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Aulas teórico-práticas de Direito Processual Penal (2ºteste)

Catarina Serra | A91478

Medidas cautelares e de polícia

11/04/2023
Caso I.
Na madrugada do dia 2 de julho de 2010, António foi surpreendido pela Polícia de
Segurança Pública (PSP), no interior de uma loja de antiguidades, sita na cidade de Braga,
onde havia penetrado após ter arrombado a porta com um pé-de-cabra.
Os agentes da PSP de imediato procederam à detenção de António, e levaram-no de
imediato ao Ministério Público (MP), remetendo-lhe o auto com a descrição completa e os
meios de prova apreendidos. No momento da detenção, António tinha, dentro de um saco que
transportava consigo, um relógio antigo no valor de 10.000,00€.
1. Os agentes da PSP podiam validamente deter António? Em que condições
ocorreria a sua constituição como arguido?
Medidas cautelares e de polícia
Resolução:
O processo penal tem uma 1ª fase, que é a fase de investigação – o inquérito. Mas antes
de haver o processo penal propriamente dito, pode haver necessidade de serem praticados
alguns atos, ou seja, pode haver atos, diligencias, que ocorrem antes do inquérito, mas que são
processualmente relevantes. Nesse sentido, são realidades anteriores ao processo, mas
conectadas a eles, vamos aplicar-lhe o regime do processo propriamente dito, uma vez que essas
realidades servem o processo. Há vários atos praticados pelos órgãos de polícia criminal que
podem visar diferentes objetivos, como a apreensão de prova, atos de identificação de suspeitos
(revistas e buscar sem uma previa autorização da entidade judiciária).
No nosso caso estamos perante uma detenção. A CRP admite que, de forma transitória,
precária, ou seja, temporalmente limitada e de forma excecional, possa ser uma pessoa privada
da sua liberdade, nomeadamente numa situação de detenção (al. a, b, f, g do nº3 do art.27º
CRP). A detenção vai ter necessariamente revestido por um regime exigente, regime esse que
consta do art.254ºss. Este regime é exigente, porque estamos aqui perante o núcleo da
ponderação do direito fundamental à liberdade, por um lado, e da realização da justiça e da
descoberta da verdade material, por outro lado. Este regime determina que a detenção que esteja
destinada à prossecução de finalidades que a lei determina, que são aqueles que constam do
art.254º, sendo que dependendo da finalidade prosseguida com a detenção vai haver um prazo
máximo em que poderá decorrer essa detenção. Este prazo será de 48h para o caso de a
detenção se destinar a que o detido seja apresentado a julgamento sobre a forma sumário, ou
seja, para ser presente a juiz em 1º interrogatório judicial ou ainda para a aplicação ou execução
de uma medida de coação. Por outro lado, temos outra finalidade que é a de o detido esteja
presente perante uma autoridade judiciária, ou seja, a detenção visa garantir que uma pessoa
tenha de estar presente num determinado ato esteja realmente presente e aí a detenção é apenas
de 24h (máximo, não podendo passar disso).
A detenção pode ocorrer em 2 situações: em flagrante delito e fora de flagrante delito.
Flagrante delito (art.256º) em termos jurídico-penais, é uma definição mais ampla do que aquela
que a maioria das pessoas tem a partir do sensu comum. Para fins de processo penal há 3
situações que podem ser flagrante delito: (1) flagrante delito propriamente dito (nº1, 1ªparte), ou
seja, todo o crime que se está cometente que significa que o agente é surpreendido na execução
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do crime; (2) quase flagrante delito - todo o crime que se acabou de cometer (nº1, 2ªparte), ou
seja, o agente é surpreendido após ter cometido o crime- Germano Marques diz que a pessoa é
encontrada no local onde cometeu a infração; (3) presunção de flagrante delito (nº2), em que o
agente é, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objetos ou
sinais que mostrem claramente que acabou de cometer ou nele participar, ou seja, aqui já temos
um maior distanciamento entre o momento da detenção e o momento da execução do crime.
No caso, estamos perante o crime de furto qualificado- por um lado temos um
arrombamento, nos termos do art.204º/nº2 (d) CP; devido ao valor do objeto furtado (10.000€).
Atendendo ao art.204º/nº3, ou seja, prevalece a circunstância qualificante que for mais grave,
vamos atender ao arrombamento, pois determina uma pena superior aquela que é determinada
pela decorrente de que o objeto do furto ser de valor elevado, portanto teríamos aqui um furto
qualificado punível com pena de prisão de 2 a 8 anos. O agente estava dentro da loja e tinha um
saco com um relógio de que tinha roubado. Estamos aqui perante flagrante delito propriamente
dito, pois ele é surpreendido ainda na execução, uma vez que não sabemos se ele ainda iria
roubar mais alguma coisa. Resta saber se esta detenção é legal, ou seja, se cumpre os requisitos
legais, que constam do art.285º: (a) o crime tem de ser punível com uma pena de prisão, ainda
que em alternativa possa ser punível com pena de multa; (b) quanto à natureza do crime vamos
ter especificidades, pois quanto a crimes públicos pode haver sempre detenção em flagrante
delito; quanto a crimes semi-públicos é-nos dito o nº3 que também pode haver detenção em
flagrante delito, mas que essa só pode ser mantida se no momento imediatamente à detenção o
titular do direito de queixa preste queixa (se não apresentar queixa não faz sentido manter a
pessoa detida, sendo que o detido deve imediatamente ser libertado); nos crimes particulares
não pode haver detenção em flagrante delito, o que pode haver é a identificação do infrator
(nº4), portanto se um órgão de policia criminal assistir a um crime particular apenas vai poder
identificado, não o podendo deter. Importa ainda determinar quem pode deter um suspeito da
prática de um crime e isso é nos dito pelo art.255º/nº1. A detenção pode ser feita por uma
autoridade judiciária (MP, juiz) e pode ser feita por autoridades policiais. Ainda qualquer
cidadão pode deter alguém em flagrante delito, mas só quando se nenhuma autoridade judiciária
ou policial estiver presente, nem possa ser chamada em tempo útil. Paulo Pinto de Albuquerque
ainda nos diz que não podemos perseguir uma pessoa com quaisquer instrumentos, ou seja, os
meios têm de ser razoáveis e proporcionais e que não coloquem em perigo. Um particular
quando detém alguém deve entregar o detido imediatamente a uma autoridade judicial ou
policial (art.255/nº2).
No nosso caso, temos flagrante delito propriamente dito. Temos um crime punível com
pena de prisão de 2 a 8 anos e, sendo o crime de furto qualificado um crime público, não há uma
circunstância que limite ou impeça a detenção. A detenção foi feita por agentes da PSP, ou seja,
por órgãos da polícia criminal que estão habilitados a fazer a detenção conforme o art.285º/nº1
(a).
Nota para as detenções ilegais: art.261º- a consequência é a imediata libertação do detido. Por
outro lado, o detido também pode reagir à detenção ilegal através da providencia de habeas
corpus – caracter urgente – a CRP diz-nos que a providencia de habeas corpus é decidida pelo
juiz no prazo de 8 dias.
O arguido é apenas um suspeito (art.1 (e)), mas não nos diz o que é um arguido. Há
autores que entendem que do ponto de vista material não há grandes diferente e do ponto de
vista formal, o arguido goza de um estatuto que o suspeito não tem. Maria João Antunes entende
que há uma diferença material entre estas 2 figuras e diz que o suspeito é aquela pessoa em
relação à qual falamos em meros indícios, enquanto em relação ao arguido já temos fundadas
suspeitas da prática do crime. Ela vai um pouco pegar na definição que tínhamos de arguido em
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1929, que dizia que arguido é aquele que recaem fundadas suspeitas. Germano Marques da
Silva diz-nos que o arguido é a pessoa que é formalmente constituída como sujeito processual e
relativamente corre um processo como eventual responsável pelo crime que constitui objeto
desse processo.
Ao cabo estas figuras são distintas, pois o arguido é o protagonista do processo, sendo
um sujeito processual e goza de um estatuto que lhe atribui direitos e deveres vários e esse
estatuto está presente no art.57ºss. Pra que um suspeito adquira o estatuto de arguido é preciso
que se constitua como tal e esta pode ocorrer de várias formas, desde logo pelo art.57º/nº1, ou
seja, assume qualidade de arguido aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida
instrução num processo penal. O art.58º estabelece que quando um suspeito presta declaração
tem obrigatoriamente de ser constituída arguido; quando um suspeito for detido, ou seja, sempre
que um suspeito por detido em flagrante delito tem de ser constituído como arguido. Art.59º/nº1
quanto a situações em que alguém está a ser inquirido e surge suspeita fundada de que a pessoa
cometeu o crime (suspende-se a inquirição e a pessoa é constituída arguida). Há ainda uma
constituição facultativa (art.59º/nº2) – atribuir ao suspeito um estatuto especial, ou seja, certos
direitos.
No caso, a constituição como arguido era obrigatória, nos termos do art.58º/nº1 (c),
sendo que pode ser feita pelos órgãos de polícia criminal que o detêm. O art.58º/nº2 diz-nos que
a constituição como arguido é sempre feita de uma comunicação oral ou escrita e a autoridade
judiciária ou o órgão de polícia criminal que procede à constituição tem de, nessa comunicação,
dizer que a pessoa se deve considerar constituída como arguido e deve também comunicar-lhe
os seus direitos e deveres.
A entidade que procedeu à sua detenção vai ter de comunicar a detenção a uma de duas
entidades: (a) ao juiz do qual emanou o mandato de detenção; (b) MP nos restantes casos. No
nosso caso, como estamos em flagrante delito não há uma detenção nem um juiz, pois não há
processo, e nesse sentido, os agentes da PSP devem comunicar a detenção ao MP (art.259º(b)).
Nota: Parece que temos a prática de outros atos cautelares, isto é, a revista que é autorizada de
acordo com o art.251º/nº1 (a), que não carece de qualquer autorização. Na sequência dessa
revista temos também a detenção de objetos relacionados com o crime, que seria admitida de
acordo com o art.259º/nº2 (c).
2. Imagine que, durante o inquérito, o Ministério Público interroga o arguido
António, sem a presença do seu defensor. Quid iuris?
Resolução:
O arguido poderia ser interrogado pelo MP sem o seu defensor? Ao contrário do
advogado do assistente, o defensor do arguido é um sujeito processual. Qualquer arguido tem
direito ao patrocínio judiciário e este direito insere-se ainda a um direito mais extenso que é o
direito a garantias de defesa, estabelecidas pela CRP, pelo que este direito.
Quando um suspeito adquire o estatuto de arguido, ele também adquire uma série de
direitos que estão elencados de forma não taxativa no art.61º CPP. Ele tem, por exemplo, o
direito ao recurso, a informações ao longo do processo, o direito ao silêncio, o direito a
participar ativamente no processo, etc. Contudo, tem também deveres, nomeadamente, de
prestar termo, residência e morada, obrigado a comparecer a atos judiciais relevantes, a sujeitar-
se a diligências de prova e a medidas de coação, obrigado a responder com verdade apenas
relativamente à sua identidade (em tudo o resto pode mentir à vontade). Estes são apenas alguns
dos deveres que estão elencados no art.61º CPP, mas não é um elenco taxativo (ao longo do
processo penal temos mais que podem ser identificados).
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Veremos que a al.e e a al.f referem-se ao defensor. O arguido tem o direito de constituir
advogado ou de solicitar a nomeação de um defensor. Além disso, tem direito a ser assistido
pelo defensor em todos os atos processuais em que participar e, quando for detido, comunicar –
mesmo que em privado – com ele. Ou seja, tem direito de ser acompanhado por advogado ao
longo de todo o processo. Ora, isto insere-se noutra garantia – à defesa – que a própria CRP
estabelece, no sentido em que a defesa do arguido apenas será cabalmente exercida se for
acompanhado por alguém que tenha conhecimentos técnicos para lhe prestar apoio, do qual ele
carece.
Vejamos que a figura do defensor, enquanto sujeito processual, também está regulada no
CPP imediatamente a seguir (em conjunto até) com o arguido. O defensor tem direitos,
nomeadamente, ele tem os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar
pessoalmente para este.
O que nos interessa ao caso é o art.64º CPP. O art.64º/nº1 (a) estabelece que é
obrigatória a assistência de defensor nos interrogatórios de arguido detido ou preso
(preventivamente ou em execução de pena). Se tal não acontecer temos uma nulidade insanável,
nos termos do art.119º (c).
3. Considere que, durante o assalto, devido à falta de iluminação, António tinha
chocado contra um conjunto de jarros de porcelana muito valiosos. Poderá Berta,
dona da loja, pedir que António seja condenado a pagar-lhe uma indemnização
pelos danos patrimoniais sofridos? Esse pedido poderá ser julgado procedente
caso o juiz de julgamento decida absolver António do crime que lhe foi imputado?
Resolução:
Nos termos do art.271º, sempre que existir um lesado com o cometimento do crime,
essa pessoa poderá vir ao processo enxertar um pedido de indemnização cível. No caso, a Berta,
desde logo, poderia constituir-se assistente, porque ela foi ofendida, ela é titular dos interesses
que a lei especialmente quis proteger com a incriminação do furto qualificado e assim poderá
constituir-se assistente nos termos do art.68º/nº1 a, nos prazos do nº3, mediante o pagamento da
taxa de justiça, mas para pedir esta indemnização nem o precisava de o fazer. Mesmo que ela
não quisesse se constituir assistente isso não influenciava, pois ela podia participar no processo
como parte civil.
Olhemos para o art.74º. O pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado,
entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos pelo crime, ainda que não se tenha
constituído ou não se possa constituir como assistente. Assim, iria ao processo apenas para pedir
a indemnização. Mas assim sendo ela seria apenas uma participante processual e dessa forma,
os seus poderes esgotar-se-iam naquilo que toca ao pedido de indemnização no processo.
O nosso CPP prevê, para estas situações, sejam eles danos patrimoniais, psicológicos ou
de que natureza forem atendendo ao princípio da adesão (art.71º), que as pessoas devam fazer o
pedido de indemnização no próprio processo penal. Aliás, é obrigatório fazê-lo, ou seja, é
obrigatório que a pessoa lesada faça o pedido de indemnização no próprio processo criminal.
Isto advém da necessidade de economia processual e também está associado, de certa forma, ao
princípio da suficiência (todas as questões que interessam à causa devem ser tratadas no próprio
processo). Só nos casos previstos no art.72º é que a pessoa que pede a indemnização pode retirar
esse pedido do processo criminal. Fora desses casos, o pedido deve ser formulado no processo
sem qualquer necessidade de que seja instaurada uma ação nos tribunais cíveis (art.77º). Este
pedido é feito no próprio processo criminal, de acordo com o art.78º a 84º (trâmites e regras).
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O pedido de indemnização pode ser julgado procedente, mesmo que o arguido seja
absolvido (art.377º/nº1), ou seja, mesmo não lhe sendo imputada qualquer responsabilidade
criminal terá a obrigação de pagar a indemnização ao lesado.

