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Direito Civil 2016 1

CADERNO SISTEMATIZADO (CERS + LFG + DAMÁSIO) - 2016

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DE DIREITO CIVIL

Quadro Evolutivo

É cediço que o direito Romano apresentou as primeiras feições do Direito Civil.


No direito Romano a ciência jurídica era dividida em: i) direito civil; ii) direito penal.
E era civil tudo o que não era penal.
O direito civil era tudo, e quem quer ser tudo talvez não consiga ser rigorosamente
nada. Este era o grande problema do direito civil, pois ele englobava todas as matérias que
não eram penais. E por conta disto, o direito civil apresentava-se com uma grande feição,
apresentando-se dentro do direito civil: o direito do trabalho, o direito processual civil, o
direito empresarial, o direito administrativo.
Com a presença do absolutismo estatal o direito civil passou a ter correlação com
os interesses do rei, por isso o direito administrativo situava-se dentro do campo civil.
Toda esta concatenação tem como limite a Revolução Francesa, que tinha por ideais
a igualdade, liberdade e fraternidade, haja vista que instaurou uma nova ordem social.
A partir deste momento começa a se estruturar o direito civil moderno, isso em 1804.
Neste momento surgiu o “Code de France” (Código Napoleônico), que está em vigor até
hoje. A finalidade deste código foi retirar o Estado do Direito Civil, concebendo uma
engenharia jurídica que preserva-se a propriedade privada, a autonomia privada, era
necessário que se garantisse aos particulares o direito de contratar livremente. Foi com o
Código da França que se separou pela primeira vez o direito em: público e privado. O direito
público era o direito administrativo, ao passo que o direito privado era o direito civil.
Napoleão queria garantir à burguesia tudo que se entregou a ele, para derrubar o
absolutismo estatal (causou a queda da bastilha). Napoleão garantiu a propriedade privada,
a autonomia privada contratual (que se chamava pacta sunt servanda).
Napoleão, em outro passo, também garantiu a supremacia do interesse público
sobre o privado em matéria de direito público. Se tiver interesse público, prevalece o
interesse público, caso contrário, o particular terá autonomia.
Devemos lembrar que todo o Código traz consigo certos valores. Quais eram os
valores deste Código? O Código da França era:
i) Patrimonialista;
ii) Individualista.
O direito civil construiu-se a partir da referência da propriedade privada e do pacta
sunt servanda. Portanto, o direito civil quis garantir a liberdade no campo privado, mas sem
violar a supremacia do interesse público sobre o privado.
Temos uma grande comparação quase que idílica (figurado) entre um jardim e uma
praça. Esta é uma metáfora apresentada pelo grande professor Nelson Saldanha de
Pernambuco. Nelson Saldanha compara o público vs. Privado com um jardim e uma praça.
A praça é o espaço do público, ao passo quo jardim é o espaço privado. Na praça só posso
fazer o que a lei permite. Já no jardim posso fazer tudo, exceto o que a lei proíbe.

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Nas pegadas do Código Civil Francês, surge em 1896 um segundo Código da era
moderna, qual seja: Código da Alemanha (“BGB”), que possuía as mesmas diretrizes do
Código Francês.
No Brasil, a primeira manifestação do direito civil foi em 1824, por meio da
Constituição Imperial, que estabeleceu que em 1 (um) ano deveriam ser elaborados um
Código Civil e um Código Penal. O Código Criminal do Império foi elaborado em 1832.
Quanto ao Código Civil o legislador foi muito lento, sendo que em 1855 o Brasil contratou o
Baiano Augusto Teixeira de Freitas para elaborar o primeiro Código Civil brasileiro, que era
um homem visionário e acima dos padrões da época, e rapidamente começou os estudos.
Teixeira de Freitas então em 1862 apresentou o seu Projeto de Código Civil, que ele
humildemente chamou de “esboço de Código Civil”, que tinha quase 7 mil artigos, e tratava
de matérias inusitadas, tais como: a proteção do nascituro; revisão judicial de contratos; e
divórcio. O Governo nem deu andamento ao projeto de Teixeira de Freitas, afinal era muito
evoluído para a época.
Teixeira de Freitas enlouqueceu após isso, sendo até mesmo interditado.
O esboço de Teixeira de Freitas adotou o “esboço” de Teixeira de Freitas, sendo
hoje um dos países mais avançados do mundo em matéria de direito civil.
Em abril de 1899 o Brasil contrato Clóvis Bevilaqua, que ensinava direito civil
comparado na faculdade de Olinda (afinal o Brasil ainda não tinha um Código Civil). Em 6
meses Bevilaqua entregou o projeto de Código Civil (outubro de 1899). O referido projeto
ficou sendo debatido no Congresso até 1936, quando foi aprovado para entrar em vigor em
1917 o Código Civil de 1916. Esse Código elaborado em 1899 só podia receber as
influências da referência da época, e, portanto, recebeu direta influência do Código Civil
Francês e do Código Civil Alemão, sendo assim, era o Código Civil de 1916 individualista e
patrimonialista, e este Código Civil conseguiu com perfeição respirar os ares do público e do
privado.
Para o nosso Código de 1916 onde estava o direito público não poderia estar o
privado, ou seja, não poderíamos ter a um só tempo um “mix” entre público e privado. E
naturalmente o Código de 1916, trazendo essa feição entre público e privado, cuidava
somente de relações patrimoniais (para garantir a propriedade privada, o pacta sunt
servanda). Este Código não admitia interferência do Estado nas relações privadas. Onde
estava o Poder Público não poderia estar o particular, pois havia supremacia do público
sobre o privado.
O saudoso Silvio Rodrigues dava como prova do caráter patrimonialista e
individualista do Código Civil de 1916 o instituto da tutela. Tutela é colocação de um menor
órfão em uma família substituta. No Código de 1916 a tutela era regida por 24 artigos, sendo
que 23 artigos preocupavam-se com o patrimônio dele, e só um cuidava da pessoa, que era
do tutor (e não do tutelado). O Código Civil de 1916 preservava a propriedade do tutelado.
O Código Civil de 1916 preocupava-se com o ter, com a proteção do patrimônio.
Esse Código de 1916 passou a ter um grande problema. O problema era: quando
surgir um problema não trabalhado no Código, como ele será dirimido? Passamos ater a
denominada legislação de emergência, vale dizer, toda vez que houvesse um problema
não previsto no Código edita-se uma lei. Exemplo: quando o Código foi elaborado não existia
nenhum condomínio. A partir das décadas de 30 e 40 surgiram os grandes condomínios.
Condomínio é direito privado. Eram editadas leis sempre que necessário. E o sistema
jurídico de direito civil ficou como? O sistema do direito civil era como se fosse um sistema

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solar. O Código de 1916 era o astro rei, que irradiava luzes aos outros sistemas
(microssistemas), por exemplo: Lei de Registros Públicos, lei de inquilinato, Código de
Menores, Estatuto da Mulher Casada. Estas leis se submetiam às diretrizes do Código, quais
sejam: patrimonialismo e individualismo.
Isso assim se manteve até 1988. Durante todo este período tivemos uma afirmação
consequencial deste sistema: o Código Civil de 1916 colocou-se em uma posição de
proeminência, aceitando-se a ideia de que o Código era a mais alta norma do direito civil,
pois nenhuma Constituição Brasileira cuidava de direito civil, afinal o sistema era dividido em
público e privado (clivagem). A Constituição era direito público e não se podia falar em direito
civil. Quem tratava de direito civil era o Código Civil de 1916. Então, apelidou-se o Código
Civil de 1916 de Constituição de Direito Privado, ao passo que a Constituição Federal era
uma Carta Política, pois esta tinha o papel de cuidar da organização política-administrativa.
Assim, acima do Código Civil não havia nenhuma outra norma. Havia uma subversão
hermenêutica, pois o Código Civil arvorava-se em papel constitucional e a Constituição ficou
reduzida a uma mera Carta Política, um protocolo de intenções administrativas.
O Código Civil de 1916 conseguiu uma proeza: era uma lei ordinária que
permaneceu incólume por 6 diferentes Constituições: Constituição da República (1891),
Constituição de 1934, Constituição de 1937, Constituição de 1946 (Vargas), Constituição de
1967 (militares) e Constituição de 1969 (militares). Nenhuma dessas Constituições
conseguiu alterar aquela matéria de lei ordinária, pois as matérias do Código Civil nunca
foram tratadas em sede constitucional, afinal havia clara divisão entre público e privado.
Tudo isso é significativamente alterado em 1988, com o advento da CF/88. O direito
civil ganha um grande movimento advindo da Itália para o Brasil, denominado de
Constitucionalização do direito civil, que tem por fundamento a percepção de que o
Código Civil não tinha condições de manter um sistema. De acordo com Orlando Gomes “o
Código Civil perdeu sua completude e generalidade”. Somente uma lei superior conseguiria
(re)unificar o direito civil (o direito civil já havia sido unificado, mas agora deveria ser
reunificado no eixo constitucional, e não mais no eixo do Código). O movimento de
constitucionalização do direito civil ou direito civil constitucional nada mais significa do que
a interpretação dos clássicos institutos do direito civil conforme a Constituição. Não significa
que existam dois direitos civis: um no Código Civil e outro na Constituição! O direito civil é
um só. Toda a compreensão do direito civil tem de se dar conforme a Constituição. Portanto,
o direito civil se constitucionalizou, e aqueles institutos que só estavam presentes no Código
Civil (a exemplo da propriedade, o contrato, a família etc) tem agora previsão na
Constituição.
A Constituição passou a disciplinar o público e o privado.
Daniel Sarmento e Luiz Roberto Barroso entendem que hoje a divisão do direito em
público e em privado é meramente acadêmica, pois tanto o público, bem como o privado
brotam da Constituição. A Constituição apresenta os pilares da Constituição de um e de
outro, consequentemente, a divisão é meramente acadêmica.
ATENÇÃO: Cuidado para não confundir Constitucionalização do direito Civil com
Publicização do Direito Civil (CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL ≠
PUBLICIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL).
Constitucionalização do direito civil = É a compreensão dos institutos do direito
civil conforme a Constituição, vale dizer, é a vinculação do tecido normativo
infraconstitucional às normas constitucionais. Todas as normas infraconstitucionais
precisam ser interpretadas conforme a Constituição.
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Na ADI 4277 há um espetacular exemplo de constitucionalização do direito civil.


Discutiu-se nesta ADI se o conceito de união estável poderia alcançar as uniões
heteroafetivas e também as homoafetivas. O artigo 1.723 do Código Civil diz assim: A união
estável é entre homem e mulher (é heteroafetiva). Contudo, o STF entendeu que de acordo
com os valores da Constituição (dignidade humana, solidariedade, liberdade, igualdade) o
art. 1.723 do CC tem que ser interpretado que a união estável entre pessoas do mesmo sexo
é possível.
Publicização (Dirigismo contratual)= é a episódica e casuística intervenção do
Estado em uma relação privada para garantir igualdade entre as partes. O Estado percebe
que determinadas relações privadas precisa do Estado, justamente para se manter a
isonomia entre as partes. Ocorre quando o Estado penetra em uma relação privada visando
a isonomia entre as partes. Exemplo: atuação das agências reguladoras, entre as quais
algumas vão se imiscuir nas relações com os Planos de Saúde. A Seguradora só pode
aumentar a contribuição de acordo com os índices estabelecidos pelo governo. A União
penetra em uma relação privada para estabelecer limites. É um claro exemplo de dirigismo
contratual.
Estes dois movimentos podem estar juntos (Constitucionalização + Publicização), a
exemplo do direito do trabalho e direito do consumidor.
Este movimento de constitucionalização (de compreensão do direito civil conforme
a Constituição) gera preocupação com o ser e não com o ter. Se o Código de 1916
preocupava-se fundamentalmente com a proteção do patrimônio (do ter), a Constituição
preocupou-se com “o ser”.
A tábua de valores da Constituição Federal (tábua axiológica da CF/88) revela essa
preocupação com o “ser”.
Quais são os valores da Constituição? Liberdade, Igualdade e solidariedade social.
A Constituição estabelece uma espécie de “revival” (ela volta no tempo), pois resgata
no tempo a liberdade, a igualdade e a solidariedade como tábua de valores, com o objetivo
de se garantir a dignidade da pessoa humana.
Esta preocupação com o “ser” faz com que direito adapte-se a isso. E teremos com
isso no direito civil um movimento de (re)personalização, sendo que o direito civil passa a
se preocupar com a pessoa humana. Não quer dizer que o direito civil deixou de proteger o
patrimônio. Continua-se protegendo-se o patrimônio (a propriedade continua privada, o
contrato continua submetido ao pacta sunt servanda). Ele apenas agora tem como proteção
precípua (fundamental) a dignidade humana.
O direito civil antevê uma grande proteção da pessoa humana.
Esse movimento inaugura uma nova era denominada de: Direito Civil Mínimo, que
significa intervenção mínima do Estado na relação privada. O Estado só deve intervir na
relação privada quando for necessário para garantir: dignidade, igualdade, solidariedade e
liberdade. Se não há necessidade de preservar estes valores, vale a autonomia das partes
(autonomia privada).
É esse movimento de Direito Civil Mínimo, que faz com que o Estado intervenha
para proteger a pessoa.
(XL Concurso MP/MP) Dissertação: Em poucas linhas, elabore dissertação,
respondendo à seguinte pergunta: “O direito civil está em crise?”

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Para responder a esta questão temos que passar por todo o histórico do direito civil
(Código de 1916 até 2002) e falar sobre o movimento de Constitucionalização. Crise pode
ser tomada no sentido de mudança de paradigma, ocasião em que a resposta seria
afirmativa. Se a palavra crise for tomada no sentido de extinção, a resposta seria negativa.
A Constitucionalização do direito civil teria alterado a estrutura do Direito
Civil? RESPOSTA: O direito civil é, foi e será para sempre ramo do direito privado. O direito
civil cuida das relações privadas, indiscutivelmente. E a relação privada é propriedade,
contrato e família. O que o direito civil sofreu foi uma modificação valorativa e não
estruturante (a estrutura é a mesma, mas os valores foram modificados). Se os valores do
Código de 1916 eram patrimonialismo e individualismo, a Constituição estabeleceu novos
valores (liberdade, igualdade e solidariedade), passamos com isso a ter uma
incompatibilidade no sistema. O Código Civil era incompatível com a Constituição. Assim,
percebeu-se a necessidade da criação de um novo Código Civil (CC/2002).

1. Código Civil de 2002 e os seus paradigmas (diretrizes): eticidade,


operabilidade e socialidade (BOBBIO e da Estrutura à Função)

O Código Civil de 2002 veio atender à circunstância de a Constituição ter trazidos


novos valores. E assim sendo, o Código Civil de 2002 apresentou 3 valores, quais sejam:
a) Eticidade
b) Operabilidade
c) Socialidade
Então, podemos de certo modo dizer que o movimento de constitucionalização
exigiu um novo Código com valores diferentes (e não os valores do individualismo e
patrimonialismo, pois estes estavam em rota de colisão com a Constituição).
Os paradigmas do novo Código permeiam todo o sistema jurídico de direito civil e
de direito privado a partir da Constituição.
A sistema jurídico do Direito Civil continua assemelhado a um sistema solar. Onde
estava antes o Código Civil (em uma posição privilegiada) está hoje a Constituição. A
Constituição é o grande astro rei. A Constituição tem preocupação com a dignidade humana.
O Código Civil agora é uma das normas do direito privado, ao lado do Código de Defesa do
Consumidor, Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Torcedor, Lei de Direitos
Autorais, Estatuto do Idoso, etc. Todas essas normas do direito civil submetem-se à
Constituição.
Por isso que o Código Civil novo precisava de valores que se adaptam-se à
dignidade da pessoa humana.
Como é que se organiza o direito civil?
O Direito Civil divide-se em:
a) Parte Geral: onde se estuda os elementos componentes de uma relação jurídica.
Toda e qualquer relação jurídica possui: Sujeito (Pessoas), objeto (Bens) e vínculo
(Fatos Jurídicos).
b) Parte Especial: onde se estuda os campos nos quais se projetam as atividades
privadas, quais sejam: Trânsito jurídico (= circulação de riquezas. São os Direitos
das Obrigações) Ex.: pagamento, cumprimento de contrato, indenização por um

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prejuízo etc.); titularidade (= propriedade. São os direitos Reais.); afetivas (relações


de afeto. Ex.: direito de família. São os direitos de família e sucessões).

Obs.: A Parte Geral do Código Civil não estuda as relações privadas, pois estas
encontram-se na Parte Especial. A Parte Geral estuda a relação jurídica, e não a relação
privada. A parte Geral do Direito Civil tem, portanto, aplicação universal. Exemplo: no direito
do trabalho é preciso que o objeto seja lícito; no contrato administrativo é necessário que
exista agente capaz.
As obrigações (onde se insere o contrato), direitos reais e família precisam ser
compreendidos de acordo com os valores da eticidade, operabilidade e socialidade.
A eticidade significa compreensão ética de uma relação.
Eticidade é um neologismo para dizer que todas as relações privadas precisam ser
compreendidas conforme a ética.
Ética não se confunde com a moral. Ética é coletiva, é aquilo que se espera de todos
(não tem uma conotação moral). Exemplo de eticidade: boa-fé objetiva. Se um dia os
contratos foram interpretados pelo pacta sunt servanda (contratou tem que cumprir! Morra,
mas cumpra!), agora tem que ser interpretado conforme a ética (boa-fé objetiva – é a ética
que se espera das relações contratuais).
A socialidade é a compreensão dos institutos do direito civil com uma preocupação
com a sua função social. Os institutos do direito civil precisam cumprir uma função social,
não podendo o direito civil ter mais uma visão individualista (precisa ter compreensão social).
É a função social do contrato, é a função social da propriedade.
A operabilidade é a utilização dos institutos do direito civil de forma fácil. A utilização
dos institutos não deve ser complexa, não deve ser com apego ao tecnicismo. O direito civil
deve ser facilmente compreendido. Aqui serve o exemplo da distinção entre prescrição e
decadência, em que o direito civil facilitou a compreensão destes institutos.
NORBERTO BOBBIO, em sua obra “Da estrutura à função”, apresentou esses
elementos que hoje foram incorporados ao nosso Código Civil, quais sejam: eticidade,
socialidade e operabilidade.
Na própria Exposição de Motivos do Código Civil escrita por MIGUEL REALE revela-
se esses três paradigmas (eticidade, socialidade e operabilidade).

2. Incidência dos Direitos Fundamentais nas relações privadas

E aqueles direitos fundamentais tratados na Constituição incidem no Direito


Civil (INCIDÊNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS)?
Incorporada esta ideai de constitucionalização do direito Civil (Direito Civil
Constitucional), nós passamos a ter um segundo momento de reflexão, que veio por conta
de debates doutrinários que terminaram por desembocar no Supremo Tribunal Federal. A
discussão gravitou ao redor da seguinte questão: que o direito civil vai ser interpretado
conforme a Constituição é indiscutível (o contrato, a propriedade e família serão
interpretados conforme a Constituição), mas a autonomia privada (a vontade das partes)
teria o condão de afastar a incidência dos direitos fundamentais? Poderia A e B celebrar um

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contrato afastando um direito fundamental constitucional? É a ideia do direito civil mínimo


(em que o Estado só deve intervir para respeitar a dignidade). Alguns autores primeiramente
disseram que sim. Contudo, posteriormente surgiu a tese da aplicação direta dos direitos
fundamentais (= eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Esta foi a tese que
prevaleceu na doutrina (a exemplo de LUIZ ROBERTO BARROSO, DANIEL SARMENTO,
CRISTIANO CHAVES DE FARIA).
O STF então foi exortado para discutir a matéria no leading case RE 201.819/RJ (rel.
Ministro Gilmar Mendes). Leading case significa caso paradigmático ou caso líder, que é o
precedente que inaugura uma orientação sobre determinada matéria. O entendimento do
STF, consagrado neste leading case, foi no sentido que os direitos fundamentais não se
aplicam somente nas relações verticais (administrador x administrado – de direito público),
mas também nas relações horizontais (vinculam também as relações privadas). Era um caso
envolvendo uma Associação de Compositores do Rio de Janeiro, e tinha um chato que todos
os demais queriam expulsá-lo, o Estatuto da Associação (que é uma relação privada) dizia
que para expulsá-lo só bastava colocar em votação. Convocou-se a Assembleia e todos
quiseram expulsá-lo. O chato era tão chato, que ele foi para a Justiça exigindo que lhe fosse
assegurado o contraditório e ampla defesa. E o STF mandou reintegrá-lo na Associação,
dizendo que o Estatuto Associativo não pode afrontar os direitos fundamentais, pois estes
vinculam as relações entre particulares.
O movimento de constitucionalização do direito civil agregou a eficácia dos direitos
fundamentais, vale dizer, os institutos do direito civil devem ser interpretados conforme a
Constituição, e nenhuma relação privada pode afrontar os direitos fundamentais (que
possuem eficácia horizontal).

3. A aplicação direta dos direitos sociais nas relações privadas (Eficácia


horizontal dos direitos sociais).
Surge outra questão: Se os direitos fundamentais possuem uma eficácia horizontal,
e os direitos sociais dos artigos 6º e 7º da Constituição também possuem eficácia horizontal
(ex.: educação)?
Alguns constitucionalistas no Brasil deflagraram o debate, e este ganhou fôlego, e
hoje prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que os direitos sociais
previstos na CF/88 (artigos 6º e 7º) possuem também eficácia horizontal.
Os direitos sociais também têm aplicação direta nas relações entre particulares.
Exemplos:
STJ, 302 (Súmula): é abusiva (= nula) a cláusula contratual de plano de saúde que
limita no tempo a internação hospitalar do segurado” (direito à saúde é um direito social, e
um contrato não pode limitar o direito à saúde).
STJ, 364 (Súmula): o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange
também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas (pessoas sozinhas =
singles). Embora as pessoas sozinhas não sejam família, elas possuem o direito social à
moradia. Moradia é um direito social.

(MPF/05) Disserte sobre: Constitucionalização e personalização do direito


civil. Esboço histórico e fontes. A eficácia privada dos direitos fundamentais.

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4. A incidência direta dos tratados e convenções internacionais no âmbito das


relações privadas. Controle de convencionalidade do direito Civil
(Convencionalização do Direito Civil).

Os tratados e convenções internacionais também são vinculativos nas relações


privadas?
Precisamos primeiramente lembrar do § 3º, artigo 5º da CF/88 (com redação
conferida pela EC n. 45). Este dispositivo estabelece que Tratados e Convenções
Internacionais que versem sobre direitos humanos, e que seja incorporado por maioria
qualificada no Congresso (maioria de 3/5 em 2 turnos de votação), terão status de norma
constitucional.
Para a boa compreensão do tema, vamos lembrar que o sistema normativo é
piramidal. Temos no topo (ápice) a Constituição Federal de 1988, e abaixo encontram-se as
normas infraconstitucionais. É a partir desta arquitetura piramidal é que o assunto vai ser
resolvido.
Os Tratados e Convenções internacionais que versem sobre direitos humanos
(requisito material) e que foram aprovados na forma da EC n. 45 (requisito formal) serão
incorporados em sede constitucional. Desta feita, como eles têm status constitucional, eles
impõem ao tecido infraconstitucional o controle de constitucionalidade. Exemplo: A
Convenção de Nova Iorque foi incorporada pelo Decreto Legislativo 186/2008. A Convenção
de Nova Iorque trata da proteção da pessoa com deficiência. No nosso país, a proteção de
pessoa com deficiência é norma constitucional.
Já os Tratados e Convenções Internacionais que não versam sobre direitos
humanos (não preenchem o requisito material) serão incorporados em sede
infraconstitucional. Entram no sistema como qualquer outra norma infraconstitucional (em
patamar de igualdade com o Código Civil, CDC, etc). Exemplo: Convenção de Varsóvia de
1929 trata de transporte aéreo – tem status de norma infraconstitucional, é uma lei como
outra qualquer. E se ela é uma lei como outra qualquer, eventual conflito entre a Convenção
de Varsóvia e outro dispositivo interno, será resolvido pelo princípio da especialidade da
norma. Na referida Convenção há um tabelamento para a companhia aérea que perde a
bagagem do passageiro. Contudo, o CDC diz que toda e qualquer indenização por força de
relação de consumo deve ser com reparação integral. O STJ entendeu que prevalece o CDC
em razão do princípio da especialidade (REsp 169.000/RJ).
No que tange aos Tratados e convenções internacionais que versam sobre direitos
humanos (preenchem o requisito material), mas não foram aprovados na forma da EC/45
(não preenchem o requisito formal), o STF (no RE 466.343/SP e HC 87.585/TO) entendeu
que serão incorporados no intermédio entre a norma Constitucional e a norma
infraconstitucional, vale dizer, há uma eficácia supralegal. Não podem ter status
constitucional, pois não preencheram o requisito formal. E não merecem ter eficácia
infraconstitucional, pois versam sobre direitos humanos. Exemplo: Pacto de San Jose da
Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos). É de 1969. O artigo 7º do
referido Pacto estabelece que os países signatários do pacto não admitirão prisão civil por
dívida, exceto o do devedor de alimentos. O artigo 5º, LXVII da CF/88 estabelece que no
Brasil admite-se a prisão por dívida de alimentos e do infiel depositário, na forma da lei. O
artigo 652 do Código Civil diz como vai ser preso o depositário infiel (Art. 652. Seja o depósito
voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a
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fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos). O STF editou a
súmula vinculante 25, que reza: “é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja
a modalidade do depósito”. A súmula 419 do STJ vai mais longe, dizendo que é ilícita a
prisão do infiel depositário até mesmo com relação ao depósito judicia. As normas
infraconstitucionais submetem-se, portanto, a um controle de convencionalidade.

5. A interpretação das normas do Direito Civil (normas gerais) e a possibilidade


de diálogo das fontes (diálogo de conexão ou de complementariedade).
Afastamento episódico da prevalência da especialidade.

Interpretar o direito civil é interpretar uma norma geral. E sempre que interpretamos
uma norma geral, lembramos do princípio da especialidade.
De acordo com o princípio da especialidade, norma especial sempre afasta norma
geral.
Entretanto, devemos perceber que o Código Civil aproximou-se do ideal
constitucional. O Código Civil abeirou-se da Constituição, quer respirar os ares dos valores
constitucionais. Exatamente por isso, e não raro, o Código Civil traz normas mais especiais
e mais protetivas do que as próprias normas encontradas nas leis especiais.
Aqui surge o chamado diálogo das fontes (diálogo de conexão ou
complementariedade), tese concebida pelo professor alemão ERIK JAIME, e trazida pelo
Brasil pela professora CLÁUDIA LIMA MARQUES (Rio Grande do Sul).
O diálogo das fontes é a possibilidade de inversão episódica e casuística do princípio
da especialidade, vale dizer, é possível aplicar a lei geral no lugar da lei especial sempre
que a lei geral mostrar-se mais protetiva para o sujeito de direito a que se pretende proteger.
Portanto, é possível aplicar o Código Civil (lei geral) no lugar de uma lei especial, quando o
Código Civil for mais protetivo para determinado sujeito de direito.
Os dois terrenos mais férteis para aplicação do diálogo das fontes são: o direito do
trabalho e o direito do consumidor.
O artigo 445, § 1º do Código Civil é mais favorável ao consumidor do que os artigos
26 e 27 do CDC ao estabelecer o prazo para reclamação de vícios redibitórios. Exemplo: Se
comprou um produto com defeito (ex. celular), o prazo no CDC é de 30 ou 90 dias (se durável
ou não durável), contados da descoberta do vício. Já o artigo 445, § 1º do Código Civil diz
que se o vício for de difícil constatação o prazo será de 180 dias se for móvel ou de 1 ano
se for imóvel, a partir da constatação. Nestes casos a norma geral é mas protetiva e mais
eficiente para o sujeito de direitos, permitindo-se o diálogo das fontes.

6. Interpretação do direito civil: regras e princípios

Para falar dos mecanismos de interpretação do direito civil devemos falar de


DWORKIN, ALEXY, CANOTILHO, BONAVIDES, LUIZ ROBERTO BARROSO, DIRLEY DA
CUNHA JÚNIOR.
O entendimento é praticamente universal no sentido de que a norma jurídica bifurca-
se em dois campos:
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a) norma-regra;
b) norma-princípio.
A diferença entre elas não é de hierarquia.
Norma-regra: é uma norma de conteúdo fechado e de solução apriorística (= é
apriorística por ter grau de abstração reduzido).
Norma-princípio: é uma norma de conteúdo aberto e de solução casuística, com
elevado grau de abstração.
Se houver colisão entre norma-regra e norma-princípio (norma-regra x norma-
princípio), a solução deve ser conforme a Constituição, prevalecendo-se a norma
constitucional.
Se há uma regra constitucional colidindo com um princípio infraconstitucional,
prevalece a regra.
Se tem regra e tem princípio, supõe-se que as regras são elaboradas a partir dos
princípios. As regras têm, portanto, presunção de constitucionalidade.
Se a regra for incompatível com o sistema, e não com a regra, daí é caso de controle
de constitucionalidade, interpretação conforme a constituição (com ou sem redução de texto)
etc.
Se houver colisão entre norma-princípio e norma-princípio (norma-princípio x
norma-princípio), a solução ocorre por meio da técnica de ponderação de interesses
(que veio do direito alemão e desenvolvida no direito norte-americano). É uma técnica que
utiliza a proporcionalidade como técnica de solução de conflitos.
Ponderação de interesses e proporcionalidade não necessariamente são sinônimos.
A proporcionalidade pode apresentar-se como: a) princípio interpretativo (=
razoabilidade); b) técnica de solução de conflitos (= ponderação de interesses).
Quando a proporcionalidade apresenta-se como princípio interpretativo ela ganha o
nome de razoabilidade. Exemplo: Convenção de condomínio que proíbe de modo absoluto
a entrada de animais deve ser interpretada de acordo com a proporcionalidade. O STJ
entende que animais dóceis podem ingressar. Aqui é a utilização da proporcionalidade como
razoabilidade.
Quando a proporcionalidade apresenta-se como solução de conflitos entre princípios
ela ganha o nome de ponderação de interesses. Dois princípios são colocados em uma
balança imaginária para se descobrir qual deles em um caso concreto tem maior densidade.
É isso que é a ponderação. A solução é sempre casuística, não importando em exclusão
definitiva de um dos princípios conflitantes. Exemplo: STJ, Resp 226.436/PR (relativização
da coisa julgada na ação de conhecimento de filho) – a coisa julgada é um princípio
constitucional, e o direito à perfilhação também. Aquelas ações julgadas improcedentes pelo
fato de não terem feito DNA podem ser repropostas agora. Exemplo 2: Súmula 309 do STJ
– “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três
prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do
processo”.
Ponderação é o critério para dirimir conflitos principiológicos, portanto.

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Direito Civil 2016 11

Se houver colisão entre norma-regra e norma-regra (norma-regra x norma-


regra), utiliza-se os clássicos métodos hermenêuticos: I) norma superior afasta inferior; II)
norma especial afasta a geral; III) norma posterior afasta a anterior.
Uma regra prevalece em relação a outra, sem que esta outra seja eliminada.
É preciso atentar-se a uma nova técnica (que vem do direito inglês – common law)
de solução da colisão entre norma-regra e norma-regra, qual seja: derrotabilidade
(defeseability). Alguns autores, como HUMBERTO ÁVILA, preferem denominar de
Superabilidade. Trata-se de uma técnica excepcional de interpretação de regras. A
derrotabilidade é a possibilidade de afastamento episódico de uma regra constitucional e
válida, mas que se mostra incompatível com o caso concreto. A sua aplicação pode violar
os valores que inspiraram a sua própria edição. Exemplo: artigo 1.521 do Código Civil, que
trata da proibição do incesto. É proibido casar irmão com irmão. Justifica-se. Contudo, na
Espanha dois irmãos descobriram que eram irmãos após 14 anos de casamento, tinham 4
filhos sem qualquer deficiência. O Ministério Público ingressou com ação de anulação de
casamento. A regra é válida, mas aplicar esta regra neste caso sacrifica os valores que a
inspiraram: preservação do núcleo familiar. Apesar da regra ser boa e válida, ela será
derrotada (é a derrotabilidade da regra no caso concreto). Essa derrotabilidade só pode ser
pontual (episódica) No STF e no STJ já há precedentes admitindo toda a teoria, mas sem
denominar de derrotabildiade. Exemplo: REsp 799.431/MG (reprovação de aluno como nota
7.955 ao invés de nota mínima 8.00 em concurso público. Ele ficou em 1º lugar em todas as
primeiras provas, mas no teste físico tirou 7.955). O STJ derrotou a exigência de nota mínima
de 8, e aprovou ele com 7.955. Exemplo 2: STF admitiu o sequestro de verbas públicas fora
dos casos previstas na regra (RE AgREgRecl. 3034/PB).

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Direito Civil 2016 12

LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO

1 Ponto1 - Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.


1.1 LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO
1.1.1 NOÇÕES GERAIS
A LICC, atual LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (Lei
12376/2010) é uma regra de superdireito ou sobredireito (E. ZITELMANN utiliza o termo,
que é assimilado pelo direito hermenêutico). Ou seja, são normas que definem a aplicação
de outras normas.
As principais funções da Lei são: a) determinar o início da obrigatoriedade das leis (art
1º) ; b) regular a vigência e eficácia das normas jurídicas (art 1º e 2º); c) impor a eficácia
geral e abstrata da obrigatoriedade, inadmitindo a ignorância da lei vigente (art.3º); d) traçar
os mecanismos de integração da norma legal, para a hipótese de lacuna na norma (art.4º);
e) delimitar os critério de hermenêutica, de interpretação da lei (art.5º); f) regulamentar o
direito intertemporal (art.6º); g) regulamentar o direito internacional privado no Brasil (art. 7º
a 17), abarcando normas relacionadas à pessoa e à família (art.7º e 11), aos bens (art 8º),
às obrigações (artigo 9º), à sucessão (art.10), à competência da autoridade judiciária
brasileira (art. 12), à prova dos fatos ocorridos em pais estrangeiro (art.13), à prova da
legislação de outros países (art. 14), à execução da sentença proferida por juiz estrangeiro
(art. 15) à proibição do retorno (art. 16), aos limites da aplicação da lei e atos jurídica de
outro pais no Brasil (art. 17) e, finalmente, aos atos civis praticados por autoridade
consulares brasileiras praticados no estrangeiro (art. 18 e 19) (CRISTIANO CHAVES –
TEORIA GERAL – 7º EDICAO)
Recente alteração no texto da LINDB (Lei n° 12.874/2013):
Art. 1° Esta Lei dispõe sobre a possibilidade de as autoridades consulares
brasileiras celebrarem a separação consensual e o divórcio consensual de
brasileiros no exterior, nas hipóteses que especifica.
Art. 2° O art. 18 do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942, passa
a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1o e 2o:
“Art. 18. ........................................................................
§ 1º As autoridades consulares brasileiras também poderão celebrar a
separação consensual e o divórcio consensual de brasileiros, não havendo
filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais
quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura pública as
disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão
alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome
de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.
§ 2° É indispensável a assistência de advogado, devidamente constituído,
que se dará mediante a subscrição de petição, juntamente com ambas as
partes, ou com apenas uma delas, caso a outra constitua advogado próprio,
não se fazendo necessário que a assinatura do advogado conste da
escritura pública.” (NR)
Art. 3° Esta Lei entra em vigor após decorridos 120 (cento e vinte) dias de
sua publicação oficial.

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Direito Civil 2016 13

1.1.2 VALIDADE, VIGÊNCIA, VIGOR E EFICÁCIA DAS NORMAS JURÍDICAS


A validade, cuja aferição determinará a sua compatibilidade ou não com o sistema
jurídiconormativo, pode ser analisada sob os seguintes aspectos:
a) FORMAL (observância das normas referentes ao processo de criação da lei, exemplo:
artigo 60,
§§ 1º e 2º CF); ou
b) MATERIAL (verificação da matéria passível da codificação está sendo observada,
exemplos: artigos 21 a 24, CF/88, artigos que estabelecem as matérias que podem ser
objeto de regulação e por quem).
A VIGÊNCIA é critério puramente temporal da norma. Trata-se do lapso temporal no qual
a norma tem força obrigatória, vinculatividade (Rosenvald). O início da vigência, portanto,
marca o começo de sua exigibilidade.
* “VACATIO LEGIS”: período que medeia entre a publicação e o início de vigência da
norma. Tratase de tempo necessário a que o texto normativo se torne efetivamente
conhecido, e variará de acordo com a repercussão social da matéria. Assim dispõe o art. 8º
da Lei Complementar 95/1998: “A vigência da lei será indicada de forma expressa e de
modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento,
reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de
pequena repercussão”.
* “VACATIO LEGIS INDIRETA”: “hipótese em que a lei, além do seu normal período de
vacatio legis, em seu próprio corpo, prevê um outro prazo para que determinados
dispositivos possam ter aplicação, a exemplo do que ocorreu com os arts. 30 e 32 da Lei
nº.10.826 , de 22/12/2003 (Estatuto do Desarmamento)”. A jurisprudência do STJ associa
a vacatio legis indireta estipulada no Estatuto do Desarmamento à abolitio criminis
temporária de algumas infrações penais (vide REsp 1.311.408-RN).
Os atos administrativos, como regra, entram em vigor na data de sua publicação (Decreto
572/1980), não se lhes aplicando a regra prevista a LC 95/1998.
As Emendas à CF, em regra, também tem vigência imediata.
A lei que altera o processo eleitoral, embora tenha vigência imediata, só se aplica a
disputas ocorridas depois de um ano de sua publicação (CF, art. 16). Hipótese de
suspensão de eficácia.
A EFICÁCIA refere-se à possibilidade de produção concreta de efeitos. A eficácia pode ser
classificada pela ineficácia. Por sua vez, pode ser:
a) SOCIAL (não se confunde com sua efetiva observância,) e
b) TÉCNICA (a possibilidade de produção de efeitos em concreto, EXEMPLO: artigo 7º,
I, CF/88, proteção contra a despedida arbitrária que deve ser regulada por Lei
Complementar, a eficácia técnica está comprometida).

Tércio Sampaio afirma que a eficácia possui graus, que podem ser verificados de
acordo com as funções da eficácia no plano da realização normativa. São as
funções eficaciais das normas: a) Função de bloqueio – normas punitivas e
proibitivas.
b) Função de programa – normas que visam à realização de um objetivo do
legislador (artigo 218, CF/88).
c) Função de resguardo – normas que visam a assegurar uma conduta desejada (artigo
5º, XXVII, CF/88).
O VIGOR está relacionado à realização efetiva e concreta da norma, está relacionado com
o conceito da ULTRATIVIDADE, ou seja, uma norma que não está mais vigente, mas
continua a reger todas as relações jurídicas consolidadas em sua vigência. EXEMPLO:
alguns artigos do CC/16.

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Direito Civil 2016 14

1.1.3 APLICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS


Na aplicação das normas jurídicas o operador depara-se com as seguintes atividades: a
INTERPRETAÇÃO e a INTEGRAÇÃO.

- INTERPRETAÇÃO
A finalidade interpretativa da norma é: a) revelar o sentido da norma e b) fixar o seu alcance.
São métodos de interpretação (não são excludentes e nem exclusivas entre si) das normas:
1. Literal ou gramatical – o exame de cada termo isolada e sintaticamente, na maioria das
vezes, não é o melhor método; isoladamente nunca satisfaz.
2. Lógico – utilização de raciocínios lógicos indutivos ou dedutivos.
3. Sistemático – análise a partir do ordenamento jurídico no qual a norma se insere, a
norma não será verificada isoladamente, será relacionada com o ordenamento jurídico.
4. Histórico – verificação dos antecedentes históricos, verificando as circunstâncias
fáticas e jurídicas, até mesmo o processo legislativo. Caio Mário afirma que esse método
não existe, o que há é o elemento histórico invocado para coadjuvar o trabalho do intérprete.
5. Finalístico ou teleológico – análise da norma tomando como parâmetro a sua finalidade
declarada, adaptando-a às novas exigências sociais; não se analisam somente os aspectos
históricos, mas também a própria finalidade.
Quanto mais métodos forem aplicados, no exercício da interpretação, melhor resultado será
obtido pelo intérprete. Não há hierarquia em relação aos critérios acima, e um não exclui o
outro.

– INTEGRAÇÃO
Quando inexiste lei a ser aplicada diretamente ao caso, deve o magistrado se valer de
outras fontes do Direito para encontrar a regra que efetivamente deve disciplinar à relação
jurídica sujeita à sua apreciação, ou seja, para aplicar o Direito. A LICC permite a integração
na hipótese de lacunas (falta de previsão legal sobre uma matéria), nos termos do artigo 4º
(REGRA DE OURO para a integração das leis):
Artigo 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Essas são as fontes supletivas do direito, juntamente, com a DOUTRINA, a


JURISPRUDÊNCIA e a EQÜIDADE, que são também métodos de integração da norma
jurídica.
A interpretação pode ocorrer sempre, mesmo que a lei seja clara (isso é um dogma). Já a
integração depende da existência de LACUNAS que, por sua vez, podem ser:
a. AUTÊNTICAS (PRÓPRIAS) – ocorrem quando o legislador não identificou uma hipótese
b. NÃO-AUTÊNTICAS (IMPRÓPRIAS) – o legislador previu, mas preferiu não tratar sobre
o assunto.
EXEMPLO: cabimento de embargos de declaração contra decisão interlocutória.
Cabe mencionar classificação utilizada por Maria Helena Diniz:
a) Lacuna normativa – ausência total de norma.
b) Lacuna ontológica – presença de normas mas sem eficácia social.
c) Lacuna axiológica – presença de norma cuja aplicação se mostra injustiça no
caso concreto. d) Lacuna de conflito – antinomias.

“SILÊNCIO ELOQÜENTE” – o legislador quis excluir a possibilidade, é a possibilidade de


se restringir a aplicação da lei com base na LACUNA NÃO-AUTÊNCIA. Exemplo:

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Direito Civil 2016 15

competência constitucional da Justiça Federal não pode ser ampliada pelo legislador, sob
a alegação de tratar-se de lacuna. Tratase de rol taxativo (numerus clausus).
Aceita-se a integração das lacunas em razão do princípio que determina que o juiz não
pode se eximir de julgar sob tal alegação (“Princípio do non liquet” que, no Direito Romano,
permitia ao pretor eximir-se de julgar alegando que o caso não está suficientemente claro).
Analogia pode ser dividida em:
a. analogia legal – a relação da semelhança toma por base outra lei;
b. analogia iuris – a relação de semelhança é estabelecida com base em outro caso
concreto Há dificuldade de aplicação dos costumes, já que nosso direito não é costumeiro;
a fonte primária, no Brasil, é a lei. Costume pode ser:
a. secundum legem – sua eficácia obrigatória é reconhecida pela lei, como nos casos dos
arts. 1297,
§ 1º, 596 e 615 do CC
b. praeter legem – tem caráter supletivo, complementar à lei.
c. contra legem – de revogação total. Isso é complicado, já que costume é fonte
secundária do direito e não pode revogar a lei. Mas existem exemplos que demonstram a
aplicação do costume contra lei. Ex.: reconhecimento jurisprudencial da possibilidade de
comprovação de contrato por testemunha no caso de venda de gado. Trata-se no máximo
de perda da eficácia da lei e não da perda da sua validade (DESUSO)
- APLICAÇÃO TEMPORAL DE NORMAS JURÍDICAS
O princípio básico dessa matéria é o PRINCÍPIO DA NÃO-RETROATIVIDADE DAS LEIS
(Tempus regit actum), ou seja, a idéia de que a lei nova não atinge os fatos anteriores ao
início de sua vigência. Em consequência, os fatos anteriores à vigência da lei nova regulam-
se não por ela, mas pela lei do tempo em que foram praticados.
Porém, podem existir casos que se afastem dessa regra, impondo a retroatividade da lei
nova, alcançando fatos pretéritos ou os seus efeitos. Para disciplinar essas hipóteses, a
doutrina efetuou uma clássica distinção entre retroatividade máxima, média e mínima
(MATOS PEIXOTO), porque a força retroativa da lei não tem sempre a mesma intensidade.

RETROATIVIDADE
MÁXIMA OU RESTITUTÓRIA OU RESTITUTI VA MÉDIA
a lei nova abrange a coisa julgada a lei nova atinge os direitos
(sentença irrecorrível) ou os fatosos exigíveis mas não realizados
jurídicos consumad antes de sua vigência

Dessa natureza constitucional do princípio da irretroatividade das leis no direito brasileiro


surgem importantes consequências, como a aplicação deste a toda e qualquer lei
infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado
ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva.
É princípio assente também, com base na natureza constitucional da irretroatividade, que
a lei nova não alcança os efeitos futuros dos contratos celebrados anteriormente a ela, e
que só atingirá os facta pendentia no que não contrariar DIREITO ADQUIRIDO.
DIREITO ADQUIRIDO – direito já definitivamente incorporado ao patrimônio do particular.
Posição jurídica já assegurada ao titular em razão do cumprimento dos requisitos previstos
em lei vigente ao tempo da ocorrência dos pressupostos fáticos, que não pode ser afetada
pela superveniência de norma que modifique as exigências para sua aquisição, mesmo que
não exercida no tempo de vigência da norma anterior. Direito adquirido somente tem
conteúdo patrimonial. Não existe direito adquirido de caráter personalíssimo.

15
Direito Civil 2016 16

ATO JURÍDICO PERFEITO: ato já consumado ao tempo da lei anterior; ato que cumpriu
integralmente as fases do seu ciclo de formação ao tempo da norma revogada, que não
pode ser prejudicado pela alteração posterior do parâmetro normativo.
Questão fundamental sobre a aplicação temporal das leis reside na REVOGAÇÃO,
regulamentado pelo artigo 2º da LICC: A revogação pode ser: 1) Expressa
2) Tácita – o artigo 9º da LC 95/98 não acabou com a hipótese de revogação tácita, porque
mesmo que a nova lei não mencione expressamente a revogação dos dispositivos, o
ordenamento jurídico não comporta a existência de duas leis antagônicas. PAMPLONA:
não é possível esse entendimento, porque significaria a revogação da própria LICC, e a LC
95/98 (mesmo com a redação dada pela LC 107) não revogou a LICC, até porque também
não foi expressa na revogação, assim, também não é válida nesse aspecto, porque
desobedeceu a sua própria regra.
1) Total = Ab-Rogação
2) Parcial = Derrogação
REPRISTINAÇÃO é a restauração da norma revogada pela revogação da norma
revogadora. Há vedação de sua existência no ordenamento, por força do §2º do artigo 2º,
da LICC. A lei revogada NÃO se restaura pela revogação da lei revogadora, SALVO se a
nova lei revogadora disser que ocorre (§3º do artigo 2º).
Não se confunde com EFEITO REPRISTINATÓRIO TACITO previsto expressamente no
artigo 11,§2º da lei 9868/99.

1.2 PESSOAS FISICAS ou NATURAIS:


1.2.1 PERSONALIDADE
A forma como o CC dispõe sobre a pessoa (art. 1º) indica que a característica desta é a
possibilidade de ser sujeito de direito. PESSOA É O SER HUMANO OU ENTIDADE COM
PERSONALIDADE, APTIDÃO PARA A TITULARIDADE DE DIREITOS E DEVERES.
Percebe-se que o conceito de personalidade é construído segundo uma teoria clássica, que
a identifica com CAPACIDADE DE DIREITO. Tal noção adequa-se não apenas aos
homens, mas também às pessoas jurídicas (ou “entes morais”, nos dizeres de Caio Mário).
Personalidade seria, então, o atributo “jurídico” do fato de ser pessoa, uma projeção social
da personalidade psíquica. O segundo sentido de personalidade associa-se ao ser humano
e traduz-se como valor ético emanado do princípio da dignidade da pessoa humana e da
consideração pelo direito civil do ser humano em sua complexidade, relacionando-se a
direitos que tocam somente à pessoa natural (direitos da personalidade, segundo parcela
da doutrina que exclui a PJ de seu âmbito).
Muito além da compreensão tradicional de representar aptidão para adquirir direitos e
contrair obrigações, a personalidade jurídica, contemporaneamente, é categoria
essencialmente relacionada à cláusula de tutela e promoção da dignidade da pessoa
humana, pela qual se deve reconhecer ao ser humano, singular e concretamente
considerado, um conjunto mínimo de atributos, direitos e garantias sem as quais não
será possível a vida com dignidade (o direito à vida compreende, em verdade, o direito
a uma vida digna).
O conceito de capacidade, embora conexo à noção de personalidade, com esta não se
confunde. “Enquanto a personalidade tende ao exercício de relações existenciais, a
capacidade diz respeito ao exercício de relações patrimoniais. Exemplificando, ter
personalidade é titularizar os direitos da personalidade, enquanto ter capacidade é
poder concretizar relações obrigacionais, como o crédito e o débito. Nesse diapasão,
exemplificando, uma criança ou adolescente tem personalidade (e, por conseguinte, direito
a uma vida digna), mas não tem capacidade. Em sendo assim, poderá manifestar a sua
vontade em relação à sua adoção por terceiro, por exemplo, mas não lhe é reconhecido o

16
Direito Civil 2016 17

direito de celebrar um contrato de doação ou de arrendamento. Ou seja, relações


existenciais podem ser titularizadas por quem tem personalidade, mesmo que não tenha
plena capacidade” (Rosenvald).
AQUISIÇÃO DE PERSONALIDADE: nos termos do art. 2º do CC, ocorre com o nascimento
com vida, quando há a separação do ventre materno e o ar entra nos pulmões, fazendo
com que a pessoa respire (o que é aferível pelo exame de docimasia hidrostática de
Galeno). Mesmo que morra em seguida, há aquisição de personalidade e,
consequentemente, possibilidade de ser sujeito de direitos que, com a morte, serão
transmitidos aos herdeiros. Há divergência acerca da teoria adotada pelo NCC para início
da personalidade.
NASCITURO: é o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno. A
discussão em torno de sua condição jurídica dá-se justamente em razão da delimitação do
momento em que se inicia a existência humana, conforme exposto acima. A questão
polêmica é que CC afirma que os direitos do nascituro estão a salvo desde a concepção.
Ou seja, não são pessoas, mas têm proteção jurídica, ensejando dúvidas sobre o início da
personalidade.
Várias teorias tentam harmonizar essas regras: (1) NATALISTA (Caio Mário, Serpa Lopes,
– despreza a existência da personalidade antes do nascimento com vida (esta, por sua vez,
é considerada independentemente de viabilidade ou de forma humana). Assim, o nascituro
tem mera expectativa de direito; (2) TEORIA DA PERSONALIDADE CONDICIONAL (Arnold
Wald)– a personalidade existe desde a concepção, sob a condição de nascer com vida
(condição suspensiva); (3) CONCEPCIONISTA (Bevilaqua, Teixeria de Freitas, Francisco
Amaral) – o nascituro tem personalidade jurídica, ele é a pessoa que está por nascer; os
direitos que teria, porém, seriam somente os personalíssimos e os da personalidade.
Percebemos que aos poucos, a teoria concepcionista vai ganhando mais espaços nos
tribunais, inclusive na própria legislação brasileira, a exemplo da lei de alimentos gravídicos
(lei 11804/2008), e de recentes decisões do STJ que admitiram o dano moral ao nascituro
(RESP 399028-SP) e até mesmo pagamento de DPVAT pela morte de nascituro (noticiário
de 15.05.2011). Teoria adotada pelo CC/2002

Segundo Flavio Tartuce1, o Código Civil não deixou clara a corrente que seguiu, pois no
seu art. 2º utiliza tanto o termo “nascimento” quanto o termo “concepção”. Contudo, segundo
referido autor, a doutrina majoritária e o STJ vem adotando a Teoria Concepcionista ao
reconhecer direitos ao nascituro. Nas palavras dele: “Se o art. 2º do Código Civil em vigor
deixa dúvidas, a interpretação sistemática do sistema não pode afastar o reconhecimento
desses direitos. Por isso, podemos reafirmar que prevalece entre nós a teoria
concepcionista.”.

* O nascituro pode receber doação e ser beneficiado por legado ou herança.

1.2.2 CAPACIDADE
CAPACIDADE DE DIREITO OU DE GOZO: é a aptidão – em estado potencial – de ser
titular de direitos patrimoniais e obrigações, tendo por termo inicial o nascimento e
perdurando até a morte. Prevista no art. 1º do CC, atribui-se capacidade de direito também
à PJ. O conceito de capacidade de direito se confunde com o de personalidade.

1
Em artigo: A SITUAÇÃO JURÍDICA DO NASCITURO: UMA PÁGINA A SER VIRADA NO DIREITO BRASI-
LEIRO, autor Flávio Tartuce.
17
Direito Civil 2016 18

A personalidade jurídica é uma aptidão genérica. Toda pessoa tem personalidade, e por
consequência toda pessoa tem capacidade, seja um adulto, seja uma criança. Capacidade
neste sentido se relacionaria com a personalidade como faces da mesma moeda.
CAPACIDADE DE EXERCÍCIO OU DE FATO: é a aptidão para exercer PESSOALMENTE
os direitos, de agir juridicamente, por atos próprios ou mediante representante voluntário,
praticando atos da vida civil. Diferentemente da capacidade de direito, nem todas as
pessoas a possuem. É o caso dos incapazes, cujos atos jurídicos são praticados por meio
de representantes ou assistentes. A capacidade de fato é medida de proteção ao incapaz,
que, destituído da plenitude de discernimento, necessita de auxílio para a prática dos atos
da vida civil (representação ou assistência).
A primeira é estática, a segunda, dinâmica. Reunidas as duas, fala-se em CAPACIDADE
CIVIL PLENA.
Ressalte-se que ambas diferenciam-se da LEGITIMAÇÃO ou LEGITIMIDADE. A
legitimação consiste em se averiguar se uma pessoa, perante determinada situação
jurídica, tem ou não capacidade para estabelecê-la. Assim é que o cego não pode fazer
testamento particular, o juiz não pode comprar bens da hasta que presidir, o tutor não pode
adquirir bens do tutelado, irmãos não podem se casar, ainda que dotados de capacidade
civil plena. Portanto, a capacidade é a aptidão para a prática em geral dos atos
jurídicos, enquanto a legitimidade é específica de determinado ato.
INCAPACIDADE: A ausência da capacidade de fato (e não a capacidade de direito, que é
genérica) gera a incapacidade civil.
Esta incapacidade civil é também desdobrável em:

a) Incapacidade civil absoluta (artigo 3º)

b) Incapacidade civil relativa (artigo 4º)


INCAPACIDADE ABSOLUTA: atinge aqueles listados no art. 3º do CC: Os Incisos II e III
do art. 3º do NCC (Inciso II - Os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o
necessário discernimento para a prática desses atos; III - Os que, mesmo por causa
transitória, não puderem exprimir sua vontade) foram revogados pela Lei nº 13.146/2015,
que Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência) (DOU 7.7.2015, em vigor após 180 dias de sua publicação oficial), a qual
passou a tratar as hipóteses como incapacidade relativa, nos termos do art. 4º, II e III, do
NCC (II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III - aqueles que, por causa transitória
ou permanente, não puderem exprimir sua vontade). Ademais, o inciso I do art. 3º foi
incorporado ao caput, passando-se a prever, como única hipótese de incapacidade civil
absoluta, o menor de 16 anos.

Menores de 16 anos: presunção de imaturidade. No entanto, conforme previsão de


enunciado formulado na III Jornada de Direito Civil do CJF, “a vontade dos absolutamente
incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3o., é juridicamente relevante na concretização de
situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento
suficiente para tanto.” (importante para o direito de família)
Os atos praticados pelos absolutamente incapazes são NULOS, não podendo ser
ratificados, pois tal vício não convalesce, podendo o juiz assim declará-los de ofício.
Protege-se, entretanto, a boa-fé de terceiros. Os atos civis de seu interesse deverão ser
exercidos por seus representantes – pais, tutores ou curadores.
18
Direito Civil 2016 19

Absolutamente incapazes devem ser REPRESENTADOS por quem de direito.


* Mesmo em se cuidando de pessoas absolutamente incapazes, a ordem jurídica
reconhece a possibilidade de que sua vontade seja considerada, nos casos em que
envolvidas escolhas existenciais.
CJF, Enunciado 138 – Art. 3º: “A vontade dos absolutamente incapazes, na
hipótese do inc. I do art. 3o, é juridicamente relevante na concretização de
situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem
discernimento bastante para tanto”.
INCAPACIDADE RELATIVA: zona intermediária entre a incapacidade absoluta e a
capacidade plena, configurando apenas uma diferença quantitativa. A vontade dos
relativamente capazes tem relevância jurídica, o que possibilita sua atuação direta nos
atos civis, desde que acompanhados de ASSISTENTE, com algumas exceções (ser
mandatário, testemunhar). É causa de anulabilidade dos atos jurídicos. Atinge aqueles
arrolados no art. 4º:

• I - Maiores de 16 e menores de 18: idade reduzida em relação ao antigo código


(16 a 21). Estes incapazes não podem eximir-se de uma obrigação se dolosamente
ocultaram sua idade quando inquiridos ou, ainda, declararam-se maiores. Assim, não lhe
aproveitam a possibilidade de anulação do ato jurídico, em razão da proteção da boa-fé de
terceiro.

• II - Os ébrios habituais e os viciados em tóxico (Redação conferida pela Lei


nº 13.146/2015, DOU 7.7.2015, em vigor após 180 dias de sua publicação oficial): para
tais pessoas, será designado um curador, graduado conforme o comprometimento mental
do agente. Se aniquilar a capacidade, e não apenas reduzir, a incapacidade é absoluta.

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua
vontade: (Redação conferida pela Lei nº 13.146/2015, DOU 7.7.2015, em vigor após
180 dias de sua publicação oficial): Hipótese antes tratada no art. 3º, como causa de
incapacidade civil absoluta.

IV - Pródigo: aquele que desordenadamente gasta e destrói o que é seu, reduzindo-


se à miséria por sua culpa. A restrição da validade de seus atos à anuência de um assistente
referese apenas àqueles que importem disposição patrimonial e que extrapolem a mera
administração de seus bens. Proteção que encontra fundamento na “teoria do estatuto
jurídico do patrimônio mínimo” desenvolvida por Luiz Edison Fachin.
Dispõe ainda o parágrafo único do artigo 4º do CC:

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.
(Pablo Stolze Gagliano): A disciplina normativa dos silvícolas está, agora, na
legislação especial. A Lei 6.001/73 considera-o, em princípio, “agente absolutamente
incapaz, reputando nulos os atos por eles praticados sem a devida representação”.
Ressalta a lei, todavia, a hipótese do índio demonstrar discernimento, aliado à inexistência
de prejuízo em virtude do ato praticado, pelo que, aí, poderá ser considerado plenamente
capaz para os atos da vida civil (...).

EMANCIPAÇÃO:

19
Direito Civil 2016 20

Prevista no artigo 5º do CC, é mecanismo que possibilita que o menor relativamente


incapaz torne-se plenamente capaz. É, pois, uma antecipação da capacidade de fato (e
não da maioridade!). Pode ser de 3 espécies:
VOLUNTÁRIA, por ato unilateral dos pais, ou de um deles na falta do outro, sendo
ato irrevogável – sempre em benefício do menor. Nesse caso, os pais continuam
respondendo pelos atos ilícitos dos filhos.
JUDICIAL, concedida pelo juiz, ouvido o tutor, desde que o menor tenha pelo menos
16 anos completos.
LEGAL, em decorrência de situação inconciliável com a inaptidão para atos da vida
civil, como: 1) casamento (a separação, a viuvez ou mesmo a anulação do casamento, para
o cônjuge de boa-fé, não geram retorno à menoridade), inclusive daquele que não tem 16
anos (para evitar imposição de crime ou em caso de gravidez); 2) exercício de cargo ou
emprego público efetivo; 3) colação de grau em curso de ensino superior; 4)
estabelecimento civil ou comercial ou existência de relação de emprego do maior de 16
anos que gerem economia própria.
CJF, Enunciado 397 - Art. 5º. A emancipação por concessão dos pais ou por
sentença do juiz está sujeita a desconstituição por vício de vontade.

EXTINÇÃO DA PERSONALIDADE:
Nos termos do artigo 6º, ocorre com a morte, exclusivamente (não há morte civil),
evento que se caracteriza pela cessação de toda e qualquer atividade vital do indivíduo
(para fins de transplante, considera-se suficiente a morte encefálica).

1.2.3 MORTE PRESUMIDA


Ela pode ser, no entanto, PRESUMIDA, nos casos:
a) de ausência, nas ocasiões em que a lei autoriza a abertura da sucessão definitiva (art.
6º), e
b) se for extremamente provável a morte para quem estava em perigo de vida e, se
alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos
após o término da guerra (art. 7º). Embora aqui se dispense a decretação da ausência,
somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a
sentença fixar a data provável do falecimento. Procede-se mediante JUSTIFICAÇÃO,
segundo procedimento estabelecido na Lei de Registros Públicos, a fim de se promover o
assento de óbito por meio de provas indiretas. COMORIÊNCIA: no caso de não se poder
precisar a ordem cronológica das mortes dos comorientes (pessoas que morreram em uma
mesma situação), a lei firmará a presunção de haverem falecido no mesmo instante. Em
caso de serem parentes, não sucedem um ao outro, abrindo-se cadeias sucessórias
distintas.
1.2.4 AUSÊNCIA
É o desaparecimento de uma pessoa de seu domicílio, sem dar notícias do lugar onde se
encontra, nem deixar procurador para administrar seus bens, acarretando, por essa razão,
dúvida a respeito de sua sobrevivência. Esse estado precisa ser declarado judicialmente.

20
Direito Civil 2016 21

No CC/16, o ausente era considerado absolutamente incapaz, o que não foi repetido pelo
NCC, afinal, só por estar desaparecida, a pessoa não deixa de ter capacidade para a vida
civil onde esteja.
O fato de ter um representante (curador) decorre da impossibilidade de administrar seus
bens.
No que diz respeito à tutela dos bens, o instituto da ausência é tratado em três etapas:
Curadoria do ausente: inicia-se com a petição inicial de qualquer interessado (parentes
sucessíveis, sócios, credores, pessoas que têm pretensão contra o ausente) ou do MP. O
juiz deverá, em seguida, arrecadar os bens abandonados e nomear curador. Isso ocorrerá,
ainda que o ausente tenha deixado procurador, se este não puder ou não quiser exercer o
mandato. O curador será, em primeiro lugar, o cônjuge do ausente, desde que não separado
judicialmente ou de fato, por mais dois anos. Subsidiariamente, serão nomeados os
ascendentes e, em seguida, os descendentes. Não havendo nenhuma dessas pessoas, o
juiz escolherá um curador. Este, nomeado, receberá do juiz poderes e obrigações especiais,
ficando responsável pela administração e conservação do patrimônio do ausente, pelo que
receberá uma gratificação e terá ressarcido o que gastou no exercício da curadoria. É
vedado ao curador adquirir bens do ausente. Depois da arrecadação, serão publicados
editais de dois em dois meses, durante um ano, para chamar o ausente a retomar seus
bens, cessando a curadoria caso reapareça (1), caso compareça seu procurador (2) ou,
ainda, haja notícia inequívoca de seu óbito (3).
Sucessão provisória: Ocorre após 01 ano da arrecadação ou, caso o ausente tenha
deixado procurador, passados 03 anos. Consiste em uma administração (não mero
depósito) para preservar os bens do ausente, de modo que não sejam alterados mais do
que o necessário, já que o desaparecido pode estar vivo. Depende de pedido dos
interessados. Não havendo qualquer dos interessados mencionados, o MP pode requerer
a sucessão provisória. A sentença que a determina produz efeitos depois de 180 dias de
sua publicação; mas, tão logo transite em julgado, ocorre a abertura do testamento e do
inventário, como se o ausente fosse falecido. Não comparecendo herdeiro ou
interessado para requerer a abertura do inventário, após 30 dias do trânsito em
julgado, a massa de bens do ausente será considerada como herança jacente. Os
herdeiros que se imitirem na posse dos bens devem prestar garantia pignoratícia ou
hipotecária, com exceção do cônjuge, dos ascendentes e dos descendentes. Aqueles que
não puderem ter a posse dos bens, por não prestarem a devida garantia, receberão a
metade dos rendimentos da cota de seus bens. Cônjuges, ascendentes e descendentes
receberão a integralidade dos frutos produzidos pelos bens que administram. Os outros
herdeiros, a metade. Reaparecendo o ausente e provado que a ausência foi injustificada e
voluntária, ele perderá os frutos em favor do sucessor. Não se poderá alienar os imóveis do
ausente.
Sucessão definitiva: após 10 anos do trânsito em julgado da sentença que concedeu a
abertura da sucessão provisória. Na mesma oportunidade, levantam-se as garantias
prestadas. Ela ocorre em menor prazo, caso o ausente tenha 80 anos e esteja sumido há,
pelo menos, cinco anos. Após o trânsito em julgado da sentença que concede a
sucessão definitiva dos bens, declara-se a morte presumida. Retornando o
desaparecido ou algum de seus descendentes ou ascendentes, nos 10 anos seguintes à
abertura da sucessão definitiva, receberá os bens nos estado em que se encontrarem,
os sub-rogados em seu lugar ou o preço que os herdeiros houverem recebido. Efeitos
familiares da ausência: se o ausente deixar filhos menores e outro cônjuge tiver falecido
ou não tiver direito de exercer o pátrio poder, eles serão considerados órfãos. Se os pais
estiverem ausentes, os menores devem ser postos em tutela. Após a declaração de morte
presumida, o casamento resta dissolvido – consequência inovadora, não tratada no ACC
nem tampouco admitida anteriormente pela doutrina.
21
Direito Civil 2016 22

1.2.5 DIREITOS DA PERSONALIDADE


Uma das principais inovações do NCC é a existência de um capítulo próprio dos direitos da
personalidade. Retrata a mudança axiológica da codificação, de um código agrário e
conservador (que só abarcava os direitos subjetivos reais e obrigacionais) para outro que
se preocupa substancialmente com o indivíduo, em sintonia com CF/88. Sua
localização, no NCC, mostra, ainda, que o ser humano é o protagonista do novo sistema. É
o fenômeno da despatrimonialização ou repersonalização do direito privado.
Conceito: são aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da
pessoa em si e em suas projeções sociais, com o fim de proteger a essência e a
existência do ser humano. A idéia que norteia sua disciplina é a de uma esfera
extrapatrimonial do indivíduo, tutelada pela ordem jurídica com respaldo em uma série
de valores não redutíveis pecuniariamente, como a vida, a integridade física, a
intimidade, a honra etc. Síntese: direitos relacionados aos atributos e prerrogativas
considerados essenciais ao pleno desenvolvimento da pessoa humana, em todas as
suas dimensões (física, psíquica e intelectual), capazes de individualizar o sujeito e lhe
garantir vida digna, mediante uma segura e avançada tutela jurídica.
CJF, enunciado 274 – Art. 11. “Os direitos da personalidade, regulados de
maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral
de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição
(princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles,
como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da
ponderação”.
Direitos da personalidade vs Liberdade públicas. Os direitos da personalidade situam-
se acima do direito positivo, sendo considerados inerentes ao homem; as liberdades
públicas, por sua vez, dependem necessariamente de positivação para assim serem
consideradas. Quanto ao conteúdo, estas se inserem em categorias transindividuais
(econômicas e sociais, por ex.), enquanto aqueles têm caráter individual.
Natureza: trata-se de poderes que o homem exerce sobre sua própria pessoa. É um
tertium genus de direito subjetivo, de índole fundamental (vide art. 5º, § 2º, e art. 1º, III,
da CF). Diga-se, ainda, que o seu objeto não é a própria personalidade, mas sim as
MANIFESTAÇÕES ESPECIAIS DE SUAS PROJEÇÕES (físicas, psíquicas e morais),
consideradas dignas de tutela jurídica, principalmente no sentido de que devem ser
resguardadas de qualquer ofensa.
Sobre seus fundamentos jurídicos, há duas correntes: a positivista (ou tipificadora),
que identifica como direitos da personalidade somente aqueles reconhecidos pelo Estado,
que lhes daria força jurídica, não aceitando, assim, a existência de direitos inatos à condição
humana. A norma jurídica seria seu único fundamento, pois ética, religião, história, política,
ideologia não passam de aspectos de uma mesma realidade. Por sua vez, a corrente
jusnaturalista relaciona os direitos da personalidade às faculdades exercitadas
naturalmente pelo homem, pois são atributos inerentes à condição humana.
Titularidade: por excelência, é do ser humano, mas alcança também os nascituros, que,
embora sem personalidade, têm direitos ressalvados desde a concepção. No tocante aos
absolutamente incapazes, decidiu recentemente o STJ (Informativo nº 599/2015), que “O
absolutamente incapaz, ainda quando impassível de detrimento anímico, pode sofrer
dano moral”. As pessoas jurídicas também o são, no que diz respeito ao nome e à imagem,
que acabam por atingir os valores societários. A CF não faz distinção entre pessoa natural
e pessoa jurídica ao dispor sobre o direito à honra e à imagem, não podendo haver restrição
na sua interpretação. A abrangência indistinta também ocorre no inciso V do art. 5º do texto
constitucional (indenização por dano moral e à imagem). Assim, apesar de uma
concepção originalmente antropocêntrica dos direitos da personalidade, são eles
aplicáveis à PJ quanto aos atributos que lhe são reconhecidos (nome e outros sinais
22
Direito Civil 2016 23

distintivos, segredo, criações intelectuais e outros). Tal entendimento já estava consagrado


na jurisprudência, por Súmula do STJ (nº 18: “A pessoa jurídica pode sofrer dano
moral”) e agora o NCC põe fim à polêmica, com o art. 52: “Aplica-se às pessoas jurídicas,
no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
A corrente doutrinária divergente (Gustavo Tepedino, Cláudia Lima Marques)
restringe a titularidade dos direitos da personalidade ao ser humano, por três motivos:
(1) a origem de sua positivação está na Constituição Alemã, que dispõe expressamente que
“a dignidade da pessoa humana é inviolável”; (2) a lesão a nome de PJ configura um dano
patrimonial, não moral, pois ela só tem honra objetiva (externa ao sujeito – consiste no
respeito, consideração, apreço) e o prejuízo é unicamente material; (3) estender os direitos
da personalidade a ecossistema, animais e PJ significa desmerecê-los, desvalorizá-los. Tal
corrente defende que, apesar de serem a pessoa natural e a PJ sujeitos de direito, seus
fundamentos são diversos. Ademais, essa extensão não se adapta à trajetória e à função
dos direitos da personalidade no ordenamento.
CJF, Enunciado 286 – Art. 52. “Os direitos da personalidade são direitos
inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não
sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos”.

Características:

• Caráter absoluto: são oponíveis erga omnes. A pretensão é que será dirigida
a certa(s) pessoa(s). Não quer dizer que são ilimitáveis. Nesse aspecto, eles são relativos,
incidindo a razoabilidade, em caso de colisão.

• Generalidade (caráter necessário dos dir. da personalidade): são outorgados a


todas as pessoas, nunca podem faltar-lhes.

• Extrapatrimonialidade: ausência de conteúdo patrimonial direto, aferível


objetiva-
mente, ainda que sua lesão gere efeitos econômicos (dano moral)

• Indisponibilidade: decorre de seu caráter essencial. Abrange tanto a


INTRANSMISSIBILIDADE (não se admite a cessão do direito de um sujeito para outro)
como a IRRENUNCIABILIDADE (ninguém pode dispor de sua vida, sua intimidade, sua
imagem). No entanto esta indisponibilidade é relativa, já que o artigo 11 admite restrição
voluntaria, desde que atendidas os seguintes requisitos: 1) não pode ser permanente; 2)
não pode ser genérico; 3) não pode violar a dignidade do titular Enunciado da jornada de
direito civil(dez/2004),: “Art. 11 - Os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda
que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito
de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes.”

• Impenhorabilidade: A ausência de conteúdo econômico impede a penhora.


Estes não podem ser penhorados, mas o crédito deles decorrentes sim. Da mesma
forma, deve-se admitir a penhora dos créditos da cessão de uso do direito à imagem.

• Vitaliciedade: os direito da personalidade se extinguem com a morte . O art. 12,


parágrafo único, do NCC prevê o dano reflexo aos direitos da personalidade dos membros
da família, em caso de lesão ao que seriam os direitos da personalidade da pessoa morta.
A verdade é que não se trata de sucessão, em exceção ao princípio da indisponibilidade,
mas de proteção aos direitos da personalidade dos parentes, que são lesados
indiretamente. Os legitimados para requerer o dano são, subsidiariamente: cônjuges e
descendentes; ascendentes; colaterais.
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Direito Civil 2016 24

• Imprescritibilidade: não existe prazo para seu exercício, não se extinguindo


pelo não-uso.

Espécies:
Os direitos personalíssimos não são enumeráveis, porém, entre os mais importantes,
destacam-se:

• VIDA: o mais precioso direito do ser humano. Trata-se de direito à vida e não sobre a
vida, de modo que seu titular não pode cercear esse direito.

• INTEGRIDADE FÍSICA: sobre esse direito, têm o CC as seguintes disposições:

1. Princípio do consentimento informado (art. 15): o paciente tem direito de sa-


ber qual é o tratamento ou a cirurgia recomendada pelo médico e quais são suas
conseqüências, para que a opção seja feita com consciência. A responsabilidade do
médico, assim, não é só quanto à técnica, mas também quanto à informação.
CJF, Enunciado 402: “Art. 14, parágrafo único. O art. 14, parágrafo único, do
Código Civil, fundado no consentimento informado, não dispensa o
consentimento dos adolescentes para a doação de medula óssea prevista
no art. 9º, § 6º, da Lei n. 9.434/1997 por aplicação analógica dos arts. 28, §
2º (alterado pela Lei n.
12.010/2009), e 45, § 2º, do ECA”.
CJF, Enunciado 403: “Art. 15. O Direito à inviolabilidade de consciência e de
crença, previsto no art. 5º, VI, da Constituição Federal, aplica-se também à
pessoa que se nega a tratamento médico, inclusive transfusão de sangue,
com ou sem risco de morte, em razão do tratamento ou da falta dele, desde
que observados os seguintes critérios: a) capacidade civil plena, excluído o
suprimento pelo representante ou assistente; b) manifestação de vontade
livre, consciente e informada; e c) oposição que diga respeito
exclusivamente à própria pessoa do declarante”.
CJF, Enunciado 533: “O paciente plenamente capaz poderá deliberar sobre
todos os aspectos concernentes a tratamento médico que possa lhe causar
risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo as situações de emergência
ou no curso de procedimentos médicos cirúrgicos que não possam ser
interrompidos”.

2. Limites à disposição do corpo: só pode haver a diminuição permanente da inte-


gridade física se houver exigência médica, que pode ser por motivo de saúde física ou
psíquica, o que abrange as cirurgias plásticas e as lipoaspirações. Nesse sentido, confira-
se o Enunciado nº 6 do CJF (Art. 13: “A expressão ‘exigência médica’, contida no art.
13, refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar psíquico do disponente”).
A disposição do corpo, além de proibida quando há diminuição permanente da integridade
física, não pode, ainda, ser contrária aos bons costumes (salvo exigência médica).
CJF, Enunciado 276 – Art.13. “O art. 13 do Código Civil, ao permitir a
disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de
transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos
pelo Conselho Federal de Medicina, e a conseqüente alteração do
prenome e do sexo no Registro Civil”.
Após a morte, pode haver disposição do corpo para objetivos altruísticos ou

24
Direito Civil 2016 25

científicos, gratuitamente, no todo ou em parte (ex. de disposição parcial: doação para


banco de esperma). Havendo suspeita de morte violenta em decorrência de crime, a lei
obriga à realização de necropsia.

INTEGRIDADE PSÍQUICA: incluem-se nessa classificação o direito à liberdade,


inclusive de pensamento, à intimidade, à privacidade, ao segredo e o direito referente à
criação intelectual. O direito à liberdade é tratado no art. 5º da CF, sendo objeto de estudo
do direito constitucional, motivo por que deixará de ser abordado neste resumo.

1. Direito às criações intelectuais: é manifestação direta da liberdade de pensa-


mento. Também é abordado na CF – art. 5º, XXVII a XXIX. Regula-se, ainda, pela Lei
9.610/98 (direitos autorais) e Lei 9.279/96 (propriedade intelectual). Nos direitos autorais,
há duas classes de interesse: os morais e os patrimoniais. Os primeiros é que configuram
efetivos direitos da personalidade e que, por isso, não se transmitem a nenhum título.

2. Direito à privacidade: art. 5º, X/CF. Relaciona-se à vida particular da pessoa na-
tural. O direito à intimidade é uma de suas manifestações. Este difere daquele porque está
ligado à não intrusão, ao direito de estar só; é um ambiente da vida privada mais profundo
que a privacidade (nesta se insere a família). É como se esta fosse um círculo grande que
abrangesse o círculo, menor e concêntrico, da intimidade. O elemento fundamental do
direito à intimidade é a exigibilidade de respeito ao isolamento de cada ser humano, que
não pretende abrir certos aspectos de sua vida a terceiros. É o direito de estar só. O direito
à privacidade é tratado no art. 21 do CC, que garante ao lesionado a adoção, pelo juiz, de
providências necessárias para impedir ou estancar a violação à vida privada. Tal
inviolabilidade é garantida somente às pessoas naturais.
CJF, enunciado 405: “As informações genéticas são parte da vida privada e
não podem ser utilizadas para fins diversos daqueles que motivaram seu
armazenamento, registro ou uso, salvo com autorização do titular”.

ATENÇÃO: Recentemente, o STF entendeu pela desnecessidade de


consentimento prévio da pessoa biografada em relação a obras biográficas
ou audiovisuais:
Biografias: autorização prévia e liberdade de expressão: É inexigível o
consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas
literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária a autorização de
pessoas retratadas como coadjuvantes ou de familiares, em caso de pessoas
falecidas ou ausentes. (STF, Informativo 789/2015).

O DIREITO AO ESQUECIMENTO
CJF, Enunciado 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na
sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.
Em que consiste o direito ao esquecimento? O direito ao esquecimento é o direito que uma
pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado
momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou
transtornos.
Exemplo histórico: “caso Lebach” (Soldatenmord von Lebach)
O exemplo mais conhecido e mencionado é o chamado “caso Lebach”, julgado pelo Tribunal
Constitucional Alemão. A situação foi a seguinte: em 1969, quatro soldados alemães
foram assassinados em uma cidade na Alemanha chamada Lebach. Após o processo,
25
Direito Civil 2016 26

três réus foram condenados, sendo dois à prisão perpétua e o terceiro a seis anos de
reclusão. Esse terceiro condenado cumpriu integralmente sua pena e, dias antes de
deixar a prisão, ficou sabendo que uma emissora de TV iria exibir um programa
especial sobre o crime no qual seriam mostradas, inclusive, fotos dos condenados e
a insinuação de que eram homossexuais.
Diante disso, ele ingressou com uma ação inibitória para impedir a exibição do
programa. A questão chegou até o Tribunal Constitucional Alemão, que decidiu que a
proteção constitucional da personalidade não admite que a imprensa explore, por
tempo ilimitado, a pessoa do criminoso e sua vida privada. (...) Isso porque não haveria
mais um interesse atual naquela informação (o crime já estava solucionado e julgado há
anos). (...) O direito ao esquecimento, também é chamado de “direito de ser deixado em
paz” ou o “direito de estar só”. Nos EUA, é conhecido como the right to be let alone e, em
países de língua espanhola, é alcunhado de derecho al olvido.
No Brasil, o direito ao esquecimento possui assento constitucional e legal, considerando
que é uma consequência do direito à vida privada (privacidade),intimidade e honra,
assegurados pela CF/88 (art. 5º, X) e pelo CC/02 (art. 21). Alguns autores também afirmam
que o direito ao esquecimento é uma decorrência da dignidade da pessoa humana (art. 1º,
III, da CF/88).
Sem dúvida nenhuma, o principal ponto de conflito quanto à aceitação do direito ao
esquecimento reside justamente em como conciliar esse direito com a liberdade de
expressão e de imprensa e com o direito à informação.
A 4ª Turma do STJ, em dois julgados recentes, afirmou que o sistema jurídico brasileiro
protege o direito ao esquecimento (REsp 1.335.153-RJ e REsp 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, julgados em 28/5/2013).
Direito ao segredo: seria um círculo, também concêntrico, intermediário entre a intimidade
e a privacidade. Abrange três esferas: segredo das comunicações (correspondência,
telefone e comunicação telegráfica); segredo doméstico (reservado aos recônditos do lar
e da vida privada; relaciona-se também à inviolabilidade do domicílio); segredo
profissional (protege-se a pessoa que revelou algum segredo a terceiro, por circunstância
de sua atividade profissional).
INTEGRIDADE MORAL: nela se inserem:
1. Direito à honra: umbilicalmente associada à natureza humana, manifesta-se sob
duas formas: (1) objetiva – reputação, bom nome e fama que a pessoa possui na sociedade
– e (2) subjetiva – sentimento pessoal de estima, consciência da própria dignidade.

2. Direito à imagem: protege a forma plástica da pessoa natural, mais os seus re-
flexos, principalmente quando há violação, são sentidos mais no âmbito moral que no físico.
É também um direito fundamental (art. 5º, X, CF). O NCC contém previsão (art. 20) de
indenização para o caso de exposição ou utilização da imagem de uma pessoa quando
houver proibição sua e lhe atingirem a honra ou se destinarem a fins comerciais. Tratando-
se de morto ou ausente, podem pedir a devida tutela o cônjuge, os ascendentes ou os
descendentes2. O desvio de finalidade do uso autorizado também caracteriza violação ao
direito à imagem. Como se vê, esse direito admite cessão de uso, porém seus limites
devem ser rigidamente fixados pela autorização expressa do seu titular.
CJF, Enunciado 279: “Art.20. A proteção à imagem deve ser ponderada com
outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do

2
O Enunciado nº 5 da Jornada de Direito Civil prevê em sua segunda parte: “2) as disposições do art. 20 do
novo Código Civil têm a finalidade específica de regrar a projeção dos bens personalíssimos nas situações
nele enumeradas. Com exceção dos casos expressos de legitimação que se conformem com a tipificação
preconizada nessa norma, a ela podem ser aplicadas subsidiariamente as regras instituídas no art. 12.”
26
Direito Civil 2016 27

direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso


de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos
abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de
sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas
que não restrinjam a divulgação de informações”.
Precedente relativamente recente sobre o direito à imagem:

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MATÉRIA JORNALÍSTICA.


CONTEÚDO OFENSIVO. LIBERDADE DE IMPRENSA. LIMITES.
DISPOSTIVOS LEGAIS ANALISADOS: 5º E 220 DA CF/88 E 186 E 927 DO
CC/02.
1. Ação ajuizada em 23.08.2007. Recurso especial concluso ao gabinete da
Relatora em 05.12.2013.
2. Recurso especial em que se discute os limites da liberdade de imprensa.
3. O direito à informação não elimina as garantias individuais, porém
encontra nelas os seus limites, devendo atentar ao dever de veracidade,
ao qual estão vinculados os órgãos de imprensa, pois a falsidade dos
dados divulgados manipula em vez de formar a opinião pública, bem como
ao interesse público, pois nem toda informação verdadeira é relevante
para o convívio em sociedade.
4. O veículo de comunicação somente se exime de culpa quando buscar
fontes fidedignas, exercendo atividade investigativa, ouvindo as diversas
partes interessadas e afastando quaisquer dúvidas sérias quanto à
verossimilhança do que divulgará.
5. Hipótese em julgamento na qual o comportamento do recorrente
extrapolou em muito o animus narrandi, tendo por escopo nodal atingir a
honra e a imagem do recorrido, com o agravante de se utilizar como
subterfúgio informações inverídicas, evidenciando, no mínimo,
displicência do jornalista na confirmação dos fatos trazidos pela sua fonte.
6. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1414004 / DF -
RECURSO ESPECIAL 2013/0274641-5 - Relator(a) Ministra NANCY
ANDRIGHI (1118) - Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA - Data do
Julgamento: 18/02/2014)
Súmula 403-STJ: Independe de prova do prejuízo a indenização pela
publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou
comerciais. Ainda que se trate de pessoa pública, o uso não autorizado da
sua imagem, com fins exclusivamente econômicos e publicitários, gera
danos morais. (Terceira Turma. REsp
1.102.756-SP, Rel. Min. Nancy Andrigui, julgado em 20/11/2012.) (Info 509)

3. Direito ao nome: tutela o sinal exterior mais visível da pessoa natural. Compre-
ende o prenome e o sobrenome (patronímico3). Pode, ainda, ser integrado pelo pseudônimo
(codinome), que é aquele escolhido pela própria pessoa para o exercício de uma atividade
específica. Ainda que não o integre, goza da mesma proteção (desde que usado para
atividade lícita), tutelando, assim, um verdadeiro direito à identidade pessoal.

3
Apelido: sinônimo de patronímico ou, ainda, de cognome (Xuxa, Pelé, Didi Mocó); Agnome: sinal distintivo
acrescentado ao nome para diferenciá-lo do de parentes mais próximos (Filho, Neto, Júnior).
27
Direito Civil 2016 28

Por ser marca indelével do ser humano, o nome só pode ser alterado em situações
específicas. É necessária a mudança em caso de alteração do estado de filiação (adoção,
reconhecimento de paternidade) ou do próprio nome dos pais. É voluntária em caso de
casamento e, ainda, dependendo de autorização judicial, quando é imotivada (1 ano após
a maioridade), em caso de inclusão de pseudônimo, de substituição do prenome em razão
de proteção à testemunha de crime, de facilitação de identidade no setor profissional, de
erro de grafia e de exposição ao ridículo. A jurisprudência consagra, também, a hipótese de
mudança de sexo. Julgado relativamente recente do STJ sobre os requisitos para alteração
do nome:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REGISTROS PÚBLICOS.


RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. NACIONALIDADE PORTUGUESA.
NOVO PEDIDO. RETORNO AO STATU QUO ANTE. IMPOSSIBILIDADE.
AUSÊNCIA DE JUSTO MOTIVO. VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA.
ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 54; 56 E 57 DA LEI 6.015/73.
1. Ação de retificação de registro civil, ajuizada em 04.12.2008. Recurso
especial concluso ao Gabinete em 24.06.2013.
2. Discussão relativa à possibilidade de alteração de registro civil de
nascimento para restabelecimento no nome original das partes, já alterado
por meio de outra ação judicial de retificação.
3. A regra geral, no direito brasileiro, é a da imutabilidade ou definitividade
do nome civil, mas são admitidas exceções. Nesse sentido, a Lei de
Registros Públicos prevê, (i) no art. 56, a alteração do prenome, pelo
interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, desde que
não haja prejuízo aos apelidos de família e (ii) no art. 57, a alteração do
nome, excepcional e motivadamente, mediante apreciação judicial, e após
oitiva do MP.
4. O respeito aos apelidos de família e a preservação da segurança jurídica
são sempre considerados antes de se deferir qualquer pedido de alteração
de nome.
5. O registro público é de extrema importância para as relações sociais.
Aliás, o que motiva a existência de registros públicos é exatamente a
necessidade de conferir aos terceiros a segurança jurídica quanto às
relações neles refletidas.
6. Uma vez que foram os próprios recorrentes, na ação anterior, que
pediram a alteração de seus nomes, com o objetivo de obter a nacionalidade
portuguesa e tiveram seu pedido atendido na integralidade, não podem,
agora, simplesmente pretender o restabelecimento do statu quo ante,
alegando que houve equívoco no pedido e que os custos de alteração de
todos os seus documentos são muito elevados.
7. Ainda que a ação de retificação de registro civil se trate de um
procedimento de jurisdição voluntária, em que não há lide, partes e formação
da coisa julgada material, permitir sucessivas alterações nos registros
públicos, de acordo com a conveniência das partes implica grave
insegurança.
8. Se naquele primeiro momento, a alteração do nome dos recorrentes -
leia-se: a supressão da partícula "DE" e inclusão da partícula "DOS" - não
representou qualquer ameaça ou mácula aos seus direitos de
personalidade, ou prejuízo à sua individualidade e autodeterminação, tanto

28
Direito Civil 2016 29

que o requereram expressamente, agora, também não se vislumbra esse


risco.
9. Recurso especial desprovido. (REsp 1412260 / SP - RECURSO
ESPECIAL - 2013/0142696-0 Relator(a): Ministra NANCY ANDRIGHI (1118)
- Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA - Data do Julgamento:
15/05/2014 - Data da Publicação/Fonte - DJe 22/05/2014)

O NCC tutela o nome na medida em que proíbe o seu uso em propaganda comercial sem
autorização (art. 18). Como dito antes, o art. 17, quando proíbe o emprego do nome de
modo a expor seu titular ao desprezo público, protege, em verdade, a honra. Aquele outro
dispositivo, de certa forma, também objetiva tutelar a honra.
Proteção: pode ser preventiva, fazendo cessar a ameaça (por meio de cautelar ou ordinária
com multa cominatória)4 ou repressiva (por meio de imposição de sanção civil – indenização
– ou ainda penal). O CC prevê tais formas de tutela (art. 12)5. A CF, por sua vez, consagra
garantias específicas (remédios) daqueles direitos da personalidade que configurem
liberdades públicas. Por fim, o Pacto de São José da Costa Rica determina que os Estados
se comprometam a respeitar e garantir os direitos da personalidade.
1.2.6 TUTELA
É o encargo conferido por lei a uma pessoa capaz, para cuidar da pessoa menor e
administrar os seus bens. Ela destina-se a suprir a falta do poder familiar e tem nítido caráter
assistencial.
Dispõe o art. 1728 do CC que os filhos menores são postos em
tutela: a) Com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados
ausentes;
b) Em caso de os pais decaírem do poder familiar. Constitui um sucedâneo do poder
familiar e é incompatível com este. Caso os pais recuperem o poder familiar, ou se
este surgir coma adoção ou o reconhecimento do filho havido fora do casamento,
cessará a tutela. Se o menor ainda se encontra sob o poder familiar, só se só se
admitirá a nomeação de tutor depois que os pais forem destituídos de tal encargo.
Ser tutor é considerado um encargo público e obrigatório, salvo nas hipóteses dos arts.
1736 (a) mulheres casadas; b) maiores de 60 anos; c) aqueles que tiverem sob a sua
autoridade mais de 3 filhos; d) os impossibilitados por enfermidades; e) aqueles que
habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela; f) aqueles que já exerceram
tutela ou curatela; g) militares em serviço) e 1737 (quem não for parente do menor não
poderá ser obrigado a aceitar a tutela, se houver no lugar parente idôneo, consanguíneo ou
afim, em condições de exercê-la).
Formas de tutela:
a) Testamentária: é a tratada nos arts. 1729 e 1730 do CC, que atribuem o direito de
nomear tutor somente aos pais, em conjunto, desde que detenham o poder familiar (essa
falta gera nulidade). Não há a prevalência de um sobre o outro. Se estão vivos, a nomeação
deverá ser feita por ambos. Só se admite a nomeação por apenas um deles se o outro for
4
III Jornada de Direito Civil, Enunciado: “A primeira parte do art. 12 do Código Civil refere-se às técnicas de tutela
específica, aplicáveis de ofício, enunciadas no art. 461 do Código de Processo Civil, devendo ser interpretada com
resultado extensivo.”
5

5
O Enunciado nº 5 da Jornada de Direito Civil prevê em sua primeira parte: “1) As disposições do art. 12 têm caráter
geral e aplicam-se inclusive às situações previstas no art. 20, excepcionados os casos expressos de legitimidade para
requerer as medidas nele estabelecidas”.
29
Direito Civil 2016 30

falecido. Se o outro estiver no exercício do poder familiar, não poderá dele ser afastado pela
manifestação unilateral de última vontade do testador. A nomeação é feita por testamento
ou por outro documento autêntico (codi-
cilos, escritura);
b) Legítima: não havendo nomeação de tutor, incumbirá a tutela aos parentes
consanguíneos do menor. Essa tutela obedecerá uma ordem preferencial: 1º) ascendentes,
preferindo o de grau mais próximo ao mais remoto; 2º) colaterais até o 3º grau, preferindo
os mais próximos aos mais remotos, e, no mesmo grau, os mais velhos aos mais moços.
Vale salientar, que o juiz escolherá entre eles o mais apto a exercer a tutela. A bem do
menor, poderá o juiz altera-la e até não nomear nenhum dos parentes, pois prevalecerá o
interesse do incapaz;
c) Dativa: ocorre quando não há a possibilidade nem da tutela testamentária, bem como
da legítima. Ela tem, portanto, um caráter subsidiário. Neste caso, o juiz nomeará pessoa
estranha à família, idônea e residente no domicílio do menor;
d) Do menor abandonado: que terá o tutor nomeado pelo juiz ou será recolhido a
estabelecimento público destinado a esse fim, ficando sob a responsabilidade do Estado.
Essa tutela está regulamentada pelo ECA, inexistindo incompatibilidade entre os dois
diplomas. É uma espécie de tutela estatal;
e) Tutela de fato ou irregular: ocorre quando uma pessoa passa a zelar pelo menor e
por seus bens, sem ter sido nomeada. Os seus atos não têm validade, não passando o
suposto tutor de mero gestor de negócios;
f) Tutela ad hoc ou provisória ou especial: ocorre quando uma pessoa é nomeada
tutora para a prática de determinado ato, sem a destituição dos pais do poder familiar;
g) Tutela dos índios: é também uma espécie de tutela estatal. Atualmente está
regulamentada pelo Estatuto do Índio e é exercida pela União por meio da FUNAI. O índio
pertencente às comunidades não integradas é incapaz desde o seu nascimento, sendo
necessária a participação da FUNAI para a prática de qualquer ato da vida civil. Porém,
para ser liberado dessa tutela, precisa estar adaptado à civilização, preenchendo os
requisitos do EI, mediante solicitação feita à Justiça Federal, com a manifestação da FUNAI.
O exercício da tutela assemelha-se ao do poder familiar, contudo, sofre algumas limitações,
sendo ainda sujeito à inspeção judicial. O tutor é obrigado a prestar contas de 2 em 2 anos.
Essas contas serão verificadas pelo promotor e julgadas pelo juiz. A quitação dada pelo
menor, finda a tutela pela emancipação ou maioridade, não produzirá efeitos antes de
aprovadas as contas.
A venda de imóveis pertencentes ao menor só poderá ser feita mediante autorização judicial
e quando houver manifesta vantagem, mediante prévia avaliação judicial.
Determinados atos, nem mediante autorização judicial, o tutor poderá praticar sob pena de
nulidade: a) adquirir por si, ou por interposta pessoa, mediante contrato particular, bens
móveis ou imóveis pertencentes ao menor; b) dispor dos bens do menor a título gratuito; c)
constituir-se cessionário de crédito ou de direito, contra o menor.
O CC/02 inova ao autorizar o juiz a nomear um protutor para fiscalizar os atos do tutor. O
protutor corresponderá à figura do gestor de negócios do menor ou pupilo.
Cessação da tutela:
1) Em relação ao menor:
a) Com a maioridade;

30
Direito Civil 2016 31

b) Com a emancipação;
c) Ao cair sob o poder familiar, no caso de reconhecimento ou adoção.
2) Em relação ao tutor:
a) Ao expirar o termo em que era obrigado a servir. O tutor é obrigado a servir somente
pelo prazo de 2 anos;
b) Ao sobrevir escusa legítima;
c) Ao ser removido;
d) Quando negligente, prevaricador ou incurso em incapacidade;
e) Se infringir os dispositivos inerentes à proteção do trabalho do menor (art. 436,
parágrafo único, CLT).
1.2.7 CURATELA
É o encargo deferido por lei a alguém capaz para reger a pessoa e administrar os bens de
quem, em regra maior, não pode fazê-lo por si só. Assemelha-se à tutela por seu caráter
assistencial, destinando-se, igualmente, à proteção de incapazes. Por essa razão, a ela são
aplicáveis as disposições legais relativas à tutela, com apenas algumas modificações:
• O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de
direito, curador do outro quando interdito. Na falta do cônjuge ou companheiro,
será curador o pai ou a mãe e, na falta destes, o descendente mais apto. na
falta dessas pessoas, competirá ao juiz escolher o curador;
• Havendo meio de recuperar o interdito, o curador promover-lhe-á o tratamento
em estabelecimento próprio;
• A autoridade do curador estende-se à pessoa e aos bens dos filhos do
curatelado;
Outras diferenças entre a tutela e a curatela:
TUTELA CURATELA
Destinada a menores de 18 É deferida, em regra, para maiores. Mas poderá ser deferida ao
anos. nascituro, ao relativamente incapaz entre 16 e 18 anos que
sofra das faculdades mentais.
Pode ser testamentária, com a É sempre deferida pelo juiz.
nomeação do tutor pelos pais.
Abrange a pessoa e os bens Poderá compreender somente a administração dos bens do
do menor. incapaz, como no caso dos pródigos.

Os poderes do tutor são mais Os poderes do curador são mais restritos.


amplos.

Características relevantes da curatela:


• Os seus fins são assistenciais;
• Tem caráter eminentemente publicista: decorre do dever do Estado de zelar
pelo interesse dos incapazes;
• Tem, também, caráter supletivo da capacidade;
• É temporária, perdurando somente enquanto a causa da incapacidade se
mantiver;
31
Direito Civil 2016 32

• A sua decretação requer certeza absoluta da incapacidade: que é obtida por


meio do processo de interdição, disciplinado nos art. 1177 e seguintes do
CPC.
Pessoas sujeitas à curatela ( ATENÇÃO – MUDANÇA LEGAL):
• Art. 1767, I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade (Redação conferida pela Lei nº 13.146/2015 (DOU
7.7.2015, em vigor após 180 dias de sua publicação oficial);
• Art. 1767, III - os ébrios habituais e os viciados em tóxico (Redação conferida
pela Lei nº
13.146/2015 (DOU 7.7.2015, em vigor após 180 dias de sua publicação
oficial): Art. 1767, V - Os pródigos;

Obs: Os incisos II (aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua
vontade) e IV (Os excepcionais sem completo desenvolvimento mental) do art. 1767 do
NCC foram revogados pela Lei nº 13.146/2015 (DOU 7.7.2015, em vigor após 180 dias de
sua publicação oficial).

• Os nascituros: será possível em duas circunstâncias: a) se o pai falecer,


estando a mulher grávida; b) não tendo a mãe o exercício do poder familiar.
Essa última hipótese só pode ocorrer se ela tiver sido destituída do poder
familiar em relação a filhos havidos anteriormente, pois tal sanção atinge toda
a prole. Poderá ocorrer também se estiver interditada, caso em que o seu
curador será o mesmo do nascituro;
• O enfermo ou portador de deficiência física, a seu requerimento, ou, na
impossibilidade de fazê-lo, que seja requerida por seus pais ou tutores, por
seu cônjuge (ou companheiro) ou por qualquer parente, ou pelo MP, a fim de
cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens.
Essas espécies de curatela não se confundem com a curadoria instituída para a prática de
determinados atos, tais como:
a) Quando colidir o interesse dos pais com o do filho (art. 1692, CC);
b) Quem instituir um menor herdeiro, ou legatário seu, poderá nomear-lhe curador
especial para os bens deixados (art. 1733, §2º, CC);
c) Se falecer alguém sem deixar testamento e nem herdeiro conhecido, os bens da
herança ficarão sob a guarda e a administração de um curador (art. 1819, CC).
Quando a nomeação é feita para a prática de atos processuais, temos as curadorias ad
litem, como nos processos de interdição ajuizados pelo MP, na curadoria à lide para os réus
presos e citados por edital ou com hora certa etc.
O curador nomeado para o interdito é, assim, de direito tutor dos filhos menores não
emancipados do incapaz. Trata-se, na realidade, de uma curadoria prorrogada.
Os atos praticados pelo amental interditado serão sempre nulos, ainda que no momento
aparentasse alguma lucidez. Isso porque o nosso ordenamento jurídico não admite os
chamados intervalos lúcidos.
Segundo o art. 1768 do CC, o processo que define os termos da curatela deve ser
promovido: Pelos pais ou tutores;
• Pelo cônjuge (ou companheiro) ou por qualquer parente;
• Pelo MP: que só poderá promover em caso de doença grave, se não existir ou não
promover a interdição alguma das pessoas anteriores, ou se, existindo, forem
incapazes. Não é necessário que o MP notifique previamente as demais pessoas
mencionadas no art. 1768, estipulando-lhes um prazo para suprir a omissão.

32
Direito Civil 2016 33

• Pela própria pessoa (Acrescentado pela Lei nº 13.146/2015 (DOU 7.7.2015, em


vigor após 180 dias de sua publicação oficial).
Essa enumeração é taxativa, mas não preferencial.
O art. 1783 do CC dispensa o cônjuge curador, salvo determinação judicial, de prestar
constas de sua administração, quando o regime de bens do casamento for de comunhão
universal.
Quanto ao exercício da curatela, basicamente aplicam-se as mesmas regras sobre a tutela,
no que não contrariarem as peculiaridades do primeiro instituto, inclusive as referentes a
escusas, remoção do curador e cessação da curatela.

1.3 PESSOAS JURÍDICAS


1.3.1 CONCEITO
Pessoa jurídica é o grupo humano criado na forma da lei e dotado de personalidade jurídica
própria, para a realização de fins comuns. É entidade a que a lei empresta personalidade,
capacitando-a a ser sujeito de direitos e obrigações. A sua principal característica é a de
que atuam na vida jurídica com personalidade diversa da dos indivíduos que as compõem
(CC, art. 50, a contrario sensu).
NATUREZA JURÍDICA: Várias teorias procuram explicar o fenômeno pelo qual um grupo
de pessoas passa a constituir uma unidade orgânica, com individualidade própria
reconhecida pelo Estado e distinta das pessoas que a compõem. Podem ser reunidas em
dois grupos: o das teorias negativistas e o das teorias afirmativas.
Teorias negativistas: Em geral não admitiam a existência da personalidade da pessoa
jurídica, considerando-a como uma massa de bens objeto de propriedade comum. O direito
positivo se afasta desta corrente.
Teorias afirmativas, realistas ou organicistas:
1. Teorias da ficção: podem ser da ficção legal e da ficção doutrinária. Para a primeira,
desenvolvida por Savigny, a pessoa jurídica constitui uma criação artificial da lei. Para a
segunda, uma criação dos juristas, da doutrina. A crítica que se lhes faz é a de que as
pessoas jurídicas não são criadas pelo Estado, mas confirmadas por ele.
2) Teorias da realidade: dividem-se em:
2.1) Teoria da realidade objetiva – pessoa jurídica é tão pessoa quanto as pessoas
naturais, do ponto de vista objetivo, a pessoa jurídica é uma realidade sociológica, ser com
vida própria, que nasce por imposição das forças sociais. A pessoa jurídica não é abstrata,
mas formada de corpus (conjunto de bens) e animus (vontade do instituidor). A crítica que
se lhe faz é a de que os grupos sociais não têm vida própria, personalidade (no sentido de
valor), que é característica do ser humano.
2.2) Teoria da realidade técnica – (Ihering): mais aceita hoje em dia. A personificação dos
grupos sociais é expediente de ordem técnica, a forma encontrada pelo direito para
reconhecer a existência de grupos de indivíduos, que se unem na busca de fins
determinados. A pessoa jurídica tem existência real, não obstante sua personalidade seja
conferida pelo Direito. Esta é a teoria adotada no ordenamento pátrio. Os art. 18 cc 1916, e
art. 45 CC-02 – tais dispositivos preveem expressamente que a existência da pessoa
jurídica se inicia com a inscrição de seus atos constitutivos no respectivo registro. Prova
esta cabal de que a personificação da pessoa jurídica é construção da técnica jurídica (tanto
que seus efeitos podem ser suspensos em casos determinados, através da
desconsideração).
CARACTERÍSTICAS:
1. PERSONALIDADE PRÓPRIA, que não se confunde com a de seus criadores.
2. PATRIMÔNIO PRÓPRIO e independente;
3. ESTRUTURA ORGANIZACIONAL PRÓPRIA
33
Direito Civil 2016 34

4. OBJETIVOS COMUNS DE SEUS MEMBROS


5. PUBLICIDADE DE SUA CONSTITUIÇÃO
Requisitos para a constituição da PJ: São três: vontade humana criadora (não pode surgir
de imposição do Estado; intenção de criar uma entidade distinta da de seus membros),
observância das condições legais e liceidade dos seus objetivos (a autonomia da
vontade é limitada pela lei). A vontade humana materializa-se no ato de constituição, que
se denomina estatuto, em se tratando de associações (sem fins lucrativos); contrato social,
em se tratando de sociedades simples ou empresárias (anteriormente denominadas civis e
comerciais); e escritura pública ou testamento, em se tratando de fundações (NCC, art. 62).
1.3.2 REGISTRO
O registro da pessoa jurídica é o ato que lhe confere a personalidade jurídica, possuindo,
assim, natureza constitutiva, pois é ele que dá personalidade jurídica às pessoas jurídicas.
Contudo, quando se tratar de pessoa jurídica de direito público, o início da personalidade
ocorre com a lei que a instituir.
O artigo 45 prevê que o registro da pessoa jurídica é constitutivo (a personalidade só
surge com o registro), já que por ele se inicia a existência da pessoa jurídica. Registro nos
órgãos competentes, as autorizações administrativas são necessárias para o
funcionamento da pessoa jurídica. Enquanto a pessoa jurídica não for registrada, ela
não tem existência legal, sendo uma mera sociedade de fato ou sociedade irregular,
que o código tratou de SOCIEDADE EM COMUM (artigo 986 e seguintes). Somente
com o registro é que a sociedade surge. Enquanto não há registro o próprio sócio responde
pessoal e ilimitadamente pelas dívidas sociais.
Algumas pessoas jurídicas precisam, ainda, de autorização ou aprovação do Poder
Executivo (NCC, art. 45), como as seguradoras, as instituições financeiras, as
administradoras de consórcio etc. Os partidos políticos, além do registro civil, devem
registrar-se no TSE (obs.: com o registro civil, já adquirem personalidade). Os sindicatos,
por sua vez, para adquirirem personalidade, além do registro civil, devem registrar-se no
Ministério do Trabalho (Súmula nº 677/STF).
Com a criação das pessoas jurídicas, passa a existir uma separação jurídico-patrimonial
entre a pessoa jurídica e os bens das pessoas naturais. O artigo 46 elenca os requisitos
necessários para constituir uma pessoa jurídica. O ato constitutivo da pessoa jurídica deve
revelar tudo o que importa para a constituição da pessoa jurídica: denominação, quadro
social (sócios) ou associativo (associados), sede, objetivo ou finalidade, quais as formas de
alteração do próprio ato constitutivo e outros.
Artigo 46. O registro declarará:
I – a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social,
quando houver;
II – o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores e dos
diretores;
III – o modo porque se administra e representa ativa e passivamente, judicial
e extrajudicialmente;
IV – se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que
modo;
V – se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações
sociais;
VI – as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu
patrimônio, nesse caso. São atos constitutivos levados ao registro:

34
Direito Civil 2016 35

a) contrato social – nas sociedades (dependendo do tipo societário).


b) estatuto – associações, partidos políticos, fundações, organizações religiosas.
No que diz respeito à anulação do ato constitutivo por defeito no próprio ato, a Lei
Civil estabelece prazo decadencial de 3 anos contados da publicação de sua inscrição no
registro (NCC, art. 45, parágrafo único). O cancelamento do registro da pessoa jurídica, nos
casos de dissolução ou cassação da autorização para seu funcionamento, não se promove,
mediante averbação, no instante em que é dissolvida, mas depois de encerrada sua
liquidação (NCC, art. 51).

1.3.3 CLASSIFICAÇÃO DA PESSOA


JURÍDICA:
1) Quanto à nacionalidade: nacional e estrangeira.
2) Quanto à estrutura interna:
CORPORAÇÃO (universitas personarum: conjunto ou reunião de pessoas): as corporações
visam à realização de fins internos, estabelecidos pelos sócios. Os seus objetivos são
voltados para o bem dos seus membros. As corporações dividem-se em: associações e
sociedades (simples ou empresárias).
FUNDAÇÃO (universitas bonorum: reunião de bens): as fundações têm objetivos externos,
estabelecidos pelo instituidor. Nas corporações também existe patrimônio, mas é elemento
secundário, apenas um meio para a realização de um fim. Nas fundações o patrimônio é
elemento essencial. Diz-se que a fundação é um patrimônio personificado
3) Quanto à função (ou à órbita de sua atuação, ou regime):
PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO: podem ser: de direito público externo
(Estados estrangeiros, inclusive a Santa Sé, bem como todas as pessoas que forem regidas
pelo direito internacional público, inclusive organismos internacionais); de direito público
interno (administração direta – União, Estados, Distrito Federal, Municípios e administração
indireta – autarquias, fundações públicas e demais entidades de caráter público criadas por
lei – são órgãos descentralizados, com personalidade própria para o exercício de atividade
de interesse público. Serão assim classificadas, ainda que tenham estrutura de direito
privado – fundações públicas e entes de fiscalização do exercício profissional).
PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO: são as corporações (associações,
sociedades simples e empresárias, partidos políticos, organizações religiosas 6 e
sindicatos7) e as fundações particulares (NCC, art. 44; CLT, arts. 511 e 512; CF, art. 8º). As
empresas públicas e as sociedades de economia mista, a despeito de fazerem parte da
administração indireta, são dotadas de personalidade jurídica de direito privado (DL
200/67), sujeitando-se ao regime próprio das empresas privadas (CF, art. 173, § 1º).
Com a edição da Lei nº 10.825, de 22 de dezembro de 2003, também passaram a ser
consideradas pessoas jurídicas as ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS e os PARTIDOS
POLÍTICOS. Em relação a essas entidades, estabelece o NCC que “são livres a criação, a
organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo
vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e
necessários ao seu funcionamento.” E ainda: “Os partidos políticos serão organizados e
funcionarão conforme o disposto em lei específica.”

6
III Jornada de Direito Civil: “A liberdade de funcionamento das organizações religiosas não afasta o controle de
legalidade e legitimidade constitucional de seu registro, nem a possibilidade de reexame, pelo Judiciário, da
compatibilidade de seus atos com a lei e com seus estatutos.”

7
Não estão relacionados no art. 44 do CC, mas como diz um recente enunciado da III Jornada de Direito Civil do CJF: “A
relação das pessoas jurídicas de direito privado, estabelecida no art. 44, incisos I a V, do Código Civil, não é exaustiva.”

35
Direito Civil 2016 36

1.3.4 ADMINISTRAÇÃO
As pessoas jurídicas são administradas por quem seus estatutos denominarem. Se os
estatutos forem omissas, serão representadas por seus sócios, administradores ou
gerentes.
Os atos praticados pelos administradores, nos limites de seus poderes, obrigam a pessoa
jurídica. A jurisprudência entende que, ainda que extrapole seus poderes, a pessoa jurídica
será responsabilizada pelos atos de seus administradores, quando o terceiro estiver de boa-
fé, isto é, não haver evidências claras que o ato é praticado com abuso de poder. Neste
caso, a sociedade poderá voltar-se contra o administrador que lhe causou prejuízos.
Nos termos do art. 48 do CC, quando a pessoa jurídica for administrada por órgão coletivo,
as decisões serão tomadas pela maioria dos votos presentes, ressalvadas as hipóteses
legais (vide sociedades simples, empresárias e anônimas).
Na falta de administradores, o juiz poderá nomear administrador, a pedido de qualquer
interessado.
Por fim, o parágrafo único do art. 48 do CC prevê prazo decadencial de três anos para que
qualquer dos sócios questionem ou busquem a anulação das decisões tomadas pela
maioria dos sócios ou administradores, quando o fizerem com violação de lei, estatuto ou
com erro, dolo, simulação ou fraude.
Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos
nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.
Art. 48. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se
tomarão pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo
dispuser de modo diverso.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular as decisões a que
se refere este artigo, quando violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas
de erro, dolo, simulação ou fraude.
Art. 49. Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a
requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador
provisório.

1.3.5 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

O ordenamento jurídico confere às pessoas jurídicas personalidade distinta da dos seus


membros. Tal regra, contudo, tem sido mal utilizada por pessoas cuja intenção é a de
prejudicar terceiros, dando origem à teoria da desconsideração da personalidade jurídica,
ou disregard of the legal entity.
A doutrina da desconsideração pretende o afastamento temporário da personalidade
jurídica da entidade, para permitir que os credores prejudicados possam satisfazer os seus
direitos no patrimônio pessoal do sócio ou administrador que cometeu o ato abusivo.
Esta teoria permite que o juiz, em casos de fraude e de má-fé, desconsidere o princípio de
que as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros e os efeitos dessa
autonomia para atingir e vincular os bens particulares dos sócios à satisfação das dividas
da sociedade.
Dentre as regras disciplinadoras da vida associativa em geral, previstas no NCC, destaca-
se a que dispõe sobre a repressão do uso indevido da personalidade jurídica, quando esta
for desviada de seus objetivos socioeconômicos para a prática de atos ilícitos ou abusivos.
Prescreve, com efeito, o art. 50 do CC: “Em caso de abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a
36
Direito Civil 2016 37

requerimento da parte ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que
os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”
Sobre a matéria, há dois enunciados do CJF. O nº 7: “Art. 50: só se aplica a
desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular, e
limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido”, e um outro recente,
formulado na III Jornada de Direito Civil: “Nas relações civis, os parâmetros de
desconsideração da personalidade jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade social
ou confusão patrimonial) interpretam-se restritivamente. Observação da comissão: Este
enunciado não prejudica o enunciado n. 07, da 1a.
Jornada de Direito Civil do CEJ/CJF.”
Como se vê, a desconsideração da personalidade jurídica não decorre somente do desvio
dos fins estabelecidos no contrato social ou nos atos constitutivos, podendo o abuso
também consistir na confusão entre o patrimônio social e o dos sócios ou administradores.
Os seus efeitos são meramente patrimoniais e sempre relativos a obrigações determinadas,
pois a pessoa jurídica não entra em processo de liquidação. O emprego da expressão
“relações de obrigação” demonstra que o direito do demandante tanto pode ser fundado em
contrato como em um ilícito civil.
O STJ subdivide a teoria nas vertentes FORTE (MAIOR) ou FRACA (MENOR), sendo a
primeira adotada pelo Código Civil, a exigir prova do abuso (seja por desvio de finalidade
ou confusão patrimonial), não se contentando com a mera insolvência da pessoa jurídica.
No STJ, Informativo nº 554/2015, decidiu-se que: “O encerramento das atividades da
sociedade ou sua dissolução, ainda que irregulares, não são causas, por si sós, para
a desconsideração da personalidade jurídica a que se refere o art. 50 do CC. Para a
aplicação da teoria maior da desconsideração da personalidade social – adotada pelo CC
–, exige-se o dolo das pessoas naturais que estão por trás da sociedade, desvirtuando-lhe
os fins institucionais e servindo-se os sócios ou administradores desta para lesar credores
ou terceiros. É a intenção ilícita e fraudulenta, portanto, que autoriza, nos termos da teoria
adotada pelo CC, a aplicação do instituto em comento. (…) Ressalte-se que não se quer
dizer com isso que o encerramento da sociedade jamais será causa de desconsideração
de sua personalidade, mas que somente o será quando sua dissolução ou inatividade
irregulares tenham o fim de fraudar a lei, com o desvirtuamento da finalidade institucional
ou confusão patrimonial. Assim é que o enunciado 146, da III Jornada de Direito Civil,
orienta o intérprete a adotar exegese restritiva no exame do artigo 50 do CC, haja vista
que o instituto da desconsideração, embora não determine a despersonalização da
sociedade – visto que aplicável a certo ou determinado negócio e que impõe apenas a
ineficácia da pessoa jurídica frente ao lesado –, constitui restrição ao princípio da autonomia
patrimonial. Ademais, evidenciando a interpretação restritiva que se deve dar ao dispositivo
em exame, a IV Jornada de Direito Civil firmou o enunciado 282, que expressamente
afasta o encerramento irregular da pessoa jurídica como causa para desconsideração de
sua personalidade: “O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si
só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica”.”
Para a segunda teoria (fraca), a simples insolvência é suficiente para autorizar a
desconsideração (Adotada pelo CDC).
Há, também, a DESCONSIDERAÇÃO INVERSA, que vem sendo reconhecida pelo STJ
principalmente em casos de direito de família, a autorizar o juiz desconsiderar a pessoa
natural para atingir o patrimônio da pessoa jurídica da qual ele seja sócio (provado o abuso,
por óbvio). CFJ, Enunciado 283 – Art. 50. “É cabível a desconsideração da personalidade
jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa
jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”.

37
Direito Civil 2016 38

É importante lembrar que a desconsideração, à luz do Princípio da Continuidade da


Empresa, tende a admitir a mantença posterior de suas atividades. Diferentemente, a
despersonificação aniquila a pessoa jurídica, cancelando o seu registro.
* Desconsideração expansiva da pessoa jurídica: possibilidade de desconsideração
para alcançar um sócio eventualmente oculto da sociedade, comumente escondido na
empresa controladora. * Desconsideração indireta da personalidade jurídica:
possibilidade de levantamento do véu societário da empresa controladora que utiliza
abusivamente a personalidade da empresa controlada para causar prejuízos a terceiros
ou para obtenção de vantagens indevidas.
CJF, Enunciado 406: “A desconsideração da personalidade jurídica alcança
os grupos de sociedade quando presentes os pressupostos do art. 50 do
Código Civil e houver prejuízo para os credores até o limite transferido entre
as sociedades”.

DESCONSIDERAÇÃO DESCONSIDERAÇÃO DESCONSIDERAÇÃO


INVERSA INDIRETA EXPANSIVA
Alcançar bens do sócio Alcançar bens da Alcançar bens de sócios
que foram por ele empresa controladora ocultos
fraudulentamente por atos abusivos
integrados à sociedades praticados por meio da
sociedade controlada

DESCONSIDERA
ÇÃO DA
PERSONALIDAD
E JURÍDICA NO
ORDENAMENT
O BRASILEIRO
ART. 34, LEI
ART. 4°, LEI 10.2.529/2011
ART. 50, ART.28, ART.28, § 5º,
9.605/98 (LEI (LEI
NCC CAPUT, CDC CDC
AMBIENTAL) ANTITRUST)

TEORIA TEORIA TEORIA TEORIA TEORIA TEORIA


ADOTADA MAIOR MAIOR MENOR MENOR MAIOR

38
Direito Civil 2016 39

-abuso de -abuso de
direito; direito;
-excesso de -excesso de
poder; poder;
-infração da lei; -infração da lei;
-fato ou ato -fato ou ato
ilícito; -sempre que -quando ilícito;
-violação dos personalidade personalidade -violação dos
estatutos ou for, de alguma for obstáculo estatutos ou
contrato social; forma, ao contrato social;
HIPÓTESE DE -abuso da -falência; -falência;
obstáculo ao ressarcimento
CABIMENTO personalidade. -estado de -estado de
ressarcimento de prejuízos
insolvência; de prejuízos causados à insolvência;
-encerramento causados aos qualidade do -encerramento
ou inatividade consumidores. meio ambiente. ou inatividade
da pessoa da pessoa
jurídica jurídica
provocados por provocados por
má má
administração. administração.

