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30/05 – Aula antes do teste com a Ritinha

[vamos fazer uma aula de revisões e vamos falar de recursos]

Vemos que temos muita factualidade e esta vai de encontro àqueles tópicos que fomos
abordando nas aulas – detenção, do 1º interrogatório judicial, medidas de coação, do perigo de
fuga associado a estas medidas de coação, etc.

Temos uma boa base para partir para perguntas.

1. Será que a detenção de António foi válida?

Há aqui uma série de passos/tópicos pelos quais temos necessariamente de passar.

Quando falamos de detenção, estamos a falar de medidas cautelares e de polícia. A detenção


está no 254º e ss. CPP. A detenção, como sabemos, na medida em que constitui uma privação
da liberdade de determinada pessoa – DF à liberdade. É necessariamente uma realidade
excecional, que, embora esteja constitucionalmente consagrada, apenas poderá ser operada
em determinadas situações.

Nesse sentido, a detenção tem finalidades específicas (254º CPP) e, em função dessas, terá,
também, diferentes prazos máximos – 48 ou 24 horas. Tem a ver com a caraterísticas da
precariedade.

Temos de enquadrar a detenção nestas medidas cautelares e de polícia. Natureza excecional da


detenção – até ao trânsito em julgado, há presunção de inocência.

Falando das suas finalidades e prazos máximos, temos de distinguir a detenção dentro de
flagrante delito e a fora de flagrante delito.

A detenção dentro está no 256º e a fora está no 257º CPP. Neste último caso, na maior parte
das vezes, está sujeito a um mandado de detenção. É a ideia que podemos tirar do 257º CPP,
mas tem especificidades.
Falamos, neste caso, na detenção em flagrante delito. No caso, temos um forte indício de
detenção em flagrante delito, aliás – os agentes passam lá…

Existem diferentes modalidades de flagrante delito.

Uma delas é o flagrante delito propriamente dito – 256º/1, 1ª parte. Aqui, reporta-se àquelas
situações em que o agente é surpreendido no momento da prática do ato, daquela conduta,
daquele crime. Depois, temos o quase flagrante delito – 256º/1, 2ª parte, quando o agente
acabou de cometer o crime. Em último lugar, temos a presunção de flagrante delito – maior
distanciamento entre o momento da prática e o da detenção (a proximidade é sustentada pelo
facto de o agente ser perseguido ou o agente tiver sido visto com objetos ou indícios de ter
praticado o crime ou de nele participar).

Temos um flagrante delito propriamente dito, na medida em que ele já conseguiu a


consumação.

Flagrante delito propriamente dito – é algo que é fácil de determinar, mas não basta isto.

Isto porque a validade da detenção em flagrante delito vai depender da verificação de


determinados requisitos que constam do 255º CPP.

1) O crime tem de ser punível com pena de prisão. Apesar de a nossa questão ser a da
detenção, não podemos deixar de fazer a qualificação jurídica dos factos. Temos, desde
logo, de pensar que crime é que será este. Aqui, temos uma ajuda, na medida em que
nos é dito que foi considerado que se estava perante um crime de homicídio
privilegiado. Vamos pensar na detenção e no crime que está aqui em causa. É
privilegiado porque o motivo do homicídio foram estas ciúmes, este impulso. Ora, o
pressuposto está preenchido, na medida em que é um crime punível com pena de
prisão.
2) Tem de ter sido feita por uma entidade que está legalmente habilitada para tal.
Acontece porque é um agente da PSP (nos termos do 255º/1, a) CPP, temos aqui uma
entidade policial, que procede à detenção).
3) Tratando-se de um crime de homicídio privilegiado, estamos perante um crime de
natureza pública. Sendo de natureza pública, não há qualquer entrave à detenção em
flagrante delito. Isto porque não há detenção em flagrante delito nos crimes
particulares (255º/4 CPP).
- Caso seja um crime semipúblico, ainda que possa haver uma detenção em flagrante
delito, ela só se mantém se houver apresentação do direito de queixa pelo titular. Se
não, a pessoa vai ser liberta. A queixa tem de ser feita imediatamente.

Verificados estes requisitos, a detenção seria válida.

