Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
da Aprendizagem
Ministério da Educação Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
Curso
Licenciatura em Pedagogia EaD
Disciplina
Professora
Maria Lúcia Queiroz Guimarães Hernandes
Diagramação
Sônia Maria Dias
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA 1
Grande abraço.
Maria Lúcia de Queiroz Guimarães Hernandes
____________________________________
1
O material desta disciplina foi produzido a partir de textos selecionados e/ou escritos pelos docentes. A
organização e disponibilização dos materiais em arquivo único visa exclusivamente a facilidade de
acesso aos materiais selecionados, os responsáveis reforçam os direitos autorais dos respectivos autores
destacados no início de cada material utilizado.
O estudo científico da
1
criança: um pouco da sua
história
Maria Lúcia de Queiroz Guimarães Hernandes
Licenciatura em Pedagogia
1 O estudo científico da criança: um pouco da sua história
Saiba Mais
REFERÊNCIAS
Licenciatura em Pedagogia
3 A abordagem Inatista Maturacionista
Todos nós já ouvimos ou dissemos coisas como: "Ele ainda não tem
maturidade para aprender a ler"; "Meu filho tem uma aptidão incrível para a
matemática"; "A Marina é tão inteligente! Puxou ao pai!”.
Maturidade, aptidão, inteligência são temas tradicionalmente abordados
pela psicologia numa perspectiva que atribui um papel central a fatores biológicos no
desenvolvimento da criança. Essa perspectiva, que estamos denominando inatista-
maturacionista, parte do princípio de que fatores hereditários ou de maturação são
mais importantes para o desenvolvimento da criança e para a determinação de suas
capacidades do que os fatores relacionados à aprendizagem e à experiência.
Por que as pessoas são diferentes umas das outras? Por que algumas
crianças parecem mais inclinadas para atividades artísticas, enquanto outras se saem
melhor com números? Foram perguntas desse tipo que orientaram, no começo do
século, as primeiras investigações psicológicas sobre o problema da natureza
hereditária das aptidões e da inteligência.
Interessados em saber por que uma pessoa é
diferente da outra – quanto a traços de personalidade, de
habilidades, de desempenho intelectual, etc – pesquisadores
procuraram obter dados que permitissem estabelecer
comparações entre pessoas.
Eles constataram, então, que pessoas com uma
aptidão especial (um artista, por exemplo) normalmente
tinham familiares que apresentavam o mesmo tipo de aptidão.
Ou, ainda, que gêmeos idênticos apresentavam aptidões e
nível intelectual com um grau de semelhança maior do que o encontrado entre irmãos
não gêmeos. Por outro lado, identificaram diferenças de aptidões e de traços mentais
entre homens e mulheres ou entre raças diferentes.
Essas constatações foram interpretadas como indicadoras de que os
fatores inatos são mais poderosos na determinação das aptidões individuais e do grau
em que estas podem se desenvolver do que a experiência, o meio social e a educação.
O papel do meio social, segundo essa perspectiva inatista, se restringe a impedir ou
a permitir que essas aptidões se manifestem. Assim, uma criança – filha, neta ou
sobrinha de músicos – apresenta inclinação e facilidade para aprender música porque
herdou de seus familiares a aptidão, o “dom” para a música, e não porque foi educada
num ambiente em que, provavelmente, a música é valorizada e ensinada. Do mesmo
modo, crianças brancas e negras apresentam diferenças no desempenho de
Mas, se as pessoas são diferentes umas das outras nas suas aptidões,
traços de personalidade ou de inteligência, existem também muitas semelhanças
entre elas. A maioria dos bebês, por exemplo, torna-se capaz de se sentar antes que
possa se arrastar, engatinhar e depois andar. Do mesmo modo, quando começa a
falar, a criança primeiro diz apenas palavras isoladas, e só depois junta duas ou mais
palavras, formando frases. Ou, então, antes de desenhar casas, animais ou carros, a
criança rabisca traços e círculos.
Essas sequências parecem se repetir sempre em relação à maioria das
crianças, o que sugere a existência de certo padrão de desenvolvimento humano.
Esse fato tem chamado a atenção de muitos pesquisadores desde as primeiras
décadas deste século. Um dos primeiros psicólogos a se interessarem por essa
questão foi Amold Gesell, nos Estados Unidos. Ele se preocupou com a evolução da
14 A abordagem Inatista Maturacionista
criança, do nascimento aos 16 anos, e estudou as formas que seu comportamento vai
tomando no decorrer dessa evolução.
Licenciatura em Pedagogia
1 A abordagem Comportamentalista
A abordagem Comportamentalista 25
alterações na expressão facial, mudanças na posição do corpo, ações ou movimentos
de qualquer tipo.
