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Constitucionalização do Direito Civil

Lei de introdução às normas do direito brasileiro


Arquivo revisado e atualizado até 12/01/2023
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.

SUMÁRIO
SUMÁRIO .......................................................................................................................................................... 3
DIREITO CIVIL .................................................................................................................................................. 5
QUAL DEVE SER O FOCO? ....................................................................................................................................5
1. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL .........................................................................................5
1.1. Conceito ............................................................................................................................................................5
1.2. A Codificação do Direito Civil ....................................................................................................................6
1.3. O Código Civil de 1916 ...............................................................................................................................6
1.4. O Código Civil de 2002 ...............................................................................................................................7
1.5 Princípios norteadores do Novo Código: Eticidade, Sociabilidade e Operabilidade .................8
1.5.1 Eticidade.........................................................................................................................................................8
1.5.2 Sociabilidade ............................................................................................................................................. 10
1.5.3 Operablidade ............................................................................................................................................. 11
1.6. Do Direito Civil-Constitucional............................................................................................................... 11
1.7. Da eficácia horizontal dos direitos fundamentais............................................................................. 13
1.8. A eficácia diagonal dos direitos fundamentais ................................................................................. 14
2. LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO ....................................................... 15
2.1. Vigência, aplicação, obrigatoriedade, interpretação e integração das leis ............................... 15
2.2. Antinomias .................................................................................................................................................... 22
2.3. Aplicação temporal das normas ............................................................................................................ 23
2.4. Aplicação espacial das normas (artigos 7º ao 19 - LINDB) .......................................................... 23
2.5. Revogação das leis..................................................................................................................................... 24
2.6. Lei Federal nº 13.655/2018 .................................................................................................................... 25
2.7. Aplicação do Direito Público ................................................................................................................... 28
TAREFAS PARA O ESTUDO ATIVO ................................................................................................................ 36

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Constitucionalização do Direito Civil.
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DIREITO CIVIL
TEMA DO DIA
Constitucionalização do Direito Civil. Lei de introdução às normas do direito brasileiro. Vigência,
aplicação, obrigatoriedade, interpretação e integração das leis. Conflito das leis no tempo. Eficácia das
leis no espaço.

TODOS OS ARTIGOS
⦁ LINDB – leitura inteira
⦁ Art. 1º ao Art. 78, CC
⦁ Art. 5º, XXX e XXXI, CF/88

⦁ Art. 5º, XXXVI, CF/88

⦁ Art. 37, §6º, CF/88

⦁ Art. 173, §1º, CF/88

⦁ Art. 133 a 137, CPC

ARTIGOS MAIS IMPORTANTES – NÃO PODEM DEIXAR DE LER

LINDB
⦁ Art. 1º, 2º e 4º

⦁ Art. 6º

⦁ Art. 7º, §§ 3º, 4º, 6º

⦁ Arts. 8º a 10º.

⦁ Art. 12

⦁ Arts. 20 a 30 (alteração legislativa recente!)

CF/88
⦁ Art. 5º, XXX, CF/88

QUAL DEVE SER O FOCO?


1. Constitucionalização do Direito Civil
2. Aplicação e vigência das leis.
3. Conflito das leis no tempo.
4. Eficácia das leis no espaço.
5. Lei nº 13.655/2018

1. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL

1.1. Conceito

O Direito Civil pode ser conceituado como o complexo de normas, princípios e regras que
disciplinam as relações privadas desde antes do nascimento até depois da morte do ser humano.

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Tem como objeto o regramento da vida humana, acompanhando a existência humana em todos os
seus momentos, daí ser chamado de direito comum.

Contempla direitos patrimoniais (obrigações, responsabilidade civil, contratos, etc.) e direitos


existenciais (família, vida, estado civil, etc.). É o direito do dia-a-dia, é o direito de todas as pessoas.

1.2. A Codificação do Direito Civil

Como se sabe, o Brasil foi colonizado por Portugal, de modo que nos primeiros séculos da
nação brasileira se experimentava neste território a aplicação do direito português. As denominadas
Ordenações do Reino (Legislações de Portugal) eram as que se aplicavam a um Brasil rural,
patriarcal, escravagista, colonizador e não-republicano.

Em 07 de setembro de 1822 veio a lume a independência do Brasil. No ano de 1867, Portugal


revogou as Ordenações Filipinas, que, nada obstante, continuaram a viger no Brasil por longos anos,
até o advento do Código Civil de 1916.

1.3. O Código Civil de 1916

O primeiro Código Civil brasileiro coube à autoria de Clóvis Bevilaqua e foi promulgado em 01
de janeiro de 1916, entrando em vigor no dia 01 de janeiro de 1917.

O Código Civil de 1916 foi construído mediante as influências do Código Civil Napoleônico de
1804 e do Código Civil alemão de 1896, especialmente a estrutura defendida por Savigny de uma
Parte Geral e uma Parte Especial.

O Código Civil de 1916 também optou por separar-se do Direito Comercial, mantendo a
dualidade dos Diplomas Jurídicos.

Trata-se de um código patrimonialista, agrário, conservador, individualista, que seguiu a


lógica do iluminismo. Criado sobre a égide de uma sociedade colonial, patriarcal, rural e
escravagista, valores como o trabalho, a igualdade e a função social da propriedade não estavam
presentes no primeiro Código Civil Brasileiro.

Teve como grande embasamento internacional o Código Civil de Napoleão, o qual era centrado
na propriedade, em uma ótica patrimonial possessiva. Tinha-se a ordem jurídica do ter, fincada no
patrimônio (patrimonialização do direito civil).

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Este código sobreviveu por mais de 80 (oitenta) anos. Não foram poucas as leis ordinárias e os
microssistemas que surgiram após este Código Civil, que não foi capaz de se sustentar ante as
mudanças sociais que se seguiram a sua publicação, máxime, diante do Dirigismo Estatal e da 1ª
Grande Guerra Mundial.

Fazia-se necessário relativizar o pacta sunt servanda (princípio da força obrigatória dos
contratos), diante das necessidades sociais e do abuso do poder econômico. A propriedade
individualista carecia atender à função socioambiental. Ignorava-se a união estável e a igualdade na
filiação. Alguns institutos estavam em decadência, como a enfiteuse. Por outro lado, a vida moderna
exigia nova reflexão sobre a responsabilidade civil.

De fato, o Código Civil de 1916 não foi capaz de resistir às importantes mudanças sociais
experimentadas pelo Brasil nas décadas que se seguiram, sendo digna de notas a urbanização, o
industrialismo, as guerras mundiais, as mudanças nos usos e costumes, os microssistemas jurídicos
que lhe seguiram, dentre os mais importantes, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a Lei de
Registros Públicos, a Lei do Divórcio, do Inquilinato, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT),
entre outros.

A gota d’água foi o advento de uma nova ordem constitucional em 1988, cidadã e fundada
na tutela do ser humano digno, o que causava grave descompasso em relação a um Código Civil
patrimonialista fincado na ordem do ter.

1.4. O Código Civil de 2002

Ao contrário do trabalho isolado de Clóvis Beviláqua e que redundou no Código de 1916, o


Código Civil de 2002 exsurge de uma ação conjunta e coordenada que deu azo a um anteprojeto
apresentado em 1972, sob a liderança de Miguel Reale.