18.04.2023
Caso II.
Ricardo vivia com a mãe, Belmira, uma senhora de 89 anos que, em razão da idade
avançada e de doença degenerativa grave, se encontrava acamada e carente de apoio e
cuidados para a satisfação das suas necessidades básicas.
No dia 05 de maio de 2018, por volta das 23h, Ricardo regressou a casa, depois de um
jantar de aniversário de um amigo. Tendo-lhe a mãe pedido ajuda para tomar banho, Ricardo
gritou, frustrado, a partir da cozinha: “Estou farto! És uma inútil! Tive de sair mais cedo de
uma festa para cuidar de ti... outra vez! Mas isto vai acabar agora!” – e desferiu-lhe vários
golpes com uma faca que trouxe consigo, matando-a. Acordado pelos gritos, Celso, vizinho,
veio à janela tentar perceber o que se passava e conseguiu ainda ver Ricardo a sair
apressadamente de casa, ensanguentado e de faca na mão, no seu Audi cinza-rato (de
matrícula 12-QX-54). Celso alertou imediatamente as autoridades locais (GNR), descrevendo
tudo o que viu e ouviu (incluindo as características físicas de Ricardo e do seu automóvel).
Quando os agentes da GNR chegaram ao local, verificaram que a porta de casa de Belmira
estava aberta, entraram e depararam-se com o corpo da senhora. Decidiram então dispersar
os elementos do Posto pelo terreno, a fim de encontrar o suspeito. A certa altura, dois agentes
vislumbraram um carro em circulação com as características descritas por Celso. Ordenaram
a imobilização do carro e pediram a identificação do condutor, que se identificou como sendo
Ricardo. Mais se aperceberam que este usava uma camisola ensanguentada e que, debaixo de
um casaco, no banco do passageiro, aparecia o cabo de uma faca com manchas de sangue.
Dessarte, procederam à sua imediata detenção e à apreensão da faca.
1. Aprecie a validade da detenção de Ricardo.
Resolução:
Está aqui em causa a matéria das medidas cautelares e de polícia, nomeadamente a
detenção.
A detenção pode ser em flagrante delito e fora de flagrante delito, sendo que uma e
outra têm diferentes requisitos. A detenção fora de flagrante delito está no art.257º e em
flagrante delito está no art.255º e 256º. No caso, estamos perante um caso de detenção em
flagrante delito. Temos 3 modalidades de flagrante delito: flagrante delito propriamente dito,
quase flagrante delito e presunção de flagrante delito. Todas estas estão previstas no art.256º. O
crime já foi cometido, o agente já se pôs a algum tempo fora do local do crime, há uma dilação
temporal entre o momento do crime e da detenção, R é apanhado com uma serie de indícios que
demonstram a sua ligação ao crime. Os agentes da GNR tinham uma descrição do carro dele e
das características físicas dele. Eles tinham indícios de que seria ele o suspeito que tinham de
apanhar. Para além disso, quando pedem a detenção dele, totalmente legal nos termos do
art.250º, apercebem-se que ele tem a camisola manchada de sangue e uma faca também com
sangue. Assim, concluíram que R era o suspeito. Concluindo temos uma presunção de flagrante
delito, de acordo com o art.256º/nº2.
Temos de verificar se os requisitos da detenção em flagrante delito estão cumpridos e
para isso temos de atender ao art.: (a) tem de estar em causa um crime publico ou semipúblico
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punível com pena de prisão (havendo detenção em detenção em flagrante delito por um crime
semipúblico, ainda que possa haver detenção, ela só poder perdurar se o titular do direito de
queixa exercer esse direito) - no caso, este requisito está cumprido, pois temos um crime de
homicídio qualificado, p.e.p nos termos do art.132º CP, pois em 1º lugar, temos aqui uma
situação em que o agente é descendente da vítima (al.a do art.132º/nº2), sendo praticado contra
uma pessoa indefesa, pois era uma pessoa de idade e sofria de uma doença degenerativa, sendo
punível com uma pena de prisão de 12 a 25 anos, sendo crime público, por isso, não há qualquer
limitação da detenção em flagrante delito; (b) tem de ser realizada por uma entidade legalmente
habilitada para o fazer (art.255º/nº1- qualquer entidade judiciária ou autoridade policial está
habilitado a fazê-lo). À partida, os requisitos estão cumpridos.
Depois da detenção, este órgão de polícia criminal deve constituir R como arguido, para
que ele adquira um estatuto que lhe permita ter direitos e deveres. Vamos constituir R como
arguido com base no art.58º/nº1 (c). Esta situação obriga mesmo à constituição de arguido e vai
ter de cumprir algumas formalidades (art.58º/nº2 e seguintes). Temos de dar particular
importante ao nº4, pois essa constituição feita por um órgão de polícia criminal deve ser
comunicada a uma entidade judiciária para validar a constituição como arguido, seguindo os
prazos do nº4 do art.58º.
Um último passo que tem de ser adotado é a comunicação às entidades que estão
previstas no art.259º, que nos diz que sempre que qualquer autoridade policial fizer uma
detenção deve comunicar ao juiz, se a detenção tiver sido determinada por um mandado desse
juiz, ou ao MP nos outros casos. Ou seja, se não houve mandado de detenção não deve ser
comunicado ao juiz, mas ao MP. No caso, não houve mandado, pois não houve sequer um
processo, nem um inquérito, por isso, deve ser comunicado ao MP.
2. Quando ocorreria o primeiro interrogatório judicial de Ricardo?
Resolução:
Durante a fase de inquérito, que já tinha todas as condições para se iniciar (o MP já
adquirir a notícia do crime, com base no art.252º e no princípio da oficialidade), vão começar a
ser praticados atos e diligencias no sentido de prosseguir aquilo que é a finalidade do inquérito
que é investigar os factos, reunir provas no sentido de depois o MP decidir se vai acusar,
arquivar, suspender provisoriamente, etc. Vamos ter o 1º interrogatório judicial de arguido
detido que se encontra previsto no art.141º. O nº1 diz-nos que o arguido detido, que não deva
ser imediato julgado, é interrogado pelo juiz de instrução, no prazo de 48h. Então, depois da
detenção, se o arguido não dever ser imediatamente julgado, ele deve ser conduzido pelo MP
para o juiz de instrução criminal, com o objetivo de se realizar este interrogatório. Há aqui uma
particularidade neste artigo que é o facto de ser interrogado pelo juiz no prazo máximo de 48h,
quando não deva ser de imediato julgado.
Os processos penais são morosos. Como podemos estar a falar de uma situação de uma
pessoa que está detida ser julgada imediatamente? Se o processo seguir a forma sumária. Para
além da forma comum de processo existem 3 formas especial: o processo sumário (art.381ºss),
abreviado e sumaríssimo. O processo sumário está pensado para situação em detenções em
flagrante delito, pois o suspeito tem sido detido em flagrante delito é um requisito para haver
julgamento em processo sumário. Este processo sumário é bastante mais célere que o processo
normal, porque não podemos dizer em bom rigor que há inquérito e muito menos existe
instrução. Sem prejuízo de alguma prorrogação o julgamento do arguido vai acontecer no prazo
de 48h após a detenção (art.387º). Para que um processo possa seguir a forma sumária têm de
estar cumpridos os requisitos do art.381º: (1) o arguido ter sido detido em flagrante delito; (2)
tenha sido detido por crime punível com pena de prisão, cujo limite máximo não seja superior a
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5 anos. Por outro lado, também pode ser submetido a processo sumário o arguido delito em
flagrante delito por crime punível com pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 5 anos,
desde que o MP entenda que não deve ser aplicada, em concreto, uma pena de prisão superior a
5 anos. O nosso caso nunca iria ser julgado em processo sumário, por se tratar de um homicídio
qualificado, a não ser que o MP usasse esta prorrogativa se pudesse, que no caso não pode e,
portanto, não seguindo o processo a forma sumária, o arguido não iria ser julgado
imediatamente e não sendo julgado imediatamente, ele tem de ser conduzido a este
interrogatório judicial do art.141º.
Este 1º interrogatório serve para comunicar ao arguido as razões da detenção, para ouvir
as razões do arguido e ainda para que o juiz possa formular uma valoração/ convicção de que se
mantêm as razões da detenção e se, eventualmente, se verificam as condições e as exigências
cautelares necessárias para a aplicação de uma medida de coação. Ocorreria no prazo máximo
de 48h apos a detenção. Este interrogatório tem de ser feito pelo juiz de instrução criminal. O
dominus do inquérito é o MP, no entanto este não está sozinho, ele não faz tudo, pois há atos
que são da sua exclusiva competência, há atos que o MP pode delegar aos órgãos de polícia
criminal e há ainda atos que apenas podem ser praticados por um juiz de instrução criminal.
Este juiz durante o inquérito só vai aparecer de vez em quando, quando se coloquem questões,
ou melhor, quando se pratiquem atos que ponham em causa direitos fundamentais do arguido. O
art.268º faz um elenco, não taxativo, dos atos de competência exclusiva do juiz de instrução
criminal. O art.269º dá-nos um elenco não taxativo dos atos que podem ser ordenados ou
autorizados pelo juiz de instrução criminal. O art.268º/nº1 (a) diz-nos que durante o inquérito
compete exclusivamente ao juiz de instrução criminal (JIC) proceder ao 1º interrogatório
judicial de arguido detido, sendo que isto vai de encontro ao nº2 do art.141º, que diz que o
interrogatório é feito exclusivamente pelo juiz, com assistência do MP e do defensor
(intervenção mínima), estando presente o funcionário de justiça. Além disso, podem estar
agentes de autoridade no caso de ser necessário para garantir a segurança de todas as pessoas.
3. Após apresentação ao Ministério Público, Ricardo é conduzido para primeiro
interrogatório judicial. Nesta ocasião, o juiz de instrução criminal impôs a prisão preventiva
do arguido, após a mesma ter sido requerida pelo Ministério Público. Aprecie a aplicação
desta medida de coação.
Resolução:
(Matéria das medidas de coação e de garantia patrimonial. Faz mais sentido, em
termos práticos trabalhar esta matéria nesta parte, pois há uma grande relação entre a fase de
inquérito e esta matéria. Elas podem, contudo, ser aplicadas em qualquer fase do processo).
Quando o arguido adquire o estatuto de arguido são-lhe atribuídos uma serie de direitos
e deveres, sem prejuízo de medidas de coação e de garantia patrimonial (art.61º). Alias, de
acordo com o art.61º/nº1 (d) um dos deveres do arguido é sujeitar-se a esses deveres. Embora,
estas 2 realidades sejam tratadas de forma muito próxima e apesar de terem uma serie de
requisitos em comum, são coisas distintas que visam finalidades também distintas. As medidas
de coação são meios processuais de limitação da liberdade pessoal ou patrimonial do arguido,
que têm por finalidade acautelar a eficácia do procedimento criminal. Já as medidas de garantia
patrimonial são a caução económica e o arresto preventivo, previstos no art.227º e 228º,
respetivamente, sendo meios processuais que servem para assegurar a existência de garantias de
pagamento da pena pecuniária das custas processuais e de quaisquer outras dívidas para com o
Estado ou outras pessoas, que estejam relacionadas com o crime. São muito importantes para o
processo, desde logo porque há muitas situações em que o arguido, por exemplo, procura
subtrair-se ao processo, procura influenciar negativamente a investigação, nomeadamente,
através da eliminação de provas, etc. e ainda há situações em que o arguido procura continuar a
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atividade criminosa ou dispor de todo o seu património para depois não ter de pagar nenhuma
divida que surja no âmbito do processo. As medidas de coação têm finalidades cautelares e é por
isso que se vai permitir a limitação de uma pessoa em nome da realização da justiça e
descoberta da verdade material.
Neste momento, vamos focar-nos nas medidas de coação. Quando temos de resolver
uma questão desta, vamos ter sempre de incluir 4 tópicos nas nossas respostas.
O 1º momento prende-se com a verificação dos princípios e condições gerais da
aplicação de uma medida de coação, que se encontram no art.191ºss e estes têm de se aplicar
a todas as medidas de coação, com algumas exceções relativamente à medida prevista no
art.196º que é o termo de identidade e residência. Tem de estar preenchido o princípio da
legalidade, que se encontra no art.191º. Deste artigo tiramos um princípio de legalidade, de
Taxatividade e tipicidade, que nos dizem que apenas podem ser aplicadas as medidas de coação
previstas na lei e com os efeitos previstos na lei. Ou seja, não há medidas de coação inventadas,
no momento, pelo juiz e com efeitos diferentes daqueles que a lei prevê. São elas o termo de
identidade e residência (art.196º), a caução (art.197º), obrigação de apresentação periódica
(art.198º), suspensão de exercício, de profissão, de função, de atividade ou de direitos (art.199º),
proibição ou imposição de condutas (art.200º), obrigação de permanência na habitação
(art.201º) e a prisão preventiva (art.202º). Este elenco está ordenado de acordo com uma
gravidade crescente, pois começa com uma medida de coação menos grave e termina com a
mais grave. Têm também de estar preenchidos os princípios da necessidade, proporcionalidade e
adequação. De acordo com o princípio da necessidade as medidas de coação devem ser
necessárias em face das exigências processuais de natureza cautelar que se façam sentir no
processo; de acordo com o princípio da adequação elas têm de ser adequadas a essa exigência,
ou seja, o juiz deve escolher a medida mais ajustada a essa exigência; o princípio da
proporcionalidade diz-nos que as medidas devem ser proporcionais à gravidade do crime e às
sanções que venham a ser aplicadas. Estes 3 requisitos são muito importantes, porque a sujeição
a uma medida de coação tem de ser comunitariamente suportável face à possibilidade de estar a
ser aplicada a um inocente, pois até ao transito em julgado de uma sentença condenatória o
arguido é inocente. Existe um subprincípio de subsidiariedade que se aplica sobretudo às
medidas coativas mais gravosas, ou seja, às medidas de coação privativas de liberdade e é um
princípio que nos diz que, tanto a obrigação de permanência na habitação como a prisão
preventiva, só devem ser aplicadas quanto todas as outras medidas se revelarem inadequadas e
insuficientes. Quando um juiz tenha de escolher entre a obrigação de permanência na habitação
ou a prisão preventiva deve escolher a primeira, ou seja, a prisão preventiva é sempre a última
ratio, excecional, só quando nenhuma outra medida é suficiente é que a escolhemos. Este último
princípio resulta do art.193º/nº2, art.201º/nº1, 1ªparte e 202º/nº1, 1ªparte. Ainda dentro destas
condições gerais têm de atender à condição do art.192º que diz que é absolutamente necessária a
previa constituição de arguido e, portanto, as medidas de coação não se aplicam a suspeitos, mas
a arguidos. Se a pessoas ainda não tiver sido constituída como arguida, terá de sê-lo
obrigatoriamente como resulta do art.192º e 58º/nº1 (b). No nosso caso, foi aplicada uma
medida preventiva a Ricardo e tínhamos de percorrer todos estes passos. Este caso não tem
muita factualidade, por isso estamos a fazê-lo em termo abstrato.
O 2º momento é o momento de verificar se no caso se observam os requisitos gerais
do art.204º, com a exceção do termo de identidade e residência (TIR). Este artigo diz-nos que
nenhuma medida de coação, à exceção do TIR, pode ser aplicada se, em concreto, não se
verificar, no momento da aplicação, uma das 3 situações elencadas no artigo. Ou seja, o art.204º
coloca-nos à frente de 3 situações e basta que uma delas se verifique para estarem então
cumpridos os pressupostos do art.204º. Que situações são estas? (a) Fuga ou perigo de fuga; (b)
Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo – nomeadamente,
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perigo quanto à produção de prova; (c) Perigo em razão da natureza e das circunstâncias do
crime ou da personalidade do arguido de que haja uma continuação da atividade criminosa ou
perturbação da ordem ou tranquilidade pública. Portanto, só pode o juiz aplicar uma medida de
coação se se verificar, in casu, uma destas situações. Por exemplo, só poderia haver uma prisão
preventiva do Ricardo, no nosso caso, se ele tivesse adotado comportamentos que indiciam
vontade de escapar à justiça. Imaginemos que ele tinha comprado um bilhete de avião, que tinha
vendido todos os seus bens, etc.
O 3º momento é o momento de analisar os requisitos específicos da medida. No caso
de prisão preventiva, esta está prevista no art.200º e é la que temos os requisitos específicos
dela. No entanto, vamos analisar todas as medidas e os seus requisitos específicos num sentido
meramente teórico.
 O termo de identidade e residência (TIR) está previsto no art.196º e esta é
diferente das outras medidas. É diferente das outras, desde logo, porque não tem
de passar pelo crivo dos princípios do art.193º, ou seja, não tem de passar pelo
crivo triplo do princípio da necessidade, adequação e proporcionalidade, porque
é uma medida de coação obrigatória. Significa isto que basta que haja a prévia
constituição de arguido para ser aplicável a este sujeito o TIR. No entanto, ainda
há outra particularidade, isto é, o TIR pode ser aplicado pelo juiz, pelo MP e até
mesmo por órgãos de polícia criminal. Todos estes têm legitimidade para o
fazer, enquanto as outras têm obrigatoriamente de serem aplicadas por um juiz.
 Quanto à caução, o requisito específico é que esteja em causa um crime punível
com pena de prisão.
 Quanto à obrigação de apresentação periódica, tem de se tratar de um crime
punível com pena de prisão de máximo superior a 6 anos.
 Quanto à suspensão do exercício de profissão, função, atividade e direitos, tem
de estar em causa um crime punível com pena de prisão de máximo superior a 2
anos, sempre que a interdição do exercício possa a ver a ser decretada como
efeito do crime imputado.
 Quanto à proibição e imposição de condutas, têm de se verificar fortes indícios
da prática de crime doloso, punível com pena de prisão de máximo superior a 3
anos.
 Quanto à obrigação de permanência na habitação, têm de existir forte indícios
da prática de crime doloso, punível com pena de prisão de máximo superior a 3
anos, para além de as restantes medidas se considerarem inadequadas ou
insuficientes.
No caso está em causa a prisão preventiva. O primeiro requisito decorre do princípio da
subsidiariedade, ou seja, todas as outras medidas têm de se revelar inadequadas ou insuficientes.
Pra além disso, poderá haver a aplicação da prisão preventiva nas hipóteses que se encontram na
al.a à al.f do art.202º/nº1. No caso, sendo crime de homicídio qualificado podia haver, quanto
aos requisitos específicos a sua aplicação, desde que, no caso, as outras medidas se revelassem
inadequadas e insuficientes (nunca nos podemos esquecer disto!!). Depois, temos de ver se o
procedimento de aplicação foi respeitado. Ora, quanto a este ponto temos de nos socorrer do
art.194º, visto que é este artigo que nos dá a conhecer o procedimento. Este artigo diz-nos,
desde logo, que, com a exceção do TIR, todas as medidas de coação têm de ser aplicadas por
um juiz. Durante a fase de inquérito é o juiz de instrução criminal que vai aplicar a medida de
coação, depois da promoção por parte do MP, ou seja, a requerimento do MP. Depois do
inquérito vai continuar a ser o juiz de instrução (se tivermos na fase de instrução) ou de
julgamento (se tivermos na fase de julgamento) e o juiz pode aplicar a medida oficiosamente
(esta não tem que ser requerida pelo MP), embora tenha sempre de ouvir o MP. Ora, tudo isto é
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nos dito pelo art.194º/nº1. Tem também de haver, sempre que possível, previa audição
presencial do arguido, em respeito pelo princípio do contraditório, mas há casos de
impossibilidade justificados em que não vai ser totalmente exigível.