1.3.6 ASSOCIAÇÕES
As associações são pessoas jurídicas que reúnem pessoas e para fins não econômicos,
mas não é necessário que suas finalidades sejam altruístas; o fim a ser buscado pode ser
de interesse apenas do associado. Sempre se discutiu se no quadro de associados poderia
ou não haver pessoas jurídicas. Classicamente, estava restrita a pessoas naturais; o CC/02
não estabelece essa restrição, mas os doutrinadores defendem que pelo regramento
exposto não é possível a participação de pessoas jurídicas. Podem até gerar renda, mas é
revertida para a própria associação. Não se veda a participação em operações negociais,
mas a reversão dos lucros aos sócios. Exemplo: associações de bairro, terceiro setor.
Não podem adotar qualquer das formas empresariais, visto que lhes faltam intuito
especulativo.
Associação não tem sócio.
As disposições relativas às associações tem aplicação subsidiária às sociedades.
ENUNCIADO N. 280 – JORNADA CJF: Arts. 44, 57 e 60. Por força do art.
44, § 2º, consideram-se aplicáveis às sociedades reguladas pelo livro ii da
parte especial, exceto às limitadas, os arts. 57 e 60, nos seguintes termos:
a) Em havendo previsão contratual, é possível aos sócios deliberar a
exclusão de sócio por justa causa, pela via extrajudicial, cabendo ao
contrato disciplinar o procedimento de exclusão, assegurado o direito de
defesa, por aplicação analógica do art. 1085;
b) As deliberações sociais poderão ser convocadas pela iniciativa de
sócios que representem 1/5 (um quinto) do capital social, na omissão do
contrato. A mesma regra aplica-se na hipótese de criação, pelo contrato,
de outros órgãos de deliberação colegiada.
A associação já nasce com um quadro associativo, mas é possível aos associados dispor
em seus atos constitutivos: se, como e quando será admitida a participação de novos
associados. Aqui cabe uma importante ressalva feita pela CF (o CC não faz), as exigências
de associação não ser discriminatórias injustificadamente.
Direitos dos associados: os associados devem ter os mesmos direitos, mas o estatuto
poderá instituir categorias com vantagens especiais (ex.: sócio remido). Não será possível
a diferenciação no exercício dos direitos básicos. O impedimento do exercício de direito ou

39
Direito Civil 2016 40

função pelo associado somente poderá ocorrer nos casos e pela forma prevista em lei ou
estatuto.
A qualidade de associado é intransmissível, salvo disposição contrária do estatuto. A
transferência de fração ideal do patrimônio da associação, por si só, não atribui a qualidade
de sócio.
O associado pode ser obrigado a deixar a associação, ou seja, ser excluído / expulso na
forma que o estatuto deliberar, quais os motivos e condições, razões de sua expulsão. Note-
se que deve haver também uma razoabilidade no estabelecimento desses motivos. O artigo
57 prevê que mesmo diante da inexistência de previsão do estatuto, o associado pode ser
expulso diante da prática de motivo grave (trata-se de aplicação do princípio da eticidade,
pois, o associado não pode ser excluído sem justa causa).
IMPORTANTE: Sempre que haja a deliberação extrema de expulsão, haverá a
possibilidade de recurso para o órgão máximo (assembleia geral), nos termos do parágrafo
único do artigo 57. Note-se que deve haver respeito ao princípio do contraditório e da ampla
defesa.
Durante a permanência do associado na associação, o artigo 55 garante que aos
associados se assegurem iguais direitos, embora possam os estatutos instituir categorias
com vantagens especiais. Ou seja, determinados direitos são básicos a todos os
associados, o que o estatuto da associação pode fazer é estabelecer categorias de sócios
(remido).
Art. 55. Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá
instituir categorias com vantagens especiais.
O órgão máximo da associação é a Assembleia Geral, que tem sua competência definida
no artigo
59, o qual estabelece quais os assuntos deverão ser tratados somente pela assembleia
geral (primeira convocação, quorum de instalação de maioria absoluta; segunda e demais
convocações, 1/3 dos convocados):
• Eleger os administradores;
• Destituir os administradores; (2/3 dos presentes);
• Aprovar contas;
• Alterar os estatutos (2/3 dos presentes)
Dissolução da associação:
Formas de dissolução:
a) Convencional: extinção na forma do ato constitutivo.
b) Legal: decorre da disposição legal: desvio de finalidade; associação por prazo
determinado; e condição resolutiva.
A dissolução da associação será feita na forma que o estatuto estabelecer e extinção por
questões legais.
1.3.7 FUNDAÇÃO
As fundações têm objetivos externos, estabelecidos pelo instituidor. Nas fundações o
patrimônio é elemento essencial. Diz-se que a fundação é um patrimônio personificado.
As fundações constituem um acervo de bens, que recebe personalidade jurídica para a
realização de fins determinados. Compõem-se de dois elementos: o patrimônio e o fim
(estabelecido pelo instituidor e não lucrativo). Antes das alterações promovidas no NCC
pela Lei nº 13.151/2015, as fundações somente poderiam constituir-se para fins religiosos,
morais, culturais ou de assistência. Atualmente, os incisos do parágrafo único do art.
62 preveem: “I – assistência social; II – cultura, defesa e conservação do patrimônio
histórico e artístico; III – educação; IV – saúde; V – segurança alimentar e nutricional;
VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do

40
Direito Civil 2016 41

desenvolvimento sustentável; VII – pesquisa científica, desenvolvimento de


tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão, produção e
divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos; VIII – promoção
da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos; IX – atividades
religiosas”.
A sua formação passa por quatro fases:
Ato de dotação ou de instituição: reserva de bens livres, com indicação dos fins a que se
destinam. Faz-se por escritura pública ou por testamento.
Elaboração dos estatutos: A elaboração pode ser direta ou própria (pelo próprio instituidor)
ou fiduciária (por pessoa de sua confiança, por ele designada).
Aprovação dos estatutos: os estatutos são encaminhados ao Ministério Público para
aprovação. Registro: indispensável, fazendo-se no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Só
com ele começa a fundação a ter existência legal.
As fundações extinguem-se em dois casos: se se tornar ilícita (nociva), impossível ou inútil
a sua finalidade; se se vencer o prazo de sua existência. Nesses casos, o patrimônio terá o
destino previsto pelo instituidor, no ato constitutivo.
Disciplina legal: arts. 62 a 69.
Além do art. 62, os arts. 66 e 67 do NCC foram alterados pela Lei 13.151/2015 (vigência
imediata, conforme art. 7º, publicada no DOU aos 28/7/2015). O art. 66 passou a prever
expressamente que, se funcionarem no Distrito Federal ou em Território, caberá o encargo
de velar pelas fundações ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, ratificando
o teor da ADIN nº 2.794-8, na qual restou declarada a inconstitucionalidade da atribuição
de tal função ao Ministério Público Federal. Já o inciso III do art. 67 passou a prever que a
alteração do estatuto da fundação depende de aprovação pelo órgão do Ministério Público
no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, findo o qual ou no caso de o Ministério
Público a denegar, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado. Tal prazo para a
manifestação do MP não estava previsto na redação original do dispositivo.

41
Direito Civil 2016 42

DOMICÍLIO

2 Ponto 2 - Domicílio. Bens. Negócios Jurídicos

2.1 DOMICÍLIO
O CC/02 manteve as mesmas regras do CC/16, organizando-as melhor. A palavra domicílio
tem raiz na palavra domus, que significa casa; para os romanos era o lugar em a pessoa
se estabelecia permanentemente. Inclusive, se cultuavam os antepassados (eis que os
mesmos eram enterrados na propriedade familiar – daí, inclusive, a noção inicial do bem de
família). Os franceses complicaram essa noção, estabelecendo uma relação entre o
indivíduo e a casa. É preciso que sejam diferenciados três conceitos:
morada – é o lugar onde a pessoa se estabelece temporariamente; exemplo: morar em
Salvador por 06 meses, é passageiro; residência – é o lugar onde a pessoa se estabelece
habitualmente, ou seja, é permanente; exemplo: pessoa que reside na cidade e passa finais
de semana com frequência em sua casa de campo, terá 02 residências; o indivíduo pode
ter várias residências. domicílio – é o lugar onde a pessoa estabelece residência, com
ânimo definitivo, transformando-o em centro de sua vida jurídica. O conceito de domicílio
compreende o conceito de residência, porque há também a exigência de habitualidade
(elemento objetivo). Mas é preciso também a existência do ânimo definitivo, de ficar com
interesse de transformar o lugar em centro de sua vida jurídica (elemento subjetivo).
Exemplo: pessoa que passa os fins de semana no sítio, mas tem a sua vida jurídica na
residência da cidade.
DOMICÍLIO = RESIDÊNCIA (quid facti) + QUALIFICAÇÃO LEGAL (quid juris)
Comum / voluntário / geral (art. 70) – É a residência mais o animus / vontade / opção de
que ela seja o local principal de suas atividades (centro). Elemento material = residência;
elemento anímico ou psicológico = ânimo de permanência (oposto de transitoriedade).
Domicílio é um centro de referência jurídica.
Pluralidade de domicílios (artigos 71 e 72) – É admitida no Brasil, seguindo a doutrina
alemã. Qualquer um dos locais pode ser caracterizado como domicílio (pessoa que tem
dois domicílios).
STF Súmula nº 483. É dispensável a prova da necessidade, na retomada do
prédio situado em localidade para onde o proprietário pretende transferir
residência, salvo se mantiver, também, a anterior, quando dita prova será
exigida.
Domicílio Profissional: (artigo 72 não tem correspondente no CC/16) local onde é exercida
a profissão, ou seja, é uma especial modalidade de domicílio restrita a aspectos da vida
profissional da pessoa física. O domicílio profissional não afasta o domicílio geral.
Domicílio aparente ou ocasional (art. 73) – essa teoria foi desenvolvida por HENRI DE
PAGE (civilista belga). Criado por ficção da lei em face de pessoas que não tenham
residência habitual; será seu domicílio o local em que se encontrarem. EXEMPLO:
andarilhos, pessoas que trabalham no circo.
Mudança de domicílio (artigo 74) – ocorre com a mudança da residência, aliada ao ânimo
de mudar.
Domicílio da pessoa jurídica (art. 75) – fala da regra genérica do domicílio da pessoa
jurídica de direito público, as regras específicas estão na CF/88. As pessoas jurídicas de

42
Direito Civil 2016 43

direito privado terão seu domicílio no local previsto no estatuto ou no contrato social, sendo
o local de sua sede.
STF Súmula nº 363 A pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada
no domicílio da agência, ou estabelecimento, em que se praticou o ato.
O artigo 100 do CPC trata dessa questão afirmando que será competente o foro do local no
qual a pessoa jurídica tenha celebrado relações jurídicas com autonomia.
Espécies de domicílio:
CONVENCIONAL – é o comum, é aquele que se fixa por ato de vontade própria, ou seja,
a pessoa fixa por ato de vontade, ao se mudar.
LEGAL OU NECESSÁRIO – é o determinado por lei e previsto no artigo 76; trata-se de
domicílio obrigatório da pessoa natural: 1) do incapaz (domicílio de seu representante ou
assistente); 2) do preso (onde cumpre pena; preso cautelar não tem domicílio legal no lugar
onde esteja preso; enquanto o preso estiver cumprindo simples prisão cautelar, ainda não
está cumprindo sentença, não havendo domicílio legal); 3) do servidor público (onde exerce
permanentemente as suas funções, ou seja, só tem domicílio o servidor que exerce função
permanente); 4)do juiz (comarca onde judica); 5) do militar (onde está servindo); 6) do
marítimo (marinheiro da marinha mercante) (local da matrícula do navio).
O artigo 77 também fala de um tipo de domicílio necessário, qual seja, o domicílio dos
agentes diplomáticos; que é o local no Brasil e não no exterior.
DE ELEIÇÃO OU ESPECIAL (artigo 78, CC e 111, CPC) – é o domicílio previsto em um
contrato. A cláusula eletiva de foro, se atentatória aos direitos do consumidor, é nula de
pleno direito (artigo 51, IV, CDC). Em geral, no contrato de consumo há um desequilíbrio
contratual, os contratos são de adesão.
LEMBRAR que o art. 112, P.U., do CPC, prevê que “a nulidade da cláusula de eleição de
foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de
competência para o juízo de domicílio do réu”. (STF Súmula nº 335 É válida a cláusula de
eleição do foro para os processos oriundos do contrato.)
Ressalvas à validade do foro de eleição: deve ser fruto de escolha real; nos contratos de
adesão não pode haver uma imposição em prejuízo do aderente. É possível escolher um
foro, mas não um juízo.
2.2 BENS
2.2.1 NOÇÕES GERAIS
Atentando-se para a divisão do direito subjetivo, os bens são: objeto do direito. Tanto o
significado semântico quanto o jurídico coincidem, ou seja, bem é o interesse juridicamente
tutelado pela norma, é o que o titular do direito quer alcançar. Todos os autores fazem uma
bagunça na conceituação de bens. Existem duas posições solidificadas que distinguem
coisa de bem: 1ª corrente: coisa – tudo que está externo ao homem; bem – tudo que é
jurídico; que tenha valoração econômica e que pode ser apropriado.
CRÍTICA: não há como enquadrar os não patrimoniais no conceito de bem (direito à vida,
à integridade física).
2ª corrente: bem – é gênero. Tudo que possa estar na relação jurídica como objeto, tendo
ou não valor econômico; coisa – é espécie, sendo bem que tem valor econômico.
Crítica: as coisas fora de comércio não têm valor econômico e fala-se mesmo assim em
coisa. (TRF1: lua e estrelas são coisas, mas não são bens, porque insuscetíveis de
apropriação)
Essa corrente foi adotada pelo novo CC/02, que traz somente o conceito de bens e as
coisas como as dotadas de valor econômico. Godoy: o novo CC acabou com essa
celeuma jurídica e passou a utilizar a terminologia única de BENS, assim, essa
discussão está superada (posição de
Washington de Barros Monteiro)
43
Direito Civil 2016 44

PATRIMÔNIO: conceito que engloba todos os bens, com conteúdo pecuniário. Composto
por todas as relações jurídicas dotadas de valor econômico. Mas a doutrina mais nova tem
repensado esse conceito, para conceber a expressão patrimônio de maneira adjetiva:
patrimônio jurídico, que é mais ampla em relação à gama de relações jurídicas tuteladas
pelo direito.
2.2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS BENS

I- BENS CONSIDERADOS EM SI
MESMOS a) BENS CORPÓREOS E
INCORPÓREOS
Não estão previstos na lei. Os primeiros têm existência física, concreta. Os últimos não são
percebidos pelos sentidos.
b) BENS MÓVEIS E IMÓVEIS (arts. 79 a 84):
MÓVEIS, nos termos do artigo 82, são os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de
remoção por força alheia, sem alteração de sua substância ou da destinação econômico-
social. A movimentação pode ser por força própria (semovente) ou por força alheia.
SUBCLASSIFICAÇÃO DOS BENS MÓVEIS:
* Pela própria natureza: semoventes e os sem movimento próprio
*Por antecipação: “atualmente” são imóveis, mas possuem finalidade última como móveis,
de modo que se antecipa sua mobilidade (ex: plantações para corte)
*Por determinação legal: São considerados bens móveis para efeitos legais (artigo 83): 1)
as energias que tenham valor econômico; (novidade no CC, mas já constava no sistema
jurídico, quando se falava de furto de energia, ou seja, já considerando-a como bem móvel).
2) os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; 3) os direitos
pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.
OBS:O PENHOR AGRÍCOLA não é considerado bem móvel, porque a colheita e a safra se
agregam ao solo e por definição de lei é considerado bem imóvel; assim, o PENHOR
AGRÍCOLA é direito real sobre objetos IMÓVEIS, sendo assim, uma exceção à regra do
artigo 83, inciso III. Além disso, o seu registro se dá no Registro de Imoveis.
Pelo artigo 84, os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem
empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os
provenientes da demolição de algum prédio.
ATENÇÃO: Os navios e aeronaves apesar de serem móveis pela natureza ou essência,
são tratados pela lei como imóveis.
IMÓVEIS: são os que não podem ser mobilizados, transportados ou removidos sem a
sua destruição.
SUBCLASSIFICAÇÃO DOS BENS IMÓVEIS:
*por natureza (não podem ser movimentados sem ruptura), são o solo e tudo que lhe
agregue naturalmente; e
* por acessão física (plantações e construções, que se prendam por fundação ao solo, p.
ex., a tenda não se prende ao solo; o que foi feito pelo homem); artigo 81, I, afirma que as
edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para
outro local. *por acessão intelectual (são coisas móveis que são imobilizadas, por exemplo,
o maquinário na fazenda agrícola e o estabelecimento empresarial, ou seja, são os móveis
enquanto estiverem a serviço do imóvel) artigo 79 afirma que são bens imóveis o solo e
tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente; (há enunciado do CJF dizendo que
esse conceito está afastado do direito, mas os examinadores podem continuar cobrando,
já que a doutrina tradicional ainda cita. Enunciado n. 11 CJF/STJ: “Não persiste no novo
sistema legislativo a categoria dos bens imóveis por acessão intelectual, não obstante a

44
Direito Civil 2016 45

expressão ‘tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente’, constante da parte final
do art. 79 do CC”.) e
*por determinação legal: artigo 80 afirma que se consideram imóveis para efeitos legais: I
– os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram e II – o direito à sucessão
aberta. Não perdem também o caráter de imóveis os materiais provisoriamente separados
de um prédio, para nele se reempregarem, inciso II, do artigo 81.
Não se pode mais usar a expressão outorga UXÓRIA. Independentemente da época BENS
imóveis por determinação legal demandam a outorga CONJUGAL da aquisição do bem. c)
BENS FUNGÍVEIS E INFUNGÍVEIS
Base: possibilidade de substituição por outro igual.
FUNGÍVEIS: sempre serão bens móveis, que têm como característica poderem ser
substituídos por outros de mesma qualidade, quantidade e espécies (artigo 85)
INFUNGÍVEIS: Os infungíveis por outro lado não podem ser substituídos dessa forma.
Esse conceito é muito importante para o Direito das Obrigações (assunto será retomado).
Também tem relevância na distinção entre os contratos de comodato e mútuo.
- A INFUNGIBILIDADE pode se dar por ato de vontade do titular ou em função do valor
histórico do bem.
d) BENS CONSUMÍVEIS E INCONSUMÍVEIS (art. 86)
Sob duas vertentes pode ser considerado o bem consumível ou inconsumível:
materialmente consumíveis – são os fisicamente consumíveis, os que perdem substância
logo em seu primeiro uso, p. ex., giz, sabão, alimento. juridicamente consumíveis – são os
bens de consumo, ou seja, são os destinados à alienação. Há no CDC a classificação de
bens em duráveis e não-duráveis, relevante para efeitos do art. 26 do CDC (prazo
decadencial do direito de reclamar pelos vícios aparentes). e) BENS DIVISÍVEIS E
INDIVISÍVEIS (arts. 87 e 88)
Base: possibilidade ou não de fracionamento do bem sem a perda do seu valor econômico
ou de sua finalidade. A indivisibilidade pode ser:
física – não poderão ser fracionados em várias partes, mantendo as mesmas qualidades
das partes divisas,
legal – bens podem ser materialmente divisíveis, mas, por aspectos legais não podem ser
divididos (ex.: Lei de uso e ocupação do solo de um município estipula a metragem mínima
de um lote).
convencional – bens podem se tornar indivisíveis por acordo entre as partes (ex.:
estipulação de cláusula de solidariedade em contrato de mútuo com dois devedores)
economicamente indivisíveis – é a novidade trazida pelo novo CC, p. ex., dividir o terreno,
respeitando os requisitos legais, mas deixando em uma das partes somente pedra, logo,
não haverá o aproveitamento econômico ou utilitário, sendo assim, não podem ser
divisíveis.

f) BENS SINGULARES E COLETIVOS (arts. 89/91)


SINGULARES são aqueles analisados isoladamente, mesmo estando em uma coletividade
ou em uma universalidade de fato. São considerados em sua individualidade. É interessante
para a teoria da empresa.
COLETIVOS são considerados em sua coletividade (a que se dá destinação unitária), são
as universalidades, estão em duas categorias:
Universalidade de fato: Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares
que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária, os bens que formam essa
universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias, nos termos do artigo 90. p.
ex., biblioteca ou rebanho.

45
Direito Civil 2016 46

Universalidade de direito: conjunto de relações jurídicas dotadas de valor econômico de


uma pessoa. Exemplo: patrimônio (todas relações jurídicas relevantes e economicamente
apreciadas); sucessão aberta.
A importância dessa distinção se reflete claramente no Direito Contratual, na medida em
que, se forem vendidas 100 cabeças de gado, elas estão individualmente consideradas; se
for vendido o rebanho, o que foi negociado foram todos os bens coletivamente
considerados, assim, não fará diferença a morte de alguns ou o nascimento de outros, já
que todos os bens são considerados coletivamente.

II- BENS RECIPROCAMENTE CONSIDERADOS


Existia no artigo 59 do CC/16 uma regra afirmando que o acessório segue o principal, o que
não consta mais no novo CC, o que leva a concluir que às vezes o acessório segue, outras
vezes não segue o principal. Para saber quando isso ocorre, é preciso distinguir as espécies
de bens acessórios. (arts. 92/97)
a) PRINCIPAIS – são os bens que têm existência autônoma, não dependendo de outros
bens para garantir a sua existência.
b) ACESSÓRIOS – somente têm existência dependendo do principal, o acessório segue
o principal, exceto se houver previsão em contrário no contrato.
ESPÉCIES DE BENS ACESSÓRIOS - Apesar de ainda não separados do bem principal,
os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico (artigo 95).
b.1) FRUTOS – são utilidades que o bem principal periodicamente produz, cuja percepção
não prejudica a sua substância. RENOVÁVEIS. Subclassificação: b.1.1) Quanto à
NATUREZA:

CONCEITO EXEMPLO

Plantação, cria de animal.


espontaneamente dado pela coisa, prescinde
Natural Plantações que não dão
de participação humana.
periodicamente são produtos.

Industr Café gerenciado (plantado e


Há participação do homem
ial colhido)

relações jurídicas que rendem


Civil periodicamente, ou seja, o bem principal é Locação e rendimentos.
uma relação jurídica

b.1.2) De acordo com a ligação (física) com o bem principal

Pendentes ainda não foram desligados do bem principal


Percebidos ou
colhidos já foram fisicamente desconectados do bem principal

Percipiendos já deveriam ter sido desligados, mas não o foram

46
Direito Civil 2016 47

já foram desligados, manuseados e encontram-se prontos


Estantes para a comercialização
Consumidos já foram desligados e consumidos, por isso, não existem mais
Essa classificação é importante para a definição dos: direitos de retenção, de
indenização e do dever de restituição, previstos nos Direitos Reais:

DIREITO DE RETENÇÃO DIREITO DE INDENIZAÇÃO

Sobre os frutos Pelo custeio dos frutos


POSSUIDOR DE BOA-FÉ PENDENTES
PERCEBIDOS
Pelo custeio dos frutos
POSSUIDOR DE MÁ-FÉ - PENDENTES
b.2) PRODUTOS
Produtos – utilidades que o bem principal produz, cuja extração prejudica a sua
substância. Não têm periodicidade. Ex.: extração mineral (minério de ferro em relação ao
solo). NÃO RENOVÁVEIS b.3) PERTENÇAS
Alguns autores não atribuem autonomia às pertenças, mas estes são minoria. Pertenças
são sim bens acessórios. Vejamos:
PERTENÇAS são coisas acessórias destinadas a conservar ou facilitar o uso das coisas
principais, sem que dessas sejam partes integrantes (Orlando Gomes), ou seja, não são
partes integrantes, mas agregam algo ao bem principal, condicionando a caracterização
do bem principal, mas que não perdem a sua individualidade.
As PARTES INTEGRANTES são bens que, unidos a um principal, formam com ele um todo,
sendo desprovidos de existência material própria, embora mantenham sua identidade
(passam a ser parte integrante do bem principal).
A Pertença (artigos 93 e 94) tem a particularidade de não seguir o principal (vide art. 94)
Ela é um bem acessório que é posto a serviço do bem principal, mas que se liga a ele sem
condicioná-lo com o principal; ele é o mesmo bem principal sem a pertença. Já era aceita
pela jurisprudência e agora está no código. Exemplos: rádio novo no carro, opcionais no
carro, sem ser parte integrante necessária do carro
Como já dito, NÃO segue o principal, salvo nos casos previstos no artigo 94: Determinação
da lei; Manifestação de vontade; Circunstância do caso: típico caso de boa-fé objetiva;
exemplo: verificar o carro e ver o eqüalizador, o que agrada muito o comprador; o vendedor
não fala nada de que ele não irá com o bem principal; fica claro que o vendedor não poderá,
depois de concretizada a venda, querer retirar o bem sob a alegação de que a pertença não
segue o principal. (arts. 93 e 94) b.4) BENFEITORIAS
Benfeitorias (artigo 96) – obras realizadas pelo homem em um bem que já existe, com o
propósito de conservá-lo, melhorá-lo, ou embelezá-lo. Ex: construir uma casa em um
terreno não é benfeitoria, é acessão; aumentar a garagem de uma casa é benfeitoria.

têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore (§ 3 o.)


Necessárias
situações emergenciais

facilitam o uso da coisa, ou seja, as que aumentam ou facilitam o


Úteis
uso do bem (§ 2o.).

47
Direito Civil 2016 48

são de mero embelezamento ou deleite, que não aumentam o uso


Voluptuárias habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de
elevado valor (§ 1o.).

DIREITO DE DIREITO DE
DIREITO DE LEVANTAR
RETENÇÃO INDENIZAÇÃO

Pelas voluptuárias, se
não trouxer prejuízo
Pelas para a substância do
POSSUIDOR benfeitorias Pelas benfeitorias bem. Salvo se o novo
DE BOA-FÉ necessárias e necessárias e úteis possuidor quiser
úteis indenizar o seu valor
para mantê-las no bem
principal

POSSUIDOR
- benfeitorias necessárias -
DE MÁ-FÉ
Essa classificação é importante para a definição dos: direitos de retenção, de indenização
e do\dever de restituição, previstos nos Direitos Reais:
Não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou acréscimos sobrevindos ao bem sem
a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor.
III- BENS EM RELAÇÃO AO SEU TITULAR
Os bens podem ser públicos ou particulares. BASE: titularidade do domínio.
1) Bens particulares – pertencentes aos particulares.
2) Bens públicos – São públicos os bens de domínio nacional pertencentes às pessoas
jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa
a que pertencerem. Todavia, prevê o Enunciado n. 287 CJF/STJ que “O critério da
classificação de bens indicado no art. 98 do Código Civil não exaure a enumeração dos
bens públicos, podendo ainda ser classificado como tal o bem pertencente à pessoa jurídica
de direito privado que esteja afetado à prestação de serviços públicos”. Os bens públicos
não estão sujeitos a usucapião (artigo 102). Os bens públicos são pertencentes ao poder
público e podem ser: (arts. 98/103)
• De uso comum: não sofrem restrição quanto ao acesso (todo qualquer cidadão pode
usar). Nada impede que se cobre um valor para sua conservação ou utilização, fato
que não o descaracteriza, nos termos do artigo 103. São impenhoráveis e
inalienáveis, enquanto conservar a sua qualificação, na forma que a lei determinar;
e imprescritíveis (Exemplos: rios, mares, estradas, ruas praças. Artigo 99, I)
• De uso especial: pertencentes a um órgão, são utilizados pelo poder público, para
o desempenho da atividade pública. Também são impenhoráveis e inalienáveis,
enquanto afetados, ou seja, enquanto conservarem sua qualificação, na forma que
a lei determinar. Também são imprescritíveis. (Exemplos: edifícios ou terrenos
destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, inclusive de suas
autarquias. Artigo 99, II)
• Bens dominicais: constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público,
como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Fazem parte
do “patrimônio comum” dessas pessoas jurídicas, identificáveis por exclusão. São
48
Direito Civil 2016 49

alienáveis mediante autorização legislativa (artigo 101), imprescritíveis e


impenhoráveis. Artigo 99, III). Não dispondo a lei em contrário, consideram-se
dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se
tenha dado estrutura de direito privado (parágrafo único, artigo 99).
IV - BENS EM RELAÇÃO À SUA SUSCETIBILIDADE DE ALIENAÇÃO
Os bens podem ser alienáveis ou inalienáveis. Os inalienáveis podem ser:
Naturalmente inalienáveis ou inapropriáveis por sua natureza;
Juridicamente inalienáveis ou legalmente inalienáveis: impossibilidade decorre de lei;
Voluntariamente inalienáveis – em decorrência de um ato de vontade. Ex: cláusulas de
inalienabilidade, que, normalmente, vêm acompanhadas da incomunicabilidade e da
impenhorabilidade. Essas cláusulas de inalienabilidade, no Brasil, estão adstritas a casos
de liberalidade. Há quem sustente a inconstitucionalidade dessas disposições porque
estariam limitando a circulação de bens, mas essa posição é minoritária. Alterações sobre
a cláusula:
a) O artigo 1911 incorporou entendimento sumulado pelo STF, que determina que a
cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica
impenhorabilidade e incomunicabilidade. É evidente que o contrário não é verdade.
b) No artigo 1848 está expresso que, salvo se houver justa causa, declarada no
testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade,
impenhorabilidade e incomunicabilidade sobre os bens da legítima. Assim, para gravar a
legítima, o testador tem que declarar a justa causa (casamento com vagabundo, vício em
jogo, incapacidade para gerir os bens).
BEM DE FAMÍLIA
O bem de família pode ser conceituado como o imóvel utilizado como residência da
entidade familiar, decorrente de casamento, união estável, entidade monoparental, ou
entidade de outra origem, protegido por previsão legal específica.
Há dois tipos de bens de família: bem de família voluntário – previsto nos artigos do
CC/02, tratado no direito patrimonial (artigo 1711), como uma limitação patrimonial. bem de
família legal – está previsto na Lei 8009/90, consiste na proteção de um patrimônio mínimo
que deve ser garantido em uma sociedade que defende a dignidade da pessoa humana.
No artigo 3o, há exceções à impenhorabilidade; inclusive há muita discussão sobre a
constitucionalidade dessas exceções.

BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO (arts. 1711/1722 cc)


É aquele constituído por ato de vontade do casal, da entidade familiar ou de terceiro,
mediante registro no Cartório de Imóveis.
São efeitos do registro de bem como sendo de família: Impenhorabilidade; Inalienabilidade
A impenhorabilidade diz respeito às dívidas posteriores ao registro e não atinge dívidas
tributárias e condominiais relativas ao prédio. A inalienabilidade é relativa e pode ser
superada pela manifestação de todos os interessados.
Tal proteção não prevalecerá nos casos de dívidas com as seguintes origens (art.
1.715 do CC): a) dívidas anteriores à sua constituição, de qualquer natureza;
b) dívidas posteriores, relacionadas com tributos relativos ao prédio, caso do IPTU
(obrigações propter rem ou ambulatórias);
c) despesas de condomínio (outra típica obrigação propter rem ou ambulatória), mesmo
posteriores à instituição.
O valor do bem de família voluntário não pode ultrapassar o teto de um terço do patrimônio
líquido dos instituidores.

49
Direito Civil 2016 50

Poderão integrar a instituição do bem de família voluntário valores mobiliários ou


rendas. A dissolução da sociedade conjugal, por divórcio, morte, inexistência, nulidade ou
anulabilidade do casamento, não extingue o bem de família convencional.
Por fim, enuncia o art. 1.722 do CC que se extingue o bem de família convencional com a
morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos à curatela.
BEM DE FAMÍLIA LEGAL (Lei 8.009/90)
Consagrado pela Lei 8009/90, que, segundo o STJ, pode ser aplicada até mesmo em face
de penhoras anteriores à sua vigência (Súmula 205), este tipo de bem de família traduz
uma proteção automática da lei (impenhorabilidade do imóvel residencial),
independentemente de escritura ou registro cartorário.
A lei 8009/90 não estipula qualquer inalienabilidade e nem mesmo de patrimônio líquido
mínimo para sua estipulação, até mesmo por que é a própria lei que estipula a
impenhorabilidade independente de registro.
Em regra, a impenhorabilidade somente pode ser reconhecida se o imóvel for utilizado para
residência ou moradia permanente da entidade familiar, não sendo admitida a tese do
simples domicílio (art. 5.º, caput, da Lei 8.009/1990). O Superior Tribunal de Justiça, editou
a Súmula 486 do STJ, in verbis: “É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que
esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a
subsistência ou a moradia da sua família”.
A proteção é ampla. Porém, o STJ, mitigando o alcance hermenêutico do parágrafo único
do artigo 1º, tem admitido desmembramento do imóvel para efeito de penhora.
No que tange a vaga de garagem, o STJ já firmou entendimento no sentido de que a vaga
de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família
para efeito de penhora (S. 449).
Caso o indivíduo possua mais de uma residência, a proteção recairá sobre a de menor
valor, como também é possível que haja desmembramento do único imóvel.
O art. 3.º da Lei 8.009/1990 consagra exceções à impenhorabilidade, a saber:
a) Créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições
previdenciárias (STJ, REsp 644.733/SC, Rel. Min. Francisco Falcão, Rel. p/ o Acórdão
Min. Luiz Fux, 1.ª Turma, j. 20.10.2005, DJ 28.11.2005, p. 197). O Ministro Luiz Fux
entendeu que trabalhadores meramente eventuais como diarista, eletricista ou pintor não
podem se valer da exceção para penhora do bem de família. ATENÇÃO: O art. 46 da LC
150/2015 (DOU de 02/6/2015, com vigência imediata) revogou o inciso I do art. 3º da Lei nº
8009/90. Desse modo, atualmente, o bem de família não pode mais ser penhorado para
pagamento de dívidas de trabalhadores da própria residência e das respectivas
contribuições previdenciárias8.
b) Pelo titular do crédito decorrente de financiamento destinado à construção ou
aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos decorrentes do contrato.
c) Pelo credor de pensão alimentícia, seja ela decorrente de alimentos
convencionais, legais (de Direito de Família) ou indenizatórios (REsp 1.186.225-RS,
Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 4/9/2012). A respeito dos alimentos indenizatórios, a
questão não é pacífica e não se inclui entre tais débitos alimentares os honorários
advocatícios.
d) Para a cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas
em relação ao imóvel familiar. Quando há menção às contribuições relativas ao imóvel,

8
Dizer o Direito (LC 150/2015 proíbe penhora de bem de família para pagamento de dívidas trabalhistas ou
previdenciárias do empregador com empregadas domésticas): “O art. 46 da LC 150/2015, que revogou o inciso I do
art. 3º da Lei n.°8.009/90, é uma norma de caráter processual. As normas processuais têm aplicação imediata aos
processos em curso (art. 1.211 do CPC 1973) (art. 1.046 do CPC 2015). Aplicação imediata, contudo, não se confunde
com aplicação retroativa. Em outras palavras, a lei processual aplica-se imediatamente aos processos em
50
Direito Civil 2016 51

segundo a jurisprudência, estão incluídas as dívidas decorrentes do condomínio, mas não


se aplica no caso de dívidas de associações de moradores em condomínios fechados de
casas.
e) Para a execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo
casal ou pela entidade familiar. O STJ tem afastado a penhora do bem de família nos
casos de hipoteca oferecida por membro da entidade familiar, visando garantir dívida de
sua empresa individual.
f) No caso de o imóvel ter sido adquirido como produto de crime ou para a
execução de sentença penal condenatória de ressarcimento, indenização ou
perdimento de bens.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO À IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍ-
LIA.
No âmbito de execução de sentença civil condenatória decorrente da
prática de ato ilícito, é possível a penhora do bem de família na
hipótese em que o réu também tenha sido condenado na esfera penal
pelo mesmo fundamento de fato. (...) Nesse contexto, pode-se
concluir que o legislador optou pela prevalência do dever do infrator
de indenizar a vítima de ato ilícito que tenha atingido bem jurídico
tutelado pelo direito penal e que nesta esfera tenha sido apurado,
sendo objeto, portanto, de sentença penal condenatória transitada em
julgado. Dessa forma, é possível afirmar que a ressalva contida no
inciso VI do art. 3º da referida lei somente abrange a execução de
sentença penal condenatória — ação civil ex delicto —, não
alcançando a sentença cível de indenização, salvo se, verificada a
coexistência dos dois tipos, as decisões tiverem o mesmo fundamento
de fato. Precedente citado: REsp 209.403-RS, Terceira Turma, DJ
5/2/2001. REsp 1.021.440-SP, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, julgado em
2/5/2013.
g) Por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação de imóvel
urbano, exceção que foi introduzida pelo art. 82 da Lei 8.245/1991. O STF, a respeito da
possibilidade de penhora de bem de família de fiador em contrato de locação: (AI-AgR
666879 / SP - SÃO PAULO AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTORelator(a): Min.
EROS GRAUJulgamento: 09/10/2007 Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação DJE-
147 DIVULG 22-11-2007 PUBLIC 23-11-2007).
Recentemente, o STJ editou a Súmula nº 549 “É válida a penhora de bem de família
pertencente a

curso, mas não retroage para alcançar atos processuais validamente praticados antes de sua vigência.
(…) Apesar de acreditar que a posição acima é a mais acertada, reconheço que ela não deverá ser adotada
pela jurisprudência. Isso porque o tema não é novo e já foi enfrentado quando a Lei n.° 8.009/90 foi editada,
tendo o STJ afirmado que esta lei teve incidência imediata, cancelando as penhoras que já tinham sido
realizadas. Nesse sentido, foi aprovado, inclusive, um enunciado com a seguinte redação: Súmula 205-STJ:
A Lei 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência. Assim, é firme o entendimento consagrado
no STJ no sentido de que a Lei n.° 8.009/90 ao entrar em vigor e considerar impenhoráveis os bens de família,
teve eficácia imediata, atingindo os processos judiciais em andamento, motivo pelo qual o STJ entendeu, na
época, que deveriam ser canceladas as penhoras efetuadas antes de sua vigência (REsp 63.866/SP, Rel.
Min. Vicente Leal, julgado em 17/05/2001). ”
fiador de contrato de locação.” (Informativo nº 571/2015).
- o STF também entende que a proteção da Lei 8.009/90 aplica-se mesmo a penhoras
determinadas antes da vigência da referida lei, eis que a penhora é fase do procedimento
de expropriação do bem, ou seja, enquanto não ocorrer a expropriação (alienação) do
51
Direito Civil 2016 52

imóvel penhorado, o ato não se concretizou, sendo possível a incidência da norma protetiva.
(RE 497850 /
SP - SÃO PAULO – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – 26/04/2007)
O STJ, no caso de indicação de bem a penhora, vem entendendo que tal simples indicação
não implicaria em renúncia ao benefício da impenhorabilidade do bem de família. Isso não
seria possível no caso de hipoteca, devido a expressa previsão legal.
O STJ já sumulou o entendimento (Súmula 364) no sentido de que o devedor solteiro
também goza da proteção do bem de família.
O Superior Tribunal de Justiça entendeu recentemente que o rol das exceções à proteção
do bem de família é meramente exemplificativo (numerus apertus). Em julgado do ano de
2012, acabou por deduzir a Corte que a proteção da citada impenhorabilidade não pode
prevalecer nos casos em que o devedor atua de má-fé, alienando todos os seus bens e
fazendo restar apenas o imóvel de residência (STJ, REsp 1.299.580/RJ, 3.ª Turma, Rel.
Min. Nancy Andrighi, j. 20.03.2012).
DECISÕES -
IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA.
A exceção prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1991, que deve ser
interpretada restritivamente, somente atinge os bens que foram dados
em garantia de dívidas contraídas em benefício da própria família. No
caso, a hipoteca foi constituída em garantia de dívida de terceiro, o
que não afasta a proteção dada ao imóvel pela lei que rege os bens
de família. Precedentes citados:REsp 268.690-SP, DJ 12/3/2001;
REsp 1.022.735-RS, DJe 18/2/2010, e AgRg no AgRg no Ag
1.094.203-SP, DJe 10/5/2011. REsp 997.261-SC, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, julgado em 15/3/2012. 4ª Turma.
PENHORA. NUA PROPRIEDADE. IMÓVEL UTILIZADO COMO
RESIDÊNCIA DA GENITORA DO DEVEDOR. BEM DE FAMÍLIA
A Turma firmou o entendimento de que a nua propriedade é suscetível
de constrição judicial, salvo se o imóvel do executado for considerado
bem de família. Na hipótese dos autos, a proteção conferida pela Lei
n. 8.009/1990 foi estendida ao imóvel do nu-proprietário (executado),
onde reside sua genitora na condição de usufrutuária vitalícia.
Segundo se asseverou, a Constituição Federal alçou o direito à
moradia à condição de desdobramento da própria dignidade humana.
Em especial atenção ao idoso conferiu-lhe expectativa de moradia
digna no seio da família natural, situando-o, por conseguinte, como
parte integrante desse núcleo familiar. Assim, quer por considerar a
genitora do nu-proprietário como membro dessa entidade familiar,
quer por vislumbrar o devido amparo à mãe idosa – pois o
nuproprietário habita com sua família direta outro imóvel alugado –
reputouse devidamente justificada a proteção legal ao imóvel em
questão. REsp 950.663-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado
em 10/4/2012. 4ª Turma.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LIMITES À IMPENHORABILIDADE
DO BEM DE FAMÍLIA NO CASO DE IMÓVEL RURAL.
Tratando-se de bem de família que se constitua em imóvel rural, é
possível que se determine a penhora da fração que exceda o
necessário à moradia do devedor e de sua família. É certo que a Lei
8.009/1990 assegura a impenhorabilidade do imóvel residencial
52
Direito Civil 2016 53

próprio do casal ou da entidade familiar. Entretanto, de acordo com o


§ 2º do art. 4º dessa lei, quando “a residência familiar constituir-se em
imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia,
com os respectivos bens móveis”. Assim, devese considerar como
legítima a penhora incidente sobre a parte do imóvel que exceda o
necessário à sua utilização como moradia. REsp 1.237.176-SP, Rel.
Min. Eliana Calmon, julgado em 4/4/2013.
PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA PERTENCENTE A
FIA-
DOR. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-
STJ).
É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a fiador
de contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, VII, da Lei
8.009/1990.
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de
execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza,
salvo se movido: (…)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de
locação.
(…) Convém ressaltar que o STF assentou a constitucionalidade do
art. 3º, VII, da Lei 8.009/1990 em face do art. 6º da CF, que, a partir
da edição da Emenda Constitucional 26/2000, incluiu o direito à
moradia no rol dos direitos sociais.
AFASTAMENTO DA PROTEÇÃO DADA AO BEM DE FAMÍLIA.
Deve ser afastada a impenhorabilidade do único imóvel pertencente
à família na hipótese em que os devedores, com o objetivo de proteger
o seu patrimônio, doem em fraude à execução o bem a seu filho menor
impúbere após serem intimados para o cumprimento espontâneo da
sentença exequenda.
Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou
oneração de bens: (…)
II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o
devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;
(…) a doação feita a menor impúbere, nas circunstâncias ora em
análise, além de configurar tentativa de fraude à execução,
caracteriza abuso de direito apto a afastar a proteção dada pela Lei
8.009/1990. Com efeito, nenhuma norma, em nosso sistema jurídico,
pode ser interpretada de modo apartado aos cânones da boa-fé.
Nota: Tema polêmico. A 1ª e a 4ª turma do STJ possuem
entendimento diverso, a saber: “Não há fraude à execução na
alienação de bem impenhorável nos termos da Lei n.º 8.009/90, tendo
em vista que o bem de família jamais será expropriado para satisfazer
a execução, não tendo o exequente nenhum interesse jurídico em ver
essa alienação considerada ineficaz.
DCC - CARACTERIZAÇÃO COMO BEM DE FAMÍLIA DO ÚNICO
IMÓVEL RESIDENCIAL DO DEVEDOR CEDIDO A FAMILIARES.
53
Direito Civil 2016 54

Constitui bem de família, insuscetível de penhora, o único imóvel


residencial do devedor em que resida seu familiar, ainda que o
proprietário nele não habite.
(…) A circunstância de o devedor não residir no imóvel não constitui
óbice ao reconhecimento do favor legal. Observe que o art. 5º da Lei
8.009/1990 considera não só a utilização pelo casal, geralmente
proprietário do imóvel residencial, mas pela entidade familiar. Basta
uma pessoa da família do devedor residir para obstar a constrição
judicial.
Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei,
considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela
entidade familiar para moradia permanente. (…)
Nota: A Lei n. 8.009/90 protege, em verdade, o único imóvel
residencial de penhora. Se esse imóvel encontra-se cedido a
familiares, filhos, enteados ou netos, que nele residem, ainda continua
sendo bem de família.

2.3 NEGÓCIO JURÍDICO


Fatos jurídicos são todos os acontecimentos que, de forma direta ou indireta, produzam
efeito jurídico. Admite-se a existência de fatos jurídicos em sentido amplo, que
compreendem tanto os fatos naturais (sem interferência do homem), como os fatos
humanos, relacionados com a vontade humana.
O fato jurídico se caracteriza pela produtividade de efeitos jurídicos, distinguindo-se do fato
material, que não os produz, não estando acobertado pela coercibilidade.
Definição e classificação dos Fatos jurídicos:
a) Fato jurídico- consiste em uma ocorrência que interessa ao Direito, ou seja, que tenha
relevância jurídica. O fato jurídico lato sensu pode ser natural, denominado fato jurídico
stricto sensu (o qual pode ser ordinário ou extraordinário) ou pode ser humano- fato
jurígeno. Fato jurídico = fato + Direito.
b) Ato Jurídico – fato jurídico com elemento volitivo e conteúdo lícito. Parta de doutrina
(Flávio Tartuce, Zeno Veloso, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho) entende
que ato ilícito não é jurídico, por ser antijurídico (contra o direito). Pontes de Miranda e José
Carlos Moreira Alves sustentam que ato ilícito também é jurídico.
c) Negócio jurídico- Negócio jurídico, expressão maior da autonomia privada, consiste
em uma declaração de vontade por meio da qual o agente atinge os efeitos jurídicos que a
sua liberdade persegue. Essa autonomia privada é condicionada por parâmetros de ordem
pública e pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva.
d) Ato Jurídico stricto sensu- objetivo de mera realização da vontade do titular de um
determinado direito, os efeitos da manifestação de vontade estão predeterminados pela lei.
e) Ato-fato jurídico ou ato real- é um fato jurídico qualificado por uma vontade não
relevante juridicamente em um primeiro momento, mas que se releva relevante por seus
efeitos. Ex: alguém encontra um tesouro sem querer.
f) Ato ilícito: acontecimento produzido exclusivamente pela vontade humana, contrário
ao ordenamento jurídico. Não deixa de ser uma espécie de fato jurídico (em sentido amplo),
pois produz efeitos jurídicos.
2.3.1 CONCEITO
Negócio jurídico – é toda emissão de vontade em harmonia com o ordenamento jurídico
com o objetivo de criar, modificar ou extinguir relações ou situações jurídicas. O negócio
jurídico é o instrumento pelo qual atua a autonomia privada. Pra Venosa, negócio jurídico é

54
Direito Civil 2016 55

“ toda conduta humana com intenção específica de gerar efeitos jurídicos ao adquirir,
resguardar, modificar ou extinguir direitos.
Observe-se que enquanto o Código Civil adotava a teoria unitária do ato jurídico (sistema
francês), não fazendo distinção entre o ato e o negócio jurídico, o Código Civil de 2002
adotou a teoria dualista (sistema alemão), distinguindo, explicitamente, os atos jurídicos
stricto sensu dos negócios jurídicos, dada a autonomia conceitual de cada espécie.
O NCC, ao contrário do negócio jurídico (arts. 104 a 184), não tratou especificamente do
ato jurídico em sentido estrito, dispondo em seu art. 185 que “Aos atos jurídicos lícitos, que
não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior”.
NEGÓCIOS JURÍDICOS (TEORIAS) – durante muito tempo, a doutrina se digladiou sobre
as teorias que explicam a existência do negócio jurídico. São duas as teorias (Antônio
Junqueira de Azevedo): VOLUNTARISTA – defende que o núcleo do negócio é a vontade
interna. É a vontade de produção dos efeitos. Foi a que mais influenciou o direito brasileiro
(artigo 112), porque há uma regra interpretativa que favorece a intenção.
OBJETIVISTA – defende que o núcleo do negócio é a vontade externa, ou seja, a vontade
declarada e não o que a pessoa pensou. Em eventual debate entre a vontade e a
declaração, há predominância da declaração objetiva sobre a vontade subjetiva. Teoria
oposta à teoria voluntarista é a teoria objetiva denominada por Scognamiglio de TEORIA
PRECEPTIVA (preceito da autonomia privada dirigido a interesses concretos próprios de
quem o estabelece), são seguidores dessa teoria: BULLOW, HENLE, LARENZ e BETTI.
Para essa teoria o negócio jurídico constitui um comando concreto ao qual o ordenamento
jurídico reconhece eficácia vinculante. Por outro lado, existe a TEORIA NORMATIVISTA
(KELSEN) que reconhece o negócio jurídico como fato criador do Direito. Há previsão nos
Códigos francês, espanhol e italiano de que os negócios jurídicos têm força normativa
(Planiol). Orlando Gomes expõe que o Princípio da Força Obrigatória consubstancia-se na
regra de que o contrato é lei entre as partes.

QUADRO-RESUMO:
FATO NÃO : Sem conseqüência jurídica
JURÍDICO
FATO JURÍDICO
Com conseqüência jurídica.Todo acontecimento natural
FATO ou humano que determina a produção de efeitos na
Qualquer acontecimento da vida (voluntário ou natural) órbita
jurídica, ou seja, tem conseqüência jurídica.
Acontecimento hábil a modificar, criar ou extinguir
direitos. Que seja
relevante para o Direito

2.3.2 Classificação dos negócios jurídicos:


1) Quanto às vantagens que produzem:
GRATUITOS, nos quais só uma das partes aufere benefícios e outra um prejuízo (doação),
e ONEROSOS, em que os sujeitos visam, reciprocamente, a obtenção de vantagens. Há
benefícios e sacrifícios para ambas as partes. Os negócios jurídicos onerosos se
dividem em comutativos, em que há um equilíbrio subjetivo entre as prestações, sendo
elas equivalentes e certas (compra e venda), e aleatórios, aqueles em que uma das
prestações está subordinada a evento futuro e incerto, a “álea”, enquanto a outra já é certa
e determinada (contrato de seguro).
Há mais duas outras modalidades: a) Negócios jurídicos neutros – aqueles em que
não há uma atribuição patrimonial determinada, caso da instituição de um bem de família
voluntário ou convencional (arts. 1.711 a 1.722 do CC). b) Negócios jurídicos bifrontes –
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Direito Civil 2016 56

aqueles que tanto podem ser gratuitos como onerosos, o que depende da intenção das
partes. Exemplos: depósito e mandato, que podem assumir as duas formas.
2)Quanto às formalidades:
Solenes, se requerem para sua existência forma especial prescrita em lei (testamento), e
nãosolenes, se não exigirem forma legal para sua efetivação (compra e venda de bem
móvel). Nos termos do art. 107, são regra em nosso ordenamento jurídico.
3) Quanto ao conteúdo:
PATRIMONIAIS, se versarem sobre questões suscetíveis de aferição econômica;
EXTRAPATRIMONIAIS, se atinentes aos direitos personalíssimos e ao direito de família.
4) Quanto ao número e sentido da manifestação da vontade:
UNILATERAIS, se a declaração provier de um ou mais sujeitos, desde que estejam na
mesma direção colimando um único objetivo. Subdividem-se em receptícios, se os seus
efeitos só se produzirem após o conhecimento da declaração pelo destinatário, e não-
receptícios, se sua efetivação independer do endereço a certo destinatário; Testamento,
promessa de recompensa. BILATERAIS, quando a declaração volitiva emanar de duas ou
mais pessoas, coincidentes sobre o objeto, mas em sentidos opostos. Podem ser simples,
quando concederem benefício a uma das partes e encargo à outra, e sinalagmáticos,
quando conferirem vantagens e ônus a ambos os
sujeitos;
PLURILATERAIS: são os atos que envolvem mais de duas partes, com declarações no
mesmo sentido, como o contrato social de constituição de sociedade com mais de dois
sócios. 5) Quanto ao tempo em que produzem efeitos: em inter vivos e mortis causa.
6) Quanto aos seus efeitos:
CONSTITUTIVOS, se sua eficácia operar-se ex nunc; DECLARATIVOS, aqueles em que
a eficácia é ex tunc.
7) Quanto à sua existência:
PRINCIPAIS, se existirem por si mesmos; ACESSÓRIOS, se sua existência subordinar-se
à dos principais.
8) Quanto ao exercício dos direitos:
Em negócios de DISPOSIÇÃO, se implicarem o exercício de amplos direitos sobre o objeto
(doação), e de simples ADMINISTRAÇÃO, se concernentes ao exercício de direitos
restritos sobre o objeto, sem que haja alteração em sua substância (locação de uma casa).
9) Quanto às condições pessoais especiais dos negociantes:
Negócios jurídicos impessoais – não dependem de qualquer condição especial dos
envolvidos (v.g., compra e venda).
Negócios jurídicos personalíssimos ou intuitu personae – dependentes de uma
condição especial de um dos negociantes. Exemplo: contratação de um pintor com arte
única para fazer um quadro.
10) Quanto à sua causa determinante:
Negócios jurídicos causais ou materiais – o motivo consta expressamente do seu
conteúdo como ocorre, por exemplo, em um termo de divórcio.
Negócios jurídicos abstratos ou formais – aqueles cuja razão não se encontra inserida
no conteúdo, decorrendo dele naturalmente. Exemplo: termo de transmissão de
propriedade.
11) Quanto ao momento de aperfeiçoamento:
Negócios jurídicos consensuais – geram efeitos a partir do momento em que há o acordo
de vontades entre as partes, como ocorre na compra e venda pura.
Negócios jurídicos reais – são aqueles que geram efeitos a partir da entrega do objeto.
Exemplos: comodato e mútuo, que são contratos de empréstimo.

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Direito Civil 2016 57

NEGÓCIO FIDUCIÁRIO é aquele em que alguém transfere a propriedade ou titularidade de


um bem ou direito a outra pessoa, para determinado fim, com a obrigação de restituí-la ou
transmiti-la a terceiro.
2.3.3 PLANOS DO NEGÓCIO JURÍDICO: EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA
Não é possível compreender o negócio jurídico, senão a partir de seus diferentes planos:
existência, validade e eficácia. Como esclarece Junqueira de Azevedo, “plano de existência,
plano de validade e plano de eficácia são os três planos nos quais a mente humana deve
sucessivamente examinar o negócio jurídico, a fim de verificar se obtém plena realização”.
São os três andares da Escada Ponteana, conforme ressalta Tartuce.
PLANO DA EXISTÊNCIA: relativo ao ser, isto é, sua estruturação, de acordo com a
presença de elementos básicos, fundamentais para que possa ser admitido.
PLANO DA VALIDADE: diz respeito à análise dos requisitos em conformidade com a
ordem jurídica, para afirmar a aptidão do negócio para produzir efeitos
O plano da validade engloba os elementos necessários para a validade, sendo o rol
abaixo mais complexo do que o previsto no artigo 104 CC/02 (que não menciona a
manifestação de vontade), basta pegar os elementos da existência e qualificá-los:
a) manifestação da vontade exteriorizada conscientemente, de forma livre e
desembaraçada – deve ser totalmente livre e de boa-fé. Os defeitos ou vícios do negócio
jurídico interferem no ato jurídico no plano de validade, por impedir a manifestação livre e
de boa-fé.
A manifestação pode ser expressa (escrita, oral ou gestual) ou tácita (muito em voga com
o direito do consumidor); ela é inferida de um comportamento, podendo a vontade ser
manifestada através de um comportamento contundente, ou seja, comportamento que leve
à conclusão de que o indivíduo pretende alcançar os efeitos do negócio,
O SILÊNCIO, via de regra, não representa manifestação da vontade, mas em alguns casos
(excepcionalmente) pode representar. O puro silêncio só vale se a lei assim o determinar,
ou se vier acompanhado de outros fatores externos. (ART. 111 CC).Há casos em que o
silêncio equivale à aceitação (ex.: notificação, no prazo de até 30 dias, feita pelo credor ao
herdeiro, para saber se ele aceitou ou não a herança).
b) AGENTE CAPAZ – o agente deve ser capaz e legitimado para a prática do negócio
jurídico. (ART.
105 cc)
c) OBJETO LÍCITO, POSSÍVEL, DETERMINADO OU DETERMINÁVEL – o objeto deve
ser lícito, possível e determinado ou determinável. Em direito civil, considera-se lícito não
apenas o que é legal, mas, também, o que é moral, dentro de uma moral de um homem
médio. Exemplo: a atividade da prostituição não é crime (casa de prostituição é), o contrato
celebrado entre a prostituta e o cliente é existente, mas o contrato é inválido, porque não
tem um objeto lícito. (art.
106 CC)
Lícito é o que não contraria a LEI, a MORAL ou os BONS COSTUMES.
A possilidade deve ser verificada sob os aspecto FÍSICO e JURÍDICO.
Determinado ou determinável – sob pena de se prejudicar não apenas a validade, mas
também a executoriedade da avença. Todo objeto deve, pois, conter elementos mínimos
de individualização que permitam caracterizá-lo. P.ex. obrigar-se a entregar um carro,
qualquer um, a cláusula é nula, porque, não é determinável, determinável seria dizer que
entregaria um carro de sua frota.
d) FORMA PRESCRITA OU NÃO DEFESA EM LEI – é a forma prescrita em lei. No CC/02,
há a previsão de liberdade de forma (art. 107). Quando a lei prescrever determinada forma

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Direito Civil 2016 58

como requisito de validade, o negócio será solene ou formal. EXEMPLO: artigo 1089. Não
há liberdade negocial em relação à forma quando haja determinação da lei.
A exigência de formas especiais se justifica quando os bens em questão sejam importantes,
garantindo a liberdade de manifestação de vontade da parte e facilitando a prova do negócio
jurídico.
Observações:
Negócio jurídico formal é feito por qualquer instrumento, não somente o instrumento de
escritura pública, ou seja, ele pode ser feito por instrumento particular, mas permanece com
a característica de solenidade (ex.: fiança deve ser escrita);
A lei pode prever mais de uma forma para o negócio jurídico, p. ex., testamento pode ser
feito ordinariamente, como testamento público, testamento particular ou testamento
cerrado. Por vezes, a lei exige uma forma para a prova do negócio jurídico, mas não a
considera como substância do negócio jurídico, p. ex.:
a) Artigo 401, CPC, os negócios jurídicos que envolvam valores maiores que 10 vezes o
SM somente ser provados por escrito.
b) Artigo 758, CC, o seguro é um negócio jurídico que somente pode ser provado pela
apólice, pelo bilhete do seguro ou pelo recibo de pagamento do prêmio.
2.3.4 INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
A interpretação foi um tema pouco explorado pelo novo CC/02 (artigos 112 a 114)
A declaração de vontade foi privilegiada, mas não acima de tudo. É preciso se atentar à
intenção do agente, que deve de alguma maneira ter se manifestado na declaração. O art.
112 abandonou a Teoria Pura da Vontade. O NCC conseguiu um equilíbrio entre as
Teorias da vontade e da Declaração, agora, é aplicada a Teoria da Auto-
Responsabilidade, que consiste no prestígio da vontade (ainda é uma mola propulsora),
atribuindo a responsabilidade do emissor dessa vontade, mas deve-se procurar um lastro
na declaração.
Essa regra de interpretação é objetiva. A boa-fé que se fala aqui é a OBJETIVA, que em
cada livro do CC se renova; ela é uma regra de conduta, um padrão de comportamento leal,
o que se espera de pessoas leais e solidárias. Ela é objetiva porque, para verificar se
alguém está de boa-fé ou não, não importa mais o que está na cabeça do agente, basta a
verificação se sua conduta está adequada ou não ao padrão objetivo ideal. Trata-se de uma
manifestação do Princípio da Eticidade. A boa-fé objetiva desempenha várias funções no
CC, e aqui está funcionando como uma regra interpretativa. Entendimento predominante:
sempre deve ser feita a interpretação com os aspectos subjetivos, não dando certo, parte-
se para os aspectos objetivos, (Godoy discorda, acredita que as duas formas de
interpretação devem coexistir). (art. 114, cc)
RESERVA MENTAL (art. 110, CC)
Parte da doutrina entende que é um vício do negócio jurídico (artigo 110). É uma proposital
divergência entre a vontade interna e a vontade declarada, assim, o indivíduo reserva
mentalmente o que quer; a manifestação da vontade não coincide com a real vontade do
sujeito. Ressalte-se que o CC fala que o negócio jurídico é válido (SUBSISTE).
Não se trata de dolo porque não obriga ninguém a celebrar o negócio jurídico, ou seja, não
há ninguém induzido a erro. Existem duas pessoas celebrando um negócio jurídico e UMA
delas manifesta algo diferente do que realmente quer. Está no plano da manifestação da
vontade. Se a RESERVA MENTAL não for conhecida do destinatário, ela não tem

9
STJ, Informativo nº 562/2015:
PREVALÊNCIA DO VALOR ATRIBUÍDO PELO FISCO PARA APLICAÇÃO DO ART. 108 DO CC.
Para a aferição do valor do imóvel para fins de enquadramento no patamar definido no art. 108 do CC – o qual exige
escritura pública para os negócios jurídicos acima de trinta salários mínimos –, deve-se considerar o valor atribuído pelo
FISCO, e não o declarado pelos particulares no contrato de compra e venda.
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Direito Civil 2016 59

relevância. Somente terá relevância se for do conhecimento do destinatário. Se a outra


parte aderir, poderá haver a simulação.
Exemplo: casamento para regularização em país estrangeiro, sendo que um dos cônjuges
não sabia dessa intenção, assim, o casamento é válido, mas se os dois sabiam, haveria
invalidade do ato (não é simulação, porque para isso teria que haver a intenção das duas
partes).
O CC/02 tratou como um problema de manifestação em que pese a posição da doutrina
como vício.

A reserva mental pode ser dos seguintes tipos:


1) Conhecida: o outro contratante sabe da reserva mental e adere a ela. Esse ato é
equiparado à simulação. Existe doutrina minoritária (min. Moreira Alves), a entender que
enquanto a reserva estiver escondida, o negócio é mantido, mas quando a outra parte
conhece, o negócio jurídico é INEXISTENTE. Pablo discorda dessa posição, porque não é
vício que será verificado no plano da existência.
2) Desconhecida: o outro contratante desconhece a reserva mental. O ato é existente e
subsiste, ou seja, não é capaz de anular o negócio jurídico.
2.3.5 REPRESENTAÇÃO
Está relacionada à incapacidade, servindo como instrumento jurídico, por meio do qual,
alguém fale juridicamente, em nome de outra pessoa, ou seja, o vínculo jurídico é criado
para o representado.
O CC pretendeu traçar um regramento genérico que se aplica à representação. Ela pode
ser:
• Legal (tutela, curatela, pais representando filhos)
• Convencional (procuração)
O artigo 120, CC/02 afirma que a parte geral só serve para a representação legal (já não
se utiliza a parte geral, lá na específica já tem tudo previsto), seria somente útil na
representação convencional.
Pelo artigo 116, se atuar fora de seus poderes, estará atuando ultra vires e aí não vincula
o representado. O representado somente se vincula pelo ato do representante, se este
houver atuando dentro de seus poderes.
Se for legal, a lei estabelecerá quais são os limites de atuação do representante; se for
convencional, o instrumento escrito (procuração) estabelecerá quais são esses poderes.
Exceção: somente em um caso o representado se vincula pela manifestação do
representante, mesmo este atuando ULTRA VIRES: REPRESENTAÇÃO PUTATIVA, que
muito excepcionalmente pode ocorrer no caso de representação voluntária, p. ex.,
procuração feita sem o conhecimento do representado, porque assinou folha em branco;
assim, é preciso que o representado tenha de alguma forma contribuído para o ato, como
no exemplo, assinou folha em branco.
Imprecisão técnica cometida pelos dois CC: A procuração é o instrumento do mandato, isso
está errado porque o mandato pode ser até mesmo verbal, na verdade, a procuração é
instrumento da representação.
A regra do artigo 119 não pode ser confundida com a hipótese do artigo 116. Pelo art. 119,
o representante age de acordo com os poderes que lhe foram outorgados, mas está em
desacordo com os interesses do representado (aquele negócio jurídico, naquela situação e
condições) – há conflito de interesses.
O representado fica plenamente vinculado, havendo somente uma pretensão indenizatória
de sua parte contra o representante. Mas se o terceiro sabia do conflito de interesse com o
representado, caberá o pedido de anulação, no prazo de 180 dias a contar da celebração
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Direito Civil 2016 60

do negócio jurídico. Por outro lado, a regra do artigo 117 estabelece que, salvo se o permitir
a lei ou o representado, é ANULÁVEL o negócio jurídico que o representante, no seu
interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo. Para esse efeito, tem-se como
celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes
houverem sido estabelecidos.
2.3.6 CONDIÇÃO, TERMO E ENCARGO
O plano da eficácia estuda os elementos acidentais dos negócios jurídicos: CONDIÇÃO,
TERMO, MODO ou ENCARGO, que são fatores que interferem na eficácia dos negócios
jurídicos.
PLANO DA EFICÁCIA
Eficácia: A eficácia é verificada em nível superior, ou seja, somente depois que o negócio
existe, somente depois de válido. Ou seja, a análise no plano da eficácia exige que o
negócio seja existente e válido.
Em que pese a distinção entre atos ineficazes e inválidos, vale registrar que os atos ou
negócios anuláveis serão eficazes até que lhes seja decretada a anulação, tanto é que o
negócio pode ser convalidado pelo decurso do tempo.
Observe-se, entretanto, que em algumas hipóteses (raras), os atos jurídicos nulos também
produzem efeitos, como por exemplo, o casamento putativo. Assim, nos termos do artigo
156110. No plano da eficácia, há distinção entre os atos jurídicos stricto sensu e os negócios
jurídicos, conforme leciona Francisco Amaral: Quanto aos efeitos, no ato jurídico em sendo
estrito é a própria lei a determiná-los, enquanto no negócio jurídico é a vontade dos
particulares.
No que concerne ao plano de eficácia, devem ser aplicadas as normas incidentes no
momento da produção de seus efeitos (“mas os seus efeitos, produzidos após a vigência
deste Código, aos preceitos dele se subordinam” – questões relativas à condição, ao termo,
aos juros, às multas, às perdas e danos, à rescisão contratual e ao regime de bens de
casamento: aplicam-se as regras do CC de 2002.)
ELEMENTOS ACIDENTAIS (ou MODALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO)
CONDIÇÃO (arts. 121 a 130 CC)
É o acontecimento FUTURO e INCERTO, que subordina a produção dos efeitos de um
negócio jurídico. Ou seja, é sempre designada por um SE nos negócios jurídicos. Essa
condição é a chamada CONDIÇÃO PRÓPRIA, porque resulta de uma convenção das
partes. Há as condições impróprias, que já fazem parte integrante da natureza do negócio
jurídico; exemplo: o testamento somente terá eficácia de transmissão causa mortis se o
de cujus morrer antes do beneficiário.
Há negócios jurídicos que não podem ser subordinados a nenhuma espécie de
condição, que somente é cabível em negócios patrimoniais. Sendo assim, não é cabível
condição:
• Celebração de casamento
• Adoção de filho
• Reconhecimento de filho
• Aceitação ou renúncia de herança CLASSIFICAÇÃO DAS CONDIÇÕES

Condições possíveis e impossíveis

10
Art. 1561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento em relação a estes
como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.

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Direito Civil 2016 61

CONDIÇÕES CONSEQUÊNCIA

POSSÍVEIS VÁLIDAS

Quando o evento subordinador (futuro e incerto) for


inalcançável para qualquer pessoa, do ponto de vista
FISICAMEN
físico.
TE EXEMPLO: tocar a mão na lua com um pulo (exemplo
absurdo).
No CC/16, previa nesse item todas as condições que
encontrassem um obstáculo da lei, fosse uma afronta
direta, ou mero desrespeito a um requisito legal, no
estabelecimento da condição.
Havia uma mistura com as situações nas quais o próprio
evento futuro e incerto era ilícito, o que já não ocorre no
novo CC. Misturando no mesmo conceito os dois tipos de
ilicitude da condição: do evento em si próprio (matar
alguém) e da condição específica no caso concreto
IMPOSSÍVEIS (adotar com diferença de idade inferior a 16 anos).

JURIDICAM No CC/02, estabelece que o evento futuro e incerto,


ENTE em si mesmo, é LÍCITO; mas, no caso concreto, falta-
lhe requisito específico;
EXEMPLO: alugar o imóvel se for adotada uma criança, a
adoção em si é um evento perfeitamente lícito; mas, se a
condição for adotar um menor com diferença de idade
inferior a 16 anos, estará, no caso concreto, faltando um
requisito específico, qual seja a diferença de idade entre
adotante e adotado.
Especifica como CONDIÇÃO JURIDICAMENTE
IMPOSSÍVEL aquela na qual somente no caso concreto
há uma ilicitude, mas a condição abstratamente
considerada é plenamente lícita.

Condições Lícitas ou Ilícitas

As condições lícitas são válidas e, as ilícitas, inválidas: Quer sejam suspensivas ou


resolutivas, não importa se o negócio jurídico gerou ou não efeitos, é inválido o negócio
jurídico, porque o vício da condição é muito grave. Essa idéia é de Clóvis Bevilácqua.

CONDIÇÕES quanto à licitude CONSEQUÊNCIA


São as condições que não contrariam a lei, a ordem pública ou
LÍCITAS os bons costumes (artigo 122, 1a. parte)
PRIMEIRA: é a condição ilegal, que consiste no fato de o evento
ILÍCITAS futuro e incerto em si ser ILÍCITO (matar alguém)
(são as que privarem de todo SEGUNDA: é a condição que viola um princípio (renunciar ao direito
efeito o negócio jurídico ou o de trabalhar, ou seja, a renúncia a um direito fundamental); há parte
sujeitarem ao puro arbítrio da doutrina que faz uma ressalva, quanto ao casamento (condição de
exclusivo de uma das partes – não casar), mas será lícita se for especificado com quem casar (não
artigo 122, 2a. parte) casar com A ou B)

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Direito Civil 2016 62

TERCEIRA: é a condição que viola a moral e os bons costumes (se a


pessoa se prostituir)
QUARTA: é a condição incompreensível, ou seja, não se compreende
qual a subordinação que se quis impor ao negócio jurídico
QUINTA: é a condição perplexa, que consiste em trazer uma
contradição (na venda de um imóvel residencial, condição não ser
utilizado como moradia).
Privarem de todo efeito o negócio jurídico.
SEXTA: é a condição puramente potestativa

Condições causais ou potestativas

CONDIÇÕES quanto
CONSEQUÊNCIA
à ORIGEM

O evento futuro e incerto, que independe da vontade humana, ou seja, depende da natureza, é
CASUAIS
um evento da natureza, p. ex., se chover, se não chover

O evento futuro e incerto depende


puramente da vontade de uma das partes;
vontade essa que não dependa de nenhum
MERAMENTE elemento externo, ou seja, são as condições
OU ILÍCITAS
que a doutrina chamava de condições de
PURAMENTE =
MERO CAPRICHO (se eu quiser, se eu
INVÁLIDAS
POTESTATIVAS acordar de bom humor); a vontade não
depende de nenhum fato externo.
Uma parte subordina-se totalmente ao
POTESTATIVAS arbítrio da outra.
O evento futuro e
incerto depende é a condição que nasce simplesmente
da vontade PROMÍSCUAS INEFICAZ
potestativa e se invalida posteriormente
exclusiva de uma
das partes. O evento futuro e incerto depende
potestade=poder puramente da vontade de uma das partes,
não sendo arbitrária, porque essa vontade
de uma das partes, por sua vez, depende de
SIMPLESMENTE um fator ou de um elemento externo (em um
POTESTATIVAS contrato de locação, prevista uma condição VÁLIDAS
de que o contrato será prorrogado se o
inquilino quiser; há o fator externo que
consistirá no sucesso do negócio prestado
por ele). (Bicho do jogo de futebol)

O evento futuro e incerto está condicionado à vontade de uma das partes e da vontade de um
MISTAS terceiro. (venda por experimentação, que dependerá da vontade do comprador)

Condições Suspensivas ou Resolutivas

CONDIÇÕES quanto ao modo de atuação


O evento futuro e incerto subordina o INÍCIO DA EFICÁCIA do negócio jurídico, ou seja, ele
SUSPENSIVAS somente começa a ter eficácia quando ocorrer a condição; até a ocorrência da condição
suspensiva, o negócio jurídico ficará impedido de começar a produzir efeitos

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Direito Civil 2016 63

O evento futuro e incerto CONDICIONA A PERSISTÊNCIA OU A PERMANÊNCIA DA


EFICÁCIA do negócio jurídico, ou seja, o negócio jurídico já produz efeitos quando é celebrado
RESOLUTIVAS com condição resolutiva, mas será resolvido caso ocorra a condição. Assim, quando acontece
a condição, o negócio jurídico cessa, resolve-se (vender o imóvel, mas se chover a venda se
desfaz).11 PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE da cláusula resolutiva = não pode atingir
terceiro.

11 Até o evento o negócio jurídico é válido, assim, o comprador é o dono, o vendedor somente tem uma expectativa
de direito, ou seja, se chover em uma semana o bem voltará para o vendedor, os papéis ficam invertidos, no exemplo
acima.

INVALIDAM O NEGÓCIO JURÍDICO POR COMPLETO (artigo 123):

Condições fisicamente impossíveis suspensivas

Condições juridicamente impossíveis suspensivas

Condições ilícitas ou de fazer coisa ilícita

Condições incompreensíveis ou contraditórias

CONSIDERAM-SE NÃO ESCRITA ou INEXISTENTES (artigo 124):

Condições fisicamente impossíveis resolutivas

Condições juridicamente impossíveis resolutivas

CONDIÇÕES DE NÃO FAZER COISA IMPOSSÍVEL

TERMO
É elemento acidental do negócio jurídico, que subordina a sua eficácia a EVENTO FUTURO
E CERTO (ou seja, vai acontecer). Esse evento pode ser datado previamente, porque já se
sabe que vai ocorrer (termo certo); mas pode ser também não datado (morte – termo
incerto). O termo pode ser inicial (a quo) ou final (ad quem).
O termo inicial equivale (mais ou menos) à condição suspensiva, porque o negócio jurídico
ainda não está gerando efeitos antes de chegar o termo; mas o termo inicial já gera direito
adquirido (na condição não gera, por que o evento é incerto, no termo ele é certo). O termo
inicial não impede o pagamento antecipado da obrigação, por isso que se pode pagar
antecipadamente o financiamento do carro, com abatimento dos juros, o denominado
deságio.
O termo final, por outro lado, equivale (mais ou menos) à condição resolutiva, porque o
termo final encerra o negócio jurídico. O termo inicial suspende o exercício, mas não a
aquisição do direito. Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições
relativas à condição suspensiva e resolutiva.

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Direito Civil 2016 64

PRAZO é o intervalo de tempo entre o termo inicial (início da locação) e final (fim da
locação).
Artigo 134.
Regras de contagem de prazo – regras básicas estão previstas no artigo 132
• salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos,
excluindo o dia do começo e incluído o do vencimento;
• se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o
seguinte dia útil;
• meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia;
• os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no
imediato, se faltar exata correspondência;
• os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto; desde que se saiba o
horário do início (na Lei de Falências, como há muitos prazos contados em horas, o
juiz estabelece o horário da decretação da falência).
Quando há negócio jurídico a termo, presume-se que o prazo foi fixado em benefício do
devedor, o que significa que, como regra, o devedor pode cumprir sua obrigação antes de
alcançado o termo final. (art. 133 CC)
Quanto à origem o termo pode ser:
LEGAL – estabelecido em lei;
CONVENCIONAL – estabelecido pelas partes;
DE GRAÇA – é o termo judicial, ocorre muito dos acordos formalizados, quando o juiz
estabelece o prazo para pagamento.
ENCARGO
O encargo é a imposição de uma obrigação ao beneficiário de uma liberalidade (testamento
e doação), um ônus que limita a liberalidade. Exemplo: doar a casa com obrigação de cuidar
de crianças. É elemento típico de negócios gratuitos. É um ônus que se atrela a uma
liberalidade maior. O encargo não impede a aquisição do direito (artigo 136)
O encargo pode ser uma obrigação de dar, fazer ou não-fazer. Ele também deve sempre
ser lícito. O encargo não é uma contrapartida da liberalidade; se ele não for cumprido:
• DOAÇÃO: expresso no CC/02, o beneficiário pode ser acionado para cumprir o
encargo pelo doador. Em sua falta, sendo o encargo de finalidade social, pelo MP.
Mas o doador pode também pedir a revogação da doação, que sempre se dará por
sentença judicial com EFEITO EX NUNC.
• TESTAMENTO: caso não estiver expresso, haverá a necessidade de se explicitar no
testamento qual o efeito do não cumprimento do encargo.
Se ele não for possível de ser cumprido (artigo 137) e o motivo do contrato tiver sido o
encargo, o contrato perde a validade, nos termos do art. 136.
O encargo ilícito (viola a lei) ou impossível (física ou juridicamente) será afastado,
mantendo-se o negócio jurídico.
Note-se que o tratamento dispensado à condição ilícita é diferente do dispensado ao
encargo, na medida em que, nela há a invalidação de todo o negócio, já no encargo, ele é
afastado e será mantido o negócio jurídico. Ou seja, diferentemente da condição suspensiva,
regra geral, o encargo ilícito ou impossível deve ser desconsiderado, mantendo-se o negócio
jurídico. (Artigo 137)
2.3.7 DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO
O defeito pode se iniciar já desde o processo mental da vontade até a declaração da
mesma. Os defeitos da vontade podem ser aqueles que o agente não declararia ou não
declararia daquele jeito. Outras vezes, o defeito está nos efeitos que se pretende alcançar

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Direito Civil 2016 65

com o negócio jurídico, a declaração de vontade corresponde ao que o agente realmente


queria.
VÍCIOS DE VONTADE
(ANULAÇÃO) VÍCIOS SOCIAIS

ERRO FRAUDE CONTRA CREDORES (ANULAÇÃO)


DOLO SIMULAÇÃO (foi tratada de maneira mais grave)
(NULIDADE )
COAÇÃO
LESÃO
ESTADO DE PERIGO
ERRO OU IGONORÂNCIA (arts. 138/144)
O erro ou ignorância é o resultado de uma falsa percepção, noção, ou até mesmo da falta
de percepção sobre a pessoa, o objeto ou o próprio negócio que se pratica.
Há uma diferença no plano teórico entre erro e ignorância, mas o CC não a estabelece. O
erro consiste em uma falsa percepção da realidade; ao passo que a ignorância traduz a
ausência total de conhecimento.
A pessoa se engana sozinha, sem ter sido induzida por ninguém. É um vício de
consentimento, é uma falsa noção da realidade, está no plano psicológico. Para invalidar o
negócio jurídico, o erro deve ser substancial (sem o erro, o negócio jurídico não teria sido
feito). O art. 139 traz as hipóteses em que o erro é substancial.
Nem todo erro pode levar a invalidade do negócio jurídico, deve preencher certos requisitos
para possibilitar a anulação do negócio jurídico.
ERRO ESSENCIAL OU SUBSTANCIAL
É o que incide sobre elemento importante do negócio jurídico, é o erro que se opõe ao erro
acidental (não é causa de invalidação do negócio jurídico).
O erro pode incidir sobre (art. 139):
A Natureza jurídica do negócio: p. ex., o sujeito que doar, mas, por erro, acaba declarando
a vontade de vender, ou pior, pode estar querendo vender, mas acaba declarando a vontade
de doar O objeto principal da declaração de vontade: exemplo, pessoa em galeria de
arte que vê exposto à venda um quadro que acredita ser de Monet, mas não o é; se
soubesse que não era, não declararia a vontade de comprar, ou pelo menos, de comprar
naquele preço.
As Qualidades essenciais do objeto: sujeito que queria comprar um anel de prata e
compra de latão.
A identidade ou qualidade da pessoa: é o caso de erro no casamento (obs.: o CC traz
previsão expressa sobre o erro quanto à pessoa no capítulo de casamento, de modo que
creio não se tratar de bom exemplo). Poderíamos também exemplificar com um homônimo.
Erro de direito: é aquele, no qual a pessoa de boa-fé, equivoca-se quanto à interpretação
ou ao alcance de uma norma jurídica.
Historicamente, como regra, o erro de direito nunca autorizou a invalidação do negócio
jurídico, por contrastar com o princípio de que a ninguém é dado alegar o desconhecimento
da lei (princípio da obrigatoriedade das leis). Mesmo antes do CC/02, a orientação acima já
vinha sendo mitigada. O novo CC/02, mostrou-se sensível a isso. Deve estar caracterizada
a boa-fé, para ser caracterizado como erro essencial.
ERRO ESCUSÁVEL
Erro escusável: Escusável é o erro justificável, desculpável, exatamente o contrario de erro
grosseiro. É requisito do CC/16, que consiste no erro que seria cometido por qualquer
pessoa que estivesse nas mesmas circunstâncias.
Essa característica (ESCUSABILIDADE) não é mais exigida pelo novo CC/02.
65
Direito Civil 2016 66

Para Venosa, foi correta a supressão do requisito escusabilidade porque, na nova lei, o
negócio só será anulado se o erro for passível de reconhecimento pela outra parte. A
escusabilidade, nesse caso, torna-se secundária. O que se levará em conta é a diligência
normal da pessoa para reconhecer o erro, em face das circunstâncias que cercam o
negócio. Sob tal prisma, há que se ver a posição de um técnico especializado e de um leigo
no negócio que se trata. Avultam de importância as condições e a finalidade social do
negócio que devem ser avaliadas pelo juiz Não interessa se o erro é escusável ou não,
prevalece o princípio da confiança- valorização da eticidade-Enunciado 12 CJF/STJ. Essa
questão ainda não é pacífica- Enunciado 12 do CJF: “Na sistemática do art. 138, é
irrelevante ser ou não escusável o erro, porque o dispositivo adotou o princípio da
confiança”.
ERRO PERCEPTÍVEL ou CONHECÍVEL OU COGNOCILIDADE DO ERRO
Erro perceptível ou conhecível ou cognocilidade do erro: requisito voltado para a pessoa
que recebe a declaração de vontade (artigo 138 – erro perceptível por quem recebe a
declaração da vontade), aplicação da Teoria da Auto-Responsabilidade, como falado no
item de interpretação do negócio jurídico. Assim, se o erro não poderia ter sido percebido
por quem recebe a declaração, não é capaz de anular o negócio jurídico, visando assim, a
proteger a segurança.

DOLO (arts. 145/150)


O dolo é um vício de consentimento, por indução à percepção falsa da realidade, ou seja,
é a indução ao erro por terceira pessoa, parte ou não do negócio jurídico. Há o induzimento
malicioso do contraente a erro, ou seja, a pessoa está sendo induzida a ter uma falsa
percepção da realidade. No erro, o agente percebeu sozinho mal os fatos; no dolo, a
percepção errônea dos fatos foi induzida por outrem. DOLO PRINCIPAL
É a substância da relação jurídica, se ele fosse conhecido o negócio jurídico não seria feito.
É requisito previsto no artigo 145. É causa de anulabilidade. Ataca a causa do negócio.
DOLO ACIDENTAL
O negócio jurídico seria feito de qualquer forma, mesmo conhecendo a realidade como um
todo, somente em circunstâncias e condições distintas do que seria feito; esse dolo gera no
máximo o pagamento de perdas e danos.
Não anula o negócio, gerando apenas a obrigação de pagar perdas e danos. É o dolo que
ataca elementos secundários do negócio jurídico. Art. 146.
DOLO NEGATIVO OU OMISSÃO DOLOSA
Pode gerar ou dolo principal ou acidental, estando relacionado à boa-fé objetiva e dever de
informação. Muitas vezes, uma das partes sabe que tem que informar à outra quanto às
características, mas não o faz. Art. 147. Só anula o negócio jurídico se influenciar de modo
relevante sobre o mesmo.
DOLO BILATERAL ou DOLO RECÍPROCO
Ninguém pode alegá-lo, nos termos do art. 150.
DOLO DE TERCEIRO
Se é de conhecimento de quem está tirando proveito (houve conluio) responsabilidade para
os dois e será caso de nulidade relativa.
Mas se quem vai tirar proveito não souber do dolo do terceiro, o negócio subsistirá, sendo
que o terceiro deve arcar com perdas e danos.
Como regra, o dolo de terceiro não é causa de anulação do negócio jurídico; somente levará
à invalidação se a parte sabia ou, pelas circunstâncias, devesse saber que a outra estava
sendo induzida a erro, caso contrário o negócio é mantido e o terceiro responde pelas
perdas e danos.
DOLOS MALUS

66
Direito Civil 2016 67

É má intenção de induzir o outro a erro, é requisito para a caracterização do dolo, para


anular o negócio jurídico, é a vontade de obter vantagem indevida para si ou para outrem.
É esse o dolo que anula.
DOLO BONNUS
É um dolo tolerável das atividades negociais, é expresso em técnicas publicitárias.
(exaltação sobre as qualidades que a coisa tem)
O dolus bonnus tem como limites o CDC (propaganda abusiva ou publicidade enganosa),
ou, o dolo feito para garantir o próprio bem do enganado, sem intenção de obter vantagem
para si ou para outrem.
COAÇÃO (arts. 151/155)
A coação consiste em violência psicológica apta a influenciar a vítima a realizar negócio
jurídico que lhe é prejudicial. É também um vício de consentimento, também é declarada
uma vontade que não se queria declarar, ou pelo menos daquela forma, a sua base é a
VIOLÊNCIA, que leva a pessoa a emitir a vontade viciada. A coação é o constrangimento
ameaçador, que conduz à emissão forçada da vontade, em razão de efetivo temor à
ocorrência de mal injusto e grave. Na coação, o sujeito declara uma vontade que não queria
declarar, por conta da violência sofrida. Para viciar o negócio, deverá ser relevante- art. 151,
CC.
A figura do homem médio não pode ser utilizada, porque a coação é sempre apreciada em
concreto, nos termos do artigo 152.
A coação (violência que é a causa da vontade), como causa de anulabilidade do negócio
jurídico prevista no CC/2002 , é a coação moral (psicológica - vis compulsiva), que consiste
numa pressão psicológica, numa ameaça séria e idônea de algum danou.
A violência física (vis absoluta) para parte da doutrina consiste em nulidade, por ter-se
suprimido a vontade (Venosa). Outra corrente entende que se trata de ato inexistente,
porque não há qualquer declaração de vontade (Caio Mário).
REQUISITOS ESPECÍFICOS
A coação para invalidar o negócio jurídico deve se revestir de alguns requisitos específicos:
1) A ameaça deve ser a causa determinante da realização do negócio jurídico;
2) A ameaça deve ser grave, ou seja, deve ser uma ameaça séria capaz de incutir
temor na vítima; é uma ameaça que infunde receio à vítima, que se sente atemorizada, e
por isso, escolhe declarar a sua vontade, viciada é claro.
Essas circunstâncias são SUBJETIVAS e devem ser consideradas tanto em relação ao
ameaçado quanto ao ameaçador. Mesmo que o CC/02 não diga, as circunstâncias
OBJETIVAS também devem ser consideradas para a análise da gravidade da ameaça, p.
ex., feita à noite em uma rua escura é mais grave do que de dia em rua movimentada.
Ainda considerando a gravidade da ameaça, o CC/02 afirma que não se considera coação
a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial (artigo 153).
Assim, o simples temor reverencial afasta o requisito da gravidade da coação. O temor
reverencial existe sempre nas relações hierárquicas (entre pai e filho; patrão e empregado;
superior e subordinado militar), o legislador quis dizer que o negócio praticado por simples
temor reverencial é plenamente válido, p. ex., pai que manda sob ameaça que a filha assine
um aval. Mas se ao temor reverencial for agregada uma ameaça séria ou grave, o negócio
não será válido, porque não haverá somente um simples temor reverencial.
3) A ameaça deve ser injusta, porque se a ameaça for feita por um exercício regular de
direito, não há qualquer invalidade do negócio jurídico não se considera coação a ameaça
do exercício normal de um direito (artigo 153); O que não pode ocorrer é ameaçar alguém
do exercício regular de seu direito, mas de maneira abusiva ou desrespeitosa, p. ex., marido
que flagra mulher em adultério, e ameaça processá-la por adultério caso não abra mão de
seus bens, isso é injusto.

67
Direito Civil 2016 68

4) A ameaça de dano deve ser eminente e atual à pessoa, familiares e amigos


íntimos. O dano tem que ser próximo, imediato ou atual, pois, se não for assim, o dano não
provoca temor suficiente que justifique a prática de um ato. 5) A ameaça deve ser
proporcional entre os bens.
COAÇÃO DE TERCEIRO
O CC/02 passou a tratar a coação de terceiro. Nela, há responsabilidade solidária entre o
terceiro e a parte a quem aproveite. Terceiro é sempre o que não está envolvido no negócio
jrídico, ou seja, é sempre alguém que não está emitindo vontade.
No CC/16, a coação de terceiro sempre viciava o negócio jurídico; agora não, somente vicia
se houver ciência ou devesse haver ciência da parte beneficiada, e nesse caso responderá
solidariamente com o terceiro por perdas e danos.
Na coação feita por terceiro, o negócio será anulado se o beneficiário sabia ou devesse
saber da coação; em tal caso, responderá solidariamente pelas perdas e danos. Se o
beneficiário não sabia ou não tivesse como saber, o negócio é mantido e o terceiro responde
sozinho pelo perante o prejudicado.
LESÃO (arts. 157)
É novidade no CC/02, mas não no sistema jurídico, porque já existia no CDC (cláusula
abusiva: sendo a lesão causa de nulidade absoluta).
Mesmo antes do NCC, a jurisprudência permitia a aplicação da lesão. O CC/02 não pode
ser aplicado retroativamente, mas, ainda assim, o contrato pode ser impugnado por lesão,
ou aplicando analogicamente o CDC, ou princípio geral do CC/16. Houve julgado do STJ
nesse sentido, ou seja, acolhendo a alegação de lesão para a anulação do contrato, sob a
alegação de ilicitude. A primeira lei que constou a lesão foi a lei criminal Lei 1.521/51 (Lei
de Economia Popular). É uma reação ao abuso do poder econômico, principalmente, com
o surgimento do contrato de adesão, o conteúdo do contrato está com um desequilíbrio, por
meio de uma prestação excessivamente onerosa.
O negócio nasce desequilibrado e desproporcional. No estado de perigo, a parte vai assumir
uma obrigação excessivamente onerosa, por motivo de perigo.
A lesão, vício conectado ao abuso de poder econômico, traduz o prejuízo resultante da
desproporção existente entre as prestações do negócio jurídico, em face do abuso, da
necessidade econômica ou inexperiência de um dos contratantes. A lesão é uma balança
desequilibrada. É causa de anulação do negócio jurídico (exceto, no CDC, que será causa
de nulidade absoluta), apesar de em outros ordenamentos não ser assim.
É um mecanismo jurídico que quer evitar que relações jurídicas já se iniciem
excessivamente desequilibradas; ou seja, pretende evitar desequilíbrios congênitos
exagerados das relações jurídicas.
Importa frisar que a desproporcionalidade entre as prestações que incumbe às partes deve
ocorrer no momento da declaração da vontade, no instante da contratação. É que, se a
desproporção for superveniente, apenas ocorrendo no decorrer do cumprimento do
negócio, não poderá o interprete se socorrer da lesão, devendo invocar a onerosidade
excessiva12 13, nos termos dos arts. 478 a 480 do NCC, que permite a revisão do contrato,
e não a sua invalidação.
Está ligada à idéia de pré-contratação sem um equilíbrio contratual entre os contraentes,
causando dano ao hipossuficiente.
REQUISITOS:
REQUISITO OBJETIVO
Está relacionado com o desequilíbrio exagerado, manifesto, desproporcional (não se quer
impedir o bom ou o mau negócio, apenas, pretendeu o legislador proteger a justiça). O
Código Civil optou por um conceito aberto, não definindo, de antemão, um parâmetro
quantitativo para a caracterização da lesão, o que somente ocorrerá em concreto, no caso
posto à apreciação judicial, segundo os valores da época da contratação.
68
Direito Civil 2016 69

Em alguns ordenamentos, há a tarifação do desequilíbrio. A Lei 1.521 (crimes contra a


economia popular) já previa um caso de lesão tarifada no ordenamento, dizendo que
haveria lesão se a parte levasse mais de 20%.
No CDC (não há exigência de requisito subjetivo, basta o requisito objetivo), já existia a
previsão de lesão, mas sem nominá-la como tal. O CDC afirma que é uma causa de revisão
de qualquer dispositivo contratual que represente uma excessiva desvantagem para si, com
conseqüente vantagem do fornecedor, autorizando o juiz a invadir o contrato e reequilibrar
a situação. O legislador consumerista exige que seja um desequilíbrio excessivo.

12
STJ, Informativo nº 556/2015: “Tratando-se de relação contratual paritária – a qual não é regida pelas
normas consumeristas –, a maxidesvalorização do real em face do dólar americano ocorrida a partir de janeiro
de 1999 não autoriza a aplicação da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, com intuito
de promover a revisão de cláusula de indexação ao dólar americano.
13

Nota (Dizer o Direito): Teoria da imprevisão x Teoria da base objetiva do negócio jurídico:
Teoria da imprevisão: Surgida na França, no pós 1ª Guerra. É uma teoria subjetiva. Prevista nos arts. 317 e
478 do CC. Exige a imprevisibilidade e a extraordinariedade do fato superveniente. Exige a extrema vantagem
para o credor.
Teoria da base objetiva do negócio jurídico: Surgida na Alemanha, também no pós 1ª Guerra. É uma teoria
objetiva. Prevista no art. 6º, V do CDC. Dispensa a imprevisibilidade e o caráter extraordinário dos fatos
supervenientes. Somente exige um fato superveniente que rompa a base objetiva. Não exige extrema
vantagem para o credor.
REQUISITOS SUBJETIVOS
NECESSIDADE ou INEXPERIÊNCIA.
Existe controvérsia sobre a necessidade do dolo de aproveitamento na lesão.
Para Venosa, “o requisito subjetivo consiste no que a doutrina chama de dolo de
aproveitamento e afigura-se na circunstância de uma das partes aproveitar-se da outra pela
inexperiência, leviandade ou estado de premente necessidade. Tais situações psicológicas
são aferidas no momento do contrato. Não há necessidade de o agente induzir a vítima à
pratica do ato, nem é necessária a intenção de prejudicar. Basta que o agente se aproveite
dessa situação de inferioridade em que é colocada a vítima, auferindo lucro desproporcional
e anormal”.
Para Cristiano Chaves, o requisito subjetivo se caracteriza pela inexperiência
(compreendida a partir das condições pessoais do contratante, como a sua situação social,
cultural ou educacional) ou premente necessidade (impossibilidade de evitar o negócio,
exclusivamente considerada em relação àquela contratação específica) do lesado no
momento da contratação, levando a outra parte a um lucro exagerado, dispensado o
chamado dolo de aproveitamento da parte beneficiada.
Basta, portanto, que a parte que se beneficia conheça a situação de inferioridade, sendo
desnecessária a intenção do agente de obter lucro exagerado.
Pablo Stolze: o legislador NÃO exigiu o DOLO DE APROVEITAMENTO. Por isso, Moreira
Alves afirma que a lesão é objetiva. O CC/02 não o exige para a configuração da lesão.
Assim a inexperiência ou o estado de necessidade não precisam ser conhecidos de quem
está levando vantagem.. Estado de necessidade
É o mesmo instituto do direito penal, SALVO, se decorrer de risco à pessoa, porque aí é
estado de perigo e não lesão.
Exemplo: a loja está pegando fogo, mas não há risco de vida para ninguém o indivíduo
busca o carro pipa que está na rua e manifesta o seu interesse em comprar a água, o dono
do carro pipa vende a água por valor absurdo e o dono da loja concorda, há nítida lesão.
Inexperiência (ou Inocência)

69
Direito Civil 2016 70

Não pode ser confundida com incapacidade, não é que o lesado é incapaz, ele é
plenamente capaz; também não é uma hipótese de erro (percepção errônea da realidade),
o inexperiente entende bem os fatos, mas avalia mal a extensão e as conseqüências da
obrigação que está assumindo, por ser um indivíduo pouco versado no negócio que está
entabulando.
Em regra, a doutrina prevalente tem entendido que a lesão, como causa de anulabilidade
dos negócios jurídicos, é aplicável aos contratos nos contratos oneroso comutativos.
Cristiano Chaves, no entanto, entende que a lesão pode ser aplicada também nos contratos
aleatórios, quando, por exemplo, os riscos consideráveis do negócio são imputados a uma
das partes, sendo inexpressivos para a outra, explorando-se situação de inferioridade.
Por último, observa-se que o § 2º do art. 157 do Código Civil estabelece que não será
declarada a anulação do negócio por lesão, caso seja oferecido suplemento suficiente ou
se a parte favorecida concordar com a redução de seu (exagerado) proveito.
ESTADO DE PERIGO
Trata-se da aplicação do estado de necessidade no direito civil, configurando-se quando o
agente, diante de um situação de perigo, conhecida pela outra parte, assume obrigação
excessivamente onerosa. É uma novidade no CC/02 (não no sistema jurídico). É causa de
anulação do negócio jurídico, apesar de em outros ordenamentos não ser assim.
O estado de perigo causará a anulação do negócio jurídico (artigo 172). Mas é muito usual
ajustarse o negócio jurídico à realidade, com redução de valores, tornando as prestações
mais equiparáveis. Está associado a PERIGO FÍSICO, perigo voltado para as pessoas e
não para as coisas.
Artigo 156. configura-se o ESTADO DE PERIGO quando alguém, premido
da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano
CONHECIDO PELA OUTRA PARTE, assume OBRIGAÇÃO
EXCESSIVAMENTE ONEROSA.
Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do
declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.
REQUISITO OBJETIVO NÃO-TARIFADO Obrigação excessivamente
onerosa
REQUISITO SUBJETIVO EM RELAÇÃO Estado de perigo
LESADO
REQUISITO SUBJETIVO EM RELAÇÃO AO Grave dano conhecido pela
APROVEITADOR outra parte / dolo de
aproveitamento
O estado de perigo traduz um perigo concreto e real de danos à saúde biopsicológica do
declarante ou de pessoa próxima. Exemplo: exigência de garantia na porta dos hospitais.

Estado de Perigo CHEQUE. Emissão em caução, para assegurar internação


hospitalar de parente em grave estado de saúde. Ação anulatória, cumulada
com pedido de indenização por danos morais. Improcedência decretada em
primeiro grau. Decisão reformada em parte. Não é válida obrigação assumida
em estado de perigo.
Aplicação dos princípios que regem situação de coação. Inexigibilidade
reconhecida. 2 – Dano moral resultante da apresentação e devolução do
cheque. Não configuração. Ausência de reflexos extrapatrimoniais, pois o
título não foi protestado, nem foi intentada ação de cobrança. 3 – Recurso da
autora provido em parte” (Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São
Paulo. Apelação n.º 833.355-7, da Comarca de São Paulo, relator Campos
Mello, 12ª Câmara, julgamento em 19/03/2004)
70
Direito Civil 2016 71

Observa-se que existe uma certa similitude entre o estado de perigo e a coação (moral). É
que em ambas as figuras o agente não manifesta livremente sua vontade. No entanto,
distinguem-se porque na coação a ameaça é oriunda de pessoa interessada na pratica do
ato (uma das partes do negócio ou terceiro), enquanto no estado de perigo a ameaça
provém de simples circunstância fática (apenas conhecida da outra parte), que exerce
contundente influência sobre a vontade do agente que declarará a vontade.
Frise-se ainda que, embora o Código Civil não tenha estabelecido para o estado de perigo
regra similar a do art. 157, § 2º, que trata do instituto da lesão, e autoriza a não decretação
da anulabilidade se a parte favorecida concordar com a redução de seu proveito, existe
posição doutrinária no sentido de que tal possibilidade é perfeitamente aplicável ao estado
de perigo, uma vez que as partes poderão acordar de tal forma, conservando negócio.
Nesse sentido, Enunciado nº 148 do Conselho Federal de Justiça:
Enunciado nº 148 - Art. 156: Ao “estado de perigo” (art. 156) aplica-se, por
analogia, o disposto no, § 2º do art. 157.

FRAUDE CONTRA CREDORES


A fraude contra credores é vicio social, traduzível pela prática de um ato de disposição
patrimonial pelo devedor, com o propósito de prejudicar seu (s) credor (es), em razão da
diminuição ou esvaziamento do patrimônio daquele.
É vício social e não vício de consentimento. O sujeito declara exatamente a vontade que
quer declarar, os seus efeitos jurídicos não estão ocultos, não há disfarce e não há mentira,
mas os seus efeitos causam prejuízo a credor. É caso de anulação do negócio jurídico.
A fraude acontece em casos de alienação ou gravação de bens de patrimônio a terceiro,
prejudicando um credor. A fraude ocorre por meio da realização de um ato negocial que
diminui o patrimônio do devedor, prejudicando credor preexistente.
Hipóteses legais de fraude contra credores:
negócios de transmissão gratuita de bens (artigo 158): é a hipótese mais grave;
• negócios de remissão de dívidas;
• contratos onerosos do devedor insolvente, em duas hipóteses: 1) quando a
insolvência for notória; 2) ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante;
• antecipação de pagamento feita a um dos credores quirografários, em detrimento
dos demais (art. 162);
• outorga de garantia de dívida dada a um dos credores em detrimento dos demais
(art. 163).
Em outras leis especiais, há outras
hipóteses. Há sempre 03 sujeitos
envolvidos:
• devedor (que aliena ou grava em favor do terceiro adquirente);
• terceiro adquirente;
• credor (que é prejudicado pela alienação ou gravação por haver uma diminuição do
patrimônio do credor que deixa de ser suficiente para fazer frente a um crédito que
já existia).
REQUISITOS:
REQUISITO OBJETIVO
• É o eventus damni (o patrimônio do devedor alienante se torna insuficiente para fazer
frente ao crédito do credor).
• REQUISITO SUBJETIVO

71
Direito Civil 2016 72

• É o consilium fraudis; não é a combinação entre devedor e adquirente para


prejudicar; assim, não se exige a comprovação de que haja um ajuste entre o
comprador e o vendedor.
• Consiste somente na má-fé do terceiro (Pablo: é a má-fé do devedor e não do
terceiro), que tem ciência de que o negócio jurídico irá reduzir o patrimônio a ponto
de não mais fazer frente ao crédito existente. Pode ser dispensado quando se tratar
de ato de alienação GRATUITO (a má-fé do devedor é presumida, e a presunção do
caput do art. 158 é absoluta), assim, nem se cogita da necessidade de ciência do
terceiro adquirente, que não está despendendo nada para adquirir.
São casos em que o consilium fraudis é presumido ou seja, presume-se a má-fé do terceiro
adquirente:
• insolvência notória – o terceiro adquirente está adquirindo de alguém que é
notoriamente insolvente. Exemplo: vendedor que deve muito, tem muitos protestos
contra si. A presunção é relativa.
• insolvência presumida – a aquisição se faz em condições tais que levariam o
adquirente a desconfiar: preço vil; alienação clandestina; vendedor quer vender tudo
que tem, sem um motivo aparente.
AÇÃO PAULIANA
A AÇÃO PAULIANA é o instrumento utilizado pelo prejudicado.
Na transmissão onerosa, deverão estar provados os dois requisitos. Na transmissão
gratuita, provase somente o eventus damni.
O bem protegido na ação pauliana será revertido para todos os demais credores.
A legitimidade ativa é do credor anterior à fraude (credor pré-existente); os credores
posteriores não terão. No CC/16, o legítimo era o credor quirografário, porque os demais já
tem uma garantia, mas, nos termos do novo CC, o credor com garantia também pode ter
interesse na pauliana, desde que, a garantia tenha se tornado insuficiente. Enunciado n.
292, prevendo que “para os efeitos do art. 158, § 2.º, a anterioridade do crédito é
determinada pela causa que lhe dá origem, independentemente de seu conhecimento por
decisão judicial”.
Por sua vez, o art. 161 do CC traz hipótese de litisconsórcio passivo necessário, nos termos
do art.
46 do CPC (ver: STJ, REsp 750.135/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j.
12.04.2011).
A ação pauliana tem prazo decadencial de 04 anos, a contar da celebração do negócio
fraudulento. A jurisprudência tem permitido que seja desconstituída a personalidade jurídica
para ser alcançao o patrimônio particular do sócio, de forma a afastar a fraude contra
credores.
O bem de família fica afastado, para não prestigiar a má-fé do devedor; o imóvel que
retornou ao acervo do devedor em decorrência da pauliana não pode ser protegido pelo
bem de família.
Qual a natureza jurídica da sentença da ação pauliana? Segundo o novo CC/02, trata-
se de sentença ANULATÓRIA (artigo 165), ou seja, desconstitutiva, retornando o bem ao
patrimônio do devedor. Parcela (minoritária) da doutrina, com base em LIEBMAN,
representada por YUSSEF CAHALI, entende que a sentença pauliana é apenas
DECLARATÓRIA da ineficácia jurídica do negócio fraudulento em face do credor
prejudicado, ou seja, o negócio é válido, mas é ineficaz em relação do credor. A vantagem
dessa posição reside no fato de que se o devedor conseguir dinheiro e pagar ao credor o
negócio é válido, mas INEFICAZ em face do credor (PABLO).
FRAUDE CONTRA CREDORES FRAUDE À EXECUÇÃO

72
Direito Civil 2016 73

Há processo judicial em
andamento, tratando-se de
instituto de direito processual.
Pode ser uma ação executiva ou
Não há processo judicial em andamento. É ação condenatória. Prevalece o
instituto de direito material. entendimento pelo qual, para a
sua caracterização, deve o
fraudador ter sido ao menos
citado.

O que está sendo fraudada é a


O que está sendo fraudado é o crédito do atividade estatal de jurisdição
credor, prejudicando o credor. (interesse do credor E DO
ESTADO).
Quando o juiz reconhece a
Quando o juiz reconhece a fraude, ele fraude, ele considera ineficaz
considera anulado o ato. Sentença constitutiva perante o credor a venda ou
negativa. gravame ineficaz. Sentença
declaratória.
Não tem reflexos penais Pode ter reflexos penais
Exige ação pauliana, autônoma e específica Declarável incidentalmente
2.3.8 A INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO
A expressão invalidade em sentido amplo é empregada para designar o negócio que não
produz os efeitos desejados pelas partes envolvidas (adotada pelo CC/02). Outros juristas
preferem utilizar a expressão ineficácia, que representa a situação em que o negócio
jurídico não gera efeitos. A invalidade do negócio jurídico abrange: a inexistência do negócio
jurídico, a nulidade absoluta (negócio nulo) e a nulidade relativa ou anulabilidade (negócio
anulável).
1) INEXISTÊNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO
O negócio inexistente é aquele que não gera efeitos no âmbito jurídico, pois não preencheu
os seus requisitos mínimos, constantes do seu plano de existência. São inexistentes os
negócios jurídicos que não apresentam os elementos que formam o suporte fático: partes,
vontade, objeto e forma.
Para os adeptos dessa teoria, em casos tais, não é necessária a declaração da invalidade
por decisão judicial, porque o ato jamais chegou a existir – não se invalida o que não existe.
Para a corrente doutrinária que não aceita a ideia de ato inexistente, os casos apontados
como de inexistência do negócio jurídico são resolvidos com a solução de nulidade.
Como não há qualquer previsão legal quanto à inexistência do negócio jurídico, a teoria da
inexistência não foi adotada expressamente pela novel codificação. O art. 104 do Código
Civil de 2002 trata diretamente do plano da validade, de modo que, implicitamente, o plano
da existência estaria inserido no plano da validade do negócio jurídico.
2) NULIDADE (NULIDADE ABSOLUTA)
De modo geral, a nulidade decorre da violação a um dos requisitos de validade
estabelecidos pelo art. 104: “a validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 104, I),
objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei
(art. 104, II e III)”. (art. 166 CC)
É nulo também quando a lei taxativamente o declarar nulo.
O art. 167 contempla outra hipótese específica de nulidade: a SIMULAÇÃO, caracterizada
pela manifesta desconformidade entre a vontade declarada pelas partes e a vontade

73
Direito Civil 2016 74

concretamente pretendida por elas. Enfim, o desajuste entre vontade real e a vontade
afirmada negocialmente. Ressalte que no Código Civil de 1916, ao contrário do CC/2002,
a simulação era causa de anulabilidade.(a simulação será tratada com mais detalhes
adiante).
Em virtude da gravidade do vício infringido, violado, considera o ordenamento jurídico que
o ato ou negócio nulo não produza qualquer efeito jurídico, podendo, inclusive, ser
reconhecido como tal ex officio, pelo próprio juiz, ou a requerimento do interessado ou do
Ministério Público, quando tenha de intervir.
Como se trata de vício não convalidável, o negócio jurídico não é suscetível de confirmação,
nem convalesce pelo decurso do tempo (art. 169).
A imprescritibilidade estaria justificada porque a nulidade absoluta envolve preceitos de
ordem pública. Neste sentido, tem-se Álvaro Villaça Azevedo, Sílvio de Salvo Venosa,
Jones Figueirêdo Alves e Mário Luiz Delgado, Cristiano Chaves de Farias e Nelson
Rosenvald. Na jurisprudência superior, cita-se STJ, REsp 1.353.864/GO, Rel. Min. Sidnei
Beneti, 3.ª Turma, j. 07.03.2013, DJe 12.03.2013.
Porém, há outra corrente que entende que os atos nulos estão sujeitos ao maior prazo de
prescrição previsto em lei para a sua declaração de nulidade, especialmente no que toca
aos efeitos patrimoniais. Assim, aplicar-se-ia o prazo geral de prescrição de dez anos,
previsto no art. 205 da atual codificação (Gustavo Tepedino, Maria Celina Bodin de Moraes
e Heloísa Helena Barboza, citando Caio Mário da Silva Pereira e outros julgados do STJ).
Há uma tendência de se tutelar terceiros ou negociantes de boa-fé em face dos atos nulos.
Seguindo tal esteira, o preciso Enunciado n. 537, da VI Jornada de Direito Civil, in verbis:
“A previsão contida no art. 169 não impossibilita que, excepcionalmente, negócios jurídicos
nulos produzam efeitos a serem preservados quando justificados por interesses
merecedores de tutela”. Tartuce adere a este entendimento, sob o argumento de que a
eticidade é um dos fundamentos da atual codificação, devendo os negócios ser preservados
em face das partes que agiram de boa-fé. Note-se, porém, que o art. 170 do Código Civil
trouxe o instituto da conversão substancial, admitindo uma verdadeira recategorização de
determinado negócio para outro de diferente espécie, respeitadas determinadas
circunstâncias e os requisitos de validade quanto ao “novo” NJ. Assim, se o negócio nulo
contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir
supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade. (arts. 169 e 170 CC)

NULIDADES
Podem gerar EFEITOS INDIRETOS (p. ex. compra e venda nula não gera
efeitos diretos de compra e venda, mas pode justificar a posse do comprador)

74
Direito Civil 2016 75

Pode gerar o efeito da CONVERSÃO SUBSTANCIAL (artigo 170), que consiste


na conversão do negócio jurídico nulo em outro negócio jurídico válido, desde
que respeitados dois requisitos: presença dos requisitos do negócio jurídico novo
no negócio jurídico nulo e as partes devem querer o negócio jurídico novo se
soubessem da nulidade .
Esse instituto tem pertinência com o PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO.
Enunciado 13 do CJF: “O aspecto objetivo da conversão requer a existência do
suporte fático no negócio a converter-se”.
A conversão substancial aplica-se, em regra, apenas aos negócios jurídicos
nulos, uma vez que os anuláveis podem ser convalidados pela simples
manifestação de vontade das partes interessadas, sendo desnecessária a
aplicação da teoria do aproveitamento (excepcionalmente, aplica-se aos atos
anuláveis que não sejam passiveis de ratificação).

Pode gerar o efeito da CONVERSÃO APARENTE – o tipo negocial é o mesmo,


p. ex., escritura pública de compromisso de compra e venda, que não é válida
como pública, mas pode ser aproveitada como instrumento particular, que
também valida o compromisso de compra e venda.
3) ANULABILIDADES (NULIDADES RELATIVAS)
Tratando-se de vícios de natureza privada, ato anulável admite a confirmação, que pode
ser expressa ou tácita, resguardando-se, por óbvio, os direitos de terceiros. O ato de
confirmação deve conter a substância do negócio celebrado e a vontade expressa de
mantê-lo (art. 173, CC). Caso o devedor já tenha cumprido parte do negócio, ciente do vício
que o maculava, a confirmação expressa será dispensada (art. 174, CC). (outra hipótese
do princípio da conservação dos negócios jurídicos). O art. 175 do CC consagra a
irrevogabilidade da confirmação, seja ela expressa ou tácita. O ato ou negócio jurídico
anulável produzirá regulares efeitos até que lhe sobrevenha decisão, no sentido de impedir
que continuem se produzindo. A anulabilidade, pois, é reconhecida por meio de ação
anulatória, ajuizada pelo interessado exclusivamente, cuja natureza é, induvidosamente,
constitutiva negativa (desconstitutiva).
Tradicionalmente, sempre se apontou que os seus efeitos seriam ex nunc, não retroativos
ou somente a partir do trânsito em julgado da decisão. Essa tese estaria confirmada pelo
art. 177 do atual Código. Todavia, há orientação doutrinária no sentido da produção de
efeitos ex tunc (retroativos), uma vez que, em conformidade com o art. 182 do Texto
Codificado, também, na anulação do negócio jurídico, as partes deverão ser reconduzidas
ao estado que antes dele se achavam.
Ademais, somente às partes e interessados poderão suscitá-la, não sendo possível
ao juiz conhecê-la de ofício ou ao Parquet suscitá-la quando tiver de intervir no processo.
As características das anulabilidades podem ser organizadas da seguinte forma:
• O negócio existe e gera efeitos concretos até que sobrevenha a declaração de
invalidação;
• Somente a pessoa juridicamente interessada poderá promover a anulação negocial;
• Admite-se ratificação;
• Submete-se aos prazos decadenciais;
• O juiz não pode conhecer a anulabilidade de ofício, nem o Ministério Público pode
suscitála.
Em regra, o prazo (decadência) para pleitear a anulação de negócio jurídico, nos termos do
art. 178, é de quatro anos. Entretanto, quando a lei dispuser que determinado ato é anulável

75
Direito Civil 2016 76

sem estabelecer prazo para pleitear-lhe a anulação, considerar-se-á que o prazo


(decadencial, repita-se!) será de dois anos, contados a partir da data da conclusão do ato
ou do negócio jurídico (art. 179, CC). Enunciado 538, da VI Jornada de Direito Civil: “No
que diz respeito a terceiros eventualmente prejudicados, o prazo decadencial de que trata
o art. 179 do Código Civil não se conta da celebração do negócio jurídico, mas da ciência
que dele tiverem”.
O art. 171 da Codificação dispõe sobre a anulabilidade, determinando que, “além dos casos
expressamente declarados em lei, é anulável o negócio jurídico: I – por incapacidade
relativa do agente; II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou
fraude contra credores”.
DISTINÇÕES ENTRE NULIDADES E ANULABILIDADES
CARACTERÍSTICAS
NULIDADES
Qualquer pessoa interessada pode alegar, inclusive o MP.
Deve o juiz conhecer de ofício, independentemente de alegação e de ser a
discussão principal do processo.
EXCEÇÃO: Há dispositivos da lei que estabelecem nulidades que não podem
ser acolhidas de ofício pelo juiz, p. ex., nulidades do casamento. Artigo 168
Não gera qualquer efeito direto, de tal forma que o reconhecimento é feito por
decisão com natureza DECLARATÓRIA
Efeitos EX TUNC
SIMULAÇÃO
A simulação, como causa de nulidade, foi tratada pelo art. 167 do Código Civil de 2002.
A simulação é um grande disfarce. O sujeito declara exatamente a vontade que queria
declarar, entretanto para essa declaração a lei reserva um determinado efeito jurídico, não
pretendido pelo sujeito.
A característica fundamental do negócio simulado é a divergência INTENCIONAL entre a
vontade e a declaração. Há, na verdade, oposição entre o pretendido e o declarado. As
partes desejam mera aparência do negócio e criar ilusão de existência. Os contraentes
pretendem criar aparência de um ato, para assim surgir aos olhos de terceiros.
Na verdade, o emissor da vontade quer um outro efeito jurídico, que está oculto, o sujeito
não quer alcançar o efeito jurídico que está evidente. O que aparece não é o que o sujeito
quer, na verdade, a simulação é uma grande mentira. A simulação sempre decorre de um
acordo.
Na simulação, celebra-se o negócio jurídico que tem aparência normal, mas que não
pretende atingir o efeito que deveria produzir. No Código Civil de 1916, havia uma distinção
entre a simulação inocente (aquela que não frauda à lei e não causa prejuízo a terceiros) e
maliciosa, o que não foi repetido pelo novo CC, quando se verifica a farsa, é causa de
invalidade do negócio jurídico. Em havendo simulação de qualquer espécie, o ato é nulo de
pleno direito, por atentar contra a ordem pública, como vício social.
O juiz, diante do contrato simulado, se puder, aproveita-o, em decorrência do princípio da
conservação. Frise-se que existe corrente doutrinária minoritária, que entende que a
simulação só seria causa de nulidade se causasse prejuízo de terceiros ou infringência à
lei, ou seja, a simulação maliciosa (Cristiano Chaves, citando Sílvio Rodrigues).
Sendo tratada como nulidade, a simulação pode ser alegada por terceiros que não fazem
parte do negócio, mas também por uma parte contra a outra, conforme o Enunciado n. 294
CJF.
MODALIDADES DE SIMULAÇÃO:

76
Direito Civil 2016 77

SIMULAÇÃO RELATIVA OU DISSIMULAÇÃO


O negócio jurídico existe, mas não do jeito em que foi declarado. Esconde um outro negócio
jurídico, cujo efeito é proibido por lei. Exemplo: compra e venda por preço menor que
esconde a compra e venda por preço maior; quando houver interposta pessoa.
1 – simulação relativa subjetiva: caso em que o vício social acomete o elemento subjetivo
do negócio jurídico, pessoa com que este é celebrado.
2 – simulação relativa objetiva: caso em que o vício social acomete o elemento objetivo
do negócio jurídico celebrado, o seu conteúdo.
Negócio jurídico simulado é nulo, mas o negócio jurídico dissimulado pode ser
válido, desde que preenchidos os requisitos substanciais e formais de validade
deste. A possibilidade de fazer valer o negócio jurídico oculto faz parte da punição a quem
simulou.
SIMULAÇÃO ABSOLUTA
O negócio jurídico é totalmente distinto do que está expresso. Esconde um efeito jurídico
indevido, sem ser um outro negócio jurídico. As partes criam um negócio jurídico destinado
a não gerar efeito nenhum. Exemplos: assinatura da promissória para enganar os credores;
a venda do imóvel locado para encerrar a locação; marido com receio da separação de
bens, simula com o amigo a transferência de bens, que na verdade ficarão guardados para
o marido.
A simulação é o único vício do negócio jurídico no qual ocorre a nulidade absoluta.

77
Direito Civil 2016 78

PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

3 Ponto 3 - Prescrição e decadência. Prova. - 1. Prescrição e Decadência

Vislumbra-se, na prescrição e decadência, fenômenos jurídicos tendentes a conferir


equilíbrio e segurança às relações jurídicas e às relações sociais, tendo como fundamento
o caráter da estabilização das relações jurídicas, em respeito aos princípios e garantias
constitucionais.
Nota do resumidor: para facilitar o entendimento de alguns pontos, observar os conceitos abaixo.
Segundo Chiovenda, os direitos subjetivos se dividem em duas grandes categorias:
a) os direitos a uma prestação, de que constituem exemplos todos aqueles que compõem as duas
numerosas categorias dos direitos reais e pessoais. Nessa classe, há sempre um sujeito passivo
obrigado a uma prestação, seja positiva (dar ou fazer), como nos direitos de crédito, seja negativa
(abster-se), como nos direitos de propriedade;
b) os direitos potestativos, os quais compreendem aqueles poderes que a lei confere a
determinadas pessoas de influírem, com uma declaração de vontade, sobre situações jurídicas de
outras, sem o concurso da vontade destas. Exemplos de direitos potestativos: o poder que têm o
mandante e o doador de revogarem o mandato e a doação; o poder que tem o cônjuge de promover
a separação.
3.1 Prescrição
Legislação básica: arts. 189 a 206, CC.

