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TEORIA GERAL DO

DIREITO CIVIL

Autoria: Patrícia Ribas Athanázio Hruschka


Vanilda da Silva Vargas

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Cristiane Lisandra Danna
Norberto Siegel
Camila Roczanski
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Bárbara Pricila Franz
Marcelo Bucci

Revisão de Conteúdo: Ivan Tesck


Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2018


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

340
H873t Hruschka, Patrícia Ribas Athanázio
Teoria geral do direito civil / Patrícia Ribas Athanázio
Hruschka; Vanilda da Silva Vargas. Indaial: UNIASSELVI, 2018.

138 p. : il.

ISBN 978-85-53158-05-8

1.Direito.
I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
Patrícia Ribas Athanázio Hruschka

Advogada, graduada em Direito pela


Universidade Regional de Blumenau - FURB,
com habilitação em “Direito Empresarial e Direito
Privado”. Especialista em Direito Processual Civil
pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI.
Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela
Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Mestra em
Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí
- UNIVALI. Autora do livro “Holding: planejamento
sucessório de empresa à luz dos princípios
constitucionais”, Editora CRV, 2015.

Vanilda da Silva Vargas

Advogada, graduada em Direito pela


Universidade Regional de Blumenau-FURB,
com habilitação em “Direito Empresarial e Direito
Privado”. Especialista em Direito Civil pelo Centro
de Ensino Superior de Blumenau - CESBLU,
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Regional da Universidade Regional
de Blumenau – FURB. Professora Substituta do
Departamento de Direito da FURB. Professora
em Direito da UNIASSELVI-FAMEBLU.
Sumário

APRESENTAÇÃO...........................................................................01

CAPÍTULO 1
Introdução ao Estudo do Direito Civil.....................................09

CAPÍTULO 2
Das Pessoas..................................................................................23

CAPÍTULO 3
Dos Bens........................................................................................73

CAPÍTULO 4
Dos Negócios Jurídicos..............................................................89

CAPÍTULO 5
Da Prescrição e Da Decadência................................................125
APRESENTAÇÃO
Ao longo dos tempos os indivíduos foram levados a se aproximarem uns
dos outros, para saciar suas necessidades, constituindo-se em sociedade.
Para essa vivência, num primeiro momento foram criadas regras sociais, com
normas mínimas de convivência, vez que a total liberdade é incompatível com a
convivência harmoniosa entre pessoas diferentes.

À medida que as sociedades evoluíram e se tornaram complexas, houve a


necessidade de institucionalizar as regras, dando origem ao direito, como forma
de garantir a convivência social harmônica, regulamentar as relações jurídicas e
punir excessos.

Nessa ótica surge o Direito Civil, dentro do ramo do direito privado, como
regulador do dia a dia do ser humano em sociedade, posto que grande parte
das relações sociais, como o casamento, o contrato, a propriedade, a sociedade
empresária, estão sob esse manto.

Não se trata de um direito estanque, por não mais se apresentar com um


enfoque voltado apenas à proteção do interesse patrimonial e individualista, mas
com uma proposta humanizada e coletiva, sendo que tal perspectiva se originou
a partir da constitucionalização do Direito Civil, ocorrido após o advento da
Constituição Federal de 1988.

Adequando-se a essa realidade a edição do Código Civil de 2002 apresentou


três princípios otimizando a aplicação do diploma civil, ajustando-o ao tempo e
espaço atuais, desafiado todos os dias pela sociedade, frente aos novos arranjos
e interesses das atuais relações jurídicas.

Para tanto devemos conhecer os sujeitos e objetos de direito, o que os difere


e quais os contornos jurídicos dessas relações.

Por isso a importância do estudo sob a vida e a morte em nosso ordenamento


e seus efeitos para a sociedade, em virtude dos comandos de direitos e deveres
na ordem civil.

O surgimento da pessoa jurídica, as consequências, direitos e obrigações até


a extinção também estão sob o olhar do Direito Civil.
Considerando que não se pode admitir a perpetuação eterna para o exercício
de um direito, o Código Civil de 2002 elucidou os institutos da prescrição e da
decadência, definindo prazos e consequências, tratando de maneira muito mais
clara do que a legislação que o antecedeu (de 1916).

Vamos conhecer esse novo mundo que se descortina?

Bons estudos!
C APÍTULO 1
Introdução ao Estudo do Direito Civil

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Compreender a sistemática da Lei de Introdução às normas do Direito


Brasileiro.

 Identificar a estruturação da normativa legal referente ao Direito Privado


brasileiro.

 Aplicar as normas introdutórias ao Direito Brasileiro, especialmente em relação


ao Direito Civil.

 Estabelecer um panorama diferenciador acerca da normativa afeta ao Direito


Privado em relação ao Direito Público.
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

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Capítulo 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO CIVIL

ConteXtualiZação
Para bem viver coletivamente, o ser humano necessita de um sistema capaz
de regular seus atos, relações e situações jurídicas. Nessa ordem surge em
nosso ordenamento o Direito Civil como regulador do dia a dia do ser humano
em sociedade.

Assim, nossas relações em sociedade, tais como o casamento, o contrato,


a propriedade, enfim, tudo o que circunda o meio social está sob a proteção do
Direito Civil.

Conceito de Direito Civil


Diante do imenso campo de abrangência das relações estabelecidas entre
as pessoas e reguladas pelo Direito Civil, é necessário observar o posicionamento
de alguns doutrinadores a respeito da conceituação. Melo (2015, p. 34) conceitua:

Direito Civil é o direito comum, também chamado de direito


privado (quando incluímos o direito comercial), que rege
as relações entre os particulares, disciplinando a vida e as
relações das pessoas naturais, desde a sua concepção e até
após a morte, bem como das pessoas jurídicas, regulando
as relações pessoais e patrimoniais, bem como as formas de
aquisição e transferência de bens.

Gonçalves (2015, p. 41) registra que “[...] o Código Civil é a Constituição


do homem comum, porque rege as relações mais simples da vida cotidiana, das
ocorrências do dia a dia”. Até se alcançar o Código Civil de 2002 houve um longo
caminho. Veja:

a) Ordenações Filipinas (que vigorou no Brasil até o CC/1916),


editada em 1603, pela Coroa portuguesa;
b) Consolidação das Leis Civis: realizada pelo jurisconsulto
baiano Augusto Teixeira de Freitas, iniciada em 1855, concluída
em 1858;
c) Esboço Teixeira de Freitas: em 1859 o jurisconsulto foi
contratado pelo governo brasileiro para elaborar o Código
Civil, que mesmo contando com 4.900 artigos não chegou a
ser submetido à aprovação, mas é considerado um “esboço”
do Código Civil;
d) Projeto Clóvis Beviláqua: em 1899 foi escolhido pelo
presidente para elaborar o projeto do primeiro Código Civil
Brasileiro, encaminhado para o Congresso em 1900 e aprovado
em 1916, entrando em vigor em 1º. de janeiro de 1917 (Lei
nº 3.071/1916). Continha 1.807 artigos e era antecedido pela
Lei de Introdução ao Código Civil. Possuía uma parte geral
(com conceitos, categorias e princípios básicos) e uma parte
especial. Sofreu grande influência do Código Civil alemão de

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

1896 e do Código Napoleônico, de 1804;


e) Leis especiais do século XX: algumas leis esparsas
surgiram no século XX, diante da necessidade de acompanhar
a evolução da sociedade. Exemplos: Lei de Alimentos (Lei
5.478/68); Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73); Código de
Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90); Estatuto da Criança e
do Adolescente (Lei 8.069/90) etc.;
f) Código Civil de 2002: Lei 10.406/2002, de 10 de janeiro de
2002. (GONÇALVES, 2015, p. 42-43).

Tinha sido tentada a revisão do Código Civil de 1916 por duas vezes (em
1941 e em 1961), sem êxito. Então, em 1967, o Governo nomeou uma comissão
sob a supervisão de Miguel Reale, para a elaboração de um projeto, composta
dos seguintes juristas: José Carlos Moreira Alves (Parte Geral), Agostinho Alvim
(Obrigações), Sylvio Marcondes (Empresas), Ebert Vianna Chamoun (Direito das
Coisas), Clovis do Couto e Silva (Direito de Família) e Torquato Castro (Direito
das Sucessões). O projeto foi entregue ao Congresso Nacional em 1975 (Projeto
de Lei nº 634/75) e somente foi aprovado em 10 de janeiro de 2002 – Lei nº
10.406/2002, com período de vacatio legis de um ano, entrando em vigor no dia
11 de janeiro de 2003 (MELO, 2015). Gonçalves (2015, p. 44) destaca que o
Código Civil de 2002 tem as seguintes características:

- Preserva a estrutura do Código Civil de 1916;


- Unifica o direito das obrigações;
- Inclui matéria das leis especiais posteriores a 1916 e
contribuições da jurisprudência;
- Exclui matéria de ordem processual, a não ser quando
profundamente ligada à de natureza material;
- Inclui o sistema de cláusulas gerais, concedendo ao juiz
certa margem de interpretação, respeitados os princípios
constitucionais concernentes à organização jurídica e
econômica da sociedade. Ex.: cláusula geral que exige um
comportamento condizente com a probidade e boa-fé objetiva
(CC, art. 422) e a que proclama a função social do contrato
(art. 421).

Continuam em vigor, no que não conflitarem com o novo Código Civil, a Lei do
Divórcio (somente na parte processual), o Estatuto da Criança e do Adolescente,
o Código de Defesa do Consumidor, a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91) etc.

Melo (2015, p. 38) alerta que durante esse período de tramitação o


novo Código Civil sofreu diversas mudanças, em especial com o advento da
Constituição Federal de 1988, tendo sido promovida uma:

[...] espécie de constitucionalização do Direito Civil, com a


inserção do princípio da dignidade humana (CF, art. 1º, III) e
a necessária proteção aos direitos fundamentais da pessoa
humana (CF, art. 5º e seus vários incisos); a concepção de
família (CF, art. 226) e a proteção especial às crianças e
adolescentes (CF, art. 227), assim como aos idosos (CF, art.
230), dentre outros aspectos importantes.
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO CIVIL

Conforme já mencionado, o CC/2002 seguiu a estrutura do CC/16,


acompanhando o modelo germânico preconizado por Savigny, colocando as
matérias em ordem metódica, divididas em Parte Geral e Parte Especial, num
total de 2.046 artigos.

Quadro 1 – Estrutura do código civil de 2002


Parte Geral Parte Especial
Das pessoas Direito das obrigações
Dos bens Direito de empresa
Dos fatos jurídicos Direito das coisas
Direito de família
Direito das sucessões

Fonte: Os autores.

Como se pode perceber, a estrutura do Código Civil de 2002 é bastante


pragmática, visando facilitar as incursões do operador do Direito, por se tratar de
uma ordenação sistematizada de artigos.

Integração do Direito Civil no


Ordenamento Jurídico Brasileiro
O direito privado como ramo do direito traça contornos nas relações entre os
indivíduos em sociedade. Pode-se considerar que o Direito Civil é o pilar central
do direito privado, e como mola mestra, não há sociedade sem a regulação dos
atos praticados pelos seus membros.

No cenário do século XIX, com a influência do Código Civil Francês, o Direito


Civil representado pelo Código Civil de 1916 se constituía como centro do sistema
jurídico brasileiro.

Tal consideração se deve pela dinâmica economicista vinculada às relações


sociais e às necessidades humanas, aonde o Direito Civil vem a delinear os
arranjos realizados no dia a dia em sociedade.

Nessa ordem, entende-se por Direito Civil “[...] o conjunto de normas,


categorias e institutos jurídicos que tem por objeto as pessoas e suas relações
com as demais”. (LOBO, 2015, p. 17).

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Vamos compreender melhor o que significam as relações jurídicas, ou seja,


“[...] é o vínculo que, nas situações que envolvam duas ou mais pessoas, atribui a
umas e outras poderes e deveres juridicamente exigíveis, com vista à consecução
de finalidades específicas” (NORONHA, 2010, p. 32).

Assim, tem-se que as relações no Direito Civil estão inseridas nos espaços
do direito privado que representam toda e qualquer prática realizada pelos sujeitos
que gerem direitos e deveres juridicamente exigíveis, tais como, casamentos,
contratos, testamentos e tantas outras situações.

Cabe destacar que estas relações no passado tinham como centro de


interesses as relações meramente patrimoniais, ou seja, o Direito Civil se regia sob
o enfoque do individualismo jurídico na proteção do patrimônio ou da propriedade.

Na atualidade, o Direito Civil se otimiza por meio da pessoa, focado


na dignidade da pessoa humana, superando a concepção economicista e
individualista.

Para uma leitura crítica, com perspectivas do pluralismo


jurídico, recomenda-se a seguinte obra: WOLKMER. Antônio
Carlos. Introdução aos fundamentos de uma teoria geral dos
novos direitos. Disponível em: <https://goo.gl/8YA9M2>. Acesso
em: 15 fev. 2018.

Assim, o Direito Civil, dentro de nosso ordenamento jurídico, é a mola mestra


para regular as relações em sociedade, onde se impulsionam tanto as questões
sociais, mas também as econômicas.

Vamos perceber ao longo do nosso estudo que o Direito Civil estabelece


relações com várias áreas do Direito e, depois da Constituição Federal de 1988,
uma vertente direta com as garantias constitucionais.

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Capítulo 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO CIVIL

ConstitucionaliZação do Direito Civil


Vamos lá, pessoal!

Como já verificamos, o Direito Civil tinha como mote as questões


patrimoniais, não o sujeito em si e, assim, se localizava em nosso ordenamento
como centro dos interesses jurídicos, pois tal visão se constituía pela influência do
direito romano e do Código Civil Francês. Com o advento da 2ª Grande Guerra,
o ser humano começou a refletir sobre sua subsistência e o centro de interesses
passou a ser o sujeito.

Assim, deu-se início a um novo processo do constitucionalismo no cenário


mundial. Já no Brasil tal perspectiva surge pontualmente com a Constituição
Federal de 1988, onde o direito constitucional é quem passa a ser o centro de
interesses.

A valorização do ser humano, fruto do reconhecimento da dignidade, por


sua vez, está propiciando uma revisão dogmática e hermenêutica completa do
ordenamento civil, pois o direito privado passa a se despatrimonializar. É o ser
superando o ter (POPP, 2003).

Essa posição do direito constitucional apresentou um fenômeno jurídico


denominado constitucionalização do direito, e, em especial para nosso estudo, a
constitucionalização do Direito Civil.

Cabe lembrar que a Constituição de 1988 foi promulgada sob a orientação não
só de um pacto político, mas buscou a definição de novos paradigmas jurídicos,
além de estabelecer princípios programáticos que orientam a interpretação e a
aplicação das normas infraconstitucionais, entre as quais o próprio Código Civil
(MAMEDE, 2010).

A constitucionalização do Direito Civil não é o único caminho, mas, sim, um


dos possíveis para a eleição de um novo paradigma de renovação dos institutos
privados. (NALIN, 2004).
No processo de
constitucionalização
No processo de constitucionalização do Direito Civil não há uma
do Direito Civil não
alteração nos preceitos do direito privado, mas há uma aplicação há uma alteração
hermenêutica dos valores constitucionais. Nesse sentido, a Constituição nos preceitos do
passa a ser um filtro axiológico, um norte para a aplicação do Direito direito privado, mas
Civil sob a ótica dos valores constitucionais. há uma aplicação
hermenêutica
dos valores
constitucionais.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Para Carli (2005), o Direito Civil constitucionalizado, ou seja, o Direito Civil


transformado pela normativa constitucional, tem como fundamentos a superação
da lógica patrimonial (proprietária, produtivista, empresarial) pelos valores
existenciais da pessoa humana, que se tornam prioritários no âmbito do Direito
Civil, porque privilegiados pela Constituição Federal de 1988.

Gonçalves (2015) chama a atenção à expressão “direito civil-constitucional”,


pois defende a releitura do Código Civil à luz da Constituição, redefinindo
categorias jurídicas civilistas a partir de comandos principiológicos constitucionais,
pautados na dignidade da pessoa humana, na solidariedade social e igualdade
substancial.

Destaca Popp (2003) que há uma indistinta e direta aplicação da norma


constitucional às relações privadas, sempre tendo como protagonista a pessoa
humana. Assim, toda visão do Direito Civil passa, necessariamente, por uma
releitura tendo como cerne principal a nova ótica descrita na Constituição.

Nalin (2004) frisa que ler o Código Civil à luz da Constituição implica o
distanciamento do individualismo e da patrimonialidade contratual, não em
sentido de revogar, mas de recolocar e recondicionar na moldura dos direitos
fundamentais a pessoa humana.

Afinal, as normas constitucionais até certo ponto sempre foram aplicadas


às relações privadas, então o que muda nesse processo denominado
constitucionalização do Direito Civil?

Barroso (2005, s.p.) afirma que o que alterou nesse processo foi na
“determinação do modo” e da “intensidade dessa incidência” das normas
constitucionais; assim, tanto a doutrina como a jurisprudência dividem-se em
duas correntes:

a) a da eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais,


mediante atuação do legislador infraconstitucional e atribuição
de sentido às cláusulas abertas;
b) a da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais,
mediante um critério de ponderação entre os princípios
constitucionais da livre iniciativa e da autonomia da vontade,
de um lado, e o direito fundamental em jogo, do outro lado.

Nesse sentido, entende Barroso (2005) que entre estas duas correntes, sob
o aspecto de aplicabilidade, a segunda é a mais adequada, pois esta eficácia
se apresenta mediante um critério de ponderação, em que se deverá levar em
consideração os elementos do caso concreto.

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Capítulo 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO CIVIL

Conclui Popp (2003) que a solução para cada controvérsia não pode mais
ser encontrada levando em conta simplesmente o artigo de lei que parece contê-
la e resolvê-la, mas, antes, à luz do inteiro ordenamento jurídico, e, em particular,
dos seus princípios fundamentais, considerados como opções de base que o
caracterizam.

Para Popp (2003, p. 89) a influência da Constituição sobre o Direito Privado


se destaca em alguns aspectos:

● A visão da Constituição não mais como regra política,


mas também jurídica que passa a atingir não só as
entidades públicas, mas também as particulares, deixando
de ser mera cartilha de deveres aos administradores,
mas também fonte de direito aos particulares;
● A chamada constitucionalização dos princípios
fundamentais de direito privado;
● A globalização do direito, aspecto que diminuiu as
distâncias e aumentou o interesse na unificação das
regras jurídicas;
● A aceitação pelas novas constituições da importância
da proteção dos direitos humanos e a ratificação de
normas supranacionais neste sentido.

É de se destacar que os princípios possuem densidade axiológica, ao


carregar em si valores que fundamentam as normas, além de possuírem função
de colmatar eventuais lacunas do ordenamento jurídico. Garantem, ainda,
unidade e coerência ao sistema jurídico, de modo que não se pode mais analisar
qualquer regra sem a associação aos princípios, principalmente os princípios
constitucionais.

PrincíPios Fundamentais do Código


Civil de 2002
O Código Civil de 2002 veio depois de muito tempo de espera, pois em 1988
tínhamos uma nova ordem constitucional, que veio cheia de inovações e com
preceitos conflitantes aos publicados no Código Civil de 1916. Todavia, para os
críticos já nasceu velho, faltando-lhe uma série de ajustes de ordem social.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Para conhecer os motivos que levaram o legislador a redigir


o Código Civil de 2002, faça a leitura do texto de autoria de Lucas
Abreu Barroso, disponível no seguinte endereço eletrônico: <https://
goo.gl/2BZy4K>.

Vamos agora conhecer os três princípios norteadores do Código Civil de


2002. Veja:

• Princípio da eticidade

Consiste na busca da compatibilização dos valores técnicos conquistados na


vigência do código anterior, com a participação de valores éticos no ordenamento
jurídico.

Salienta Gonçalves (2006) que o princípio da eticidade funda-se no valor da


pessoa humana como fonte de todos os demais valores. Prioriza a equidade, a
boa-fé, a justa causa e demais critérios éticos. Confere maior poder ao juiz para
encontrar a solução mais justa ou equitativa.

Lembra Monteiro de Barros (2005) que no Código Civil de 2002 nem tudo se
resolve por meio de preceitos normativos expressos, pois são fartas as referências
à equidade, à boa-fé, à justa causa e demais critérios éticos, por exemplo, a boa-
fé na interpretação dos negócios jurídicos - art. 113 e a boa-fé na execução dos
contratos – art. 422.

• Princípio da socialidade

Com efeito, o sentido social é uma das características mais marcantes do


Código Civil de 2002, buscando preservar o sentimento de coletividade, muitas
vezes em detrimento de interesses individuais, por exemplo, a função social dos
contratos – art. 421 e a natureza social da posse – art. 1.239 e ss.

• Princípio da operalidade

Para Monteiro Barros (2005), consiste no fato de estabelecer soluções


normativas de modo a facilitar a interpretação e a aplicação do direito, eliminando-
se as dúvidas hermenêuticas que persistiam no Código Civil de 1916, como a
polêmica distinção entre prescrição e decadência. O Código Civil de 2002

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Capítulo 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO CIVIL

enumera, na parte geral, os casos de prescrição, inserindo as hipóteses de


decadência em conexão com a disposição normativa que as estabelece.

Importa na concessão de maiores poderes hermenêuticos ao magistrado.


Nessa linha, privilegiou a normatização por meio de cláusulas gerais, que devem
ser aplicadas no caso concreto.

Entende Gonçalves (2006, p. 25) que “[...] no bojo do princípio da operalidade


está implícito o da concretitude, que é a obrigação que tem o legislador de não
legislar em abstrato”.

Exemplificam Gagliano e Pamplona Filho (2006) com a nova regra de


responsabilidade civil prevista no parágrafo único do art. 927, em que se admite
a “[...] obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor
do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (BRASIL,
2002, s.p.).

Pode-se exemplificar este princípio por meio da aplicabilidade dos artigos


relacionados nas disposições finais e transitórias do Código Civil de 2002, dentre
estes a citar o artigo 2041, onde há a indicação de qual legislação a ser aplicada
no caso da abertura da sucessão antes da vigência do diploma civil de 2002.

Para finalizar nossas considerações sobre a principiologia do Código Civil de


2002, há que se considerar que os valores trazidos pelos três princípios deram
uma nova roupagem para os preceitos que foram inclusive reeditados no novo
diploma civil, trazendo uma ferramenta hermenêutica otimizadora na aplicação
dos preceitos legais ao caso concreto.

Atividade de Estudos:

1) Vamos recapitular! De que trata o Direito Civil e qual sua relação


com o Direito Constitucional?
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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Algumas ConsideraçÕes
Como estudamos até o momento, o Direito Civil se apresenta como um dos
elos de maior importância em nosso sistema, haja vista sua função de regular as
relações em sociedade.

Em toda a sua história, o Direito Civil como regulador das relações privadas
sofreu toda a influência dos fatores históricos e caminhou conforme os passos da
sociedade. E, assim, buscou redimensionar seu foco, trazendo uma releitura das
relações privadas com um enfoque voltado não mais só no interesse patrimonial e
individualista, mas uma proposta humanizada e coletiva. Tal perspectiva foi oriunda
da Constituição Federal de 1988, por meio da atual visão de constitucionalização
do Direito Civil.

Adequando nossa legislação civil, a edição do Código Civil de 2002


apresentou três princípios para melhor aplicá-lo, ou seja, esta principiologia
otimizou a aplicação do diploma civil adequando-o ao tempo e espaço atuais.

Assim, verifica-se a importância para todo o nosso ordenamento o Direito


Civil, o qual é desafiado todos os dias pela sociedade, haja vista seus novos
arranjos e interesses em suas relações jurídicas.

ReFerências
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil. São Paulo:
Método, 2005.

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalismo do direito.


Revista Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 240, p. 1-42, abr./jun. 2005.

CARLI, Vilma Maria Inocêncio. Teoria e direitos das obrigações contratuais.


Campinas: Bookseller, 2005.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito


civil: parte geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil 1: parte geral, obrigações e


contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

20
Capítulo 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO CIVIL

LOBO, Paulo. Direito civil: parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: teoria geral dos contratos.


São Paulo: Atlas, 2010.

MELO, Nehemias Domingos de. Lições de direito civil: teoria geral para
concursos, exame da Ordem e graduação em direito. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2015.

NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação


na perspectiva civil–constitucional. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2004.

NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

POPP, Carlyle. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das


tratativas. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2003.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

22
C APÍTULO 2
Das Pessoas

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Definir e compreender a extensão do termo “pessoa” no ordenamento jurídico.

 Identificar e distinguir a pessoa natural e jurídica.

 Compreender os significados e a extensão da personalidade e da capacidade civil.

 Conhecer as hipóteses de fim e início da personalidade civil.


TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

24
Capítulo 2 DAS PESSOAS

ConteXtualiZação
Para que o Direito seja colocado em movimento, necessita de um sujeito
para dar início à ação. Assim, temos sujeitos de direito e objetos de direito, um
que realiza a ação e outro que sofre a ação; o que difere um dos outros são os
contornos delineados pelo nosso ordenamento, conforme veremos a seguir.

Consideração do SuJeito de Direito


Para que a norma jurídica cumpra sua função de orientar a superação
dos conflitos de interesses, é necessário que descreva os fatos e seus agentes
responsáveis. Assim, a pessoa é o titular das relações jurídicas e põe em
movimento o Direito.

Nesse sentido, pessoa é espécie do gênero sujeito de direito ou sujeito da


relação jurídica. Barros (2005, p. 57) compreende que “sujeito de direito é o ente
referido pela norma jurídica como sendo o titular ou o possível titular de direitos e
obrigações”.

Venosa (2012, p. 137) entende que pessoa é “[...] o ser ao qual se atribuem
direitos e obrigações”.

A própria legislação não difere desse sentido, pois o Código Civil em seu
artigo 1° determina: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”
(BRASIL, 2002).

Se o sujeito de direito é a pessoa determinada no artigo 1º do Código Civil,


então aqueles que ali não se encontram elencados não são pessoas.

Diante desta consideração, podem-se identificar seres ou entidades que, ao


olhar comum, poderiam ser classificados como sujeitos, mas nossa legislação até
o momento os coloca em outro patamar de consideração, objetos de direitos e
outros, inclusive, sem qualquer consideração, conforme seguem:

• animais: o direito é constituído hominum causa (animais excluídos), mas


há lei de proteção aos irracionais (crueldade, destruição, perseguição),
fim social;

• entidades metafísicas: nula a disposição nomeada alma ou santo para


herdeiro ou legatário;

25
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

• coisas ou bens: não há, deste modo, vínculo entre patrimônio.

Nesse sentido, Venosa (2012, p. 138) afirma que “[...] os animais e os


seres inanimados não podem ser sujeitos de direito. Serão, quando muito,
objetos de direito”.

Esse pensamento é majoritário no direito pátrio. Todavia, pensadores,


filósofos e juristas têm buscado a superação do paradigma antropocêntrico, onde
o sujeito de direito não é o único sujeito de interesses.

Com o intuito de diversificar seu pensamento e buscar novas


perspectivas na consideração dos sujeitos, recomenda-se a leitura
de Peter Singer (SINGER, Peter. Ética prática. São Paulo: Martins
Fontes, 1994) e Sônia T. Felipe (FELIPE, Sonia T. Por uma questão
de princípios: alcance e limites da ética de Peter Singer em defesa
dos animais. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003).

Coelho (2006) conclui que os sujeitos de direito podem ser pessoas


(personificadas) ou não (despersonificadas). No primeiro caso, ele recebe do
direito uma autorização genérica para a prática dos atos e negócios jurídicos. A
pessoa pode fazer tudo o que não está proibido. Já os sujeitos não personificados
podem praticar apenas os atos inerentes à sua finalidade (se possuírem uma)
ou para os quais estejam especificadamente autorizados. Assim, temos como
exemplo dos primeiros, as pessoas jurídicas, que veremos mais adiante; e como
exemplo da segunda, o espólio sucessório.

