indivíduo não é a quantidade
de conhecimentos que ele possui, mas sua capacidade de julgar, compreender e
raciocinar. Essas capacidades, segundo Binet, não podem ser aprendidas, mas, ao
contrário, são biologicamente determinadas. Assim, inteligência é vista como um
atributo do indivíduo fixado pela hereditariedade e, como tal, variável de uma pessoa
para outra.

2.2 Padrões de desenvolvimento: o que é próprio de cada idade?

Mas, se as pessoas são diferentes umas das outras nas suas aptidões,
traços de personalidade ou de inteligência, existem também muitas semelhanças
entre elas. A maioria dos bebês, por exemplo, torna-se capaz de se sentar antes que
possa se arrastar, engatinhar e depois andar. Do mesmo modo, quando começa a
falar, a criança primeiro diz apenas palavras isoladas, e só depois junta duas ou mais
palavras, formando frases. Ou, então, antes de desenhar casas, animais ou carros, a
criança rabisca traços e círculos.
Essas sequências parecem se repetir sempre em relação à maioria das
crianças, o que sugere a existência de certo padrão de desenvolvimento humano.
Esse fato tem chamado a atenção de muitos pesquisadores desde as primeiras
décadas deste século. Um dos primeiros psicólogos a se interessarem por essa
questão foi Amold Gesell, nos Estados Unidos. Ele se preocupou com a evolução da
14 A abordagem Inatista Maturacionista
criança, do nascimento aos 16 anos, e estudou as formas que seu comportamento vai
tomando no decorrer dessa evolução.

Quem foi Gesell?


Pesquisador norte-americano que viveu entre 1880 e 1961, Gesell foi o
principal expoente das teorias do desenvolvimento que dão maior ênfase ao papel da
maturação. Desde muito cedo, logo que formado na Escola Normal (Magistério),
dedicou-se à carreira de professor. Foi diretor de colégio e escreveu sua primeira tese
sobre um assunto ligado à pedagogia. Depois de doutorar-
se em psicologia, Gesell retomou o seu trabalho como
professor em uma escola primária. Alguns anos depois,
decidiu-se por fazer o curso de Medicina e assim que o
concluiu foi nomeado professor de Higiene da Criança na
Escola de Medicina de Yale, cargo que ocupou até a sua
aposentadoria.
Em 1915, Gesell passou a empregar a psicologia
com vistas em proporcionar ajuda pedagógica às crianças desadaptadas. Ele é, por
isso, considerado o primeiro psicólogo escolar norte-americano. Preocupado com a
criação de uma ciência do desenvolvimento humano que integrasse todos os recursos
da psicologia experimental, da biologia evolutiva e da neurofisiologia, de 1920 a 1961
Gesell dedicou-se à pesquisa científica e à publicação de livros e artigos.
Pode-se dizer que Gesell foi o primeiro teórico da maturação, uma vez que
defendia a prioridade dos fatores de maturação sobre os fatores de aprendizagem, ou
de experiência, na evolução do comportamento da criança. Para ele, o que explica a
existência de um padrão de desenvolvimento comum maioria das crianças é o
processo de maturação biológica inerente às transformações por que passa o
comportamento da criança.

Assim, a evolução psicológica da criança seria determinada biologicamente,


do mesmo modo que o crescimento do feto no útero materno. Seus comportamentos
e formas de pensar tornam-se mais complexos à medida que ela cresce, que seu
A abordagem Inatista Maturacionista 15
sistema nervoso, sua estrutura muscular, etc. se desenvolvem. O ambiente social e
as influências externas, de modo geral, limitam-se a facilitar ou dificultar o processo
de maturação. Por exemplo, uma criança que raramente é tirada do berço e deixada
à vontade no chão, certamente vai demorar mais para engatinhar ou andar. Em
condições adequadas, seu desenvolvimento se processaria no ritmo e nas sequências
determinadas pela maturação.
Tanto Binet quanto Gesell, acreditando que a inteligência e o
desenvolvimento psíquico da criança são biologicamente determinados,
preocuparam-se em descrever comportamentos e habilidades típicos de cada faixa
etária.
Binet estava interessado, como já dissemos, em medir e comparar a
inteligência das pessoas. Mas, se podemos medir a altura ou o tamanho do dedo de
uma criança simplesmente usando uma fita métrica, medir a inteligência é bem mais
complicado. Enquanto aptidão geral do indivíduo, a inteligência não pode ser medida
diretamente, mas apenas através de algumas das suas realizações. Por isso, para
construir um teste de inteligência, Binet precisava conhecer o que crianças são
capazes de fazer em cada idade.
Essa também foi uma necessidade experimentada por Gesell. Preocupado
em compreender a evolução da criança, ele procurou estabelecer escalas de
desenvolvimento que permitissem comparar os comportamentos de uma criança com
aqueles que eram esperados, ou considerados “normais”, para sua faixa etária.
Mas como foram criados pelos testes de inteligência e estabelecidas as
escalas de desenvolvimento?
Essa é uma pergunta importante, porque sua resposta nos mostra um
pouco como o conhecimento é produzido na área da psicologia. Partindo do princípio
de que a hereditariedade e a maturação são fatores mais decisivos na determinação
da inteligência e na evolução do comportamento da criança, tanto Binet quanto Gesell
dedicaram-se a pesquisas.

16 A abordagem Inatista Maturacionista


2.3 Pesquisa a criança: a construção dos testes de inteligência

Binet partiu da experimentação e da observação do que as crianças eram


capazes de fazer em idades variadas. Ele procurou selecionar problemas ou questões
cuja solução envolvesse os efeitos combinados da atenção, do juízo e do raciocínio e
não dependesse de aprendizagens anteriores.
Essas questões eram organizadas em grupos por idade, de acordo com o
seguinte critério: se um teste era resolvido satisfatoriamente por 60% a 90% das
crianças de determinadas idades estudadas, ele era considerado adequado para
aquela idade.
Um exemplo: se todas ou quase todas as crianças de 6 anos fossem
capazes de comparar dois pesos, essa tarefa era considerada muito fácil para essa
idade; se 60% a 90% das crianças de 5 anos estudadas resolvessem o problema de
maneira correta, ele era aceito como adequado para essa faixa etária. Do mesmo
modo, se quase nenhuma das crianças de 4 anos estudadas conseguisse copiar um
quadrado, essa tarefa era considerada difícil demais para essa idade.
Seguindo esse procedimento, Binet selecionava um número determinado
de tarefas, em ordem crescente de dificuldade, para cada idade. Assim, o seu teste
de inteligência geral, destinado a avaliar pessoas dos 3 anos até a idade adulta, era
composto por vários conjuntos de problemas: um para as crianças de 3 anos, outro
para as de 4 anos, outro para as de 5 anos, e assim sucessivamente.
Por meio desses testes, a inteligência é avaliada pelo desempenho nas
tarefas. O número de testes que a criança consegue resolver determina a sua idade
mental ou o seu quociente de inteligência (QI). Se ela conseguir resolver todos os
testes propostos para a sua idade, sua inteligência será considerada normal. Se ela
também resolver corretamente alguns dos testes propostos para crianças mais velhas,
seu QI estará acima da média. E se, ao contrário, ela acertar apenas questões
propostas para crianças mais novas, sua inteligência será considerada abaixo da
média.

A abordagem Inatista Maturacionista 17


Você sabe o que é o QI?
Embora confundido por muita gente com a própria inteligência, o QI
(quociente intelectual) é basicamente uma comparação entre a idade
mental e a idade real da criança (idade cronológica).

A idade mental é determinada pelo número de tarefas te que a criança


consegue resolver corretamente. Por exemplo, se ela acerta todas as tarefas
atribuídas ao grupo de 10 anos, diz-se que ela tem idade mental de 10 anos, seja qual
for sua idade cronológica.
O QI é obtido quando se divide a idade mental de uma criança pela sua
idade cronológica. Suponhamos que uma criança de 8 anos consiga resolver todos os
problemas propostos para a idade de 10 anos, mas nada além desse nível. Diremos
que sua idade mental é de 10 anos e, para calcular o seu Ql, dividiremos 10 por 8, o
que dá um resultado de 1,25. Por convenção, esse resultado é multiplicado por 100,
para que o Ql possa ser expresso em números inteiros. Isso significa que, em nosso
exemplo, a criança tem um QI de 125, que é considerado acima da média.
Assim, quando a idade mental e a idade cronológica forem as mesmas, o
QI será sempre 100. Se a idade mental for inferior à idade cronológica, os resultados
serão sempre inferiores a 100, o que indicará um QI abaixo da média. Se, ao contrário,
a idade mental for superior à idade cronológica, o QI será sempre superior a 100, ou
acima da média.

18 A abordagem Inatista Maturacionista


2.4 Pesquisando a criança: a elaboração das escalas de desenvolvimento

À semelhança de Binet, Gesell também se utilizou da observação e da


experimentação com crianças para elaborar suas escalas de desenvolvimento. No
entanto, ele introduziu uma importante
inovação técnica na observação e no
registro do comportamento da criança:
as câmeras cinematográficas.
Na clínica do
Desenvolvimento da Criança, criada
por ele em 1930 na Universidade de
Yale, Gesell montou um observatório
fotográfico, que era um hemisfério de 4
metros de diâmetro e 2,5 metros de altura, equipado no alto e nas paredes laterais
com câmeras cinematográficas. Enquanto Gesell submetia as crianças a vários testes
– sempre voltados a descobrir o que são capazes de fazer em cada idade – as
câmeras rodavam, registrando todas as reações que elas apresentavam.
Os filmes obtidos eram posteriormente analisados. Gesell procurava, então,
destacar diversos aspectos da evolução do comportamento da criança. A postura, a
locomoção, a ação de agarrar, os jogos, as condutas sociais, etc. eram
minuciosamente analisados e descritos com o objetivo de captar as formas que esses
comportamentos tomam no decorrer do desenvolvimento da criança.
A partir dessas análises, tornava-se possível estabelecer que
comportamentos eram típicos de cada faixa etária, como, por exemplo, começar a
engatinhar, colocar-se de pé e andar com apoio, subir em cadeiras ou sofás e
caminhar sozinha.
Essas pesquisas, baseadas na análise dos filmes, foram denominadas por
Gesell pesquisas normativas, já que visavam à apreensão do ritmo e da sequência
“normais” do desenvolvimento. Assim, ao enumerar os comportamentos considerados
típicos de cada faixa etária, é esse ritmo e essa sequência que as escalas de
desenvolvimento expressam.

A abordagem Inatista Maturacionista 19


2.5 A questão dos comportamentos típicos

Tanto Binet quanto Gesell ocuparam-se em definir os comportamentos


típicos de cada faixa etária, embora a partir de perspectivas diferentes.
Como já apontamos, Gesell não apenas destacava quais são os
comportamentos infantis comuns a determinada idade, mas também procurava
retratar a maneira como esses comportamentos evoluem, transformam-se. É o caso,
por exemplo, da capacidade da criança de manter-se sentada sem apoio.
É possível observar, nas figuras a
seguir, que a evolução desse comportamento
deve-se ao progresso do alinhamento das costas
e do aumento do controle da cabeça:
gradativamente as costas do bebê (que, no
recém-nascido, são arredondadas) ficam mais
alinhadas, e a criança torna-se capaz de manter a
cabeça levantada, podendo, então, permanecer
sentada sem apoio.
Binet, por sua vez, preocupava-se com
aqueles comportamentos que, numa determinada
idade, pudessem ser tomados como indicadores
do nível de inteligência da criança. A evolução ou
o desenvolvimento dos comportamentos
considerados típicos não o interessaram de modo
especial, mas sim a capacidade da criança de
realizá-los na idade tida como adequada.
Mas, apesar das diferenças, podemos
dizer que Binet e Gesell estabeleceram padrões
de comportamento com a finalidade de avaliar a
inteligência ou o desenvolvimento da criança. O
pressuposto de que os fatores biológicos
(hereditariedade e maturação) são os mais

20 A abordagem Inatista Maturacionista


decisivos na determinação da inteligência e do desenvolvimento leva a supor que tais
padrões de comportamento são independentes de fatores externos ou do contexto
social em que as crianças vivem. Desse modo, não importa o lugar e a época em que
a criança viva ou as condições materiais e as possibilidades educacionais a que tenha
acesso: a criança “normal” deve apresentar tais comportamentos.
No entanto, é importante lembrar que eles chegaram à definição dos
padrões de comportamento de cada faixa etária a partir de pesquisas realizadas nas
primeiras décadas do século, com determinados grupos de crianças (francesas e
norte-americanas). Logo, os comportamentos considerados típicos foram aqueles
apresentados pela maioria das crianças que eles estudaram, e foi a partir daí que se
definiu o que é normal ou não.
Esse procedimento é bastante coerente com os princípios teóricos pelos
quais Binet e Gesell se orientaram. Se o ritmo e a sequência do desenvolvimento são
biologicamente determinados, espera-se que certos comportamentos apareçam
sempre na mesma sequência e na mesma idade quer se trate de crianças europeias
de classe média, quer de crianças do interior do Nordeste brasileiro.

2.6 As relações entre desenvolvimento e aprendizagem e as influências do


inatismo-maturacionismo na escola

Se o ritmo e a sequência do desenvolvimento são biologicamente


determinados, qual a sua relação com os processos de aprendizagem? Antes de
responder a essa pergunta, é importante lembrar que os pesquisadores da abordagem
inatista-maturacionista não tinham como objetivo o estudo da aprendizagem. No
entanto, ao destacar o papel de fatores internos na determinação da inteligência e do
desenvolvimento, essa abordagem considera que aquilo que a criança aprende no
decorrer da vida não interfere no processo de desenvolvimento.
De acordo com a perspectiva inatista-maturacionista, a aprendizagem é
que depende do desenvolvimento. Ou seja, o que a criança é capaz ou não de
aprender é determinado pelo nível de maturação de suas habilidades e do seu
pensamento ou, ainda, pelo seu nível de inteligência.

A abordagem Inatista Maturacionista 21


Essa concepção tem tido bastante influência na escola, desde sua
elaboração. Pode-se dizer que o inatismo-maturacionismo marca o começo da relação
entre a psicologia científica e a educação. Como vimos, a construção dos primeiros
testes de inteligência de Binet e Simon foi resultado de uma necessidade emergente
nos meios educacionais franceses da época: a de identificar as crianças mentalmente
deficientes e estabelecer métodos que tornassem o ensino acessível a elas. O
trabalho de Gesell também foi orientado por fins ligados a de crianças consideradas
desadaptadas.
No Brasil, as principais pesquisas sobre datam do início do século.
Educadores, geralmente vinculados às Escolas Normais (antigo nome dos cursos de
Magistério), implantaram na década de 20, em suas escolas, laboratórios de
Psicologia Experimental e de Psicologia Pedagógica. Nesses laboratórios, as crianças
eram submetidas a exames destinados a medir suas reações psicofísicas
(discriminações visuais, auditivas, etc.), e foi através deles que se introduziram no
país os primeiros testes psicológicos. O primeiro teste para avaliar a prontidão de
crianças para a alfabetização foi desenvolvido por um educador, Lourenço Filho.
A ideia de que a criança é portadora dos atributos universais (biológicos)
do gênero humano produz ou justifica a crença de que caberia à educação fazer
aflorar esses atributos naturais, desenvolvendo as potencialidades do educando de
modo harmonioso. Tal concepção teve o mérito de chamar a atenção para as
especificidades da criança, para as características, habilidades e capacidades dos
educandos, colocando em destaque noções como prontidão, maturidade, aptidão.
Mas, ao mesmo tempo que atribuem à escola o papel de “cultivar” o
indivíduo, de possibilitar o seu desenvolvimento harmonioso, as propostas
pedagógicas orientadas por essa perspectiva consideram que para aprender os
conteúdos escolares a criança precisaria já ter desenvolvido determinadas
capacidades. Isso acaba gerando a ideia de que existe uma idade bem precisa para
aprender certos conteúdos. Ou, ainda, que o proveito que a criança tira das situações
de aprendizagem depende de seu nível de prontidão ou maturidade.
Essas noções, além de circularem entre os agentes do processo
educacional, influenciando, muitas vezes, o cotidiano da escola, também dão

22 A abordagem Inatista Maturacionista


sustentação prática de utilização de testes psicológicos para avaliar as possibilidades
educacionais da criança.
É fato bem conhecido que testes de prontidão (para a leitura, por exemplo)
e testes de inteligência têm sido amplamente utilizados para avaliação de crianças em
idade escolar, penalizando muitas delas. Os resultados de tais testes têm,
historicamente, impedido que inúmeras crianças tenham acesso ao conhecimento e à
própria escolarização, ao fornecerem indicadores de sua “imaturidade” ou de seus
"deficits" de inteligência. Há crianças, por exemplo, que são retidas na pré-escola ou
permanecem nos exercícios preparatórios, às vezes um ano inteiro, porque “não estão
prontas” para aprender a ler e escrever; outras são enviadas às classes especiais
porque “não têm condições” intelectuais de seguir o curso normal da escolaridade.

A abordagem Inatista Maturacionista 23


A abordagem
3
Comportamentalista
Roseli Aparecida Cação Fontana e Maria Nazaré da
Cruz

Licenciatura em Pedagogia
1 A abordagem Comportamentalista

FONTANA, Roseli; CRUZ, Nazaré da. A abordagem comportamentalista. In: Psicologia e


trabalho pedagógico. São Paulo : Atual, 1997.