Além de ab-rogar todo o Código Civil de 1916, o Código Civil de 2002 derrogou a parte geral
do Código Comercial de 1850, redimensionando a disciplina dos atos e fatos jurídicos, ao eleger os
negócios jurídicos como instrumento de trânsito das relações civis, além de alterar a ordem da parte
especial e unificar as obrigações civis e mercantis (direito empresarial).

Adentra o novo diploma na ordem do ser da Constituição Federal de 1988, promovendo a


despatrimonialização e uma repersonificação do direito civil. O ser humano, antes esquecido em
detrimento da propriedade, passa a ocupar papel central, sendo a propriedade funcionalizada
em prol do ser humano (função social). O mesmo ocorreu com os contratos, a empresa, a família,
etc. Ressocializa-se o direito civil.

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A legislação civilista passa a ter contato direto com os direitos e garantias fundamentais, sendo
o direito civil constitucionalizado (“constitucionalização do direito civil”). Os direitos e garantias
fundamentais, na feliz expressão do professor Daniel Sarmento, passam a ter eficácia radiante,
aplicando-se às relações horizontais ou privadas. Exige-se, por exemplo, o devido processo legal
para a exclusão de associado dos quadros da associação (art. 5 º, inciso LV, da CF/88 c/c art. 57 do
CC), e confere-se direito a recurso à minoria vencida, na hipótese de alteração do estatuto funcional
(art. 68 do CC).

Contemplando 2046 artigos, o Código Civil de 2002 se dividiu em duas partes. A Parte Geral
regular as pessoas, os bens e os fatos jurídicos, enquanto que a Parte Especial foi dividida em 05
(cinco) subpartes: o direito das obrigações, o direito da empresa, o direito das coisas, o direito de
família e o direito das sucessões.

1.5 Princípios norteadores do Novo Código: Eticidade, Sociabilidade e Operabilidade

Também é interessante notar que o Código Civil de 2002 contempla inédita preocupação
principiológica, elegendo a eticidade, a operabilidade e a sociabilidade como os três pilares
fundamentais sobre os quais se construiu o texto legislativo do novo diploma.

O novo código passa a adotar o modelo de cláusulas gerais (abertas), abandonando a


concepção positivista pretérita, que defendia a possibilidade da normatização prever todos os
problemas concretos.
Por cláusula geral se infere uma norma, obediente ao devido processo legislativo, na qual há
uma hipótese legal que confere tratamento jurídico a um domínio amplo de casos. É o antônimo das
normas casuísticas, as quais abrangem um domínio específico de casos.

1.5.1 Eticidade

Consiste em um dever jurídico de condução das relações civis de forma proba, impondo um
agir segundo os valores sociais e morais relevantes, fincados na boa-fé e na equidade.

Manifesta-se pela boa-fé objetiva, nas relações patrimoniais e pela socioafetividade, nas
relações existenciais.

A boa-fé nas relações patrimoniais pode ser inferida sob seu prisma subjetivo e objetivo. A
subjetiva revela um estado psicológico, enquanto a objetiva uma norma de conduta esperada pela
comunidade.

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ATENÇÃO!!! Não se pode confundir boa-fé objetiva com boa-fé subjetiva. Deve-se decorar as
principais diferenças entre esses conceitos:

Boa-fé SUBJETIVA Boa-fé OBJETIVA


Não é um princípio, mas sim um estado É uma regra de conduta.
psicológico (um fato). Significa manter uma conduta de acordo
com padrões sociais de lisura,
Muito utilizada no Direito Real (exs: posse, honestidade e correção.
usucapião, benfeitorias etc). Tem como objetivo não frustrar a legítima
confiança da outra parte.
Para examinar a boa-fé subjetiva, deve-se Para examinar a boa-fé objetiva, deve-se
analisar se a pessoa pensava, analisar se a pessoa agiu de acordo com
sinceramente, que agia ou não de acordo os padrões de comportamento(standards)
com o direito (é examinado se a pessoa impostos pelo direito em determinada
tinha boas ou más intenções). localidade e em determinada situação.
Deve ser examinada internamente, ou Deve ser examinada externamente, ou
seja, de acordo com o sentimento da seja, não importa qual era o sentimento da
pessoa. pessoa, mas sim a sua conduta.

Aplicação nos ramos do direito

Normalmente, o estudo da boa-fé objetiva é feito no Direito Civil. No entanto, indaga-se:

É possível a aplicação da boa-fé objetiva nos demais ramos do Direito?

SIM. A boa-fé objetiva surgiu inicialmente no Direito Civil, mas a sua aplicação foi expandida
para todos os demais ramos do direito, inclusive para os ramos do chamado “direito público”, como
é o caso do Direito Administrativo. Assim, por exemplo, de acordo com o STJ, a teoria dos atos
próprios (venire contra factum proprium) é aplicada ao poder público.

Em suma, a boa-fé objetiva deve estar presente em toda e qualquer relação jurídica.

O atual código civil trouxe a boa-fé, em sua aplicação relacionada à esfera patrimonial, nos
artigos 113 e 422, os quais dispõem respectivamente:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e


os usos do lugar de sua celebração.
(...)

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Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do
contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

A boa-fé objetiva possui 03 (três) funções: interpretativa, integrativa e restritiva ou


limitadora.

A função interpretativa impõe ao operador do direito a leitura das relações patrimoniais


calcado Na ética, observando-se as interpenetrações sistemáticas do Código Civil e demais diplomas
jurídicos, além dos fatores metajurídicos.

O papel integrativo, com construção de deveres anexos de cooperação, traz a existência no


contrato de certas obrigações, independentemente de disposição contratual expressa, como o dever
de zelo, informação, confiança, lealdade, redução das perdas (duty to mitigate) e assistência
recíproca.

O descumprimento de um dever anexo é denominado de violação positiva do contrato ou


adimplemento fraco/imperfeito/defeituoso. Para o STJ, a violação a quaisquer deveres anexos
implica em inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa (REsp 595631/SC).

A função restritiva ou limitadora assevera a possibilidade de revisão do contrato sobre a ótica


da boa-fé, sendo restringidas certas cláusulas.

Por outro lado, destaque-se que as relações extrapatrimoniais não são estranhas a eticidade,
sendo terreno fecundo no qual a ética é veiculada mediante a socioafetividade geradora de
confiança. Tem-se como exemplo as relações de família, que hoje devem ser construídas pela via do
afeto, da desbiologização, da igualdade, do caráter democrático e plural.

1.5.2 Sociabilidade

Sociabilidade é outro princípio geral marcante do vigente Código Civil, consistindo na quebra
do paradigma liberal-individual e ascensão do transindividual. É a transmutação da visão
individualista da codificação de 1916, para a solidária de 2002, em combate ao exacerbado
individualismo possessivo de outrora.

Traduz a consagração e materialização na órbita civil dos princípios do solidarismo social,


justiça distributiva e diminuição das desigualdades sociais, todos de base constitucional (art. 3º,
inciso I, III e IV, da CF/88), em afronta à visão egoística pretérita.