Ainda falta mencionar dois aspetos:

1. Obrigatoriedade de constituição de arguido. Nos termos do 58º/1, c) CPP e 3º CPP, a


pessoa detida será, necessariamente, constituída arguida.
2. Para além disto, o OPC – o tal agente – deve, com a maior brevidade possível,
comunicar essa detenção ao MP (nos termos do 259º, b) CPP). Isto para que esta
detenção seja validada e para que também a própria constituição de arguido seja
validada – porque ela tem de ser validada por uma autoridade judiciária
(nomeadamente, pelo MP).
2. O juiz de instrução criminal poderia ou não sujeitar António àquela medida de coação?

No nosso caso, no âmbito do primeiro interrogatório judicial, o juiz vem ser chamado para
aplicar uma medida de coação.

Aqui, ainda estamos numa fase de inquérito, que é dirigida pelo MP. O JIC só virá ao inquérito
muito esporadicamente. E vem aqui ao inquérito ordenar a prática de atos que, de alguma
forma, contendam com DFs dos sujeitos processuais – nomeadamente, do arguido.

Quando falamos de medidas de coação, falamos de um dos maiores exemplos de medidas, de


meios processuais que afetam, de alguma forma, direitos fundamentais e liberdades
fundamentais do arguido. Isto porque as medidas de coação são meios processuais que
restringem a liberdade do arguido. Faz sentido que venha o JIC aplicar essas medidas ao
arguido.

Temos de atuar em quatro momentos.

1) Analisar se a medida de coação analisada respeita os princípios gerais que envolvem


todas as medidas de coação, com algumas exceções no que toca ao TIR.

Ou seja, temos de analisar o p. da legalidade, da proporcionalidade (três vertentes) – 191º e


193º CPP; e, ainda, quando falemos de medidas de coação mais gravosas (obrigação de
permanência na habitação e prisão preventiva), temos ainda de falar no p. da subsidiariedade
(193º/2 e, no caso concreto da prisão preventiva, que é essa que foi aplicada ao arguido
António, para o 202º/1, 1ª parte CPP).

Este último lembra-nos que a prisão preventiva é a ultima ratio – o juiz deve procurar aplicá-la
em última instância, quando todas as outras sejam adequadas ou insuficientes para responder
às necessidades cautelares que se fazem sentir no caso concreto. Se entenderem, por algum
motivo, que havia outra medida que seria suficiente, adequada, necessária, proporcional – não
sendo necessário recorrer à prisão preventiva -, se calhar, estaria violada o princípio da
subsidiariedade. Contudo, no nosso caso, é tudo muito abstrato ainda – não temos dados para
perceber, pelo que deduzimos que ele se encontra respeita.

NOTA: Temos de falar dele no teste, de forma abstrata… Temos sempre de falar dele.

2) Requisitos gerais – 204º CPP

Diz-nos que, com exceção do TIR, só vai poder ser possível aplicar uma medida de coaçao
desde que se verifique uma daquelas situações que constam do artigo 204º CPP. E vejamos que
o artigo 204º CPP, essencialmente, trata de três grandes situações, em que há uma necessidade
cautelar. Há aqui, de certa forma, um determinado perigo para o processo – eventualmente,
para a ordem jurídica (se falarmos da continuação da atividade criminosa por parte do arguido)
-, que justifica a aplicação de uma medida de coaçao, que tem como objetivo limitar a
liberdade (e a liberdade patrimonial do arguido).

Temos de fazer referência àquelas alíneas, que estão elencadas no artigo 204º CPP (a), b) ou
c)).
Vemos que se concluiu que existia perigo de fuga. Havendo perigo de fuga, temos, então, uma
necessidade cautelar que vai justificar a aplicação de uma medida de coaçao que impeça essa
fuga. Portanto, poderemos, também, dizer, aqui, que, à partida, a prisão preventiva será
adequada a fazer face a este receio que este arguido fuja à justiça – que não apareça nos atos
processuais, na audiência de julgamento, etc.

Também estariam preenchidos os requisitos gerais do 204º CPP.

3) Requisitos específicos – prisão preventiva, no caso (202º CPP)

Temos de ver se alguma daquelas alíneas se enquadra no nosso caso.