Ao contrário do inastimo-maturacionismo, a abordagem


comportamentalista destaca a importância da influência de fatores externos, do
ambiente e da experiência sobre o comportamento da criança.
Enquanto aquela abordagem enfatiza o papel de fatores biológicos internos,
como a hereditariedade e a maturação, o comportamentalismo parte do princípio de
que as ações e as habilidades dos indivíduos são determinadas por suas relações
com o meio em que encontram.
John B. Watson foi o fundador do movimento comportamentalista (ou
behaviorista, do inglês behavior, que significa “comportamento”) na psicologia. Ele
definiu a psicologia como a ciência do comportamento, como um ramo objetivo e
experimental das ciências naturais.
24 A abordagem Comportamentalista
Quem foi Watson?

John Broadus Watson nasceu em 1878,


nos EUA, e viveu até 1958. Formou-se em
Filosofia, pela Universidade de Furmam, aos 22
anos, mas logo interessou-se pela psicologia
animal, área em que desenvolveu sua tese de
doutoramento.
Em 1908, assumiu o cargo de professor
de Psicologia na Universidade Johns Hopkins,
onde continuou suas pesquisas com animais.
Após algumas tentativas de
formulação de princípios que considerava
mais objetivos para o estudo da psicologia -
desestimuladas pelas críticas – Watson
publicou, em 1913, um artigo intitulado "A psicologia como um behaviorista a vê”,
considerado o lançamento oficial da escola behaviorista.
O fato de incluir a psicologia entre as ciências naturais deve-se à crença
na existência de uma continuidade entre o animal e o homem. Ou seja, para os
comportamentalistas, embora o comportamento do homem difira do dos animais em
razão de um maior refinamento e complexidade, ambos podem ser explicados pelos
mesmos princípios. Desse modo, o comportamento humano não é privilegiado como
objeto de pesquisa: no comportamentalismo, estudam-se tanto o comportamento
humano quanto o comportamento animal.

3.1 – Mas o que é comportamento?

Na perspectiva de Watson, podemos dizer que o comportamento é sempre


uma resposta do organismo (humano ou animal) a algum estímulo presente no meio
ambiente.
Por estímulo, Watson entende toda modificação do ambiente que pode ser
captada pelo organismo por meio dos sentidos. Assim, as respostas são modificações
que ocorrem no organismo em decorrência desses estímulos, como, por exemplo,

A abordagem Comportamentalista 25
alterações na expressão facial, mudanças na posição do corpo, ações ou movimentos
de qualquer tipo.
Imaginemos um pequeno animal silvestre bebendo água na beira de um
riacho. Ao captar um ruído de passos de animal no mato, ele sai correndo. Na
linguagem comportamentalista, diremos que o ruído (estimulo) provocou, no animal,
uma resposta: o ato de correr.
O que interessa à psicologia, entendida como uma ciência natural e objetiva,
é a relação entre estímulos e respostas - fatos exteriores que podem ser
empiricamente observados. O que ocorre no interior do organismo entre um dado
estímulo e uma dada resposta não pode ser observado e, portanto, não interessa aos
psicólogos comportamentalistas. No exemplo do animal silvestre bebendo água, o
comportamento do animal é explicado pela relação entre o estímulo (o ruído) e a
resposta desencadeada por ele (correr), e não a partir de determinado estado interno
do organismo.
Veja bem: isso não significa que Watson descarte a existência de processos
internos no organismo. Ele apenas considera que tais processos devem ser estudados
pela fisiologia. A psicologia, segundo sua concepção, cabe o estudo das respostas do
organismo aos estímulos do meio.
Assim, os problemas de que se ocupa o comportamentalismo são: prever
a resposta, quando se conhece o estímulo, e identificar o estímulo, quando se conhece
a resposta. Ou seja, o estudo do comportamento deve possibilitar o conhecimento das
relações estímulo-resposta, das quais ele é o resultado. Assim, cabe ao
comportamentalista descobrir quais são os estímulos que provocam determinado
comportamento.
De acordo com essa concepção, o comportamento animal ou humano é
sempre uma adaptação, uma reação aos estímulos, às alterações que se processam
no ambiente. Essa postura ambientalista opõe-se a qualquer tipo de inatismo. Para
Watson, não existem aptidões, disposições intelectuais ou temperamentos inatos ou
hereditários. Oque existe é certa propensão para responder a certos estímulos de uma
forma determinada.

26 A abordagem Comportamentalista
3.2 – Comportamento e aprendizagem

Para o comportamentalismo, a aprendizagem é um tema central. Ao


enfatizar a influência dos fatores externos e ambientais, essa concepção teórica
afirma que o mais importante na determinação do comportamento do indivíduo são as
suas experiências, aquilo que ele aprende durante a vida. Aliás, podemos dizer que o
comportamentalismo confunde-se com uma teoria da aprendizagem, uma vez que sua
preocupação básica é explicar como os comportamentos são aprendidos.
Skinner, outro importante comportamentalista, cujo trabalho deu
continuidade a algumas das formulações de Watson, distingue dois tipos de
aprendizagem: por condicionamento clássico e por condicionamento operante.

Quem foi Skinner?

Burrhus Frederic Skinner psicólogo norte-americano, nascido em 1904, foi o criador


do que ele denominou "análise experimental do comportamento” método que permite prever
e controlar cientificamente o comportamento humano.
Doutorou-se em Harvard, em 193I, e depois de alguns
anos lecionou na de Universidade de Indiana, da qual foi
presidente. Regressou a Harvard como professor e pesquisador
em 1947.
Skinner interessou-se pela análise da aprendizagem
verbal, pelo adestramento de pombos, pelas máquinas de ensinar
e pelo controle do comportamento mediante reforço positivo.
Até a sua morte, em 1980, desenvolveu trabalhos de
aplicação tecnológica dos princípios da análise experimental do
comportamento no campo do ensino e no trabalho psicoterapêutico. Além disso, dedicou-se
à elaboração de uma filosofia, o behaviorismo, que se vincula ao movimento de análise
experimental do comportamento.

A aprendizagem por condicionamento clássico envolve um tipo de


comportamento determinado, que é sempre provocado por um estímulo também
determinado. Ela envolve uma reação do organismo ao meio e não uma ação do
organismo sobre o meio.
A abordagem Comportamentalista 27
Digamos que alguém dê um sopro em seus olhos. Você automaticamente
irá piscar. Piscar é uma reação, uma resposta a um estímulo. Não se pode dizer que
tenha sido uma resposta aprendida. No entanto, se toda vez que alguém sopra em
seus olhos soa uma campainha, pode chegar um momento em que você piscará ao
ouvir tal campainha, mesmo na ausência do sopro. Dizemos, então, que você
aprendeu a piscar quando ouve determinado som.
Em relação à primeira parte do nosso exemplo, podemos dizer que o sopro
o estímulo que provoca a reação de piscar. Essa reação, como já dissemos, um tipo
de resposta não aprendida, é um reflexo do organismo. À medida que o sopro é
associado a um som determinado, esse som passará a servir como um estímulo que
também provoca a resposta de piscar. Nesse caso, o som é chamado pelos
comportamentalistas de estímulo
condicionado, porque, por si mesmo,
ele não provoca a reação de piscar, mas
apenas quando é associado a outro tipo
de estímulo (o sopro) que
automaticamente desencadeia tal
reação.
Esse é um exemplo de
aprendizagem por condicionamento
clássico, em que estão envolvidos um
estímulo condicionado e uma resposta
que é simplesmente uma reação do
organismo. Esse tipo de aprendizagem
não implica nenhuma iniciativa por parte
de quem aprende. Ou seja, a pessoa
aprende a piscar quando ouve um som determinado porque sua reação original
acabou se associando a um novo estímulo.
Já a aprendizagem por condicionamento operante se dá de forma bastante
diferente, apoiando-se não em reações provocadas por estímulos, mas em

28 A abordagem Comportamentalista
comportamentos emitidos pelo próprio organismo que são seguidos por algum tipo de
consequência.
Se o comportamento é seguido por uma consequência agradável, ele tende
a se repetir. Ao contrário, se a consequência for desagradável, o comportamento tem
menos probabilidade de se repetir. Essas consequências chamadas pelos
comportamentalistas de reforçadores, "modelam" o comportamento dos indivíduos,
sendo responsáveis pela criação dos hábitos.
Segundo a concepção de Skinner, a grande maioria dos comportamentos
das pessoas é aprendida por condicionamento operante. A birra de uma criança, por
exemplo, é um comportamento aprendido. Se a criança chora e esperneia e a mãe
(ou outro adulto) lhe dá algo que ela deseja (como um doce, um brinquedo, um
refrigerante), o comportamento da criança é reforçado e tende a se repetir em outras
ocasiões. Da mesma forma, uma criança pequena que sozinha leva o copo de água
à boca, tende a repetir esse comportamento se for elogiada e beijada pela mãe. Mas,
se a mãe a repreender todas as vezes (temerosa de que a água seja derramada), ela
provavelmente deixará de ter esse comportamento.

3.3 – Pesquisando a criança: condicionamento e modelagem do comportamento

A ideia de que os comportamentos e as habilidades do indivíduo são


sempre aprendidos a partir da influência do ambiente serviu de base para pesquisas
psicológicas que tinham como objetivo estabelecer um todo que permitisse prever e
controlar cientificamente o comportamento humano ou animal.
Para que você saiba um pouco sobre as pesquisas que auxiliaram a
produção de conhecimentos relativos a como os comportamentos são aprendidos,
destacaremos aqui as pesquisas mais conhecidas de Watson e Skinner.

3.3.1 – A aprendizagem de comportamento emocionais: A pesquisa de Watson

Interessado em saber como as crianças aprendiam comportamentos


emocionais, Watson realizou uma pesquisa com crianças de 4 meses a 1 ano de idade

A abordagem Comportamentalista 29
que haviam sido criadas em hospitais e nunca tinham visto nenhum dos animais ou
objetos utilizados no experimento.
Vários animais foram apresentados às crianças no laboratório e em um
jardim zoológico. Suas reações eram todas anotadas pelo pesquisador. O resultado
dessas situações foi sempre o mesmo: não se verificou nenhuma manifestação de
medo nas crianças.

Watson já havia verificado que situações como exposição a um ruído forte,


perda do equilíbrio ou sensação de dor provocavam reações de medo nas crianças.
Para ele, essas seriam as situações originais que suscitariam medo.
Como explicar o medo de tanta coisa que muitas crianças mais velhas e
até mesmo adultos sentem? Watson afirma que medo de cachorro, de escuridão, de
insetos, e outros tipos de medo, é um sentimento aprendido através de
condicionamento. Ele resolveu verificar se era possível produzir, em uma reação de
medo.
O sujeito da experiência foi uma criança de 11 meses que originalmente
não demonstrava medo a animais peludos, como o coelho e o rato branco. Quando,
no laboratório, era apresentado à criança um rato branco e ela o tocava, um ruído forte
- de uma barra de aço golpeada com um martelo - era produzido. A criança
manifestava então reações de medo: estremecia e começava a chorar.

30 A abordagem Comportamentalista
Após várias repetições desse procedimento, a criança passou a apresentar
reações de medo diante do rato branco quando este lhe era apresentado sozinho (sem
o ruído). Watson verificou, ainda, que tal reação estendia-se a outros animais ou
objetos que lembravam o rato branco: um coelho, um cão, um casaco de peles ou um
chumaço de algodão.
Você pode reconhecer nessa experiência uma situação experimental de
aprendizagem por condicionamento clássico. Um estímulo que originalmente não
provocava a resposta de medo (o rato branco) foi associado a outro que naturalmente
a provocava (um ruído forte), tornando-se, assim, um estímulo condicionado. A reação
de medo a animais peludos foi, portanto, aprendida pela criança.
Com esse experimento, Watson procurava comprovar a sua tese de que a
maioria das reações emocionais das pessoas é aprendida a partir da influência do
ambiente. Procurava também explicar "como as pessoas aprendem", explicitando os
princípios do condicionamento clássico.

3.3.2 – Modelagem do comportamento: as pesquisas de Skinner

Skinner, por sua vez, interessou-se fundamentalmente pela aprendizagem


por condicionamento operante, realizando pesquisas inicialmente com ratos, depois
com pombos e por último, com pessoas.
Para estudar o problema da
programação do reforço no
condicionamento operante, Skinner
utilizava em suas pesquisas com ratos
uma caixa em cujo interior havia um
dispositivo (uma pequena barra de metal)
que, quando acionado, liberava água ou
comida. Essas caixas, com isolamento
contra ruídos e controle rigoroso de temperatura e iluminação (para evitar que sons,
a luz ou o calor interferissem em seus experimentos), ficaram conhecidas como
"caixas de Skinner".

A abordagem Comportamentalista 31
Os experimentos consistiam em programar de modos diferentes a liberação
de reforçadores e estudar como cada programação afetava comportamento do animal
(qual era mais eficiente para levar à aprendizagem de um comportamento novo; qual
era mais adequado para manter esse comportamento por mais tempo; qual
representava a melhor forma de extinguir um dado comportamento, etc.)
Uma das formas utilizadas, para obter a aprendizagem de um novo
comportamento (no caso, pressionar a barra de metal), era colocar o rato na caixa de
Skinner após ter sido privado de água por certo tempo. Supunha-se que a privação
faria da água um excelente reforçador, já que obtê-la resultaria para o rato na
satisfação de uma necessidade.
Adotava-se, então, o seguinte procedimento: inicialmente, toda vez que o
rato se aproximava da barra de metal, o pesquisador liberava por meio de um
dispositivo, um pouco de água. Após determinado tempo, estando o rato próximo à
barra, a água só era liberada se ele a tocasse com o focinho ou a pata. Em seguida,
reforçava-se (pela liberação da água) apenas o comportamento de tocar a barra com
a pata e, depois, o de pressioná-la para baixo. Após várias sessões, verificava-se que
o rato tinha aprendido a pressionar a barra de metal para obter água.
Esse procedimento é conhecido como modelagem do comportamento. A
modelagem é obtida proporcionando-se respostas que gradativamente se aproximam
da resposta que se deseja obter do animal (no caso, a pressão na barra).
Tal método envolve os princípios do condicionamento operante (o
comportamento emitido pelo animal, se reforçado, tende a se repetir) e tem sido
utilizado pelos comportamentalistas em uma série de situações, tanto na prática
terapêutica clínica quanto no campo do ensino.
O que há em comum nos experimentos de Watson e Skinner é a tentativa
de controlar o comportamento pela manipulação de elementos do ambiente que
precedem (os estímulos) ou sucedem (os reforçadores) ao comportamento. Além
disso, os experimentos de um e de outro visam conhecer os princípios pelos quais o
comportamento humano é aprendido durante a vida.
Assim, os princípios descobertos ou sistematizados mediante situações
experimentalmente controladas são os mesmos que explicam comportamentos

32 A abordagem Comportamentalista
aprendidos em situações cotidianas. Conforme a perspectiva comportamentalista,
pode-se dizer que pais e educadores, por exemplo, modelam o comportamento da
criança por meio de procedimentos que correspondem ao condicionamento operante.

3.4 – Desenvolvimento, aprendizagem e educação: a influência do


comportamentalismo na escola

A ênfase dada pelos comportamentalistas à questão da aprendizagem é


resultado do pressuposto de que o ambiente e a experiência são determinantes do
comportamento. Os processos e fatores internos ao indivíduo não são levados em
conta, e o próprio desenvolvimento é explicado como decorrente da aprendizagem.
Melhor dizendo, para os comportamentalistas, desenvolvimento e
aprendizagem são processos coincidentes. Aquilo que chamamos de
desenvolvimento nada mais é do que o resultado das aprendizagens acumuladas no
decorrer da vida do indivíduo. Por isso, os dois processos não se distinguem.
A ideia de que os comportamentos humanos são aprendidos em
decorrência de contingências ambientais e a noção de modelagem do comportamento
tem influenciado as práticas educativas. De acordo com Skinner, ensinar é
planejar/organizar essas contingências de modo a tornar mais eficiente a
aprendizagem de determinados conteúdos e habilidades. A utilização de reforçadores
e a organização da aprendizagem por pequenos passos são princípios decorrentes
dessa abordagem.

A abordagem Comportamentalista 33
Uma das marcas deixadas pelo comportamentalismo na educação escolar
foi a valorização do planejamento do ensino, tendo chamado a atenção para a
necessidade de se definirem com clareza e operacionalmente os objetivos que se
pretende atingir, para a organização das sequências de atividades e para a definição
dos reforçadores a serem utilizados (elogios, notas, pontos positivos, prêmios, etc.)
O próprio Skinner interessou-se pelo processo de ensino-aprendizagem
(reveja o boxe Quem foi Skinner?). Nas suas "máquinas de ensinar", o aluno é
colocado diante de um painel onde aparece uma questão relativa a algo que ele já
conhece e, ao mesmo tempo, uma nova informação concernente ao mesmo tema. O
aluno deve responder à questão apresentada e, se acertar, a máquina passará
automaticamente para a questão seguinte, que será referente informação dada
imediatamente antes. Se não acertar, não poderá prosseguir, devendo retornar a
algum passo anterior.
Por meio desse procedimento, organiza-se a aprendizagem da criança
"passo a passo", em ordem crescente de dificuldade, seguindo os princípios da
modelagem do comportamento, e cada resposta certa da criança constitui um reforço
para a aprendizagem.
A chamada “instrução programada" derivou das máquinas de Skinner. As
questões apresentadas às crianças são impressas e as respostas corretas aparecem
em outra página, um gabarito. As questões são intercaladas por pequenos textos
informativos sobre os quais a criança deverá responder no passo seguinte. De acordo
com o comportamentalismo, esse procedimento permite que o ensino tenha uma
progressão gradual, que respeita o ritmo de cada aluno e torna o processo de ensino-
aprendizagem mais eficiente.