Imaginemos um pequeno animal silvestre bebendo água na beira de um
riacho. Ao captar um ruído de passos de animal no mato, ele sai correndo. Na
linguagem comportamentalista, diremos que o ruído (estimulo) provocou, no animal,
uma resposta: o ato de correr.
O que interessa à psicologia, entendida como uma ciência natural e objetiva,
é a relação entre estímulos e respostas - fatos exteriores que podem ser
empiricamente observados. O que ocorre no interior do organismo entre um dado
estímulo e uma dada resposta não pode ser observado e, portanto, não interessa aos
psicólogos comportamentalistas. No exemplo do animal silvestre bebendo água, o
comportamento do animal é explicado pela relação entre o estímulo (o ruído) e a
resposta desencadeada por ele (correr), e não a partir de determinado estado interno
do organismo.
Veja bem: isso não significa que Watson descarte a existência de processos
internos no organismo. Ele apenas considera que tais processos devem ser estudados
pela fisiologia. A psicologia, segundo sua concepção, cabe o estudo das respostas do
organismo aos estímulos do meio.
Assim, os problemas de que se ocupa o comportamentalismo são: prever
a resposta, quando se conhece o estímulo, e identificar o estímulo, quando se conhece
a resposta. Ou seja, o estudo do comportamento deve possibilitar o conhecimento das
relações estímulo-resposta, das quais ele é o resultado. Assim, cabe ao
comportamentalista descobrir quais são os estímulos que provocam determinado
comportamento.
De acordo com essa concepção, o comportamento animal ou humano é
sempre uma adaptação, uma reação aos estímulos, às alterações que se processam
no ambiente. Essa postura ambientalista opõe-se a qualquer tipo de inatismo. Para
Watson, não existem aptidões, disposições intelectuais ou temperamentos inatos ou
hereditários. Oque existe é certa propensão para responder a certos estímulos de uma
forma determinada.
26 A abordagem Comportamentalista
3.2 – Comportamento e aprendizagem
28 A abordagem Comportamentalista
comportamentos emitidos pelo próprio organismo que são seguidos por algum tipo de
consequência.
Se o comportamento é seguido por uma consequência agradável, ele tende
a se repetir. Ao contrário, se a consequência for desagradável, o comportamento tem
menos probabilidade de se repetir. Essas consequências chamadas pelos
comportamentalistas de reforçadores, "modelam" o comportamento dos indivíduos,
sendo responsáveis pela criação dos hábitos.
Segundo a concepção de Skinner, a grande maioria dos comportamentos
das pessoas é aprendida por condicionamento operante. A birra de uma criança, por
exemplo, é um comportamento aprendido. Se a criança chora e esperneia e a mãe
(ou outro adulto) lhe dá algo que ela deseja (como um doce, um brinquedo, um
refrigerante), o comportamento da criança é reforçado e tende a se repetir em outras
ocasiões. Da mesma forma, uma criança pequena que sozinha leva o copo de água
à boca, tende a repetir esse comportamento se for elogiada e beijada pela mãe. Mas,
se a mãe a repreender todas as vezes (temerosa de que a água seja derramada), ela
provavelmente deixará de ter esse comportamento.
A abordagem Comportamentalista 29
que haviam sido criadas em hospitais e nunca tinham visto nenhum dos animais ou
objetos utilizados no experimento.
Vários animais foram apresentados às crianças no laboratório e em um
jardim zoológico. Suas reações eram todas anotadas pelo pesquisador. O resultado
dessas situações foi sempre o mesmo: não se verificou nenhuma manifestação de
medo nas crianças.
30 A abordagem Comportamentalista
Após várias repetições desse procedimento, a criança passou a apresentar
reações de medo diante do rato branco quando este lhe era apresentado sozinho (sem
o ruído). Watson verificou, ainda, que tal reação estendia-se a outros animais ou
objetos que lembravam o rato branco: um coelho, um cão, um casaco de peles ou um
chumaço de algodão.
Você pode reconhecer nessa experiência uma situação experimental de
aprendizagem por condicionamento clássico. Um estímulo que originalmente não
provocava a resposta de medo (o rato branco) foi associado a outro que naturalmente
a provocava (um ruído forte), tornando-se, assim, um estímulo condicionado. A reação
de medo a animais peludos foi, portanto, aprendida pela criança.
Com esse experimento, Watson procurava comprovar a sua tese de que a
maioria das reações emocionais das pessoas é aprendida a partir da influência do
ambiente. Procurava também explicar "como as pessoas aprendem", explicitando os
princípios do condicionamento clássico.