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A sociabilidade é instrumentalizada no Código Civil em três esferas principais: função social
do contrato (art. 421), função social da propriedade e função social da posse (art. 1228). Dentre elas,
é a função social da propriedade a única que, expressamente, tem sede constitucional,
especificamente nos arts. 5º, XXIII; art. 170, inciso III; e artigos 182 e 186, todos da CF/88.

A força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda) não fica estranha a esse fenômeno de
revisão, verificando-se a necessidade de estabelecer trocas úteis e justas, com vistas à promoção da
equivalência material das prestações ou, como também é denominada, justiça contratual.

1.5.3 Operablidade

Operabilidade é o terceiro princípio informador do atual Código Civil. Consiste no fato de as


normas do vigente Código serem de mais fácil acesso, possibilitando que uma gama bem maior da
sociedade as entenda e utilize mais corriqueiramente. É a qualidade de ser operável.

Relaciona-se de forma perfeita com o princípio constitucional do acesso à justiça (art. 5º, inciso
XXXV, da CF/88). Uma vez conhecida a norma, por ser operável e inteligível à maioria da população,
tem-se maior acesso ao Poder Judiciário.

Operabilidade é princípio que remonta a construção do princípio vetor de interpretação


constitucional da coloquialidade. Remete ao ideal do direito operável à sua maleabilidade, a qual
foi deveras aumentada em virtude da inserção de cláusulas gerais.

1.6. Do Direito Civil-Constitucional

A constitucionalização do direito civil, ou direito civil-constitucional, é um movimento


doutrinário e jurisprudencial que visa a imprimir uma reinterpretação do Código Civil, em
consonância com a Constituição Federal. Assim, relativiza-se o princípio da autonomia privada para
abarcar outros princípios superiores, a saber, dignidade da pessoa humana, eficácia horizontal dos
direitos fundamentais, função social da propriedade, entre outros.

Em síntese, deve-se entender que as normas de direito civil têm que ser lidas e aplicadas à luz
dos princípios e valores consagrados no texto constitucional. Este é um ditame do chamado Estado
Democrático de Direito que tem na Constituição sua base hermenêutica. Ou seja: o direito civil-
constitucional nada mais é do que um novo caminho metodológico que procura analisar os institutos
privados a partir da Constituição, e, eventualmente, os mecanismos constitucionais a partir do
Código Civil e da legislação infraconstitucional, em uma análise de mão dupla.

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A Constituição Federal de 1988, além de ser a norma superior do ordenamento, passa a ser
um vetor interpretativo do novo Código Civil de 2002, complementando suas normas e princípios.
Desse modo, o Código Civil não poderá deixar de observar esse novo modelo jurídico, que preza
pelos direitos fundamentais, e aquelas normas que não observam tais preceitos deverão ser
reinterpretadas ou simplesmente afastadas, já que esbarram na Lei Maior. Há, portanto, uma
unificação do direito civil ao direito constitucional, formando um todo que regula as relações
privadas, com fulcro na observância dos preceitos constitucionais.

Esta civilização da constituição evidencia hoje o papel central do texto constitucional no


ordenamento jurídico, passando institutos privados, a exemplo do trabalho, propriedade e contrato,
a ocuparem locus constitucional.

Assim, assume a Constituição Federal, com isto, o seu verdadeiro papel de elemento
unificador, integrador e orientador de todo o sistema civil, sendo o vértice axiológico do qual
necessitava o ordenamento para integrá-lo. Ocorre que, quando promove a Constituição de 1988, a
reunificação do sistema, pautada no ideal do ser, encontra um então Código Civil fincado na ordem
do ter, instalando-se um verdadeiro descompasso ideológico, sendo esse o fundamento da mudança
da legislação civilista.

Abre-se caminho para a despatrimonialização do direito civil, sendo retirados do seu centro
imediato institutos como propriedade e o contrato, os quais cedem seus lugares ao homem, sua
dignidade, bem-estar e procura de justiça social. Ao lado dessa respersonificação, infere-se o
rompimento do individual, o qual cede espaço para o difuso e o socialmente relevante.

Desse modo, mitiga-se o paradigma liberal-individual, pois o constitucionalismo de 1988 não


mais confere espaço par ao singular em detrimento do difuso. Chega-se ao solidarismo.

Exemplo prático da referida constitucionalização do direito civil está na interpretação que o


Supremo Tribunal Federal (STF) conferiu ao art. 1723 do Código Civil de 2002. A um primeiro
momento era visto como regra proibitiva da união estável entre pessoas do mesmo sexo. A partir de
uma interpretação conforme, em consonância com os preceitos constitucionais, houve uma
revalorização do dispositivo, para nele albergar as uniões homoafetivas, com fundamento no
princípio da dignidade da pessoa humana e da isonomia (art. 1º, inciso III c/c art. 5º, caput, ambos da
CF/88).

DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS


DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇAO DOS
ARTS. 1.524, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE
2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇAO EXPRESSA A QUE SE

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HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO.
VEDAÇAO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE
INACEITÁVEL. ORIENTAÇAO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO
STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF.
1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito
infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evolução do
direito privado, vigorante a fase histórica da constitucionalização do
direito civil , não é possível ao STJ analisar as celeumas que lhe aportam
"de costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao
jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. Vale
dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua missão deuniformizar o
direito infraconstitucional, não pode conferir à lei uma interpretação que
não seja constitucionalmente aceita. 2. O Supremo Tribunal Federal, no
julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao
art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme
à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o
reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do
mesmo sexo como entidade familiar , entendida esta como sinônimo
perfeito de família . (...)8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565,
todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento
entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma
vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios
constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da
dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento
familiar. 9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a
maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia
mesmo "democraticamente" decretar a perda de direitos civis da
minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário,
em regra é o Poder Judiciário - e não o Legislativo - que exerce um papel
contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente
por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a
lei e com a Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos humanos
fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. (REsp 1183378
RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 25/10/2011, DJe
01/02/2012)

1.7. Da eficácia horizontal dos direitos fundamentais

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Incialmente, é possível afirmar que os direitos fundamentais estão para a Constituição
Federal, assim como os direitos de personalidade estão para o Código Civil brasileiro. São dois
lados de uma mesma moeda denominada dignidade da pessoa humana.

É consabido que os direitos fundamentais surgiram numa ideia de limitação do poder


absoluto do Estado e proteção do indivíduo, conferindo-se direitos básicos e garantias a qualquer
pessoa. Nesta relação Estado-indivíduo, diz-se que há uma eficácia vertical dos direitos
fundamentais, pois nesta relação há um poder “superior” (o Estado) e um infinitamente “inferior” (o
indivíduo), certo que não estão em posições iguais, sendo evidente a proeminência de força do
Estado.