34 A abordagem Comportamentalista
4
A abordagem Piagetiana

Roseli Aparecida Cação Fontana e Maria Nazaré da


Cruz

Licenciatura em Pedagogia
1 A abordagem piagetiana

FONTANA, Roseli; CRUZ, Nazaré da. Psicologia do desenvolvimento e


aprendizagem. In: Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo : Atual, 1997.

Papai, por favor corte este pinheiro- ele faz o vento.


Depois que você cortar ele, o tempo vai ficar bom
e a mamãe me leva para um passeio."
"Mamãe, quem nasceu primeiro, você ou eu?
(Helen Bee, A criança em desenvolvimento.)

Ouvir crianças pequenas dizerem coisas como essas do trecho transcrito


acima normalmente nos desconcerta, ao mesmo tempo que nos encanta e diverte.
Nossa atenção se volta então para o modo peculiar que a criança tem de pensar sobre
as coisas e de estabelecer relações entre elas.
As peculiaridades do pensamento e da lógica das crianças despertaram o
interesse de Jean Piaget, que se preocupou principalmente com a questão de como
o ser humano elabora seus conhecimentos sobre a realidade, chegando a construir,

A abordagem piagetiana 35
no decorrer de sua história, sistemas científicos complexos e com alto nível de
abstração. Ele acreditava que muito da resposta a essa indagação poderia ser
encontrado no estudo do desenvolvimento do pensamento da criança.

Quem foi Piaget?

Jean Piaget nasceu em 1896, em Neuchâtel, na Suiça, e faleceu em 1980, aos 84 anos
de idade.
Desde menino Piaget interessou-se por questões cientificas estudando moluscos, pássaros,
conchas marinhas e mecânica. Aos 10 anos, publicou as observações que fez sobre um pardal
parcialmente albino e, aos 11 anos, começou a trabalhar como assistente do diretor do Museu de
História Natural de sua cidade.
Concluiu seus estudos em Ciências Naturais em 1915 e, em 1918, doutorou-se nessa mesma
área.
Interessado também por filosofia, encontrou na leitura da obra de Bergson, A evolução
criadora, elementos que o ajudaram a formular a questão qual se
dedicaria por toda a vida: explicar a forma pela qual o homem atinge
o conhecimento lógico-abstrato que o distingue das outras espécies
animais.
Embora se tratasse de uma questão tipicamente filosófica, a
Piaget interessava abordá-la cientificamente. Ao longo de seu
trabalho, assumiu, então, o desafio de construir uma teoria do
conhecimento baseada na biologia e em que as especulações
filosóficas estivessem ancoradas na pesquisa empírica. O elo que Piaget encontrou entre a
filosofia e a biologia foi a psicologia do desenvolvimento.
A elaboração da teoria explicativa da gênese do conhecimento no homem levou Piaget a
formular propostas teóricas e metodológicas inovadoras quanto natureza dos processos de
desenvolvimento da criança e que contrariavam as teses do inatismo-maturacionismo e do
comportamentalismo.
O fundamento básico de sua concepção do funcionamento intelectual e do desenvolvimento
cognitivo é o de que as relações entre o organismo e o meio são relações de troca, pelas quais o
organismo adapta-se ao meio e, ao mesmo tempo, o assimila, de acordo com suas estruturas, num

36 A abordagem piagetiana
processo de equilibrações sucessivas. Determinar as contribuições das atividades do indivíduo e das
restrições do ambiente na aquisição do conhecimento foi o foco do seu trabalho experimental.
No período de 1921 a 1925, Piaget concentrou-se na coleta de dados que permitissem esboçar
os princípios e os fundamentos de sua teoria do conhecimento. Abordou temas gerais, como a relação
entre pensamento e linguagem (1923), o desenvolvimento, na criança, do julgamento e do raciocínio
(1924), da representação do mundo (1926), da causalidade física (1927) e do julgamento moral (1927).
Esses estudos foram retomados, revistos e aprofundados ao longo das décadas seguintes.
No período de 1925 a 1931, com o nascimento de seus três filhos, Piaget dedicou-se à
observação meticulosa do desenvolvimento dos bebês, elaborando análises sobre a construção do real
e o desenvolvimento da inteligência.
Na década de 30, ajudado por seus colaboradores, concentrou a pesquisa na gênese das
noções de quantidade, número, tempo, espaço, velocidade, movimento, mensuração, lógica e
probabilidade. Na década de 40, abordou o desenvolvimento da percepção.
A partir dos anos 50, Piaget voltou-se para a sistematização teórica da epistemologia
genética, deixando a seus colaboradores os estudos em psicologia. Em 1955 fundou o Centro
Internacional de Epistemologia Genética, onde reuniu cientistas de diferentes áreas
(matemáticos, biólogos, psicólogos, lógicos) interessados em pesquisar problemas
epistemológicos.
Na década de 70, já trabalhando exclusivamente nas pesquisas do Centro de
Epistemologia, Piaget dedicou-se à investigação dos mecanismos de transição que
impulsionam e explicam a evolução do desenvolvimento cognitivo.
Sua vasta produção é um marco de enorme importância para a psicologia e para os estudos do
homem no século XX.
Procurando compreender como o homem elabora o conhecimento, Piaget desenvolveu o que
chamou de psicologia genética. A palavra genética, que ele próprio aplicou à sua psicologia, refere-se
à busca das origens e dos processos de formação do pensamento e do conhecimento.

A infância é considerada como um período particular do processo de


formação do pensamento, que só se completa na idade adulta. É importante, então,
não confundir as contribuições dadas por Piaget à compreensão do desenvolvimento
cognitivo da criança com uma "psicologia da criança". Ele não se dedicou a estudar o
pensamento infantil motivado por um interesse pela infância em si e também não
elaborou sua psicologia genética movido pelo interesse por questões propriamente
A abordagem piagetiana 37
psicológicas. O centro de seu trabalho e de todos os seus estudos é o
desenvolvimento do conhecimento.
A formação de Piaget em Ciências Naturais levou-o a buscar compreender
o conhecimento com base na biologia. Em sua concepção, conhecer é organizar,
estruturar e explicar a realidade a partir daquilo que se vivencia nas experiências com
os objetos do conhecimento.
No entanto, experiência não é a mesma coisa que conhecimento. Este
pressupõe a organização da experiência num sistema de relações. Por exemplo, "a
humanidade atravessou alguns milênios sem perceber a relação entre vida e calor do
sol; conhecer algo a respeito do calor solar seria inserir o calor sentido na pele num
sistema de relações que permite compreendê-lo como condição de existência da vida"
(Chiarottino, 1988)

4.1 – Conhecimento e adaptação: os processos de assimilação e acomodação

Mas como se dá a inserção de um objeto de conhecimento num sistema de


relações? Segundo Piaget, isso ocorre fundamentalmente por meio da ação do
indivíduo sobre o objeto. Ao agir sobre o meio, o indivíduo incorpora a si elementos
que pertencem ao meio. Através desse processo de incorporação, chamado por
Piaget de assimilação, as coisas e os fatos do meio são inseridos em um sistema de
relações e adquirem significação para o indivíduo.
Ao ler estas páginas, por exemplo, você está assimilando o que está escrito
(objeto de conhecimento), conforme vai estabelecendo relações com as ideias e os
conhecimentos que já possui. As ideias e os conceitos do texto são organizados e
estruturados a partir do que você já conhece. Só assim o texto tem algum sentido para
você.
Mas, ao mesmo tempo que as ideias e os conceitos do texto são
incorporados ao sistema de ideias e conceitos que você possui, essas ideias e
conceitos já existentes são modificados por aquilo que você leu (assimilou). Esse
processo de modificação que se opera nas estruturas de pensamento do indivíduo é
chamado por Piaget de acomodação.

38 A abordagem piagetiana
Tal modo de conceber o funcionamento cognitivo é decorrente do modelo
biológico em que Piaget se baseou. Segundo esse modelo, a inteligência é um caso
particular de adaptação biológica. Um organismo adaptado ao meio é aquele que
mantém um equilíbrio em suas trocas com o meio. Ou seja, é aquele que interage com
o ambiente mantendo um equilíbrio entre suas necessidades de sobrevivência e as
dificuldades e restrições impostas pelo meio. Essa adaptação torna-se possível
graças aos processos de assimilação e de acomodação (que, juntos, constituem o
mecanismo adaptativo), comum a todos os seres vivos.
Assim, a inteligência é assimilação por permitir ao indivíduo incorporar os
dados da experiência. E também acomodação, pois os novos dados incorporados
acabam por produzir modificações no funcionamento cognitivo da pessoa. Logo, "a
adaptação intelectual, como qualquer adaptação, é exatamente o equilíbrio
progressivo entre o mecanismo assimilador e a acomodação complementar"
(AZENHA, 1994: 26).
Ao mesmo tempo que, por meio do processo de assimilação/acomodação,
o indivíduo adapta-se ao meio (elaborando seu conhecimento sobre ele), o seu próprio
funcionamento cognitivo vai se estruturando, se organizando. Uma das primeiras
formas de organização cognitiva é o esquema.

4.1.1 – A noção de esquema


A criança, ao nascer, é dotada de reflexos que são reações automáticas
desencadeadas por certos estímulos. Esses reflexos (como o de sucção e o de
preensão) possibilitam ao bebê lidar com o ambiente. E através deles que elementos
do meio ambiente (como a chupeta, o seio materno, a mamadeira, o patinho de
borracha, etc.) vão sendo assimilados pela criança. A assimilação, como vimos,
provoca uma transformação dos reflexos que gradativamente vão se diferenciando e
se tornando mais complexos e flexíveis, deixando de ser simples respostas
estereotipadas a estímulos determinados. Esse processo dá origem a esquemas de
ação, tais como pegar, puxar, sugar, empurrar, etc.
Para entender o que é um esquema de ação, pensemos no esquema de
preensão. Um bebê pode pegar, por exemplo, um pequeno cubo de madeira, uma

A abordagem piagetiana 39
bola, a mamadeira ou o dedo de alguém. Relativamente a cada um desses objetos, a
ação de pegar apresenta pequenas diferenças quanto aos movimentos que a criança
realiza. No entanto, em todas essas situações a ação da criança apresenta
determinadas características que permitem chamá-la de pegar e que a diferenciam de
outras ações, como puxar, balançar ou empurrar. O esquema de ação é, justamente,
o que é generalizável em uma ação, o que permite reconhecê-la e diferenciá-la de
outras ações, independentemente do objeto a que se aplica.
É por meio dos esquemas de ação que a criança começa a conhecer a
realidade, assimilando-a e
atribuindo-lhe significações.
Quando pega a mamadeira, ela a
relaciona a seu esquema "pegar"
e atribui-lhe o sentido de um
objeto "que se pega". Mas a
criança também aplica à
mamadeira o esquema "sugar".
Essas assimilações provocam
transformações nos esquemas "pegar" e "sugar", à medida que eles são acomodados
ao objeto mamadeira. Os esquemas "pegar" e "sugar" acabam então por se coordenar.
Vê-se que, mediante sucessivas assimilações e acomodações, o bebê vai
conhecendo os objetos de seu mundo imediato. Eles são organizados em objetos
"para olhar", "para pegar", "para sugar", "para empurrar”, "para morder", "para olhar e
pegar", "para pegar e sugar”, “para pegar e morder", e assim por diante.
A organização do real por meio da ação marca o início do desenvolvimento
cognitivo da criança. De acordo com Piaget, os esquemas de ação ampliam-se,
coordenam-se entre si, diferenciam-se e acabam por se interiorizar, transformando-se
em esquemas mentais e dando origem ao pensamento. Esse desenvolvimento
contínuo dos esquemas se dá no sentido de uma adaptação cada vez mais complexa
e diferenciada à realidade.

40 A abordagem piagetiana
4.1.2 – A noção de equilibração
O processo de desenvolvimento depende, na perspectiva piagetiana, de
fatores internos ligados à maturação, da experiência adquirida pela criança em seu
contato com o ambiente e, principalmente, de um processo de auto regulação que ele
denomina equilibração.
Para Piaget, a equilibração é uma propriedade intrínseca e constitutiva da
vida mental. Por meio dela é que se mantém um estado de equilíbrio ou de adaptação
em relação ao meio. Toda vez que, em nossa relação com o meio, surgem conflitos,
contradições ou outros tipos de dificuldade, nossa capacidade de auto regulação ou
equilibração entra em ação, no sentido de superá-los. Quando, por exemplo, um bebê
tenta pegar um objeto pendurado sobre o berço, o objeto pode oferecer alguma
resistência a seu esquema de pegar, que, em desequilíbrio, obriga-o a modificá-lo ou
a coordená-lo com outro esquema, como o de puxar. Essa atividade da criança - a
acomodação ou coordenação de seus esquemas de ação - é desencadeada graças à
sua capacidade de auto regulação, com o objetivo de compensar a resistência
oferecida pelo objeto e alcançar um novo estado de equilíbrio.
Quando falamos em alcançar um novo estado de equilíbrio, queremos
destacar que o processo de equilibração não consiste numa volta ao estado anterior,
mas leva a um estado superior em relação ao inicial. No caso de nosso exemplo, o
fato de a criança não conseguir pegar o objeto já indica que seus esquemas precisam
ser aperfeiçoados. A reequilibrarão, por meio da acomodação ou da coordenação de
seus esquemas, implica uma ultrapassagem da situação anterior, uma abertura para
novas possibilidades de ação.

4.2 – Os estágios do desenvolvimento cognitivo

4.2.1 – O período sensório-motor


O desenvolvimento cognitivo se inicia a partir dos reflexos que
gradualmente se transforma em esquema de ação. Do nascimento até os 2 anos de
idade, aproximadamente, a criança passa do nível neonatal, marcado pelo
funcionamento dos reflexos inatos, para outro em que ela já é capaz de uma

A abordagem piagetiana 41
organização perceptiva e motora dos fenômenos do meio. De início, reflexos inatos
respondem aos estímulos do meio. Luz, sons, contrações faciais. A cabeça volta-se
para a direção de onde vêm os sons. Calor, frio, fome, cheiros, choros. O corpo reflete
o mundo e ainda não se diferencia dele.
A criança age sobre o mundo. Ela repetidamente chupa o dedo, suga a
pontinha da manga da roupa: movimentos não intencionais, centralizados no seu
próprio corpo, se repetem sempre. O reflexo inato de sugar assimila, incorpora novos
elementos do meio (o dedo, a roupa) e ao mesmo tempo vai sendo transformado por
eles (acomodação), pois sugar o seio é diferente de chupar o dedo, que também é
diferente de sugar a própria roupa.
"Para conhecer os
objetos, o sujeito tem que agir
sobre eles e, por
conseguinte, transformá- los:
tem que deslocá-los, agrupá-
los, combiná-los, separá-los
e juntá-los", afirma Piaget
(1983: 14). A consciência da
criança sobre o meio externo
se expande lentamente,
conforme suas ações se deslocam de seu próprio corpo para os objetos. A mão agarra,
achega o objeto ao corpo, à boca que experimenta, empurra-o para longe de si. As
pernas agitam-se em esperneio. Puxar, empurrar, contrair, distender, apanhar largar,
juntar, espalhar, apertar afrouxar, são ações que também se repetem. Os olhos
acompanham os movimentos.
O centro não é mais o corpo da criança, já que por intermédio dessas ações
a criança manipula os elementos do meio. As ações agora são repetidas devido aos
efeitos interessantes que produzem, analisa Piaget. Aos poucos, meios e fins vão
sendo diferenciados e as ações começam a ganhar intencionalidade. A descoberta
casual de que a argola agarrada produz movimentos e sons num brinquedo suspenso
acima do berço leva a criança a repetir o movimento. Ela age para atingir um propósito.

42 A abordagem piagetiana
Os movimentos ficam mais complexos, mais amplos, como engatinhar, pôr-se de pé,
andar.
Nesse percurso o eu e o mundo tornam-se progressivamente distintos. O
indivíduo e os objetos diferenciam-se e organizam-se no plano das ações exteriores,
e a permanência dos objetos vai sendo construída. O brinquedo, que ao ser retirado
da criança deixava de existir para ela, passa a ser procurado. A criança começa a
perceber que os objetos, as pessoas, continuam existindo mesmo quando estão fora
do seu campo de visão.
Formam-se as primeiras imagens mentais dos objetos ausentes do meio
imediato. São elas que possibilitam o desenvolvimento da função simbólica,
mecanismo comum aos diferentes sistemas de representação (jogo, imitação,
imagens interiores, simbolização). Com o desenvolvimento da função simbólica, a
partir do segundo ano de vida, o eu e o mundo reorganizam-se num novo plano: o
plano representativo.
A criança reproduz, ou imita, utilizando gestos ou onomatopeias, o
comportamento e os sons de um modelo ausente, representando-o de alguma forma
simbólica no jogo do faz de conta. Por meio de uma imagem mental, um símbolo,
começa a imaginar fatos, objetos, pessoas acontecimentos que ocorreram em outras
ocasiões, procurando relembrá-los. O espaço e o tempo se ampliam, à medida que o
desenvolvimento da função simbólica a libera de agir somente em situações do meio
imediato. Ela torna-se capaz, de imaginar ações ou fatos sem praticá-los efetivamente.