A abordagem Comportamentalista 31
Os experimentos consistiam em programar de modos diferentes a liberação
de reforçadores e estudar como cada programação afetava comportamento do animal
(qual era mais eficiente para levar à aprendizagem de um comportamento novo; qual
era mais adequado para manter esse comportamento por mais tempo; qual
representava a melhor forma de extinguir um dado comportamento, etc.)
Uma das formas utilizadas, para obter a aprendizagem de um novo
comportamento (no caso, pressionar a barra de metal), era colocar o rato na caixa de
Skinner após ter sido privado de água por certo tempo. Supunha-se que a privação
faria da água um excelente reforçador, já que obtê-la resultaria para o rato na
satisfação de uma necessidade.
Adotava-se, então, o seguinte procedimento: inicialmente, toda vez que o
rato se aproximava da barra de metal, o pesquisador liberava por meio de um
dispositivo, um pouco de água. Após determinado tempo, estando o rato próximo à
barra, a água só era liberada se ele a tocasse com o focinho ou a pata. Em seguida,
reforçava-se (pela liberação da água) apenas o comportamento de tocar a barra com
a pata e, depois, o de pressioná-la para baixo. Após várias sessões, verificava-se que
o rato tinha aprendido a pressionar a barra de metal para obter água.
Esse procedimento é conhecido como modelagem do comportamento. A
modelagem é obtida proporcionando-se respostas que gradativamente se aproximam
da resposta que se deseja obter do animal (no caso, a pressão na barra).
Tal método envolve os princípios do condicionamento operante (o
comportamento emitido pelo animal, se reforçado, tende a se repetir) e tem sido
utilizado pelos comportamentalistas em uma série de situações, tanto na prática
terapêutica clínica quanto no campo do ensino.
O que há em comum nos experimentos de Watson e Skinner é a tentativa
de controlar o comportamento pela manipulação de elementos do ambiente que
precedem (os estímulos) ou sucedem (os reforçadores) ao comportamento. Além
disso, os experimentos de um e de outro visam conhecer os princípios pelos quais o
comportamento humano é aprendido durante a vida.
Assim, os princípios descobertos ou sistematizados mediante situações
experimentalmente controladas são os mesmos que explicam comportamentos
32 A abordagem Comportamentalista
aprendidos em situações cotidianas. Conforme a perspectiva comportamentalista,
pode-se dizer que pais e educadores, por exemplo, modelam o comportamento da
criança por meio de procedimentos que correspondem ao condicionamento operante.
A abordagem Comportamentalista 33
Uma das marcas deixadas pelo comportamentalismo na educação escolar
foi a valorização do planejamento do ensino, tendo chamado a atenção para a
necessidade de se definirem com clareza e operacionalmente os objetivos que se
pretende atingir, para a organização das sequências de atividades e para a definição
dos reforçadores a serem utilizados (elogios, notas, pontos positivos, prêmios, etc.)
O próprio Skinner interessou-se pelo processo de ensino-aprendizagem
(reveja o boxe Quem foi Skinner?). Nas suas "máquinas de ensinar", o aluno é
colocado diante de um painel onde aparece uma questão relativa a algo que ele já
conhece e, ao mesmo tempo, uma nova informação concernente ao mesmo tema. O
aluno deve responder à questão apresentada e, se acertar, a máquina passará
automaticamente para a questão seguinte, que será referente informação dada
imediatamente antes. Se não acertar, não poderá prosseguir, devendo retornar a
algum passo anterior.
Por meio desse procedimento, organiza-se a aprendizagem da criança
"passo a passo", em ordem crescente de dificuldade, seguindo os princípios da
modelagem do comportamento, e cada resposta certa da criança constitui um reforço
para a aprendizagem.
A chamada “instrução programada" derivou das máquinas de Skinner. As
questões apresentadas às crianças são impressas e as respostas corretas aparecem
em outra página, um gabarito. As questões são intercaladas por pequenos textos
informativos sobre os quais a criança deverá responder no passo seguinte. De acordo
com o comportamentalismo, esse procedimento permite que o ensino tenha uma
progressão gradual, que respeita o ritmo de cada aluno e torna o processo de ensino-
aprendizagem mais eficiente.
34 A abordagem Comportamentalista
4
A abordagem Piagetiana
Licenciatura em Pedagogia
1 A abordagem piagetiana
A abordagem piagetiana 35
no decorrer de sua história, sistemas científicos complexos e com alto nível de
abstração. Ele acreditava que muito da resposta a essa indagação poderia ser
encontrado no estudo do desenvolvimento do pensamento da criança.
Jean Piaget nasceu em 1896, em Neuchâtel, na Suiça, e faleceu em 1980, aos 84 anos
de idade.
Desde menino Piaget interessou-se por questões cientificas estudando moluscos, pássaros,
conchas marinhas e mecânica. Aos 10 anos, publicou as observações que fez sobre um pardal
parcialmente albino e, aos 11 anos, começou a trabalhar como assistente do diretor do Museu de
História Natural de sua cidade.