Da Personalidade
Personalidade jurídica é a aptidão genérica para adquirir direitos e
contrair obrigações. Tanto a pessoa física quanto a jurídica são dotadas dessa
personalidade. Acerca da definição de personalidade, Gagliano e Pamplona Filho
(2006, p. 80) citam:

[...] a personalidade jurídica tem por base a personalidade


psíquica, somente no sentido de que, sem essa última não se
poderia o homem ter elevado até a concepção da primeira,
mas no conceito jurídico e o psicológico não se confundem.
Certamente o indivíduo vê na sua personalidade jurídica a

26
Capítulo 2 DAS PESSOAS

projeção de sua personalidade psíquica, ou ainda, um outro


campo em que ela se afirma, dilatando-se ou adquirindo novas
qualidades. Todavia, na personalidade jurídica intervém um
elemento, a ordem jurídica, do qual ela depende essencialmente,
do qual recebe a existência, a forma, a extensão e a força ativa.
Assim, a personalidade jurídica é mais do que um processo
superior da atividade psíquica; é uma criação social, exigida
pela necessidade de pôr em movimento o aparelho jurídico, e
que, portanto, é modelada pela ordem jurídica.

Personalidade jurídica, portanto, é a aptidão genérica para titularizar direitos


e contrair obrigações; é o atributo necessário para ser sujeito de direito.

A pessoa pode se subdividir em pessoa natural/física ou jurídica. Então,


a seguir vamos discorrer sobre a pessoa natural, para após versar sobre a
pessoa jurídica.

Pessoa Natural
A pessoa natural para nosso ordenamento jurídico é o ser humano,
independente da sua condição física ou mental. Perante nosso direito, qualquer
criatura humana que venha a nascer com vida será uma pessoa, sejam quais
forem as anomalias e deformidades que apresente (GONÇALVES, 2006, p. 78).

Início da Personalidade
Para a consideração do início da personalidade jurídica, tem-se a análise das
teorias Natalista e Concepcionista.

A Teoria Natalista compreende como sujeito de direito aquele que nasceu


com vida, onde tal processo se verifica por meio do ato de respirar, ou seja, ao ser
retirado do ventre materno, o sujeito deve ter respirado. Tal verificação, quando há
dúvida, é procedida por meio de exame denominado de docimásia hidrostática de
Galeno, onde se verifica se os alvéolos foram inflados de ar e, portanto, a criança
respirou e passou a ser considerada sujeito de direitos na ordem civil.

Assim, o art. 2º do Código Civil traz que a personalidade emana do simples


fato do nascimento com vida, sendo que a pessoa jurídica só se alcança a partir
do registro do seu ato constitutivo (BRASIL, 2002).

No entanto, na segunda parte do art. 2º do Código Civil, percebe-se que


também são tutelados os direitos do nascituro, desde sua concepção, ou seja,
estamos aqui falando da Teoria Concepcionista (BRASIL, 2002).

27
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Para a Teoria Concepcionista, o marco para consideração do sujeito de


direito é a sua fecundação, ou seja, o momento em que há a junção dos gametas
masculinos e femininos, quando surge o ser humano. Nessa consideração não se
faz a distinção do ser fecundado em processo natural ou artificial.

Para melhor esclarecer esta polêmica, o projeto de lei denominado Estatuto


do Nascituro (PL 478/07), em seu artigo 2º, parágrafo único, afirma que o
nascituro é inclusive o ser humano concebido in vitro ou produzido por meio de
clonagem, e o artigo 3º prevê que a personalidade do nascituro está condicionada
ao nascimento com vida (PLANALTO, 2007).

Assim, enquanto alojado no útero materno, o sujeito de direito é chamado


de nascituro e não tem personalidade jurídica plena, ou seja, só pode praticar os
atos para os quais haja expressa previsão legal, por exemplo, receber bens em
doação – CC, art. 542 (BRASIL, 2002).

Venosa (2012) esclarece que o nascituro é um ente já concebido que se


distingue de todo aquele que não foi ainda concebido e que poderá ser sujeito de
direito no futuro, dependendo do nascimento, tratando-se de uma prole eventual.
Essa situação nos remete à noção de direito eventual, isto é, um direito em mera
situação de potencialidade, de formação, para quem nem ainda foi concebido.

Assim, com a leitura da segunda parte do art. 2º do Código Civil, conclui-se que
o nascituro, pela Teoria Concepcionista, só possui direitos determinados, ou seja,
aqueles que forem indicados a este sujeito de direito em potencial (BRASIL, 2002).

Há que se considerar que o dito nascituro indicado no ordenamento civil se


refere ao sujeito fecundado no ventre materno e, ainda, a doutrina e a prática em
julgados destaca que só se considera sujeito aquele que se encontra com vida
humana em potencial, ou seja, após o processo de nidação, ou seja, a fixação do
pré-embrião no ventre humano.

Sobre o nascituro, que tal aprofundar seus conhecimentos


com a leitura do artigo científico intitulado “A situação jurídica do
nascituro: uma página a ser virada no direito brasileiro”, de autoria
do doutrinador Flávio Tartuce? Disponível no seguinte endereço
eletrônico: <https://goo.gl/vaDaQP>.

28
Capítulo 2 DAS PESSOAS

A doutrina pátria tem acatado a teoria concepcionista, delineando-a com o


processo de nidação, sendo este sujeito de direito possuidor de personalidade
condicionada, ou seja, a personalidade do sujeito está condicionada pelo
nascimento com vida, mas seus direitos, inclusive de se desenvolver de forma
sadia, estão protegidos pela ordem legal.

O surgimento da vida humana e a sua consideração para alcançar a


personalidade jurídica foram debatidos no STF nas Arguições de Descumprimento
de Preceito Fundamental n. 54 e n. 442, onde foram abordadas as questões sobre
os fetos anencéfalos e, recentemente, sobre a criminalização do aborto.

Como visto até aqui, o sujeito de direito é aquele que em nosso ordenamento
põe em movimento o Direito por meio de seus atos; estando sua personalidade
condicionada ao nascimento com vida, mas a lei põe a salvo os direitos do
nascituro, ou seja, aquele que ainda se encontra no ventre materno, apresentando
a ele uma personalidade condicionada.

Fim da Personalidade
A personalidade inicia com o ato de respirar - nascimento com vida, e finda
com a morte – morte encefálica – CC, art. 6° (BRASIL, 2002).

Mas, se a morte (ausência de movimentos cerebrais) marca o


fim da personalidade, o início da personalidade também deveria ter o
marco dos primeiros movimentos cerebrais, ou seja, quando o córtex
cerebral está formado?

A morte pode ser:

• Real: é a que pressupõe a existência de um cadáver. É atestada pelo


médico, ou na ausência deste, por duas testemunhas (LRP – 6.015/77,
art. 77). Prevalece o entendimento de que a verdadeira morte é a cerebral
do tipo encefálica, revelada pela ausência de impulsos cerebrais (art. 3°,
§1°, da Lei nº 9.434/97 e Resolução CFM nº 1.480/97).

29
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

• Presumida: ocorre quando, a despeito de o cadáver não ser encontrado,


há um juízo de probabilidade acerca da sua ocorrência, apurada por
meio do silogismo lógico. Verifica-se em duas hipóteses: a) se for
extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida – CC,
art. 7°, I; b) se desaparecido em campanha ou feito prisioneiro não for
encontrado até dois anos após o término da guerra – CC, art. 7°, II.

Assim, constata-se que na primeira hipótese não há um prazo definido na lei,


haja vista que naquela situação a morte é provável e sua indicação é extrema; já
na segunda hipótese a morte também é provável, mas devido às possibilidades
de o sujeito ter sido feito prisioneiro, o legislador indicou o prazo de dois anos
após o término da guerra.

Tanto na primeira como na segunda hipótese, a morte terá que ser


investigada, haja vista a importância em nosso ordenamento de o sujeito estar
munido de personalidade jurídica. Assim, será necessário ingressar com ação
judicial para ser prolatada sentença declaratória de morte presumida.

Além das hipóteses do artigo 7º do Código Civil, temos ainda a morte presumida
quando ocorre a ausência. Neste caso, não há o risco de vida e, por este motivo, a
sua caracterização demanda maior tempo, conforme veremos a seguir.

Ausência
Conceitua Rodrigues (2002, p. 77) que “[...] a ausência é quando uma
pessoa desaparece do seu domicílio sem que dela haja notícia, sem que haja
deixado representante ou procurador e sem que ninguém lhe saiba o destino ou
paradeiro”.

A importância desse instituto reside principalmente na preocupação com


relação aos bens do ausente: quem será o guardião, como se conservarão e qual
a sua destinação.

Assim, para que se considere alguém desaparecido será necessário que


não haja qualquer notícia sua, bem como nenhum procedimento para se ausentar
tenha sido tomado, dentre estes, movimentação bancária, organização de malas
ou qualquer outro ato que denote o querer se ausentar.

Determina o CC/02, art. 22, que para que seja decretada a ausência de uma
pessoa é necessário que o desaparecido não tenha representante ou procurador
cuidando de seus negócios e bens (BRASIL, 2002).

30
Capítulo 2 DAS PESSOAS

Duas atitudes são possíveis em face da ausência:

• Na possibilidade de o ausente estar vivo, se revela pela necessidade


de lhe preservar os bens, tendo em vista a defesa de seu interesse;

• No caso da possibilidade de o ausente ter falecido, visa atender ao


interesse de seus herdeiros, que, por sua morte, teriam se tornado
senhores de seu patrimônio.

Por isso recomenda Rodrigues (2002, p. 78): “[...] quer esteja o ausente vivo,
quer esteja morto, é importante considerar o interesse social de preservar seus
bens, impedindo que se deteriorem, ou pereçam”.

Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 127) lembram que “[...] o Código Civil
de 2002 reconhece a ausência como morte presumida, em seu art. 6°, a partir do
momento em que a lei autorizar a abertura da sucessão definitiva”.

Na hipótese da morte presumida por ausência há necessidade de se proceder


em três fases, da curadoria, da sucessão provisória e da sucessão definitiva.

Curadoria
Assim, desaparecendo uma pessoa do seu domicílio, sem que haja notícia,
se não houver deixado representante ou procurador, a quem toque administrar-lhe
os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado, ou do Ministério Público,
os arrecadará, nomeando curador para administrá-los (RODRIGUES, 2002).

Conforme já visto, a ausência deve ser declarada pelo juiz, e o artigo 24


do Código Civil determina que o juiz, ao nomear o curador, fixará seus poderes
e obrigações. A lei civil estabelece também a ordem legal para a nomeação do
curador, iniciando pelo cônjuge (desde que não esteja separado judicialmente
ou de fato por mais de dois anos), equiparando-se o companheiro (de acordo
com a jurisprudência), depois pais e descendentes e, por último, qualquer outra
pessoa, se não houver cônjuge ou parentes, desde que não haja impedimentos
ou incompatibilidades (MELO, 2015).

Gagliano e Pamplona Filho (2006) ressaltam que na mesma situação


se enquadrará aquele que, tendo deixado mandatário, este último se encontre
impossibilitado, física ou juridicamente, quando os poderes outorgados forem
insuficientes ou simplesmente não tenha interesse em exercer o múnus.

31
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

A lei não exige um prazo mínimo para a caracterização do desaparecimento.


Neste caso, os familiares ou as pessoas mais próximas ao desaparecido é
que vão identificar o desaparecimento da pessoa através dos seus hábitos. As
providências de tentar localizar o desaparecido por parte de seus familiares
podem auxiliar na configuração do desaparecimento.

Será feita a arrecadação dos bens do ausente e empossado o curador. O juiz


ordenará a publicação de editais durante um ano, reproduzidos de dois em dois
meses, editais que convocam o ausente para retomar a posse do seu patrimônio.

Esclarece Rodrigues (2002) que não acudindo o ausente ao fim do prazo


de um ano, a partir da publicação do último edital, ou de três anos se houver
deixado procurador, a probabilidade de que tenha efetivamente falecido aumenta,
de sorte que a posição do legislador, que até agora só tinha em vista o interesse
do desaparecido, de certo modo se altera, pois passa a considerar também o
interesse dos sucessores do ausente, permitindo que requeiram a abertura da
sucessão provisória.

Sucessão Provisória
Transcorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, a probabilidade de
retorno deste reduz. Afinal, o seu desaparecimento não é recente e, mesmo sendo
reiteradamente convidado a se apresentar, o ausente declinou de fazê-lo. Assim,
convém que se comece a ter em vista não apenas o interesse do desaparecido,
que provavelmente está morto, mas também o de terceiros, a saber, o de seu
cônjuge, de seu companheiro, de seus herdeiros e de pessoas com quem ele
eventualmente viesse mantendo relações negociais (ROGRIGUES, 2002).

De acordo com a legislação civil brasileira, decorrido, portanto, um ano da


arrecadação dos bens ou três anos, se o ausente deixou procurador, é permitido
aos interessados requererem a abertura da sucessão provisória, como se o
ausente fosse falecido – art. 26 do Código Civil e artigos 744 e 745 do NCPC.

Inicialmente, a sucessão é provisória em vista de três fatos que podem alterar


a situação jurídica dos sucessores:

• Retorno do ausente.
• Descoberta de que está vivo.
• Descoberta da data exata da sua morte.

32
Capítulo 2 DAS PESSOAS

Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 128) esclarecem que “[...] a ideia de


provisoriedade da sucessão é uma cautela que se exige, ainda que se anteveja o
provável falecimento real do ausente, uma vez que não se tem, realmente, ainda,
certeza de tal fato.

Assim, em face do longo desaparecimento é mais provável que o ausente


esteja morto, a hipótese contrária não é, de qualquer maneira, desprezível,
de modo que o legislador, embora defira aos interessados a possibilidade de
pleitearem a abertura da sucessão provisória, encara como plausível o retorno
do ausente; e, para deixar assegurados seus direitos, na hipótese de isso ocorrer,
prescreve severas medidas, capazes de garantir a restituição de seus bens, em
caso de regresso (RODRIGUES, 2002). Assim:

• A sentença que determina a abertura da sucessão provisória só produzirá


efeito seis meses depois de publicada pela imprensa.

• Procede-se a partilha dos bens do ausente. Mas os herdeiros imitidos


na posse darão garantias da sua restituição, mediante penhores e
hipotecas, equivalentes aos quinhões respectivos.

O Código Civil em seu art. 30, §2°, dispensa os ascendentes, os descendentes


e o cônjuge da oferta de garantia para entrar na posse da herança.

• É vedada a venda de bens imóveis do ausente, exceto em caso de


desapropriação, ou então por ordem judicial para lhes evitar a ruína, ou,
quando convenha, para convertê-los em títulos da dívida pública.

• As rendas produzidas pelos bens do ausente pertencem, na


sua totalidade, aos seus herdeiros, se se tratar de ascendentes,
descendentes, cônjuges ou companheiro. Todavia, se a sucessão for
deferida a outros herdeiros, estes só terão direito à metade da renda
em questão. A outra metade deve ser poupada para ser entregue ao
ausente, caso ele retorne.

O art. 1.790 do CC disciplina a participação do companheiro na sucessão


do outro. Cabe aqui ainda lembrar que recentemente o STF se posicionou pela
aplicação do art. 1.829 para os companheiros em pé de igualdade com a sucessão
dos casados civilmente.

O procedimento da sucessão provisória é preparar os bens para a


sucessão definitiva, e, desta forma, tem o efeito de imitir na posse dos bens os
possíveis herdeiros do ausente. Finda a sucessão provisória, dar-se-á início à
sucessão definitiva:

33
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

• Quando houver certeza da morte do ausente.


• Dez anos depois de passada em julgado a sentença de abertura da
sucessão provisória.
• Quando o ausente contar oitenta anos de idade e houverem decorridos
cinco anos das últimas notícias suas.

Dos procedimentos adotados nesta fase – sucessão provisória – verifica-


se que ainda há uma expectativa de que o ausente possa retornar, pois seus
bens estão sendo resguardados. Na próxima fase – sucessão definitiva – ver-
se-á que a hipótese a ser considerada é que o ausente não irá retornar, pois há a
transmissão de seus bens.

Sucessão DeFinitiva
Por mais que se queira preservar o patrimônio do ausente, o certo é que a
existência de um longo lapso temporal, sem qualquer sinal de vida, reforça as
fundadas suspeitas do seu falecimento.

Gagliano e Pamplona Filho (2006) ressaltam que se um herdeiro, imitido na


posse durante a sucessão provisória, não requerer a sucessão definitiva, mesmo
passado lapso temporal superior ao previsto em lei, teremos mera irregularidade,
uma vez que, aberta a sucessão provisória, a definitiva é apenas transmudação
da natureza da propriedade já transferida provisoriamente.

Para Rodrigues (2002), pode-se dizer que tal sucessão é quase definitiva,
pois a lei ainda admite a hipótese, agora remotíssima, de retorno do ausente.
E ordena que, se o ausente reaparecer nos dez anos seguintes à abertura da
sucessão definitiva, haverá ele só os bens existentes e no estado em que se
encontrarem.

Retorno do Ausente
Se o retorno do ausente ocorrer antes, ou seja, durante o período da
sucessão provisória, e ficar provado que o desaparecimento foi voluntário
e injustificado, perderá ele, em favor dos sucessores, sua parte nos frutos e
rendimentos – CC/02, art. 33, parágrafo único. Nesta mesma fase, por outro
lado, cessarão imediatamente as vantagens dos sucessores imitidos na posse
provisória, e terão de restituí-las ao que se encontrava desaparecido, bem como
tomar as medidas assecuratórias precisas, até a entrega dos bens a este –
CC/02, art. 36.

34
Capítulo 2 DAS PESSOAS

Se a sucessão, todavia, já for definitiva, terá o ausente direito aos seus bens,
se ainda incólumes, não respondendo os sucessores pela sua integridade.

Retornando o ausente no período da curadoria dos seus bens, esta cessará


automaticamente, recuperando ele todos os seus bens.

Há que lembrar que uma das hipóteses de dissolução do casamento é por


meio da morte. Assim, será dissolvido o casamento pela consideração da morte do
ausente. No entanto, se este retornar, a relação de conjugalidade será retomada
tal qual antes de sua declaração de morte presumida – dissolução da sociedade
conjugal – CC, art. 1.571, §1°.

Além das hipóteses de morte presumida, na ordem civil a morte pode se


apresentar por meio da comoriência. Sua ocorrência influencia diretamente nas
questões da ordem vocacional da sucessão, pois é a morte de duas ou mais
pessoas, na mesma ocasião, sendo elas herdeiras entre si. Por exemplo: Maria e
João, casados entre si, falecem ao mesmo tempo. Maria tem somente, dentre os
membros familiares vivos, sua irmã, e João seu primo. Nesse caso, Maria deixa
a metade que lhe cabe no patrimônio do casal para sua irmã e João deixa sua
metade ao seu primo.

Como verificamos, a personalidade é um dos institutos mais importantes


do nosso sistema, pois é a partir dessa aptidão genérica que o sujeito de direito
passa a titularizar direitos e obrigações e, consequentemente, seu início e fim
demanda de tanta importância.

Direitos da Personalidade
Personalidade jurídica é a aptidão genérica para adquirir direitos e
contrair obrigações, tanto a pessoa física quanto a jurídica são dotadas dessa
personalidade.

Diniz (1999, p. 118) conceitua direitos da personalidade como “[...] direitos


comuns da existência, porque são simples permissões dadas pela norma jurídica,
a cada pessoa, de defender um bem que a natureza lhe deu, de maneira primordial
e direta”.

Nesse sentido, esclarece Rodrigues (2002) que dentre os direitos subjetivos


de que o homem é titular pode-se facilmente distinguir duas espécies diferentes, a
saber: uns que são destacáveis da pessoa de seu titular e outros que não o são.
Assim, por exemplo, a propriedade ou o crédito contra um devedor constituem
direito destacável da pessoa de seu titular; ao contrário, outros direitos há, que

35
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

são inerentes à pessoa humana e, portanto, a ela ligados de maneira perpétua


e permanente, não se podendo mesmo conceber um indivíduo que não tenha
direito à vida, à liberdade física ou intelectual, ao seu nome, ao seu corpo, à sua
imagem e àquilo que ele crê ser sua honra. Estes são os chamados direitos da
personalidade.

Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 136) falam da natureza dos direitos da


personalidade afirmando que “[...] o direito existe para que a pessoa, em meio
à vida social, seja aquinhoada segundo a justiça com os bens necessários à
consecução dos seus fins naturais”.

Venosa (2012) esclarece que há direitos denominados personalíssimos


porque incidem sobre bens imateriais e incorpóreos, a exemplo os direitos à
própria vida, à liberdade, à manifestação do pensamento. São direitos privados
fundamentais, que devem ser respeitados como conteúdo mínimo para permitir a
existência e a convivência dos seres humanos.

Assim, com o advento do art. 5°, inciso X, da Constituição Federal de 1988,


um grande passo foi tomado para a proteção dos direitos da personalidade: “X
– são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrer de sua
violação” (BRASIL, 1988).

Acerca dos fundamentos jurídicos desses direitos, dois grupos bem distintos
se posicionam:

• A corrente positivista – toma por base a ideia de que os direitos da


personalidade devem ser somente aqueles reconhecidos pelo Estado,
que lhes daria força jurídica. Não aceitam, portanto, a existência de
direitos inatos à condição humana (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2006).

• A corrente jusnaturalista – destaca que os direitos da personalidade


correspondem às faculdades exercidas naturalmente pelo homem,
verdadeiros atributos inerentes à condição humana. Os defensores
dessa corrente têm propugnado que, por se tratar de direitos inatos,
caberia ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los em um ou outro
plano do direito positivo – em nível de legislação ordinária –, dotando-os
de proteção própria, conforme o tipo de relacionamento a que se volte, a
saber: contra o arbítrio do poder público ou as incursões de particulares.

36
Capítulo 2 DAS PESSOAS

Gagliano e Pamplona Filho (2006) ressaltam que, independentemente da


linha adotada, o importante é compreender que a dimensão cultural do Direito,
como criação do homem para o homem, deve sempre conservar um conteúdo
mínimo de atributos que preservem essa própria condição humana como um valor
a ser tutelado.

Sobre as características dos direitos da personalidade, o Código Civil,


em seu art. 11, indica que os direitos da personalidade são intransmissíveis e
irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Todavia, Venosa (2012, p. 176-177) apresenta outras características, pela


circunstância de estarem intimamente ligados à pessoa humana:

a) São inatos ou originários porque se adquirem ao nascer,


independendo de qualquer vontade;
b) São vitalícios, perenes ou perpétuos, porque perduram por
toda a vida. Alguns se refletem até mesmo após a morte
da pessoa. Pela mesma razão são imprescritíveis porque
perduram enquanto perdurar a personalidade, isto é, a vida
humana. Na verdade, transcendem a própria vida, pois são
protegidos também após o falecimento;
c) São inalienáveis, ou, mais propriamente, relativamente
indisponíveis, porque, em princípio, estão fora do comércio
e não possuem valor econômico imediato. Esta expressão
também abarca a característica da irrenunciabilidade que
traduz a ideia de que os direitos personalíssimos não
podem ser abdicados. Ninguém deve dispor de sua vida,
da sua intimidade, da sua imagem, por razões de ordem
pública que impõem o reconhecimento dessa característica.
Abrange igualmente a intransmissibilidade, em que não se
admite a cessão do direito de um sujeito para outro;
d) São absolutos, no sentido de que podem ser opostos erga
omnes. Os direitos da personalidade são, portanto, direitos
subjetivos de natureza privada. Irradiam efeitos em todos
os campos, impondo à coletividade o dever de respeitá-los.

Assim, ninguém pode, por ato voluntário, dispor da sua privacidade, renunciar
à liberdade, ceder seu nome de registro para utilização por outrem, renunciar ao
direito de pedir alimentos no campo de família.

Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 144) incluem ainda as seguintes


características:

Gerais – a noção de generalidade significa que os direitos


da personalidade são outorgados a todas as pessoas,
simplesmente pelo fato de existirem;

37
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Extrapatrimoniais – uma das características mais evidentes


dos direitos puros da personalidade é a ausência de um
conteúdo patrimonial direto, aferível objetivamente, ainda que
sua lesão gere efeitos econômicos.

Venosa (2012, p. 178) esclarece que:

Na busca de audiência e sensacionalismo, já vimos exemplos


de programas televisivos nos quais autorizam que seu
comportamento seja monitorado e divulgado permanentemente;
que sua liberdade seja cerceada e sua integridade física seja
colocada em situação de extremo limite de resistência, etc.
Ora, não resta dúvida de que, nesses casos, os envolvidos
renunciam negocialmente a direitos em tese irrenunciáveis.
A situação retratada é meramente contratual, nada tendo
a ver com cessão de direitos da personalidade, tal como é
conceituado. Cuida-se de uma representação cênica, teatral
ou artística, nada mais que isso.

O rol acima indicado das características é meramente exemplificativo, pois


o Direito está sempre em movimento e o exercício da personalidade igualmente.
Assim, podem surgir outras características que a doutrina e até mesmo os novos
contornos do Direito possam apresentar.

Proteção dos Direitos da


Personalidade
Reza o Código Civil no art. 12, que “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou
a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de
outras sanções previstas em lei” (BRASIL, 2002).

Para que a ameaça cesse, o lesionado deve ingressar com medida judicial,
inclusive pleiteando medida de tutela antecipada para que se interrompa o ato
lesivo. Podemos classificar esses direitos como:

a) Direito à disposição do próprio corpo

O princípio geral é no sentido de que ninguém pode ser constrangido à


invasão do seu corpo contra sua vontade. Quanto aos atos de disposição do
próprio corpo, há limites morais e éticos que são recepcionados pelo direito –
CC/02, art. 13.

Esclarece Gonçalves (2006) que o direito à integridade física compreende a


proteção jurídica à vida, ao próprio corpo vivo ou morto, quer na sua totalidade,

38
Capítulo 2 DAS PESSOAS

quer em relação a tecidos, órgãos e partes suscetíveis de separação e


individualização, quer ainda ao direito de alguém submeter-se ou não a exame e
tratamento médico.

A proteção jurídica da vida humana e da integridade física tem como


objetivo primordial a preservação desses bens jurídicos, que são protegidos pela
Constituição Federal (art. 1°, III, e 5°, III), pelo Código Civil (arts. 12 a 15, 186
e 948 a 951) e pelo Código Penal, que pune, nos arts. 121 a 128, quatro tipos
de crimes contra a vida (homicídio, induzimento, instigação ou auxílio a suicídio,
infanticídio e aborto), e, no art. 129, o crime de lesões corporais.

A Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, dispõe sobre a remoção de


órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplantes e tratamento.
Lembrando que esse diploma especifica que não estão compreendidos em
seu âmbito, entre os tecidos, o sangue, o esperma e o óvulo, pois são em tese
renováveis no corpo humano.

b) Direito ao nome

O nome representa um direito inerente à pessoa humana, portanto, é um


direito da personalidade. O nome do indivíduo é seu fator de individualização
na sociedade, integrando sua personalidade e indicando, de maneira geral, sua
procedência familiar. Ele se decompõe em duas partes, o patronímico familiar,
que representa uma herança que se transmite de pai para filho, ou é adquirido
por um dos cônjuges pelo casamento, e o prenome, que é atribuído à pessoa por
ocasião da abertura do seu assento de nascimento.

Venosa (2012) ressalta que dentro do meio artístico o nome é um patrimônio,


protegido pela Lei nº 9.610/98, que no art. 12 autoriza que em toda divulgação de
obra literária, artística ou científica, legalmente protegida no país, seja indicado,
ainda que abreviadamente, o nome ou pseudônimo do autor ou autores, salvo
convenção em contrário das partes.

Determina o Código Civil, art. 16, que “Toda pessoa tem direito ao nome, nele
compreendido o prenome e o sobrenome” (BRASIL, 2002).

Como medida de exceção, a legislação prevê algumas hipóteses em que é


possível a alteração do nome, a saber:

39
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

• Vontade do titular

No primeiro ano seguinte ao da maioridade civil, o prenome pode ser alterado,


livremente, por qualquer outro do agrado do interessado, mas o sobrenome deve
ser preservado. Admite-se, porém, o acréscimo de expressões componentes do
sobrenome de antecedentes remotos, como avós, bisavós etc. – art. 56, LRP.

Cabe esclarecer aqui que na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) não
há previsão de justificativa para esta autorização; todavia, o Código de Normas
da Corregedoria do Tribunal de Justiça de Santa Catarina prevê que tal alteração
deva estar justificada.

Nesse sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2006) ressaltam que não é


qualquer melindre ou capricho pessoal que autoriza a modificação desse sinal tão
importante do ser humano. Veja:

– Decisão judicial que reconheça motivo justificável para a alteração


– a exemplo, os casos de pessoas que alteram cirurgicamente o sexo,
devido a distúrbio psíquico ou fisiológico, têm o direito a prenome
compatível com a aparência sexual que passam a ostentar; igualmente
nas questões que venham a expor ao ridículo o indivíduo; casos de
homônimos e que venham a causar danos ao indivíduo.