4) Finalmente, depois de olharmos para os requisitos específicos da medida em apreço,


tínhamos de analisar o procedimento de aplicação de uma medida de coação (194º
CPP)

É um procedimento que vai ser, com algumas adaptações que possam haver, comum às várias
medidas de coação (com exceção do TIR, desde logo porque este é uma medida de coação que
é obrigatório, devendo o sujeito, o arguido, estaria imediatamente sujeito a prestar termo de
identidade e residência só pelo facto de ser constituído arguido).

Olhando para o 194º CPP, a verdade é que tem ser aplicada pelo juiz.

Durante o inquérito, tem de haver a promoção da aplicação da medida de coação pelo MP.
Enquanto dominus do inquérito, será aquela figura que melhor compreende o funcionamento
do inquérito – aquilo que pode ou não afetar o bom andamento do inquérito. Nesse sentido,
faz sentido que seja o MP que venha requerer, promover a aplicação de uma determinada
medida de coação ao arguido.

194º/4 CPP – é precedida a aplicação de audição prévia do arguido, ressalvados os casos de


impossibilidade devidamente fundamentada. Também está cumprido – houve um
interrogatório judicial.

É-nos dado a entender que todas estas formalidades se verificam.

194º/6 CPP – fundamentação do despacho. O despacho de aplicação da medida de coação tem


de ser fundamentado, tem de ser motivado. Não é uma fundamentação qualquer que se
pretende – esta fundamentação deve conter elementos que são obrigatórios, que são aqueles
que constam das várias alíneas do /6. Tem de poder saber as razões que levaram a aplicar
aquela medida de coação e porquê aquela em específico – garantia de defesa, para saber como
é que pode reagir, ao que é que vai reagir.

No /9, falam-nos da notificação. Tem de ser notificada ao arguido e, no caso de prisão


preventiva, também ao seu defensor (/10 – também pode ser a uma pessoa da sua confiança
ou a um familiar, se ele quiser).

3. Vindo o MP a acusar António por factos subsumíveis ao crime de homicídio


privilegiado, este pretende reagir, dizendo que só pretendia confrontar Celso
verbalmente, mas que este avançou para si com uma faca, vendo-se ele, portanto,
obrigado a defender-se, o que fez, acabando Celso por morrer. O que deve fazer?

Vejamos que, aqui, já estamos na fase final do inquérito. Até agora, estávamos no inquérito.
Agora, já temos uma acusação da parte do MP, que imputa a António factos subsumíveis ao
crime de homicídio privilegiado.
Havendo um despacho de acusação, como é que o António pode reagir? Essencialmente,
perante um despacho de acusação, o arguido pode, desde logo, requerer a abertura de
instrução. Da fase facultativa do nosso processo, que apenas existe no processo que existe a
tramitação comum (nas especiais, não – em nenhuma!). A instrução visa, essencialmente, fazer
uma comprovação judicial por parte de um juiz (JIC) daquela que foi a decisão do MP de acusar
ou de arquivar, ou seja, o arguido, perante uma acusação – obviamente não estando satisfeito
-, pode procurar comprovar a decisão do MP (se ele deveria ter tomado aquela decisão de
acusar… ou não).

Temos de olhar, necessariamente, para o artigo 286º CPP e para todos os seguintes. O 286º
CPP é relevante, na medida em que nos fala do objetivo da instrução – comprovação da
decisão do MP.

Para sabermos se o António poderia requerer a abertura da instrução, teríamos de ver se ele
tinha legitimidade e se o prazo é cumprido. Olharíamos para o artigo 287º CPP, que nos diz que
a abertura de instrução pode ser requerida no prazo de 20 dias (…). Ou seja, perante aqueles
factos que lhe são imputados, o arguido pode requerer a abertura de instrução (é a alínea a) do
nº1). Ele tinha legitimidade e, para tal, teria de cumprir o prazo – 20 dias após a notificação da
decisão.