Concluiu seus estudos em Ciências Naturais em 1915 e, em 1918, doutorou-se nessa mesma
área.
Interessado também por filosofia, encontrou na leitura da obra de Bergson, A evolução
criadora, elementos que o ajudaram a formular a questão qual se
dedicaria por toda a vida: explicar a forma pela qual o homem atinge
o conhecimento lógico-abstrato que o distingue das outras espécies
animais.
Embora se tratasse de uma questão tipicamente filosófica, a
Piaget interessava abordá-la cientificamente. Ao longo de seu
trabalho, assumiu, então, o desafio de construir uma teoria do
conhecimento baseada na biologia e em que as especulações
filosóficas estivessem ancoradas na pesquisa empírica. O elo que Piaget encontrou entre a
filosofia e a biologia foi a psicologia do desenvolvimento.
A elaboração da teoria explicativa da gênese do conhecimento no homem levou Piaget a
formular propostas teóricas e metodológicas inovadoras quanto natureza dos processos de
desenvolvimento da criança e que contrariavam as teses do inatismo-maturacionismo e do
comportamentalismo.
O fundamento básico de sua concepção do funcionamento intelectual e do desenvolvimento
cognitivo é o de que as relações entre o organismo e o meio são relações de troca, pelas quais o
organismo adapta-se ao meio e, ao mesmo tempo, o assimila, de acordo com suas estruturas, num
36 A abordagem piagetiana
processo de equilibrações sucessivas. Determinar as contribuições das atividades do indivíduo e das
restrições do ambiente na aquisição do conhecimento foi o foco do seu trabalho experimental.
No período de 1921 a 1925, Piaget concentrou-se na coleta de dados que permitissem esboçar
os princípios e os fundamentos de sua teoria do conhecimento. Abordou temas gerais, como a relação
entre pensamento e linguagem (1923), o desenvolvimento, na criança, do julgamento e do raciocínio
(1924), da representação do mundo (1926), da causalidade física (1927) e do julgamento moral (1927).
Esses estudos foram retomados, revistos e aprofundados ao longo das décadas seguintes.
No período de 1925 a 1931, com o nascimento de seus três filhos, Piaget dedicou-se à
observação meticulosa do desenvolvimento dos bebês, elaborando análises sobre a construção do real
e o desenvolvimento da inteligência.
Na década de 30, ajudado por seus colaboradores, concentrou a pesquisa na gênese das
noções de quantidade, número, tempo, espaço, velocidade, movimento, mensuração, lógica e
probabilidade. Na década de 40, abordou o desenvolvimento da percepção.
A partir dos anos 50, Piaget voltou-se para a sistematização teórica da epistemologia
genética, deixando a seus colaboradores os estudos em psicologia. Em 1955 fundou o Centro
Internacional de Epistemologia Genética, onde reuniu cientistas de diferentes áreas
(matemáticos, biólogos, psicólogos, lógicos) interessados em pesquisar problemas
epistemológicos.
Na década de 70, já trabalhando exclusivamente nas pesquisas do Centro de
Epistemologia, Piaget dedicou-se à investigação dos mecanismos de transição que
impulsionam e explicam a evolução do desenvolvimento cognitivo.
Sua vasta produção é um marco de enorme importância para a psicologia e para os estudos do
homem no século XX.
Procurando compreender como o homem elabora o conhecimento, Piaget desenvolveu o que
chamou de psicologia genética. A palavra genética, que ele próprio aplicou à sua psicologia, refere-se
à busca das origens e dos processos de formação do pensamento e do conhecimento.
38 A abordagem piagetiana
Tal modo de conceber o funcionamento cognitivo é decorrente do modelo
biológico em que Piaget se baseou. Segundo esse modelo, a inteligência é um caso
particular de adaptação biológica. Um organismo adaptado ao meio é aquele que
mantém um equilíbrio em suas trocas com o meio. Ou seja, é aquele que interage com
o ambiente mantendo um equilíbrio entre suas necessidades de sobrevivência e as
dificuldades e restrições impostas pelo meio. Essa adaptação torna-se possível
graças aos processos de assimilação e de acomodação (que, juntos, constituem o
mecanismo adaptativo), comum a todos os seres vivos.
Assim, a inteligência é assimilação por permitir ao indivíduo incorporar os
dados da experiência. E também acomodação, pois os novos dados incorporados
acabam por produzir modificações no funcionamento cognitivo da pessoa. Logo, "a
adaptação intelectual, como qualquer adaptação, é exatamente o equilíbrio
progressivo entre o mecanismo assimilador e a acomodação complementar"
(AZENHA, 1994: 26).