– Substituição do prenome por apelido notório – admite a lei, também,


quando útil aos interesses das pessoas, a substituição do prenome pelo
apelido notório, ou mesmo o seu acréscimo – Lei nº 6.015/73, art. 58.

– Substituição do prenome de testemunha de crime – para evitar


alguma vingança que o condenado possa vir a praticar contra ela.

– Adição ao nome do sobrenome do cônjuge – a pessoa pode mudar o


nome através do casamento, agregando-lhe o sobrenome do cônjuge –
CC/02, art. 1.565, §1°.

– Adoção – o adotado passa a ter, no nome, o sobrenome do adotante


em substituição ao que ostentava anteriormente – §5◦ do artigo 47 do
Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90.

– Erro de grafia – no caso de erros de grafia, a correção pode ser feita a


qualquer momento – Lei nº 6.015/73, art. 110.

40
Capítulo 2 DAS PESSOAS

– Multiparentalidade – recentemente, o STF se posicionou favorável à


alteração do nome em virtude da multiparentalidade.

c) Direito à imagem

A exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa, o art. 5°, X, da


Constituição Federal, considera um direito inviolável. A reprodução da imagem é
emanação da própria pessoa e somente ela pode autorizá-la. Prevê ainda, o art.
5°, inciso XXVIII, letra “a”, da Constituição Federal, a proteção à transmissão da
palavra abrange a tutela da voz, que é a emanação natural de som da pessoa.

d) Direito à intimidade

O uso do nome, da palavra, da imagem é um direito da personalidade, e


a lei deve buscar um meio de protegê-los, pois lhe cabe proteger tudo que diz
respeito à intimidade das pessoas. A proteção à vida privada visa resguardar o
direito das pessoas de intromissões indevidas em seu lar, em sua família, em sua
correspondência, em sua economia etc.

Lembra Sílvio Rodrigues (2002, p. 74) que “[...] hoje o aparelho fotográfico,
munido de teleobjetiva, pode invadir a intimidade de alguém”.

Na atualidade, além dos aparelhos fotográficos comuns, deve-se despertar


atenção aos aparelhos de drones e sua regulamentação, pois em virtude de seu
alcance, podem invadir espaços urbanos junto aos arranha-céus.

O Código Civil de 2002 apresenta o rol acima de forma exemplificativa, é


importante lembrar que a personalidade é a extensão do sujeito em sociedade
e, portanto, não se deve limitá-lo somente aos preceitos da ordem civil, vai muito
mais além, emana dos preceitos constitucionais.

Da CaPacidade
Adquirida a personalidade jurídica, toda pessoa passa a ser capaz de direitos
e obrigações.

De acordo com Venosa (2012), a capacidade jurídica dá a extensão da


personalidade, pois, à medida que nos aprofundarmos nos conceitos, veremos
que pode haver capacidade relativa a certos atos da vida civil, enquanto a
personalidade é terminologia genérica. Assim, distingue-se a capacidade de
direito ou jurídica, aquela que gera a aptidão para exercer direitos e contrair
obrigações, da capacidade de fato, que é a aptidão “pessoal” para praticar atos
com efeitos jurídicos.
41
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Exemplo: homem maior de 18 anos entre nós, na plenitude de sua


capacidade mental, tem ambas as capacidades, a de direito e a de fato, pode ser
sujeito de direito, podendo praticar pessoalmente atos da vida civil; já o alienado
mental, interditado por decisão judicial, não deixa de ter personalidade, como ser
humano que é, possuindo capacidade jurídica, podendo figurar como sujeito de
direito, porém necessita de que alguém, por ele, exercite a capacidade de fato
que não possui, por lhe faltar o devido discernimento. Seus atos da vida civil são
praticados por curador. As modalidades de capacidade são as seguintes:

a) Capacidade de gozo (ou de direito) – essa espécie de capacidade é


reconhecida a todo o ser humano, sem qualquer distinção. Estende-se aos
privados de discernimento e aos infantes em geral, independentemente
do seu grau de desenvolvimento mental. Ninguém pode dela ser privado
pelo ordenamento jurídico. Ex.: direito a honra; a ser proprietário.

b) Capacidade de exercício (ou de fato) – simples aptidão para exercitar,


por si só, os atos da vida civil, direitos. Pode ser retirada ou restringida
(incapacidade). Exercício de direito pressupõe: consciência e vontade.
Ex.: praticar negócios jurídicos, locação, compra e venda etc.

c) Legitimação – pode haver capacidade de gozo, mas a pessoa pode


estar impedida de praticar determinado ato jurídico em virtude da sua
posição especial em relação a certas pessoas, bens ou interesses. Ex.:
venda de ascendente a descendente – CC, art. 496.

Para melhor esclarecer, os doutrinadores Gagliano e Pamplona Filho (2006,


p. 88) lecionam:

A capacidade de direitos confunde-se, hoje, com a


personalidade, porque toda pessoa é capaz de direitos.
Ninguém pode ser totalmente privado dessa espécie de
capacidade. A capacidade de fato condiciona-se à capacidade
de direito. Não se pode exercer um direito sem ser capaz de
adquiri-lo. Uma não se concebe, portanto, sem a outra. Mas a
recíproca não é verdadeira. Pode-se ter capacidade de direito,
sem capacidade de fato; adquirir o direito e não pode exercê-
lo por si. A impossibilidade do exercício é, tecnicamente,
incapacidade.

Assim, a capacidade civil é o instrumento para que o sujeito possa realizar


seus direitos e obrigações, o que poderá fazê-lo por si só ou por meio de outrem,
conforme iremos discorrer.

42
Capítulo 2 DAS PESSOAS

IncaPacidade
Incapacidade é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, imposta
pela lei somente aos que, excepcionalmente, necessitam de proteção, pois a
capacidade é a regra.

a) Incapacidade absoluta

A incapacidade absoluta acarreta a proibição total do exercício, por si só,


do direito. O ato somente poderá ser praticado pelo representante legal do
absolutamente incapaz. A inobservância dessa regra provoca a nulidade do ato –
CC, art. 166, I.

O art. 3° do CC/02 avença uma hipótese de incapacidade absoluta:


“São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida
civil os menores de 16 (dezesseis) anos” (BRASIL, 2002).

Ressalta Rodrigues (2002, p. 40) que: “[...] se o negócio jurídico é ato de


vontade humana a que a lei empresta consequências, e se a lei despreza a
vontade do absolutamente incapaz, é evidente que este não pode, pessoalmente,
ser a mola criadora de um ato jurídico.

b) Incapacidade relativa

As pessoas mencionadas neste preceito legal já têm razoável discernimento,


não ficam afastadas da atividade jurídica, podendo praticar determinados atos por si
só. Estes, porém, constituem exceções, pois elas devem estar assistidas por seus
representantes para a prática dos atos em geral, sob pena de anulabilidade. Estão
em uma situação intermediária entre a capacidade plena e a incapacidade total.

O art. 4° do CC/02 disciplina as hipóteses de incapacidade relativa,


elencando:

Para os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos o ordenamento


jurídico não mais despreza a sua vontade. Ao contrário, a considera, atribuindo
ao ato praticado pelo relativamente incapaz todos os efeitos jurídicos, desde que
esteja assistido por seu representante.

43
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Ressalva o CC, art. 180, que o menor entre dezesseis e dezoito anos não pode,
para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou
quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira


de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não
puderem exprimir sua vontade;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada
por legislação especial.

Ébrios habituais, viciados em tóxicos – valendo-se de subsídios recentes da


ciência médico-psiquiátrica, incluiu os ébrios habituais, os toxicômanos no rol dos
relativamente incapazes.

Pródigos – pródigo é o indivíduo que dissipa o seu patrimônio desvairadamente.


Trata-se de um desvio da personalidade, comumente ligado à prática do jogo ou
compulsão, e não, propriamente, de um estado de alienação mental.

“Tal hipótese tem origem no Direito Romano, que considerando o patrimônio


individual uma copropriedade da família, capitulava como prejudicial ao interesse
do grupo familiar a dilapidação da fortuna” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2006, p. 98).

De um modo geral, há que se destacar que as alterações trazidas pelo


Estatuto da Pessoa com Deficiência deixaram uma lacuna na incapacidade
absoluta, que se preenche por meio do grau da limitação a ser identificada no
sujeito. Assim, qualquer doença mental deverá ser diagnosticada por meio de
laudo médico e o juízo deverá delinear os atos que podem ou não ser praticados
por si só pelo sujeito.

Breve EXPlanação SoBre os


Silvícolas
O Código Civil de 1916 disciplinava a matéria sobre os índios considerando-
os relativamente incapazes.

O atual Código Civil, no parágrafo único do art. 4°, determina que a


capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

44
Capítulo 2 DAS PESSOAS

Assim, determina a Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 - Estatuto


do Índio (BRASIL, 1973) que o indígena, em princípio, é agente absolutamente
incapaz, reputando nulos os atos por ele praticados sem a devida representação.

Art. 9º Qualquer índio poderá requerer ao Juiz competente a


sua liberação do regime tutelar previsto nesta Lei, investindo-
se na plenitude da capacidade civil, desde que preencha os
requisitos seguintes:
I - idade mínima de 21 anos;
II - conhecimento da língua portuguesa;
III - habilitação para o exercício de atividade útil, na comunhão
nacional;
IV - razoável compreensão dos usos e costumes da comunhão
nacional.
Parágrafo único. O Juiz decidirá após instrução sumária,
ouvidos o órgão de assistência ao índio e o Ministério Público,
transcrita a sentença concessiva no registro civil.
Art. 10. Satisfeitos os requisitos do artigo anterior e a pedido
escrito do interessado, o órgão de assistência poderá reconhecer
ao índio, mediante declaração formal, a condição de integrado,
cessando toda restrição à capacidade, desde que, homologado
judicialmente o ato, seja inscrito no registro civil.

Assim, a situação jurídica dos indígenas está retratada em lei própria para
melhor atender as suas necessidades, haja vista a sua situação tutelar.

SuPrimento da IncaPacidade
O suprimento da incapacidade absoluta dá-se através da representação.
Os menores de dezesseis anos são representados por seus pais ou tutores, e os
enfermos ou deficientes mentais, privados de discernimento, além das pessoas
impedidas de manifestar sua vontade, mesmo que por causa transitória, por
seus curadores.

Já o suprimento da incapacidade relativa dá-se por meio da assistência.


Diferentemente dos absolutamente incapazes, nessa hipótese, os relativamente
incapazes praticam os atos jurídicos conjuntamente com o seu assistente.

45
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Cessação da IncaPacidade
Cessa a incapacidade desaparecendo os motivos que a ensejaram. Nos casos
de enfermidade físico-psíquica, cessa quando da sua ausência. Quando a causa é
a menoridade, desaparece pela maioridade e pela emancipação – CC, art. 5°.

a) Emancipação

É a aquisição da capacidade civil antes da idade legal.

Tartuce (2015, p. 140) conceitua emancipação da seguinte forma: “Ato


jurídico que antecipa os efeitos da aquisição da maioridade, e da consequente
capacidade civil plena, para data anterior àquela em que o menor atinge a idade
de 18 anos, para fins civis”.

O Enunciado n. 530, aprovado na VI Jornada de Direito Civil de 2013, prevê


que “A emancipação por si só, não elide a incidência do Estatuto da Criança e do
Adolescente” (BRASIL, 2013).

Assim, é possível a antecipação da capacidade plena, em virtude da


autorização dos representantes legais do menor ou do juiz, ou pela superveniência
de fato a que a lei atribui força para tanto. A emancipação poderá ser:

• Emancipação voluntária – é a concedida pelos pais, se o menor


tiver dezesseis anos completos, mediante instrumento público,
independentemente de homologação judicial – CC, art. 5°, parágrafo
único, I. Nesta hipótese, há que se verificar que o ato foi realizado no
interesse do adolescente, em sendo identificado interesses escusos por
parte dos responsáveis legais poderá ser anulada.

• Emancipação judicial – é aquela concedida pelo juiz, ouvido o tutor, se


o menor contar com dezesseis anos completos – CC, art. 5°, parágrafo
único, I, segunda parte;

• Emancipação legal – decorre de determinados acontecimentos a que a


lei atribui esse efeito, quais sejam:

– Casamento – casamento válido produz o efeito de emancipar o menor


– CC, art. 5°, parágrafo único, II. A idade mínima para o casamento
do homem e da mulher é dezesseis anos, com autorização dos
representantes legais – CC, art. 1.517. Excepcionalmente será permitido
o casamento de quem não alcançou a idade núbil, mediante suprimento

46
Capítulo 2 DAS PESSOAS

judicial de idade, para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal


ou em caso de gravidez – CC, art. 1520. Aqui cabe destacar que a Lei
nº 11.160/05 revogou os incisos VII e VII do artigo 107 do Código Penal,
que previam a hipótese de casamento para extinção da punibilidade nos
casos de estupro. Ocorre, que referida legislação revogou somente os
artigos do Código Penal, não alterando o artigo 1.520 do Código Civil.
Assim, este artigo não se encontra revogado, mas obsoleto.

– Exercício de emprego público efetivo – se o menor após aprovação


em concurso público é nomeado para cargo ou função efetiva – CC, art.
5°, parágrafo único, III.

– Colação de grau em curso superior – se um menor precoce ou


superdotado chegar à universidade e concluí-la antes do tempo da
generalidade dos jovens de sua geração – CC, art. 5°, parágrafo único, IV.

Na atualidade, estas duas últimas hipóteses se tornaram


obsoletas, haja vista as limitações do MEC e nos editais de concursos.
Assim, excepcionalmente poderá ocorrer que um adolescente de
16 anos completos possa ingressar em atividade pública ou na
universidade.

– Estabelecimento civil ou comercial – se o menor se estabelecer


como explorador de atividade econômica, civil ou comercial – CC, art.
5°, parágrafo único, V. Tal emancipação se condiciona a idade mínima
de dezesseis anos e a obtenção de economia própria, ou seja, ganhos
independem de ato de seus pais. Coelho (2006, p. 169) observa que “[...]
tendo demonstrado aptidão para montar e gerir um negócio, já revela o
menor estar pronto para cuidar diretamente de seus bens e interesses”.

– Relação de emprego – a emancipação do menor empregado está


sujeita às mesmas condições da hipótese do estabelecimento civil ou
comercial. Venosa (2012) ressalta que a simples relação de emprego ou
estabelecimento próprio não será suficiente para o status, pois estaria a
permitir fraudes. Discutível e apurável será no caso concreto a existência
de economia própria, isto é, recursos próprios de sobrevivência e
manutenção. Esse status poderá gerar dúvidas a terceiros e poderá ser
necessária sentença judicial que declare a maioridade do interessado
nesse caso.
47
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Assim, nosso ordenamento civil apresenta as hipóteses em que a incapacidade


civil poderá cessar, gerando a antecipação da capacidade civil, fato este que
desencadeará ao sujeito a realização de todos os atos da vida civil por si só.

Das Pessoas Jurídicas


Retomando nossa conversa sobre as pessoas inseridas no artigo 1º do Código
Civil, a pessoa jurídica é tida como sujeito de direito em nosso ordenamento e,
assim, detentora de personalidade jurídica, conforme veremos. Melo (2015, p. 81)
define como:

São entidades a quem a lei empresta personalidade, isto é,


seres que atuam na vida jurídica, com personalidade própria,
diversa da dos indivíduos que as compõem, capazes de serem
sujeitos de direitos e obrigações na ordem civil.

Para Venosa (2012, p. 229), “As pessoas jurídicas surgem, portanto, ora
como conjunto de pessoas, ora como destinação patrimonial, com aptidão para
adquirir direitos e contrair obrigações”.

Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 182) conceituam pessoa jurídica como


“[...] sendo o grupo humano, criado na forma da lei, e dotado de personalidade
jurídica própria, para a realização de fins comuns”.

Rodrigues (2002) entende que as pessoas jurídicas, portanto, são entidades


a que a lei empresta personalidade, isto é, são seres que atuam na vida jurídica,
com personalidade diversa da dos indivíduos que as compõem, capazes de serem
sujeitos de direitos e obrigações na ordem civil.

Tartuce (2015, p. 231) disserta que “[...] são pessoas coletivas, morais,
fictícias ou abstratas, que são conceituadas como sendo conjuntos de pessoas
ou de bens arrecadados, que adquirem personalidade jurídica própria por uma
ficção legal”.

Assim, a pessoa jurídica se apresenta como o agrupamento de pessoas


naturais ou jurídicas, visando alcançar fins de interesse comum, criações
conceituais destinadas a melhor disciplinar os interesses dos humanos. Exemplos:
associações, sociedades, fundações e outros entes artificiais.

48
Capítulo 2 DAS PESSOAS

NatureZa Jurídica
1ª Teoria – Da ficção

Sustentada por: Savigny, Ihering, Sareilles e Sommiéres.

Características:

• Pessoa jurídica é imaginária, sem qualquer realidade, sem objetividade,


constituindo-se em mera forma especial da apresentação das relações
jurídicas (Ihering). É criação legal, artificial, cuja existência só encontra
explicação como ficção da lei (Savigny) ou da doutrina (Sareilles –
Sommiéres).
• Sujeito de direito – homem.
• Natureza jurídica da pessoa jurídica, sua personalidade não mais
residiria na própria pessoa jurídica, mas nos indivíduos que a compõem
(Ihering).

Críticas:

• Del Vecchio – sendo o Estado pessoa jurídica e considerando que a lei


emana do Estado, seriam os dois (Estado e Direito) ficção?

• Ruggiero – caso se parta da ideia de que somente o homem pode ser


sujeito de direito, nada se lucra com a ficção, pois que o ente continuaria
sempre insuscetível daquele poder e, então, seria fictício igualmente
o direito, constituído sobre as ideias de que o sujeito é uma criação
intelectual sem existência.

• Caio Mário – como resolver possível conflito entre a vontade da pessoa


jurídica e de um de seus membros?

• Clóvis – adotado o conceito de que a personalidade estaria nos


integrantes, a pessoa jurídica poderia ser confundida com qualquer
reunião de um grupo de pessoas.

2ª Teoria – Da equiparação e da propriedade coletiva

Sustentada por: Windscheid, Brinz, Planiol e Barthélemy.

49
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Características:

• Nega qualquer personalidade jurídica como substância.


• Há massas de bens, patrimônios, equiparados às pessoas naturais
(equiparação).
• Ao lado da propriedade individual existe a propriedade coletiva sob
a aparência de uma pessoa civil. O que existe é a massa de bens
possuída por um grupo mais ou menos numeroso, subtraída ao regime
da propriedade individual (propriedade coletiva).

Críticas:

• Del Vecchio – personificação do patrimônio eleva as coisas ou rebaixa


as pessoas até confundir os dois conceitos.

• Caio Mário – não haveria pessoa jurídica sem patrimônio.

3ª Teoria – Da realidade objetiva (orgânica)

Sustentada por: Gierke, Oertmann, Von Tuhr, Beviláqua, Zittelmann, Gény,


Saleilles e Planiol.

Características:

• Cada qual tem ideias próprias, mas como traço comum a ideia de
realidade objetiva do ente coletivo.
• Pessoa não é só pessoa natural. Ao seu lado existem pessoas jurídicas
que têm vida autônoma e vontade própria.
• O direito não cria as pessoas jurídicas, as declara existentes.
• Gierke compara os indivíduos que integram uma pessoa jurídica com os
órgãos que integram o corpo humano, num todo harmonioso.
• Zittelmann personifica a vontade como elemento autônomo e destacado
das pessoas componentes da pessoa jurídica.

Crítica:

• Não se pode conceber a pessoa jurídica como realidade física, já que


sob o ponto de vista físico, da realidade objetiva, a vontade é peculiar ao
ser humano.

50
Capítulo 2 DAS PESSOAS

4ª Teoria – Institucionalista da realidade

Sustentada por: Haurion.

Característica:

• Pessoas jurídicas seriam organizações sociais que, por se destinarem a


preencher finalidades de cunho socialmente útil, são personificadas.

Crítica:

• Não justifica a atribuição de personalidade. Não encontra explicação para


a concessão de personalidade jurídica às sociedades que se organizam
sem a finalidade de prestar um serviço ou preencher um ofício.

5ª Teoria – Da realidade técnica – Realidade jurídica

Sustentado por: Canovas, Torrente, Caio Mário e Washington.

Características:

• Eclítica.
• Pessoa jurídica seria realidade, mas realidade jurídica e não física.
• Do ponto de vista físico, pessoa jurídica é ficção, mas sua personalidade
deriva do direito, sendo, portanto, um conceito jurídico.
• Sua personalidade jurídica não é ficção, mas forma de investidura; é um
atributo que o Estado defere a certos entes.
• Sua vontade é distinta daquela de seus membros.

Observação: considerada hoje a teoria mais aceita.

Pressupostos:

• A vontade humana – a manifestação da vontade humana é


imprescindível, não se pode imaginar, no campo do direito privado,
a formação de uma pessoa jurídica por simples imposição estatal, em
prejuízo da autonomia negocial e da livre iniciativa.

• A observância das condições legais para a sua instituição – a


aquisição de personalidade exige, na forma da legislação em vigor, a
inscrição dos seus atos constitutivos (contrato social ou estatuto).

51
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

• A licitude de seu objeto – a finalidade da pessoa jurídica deve ser lícita,


permitida em lei.

Classificação:

• Quanto às suas funções e capacidade: as pessoas jurídicas são de


direito público interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)
ou externo (ONU, Organizações Internacionais) e de direito privado
(sociedades civis, religiosas, as associações de utilidade pública e as
fundações, as sociedades simples e empresárias – CC/02, art. 44).

• Quanto à sua estrutura: as que têm como elemento subjacente o


homem, ou seja, as que se compõem pela reunião de pessoas, tais como
as associações e as sociedades; as que se constituem em torno de um
patrimônio destinado a um fim, ou seja, as fundações.

• Quanto à sua nacionalidade: nacionais e estrangeiras.

Pessoas Jurídicas de Direito PÚBlico


Venosa (2012, p. 241) define “[...] como sendo o Estado a pessoa jurídica de
direito público interno por excelência; é a nação politicamente organizada.

a) Pessoas jurídicas de direito público interno: União, Estados, Distrito


Federal e Municípios; Territórios – não têm personalidade jurídica antes
de serem transformados em Estado (CF/88, art. 18, §2°); Autarquias –
Decreto-Lei n. 6.016/43, art. 2°, considera autarquia o serviço estatal
descentralizado, com personalidade de direito público, explícita ou
implicitamente reconhecida por lei. Decreto-Lei nº 200/67, art. 5°, I,
considera autarquia o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade
jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da
Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento,
gestão administrativa e financeira descentralizada. Ex.: Município,
Estado e União.

b) Pessoas jurídicas de direito público externo: Estados (Países) –


são as pessoas jurídicas de direito público externo mais importantes.
Como requisitos essenciais devem possuir povo, território, governo;
beligerantes e insurgentes – beligerantes surgem em revoluções de
grande envergadura, nas quais os revoltosos formam tropas regulares
e que possuem, sob seu controle, uma parte do território estatal. Fala-

52
Capítulo 2 DAS PESSOAS

se em insurgentes quando a revolta não atinge a proporção de guerra


civil; Ordem de Malta – entidade filantrópica, com direitos e deveres
na ordem jurídica internacional; Cruz Vermelha Internacional – a
personalidade internacional é do Comitê Internacional, com sede em
Genebra-Suíça; territórios internacionalizados – aqueles nos quais ou
a sua administração é exercida por um grupo de Estados ou por uma
organização internacional; coletividades interestatais – ONU, UNICEF,
OIT, UNESCO, OMS, FMI, OEA, MERCOSUL etc. – a Carta da ONU
entrou em vigor em 24 de outubro de 1945. Seus membros podem ser
originários ou admitidos. É estruturada em seis órgãos, sendo o Conselho
de Segurança o mais importante.

Pessoas Jurídicas de Direito Privado


As pessoas jurídicas de direito privado originam-se da vontade individual,
destinada à realização de interesses e fins privados, em benefício dos próprios
instituidores ou de determinada parcela da coletividade.

Determina o CC/02, art. 44, a classificação das pessoas jurídicas de direito


privado como sendo:

a) Associações – são entidades de direito privado, formadas pela união de


indivíduos com o propósito de realizarem fins não econômicos – CC/02,
art. 53. Costumam atender a diversas finalidades, recreação, lazer e
esporte, educacional, caridade e assistência, dentre outras. Esclarece
Diniz (1999) que se tem a associação quando não há fim lucrativo ou
intenção de dividir o resultado, embora tenha patrimônio, formado
por contribuição de seus membros para a obtenção de fins culturais,
educacionais, esportivos, religiosos, recreativos, morais etc.

b) Sociedades – é uma espécie de corporação, dotada de personalidade


jurídica própria, e instituída por meio de um contrato social, com o
precípuo escopo de exercer atividade econômica e partilhar lucros.
Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 212) mencionam que o conceito
de sociedade é “[...] se duas ou mais pessoas põem em comum sua
atividade ou seus recursos com o objetivo de partilhar o proveito
resultante do empreendimento [...]”.

53
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Classificação das sociedades:

• Sociedades simples.
• Sociedades empresárias – CC/02, art. 966.
• Fundações – resultam não da união de indivíduos, mas da afetação
de um patrimônio, por testamento ou escritura pública, que faz o seu
instituidor, especificando o fim para o qual se destina – CC/02, art. 62 e
parágrafo único. Lembra Rodrigues (2002) que para haver modificações
dos estatutos das fundações a lei exige três condições: deliberação da
maioria dos administradores e representantes da fundação; respeito à
sua finalidade original; aprovação da autoridade competente.

c) Organizações religiosas – todas as entidades de direito privado,


formadas pela união de indivíduos com o propósito de culto a
determinada força ou forças sobrenaturais, por meio de doutrina e ritual
próprios, envolvendo, em geral, preceitos éticos.

d) Partidos políticos – entidades integradas por pessoas com ideias


comuns, tendo por finalidade conquistar o poder para a consecução de
um programa. Necessitam de aprovação do TSE. Assentem Gagliano
e Pamplona Filho (2006, p. 224) que “São associações civis, que visam
assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do
sistema representativo e defender os direitos fundamentais definidos na
Constituição Federal.

No que se refere à inclusão das organizações religiosas e partidos políticos


no CC, art. 44, incisos IV e V, manifesta-se Venosa (2012, p. 278-279) dizendo
que “Cada um fará seu próprio julgamento sobre a oportunidade e a conveniência
dessa nova disposição, a qual, certamente, não aponta para os novos rumos do
atual direito social. É conveniente que o tema seja rediscutido”.

Personalidade Jurídica
A exigência legal considera indispensável o registro para a aquisição de sua
personalidade jurídica – CC/02, art. 45.

Devemos lembrar que o registro da pessoa jurídica tem natureza constitutiva,


por ser atributivo de sua personalidade, diferente do registro civil de nascimento de
pessoa natural, eminentemente declaratório da condição de pessoa, já adquirida
no instante do nascimento com vida.

54
Capítulo 2 DAS PESSOAS

Lembre! Começa a existência legal da pessoa jurídica com a inscrição de


seus atos constitutivos no registro competente, onde estão registrados quem as
representa ativa e passivamente.

A falta do registro implica o reconhecimento somente da chamada sociedade


irregular ou de fato, desprovida de personalidade jurídica, mas com capacidade
para se obrigar perante terceiros.

Para melhor esclarecer a referida situação, Gagliano e Pamplona Filho


(2006, p. 191) lecionam:

[...] compreensão do tratamento que a lei dispensa à sociedade


irregular somente pode decorrer daquele princípio, segundo o
qual a aquisição de direitos é consequência da observância
da norma, enquanto que a imposição de deveres (princípio da
responsabilidade) existe sempre.

A doutrina mais aceita entende que a personalidade jurídica surge a partir


do arquivamento dos atos constitutivos no órgão de registro das empresas
mercantis (Juntas Comerciais). Daí a sociedade em comum (irregular ou de fato)
não ter personalidade jurídica, do que decorre não ter titularidade negocial nem
responsabilidade patrimonial, acarretando que seus sócios respondem de forma
direta com seus próprios bens pelas obrigações assumidas em nome do negócio
(NETO, 2005).

Negrão (2003, p. 232) ressalta que a concessão de personalidade jurídica,


tendo em vista seus efeitos, leva, muitas vezes, a determinados abusos por parte
de seus sócios, atingindo direitos de credores e de terceiros. Nesse caso, vem se
admitindo a superação da personalidade jurídica com o fim exclusivo de atingir o
patrimônio dos sócios envolvidos na administração da sociedade.