No entanto, por qualquer motivo (estratégia processual, p. ex.), pode ser que o arguido não
queira a abertura da instrução. Pode ser que o arguido queira aguardar pela fase de
julgamento – que é a que vem a seguir, se não houver instrução -, uma vez que aí tem
oportunidades várias de exercer o seu direito de defesa constitucionalmente consagrado. Pode
fazê-lo na fase de contestação, por exemplo. Vão expurgar-se todas aquelas nulidades e
aquelas questões incidentais e prévias que possam afetar o julgamento; depois disto, vai ser
dada a oportunidade ao arguido de se pronunciar acerca dos factos (311º, a) e 311º, b) CPP –
tratam precisamente desta contestação). A contestação é uma hipótese válida que o arguido
tem, mas que não é, muitas vezes, não ser utilizada – acaba por ser utilizada apenas para
arrolarem testemunhas, falarem de novos meios de prova… Não tem uma grande utilidade
prática, uma vez que a defesa, na sua maior parte, é feita na audiência de julgamento. Na
audiência de julgamento, o arguido vai ter oportunidade de prestar declarações, de ser
ouvido… Aí, pode invocar aquilo que bem entender – nomeadamente, o que se pretende no
caso concreto.

Teríamos estas alternativas para o arguido, portanto.

4. Durante a instrução, apura-se que os factos alegados por António correspondem à


verdade, decidindo o JIC não pronunciar António. Quem pode reagir e em que termos?

Ora, começaríamos por dizer que o JIC não pronuncia o António porque não conseguiu,
durante a instrução, recolher indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que
depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança. Isto é o que consta do
307º e do 308º CPP.

O 307º diz-nos que, no final da instrução, o juiz pode fazer um despacho de pronuncia ou não
pronuncia. O 308º CPP diz-nos quando é que acontece um e quando é que acontece outro.
Acaba por ser semelhante à decisão de acusação ou arquivamento por parte do MP.

À semelhança da decisão do MP, que vai assumir forma de despacho, também aqui a decisão
do juiz assume a forma de despacho. Se olharmos para o 97º CPP, as decisões do juiz podem
assumir a forma de sentença – nomeadamente, falamos da decisão final, da decisão de mérito,
que dá um “fim” ao caso. Não estamos a falar de uma decisão final, no caso, mas é uma
decisão que vai assumir a forma de despacho, nos termos do 97º/1, b) CPP.

A questão que se coloca é se este despacho é recorrível. Como bem sabemos, a verdade é que
o despacho de não pronuncia é sempre recorrível. Seja precedido por uma acusação do MP ou
do assistente ou precedido de um arquivamento do inquérito. Ou seja, é sempre recorrível,
independentemente da decisão do MP que esteja ali a ser judicialmente comprovada. Estamos
a dizer isto porque, se bem nos recordarmos, existe uma situação em que o despacho, a
decisão instrutória do JIC não vai ser recorrível, em função daquilo que acontece no inquérito.
Estamos aqui a falar do artigo 310º CPP. Este artigo diz-nos que “a decisão instrutório que
pronunciar (…) é irrecorrível”. Olhando para este artigo 310º, a contrario CPP e 399º CPP, que
nos fala, essencialmente, de um princípio geral de recorribilidade das decisões; e, ainda, 400º,
a contrario (aquelas que não são recorríveis), podemos dizer que o despacho de não pronuncia
é sempre recorrível.

Este artigo 310º CPP fala-nos de situações em que o MP acusa por determinados factos e o JIC
pronuncia por esses mesmos factos. Quando temos esta concordância entre estas duas
magistraturas em fases processuais distintas, não vai haver possibilidade de recurso por parte
do JIC. Portanto, acusação de factos por parte do MP e pronuncia do JIC pelos mesmos factos
não admite recurso. Se temos despacho de não pronuncia, não se enquadra no 310º/1 CPP e
será recorrível.

Este despacho é recorrível. E quem é que pode recorrer dele? Vamos olhar para as regras
gerais de recursos, nomeadamente para o 401º CPP. Fala-nos de quem é que tem legitimidade
para recorrer da decisão – tem de haver legitimidade e interesse em agir. É o MP (pode
recorrer de todas as decisões, mesmo que sejam favoráveis ao arguido – o MP não é uma
figura de acusação, não estando focado em acusar alguém; ele está focado é em cumprir a
legalidade e em descobrir a verdade material); o assistente (foi a própria vítima, era um
familiar de alguém, etc. – são várias as hipóteses).