Introdução. Nosso Código Civil reservou o termo “prescrição” apenas para a extintiva (ou
liberatória), adotando, para a prescrição aquisitiva da propriedade, o termo “usucapião”.
Baseando-se na corrente dualista, separou-as como institutos autônomos, localizando a
prescrição extintiva na parte geral e a aquisitiva na parte especial, como figura jurídica
pertinente ao direito das coisas. Se aplicam ao instituto da usucapião as regras gerais da
prescrição extintiva, como, por exemplo, as hipóteses de suspensão e interrupção do prazo
prescricional, obstando a aquisição da propriedade em tais circunstâncias (vide STJ, AC. 4ª
T., Resp. 149.186/RS, Rel. Min. Fernando
Gonçalves, j. 4.11.03). (DUALIDADE CONCEITUAL)
A causa eficiente da prescrição é a inércia do titular da ação, e seu fator operante é o tempo.
Só pode ter por objeto a ação, e não o direito, ainda que este também sofra seus efeitos (a
prescrição, extinguindo a ação, o torna inoperante).

Definição: há três teorias básicas sobre a prescrição: i) aquela que diz que ela atinge o
próprio direito material (de origem imanentista, segundo a qual o direito de ação seria
imanente ao direito material); ii) aquela que diz que o que é atingido é o direito de ação e,
por via reflexa, o direito material, que ficaria sem proteção (Câmara Leal); e iii) aquela
adotada pelo novo Código Civil que afirma que a prescrição atinge a pretensão¸ que é a
faculdade de exigir de outrem uma determinada prestação, extinguindo-a (fruto dos estudos
pandectistas alemães e suas teorias abstratas). Segundo o CC/2002, a prescrição não
atinge o direito de ação, mas apenas a pretensão (instituto de direito material), confirmando
o caráter de direito autônomo, abstrato, público e subjetivo daquele (art. 5º, XXXV, CF).

78
Direito Civil 2016 79

A última das teorias dizia que, na verdade, a prescrição não fulminaria a pretensão, mas
abriria ensejo a que o interessado pudesse alegar a sua extinção como matéria de defesa,
já que era defeso ao juiz conhecer de ofício a prescrição, salvo se beneficiasse
absolutamente incapaz. Porém, com a publicação da lei n.º 11.280/2006, que introduziu o
§ 5º, no art. 219 do CPC (“§ 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.”) e revogou o art.
194 do CC, essa tese caiu por terra, pois, agora, a prescrição extingue a pretensão mesmo,
uma vez que é dever do juiz pronunciá-la, salvo se tiver havido expressa ou tácita
renúncia11. Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald entendem que a prescrição, por referir-
se a direitos subjetivos patrimoniais, não deveria poder ser conhecida de ofício pelo juiz,
considerando atécnica a alteração promovida pela Lei 11.280/06.

A prescrição pode ser alegada a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição (art. 193,
CC), ou seja, é possível suscitá-la pela primeira vez em grau de recurso. Não obstante isso,
o réu deve suscitá-la na primeira oportunidade, sob pena de arcar com as despesas
supervenientes (art. 22, CPC). Por evidente não pode ser alegada pela primeira vez em
sede de REsp e RE, pois que implica inovação da lide, sem prequestionamento (2a Turma,
seguindo precedente da Corte Especial, confirmou que “mesmo as matérias de ordem
pública precisam ser prequesitonadas” (EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 32.420/PB, rel.
Min. Humberto Martins, j. 21/6/2012, DJe 28/6/2012).

Natureza da prescrição. As normas sobre prescrição são de ordem pública ou privada?


Há um interesse público na harmonia social na estabilização das relações jurídicas
(fundamento atual da prescrição). Assim, a instituição de prazo prescricional obedece à
utilidade pública; a norma que o estatui, portanto, é de ordem pública.

Não obstante, como as relações jurídicas por ela reguladas são de ordem privada, este fato
lhe empresta, também, um caráter privado, dando-se uma natureza mista. Daí os
fenômenos, virtualmente antagônicos, que apresenta contemporaneamente: como norma
pública, tem sempre efeito retroativo, ficando a prescrição em curso sujeita às alterações
da nova lei; mas, como norma privada, pode ser renunciada a prescrição pelo prescribente,
uma vez consumada.
3.1.1 Requisitos da prescrição:
a) Existência de pretensão exercitável – Fenômeno objetivo ou subjetivo: discute-se, na
doutrina, se a prescrição é um fenômeno puramente objetivo, decorrendo o seu início do
fato da violação, independentemente da ciência ou do conhecimento do titular; ou se é um
fenômeno subjetivo, ficando o início da prescrição dependendo da condição de que seu
titular tenha conhecimento da violação.

A respeito da contagem do prazo prescricional, é o teor do Enunciado n. 14 CJF/STJ,


aprovado na I Jornada de Direito Civil, realizada em setembro de 2002:
“Art. 189: 1) o início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da
pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo; 2) o art. 189 diz
respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a violação do
direito absoluto ou da obrigação de não fazer” (corrente majoritária).
Todavia, cresce na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a adoção à teoria da actio
nata, pela qual o prazo deve ter início a partir do conhecimento da violação ou lesão ao
direito subjetivo. Ex: “O termo a quo para aferir o lapso prescricional para ajuizamento de

11
Enunciado n.º 295 da IV Jornada de Direito Civil do CJF – Art. 191. A revogação do art. 194 do Código Civil pela Lei
n. 11.280/2006, que determina ao juiz o reconhecimento de ofício da prescrição, não retira do devedor a possibilidade de
renúncia admitida no art. 191 do texto codificado.
79
Direito Civil 2016 80

ação de indenização contra o Estado não é a data do acidente, mas aquela em que a vítima
teve ciência inequívoca de sua invalidez e da extensão da incapacidade de que restou
acometida (STJ, AgRg no REsp 931.896/ES, Rel. Min. Humberto Martins, 2.ª Turma, j.
20.09.2007, DJ 03.10.2007, p. 194); Súmula 278 do mesmo STJ: “O termo inicial do prazo
prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca
da incapacidade laboral”; “o termo a quo da prescrição da pretensão indenizatória pelo erro
médico é a data da ciência do dano, não a data do ato ilícito.” (STJ, REsp. 1.020.801/SP,
Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 26.04.2011). Ademais, em sede legislativa, a teoria foi
adotada pelo art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, atendendo às ideias de eticidade
e socialidade, valorizando-se a questão da informação.

b) Inércia do titular da pretensão pelo seu não-exercício.

c) Continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo.

d) Ausência de algum fato ou ato a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou
interruptiva do curso prescricional: As causas impeditivas são aquelas que, como o próprio
nome diz, impedem que o prazo se inicie. Atuam concomitantemente ao nascimento da
pretensão (ex.: violação de direito subjetivo de uma pessoa interditada por ser
absolutamente incapaz). Na interrupção, o prazo só correrá depois de cessada a causa
interruptiva. Já as causas suspensivas são aquelas que fazem parar o fluxo do prazo
prescricional já iniciado, em razão de determinado fato jurídico. Na suspensão, o prazo
anterior ao evento suspensivo, tão logo este desapareça, volta a correr pelo saldo. Ambas
são previstas taxativamente na lei.

CAUSAS SUSPENSIVAS E CAUSAS INTERRUPTIVAS


IMPEDITIVAS15
Suspensivas – paralisam Implicam a inutilização do prazo prescricional
temporariamente o curso da prescrição em curso e, quando reiniciada a sua fluência,
quando já se iniciou a fluência dos ele é integralmente reiniciado (salvo a
prazos. O prazo volta a correr de onde existência de previsão específica em lei
parou. como, por exemplo, o art. 9º do Decreto nº
Impeditivas – obstam o começo da 20.910/32).
fluência prazal.
Todas possuem natureza extrajudicial. Em regra, possuem natureza judicial
(exceções:
protesto cambial e confissão de dívida).
Envolvem situações entre pessoas. Relacionada a atos de credor ou do devedor.
Previstas taxativamente nos arts. 197, Previstas taxativamente no art. 202 do CC.
198 e 199 do CC.
Hipóteses que possuem observações Hipóteses que possuem observações

15

80
Direito Civil 2016 81

importantes: importantes:
1) Entre ascendentes e 1) Por DESPACHO DO JUIZ, mesmo
descendentes, durante o poder familiar – incompetente, que ordenar a citação, se o
é irrelevante nesse caso ser o menor interessado a promover no prazo e na forma
absoluta ou relativamente incapaz, pois da lei processual – modificação dos arts. 219
para suspender/impedir a fluência da e 617 do CPC, que afirmavam decorrer a
prescrição basta que esteja submetido interrupção da prescrição da citação válida. A
ao poder familiar. interrupção decorrente do despacho do juiz
2) Contra os incapazes de que trata retroage à data da propositura da ação (Súm.
o art. 3º - apenas os ABSOLUTAMENTE 106/STJ). Nos JEC’s, onde não há despacho
incapazes; contra os relativamente o liminar, a interrupção se realiza, diretamente,
prazo flui normalmente. com a simples propositura da demanda,
3) Contra os ausentes do País em motivo pelo qual é irrelevante se o processo
serviço público da União, dos Estados será extinto com ou sem resolução do mérito.
ou dos Municípios – não haverá 2) Por protesto, nas condições do inciso
paralisação do prazo contra aqueles que antecedente – trata-se aqui da ação cautelar
estão a passeio ou prestando serviços à do protesto. Aplicam-se as regras do
iniciativa privada. 4) Contra os que se despacho judicial.
acharem servindo nas Forças Armadas, 3) Por protesto cambial – protesto
em tempo de guerra – não se aplica em realizado extrajudicialmente. Superada Súm.
tempo de paz. 153/STF.
4) Por qualquer ato inequívoco, ainda
que extrajudicial, que importe
reconhecimento do direito pelo devedor – por
exemplo, a confissão de dívida.
Outras hipóteses: ATENÇÃO! A interrupção única a que se
refere o caput do art. 202 do CC somente
• Ausentes declarados
atinge as causas extrajudiciais (protesto
judicialmente – aqui o termo
cambial e confissão de dívida), não sendo
inicial será o desaparecimento.
possível incidir sobre as hipóteses judiciais
• Ação civil ex delito enquanto não interruptivas (FARIAS, p. 732; Cristiano
transitada em julgado a decisão Chaves, Nelson Rosenvald e também Arruda
penal (art. 200 do CC). Alvim). Assim sendo, feito o protesto cambial
e ajuizada ação de execução, com o
• Súmula 229 do STJ –
despacho citatório, a prescrição será
harmonização com a boa-fé
novamente interrompida. Obs.: Sustenta-se
objetiva.
que, nos casos de protesto (judicial ou
extrajudicial) a citação para o procedimento
definitivo (ação para cobrança, por exemplo)
não perde o efeito interruptivo (dualidade de
interrupções da prescrição). Diz Caio Mário,
para chegar a essa conclusão, que
“nenhuma lei pode receber interpretação que
conduza ao absurdo”. Ademais, pode-se
entender que a ação proposta suspende a
prescrição, conforme o art. 199, I, do CC, eis
que a ação é uma condição suspensiva.

81
Direito Civil 2016 82

Não esquecer que, em relação às causas interruptivas judiciais, o prazo refere-se a cada
tipo de pretensão, ou seja, a pretensão executória tem autonomia, contando com o mesmo
prazo da pretensão cognitiva (Súmula 150, STF).

O art. 203, CC, assegura que a prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado
(Ex: herdeiro do credor, credor do credor). Princípio da operabilidade - cabe ao juiz, dentro
das regras de equidade e razoabilidade, apontar quem seria o interessado referido no
dispositivo. O modelo atual é aberto (numerus apertus), e não mais fechado (numerus
clausus).

Os efeitos da prescrição são pessoais, logo, regra geral, a interrupção por um credor não
aproveita aos demais, assim como contra um devedor/seu herdeiro não prejudica os demais
(art. 204, caput, CC). Exceções:
• Interrupção por um credor solidário/ contra um devedor solidário aproveita/
prejudica os demais (art. 204, §1º).
• Interrupção contra herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros
herdeiros ou devedores salvo quando se tratar de direitos/ obrigações
indivisíveis (art. 204, §2º, CC).
• Interrupção contra o devedor principal prejudica o fiador (art. 204, §3º, CC)

Do mesmo modo, a suspensão da prescrição por um dos credores solidários não aproveita
aos demais, salvo quando a obrigação for indivisível (art. 201, CC).
3.1.2 Prescrição da exceção
O novo Código Civil afirma que a exceção prescreve no mesmo prazo em que prescreve a
ação. No entanto, há de se fazer uma distinção indispensável. É que há exceções próprias
– aquelas em que a parte apenas se defende, sem atacar a parte autora (ex.: pagamento
em ação de cobrança) –, que somente são manejáveis pela via de defesa (contestação e
exceção em sentido estrito). Estas, por não envolverem uma pretensão e serem apenas
faculdades processuais, seriam imprescritíveis e poderiam ser alegada sempre que fosse
necessário.

Já as denominadas exceções impróprias (também chamadas de substanciais) – aquelas


em que a parte, além de se defender, ataca a parte autora (ex.: pedido de pagamento em
dobro no caso da cobrança do que já fora pago) – que poderiam, inclusive, ser veiculadas
através de uma ação própria ou de uma reconvenção, são verdadeiros contradireitos. Estas
sim consubstanciam uma pretensão, prescrevem no mesmo prazo da ação que seria
possível ajuizar para exigir a prestação correspondente.
Enunciado n. 415, CJF: “O art. 190 do Código Civil refere-se apenas às exceções impróprias
(dependentes/não autônomas). As exceções propriamente ditas
(independentes/autônomas) são imprescri veis”.
Assim, se sou réu numa demanda de cobrança e pretendo opor compensação de uma
dívida já prescrita, o juiz poderá reconhecer a prescrição da exceção de compensação.

3.1.3 Prazos Prescricionais


Todos os prazos prescricionais estão organizados nos arts. 205 e 206 do CC/2002, sendo
os demais de natureza decadencial.
Os prazos de prescrição são todos em anos. Por outra via, os prazos de decadência podem
ser em dias, meses, ano e dia ou anos.

82
Direito Civil 2016 83

A prescrição está associada às ações condenatórias, ou seja, àquelas ações relacionadas


com direitos subjetivos, próprio das pretensões pessoais.
Por outro lado, a decadência está associada a direitos potestativos e às ações constitutivas,
sejam elas positivas ou negativas. A decadência, portanto, tem relação com um estado de
sujeição, próprio dos direitos potestativos.
Por fim, as ações meramente declaratórias, como aquelas que buscam a nulidade absoluta
de um negócio, tecnicamente, não estão sujeitas à prescrição ou a decadência.

a) Art. 205 - cláusula geral de 10 anos (tanto para ações reais quanto pessoais, ao
contrário do CC/16, que fazia distinção entre ambas).
b) Art. 206 - prazos específicos.

Observações importantes

1) A renúncia somente é possível após se consumar a prescrição. Pode ser expressa


ou tácita, judicial ou extrajudicial.
2) Tais prazos não podem ser alterados por vontade das partes (art. 192, CC).
3) A prescrição pode ser alegada a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição
(art. 193, CC).
4) Em rescisória, somente se for prescrição de direito não patrimonial, o que
configuraria hipótese de violação à lei.
5) A prescrição de obrigação constante de título executivo judicial somente pode ser
alegada, na fase de execução, se posterior à sentença. Se se tratar, todavia, de
título executivo extrajudicial, é ampla a defesa.
6) A ação do particular contra a Administração Pública prescreve em 05 anos (Decreto

20.910/32), no caso das Fazendas federal, estadual e municipal, sendo que o
Decreto-lei 4.597/42 elasteceu a regra para alcançar as autarquias (mas não as
pessoas jurídicas de direito privado que integram a Administração Indireta, sendo
demonstração disso a Súmula 39 do STJ). Frise-se que o STJ e o STF pacificaram
a questão referente ao prazo prescricional de 05 anos, e não de 03, conforme
previsto no CC/02 (sentença cível TRF 5), por se tratar de prazo especial. *O prazo
prescricional referente à pretensão de reparação civil contra a Fazenda Pública é
quinquenal, conforme previsto no art. 1º do Decreto-Lei n. 20.910/1932, e não trienal,
nos termos do art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil de 2002, que prevê a prescrição
em pretensão de reparação civil (STJ, AgRg no REsp 1256676/SC).
7) No caso de prestações de trato sucessivo, a prescrição fulmina apenas a pretensão
equivalente ao quinquênio anterior à propositura da ação (Súmula 85, STJ: “nas
relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como
devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição
atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura
da ação”).
8) O prazo prescricional não se reinicia com a morte do autor da herança, dispondo o
sucessor apenas do prazo restante. O dispositivo se aplica tanto em relação a
prazos a favor como contra o sucessor. Denomina-se acessio temporis e opera tanto
a favor do sucessor causa mortis (herdeiro) como a inter vivos, sendo que, no
83
Direito Civil 2016 84

segundo caso, é facultado ao sucessor somar os prazos de prescrição. Accessio


temporis, na hipótese, é a continuação da posse pela soma da posse do possuidor
atual com a dos anteriores, ou seja, é a soma dos tempos de posse de ambos, desde
que sem interrupção de continuidade entre uma e outra. São duas as espécies: a
sucessão e a união.

3.1.4 Prescrição intercorrente


O CC/2002 admite implicitamente no art. 202, parágrafo único, ao estabelecer que “a
prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu ou do último
ato do processo para a interromper”. Assim, quando a interrupção é judicial ela só volta a
correr após o último ato do processo e se for extrajudicial, a partir do próprio ato interruptivo.
A prescrição intercorrente se verificará pela inércia continuada e ininterrupta do autor do
processo já iniciado, durante tempo suficiente para ocorrência da própria perda da
pretensão. Cuidado: Suspensa a ação de execução por ausência de bens penhoráveis, nos
termos do art. 791, III, do CPC, impossível a decretação da prescrição intercorrente.
Precedentes (AgRg no AREsp 542.594/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA
TURMA, julgado em 09/12/2014, DJe 15/12/2014).

Imprescritibilidade
Em razão do mesmo fundamento social, não se admitem em matéria civil, em regra, direito
subjetivos imprescritíveis.
Porém, há exceções, como os direitos de personalidade que por dizerem respeito ao núcleo
da proteção da dignidade da pessoa humana são absolutos e, assim, imprescritíveis.
Alguns autores defendem a prescrição da pretensão reparatória decorrente da violação de
tais direitos (ex.: dano moral por ofensa à imagem), mas a moderna doutrina do direito civil
constitucionalizado defende que toda ofensa a um direito de personalidade é sempre atual,
o que renovaria a todo momento o termo inicial do prazo de prescrição da pretensão
reparatória, o que tornaria tal pretensão imprescritível.
Em matéria de direito administrativo, tem-se que pretensões de reparação de danos
causados ao Erário são imprescritíveis (art. 37, § 5º, CF/88).
3.2 Decadência.
Legislação básica: arts. 207 a 211, CC.

Definição: “decadência é a extinção do direito pela inércia de seu titular, quando sua eficácia
foi, de origem, subordinada à condição de seu exercício dentro de um prazo prefixado, e
este se esgotou sem que esse exercício se tivesse verificado”.
Também chamada de caducidade, é a perda do direito potestativo em razão do seu não
exercício no prazo legal ou contratualmente estabelecido (DIDIER, p. 571). Estão
relacionados com aquelas ações que visam a constituir positiva ou negativamente atos e
negócios jurídicos.
A decadência (legal) não pode ser renunciada pelas partes, nem depois de consumada,
diferentemente da prescrição, que pode ser renunciada depois de consumada.
A ação ajuizada, para obstar a decadência, não pode ser proposta perante juiz
absolutamente incompetente.
3.2.1 Conclusões. TESE ADOTADA PELO NOVO CÓDIGO CIVIL
Primeira regra - estão sujeitas a prescrição todas as ações condenatórias (e somente elas).
Segunda regra - estão sujeitas a decadência (indiretamente, isto é, em virtude da
decadência do direito a que correspondem): as constitutivas que têm prazo especial de
exercício fixado em lei. Terceira regra - são perpétuas (ou imprescritíveis) todas as ações

84
Direito Civil 2016 85

declaratórias, e também aquelas ações constitutivas para as quais a lei não fixa prazo
especial de exercício.
Várias inferências imediatas podem ser extraídas daquelas três proposições. Assim:
a) não há ações condenatórias perpétuas (imprescritíveis)12, nem sujeitas à decadência;
b) não há ações constitutivas sujeitas à prescrição;
c) não há ações declaratórias sujeitas à prescrição ou a decadência.

PRESCRIÇÃO DECADÊNCIA
Fulmina a pretensão de ver reparado Atinge o direito potestativo em si,
um direito subjetivo patrimonial. podendo alcançar relações não
patrimoniais.
Pressupõe o não exercício do direito Pressupõe prazo para o exercício do
de defesa. próprio direito material.
Admite interrupção, suspensão A decadência legal, salvo disposição
e renúncia. legal, não admite.
Deriva apenas da lei. A decadência convencional pode
derivar da vontade das partes.
Somente se inicia com a violação ao Se inicia juntamente com o direito.
direito.
Deve ser conhecida de ofício. A decadência legal deve ser conhecida
de ofício, a convencional não.
Atinge as ações condenatórias17. Atinge as ações constitutivas (positivas
ou negativas) se houver prazo fixado na
lei.
Após a consumação, pode ser A decadência legal não admite
renunciada, desde que não prejudique renúncia, nem após a sua consumação.
a terceiros.
PRECLUSÃO E PEREMPÇÃO
São institutos de direito processual que
não se confundem com prescrição e
decadência, institutos de direito material.
Vejamos:
1. Preclusão diz respeito à perda de
uma faculdade processual,
podendo ser temporal, lógica ou
consumativa.
2. Perempção concerne à perda do
direito de propor uma ação em
virtude de ter a parte dado causa
por 3 vezes à extinção do
processo sem julgamento do
mérito, tendo em vista a mesma
demanda.

12
Com exceção daquela visando ao ressarcimento do Erário, nos casos de improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 5º, da CF/88.

85
Direito Civil 2016 86

3.2.2 Súmulas, jurisprudência e Enunciados das Jornadas de Direito Civil


concernentes
à prescrição e à decadência

SÚMULA 149 do STF: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o


é a petição de herança”.

SÚMULA 150 do STF: “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”.

17

SÚMULA 153 do STF: “Simples protesto cambiário não interrompe a prescrição”.


(superada).

SÚMULA 443 do STF: “A prescrição das prestações anteriores ao período previsto em lei
não ocorre, quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o próprio direito reclamado
ou a situação jurídica de que ele resulta”.

SÚMULA 85 do STJ: “Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública
figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a
prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura
da ação.”

SÚMULA 106 do STJ: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na
citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da
arguição de prescrição ou decadência.”

SÚMULA 119 do STJ (Desapropriação indireta): “A ação de desapropriação indireta


prescreve em vinte anos.” (superada)

Obs. Cuidado. A súmula 119 do STJ foi editada em 1994 e não está mais em vigor,
considerando que utilizava como parâmetro o CC-1916. Atualmente, a ação de
desapropriação indireta prescreve em 10 anos. Foi o que decidiu a 2ª Turma do STJ no
REsp 1.300.442-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 18/6/2013. O fundamento é o
prazo da usucapião extraordinária, levando em conta a posse-trabalho. Segundo o Dizer o
Direito, o tema é ainda polêmico, pois a decisão foi adotada por uma turma, mas em
concursos Cespe, adotar 10 anos (data desta atualização – 4/2/2015).

SÚMULA 142 do STJ (Marca comercial): “Prescreve em vinte anos a ação para exigir a
abstenção do uso de marca comercial.“ (cancelada) V. Súmula 143, abaixo. Atenção!
REsp418580/SP
2002/0026981-9 T3 – TERCEIRA TURMA – DJ 11/02/2003Nome comercial.
Abstenção de uso. Prescrição. Cancelamento da Súmula nº 142 da Corte.1.
Com o cancelamento da Súmula nº 142, a Corte afastou o prazo de prescrição
de vinte anos para a ação que tenha por objetivo a abstenção do uso do nome
ou da marca comercial; a anterior jurisprudência já afastava, de todos os
modos, a incidência do art. 178, § 10, IX, do Código Civil, isto é, o prazo de
cinco anos; em conclusão, aplicável o art. 177, segunda parte, do Código Civil,

86
Direito Civil 2016 87

sendo de dez anos entre presentes e quinze entre ausentes o prazo de


prescrição. 2. Recurso especial conhecido e provido.
OBS: Conclui-se que o atual prazo é o geral previsto no art. 205, CC/2002, de
10 anos.
SÚMULA 143 do STJ (Marca comercial): “Prescreve em cinco anos a ação de perdas e
danos pelo uso de marca comercial.”

SÚMULA 194 do STJ: “Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor,
indenização por defeitos da obra”. Atenção!
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO.
PRAZO. GARANTIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO. DEZ ANOS. CLÁUSULA DE
RESERVA DE PLENÁRIO.1. "O prazo de
cinco (5) anos do art. 1245 do Códigol, relativo à responsabilidade do
Civi construtor pe-
la solidez e segurança da obra é de garantia e não de prescrição ou
efetuada, decadên-
cia. Apresentados aqueles defeitos no referido período, o construtor poderá
ser acionado no prazo prescricional de vinte (20) anos" (REsp 215832/PR, Rel.
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em
06/03/2003, DJ 07/04/2003, p. 289).2. Prescreve em vinte anos a ação para
obter, do construtor, indenização por defeito da obra, na vigência do Código
Civil de 1916, e em 10 anos, na vigência do Código atual, respeitada a regra de
transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002. 3. Não se aplica o
prazo de decadência previsto no parágrafo único do art. 618 do Código Civil
de 2012, dispositivo sem correspondente no código revogado, aos defeitos
verificados anos antes da entrada em vigor do novo diploma legal.4. Agravo
regimental a que se nega provimento.(AgRg no REsp 1344043/DF, Rel. Ministra
MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe
04/02/2014)

SÚMULA 210 do STJ; “A AÇÃO DE COBRANÇA DAS CONTRIBUIÇÕES PARA O FGTS


PRESCREVE EM TRINTA (30) ANOS”. (Superada). Atenção!
“O pra o prescricional para a cobrança judicial dos valores devidos rela vos
ao é de 05 anos. Isso porque a verba de FGTS tem natureza trabalhista,
devendo ser aplicado o art. 7o, XXIX, da CF/88. Antes, entendia-se, de forma
consolidada, que esse prazo era de 3 anos. omo ouve uma mudança brusca
da jurisprudência, o , por ra es de segurança jurídica, modulou os e eitos
desta decisão. Assim, esse novo prazo prescricional de 5 anos somente vale
a partir deste julgado do Supremo. O art. 23, § o, da ei 8. 3 9 e o art. do
ecreto 99. 8 9 , ue previam o pra o prescricional de 3 anos, oram julgados
incons tucionais. . lenário. ARE 709212/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado
em 13 11 2 1 (In o 9)”. onte: i er o ireito. Acesso em 4-2-2-15.

SÚMULA 229 do STJ; “O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o


prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão”.

SÚMULA 278 do STJ: “O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a


data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral”.

SÚMULA 291 do STJ: “A ação de cobrança de parcelas de complementação de


aposentadoria pela previdência privada prescreve em cinco anos”.

SÚMULA 405: A ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos.

87
Direito Civil 2016 88

SÚMULA 412: A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao


prazo prescricional estabelecido no Código Civil.

SÚMULA 427: A ação de cobrança de diferenças de valores de complementação de


aposentadoria prescreve em cinco anos contados da data do pagamento.

SÚMULA 503 do STJ: “O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente
de cheque sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data de emissão
estampada na cártula.”

SÚMULA 504 do STJ: “O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente
de nota promissória sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte ao
vencimento do título.”

SÚMULA 547/STJ: “Nas ações em que se pleiteia o ressarcimento dos valores pagos a
título de participação financeira do consumidor no custeio de construção de rede elétrica, o
prazo prescricional é de vinte anos na vigência do Código Civil de 1916. Na vigência do
Código Civil de 2002, o prazo é de cinco anos se houver previsão contratual de
ressarcimento e de três anos na ausência de cláusula nesse sentido, observada a regra de
transição disciplinada em seu art. 2.028”.

3.2.3 Jurisprudência:
DCC - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO FUNDADA EM CONTRATO DE
RESSEGURO.
Prescreve em 1 ano a pretensão de sociedade seguradora em face de
ressegurador ba-
seada em contrato de.
resseguro

O CC prevê que, para qualquer pretensão decorrente do contrato de seguro


privado, o prazo de prescrição é de 1 ano. No STJ, há muito já se firmou
jurisprudência quanto à prescrição ânua da pretensão do segurado contra a
seguradora. Nisso se inclui o seguro do segurador, isto é, o resseguro.
(Fonte: material de informativos do MPF – acesso em 4-2-2015).
DIREITO CIVIL. AÇÃO CIVIL EX DELICTO.
O termo inicial do prazo de prescrição para o ajuizamento da ação de
indenização por danos decorrentes de crime (ação civil ex delicto) é a data do
trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ainda que se trate de
ação proposta contra empregador em razão de crime praticado por empregado
no exercício do trabalho que lhe competia. Sabe-se que, em regra, impera a
noção de independência entre as instâncias civil e criminal (art. 935 do CC). O
CC, entretanto, previu dispositivo inédito em seu art. 200, recon ecendo causa
impeditiva da prescrição. e acordo com o re erido artigo, “Quando a ação se
originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a
prescrição antes da respectiva sentença de initiva”. Assim, prestigiando a
boa-fé e a segurança jurídica, estabelece a norma que o início do prazo
prescricional não decorre da violação do direito subjetivo em si, mas, ao
contrário, a partir da definição por sentença no juízo criminal que apure
definitivamente o fato, ou seja, há uma espécie legal de actio nata. A aplicação
do art. 200 do CC tem valia quando houver relação de prejudicialidade entre
as esferas cível e penal – isto é, quando a conduta originar-se de fato também
a ser apurado no juízo criminal –, sendo fundamental a existência de ação
penal em curso (ou, ao menos, inquérito policial em trâmite) (...) REsp
1.135.988-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/10/2013.

88
Direito Civil 2016 89

DIREITO CIVIL. PRAZO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE COBRANÇA DE


COTAS CONDOMINIAIS.
Prescreve em cinco anos, contados do vencimento de cada parcela, a
pretensão, nascida sob a vigência do CC/2002, de cobrança de cotas
condominiais. Isso porque a pretensão, tratando-se de dívida líquida desde
sua definição em assembleia geral de condôminos e lastreada em documentos
físicos, adequa-se à previsão do art. 206, § 5º, I, do CC/2002, segundo a ual
prescreve em cinco anos “a pretensão de cobrança de dívidas lí uidas
constantes de instrumento público ou particular”. Ressalte-se que, sob a
égide do CC/1916, o STJ entendia aplicável o prazo de prescrição de vinte anos
à pretensão de cobrança de encargos condominiais, tendo em vista a natureza
pessoal da ação e consoante o disposto no art. 177 do referido código (...)
REsp 1.366.175-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/6/2013.
DIREITO CIVIL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE COBRANÇA DE VALORES
PAGOS EM CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL
RESCINDIDO JUDICIALMEN-
TE.
Prescreve em dez anos — e não em três — a pretensão de cobrança dos
valores pagos pelo promitente comprador em contrato de promessa de
compra e venda de imóvel na hipótese em que tenha ocorrido a rescisão
judicial do referido contrato e, na respectiva sentença, não tenha havido
menção sobre a restituição. O art. 206, § 3º, do CC/2002 estabelece a
prescrição trienal tanto para a pretensão de “ressarcimento” de enri
uecimento sem causa (inciso IV) como para a pretensão de “reparação civil”
(inciso V). A pretensão de cobrança de valores pagos no período de
normalidade contratual surgida em decorrência da rescisão do contrato não
se enquadra às hipóteses descritas nos referidos dispositivos legais. De fato,
o enriquecimento sem causa é gênero do qual o pagamento indevido é
espécie. Ocorre que o aludido inciso IV não impôs o prazo prescricional de
três anos para toda e qualquer hipótese em que se verificar um
enriquecimento descabido, mas somente para os casos em ue se re ueira o
“ressarcimento” de enri uecimento sem causa. Quando a pretensão não for de
ressarcimento, mas de outra natureza, por exemplo, de cobrança, não se
aplica o prazo prescricional trienal estabelecido pelo art. 206, § 3º, IV. Também
não é possível a aplicação do prazo prescricional de três anos previsto no
apontado inciso V à pretensão de cobrança, pois esse dispositivo se aplica à
pretensão de reparação civil, expressão que designa indenização por perdas
e danos e está associada, necessariamente, aos casos de responsabilidade
civil, ou seja, aqueles que têm por antecedente ato ilícito. Com efeito, a
pretensão de cobrança dos valores pagos no decorrer do contrato não tem
natureza indenizatória e constitui consectário lógico da rescisão do negócio
jurídico, o que impõe a ambas as partes a restituição das coisas ao estado
anterior. Dessa forma, a pretensão de restituição de valores pagos em razão
de desfazimento de negócio jurídico submete-se ao prazo prescricional geral
de dez anos, previsto no art. 205 do CC/2002, e não ao prazo especial de três
anos constante do art. 206, § 3º, IV e V, do mesmo diploma. REsp 1.297.607-
RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 12/3/2013.
DIREITO CIVIL. PRESCRIÇÃO. PRAZO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE
COBRANÇA DE ANUIDADES PELA OAB.
Após a entrada em vigor do CC/2002, é de cinco anos o prazo de prescrição
da pretensão de cobrança de anuidades pela OAB. De acordo com o art. 46,
parágrafo único, da Lei n. 8.906/1994, constitui título executivo extrajudicial a
certidão passada pelo Conselho competente referente a crédito decorrente de
contribuição devida à OAB, não sendo necessária, para sua validade, sequer
a assinatura do devedor ou de testemunhas. Assim, o título que embasa a
referida cobrança é espécie de instrumento particular que veicula dívida
líquida, sujeitando-se, portanto, ao prazo quinquenal estabelecido no art. 206,
§ º, I, do 2 2, aplicável à “pretensão de cobrança de dívidas lí uidas
constantes de instrumento público ou particular”. É certo ue, até o início da

89
Direito Civil 2016 90

vigência do 2 2, não havia norma específica regulando a prescrição da


referida pretensão, motivo pelo qual se lhe aplicava o prazo geral de vinte anos
previsto no CC/1916. Todavia, com o advento do CC/2002, havendo regra
específica a regular o caso, qual seja, a do art. 206, § 5º, I, é inaplicável o prazo
geral de dez anos previsto no art. 205 do mesmo diploma legal. AgRg nos EDcl
no REsp 1.267.721-PR, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 11/12/2012.
(…) O Plenário do STF, em reiterados julgamentos, assentou o
entendimento de que o prazo decadencial de 05 (cinco) anos, de
que trata o art. 54 da Lei 9.784/1999, não se aplica à revisão de
atos de delegação de serventias extrajudiciais editados após a
Constituição de 1988, sem o atendimento das exigências
prescritas no seu art. 236.

O prazo decadencial de 04 anos estabelecido no art. 1.614 do


CC/2002 aplica-se apenas aos casos em que se pretende,
exclusivamente, DESCONSTITUIR o reconhecimento de filiação,
não tendo incidência nas investigações de paternidade, nas
quais a anulação do registro civil constitui mera consequência
lógica da procedência do pedido (inf. 556/STJ).

A pretensão de cobrança e a pretensão a diferenças de valores do


seguro obrigatório (DPVAT) prescrevem em três anos, sendo o termo
inicial, no último caso, o pagamento administrativo considerado a
menor (Inf. 559/STJ).

O termo inicial do prazo de prescrição da pretensão ao recebimento


de honorários advocatícios contratados sob a condição de êxito da
demanda judicial, no caso em que o mandato foi revogado por ato
unilateral do mandante antes do término do litígio judicial, é a data do
êxito da demanda, e não a da revogação do mandato (Inf. 560/STJ).

O § 5º do art. 219 do CPC ("O juiz pronunciará, de ofício, a


prescrição") não autoriza a declaração, de ofício, da usucapião (Inf.
560/STJ).

É quinquenal o prazo prescricional para a propositura de ação


indenizatória ajuizada por vítima de acidente de trânsito contra
concessionária de serviço público de transporte coletivo (Inf.
563/STJ).

O promitente comprador, amparado em compromisso de compra


e venda de imóvel cujo preço já tenha sido integralmente pago,
tem o direito de requerer judicialmente, a qualquer tempo, a
adjudicação compulsória do imóvel. (…) as tutelas meramente
DECLARATÓRIA (v.g., de nulidade) e as constitutivas sem
previsão de prazo em lei não se sujeitam a prazo prescricional ou
decadencial. À primeira vista, a circunstância de o pedido de
adjudicação compulsória consubstanciar-se em exercício de direito
potestativo - e reclamar, por outro lado, uma tutela de natureza
constitutiva - poderia conduzir à conclusão de que tal pedido estaria,
em tese, sujeito a prazo decadencial. Entretanto, isso não ocorre, haja

90
Direito Civil 2016 91

vista a inexistência de previsão legal. (…) o Código Civil de 2002,


assim como o Estatuto Civil de 1916, não tem um prazo geral e
amplo de decadência, como tem em relação ao prazo de
prescrição. Tanto o CC/1916 quanto o CC/2002 fizeram a opção
de elencar de forma esparsa e sem excluir outros diplomas, os
direitos potestativos cujo exercício está sujeito a prazo
decadencial. Portanto, à míngua de previsão legal, o pedido de
adjudicação compulsória, quando preenchidos os requisitos da
medida, poderá ser realizado a qualquer momento (Inf. 570/STJ).

O prazo prescricional em ação de improbidade administrativa


movida contra prefeito reeleito só se inicia após o término do
segundo mandato, ainda que tenha havido descontinuidade
entre o primeiro e o segundo mandato em razão da anulação de
pleito eleitoral, com posse provisória do Presidente da Câmara,
por determinação da Justiça Eleitoral, antes da reeleição do
prefeito em novas eleições convocadas. (…) O fato de o Presidente
da Câmara Municipal ter assumido provisoriamente, conforme
determinação da Justiça Eleitoral, até que fosse providenciada nova
eleição, não descaracterizou a legislatura. (Inf. 571/STJ).

A prescrição da pretensão de cobrança da dívida extingue o direito


real de hipoteca estipulado para garanti-la (Inf. 572/STJ).

3.2.4 Enunciados das Jornadas I, III, IV, V e VI JORNADAS DE DIREITO CIVIL DO


C.J.F.

14 – Art. 189: 1) o início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que
decorre da exigibilidade do direito subjetivo; 2) o art. 189 diz respeito a casos em que a
pretensão nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação de não
fazer.

40 - O prazo prescricional de 06 (seis) meses para o exercício da pretensão à execução do


cheque pelo respectivo portador é contado do encerramento do prazo de apresentação,
tenha ou não sido apresentado ao sacado dentro do referido prazo. No caso de cheque pós-
datado apresentado antes da data de emissão ao sacado ou da data pactuada com o
emitente, o termo inicial é contado da data da primeira apresentação.

50 - A partir da vigência do novo Código Civil, o prazo prescricional das ações de reparação
de danos que não houver atingido a metade do tempo previsto no Código Civil de 1916
fluirá por inteiro, nos termos da nova lei (art. 206).

154 – Art. 194: O juiz deve suprir de ofício a alegação de prescrição em favor do
absolutamente incapaz.

155 – Art. 194: O art. 194 do Código Civil de 2002, ao permitir a declaração ex officio da
prescrição de direitos patrimoniais em favor do absolutamente incapaz, derrogou o disposto
no § 5º do art. 219 do CPC.

156 – Art. 198: Desde o termo inicial do desaparecimento, declarado em sentença, não
corre a prescrição contra o ausente.
91
Direito Civil 2016 92

295 – Art. 191. A revogação do art. 194 do Código Civil pela Lei n. 11.280/2006, que
determina ao juiz o reconhecimento de ofício da prescrição, não retira do devedor a
possibilidade de renúncia admitida no art. 191 do texto codificado.

296 – Art. 197. Não corre a prescrição entre os companheiros, na constância da união
estável.

299 – Art. 2.028 – Iniciada a contagem de determinado prazo sob a égide do Código Civil
de 1916, e vindo a Lei nova a reduzi-lo, prevalecerá o prazo antigo, desde que transcorrido
mais da metade deste na data da entrada em vigor do Novo Código. O novo prazo será
contado a partir de 11 de janeiro de 2003, desprezando-se o tempo anteriormente decorrido,
salvo quando não aproveitamento do prazo já decorrido implicar aumento do prazo
prescricional previsto na lei revogada, hipótese em que deve ser aproveitado o prazo já
decorrido durante o domínio da lei antiga, estabelecendo-se uma continuidade temporal.

311 - Caso não seja pago o preço fixado para a desapropriação judicial, e ultrapassado o
prazo prescricional para se exigir o crédito correspondente, estará autorizada a expedição
de mandado para registro da propriedade em favor dos possuidores.

368 - Art. 496: O prazo para anular venda de ascendente para descendente é decadencial
de dois anos (art. 179 do Código Civil).
415- O art. 190 do Código Civil refere-se apenas às exceções impróprias (dependentes/não
autônomas). As exceções propriamente ditas (independentes/autônomas) são
imprescritíveis.

416 - Art. 202: A propositura de demanda judicial pelo devedor, que importe impugnação
do débito contratual ou de cártula representativa do direito do credor, é causa interruptiva
da prescrição.

417 - O art. 202, I, do CC deve ser interpretado sistematicamente com o art. 219, § 1º, do
CPC, de modo a se entender que o efeito interruptivo da prescrição produzido pelo
despacho que ordena a citação é retroativo até a data da propositura da demanda.

418 – Art. 206: O prazo prescricional de três anos para a pretensão relativa a aluguéis
aplica-se aos contratos de locação de imóveis celebrados com a administração pública.

419 - Art. 206, § 3º, V: O prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação
civil aplicase tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual.

420 - Art. 206, § 3º, V: Não se aplica o art. 206, § 3º, V, do Código Civil às pretensões
indenizatórias decorrentes de acidente de trabalho, após a vigência da Emenda
Constitucional n. 45, incidindo a regra do art. 7º, XXIX, da Constituição da República.

3.3 Prova
Arts. 212 a 232, CC.

3.3.1 Noções Gerais

92
Direito Civil 2016 93

a) A matéria relativa à prova não é tratada, como no CC/1916, junto ao negócio


jurídico, pois todos os fatos jurídicos, e não apenas o negócio jurídico, são
suscetíveis de ser provados (GONÇALVES, p. 490).
b) O ordenamento brasileiro adota o sistema da persuasão racional, consagrando o
livre convencimento motivado, de modo que o juiz, livremente, forme o seu juízo
de convencimento, respeitados, todavia, alguns parâmetros de valoração
probatória (FARIAS, p. 771).
c) Impossibilidade de se discutir em sede de recurso extraordinário e especial a
análise probatória do caso concreto submetido à atividade judiciária. Exceção: na
hipótese de aplicação indevida dos institutos jurídicos relativos à prova, admitir-
se-á o recurso especial com o propósito de assegurar a correta aplicação da lei
federal (FARIAS, p. 771).
d) Tendo em vista que a compreensão do princípio do contraditório perpassa pela
ideia da paridade de armas entre as partes de um processo, é possível inferir a
existência de um verdadeiro direito constitucional à prova, encartado
implicitamente dentre as garantias fundamentais e decorrendo das
manifestações do devido processo legal em sentido substancial e processual
(FARIAS, p. 776). Tal direito, todavia, por não ser absoluto, deve ser ponderado
com outras garantias constitucionais quando houver colidência.

3.3.2 Conceitos

Prova significa, a um só tempo, os instrumentos de que se vale o magistrado para formatar


o seu convencimento (sentido objetivo), a partir dos fatos que passa a conhecer, bem assim
como o próprio juízo valorativo que se forma a partir dos fatos que são expostos e afirmados
(sentido subjetivo – FARIAS, p. 772).
Nesta seara, merece ênfase o fato de estar superada a ideia de que a prova seria um meio
para reconstrução de fatos ou demonstração da verdade, sobretudo em razão da
intangibilidade do conceito desta última. Assim sendo, constitui a prova um elemento
argumentativo e dialético que permite ao magistrado fazer um juízo de valor sobre os fatos
demonstrados, e não necessariamente sobre os fatos concretamente ocorridos (juízo de
verossimilhança; verdade possível).
Aspectos relevantes:
1. São objeto de prova os fatos: relevantes, pertinentes, controversos e precisos. Por
sua vez, não são objeto de prova os fatos (prova inútil): notórios, incontroversos e
presumidos, bem como as negativas absolutas e, em regra, o direito.
2. Em razão da vedação ao non liquet é que o ônus da prova consiste numa regra de
julgamento, servindo ao magistrado nos casos em que a produção da prova foi
ausente ou insuficiente.

O art. 333 do CPC adota a teoria estática do ônus da prova, estabelecendo, de logo, de
quem é o ônus. Entretanto, há uma simpatia de parte da doutrina e da jurisprudência pela
teoria da carga probatória dinâmica, que se constitui numa alteração ope judicis do ônus da
prova segundo o critério de quem tem melhores condições de produzir a prova no caso
concreto.
CDC: no art. 6º, VIII permite expressamente a inversão do ônus da prova ope judicis se
presentes os requisitos ali afirmados. Por sua vez, no art. 38 há uma hipótese de inversão

93
Direito Civil 2016 94

ope legis. O STJ decidiu recentemente que se trata de uma regra de procedimento e não
de julgamento, devendo ocorrer durante o saneamento processual.

Prova emprestada: é admitida para a demonstração de fatos, como meio de prova


documental, desde que presentes os seguintes requisitos: i) tenha sido produzida sob o
pálio do contraditório; ii) tenha sido produzida em contenda da qual tenham participado os
mesmo litigantes (OBS.: Para o STJ, a prova emprestada não pode se restringir a processos
em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade
sem justificativa razoável para isso (STJ. Corte Especial. EREsp 617.428-SP, Rel. Min.
Nancy Andrighi, julgado em 4/6/2014 (Info 543)); e iii) haja identidade entre os fatos
probandos e provados. Fundamentos dessa prova: Princípio da economia processual;
Princípio da busca da verdade possível uma vez que nem sempre será possível produzir a
prova novamente (fonte: Dizer o Direito, acesso em 4-2-2015).
Os poderes do juiz na produção de provas: hodiernamente, o juiz assumiu posição ativa,
que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que
o faça com imparcialidade e resguardado o princípio do contraditório. Isso ocorre, pois, dada
a superação da falsa ideia da verdade formal no processo civil (STJ), o juiz também é
interessado na prova a fim de que o seu mister de julgar atinja os objetivos colimados,
dentre outros, a justa solução do litígio. Prova do direito estrangeiro em instrumentos
jurídicos internacionais: PROTOCOLO DE LAS LEÑAS (art. 28), criou mecanismos
alternativos e mais céleres de cooperação entre as autoridades centrais a fim de que sejam
fornecidas informações sobre o sentido do alcance legal de seus próprios direitos (sem
vincular o magistrado, entretanto); CÓDIGO DE BUSTAMANTE (arts. 399 a 410), admite
diferentes formas e meios de prova do direito alienígena, por exemplo, através de certidão
de dois advogados militantes no local da lei estrangeira.
Prova ilícita: caráter ético no uso da prova. Ao contrário do que ocorre no âmbito penal, a
jurisprudência tem sido rigorosa em negar a possibilidade de aplicação da prova ilícita em
sede cível.
Teoria dos frutos da árvore envenenada (the fruit of poisonous tree) – É a chamada prova
ilícita por derivação.
Violação do sigilo das comunicações: na esfera cível é plenamente possível a gravação de
conversa por um dos interlocutores, ainda que sob o desconhecimento da outra parte,
servindo como idôneo mecanismo probatório por não caracterizar interceptação telefônica
(esta última apenas é admissível na esfera criminal). Os negócios formais são provados
exclusivamente pela exibição do instrumento compatível com o atendimento da forma
especial exigida por lei.

Espécies de prova. Ressalvada a hipótese de a lei exigir forma especial ou solene, o fato
jurídico pode ser provado, segundo reza o artigo 212 do CC/02 mediante:

• Confissão
• Documento
• Testemunha
• Presunção
• Perícia

a) Confissão. Mesmo que a parte tenha alegado a inexistência de negócio jurídico, mas
afirmou fatos que desacreditam aquela alegação, é confitente. Ex. se Antonio pretende em
juízo a declaração de inexistência de determinada relação negocial, mas, ao depor perante
94
Direito Civil 2016 95

o juiz, afirmar ter feito a declaração de vontade constitutiva dessa relação, a prova da
existência do negócio jurídico decorre de confissão.
A confissão é o reconhecimento livre da veracidade do fato que a outra parte da relação
jurídica ou do próprio negócio pretende provar, conforme discorre o artigo 212 do CC/02.
De acordo com o artigo 348 do CPC:
“ á con issão, uando a parte admite a verdade de um ato, contrário ao seu
interesse e avorável ao adversário. A con issão é judicial ou extrajudicial”.
Se o depoente não é capaz para dispor do direito a que se referem os fatos confessados,
a confissão é ineficaz (CC, art. 213). Em consequência da ineficácia da confissão, a
existência do negócio jurídico não se reputa provada pelo depoimento do incapaz. Isso não
significa, porém, que o negócio será também ineficaz ou que não exista. Outras provas
podem demonstrar a sua existência. Se a confissão é feita pelo representante da parte, a
eficácia probatória limita-se pelos poderes de que se encontrava investido (CC, art. 213.
parágrafo único). É ineficaz a confissão feita pelo advogado, por exemplo, que recebera
poderes ad judicia (que o habilitam a postular em juízo por seu cliente), mas não os
especiais para confessar.
De acordo com o artigo 214 do CC/02, a confissão é irrevogável, podendo ser anulada por
coação (por violência psicológica sofrida) ou erro de fato (quando o declarante se equivoca
sobre a natureza do negócio, suas qualidades essenciais, seu objeto ou quanto à pessoa
do outro declarante e culmina por confessar, por engano, fato inverídico, não condizente
com a realidade). Há que se ressaltar, ainda, o caráter da indivisibilidade da confissão
consagrada no artigo 354 do CPC (A confissão é, de regra, indivisível, não podendo a parte,
que a quiser invocar como prova, aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que Ihe
for desfavorável. Cindir-se-á, todavia, quando o confitente lhe aduzir fatos novos,
suscetíveis de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção.).
Observe-se, ainda, o Enunciado 157 da III Jornada de Direito Civil que dispõe:
“Art. 212- O termo ‘con issão’ deve abarcar o conceito lato de depoimento
pessoal, tendo em vista que este consiste em meio de prova de maior
abrangência, plenamente admissível no ordenamento jurídico brasileiro”

b) Documento. Os instrumentos escritos provam a existência do negócio jurídico que neles


se reproduz. São de duas espécies: público ou particular.
São documentos públicos os instrumentos exarados por quem se encontra investido, por
lei, de fé pública, como o tabelião ou o escrivão do cartório judicial. Isso significa que o fato
narrado num documento público, que atende às respectivas formalidades, está, em
princípio, plenamente provado. Se o sujeito faz qualquer declaração perante o tabelião e
este a reproduz em escritura pública, incide o CC, art. 215 (Art. 215. A escritura pública,
lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena).
A escritura pública é exemplo de documento revestido de fé pública. Requisitos: estão
previstos no art. 215, § 1º, CC.
O instrumento público (lavrado por oficial) ou particular (firmado palas próprias partes)
possui significado jurídico próprio, sendo espécie de documento formado com o propósito
de servir de prova do ato representado. Consubstancia, pois, uma prova pré-constituída.
As certidões e traslados fornecidos pelo tabelião ou oficial de registro acerca do constante
de suas notas são outros documentos públicos que provam os negócios jurídicos
correspondentes. O documento particular é o escrito assinado pelas partes do negócio
jurídico. Segundo Moacyr Amaral Santos documento particular é aquele formado por
particulares ou por quem atue nesta qualidade. Presumem-se verdadeiras as declarações
constantes de documento particular em relação aos signatários (CC. art. 219). Se alguém
assina papel em que dá bem de seu patrimônio a outrem, é ônus do primeiro provar que o

95
Direito Civil 2016 96

negócio jurídico não existiu, já que o documento particular cria a presunção de sua
existência. Outros documentos elaborados pelos particulares podem, nos limites legais,
servir de prova da existência de negócios jurídicos, assim os telegramas (CC. art. 222) e a
escrituração dos empresários e sociedades empresárias (CC. art. 226).
Ressalte-se que a formalização de um ato jurídico em instrumento particular somente terá
eficácia erga omnes após o seu necessário registro público em cartório, conforme reza o
artigo 221 do CC/02.
De acordo com a Súmula 489 do STF há o seguinte entendimento:
“a compra e venda de automóvel não prevalece contra terceiros, de boa-fé, se
o contrato não oi transcrito no Registro de ítulos e ocumentos”.
No entanto, pelo fato de a compra e venda não haver sido registrada, o vendedor não
poderá ser responsabilizado pelo comportamento nocivo, causador de acidente, atribuído a
adquirente do veículo, é o que diz a Súmula 132 do STJ :
“a ausência de registro da trans erência não implica a responsabilidade do
antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o veículo
alienado”
A lei também admite para efeito de prova do ato jurídico as certidões textuais de qualquer
peça judicial (artigo 261 do CC/02), dos traslados e certidões extraídas por oficial público
(artigo 217 CC/02), a cópia fotográfica de documento conferida por tabelião de notas (artigo
223 do CC/02), as reproduções fotográficas artigo 223 do CC/02, dos livros e fichas dos
empresários (artigo 226 do CC/02). O Código de Processo Civil ainda tratou sobre o tema
das provas dos artigos 364 a 399.

c) Testemunhas. De acordo com o artigo 212, III, do CC/02, a testemunha também poderá
provar o fato jurídico. Por imperativo de segurança, não se pode, contudo, provar
exclusivamente por testemunhas a existência do negócio jurídico cujo valor ultrapasse dez
vezes o maior salário mínimo. Para os negócios dessa envergadura, a prova testemunhal
é subsidiária ou complementar da prova escrita, exceto se a lei a considerar plena em casos
específicos (CC, art. 227). Entretanto, qualquer que seja o valor de negócio, especialmente
quando houver começo de prova por escrito ou o credor tiver dificuldade em obter a prova
escrita da obrigação, admite-se subsidiariamente a prova testemunhal (artigo 402 do CPC).
São denominadas instrumentárias as testemunhas que presenciam determinado negócio
jurídico celebrado entre as partes e judiciais as testemunhas que depõem em juízo.
O artigo 228 do CC/02 enumera a admissibilidade de testemunhas em nosso ordenamento
jurídico, referindo-se às testemunhas instrumentárias e judiciais. Certas pessoas estão
impedidas de testemunhar, seja em razão da falta de amadurecimento, seja por obstáculo
físico ou carência de isenção. Os menores absolutamente incapazes, os cegos e surdos,
quando a ciência do fato depender dos sentidos deficientes, bem como os interessados no
litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes, o cônjuge e parentes até certo grau
não são confiáveis o suficiente para que o relato deles ao juiz prove a existência do negócio
jurídico. Há, também, pessoas que estão dispensadas de servir de testemunhas, ainda que
conheçam os fatos que a justiça quer esclarecer. São as que devem guardar segredo sobre
eles em razão do estado ou profissão, as que não possam falar sem se expor à desonra,
risco de vida, demanda ou dano patrimonial imediato, ou sem que exponham a esses riscos
o cônjuge, parente em grau sucessível ou amigo íntimo (CC, art. 229). Os artigos 405, 406,
407 e 408 do CPC também dispõem sobre este tema. Por fim, se o juiz entender
estritamente necessário, poderá ouvir testemunhas impedidas ou suspeitas,
independentemente de compromisso, dando aos seus depoimentos o valor que possam
merecer (artigo 405, §4º, do CPC).

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Direito Civil 2016 97

d) Presunção. É a ilação que se extrai de um fato conhecido, para se chegar a um


desconhecido. Não se confunde com indício, que é meio de se chegar a uma presunção
(GONÇALVES, p. 497). As presunções podem ser legais (juris et de jure ou juris tantum)
ou comuns (hominis), sendo estas últimas aquelas que se baseiam no que ordinariamente
acontece, na experiência da vida.
Anote-se que as presunções listadas, pela lei, como meio de prova (CC, art. 212, IV) são
apenas as derivadas de constatações de fato pelo julgador (chamadas de presunções
simples). As presunções legais, embora se relacionem com a questão probatória, não
podem ser consideradas propriamente como provas. Há dois tipos de presunção legal, a
absoluta e a relativa, e nenhum deles é meio de prova. Quando a norma jurídica estabelece
uma presunção absoluta, ela está tornando certo fato (o presumido) insuscetível de
contraprova. A presunção desse tipo, na verdade, não prova o negócio jurídico, mas o
considera existente para todos os efeitos de direito. E, quando a norma estabelece uma
presunção relativa, ela está apenas distribuindo o ônus probatório. Nas hipóteses de
responsabilidade subjetiva com inversão do ônus de prova, por exemplo, presume-se a
culpa do agente causador do dano. Isso não significa que ele será inexoravelmente
responsabilizado; significa apenas que a vítima não tem o ônus de provar a conduta culposa
do agente causador do dano, e este, por sua vez, tem o ônus de provar a inexistência de
culpa. Em outros termos, a presunção relativa importa a redistribuição dos encargos
probatórios entre as partes da relação jurídica.
As presunções estabelecidas pela lei são de duas espécies: absolutas ou relativas. As
presunções absolutas tornam determinado fato insuscetível de contraprova. As relativas
invertem o ônus de prova, transferindo-o de quem alega o fato presumido para quem
favoreceria a prova de sua inocorrência.
A presunção simples é admissível como meio de prova unicamente nas hipóteses em que
o fato é passível de comprovação por testemunhas (CC, art. 230 - As presunções, que não
as legais, não se admitem nos casos em que a lei exclui a prova testemunhal).

Máximas da Experiência Indícios Presunções Hominis


O juiz, como homem culto e O indício é o fato A presunção, ao
vivendo na sociedade, no conhecido do qual, em invés, não tem por
encaminhar as provas, no virtude do princípio de fundamento o
avaliálas, no interpretar e causalidade, se induz o princípio de
aplicar o direito, no decidir, fato desconhecido, ao causalidade, mas sim
enfim, indiscutível e qual se atribui a função o de identidade, pois
necessariamente de do fato conhecido

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Direito Civil 2016 98

usa de uma porção de noções causa ou efeito em induzimos


extrajudiciais, fruto de sua relação ao fato indiretamente o fato
cultura, colhidas de seus desconhecido. desconhecido, em
conhecimentos sociais, virtude de certas
científicos, artísticos ou Provêm de circunstâncias que em
práticos, dos mais regras de casos idênticos
aperfeiçoados aos mais experiência. costumam verificar-
rudimentares. São as noções se. (O indício é meio
a que se costumou denominar de se chegar à
"máximas de experiência" ou presunção).
"regras de experiência", isto é, Provêm de regras de
juízos formados na experiência
observação do que
comumente acontece e que,
como tais, podem ser
formados em abstrato por
qualquer pessoa de cultura
média.

e) Perícia. A perícia é a prova derivada de exame de objeto periciável por especialistas. Se


alguém alega que sua assinatura foi falsificada no instrumento particular em que declara
celebrar certo negócio jurídico, a outra parte pode provar, por perícia, que a firma é
autêntica. Nesse caso, peritos em grafologia examinam o documento particular e assinatura
da parte e, em laudo técnico, atestam a semelhança. Ficará, então, provada a existência
do negócio jurídico pela prova pericial. Em determinadas hipóteses, a recusa em se
submeter à perícia pode ser considerada, pelo juiz, a prova que se pretendia demonstrar
pericialmente.

3.3.3 Algumas decisões relevantes:


*DPC. PROVA EMPRESTADA ENTRE PROCESSOS COM PARTES
DIFERENTES (material MPF – decisão mencionada acima)
É admissível, assegurado o contraditório, prova emprestada de processo do
qual não participaram as partes do processo para o qual a prova será
trasladada.

* DPC. UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA (material MPF)


Desde que observado o devido processo legal, é possível a utilização de
provas colhidas em processo criminal como fundamento para reconhecer, no
âmbito de ação de conhecimento no juízo cível, a obrigação de reparação dos
danos causados, ainda que a sentença penal condenatória não tenha
transitado em julgado.
Com efeito, a utilização de provas colhidas no processo criminal como
fundamentação para condenação à reparação do dano causado não constitui
violação ao art. 935 do CC/2002 (1.525 do CC/16). Ademais, conforme o art. 63
do CPP, o trânsito em julgado da sentença penal condenatória somente é
pressuposto para a sua execução no juízo cível, não sendo, portanto,
impedimento para que o ofendido proponha ação de conhecimento com o fim
de obter a reparação dos danos causados, nos termos do art. 64 do CPP.
AgRg no AREsp 24.940-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em
18/2/2014.

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Direito Civil 2016 99

*DPC. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DA QUITAÇÃO DADA EM


ESCRITURA PÚBLICA (material MPF)
A quitação dada em escritura pública gera presunção relativa do pagamento,
admitindo prova em contrário que evidencie a invalidade do instrumento
eivado de vício que o torne falso.
Com efeito, nos termos do art. 215 do CC, a escritura lavrada em cartório tem
fé pública, o que significa dizer que é documento dotado de presunção de
veracidade. O que ocorre com a presunção legal do referido dispositivo é a
desnecessidade de se provar os fatos contidos na escritura (à luz do que
dispõe o art. 334, IV, do CPC) e também a inversão do ônus da prova, em
desfavor de quem, eventualmente, suscite a sua invalidade.
(...) ortanto, a uitação dada em escritura pública não é uma “verdade
indisputável”, na medida em que admite a prova de que o pagamento não foi
efetivamente realizado, evidenciando, ao fim, a invalidade do instrumento em
si, porque eivado de vício que o torna falso. Assim, entende-se que a quitação
dada em escritura pública presume o pagamento, até que se prove o contrário.
REsp 1.438.432-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/4/2014.

* AGRAVO. TEMPESTIVIDADE. FERIADO LOCAL. COMPROVAÇÃO. POSTERIOR : A Turma, por


maioria, ao rever posicionamento anterior, para acompanhar recente decisão do STF, assentou que é
possível a comprovação posterior da tempestividade do recurso, no caso de feriado local. (...)Segundo
afirmou o Min. Sebastião Reis Júnior, trata-se, na verdade, de uma questão meramente formal que
pode ser sanada por uma simples certidão emitida pela Secretaria do Tribunal de origem, atestando o
fato que deu origem à suspensão do prazo recursal. Dessa forma, demonstrada no presente agravo
regimental a suspensão do prazo recursal em razão do feriado local, nada impede a admissão do
recurso especial para análise do mérito. Nesses termos, deu-se provimento ao regimental. Precedente
do STF: HC 112.842-PE, DJe 23/5/2012. AgRg no REsp 1.080.119-RJ, Rel. originário Min. Vasco Della
Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado
em 5/6/2012. 6ª Turma.
COMENTÁRIO:
ATENÇÃO: conforme ressaltado no julgado, trata-se de nova orientação da 6ª
Turma do STJ, acompanhando recente decisão do STF.

*A ampliação dos poderes probatórios do juiz é tendência do processo civil moderno e está
assegurada no art. 130 do CPC (TRF 3ª Região, AgInstr. 950331772-0/SP).
* A prova do direito estrangeiro deve ser providenciada pela parte interessada ou
diretamente pelo juiz, de ofício (STJ, REsp 254544). Trata dos casos excepcionais em que
é admitida a aplicação da lei estrangeira e considera, também, a vedação ao non liquet (daí
a necessidade de que o juiz ordene a prova do direito estrangeiro de ofício).
* A ilicitude da prova se transmite, por repercussão, a outros dados probatórios que nela
se apoiem ou nela encontrem fundamento causal (STF, HC 69912-0).
* A confissão é mero meio de prova a ser analisado pelo juiz diante do contexto
probatório colacionado aos autos, não implicando presunção absoluta de veracidade dos
fatos (STJ, REsp 54809).
* A presunção juris tantum de veracidade do conteúdo de instrumento particular é
invocável tãosomente em relação aos seus subscritores (STJ, REsp 33200).
* Reprografia de documento particular, autenticada por servidor publico municipal, que
tem o original sob sua guarda, merece fé, até que se demonstre o contrário (CPC arts. 365
e 383) (STJ, REsp 89741).
* Não se conhece do agravo regimental transmitido via fax que se encontra incompleto
ou ilegível, ou ainda, quando o original apresenta diferenças em relação ao material

99
Direito Civil 2016 100

encaminhado por esse sistema, a teor do disposto no art. 4.º da Lei n.º 9.800/99 (STJ, AgRG
no Ag 1283868).
*A utilização de fac-símile, para a veiculação de petições recursais, não exonera a parte
recorrente do dever de apresentar, dentro do prazo adicional a que alude a Lei nº 9.800/99
(art. 2º, “caput”), os originais que se referem às peças transmitidas por meio desse sistema,
sob pena de nãoconhecimento, por intempestividade, do recurso interposto mediante “fax”.
Precedentes. (STF, AI 535340).
* O devido processo legal não se compadece com a preparação de armadilhas para as
partes. (...) Não é possível é dispensar as provas requeridas pelo réu por se entender
desnecessárias e depois se concluir por sua responsabilidade (STJ, REsp 1128086).
* O princípio jura novit curia aplica-se inclusive às normas do direito estadual e municipal.
A parte não está obrigada a provar o conteúdo ou a vigência de tal legislação, salvo quando
o juiz o determinar (CPC, art. 337) (STJ, REsp 1174310).
* Não há restrição aos meios de prova para a comprovação da condição de ganhador
de prêmio de loteria na hipótese de extravio do bilhete premiado (STJ, REsp 717507).
* O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de não considerar
extrato de conta telefônica prova hábil a afastar o conteúdo de certidão de juízo, para efeito
de tempestividade de recurso transmitido via fax (STJ, EDcl no AgRg no AREsp 96516).

3.3.4 Enunciados:

• Enunciado 297 das Jornadas de Direito Civil: “O documento eletrônico tem valor
probante, desde que seja apto a conservar a integridade de seu conteúdo e idôneo a
apontar sua autoria, independentemente da tecnologia empregada”.

• Enunciado 158 das Jornadas de Direito Civil: “A amplitude da noção de ‘prova plena’
(isto é, completa) importa presunção relativa acerca dos elementos indicados nos
incisos do § 1º (art. 215), devendo ser conjugada com o disposto no parágrafo único do
art. 219”.

• Enunciado 298 das Jornadas de Direito Civil: “Os arquivos eletrônicos incluem-se no
conceito de ‘reproduções eletrônicas de fatos ou de coisas’, do art. 225 do Código Civil,
aos quais deve ser aplicado o regime jurídico da prova documental”.

100
Direito Civil 2016 101

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

4 Ponto 4 - Obrigações: conceito e elementos constitutivos. Modalidades.


Transmissão. Adimplemento, inadimplemento e extinção das obrigações.

4.1 Conceito
Conceito do Direito Tradicional das Obrigações. Conjunto de regras e princípios jurídicos
reguladores das relações patrimoniais entre um credor (sujeito ativo) e um devedor (sujeito
passivo), a quem incumbe o dever de cumprir, espontânea ou coativamente, uma prestação
de dar, fazer ou não fazer.
Conceito dinâmico ou moderno: a obrigação é vista como um processo, isto é, uma série
de atos exigíveis do credor e do devedor até que suas pretensões sejam satisfeitas. Este
conceito reconhece o princípio da boa-fé objetiva como parte da estrutura da relação jurídica
obrigacional (Clóvis Couto e Silva). Logo, além da prestações, como núcleo da relação
jurídica obrigacional, existem também os deveres anexos que devem ser cumpridos por
ambos os polos da relação. Conceito de “obrigação”. Washington de Barros Monteiro:
“obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor,
cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica (a doutrina moderna já aceita que
a obrigação pode ter conteúdo exclusivamente moral: ex: citar a fonte bibliográfica em um
trabalho; devolver uma carta recebida por engano), positiva ou negativa, devida pelo
primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio”.
Distinções conceituais: a) dever jurídico: conceito mais amplo de todos, é a necessidade
que corre a todo indivíduo de obedecer às ordens ou aos comandos do ordenamento
jurídico, sob pena de incorrer em uma sanção (Orlando Gomes). Pode ser geral ou especial,
conforme se concentre em uma certa pessoa ou se refira à universalidade das pessoas; b)
obrigação: decorre do conceito de dever jurídico em sua acepção especial, e consiste em
vínculo especial entre pessoas determinadas ou determináveis, de modo que uma delas
tem o poder de exigir da outra (direito subjetivo) uma prestação de dar, fazer ou não fazer;
c) responsabilidade: obrigação derivada (dever jurídico sucessivo), surgida em ocorrência
de um fato jurídico lato sensu, consequente à violação de um dever jurídico obrigacional
originário; d) sujeição jurídica: relacionada aos direitos potestativos, em que sujeito passivo
nada tem que fazer para satisfazer o interesse do sujeito ativo, havendo apenas uma
subordinação inafastável à vontade desse; e) ônus: necessidade de observância de
determinado comportamento para a obtenção ou conservação de uma vantagem para o
próprio sujeito – e não para a satisfação de interessas alheios (Maria Helena Diniz), como
ocorre no caso do dever e da sujeição.
4.2 Elementos constitutivos das obrigações
A estrutura da obrigação é composta pelos seguintes elementos: elemento subjetivo
(sujeitos ou partes); elemento objetivo (objeto ou prestação) e elemento ideal (vinculo ou
relação jurídica).

(a) ELEMENTO SUBJETIVO: sujeitos ou partes – SUJEITO ATIVO (credor): quem tem o
direito de exigir o cumprimento da obrigação; SUJEITO PASSIVO (devedor): quem assume

101
Direito Civil 2016 102

um dever, na ótica civil, de cumprir o conteúdo da obrigação, sob pena de responder com
seu patrimônio.
Devem ser capazes (artigo 104). Ao contrário do direito real (que comporta sujeito
indeterminado, havendo uma sujeição passiva indeterminada), no direito obrigacional, os

determináveis. EXEMPLO DE SUJEITO PASSIVO DETERMINÁVEL: o IPTU é obrigação


propter rem ou
ambulatória, assim, qualquer pessoa que adquire o imóvel pode ser devedora. EXEMPLO
DE
sujeitos são pessoas que necessariamente se individualizarão, ou seja, os sujeitos
precisam ser determinados ou
SUJEITO ATIVO DETERMINÁVEL: título ao portador (o credor é quem apresentar o título);
credor de promessa de recompensa (declaração unilateral de vontade).
(b) ELEMENTO OBJETIVO: objeto ou a prestação – elemento material da obrigação,
constitui o seu conteúdo. O objeto imediato da obrigação é a prestação, que pode ser
positiva (dar ou fazer) ou negativa (não fazer). Já o objeto mediato da obrigação é o bem
jurídico, o bem da vida (coisa, tarefa, abstenção).
Deve ser lícito, possível e determinado (quando é especificada) ou determinável (obrigação
é genérica, p. ex., dar coisa incerta) (artigo 104). O objeto imediato é sempre um
comportamento do devedor, uma conduta sua, denominada prestação. PRESTAÇÃO é a
atividade do devedor satisfativa do credor. A prestação pode ser passiva, ou seja,
consistente em um nada. GODOY: a principal diferença entre o direito real e o obrigacional
está no objeto, porque o direito real permite que o agente exerça diretamente seu poder
sobre o objeto sem a intervenção de mais ninguém. No direito obrigacional, o direito do
indivíduo somente é exercido mediante a conduta de interposta pessoa.
(c) ELEMENTO IDEAL: vínculo ou relação jurídica – é o vínculo jurídico, um elo que liga
as partes, pela lei, contrato, vontade (ato unilateral) ou ato ilícito. Por esse vínculo, o
devedor deve cumprir uma prestação para o credor. O vínculo é bipartido em dois
elementos: dívida - débito (liame que vincula o devedor ao credor) e responsabilidade civil
(quando houver o inadimplemento, o devedor responde com o seu patrimônio pelo
cumprimento do débito). A definição de que o vínculo contém esses dois elementos resulta
da aplicação da TEORIA DUALISTA DA OBRIGAÇÃO. CRÍTICA: os adeptos da TEORIA
UNITÁRIA DA OBRIGAÇÃO entendem que débito (Schuld) e responsabilidade (Haftung)
não são separáveis.
Em verdade, três são as teorias que tentam explicar o vínculo obrigacional:
• Monista – limitação para o vínculo jurídico, sendo mais importante a dívida – débito.
Despreza a responsabilidade, que seria de direito processual.
• Dualista – engloba a dívida e a responsabilidade, mas valoriza mais a responsabilidade.
• Eclética ou mista – adotada pelo nosso código, valoriza tanto a dívida quanto a
responsabilidade, dando o mesmo valor às duas.
Exceções à regra de que todas as obrigações têm dívida e responsabilidade, ou seja, casos
em que há dívida sem responsabilidade (inexigibilidade): obrigações naturais (dívida de
jogo ou aposta – artigo 141 – ou obrigações prescritas). Também há casos de
responsabilidade sem dívida: fiador, que é um terceiro interessado, um garante pessoal
(artigo 801), que não é devedor, mas tem responsabilidade, porque seu patrimônio, desde
a prestação da fiança, já começa a responder pela dívida; ou garantidor hipotecário (quem
dá o imóvel para garantia de débito de terceiro), que é responsável, mas não é e nunca será
devedor. Assim, há um interesse pragmático em analisar separadamente o débito e a
responsabilidade.
Pode ser que o fiador se torne o devedor, caso o devedor principal não pague a dívida.

102
Direito Civil 2016 103

4.3 Modalidades
4.3.1 Obrigação natural ou imperfeita.
As obrigações classificam-se em civis e naturais, na medida em que sejam exigíveis ou
apenas pagáveis (desprovidas de exigibilidade jurídica).
A obrigação natural é um debitum em que não se pode exigir judicialmente a
responsabilização patrimonial (obligatio). Tal inexigibilidade é derivada de algum óbice legal
com finalidade de preservação da segurança e da estabilidade jurídica. Não obstante, uma
vez cumprida espontaneamente, dá-se a irrepetibilidade do pagamento. Vale salientar que
a obrigação natural não se identifica com o mero dever moral, pois representa uma dívida
efetiva, proveniente de uma causa precisa. O objeto de sua prestação pertence, do ponto
de vista ideal, ao patrimônio do credor, de modo que, não cumprida a obrigação, sofre ele
um prejuízo, o que não se verifica quando há o descumprimento de um dever moral.
As obrigações naturais classificam-se: a) quanto à tipicidade, em típicas e atípicas, na
medida em que é prevista em texto legal como relação obrigacional inexigível; b) quanto à
origem, em originária e derivada ou degenerada, conforme o momento em que se torna
inexigível; c) quanto aos efeitos produzidos, pode ser comum ou limitada.
Estabelece o art. 882 do CC:

“não se pode repetir o ue se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir


obrigação judicialmente inexigível”.
Nessa mesma linha, no que se refere às dívidas de jogo ou aposta, preceitua o art. 814 do
CC:
“As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode
recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo,
ou se o perdente é menor ou interdito.
§ 1o Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva
reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade
resultante não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé.
§2o O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo
não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos.
§ 3o Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o
vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde
que os interessados se submetam às prescriç es legais e regulamentares”.
Artigo 50, LCP (jogo intolerado): a dívida decorrente dos jogos intolerados não são dívidas
naturais, são dívidas NULAS, uma vez que objeto da prestação é ilícito. Elas são exigíveis,
porém, se contraídas no exterior onde sejam reconhecidas como lícitas (STJ - ARCR 3198).
4.3.2 Obrigações ambulatórias, mistas (reais, in rem, ob rem ou propter rem) e
Obrigações com eficácia real.
Sempre que a indeterminabilidade do credor ou do devedor for da própria essência da
obrigação examinada – a exemplo da decorrente de título ao portador ou da obrigação
propter rem – estaremos diante do que se convencionou chamar de obrigação ambulatória.
As obrigações propter rem pertencem à categoria das obrigações híbridas. Nessa categoria
podem ser incluídas, também, as obrigações com ônus reais e as com eficácia real. As
obrigações propter rem decorrem de um direito real sobre determinada coisa, aderindo a
essa e, por isso, acompanhando as modificações de seu titular (exemplos: art. 1.315,
1.297). Cuida-se de uma relação obrigacional que decorre de um direito real. A nota
distintiva é se constituir em um direito pessoal vinculado a um direito real.
EXEMPLO 01: nos direitos de vizinhança há o direito de tapagem, em decorrência do qual
os vizinhos têm a obrigação propter rem de arcar com os custos da tapagem. Assim, essa
é uma obrigação acessória ao direito real.
103
Direito Civil 2016 104

EXEMPLO 02: no condomínio comum, os condôminos têm a obrigação propter rem (que
está ligada à fração ideal) de contribuir para a manutenção do bem.
EXEMPLO 03: no condomínio edilício (que é condomínio especial porque mescla as
propriedades de áreas exclusivas e áreas comuns), cada titular de unidade autônoma tem
o dever de contribuir com as despesas da área comum; quando deixa de ser proprietário
da unidade autônoma, o sujeito deixa de ser responsável pela obrigação proter rem. STF
vem considerando que o pagamento dos valores condominiais pode ser cobrado do
condômino que seja PROMISSÁRIO COMPRADOR (mesmo sem o título registrado, desde
que tenha pago o valor do bem e o promitente comprador tenha se imitido na posse do bem
e condomínio tenha conhecimento inequívoco da transferência da propriedade - STJ. 2ª
Seção. REsp 1.345.331-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/4/2015 9 (recurso
repetitivo) (Info 560 ). Quem compra unidade autônoma responde pelos valores passados,
por determinação legal, não por ser devedor de obrigação propter rem.
O promitente comprador e o promitente vendedor de imóvel têm legitimidade passiva
concorrente em ação de cobrança de débitos condominiais posteriores à imissão
daquele na posse do bem, admitindo-se a penhora do imóvel, como garantia da
dívida, quando o titular do direito de propriedade (promitente vendedor) figurar no
polo passivo da demanda. Há premente necessidade, portanto, de se firmar uma
adequada interpretação da tese firmada pelo rito do art. 543-C do CPC, de modo a
afastar interpretações contrárias à natureza e à finalidade da obrigação propter rem.
Uma interpretação interessante pode ser obtida com a aplicação da teoria da
dualidade do vínculo obrigacional à hipótese de pluralidade de direitos subjetivos
reais sobre a coisa. Segundo essa teoria, a obrigação se decompõe em débito
(Schuld), o dever de prestar, e responsabilidade (Haftung), a sujeição do devedor,
ou terceiro, à satisfação da dívida. Aplicando-se essa teoria à obrigação de pagar
despesas condominiais, verifica-se que o débito deve ser imputado a quem se
beneficia dos serviços prestados pelo condomínio, no caso, o promitente comprador,
valendo assim o brocardo latino ubi commoda, ibi incommoda. A grande diferença é
que o proprietário não se desvincula da obrigação, mantendo-se na condição de
responsável pelo pagamento da dívida, enquanto mantiver a situação jurídica de
proprietário do imóvel. Essa separação entre débito e responsabilidade permite uma
solução mais adequada para a controvérsia, preservando-se a essência da
obrigação propter rem. Restauram-se, desse modo, as conclusões de um
entendimento já trilhado por esta Corte Superior, em voto proferido pelo Min. Ruy
Rosado de Aguiar no REsp 194.481-SP, Quarta Turma, DJ 22/3/1999. É certo que
esse julgado acabou sendo superado, ante os questionamentos do Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira nos EREsp 138.389-MG, o que influenciou a jurisprudência desta
Corte a partir de então. Cabe, portanto, enfrentar os referidos questionamentos. O
primeiro diz respeito à possibilidade de o proprietário do imóvel ficar vinculado à
obrigação por longos anos, caso o promitente comprador não providencie a lavratura
da escritura e o devido registro. Esse questionamento, entretanto, diz respeito
exclusivamente à relação obrigacional estabelecida entre o proprietário (promitente
vendedor) e o promitente comprador, os quais podem estabelecer prazo para a
ultimação do negócio jurídico, inclusive com fixação de multa. Se não o fazem,
deixam aberta a possibilidade de o negócio jurídico ficar pendente de exaurimento
por longos anos, devendo arcar com as consequências de seus atos. O outro
questionamento diz respeito à possível falta de interesse do proprietário, ou melhor,
“quase ex-proprietário”, em contestar a ação de cobrança de despesas condominiais,
uma vez que o interesse direto seria do promitente comprador, já imitido na posse
do imóvel. Sobre esse ponto, cabe ressaltar que o proprietário do imóvel responde
pelos débitos condominiais com todo o seu patrimônio, não somente com o imóvel,
104
Direito Civil 2016 105

pois a obrigação propter rem não se confunde com os direitos reais de garantia. Não
se pode afirmar, portanto, que faltaria interesse ao proprietário em contestar a
demanda, pois correrá o risco de sofrer constrição em seu patrimônio pessoal, uma
vez que dinheiro e depósitos bancários têm preferência sobre a penhora do imóvel
(art. 655, I, do CPC). De outra parte, o promitente comprador poderá, a qualquer
tempo, ingressar na demanda como assistente litisconsorcial (art. 54 do CPC), para
assumir a defesa de seus interesses. Por último, não restam dúvidas de que, entre
o risco de o condômino inadimplente perder o imóvel e o risco de a comunidade de
condôminos ter que arcar com as despesas da unidade inadimplente, deve-se
privilegiar o interesse coletivo dessa comunidade em detrimento do interesse
individual do condômino inadimplente. Conclui-se, portanto, que os questionamentos
referidos no EREsp 138.389MG não obstam a interpretação da tese à luz da teoria
da dualidade da obrigação. REsp 1.442.840-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, julgado em 6/8/2015, DJe 21/8/2015. (info 565)

A maioria da doutrina entende como sinônimas as expressões OBRIGAÇÕES PROPTER


REM e
OBRIGAÇÕES REAIS. Mas há quem estabeleça distinção entre as duas nomenclaturas:
CAIO MÁRIO – real é a obrigação que todos os indivíduos têm de respeitar o direito real
alheio.
PERGUNTA: os tributos e tarifas são obrigações propter rem? Essa é uma questão
problemática. Há quem entenda ser ônus real e quem entenda ser obrigação propter rem.
ÔNUS REAL é uma terminologia que tem entendimentos distintos na doutrina, significado
polissêmico: (i) há quem entenda como DIREITO REAL DE GARANTIA OU DE FRUIÇÃO
SOBRE COISA ALHEIA e (ii) outros dizem que é uma obrigação que alguém tem que pagar
em virtude de alguma coisa, mas, respondendo por débitos atrasados, como o IPTU ou ITR.
O STJ e o TRF1 em diversas passagens entende que é obrigação propter rem: “A exegese
dos artigos 32 e 123 do CTN indicam o sujeito passivo para fins de pagamento, mas não
vedam que uma vez adimplida a exação, possa a mesma ser restituída ao novel titular do
domínio quer por força da cessão do crédito, convencionado ou legal, quer em face da
natureza propter rem da obrigação”.
O condomínio especial (edilício) por natureza é uma obrigação propter rem, mas, por
determinação legal, o proprietário responde pelos débitos anteriores.
4.3.3 Obrigação como processo

É a visão moderna do Direito das Obrigações, com origem no Direito Alemão – foi adotada
pelo nosso Código Civil.
A finalidade do direito obrigacional é o adimplemento – Conceito moderno de OBRIGAÇÃO:
“processo na busca do adimplemento”.
O Código Civil trata da obrigação como um processo, conforme se pode ver da posição
topográfica dos títulos – Título I: das modalidades; Titulo II: da transmissão das obrigações;
Título III: do adimplemento e extinção; Título IV: do inadimplemento.
Clóvis do Couto e Silva escreveu o livro “A obrigação como processo” e esteve na comissão
que formulou o novo CC - seu livro se baseou nos estudos de KARL LARENZ, entendendo
que a obrigação seria o conjunto de atividades necessárias à satisfação dos interesses do
credor.
Manto principiológico: a) proteção contra influências externas – função social dos
contratos -
“tutela externa do crédito” - toda a sociedade possui o dever de respeitar um processo

105
Direito Civil 2016 106

obrigacional em curso; b) efeitos internos: a busca do adimplemento deve se dar da melhor


forma para credor e devedor – relação de cooperação e não de antagonismo (boa-fé
objetiva).

Princípios incidentes sobre as relações obrigacionais: função social dos contratos, boa-fé
objetiva, cooperação, proteção, informação.

DEVERES INSTRUMENTAIS, DEVERES SECUNDÁRIOS, DEVERES ANEXOS


OU DEVERES COLATERAIS

Há constatação de que existem no vínculo obrigacional o que a doutrina tem chamado dos
DEVERES INSTRUMENTAIS, DEVERES SECUNDÁRIOS, DEVERES ANEXOS ou
DEVERES COLATERAIS.

Wanderlei de Paula Barreto, Professor da Universidade Estadual de Maringá: As recentes


normas sobre a boa-fé objetiva (artigos. 113 e 422 do Código Civil de 2002) e sobre o abuso
de direito (art. 187 do mesmo Código, que se vale, entre outros, da boa-fé como valor
paradigma para aferir o abuso de direito) introduziram fundamento legal para a
admissibilidade de deveres secundários nos negócios jurídicos e nos contratos. Enquanto
as obrigações principais ou primárias pressupõem violação culposa para ensejar
responsabilidade pela indenização, os denominados deveres anexos ou secundários
consideram-se violados objetivamente.
Quer as partes queiram ou não, esses deveres, que enriquecem o vínculo obrigacional além
da obrigação principal prevista, são deveres de conduta de lealdade, por exemplo, são
deveres de informação, de sigilo, de cuidado, de colaboração; são deveres de
comportamento que visam a garantir que o vínculo patrimonial irá se desenvolver de forma
mais honesta e solidária; esses deveres decorrem do PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA
(standard de comportamento honesto e leal). A BOA-FÉ OBJETIVA tem várias aplicações
no CC / 02, inclusive a FUNÇÃO SUPLETIVA. Com essa função a boa-fé objetiva enriquece
o vínculo obrigacional quer as partes queiram ou não.

Essa função supletiva da BOA-FÉ OBJETIVA pode ser verificada no ordenamento jurídico
pátrio:
• CF/88 (implicitamente) – artigo 3º: constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e SOLIDÁRIA. As relações
entre as pessoas devem ser solidárias.
• CDC – todo ele está construído sobre dois DEVERES ANEXOS: informação /
transparência e segurança.
• CC/02 – artigo 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão
do
contrato, como em sua execução, os princípios da probidade”.

EXEMPLO 01 (GODOY): comprar o ventilador de teto; obrigações principais: pagar e


entregar; obrigações colaterais: dever de informar como é que será instalado o ventilador.
EXEMPLO 02 (KARL LARENZ): reparador de telhados que, após haver concluído o trabalho
satisfatoriamente, isto é, em conformidade com o pactuado, acendeu um cigarro antes de
descer e jogou o fósforo aceso, causando incêndio do madeiramento do telhado. DANO AO
CREDOR: o dano (incêndio do madeiramento) decorrente da violação de outros deveres.

106
Direito Civil 2016 107

EXEMPLO 03 (ARAKEN DE ASSIS): médico que diagnostica, com exatidão, a doença do


paciente, administrando-lhe, porém, dentre vários tratamentos disponíveis, o mais penoso
e prolongado. DANO AO CREDOR: sofrimento e demora desnecessários.
Em todos os exemplos antes descritos, os chamados deveres (ou obrigações) principais ou
primários foram cumpridos de acordo com o estipulado. Não se pode cogitar, portanto, de
inadimplemento daqueles deveres ou obrigações. Contudo, tampouco se pode ignorar que
a maneira pela qual foram cumpridos impôs danos aos credores.

Por vezes, esses deveres COLATERAIS podem surgir antes da formação da obrigação
principal (EXEMPLOS: aconselhamento dado pelo advogado antes de ser contratado ou
informação dada pelo vendedor antes de concretizar a venda) ou depois de finalizada essa,
o que se chama de PÓSEFICÁCIA (EXEMPLO: patrão demite seu empregado doméstico,
sem justa causa e paga tudo certo; a obrigação principal não surte mais efeitos. Depois, ele
procura o patrão para pedir declaração objetiva de que trabalhou como copeiro, o que não
consta no seu contrato de trabalho e nem na carteira de trabalho. Como o patrão tem o
dever de informação, deve fornecer a declaração solicitada).

Os DEVERES ANEXOS são a garantia de que a obrigação principal irá se executar da


melhor maneira, mais solidária, mais leal; não precisam estar expressos e vinculam as
partes.

Todo o acima exposto decorre da principal alteração principiológica das obrigações advinda
com o novo CC/02: a obrigação passou a ser tida como um processo – uma série de atos
relacionados entre si – que desde o início se encaminha a uma finalidade: a satisfação do
interesse na prestação (Nelson Rosenvald). A obrigação deve ser encarada como um
processo de colaboração contínua entre as partes (Clóvis Couto e Silva).

4.3.4 As obrigações, apreciadas segundo a prestação que as integra, poderão ser:

1. obrigação positiva de (a) dar coisa certa/ incerta ou (b) fazer e


2. obrigação negativa de não fazer.

Essa é a classificação básica das obrigações, que, inspirada no Direito Romano (dare,
facere, non facere), foi adotada pela legislação brasileira desde o esboço de Teixeira de
Freitas. (a) Obrigação de dar
As obrigações de dar, que têm por objeto prestações de coisas, consistem na atividade de
dar (transferindo-se a propriedade da coisa), entregar (transferindo-se a posse ou a
detenção da coisa) ou restituir (quando o credor recupera a posse ou a detenção da coisa
entregue ao devedor). Subdividem-se, todavia, em obrigações de dar coisa certa e
obrigações de dar coisa incerta.

Obrigações de dar coisa certa. O devedor obriga-se a dar, entregar ou restituir coisa
específica, determinada, certa. Não poderá o credor ser constrangido a receber outra senão
aquela descrita no título da obrigação. Nesse sentido, clara é a dicção do art. 313 do CC:

“O credor não é obrigado a receber prestação diversa da ue lhe é devida, ainda


que mais valiosa”.

Contudo, caso consinta em receber prestação diversa em substituição à originária, estará


praticando um modo extintivo da obrigação – a dação em pagamento (art. 356). MAS
107
Direito Civil 2016 108

ATENÇÃO: em relação aos títulos de crédito, o credor não pode recusar-se ao recebimento
do pagamento parcial, nos termos do artigo abaixo:

Art. 902. Não é o credor obrigado a receber o pagamento antes do vencimento


do título, e aquele que o paga, antes do vencimento, fica responsável pela
validade do pagamento.
§ 1o No vencimento, não pode o credor recusar pagamento, ainda que parcial.
§ 2o No caso de pagamento parcial, em que se não opera a tradição do título,
além da quitação em separado, outra deverá ser firmada no próprio título.

Aplica-se também para as obrigações de dar coisa certa o princípio jurídico de que o
acessório segue o principal. Dessa forma, não resultando o contrário do título ou das
circunstâncias do caso, o devedor não poderá se negar a dar ao credor aqueles bens que,
sem integrar a coisa principal, secundam-na por acessoriedade (art. 233).
Até a tradição, a coisa pertence ao devedor, com os seus melhoramentos e acrescidos,
pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor
resolver a obrigação (art. 237). Quanto ao risco de perecimento ou deterioração do objeto,
há que se invocar a milenar regra do res perit domino suo (essa regra, cuja raiz assenta-se
no Código de Hamurabi, significa que, em caso de perda ou deterioração da coisa, por caso
fortuito ou força maior, suportará o prejuízo o seu proprietário).
Em caso de perda ou perecimento (prejuízo total), duas situações diversas podem
acontecer:
a) se a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente
condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes, suportando o
prejuízo o proprietário da coisa que ainda não a havia alienado (art.234);
b) se a coisa se perder, com culpa do devedor, responderá este pelo equivalente
(valor da coisa), mais perdas e danos. Entenda-se por perdas e danos apenas a
expectativa patrimonial frustrada – lucros cessantes -, pois os danos emergentes,
evidentemente, compensam-se na devolução dos valores pagos. Invariavelmente,
haverá uma presunção de culpa do devedor inadimplente quanto ao fato que gerou a
perda do objeto, tendo ele o ônus probatório de desconstituí-la.
c) Em caso de deterioração (prejuízo parcial), também duas hipóteses são
previstas em lei:
d) se a coisa se deteriora sem culpa do devedor, poderá o credor, a seu critério,
resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu (art.
235);
e) se a coisa se deteriora por culpa do devedor, poderá o credor exigir o
equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que se acha, com direito a reclamar, em
um ou outro caso, a indenização pelas perdas e danos.
Obs.: É a culpa que implica a responsabilização por perdas e danos.

As obrigações de restituir, por sua vez, mereceram tratamento específico. Nessa


modalidade de obrigação, a prestação consiste na devolução da coisa recebida pelo
devedor, a exemplo daquela imposta ao depositário (devedor), que deve restituir ao
depositante (credor) aquilo que recebeu para guardar e conservar.
O CC prevê em seu art. 238 que, “se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem
culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se
resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda”. De qualquer forma, subsiste a
regra de que a coisa perece para o dono (credor), que suportará o prejuízo, sem direito à
indenização, considerando-se a ausência de culpa do devedor.
108
Direito Civil 2016 109

Em caso de simples deterioração, o art. 240 estipula que: “se a coisa restituível se
deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a
indenização; se por culpa do devedor, observar-se-á o disposto no art. 239”. Este art. 239
dispõe que: “se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente,
mais perdas e danos”. Entretanto, segundo o Enunciado 15 do CJF, “as disposições do art.
236 do novo Código Civil também são aplicáveis à hipótese do art. 240, in fine”, o que quer
dizer que se a coisa se deteriorar por culpa do devedor, o credor também poderá optar por
aceitar a coisa no estado em que se acha, mais perdas e danos.
Ocorre lembrar que, se o interessado na restituição da coisa estiver em mora para
recebê-la, mesmo nas hipóteses de perda acidental pelo depositário, culminará por ser
responsabilizado a ponto de efetuar o pagamento, conforme se depreende do art. 492, §2°,
do CC. Em sentido inverso, se o atraso for debitado àquele a quem incumbia a entrega da
coisa, mesmo que a sua perda resulte de caso fortuito/força maior (art. 399), recairá contra
o devedor a condenação em perdas e danos. De fato, a mora gera uma expansão da
responsabilidade do devedor, alcançando mesmo as situações de perda ou deterioração
da coisa alheia aos seus cuidados normais. Excepcionalmente, o devedor isentará a sua
responsabilidade se demonstrar que, mesmo se a entrega fosse tempestiva, o evento ainda
assim ocorreria.
Por fim, cumpre fazer referência aos melhoramentos, acréscimos e frutos
experimentados pela coisa, nas obrigações de restituir. Se tais benefícios se agregaram à
coisa principal, sem concurso de vontade ou despesa para o devedor, lucrará o credor,
desobrigado da indenização (art. 241). Se, todavia, tais melhoramentos (cômodos
obrigacionais) exigiram concurso de vontade ou despesa para o devedor, o CC determina
que sejam aplicadas as regras atinentes aos efeitos da posse, quanto às benfeitorias
realizadas (art. 242). Quanto aos frutos, aplicam-se também as regras previstas pelo
legislador ao tratar dos efeitos da posse.
Obs.: Exceções ao res perit domino – Vícios Redibitórios (art. 441 CC); Evicção:
perda de um bem em virtude de um contrato oneroso por uma decisão judicial ou
administrativa que conceda o direito sobre esse bem a um terceiro estranho à relação
contratual oringinária – STJ: a decisão administrativa (Ex.: apreensão em blitz policial)
também pode ser fator de deflagração da evicção.

Obrigações de dar dinheiro (obrigações pecuniárias). Segundo Álvaro Villaça Azevedo,

o pagamento em dinheiro consiste na modalidade de execução obrigacional


que importa a entrega de uma quantia de dinheiro pelo devedor ao credor, com
liberação daquele. É um modo de pagamento que deve realizar-se, em
princípio, em moeda corrente, no lugar do cumprimento da obrigação, onde
esta deverá cumprir-se, segundo o art. 315 do CC.
O art. 315 dispõe que:

As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente


e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subseqüentes.

Consoante se depreende dessa regra legal, é o princípio do nominalismo que regula as


denominadas dívidas de dinheiro. Por força dessa regra, assevera Carlos Roberto
Gonçalves, considera-se

como valor da moeda o valor nominal que lhe atribui o Estado, no ato de
emissão ou cunhagem. De acordo com o referido princípio, o devedor de uma
quantia em dinheiro libera-se entregando a quantidade de moeda mencionada

109
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no contrato ou no título da dívida, e em curso no lugar do pagamento, ainda


que desvalorizada pela inflação, ou seja, mesmo que a referida quantidade não
seja suficiente para a compra dos mesmos bens que podiam ser adquiridos,
quando contraída a obrigação.

Nada impede, outrossim, a adoção de cláusulas de escala móvel, para que se realize a
atualização monetária da soma devida, segundo critérios escolhidos pelas próprias partes.
Entretanto, ao lado das dívidas de dinheiro, a doutrina, influenciada pela
instabilidade de nossa economia, elaborou o conceito das chamadas dívidas de valor. Estas
não teriam por objeto o dinheiro em si, mas o próprio valor econômico (aquisitivo) expresso
pela moeda.

Obrigações de dar coisa incerta. Ao lado das obrigações de dar coisa certa, figuram as
obrigações de dar coisa incerta, cuja prestação consiste na entrega de coisa especificada
apenas pela espécie e quantidade. Trata-se das chamadas obrigações genéricas. Nesse
sentido, clara é a norma do art. 243 do CC:
a coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela uantidade”.
Ressalte-se, entretanto, que essa indeterminabilidade do objeto há que ser
meramente relativa.
A operação, por meio da qual se especifica a prestação, convertendo a obrigação genérica
em determinada, denomina-se “concentração do débito” ou “concentração da prestação
devida”. A escolha, por princípio, cabe ao devedor, uma vez que o CC, em quase todas as
suas normas, prefere o devedor, quando a vontade das partes não houver estipulado a
quem assiste determinado direito. Essa liberdade de escolha, contudo, não é absoluta, eis
que o devedor não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a dar a melhor (art. 244) -
princípio da equivalência das prestações. Por óbvio, se nas obrigações de dar coisa incerta
a prestação é inicialmente indeterminada, não poderá o devedor, antes de efetuada a sua
escolha, alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito
(art. 246). O gênero, segundo tradicional entendimento, não perece jamais.
Entretanto, se o Projeto de Lei n. 6960/02 converter-se em lei, essa regra será relativizada,
nos seguintes termos: “antes de cientificado da escolha o credor, não poderá o devedor
alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito, salvo se
se tratar de dívida genérica limitada e se extinguir toda a espécie dentro da qual a prestação
está compreendida”.
Contudo, para Nelson Rosenvald, “se a obrigação referir-se à entrega de coisas genéricas,
porém previamente indicadas e localizadas, há de falar-se em prestação de dar coisa certa,
aplicando-se as regras dessa modalidade. Exemplificando: contrato para a entrega de arroz
situado em um depósito ou dos cavalos que se encontram em um estábulo. É o que a
doutrina chama de dívida de gênero limitado”.
Feita a escolha, as regras que passarão a ser aplicadas serão aquelas previstas para as
obrigações de dar coisa certa.
4.3.5 Obrigações de fazer.
Nas obrigações de fazer, interessa ao credor a própria atividade do devedor. Pretende o
credor a prestação de um fato, e não o bem que eventualmente dele resulte. Em tais casos,
a depender da possibilidade ou não de o serviço ser prestado por terceiro, a prestação do
fato poderá ser fungível ou infungível.
A obrigação de fazer será fungível quando não houver restrição negocial no sentido de que
o serviço seja realizado por outrem. Atento a isso, o CC admite a possibilidade de o fato ser
executado por terceiro, havendo recusa ou mora do devedor. Nos termos do seu art. 249:

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“se o ato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo
executar à custa do devedor, avendo recusa ou mora deste, sem prejuí o da
indeni ação cabível”.
A grande novidade do CC, no que tange às obrigações de fazer, é a possibilidade de deferir-
se ao credor o exercício da auto-executoriedade, em caso de urgência na obtenção da
obrigação de fazer fungível (art. 249, parágrafo único). Cuida-se de evidente aplicação do
paradigma da operabilidade. Quanto poderá ser cobrado do devedor, pelo trabalho do
terceiro, não está previsto no CC. Se for judicialmente, o impasse estaria resolvido graças
à aplicação do procedimento quase licitatório. PARTE DA DOUTRINA: o credor pode pagar
diretamente ao terceiro, em face da urgência (e o terceiro não tem nenhuma relação com o
inadimplemento). Depois, deve requerer ao juiz o arbitramento do valor, suportando
qualquer diferença, já que assumiu o risco dessa forma de execução coativa. Assim, o
credor pode procurar terceiro, mas o valor a ser pago deve ser o arbitrado judicialmente.
GODOY: mais justa é a interpretação de que se a lei autorizou o credor a procurar terceiro,
mais lógico que, em princípio, possa o credor cobrar do devedor exatamente aquilo que
teve que pagar ao terceiro; note-se que essa é a posição EM PRINCÍPIO, já que para ser
assim deve no caso estar aplicada a BOA-FÉ OBJETIVA (EXEMPLO: não pode o credor
chamar o arquiteto mais famoso do Brasil para executar o serviço do pedreiro;
independentemente de existir ou não intenção do credor).
Por outro lado, se ficar estipulado que apenas o devedor indicado no título da obrigação
possa satisfazê-la, estaremos diante de uma obrigação infungível. Trata-se das chamadas
obrigações personalíssimas (intuitu personae), cujo adimplemento não poderá ser realizado
por qualquer pessoa, em atenção às qualidades especiais daquele que se contratou. Tais
pessoas não poderão, sem prévia anuência do credor, indicar substitutos, sob pena de
descumprirem a obrigação personalíssima pactuada.
Poderá a prestação de fazer ser naturalmente infungível, com base nas qualidades
pessoais do devedor, v.g., pintura de tela por artista; será ainda contratualmente infungível,
caso o credor queira impor natureza personalíssima a uma obrigação em tese fungível.
Aliás, o art. 247 refere-se a ambas as modalidades de obrigações infungíveis (“incorre na
obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta
– infungível por convenção, ou só por ele exeqüível – infungível por natureza”).
Impende observar que, em algumas situações intermediárias – sobremodo aquelas em que
da atividade resulte uma obra ou um objeto – poderá o intérprete ter alguma dificuldade em
determinar uma obrigação como de dar ou de fazer. Assim, se A prometer entregar um
imóvel a B, a obrigação será de fazer, caso a atividade seja a própria construção da coisa;
consistirá, porém, em obrigação de dar coisa certa, se o imóvel já estiver pronto e acabado
ao tempo da contratação. Em suma, nas obrigações de dar, o credor procura um objeto já
existente ao tempo do nascimento da obrigação. Se, porventura, houver incidência conjunta
de prestações de coisas e atividades pessoais, há de buscar-se a tipificação da obrigação
pelo critério da preponderância. Exemplificando, há uma polêmica na jurisprudência acerca
da natureza da obrigação do devedor que envolve a correção monetária de saldos e
creditamento de dinheiro em contas vinculadas ao FGTS. A discussão avulta, pois a
classificação dada permitirá ou não a imposição de multa diária contra o devedor por recusa
ao cumprimento. Para ROSENVALD, trata-se de obrigação de dar, pois o que prepondera
na espécie é a entrega de coisa (pecúnia), e não o fato ou a atividade que será
desempenhada pela instituição financeira devedora. Com efeito, toda obrigação de dar
requer o desempenho de um certo fazer, mas ele só será acessório à finalidade principal.
A esse respeito, foi editado o Enunciado 160 na III Jornada de Direito Civil:
“a obrigação de creditar din eiro em conta vinculada de é obrigação de dar,
obrigação pecuniária, não afetando a natureza da obrigação a circunstância
de a disponibilidade do dinheiro depender da ocorrência de uma das
hipóteses previstas no art. 20 da ei n. 8. 3 9 ”.
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Vale ressaltar que as obrigações de fazer podem ainda ser classificadas em duradouras ou
instantâneas. As instantâneas aperfeiçoam-se em um único momento; nas duradouras, a
execução da obrigação protrai-se no tempo de forma continuada, ou de modo periódico,
mediante trato sucessivo.
Interessa, ainda, a análise da modalidade de obrigação de fazer que envolve a promessa
de fato de terceiro (art. 439). Pelo princípio da relatividade contratual, as avenças realizam-
se res inter alios acta. Assim, em princípio, o terceiro é um estranho à relação obrigacional,
sendo a sua conduta objeto da prestação. Porém, o objeto da obrigação em si é a promessa
do próprio devedor; isto justifica o seu sancionamento. Mas se o terceiro aceitar a prestação,
exonera-se o devedor de responsabilidade, já que a promessa foi cumprida e o terceiro
assumiu o contrato, vinculando-se aos seus termos.
Finalmente, cumpre analisar as consequências do descumprimento de uma obrigação de
fazer. Se a prestação do fato se torna impossível sem culpa do devedor, resolve-se a
obrigação, sem que haja a conseqüente obrigação de indenizar. Entretanto, se a
impossibilidade decorrer de culpa do devedor, este poderá ser condenado a indenizar a
outra parte pelo prejuízo causado. Nesse sentido, dispõe o art. 249:

se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-


se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.

Estudando essa regra, cumpre advertir que o tratamento dispensado pelo CC ao


descumprimento das obrigações de fazer não foi o mais adequado, apresentando-se de
forma extremamente lacunosa. De fato, a moderna doutrina processual ensina que, ao lado
da pretensão indenizatória, existem outros meios de tutela jurídica colocados à disposição
do credor, consoante abordagem a ser realizada no tópico da tutela processual das
obrigações de dar, fazer e não fazer.
4.3.6 Obrigações de não fazer.

A obrigação de não fazer tem por objeto uma prestação negativa, um comportamento
omissivo do devedor. Implica uma abstenção, impedindo que o devedor pratique um ato
que normalmente não lhe seria vedado, tolere ato que normalmente não admitiria ou,
mesmo, obrigue-se a não praticar um ato jurídico que em princípio ser-lhe-ia lícito. Ex.: não
construir muros, não possuir animais. Depreende-se ter sempre a natureza infungível, haja
vista que toda omissão é uma atitude pessoal e intransferível do devedor. Difere, portanto,
da obrigação de fazer que pode comumente ser satisfeita por terceiros, na base da
fungibilidade.
Dividem-se as obrigações negativas em obrigações de não fazer instantâneas – posto
impossível o desfazimento da nova situação com restituição ao estado originário; e
permanentes -, quando, mesmo após o descumprimento, admitem a recomposição ao
status quo ante. O art. 251 refere-se às obrigações permanentes, posto passíveis de
desfazimento (“Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode
exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado
perdas e danos”). O parágrafo único do art. 251 autoriza o credor, em caso de urgência,
desfazer ou mandar desfazer, independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do
ressarcimento devido.
As relações jurídicas que criam obrigações de não fazer são aquelas que mais cerceiam a
liberdade do contratante. Assim, poderá haver uma deliberação judicial no sentido de
restringir o conteúdo de tais prestações, quando ofensivas à ordem econômica ou a direitos
fundamentais do ser humano.

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Nos termos do art. 250, “extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do
devedor, se lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar”.
Obs.: um devedor poderá ser adimplente sendo omisso? Correto, nas obrigações negativas.
4.3.7 Tutela processual das obrigações de dar.
Nas obrigações de dar coisa certa, a execução seguia o rito dos arts. 621/628 do CPC,
fosse ela proveniente de título executivo judicial ou extrajudicial. Com a recente reforma
imprimida pela Lei 10.444/02, desloca-se a execução da sentença condenatória das
referidas obrigações para o livro do processo de conhecimento.
Com efeito, com a redação do art. 461-A, permite-se que a sentença de procedência no
processo de conhecimento ostente eficácia executiva lato sensu, sendo suficiente que o
magistrado estipule na sentença um prazo para cumprimento espontâneo da obrigação de
dar coisa certa, com previsão de expedição, em prol do autor, de mandado de busca e
apreensão da coisa móvel ou imissão na posse da coisa imóvel, em caso de recusa ao
cumprimento pelo réu no prazo fixado no decisório.
A outro lado, para os títulos executivos extrajudiciais, com obrigação líquida, certa e exigível
de entregar coisa (art. 585 do CPC), mantém-se a tutela erigida pelo art. 621 do CPC,
mediante o ajuizamento de ação de execução, capaz de propiciar ao credor a imissão na
posse do bem imóvel ou a busca e apreensão do bem móvel desejado, caso o réu recuse-
se a entregar voluntariamente a coisa no prazo de 10 dias contados da citação.
Outra novidade da L 10444/02 concerne ao parágrafo único do art. 621, que permite ao juiz
a fixação de multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação. As astreintes possuem
finalidade coativa, constrangendo o devedor a cumprir a tutela específica. Pela nova
sistemática, resta superada a necessidade de caracterizar o tipo de obrigação para a
aplicação da multa cominatória. Agora, para qualquer hipótese de infungibilidade da
prestação – casos em que só o devedor poderá cumpri-la – a lei admite a imposição de
multa diária ao réu, até a satisfação da obrigação determinada (só cuidado com a exibição
de documentos no processo, caso em que não se pode fixar astreintes – súmula 372 do
STJ, já que nesse caso, não apresentados os documentos, serão considerados verdadeiros
os fatos que com eles se pretendia provar).
Havendo obrigação de dar coisa incerta, enfatiza-se a mesma distinção operada quanto à
forma de execução das obrigações de dar coisa certa. Na reforma, a execução de título
judicial dar-se-á nos moldes do art. 461-A, §1°. Tratando-se de dívida de gênero baseada
em título executivo extrajudicial, a execução impõe-se na forma dos arts. 629/631 do CPC,
sendo indispensável o incidente de individualização do objeto da prestação.
Caberá ainda a execução por quantia certa (art. 646 do CPC), restrita às obrigações
pecuniárias. Diversamente das demais modalidades de execuções de obrigações de dar, a
decorrente de dívida por quantia certa é conhecida como execução genérica, pois o credor
detém livre acesso a qualquer um dos bens que compõem o patrimônio do devedor, visando
a convertê-los em dinheiro. Já nas modalidades de dar coisa certa e incerta, fala-se de
execuções específicas, eis que o credor circulará restritamente pelo patrimônio do devedor,
sendo-lhe apenas facultado buscar os bens voluntariamente recusados.
A execução por quantia certa é igualmente oportunizada quando restar frustrada a
execução específica – consistente na busca da prestação in natura -, por haver o objeto da
obrigação sido extraviado ou danificado.
4.3.8 Tutela processual das obrigações de fazer e não fazer.
A visão tradicional do direito das obrigações, pelo seu cunho intrinsecamente
patrimonialista, sempre defendeu que seria uma violência à liberdade individual da pessoa
a prestação coercitiva de condutas, ainda que decorrentes de disposições legais e
contratuais. Na concepção civilística do pacta sunt servanda, o magistrado apenas
asseguraria à parte lesada a recomposição dos danos consequentes ao descumprimento

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contratual. Jamais lhe seria facultado penetrar nas relações privadas, que seriam leis entre
particulares. Assim, pela convicção de que a liberdade humana é o valor maior na
sociedade, a resolução em perdas e danos seria a única consequência para o
descumprimento das obrigações de fazer e não fazer.
Hodiernamente, contudo, o vigente ordenamento jurídico brasileiro reconhece que a
incoercibilidade da vontade humana não é um dogma inafastável, desde que respeitados
os direitos fundamentais. Agora, o legislador procura antecipar-se à ocorrência dos danos,
impondo meios hábeis a impedir ou remover o próprio ilícito legal ou contratual, enfatizando
a tutela inibitória das obrigações, em detrimento da tutela ressarcitória.
O art. 461 do CPC (art. 84 do CDC) permite ao juiz impor ao devedor a observância estrita
do que foi objeto da convenção entre as partes, concedendo ao credor duas formas
alternativas de implementação da tutela inibitória. Primeiramente, a tutela específica da
situação a que originariamente o autor faria jus. Sendo materialmente impossível o
cumprimento da prestação originária, ou entendendo o magistrado que outra medida poderá
atender ao credor, porém de maneira menos gravosa ao devedor, conceder-se-á resultado
prático equivalente ao autor da ação, por meio da tutela assecuratória (inespecífica),
mediante providências alternativas exigidas ao réu. As tutelas específica e assecuratória
serão alcançadas pela imposição de meios coercitivos indiretos, sobremaneira pelas
astreintes.
O STJ enfatiza a eficácia do aludido provimento, mesmo em face do Poder Público: “em
conformidade com o entendimento assentado em ambas as turmas da 3ª seção, o juiz, de
ofício ou a requerimento da parte, pode fixar as denominadas astreintes contra a Fazenda
Pública, com o objetivo de forçá-la ao adimplemento da obrigação de fazer no prazo
estipulado” (AGA n° 476719/RS). Ainda, “é possível a fixação de multa diária por atraso na
implantação de benefício previdenciário, em razão de tratar-se de obrigação de fazer”
(AGRESP 374502/SP).
Em arrimo à prestigiada tutela inibitória, não se olvide ainda da letra dada ao art. 287 do
CPC que permite a imposição de sanção pecuniária para o eventual descumprimento da
sentença ou da decisão antecipatória de tutela.
A tutela inibitória não é a única conquista em matéria de efetividade das obrigações de fazer
e não fazer. Paralelamente a ela foi instituída a denominada tutela de remoção do ilícito (art.
461, §5°), também conhecida como medidas de apoio. Trata-se de demanda executiva lato
sensu, verdadeiro meio de coerção direta promovido em sub-rogação ao demandado.
Importante lembrar que, apesar de mal localizado, o artigo 475 do CC/02 também traz
previsão relativa à tutela específica:

“A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se


não preferir exigir-lhe o cumprimento...”.

Enfim, torna-se a exceção às perdas e danos, razão pela qual faz-se mister propugnar por
uma interpretação mais consentânea e lógica do art. 248 do CC, ou seja, tal regra somente
pode ser aplicada quando não é mais possível o cumprimento da obrigação ou, não tendo
o credor mais interesse na sua realização – ante o inadimplemento do devedor -, o autor da
ação assim o pretender. Obviamente, a busca da tutela específica não exclui a indenização
pelas perdas e danos ocorridos até a data da realização concreta da obrigação de fazer
submetida à apreciação judicial.

4.4 Classificação Especial das Obrigações:

Considerando o elemento subjetivo, as obrigações poderão ser:

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• fracionárias;
• conjuntas;
• disjuntivas; solidárias.
Considerando o elemento objetivo (a prestação) – além da classificação básica, que
também utiliza esse critério (prestações de dar, fazer e não fazer) -, podemos apontar a
existência de modalidades especiais de obrigações, a saber:
• alternativas;
• facultativas;
• cumulativas;
• divisíveis e indivisíveis; líquidas e ilíquidas.
Quanto ao elemento acidental, encontramos:
• obrigação condicional; obrigação a termo; obrigação modal.
Finalmente, quanto ao conteúdo, classificam-se as obrigações em:
a. obrigações de meio;
b. obrigações de resultado;
c. obrigações de garantia.

4.4.1 Classificação especial quanto ao elemento subjetivo (sujeitos)

a) Obrigações fracionárias: Nas obrigações fracionárias, concorre uma pluralidade de


devedores ou credores, de forma que cada um deles responde apenas por parte da dívida
ou tem direito apenas a uma proporcionalidade do crédito (concursu partes fiunt). É a regra
geral. As obrigações fracionárias ou parciais podem ser, do ponto de vista ideal,
decompostas em tantas obrigações quantos os credores ou devedores, pois, encaradas
sob a ótica ativa, não formam um crédito coletivo, e, sob o prisma passivo, coligam-se tantas
obrigações distintas quanto os devedores, dividindo-se o cumprimento da prestação entre
eles. As dívidas de dinheiro, por exemplo, são, em princípio, fracionárias (ex: art. 1371).
Tais obrigações, por óbvio, pressupõem a divisibilidade da prestação.
A respeito das obrigações fracionárias, ORLANDO GOMES enuncia regras básicas que
defluem de sua própria estrutura: cada credor não pode exigir mais do que a parte que lhe
corresponde e cada devedor não está obrigado senão à fração que lhe cumpre pagar; para
os efeitos da prescrição, pagamento de juros moratórios ou nulidade da obrigação e
cumprimento de cláusula penal, as obrigações são consideradas autônomas, não influindo
a conduta de um dos sujeitos, em princípio, sobre o direito ou dever dos outros.

b) Obrigações conjuntas: Também chamadas de unitárias ou de mão comum. Nesse


caso, concorre uma pluralidade de devedores ou credores, impondo-se a todos o
pagamento conjunto de toda a dívida, não se autorizando a um dos credores exigi-la
individualmente.

c) Obrigações disjuntivas: Nesta modalidade de obrigação, existem devedores que se


obrigam alternativamente ao pagamento da dívida. Desde que um dos devedores seja
escolhido para cumprir a obrigação, os outros estarão consequentemente exonerados,
cabendo, portanto, ao credor a escolha do demandado. Diferem das obrigações solidárias
por lhes faltar a relação interna que é própria do mecanismo da solidariedade, justificando,
nesta última, o direito regressivo do devedor que paga.

d) Obrigações solidárias: Existe solidariedade quando, na mesma obrigação, concorre


uma pluralidade de credores, cada um com direito à dívida toda (solidariedade ativa), ou
uma pluralidade de devedores, cada um obrigado à dívida por inteiro (solidariedade
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passiva). Nada impede que se fale também em solidariedade mista, ainda que não haja
previsão legal específica.
Principais postulados:
b. a solidariedade só se manifesta nas relações externas (só se aplica entre os
pólos), eis que cada credor poderá exigir o pagamento de qualquer devedor no todo,
como se fosse o único existente, assim como o devedor poderá exonerar-se pagando o
total a qualquer credor. Já nas relações internas, prevalece o direito apenas fracionário
de reembolso dos co-credores que não receberam suas partes e o direito de regresso
do devedor que pagou o preço em face dos co-devedores;
c. observe-se que existe unidade objetiva da obrigação (o objeto é único), embora
concorram mais de um credor ou devedor, cada um deles com direito ou obrigado a toda
a dívida. É isto o que defende a teoria unitária (majoritária), possibilitando que qualquer
um que receba ou pague, extingue a obrigação. Também há a teoria plural (min.), que
defende a existência de vários vínculos;
d. a solidariedade não se presume (art. 265 do CC). Nasce em virtude de
convenção das partes ou imposição legal (arts. 932 e 942, parágrafo único, CC e art. 2°,
§2°, CLT). Ressalte-se que apesar de constituir exceção na atual codificação civil, a
solidariedade é regra no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), o qual
prescreve em seu artigo 7º: “tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão
solidariamente pela reparação de danos previstos nas normas de consumo”. Também
para a responsabilidade civil o art. 942 traz a previsão da solidariedade. Não se presume
solidariedade passiva (art. 265 do Código Civil) pelo simples fato de duas ou mais
pessoas jurídicas integrarem o mesmo grupo econômico (Enunciado n. 22 da I Jornada
de Direito Comercial, promovida pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior
Tribunal de Justiça em 2012).
Não se deve confundir as obrigações solidárias com as obrigações in solidum. Nessas
últimas, posto concorram vários devedores, os liames que os unem ao credor são
totalmente distintos, embora decorram de um único fato (ex: suponhamos um caso de
incêndio de uma propriedade segurada, causada por culpa de terceiro. Tanto a seguradora
como o autor do incêndio devem à vítima indenização pelo prejuízo, porém não existe uma
origem comum na obrigação.
Para verificação da solidariedade não interessa a natureza jurídica do bem, por isso, não
se confunde com a idéia de indivisibilidade. A solidariedade é criada pelo direito para facilitar
o recebimento pelo credor, é um artifício jurídico.
Solidariedade ativa. Traduz um concurso de credores na mesma obrigação, cada um com
direito a exigir a dívida por inteiro (art. 267 do CC). É instituto pouco utilizado, pelo risco de
os co-credores não obterem ressarcimento daquela que recebeu o pagamento, seja por
incorrer em insolvência ou simples desonestidade. Muitos credores optam pela outorga de
mandato, eis que os mandatários agem em nome alheio e em caráter revogável.
Vencida a dívida, poderá o devedor oferecer o pagamento a qualquer um dos credores,
desonerando-se da prestação (art. 269 do CC). Todavia, se um dos credores antecipar-se,
acionando o devedor, surge o fenômeno da prevenção judicial (art. 268 do CC).
Conseqüentemente, o devedor só poderá obter liberação pagando ao autor da ação, não
lhe sendo lícito exigir o litisconsórcio ativo entre os demais credores, sob pena de
desvirtuamento do instituto.
Poderá ocorrer, todavia, que um dos credores solidários, em vez de exigir a soma devida,
haja perdoado a dívida (art. 272 do CC). Nesse caso, assim como ocorre quando recebe o
pagamento, o credor remitente responderá perante os demais credores pela parte que lhes
caiba. Contudo, se a remissão for motivo suficiente para o credor remitente cair em
insolvência, não podendo ressarcilos, poderão ajuizar a ação revocatória ou pauliana (art.
158 do CC).
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Convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste (permanece), para todos os


efeitos, a solidariedade (art. 271 do CC).
Diferença entre a obrigação solidária ativa e a obrigação indivisível no que toca aos efeitos
da conversão em perdas e danos: de acordo com o art. 263 do CC, a obrigação indivisível
perde esse caráter quando da sua conversão em perdas e danos, o que não ocorre com a
obrigação solidária ativa, que permanece com o dever do sujeito passivo obrigacional de
pagar a quem quer que seja. O CC prevê, ainda, regra específica no que se refere ao
falecimento de um dos credores na obrigação solidária ativa: se um dos credores falecer, a
obrigação se transmite a seus herdeiros, cessando a solidariedade em relação aos
sucessores, uma vez que cada qual somente poderá exigir a quota do crédito relacionada
com o seu quinhão de herança – a chamada refração do crédito (art. 270 do CC). Mas a
prestação poderá ser reclamada por inteiro nos seguintes casos (Washington de Barros
Monteiro): a) se o credor falecido só deixou um herdeiro; b) se todos os herdeiros agem
conjuntamente e c) se indivisível a prestação. Mas veja que para os demais credores
nenhuma inovação acarreta o óbito do consorte.
Finalmente, inovou o CC ao prever regras inéditas atinentes à defesa do devedor e ao
julgamento da lide assentada em solidariedade ativa. O art. 273 dispõe que: “a um dos
credores solidários não pode o devedor opor as exceções pessoais oponíveis aos outros”.
Exceção, aqui, significa defesa. Aliás, questões diversas resultam da solidariedade no
tocante ao instituto da prescrição. Há de ressaltar-se que as causas suspensivas – de
caráter personalíssimo – não se comunicam aos cocredores, exceto se o objeto da
obrigação foi indivisível (art. 201, CC). A outro turno, quando se operam causas interruptivas
em prol de um dos credores, o benefício incorpora-se aos co-credores (art. 204, §4°, CC).
Obs.: solidariedade e prescrição – a citação válida contra devedor fracionário não se
estende aos demais; a interrupção do credor solidário se estende aos demais; a interrupção
contra devedor solidário também se estende aos demais devedores.
Por fim, temos o inusitado art. 274 do CC, o qual, penetrando na esfera do processo civil,
estabelece:
“o julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; o
julgamento favorável aproveita-lhes, a menos que se funde em exceção
pessoal ao credor que o obteve”.

