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Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM

Direito Processual III


Prof. Murillo Canella

ROTEIRO 3

PRISÃO

1. Prisão em flagrante
A prisão em flagrante significa a privação da liberdade de quem está cometendo
ou acaba de cometer um crime.

Trata-se de um ato complexo que inicia-se com um natureza administrativa – pela


atuação da autoridade policial – e depois é jurisdicionalizado.

Dentre as funções da prisão em flagrante, tem-se, dentre elas, evitar a fuga do


agente, tutelar a prova da ocorrência do crime; quando possível, se o crime está sendo
praticado, evitar sua consumação e preservar a integridade física do agente contra possível
linchamento, dentre outros.

CAPÍTULO II
DA PRISÃO EM FLAGRANTE
Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes
deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;
II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer
pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis
que façam presumir ser ele autor da infração.
Art. 303. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante
delito enquanto não cessar a permanência.

1.1. Legitimidade para proceder com a prisão em flagrante: art. 301 do CPP
- “qualquer do povo” – poderá
- “autoridades policiais e seus agentes” – deverão

1.2. Natureza do rol do art. 301


O rol do art. 301 é TAXATIVO.

1.3. Espécies de flagrante


1.3.1. Flagrante próprio
O flagrante próprio é aquele em que o agente está cometendo a infração penal
(inciso I) ou acaba de cometer (inciso II).
1.3.2. Flagrante impróprio
Também chamado de “quase-flagrante”, é a hipótese do inciso III (“é perseguido,
logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça
presumir ser autor da infração”).
Conjugação de três elementos:
1) perseguição
2) logo após o cometimento do crime
3) situação que faça presumir a autoria. Exige-se uma continuidade entre o
crime e a perseguição, que pode durar horas ou mesmo dias até a captura.

Jurisprudência sobre o tema:

STJ:

“Nos casos de flagrante impróprio, desde que a perseguição seja ininterrupta e


tenha início logo após a prática do delito, é permitida a prisão em flagrante mesmo após o
decurso do prazo definido popularmente de 24 horas” (AgRg no HC 608.468, j. 09.03.2021);

“Não caracteriza flagrante impróprio a hipótese em que o suposto autor do delito é


encontrado dormindo em sua residência por agente policial em diligências, porquanto o
inciso III do art. 302 do CPP pressupõe que o agente, após concluir a infração penal, ou ser
interrompido por terceiros, empreenda fuga, e seja, logo após, perseguido pela polícia,
pela vítima ou por qualquer do povo” (RHC 20.298, j. 20.05.2008)

1.3.3. Flagrante presumido ou ficto


É a hipótese do inciso IV do art. 302 do CPP em que o agente “é encontrado, logo
depois, com instrumentos, armas, objetos ou papeis que façam presumir ser ele autor da
infração”.

Diferença com o flagrante impróprio: não se exige perseguição. Exige-se uma


relação de imediatidade. Não há um lapso temporal específico. Passado um tempo
considerável desde a data do crime, não será possível o flagrante, sem prejuízo, porém, da
lavratura do boletim de ocorrência e subsequente instauração de IP.

Jurisprudência sobre o tema:

STJ:

“Fica caracterizado o flagrante presumido se o paciente foi encontrado, logo após a


ocorrência do roubo, conduzindo veículo no qual se encontravam os indivíduos
reconhecidos pelas vítimas como sendo autores do crime, bem assim as vestimentas que
teriam sido utilizadas na prática delitiva” (HC 157.017, j. 13.04.2010).
“A inviolabilidade do domicílio é excepcionada pela ocorrência de flagrante delito,
conforme o art. 5º, XI, da CF. É válido o flagrante presumido quando o objeto furtado é
encontrado, após a prática do crime, na residência do acusado” (RHC 21.326, j. 25.10.2007).

“É válido o flagrante presumido quando o agente é encontrado, algum tempo depois,


portando objetos da vítima (...). A expressão ‘logo após’ não indica prazo certo, devendo
ser compreendida com alguma elasticidade, examinado o requisito temporal caso a caso”
(HC 75.114, j. 29.08.2007).

“A doutrina e a jurisprudência vêm concedendo uma interpretação mais elástica à


expressão ‘logo depois’ contida no inciso IV, do art. 302, do CPP, mais até do que a
prevista no inciso anterior” (HC 27.839, j. 10.06.2003).

“A expressão "logo após" permite interpretação elástica, havendo maior margem na


apreciação do elemento cronológico, quando o agente é encontrado em circunstâncias
suspeitas, aptas, diante de indícios, a autorizar a presunção de ser ele o autor do delito,
estendendo o prazo a várias horas, inclusive ao repouso noturno até o dia seguinte, se for
o caso” (RHC 7.622, j. 26.08.1998)

STF:

“Em se tratando de flagrante presumido (art. 302, IV, do CPP), a prisão pode ocorrer em
localidade diversa daquela onde o crime se consumou” (AgR no HC 102.646, j. 02.08.2011).