02.05.2023
Continuação do caso da aula anterior…
Durante o inquérito o juiz não pode oficiosamente aplicar uma medida de coação,
porque tem de haver a promoção por parte do MP. Este tem de requerer a aplicação de uma
medida de coação ao juiz de instrução criminal. Em todas as outras fases já não vai ser
necessário o requerimento por parte do MP, ou seja, depois do inquérito o juiz vai aplicar a
medida oficiosamente, mas deve ouvir o MP, na mesma, mas não está dependente da medida de
coação pelo MP. Olhando ainda para o art.194º aplicação de uma medida de coação, com
exceção do TIR, vai depender da previa audição do arguido, a não ser que não seja possível
fazê-lo, ou seja, só não haverá em casos de impossibilidade devidamente justificada (segundo
Paulo Pinto Albuquerque são situações em que o paradeiro do arguido é desconhecido, anomalia
psíquica que impeça a audição, doença grave e até mesmo de gravidez). Esta audição é muito
importante porque vai ser um corolário do direito de defesa do arguido e para além disso, se
olharmos para o art.61º/nº1 (b) o arguido tem o direito de ser ouvido pelo juiz sempre que tome
uma decisão que o vá afetar. Este despacho do juiz de instrução tem sempre de ser
fundamentado (art.194º/nº6) e esta não é uma fundamentação qualquer, esta deve ser completa,
que deve conter, sob pena de nulidade, todos os elementos que se encontram neste nº6. Uma vez
tomada a decisão de aplicação de uma medida de coação, esta vai ter de ser notificada ao
arguido. O nº9 do art.194º diz-nos que o despacho, com a advertência das consequências do
incumprimento, é notificado ao arguido, ou seja, o arguido fica a conhecer os factos que lhe são
imputados, o caminho que o juiz percorreu até chegar à conclusão de aplicação da medida e as
consequências do incumprimento das obrigações que lhe são impostas por via da medida a que é
sujeito. No nº10 vemos ainda outra exigência para a prisão preventiva, que nos diz que o
despacho é comunicado de imediato ao defensor do arguido e sempre que o arguido o pretenda
também pode ser comunicado a um parente ou a uma pessoa da sua confiança.