Após a evolução da teoria dos direitos fundamentais, passou-se a reconhecer que os direitos
fundamentais não incidem apenas em relações desiguais, porém também em relações particulares
em que há uma igualdade de armas. Aqui, surge a eficácia horizontal dos direitos
fundamentais que é justamente incidência e observância de todos os direitos fundamentais nas
relações privadas (particular-particular).
A teoria irradiante, ou da eficácia horizontal, disciplina que a direta aplicação dos direitos
fundamentais às relações do direito civil, visando dar máximo efeito dos valores constitucionais a
toda legislação brasileira, em prol da dignidade da pessoa humana. Nas palavras do Professor
Ingo Wolfgang Sarlet:

(...) a constatação de que os direitos fundamentais, na qualidade de


princípios constitucionais, e por força do princípio da unidade do
ordenamento jurídico, se aplicam relativamente a toda ordem jurídica,
inclusive privada; bem como a necessidade de se protegerem os
particulares também contra atos atentatórios aos direitos fundamentais
provindos de outros indivíduos ou entidades particulares (A eficácia dos
direitos fundamentais, Livraria do Advogado, 2003, p. 356).

À guisa de exemplo, cite-se o emblemático caso decidido pelo STF no RE 201819/RJ,


publicado em 11/10/2005, que determinou a reintengração de associado excluído do quadro
daquela pessoa jurídica, em direito à defesa e contraditório como comprovação forense da eficácia
horizontal destes direitos fundamentais. Em outras oportunidades o Supremo Tribunal Federal
prestigiou os direitos da personalidade e a teoria irradiante, como se infere nos REs de número
160222-8, 158215-4 e 161243-6.

1.8. A eficácia diagonal dos direitos fundamentais

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É cediço que as relações entre particulares nem sempre se apresentam de forma equilibrada.
Por isso, é relativamente comum nos depararmos com situações em que as pessoas estão em uma
posição de desigualdade, com prevalência de uma sobre a outra. Os principais exemplos desses
tipos de situação de desigualdade entre particulares são as relações trabalhistas e consumeristas.
Tanto no direito do trabalho quanto no direito do consumidor o poderio econômico-financeiro das
empresas/patrão pode resultar em graves violações aos direitos fundamentais de consumidores e
trabalhadores, partes hipossuficientes nas respectivas relações jurídicas.

Foi a partir dessa realidade que nasceu a teoria da eficácia diagonal dos direitos
fundamentais. Para a referida teoria, os direitos fundamentais devem ser aplicados/respeitado
em relações privadas caracterizadas por uma notória desigualdade de poder, em razão da
hipossuficiência de uma das partes da relação.

Este teoria recebe a denominação de eficácia diagonal por que, em tese, as partes estão em
situações equivalentes, não havendo uma preponderância de uma sobre a outra. Ocorre que, na
prática, aquele que possui o poder econômico consegue se sobrepor perante a outra parte, razão
pela qual se defende o devido respeito e a consequente aplicabilidade dos direitos fundamentais
nas relações entre particulares.

Desse modo, é possível concluir que a eficácia diagonal dos direitos fundamentais nada
mais é que a efetiva aplicação dos direitos fundamentais em relações privadas marcadas pela
desigualdade entre os particulares, em especial quando puder se verificar um relação de
intimidade entre o poderio econômico-financeiro e a vulnerabilidade da parte hipossuficiente.

2. LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO

A LINDB disciplina o âmbito de aplicação das normas jurídicas, e possui natureza de norma de
sobredireito ou de apoio, consistente no conjunto de regras cujo objetivo é disciplinar as próprias
normas jurídicas, isto é, disciplina a emissão e aplicação de outras normas jurídicas (= postulados
normativos).

2.1. Vigência, aplicação, obrigatoriedade, interpretação e integração das leis

2.1.1 Vigência

É critério puramente temporal da norma. Trata-se do lapso temporal em que a norma tem
força obrigatória. O início da vigência marca o começo de sua exigibilidade. A lei passa por três fases
fundamentais para que tenha validade e eficácia: elaboração, promulgação e publicação. Depois vem
o prazo de vacância, geralmente previsto na própria norma.

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ATENÇÃO

VACATIO LEGIS: É o período entre a publicação e o início de vigência da norma. Pode ser definido
como o tempo necessário para que o texto normativo se torne efetivamente conhecido, e variará de
acordo com a repercussão social da matéria.

Decreto-Lei nº 4.657/42 (LINDB): Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei


começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de
oficialmente publicada.
§ 1o Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando
admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada.

OBSERVAÇÃO

Em havendo norma corretiva, mediante nova publicação do texto legal, os prazos acima devem
correr a partir da nova publicação, pois as correções do texto de lei em vigor devem ser consideradas
como sendo lei nova.

No concurso da PGE GO (FCC - 2021), o tema foi cobrado da seguinte forma:

Determinada lei foi oficialmente publicada em 1º de fevereiro de 2021. Em 2 de fevereiro


de 2021, foi republicada no Diário Oficial, destinando-se essa nova publicação à correção
do seu texto. Em ambas as publicações, o texto da lei se limitou a dispor que ela passaria
a ter vigência “na forma da lei”. Nesse caso, sabendo-se que, de acordo com o artigo 1º ,
caput, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, a lei começa a vigorar em todo
o país, salvo disposição contrária, quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada,
pode-se afirmar que a lei em questão começou a vigorar no País quarenta e cinco dias
depois da publicação ocorrida em

A) 2 de fevereiro de 2021, contando-se esse prazo com a exclusão da data da publicação


e a inclusão do último dia do prazo.
B) 2 de fevereiro de 2021, contando-se esse prazo com a exclusão da data da publicação
e do último dia do prazo.
C) 1º de fevereiro de 2021, contando-se esse prazo com a inclusão da data da publicação
e do último dia do prazo.
D) 2 de fevereiro de 2021, contando-se esse prazo com a inclusão da data da publicação
e do último dia do prazo.

16
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
E) 1º de fevereiro de 2021, contando-se esse prazo com a exclusão da data da publicação
e a inclusão do último dia do prazo.

A alternativa considerada correta foi a letra D.

No concurso da PGM CAMPO GRANDE (CESPE - 2019), o tema foi cobrado da seguinte
forma:

Considerando as disposições da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, julgue


o item a seguir.

Salvo expressa disposição em contrário, a lei entrará em vigor no primeiro dia útil após a
sua publicação no Diário Oficial da União.

O item foi considerado errado.

2.1.2. Obrigatoriedade

Uma vez publicada a lei, presume-se o conhecimento geral, razão pela qual ninguém pode
descumpri-la alegando que não a conhece:

Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

A Lei, como fonte primária do Direito brasileiro, tem as seguintes características básicas:

• Generalidade - a norma jurídica dirige-se a todos os cidadãos, sem qualquer distinção, tendo
eficácia erga omnes.
• Imperatividade - a norma jurídica é um imperativo, impondo deveres e condutas para os
membros da coletividade.
• Permanência - a lei perdura até que seja revogada por outra ou perca a eficácia.
• Competência - a norma, para valer contra todos, deve emanar de autoridade competente,
com o respeito ao processo de elaboração.

No concurso da PGM CAMPO GRANDE - MS (CESPE - 2019), o tema foi cobrado da


seguinte forma:

Considerando as disposições da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, julgue


o item a seguir.

17
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
Autoridade judiciária brasileira tem competência concorrente para julgar ações relativas a
imóveis que, situados no Brasil, sejam de propriedade de estrangeiros.

O item foi considerado errado.

No concurso da PGM CAMPO GRANDE - MS (CESPE - 2019), o tema foi cobrado da


seguinte forma:

No que diz respeito ao local de aplicação da lei, nos termos da Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro, assinale a alternativa correta.