A primeira parte do artigo 274 não é novidade, pois a derrota do credor que tenha ajuizado a
ação não vincula os outros credores, que podem propor outras ações: a derrota não se
comunica com os demais credores (Tepedino: extensão da coisa julgada secundum eventum
litis, os credores que não participaram do processo apenas podem ser beneficiados com a
coisa julgada, jamais prejudicados).
A segunda parte do artigo é que é nova, porque garante que se o julgamento for favorável,
haverá o aproveitamento aos outros credores. Se o credor que propôs a ação ganha, a sua
vitória poderá aproveitar os demais credores, exceto se se fundar em uma exceção pessoal
(é defesa alegada pelo devedor: comum afeta a todos os credores e pessoal somente ao
credor que ajuizou a ação).
Assim, se o juiz rejeitou uma defesa comum, não é preciso submeter os outros credores à
necessidade de ajuizamento de ação. Mas se o juiz rejeita uma exceção pessoal (ou seja,
formulada somente perante o credor que ajuizou a ação), os credores deverão ajuizar outra
ação, na medida em que não podem se aproveitar da defesa pessoal contra o credor que
ajuizou a ação. Entretanto, tem surgido na doutrina processualista, entendimento de que a
parte final do art. 274 do CC não tem sentido. De fato, segundo Fredie Didier Jr:

O julgamento favorável ao credor não pode estar fundado em exceção


pessoal, alegação da defesa que é; se assim fosse, a decisão seria
desfavorável e, por força da primeira parte do art. 274, não estenderia seus
117
Direito Civil 2016 118

efeitos aos demais credores. Em resumo: não há julgamento favorável


fundado em exceção pessoal; quando se acolhe a defesa, julga-se
desfavoravelmente o pedido. A parte final do art. 274, se interpretada
literalmente, não faz sentido.

Com este mesmo posicionamento, José Carlos Barbosa Moreira. A interpretação proposta
pelo primeiro processualista citado é a seguinte: se o credor vai a juízo e ganha, essa
decisão beneficiará os demais credores, salvo se o devedor tiver exceção pessoal que
possa ser oposta a outro credor não participante do processo, pois em relação àquele que
promoveu a demanda o devedor nada mais pode opor.
Hipótese corriqueira de solidariedade ativa surge em contratos bancários de conta conjunta.
Também há casos (raros) de solidariedade ativa por força de lei, a exemplo dos arts. 2° da
Lei 8245/91 (Lei do Inquilinato: Art. 2º Havendo mais de um locador ou mais de um locatário,
entende - se que são solidários se o contrário não se estipulou) e 12 da Lei 209/48.

Solidariedade Ativa
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DANO MORAL. CONTA CONJUNTA. CHEQUE
EMITIDO POR UM DOS CORRENTISTAS. INSCRIÇÃO EM SERVIÇOS DE
PROTEÇÃO AO CRÉDITO. Tratando-se de conta conjunta, tão-só o emitente
da cártula pode ser responsabilizado pelo débito, uma vez que a conta
corrente estabelece solidariedade ativa entre seus titulares apenas perante o
banco, mas não diante de terceiros. A solidariedade de que trata o artigo 51,
da Lei 7.357/51, é de todos os correntistas, mas apenas quanto à instituição
bancária, pois as cláusulas ue regem o contrato de conta corrente são “res
inter alios”. Precedentes deste Tribunal e do STJ. Dano moral ¿in re ipsa¿.
Apelações desprovidas.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 70010396059, QUINTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO RS, RELATOR: UMBERTO GUASPARI SUDBRACK, JULGADO
EM 17/02/2005)
Obs.: Estatuto do Idoso – traz hipótese de solidariedade legal entre filhos na obrigação de
prestar alimentos aos pais enquadrados nas regras do estatuto. Ex.: 3 filhos – pode cobrar
alimentos de um só deles, ficando este com direito de regresso em relação aos demais,
observado o binômio necessidade/possibilidade.

Solidariedade passiva. Existe solidariedade passiva quando, em determinada obrigação,


concorre uma pluralidade de devedores, cada um deles obrigado ao pagamento de toda a
dívida.

Art. 275: O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos


devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido
parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo
resto. Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura
de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores”.

Observe-se que não se cogita de concentração do débito o fato de o credor optar


preferencialmente por um dos devedores, por tratar-se de litisconsórcio passivo facultativo.
O parágrafo único afasta expressamente a aplicação da tese da supressio, conceituada
como a perda de um direito pelo seu não exercício no tempo.
Assim como ocorre na solidariedade ativa, na passiva a pluralidade de devedores encontra-
se internamente vinculada, de forma que aquele que pagou integralmente a dívida terá ação
regressiva contra os demais (art. 283).

118
Direito Civil 2016 119

O devedor que for demandado poderá opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais
e, bem assim, as defesas que forem comuns a todos os devedores. Não lhe aproveita,
contudo, as defesas pessoais de outro devedor.
Saliente-se ainda que se o credor aceitar o pagamento parcial de um dos devedores, os
demais só estarão obrigados a pagar o saldo remanescente. Da mesma forma, se o credor
perdoar a dívida em relação a um dos devedores solidários, os demais permanecerão
vinculados ao pagamento da dívida, abatida, por óbvio, a quantia relevada (art. 277).
Destaque-se que a hipótese é de remissão ou pagamento de parte da dívida, e não
simplesmente de exclusão do devedor solidário, pelo seu não-acionamento, o que é direito
potestativo do credor, ultima ratio (processualmente, esta última afirmação é relativizada
pela figura do chamamento ao processo13 ).
Quanto à responsabilidade dos devedores solidários, se a prestação se impossibilitar por
dolo ou culpa de um dos devedores, todos permanecerão solidariamente obrigados ao
pagamento do valor pelo equivalente. Entretanto, pelas perdas e danos só responderá o
culpado (art. 279). Na solidariedade ativa a situação é diferente, mantendo-se a
solidariedade também pelas perdas e danos.
Diferentemente do que ocorre com a obrigação indivisível, todos os devedores solidários
sempre respondem pelo débito, mesmo não havendo descumprimento por parte de um ou
de alguns. Dessa forma, a solidariedade quanto ao valor da dívida permanece em todos os
casos. Porém, quanto às perdas e danos somente será responsável o devedor que agiu
com culpa estrita (imprudência, negligência, imperícia) ou dolo (intenção de
descumprimento).
Não se deve esquecer que, apesar de as obrigações solidárias estarem dirigidas à
satisfação do mesmo interesse, são obrigações distintas, no sentido que cada uma delas
pode ser apreciada isoladamente no tocante aos requisitos de existência, validade e
eficácia.
Nítida autonomia das obrigações dos devedores solidários é evidenciada no parágrafo
único do art. 333 do CC, ao afastar-se o vencimento antecipado do débito dos co-devedores
solventes na hipótese de insolvência de um deles.
Como ocorre com a solidariedade ativa, no caso de falecimento de um dos devedores
solidários, cessa a solidariedade em relação aos sucessores do de cujus, eis que estes
somente serão responsáveis até os limites de seus quinhões correspondentes (salvo se
obrigação for indivisível). Mas veja que o próprio artigo 276 estabelece que todos os
herdeiros reunidos serão considerados como um devedor solidário em relação aos demais
devedores. Assim, há que se distinguir a situação antes e depois da partilha. Proposta a
ação de cobrança pelo credor antes da partilha, responde o monte pela dívida, não se
aplicando o dispositivo em exame, já que todos os herdeiros se encontram reunidos em
condomínio forçado. A regra incidirá, contudo, se já concluída a sucessão hereditária, cada
herdeiro ficando então obrigado pela sua parte.
Além da tradicional solidariedade derivada de negócio jurídico, várias situações de
coresponsabilidade resultam de disposição expressa em lei, como, v.g., o disposto nos art.

13
Mas há setores abalizados da doutrina processualista que procuram interpretar o instituto processual do
chamamento ao processo de forma a não aniquilar o instituto civil da solidariedade. Assim, segundo Nelson Nery Jr,
“Chamamento ao processo é a ação condenatória exercida pelo devedor solidário que, acionado sozinho para responder
pela totalidade da dívida, pretender acertar, na ação secundária de chamamento, a responsabilidade do devedor
principal ou dos demais co-devedores solidários, estes na proporção de suas quotas (...) Em suma, não se pode misturar
a ação principal com a secundária de chamamento ao processo. Com isso resguarda-se o instituto da solidariedade,
propiciando que o credor cobre de apenas um dos co-devedores solidários (o que ele, credor, escolheu para pagar) a
totalidade da dívida, como fora de sua vontade ao mover ação contra apenas um deles, mas facilita-se a situação
daquele que pagar, que pode reaver dos demais co-devedores suas cotas de responsabilidade conforme fixado na
sentença. Assim, dá-se ao processo o seu verdadeiro papel de instrumento de realização do direito material.” (Código de
Processo Civil Comentado, 9ª edição, 2006).
119
Direito Civil 2016 120

942 do CC (visto acima). Outra hipótese contemporânea de solidariedade legal é


contemplada no CDC (art. 7°, parágrafo único).
O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos co-devedores
a sua cota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se
iguais, no débito, as partes de todos os co-devedores (ar. 283).
O credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou de todos os
devedores. Todavia, no caso de rateio entre os co-devedores, contribuirão também os
exonerados da solidariedade pelo credor, pela parte que na obrigação incumbia o insolvente
(art. 284).
A renúncia à solidariedade se diferencia da remissão quanto aos efeitos, conforme
reconhece o Enunciado n. 350 CJF/STJ, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, cuja
redação é a seguinte:

“A renúncia à solidariedade di erencia-se da remissão, em que o devedor fica


inteiramente liberado do vínculo obrigacional, inclusive no que tange ao rateio
da quota do eventual codevedor insolvente, nos termos do art. 28 ”.

No caso de rateio entre os codevedores, contribuirão também os exonerados da


solidariedade pelo credor, pela parte que na obrigação incumbia ao insolvente.
Na IV Jornada de Direito Civil, aprovou-se o Enunciado n. 349 CJF/STJ:

“Com a renúncia da solidariedade quanto a apenas um dos devedores


solidários, o credor só poderá cobrar do beneficiado a sua quota na dívida;
permanecendo a solidariedade quanto aos demais devedores, abatida do
débito a parte correspondente aos beneficiados pela renúncia”

Bem como o Enunciado n. 351 CJF/STJ, pelo qual:

“A renúncia à solidariedade em favor de determinado devedor afasta a


hipótese de seu chamamento ao processo”.

Obs.: nos casos de exoneração da solidariedade ou de um dos devedores solidários ser


remitido (perdoado) da obrigação, o resultado será o mesmo, diminuição do quantum a ser
cobrado dos demais – mas na exoneração poderá cobrar todo o débito (a parte do
exonerado – fracionária – acrescido do restante dos outros devedores ainda solidários)
O art. 285 (“Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores,
responderá este por toda ela para com aquele que pagar”) enquadra-se perfeitamente na
lógica da divisão dos elementos da obrigação no débito (schuld) e responsabilidade
(haftung). Situação, por exemplo, do avalista em título de crédito.

PERGUNTA: qual a diferença entre o fiador e o INTERVENIENTE GARANTIDOR SOLIDÁRIO


dos contratos bancários? Essa figura dos contratos bancários é a instituição de uma garantia
pessoal que se presta solidariamente, de tal forma que este interveniente garante com seu
patrimônio solidariamente o pagamento do débito. O que acontece, porém, é que, às vezes,
essa figura do interveniente vai mais além, porque não é só uma garantia pessoal e solidária,
podendo dar um bem seu em garantia preferencial, ocasião em que será garantidor
hipotecário sem prejuízo da garantia pessoal. Não se trata de uma figura típica, que consiste
em um grande garantidor solidário. O STJ assim já decidiu:

“ ARAN I OR O I ÁRIO”. OU OR A UXÓRIA. Não há como se confundir a figura


do "interveniente garantidor solidário" com a do avalista ou fiador. Dessarte,

120
Direito Civil 2016 121

não lhe são aplicáveis disposições legais cabíveis à fiança, o que afasta a
necessidade da outorga uxória. Precedentes citados: REsp 6.268-MG, DJ
20/5/1991, e REsp 3.238-MG, DJ 19/11/1990. REsp 538.832-RS, Rel. Min. Carlos
Alberto Menezes Direito, julgado em 10/2/2004. Terceira Turma– Informativo
198. O TJMG e TJSP entendem que a nomenclatura adotada é irrelevante,
sendo na verdade um avalista “Ao anuir aos termos do contrato de mútuo,
concordou o avalista em figurar como garantidor solidário da dívida, sendo
irrelevante se o contrato o intitula como avalista ou como fiador”.

Subsidiariedade. A responsabilidade subsidiária é uma forma especial de solidariedade,


com benefício ou preferência de excussão de bens de um dos obrigados. Na
responsabilidade subsidiária, temos que uma das pessoas tem o débito originário e a outra
tem apenas a responsabilidade por esse débito. Por isso, existe uma preferência, dada pela
lei, na ordem de excussão. Vale lembrar que a expressão “subsidiária” se refere a tudo que
vem “em reforço de...”. Assim, não podemos afirmar que existe, a priori, uma obrigação
subsidiária, mas sim apenas uma responsabilidade subsidiária.

4.4.2 Classificação especial quanto ao elemento objetivo (prestação)


a) Obrigações alternativas. As obrigações alternativas ou disjuntivas são aquelas que têm
por objeto duas ou mais prestações, sendo que o devedor se exonera cumprindo apenas
uma delas. São, portanto, prestações de objeto múltiplo ou composto.
Teoricamente, é possível fazer a distinção entre obrigações genéricas e alternativas. As
primeiras são determinadas pelo gênero, e somente são individualizadas no momento em
que se cumpre a obrigação; as segundas, por sua vez, têm por objeto prestações
específicas, excludentes entre si. Como regra geral, o direito de escolha cabe ao devedor,
se o contrário não houver sido estipulado no título da obrigação (art. 252: “Nas obrigações
alternativas, a escolha cabe ao devedor, se outra coisa não se estipulou”). Entretanto, essa
regra geral sofre alguns temperamentos, consoante deflui da análise dos parágrafos do art.
252:

“§ 1o Não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação


e parte em outra (princípio da indivisibilidade do objeto).
§ 2o Quando a obrigação for de prestações periódicas, a faculdade de opção
poderá ser exercida em cada período.
§ 3o No caso de pluralidade de optantes, não havendo acordo unânime entre
eles, decidirá o juiz, findo o prazo por este assinado para a deliberação.
§ 4o Se o título deferir a opção a terceiro, e este não quiser, ou não puder
exercê-la, caberá ao jui a escol a se não ouver acordo entre as partes”.
ATENÇÃO: o princípio da indivisibilidade do objeto não se aplica ao contrato estimatório,
pois é da própria natureza desse negócio a possibilidade de cumprimento em partes da
obrigação, ou seja, o consignatário pode pagar parte do preço de estima e devolver parte
das coisas consignadas.
Interessante notar que o CC não cuidou de estabelecer prazo para o exercício do direito de
escolha. Por isso, a despeito da omissão do CC, o CPC, em seu art. 571, dispõe que:

“Nas obrigaç es alternativas, uando a escol a couber ao devedor, este será


citado para exercer a opção e realizar a prestação dentro em 10 (dez) dias, se
outro prazo não lhe foi determinado em lei, no contrato, ou na sentença. § 1o
Devolver-se-á ao credor a opção, se o devedor não a exercitou no prazo
marcado. § 2o Se a escolha couber ao credor, este a indicará na petição inicial
da execução”.

121
Direito Civil 2016 122

Quanto à impossibilidade de cumprimento das obrigações alternativas, cumpre consignar o


seguinte:
- impossibilidade total (todas as prestações alternativas): sem culpa do
devedor – extingue-se a obrigação (art. 256);
com culpa do devedor – se a escolha cabe ao devedor: deverá pagar o valor da prestação
que por último se impossibilitou mais perdas e danos (art. 254); se a escolha cabe ao credor:
poderá exigir o valor de qualquer das prestações, mais perdas e danos (art.255).

- impossibilidade parcial (de uma das prestações alternativas): sem


culpa do devedor – concentração do débito na prestação subsistente (art.
253); com culpa do devedor – se a escolha cabe o devedor: concentração
do débito na prestação subsistente (art. 253); se a escolha cabe ao credor:
poderá exigir a prestação remanescente ou o valor da que se
impossibilitou, mais perdas e danos (art. 255).

Por fim, impende salientar que é possível a retratação do devedor, desde que prove que
incorreu em erro substancial, ignorando que a prestação era alternativa.

b) Obrigações facultativas. O CC não cuidou dessa espécie obrigacional, também


denominada obrigação com faculdade alternativa ou obrigação com faculdade de
substituição. A obrigação é considerada facultativa quando, tendo um único objeto, o
devedor tem a faculdade de substituir a prestação devida por outra de natureza diversa,
prevista subsidiariamente (é direito potestativo do devedor).
Orlando Gomes reconhecia os seguintes efeitos às obrigações facultativas: o credor não
pode exigir o cumprimento da prestação facultativa; a impossibilidade de cumprimento da
prestação devida extingue a obrigação; somente a existência de defeito na prestação
devida pode invalidar a obrigação. O devedor se libertará adimplindo qualquer das
prestações, mas o credor somente poderá lhe cobrar a principal – o principal objetivo desta
modalidade é facilitar o adimplemento.
Para Venosa, não se confunde a obrigação facultativa com a dação em pagamento. Nessa
é imprescindível a concordância do credor, enquanto na obrigação facultativa a faculdade
é do próprio devedor e só dele. Ademais, na dação em pagamento, a substituição do objeto
do pagamento ocorre posteriormente ao nascimento da obrigação, enquanto na facultativa
a possibilidade de substituição participa da raiz do contrato.

c) Obrigações cumulativas. As obrigações cumulativas ou conjuntivas são as que têm


por objeto uma pluralidade de prestações, que devem ser cumpridas simultaneamente.
Note-se que as prestações, mesmo diversas, são cumpridas como se fossem uma só, e
encontram-se vinculadas pela partícula conjuntiva “e”. No caso de perda do bem, aplica-se
a mesma regra relativa às obrigações de dar coisa certa (arts. 234 a 236)

d) Obrigações divisíveis e indivisíveis. As obrigações divisíveis são aquelas que


admitem o cumprimento fracionado ou parcial da prestação; as indivisíveis, por sua vez, só
podem ser cumpridas por inteiro.
À vista desses conceitos, vale mencionar que a divisibilidade ou indivisibilidade das
obrigações só oferece interesse jurídico havendo pluralidade de credores ou devedores.
Isso porque nem o credor é obrigado a receber pagamentos parciais, nem o devedor a fazê-
los, se outra coisa foi estipulada. O pagamento, pois, em princípio, deverá ser sempre feito
em sua integralidade (art. 314).

O CC trata das obrigações divisíveis em seu art. 257:


122
Direito Civil 2016 123

“Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível,


esta se presume dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os
credores ou devedores”.

Já o art. 258 trata das obrigações indivisíveis:

“a obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um


fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem
econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico”.

A indivisibilidade poderá ser: a) natural (material) – quando decorre da própria natureza da


prestação; b) legal – indivisibilidade do lote urbano de 125m2; c) contratual – quando
decorre da vontade das próprias partes, que estipulam a indivisibilidade no próprio título da
obrigação. Vale frisar que o “motivo de ordem econômica” e a “razão determinante do
negócio jurídico” são expressões utilizadas pelo art. 258 para caracterizar outras formas de
indivisibilidade que tanto pode ser legal ou convencional – Ex. motivo de ordem econômica:
um diamante de 50k vale mais do que 10 diamantes de 5k.
Evidentemente, qualquer que seja a natureza da indivisibilidade, se concorrerem dois ou
mais devedores, cada um deles estará obrigado pela dívida toda. Note-se, todavia, que o
dever imposto a cada devedor de pagar a dívida toda não significa que exista solidariedade
entre eles, uma vez que é o objeto da própria obrigação que determina o cumprimento
integral do débito. O efeito disso, porém, é muito semelhante à solidariedade, uma vez que
o devedor que paga integralmente a dívida sub-roga-se nos direitos do credor em relação
aos outros coobrigados (trata-se de uma SUBROGAÇÃO LEGAL). Mas subrogação não se
confunde com direito de regresso: na primeira há o efeito translativo de todos os direitos do
credor, sendo mais abrangente que o segundo.
Por outro lado, se a pluralidade for de credores, poderá qualquer deles exigir a dívida inteira.
O devedor se desobrigará em duas hipóteses: a) pagando a todos os credores
conjuntamente; b) pagando a um, dando este caução de ratificação dos outros credores.
Recebendo a dívida por inteiro, o credor deverá repassar aos outros, em dinheiro, as partes
que lhes caibam no total (art. 261). Essa regra se justifica pelo fato de que a coligação entre
os credores decorreu da própria impossibilidade de fracionamento da prestação, e, se assim
foi, os outros deverão se contentar com as suas parcelas em dinheiro. Se um dos credores
remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para com os outros, mas estes só a poderão
exigir, descontada a quota do credor remitente (art. 262).
Finalmente, por força do que dispõe o caput do art. 263 do CC:

“ erde a ualidade de indivisível a obrigação ue se resolver em perdas e


danos”. e houver culpa de todos os devedores, responderão todos por partes
iguais (§1º).

Neste ponto, não se pode deixar de mencionar a existência de divergência doutrinária na


interpretação do §2º do dispositivo acima referido, o qual preceitua, in verbis:

“Se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só esse


pelas perdas e danos”.

De fato, a grande maioria da doutrina (Álvaro Villaça Azevedo, Maria Helena Diniz, Sílvio
de Salvo Venosa, Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias), interpretando o § 2º de
acordo com o caput do art. 263 (“Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se
123
Direito Civil 2016 124

resolver em perdas e danos”), afirma que, havendo perda da prestação por culpa de apenas
um dos devedores, não há isenção ou redução da responsabilidade dos demais, que, de
maneira divisível, respondem pelo equivalente e só o culpado, pelas perdas danos. Nesse
sentido, Sílvio de Salvo Venosa afirma: “mas pelo valor da prestação, evidentemente,
responderão TODOS” (Direito Civil, v. 2, 11ª ed. São Paulo: Atlas, p. 108). No entanto,
Flávio Tartuce pontua:

“Entendemos ue a exoneração mencionada no parágrafo em análise é total,


eis que atinge tanto a obrigação em si uanto a indeni ação suplementar” (
ireito ivil, ª ed. São Paulo: Método, v. 2, p. 115). Por isso, foi editado o
Enunciado 540 na VI Jornada de Direito Civil do CJF, nos seguintes termos:
“Havendo perecimento do objeto da prestação indivisível por culpa de apenas
um dos devedores, todos respondem, de maneira divisível, pelo equivalente e
só o culpado, pelas perdas e danos.”

Como decorrência da indivisibilidade da prestação, em matéria de prescrição, a sua


declaração aproveita a todos os devedores, mesmo que haja sido reconhecida em face de
apenas um, assim como a suspensão ou interrupção interfere na situação jurídica de todos.
Em conclusão, convém traçar a diferença existente entre obrigações solidárias e as
obrigações indivisíveis. Nesse sentido, tem-se que:
a. a causa da solidariedade é o título, e a da indivisibilidade é, normalmente, a
natureza da obrigação;
b. na solidariedade, cada devedor paga por inteiro, porque deve integralmente,
enquanto na indivisibilidade solve a totalidade em razão da impossibilidade jurídica de
se repartir em quotas a coisa devida;
c. a solidariedade é uma relação subjetiva, e a indivisibilidade objetiva, enquanto
que a indivisibilidade assegura a unidade da prestação, a solidariedade visa a facilitar a
satisfação do crédito;
d. a indivisibilidade justifica-se com a própria natureza da prestação, quando o
objeto é em si mesmo insuscetível de fracionamento, enquanto a solidariedade é sempre
de origem técnica, resultando da lei ou da vontade das partes;
e. a solidariedade cessa com a morte dos devedores, enquanto a indivisibilidade
subsiste enquanto a prestação suportar;
f. a indivisibilidade termina quando a obrigação se converte em perdas e danos,
enquanto a solidariedade conserva este atributo.

e) Obrigações líquidas e ilíquidas. Líquida é a obrigação certa quanto à sua existência e


determinada quanto ao seu objeto. A obrigação ilíquida, por sua vez, carece de
especificação do seu quantum, para que possa ser cumprida. A apuração processual se dá
por meio do procedimento de liquidação previsto a partir do art. 603 do CPC.

4.4.3 Classificação especial quanto ao elemento acidental


a) Obrigações condicionais. Trata-se de obrigações condicionadas a evento futuro e
incerto. Nesses casos, a aposição de cláusula dessa natureza no ato negocial subordina
não apenas a sua eficácia jurídica, mas, principalmente, os direitos e deveres decorrentes
do negócio jurídico.

b) Obrigações a termo. Se a obrigação subordinar a sua exigibilidade ou a sua


resolução, outrossim, a evento futuro e certo, estaremos diante de uma obrigação a termo.
Em regra, nas obrigações a termo, poderá o devedor antecipar o pagamento, sem que isso

124
Direito Civil 2016 125

caracterize enriquecimento sem causa do credor, eis que apenas a exigibilidade está
suspensa.

c) Obrigações modais. As obrigações modais são aquelas oneradas com encargo


imposto a uma das partes que experimentará um benefício.
Finalmente, se a obrigação não for condicional, a termo ou modal, diz-se que a obrigação
é pura.

4.4.4 Classificação especial quanto ao conteúdo

a) Obrigações de meio. A obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga a


empreender sua atividade, sem garantir, todavia, o resultado esperado.
Obs.: o STJ entende que a obrigação assumida pelos médicos são, em regra, de meio, com
exceção das cirurgias plásticas estéticas, que se caracterizam como obrigação de resultado

b) Obrigação de resultado. Nesta modalidade obrigacional, o devedor se obriga não


apenas a empreender a sua atividade, mas, principalmente, a produzir o resultado esperado
pelo credor.

c) Obrigações de garantia. Por fim, parte da doutrina ainda lembra da existência, na


classificação das obrigações quanto ao conteúdo, das chamadas “obrigações de garantia”,
que não se enquadram perfeitamente em nenhuma das duas anteriores. De fato, tais
obrigações têm por conteúdo eliminar riscos que pesam sobre o credor, reparando suas
conseqüências. A eliminação do risco representa bem suscetível de aferição econômica.

4.5 Transmissão das obrigações


A transmissão das obrigações é construção dogmática do direito moderno, desconhecida
do Direito Romano, o qual, dado o caráter estritamente pessoal do instituto, não reconhecia
tal possibilidade. A civilística do século XX avançou no sentido de despersonalização do
crédito, instituindo “um dos mais importantes instrumentos da vida econômica” (Orlando
Gomes). Podemos dizer que a cessão, em sentido amplo, pode ser conceituada como a
transferência negocial, a título oneroso ou gratuito, de uma posição na relação jurídica
obrigacional, tendo como objeto um direito ou um dever, com todas as características
previstas antes da transmissão.
Diante da definição exposta, podemos concluir que o nosso Direito admite três formas de
transmissão das obrigações: (i) cessão de crédito; (ii) cessão de débito e (iii) cessão de
contrato, em que crédito e débito são cedidos ao mesmo tempo.
O Código atual além de prever a cessão de crédito (arts. 286 a 298), como o anterior,
trata também da cessão de débito (ou assunção de dívida, arts. 299 a 303). Já a cessão de
contrato não recebeu tratamento específico, continuando a sua existência a ser debatida
pela doutrina e admitida pela jurisprudência.
4.5.1 Da cessão de crédito
É o negócio pelo qual o credor (cedente) transfere a terceiro (cessionário) seu direito na
relação obrigacional.
De acordo com o art. 286 do CC,

“o credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da


obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da
cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do
instrumento da obrigação”.

125
Direito Civil 2016 126

Assim, temos que apesar de a negociabilidade ser a regra em matéria de direitos


patrimoniais, existem créditos que não podem ser cedidos, principalmente quando
decorrem de relações estritamente pessoais, como as de direito de família (alimentos) e
nos casos envolvendo os direitos da personalidade.
Deverá ser celebrada mediante instrumento público ou instrumento particular revestido das
formalidades do §1º do art. 654 (indicação do lugar em que foi passado, qualificação das
partes, objetivo e extensão da cessão), a fim de que possa, segundo o artigo 288 do CC,
ser eficaz em relação a terceiros. Vale salientar, no entanto, que essa eficácia erga omnes
não prescinde da transcrição no Registro de Título e Documentos, conforme previsão
constante no artigo 129 Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), segundo o qual:

“estão sujeitos a registro, no Registro de ítulos e ocumentos, para surtir e


eitos em relação a terceiros: (...) 9º) os instrumentos de cessão de direitos e
de créditos, de subrogação e de dação em pagamento”.

No que se refere ao devedor, não é necessária sua participação ou concordância para que
a cessão seja válida, mas a mesma não terá eficácia se o devedor dela não for notificado.
Essa notificação pode ser judicial ou extrajudicial, admitindo-se, inclusive, a notificação
presumida, a qual ocorre quando o devedor, em escrito público ou particular, declara-se
ciente da cessão feita (aplicação do princípio da boa fé objetiva e teoria dos atos próprios –
venire contra factum proprium). Admite-se, também, que a citação inicial para a ação de
cobrança equivale à notificação, produzindo os mesmos efeitos.
Ressalte-se, no entanto, que conforme exposto por Mário Luiz Delgado:

“a notificação do devedor é requisito de eficácia do ato, quanto a ele, devedor.


Mas não impede o cessionário de se investir de todos os direitos relativos ao
crédito cedido, podendo não só praticar os atos conservatórios, mas todos os
demais atos inerentes ao domínio, inclusive ceder o crédito a outrem. A
cessão de crédito produz efeitos imediatamente nas relações entre cedente e
cessionário”.

Conforme disposto no artigo 294 do CC, o devedor só poderá alegar contra o cessionário
as defesas que tinha contra o cedente à época da notificação da cessão, jamais as
incorporadas posteriormente. Além disso, deverá alegá-las no momento em que é
notificado, sob pena de preclusão. Já as defesas pessoais contra o cessionário, poderão
ser alegadas a qualquer tempo. A razão de ser dessa norma reside no fato de que a cessão
não poderia tornar os direitos do cessionário mais amplos, podendo o devedor opor as
exceções justamente para impedir a utilização da cessão como expediente para obter
favorecimento indevido.
Vale notar que se tratou aqui das exceções pessoais, pois as referentes ao crédito podem
ser invocadas a qualquer tempo, tanto contra o cedente como contra o cessionário. Isto
porque o crédito mantém-se inalterado com a transmissão da obrigação, que opera apenas
do ponto de vista subjetivo.
O cedente é responsável pela existência do crédito ao tempo que cedeu, sendo tal
existência não apenas a material, mas aquela em condições de permitir ao adquirente desse
crédito o exercício dos direitos de credor (vez que o crédito pode ser, por exemplo, de difícil
ou impossível cobrança: devedor que mora em país que não cumpre carta rogatória do
Brasil). Mas em se tratando de cessões gratuitas, o cedente só terá responsabilidade pela
existência do crédito se tiver agido de má-fé. É a chamada garantia de direito.

126
Direito Civil 2016 127

No que se refere à solvência do devedor, não estará o cedente, em regra, responsável pela
liquidação do crédito, a menos que tenha agido com má-fé, induzindo o cessionário a
celebrar o negócio já ciente da insolvência do devedor. Portanto, para o Direito Civil
brasileiro, a cessão de crédito é pro soluto. Mas nada impede que as partes venham a
consignar essa responsabilidade, chamada pela doutrina de garantia simplesmente de fato.
De qualquer forma, o cedente não responderá, neste caso, por mais do que do cessionário
recebeu, acrescido dos respectivos juros, despesas da cessão e gastos por estes
despendidos com a cobrança do crédito. Havendo previsão de responsabilidade pela
solvência do crédito no instrumento obrigacional, a cessão é denominada pro solvendo.
Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus
acessórios, como no caso de juros, da multa e das garantias em geral (artigo 287, CC). A
cessão desses acessórios é caso de cessão legal. Estabelece o artigo 292 do CC que:

“Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga


ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga
ao cessionário que lhe apresenta, com o título de cessão, o da obrigação
cedida; quando o crédito constar de escritura pública, prevalecerá a
prioridade da notificação”.

Ou seja, no caso de mais de uma cessão notificada, o devedor deve pagar ao cessionário que se
apresenta munido do instrumento da cessão e do crédito, mas quando o crédito constar de
documento público prevalecerá a prioridade da notificação. Observe-se, outrossim, que como a
citação supre a notificação, uma vez demandado judicialmente pelo cessionário, o devedor não
poderá efetuar pagamento válido ao devedor primitivo.
Finalmente, não se pode deixar de mencionar que não há, na cessão, a extinção do vínculo
obrigacional, razão pela qual deve a mesma ser diferenciada em relação à sub-rogação e
à novação, formas especiais de pagamento. As diferenças são expostas de forma clara no
quadro a seguir:

Cessão de crédito Pagamento com sub- Novação subjetiva ativa


rogação
Forma de Forma de pagamento Forma de pagamento indireto
transmissão das indireto pela substituição do onde há o surgimento de
obrigações. credor, mantendo-se os uma nova obrigação.
demais elementos
obrigacionais.
Decorre de um contrato Os direitos do sub-rogado Decorre de um contrato
sujeito aos requisitos de derivam do próprio sujeito aos requisitos de
validade dos negócios pagamento. validade dos negócios
jurídicos em geral. jurídicos em geral.
Não há pagamento. Há o pagamento sem Não há pagamento.
extinção da obrigação.
Há necessidade de Não há necessidade de Nasce a partir de uma tripla
notificação do devedor para notificação do devedor, a convergência de vontades:
que o mesmo saiba a quem não ser na hipótese do art. do devedor, do credor
pagar. 347, II, do CC. original e do novo.
Caráter gratuito ou oneroso. Caráter somente gratuito, Caráter gratuito.
limitando-se ao valor
reembolsado.

127
Direito Civil 2016 128

O cedente assegura ao Não há garantia de A insolvência do novo


cessionário a existência do existência do crédito. devedor não confere ao
crédito, mas em se tratando Não estará o cedente credor o direito de regresso
de cessões gratuitas, o responsável pela solvência do antigo, salvo se este
cedente só terá do devedor, salvo se obteve obteve por má-fé a
responsabilidade pela por má-fé a substituição. substituição.
existência do crédito se tiver
agido de má-fé.
Não estará o cedente,
em regra, responsável pela
solvência do devedor.
4.5.2 Da assunção de dívida ou Cessão de débito.
CONCEITO: É o negócio jurídico bilateral pelo qual um terceiro, estranho à relação
obrigacional, assume a posição de devedor, responsabilizando-se pela dívida, sem extinção
da obrigação, que subsiste com os seus acessórios. Esse novo devedor, que assume a
dívida, também é denominado terceiro assuntor.
Esta modalidade de transmissão das obrigações exerce função econômica e social
semelhante à da cessão de crédito, na medida em que facilita o acerto de contas sem
deslocamento de numerário, dinamizando a circulação de bens e permitindo a continuidade
das relações econômicas. Sua conveniência é evidente em situações como a transferência
do estabelecimento comercial com a assunção do passivo; a alienação do imóvel objeto de
hipoteca, com a assunção da dívida que ele garantia; ou na aquisição do prédio com
assunção das despesas com benfeitorias.
A assunção de dívida pode operacionalizar-se de duas formas distintas:
a) forma de expromissão (modalidade unifigurativa), caracterizada pelo contrato
entre
credor e um terceiro, que assume a posição de novo devedor, sem necessidade de
comparecimento do antigo devedor. Essa forma de assunção pode ser: liberatória, quando
o devedor primitivo se exonera da obrigação; e cumulativa, quando o expromitente entra na
relação como novo devedor, ao lado do devedor primitivo (Enunciado 16 do CJF, abaixo
mencionado);
b) forma de delegação (modalidade bifigurativa), caracterizada pelo acordo entre
o devedor originário (delegante) e o terceiro que vai assumir a dívida (delegatário), cuja
validade depende da aquiescência do credor (delegado). Pode ser privativa, com
exoneração do delegante, assumindo o terceiro integralmente a posição debitória; ou
simples, quando o terceiro ingressa no vínculo obrigacional sem a demissão do delegante.
Neste último caso, permanece vinculado o devedor originário, alterando-se apenas sua
responsabilidade, que passa a ser subsidiária. Para o delegante, portanto, surge uma
espécie de benefício de ordem, tal como ocorre com o cedente do crédito que assume
responsabilidade pela solvência do devedor.
O CC parece referir-se apenas à segunda modalidade acima mencionada, já que faz alusão
a “consentimento expresso do credor”, estabelecendo, outrossim, que “Qualquer das partes
pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida, interpretando-se o
seu silêncio como recusa” (art. 299). Essa regra geral de que o consentimento do credor
deve ser expresso é excetuada pela art. 303 do CC, o qual dispõe que:

“O ad uirente de imóvel ipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do


crédito garantido; se o credor, notificado, não impugnar em trinta dias a
transferência do débito, entender-se-á dado o consentimento”.

128
Direito Civil 2016 129

Em verdade, neste caso deveria ser dispensada a anuência do credor, pois sua
segurança reside muito mais na garantia em si do que na pessoa do devedor.
Essa regra foi inserida com uma finalidade social, qual seja, facilitar o acesso dos
indivíduos aos bens imóveis, já que quando alguém transfere uma dívida decorrente da
aquisição de imóvel, quer, na verdade, transferir o imóvel que está hipotecado para garantia
do pagamento da dívida, para que outra pessoa assuma o financiamento.
Mas, em que pese bem intencionada, a norma trouxe um problema de conflito de
leis: as dívidas para aquisição da casa própria normalmente são feitas por meio do SFH,
regulado pela Lei 8004/90, a qual estabelece a exigência de anuência expressa do agente
financeiro (credor hipotecário – banco), que fará um refinanciamento para o novo devedor.
Daí surge a dúvida: será que o artigo 303 revogou o disposto na Lei 8004/90, em relação a
essa exigência de anuência expressa? Prevalece na jurisprudência que não revogou, na
medida em que a Lei 8004/90 trata de uma regra ainda especial em relação este dispositivo
(art. 303, CC), pois regula a assunção de dívida para aquisição de imóvel por meio do SFH.
Ressalte-se que conforme exposto no Enunciado 16 do CJF:

“o art. 299 do não exclui a possibilidade da assunção cumulativa da dívida


uando dois ou mais devedores se tornam responsáveis pelo débito com a
concordância do credor”.

Assim, nos termos do enunciado citado, são possíveis duas situações na assunção
cumulativa ou co-assunção: (i) dois novos devedores se responsabilizam pela dívida ou (ii)
o antigo devedor continua responsável, em conjunto com o novo devedor.
Entretanto, ficará sem efeito a exoneração do devedor primitivo se ao tempo da assunção
o novo devedor era insolvente e o credor o ignorava.
Segundo o CC, com a assunção, consideram-se extintas as garantias especiais
originariamente dadas pelo devedor primitivo ao credor, sendo consideradas como tais
aquelas que não são da essência da dívida e que foram prestadas em atenção à pessoa
do devedor, como por exemplo, a fiança, o aval, a hipoteca de terceiro. Neste caso, só
subsistirão com a concordância expressa do devedor primitivo e, em alguns casos, também
do terceiro que houver prestado a garantia. Já quanto às garantias reais prestadas pelo
próprio devedor originário, entende parte minoritária da doutrina (Maria Helena Diniz, por
exemplo) que não são atingidas pela assunção, a não ser que o credor abra mão delas
expressamente. Há certa controvérsia acerca das garantias legais, mas, considerando que
costumam ser impostas em razão de uma tutela específica do credor, sua permanência pós
a assunção parece em harmonia com sua função (Luiz Roldão de Freitas Gomes).
Para esclarecer o teor do dispositivo, na IV Jornada de Direito Civil foi aprovado o
Enunciado n. 352, prevendo que:

“ alvo expressa concordância dos terceiros, as garantias por eles prestadas


se extinguem com a assunção de dívida; já as garantias prestadas pelo
devedor primitivo somente são mantidas no caso em ue este concorde com a
assunção”.

Ato contínuo de explicação, na V Jornada de Direito Civil foi aprovado o seguinte enunciado:
“A expressão ‘garantias especiais’ constantes do artigo 3 do 2 2 re ere-se
a todas as garantias, quaisquer delas, reais ou fidejussórias, que tenham sido
prestadas voluntária e originariamente pelo devedor primitivo ou por terceiro,
vale dizer, aquele que dependeram da vontade do garantidor, devedor ou
terceiro, para se constituírem” (Enunciado n. 422).

129
Direito Civil 2016 130

De acordo com o art. 301 do CC, se anulada a assunção de dívida, restaura-se o débito
com relação ao devedor primitivo, com todas as suas garantias, salvo aquelas prestadas
por terceiros, exceto se o terceiro conhecia o vício da obrigação.
O art. 301 também tem incidência para os negócios nulos, sendo esse o sentido de
enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil:

“O art. 301 do CC deve ser interpretado de forma a também abranger os


negócios jurídicos nulos e no sentido da continuidade da relação obrigacional
originária, em vez de ‘restauração’, por ue, envolvendo ipótese de
transmissão, esta nunca deixou de existir” (Enunciado n. 23).

4.5.3 Cessão de Contrato ou Cessão de Posição Contratual

Apesar de não ser regulamentada em lei, a cessão de contrato tem existência jurídica como
negócio jurídico atípico. De fato, a mesma pode enquadrar-se no artigo 425 da atual
codificação, segundo o qual “É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as
normas gerais fixadas neste Código”.
A cessão de contrato pode ser conceituada como sendo a transferência da inteira posição
ativa ou passiva da relação contratual, incluindo o conjunto de direitos e obrigações de que
é titular uma pessoa. Por conseguinte, por intermédio deste negócio jurídico, há o ingresso
de um terceiro no contrato-base, em toda titularidade de relações que envolvia a posição
do cedente no citado contrato.
Para que a cessão de contrato seja válida, é necessária a autorização do outro contratante,
como ocorre com a cessão de débito, vez que a posição de devedor é cedida com o
contrato. Essa forma de transmissão ocorre, em regra, em contrato de duração, como
contratos de cessão de locação, contratos de fornecimento ou de financiamento.
“Contrato de gaveta”. Exemplo prático muito comum da cessão de contrato diz respeito aos
chamados “contratos de gaveta”, que são aqueles de incorporação imobiliária em que o
comprador cede a sua posição contratual a outrem, sem a ciência ou concordância do
vendedor. A jurisprudência sempre se mostrou dividida quanto à validade ou não desta
cessão contratual, mas em 2005 o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela legitimidade
do cessionário, a quem foi transferido o contrato de gaveta, em requerer a revisão de
financiamento efetuado pelo Sistema Financeiro de Habitação (Resp. 705.231/RS, Rel. Min.
Eliana Calmon, DJU de 16.05.05).
Em 2009 o STJ deu outro tratamento à questão:

“ RO E UA IVI . RE UR O E E IA . I EMA INAN EIRO E HABI AÇÃO. E ÃO


DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES. CONTRATO DE GAVETA. LEI 10.150/2000.
INTERVENIÊNCIA OBRIGATÓRIA DA INSTITUIÇÃO FINANCIADORA.
ILEGITIMIDADE DO CESSIONÁRIO PARA DEMANDAR EM JUÍZO.
ORIENTAÇÃO FIRMADA NO JULGAMENTO DO RESP 783.389/RO. ART. 6º,
"E", DA LEI 4.380/64. LIMITAÇÃO DOS JUROS. NÃO-OCORRÊNCIA. 1. "A
cessão do mútuo hipotecário não pode se dar contra a vontade do agente
financeiro; a concordância deste depende de requerimento instruído pela
prova de que o cessionário atende as exigências do Sistema Financeiro da
Habitação".

Entendimento atual: reconhecimento da legitimidade ad causam do terceiro adquirente


apenas se a cessão do contrato tiver ocorrido até 25.10.1996 e se o contrato de mútuo
estiver coberto pelo FCVS:

130
Direito Civil 2016 131

“RE UR O E E IA . RE E I IVO. RI O O AR . 3-C DO CPC. SISTEMA FINANCEIRO


DA HABITAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA DO CESSIONÁRIO DE CONTRATO DE
MÚTUO. LEI Nº 10.150/2000. REQUISITOS.
1.Para efeitos do art. 543-C do CPC: 1.1 Tratando-se de contrato de mútuo para
aquisição de imóvel garantido pelo FCVS, avençado até 25/10/96 e transferido
sem a interveniência da instituição financeira, o cessionário possui
legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às
obrigações assumidas e aos direitos adquiridos.
1.2 Na hipótese de contrato originário de mútuo sem cobertura do FCVS,
celebrado até 25/10/96, transferido sem a anuência do agente financiador e
fora das condições estabelecidas pela Lei nº 10.150/2000, o cessionário não
tem legitimidade ativa para ajuizar ação postulando a revisão do respectivo
contrato.
1.3 No caso de cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do
Sistema Financeiro da Habitação realizada após 25/10/1996, a anuência da
instituição financeira mutuante é indispensável para que o cessionário
adquira legitimidade ativa para requerer revisão das condições ajustadas,
tanto para os contratos garantidos pelo FCVS como para aqueles sem referida
cobertura.
2. Aplicação ao caso concreto: 2.1. Recurso especial parcialmente conhecido
e nessa parte provido.
Acórdão sujeito ao regime do artigo 543-C do Código de Processo Civil e da
Resolução STJ nº 8/2008.
(REsp 1150429/CE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, CORTE
ESPECIAL, julgado em 2 2 13, Je 1 2 13)”

4.6 Adimplemento e extinção das obrigações


4.6.1 Pagamento.
Em regra, a extinção das obrigações dá-se pelo seu cumprimento, que o CC denomina pagamento. Embora
seja empregado, na linguagem corrente, para designar apenas a entrega de prestação em
dinheiro, a doutrina reserva ao conceito de pagamento sentido técnico preciso, definindo-o
como a execução voluntária da prestação devida ao credor, no tempo, no lugar e na forma
previstos no título constitutivo da obrigação.
Mas o pagamento é apenas um dos modos de extinção da obrigação, que também pode
ocorrer pela execução forçada, pela impossibilidade da prestação ou pelos demais modos
de extinção regulados no Código, como a novação, a compensação, a confusão e a
remissão.
O pagamento nem sempre extingue a relação. Conforme sustenta Clóvis Couto e Silva,
“importa contrastar que, mesmo adimplindo o dever principal, ainda assim pode a relação
jurídica perdurar como fundamento da aquisição (dever de garantia), ou em razão de outro
dever secundário independente”.
Quanto à natureza jurídica do pagamento, se simples fato ou negócio jurídico, mostra-se
pertinente o entendimento de que “às vezes tem todas as características de um negócio
jurídico, quando o direito de crédito objetive uma prestação que tenha caráter negocial
(exemplo: a emissão de uma declaração de vontade), mas outras vezes não passa de mero
fato, quando o conteúdo da obrigação não tem tal sentido, ou objetive simples abstenções
ou prestações de serviços” (Caio Mário da Silva Pereira).
Para que o pagamento produza o efeito de extinguir a obrigação, devem estar presentes
seus requisitos essenciais de validade, que são: a) a existência de um vínculo obrigacional;
b) a intenção de solvê-lo; c) o cumprimento da obrigação; d) a pessoa que efetua o
pagamento; e) a pessoa que recebe.
Passemos agora à análise dos elementos do pagamento:
131
Direito Civil 2016 132

a) Elementos subjetivos do pagamento: solvens e o accipiens.


Deve-se ter cuidado para não denominar os elementos subjetivos do pagamento como credor e devedor, vez
que outras pessoas, que não o devedor, podem pagar; ao mesmo tempo em que outras pessoas, que não
o credor, podem receber.
De fato, podem efetuar o pagamento o devedor, o terceiro interessado e também os
terceiros não interessados, senão vejamos a redação do artigo 304 do CC:

“Art. 3 . Qual uer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se


o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.
Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em
nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.”

O terceiro dito interessado corresponde à pessoa que tem interesse patrimonial na extinção
da dívida, como o fiador, o avalista e o adquirente de imóvel hipotecado. Havendo o
pagamento por essa pessoa, há sub-rogação automática ( sub-rogação legal) nos direitos
do credor, com a transferência de todas as ações, exceções e garantias que detinha o
credor primitivo.
No que se refere ao terceiro não interessado, não tem o mesmo interesse jurídico na
solução da dívida, mas mero interesse moral ou econômico. O terceiro não interessado tem
direito de reembolso do que pagar, se o fizer em seu próprio nome, mas não se sub-roga
nos direitos do credor. Assim, se este terceiro fizer o pagamento em nome e em conta do
devedor, sem oposição deste, não terá direito a nada, pois é como se fizesse uma doação,
um ato de liberalidade. Observe-se que o Código fala em direito a pagamento pelo terceiro
não interessado salvo oposição do devedor. A questão é controvertida, havendo
entendimento na doutrina de que há inoperância da oposição do devedor, se o credor
desejar receber (Washington de Barros); e outro de que a referida recusa não só tem efeito
de impedir o pagamento, como pode ter razões morais ou jurídicas (Pablo Stolze e Rodolfo
Pamplona). A solução, contudo, deve levar em conta os interesses em conflito, do credor,
do devedor, e do terceiro que pretende realizar o pagamento, de modo a verificar se é
merecedora de tutela a recusa manifestada pelo devedor e pelo credor. Em qualquer
hipótese, deve-se atentar para o disposto no artigo 306 do CC, in verbis:

“Art. 3 . O pagamento eito por terceiro, com desconhecimento ou oposição


do devedor, não obriga a reembolsar aquele que pagou, se o devedor tinha
meios para ilidir a ação”.

A lei, como se percebe, ataca as conseqüências do pagamento realizado por terceiro –


interessado ou não interessado - sem o conhecimento ou mesmo com a oposição do
devedor, em hipóteses em que tinha meios para inibir a cobrança, como se daria no caso
de dispor de defesas pessoais ou gerais contra o credor, tais como o instrumento de
quitação, a prescrição da pretensão creditória ou nulidade do título.
O Código anterior dispunha que, se houvesse um justo motivo para a oposição, o devedor
não estaria obrigado ao reembolso, senão até a importância que lhe aproveitasse. Assim,
se o devedor tivesse um débito de R$ 100,00, e por sua vez tivesse um crédito de R$ 50,00
em face do credor, o solvens só teria direito de reembolsar-se da diferença. Embora o CC
atual desobrigue o reembolso sem fazer tal ressalva, mantém-se substancialmente a
solução do sistema anterior, em homenagem ao princípio da vedação do enriquecimento
sem causa.
O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de não
extinguir a obrigação. Pode também ser efetuada aos sucessores a título universal ou
particular. Entretanto, considera-se válido o pagamento feito a terceiro quando: (i) for
132
Direito Civil 2016 133

ratificado pelo credor; (ii) se reverter em proveito do credor ou (iii) feito a credor putativo.
Em qualquer hipótese, deve ser feito a pessoa capaz de fornecer a devida quitação, sob
pena de não valer. A quitação sempre poderá ser dada por instrumento particular.
No que se refere ao pagamento feito ao credor putativo, a lei condiciona a eficácia da solutio
a dois requisitos: ter o accipiens a aparência de verdadeiro credor (Exemplos: herdeiro
aparente, procurador cujo mandato foi revogado sem conhecimento de terceiros, o herdeiro
que vem a ser afastado por indignidade, etc) e estar o solvens de boa-fé.
Ainda, no que se refere ao pagamento feito a menor, o Código fala em “pagamento
cientemente feito ao credor incapaz de quitar”, donde se conclui que “se o solvens
desconhecia, sem culpa, a incapacidade do credor, o cumprimento será válido, ainda que
o accipiens tenha dissipado ou malbaratado a prestação” (Antunes Varela).
Estabelece o artigo 311 que:

“Considera-se autorizado a receber o pagamento o portador da quitação, salvo


se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante”.

A lei fixa, portanto, a presunção juris tantum de que o portador da quitação seja autorizado
a receber o pagamento, salvo se as circunstâncias afastarem a presunção relativa deste
mandato tácito (como por exemplo, constar na quitação assinatura aparentemente
falsificada).
Se o devedor pagar ao credor, apesar de intimado da penhora sobre o crédito, ou da
impugnação a ele oposta por terceiros, o pagamento não valerá contra estes, que
poderão constranger o devedor a pagar de novo, ficando-lhe ressalvado o regresso contra
o credor.

b) Elementos objetivos do pagamento: do objeto e da prova do pagamento.

O objeto do pagamento é a prestação. O credor não é obrigado a receber outra, diversa da


que lhe é devida, ainda que mais valiosa (dação em pagamento). Ainda que a obrigação
tenha por objeto prestação divisível, o pagamento não pode ser efetuado por partes, se
assim não se ajustou, nem o devedor é obrigado a receber dessa forma (princípio da
identidade física da prestação).
O pagamento em dinheiro é a forma mais importante e na qual todas as demais podem
transformar-se. O art. 315 dispõe que:

“as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente


e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subseqüentes”.

Extrai-se dessa regra legal, o princípio do nominalismo (ver item acima: “obrigações de dar
dinheiro).

A quitação é o ATO JURÍDICO que prova o pagamento. O recibo é o documento da quitação.


Quem paga tem o direito de obter a prova de que está pagando, podendo reter o pagamento
ou consigná-lo, porque com essa prova é que irá demonstrar que está desvinculado da
relação jurídica obrigacional; é o direito ao instrumento da quitação (RECIBO – artigo 320):

“Artigo 32 . A uitação, ue sempre poderá ser dada por instrumento particular,


designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor ou quem
por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor,
ou do seu representante.

133
Direito Civil 2016 134

Parágrafo único. Ainda sem os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a


quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar aver sido paga a
dívida”.

O parágrafo único inovou ao estabelecer que mesmo sem os requisitos a quitação fará
prova, se do instrumento constar informações suficientes para identificar o que pagou.
Enunciado 18 do CJF:

“a ‘ uitação regular’, re erida no art. 319 do novo ódigo ivil, engloba a uitação
dada por meios eletrônicos ou por uais uer ormas de ‘comunicação à
distância’, assim entendida aquela que permite ajustar negócios jurídicos e
praticar atos jurídicos sem a presença corpórea simultânea das partes ou de
seus representantes”.

Há hipóteses, entretanto, nas quais há a PRESUNÇÃO RELATIVA do Pagamento:

- Nas prestações de trato sucessivo, o pagamento da última prestação presume o pagamento


das demais:

Artigo 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da


última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as
anteriores.

- Quitação do capital, sem reserva de juros:

Artigo 323. Sendo a quitação do capital sem reserva dos juros, estes
presumem-se pagos.

- Entrega do título, que já estava previsto no CC/16, e consiste na presunção inferida pela
posse do devedor do título:

Artigo 324. A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento.


Parágrafo único. Ficará sem efeito a quitação assim operada se o credor
provar, em 60 (sessenta) dias, a falta do pagamento.

No que se refere à última hipótese de presunção, surge uma dúvida se confrontada com o
disposto no artigo 386 do CC, o qual prevê que:

“a devolução voluntária do título da obrigação, uando por escrito particular,


prova desoneração do devedor e seus coobrigados, se o credor for capaz de
alienar, e o devedor capa de ad uirir”.

A doutrina majoritária entende que a presunção de pagamento só ocorre, em se tratando


de títulos de crédito, ocorrendo a remissão de dívida nas hipóteses de entrega de
documento que consubstancia a dívida, mas que não seja título de crédito (escrito particular
– instrumento particular de confissão de dívida, por exemplo).
O prazo decadencial de sessenta dias tem sido aplicado nas hipóteses nas quais o credor
entrega voluntariamente ao devedor o título, mas se o credor for desapossado do título, não
há como ser aplicado o prazo em questão.

134
Direito Civil 2016 135

Presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação; se ocorrer


aumento por fato do credor, suportará este a despesa acrescida.

(c) Lugar do pagamento.


Regra geral, o lugar do pagamento é o domicílio do devedor (dívida quérable ou quesível),
salvo se o instrumento negocial, a natureza da obrigação ou a lei impuserem regra em
contrário, ocorre nos casos de dívida tributária, ou relativas a imóveis (CC, art. 328). Quando
o local de cumprimento for o domicílio do credor, a obrigação é denominada portável ou
portable. Eventualmente, também recebe essa denominação a obrigação cujo pagamento
deva ocorrer no domicílio de terceiro. Vejamos o regramento legal sobre o assunto:

Artigo 327. Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as


partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da
natureza da obrigação ou das circunstâncias.
Parágrafo único. Designados dois ou mais lugares, cabe ao credor escolher
entre eles.

Artigo 328. Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em


prestações relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde situado o bem.

Artigo 329. Ocorrendo motivo grave para que se não efetue o pagamento no
lugar determinado, poderá o devedor fazê-lo em outro, sem prejuízo para o
credor.

Artigo 330. O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir


renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato.

Os dois últimos artigos transcritos constituem inovações importantes introduzidas pelo


CC/02, relativizando as regras anteriores e o que constar no instrumento negocial. O primeiro
deles (artigo 329) consagra os princípios da função social do contrato e da operatividade /
efetividade. Já no segundo (artigo 330), a relação é com o princípio da boa-fé objetiva,
tratando o dispositivo de dois institutos que mantêm relação direta com o mencionado
cânone: a supressio (renúncia tácita de um direito pelo seu não exercício com o passar dos
tempos) e a surrectio ou surreição (surgimento), já que ao mesmo tempo em que o credor
perde um direito pela supressão, surge um direito para o devedor, o qual não existia
juridicamente até então, mas que decorre da efetividade social, de acordo com os costumes.
Obs.: requisitos da supressio/surrectio – a) omissão reiterada de um titular de direito
subjetivo ou potestativo; b) esta omissão deve despertar na outra parte a legítima expectativa
de que este direito não mais será utilizado; c) desproporção entre o prejuízo que a parte
contrária terá e o benefício do titular do direito (mais sobre os institutos, ver ponto 5).
Obs.: o contrato pode prever dois foros de eleição – um processual e um material, relativo ao
local de cumprimento da obrigação.

(d) Tempo do pagamento.


O CC regulamenta o tempo de pagamento nas obrigações puras, aquelas com data certa
para o pagamento, distinguindo-as das condicionais. Se não tiver termo estabelecido,
poderá a obrigação de exigida de plano, ou seja, em regra, a obrigação deve ser reputada
instantânea. Entretanto, não se pode olvidar que em alguns casos, mesmo que não haja
previsão de prazo para cumprimento, a obrigação demora para ser cumprida (EXEMPLO:
construção de casa). Para dívidas em dinheiro, obrigações de pagar, presume-se como
prazo mínimo para pagamento 30 dias. Assim, a regra de vencimento à vista pode ser
afastada (PRAZO MORAL – prazo para cumprir a obrigação).
135
Direito Civil 2016 136

Caso as partes não acordem quanto a este prazo, o juiz deverá fazê-lo.
Não pode o credor reclamar pagamento no último dia do prazo, pois o devedor dispõe desse
dia por inteiro.
O estabelecimento de prazo tem a presunção de que foi feito em benefício do devedor.
Desta forma, o devedor poderá fazer o pagamento antecipado, havendo, inclusive, regra
expressa no CDC, com o abatimento dos valores referentes à antecipação. Todavia, não
se pode esquecer que excepcionalmente, o prazo pode ser estabelecido em favor do credor.
A regra de que a obrigação deve ser cumprida no vencimento, sofre, entretanto, duas
exceções: uma relativa à antecipação do vencimento, nos casos expressos em lei; outra,
referente ao pagamento antecipado, quando o prazo houver sido estabelecido em favor do
devedor.
Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no
contrato ou legalmente estabelecido no caso de falência do devedor, ou de concurso de
credores; se os bens hipotecados ou empenhados forem penhorados em execução por
outro credor e ainda quando se tornarem insuficientes as garantias do débito e o devedor
se negar a reforçá-las. Registre-se que, nos casos citados, se houver, no débito,
solidariedade passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes.
Obs.: pagamento antecipado – juros remuneratórios – natureza jurídica de frutos civis –
direito a abatimento no preço, pois o período de privação do capital será menor (proibição
de enriquecimento sem causa).
4.6.2 Extinção das Obrigações sem Pagamento
O pagamento traduz o fim natural de toda obrigação. Todavia, existem outras formas
especiais de extinção das obrigações, as quais a doutrina costuma chamar de pagamentos
especiais ou indiretos. Nesses casos, o devedor se eximirá de responsabilidade, embora
nem sempre o crédito haja sido plenamente satisfeito, a exemplo da remissão. Conclui-se,
portanto, que a extinção da obrigação não necessariamente significará satisfação do credor.
Enumerando as formas especiais de pagamento, temos: 1) consignação em pagamento; 2)
pagamento com sub-rogação; 3) imputação do pagamento; 4) dação em pagamento; 5)
novação; 6) compensação; 7) transação; 8) compromisso (arbitragem); 9) confusão e 10)
remissão.
Ressalte-se que a transação e o compromisso não são mais elencados no CC/2002 como
formas de extinção das obrigações, tendo este destacado sua natureza jurídica como formas contratuais.
Serão tratados no Ponto 06.

4.6.3 Consignação em pagamento.


Trata-se a consignação em pagamento do instituto jurídico colocado à disposição do
devedor para que, ante o obstáculo ao recebimento criado pelo credor ou quaisquer outras
circunstâncias impeditivas do pagamento, exerça, por depósito da coisa devida, o direito de
adimplir a prestação, liberando-se do liame obrigacional.
Tal modalidade de extinção das obrigações deve ser estudada tanto no campo do Direito
Material, quanto Processual, uma vez que é objeto de um procedimento especial próprio.
Natureza jurídica do pagamento em consignação. Trata-se de uma forma de extinção das
obrigações, constituindo-se em um pagamento indireto da prestação avençada. Impende
considerar que a consignação não é, em verdade, um dever, mas sim mera faculdade do
devedor, que não pôde adimplir a obrigação, por culpa do credor.
Hipóteses de ocorrência. O art. 335 apresenta uma relação de hipóteses em que a
consignação pode ter lugar, a saber:

I - se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar
quitação na devida forma;

136
Direito Civil 2016 137

Nessa hipótese, é necessário que tenha havido oferta real, efetiva, incumbindo ao autor
prová-la, bem como a recusa injustificada do credor. A este incumbe, ao contrário, o ônus
de provar a existência de justa causa para a recusa.

Enunciado 18 da I Jornada de ireito ivil: “a ‘ uitação regular’ re erida no art.


319 do novo Código Civil engloba a quitação dada por meios eletrônicos ou
por quaisquer formas de ‘comunicação a distância’, assim entendida a uela
ue permite ajustar negócios jurídicos e praticar atos jurídicos sem a presença
corpórea simultânea das partes ou de seus representantes”.

II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos;

A regra geral no ordenamento jurídico, no que diz respeito ao lugar de pagamento das
obrigações, é a de que este deve ser feito no domicílio do devedor. Se o credor não
comparecer ou mandar terceiro para exigir a prestação, isso não afasta, por si só, o
vencimento e a exigibilidade da dívida, pelo que se autoriza a consignação do devido.

III - se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente,


ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;

Este inciso comporta várias situações fáticas distintas. Em relação ao incapaz, este nunca
pode mesmo receber, em razão de sua condição, devendo o pagamento ser feito ao seu
representante.
Se este estiver impossibilitado, pode ser feita a consignação. Outra situação é se o credor
se tornar desconhecido, o que ocorre, v.g., se o credor vier a falecer, não se sabendo quem
são seus efetivos herdeiros. A ausência, por sua vez, é situação fática, qualificada
juridicamente como morte presumida, em que alguém desaparece, sem deixar notícias de
seu paradeiro ou representante para administrar-lhe os bens. Nesse caso, sem saber a
quem pagar, pode o devedor realizar a consignação, se o curador não tiver poderes para
oferecer quitação.
IV - se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do
pagamento;
Exemplo dessa hipótese vem descrito no art. 345 do CC, in verbis: “Se a dívida se vencer,
pendendo litígio entre credores que se pretendem mutuamente excluir, poderá qualquer
deles requerer a consignação”. Assim, exonera-se o devedor, pouco importando qual dos
credores seja reconhecido como o detentor legítimo do direito creditório. Esta hipótese
contida no artigo 345 é a única em que o credor, e não o devedor, pode tomar a iniciativa
da consignação.

V - se pender litígio sobre o objeto do pagamento (única causa objetiva para


a consignação)

Nesse sentido, estabelece o art. 344: “O devedor de obrigação litigiosa exonerar-se-á


mediante consignação, mas, se pagar a qualquer dos pretendidos credores, tendo
conhecimento do litígio, assumirá o risco do pagamento”.
Registre-se, porém, que tal rol não é taxativo, pois a própria legislação codificada traz outras
situações em que é autorizada a consignação, como, por exemplo, os arts. 341 e 342 do
CC, ou ainda em legislação complementar (DL 58/37, art. 17).
Requisitos de validade. Na forma do art. 336,
137
Direito Civil 2016 138

“para ue a consignação ten a orça de pagamento, será mister concorram, em


relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os
quais não é válido o pagamento”.
Assim, em relação às pessoas, a consignação deverá ser feita pelo devedor, ou quem o
represente, em face do alegado credor, sob pena de não ser considerado válido, salvo se
ratificado por este ou reverter em seu proveito, na forma dos arts. 304 e 308 do CC.
Em relação ao objeto, é óbvio que o pagamento deve ser feito na integralidade, uma vez
que o credor não está obrigado a aceitar pagamento parcial. Antecipe-se, inclusive, que no
procedimento especial correspondente, na forma do §1° do art. 899 do CPC,
“alegada a insu iciência do depósito, poderá o réu levantar, desde logo, a
quantia ou a coisa depositada, com a conseqüente liberação parcial do autor,
prosseguindo o processo uanto à parcela controvertida”.
Discute-se se a consignação exige a liquidez da dívida consignada. O entendimento
predominante é o de que é desnecessário tal requisito, pois “há débitos ilíquidos cujo
montante ainda não está definido pela recusa do credor a um simples acertamento, cuja
iliquidez não depende de outra ação específica para sua liquidação, como de uma prestação
de contas etc.; nessas hipóteses, a mora do credor se configura até mesmo por essa
recusa, cabendo, pois, a consignatória de débito com montante estimado pelo devedor,
desde que se prontifique ele, expressamente, a completar esse quantum logo que seja
determinado”, destacando-se que “não se embute, nessas ações, em tais hipóteses, uma
liquidação por artigos ou por arbitramento. Admite-se um simples acertamento para se
determinar o montante de um débito facilmente apurável, como, p. ex., aluguéis com
acréscimo de uma correção com pertinência e formas discutíveis ou de uma prestação de
um compromisso de compra e venda com valor que se afirma mais elevado pela demora
no pagamento e incidência de cláusula contratual majorativa” (Odyr José Pinto Porto e
Waldemar Mariz de Oliveira Jr).
Ainda em relação ao objeto, era comum o entendimento de que o rito especial da ação de
consignação em pagamento não era o caminho correto para a discussão de validade de
cláusulas contratuais, fazendo-se necessária a propositura de ação de revisão contratual
cumulada com consignação em pagamento, seguindo-se o rito ordinário.
Entretanto, houve uma alteração no tratamento jurisprudencial dado ao tema, em razão de
entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual admite a possibilidade de
revisão na própria ação de consignação.
Sobre o tema:

AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. DISCUSSÃO DO VALOR DO DÉBITO. POSSIBILIDADE. 1. A


jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de ser possível a discussão do valor do débito em sede de
ação de consignação em pagamento, ainda que para tanto seja necessária a revisão de cláusulas
contratuais. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ, AGRESP 1179034, DJE 05/05/2015)

Quanto ao modo, da mesma forma não se admitirá modificação do estipulado, devendo a


obrigação ser cumprida da mesma maneira como foi concebida originalmente. Vale lembrar
que se a dívida for querable, o depósito será feito no domicílio do devedor; se portable, no
do credor; ou, se houver foro de eleição, no domicílio estabelecido.
Por fim, quanto ao tempo, antes de vencida a dívida não existe a pretensão de consignar.
Não pode o credor ser obrigado a receber antes do vencimento, se assim não se estipulou
(Venosa). A mora do devedor, por si só, não impede a propositura da ação de consignação

138
Direito Civil 2016 139

em pagamento, se ainda não provocou conseqüências irreversíveis, pois tal ação pode ser
usada tanto para prevenir como para emendar a mora.14
Possibilidade de levantamento do depósito pelo devedor. A possibilidade de
levantamento do depósito pelo devedor depende do momento em que este pretender
realizar tal ato, buscando retornar as coisas ao status quo ante. Assim, temos:
a) antes da aceitação ou impugnação do depósito: nesse momento, tem o devedor total
liberdade para levantar o depósito, uma vez que a importância ainda não saiu do seu
patrimônio jurídico. Dispõe o art. 338: “enquanto o credor não declarar que aceita o
depósito, ou não o impugnar, poderá o devedor requerer o levantamento, pagando as
respectivas despesas, e subsistindo a obrigação para todas as conseqüências de direito”.
b) depois da aceitação ou impugnação do depósito pelo credor: o depósito só poderá ser
levantado com a anuência do credor, que perderá a preferência e a garantia que lhe
competia sobre a coisa consignada, com liberação dos fiadores e co-devedores que não
tenham anuído (art. 340).
c) julgado procedente o depósito: o devedor já não poderá levantá-lo, ainda que o credor
consinta, senão de acordo com os outros devedores e fiadores (art. 339).
Consignação de coisa certa e de coisa incerta. Embora a maioria esmagadora das
situações de consignação em pagamento envolva obrigações pecuniárias, a sua disciplina
não se limita a elas. Nesse caso, na forma do art. 341 do CC,

“se a coisa devida for imóvel ou corpo certo que deva ser entregue no mesmo
lugar onde está, poderá o devedor citar o credor para vir ou mandar recebê-la,
sob pena de ser depositada”.

Obviamente, só não cabe a consignação nas obrigações de fazer ou não fazer, pois o
próprio art. 334 refere-se ao depósito de coisa devida, e não da atividade ou abstenção
devidas.
Todavia, se a coisa for incerta, é preciso se proceder à sua certificação, pela operação
denominada “concentração do débito” ou “concentração da prestação devida”. Quando a
escolha cabe ao devedor, nenhum problema se dará, pois é ele que pretende ofertar o
pagamento. Caso a escolha caiba ao credor, deve ele ser citado para tal fim, sob cominação
de perder o direito e de ser depositada a coisa que o devedor escolher. Nesse sentido,
dispõe o art. 894 do CPC:

“se o objeto da prestação or coisa indeterminada e a escol a couber ao


credor, será este citado para exercer o direito dentro de 5 (cinco) dias, se
outro prazo não constar de lei ou do contrato, ou para aceitar que o devedor o
faça, devendo o juiz, ao despachar a petição inicial, ixar lugar, dia e ora em
ue se ará a entrega, sob pena de depósito”.

Procedida à escolha, reger-se-á a consignação pelas mesmas regras referentes à coisa


certa.
Despesas processuais. Para o processo judicial de consignação em pagamento,
estabelece o art. 343 do CC que “as despesas com o depósito, quando julgado procedente,
correrão à conta do credor, e, no caso contrário, à conta do devedor”.

14
“CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO – PRESTAÇÕES DEVIDAS AO SFH (CEF) – PURGAÇÃO DA MORA –
TEMPESTIVIDADE – ART. 974 DO CC. 1 .
O devedor não está obrigado a consignar, podendo exercitar o direito sob o timbre da conveniência, ‘enquanto o credor não haja
diligenciado para se livrar das conseqüências do retardamento’ (‘mora creditoris’). 2. A consignação pode abranger inclusive os casos
de ‘mora debitoris’, servindo para purgá-la. Divisada a mora do credor, irrelevante a questão temporal, pela permanência da recusa”
(RESP 1426 – MS – REL. MIN. ATHOS CARNEIRO).
139
Direito Civil 2016 140

Quando, contudo, o credor aceita sem impugnação a importância ofertada, aplica-se o


disposto no art. 897 do CPC:
“não o erecida a contestação, e ocorrentes os e eitos da revelia, o jui julgará
procedente o pedido, declarará extinta a obrigação e condenará o réu nas
custas e honorários advocatícios”

Prestações periódicas. Nesses casos, recusando-se o credor a receber as prestações


ofertadas pelo devedor, pode este consigná-las, na medida em que forem vencendo, a teor
do art. 892 do CPC:
“tratando-se de prestações periódicas, uma vez consignada a primeira, pode
o devedor continuar a consignar, no mesmo processo e sem mais
formalidades, as que se forem vencendo, desde que os depósitos sejam
efetuados até 5 (cinco) dias, contados da data do vencimento”.

A falta de depósitos oportunos das prestações subseqüentes, porém, não afeta os


depósitos feitos em tempo. De fato, tem entendido a jurisprudência que não terá efeito o
depósito de prestação vincenda feito a destempo, mas tal conduta não acarreta a imediata
improcedência da ação.

Regras procedimentais para a consignação em pagamento.


Consignação extrajudicial. A priori, deve-se observar que esse procedimento extrajudicial
só se aplica às obrigações pecuniárias, não sendo possível sua aplicação em relações
obrigacionais relacionadas com a entrega de coisa. A consignação de coisa continua se
dando mediante a via judicial, o que se explica até mesmo pela falta de uma estrutura
específica, de natureza extrajudicial, suficientemente idônea para atuar como depositária
do bem consignado. Nesse sentido dispõe o art. 890, §1°, do CPC:
“ tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro optar
pelo depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário, oficial onde
houver, situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária,
cientificando-se o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo
de 10 (dez) dias para a manifestação de recusa”.

O §2° do art. 890 preceitua, por sua vez, que:

“decorrido o pra o re erido no parágra o anterior, sem a mani estação de


recusa, reputar-se-á o devedor liberado da obrigação, ficando à disposição do
credor a quantia depositada”.

O prazo de 10 dias deve ter seu termo inicial a partir da data em que foi efetivamente
cientificado o credor, e não do retorno do aviso de recebimento.
A hipótese de recusa está prevista no §3° do art. 890, que determina que esta deve ser
manifestada por escrito ao estabelecimento bancário. Entende-se que a fixação do prazo
de 30 dias constitui somente uma limitação temporal para ser considerada elidida a mora,
na hipótese de haver recusa, eis que não se pode tolher, inconstitucionalmente, o acesso
ao Judiciário.
Em resumo, na consignação extrajudicial, o silêncio do credor caracterizará a aceitação do
depósito; a inércia do devedor, não promovendo a ação no prazo, a sua mora.
Consignação judicial em pagamento. A competência territorial para julgar a ação de
consignação continua se dando pelo local indicado para ser procedido ordinariamente o
adimplemento da obrigação (art. 891 do CPC). Saliente-se, porém, que tratando-se de ação

140
Direito Civil 2016 141

consignatória de aluguéis e encargos, é competente o foro de eleição e, na sua falta, o lugar


da situação do imóvel (art. 58, II, da Lei 8.245/91).

4.6.4 Pagamento com sub-rogação.


Sub-rogação traduz a ideia de substituição de sujeitos ou de objetos em uma determinada
relação jurídica. O pagamento com sub-rogação, modo especial de extinção das
obrigações, significa justamente a ideia de cumprimento da dívida por terceiro.
Conceito e espécies. Quando um terceiro paga ou empresta o necessário para que o
devedor solva a sua obrigação, operar-se-á, por convenção ou em virtude da própria lei, a
transferência dos direitos e, eventualmente, das garantias do credor originário para o
terceiro (sub-rogado). Há, portanto, dois efeitos necessários da sub-rogação: liberatório
(pela extinção do débito em relação ao devedor original) e translativo (pela transferência da
relação obrigacional para o novo credor). Contudo, há que se avaliar se o crédito foi
constituído intuitu personae, não comportando desse modo a transferência do credor
originário para o solvens. Assim, por exemplo, dado o caráter personalíssimo dos alimentos,
inadmissível a sub-rogação no crédito relativo aos mesmos, eis que a sua titularidade não
se transfere a outrem, seja por negócio jurídico, seja por fato jurídico.
Não há que se confundir, todavia, o pagamento com sub-rogação com a mera cessão de
crédito, visto que, nesta última, a transferência da qualidade creditória opera-se sem que
tenha havido o pagamento da dívida. Os direitos do cessionário decorrem de um contrato
sujeito aos requisitos de validade dos negócios jurídicos em geral, enquanto os direitos do
sub-rogado derivam do próprio pagamento, resultando daí, as seguintes diferenças, dentre
outras:
a) na sub-rogação, a obrigação do devedor limita-se ao valor do que efetivamente foi
desembolsado pelo sub-rogado, ao contrário do cessionário, cujo crédito pode ser exigido
integralmente, independentemente do valor efetivamente pago na cessão. Embora haja
quem defenda que a na sub-rogação convencional, inserida no campo da autonomia da
vontade, as partes têm liberdade para estipularem o alcance dos efeitos jurídicos do
pagamento, o melhor entendimento é de que a sub-rogação não tem, em nenhuma das
modalidades, caráter especulativo, residindo justamente nisso a sua principal nota distintiva
em relação à cessão de créditos. O artigo 350 não significa que, a contrario sensu, a sub-
rogação convencional pudesse constituir fonte de lucros para o sub-rogado, justificando-se
apenas para afastar a associação automática da sub-rogação legal à integralidade do
crédito;
b) a prescrição começa a correr a partir da sub-rogação, ao contrário da prescrição
incidente sobre o crédito cedido, que não tem o seu curso interrompido com a cessão;
c) o cedente assegura ao cessionário a existência do crédito, o mesmo não ocorrendo na
subrogação;
d) quem não tem capacidade para alienar, pode sub-rogar, mas não ceder.
A despeito dessa falta de identidade, é forçoso convir que esses institutos guardam pontos
de contato, uma vez que a própria lei, na hipótese de sub-rogação convencional, manda
que sejam aplicados os dispositivos da cessão de crédito (art. 348 do CC).
Frise-se, outrossim, que esta substituição poderá dar-se de duas formas: por força de lei ou
em virtude de convenção. Assim, temos: (a) pagamento com sub-rogação legal e (b)
pagamento com sub-rogação convencional.
Pagamento com sub-rogação legal. A sub-rogação legal é a que se realiza por força tão
somente da lei, não dependendo da vontade dos interessados. “Presume a lei, em todas as
hipóteses por ela estabelecidas, que o solvens não pagaria se não tivesse benefício com a
sub-rogação, pelo que ela simplifica as relações jurídicas” (Serpa Lopes).
Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:

141
Direito Civil 2016 142

I - do credor que paga a dívida do devedor comum;

Se duas ou mais pessoas são credoras do mesmo devedor, operar-se-á a sub-rogação


legal se qualquer dos sujeitos ativos pagar ao credor preferencial o valor devido. Da mesma
maneira, haverá interesse no pagamento, estando os credores na mesma classe, se o
segundo pagar ao primeiro (cuja dívida venceu em 1° lugar) passando a substituí-lo em
todos os seus direitos. Por fim, embora a hipótese seja pouco factível, a sub-rogação
também se dará em créditos sem direito de preferência, uma vez que o CC/02 suprimiu tal
exigência na previsão constante do inciso correspondente.
II - do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem
como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito
sobre imóvel;
III - do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser
obrigado, no todo ou em parte.

É o que ocorre no caso do fiador ou ainda quando um dos devedores solidários paga a
dívida comum. Vale salientar que o terceiro não interessado que paga a dívida em seu
próprio nome tem direito a reembolsar-se, embora não se sub-rogue nos direitos do credor.
Pagamento com sub-rogação convencional.
Art. 347. A sub-rogação é convencional (A outro giro, a sub-rogação
convencional resulta do pagamento do débito por parte do terceiro
desinteressado):
I - quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe
transfere todos os seus direitos;

Conforme acima mencionado, a lei determina neste caso a aplicação analógica das regras
de cessão.
II - quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para
solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos
direitos do credor satisfeito.

Efeitos jurídicos da sub-rogação. O principal efeito da sub-rogação é transferir ao novo


credor “todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida,
contra o devedor principal e os fiadores” (art. 349).
Frise-se que não apenas os privilégios, como também os inconvenientes do crédito e as
defesas objetivamente oponíveis pelo devedor sobrevivem após a sub-rogação. Ninguém
pode transferir mais direitos do que possui. O sub-rogado também corre risco quando o
devedor vier a tornar-se insolvente. Aí não poderá recobrar a quantia despendida junto ao
antigo credor, pois este não lhe concede qualquer garantia sobre a solvabilidade do
devedor. O pagamento é pro soluto, detendo efeito liberatório do antigo credor. Agora, se a
obrigação for nula ou não existir, pelo princípio do enriquecimento sem causa, o que pagou
tem direito ao reembolso.
Observe-se, apenas, que se a sub-rogação for convencional, as partes poderão
convencionar a diminuição de privilégios ou garantias concedidas ao credor originário.
Frise-se ainda que o subrogado não poderá exercer os direitos e ações do credor, senão
até a soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor (art. 350).
Finalmente, registre-se que no caso de sub-rogação parcial (só há transmissão de parte do
crédito, razão pela qual o antigo sujeito ativo da relação obrigacional permanece credor),
se houver concorrência de direitos entre o credor originário e o credor sub-rogado, tem
aquele preferência para receber o seu crédito, se os bens do devedor não bastarem para
142
Direito Civil 2016 143

satisfazer ambos (art. 351). A sub-rogação, sob o vértice processual, caracteriza-se pela
proposição de uma ação regressiva do sub-rogado contra o devedor. Encontra guarida nos
institutos da denunciação da lide e do chamamento ao processo.

4.6.5 Imputação do pagamento


Conceito e requisitos. Entende-se a imputação do pagamento como a determinação feita
pelo devedor, entre dois ou mais débitos da mesma natureza, positivos e vencidos, devidos
a um só credor, indicativas de qual dessas dívidas quer solver.
São, pois, requisitos da imputação:
a) Pluralidade de débitos;
b) identidade de sujeitos (credor e devedor);
c) Liquidez e vencimento de dívidas da mesma natureza (relativas a coisas fungíveis
entre si);
d) suficiência do pagamento para solver qualquer das dívidas.
Esses requisitos são imprescindíveis, simultaneamente, para que o devedor possa ter o
direito subjetivo de fazer a imputação do pagamento, independentemente da manifestação
do credor. Embora pouco tratada pela doutrina, a imputação em pagamento produz efeitos
práticos de inegável importância, como no caso de débitos autorizados pelos correntistas
(débito automático): “Modernamente, é costume que uma infinidade de obrigações seja
debitada automaticamente, em conta, mediante singela autorização do cliente. Se o
correntista não tiver numerário depositado em volume suficiente para débitos que vençam
na mesma data, por exemplo, devem ser aplicados os princípios da imputação em
pagamento” (Sílvio Venosa).
Para haver a imputação, pressupõe-se, em termos lógicos, a existência de, no mínimo, duas
dívidas, não se constituindo tal os pagamentos mensais da mesma obrigação, contraída
para pagamento a prazo. Apenas uma exceção justifica a imputação do pagamento quando
há uma única dívida: se a mesma vence juros. Neste caso, mesmo que haja uma única
dívida, ela se desdobra, destacando-se os juros, que são acessórios do débito principal, e
a imputação tem lugar.
Satisfeitos todos os requisitos hábeis à imputação do pagamento, mas havendo resistência
do credor em a ela anuir, poderá o devedor consignar em pagamento, posto caracterizada
a mora accipiendi.
Registre-se, todavia, que é possível se afirmar que todas as limitações à imputação do
pagamento podem ser relevadas por mútuo consentimento das partes. Assim o é com a
imputação em dívida ilíquida e não vencida e, bem assim, com a pretensão de que o
pagamento seja feito primeiro no capital, em detrimento dos juros vencidos (art. 354).
Imputação do credor e imputação legal. Na ausência de qualquer manifestação de
vontade do devedor, aplica-se o art. 353, verbis:
“não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e vencidas quer
imputar o pagamento, se aceitar a quitação de uma delas, não terá direito a
reclamar contra a imputação feita pelo credor, salvo provando haver ele
cometido violência ou dolo”.

Indaga a doutrina sobre a possibilidade de ampliar este rol de vícios, concluindo, todavia,
pela sua taxatividade, privilegiando-se a interpretação restritiva dos comportamentos
expressamente reprovados pelo dispositivo.
Sendo omissa a quitação, serão imputadas as regas da imputação legal. Fazendo a
interpretação conjunta dos arts. 354 e 355, podemos estabelecer a seguinte ordem
preferencial:

143
Direito Civil 2016 144

a) prioridade para os juros vencidos, em detrimento do capital (lembre-se que se


presumem pagos os juros quando se dá quitação referente ao capital, sem reservas
(art. 232, CC);
b) prioridade para as líquidas e vencidas anteriormente, em detrimento das mais
recentes;
c) prioridade para as mais onerosas, em detrimento das menos vultosas, se vencidas
e líquidas ao mesmo tempo.

À míngua de solução legal, se todas as dívidas forem exatamente da mesma natureza,


vencimento e valor, entende-se o pagamento feito por conta de todas em devida proporção.
Tal regra, constante do Código Comercial, era utilizada analogicamente e embora tenha
sido revogada, a doutrina tem sugerido a sua aplicação.

4.6.6 Dação em pagamento (datio in solutum)


Consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim de, mediante
acordo do credor, extinguir imediatamente a obrigação.
Trata-se, pois, de forma de extinção obrigacional, disciplinada pelos arts. 356 a 359, por
força da qual o credor consente em receber prestação diversa da que fora inicialmente
pactuada. O art. 356 não mais excepciona as obrigações pecuniárias. Mesmo assim, a
restrição remanesce quanto à substituição do objeto originário por pecúnia, à medida que o
pagamento em dinheiro importa na própria indenização pela perda da coisa, servindo como
ressarcimento e não como dação. Vale registrar, todavia, que a dação em pagamento não
se confunde com a pluralidade de prestações existente nas obrigações alternativas, haja
vista que, nestas, a diversidade de prestações está prevista no próprio título da obrigação.
Da mesma forma, não é idêntica às obrigações facultativas, porque aqui também existe
prévia estipulação negocial da prestação subsidiária. Aparta-se também a dação da
novação. Na dação, a entrega da prestação supletiva objetiva a liberação de um crédito em
caráter imediato, enquanto na novação, as partes constituirão uma nova obrigação para
extinguir a anterior. É a entrega de uma coisa por outra, e não a substituição de uma
obrigação por outra. Se a dação é modo indireto de pagamento, a novação é modo de
extinção da obrigação sem pagamento.
Em certas situações especiais, a dação é vedada pelo ordenamento, por se travestir em
cláusula comissória. A teor do art. 1428 do CC,

“é nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou


hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não or paga no
vencimento”.

Por tais razões, o art. 1422 do CC particulariza a excussão judicial da coisa (ou extrajudicial
na alienação fiduciária), como forma de o credor recuperar o valor do empréstimo, em caso
de inadimplência.
Requisitos: a) a existência de uma dívida vencida; b) o consentimento do credor; c) a
entrega de coisa diversa da devida; d) o ânimo de solver.
É preciso ainda que o bem seja dotado de “existência atual”, pois se a prestação “versar
sobre coisa de existência futura, ou se for um compromisso de entregar coisa no futuro,
implicará a criação de uma obrigação, sem caráter de pagamento, e terá como efeito ou a
realização de uma novação, se a primitiva obligatio ficar extinta, ou em uma obrigação
paralela, se aquela subsistir até a execução da nova”.
O artigo 357 do CC estabelece que:

144
Direito Civil 2016 145

“ eterminado o preço da coisa dada em pagamento, as relaç es entre as partes


regularse-ão pelas normas do contrato de compra e venda”.
Mas veja que há apenas equiparação, e não identidade, entre as duas figuras, que são
“distintas por pelo menos três ordens de razão: a) na compra e venda não cabe, em linha
de princípio, a repetição do indébito, cabível na dação em pagamento quando ausente a
causa debendi; b) o próprio objetivo, ou finalidade da dação em soluta é a solução da dívida,
o desate da relação; e, por fim, c) a dação exige, como pressuposto, a entrega, constituindo
negócio jurídico real”. Ainda, nos termos do artigo 358, regula-se como se fosse cessão a
dação de título de crédito. Significa dizer que o pagamento, salvo convenção em contrário,
ocorre pro soluto, tal como preconizam os artigos 295 e 296 do CC, que prevêem a
responsabilidade do cedente apenas pela existência do crédito e não pela solvência do
devedor do título (salvo estipulação em contrário). Evicção da coisa dada em pagamento.
Neste caso, se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento, a obrigação primitiva
será restabelecida com todas as suas garantias, ficando sem efeito a quitação dada ao
devedor (efeito repristinatório da evicção da coisa dada em pagamento). Apenas deverão
ser ressalvados os direitos de terceiros de boa-fé, a exemplo do que ocorreria se a
prestação originária fosse a entrega de um veículo, e este já estivesse alienado a terceiro.
Ressalvada, portanto, a boa-fé de terceiros, é possível ainda se enunciar a regra de que a
invalidade da dação em pagamento importará sempre no restabelecimento da obrigação
primitiva, perdendo efeito a quitação dada.
Datio pro solvendo. Não há que se confundir a dação em pagamento com outra figura, a
denominada dação pro solvendo, cujo fim precípuo não é solver imediatamente a obrigação,
mas sim facilitar o seu cumprimento. Ocorre na dação de um crédito sem extinção da dívida
originária, que, ao contrário, é conservada, suspensa ou enfraquecida. Havendo datio pro
sovendo, a dívida primitiva só se extingue ao ser paga a nova. Ex: cheque dado em
pagamento de uma duplicata.

4.6.7 Novação.
É a constituição de uma obrigação nova, em substituição de outra que fica extinta. Seu
principal efeito é a extinção da dívida primitiva, com todos os acessórios e garantias, sempre
que não houver estipulação em contrário. Tinha grande prestígio no Direito Romano, pois
dentre eles vigia a regra da intransmissibilidade das obrigações. Com a novação, o devedor
exonera-se sem cumprir a obrigação, enquanto o credor adquire um novo crédito, em
substituição ao antigo. É modo extintivo não satisfatório. O que se deve salientar é que toda
novação tem natureza jurídica negocial. Ou seja, por princípio, nunca poderá ser imposta
por lei. Nesse sentido, podemos afirmar não existir, em regra, novação legal. Há
entendimento de que o artigo 59 da Lei de Falência é exceção a essa vedação à novação
legal.
Requisitos.
a) Consentimento: para que seja válido, reclama-se não só a capacidade genérica, como
a específica para o ato;
b) Existência da antiga obrigação: inclusive, se a obrigação for nula ou estiver extinta, não
pode ser novada. A anulável, contudo, pode ser confirmada pela novação. Nada impede a
novação de uma obrigação natural por outra que não o seja (obrigação civil) e vice-versa;
c) A criação de uma nova obrigação válida, substancialmente diversa da primeira: é
preciso que haja diversidade substancial entre a obrigação antiga e a nova. Em outras
palavras, o conteúdo da obrigação há que ter sofrido modificação substancial, mesmo que
o objeto da prestação não haja sido alterado (se houver alteração de partes, por exemplo,
poderá ser reconhecida a diversidade substancial necessária para se caracterizar a
novação, mesmo que o objeto da obrigação permaneça o mesmo). Aliás, simples

145
Direito Civil 2016 146

modificações setoriais de um contrato não traduzem novação. Assim, quando a instituição


financeira apenas concede o parcelamento da dívida, aumenta o prazo para pagamento,
ou recalcula a taxa de juros aplicada, não necessariamente estará realizando uma novação;
d) Ânimo de novar: em não havendo a intenção de novar, a nova obrigação tem o mero
efeito de confirmar ou reforçar a primeira. Quer isso dizer que nunca se presume a novação.
O ânimo de novar verifica-se na declaração das partes, ou resulta de modo inequívoco de
obrigações incompatíveis. Não nova o terceiro que intervém e assume o débito, reforça o
vínculo ou pactua garantia real, sem liberação do antigo devedor.
Finalmente, a novação, para ser válida, exige a observância dos pressupostos legais de
validade do negócio jurídico.
Espécies. A novação pode ser: objetiva (real), subjetiva e mista:
a) A objetiva ocorre quando o devedor contrai com o credor nova dívida, para extinguir e
substituir a primeira (art. 360, I). Não se deve confundir a novação objetiva com a dação em
pagamento. Nesta, a obrigação originária permanece a mesma, apenas havendo uma
modificação do seu objeto, com a devida anuência do credor. Diferentemente, na novação
objetiva, a primeira obrigação é quitada e substituída pela nova. Em reforço, havendo
evicção da coisa dada, a prestação primitiva, no caso da novação, não revive. A dação, por
sua vez, não gera a extinção dos acessórios e, no caso de perda da coisa dada, retornará
a prestação primitiva. b) A subjetiva pode ocorrer em três hipóteses:
(1) passiva: quando um novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o
credor (art. 360, II). Poderá ocorrer de dois modos: por expromissão e por delegação.
No primeiro caso, a substituição do devedor se dá independentemente do seu
consentimento, por simples ato de vontade do credor, que o afasta, fazendo-o
substituir por um novo devedor. Se não resultar clara a intenção do expromitente em
substituir o devedor e do credor em fazer novação, ocorrerá adpromissão, isto é,
acréscimo de nova responsabilidade, aderente à primitiva, atento à regra de que a
novação não se presume. Na delegação, o devedor participa do ato novatório,
indicando terceira pessoa que assumirá o débito, com a devida aquiescência do
credor. Não há que se confundir a novação subjetiva passiva – principalmente por
delegação – com a mera cessão de débito, uma vez que, neste caso, o novo devedor
assume a dívida, permanecendo o mesmo vínculo obrigacional.
Fundamental é esclarecer que, na novação subjetiva, não basta a alteração dos
personagens da relação jurídica. Deve haver simultânea alteração da própria relação
obrigacional. A novação em qualquer de suas modalidades, sempre exigirá a criação
de uma nova relação obrigacional e extinção da originária.
Ainda sobre a novação subjetiva passiva, estabelece o artigo 363 do CC que “Se o
novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou, ação regressiva contra
o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição”. Vê-se que a referida má-fé
não se presume, cabendo o ônus da prova ao credor prejudicado e podendo o devedor
original, ao ser demandado, fazer prova de que informou o credor quanto à
insolvência, ou que, independentemente disso, o demandante tinha pleno e
inequívoco conhecimento daquele estado ao realizar a novação, ou ainda que ele
próprio, demandado, nada sabia acerca da insolvência. Ressalte-se que entende a
doutrina que a “ação regressiva” referida no dispositivo é a própria ação da antiga
dívida, já que inocorrendo boa-fé do primeiro obrigado, subsiste a dívida original.
No CC/02 surgiu instituto muito próximo à novação subjetiva por delegação. Com
efeito, ao tratar do novel modelo da assunção de dívida, assim preconiza o legislador:
“é facultado ao terceiro assumir a obrigação do devedor, com consentimento expresso
do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da
assunção, era insolvente e o credor o ignorava” (art. 299).

146
Direito Civil 2016 147

(2) ativa: quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao


antigo, ficando o devedor quite com este (não há cessão de crédito porque nesta não
se dá a extinção da obrigação).
(3) mista ou complexa: verifica-se quando ambos os sujeitos da relação
obrigacional são substituídos, em uma incidência simultânea dos incisos II e III do art.
360.

c) A mista ocorre quando se opera alteração de sujeito e objeto da relação obrigacional.

Efeitos da novação:
 O principal efeito é o liberatório, ou seja, a extinção da primitiva obrigação, por meio
de outra, criada para substituí-la;
 Extingue os acessórios e as garantias da dívida, a não ser que haja aquiescência do
terceiro fiador ou proprietário dos bens dados em garantia (Súmula 214 do STJ: “o
fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual
não anuiu”); Importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso como
devedor principal (art. 366)
 Se a obrigação é solidária, a novação concluída entre o credor e um dos devedores
exonera os demais, subsistindo as preferências e garantias do crédito novado
somente sobre os bens do devedor que contrai a nova;
 Se a solidariedade for ativa, extingue-se a dívida perante os demais credores,
devendo estes se entender com o credor operante;
 Se ela for indivisível, pela impossibilidade da prestação parcial, a novação acaba
beneficiando os demais devedores;
 No caso de novação objetiva, o perecimento do objeto não dá ao credor o direito de
perseguir o da antiga;
 A anulabilidade oponível à antiga obrigação não cabe após a novação (na verdade,
um dos principais préstimos da novação é justamente confirmar obrigações
anuláveis).

4.6.8 Compensação.
É uma forma de extinção das obrigações, quando duas pessoas forem, reciprocamente,
credoras e devedoras.
Espécies: a) legal; b) convencional; c) judicial (exemplo: art. 21 do CPC).
a) Compensação legal: é aquela que decorre de lei e independe de convenção entre os
sujeitos da relação obrigacional, operando-se mesmo que uma das partes não queira a
extinção das dívidas. Para que ocorra a compensação legal, é necessário que sejam
preenchidos os seguintes requisitos:
1. Dualidade de obrigações entre as mesmas partes: Exceção: art. 371 do CC (o fiador
pode compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado);
2. Fungibilidade das prestações: mas não basta que sejam do mesmo gênero, é
necessária, ainda, a identidade de espécie e qualidade, de modo que possam substituir-se
uma à outra (fungibilidade entre si). Como exemplo, a jurisprudência já manifestou-se no
sentido da impossibilidade de compensar os créditos de indenização (pensionamento)
decorrente do acidente de trânsito com o que a vítima há de perceber em razão de sua
vinculação a sistema previdenciário ou securitário (STJ, RESp 61.303, Rel. Nilson Naves,
DJ 04.09.00) e do saldo em conta corrente bancária com créditos da instituição financeira
(STJ, Resp 192.195, Min. Ari Pargendler, 13.05.02). Controverte-se acerca da possibilidade
de compensação de obrigações de fazer fungíveis: prevalece a tese da negativa (CC fala
em compensação de coisas).
147
Direito Civil 2016 148

3. Exigibilidade, vencimento e liquidez de ambos os créditos: Não comporta


compensação a obrigação natural, seja em confronto com outra idêntica, seja com uma civil.
Destaque-se que não obstam a compensação os prazos de favor, eis que se trata de mera
liberalidade. Quanto à dívida prescrita, é possível admitir-se compensação desde que antes
do escoamento do prazo prescricional os débitos tenham coexistido, mesmo porque no
regime do Código Civil, a compensação opera-se ipso iure. Se as obrigações tiverem por
objeto prestação de coisas incertas, somente serão compensáveis se a escolha competir
aos dois devedores.
Conforme acima mencionado, o CC manteve-se, como o CC de 1916, vinculado ao sistema
francês, em que a compensação opera-se ipso iure, dispensando qualquer declaração da
parte. Opõe-se, assim, ao sistema alemão, no qual a compensação se afigura como um
direito potestativo, fazendo-se necessária a manifestação de vontade de um dos credores-
devedores, com a declaração de compensação. Entretanto, embora se efetue
automaticamente, não pode o juiz pronunciar a compensação de ofício, já que serve ao
interesse das partes, podendo ser renunciada ou afastada por acordo de vontades. Tal
característica leva parte abalizada da doutrina a entender que o sistema brasileiro configura
espécie de meio-termo entre o sistema alemão e o francês (Pontes de Miranda, Judith
Martins-Costa).
A compensação legal retroage à data em que a situação de fato se configurou, ainda que
só alegada ou pretendida depois, pois tem eficácia ex tunc. O efeito retroativo repercute nos
acessórios da obrigação, pois os juros, a multa convencional e as garantias cessam a partir
do momento da coexistência das dívidas.
b) Compensação convencional: tem origem no poder de livre disposição das partes
sobre seus créditos e pode ocorrer mesmo não estando presentes os requisitos necessários
para a configuração da compensação legal.
c) Compensação judicial: A natureza desta modalidade de compensação é a que mais
causa controvérsia doutrinária. Alguns a incluem como espécie de compensação legal, já
que a distinção seria apenas que a mesma é pronunciada pelo Poder Judiciário. Outros
sequer admitem-na como modalidade autônoma.
No entanto, a peculiaridade da compensação judicial não reside na circunstância de ser
verificada em juízo, já que a legal e a convencional também podem sê-lo, limitando-se a
sentença a declarar o preenchimento dos requisitos na conformidade do estabelecido na
lei. Na verdade, caracterizase por ser uma decisão constitutiva, onde o juiz, embora
originariamente ausente a liquidez, acerta que o crédito é pronta e facilmente liquidável.
Regras aplicáveis à compensação:
a) Não pode o afiançado compensar com o seu credor o que este deva ao fiador, mas
este tem o direito de compensar o seu débito com aquilo que o credor deva ao
afiançado (art. 371). Interessante verificar que o comando legal em questão não
adota a teoria dualista da obrigação, já que prevê que o fiador tem uma dívida com
o credor. Entretanto, conforme visto no item 1 supra, pela tese dualista o fiador
apenas assume uma responsabilidade em relação ao credor, sem ter contraído a
dívida (responsabilidade sem dívida).
b) Nas obrigações solidárias, o devedor pode compensar com o credor o que este deve
ao seu coobrigado, mas somente pode invocar esta extinção até o equivalente de
parte deste na dívida comum. Embora essa regra não tenha sido repetida no CC/02,
entende-se que pode ainda ser invocada por aplicação do instituto da solidariedade
e da vedação do enriquecimento indevido.
c) O local de vencimento não influi sobre a compensação – mas se forem em locais
diferentes, devem-se deduzir as despesas necessárias à operação.

148
Direito Civil 2016 149

d) Possível renúncia de um dos devedores à compensação, que deve ser prévia. Aliás,
é lícito aos interessados ajustarem compensação fora dos requisitos legais,
operando a extinção recíproca de obrigações ilíquidas, por exemplo, (compensação
convencional – espécie de transação).
O art. 337 dispõe que a diferença de causa não impede a compensação, com exceção
das situações descritas nos seus incisos de I a III. Assim, são hipóteses de
impossibilidade de compensação:
(a) provenientes de esbulho, furto ou roubo;
(b) se uma delas originar-se de comodato, depósito (exceto o depósito irregular) ou
alimentos. O comodato e o depósito obstam a compensação por serem objeto de
contratos com corpo certo e determinado, inexistindo, a fungibilidade entre si;
(c) se uma delas for de coisa não suscetível de penhora;
(d) em relação às dívidas fiscais e parafiscais, a compensação passaria a ser regida
pelo disposto no CC. Entretanto, revogado o art. 374, restaura-se o regime do CC/1916,
pelo qual a compensação, em matéria tributária, poderia ser ressalvada pelas
Administrações Federal, Estadual e Municipal, com base em legislação especial. De
qualquer jeito, ressalve-se a legislação especial que permite a compensação
convencional entre o contribuinte e a Fazenda Pública (Leis 9.430/96 e Decreto
2.138/97), também chamada compensação administrativa, para aqueles casos em que
não seja possível a compensação legal. (Enunciado n. 19 da I Jornada de Direito Civil:
“a matéria da compensação no que concerne às dívidas fiscais e parafiscais de Estados,
do Distrito Federal e de Municípios não é regida pelo art. 374 do Código
Civil”);
(e) se a compensação se fizer em prejuízo de direitos de terceiro – ex: incidência
de penhora sobre o crédito, torna-o incompensável.
e) Havendo pluralidade de débitos compensáveis, aplicam-se as regras da imputação
em pagamento. Assim sendo, a impugnação caberá: 1) ao devedor; 2) ao credor; 3)
à lei – imputação legal (pela ordem: juros, dívida que venceu em primeiro lugar,
divida mais onerosa, imputação proporcional).
f) Por ser legal a compensação, não há cogitar da capacidade das partes.
g) Embora opere ipso iure, como é lícito ao devedor renunciar à compensação, ele
deverá opô-la em juízo (não é conhecível de ofício) através da exceptio
compensationes. Como opera ipso iure, a sentença que a reconhece opera efeitos
ex tunc.
h) Há duas importantes instituições mercantis fundadas no princípio da compensação:
a conta corrente e as câmaras de compensação.

4.6.9 Confusão
Ocorre quando as figuras do devedor e do credor se reúnem na mesma pessoa, extinguido-
se, conseqüentemente, a relação obrigacional. Pode derivar de sucessão mortis causa ou
ato inter vivos.

a) Pode ser total ou parcial;


b) A confusão imprópria se opera quando se reúnem na mesma pessoa as condições
de garante e de sujeito (ativo ou passivo);
c) Requisitos: (a) unidade da relação obrigacional; (b) reunião, na mesma pessoa, das
qualidades de credor e devedor; (c) ausência de separação de patrimônios. Este
último requisito quer significar que não haja, na mesma pessoa, a divisão entre o
patrimônio comum, que é a garantia geral dos credores, e os ditos patrimônios
especiais, cuja separação é afetada à origem dos bens que os compõem (por
149
Direito Civil 2016 150

exemplo, os bens excluídos da comunhão) ou os fins que devem desempenhar (o


bem de família, por exemplo). Se o crédito e o débito, ainda que atinentes à mesma
pessoa, estão posicionados em patrimônios distintos, não há confusão;
d) Se ocorrer a confusão na pessoa do devedor ou credor solidário, a obrigação
extingue-se até a concorrência de sua parte no débito ou crédito, subsistindo a
solidariedade quanto aos demais, pelo remanescente;
e) Se o fato gerador da confusão se invalida, ela cessa e a obrigação restaura-se
retroativamente, com todas as suas conseqüências, inclusive as garantias. Mas as
garantias reais e os direitos de terceiros adquiridos durante a confusão devem ser
respeitados (art. 384). Assim, “se, por exemplo, a restauração da garantia
hipotecária defronta uma nova inscrição, realizada após aquela extinção, não terá
sobre ela prioridade, pois que perde o grau de que anteriormente gozava” (Caio
Mário da Silva Pereira);
f) Ressalte-se, por oportuno, que em relação a certos créditos, a confusão não opera
a sua extinção, tal como os títulos ao portador, que não desaparecem por terem
regressado ao poder se seu emitente, que poderá ainda transferi-los a terceiros
novamente.

4.6.10 Remissão.

Ocorre a remissão de uma dívida quando o credor libera o devedor, no todo ou em parte,
sem receber pagamento. A remissão é o ato ou efeito de remitir, perdoar uma dívida. Não
se confunde com remição, ato ou efeito de remir, resgatar, que é instituto de direito
processual.
Seus requisitos são: a) ânimo de perdoar; b) agente capaz para alienar gratuitamente, além
da legitimação para dispor do crédito; c) aceitação do perdão;

- A remissão somente pode operar-se inter partes, não sendo esta admitida em
prejuízo de terceiros;
- A remissão distingue-se da doação, eis que nesta o doador transfere bens de
seu patrimônio para o donatário. É típico contrato de natureza gratuita e unilateral;
- O perdão pode ser expresso ou tácito, quando decorre de uma atitude do credor
incompatível com a conservação de sua qualidade creditória. Não se presume fora
dos casos admitidos em lei, nem a inatividade do credor permite induzi-lo. Um
exemplo é a entrega voluntária do título da obrigação quando por escrito particular
(mas lembre-se que, nos termos do artigo 324 do CC, a entrega de título de crédito
faz presumir o pagamento – não remissão -, tratando o artigo 386 de instrumentos
particulares ou contratos que traduzem dívidas). Atente-se que esta presunção é
relativa, podendo o credor provar a ausência de animus em remitir a dívida. Outro
caso é a remissão da garantia que se presume com a entrega do objeto empenhado
(a dívida remanesce, ficando quirografária). - A remissão apenas terá o caráter de
negócio jurídico unilateral quando efetuada em testamento, assemelhando-se a um
verdadeiro legado em prol do devedor;
- A remissão pode ser revogada unilateralmente, desde que não tenha ainda
gerado um direito contrário.
- O perdão não pode ser acompanhado de prestação do devedor, caso contrário
haverá, conforme o caso, dação em pagamento, transação ou mesmo novação, se
modificado o objeto (mas pode ser condicionado ou a termo).
- Somente as obrigações patrimoniais de caráter privado comportam perdão.

150
Direito Civil 2016 151

- O perdão concedido ao devedor principal extingue a obrigação dos fiadores e


liberta as garantias reais.
- Se forem vários os devedores, a remissão concedida a um deles extingue a
obrigação na parte que lhe corresponde. Sendo indivisível, os demais credores
somente poderão exigir a prestação com desconto da parte relativa ao remitente.

4.7 Inadimplemento das obrigações 15


O inadimplemento de uma obrigação pode se dar de três formas principais, que são o
inadimplemento absoluto, a mora (inadimplemento relativo) e a violação positiva do
contrato. Ocorre o inadimplemento absoluto quando a obrigação deixa definitivamente de
ser cumprida pelo devedor, não mais podendo sê-lo com utilidade pelo credor. A mora, por
sua vez, constitui hipótese de não-cumprimento da obrigação na forma, lugar ou tempo
devidos, mas ainda sendo possível o seu cumprimento. Para Venosa, não é pelo prisma da
possibilidade do cumprimento da obrigação, que se distingue mora de inadimplemento
absoluto, mas sob o aspecto da utilidade para o credor, de acordo com critério a ser aferido
em cada caso, de modo quase objetivo. Se ainda existe utilidade para o credor, existe a
possibilidade de ser cumprida a obrigação; podem ser elididos os efeitos da mora. Não
havendo essa possibilidade, restar ao credor recorrer ao pedido de indenização por perdas
e danos.
Cabe citar, neste ponto, a teoria do adimplemento substancial (ou inadimplemento mínimo)
da obrigação, que veda ao credor o exercício do direito de rescisão do contrato, ainda
quando a norma contratual ou legal a preveja, se a prestação pactuada foi substancialmente
satisfeita pelo devedor. Referida teoria tem por fundamento o princípio da boa-fé, na esteira
de sua função de limitar o exercício de direitos subjetivos, eis que

“a substancialidade do adimplemento, apurada con orme as circunstâncias, e


em vista da finalidade econômico-social do contrato em exame, garante a
manutenção do equilíbrio entre as prestações correspectivas, não chegando
o descumprimento parcial a abalar o sinalagma” ( eresa Negreiros).
Já se fala, outrossim, em uma terceira modalidade de descumprimento das obrigações,
chamada de violação positiva do contrato ou do crédito, a qual consiste no cumprimento
inadequado da obrigação. Em geral consideram-se hipóteses de quebra positiva do contrato
os casos de cumprimento defeituoso da prestação, de violação dos deveres laterais ou
anexos e os de inadimplemento antecipado. Exemplo do primeiro caso é o do criador que
adquire ração para alimentação de seus animais, que embora entregue no prazo estipulado,
se encontrava imprópria para o uso, acarretando a morte de diversas reses. Exemplo de
descumprimento de um dever acessório de conduta é o pintor que se obriga a pintar a casa
e o faz, mas quebra diversos objetos que se encontravam na mesma. Por fim, pode-se falar
em inadimplemento antecipado da obrigação quando o devedor declara que não pode ou
não quer adimplir, ou quando nada aparelhou com destino ao cumprimento da obrigação,
tornando certo o inadimplemento.

4.7.1 Inadimplemento absoluto das obrigações


Pode ocorrer que a obrigação não seja cumprida em razão de atuação culposa ou de fato
não imputável ao devedor. Se o descumprimento decorreu de desídia, negligência ou, mais
15
Atenção: este texto tem como base os capítulos XXI a XXIII do livro Novo Curso de Direito Civil, de PABLO STOLZE
GAGLIANO e RODOLFO PAM-
PLONA FILHO, Saraiva, 2003, v. 2 (Obrigações); e a obra Direito civil: direito das obrigações: parte geral, volume 5, de CARLOS
ROBERTO GONÇALVES, Saraiva, 2004.
151
Direito Civil 2016 152

gravemente, por dolo do devedor, estaremos diante de uma situação de inadimplemento


culposo no cumprimento da obrigação, que determinará o consequente dever de indenizar
a parte prejudicada. Por outro lado, se a inexecução obrigacional derivou de fato não
imputável ao devedor, enquadrável na categoria de caso fortuito ou força maior, configurar-
se-á o inadimplemento fortuito da obrigação, sem consequências indenizatórias para
qualquer das partes.
Em algumas situações, todavia, a própria lei admite que a ocorrência de evento fortuito não
exclui a obrigação de indenizar. Uma delas, analisada logo abaixo, ocorre quando a própria
parte assume a responsabilidade de responder pelos prejuízos, mesmo tendo havido caso
fortuito ou força maior (art. 393 do CC). Também em caso de mora deverá o devedor
responsabilizar-se nos mesmos termos (art. 399 do CC), a não ser que prove ausência de
culpa ou que a perda ocorreria mesmo não havendo o atraso.
Obviamente, o inadimplemento não se opera com os mesmos matizes sempre, variando de
acordo com a natureza da prestação descumprida. Assim, nas obrigações de dar, opera-se
o descumprimento quando o devedor recusa a entrega, devolução ou restituição da coisa.
Nas obrigações de fazer, quando deixa de cumprir a atividade devida. Finalmente, quanto
às obrigações negativas, a própria lei dispõe que
“o devedor é avido por inadimplente desde o dia em ue executou o ato de ue
se devia abster” (art. 39 do ).

É o caso do sujeito que, obrigando-se a não levantar o muro, realiza a construção, tomando-
se inadimplente a partir da data em que realizou a obra. Nessa última hipótese (obrigações
negativas), deve-se observar que o legislador de 2002 optou corretamente por inserir a
referida norma no capítulo dedicado às disposições gerais do Título IV (“Do Inadimplemento
das Obrigações”), e não no capítulo específico sobre a mora, como fazia a legislação
revogada.
Obs.: as obrigações negativas não dão ensejo a mora, mas somente ao inadimplemento
absoluto.
I. O inadimplemento culposo da obrigação. Conforme mencionado, o desfecho
normalmente esperado de uma obrigação dá-se por meio de seu adimplemento
(cumprimento) voluntário. Entretanto, pode ocorrer que a obrigação se frustre por culpa do
devedor, que deixa de realizar a prestação pactuada, impondo-se-lhe o dever de indenizar
a parte prejudicada. Nesse sentido o art. 389 do CC dispõe, expressamente, que
“Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais
juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado”.

O inadimplemento tratado pela norma do art. 389 é o denominado absoluto, ou seja, aquele
que impossibilita, total ou parcialmente, o credor de receber a prestação devida (ex.: a
destruição do cereal que seria entregue pelo devedor), convertendo-se a obrigação
principal, na falta de tutela jurídica específica, em obrigação de indenizar 16. O referido art.

16
A velha fórmula das “perdas e danos” não deve ser remédio para tudo. Aliás, a falta de concretude das normas jurídicas no
Brasil, aliada ao infindável número de recursos e instrumentos protelatórios albergados pelas leis processuais brasileiras, além de
incrementar o descrédito do Poder Judiciário, incentiva alguns devedores a descumprir a prestação convencionada, preferindo optar
pelas perdas e danos. Esse tipo de comportamento difundiu-se entre especuladores do mercado imobiliário, que, diante da
supervalorização do imóvel, que prometeram alienar ao promitente-comprador, em um compromisso irretratável e totalmente quitado,
optavam por indenizar a parte adversa, cientes de que poderiam vender o imóvel por valor muito superior à indenização paga. Isso se
não preferissem o litígio judicial, por confiarem na morosidade oxigenada pela lei brasileira. Essa situação só fora solucionada com a
edição do Decreto-Lei 58/1937, que permitiu, para as promessas irretratáveis de compra e venda registradas, integralmente quitadas,
em caso de recusa da outorga da escritura pelo promitente-vendedor, a adjudicação compulsória do bem, por meio de ação específica.
A moderna legislação processual civil seguiu a mesma tendência, qual seja, não dimensionar exageradamente as perdas e danos,
quando existirem meios específicos e mais satisfatórios de tutela, permitindo a execução específica mesmo no caso de a promessa não
estar registrada.
152
Direito Civil 2016 153

389 do CC é visto pela doutrina como a base legal da responsabilidade civil contratual, já a
responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana repousaria no art. 927 do CC. É de se
salientar, contudo, que muito embora a expressão responsabilidade contratual se tenha
estabelecido com sucesso, não é necessário que a obrigação cujo descumprimento lhe dá
azo tenha por fonte precisamente um contrato, podendo ela residir em outro negócio
jurídico, do qual decorram obrigações.
Quem infringe dever jurídico lato sensu fica obrigado a reparar o dano causado. Esse dever
passível de violação pode ter, assim, como fonte, tanto uma obrigação imposta por um
dever geral do direito ou pela própria lei, quanto por um negócio jurídico preexistente. O
primeiro caso caracteriza a responsabilidade civil aquiliana 22, enquanto o segundo, a
responsabilidade civil contratual. E quais as diferenças básicas entre essas duas formas de
responsabilização?
Três elementos diferenciadores podem ser destacados, a saber, a necessária preexistência
de uma relação jurídica entre lesionado e lesionante; o ônus da prova quanto à culpa; e a
diferença quanto à capacidade23. Com efeito, para caracterizar a responsabilidade civil
contratual, faz-se mister que a vítima e o autor do dano já tenham se aproximado
anteriormente e se vinculado para o cumprimento de uma ou mais prestações, sendo a
culpa contratual a violação de um dever de adimplir, que constitui justamente o objeto do
negócio jurídico, ao passo que, na culpa aquiliana, viola-se um dever necessariamente
negativo, ou seja, a obrigação de não causar dano a ninguém. Justamente por tal
circunstância é que, na responsabilidade civil aquiliana, a culpa deve ser sempre provada
pela vítima, enquanto, na responsabilidade contratual, ela é, em regra, presumida 24,
invertendo-se o ônus da prova, cabendo à vítima comprovar, apenas, que a obrigação não
foi cumprida, restando ao devedor o ônus probandi, por exemplo, de que não agiu com
culpa ou que ocorreu alguma causa excludente do elo de causalidade. O Enunciado n. 548,
da VI Jornada de Direito Civil (2013), expressa que, caracterizada a violação de dever
contratual, incumbe ao devedor o ônus de demonstrar que o fato causador do dano não lhe
pode ser imputado.
Como observa SÉRGIO CAVALIERI FILHO,
“essa presunção de culpa não resulta do simples ato de estarmos em sede de
responsabilidade contratual. O que é decisivo é o tipo de obrigação assumida
no contrato. Se o contratante assumiu a obrigação de alcançar um
determinado resultado e não conseguiu, haverá culpa presumida, ou, em
alguns casos, até responsabilidade objetiva; se a obrigação assumida no
contrato foi de meio, a responsabilidade, embora contratual, será undada na
culpa provada”25.