4.2.2 – O período pré-operatório


Representando mentalmente o mundo externo e suas próprias ações, a
criança os interioriza. É nesse período que ela se torna capaz de tratar os objetos
como símbolos de outras coisas. O desenvolvimento da representação cria as
condições para a aquisição da linguagem, pois a capacidade de construir símbolos
possibilita a aquisição dos significados sociais (das palavras) existentes no contexto
em que ela vive.
Nesse momento, a criança deverá reconstruir no plano da representação
aquilo que já havia conquistado no plano da ação prática. Assim, a diferenciação entre

A abordagem piagetiana 43
o eu e o mundo, que já tinha se completado no plano da ação, deverá ser elaborada
no plano da representação. Centrada no seu próprio ponto de vista, a criança ainda
não é capaz de se colocar no lugar do outro nem de avaliar seu próprio pensamento.
Ela não considera mais de um aspecto de um problema ao mesmo tempo, fixando-se
sempre em apenas um deles.
Ao repartir o refrigerante com o irmão, a criança só considera a partilha
justa se o líquido ficar em altura igual nos dois copos, mesmo que um deles seja
visivelmente mais estreito. Ela considera apenas uma dimensão do problema (a altura
do líquido no copo), a mais evidente em termos perceptivos. Não é ainda capaz de
raciocinar levando em conta as relações entre as várias dimensões envolvidas (a
largura e o formato do copo), e o tipo de percepção que tem dos objetos determina o
tipo de raciocínio que faz sobre eles.
Nas explicações que dá, o seu ponto de vista prevalece sobre as relações
lógicas. Ela diz coisas como "Ficou de noite porque o sol foi dormir", "Quem fez aquele
rio foram os homens que moravam ali". Ações humanas explicam os fenômenos
naturais, elementos da natureza praticam ações humanas, são dotados de
intencionalidade e qualidades humanas.
Como a noção de permanência dos objetos, que leva muito tempo para ser
elaborada no nível sensório-motor, os processos de raciocínio lógico e os conceitos
demoram também um longo tempo para se desenvolver, a partir desses primeiros
raciocínios (pré-lógicos) de que a criança se torna capaz com a representação.

4.2.3 – O período das operações concretas


É apenas ao final do período pré-operatório, após equilibrações sucessivas,
que o pensamento da criança assume a forma de operações intelectuais. As
operações são ações mentais voltadas para a constatação e a explicação. A
classificação e a seriação, por exemplo, são ações mentais. Essas ações são sempre
reversíveis, ou seja, têm a propriedade de voltar ao ponto de partida.

44 A abordagem piagetiana
A criança torna-se capaz de
compreender o ponto de vista de outra
pessoa e de conceitualizar algumas
relações. Portanto, é nessa fase que são
estabelecidas as bases para o
pensamento lógico, próprio do período
final do desenvolvimento cognitivo.

A reversibilidade do pensamento possibilita à criança construir noções de


conservação de massa, volume, etc. O pensamento reversível pode ser definido como
a capacidade de levar em consideração uma série de operações que, revertidas,
conduzem ao estado inicial. É o que ocorre, por exemplo, com a noção de
conservação de líquidos: uma criança, num nível operatório, é capaz de compreender
que a quantidade de refrigerante contida em um copo permanece a mesma quando
despejada em outro mais alto e mais estreito, embora o nível do líquido se torne mais
elevado. Essa capacidade está relacionada à possibilidade de ela representar
mentalmente a operação inversa – o líquido retornando ao copo original – e, desse
modo, compreender que a quantidade se mantém invariável, a despeito das
alterações perceptíveis. Assim, se for repartir o refrigerante com o irmão, despejando-
o em dois copos de formatos diferentes, essa criança terá condições (diferentemente
de uma criança menor) de considerar as múltiplas dimensões envolvidas no problema,
estabelecendo relações entre altura e largura do copo e quantidade de líquido.

A abordagem piagetiana 45
Assim, por meio das operações – inicialmente só aplicáveis a objetos
concretos e presentes no ambiente - os conhecimentos construídos anteriormente
pela criança vão se transformando em conceitos.

4.2.4 – O período das operações formais


Apenas na adolescência é que o indivíduo se torna capaz de pensar
abstratamente, refletindo sobre situações hipotéticas de maneira lógica. As operações
mentais que aplicava só a objetos podem ser aplicadas, agora, também a hipóteses
formuladas em palavras.
O pensamento sobre possibilidades, sobre acontecimentos futuros, sobre
conceitos abstratos apresenta-se cada vez mais articulado. O adolescente não tem
mais necessidade de estar diante dos objetos concretos ou de operar sobre eles para
relacioná-los. Ele transforma os dados da experiência em formulações organizadas e
desenvolve conexões lógicas entre elas.
O adolescente torna-se, enfim, capaz de pensar sobre o seu próprio
pensamento, ficando cada vez mais consciente das operações mentais que realiza ou
que pode ou deve realizar diante dos mais variados problemas. Essa consciência a
propósito do próprio pensamento
"pode ser resumida pelo seguinte
tipo, muito citado, de perguntas de
adolescentes: 'Eu me surpreendi
pensando acerca do meu futuro e
então comecei a pensar por que
estava pensando no futuro, e aí
comecei a pensar por que eu estava pensando sobre por que eu estava pensando no
meu futuro’" (EVANS, 1980: 116).

46 A abordagem piagetiana
4.3 – Pesquisando a criança

4.3.1 – O método clínico


Em 1919, trabalhando com Simon na padronização dos testes de
inteligência, Piaget voltou sua atenção para as respostas tidas como erradas dadas
pelas crianças que participavam dos testes. Começou a se preocupar com quais
seriam as razões das falhas das crianças em compreender determinadas coisas, com
qual seria o tipo de raciocínio implícito em suas respostas.
Indagando-se sobre os processos de pensamento que estariam por trás
das respostas erradas, Piaget desenvolveu um "método de observação que consiste
em deixar a criança falar, anotando-se a maneira pela qual ela desenvolve o seu
pensamento. A novidade consiste em deixar a criança falar, seguindo suas respostas:
guiada por elas, a criança é encorajada a falar cada vez mais livremente. Dessa forma,
é possível obter em cada domínio da inteligência um procedimento clínico de exame
que é análogo ao que os psiquiatras adotaram como meio para a elaboração do
diagnóstico. É a resposta da criança que determina parcialmente o próximo passo do
experimentador" (Azenha, 1994: 105).
Piaget chamou esse tipo de procedimento de método clínico. Em algumas
investigações, a criança era incentivada a agir sobre objetos e depois a falar sobre o
que havia feito.
Uma das situações mais famosas utilizadas por Piaget começava com duas
bolas iguais feitas com massa de modelar. Pedia-se à criança que as segurasse e
perguntava-se se havia ou não a mesma quantidade de massa nas duas bolas.
Quando a criança respondia afirmativamente, mudava-se a forma de uma
das bolas, passando-a para a forma de uma salsicha, por exemplo, e novamente se
perguntava à criança se havia na salsicha a mesma quantidade de massa que na bola.
Algumas crianças diziam que sim, explicando que havia a mesma quantidade porque
se se fizesse de novo uma bola, esta seria igual à primeira. Outras, mais novas, davam
explicações como "esta tem mais porque é mais comprida", referindo-se à salsicha.
Por meio de situações desse tipo, Piaget procurava compreender a maneira
de pensar da criança em diferentes idades. Para ele, não interessava se a criança

A abordagem piagetiana 47
acertava ou errava ao responder, mas sim a maneira como pensava no problema
proposto. Seu objetivo era apreender o tipo de operação mental que a criança
realizava (no caso desse exemplo, ele investigava as noções de conservação e a
reversibilidade do pensamento da criança).
Assim, com base nas pesquisas realizadas através do método clínico e
também na observação direta de seus próprios filhos, especialmente nos dezoito
primeiros meses de vida, Piaget, auxiliado por inúmeros colaboradores, foi
gradativamente elaborando sua teoria sobre o desenvolvimento cognitivo da criança.

4.3.2 – Desenvolvimento, aprendizagem e educação: a influência da


abordagem nas escolas
Vimos que, na concepção piagetiana, o desenvolvimento da criança é um
processo que depende essencialmente da equilibrarão, que é a capacidade natural
de auto regulação do indivíduo. As estruturas cognitivas da criança são elaboradas e
reelaboradas continuamente a partir da sua ação (física ou mental) sobre o meio.
De acordo com esse quadro teórico, a aprendizagem praticamente não
interfere no curso do desenvolvimento. A ênfase nos processos internos e na atividade
construtiva da própria criança resulta em uma concepção que considera a
aprendizagem como dependente do processo de desenvolvimento. Ou seja, aquilo
que a criança pode ou não aprender é determinado pelo nível de desenvolvimento de
suas estruturas cognitivas.
Segundo Piaget, tudo o que é transmitido à criança sem que seja
compatível com seu estágio de desenvolvimento cognitivo não é de fato incorporado
por ela. A criança pode imitar mecânica e externamente o adulto, mas não
compreende (e, portanto, não conhece) o que está fazendo.
As formulações de Piaget têm tido grande influência sobre a prática
pedagógica, inclusive no Brasil. Ao destacarem o papel ativo da criança no processo
de elaboração do conhecimento, têm sido responsáveis por ideias como: o papel
fundamental da escola é dar à criança oportunidades de agir sobre os objetos de
conhecimento; o professor não deve ser aquele que transmite conhecimentos à

48 A abordagem piagetiana
criança, mas sim um agente facilitador e desafiador de seus processos de elaboração;
a criança é quem constrói o seu próprio conhecimento.

A abordagem piagetiana 49
5
A abordagem Histórico
Cultural
Roseli Aparecida Cação Fontana e Maria Nazaré da
Cruz

Licenciatura em Pedagogia
1 A abordagem Histórico Cultural

FONTANA, Roseli; CRUZ, Nazaré da. Psicologia do desenvolvimento e


aprendizagem. In: Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997.

O interesse em explicar como se formaram, ao longo da história do homem,


as características tipicamente humanas de seu comportamento e como elas se
desenvolvem em cada indivíduo constitui a base da abordagem histórico-cultural em
psicologia, desenvolvida por um grupo de psicólogos soviéticos liderado por L.S.
Vygotsky.
O princípio orientador da abordagem de Vygotsky é a dimensão sócio-
histórica do psiquismo. Segundo esse princípio, tudo o que é tipicamente humano e
distingue o homem de outras espécies origina-se de sua vida em sociedade. Seus
modos de perceber, de representar, de explicar e de atuar sobre o meio, seus

50 A abordagem Histórico Cultural


sentimentos em relação ao mundo, ao outro e a si mesmo, enfim, seu funcionamento
psicológico, vão se constituindo nas suas relações sociais.
A criança, analisam Vygotsky e seus colaboradores, não nasce em um
mundo “natural”. Ela nasce em um mundo humano. Começa sua vida em meio a
objetos e fenômenos criados pelas gerações que a precederam e vai se apropriando
deles conforme se relaciona socialmente e participa das atividades e práticas culturais.
Desde o nascimento, a criança está em constante interação com os adultos,
que compartilham com ela seus modos de viver, de fazer as coisas, de dizer e de
pensar, integrando-a aos significados que foram sendo produzidos e acumulados
historicamente. As atividades que ela realiza, interpretadas pelos adultos, adquirirem
significado no sistema de comportamento social do grupo a que pertence.
Nesse processo interativo, as reações naturais – herdadas biologicamente
– de respostas aos estímulos do meio (tais como a percepção, a memória, as ações
reflexas, as reações automáticas e as associações simples) entrelaçam-se aos
processos culturalmente organizados e vão se transformando em modos de ação, de
relação e de representação caracteristicamente humanos.
“Podemos dizer que cada indivíduo aprende a ser homem”, escreveu
Leontiev, um dos psicólogos que integravam o grupo de Vygotsky.
Assim, de acordo com a perspectiva histórico-cultural, a relação entre o
homem e o meio físico e social não é natural, total e diretamente determinada pela
estimulação ambiental. E também não é uma relação de adaptação do organismo ao
meio.
Questionando as teorias psicológicas de seu tempo, entre as quais aquela
que se apoiavam em modelos biológicos para explicar o desenvolvimento humano,
(como a que já estudamos até aqui0, Vygotsky destacava que diferentemente das
outras espécies, o homem, pelo trabalho, transfora o meio produzindo cultura.

A abordagem Histórico Cultural 51


5.1 – A transformação do biológico em histórico-cultural

5.1.1 – O uso de instrumentos


Quando sente fome, um animal procura comida na natureza, e seu
comportamento, nesse caso, é orientado exclusivamente pelas suas possibilidades e
características biológicas (um predador age diferentemente de um herbívoro) e pelas
resistências ou facilidades que o ambiente lhe impõe (abundância ou escassez de
alimento, por exemplo).
Já o homem cria instrumentos. Pode-se considerar instrumento tudo aquilo
que se interpõe entre o homem e o ambiente, ampliando e modificando suas formas
de ação. São instrumentos, por exemplo, a enxada, a serra, o arado, as máquinas,
usados no trabalho. Criados pelo homem para lhe facilitarem a ação sobre a natureza
(o arado, para arar a terra; a serra para cortar as árvores e transformá-las em madeira,
etc.), os instrumentos acabam transformando o próprio comportamento humano, que
deixa de ser uma ação direta sobre o meio, controlada apenas pela relação entre as
necessidades de sobrevivência e o ambiente. O instrumento amplia os modos de ação
naturais do homem e seu alcance. Assim, da mesma forma que atua sobre a natureza,
transformando-a, o homem atua sobre si próprio, transformando suas formas de agir.
Segundo a abordagem histórico cultural, a relação entre homem e meio é
sempre mediada por produtos culturais humanos, como instrumento e o signo, e pelo
“outro”.

Quem foi Vygotsky?

Lev semenovich Vygotsky nasceu em 1896 em orsha, Bieo-Rússia ,e faleceu


prematuramente vírgula aos 38 anos, em 1934, vítima de tuberculose. Concluiu seus estudos
em direito e Filologia na universidade de Moscou, em 1917. Posteriormente estudou medicina.
Lecionou literatura e Psicologia em Gomel, de 1917 a 1942, quando se mudou novamente
para Moscou, trabalhando, de início, no instituto de psicologia e, mais tarde, no instituto de
Defectologia, por ele fundado. Dirigiu, ainda, um departamento de Educação para deficientes
físicos e retardados mentais. De 1925 a 1934, Vygotsky lecionou psicologia e pedagogia em
Moscou e leningrado.. Nessa ocasião, iniciou o estudo sobre a crise da Psicologia, buscando

52 A abordagem Histórico Cultural


uma alternativa dentro do materialismo dialético para o conflito entre as concepções Idealista
e mecanicista. Tal estudo levou Vygotsky e seu grupo - entre eles A. R,Llúria e A.N. leontiev -
a propostas teóricas inovadoras sobre temas como: relação entre pensamento e linguagem,
natureza do processo de desenvolvimento da criança e o papel da instrução no
desenvolvimento.
Vygotsky foi ignorado no ocidente e teve a publicação de suas obras suspensas na
União Soviética de 1936 a 1956. Hoje, no entanto, a partir da divulgação feita, seu trabalho
vem sendo novamente estudado e valorizado.
A morte prematura de Vygotsky interrompeu uma carreira brilhante, da qual podemos
resgatar hoje importantes contribuições. A atualidade dos temas tratados por ele é o sinal
mais evidente de que estamos diante de uma obra da maior significação. O fundamento básico
de suas hipóteses de que os processos psicológicos superiores humanos são mediados pela
linguagem e estruturados não em localizações anatômicas fixas no cérebro, mas em sistemas
funcionais, dinâmica e historicamente mutáveis, levou-o, juntamente Luria, por volta de 1930,
a se interessar pelo fenômeno da instalação, perda e recuperação de funções ao nível do
sistema nervoso central. Estes estudos foram continuados por Luria, após sua morte.
Extraído de Vygotsky, Luria, Leontiev. Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ìcone/Edusp,
1988.

5.1.2 – O uso de signos


O signo é comparado por Vygotsky ao instrumento e denominado por ele
“instrumento psicológico”. Tudo o que é utilizado pelo homem para representar, evocar
ou tornar presente o que está ausente constitui um signo: a palavra, o desenho, os
símbolos (como a bandeira ou emblema de um time de futebol), etc.
Enquanto o instrumento está orientado externamente, ou seja, para a
modificação do ambiente, o signo ´internamento orientado, modificando o
funcionamento psicológico do homem.
Utilizamos os signos para desempenhar diversas atividades. Anotar um
compromisso na agenda, fazer uma lista de convidados, colocar rótulos em objetos,
usar palitos para fazer contas, contar uma história, seguir uma partitura musical, fazer
a planta de uma construção, são formas de utilização de signos que ampliam nossas
possibilidades de memória, raciocínio, planejamento, imaginação, etc.

A abordagem Histórico Cultural 53


De acordo com a concepção histórico-cultural, é importante considerar que
a utilização dos instrumentos e dos signos não se limita à experiência pessoal de um
indivíduo.
Quando utilizamos um martelo, por exemplo, estamos incorporando a
nossas ações as experiências das gerações precedentes, uma vez que o próprio
martelo, o modo de manipulá-lo, e a finalidade de seu uso nos sãos transmitidos nas
nossas relações com o outro.
O acesso à escrita, às anotações musicais, às convenções gráficas, e à
palavra, por sua vez, também se faz na interação com outras pessoas, sendo uma
incorporação de experiências anteriores de determinado grupo cultural. No caso da
linguagem, que é o sistema de signos mais importantes para o homem, os significados
das palavras são produtos das relações históricas entre homens.