A) A sucessão por morte ou ausência obedece à lei do país de origem do defunto ou


desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
B) Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis
situados no Brasil.
C) A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei brasileira.
D) Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do
país em que residir o proponente, ainda que diversa do local onde situados os bens.
E) A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que ele for
celebrado, independentemente do local de residência das partes.

A alternativa considerada correta foi a letra B.

• Autorizante - o conceito contemporâneo de norma jurídica traz a ideia de uma autorização (a


norma autoriza ou não autoriza determinada conduta), estando superada a tese de que não
há norma sem sanção (Hans Kelsen).

2.1.3. Interpretação

“Interpretar é descobrir o sentido e o alcance da norma jurídica” (Maria Helena Diniz).

I. Classificação quanto ao agente:

• AUTÊNTICA OU PÚBLICA: Apresentada pela via legislativa;


• JUDICIAL: Realizada pelos juízes e tribunais na atividade judicante, ao aplicar a lei na solução
aos casos em julgamento;
• DOUTRINÁRIA: Proveniente das obras de juristas, a partir de trabalhos teóricos ou
pareceres;

18
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
• ADMINISTRATIVA: Manifestada pelos órgãos da administração pública, ao editar atos
normativos ou julgar processo administrativo.

II. Classificação quanto à natureza:

LITERAL OU É a extração do sentido da norma através das regras linguísticas;


GRAMATICAL
É a compreensão da norma por meio de raciocínios lógicos, analisando
LÓGICA OU
as leis e comparando-as com outros trechos, de forma a alcançar a
RACIONAL
perfeita compatibilidade;
Proveniente da consideração do sistema em que se encontra a norma,
SISTEMÁTICA
relacionando-a com outras concernentes ao mesmo objeto;
HISTÓRICA Decorrente da análise do processo histórico em que surgiu a lei;
TELEOLÓGICA É a compreensão da norma com o intuito de adaptar a sua finalidade às
OBJETIVA OU novas exigências sociais. Possui substrato legal, o art. 5º da LINDB.
SOCIOLÓGICA

III. Classificação quanto à extensão:

EXTENSIVA OU Forma de interpretação que amplia o sentido da norma além do que


AMPLIATIVA indicam os seus termos;
Redução da amplitude do preceito, com o objetivo de dar àquela norma
RESTRITIVA
aplicação razoável e justa;
Extração do sentido da lei sem a necessidade de expansão ou retração
DECLARATIVA
do alcance do enunciado normativo.

2.1.4. Integração Das Leis

Utilização de mecanismos para suprir as lacunas da lei, quando inexiste norma aplicável
diretamente ao caso concreto. De acordo com os arts. 4º da LINDB, são formas de integração da lei:

PRINCÍPIOS GERAIS
ANALOGIA COSTUMES
DO DIREITO

Artigo 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

19
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
Importante ressaltar que a EQUIDADE não consta do rol do art. 4º da LINDB, mas alguns
doutrinadores, como Maria Helena Diniz, a incluem dentre as formas de integração da lei. No Direito
Tributário, é expressa a equidade como forma de integração da lei, no art. 108, inciso IV, do CTN.

ATENÇÃO: A interpretação pode ocorrer sempre, mesmo que a lei seja clara. Em contrapartida, a
integração depende da existência de LACUNAS que, por sua vez, podem ser:

AUTÊNTICAS Ocorrem quando o legislador não identificou uma hipótese.


(PRÓPRIAS)
NÃO O legislador previu, mas preferiu não tratar sobre o assunto.
AUTÊNTICAS
(IMPRÓPRIAS)

OBSERVAÇÃO

Silêncio Eloquente = opção do legislador em excluir, intencionalmente, certo fato do comando


legal (DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008). É o contrário de
lacuna da lei, pois nessas hipóteses não se pode fazer analogia (RE 130522, DJ 28.6.1991, pág.
529)

Maria Helena Diniz classifica as lacunas, ainda, em:

• Normativa: ausência total de norma prevista para um determinado caso concreto.


• Ontológica: presença de norma para o caso concreto, mas que não tenha eficácia social.
• Axiológica: presença de norma para o caso concreto, mas cuja aplicação seja insatisfatória
ou injusta.
• De conflito ou antinomia: choque de duas ou mais normas válidas, pendente de solução no
caso concreto. As antinomias serão estudadas oportunamente, em seção própria.

2.1.4.1. Analogia

É a utilização de uma norma próxima ou semelhante para regular uma situação que não foi
regulamentada pelo direito. Pode ser dividida em:

• ANALOGIA LEGAL: A relação da semelhança toma por base outra lei;


• ANALOGIA IURIS: A relação de semelhança é estabelecida com base em outro caso
concreto.

20
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
No concurso da PGM CAMPO GRANDE - MS (CESPE - 2019), o tema foi cobrado da
seguinte forma:

Considerando as disposições da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, julgue


o item a seguir.

Diante de omissão legal, o juiz decidirá de acordo com a analogia, os costumes e os


princípios gerais de direito, visando atender aos fins sociais da lei e às exigências do bem
comum.

O item foi considerado correto.

ATENÇÃO:

ANALOGIA INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA


Na analogia rompe-se com os limites do que Na interpretação extensiva apenas amplia-se o
está previsto na norma, havendo integração da seu sentido.
norma jurídica.

2.1.4.2. Costumes

São as práticas e usos reiterados, de conteúdo lícito e com relevância jurídica. Podem ser:

• COSTUME SEGUNDO A LEI (secundum legem): Incide quando há referência expressa ao


costume no texto legal.
• COSTUME NA FALTA DA LEI (praeter legem): É aplicado quando a lei for omissa, sendo
denominado de costume integrativo.
• COSTUME CONTRA A LEI (contra legem): É a aplicação do costume contrária à lei. Nesse
caso, há abuso de direito.

2.1.4.3. Princípios gerais do Direito

São as ideias centrais do sistema, estabelecendo suas diretrizes e dando um conteúdo


harmonioso, lógico e racional.

OBSERVAÇÃO

O CC/02 consagra 3 princípios fundamentais, conforme se extrai da sua exposição de motivos:

21
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
1. Princípio da Eticidade: trata-se da valorização da ética e da boa-fé, principalmente daquele
que existe no plano da conduta de lealdade das partes (boa-fé objetiva). Pelo CC, a boa-fé
objetiva tem função de interpretação dos negócios jurídicos em geral; serve como controle
das condutas humanas, eis que sua violação pode gerar abuso de direito (ilícito); bem como
tem a função de integrar todas as fases pelas quais passa o contrato.

2. Princípio da Sociabilidade: um dos escopos da nova codificação foi o de superar o caráter


individualista da codificação anterior. Assim, todas as categorias têm função social: o
contrato, a empresa, a propriedade, a posse, a família, a responsabilidade civil.

3. Princípio da Operabilidade: tem o sentido de simplicidade e de concretude/efetividade.

2.2. Antinomias

São o choque de duas normas jurídicas válidas emanadas de autoridade competente. Para
a solução desses conflitos, utilizam-se três critérios:

CRONOLÓGICO ESPECIALIDADE HIERÁRQUICO


Norma posterior prevalece Norma especial prevalece Norma superior prevalece
sobre norma anterior. sobre norma geral. sobre norma inferior.