a. Se o Ministério Público tivesse promovido a aplicação da medida de obrigação de


permanência na habitação, poderia o JIC ter optado por submeter Ricardo a prisão
preventiva?

Resolução:
Temos de compreender se o juiz de instrução na fase de julgamento pode aplicar uma
medida de coação diferente da requerida pelo MP. Durante o inquérito vigora o princípio do
pedido que se consubstancia no facto do juiz de instrução não poder por sua iniciativa aplicar
uma medida de coação, ele tem de aguardar pelo impulso do MP (a não ser o TIR). Entre 2007 e
2013 o que acontecia era que o juiz de instrução estava bastante limitado na escolha da medida
de coação a aplicar durante à fase do inquérito, em função da medida que era requerida pelo MP.
Durante este prazo o juiz de instrução durante o inquérito não podia aplicar uma medida mais
grave do que a requerida pelo MP. Por exemplo, se o MP promovia a aplicação da medida
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caução, o juiz de instrução não podia aplicar a prisão preventiva. No entanto, este regime foi
alterado em 2013 pela lei 20/2013, de 21 de janeiro (20º alteração ao CP) que veio dar ao
art.194º/nº2 a redação atual. O juiz de instrução durante o inquérito vai poder aplicar uma
medida diferente e até mais grave do que aquela que foi requerida pelo MP, mas apenas com
fundamento nos perigos que estão previstos no art.204º/nº1 (a) e (c), ou seja, olhando para o
nosso caso em que o nosso caso promoveu a obrigação de permanência na habitação e o juiz
aplicou a prisão preventiva, ele podia tê-lo feito, mas só se se verificarem os perigos destas
alíneas – fuga ou perigo de fuga do arguido; perigo de continuação da atividade criminosa;
perigo para a ordem e tranquilidade pública. Desta leitura do nº2 em conjunto com o nº3 resulta
então que o juiz de instrução não vai poder aplicar uma medida de coação mais grave do que a
que foi promovida pelo MP com fundamento na al. b do art.204º/nº1. Esta al. b refere-se ao
perigo de perturbação do inquérito e da instrução do processo (em sentido lado, não como a fase
processual que conhecemos). O MP é aquele que melhor conhece o perigo do arguido perturbar
o inquérito e a instrução. Já fora destes casos da al. b, ou seja, nos casos da al. a e al.c já não é o
MP que tem o monopólio dos valores e necessidades em causa e já não faz sentido limitar tanto
o juiz de instrução criminal. Até porque nestas alíneas estamos a falar de perigos que podem
ocorrer em qualquer fase, não só no inquérito e em última análise o que está em causa é decidir
sobre a privação de liberdade do arguido, o que implica mexer em direitos fundamentais cuja
proteção é função do juiz de instrução criminal quando vem ao inquérito.
No nosso caso, uma vez que estamos na fase de inquérito, temos de olhar para o nº2 e 3 do
art.194º e iriamos concluir que o juiz de instrução criminal poderia aplicar a medida de prisão
preventiva apesar do MP apenas tem promovido a obrigação de permanência na habitação,
desde que fundamentasse a escolha com base na al. a ou al. c do art.204º/nº1.
Nesta situação o juiz optou pela mais gravosa das medidas de coação. Quando falamos disto
dissemos que tínhamos de respeitar o princípio da subsidiariedade, ou seja, só vamos aplicar
esta medida quando todas as outras se revelam inadequadas ou insuficientes. Portanto, sendo
que o MP promoveu uma medida que é menos grave do que aquela aplicada pelo juiz de
instrução, ele vai ter de fundamentar muito bem. Vai ter de demonstrar que todas as outras
medidas se revelam inadequadas ou insuficientes.