Por fim, vale destacar que, em termos de capacidade, o menor só se vincula


contratualmente quando púbere (entre 16 e 18 anos) e assistido por seu representante legal
- e, excepcionalmente, se maliciosamente declarou-se maior (art. 180 do CC) -, somente
devendo ser responsabilizado nesses casos. Já na responsabilidade civil aquiliana, o
“incapa responde pelos prejuí os ue causar, se as pessoas por ele
responsáveis não ti-
verem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meioss” (art. 928 do ).
suficiente

II. Inadimplemento fortuito das obrigações. O descumprimento da obrigação também


pode decorrer de fato não imputável ao devedor. Diz-se, nesse caso, ter havido
inadimplemento fortuito da obrigação, ou seja, não resultante de atuação dolosa ou culposa
do devedor, que, por isso, não estará obrigado a indenizar.
Fatos da natureza ou atos de terceiro poderão prejudicar o pagamento, sem a participação
do devedor, que estaria diante de um caso fortuito ou de força maior. Imagine que o sujeito
se obrigou a prestar um serviço, e, no dia convencionado, é vítima de um seqüestro. Não
153
Direito Civil 2016 154

poderá, em tal hipótese, em virtude de evento não imputável à sua vontade, cumprir a
obrigação avençada.

22
“Onde se realiza a maior revolução nos conceitos jus-romanísticos em termos de responsabilidade civil é com a Lex Aquilia, de
data incerta, mas que se prende aos tempos da República. Tão grande revolução que a ela se prende a denominação de aquiliana para
designar-se a responsabilidade extracontratual em oposição à contratual. Foi um marco tão acentuado, que a ela se atribui a origem do
elemento ‘culpa’, como fundamental na reparação do dano” (Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, 9. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2001, p. 3).

23 Sérgio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, 2. ed., 3. tir., São Paulo: Malheiros
Ed., 2000, p. 197-9.
24
Como regra especial, registre-se a previsão do art. 392 do CC, pela qual nos “contratos benéficos, responde por simples culpa o
contratante, a quem o
contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça; nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as
exceções previstas em lei”.

25 Sérgio Cavalieri Filho, ob. cit., p. 198.


A característica básica da força maior é a sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa
conhecida (um terremoto, por exemplo, que pode ser previsto pelos cientistas); ao passo
que o caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota distintiva na sua imprevisibilidade, segundo
parâmetros do homem médio. Nessa última hipótese, portanto, a ocorrência repentina e até
então desconhecida do evento atinge a parte incauta, impossibilitando o cumprimento de
uma obrigação (um atropelamento, um roubo). Mas deve-se ressaltar que os doutrinadores
não adotam critério único para a definição dos termos caso fortuito e força maior.
Não há interesse prático na distinção entre “ausência de culpa” e “caso fortuito” ou “força
maior”(SÍLVIO VENOSA), uma vez o Código Civil não distingue os conceitos (art. 393 do
CC). Para o direito obrigacional, quer tenha havido caso fortuito, quer tenha havido força
maior, a conseqüência, em regra, é a mesma: extingue-se a obrigação, sem qualquer
consequência para as partes. Aliás, tanto o Código de 1916 como o de 2002, em regras
específicas, condensaram o significado das expressões em conceito único, consoante se
depreende da análise dos arts. 393 e 1.058, respectivamente:
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuí os resultantes de caso ortuito
ou orça maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato
necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
Note-se, pela análise da primeira parte do dispositivo, que o devedor, à luz do princípio da
autonomia da vontade, pode expressamente se responsabilizar pelo cumprimento da
obrigação, mesmo em se configurando o evento fortuito. Assim, se uma determinada
empresa celebra um contrato de locação de gerador com um dono de boate, nada impede
que se responsabilize pela entrega da máquina, no dia convencionado, mesmo na hipótese
de suceder um fato imprevisto ou inevitável que, naturalmente, a eximiria da obrigação (um
incêndio que consumiu todos os seus equipamentos). Nesse caso, assumirá o dever de
indenizar o contratante, se o gerador que seria locado houver sido destruído pelo fogo,
antes da efetiva entrega. Essa assunção do risco, no entanto, para ser reputada eficaz,
deverá constar de cláusula expressa do contrato. Esta matéria, ligada à ocorrência de
eventos que destroem ou deterioram a coisa, prejudicando o cumprimento obrigacional,
interessa à chamada teoria dos riscos. Por “risco”, expressão tão difundida no meio jurídico,
entenda-se o perigo a que se sujeita uma coisa de perecer ou deteriorar, por caso fortuito
ou de força maior.

154
Direito Civil 2016 155

4.7.2 Inadimplemento relativo das obrigações: a mora


Consoante visto, o inadimplemento é considerado absoluto quando impossibilita, total ou
parcialmente, o credor de receber a prestação devida, quer decorra de culpa do devedor
(inadimplemento culposo), quer derive de evento não imputável à sua vontade
(inadimplemento fortuito).
O inadimplemento relativo, por sua vez, ocorre quando a prestação, ainda passível de ser
realizada, não foi cumprida no tempo, lugar e forma convencionados, remanescendo o
interesse do credor de que seja adimplida, sem prejuízo de exigir uma compensação pelo
atraso causado. Este retardamento culposo no cumprimento de uma obrigação ainda
realizável caracteriza a mora, que tanto poderá ser do credor (mora accipiendi ou credendi),
como também, com mais freqüência, do devedor (mora solvendi ou debendi).
A difundida idéia de associar a mora ao descumprimento tempestivo da prestação pactuada
não significa que a sua configuração só se dê quando o devedor retarda a solução do débito.
Conforme vimos, se o credor obsta injustificadamente o pagamento - e lembre-se de que
pagar também é um direito do devedor -, recusando-se a receber a coisa ou a quantia
devida no lugar e forma convencionados, também aí haverá a mora.
Dispõe o Código Civil:
“Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o
credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a
convenção estabelecer”.
CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, identificando no comportamento moroso um ato
humano, observa que “não é, também, toda a retardação no solver ou no receber que induz
mora. Algo mais é exigido na sua caracterização. Na mora solvendi, como na accipiendi, há
de estar presente um fato humano, intencional ou não-intencional, gerador da demora na
execução. Isto exclui do conceito de mora o fato inimputável, o fato das coisas, o
acontecimento atuante no sentido de obstar a prestação, o fortuito e a força maior,
impedientes do cumprimento”. Nesse sentido, dispõe o art. 396 do CC que, “não havendo
fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora”.

I. Mora do devedor (“solvendi” ou “debendi”) .

Sem dúvida, esta é a mais freqüente espécie de mora. Ocorre quando o devedor retarda
culposamente o cumprimento da obrigação. Na hipótese mais comum, o sujeito se obriga a
pagar a quantia de R$ 100,00, no dia 15, e, chegado o vencimento, simplesmente não paga.
Interessante notar que, se a obrigação for negativa (não fazer) e o indivíduo realizar a
prestação que se comprometeu a não efetivar, não se poderá dizer ter havido mora, mas
sim inadimplemento absoluto. Por isso, fez bem o legislador de 2002, ao deslocar a regra
do art. 390 do CC26 para o capítulo dedicado às disposições gerais do Título IV (Do
Inadimplemento das Obrigações), retirando-a do capítulo específico sobre a mora, como
fazia a legislação revogada. É o caso do sujeito que, obrigando-se a não levantar o muro,
realiza a construção, incorrendo em inadimplência absoluta, e não simplesmente em mora,
a partir da data em que realizou a obra. Posto isso, com base no ensinamento de CLÓVIS
BEVILÁQUA, podemos apontar os seguintes requisitos da mora do devedor:
a) a existência de dívida líquida e certa
b) o vencimento (exigibilidade) da dívida
c) a culpa do devedor - não há mora sem a concorrência da atuação culposa do devedor.
Será visto à frente que esse raciocínio não se aplica bem à hipótese de mora do credor.
Mesmo se afirmando que o retardamento já firma uma presunção juris tantum de culpa, o
fato é que, sem esta, o credor não poderá pretender responsabilizar o devedor (art. 396 do
CC)27.

155
Direito Civil 2016 156

Complementando este rol, ORLANDO GOMES lembra que a mora somente se


caracterizará se houver viabilidade do cumprimento tardio da obrigação 28. Vale dizer, se a
prestação em atraso não interessar mais ao credor, este poderá considerar resolvida a
obrigação, hipótese em que restará caracterizado o seu inadimplemento absoluto. É por
isso que o parágrafo único do art. 395 do CC prevê que “se a prestação, devido à mora, se
tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos”.
Trata-se, repita-se, de inadimplemento absoluto, em virtude do qual o credor deverá ser
cabalmente indenizado, fazendo jus a receber o que efetivamente perdeu (dano emergente)
e o que razoavelmente deixou de lucrar (lucros cessantes). Mas ressalte-se que, conforme
exposto no Enunciado 162 do CJF, “A inutilidade da prestação que autoriza a recusa da
prestação por parte do credor deverá ser aferida objetivamente, consoante o princípio da
boa-fé e a manutenção do sinalagma, e não de acordo com o mero interesse subjetivo do
credor”.

26 “Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster”.
27
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. BUSCA E APREENSÃO. DEPÓSITO. É possível arredar a ‘mora solvendi’ se demonstrado, com
fundamentos
relevantes, que o credor fiduciário está cobrando encargos ilegais. Permanecendo o devedor fiduciante como depositário judicial do
bem, a garantia do credor fica reforçada. Agravo provido” (TJRS, j. 5-11-1998).

28
“CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - MORA DO DEVEDOR. A mora do devedor não lhe retira o direito de saldar seu débito,
devendo o credor receber, desde que o pagamento se faça com os encargos decorrentes do atraso e a prestação ainda lhe seja útil. A
recusa injustificada de receber configura ‘mora accipiendi’, autorizando a consignatória” (3ª T., REsp 39.862/SP, Rel. Min. Eduardo
Ribeiro, j. 30-11-1993).
Ressalte-se que, nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em
mora desde que o praticou, na forma do art. 398 do CC.

II. Efeitos jurídicos decorrentes da mora do devedor:

O primeiro deles é a sua responsabilidade civil pelo prejuízo causado ao credor em


decorrência do descumprimento culposo da obrigação. Essa compensação, se não for
apurada em procedimento autônomo, poderá vir expressa, previamente, no próprio título da
obrigação, por meio de uma cláusula penal moratória, tema que será tratado adiante. Nesse
sentido, o art. 395, caput, do CC, é claro ao dispor que
“responde o devedor pelos prejuí os a ue sua mora der causa, mais juros,
atuali ação dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado”.
Os juros moratórios aqui referidos não devem ser confundidos com os
compensatórios. Estes remuneram o credor pela disponibilização do capital ao devedor, ao
passo que aqueles traduzem a compensação devida por força do atraso no cumprimento
da obrigação, e são contados desde a citação (art. 405 do CC e art. 219, caput, do CPC)29.
O segundo efeito digno de nota diz respeito à responsabilidade pelo risco de
destruição da coisa devida, durante o período em que há a mora do devedor. Trata-se da
chamada perpetuatio obligationis, situação jurídica peculiar referida no art. 399 do CC:
“Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação,
embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se
estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa [no
retardamento da prestação], ou que o dano sobreviria ainda uando a
obrigação osse oportunamente desempen ada”.

A regra nos indica que, em caráter excepcional, o devedor poderá ser responsabilizado pela
impossibilidade da prestação, ainda que decorrente de caso fortuito ou de força maior.

156
Direito Civil 2016 157

No que se refere à menção a prova de isenção de culpa para afastamento da


responsabilidade em caso de mora, trata-se de defeito técnico reproduzido do legislador de
1916, já que uma vez comprovada a ausência de culpa do devedor, não haverá que se falar
em mora, já que aquela é elemento subjetivo indispensável para configuração desta.

III. Mora do credor (“accipiendi” ou “credendi”) .

Embora menos comum do que a mora do devedor, nada impede que o próprio sujeito
ativo da relação obrigacional, recusando-se a receber a prestação no tempo, lugar e forma
convencionados, incorra em mora. Trata-se da mora do credor.
O entendimento dominante é que a mora do credor prescinde da aferição de culpa.
Desde que não queira receber a coisa injustificadamente, isto é, no tempo, lugar e forma
que a lei ou a convenção estabelecer, sem razão plausível, o credor estará em mora, não
sendo necessário que o devedor demonstre a sua atuação dolosa ou culposa. Pode ocorrer,
entretanto, que o credor esteja transitoriamente impedido de receber, por fato plenamente
justificável, situação esta que, obviamente, não caracterizaria a sua mora. Esta somente se
configura quando a devedor faz uma oferta real, e não simplesmente uma promessa, nos
estritos termos da obrigação pactuada, e o credor, sem motivo justo ou aparente, recusa-
se a receber. Aí não importa se atuou com dolo ou culpa: recusando-se, está em mora.
Assim, pode-se concluir que os requisitos da mora do credor são: i) a oferta regular do
devedor (completa, no lugar e tempo oportunos); e ii) a recusa, sem justa causa, do credor
em recebê-la ou a prestar a cooperação necessária para o adimplemento,

29
quando esta se fizer necessária. Mas não se pode deixar de mencionar que vozes
abalizadas, como o próprio Caio Mário, acima citado, e Serpa Lopes, defendem que a culpa
é também requisito da mora accipiendi.
Frequentemente, diante da recusa do credor, o devedor, pretendendo exonerar-se
da obrigação, utiliza-se da consignação em pagamento, cujo procedimento vem regulado
pelos arts. 890 a 900 do CPC, que é uma forma especial de extinção de obrigações.
Não se deve confundir, outrossim, a mora accipiendi com situações em que a ausência da
colaboração necessária do credor produz a desoneração definitiva do devedor, porque este
se obrigou, por exemplo, a oferecer a prestação em determinado momento (prazo fixo),
sendo o próprio credor (por fato a ele imputável) que não a recebeu. A prestação não é, em
si mesma, impossível, mas não poderá mais beneficiar aquele credor. É o caso do sujeito
que se inscreve num cruzeiro, paga a inscrição, mas falta à partida do barco (porque
resolveu não ir ou por qualquer outra razão). Nesse caso, tendo pago a inscrição, era o
sujeito credor da prestação, mas, por ato unicamente imputável a si, não permitiu a
realização do objeto da obrigação, o que desonera, definitivamente, o devedor, sem o
obrigar às perdas e danos.

IV. Efeitos jurídicos decorrentes da mora do credor:

Quanto aos efeitos da mora do credor, o art. 400 do CC dispõe o seguinte:

“Art. . A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade


pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas
empregadas em conservála, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais
favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o
pagamento e o da sua e etivação”.
Assim, temos que a mora do credor:
157
Direito Civil 2016 158

a) subtrai do devedor o ônus pela guarda da coisa, ressalvada a hipótese de ter agido
com dolo;
b) obriga o credor a ressarcir o devedor pelas despesas de conservação da coisa;
c) sujeita o credor a receber a coisa pela estimação mais favorável ao devedor, se houver
oscilação entre o dia estabelecido para o pagamento (vencimento) e o dia de sua efetivação.
Quando as moras são simultâneas – mora do devedor e do credor em uma mesma situação
–, uma elimina a outra, como se nenhuma das partes houvesse incorrido em mora. Ocorre,
nesse sentido, uma espécie de compensação dos atrasos.

V. Purgação e cessação da mora.

A purgação ou emenda da mora consiste no ato jurídico por meio do qual a parte neutraliza
os efeitos do seu retardamento, ofertando a prestação devida (mora solvendi) ou aceitando-
a no tempo, lugar e forma estabelecidos pela lei ou pelo título da obrigação (mora
accipiendi).
Por parte do devedor, a purgação da mora efetiva-se com a sua oferta real, devendo
abranger a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do atraso (juros de
mora, cláusula penal, despesas realizadas para a cobrança da dívida etc.). Tratando-se de
prestação pecuniária deverá ser corrigida monetariamente, caso seja necessário (art. 401,
I, CC).
Por parte do credor, a emenda se dá oferecendo-se este a receber o pagamento, e
sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data. Esses efeitos foram vistos acima, ao
analisarmos o art. 400 do CC. O credor deverá indenizar o devedor por todos os prejuízos
que este experimentou por força de seu atraso (art. 401, II, do CC).
Vale mencionar também que a eficácia da purgação da mora é para o futuro (ex nunc), de
forma que os efeitos jurídicos até então produzidos deverão ser observados (os juros
devidos pelo atraso, até o dia da emenda, por exemplo).
Importa ainda diferenciarmos a purgação da cessação da mora. A primeira, como visto,
traduz uma atuação reparadora do sujeito moroso, neutralizando os efeitos de seu
retardamento. A segunda, por sua vez, é mais abrangente, e decorre da própria extinção
da obrigação. É o que se dá, por exemplo, quando se opera a novação ou a remissão de
dívida. A sua eficácia é retroativa (ex tunc).

Purgação da mora: eficácia ex


nunc.
Cessação da mora: eficácia ex
tunc.

A possibilidade de purgação da mora deverá vir prevista em lei 17 ou no contrato, eis que
implica restrição à liberdade negocial e ao direito do credor, devendo ocorrer até o momento
da contestação da lide, na falta de dispositivo legal expresso em contrário.

Indaga-se na doutrina se a purgação da mora solvendi depende da prévia concordância do


credor. Para Caio Mário da Silva Pereira, a resposta dependerá da espécie de termo a que
está vinculada a obrigação. Se se tratar de termo essencial, a purgação da mora somente
será admitida se o credor anuir. Tratando-se, todavia de termo não essencial, a purgação
da mora será admissível independentemente da vontade daquele.

17
Algumas leis que admitem a emenda ou purgação da mora: art. 62, III, e parágrafo único da Lei n. 8.245/91 (locação), 1.071, § 2º, do
CPC, art. 14 do Decreto-Lei 58/37 (promessa irretratável de compra e venda), etc.
158
Direito Civil 2016 159

Finalmente, é bom que se diga que o Código Civil atual, contornando uma impropriedade
do Código anterior, suprimiu o inc. III do revogado art. 959, o qual fazia referência à
purgação da mora de ambos os contraentes, quando houvesse renúncia recíproca por parte
dos sujeitos da relação jurídica obrigacional. Certa a conclusão de SÍLVIO VENOSA no
sentido de que, nesse caso, “estando ambos em mora, elas se anulam, já que as partes
colocam-se em estado idêntico e uma nada pode imputar à outra”. É como se os efeitos da
mora simultânea de uma parte e de outra se eliminassem reciprocamente, não havendo
que se cogitar de renúncia.
Obs.: momento limite para a purgação da mora – a) doutrina clássica: até a propositura da
ação pela parte pontual; b) doutrina moderna e STF: a qualquer momento, até mesmo no
curso da ação, desde que a prestação ainda seja útil.
Obs.: as partes podem suprimir via contrato a possibilidade de purgação da mora (cláusula
resolutiva expressa)? A doutrina moderna entende que não, em razão da função social dos
contratos, que faz da possibilidade de emenda da mora uma norma de ordem pública
Sobre a purgação da mora em contratos de alienação fiduciária regidos pelo DL 911-69,
ver item específico na compilação de Direito Civil.

4.7.3 Perdas e danos


Consequências do inadimplemento culposo da obrigação. Com muita propriedade,
ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO pontifica que “a expressão perdas e danos, que não se
apresenta com a felicidade de exprimir o seu exato conceito, nada mais significa do que os
prejuízos, os danos causados ante o descumprimento obrigacional”.
Com efeito, a obrigação, vista sob um prisma dinâmico, encontra o seu termo no
pagamento, com a conseqüente satisfação do credor. Nada impede, outrossim, possa
quedar-se descumprida. Se o descumprimento derivar de atuação culposa do devedor,
causadora de prejuízo material ou moral, será obrigado a compensar civilmente o credor,
indenizando-o.
Pagar “perdas e danos”, afinal de contas, significa isto: indenizar aquele que experimentou
um prejuízo, uma lesão em seu patrimônio material ou moral, por força do comportamento
ilícito do transgressor da norma.
Obs.: a doutrina francesa utiliza a expressão “perdas e interesse”, que significam,
respectivamente, danos emergentes e lucros cessantes.
No campo da responsabilidade aquiliana ou extracontratual, é muito comum o agente
infrator ser compelido a indenizar a vítima, ainda que não haja atuado culposamente,
segundo os princípios da responsabilidade civil objetiva, que também foram albergados pelo
Código de 2002, mormente para os agentes empreendedores de atividade de risco (art.
927, parágrafo único, do CC). De qualquer forma, ressalvadas hipóteses especialíssimas
como as decorrentes das relações de consumo18, as perdas e danos em geral, devidas em
razão de inadimplemento contratual, exigem, além da prova do dano, o reconhecimento da
culpa do devedor32. Em verdade, essa investigação de culpa não apresenta grandes
dificuldades, uma vez que, se havia um negócio jurídico anterior vinculando as partes, o
descumprimento negocial de uma delas firma implícita presunção de culpa. Por tudo isso,
deixando de lado, por ora, aspectos mais delicados de responsabilidade civil, fixemos a
premissa de que as perdas e danos traduzem o prejuízo material ou moral, causado por
uma parte à outra, em razão do descumprimento da obrigação. Acrescente-se ainda o fato
de que também o inadimplemento relativo (mora), que se caracteriza quando a prestação,
posto realizável, não é cumprida no tempo, lugar e forma devidos, também obriga ao

18
Cf. Lei 8.078/90 (arts. 12 e s., arts. 18 e s.). 32
Nesse sentido, Maria Helena Diniz: “A responsabilidade contratual funda-se na culpa, entendida em sentido amplo “ (Curso de
Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações, 16. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, v. 2, p. 358)
159
Direito Civil 2016 160

pagamento das perdas e danos, correspondentes ao prejuízo derivado do retardamento


imputável ao credor ou ao devedor. Consoante já visto, as conseqüências da mora são
previstas em regras específicas, nos termos dos arts. 394 a 401 do CC, não sendo demais
lembrar que a indenização devida, nesse caso, deverá ser menor do que se se tratasse de
total e absoluto descumprimento da obrigação19, hipótese em que o ressarcimento deverá
ser cabal.
Além disso, não é demais lembrar que, segundo o nosso direito positivo, mesmo a
inexecução obrigacional resultando de dolo do devedor, a compensação devida só deverá
incluir os danos emergentes e os lucros cessantes diretos e imediatos, ou seja, só se deverá
indenizar o prejuízo que decorra diretamente da conduta ilícita (infracional) do devedor,
excluídos os danos remotos. Nesse sentido, o art. 403 do CC/2002:
“Art. 3. Ainda ue a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos
só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e
imediato, sem prejuí o do disposto na lei processual”.
A referência à lei processual significa que a condenação no ônus da sucumbência (custas
processuais, honorários de advogado) tem tratamento autônomo, na legislação adjetiva.
“Trata-se”, segundo preleção de CARLOS ROBERTO GONÇALVES,
“de aplicação da teoria dos danos diretos e imediatos (também chamada de
interrupção do nexo causal), formulada a propósito da relação de causalidade,
que deve existir, para que se caracterize a responsabilidade do devedor. Ou
seja, o devedor responde tão-só pelos danos que se prendem a seu ato por
um vínculo de necessidade, não pelos resultantes de causas estran as ou
remotas”.
Assim, descumprido um determinado contrato, não se deve admitir como indenizável o dano
emocional causado na esposa do credor que, confiando no êxito do negócio que o seu
marido pactuou com o devedor, já fazia planos de viajar à Europa. A sua dor moral traduz
muito mais uma decepção, um reflexo remoto da lesão aos termos do negócio, que não é
resultado direto do inadimplemento obrigacional.
Atente-se para o fato, todavia, de que há uma especial categoria de danos, denominados
danos em ricochete, que, a despeito de não serem suportados pelos próprios sujeitos da
relação jurídica principal, atingem pessoas próximas, e são perfeitamente indenizáveis, mas
eles derivam diretamente da atuação ilícita do infrator (subteoria da necessariedade da
causa), e não indiretamente.
Vale mencionar ainda que todo e qualquer dano, para ser considerado indenizável, deverá
conjugar os seguintes requisitos:
a) efetividade ou certeza - uma vez que a lesão ao bem jurídico, material ou moral, não
poderá ser, simplesmente, hipotética. O dano poderá ter até repercussões futuras, a
exemplo do sujeito que perdeu um braço em virtude de acidente, mas nunca poderá ser
incerto ou abstrato; b) subsistência - no sentido de que se já foi reparado, não há o que
indenizar;
c) lesão a um interesse juridicamente tutelado, de natureza material ou moral - obviamente
que o dano deverá caracterizar violação a um interesse tutelado por uma norma jurídica,
quer seja material (um automóvel, uma casa), quer seja moral (a honra, a imagem).

Dano moral. Se as perdas e danos significam o prejuízo indenizável experimentado por um


sujeito de direito, forçoso convir que esta lesão poderá não ter somente natureza
patrimonial. Nesse diapasão, cumpre conceituarmos o dano moral como sendo aquele

19
Em geral, havendo inadimplemento relativo, a parte morosa compensa a outra pagando os juros da mora, não havendo
óbice de que as partes pactuem
ainda uma cláusula penal moratória, estudada alhures.
160
Direito Civil 2016 161

representativo de uma lesão a bens e interesses jurídicos imateriais, pecuniariamente


inestimáveis, a exemplo da honra, da imagem, da saúde, da integridade psicológica, etc.
Consiste, em outras palavras, no prejuízo ou lesão de direitos, cujo conteúdo não é
pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro, como é o caso dos direitos da
personalidade, a saber, o direito à vida, à integridade física (direito ao corpo, vivo ou morto,
e à voz), à integridade psíquica (liberdade, pensamento, criações intelectuais, privacidade
e segredo) e à integridade moral (honra, imagem e identidade), havendo quem entenda,
como PAULO LUIZ NETTO LÔBO, que “não há outras hipóteses de danos morais além das
violações aos direitos da personalidade”.
Vale destacar que, de acordo com o caput do art. 404 do CC, as “perdas e danos, nas
obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo
índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de
advogado, sem prejuízo da pena convencional”.
Obs.: o tema dano moral/material será tratado especificamente no ponto 7

4.7.4 Juros.
Conceito. Juros são os rendimentos do capital. São considerados frutos civis da coisa,
assim como os aluguéis. Representam o pagamento pela utilização de capital alheio.
Integram a classe das coisas acessórias (art. 95).
Espécies. Em linhas gerais, os juros fixados, legais (determinados por lei) ou convencionais
(fixados pelas próprias partes), subdividem-se em:
a) compensatórios: objetivam remunerar o credor pelo simples fato de haver desfalcado
o seu patrimônio, concedendo o numerário solicitado pelo devedor;
b) moratórios: traduzem uma indenização devida ao credor por força do retardamento
culposo no cumprimento da obrigação.
Assim, celebrado um contrato de empréstimo a juros (mútuo feneratício), o devedor pagará
ao credor os juros compensatórios devidos pela utilização do capital (ex.: se tomou 10,
devolverá 12). Se, entretanto, no dia do vencimento, atrasar o cumprimento da prestação,
pagará os juros de mora, que são contabilizados dia a dia, sendo devidos
independentemente da comprovação do prejuízo.
ARNOLDO WALD lembra, ainda, que
“os juros compensatórios são geralmente convencionais, por dependerem de
acordo prévio das partes sobre a operação econômica e as condições em que
a mesma deveria ser realizada, mas podem decorrer de lei ou de decisão
jurisprudencial (Súmula 164 do STF), enquanto que os juros moratórios
podem ser legais ou convencionais conforme decorram da própria lei ou da
convenção”.
Juros compensatórios – Juros moratórios
remuneratórios - (juros-frutos)
- devidos como compensação - devidos em razão do inadimplemento
pela utilização de capital absoluto ou parcial do contrato (incidem em
pertencente a outrem caso de retardamento na restituição do
(utilização consentida de capital ou de descumprimento de obrigação)
capital alheio) - correm a partir da constituição em
mora
- a sentença que julgar procedente o
pedido deve condenar o vencido nos juros
legais, mesmo que não tenha sido formulado
pedido expresso na inicial (art. 293 do CPC);
ainda que omissa a condenação, os juros

161
Direito Civil 2016 162

moratórios devem ser incluídos na liquidação


(STF 254).

- devem ser previstos no - podem ser convencionados (“juros


contrato, estipulados pelos moratórios convencionais”) ou não
contratantes podem decorrer (“juros moratórios legais”)
de lei ou de decisão
jurisprudencial
- não podem exceder a taxa - se não forem convencionados, ou o forem
que estiver em vigor para a sem taxa estipulada, ou quando provierem de
mora do pagamento de determinação da lei, serão fixados segundo a
impostos devidos à Fazenda taxa que estiver em vigor para a mora do
Nacional (arts. 406 e 591), pagamento de impostos devidos à Fazenda
permitida somente a Nacional (“taxa legal”, art. 406)
capitalização anual (art. 591).

Limite da taxa de juros. O Decreto 22.626, de 1933 (Lei da Usura), em seu art. 1º, vedou
que qualquer espécie de juros fosse estipulada com taxa superior ao dobro da taxa legal.
Sob o CC/1916, a taxa legal era de 6% a.a., perfazendo, assim, um teto de 12% a.a. para
a estipulação de taxas de juros. Porém, no CC/2002, a taxa legal é de 12% a.a. (art. 406,
interpretado de acordo com o Enunciado 20 da I Jornada de Direito Civil do CJF). Assim,
hoje, o limite para a estipulação de juros é de 24% a.a.
A Lei da Usura proibia a cobrança de juros sobre juros, denominada anatocismo ou
capitalização dos juros. Mas o art. 591 do novo CC permite a capitalização anual no mútuo
destinado a fins econômicos (e se for expressamente pactuada, essa capitalização de
menor periodicidade que a anual - Súmula 539 STJ).
Termo inicial para a incidência dos juros. Na responsabilidade contratual, os juros de mora
devem ser contados desde a citação (art. 405). Já na responsabilidade extracontratual, os
juros de mora fluem a partir do evento danoso (STJ 54), com base no art. 398, que afasta
a aplicação do art. 405. Se, por exemplo, o passageiro de um ônibus sofre danos em
decorrência de um acidente com o coletivo, os juros moratórios são devidos a partir da
citação inicial, por se tratar de responsabilidade contratual (contrato de adesão, celebrado
com a transportadora). Mas, se a vítima é um pedestre, que foi atropelado pelo ônibus, os
juros são contados desde a data do fato (responsabilidade extracontratual).
Nos termos do art. 407 do CC “ainda que não se alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos
juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra
natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial,
arbitramento, ou acordo entre as partes”.

162
Direito Civil 2016 163

4.7.5 Cláusula Penal


Conceito. Cláusula penal é a obrigação acessória pela qual se estipula pena ou multa
destinada a evitar o inadimplemento da obrigação principal, ou o retardamento de seu
cumprimento. É também denominada pena convencional ou multa contratual.
Adapta-se aos contratos em geral e pode ser inserida, também, em negócios jurídicos
unilaterais, como o testamento, para compelir, por exemplo, o herdeiro a cumprir fielmente
o legado. Pode ser estipulada conjuntamente com a obrigação principal, ou em ato posterior
(art. 409), sob a forma de adendo. Embora geralmente seja fixada em dinheiro, algumas
vezes toma outra forma, como a entrega de uma coisa, a abstenção de um fato ou a perda
de algum benefício, como, por exemplo, um desconto.
Natureza jurídica. A cláusula penal tem a natureza de um pacto secundário e acessório,
pois sua existência e eficácia dependem da obrigação principal. Assim, a invalidade da
obrigação principal importa a da cláusula penal, mas a desta não induz a daquela (art. 184
do CC). Resolvida a obrigação principal, sem culpa do devedor, resolve-se a cláusula penal.
Funções. A cláusula penal tem dupla função: a) meio de coerção, para compelir o devedor
a cumprir a obrigação; b) prefixação das perdas e danos devidos em razão do
inadimplemento do contrato.
Com sua estipulação, expressam os contratantes a intenção de se livrar dos incômodos da
comprovação dos prejuízos e de sua liquidação. Basta ao credor provar o inadimplemento,
ficando dispensado da prova do prejuízo (art. 416, caput). Por sua vez, o parágrafo único
do mesmo artigo estabelece que “ainda que o prejuízo exceda ao do previsto na cláusula
penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado.
Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o
prejuízo excedente”.
Assim, havendo inadimplemento, se o credor da cláusula penal considerá-la insuficiente
para cobrir os prejuízos, tem a opção de deixá-la de lado e pleitear perdas e danos, que
abrangem o dano emergente e o lucro cessante. O ressarcimento do prejuízo será, então,
integral. A desvantagem é que terá de provar o prejuízo alegado. Se optar por cobrar a
cláusula penal, estará dispensado desse ônus.
Dirimindo antiga polêmica, o CC de 2002 deixou expressa a impossibilidade de cumular a
cláusula penal com outras perdas e danos (indenização suplementar), devendo o credor
fazer a opção por uma delas, a menos que se tenha convencionado em contrário. Cuidado!!
No contrato de adesão, o prejuízo comprovado do aderente que exceder ao previsto na
clásula penal compensatória porderá ser exigido pelo credor, independentemente de
convenção (Enunciado 430). Mas ressaltese que a cláusula penal é a prefixação das perdas
e danos resultantes de culpa contratual, apenas (art. 408). Havendo outros prejuízos
decorrentes de culpa extracontratual, seu ressarcimento pode ser pleiteado,
independentemente daquela.
Sobre o tema, veja o julgado do STJ (2014 – material MPF):
DCC - PENA CONVENCIONAL E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS.
Não se pode cumular multa COMPENSATÓRIA prevista em cláusula penal com
indenização por perdas e danos decorrentes do inadimplemento da obrigação.
(…) A inalidade da cláusula penal OM EN A ÓRIA é recompor a parte pelos
prejuí os que eventualmente decorram do inadimplemento total ou parcial da
obrigação.
(…) se as próprias partes já acordaram previamente o valor ue entendem su
iciente para recompor os prejuízos experimentados em caso de
inadimplemento, não se pode admitir que, além desse valor.
Ademais, nessas situações sobressaem direitos e interesses eminentemente
disponíveis, de modo a não ter cabimento, em princípio, a majoração oblíqua
da indenização prefixada pela condenação cumulativa em perdas e danos.

163
Direito Civil 2016 164

Nota: Em um contrato no qual foi estipulada uma CLÁUSULA PENAL, caso


haja o inadimplemento, é possível que o credor exija o valor desta cláusula
penal e mais as perdas e danos? Se for cláusula penal MORATÓRIA: SIM. Se
for cláusula penal COMPENSATÓRIA: NÃO. Enquanto a cláusula penal
moratória manifesta, com mais evidência, a característica de reforço do
vínculo obrigacional, a cláusula penal compensatória prevê indenização que
serve não apenas como punição pelo inadimplemento, mas também como
prefixação de perdas e danos.

Valor da cláusula penal. Segundo o art. 412 do CC:


“O valor da cominação imposta na clausula penal não pode exceder o da
obrigação principal”.

O valor da cláusula penal pode ser reduzido em 3 casos:


a) quando ultrapassar o limite legal, que é o do valor da obrigação principal (art. 412). Se
isso acontecer, o juiz não declarará a ineficácia da cláusula, mas somente do excesso.
Algumas leis limitam o valor da cláusula penal moratória a 10% da dívida ou da prestação
em atraso (Decreto-lei 58/37 e Lei 6.766/79, que regulamentam o compromisso de compra
e venda de imóveis loteados, e o Decreto 22.626/33, que reprime a usura). O CDC limita a
2% do valor da prestação a cláusula penal moratória estipulada em contratos que envolvam
outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor (art. 52, § 1º). Nos
condomínios edilícios, o CC limita a multa por atraso do condômino no pagamento de sua
contribuição a 2% sobre o débito (art. 1.336, § 1º). Em qualquer desses casos, o juiz
reduzirá, na ação de cobrança, o valor da pena convencional aos referidos limites.
b) quando a obrigação tiver sido satisfeita em parte, dando ao devedor que assim procede
tratamento diferente do conferido àquele que desde o início nada cumpriu, caso em que a
cláusula penal deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz (art. 413);
c) quando a pena convencionada for manifestamente excessiva, desproporcional à
natureza e à finalidade do negócio, caso em que a cláusula penal deve ser reduzida
eqüitativamente pelo juiz (art. 413).
Esses limites legais para a cláusula penal são de ordem pública, devendo a redução ser
determinada de ofício pelo juiz. Tratando-se de norma de ordem pública, também não cabe
a sua exclusão por força de pacto ou contrato, uma vez que a autonomia privada encontra
limitações nas normas cogentes de ordem pública.
Espécies de cláusula penal. A cláusula penal pode ser compensatória ou moratória.
Será compensatória quando estipulada para a hipótese de total inadimplemento da
obrigação (art. 410). Por essa razão, em geral é de valor elevado, igual ou quase igual ao
da obrigação principal.
Havendo inadimplemento absoluto, o credor terá 3 opções, não-cumulativas, à sua escolha:
• exigir o cumprimento da prestação; ou
• pleitear a pena compensatória, correspondente à fixação antecipada dos
eventuais prejuízos; ou
• postular o ressarcimento das perdas e danos, arcando com o ônus de provar o
prejuízo. Será moratória quando destinada a) a assegurar o cumprimento de
outra cláusula determinada; ou b) a evitar a mora (art. 411). Em caso de
inadimplemento, o credor poderá cobrar a pena convencional, cumulada com a
prestação não satisfeita.
Multa moratória = obrigação principal + multa
Multa compensatória = obrigação principal ou multa

164
Direito Civil 2016 165

Um contrato pode conter, em tese, três cláusulas penais de valores diferentes: uma, de
valor elevado, para o caso de total inadimplemento da obrigação (compensatória); outra,
para garantir o cumprimento de alguma cláusula especial, como, p.ex., a cor do veículo
adquirido (moratória); e outra, ainda, somente para evitar atraso (também moratória).
Quando o contrato não se mostra muito claro, costuma-se atentar para o montante da multa,
a fim de apurar a natureza da disposição. Se de valor elevado, próximo do atribuído à
obrigação principal, entende-se que foi estipulada para compensar eventual
inadimplemento de toda a obrigação. Se, entretanto, seu valor é reduzido, presume-se que
é moratória, pois os contratantes não iriam fixar um montante modesto para substituir as
perdas e danos decorrentes da inexecução total da avença.
Cláusula penal e pluralidade de devedores. Quando a obrigação é indivisível e há
pluralidade de devedores, basta que um só a infrinja para que a cláusula penal se torne
exigível. Do culpado, poderá ela ser reclamada por inteiro. Mas dos demais co-devedores
só poderão ser cobradas as respectivas quotas, ficando-lhes reservada a ação regressiva
contra aquele que deu causa à aplicação da pena (art. 414). Quando a obrigação for
divisível, só incorre na pena o devedor, ou herdeiro do devedor que a infringir, e
proporcionalmente à sua parte na obrigação (art. 415).

Cláusula penal e institutos afins:


Cláusula Perdas e
penal danos
- o valor é antecipadamente - o valor é fixado pelo juiz, com base nos prejuízos
arbitrado pelos próprios alegados e provados.
contratantes. - por abrangerem o dano emergente e o lucro
- por se tratar de uma estimativa cessante, possibilitam o completo ressarcimento do
feita pelos contratantes, pode ficar prejuízo.
aquém de seu montante real.
Semelhanças: destinam-se a ressarcir os prejuízos sofridos pelo credor em razão do
inadimplemento do devedor.

Cláusula Multa simples ou cláusula penal


penal pura
- constitui prefixação da - constituída de determinada importância, que deve ser
responsabilidade pela indenização paga em caso de infração de certos deveres, como a
decorrente da inexecução culposa imposta pelo empregador ao empregado, ao infrator
da obrigação. das normas de trânsito, etc. Não tem a finalidade de
promover o ressarcimento de danos, nem tem relação
com o inadimplemento contratual.

Cláusula Multa
penal penitencial
- instituída em benefício do credor, a - instituída em benefício do devedor, a quem compete
quem compete escolher entre escolher entre pagar a multa penitencial ou cumprir a
cobrar a multa compensatória ou prestação.
exigir o cumprimento da prestação.

Cláusula Arras
penal penitenciais
165
Direito Civil 2016 166

- atua como elemento de coerção, - por admitirem o arrependimento, facilitam o


para evitar o inadimplemento descumprimento da avença, pois as partes sabem que
contratual. a pena é reduzida, consistindo na perda do sinal dado
ou em sua devolução em dobro, nada mais podendo
ser exigido a título de perdas e danos (art. 420).
- pode (deve) ser reduzida pelo juiz, - não podem ser reduzidas pelo juiz. (mas: Enunciado
em caso de inadimplemento parcial 165 do CJF: “Em caso de penalidade, aplica-se a regra
da do art.
obrigação ou de montante 413 ao sinal, sejam as arras confirmatórias ou
manifestamente excessivo. (art. 413) penitenciais”.
- torna-se exigível apenas se ocorre o - são pagas por antecipação.
inadimplemento do contrato.
- aperfeiçoa-se com a simples - aperfeiçoam-se com a entrega de dinheiro ou outro bem
estipulação no instrumento. móvel (caráter real).
Semelhanças: têm natureza acessória e visam a garantir o adimplemento da obrigação,
constituindo seus valores prefixação das perdas e danos.

4.7.6 Arras confirmatórias e arras penitenciais.


Conceito e natureza jurídica. Arras ou sinal é quantia ou coisa entregue por um dos
contraentes ao outro, como confirmação do acordo de vontades e princípio de pagamento.
É instituto muito antigo, conhecido dos romanos, que costumavam entregar simbolicamente
um anel para demonstrar a conclusão do contrato. Tem cabimento apenas nos contratos
bilaterais translativos de domínio, dos quais constitui pacto acessório. Não existe por si:
depende do contrato principal. As arras, além da natureza acessória, têm também caráter
real, pois se aperfeiçoam com a entrega do dinheiro ou de coisa fungível, por um dos
contraentes ao outro. Poderá ou não, a depender da espécie das arras dadas, conferir às
partes o direito de arrependimento.
Arras confirmatórias (arts. 417, 418 e 419). As arras confirmatórias confirmam o contrato,
que se torna obrigatório após a sua entrega. Prova o acordo de vontades, não mais sendo
lícito a qualquer dos contratantes rescindi-lo unilateralmente. Quem o fizer, responderá por
perdas e danos, nos termos dos arts. 418 e 419 do CC. São comuns nas vendas a prazo,
em que o vendedor exige um sinal e significam princípio de pagamento. Se forem da mesma
natureza da prestação principal (ex: dinheiro), serão computadas no valor devido, para
efeito de amortizar a dívida. Tendo natureza diversa (ex: jóias), deverão ser restituídas, ao
final da execução do negócio.
Não admitem direito de arrependimento. Não havendo nenhuma estipulação em contrário,
as arras consideram-se confirmatórias:
“Ordinariamente, as arras são simplesmente con irmatórias e servem apenas
para início de pagamento do preço ajustado e, por demasia, se ter confirmado
o contrato, seguindo a velha tradição do direito romano no tempo em que o
simples acordo, desvestido de outras formalidades, não era suficiente para
vincular os contratantes.”(RE 110528/MG, Rel. Ministro CESAR ASFOR
ROCHA, 4ª T., j. 29.10.1998).

A parte que descumpriu o contrato perde o sinal dado (ou devolve o sinal recebido mais o
equivalente, conforme o caso) para a parte inocente. Além disso, a parte inocente pode:

a) pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa
mínima; ou

166
Direito Civil 2016 167

b) exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo
da indenização.

Arras penitenciais (arts. 417 e 420). Podem as partes convencionar o direito de


arrependimento. Neste caso, as arras denominam-se penitenciais, porque atuam como
pena convencional, como sanção à parte que se valer dessa faculdade. Acordado o
arrependimento, o contrato torna-se resolúvel, respondendo, porém, o que se arrepender,
pelas perdas e danos prefixados modicamente pela lei: perda do sinal dado ou sua
devolução mais o equivalente (o NCC não mais utiliza a expressão “devolução em dobro” –
Se a parte que recebeu as arras se arrependeu, deverá devolver as arras recebidas mais o
equivalente).
Não se exige prova do prejuízo real. Por outro lado, não se admite a cobrança de outra
verba, a título de perdas e danos, ainda que a parte inocente tenha sofrido prejuízo superior
ao valor do sinal. O sinal constitui, pois, predeterminação das perdas e danos em favor do
contratante inocente.
A jurisprudência estabeleceu algumas hipóteses em que a devolução do sinal deve ser pura
e simples, não tendo que pagar o equivalente: a) havendo acordo nesse sentido;
b) havendo culpa de ambos os contratantes (inadimplência de ambos ou arrependimento
recíproco);
c) se o cumprimento do contrato não se efetiva em razão do fortuito ou outro motivo
estranho à vontade dos contratantes.
Funções das arras. Em síntese, as arras têm três funções:
1) servirem de garantia do cumprimento do contrato, confirmando-o e o tornando
obrigatório (arras confirmatórias);
2) servirem de prefixação das perdas e danos quando convencionado o direito de
arrependimento (arras penitenciais);
3) servirem como começo de pagamento, quando forem da mesma natureza da prestação
principal (ambos os tipos de arras).
Atente-se ao disposto no Enunciado 165 do CJF:
“Em caso de penalidade, aplica-se a regra do art. 413 ao sinal, sejam as arras
confirmatórias ou penitenciais”, sendo ue o dispositivo citado estatui ue “A
penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação
principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em vista a nature a e a inalidade do
negócio.”
Jurisprudência relacionada a esse ponto:

Juros Moratórios
DCC - TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
Os juros de mora incidem a partir da CITAÇÃO do devedor no processo de
CONHECIMEN
TO da ação civil pública quando esta se fundar em responsabilidade
contratual, cujo
nadimplemento já produza a mora, salvo a configuração da mora em
momento anterior
i-
.
(…) na ação civil pública visando à composição de lide de diretos
homogêneos, também ocorre válida citação, como em todo e qualquer
processo

167
Direito Civil 2016 168

(…) Observe-se, ainda, que a sentença condenatória de ação civil pública,


embora genérica, continua sendo condenatória, impondo-se o seu
cumprimento nos termos de seus componentes jurídicos, inclusive os juros
de mora já desencadeados pela citação para a ação coletiva. A nature a
condenatória não é desvirtuada pela “li uidação” ue se segue.
Assim, mesmo no caso de a sentença genérica não fazer expressa referência
à fluência dos juros moratórios a partir da citação para a ação civil pública,
incidem esses juros desde a data da citação na fase de conhecimento da ação
civil pública, como, aliás, decorre da previsão legal dos arts. 219 do CPC e 405
do CC.
Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz
litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em
mora o devedor e interrompe a prescrição. (…)
Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.
Ressalte-se que a orientação ora adotada, de que os juros de mora devem
incidir a partir da citação na ação civil pública, não se aplica a casos em que
o devedor tenha sido anteriormente a ela constituído em mora, dados os
termos eventualmente constantes do negócio jurídico ou outra forma de
constituição anterior em mora, inclusive no caso de contratualmente
estabelecida para momento anterior.
Nesses termos, fica ressalvada a possibilidade de os juros de mora serem
fixados a partir do evento danoso na eventual hipótese de ação civil pública
fundar-se em responsabilidade extracontratual, nos termos da Súmula 54 do
STJ.
SÚMULA Nº 54: Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso
de responsabilidade extracontratual.
Da mesma forma fica ressalvada a hipótese de os juros incidirem a partir de
outro momento anterior em que efetivamente configurada a mora.

DCC - TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA DE OBRIGAÇÃO POSITIVA,


LÍQUIDA E COM TERMO CERTO.
Em ação monitória para a cobrança de débito decorrente de obrigação
positiva, líquida
e com termo certo, deve-se reconhecer que os juros de mora incidem desde o
inadim-
plemento da obrigação se não houver estipulação contratual ou legislação
específica em
sentido .
diverso
(…) nos casos de responsabilidade contratual, não se pode afirmar que os
juros de mora devem sempre correr a partir da citação, porque nem sempre a
mora terá sido constituída pela citação. O art. do (“contam-se os juros de
mora desde a citação inicial“), muitas vezes empregado com o objetivo de fixar
o termo inicial dos juros moratórios em qualquer hipótese de
responsabilidade contratual, não se presta a tal finalidade. Geogra icamente
locali ado em apítulo sob a rubrica " as erdas e anos”, esse artigo
disciplinaria apenas os juros de mora que se vinculam à obrigação de pagar
perdas e danos. Ora, as perdas e danos, de ordinário, são fixadas apenas por
decisão judicial.
Nesse caso, a fixação do termo inicial dos juros moratórios na data da citação
se harmoniza com a regra implícita no art. 397, caput, de que nas obrigações
que não desfrutam de certeza e liquidez, a mora é ex persona, ou seja,
constitui-se mediante interpelação do credor.
Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo,
constitui de pleno direito em mora o devedor. (…)

168
Direito Civil 2016 169

Nota: Os juros moratórios contratuais, em regra, correm a partir da data da


citação. No entanto, no caso de obrigação positiva e líquida, com vencimento
certo, os juros moratórios correm a partir da data do vencimento da dívida.

2.4- Pena Convencional


DCC - PENA CONVENCIONAL E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS.
Não se pode cumular multa COMPENSATÓRIA prevista em cláusula pe-
nal com indenização por perdas e danos decorrentes do inadimplemento da .
obrigação
(…) A finalidade da cláusula penal COMPENSATÓRIA é recompor a parte pelos
prejuízos que eventualmente decorram do inadimplemento total ou parcial da
obrigação.
(…) se as próprias partes já acordaram previamente o valor ue entendem su
iciente para recompor os prejuízos experimentados em caso de
inadimplemento, não se pode admitir que, além desse valor.
Ademais, nessas situações sobressaem direitos e interesses eminentemente
disponíveis, de modo a não ter cabimento, em princípio, a majoração oblíqua
da indenização prefixada pela condenação cumulativa em perdas e danos.
Nota: Em um contrato no qual foi estipulada uma CLÁUSULA PENAL, caso
haja o inadimplemento, é possível que o credor exija o valor desta cláusula
penal e mais as perdas e danos? Se for cláusula penal MORATÓRIA: SIM. Se
for cláusula pe-
nal COMPENSATÓRIA: NÃO. Enquanto a cláusula penal moratória manifesta,
com mais evidência, a característica de reforço do vínculo obrigacional, a
cláusula penal compensatória prevê indenização que serve não apenas como
punição pelo inadimplemento, mas também como prefixação de perdas e
danos.

Súmulas sobre juros (STJ):


Juros e Correção Monetária
Súmula 539-STJ: É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em
contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir
de 31/3/2000 (MP 1.963-17/00, reeditada como MP 2.170-36/01), desde que
expressamente pactuada. STJ. 2ª Seção. Aprovada em 10/06/2015, Dje 15/06/2015.
SÚMULA 454: Pactuada a correção monetária nos contratos do SFH pelo mesmo índice
aplicável à caderneta de poupança, incide a taxa referencial (TR) a partir da vigência da Lei
n. 8.177/1991. Rel.
Min. Aldir Passarinho Junior, em 18/8/2010.
SÚMULA 450: Nos contratos vinculados ao SFH, a atualização do saldo devedor
antecede sua amortização pelo pagamento da prestação. Rel. Min. Aldir Passarinho Junior,
em 2/6/2010. SÚMULA 445: As diferenças de correção monetária resultantes de expurgos
inflacionários sobre os saldos de FGTS têm como termo inicial a data em que deveriam ter
sido creditadas.
SÚMULA 426: Os juros de mora na indenização do seguro DPVAT fluem a partir da citação.
Rel. Min.
Aldir Passarinho Junior, em 10/3/2010.
SÚMULA 422: O art. 6º, e, da Lei n. 4.380/1964 não estabelece limitação aos juros
remuneratórios nos contratos vinculados ao SFH.
Súmula 379: Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros
moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês.
Súmula 382: A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não
indica abusividade.

169
Direito Civil 2016 170

Súmula 362: A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a
data do arbitramento (exceção à súmula 43, segunda a qual o termo a quo é o momento do
ato danoso) SÚMULA 296: Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão
de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado
estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.
SÚMULA 295: A Taxa Referencial (TR) é indexador válido para contratos posteriores à Lei
n. 8.177/91, desde que pactuada.
SÚMULA 288: A Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pode ser utilizada como indexador
de correção monetária nos contratos bancários.
SÚMULA 287: A Taxa Básica Financeira (TBF) não pode ser utilizada como indexador
de correção monetária nos contratos bancários.
SÚMULA 283: As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições
financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações
da Lei de Usura.
SÚMULA 271: A correção monetária dos depósitos judiciais independe de ação específica
contra o banco depositário.
SÚMULA 252: Os saldos das contas do FGTS, pela legislação infraconstitucional,
são corrigidos em 42,72% (IPC) quanto às perdas de janeiro de 1989 e 44,80% (IPC)
quanto às de abril de 1990, acolhidos pelo STJ os índices de 18,02% (LBC) quanto as
perdas de junho de 1987, de 5,38% (BTN) para maio de 1990 e 7,00%(TR) para fevereiro
de 1991, de acordo com o entendimento do STF (RE 226.855-7-RS).
SÚMULA 54: Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de
responsabilidade extracontratual. -
SÚMULA 43: Incide correção monetária sobre divida por ato ilícito a partir da data do efetivo
prejuízo.
Exceção: Súmula 362 SÚMULA 36: A correção monetária integra o valor da restituição, em
caso de adiantamento de câmbio, requerida em concordata ou falência.
SÚMULA 35: Incide correção monetária sobre as prestações pagas, quando de sua
restituição, em virtude da retirada ou exclusão do participante de plano de consórcio.
SÚMULA 30: A comissão de permanência e a correção monetária são inacomodáveis.
SÚMULA 29: No pagamento em juízo para elidir falência, são devidos correção monetária,
juros e honorários de advogado.
SÚMULA 14: Arbitrados os honorários advocatícios em percentual sobre o valor da causa,
a correção monetária incide a partir do respectivo ajuizamento.

Jurisprudência 2015 – STJ

O caput do art. 397 do CC/2002 dispõe que: “O inadimplemento da obrigação, positiva e


líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Logo, em eventual ação
de cobrança, os juros de mora serão computados da data do vencimento de cada parcela
e não da data da citação.

O contrato de segurança privada é de ser tido como constitutivo de obrigação de MEIO,


devendo a empresa envidar todos os esforços para evitar assaltos às agências bancárias.
Entretanto, não se pode impor que tenham atitude heroica de enfrentar grupo criminoso
fortemente armado com os meios que lhe são postos à disposição.

Na hipótese de prestação de serviços advocatícios com cláusula de remuneração quota


litis, resta claro que o compromisso do advogado – que, em regra, representa obrigação de
meio, ou seja, independe do sucesso na pretensão deduzida em juízo – assume a natureza

170
Direito Civil 2016 171

de obrigação de resultado, vinculando o direito à remuneração do profissional a um


julgamento favorável na demanda judicial.
No caso em análise, no momento da revogação do mandato, o advogado destituído não
tinha o direito de exigir o pagamento da verba honorária, uma vez que, naquela altura, ainda
não se verificara a hipótese gravada em cláusula condicional incerta (arts. 121 e 125 do
CC). Logo, aí ainda não teve início o decurso do prazo prescricional para a cobrança de
valores.

No CPC de 2015 a ação monitória passa a ser utilizada para exigir que o réu cumpra
obrigação de fazer ou não fazer pela qual esteja inadimplente.

Jurisprudência 2015 - STF

É lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente


na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos
prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar
aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art.
5º, XLIX, da CF, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o
princípio da separação dos poderes.

171
Direito Civil 2016 172

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

5 Ponto 5 - Contratos em geral: Teoria geral dos contratos.

5.1 Contratos no Código Civil de 2002

No estudo da disciplina, o codificador inovou ao tratar de temas não regulados pelo CC/16,
a exemplo do contrato preliminar, do contrato com pessoa a declarar, da resolução por
onerosidade excessiva, da venda com reserva de domínio, da venda sobre documentos e
do contrato estimatório.

Além disso, disciplinou contratos novos, como a comissão, a agência/distribuição, a


corretagem e o contrato de transporte, deixando de fazer referência a alguns outros
institutos, a exemplo da cláusula comissória na compra e venda (art. 1163 do CC/16).

A nova teoria contratual

Ao longo da história, o contrato mudou seu matiz ideológico, o que foi acompanhado por
sua teoria geral. Não é possível, no entanto, fixar data específica para o seu surgimento,
haja vista que ele acompanha o desenvolvimento moral da humanidade. Trata-se do
primeiro grande instrumento de harmonização de interesses contrapostos (primeira função
social do contrato, segundo Clóvis Beviláqua).

Segundo o historiador Max Kazer, o contrato teve grande desenvolvimento no período


clássico do Direito Romano, contudo, não foi criado pelos romanistas. Sua teoria foi
especialmente desenvolvida a partir do surgimento da ideologia liberal e capitalista.

Pilares da teoria clássica do contrato (até o século XIX): autonomia privada, igualdade entre
as partes e força obrigatória.

Durante o século XX, inúmeras foram as variáveis para a modificação da teoria clássica do
contrato (revoluções socialistas, as duas guerras mundiais, mudança na economia global
etc). O período foi marcado pelo avanço tecnológico e pela sociedade de massa e o Estado,
por sua vez, sentiu a necessidade de limitar a autonomia privada, que até então
pressupunha a igualdade dos contratantes. O contrato de adesão34, criado em 1901 por
Raymond Saleis, exemplifica essa necessidade, na medida que é ditado por uma das partes
na relação contratual, gerando desequilíbrios e abuso de poder econômico.

A nova teoria contratual foi reconstruída em perspectiva constitucional, sem, contudo,


menoscabar os elementos da teoria clássica. Aponta no sentido de reconhecer na
autonomia privada função socializante, de modo a permitir a pactuação de relações
negociais em harmonia com o valor máximo da dignidade da pessoa humana (Gustavo
Tepedino/Fachin/Hironaca).
5.1 Princípios contratuais
a) Autonomia privada: foi inicialmente desenvolvida pela escola jusnaturalista, que
sufragava a liberdade do homem nas suas ações. Atualmente, contudo, é empregada de
forma mais comedida.
172
Direito Civil 2016 173

No âmbito do direito contratual, a autonomia privada significa liberdade negocial, o que


inclui a decisão de contratar ou não, o objeto dessa contratação e a parte com que se
contrata. Não obstante, autonomia privada é limitada, sofrendo a incidência de elementos
de contenção.

34
Sobre o contrato de adesão. Ele possui as seguintes características:
• Uniformidade: as cláusulas são gerais e homogêneas para todas as pessoas.
• Pré-determinação unilateral: o conteúdo do contrato é pré-determinado.
• Rigidez: não há discussão sobre as cláusulas.
• Superioridade material de uma das partes: essa característica está presente em quase todos os contratos de adesão.
Não se pode confundir o contrato de adesão com o contrato obrigatório. O último não é nem tanto um contrato, mas uma determinação
da lei. EXEMPLO: contrato de seguro obrigatório (só é contrato no nome, mas não tem qualquer expressão de vontade); trata-se na
verdade de uma imposição da lei.
O NCC é muito tímido ao regular o contrato de adesão somente trata do assunto em dois artigos 423 e 424. Atenção: Nos contratos
bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas (S. 381/STJ)

A autonomia privada é o poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua
própria vontade, as relações que participam, estabelecendo-lhe o conteúdo e a respectiva
disciplina jurídica.

Autonomia privada x autônima da vontade: são expressões sinônimas para considerável


parcela da doutrina contemporânea, mas, segundo Flávio Tartuce, não se confundem. A
expressão, ‘autonomia da vontade’ tem uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto a
autonomia privada marca o poder da vontade de um modo objetivo, concreto e real”.

A professora Judith Martins Costa fala em autonomia solidária, na medida em se condiciona


a autonomia a valores sociais solidarizantes. Nesse passo, a autonomia privada é contida
pela eficácia horizontal dos direitos fundamentais, pelo princípio da função social e também
pelo princípio da boa-fé objetiva.

b) Princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda): o contrato


tem força de lei entre as partes. Princípio é relativizado pela teoria da imprevisão
(onerosidade excessiva ou quebra da base objetiva do contrato para o direito do
consumidor).

“Certo é, portanto, que o princípio da força obrigatória não tem mais encontrado a
predominância e a prevalência que exercia no passado. O princípio em questão está,
portanto, mitigado ou relativizado, sobretudo pelos princípios sociais da função social do
contrato e da boa fé-objetiva” (Tartuce).

c) Princípio da Equivalência Material: é retratado pelo Prof. Paulo Luiz Netto Lôbo.
Corolário da função social dos contratos, princípio busca evitar abusos por uma das partes
em relação à outra, principalmente em razão do poder econômico. Conceito assegura que
haja um equilíbrio entre direitos e deveres de um contrato. Significa que em um contrato as
partes devem guardar equilíbrio entre as prestações pactuadas. Há, contudo, situações em
que o contratante assume o risco, a exemplo dos contratos aleatórios. Possui íntima
conexão com a função social:

“O princípio da equivalência material busca realizar e preservar o equilíbrio real de direitos


e deveres no contrato, antes, durante e após sua execução, para harmonização dos
interesses. Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para
manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os
173
Direito Civil 2016 174

desequilíbrios supervenientes, pouco importando que as mudanças de circunstâncias


pudessem ser previsíveis. O que interessa não é mais a exigência cega do cumprimento do
contrato, da forma como foi assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta
vantagem excessiva para uma das partes e desvantagem excessiva para outra, aferível
objetivamente, segundo as regras da experiência ordinária. O princípio clássico pacta sunt
servanda passou a ser entendido no sentido de que o contrato obriga as partes contratantes
nos limites do equilíbrio dos direitos e deveres entre elas. (Prof. Paulo Luiz Netto Lôbo)”

d) Princípio da relatividade dos efeitos do contrato: via de regra, contrato vincula,


em nível obrigacional, apenas as partes contratantes. Em alguns casos, no entanto, poderá
gerar efeitos perante terceiros.

Exceções previstas pelo CC/02:

1) Estipulação em favor de terceiro: terceiro, que não é parte do contrato, é beneficiado


por seus efeitos, podendo exigir o seu adimplemento. Ex: Seguro de vida.

2) Promessa de fato de terceiro: promitente assegura ao credor que o objeto do contrato


será prestado por outrem, sob pena de responsabilização civil. Aceito o encargo pelo
terceiro, que se compromete pessoalmente, exonera-se o promitente de responsabilidade.

3) Contrato com pessoa a declarar (cláusula pro amico elegendo): no momento da


conclusão do contrato, pode uma das partes reservar-se à faculdade de indicar a pessoa
que deve adquirir os direitos e assumir as obrigações dele decorrentes.

e) Princípio da função social do contrato: Trata-se do respeito a valores


socialmente objetivados. Este princípio, consagrado em cláusula geral no art. 421, traduz
um forte elemento de contenção da autonomia privada, de acordo com valores como defesa
ambiental, do consumidor, da ética. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos
limites da função social do contrato. Projeta-se no âmbito interno da relação (as partes
devem guardar respeito e lealdade entre si) e no âmbito externo (o impacto na coletividade).

Função social traduz uma cláusula geral de conteúdo de natureza principiológica, limitativa
da liberdade de contratar. É ao mesmo tempo cláusula geral e princípio.

Enunciado n. 21 do Conselho da Justiça Federal: “A função social do contrato, prevista no


art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral, a impor a revisão do princípio da
relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do
crédito”

Cláusula geral: segundo a prof. Judith Martins Costa, trata-se de uma disposição normativa
dirigida ao juiz para que, a vista do caso concreto, crie, complemente ou desenvolva uma
norma jurídica. Possui conteúdo aberto que impõe ao juiz uma conduta, um comportamento,
no sentido de desenvolver a norma jurídica. Tem conteúdo aberto, mas não se trata de
conceito aberto.

Obs: princípio não foi retratado pelo CC/16.

f) Princípio da boa-fé objetiva: a atual doutrina indica como fonte o Direito Alemão,
que traduz o conceito de forma objetiva, tendo por base a lealdade e a confiança. Constitui

174
Direito Civil 2016 175

modelo de conduta social ou padrão ético de comportamento que impõe concretamente a


todos que atuem com honestidade, lealdade e probidade nas suas relações (Min. Paulo de
Tarso Sanseverino). Não se esgota no ramo do direito civil, escoando-se para todo o
ordenamento jurídico.

≠ boa-fé subjetiva: estado de consciência ou crença do sujeito de estar agindo em


conformidade com as normas do ordenamento jurídico.

BOA-FÉ SUJETIVA BOA-FÉ OBJETIVA


Trata-se de um estado psicológico de É uma cláusula geral implícita em todos os
inocência. É a boa-fé do: “eu não sabia”, ou contratos. Tem status principiológico e se
seja, o indivíduo ignora o possível vício. traduz em uma regra de conteúdo ético e
EXEMPLO: posse de boafé. exigibilidade jurídica.
Tem várias funções: INTERPRETATIVA,
LIMITADORA e REGRA BÁSICA PARA OS
DEVERES
ANEXOS

Antônio Menezes de Cordeiro, na sua clássica obra “Da Boa-fé no Direito Civil”, aborda 03
funções para a boa-fé objetiva:

1. Função Interpretativa (art. 113): foi retratada por Orlando Gomes. Interpretação do
contrato deve resguardar a boa-fé. “O negócio jurídico deve ser interpretado segundo a boa-
fé e os usos do lugar de sua celebração”.

Obs: segundo a classificação proposta pela Prof. Judith Martins Costa, a função
interpretativa é denominada “função hermenêutico-integrativo do contrato”.

2. Função Integrativa (art. 422): segundo tal função a boa-fé objetiva estabelece
deveres anexos, laterais, que estarão presentes no contrato independente da vontade das
partes. Ex: dever de informação, segurança, lealdade... Essa função torna a boa-fé objetiva
em fonte autônoma de obrigações, haja vista a presença dos deveres laterais independe
da vontade das partes.

Esses deveres anexos implicam no reconhecimento das responsabilidades pré e pós


contratual.

Deveres anexos deu origem a duas figuras parcelares:

I. Violação positiva de contrato: contratante cumpre todas as suas obrigações


contratuais, mas viola os deveres anexos. Não houve violação negativa, eis que o
contratante cumpriu suas obrigações contratuais. Ex: outdoors dirigidos à classe “A”
instalados na periferia.

II. Inadimplemento antecipado de contrato: historicamente, as partes somente poderiam


invocar o inadimplemento após o efetivo descumprimento contratual. Figura permite tal
invocação quando uma das partes percebe que uma das partes encontra-se na iminência
de descumprir o ajuste. Nesse caso, poderá pedir ao juiz sua resolução. Ex: art. 590, CC –
175
Direito Civil 2016 176

notória mudança na situação econômica do mutuário permite a exigência de garantia pelo


mutuante.

O dever de informação decorre da boa-fé objetiva, da sua função integrativa. Em todo e


qualquer contrato, as partes devem, reciprocamente, prestar informações necessárias uma
à outra.

Críticas ao art. 422 do NCC:

- Artigo previu a aplicação do princípio da boa-fé na conclusão e durante a execução,


mas se omitiu quanto às fases pré e pós contratual. A pós-eficácia objetiva do contrato: o
princípio da boa-fé deve ser também observado após a consumação do contrato;

- Para alguns doutrinadores e, salvo melhor juízo a questão já foi objeto de prova oral
no TRF1 (Des. Olindo Menezes), o art. 422 do CC contém duas imperfeições. É a liberdade
contratual – e não a liberdade de contratar – que está limitada pela função social do contrato,
porquanto a liberdade contratual é ilimitada, já que o sujeito celebra o contrato quando
quiser e com quem quiser. No mais, é a autonomia privada e não a função social a razão
para o contrato. (a sugestão é retirar o termo “em razão” do dispositivo). (Tartuce).

3. Função de Controle (art. 187): coíbe o abuso de direito. “Também comete ato ilícito o
titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu
fim econômico ou social, pela boa-fé, ou pelos bons costumes”.
CIVIL. CONTRATOS. DÍVIDAS DE VALOR. CORREÇÃO MONETÁRIA.
OBRIGATORIEDADE. RECOMPOSIÇÃO DO PODER AQUISITIVO DA MOEDA.
RENÚNCIA AO DIREITO. POSSIBILIDADE. COBRANÇA RETROATIVA APÓS A
RESCISÃO DO CONTRATO. NÃO-CABIMENTO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
OBJETIVA. TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS. SUPRESSIO.4. O
princípio da boa-fé objetiva exercer três funções: (i) instrumento
hermenêutico; (ii) fonte de direitos e deveres jurídicos; e (iii) limite ao
exercício de direitos subjetivos. A essa última função aplica-se a teoria
do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos
próprios, como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres
contratuais, daí derivando os seguintes institutos: tu quoque, venire
contra facutm proprium, surrectio e supressio.5. A supressio indica a
possibilidade de redução do conteúdo obrigacional pela inércia
qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em
exercer direito ou faculdade, criando para a outra a legítima expectativa
de ter havido a renúncia àquela prerrogativa.6. Recurso especial a que se nega
provimento (REsp 1202514/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 30/06/2011).
Qual é a consequência jurídica da quebra da boa-fé objetiva? Segundo doutrina, a
violação de um dos deveres anexos, gera RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA
(Enunciado 24 da I Jornada de Direito Civil). Neste contexto de objetivação de
responsabilidade civil, está também o Enunciado nº 37 do Conselho Superior da Justiça
Federal, cujo teor se reproduz: “a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito
independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”.

Teorias relevantes para os contratos e relacionadas à boa-fé objetiva: SUPRESSIO,


SURRECTIO, TU

176
Direito Civil 2016 177

QUOQUE, VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM NO POTEST, DUTY TO MITIGATE


THE LOSS e CLÁUSULA DE ESTOPPEL

O “venire contra factum proprium”, também conhecido como teoria dos atos próprios, é uma
vedação decorrente do princípio da confiança. Trata-se de um tipo de ato abusivo de direito.
Situações de confiança legitimamente criadas nas relações jurídicas contratuais deverão
ser mantidas, vedando-se a adoção de condutas contraditórias.
Trata-se de “uma regra de coerência, por meio do qual se veda que se aja em determinado
momento de uma certa maneira e, ulteriormente, adote-se um comportamento que frustra,
vai contra aquela conduta tomada em primeiro lugar”.
O Superior Tribunal de Justiça aplicou o princípio antes do advento do CC/02, em julgado
que afastou a possibilidade de anulação de compra e venda de um imóvel, celebrado
somente pelo marido sem a outorga uxória, em virtude da existência de declaração pela
esposa, na condição de testemunha em outro processo, de anuência tácita à venda.

Já as expressões “surrectio” e “supressio” são classificações dadas em Portugal às


expressões “verwirkung” e “erwirkung”, originárias da Alemanha, e decorrem diretamente
do venire contra factum proprium.
A “supressio” refere-se ao fenômeno da supressão de determinadas relações jurídicas pelo
decurso do tempo. A “surrectio”, por sua vez, consagra fenômeno inverso, ou seja, o
surgimento de uma prática de usos e costumes locais.
Tanto a “supressio” como a “surrectio” consagram formas de perda e de aquisição de direito
pelo decurso do tempo.
Aquisições e restrições de direito no ordenamento pátrio, a princípio, dependem de
expressa disposição de lei. Ex: arts. 1.238 (prescrição aquisitiva) e 205 (prescrição
extintiva).
Contudo, também será admitida aquisição (surrectio) ou perda de direitos (supressio) pelo
transcurso do tempo desde de que a ele se relacionam uma situação de confiança, investida
numa relação jurídica. Portanto, o transcurso de tempo, como forma de aquisição ou perda
de um direito, afora das previsões legais, somente é possível mediante à conjugação do
“venire contra factum proprium no potest”.

Exemplo de “supressio” e “surrectio”, conforme Maria Helena Diniz: art. 330 do Código Civil,
ao dispor que se o devedor efetuar, reiteradamente o pagamento da prestação em lugar
diverso do estipulado no negócio jurídico, há presunção “juris tantum” de que o credor a ele
renunciou, baseado no princípio da boa-fé objetiva e nessas formas de aquisição e perda
de direito pelo decurso do tempo.

Nas palavras de Menezes de Cordeiro surrectio “é o instituto que faz surgir um direito que
não existe juridicamente, mas que tem existência na efetividade social”.

Com relação ao “tu quoque”, é esta expressão que, de fato, revela os deveres anexos de
uma relação contratual, decorrentes da boa-fé. Este conceito quer evitar, à luz da boa-fé e
da confiança, que a parte seja surpreendida no bojo do contrato.
É designativo de uma situação gerada de um abuso de direito, que se verifica quando uma
das partes viola a norma jurídica e, após tenta aproveitar-se dessa conduta em benefício
próprio.
Observa o seguinte brocardo: “o sujeito não pode valer-se da própria torpeza”. Portanto,
quem viola as suas obrigações contratuais não pode se valer da sua própria falta para se
favorecer diante da contra parte.

177
Direito Civil 2016 178

Conforme o Enunciado nº 24 do Conselho Superior da Justiça Federal, a violação dos


deveres anexos decorrentes da cláusula geral da boa-fé objetiva, constitui-se espécie de
inadimplemento, independentemente de culpa.

Duty do mitigate the loss - o conceito é desenvolvido no direito norte-americano e cristaliza


o imperativo da boa-fé na relação obrigacional para impor à parte, que evite o dano evitável,
sob pena de perder o direito à indenização. Traduz a expressão “o dever de mitigar”. Mesmo
sendo vítima, há dever de mitigar os efeitos do dano, se estiver ao alcance. A propósito, o
STJ aplica o princípio mesmo em matéria criminal:
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. (1) IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO OR-
DINÁRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) NÃO LOCALIZAÇÃO DO
CONDENADO. DILIGÊNCIAS JUNTO À RECEITA FEDERAL E CARTÓRIO
ELEITORAL. ENDEREÇO PRESENTE
NOS AUTOS (BOLETIM DE OCORRÊNCIA).NÚMERO DA CASA. DIVERGÊNCIA
EM UM DÍGITO. (3) INSTRUÇÃO DO WRIT.DEFICIÊNCIA. (4) PRINCÍPIO DA
BOA-FÉ OBJETIVA. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. ORDEM NÃO
CONHECIDA.(...)3. O princípio da boa-fé objetiva ecoa por todo o ordenamento
jurídico, não se esgotando no campo do Direito Privado, no qual,
originariamente, deita raízes. Dentre os seus subprincípios, destaca-se o duty
to mitigate the loss. A bem do dever anexo de colaboração, que deve empolgar
a lealdade entre as partes no processo, cumpriria ao paciente e sua Defesa
informar ao juízo o endereço atualizado, para que a execução pudesse ter o
andamento regular, não se perdendo em inúteis diligências para a sua
localização.4. Habeas corpus não conhecido.(HC 137.549/RJ, Rel. Ministra
MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 07/02/2013,
DJe 20/02/2013).Mesmo sendo vítima, há o dever de mitigar os efeitos do dano.
A Cláusula de Estoppel traduz-se na aplicação do venire contra factum proprium nas
relações internacionais. Proíbe comportamento contraditório entre Estados.
Ex. a Bolívia, no caso da Petrobras, criou condições para empresa atuar lá, e, em momento
depois, se comportou de forma contraditória.
5.2 Conceito
CONTRATO é um negócio jurídico em que as partes convergem vontades contrapostas,
com o escopo de atingir determinados interesses, segundo as limitações impostas pelos
princípios da FUNÇÃO SOCIAL e da BOA-FÉ OBJETIVA.
O contrato é um negócio jurídico, que tem forma livre, exceto no que for determinado pela
lei.
5.3 Classificação dos contratos
RECIPROCAMENTE
CONSIDERADOS EM SI MESMOS CONSIDERADOS

Unilaterais ou bilaterais CONTRATOS PRINCIPAIS ou

Onerosos ou gratuitos CONTRATOS-BASE


Quanto à natureza da obrigação
Comutativos ou aleatórios

Formais ou reais

Consensuais,
Quanto à forma formais ou
reais
Quanto à designação Nominados e inominados

178
Direito Civil 2016 179

Alienação de bens

Transmissão de uso e CONTRATOS ou


Quanto ao objeto (conteúdo do gozo ACESSÓRIOS
direito conferido)
Prestação se serviço CONTRATOS-
DERIVADOS
Conteúdo especial

Execução imediata

Quanto ao tempo de execução Execução mediata

Execução diferida

Intuito personae ou
Quanto à pessoa do contratante impessoal

5.3.1 Considerados em si mesmos (principais classificações)

- BILATERAIS ou UNILATERAIS

Unilaterais: apenas um dos contratantes assume obrigações em face do outro, de tal sorte
que os efeitos são ativos de um lado e passivos do outro, pois uma das partes não se
obrigará, não havendo, portanto, qualquer contraprestação.
Ex: doação pura e simples; depósito; comodato; mútuo; mandato.
Os contratos unilaterais requerem duas manifestações de vontade, mas colocam um só dos
contratantes na posição de devedor, ficando o outro como credor.

Bilaterais: são os contratos em que cada um dos contratantes é simultânea e


reciprocamente credor e devedor do outro, pois produz direitos e obrigações para ambos,
tendo por característica principal o SINALAGMA, ou seja, a dependência recíproca de
obrigações (CONTRATOS SINALAGMÁTICOS).

SOMENTE SE APLICAM AOS CONTRATOS BILATERAIS

5.3.1.1.1.1.1 EXCEPTIO NON


Exceção do contrato não cumprido. NÃO se aplica a
INADIMPLETI
contratos unilaterais
CONTRACTUS

Admite o inadimplemento como condição resolutiva. Os


CLÁUSULA RESOLUTIVA contratos bilaterais contêm implícita ou explicitamente essa
TÁCITA cláusula.

CONTRATOS UNILATERAIS: o contraente a quem o


contrato aproveite responde por culpa e por dolo responde
TEORIAS DOS RISCOS aquele a quem não favoreça.
Princípio da res perit creditori.

179
Direito Civil 2016 180

CONTRATOS BILATERAIS: cada contratante responde


por dolo. Princípio da res perit debitori.

Fica a obrigação em suspenso até que seja prestada garantia


real ou fidejussória suficiente, já que as circunstâncias
supervenientes de modificação no patrimônio do devedor
alteram os termos contratuais, permitindo ao contratante que
ARTIGO 477
se comprometeu a realizar a sua prestação em primeiro lugar
recusar-se a cumpri-la, até que o outro satisfaça sua
obrigação ou dê garantia bastante de que cumprirá o
prometido.

- ONEROSOS ou GRATUITOS

Gratuitos ou benéficos: contratos em que apenas uma das partes aufere benefício ou
vantagem.
Onerosos: ambos os contraentes obtêm proveito, ao qual corresponde um sacrifício.
A doutrina distingue os contratos gratuitos propriamente ditos dos contratos
desinteressados. Aqueles acarretam uma diminuição patrimonial a uma das partes, como
se dá nas doações puras. Estes, subespécies dos primeiros, não produzem esse efeito,
malgrado beneficiem a outra parte (comodato e mútuo, p.ex.).
“Como decorrência lógica da estrutura contratual, em regra, o contrato oneroso é bilateral,
o gratuito unilateral. Mas pode haver exceção, como é o caso do contrato de mútuo de
dinheiro sujeito a juros – mútuo feneratício – pelo qual além da obrigação de restituir a
quantia emprestada – contrato unilateral - , devem ser pagos os juros – contrato oneroso”
(Tartuce).

- COMUTATIVOS ou ALEATÓRIOS

Os contratos onerosos subdividem-se em comutativos e aleatórios.


a) Contrato comutativo: partes já sabem quais são as prestações, ou seja, essas são
conhecidas ou pré-estimadas. Ex: compra e venda.
b) Contrato aleatório: prestação de uma das partes não é conhecida com exatidão no
momento da celebração do negócio jurídico pelo fato de depender da sorte, da álea, que é
um fator desconhecido. Ex: contrato de seguro.

O CC/2002 consagra duas formas básicas de contratos aleatórios: b1) Contrato aleatório
emptio spei – um dos contratantes toma para si o risco relativo à própria existência da coisa,
sendo ajustado um determinado preço, que será devido integralmente, mesmo que a coisa
não exista no futuro, desde que não haja dolo ou culpa da outra parte (art. 458 do CC). O
risco é maior. No caso de compra e venda, essa forma negocial pode ser denominada venda
de esperança.
b2) Contrato aleatório emptio rei speratae – se o risco versar somente em relação à
quantidade da coisa comprada, pois foi fixado pelas partes um mínimo como objeto do
negócio (art. 459 do CC). Na compra e venda trata-se da venda da esperança com coisa
esperada.

- CONSENSUAIS ou REAIS

180
Direito Civil 2016 181

Consensuais ou formais: se perfectibilizam com a simples manifestação do consentimento.


Contratos reais: exigem, para se aperfeiçoar, além do consentimento, a entrega da coisa
que lhe serve de objeto. Ex: depósito, comodato ou mútuo. São, também, unilaterais.
“Não se pode confundir o aperfeiçoamento do contrato – plano de validade – com o seu
cumprimento – plano da eficácia. A compra e venda gera efeitos a partir do momento em
que as partes convencionam sobre a coisa e o seu preço. No caso da compra e venda de
imóveis, o registro mantém relação com a aquisição da propriedade do negócio decorrente,
o mesmo valendo para a tradição nos casos envolvendo bens móveis. Utilizando a escada
ponteana, o registro e a tradição estão no plano da eficácia desse contrato. No que
concerne à tradição, é melhor dizer que está, em regra, no plano da eficácia. Isso porque,
no caso dos contratos reais, a entrega da coisa está no plano da validade.” (Tartuce).

- NOMINADOS ou INOMINADOS

Contratos nominados são os que têm designação própria. Inominados são as que não a
têm.
Contratos típicos são os regulados pela lei, os que têm o seu perfil nela traçado. Contratos
atípicos são os que resultam de um acordo de vontades, não tendo, porém, as suas
características e requisitos definidos e regulados na lei.
5.3.2 Reciprocamente considerados
Contratos principais: são os que existem por si, exercendo sua função e finalidade
independentemente de outro.

Contratos acessórios: são aqueles cuja existência jurídica supõe a dos principais, pois
visam a assegurar a sua execução. EXEMPLO: a fiança é contrato acessório, estabelecido
para garantir a locação, que é contrato principal.

Regras gerais: devem obedecer aos seguintes princípios fundamentais:


a) nulidade da obrigação principal acarretará a das acessórias, porém a destas não
implica a da principal;
b) a prescrição da pretensão relativa à obrigação principal induzirá à alusiva às
acessórias, mas a recíproca não é verdadeira; assim, a prescrição da pretensão a direitos
acessórios não atinge a do direito principal.
5.3.3 Outras classificações
Quanto à independência contratual:

Contrato-base e contrato derivado

Carlos Roberto Gonçalves: alguns contratos são denominados derivados ou subcontratos,


por também dependerem ou derivarem de outros. Têm por objeto direitos estabelecidos em
outro contrato, denominado básico ou principal. Entre os principais subcontratos,
destacamse a sublocação, a subempreitada e a subconcessão.

Contrato derivado x contrato acessório: esses contratos têm em comum com os acessórios
o fato de que ambos são dependentes de outro. Diferem, porém, pela circunstância de o
derivado participar da própria natureza do direito versado no contratobase. Nessa espécie
de avença, um dos contratantes transfere a terceiro, sem se desvincular, a utilidade
correspondente à sua posição contratual. O locatário, por exemplo, transfere a terceiro os
direitos que lhe assistem, mediante a sublocação. O contrato de locação não se extingue,

181
Direito Civil 2016 182

e os direitos do sublocatário terão a mesma extensão dos direitos do locatário, que continua
vinculado ao locador.

Contrato derivado e cessão da posição contratual: o subcontrato também se distingue da


cessão da posição contratual, na qual o contrato básico persiste em sua integridade, mas
com novo titular, o cessionário. No contrato derivado, no entanto, surge uma nova relação
contratual, sem alteração da primeira, havendo apenas um dos sujeitos que é titular de
ambos os contratos.

Adverte Sílvio Venosa que, “como consequência da derivação, o direito contido no


subcontrato tem como limite o direito contido no contratobase; sua extensão não pode ser
ultrapassada. Aplicase o princípio segundo o qual ninguém pode transferir mais direito do
que tem. No mesmo diapasão, se o contrato principal se extingue, extingue-se o contrato
derivado por impossibilidade material de sua continuação”.

(TRF1) – O contrato derivado tem o condão de extinguir o contrato base?


NÃO. O mecanismo técnico do contrato derivado propicia, por parte de terceiro, o gozo das
utilidades do contrato base, SEM, CONTUDO, LEVÁ-LO À EXTINÇÃO.
EXEMPLO 01: a sublocação, como ocorre com qualquer contrato derivado, haverá de
seguir o contrato-base (LOCAÇÃO), não podendo, desta forma, permitir o que este proíbe.
Assim, extinto o contrato-base, seja qual for a sua causa, serão também extintas as
eventuais sublocações, ressalvados direitos indenizatórios em favor do sublocatário contra
o sublocador.
EXEMPLO 02: CONTRATO DE SUBEMPREITADA NA CONSTRUÇÃO CIVIL é o contrato
celebrado entre empreiteira e outras empresas para a execução de obra ou de serviços na
construção civil, no todo ou em parte, com ou sem fornecimento de material. A
subempreitada é um contrato derivado (expressão que serve para explicar que ele depende
de um contrato principal, o de empreitada. Pode ser total ou parcial (conforme abranja todo
o conjunto da obra ou parte dela).

Contratos coligados – Carlos Roberto Gonçalves: constitui uma pluralidade, em que vários
contratos celebrados pelas partes apresentamse interligados. Quando o elo entre eles
consiste somente no fato de constarem do mesmo instrumento, não existe propriamente
coligação de contratos, mas, sim, união de contratos. Aquela passa a existir quando a
reunião é feita com dependência, isto é, com um contrato relacionado ao outro, por se
referirem a um negócio complexo. Apesar disso, conservam a individualidade própria,
distinguindo-se, nesse ponto, do misto. Contratos coligados são, pois, os que, embora
distintos, estão ligados por uma cláusula acessória, implícita ou explícita.

“são, pois, os que embora distintos, estão ligados por uma cláusula acessória, implícita ou
explícita. (...) são os que se encontram ligados por um nexo funcional, podendo essa
dependência ser bilateral – vende o automóvel e a gasolina - ; unilateral – compra o
automóvel e arrenda a garagem, ficando o arrendamento subordinado à compra e venda -
. Alternativa – compra a casa na praia ou, se não for para lá transferido, loca-a para
veraneio. Mantém-se a individualidade dos contratos, mas as vicissitudes de um podem
influir sobre o outro” (Tartuce). Os contratos coligados deve ser interpretados segundo os
critérios de hermenêutica do CC, em especial dos arts. 112 e 113, considerada a sua
conexão funcional (Em. n. 421/CJF). Sobre a matéria, já decidiu o STJ:
“(...) Os contratos coligados são aqueles que, apesar de sua
autonomia, se reúnem por nexo econômico funcional, em que as

182
Direito Civil 2016 183

vicissitudes de um podem influir no outro, dentro da malha contratual


na qual estão inseridos. "Por força de disposição legal, da natureza
acessória de um deles ou do conteúdo contratual (expresso ou
implícito), encontram-se em relação de dependência unilateral ou
recíproca" (MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Contratos
coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 99). Nesse
passo e em uma perspectiva funcional dos contratos, deve-se ter em
conta que a invalidade da obrigação principal não apenas contamina
o contrato acessório (CC, art. 184), estendendo-se, também, aos
contratos coligados, intermediário entre os contratos principais e
acessórios, pelos quais a resolução de um influenciará diretamente na
existência do outro (REsp 1141985/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe 07/04/2014)
AGRAVO REGIMENTAL EM RESP. (...) CISÃO, ACORDO DE
ACIONISTAS E LOCAÇÃO. CONTRATOS COLIGADOS. FUNÇÃO
ECONÔMICA COMUM. ART. 19 DA LEI 8.245/91. MANUTENÇÃO DO
EQUILÍBRIO ECONÔMICO DOS PACTOS. AVENÇA
NÃO ALTERADA. REVISIONAL QUE NÃO VISA AO
RESTABELECIMENTO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO SOCIAL. FALTA
DE INTERESSE DE AGIR. VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA. RESP.
PROVIDO. ART. 557, § 1o.-A DO CPC. REVISIONAL EXTINTA, SEM
EXAME DO MÉRITO (...). 5. A interdependência, a conexidade ou a
coligação dos contratos firmados pelas partes (cisão de empresa,
acordo de acionistas e contrato de locação) resultam claras e
evidentes, haja vista a unidade dos interesses representados,
principalmente os de natureza econômica, constituindo esse plexo de
avenças o que a doutrina denomina de contratos coligados; em caso
assim, embora possível visualizar de forma autônoma cada uma das
figuras contratuais entabuladas, exsurge cristalina a intervinculação dos
acordos de vontade assentados, revelando a inviabilidade da revisão
estanque e individualizada de apenas um dos pactos, quando unidos todos
eles pela mesma função econômica comum. (...) (AgRg no REsp
1206723/MG, Rel.
Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2012, DJe
11/10/2012)
5.4 A formação dos contratos
O contrato nasce da conjunção de duas ou mais vontades coincidentes, sem prejuízo de
outros elementos, o que consubstancia aquilo que se denomina autonomia privada. Sem o
mútuo consenso, sem a alteridade, não há contrato. Desse modo, reunindo o que há de
melhor na doutrina, é possível identificar quatro fases na formação do contrato civil:
• Fase de negociações preliminares ou de puntuação.
• Fase de proposta, policitação ou oblação.
• Fase de contrato preliminar.
• Fase de contrato definitivo ou de conclusão do contrato.
5.4.1 Fase de negociações preliminares ou de puntuação
Essa é a fase em que ocorrem debates prévios, entendimentos, tratativas ou conversações
sobre o contrato preliminar ou definitivo. Essa fase não está prevista no Código Civil de
2002. Justamente por não estar regulamentado no Código Civil, não se pode dizer que o
debate prévio vincula as partes, como ocorre com a proposta ou policitação (art. 427 do
CC). É possível, todavia, responsabilização quando quebrada a boa-fé objetiva.

183
Direito Civil 2016 184

5.4.2 Fase da proposta


A parte que faz a proposta (POLICITAMENTO) é a parte PROPONENTE ou POLICITANTE.
A parte que aceita é chamada de ACEITANTE ou OBLATO.
Proposta. Trata-se de uma declaração receptícia de vontade, séria e concreta, dirigida ao
aceitante. A proposta obriga o proponente, salvo nas hipóteses em que a própria lei afirma
que a proposta não é obrigatória (arts. 427 e 428 do CC). Declaração receptícia de vontade
só surte efeitos quando do conhecimento da parte contrária.
Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não
resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do
caso.

RESULTAR DOS TERMOS DELA = previsão de desistência


NATUREZA DO NEGÓCIO = limitação de estoque
CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO = conceito aberto que será avaliado pelo juiz, EXEMPLO:
proposta jocosa.

A proposta entre presentes é aquela feita entre pessoas que mantêm contato direto e
simultâneo uma com a outra. Entre ausentes, todavia, a proposta pressupõe não haver
contato direto e imediato entre as partes. EXEMPLOS ENTRE PRESENTES: telefone e
internet (MSN, Skype e similares). EXEMPLO ENTRE AUSENTES: por carta ou por e-mail.

A aceitação é a manifestação concordante do oblato. O consentimento somente existe com


a aceitação da proposta. Se o aceitante modificar a proposta ele estará fazendo uma
contraproposta.
5.4.3 Teorias da formação
O maior problema que temos na matéria de contratos é formação de contratos entre
ausentes, digladiando-se a doutrina ao sabor de duas teorias: TEORIA DA COGNIÇÃO e
TEORIA DA AGNIÇÃO. Fundamentalmente, a doutrina criou duas teorias explicativas a
respeito da formação do contrato entre ausentes (PEREIRA, Caio Mário da Silva, ob. cit.,
pág. 25 e RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Dos Contratos e Declarações Unilaterais de
Vontade. vol 3. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 1997):
Teoria da cognição: para os adeptos dessa linha de pensamento, o contrato entre
ausentes somente se consideraria formado quando a resposta do aceitante chegasse ao
conhecimento do proponente. CRÍTICA: não se sabe qual o exato momento em que o
proponente tomou conhecimento da aceitação.
Teoria da agnição: dispensa-se que a resposta chegue efetivamente ao conhecimento do
proponente:
a) subteoria da declaração propriamente dita: o contrato se formaria no momento em que
o aceitante ou oblato redige ou datilografa a sua resposta. Peca por ser extremamente
insegura, dada a dificuldade em se precisar o instante da resposta.
b) subteoria da expedição: considera formado o contrato, no momento em que a resposta
é expedida.
c) sub-teoria da recepção: reputa celebrado o negócio no instante em que o proponente
recebe a resposta. Dispensa, como vimos, que leia a mesma. Trata-se de uma subteoria
mais segura do que as demais, pois a sua comprovação é menos dificultosa, podendo ser
provada, por exemplo, por meio do A.R. (aviso de recebimento), nas correspondências.

Mas, afinal, qual seria a teoria adotada pelo nosso direito positivo?
No Direito brasileiro, parte da doutrina entende que se deve aplicar a subteoria da
EXPEDIÇÃO e outra parte sustenta que se deve aplicar a subteoria da RECEPÇÃO.

184
Direito Civil 2016 185

CLÓVIS BEVILÁQUA, autor do anteprojeto do Código Civil de 1916 era, nitidamente,


adepto da subteoria da expedição, por reputá-la “a mais razoável e a mais jurídica”.
(BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Obrigações. São Paulo: RED, 2000, pág. 238). Por isso,
boa parte da doutrina brasileira, debruçando-se sobre o art. 1086 do Código revogado,
concluía tratar-se de dispositivo afinado com o pensamento de CLÓVIS.
Na mesma linha, se cotejarmos esse dispositivo com o correspondente do Código Civil em
vigor, teremos a nítida impressão de que foi adotada a vertente teórica da expedição.
Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a
aceitação é expedida, exceto: I - no caso do artigo antecedente; II - se o
proponente se houver comprometido a esperar resposta; III - se ela não
chegar no prazo convencionado.
Note-se, entretanto, que o referido dispositivo enumera situações em que o contrato não se
reputará celebrado: no caso do art. 433; se o proponente se houver comprometido a esperar
a resposta (nesta hipótese, o próprio policitante comprometeu-se a aguardar a
manifestação do oblato); ou, finalmente, se a resposta não chegar no prazo assinado pelo
policitante.
Ocorre que, se nós observarmos a ressalva constante no inciso I desse artigo, que faz
remissão ao art. 433, chegaremos à inarredável conclusão de que a aceitação não se
reputará existente, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do
aceitante. Atente para essa expressão:
“se antes dela ou com ela CHEGAR ao proponente a retratação do aceitante”.
Ora, ao fazer tal referência, o próprio legislador acabou por negar a força conclusiva da
expedição, para reconhecer que, enquanto não tiver havido a RECEPÇÃO, o contrato não
se reputará perfeito, pois, antes do recebimento da resposta ou simultaneamente a esta,
poderá vir o arrependimento do aceitante. Podemos concluir que o contrato somente se
forma quando o PROPONENTE RECEBE A RESPOSTA, SEM ARREPENDIMENTO.
Dada a amplitude da ressalva constante no art. 433, que admite, como vimos, a retratação
do aceitante até que a resposta seja recebida pelo proponente, entendemos que o nosso
Código Civil adotou a sub-teoria da recepção, e não a da expedição.
5.4.4 Fase de contrato preliminar
O contrato preliminar, pré-contrato ou pactum de contrahendo encontra-se tratado na atual
codificação privada, como novidade, entre os arts. 462 a 466. Contudo, vale esclarecer que
a fase de contrato preliminar não é obrigatória entre as partes, sendo dispensável. Dispõe
o primeiro dispositivo relativo ao tema que o contrato preliminar, exceto quanto à forma, terá
os mesmos requisitos essenciais do contrato definitivo (art. 462 do CC).
Basicamente, dois são os tipos de contrato preliminar previstos no Direito brasileiro,
intitulados como compromissos de contrato: a) Compromisso unilateral de contrato ou
contrato de opção; b) Compromisso bilateral de contrato.
5.4.5 Fase de contrato definitivo
A última fase de formação do contrato é a fase do contrato definitivo, quando ocorre o
choque ou encontro de vontades originário da liberdade contratual ou autonomia privada. A
partir de então, o contrato estará aperfeiçoado, gerando todas as suas consequências
como, por exemplo, aquelas advindas da responsabilidade civil contratual, retirada dos arts.
389 a 391. Por fim, não se pode esquecer que a boa-fé objetiva, com todos os seus deveres
anexos ou laterais, deve ser aplicada a essa fase, bem como à fase pós-contratual.
5.5 Vícios redibitórios
Conceito. Os vícios redibitórios são defeitos ocultos que diminuem o valor ou prejudicam a
utilização da coisa recebida por força de um contrato comutativo.

185
Direito Civil 2016 186

Esquema do examinador Olindo Menezes (TRF1): têm fundamento no princípio da garantia;


o alienante, no contrato oneroso, tem o dever de assegurar a funcionalidade da coisa,
dentro da sua finalidade. Boa-fé objetiva.

Requisitos. Poderíamos, assim, elencar os seguintes elementos caracterizadores ou


requisitos do vício redibitórios:
a) a existência de um contrato comutativo (translativo da posse e da propriedade da coisa);
b) um defeito oculto existente no momento da tradição (contemporaneidade);
c) a diminuição do valor econômico ou o prejuízo à adequada utilização da coisa.
Esquema do examinador Olindo Menezes: acresce ao requisito da alínea c o fator
“gravidade”, não envolvendo defeitos insignificantes e removíveis. Ademais, acresce um
quarto requisito: desconhecimento pelo adquirente, em face da diligência ordinária.

Fundamento. A regulação dos vícios redibitórios é uma garantia para o adquirente.


OBS: Não confundir vício redibitório com erro. Este é uma falsa percepção da realidade. É
um defeito na percepção da coisa que, em si, não contém qualquer vício. Aquele é defeito
da coisa.

Ações edilícias. Diante da ocorrência dos vícios redibitórios, o adquirente pode propor dois
tipos de ação (não cumuláveis: TRF1), há um concurso de ações:
- ação redibitória: rejeição da coisa. As perdas e danos estão referidas no artigo 443.
Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que
recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o
valor recebido, mais as despesas do contrato.
- ação estimatória ou ação quanti minoris: abatimento (artigo 442).
Art. 442. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o
adquirente reclamar abatimento no preço.
Prazos: art. 445. São prazos decadenciais.
*venda de animais - os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei
especial, ou, na falta desta, pelos usos locais.
BEM 30 DIAS Contado da 15 DIAS da
MÓVEL entrega SE JÁ
Contado
efetiva ESTAVA NA
BEM 6 MESES alienação
01 ANO POSSE
IMÓVEL

O legislador entende que se o adquirente já estava na posse, já conhecia a coisa, então


deve ter um prazo menor para ingressar com ação contra o alienante.
CRÍTICA: a lei não estabeleceu um prazo mínimo da posse, assim pela letra fria da lei até
o prazo de posse de 01 dia seria suficiente para a perda da metade do prazo decadencial.
Assim, seria justo que o legislador estabelecesse um período de tempo suficiente para o
efeito de perda da metade do prazo, na hipótese prevista na segunda parte do artigo 445.
Há GARANTIA LEGAL (essa estabelecida nos artigos acima), mas há também a
GARANTIA CONTRATUAL. Enquanto o prazo de GARANTIA CONTRATUAL está em
curso, o prazo de garantia legal está suspenso, nos termos do artigo 446, CC, que deve ser
aplicado também às relações de consumo, já que não há regulação no CDC.
OBS: o CDC protege o consumidor não só dos vícios ocultos, mas também dos aparentes.
Nesses casos, o consumidor pode exigir a substituição do produto, o abatimento do preço
ou o cancelamento do contrato.

186
Direito Civil 2016 187

Inf. 554/STJ

Quando o vício oculto, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde (art. 445,
§ 1°, CC), o adquirente de bem móvel terá o prazo de trinta dias (art. 445, caput, do
CC), a partir da ciência desse defeito, para exercer o direito de obter a redibição ou
abatimento no preço, desde que o conhecimento do vício ocorra dentro do prazo de
cento e oitenta dias da aquisição do bem. O prazo decadencial para exercício do direito
de obter a redibição ou abatimento no preço de bem móvel é o previsto no caput do art. 445
do CC, isto é, trinta dias. O § 1º do art. 445 do CC apenas delimita que, se o vício somente
se revelar mais tarde, em razão de sua natureza, o prazo de 30 dias fluirá a partir do
conhecimento desse defeito, desde que revelado até o prazo máximo de 180 dias, com
relação aos bens móveis. Desse modo, no caso de vício oculto em coisa móvel, o
adquirente tem o prazo máximo de cento e oitenta dias para perceber o vício e, se o notar
neste período, tem o prazo de decadência de trinta dias, a partir da verificação do vício,
para ajuizar a ação redibitória. Nesse sentido, o enunciado 174 do CJF dispõe que: "Em se
tratando de vício oculto, o adquirente tem os prazos do caput do art. 445 para obter redibição
ou abatimento do preço, desde que os vícios se revelem nos prazos estabelecidos no
parágrafo primeiro, fluindo, entretanto, a partir do conhecimento do defeito".
5.6 Evicção
Conceito. Consiste a evicção na perda, pelo adquirente (evicto), da posse ou propriedade
da coisa transferida, por força de uma sentença judicial ou ato administrativo que
reconheceu o direito anterior de terceiro, denominado evictor.
Para o examinador Olindo Menezes (TRF1), tem fundamento no princípio da garantia.
Em nosso Código Civil, a evicção é disciplinada a partir do seu art. 447 (art. 1107, CC-16):
Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção.
Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta
pública.
Aquisição da coisa em hasta pública: o Código de 2002 apresenta uma inovação no art.
447 retrotranscrito, dispondo que subsiste a garantia da evicção “ainda que a aquisição se
tenha realizado em hasta pública”. A dúvida que o dispositivo suscita, não dirimida pelo
Código, consiste em saber quem responde pela evicção, tendo em vista que a venda não
se dá de modo espontâneo pelo proprietário da coisa, mas forçado pelo Estado, a fim de
que terceiro seja favorecido. Diferente a situação quando o proprietário escolhe livremente
a alienação de bem de sua propriedade em leilão, como sucede com a venda de obras de
arte e de animais em rodeios. Nesse caso, a sua responsabilidade pela evicção permanece,
sem que paire qualquer dúvida a esse respeito. O problema se propõe apenas nas vendas
forçadas realizadas pelo Estado, como se dá, por exemplo, nas hastas públicas de bens
penhorados em execução movida contra o proprietário. Indaga-se se, neste caso,
ocorrendo a evicção, o adquirente do bem deve exigir a indenização do antigo proprietário
ou do credor que obteve o proveito com a venda que veio a ser prejudicada em razão de
um direito anterior.
Parece-nos que o arrematante ou adjudicante que sofreu a evicção total ou parcial pode
exigir a restituição do preço da coisa evicta ou o valor do desfalque, voltando-se contra o
credor ou credores que se beneficiaram com o produto da arrematação ou contra o devedor-
executado, proprietário do bem, se este recebeu saldo remanescente.

Personagens fundamentais:
a) ALIENANTE: que responde pelo risco da evicção.
b) ADQUIRENTE ou EVICTO: que é a pessoa que perde a coisa.

187
Direito Civil 2016 188

c) TERCEIRO ou EVICTOR: que é a pessoa que reivindica a coisa provando direito


anterior.

A mesma sentença que condena o adquirente a devolver a coisa, determina que o alienante
responda junto ao adquirente. No aspecto processual, há uma discussão afirmando que
esse não seria um caso de denunciação NÃO obrigatória.

Responsabilidade Civil do alienante. A primeira parte do artigo 447 deixa bem claro quem
responde pelos riscos: o alienante. E para que a sua responsabilidade se manifeste, três
requisitos devem se conjugar:
a) aquisição de um bem;
b) perda da posse ou da propriedade; (note-se que a evicção pode ser parcial)
c) prolação de sentença judicial ou execução de ato administrativo.

Direitos do evicto. Exclusão da garantia.


O contrato pode aumentar a garantia da evicção além do estabelecido no artigo 450, da
mesma forma pode ser diminuída.
Mas a evicção pode ser EXCLUÍDA, por admissão do CC. A exclusão pode ser: LEGAL
(artigo 457) ou CONVENCIONAL (artigo 449). Ora, se o adquirente sabia que a coisa era
de terceiro, não pode demandar contra a evicção.
Art. 449. Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se
esta se der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa
evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu.
O contrato pode dizer que o alienante não responde pela evicção (até poderia ser revisada
sob a luz do princípio da função social do contrato, mas a lei permite). Mas se isso ocorrer
(cláusula que exclui a garantia), o evicto terá pelo menos o direito a receber o PREÇO QUE
PAGOU, o que pode significar a não exclusão total da garantia. Entretanto, o contrato pode
prever que o adquirente ciente do ato está assumindo-o, o que implicará a total exclusão
da garantia.
Para que haja a exclusão total da garantia (artigo 449), é preciso que o adquirente
expressamente tome ciência e assuma os riscos da evicção. (ver arts 451 a 456 CC).
5.7 Contratos e o direito intertemporal
Com a entrada em vigor do novo Código Civil, importantes problemas referentes ao Direito
Intertemporal poderão ser suscitados, exigindo do magistrado redobrada cautela. Um
desses problemas diz respeito à possibilidade de incidência da lei nova em contratos
celebrados antes de 11 de janeiro de 2003.
Segundo o art. 2.035, os negócios jurídicos celebrados antes da entrada em vigor do novo
Código continuarão regidos pelas leis anteriores (Código Civil de 1916, Código Comercial),
no que tange aos seus pressupostos de validade (nulidade e anulabilidade).
Da mesma forma, não se deve pretender aplicar as regras da lesão e do estado de perigo
(defeitos do negócio jurídico), inauguradas pelo Código de 2002 (art. 156 e 157), restando
ao hermeneuta recorrer a outros meios de colmatação, eventualmente aplicáveis, e à luz
da disciplina normativa anterior.
Por tais razões, um contrato celebrado por um menor de 18 anos, antes de 11 de janeiro
(data da entrada em vigor do novo Código), continua sendo anulável (art. 147, I, CC-16), a
despeito da redução da maioridade civil (18 anos), eis que, à época da celebração do
negócio, segundo a lei então vigente, o ato seria considerado inválido.
Aliás, esta impossibilidade de retroação dos efeitos da lei nova para atingir a validade dos
negócios já celebrados apenas consubstancia a observância da regra constitucional que
impõe o respeito ao ato jurídico perfeito (art. 5°, XXXVI, CF).
188
Direito Civil 2016 189

No entanto, se, por um lado, não pode a lei nova atingir a validade dos negócios jurídicos
já constituídos, por outro, se os efeitos do ato penetrarem o âmbito de vigência do novo
Código, deverão se subordinar aos seus preceitos, salvo se houver sido prevista pelas
partes determinada forma de execução.
Para melhor entendê-lo, cumpre-nos marcar, neste ponto, um divisor de águas: quanto ao
aspecto de sua validade, não poderá o Código de 2002 atingir negócios celebrados antes
da sua vigência; no entanto, quanto ao seu aspecto eficacial, ou seja, de executoriedade
ou produção de seus efeitos, caso estes invadam o âmbito temporal de vigência da nova
lei, estarão a esta subordinados. Um exemplo. Imaginemos um contrato de financiamento
celebrado em 1999, de execução repetida no tempo (trato sucessivo), em que o financiado
se obrigou a pagar, mensalmente, prestações pecuniárias à instituição financeira pelo prazo
de 5 anos. Pois bem.

Entra em vigor o novo Código Civil. Este, por expressa dicção legal, não poderá interferir
na validade do negócio celebrado, embora os efeitos do contrato – de execução protraída
no tempo – se sujeitem às suas normas (art. 2.035). Com isso, regras como as relativas à
“resolução por onerosidade excessiva” (arts. 478 a 480), à “correção econômica das
prestações pactuadas” (art. 317), ao “aumento progressivo de prestações sucessivas” (art.
316), ou às “perdas e danos” (arts. 402 a 405), para citar apenas alguns exemplos, poderão
ser imediatamente aplicadas aos negócios jurídicos já constituídos, por interferirem,
apenas, em seu campo eficacial ou de executoriedade. EXEMPLO: desconsideração da
personalidade jurídica, porque atinge o plano da eficácia.
Entretanto, nos termos da parte final do art. 2.035, se as partes houverem previsto outra
forma de execução, a exemplo da execução instantânea (que se consuma imediatamente,
em um só ato), ou se afastaram a incidência de determinadas regras consagradas na lei
nova – que não tenham substrato de ordem pública – a exemplo do aumento progressivo
das prestações sucessivas, poderá ser evitada a incidência da nova lei.
Mas observe: determinadas normas, como a que prevê a resolução por onerosidade
excessiva ou a correção econômica das prestações pactuadas, em nosso pensamento, por
seu indiscutível caráter publicístico e social, não podem, a prioristicamente, ser afastadas
pela vontade das partes.
Finalmente, o parágrafo único do artigo sob comento, utilizando linguagem contundente,
determina que “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública,
tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social dos contratos e
da propriedade”.
Utilizando a expressão “nenhuma convenção”, o legislador impõe a todos os negócios
jurídicos, não importando se celebrados antes ou após a entrada em vigor do novo Código,
a fiel observância dos seus preceitos de ordem pública, especialmente a função social da
propriedade e dos contratos. Assim, contratos que violem regras ambientais ou a utilização
econômica racional do solo, assim como as convenções que infrinjam deveres anexos
decorrentes da cláusula de boa fé objetiva (lealdade, respeito, assistência,
confidencialidade, informação), expressamente prevista no art. 422 do novo Código, não
poderão prevalecer, ante a nova ordem civil.
Muitos autores têm defendido que por meio desse dispositivo, há a extinção de toda e
qualquer cláusula leonina.
5.8 Extinção dos contratos
5.8.1 Forma natural
Pelo cumprimento do contrato.
5.8.2 Cláusulas especiais de extinção.
RESILIÇÃO RESOLUÇÃO RESCISÃO
189
Direito Civil 2016 190

Tem dois sentidos:


TEORIA CLÁSSICA
Opera-se quando há o
Opera-se quando houver (FRANCESCO MESSINEO):
desfazimento de um contrato
INADIMPLEMENTO, ou seja, opera-se quando houver
por simples manifestação de
quando uma das partes LESÃO ou ESTADO DE
vontade de uma ou de
descumpre o contrato. PERIGO.
ambas as partes.
TEORIA PRAGMÁTICA
(jurisprudência brasileira):
mesmo sentido de
resolução.
Vínculo contratual não
mais interessa.

Aplica-se, especialmente, a contratos


contratos de atividades ou Normalmente, os resolutiva
serviços por tempo trazem cláusula
indeterminado expressa.

Ex: resilição de contrato de


linha de celular ou de canal
por assinatura ou renúncia de
mandato ou manifestação do
locatário de não continuar na
locação.

O que é EXCEPTIO NON


CONCURSO: que nome se ADIMPLENTI
dá ao ato jurídico que CONTRACTUS?
concretiza uma resilição? Havendo uma cláusula Trata-se de uma defesa
Depende do tipo de resilição: resolutória, a resolução é conferida à parte demandada,
BILATERAL: é o DISTRATO imediata. no sentido de apontar o
UNILATERAL: é a descumprimento prévio da
DENÚNCIA prestação cabível à parte
adversa*.
REQUISITO: notificação Sem a cláusula resolutória, o
prévia, para a denúncia, inadimplemento demanda
(artigo 473, parágrafo único) uma notificação para a
resolução.

5.8.3 A exceção de contrato não cumprido


Possui natureza de defesa de mérito indireta, isto é, de exceção substancial.

Trata-se de aplicação do “tu quoque” (a parte não pode ser surpreendida dentro do
contrato).

Aplica-se aos contratos bilaterais, de modo que nenhum dos contratantes, antes de adimplir
sua obrigação, poderá exigir a do outro.

190
Direito Civil 2016 191

Se a primeira prestação houver sido cumprida de forma defeituosa, ainda assim a outra
parte poderá opor a defesa, mas o nome dela muda para “exceptio non rite adimpleti
contractus”.

Obs: o ordenamento brasileiro, todavia, admite a cláusula “solve et repete” (pague e depois
reclame), que é uma renúncia à “exceptio non adimpleti contractus”.

A jurisprudência italiana durante algum tempo dividiu-se em torno da legitimidade da


cláusula “solve et repete”, considerando-a leonina. Condicionou-se, então, sua validade à
previsão contratual expressa, partindo-se assim do princípio da autonomia da vontade.

Sua eficácia consiste precisamente no seguinte: uma vez fixada, parte não pode eximir-se
da prestação, nem retardá-la em razão de exceções subordinadas ao comportamento da
outra contraparte.
5.8.4 A teoria da imprevisão (a resolução por onerosidade excessiva)
A TEORIA DA IMPREVISÃO tem raiz histórica no Código de Hamurabi. Mas,
modernamente, foi cunhada pelos franceses, por meio da LEI FAILLIOT DE 1916.

Conceito. Consiste no reconhecimento de que a ocorrência de acontecimento novo e


imprevisível, com impacto na base econômica do contrato, justificaria a sua revisão ou
resolução. A presente teoria somente interessa aos contratos de execução continuada ou
de trato sucessivo, ou seja, de médio ou longo prazo, uma vez que se mostraria inútil nos
de consumação instantânea.

Requisitos.

- Superveniência de circunstância imprevisível – claro está, assim, que se a onerosidade


excessiva imposta a uma das partes inserir-se na álea de previsão contratual, não se
poderá, em tal caso, pretender-se mudar os termos da avença, eis que, na vida negocial,
nada impede que uma das partes tenha feito um “mau negócio”; Segundo o artigo 317 do
CC:
“Quando por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta
entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-
lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.
Mas segundo o CJF,
“a interpretação da expressão ‘motivos imprevisíveis’ constante do art.
317 do novo Código Civil, deve abarcar tanto causas de desproporção
não previsíveis como também causas previsíveis, mas de resultados
imprevisíveis” (Enunciado 17).
- Alteração da base econômica objetiva do contrato – a ocorrência da circunstância
superveniente altera a balança econômica do contrato, impondo a uma ou ambas as partes
onerosidade excessiva;

- Onerosidade excessiva – consequentemente, uma ou até mesmo ambas as partes,


experimentam um aumento na gravidade econômica da prestação a que se obrigou. Com
isso, podemos concluir que a teoria da imprevisão não pressupõe necessariamente,
enriquecimento de uma parte em detrimento do empobrecimento da outra. Isso porque, a
superveniência da circunstância não esperada poderá haver determinado onerosidade para
ambas as partes, sem que, com isso, se afaste a aplicação da teoria.

191
Direito Civil 2016 192

- Enriquecimento ilícito – parte da doutrina defende a necessidade desse requisito.


Entretanto, a menção a somente 03 requisitos acima é defendida por outra parte da doutrina
(RUY ROSADO DE AGUIAR), para a qual NEM sempre o enriquecimento ilícito é
INDISPENSÁVEL. Mas o CC/02 exige o enriquecimento ilícito, nos termos do artigo 478,
que afirma a necessidade de a onerosidade excessiva gerar uma vantagem exagerada para
a outra parte (arts. 478 a 480 CC).

No CDC, a TEORIA DA IMPREVISÃO é diferente, sendo denominada de TEORIA DA BASE


OBJETIVA DO NEGÓCIO JURÍDICO (Direito Alemão).

Inf. 556/STJ

A teoria da base objetiva ou da base do negócio jurídico tem sua aplicação restrita às
relações jurídicas de consumo, não sendo aplicável às contratuais puramente civis. A
teoria da base objetiva difere da teoria da imprevisão por prescindir da imprevisibilidade
de fato que determine oneração excessiva de um dos contratantes. Pela leitura do art. 6°,
V, do CDC, basta a superveniência de fato que determine desequilíbrio na relação
contratual diferida ou continuada para que seja possível a postulação de sua revisão ou
resolução, em virtude da incidência da teoria da base objetiva. O requisito de o fato não
ser previsível nem extraordinário não é exigido para a teoria da base objetiva, mas tão
somente a modificação nas circunstâncias indispensáveis que existiam no momento da
celebração do negócio, ensejando onerosidade ou desproporção para uma das partes.
Com efeito, a teoria da base objetiva tem por pressuposto a premissa de que a celebração
de um contrato ocorre mediante consideração de determinadas circunstâncias, as quais,
se modificadas no curso da relação contratual, determinam, por sua vez, consequências
diversas daquelas inicialmente estabelecidas, com repercussão direta no equilíbrio das
obrigações pactuadas. Nesse contexto, a intervenção judicial se daria nos casos em que o
contrato fosse atingido por fatos que comprometessem as circunstâncias intrínsecas à
formulação do vínculo contratual, ou seja, sua base objetiva. Em que pese sua relevante
inovação, a referida teoria, ao dispensar, em especial, o requisito de imprevisibilidade, foi
acolhida em nosso ordenamento apenas para as relações de consumo, que demandam
especial proteção. Ademais, não se admite a aplicação da teoria do diálogo das fontes
para estender a todo direito das obrigações regra incidente apenas no microssistema do
direito do consumidor. De outro modo, a teoria da quebra da base objetiva poderia ser
invocada para revisão ou resolução de qualquer contrato no qual haja modificação das
circunstâncias iniciais, ainda que previsíveis, comprometendo em especial o princípio
pacta sunt servanda e, por conseguinte, a segurança jurídica. Por fim, destaque-se que,
no tocante às relações contratuais puramente civis, quer dizer, ao desamparo das normas
protetivas do CDC, a adoção da teoria da base objetiva, a fim de determinar a revisão de
contratos, poderia, em decorrência da autuação jurisdicional, impor indesejáveis prejuízos
reversos àquele que teria, em tese, algum benefício com a superveniência de fatos que
atinjam a base do negócio.

O artigo 317 do CC é uma aplicação específica da teoria da imprevisão para fins de revisão
de uma prestação do contrato. O artigo 478 é o artigo que serve para resolver o CONTRATO
e não somente revisar uma prestação específica do contrato.