ATENÇÃO 1:

Quanto aos critérios de colisão, as antinomias podem ser classificas em:

• DE PRIMEIRO GRAU: o choque envolve apenas um dos critérios de solução de conflito;


• DE SEGUNDO GRAU: o choque envolve dois critérios de solução de conflito.

Já quanto à possibilidade ou não de solução do conflito, classificam-se em:

• APARENTE: quando, de acordo com os três critérios de solução, há possibilidade de


resolução do conflito;
• REAL: não se consegue resolver o conflito.

ATENÇÃO 2:

• Se houver conflitos de segundo grau envolvendo os critérios cronológico e da especialidade:


prevalecerá o da especialidade – Conflito aparente;

22
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
• Se houver conflitos entre os critérios cronológico e hierárquico: prevalecerá o hierárquico –
Conflito aparente;
• Se houver conflito de segundo grau, envolvendo os critérios da especialidade e
hierárquico: haverá conflito real, pois, a doutrina aponta o critério hierárquico como mais
forte e, ao seu turno, o critério da especialidade está na CF/88 (princípio da isonomia). Caso
de conflito real. Maria Helena Diniz aponta duas soluções:

➢ LEGISLATIVA: A edição de uma terceira norma para estabelecer qual prevalecerá;


➢ JUDICIAL: O aplicador do direito escolherá uma das duas normas, tendo como base os
art. 4º e 5º da LICC – analogia, princípios gerais do direito e função social da norma.

2.3. Aplicação temporal das normas

O art. 2.º da Lei de Introdução consagra o princípio da continuidade da lei, pelo qual a norma,
a partir da sua entrada em vigor, tem eficácia contínua, até que outra a modifique ou revogue.

A irretroatividade é a regra prevista na LINDB (art. 6º). No entanto, para ser possível, não pode
prejudicar direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Adota-se a ideia do tempus regit
actum, ou seja, a lei nova não atinge os fatos anteriores ao início de sua vigência. Em consequência,
os fatos anteriores à vigência da lei nova regulam-se não por ela, mas pela lei do tempo em que
foram praticados.

Porém, podem existir hipóteses que se afastem dessa regra, impondo a retroatividade da lei
nova, para alcançar fatos pretéritos ou os seus efeitos. Assim, a doutrina faz uma distinção entre
retroatividade máxima, média e mínima:

• RETROATIVIDADE MÁXIMA OU RESTITUTÓRIA: A lei alcança a coisa julgada (sentença


irrecorrível) ou os fatos jurídicos consumados;
• RETROATIVIDADE MÉDIA: A lei nova atinge efeitos pendentes de atos jurídicos verificados
antes dela. A lei nova atinge os direitos exigíveis, mas não realizados antes de sua vigência;
• RETROATIVIDADE MÍNIMA, TEMPERADA OU MITIGADA: A lei nova atinge apenas os
efeitos dos fatos anteriores verificados após a data em que ela entra em vigor. Logo, alcança
apenas as prestações futuras de negócios firmados antes do advento de nova lei.

2.4. Aplicação espacial das normas (artigos 7º ao 19 - LINDB)

A LINDB determina as regras de aplicação espacial das normas; dentre elas, destacam-se:

23
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
→ Começo e fim da personalidade – aplicam-se as normas do país em que for domiciliada a pessoa,
inclusive quanto ao nome, à capacidade e aos direitos de família.

→ Casamento – se realizado no Brasil o casamento, será aplicada a lei brasileira quanto aos
impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. Tendo os nubentes domicílio diverso,
regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal. Além disso, a
LINBD estabelece que o regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem
os nubentes domicílio, e, se este for diverso, o do primeiro domicílio conjugal. Quanto ao divórcio
realizado no estrangeiro em que um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, haverá reconhecimento
no Brasil depois de 1 ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial
por igual prazo, caso em que produzirá efeito imediato.

→ Obrigações: a LINDB consagra a regra de aplicação das leis do local em que foram constituídas.

→ Sucessão por morte ou por ausência: obedece as normas do país do último domicílio do de cujus.

→ Vocação hereditária: serão aplicadas as regras nacionais no caso de vocação hereditária para
suceder bens de estrangeiro situados no Brasil, salvo se mais favoráveis ao cônjuge e aos filhos as
normas do último domicílio.
→ Sociedades e fundações: deve ser aplicada a norma do local de sua constituição.

2.5. Revogação das leis

É a perda de vigência de uma lei em razão do surgimento de outra lei no ordenamento,


incompatível com a primeira. A revogação pode ser:

• TOTAL (abrogação): ocorre quando se torna sem efeito uma norma de forma integral, com a
supressão total do seu texto por uma norma emergente. Ex.: CC/16 → CC/02;

• PARCIAL (derrogação): uma lei nova torna sem efeito parte de uma lei anterior, como se deu
em face da parte primeira do Código Comercial de 1850;

• EXPRESSA (por via direta): Expressamente exclui lei anterior do ordenamento jurídico;

• TÁCITA (por via oblíqua): A nova lei é absolutamente incompatível com a anterior;

• GLOBAL: A nova lei disciplina totalmente a matéria disciplinada pela lei anterior.

24
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
O QUE É REPRISTINAÇÃO? É POSSÍVEL SUA OCORRÊNCIA?
Repristinação é a restauração da vigência de uma lei anteriormente revogada em
virtude da revogação da lei revogadora. Segundo o art. 2º, §3º, da LINDB, salvo
disposição em contrário, a lei revogada NÃO se restaura por ter a lei revogadora
perdido sua vigência.

Direito Civil - Fernanda Gomes - Repristinação x efeito repristinatório


https://youtu.be/rmgoAW6_qkg

2.6. Lei Federal nº 13.655/2018

LEI Nº 13.655, DE 25 DE ABRIL DE 2018.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional


decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de


Introdução às Normas do Direito Brasileiro), passa a vigorar acrescido dos
seguintes artigos:

“Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se


decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam
consideradas as consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da


medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. ”

“Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou


judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma

25
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências
jurídicas e administrativas.

Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá,


quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de
modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se
podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das
peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos. ”

“Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão


considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as
exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos
administrados.
§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato,
contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as
circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado
a ação do agente.
§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade
da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração
pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do
agente.
§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria
das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato. ”

“Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que


estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo
indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito,
deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo
dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional,
equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.

Parágrafo único. (VETADO). ”

“Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial,


quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as
orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança
posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente
constituídas.

26
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.

Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e


especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em
jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por
prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. ”

“Art. 25. (VETADO). ”

“Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação


contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição
de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão
jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e
presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com
os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá
efeitos a partir de sua publicação oficial.

§ 1º O compromisso referido no caput deste artigo:

I - Buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível


com os interesses gerais;
II – (VETADO);
III - Não poderá conferir desoneração permanente de dever ou
condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral;
IV - Deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu
cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.
§ 2º (VETADO). ”

“Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora


ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou
prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos
envolvidos.
§ 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente
as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor.
§ 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado
compromisso processual entre os envolvidos. ”

“Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou


opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
§ 1º (VETADO).