5.1.3 – O papel do outro e a internalização


A apropriação dos instrumentos e dos signos pelo indivíduo ocorre sempre
na interação com o outro.
“O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de
uma outra pessoa”, escreveu Vygotsky. “essa estrutura humana complexa é produto
de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre
história individual e história social” (1984:37).
Desde o nascimento, a criança tem com o mundo uma relação mediada
pelo outro e pela linguagem. O adulto ensina a criança a utilizar os objetos – ela agita
o chocalho diante dela, ajuda-a a pegá-lo, ensina-a a chutar a bola, a comer com
talheres, a tomar banho, a vestir-se, a falar ao telefone. O adulto aponta, nomeia,
destaca, indica os objetos do mundo para a criança, ao mesmo tempo que atribui
significações aos seus comportamentos. Quem já viu um adulto lidando com um bebê,
sabe que os adultos falam o tempo todo, dando nomes para os objetos, dirigindo a
atenção da criança e interpretando tudo o que ela faz.
Aos poucos a criança aprende a falar e passa a utilizar a própria linguagem
para regulares suas ações, conferir sentido às coisas. Ela pode, ao mexer no botão

54 A abordagem Histórico Cultural


da televisão, por exemplo, dizer Não pode!” Ou, quando tropeça, falar “Caiu!”, Ou,
quando vê um prato de sopa, falar “Papa!”
É na sua relação com o outro que a criança vai se apropriando das
significações socialmente construídas. Desse modo, é o grupo social que, por meio
da linguagem e das significações, possibilita o acesso a formas culturais de perceber
e estruturar a realidade.
A partir de suas relações como o outro, a criança reconstrói internamente
as formas culturais de ação e pensamento, assim como as significações e os usos da
palavra que foram com ela compartilhados. A esse processo interno de reconstrução
de uma operação externa, Vygotsky dá o nome de internalização.
Na internalização, a atividade interpessoal transforma-se para constituir o
funcionamento interno (intrapessoal) (Góes, 1991).
Desse modo, a abordagem histórico-cultural considera que toda função
psicológica se desenvolve em dois planos: primeiro, no da relação entre indivíduos, e,
depois, no próprio indivíduo. O processo de desenvolvimento vai do social para o
individual, ou seja, as nossas maneiras de pensar e agir são resultados da apropriação
de formas culturais de ação e pensamento.
Logo, para Vygotsky as origens e as explicações do funcionamento
psicológico do homem deve ser buscadas nas interações sociais. É aí que o individuo
tem acesso aos instrumentos e aos sistemas de signos que possibilitam o
desenvolvimento de formas culturais de atividades e permitem estruturar a realidade
e o próprio pensamento.

5.2 – Pesquisando a criança: o papel do signo no desenvolvimento

Ao estudar o desenvolvimento da criança, as patologias e a deficiência


mental, Vygotsky baseou-se em observações e experimentação em situações
variadas. Ele defendia a ideia de que o trabalho experimental não devia limitar-se a
modelos de laboratório divorciados das situações naturais da vida, podendo ser
realizado em situações de brincadeira, de aprendizado, nas conversações informais,
na escola, na família ou em ambiente clínico.

A abordagem Histórico Cultural 55


Nas situações experimentais por ele criadas, seu objetivo fundamental era
o d estudar o processo de constituição da atividade mediada. Ou seja, para Vygotsky
interessava investigar os modos como a criança utilizava os signos para executar
tarefas envolvendo, por exemplo, a atenção, a memória, a percepção; os modos de
participação do outro na resolução dessas tarefas; e os modos como a própria
situação estimuladora ia sendo ativamente modificada no processo de resposta a ela.
Nessas condições, os dados fundamentais do experimento, não eram
respostadas dadas pelas crianças, e sim os modos pelos quais elas chegavam às
respostas e as condições em que elas as elaboravam. Assim, as questões centrais a
que o experimentador voltava sua atenção eram: o que a criança está fazendo? Como
ela tenta satisfazer às exigências da tarefa que lhe foi proposta? De que recursos
lança mão? Que tipo de ajuda solicita, e a quem? O que é um obstáculo, uma
dificuldade para ela na situação? Como ela utiliza as pistas e as ajudas que lhe são
oferecidas durante a realização da atividade experimental?
Nos estudos desenvolvidos por Vygotsky e seu grupo, o observador
desempenhava um papel diferente do exercido nas outros estudos que vimos até aqui.
Como mediador da elaboração da criança, o experimentador era mais que um mero
observador. Sua participação constituía um dos dados da pesquisa. Ele interagia com
a criança, falando com ela, acolhendo suas dúvidas e comentários, propondo a ela
caminhos alternativos para a solução da situação problema, oferecendo-lhe, inclusive,
materiais que pudessem ser utilizados de modos diversos para o cumprimento da
tarefa. Ele também conversava com a criança sobre as soluções encontradas,
procurando ouvir dela própria a explicação de como tinha chegado à solução das
tarefas.
Um experimento desenvolvido por Leontiev para estudar o papel
desempenhado pelos signos mediadores no desenvolvimento da atenção voluntária
pode ilustrar a forma como trabalhava o grupo de pesquisadores de Vygotsky.
A atenção, assim como a percepção e a memória, é uma atividade
psicológica com a qual nascemos. Como o de outras espécies, nosso organismo é
dotado de mecanismos neurológicos inatos que permitem selecionar estímulos do
ambiente apropriados à sobrevivência. Nascemos com mecanismos de atenção

56 A abordagem Histórico Cultural


involuntária, que nos permitem perceber e responder automaticamente a ruídos fortes,
objetos em movimentos e mudanças bruscas do ambiente.
No entanto, ao longo de nosso desenvolvimento, tornamo-nos capazes de
dirigir a atenção não só para os estímulos ligados a nossa sobrevivência, mas também
para situações ou elementos que nos interessam. Por exemplo, ao lermos
determinado livro, dizemos que ele “prendeu nossa atenção”, quando somos capazes
de ignorar, durante a leitura, os ruídos do ambiente ou o movimento das pessoas em
torno de nós. E, na escola, uma criança pode permanecer alheia a tudo o que a
professora está explicando ou escrevendo na lousa, a despeito da sua movimentação
pela classe, do som da sua voz, ou do fato de ser diretamente solicitada a prestar
atenção.
Ao dirigirmos deliberadamente nossa atenção para estímulos do meio que
consideramos relevantes, transformamos aquele mecanismo biológico de atenção
involuntária em um mecanismo de atenção voluntária, em uma atividade psicológica
controlada por nós mesmos. Essa transformação, segundo Vygotsky, está relacionada
ao significado dos estímulos, o qual vai sendo produzido em nossas relações sociais
e nas práticas culturais dos grupos a que pertencemos.
Assim, para estudar como um elemento auxiliar externo pode controlar e
direcionar a atenção da criança, Leontiev utilizou um jogo tradicional infantil na Europa,
o das palavras proibidas, equivalente ao nosso jogo do “sim, não e porquê”.
O pesquisador participava do jogo fazendo perguntas às crianças, que
deveriam responder sem utilizar determinadas palavras, como, por exemplo, azul e
vermelho.
Num primeiro momento, o pesquisador formulava perguntas como “Qual a
cor de sua blusa?”, “Qual a cor do céu?” ”Qual a cor da maçã?” e as crianças
respondiam a elas. Num segundo momento, ele fazia as mesmas perguntas mas
entregava às crianças cartões coloridos que elas poderiam utilizar, se quisessem e
como quisessem.
Com a introdução dos cartões (como recurso auxiliar para a execução da
tarefa), procurava-se verificar se as crianças os utilizavam ou não como suportes para
sua atenção e memória e de que modos o faziam. Algumas crianças não utilizavam

A abordagem Histórico Cultural 57


os cartões, outras separavam os que apresentavam as cores proibidas e os
consultavam antes de responder à pergunta, cometendo assim um número menor de
erros.
Esse resultado foi interpretado como um indicador de que elementos
mediadores externos, os cartões incorporados à atividade da criança, ampliavam sua
capacidade de atenção e memória, possibilitando a ela ter maior controle voluntário
de sua própria atividade.

5.3 – Desenvolvimento, aprendizagem e educação: a influência da abordagem


histórico – cultural na escola.

Como vimos, o desenvolvimento é entendido por Vygotsky como um


processo de internalização de modos cultuais de pensar e agir. Esse processo de
internalização inicia-se nas relações sociais, mas quais os adultos ou crianças mais
velhas, por meio da linguagem, do jogo, do “fazer junto”, compartilham com a criança
seus sistemas de pensamento e ação.
Embora aponte diferenças entre aprendizado e desenvolvimento, Vygotsky
considera que esses dois processos caminham juntos desde o primeiro dia de vida da
criança e que o primeiro – o aprendizado – suscita e impulsiona o segundo – o
desenvolvimento. Ou seja, tudo aquilo que a criança aprende com o adulto ou com
outra criança mais velha vai sendo elaborado por ela, vai se incorporando a ela,
transformando seus modos de agir e pensar.
Assim, segundo Vygotsky, o conhecimento do mundo passa pelo outro,
sendo a educação “o traço distintivo fundamental da história do pequeno ser humano.
A educação pode ser definida como sendo o desenvolvimento artificial da criança. Ela
é o controle artificial dos processes de desenvolvimento natural. A educação faz mais
do que exercer influência sobre um certo número de processos evolutivos; ela
reestrutura de modo fundamental todas as funções do comportamento” (1985:45).
Os processos de aprendizado transformam-se em processos de
desenvolvimento, modificando os mecanismos biológicos da espécie. Sendo um
processo constituído culturalmente, o desenvolvimento psicológico depende das

58 A abordagem Histórico Cultural


condições sociais em que é produzido, dos modos como as relações sociais
cotidianas são organizadas e vividas e do acesso às práticas culturais.
Em razão de privilegiar o aprendizado e as suas condições sociais de
produção no processo de desenvolvimento, Vygotsky colocou em discussão os
indicadores de desenvolvimento utilizados pela psicologia da época.
Para avaliar o desenvolvimento de uma criança, os psicólogos
consideravam apenas as tarefas e as atividades que ela era capaz de realizar sozinha,
sem ajuda de outras pessoas. Procedendo assim, os psicólogos, segundo Vygotsky,
apreendiam apenas se nível de desenvolvimento real, isto é “o nível de
desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabelecera como resultado
de certos ciclos de desenvolvimento já completados” (Vygotsky, 1984).
Ao considerarem apenas o desenvolvimento real, problematizava Vygotsky,
os psicólogos voltavam-se para o passado da criança. Ou seja, apreendiam processos
de desenvolvimento já concluídos.
No entanto, destacava ele, nas situações de vida diária e mesmo na escola,
era possível perceber que as atividades que a criança realizava sozinha, por exemplo,
comer com a colher, amarrar os sapatos, montar uma torre com peças de tamanhos
diversos, escrever, foram antes compartilhadas com outras pessoas.
No entanto, destacava ele, nas situações de vida diária e mesmo na escola,
era possível perceber que as atividades que a criança realizava sozinha, por exemplo,
comer com a colher, amarrar os sapatos, montar uma torre com peças de tamanhos
diversos, escrever, foram antes compartilhadas com outras pessoas.
Sua proposta, então, era de que se trabalhasse também com os
indicadores de desenvolvimento proximal, que revelariam os modos de agir e de
pensar ainda em elaboração e que requerem a ajuda do outro para serem realizados.
Os indicadores do desenvolvimento proximal seriam as soluções que a criança
consegue atingir com a orientação e a colaboração de um adulto ou de outra criança.
Segundo sua análise, o aprendizado (a atividade interpessoal) precede e
impulsiona o desenvolvimento, criando zonas de desenvolvimento proximal, ou seja,
processos de elaboração compartilhada.

A abordagem Histórico Cultural 59


Observar a atividade compartilhada da criança possibilita olhar para seu
futuro, pois “o que é o desenvolvimento próximas hoje, será o nível de
desenvolvimento real amanha – ou seja, aquilo que a criança é capaz de fazer com
assistência hoje ela será capaz de fazer sozinha amanhã” (Vygotsky, 1985).
Além disso, o desenvolvimento proximal como desenvolvimento em
elaboração possibilita a participação do adulto no processo de aprendizagem da
criança. Para consolidar e dominar autonomamente as atividades e operações
culturais, a criança necessita da mediação do outro. O mero contato da criança com
os objetos de conhecimento ou mesmo sua imersão em ambientes informadores e
estimuladores não garante a aprendizagem nem promove necessariamente o
desenvolvimento, uma vez que ela não tem, como indivíduo, instrumental para
organizar ou recriar sozinha o processo cultural (oliveira, 1995).
Portanto, é no campo de desenvolvimento em elaboração que a
participação do adulto, como pai, professor, parceiro social, se necessária. Conforme
alertava Vygotsky, “o bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao
desenvolvimento” (1984:101).

5.4 – O papel da escolarização

O modo como Vygotsky concebia e analisava o desenvolvimento humano


levou-o a discutir explicitamente o papel da escolarização. Diferentemente de outros
psicólogos, Vygotsky considerou as especificidades das relações de conhecimento
produzidas na escola, distinguindo-as das relações de conhecimento cotidianas.
Em nossas sociedades, a escola é uma instituição encarregada de
possibilitar o contato sistemático e intenso das crianças com o sistema de leitura e de
escrita, como os sistemas de contagem e de mensuração, com os conhecimentos
acumulados e organizados pelas diversas disciplinas científicas, com os modos como
esse tipo de conhecimento é elaborado e com alguns dos variados instrumentos de
que essas ciências se utilizam (mapas, dicionários, réguas, transferidores, máquinas
de calcular, etc.). Embora chegue à escola já dominando inúmeros conhecimentos e
modos de funcionamento intelectual necessários à elaboração dos conhecimentos

60 A abordagem Histórico Cultural


científicos sistematizados, durante o processo de educação escolar a criança realiza
a reelaboração desses conhecimentos, mediante o estabelecimento de uma nova
relação cognitiva com o mundo e com o seu próprio pensamento.
Embora chegue à escola já dominando inúmeros conhecimentos e modos
de funcionamento intelectual necessários à elaboração dos conhecimento científicos
sistematizados, durante o processo de educação escolar a criança realiza a
reelaboração desses conhecimentos, mediante o estabelecimento de uma nova
relação cognitiva com o mundo e com o seu próprio pensamento.
O estudo da aritmética, por exemplo, não começa do zero. Ao chegar
escola a criança já passou por experiências anteriores relativas a quantidades,
determinação de tamanho, operações de divisão, adição, etc. o mesmo acontece
quanto à escrita e às operações mentais utilizadas em situações do cotidiano. Nas
brincadeiras, nas tarefas da casa, nas compras que faz para a mãe, a criança imitando
os mais velhos, “escreve”, classifica, compara, seria, estabelece relações entre os
elementos de uma situação, etc. nessas situações, sem que ela própria e seus
parceiros sociais percebam, os conhecimentos vão se elaborando ao ritmo da própria
vida, entrelaçados às emoções, às necessidades e interesses imediatos da atividade
em que está envolvida.
Na escola, as condições se modificam. Ali as relações de conhecimento
são intencionais e planejadas. A criança sabe que está ali para apropriar-se de
determinado tipo de conhecimento e de modos de pensar e de explicar o mundo,
organizados segundo uma lógica que ela deverá aprender.
A professora acompanha a criança: orienta sua atenção, destacando
elementos das situações em estudo considerados relevantes à compreensão dos
conhecimentos nelas implicados; analisa as situações para e com a criança e leva-a
a comparar, classificar, estabelecer relações lógicas; demonstra como usar
determinados procedimentos da matemática e da escrita; ensina a utilizar o mapa, os
equipamentos de laboratório, etc.
A criança por sua vez, raciocina com a professora. Segue suas explicações
e instruções, reproduz as operações lógicas realizadas por ela, mesmo sem entendê-
las completamente. Nessas situações compartilhadas com a professora, a criança

A abordagem Histórico Cultural 61


aprende significados, modos de agir e de pensar, e começa a elaborá-los. Ela também
ressignifica e reestrutura significados, modos de agir e de pensar, e começa a se dar
conta das atividades mentais que realiza e do conhecimento que está elaborando.
Nesse sentido, destaca Vygotsky, a educação escolarizada e o professor
têm um papel singular no desenvolvimento dos indivíduos.
Fazendo junto, demonstrando, fornecendo pistas, instruindo, dando
assistência, o professor interfere no desenvolvimento proximal de seus alunos,
contribuindo para a emergência de processos de elaboração e desenvolvimento que
não ocorreriam espontaneamente.
A escola, possibilitando o contato sistemático e intenso dos indivíduos com
os sistemas organizados de conhecimento e fornecendo a eles instrumentos para
elaborá-los, mediatiza seu processo de desenvolvimento.

62 A abordagem Histórico Cultural


6
Bullying

Herculano Campos e Samila Jorge

Licenciatura em Pedagogia
1 Bullying

CAMPOS, Herculano R.; JORGE, Samila D. C. Violência na escola: uma reflexão


sobre o bullying e a prática educativa. In: Em aberto, Brasília, v. 23, n. 83, p. 107-
128, mar. 2010. Disponível em:
http://rbepold.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/2254/2221 Acesso em:
mar. 2021

Bullying 63
Violência na escola: uma reflexão
sobre o bullying e a prática educativa
Herculano Ricardo Campos
Samia Dayana Cardoso Jorge

Resumo 107
O bullying envolve todas as atitudes agressivas, intencionais e repetitivas –
adotadas por uma ou mais pessoas contra outra – que acontecem sem motivação
evidente, causando dor e angústia. Quando executado na escola, resulta em
comprometimento da aprendizagem, da vontade de estudar e de todo o ambiente
educativo. Um questionário com perguntas fechadas foi aplicado a 107 educadores,
em 14 escolas particulares de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, e as respostas
receberam tratamento estatístico no programa Statistic Package for the Social Sciences
(SPSS). Os dados mostram que 83% dos entrevistados já ouviram falar em bullying e
a necessidade de intervenção foi relatada por 97,03% dos entrevistados, dos quais
73,27% já foram chamados por alunos ou funcionários da escola para remediarem
situações dessa ordem. Sugere-se a intensificação de estudos relacionados ao
assunto e o desenvolvimento de ações e programas que envolvam a comunidade
escolar (educadores, pais, alunos, funcionários), em parceria com o Conselho Tutelar
e demais órgãos ligados à proteção da criança e do adolescente.