OBS: Não confundir o instituto da lesão com a teoria da imprevisão. Na lesão, o contrate já
surge viciado. Nesse caso, não se aplica a teoria da imprevisão, a qual só tem uso quando
o contrato nasceu válido, porém, com o decurso do tempo, desequilibrou-se os deveres
entre os contratantes.
192
Direito Civil 2016 193

6 CONTRATOS EM ESPÉCIE

6.1 CONTRATO DE COMPRA E VENDA. (20)


Conceito: Trata-se de um negócio jurídico bilateral, por meio do qual o vendedor obriga-se
a transferir a propriedade de coisa móvel ou imóvel ao comprador mediante o pagamento
de um preço. A compra e venda por si só já é título suficiente para exigir o cumprimento da
obrigação (simples consensualidade). (art. 481). As obrigações são entregar a coisa
(vendedor) e o pagamento pela coisa (comprador). Elementos:
Consentimento: convergência de vontades contrapostas “Para a perfeição do contrato, o
CC exige apenas o acordo sobre a coisa e o preço” [Tepedino]
Coisa: os direitos podem ser negociados, mas o termo correto é a CESSÃO DE DIREITOS.
Preço: O preço injusto pode ser indício de fraude. O preço fictício descaracteriza o contrato
para doação, por exemplo, venda de apartamento por R$ 1,00. A lei deixa as partes livres
para a fixação do preço do contrato, inclusive ao arbítrio de terceiro. O que a lei não admite
é que uma das partes tenha o arbítrio exclusivo de fixar o preço (artigos 485 e 489 – cláusula
potestativa), nesse caso a cláusula e o contrato serão nulos. É lícito às partes fixar o preço
em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação
(artigo 487). Neste caso, “dificuldade que se poderia entrever é a circunstância de variação
da cotação no mesmo dia, caso as partes não tenham definido o horário preciso da
verificação. Deve prevalecer o preço médio de mercado na data” [Tepedino] O art. 488, por
sua vez, é uma mitigação da regra de estabelecimento de preços, ele tem aplicação nas
hipóteses em que há vendas habituais do vendedor. Ex: fornecimento de refrigerantes em
bar; trata-se do preço presumido.
[Cláusula de fixação do preço por terceiro] “Nunca será possível que o juiz se substitua às
partes, e, na falta de entendimento entre elas, designe um perito ou proceda à determinação
do preço ou avaliação da coisa. Sem a fixação do preço por terceiro, a única solução
possível é o desfazimento do contrato. Não cabe, aqui, na ausência de elemento essencial,
a integração judicial” [Tepedino] Aquisição da propriedade: O contrato de compra e venda
no direito brasileiro gera apenas efeitos OBRIGACIONAIS. Isso significa que, para haver
efetiva transferência da propriedade, é necessário, além do contrato, uma solenidade de
transferência (TRADIÇÃO para os bens móveis ou REGISTRO para os bens imóveis).
Tepedino afirma que o contrato em análise é TRANSLATIVO DE PROPRIEDADE, “não no
sentido de operar a transferência, mas de ser o ato causal desta”. A compra e venda é um
contrato translativo, mas que sozinho não gera a transmissão da propriedade, que se perfaz
pela tradição ou registro (para imóveis).
Características do contrato
-Típico/nominado: diz-se que o contrato é típico quando as suas regras disciplinares são
deduzidas de maneira precisa nos códigos e nas leis. (Caio Mário).
-Solene: aquele para cuja formação não basta o acordo das partes. Exige-se a observância
de certas formalidades, em razão das quais o contrato se diz também formal. Esta
formalidade pode ser ad solemnitatem (a ausência invalida a declaração de vontade) e ad
probationem (imposta como técnica probatória (art. 227, CC)). (Caio Mário)
- Pode ser Bilateral: cria obrigações para ambos os contratantes; ou plurilateral

“A compra e venda possui efeito meramente obrigacional. Vale dizer, não transfere a propriedade
20

da coisa, antes, cria a obrigação de fazê-lo” [Tepedino]


193
Direito Civil 2016 194

-Oneroso: aqueles dos quais ambas as partes visam a obter vantagens ou benefícios,
impondo-se encargos reciprocamente em benefício uma da outra. (Caio Mário). -
Sinalagmático: “direitos e deveres proporcionais entre as partes” [Tartuce] - Consensual
- Pode ser comutativo ou aleatório: “são comutativos os contratos em que as prestações
de ambas as partes são de antemão conhecidas, e guardam entre si uma relativa
equivalência de valores. Aleatórios são os contratos em que a prestação de umas das
partes não é precisamente conhecida e suscetível de estimativa prévia, inexistindo
equivalência com a da outra parte. Além disso, ficam dependentes de um acontecimento
incerto”. (Caio Mário). “é, em geral, contrato comutativo, com prestações determináveis e
equivalentes no momento da conclusão. Admite-se, no entanto, a compra e venda aleatória,
quando assim ajustado pelas partes” [Tepedino]. Contrato “emptio spei” é o contrato
aleatório que consiste no risco sobre toda a coisa, inclusive, sobre a essência da coisa.
Contrato “emptio rei speratae” é a venda da esperança quanto à quantidade da coisa ou
venda da esperança com coisa esperada [Tartuce].
Um dos contratantes, na alienação de coisa futura, toma a si o risco
relativo à existência da coisa, ajustando um preço, que será devido
integralmente, mesmo que nada se produza (artigo 458), sem que
EMPTIO SPEI
C haja culpa do alienante; vende-se a esperança ou a probabilidade
(venda da
O de as coisas existirem.
esperança)
N EXEMPLO: comprar de um pescador, por preço certo, os peixes que
Dizem
T este retirar de sua rede, assumindo o risco de nenhum peixe ser
respeit
R apanhado.
o à
A Ocorre que se a álea versar sobre quantidade maior ou menor da
coisa
T coisa esperada (artigo 459), o risco assumido pelo adquirente
futura EMPTIO REI
O determina o pagamento do preço ao alienante, mesmo que venha a
SPERATAE
S existir em quantia mínima ou irrisória, basta que a coisa venha a
(venda da
A existir em qualquer quantidade. É caso de resolução do contrato se
esperança de
L a coisa não vem a existir. EXEMPLO: comprar de um pescador o
coisa esperada)
E produto do lanço de sua rede, assumindo apenas a álea de ele retirar
A maior ou menor quantidade de
T Dizem pescado, o adquirente libertar-se-á da obrigação, se a rede nada
Ó respeit contiver. Para o contrato ser aleatório, deve existir risco de que as coisas se percam,
RI o à danifiquem-se ou ainda, sofram depreciação (artigo 460). E a hipótese de mercadoria
O coisa embarcada que vendida, assumindo o comprador a álea de ela chegar ou não ao seu
S existent destino, mesmo que ela desapareça por ocasião do contrato, devido a naufrágio do
e navio, a venda será válida e o vendedor terá direito ao preço, se ignorava o sinistro;
se sabia do naufrágio, anulada será a alienação competindo ao adquirente a prova
dessa ciência (artigo 461).
Responsabilidade pelo risco
“O CC optou por preservar os interesses do vendedor, estabelecendo uma ordem ao
cumprimento das obrigações das partes no contrato: primeiro o comprador paga o preço,
depois o vendedor entrega a coisa” [Tepedino] (art. 492 do CC).
“Art. 492: constitui, também, modalidade peculiar de tradição a entrega da res vendita a
quem haja de transportá-la, quando expedida por ordem do comprador. Se, porém, o
vendedor contrariar as instruções do adquirente, suporta os riscos ocorridos durante o
transporte, porque, assim procedendo, age como mandatário infiel” [Tepedino] Venda de
ascendente a descendente:
O NCC incorporou a tese da anulabilidade da venda de ascendente a descendente, sem o
consentimento do cônjuge e dos demais descendentes é ANULÁVEL (prazo decadencial
de 2 anos).
(art. 496, CC)
194
Direito Civil 2016 195

“Art. 496: proteção da legítima. Não se admite o consentimento tácito, exigindo-se que este
seja feito expressamente. A doutrina, em sua maioria, entende ser o consentimento
insuprível pelo juiz, por ser este uma prerrogativa do cônjuge ou do descendente. Sendo
algum dos descendentes incapaz, deverá ser nomeado um curador para representá-lo ou
assisti-lo no ato, conforme o caso,
uma vez que é patente a colisão de interesses entre ele e o ascendente” [Tepedino]
OUTORGA UXÓRIA: Não é necessária na união estável
4. A venda de ascendente a descendente sem o consentimento dos demais encerra
hipótese de ato anulável, não havendo como falar em matéria de ordem pública, a ser
reconhecida de ofício pelo Tribunal em sede de embargos infringentes. (REsp 399.574/PR,
Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe
05/04/2010)
A venda de ascendente a descendente, sem a anuência dos demais, segundo melhor
doutrina, é anulável e depende da demonstração de prejuízo pela parte interessada.
Precedentes. (EREsp 661.858/PR, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 26/11/2008, DJe 19/12/2008)
Pessoas impedidas de contratar
Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública:
I - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua
guarda ou administração;
II - pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que
servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta;
III - pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou
auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho,
no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade;
IV - pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados.
Parágrafo único. As proibições deste artigo estendem-se à cessão de crédito.
Essas pessoas NÃO têm legitimidade para efetuar o contrato de compra e venda, sob pena
de nulidade, mesmo que em hasta pública.
Compra e venda entre cônjuges (Tartuce).
Art. 499. É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da
comunhão. Deve ser feito um alerta de que a compra e venda entre cônjuges não poderá
ser celebrada com fraude contra credores, fraude à execução ou simulação. No primeiro
caso será anulável, no segundo caso ineficaz e no terceiro nula.
Compra e venda e os regimes de bens:
No regime da comunhão parcial de bens é possível a venda entre cônjuges quanto aos
bens particulares.
No regime da comunhão universal de bens é possível a venda quanto aos bens
incomunicáveis – art. 1668 do CC.
No regime da participação final dos aquestos é possível a venda em relação aos bens que
não entram na participação.
No regime da separação de bens legal ou convencional é possível a venda, em regra, desde
que não haja ilicitude ou fraude.
A norma não é totalmente restritiva, portanto pode ser aplicada entre companheiros
relativamente aos bens excluídos da comunhão.
Venda ad corpus e venda ad mensuram
VENDA AD CORPUS VENDA AD MENSURAM

195
Direito Civil 2016 196

Venda na qual as dimensões são imprecisas, Venda especificada, venda detalhada por
simplesmente enunciativas. indicação de preço e medida de extensão.
Presunção enunciativa quando, a diferença
não exceder a 1/20 (§ 1o., artigo 500), salvo
se o adquirente demonstrar que, em tais
circunstâncias, não teria realizado o negócio.
Proteção especial do comprador (artigo
500, caput): AÇÃO EX EMPTO
(complemento da área) resolução do
contrato abatimento no preço (Estas duas
últimas, somente em caso de não ser
possível a complementação da área,
segundo Tepedino)
O § 1o do artigo 500, traduz a idéia de que
se a margem de erro é apenas de 5%, o
comprador não poderá ingressar em juízo,
salvo se provar que sem esse percentual
não teria realizado a compra.

Art. 501. Decai do direito de propor as ações previstas no artigo antecedente o vendedor
ou o comprador que não o fizer no prazo de um ano, a contar do registro do título.
As dívidas vencidas decorrentes do ônus real se transmitem ao novo titular do direito real
Venda a condômino. Os condôminos tem preferência na compra.
Muito embora haja enunciado do CJF em sentido contrário, há entendimento doutrinário no
sentido de que o artigo 504 do CC só é aplicável nos casos de condomínio pro indiviso,
quando o bem não se encontra dividido no plano fático (Tartuce).
Cláusulas especiais da compra e venda (são cláusulas acidentais ao contrato, não
essenciais):
Retrovenda (Arts. 505 e ss)
Esta cláusula confere ao vendedor o direito de desfazer a venda, reavendo de volta o bem
alienado dentro do prazo máximo de três anos (prazo decadencial). Deve ficar claro que a
cláusula de retrovenda (pactum de retrovendendo ou cláusula de resgate) somente é
admissível nas vendas de bens imóveis. O direito de resgate poderá ser exercido pelo
devedor ou pelos seus herdeiros e legatários, inclusive em relação a terceiro adquirente.
É possível a sua transmissão causa mortis. Há divergência na doutrina quanto à sua
transmissão inter vivos, entendendo alguns que ela não poderia ocorrer por se tratar de
direito personalíssimo do vendedor.
Exige anuência do cônjuge de ambos contratantes, salvo separação absoluta de bens.
[Tartuce] Venda a contento e da sujeita à prova (Arts. 509 e ss):
“A venda a contento aplica-se a certas coisas a respeito das quais o comprador não pode
dar seu consentimento antes de as haver examinado. São as coisas que precisam ou ser
pesadas, ou ser medidas ou, mesmo, provadas e experimentadas. A aceitação do
comprador pode ser expressa ou tácita” [Tepedino]
“O ponto diferenciador da venda a contento é exatamente a de o negócio se consumar a
critério do comprador, independentemente da qualidade da coisa. Na venda sujeita a prova
o legislador se distanciou deste critério e inseriu uma condição que não está ligada à
satisfação do comprador, mas sim ao fato de a coisa ter ou não as qualidades asseguradas
pelo vendedor e ser ou não idônea para o fim a que se destina” [Tepedino]
Preempção ou preferência (arts. 513 e ss)

196
Direito Civil 2016 197

“A natureza jurídica da preempção é de promessa unilateral de oferecer a coisa ao


vendedor, pelo preço equivalente ao da oferta feita por terceiro interessado na sua
aquisição. No Direito Brasileiro, confere ao comprador apenas um direito pessoal que, se
desrespeitado, gera para o vendedor a obrigação de arcar com as perdas e danos”
[Tepedino].
“Podem ser objeto de preempção tanto as coisas móveis quanto as imóveis (retrovenda: só
imóveis)” [Tepedino]
“Há duas espécies de preempção: a convencional e a legal (pode consistir no exercício do
direito de preferência pelos entes federativos, em dadas circunstâncias, ou pelo particular
expropriado, caso a desapropriação não cumpra sua finalidade (CC, art. 519 – retrocessão
ou preempção legal) nos termos do estatuído em lei)” [Tepedino]
“O direito de preferência é considerado personalíssimo (intransmissível)” [Tepedino].
Venda com reserva de domínio (arts. 521 e ss):
A reserva de domínio é uma cláusula inserida em contrato de compra e venda de bem
móvel a prazo. “A reserva de domínio é o pacto adjeto ao contrato de compra e venda pelo
qual o comprador só adquire a propriedade da coisa ao integralizar o pagamento do preço,
não obstante investir-se na posse desde o momento da celebração do contrato” [Tepedino]
“Poderá recair somente em contratos de compra e venda que tenham por objeto bens
móveis.
Trata-se de uma venda sob condição suspensiva (natureza jurídica)” [Tepedino]
“A coisa móvel, objeto da venda com reserva de domínio, não precisa ser infungível (para
Tartuce, sim), mas deve ser individualizável” [Tepedino]
A cláusula deve ser escrita e registrada no domicílio do comprador para valer contra
terceiros. Para as partes a cláusula vale mesmo sem o registro, basta a cláusula escrita. O
registro deve ser feito no cartório de títulos e documentos.
A regra “res perit domini” (a coisa perece para o dono) é mitigada na venda com reserva de
domínio, porque se a coisa perecer, o prejuízo será suportado pelo comprador, mesmo com
a propriedade reservada ao vendedor (artigo 524, 2ª parte). Na verdade, essa reserva de
propriedade não passa de uma garantia.
Visa a proteger o vendedor de um móvel, que fica sem garantia do pagamento posterior.
Para o bem imóvel, a solução é o compromisso de compra e venda.
RESERVA DE DOMÍNIO ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
Cláusula no contrato de compra e venda a Garantia real do contrato de mútuo (é
prazo vinculada a contrato de mútuo)
Contrato de compra e venda à vista (entre as
Contrato de compra e venda a prazo (não partes e Contrato de mútuo com garantia real
tem banco no meio) (com o vanco)
(art. 1361 a 1368, do CC)
Propriedade resolúvel em favor do Propriedade resolúvel em favor do banco
vendedor
Relação trilateral: comprador, vendedor e
Relação bilateral: comprador e vendedor. instituição financeira
Ação de busca e apreensão Ação de busca e apreensão
(art. 1.071 e seguintes, do (Decreto-lei 911/69)
CC)
Se o comprador não pagar o preço, deve ser constituído em mora, mediante protesto do
título ou interpelação judicial (artigo 525); ou seja, diferente da mora “ex re”, que ocorre
independentemente de notificação (nas obrigações a termo, com data de pagamento
específica).
197
Direito Civil 2016 198

Estando caracterizada a mora, o vendedor poderá:


Cobrar o preço ou ajuizar a ação de busca e apreensão (art. 1.071 do CPC).
O verdadeiro sentido da norma do art. 1.071 do CPC não é determinar a imprescindibilidade
do protesto, mas a indispensabilidade da documentação da mora. (REsp 685.906,STJ).
Na alienação fiduciária em garantia a ação cabível é busca e apreensão, que pode ser
convertida em ação de execução caso não seja pago o valor nem devolvido o bem (isso
não pode ser feito na venda com reserva de domínio, pois não segue o Decreto-lei 911/69).
A reserva de domínio é uma exceção à regra geral de transmissão da propriedade por
tradição. A venda com reserva de domínio caracteriza-se pela transmissão da posse não
correspondente à transmissão do domínio, que fica com o vendedor até que o preço esteja
integralmente pago. Venda sobre documentos:
Arts.529-532,CC
A venda sobre documentos é também denominada crédito documentário ou trust receipt.
Por essa cláusula, que tem por objeto bens móveis, a tradição, ou entrega da coisa, é
substituída pela entrega do documento correspondente à propriedade, geralmente o título
representativo do domínio. Sendo prevista a cláusula e estando a documentação em ordem,
não pode o comprador recusar o pagamento, a pretexto de defeito de qualidade ou do
estado da coisa vendida, salvo se o defeito houver sido comprovado. Há uma tradição
simbólica (traditio longa manus). Não havendo estipulação em contrário, por regra, o
pagamento deve ocorrer na data e no lugar da entrega do documento. A norma é aplicação
da regra locus regit actum. Se a venda for realizada por intermédio de estabelecimento
bancário, esse não responde pela integridade da coisa. Tal
entendimento foi adotado pelo STJ (RESP 885.674/RJ, 07.02.2008). [Tartuce]
DCC - INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS OU ACESSÕES REALIZADAS SEM
LICENÇA
Em ação que busque a rescisão de contrato de compra e venda de imóvel urbano, antes
de afastar a indenização pelas benfeitorias ou acessões realizadas sem a obtenção de
licença da prefeitura municipal (art. 34, parágrafo único, da Lei 6.766/1979), é necessário
apurar se a irregularidade é insanável.
CJF, Enunciado 81: O direito de retenção previsto no art. 1.219 do CC, decorrente da
realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (construções
e plantações) nas mesmas circunstâncias.
(…) antes de decidir sobre a obrigação de indenização por benfeitorias, faz-se necessário
apurar as multas pela construção sem o alvará da prefeitura e eventual necessidade de
demolição da obra. Isso porque é imprescindível a verificação quanto à possibilidade de ser
sanada ou não a irregularidade – consistente na ausência de licença da prefeitura para
construir –, de modo a realizar a restituição das partes à situação anterior e evitar
enriquecimento ilícito de qualquer dos litigantes.
NÃO HOUVE QUALQUER ALTERAÇÃO LEGISLATIVA NA MATÉRIA. POR ISSO, ACHO
INTERESSANTE JUNTAR JURISPRUDÊNCIA RECENTE:
- O STF entende que é possível que, após celebrado determinado contrato com
prestações parceladas, a lei posterior à celebração do contrato que estabeleça normas
cogentes (como limitação de juros) é aplicável às obrigações pendentes (de execução
diferida), sem que isso seja considerado retroação da norma, pois não se desconstituem as
parcelas já pagas. Foi o entendimento para o plano real. Não se pode invocar ato jurídico
perfeito ou direito adquirido para normas de execução IMEDIATA, mas não retroativa
(INFO-STF783)
- Pacto comissório é a cláusula que permite que o credor fique diretamente com a coisa
dada em garantia, caso o devedor não cumpra a sua parte. Isso é proibido. A
garantia real dada deve ser vendida e o dinheiro arrecadado serve para pagamento do

198
Direito Civil 2016 199

credor, sendo o restante devolvido ao devedor. Vale ressaltar que, quase sempre, o valor
do imóvel dado em “garantia” é muito superior ao montante da dívida. (INFO-STJ-538)
- É nula a notificação extrajudicial (foi o caso de alienação fiduciária em garantia) se
constar nome diverso do real credor, pois essa informação é essencial (INFO-STJ-550).
- Tratando-se de relação contratual paritária a qual não é regida pelas normas
consumeristas , a maxidesvalorização do real em face do dólar americano ocorrida a partir
de janeiro de 1999 não autoriza a aplicação da teoria da imprevisão ou da teoria da
onerosidade excessiva, com intuito de promover a revisão de cláusula de indexação ao
dólar americano. Com efeito, na relação contratual, a regra é a observância do princípio
pacta sunt servanda, (INFO-STJ-556)
- No caso de rescisão do contrato de compra e venda, o possuidor de boa-fé tem direito
a ser indenizado por benfeitorias. Todavia, as benfeitorias devem ser licenciadas e de
acordo com a lei. Se as benfeitorias não foram licenciadas, deve-se ver se elas ainda podem
ser (vício sanável – quando será indenizável) ou se não podem ser licenciadas (vício
insanável – sem direito à indenização). Se puderem ser sanadas, deve-se abater do valor
da obra o custo das multas que deverão ser pagas para regularizar a construção (INFO-
STJ)
- Em contratos de gaveta de compra e venda de imóvel, no qual não há registro em
cartório e o condomínio é notificado que o promitente comprador adentrou no imóvel e
passa a ter posse, a cobrança das dívidas condominiais (tanto anteriores a compra e venda,
quanto as posteriores), podem ser cobradas de qualquer um dos dois. aplicação da teoria
da dualidade do vínculo. Segundo essa teoria, a obrigação se decompõe em débito (Schuld-
do comprador), o dever de prestar, e responsabilidade (Haftung-do vendedor), a sujeição
do devedor, ou terceiro, à satisfação da dívida. Se o imóvel, no cartório está no nome do
vendedor, o juiz não poderia mandar penhorálo se o vendedor (ainda que não residente do
imóvel) não fosse réu, e se ele é réu e responsável, a dívida pode incidir sobre a totalidade
de seu patrimônio (INFO-STJ-560 e 567)

6.2 CONTRATO DE TROCA OU PERMUTA


“Troca é o contrato pelo qual as partes se obrigam a dar uma coisa por outra, que não seja
dinheiro. É um contrato consensual. Pressupõe a garantia das coisas que são objeto do
contrato” [Tepedino] (art. 533 do CC).
Na troca, as partes devem ser preocupar com a manutenção do sinalagma, não sendo
admitida qualquer situação de onerosidade excessiva, o que justifica a revisão ou resolução
do negócio, de acordo com o caso concreto (Tartuce).

6.3 CONTRATO ESTIMATÓRIO (VENDA EM CONSIGNAÇÃO DE PRODUTOS)

Partes: CONSIGNANTE (transfere a posse de bens móveis) e CONSIGNATÁRIO (recebe


os bens móveis, tendo um prazo para vendê-los e, não conseguindo a venda, deve restituir
os bens).
O consignante estabelece qual o preço de venda.
Note-se a propriedade da coisa é do CONSIGNANTE. O CONSIGNATÁRIO possui
somente uma posse legitimada para a venda.
“Trata-se de um negócio já amplamente difundido em nossa cultura, usualmente intitulado
'venda em consignação' ou, mais precisamente, 'venda mediante consignação”. [Tepedino]
“Natureza jurídica do contrato estimatório: obrigação facultativa” [Tepedino]. Para alguns
doutrinadores, é hipótese de obrigação alternativa (Caio Mário da Silva Pereira e Paulo Luiz
Netto Lôbo). O consignante terá duas opções: cobrar o preço de estima ou ingressar com
ação de reintegração de posse para reaver os bens cedidos. [Tartuce].

199
Direito Civil 2016 200

“O contrato estimatório é contrato real” [Tepedino]


Em geral o consignante pode devolver antes do prazo. O consignatário pode comprar a
coisa.
“A faculdade de devolução da coisa consignada só perdura pelo prazo fixado; findo este, a
única forma de cumprimento admitida, vendida ou não a coisa, tem-se no pagamento do
preço estimado” [Tepedino]. Responsabilidade pelo risco
A regra de que a coisa perece para o dono não se aplica ao contrato estimatório, na forma
do artigo 535. Assim, o consignatário responde por caso fortuito ou força maior, “ou mesmo
pelo fato de terceiro”. [Tepedino]
“O consignatário responde pelos vícios redibitórios e pelos riscos de evicção. Todavia, com
relação à evicção, responde igualmente o consignante” [Tepedino]
6.4 CONTRATO DE DOAÇÃO
Conceito: A doação, prevista nos artigos 538 e seguintes, é o negócio jurídico pelo qual o
doador, por espírito de liberalidade, transfere bens ou valores do seu patrimônio ao
donatário, que os aceita.
Elementos da doação [Tepedino]:
Subjetivo: animus donandi, que tem como conteúdo a liberalidade, isto é, a vontade de
enriquecer o beneficiário às próprias expensas;
Objetivo: a diminuição do patrimônio do doador e correspondente enriquecimento do
donatário; Realização por ato inter vivos (no sistema brasileiro, se uma pessoa desejar, por
ocasião de sua morte, contemplar outra, os instrumentos jurídicos de que pode dispor são
apenas o testamento e o codicilo, não a doação);
O doador só pode transferir bens que efetivamente estejam em seu patrimônio, vale dizer,
de que possa dispor no momento da execução do contrato (prevalece o entendimento de
que seja possível doar bem alheio ou futuro, desde que, no momento da transferência, se
possa cumprir a obrigação de entrega). Características
Unilateralidade: “A doação está para o conjunto de contratos unilaterais gratuitos, assim
como a compra e venda está para os bilaterais onerosos. São ambos
paradigmáticos”[Tepedino] A doação com encargo NÃO torna o contrato bilateral, o contrato
continua sendo unilateral, porque o encargo NÃO é uma contraprestação (o encargo não
guarda proporção com o que é recebido, por isso não é sinalagma). Nessa hipótese, é
melhor classificar o contrato unilateral imperfeito [Tartuce].
Consensualidade: Aperfeiçoa-se com a manifestação de vontade das partes.
Formalidade: Em geral, é feita por escrito; poderá ser verbal quando, versando sobre bens
móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição. Existe um subjetivismo
sobre o que se define como pequeno valor, a doutrina recomenda que a aferição sobre o
que seja pequeno valor leve em conta o patrimônio do doador. Quando legislador exigir o
instrumento público para transferência, a doação deverá ser feita por escritura pública
(direito real sobre bens imóveis de valor superior a 30 vezes o maior mínimo vigente no
País – artigo 108,CC).
Partes: O nascituro e o incapaz podem ser partes no contrato de doação, desde que aceita
pelo representante legal (nascituro), ou dispensada quando haja a doação pura.
Doação por procuração: A jurisprudência tem admitido a doação por procuração, desde que
o mandato não seja genérico, ou seja, a procuração deve especificar o objeto e o donatário
(RT 495/44 e RT 472/95).
Doação inoficiosa (art. 549): É aquela que ultrapassa os bens disponíveis do doador. A
sanção legal para este espécie de doação é torná-la ineficaz naquilo em que exceder a
meação disponível. O momento oportuno para realizar o cálculo da metade disponível é o
instante da liberalidade. Somente os outros herdeiros poderão impugná-la. Para Pablo, É
imprescritível a declaração de nulidade, mas os efeitos patrimoniais sofrem limitação,

200
Direito Civil 2016 201

estando submetidos ao prazo prescricional geral de 10 anos. STJ: tem entendido que
doação inoficiosa é ANULÁVEL estando submetida ao prazo de anulatória de 20 anos.
Obs: Mesmo em decisões proferidas após a entrada em vigor do CC/02, o STF tem afirmado
que o prazo prescricional para anular doação inoficiosa é de 20 anos o que, em tese, afronta
o art. 205 do CC/02. (STJ; T3; AgRg nos EDcl no REsp 1196946/RS; DJe 21/03/2011; STJ;
T4; REsp 259406/PR; DJ 04/04/2005 p. 314).

Doação universal (art. 548): Relaciona-se com o ESTATUTO JURÍDICO DO PATRIMÔNIO


MÍNIMO, que consiste em uma tese desenvolvida por EDSON FACHIN, segundo a qual as
normas civis devem buscar resguardar um mínimo de patrimônio para que cada pessoa
tenha uma existência digna. (princípio da dignidade da pessoa humana). As normas do bem
de família estão relacionadas com esse estatuto. “Casos em que se admite a doação da
totalidade dos bens: a primeira hipótese apontada pela doutrina é a reserva de renda
suficiente para sua subsistência, o que se operacionaliza pela constituição de usufruto em
favor do próprio doador. A segunda hipótese, sobre a qual ocorre funda divergência, é a de
ser possível, sim, a doação de todos os bens, retirando o doador o necessário para a
subsistência de seus vencimentos, proventos ou subsídios ou de seu salário, havendo quem
entenda que a partir de uma interpretação teleológica se pode afirmar ser plenamente
possível a doação universal de bens quando o doador possuir alguma fonte de renda
periódica, o que não afronta o art. 548, CC, tendo em vista que a finalidade da norma
restaria preservada, pois a subsistência do doador estaria garantida” [Tepedino].
Classificação
Contrato típico; comutativo; unilateral (na modalidade onerosa, a doação aproxima-se do
regime bilateral); solene; geralmente gratuito. Pode ser oneroso (modal ou com encargo).
Obs: Parte da doutrina classifica a doação como sendo um contrato consensual (Orlando
Gomes). Mas tendo em vista a exigência de forma escrita (art. 541), preferimos classificá-
la como formal ou solene. (Caio Mário). “Em determinadas hipóteses, o contrato de doação
será real” [Tepedino]
Promessa de doação: A doutrina (ANA PRATA e CAIO MÁRIO) aceita a promessa de
doação, afastada a execução específica, entretanto sendo possível o pedido de perdas e
danos. Ou seja, não cabe a execução específica, mas o donatário pode pleitear perdas e
danos. O NCC não prevê, o Código alemão sim. “No que toca à promessa de doação,
majoritariamente, doutrina e jurisprudência lhe recusam efeitos pela incompatibilidade entre
a natureza calcada na liberalidade da doação e a possibilidade de execução coativa da
obrigação de fazer. Admite-se, contudo, a promessa de doação quando feita no bojo de um
negócio complexo, no qual se possam entrever múltiplas obrigações para ambas as partes,
pela inexistência da incongruência aludida (ex: promessa de doação no âmbito de um
acordo de separação judicial). Para Caio Mário da Silva Pereira, somente nos casos de
doação modal seria possível conceber-se a promessa de contrato, pois o encargo imposto
legitimaria o donatário a exigir o cumprimento da prestação por parte do doador” [Tepedino].
Espécies de doação doação pura: é doação sem encargo, ou seja, aquela que traduz um
simples benefício patrimonial; doação modal, onerosa ou com encargo: trata-se de doação
gravada com um ônus (encargo). Disciplinada no art. 553. “Encargo é um dever anexo à
doação, sem descaracterizá-la, isto é, desde que não configure correspectividade ou
contraprestação” [Tepedino] doação contemplativa ou meritória: trata-se da doação em que
o doador declina as razões da sua beneficência. “É estimulada pelo sentimento pessoal de
admiração ou reconhecimento da conduta do donatário. Consiste em um prêmio ao
donatário. Difere da doação remuneratória por apresentar conteúdo mais sutil, no sentido
de não pressupor a recompensa de favor ou serviço recebido”[Tepedino] ; doação
remuneratória: é doação feita em retribuição a serviços prestados pelo donatário. “reflete,
pois, uma mostra de gratidão, sendo feita não puramente por uma liberalidade, mas também
201
Direito Civil 2016 202

para atender a uma necessidade moral do doador em compensar o que antes recebeu do
donatário. O efeito da doação remuneratória será de doação pura quanto ao excedente ao
valor dos serviços remunerados. Até o limite do valor dos serviços remunerados, responde
pelos riscos da evicção e pela garantia dos vícios redibitórios. Por isso que a doutrina
classifica a doação remuneratória como imprópria” [Tepedino]. doação conjuntiva: trata-se
da doação feita a mais de uma pessoa. É disciplinada pelo art. 551 do Código Civil.
Doação a nascituro: é doação duplamente condicional, dependendo de dois eventos futuros
e incertos: o nascimento com vida e aceitação do representante (art. 542, do CC). doação
feita em contemplação a casamento futuro: dispondo sobre esta espécie, temos o art. 546
do Código Civil.
doação com cláusula de reversão: prevista esta cláusula, o bem doado pode reverter em
benefício do doador. Disciplinada no art. 547 do Código Civil. “Esta cláusula tem a natureza
jurídica de condição resolutiva. Se o doador morre antes do donatário, o bem dado
permanece, em definitivo, no patrimônio do donatário, passando aos seus herdeiros”
[Tepedino] doação mista (negotium mixtum cum donatione): cuida-se de uma doação
híbrida, com matiz de contrato oneroso: um sujeito paga, livremente, 500 reais por um bem
que vale apenas 100. doação sob forma de subvenção periódica: A seu respeito, veja-se o
545 do Código Civil. “Tal espécie de doação tem a natureza jurídica de constituição de renda
a título gratuito (arts. 803-813)” [Tepedino] Ao contrário dessa espécie de doação, a
constituição de renda pode ser onerosa e a renda pode decorrer de um imóvel (na doação a
renda decorre diretamente do patrimônio do doador). doação real: “quando o bem doado for
móvel e de pequeno valor, por seguir-lhe incontinenti sua tradição. São os chamados 'dons
manuais', como, p. ex., os presentes de aniversário, casamento, de mero agrado, etc”.
[Tepedino]
Doação colacionável: A pessoa pode doar para seus ascendentes, descendentes ou
cônjuges. No entanto, isso será considerado “adiantamento da legítima”, ou seja, um
adiantamento do que o donatário iria receber como herdeiro no momento em que o doador
morresse, salvo se o doador deixar expresso que doou da parte disponível;
Doação fraudulenta: É aquela realizada pelo devedor insolvente ou que, com a doação,
torna-se insolvente. Vale ressaltar que devedor insolvente é aquele cujo patrimônio passivo
(dívidas) é maior que o ativo (bens). A doação, nesses casos, somente é válida se foi
realizada com o consentimento de todos os credores. Se feita sem tal consentimento,
configura fraude contra os credores, sendo, portanto, anulável.;
Doação do cônjuge adúltero a seu cúmplice CC/Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao
seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até
dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal. “Qualquer que seja o regime de bens
do casamento, é facultado ao cônjuge traído pleitear a anulação da doação feita pelo seu
consorte em favor do cúmplice.
- O pródigo pode realizar doações? SIM, desde que assistido pelo curador. O PRAZO para
a ação de nulidade de doação inoficiosa (ação de redução) é de 10 anos e só pode ser
proposta pelos herdeiros (INFO – STJ-539)
Extinção da doação
A forma mais comum é o cumprimento do contrato.
O contrato pode ser extinto por revogação (resilição). O direito de revogar cabe ao doador,
é um direito personalíssimo e irrenunciável (art. 556).
Mas há hipóteses nas quais cabe a revogação da doação. Cumpre-nos mencionar que o
Código Civil Brasileiro admite a revogação da doação por duas ordens de motivos (art. 555):
a) por inexecução do encargo, na doação modal;
b) por ingratidão do donatário.
“Distinguem-se os efeitos das duas causas de revogação da doação: o descumprimento do
encargo tem a natureza jurídica de condição resolutiva da doação, pelo que seu advento
202
Direito Civil 2016 203

opera efeitos ex tunc, vale dizer, retroagem à data da celebração da doação; a ingratidão
do donatário tem a natureza jurídica de causa superveniente, produzindo efeitos ex nunc,
isto é, não retroativos”.
[Tepedino]
“Não sendo possível a restituição, por as coisas doadas não mais existirem ou terem sido
alienadas, o donatário deverá indenizar o doador pelo meio-termo de seu valor. Vale dizer:
'pela média entre o valor, que a coisa teve ou podia ter entre a data da tradição ao donatário
e da restituição” [Tepedino]

Revogação da doação
Inexecução do encargo: “A ação do doador será para resolver o contrato em virtude da
condição resolutiva, em que se traduz o encargo, quando estabelecido em seu favor.
Resolvido o contrato, a coisa doada será restituída ao doador. A ação do terceiro e a do
Ministério Público dirigem-se ao cumprimento do encargo, que é uma obrigação como outra
qualquer. A mesma finalidade terá a ação do doador, quando ele não for o beneficiado”.
[Tepedino] O prazo para a ação revogatória por inexecução do encargo não está previsto
na lei. O STJ estava entendendo que o prazo seria de 20 anos. PABLO: esse prazo é
prescricional e a ação revogatória é submetida a prazo decadencial, por se tratar de direito
potestativo. Atualmente, no NCC o prazo máximo de prescrição é de 10 anos. CIVIL.

Ingratidão do donatário: “O rol do art. 557 é taxativo. Não fica ao arbítrio nem do doador
nem do juiz a definição do que seja ingratidão; é o próprio CC que taxativamente elenca as
hipóteses de ingratidão que dão ensejo à revogação. A revogação não se efetiva por
simples manifestação de vontade do doador. Necessário que se proponha a ação judicial,
pleiteando-a. O direito de ajuizar a ação revocatória é personalíssimo. Deve ser exercitado
pelo doador, permitindo a lei apenas que, ajuizada a ação, venha a ser continuada por seus
sucessores. No caso de homicídio doloso, os herdeiros do doador têm legitimidade para o
ajuizamento da ação. A revogação por motivo de ingratidão só é possível a respeito das
liberalidades puras. Na parte em que a doação excede à remuneração, ao encargo, ou à
obrigação natural, convertendo-se em pura liberalidade, é admitida a revogação” [Tepedino]
Para a revogação da doação por ingratidão, exige-se que os atos praticados, além de
graves, revistam-se objetivamente dessa característica, e não apenas subjetivamente
conforme entendimento do doador. (atentado contra a vida, crime de homicídio doloso,
ofensa física, injúria grave ou calúnia, recusa de alimentos - sempre contra o doador -
destacando-se, aliás, expressamente, quanto à exigência de que a injúria, seja grave, o que
também se estende, por implícito à calúnia, inciso III dos dispositivos anotados)" Art. 557.
Podem ser revogadas por ingratidão as doações:
I - se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso
contra ele; (HOMICÍDIO TENTADO OU CONSUMADO DISPENSADO O TRÂNSITO EM
JULGADO DA SENTENÇA PENAL21, OU SEJA O FATO PODE SER VERIFICADO
SOMENTE NA ESFERA CÍVEL).
II - se cometeu contra ele ofensa física;
III - se o injuriou gravemente ou o caluniou; (O PROJETO DE REFORMA VAI CORRIGIR
ISSO INSERINDO A DIFAMAÇÃO. Tepedino defende que a ingratidão se configurará
também no caso de difamação).
IV - se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava.

21
Tepedino afirma que Caio Mário é contrário a esse entendimento.
203
Direito Civil 2016 204

6.5 CONTRATO DE LOCAÇÃO DE COISAS


“Conceito: O contrato de locação pode ser definido como o negócio jurídico pelo qual uma
das partes transfere o exercício do uso e gozo do bem infungível mediante certa retribuição.”
Elementos: essenciais: consentimento, coisa e preço; não-essenciais: prazo e forma.
No regime de locação de imóveis urbanos, regulado pela Lei 8.245/91 (art. 3º), exige-se a
vênia conjugal para o contrato de locação celebrado por prazo igual ou superior a 10 anos.
É contrato consensual, em que a tradição da coisa significa execução do negócio.
Não é necessário que o locador tenha a propriedade do bem, pois, basta ser possuidor
jurídico, usufrutuário ou simples administrador.
Se a coisa cujo uso se concede é fungível, o contrato degenera em mútuo.
É possível a locação de bens incorpóreos (ex.: patente de invenção, fundo de comércio,
etc). Não se exige que a renda ou aluguel seja necessariamente em dinheiro, não sendo a
pecuniaridade essencial ao contrato de locação de coisa, excetuadas as locações
prediais.
A jurisprudência do STJ entende que o contrato de locação constitui título executivo
extrajudicial, mesmo que não subscrito por duas testemunhas.
No regime do CC, o contrato de locação tem caráter impessoal, não sendo personalíssimo
nem para o locador nem para o locatário. Admite, pois, em princípio, cessão, sublocação e
sucessão em virtude de morte de qualquer dos contratantes. As partes podem, porém,
convencionar diversamente.
Aplicam-se ao contrato de locação as normas relativas aos vícios redibitórios, sendo
possível ao locatário rejeitar a coisa defeituosa ou exigir o abatimento do aluguel.
A maioria da doutrina entende que o locatário não poderá reter o aluguel ou descontar o
que considera ter direito a receber como indenização.
Art. 567: a resolução deverá ser decretada pelo juiz, não se operando de pleno direito, ainda
que o locatário tenha abandonado a coisa por motivo relevante.
Se a turbação ou o esbulho forem praticados pelo próprio locador, o locatário poderá
defender-se, também, através do desforço imediato e das ações possessórias.
Saliente-se, contudo, que em casos como a requisição e a desapropriação do bem locado
pela Administração Pública, não há que se falar em perturbação da posse direta do locatário
e violação do direito ao uso pacífico da coisa, mas sim em motivos de força maior,
decorrentes do factum principis que trazem cunho de nítida liceidade, por se orientarem no
rumo do bem comum, ainda que na sua esteira deixem a marca da lesão a interesses
privados.
O locador responde ao locatário pela evicção.
A lei exige, expressamente, que o vício seja oculto para ensejar a responsabilidade do
locador. Todavia, se o vício for aparente, considera-se que o locatário quis o bem viciado,
acertando o aluguel justo em virtude do defeito. Contudo, parece ser mais razoável não
exonerar o locador da garantia dos vícios aparentes, a não ser que prove que deles o
locatário ficou tendo conhecimento, porquanto ele locador é quem, conhecendo melhor a
existência de tais vícios, ou defeitos, deveria para eles chamar a atenção do locatário.
O aluguel é obrigação quesível ou querable. Logo, caberá ao locador procurar o locatário
para realizar a cobrança. As partes podem, entretanto, convencionar de forma diversa,
transformando-a em portável ou portable.
O pagamento de aluguéis não pode ser retido a pretexto algum, sob pena de incidir o
devedor em mora; não pode este, destarte, subtrair-se ao cumprimento da referida
obrigação legal, alegando que a coisa locada se acha em mau estado, que o locador não
fez as reformas prometidas ou que ela não serve aos seus objetivos.
Pelas deteriorações havidas por caso fortuito ou força maior não responderá o locatário,
bem como por aquelas naturais do uso regular.

204
Direito Civil 2016 205

Art. 570: para ensejar a indenização, é indiferente que o dano provenha de ato seu ou de
seus prepostos ou de sublocatários.
Art. 571 (denúncia pelo locatário): se nada dispuser o contrato a respeito da cláusula penal,
e se não houver consenso entre as partes, a solução será o arbitramento judicial da multa.
Em caso de locação de imóvel urbano, não é admitida a denúncia antecipada do contrato
pelo locador, que deve respeitar o termo final estipulado no contrato. Todavia, ao locatário
é permitido despedir-se antecipadamente do negócio jurídico pactuado, com o pagamento
de multa cominada, seja contratualmente, seja judicialmente (L 8245/91, art. 4º).
A mora constitui-se de pleno direito com o advento do termo contratual; a notificação serve
exclusivamente para afastar a presunção relativa de que, no silêncio do locador, presume-
se prorrogado o contrato.
Art. 573: a posse do locatário, que durante o contrato é justa e de boa-fé, depois da
constituição em mora passa a ser precária, ensejando o direito ao locador de utilizar-se dos
interditos possessórios, especialmente a reintegração de posse, para defender-se.
Ressalte-se que nos casos de locação de imóvel urbano, a ação apropriada será a de
despejo (L 8245/91, art. 5º).
Duas são as condições, então, para que ocorra a prorrogação do contrato por prazo
determinado, uma vez terminado o termo ajustado: a continuação do locatário na posse do
bem e a falta de oposição do locador.
Art. 575 (aluguel-pena): a estipulação de valor totalmente arbitrário acarreta abuso do direito
por parte do locador (art.187). Dois fatores importarão para a fixação do valor do novo
aluguel, sendo eles a contraprestação e a penalidade.
Art. 576: havendo continuação do contrato, o adquirente sub-roga-se em todos os direitos
e obrigações assumidas pelo locador originário, ou seja, o alienante.
STF: salvo estipulação contratual averbada no registro imobiliário, não responde o
adquirente pelas benfeitorias do locatário.
O contrato por tempo indeterminado, em caso de morte de qualquer das partes, poderá ser
denunciado, aplicando-se o disposto nos arts. 574-575.
Só poderá o locatário exercer o direito de retenção estando quite com as obrigações que
lhe competem e, entre elas, a do pagamento do aluguel e da conservação da coisa locada.
O direito de retenção será exercitado sem limitação temporal. Isso é, enquanto não
indenizado o locatário, a retenção será legítima, não importando o decurso de tempo. Em
sentido contrário, entende-se que o direito de retenção termina quando o valor das
contraprestações acumuladas durante o prazo da retenção se equipara ao valor das obras
realizadas.
STJ: não é nula, nos contratos de locação urbana, a cláusula que estabelece a renúncia ao
direito de retenção ou indenização por benfeitorias.
Nas relações de consumo, é nula a cláusula que possibilite a renúncia do direito de
indenizar por benfeitorias necessárias”. [Tepedino]

DCC - INTERPRETAÇÃO DO ART. 53 DA LEI DE LOCAÇÕES.


Pode haver denúncia vazia de contrato de locação de imóvel não residencial ocupado por
instituição de saúde apenas para o desempenho de atividades administrativas, como
marcação de consultas e captação de clientes, não se aplicando o benefício legal previsto
no art. 53 da Lei de Locações.
Art. 53 - Nas locações de imóveis utilizados por hospitais, unidades sanitárias oficiais,
asilos, estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo Poder
Público, bem como por entidades religiosas devidamente registradas, o contrato somente
poderá ser rescindido. (…) (…) Buscou-se privilegiar o interesse social patente no
desempenho das atividades fins ligadas à saúde, visto que não podem sofrer dissolução de
continuidade ao mero alvedrio do locador. Posto isso, há de ressaltar que, conforme a
205
Direito Civil 2016 206

jurisprudência do STJ, esse dispositivo merece exegese restritiva, não estendendo as suas
normas, restritivas por natureza do direito do locador, à locação de espaço voltado ao trato
administrativo de estabelecimento de saúde.
Nota: Contrato de locação de imóveis e sua abrangência. A locação de prédios urbanos
rege-se pela Lei n. 8.245/91. A locação de prédios rústicos é regulada pelo Estatuto da
Terra.
DCC - LOCAÇÃO COMERCIAL DE IMÓVEL DE EMPRESA PÚBLICA FEDERAL
Empresa pública federal que realize contrato de locação comercial de imóvel de sua
propriedade não pode escusar-se de renovar o contrato na hipótese em que o locatário
tenha cumprido todos os requisitos exigidos pela Lei de Locações (Lei 8.245/1991) para
garantir o direito à renovação. (…) não se pode descaracterizar o contrato de natureza
privada, se foi este o tipo de pacto eleito pela administração, até porque, se ela o desejasse,
firmaria contrato administrativo de concessão de uso”.
Nota: O art. 1º, “a”, “1” da Lei n. 8.245/91 somente exclui do seu âmbito as locações de
imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e
fundações públicas. Logo, as empresas públicas e sociedades de economia mista
submetem-se à Lei n. 8.245/91. (Juiz Federal TRF2 2014 – adaptada) Não se aplica a
ação renovatória se uma das partes é pessoa integrante da administração pública indireta.
ERRADO.
6.6 CONTRATO DE EMPRÉSTIMO
Comodato: empréstimo de uso;
Mútuo: empréstimo de consumo [Tepedino].
“O comodato e o mútuo têm como principal característica a entrega de um bem para que
seja utilizado e posteriormente restituído a seu titular. A principal distinção entre ambos se
dá em relação à natureza do bem dado em empréstimo: se o bem for fungível, tratar-se-á
de um contrato de mútuo; se infungível, será comodato”. [Tepedino]
6.7 CONTRATO DE COMODATO
Conceito: “É um contrato por meio do qual o comodante entrega ao comodatário
determinado bem infungível, móvel ou imóvel, para que dele se utilize de forma gratuita,
tendo a obrigação de restituição a posteriori” [Tepedino] Características
Contrato real; Contrato unilateral; Contrato gratuito; Contrato fiduciário; Contrato
temporário: (art. 581).
“Das circunstâncias do caso concreto é que se deve concluir pela natureza intuitu
personae ou não do contrato” [Tepedino]. Posição do STJ sobre retomada
O comodante pode retomar a coisa, porque o comodatário não tem direito real é um mero
possuidor precário da coisa.
O comodante retoma o bem por meio de ação de REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
O STJ tem adotado duas posições a respeito disso:
Comodato por Prazo Indeterminado: a notificação do comodatário é requisito para a
possessória.
(REsp 571.453/MG, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em
06/04/2006, DJ 29/05/2006 p. 230)
Comodato por Prazo Determinado: a retomada do bem é IMEDIATA, não há que haver
notificação, pode ingressar diretamente com a ação de reintegração de posse (mora ex re,
que independe de interpelação).
Direitos e obrigações das partes Art. 582, do CC
Se o comodatário estiver em mora pagará “ALUGUEL”, mas não se converte o comodato
em locação. O que a lei chama de aluguel na verdade são perdas e danos.
O que o comodatário gastar no uso e gozo da coisa emprestada não poderá ser restituído
(art. 584). E as despesas URGENTES e EXTRAORDINÁRIAS tais como uma benfeitoria
206
Direito Civil 2016 207

necessária? O STJ tem entendido que nesses casos pode ser ressarcido o comodatário. O
que a lei veda é a cobrança das despesas ordinárias, mas as extraordinárias podem ser
cobradas. (STJ; RESp 64114/GO, T4; Data do Julgamento 19/09/1995 Data da
Publicação/Fonte DJ 18.12.1995 p. 44580).
6.8 CONTRATO DE MÚTUO
Conceito (art. 587): “O mútuo é o contrato por meio do qual uma pessoa (mutuante)
transfere à outra (mutuário) a propriedade de determinado bem fungível, sendo obrigação
do mutuário a restituição de coisa do mesmo gênero, quantidade e qualidade”. [Tepedino]
“Não poderá ter como objeto bens imóveis, apesar da possibilidade que as partes têm de
caracterizar como fungíveis os lotes de um terreno” [Tepedino]
“O mutuante deve ser proprietário do bem objeto do contrato, na medida em que o que se
pretende com o mútuo é a transferência da propriedade dos bens fungíveis. Isso se dá
devido à incompatibilidade entre a conservação do bem e a faculdade de consumí-lo,
essencial ao contrato de mútuo, por isso mesmo denominado empréstimo de consumo. Se
o mútuo for realizado por pessoa diversa do proprietário do bem mutuado, o negócio será
nulo” [Tepedino] Características
Contrato real: somente se torna perfeito (existente) com a entrega da coisa. “Enquanto no
mútuo feneratício nada impede a configuração consensual, no mútuo dito gratuito, sem
qualquer contraprestação correspectiva, somente a efetiva entrega do bem poderá indicar
a vontade dirigida à contratação. Uma das características essenciais do mútuo é a
transferência do domínio do bem mutuado desde o momento de sua tradição, formando-se
o vínculo contratual. Por ser a coisa mutuada propriedade do mutuário, não cabe a
possibilidade de indenização de eventuais benfeitorias realizadas, nem despesas outras”
[Tepedino]
Contrato unilateral: só quem assume obrigações é mutuário.
Contrato pode ser gratuito ou oneroso: mesmo sem perder a sua característica de
unilateralidade.
Se o mutuário tiver obrigação de devolver exatamente a quantia emprestada, é contrato
gratuito (é contrato benéfico, porque o mutuário não sofre prejuízo em seu patrimônio,
não tendo que remunerar o mutuante). É diferente do que acontece com o mútuo a juros,
que se trata de um contrato oneroso, mas com unilateralidade. Assim: o mútuo é gratuito,
quando o mutuário, ao devolver não sofre qualquer prejuízo; caso, entretanto, tenha que
remunerar o mutuante, o mútuo é unilateral e oneroso. Esse mútuo a juros, que o banco
pratica, é também chamado de MÚTUO FENERATÍCIO.
Recorde-se que, para as Cortes Superiores, as entidades bancárias não estão sujeitas à
Lei de Usura. Contrato temporário: não pode ser eterno, o contrato deve estipular um prazo,
não o fazendo aplica-se o artigo 592, NCC.
Restituição:
“Não cabem, para a restituição do bem, ações possessórias, na medida em que o mutuante
não tem sequer a posse indireta sobre o bem mutuado. Em virtude da transferência de
propriedade, em caso de não restituição do bem mutuado, duas medidas judiciais poderão
ser intentadas: cobrança da obrigação de dar ou fazer e o pagamento de perdas e danos
pelo descumprimento de obrigação” [Tepedino]
Art. 590. O mutuante pode exigir garantia da restituição, se antes do vencimento o
mutuário sofrer notória mudança em sua situação econômica. ( É A CHAMADA
EXCEÇÃO DE INSEGURIDADE). Mútuo feito a menor: arts. 588 e 589
DCC - PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA DE FIANÇA EM CONTRATO DE MÚTUO
BANCÁRIO.

207
Direito Civil 2016 208

Havendo expressa e clara previsão contratual da manutenção da fiança prestada em


contrato de mútuo bancário em caso de prorrogação do contrato principal, o pacto acessório
também é prorrogado automaticamente.
Nota: questão controvertida - É válida a cláusula que prevê a prorrogação automática da
fiança em caso de prorrogação do contrato principal?
•1ª corrente: NÃO. Posição da 3ª Turma do STJ.
•2ª corrente: SIM. Posição da 4ª Turma do STJ.
6.9 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
“Conceito: contrato mediante o qual uma pessoa se obriga a prestar um serviço a outra,
eventualmente, em troca de determinada remuneração, efetuando-os com independência
técnica e sem subordinação hierárquica.
O objeto de tal contrato é a atividade humana, tanto física quanto intelectual. Irá se
diferenciar da empreitada, que também é tipo de prestação de serviço, pois naquela existirá
a atribuição de uma função específica e a busca de um resultado por uma obra.
Faz parte da essência da prestação de serviços a remuneração. Nada impede que seja
estabelecida a remuneração não pecuniária, como, p. ex., a realização de outra obrigação
de fazer, a ser cumprida pelo tomador do serviço. O contrato, porém, torna-se atípico.
Art. 598: nada impede que após os quatro anos, findo o contrato, este seja renovado pelas
partes por igual prazo. Não se admite a prorrogação tácita do contrato.
Art. 599: não será necessário o aviso prévio ou a denúncia nas hipóteses que configuram
a justa causa para a rescisão contratual, vez que a causa para o rompimento contratual
está estabelecida legalmente. A falta, porém, do aviso prévio, quando se impõe, acarretará
o pagamento de perdas e danos por aquele que deu causa, por inadimplemento da
obrigação.
A contratação do prestador de serviço não necessita ser realizada com a especificação
daquilo que deverá ser prestado.
As obrigações resultantes deste contrato não se transmitem aos herdeiros.
Art. 608 – dispõe sobre a pessoa que, sabendo, alicia prestadores de serviços de outrem,
prejudicando o cumprimento do contrato. A pessoa passa a ter de pagar indenização ao
prejudicado. Também se pode dizer que se trata de uma forma de defesa e proteção
concorrencial. A limitação da indenização por rompimento do contrato não é absoluta. (é o
que a doutrina chama de TERCEIRO CÚMPLICE)
Art. 609: o novo proprietário do prédio agrícola deve manter os prestadores de serviço que
nele laborem. Este é um direito potestativo do prestador. Não se rescinde o contrato
anterior, sendo ele aproveitado. [Tepedino]”.
INFO-STJ-561: O contrato entre BANCO e EMPRESA DE VIGILÂNCIA para defesa de
agência bancária é obrigação meio, não podendo a empresa de segurança ser
responsabilizada por roubo no banco feita por quadrilha com armamento pesado

6.10 CONTRATO DE EMPREITADA


“Conceito: é o contrato pelo qual uma das partes, o empreiteiro, se obriga a realizar uma
obra especifica e certa para a outra parte, o proprietário, com material próprio ou por este
fornecido, mediante remuneração global ou proporcional ao trabalho realizado, sem que
haja relação de subordinação ou vínculo trabalhista entre ambos.
No silêncio do contrato, admite-se que a obra seja executada por terceiro, desde que a
contratação não esteja vinculada a qualidades próprias do empreiteiro (subempreitada).
Ao contrário do contrato de prestação de serviços, a empreitada se caracteriza nitidamente
pela circunstância de considerar o resultado final – e não a atividade – objeto da relação
contratual. Enquanto no contrato puro e simples de prestação de serviços (locatio operarum)

208
Direito Civil 2016 209

o objeto perseguido é o trabalho humano, no contrato de empreitada o que se busca é a


realização de uma obra (locatio operis), um resultado.
A remuneração (ou preço) é essencial. Não se exige o pagamento em dinheiro, sendo
cabível qualquer outro tipo de remuneração, podendo mesmo consistir em parte da própria
obra.
Preço global ou forfaitário: remuneração pela obra inteira.
Empreitada por medida: o preço é fixado em função de cada uma das partes ou etapas ou
em determinada medida.
Art. 610: empreitada de lavor ou de mão-de-obra e empreitada de material ou mista. Na
primeira hipótese, o empreiteiro contribuiu exclusivamente com o trabalho, cabendo à outra
parte fornecer o material a ser usado na obra. Na empreitada mista, diversamente, fica a
cargo do empreiteiro, além do trabalho, fornecer o material necessário.
Concluída a obra, o dono é obrigado a recebê-la, desde que executada conforme
contratado. Portanto, se o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos
dados, ou das regras técnicas pertinentes, poderá o dono da obra a rejeitar, por não estar
a seu contento, sem incidir em mora, continuando os riscos por conta do empreiteiro. Só
haverá mora do dono da obra caso o não recebimento seja infundado.
Caso nenhuma das partes seja culpada pelo perecimento da coisa, ambas sofrerão
conjuntamente os prejuízos: o dono perde o material entregue e o empreiteiro perde a
retribuição pelo trabalho desenvolvido. O empreiteiro não perderá sua remuneração
somente se provar, simultaneamente, que: I) a perda resultou de defeito dos materiais; e II)
em tempo reclamara contra a sua quantidade ou qualidade.
Art. 614: não se devem confundir 'partes distintas' de uma obra, unidades de referência da
obra, com etapas dessas mesmas unidades. No primeiro caso, tem-se, p. ex., cada casa
vista em relação a um conjunto residencial, podendo ser considerada uma unidade de
referência, uma parte distinta (uma das 'partes em que se dividir'), que servirá de base para
verificação. Já as etapas normalmente correspondem a estágios de execução de cada parte
distinta, cada unidade de referência, como o levantamento de paredes, colocação de lajes
ou telhados.
Art. 615: a mora do empreiteiro também pode constituir justa causa para o não recebimento.
Questão bastante debatida diz respeito à possibilidade de o empreiteiro exercer direito de
retenção sobre a obra realizada se o dono não efetuar o pagamento. Sobre o tema,
desenvolveram-se duas correntes doutrinárias. De acordo com a primeira, o direito de
retenção só teria cabimento nos casos expressamente previstos em lei, por sua natureza
de instrumento de autotutela, a exigir interpretação restritiva por tratar-se de exceção.
Ausente a previsão legal, não aproveitaria à empreitada. O segundo entendimento, mais
flexível, admite o reconhecimento do direito de retenção, por analogia, em todos os casos
em que estejam presentes seus pressupostos. Art. 616: o abatimento caberá quando,
mesmo verificada uma diminuição do valor, houver interesse do dono da obra. A eventual
valorização, não autorizada, não ensejará direito ao aumento da remuneração.
Art. 618: na jurisprudência, o dispositivo abrange também os defeitos que prejudicam a
habitabilidade do edifício, não se limitando aos danos que acarretem ruína da construção.
A disposição se dirige às empreitadas mistas. Estabeleceu o CC aqui uma exceção à regra
de que cessa, com a aceitação da obra, a responsabilidade do empreiteiro.
Os vícios da construção (art. 618) devem ser ocultos e relacionados à solidez e segurança
da obra. Contra os vícios aparentes, se não ressalvados pelo dono da obra no momento do
recebimento da obra, nada poderá ser requerido, sendo certo que é de se presumirem como
aceitos. Para Caio Mário da Silva Pereira, o empreiteiro responde independentemente da
idéia de culpa, visto tratarse de uma garantia legal, motivo pelo qual o prazo não pode ser
alterado pelas partes. Este parece ser o melhor entendimento, já adotado por nossos
tribunais.
209
Direito Civil 2016 210

“Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o


empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos,
pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.
Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não
propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento
do vício ou defeito.”
Em se tratando de ação de reparação dos danos, o prazo é de natureza prescricional (e
não decadencial), sendo de 3 anos, conforme o art. 206, par. 3º, V, CC. A questão da
decadência em 180 dias não atinge a pretensão do comitente de reparação pelos danos
causados pelos defeitos de solidez e segurança que está sujeita ao prazo prescricional de
3 anos, por se tratar de demanda condenatória.
O preço estipulado pode sofrer variação em virtude da alteração do valor de seus
componentes, como materiais e mão-de-obra, caso em que a empreitada se diz com
reajustamento. Sendo a empreitada sem reajustamento, o empreiteiro não terá direito a
qualquer acréscimo do preço, ainda que haja modificação do valor de seus componentes,
visto que, sendo o empreiteiro um especialista, presume-se que a terá calculado na previsão
dos acontecimentos, e não pode surpreender a outra parte com a exigência de quantia a
maior que o preço ajustado.
Art. 620: distancia-se da clássica teoria da imprevisão, ao dispensar a verificação de evento
extraordinário, bem como o injustificado enriquecimento da outra parte. Basta para a
aplicação do dispositivo em comento a verificação objetiva da superveniente diminuição no
preço do material ou da mão-de-obra superior a 1/10 do preço global convencionado.
Art. 621: também a Lei 9.610/98 disciplina a matéria, considerando a obra intelectual
protegida, os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia,
topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência (art. 7º, X). No caso de projeto
arquitetônico, o autor não poderá impedir modificações em seu projeto. Poderá, contudo,
repudiar a autoria de projeto alterado sem o seu consentimento durante a execução ou após
a renúncia (Lei 9.610/98, art. 24). O CC não revoga o disposto na Lei 9.610/98, mas apenas
possibilita ao autor do projeto impedir a execução da obra que está se distanciando do seu
projeto, restando-lhe sempre a opção pelo repúdio e eventual indenização.
Não há previsão de solidariedade entre o autor do projeto e o empreiteiro.
Art. 623: tem o dono da obra o direito potestativo incondicionado de pôr termo à empreitada
contratada, sem declinar as razões para tanto.
O dono da obra tem o direito potestativo de resilir o contrato, sem necessidade de declinar
sua justificativa para tanto, ao passo que o empreiteiro tem, em contraste, o ônus de
comprovar justa causa para suspender a execução do negócio.
No contrato de empreitada, a morte não causa, em regra, o término do contrato. Em
qualquer hipótese, a morte do dono da obra não extinguirá o contrato”. [Tepedino]
6.11 CONTRATO DE DEPÓSITO
I – Depósito voluntário:
Conceito: Trata-se de um negócio jurídico por meio do qual o depositante transfere coisa
móvel ao depositário para que este guarde, conserve e devolva.
É um contrato originado na Grécia, alguns Estados admitem o depósito de bens imóveis
(Portugal).
Características
Uni ou bilateral: quanto aos efeitos pode gerar obrigações para somente uma ou para
ambas as partes. Na sua forma pura, o contrato de depósito é unilateral. EXEMPLO:
guarda-volumes gratuito é unilateral. Mas há contratos de depósito em que o depositante
se obriga a remunerar o depositário, o contrato será bilateral. EXEMPLO: estacionamento

210
Direito Civil 2016 211

remunerado. “Alguns autores consideram o depósito contrato bilateral imperfeito”


[Tepedino]
Fiduciário: baseado na confiança. “É contrato celebrado intuitu personae, já que o
depositário será pessoa de confiança do depositante” [Tepedino] Real: somente se torna
perfeito com a entrega da coisa.
“A finalidade precípua do depósito é a guarda do bem para a sua posterior restituição, que
pode ser requerida pelo depositante a qualquer tempo (ad nutum), ainda que haja prazo
determinado” [Tepedino]
A jurisprudência atual do STJ, com julgados das duas turmas, considera a guarda de
automóveis em estacionamento como contrato de depósito (Súmula 130, STJ). (STJ: AgRg
no REsp 1249104 / SC; T3; DJe 27/06/2011 RT vol. 911 p. 557; REsp 419465 / DF; T4; DJ
05/05/2003 p. 304). - Não há como considerar o furto ou roubo de veículo causa excludente
da responsabilidade das empresas que exploram o estacionamento de automóveis, na
medida em que a obrigação de garantir a integridade do bem é inerente à própria atividade
por elas desenvolvida. Hodiernamente, o furto e o roubo de veículos constituem episódios
corriqueiros (absolutamente previsíveis), sendo este, inclusive, um dos principais fatores a
motivar a utilização dos estacionamentos, tornando inconcebível que uma empresa que se
proponha a depositar automóveis em segurança enquadre tais modalidades criminosas
como caso fortuito.

CUIDADO: Posição do STJ sobre furtos em condomínios:


Sobre furto em condomínio, a Segunda Seção do STJ Corte firmou entendimento no sentido
de que O condomínio só responde por furtos ocorridos nas suas áreas comuns se isso
estiver expressamente previsto na respectiva convenção. (EREsp 268669/SP, Relator o
Ministro ARI PARGENDLER, DJ de 26.4.2006). (AgRg no AREsp 9107/MG T4; DJe
24/08/2011).
“A jurisprudência majoritária não caracteriza como contrato de depósito o estacionamento
de veículos em logradouros públicos” [Tepedino] “O depósito de coisa alheia é permitido”
[Tepedino]
“A devolução deve ser feita no local da guarda, ainda que o depositário tenha recebido ou
retirado a coisa na casa do depositante” [Tepedino]
“Com a morte do depositante, pode o depositário adiar a restituição se não existe prova da
qualidade de herdeiro daqueles que requereram a restituição” [Tepedino]
art. 636: o depositário que não informar ao depositante a perda da coisa e não toma as
medidas cabíveis assume a responsabilidade por prejuízos que, em princípio, não teria.
[Tepedino] art. 640: se o intuito é a custódia da coisa e o uso é permitido para sua melhor
conservação, haverá depósito, podendo o depositante reaver o bem a qualquer momento.
Sendo a utilização permitida no interesse de quem recebe a coisa, haverá comodato,
equivocadamente denominado depósito. [Tepedino]
art. 643: despesas indenizáveis são apenas as necessárias, isto é, destinadas à
conservação do bem e a evitar a deterioração da coisa. As despesas de natureza útil e
voluptuária supõem o uso, que não é da natureza do depósito. Se autorizado o uso, por
exceção, não cabe exigir coisa alguma do depositante. [Tepedino]
O não pagamento da remuneração, das despesas e dos prejuízos gera o direito de retenção
do depositário (art. 644). Se tais dívidas forem ilíquidas ou não se comprovarem provadas
suficientemente: caução idônea ou remoção da coisa para depósito público. [Tepedino]
A forma escrita não é da substância do ato (ad solemnitatem), sendo exigida apenas para
fins de prova (ad probationem) [Tepedino]
Depósito irregular (art. 645): “Aquele que tem por objeto bem fungível, sendo o depositário
autorizado a consumi-lo, com a condição de restituir coisa do mesmo gênero, qualidade e
quantidade. Tem a mesma disciplina do contrato de mútuo. Segundo Caio Mário, a
211
Direito Civil 2016 212

fungibilidade do objeto não gera necessariamente o depósito irregular, uma vez que é
possível que se ajuste a devolução da mesma coisa, ainda que fungível. Para ele, são dois
os fatores que tornam irregular o depósito: a possibilidade conferida ao depositário de
consumir a coisa (fator material) e o propósito de beneficiar o depositário (fator anímico)”
[Tepedino]. EXEMPLO: depósito bancário. EXECUÇÃO. NOMEAÇÃO DE BENS À
PENHORA. BANCO. DINHEIRO DISPONÍVEL EM CAIXA. POSSIBILIDADE. ART. 655, I,
DO CPC. – Classificando-se o depósito de dinheiro em banco como contrato de depósito
irregular, que ao mútuo se equipara, por ele a instituição financeira recebendo a propriedade
do bem, não há ilegalidade na penhora do numerário em caixa, desde que não recaia sobre
as “Reservas Bancárias” a que alude o art. 68 da Lei n. 9.069, de 29.6.1995 (REsp's n.
98.623-MG; 208.114-SP e 234.239-SP). Recurso especial conhecido e provido. (RESP
256900/RS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 08.06.2004,
DJ
27.09.2004 p. 361) II –
Depósito necessário:
Conceito: “Denomina-se necessário o depósito que se realiza por uma necessidade que
atua imperiosa sobre a vontade do dono da coisa depositada. Se imposto por lei, diz-se
legal; se de situação imprevista, miserável.
As hipóteses do inciso II do art. 647, CC, são manifestamente exemplificativas, dando-se o
depósito miserável em quaisquer condições análogas. Indispensável que o depósito seja
imposto por acontecimento imprevisto que não permita ao depositante outra deliberação,
sequer a escolha do depositário.
A prova da realização legal é a prevista na lei que o institui, mas o princípio é que deve ser
provado por escrito. Já o depósito miserável admite qualquer meio de prova.
Ao contrário do depósito voluntário, em que se presume a sua gratuidade, nos depósitos
necessários a presunção é de remuneração, na medida em que lhes falta o caráter de
liberalidade, de serviço, de amizade ou relações antigas” [Tepedino]
6.12 CONTRATO DE MANDATO
Conceito: “Relação contratual mediante a qual uma das partes (o mandatário) se obriga a
praticar, em nome e por conta da outra parte (mandante), um ou mais atos jurídicos. O
mandato é uma espécie de representação voluntária, em que o representante (mandatário)
atua em nome do representado (mandante)”. [Tepedino]
“A despeito das controvérsias em torno do tema, admite-se que o mandatário possa
efetivamente praticar atos que não revistam a forma de negócio jurídico. Em regra, qualquer
ato jurídico poderá ser objeto do contrato de mandato, exceto aqueles que somente pela
própria pessoa podem ser praticados, em relação aos quais não é admissível a
representação. São os denominados atos personalíssimos” [Tepedino]
“O mandato é contrato intuitu personae, pois se celebra em razão da pessoa do mandatário.
O mandato presume-se gratuito se não for estipulada remuneração. No entanto, caso o seu
objeto corresponda ao daqueles que o mandatário trata por ofício ou profissão lucrativa,
presumir-se-á oneroso.
Não há dúvida de que o mandato, sobretudo quando oneroso, produz obrigações
recíprocas.
A confiança que o permeia, contudo, impede que o mandatário vincule o cumprimento de
sua obrigação ao cumprimento das obrigações atribuídas ao mandante. Sua natureza
unilateral resulta precisamente da inexistência de sinalagma entre as obrigações de ambas
as partes. Ou seja, inexiste nexo de causalidade ou de funcionalidade entre as obrigações,
de forma que uma seja a razão jurídica da outra. Não se aplica, por isso mesmo, no caso
do mandato, a exceção do contrato não cumprido, extinguindo-se o mandado tão-somente
nas hipóteses previstas pelo legislador. Registre-se, ainda, a classificação do mandato

212
Direito Civil 2016 213

como um contrato preparatório, habilitando o mandatário para a prática de certos atos que
não estão nele contidos, de modo a conferir-lhe poderes para executá-lo.
Repete o CC a autorização para que os menores relativamente incapazes possam atuar
como mandatários, independentemente da assistência de seus representantes legais”. O
incapaz pode ser mandante ou mandatário. Mas para outorgar o mandato, deve ser
assistido. [Tepedino] Procuração: “A procuração constitui-se negócio jurídico autônomo,
abstrato e unilateral, pelo qual o representado outorga ao representante os poderes de
representação: é o instrumento22 de outorga da representação” [Tepedino]
“A procuração não cria uma obrigação para o procurador de praticar atos, mas o poder de
agir em nome do outorgante, diferenciando-se, nesse aspecto, do mandato, em que o
mandatário tem a obrigação de praticar atos jurídicos no interesse do mandante. A
procuração torna-se o expediente pelo qual o mandatário faz ver a terceiros, com quem
contrata, o conteúdo e a extensão dos poderes de representação que lhe foram conferidos
pelo mandante. Em rigor, a procuração constitui-se instrumento da representação e não do
mandato”
“O CC estabeleceu, no art. 657, a regra da atração da forma, determinando que a
procuração se revista da mesma formalidade do ato a ser praticado pelo mandatário.
Embora da literalidade do art. 655 se extraia a idéia de que o substabelecimento poderá
revestir a forma particular em qualquer hipótese, deve-se interpretar o dispositivo
sistematicamente com o art. 657, entendendo que o substabelecimento poderá revestir a
forma particular tão-somente nas hipóteses em que o ato objeto do mandato e, por
conseguinte, a procuração, não exigir a forma pública, tendo sido ela utilizada apenas
facultativamente pelos interessados” [Tepedino]. De efeito, “o mandato outorgado por
instrumento público previsto no art. 655 do CC somente admite substabelecimento por
instrumento particular quando a forma pública for facultativa e não integrar a substancia do
ato” (Enunciado 182/CJF, II jornada).
O NCC não exige que seja feito o reconhecimento de firma. Mas pode o terceiro exigir.
Assim, em regra, a procuração particular não tem mais reconhecimento de firma da
assinatura.
Contrato consigo mesmo: “O negócio celebrado consigo mesmo é anulável, salvo se houver
autorização da lei ou do representado. A jurisprudência consagrou o entendimento de que
o contrato consigo mesmo deve ser admitido, desde que não haja patente conflito de
interesses ou vedação pelo mandante”. [Tepedino]
Mandatário x Comissário: “Ambos agem por conta de outrem, mas só o mandatário atua
em nome alheio”[Tepedino] Pluralidade de partes
Havendo pluralidade de mandantes, haverá solidariedade entre eles (art. 680). “O vínculo
de solidariedade limita-se à relação interna do mandato, ou seja, aos mandantes em relação
ao mandatário, não se estendendo à relação externa, isto é, aos terceiros com quem o
mandatário contrata em nome dos mandantes” [Tepedino]
Havendo pluralidade de mandatários, há as seguintes situações:
MANDATO EM CONJUNTO: todos os mandatários têm que fazer juntos, deve haver
determinação expressa nesse sentido;
MANDATO DISJUNTIVO: qualquer um dos mandatários pode cumprir, se não houver
determinação contrária, presume-se que todos os mandatários tem plenos poderes;
MANDATO SUCESSIVO: somente poderá ser cumprida a obrigação depois que uma
primeira obrigação for cumprida, cada um tem a sua obrigação, mas existe uma ordem de
preferência.
Classificação do mandato:

Instrumento é a materialização do contrato. Em alguns contratos, o instrumento (papel que é escrito


22

o contrato) tem um nome próprio. EXEMPLO: a apólice é o instrumento do contrato de seguro.


213
Direito Civil 2016 214

MANDATO JUDICIAL (CLÁUSULA AD JUDICIA): é o mandato para advogado atuar em


juízo. Pode ser para o foro em geral (artigo 53, CPC) ou para administração geral (artigo
661).
MANDATO EXTRAJUDICIAL (CLÁUSULA AD NEGOTIA):
MANDATO ESPECIAL: “aquele que se relaciona à prática de um ou mais negócios
determinados e especificados no instrumento. Não se admite, nesses casos, por analogia,
a prática de atos diversos dos contidos na procuração” [Tepedino]
MANDATO GERAL: “é o mandato relativo a todos os negócios do mandante, sem
especificação.” [Tepedino]
MANDATO EM TERMOS GERAIS: “alude à prática de atos genéricos, não especiais.
Entende-se como expressão dos poderes de administração os atos necessários e
suficientes a conservar determinados bens ou patrimônios, sem implicar a alteração de sua
medida ou substância” [Tepedino]
MANDATO COM PODERES ESPECIAIS: “é aquele outorgado para os fins que ultrapassam
a administração ordinária (alienar, hipotecar, etc)” [Tepedino] Direitos e obrigações das
partes:
“Em regra, somente os atos praticados dentro dos limites dos poderes outorgados pela
procuração vincularão o representado. Nesse sentido, os atos praticados com excesso de
poderes, isto é, sem poder de representação ou por quem não tenha mandato, serão
ineficazes em relação ao mandante, considerando-se o mandatário mero gestor de
negócios. Ressalte-se, ainda, que por estes atos poderá o representante responder
pessoalmente perante terceiros.
Há abuso quando o mandatário usa, conscientemente, os poderes que tem, sem os
exceder, mas de forma a infringir as instruções ou a vontade do mandante.
Considera-se aparente o mandato estipulado por alguém que se apresenta como
mandatário, suscitando a percepção de agir em nome e no interesse de um mandante. Uma
vez caracterizada como justificável a confiança do terceiro naquilo que afinal se revelou
mera aparência, reputar-seá válido o ato e vinculado o suposto mandante ao terceiro. Tal
ônus somente se justifica se o representado contribuiu com sua ação ou omissão para a
produção da situação geradora da confiança.
Tratando-se efetivamente de contrato de mandato, a não atuação em nome do mandante
configura inadimplemento, independentemente de ter o mandatário atuado por conta (e no
interesse) do mandante. Consequentemente, sobrevindo danos ao mandante, por força de
tal inadimplemento, o mandatário deverá indenizá-lo.
O mandatário encontra-se pessoal e exclusivamente obrigado para com o terceiro se, com
este, celebrar negócio em seu próprio nome.
Da interpretação conjunta destes dispositivos, extrai-se que o mandatário tem o direito de
reter, do objeto da operação que lhe foi cometida, tudo o que lhe for devido em virtude do
mandato, incluindo-se sua remuneração ajustada e reembolso de despesas.
O dever do mandatário de prestar contas transmite-se aos seus herdeiros. Todavia, Tartuce
entende que “sendo o contrato personalíssimo ou intuitu personae, a morte de uma das
partes gera a sua extinção, hipótese de cessação contratual. Nesse sentido, a prestação
de contas que cabia ao mandatário não se transmite aos seus herdeiros”. No mesmo
sentido, veja-se o seguinte precedente (atenção para o fato de que premissa não se
mantém quando a morte é do mandatário).
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO
DE CONTAS. CONTRATO DE MANDATO. MORTE DO MANDANTE.
LEGITIMIDADE DOS HERDEIROS.
1. Esta Corte já decidiu que o dever de prestar de contas não se transmite aos
herdeiros do mandatário, devido ao caráter personalíssimo do contrato de

214
Direito Civil 2016 215

mandato (cf. REsp 1.055.819/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA


TURMA, DJe 07/04/2010).
2. Essa orientação, porém, não pode ser estendida à hipótese de morte do
mandante, porque as circunstâncias que impedem a transmissibilidade do dever
de prestar contas aos herdeiros do mandatário não se verificam na hipótese
inversa, relativa ao direito de os herdeiros do mandante exigirem a prestação de
contas do mandatário. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp 1122589/MG,
Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado
em 10/04/2012, DJe 19/04/2012)
O ato praticado fora dos poderes do mandato não vincula o mandante (art. 662), embora
este se obrigue pelos atos praticados pelo mandatário em desacordo com as instruções
recebidas, desde que nos limites dos poderes conferidos.
Cuidando-se de mandato oneroso, a obrigação de pagar a remuneração do mandatário
subsiste independentemente da obtenção efetiva dos resultados esperados pelo mandante.
O que se exige é que o mandatário tenha cumprido bem seus deveres, tais quais as
instruções recebidas [obrigação de meio]
Art. 677: entende-se, majoritariamente, que estes juros são compensatórios, correndo,
portanto, da data em que o mandatário demonstrar que fez o desembolso.
Art. 678: a obrigação do mandante beneficiará os herdeiros do mandatário, caso este faleça
em decorrência de acidente sofrido na execução do mandato.
Pelos atos culposos do mandatário o mandante também responderá perante terceiros,
desde que o dano tenha sido provocado no cumprimento do mandato e dentro dos limites
deste. A hipótese caracterizará solidariedade passiva (art. 275), ressalvado para o
mandante o direito de regresso em face do mandatário (art. 285)” [Tepedino]
Submandato
O instrumento do submandato é o substabelecimento. O submandato é acessório ao
mandato, assim a nulidade deste determina a nulidade daquele. Em princípio é possível o
submandato, exceto em dois casos: existência de vedação na procuração; natureza da
obrigação, (personalíssima = características pessoais do mandatário).
O EOAB não permite a outorga de mandato para a sociedade de advogados.
O substabelecimento pode ser feito com (tanto o submandante quanto o submandatário
podem praticar o ato) ou sem reserva de poderes (só quem pode praticar o ato é o
submandatário). “Permitindo-se expressamente o substabelecimento (art. 657, §2º), e uma
vez substabelecidos os poderes, passa a existir uma relação contratual direta entre o
mandante e o substabelecido, que, assim, também se torna mandatário. Neste caso, em
regra, o substabelecente ficará isento de responsabilidade no que diz respeito aos atos
praticados exclusivamente pelo substabelecido. Exceção haverá apenas há hipótese de ter
agido o substabelecente com culpa in eligendo. No silêncio da procuração, não tendo o
mandatário poderes expressos para substabelecer, caso o faça, terá ele responsabilidade
perante o mandante pelos atos praticados pelo substabelecido dolosamente.
Existindo vedação expressa pelo mandante a respeito do substabelecimento, o mandatário,
caso viole tal disposição, responderá não só pelos atos do substabelecido, mas também
por todos os outros danos, cuja causa será presumidamente atribuída ao
substabelecimento, até mesmo pelo fortuito, salvo prova em contrário, cujo ônus cabe
exclusivamente ao substabelecente. Indo além destas sanções, inova o CC ao reputar
ineficaz, perante o mandante, os atos praticados pelo substabelecido em expressa violação
à cláusula que vedava o substabelecimento”. [Tepedino] Extinção do mandato
REVOGAÇÃO: o mandato é extinto por determinação do mandante. “O único direito que o
mandatário tem é o de receber a competente remuneração, além das eventuais perdas e
danos. Podem as partes convencionar a irrevogabilidade dos poderes outorgados ao
mandatário. Contudo, por tratar-se de contrato fundado na confiança, tem o mandante a
215
Direito Civil 2016 216

faculdade de revogá-lo unilateralmente a qualquer tempo, a despeito da cláusula de


irrevogabilidade. A procuração geral para todos os negócios não revoga a especial anterior,
se a ela, expressamente, não se referir, e a especial posterior só revoga a geral anterior no
que concernir ao seu objeto peculiar” [Tepedino] RENÚNCIA: o mandato é extinto por
determinação do mandatário. “A inoportunidade da renúncia não tem o condão de torná-la
ineficaz, mas sujeita o mandatário renunciante a indenizar o mandante pelos prejuízos
causados. A renúncia será sempre expressa” [Tepedino]
MORTE DE QUALQUER DAS PARTES: “determina a extinção do contrato, não sucedendo
em tal relação contratual os herdeiros da parte falecida. Diante da morte do mandante, são
reputados válidos os negócios firmados com os terceiros de boa-fé enquanto a ignorar o
mandatário. Caso se configure, ao revés, a má-fé do representante, que contrata com
terceiros de boa-fé, valerá o ato, mas responderá o mandatário por perdas e danos perante
os herdeiros do mandante. Por outro lado, o mandatário deverá concluir o negócio já
iniciado se houver perigo na demora. [Tepedino]
Procuração em causa própria (art. 685)
A maior parte dos autores entende que a procuração em causa própria equivale, em seus
efeitos, a uma cessão de direitos. Investe o mandatário na qualidade de titular dos direitos
transferidos, não sendo apta, evidentemente, a transferir a propriedade. Transfere-se, tão-
somente, o crédito. Para que se transfira, posteriormente, a propriedade, a procuração em
causa própria deve conter todos os requisitos exigidos para o negócio a que se quer dar
cabo e deve-se proceder a um especial modus adquirendi – a tradição, para os móveis; a
transcrição, para os imóveis.
O mandato “em causa própria” é absolutamente irrevogável. A morte de qualquer das partes
não significará a extinção do mandato em causa própria. Prescinde o mandato em causa
própria de prestação de contas do mandante.
Art. 690: cuidando-se de mandato em causa própria, os herdeiros sucedem no direito do
mandatário. Por isso mesmo, não tem necessidade de dar aviso ao mandante, nem a sua
ação fica restrita às medidas conservatórias e de urgência. São donos do negócio por direito
de sucessão” [Tepedino]
6.13 CONTRATO DE COMISSÃO
“Restringe-se seu objeto à aquisição ou venda de bens, não mais a qualquer negócio
mercantil, como o fazia o art. 165 do Código Comercial. É contrato personalíssimo, fundado
na confiança, na fidúcia que o comitente tem em relação ao comissário. (Tartuce).
Ter-se-á por caracterizada a comissão se alguém, à conta de outrem, se obriga a realizar
negócio de compra e venda em nome próprio, independentemente da natureza da operação
(comercial ou civil) ou, ainda, sem considerar a qualidade de comerciante de qualquer das
partes.
O contrato de comissão é hipótese de mandato sem representação, porque, embora haja
outorga de poderes, o comissário age em nome próprio à conta de outrem (comitente). “Por
não existir representação no contrato de comissão, o comissário não vincula diretamente
na esfera jurídica do comitente nos contratos que celebrar à conta deste, sendo certo que,
muitas vezes, o terceiro sequer tem conhecimento que existe o contrato”. (Tartuce citando
Tepedino). O risco do negócio pertence ao comitente, salvo a) culpa do comissário e b)
cláusula del credere. O dispositivo não exige habitualidade, tampouco que o comissário
exerça profissionalmente suas atividades, já que o contrato de comissão pode assumir
natureza diversa da mercantil.
O contrato de comissão diferencia-se do contrato de agência, pois o agente não realiza em
seu próprio nome o negócio, mas apenas promove sua realização. Por outro lado, na
agência o âmbito dos negócios a promover vai além da simples aquisição ou venda de bens,
objeto da comissão.

216
Direito Civil 2016 217

O comissário atua em nome próprio, ao passo que o mandatário age em nome do


mandante. O comissário, perante terceiros, figura como o único responsável por todas as
obrigações assumidas e goza de todos os direitos resultantes dos contratos celebrados.
Art. 696: há duas espécies de instruções: a de caráter imperativo e as chamadas instruções
facultativas ou meramente indicativas. Enquanto as primeiras são obrigatórias, devendo,
necessariamente, ser obedecidas pelo comissário, as segundas dão liberdade de
apreciação ao comissário.
Cláusula del credere (art. 698): trata-se de estipulação de garantia especial do comitente –
verdadeiro pacto acessório à própria comissão – pelo qual o comissário assume,
pessoalmente, todos os riscos do negócio que lhe incumbe realizar à conta do comitente.
Com isso, o comissário responsabiliza-se solidariamente.
A responsabilidade do comissário, mesmo diante da cláusula del credere, não é ilimitada,
sendo excluída no caso de culpa do comitente. Na hipótese de força maior, afasta-se, em
regra, a responsabilidade do comissário. Anote-se que no contrato de representação
comercial autônoma, a cláusula del credere é vedada – art. 43 da Lei n. 4886/65 (Tartuce).
Art. 701: a remuneração não se afigura condicionada à efetiva execução do contrato
celebrado pelo comissário, nascendo o direito deste àquela com a simples conclusão do
negócio.
O crédito do comissário, relativo a comissões e despesas feitas, goza de privilégio geral, no
caso de falência ou insolvência do comitente.
O comissário terá direito de reter os bens ou valores que estiverem em seu poder por
decorrência do contrato de comissão, até o efetivo pagamento de tudo o que lhe for devido
em decorrência do contrato, ou seja, remuneração, juros e despesas incorridos no
desempenho de suas funções” [Tepedino]
6.14 CONTRATO DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO
“Para que se configure o contrato de agência, mostra-se indispensável: que uma parte
tenha se obrigado a promover certos negócios à conta da outra (o agente, desse modo,
apenas promove as atividades do agenciado, sem necessariamente representá-lo); que a
obrigação assumida seja desempenhada de forma habitual (caráter não eventual); que os
serviços a serem prestados estejam circunscritos à zona geograficamente determinada,
independentemente de sua efetiva extensão, desde que seja certa;
que pelos serviços prestados decorra o direito a uma remuneração, por ser o contrato de
agência um contrato oneroso; que não haja qualquer vínculo de dependência (relação de
emprego, prestação de serviços, subordinação hierárquica ou dependência econômica)
entre as partes.
O contrato de agência/distribuição é uma espécie de representação comercial (Lei
4.886/65), onde o representante/agente/distribuidor atua em nome e à conta de outrem.
A parte deve desenvolver profissionalmente a atividade objeto do contrato de agência. Não
há, contudo, limitação quanto à natureza dos serviços prestados.
Não é necessário que agente e agenciado ou proponente sejam empresários. Veja-se, p.
ex., o agente de um desportista profissional, de um escritor ou escultor.
O distribuidor, tendo a mercadoria à sua disposição, seja por tê-la adquirido, seja por ter
sido autorizado -, age com independência na promoção de negócios e assume, ele próprio,
a responsabilidade pelos negócios que celebra.
Art. 710, par. Único: tal outorga de poderes específicos faz incidir sobre o contrato de
agência as normas referentes à representação (art. 115 e ss) e, em se tratando de atividade
empresarial, a disciplina da Lei 4886/65 (representação comercial), o que, todavia, não
desnatura a figura da agência.

217
Direito Civil 2016 218

Art. 711: a prerrogativa de exclusividade, tanto do agente, como do proponente, não


configura elemento essencial à relação de agência, pelo que pode existir ou não, sem que,
contudo, seja alterada a figura contratual típica.
A cláusula de exclusividade pressupõe a total identidade dos negócios agenciados.
Se um agente tem sua zona invadida, deverá receber as comissões referentes aos valores
dos negócios ali executados, salvo disposição contratual em sentido contrário.
Art. 714: a remuneração faz-se devida ao agente desde o momento em que se verificar a
conclusão do negócio. Assim, não basta a simples interferência do agente, mesmo que
efetiva, em negócios que, ao final, sejam abandonados.
Presume-se que, salvo justo motivo, cumpre ao proponente efetivamente realizar os
negócios encetados pelo agente.
Art. 718. Se a dispensa se der sem culpa do agente, terá ele direito à remuneração até
então devida, inclusive sobre os negócios pendentes, além das indenizações previstas em
lei especial. (dificuldades financeiras ou desativação da indústria também não podem ser
vislumbradas como justa causa para a dispensa do agente)
Art. 719. Se o agente não puder continuar o trabalho por motivo de força maior, terá direito
à remuneração correspondente aos serviços realizados, cabendo esse direito aos herdeiros
no caso de morte.
Art. 720. Se o contrato for por tempo indeterminado, qualquer das partes poderá resolvê-lo,
mediante aviso prévio de noventa dias, desde que transcorrido prazo compatível com a
natureza e o vulto do investimento exigido do agente.

6.15 CONTRATO DE CORRETAGEM


“Características típicas do contrato de corretagem: que uma pessoa assuma a obrigação,
perante outra, de obter, para esta, um ou mais negócios; que seja estipulada, implícita ou
explicitamente, uma remuneração (art. 724), sem o que não haverá, a rigor, contrato algum
entre as partes, mas simples colaboração entre pessoas, movidas por interesses sociais
próprios e particularizados.
Não se exige do corretor habitualidade ou profissionalismo no desempenho especifico da
obrigação por ele assumida.
O mandatário se investe de poder para praticar atos ou administrar bens em nome do
mandante, sendo-lhe essencial o poder de representação. Já na corretagem, atua o
intermediário com independência e em nome próprio, não se configurando, deste modo,
representação. A representação mostra-se incompatível com a intermediação, na medida
em que o representante defende interesses de um cliente, não podendo estar isento para
expor as qualidades e defeitos do bem a ser negociado.
O corretor imprime esforços por sua conta e risco, somente recebendo remuneração se
houver o encontro de vontades. Desse modo, não faz jus o corretor ao ressarcimento pelas
despesas realizadas na busca da conclusão do negócio, que acaba por não se perfazer.
Obrigação de resultado: o corretor assume a obrigação de obter o negócio para o cliente.
O contrato de corretagem tem por objeto, não o serviço do corretor considerado nele
próprio, mas, a rigor, o efetivo resultado deste mesmo serviço.
Admite-se a estipulação de remuneração com base em over price, que se caracteriza pela
diferença obtida pelo corretor, que extrapola o preço fixado.
As partes podem estabelecer, no contrato de corretagem, a exclusividade de atuação do
corretor para a obtenção do negócio. Assim procedendo, uma vez obtido o negócio, ao
corretor caberá a remuneração integral, mesmo que não tenha ele concorrido para sua
celebração, afastando-se o direito a tal remuneração na hipótese de desídia ou ociosidade
do corretor” [Tepedino].

218
Direito Civil 2016 219

2. Após o CC/02, a disposição contida em seu art. 725, segunda parte, dá novos
contornos à discussão, visto que, nas hipóteses de arrependimento das partes, a comissão
por corretagem permanece devida. Há, inclusive, precedente do STJ determinando o
pagamento de comissão em hipótese de arrependimento.
3. Pelo novo regime, deve-se refletir sobre o que pode ser considerado resultado útil, a
partir do trabalho de mediação do corretor. A mera aproximação das partes, para que se
inicie o processo de negociação no sentido da compra de determinado bem, não justifica o
pagamento de comissão.
A desistência, portanto, antes de concretizado o negócio, permanece possível.
4. Num contrato de compra e venda de imóveis é natural que, após o pagamento de
pequeno sinal, as partes requisitem certidões umas das outras a fim de verificar a
conveniência de efetivamente levarem a efeito o negócio jurídico, tendo em vista os riscos
de inadimplemento, de inadequação do imóvel ou mesmo de evição. Essas providências se
encontram no campo das tratativas, e a não realização do negócio por força do conteúdo
de uma dessas certidões implica mera desistência, não arrependimento, sendo, assim,
inexigível a comissão por corretagem.5. Recurso especial não provido. (REsp 1183324/SP,
Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
18/10/2011, DJe 10/11/2011)
RESUMO DAS DIFERENÇAS ENTRE ESSES CONTRATOS:
MANDATO: é um pessoa (JOÃO-mandatário) representar a outra (PEDRO-mandante).
Quando o
JOÃO assina o contrato com terceiro, quem se vincula é o PEDRO
COMISSÃO: Há um contrato entre comitente (PEDRO) e o comissário (JOÃO) para
realização de negócios com terceiros. Quando o comissão (JOÃO) assina um contrato com
terceiro, ele assina em nome próprio e responde perante o terceiro/cliente em nome próprio.
Muitas vezes o terceiro nem sabe que ele tem contrato com o comitente. Na relação entre
comitente/comissário, se o terceiro/cliente não paga, o comissário (JOÃO) não assume o
prejuízo perante o comitente, salvo se houver cláusula del credere, quando ele “avaliza” o
cliente que conseguiu.
AGÊNCIA/DISTRIBUIÇÃO: é como se fosse um mandato não eventual e limitado a uma
área geográfica onde o agente/distribuidor tem exclusividade de representação. É chamado
de distribuição quando é referente a venda de mercadorias corpóreas. É agência quando
são serviços ou outras coisas. Geralmente, as coisas vendidas tem a marca do empresa
matriz, da qual o distribuidor se usa e divulga.
CORRETAGEM: O corretor só aproxima as partes que tem interesse em contratar, sem que
ele assine ou se comprometa por quem quer que seja.
6.16 CONTRATO DE TRANSPORTE
“O contrato de transporte é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, em troca de uma
contraprestação, a receber pessoas ou coisas, animada ou inanimadas, e levá-las até o
lugar de destino, com segurança, presteza e conforto, por meio terrestre, marítimo ou aéreo.
No contrato de fretamento, atribuem-se o uso e a fruição do navio, automóvel, ônibus,
aeronave ou outro meio de transporte. Por outro lado, no contrato de transporte, o
transportador assume o dever de conduzir, de um lugar para outro, pessoas e/ou coisas.
Não se confunde, igualmente, com o contrato de praticagem, o qual consiste no serviço
auxiliar do transporte aquaviário, que tem por fim a condução de embarcações em zonas
perigosas à navegação (trechos de costa, barras, portos, canais, lagoas, rios), realizadas
por pessoas conhecedoras do local, denominadas 'práticos'. Trata-se de uma locação de
serviços formada pela troca de sinais, que se conclui quando o prático, percebendo o sinal
de chamada do capitão, se dirige ao encontro da embarcação.

219
Direito Civil 2016 220

Permanecem em vigor, no âmbito do transporte aéreo nacional, o Código Brasileiro


Aeronáutico, bem como, no tocante ao transporte aéreo internacional, a Convenção de
Varsóvia.
Do contrato de transporte deflui a obrigação de resultado, recaindo sobre o transportador o
dever de entregar as pessoas ou coisas transportadas no estado em que as recebeu,
tomando todas as precauções possíveis para oferecer transporte seguro e com o mínimo
de suscetibilidade possível a riscos.
O expedidor, no transporte de coisas, ou o passageiro, no transporte de pessoas, se
vinculam ao pagamento do frete ou passagem.
As cláusulas de não indenizar são instituídas com o intuito de permitir que uma das partes
do contrato se subtraia das conseqüências patrimoniais advindas de dano que lhe seria
imputável, afastando, deste modo, os efeitos legais que se produziriam na ausência dessa
estipulação. Compreendem tanto as cláusulas que excluem ou exoneram de forma total o
dever de reparar, quanto as que limitam parcialmente esse dever, o que pode ocorrer por
meio da fixação de determinado patamar indenizatório. Mesmo anteriormente à aprovação
do CDC, a jurisprudência já se voltava contra a celebração de tais estipulações, em
processo evolutivo que redundaria na Súmula 161 do STF, segundo a qual 'em contrato de
transporte é inoperante a cláusula de não indenizar'. Entretanto, não se encontram
indiscriminadamente condenadas todas as cláusulas de limitação da responsabilidade do
fornecedor. Isso porque a violação ao princípio da reparação integral apenas se configura
quando observada a desproporção entre direitos e obrigações, vale dizer, a desvantagem
exagerada pelo consumidor gerada pela limitação da responsabilidade do fornecedor.
Nos termos do entendimento majoritário, deve prevalecer, no campo do transporte nacional,
o princípio constitucional de defesa do consumidor, o que afasta a aplicabilidade dos artigos
do CBA, que prevêem, em nível infraconstitucional, limites ao dever de indenizar, oriundo
da relação de consumo. Da mesma forma, o CDC aplica-se ao transporte aéreo
internacional, prevalecendo sobre a Convenção de Varsóvia em caso de conflito.
STJ 2014. DCC - INAPLICABILIDADE DO CDC AO CONTRATO DE
TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIA DESTINADA A
INCREMENTAR A ATIVIDADE COMERCIAL DA CONTRATANTE.
Para efeito de fixação de indenização por danos à mercadoria ocorridos em
transporte aéreo internacional, o CDC não prevalece sobre a Convenção de
Varsóvia quando o contrato de transporte tiver por objeto equipamento
adquirido no exterior para incrementar a atividade comercial de sociedade
empresária que não se afigure vulnerável na relação jurídico-obrigacional.
(…) inexistindo relação de consumo, circunstância que impede a aplicação
das regras específicas do CDC, há que ser observada a Convenção de
Varsóvia, que regula especificamente o transporte aéreo internacional.

Obs: Ainda que a jurisprudência do STJ seja pacífica no sentido de que o CDC é aplicável
nas ações de responsabilidade civil envolvendo transporte aéreo (AgRg no AREsp 145212
/ RJ; DJe 10/08/2012), com afastamento, portanto, da Convenção de Varsóvia e matéria
correlata, é válido registrar que o STF, em 22.10.09, reconheceu a repercussão geral da
matéria, estando o recurso pendente de apreciação (AI 762184 RG). Atenção para o julgado
colacionado acima no qual o STJ fez a distinção da destinação da mercadoria.
OBS2: No caso de transporte aéreo de mercadorias entre empresas onde não se configure
relação de consumo, aplica-se a convenção de Varsóvia (INFO-STJ-540)

Art. 733: na espécie cumulativa, o transporte é realizado por diversos transportadores


mediante um único bilhete. Todavia, mesmo havendo um só contrato de transporte, cada

220
Direito Civil 2016 221

transportador se vincula diretamente ao transportado de acordo com o trajeto que lhe


incumbiu.
O transporte cumulativo não se confunde com o transporte combinado, também chamado
segmentado ou sucessivo, definido como aquele no qual um dos transportadores, quase
sempre o inicial, assume em nome próprio, perante o cliente, a obrigação relativa ao
percurso que lhe cabe, bem como de contratar, por conta do cliente, outro (s) transporte (s),
vinculando, ainda os transportadores sucessivos, que, por sua vez, obterão a vinculação
dos seguintes. Em outras palavras, no transporte combinado os percursos são claramente
identificáveis e atribuíveis a cada transportador, não ensejando responsabilidade solidária.
Cada dívida de transporte se extingue com a entrega ao transportador seguinte, de modo
que não se supõe a mesma vinculação básica que imponha a unidade do contrato. Já o
transporte cumulativo é marcado pela unicidade do contrato e pluralidade de
transportadores, os quais ficam todos vinculados perante o viajante ou titular dos bens
transportados, razão pela qual respondem pelo todo, solidariamente. Ressalvada a ação
regressiva, responderão solidariamente os transportadores pelo dano causado na execução
do contrato.
Transporte multimodal de cargas é aquele que, regido por um único contrato, utiliza duas
ou mais modalidades de transporte (marítimo, terrestre e aéreo), desde a origem até o
destino, e é executado sob a responsabilidade única de um operador de transporte
multimodal.
I – Do transporte de pessoas:
Art. 734: vedação à cláusula de não indenizar.
A responsabilidade civil do transportador em relação ao transporte de pessoas prescinde
da verificação de culpa, sendo suficiente a demonstração da relação causal entre a
atividade e o dano, salvo motivo de força maior.
O transporte das bagagens do passageiro ou viajante entende-se incluso no preço da
passagem, salvo se houver cláusula em contrário, ou se exceder o máximo em peso do
tamanho (usualmente denominado franquia). Mesmo que haja pagamento à parte, o
contrato é um só.
Embora seja nula cláusula de não indenizar, admite-se a limitação da responsabilidade do
transportador, podendo ele exigir a declaração do valor da bagagem, a fim de fixar o limite
da indenização, o qual, malgrado isso, não pode ser reduzido a tal ponto de tornar inócua
a reparação, situação essa que, verificada a relação de consumo, incide na vedação do art.
51, I, CDC.
A responsabilidade do transportador, no transporte de pessoas, é objetiva. Excluem-na,
contudo, o fortuito ou força maior, a culpa exclusiva da vítima e, em alguns casos, o fato de
terceiro, quando este for equiparável ao fortuito externo.
Art. 735: o fato culposo de terceiro se liga ao risco do transportador e não ilide sua
responsabilidae, relaciona-se com a organização do seu negócio, caracterizando o fortuito
interno, que não afasta a sua responsabilidade. O mesmo não ocorre com o fato doloso de
terceiro, o qual não pode ser considerado fortuito interno, eis que, além de absolutamente
imprevisível, não guarda qualquer relação com o risco do transportador, em se tratando de
fato estranho à organização e à atividade do seu negócio, pelo qual não pode responder,
diante do que se caracteriza como fortuito externo, excluindo o próprio nexo causal.
Em eventos como o arremesso de pedra contra trem ou ônibus ou assalto no curso da
viagem, a jurisprudência prevalecente entende que o fato exclusivo de terceiro, quando
doloso, caracteriza o fortuito externo, estranho aos riscos do transporte. A matéria,
entretanto, é polêmica, havendo no STJ acórdãos em ambos os sentidos.
Os tribunais têm entendido que o fato de a vítima viajar como pingente – pendurada em
portas e janelas de trens e ônibus – não elide a responsabilidade do transportador, pois
este tem a obrigação de exercer a necessária vigilância e dar as condições indispensáveis
221
Direito Civil 2016 222

para que o s passageiros viajem em segurança. Assim, apenas em hipóteses excepcionais


tal prática configurará fato exclusivo da vítima, a exemplo 'surfismo ferroviário', quando o
passageiro, podendo viajar no interior do trem, se expõe voluntariamente a grave risco,
optando por viajar no teto e sujeitandose aos riscos.
Súmula 145, STJ: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só
será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo
ou culpa grave”.
Art. 737: deve prevalecer, no caso de transporte aéreo, o art. 230, CBA, em cujos termos,
se houver atraso da partida por mais de 4 horas, o transportador deverá providenciar o
embarque do passageiro em vôo que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino,
ou restituirá de imediato, se o passageiro preferir, o valor do bilhete de passagem.
Art. 739: o regulamento a que faz referência o Código não é aquele elaborado
unilateralmente pelo transportador, de acordo com o seu exclusivo interesse, sob pena de
se admitir a prática de abusos. O termo regulamento é utilizado no sentido de ato normativo.
Em face de caso fortuito ou força maior prevalece o direito do passageiro à restituição do
valor da passagem.
Tendo o transportador se obrigado a transportar o passageiro de um lugar para o outro, não
poderá se elidir desta obrigação, mesmo que a impossibilidade de cumpri-la derive de caso
fortuito ou força maior.

Art. 742: não se trata de penhor legal, como ocorre em relação aos hoteleiros (art. 1467, I,
CC), mas de direito de retenção sobre a bagagem do passageiro.

II – Do transporte de coisas.

O contrato de transporte de coisas pode ser definido como aquele pelo qual uma das partes
(expedidor ou remetente) encarrega outra (transportador) de deslocar determinada
mercadoria de um local para outro e de entregá-la pontualmente ao destinatário, mediante
retribuição.
O destinatário, apesar de não ser parte integrante da relação contratual, é sujeito de direitos
e obrigações, em especial quando observada uma estipulação em favor de terceiros. Tal
estipulação não se presume, sendo necessária anuência inequívoca do destinatário.
O instrumento do contrato, em se tratando de transporte de coisas, denomina-se
conhecimento de transporte, conhecimento de carga ou conhecimento de frete, e é contra
a sua apresentação que o bem é entregue ao expedidor ou ao destinatário, ou qualquer
reclamação é atendida. Como título de crédito, o conhecimento de transporte goza dos
princípios cambiários da literalidade e autonomia, sendo impróprio, já que por este se pode
exigir a prestação do serviço (CC, arts. 894 e 895). Trata-se, normalmente, de título
negociável, podendo ser transferido por simples endosso ou por cessão de crédito quando
contiver a expressão 'não à ordem' ou outra equivalente. Como não se trata de contrato
solene, contudo, o conhecimento não é da sua substância, eis que expedido ad probationem
tantum. Na hipótese de perda ou destruição, poderá ser emitida uma segunda via, com o
mesmo efeito da primeira.
O remetente se responsabiliza pelas declarações inexatas que fizer, diante do que o
transportador fará jus à reparação do prejuízo que eventualmente sofrer, decorrente de tal
inexatidão.
Art. 745: o preceito tem dicção confusa. Para se evitar uma interpretação que levaria a uma
redução abrupta e injustificada de prazo para a ação de responsabilidade civil, bem como
a erro grosseiro do legislador na distinção entre prescrição e decadência, poder-se-ia
cogitar de uma ação própria de retificação de dados, no prazo de 120 dias. Nesta esteira, o
legislador teria sobreposto o direito potestativo à apuração da informação ou descrição
222
Direito Civil 2016 223

verdadeira, à pretensão indenizatória eventualmente caracterizada, caso fossem


configurados danos decorrentes de informação inexata ou de falsa descrição. Cuidar-se-ia
do exercício de um direito potestativo, ou seja, do poder de alterar a situação jurídica de
outrem, independentemente ou mesmo contra a vontade deste, e que dá ensejo à
decadência.
É obrigação do remetente apresentar a coisa devidamente embalada. A embalagem deve
ser adequada à modalidade de transporte e à natureza da coisa.
Art. 746: nos casos previstos nesse artigo, a recusa em contratar não configura prática
abusiva (CDC, art. 39, II), haja vista estar o transportador exercendo regularmente um
direito subjetivo que lhe é conferido para a proteção das pessoas, bem como do veículo de
transporte e dos demais bens que lhe foram confiados.
Art. 747: eis a segunda hipótese em que é admitido ao transportador recusar a mercadoria
recebida: a ausência dos documentos exigidos em lei ou a coisa cujo transporte ou
comercialização não sejam permitidos, hipótese em que resta patente a ilicitude quanto ao
objeto.
O transportador tem a custódia, não é depositário, não se confundindo o transporte com o
contrato de depósito.
Assim como no âmbito do transporte de pessoas, debate a jurisprudência acerca do caráter
fortuito dos roubos de mercadoria em determinadas vias ou cidades do país, onde tais
práticas são reiteradamente observadas. Nesse sentido, inclina-se a jurisprudência para
reconhecer a responsabilidade do transportador se, no caso concreto, o evento se deu por
falta de cuidados mínimos decorrentes de seu dever de precaução, vale dizer, em
desatenção ao standart de conduta compatível com o transporte realizado. Em outros
casos, contudo, o roubo de mercadorias se assemelhará a fortuito externo, levando à
exclusão do nexo de causalidade por fato exclusivo de terceiro.
Art. 750: este dispositivo encerra cláusula de limitação de responsabilidade, eis que o teto
para o dever de indenizar a cargo do transportador passa a ser o valor constante do
conhecimento. Obs: em se tratando de relação de consumo, prevalece o CDC.
Art. 751: o transportador não deve ser equiparado ao depositário para os efeitos da prisão
civil, a qual é restrita aos contratos de depósito propriamente ditos, sendo norma
excepcional.
A entrega em domicílio ou em local diverso do armazém do transportador depende de
convenção entre as partes nesse sentido, como igualmente ocorre em relação à cláusula
de aviso – ou seja, a obrigação do transportador de informar a chegada das mercadorias -,
a qual deve constar do conhecimento de embarque (obs: em razão do critério da
especialidade, prevalecem as normas do regulamento das estradas de ferro e o art. 243 do
CBA, que prevêem da obrigatoriedade da cláusula de aviso” [Tepedino]

6.17 CONTRATO DE SEGURO


“O CC passou a definir o contrato de seguro como sendo aquele pelo qual, mediante a paga
de um prêmio, o segurador obriga-se a garantir um interesse legítimo do segurado.
Com tal definição, o seguro não perde o caráter bilateral na hipótese de não implemento do
risco previsto na apólice, uma vez que a obrigação do segurador é de garantia, e não de
simples pagamento eventual de indenização, esta que tem por antecedente lógico o
implemento do risco previsto na apólice, por definição nem sempre ocorrente (configurando
o risco uma simples probabilidade de dano).
Não se confundem o risco, que é imanente, existindo, necessariamente, como elemento
essencial do contrato de seguro, e o sinistro, o qual é eventual, podendo vir ou não a ocorrer.
O seguro é contrato de adesão.
Segundo moderna doutrina, o contrato de seguro é comutativo, uma vez que o prêmio nada
mais é senão a fração matemática resultante da repartição do volume estatisticamente
223
Direito Civil 2016 224

estimado de indenizações decorrentes de danos sofridos durante certo período por uma
massa de segurados (titulares de interesses segurados homogêneos), guardando, neste
compasso, perfeita equivalência com a obrigação de garantia que incumbe à companhia
seguradora. Para a concepção tradicional, o seguro é contrato aleatório, uma vez que o
segurador assume riscos, sem equivalência entre as prestações recíprocas, ainda que se
conheça o valor global as obrigações do segurado.
Dentre os fundamentos objetivos do contrato de seguro, merecem ser destacados a
mutualidade e o cálculo de probabilidades. A mutualidade verifica-se em razão de haver no
seguro um caráter de cooperação, onde um conjunto de diversas contribuições permite a
formação de um fundo de recursos para o pagamento futuro das indenizações. É mais fácil
suportar coletivamente as conseqüências danosas dos riscos individuais do que deixar o
indivíduo só e isolado, exposto a essas conseqüências. Já o cálculo de probabilidades, ao
qual recorre o segurador para fixar o prêmio a ser pago pelo segurado, permite estimar,
com grande aproximação, o número provável de sinistros de um determinado tipo que pode
ocorrer em determinada localidade, dentro de certo prazo.
Somente entidade para tal fim legalmente autorizada pode figurar como seguradora.
O CC não contemplou a figura do resseguro, o qual consiste na operação pela qual um
segurador descarrega sobre outrem, mediante o pagamento de um prêmio, no todo ou em
parte, os riscos de que se fez garante (seguro do seguro). Da mesma forma, não foi
contemplada a retrocessão, consistente em um resseguro em segundo grau, ou seja, a
operação pela qual o ressegurador transfere a outros o que exceder da sua capacidade, o
que normalmente ocorre em sede de riscos mais vultosos, que saturem a capacidade do
segurador e do ressegurador.
Como causa suspensiva da prescrição, o STJ firmou entendimento na Súmula 229 no
sentido de que a comunicação do segurado à seguradora, para receber o pagamento do
seguro, em virtude da constatação do fato que lhe deu causa, irá suspender o curso do
prazo prescricional até a data da ciência, pelo segurado, da resposta negativa da
seguradora, quando o prazo voltará a correr. A prova da existência do contrato de seguro
deve ser escrita: exibição da apólice ou do bilhete do seguro, ou, na falta desses, de
documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio. Se o segurador não aceitar
acobertar determinado risco constante da proposta de contratação, deverá,
obrigatoriamente, dar ciência deste fato ao segurado, a fim de que este se manifeste sobre
a contratação, ou não, do seguro. A ausência de manifestação por escrito no prazo de 15
dias caracterizará a aceitação tácita da proposta.
Os riscos devem ser minudentemente descritos e expressamente assumidos pelo
segurador. Consiste a apólice geral, aberta ou flutuante naquela que compreende em
abstrato um seguro pactuado que só entra em vigor quando as coisas consideradas no
contrato se acham sujeitas a certos riscos.
As apólices flutuantes, que admitem a possibilidade de se efetuarem substituições com
relação ao objeto do seguro e às pessoas seguradas, se contrapõem às apólices simples,
as quais fixam com precisão o objeto do seguro, como ocorre, p. ex., no contrato incidente
sobre a vida de uma pessoa. Na apólice flutuante, o risco não se individualiza de plano,
mas mediante atos sucessivos (normalmente designados 'averbações') que se incorporam
ao contrato, permanecendo indefinida a quantificação do seguro e a sua determinação
temporal; ocorre, portanto, um risco variável, por oscilar o instante e o volume do risco.
A figura do co-seguro ocorre quando uma pluralidade de seguradores empresta cobertura
simultânea ao mesmo risco (seguro múltiplo). Nessa hipótese, a apólice deverá indicar a
seguradora-líder, a qual assume a administração do contrato e representa as demais para
todos os efeitos, inclusive em juízo. Cada um dos seguradores assume uma porcentagem
do risco, e a ação de cobrança deve ser movida contra todos, representados pela
seguradora-líder, nos respectivos limites da obrigação individual. Não se pode falar em
224
Direito Civil 2016 225

responsabilidade solidária por todo o valor do contrato, salvo se houver cláusula expressa
do contrato que assim disponha, eis que a solidariedade não se presume, sendo o CC
omisso a tal respeito. Art. 762: a culpa, ainda que grave, não enseja a nulidade do contrato.
Em caso de inadimplemento do segurado no pagamento do prêmio, não é devida a
indenização por sinistro ocorrido no intervalo de tempo que perdurar a mora.
A falta de pagamento do prêmio não autoriza o cancelamento automático do seguro, ficando
suspensa a exigibilidade da indenização enquanto não purgada a mora. A jurisprudência
tem entendido que é possível purgar a mora, com o pagamento de todos os seus
consectários, inclusive os juros moratórios, obrigando o segurador ao pagamento de
indenização por sinistro ocorrido durante o período de mora, contanto que esta se restrinja
à última parcela.
Prevaleceu na 2ª Seção do STJ o entendimento de que é necessária a interpelação do
segurado para a constituição em mora.
Não pode o segurado se furtar ao pagamento do prêmio, sob a alegação de que o risco não
se verificou ou se aliviou. Porém, se o risco não existe, ou na hipótese de perecimento do
objeto, de forma a que não esteja este mais sujeito a risco, o prêmio não é devido.
A jurisprudência do STJ tem se inclinado por considerar que o segurador não pode se eximir
do pagamento de indenização sob a alegação da omissão do segurado acerca da doença
preexistente, caso não tenha exigido exames médicos previamente à aceitação da
proposta.
Art. 766: a reticência nas declarações do segurado, por si só, não implica necessariamente
a aplicação das penas deste dispositivo, o que somente se verifica quando estas falsas
declarações ou reticências possam ser suscetíveis de induzir o segurador em erro, influindo
sobre a previsão do risco ou sobre os cálculos da taxa do prêmio a cobrar.
Art. 766, parágrafo único: parece que esta dupla opção (resolver o contrato ou adequá-lo
ao seu justo valor) somente poderá ser exercida pelo segurador caso o sinistro ainda não
tenha ocorrido; se o risco já se implementou, então tudo quanto o segurador poderá fazer
é cobrar a diferença do prêmio, sendo-lhe vedado dar por resolvido o contrato.
Seguro à conta de outrem: hipótese que excepciona o princípio da relatividade das
convenções, pesando o risco do negócio não sobre o estipulante, mas sobre interesses de
outrem, caso em que o contratante interfere em negócio que não afeta seu patrimônio ou
sua pessoa.
Segundo a teoria mais aceita, o estipulante do seguro à conta de outrem figura como um
mandatário ou gestor de negócios em relação ao segurado, não se confundindo, portanto,
com a estipulação em favor de terceiro, que ocorre freqüentemente nos seguros de vida,
hipótese em que o estipulante, mediante o pagamento do prêmio, obtém do segurador a
promessa de pagar a um terceiro beneficiário por ele indicado, em virtude de um sinistro,
uma importância em dinheiro. Isso se justifica na medida em que a lei não confere ao
estipulante do seguro à conta de outrem poder de exigir o cumprimento da obrigação, a
substituição do beneficiário ou a exoneração do segurador.
Art. 769: a hipótese, em verdade, é de resilição unilateral, ou seja, de afastamento dos
efeitos do contrato ainda não cumprido, ou não totalmente executado, pela atuação da
mesma vontade que funcionou com gênese. A resolução pressupõe ter o devedor faltado
ao cumprimento de sua obrigação.
Art. 771: antes mesmo do aviso, o segurado tem a obrigação de proteger os salvados, ou
seja, os despojos da coisa segurada, tomando as medidas para tanto. Os salvados, em
regra, pertencem ao segurador, sendo levados em conta por ocasião do cálculo da taxa de
prêmio.
Quando configurar um verdadeiro intermediário independente, isto é, sem nenhum
vinculação com o segurador, o corretor não será considerado um agente daquele, de

225
Direito Civil 2016 226

maneira que o segurador não poderá ser responsabilizado pelos atos e omissões dolosas
ou culposas do corretor, o qual terá responsabilidade própria.
- NÃO HOUVE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA SOBRE A MATÉRIA. ADICIONO
JURISPRUDÊNCIA
RELEVANTE DO STJ: - Para fins de percepção da indenização por incapacidade total e
permanente prevista em contrato de seguro privado, a concessão de aposentadoria por
invalidez pelo INSS não desobriga o beneficiário de demonstrar que se encontra
efetivamente incapacitado. Isso porque a concessão de aposentadoria pelo INSS faz
prova apenas relativa da invalidez, daí a possibilidade da realização de nova perícia
com vistas a comprovar, de forma irrefutável, a presença de incapacidade. A
seguradora não se vincula a prova da qual não participou da produção (INFO-STJ-534)
- Nos contratos de seguro, o segurando não pode confessar culpa no acidente, mas em
alguns casos, onde não houve má-fé e se reduziu a indenização na transação, o STJ
entende que a cláusula não pode ser aplicada (INFO-STJ-548)

I – Do seguro de dano:

Parecer normativo n. 5, de 11/03/03, da SUSEP: 'fica afastada a possibilidade de se vir a


celebrar contrato de seguro por valor determinado, salvo quanto aos bens cuja natureza
não permita aferição no mercado'.
Art. 779: o segurador não está mais autorizado a suprimir esta categoria de prejuízos,
exonerandose de arcar com as despesas correspondentes. A não ser em havendo cláusula
expressa nesse sentido, não se poderia obrigar o segurador a indenizar o segurado pelos
prejuízos que aquele venha a sofrer como conseqüência mediata do sinistro, tais quais as
perdas resultantes da paralisação da atividade profissional ou comercial do segurado.
O princípio vigente no contrato de seguro é o indenitário, fundado na regra de que o
segurado não pode lucrar com o recebimento da indenização, o que significa dizer que o
segurado não pode pretender mais do que a reposição do seu patrimônio à situação anterior
à ocorrência do sinistro. Art. 783: cláusula de rateio. O segurado pode proteger o seu
interesse pela totalidade do seu valor ou por menos do que valha, configurando-se neste
último caso, o chamado subseguro. O valor declarado é o tomado como base para a fixação
do montante da indenização. Neste caso, o segurado é considerado co-segurador da
diferença e deverá participar do montante dos prejuízos proporcionalmente à sua
participação nos riscos cobertos, no caso de sinistro parcial. Já se o sinistro for total, o
segurador deverá pagar 100% do limite de cobertura, que, na espécie, não cobrirá o valor
integral do interesse segurado, arcando o segurado com a diferença. Podem as partes
afastar a cláusula de rateio, de modo que o segurador ofereça cobertura por inteiro, no limite
da importância segurada, inclusive no caso de sinistros parciais. Esta modalidade
denominase seguro a primeiro risco, absoluto ou relativo, na sua modalidade absoluta, o
segurador fica obrigado ao pagamento total, até o limite da importância segurada,
independentemente do valor do sinistro. Na modalidade relativa, que compreende a
hipótese do art. 783, o segurador paga na proporção da perda, até o limite da apólice.
Art. 784: o risco eventual a ser garantido pelo seguro deve vir de causa externa, ou, ao
menos, estranha ao objeto do interesse. Responde o segurador se o contrato menciona
expressamente sua incidência sobre o risco decorrente do vício intrínseco, bem como se
este não é a causa única determinante do dano, mas funciona como concausa,
manifestando-se concomitantemente com a causa externa; o mesmo se verifica se o
segurado o ignorava.
O direito à indenização pode ser transmitido, seja causa mortis – em relação aos herdeiros
e legatários do segurado – seja inter vivos, quando o segurado tiver alienado a outrem o
objeto segurado, a não ser que haja cláusula expressa proibindo essa transferência.
226
Direito Civil 2016 227

Art. 786: embora o dispositivo em exame preveja a sub-rogação, relativamente ao seguro


de danos, o art. 800 veda expressamente a sub-rogação nos seguros de pessoa, atendendo
à natureza diversa dessa modalidade de seguro, eis que o ofendido continua legitimado a
pedir indenização contra o causador do dano, e o recebimento de pagamento securitário,
para tal fim, é irrelevante. Art. 787; a jurisprudência do STJ tem entendido tratar-se de um
seguro em benefício de terceiro, de tal sorte que a vitima estaria legitimada a pleitear
diretamente ao segurador o pagamento de indenização, observadas as restrições
constantes da apólice respectiva e, em qualquer hipótese, assegurada ao segurador a
faculdade de opor ao terceiros todas as exceções de que disporia relativamente ao
segurado. Não obstante o clausulado das apólices de seguro de responsabilidade civil
normalmente preceitue tratar-se de um seguro de reembolso – isto é, o segurado paga e
depois se reembolsa junto ao segurador -, o entendimento que propugna a legitimidade do
terceiro em face do segurador é o que se afigura francamente majoritário na jurisprudência
do STJ, sendo, ainda, o que melhor se coaduna com a função social do contrato.
Art. 787, §3º: a ciência da ação não significa denunciação da lide, a qual pode ser promovida
sem prejuízo daquela medida.
Art. 788: a obrigatoriedade é estabelecida no interesse de terceiros (vítimas do acidente ou
donos das coisas transportadas), e não do proprietário ou condutor do automóvel que
causou o dano.