27
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
§ 2º (VETADO).
§ 3º (VETADO). ”

“Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por


autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá
ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados,
preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na
decisão. Vigência

§ 1º A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e


demais condições da consulta pública, observadas as normas legais e
regulamentares específicas, se houver.
§ 2º (VETADO). ”

“Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança


jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos,
súmulas administrativas e respostas a consultas.
Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo
terãocaráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam,
até ulterior revisão. ”

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, salvo quanto ao
art. 29 acrescido à Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro), pelo art. 1º desta Lei, que
entrará em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua
publicação oficial.

Brasília, 25 de abril de 2018; 197º da Independência e 130o da República.

MICHEL TEMER

2.7. Aplicação do Direito Público

A Lei nº 13.655/2018 incluiu diversos artigos na Lei de Introdução às Normas do Direito


Brasileiro que cuidam de regras sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do
direito público. São normas aplicadas nas esferas administrativa (como nos processos
administrativos), controladora (como o Tribunal de Contas) e judicial (como nos processos que
tramitam perante o Poder Judiciário).

28
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
Nesses âmbitos, o art. 20 da LINDB prevê que não se decidirá com base em valores jurídicos
abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão, sendo que a motivação
demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação do ato, contrato,
ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.

O que são “valores jurídicos abstratos”? São inúmeros exemplos: “dignidade da pessoa
humana” (art. 1º, III), “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (art. 1º, IV), “moralidade” (art.
37, caput), “bem-estar e a justiça sociais” (art. 193), “meio ambiente ecologicamente equilibrado”
(art. 225), todos da CRFB. Esses valores jurídicos abstratos são normalmente classificados como
princípios (normas que possuem um grau de abstração maior que as regras).

Desse modo, a decisão administrativa, judicial ou do órgão controlador pode ser fundamentada
em valores jurídicos abstratos, como os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da
pessoa humana, porém o julgador deve esclarecer suas considerações quanto às consequências
práticas da decisão, como, por exemplo, as repercussões econômicas da medida.

Constata-se, ainda, que a norma legal trata expressamente dos corolários do princípio da
proporcionalidade, quais sejam a necessidade e adequação. Assim, a medida deve ser necessária,
não excedendo os limites indispensáveis à conservação do direito, e adequada, mostrando-se
efetivamente apta a alcançar os objetivos pretendidos.

Destaca-se que o princípio da proporcionalidade se divide em três subprincípios:

a) subprincípio da ADEQUAÇÃO: no qual deve ser analisado se a medida adotada é idônea


(capaz) para atingir o objetivo almejado;
b) subprincípio da NECESSIDADE: consiste na análise se a medida empregada é ou não
excessiva; e
c) subprincípio da PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO: representa a análise do
custo-benefício da providência pretendida, para se determinar se o que se ganha é mais valioso do
que aquilo que se perde.

O art. 21 dispõe que:

Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial,


decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências
jurídicas e administrativas.

29
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá,
quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de
modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se
podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das
peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.

Busca-se, assim, uma reflexão aprofundada do julgador sobre as consequências jurídicas e


administrativas de sua decisão, que - ao invalidar ato, contratos, ajuste, processo ou norma
administrativa – atingirá, direta ou indiretamente, a coletividade. Nesse sentido, sendo possível a
regularização, a decisão deverá indicar os meios para tanto, de modo proporcional e equânime e sem
prejuízo aos interesses gerais.

No concurso da PGE MS (CESPE - 2021), o tema foi cobrado da seguinte forma:

No âmbito de um processo administrativo, determinado secretário decidiu editar um ato


normativo que afeta diretamente usuários dos serviços prestados pelo poder público.
Diante disso, submeteu a proposta de ato normativo a consulta pública. A convocação
dessa consulta, que continha a minuta do ato normativo, disponibilizou a motivação do ato
e fixou o prazo e as demais condições para a manifestação dos interessados.

Acerca dessa situação hipotética, assinale a opção correta, considerando os termos da Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o Decreto n.º 9.830/2019 e a Lei n.º
9.784/1999.

A) A realização da consulta pública, independentemente da vontade do secretário de


estado, é obrigatória, uma vez que afeta diretamente usuários de serviços públicos.
B) O secretário de estado deverá comentar ou considerar individualmente as
manifestações apresentadas pelos interessados, podendo, no entanto, a fundamentação
fazer remissão ao conteúdo de notas técnicas, pareceres, informações, decisões ou
propostas que precederam a elaboração do ato.
C) A decisão do secretário pela convocação de consulta pública terá de ser motivada,
mesmo que o ato de convocação da consulta pública seja considerado ato vinculado.
D) O secretário de estado não será obrigado a comentar ou considerar individualmente
as manifestações apresentadas pelos interessados, podendo, inclusive, eliminar
aquelas de conteúdo irrelevante para a matéria em apreciação.
E) A consulta pública deverá ser realizada por meio eletrônico.

A alternativa considerada correta foi a letra D.

30
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
No tocante à interpretação das normas sobre gestão pública, o art. 22 estabelece que serão
considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a
seu cargo, sem prejuízo dos administrados. Dessa maneira, as normas de gestão pública devem ser
interpretadas considerando as peculiaridades de cada ente público, especialmente, por exemplo,
dos Municípios – na maioria das vezes menores e localizados no interior do Estado – onde a estrutura
administrativa e técnica é precária.

Além disso, os parágrafos do art. 22 dispõem que, em decisão sobre regularidade de conduta
ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as
circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. Na
aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos
que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os
antecedentes do agente, sendo que as sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na
dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.

O art. 23 prevê uma espécie de modulação de efeitos ao prescrever que a decisão


administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre
norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá
prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de
direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses
gerais.

O CPC/2015 possui um dispositivo tratando sobre a possibilidade de modulação dos efeitos


de decisão judicial. Ressalte-se, contudo, que a redação do CPC é bem superior à do art. 23 da
LINDB, sendo mais clara e objetiva.

Art. 927 (...)


§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo
Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de
julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da
alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

Dispõe o art. 24 que:

Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial,


quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as
orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança

31
DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente
constituídas.

Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e


especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em
jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por
prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.

Cuida-se de previsão que busca garantir a segurança jurídica às situações constituídas à luz
de um entendimento geral válido.

O art. 26 estabelece que para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa
na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa
poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e
presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados,
observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.

Esse compromisso tem por escopo buscar solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e
compatível com os interesses gerais, não podendo conferir desoneração permanente de dever ou
condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral e deverá prever com clareza as
obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de
descumprimento.

No concurso da PGE GO (FCC - 2021), o tema foi cobrado da seguinte forma:

Com a edição da Lei Federal nº 13.655/2018, que alterou o Decreto-lei nº 4.657/1942 (Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), o controle externo dos atos da
Administração pública

A) passou a, expressamente, dever considerar as consequências práticas das decisões


proferidas nesse âmbito, assim como demonstrar a necessidade e adequação das
medidas impostas, embora o princípio da proporcionalidade e a motivação dos atos já
informassem aquela atuação.
B) continua abrangendo a possibilidade de imposição de sanção aos agentes públicos,
inovando, no entanto, no que se refere a dosimetria da pena, que passou a admitir a
aplicação de sanção não positivada, além de considerar a natureza e gravidade da infração.
C) passou a levar em consideração as consequências práticas das decisões administrativas,
não havendo que se falar em anulação ou nulidade de atos administrativos que não
tenham gerado prejuízo ao erário.