4. No despacho de aplicação da prisão preventiva lê-se apenas: “Atendendo à


gravidade do crime e à elevada moldura penal que lhe está associada, revela-se
necessário e adequado sujeitar o arguido a prisão preventiva”. Pronuncie-se
criticamente sobre este despacho do JIC.
Resolução:
Esta fundamentação não é suficiente de forma alguma. O juiz de instrução criminal não
tem de dizer apenas aquilo, ele tem de dizer porquê que ela é necessária, adequada, porquê que
todas as outras são insuficientes ou inadequadas. Isto porque aquilo que ele está a fazer com o
despacho é limitar a liberdade pessoal ou patrimonial da pessoa sujeita à medida de coação.
Nessa situação o arguido vai querer reagir e impugnar a decisão de aplicação da medida de
coação. Nós só podemos impugnar algo se soubermos o que esse algo significa, ou seja, o
porquê desse algo. Portanto, o despacho de aplicação de uma decisão tem de ser fundamentado,
vai ter de conter todos os elementos que constam no nº6 do art.194º, sob pena de nulidade. Vai
ter de dizer os factos concretos que preenchem o perigo exigido no art.204º e vai ter de referir
todos os outros factos que também os princípios gerais e condições gerais e especiais da medida
estão preenchidos.
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5. Durante quanto tempo poderia o arguido ficar privado da sua liberdade em virtude
da aplicação desta medida de coação?
Resolução:
Temos a pegar nos limites temporais da prisão preventiva. Há um princípio que se
aplica à generalidade das medidas de coação – princípio da precariedade. As medidas de coação
vão ser necessariamente precárias, pois não foram pensadas para vigorar para sempre, para estar
a restringir direitos fundamentais, nomeadamente a liberdade do arguido, para sempre. Este
princípio vem incidir luz sobre a necessidade das medidas de coação serem temporalmente
limitadas e sobre a necessidade destas deixarem de serem aplicadas quando deixar de fazer
sentido continuar a aplica-las. Este princípio tem uma série de manifestação no nosso CP, desde
logo, no art.212º que trata da revogação e substituição das medidas. Diz-nos o nº1 que estas são
revogadas por despacho do juiz se (…). Ora, se uma medida de prevenção foi aplicada porque
existia perigo de fuga e depois deixou de haver esse perigo é necessário revogar a medida. Pode
acontecer que as exigências cautelares que determinaram a aplicação da medida não
desapareçam, mas apenas de atenuam e quando isso acontece o juiz pode substituir a medida
por uma menos grave ou pode manter essa medida, mas determinar que ela pode ser executada
de forma menos grave (nº3 do art212º). Outra manifestação está no art.214º que fala da extinção
das medidas. No que toca à prisão preventiva o princípio da precariedade está patente no
art.215º que nos dá a conhecer os prazos máximos da prisão preventiva. Não existe apenas um
prazo máximo, vão existir vários prazos de acordo com a fase processual em que nos
encontramos, ou seja, na fase em que a prisão preventiva é aplicada. O prazo de 4 meses aplica-
se na fase do inquérito. Na al. b é o prazo da prisão preventiva aplicada na fase de instrução. Na
al. c fala na fase do julgamento. Na al. d fala na fase de recurso. Estes são os prazos de duração
máxima base, mas estes podem ser alargados. O nº2 diz-nos que os prazos são elevados em
casos de terrorismo, criminalidade agravada, etc. – estes prazos vão-se estender e durante o
inquérito o prazo máximo era de 4 meses e se se verificar uma destas situações vai passar a 6
meses. Olhando para o nosso caso, estamos na fase de inquérito, segundo a regra geral, Ricardo
poderia ficar sobre prisão preventiva durante 4 meses. No entanto, o crime que ele cometeu, que
é o crime de homicídio qualificado, está inserido naquilo a que se chama criminalidade violenta
(o art.1º tem uma série de definições e uma dessas definições é de criminalidade violenta). A
criminalidade violenta é crimes dolosos praticados contra a vida. Um homicídio qualificado é,
sem dúvida, um crime doloso praticado contra a vida, ou seja, é criminalidade violenta. E, assim
sendo, o prazo pode ser alargado e pode passar de 4 para 6 meses. Existem ainda muitas outras
hipóteses de alargamento dos prazos base e uma dessas hipóteses é a do nº3 – os prazos podem
também ser elevados quando haja uma declaração de excecional complexidade do caso. Ou seja,
nomeadamente, quando haja muitos arguidos ou muitos ofendidos ou até quando a própria
natureza do crime seja dotada de alguma excecionalidade, nomeadamente, quando o crime
tenha caracter altamente organizado. No caso, não parece que haja excecional complexidade e,
por isso, não haveria fundamento para declarar isso.
Não é só em relação à prisão preventiva que vamos ter prazos máximos, pois as outras
medidas também vão estar sujeitas a este princípio da precariedade.

6. De que modo poderia o arguido reagir à decisão de aplicação desta medida de


coação?
Resolução:
As medidas de coação correspondem, necessariamente, a uma limitação da liberdade do
arguido e até mesmo o TIR restringe a liberdade do individuo. Portanto, tem necessariamente
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tem de haver a oportunidade de haver a reapreciação por parte de um órgão judiciário


hierarquicamente superior das decisões que apliquem, substituam ou mantenham medidas de
coação através da interposição de recurso. Isto decorre do art.219º e ainda do art.399º que
contêm um princípio geral de recorribilidade. Este art.219º diz-nos que há partida todas as
decisões no processo são sujeitas a recurso, a não ser que a lei nos diga que não pode haver
recurso. O recurso é um expediente que se destina a provocar a reapreciação de fundo de uma
decisão que faz recair ou manter, sobre o arguido, o peso de uma restrição à sua liberdade.
Aquilo que se pretende com o recurso é que se faça uma apreciação do mérito ou do demérito
da decisão no seu todo e o recurso não vai estar subordinado a fundamentos específicos. O que
significa que qualquer pessoa com legitimidade para interpor recurso da decisão que aplica uma
medida de coação, essa pessoa vai poder recorrer deduzindo todos os argumentos justificativos
de uma posição contrária àquela que aplicou a medida de coação. Este recurso é um pouco
diferente do regime geral dos recursos, desde logo, nos termos do art.219º têm legitimidade para
recorrer, apenas o arguido e o MP. O assistente não pode (há quem questione este ponto). Para
além disto, este artigo diz-nos que o tribunal que recebe o recurso, vai ter de decidir o recurso
no prazo máximo de 30 dias a partir do momento em que recebe os autos, portanto, os autos do
recurso que vão seguir em separado e com efeito meramente devolutivo, vão chegar ao tribunal
competente (em princípio o Tribunal da Relação) e este vai ter 30 dias para julgar o recurso. Há
aqui uma limitação temporal da prolação da decisão, porque pretende-se acautelar o efeito útil
da mesma. No caso da prisão preventiva, se o arguido recorrer ele pretende por fim à sua
restrição da liberdade e quando mais rápida for a decisão melhor, para garantir o efeito útil da
decisão. No entanto, este prazo de 30 dias é meramente ordenador e a verdade é que se não for
cumprido pode-se abrir as portas a um pedido de aceleração processual e o juiz pode incorrer
em responsabilidade disciplinar, mas não estão previstas outras consequências à violação deste
prazo. No CPP italiano existe uma norma em que o juiz tem de cumprir no prazo de 20 dias e
caso ele não decida o recurso nesse prazo a prisão preventiva extingue-se. Uma coisa que o
art.219º não nos diz qual o prazo qual o arguido ou o MP têm para interpor recurso. Mas, na
falta de regra especial, vamos buscar a regra geral ao art.411º/nº1 (a) que nos diz que as pessoas
com legitimidade para o fazer podem fazê-lo no prazo de 30 dias desde o despacho de aplicação
da medida. A 1ª forma do arguido poder reagir é através do recurso. Ele é notificado e depois
terá 30 dias para recorrer e depois de recorrer, depois dos autos chegarem ao tribunal
competente, o juiz também terá 30 dias para decidir.
Além do recurso, existe outro expediente de reação – providência de habeas corpus. Já
falamos dele a propósito da detenção. O habeas corpus está regulado no art.220º a 224º. O
art.220º e 221º dedicam-se ao habeas corpus em caso de detenção e o art.223º e 224º quanto ao
habeas corpus em caso de prisão. O habeas corpus é um expediente completamente diferente do
recurso, é um meio que está destinado a provocar a intervenção do poder judicial a fim de cessar
qualquer ofensa ao direito de liberdade por motivo de abuso ao poder de autoridade ou erro
grosseiro. O STJ proferiu um acórdão de 10 de nov. de 2002 que nos diz que este é um meio
excecional de combate de decisões grosseiras do direito à liberdade física; acórdão de 26 set.
2002 diz que o acento tónico do habeas corpus é posto na ocorrência de abuso de poder por
virtude de prisão ou detenção ilegal na proteção do direito à liberdade constituindo uma
providencia a decretar apenas nos casos de atentado ilegítimo à liberdade individual grave e, em
princípio, grosseira e rapidamente verificável. Portanto, se no recurso o arguido a que foi
aplicada uma prisão preventiva ou qualquer outra medida de coação vai poder aduzir qualquer
argumento, vai poder, por exemplo, recorrer porque não concorda. No habeas corpus o objeto
vai ser muito mais limitado, vai ser apenas uma providencia que se vai poder recorrer perante a
aplicação de prisão preventiva e por meio de uma interpretação extensiva, também vai ser
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aplicada em caso de obrigação de permanência na habitação. Têm de ser situações de erro


grosseiro, ou seja, é gritante a ilegalidade daquela prisão ou detenção preventiva. No
art.222º/nº2 a petição de habeas corpus deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de
apenas 3 situações: ter sido ordenada por … ; motivada por facto que a lei não permite; manter-
se por prazo … Só nestes casos em que o arguido pode lançar mão de habeas corpus.
Se o arguido vê que lhe foi aplicada prisão preventiva e não concorda então ele vai
recorrer, mas se ele entender que se verifica alguma das situações do art.222º/nº2, vai pode optar
pelo habeas corpus. O habeas corpus tem esta desvantagem, pois os fundamentos que podem ser
apresentados são menos, mas faz sentido, pois este é excecional, porque não estamos a falar de
pouco tempo para decidir (são 8 dias) – art.223ºCPP e 31ºCRP. Atendendo a esta
excecionalidade faz sentido que os argumentos admissíveis sejam menos.
Temos então 2 vias: recurso e habeas corpus. Durante muito tempo havia uma discussão
na doutrina que era saber se o arguido podia recorrer e intentar o habeas corpus
simultaneamente. Essa questão ficou resolvida em 2007, através da lei 48/2007, de 29 de agosto
que introduziu o nº2 do art.219º que nos diz que não existe relação de litispendência e caso
julgado entre as 2 providencias, independentemente dos respetivos fundamentos. Isto significa
que o arguido pode lançar mão destes 2 expedientes em simultâneo. No entanto, esta disposição
(nº2) não implica uma desfiguração da essência do habeas corpus, ele não é um recurso, uma
segunda via de recurso, é um meio de reação urgente contra o abuso de poder; é um remedio
contra um abuso de poder do juiz que aplica a medida de coação ilegal e não devemos olhar
para ela como uma via verdadeiramente alternativa ao recurso. Os fundamentos do recurso não
podem ser todos conhecidos no âmbito da providencia de habeas corpus e o contrário já não.
No nosso caso, como estamos perante uma medida de prisão preventiva, Ricardo
poderia recorrer e se houvesse algum dos fundamentos do habeas corpus podia lançar mão deste
expediente, e os 2 simultaneamente.