Ao mesmo tempo que, por meio do processo de assimilação/acomodação,
o indivíduo adapta-se ao meio (elaborando seu conhecimento sobre ele), o seu próprio
funcionamento cognitivo vai se estruturando, se organizando. Uma das primeiras
formas de organização cognitiva é o esquema.
A abordagem piagetiana 39
bola, a mamadeira ou o dedo de alguém. Relativamente a cada um desses objetos, a
ação de pegar apresenta pequenas diferenças quanto aos movimentos que a criança
realiza. No entanto, em todas essas situações a ação da criança apresenta
determinadas características que permitem chamá-la de pegar e que a diferenciam de
outras ações, como puxar, balançar ou empurrar. O esquema de ação é, justamente,
o que é generalizável em uma ação, o que permite reconhecê-la e diferenciá-la de
outras ações, independentemente do objeto a que se aplica.
É por meio dos esquemas de ação que a criança começa a conhecer a
realidade, assimilando-a e
atribuindo-lhe significações.
Quando pega a mamadeira, ela a
relaciona a seu esquema "pegar"
e atribui-lhe o sentido de um
objeto "que se pega". Mas a
criança também aplica à
mamadeira o esquema "sugar".
Essas assimilações provocam
transformações nos esquemas "pegar" e "sugar", à medida que eles são acomodados
ao objeto mamadeira. Os esquemas "pegar" e "sugar" acabam então por se coordenar.
Vê-se que, mediante sucessivas assimilações e acomodações, o bebê vai
conhecendo os objetos de seu mundo imediato. Eles são organizados em objetos
"para olhar", "para pegar", "para sugar", "para empurrar”, "para morder", "para olhar e
pegar", "para pegar e sugar”, “para pegar e morder", e assim por diante.
A organização do real por meio da ação marca o início do desenvolvimento
cognitivo da criança. De acordo com Piaget, os esquemas de ação ampliam-se,
coordenam-se entre si, diferenciam-se e acabam por se interiorizar, transformando-se
em esquemas mentais e dando origem ao pensamento. Esse desenvolvimento
contínuo dos esquemas se dá no sentido de uma adaptação cada vez mais complexa
e diferenciada à realidade.
40 A abordagem piagetiana
4.1.2 – A noção de equilibração
O processo de desenvolvimento depende, na perspectiva piagetiana, de
fatores internos ligados à maturação, da experiência adquirida pela criança em seu
contato com o ambiente e, principalmente, de um processo de auto regulação que ele
denomina equilibração.
Para Piaget, a equilibração é uma propriedade intrínseca e constitutiva da
vida mental. Por meio dela é que se mantém um estado de equilíbrio ou de adaptação
em relação ao meio. Toda vez que, em nossa relação com o meio, surgem conflitos,
contradições ou outros tipos de dificuldade, nossa capacidade de auto regulação ou
equilibração entra em ação, no sentido de superá-los. Quando, por exemplo, um bebê
tenta pegar um objeto pendurado sobre o berço, o objeto pode oferecer alguma
resistência a seu esquema de pegar, que, em desequilíbrio, obriga-o a modificá-lo ou
a coordená-lo com outro esquema, como o de puxar. Essa atividade da criança - a
acomodação ou coordenação de seus esquemas de ação - é desencadeada graças à
sua capacidade de auto regulação, com o objetivo de compensar a resistência
oferecida pelo objeto e alcançar um novo estado de equilíbrio.
Quando falamos em alcançar um novo estado de equilíbrio, queremos
destacar que o processo de equilibração não consiste numa volta ao estado anterior,
mas leva a um estado superior em relação ao inicial. No caso de nosso exemplo, o
fato de a criança não conseguir pegar o objeto já indica que seus esquemas precisam
ser aperfeiçoados. A reequilibrarão, por meio da acomodação ou da coordenação de
seus esquemas, implica uma ultrapassagem da situação anterior, uma abertura para
novas possibilidades de ação.
A abordagem piagetiana 41
organização perceptiva e motora dos fenômenos do meio. De início, reflexos inatos
respondem aos estímulos do meio. Luz, sons, contrações faciais. A cabeça volta-se
para a direção de onde vêm os sons. Calor, frio, fome, cheiros, choros. O corpo reflete
o mundo e ainda não se diferencia dele.
A criança age sobre o mundo. Ela repetidamente chupa o dedo, suga a
pontinha da manga da roupa: movimentos não intencionais, centralizados no seu
próprio corpo, se repetem sempre. O reflexo inato de sugar assimila, incorpora novos
elementos do meio (o dedo, a roupa) e ao mesmo tempo vai sendo transformado por
eles (acomodação), pois sugar o seio é diferente de chupar o dedo, que também é
diferente de sugar a própria roupa.