II – Do seguro de pessoas:
O seguro de pessoa diferencia-se do seguro de dano especialmente por não desempenhar
a função indenizatória própria deste, motivo pelo qual pode ser pactuado em favor de
terceiros, bem como seu valor pode ser livremente pactuado.
Somente os seguros de vida e acidentes pessoais podem ter o capital livremente estipulado
pelo proponente. Despesas hospitalares ou de tratamento médico, bem como custeio de
despesas de luto e funeral do segurado, embora possam ser considerados seguros de
pessoa, têm regulamentação especial.
Art. 790: o interesse pode ser tanto material, como ocorre no caso do credor, quanto de
afeição, sendo a este último que a lei especialmente atende.
O beneficiário designado pelo segurado tem apenas uma expectativa de direito, podendo
ser substituído pelo segurado a qualquer tempo, até a ocorrência do óbito, salvo os casos
de renúncia do segurado e de garantia da obrigação.
Art. 793: rejeitam os tribunais a admissão do benefício no caso de relações adulterinas,
fazendo a distinção entre a companheira e a concubina.
As importâncias decorrentes de seguro de vida ou de acidentes pessoais são
absolutamente impenhoráveis.
No seguro de vida, ocorrido o sinistro, a importância segurada é devida integralmente, não
comportando redução por via de transação.
No caso de seguro de vida, há regra específica: a falta de pagamento do prêmio, nos prazos
previstos e conforme estipulado no contrato, acarreta a resolução do contrato, com a
restituição da reserva já formada ou a redução do capital garantido proporcionalmente ao
prêmio pago. No caso dos seguros coletivos, os segurados não serão prejudicados se o
estipulante, responsável pelo recolhimento dos prêmios, recebendo-os regularmente, não
os verter à sociedade seguradora no prazo devido. Neste caso, importâncias seguradas
deverão ser normalmente pagas pela seguradora, que, por sua vez, poderá lançar mão de
todos os meios legais para haver os prêmios indevidamente retidos.
Art. 797, par. Único: caso venha a ocorrer o sinistro no prazo de carência, o segurador é
obrigado a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada. A reserva
técnica consiste num capital garantidor de todas as obrigações do segurador, de
conformidade com os critérios fixados pelo Conselho Nacional de Seguros Privados. Os
227
Direito Civil 2016 228

bens garantidores da reserva técnica são registrados na SUSEP, não podendo ser
alienados ou gravados sem prévia e expressa autorização dessa autarquia.
O suicídio, nos primeiros 2 anos, é regra objetiva, pelo que exclui a indenização securitária,
mas dá direito à reserva técnica (segundo a jurisprudência atual do STJ). Mas tem alguns
julgados que dizem que, se o beneficiário provar que o suicídio não foi premeditado, ele
teria direito de indenização.
Art. 799: embora possam as partes excluir determinadas causas da morte do segurado da
cobertura do seguro, esta exclusão será inválida com relação às situações previstas neste
artigo, salvo em caso de transporte proibido ou esporte ilegal.
O seguro de vida ou seguro pessoal em grupo é o negócio que se estabelece entre um
estipulante e a seguradora. Entre o estipulante e o grupo segurado deve haver um vínculo,
como uma relação de emprego ou profissional, sociedade civil ou comercial, associação
religiosa ou de classe. Art. 21, par. 2º do DL 73/66: o estipulante deve ser considerado
mandatário dos segurados, salvo cláusula expressa em contrário.
Jurisprudência 2014 STJ e STF:
DCC - MANUTENÇÃO DA GARANTIA SECURITÁRIA APESAR DE TRANSAÇÃO
JUDICIAL
REALIZADA ENTRE SEGURADO E TERCEIRO PREJUDICADO.
No seguro de responsabilidade civil de veículo, não perde o direito à indenização
o segurado que, de boa-fé e com probidade, realize, sem anuência da
seguradora, transação judicial com a vítima do acidente de trânsito (terceiro
prejudicado), desde que não haja prejuízo efetivo à seguradora.
De fato, o § 2º do art. 787 do CC disciplina que o segurado, no seguro de
responsabilidade civil, não pode, em princípio, reconhecer sua responsabilidade,
transigir ou confessar, judicial ou extrajudicialmente, sua culpa em favor do
lesado, a menos que haja prévio e expresso consentimento do ente segurador,
pois, caso contrário, perderá o direito à garantia securitária, ficando
pessoalmente obrigado perante o terceiro, sem direito do reembolso do que
despender.
Entretanto, como as normas jurídicas não são estanques e sofrem influências
mútuas, embora sejam defesos, o reconhecimento da responsabilidade, a
confissão da ação ou a transação não retiram do segurado, que estiver de boa-
fé e tiver agido com probidade, o direito à indenização e ao reembolso, sendo os
atos apenas ineficazes perante a seguradora (enunciados 373 e 546 das
Jornadas de Direito Civil).
ENUNCIADO Nº 373: Embora sejam defesos pelo § 2º do art. 787 do Código
Civil, o reconhecimento da responsabilidade, a confissão da ação ou a transação
não retiram ao segurado o direito à garantia, sendo apenas ineficazes perante a
seguradora. ENUNCIADO Nº 546: O § 2º do art. 787 do Código Civil deve ser
interpretado em consonância com o art. 422 do mesmo diploma legal, não
obstando o direito à indenização e ao reembolso.
A vedação do reconhecimento da responsabilidade pelo segurado perante
terceiro deve ser interpretada segundo a cláusula geral da boa-fé objetiva
prevista no art. 422 do CC, de modo que a proibição que lhe foi imposta seja
para posturas de má-fé, ou seja, que lesionem interesse da seguradora.
DCC - CONTRATAÇÃO DE SEGURO COM COBERTURA PARA MORTE
ACIDENTAL E POSTERIOR MORTE DO SEGURADO POR CAUSAS
NATURAIS.
Contratado apenas o seguro de acidentes pessoais (garantia por morte
acidental), não há falar em obrigação da seguradora em indenizar o beneficiário

228
Direito Civil 2016 229

quando a morte do segurado decorre de causa natural, a exemplo da doença


conhecida como Acidente Vascular Cerebral (AVC).
(…) é necessário fazer a distinção entre seguro de vida e seguro de acidentes
pessoais. No primeiro, a cobertura de morte abrange causas naturais e também
causas acidentais; já no segundo, apenas os infortúnios causados por acidente
pessoal são garantidos, como, por exemplo, a morte acidental.
(…) importante diferenciar também os conceitos de morte acidental e de morte
natural para fins securitários.
DCC - REGIME JURÍDICO APLICÁVEL EM AÇÃO REGRESSIVA PROMOVIDA
PELA SEGURADORA CONTRA COMPANHIA AÉREA DE TRANSPORTE
CAUSADORA DO DANO. Quando não incidir o CDC, mas, sim, a Convenção de
Varsóvia, na relação jurídica estabelecida entre a companhia aérea causadora
de dano à mercadoria por ela transportada e o segurado – proprietário do bem
danificado –, a norma consumerista, também, não poderá ser aplicada em ação
regressiva promovida pela seguradora contra a transportadora.
Isso porque a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações,
privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor
principal e os fiadores. DCC - DISPENSABILIDADE DA EMISSÃO DA APÓLICE
PARA O APERFEIÇOAMENTO DO CONTRATO DE SEGURO.
A seguradora de veículos não pode, sob a justificativa de não ter sido emitida a
apólice de seguro, negar-se a indenizar sinistro ocorrido após a contratação do
seguro junto à corretora de seguros se não houve recusa da proposta pela
seguradora em um prazo razoável, mas apenas muito tempo depois e
exclusivamente em razão do sinistro.
Ademais, o art. 758 do CC não confere à emissão da apólice a condição de
requisito de existência do contrato de seguro, tampouco eleva esse documento
ao degrau de prova tarifada ou única capaz de atestar a celebração da avença.
Nota: a própria Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) regulamentou
o tema e determinou que a ausência de manifestação por parte da seguradora,
no prazo de 15 dias, configura aceitação tácita da cobertura do risco (art. 2º,
caput e § 6º, da Circular SUSEP 251/2004). Tal dispositivo encontra sintonia com
os Arts. 111 e 432 do CC.
DCC - DIREITO CIVIL. AGRAVAMENTO DO RISCO COMO EXCLUDENTE DO
DEVER DE INDENIZAR EM CONTRATO DE SEGURO
Caso a sociedade empresária segurada, de forma negligente, deixe de evitar
que empregado não habilitado dirija o veículo objeto do seguro, ocorrerá a
exclusão do dever de indenizar se demonstrado que a falta de habilitação
importou em incremento do risco.
DCC - Seguro DPVAT e Leis 11.482/2007 e 11.945/2009
São constitucionais as alterações procedidas pelas Leis 11.482/2007 e
11.945/2009 na Lei 6.194/1974, que dispõe sobre o seguro obrigatório de danos
pessoais causados por veículos automotores de via terrestre - DPVAT.
Com base nesse entendimento, o Plenário (…) assentar a constitucionalidade
do art. 8º da Lei 11.482/2007 — que reduz o valor das indenizações relativas ao
citado seguro —, e dos artigos 30, 31 e 32 da Lei 11.945/2009 — que instituem
novas regras para o ressarcimento de despesas médico-hospitalares das vítimas
de acidentes de trânsito por meio do DPVAT.
Nota: A Lei n. 11.482/2007 (fruto da MP 340/2006) reduziu o valor da indenização, fixando-
a em R$ 13.500,00 para o caso de morte ou invalidez. Antes dessa mudança, a indenização
era prevista no valor genérico de 40 salários mínimos. A Lei n. 11.945/2009(oriunda da
conversão da MP 451/2008) vedou a cessão de direitos do reembolso por despesas
229
Direito Civil 2016 230

médicas, que antes era admitida na regulamentação do DPVAT. Inicialmente, questionava-


se que tais leis seriam formalmente inconstitucionais porque teriam violado o art. 62 da
CF/88 já que não haveria relevância e urgência para a edição de MP. O STF, contudo,
também não aceitou essa tese. Segundo a Corte, examinar se uma MP tem relevância e
urgência consiste, em regra, em um juízo político (escolha política/discricionária) de
competência do Presidente da República, controlado pelo Congresso Nacional. Desse
modo, salvo em caso de notório abuso, o Poder Judiciário não deve se imiscuir na análise
dos requisitos da MP. Quanto à redução do valor da indenização, o STF entendeu que isso
não viola qualquer norma constitucional, sendo baseado em estudos econômicos que
apontaram essa necessidade. Também não há inconstitucionalidade na regra que proibiu
que a pessoa fizesse a cessão de seu direito ao reembolso pelas despesas médicas
efetuadas, tendo sido essa mudança feita para evitar fraudes.
- Se o segurado se suicidar dentro dos dois primeiros anos de vigência de contrato de
seguro de vida, o segurador, a despeito de não ter que pagar o valor correspondente à
indenização, será obrigado a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já
formada, mesmo diante da prova mais cabal de premeditação do suicídio. O critério é
objetivo. Suicídio dentro dos dois primeiros anos não recebe indenização (não há que se
perquirir a intenção/premeditação do agente). Mas há a devolução da reserva técnica
formada (INFO-STJ-564)

6.18 CONTRATO DE CONSTITUÇÃO DE RENDA


É quando uma pessoa (instituidora, censuísta ou censuente) se compromete a pagar
prestações periódicas a outrem (rendeiro, censuário ou censuente). Pode-se, também, dar
bem a terceiro que se compromete a repassar os frutos ao rendeiro).
Geralmente, o contrato é gratuito, não havendo contraprestação do rendeiro, porém pode
ser oneroso, quando o instituidor poderá exigir que lhe seja prestada uma garantia real ou
fidejussória (art. 803 a 805, do CC).
Características: UNILATERAL, GRATUITO (em regra), COMUTATIVO (em regra), REAL,
TEMPORÁRIO e SOLENE. O contrato de constituição de renda somente se aperfeiçoa com
a ENTREGA DA COISA (art. 809, do CC). É necessária a escritura pública,
independentemente do conteúdo do contrato, consoante entendimento majoritário (art. 807,
do CC). Para uma corrente minoritária, o contrato não seria solene em determinadas
hipóteses, a exemplo de imóveis com valor inferior a trinta salários mínimos.
A constituição de renda pode ser feita por ato inter vivos, mortis causa (testamento) e por
sentença judicial.
O contrato pode ultrapassar a vida do rendeiro (devedor), mas não do rendatário (credor),
cf art. 806, do CC.
É nula a constituição de pessoa já falecida ou que vier a falecer, nos trinta dias seguintes,
de moléstia que já sofria (art. 808, do CC). O contrato é válido se a doença mostra-se
superveniente. Havendo atraso das prestações, o credor (rendatário) poderá judicialmente
cobrar as prestações atrasadas ou exigir garantia das futuras, sob pena de resolução
contratual por inexecução do contrato (art. 810, do CC). Nada mais é do que uma cláusula
resolutiva tácita.
A renda é fruto civil, sendo adquirida dia a dia no término de cada período (art. 811, do CC).
Pode haver a estipulação de outro forma de periodicidade.
O contrato poderá fazer divisão diferente da renda entre dois credores de um rendeiro (art.
812, do CC). Em regra, não há direito de acrescer entre os beneficiários. Falecendo um
rendatário, o outro continuará a receber exatamente o que recebia até ser extinto o benefício
(art. 806 do CC). As rendas poderão ser declaradas impenhoráveis por ato do instituidor, o
que deverá ser justificado com base no art. 1848 do CC. Porém, será dispensada tal
justificativa no caso dos montepios e de pensões alimentícias (art. 813, do CC).
230
Direito Civil 2016 231

6.19 DO JOGO E APOSTA


Consiste o jogo no contrato aleatório pelo qual duas ou mais pessoas prometem certa soma
àquela dentre as contraentes a quem for favorável certo azar. A aposta, por sua vez, é o
contrato aleatório em que duas pessoas de opinião diferente sobre qualquer assunto,
concordem em perder certa soma, ou certo objeto, em favor daquele entre os contraentes
cuja opinião se verificar ser a verdadeira.
Quem ganhar o jogo ou a aposta não poderá cobrar judicialmente a quantia ou o objeto
ganho. No entanto, não pode ser recobrada a quantia que voluntariamente se pagou em
razão de jogo ou aposta, em se tratando do cumprimento de obrigação natural, marcada
pela soluti retentio, consoante o art. 882 do CC, havendo, então, um débito,
desacompanhado, porém, da sua exigibilidade.
Proibidos são os jogos de azar, em que o fator sorte tem caráter absoluto ou predominante.
Tolerados, por sua vez, são os que não transpõem o limiar da ilicitude, mas nem por isso
conquistam os favores da lei, hipóteses em que o resultado não depende exclusivamente
da sorte, como o bridge, a canastra, o biriba, etc.
Art. 815: a contaminação da inexigibilidade da obrigação somente se opera no momento de
ser praticado o ato do jogo ou da aposta, porque será, então, um incentivo ao desperdício,
ou poderá ser uma exploração do estado de superexcitação em que se encontra o jogador.
Contudo, as dívidas contraídas para obter antecipadamente meios para jogar ou apostar,
ou para pagar o débito resultante do jogo ou da aposta, não se consideram de jogo, sendo,
portanto, exigíveis.
6.20 CONTRATO DE FIANÇA
O patrimônio do devedor constitui a garantia geral para o cumprimento das obrigações. Ao
lado dessa garantia geral, também é possível a estipulação de garantias especiais, como
as reais e as pessoais ou fidejussórias.
A fiança é o contrato pelo qual se estabelece um tipo de garantia pessoal, em que alguém
(fiador) se obriga ao cumprimento da obrigação de terceiro (afiançado), se este faltar à sua
prestação. Seu fundamento está na fidúcia, ou seja, na confiança depositada no fiador.
Abonador: subfiança: trata-se de uma garantia oferecida por terceiro ao fiador, de pagar a
dívida, se este não o faça.
A fiança é estabelecida entre o fiador e o credor, sendo que o afiançado, devedor principal
da obrigação, não sendo parte nele, não precisa nem saber nem concordar com sua
existência. Há que se ressaltar a necessidade da outorga do cônjuge para a contratação da
fiança. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, tornará anulável o ato praticado,
podendo o cônjuge pleitear a anulação até 2 anos depois de terminada a sociedade
conjugal. Trata-se de prazo decadencial. A falta desse consentimento, segundo
entendimento predominante no STJ, acarreta a nulidade da garantia por inteiro, não se
limitando à meação do cônjuge que não consentiu. No entanto, há entendimento do mesmo
tribunal no sentido de não reconhecer a nulidade do ato inteiro, mas afastar tão-somente a
meação do cônjuge que não afiançou, quando se estiver diante de regime de separação
total de bens em que a penhora houver sido constituída muito antes do casamento ou,
ainda, quando o fiador omite seu estado civil. (REsp 246829 / SP, DJ 05/06/2000 p. 204;
AgRg no REsp 1095441/RS, DJe 01/06/2011).
Caráter subsidiário da fiança: o cumprimento da fiança somente será devido se o devedor
principal não adimplir a obrigação que lhe cabe. A subsidiariedade da fiança, embora seja
a regra, pode ser afastada por convenção em sentido contrário que estabeleça a
solidariedade entre fiador e devedor principal.
Não há fiança verbal, ainda que o contrato principal o seja, pois é da sua essência a adoção
da forma exigida pela lei, sem a qual o contrato não se forma validamente. Em caso de
dúvida, a interpretação será em favor do que presta a fiança.

231
Direito Civil 2016 232

Interessante questão diz respeito à possibilidade de a mesma pessoa figurar como


devedorafiançado e fiador. O STJ já decidiu que isso é inadmissível, o que parece acertado,
já que o contrário tornaria a fiança totalmente irrelevante, contrariando sua natureza de
garantia. Mas há julgados que admitem.
Art. 823: a solução adotada pelo dispositivo está em consonância com o princípio da
conservação dos contratos, porque não determina a nulidade da fiança, mas apenas a
desconsideração do excedente, mantendo, desta forma, o pacto firmado livremente entre
as partes.
Art. 824: para Pontes de Miranda, este dispositivo deve ser estendido à questão da
anulabilidade da obrigação principal, entendendo-se a expressão 'nulas' por 'nulas' e
'anuláveis', de modo que, sendo nula a obrigação principal, nula será a fiança; sendo aquela
anulada, anulada será esta.
O credor não pode rejeitar o indicado imotivadamente, sob pena de o juiz determinar
compulsoriamente a sua aceitação.
Segundo o STJ, o fiador reputa-se idôneo até prova em contrário, de modo que o credor é
que deve comprovar a sua inidoneidade para fundamentar a recusa.
Art. 826: se a garantia não for reforçada ou substituída, poderá o credor pedir a rescisão do
contrato.
Benefício de ordem ou excussão: possibilidade que a lei confere ao fiador, devido à
subsidiariedade de sua obrigação, de exigir que a execução recaia sobre os bens do
devedor, em primeiro lugar.
Se puder alegar o benefício de ordem e não o fez, trata-se de renúncia tácita, pois neste
caso o fiador não se recusou a cumprir a obrigação.
Art. 829: a solidariedade se estabelece entre os fiadores, e não entre eles e o devedor
principal. Não há solidariedade entre o fiador e seu cônjuge, apenas pelo fato de este ter
concedido anuência para atender à exigência legal, de forma que, falecendo o fiador, o
cônjuge supérstite responderá até a morte do fiador, nos moldes do estatuído no art. 836.
Art. 830: a doutrina diferencia o caso sob exame do já referido benefício de divisão (art.
829), ao esclarecer que o que ocorre no art. 830 é uma fiança de parte da dívida, fixada por
uma quantia determinada, ao contrário do que ocorre no benefício de divisão, onde cada
co-fiador será responsável na mesma proporção dos demais.
Art. 831: para que se opere a sub-rogação, o fiador deve pagar integralmente dívida, pois
aquele que, obrigado pela totalidade, paga apenas uma fração, não favorece o benefício da
sub-rogação, porque ainda é devedor. Sem dúvida não se lhe nega ação regressiva contra
o devedor, por quem ele pagou qualquer quantia; mas essa ação compete-lhe por direito
próprio, porque o devedor não pode locupletar-se com o alheio. O que não pode é substituir
o credor nos seus direitos não plenamente satisfeitos.
Não terá direito, contudo, de regresso contra o afiançado se, não informando ao devedor,
este tiver pago novamente a dívida; se tiver prestado a fiança com animuns donandi; se
tiver pago sem ser demandado (pagamento espontâneo), omitindo a informação ao devedor
principal que teria uma causa extintiva a opor ao pagamento.
Art. 834: Silvio Venosa trata o caso como hipótese de substituição processual, tendo essa
intervenção objetivo de minorar a situação do fiador.
Em regra, o contrato de fiança tem tempo determinado, ficando o fiador obrigado pelo prazo
contratual. Neste caso, o fiador não poderá se liberar da obrigação assumida antes do termo
final, eis que já delimitado o tempo de sua responsabilidade. Pode ocorrer a extinção da
fiança por outro motivo, mas não pela exoneração.
Art. 837: não pode o fiador recorrer às exceções pessoais do devedor para pleitear a
extinção da fiança.

232
Direito Civil 2016 233

Não poderá o devedor opor ao credor as exceções do fiador; assim é que a remissão da
dívida concedida ao devedor principal extingue a fiança, mas se for dada ao fiador, libera-
o, sem fazer cessar a relação fundamental.
Por moratória entende-se a espera, a concessão de prazo ao devedor, após o vencimento
da dívida. - É válida a cláusula que prevê a prorrogação automática da fiança em
caso de prorrogação do contrato principal? 1ª corrente: NÃO. Posição da 3ª Turma do
STJ. 2ª corrente: SIM. Posição da 4ª Turma do STJ. No caso de locação de imóvel, tem
artigo específico dizendo que ocorre a prorrogação. Fiança é formal (tem de ser escrita),
gratuita (de regra, presume-se que o fiador não cobra) e unilateral (o fiador só tem
obrigações). No caso de fiança sem prazo, o fiador deve notificar sua resilição com 60 dias
de antecedência. Não pode notificar se for contrato de locação.
(INFO-STJ-534)
- O fiador de mútuo bancário não tem legitimidade para, exclusivamente e em nome próprio,
pleitear em juízo a revisão e o afastamento de cláusulas e encargos abusivos constantes
do contrato principal. Seu interesse é econômico e reflexo, não jurídico (INFO-STJ-560)

6.21 CONTRATO DE TRANSAÇÃO


Requisitos:
um acordo entre transatores, por se tratar de negócio bilateral (não há transação por força
de lei); o escopo de evitar uma controvérsia acerca de uma situação jurídica ou encerrar
um processo em curso (Na homologação da transação a sentença não aprecia o mérito do
negócio jurídico de direito material);
a reciprocidade das concessões;
o direito há de ser duvidoso, isto é, o desfecho da questão deve ser incerto.
Em regra, pode transigir aquele que tem poder de disposição sobre a situação jurídica
objeto da transação.
O princípio da variabilidade das estruturas negociais na realização de uma determinada
função (translativa, modificativa, novativa, etc). Portanto, não se pode transigir sobre
qualquer situação jurídica (direitos indisponíveis), mas apenas naquelas em que se atribui
o poder de sacrificá-las por meio de ato de autonomia privada.
Em princípio, só é possível transigir sobre situações patrimoniais. Nem todas as situações
patrimoniais são suscetíveis de ser objeto de disposição pelos transatores. Excluem-se do
âmbito da transação não só os bens fora do comércio, isto é, aqueles que não podem
circular, como aquelas relações jurídicas de caráter privado que interessam diretamente à
ordem pública. Nesses casos (direitos extra-patrimoniais), a valoração por parte do Poder
Judiciário revela-se imprescindível, pois a restrição aqui apontada compreendeu os direitos
em si mesmos, sem exclusão dos efeitos patrimoniais que possam gerar, de sorte que os
efeitos econômicos respectivos podem ser por ela (pela transação) abrangidos.
Pela transação não se transmitem, apenas se declaram ou reconhecem direitos. Parece
que, nesse ponto, o CC não evoluiu, ao invés, manteve-se estagnado, muito embora a
doutrina pátria, desde a codificação de 16, bem como a doutrina alienígena entendam que
a transação pode constituir direitos.
A transação é res inter alios acta, ou seja, não aproveita, nem prejudica, senão os que nela
intervieram.
Art. 846: prevalece a disposição deste artigo para os casos não contemplados pela lei dos
Juizados Especiais, que tem fundamento constitucional.
Questão que apresenta controvérsia na doutrina diz respeito à necessidade ou não de
cláusula resolutória expressa quando ocorre o inadimplemento da obrigação e, por
conseguinte, corenascimento das obrigações anteriores à celebração da transação. Para

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Direito Civil 2016 234

Serpa Lopes, como contrato e sem ofensa à sua natureza de força de sentença, a transação
pode conter o princípio geral da cláusula resolutória tácita.
Na transação judicial, só se anula a sentença homologatória mediante a proposição de ação
anulatória prevista no art. 486, CPC. Já a transação extrajudicial impede a reabertura da
discussão acerca do objeto sobre o qual se transigiu, enquanto não anulado o ato negocial.
6.22 CONTRATO DE COMPROMISSO
Designa-se por compromisso o ato jurídico pelo qual as partes, em vez de recorrerem ao
Poder Judiciário, escolhem juízes árbitros para decidirem as suas questões.
Na dicção do art. 1º da Lei 9307/96, o compromisso arbitral somente poderá ter por objeto
litígio relativo a direitos patrimoniais disponíveis.
O compromisso não tem o escopo de obstar o surgimento, bem como o prosseguimento
dos conflitos, através do sacrifício mútuo de direitos, ou de parte de direitos, como ocorre
na transação. Ele apenas transfere o poder de julgar, que, via de regra, pertence do Poder
Judiciário, ao árbitro. No compromisso não há o menor sacrifício dos direitos das partes, as
quais precisamente perante os árbitros irão sustentar os seus próprios direitos.
O compromisso apresenta-se agora como um contrato típico, aplicando-se a ele os
princípios e requisitos que se apõem aos contratos.
A lei 9307/96 equiparou a sentença arbitral à decisão judicial, reconhecendo-lhe força de
título executivo. Deste modo, a decisão arbitral não estará mais sujeita à homologação do
Poder Judiciário. O compromisso se consolida, definitivamente, como instituto de direito
material. Lei 9307/96: o compromisso arbitral judicial é aquele celebrado por termo nos
autos, perante o juízo ou tribunal em que tem curso a demanda. O compromisso arbitral
extrajudicial é aquele celebrado por escrito particular, assinado por 2 testemunhas ou
instrumento público.
Não podem transigir/firmar compromisso os menores, os absolutamente incapazes, bem
como os relativamente incapazes, salvo se assistidos pelos seus representantes legais e
devidamente autorizados pelo juiz.
Art. 852: os efeitos patrimoniais do estado são disponíveis, mas não o estado em si. Alguns
dos direitos de família têm caráter patrimonial. Há, atualmente, duas categorias de direitos
de família: os direitos patrimoniais de família, que podem ser objeto de contrato e se
submetem ao arbítrio da autonomia privada, fazendo com que as lides relacionadas a eles
possam ser solucionadas por via do compromisso; e também os direitos pessoais de família,
cujas pendências não são dirimíveis pelo compromisso, por se revelarem indisponíveis em
virtude da defesa da família, principalmente pelo que ela representa para o desenvolvimento
completo da pessoa humana.
Lei 9307/96: cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um
contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir,
relativamente a tal contrato. Compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes
submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou
extrajudicial.
A arbitragem poderá basear-se em regras de direito ou apenas na equidade, a critério das
partes. O Poder Judiciário é competente para o exame da existência, validade e eficácia da
convenção de arbitragem. A melhor doutrina brasileira já negava caráter absoluto do
chamado princípio do kompetenz/kompetenz, entendendo que a competência dos Tribunais
arbitrais não exclui o exame preliminar judicial de existência e validade da cláusula
compromissória.
O CDC veda a instauração compulsória de arbitragem, mas não exclui a hipótese em que
o próprio consumidor toma a iniciativa de instituir o procedimento arbitral, nos termos da Lei
9307/96”.
[Tepedino]

234
Direito Civil 2016 235

A Lei nº. 13.129/2015 fez profundas alterações na lei de arbitragem, em especial: (a) agora,
indubitavelmente, a Fazenda pode utilizar-se da arbitragem de DIREITO (nunca por
equidade); (b) a instituição da arbitragem interrompe a prescrição, que retroage a data do
requerimento de instituição; (c) o poder judiciário pode determinar medida cautelar
enquanto não instituída a arbitragem, devendo o beneficiário requer a instituição em até 30
dias da efetivação da cautelar; (d) instituída a arbitragem, o árbitro pode revogar a cautelar;
(e) o árbitro pode expedir a carta arbitral, para que o órgão judiciário destinatário pratique
ato na sua jurisdição; (f) os árbitros podem prolatar sentenças parciais de mérito; (g) a ação
anulatória da arbitragem deve ser proposta em até 90 dias de cada decisão que se quer
anular (se a decisão for dada em sentença parcial, é dela que se conta o prazo, não da
sentença final) (STJ); (h) a sentença arbitral estrangeira pode ser homologada pelo STJ,
desde que a matéria seja passível de arbitragem, no Brasil, e não ofenda a ordem pública.
6.23 ATOS UNILATERAIS
São fontes de obrigações tal como os contratos, os atos ilícitos e o abuso de direito.
Espécies: promessa de recompensa, gestão de negócios, enriquecimento sem causa
(gênero) e pagamento indevido (espécie).
Promessa de recompensa (arts. 854/860, do CC)
Art. 854. Aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratificar,
a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de
cumprir o prometido. Requisitos da promessa de recompensa: a) capacidade da pessoa
que emite a declaração de vontade; b) a licitude e possibilidade o objeto; e c) o ato de
publicidade. A revogação está prevista no art. 856, do CC.
Art. 856. Antes de prestado o serviço ou preenchida a condição, pode o promitente revogar
a promessa, contanto que o faça com a mesma publicidade; se houver assinado prazo à
execução da tarefa, entender-se-á que renuncia o arbítrio de retirar, durante ele, a oferta.
Parágrafo único. O candidato de boa-fé, que houver feito despesas, terá direito a
reembolso.
Gestão de negócios (arts. 861/875, do CC)
“Entende-se por gestão de negócio a atuação de um indivíduo, sem autorização do
interessado, na administração do negócio alheio, segundo o interesse e a vontade
presumível de seu dono, assumindo a responsabilidade civil perante este e as pessoas com
que tratar” [STOLZE].
É uma atuação sem poderes. Não é contrato, não há acordo de vontades:
O gestor age sem mandato. Fica diretamente responsável perante o dono do negócio e
terceiros com quem contratou; age conforme a vontade presumível do dono (art. 861,do
CC); NÃO tem direito à remuneração; responderá por caso fortuito ou força maior, se atua
contra a vontade manifesta ou presumível do dono do negócio, podendo este exigir a
restituição do estado das coisas ou a indenização do que exceder os prejuízos superiores
ao seu proveito (art. 862/863, do CC); comunicará, em homenagem ao princípio da boa-fé
objetiva, a gestão ao dono, aguardando a resposta, se não resultar perigo (art. 864, do CC);
deve prestar informações aos herdeiros do dono do negócio, em caso de falecimento do
dono do negócio (art. 865, do CC); em regra, somente pode ser responsabilizado se tiver
agido com culpa, havendo RESPONSABILIDADE SUBJETIVA do mesmo (art. 866, do CC);
responde OBJETIVAMENTE no caso de falta de seu substituto, ainda que seja pessoa
idônea e sem prejuízo (arts. 867, 932, inciso III e 933, do CC).
Ao retornar o dono do negócio, há duas opções: concordando com a atuação do gestor, o
dono deverá ratificar a gestão, convertendo-se a atuação em mandato (art. 869, do CC). A
ratificação RETROAGE ao dia do começo da gestão.
Desaprovando a atuação do gestor, o dono poderá pleitear perdas e danos, havendo, em
regra, responsabilidade subjetiva daquele (art. 874, do CC).

235
Direito Civil 2016 236

Pagamento indevido (arts. 876/883, do CC)


O enriquecimento sem causa é o gênero, do qual o pagamento indevido é espécie. Quem
paga indevidamente pode pedir restituição àquele que recebeu, desde que prove que pagou
por erro (art. 877, do CC). E o que recebeu indevidamente fica obrigado a restituir (art. 876,
do CC). O ônus de prova é daquele que se sentiu prejudicado.
É cabível a ação de repetição de indébito, de rito ordinário (actio in rem verso).
O pagamento indevido pode ser:
Pagamento objetivamente indevido: feito quando nada é devido, havendo erro quanto à
existência
ou extensão da obrigação, exemplo: débito inexistente ou de valor inferior;
Pagamento subjetivamente indevido: feito à pessoa errada, a alguém que não é credor.
Em regra, no pagamento indevido não cabe repetição em dobro do valor pago, podendo o
prejudicado reclamar o principal, os acessórios e, em caso de má-fé, perdas e danos.
Porém, a lei prevê hipóteses em que a repetição será em dobro (quando o pagamento é
feito após cobrança indevida de má-fé): art. 940, do CC, e art. 42, parágrafo único, do CDC.
A jurisprudência do STJ é firme do sentido de que a repetição em dobro do indébito, prevista
no art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento indevido
quanto a má-fé do credor (AgRg no Ag 1140102/SC, DJe 27/06/2012).
Não há repetição de indébito em:
Pagamento de dívida prescrita (art. 882, do CC);
Pagamento de obrigação natural;
Dívida judicialmente inexigível (art. 883, do CC);
Empréstimo para jogo ou aposta, feito no ato de se apostar
(art. 815); Mútuo feito à pessoa menor (art. 588); Juros não
estipulados (art. 591).
Enriquecimento sem causa (art. 884/886, do CC)
Não constava do Código Civil anterior. O enriquecimento sem causa é fonte obrigacional,
ao mesmo tempo em que a sua vedação decorre dos princípios da função social das
obrigações e da boa-fé objetiva.
“A expressão se enriquecer à custa de outrem do art. 884 do novo Código Civil não significa,
necessariamente, que deverá haver empobrecimento”(Enunciado 35 da I Jornada de Direito
Civil do CJF).
“A inexistência de negócio jurídico válido e eficaz é, em regra, uma justa causa para o
enriquecimento” (Enunciado 188 da III Jornada de Direito Civil do CJF).
A restituição é cabível não só quando não existir causa para o pagamento, mas também
quando esta deixar de existir (art. 885, do CC).
Caso a lei forneça ao lesado outros meios para a satisfação (ressarcimento) do prejuízo,
não caberá a restituição por enriquecimento (art. 886, do CC). Porém, “o art. 886 do novo
CC não exclui o direito à restituição do que foi objeto de enriquecimento sem causa nos
casos em que meios alternativos conferidos ao lesado encontram-se obstáculos de fato”
(Enunciado 36 da I Jornada do CJF).
O art. 886 do CC consagra o princípio da subsidiariedade da ação de locupletamento ilícito.
Em outras palavras, não haverá restituição por enriquecimento sem causa, sempre que
existir no ordenamento jurídico norma específica que respalde a obrigação de indenizar,
como nos casos em que couber a aplicação da teoria da responsabilidade civil.

236
Direito Civil 2016 237

RESPONSABILIDADE CIVIL

Ponto 7 - Responsabilidade civil. Elementos.

CONCEITO: Responsabilidade civil é uma obrigação que incumbe uma pessoa de ter de
reparar os danos causados a outra (indenizar) pela transgressão de uma norma jurídica
preexistente, contratual ou extracontratual.
Em síntese, a violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta
dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano. Há,
assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um
dever jurídico sucessivo, também chamado de secundário, que é de indenizar o prejuízo.
(Cavalieri Filho)
Tartuce destaca que a responsabilidade civil avança para a responsabilidade pressuposta,
indicando tese de livre docência da USP, que consiste no pronto-atendimento das vítimas
dos danos pela atribuição a alguém do dever de indenizá-los. Opõe-se à realidade atual,
que, pela falta de solução rápida de litígios, deixa lesionados sem reparação (Questão oral
no Concurso XV TRF1).
Há distinção entre responsabilidade civil contratual e extracontratual:
a) RESPONSABILIDADE CONTRATUAL – tem origem na INEXECUÇÃO
CONTRATUAL, decorre da relação contratual existente.
- ônus da prova: basta comprovar o INADIMPLEMENTO.
- mora: mora é automática.
b) RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL – tem origem na VIOLAÇÃO DE
UM DEVER GERAL DE ABSTENÇÃO pertinente aos direitos reais ou de
personalidade.
- Também denominada de RESPONSABILIDADE AQUILIANA.
- Afundamento da nomenclatura: a lex aquilia foi o diploma romano que previu a
responsabilidade independentemente da existência de uma relação contratual.
- ônus da prova: deve-se demonstrar: DANO + CONDUTA CULPOSA + NEXO DE
CAUSALIDADE.
- mora: não é automática.
7.1 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
De acordo com o art. 186, CC, são: conduta humana (ação ou omissão); dano (prejuízo);
culpa genérica* – dolo (intenção ou vontade de causar o prejuízo) ou culpa
(reprovabilidade – inobservância de um dever de cuidado)23; e nexo de causalidade
(relação de causa e efeito). *OBS: Para parcela da doutrina moderna (Pablo Stolze e
Rodolfo Pamplona), a culpa genérica
(elemento subjetivo) seria um elemento acidental da responsabilidade civil, pois a
responsabilidade objetiva prescinde dela. Por isso, não seria elemento essencial.
7.1.1 Conduta humana
CONCEITO: É o comportamento voluntário e consciente humano que pode ser positivo
(ação) ou negativo (omissão) causador do prejuízo, ambos serão idôneos para justificar a
responsabilidade civil, com obrigação de indenizar.

23
A indenização mede-se pela extensão do dano, não pela culpa ou dolo (artigo 944). Grande novidade é
o parágrafo único do artigo 944 (equidade), pelo qual “se houver excessiva desproporção entre a gravidade
da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”.
237
Direito Civil 2016 238

CAVALIERI indica que o aspecto físico é a ação ou omissão e o viés psicológico a


voluntariedade – a qual não se confunde com o dolo. A primeira é a percepção do agir (ex.:
engatar ré); o segundo é a vontade de causar o resultado (ex.: querer acertar algo). Na
culpa, há voluntariedade (ex.: atingir algo por imprudência).
A omissão será relevante quando houver o dever de agir, que pode ser decorrente da lei,
do contrato ou dos costumes sociais. Normalmente, o descumprimento contratual consiste
em uma omissão.
Não se pode colocar como elemento geral e necessário o ato ilícito, porque pode haver
responsabilidade civil por ATO LÍCITO (Paulo Lobo, Von Tur, Martinho Garcez, Demogue,
Windischeid).
CAVALIERI distingue em responsabilidade por: (i) ato próprio – é a regra, arts. 186 e 942;
(ii) ato de terceiro – pessoa diversa da que praticou a conduta e causou o resultado
responde (art. 932). Ex.: pai e filhos; e (iii) fato da coisa ou do animal – pessoa responde
por danos decorrentes de fato de coisa ou do animal (arts. 931, 936 a 938). Ex.: cachorro
que causa lesões corporais.
7.1.2 Dano
CONCEITO: subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja sua natureza
(patrimonial ou moral) – CAVALIERI.
No âmbito do ilícito civil, não há nada similar aos “crimes de mera conduta ou de perigo
abstrato” do direito penal: o dano é absolutamente imprescindível, e uma indenização sem
dano importaria em enriquecimento sem causa.
CAVALIERI aponta conhecida divisão entre dano patrimonial e extrapatrimonial, a qual será
abordada no tópico mais adiante. Pode ser ainda direto (atinge o sujeito ou seus bens) ou
indireto/reflexo/por ricochete (quando uma pessoa sofre o reflexo em decorrência de o dano
causado a outra pessoa).
OBS.: Dano bumerangue - Trata-se da situação em que a vítima de um dano injusto,
incontinenti, reage e causa um consequente prejuízo em revide ao agressor. É um dano
imediato em revide, que a vítima causa no seu ofensor.
7.1.2.1
Nem todo dano é indenizável, devendo serem cumulados os seguintes requisitos: i)
violação a um interesse juridicamente tutelado; ii) certeza do dano (quanto a sua
existência, não pode ser hipotético ou abstrato; o mero aborrecimento não justifica o dano
– esse requisito gera grande problema teórico com a teoria da perda de uma chance); e
iii) subsistência ou atualidade do dano (o agente já reparou o dano, não há mais o que
ser indenizável; também não se repara dano futuro, deve existir no momento de ajuizamento
da ação) – critica-se o presente requisito, porque, em seu sentido semântico, inviabilizaria
a reparação por lucros cessantes.
7.1.3 Culpa lato sensu
É pressuposto apenas da RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA, abrangendo dolo e
culpa stricto sensu.
Tanto no dolo como na culpa há conduta voluntária do agente, só que no primeiro caso a
conduta já nasce ilícita (o dolo abrange a conduta e o efeito lesivo dele resultante), enquanto
que na segunda a conduta nasce lícita, tornando-se ilícita na medida em que se desvia dos
padrões socialmente adequados.
O artigo 944 afirma que a indenização mede-se pela extensão do dano (regra geral). No
parágrafo único, afirma-se que se houver excessiva desproporção entre a gravidade da
culpa e o dano poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
Note-se que nesse parágrafo está claro que pode o juiz designar indenização menor do que
o dano. É uma grande novidade do CC/02 e evita a transferência do FRACASSO SOCIAL

238
Direito Civil 2016 239

(decisão equitativa). É aplicado em casos de CULPA MÍNIMA e o PREJUÍZO ENORME.


Ex.: jogar a bituca de cigarro e o jaguar pegar fogo. EQUIDADE é a justiça no caso concreto.
O objetivo da regra é permitir que o indivíduo consiga pagar a indenização. Cuida-se da
redução proporcional da indenização.
De acordo com Enunciado 46 CJF, a hipótese disposta no parágrafo único do art. 944 não
poderia ser aplica à responsabilidade objetiva. No entanto, na IV Jornada de Direito Civil,
mediante aprovação do Enunciado 380 CJF, suprimiu-se a parte final do de número 4624,
permitindo-se aplicação aos casos de responsabilidade objetiva. Tal aprovação seria
despicienda, sobremodo, porque já há no direito positivo hipóteses expressas acerca da
possibilidade de redução equitativa da indenização, v. g., contrato de transporte (art. 738
do CC) e relações de consumo.
Ainda continua vigendo o Enunciado 47 do CJF, no qual se entende que o art. 945 do CC
não impede a aplicação da causalidade adequada, que nada mais significa que o valor da
indenização deve ser adequado às condutas dos envolvidos.
7.1.4 Nexo de causalidade
CONCEITO: É o vínculo ou liame que une a conduta agente ao prejuízo causado.
Trata-se de elemento imaterial ou virtual. Percebe-se que mesmo a responsabilidade
objetiva não prescinde do nexo causal. São várias teorias justificadoras do nexo de
causalidade, 3 merecem destaque:
7.1.4.1 Teoria da equivalência de condições (conditio sine qua non)
Desenvolvida pelo filósofo VON BURI. A ideia basilar da teoria é que todo e qualquer
comportamento anterior que haja concorrido para o resultado é causa. “A condição é
todo o fato que está na origem do dano. Já a causa é toda a condição determinante para a
produção do resultado.”(Cristiano Chaves – Curso de Direito Civil. Volume 3. 2014). É
adotada no Direito Penal.
Críticas: Não distingue causa de condição (CAVALIERI). Amplia muito o nexo (TARTUCE).
7.1.4.2 Teoria da causalidade adequada
Elaborada pelo alemão VON KRIES. Considera-se causa apenas o antecedente
abstratamente idôneo à consumação do resultado. Baseia-se em um juízo de
probabilidade. Crítica: Como definir qual foi a mais adequada? Não há regra teórica e dá
azo ao subjetivismo do juiz (CAVALIERI).
7.1.4.3 Teoria da causalidade direta ou imediata (Teoria da interrupção do nexo
causal ou Teoria do dano direto e imediato)
Desenvolvida por AGOSTINHO ALVIM, sendo mais objetiva que a anterior. Para ela, causa
é apenas o antecedente que determina o resultado como consequência sua direta e
imediata. Não se faz um juízo probabilístico de adequação, mas sim um juízo de
necessariedade.
OBS: Na prática, diferenciar a 2º e a 3º teorias é muito difícil, pois chegaremos ao mesmo
resultado utilizando uma ou outra teoria.
OBS2: Teoria adotada pelo CC/02. A doutrina e jurisprudência divergem. Na doutrina, a
2º (Cavalieri e Tartuce) teria base nos arts. 944 e 945, bem como no Enunciado 47 da CJF.
Por outro lado, a 3º (Tepedino e Cristiano Chaves) se ampara no art. 403, CC. STJ tem
julgados para os dois lados.

24
Enunciado 46: Art. 944: A possibilidade de redução do montante da indenização em face do grau de culpa do agente,
estabelecida no parágrafo único do art. 944 do novo Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, por representar
uma exceção ao princípio da reparação integral do dano[,] não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva.
(Alterado pelo Enunciado 380 – IV Jornada).
239
Direito Civil 2016 240

OBS3: O DESEMBARGADOR JOÃO BATISTA MOREIRA adota a teoria da


CAUSALIDADE DIRETA OU IMEDIATA (3ª). CFR. TRF-1, AC 0000651-09.2001.4.01.3500
/ GO, Rel. Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Rel.Conv. Juiz Federal
Márcio Barbosa Maia (Conv.), Rel. Acor. Desembargador Federal João Batista Moreira,
Quinta Turma, e-DJF1 p.243 de 26/03/2014). Em breve pesquisa, o TRF1 adota essa
mesma teoria, não tendo sido encontrados julgados adotando a causalidade adequada.
7.1.4.4 Concausas
CONCEITO: é outra causa, que juntando-se à principal, concorre para o resultado. Não
inicia, nem interrompe, apenas reforça (Cavalieri).
7.1.4.5 Causalidade na omissão
É analisada pelo aspecto normativo – já que pelo aspecto fático a omissão é um nada, e do
nada, nada surge –, de maneira que o Direito pode impor um dever de agir, casos em que
omitindo, além de violar dever jurídico, deixamos de impedir a ocorrência de um resultado.
O omitente coopera na realização do evento com uma condição negativa: ou deixando de
se movimentar ou não impedindo que o resultado se concretize.

7.2 CAUSAS QUE EXCLUEM A RESPONSABILIDADE


O Prof. SILVIO NEVES BAPTISTA classifica as circunstâncias excludentes da
responsabilidade civil do seguinte modo:
- Excludente da causalidade: fato da vítima, fato de terceiro, caso fortuito e a força
maior;
- Excludentes da imputabilidade: menoridade e alienação mental do agente;
- Excludentes da ilicitude: cumprimento o dever legal; exercício regular do direito;
legítima defesa; anuência da vítima e cláusula de não indenizar;
7.2.1 Estado de necessidade e legítima defesa
A legítima defesa (188, I 1º parte, CC) e o estado de necessidade (art. 188, II, CC), desde
que respeitado o princípio da proporcionalidade, afastam a ilicitude do fato e, por
consequência, a responsabilidade civil (como regra). Quem atua sob uma destas
excludentes de ilicitude comete um ATO LÍCITO.
CONCEITO: ESTADO DE NECESSIDADE consiste na agressão a um direito alheio, de
valor igual ou inferior àquele que se quer proteger, com o propósito de remover um estado
de perigo. CONCEITO: LEGÍTIMA DEFESA, o agente reage a uma agressão injusta, atual
ou iminente.
Na proteção da posse (art. 1210, CC), é possível a legítima defesa no caso de turbação e
o desforço incontinente no caso de esbulho.
Exceção: entretanto, por imperativo de solidariedade social (Gisele da Cruz) se a atuação
em estado de necessidade ou legítima defesa acarretar dano a terceiro inocente, por
exceção, haverá responsabilidade civil (art. 929), cabendo ação regressiva contra o
verdadeiro culpado (art. 930).
Veja que essa exceção é uma hipótese especial de responsabilidade civil por ATO LÍCITO.
Pela teoria do sacrifício (Canotilho), diante de uma colisão entre os direitos da vítima e os
do autor do dano, estando os dois na faixa de licitude (os dois comportamentos são lícitos),
o ordenamento jurídico opta por proteger o mais inocente dos interesses em conflito (o da
vítima), sacrificando o outro (o do autor do dano).
Dessa forma, o causador do dano, mesmo tendo agido em estado de necessidade, deverá
indenizar a vítima e, depois, se quiser, poderá cobrar do autor do perigo aquilo que pagou.
Vale ressaltar, no entanto, que o valor da indenização deverá ser fixada com
proporcionalidade, evitando-se a imposição de valores abusivos (desproporcionais) para
alguém que estava agindo de forma lícita (REsp 1.292.141 – 3a turma).
240
Direito Civil 2016 241

Não se aplica ao Direito Civil a legítima defesa putativa, não excluindo a responsabilidade
civil (REsp 513.891/RJ).
7.2.2 Estrito cumprimento do dever legal e Exercício regular de direito
Segundo FREDERICO MARQUES, o estrito cumprimento do dever legal (art. 188, I, in fine,
CC) é uma modalidade de exercício regular de direito (não está expresso no CC).
É óbvio que o estrito cumprimento do dever legal não pode gerar responsabilização, desde
que não haja abuso (art. 187, CC – hipótese de responsabilidade objetiva). Somente atua
em exercício regular de direito quem não está cometendo abuso. Ex.: Inscrição de
inadimplente em cadastros restritivos é exercício regular de direito, se observadas as
prescrições legais (STJ, AgR em AI 555.171)
7.2.3 Caso fortuito e força maior
Assim, a doutrina brasileira não é uniforme quanto à distinção teórica entre caso fortuito e
força maior (Maria Helena Diniz, Álvaro Villaça, Silvio Rodrigues) embora, segundo autores
como Pablo Stolze, melhor é o entendimento segundo o qual força maior é o acontecimento
inevitável – ainda que previsível – e o caso fortuito o acontecimento imprevisível.
Relevante, porém, é afirmação de que, para a lei brasileira, o legislador adotou uma posição
neutra. O p.u do artigo 393 adota postura neutra, delegando à doutrina o labor de diferenciar
os institutos. A regra geral é a de que o devedor não responde por caso fortuito ou força
maior, salvo se a parte se obrigar (autonomia da vontade – art. 393, CC). Outros exemplos
de responsabilidade ainda que configurada força maior ou caso fortuito: mora (art. 399, CC),
perda do objeto nas obrigações de dar coisa certa (art. 246, CC), fortuito interno (doutrina
e jurisprudência), contrato de comodato (art. 583, CC).
7.2.4 Fortuito interno e externo
Essa distinção de AGOSTINHO ALVIM é, sobretudo, importante para o Direito do
Consumidor. CONCEITO: Fortuito interno é aquele que integra o próprio processo de
elaboração do produto, ou de execução do serviço, não tendo o condão de excluir a
responsabilidade civil. Se é fortuito, não há o elemento culpa. Ele integra a própria
elaboração do produto ou serviço e, por conta de integrar a atividade do réu, não exclui a
responsabilidade.
CONCEITO: Fortuito externo é aquele que é exógeno ou estranho à própria atividade do
réu, de maneira que a sua responsabilidade civil é afastada, como o STJ reiteradamente
tem decidido ao considerar fortuito externo roubo ocorrido em ônibus, excluindo a
responsabilidade da empresa viária, até porque compete ao Estado a segurança das
pessoas e não às empresas de ônibus (AgRg no RESP 620.259/MG, AgRg no AG
711.078/RJ; também o julgado de 13.08.2010, do TRF1, 5º turma (AC– 200438000180970),
isentando a responsabilidade civil da CEF pelo extravio de correspondência por esta
empresa pública, em razão de roubo.
Ressalte-se que o STJ entende que a Caixa Econômica Federal não tem legitimidade para
figurar no polo passivo da ação que objetive reparar danos morais e materiais causados por
roubo ocorrido no interior de agência lotérica (REsp 1.317.472 – 3a turma).
7.2.5 Fato exclusivo da vítima
A boa técnica recomenda utilizar fato exclusivo da vítima, em vez de culpa exclusiva.
Pode romper o nexo de responsabilidade. A prova da culpa da vítima deve ser
necessariamente feita pelo réu (RESP 439.408/SP).
Segundo Silvio Rodrigues, o aparente causador do dano é mero instrumento do acidente.
Deve-se falar em isenção da responsabilidade do causador direto do dano, não se devendo
tratar como ausência de culpa deste.
Culpa exclusiva da vítima VS Culpa concorrente

241
Direito Civil 2016 242

Não confundir a culpa exclusiva da vítima com a culpa simplesmente concorrente, que
apenas atenua a responsabilidade civil (art. 945, CC) – não importando necessariamente
em distribuição igualitária da indenização.
7.2.6 Fato de terceiro
Em geral, o fato de terceiro exclui o nexo.
Exceção: A Súmula 187 do STF e o art. 735, CC proíbem a exclusão de responsabilidade
por fato de terceiro por empresa transportadora. Se o fato de terceiro se equiparar a fortuito
externo, não haverá a responsabilização. Ex.: roubo de carga transportada.
7.2.7 Anuência da vítima
O consentimento da vítima, em regra, exclui, previamente, a responsabilidade civil do
agente. Para que o consentimento da vítima seja eficaz, é preciso que, além da capacidade
do agente, o bem jurídico seja disponível.
7.2.8 Cláusula de não indenizar
Decorre da autonomia da vontade. É pré-excludente da obrigação de reparar o dano.
Hipótese em que os riscos são contratualmente transferidos para a vítima. Segundo
CAVALIERI, não afasta a responsabilidade em si, mas apenas a indenização; não se
confunde com a cláusula de irresponsabilidade que decorre da lei. Ex.: Súmula 130/STJ –
contrato de depósito de veículo por estacionamentos; Súmula 161/STF – nula em contratos
de transporte.
São requisitos de validade, conforme VENOSA: (i) bilateralidade no consentimento; (ii) não
é existir normas de ordem pública; (iii) igualdade entre as partes.
Não possui incidência no âmbito consumerista, tendo em vista o disposto nos artigos 25 e
51, I do Código de Defesa do Consumidor.
7.3 RESPONSABILIDADE POR FATO DE OUTREM
Espécie de responsabilidade civil objetiva indireta ou impura, ao lado da responsabilidade
pelo fato da coisa e do animal. Prevista no art. 932, CC, em rol taxativo.
Ato de terceiro – O motivo da existência dessa responsabilidade estendida residiu
inicialmente com os deveres jurídicos de vigilância ou de escolha sobre os agentes. Assim,
foi ampliado o leque de proteção à vítima, já que em determinados casos (art. 932), a vítima
terá ação contra quem praticou o ato e contra terceiro por ele responsável. A priori, terá a
vítima o poder de escolher contra quem quer demandar: se contra o agente, se contra o
terceiro ou se contra ambos. A responsabilidade das pessoas elencadas no art. 932
independe de culpa, tendo sido adotada a teoria do risco-criado (art. 933), ou seja,
RESPONSABILIDADE OBJETIVA. A culpa não é exigida daquele que responde pelo ato
(objetiva), sendo suficiente a demonstração da conduta, nexo e resultado para a
indenização, embora seja necessária a comprovação da culpa daquele que pratica o ato
ilícito para a ação de regresso (Tartuce).
O art. 932 é uma mudança em relação ao CC/16, que exigia a demonstração de
concorrência de culpa própria do responsável (culpa in vigilando e culpa in eligendo), mas,
a doutrina afirmava que essas culpas eram PRESUMIDAS, por se tratar dessa prova de
prova diabólica, ou seja, era quase impossível para a vítima fazer essa prova. Entretanto,
mesmo com a presunção, não perdiam a condição de elementos constitutivos da
responsabilidade. Depois a jurisprudência caminhou, afirmando que se tratava de uma
presunção iure et de iure (absoluta).
Portanto, as antigas presunções de culpa (culpa in eligendo, in vigilando...) simplesmente
DESAPARECERAM com o CC/02 (Enunciado 451 CJF). É que o novo CC, ao tratar do
tema, nos artigos 932 e 933 baniu estas presunções de culpa consagrando uma
responsabilidade objetiva do representante pelo ato do representado.
A responsabilidade entre o agente causador direto do dano e o terceiro é, perante a vítima,
SOLIDÁRIA (art. 942, parágrafo único, CC) – legal e passiva.
242
Direito Civil 2016 243

A responsabilidade por ato de terceiro não afasta a responsabilidade por ato próprio; em
linhas gerais, ambas as responsabilidades coexistem e ambos os indivíduos devem
responder solidariamente. Exceção: Note-se que, no caso do incapaz (art. 932, I), por força
do artigo 928, a sua responsabilidade é SUBSIDIÁRIA, alcançando o menor e o maior
incapaz. Registre-se que, na forma do artigo 928, parágrafo único, na hipótese de
responsabilização do incapaz, “a indenização prevista neste artigo, que deverá ser
equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele
dependem”.
Há DIREITO DE REGRESSO (regra), pois nos termos do artigo 934 do Código Civil, “aquele
que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem
pagou, SALVO se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente
incapaz”. “Na via regressiva, a indenização atribuída a cada agente será fixada
proporcionalmente à sua contribuição para o evento danoso” (Enunciado 453 CJF).”
7.3.1 Pais pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e companhia
Prevista no art. 932, I, CC.
O CC/16, em seu artigo 156 estabelecia que os menores relativamente incapazes seriam
equiparados aos maiores pelos ilícitos cometidos e, os absolutamente incapazes, por sua
vez, seriam INIMPUTÁVEIS. O CC/02 inovou e contemplou a responsabilidade civil do
incapaz, quer seja a incapacidade absoluta ou relativa, ainda que tal RESPONSABILIDADE
seja SUBSIDIÁRIA.
A responsabilidade civil do incapaz é juridicamente possível em duas hipóteses: (i) Se o
seu representante legal não tiver condição econômica de indenizar a vítima; (ii) Se o seu
representante não tiver a obrigação de indenizar a vítima.
O menor no estabelecimento de ensino está sob a responsabilidade da escola, que não
poderá, por força da lei, regredir contra os pais; mas, o contrato pode prever que os pais
responderão perante a escola pelos danos causados pelos filhos.
Interesse de agir e legitimidade do menor
O filho menor não tem interesse nem legitimidade para recorrer da sentença condenatória
proferida em ação proposta unicamente em face de seu genitor com fundamento na
responsabilidade dos pais pelos atos ilícitos cometidos pelos filhos menores (STJ – REsp
1.319.626 – julgado em 2013). Relembre-se: não há direito de regresso (art. 928, parágrafo
único).
Responsabilidade do genitor que não detenha a guarda
Antigo julgado do STJ interpreta a norma em sua literalidade para excluir a responsabilidade
do pai que não detenha a guarda nem tenha o menor em sua companhia (RESP
540459/RS).
Todavia, julgado mais recente reconheceu a responsabilidade de ambos os pais mesmo
quando separados (RESP 1074937/MA). A razão é que como o dever de educar cabe a
ambos, a responsabilidade também.
“Considerando que a responsabilidade dos pais pelos atos danosos praticados pelos filhos
menores é objetiva, e não por culpa presumida, ambos os genitores, no exercício do poder
familiar, são, em regra, solidariamente responsáveis por tais atos, ainda que estejam
separados, ressalvado o direito de regresso em caso de culpa exclusiva de um dos
genitores.” (Enunciado 450 CJF) Responsabilização dos pais no caso de filhos com
emancipação voluntária concedida por ato do pai A REGRA é a de que os pais não se
responsabilizam no caso de filho já emancipado. EXCEÇÃO: no caso de EMANCIPAÇÃO
VOLUNTÁRIA, concedida por ato dos pais, estes respondem (REsp 763.488/MT). Nessa
situação, há responsabilidade solidária entre o emancipado e os pais (Enunciado 41 CJF).

243
Direito Civil 2016 244

7.3.2 Tutor e curador pelos pupilos e curatelados, que se acharem na mesma


condição
Prevista no art. 932, II, CC. A situação é idêntica a dos pais (art. 932, I).
A tutela (art. 1728, CC) e curatela (arts. 1767, 1779 e 1780, CC) são institutos de caráter
protetivo da incapacidade. Essa responsabilidade somente se inicia com o ato de
nomeação. Se o tutelado ou curatelado estiver internado em manicômio, o tutor ou curador
não poderá ser responsabilizado, porque o artigo fala NA MESMA CONDIÇÃO, e isso quer
dizer que o tutelado ou curatelado deve estar sob a sua autoridade e companhia. Não existe
a proibição do regresso.
7.3.3 Empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no
exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele
Prevista no art. 932, III, CC.
Há responsabilidade objetiva da empresa/empregador pelos atos de seus representantes
em virtude da chamada teoria da substituição. Por esta razão, superada a Súmula 341/STF
que presumia a culpa.
Possibilita à vítima o ressarcimento (patrimônio), considerando que o empregado não tem
condições muitas vezes.
É preciso definir as figuras (empregador-empregado) e, para isso, faz-se necessário
identificar o vínculo de subordinação do empregado, serviçal e preposto.
Ainda que o empregado tenha causado um dano no período de descanso, o empregador
responde, bastando a vítima demonstrar a culpa do empregado – não precisando
comprovar a do empregador.
Responsabilidade do empregador X Responsabilidade do Estado por ato de seus agentes
Em que pese ambas serem objetivas, as suas naturezas são distintas, pois pela CF/88 o
Estado responde pelo RISCO de sua atividade, que somente pode ser prestada pelos seus
agentes. Já o empregador responde pelos DANOS causados culposamente pelos seus
empregados, ou seja, precisa da prática de ATO ILÍCITO.
7.3.4 Donos de hotéis, hospedeiros, casas ou estabelecimentos onde se albergue
por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores
e educandos dentro de uma esfera restrita de vigilância
Previsto no art. 932, IV, CC. Contempla a teoria da guarda. São duas responsabilidade
incluídas no inciso: a dos responsáveis (i) pelo hotel e (ii) pela escola.
Para a responsabilidade dos hospedeiros, a jurisprudência entende que não precisa ser a
relação onerosa porque a hospedagem como atividade típica empresarial, submetendo-se
inclusive ao CDC. Além disso, a doutrina equipara ao depósito necessário (art. 649, CC),
no qual é ínsito o dever de vigilância.
Se um hóspede causar prejuízo a alguém, o hotel (e outros entes previstos no inciso) será
responsável, desde que haja uma relação de pertinência com a hospedagem. O dono do
hotel tem que garantir a segurança e o sossego de todos os que se hospedam lá.
Em relação aos estabelecimentos de educação, a doutrina entende que é necessária a
relação onerosa, com o intuito de lucro. Ainda que, conforme Carlos R Gonçalves, citando
Aguiar Dias, o Estado responda pelos danos causados aos aluno. Quando o pai deixa o
filho na escola, a instituição passa a ser responsável pelos atos do aluno, sendo que o pai
não deve arcar com prejuízos da escola, salvo, se existir responsabilidade contratual.
Os danos causados por terceiros (ex.: bullying) devem ocorrer no período de vigilância da
escola, ainda que no horário de intervalo.
A lei silencia, mas se o educando for maior de idade, não existe a responsabilidade da
instituição.

244
Direito Civil 2016 245

7.3.5 Os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a


concorrente quantia
Previsto no art. 932, V, CC. A responsabilidade é solidária de todos aqueles que
participaram, ainda que gratuitamente, nos produtos do crime, até a concorrente quantia
(Rui Stoco). O fundamento é o princípio de vedação do enriquecimento sem causa.
7.4 RESPONSABILIDADE POR FATO DA COISA
Uma pessoa será responsabilizada pelo FATO (acontecimento juridicamente relevante) da
coisa.
São 4 as hipóteses:
7.4.1 Responsabilidade de dono ou de detentor de animal
A responsabilidade é do guardião, aquele, segundo a TEORIA DA GUARDA, de origem
francesa, que tem o poder de comando ou direção intelectual sobre a coisa.
O CC/02, no art. 936, inovou ao tratar a responsabilidade do dono do animal como
OBJETIVA, bem como por não mencionar o caso fortuito, como excludente de
responsabilidade. Existem duas causa a excluir a reponsabilidade: culpa exclusiva da vítima
e força maior.
Não é qualquer culpa da vítima apta para esse fim, é preciso entender que há GRAUS DE
CULPA e, nesse caso, somente a CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA pode excluir a
responsabilidade do dono ou detentor do animal (Enunciado 452). Na prática, dificilmente,
o dono consegue se livrar da responsabilidade.
OBS: no que tange aos acidentes com animais em rodovias, há entendimento do STJ no
sentido de reconhecer a responsabilidade subjetiva do Estado por omissão na fiscalização
e policiamento da pista (RESP 1198534/RS). Todavia, se o acidente ocorrer em uma
rodovia de concessionária de serviço público, a responsabilidade é objetiva, com base no
CDC (RESP 687799/RS).
7.4.2 Responsabilidade de dono da construção ou do terreno
O dono do edifico ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se
esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta (artigo 937).
A responsabilidade é OBJETIVA (Enunciado 556 CJF). Se houve a ruína, pressupõe-se
que devesse ter havido reparo. Registre-se que, de acordo com a literalidade do CC, haveria
a necessidade de estar demonstrado o mau estado de conservação da edificação. Não é o
que prevalece na jurisprudência. Afasta-se o dever de indenização se a ruína ocorrer por
fato totalmente alheio a sua atuação (ex.: em decorrência de abalo sísmico).
Na prática, a responsabilidade objetiva decorre do CDC, que trata as vítimas como
consumidores indiretos ou por equiparação, ou ainda como bystander (art. 17).
7.4.3 Responsabilidade por objeto lançado ou caído em local indevido
Prevista no art. 938, CC. Trata-se da responsabilidade por defenestramento ou por effusis
et dejectis, que significa a responsabilidade por coisa líquidas ou sólidas que caem.
A responsabilidade é de quem habita, e não do proprietário. Tanto o CC/16, como o CC/02,
qualificam como caso de RESPONSABILIDADE OBJETIVA, com base na teoria do risco
criado. Se a pessoa não souber de que unidade partiu o projétil a responsabilidade é de
todo o condomínio (Enunciado 557 CJF), com base na TEORIA DA CAUSALIDADE
ALTERNATIVA, excluindose os blocos ou fachadas por onde seria impossível o arremesso.
Nos casos de cessão do prédio, responderão o locatário ou o comodatário, não sendo o
caso de se imputar responsabilidade ao locador ou ao comodante (eventuais proprietários
do imóvel).
7.4.4 Responsabilidade pelos produtos postos em circulação
Prevista no art. 931, CC, a responsabilidade é OBJETIVA pelo fato do produto ou do serviço.
A proteção decorre tanto do CDC, quando houver a relação de consumo, como do Código
Civil, o qual, terá aplicação, de acordo com a teoria do diálogo das fontes, quando não
245
Direito Civil 2016 246

estiver caracterizada a relação de consumo – ex.: empresário individual. Há, pois, extensão
da proteção do CDC pelo CC.
OBS.: Responsabilidade civil da pessoa jurídica de direito privado por ato de
terceiros
Responderá por ato de terceiro, como se fosse pessoa natural. O CC/02 não repetiu o texto
de 1916, por absoluta desnecessidade, porque é lógico que a pessoa jurídica
independentemente de sua finalidade irá responder civilmente pelos atos praticados por
terceiros, desde que enquadrados nas circunstâncias do artigo 932.
SILVIO RODRIGUES (posição minoritária) dá a entender que a pessoa jurídica não
responde automaticamente por ato de terceiro, deveria haver a comprovação da culpa da
pessoa jurídica pela prática do ato de terceiro.
7.5 TEORIAS SUBJETIVA E OBJETIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil subjetiva ou clássica está estruturada na TEORIA DA CULPA,
pressupondo o ato ilícito culposo ou doloso. Ela estruturava o CC/16, influenciado pelo
Código Francês (faute). Assim, a definição do ato ilícito possuía como elementos: o dolo e
a culpa, ou seja, era imprescindível a comprovação dos dois para a configuração da
responsabilidade.
Nesta concepção clássica, todavia, a vítima só obterá a reparação do dano se provar a
culpa do agente, o que nem sempre é possível na sociedade moderna. O desenvolvimento
industrial, bem como o crescimento populacional geraram novas situações que não podiam
ser amparadas pelo conceito tradicional de culpa.
Nesse contexto, importantes trabalhos vieram à luz, sustentando uma responsabilidade
objetiva, sem culpa, baseada na chamada TEORIA DO RISCO, que acabou sendo também
adotada pela lei brasileira em um primeiro momento e é atualmente adotada pelo CC/02 em
alguns casos. No Brasil, a primeira lei que cuidou a responsabilidade objetiva foi o DL
2682/12 (Estradas de Ferro), que determinada que a estrada de ferro deveria
responsabilizar-se pelos danos causados aos proprietários dos terrenos vizinhos. Houve
outras disposições que tratavam da responsabilidade objetiva:
Principais Hipóteses de Responsabilidade Aquiliana Objetiva fora do Código Civil
- Estradas de ferro (Decreto 2681/12, art. 26)
- Código de Mineração (Decreto-lei 227/67, art. 47, VIII)
- DPVAT (Lei 6.194 /74)
- Meio ambiente (Lei Federal 6.938/81, art. 14, § 1º)
- Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei Federal 7565/86, arts. 268 e 269)
- Estado (CF/88, art. 37, § 6º)25
- Pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (CF/88, art. 37,
§ 6º)
- Danos Nucleares (CF/88, art. 21, XXIII, “d”, Lei Federal 6.453/77, arts. 4º a 18)
- Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal 8.078/90, arts. 12, § 3º, 14, § 3º, e 17)
- Acidente do trabalho (Lei 8.213/91 – INSS; empregador é subjetiva, art. 7º, XXVIII,
CF/88)
7.5.1 Responsabilidade Objetiva no Código Civil de 2002
O CC/2002, embora tenha mantido a responsabilidade subjetiva, optou pela
responsabilidade objetiva em hipóteses tais como: abuso de direito (art. 187), o exercício
de atividade de risco ou perigosa (parágrafo único do 927), danos causados por produtos
(art. 931), responsabilidade pelo fato de outrem (arts. 932 c/c 933), responsabilidade pelo

25
O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que excluir da responsabilidade do Estado os danos
causados aos próprios agentes públicos acabaria por esvaziar o preceito do art. 37, § 6º, da Constituição Federal,
estabelecendo distinção nele não contemplada (AG. REG. NO RE N. 435.444-RS).
246
Direito Civil 2016 247

fato da coisa e do animal (arts. 936, 937 e 939), responsabilidade dos incapazes (art. 928),
dentre outras. Cavalieri chega a apontar que pouco restou para a responsabilidade
subjetiva.
As duas principais cláusulas gerais de responsabilidade civil objetiva previstas no CC são
o abuso do direito (arts. 187 c/c 927, caput) e desempenho de atividade de risco (parágrafo
único do 927).
7.5.2 Abuso de direito
Informado pela teoria dos atos emulativos. Parte-se da premissa de que todas as situações
jurídicas, que se conceituam como direito subjetivo, atualmente, são reconhecidas e
protegidas pela norma tendo em vista uma finalidade, que se poderá chamar de finalidade
econômica e social do direito. Quando o titular exorbita no exercício de seu direito, agindo
em desacordo com os fins almejados, haverá responsabilidade civil quando causar dano a
outrem, independente de culpa (objetiva).
CONCEITO: Abuso de direito é o exercício antissocial do direito. O artigo 187, CC consagra
os limites a serem observados no exercício do direito. Ou seja, o abuso de direito configura-
se caso o exercício do direito afronte qualquer uma dos 4 conceitos indeterminados: (i) fim
social; (ii) fim econômico; (iii) boa-fé; e (iv) bons costumes. Portanto, o próprio conceito de
abuso de direito é aberto e dinâmico, na medida em que o intérprete deverá identifica a
violação das normas elencadas.
O abuso de direito aproxima-se do princípio da eticidade (norteador do CC/02), ao
consubstanciar função de controle nas relações igualitárias, exigindo a conduta leal, proba
e integradora nas relações negociais.
7.5.3 Responsabilidade pelo desempenho de atividade de risco
A segunda cláusula geral de responsabilidade objetiva, consta no art. 927, parágrafo único.
Nos termos deste dispositivo – haverá responsabilidade objetiva também em duas
hipóteses: (i) nos casos especificados em lei (como vimos acima um rol de hipóteses) OU
(ii) no desempenho de atividade de risco.
O dispositivo exige uma interpretação cautelosa a fim de que não ocorra um
superdimensionamento da noção “atividade de risco”. Uma boa diretriz é a noção de
riscoproveito que embasa a referida norma.
Não é qualquer atividade de risco que justifica responsabilidade objetiva, conforme
Enunciado 38 da I jornada de Direito Civil: “a responsabilidade fundada no risco da
atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código
Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar
a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade”. Assim,
o risco é criado pelo autor do dano para que ele tenha algum beneficio.
7.5.4 Casos jurisprudenciais
Furto ou roubo de veículo
A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo
ocorridos em seu estacionamento (Súmula 130/STJ).
Empréstimo de veículo
O STJ já firmou entendimento no sentido de que o dono do veículo é solidariamente
responsável pelo dano causado por seu condutor pelo risco criado (REsp 343649/MG e
577902/DF). Locação de Veículos
Súmula 492 STF: A empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o
locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado. Essa
solidariedade, em tese, tem base no art. 942 do CC.
Veículos alienados cujo registro ainda não foi realizado
A súmula 132 do STJ (A ausência de registro da transferência não implica a
responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o
247
Direito Civil 2016 248

veículo alienado), firmando a ideia de que é a tradição que opera a transferência de


domínio e de responsabilidade, isenta o antigo proprietário pelo acidente causado pelo novo
adquirente.
A notícia ao DETRAN tem efeitos administrativos e tributários, a transferência da posse
e propriedade ocorrerá com a tradição.
E as multas/infrações de trânsito?
Em caso de simples INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS, em um primeiro momento, o STJ,
à luz do artigo 134 do CTB visualizava uma responsabilidade solidária entre o antigo
proprietário e o novo. Mas, posicionamento mais recente é no sentido de relativizar o artigo
134, e responsabilizar apenas o novo proprietário (REsp 965.847-PR e AgRg no REsp
1204867-SP).
Legitimidade da Seguradora
+++ DCC - Súmula 529: No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o
ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da
seguradora do apontado causador do dano. Segunda Seção, aprovada em 13/5/2015, DJe
18/5/2015.
+++ DCC - Súmula 537: Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se
aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e
solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos
limites contratados na apólice.
7.6 DANO MORAL E MATERIAL
7.6.1 Dano Material – Dano Patrimonial.
CONCEITO: Dano patrimonial direto consiste na lesão ao conjunto de relações jurídicas de
uma pessoa apreciáveis economicamente (Cavalieri).
CONCEITO: Dano patrimonial indireto Para alguns autores, a exemplo de Fernando
Gaburri, a expressão dano indireto traduz uma cadeia de prejuízos experimentados pela
mesma vítima. Ex: compro um cavalo infectado (sofri o 1º prejuízo); ela infecta a minha
égua (sofri um 2º prejuízo, dano indireto).
De acordo com o art. 402, CC, subdivide-se em: danos emergentes e lucros cessantes. O
STJ consagra os danos decorrentes da teoria da perda de uma chance como terceira
categoria de dano patrimonial, intermediária aos primeiros (REsp 1190180).
7.6.1.1 Danos Emergentes (Danos Positivos)
CONCEITO: É o que a vítima EFETIVAMENTE PERDEU (efetiva diminuição de seu
patrimônio).
A mensuração é efetivada através da teoria da diferença (patrimônio antes e depois do
ilícito).
7.6.1.2 Lucros Cessantes (Danos Negativos)
CONCEITO: É o que a vítima RAZOAVELMENTE DEIXOU DE GANHAR, não pode ser
imaginário/hipotético. Cavalieri fala em juízo de probabilidade objetiva.
Deve ser fixado segundo o PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE, levando-se em conta a
CAUSALIDADE DIRETA E IMEDIATA. (art. 403, CC)
7.6.1.3 Perda de uma Chance
Não se confunde com dano emergente, tampouco com lucros cessantes, sendo algo
intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar
POSIÇÃO MAIS VANTAJOSA que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato
ilícito praticado. (REsp 1190180/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado
em 16/11/2010 e Enunciado 443, do CJF) Surgida na França, e muito comum, nos EUA e
na Itália a TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE, também adotada no Brasil flexibiliza
248
Direito Civil 2016 249

este requisito (certeza) ao permitir a indenização a vítima quando esta sofre a perda de uma
probabilidade que lhe seja favorável para a melhora da sua situação atual.
Conforme o STJ, o dano deve ser REAL, ATUAL e CERTO, dentro de um juízo de
probabilidade e não mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no espectro
da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável (REsp 1.104.665). Os ministros
Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon defendem a aplicação da teoria da perda de
uma chance às relações de direito público. Hipóteses reconhecidas na jurisprudência:
- Show do Milhão (REsp 788.459);
- candidato a Vereador que deixa de ser eleito por reduzida diferença de oito votos após
atingido por notícia falsa publicada por jornal, resultando, por isso, a obrigação de indenizar.
(REsp 821.004/MG)

- advogado que deixa de contestar/recorrer, em causa em que a parte poderia sagrar-se


vitoriosa (REsp 1190180);

- o erro médico tenha reduzido possibilidades concretas e reais de cura de paciente que venha
a falecer em razão da doença tratada de maneira inadequada pelo médico; Há aqui
variação da teoria original porque, nesta a extensão do dano é incerta, enquanto aqui
o dano já é certo (morte, geralmente), a dúvida recai sobre a conduta do réu
(concausa) (REsp 1254141 - Info 513)

- programa televisivo de perguntas e respostas deve indenizar, pela perda de uma chance, o
participante que, apesar de responder corretamente a pergunta sobre determinado time de
futebol, tenha sido indevidamente desclassificado, ao ter sua resposta considerada errada.
(REsp 1383437 - Info 528);

- A criança que, em razão da ausência do preposto da empresa contratada por seus pais para
coletar o material no momento do parto, não teve recolhidas as células-tronco embrionárias.
(REsp
1.291.247-RJ - Info 549).

Hipóteses em que NÃO foi reconhecida a indenização pela teoria:


- NÃO há direito à indenização nem mediante o pagamento da remuneração atrasada nem a
título de
“perda de uma chance”. (EREsp 1117974/RS, julgado em 21/09/2011; AgRg no AgRg no
RMS 34792/SP, julgado em 17/11/2011. - Info 515)

- Servidor que é obrigado a pedir exoneração por interpretação equivocada de acumulação


ilícita deverá ser indenizado com base na extensão do dano e NÃO na teoria da perda de
uma chance (REsp 1308719 - Info 530)

7.6.2 Dano Moral - Extrapatrimonial


O reconhecimento da indenização por dano moral passou por algumas fases – (i)
irreparabilidade;
(ii) inacumulatividade com dano material – até chegar à atual, de modo que com a
Constituição Federal de 1988, o dano moral efetivamente ganhou autonomia (artigo 5º,
incisos V e X), tendo sido consagrado no CDC (art. 6º, VI e VII), no CC (art. 186) e a
acumulação possível com danos materiais (Súmula 37/STJ – São cumuláveis as
indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato. Questão oral no
Concurso XV TRF1) -
Para Cavalieri, à luz da constituição vigente, pode-se CONCEITUAR o dano moral de duas
maneiras distintas: (i) sentido estrito dano moral nada mais é violação do direito à dignidade
do individuo; (ii) sentido amplo dano moral envolve diversos graus de violação dos direitos
249
Direito Civil 2016 250

da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa, considerada esta em suas


dimensões individuais e sociais, ainda que sua dignidade não seja arranhada.
FRISE-se: dor, sofrimento, tristeza, vexame, angústia e humilhação são as
CONSEQUÊNCIAS do dano, não o dano em si (Enunciado 445, CJF). Além disso, o dano
moral não se confunde com os meros aborrecimentos resultante da lesão material
(Enunciado 159, CJF). Isso possibilita, inclusive, o reconhecimento do dano moral por quem
estava em coma: no REsp 122.573, um rapaz estava em coma internado em um hospital
mantido pelo Estado. O hospital publicou lista dos pacientes aidéticos e o nome do rapaz
foi equivocadamente inserido na lista. Os pais entraram com ação e ganharam.
+++ DCC - Biografias: autorização prévia e liberdade de expressão - É inexigível o
consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou
audiovisuais, sendo por igual desnecessária a autorização de pessoas retratadas como
coadjuvantes ou de familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes.
Em razão de sua natureza imaterial, o dano moral é insusceptível de avaliação pecuniária,
podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do
dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização.
7.6.2.1 Formas de reparação (compensação)
Em regra, o ressarcimento do dano deve observar a restitutio in integrum; de modo que,
ante a impossibilidade de reparação do dano moral, admite-se uma tentativa de atingir uma
situação material correspondente. Assim, a compensação (não há como reparar) moral é,
em regra, pecuniária, a fim de neutralizar os sentimentos negativos, de mágoa, angústia,
dor etc., pela superveniência de sensações positivas, de alegria, satisfação, que
possibilitaria ao lesado algum prazer capaz, em certa medida, de atenuar seu sofrimento.
São reconhecidas as funções da indenização decorrente do dano moral:
a) FUNÇÃO SATISFATÓRIA – busca satisfazer o sofrimento provocado.
b) FUNÇÃO SANCIONATÓRIA – pena privada. Caráter reflexo da indenização.
7.6.2.2 Prova do dano moral
NÃO é possível exigir prova da dor; existe “in re ipsa” (decorre do próprio fato), com
presunção (RELATIVA) de haver realmente atingido a vítima. O dano moral in re ipsa é
aquele que dispensa a prova em juízo, como se fosse um dano presumido ou dano moral
objetivo. (RESP 649104/RJ e RESP 775766/PR).
Dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento sempre que demonstrada a ocorrência de
ofensa injusta à dignidade da pessoa humana. A violação de direitos individuais
relacionados à moradia, bem como da legítima expectativa de segurança dos recorrentes,
caracteriza dano moral in re ipsa a ser compensado (STJ – 3a turma – Resp 1.292.141/SP
– julgado em 04/12/2012).
7.6.2.3 Legitimidade para postular dano moral
Além da própria vítima (dano direto), pode ser reconhecida a legitimidade dos lesados
indiretos (dano indireto/reflexo), constante no parágrafo único do art. 12, quando for caso
da regra geral, ou daqueles previstos no parágrafo único do art. 20, quando for alguma
das hipóteses previstas no caput desse dispositivo (ex.: utilização indevida da imagem).
Entende-se por dano reflexo/em ricochete o prejuízo que atinge uma vítima indireta ligada
à vítima direta (é também denominado por parte da doutrina (Tartuce) como DANO
INDIRETO). Ex: João foi vítima de homicídio – ele é a vítima direta; mas o seu filho é a
vítima secundária, já que é atingida de forma indireta, oblíquo.
Sobre o ponto, vale consignar que o espólio não tem legitimidade ativa para ajuizar ação
em que o dano moral pleiteado pela família tem como titulares do direito os herdeiros, não

250
Direito Civil 2016 251

por herança, mas sim por causa de direito próprio deles (STJ – REsp 1.143.968 – 4a turma
– julgado em 2013 e REsp 1.209.474 – 4a turma – julgado em 2013). Veja o Quadro-resumo:
Ofensa a direito da personalidade da
pessoa enquanto VIVA, tendo esta ajuizado O espólio é legitimado a prosseguir na
ação de indenização, mas falecido antes do demanda.
trânsito em julgado.

Ofensa a direito da personalidade da


pessoa enquanto VIVA. Esta faleceu sem O espólio é legitimado a propor a ação de
ter ajuizado a ação. indenização.

Os herdeiros (e não o espólio) são


Ofensa à memória da pessoa já
legitimados para propor a ação de
FALECIDA.
indenização.
Dor e sofrimento causado pela MORTE da Os herdeiros (e não o espólio) são
pessoa. legitimados para propor a ação de
indenização.
Nesse contexto, a mãe tem legitimidade para ajuizar ação objetivando indenização pelo
dano moral decorrente da morte de filho casado e que tenha deixado descendentes, ainda
que a viúva e os filhos do falecido já tenham recebido, extrajudicialmente, determinado valor
a título de compensação por dano moral oriundo do mesmo fato. (STJ, REsp 1.095.762-SP,
Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, julgado em 21/2/2013. Info 515)
O STJ, em 2012, julgou um caso de um rapaz que pleiteou a reparação de dano reflexo por
conta do falecimento de sua noiva. Nesse julgado, o STJ entendeu que o noivo não tinha o
direito de pedir a reparação pelo dano reflexo (4ª Turma do STJ - REsp 1.076.160).
Acerca da metodologia de fixação de danos morais devidos a parentes de vítimas de dano
morte na hipótese de núcleos familiares com diferente número de membros, segundo o
STJ: Na fixação do valor da reparação pelos danos morais sofridos por parentes de vítimas
mortas em um MESMO EVENTO, deve ser adotada levado em consideração a situação
INDIVIDUAL de cada parente de cada vítima do dano morte, e não deve ser estipulada
de forma global a mesma quantia reparatória para cada grupo familiar.
7.6.2.3.1 Dano moral da pessoa jurídica
Embora a pessoa jurídica não tenha direitos da personalidade, reconhece-se a
possibilidade de sofrer dano moral em decorrência de ofensa à honra objetiva.
OBS.: A HONRA possui: (i) um aspecto INTERNO ou SUBJETIVO – caracterizada pela
dignidade, decoro e autoestima, sentimentos nascidos da consciência das virtudes ou do
valor moral que cada um tem de si – próprio da pessoa natural; e um aspecto EXTERNO
ou OBJETIVO – reflexo na reputação, renome, imagem social – atingindo tanto a pessoa
natural como a pessoa jurídica. Segundo alguns doutrinadores (corrente minoritária), a
pessoa jurídica não poderia sofrer dano moral, uma vez que este pressupõe afetação do
complexo anímico e não haveria como se admitir a dor psíquica da pessoa jurídica. O que
se reconheceria seria o abalo financeiro da entidade, justificando uma indenização em
decorrência do dano material (reflexo patrimonial), e não de dano moral.
Na responsabilidade civil por dano moral causado à pessoa jurídica, o fato lesivo, como
dano eventual, deve ser devidamente demonstrado (Enunciado 189, CJF).
O STJ reconhece a POSSIBILIDADE do dano moral para as pessoas jurídicas de direito
PRIVADO (Súmula 227), NÃO reconhecendo em relação às pessoas de direito PÚBLICO
(REsp 1.258.389).

251
Direito Civil 2016 252

7.6.2.4 Dano estético


Em tese, a deformidade física pode acarretar dano patrimonial (redução da capacidade
laborativa) ou moral (vexame, humilhação).
CONCEITO: É toda alteração morfológica do indivíduo que, além do aleijão, abrange as
deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem,
sob qualquer aspecto, um afeamento da vítima, consistindo numa simples lesão
desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de
inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa (art. 950 e
parágrafo único, CC).
É possível ser cumulado com danos morais, ainda que decorrentes do mesmo fato, pois
para o STJ (RSTJ, 105/332), o dano estético é uma terceira categoria (alteração
morfológica que agride à visão), diversa da angústia e aflição da vítima (que seria o DANO
MORAL). Nesse sentido, a Súmula 387/STJ – É possível a acumulação das indenizações
de dano estético e moral (Questão oral no Concurso XV TRF1).
7.6.2.5 Dano à imagem
Em REGRA, não se pode utilizar a imagem de outra pessoa. O direito à imagem,
consagrado pela CF/88 (art. 5º, V e X), é de uso restrito.
EXCEÇÃO: somente é POSSÍVEL sua utilização por terceiro quando: (i) expressamente
autorizado pelo titular (nos limites da finalidade e das condições contratadas); OU (ii) se for
necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública (art. 20, CC).
O uso indevido da imagem pode acarretar: (i) dano material: sempre que houver
exploração econômica sem autorização; e (ii) dano moral: se a imagem for utilizada de
forma humilhante e vexatória.
DCC - INAPLICABILIDADE DE PROTEÇÃO DO DIREITO AUTORAL A MODELO
FOTOGRAFADO. O modelo fotografado não é titular de direitos autorais oponíveis contra
a editora da revista que divulga suas fotos. A pessoa fotografada terá proteção jurídica, mas
com base no direito de imagem (e não no direito autoral). Desse modo, a proteção do
fotografado é feita com fundamento no art. 20 do Código Civil (e não com base na Lei
9.610/98).
A previsão do art. 20, parágrafo único, CC, possibilita o direito dos lesados indiretos à
indenização. A imagem não é um bem absoluto. Não haverá direito de indenização no caso
de foto de uma pessoa no contexto da imagem publicada no jornal.
Todavia, se a publicação possuir finalidade econômica, é devida a indenização. Sobre o
ponto, assim dispõe a Súmula 403 do STJ (Independe de prova do prejuízo a indenização
pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais).
A obrigação da reparação pelo uso não autorizado de imagem decorre da própria utilização
indevida do direito personalíssimo. Assim, a análise da existência de finalidade comercial
ou econômica no uso é irrelevante. O dano, por sua vez, conforme a jurisprudência do STJ,
apresentase in re ipsa, sendo desnecessária, portanto, a demonstração de prejuízo para a
sua aferição. (REsp 299832)
O valor da indenização não pode ser o mesmo que se obteria pela utilização autorizada,
pois deve existir o caráter sancionatório da indenização por dano moral.
Pessoa Pública
Utilização, sem autorização, da imagem de pessoa pública:
- Para ilustrar matéria jornalística: em regra, não haverá dano moral.
- Para fins econômicos: haverá dano moral (mesmo sem prova do prejuízo).
- Para fins publicitários: haverá dano moral (mesmo sem prova do prejuízo).
Outras hipóteses reconhecidas na jurisprudência:
- A divulgação não autorizada da imagem de alguém em material impresso de propaganda
políticoeleitoral, independentemente da comprovação de prejuízo (REsp 1.217.422-MG);
252
Direito Civil 2016 253

- A divulgação não autorizada de foto de pessoa física em campanha publicitária promovida por
sociedade empresária com o fim de, mediante incentivo à manutenção da limpeza urbana,
incrementar a sua imagem empresarial perante a população, ainda que a fotografia tenha sido
capturada em local público e sem nenhuma conotação ofensiva ou vexaminosa (REsp
1.307.366-RJ).

7.6.2.6 Danos morais causados pela imprensa


Princípios reciprocamente limitantes: CF/88, arts. 5º, V, X e IX, e 220, §§ 1º e 2º.
O direito à liberdade de informação deve observar o dever de veracidade, bem como o
interesse público dos fatos divulgados. Em outras palavras, pode-se dizer que a honra da
pessoa não é atingida quando são divulgadas informações verdadeiras e fidedignas a seu
respeito e que, outrossim, são de interesse público. (REsp 1.297.567)
A imprensa não está obrigada a apurar a veracidade dos fatos antes de divulgá-los, por
conta da urgência da notícia, mas não pode violar a intimidade, a honra, a imagem de
outrem. Nesse caso ela não poderá dar o fato como certo.
Para a responsabilização da imprensa pelos fatos por ela reportados, não basta a
divulgação de informação falsa. Exige-se prova de que o agente divulgador conhecia ou
poderia conhecer a falsidade da informação propalada, o que configuraria abuso do direito
de informação (STJ - 3ª Turma. REsp 1.297.567-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
28/5/2013).
Logo, não pode agir sem cuidado e nem com sensacionalismo.
Conforme a Súmula 221 STJ (São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano
decorrente de publicação pela imprensa tanto o AUTOR do escrito quanto o
PROPRIETÁRIO do veículo de divulgação.)
Ademais, o TITULAR DE BLOG é responsável pela reparação dos danos morais
decorrentes da inserção, em seu site, por sua conta e risco, de artigo escrito por terceiro
(STJ - 3ª Turma. REsp 1.381.610-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 3/9/2013).
++++ DCC - RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADMINISTRADORES DE REDE SOCIAL
POR VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL CAUSADA POR SEUS USUÁRIOS. A Google
não é responsável pelos prejuízos decorrentes de violações de direito autoral levadas a
efeito por usuários que utilizavam a rede social Orkut para comercializar obras sem
autorização dos respectivos titulares, uma vez verificado (a) que o provedor de internet não
obteve lucro ou contribuiu decisivamente com a prática ilícita e (b) que os danos sofridos
antecederam a notificação do provedor acerca da existência do conteúdo infringente.

7.6.2.7 Anotação em cadastro de proteção ao crédito e protesto


REGRA: para que o órgão de proteção de crédito inclua o nome de um consumidor no
cadastro de inadimplentes, é necessário que, antes, ele seja notificado (Súmula 359-STJ).
A ausência de prévia comunicação enseja indenização por danos morais (dano in re ipsa).
EXCEÇÕES: Não haverá indenização por danos morais mesmo não tendo havido a prévia
comunicação do devedor:
1) Se o devedor já possuía inscrição negativa no banco de dados e foi realizada uma
nova inscrição sem a sua notificação. Súmula 385-STJ: Da anotação irregular em cadastro
de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral quando preexistente legítima
inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento. É bastante criticada (Tartuce), as
inscrições podem ser indevidas.
2) Se o órgão de restrição ao crédito estiver apenas reproduzindo informação negativa
que conste de registro público (exs.: anotações de protestos que constem do Tabelionato
de Protesto, anotações de execução fiscal que sejam divulgadas no Diário Oficial).
(REPETITIVO - REsp 1.444.469-DF e REsp 1.344.352-SP)
253
Direito Civil 2016 254

7.6.2.8 Dano moral e cheque


A DEVOLUÇÃO INDEVIDA de cheque caracteriza dano moral, independentemente da
prova do prejuízo sofrido pela vítima (Súmula 388/STJ). Segundo entendimento do STJ,
a devolução indevida do cheque por culpa do banco prescinde da prova do prejuízo (in
re ipsa), e independe que tenha sido devidamente pago quando reapresentado, ou ainda
que não tenha ocorrido a inscrição do correntista nos serviços de proteção ao crédito.
Caracteriza dano moral a APRESENTAÇÃO ANTECIPADA de cheque pré-datado.
(Súmula 370/STJ).
A responsabilidade pela inclusão do emitente no Cadastro de Emitentes de Cheques sem
Fundos (CCF) é do banco sacado. Logo, ele é que tem responsabilidade pela notificação
prévia do emitente e, caso isso não seja feito, ele é que tem o dever de indenizar o lesado.
Banco do Brasil, na condição de gestor do, NÃO tem a responsabilidade de notificar,
tampouco legitimidade para ações indenizatórias (REsp 1.354.590-RS).
É cabível a indenização por danos morais pela instituição financeira quando o cheque
APRESENTADO FORA DO PRAZO LEGAL E JÁ PRESCRITO é devolvido sob o
argumento de insuficiência de fundos (REsp 1.297.353-SP).
O banco responde objetivamente pelos danos causados ao correntista por conta da
COMPENSAÇÃO DE CHEQUE FALSIFICADO (sem culpa do cliente), ainda que a
falsificação seja sofisticada (REsp 1.093.440).
7.6.2.9 Mero inadimplemento contratual e Plano de Saúde
Em REGRA, o mero inadimplemento contratual não enseja indenização por danos morais.
O STJ entende que a NEGATIVA DO PLANO DE SAÚDE CUSTEAR TRATAMENTO
enseja sim indenização por danos morais. O Tribunal considera que a injusta recusa de
cobertura agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito daquele que,
ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo
psicológico e com a saúde debilitada. Logo, a negativa de cobertura de tratamento de saúde
é uma hipótese excepcional de inadimplemento contratual que enseja danos morais (REsp
1.364.775-MG).
7.6.2.10 Outras hipóteses de dano moral reconhecidas na jurisprudência
- É cabível indenização por danos morais ao aluno universitário que fora compelido a migrar
para outra instituição educacional pelo fato de a instituição contratada ter extinguido de
forma abrupta o curso, ainda que esta tenha realizado convênio, com as mesmas
condições e valores, com outra instituição para continuidade do curso encerrado (REsp
1.341.135-SP; REsp 1094769/SP).

- O advogado que ajuizou ação de execução de honorários de sucumbência não só contra a


sociedade limitada que exclusivamente constava como sucumbente no título judicial, mas
também, sem qualquer justificativa, contra seus sócios dirigentes, os quais tiveram valores
de sua conta bancária bloqueados sem aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica, deve aos sócios indenização pelos danos MATERIAIS e MORAIS
que sofreram. Com efeito, a lei NÃO faculta ao exequente escolher quem se sujeitará à
ação executiva, independentemente de quem seja o devedor vinculado ao título executivo
(REsp 1.245.712-MT).

7.6.2.11 Dano Moral Coletivo


CONCEITO: Seria o dano que atinge, ao mesmo tempo, vários direitos da personalidade,
de pessoas determinadas e determináveis (de modo que devem ser atingidos direitos
individuais homogêneos e coletivos em sentido estrito – transindividualidade).

254
Direito Civil 2016 255

O CDC admite expressamente a reparação dos danos morais coletivos, tendo em vista o
seu art. 6º, VI. Geralmente, tem sido admitido na jurisprudência nacional, nas searas
trabalhista e ambiental. Inicialmente refutado pelo STJ, através de sua 1ª Turma, por
entendê-lo como de caráter individual, uma vez que deve causar um sofrimento psíquico,
incompatível com a noção de transindividualidade (RESP 598.281/MG, Rel. Ministro Luiz
Fux, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavaski, Primeira Turma, julgado em 02.05.2006,
DJ 1º. 06.2006, p. 147). Entretanto, mais recentemente, o STJ admitiu-os no famoso caso
das pílulas de farinha (Microvlar). Precedente: STJ, REsp 866.636/SP, Rel. Min. Nancy
Andrighi, 3ª Turma, j. 29.11.2007, DJ 06.12.2007, p. 312). Ressalte-se que “não é qualquer
atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso, que dê
ensanchas à responsabilidade civil. Ou seja, nem todo ato ilícito se revela como afronta aos
valores de uma comunidade. Nessa medida, é preciso que o fato transgressor seja de
razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente
para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na
ordem extrapatrimonial coletiva”. (REsp 1.221.756⁄RJ)
7.6.3 Danos Sociais
Dano social não é sinônimo de dano moral coletivo.
O dano social é uma nova espécie de dano reparável, que não se confunde com os danos
materiais, morais e estéticos, e que decorre de comportamentos socialmente
reprováveis, que diminuem o nível social de tranquilidade.
Para que haja condenação por dano social, é indispensável que haja pedido expresso.
Na visão do STJ, a condenação por danos sociais somente pode ocorrer em demandas
coletivas e, portanto, apenas os legitimados para a propositura de ações coletivas poderiam
pleitear danos sociais. Em suma, não é possível discutir danos sociais em ação individual.
(REPETITIVO – STJ, 2ª Seção. Rcl 12.062-GO – Info 552).
No mesmo sentido, se orienta o Enunciado 456, CJF: a expressão “dano” no art. 944
abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais,
difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para
propor ações coletivas.
7.7 INDENIZAÇÃO
Em REGRA, o ressarcimento do dano deve observar a reparação integral (restitutio in
integrum ou princípio da indenizabilidade plena). Todavia, a cláusula não é absoluta
comportando exceções decorrentes, notadamente da equidade, como no caso do art. 944,
parágrafo único, CC (inferno da severidade – desproporção entre gravidade da culpa e
dano) e a reparação do incapaz (art. 928, parágrafo único, CC), quando privar do
necessário.
7.7.1 Sistemas de mensuração do dano moral
Existem dois sistemas: (i) livre ou do arbitramento e o (ii) do tarifamento legal.
a) Sistema livre ou do arbitramento

É defendido por autores como Carlos Alberto Bitar, Ronald Andrade, e tem base no artigo
4º e 5º da LICC (quando o juiz aplica a norma ele deve observar a sua função social). É o
sistema preponderante no Brasil.
CONCEITO: o juiz, segundo o critério de razoabilidade e parâmetros da própria
jurisprudência, quantificará a indenização devida à vítima. Esse sistema não aceita um
tarifamento do legislador. b) Sistema do tarifamento legal

CONCEITO: o próprio legislador estabeleça um tabelamento ou limitação legal prévia da


indenização devida por dano moral. Ex.: projetos PLS 114/2008 e PL 7124/2002.

255
Direito Civil 2016 256

Após a CF/88, não há mais que se falar em INDENIZAÇÃO TARIFADA para o DANO
MORAL (Questão oral no Concurso XV TRF1).
O STJ, mesmo antes do STF reconhecer que a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67) não foi
recepcionada pela CF/88 (ADPF 130), já havia editado a Súmula 281-STJ (A indenização
por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa).
Não cabe ao legislador fixar critérios apriorísticos.
- A partir do julgamento proferido no RE nº 172.720-RJ pelo Colendo Supremo Tribunal
Federal firmou-se o entendimento de que a indenização tarifada da Convenção de
Varsóvia não exclui a compensação relativa aos danos morais assegurada pela CF de
1988, em seu artigo 5º, V e X (Questão oral no Concurso XV TRF1).
- STJ também não admite tarifação no caso de DANO MATERIAL.
7.7.2 Fixação do dano moral
A lei de imprensa definia critérios no art. 53, todavia com a não-recepção há lacuna
legislativa, de modo que doutrina e jurisprudência embatem quanto aos critérios a serem
utilizados.
Segundo o STJ (REsp 1.120.971-RJ), no momento da fixação do valor da indenização por
danos morais deve-se levar em consideração as circunstâncias objetivas e subjetivas da
ofensa. Assim, devem ser analisadas:
a) As consequências da ofensa;
b) A capacidade econômica do ofensor;
c) A pessoa do ofendido.
Outro aspecto que deve ser levado em conta no momento da definição da indenização
devida é a condição socioeconômica do causador do dano devendo ser definido valor
razoável, equânime e proporcional, mas que seja suficiente para dissuadir novas práticas.
7.7.2.1 Teoria do punitive damage
É uma teoria muito aplicada nos EUA. A principal função da indenização por danos morais
é reparadora/compensatória, no entanto pode assumir um caráter punitivo, disciplinador
(natureza de pena privada), de forma reflexa/indireta – natureza meramente acessória
(teoria do desestímulo mitigada). Não há como atribuir à reparação moral uma natureza
punitiva pura. Tal orientação tem imperado no STJ, que entende o valor do dano deve ter
uma dupla função, de reparar o dano, buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor,
para que não volte a reincidir. Na mesma linha, o próprio STF já aplicou tal teoria: (STF, AI
455.846, Rel. Min. Celso de Mello, Informativo 364), bem como consta no Enunciado 379,
CJF.
Essa teoria NÃO é generalizada no Brasil, mas existe PROJETO DE LEI 6960/02 que
poderá acrescentar um § 2o. no artigo 944, trazendo o efeito pedagógico.
Não se aplica aos danos ambientais, consoante o STJ em recurso REPETITIVO. Para a
Corte, é inadequado pretender conferir à reparação civil dos danos ambientais caráter
punitivo imediato, pois a punição é função que incumbe ao direito penal e administrativo.
Assim, não há que se falar em danos punitivos (punitive damages) no caso de danos
ambientais, haja vista que a responsabilidade civil por dano ambiental prescinde da culpa e
revestir a compensação de caráter punitivo propiciaria o bis in idem (REsp 1.354.536-SE,
Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/3/2014 pela 2ª Seção - Info 538).
7.7.3 Definição da indenização em caso de morte
Segundo o art. 948, CC, a indenização compreende, além de outras reparações (dano
moral):
i) pagamento das despesas com TRATAMENTO da vítima, FUNERAL e o LUTO da família
(dano emergente); ii) prestação de ALIMENTOS às pessoas a quem o morto os devia,
levando-se em conta a duração provável da vida da vítima (lucros cessantes).

256
Direito Civil 2016 257

- Vida média para efeitos de arbitramento de PENSÃO ALIMENTÍCIA (lucros


cessantes): entre 65 e 70 anos (se tiver mais de 70, há presunção de uma SOBREVIDA DE
5 ANOS).
- Legitimados da pensão: o art. 948, II (pensão alimentícia) traz hipótese de
DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA, para os demais haverá a necessidade de se
provar a dependência. - Não podem exigir todo o pagamento da pensão de uma vez (REsp
1.393.577), pois o art. 950, parágrafo único, CC, prevê essa hipótese apenas para a
redução de capacidade laborativa. O DANO MORAL deve ser pago de uma vez.
- Se a vítima não tinha ganho fixo ou não foi possível prová-lo: indenização será
arbitrada no valor de 1 SM.
STF/2015 - É inconstitucional lei estadual (distrital) que preveja o pagamento de pensão
especial a ser concedida pelo Governo do Estado (Distrito Federal) em benefício dos
cônjuges de pessoas vítimas de crimes hediondos, independentemente de o autor do crime
ser ou não agente do Estado.
7.7.3.1 Morte de filho
O “prejuízo de afeição” (préjudice d'affection) é o dano extrapatrimonial sofrido pelos
familiares da pessoa morta (Sanseverino, Paulo de Tarso)
A indenização por DANOS MORAIS em caso de morte de filho vem sendo normalmente
fixada entre 300 e 500 salários mínimos, mas pode variar em virtude do caso concreto – é
só um parâmetro, pois não há tarifação.
Os pais não dependem do filho que não está trabalhando. Nesses casos não interessa se
é POBRE ou RICO, os pais sempre terão indenização por dano moral. É indenizável o
acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado
(Súmula 491/STF).
A mãe tem legitimidade para ajuizar ação objetivando o recebimento de indenização pelo
dano moral decorrente da morte de filho casado e que tenha deixado descendentes, ainda
que a viúva e os filhos do falecido já tenham recebido, extrajudicialmente, determinado valor
a título de compensação por dano moral oriundo do mesmo fato. (REsp 1.095.762-SP)
No caso de DANOS MATERIAIS por morte, a jurisprudência tem condenado o autor do
ilícito a pagar um valor a título de danos emergentes (art. 948, I, CC) e uma pensão aos
pais do falecido como lucros cessantes (art. 948, II, CC).
FILHO MENOR: a jurisprudência entende que ainda que não exercesse trabalho
remunerado, será devida a indenização.
A orientação do STJ (REsp 1.279.173) está consolidada no sentido de fixar a indenização
por morte de filho menor, com pensão de:
i) 2/3 do salário percebido (ou do salário mínimo, caso não exerça trabalho
remunerado), dos 14 até 25 anos; e, a partir daí, reduzi-la para ii) 1/3 do salário de 25
até 65 anos de idade da vítima.
OBS.: 14 anos, porque é a idade que o ordenamento constitucional permite o trabalho como
aprendiz (ART. 7º, XXXIII, CF/88); 25 anos, idade em que o núcleo familiar é constituído e
contribuem menos com a família; 65 anos, expectativa de vida considerada pela
jurisprudência. - Possível a INCLUSÃO DO 13º SALÁRIO no valor da pensão indenizatória,
desde que comprovado que a vítima exercia atividade laboral na época em que sofreu o
dano-morte (REsp 1.279.173-SP).
7.7.3.2 Morte dos pais
STJ tem farta jurisprudência que fixa a DATA LIMITE ao recebimento de pensão concedida
a filhos por morte de ascendente no momento em que aqueles completam 25 ANOS DE
IDADE, quando supostamente encerram o curso superior. Tais precedentes adotam como

257
Direito Civil 2016 258

premissa a ocorrência de DEPENDÊNCIA ECONÔMICA do filho em relação ao


ascendente falecido.
7.7.4 Definição da indenização em caso de incapacidade
- Conteúdo amplo da indenização: Tudo aquilo que razoavelmente se pode postular
(cirurgias, fisioterapia, aparelhos em geral, etc.), haverá o pagamento do RAZOÁVEL dentro
de uma EXPECTATIVA ACEITÁVEL (não cabe tratamento no exterior, por exemplo).
O art. 949 fixa os parâmetros para o caso de LESÃO ou OFENSA À SAÚDE ao estabelecer
que a indenização deverá abranger: (i) Despesas do tratamento de saúde; (ii) lucros
cessantes até ao fim da convalescença; e (iii) Qualquer outro prejuízo sofrido.
Na mesma linha, o Enunciado 192, CJF assenta que “Os danos oriundos das situações
previstas nos arts. 949 e 950 do código civil de 2002 devem ser analisados em conjunto,
para o efeito de atribuir indenização por perdas e danos materiais, cumulada com dano
moral e estético.”
No caso de INCAPACIDADE para OFÍCIO ou PROFISSÃO, o art. 950 afirma que, a se
lesão provocada reduzir ou impossibilitar a capacidade de trabalho, o autor do dano deverá
pagar como indenização: (i) Despesas do tratamento de saúde; (ii) Lucros cessantes até ao
fim da convalescença; e (iii) Pensão correspondente à importância do trabalho para que se
inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu (único que altera em relação ao art. 949).
Para fins de indenização civil do art. 950, é IRRELEVANTE o fato de que a vítima, durante
o período do seu afastamento do trabalho, tenha continuado a receber benefício
previdenciário por ser servidor público (REsp 1.306.395) – não é necessário que tenha
perdido o emprego.
Em suma, indenização previdenciária e indenização civil não se compensam.
No entanto, seguro obrigatório e indenização civil se compensam (Súmula 246 STJ: o
valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização judicialmente fixada).
O dispositivo legal não impõe restrição etária, logo entende-se que se trata de uma
PENSÃO VITALÍCIA, ou seja, que perdurará até a morte do ofendido (REsp 1.278.627)
+++ DCC - VALOR DA PENSÃO CIVIL POR INCAPACIDADE PARCIAL PARA O
TRABALHO: o STJ entende que a vítima do evento danoso – que sofre redução parcial e
permanente da capacidade laborativa – TEM DIREITO ao pensionamento previsto no art.
950 do CC, independentemente da existência de capacidade para o exercício de outras
atividades, em face do maior sacrifício tanto na busca de um emprego quanto na maior
dificuldade na realização do serviço. A pensão civil incluída em indenização por debilidade
permanente de membro inferior causada a soldado do Exército Brasileiro por acidente de
trânsito pode ser fixada em 100% do soldo que recebia quando em atividade. (REsp
1.269.274/RS).
7.7.4.1 Pagamento da indenização em uma só vez
É uma possibilidade (DIREITO POTESTATIVO DA VÍTIMA – escolhe ou não) instituída pelo
art. 950, parágrafo único, CC, mas não é absoluta, pois o magistrado não permitirá tal
possibilidade se o infrator não tiver CAPACIDADE ECONÔMICA para pagamento. No
mesmo sentido, há os
Enunciados 48 e 381, CJF.
7.7.4.2 Constituição de capital para garantia da pensão
A fim de proteger a vítima evitando que ela deixe de receber a pensão mensal em caso de
falência do causador do dano, o ordenamento jurídico previu que o devedor deverá fazer a
constituição de capital com a possibilidade de prestação de garantia, conforme prevê o art.
475-Q do CPC 1973 / art. 533 do CPC 2015. A Súmula 313/STJ se alinha ao entendimento:
“Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou

258
Direito Civil 2016 259

caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da


situação financeira do demandado”.
É possível a REVISÃO DA INDENIZAÇÃO, em ação de revisão de pensão, com eficácia
“ex nunc” – fundamento: art. 475, I e art. 475-Q, § 3º, do CPC.
7.7.5 Correção Monetária
Prevista no art. 395, CC. CONCEITO: significa atualizar o valor nominal da obrigação, ou
seja, manter no tempo o poder de compra original daquela quantia. Com isso, evita-se que
as oscilações por causa da inflação façam com que seja diminuído o poder de compra do
dinheiro.
7.7.5.1 Termo Inicial
REGRA: sempre devida, desde a DATA DO DANO (Súmula 43/STJ e Súmula 490/STF)
SÚMULA 43 STJ – Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a
partir da data do efetivo prejuízo.
SÚMULA 490 STF – A pensão correspondente à indenização oriunda de
responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário mínimo
vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores.
EXCEÇÃO: DANO MORAL, quando a CORREÇÃO MONETÁRIA será devida desde a
DATA DO ARBITRAMENTO.
SÚMULA 362 STJ – A correção monetária do valor da indenização do dano
moral incide desde a data do arbitramento.
O reajuste em indenizações por DANO MORAL deve ser da DATA EM QUE O VALOR
FOI DEFINIDO NA SENTENÇA, e não na DATA EM QUE A AÇÃO FOI PROPOSTA.
7.7.5.2 Índice de correção
NÃO cabe correção monetária em pensão fixada em salário mínimo (Cavalieri).
“Aplicam-se os ÍNDICES DE DEFLAÇÃO (NEGATIVOS) na correção monetária de crédito
oriundo de título executivo judicial, preservado o seu valor nominal.” (repetitivo, STJ. Corte
Especial. REsp 1.361.191-RS)
Segundo o STJ, nas condenações impostas à Fazenda Pública, para fins de atualização
monetária (correção monetária), deverá ser utilizado o IPCA (REsp 1.356.120).
Aplicação de SELIC e mais a correção monetária configura bis in idem.
7.7.6 Juros moratórios

A jurisprudência reconhecia a possibilidade de incidência de JUROS COMPOSTOS


(Súmula 186 STJ) no caso de homicídio doloso, mas essa questão ESTÁ SUPERADA, uma
vez que não houve reprodução da regra do art. 1.544 do CC/16.
Corresponde a pedido implícito, assim como a correção, de modo que “incluem-se os juros
moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial ou a condenação.” (Súmula 254
STF). Termo inicial

REGRA – Nas obrigações ILÍQUIDAS, se inicia com a CITAÇÃO INICIAL (mora ex persona;
art. 405, CC; art. 219, CPC).
No caso das obrigações LÍQUIDAS, se inicia com o VENCIMENTO (mora ex re).
EXCEÇÃO – a contagem dos JUROS MORATÓRIOS em responsabilidade
EXTRACONTRATUAL tem início A PARTIR DO EVENTO DANOSO (Súmula 54 STJ; art.
398, CC). Isso porque o agente que causa o prejuízo deve pagar o ressarcimento
imediatamente, se assim não o faz, deve ser reconhecida a sua mora – é forma de
estímulo ao pagamento espontâneo.

259
Direito Civil 2016 260

Súmula 54 STJ – Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em


caso de responsabilidade extracontratual.
Conforme Enunciado 163, CJF, não há incompatibilidade entre a Súmula e o dispositivo do
CC. A súmula trata de uma situação específica, qual se seja, JUROS MORATÓRIAS na
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL.
Índice da taxa de juros moratórios

Quando os juros moratórios NÃO FOREM CONVENCIONADOS, ou o forem SEM TAXA


ESTIPULADA, ou quando provierem de DETERMINAÇÃO DA LEI, serão fixados segundo
a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda
Nacional (Art. 406.).
Havia polêmica entre a aplicação da taxa do CTN ou taxa SELIC, tendo esta última
prevalecido. Juros moratórios CONTRA A FAZENDA PÚBLICA, aplica-se o art. 1º-F, Lei
9.494/97 (Lei 11.960/2009), que define os juros da poupança.
É possível que o ordenamento preveja JUROS ESPECÍFICOS diferentes do estipulado pela
regra geral do art. 406, CC como o que acontece nas desapropriações (art. 15-b, decreto-
lei 3.365/41) e nos parcelamento de precatórios (Lei 11.178/05).