Atividade de Estudos:

1) Depois de toda a exposição sobre pessoa jurídica, considerada


entidade que a lei empresta personalidade jurídica própria, ou
seja, diferente das pessoas que a compõem, capaz de ser sujeito
de direitos e obrigações na ordem civil, você consegue sintetizar
esse conceito e citar alguns exemplos?
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55
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Desconsideração da Personalidade
Jurídica
Cumpre frisar que a personalidade de uma pessoa jurídica não se confunde
com a pessoa de seus sócios, sejam pessoas naturais ou jurídicas.

Em princípio, as responsabilidades das pessoas jurídicas não podem ser


cobradas de seus sócios porque têm responsabilidades distintas.

Entretanto, quando houver abuso e desvio de finalidade nas relações, embora


praticadas em nome da pessoa jurídica, poderão os sócios ser responsabilizados.

Nasceu nos EUA a teoria da desconsideração da personalidade jurídica,


justamente para evitar que as pessoas jurídicas fossem utilizadas com a
finalidade de práticas ilícitas, tais como fraudes, abuso de direito, lesão ao fisco
ou consumidores. De acordo com essa teoria, o juiz pode determinar, em casos
de fraude ou má-fé, que seja desconsiderada a personalidade jurídica, atingindo
os bens de seus sócios para satisfação de dívidas assumidas pela sociedade
(MELO, 2015).

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) foi o primeiro diploma


legal brasileiro a recepcionar esse instituto, depois a Lei nº 9.605/98, que trata das
atividades lesivas ao meio ambiente.

O instituto tinha previsão na lei material, mas faltava regulação na esfera


processual, de modo que a jurisprudência acabou dando a forma.

Theodoro Júnior (2015, p. 397-398) destaca:

Entendiam os tribunais que ela poderia ocorrer incidentalmente


nos próprios autos da execução, sem necessidade de
ajuizamento de ação própria. Demonstrando o credor estarem
presentes os requisitos legais, o juiz deveria levantar o réu da
personalidade jurídica para que o ato de expropriação atingisse
os bens particulares de seus sócios, de forma a impedir a
concretização de fraude à lei ou contra terceiros. Somente
após a desconsideração, os sócios eram chamados a integrar
a lide e interpor os recursos cabíveis. O contraditório e a ampla
defesa, destarte, eram realizados a posteriori, mas de maneira
insatisfatória, já que, em grau de recurso, obviamente não há
como exercer plenamente a defesa assegurada pelo devido
processo legal.

56
Capítulo 2 DAS PESSOAS

O NCPC tratou da matéria, suprindo a lacuna processual, em seus artigos


133 a 137, traçando o procedimento a ser adotado, observando a garantia ao
contraditório e a ampla defesa.

O § 2º do art. 133, do CPC/2015, por sua vez, trata da desconsideração


inversa da personalidade jurídica, o que já era admitido pelo STJ, mas não era
prevista no CC/2002. Nela, atinge-se “[...] o ente coletivo e seu patrimônio social,
de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador”
(THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 398).

O incidente deverá ser julgado pelo juiz logo após a defesa ou depois de
realizada a instrução, se necessária, por meio de decisão interlocutória, contra a
qual caberá recurso de agravo de instrumento (arts. 136, caput e 1.015, IV, CPC).
Se o incidente for resolvido em sede recursal, pelo relator, a decisão será atacável
por meio de recurso de agravo interno (art. 136, § 1º, CPC).

a) Efeitos

É imputar aos sócios ou administradores da empresa a responsabilidade


pelos atos fraudulentos praticados em prejuízo de terceiros, assegurando a
indenização pelos bens da pessoa jurídica e do patrimônio pessoal dos sócios ou
administradores envolvidos.

Quiza (2005, p. 59) destaca que a teoria da desconsideração da personalidade


jurídica “[...] tem aplicação quando se percebe que houve um desvio na finalidade
da pessoa jurídica, e isso porque só lhe foi atribuída a personalidade como forma
a viabilizar seu funcionamento, não podendo prevalecer em face de condutas
abusivas”.

Neto (2005) exemplifica as situações mais comuns nas hipóteses de


desconsideração da personalidade como sendo no caso em que os sócios se
utilizem de forma indevida a separação patrimonial para fraudar credores. Poderá
ocorrer o afastamento momentâneo da personalidade jurídica da sociedade, para
destacar ou alcançar diretamente a pessoa do sócio, como se a sociedade não
existisse, a um ato concreto e específico.

Gagliano e Pamplona Filho (2006) concluem que, em linhas gerais, a


doutrina da desconsideração pretende a superação na situação determinada da
personalidade jurídica da sociedade, em caso de fraude, abuso, ou simples desvio
de função, objetivando a satisfação do terceiro lesado junto ao patrimônio dos
próprios sócios, que passam a ter responsabilidade pessoal pelo ilícito causado.

57
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de


finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da
parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os
efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos
bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

b) Características

• Desvio de função – desvirtua-se o objetivo social, para se perseguirem


fins não previstos contratualmente ou proibidos por lei.

• Confusão patrimonial – atuação do sócio ou administrador confundindo


com o funcionamento da própria sociedade, utilizando-se como
verdadeiro escudo, não se podendo identificar a separação patrimonial
entre ambos.

De acordo com o Enunciado nº 7 do Conselho da Justiça Federal,


aprovado na I Jornada de Direito Civil: “[...] só se aplica a desconsideração da
personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente,
aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido” (BRASIL, 2012).

Nos casos em que houver relação de consumo, estas duas hipóteses


aumentam, conforme o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 28:

O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da


sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso
de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito
ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração
também será efetivada quando houver falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocada por má administração (BRASIL, 1990).

Portanto, a decisão que descortinar o véu da personalidade jurídica


para alcançar o patrimônio pessoal dos sócios ou administradores deve ser
fundamentada, descrevendo quais os requisitos de lei violados pela sociedade
empresária que justifiquem tal medida.

58
Capítulo 2 DAS PESSOAS

CaPacidade e RePresentação da
Pessoa Jurídica
Com o registro de seu contrato constitutivo, a pessoa jurídica adquire
personalidade, ou seja, capacidade para contrair direitos e obrigações.

Esclarece Venosa (2012) que a capacidade para a pessoa natural é plena,


a capacidade da pessoa jurídica é limitada à finalidade para a qual foi criada,
abrangendo também aqueles atos que direta ou indiretamente servem ao
propósito de sua existência e finalidade.

Para Rodrigues (2002), particularmente a pessoa jurídica só pode ser titular


daqueles direitos compatíveis com a sua condição de pessoa fictícia, ou seja, os
patrimoniais. Não se lhe admitem os direitos personalíssimos.

No entanto, determina o CC/02, art. 52: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no


que couber, a proteção dos direitos da personalidade” (BRASIL, 2002).

Assim, Venosa (2012) salienta que a pessoa jurídica tem sua esfera de
atuação, não se limitando sua atividade tão somente à esfera patrimonial. Ao
ganhar vida, a pessoa jurídica recebe denominação, domicílio e nacionalidade,
todos os atributos da personalidade.

Entretanto, lembramos que devido à sua natureza, a pessoa jurídica não


pode inserir-se nos direitos de família e em outros direitos específicos da pessoa
natural, como ser humano.

No que se refere à representação judicial da pessoa jurídica, determina o


NCPC, art. 75, as respectivas pessoas capazes de representá-la, demonstrando
a vontade humana que opera na pessoa jurídica, condicionada a suas finalidades.

A necessidade de um representante da pessoa jurídica decorre da própria


natureza da pessoa jurídica, mas existe uma tendência em se substituir a
expressão “representante” por “órgão”, na medida em que inexiste um mandante
e um mandatário, mas apenas uma vontade única, da pessoa jurídica.

59
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

ResPonsaBilidade das Pessoas


Jurídicas
A pessoa jurídica é responsável na órbita civil, contratual e extracontratual,
sendo para esse fim equiparada a pessoa natural.

Se a obrigação se fundar num contrato, tem-se culpa contratual; se originária


de violação de preceito legal de direito, que manda respeitar a pessoa e os bens
alheios, a culpa é extracontratual (CC/02, arts. 186 e 927).

Toda pessoa jurídica de direito privado, tenha ou não fins lucrativos, responde
pelos danos causados a terceiros, qualquer que seja a sua natureza e os seus
fins. Responde a pessoa jurídica civilmente pelos atos de seus dirigentes ou
administradores, bem como seus empregados ou prepostos que, nessa qualidade,
causem dano a outrem.

No entanto, entende Rodrigues (2002) que a responsabilidade das pessoas


jurídicas por atos de seus administradores, quer se trate de sociedades, quer
de associações, só emerge se o autor da ação demonstrar a culpa da pessoa
jurídica, quer in vigilando, quer in eligendo.

A culpa in vigilando ou in eligendo, significa que se deverá demonstrar que


a pessoa jurídica não foi vigilante nas práticas de seu agente, e no caso da
segunda, a pessoa jurídica assumiu a culpa devido ter escolhido aquele agente na
contratação ou no desempenho das atividades exercidas pelo seu administrador.

Trata-se aqui de falar da responsabilidade objetiva e subjetiva, sendo


a primeira a que trata de obrigação de reparar o dano independentemente de
culpa, sendo que na segunda deve haver o nexo de causalidade entre o dano
indenizável e o ato ilícito praticado pelo agente.

A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público se apresenta


através de três correntes, conforme Diniz (1999, p. 277):

a) Culpa administrativa – a qual o Estado só pode ser


responsabilizado se houver culpa do agente, preposto ou
funcionário, de maneira que o prejudicado terá de provar o
ilícito do agente público para que o Estado responda pelos
prejuízos;
b) Acidente administrativo – nessa teoria não cabe indagar
se houve culpa do funcionário, mas apurar se houve falha
no serviço. Se o prejuízo adveio de um fato material, do
funcionamento passivo do serviço público, embora sem
culpa pessoal, de um mero acidente administrativo ou de uma

60
Capítulo 2 DAS PESSOAS

irregularidade de apuração objetiva é o bastante para que


tenha lugar a indenização. Haveria uma responsabilidade
subjetiva fundada na culpa administrativa, caracterizada
pela falta do serviço público, por seu mal funcionamento,
não funcionamento ou tardio funcionamento;
c) Risco integral – no qual cabe indenização estatal de
todos os danos causados, por comportamentos comissivos
dos funcionários, a direitos de particulares. Trata-se
da responsabilidade objetiva do Estado, bastando a
comprovação da existência do prejuízo.

Como se pode perceber, assim como há a responsabilização da pessoa


natural por seus atos que provoquem danos a outrem, a pessoa jurídica não
estará isenta de responsabilidade. Para tanto, há que se analisar criteriosamente
a relação estabelecida entre os envolvidos.

TransFormação e EXtinção da Pessoa


Jurídica
Determina o CC/02, art. 1.113, a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer
mudanças, sem que haja sua extinção.

• Transformação – é a operação pela qual a sociedade de determinada


espécie passa a pertencer a outra, sem que haja sua dissolução ou
liquidação mediante alteração em seu estatuto social – CC/02, art. 1.113.

• Fusão – é a operação pela qual se cria, juridicamente, uma nova


sociedade para substituir aquelas que vieram a fundir-se e a
desaparecer, sucedendo-as, por haver união dos patrimônios, nos
direitos, responsabilidades e deveres, sob denominação diversa, com a
mesma ou com diferente finalidade e organização – CC/02, art. 1.119.

• Cisão – é a separação de sociedades, ou seja, a operação pela qual


uma sociedade transfere parcelas de seu patrimônio para uma ou mais
sociedades constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se
a sociedade cindida, se houver total transferência de seu patrimônio, ou
divide-se o seu capital, se parcial a transferência.

• Incorporação – é a operação pela qual uma sociedade vem a absorver


uma ou mais com a aprovação dos sócios das mesmas, sucedendo-as
em todos os direitos e obrigações e agregando seus patrimônios aos
direitos e deveres, sem que com isso venha a surgir uma nova sociedade
– CC/02, art. 1.116.

61
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

A dissolução, segundo classificação doutrinária, pode ser:

• Convencional – é aquela deliberada entre os próprios sócios, respeitado


o estatuto ou o contrato social.

• Administrativa – resulta da cassação da autorização de funcionamento,


exigida para determinadas sociedades se constituírem e funcionarem.

• Judicial – observada uma das hipóteses de dissolução previstas em lei


ou no estatuto, o juiz, por iniciativa de qualquer dos sócios, poderá, por
sentença, determinar sua extinção – CC/02, art. 1034.

No caso de figurar qualquer causa de extinção prevista em norma jurídica


ou nos estatutos e, apesar disso, a sociedade continuar funcionando, o juiz, por
iniciativa de qualquer dos sócios, decreta esse fim.

Quando a sentença concluir pela impossibilidade da sobrevivência da pessoa


jurídica, estabelecendo seu término em razão de suas atividades nocivas, ilícitas
ou imorais, mediante denúncia popular ou do Órgão do Ministério Público.

Domicílio
O sujeito em sociedade realiza diversos atos e negócios jurídicos. Para
tanto, sua localização tem especial importância em nosso ordenamento, seja
para determinar qual lei aplicável a cada situação, seja para definir o lugar aonde
se devem celebrar negócios e atos da pessoa ou aonde deva exercer direitos –
propor ação judicial ou responder pelas obrigações.

Venosa (2012, p. 215) disserta que ao Estado “[...] é conveniente que o


indivíduo se fixe em determinado ponto do território para poder ser encontrado
para uma fiscalização no tocante às suas obrigações fiscais, militares e policiais”.

No âmbito do direito processual civil, a noção de domicílio é fundamental,


pois “[...] é a presunção legal de onde a pessoa se encontra presente, sem essa
presunção seria fácil para as pessoas furtarem-se a responder a um processo
judicial” (VENOSA, 2012, p. 215).

A título de ilustração sobre a importância da fixação do domicílio para o


processo civil, cite-se o art. 46 do NCPC:

62
Capítulo 2 DAS PESSOAS

Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito


real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de
domicílio do réu.
§ 1o Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro
de qualquer deles.
§ 2o Sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, ele
poderá ser demandado onde for encontrado ou no foro de
domicílio do autor.
§ 3o Quando o réu não tiver domicílio ou residência no Brasil,
a ação será proposta no foro de domicílio do autor, e, se
este também residir fora do Brasil, a ação será proposta em
qualquer foro.
§ 4o Havendo 2 (dois) ou mais réus com diferentes domicílios,
serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do
autor.
§ 5o A execução fiscal será proposta no foro de domicílio do
réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado
(BRASIL, 2015).

Percebe-se a importância da definição do domicílio para se exigir o


cumprimento de certas obrigações e para se estabelecer o foro competente para
julgar determinadas situações.

No âmbito civil, afora outras situações, a importância do domicílio é enfatizada


principalmente por ser o lugar onde, normalmente, o devedor deve exercer seus
direitos e cumprir suas obrigações.

É de grande importância que se faça a distinção entre expressões que são


conceitualmente assemelhadas ao instituto domicílio para que não haja confusão
quanto ao local em que o sujeito se fixe para determinação legal.

Distinção Entre Domicílio, Residência


e Moradia
Para uma melhor compreensão do tema faz-se necessária a distinção entre
os termos afins, domicílio, residência e moradia.

Para Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 244), a morada “[...] é o lugar onde
a pessoa natural se estabelece provisoriamente. Lembrando que sua importância
é mínima e subalterna, não produzindo em regra qualquer efeito”. Exemplo:
Estudante que vai para país estrangeiro por seis meses, e lá tem sua morada ou
estadia, podendo também se utilizar a expressão habitação.

Esclarece Venosa (2012, p. 211) que a “[...] moradia pode ser entendida
como o local onde uma pessoa habita atualmente ou simplesmente permanece”.

63
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Assim, a moradia é uma relação passageira e de vínculo tênue de ordem material.


Não podemos falar de duas moradias, uma vez que o conceito exige a presença,
e não existe a presença da mesma pessoa em mais de um local.

Já a residência pressupõe maior estabilidade. “É o lugar onde a pessoa


natural se estabelece habitualmente. Assim, o sujeito que mora e permanece
habitualmente em uma cidade, local onde costumeiramente é encontrado, tem, aí,
a sua residência”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p. 244).

Melo (2015, p. 94) contribui dizendo que residência “[...] é um dos elementos
que compõem o conceito de domicílio, já que representa um estado de fato, onde
a pessoa se instala com a sua família”. Assim, na residência há um sentido maior
de permanência, mesmo que a pessoa se ausente do local temporariamente.

Vamos então verificar o significado jurídico de domicílio?

Para Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 243) “É o lugar onde estabelece


residência com ânimo definitivo, convertendo-o, em regra, em centro principal de
seus negócios jurídicos ou de sua atividade profissional”.

A categoria domicílio tem uma definição legal, pois o Código Civil de 2002,
em seu artigo 70, determina: “O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela
estabelece a sua residência com ânimo definitivo” (BRASIL, 2002).

A própria legislação vai além da regra geral quando determina, no artigo 72


do Código Civil, que: “É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações
concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida” (BRASIL, 2002).

Tendo um conceito legal bem delineado, à doutrina só cabe destacar a


importância desse instituto, pois vivendo em sociedade, mantendo relações
jurídicas com outros homens, é necessário que haja a fixação do lugar aonde
possa ser oficialmente encontrado, para responder pelas obrigações que assumiu.
“Todos os sujeitos de direito devem ter, por livre escolha ou por determinação
da lei, um lugar certo, no espaço, de onde irradiem sua atividade jurídica”
(RODRIGUES, 2002, p. 103).

Nesse sentido, Venosa (2012, p. 209) destaca:

A pessoa precisa ter um local onde possa ser costumeiramente


encontrada para a própria garantia da estabilidade das relações
jurídicas. Quem, por exceção, não tem domicílio certo terá
sua vida jurídica e familiar incerta, pois são as raízes do local
onde o homem planta sua personalidade que fazem florescer
sua vida no campo sociológico, profissional, moral, familiar e
jurídico.

64
Capítulo 2 DAS PESSOAS

O conceito de domicílio abrange tanto a moradia, como também a residência,


pois é o lugar onde a pessoa se estabelece com ânimo definitivo, convertendo-o,
em regra, em centro principal dos seus negócios jurídicos ou de sua atividade
profissional. O domicílio é composto de dois elementos:

• Objetivo – ato de fixar-se em determinado local.


• Subjetivo – ânimo definitivo de permanência.

Em regra, o art. 70 delimita os contornos do domicílio na ordem civil; todavia,


como a vida em sociedade não é estanque, tampouco o ser humano é estático,
a legislação também apresentou uma solução prática para os casos em que o
sujeito tenha mais de uma residência.

PrincíPio da Pluralidade de
Domicílio
Há a possibilidade de uma pessoa possuir mais de uma residência e mais de
um domicílio.

Nesse sentido, o Código Civil de 2002, em seu artigo 71, prevê que: “Se,
porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva,
considerar-se-á domicílio seu qualquer delas” (BRASIL, 2002).

Para Venosa (2012, p. 214), como se admite a pluralidade, “[...] a lei aceita
que a pessoa não tenha um ponto central de atividade, nem residência habitual
em parte alguma, como os vagabundos e ambulantes que não se fixam em
nenhum lugar”.

A legislação civil aumenta seu alcance com o artigo 73 do CC/2002: “Ter-se-á


por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde
for encontrada” (BRASIL, 2002).

O artigo referido anteriormente abraça também a teoria do domicílio


aparente, pois neste caso tem-se que há aparência de domicílio. Exemplo:
andarilhos, ciganos, profissionais do circo, nômades etc.

65
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Para maior compreensão do assunto, recomenda-se a leitura do


art. 46, § 2º, do CPC.

No caso de mudança do domicílio, deve estar demonstrada a intenção, o


animus de alterá-lo, sendo que a prova da intenção resulta do que declarar a
pessoa às municipalidades do lugar que deixa, e para onde vai, ou se tais
declarações não fizerem da própria mudança, com as circunstâncias que a
determinaram.

Conforme prevê o Código Civil de 2002, em seu art. 74: “Muda-se o domicílio,
transferindo a residência, com a intenção manifesta de o mudar” (BRASIL, 2002).

Lembrando, ainda, que tal mudança deve seguir critérios, conforme delimita
o parágrafo único, do art. 74: “A prova da intenção resultará do que declarar a
pessoa às municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se
tais declarações não fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a
acompanharem” (BRASIL, 2002).

Esclarece Venosa (2012, p. 215) que “[...] raramente a pessoa fará declarações
às autoridades municipais, mas, por exemplo, se o indivíduo for contribuinte de
impostos municipais, poderá requerer sua inscrição em determinado município e
seu cancelamento em outro, o que caracteriza a intenção de mudar”.

EsPÉcies de Domicílio
Pode-se proceder à classificação do domicílio pelo modo de seu
estabelecimento:

• Domicílio voluntário – é o estabelecido livremente pelo indivíduo sem


sofrer outra influência que não de sua vontade ou conveniência.

• Domicílio legal – é aquele que a lei impõe a determinadas pessoas, que


se encontram em determinadas circunstâncias.

Exemplifica Rodrigues (2002, p. 108) que no caso do domicílio legal “[...]


podemos identificar a situação dos incapazes, que lhes é imposto o domicílio

66
Capítulo 2 DAS PESSOAS

de seus representantes, pois a lei não lhes permite, ainda que relativamente
incapazes, a escolha de um domicílio”.

Outro exemplo são os funcionários públicos, os militares, o marítimo e o


preso – CC/02, art. 76.

• Domicílio de eleição – é o avençado entre partes contratantes – CC/02,


art. 78.

A noção de domicílio político não pertence ao Direito Civil. “É o lugar onde a


pessoa como cidadão exerce seus direitos decorrentes da cidadania, de votar e
ser votado. Não existe propriamente dependência entre ele e o domicílio civil, mas
normalmente o domicílio político deve corresponder ao civil” (VENOSA, 2012, p. 217).

Para melhor abarcar todas as situações que ensejam atenção ao âmbito


jurídico quanto ao domicílio, compete a leitura do artigo 77 do Código Civil de 2002,
onde delimita o domicílio do agente diplomático, haja vista sua situação sui generis.

Os estudos sobre o domicílio ultrapassam os interesses do direito material,


pois a localização do sujeito em sociedade é o primeiro passo para formar a
relação processual quando de uma demanda.

O consagrado processualista Theodoro Júnior (2015, p. 206) afirma que


“[...] foro é o local onde o juiz exerce as suas funções”. Portanto, quando se quer
apurar em qual comarca determinada demanda deve ser proposta, se está em
busca do foro competente.

FiXação do Foro ComPetente


Ultrapassada a fase da autotutela em que as pessoas resolviam por si
próprias seus conflitos, baseadas na força e na astúcia, surgiu o Estado forte e
soberano, que passou a resolver as contendas – o que chamamos de jurisdição.
Para executar esse braço do Estado, surgiu o Poder Judiciário. Até por uma
questão organizacional, foram criados critérios para distribuir entre os vários
órgãos judiciários as atribuições da jurisdição.

a) Regra geral:

• Ações sobre direito real de bens móveis ou sobre direito pessoal –


domicílio do réu – CPC, art. 46, caput.

67
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

• Mais de um domicílio – réu é demandado em qualquer deles – CPC, art.


46, §1°.

• Domicílio incerto – onde for encontrado/domicílio do autor – CPC, art. 46,


§2°.

• Réu sem residência no Brasil – foro do autor ou qualquer foro se este


residir fora do país – CPC, art. 46, §3°.

b) Regra especial:

• Inventário – de cujus sem domicílio certo (foro da situação dos bens); de


cujus sem domicílio certo com bens em lugares diferentes (foro do local
do óbito) – CPC, art. 48, parágrafo único, I.

• Divórcio – guardião dos filhos incapazes – CPC, art. 53, I, “a”.

• Alimentos – foro do alimentando – CPC, art. 53, II.

• Reparação de dano – domicílio do autor ou local do fato – CPC, art. 53, V.

Conforme apontado anteriormente, verifica-se que a definição do domicílio


é de suma importância para a constituição da relação processual, ou seja, onde
o sujeito estiver para tomar ciência da demanda judicial ajuizada contra ele é o
primeiro passo para formar a relação processual.

Domicílio da Pessoa Jurídica


O domicílio civil da pessoa jurídica de direito privado é a sua sede, indicada
em seu estatuto, contrato social ou ato constitutivo equivalente.

Esclarece Diniz (2007, p. 284) que as pessoas jurídicas também têm seu
domicílio, que é sua sede jurídica, “[...] onde os credores podem demandar
o cumprimento das obrigações. Como não têm residência, é o local de suas
atividades habituais, de seu governo, administração ou direção, ou, ainda, o
determinado no ato constitutivo”.

68
Capítulo 2 DAS PESSOAS

Conforme já mencionado, o endereço deve estar previsto no ato constitutivo


da pessoa jurídica de direito privado, mas em caso de irregularidade do registro,
será considerado como domicílio o lugar em que costuma funcionar o seu órgão
de representação (diretoria ou administração) (COELHO, 2016). Determina o
Código Civil que:

Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas o domicílio é:


[...]
IV – das demais pessoas jurídicas, o lugar onde
funcionarem as respectivas diretorias e administrações,
ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou
atos constitutivos.
§1°. Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos
em lugares diferentes, cada um deles será considerado
domicílio para os atos nele praticados (BRASIL, 2002).

Aqui se recomenda a leitura do CPC, art. 21, I, parágrafo único.

No caso da pessoa jurídica de direito público, segue-se a regra estabelecida


no artigo 75, I, II e III, que determinam:

Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:


I - da União, o Distrito Federal;
II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
III - do Município, o lugar onde funcione a administração
municipal; (BRASIL, 2002).

Complementando este tópico, deve-se ler o CPC, em seu


artigo 51 e a Constituição Federal de 1988, artigo 109.

69
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Ressalta Rodrigues (2002, p. 112) que na situação do domicílio da pessoa


jurídica estrangeira, a lei determina que “[...] se haverá por seu domicílio, no
tocante às obrigações contraídas por cada uma de suas agências, o lugar do
estabelecimento no Brasil, a que ela corresponder”.

Há que se considerar que além de um instituto jurídico, o domicílio tem valores


intrínsecos quando tratamos de ser o local de descanso do indivíduo, onde há a
extensão de sua personalidade, por meio da intimidade do sujeito de direito.

Assim, a tutela da inviolabilidade do domicílio tem espaço considerável em


nossa legislação, tanto que na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°,
XI: “A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para
prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Algumas ConsideraçÕes
Conforme estudamos neste capítulo, o Direito Civil, como mola mestra das
relações jurídicas em sociedade, necessita delinear os contornos jurídicos destas
relações. Assim, apresenta quem detém a ação e quem sofre a ação nas relações;
delimita quando este sujeito pode exercer e de que forma exerce seus direitos e
suas obrigações.

Assim, verificou-se a importância da vida e da morte em nosso ordenamento


e seus efeitos para a sociedade, haja vista os contornos dos atos praticados em
sociedade.

Nesse sentido, o direito civil como parte geral apresenta contornos para
várias áreas do Direito, em virtude de seus comandos delimitando quem é a
pessoa capaz de contrair direitos e deveres na ordem civil.

ReFerências
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil. v. 1. São Paulo:
Método, 2005, p. 57.

COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito civil. v. 1. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2006.

COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito civil: parte geral. v. 1. 8. ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

70
Capítulo 2 DAS PESSOAS

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito
civil. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: teoria geral do direito civil. 24. ed.
São Paulo: Saraiva, 2007.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito


civil: parte geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. v. 1. 3. d. São


Paulo: Saraiva, 2006.

MELO, Nehemias Domingos de. Lições de direito civil: teoria geral para
concursos, exame da Ordem e graduação em direito. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2015.

NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 3. ed. São


Paulo: Saraiva, 2003.

NETO, Pedro Benedito Maciel. Manual de direito comercial. 1. ed. Campinas:


Minelli, 2005.

QUIZA, Rosana Garcia. Resumo jurídico de direito comercial. 3. ed. São


Paulo: Quartier Latin, 2005.

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral


do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum.
56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2012.

71
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

72
C APÍTULO 3

Dos Bens

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Conceituar bens, identificando-os dentre as diversas modalidades.

 Distinguir os bens entre si e classificá-los em categorias.