Palavras-chave: violência na escola; bullying; prática educativa.

Em Aberto, Brasília, v. 23, n. 83, p. 107-128, mar. 2010


Abstract
Violence in school: remarks on bullying and school routine

Bullying involves all aggressive, intentional and repetitive attitudes, by one or


more persons against another, which occur without apparent motivation and cause
pain and anguish. In the school, it affects learning, students’ motivation, as well
as the whole educational environment. This research developed a study with 107
educators from 14 private schools in Natal, Rio Gande do Norte State. We applied
a questionnaire with closed questions. Through the statistical program Statistic
Package for the Social Sciences (SPSS), the answers were analyzed in the light of a
social and historical reference. We found out that 83% of respondents have at least
heard on bullying, and there is a need of intervention mentioned by 97, 03% of the
interviewees whose 73, 27% were already called by students or school employees
to deal with situations of that order. One suggests much more studies related to
this subject and also the development of actions and programs that will involve the
school community (educators, parents, students, employees) in a partnership with
other social segments as the Conselho Tutelar (a council for children rights) and
other organs in charge of adolescent and child’s protection.

Keywords: violence in school; bullying; educational practice.

108
Bullying: a trama dos conceitos

Para melhor demarcar o que se pretende definir como bullying, parte-se do


conceito de desrespeito. Alencar e Taille (2007, p. 4) conceituam respeito como “o
reconhecimento do outro como sujeito de direitos e dotado de intrínseca dignidade”,
acrescentando que “não há nada mais inverso ao respeito do que a humilhação, nas
suas mais variadas formas ou maneiras”. A humilhação ou o desrespeito, no dizer
dos autores,

[...] pode destruir o auto-respeito e, portanto, acabar tornando inviável a construção


do respeito entre as pessoas, consequências igualmente prejudiciais tanto ao
desenvolvimento de crianças e adolescentes quando aos relacionamentos interindividuais
e sociais (Alencar, Taille, 2007, p. 4).

Os autores acrescentam que a maioria das práticas de humilhação e


desrespeito, como o insulto e a difamação, não é divulgada; além de que, na maior
parte das vezes, sua prova é de difícil verificação. Acrescente-se, nessa perspectiva,
a vontade da vítima de esconder seu sofrimento em face da vergonha e a omissão
de grande parte das pessoas que assistem ao ato de desrespeito. Em que pese a
pouca divulgação, os casos dessa natureza se repetem diversas vezes no cotidiano
escolar, sendo o bullying uma das suas expressões.

Em Aberto, Brasília, v. 23, n. 83, p. 107-128, mar. 2010


O termo bullying é de origem inglesa e ainda não há correspondente na
língua portuguesa que possibilite uma tradução literal. Vem do vocábulo inglês to
bully, que significa agredir, intimidar, atacar. Nessa perspectiva, bullying constitui
o ato de ser um agressor, intimidador, juntamente com todas as condutas usadas
por esses agressores contra outras pessoas. Debarbieux (2001) afirma que estudos
sobre violência, realizados em países de língua inglesa, encontraram dificuldades
em definir a multiplicidade de conflitos presentes no interior da escola, pois em
inglês violence se refere apenas à violência física. Em decorrência, os pesquisadores
convencionaram usar o termo bullying para descrever grande parte das violências
que acontecem no espaço escolar.
De acordo com Silva (2006, p. 43), um dos pioneiros na utilização desse termo
foi Dan Olweus, professor e pesquisador da Universidade de Bergen, na Noruega,
ao estudar tendências suicidas em adolescentes. Já no início dos anos 1970, ele
investigava o problema dos agressores e suas vítimas na escola, embora somente
na década de 1980 – depois que três adolescentes entre 10 e 14 anos cometeram
suicídio, aparentemente provocado por situações graves de bullying –, as instituições
passaram a demonstrar interesse pelo tema.
Trata-se, portanto, de uma expressão do que se entende por violência e
sua articulação com a escola decorre dos efeitos nocivos sobre a vida escolar dos
estudantes que são vítimas dele, do comprometimento demonstrado por alguns
alunos no processo ensino-aprendizagem e das consequências desestruturantes sobre
todo o espaço educativo. Diferente do dano ao patrimônio, o bullying é violência
contra a pessoa; e diferente da violência física, trata-se de um modo velado de
exercê-la, que não deixa marcas nem indícios suficientes para uma tipificação penal,
109
criminal. De acordo com Middelton-Moz e Zawadski (2007, p. 21),

[...] os comportamentos envolvidos no bullying são variados: palavras ofensivas, humilhação,


difusão de boatos, fofoca, exposição ao ridículo, transformação em bode expiatório e
acusações, isolamento, atribuição de tarefas pouco profissionais ou áreas indesejáveis no
local de trabalho, ameaças, insultos, sexualização, ofensas raciais, étnicas ou de gênero.

Não obstante se caracterizar prioritariamente por formas não-físicas de


manifestação – como as ameaças, os insultos, os apelidos cruéis e as gozações que
magoam profundamente –, de modo que muito se identifica com a violência moral,
o bullying também se expressa ou resulta em formas físicas de agressão, como
empurrões, beliscões, cusparadas, etc. No interior das escolas, ele é observado,
sobretudo, nos momentos de maior socialização, como os recreios e a saída para casa,
trazendo como resultado a exclusão – na escola e da escola – de muitos estudantes
(Olweus, 1998 apud Nogueira, 2007).
O exercício do bullying revela pequenas “violências cotidianas”,
“microvitimizações” ou “incivilidades” (Debarbieux, 2001), exercidas em uma
relação de poder em que alguns estudantes estão fragilizados, em virtude de certas
características pessoais, de certas diferenças. De acordo com Fante (2003), não
se trata de um episódio esporádico, mas de um fenômeno violento que se dá em
todas as escolas e que propicia uma vida de sofrimento para uns e de conformismo

Em Aberto, Brasília, v. 23, n. 83, p. 107-128, mar. 2010


para outros. Os danos físicos, morais e materiais, os insultos, os apelidos cruéis,
as gozações que magoam profundamente, as ameaças, as acusações injustas e a
atuação de grupos hostilizam a vida de muitos alunos, levando-os à exclusão, por
não se enquadrarem em determinado padrão físico, comportamental ou ideológico.
Ou, sob o prisma inverso, o bullying traz à tona a dificuldade do sujeito ou de seu
grupo de se relacionar e conviver com valores e características pessoais diferentes
das suas, configurando as incivilidades.

Pois entre professores e alunos há portadores de diferentes normas de conduta, que se


manifesta por formas menores [...] de violência no espaço escolar, indicando a difícil
questão de convivência entre grupos sociais que utilizam diversos códigos culturais nas
relações de socialidade (Santos, 2001, p. 5).

A Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência


(Abrapia)1 enfatiza no conceito do bullying as relações de poder que estão em jogo.
As atitudes agressivas, intencionais, deliberadas e conscientes que visam a causar
dor, sofrimento, perseguição e exclusão são adotadas por um indivíduo ou um grupo,
na sua maioria composto de pessoas com força física, mais idade e alto poder de
persuasão, contra outros indivíduos ou grupos mais “fracos”. Da Silva (2006), por seu
turno, ressalta o caráter temporal do bullying, afirmando que ele tem continuidade
no tempo e não acontece de forma esporádica: as vítimas estão marcadas, visadas
e vigiadas pelos agressores, os quais, quando agridem, sabem exatamente o que
estão fazendo e como farão. No dizer de Pereira (2002, p. 18),

110 é a intencionalidade de fazer mal e a persistência de uma prática a que a vítima é


sujeita o que diferencia o “bullying” de outras situações ou comportamentos agressivos,
sendo três os fatores fundamentais que normalmente o identificam: 1) o mal causado
a outrem não resultou de uma provocação, pelo menos por ações que possam ser
identificadas como provocações. 2) as intimidações e a vitimização de outros têm caráter
regular, não acontecendo apenas ocasionalmente. 3) geralmente os agressores são
mais fortes (fisicamente), recorrem ao uso de arma branca, ou tem um perfil violento
e ameaçador. As vítimas frequentemente não estão em posição de se defenderem ou
de procurar auxílio.

Em pesquisa realizada com escolares no início dos anos 2000, Fante (2003)
expõe que aproximadamente 63% dos alunos do ensino médio relataram ter sofrido
intimidações pelo menos uma vez, e 25% afirmaram ter sofrido bullying, caracterizado
pela repetição de maus-tratos por parte, principalmente, de colegas da escola. A
autora ainda relata que 66% dos estudantes entrevistados declararam já ter agredido
algum colega, pelo menos uma vez, inclusive com agressão relacionada ao sexo,
como contar piadas pornográficas ou coerção sexual.
As observações e discussões sobre o comportamento de alunos e professores,
realizadas por Nogueira (2007), resultaram na identificação de três tipos de atores
envolvidos no bullying: o espectador, a vítima e o agressor. O primeiro é aquele
que presencia as situações de violência e não interfere, ou porque tem medo de
também ser atingido, ou porque sente prazer com o sofrimento da vítima. Segundo
Silva (2006), o medo de reagir, aliado à dúvida sobre o que fazer, cria um clima de

1
Disponível em: <http://www.observatoriodainfancia.com.br/>. Acesso em: 03 dez. 2008.

Em Aberto, Brasília, v. 23, n. 83, p. 107-128, mar. 2010


silêncio, no qual tudo parece estar bem. É comum o espectador desconsiderar o
problema, valendo-se de justificativas e explicações como, por exemplo, as de que o
agressor não teve a intenção de magoar ou que a vítima está exagerando. Ademais,
quando o agressor continua impune, o espectador pode acreditar que a violência é
um caminho rápido e eficaz para alcançar a popularidade, tornando-se ele também
um bully (Ballone, 2005; Fante, 2005; Middelton-Moz, Zawadski, 2007; Nogueira,
2007).
Os agressores, em geral, são caracterizados como pessoas arrogantes e
desagradáveis. De acordo com Gomes et al. (2007, p. 4), são muitos os fatores que
influenciam as atitudes do autor de bullying, estendendo-se desde

[...] a imitação de um padrão de comportamento conflituoso, explosivo ou hostil, à


influência do que é veiculado na mídia; a falta de relacionamentos pessoais positivos,
em um clima de amor e solidariedade; a falta de atenção e de estímulos necessários a
um desenvolvimento sadio; o excesso de agrados e ausência de regras, passando
a ideia de que tudo é permitido, desde que seus desejos sejam satisfeitos; a pobre
e ineficiente atenção que recebe, o desenvolvimento da sensação de não ser ama­
do e, portanto, de não ser capaz de construir novos relacionamentos satisfatórios
e saudáveis.

Alguns estudos indicam que o agressor provém de famílias pouco estruturadas,


com baixo relacionamento afetivo entre seus membros, é fracamente supervisionado
pelos pais e vive em ambientes onde o modelo para solucionar problemas é o
comportamento agressivo ou explosivo. É alta a probabilidade de que as crianças ou
jovens que praticam o bullying se tornem adultos com comportamentos violentos
(Ballone, 2005). No entendimento de Nogueira (2007, p. 99), os agressores, 111
geralmente, acham que todos devem fazer suas vontades, e que foram acostumados,
por uma educação equivocada, a ser o centro das atenções. São crianças inseguras, que
sofrem ou sofreram algum tipo de agressão por parte de adultos. Na realidade, eles
repetem um comportamento aprendido de autoridade e de pressão.

Também em relação ao agressor, Leme (2006) afirma tratar-se de uma


pessoa que busca reconhecimento e admiração dos colegas, além de possuir uma
intolerância em relação àquele que é diferente dele, tanto no aspecto físico quanto
no comportamental. Em suas pesquisas, a autora ressalta a maior probabilidade
de o sexo masculino se envolver nessas agressões; muito embora registre que, nos
últimos anos, houve um crescimento da violência também entre meninas.
Já em relação às pessoas que são alvo do bullying – as vítimas –, alguns autores
convergem no sentido de caracterizá-las como frágeis, que se sentem desiguais e
prejudicadas, mas dificilmente pedem ajuda. Sem esperanças de adaptação no grupo,
geralmente, sentem dificuldades ou quase impossibilidade de reagir aos ataques, ou
mesmo de conversar com alguém sobre o problema. É comum terem poucos amigos,
baixo desempenho escolar, medo ou falta de vontade de ir à escola, chegando,
por isso, a simular doenças. Trocam de colégio com frequência ou abandonam os
estudos, havendo casos de jovens que chegam a desenvolver extrema depressão
e/ou incapacidade para aprender. Normalmente, recebem apelidos, são ofendidos,

Em Aberto, Brasília, v. 23, n. 83, p. 107-128, mar. 2010


humilhados, discriminados, excluídos, perseguidos, agredidos, podendo ter seus
pertences roubados ou quebrados (Gomes et al., 2007; Nogueira, 2007).
Ballone (2005) afirma que as vítimas costumam ser mais frágeis, com algum
traço que destoa do modelo culturalmente imposto ao grupo etário em questão, que
pode ser físico ou emocional, como é o caso da timidez. É comum terem dificuldades
físicas e emocionais para reagir e possuem um forte sentimento de insegurança. Esse
retraimento, aliado à vergonha que sentem por ter sofrido maus-tratos, impede-
-as de solicitar ajuda. No ambiente familiar, apresentam sinais de medo ou receio
de ir à escola, embora dificilmente procurem ajuda dos familiares, professores ou
funcionários. Tudo isso acaba fazendo com que troquem de escola frequentemente,
ou pior, que abandonem os estudos. Nos casos mais graves, acabam desenvolvendo
depressão, podendo chegar a tentar ou a cometer o suicídio.
Em que pese a escusa de comunicar a violência sofrida, o silêncio, Olweus
(1998 apud Nogueira, 2007, p. 27) afirma que há sinais que facilitam a identificação
de uma pessoa que esteja sofrendo maus-tratos, tais como “agressividade, mal-estar
na hora de ir às aulas, melancolia, notas baixas”. A maioria das vítimas geralmente
se culpa pelo comportamento do bully – o agressor –, e, algumas vezes, as outras
pessoas também as culpam, como nos exemplos a seguir, retirados de Middelton-
-Moz e Zawadski (2007, p. 20):

“Se ele simplesmente deixasse de ser tão frágil...”


“Ele só precisa ser mais esperto.”
“Ela é atraente, não espera que os caras prestem atenção nela?”

112
“Se ele emagrecesse, não seria tão visado.”
“Ela fez a própria fama, agora só tem que deitar na cama.”
“Se ela não desse bola, eles parariam.”
“Concentre-se no seu trabalho, não deixe que eles lhe afetem.”

No entanto, Leme (2006) declara que a passividade não é a única saída


utilizada por uma vítima de bullying e que aproximadamente 12% delas podem reagir
agressivamente. De acordo com a autora, a vítima reativa é, em geral, “hiperativa,
hipervigilante, inquieta e dispersiva” (p. 12), mas, apesar de reagir aos maus-tratos
com agressividade, não deixa, também, de sofrer com o medo e o isolamento social
causados pelos agressores. Enquanto no início da infância os alvos do bullying
geralmente são aleatórios, na juventude e na idade adulta, por outro lado, são
escolhidos pelos agressores em face de várias características, como:

ser gorda demais, magra demais, usar óculos, trabalhar bem, andar de cadeira de rodas,
usar a roupa inadequada, ser passiva ou independente demais, ter a cor, a origem étnica,
o sexo, a religião, a origem socioeconômica ou a orientação diferente, gostar do chefe,
ser simpático, ser quieto, etc. (Middelton-Moz, Zawadski, 2007, p. 21).