A nível de prazos, olhamos para a regra-geral (411º CPP). 30 dias a contar da notificação desta
decisão instrutória.

Este recurso é interposto perante a Relação, sobe de imediato (sobe logo que todos os atos de
expediente sejam praticados), com efeito suspensivo (enquanto este despacho de pronuncia
não estiver decidido, os autos vão estar suspensos) e sobe nos próprios autos.

5. Durante o julgamento, o juiz, consultando os autos, vê que deles consta a transcrição


de um e-mail, enviado por António a um seu amigo de longa data, dois meses antes da
ocorrência dos factos submetidos a julgamento, contando-lhe que descobriu que a sua
mulher o traía com Celso e dando-lhe conta de que prepara a morte daquele. Face a
isto, como deve agir o juiz de julgamento?

Até agora, o arguido vinha acusado de um crime de homicídio privilegiado, que, como
sabemos, acaba por ser, dentro daquelas diversas “formas” de homicídio, é aquele que, na
realidade, tem uma pena menos severa. Acontece que, durante o julgamento, vem-se a
descobrir aqui um novo facto – que, na realidade, o arguido António não tinha aqui qualquer
legítima defesa, estando ele a preparar a morte do Celso e conseguiu consumar este seu
objetivo. Há aqui uma premeditação que pode ou não ter relevância.
Onde queremos chegar é à questão da alteração substancial dos factos. Ora, nós temos um
facto novo, um novo pedaço da realidade, um novo facto que pode ou não alterar aquele que é
o objeto do processo. Vejamos que, quando falamos de alteração substancial do facto,
alteração substancial do objeto do processo, temos necessariamente de recuperar um princípio
que já estudámos há algumas semanas – o princípio da acusação.

Ora, a verdade é que o juiz de julgamento vai ficar vinculado ao que o MP fixou na acusação. O
juiz vai avaliar a questão com base nesses factos.

Temos de falar do princípio da consunção, da suficiência e da concentração. O processo deve


ser um; não deve ser separado, cindido; quando ele é decidido, ele é irrepetivelmente
decidido, mesmo que fique alguma coisa de fora (ele está decidido e ponto final).

Temos de dizer, então, que estamos perante um novo facto e questionar se esse facto implica
ou não uma alteração substancial dos factos. Temos de olhar para o 1º, f) CPP. Como já
estamos a entender, temos uma alteração substancial dos factos, na medida em que,
inicialmente, os factos consubstanciar-se-iam num homicídio privilegiado; agora, temos um
novo facto que imputa ao arguido um tipo de crime diverso, um crime diferente. Já não
falamos de um homicídio privilegiado, mas falamos de um homicídio qualificado.

Se temos uma alteração substancial dos factos, temos de saber o que é que o juiz pode fazer
com esta alteração dos factos, o que é que ele pode fazer com este novo pedaço da realidade.
Para isso, olhamos para o 359º CPP (se fosse não substancial, olhávamos para o 358º CPP). O
nº1 diz-nos, desde logo, que a alteração substancial dos factos não deve ser tida e conta pelo
juiz para efeitos de condenação, a não ser que haja um acordo entre o MP, o arguido e o
assistente. Acordo esse no sentido de que aquele novo facto seja aceite no processo. Ou seja, é
necessário, aqui, que haja um acordo entre estes três sujeitos.

À partida, o juiz não vai poder condenar o arguido com base neste facto. Nos termos do nº1,
no nosso caso, não poderia o juiz de julgamento condenar o arguido por um homicídio
qualificado. Isto porque este homicídio qualificado surge na base deste facto novo, que altera
substancialmente o objeto do processo.

É “à partida” porque pode haver um acordo! Se houver acordo, pode ser-lhe dado um prazo
para preparação da defesa (relativamente a esse facto novo). Esse prazo não é assim tão
alargado – não pode ser superior a 10 dias (359º/4 CPP).