 Apontar as principais características dos bens.

 Relacionar a classificação dos bens com os demais ramos do direito.


TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

74
Capítulo 3 DOS BENS

ConteXtualiZação
A importância desse tema diz respeito à maneira como as pessoas vão se
relacionar com o que pretendem comprar – seja uma casa, um carro, um animal
de estimação. De que forma terá seu direito resguardado? Coisa e bem são
sinônimos? Vamos descobrir juntos a importância dessas particularidades e de
tantas outras decorrentes delas?

Consideração do PatrimÔnio
Como já vimos na introdução sobre o direito civil, o direito privado se constituiu
com base nos pilares da relação do ser humano com o patrimônio. Todavia, essa
perspectiva foi superada com a constitucionalização do direito civil, em que o
indivíduo se torna o centro de interesse do nosso ordenamento jurídico, o que
não significa afirmar que o patrimônio foi ignorado, muito pelo contrário, pois a
propriedade é uma das considerações da dignidade humana. O patrimônio ainda
é importante e tem sua atenção voltada inclusive na perspectiva constitucional,
como se apresenta no caso da função social da propriedade.

O patrimônio de um indivíduo é representado pelo acervo de seus bens,


conversíveis em dinheiro. É definido como “[...] o complexo das relações jurídicas
de uma pessoa que tiverem valor econômico. Assim, o patrimônio de um indivíduo
compreende todo o seu passivo e ativo” (RODRIGUES, 2002, p. 117).

Conclui também Gonçalves (2006), em sentido amplo, que o conjunto de


bens, de qualquer ordem, pertencentes a um titular, constitui o seu patrimônio.
Em sentido estrito, tal expressão abrange apenas as relações jurídicas ativas e
passivas de que a pessoa é titular, aferível economicamente.

Conforme Gagliano e Pamplona Filho (2006), em sentido amplo – bem –


pode consistir em coisas (nas relações reais), em ações humanas (nas relações
obrigacionais) e também em certos atributos da personalidade, como o direito
à imagem, bem como em determinados direitos, como usufruto de crédito, a
cessação de crédito, o poder familiar, a tutela etc.

Para tratar sobre “bens” é necessário ficar atento a algumas observações


que não estão previstas expressamente na lei, mas são depreendidas a partir da
interpretação dela.

75
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Conceito e Características
Bem e coisa são sinônimos?

O Código Civil de 1916 não fazia distinção entre bem e coisa; já o Código Civil
de 2002 faz. A partir deste se compreende que coisa é gênero e bem é espécie.

O doutrinador Rodrigues (2003) explica que coisa é tudo que existe


objetivamente, com exclusão do homem. Bens são coisas que, por serem úteis e
raras, são suscetíveis de aprovação e contêm valor econômico.

Para Venosa (2003, p. 314), “[...] bem é uma utilidade, quer econômica, quer
não econômica”.

Tartuce (2016, p. 282) esclarece da seguinte forma: “[...] coisa é tudo que não
é humano; bem é coisa com interesse econômico e/ou jurídico”.

BEM = COISA + DIREITOS

Diniz (2007, p. 320) ressalta que para que o bem seja objeto de uma relação
jurídica privada, é preciso que ele apresente os seguintes caracteres:

a) Idoneidade para satisfazer um interesse econômico


– exclui-se da noção de bem os elementos morais da
personalidade, inapreciáveis economicamente, como a
vida, a honra, o nome, a liberdade. A defesa, etc.;
b) Gestão econômica autônoma – o bem deve possuir
uma autonomia econômica, constituindo uma entidade
econômica distinta;
c) Subordinação jurídica ao seu titular – é bem jurídico
aquele dotado de uma existência autônoma, capaz de
ser subordinado ao domínio do homem. Assim, o ar, as
estrelas, o Sol, o mar são coisas, mas que estão fora da
seara jurídica, por serem insuscetíveis de apropriação.

É importante conhecer a classificação dos bens para averiguar as normas


aplicáveis à espécie.

76
Capítulo 3 DOS BENS

ClassiFicação dos Bens


Essa classificação não decorre de lei, mas é importante conhecê-la porque
afeta não só o Direito Civil, como nos casos dos contratos a serem estabelecidos,
como também o Direito Penal, porque só os bens móveis podem ser objeto de
furto, como no Direito Tributário para averiguação de qual tributo irá incidir se bem
imóvel: IPTU ou ITR, por exemplo.

a) Quanto à tangibilidade

• Bens corpóreos, materiais ou tangíveis: são os que têm corpo, que


podem ser tocados. Ex.: um carro. Registre-se que estes bens são
passíveis de contrato de compra e venda.

• Bens incorpóreos, imateriais ou intangíveis: sua existência é abstrata,


o homem não consegue tocá-los, ou seja, não têm existência material e
sim, jurídica. Ex.: direitos autorais. Estes bens não são objeto de contrato
de compra e venda, mas sim de cessão.

b) Quanto à mobilidade

• Imóveis: não podem ser transportados de um lugar para outro sem ser
danificados ou destruídos.

Os imóveis são subclassificados da seguinte forma:

– Por sua natureza: formado por tudo o que for fixado ao solo de forma
natural, abrangendo também o subsolo e o espaço aéreo. Ex.: árvore
nascida naturalmente.

– Por acessão física artificial: bens que sejam incorporados de forma


permanente ao solo pelo ser humano, não podendo ser removido sem a
sua destruição. Ex.: construções e plantações. Uma semente na palma
da mão é considerada bem móvel; semente depois de lançada ao solo é
bem imóvel.

Atenção! As edificações que levantadas do solo e transferidas para outro


local, mas que conservem a sua unidade, assim como os materiais que forem
provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem novamente
não perdem o caráter de imóveis (TARTUCE, 2016).

77
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Nesse passo é recomendável a leitura do artigo 81 do Código Civil.

– Por acessão intelectual (é discutível, pela doutrina, se ainda


permanece depois do CC/2002, mas defendida por muitos
doutrinadores): utilizados para exploração/utilização do bem imóvel. São
bens que seriam móveis, mas por estarem afetados/vinculados a uma
determinada finalidade do bem imóvel, passam a ser tratados de forma
incorporada, passam a ser bens imóveis. Ex.: pertenças (terminologia do
CC/2002), ou seja, aqueles bens utilizados de forma duradoura para o
aformoseamento e para a exploração econômica de um bem imóvel. Ex.:
geladeira, fogão, cadeira, mesa ou o quadro da escola.

– Por determinação legal: aquele que a lei define. Ex.: a herança é


considerada um bem imóvel até a partilha, pois é um conjunto de bens do
falecido, deixados no momento da morte, mesmo se for dinheiro (artigo
80 do Código Civil).

Venosa (2005, p. 336) ressalta que:

[...] os direitos são bens imateriais, e não poderiam ser


entendidos como coisas móveis ou imóveis. Contudo, para
maior segurança das relações jurídicas, a lei considera os
direitos sobre imóveis (enfiteuse, servidões, usufruto, uso,
habitação, rendas constituídas sobre imóveis, penhor, anticrese
e hipoteca, além da propriedade) como imóveis, e, como tal,
as respectivas ações desses direitos (ações de reivindicações,
confessória e negatória de servidão, hipotecárias, pignoratícias,
de nulidade ou rescisão de compra e venda, etc.).

• Móveis: aqueles que “[...] podem ser transportados, por força própria ou
de terceiro, sem a deterioração, destruição e alteração da substância
ou da destinação econômico-social” (TARTUCE, 2016, p. 284). Nos
termos do art. 82 do Código Civil: “São móveis os bens suscetíveis de
movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da
substância ou da destinação econômico-social” (BRASIL, 2002).

– Por sua natureza: podem ser transportados de um lugar para o outro,


sem ser destruídos (Ex.: copo, aparelho televisor, veículo) e os que se
movem por força própria (animais – semoventes). Os materiais destinados
a uma construção, enquanto não empregados são considerados bens
móveis, conforme art. 84 do Código Civil.

78
Capítulo 3 DOS BENS

– Por antecipação: a princípio eram imóveis, mas foram imobilizados/


transformados em bens móveis, em atenção à sua destinação econômica.
Ex.: a manga colhida do pé na fazenda para consumo (enquanto estava
no pé, era bem imóvel); floresta de reflorestamento de pinus fixada ao
solo é bem imóvel, a partir do momento em que cortada para lenha ou
papel é móvel por antecipação.

– Por determinação legal: situações em que a lei define. Veja o artigo 83


do Código Civil. Ex.: energia; penhor; direitos autorais (art. 3º, da Lei nº
9.610/98).

c) Quanto à fungibilidade

• Bens infungíveis: não podem ser substituídos por outros da mesma


espécie, qualidade e quantidade. O Código Civil não traz sua definição,
mas a ideia é diametralmente oposta à de bens fungíveis. O contrato de
empréstimo nesse caso se chama comodato, em que autoriza a pessoa
a usar o bem, mas tem que devolver exatamente o mesmo bem. Ex.: um
livro de um escritor famoso, uma escultura de um artista consagrado.

• Bens fungíveis: podem ser substituídos por outro da mesma espécie,


qualidade e quantidade. Ex.: marcador de quadro branco; xícara de
açúcar; dinheiro. Quando se está diante de um bem fungível, o contrato
de empréstimo se chama mútuo (pode até destruir a coisa, mas devolverá
bem da mesma espécie, qualidade e quantidade).

d) Quanto à consuntibilidade

• Bens consumíveis: são bens móveis, cujo uso importa na sua


destruição (art. 86 do Código Civil). Podem se dividir em: consumível de
fato (Exemplo: alimentos); consumível de direito. (Exemplo: dinheiro).

• Bens inconsumíveis: são bens que podem ser usados reiteradas vezes,
sem que isso retire a sua utilidade. Ex.: televisão e geladeira.

Observação: os termos consumível e inconsumível devem ser entendidos,


não no sentido vulgar, mas no econômico. Com efeito, do ponto de vista físico,
nada existe no mundo que não se altere, não se deteriore, ou não se consuma
com o uso. A utilização mais ou menos prolongada acaba por consumir tudo
quanto existe na Terra. Entretanto, na linguagem jurídica, consumível é apenas
o que se destrói com o primeiro uso; não é, porém, juridicamente consumível a
roupa, que lentamente se desgasta com o uso ordinário (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2006).

79
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

e) Quanto à divisibilidade

• Bens divisíveis: podem ser fracionados, sem que percam sua utilidade
ou alterem a sua substância ou diminua de forma considerável o seu
valor. A qualquer momento podem se tornar indivisíveis, por vontade das
partes ou por imposição legal. Verifique os artigos 87 e 88 do Código
Civil. Ex.: sacas de arroz.

Esclarece Rodrigues (2002) que fisicamente todas as coisas são suscetíveis


de divisão, e nada impede que se fragmente um relógio, ou mesmo um cavalo, em
numerosas partes que contenham cada qual o mesmo peso. Todavia há coisas que,
divididas, deixam de ser o que eram. O cavalo dividido ao meio não mais será um
semovente, e o relógio, serrado em dois, tampouco seguirá sendo relógio.

• Bens indivisíveis: bens que não podem ser divididos sem afetar a
desvalorização ou a perda das qualidades essenciais do todo. Essa
indivisibilidade pode decorrer da natureza do bem, de imposição legal ou
da vontade do seu proprietário.

– Indivisibilidade natural: bem imóvel; relógio de pulso.


– Indivisibilidade legal ou jurídica: Ex.: herança – até o momento da
partilha, nos termos do art. 1.784 do Código Civil; servidões.
– Indivisibilidade convencional: convencionada pelas partes. Ex.: dois
proprietários de um animal convencionam que ele será utilizado para
reprodução.

f) Quanto à individualidade

• Bens singulares ou individuais: que possam ser considerados per si,


independentemente dos demais. Veja o artigo 89 do Código Civil. Ex.:
livro, boi e casa.

• Bens coletivos ou universais: são várias coisas singulares agregadas


em um todo, sem que desapareça a condição particular de cada um.

– Universalidade de fato: o artigo 90 do Código Civil prevê que se tratam


de uma pluralidade de bens singulares que pertencem à mesma pessoa,
com destinação unitária. Ex.: biblioteca (livros) e pinacoteca (quadros).

– Universalidade de direito: “[...] é o conjunto de bens singulares, tangíveis


ou não, a que uma ficção legal, com o intuito de produzir certos efeitos,
dá unidade individualizada”. (TARTUCE, 2016, p. 289). Ex.: herança e
massa falida.

80
Capítulo 3 DOS BENS

g) Quanto à dependência em relação a outro bem – bens


reciprocamente considerados

• Bens principais ou independentes: bens que existem de maneira


autônoma e independente, conforme prevê o artigo 92 do Código Civil.

• Bens acessórios ou dependentes: são os bens que, para sua


existência ou finalidade, dependem do bem principal.

Lembra do princípio geral do Direito Civil – acessorium equeatur principale? O


bem acessório segue o principal! Esse princípio não está previsto expressamente
no Código Civil de 2002, mas ainda se aplica esse comando.

Nesse sentido é interessante fazer a leitura do art. 233 do


Código Civil.

Em consequência dessa regra, admite-se em princípio que:

● O acessório acompanha o principal em seu destino – extinta


a obrigação principal, extingue-se também a acessória.
Exemplo: cláusula penal, usufruto (CC/02, art. 1.392);
● O acessório assume a natureza do principal – se o solo é
imóvel, a árvore a ele também o é;
● O proprietário do principal, salvo exceção legal ou
convencional, é o proprietário do acessório – os frutos e
mais produtos da coisa pertencem, ainda que separados, ao
seu proprietário (CC/02, art. 1.232) (GONÇALVES, 2006, p.
263).

Venosa (2005) esclarece que para a configuração do acessório, há a


necessidade de pressupor a existência de um bem principal, ficando assentado
que o bem acessório não tem autonomia. Não basta a simples relação de
dependência com a coisa, pois não há que se confundir acessório com a noção
de parte integrante, que é parte constitutiva da própria coisa.

Lembramos que o legislador do CC/02 não reproduziu na classificação dos


bens acessórios o preceito contido no CC/16, que incluía na classe dos acessórios
os frutos, produtos e rendimentos, mas determinou no atual art. 95: “Apesar de
ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto do
negócio jurídico” (BRASIL, 2002). São bens acessórios:

81
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

• Frutos: têm sua origem no bem principal. Coelho (2016, p. 281) expressa
da seguinte forma: “Frutos são acessórios periodicamente renovados
e podem, por isso, ser destacados do principal sem que este perca
necessariamente a aptidão de gerá-los novamente”. Quanto à origem, os
frutos podem ser:

– Frutos naturais: decorrentes da essência da coisa principal. Ex.: frutas


produzidas por uma árvore.
– Frutos industriais: decorrem da atividade humana. Ex.: produto produzido
por uma indústria.
– Frutos civis: decorrentes de uma relação jurídica ou econômica, de
natureza privada – os rendimentos. Ex.: aluguel de imóvel.

Quanto ao estado em que se encontram, os frutos podem ser:

– Frutos pendentes: aqueles que estão ligados à coisa principal. Ex: fruta
que ainda não foi colhida.
– Frutos percebidos: aqueles já colhidos do principal e separados. Ex.:
fruta já colhida pelo produtor.
– Frutos estantes: aqueles já colhidos e armazenados em caixas.
– Frutos percipiendos: deveriam ter sido colhidos, mas estão nas árvores
apodrecendo.
– Frutos consumidos: aqueles colhidos e já vendidos a outros.

• Produtos: são bens que saem da coisa principal, diminuindo sua


quantidade e substância. Outra característica é que não se renovam
periodicamente. Ex.: pepita de ouro retirada de uma mina.

• Pertenças: são bens acessórios destinados ao uso, serviço ou


aformoseamento do bem principal. Ex.: mobília de uma casa e peças
decorativas. Verifique o art. 93 do Código Civil. São caracteres das
pertenças:

● Vínculo, material ou ideal, mas sempre intencional,


estabelecido por quem faz uso da coisa e o fim em virtude do
qual a põe a serviço da coisa principal;
● Um destino não transitório da coisa principal;
● Uma destinação de fato e concreta da pertença colocada
a serviço do bem principal (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2006, p. 272).

• Partes integrantes: são bens acessórios que estão unidos ao principal,


formando um todo independente. Ex.: a lâmpada em relação ao lustre
(TARTUCE, 2016). Verifique o art. 93 do CC/02.

82
Capítulo 3 DOS BENS

• Benfeitorias: são bens acessórios introduzidos em outro bem para sua


conservação ou melhora da sua utilidade (art. 96 do Código Civil). As
benfeitorias podem ser:

– Benfeitorias necessárias: são aquelas essenciais, necessárias para evitar


a deterioração ou para auxiliar na conservação do bem. Ex.: reforma do
telhado de uma casa.
– Benfeitorias úteis: são aquelas que aumentam ou facilitam o uso da
coisa. Ex.: instalação de grade em uma janela.
– Benfeitorias voluptuárias: são aquelas de mero deleite, luxo, que não
facilitam a utilidade da coisa, mas a tornam mais agradável ao uso. Ex.:
piscina de uma casa.

Cabe aqui esclarecer que as benfeitorias não se confundem com acessões


industriais ou artificiais. Benfeitorias são obras ou despesas feitas em bem já
existente. As acessões industriais são obras que criam coisas novas, como a
edificação de uma casa (GONÇALVES, 2006).

Note-se que toda benfeitoria é artificial, decorrendo de uma atividade


humana, razão pela qual não se confunde com os acessórios naturais do solo –
CC/02, art. 97. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006).

Nesse sentido, Gonçalves (2006) destaca quais são os acessórios naturais


do solo previstos no CC/02, art. 97, que ocorrem em virtude de aluvião (CC/02, art.
1.250), avulsão (CC/02, art. 1.251), formação de ilhas (CC/02, art. 1.249) e abandono
de álveo (CC/02, art. 1.252) – CC/02, art. 1.248. Assim, não há benfeitorias, mas
acréscimos decorrentes de fatos eventuais e inteiramente fortuitos.

A classificação das benfeitorias descrita pode variar conforme


a destinação, a utilidade ou a localização do bem principal,
principalmente se as primeiras forem relacionadas com bens
imóveis. A título de exemplo, uma piscina na casa de alguém
é, em regra, benfeitoria voluptuária. A piscina, na escola de
natação, é benfeitoria necessária (TARTUCE, 2016, p. 294).

Como se vê, a classificação das benfeitorias não é estanque, em algumas


circunstâncias admite interpretação diferente.

h) Quanto à relação ao titular do domínio

• Bens particulares ou privados: bens que pertencem à iniciativa


privada. Verifique o art. 98 do Código Civil.

83
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

• Bens públicos ou do Estado – pertencem a uma entidade de direito


público interno (União, Estado, Distrito Federal e Município). Verifique o
art. 98 do Código Civil. Atenção ao Enunciado n. 287 do Conselho da
Justiça Federal, que prevê:

O critério da classificação de bens indicado no art. 98 do Código


Civil não exaure a enumeração dos bens públicos, podendo
ainda ser classificado como tal o bem pertencente à pessoa
jurídica de direito privado que esteja afetado à prestação de
serviços públicos. (BRASIL, 2006).

• Bens de uso geral ou comum do povo: são os bens destinados ao uso


do povo em geral, sem necessidade de permissão especial (art. 99, I,
Código Civil). Ex.: praça, praia e rio.

• Bens de uso especial: são os bens usados pelo próprio Estado para
a execução do serviço público, com destinação especial, chamada
afetação (art. 99, II, Código Civil). Ex.: prédios e terrenos.

• Bens dominicais ou dominiais: são os bens que constituem o


patrimônio disponível e alienável da pessoa jurídica de direito público,
abrangendo tanto móveis quanto imóveis (art. 99, III, Código Civil). Ex.:
estradas de ferro e terras de marinha.

O parágrafo único do art. 99, do CC/02, prevê a inclusão dos bens


pertencentes às pessoas jurídicas de direito público, que tenham estrutura de
direito privado, como bens dominiais.

A Súmula 477 do STF determina: “As concessões de terras devolutas,


situadas na faixa de fronteira, feitas pelos Estados, autorizam, apenas, o uso,
permanecendo o domínio com a União, ainda que se mantenha inerte ou tolerante,
em relação aos possuidores” (BRASIL, 1969).

A CF/88 elenca em seu art. 20, incisos I a XI, os bens pertencentes à União.
Os bens de domínio do Estado vêm previstos na CF/88, em seu art. 26, incisos I a
IV (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006)

Art. 20. São bens da União:


I – os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser
atribuídos;
II – as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras,
das fortificações e construções militares, das vias federais de
comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;
III – os lagos, os rios e quaisquer correntes de água em
terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado,
sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território

84
Capítulo 2 DAS PESSOAS

estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos


marginais e as praias fluviais;
IV – as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros
países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras,
excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios,
exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade
ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;
V – os recursos naturais de plataforma continental e da zona
econômica exclusiva;
VI – o mar territorial;
VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos;
VIII – os potenciais de energia hidráulica;
IX – os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
X – as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos
e pré-históricos;
XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:
I – as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes
e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as
decorrentes de obras da União;
II – as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem
no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União,
Municípios ou terceiros;
III – as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;
IV – as terras devolutas não compreendidas entre as da União.
Assim, por exclusão, o que não pertencer ao domínio federal
ou estadual ingressa no patrimônio público municipal (BRASIL,
1988).

“Não estando afetados a finalidade pública específica, os bens dominicais


podem ser alienados por meio de institutos de direito privado ou de direito público
– CC/02, art. 101 – uma das grandes modificações trazidas pelo Novo Código
Civil” (GONÇALVES, 2006, p. 271).

Venosa (2005, p. 357) ressalta “[...] que a lei determinou a imprescritibilidade


dos bens públicos, através dos Decretos n. 19.924/31 e nº 22.785/33, bem como
na Constituição Federal de 1988, em seus artigos 183, §3°, e 191, parágrafo único.

Determina, ainda, a Súmula 340, do STF: “Desde a vigência do Código Civil,


os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por
usucapião” (BRASIL, 1963).

85
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Bem difuso – Ex.: meio ambiente. Nesse contexto chama-se


a atenção que a classificação bem público ou privado se encontra
superada. O meio ambiente é um bem difuso, cuja proteção visa
assegurar a qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
Encontra amparo legal no art. 225 da Constituição Federal e na Lei
nº 6.938/1981.

Atividade de Estudos:

1) Conseguiram perceber a importância desse capítulo ao tratar


da maneira como as pessoas vão se relacionar com aquilo que
pretendem comprar, vender, alugar?

Pudemos depreender a partir do Código Civil de 2002 que coisa


é gênero e bem é espécie. Noutras palavras, coisa é tudo o que
existe objetivamente com exceção do homem e bem é uma coisa,
porém, com conteúdo econômico e/ou jurídico. Diante disso como
fica então o meio ambiente?
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Como puderam perceber, é imprescindível ao operador do Direito conhecer


as diversas categorias de bens, para identificar quais os sujeitos de direito
envolvidos e as normas que devem reger relações jurídicas que se pretendam
estabelecer diante de um caso concreto.

86
Capítulo 2 DAS PESSOAS

Algumas ConsideraçÕes
As normas jurídicas, dentre inúmeras outras funções, surgem como reguladoras
da conduta humana, eis que nem sempre existem bens da vida em quantidade
suficientes a atender aos desejos e necessidades das pessoas. Dessa maneira,
devemos conhecer a conceituação, característica e classificação dos bens para
entender quais os sujeitos e direitos envolvidos, visando identificar os instrumentos
jurídicos a serem manejados nessa complexa, porém, importante, relação.

ReFerências
BRASIL. Lei ordinária n. 10.406/2002, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil.
Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 11 jan. 2002. p. 1.

COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito civil: parte geral. 8. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito
civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito


civil: parte geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. ed. São Paulo:


Saraiva, 2006.

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

_______. Direito civil. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

SOUZA, Adriano Stanley Rocha. O meio ambiente como direito difuso e a sua
proteção como exercício de cidadania. Revista da Faculdade Mineira de
Direito, v. 13, n. 25, jan/jun. 2010, ISSN 1808-9429.

TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. 12. ed. rev., atual.
e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Atlas,
2003.

_______. Direito civil: parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

87
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

88
C APÍTULO 4
Dos Negócios Jurídicos

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Conceituar e classificar fatos, atos e negócios jurídicos, diferenciando-os.

 Apontar os elementos constitutivos essenciais e acidentais dos negócios


jurídicos, distinguindo-os.

 Indicar as causas ensejadoras de invalidade dos negócios jurídicos.

 Diferenciar a nulidade relativa da absoluta.

 Compreender e caracterizar atos jurídicos lícitos e ilícitos.


TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

90
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

ConteXtualiZação
O Código Civil de 2002, em sua organização, se subdividiu em três grandes
tópicos, o sujeito, o bem e o negócio jurídico, que nada mais é que a relação
entre os sujeitos e as coisas e o sujeito. Assim, estamos diante de um dos tópicos
mais relevantes do direito civil, pois tanto sujeitos e objetos estão um para o outro
mediante os negócios jurídicos.

Dos Fatos Jurídicos


Todos os eventos ocorridos, sejam por questões da natureza ou por
interferência do ser humano que gerem efeitos jurídicos, estão tutelados pelo
nosso ordenamento. Assim, os fatos jurídicos, tais como a morte, o nascimento, a
construção de um muro ou o vento são fatos jurídicos e necessitam de tutela.

Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 293) conceituam fatos jurídicos como


“Todo acontecimento, natural ou humano, que determine a ocorrência de efeitos
constitutivos, modificativos ou extintivos de direitos e obrigações, na órbita do
direito, denomina-se fato jurídico”.

No mesmo sentido, Diniz (2007, p. 367) afirma que “Fato jurídico lato sensu
é o elemento que dá origem aos direitos subjetivos, impulsionando a criação da
relação jurídica, concretizando as normas jurídicas”.
Todo acontecimento,
Gonçalves (2006) esclarece que essa correspondência entre o fato natural ou humano,
e a norma, que qualifica o primeiro como fato jurídico, recebe várias que determine
a ocorrência de
denominações nos diversos setores do direito, como: suporte fático,
efeitos constitutivos,
tipificação legal, hipótese de incidência, subsunção, fato gerador, etc. modificativos ou
extintivos de direitos
Assim, para visualizar de forma clara os fatos jurídicos e sua e obrigações, na
representação, segue abaixo um quadro demonstrativo (RODRIGUES, órbita do direito,
2002): denomina-se fato
jurídico

91
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Quadro 2 – Fatos jurídicos

Fatos naturais, externos ao homem – fatos jurídicos


em sentido estrito

Fatos meramente lícitos


lícitos
jurídicos negócio jurídico
Fatos humanos
(atos jurídicos)
ilícitos
Fonte: Rodrigues (2002).

Venosa (2012, p. 330) traz contornos ao quadro acima, esclarecendo que


os fatos jurídicos em sentido estrito são aqueles que independem da vontade
humana, mas podem acarretar efeitos jurídicos; e atos jurídicos são aqueles em
que há a intervenção humana, ou seja, “[...] aqueles eventos emanados de uma
vontade, quer tenha intenção precípua de ocasionar efeitos jurídicos, quer não”.

Seguindo o pensamento acima, há uma enorme variedade de fatos jurídicos,


sendo necessária sua classificação para aprofundar o instituto, conforme segue:

a) Fato natural – decorrem de eventos que independem da vontade


humana, podem acarretar efeitos jurídicos. Assim, decorrem de simples
manifestação da natureza. Exemplo: morte, chuvas, vento e etc.

• Ordinários – como o nascimento, a morte, que constituem,


respectivamente, o termo inicial e final da personalidade, bem como a
maioridade, o decurso de tempo.

• Extraordinários – que se enquadram, em geral, na categoria de fortuitos


e da força maior: terremoto, raio, tempestade e etc.

b) Fato humano (ato jurídico em sentido amplo) – decorrem da atividade


humana, são ações humanas que criam, modificam, transferem ou
extinguem direitos, quer tenham intenção principal de ocasionar efeitos
jurídicos, quer não.

• Lícitos – são os atos humanos a que a lei defere efeitos almejados


pelo agente, praticados em conformidade com o ordenamento jurídico,
produzem efeitos jurídicos voluntários, queridos pelo agente – CC/02,
art. 185. Exemplo: reconhecimento de filho havido fora do casamento.