A esse respeito, Goffman (1982 apud Ballone, 2005), apesar de considerar um


erro culpabilizar uma pessoa por sua diferença, esclarece que a própria sociedade
elege critérios de classificação do que considera normal, de modo que aquele que
não possui tais características sofre preconceito e discriminação, como se houvesse
uma escala na qual existiriam pessoas inferiores e superiores. Alguns desses critérios

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variam de acordo com determinada época e cultura, a exemplo do padrão de beleza
feminino, que já elegeu desde mulheres acima do peso até mulheres bastante
magras. Middelton-Moz e Zawadski (2007) ressaltam que desde cedo as crianças são
classificadas e confinadas em subgrupos nas escolas e nos bairros, segundo aparência,
interesses ou comportamentos, apesar de isso se dar de forma implícita.
De acordo com Willian Polack (2000 apud Middelton-Moz, Zawadski, 2007,
p. 22), os meninos vivem com medo de não cumprir as regras “não-ditas do
pertencimento, tais como não demonstrar sentimentos, fazer o tipo machão, não
parecer sensível demais ou intelectual, ter boa aparência, não chorar, não pedir
ajuda nem parecer próximo demais da própria mãe”. As técnicas que os meninos
aprendem para cumprir esse “código dos rapazes” formam o que o autor chama de
“máscara”, usada durante suas vidas para evitar sofrerem abusos como o bullying:
“[...] ao usar essa máscara, os meninos reprimem sua vida emocional interior, e,
em lugar dela, fazem o tipo valentão, tranquilo, desafiador, imperturbável” (Polack,
2000 apud Middelton-Moz, Zawadski, 2007, p. 22).
Já as meninas são pressionadas para se adequarem à imagem de um ser
atraente e delicado, tendo de usar as roupas certas e de acordo com a moda, atrair a
atenção dos meninos e adotar uma postura doce e meiga. As que não se enquadram
nesse padrão têm maiores probabilidades de sofrerem bullying, e, geralmente, “são
tímidas demais para lutar contra as regras ou não encontram um grupo social ao
qual pertencer” (Middelton-Moz, Zawadski, 2007, p. 23). Elas, geralmente, exercem
o bullying de maneira diferente dos meninos, valendo-se, ao invés de ameaças de
violência física, da exclusão social como principal arma: “espalhar boatos maliciosos,
intimidar, destruir a reputação da outra, dizer a outras para que deixem de gostar
113
de uma menina de quem querem se vingar” (p. 24).
Portanto, como referido anteriormente, essa forma de violência expressa um
padrão de sociabilidade, um modo particular de relação interpessoal marcado pelo
desrespeito, pelo descaso e pela negação do outro. Esse componente relacional
distingue o bullying da indisciplina, posto que esta se trata, no dizer de Garcia (2007,
p. 122), de “rupturas relacionadas às esferas pedagógica e normativa da escola”,
de transgressões a parâmetros e esquemas de regulação escolar “cujo eixo seria o
processo de ensino-aprendizagem”. Entre os professores, o termo indisciplina pode
se referir a determinadas contrariedades observadas no cotidiano das suas práticas
pedagógicas, incômodos decorrentes de rupturas e tensões produzidas por alunos,
tanto em relação aos acordos sancionados formalmente no espaço educativo, e
particularmente em sala de aula, quanto em relação a expectativas tácitas sobre a
conduta na escola.
Por outro lado, a incivilidade que se expressa no bullying, longe de ser
considerada simplesmente má educação ou falta de civilização, é uma ruptura no
âmbito de regras e expectativas de convivência e dos pactos sociais que perpassam
as relações humanas (Garcia, 2007). No dizer de Debarbieux (2001, p. 24), “é um
conflito de civilidades, mas não um conflito de civilidades estranhas umas às outras e
para sempre irredutíveis e relativas”. Na escola, as incivilidades atendem a diferentes
finalidades e se expressam de formas complexas. Como contestação da ordem escolar

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ou como violência, ameaçam o funcionamento da escola e a convivência que ali
ocorre (Abramovay et al., 2004). Diferentemente da violência física, que salta aos
olhos, chocam menos, por não terem consequências tão aparentes quanto um braço
quebrado ou um olho roxo. Contudo, a violência muda, implícita, camuflada, velada,
pode ser tão ou mais cruel do que a física, pois se manifesta por meio da repressão
e da privação do direito de ser e de pensar diferente dos demais (Moura, 2005). Na
compreensão de Camacho (2007, p. 128),

a violência, na sua forma explícita de manifestação nas escolas, é combatida, criticada


e controlada por meio de punições. Entretanto, a violência mascarada passa impune,
ou porque não é percebida como tal e é confundida com a indisciplina, ou porque é
considerada pouco grave, isenta de consequências relevantes, ou, finalmente, porque não
é vista. Essa violência pode se tornar perigosa porque não é controlada por ninguém, não
possui regras ou freios e porque passa a ocorrer constantemente no cotidiano escolar. De
tanto acontecer, ela passa a ser banalizada e termina por ser considerada “naturalizada”,
como se fosse algo “normal”, próprio da adolescência. A banalização da violência provoca
a insensibilidade ao sofrimento, o desrespeito e a invasão do campo do outro.

Embora constatem um discurso pedagógico sobre o que é a violência, que


aborda muitos dos aspectos envolvidos no problema, Abramovay e Rua (2002)
percebem uma fraca discussão entre professores, pedagogos e gestores sobre os
casos de violência que efetivamente estão presentes na escola. Por vezes, as agressões
verbais são consideradas precursoras de ocorrências graves, como agressões físicas,
e não como práticas violentas em si mesmas.

114
O bullying e os educadores

De acordo com Basso (1998), o educador caracteriza-se por ser um mediador


entre o aluno e sua formação e as esferas da vida social. Recorrendo ao dicionário,
encontra-se que a palavra educar vem do latim educare, por sua vez ligada ao verbo
educere, composto pelo prefixo ex (fora) mais ducere (conduzir, levar), e significa,
literalmente, conduzir para fora, ou seja, preparar o indivíduo para o mundo. E que
mundo é esse do qual se fala? Como é possível um educador conduzir tantos jovens
para esse mundo?
Em tempos de supervalorização da quantidade de conhecimento acumulado,
visando a carreiras técnicas ou aprovações em vestibulares, a qualidade das relações
escolares fica, na maioria dos casos, em segundo plano. Por outro lado, os pais
recorrem à escola como se fosse a única responsável pela educação de seus filhos
e entregam a ela, e a seus educadores, a tarefa de formar seus jovens enquanto
cidadãos conscientes de direitos e deveres, configurando uma das principais
contradições de que falam muitos educadores, à qual Hargreaves (2003, p. 36) se
refere com clareza:

O ensino é uma profissão paradoxal. De todos os trabalhos que são ou aspiram a ser
profissões, só do ensino se espera que crie as habilidades humanas e as capacidades
que permitirão aos indivíduos e às organizações sobreviver e ter êxito na sociedade do
conhecimento de hoje. Dos professores, mais do que de qualquer outro profissional,
espera-se que construam comunidades de aprendizagem, criem a sociedade do

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conhecimento e desenvolvam as capacidades para a inovação, a flexibilidade e o
compromisso com a mudança que são essenciais para a prosperidade econômica. Ao
mesmo tempo, espera-se que os professores mitiguem e equilibrem muitos dos imensos
problemas que a sociedade do conhecimento cria, tais como o consumismo excessivo,
a perda da comunidade e o incremento da distância entre ricos e pobres. De alguma
forma, os professores devem tentar alcançar essas metas aparentemente contraditórias
de forma simultânea. Esse é seu paradoxo profissional.

Ainda que a idade, o sexo e o tempo de experiência influenciem a atividade


educativa, as mudanças na sociedade e na família, as crescentes exigências
sociais, a qualidade das relações entre os membros da comunidade escolar, as
constantes reformas dos sistemas educativos e as novas competências exigidas dos
professores exercem maior impacto sobre seu trabalho, também contribuindo para
as dificuldades envolvidas na tarefa pedagógica. Assim, os desafios para assegurar
uma boa convivência nos espaços educativos em que se constatam agressões entre
os alunos e entre eles e os professores configuram um fator de tensões com o qual
esses profissionais têm de lidar. Tome-se como exemplo a realidade de Portugal ou a
da Espanha, onde um em cada cinco estudantes já foi vítima de violência dentro de
sua escola (Chalita, 2007). Ou ainda a do Brasil, onde, em 2007, uma professora teve
seus cabelos queimados por um aluno, e, em 2008, uma educadora teve queimaduras
nas pernas, por sentar na carteira em que um estudante havia, propositalmente,
colocado supercola (Cherubini, 2007; Souza, 2008).
O bullying se apresenta como um componente particularmente prejudicial à
prática docente, uma vez que envolve as relações em sala de aula e o cotidiano escolar
em uma atmosfera de desrespeito, tensão e medo. Não obstante, como ressaltam
Nogueira (2005), Middelton-Moz e Zawadski (2007) e Pupo (2007), os educadores
115
têm despendido poucos esforços para o seu estudo sistemático, apesar de terem
consciência da problemática existente entre agressor e vítima. Até recentemente,
poucas instituições de ensino reconheciam nessa forma de violência uma ameaça
importante contra crianças, professores ou funcionários, sendo mais comum ignorar
o comportamento e torcer para que acabassem as faltas às aulas, o baixo rendimento
escolar, os problemas de concentração e de relacionamento social.
Uma das razões para a pouca importância dada ao bullying era a confusão feita
entre esse fenômeno e as brincadeiras infantis, de modo que, quando uma criança
ou jovem se queixava de ser humilhado ou perseguido, por exemplo, os responsáveis
tendiam a interpretar como brincadeira, dizendo que aquele era um comportamento
passageiro, recomendando que a vítima não ligasse. No entanto, como destacam
vários autores, o bullying é uma soma de comportamentos intencionais e repetitivos,
ou seja, são premeditados e não são passageiros (Middelton-Moz, Zawadski, 2007;
Fante, 2003). O resultado é um sentimento de inferioridade diante dos demais
colegas, muito diferente da sensação de prazer possibilitada pela brincadeira. Além
disso, o bullying não pode ser considerado brincadeira, visto que, como afirma
Robles (2007, p. 10),

a brincadeira é uma atividade ou ação própria da criança, voluntária, espontânea, delimitada


no tempo e no espaço, prazerosa, constituída por reforçadores positivos intrínsecos, com
um fim em si mesma e tendo uma relação íntima com a criança.

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Como alerta Nogueira (2005), um outro aspecto a ser considerado pelos
educadores é a necessidade de se promover a orientação, a conscientização e a
discussão a respeito do assunto, atentando para o fato de que nem toda briga ou
discussão pode ser rotulada como violência. O conflito saudável e a troca de ideias
diferentes são extremamente positivos e necessários ao aprendizado. Souza et al.
(2007) e Nogueira (2005) afirmam que, quando se identifica um autor e uma vítima
de bullying, ambos devem ser orientados. É preciso saber a importância de reconhecer
as peculiaridades físicas e afetivo-emocionais de crianças e jovens e incentivá-los a
desenvolver e aceitar, antes de tudo, suas próprias diferenças, que os constituem seres
únicos. Esse é um trabalho da família, sim, mas também papel importantíssimo da
escola e dos educadores, que precisam desenvolver atividades baseadas “na cooperação,
participação, iniciativa e criatividade dos alunos” (Souza et al., 2007, p. 3).
Ao estudar o fenômeno, Chalita (2007) afirma que alguns educadores optam
por um reducionismo psicológico, sugerindo que a solução para o bullying está em
tratar a vítima e o agressor por meio de terapia individual, sem envolvimento da
comunidade escolar. Para eles, não vale a pena falar sobre o assunto na escola, pois
dessa forma estariam estimulando sua ocorrência, na contramão dos estudos que
se empenham em mostrar que essas posições além de não favorecerem a resolução
dos problemas, são potencializadoras de novos casos.
Em pesquisa sobre o efeito da violência no aprendizado nas escolas de
Recife, Duarte (2006) defende que a problemática da violência escolar não deve
ser desvinculada dos altos índices de pobreza e desamparo político em que vive

116 grande parte da sociedade brasileira. A perpetuação da exclusão econômica, cultural,


afetiva, entre outras, é fruto de uma ordem social que vem passando por intensa
competitividade oriunda do capitalismo. Em coerência com essa abordagem, Beaudoin
e Taylor (2006, p. 26) apontam a necessidade de compreender o contexto de vida
das pessoas envolvidas, dado que “os pensamentos dos indivíduos geralmente estão
sujeitos a um filtro cultural daquilo que é aceitável num contexto específico”.
Contudo, longe de atuar nessa perspectiva mais compreensiva, o que se percebe é
uma inadequação das práticas docentes para lidar com problemas como a violência, fruto
da falta de orientação no contexto escolar e mesmo nas formações inicial e continuada.
De acordo com Camacho (2007), os professores estão mais preocupados em cumprir
suas funções didáticas e atender à necessidade de completar o cronograma de matérias
e tarefas, ainda que os problemas resultantes da dinâmica social em que se insere a
escola comprometam seus objetivos. De acordo com Fante e Pedra (2008), um exemplo do
despreparo dos educadores é o fato de alguns deles chegarem a reproduzir preconceitos
e discriminações, fazendo piadas, imitações, insinuações e brincadeiras com os alunos
fora das salas de aula. Os autores referem que a prática de bullying por funcionários da
escola e outros educadores contra alunos ocorre mais do que se imagina, configurada
na perseguição, intimidação, coação e acusação. Afirmam que os educadores

comparam alunos, constrangem, chamam a atenção deles publicamente, mostram


preferência a determinados alunos em detrimento de outros, humilham. Rebaixam a
autoestima e capacidade cognitiva, agridem verbal e oralmente, fazem comentários
depreciativos, preconceituosos e indecorosos (Fante, Pedra, 2008, p. 45).

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Em contrapartida, muitos educadores também são ameaçados, perseguidos
e humilhados por alunos ou colegas de trabalho. De acordo com Fante e Pedra
(2008), é grande o número de profissionais que sofrem o bullying em seu ambiente
de trabalho, sem saberem o que fazer ou a quem recorrer. Muitos têm medo de
procurar a direção da escola e de ser mal interpretados, taxados de incompetentes,
por não saberem lidar com os problemas da sala de aula; ou, ainda, evitam correr
o risco de os escolares ou seus pais dizerem que tudo não passou de “brincadeira”,
que ele é sensível demais.
Dados a complexidade do problema e os comprometimentos advindos dessa
forma de violência, tanto para o espaço educativo quanto, principalmente, para muitos
alunos nele inseridos, e considerando a necessidade de se preencher a lacuna dos
estudos a respeito do que pensam os educadores sobre as características, os efeitos
e as formas de enfrentamento do bullying na escola, desenvolveu-se uma pesquisa
cujos passos e resultados são apresentados a seguir.

A pesquisa

Tendo em vista livrar-se da inadequada relação entre pobreza e violência,


bem como descortinar estratégias de enfrentamento dessa violência, o estudo foi
desenvolvido em instituições da rede privada de ensino da cidade de Natal, capital
do Estado do Rio Grande do Norte, com o objetivo de investigar o grau de informação
de educadores do ensino médio a respeito do bullying –as fontes de informação
acessadas, a percepção deles do problema no interior das instituições onde atuam, a
117
estrutura disponível e os métodos adotados quando constatam o problema na escola
e a sua formação para utilizar os procedimentos.
O instrumento de coleta de dados foi um questionário, composto por dez
perguntas de múltipla escolha, dividido em duas partes. A primeira constava de
dados do perfil socioprofissional dos educadores, tais como idade, sexo, tempo de
atividades pedagógicas e formação acadêmica; e a outra parte continha questões
diretamente relacionadas ao conhecimento do profissional acerca do bullying,
assim como aos procedimentos utilizados para sua remediação ou prevenção, e
também questões relacionadas à violência nas escolas de maneira geral. Os dados
coletados receberam tratamento estatístico no Statistic Package for the Social
Sciences (SPSS).
O número de escolas a se pesquisar foi definido com base no procedimento
de amostragem proporcional estratificada e contemplou 14 instituições – um terço
do total –, distribuídas entre as quatro regiões administrativas da cidade, sendo
que a escolha das escolas, em cada região, obedeceu ao critério do interesse
em participar da pesquisa. A lista das escolas – planilha com dados do Censo
de Escolas de 2007 – foi obtida junto à Secretaria Estadual de Educação do Rio
Grande do Norte .

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Tabela 1 – Quantidade de escolas privadas e de escolas pesquisadas, por região
administrativa

Número de escolas Número de escolas


Região administrativa
particulares pesquisadas

Norte 9 3

Sul 13 4

Leste 17 6

Oeste 3 1

A amostra constou de 107 educadores do ensino médio – 86 professores,


8 fiscais de corredor, 8 coordenadores, 2 diretores, 2 psicólogas e uma professora
estagiária –, composta em face da disponibilidade das pessoas para responderem ao
instrumento de coleta de dados. Os resultados iniciais que chamam a atenção são:

1) o índice de 80,56% de participação de professores em relação ao total de


participantes no estudo, considerado alto, mas justificado por ser esta a
categoria profissional mais numerosa nas escolas, revelando sua importância
inclusive no papel de mediadores do conhecimento junto aos alunos;
2) o baixo percentual de participação de coordenadores (6,80%) e diretores
(1,94%), em face de alegações como falta de tempo, entre outras;
3) a curiosa pequena participação de psicólogos, com percentual igual ao dos
118 diretores (1,94%), tendo em vista que somente em duas instituições eles
compunham o quadro de profissionais.

Os dados revelaram que 48,35% dos educadores que participaram do estudo


têm até dez anos de experiência profissional na área; 78,43% possuem idade entre
21 e 40 anos; 61,76% são do sexo masculino; 93,14% já concluíram (70,59%) ou
estão cursando (22,55%) o ensino superior; mas apenas 0,98% concluíram a pós-
-graduação. Aliados à juventude, os educadores têm, no geral, pouca experiência no
trabalho com educação e pouco investimento na continuação de seus estudos após a
graduação. Configurando uma formação tardia, a pós-graduação, além de apresentar
baixo percentual, é desenvolvida apenas pelos educadores que se encontram na faixa
etária entre 41 e 50 anos. Ressaltem-se os surpreendentes índices de escolaridade
observados nas faixas etárias compreendidas entre 21 e 30 e entre 31 e 40 anos de
idade. Na primeira faixa, ainda se encontravam 12,12% dos educadores com ensino
superior incompleto e 6,06% apenas com ensino médio concluído; e na segunda,
os percentuais crescem para 23,40% com superior incompleto e 8,51% apenas com
ensino médio.
Esses índices falam de uma realidade na qual o profissional da educação
é inserido no mercado sem ter recebido a preparação suficiente para o tipo de
trabalho que irá desenvolver. A pouca formação e experiência profissional, aliadas
à continuação tardia da formação acadêmica, são fatores que podem influenciar
negativamente na maneira de o educador lidar com desafios surgidos na escola,

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na sala de aula, com seus alunos. A falta de reciclagem de seus conhecimentos,
ou mesmo de atualização e aperfeiçoamento, tira-lhes a possibilidade de reverem
suas práticas e analisarem as mudanças, cada vez mais rápidas, que ocorrem no
cotidiano social e que repercutem sobre a dinâmica escolar, tais como a violência
na escola e o bullying.