Caso III

Uma patrulha da GNR, enquanto circulava por Viseu, ouviu uma comunicação via
rádio de que acabava de ser cometido um furto perto da Nossa Senhora dos Remédios, no valor
de 6.000 euros, perpetrado por um suspeito, do sexo masculino, com uma camisola azul,
cabelos ruivos, com idade aproximada de 50 anos e que, após subtrair aquele valor a uma
senhora de idade, Joaquina, fugira numa viatura “Opel Corsa”, cor cinza, em direção ao
Porto. De imediato, os agentes da GNR puseram-se em campo, perto do local, e, vendo passar
um veículo “Opel Corsa”, de cor cinza, conduzido por um homem de cabelo ruivo, com uma
camisola azul, foram em sua perseguição e mandaram-no parar, acabando por detê-lo. Os
agentes pediram a identificação do condutor, que, nervoso, se identificou como sendo Júlio
César. Instado a apresentar o seu bilhete de identidade, Júlio Cesar abriu a carteira e os
agentes aperceberam-se de que estava recheada de uma grande quantidade de notas de 100
euros. Os agentes de imediato procederam à apreensão da carteira de Júlio César e, após
conferência do seu conteúdo, viram que as notas perfaziam o valor de 6.000 euros.
Convencidos de terem detido o agente do crime de furto, inquiriram-no sobre a proveniência
do dinheiro, tendo Júlio César referido que o dinheiro era seu.

Os agentes da GNR deduziram que tinham apanhado o autor do furto cometido na


Nossa Senhora dos Remédios e levaram-no de imediato ao Ministério Público (MP),
remetendo-lhe o auto com a descrição completa e os meios de prova apreendidos.
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Catarina Serra | A91478

1. Os agentes da GNR podiam validamente deter Júlio Cesar?

Resolução:

Temos de saber se esta detenção é legal. A detenção tem as finalidades elencadas no


art.274º e em função destas vai ter prazos máximos e a detenção pode ocorrer em 2 situações:
flagrante delito (art.255º e 256º) e fora de flagrante delito (art.257º). O flagrante delito tem 3
modalidades: o flagrante delito propriamente dito; quase flagrante delito; presunção de flagrante
delito. No nosso caso, estamos perante uma presunção de flagrante delito, pois o agente não foi
surpreendido nem no momento, nem posteriormente à cometimento do crime, mas sim muito
tempo depois. Tinha consigo uma serie de objetos e sinais que mostravam, claramente, que
tinha cometido o crime em questão. Estamos perante o crime de furto qualificado, nos termos do
art.204º/nº1 (a) e é qualificado porque o objeto furtado é de valor elevado, sendo que este é de
valor elevado quando vale mais de 50 unidades de conta. Isto vai interessar por causa da
natureza do crime e no que toca à validade ou não da detenção. Só pode haver detenção em
flagrante delito quando o crime seja publico ou semi-público, com a ressalva de neste último
caso a detenção só ser mantida caso seja apresentada queixa pelo titular do direito de queixa
(art.255º/nº3). Este crime é um crime público e, portanto, este requisito para que a detenção seja
válida está preenchido. Para além disso a entidade que efetua a detenção tem de ser habilitada
para tal – MP, OPC, juízes, ou seja, qualquer autoridade judiciária e judicial e qualquer cidadão,
sendo que neste último caso existem algumas limitações. No caso, a detenção foi feita por
órgãos de polícia criminal com legitimidade para o efeito (art.255º/nº1) e, por isso, parece ser
válida. No entanto, existe ainda o dever da comunicação da detenção. O art.259º diz-nos que
quando uma entidade policial proceder à detenção vai ter de a comunicar e, nosso caso, vai
comunicá-la ao MP, de acordo com a al. b do art.259º. Para além deste dever de comunicação
estes agentes teriam de elaborar um autor e, ademais, o órgão de polícia criminal tem de
constituir o cidadão como arguido obrigatoriamente (art.58º/nº1 (c)). Neste momento, os órgãos
de polícia criminal vão ter de dar a conhecer ao arguido todos os direitos e deveres do arguido,
cumprir as formalidades do art.58º. A constituição de arguido por órgão de polícia criminal é
provisória porque tem de ser comunicada ao órgão judiciário, MP, no prazo de 10, para que
este, também no prazo de 10 dias, valide a constituição como arguido.

23.05.2023

I.

“Na sequência de um acidente de viação, Alberto e Bruno envolvem-se numa


altercação que culminou na agressão do último às mãos de Alberto, que este levou à execução
através de um forte golpe na cabeça da vítima com um pé-de-cabra que tinha na mala do carro.
O Ministério Público adquiriu notícia do crime e reuniu indício suficientes da prática de factos
subsumíveis ao crime de homicídio na forma tentada, nos termos do art. 131.º do CP,
conjugado com os artigos 22.º, n.º 2, al. b) e 23.º do mesmo diploma, pelo que acusou Alberto.”

a) Tendo em conta que Bruno, depois de recuperado, subscreve integralmente os factos


constantes da acusação do MP, poderá requerer a abertura de instrução apenas para que o
arguido seja pronunciado pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada em vez de
tentativa de homicídio simples?
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Catarina Serra | A91478

No caso concreto, não se verifica uma situação de flagrante delito, pelo que o processo
segue tramitação comum. O arguido, A, foi acusado de uma tentativa de homicídio simples, o
que constava do despacho de acusação do MP. B, ofendido, deseja intervir no processo
requerendo a abertura de instrução com o objetivo de que o arguido não seja pronunciado por
uma tentativa de homicídio simples, no fim da instrução, mas sim por uma tentativa de
homicídio qualificado. A questão é então saber se pode requerer a abertura de instrução para tal
fim.
No enunciado é nos dito que B subscreve integralmente os factos que constam da
acusação do MP. Perante tal, temos duas perspetivas: quando se diz que subscreve
integralmente, entendemos que ele simplesmente concorda com aqueles factos, com a acusação
do MP e não quer trazer novos factos ao processo; se não quiser trazer novos factos ao processo,
ou se quiser trazer factos novos mas que não impliquem uma alteração substancial do objeto
fixado na acusação do MP então ele não pode requer a abertura de instrução, porque, o
requerimento de abertura de instrução pelo assistente só pode acontecer quando ele quiser
introduzir novos factos, novas realidades que não estejam presentes na acusação do MP, além de
que esses mesmos factos têm de constituir uma alteração do objeto do processo (alteração
substancial do objeto do processo) – Arts.287º nº1 b); 284º nº1 parte final a contrario .
No nosso caso, parece que B, ao subscrever integralmente os factos constantes da
acusação do MP não pretende trazer para o processo novos factos, muito menos factos que
alterem substancialmente o objeto do processo.
Ele pretende, com base nos mesmos factos que estão na acusação do MP fazer uma
alteração da classificação jurídica deles. Sendo este o objetivo, não vai puder requerer a abertura
de instrução, porque a abertura de instrução está pensada para a introdução de novos factos que
produzem uma alteração substancial do objeto do processo. Nestas circunstâncias, se
apresentasse requerimento de abertura de instrução, este teria de ser rejeitado, por
inadmissibilidade legal de instrução – Art.287º nº3 do CPP.
Se pretende alterar a classificação jurídica dos factos terá de ser deduzida acusação pelo
assistente, nos termos do Art.284ºCPP.