92
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

• Ilícitos – são praticados em desacordo com o prescrito no ordenamento


jurídico, embora repercutam na esfera do direito, produzem efeitos
jurídicos involuntários – CC/02, art. 186. Criam deveres e obrigações –
CC/02, art. 927. Exemplo: registro de veículo furtado.

Venosa (2012) esclarece que, como levamos em conta os efeitos dos atos
para melhor entendimento, consideramos os atos ilícitos como parte da categoria
de atos jurídicos, não considerando o sentido intrínseco da palavra, pois o ilícito
não pode ser jurídico.

Desta forma, verificamos que dos fatos jurídicos se originam os fatos naturais,
externos ao ser humano, e os fatos originados pelo ser humano, observa-se aqui
que a este último a intervenção humana poderá ser de forma positiva, ou seja,
negócios jurídicos, e negativa, os atos ilícitos. Assim, tanto uma como a outra
geram efeitos na ordem civil, na aquisição, modificação ou extinção de direito e
obrigações, o que veremos a seguir.

AQuisição, ModiFicação e EXtinção


de Direitos e OBrigaçÕes
Na Aquisição ocorre a obtenção de um direito com a sua incorporação ao
patrimônio jurídico e à personalidade do titular.

a) Expectativa de direito – é a mera esperança de vir a adquirir um direito;


trata-se de mera potencialidade de aquisição e da capacidade como
situações genéricas, não estando amparado pela legislação em geral,
uma vez que ainda não foi incorporada ao patrimônio jurídico da pessoa.
Exemplo: tratativas de um contrato e sucessão testamentária. Lembra
Rodrigues (2002, p. 160) que embora a pessoa reúna os requisitos
de capacidade e legitimidade, “[...] o direito só surge e se adquire ao
se verificar o fato ou o ato capaz de produzi-lo ou de lhe conferir
aperfeiçoamento”.

b) Direito eventual – refere-se a situações em que o interesse do titular ainda


não se encontra completo, pelo fato de não se terem realizado todos os
elementos exigidos pela norma jurídica, depende de acontecimento para
completar-se. Exemplo: sucessão legítima, os contratos aleatórios – o
segurado, em troca de prêmio, poderá vir a receber a indenização, se
ocorrer sinistro, ou nada receber.

93
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

c) Direito condicional – é aquele que se perfaz somente se ocorrer


determinado acontecimento futuro e incerto – CC/02, art. 121. Exemplo:
venda de obra literária com edições posteriores. Venosa (2012)
observa que tanto nos direitos eventuais como nos condicionais existe
subordinação a evento futuro e incerto. Contudo, os direitos eventuais
trazem elemento futuro e incerto inerente e essencial ao próprio negócio
jurídico, enquanto nos direitos condicionais o fato dito condicional é
externo ao ato.

d) Originária ou derivada – de acordo com a existência ou não de uma


relação jurídica anterior com o direito ou bem objeto da relação, sem
interposição ou transferência de outra pessoa. Originária – quando se
dá sem qualquer interferência do anterior titular. Exemplo: ocupação
de coisa sem dono – CC/02, art. 1.263. Derivada – quando decorre de
transferência feita por outra pessoa. Exemplo: contrato de compra e
venda.

e) Gratuita ou onerosa – de acordo com a existência ou não de uma


contraprestação para a aquisição do direito. Gratuita – quando só o
adquirente aufere vantagem. Exemplo: sucessão hereditária. Onerosa
– quando se exige do adquirente uma contraprestação, possibilitando a
ambos os contratantes a obtenção de benefícios. Exemplo: locação.

f) Universal ou singular – se o adquirente substitui o sucedido na totalidade


(ou em uma cota-parte) de seus direitos ou apenas de uma ou algumas
coisas determinadas. Universal – quando o adquirente sucede o seu
antecessor na totalidade de seus direitos. Exemplo: como se dá ao
herdeiro. Singular – quando tem por objeto coisa determinada ou mais
de uma coisa determinada. Exemplo: no caso do legatário.

g) Simples ou complexa – se o fato gerador da relação jurídica se constituir


em um único ato ou numa necessária simultaneidade ou sucessividade
de fatos.

Na Modificação podem ocorrer nas mais diversas situações, todavia, há que


se considerar um direito já preexistente e que por causa de determinadas práticas
de atos ou a ocorrência de fatos jurídicos implicam a modificação de direitos.

a) Objetiva – em relação ao conteúdo ou objeto das relações jurídicas,


pode ser tanto de quantidade ou qualidade. Exemplo: quando se avença
pagamento em dinheiro e é realizado em cheque, aluvião (em que as
terras marginais de cursos de água podem aumentar ou diminuir).

94
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

b) Subjetiva – é a alteração da titularidade do objeto ou direito, pode-se dar


tanto pela substituição do sujeito ativo ou passivo. Exemplo: cessão de
direito, transmissão causa mortis.

Na Extinção os fatos e atos jurídicos podem levar à extinção de direitos.


Exemplo: perecimento do objeto na relação obrigacional, a alienação, a renúncia,
o abandono, o falecimento do titular.

Como visto aqui, os direitos podem ser adquiridos de forma derivada ou


originária, modificados e extintos, conforme demandam as ações ou os fatos que
resultem consequências na órbita da ordem jurídica.

Dos Negócios Jurídicos


No início deste capítulo abordamos os fatos jurídicos e verificamos que são
eventos ocorridos sejam por questões da natureza ou por interferência do ser
humano que geram efeitos jurídicos.

A partir deste momento abordaremos, dentro dos fatos jurídicos, os negócios


jurídicos, que são os eventos gerados pela intervenção humana com efeitos na
órbita jurídica.

Como salienta Rodrigues (2002), o Código Civil de 2002, com muita


propriedade, substituiu a locução ato jurídico pela expressão negócio jurídico.

Esclarece Gonçalves (2006) que, mais especificamente, o Código Civil de


2002 substitui a expressão genérica ato jurídico, que era empregada no art. 81
do diploma anterior, pela designação específica negócio jurídico, aplicando a este
todos os preceitos do Livro III da Parte Geral. E, no tocante aos atos jurídicos lícitos
que não são negócios jurídicos, abriu-lhes um título, com artigo único, em que se
determina que se lhes apliquem, no que couber, as disposições disciplinadoras do
negócio jurídico.

Assim, negócio jurídico, para Venosa (2012, p. 333), “[...] é quando existe
por parte da pessoa a intenção específica de gerar efeitos jurídicos ao adquirir,
resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos”. Exemplo: testamento
(unilateral) e contrato (bilateral).

Para Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 298), é a “[...] manifestação de


vontade destinada a produzir efeitos jurídicos”.

95
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Rodrigues (2002, p. 169) entende que negócio jurídico é o “[...] ato lícito da
vontade humana, capaz de gerar efeitos na órbita do direito”.

Pode-se depreender dos conceitos acima que o ponto em comum é a vontade


da pessoa. Todavia, além deste elemento, há outros a serem considerados,
conforme veremos a seguir.

Elemento Essencial
A Vontade humana, ou seja, a declaração de vontade, que além de condição
de validade, constitui elemento da própria existência do negócio jurídico.

Elementos Constitutivos
Disciplina o CC/02, em seu art. 104, os pressupostos de validade do
negócio jurídico:

a) Capacidade do agente – como o negócio jurídico é um ato de vontade,


o agente que declara essa vontade deve ser capaz.

Devemos lembrar que, conforme o primeiro capítulo, a restrição à atuação dos


incapazes é para protegê-los, tanto que a lei não defere à outra parte o direito de
invocar, em proveito próprio, a incapacidade de seu contratante – CC/02, art. 105.

Ainda de acordo com o primeiro capítulo, Venosa (2012, p. 369) destaca


que: “[...] ao lado da noção de capacidade, devemos considerar a legitimação
das partes no negócio jurídico. Assim, as partes em determinado negócio jurídico
devem ter competência específica para praticar o ato”.

Para tanto, em virtude da legitimidade pode-se verificar no CC/02 art. 496


que a venda entre ascendente e descendente é passível de anulação.

b) Objeto lícito – trata-se de vedar aqueles atos cujo escopo atende contra
a lei, contra a moral ou contra os bons costumes – CC/02, art. 104, inciso
II: lícito, possível, determinado ou determinável;

c) Forma prescrita em lei – a liberdade de forma constitui a regra, pois ela


será livre, a menos que a lei determine o contrário – CC/02, art. 107.

96
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Além dos elementos caracterizadores dos negócios jurídicos, estes podem ser
classificados mediante sua formação e efeitos, conforme explicaremos adiante.

a) Quanto ao número de declarantes:

• Unilaterais – são aqueles para os quais é suficiente e necessária uma


única vontade para a produção de efeitos jurídicos, como é o caso típico
do testamento.
– Negócios jurídicos receptícios – a manifestação da vontade depende do
conhecimento de outra pessoa. Exemplo: revogação de mandato.
– Negócios jurídicos não receptícios – o conhecimento por parte de outrem
é irrelevante. Exemplo: confissão de dívida.
• Bilaterais – são negócios que dependem sempre da manifestação de
duas vontades, existindo consenso. Exemplo: contratos de compra e
venda, casamento.
• Plurilaterais – quando envolvem mais de duas partes, todas direcionadas
para a mesma finalidade. Exemplo: contrato de sociedade.

b) Quanto ao exercício:

• Negócios de disposição – quando autorizam o exercício de amplos


direitos, inclusive de alienação, sobre o objeto transferido. Em regra, são
negócios jurídicos translativos. Exemplo: doação.
• Negócios de administração – admitem apenas a simples administração
e uso do objeto cedido. Exemplo: comodato e mútuo.

c) Quanto às vantagens patrimoniais:

• Gratuitos – são aqueles em que somente uma das partes é beneficiada.


Exemplo: doação pura.
• Onerosos – consistem em negócios em que o benefício auferido
experimenta-se um sacrifício correspondente. Exemplo: contrato de
prestação de serviços, de compra e venda.
• Comutativos – existe um equilíbrio subjetivo entre as prestações
pactuadas, de forma que as vantagens auferidas pelos declarantes
equivalem-se entre si. Exemplo: contrato de locação.
• Aleatórios – a prestação de uma das partes fica condicionada a um
acontecimento exterior, não havendo o equilíbrio subjetivo próprio da
comutatividade. Exemplo: contrato de safra, seguro de vida.
• Neutros – são destituídos de atribuição patrimonial específica, não
se incluindo em nenhuma das duas categorias supramencionadas.
Exemplo: instituição voluntária de bem de família (não tem natureza
gratuita e nem onerosa).

97
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

• Bifrontes – são negócios que tanto podem ser gratuitos como onerosos.
Tudo depende da intenção perseguida pelas partes. Exemplo: contrato
de depósito (em princípio é gratuito, sendo que as partes podem
convencionar remuneração).

d) Quanto à forma:

• Formais ou solenes – são aqueles que exigem, para a sua validade, a


observância da forma legalmente exigida. Exemplo: casamento.
• Forma livre ou não formais – são aqueles cujo revestimento exterior é
livremente pactuado, sem interferência legal. Exemplo: doação de bem
móvel.

Vale lembrar que quanto à forma, os negócios jurídicos seguem a regra


determinada pelo CC/02, art. 107.

e) Quanto ao momento dos efeitos:

• Inter vivos – produzem seus efeitos estando as partes em vida.


• Mortis causa – pactuados para produzir efeitos após a morte do
declarante. Exemplo: testamento, seguro de vida.

f) Quanto à existência:

• Principais – existentes por si mesmos. Exemplo: compra e venda.


• Acessórios – cuja existência pressupõe a do principal. Exemplo: penhor,
fiança.

g) Quanto ao conteúdo:

• Patrimoniais – relacionados com bens ou direitos aferíveis


pecuniariamente. Exemplo: negócios obrigacionais.
• Extrapatrimoniais – referentes a direitos sem conteúdo econômico.
Exemplo: direitos puros de família.

h) Quanto à eficácia:

• Constitutivos – cuja eficácia opera-se a partir do momento da


celebração. Exemplo: casamento.
• Declaratórios ou declarativos – negócios em que os efeitos retroagem
ao momento da ocorrência fática a que se vincula a declaração de
vontade. Exemplo: reconhecimento de paternidade.

98
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Assim, para que os negócios jurídicos alcancem seus objetivos A manifestação


e gerem efeitos na ordem civil, será necessário que apresentem da vontade pode
os elementos anteriormente identificados, tendo como primordial a apresentar um
manifestação de vontade da pessoa. Todavia, a manifestação da sentido diverso
vontade pode apresentar um sentido diverso daquele preterido. Assim, daquele preterido,
sua interpretação também é tema a ser estudado. interpretar o negócio
jurídico é
Para Gonçalves (2006, p. 299), interpretar o negócio jurídico é:

[...] precisar o sentido e alcance do conteúdo da Apurar a vontade


declaração de vontade. Busca-se apurar a vontade
concreta das partes,
concreta das partes, não a vontade interna,
psicológica, mas a vontade objetiva, o conteúdo, não a vontade
as normas que nascem de sua declaração interna, psicológica,
(declaração escrita para se chegar à vontade dos mas a vontade
contratantes). objetiva

No entanto, quando há imprecisão no texto, gerando dúvida,


alegando um dos contratantes que não representa a vontade manifestada na
ocasião da celebração e estando esta demonstrada, aplica-se o determinado do
CC/02, art. 112: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas
consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem” (BRASIL, 2002).

O princípio prescrito no art. 112, acima transcrito, procura evitar o extremismo


ou a sua aplicação literal, pois o texto nem sempre transmite à vontade. “Como
na interpretação o que procuramos é a fixação da vontade, e como esta exprime-
se por forma exterior, devemos ter por base a declaração, e a partir dela será
investigada a vontade do manifestante” (VENOSA, 2012, p. 382).

Na sequência, o Código Civil de 2002, em seu artigo 113, apresenta que a


vontade manifestada deverá considerar a boa-fé e os usos do lugar onde ocorre
sua celebração. Conforme já vimos na principiologia do Código Civil de 2002, o
princípio da eticidade se pauta neste preceito.

As questões levantadas no CC/02, art. 114, referem-se aos contratos que


envolvem uma liberalidade, ou seja, quando somente um dos contratantes se
obriga, enquanto o outro aufere um benefício. Exemplo: mandato, doação pura.

Para melhor interpretar os negócios jurídicos de um modo geral, Gonçalves


(2006, p. 301) indica algumas regras a seguir:

a) A melhor maneira de apurar a intenção dos contratantes é


verificar o modo pelo qual o vinham executando;
b) Deve-se interpretar o contrato, na dúvida, da maneira
menos onerosa para o devedor;
c) As cláusulas contratuais não devem ser interpretadas
isoladamente, mas em conjunto com as demais;
d) Qualquer obscuridade é imputada a quem redigiu a
estipulação, pois podendo ser claro, não o foi;
e) Na cláusula suscetível de dois significados, interpretar-
se-á em atenção ao que pode ser exequível.
99
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Até aqui vimos a formação dos negócios jurídicos e sua interpretação, a partir
daqui vamos identificar o plano de existência, validade e eficácia dos negócios
jurídicos, ou seja, para que os negócios gerem os efeitos almejados, deverão
existir dentro da ordem jurídica, estar resguardados de determinados vícios, o que
levará a gerar os efeitos atribuídos a eles.

Assim, a doutrina apresenta a Escada Ponteana para demonstrar o plano de


existência, validade e eficácia, conforme segue:

Figura 1 - Escada Ponteana

Plano da eficácia:
- condição;
- termo;
Plano da validade: - consequências do
- capacidade (doagente); inadimplemento
- liberdade (da vontade negocial (juros, muitas,
Plano da existência: ou consentimento); perdas e danos);
- licitude, possibilidade, - outros elementos.
- agente;
determinabilidade (efeitos do negócio-)
- vontade; (do objeto) ;
- objeto; - adequação (das formas).
(requisitos de validade)
- forma.
(pressupostos de existência)

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/DDe7Vv>. Acesso em: 9 mar. 2018.

Esta escada foi apresentada por Pontes de Miranda, onde ele divide o
negócio em três planos, da existência, da validade e da eficácia. Esta categoria
ficou representada pelo gráfico acima e até o momento é a mais aceita em toda
a doutrina.

Assim, seguindo a escada acima, já vimos o plano de existência, onde o


negócio jurídico apresenta seus elementos caracterizadores, ou seja, o agente, a
vontade, o objeto e a forma; a seguir veremos o plano sob a ordem da validade, e,
por fim, sua eficácia.

Dos DeFeitos dos Negócios Jurídicos


A declaração de vontade é o requisito de existência do negócio jurídico,
devendo ser manifestada de forma idônea para que o ato tenha validade nas
relações jurídicas.

100
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Quando a manifestação da vontade é proferida inquinada com algum vício ou


defeito, que a torna mal redigida, mal externada, estamos, na maioria das vezes,
no campo do ato ou negócio jurídico anulável, isto é, “[...] o negócio terá vida
jurídica somente até que, por iniciativa de qualquer prejudicado, seja anulado”
(VENOSA, 2012, p. 387).

Assim, são vícios que impedem que a vontade seja declarada livre e de boa-
fé.

No Capítulo II, do Título I, Livro III, da Parte Geral do Código Civil de 2002,
prescreve o legislador os defeitos capazes de invalidar o ato jurídico. São defeitos
de natureza diversa, mas que refletem resultado idêntico, isto é, a anulabilidade
do negócio jurídico.

Assim, para melhor nos orientarmos neste estudo, segue abaixo a


classificação do Código Civil de 2002 sobre os defeitos dos negócios jurídicos,
que se subdividem em:

1 – Vícios de consentimento:

• Erro – CC/02, art. 138/144;


• Dolo – CC/02, art. 145/150;
• Coação – CC/02, art. 151/155;
• Lesão – CC/02, art. 157;
• Estado de perigo – CC/02, art. 156;
• Fraude contra credores – CC/02, art. 158/165.

2 – Vícios sociais:

• Simulação – CC/02, art. 167 (Capítulo V – Invalidade do Negócio


Jurídico).

Aqui cabe uma observação, em sua organização, o Código Civil de 2002


dispõe da fraude contra credores junto aos vícios de consentimento. Todavia,
deve-se ter cautela, pois a fraude contra os credores na prática poderá se valer de
outros vícios, ou seja, ela poderá se apresentar por meio da coação, simulação ou
dolo. Assim, assume a invalidade oriunda daquele vício.

101
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

1 Vícios de consentimento

São aqueles que viciam a vontade manifestada, provocam uma manifestação


não correspondente com o verdadeiro interesse do agente. A seguir veremos as
suas espécies.

1.1 Erro

Ocorre quando o agente em sua declaração estava sob o efeito do engano,


ou na ignorância, nesta hipótese o agente engana-se sozinho.

Destaca Gonçalves (2006) que o Código Civil de 2002 equiparou os efeitos


do erro à ignorância. Erro é a ideia falsa da realidade. Ignorância é o completo
desconhecimento da realidade.

O vício denominado erro pode apresentar-se em duas hipóteses, todavia,


seus efeitos são antagônicos, conforme segue:

1.1.1 Essencial (substancial) – é o erro que incide sobre a essência do


ato que se pratica – CC/02, art. 138. Exemplo: colecionador que na
compra de uma escultura de mármore, compra escultura de outro
material.

O erro essencial pode ocorrer por três aspectos, conforme preceitua o artigo
139 do Código Civil de 2002. Vejamos:

I - Quando interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da


declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais. Exemplo: o
alienante transfere a coisa a título de venda, e o adquirente a recebe
como doação.

II - Quando concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a


quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta
de modo relevante. Exemplo: pessoa troca uma residência por um terreno
situado em determinada rua, o qual sabe o interessado valer R$ 200,00 o
m²; concluído o negócio, verifica que tal terreno efetivamente se situa em
rua daquele nome, mas em outra região, e que valia R$ 20,00 m².

III - Sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo
único ou principal do negócio jurídico. Exemplo: pessoa que adquire
determinado objeto de arte e acaba por descobrir que não passa de
mera cópia.

102
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

1.1.2 Escusável (perdoável) – perdoável dentro do que se espera do


homem médio que atue em grau normal de diligência.

Conforme destacamos anteriormente, seus efeitos são diversos, como bem


lembra Diniz (2007, p. 444): “[...] anula-se o negócio, quando a vontade advier
de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal;
todavia, se for erro de menor grau de potencialidade, mantém-se o negócio”.

Nesse sentido, esclarece Rodrigues (2002, p. 187) que, se for acidental o


erro, isto é, se for um erro de menor importância, “[...] não há margem para a
ação anulatória. Da mesma forma, se quem errou o fez por sua própria culpa,
se o engano em que incidiu adveio de sua própria negligência, imprudência ou
imperícia, não se pode beneficiar com a anulação”.

Nestes casos, deve-se obedecer a ordem do princípio da conservação,


insculpido nos artigos 142 e 144 do Código Civil, que determinam que o intérprete,
desde que não haja prejuízo e respeitadas as prescrições legais, deve empreender
todos os esforços para resguardar a eficácia jurídica do passível de correção.

A título de comentário, podemos ver a consideração que o Código Civil de


2002, em seus artigos 441 a 446, procedeu nos casos de vício redibitório, ou
seja, “[...] se o adquirente, por força de uma compra e venda, recebe a coisa com
defeito oculto que lhe diminui o valor ou prejudica sua utilização, poderá rejeitá-la,
redibindo o contrato, ou, se preferir, exigir o abatimento no preço” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2006, p. 351).

1.2 Dolo

De acordo com Venosa (2012, p. 406), consiste em artifício, artimanha,


engodo, encenação, astúcia, desejo maligno tendente a viciar a vontade do
destinatário, a desviá-la de sua correta direção.

Gonçalves (2006) esclarece que o dolo difere do erro porque este é


espontâneo, no sentido de que a vítima se engana sozinha, enquanto o dolo é
provocado intencionalmente pela outra parte ou por terceiro, fazendo com que
aquela também se equivoque.

Conforme Venosa (2012, p. 408), para que se caracterize o vício denominado


coação é necessário:

- Intenção de induzir o declarante a praticar o ato jurídico;


- Utilização de recursos fraudulentos graves;
- Que esses artifícios sejam a causa determinante da declaração de vontade;

103
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

- Que procedam do outro contratante ou sejam por ele conhecidos como


procedentes de terceiros.

Espécies:

1.2.1 Dolo essencial – ocorre quando o negócio é realizado porque houve


induzimento ardiloso de uma das partes, acarretando a anulabilidade
do negócio – CC/02, art. 145.

1.2.2 Dolo acidental – nesta espécie a vítima realiza o negócio, porém em


condições mais onerosas ou menos vantajosas. Acarreta apenas a
satisfação de perdas e danos ou a uma redução da prestação acordada
– CC/02, art. 146. Exemplo: utilização de indexador inadequado para
atualização do valor de prestações.

1.2.3 Dolus bonus – é o dolo tolerável, ocorre quando o comerciante elogia


exageradamente seu produto em detrimento dos concorrentes. Em
regra, tal espécie não traz qualquer vício ao negócio, mas há que se
ater aos princípios do CDC.

1.2.4 Dolus malus – é aquele praticado com o intuito de ludibriar e de


prejudicar, está representado no dolo essencial e acidental.

1.2.5 Dolo positivo (comissivo) – são expedientes enganatórios, verbais


ou de outra natureza que podem importar em série de atos e perfazer
uma conduta. Exemplo: imprimir cotação falsa da Bolsa de Valores
para levar pessoa a comprar de determinadas ações (VENOSA, 2012).

1.2.6 Dolo negativo (omissivo) – o procedimento doloso pode revelar-se


em manobras ou ações maliciosas e em comportamentos omissivos –
CC/02, art. 147. Exemplo: não informar ao interessado na compra de
ações a cotação (GONÇALVES, 2006).

Venosa (2012) esclarece que se costuma dizer na doutrina, a ser admitido


com certa reserva, que só há verdadeiramente dolo omissivo quando existe para
o “deceptor” o dever de informar.

Assim, pela leitura dos autores acima, o dolo negativo possui os seguintes
requisitos:

- Intenção de levar o outro contratante a se desviar da sua real vontade,


de induzi-lo a erro;

104
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

- Silêncio sobre a circunstância desconhecida pela outra parte;


- Relação de essencialidade entre a omissão dolosa intencional e a
declaração de vontade;
- Ser a omissão do próprio contraente e não de terceiro.

1.2.7 Dolo de terceiro – ocorre quando o adquirente é convencido,


ardilosamente, por terceiro de que aquele negócio é possível, sem que
esta afirmação tenha sido feita pelo vendedor diretamente; todavia, o
vendedor ouve as palavras de induzimento utilizadas pelo terceiro e
não alerta o adquirente, o negócio torna-se anulável – CC/02, art. 148.

1.2.8 Dolo do representante – ocorre quando o representante de uma


das partes induz em erro a outra parte, constituindo-se o dolo por ele
exercido na causa do negócio, este será anulável – CC/02, art. 149.

1.2.9 Dolo de ambas as partes – para que o dolo permita a anulação


do negócio jurídico, necessário se faz que ele não seja recíproco.
Se ambas as partes procederam com dolo, nenhum o pode alegar
para anular o ato ou para reclamar indenização – CC/02, art. 150
(RODRIGUES, 2002).

1.2 Coação

Seria qualquer pressão física ou moral exercida sobre a pessoa, os bens


ou a honra de um contratante para obrigá-lo ou induzi-lo a efetivar um negócio
jurídico. (DINIZ, 2007).

Gagliano e Pamplona Filho (2006) aprofundam o conceito afirmando que


coação é a violência psicológica apta a influenciar a vítima a realizar negócio
jurídico que a sua vontade interna não deseja efetuar.

Para que tal processo psicológico seja considerado, deverá desencadear


temor que paralise o agente, ou seja, “[...] é mister que a causa geradora, isto
é, a ameaça, revista-se de gravidade suficiente para provocar temor adequado”
(RODRIGUES, 2002, p. 203).

Vale mencionar aqui que no artigo 1.814, inciso III do Código Civil de 2002,
utiliza-se a expressão “por violência”, mas no sentido de coação para a exclusão
dos herdeiros na sucessão. Assim, o instituto apresenta os seguintes requisitos:

105
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

- Violência física ou psicológica;


- Declaração de vontade viciada;
- Receio sério e fundado de grave dano à pessoa, à família (ou pessoa
próxima) ou aos bens do agente.

Para Diniz (2007, p. 461-462), a coação se caracteriza mediante:

● que a ameaça seja causa do ato – deve haver um nexo


causal entre o meio intimidativo e o ato realizado pela vítima;
● que ela seja grave – ameaças vagas, indeterminadas ou
impossíveis, cujos efeitos são incertos e distantes, tornam-se
insuficientes para constituir coação;
● que ela seja injusta – se for justa, o autor da ameaça teria
exercido um direito seu;
● que ela seja atual ou iminente – que seja suscetível a
atingir a vítima, sua família ou seus bens;
● que traga justo receio de um grave prejuízo – o CC/02, art.
152 determina que compete ao magistrado a responsabilidade
de apreciar o grau de ameaça;
● que o prejuízo recaia sobre a pessoa ou os bens do
paciente, ou pessoa de sua família – se atingir pessoa não
estranha à família da vítima, cabe ao magistrado analisar a
relação de afetividade.

Vale destacar que a ameaça de um mal impossível, remoto ou evitável não


constitui coação capaz de viciar o ato. Espécies:

1.3.1 Física (absoluta) – é aquela que age diretamente sobre o corpo


da vítima. A vantagem pretendida pelo autor é obtida mediante o
emprego de força física. Exemplo: colocação de digital de analfabeto
em contrato, utilizando-se de força física.

Ressaltam Gagliano e Pamplona Filho (2006) que a doutrina entende que


este tipo de coação neutraliza completamente a manifestação de vontade,
tornando o negócio jurídico inexistente (nulidade), e não simplesmente anulável.

1.3.2 Moral (relativa) – é aquela que incute na vítima um temor constante


e capaz de perturbar seu espírito, fazendo com que ela manifeste seu
consentimento de maneira viciada. Exemplo: o assaltante que ameaça
a vítima.

No entender de Diniz (2007, p. 461), a coação moral “[...] atua sobre a


vontade da vítima, sem aniquilar-lhe o consentimento, pois ela conserva uma
relativa liberdade, podendo optar entre a realização do negócio que lhe é exigido
e o dano com que é ameaçada”.

106
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Assim, o fato de a parte não estar adstrita completamente de sua manifestação


de vontade não é causa de inexistência do negócio jurídico (nulidade), mas de
invalidade do negócio (anulabilidade).