Tabela 2 – Formação acadêmica x idade (%)

Idade Superior Ensino médio Superior


Pós-graduação
(faixa etária) completo completo incompleto

21 a 30 81,82 6,06 12,12 0,00

31 a 40 68,09 8,51 23,40 0,00

41 a 50 60,00 0,00 33,33 6,67

60 ou mais 50,00 0,00 50,00 0,00

Quando perguntados se tinham algum conhecimento a respeito do bullying,


que poderia ser um mero “ouvir falar”, 83% dos entrevistados responderam
afirmativamente, revelando significativa penetração do tema na sociedade. Ao se
investigar a informação detida, associando-a com os dados sobre a caracterização
social e ocupacional dos educadores, observou-se que todos os coordenadores,
diretores, psicólogos e a estagiária entrevistados disseram conhecer o termo bullying,
enquanto que mais de 20% dos professores afirmaram desconhecer o assunto. Todos
os educadores com pós-graduação responderam afirmativamente à questão; aqueles 119
com até cinco anos de experiência profissional são os que menos conhecem do
tema (60%); e o percentual daqueles com idade entre 21 e 30 anos que afirmaram
desconhecer o termo foi de 23,33%.

Tabela 3 – Conhecimento sobre o bullying x formação acadêmica (%)

Formação acadêmica Sim Não

Superior completo 79,71 20,29

Ensino médio completo 80,00 20,00

Superior incompleto 90,91 9,09

Pós-graduação 100,00 0,00

Tabela 4 – Conhecimento sobre o bullying x sexo (%)

Sexo Sim Não


Masculino 74,58 25,42
Feminino 94,59 5,41

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Tabela 5 – Conhecimento sobre o bullying x idade (%)

Faixa etária Sim Não

21 a 30 76,67 23,33

31 a 40 82,61 17,39

41 a 50 92,86 7,14

60 ou mais 83,33 16,67

Tabela 6 – Conhecimento sobre o bullying x anos de atividades pedagógicas (%)

Anos de atividades Sim Não

1a5 60,0 40,0

6 a 10 76,0 24,0

11 a 15 86,4 13,6

16 a 20 100,0 0,0

21 a 25 80,0 20,0

26 a 30 75,0 25,0

31 ou mais 100,0 0,0

120 Tabela 7 – Conhecimento sobre o bullying x função na escola (%)

Função na escola Sim Não

Professor 79,49 20,51

Fiscal de corredor 87,5 12,5

Coordenador 100,0 0,0

Diretor 100,0 0,0

Psicóloga 100,0 0,0

Estagiária 100,0 0,0

Sobre a fonte onde os educadores afirmaram ter obtido informação acerca do


bullying, constatou-se que é da televisão que vem o conhecimento que eles detêm,
assim como acontece com a maioria das informações na atualidade. Somando os
entrevistados que responderam “televisão” com os que se reportaram a “jornais
e revistas”, as respostas chegam a quase 41%, o que demonstra a presença do
fenômeno bullying nos meios de comunicação, ou seja, a mídia está voltando suas
atenções para o problema. Resta saber como o tem abordado. De acordo com Fante
e Pedra (2008), a mídia realmente tem divulgado o tema, principalmente após as
tragédias ocorridas em escolas de vários países. No Brasil, por exemplo, em janeiro de

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2003, foi divulgado o caso de um garoto de 18 anos que invadiu a escola onde cursou
o ensino médio e, usando um revólver calibre 38, feriu seis alunos, uma professora,
o caseiro da instituição e suicidou-se (Dines, 2003). No mundo, são vários os casos
de vítimas que, já tendo alcançado seu limite de sofrimento, planejam acabar com
suas vidas e de seus colegas, ou, apenas, planejam “brincadeiras” de mau gosto.
A divulgação da existência do bullying pelos meios de comunicação já é
notada no dia a dia dos educadores, muitos dos quais também ouviram falar do
problema pela vizinhança, pelos professores e colegas de trabalho, ou mesmo pelo
próprio cônjuge. Tal fato é um grande avanço, que pode incentivar nos educadores
a curiosidade e o desejo de saber mais sobre o assunto e pensar estratégias para
o seu enfrentamento, como referido em respostas do tipo “pesquisei na internet”,
“pesquisei o assunto em livros”, “trabalhei o assunto em sala”.
Um contraponto da divulgação dessas matérias é que a maioria trata apenas
do ato em si, ou seja, da violência, dos apelidos, da consequência final – como a
morte de uma ou mais pessoas envolvidas –, secundarizando as reflexões sobre os
meios para prevenir ou lidar com o problema. Apesar da relevância do conteúdo atual
que advém dos meios de comunicação, o fato de a maioria deles não dispor de filtro
científico ou pedagógico pode comprometer a qualidade da informação repassada aos
seus consumidores. Não obstante a significativa presença na mídia, a necessidade
de conhecer mais e trabalhar o bullying parece ainda ser incipiente nas escolas, que
comparecem somente com 18,26% das oportunidades de capacitação sobre o tema.
O papel da escola como informadora e formadora a respeito do tema é importante,
tendo em vista constituir fonte confiável de informação de caráter pedagógico.
Com 25,23% das alusões pelos educadores, beliscões e tapas apareceram
121
como os comportamentos mais relacionados ao bullying, reforçando a visibilidade
da violência física, que ainda é a que mais chama a atenção da sociedade em geral.
No entanto, já se percebe a identificação de traços mais marcantes do bullying, como
apelidos, xingamentos, ameaças verbais e isolamento proposital de alunos.
Em relação à necessidade de intervenção, foi perguntado se os educadores
sentem necessidade de agir no caso de presenciarem atos de bullying entre alunos,
seja qual for sua manifestação, ou se consideram que tais atos são esperados dos
jovens, isto é, são “coisas passageiras”. Como resultado, quase todos os entrevistados
(97,03%) consideraram que é preciso intervir, denotando preocupação acerca de
alguns comportamentos e atitudes nas relações entre alunos no espaço escolar.
Sobre esse tipo de preocupação, Constantini (2004, p. 60) considera a importância
da intervenção realizada diariamente, referindo que

um dos fenômenos mais preocupantes para aqueles que se ocupam dos jovens é o
aumento do comportamento agressivo entre os adolescentes, que se verifica desde
as séries iniciais da escola, por meio de comportamentos que revelam intolerância e
impulsividade, que se espalham gradualmente até ciclos escolares mais avançados.

Além de revelarem sentir necessidade de intervir em situações de violência,


constatou-se que os educadores também são chamados para tal, seja por alunos, seja
pela própria administração escolar: 67,33% deles afirmaram já ter sido procurados

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especificamente pelos jovens, para que interviessem em algum caso de violência
ocorrido com eles. Esses dados ressaltam a importância de capacitar os educadores,
não apenas para identificar casos de bullying, mas também para atuar com segurança,
já que se configuram canal importantíssimo de comunicação com os jovens.
Nesse sentido, Fante e Pedra (2008) afirmam que, para que possa acolher o
aluno e intervir adequadamente, é importante o educador ter conhecimento dos
limites de sua função e da de cada profissional da escola, para compreender por
que e quando interferir e, em situações mais extremas, avaliar a possibilidade de
encaminhar o caso a outros profissionais e instituições. Como exemplo, as autoras
dizem que cabe ao diretor da escola, como autoridade máxima, decidir a respeito
de encaminhamentos dos envolvidos com o bullying a outras instituições, como o
Conselho Tutelar ou os órgãos de proteção à criança e ao adolescente.
Em relação aos procedimentos realizados quando são verificados casos de
violência, quase metade dos entrevistados, 42,97%, disse que convocam os alunos
envolvidos para ter algum tipo de conversa, consistindo geralmente de chamar
a atenção e repreender os agressores; 19,53% dos educadores afirmaram que
solicitam a presença dos pais dos envolvidos para informar o acontecido, e 18,75%
deles disseram que encaminham os alunos para a coordenação/direção escolar, na
expectativa de que o problema seja solucionado. Medidas drásticas, como a expulsão
do aluno, foram referidas em menos de 1% das respostas. Percebe-se que os alunos
ainda são considerados os únicos culpados quando se abordam as dificuldades no
ambiente escolar, notadamente em se tratando dos agressores. A culpabilização

122 dos responsáveis pelos casos de violência e bullying na escola não é fato isolado
na prática pedagógica brasileira, refletindo a busca por soluções imediatas para os
problemas que surgem no seu interior.
Fante e Pedra (2008, p. 109) exploram o assunto do fracasso escolar quando
dizem que “nossa atenção se volta às vítimas e nossa indignação aos agressores”
e atentam para o fato de que, mais do que culpar ou vitimizar os envolvidos, é
imprescindível que aconteçam ações de conscientização, revisão do plano pedagógico
ou programa de paz nas escolas, envolvendo todos os atores escolares.
Também se procurou conhecer o que fazem os educadores quando algum
aluno solicita ajuda, depois de relatar ter sido vítima de violência, como apelidos
e xingamentos, marcas fortes do bullying. Quase metade dos entrevistados, 48%,
afirmou que conversa com os alunos envolvidos, e 28,8% disseram conversar com
os diretamente envolvidos na violência e, também, com a turma destes. Encaminhar
o ocorrido para a direção ou a coordenação fica em terceiro lugar, com apenas 16%
das respostas, denotando a necessidade de os educadores interferirem diretamente
quando há um problema com os alunos.
Novamente, percebe-se o profissional da educação propondo-se a solucionar
problemas em que os alunos estão envolvidos, embora entendendo que eles devem
ser devidamente penalizados pelo acontecido. Correia e Campos (2000) tratam dessa
perspectiva, que chamam de individualizante, a qual leva em conta, principalmente,
os alunos apontados como “problemáticos”. Esses alunos – considerados lentos,
agressivos ou distraídos – seriam o impedimento para que os educadores pudessem

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seguir seu planejamento escolar e, como tal, deveriam ser tratados individualmente,
de acordo com a queixa do educador. Nessa perspectiva, desconsideram os demais
fatores que, inegavelmente, influenciam as relações estabelecidas no espaço escolar,
tais como a realidade socioeconômica dos envolvidos, a atuação dos educadores,
o plano pedagógico da instituição escolar, a convivência familiar que o jovem tem
fora da escola.
Outro fator ainda pouco explorado e que deve ser analisado quando se fala
em violência escolar é sua ocorrência sobre os próprios educadores. Ao serem
perguntados a respeito dessa questão, quase 70% dos profissionais afirmaram já
ter sofrido algum tipo de violência dentro do espaço escolar ou em seu entorno.
Eles revelam que, além de cargas de trabalho longas e exaustivas, passam por
vários episódios de maus-tratos em seu próprio ambiente de trabalho. Mais de 60%
deles relataram ter sido vítimas de violências verbais, como palavrões, apelidos
de mau gosto e xingamentos. É interessante perceber que esses profissionais não
só identificam, como também se queixam dos casos, cada vez mais frequentes,
que ultrapassam a visibilidade da violência física e afetam a integridade psíquica
e emocional. Retirando os 11,11% que afirmaram ter sofrido tapas e empurrões,
restam 88,89%, que sofreram com o bullying em forma de ameaças, desrespeito,
danificação de objetos pessoais, como arranhões no automóvel, chegando ao extremo
de 2,28% queixarem-se de ameaças de morte.
Para Fante e Pedra (2008), os educadores estão à mercê desses tipos de
violência, tanto por parte dos alunos quanto por parte de seus colegas de trabalho.
Esse fato é mais comum do que se imagina, embora muitas vezes passe despercebido;
pois se os educadores recorrem à direção, correm o risco de ser mal interpretados
123
e rotulados de incapazes de lidar com o problema. Quando chamam os pais dos
agressores para uma conversa, a maioria não comparece, e se reclamam com os
próprios alunos, estes, geralmente, dizem que “são brincadeiras inofensivas e que o
educador é sensível demais”, principalmente quando se trata de violências verbais,
como apelidos e boatos difamatórios (Fante, Pedra, 2008, p. 44). Os educadores que
convivem diariamente com violências experimentam um grande sofrimento, o que
acarreta prejuízos na saúde física e mental, como fadiga, ansiedade, transtornos no
sono e no apetite. Os constrangimentos sofridos e a sensação de impotência “levam
a vítima a degradar sua qualidade de vida e sua condição de trabalho, podendo levar
a vítima ao ostracismo e insegurança no ambiente de trabalho” (p. 80).
Tais manifestações contra a integridade física, moral e social, de agressividade
entre os alunos e contra os professores, lembram aspectos referidos anteriormente,
que falam da existência do que Debarbieux (2001, p. 24) chama de “um novo padrão
de sociabilidade marcada pela falta de respeito e pela prática de microviolências”.
De acordo com o autor, não se pode mais, hoje, reduzir a violência à violência física,
sob pena de desconsiderar o entendimento subjetivo do que ela vem a ser. É preciso
considerar como violência, também, as chamadas incivilidades que, segundo ele,
quebram o pacto social de relações humanas e as regras de convivência. A estreita
relação entre a escola e a comunidade na qual ela se insere se mostra evidente,
quando os dados da pesquisa revelam na escola as incivilidades e microviolências

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características de relações sociais violentas no espaço de convivência extraescolar,
inclusive a própria casa da família.
Assim, convive-se em um sistema social e educacional que se organiza de tal
modo que professores e demais educadores simplesmente não sabem o que fazer
quando a questão a ser tratada é a violência que assola o espaço escolar. Essa é uma
realidade agravada pelo fato de que muitos dos próprios educadores foram vítimas de
bullying quando eram escolares, e ainda sofrem as consequências disso. Apesar da
soma de informações a respeito da temática remeter a um olhar cuidadoso sobre ela,
pouco é feito, ainda, quando são os educadores que sofrem algum tipo de agressão.
Dentre os entrevistados, 21% procuraram resolver, eles mesmos, o problema, apenas
conversando com os alunos envolvidos. Tais conversas baseiam-se, em geral, na
repreensão verbal dos agressores, principalmente nos casos de violências verbais e
de desrespeito às aulas. No caso de violências físicas, algumas vezes, tomam-se as
medidas mais drásticas, como suspensão ou expulsão.
Também de acordo com Fante e Pedra (2008), o educador tem assegurado o
direito à segurança na atividade profissional, com penalização da prática de ofensa
corporal ou de outro tipo de violência sofrida no exercício de suas funções. Caso
o professor seja vítima de ameaças ou de alguma outra forma de maus-tratos que
coloque em risco sua vida ou sua reputação, deve procurar imediatamente a direção
escolar. O diretor é quem tomará as providências adequadas e, caso a escola se omita,
o professor deve dirigir-se à delegacia de polícia para lavrar boletim de ocorrência.
Infelizmente, ainda há muita impunidade nos casos de violência contra o professor,

124 mesmo que ele os relate e denuncie. Esse é um fator de profunda decepção desses
profissionais em relação ao seu trabalho, podendo contribuir para a desistência
precoce de suas atividades pedagógicas.
A situação é agravada pela desinformação dos educadores e pela desestruturação
da maioria das instituições educativas para desenvolver uma formação em serviço.
No presente estudo, 57,28% dos educadores afirmaram não ter recebido qualquer
informação ou treinamento sobre o assunto pelas instituições escolares nas quais
trabalham, enquanto apenas 18,26% deles disseram ter recebido capacitação
sobre o bullying nesses mesmos locais. No entendimento de Fante e Pedra (2008),
o desconhecimento dos educadores em relação ao bullying torna difícil atribuir a
esses profissionais a responsabilidade de identificação, prevenção e remediação do
problema. É necessária a criação de políticas públicas que proporcionem à escola o
conhecimento desse tipo de problema e as devidas ferramentas de enfrentamento.
Para que as informações cheguem até os profissionais, é importante a oportunização
de espaços de discussão sobre a violência nas escolas, em especial o bullying, em que
alternativas de resolução de problemas sejam colocadas, inclusive o encaminhamento
para outras instituições, ou outros profissionais, dos casos identificados como
impossíveis de serem resolvidos no interior da escola.
A despeito desse quadro difícil, contudo, 84,47% dos educadores disseram
acreditar que a escola é um local adequado para a prevenção de comportamentos
violentos; 27,48% deles responderam que seria importante oferecer aos alunos
palestras e informações sobre os comportamentos indesejados, bem como

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treinamento, capacitação e outras formas de transmissão de conhecimentos para os
estudantes, para os pais e para eles próprios. Interessante perceber que 10,69% dos
educadores, apesar de terem concordado que a escola pode contribuir na prevenção
da violência, não souberam responder de que maneira isso poderia ser feito, ou
seja, ainda não tiveram oportunidade de refletir e formar uma opinião a respeito do
assunto. Os educadores merecem atenção diferenciada nas campanhas e políticas de
informação e formação, pois lhes faltam as devidas ferramentas teóricas e práticas
para que atuem no sentido da prevenção e do combate.

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Herculano Ricardo Campos, psicólogo e doutor em Educação pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), é professor do Departamento e do Programa
de Pós-Graduação em Psicologia (nível mestrado) dessa universidade.
hercules@ufrnet.br

Samia Dayana Cardoso Jorge é psicóloga pela Universidade da Amazônia


(Unama), com experiência no Observatório de Violências nas Escolas, Núcleo Pará/
Unama, e mestranda em Psicologia na UFRN.
samiapsi@yahoo.com.br

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