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Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
D) continua a ser exercido nas mesmas circunstâncias, passando a responsabilidade do
agente público, no entanto, a apenas ter lugar nas hipóteses de conduta dolosa.
E) passou a abranger a possibilidade de sustação e declaração de nulidade de atos e
contratos administrativos diretamente pelos Tribunais de Contas, sempre que restar
evidenciado prejuízo ao erário ou erro grosseiro por parte do agente público.

A alternativa considerada correta foi a letra A.

Consoante o art. 27:

Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora


ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou
prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos
envolvidos.

§ 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente


as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor.
§ 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado
compromisso processual entre os envolvidos.

Com relação à responsabilidade civil do agente público, o art. 28 prevê que o mesmo
responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
Ressalta-se, contudo, que essa previsão se afasta da regulamentação constitucional que estabelece
a responsabilidade do agente público, somente de forma regressiva, quando tiver agido com dolo
ou culpa. Ademais, o Código de Processo Civil (arts. 143, 181, 184 e 187) possui dispositivos
específicos que tratam da responsabilidade dos magistrados e dos membros do Ministério Público,
da Defensoria Pública e da Advocacia Pública, o que afastaria a aplicação do art. 28 da LINDB.

Conforme site Dizer o Direito: Segundo a doutrina e o voto do Min. Joaquim Barbosa no MS
24.631/DF (DJ 01/02/2008), existem três espécies de parecer:

FACULTATIVO OBRIGATÓRIO VINCULANTE


O administrador NÃO É O administrador é O administrador É
obrigado a solicitar o obrigado a solicitar o obrigado a solicitar o
parecer do órgão jurídico. parecer do órgão jurídico. parecer do órgão jurídico.
O administrador pode O administrador pode O administrador NÃO pode
discordar da conclusão discordar da conclusão discordar da conclusão
exposta pelo parecer, exposta pelo parecer, exposta pelo parecer.
desde que o faça
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DIREITO CIVIL
Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.
desde que o faça fundamentadamente com Ou o administrador decide
fundamentadamente. base em um novo parecer. nos termos da conclusão
do parecer, ou, então, não
decide.
Em regra, o parecerista não Em regra, o parecerista não Há uma partilha do poder
tem responsabilidade pelo tem responsabilidade pelo de decisão entre o
ato administrativo. ato administrativo. administrador e o
parecerista, já que a decisão
Contudo, o parecerista Contudo, o parecerista do administrador deve ser
pode ser responsabilizado pode ser responsabilizado de acordo com o parecer.
se ficar configurada a se ficar configurada a
existência de culpa ou erro existência de culpa ou erro Logo, o parecerista
grosseiro. grosseiro. responde solidariamente
com o administrador pela
prática do ato, não sendo
necessário demonstrar
culpa ou erro grosseiro.

Ressalta-se, ainda, a MP 966/2020 que dispunha sobre a responsabilização de agentes


públicos por atos relacionados com a pandemia da covid-19. O caput do art. 1º da MP previa o
seguinte (quadro retirado do site Dizer o Direito):

REGIME DE RESPONSABILIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS NAS ESFERAS


CIVIL E ADMINISTRATIVA POR MEDIDAS DE ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA DA
COVID-19
Os agentes I - enfrentamento da emergência de Se tiverem
públicos somente saúde pública decorrente da covid-19. Ex: agido ou se omitido
poderão ser dispensa de licitação para compra de com:
responsabilizados respiradores. • DOLO ou
pela prática de II - combate aos efeitos econômicos •ERRO
atos relacionados e sociais decorrentes da covid-19. Ex: GROSSEIRO.
com as medidas concessão de anistia ou remissão para
de: empresários.

Cabe esclarecer que a doutrina divide a culpa em três subespécies: culpa grave, leve e
levíssima. O erro grosseiro é sinônimo de culpa grave. Assim, é como se o art. 1º da MP dissesse: o
agente público somente responderia em caso de dolo ou culpa grave.

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LINDB.
A MP 966/2020 teve seu prazo de vigência encerrado no dia 10/09/2020.

O art. 1ºda MP 966/2020 se aproximava daquilo que prevê o art. 28 da LINDB:

Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou


opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. (Incluído pela Lei nº
13.655/2018)

O art. 29 estabelece que em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por
autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta
pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será
considerada na decisão. A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais
condições da consulta pública, observadas as normas legais e regulamentares específicas, se
houver. Ressalva-se, apenas, que apenas esse dispositivo (art. 29) entrará em vigor após decorridos
180 dias de sua publicação oficial, que ocorreu em 25/04/2018.

No concurso da PGE RS (FUNDATEC - 2021), o tema foi cobrado da seguinte forma:

Quanto à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, assinale a alternativa


correta.

A) Será apenas parcialmente aplicável às licitações e contratos da Lei nº 14.133/2021


(Nova Lei de Licitações), que positivou princípios autônomos.
B) São as decisões administrativas que se utilizem de princípios as que devem apresentar
as alternativas decisórias e respectivas consequências, mas só caso decretem a invalidade
de atos e contratos.
C) Estatui competência para negociações administrativas e celebração de acordos como
técnica de solução de conflitos e irregularidades.
D) Exige a edição contínua de súmulas administrativas como forma de conferir estabilidade
ao funcionamento da Administração Pública e pressuposto às sanções administrativas.
E) Somente exige o regime de transição em caso de mudança de compreensão já
estabilizada em súmulas e regulamentos administrativos.

A alternativa considerada correta foi a letra C.

Por fim, o art. 30 dispõe que as autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança
jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e
respostas a consultas, sendo que esses instrumentos terão caráter vinculante em relação ao órgão
ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.

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LINDB.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Flávio Tartuce. Manual de Direito Civil.
Nelson Rosenvald. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB.
André Santa Cruz Ramos. Direito Empresarial Esquematizado.

TAREFAS PARA O ESTUDO ATIVO

01. Quais são os princípios gerais norteadores do Código Civil de 2002?

02. Diferencie:

BOA-FÉ OBJETIVA BOA-FÉ SUBJETIVA

03. Quais são as funções da boa-fé objetiva?

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LINDB.

04. Explique o que é a constitucionalização do Direito Civil.

05. O que é vacatio legis?

06. Explique cada uma das formas de integração da lei:

ANALOGIA

COSTUMES

PRINCÍPIOS GERAIS
DO DIREITO

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Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.

07. O que se entende por “silêncio eloquente”?

08. Diferencie:

ANALOGIA INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA

09. Quais são os critérios utilizados para a solução de antinomias?

10. O que é repristinação?

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Constitucionalização do Direito Civil.
LINDB.

11. Diferencie as três espécies de parecer:

FACULTATIVO

OBRIGATÓRIO

VINCULANTE

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