ESQUEMA:
MP acusa o arguido de determinado crime e, aqui, o assistente tem duas opções:
1. Acusa – Art.284ºCPP: Podem ser os mesmos factos que o MP ou parte delas ou por
factos novos que não representem alteração substancial dos factos contidos na acusação
do MP.
2. Requerer abertura de instrução: Só se faz se se quiser introduzir factos que não estão na
acusação do MP, e que alterem substancialmente o objeto do processo fixado por essa
acusação.
No nosso caso em concreto, como não temos a introdução de novos factos, o que B pode
fazer é deduzir acusação nos termos do Art.284º e, aqui, pode subscrever inteiramente os factos
pelos quais o MP acusou, mas pedir simplesmente classificação jurídica diferente da dada pelo
MP.
Para fazer qualquer uma das opções teria primeiro de se constituir assistente, o que podia
ser simultâneo a qualquer um dos atos.
No caso em apreço, B teria apenas a possibilidade de acusar nos termos do Art.284ºCPP e,
para isso, iria constituir-se assistente, de acordo com o Art.68º nº1 CPP, que determina a sua
legitimidade ativa enquanto ofendido e, também, de acordo com o nº3 alínea b) do mesmo
preceito, que nos dá o prazo para a constituição de assistente. B vai ter um prazo para se
constituir assistente que é igual ao prazo que tem para deduzir acusação, nos termos do
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Art.284ºCPP, ou seja, 10 dias. B recebe notificação que A foi acusado e, no prazo de 10 dias a
contar dessa notificação, pode requerer a sua constituição como assistente, para isso, iria fazer
requerimento dirigido ao juiz e pagar a taxa do Art. 519º e, até simultaneamente, poderia
deduzir acusação pelos mesmos factos (ele subscreve integralmente os factos da acusação do
MP) e ainda nessa acusação poderia pedir a alteração da classificação jurídica desses factos.

b. Alberto pretende reagir à acusação no sentido de explicar que foi Bruno que partiu
inicialmente para o confronto físico e que não tinha intenção de matar Bruno, mas de
somente o incapacitar. Como o poderá fazer?
O A, arguido, recebe a notificação de que foi acusado no caso de um homicídio simples na
forma tentada, e pretende exercer o seu direito de defesa. Perante o despacho de acusação do
MP o arguido pode requerer a abertura de instrução. O Art.287º nº1 a) do CPP diz-nos que
perante o despacho de acusação – seja do MP ou do assistente - o arguido pode requer a abertura
de instrução num prazo de 20 dias a contar da notificação de acusação.
A instrução é a fase de comprovação judicial da decisão do MP (no caso uma decisão de
acusar). Aqui o arguido quer mostrar discordância pelos factos de que é acusado e, no final da
instrução, obter um despacho de não pronúncia, no sentido de evitar ter de ir a julgamento.
Este requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas o
arguido vai ter de dar a conhecer as razões de facto e de direito que sustentem essa sua
discordância relativamente à acusação e, aqui, vai procurar atacar os factos ou até mesmo atacar
a validade de certos atos que foram praticados durante o inquérito. Neste requerimento poderá
ainda o arguido pedir a prática de diligencias e de atos de instrução que entenda que são utei
para a prossecução da verdade material (pode indicar meios de prova que não tenham sido
considerados na fase de inquérito, nomeadamente testemunhas).
Não é a única opção que tem – o arguido pode querer obter um despacho de não pronuncia,
acabando com o processo. Também pode nada fazer e querer que o processo chegue à fase de
julgamento por entender que na fase de julgamento consegue fazer a sua defesa de forma mais
completa e terá várias fases de defesa (por exemplo, contestação na fase de julgamento;
audiência de julgamento ser ouvido e apresentar prova, etc.).
c. Imagine que Alberto requereu a abertura de instrução e que, findo o debate instrutório,
o JIC proferiu despacho de pronúncia pelos factos constantes da acusação do
Ministério Público. Poderia Alberto reagir a esta decisão?
A, arguido, é acusado, e apresenta requerimento para a abertura de instrução, Art.287º e a
instrução começa a correr – juiz de instrução criminal recebe e aceita o requerimento.
A instrução é uma faze facultativa que apenas existe no processo de tramitação comum (nos
processos de tramitação especiais não existe). A instrução é composta por um debate instrutório
que o juiz de instrução criminal entenda que deve levar a cabo (apenas eventualmente); vai ser
obrigatoriamente composta por um debate instrutório, debate esse caracterizado pela oralidade e
por ter um carácter contraditório. Os atos de instrução encontram-se regulados nos Arts.290º a
296º do CPP. Nos Arts.296º e ss do CPP encontramos o debate instrutório, que é obrigatório.
Findo o debate instrutório e findo os prazos máximos da instrução, o juiz de instrução tem
de tomar uma decisão e essa decisão pode ser:
 Despacho de pronúncia – entende que existem indícios suficientes de que se verificam
os pressupostos de que depende a aplicação, ao arguido, de uma pena ou de uma medida
de segurança, caso contrário, ele irá proferir um despacho de não pronúncia.
 entende que aquele arguido e aqueles factos devem seguir para julgamento
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 Despacho de não pronúncia – factos e arguido não devem ser submetidos a julgamento,
porque os indícios recolhidos não são suscetíveis de sustentar a acusação na fase de
julgamento.
No nosso caso, temos uma acusação e na sequência da mesma há um requerimento de
abertura de instrução por parte do arguido – decisão do juiz de instrução é de pronunciar o
arguido pelos mesmos factos pelos quais o MP o acusou.
Agora importa saber se o arguido pode reagir e como o pode fazer.
Art.310ºCPP – Despacho de Pronuncia que pronuncia o arguido pelos mesmos factos
constantes na acusação do MP, seja aquela que ele apresenta nos termos do Art.283ºCPP, ou a
que apresenta nos termos do Art.285º nº4 (crimes particulares). Este despacho de pronúncia é
irrecorrível.

Princípio de Dupla Jurisdição: À partida, as decisões tomadas em âmbito de processo terão


pelo menos 2º grau de recurso – Art.399ºCPP – princípio geral de recorribilidade. À partida
estas sentenças, acordos e despachos são recorríveis a não ser que a lei o expressamente limite.
O Art.400ºCPP elenca, de forma não taxativas, as decisões que não admitem recurso.
Existem outras decisões que também não serão recorríveis, não pela força da norma geral, mas
por força de uma disposição especial, o que acontece no Art.310º, nº1, que transpõe uma ideia
de dupla conforme, porque o despacho de pronuncia não vai ser recorrível se ele confirmar a
acusação do MP. Apesar de este despacho não ser recorrível, o arguido não fica limitado nas
suas garantias de defesa. Assim, A não pode recorrer desta decisão.
Se tivéssemos um despacho de não pronúncia, será que iria ser recorrível? Se sim, por quem
e em que termos. É sempre recorrível, Art.400º a contrario; 310º nº1 a contrario.
No Art.401ºCPP, tem legitimidade o MP (pode recorrer de todas as decisões, mesmo que
apenas vão de acordo ao interesse do arguido), o assistente (decisão eu lhe é desfavorável). É
ainda necessário que as pessoas que recorrem tenham interessa em agir, de acordo com o
Art.401º nº2 CPP (o arguido não tem interesse). O prazo será de 30 dias após notificação da
decisão (do despacho de não pronúncia), de acordo com o Art.411ºCPP, relativo às regras gerais
de recurso. Art.427ºCPP – tribunal da relação recebe o recurso; Art.407º nº2 i) - entra na relação
de imediato. No Art.406º nº1 encontramos o recurso que vai subir nos próprios autos e o recurso
tem efeitos suspensivos, de acordo com o Art.408º nº3 parte final.
d. Ainda admitindo que a instrução tinha sido requerida pelo arguido – imagine que,
durante a instrução, foi possível apurar que Alberto e Bruno partilhavam uma
inimizade de longa data devido a sérias discordâncias políticas e que, apesar da
discussão ter começado devido ao acidente, foi o ódio de Alberto por Bruno e pela sua
ideologia política que determinou a prática do crime, tendo o acidente apenas
catalisado algo que Alberto há muito ansiava. Perante os factos apurados, o JIC
decidiu pronunciar Alberto pela prática de um crime de homicídio qualificado na
forma tentada, nos termos do art. 132.º, n.º 2, al. f) e art. 22.º, n.º 2, al. b). Poderia
fazê-lo?

A – Crime de homicídio simples de forma tentada


Durante a fase de instrução descobre-se que o crime não foi motivado apenas pela discussão
em causa, foi sim determinado por um ódio que A tinha em relação a B, devido às suas visões
políticas. Perante este novo facto o juiz de instrução acaba por pronunciar o arguido por um
crime de homicídio qualificado na forma tentada. Será a pronúncia válida?
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Estamos perante um facto novo que é a motivação do crime ter sido por um ódio político.
Quando surge um novo facto durante a instrução temos de analisar alguns princípios antes:
- Princípio da acusação, que está ligado ao princípio de vinculação temática do juiz, seja ele juiz
de instrução ou de julgamento;
- Princípio de vinculação temática – juiz está vinculado ao objeto do processo que é fixado na
acusação ou, no caso de instrução, o objeto do requerimento de instrução;
O JIC apenas poderá conhecer aqueles factos que constam da acusação ou do
requerimento de abertura de instrução, ou seja, o juiz está limitado pelo objeto do processo. Este
objeto, por força do princípio da unidade, da identidade e da consolação, deve ser o mesmo do
início ao fim do processo e deve ser tratado de forma única e conhecido na sua totalidade. Caso
isto não se verifique, caso o juiz não se pronuncie por algum facto que faça parte do objeto do
processo, esse objeto deve ser considerado irrepetivelmente decidido.
No nosso caso temos de saber se o JIC podia ou não conhecer este facto e,
consequentemente, se podia ou não pronunciar o arguido por esse facto. Segundo o
Art.303ºCPP, a solução do caso varia consoante o novo facto acarrete ou não uma alteração
substancial do objeto do nosso processo. A definição de alteração substancial dos factos está no
Art.1º f) do CPP.
Decorre no Art.332º nº2 f) do CP que a motivação por ódio político é um elemento que
qualifica o crime de homicídio e, portanto, antes de o facto ter sido descoberto durante a
instrução, os factos apontavam para uma tentativa de homicídio simples, mas agora, sabemos
que o crime foi motivado por ódio político, pelo que, temos um facto que aponta para a tentativa
de homicídio qualificado. Ou seja, este novo facto determina a imputação ao arguido de um
crime diverso que é, do ponto de vista da moldura penal, mais grave do que aquele pelo qual o
arguido era originalmente acusado. Assim, há aqui uma alteração substancial dos factos que
constam da acusação do MP e, havendo esta alteração, o juiz poderá conhecer do facto?
Segundo o Art.303º nº3 CPP, este facto não pode ser tido em conta pelo JIC para efeitos de
pronuncia. Se o juiz pronunciar o arguido com base neste facto, o despacho de pronúncia vai
padecer de um vício, de uma invalidade que é a nulidade do Art.309ºCPP.
No Art.118º e seguintes do CPP temos o regime de vícios.
- Art.118º nº1 - a nulidade é uma exceção, tem de estar expressamente prevista na lei, porque,
em todos os outros casos, em que o ato processual viola uma disposição legal e não nos ´dito
que essa violação acarreta a sua nulidade, esse ato será meramente irregular (Art.123ºCPP).
Dentro das nulidades podemos distinguir:
 Nulidades absolutas ou insanáveis – as mais graves, de conhecimento oficioso (próprio
juiz poderá conhecer por sua iniciativa) e que podem ser declaradas em qualquer
momento do processo até ao momento de trânsito de julgados. No Art.119ºCPP temos
um elenco taxativo destas nulidades.
 Nulidades relativas ou sanáveis - as demais nulidades que não estão previstas no
Art.119ºCPP, ou que não estão especificamente referidas em normas especiais vão ser
relativas.
No nosso caso, a nulidade do Art.309ºCPP é uma nulidade sanável, ou seja, acarreta uma
menor gravidade comprada às absolutas sendo, no entanto, mais graves do que as
irregularidades. Estas nulidades não são de conhecimento oficioso, ou seja, têm de ser arguidas
pelos interessados até um certo momento processual ou dentro de um caso legalmente
estabelecido. Caso não sejam arguidas, o ato vai ficar com está, ou seja, fica sanado.
A nulidade do despacho de pronúncia que pronuncie o arguido por factos fora do objeto,
tem o seu prazo, de 8 dias, estabelecido no Art.309º nº2 do CPP. Se este prazo terminar e não for
arguida a nulidade, aqueles factos novos que alteram o objeto do processo fixado na acusação
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ou no requerimento de abertura de instrução vão passar a integrar o objeto do processo, o que