1.3.4. Flagrante preparado ou provocado


O flagrante preparado ou provocado é aquele em que ocorre a prisão de alguém,
tendo havido um agente provocador da prática do crime, normalmente integrante da
própria polícia, que induziu ou instigou o autor a cometer o delito, justamente para poder
prendê-lo. Em suma, flagrante preparado é o flagrante por obra do agente provocador.
Atenção: o flagrante preparado ou provocado não se confunde com o flagrante
esperado, em que a polícia não induz ou provoca o cometimento do crime, mas apenas
aguarda o momento adequado para efetuar a prisão em flagrante.

Jurisprudência sobre o tema:

STF

Súmula 145 do STF: Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna
impossível a sua consumação.

“Flagrante esperado e flagrante preparado: distinção. No caso, temse flagrante esperado”


(HC 72.224, j. 06.06.1995).
“Não constitui flagrante preparado o fato de a polícia, cientificada previamente da
infração penal, diligenciar para surpreender o criminoso no momento da prática delituosa,
sem que, para isso, tenha havido induzimento ou provocação por parte da autoridade ou
de seus agentes” (HC 70.887, j. 09.08.1994).

“O flagrante preparado pressupõe o ato de instigar a prática delituosa. Descabe colocar


sob o mesmo teto, investigação policial, em que acompanhados os passos do agente, e o
flagrante preparado” (HC 73.108, j. 07.11.1995).

STJ

“No flagrante preparado, a polícia provoca o agente a praticar o delito e, ao mesmo tempo,
impede a sua consumação, cuidando-se, assim, de crime impossível; ao passo que no
flagrante forjado a conduta do agente é criada pela polícia, tratando-se de fato atípico.
Hipótese totalmente diversa é a do flagrante esperado, em que a polícia tem notícias de
que uma infração penal será cometida e aguarda o momento de sua consumação para
executar a prisão” (HC 307.775).

1.3.5. Flagrante diferido ou retardado


Diferencia-se do flagrante esperado porque aqui o crime já está ocorrendo, mas a
intervenção policial é controlada para que seja realizada no momento mais eficaz.

Neste sentido, o art. 8º, caput, da Lei 12.850/2014, estabelece que “Consiste a ação
controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada
por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e
acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à
formação de provas e obtenção de informações”.

1.3.6. Apresentação espontânea


De acordo com a redação antiga do art. 317 do CPP, “A apresentação espontânea do
acusado à autoridade não impedirá a decretação da prisão preventiva nos casos em que a
lei a autorize”. Embora o dispositivo tenha sido revogado, permanece o comando: não é
possível a prisão em flagrante, mas nada impede a decretação da prisão preventiva.

Antiga redação do 317, CPP: “A apresentação espontânea do acusado


à autoridade não impedirá a decretação da prisão preventiva nos casos
em que a lei a autoriza.”

Jurisprudência sobre o tema:

STJ:

“Com a apresentação espontânea do réu à polícia, descaracteriza-se o flagrante, sendo


correto o seu relaxamento” (REsp 210.619, j. 10.10.2000). No mesmo sentido, o STF entende
que “Apresentação espontânea, embora não impeça a decretação da prisão preventiva,
também não permite a autuação em flagrante do delinquente que espontaneamente se
apresenta” (RHC 58.568, j. 16.12.1980)”; Não tem cabimento prender em flagrante o agente
que, horas depois, entrega-se à polícia, que não o perseguia, e confessa o crime, ressalvada
a hipótese da custódia preventiva, se presentes os pressupostos” (RHC 61.442, j.
29.11.1983); A apresentação espontânea, por si só, não conduz ao afastamento da custódia
preventiva, sobretudo quando presentes motivos que a justifiquem” (AgR no HC 211.284,
j. 16.05.2022)

1.3.7. Lavratura do Auto de Prisão em Flagrante (APF)

Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e


colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de
entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o
acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita,
colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade,
afinal, o auto.
§ 1o Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade
mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e
prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o
for, enviará os autos à autoridade que o seja.
§ 2o A falta de testemunhas da infração não impedirá o auto de prisão em flagrante;
mas, nesse caso, com o condutor, deverão assiná-lo pelo menos duas pessoas que
hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade.
§ 3o Quando o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto
de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas, que tenham ouvido sua
leitura na presença deste.
§ 4o Da lavratura do auto de prisão em flagrante deverá constar a informação sobre
a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e
o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa
presa.

Art. 305. Na falta ou no impedimento do escrivão, qualquer pessoa designada pela


autoridade lavrará o auto, depois de prestado o compromisso legal.

Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à
pessoa por ele indicada.
§ 1o Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado
ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o
nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.
§ 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa,
assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das
testemunhas.

1.3.8. Audiência de custódia – apreciação judicial da prisão em flagrante


De acordo com o art. 310 do CPP, após receber o APF, no prazo máximo de
24 horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia
com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria
Pública e o membro do MP, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente
1) relaxar a prisão ilegal; ou 2) converter a prisão em flagrante em preventiva; ou 3)
conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

1.3.9. Prisão preventiva ex lege:


Nos termos do § 2º do art. 310, “Se o juiz verificar que o agente é reincidente
ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo
de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas
cautelares” (Pacote Anticrime). Inconstitucional e inconvencional, pois o STF já
decidiu em diversas questões que não se admite prisão preventiva ex lege (em razão
da lei).
É inconstitucional e inconvencional a interpretação de que qualquer crime
(“tipo X”) não seja passível de liberdade provisória.

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