Há ainda a situação apresentada pelo legislador no artigo 154 do Código Civil de


2002, ou seja, a coação exercida por terceiro. Nesta hipótese só se admite a anulação
do negócio se o beneficiário souber ou devesse saber da coação, respondendo
solidariamente com o terceiro pelas perdas e danos. Todavia, se a parte não coagida
nada sabia, só responde o autor da coação por todas as perdas e danos que houver
causado ao coacto, nos termos do art. 155 do Código Civil de 2002.

1.4 Lesão

É o prejuízo resultante da enorme desproporção existente entre as prestações


de um negócio jurídico, no momento de sua celebração, determinada pelo abuso
da inexperiência de uma das partes ou premente necessidade.

Venosa (2012, p. 431) esclarece que no contrato, mesmo naqueles em que


as partes discutem livremente suas cláusulas, em determinadas situações, um dos
contratantes, “[...] por premências várias, é colocado em situação de inferioridade”.
Nesse sentido, devido ao fato da inexperiência ou de sua necessidade, o agente
perde a noção de justo e do real, e desta forma sua vontade é contaminada,
conduzindo-o a praticar atos que constituem verdadeiros disparates do ponto de
vista econômico.

Este instituto está caracterizado na legislação no artigo 157, caput do Código


Civil de 2002, sendo também ventilado no artigo 39, inciso V do Código de Defesa
do Consumidor.

Elementos caracterizadores:

• Objetivo – consiste na manifestação desproporcional entre as prestações


recíprocas geradoras de lucro exagerado – CC/02, § 1°, do art. 157.

• Subjetivo – caracterizado pela inexperiência ou premente necessidade


do lesado;

Gonçalves (2006) destaca que a necessidade ventilada na lei não está


relacionada às suas condições econômicas. Ela deve estar relacionada à
impossibilidade de evitar o contrato, o que independe da capacidade financeira do
lesado. Exemplifica o autor que naqueles casos em que o indivíduo é abordado
por assaltantes e oferece uma recompensa ao seu libertador para salvar-se; ou se
o sujeito está se afogando e promete doar significativa quantia ao seu salvador.
107
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

No caso de lesão o efeito gerado é de anulação do negócio jurídico, conforme


artigo 178, inciso II, do Código Civil de 2002. Todavia, se for ofertado suplemento
ou redução poderá ser tido como válido, haja vista a previsão do parágrafo 2º do
artigo 157 do Código Civil de 2002.

Referido instituto legal proporciona ao lesado a possibilidade de optar pela


anulação ou pela revisão do contrato, formulando pedido alternativo.

No caso de revisão contratual cabe destacar a Teoria da Imprevisão,


representada pela cláusula rebus sic stantibus, em virtude da qual o devedor
é obrigado a cumprir o contrato somente quando subsistem as condições
econômicas existentes quando firmado o ajuste. Isto significa que o contrato
se cumpre se as coisas (rebus) se conservarem desta maneira (sic), no estado
preexistente (stantibus) quando de sua estipulação, ou seja, desde que não
tenham sofrido modificações essenciais, conforme artigo 478 do Código Civil de
2002 nos casos de onerosidade excessiva.

Nesse sentido, o agente poderá escolher pleitear a nulidade do negócio


jurídico ou mantê-lo, todavia, realizando a revisão necessária para que ele
apresente as características do momento da contratação.

1.5 Estado de perigo

É uma espécie de estado de necessidade, é defeito do negócio jurídico que


afeta a declaração de vontade do contratante, diminuindo a sua liberdade por
temor de dano à sua pessoa ou a pessoa de sua família.

Conforme Gonçalves (2006, p. 395), estado de necessidade é mais amplo,


“[...] abrangendo, tanto quanto no direito penal, a exclusão da responsabilidade
por danos [...]”, como prevê o CC/02, art. 188, II, que se refere à destruição de
coisa alheia ou lesão à pessoa, envolvendo questões relacionadas com todo
o direito público e privado, como a demolição de prédios, alijamento de carga
durante a tempestade etc.

Devido às características do estado de perigo e a coação, há a necessidade


de traçar algumas diferenças.

Assim, Gonçalves (2006) assente que no estado de perigo incorre a hipótese


de um dos contratantes constranger o outro à prática de determinado ato ou a
consentir na celebração de determinado contrato. O que se considera é o temor
de dano iminente que faz o declarante participar de um negócio excessivamente
oneroso. Leva-se em conta o elemento objetivo, ou seja, o contrato celebrado em

108
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

condições abusivas, aliada à vontade perturbada provocando o desequilíbrio que


caracteriza o estado de perigo.

Na coação apenas o aspecto subjetivo é considerado. Não se levam em


conta as condições do negócio, se são abusivas ou iníquas, mas somente a
vontade, que se manifesta divorciada da real intenção do declarante.

Destaca Gonçalves (2006, p. 398) que da leitura do artigo 156 do Código


Civil de 2002, pode-se extrair os seguintes elementos caracterizadores do estado
de perigo:

● Situação de necessidade – a necessidade aparece como


título constitutivo da pretensão anulatória;
● Iminência de dano atual e grave – o perigo de dano deve ser
atual, iminente, capaz de transmitir o receio de que, se não for
interceptado e afastado, as consequências temidas fatalmente
advirão. Exemplo: um nadador profissional, perdido em mar
aberto, talvez não desperte tanto temor de modo a levar uma
mãe a assumir obrigação excessiva, mas uma criança perdida
no mar pode levar a mesma mãe a entregar tudo o que possui
para tê-la de volta;
● Nexo de causalidade entre a declaração e o perigo de
grave dano – deve existir uma relação entre a possibilidade do
dano e a declaração;
● Incidência de ameaça do dano sobre a pessoa do próprio
declarante ou de sua família – o dano possível pode ser físico
e moral, ou seja, dizer respeito à integridade física do agente, à
sua honra e à sua liberdade – CC/02, art. 156, parágrafo único;
● Conhecimento do perigo pela outra parte – o conhecimento
da situação de perigo caracteriza o aproveitamento da situação
para obtenção de vantagem. No entanto, se o que prestou o
serviço não sabia do perigo, deve-se presumir que agiu de
boa-fé, não se anulando o negócio e fazendo-se a redução do
excesso contido na proposta onerosa;
● Assunção de obrigação excessiva onerosa – não se trata,
aqui, do princípio da onerosidade excessiva, que permite a
revisão dos contratos com base na cláusula rebus sic stantibus,
conforme vimos na lesão. É primordial que as condições sejam
significativamente desproporcionais, capazes de provocar
profundo desequilíbrio contratual. A relação se dá entre o
serviço prestado e o pagamento, no caso excessivamente
oneroso.

No entendimento de Gonçalves (2006), somente se aplica a regra avençada


no CC/02, art. 178, II, ou seja, a anulabilidade do negócio celebrado em estado de
perigo, quando estejam presentes todos os requisitos exigidos pelo artigo 156 do
Código Civil de 2002.

Entretanto, no caso de boa-fé afigura-se a melhor solução a conservação do


negócio com a redução do excesso contido na obrigação.

109
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

1.6 Fraude contra credores

Consiste no ato de alienação ou oneração de bens, assim como de


remissão de dívida, praticado pelo devedor insolvente, ou à beira da insolvência,
com o propósito de prejudicar credor preexistente, em virtude da diminuição
experimentada pelo seu patrimônio, ato anulável, conforme preceituam os artigos
158 a 165 do Código Civil de 2002.

Cabe destacar que se o devedor, maliciosamente afasta de seu patrimônio


ou diminui a garantia que este representa para seus credores, a lei confere-lhe
prerrogativa de desfazer os atos praticados, restabelecendo integralmente a
primitiva garantia.

Para que se caracterize o instituto da fraude contra credores é necessário o


conluio fraudulento e o prejuízo causado a credor.

Glagliano e Pamplona Filho (2006, p. 377) elencam as hipóteses mais


recorrentes em que se apresenta a fraude contra credores, conforme segue:

• Negócios de transmissão gratuita de bens (CC/02, art. 158,


caput);
• Remissão de dívida – quando se perdoa as dívidas do
devedor, pode o credor pedir declaração de ineficácia do
perdão, para que os créditos se incorporem no ativo do
devedor;
• Contratos onerosos do devedor – quando a insolvência for
notória ou quando houver motivo para ser conhecida do
outro contratante (CC/02, art. 159);
• Antecipação de pagamento feita a um dos credores
quirografários, em detrimento dos demais (CC/02, art. 162);
• Outorga de garantia de dívida dada a um dos credores, em
detrimento dos demais (CC/02, art. 163);

No entanto, há que se observar que os gastos ordinários do devedor insolvente


são válidos quando eles derivam da necessidade de manter estabelecimentos
mercantis, rurais ou industriais do devedor e também quando se destinam à sua
subsistência e de sua família.

Para que se possa reverter os atos atentatórios ao crédito, se faz uso da


denominada ação pauliana, que segundo Venosa (2012, p. 445) tem natureza
declaratória com efeito revogatório e, consequentemente, recomposição do

110
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

patrimônio. Assim, não pode a ação ser proposta contra os atos que não levaram
o devedor à insolvência nem contra aqueles atos pelos quais o devedor deixou de
ganhar algo.

Ressalta Diniz (2007) que o principal efeito da ação pauliana é revogar o


negócio lesivo aos interesses dos credores, repondo o bem no patrimônio do
devedor, cancelando a garantia real concedida (CC/02, art. 165, parágrafo único)
em proveito do acervo sobre o que se tenha de efetuar o concurso de credores, e
não apenas ao que intentou.

Até aqui observamos e discorremos sobre os vícios de consentimento, ou


seja, aqueles vícios eivados de defeitos na manifestação. Agora vamos identificar
o vício denominado social, ou seja, aquele em que há a intenção de prejudicar.

2 Vício Social

Gonçalves (2006) afirma que os vícios sociais são aqueles vícios que não
conduzem a um descompasso entre o íntimo querer do agente e a sua declaração,
mas são exteriorizados com a intenção de prejudicar terceiros.

2.1 Simulação

É uma declaração enganosa de vontade, visando produzir efeito diverso


do ostensivamente indicado. Na simulação celebra-se um negócio jurídico que
tem aparência normal, mas que na verdade, não pretende atingir o efeito que
juridicamente devia produzir – CC/02, art. 167. Exemplo: quero dar meus bens a
um único filho, vendo-os a terceiro que vende para ele – ato nulo. Diniz (2007, p.
473) identifica as seguintes características da simulação:

• Falsa declaração de vontade bilateral;


• Vontade exteriorizada divergente da interna ou real, não
correspondendo à intenção das partes;
• É sempre contratada com a outra parte, sendo, portanto
intencional o desacordo entre a vontade interna e a
declarada;
• Feita no sentido de iludir terceiro.

Esta característica, afirma Gonçalves (2006), difere do dolo porque neste


a vítima participa da avença, sendo, porém, induzida em erro. Na simulação, a
vítima lhe é estranha.

Estas características estão elencadas no Código Civil de 2002, no §1°, incisos


I, II e III do art. 167. Gonçalves (2006, p. 359) divide a simulação em duas espécies:

111
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Absoluta – o negócio jurídico forma-se a partir de uma


declaração de vontade ou de uma confissão de dívida emitida
para não gerar efeito jurídico algum. Exemplo: emissão de
títulos de crédito de marido às vésperas da separação, no
interesse de prejudicar a esposa;
Relativa – emite-se uma declaração de vontade ou confissão
falsa com o propósito de encobrir ato de natureza diversa, cujos
efeitos, queridos pelo agente, são proibidos por lei. Exemplo:
quando homem casado, para contornar a proibição legal de
fazer doação à concubina, simula a venda a um terceiro, que
transferirá o bem àquela.

Venosa (2012) distingue a simulação absoluta da relativa, afirmando que na


primeira o negócio é inteiramente simulado, quando as partes, na verdade, não
desejam praticar ato algum, sendo que na segunda as partes pretendem realizar
um negócio, mas de forma diferente daquela que se apresenta.

Na simulação inocente não existe a intenção de violar a lei ou de lesar


outrem. Exemplo: de cujus antes de falecer, sem herdeiros necessários, simula
venda aparente a terceira pessoa a quem pretende deixar um legado.

Já na simulação maliciosa há a intenção, o propósito de prejudicar terceiros


ou de burlar o comando legal, viciando o ato, que perderá a validade, sendo
nulo. Venosa assenta (2012, p. 515) sobre a distinção da simulação inocente da
maliciosa que é:

[...] nos defeitos que encontramos a definição de uma ou de


outra forma de simulação, não existindo critério apriorístico
para a conclusão pela boa ou má-fé da simulação. A simulação
inocente, enquanto tal, não levava à anulação do ato porque
não trazia prejuízo a terceiros. O ordenamento não considera
defeito.

Instituto assemelhado é o da reserva mental, que ocorre quando o declarante


emite conscientemente declaração discordante da sua vontade real, “[...] com
intenção de enganar o próprio declaratário” (VENOSA, 2012, p. 520). Exemplo:
autor de uma obra declara que estará fazendo uma sessão de autógrafos e que
doará os direitos autorais para uma instituição de caridade.

Nos esclarecimentos de Venosa (2012, p. 520) podemos verificar que


a reserva mental é diversa da simulação, “[...] porque na reserva mental a
intenção de enganar é dirigida contra o próprio declaratório, não havendo acordo
simulatório”. No entanto, essa mentira somente será relevante para o negócio se
tiver efeitos jurídicos.
Assim, os negócios jurídicos necessitam apresentar determinados elementos
para que possam gerar os efeitos almejados; na hipótese de ausência de qualquer

112
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

destes efeitos, ele não alcançará seu resultado pretendido.

Além dos elementos que constituem os negócios jurídicos, estes também


não podem conter defeitos e, desta forma, identificamos os defeitos que podem
gerar a anulação dos negócios jurídicos.

Agora vamos identificar os efeitos dos negócios quando eivados destes


defeitos anteriormente elencados.

Da Invalidade dos Negócios Jurídicos


Gonçalves (2006, p. 429) conceitua a invalidade dos negócios jurídicos
dizendo que “É empregado para designar o negócio que não produz os efeitos
desejados pelas partes, o qual será classificado pela forma supramencionada de
acordo com o grau de imperfeição verificado”.

Para Rodrigues (2002, p. 284), “[...] o ato vem inquinado de algum defeito,
se desatende ao mandamento legal ou se divorcia da finalidade social que o deve
inspirar, deixa de produzir os efeitos almejados pelas partes, pois, ou não adquire
validade, ou pode ser declarado ineficaz”.

Conforme os conceitos anteriormente transcritos, a invalidade do negócio


jurídico ocorre quando o negócio em si não produz seus efeitos almejados,
apresentando-se nulo, mas com existência.

Entende Gonçalves (2006) que, além do negócio jurídico nulo, temos que
considerar o negócio jurídico inexistente para uma ampla classificação.

Para Gonçalves (2006) o negócio é inexistente quando lhe falta algum


elemento estrutural, como o consentimento, por exemplo. Se não houver qualquer
manifestação de vontade, o negócio não chegou a se formar; inexiste, portanto.
Se a vontade foi manifestada, mas encontra-se eivada de erro, dolo ou coação,
por exemplo, o negócio existe, mas é anulável. Se a vontade emana de um
absolutamente incapaz, maior é o defeito e o negócio existe, mas é nulo.

Venosa (2012) corrobora traçando igualmente três categorias de ineficácia


dos negócios jurídicos, ou seja, os negócios jurídicos inexistentes, os nulos e
os anuláveis. Assim, a inexistência ou invalidade do negócio são diferentes em
sua apresentação, mas os efeitos gerados por uma situação ou por outra são
idênticos.

113
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Diniz (2007, p. 531) entende que a nulidade é a sanção “[...] imposta pela
norma jurídica, que determina a privação dos efeitos jurídicos do negócio praticado
em desobediência ao que prescreve”. Para Gonçalves (2006, p. 431), a nulidade é:

O negócio é nulo quando ofende preceitos de ordem pública,


que interessam à sociedade. Assim, quando o interesse
público é lesado, a sociedade o repele, fulminando-o de
nulidade, evitando que venha a produzir os efeitos esperados
pelo agente.

Conforme Venosa (2012, p. 488), “[...] é vício que impede o ato de ter
existência legal e produzir efeito, em razão de não ter sido obedecido qualquer
requisito essencial”.

A invalidade do negócio jurídico pode se apresentar na espécie de absoluta


ou relativa, conforme os feitos gerados. Veja:

a) Absoluta (ato nulo) – existe um interesse social, além do individual,


para que se prive o ato ou negócio jurídico dos seus efeitos específicos,
visto que há ofensa a preceito de ordem pública e, assim, afeta a todos
– CC/02, art. 166, incisos I a VII. As causas que motivam a nulidade
absoluta estão elencadas em diversos preceitos legais no decorrer do
Código Civil de 2002, mas de forma expressa e textual se encontra nos
artigos 166 e 167;

b) Relativa (ato anulável) – a nulidade relativa é denominada anulabilidade


e atinge negócios que se acham inquinados de vício capaz de lhes
determinar a invalidade, mas que pode ser afastado ou sanado.

Para Gonçalves (2006, p. 434), “[...] é a sanção imposta pela lei aos atos
e negócios jurídicos realizados por pessoa relativamente incapaz ou eivados de
algum vício do consentimento ou vício social”.

Compreende Diniz (2007, p. 532) que os “[...] negócios que se acham


inquinados de vício capaz de lhes determinar a ineficácia, mas que poderá ser
eliminado, restabelecendo-se a sua responsabilidade”.

Além das causas de anulabilidade que se encontram esparsas no Código


Civil de 2002, especificadamente esta matéria está expressa no artigo 171.

Observa Gonçalves (2006) que também é causa de anulabilidade a falta


de assentimento de outrem que a lei estabeleça como requisito de validade, por
exemplo, nos casos em que um cônjuge só pode praticar com a anuência do outro.

114
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Para melhor compreensão dos possíveis efeitos gerados pela nulidade


absoluta e relativa, Gonçalves (2006, p. 435) apresenta um comparativo entre os
dois institutos, conforme segue:

DiFerenças Entre Nulidade e


AnulaBilidade
Assim, o texto a seguir relaciona entre si os negócios jurídicos nulos e os
anuláveis, fazendo a distinção entre eles e seus possíveis efeitos.

a) Nulidade – de ordem pública, no interesse da coletividade,


tem eficácia erga omnes;
Anulabilidade – no interesse privado da pessoa
prejudicada;
b) Nulidade – não pode ser sanada pela confirmação, nem
suprida pelo juiz;
Anulabilidade pode ser suprida pelo juiz, a requerimento
das partes – CC/02, art. 168, parágrafo único, ou sanada,
expressa ou tacitamente, pela confirmação – CC/02, art.
172;
c) Nulidade deve ser pronunciada de ofício pelo juiz, tem
efeito ex tunc;
Anulabilidade depende de provocação dos interessados
(CC/02, art. 177), tem efeito ex nunc;
d) Nulidade pode ser alegada por qualquer interessado, em
nome próprio ou pelo Ministério Público;
Anulabilidade só pode ser alegada pelos interessados/
prejudicados;
e) Nulidade não se valida com o decurso de tempo, nem é
suscetível de confirmação (CC/02, art. 169);
Anulabilidade – a decadência ocorre em prazos mais ou
menos curtos (CC/02, art. 179);

Lembrando que a regra nos negócios jurídicos é a sua validade Nosso ordenamento
traz a perspectiva da
e a exceção será a invalidade. Assim, nosso ordenamento traz a
Teoria da Conversão
perspectiva da Teoria da Conversão do negócio jurídico, ou seja, do negócio jurídico,
mesmo que esteja inquinado de vício poderá ser convertido em outro ou seja, mesmo que
não contaminado pelo defeito. esteja inquinado
de vício poderá ser
Nesse sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 399) convertido em outro
não contaminado
esclarecem que a conversão do negócio jurídico trata de uma medida
pelo defeito.
sanatória, “[...] por meio da qual aproveitam-se os elementos materiais
de um negócio jurídico nulo ou anulável, convertendo-o, juridicamente, e de
acordo com a vontade das partes, em outro negócio válido e de fins lícitos”.

115
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Gonçalves (2006, p. 439) também discorre sobre o assunto ao afirmar


que o instituto da conversão permite que “[...] observados certos requisitos, se
transforme um negócio jurídico, em princípio nulo, em outro, para propiciar a
consecução do resultado prático que as partes visavam com ele alcançar”.

Para melhor compreensão da aplicação deste instituto, seguem alguns


exemplos, como a nota promissória nula por inobservância dos requisitos legais
de validade é aproveitada como confissão de dívida; contrato de compra e venda
de imóvel valioso, firmado em instrumento particular, nulo de pleno direito por
vício de forma, converte-se em promessa irretratável de compra e venda, para a
qual não se exige a forma pública.

Esta teoria apresenta dois pressupostos para sua consideração, um objetivo,


pois é concernente à necessidade de que o segundo negócio, em que se
converteu o nulo, tenha por suporte os mesmos elementos fáticos do primeiro; e,
outro subjetivo, que se apresenta relativo à intenção das partes de obter o efeito
prático resultante do negócio em que se converte o inválido. Tal teoria se encontra
expressa nos preceitos do artigo 170 do Código Civil de 2002.

Desta forma, verificamos o plano de validade e invalidade dos negócios


jurídicos, e retomando a escada ponteana, vamos adentrar na terceira categoria,
que é a eficácia dos negócios jurídicos, que pode ser imediata ou mediata,
conforme veremos.

Da Condição, do Termo e do Encargo


O Código Civil de 2002, em supressão ao título “Das modalidades do
ato jurídico”, instituiu no capítulo III “Da Condição, do Termo e do Encargo”,
considerando-os os elementos acidentais do negócio jurídico, ou seja, os que
acrescentam à figura típica do ato para mudar-lhe os respectivos efeitos.

Esclarece Gonçalves (2006, p. 336) que são cláusulas que, apostas a


negócios jurídicos por declaração unilateral ou pela vontade das partes, acarretam
modificações em sua eficácia ou em sua abrangência.

a) Da condição

Para Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 404), a condição “[...] consiste em


um evento futuro e incerto, por meio do qual subordinam-se ou resolvem-se os
efeitos jurídicos de um determinado negócio”.

116
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

O conceito da condição se encontra na própria legislação, no Código Civil


de 2002, determinado em seu art. 121: “Considera-se condição a cláusula que,
derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio
jurídico a evento futuro e incerto” (BRASIL, 2002). Assim, os elementos que
compõem a condição, nos termos de Gonçalves (2006, p. 338), são:

a) Aceitação voluntária – as partes devem querer e


determinar o evento;
b) Futuridade do evento – assim, acontecimento passado
não pode caracterizar determinação acessória condicional;
c) Incerteza do acontecimento – o evento, a que se
subordina o efeito do negócio, deve também ser incerto,
podendo verificar-se ou não. Se o fato a que se subordina
for certo (uma determinada data), estaremos diante de um
termo, e não de uma condição;

Todavia, ressalta Rodrigues (2002, p. 243) que nem todo negócio jurídico admite
cláusula acessória da condição. Neste caso, o autor elenca as seguintes hipóteses
em que não há possibilidade do negócio estar condicionado, conforme seguem:

● casamento – ninguém pode se casar sob condição. Tem


caráter contratual, mas um aspecto institucional;
● emancipação – ninguém pode emancipar filho sob
condição, pois gera inúmeros efeitos na ordem social, seria
inconveniente que ela pudesse desfazer-se pelo advento da
condição;
● adoção – o ato da adoção não admite condição;
● renúncia de herança – convém que as relações sucessórias
se estabeleçam de maneira definitiva – CC/02, art. 1808.

Assim, determinados negócios jurídicos não admitem condição, haja vista que
estão na categoria de negócios puros de família, ou seja, de regras inderrogáveis.

b) Classificação da condição

Conforme Tartuce (2016, p. 246), a condição pode ser classificada das mais
diversas formas, sendo que por meio destas é possível estudar os seus efeitos,
conforme segue:

a) Quanto à licitude do evento – as condições podem ser


lícitas e ilícitas, conforme estão de acordo com o preceito
legal ou em desacordo, a exemplo desta última, a cláusula
que obriga alguém a mudar de religião – CC/02, art. 122;
b) Quanto à sua lógica – as condições podem ser perplexas
ou contraditórias. Nelas há a impossibilidade lógica,
invalidando o negócio por serem incompreensíveis ou
contraditórias – CC/02, art. 123, III. Esta classificação é
uma inclusão do autor Venosa (2012, p. 467).
c) Quanto à possibilidade – as condições podem ser
possíveis e impossíveis (física e juridicamente) – CC/02,

117
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

art. 124. Exemplos: condição de viajar para a Lua,


casamento de pessoa já casada civilmente;
d) Quanto à fonte – podem-se subdividir em causais,
potestativas e mistas.
Causais – são as que dependem do acaso, do fortuito, do
alheio à vontade das partes. Exemplo: doarei tal valor se
chover amanhã;
Potestativas – são as que decorrem do poder ou da
vontade de uma das partes. Exemplo: doarei tal valor
se fores para a Europa (tal viagem não depende só da
vontade, mas também da obtenção de tempo e dinheiro);
Mistas – são as condições que dependem simultaneamente
da vontade de uma das partes e da vontade de um terceiro.
Exemplo: doarei tal valor, se formares sociedade com
determinada pessoa.
e) Quanto ao modo de atuação – podem ser suspensivas ou
resolutivas.
Suspensiva – impede que o ato produza efeitos até a
realização do evento futuro e incerto – CC/02, art. 125.
Exemplo: contrato de compra e venda com condição
suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá
adquirido o direito a que ele visa;
Resolutiva – é a que extingue, resolve o direito transferido
pelo negócio, ocorrido o evento futuro e incerto – CC/02,
art. 127. Exemplo: aquisição de um imóvel sob condição
de o negócio se resolver se não chover nos próximos dois
anos; esclarece Rodrigues (2002, p. 251) que o negócio
é perfeito desde logo, porém tem sua eficácia ameaçada
pela eventual ocorrência do fato estipulado.

Assim, a condição pode se apresentar diversamente com relação aos seus


efeitos, sejam estes apostos de forma suspensiva ou resolutiva, na primeira
hipótese não produzem seus efeitos até a realização do evento e, na última, se
extingue no ato do evento.

c) Retroatividade e irretroatividade da condição

A questão da retroatividade ou não da condição diz respeito aos efeitos ex


tunc e ex nunc da estipulação. Admitida a retroatividade, é como se o ato tivesse
sido puro e simples desde a origem, conforme determina Gonçalves (2006).

Desta afirmação depreende-se que a retroação dos efeitos da condição


emana da vontade das partes, conforme Venosa (2012, p. 477), ao se referir ao
problema da segunda parte do artigo 128 do Código Civil de 2002, ao afirmar: “[...]
aos negócios de execução periódica ou continuada, operada a condição, somente
haverá retroatividade nos efeitos, nos atos já praticados, se houver disposição
nesse sentido”.

118
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

d) Pendência, implemento e frustração da condição

Aqui será ponderado o estado da condição, enquanto ainda pendente, no


momento de seu implemento e quando frustrada, conforme seguem:

• Pendente – enquanto não se verifica ou não se frustra o evento futuro e


incerto – CC/02, art. 125.

• Implemento – com a verificação da condição, o direito é adquirido


– CC/02, art. 129. Exemplo: no testamento subordinado a condições
suspensivas, o direito do herdeiro ou legatário só se adquire com
seu implemento. Se este morre antes, o testamento caduca, não se
transmitindo o direito condicional (GONÇALVES, 2006).

• Frustração – se o evento não se realizou no período previsto, ou é certo


que não poderá realizar-se, considera-se como nunca tenha existido o
negócio. Cessa a expectativa de direito.

Assim, verificamos que dependendo da situação que se encontra a condição,


seus efeitos podem ser alterados, ou seja, aguardam o evento futuro e incerto; se
verifica com a realização do evento futuro e incerto; e, por fim, se frustram caso
não ocorra o evento futuro e incerto.

e) Do termo

Venosa (2012) conceitua a cláusula acessória termo como sendo a eficácia


de um negócio jurídico que pode ser fixada no tempo. Determinam as partes ou
fixa o agente quando a eficácia do ato começará e terminará. Esse dia do início e
do fim da eficácia do negócio chama-se termo, que pode ser inicial e final.

Conceitua Gonçalves (2006, p. 352) como “[...] o dia ou momento em que


começa ou se extingue a eficácia do negócio jurídico, podendo ter como unidade
de medida a hora, o dia, o mês ou o ano”.