"Para conhecer os
objetos, o sujeito tem que agir
sobre eles e, por
conseguinte, transformá- los:
tem que deslocá-los, agrupá-
los, combiná-los, separá-los
e juntá-los", afirma Piaget
(1983: 14). A consciência da
criança sobre o meio externo
se expande lentamente,
conforme suas ações se deslocam de seu próprio corpo para os objetos. A mão agarra,
achega o objeto ao corpo, à boca que experimenta, empurra-o para longe de si. As
pernas agitam-se em esperneio. Puxar, empurrar, contrair, distender, apanhar largar,
juntar, espalhar, apertar afrouxar, são ações que também se repetem. Os olhos
acompanham os movimentos.
O centro não é mais o corpo da criança, já que por intermédio dessas ações
a criança manipula os elementos do meio. As ações agora são repetidas devido aos
efeitos interessantes que produzem, analisa Piaget. Aos poucos, meios e fins vão
sendo diferenciados e as ações começam a ganhar intencionalidade. A descoberta
casual de que a argola agarrada produz movimentos e sons num brinquedo suspenso
acima do berço leva a criança a repetir o movimento. Ela age para atingir um propósito.
42 A abordagem piagetiana
Os movimentos ficam mais complexos, mais amplos, como engatinhar, pôr-se de pé,
andar.
Nesse percurso o eu e o mundo tornam-se progressivamente distintos. O
indivíduo e os objetos diferenciam-se e organizam-se no plano das ações exteriores,
e a permanência dos objetos vai sendo construída. O brinquedo, que ao ser retirado
da criança deixava de existir para ela, passa a ser procurado. A criança começa a
perceber que os objetos, as pessoas, continuam existindo mesmo quando estão fora
do seu campo de visão.
Formam-se as primeiras imagens mentais dos objetos ausentes do meio
imediato. São elas que possibilitam o desenvolvimento da função simbólica,
mecanismo comum aos diferentes sistemas de representação (jogo, imitação,
imagens interiores, simbolização). Com o desenvolvimento da função simbólica, a
partir do segundo ano de vida, o eu e o mundo reorganizam-se num novo plano: o
plano representativo.
A criança reproduz, ou imita, utilizando gestos ou onomatopeias, o
comportamento e os sons de um modelo ausente, representando-o de alguma forma
simbólica no jogo do faz de conta. Por meio de uma imagem mental, um símbolo,
começa a imaginar fatos, objetos, pessoas acontecimentos que ocorreram em outras
ocasiões, procurando relembrá-los. O espaço e o tempo se ampliam, à medida que o
desenvolvimento da função simbólica a libera de agir somente em situações do meio
imediato. Ela torna-se capaz, de imaginar ações ou fatos sem praticá-los efetivamente.
A abordagem piagetiana 43
o eu e o mundo, que já tinha se completado no plano da ação, deverá ser elaborada
no plano da representação. Centrada no seu próprio ponto de vista, a criança ainda
não é capaz de se colocar no lugar do outro nem de avaliar seu próprio pensamento.
Ela não considera mais de um aspecto de um problema ao mesmo tempo, fixando-se
sempre em apenas um deles.
Ao repartir o refrigerante com o irmão, a criança só considera a partilha
justa se o líquido ficar em altura igual nos dois copos, mesmo que um deles seja
visivelmente mais estreito. Ela considera apenas uma dimensão do problema (a altura
do líquido no copo), a mais evidente em termos perceptivos. Não é ainda capaz de
raciocinar levando em conta as relações entre as várias dimensões envolvidas (a
largura e o formato do copo), e o tipo de percepção que tem dos objetos determina o
tipo de raciocínio que faz sobre eles.
Nas explicações que dá, o seu ponto de vista prevalece sobre as relações
lógicas. Ela diz coisas como "Ficou de noite porque o sol foi dormir", "Quem fez aquele
rio foram os homens que moravam ali". Ações humanas explicam os fenômenos
naturais, elementos da natureza praticam ações humanas, são dotados de
intencionalidade e qualidades humanas.
Como a noção de permanência dos objetos, que leva muito tempo para ser
elaborada no nível sensório-motor, os processos de raciocínio lógico e os conceitos
demoram também um longo tempo para se desenvolver, a partir desses primeiros
raciocínios (pré-lógicos) de que a criança se torna capaz com a representação.
44 A abordagem piagetiana
A criança torna-se capaz de
compreender o ponto de vista de outra
pessoa e de conceitualizar algumas
relações. Portanto, é nessa fase que são
estabelecidas as bases para o
pensamento lógico, próprio do período
final do desenvolvimento cognitivo.