Temos, agora, de ver o que vai acontecer com o facto. Se for autonomizável, há comunicação
ao MP e ele pode proceder com base nesse facto. Se o facto não for autonomizável, perde-se.
Significa que, se o facto não conseguir sobreviver “por si mesmo”, se não conseguir ser
“separado” do processo, do objeto que compõe este processo e se não for suscetível de servir
de base a um novo procedimento, então o que acontece é que o facto vai simplesmente
perder-se. Vai perder a sua relevância no caso de não ser autonomizável, uma vez que não
pode ser usado neste processo nem noutro. No caso, não era autonomizável – não podíamos
comunicar ao MP para que ele procedesse com base nele; não o sendo, perde-se
simplesmente.

Se condenasse por homicídio qualificado, a sentença condenatória seria nula – 379º/1, b) CPP.
E é uma nulidade que é arguível em recurso.
- Matéria dos recursos -

6. Tendo António sido condenado a 16 anos de prisão, ninguém parece estar contente
com tal desfecho. António entende que o juiz não poderia ter levado em linha de conta
o e-mail referido. O MP e o assistente, por sua vez, consideram que António deveria ter
sido condenado a, pelo menos, 20 anos de prisão. Pode cada um deles reagir? De que
forma e com que fundamento?

Recordando os recursos: podem ser recursos ordinários ou extraordinários. A diferença incide,


sobretudo, no grau de definitividade da decisão. Os ordinários são recursos que são interpostos
de decisões que ainda não transitaram em julgado, que ainda não estão verdadeiramente
consolidadas. Os extraordinários são os que recaem sobre decisões não transitadas em julgado.
São assim chamados porque são menos usuais – é difícil uma decisão que já esteja estabilizada
vir a ser apreciada novamente por um tribunal.

Estes recursos extraordinários são de dois tipos: de fixação de jurisprudência ou de revista.

Os ordinários – que interessam para o caso – são interpostos nas Relações ou no STJ. Uma
decisão interposta num tribunal de comarca caberia à relação, em princípio; mas podia ser per
saltum, para o STJ.

Olhamos para o regime geral dos recursos, que se inicia no 399º CPP – princípio geral de
recorribilidade. Diz-nos, essencialmente, que é permitido recorrer de acórdãos, sentenças,
despachos (97º CPP – grupo de atos decisórios que podem ser tomados por um juiz). Assim
sendo, vejamos que temos aqui garantida, em termos de Lei ordinária, aquela garantia
constitucional de um duplo grau de jurisdição, ou seja, esta garantia está aqui bem viva, na
medida em que há aqui a possibilidade de duas instâncias (1ª e 2ª instância).

Todavia, o artigo 400º CPP contém um elenco de decisões que não admitem recurso. Há
determinadas decisões, portanto, que não serão recorríveis – que fogem ao princípio geral de
irrecorribilidade.
Temos de olhar necessariamente para o artigo 400º CPP para vermos se não há exclusão do p.
geral da recorribilidade. No caso, não parece haver aqui nada disto. 399º CPP diz-nos que é,
então, recorrível.

Sendo recorrível, temos um recurso ordinário – não há decisão transitada em julgado. Pode ir
para a Relação ou pode ir para o STJ. Quando olhamos para o 427º CPP – que trata
precisamente da competência da Relação para conhecer um determinado caso em âmbito de
recurso-, é-nos dito que a decisão de tribunal, final, interpõe-se na Relação; à exceção dos
casos em que há um recurso direto para o STJ. Estando nós perante uma decisão de um
tribunal de 1ª instância, é recorrível para a Relação. Só não o é nos casos do 427º CPP.

O processo vai seguir nos termos do 410º e ss. CPP (aplica-se para a Relação e para o STJ). A
Relação pode conhecer tanto matéria de facto, como matéria de Direito, ou seja, vai poder
conhecer todos aqueles acontecimentos naturalísticos que preencham um crime (os factos em
si mesmos), mas também matéria de Direito [ver afirmação acima].
O STJ é, essencialmente, um Tribunal de revista.

No nosso caso, quem é que tem legitimidade? Pode haver legitimidade e não haver interesse
em agir!

O MP é um defensor da legalidade. O MP não está aqui a fazer força para o arguido ser
condenado – ele tem de fazer é força para que a justiça seja feita.