significa que o juiz de instrução criminal e depois o juiz de julgamento vai poder conhecer estes
factos e poder condenar o arguido com base nesse facto.
Esta alteração dos factos, sendo que não pode ser alterado o objeto – qual o seu destino?
Depende de ele ser autonomizável ou não, quando podemos desligá-lo do processo e seja
suscetível de dar base a uma nova investigação (novo inquérito). Se o for, Art.303º, nº4 - o juiz
perante aquele facto vai comunicá-lo ao MP e essa comunicação vai valer como denúncia para
que o MP proceda por esse facto. No caso, este ódio político não é autonomizável (vai ser
desvalorizado).

e. Durante a audiência de julgamento, Bruno declara que Alberto lhe retirou o anel de
casamento, no valor de 250 euros, após o ter golpeado. Poderia o arguido ser
condenado pela prática de um crime de furto?
Aqui estamos na fase de julgamento.
Depois da tentativa de homicídio, A ainda retira o anel de casamento a B (furto). Este novo
facto é introduzido e vai constituir uma alteração substancial dos factos, na medida em que
acarreta uma nova imputação de um crime ao arguido. Aqui temos de fazer o mesmo raciocínio
que fizemos no caso anterior, com a diferença de que estamos na fase de julgamento – Art.358º
e 359º do CPP.
Temos um facto novo, este tem de ser uma novidade. Temos de questionar se o facto
implica ou não uma alteração substancial dos factos da acusação ou no despacho de pronúncia
(relevante o despacho caso ele exista).
O furto altera substancialmente o objeto do processo, pois é um facto novo que imputa ao
arguido um novo tipo de crime, diverso daquele de que ele vinha a ser acusado. Segundo o
Art.359ºCPP, o facto que altera substancialmente o objeto do processo (Art.1º f) CPP), à partida
não poderá ser tido em conta pelo juiz para efeitos de condenação, nº1 deste artigo. De ressalvar
os casos previstos no nº3 deste artigo, casos em que o MP, o arguido e o assistente estão de
acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a
incompetência do tribunal.
Vamos sempre olhar para o nº1 e 3 em conjunto, quanto à alteração substancial dos factos.
Havendo este acordo nos termos do nº4 do Art.359º o presidente do tribunal concede ao arguido,
a requerimento deste, um prazo para a preparação da sua defesa não superior a 10 dias e se for
necessário poderá também haver o adiamento da audiência. Este novo facto que é dado a
conhecer por Bruno durante a audiência de julgamento poderá ter sido em conta caso exista este
acordo entre o MP, o assistente e o próprio arguido. O prazo de 10 dias que é fornecido em
ordem à preparação da defesa, apesar de ser curto, é um prazo muito importante pois todo o
regime da alteração substancial dos factos está pensado no sentido de garantir uma plena defesa
do arguido, se houver acordo. Se não houver acordo, este novo facto não pode ser tido em conta
pelo juiz de julgamento, ou seja, o juiz não vai poder condenar o arguido pelo crime de furto,
Art.358º nº1CPP. Se o juiz o condenar, temos uma nulidade da sentença nos termos do nº1 do
Art.379º alínea b) do CPP.
Diz-nos o nº2 do Art.379º CPP que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou
conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias
adaptações, o disposto no nº4 do Art.414ºCPP.
Se não pode conhecer o facto, tínhamos de perceber que destino dar a este facto que não
pode ser conhecido pelo juiz de julgamento para efeitos de condenação. Aqui, devemos
questionar se o facto é ou não autonomizável. Este facto será autonomizável, pois se nós
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olharmos para este facto sozinho ele pode seguir de base para outro procedimento. Ou seja, o
MP podia pegar neste facto e investigá-lo e dar origem a outro procedimento, nos termos do nº2
do Art.359ºCPP. A comunicação vai valer como uma denúncia.

f. Durante o julgamento, poderá o Tribunal ler ao arguido as suas declarações prestadas


perante o Ministério Público durante o inquérito, uma vez que o arguido, durante as
suas declarações prestadas em audiência, referiu não se lembrar bem dos factos?
Estamos aqui no domínio das provas, meios de prova, meios de obtenção de prova. Nos
Arts.340º e ss do CPP, encontramos os artigos relevantes para a produção de prova durante o
julgamento.
Prova em fase de julgamento - está relacionada com o princípio da imediação que parte da
premissa de que é o no julgamento que se vai produzir a prova, ou seja, os sujeitos processuais
vão oferecer a sua prova e ela vai ter de ser produzida no julgamento, isto acontece em contacto
direto e imediato com o juiz. Este contacto direito e imediato relaciona-se com a ideia de
espontaneidade da prova, pretende-se que ela não esteja viciada, ou seja, é muito importante no
princípio da prossecução da verdade material.
Art.355ºCPP, produção ex novo da prova na audiência para garantir uma maior
aproximação da verdade material. Embora o juiz esteja vinculado ao objeto do processo ele tem
um poder-dever de investigação e, portanto, como resulta no nº1 do Art.340º CPP o tribunal
deve ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo
conhecimento se lhe afigure necessário em ordem á descoberta da verdade material e da
descoberta da causa.
Apesar de o arguido poder ser ouvido em várias fases do processo é muito importante que
ele seja ouvido na audiência do julgamento. A este propósito temos o Art.341ºCPP que fixa uma
ordem de produção de prova em fase de julgamento. O primeiro momento será o de ouvir as
declarações do arguido, para que ele possa, se quiser, confessar os factos. Se ele fizer a
confissão dos factos pelos quais é acusado – Art.344ºCPP - a audiência perde o seu intuito.
No nosso caso, o arguido quando está a prestar as suas declarações diz que não se lembra
muito bem do que disse anteriormente e, o que se questiona é se o tribunal poderá ler ao arguido
as suas anteriores declarações. Art.357ºCPP, este artigo sofreu uma reforma bastante
significativa em 2013 que veio no sentido de admitir, em mais situações, a reprodução ou a
leitura de declarações que o arguido tenha feito anteriormente. O nº1 deste artigo diz-nos que
para que haja esta reprodução, nos termos da alínea b), estas declarações têm de ter sido feitas
perante uma autoridade judiciária (Art.1º nº1 b) do CPP). Para além disso elas têm de ter sido
feitas com assistência do defensor e ainda é necessário que o arguido tenha sido informado, nos
termos do Art.141º nº4 b) do CPP que, não exercendo o direito ao silêncio, as declarações que
prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que julgado na ausência ou, mesmo que não
preste declarações em audiência de julgamento sendo, aliás, que estas declarações estão sujeitas
à livre apreciação da prova, ou seja, sujeitas ao princípio previsto no Art.127º CPP, que nos diz
que a prova vai ser apreciada por um juiz, segundo as regras da experiência e segundo a livre
convicção do juiz.
Cumprindo ou os requisitos da alínea a) ou b) do Art.357º CPP poderá haver, durante a
audiência de julgamento, a leitura das declarações que o arguido tenha feito anteriormente no
processo. Mesmo que ele opte por exercer o direito ao silêncio na fase da audiência de
julgamento, ainda assim, poderão ser ouvidas as suas declarações anteriores.
No nosso caso, o tribunal poderia sim ler as declarações desde que se verificasse uma das
situações do Art.357º nº1 do CPP.
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g) Suponha que Alberto arrola como testemunha o seu pai, mas este recusa-se a depor na
audiência de julgamento. Quid iuris?
Será que este pai do arguido poderia recusar-se a ser inquirido como testemunha.
Temos de olhar para os Arts.124º e ss do CPP.
Falando em testemunhas falamos de um meio de prova que é a prova testemunhal,
Art.128ºe ss do CPP.
A testemunha só vai ser relevante se ela trouxer elementos novos ao processo, desde que
ela tenha conhecimento direto desses elementos, isto implica, desde logo, que à partida não é
aceite, nos termos do Art.129º nº1, o depoimento indireto. O depoimento indireto, bem como as
vozes publicas e convicções pessoais são limitações do que a testemunha pode dizer, que se
considera relevante.
Qualquer pessoa tem capacidade para testemunhar, nos termos do Art.131ºCPP. Antes
de testemunhar as pessoas terão de ser avaliadas, nos termos do Art.131º nº2 do CPP.
Sob a testemunha vai caber o dever de responder com verdade às perguntas que lhe
forem dirigidas. Caso não responda com verdade pode incorrer em responsabilidade criminal,
Art.132º nº1 d) CPP, Art.132º nº2.
Para o nosso caso importam os Arts.133º e 134ºCPP
O Art.133ºCPP, fala de impedimentos, ou seja, pessoas que não podem testemunhar.
Ora, um arguido não poderá assumir o papel de testemunha, por exemplo.
No nosso caso, não temos um impedimento, mas sim uma recusa de depoimento. No
Art.134ºCPP encontramos as pessoas que podem recusar depoimento.
Atendendo ao facto que as testemunhas têm um dever de verdade, faz sentido não
obrigar o pai do arguido a assumir o papel de testemunha, do ponto de vista jurídico-penal e
também emocional.
No nosso caso podíamos então ter a recusa de depoimento do pai.

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