A abordagem piagetiana 45
Assim, por meio das operações – inicialmente só aplicáveis a objetos
concretos e presentes no ambiente - os conhecimentos construídos anteriormente
pela criança vão se transformando em conceitos.
46 A abordagem piagetiana
4.3 – Pesquisando a criança
A abordagem piagetiana 47
acertava ou errava ao responder, mas sim a maneira como pensava no problema
proposto. Seu objetivo era apreender o tipo de operação mental que a criança
realizava (no caso desse exemplo, ele investigava as noções de conservação e a
reversibilidade do pensamento da criança).
Assim, com base nas pesquisas realizadas através do método clínico e
também na observação direta de seus próprios filhos, especialmente nos dezoito
primeiros meses de vida, Piaget, auxiliado por inúmeros colaboradores, foi
gradativamente elaborando sua teoria sobre o desenvolvimento cognitivo da criança.
48 A abordagem piagetiana
criança, mas sim um agente facilitador e desafiador de seus processos de elaboração;
a criança é quem constrói o seu próprio conhecimento.
A abordagem piagetiana 49
5
A abordagem Histórico
Cultural
Roseli Aparecida Cação Fontana e Maria Nazaré da
Cruz
Licenciatura em Pedagogia
1 A abordagem Histórico Cultural
Licenciatura em Pedagogia
1 Bullying
Bullying 63
Violência na escola: uma reflexão
sobre o bullying e a prática educativa
Herculano Ricardo Campos
Samia Dayana Cardoso Jorge
Resumo 107
O bullying envolve todas as atitudes agressivas, intencionais e repetitivas –
adotadas por uma ou mais pessoas contra outra – que acontecem sem motivação
evidente, causando dor e angústia. Quando executado na escola, resulta em
comprometimento da aprendizagem, da vontade de estudar e de todo o ambiente
educativo. Um questionário com perguntas fechadas foi aplicado a 107 educadores,
em 14 escolas particulares de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, e as respostas
receberam tratamento estatístico no programa Statistic Package for the Social Sciences
(SPSS). Os dados mostram que 83% dos entrevistados já ouviram falar em bullying e
a necessidade de intervenção foi relatada por 97,03% dos entrevistados, dos quais
73,27% já foram chamados por alunos ou funcionários da escola para remediarem
situações dessa ordem. Sugere-se a intensificação de estudos relacionados ao
assunto e o desenvolvimento de ações e programas que envolvam a comunidade
escolar (educadores, pais, alunos, funcionários), em parceria com o Conselho Tutelar
e demais órgãos ligados à proteção da criança e do adolescente.
108
Bullying: a trama dos conceitos
Em pesquisa realizada com escolares no início dos anos 2000, Fante (2003)
expõe que aproximadamente 63% dos alunos do ensino médio relataram ter sofrido
intimidações pelo menos uma vez, e 25% afirmaram ter sofrido bullying, caracterizado
pela repetição de maus-tratos por parte, principalmente, de colegas da escola. A
autora ainda relata que 66% dos estudantes entrevistados declararam já ter agredido
algum colega, pelo menos uma vez, inclusive com agressão relacionada ao sexo,
como contar piadas pornográficas ou coerção sexual.
As observações e discussões sobre o comportamento de alunos e professores,
realizadas por Nogueira (2007), resultaram na identificação de três tipos de atores
envolvidos no bullying: o espectador, a vítima e o agressor. O primeiro é aquele
que presencia as situações de violência e não interfere, ou porque tem medo de
também ser atingido, ou porque sente prazer com o sofrimento da vítima. Segundo
Silva (2006), o medo de reagir, aliado à dúvida sobre o que fazer, cria um clima de
1
Disponível em: <http://www.observatoriodainfancia.com.br/>. Acesso em: 03 dez. 2008.
112
“Se ele emagrecesse, não seria tão visado.”
“Ela fez a própria fama, agora só tem que deitar na cama.”
“Se ela não desse bola, eles parariam.”
“Concentre-se no seu trabalho, não deixe que eles lhe afetem.”
ser gorda demais, magra demais, usar óculos, trabalhar bem, andar de cadeira de rodas,
usar a roupa inadequada, ser passiva ou independente demais, ter a cor, a origem étnica,
o sexo, a religião, a origem socioeconômica ou a orientação diferente, gostar do chefe,
ser simpático, ser quieto, etc. (Middelton-Moz, Zawadski, 2007, p. 21).