O MP teria legitimidade para recorrer (de quaisquer decisões, aliás). Se fosse uma decisão
absolutória, o MP também poderia recorrer.

A alínea b) diz-nos que também o arguido e o assistente podem recorrer. Contudo, quanto ao
assistente, temos uma limitação. Isto porque o assistente, nos termos do Ac. de fixação de
jurisprudência (Assento), o “Assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado
do MP (…)” [afirmação acima]. Se o assistente não estiver contente com a pena, ele não tem
aqui legitimidade – não pode recorrer em relação à pena e à espécie. O assistente não tem
aqui uma decisão proferida contra ele – se não gosta da medida concreta que foi aplicada, não
haverá nada a fazer, a não ser que consiga efetivamente mostrar no caso que tem
direito/interesse em agir. Mas isso é uma coisa que tem de ser provada por ele.
Claro está que o agente pode recorrer de uma decisão condenatória, mas tendo por base, por
exemplo, a ideia de que o juiz de julgamento, perante aqueles factos, não fez uma decisão
propriamente acertada. Pode ter-se esquecido de um facto, que o juiz não teve em conta um
facto que deveria ter contado…

No nosso caso em concreto, quem teria legitimidade para recorrer seria o MP e também teria
legitimidade o arguido porque foi uma decisão proferida contra ele. O assistente não teria
legitimidade porque aquilo que ele está a atacar é, essencialmente, a medida da pena.

No caso, teria legitimidade o MP e o arguido. O assistente não teria legitimidade porque está a
atacar essencialmente a medida da pena, pelo que se aplica a limitação referida. Contudo, não
basta o critério da legitimidade, importa que o recorrente tenha interesse em agir. Ora, tem
interesse em agir, para efeitos de recurso, quem tiver necessidade desse meio para defender
um interesse/direito seu.

Vejamos, para além disto, que não basta que esteja preenchido o critério da legitimidade. Tem
o recorrente de ter interesse em agir. Quem é que tem interesse em agir? Tem interesse em
agir, para efeitos de recurso, quem tiver necessidade desse meio para defender um interesse,
um direito que é seu.

O assistente pode recorrer de uma decisão condenatória, tendo por base a ideia de que o juiz
perante aqueles factos não fez uma decisão acertada, e aí sim terá legitimidade, pois está a
atacar a apreciação que foi feita dos factos. No caso, teria legitimidade o MP e o arguido (foi
uma decisão contra ele) – o assistente não tem legitimidade. Não basta que esteja cumprido o
critério da legitimidade, pois tem de haver um interesse em agir. Tem interesse em agir quem
tiver necessidade desse meio para defender um direito que é seu.

É preciso, também, depois de vermos a legitimidade, olhar para a restante disciplina dos
recursos ordinários, que segue uma tramitação nos termos do artigo 410º CPP, que é uma
tramitação unitária.

Contém uma série de disposições/artigos que vão ser aplicados aos diferentes recursos
ordinários.

O artigo 402º CPP fala-nos do que é o objeto do recurso – são todos os objetos da decisão que
têm o foco do recurso (princípio do conhecimento amplo). Contudo, este princípio tem
algumas exceções, em que se pode recorrer de questões de domínios particulares. Vejamos
que, para que seja facilmente identificável o âmbito do recurso, para que o juiz saiba o que vai
ter de ser apreciado ou não, é importante que haja uma boa fundamentação do recurso. O
objeto do recurso, como nos diz o Ac. abaixo:

Prazo para interposição de recurso: os recursos têm de ser apresentados de forma não
extemporária. Tem de ser de acordo com os prazos – são, essencialmente, de 30 dias a contar
da notificação da decisão. No nosso caso, o assistente não o poderia fazer. O arguido e o MP
teriam, então, esses 30 dias para recorrer.

Este recurso vai subir nos próprios autos – não vai haver aqui uma separação. E terá efeito
suspensivo (408º/1, a) CPP).

409º CPP – proibição da reforma para pior.

Isto é para tutelar as suas legítimas expetativas e para que ele não tenha medo de recorrer. Se
o arguido soubesse que, recorrendo, tinha a possibilidade de ficar pior, poderia não o fazer por
receio.

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