Já Rodrigues (2002, p. 255) entende que é “[...] modalidade do negócio


jurídico cujo fim é suspender a execução ou o efeito de uma obrigação, até um
momento determinado, ou até o advento de um acontecimento futuro e certo”.
Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 416) classificam o termo como:

a) Convencional – fixado pela vontade das partes;


b) Legal – determinado por força de lei;
c) De graça – fixado por decisão judicial (geralmente consiste
em um prazo determinado pelo juiz para que o devedor de
boa-fé cumpra a sua obrigação).

119
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Da mesma forma que a condição, destaca Gonçalves (2006, p. 353) que nem
todo negócio jurídico admite cláusula acessória da condição. Assim, enumera as
seguintes hipóteses em que não há possibilidade do negócio estar sob termos,
conforme seguem:

● Casamento;
● Emancipação;
● Adoção – CC/02, art. 1.626;
● Renúncia de herança – CC/02, art. 1808;
● Reconhecimento de filho – CC/02, art. 1.613.

f) Prazos

Prazo é lapso temporal de tempo transcorrido entre a declaração de vontade


e o advento do termo. Assim, há um prazo inicial e um final.

Entende Gonçalves (2006) que o prazo do termo pode ser certo ou incerto,
conforme também o seja o termo. Pode ocorrer que o termo, embora certo e
inevitável no futuro, seja incerto quanto à data de sua verificação. Exemplo:
determinado bem passará a pertencer a tal pessoa a partir da morte de seu
proprietário.

Observa ainda Gonçalves (2006) que na compra de uma safra, o prazo


necessário será a época da colheita. A obrigação de entregar bens, como animais,
por exemplo, que deverão ser transportados para localidades distantes, não pode
ser cumprida imediatamente.

g) Do encargo

Gagliano e Pamplona Filho (2006) conceituam encargo como a determinação


acessória acidental do negócio jurídico que impõe ao beneficiado um ônus a ser
cumprido, em prol de uma liberalidade maior.

Para Venosa (2012, p. 482), “O encargo ou modo é restrição imposta ao


beneficiário de liberalidade”.

Rodrigues (2002, p. 259) discorre sobre o encargo dizendo que “[...] é uma
limitação trazida a uma liberalidade, quer por dar destino ao seu objeto ou por
impor ao beneficiário uma contraprestação. É um ônus que diminui a extensão da
liberdade”.

120
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Ressalta Gonçalves (2006, p. 356) que o encargo é muito comum nas


doações feitas ao município, em geral com a obrigação de construir um hospital,
escola, creche ou algum outro melhoramento público; e nos testamentos, em que
se deixa a herança a alguém, com a obrigação de cuidar de determinada pessoa
ou de animais de estimação.

A característica mais marcante do encargo é sua obrigatoriedade – CC/02,


art. 553. Elenca Diniz (2007, p. 527) como efeitos do encargo:

● Não suspende a aquisição, nem o exercício do direito,


salvo quando expressamente imposto no ato, como condição
suspensiva – CC/02, art. 136;
● Sua iliciedade ou impossibilidade física ou jurídica leva a
considerá-lo como não escrito – CC/02, art. 137;
● Gera uma declaração de vontade qualificada ou modificada
que não pode ser destacada do negócio – CC/02, arts. 553,
555 (segunda parte), 1.938 e 1.949. Exemplo: pessoa que foi
beneficiada por uma doação deverá cumprir o encargo, sob
pena de se revogar a liberalidade;
● Podem exigir o seu cumprimento o próprio instituidor, seus
herdeiros, as pessoas beneficiadas ou representante do
Ministério Público, se contiver em disposição testamentária ou
for de interesse público – CC/02, art. 553, parágrafo único;
● A resolução do negócio jurídico em virtude de inadimplência
do modo não prejudica direitos de terceiros.

Assim, depreende-se dos itens elencados acima que os efeitos do encargo


estão ligados ao elemento da obrigatoriedade atrelada ao próprio negócio jurídico,
todavia, podem se apresentar de forma imediata ou mediata, conforme esteja a
condição suspensiva ou imediata.

Atividades de Estudos:

1) O que é fato jurídico?


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121
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

2) Qual é a classificação dos fatos jurídicos e qual é o seu significado?


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3) O que é expectativa de direito?


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4) Explique a distinção entre nulidade, anulabilidade e seus


possíveis efeitos.
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5) Qual é o conceito legal de condição no Código Civil de 2002?


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6) Quais são os elementos que compõem a condição?


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7) A característica mais marcante do encargo é sua obrigatoriedade.


Baseado nisso, você consegue se recordar de exemplos?
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122
Capítulo 4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Algumas ConsideraçÕes
Neste capítulo estudamos a influência dos fatos na ordem jurídica,
subdividindo-os em fatos jurídicos e atos jurídicos, que por sua vez se subdividem
em lícitos e ilícitos. Dentre os atos jurídicos lícitos abordamos os negócios
jurídicos, ou seja, quando há por parte dos sujeitos a intenção manifestada de
gerar efeitos jurídicos e, por consequência, geram, modificam ou extinguem
direitos.

Conforme percebemos, os negócios jurídicos, para que alcancem o objetivo


almejado, necessitam preencher determinados requisitos que são essenciais
ou constitutivos, pois sem os quais não alcançam sua constituição, validade ou
eficácia.

Tais considerações em nosso ordenamento passam pela denominada escada


ponteana, onde Pontes de Miranda traduz em uma “escada” o plano de validade,
eficácia e existência do próprio negócio.

Assim, verificou-se que para a existência válida do negócio jurídico há a


necessidade de que seus elementos constitutivos estejam em consonância com a
regra e que também não seja este contaminado com vícios.

Nesse sentido, a base das relações jurídicas está representada pelos


negócios jurídicos, que no dia a dia do sujeito passam muitas vezes despercebidos,
pois desde o acordar estamos realizando negócios que geram efeitos jurídicos,
tais como, abrir a torneira e ter água canalizada, utilizar um meio de transporte,
sua relação de conjugalidade e tantos outros.

Assim, a vida em sociedade está atrelada às nossas relações com os demais


membros desta, e estas relações se representam basicamente por meio dos
negócios jurídicos.

ReFerências
BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília,
Congresso Nacional, 2002. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/
leis/2002/L10406.htm>. Acesso em> 13 mar. 2018.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito
civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

123
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito


civil: parte geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. ed. São Paulo:


Saraiva, 2006.

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 6. ed. São Paulo: Método, 2016.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2012.

124
C APÍTULO 5
Da Prescrição e da Decadência

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Entender e diferenciar prescrição de decadência.

 Identificar as causas que impedem, suspendem e interrompem a prescrição.

 Conhecer e compreender os prazos legais que ensejam a prescrição e sua


aplicação.

 Examinar casos em que ocorre a decadência.


TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

126
Capítulo 5 DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA

ConteXtualiZação
O direito subjetivo não pode se eternizar, ficando de maneira indefinida no
tempo e, por isso, para o exercício de seu direito, o titular deve observar o prazo
que a lei lhe autoriza. Desse modo, para conferir pacificação social e segurança
da ordem jurídica, surgiu a prescrição e a decadência, com a finalidade de
determinar o tempo do exercício de um direito.

O Código Civil de 1916 tratava do tema de maneira bem confusa, de modo


que o intérprete da lei tinha sempre que se fazer valer da hermenêutica para
identificar a aplicabilidade seja do instituto da prescrição ou da decadência.

Com a dificuldade de interpretação da matéria durante a vigência do Código


Civil de 1916, Tartuce (2016, p. 458) registra que o professor Agnelo Amorim Filho
produziu um artigo que se tornou emblemático, cuja tese foi adotada pelo Código
Civil de 2002:

Esse brilhante professor paraibano associou a prescrição às


ações condenatórias, ou seja, àquelas ações relacionadas com
direitos subjetivos, próprio das pretensões pessoais. Assim, a
prescrição mantém relação com deveres, obrigações e com
a responsabilidade decorrente da inobservância das regras
ditadas pelas partes ou pela ordem jurídica.
Por outro lado, a decadência está associada a direitos
potestativos e às ações constitutivas, sejam elas positivas ou
negativas. As ações anulatórias de atos e negócios jurídicos,
logicamente, têm essa última natureza. A decadência, portanto,
tem relação com um estado de sujeição, próprio dos direitos
potestativos. Didaticamente, é certo que o direito potestativo,
por se contrapor a um estado de sujeição, é aquele que
encurrala a outra parte, que não tem saída.
Por fim, as ações meramente declaratórias, como aquelas que
buscam a nulidade absoluta de um negócio, são imprescritíveis,
ou melhor, tecnicamente, não estão sujeitas à prescrição ou à
decadência. A imprescritibilidade dessa ação específica está
também justificada porque a nulidade absoluta envolve ordem
pública, não convalescendo pelo decurso do tempo (art. 169
do CC).

O Código Civil de 2002 disciplinou a matéria de forma explícita, até mesmo


diferenciando os institutos.

Vamos descobrir melhor como funcionam esses institutos?

127
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Prescrição
Antes de adentrar nas especificidades desse instituto, é necessário conhecer
seu conceito. Rizzardo (2006, p. 609) expõe:

Prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda


a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso
delas, durante um determinado espaço de tempo. Não é o
fato de não exercer o direito que lhe tira o vigor; nós podemos
conservar inativos em nosso patrimônio muitos direitos, por
tempo indeterminado. O que o torna inválido é o não uso da
sua propriedade defensiva, da ação que o reveste e protege.

Melo (2015, p. 230) contribui dizendo que prescrição “[...] é a extinção da


pretensão e, por via de consequência, do direito de ação, em razão do decurso
de tempo, pelo fato de o titular do direito não a ter exercido nos prazos que a lei
estabelece”.

Atenção! Este é o conceito de prescrição extintiva de direito, porque existe


também a prescrição aquisitiva, como ocorre com a usucapião, estudado em
direito das coisas.

O CC/2002 prevê que para o titular de um direito violado, nasce uma


pretensão que pode ser extinta pela prescrição.

Para maior compreensão do assunto, recomenda-se a leitura do


art. 189 do Código Civil de 2002.

O que desaparece é a perda da pretensão para o exercício ou a defesa


de determinado direito, em razão da inércia ou omissão de um titular ante
violações ou ofensas desse direito, eis que existe um período de tempo
previsto para esse exercício.

Trata-se de um benefício a favor do devedor, por isso a máxima “o direito não


socorre aqueles que dormem” (TARTUCE, 2016).

128
Capítulo 5 DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA

A violação do direito subjetivo cria para o seu titular a pretensão, A prescrição é uma
o poder de fazer valer o seu direito em juízo, por meio de uma ação. pena ao negligente,
Entretanto, se o titular deixar escoar tal lapso temporal, sua inércia dará ou seja, é uma pena
aplicada àquele que
origem a uma sanção adveniente. Assim, a prescrição é uma pena ao
possuía a tutela e
negligente, ou seja, é uma pena aplicada àquele que possuía a tutela e não a fez
não a fez, deixando o lesante impune.

Vale destacar que a prescrição é caracterizada pela extinção de uma


pretensão alegável em juízo por meio de uma ação, mas não o direito propriamente
dito. Tartuce (2016, p. 460-461) disserta:

Na prescrição, nota-se que ocorre a extinção da pretensão;


todavia, o direito em si permanece incólume, só que sem
proteção jurídica para solucioná-lo. Tanto isso é verdade
que, se alguém pagar uma dívida prescrita, não pode pedir
devolução da quantia paga, eis que existia o direito de crédito
que não foi extinto pela prescrição. Nesse sentido, determina
o art. 882 do CC/2002 que não se pode repetir o que se pagou
para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente
inexigível.

Com a prescrição há desoneração do devedor ante a negligência do credor


em não propor ação de cobrança de dívida dentro do prazo estabelecido em lei,
reclamando seu direito; porém tal fato não anula a obrigação do devedor, já que
será válido o pagamento voluntário de dívida prescrita, cuja restituição não poderá
ser reclamada. (DINIZ, 2005, p. 378).

ReQuisitos da Prescrição
Necessário conhecer quais são requisitos da prescrição:

• Existência de ação exercitável – diante da violação de um direito,


a ação tem por fim eliminar seus efeitos. A ação prescreverá se o
interessado não a promover;

• Inércia do titular da ação pelo não exercício – o titular nada promove


para nulificar os efeitos do direito violado. A inércia cessa com a propositura
da ação, ou por qualquer ato idôneo que a lei admita como tal;

• Continuidade da inércia durante certo lapso temporal – não é a


inércia momentânea que configura a prescrição, mas aquela ocorrida
durante o lapso de tempo fixado em lei, especificamente para aquele
direito violado. A inércia exigida é a continuada, que constitui elemento
da prescrição.

129
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

a) Causas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição

• Causas impeditivas e suspensivas

Entendem Gagliano e Pamplona Filho (2006) que não há diferença entre


impedimento e suspensão, pois ambos são formas de paralisação do prazo
prescricional, sendo que o tratamento dado pelo legislador aos institutos é o mesmo.

Para maior compreensão do assunto, recomenda-se a leitura


dos artigos 197 a 199 do Código Civil de 2002.

A diferenciação ocorre na prática, em que o impedimento ocorre quando o


prazo prescricional nem iniciou sua contagem; e a suspensão ocorre quando já
iniciou a contagem do prazo prescricional.

De acordo com Venosa (2004), no impedimento mantém-se o prazo


prescricional intacto, pelo tempo de duração do impedimento, ou seja, o seu
curso só terá início com o término da causa impeditiva. Já no caso da suspensão,
uma vez desaparecendo esta, o prazo prescricional retoma seu curso normal,
computando-se o tempo decorrido antes da suspensão.

Melo (2015, p. 237) é muito feliz ao citar como exemplo de caso de suspensão
da prescrição o seguinte:

Vamos imaginar que um prazo prescricional já havia começado


a correr (passou-se um ano de um prazo de dois), quando
surge uma causa de suspensão (que irá durar seis meses). O
prazo ficará suspenso pelos seis meses e, depois de passados
esses meses, voltará a ser contado pelo prazo restante de um
ano, ou seja, pelo prazo que ainda faltava quando ocorreu a
suspensão.

As causas impeditivas da prescrição são as circunstanciais, que impedem


que o seu curso inicie, e as suspensivas, as que paralisam temporariamente o seu
curso; superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o
tempo decorrido antes dele.

130
Capítulo 5 DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA

As causas impeditivas da prescrição encontram-se arroladas no Código Civil


de 2002, nos arts. 197, I a III e 199, I e II; as causas suspensivas encontram-se
disciplinadas nos arts. 198, I, II e III e 199, III. Vamos à leitura deles?

• Causas interruptivas (arts. 202 a 204 do CC)

As causas interruptivas da prescrição são aquelas que inutilizam a prescrição


iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do ato que a
interrompeu ou do último ato do processo para interrompê-la. Melo (2015, p. 235)
contribui explicando da seguinte forma:

Ocorre a interrupção da prescrição quando o prazo já havia


começado a contar, e surge um fato novo, algo superveniente,
que faz com que se suspenda o curso da mesma. Quer dizer,
a prescrição já havia sido iniciada, correu até um determinado
momento e depois algum ato foi praticado que a interrompeu.

Citamos como exemplos:

– Despacho do juiz (CC/02, art. 202, I; CPC, art. 312, 240 §§ 2º e 4º, 247,
487 parágrafo único e 802);
– Protesto judicial e cambial (CC/02, art. 202, II e III; Decreto n. 2.044/1908);
– Apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso
de credores (CC02, art. 202, IV);
– Atos judiciais que constituem mora do devedor (CC/02, art. 202, V);
– Atos inequívocos, ainda que extrajudiciais que importem reconhecimento
do direito do devedor (CC/02, art. VI).

Na interrupção da prescrição perde-se por completo o tempo transcorrido, ou


seja, o lapso temporal prescricional iniciar-se-á novamente, sendo que o tempo
precedente decorrido fica totalmente inutilizado.

Esclarece Rizzardo (2006, p. 634) que “É a interrupção da prescrição o fato


que inutiliza a prescrição começada contra o credor ou proprietário, eliminando
do cálculo o tempo decorrido, mas não impedindo que ela comece de
novo”, não podendo ocorrer mais de uma vez.
A interrupção da
prescrição somente
Frisamos: a interrupção da prescrição somente pode ocorrer uma pode ocorrer uma
única vez – art. 202 do CC. única vez – art. 202
do CC.
Conforme Diniz (2005), a interrupção produz efeito no passado,
inutilizando o tempo transcorrido, e no futuro, determinando o reinício da
prescrição, recontando-se o prazo prescricional como nunca se houvesse fluído.

131
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Prescrição Intercorrente
O processo se desenvolve por impulso oficial, mas muitas vezes é necessária
uma providência da parte para que se dê andamento. Caso a parte não o faça, não
o impulsione nesses casos, pode a parte contrária requerer ao juiz a declaração
da prescrição intercorrente (MELO, 2015).

ClassiFicação da Prescrição
Pode-se classificar a prescrição da seguinte forma:

• Prescrição extintiva – é a prescrição propriamente dita, que conduz à


perda do direito de ação por seu titular negligente, ao fim de certo lapso
de tempo, e pode ser encarada como força destrutiva;

• Renúncia expressa – decorre da manifestação taxativa, inequívoca,


escrita ou verbal do devedor de que dela não pretende se utilizar;

• Renúncia tácita – quando consumada a prescrição, ocorre qualquer ato


de reconhecimento da dívida por parte do devedor, como o pagamento
parcial ou a composição visando à solução futura do débito, será
interpretado como renúncia.

Vamos ler o artigo 191 do Código Civil de 2002?

Diante da leitura deste artigo se pode perceber que o Código Civil não admite
a renúncia prévia da prescrição, ou seja, ela tem que estar consumada.

PraZos Prescricionais
De acordo com Rizzardo (2006), o início do prazo pode se apresentar com
o instante da ofensa ao direito, ou a contar do dia em que nasce a pretensão, ou
naquele em que se permite a reclamação. Em matéria de ocupação de imóvel, o
começo será da data da invasão; de título cambial, a partir do vencimento.

132
Capítulo 5 DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA

O prazo determinado na regra geral do art. 205 trata-se de prazo subsidiário,


aplicável quando a lei não estabelecer prazo menor para a pretensão ou exceção.
Vale destacar que na ausência de prazo específico previsto em norma legal,
aplica-se a regra geral do artigo 205.

A relação de prazos prescricionais determinados pelo Código Civil de 2002


é de ordem taxativa, entretanto, não há impedimento de que leis especiais
estabeleçam outros prazos prescricionais.

AçÕes ImPrescritíveis
A prescritibilidade é a regra, porém, determinadas ações, devido à sua
natureza, são consideradas imprescritíveis. Gonçalves (2015, p. 415) chama a
atenção para o seguinte:

A pretensão é deduzida em juízo por meio da ação. À


primeira vista, tem-se a impressão de que não há pretensões
imprescritíveis na sistemática do Código Civil, pois a prescrição
ocorre em prazos especiais, discriminados no art. 206, ou no
prazo geral de dez anos, previsto no art. 205. Entretanto, a
doutrina aponta várias pretensões imprescritíveis, afirmando
que a prescritibilidade é a regra e a imprescritibilidade, a
exceção.

A título de exemplo de pretensões imprescritíveis, citamos:

• Os direitos de personalidade: direito à vida, à honra, ao nome, à


liberdade, à intimidade, à própria imagem, às obras literárias, artísticas
ou científicas – todos direitos personalíssimos;

• O estado das pessoas: como filiação, condição conjugal, cidadania,


salvo os direitos patrimoniais deles decorrentes, como o reconhecimento
da filiação para receber herança (Súmula 149 do STF);

• Os bens públicos: bens públicos de qualquer natureza (não existe


usucapião de bem público – parágrafo único, do art. 191, da Constituição
Federal e art. 102 do CC;

• O direito de família no que concerne à questão inerente ao direito à


pensão alimentícia, à vida conjugal e ao regime de bens;

• A pretensão do condomínio de a qualquer tempo exigir a divisão da coisa


comum (CC/02, art. 1.320), ou a meação de muro divisório (CC/02, art.
1.297 e 1.327);

133
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

• A ação para anular inscrição do nome empresarial feita com violação de


lei ou contrato (CC/02, art. 1.167).

Importante registrar que “[...] a prescrição pode ser alegada em


A prescrição pode
ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita, seja o devedor
qualquer grau de ou qualquer interessado”. (TARTUCE, 2016, p. 468).
jurisdição, pela
parte a quem A prescrição pode ser alegada pela parte a quem aproveita
aproveita, seja o em qualquer fase do processo ou grau de jurisdição – art. 193, CC.
devedor ou qualquer
Costuma ser suscitada em sede de contestação, como preliminar de
interessado
mérito e não processual, porque com ela serão discutidas questões de
direito material. O juiz pode conhecer a prescrição de ofício, conforme previsto no
NCPC, art. 487.

PeremPção e Preclusão
Conforme Rizzardo (2006,) perempção significa perda ou extinção de uma
relação processual, mas sem impedir que se renove a instância, ou se promova
nova lide. Terá que renovar o pedido, para que se lhe permita nova oportunidade,
desde que ainda perdure o direito, ou não tenha sobrevindo a prescrição da ação
ou a decadência do direito.

A preclusão, por sua vez, é representada pela perda ou a extinção de uma


faculdade processual, não mais se permitindo que se pratique ou renove o ato,
com o que o processo segue o normal desenvolvimento, até chegar ao objetivo
final, que é a concretização do direito reclamado. Exemplos: quando a parte não
recorre da sentença no prazo indicado; deixa de contestar; deixar de se manifestar
sobre os documentos juntados.

Decadência
É importante conhecer o conceito de decadência de acordo com o
pensamento doutrinário. Para Melo (2015, p. 237), decadência é:

[...] a extinção do próprio direito material, pela inércia do


titular em exercitá-lo no prazo fixado em lei (decadência
legal) ou no contrato (decadência convencional), e, por via
de consequência, extinção de qualquer ação tendente a
reconhecer aquele direito.

134
Capítulo 5 DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA

Diniz (2005) entende que a decadência é a extinção do Decadência é a


direito pela inação de seu titular que deixa escoar o prazo legal ou extinção do direito
voluntariamente fixado para seu exercício. O objeto da decadência é pela inação de seu
titular que deixa
o direito e está subordinado à condição de exercício em certo espaço
escoar o prazo legal
de tempo, sob pena de caducidade. Se o titular do direito potestativo ou voluntariamente
deixar de exercê-lo dentro do lapso temporal estabelecido, legal ou fixado para seu
convencional, tem-se a decadência, e, por conseguinte, o perecimento exercício.
ou perda do direito, de modo que não mais será lícito ao titular pô-lo
em atividade.

Assim, o exercício do direito afasta a decadência, uma vez que ela apenas
se dá se o direito não for exercido.

A decadência pode ser arguida tanto por via de ação – se o titular,


desprezando a decadência, procura exercitar o direito: o interessado, pela ação,
pleiteará a declaração de decadência – como por via de exceção – se o titular
exercitar seu direito por meio de ação judicial: o interessado, por exceção pleiteará
a decadência.

Assim, conforme Diniz (2005, p. 392), podem arguir a decadência contra o


titular do direito decaído:

a) O sujeito passivo do direito, se este for oriundo de relação


jurídica obrigacional;
b) O sujeito passivo da ação, quando esta tiver por fundamento
o direito decaído;
c) Os sucessores, a título universal ou particular, do sujeito
passivo do direito ou da ação;
d) Qualquer terceiro a quem a eficácia do direito acarretaria
prejuízo, representando a decadência o afastamento desse
prejuízo.

Extinto o direito pela decadência, torna-se, portanto, inoperante; não pode ser
fundamento de qualquer alegação em juízo, nem ser invocado, ainda mesmo por
via de exceção. A decadência produz seus efeitos extintivos de modo absoluto.

PraZos de Decadência
Conforme já vimos, os prazos prescricionais estão previstos taxativamente
nos artigos 205 (regra geral) e 206 (regras especiais) do CC, sendo decadenciais
os demais (GONÇALVES, 2015). Exemplos (TARTUCE, 2016, p. 497-498):

135
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

• 3 dias: se tratando de coisa móvel e não havendo prazo


estipulado para exercer o direito de preferência, após a
data em que o comprador tiver notificado o vendedor (art.
516 do CC);
• 1 ano e 1 dia: para desfazer janela, sacada, terraço sobre
prédio vizinho, contado a partir da conclusão da obra (art.
1.302 do CC).

Tartuce (2016, p. 499-500) aponta de maneira bem didática as diferenças


entre prescrição e decadência:

Quadro 3 – Prescrição X Decadência


Prescrição Decadência
Prazos somente estabelecidos em lei. Prazos legais e convencionais.
A legal deve ser reconhecida de ofício pelo
Deve ser conhecida de ofício pelo juiz.
juiz, a convencional, não.
A legal não pode ser renunciada nunca.
A parte pode não alegar. Pode ser renun-
ciada pelo devedor após a consumação. A convencional pode ser renunciada após
a consumação, também pelo devedor.
Corre contra todas, exceto absolutamente
Não corre contra determinadas pessoas.
incapazes.
Previsão de casos de impedimento, sus- Não pode ser impedida, suspensa ou inter-
pensão ou interrupção. rompida, exceto regras específicas.
Relacionada com direitos potestativos,
Relacionada com direitos subjetivos,
atinge ações constitutivas positivas e neg-
atinge ações condenatórias.
ativas.
Não há um prazo geral. Para anular
Prazo geral de 10 anos – art. 205 CC. negócio jurídico – 2 anos da celebração –
art. 179 CC.
Prazos especiais previstos no art. 206 do Prazos especiais em dias, meses, ano(s) –
CC. previstos em lei.

Fonte: Tartuce (2016, p. 499-500).

Os prazos de
prescrição não Lembre-se! “Os prazos de prescrição não podem ser alterados
podem ser alterados por acordo das partes, diferente do que ocorre com a decadência, que
por acordo das pode ter origem convencional”. (TARTUCE, 2016, p. 467).
partes, diferente
do que ocorre com
a decadência, que
pode ter origem
convencional

136
Capítulo 5 DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA

Vamos fazer uma síntese de alguns pontos especiais do


capítulo?

Lembre-se de que existem duas espécies de prescrição: a


aquisitiva (no caso da usucapião) e a extintiva (quando o titular de
um direito não o exerce dentro do prazo previsto em lei).

Relembre alguns exemplos de pretensões imprescritíveis: as


que protegem os direitos de personalidade (direito à vida, à honra, ao
nome, à liberdade, à intimidade, à própria imagem, às obras literárias,
artísticas ou científicas – todos direitos personalíssimos); as que
dizem respeito ao estado das pessoas (filiação, condição conjugal,
cidadania, salvo os direitos patrimoniais deles decorrentes, como
o reconhecimento da filiação para receber herança); as que dizem
respeito aos bens públicos (não existe usucapião de bem público).

Importante: a prescrição pode ser alegada pela parte a quem


aproveita em qualquer fase do processo ou grau de jurisdição.

Os prazos prescricionais estão previstos taxativamente nos


artigos 205 (regra geral) e 206 (regras especiais) do CC, sendo os
demais de decadência.

Decadência é a perda do titular de um direito potestativo diante


da sua letargia no período estabelecido em lei ou contrato.

A decadência legal pode ser conhecida de ofício pelo juiz.

Algumas ConsideraçÕes
Como se pôde perceber, o direito não admite a perpetuação eterna para
o exercício de um direito. Nesse sentido, o Código Civil de 2002 elucidou os
institutos da prescrição e da decadência e definiu prazos, tratando de maneira
muito mais clara do que a legislação que o antecedeu (de 1916).

Pautado nessa ideia, o Código Civil de 2002 previu os prazos prescricionais


de maneira taxativa nos artigos 205 e 206 do Código Civil, tratando os demais
como prazos decadenciais.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

ReFerências
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito
civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito


civil: parte geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: esquematizado, parte geral,


obrigações e contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MELO, Nehemias Domingos de. Lições de direito civil: teoria geral: para
concursos, exame da Ordem e graduação em direito. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2015.

RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do código civil. 4. ed. Rio de Janeiro:


Forense, 2006.

TARTUCE, Flávio. Lei de introdução e parte geral. 12. ed. rev. atual. e ampl.
Rio de Janeiro: Forense, 2016.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2004.

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