114
O bullying e os educadores
O ensino é uma profissão paradoxal. De todos os trabalhos que são ou aspiram a ser
profissões, só do ensino se espera que crie as habilidades humanas e as capacidades
que permitirão aos indivíduos e às organizações sobreviver e ter êxito na sociedade do
conhecimento de hoje. Dos professores, mais do que de qualquer outro profissional,
espera-se que construam comunidades de aprendizagem, criem a sociedade do
A pesquisa
Norte 9 3
Sul 13 4
Leste 17 6
Oeste 3 1
21 a 30 76,67 23,33
31 a 40 82,61 17,39
41 a 50 92,86 7,14
6 a 10 76,0 24,0
11 a 15 86,4 13,6
16 a 20 100,0 0,0
21 a 25 80,0 20,0
26 a 30 75,0 25,0
um dos fenômenos mais preocupantes para aqueles que se ocupam dos jovens é o
aumento do comportamento agressivo entre os adolescentes, que se verifica desde
as séries iniciais da escola, por meio de comportamentos que revelam intolerância e
impulsividade, que se espalham gradualmente até ciclos escolares mais avançados.
122 dos responsáveis pelos casos de violência e bullying na escola não é fato isolado
na prática pedagógica brasileira, refletindo a busca por soluções imediatas para os
problemas que surgem no seu interior.
Fante e Pedra (2008, p. 109) exploram o assunto do fracasso escolar quando
dizem que “nossa atenção se volta às vítimas e nossa indignação aos agressores”
e atentam para o fato de que, mais do que culpar ou vitimizar os envolvidos, é
imprescindível que aconteçam ações de conscientização, revisão do plano pedagógico
ou programa de paz nas escolas, envolvendo todos os atores escolares.
Também se procurou conhecer o que fazem os educadores quando algum
aluno solicita ajuda, depois de relatar ter sido vítima de violência, como apelidos
e xingamentos, marcas fortes do bullying. Quase metade dos entrevistados, 48%,
afirmou que conversa com os alunos envolvidos, e 28,8% disseram conversar com
os diretamente envolvidos na violência e, também, com a turma destes. Encaminhar
o ocorrido para a direção ou a coordenação fica em terceiro lugar, com apenas 16%
das respostas, denotando a necessidade de os educadores interferirem diretamente
quando há um problema com os alunos.
Novamente, percebe-se o profissional da educação propondo-se a solucionar
problemas em que os alunos estão envolvidos, embora entendendo que eles devem
ser devidamente penalizados pelo acontecido. Correia e Campos (2000) tratam dessa
perspectiva, que chamam de individualizante, a qual leva em conta, principalmente,
os alunos apontados como “problemáticos”. Esses alunos – considerados lentos,
agressivos ou distraídos – seriam o impedimento para que os educadores pudessem
124 mesmo que ele os relate e denuncie. Esse é um fator de profunda decepção desses
profissionais em relação ao seu trabalho, podendo contribuir para a desistência
precoce de suas atividades pedagógicas.
A situação é agravada pela desinformação dos educadores e pela desestruturação
da maioria das instituições educativas para desenvolver uma formação em serviço.
No presente estudo, 57,28% dos educadores afirmaram não ter recebido qualquer
informação ou treinamento sobre o assunto pelas instituições escolares nas quais
trabalham, enquanto apenas 18,26% deles disseram ter recebido capacitação
sobre o bullying nesses mesmos locais. No entendimento de Fante e Pedra (2008),
o desconhecimento dos educadores em relação ao bullying torna difícil atribuir a
esses profissionais a responsabilidade de identificação, prevenção e remediação do
problema. É necessária a criação de políticas públicas que proporcionem à escola o
conhecimento desse tipo de problema e as devidas ferramentas de enfrentamento.
Para que as informações cheguem até os profissionais, é importante a oportunização
de espaços de discussão sobre a violência nas escolas, em especial o bullying, em que
alternativas de resolução de problemas sejam colocadas, inclusive o encaminhamento
para outras instituições, ou outros profissionais, dos casos identificados como
impossíveis de serem resolvidos no interior da escola.
A despeito desse quadro difícil, contudo, 84,47% dos educadores disseram
acreditar que a escola é um local adequado para a prevenção de comportamentos
violentos; 27,48% deles responderam que seria importante oferecer aos alunos
palestras e informações sobre os comportamentos indesejados, bem como
Referências bibliográficas
CANDAU, V. M. F. Por uma cultura da paz. São Paulo, 1998. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos>. Acesso em: 26 out. 2007.
FANTE, Cléo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto
Alegre: Artmed, 2008.
126 FRIGOTTO, G. Educação e a crise do capitalismo real. 4. ed. São Paulo: Cortez,
1995/2000.
PEREIRA, Beatriz Oliveira. Para uma escola sem violência: estudo e prevenção das
práticas agressivas entre crianças. Porto: Dinalivro, Audil, 2002.
SOUZA, E. et al. Bullying: como lidar com nossas crianças e adolescentes? 2007.
Disponível em: <http://www. graphein.com.br>.Acesso em: 12 jan. 2007.
128