260
Direito Civil 2016 261

POSSE

8 Ponto 8 - Posse.
8.1 Posse (art. 1196 a 1224 do CC)
- Definição
A posse é um fenômeno fático. A vantagem de ser considerado possuidor é ter direito aos
efeitos da posse. O conceito de posse varia conforme a teoria adotada:
TEORIA SUBJETIVA OU TEORIA DA POSSE (Friedrich Carl von SAVIGNY): trabalha com
o aspecto subjetivo da posse. A posse apresentaria 2 elementos constitutivos: corpus +
animus. Corpus é o elemento objetivo que consiste no poder físico da pessoa sobre a coisa.
Animus é o elemento subjetivo, que consiste na intenção de ser o proprietário da coisa
(“animus domini”). A posse, na perspectiva de Savigny, era autônoma em relação à
propriedade, consistindo no poder físico direto (de disposição) que se exerce sobre o
bem com a intenção de ser proprietário. Essa teoria só ganha relevância na
usucapião, pois neste caso o CC/02 exige animus domini.

TEORIA OBJETIVA OU TEORIA SIMPLIFICADA DA POSSE (Rudolf von IHERING): A


posse apresenta apenas 1 elemento constitutivo: corpus, que, diferente da teoria subjetiva,
é a conduta externa de dono. Para ter posse não é preciso a intenção, a vontade de tê-la,
basta o contato físico, ou seja, agir como se proprietário fosse (“affectio tenendi”). Para
Ihering, a posse é a exteriorização da propriedade / visibilidade de domínio. O Código Civil
adotou esta teoria no artigo 1196, para o qual tem posse aquele que possui um dos poderes
inerentes à propriedade – uso, gozo, livre disposição e reivindicação. Assim, os
possuidores diretos têm posse (ex. locatário). A detenção de Savigny é a posse direta de
Ihering.
ATENÇÃO: a teoria objetiva da posse não é adotada de forma plena pelo CC/2002. Existem
dispositivos que, excepcionalmente, tratam da teoria subjetiva, como por exemplo no
usucapião, que exige posse com animus domini.
O STJ entende que, numa visão mais contemporânea, a teoria objetiva não quer dizer
necessariamente o contato físico com a coisa, mas o poder físico sobre ela, podendo ser
exercida por terceiros – Resp 1.158.992/MG.

TEORIA SOCIOLÓGICA DA POSSE OU FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE: A propriedade


está impregnada por função social, que é seu próprio conteúdo. De igual modo, não basta
ao possuidor agir como proprietário, mas sim como bom proprietário, dando à coisa função
social.
Esta teoria consta do Projeto nº 6.960/02, de autoria do Deputado Ricardo Fiúza, pelo qual
o artigo 1.196 passará a ter a seguinte redação: “considera-se possuidor todo aquele que
tem poder fático de ingerência sócio-econômica, absoluto ou relativo, direto ou indireto,
sobre determinado bem da vida, que se manifesta através do exercício ou possibilidade de
exercício inerente à propriedade ou outro direito real suscetível de posse”. Aqui é superada
a teoria objetiva e à posse se confere autonomia jurídica e função social.

261
Direito Civil 2016 262

Enunciado n. 492 da V JDC: “A posse constitui direito autônomo em relação à propriedade


e deve expressar o aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais,
econômicos e sociais merecedores de tutela”.
O responsável pelo desenvolvimento da função social é Antônio Hernandez Gil. O
fundamento constitucional: art.5º, XXII e XXIII, CF.
OBS: Norbeto Bobbio - “Da estrutura À função” - nesse livro, Bobbio disse que muito mais
importante do que estudar o que é o direito (estrutura) é saber para que ele serve (função).
Miguel Reale: preconizou que o CC/02 possui 03 diretrizes – eticidade; operabilidade e
socialidade (que consiste na preocupação com a função social).
OBS: Se o proprietário não cumprir a função social da propriedade, mas alguém cumpri-la
em seu lugar, teremos o cumprimento da função social da posse, que é sucedâneo da
função social da propriedade. Assim, a função social da posse é aquela cumprida por
terceiro.
Embora nem a CF/88 e nem o CC/02 tratarem especificamente da função social da posse,
Miguel Reale, na exposição de motivos do CC, escreveu que a mesma está prevista
implicitamente na estrutura do ordenamento jurídico. Isso porque a função social está
implícita na função social da propriedade.
Exemplos de função social da posse:
Art.1238, § único e 1.242, § único;
Art.1210, §2º: o juiz julgará a ação possessória em favor do melhor possuidor, ou seja, em
favor daquele que cumpre a função social, independentemente de quem seja o proprietário.
Art.1848: estabelece a possibilidade de o juiz retirar as cláusulas restritivas –
impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade – quando houver justo motivo,
para garantir a função social da posse.
Súmula 239, STJ: ainda que o comprador não tenha registrado o contrato no registro de
imóveis, quando terminar de pagar o acordado, ele terá direito de adquirir o bem
(adjudicação ocmpulsória), em virtude da função social da posse.
Súmula 84, STJ: cabem embargos de terceiro fundados na alegação de posse, ainda que
o promitente comprador não tenha feito o registro da promessa no cartório de imóveis, em
virtude da função social da posse.
Desapropriação judicial indireta ou desapropriação privada ou desapropriação sanção: teve
sua constitucionalidade firmada pelo Enunciado 82, JDC (Art. 1.228: É constitucional a
modalidade aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo
Código Civil). Essa desapropriação tem como fundamento a função social da posse.
Requisitos: extensa área; posse ininterrupta e de boa-fé; mais de 05 anos; considerável
número de pessoas; obras e serviços relevantes de interesse social e econômico.
Não se trata de usucapião por conta da justa indenização fixada pelo Poder Judiciário. Por
isso, trata-se de desapropriação judicial indireta – art.1.228, §5º, CC.
Consoante entendimento majoritário, a indenização arbitrada pelo juiz na desapropriação
judicial indireta deve ser paga pelos próprios possuidores e não pela Administração Pública.
Contudo, em se tratando de população de baixa renda e para implementar o direito de
moradia, a indenização deverá ser paga pelo Poder Público, que deve ser citado no
processo de desapropriação, o que enseja deslocamento de competência. Enunciado 308,
JDC: Art.1.228. A justa indenização devida ao proprietário em caso de desapropriação
judicial (art. 1.228, § 5°) somente deverá ser suportada pela Administração Pública no
262
Direito Civil 2016 263

contexto das políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores


de baixa renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual.
Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado 84 da I
Jornada de Direito Civil.
Se o imóvel for em zona rural, a indenização será paga pela União, sendo o processo
deslocado para a Justiça Federal. Se em área urbana, a indenização será paga pela
Fazenda Pública Municipal.
Enquanto a indenização não for paga não se pode efetuar o registro em nome dos
copossuidores – Enunciado 241, JDC - Art. 1.228: O registro da sentença em ação
reivindicatória, que opera a transferência da propriedade para o nome dos possuidores,
com fundamento no interesse social (art. 1.228, § 5º), é condicionada ao pagamento da
respectiva indenização, cujo prazo será fixado pelo juiz. O valor dessa indenização não será
fixado, tao somente, em razao de avaliação técnica – Enunciado 240, JDC: Art. 1.228: A
justa indenização a que alude o § 5º do art. 1.228 não tem como critério valorativo,
necessariamente, a avaliação técnica lastreada no mercado imobiliário, sendo indevidos os
juros compensatórios.
Essa indenização deverá ser exigida no prazo prescricional para a exigibilidade do crédito
correspondente – Enunciado 311, JDC (Caso não seja pago o preço fixado para a
desapropriação judicial, e ultrapassado o prazo prescricional para se exigir o crédito
correspondente, estará autorizada a expedição de mandado para registro da propriedade
em favor dos possuidores).
O MP tem legitimidade para a desapropriação judicial indireta quando houver interesse
público e bens jurídicos relevantes – Enunciado 305, JDC: Art. 1.228: Tendo em vista as
disposições dos §§ 3º e 4º do art. 1.228 do Código Civil, o Ministério Público tem o poder-
dever de atuar nas hipóteses de desapropriação, inclusive a indireta, que encerrem
relevante interesse público, determinado pela natureza dos bens jurídicos envolvidos.
- Desapropriação judicial indireta x Usucapião especial urbano coletivo:
Desapropriação judicial indireta – Usucapião especial urbano coletivo –
art.1228, §§4º e 5º, CC Estatuto da Cidade, art.10/12

263
Direito Civil 2016 264

- Imóvel urbano ou rural, em extensa - Imóvel urbano em área urbana


área, em imóvel urbano ou rural. - superior a 250m².
Prazo: 05 anos. - Prazo: 05 anos.
Considerável nº de pessoas. População de baixa renda, em
Posse de boa-fé. composse.
Obras e serviços relevantes Posse de boa ou má-fé.
considerados pelo juiz. Finalidade de moradia. ---------------------
Pagamento de indenização. --------------
Alegação em ação autônoma ou em Não tem contraprestação, não
matéria de defesa. --------------------------- há pagamento
---- Alegação em ação autônoma ou em
------------------------------ matéria de defesa – Súmula 237, STF:
Pode incidir sobre bens públicos – O usucapião pode ser argüido em
Enunciado 304, JDC: Art. 1.228: São defesa.
aplicáveis as disposições dos §§ 4º e Não pode incidir sobre bens públicos.
5º do art. 1.228 do Código Civil às
ações reivindicatórias relativas a bens
públicos dominicais, mantido,
parcialmente, o Enunciado 83 da I
Jornada de Direito Civil, no que
concerne às demais classificações dos
bens públicos.

Somente se valerá da desapropriação judicial indireta aquele que não preencheu os


requisitos do usucapião especial urbano coletivo. Tanto a desapropriação judicial indireta
quanto o usucapião especial coletivo estão baseados na função social da posse.

Inf.556, STJ:
DAA - INDENIZAÇÃO PARA FINS DE DESAPROPRIAÇÃO QUANDO A ÁREA MEDIDA
FOR MAIOR DO QUE A ESCRITURADA.
Se, em procedimento de desapropriação por interesse social, constatar-se que a área
medida do bem é maior do que a escriturada no Registro de Imóveis, o expropriado
receberá indenização correspondente à área registrada, ficando a diferença
depositada em Juízo até que, posteriormente, se complemente o registro ou se defina
a titularidade para o pagamento a quem de direito.
A indenização devida deverá considerar a área efetivamente desapropriada, ainda que o
tamanho real seja maior do que o constante da escritura, a fim de não se configurar
enriquecimento sem causa em favor do ente expropriante. Nota: Fundamentação para o
depósito:
L3365, Art. 34. O levantamento do preço será deferido mediante prova de propriedade,
de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de
editais, com o prazo de 10 dias, para conhecimento de terceiros.
Parágrafo único. Se o juiz verificar que há dúvida fundada sobre o domínio, o preço
ficará em depósito, ressalvada aos interessados a ação própria para disputá-lo.

8.1.1 - DETENÇÃO
Conceito legal: art. 1198 do CC/02. Trata-se de uma desqualificação da posse. O detentor
é aquele que tem o poder sobre a coisa, mas não é considerado possuidor. Só pode haver
detenção nos casos previstos em lei, uma vez que, ordinariamente, o poder físico sobre a
coisa caracteriza posse. Para Savigny (teoria subjetiva) há detenção quando há somente
264
Direito Civil 2016 265

corpus. Para Ihering (teoria objetiva), a posse e a detenção têm os mesmos elementos
(corpus e animus), porém a detenção, para Ihering é uma posse, que em virtude da lei, se
avilta/desqualifica. Ou seja, é o legislador quem decide o que será posse e o que será
detenção. Detenção é espécie de posse cujo ordenamento jurídico não concede proteção.
O detentor não pode fazer uso dos interditos possessórios (deverá o detentor nomear a
autoria o real possuidor, sob pena de responsabilidade – art. 62/63 do CPC – o novo CPC
extinguiu a nomeação à autoria, optando o legislador pela simples correção do polo passivo
da ação pelo autor, aproveitando-se o processo: art. 338, novo CPC), mas nada impede
que ele utilize o desforço imediato (autodefesa da posse) para proteger o bem daquele que
recebe ordens (Enunciado 493 da V JDC).
O detentor não tem direito ao usucapiao e à indenização por benfeitorias e acessórios –
Resp 1.183.266/PR.
Detenção difere de tença (termo utilizado por Pontes de Miranda). Tença é mera situação
material de apreensão física do bem, sem qualquer consequência jurídica protetiva.
São casos de detenção previstos expressamente no CC:
1º hipótese- FÂMULO/SERVO DA POSSE (gestor ou administrador da posse - artigo 1198).
é aquele que apreende a coisa em nome de outrem. O contato físico que ele mantém com
a coisa não é em nome próprio, mas em nome de outrem, por força de uma relação
subordinativa com terceiro. Ex: caseiro, veterinário, adestrador de animais.
2º hipótese - ATOS DE MERA TOLERÂNCIA (artigo 1208, 1ª parte): atos de permissão e
tolerância não induzem posse, mas mera detenção. Ex: A natureza jurídica da posse do
comodatário é de detenção.
3º hipótese – Art.1.208, 2ª parte: não induzem posse, antes do convalescimento, os atos
violentos ou clandestinos. A transferência a terceiro de veículo gravado como propriedade
fiduciária, à revelia do proprietário (credor), constitui ato de clandestinidade, incapaz de
induzir posse, logo impossível usucapião (REsp n. 881270/RS).
Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não
autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a
violência ou a clandestinidade.
4ª hipótese - PERMISSÃO e CONCESSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO. Posse de bem
público de uso comum ou especial tem natureza de mera detenção – Resp 1.003.708/PR.
Ex: ocupação irregular de áreas públicas não induz posse, mas mera detenção Resp
556.721/DF.

ESPÉCIES DE DETENÇÃO (art. 1208). Detenção dependente: ocorre nos casos de


permissão e tolerância. Detenção autônoma/independente: o detentor exerce ingerência
fática sobre a coisa no interesse próprio e sem vinculação jurídica/dependência com o
possuidor anterior.

TRANSMUTAÇÃO DA DETENÇÃO EM POSSE: “art. 1.198 c/c art. 1.204. É possível à


conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de
exercício em nome próprio dos atos possessórios” (Enunciado n. 301 da IV JDC). Ex.: dono
do sítio morre e o caseiro passa a não receber ordens de mais ninguém.
A doutrina é pacífica ao reconhecer a possibilidade de convalescimento da detenção, ou
seja, a detenção pode se transformar em posse, quando cessada a violência ou
clandestinidade, ou depois do prazo de ano e dia. Somente a posse precária (ato de
permissão e tolerância) não convalescerá, mas pode sofrer uma mutação da sua natureza,
tornando-se violenta ou clandestina. Ex: empresto ap para amigo passar o carnaval ,mas
ele permanece lá por 10 meses, sem que eu soubesse. Assim, a posse passou de precária
para clandestina.
265
Direito Civil 2016 266

INTERVERSÃO DA POSSE (art. 1203): “É cabível a modificação do título da posse –


‘interversio possessionis’ – na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar
ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por efeito a
caracterização do ‘animus domini’” (Enunciado n. 237 da III JDC). É possível a mutação da
“causa posessionis” por: fato de natureza jurídica (exige acordo de vontade; ex. posse
precária convalidada por posterior comodato) ou por fato de natureza material (atos
exteriores e prolongados do possuidor visando privar o proprietário do poder de disposição
sobre a coisa).
8.1.2
8.1.3 - Natureza Jurídica da Posse
Há muita polêmica sobre a natureza jurídica da posse. Correntes:
1ª corrente: a posse é um fato. O fato possessório não está subordinado à normas que
regulam a relação jurídica no seu nascimento, transferência e extinção.
2ª corrente (IHERING): posse é um direito. A posse é um interesse juridicamente
protegido. Ela é tutelada pela norma.
3ª corrente (SAVIGNY – Teoria Eclética): a posse tem natureza jurídica dúplice (é um
fato e um direito). Considerada isoladamente, a posse seria um FATO, por independer
de regras do direito. Mas a posse passa a ser um direito quando em determinadas
condições produz efeitos jurídicos (ex.: a usucapião e os interditos).
A partir da ideia de que a posse é um direito, surge à discussão se se trata de um DIREITO
REAL ou DIREITO PESSOAL.
1ª corrente (Savigny): a posse é direito pessoal/obrigacional.
2ª corrente (Ihering): a posse é um direito real.
3ª corrente: a posse não é direito real nem pessoal, mas direito especial, “sui
generis”, por não se encaixar perfeitamente em nenhuma dessas categorias.

8.1.4 - Classificação de posse


Quanto à relação pessoa-coisa ou quanto ao desdobramento da posse (artigo 1197)
• Posse direta: é o que recebe o bem e tem contato físico com a coisa. É uma posse derivada,
sendo limitada no tempo.

• Posse indireta: é o dono da coisa ou assemelhado, que entrega seu bem a outrem.

O desdobramento de posse decorre sempre de uma relação jurídica base, de um negócio


jurídico e se dá quando, através de um negócio jurídico, o possuidor entrega a posse da
coisa a um terceiro (entrega o contato físico com a coisa a um terceiro), mas, apesar disso,
ele se mantém com a proteção dessa posse. Ex: locação, comodato, usufruto, depósito,
arrendamento, leasing.
Só existe posse direta quando houver a indireta, e vice-versa. O possuidor direto tem direito
de defender sua posse contra o indireto, e este contra aquele - Enunciado 76, JDC: Art.
1.197: O possuidor direto tem direito de defender a sua posse contra o indireto, e este,
contra aquele (art. 1.197, in fine, do novo Código Civil).
Ex: A aluga ímovel para B. Após o término do contrato, se B não devolver o imóvel, A pode
entrar com ação para reavê-lo. Se A tentar tomar o imóvel antes do término do contrato, B
terá ação contra A para se firmar na posse. Já se um terceiro tentar tomar o imóvel alugado,
tanto A quanto B podem ingressar ação contra ele.
A posse direta pode ser desdobrada. Ex: sublocação. Já o possuidor indireto pode ceder a
terceiros o seu direito de reclamar a retomada da posse da coisa – STJ, Resp 881.270/RS.

266
Direito Civil 2016 267

A posse direta ou indireta pode ensejar usucapião? NÃO. O possuidor direto só tem a coisa
consigo por força de um contrato, lhe faltando animus domini Já o possuidor direto já e dono
da coisa, portanto, não há interesse em usucapir a coisa.

Quanto à presença de vícios objetivos (artigo 1200):


• Posse Justa/Limpa: é a não violenta, clandestina ou precária. É
adquirida legitimamente sem vício objetivo. Autoriza o uso dos
interditos.

• Posse Injusta: é adquirida com vício objetivo.

Posse injusta:
posse violenta: esbulho; roubo. Admite convalescimento ou interverção.

posse clandestina: furto. Admite convalescimento ou interverção.

posse precária: ato de confiança, tolerância.


Todas as demais posses são justas.
O convalescimento da posse violenta ou clandestina se dará quando cessada a sua causa
ou passado ano e dia.
Já a posse precária nunca convalescerá. Contudo, ela pode sofrer uma alteração em sua
natureza, quando o possuidor precário, por exemplo, pratica esbulho. Nesse caso, após a
alteração da natureza da posse precária, para violenta ou clandestina, após o
convalescimento, será possível posterior aquisição por usucapião.
A posse violenta/clandestina antes do convalescimento e a posse precária, sempre, terão
natureza de mera detenção – Enunciado 237, JDC: Art. 1.203: É cabível a modificação do
título da posse – interversio possessionis – na hipótese em que o até então possuidor direto
demonstrar ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por
efeito a caracterização do animus domini.
OBS: “CAUSA POSSESSIONIS” (forma de aquisição da posse): lícita ou ilícita. Nada
impede que uma posse nascida justa se converta em injusta. Por outro lado, a posse
nascida injusta somente se converterá em justa se alterada a sua “causa possessionis”.

OS VÍCIOS DA POSSE:
Violenta – é a posse que adquire-se pelo uso da força (vis absoluta) ou pela ameaça (vis
compulsiva). Ex: roubo. A ameaça deve ser séria e injusta. Logo, não constituem atos de
violência o exercício regular de um direito ou temor reverencial. Entende-se
majoritariamente que a posse é injusta se a violência é praticada contra a pessoa ou
contra a coisa.
Clandestina – é a posse que adquire-se às ocultas de quem exerce a posse atual, sem
publicidade ou ostensividade. Ex: a posse que decorre do furto.
Precária – o possuidor recebe a coisa coma obrigação de restituí-la e, abusando da
confiança, deixa de devolvê-la. Ex. apropriação indébita.
RELATIVIDADE DOS VÍCIOS (efeito “inter partes”): a posse será injusta em face do
legítimo possuidor; será justa e suscetível de proteção em relação a terceiros estranhos
ao vício. Os vícios da posse só podem ser arguidos pela vítima, que pode se valer da
autotutela ou dos interditos possessórios.

267
Direito Civil 2016 268

A PURGAÇÃO DOS VÍCIOS: A posse se transmite com os mesmos caracteres aos


sucessores (art. 1203, 1206 e 1207 CC) - princípio da continuidade do caráter da posse.
O vício objetivo marca a origem da posse e persiste ainda que o bem seja transferido a
terceiros que não saibam sobre o vício de origem.
No que se refere à temporariedade ou perpetuidade dos vícios, a doutrina tradicional diz que a
clandestinidade e a violência são temporários, mas o vício da precariedade nunca convalesce.
Doutrina clássica defende que a posse injusta por violência ou clandestinidade podem ser
convalidadas após ano e dia. Já doutrina moderna entende que o tempo deve se verificar caso a
caso de acordo com a função social (art. 1208). Não é correto dizer que por conta do artigo 1208
não citar a precariedade, não há convalidação da mesma, mas apenas da violência e da
clandestinidade. Em verdade, a lei trata de convalidação da posse, mas em transmudação da
detenção em posse, com a cessação dos vícios da violência e da clandestinidade. Não há
referência à precariedade porque o possuidor precário já possuía posse, havendo apenas
transfiguração desta de justa para injusta. Quanto à boa-fé subjetiva ou intencional (artigo
1201):
• Posse de boa-fé: quando o possuidor ignora o vício ou obstáculo que impede a
aquisição da coisa. A posse justa é sempre de boa-fé

• Posse de má-fé: quando o possuidor está convencido de que sua posse não tem
legitimidade jurídica, e nada obstante, nela se mantém. Ou seja, o possuidor conhece a
existência de vício que pesa sobre a coisa A posse injusta é que pode ser de boa ou
de má-fé.

O art. 490, parágrafo único, cria presunção relativa de boa-fé para o possuidor de justo
título. Justo titulo é causa jurídica que justifica a posse. Difere de justo título para fins de
usucapião, que deve ser título potencialmente hábil para transmissão da propriedade, mas
que não o faz pela existência de vício substancial ou formal.

Quanto aos efeitos:


• Posse ad interdicta (regra): é aquela que pode ser defendida pelos interditos
possessórios, mas não conduz à usucapião.

• Posse ad usucapionem (exceção): é aquela capaz de gerar o direito de


propriedade.

Quanto ao tempo:
• Posse nova: é a de menos de ano e dia.
• Posse velha: é a de ano e dia ou mais.

Conforme art. 493, inciso I, do CC/16:


• Posse natural: é aquela que já nasce do contato físico com a coisa.
• Posse civil, contratual, constituto possessório ou cláusula constituti: é aquela
decorrente de uma relação contratual, tal como o constituto possessório, sem que
haja necessidade de apreensão da coisa.
O constituto possessório é a aquisição de posse por força de um contrato. A regra geral é
que a aquisição de posse será sempre física, natural. No entanto, é possível adquirir a
posse mediante contrato, quando esse transfere a posse a terceiro – art.1.203 e 1.205, CC.

Quanto à presença de título:

268
Direito Civil 2016 269

• Posse com título/jurídica: há algo representativo da transmissão da posse. Ex.


contrato de locação. Ius possidendi é o direito à posse que decorre de propriedade.
• Posse sem título/natural: não há nada. Ius possessionis é o direito que decorre
exclusivamente da posse.

8.1.5 - Aquisição da posse


Conceito legal: art. 1204. A aquisição da posse se dá no momento em que se torna
possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade
(Teoria Objetiva de Ihering).
Quem pode adquirir a posse (art. 1.205): a posse pode ser adquirida pela própria
pessoa que a pretende ou por seu representante – legal, judicial ou convencional – ou por
terceiro sem mandato, dependendo de ratificação (gestor de negócios - efeitos “ex tunc”).
A pessoa jurídica irregular não pode adquirir posse, pois não tem personalidade. Quanto à
pessoa natural, caso a posse seja adquirida por simples ato jurídico de apreensão,
desprovido de vontade negocial, pode o incapaz realizá-la independentemente de
representação (ex. criança e brinquedo). Caso, porém, a posse seja adquirida por negócio
jurídico, o incapaz somente pode adquiri-la por atuação de seu representante/assistente.
Enunciado 236 do CJF: “Arts. 1196, 1205 e 1212: Considera-se possuidor, para todos os
efeitos legais, também a coletividade desprovida de personalidade jurídica”.

A aquisição pode ser i) originária quando a pessoa e coisa tem contato direto (ex.
apreensão de coisa sem dono / “res nullius” ou abandonada / “res derelictae”) ou ii)
derivada quando há intermédio de outrem (ex. tradição).
Enunciado 77 do CJF: “Art. 1205: A posse de coisas móveis e imóveis também pode ser
transmitida pelo constituto possessório”.
Constituto possessório: em geral, se verifica na “cláusula constituti”. Trata-se da operação
jurídica em que aquele que possuía em nome próprio passa a possuir em nome
alheio. É modo de aquisição e de perda da posse.

Traditio brevi manu: é o contrário do constituto possessório, ou seja, opera-se quando


aquele que possuía em nome alheio passa a possuir em nome próprio.

Transmissão da posse: a posse tem valor patrimonial e por isso pode ser transmitida. Os arts.
1203 e 1206 tratam do princípio da continuidade do caráter da posse (caráter relativo). O art. 1207
determina que: na sucessão universal (sucessio possessionis) há a transmissão de todo o
patrimônio ou fração ideal dele. O sucessor continua de direito a posse do seu antecessor (há
continuidade). Transmissão “ex lege”. Ex: herança legítima ou transferência de estabelecimento
comercial, casamento com regime de comunhão universal de bens.

na sucessão singular (accecio possessionis) transmite-se coisa certa


(há acessão/união de posses). O possuidor tem a faculdade de acrescer o
tempo do antecessor. Ex: compra e venda ou legado. Requisitos: i)
continuidade; ii) homogeneidade/mesmas qualidades; iii) vínculo jurídico.

A transmissão da posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das coisas móveis
que nele estiverem (princípio da gravitação jurídica) (art. 1209).
8.1.6 - Efeitos da posse
Como a posse é um fato protegido pelo Direito, dela decorrem múltiplos
efeitos. I. Responsabilidade civil do possuidor.
269
Direito Civil 2016 270

II. regime dos frutos.

III. regime das benfeitorias.


IV. tutela processual.
V. Possibilidade de usucapião.
Além desses efeitos previstos no CC, a posse produz outros efeitos decorrentes da sua
essência.

1) Responsabilidade civil do posuidor


Quanto à perda ou deterioração da coisa:
Possuidor de boa-fé: não conhece os vícios que eventualmente pesam sobre a coisa.
A responsabilidade civil do possuidor de boa-fé é SUBJETIVA, ou seja, somente
responderá pela perda ou deterioração da coisa quando der causa – art.1217, CC.

Possuidor de má-fé: conhece os eventuais vícios que pesam sobre a coisa. A


responsabilidade civil do possuidor de má-fé é OBJETIVA com risco integral que,
juridicamente, significa a não eliminação da responsabilidade pelo caso fortuito ou
força maior – art.1218, CC.
II) Regime dos frutos
Possuidor de boa-fé: regra geral, faz jus aos frutos – art.1214, CC. O possuidor de
boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos. Porém, devem ser
restituídos i) os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé, depois de
deduzidas as despesas da produção e custeio, e ii) os frutos colhidos por
antecipação (ex. colhidas mangas ainda verdes), sem prejuízo de eventuais perdas
e danos que couberem por este mau recolhimento.
Na data da restituição da coisa, o possuidor de boa-fé tem direito aos frutos pendentes?
NÃO. Isso porque esses frutos ainda não estão no tempo da colheita. Assim, pode-se dizer
que o posssuidor de boa-fé tem direito a todos os frutos, salvo os pendentes na data da
restituição da coisa, mas quanto a estes terá o direito de ser indenizado pelas despesas
com o custeio desses bens.
Possuidor de má-fé: não tem direito a colher nenhum fruto. Se vier a colher qualquer
fruto deverá ressarcir o titular – art.1216, CC. O possuidor de má-fé, para se evitar o
enriquecimento sem causa, terá direito ao ressarcimento pelas despesas com o
custeio dos frutos.

Regime das Benfeitorias: art.1.219/1.222, CC

Benfeitorias são acréscimos na coisa, melhoramentos com alguma finalidade. Podem ser
necessárias, úteis ou voluptuárias.
Tipos de benfeitorias (critério finalístico):
Necessárias: são aquelas que garantem a integridade da finalidade da coisa. Sem elas a
coisa não atinge a sua finalidade.
Úteis: garantem a comodidade no uso da coisa, conforto.

270
Direito Civil 2016 271

Voluptuárias ou suntuárias: gera embelazemento da coisa.


Benfeitoria é diferente de ascessão: tanto as benfeitorias quanto as ascessões
correspondem a acréscimos na coisa. Se esse acréscimo tem uma finalidade, trata-se de
uma benfeitoria. Mas, se não houver qualquer finalidades específica será ascessão – mera
construção.
Possuidor de boa-fé:
benfeitorias necessárias: tem direito a indenização e retenção (direito de permanecer com
a coisa até ser indenizado). benfeitorias úteis: tem direito a indenização e retenção.
benfeitorias voluptuárias: direito de levantamento (retirada da coisa para si). Não sendo
possível retirar a coisa, o possuidor perderá a coisa, devendo, ainda, indenizar o proprietário
por eventual prejuízo causado pela instalação dessa benfeitoria voluptuária caso não seja
do seu interesse mantêla.
O direito de retenção pode ser alegado dentro de uma outra ação ou em ação própria. O
STJ vem reconhecendo que o direito de retenção pode ser alegado na petição inicial ou na
contestação e pode ser dirigido ao proprietário ou ao possuidor legítimo da coisa.
A jurisprudência estabeleceu uma certa limitação ao exercício do direito de retenção: tal
direito exercido devido as benfeitorias úteis só pode ser alegado até a notificação para a
restituição da coisa. Após essa notificação o possuidor perde o direito de retenção sobre as
benfeitorias úteis realizadas após tal notificação, mas não o de indenização.
Enunciado 81 do CJF: “Art. 1219: O direito de retenção previsto no art. 1219 do CC,
decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões
(construções e plantações) nas mesmas circunstâncias”; Exceções ao possuidor de boa-fé:
locação de imóveis urbanos: Lei 8245, art.35 – na locação de imóveis urbanos as
benfeitorias só são indenizáveis se houver prévia autorização do locador. Súmula 335, STJ:
reconhece a validade das cláusulas que reconhecem renúncias antecipadas às benfeitorias
úteis e não as necessárias - nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à
indenização das benfeitorias e ao direito de retenção.
comodato: é o empréstimo gratuito. Art.584, CC – o comodatário só será indenizado pelas
benfeitorias necessárias, podendo exercer direito de retenção. Quanto as demais, não terá
direito a indneização.
desapropriação: art.26, DL 3365/41 – as benfeitorias realizadas entre publicação do decreto
expropriatório e a imissão na posse do Poder Público expropriante submetem-se À seguinte
regra: Se necessária, serão sempre autorizadas; se úteis, só serão indneizadas se houver
prévia autorização do Poder Público; se voluptuárias não geram direito à indenização. Em
nenhuma delas poderá ser exercido o direito de retenção.
Possuidor de má-fé: Não tem direito à indenização e nem retenção pelas benfeitorias úteis
e nem direito de retirada pelas benfeitorias voluptuárias. Contudo, para evitar
enriquecimento sem causa, o possuidor de má-fé terá direito a ser indenizado pelas
benfeitorias necessárias, mas não terá direito de retenção.

IV Tutela jurídica da posse


1. Proteção penal ou desforço incontinenti ou desforço imediato ou legítima defesa da
posse:
Art.1210, §1º, CC: O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por
sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem
ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
271
Direito Civil 2016 272

Trata-se de caso de autotutela permitida pelo ordenamento jurídico. O possuidor pode se


defender com sua própria força, com ou sem auxílio de terceiros. O mesmo direito é
reconhecido ao mero detentor – Enunciado 493, JDC: O detentor (art. 1.198 do Código Civil)
pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder. Por se tratar
de uma exceção a regra geral, a autotutela deve ser interpretada restritivamente.
Aplicam-se ao desforço incontinenti todas as regras da legítima defesa do direito penal:
atualidade ou iminência; moderação do uso dos meior necessários para a repulsa; agressão
injusta. O desforço incontinenti deve ser uma reação imediata à ofensa perpetrada, de modo
que, se a reação não é imediata deve-se buscar a proteção civil, por meio das ações
possessórias.
Excesso culposo: ocorre quando aquele que exerce a legítima defesa ultrapassa o limite do
razoável para repelir a agressão. Nesse caso, o possuidor será responsabilizado civilmente
por esse excesso. Trata-se de uma responsabilidade OBJETIVA, mesmo em se tratando
de excesso culposo, uma vez que tal excesso se enquadra como abuso do direito da
autotutela - Enunciado 37, JDC: Art. 187: A responsabilidade civil decorrente do abuso do
direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.
2. Proteção civil ou interditos possessórios ou ações possessórias
A tutela jurisdicional da posse ocorre por meio de ações possessórias:
Ação de reintegração de posse (art.560/566, Novo CPC): cabível para o caso de esbulho,
de perda, privação da coisa. O STJ entende que pode caracterizar esbulho o
inadimplemento de um contrato. Ex: contrato de comodato – X empresta o ap para Y por
uma semana. Porém, terminada a semanda, Y não devolve o ap, descumprindo o contrato,
o que caracteriza esbulho.
Ação de manutenção de posse (art.560/566, Novo CPC): cabível para os casos de
turbação, embaraço para o uso pleno da coisa.
Ação de interdito proibitório (art.567/568, Novo CPC): cabível na hipótese de ameaça atual
ou iminente para o exercício da posse.
O CPC, art.920 (art.554, Novo CPC), diz ser cabível a aplicação do princípio da fungibilidade
para as ações possessórias, que terá um duplo sentido: possibilidade de propositua errônea
da ação; e possibilidade de aproveitamento do procedimento, uma vez que no curso desse,
houve alteração das circunstâncias fáticas. Ex: propõr ação de manutenção de posse, por
conta da turbação, mas no curso do processo, a turbação vira esbulho, podendo o juiz
aproveitar o procedimento transformando-o em ação de reintegração de posse.
Procedimento possessório:
Especial: quando ou o esbulho ou turbação datar de menos de ano e dia. Esse
procedimento é chamado de ação de força nova. Nesse procedimento instala-se um juízo
exclusivamente possessório, ou seja, só se discute posse, não sendo permitida a discussão
de outras matérias. Isso permite um procedimento mais célere e simplificado. O
procedimento especial possui as seguintes fases: Postulatória; Possibilidade de concessão
de liminar; Saneatória; Instrutória; Decisória. Percebe-se, assim, que a possibilidade de
concessão de liminar é que torna o procedimento especial.
Requisitos para a concessão da liminar (art.927, CPC – art. 561, Novo CPC):
A. Prova da posse;
B. Prova do sofrimento da lesão na posse;
C. Prova de que a lesão ocorreu menos de ano e dia.

272
Direito Civil 2016 273

Provando esses requisitos, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar
de manutenção ou de reintegração, caso contrário, determinará que o autor justifique
previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.
Essa audiência é para colheita de prova oral, devendo o réu ser citado, mas não poderá
produzir provas. Nessa audiência apenas se confere ao autor a possibilidade de produzir
prova oral (art.562, Novo CPC). Concedida ou não a liminar, o juiz intima o réu para
promover a defesa, seguindo o processo, a partir daí, o rito ordinário.
O art.928, CPC ou art.562, §único, Novo CPC, estabelece que não podem ser concedidas
liminares contra pessoas jurídicas de direito público sem prévia audiência dos respectivos
representantes judiciais. O STJ entende que, em se tratando de empresas pública e SEM
não se exige a prévia audição para eventual concessão de liminar contra seus interesses,
já que ambas possuem natureza de direito privado.
Consoante o art.559, Novo CPC, deferida a liminar de reintegração ou de manutenção na
posse, e demonstrado pelo réu que o autor carece de idoneidade financeira para, no caso
de sucumbência - caso a demanda seja julgada improcedente – responder por perdas e
danos, o juiz designar-lhe-á o prazo de 5 (cinco) dias para requerer caução, real ou
fidejussória, sob pena de ser depositada a coisa litigiosa, ressalvada a impossibilidade da
parte economicamente hipossuficiente.
O novo CPC (art.565) detemrina, ainda que, no caso de litígio coletivo pela posse de imóvel,
quando o esbulho ou a turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano
e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá designar
audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias. Concedida a liminar, se essa
não for executada no prazo de 1 (um) ano, a contar da data de distribuição, caberá ao juiz
designar audiência de mediação. O juiz poderá comparecer à área objeto do litígio quando
sua presença se fizer necessária à efetivação da tutela jurisdicional.
Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União, de Estado ou
do Distrito Federal e de Município onde se situe a área objeto do litígio poderão ser
intimados para a audiência, a fim de se manifestarem sobre seu interesse no processo e
sobre a existência de possibilidade de solução para o conflito possessório (art.565, §4º).
Características do procedimento especial possessório:
A. Proibição da exceptio domini ou exceptio proprietatis (art.923, CPC e art.1210, §2º,
CC): trata-se da proibição de alegação de propriedade ou de domínio. O juiz julgará a ação
em favor do melhor possuidor, pouco importanto quem seja o proprietário. O novo CPC,
art.557, determina que Na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto
ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em
face de terceira pessoa. Não obsta à manutenção ou à reintegração de posse a alegação
de propriedade ou de outro direito sobre a coisa.
Enunciados 78 e 79, JDC: Enunciado 78 - Art. 1.210: Tendo em vista a não-recepção pelo
novo Código Civil da exceptio proprietatis (art. 1.210, § 2º) em caso de ausência de prova
suficiente para embasar decisão liminar ou sentença final ancorada exclusivamente no ius
possessionis, deverá o pedido ser indeferido e julgado improcedente, não obstante eventual
alegação e demonstração de direito real sobre o bem litigioso.
Enunciado 79 - Art. 1.210: A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações
possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta
separação entre os juízos possessório e petitório.
ATENÇÃO: a súmula 487 não mais tem aplicação, por perda do objeto, uma vez que não
se discute propriedade em ação possessória.

273
Direito Civil 2016 274

B. Cumulabilidade de pedidos – art.921, CPC (art.555, Novo CPC).


Art. 921. É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de:
I - condenação em perdas e danos; (INDENIZAÇÃO)
Il - cominação de pena para caso de nova turbação ou esbulho; (FIXAÇÃO DE MULTA -
ASTREINTES) III - desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento de sua
posse.
O Novo CPC, por sua vez, determina ser lícito ao autor cumular ao pedido possessório o
de condenação em perdas e danos e indenização dos frutos. Pode, ainda, requerer a
imposição de medida necessária e adequada para evitar nova turbação ou esbulho e para
cumprir-se a tutela provisória ou final.

Só é possível a cumulação desses pedidos do art.921, CPC ou art.555, Novo CPC. Se o


autor quiser cumular ao pedido possessório qualquer outro pedido que não os previstos no
art.921, CPC, ele terá que adotar o procedimento ordinário, não tendo mais direito à liminar.
C. Natureza dúplice ou actio duplex: possibilidade do réu, na própria contestação, formular
pedido contra o autor. O STJ exige que o pedido dúplice seja expresso. Esse instituto se
assemelha ao pedido contraposto dos juizados especiais cíveis - art.922, CPC ou art.556,
Novo CPC.
Se o réu quiser formular pedido de fixação de multa ou desfazimento de construção ou
plantação deverá fazê-lo por meio de reconvenção e não na contestação, pois nessa só é
possível a formulação de pedido de indenização e proteção possessória.
D. Intervenção do MP, como custus legis, no caso de conflito coletivo pela posse de terra
rural – art.82, III, CPC.
Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:
III - nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas
em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.
Nesse caso, o MP tem direito a recorrer ainda que as partes não o façam – Súmula 99, STJ:
O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal
da lei, ainda que não haja recurso da parte.

Comum ou ordinário: quando o esbulho ou turbação tem mais de ano e dia. É chamada de
ação de força velha.
Instala-se um juízo petitório, ou seja, é possível discutir, além da posse, outras questões,
como por exemplo ,a propriedade. O procedimento é mais lento, moroso. O procedimento
ordinário possui 05 fases: Postulatória; Conciliatória; Saneatória; Instrutória; Decisória.
Aqui, não há possibilidade de concessão de liminar, mas há a possibilidade de concessão
de tutela antecipada = Enunciado 238, JDC: Art. 1.210: Ainda que a ação possessória seja
intentada além de “ano e dia” da turbação ou esbulho, e, em razão disso, tenha seu trâmite
regido pelo procedimento ordinário (CPC, art. 924), nada impede que o juiz conceda a tutela
possessória liminarmente, mediante antecipação de tutela, desde que presentes os
requisitos autorizadores do art. 273, I ou II, bem como aqueles previstos no art. 461-A e
parágrafos, todos do Código de Processo Civil.
ATENÇÃO: a ameaça é sempre de força nova e, por isso, o interdito proibitório sempre será
de procedimento especial.

274
Direito Civil 2016 275

ATENÇÃO: ainda que outras ações tenham como fundamento a posse, só existem três
ações possessórias – reintegração; manutenção e interdito proibitório.
Ações possessória
Proteção preventiva e reparatória da
posse.

Imissão na posse Conferir posse a quem não a tem


faticamente. NÃO É AÇÃO
POSSESSÓRIA.
Ação de dano infecto Proteção de um imóvel contra obra ou
reforma em prédio vizinho que pode lhe
causar dano. NÃO É AÇÃO
POSSESSÓRIA.
Ação de nunciação de obra nova – Proteção de um prédio para garantir
art.934, CPC (extinta pelo Novo CPC) seus direito de vizinhança,
condominiais e as posturas públicas
(direito de construir).
NÃO É AÇÃO POSSESSÓRIA.
Ação de embargos de terceiros –
Proteção do titular contra uma indevida
art.674/681, Novo CPC.
constrição judicial (decisão). NÃO É
AÇÃO POSSESSÓRIA.

PROTEÇÃO
POSSESSÓRIA
Interditos possessórios Autotutela
Ameaça Interdito proibitório Legítima defesa
(violência (protege)
iminente)

Turbação Manutenção de posse Legítima defesa


(preserva)
Esbulho Reintegração de posse Desforço imediato
(perda da posse, (devolve)
ainda que parcial)

V. Possibilidade de Usucapião: A usucapião é um dos principais efeitos da posse.

8.1.7 - Composse ou coposse ou compossessão


Composse significa a situação em que duas ou mais pessoas exercem, simultaneamente,
poderes possessórios sobre a mesma coisa (condomínio de posses), o que pode ter
origem inter vivos ou mortis causa. A composse pode existir tanto na posse direta como
na indireta. Ex: dois ou mais locadores; narido e mulher são compossuidores dos bens
que juntos adquiriram.
A composse tem como elementos a pluralidade de sujeitos e a indivisibilidade do objeto.
Efeitos materiais da composse: todos possuem a mesma posse sobre a mesma coisa,
independentemente da sua fração ideal. Assim, todos podem exercer todos os poderes

275
Direito Civil 2016 276

sobre a coisa como um todo. Os compossuidores também poderão defender o todo, um


contra o outro, ou um contra terceiros, independentemente da sua fração ideal - Resp
537.363/RS. O efeito processual da composse é a formação de litisconsórcio passivo
necessário.
Nos casos de composse não se admite usucapião de um compossuidor sobre o bem, já
que todos os compossuidores exercem, cada um, poderes sobre a coisa como um todo,
SALVO no casso de um compossuidor estabelecer posse com exclusividade, afastando os
demais (STJ, Resp 10.978/RJ). OBS: Ação possessória NAO é ação real, já que a posse
não é direito, mas um fato protegido pelo direito. Assim, não é preciso formar litisconsórcio
passivo necessário entre conjuges e nem é necessário o consentimento do conjuge para
propor uma ação possessória, salvo nos casos de composse – art.10, CPC (art.73, §2º,
Novo CPC).
Quanto ao estado a composse pode ser:
• composse pro indiviso ou indivisível: os compossuidores têm fração ideal da posse, pois
não é possível determinar no plano fático e corpóreo qual a parte de cada um. Ex. fazenda
e ambos os compossuidores plantam hortaliças; touro reprodutor adquirido em conjunto
com outra pessoa.

• composse pro diviso ou divisível: é aquela que normalmente recai sobre bens divisíveis.
Bens que podem ser divididos ou bens que se encontram juridicamente em estado de
indivisão, todavia de fato foram divididos. Ex. Bem que já foi divido pelos herdeiros, mas
que ainda não foi feita a partilha ou arrolamento judicialmente; A divisão é fática e a
indivisão é jurídica.

8.1.8 - Proteção possessória


LEGITIMAÇÃO ATIVA: aquele que tem posse justa.
LEGITIMAÇÃO PASSIVA: é do autor da ameaça, turbação ou esbulho. O possuidor pode
intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro, que recebeu a coisa
esbulhada sabendo que o era (art. 1212 do CC). Porém, se o terceiro é de boa-fé NÃO se
aplica o artigo 1212 do CC. Enunciado n. 80 da I JDC: “É inadmissível o direcionamento da
demanda possessória ou ressarcitória contra terceiro possuidor de boa-fé, por ser parte
passiva ilegítima, diante do disposto no art. 1212 do novo Código Civil. Contra o terceiro de
boa-fé cabe tão somente a propositura de demanda de natureza real”.
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS NA AÇÃO POSSESSÓRIA. O art. 921 do CPC autoriza a
cumulação do pedido (art.555, Novo CPC).
FUNGIBILIDADE. O art. 920 do CPC consagra a fungibilidade total entre as ações
possessórias em sentido estrito (art.554, Novo CPC).
NATUREZA DÚPLICE DA AÇÃO POSSESSÓRIA. As possessórias são ações dúplices
(art.556, Novo CPC).
EXCEÇÃO DE DOMÍNIO. Na pendência do processo possessório é defeso, assim ao autor
como ao réu, intentar a ação de reconhecimento do domínio (art. 923 do CPC – art.557,
Novo CPC). Para doutrina e jurisprudência majoritárias a separação de juízos possessórios
e petitórios é absoluta. Enunciado n. 78 da I JDC: “Tendo em vista a não recepção pelo
novo Código Civil, da ‘exceptio proprietatis –(art. 1210, § 2º) em caso de ausência de prova
suficiente para embasar decisão liminar ou sentença final ancorada exclusivamente no ‘ius
possessionis’, deverá o pedido ser indeferido e julgado improcedente, não obstante
eventual alegação e demonstração de direito real sobre o bem litigioso”.
Enunciado n. 79 da I JDC: “A ‘exceptio proprietatis’, como defesa oponível às ações
possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta
276
Direito Civil 2016 277

separação entre os juízos possessório (em que se discute a posse) e petitório” (em que se
discute propriedade).
A jurisprudência somente admite a "exceptio proprietatis” quando (a) duvidosa a posse de
ambos os litigantes ou (b) as partes disputam a posse a título de proprietárias.
AÇÕES DE FORÇA NOVA E FORÇA VELHA: na posse nova segue-se o rito especial,
sendo cabível liminar. Já na posse velha segue-se o rito ordinário, cabendo antecipação de
tutela (E. 238 da III JDC). Entende-se que a liminar na possessória, por ter requisitos mais
abrangentes, continua a ter sentido a sua existência.
O juiz não poderá conceder liminar sem antes ouvir o representante judicial da
pessoa jurídica de direito público se essa for a ré. Lembre-se que as empresas públicas
e sociedades de economia mista não são de direito público.
Interdito proibitório (art. 932/3 do CPC – art.567/568, Novo CPC): tem caráter preventivo
em favor do possuidor com justo receio de ser molestado (turbado) ou esbulhado de sua
posse. Busca proteção contra violência iminente.
Manutenção de posse (art. 926/31 do CPC – art.560/566, Novo CPC): cabível nos casos
de TURBAÇÃO (molestamento sem privação da posse) atual.
Reintegração de posse (art. 926/31 do CPC – art.560/566, Novo CPC): é conferida ao
possuidor que foi ESBULHADO (privado de sua posse de forma injusta).
Enunciado n. 239 da III JDC: “Na falta de demonstração inequívoca de posse que atenda à
função social, deve-se utilizar a noção de ‘melhor posse’, com base nos critérios previstos
no parágrafo único do art. 507 do CC/1916”. Crítica ao E. 239: a melhor posse é a que
atende a função social. Porém, o parágrafo único do art. 507 do CC/16, prevê que tem a
melhor posse aquele com justo título ou, na falta ou sendo iguais, a mais antiga ou se da
mesma data, a posse atual.

OUTROS MECANISMOS DE TUTELA DA POSSE:

Embargos de terceiro (art. 1046 e ss do CPC – art.674/681, Novo CPC): podem tutelar
a posse de forma preventiva ou repressiva. Pressuposto é o ato de apreensão judicial
(esbulho processual), fato que o distingue das demais possessórias.
Ação de nunciação de obra nova (art. 934/40 do CPC – extinta pelo Novo CPC): cuida-
se de ofensa à posse por obra vizinha. Objetivo da ação é impedir a continuação de obra
que prejudique prédio vizinho ou esteja em desacordo com os regulamentos
administrativos. Situa-se na proteção dos direitos de vizinhança. A ação tem natureza
pessoal, de modo que se dispensa o consentimento do outro cônjuge. Descumprimento do
embargo configura atentado e desobediência
Ação de dano infecto (art. 1277 a 1281 do CC): Quem tiver justo receio de sofrer dano
em seu imóvel em decorrência de ruína em prédio ou obras vizinhas pode pedir que o
proprietário ou responsável preste caução, para garantir eventual indenização, se ocorrer
dano. Nesse caso, protege-se o bem possuído de dano potencial, ainda não ocorrido.
Ação de imissão na posse: dela podem se valer: (a) os adquirentes de bens para haverem
a respectiva posse; (b) administradores e demais representantes das pessoas jurídicas para
haverem de seus antecessores a entrega dos bens; (c) mandatários para haver os bens
dos mandantes das mãos de seus antecessores. A ação tem sido utilizada, também, pelos
arrematantes dos imóveis para haverem a sua posse das mãos dos devedores. Trata-se de
ação petitória voltada para quem nunca teve a posse.

Autotutela: legítima defesa da posse e o desforço imediato. Art. 1210, § 1º, do CC.
Quando houver ameaça ou turbação, cabe legítima defesa. Já quando houver esbulho,
277
Direito Civil 2016 278

cabe desforço imediato. A autotutela engloba tanto os móveis quanto imóveis. Para o uso
da autotutela, o possuidor deve agir tão logo a violação a seu direito se mostre (requisito da
imediatidade na repulsa). Passadas a oportunidade e conveniência da autodefesa, cabe ao
sujeito recorrer às vias judiciais, sob pena de praticar o ilícito penal tipificado no art. 345 do
CP (exercício arbitrário das próprias razões). Além disso, a autotutela deve ser exercida
com moderação. Excesso é abuso de direito.

8.1.9 - Perda da posse (art. 1223/4 do CC)


Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o
bem (atributos relativos à propriedade). Só se considera perdida a posse para quem não
presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou,
tentando recuperá-la, é violentamente repelido (e não procura outros meios de defesa).
Trata-se da figura da “supressio” (perda do direito pelo seu não exercício) ligada à boa-fé
objetiva. Causas da perda da posse:
i) abandono (derrelição): é a renúncia; ii)
tradição;
iii) destruição: perecimento do objeto;
iv) colocação da coisa fora do comércio (inconsutibilidade jurídica): tornou-se
inalienável, ex. terras públicas; v) posse de outrem; vi) constituto
possessório; vii) “traditio brevi manu”; viii) “supressio”
8.2

8.3 Propriedade
8.3.1 - Definição
CONCEITO (art. 1228 do CC): a propriedade é o direito que a pessoa tem, dentro dos
limites normativos, de usar, gozar, dispor de um bem corpóreo ou incorpóreo, bem como
de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha (MHD). A propriedade recai sobre bem
determinado, é direito fundamental (art. 5º XXII), mas deve sempre atender sua função
social, sendo um poder-dever. O direito de propriedade, ordinariamente, é um direito
subjetivo que se compõe pelo poder de uma pessoa sobre uma coisa, com oponibilidade
erga omnes.
A relação jurídica proprietária é uma relação de pessoa x coletividade, sendo a coisa o
objeto dessa relação.
- Poderes que compõem o direito de propriedade (Art.1228, CC):
• Uso

• Gozo ou fruição

• Livre disposição

• Reivindicação
O direito de propriedade é um feixe de poderes conferidos ao titular. Trata-se de um direito
complexo, pois possui 04 diferentes poderes compondo um mesmo direito. Além desses 04
poderes, o direito de propriedade exige o título do registro no Cartório de Imóveis. Esse
título corresponde ao registro em cartório para que se garanta a oponibilidade erga omnes
a terceiros. Sem o título, o titular tem o poder sobre a coisa mas não pode opor a terceiros.
Assim, quem tem os 04 poderes, mas não tem título, não tem propriedade, e sim DOMÍNIO,
QUE É EXERCIDO SOBRE A COISA, ENQUANTO A PROPRIEDADE É EXERCIDA
PERANTE A COLETIVIDADE. Quem tem domínio, mas não propriedade é o usucapiente.
278
Direito Civil 2016 279

Quem tem apenas 01 só dos poderes sobre a coisa (uso ou gozo) tem posse, mas não
domínio e nem propriedade.
O direito de propriedade será protegido por meio de ação reivindicatória. Segundo o STJ,
essa ação é imprescritível. Essa ação tem como requisito a prova da existência do título.
Essa ação não precisa de imediatidade, mas sim de tempo, para que se garanta o direito
de propriedade. O procedimento dessa ação é comum ordinário. Só irá propor ação
reivindicatória quem quer discutir o título ou, já não podendo se valer do procedimento
especial possessório, quer recuperar a posse através da afirmação da propriedade.
Quem quer proteger a posse vai se valer das ações possessórias – reintegração,
manutenção e interdito proibitório. Além disso, a ação possessória necessita de
imediatidade.
Quem quer proteger o domínio vale-se da ação publiciana, que tem procedimento ordinário,
não havendo a possibilidade de concessão de liminar. Essa ação só será promovida por
quem não pode se valer de ação possessória. A sentença que julga procedente o pedido
contido na ação publiciana poderia ser levada a registro no cartório de imóveis? NÃO,
porque essa sentença declarou apenas o domínio, não reconhecendo a propriedade.
Assim, o interessado deve propor ação de usucapião para que se obtenha o título. Enquanto
não se obtiver o título não há aquisição de propriedade, mas apenas o reconhecimento do
domínio.
Para alguns, não há distinção entre as expressões “domínio” e “propriedade”, até em razão
do princípio da operabilidade. Porém, outros distinguem: os 4 poderes + o título =
PROPRIEDADE.
• os 4 poderes sem título = DOMÍNIO
• só 1 atributo = POSSE

ação reivindicatória (art. 1228 do CC): direito de reaver o imóvel do poder de quem
injustamente o possua ou detenha. É imprescritível cedendo apenas à usucapião – Resp
216.117/RN. Súmula 237 do STF (“O usucapião pode ser argüida em defesa”).
1ª corrente (tradicional, majoritária e seguida pelo STJ): na usucapião
extraordinária ou
ordinária de imóvel, a sentença que acolha a alegação de usucapião como
defesa não constituirá título hábil para registro, sendo necessária a ação
direta de usucapião, pois i) não se fará coisa julgada quanto à declaração de
usucapião que constituirá apenas questão prejudicial (art. 469, III, do CPC) e ii)
os confinantes do imóvel não terão sido partes na lide, tampouco as fazendas
públicas, além de o ministério público não haver atuado como custos legis,
requisitos exigidos nos arts. 942 a 944 do CPC para a ação direta de usucapião
(STJ - REsp 652.449/SP). Exceção: usucapião especial urbano ou rural, que
admitem que a sentença que acolha a alegação arguida em contestação
constituirá título hábil para fins de registro por expressa disposição legal
constante do art. 7º da Lei 6.969/81 e do art. 13 da Lei 10.257/01. Isso ocorre
porque a lei considera a arguição dessas modalidades especiais de usucapião
não propriamente como uma defesa, mas como verdadeiro pedido contraposto
em ação de natureza dúplice, apto a integrar a coisa julgada da lide (REsp
233.607/SP). Apesar da omissão legal em regular o procedimento do usucapião
especial arguido como defesa, a doutrina indica ser recomendável a observância
das cautelas da ação direta de usucapião) para evitar futura nulidade do registro
decorrente da sentença.

279
Direito Civil 2016 280

2ª corrente: qualquer usucapião arguido em defesa, quando acolhido por


sentença já constitui título hábil para registro no cartório de imóveis.
Enunciado 315 da IV Jornada/CJF (“O art. 1.241 do Código Civil permite que o
possuidor que figurar como réu em ação reivindicatória ou possessória formule
pedido contraposto e postule ao juiz seja declarada adquirida, mediante
usucapião, a propriedade imóvel, valendo a sentença como instrumento para
registro imobiliário, ressalvados eventuais interesses de confinantes e terceiro”).
ação de usucapião.
ação publiciana: municia o usucapiente sem título e sem posse atual de pretensão
reivindicatória.
ação de imissão na posse: visa conferir a posse ao proprietário que nunca a teve;
era prevista no antigoCPC, mas sem previsão expressa no atual.
ação ex empto (art. 500 do CC): coisa é entregue em quantidade menor daquela
declarada, o comprador pode exigir a complementação ou a rescisão do contrato
ou abatimento do preço (Resp 52663/SP, AgRgAREsp 33444/RS); a prescrição é
vintenária (REsp 53804/SP).

CARACTERÍSTICAS da propriedade – é direito:


• absoluto: pois tem caráter “erga omnes”; porém limitado pela função social e socioambiental
da propriedade.

• exclusivo: a coisa não pode pertencer a mais de uma pessoa, salvo os casos de condomínio
ou copropriedade, o que também não retira o caráter de exclusividade26.

• perpétuo: permanece independente do seu exercício, enquanto não houver causa


modificativa ou extintiva, legal ou convencional.
• elástico: é um direito que pode ser reduzido ou aumentado conforme o número de atributos
presentes.

• complexo.

• fundamental: art. 5º, XXII, CF/88. O direito de propriedade e sua função social são aplicados
diretamente nas relações entre particulares (eficácia horizontal dos direitos fundamentais).

8.3.2 - Elementos
Os elementos que formam o conceito de propriedade são: Gozar, Reaver, Usar e Dispor –
GRUD.
8.3.3 - Classificação
Tendo em vista os atributos (GRUD), a propriedade pode ser:
a) Propriedade plena ou alodial: todos os direitos elementares que a formam se
acham reunidados na pessoa do proprietário.
b) Propriedade limitada ou restrita: recai sobre a propriedade algum ônus
(hipoteca, servidão ou usufruto) OU quando a propriedade for resolúvel, dependente
de codição ou termo (art. 1359 do CC). Neste caso, o direito de propriedade é
composto pela/o:

26
Art. 1231: a propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.
Art. 1232: Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário,
salvo se por preceito jurídico especial, couberem a outrem.
280
Direito Civil 2016 281

• nua-propriedade: siginifica ter o bem em seu nome. É despida dos atributos


diretos de uso e fruição.

• domínio útil: corresponde aos atributos de usar, gozar e dispor da coisa.


Dependendo do atributo que possui, a pessoa recebe uma denominação diferente:
superficiário, usufrutuário e etc..

8.3.4 - Extensão do direito de propriedade


Extensão vertical: art.1229, CC. O espaço aéreo e subsolo pertencem ao proprietário.
Contudo, ele não pode se opor a atividades de terceiros que não violem o seu interesse -
Art. 1.229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes,
em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a
atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não
tenha ele interesse legítimo em impedi-las.
A União tem os recursos minerais, as energias hidráulicas e os sítios arqueológicos do
subsolo. Assim, as riquezas do subsolo pertencem à União, tendo o proprietário direito a
uma indenização. Art.176, CF: Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos
minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo,
para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao
concessionário a propriedade do produto da lavra.
ATENÇÃO: art.1230, § único, CC – o proprietário pode explorar os recursos encontrados
no subsolo na construção civil, desde que não submetidos À transformação industrial. Art.
1230, Parágrafo único. O proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos minerais
de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos a transformação
industrial, obedecido o disposto em lei especial.
Extensão horizontal: possibilidade de fracionamento dos poderes da propriedade,
constituindo direito real da coisa alheia. Ex: o proprietário cede o uso e gozo a terceiro,
caracterizando o usufruto.
8.3.5 - Restrições à propriedade
A propriedade sofre restrições impostas pelo direito de vizinhança, pelo interesse público,
pela função social, pela própria vontade do proprietário e outras normas administrativas e
constitucionais.
8.3.6 - Aquisição ou constituição da propriedade
Diferentemente dos direitos pessoais, os direitos reais possuem regime próprio de
aquisição, consubstanciados em modos previamente estipulados em lei.
Modos de Aquisição da Propriedade Imobiliária
A aquisição da propriedade imobiliária pode ocorrer de forma originária/SEM vínculo
anterior (usucapião e acessões) ou derivada/COM vínculo anterior (registro e sucessão
“causa mortis”).
8.3.6.1 Usucapião
USUCAPIÃO / “prescrição aquisitiva” é o modo originário de aquisição da propriedade pela
posse qualificada prolongada no tempo. Ou seja, é a aquisição de propriedade pelo passar
do tempo; é a posse que se perpetua no tempo, gerando a aquisição de propriedade. Tem
como fundamento a segurança jurídica daquele que se manteve na posse de algo por
determinado período de tempo. Essse período de tempo é chamado de prescrição, que tem
duas faces: face extintiva = prescrição. Face aquisitiva = usucapião.
Aplicam-se ao usucapião todas as regras da prescrição. Ex: hipóteses interruptivas ou
suspensivas de usucapião (se não corre prescrição não corre usucapião) – não corre
prescrição contra o brasileiro que estiver no estrangeiro a serviço público, cujo imóvel dele,

281
Direito Civil 2016 282

situado no Brasil, não poderá ser usucapido. Também não corre prescrição contra o
absolutamente incapaz.
Não é apenas a propriedade que pode ser adquirida por usucapião; outros direitos reais
suscetíveis de posse também o poderão, como por exemplo, enfiteuse, servidão, superfície.
Súmula 193, STJ: O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião.
O art.103, CC, proíbe usucapião de propriedade de terras públicas. Porém, o STJ vem
reconhecendo a possibilidade de usucapião de direitos reais na coisa alheia de terras
públicas, que não importa na aquisição da propriedade, mas na aquisição de direitos reais
na coisa alheia (Resp 154.123/PE e REsp 575.572/RS). Assim, pode-se entender possível
o usucapião de enfiteuse de terras públicas – NAO HÁ AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE,
MAS APENAS AQUISIÇÃO DE DIREITO REAL NA COISA ALHEIA DE BEM PÚBLICO.
REQUISITOS DO USUCAPIÃO:
Obrigatórios:
Posse qualificada (requisito formal): posse mansa, pacífica, ininterrupta e com animus
domini. É a posse que se mantém no tempo com o possuidor se comportando como se
efetivamente fosse o proprietário do bem.
O ordenamento jurídico admite a soma de posses para fins de usucapião – o usucapiente
pode somar, à sua, a posse dos seus antecessores, que pode decorrer de ato inter vivos
(acessio possessionis – compra de posse) ou ato causa mortis (sucessio possessossionis).
A posse, ainda que haja ação contra o usucapiente, continua mansa e pacífica, desde que
saia vitorioso na mesma.
STJ: a citação promovida em ação possessória julgada improcedente não interrompe o
prazo para aquisição da propriedade pela usucapião (AgR no RESP n. 94.61/MG)
Aquele que possui a posse direta não pode usucapir, pois falta animus domini, já que está
na posse da coisa por força de um contrato. Ex: locatário.
Lapso temporal: os prazos exigidos se contam por anos, desprezando-se o 1º dia e
incluindo-se o último. Aplicam-se ao possuidor todas as hipóteses de impedimento,
suspensão e interrupção da prescrição (art. 197 a 202) no que tange a usucapião.
Regras de direito intertemporal:
- até 2 anos após a entrada em vigor do CC/02 Código serão acrescidos 2 anos aos novos
prazos da usucapião por posse-trabalho ordinária e extraordinária e da desapropriação judicial
privada por posse-trabalho, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior CC/16
(art. 2029 do CC).
- demais formas de usucapião aplicam-se os prazos da lei anterior, quando reduzidos pelo
CC/2002, e se na data da sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo
estabelecido na lei revogada (art. 2028).

Idoneidade da coisa (requisito material): coisa hábil a sofrer usucapião,


já que alguns bens não podem ser usucapidos pela sua natureza (mares,
rios, etc) ou por força legal (bens públicos dominicais, bens públicos de uso
comum, áreas comuns em condomínio edilício, etc.).
É possível usucapir bem de família? SIM, o bem de família torna a coisa impenhorável, mas
não insuscetível de usucapião.
Havendo copropriedade NÃO pode haver usucapião, já que cada um dos coproprietários
exercem o direito sobre o todo. O STJ, contudo, de modo excepcional (Resp 10.978/RJ),
admite usucapião da copropriedade por um deles quando este estabelece a posse com
exclusividade, alijando os demais.
Nas hipóteses em que a coisa não é idônea a ser usucapida, embora não seja cabível
usucapião, pode caber supressio (Resp 214.680/SP). Ex: área comum de condomínío

282
Direito Civil 2016 283

edilício na qual um dos condôminos exerce a posse por determinado período de tempo.
Não pode ter usucapião, mas pode ter supressio.
Os bens públicos são insuscetíveis de usucapião (art. 183, § 3º e 191 da CF), já os bens
de sociedades de economia mista e empresas públicas são usucapíveis. Tese minoritária
defende a possibilidade de usucapião de bens públicos dominicais (ex. terras devolutas),
pois são alienáveis, logo também são prescritíveis e usucapíveis. O STF (REnº 220.906)
faz distinção entre as paraestatais prestadoras de serviço público e exploradoras de
atividade econômica, incluindo os bens afetados à finalidade pública como submetidos ao
regime jurídico de Direito Público. Bem com cláusula de inalienabilidade só pode sofrer
usucapião extraordinário. Bem de família, voluntário ou legal, pode ser usucapido. Também
é possível a usucapião de propriedade resolúvel. As terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios são inalienáveis, indisponíveis e insuscetíveis de usucapião. No caso da usucapião
em favor de remanescentes das comunidades de quilombos, puderam os moradores e
descendentes que começaram a possuir tais terras em posse tranqüila e pacífica com
animus domini até a edição da CF/88, transmiti-la para as futuras gerações, e nesse caso
recaiu até mesmo em bens públicos. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome
próprio o todo, desde que exerça a posse exclusiva com “animus domini” e sejam atendidos
os requisitos legais da usucapião (REsp 668.131/PR). Vaga de garagem, por sua vez, se
for autônoma em relação ao imóvel, com matrícula individual e designação numérica própria
é suscetível de usucapião. A sentença de usucapião tem natureza declaratória.

O Tribunal Regional Federal da 1.ª Região tem entendimento consolidado no sentido de que
imóvel financiado pelo SFH não pode ser objeto de usucapião. Isso porque tais imóveis
possuem a finalidade
de atendimento à política habitacional do Governo Federal, estando, pois, submetidos a regime
de direito público. Ainda, a invasão ou ocupação visando à posse de imóvel financiado
pelo SFH configura crime de ação pública, com pena prevista de seis anos de prisão, de
acordo com o artigo 9º

da Lei 5.741/71 (Processo n.º 0015005-67.2009.4.01.3400).

Facultativos: geram a diminuição do lapso temporal.

Justo título: instrumento, público ou particular, que seria idôneo para a


transferência da propriedade se não fosse a existência de um vício que
pesa sobre ele. Res 174.108/SP: promessa de compra e venda não
registrada gera vício, que impede a aquisição da propriedade, mas que
pode gerar usucapião. Enunciado 86, JDC - Art. 1.242: A expressão “justo
título” contida nos arts. 1.242 e 1.260 do Código Civil abrange todo e
qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade,
independentemente de registro.
O justo título traz uma presunção de boa-fé.
Boa-fé
É possível falar de usucapião da coisa roubada ou furtada (res furtiva) já que o justo título
e a boafé são requisitos FACULTATIVOS e não obrigatórios.
A presença da União ou de qualquer de seus entes na ação de usucapião especial não
afasta a competência do foro da situação do imóvel (Súm.11, STJ). O mesmo raciocínio
aplica-se à ação de usucapião proposta contra a massa falida, não prevalecendo o foro

283
Direito Civil 2016 284

universal do juízo da falência. É obrigatória a presença do MP em qualquer ação de


usucapião.

ESPÉCIES DE USUCAPIÃO
Usucapião ordinária

Usucapião extraordinária

Usucapião especial:

Rural / “pro labore”


Urbana, que pode ser:
o Constitucional / “pro misero”
o Por abandono de lar o
Coletiva
• Indígena

Usucapião administrativa
Requisitos comuns: bens suscetíveis de usucapião, “animus domini”, posse mansa, pacífica
e ininterrupta.
USUCAPIÃO ORDINÁRIA (art. 1242)_________________________________
• 10 anos

• Justo título

• Boa-fé Subjetiva (presume-se de boa-fé quem tem justo título – art. 1201 do CC)
Tem prazo de 10 anos. O juiz pode reduzir esse prazo, inclusive de ofício, para 05 anos, quando o
usucapiente estiver cumprindo a função social da posse – morando ou tornando a terra produtiva –
e se o seu justo título for de escritura pública. No usucapião ordinário exige-se, além dos requisitos
obrigatórios, os requisitos facultativos.

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e


incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. Parágrafo
único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido
adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório,
cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a
sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
Subtipo do usucapião ordinário:
- USUCAPIÃO TABULAR (convalesça registral) – art.214, §5º, Lei 6015/73 (§ 5o A nulidade
não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de
usucapião do imóvel). O usucapião tabular consiste na possibilidade de o réu de uma ação
de invalidade de registros públicos alegar usucapião em seu favor. O juiz, na mesma
sentença que reconhece a invalidade do registro, reconhece a ocorrência de usucapião,
concedendo ao réu a propriedade do bem.
Somente na usucapião ORDINÁRDIA se exige justo título (todo e qualquer documento que gere
ao possuidor a crença de ser o verdadeiro – acessibilidade a pessoas simples) e boa-fé subjetiva
(ignorância de vício ou obstáculo que impede a aquisição da coisa). O justo título é a
materialização da boa-fé.
Enunciado 86 da I JDC: “Art. 1242: A expressão justo título, contida no art. 1242 e 1260
do CC, abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade,
independentemente de registro”. Ex. compromisso de compra e venda.

284
Direito Civil 2016 285

USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA (art. 1238)___________________________


• 15 anos (requisito único)
Tem prazo de 15 anos. Esse prazo pode ser reduzido para 10 anos quando o usucapiente estiver
morando na propriedade ou tiver tornado a terra propriedade – cumprimento da função social da
posse (usucapião extraordinária especial pro-labore ou habitacional). O juiz pode determinar essa
redução de ofício. O usucapião extraordinário exige apenas a presença dos requisitos obrigatórios.
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir
como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e
boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá
de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O
prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver
estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços
de caráter produtivo.
Obs.: há presunção absoluta de justo título e boa-fé. O usucapiente não precisa provar
esses requisitos e do outro lado o proprietário não pode fazer prova em sentido contrário.

USUCAPIÃO ESPECIAL RURAL / RÚSTICA / PRO-LABORE (art. 191 da CF, art.


1239 do CC e Lei
6969/81)
• 5 anos

• Não ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano

• Área de terra em zona rural

• Não superior a 50 hectares

• Fixação de moradia ou produtividade da terra


É possível o interessado usucapir mais de uma vez – basta que a pessoa que adquiriu o primeiro
usucapíão não tenha mais o imóvel usucapido.

Doutrina e jurisprudência não admitem, nesse tipo de usucapião, a adição da posse, pois requer
requisitos personalíssimos incompatíveis com a aludida soma. Há presunção absoluta de justo título
e boa-fé.

Enunciado n. 313: “Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é possível a
aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer
usucapir”.
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua
como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona
rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou
de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Parágrafo
único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Inf.566, STJ:
DCC DAGG - POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO DE IMÓVEL RURAL DE ÁREA
INFERIOR AO MÓDULO RURAL.

285
Direito Civil 2016 286

Presentes os requisitos exigidos no art. 191 da CF, o imóvel rural cuja área seja inferior
ao “módulo rural” estabelecido para a região (art. 4º, III, da Lei 4.504/1964) poderá ser
adquirido por meio de usucapião especial rural.
De fato, o art. 65 da Lei 4.504/1964 (Estatuto da Terra) estabelece que “O imóvel rural não
é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural”.
(…) Realmente, o Estatuto da Terra foi pensado a partir da delimitação da área mínima
necessária ao aproveitamento econômico do imóvel rural para o sustento familiar, na
perspectiva de implementação do princípio constitucional da função social da propriedade,
importando sempre e principalmente, que o imóvel sobre o qual se exerce a posse
trabalhada possua área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do
agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal - com a absorção de toda a
força de trabalho, eventualmente com a ajuda de terceiros.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 191, cujo texto se faz idêntico no art. 1.239
do CC, disciplinou a usucapião especial rural, nos seguintes termos: “Aquele que, não
sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos
ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta
hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia,
adquirir-lhe-á a propriedade”. Como se verifica neste artigo transcrito, há demarcação de
área máxima passível de ser usucapida, não de área mínima, o que leva os
doutrinadores a concluírem que mais relevante que a área do imóvel é o requisito que
precede a ele, ou seja, o trabalho realizado pelo possuidor e sua família, que torna a
terra produtiva e lhe confere função social.
(…) Assim, a partir de uma interpretação teleológica da norma, que assegure a tutela do
interesse para a qual foi criada, conclui-se que, assentando o legislador, no ordenamento
jurídico, o instituto da usucapião rural, prescrevendo um limite máximo de área a ser
usucapida, sem ressalva de um tamanho mínimo, estando presentes todos os requisitos
exigidos pela legislação de regência, não há impedimento à aquisição usucapicional de
imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localize.

Nota: O entendimento do STJ acima exposto está de acordo com o que o STF decidiu
por ocasião do julgamento do RE 422.349-RS (DJe 29/4/2015), no qual a Corte analisou
um caso parecido, mas envolvendo usucapião especial urbana. Na ocasião, o STF fixou
a seguinte tese: “Preenchidos os requisitos do art. 183 da CF, o reconhecimento do
direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação
infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área onde situado
o imóvel (dimensão do lote)”.

Inf.561, STF:
DAMBB - REQUISITO PARA REGISTRO DA SENTENÇA DECLARATÓRIA DE
USUCAPIÃO.

Para que a sentença declaratória de usucapião de imóvel rural sem matrícula seja
registrada no Cartório de Registro de Imóveis, é necessário o prévio registro da
reserva legal no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
(…) O novo Código Florestal instituiu o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que passou a
concentrar as informações ambientais dos imóveis rurais, sendo dispensada a
averbação da RESERVA LEGAL no Registro de Imóveis (art. 18, § 4º).

286
Direito Civil 2016 287

Art. 18. § 4º O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório


de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o
registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito
à gratuidade deste ato.
Assim, ante esse novo cenário normativo, como condição para o registro da sentença de
usucapião no Cartório de Registro de Imóveis, é necessário o prévio registro da reserva
legal no CAR.

Nota: Reserva Legal. Quem tem o dever de preservar a área de reserva legal? Só o
proprietário? NÃO. A Reserva Legal deve ser conservada com cobertura de vegetação
nativa não apenas pelo proprietário, como também pelo possuidor ou por qualquer outra
pessoa que ocupe, a qualquer título, a área, seja ele uma pessoa física ou jurídica, de direito
público ou privado (art. 17, caput). Admite-se algum tipo de atividade econômica na área
de reserva legal? SIM. Admite-se a exploração econômica da Reserva Legal mediante
manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do Sisnama (art. 17, §
1º). Qual é o tamanho da área de reserva legal? Será um percentual do imóvel baseado
na região do país onde ele está situado e na natureza da vegetação. A Lei n.
12.651/2012 (Código Florestal) prevê os percentuais de cada imóvel rural que deverão ser
separados e protegidos como área de reserva legal. CAR. Em que consiste? O Código
Florestal (Lei n. 12.651/2012) criou algo muito importante chamado de Cadastro Ambiental
Rural – CAR. Em que consiste? O CAR é um registro público eletrônico de âmbito
nacional, no qual todos os imóveis rurais devem estar inscritos com a finalidade de
reunir, em um só local, as informações ambientais das propriedades e posses rurais,
formando uma base de dados que servirá para controle, monitoramento,
planejamento e combate ao desmatamento. De quem é o dever de inscrever o imóvel
no CAR? Dos proprietários e possuidores rurais. Os proprietários e possuidores rurais
têm um prazo até maio de 2016 para inscrever seus imóveis no CAR. Para isso, eles
deverão apresentar uma lista de documentos previstos no Decreto 7.830/2012. A área de
Reserva Legal precisa ser inscrita no CAR? SIM. Com certeza. O Código Florestal
determinou que a área de Reserva Legal deve ser inscrita no CAR. Antes de existir o CAR,
onde era inscrita a Reserva Legal? Como as pessoas sabiam que um determinado
imóvel possuía parte de sua extensão como área de Reserva Legal? Antes da Lei n.
12.651/2012 (novo Código Florestal), a Área de Reserva Legal era inscrita na matrícula
do imóvel, ou seja, essa informação ficava no cartório de Registro de Imóveis (art. 167, II,
22, da Lei n. 6.015/73). Depois da Lei n. 12.651/2012 (novo Código Florestal), a Área de
Reserva Legal ainda precisa ser inscrita no registro de imóveis? NÃO. O registro da
Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no cartório de Registro de Imóveis. Desse
modo, desde a vigência do novo Código Florestal, a Área de Reserva Legal não é mais
averbada no cartório de Registro de Imóveis. A inscrição da Reserva Legal no CAR
possui natureza constitutiva ou declaratória? Se a Área de Reserva Legal não estiver
registrada, o possuidor/proprietário estará desobrigado de respeitá-la? NÃO. A
inscrição da Reserva Legal possui natureza declaratória. O dever de respeitar as
limitações impostas pela Área de Reserva Legal decorre da lei (e não do registro). A
inscrição no CAR tem por objetivo dar publicidade a esse fato.

USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA CONSTITUCIONAL / PRO-MISERO (art. 183 da CF,


art. 1240 do CC
e art. 9º da Lei 10.257/01 – Estatuto da
Cidade)

287
Direito Civil 2016 288

• 5 anos

• Não ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano

• Área urbana de até 250 m²

• Fins de moradia sua ou de sua família


É inovação da CF/88. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem
ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil; sendo que este direito não
será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. Enunciado 85 do CJF: “Art. 1240:
Para efeitos do art. 1240, caput, do NCC, entende-se por ‘área urbana’ o imóvel edificado
ou não, inclusive unidades autônomas vinculadas a condomínios edilícios”. Há presunção
absoluta de justo título e boa fé.
O usucapião especial urbano só pode ser utilizado uma única vez. Além disso, exige a
presença apenas, dos requisitos obrigatórios.
Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Inf.783. STF:
DAA - Usucapião de imóvel urbano e norma municipal de parcelamento do solo:
Preenchidos os requisitos do art. 183 da CF (“Aquele que possuir como sua área urbana
de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e
sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio,
desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”), o reconhecimento
do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação
infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que
situado o imóvel (dimensão do lote).

Esse o entendimento do Plenário que, em conclusão de julgamento e por maioria, proveu


recurso extraordinário, afetado pela 1ª Turma — em que discutida a possibilidade de
usucapião de imóvel urbano em município que estabelece lote mínimo de 360 m² para o
parcelamento do solo — para reconhecer aos recorrentes o domínio sobre o imóvel, dada
a implementação da usucapião urbana prevista no art. 183 da CF.

(…) O Colegiado afirmou que, para o acolhimento da pretensão, bastaria o preenchimento


dos requisitos exigidos pelo texto constitucional, de modo que não se poderia erigir
obstáculo, de índole infraconstitucional, para impedir que se aperfeiçoasse, em favor de
parte interessada, o modo originário de aquisição de propriedade.

Nota: Requisitos da usucapião especial urbana. A usucapião especial urbana é prevista


no art. 183 da CF/88, sendo também reproduzida no art. 1.240 do CC e no art. 9º da Lei n.
10.257/2001. Para se ter direito à usucapião especial urbana, é necessário preencher os
seguintes requisitos: a) 250m2: a pessoa deve estar na posse de uma área urbana de, no
máximo, 250m2; b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por,
no mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém; c) Moradia: o imóvel deve estar
sendo utilizado para a moradia da pessoa ou de sua família; d) Não ter outro imóvel: a
pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural). Algumas
observações: Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava
de boa-fé; Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez; É
288
Direito Civil 2016 289

possível usucapião especial urbana de apartamentos (nesse caso, quando for calcular se
o tamanho do imóvel é menor que 250m2 não se incluirá a área comum, como salão de
festas etc, mas tão somente a parte privativa); O título de domínio e a concessão de uso
serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado
civil.
(Promotor MP/BA 2015) Dar-se-á a usucapião especial de imóvel urbano quando o
interessado possuir como sua área ou edificação urbana de até 200 (duzentos metros)
quadrados, por 5 (cinco) anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua
moradia ou de sua família, adquirindo-se, assim, o domínio, desde que não seja proprietário
de outro imóvel urbano ou rural. ERRADO

USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO DE LAR OU CONJUGAL (art.


1240-A do CC)
• 2 anos (menor prazo inclusive em relação a bens móveis), contados após o abandono do lar
(aplica-se ao casamento, união estável ou união homoafetiva)

• Não ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano

• Imóvel urbano integrante da meação do casal (imóvel comum do casal) e não superior a 250
m². Há divergência sobre a aplicação para imóvel rural; pois a lei não previu para imóvel rural.

• Fins de moradia ou de sua família

• Posse direta com exclusividade. Propriedade dividida com ex que abandonou o lar. Direito
não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Enunciado 497/CJF: “a fluência do prazo de 2 anos previsto pelo art. 1240-A para a nova
modalidade de usucapião nele contemplada tem início com a entrada em vigor da Lei
12.424/11”.

USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA COLETIVA (art. 10/12 da Lei 10.257/01 – Estatuto da


Cidade)
• 5 anos

• Possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

• MAIS de 250 m²

• Fixação de moradia de população de baixa renda


Esse tipo de usucapião só pode ser requerido uma única vez.

A ação de usucapião, nesse caso, pode ser ajuizada pelos possuidores, em conjunto ou
separadamente, ou por uma associação de moradores, como substituto processual.
O que significa população de baixa renda? A grande maioria dos autores (SILVIO VENOSA,
MÁRIO DELGADO e outros) tem entendido que se trata de um conceito aberto, que será
definido pelo juiz diante do caso concreto. Entretanto, há julgados indicando alguns critérios
objetivos: a) renda familiar de até 03 SM; b) bolsa-família, quando a renda per capita
máxima seja de R$100,00. O prazo de 05 anos deve ser contado a partir do vigor da lei.
Objetivo: solucionar problemas de distribuição de imóveis urbanos.

289
Direito Civil 2016 290

USUCAPIÃO ESPECIAL INDÍGENA (art. 33 da Lei 6001/73)____ ______


• 10 anos

• Trecho de terra inferior a 50 hectares

• O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio.

USUCAPIÃO ADMINISTRATIVA (conversão da legitimação da posse em


propriedade – Lei
11.977/09) – Fonte: EMAGIS
A Lei nº 11.977/09, que disciplina o Programa Minha Casa Minha Vida, trouxe a
possibilidade de usucapião, sem a intervenção do Poder Judiciário, de imóveis urbanos
para fins de regularização fundiária de interesse social, cujos procedimentos serão feitos
diretamente no Registro de Imóveis. Esta lei instituiu a conversão da legitimação de
posse em propriedade, instituto conhecido doutrinariamente como “usucapião
administrativa”, sendo um mecanismo ágil, eficiente e menos oneroso para a
regularização fundiária da ocupação do solo urbano, visando o direito social à moradia (art.
6º da CF).
Haverá um procedimento de regularização fundiária de interesse social. Após a averbação
do auto de demarcação urbanística e do registro do parcelamento no cartório de registro de
imóveis, o poder público (União, Estados ou Municípios) concederá aos ocupantes
cadastrados um título de legitimação de posse (art. 58 da Lei 11.977/09), que é um ato
administrativo que identifica o tempo, a natureza da posse e a pessoa do ocupante do
imóvel.
A legitimação de posse possui a natureza de um direito pessoal (e não real), que assegura
a seu detentor a posse direita para fins de moradia. A legitimação de posse não poderá ser
concedida a quem já for concessionário, foreiro ou proprietário de outro imóvel urbano ou
rural nem a quem já fora beneficiado por outra legitimação de posse (art. 59 e § 1º da Lei
11.977/09).
Por seu turno, a legitimação de posse constitui título apto a registro na matrícula do
respectivo imóvel junto ao CRI (art. 167, I, item 41, da Lei 6.015/73). A partir deste registro,
a posse passa a ser considerada como legitimamente titulada, passando a existir,
doravante, uma presunção de conhecimento por terceiros, derivada da publicidade registral
(art. 1º da Lei 8.935/94).
Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente, o detentor do título
de legitimação de posse, após 5 anos de seu registro, poderá requerer ao oficial de registro
de imóveis a conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua
aquisição por usucapião, nos termos do art. 183 da CF (art. 60 da Lei 11.977/09).
A conversão da legitimação em propriedade se cuida de uma nova modalidade de aquisição
originária da propriedade imóvel, bastante semelhante à usucapião especial urbana. A
conversão da legitimação de posse em propriedade será um ato de competência do oficial
registrador de imóveis que, igualmente, constituirá um título hábil para registro na matrícula
do imóvel (art. 167, I, item 42, da LRP).
Inicialmente o PMCMV apenas possibilitasse a usucapião administrativa de imóveis de até
250 m2. A Lei 12.424/11 alterou este dispositivo e ampliou a possibilidade de usucapião
administrativo em locais com área superior a 250 m2, desde que previamente inseridos no
auto de demarcação urbanística da regularização fundiária de interesse social e, neste
caso, o tempo necessário à conversão da legitimação de posse em propriedade será o
estabelecido em lei para a usucapião respectiva, sendo possível deduzir que o prazo será

290
Direito Civil 2016 291

de 10 anos da usucapião extraordinária imobiliária abreviada pela função social da moradia,


conforme parágrafo único do art. 1.238 do CC.
Enunciado n. 563 da VI JDC: “O reconhecimento da posse por parte do Poder Público
competente anterior à sua legitimação nos termos da Lei n. 11.977/2009 constitui título
possessório”.
Nesta espécie de usucapião:
• Será reconhecida administrativa pelo oficial do CRI apenas o tempo de posse após o
registro da legitimação.

• Deve ser reconhecida judicialmente, se houver a pretensão de computar o tempo de


posse com “animus domini” anterior ao registro; podendo ser considerado a posse antes e
após o registro.

O artigo 1.071 do Novo CPC, acrescentou o artigo 216-A à Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73),
que trata do usucapião extrajudicial. Tal dispositivo permite o pedido da usucapião extrajudicial,
perante o cartório de imóveis onde se situa o bem, não impedindo a utilização da via jurisdicional,
todavia, não mais submetida tal pretensão a um procedimento especial de jurisdição contenciosa,
mas a um procedimento comum (o novo CPC excluiu a previsão constante dos artigos 941 a 945
do atual CPC).
O usucapião extrajudicial será requerido pelo interessado ao registrador de imóveis da situação do
bem. A ele compete conduzir o procedimento administrativo que levará ao registro do usucapião,
se forem provados os seus requisitos legais e não houver litígio. Cabe à parte optar pela via
extrajudicial ou judicial. O procedimento se inicia a requerimento do usucapiente, respeitando o
princípio da instância que rege o direito registral imobiliário. A parte deverá ser assistida por
advogado. Deve-se apresentar, na petição, prova documental pré-constituída, para comprovar a
posse prolongada pelo tempo exigido no suporte fático de usucapião invocado, bem como as
certidões negativas de distribuição, que comprovam a natureza mansa e pacífica da posse.
Dentre os documentos acostados aos autos, inclui-se o justo título, se houver, prova da quitação de
tributos e taxas e quaisquer outros que evidenciem a posse, como, correspondências, etc. O
legislador refere-se, também, à apresentação de ata notarial como meio de prova (artigo 384, novo
CPC – ata notarial é o instrumento público por meio do qual o tabelião atesta a existência e o modo
de existir de algum fato. Difere da escritura declaratória porque nesta, é um terceiro que atesta o
fato perante o tabelião, que colhe a manifestação de vontade e a formaliza. Assim, para lavrar a ata,
o notário ou seu preposto devidamente autorizado deverá se deslocar até o imóvel e lá poderá
verificar a exteriorização da posse, diante das circunstâncias do caso. Nada obsta a que testemunha
da posse do requerente compareça ao tabelionato e declare sob as penas da lei os fatos que
presenciou, sendo a escritura declaratória lavrada e apresentada ao oficial de registro de imóveis).
O requerimento também deverá ser acompanhado da planta do imóvel, com memorial descritivo e
anotação de responsabilidade técnica, que devem ser elaborados por profissional habilitado perante
o conselho profissional competente.
Recebida a petição devidamente instruída, o oficial de registro procederá à prenotação no livro de
protocolo e a autuará. Se faltar algum documento, formulará nota devolutiva entregue ao requerente,
para que supra a ausência. Se algum interessado não tiver assinado a planta, procederá à sua
notificação, para que se manifeste em quinze dias. A Fazenda Pública, municipal, estadual e federal,
deverá ser notificada para deduzir eventuais impugnações em igual prazo de quinze dias. Em
seguida, publicará edital em jornal de grande circulação, às expensas do requerente, para dar
ciência a terceiros que, em prazo de trinta dias, poderão impugnar o pedido.
A impugnação da Fazenda Pública consiste em alegar que o imóvel é público, se for o caso, e
portanto inusucapível. Os terceiros poderão apresentar quaisquer impugnações contrárias à
consumação do usucapião. Já aos confinantes ou titulares de direitos reais sobre o imóvel, cabe
impugnar a pretensão ou prestar a anuência que não foi outorgada mediante assinatura na planta.
A ausência de manifestação do confinante ou titular de direitos reais não presume sua anuência.

291
Direito Civil 2016 292

Prevê o legislador ainda que o registrador poderá realizar diligências in loco, para elucidar dúvidas
que tenham restado da análise da documentação. Se qualquer das partes interessadas apresentar
impugnação, o registrador remeterá os autos ao juízo competente, para apreciação. Nesse caso,
cabe a emenda da inicial, para ajustá-la às exigências do processo judicial. Se a documentação é
insuficiente e o requerente não se conformou com as exigências formuladas, pode requerer a
suscitação de dúvida (Lei de Registros Públicos, artigo 198), para que o juiz decida, no âmbito
administrativo.
Se não houver impugnação caberá ao registrador apreciar o pedido. A decisão do registrador
pressupõe a qualificação, atividade administrativa vinculada privativa de profissional do direito em
que são examinados os títulos apresentados a registro e verificado o preenchimento dos requisitos
legais do ato registral. No procedimento de usucapião extrajudicial, se a qualificação for positiva, o
oficial procederá ao registro da aquisição do direito real na matrícula. Se o imóvel não for
matriculado, efetuará a abertura da matrícula e o registro. Se negativa, terá de fundamentar a
decisão, indicando quais dos requisitos legais não foi atendido. A decisão que negar o pedido
administrativo não obsta o ingresso com ação judicial de usucapião.

OBS: Usucapião como meio de defesa – Súmula 237, STF – todos os diferentes tipos de
usucapião pode ser alegado como matéria de defesa. S.237, STF. O usucapião pode ser
argüido em defesa. Será possível fazer o registro quando o usucapião for alegado como
matéria de defesa? NÃO. Para gerar registro é necessário seguir todo um procedimento
especificado pela lei. Contudo, o usucapião especial urbano ou rural pode gerar registro.
Requisitos obrigatórios;
Usucapião extraordinário – art.1238, CC Prazo de 15 anos, podendo ser reduzido para 10.

Usucapião ordinário – art.1242, CC Requisitos obrigatórios e facultativos.


Prazo de 10 anos, podendo ser reduzido para 05.

Usucapiao tabular Requisitos do usucapião ordinário.


Requerido em ação de invalidade de registro público.

Usucapião especial urbano individual – Prazo de 05 anos.


art.183, CF e 1240, CC. Imóvel urbano não superior a 250 m².
Inexistência de propriedade de outro imóvel (rural ou
urbano).
Fixação de moradia.

Usucapião especial urbano Prazo de 05 anos; imóvel superior a 250m²,;


coletivo – ART.10/12, EC. inexistÊncia de outra propriedade rural ou urbana;
fixação de moradia de população de baixa renda; só
pode ser requerido uma única vez. A ação de
usucapião, nesse caso, pode ser ajuizada pelos
possuidores, em conjunto ou separadamente, ou por
uma associação de moradores, como substituto
processual.
Usucapião conjugal, familiar – art.1240-A, Prazo de 02 anos, contados após o abando no lar, no
CC. casamento ou união estável ou homoafetiva; imóvel
urbano integrante da meação do casal (imóvel comum
do casal) e não superior a 250m²; inexistência de outra
propriedade (rural ou urbana); fixação de moradia; só
pode usucapir uma única vez.

292
Direito Civil 2016 293

Usucapião especial rural – art.191, CF Prazo de 05 anos; imóvel rural não superior a 50
hectares; inexistência de outra propriedade (rural ou
urbana); fixação de moradia ou produtividade da terra.
Pode ocorrer mais de uma vez.

Usucapião como matéria de defesa – Aplica-se a todos os diferentes tipos de usucaíão.


Súmula 237, STF

8.3.6.2 Acessão
ACESSÃO (art. 1248) é modo originário aquisitivo de propriedade em razão do qual o
proprietário de um bem passa a adquirir a titularidade de tudo que a ele se adere por ação
humana ou causa natural. Em alguns casos, o titular desfalcado do domínio será
indenizado, em respeito ao princípio que veda o enriquecimento sem causa. Pode se dar:
i) de imóvel a imóvel (natural) ou ii) de móvel a imóvel (artificial).
Acessões são acréscimos ao volume de uma coisa que se dividem em:
Físicas: oriundas da natureza. Não têm a intervenção humana. Podem ser:

Avulsão: desprendimento abrupto e repentino de terras em razão da ação das águas


(chuva, rio, mar, lagos, etc.), que é levado para outra propriedade. O proprietário que
recebeu a terra desprendida por força das águas adquire a propriedade da mesma.
O proprietário anterior terá o prazo decadencial de 01 ano para reclamar a avulsão.
O proprietário que adquiriu a parte de terra terá que indenizar ou devolver, se
possível, a terra desprendida. Art. 1.251. Quando, por força natural violenta, uma
porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá
a propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenização,
se, em um ano, ninguém houver reclamado. Parágrafo único. Recusando-se ao
pagamento de indenização, o dono do prédio a que se juntou a porção de terra
deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida.

Aluvião: desprendimento lento e gradual de terras. Ex: assoreamento. Nesse caso,


como o proprietário original se omitiu para conter esse desprendimento lento não
terá o direito de ser ressarcido pela terra perdida. Art. 1.250. Os acréscimos
formados, sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo
das margens das correntes, ou pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos
dos terrenos marginais, sem indenização. Parágrafo único. O terreno aluvial, que se
formar em frente de prédios de proprietários diferentes, dividir-se-á entre eles, na
proporção da testada de cada um sobre a antiga margem.
Pode ser: Aluvião própria - a água traz terra para o terreno aumentando seu tamanho;
Aluvião imprópria – a água descobre a terra, aumentando o tamanho do terreno.
Formação de ilhas: acréscimos de terras em rios não navegáveis que pertencerão
aos proprietários ribeirinhos na proporção de suas testadas. Art. 1.249. As ilhas que
se formarem em correntes comuns ou particulares pertencem aos proprietários
ribeirinhos fronteiros, observadas as regras seguintes: I - as que se formarem no
meio do rio consideram-se acréscimos sobrevindos aos terrenos ribeirinhos
fronteiros de ambas as margens, na proporção de suas testadas, até a linha que
dividir o álveo em duas partes iguais; II - as que se formarem entre a referida linha e
uma das margens consideram-se acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiros
desse mesmo lado; III - as que se formarem pelo desdobramento de um novo braço

293
Direito Civil 2016 294

do rio continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se
constituíram.

Abandono de álveo: álveo é o leito do rio, que fica encoberto pelas águas. Quando
o álveo emerge, seja por mudança do curso do rio, seja sevido a seca, haverá
acréscimo de terras pelos proprietário ribeirinho correspondente de forma
proporcional. Art. 1.252. O álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários
ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos dos terrenos
por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se
estendem até o meio do álveo.

Artificiais ou humanas: decorrem de uma atuação proposital do homem – construções


e plantações (única acessão artificial prevista no CC).
As acessões artificiais se confundem com as benfeitorias? Há um ponto de intercessão
entre elas, mas não semelhança absoluta. Ambas decorrem da intervenção humana e
representam acréscimos ao volume de uma coisa. Contudo, as benfeitorias são acréscimos
em uma coisa, cumprindo uma finalidade necessária, útil ou voluptuária. Já nas acessões
artificiais, não há qualquer finalidade, tratando-se de mero acréscimo decorrente da
intervenção do homem. As acessões artificiais decorrem da atuação humana, acrescendo
área a um imóvel. Todas as acessões artificiais submetem-se à teoria da gravitação – o
acessório segue o principal (o titular do imóvel é o titular das acessões artificiais). Essa
teoria está sedimentada no art.1255, CC: Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno
alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu
de boa-fé, terá direito a indenização. Parágrafo único. Se a construção ou a plantação
exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou,
adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente,
se não houver acordo.
O § único traz uma exceção à incidência da Teoria da Gravitação: se a contrução ou
plantação é realizada de boa-fé em terreno alheio e exceder consideralvemente o
valor do terreno, será o proprietário da construção ou plantações que adquirirá o
terreno e não o proprietário do terreno que adquirirá a acessão, mediante pagamento
de indenização.
Assim, as plantações e construções têm natureza acessória, são bens imóveis por acessão
física artificial (art. 1254 e ss). Exceção é a construção ou plantação exceder
consideravelmente o valor do terreno. É a chamada acessão inversa ou invertida, pois
considera a plantação ou construção como o principal, e o terreno acessório
(acompanhando aqueles).
Plantações e construções – semeadura, plantação e edificação, quando a titularidade das
sementes não coincidir com a do terreno:
Terreno próprio + materiais alheios: se o dono do terreno estava de boa-fé, pagará ao
proprietário o valor dos materiais; se de má-fé, além desse pagamento, indenizará por
perdas e danos.
Terreno alheio + materiais próprios: o titular perde o material próprio. Se de boa-fé, com
base em justo título, tem direito à indenização; se de má-fé, perde as acessões e não recebe
indenização.
Enunciado n. 318 da IV JDC: “o direito à aquisição da propriedade do solo em favor
do construtor de má-fé (art. 1258, parágrafo único) somente é viável quando, além

294
Direito Civil 2016 295

dos requisitos explícitos previstos em lei, houver necessidade de proteger terceiros


de boa-fé”.

8.3.6.3 Registro
Registro é modo de aquisição derivado da propriedade imobiliária. O direito registral
brasileiro atual não segue exatamente o sistema alemão (natureza constitutiva), nem o
sistema francês (natureza declaratória). O Brasil criou um modelo novo. Trata-se do único
modo aquisito derivado de propriedade. Decorre de negócios jurídicos inter vivos (ex:
doação) ou causa mortis (ex: testamento). A transferência da propriedade ocorre com o
registro em cartório de imóveis. O primeiro registro de um imóvel é chamado de
MATRÍCULO. Todos os registros sequenciais são chamados de registro.
Em regra tem natureza constitutiva (só existe direito real a partir do registro), mas
excepcionalmente o terá natureza declaratória (ex. registro da usucapião, do formal de
partilha – princípio da saisine – e a acessão).
No registro com natureza constitutiva, o Brasil adotou o sistema romano do título e do modo
para transferência da propriedade imobiliária e mobiliária. Para transferência da
propriedade é necessário título translativo (ex. escritura) + modo (registro/tradição).
Exceção: registro com natureza declaratória. Os contratos de direitos reais sobre imóveis
devem ser feitos por escritura pública se o imóvel tiver valor superior a 30 salários mínimos
(art. 108 do CC). A escritura (plano da validade) é lavrada no Tabelionato de Notas de
qualquer local do país, pouco importando a localização do imóvel. O registro (plano da
eficácia) no Cartório de Registro de Imóveis do local da coisa transfere a propriedade.
Enunciado 87 do CJF: “Art. 1245: Considera-se também título translativo, para fins do art.
1245 do NCC, a promessa de compra e venda devidamente quitada (arts. 1417 e 1418 do
CC e §6º da lei 6.766/79)”.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO REGISTRO IMOBILIÁRIO NO BRASIL

1ª Fase: Sistema de Transcrição: transcrição significa copiar. Este sistema era baseado
nos negócios/pessoas (fólio pessoal). Existiam diversas transcrições separadas,
organizadas com base nos negócios/pessoas por tipo de ato e data. Havia
despreocupação com o imóvel, que era descrito de forma vaga (ex. “vai até a árvore
alta”), isso gerava sobreposição de bens.
2ª Fase: Sistema de Matrícula: A Lei nº 6.015/73 revolucionou o sistema registral
brasileiro, tanto que sua “vacatio legis” durou 3 anos. Este sistema se baseia nos imóveis
(fólio real). A LRP determina a transformação paulatina das transcrições em matrículas. A
matrícula é o registro principal do imóvel e tem como 1ª preocupação descrevê-lo; depois
trata sobre o titular do direito.
Hoje tudo que envolve o imóvel é unificado em uma matrícula por meio da averbação ou
registro. Hoje, com a LRP temos um sistema mais seguro.

NATUREZA. O registro imobiliário pode ter natureza abstrata ou causal. No Brasil, o


registro tem natureza causal: a invalidade no título translativo (ex. escritura) afeta o modo
(registro); tendo o registro presunção relativa de veracidade do domínio, acarretando a
inversão do ônus da prova (art. 1247 do CC). Os vícios originários do título são insanáveis
e transmitem-se junto à cadeia dos adquirentes. Exceção a isso é o chamado “Registro de
Torrens”.

Atributos do registo:
a. Constitutividade: o registro em regra gera a aquisição da propriedade.

295
Direito Civil 2016 296

b. Prioridade ou preferência: dá-se proteção a quem registrou primeiro.

c. Força Probante: força probante com presunção relativa / iuris tantum da


propriedade. Exceção: registro torrens.

d. Continuidade: o registro de um título prende-se ao registro anterior em uma


seqüência de atos.

e. Publicidade: tem por fim tornar conhecidas pela sociedade as mutações no


cadastro imobiliário e proteger os atos praticados com boa-fé.

f. Legalidade: o assento somente terá validade se baseado em título revestido


das exigências legais.

g. Especialidade: o imóvel deve estar precisamente descrito e caracterizado como


corpo certo, individual e autônomo.
O atributo mais importante do registro público é a presunção relativa de titularidade da
propriedade, cabendo prova em contrário (art.1247, CC). ATENÇÃO: o registro TORRENS
é o único caso de presunção absoluta no direito brasileiro. Tal registro é exclusivo dos
imóveis rurais, dependendo de procedimento judicial, ouvido o MP como custus legis, sendo
necessária a publicação de editais para que se possa garantir o caráter absoluto da
presunção de titularidade (art.277/288, Lei 6015/73).
Sendo a presunção relativa, efeutado um registro o proprietário não necessáriamente será
aquele que consta do registro, pois o mesmo pode ser falso, viciado, inválido, podendo dar
causa à evicção (perda de um bem onerosamente adquirido), que só é possível por conta
do caráter relativo do registro público. A evicção, quando decorrer de atuação do tabelião
do cartório, enseja responsabilidade OBJETIVA do Estado – STF, RE 175.739,SP.
Os autores mais modernos entendem possível falar em função social registral, que é a
preocupação com o impacto decorrente de um registro. Trata-se da preservação dos
intereses de terceiros de boa-fé diante de um registro: nenhum terceiro deve ser prejudicado
pela confiança que depositou em um registro público – STJ, Resp 675.361/CE.
Súmula 375, STJ: O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora
do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.
OBS: PROCEDIMENTO DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO DE IMÓVEIS:
RETIFICAÇÃO EM CARTÓRIO: procedimento administrativo (não precia de
advogado); adotado quando não houver interesse de terceiros.

RETIFICAÇÃO EM VARA DE REGISTROS PÚBLICOS: procedimento especial de


jurisdição voluntária (não contencioso); adotado quando houver interesse de
terceiros, mas não houver ampliação da área do imóvel.

RETIFICAÇÃO EM VARA CÍVEL: procedimento comum ordinário (STJ, Resp


323.924/SC); adotado quando houver interesse de terceiros e, também, ampliação
da área do imóvel.

8.3.6.4 Da sucessão hereditária de imóveis


O direito hereditário ou sucessão constitui forma de transmissão derivada da propriedade
que se dá por ato “mortis causa”, em que o herdeiro legítimo ou testamentário ocupa o
lugar do “de cujus” em todos os seus direitos e deveres. Nesta hipótese, o registro do

296
Direito Civil 2016 297

formal de partilha ou da carta de adjudicação (herdeiro universal) tem natureza meramente


declaratória (art. 1784 do CC).
8.3.7 - Modos de aquisição da propriedade móvel
Pode ser originária (ocupação, achado do tesouro ou usucapião) ou derivada
(especificação, confusão, comistão, adjunção, tradição e sucessão).
8.3.7.1 Ocupação
Art. 1263. Aquele que se assenhorar de coisa sem dono (res nullius – nunca apropriadas)
ou abandonada (res derelictae - derrelição) logo adquire a propriedade. Ex. Pesca ou
caça; cão abandonado.
8.3.7.2 Achado do Tesouro
Art. 1264/6. Tesouro é algo preciso, oculto e cujo dono não haja memória. Se a
propriedade for presumível, não é tesouro. Pertencerá integralmente ao proprietário: se for
achado em seu terreno ou em pesquisa que ordenou ou por terceiro não autorizado (afinal
esbulho não pode gerar vantagem). Caso seja encontrado por outra pessoa de boa-fé que
não seja proprietária, terá este direito à metade do tesouro. Achando-se em terreno
aforado, o tesouro será dividido por igual entre o descobridor e o enfiteuta, ou será deste
por inteiro quando ele mesmo seja o descobridor. Se o tesouro for encontrado em local
público, será do Estado. Achádego (decorrente do verbo “achar”) é a recompensa de no
mínimo 5% para quem restituir a coisa achada.
8.3.7.3 Usucapião
ORDINÁRIA (art. 1260 CC): posse mansa e pacífica, ininterruptamente e sem oposição,
durante 3 anos, exercida com animus domini, justo título e boa fé.
EXTRAORDINÁRIA (art. 1261 CC): posse ininterrupta e pacífica com animus domini pelo
prazo de 5 anos.
É possível soma de posses e aplicam-se as disposições sobre prescrição. Obs.: Súmula
193, STJ – o direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião.

Tema polêmico: usucapião de bem objeto de furto ou roubo. 1ª corrente: não é possível,
pois a má-fé não gera direito a favor de ninguém. 2ª corrente: é possível, pois a) a
usucapião extraordinária de bens imóveis e móveis não pede o requisito da boa-fé e b) o
usucapião proveniente de aquisição violenta da posse é viável no tocante aos bens
imóveis e o termo inicial da prescrição aquisitiva é o instante da cessação da violência
(art. 1.208, CC).
8.3.7.4 Especificação
Art. 1269. É a transformação da coisa em uma espécie nova, diante do trabalho do
especificador, não sendo mais possível o retorno à forma anterior. Ex. Escultura na pedra,
pintura em relação à tela, a poesia em relação ao papel. O especificador indenizará o
valor da matéria-prima ao seu dono. No caso de possível retorno ao estado anterior e no
caso de má-fé sendo impraticável o retorno, pertencerá a coisa ao dono da matéria prima.
8.3.7.5 Confusão, comistão e adjunção
Coisas de pessoas diversas se misturam de tal forma que é impossível separá-las (art.
1272):
• Confusão: mistura entre coisas líquidas ou gases. Ex. Mistura de água e vinho. Difere da
confusão obrigacional (art. 382). É confusão real.

• Comistão: mistura de coisas sólidas e secas. Ex. Areia e cimento. (HÁ ERRO NO CC/02
CONSTANDO O TERMO “COMISSÃO”)

297
Direito Civil 2016 298

• Adjunção: sobreposição ou justaposição de uma coisa sobre outra. Ex. Tinta e parede.

A regra é que se der para separar as coisas indevidamente juntadas, assim deve ser feito.
Mas se não der, cada um dos donos tem quinhão ideal proporcional sobre o valor da
coisa. O dono da parte mais valiosa será considerado dono de tudo, devendo indenizar os
demais pelo seu quinhão. Ex. Cimento (mais caro) e areia. Se a operação ocorreu por má-
fé, a parte de boa-fé pode adquirir a propriedade do todo, pagando o que não for seu,
abatida indenização, OU renunciar ao que lhe pertence, e ser indenizada integralmente.
Conforme doutrina, se a mistura resultou em algo novo, se aplicam as regras de
especificação (apesar do CC ter remetido de forma errada a aplicação).
8.3.7.6 Tradição (“traditio rei”) (art.1267/8)
É modo derivado de aquisição da propriedade móvel, consistindo na entrega de bem
móvel pelo transmitente ao adquirente, com a intenção de transferir-lhe a propriedade. A
tradição pode ser real, simbólica ou ficta. A alienação “a non domino” (realizada por quem
não é o dono da coisa móvel) (art. 1268): a tradição não aliena a propriedade. O caso é
de ineficácia da venda (RESp 39.110/MG), salvo se a coisa, oferecida ao público, em
leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao
adquirente de boa-fé o alienante pareça dono. Da sucessão hereditária de bens móveis
(art. 1784).
8.4 Propriedade móvel
8.4.1 - Propriedade resolúvel e fiduciária
8.4.1.1 DA PROPRIEDADE RESOLÚVEL
Art.1359 e art.1360, CC.
O direito de propriedade foi concebido para ser perpétuo, de modo que o proprietário
continua com essse status até o seu óbito, quando então a titularidade da propriedade será
transmitida aos seus herdeiros.
Apesar de ser um direito perpétuo, o CC admite hipóteses excepcionais na qual o direito de
propriedade se extingue, se resolve:
Propriedade resolúvel de forma originária: art.1359.
Art. 1.359. Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento
do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua
pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar
a coisa do poder de quem a possua ou detenha.
A propriedade será resolúvel com causa originária quando a sua causa extintiva constar do
próprio título aquisitivo da propriedade – o titular adquire a propriedade sabendo que ela vai
se extinguir. Nesse caso, o terceiro não pode alegar boa-fé, uma vez que a causa extintiva
consta do próprio título aquisitivo.
Ex: retrovenda – art.505, CC. A cláusula de retrovenda é uma cláusula expressa que consta
em um contrato de compra e venda que estabelece que o vendedor tem o direito potestativo
de comprar a coisa de volta no prazo máximo de 03 anos. Durante esse prazo, a
propriedade do comprador será resolúvel.
Ex.2: alienação fiduciária – enquanto não se quitar a dívida, a propriedade do bem será do
Banco. Quando quitada, a propriedade passa a ser daquele que quitou a dpivida.
Ex.3: fideicomisso – só é permitido no testamento em favor de prole eventual (filho que
alguém ainda vai ter, mas que ainda não foi concebido) a ser concebido no prazo de 02
anos, contados a partir da morte do titular do testamento. Enquanto não concebido, a
propriedade dos bens da prole eventual ficará a cargo de um substituto, transmitindo para
ele a propriedade resolúvel, que será extinta com o nascimento da prole eventual.

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Direito Civil 2016 299

Extinta a propriedade resolúvel originária extinguem-se todos os direitos constituídos em


sua pendência, não sendo possível a alegação de boa-fé por parte de terceiro.

Propriedade resolúvel de forma derivada ou superveniente: art.1360.


Art. 1.360. Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o
possuidor, que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução, será
considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a
resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria
coisa ou o seu valor.
A clausula extintiva não consta do título aquisitivo, sendo a propriedade adquirida como se
fosse perpétua, se tornando, porém, resolúvel. Ex: revogação da doação.
No caso de propriedade resolúvel com causa superveniente, a extinção da propriedade não
pode afetar os direitos constituídos em sua pendência, estando o terceiro de boa-fé
protegido.

8.4.1.2 DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA


A alienação fiduciária em garantia é um contrato instrumental. A propriedade fiduciária é
direito real de garantia que decorre deste contrato por meio do registro. O credor tem a
propriedade resolúvel da coisa + garantia + posse indireta. O devedor se mantém apenas
na posse direita da coisa. O bem que já integre o patrimônio do devedor pode ser objeto
de propriedade fiduciária (Súmula 28 do STJ).
A propriedade fiduciária é direito real de garantia sobre coisa própria: o credor fiduciário
passa a ter seu patrimônio geral + patrimônio de afetação (objeto alienado fiduciariamente
/ bem vinculado a determinado fim). Caso existam outros credores do devedor ou do
credor, eles podem penhorar apenas o que é objeto do patrimônio geral. Exceção: o
direito eventual do devedor pode ser penhorado (consiste no direito de recuperar a
propriedade do bem quando terminar de pagar a dívida). Este direito eventual pode ser
levado à hasta pública e o arrematante é obrigado a continuar pagando a dívida para
recuperar a propriedade do bem.
A alienação fiduciária culmina com a figura do depósito impróprio. Porém, deve-se
observar que o STJ e o STF, apesar da previsão de prisão do devedor no Decreto-lei
911/69, têm jurisprudência pacífica no sentido de impossibilidade e de prisão civil do
depositário infiel. Súmula vinculante nº 25: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel,
qualquer que seja a modalidade do depósito”. Nesse sentido, Súmula 419/STJ: “descabe
a prisão civil do depositário judicial infiel”.
Leasing difere de Propriedade Fiduciária, sendo que o primeiro é arrendamento mercantil,
por ex., uma pessoa pede dinheiro emprestado ao banco para comprar um equipamento.
O banco compra o bem e irá arrendá-lo a essa pessoa, que será arrendatária e pagará
prestações fixas sobre o bem. Logo, o Leasing é contrato misto (mútuo/empréstimo e
opção de compra e venda no final). O leasing é direito obrigacional. Já a Propriedade
Fiduciária é direito real, visto que ao final do pagamento o devedor adquire a propriedade.
REGRAMENTO
Arts. 1361 a Alienação fiduciária de bens MÓVEIS infungíveis quando o
1368A do CC/02 credor fiduciário for pessoa natural ou jurídica (sem ser
banco).

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Direito Civil 2016 300

Lei nº 4.728/65 e Alienação fiduciária de bens MÓVEIS fungíveis e


Decreto-Lei nº infungíveis quando o credor fiduciário for instituição
911/69 financeira (mercado financeiro e de capitais) – ex. compra
de carro por financiamento bancário com garantia de
alienação fiduciária.
Lei nº 9.514/97 Alienação fiduciária envolvendo bens IMÓVEIS.

Propriedade fiduciária no CC

Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor,


com escopo de garantia, transfere ao credor. Constitui-se a propriedade fiduciária com
o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de
título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, OU, em se tratando
de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no
certificado de registro (art.
1.361). Súmula 92 do STJ: “A terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não
anotada no Certificado de Registro do veículo automotor”.

Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou


extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e
das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor (art. 1.364). É
nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em
garantia, se a dívida não for paga no vencimento (vedação ao pacto comissório real).
Entretanto, pode o devedor dar o seu direito em pagamento da dívida (dação em
pagamento) após o seu vencimento (art. 1365 – para alguns, esta disposição se aplica a
todas as modalidades de propriedade fiduciária).
A mora é “ex re”/automática, decorrendo do simples inadimplemento e
independentemente de qualquer ato do credor. O protesto ou AR no Cartório são apenas
provas da mora. Súmula 72 do STJ: “a comprovação da mora é necessária para a busca
e apreensão da coisa na alienação fiduciária em garantia”. Súmula 245/STJ: “a notificação
destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a
indicação do valor do débito”.

Quando vendida a coisa, o produto não bastar para o pagamento da dívida e das
despesas de cobrança, continuará o devedor obrigado pelo restante (art. 1.366). O credor
deixa de ter direito real e passa a ser um credor quirografário/comum. O terceiro,
interessado ou não, que pagar a dívida, se sub-rogará de pleno direito no crédito e na
propriedade fiduciária (art. 1.368 – é exceção à regra da teoria geral das obrigações pela
qual o 3º não interessado que paga a dívida no seu próprio nome tem direito de
reembolso, mas não se sub-roga nos direitos do credor/art. 305). As disposições do CC se
aplicam subsidiariamente às hipóteses especiais de alienação fiduciária (art.
1.368-A).

Inf.804, STF -
DEE - Alienação fiduciária de veículos e registro em cartório: É desnecessário o
registro do contrato de alienação fiduciária de veículos em cartório.

300
Direito Civil 2016 301

Com base nesse entendimento, o Plenário, em julgamento conjunto, proveu recurso


extraordinário e julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ADI 4.333/DF, para
assentar que os §§ 1º e 2º do art. 6º da Lei 11.882/2008 (“Art. 6º. Em operação de
arrendamento mercantil ou qualquer outra modalidade de crédito ou financiamento a
anotação da alienação fiduciária de veículo automotor no certificado de registro a que se
refere a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, produz plenos efeitos probatórios contra
terceiros, dispensado qualquer outro registro público. § 1º Consideram-se nulos quaisquer
convênios celebrados entre entidades de títulos e registros públicos e as repartições de
trânsito competentes para o licenciamento de veículos, bem como portarias e outros atos
normativos por elas editados, que disponham de modo contrário ao disposto no caput deste
artigo. § 2º O descumprimento do disposto neste artigo sujeita as entidades e as pessoas
de que tratam, respectivamente, as Leis nos 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e 8.935,
de 18 de novembro de 1994, ao disposto no art. 56 e seguintes da Lei nº 8.078, de 11 de
setembro de 1990, e às penalidades previstas no art. 32 da Lei nº 8.935, de 18 de novembro
de 1994”) não se aplicam aos convênios celebrados antes da publicação dessa
norma.
Além disso, declarou a constitucionalidade do art. 1.361, § 1º, segunda parte, do CC
(“Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que
o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor. § 1º Constitui-se a propriedade
fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que
lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em
se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se
a anotação no certificado de registro”), bem como a constitucionalidade do art. 14, § 7º,
da Lei 11.795/2008 [“Art. 14. No contrato de participação em grupo de consórcio, por
adesão, devem estar previstas, de forma clara, as garantias que serão exigidas do
consorciado para utilizar o crédito. (…) § 7º A anotação da alienação fiduciária de veículo
automotor ofertado em garantia ao grupo de consórcio no certificado de registro a que
se refere o Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997,
produz efeitos probatórios contra terceiros, dispensado qualquer outro registro
público”].
(…) De acordo com o legislador, contudo, a exigência de registro em serventia
extrajudicial acarretaria ônus e custos desnecessários ao consumidor, além de não
conferir ao ato a publicidade adequada.
Nota: Registro do contrato de alienação fiduciária no DETRAN e anotação da
informação no CRV. CRV (Certificado de Registro de Veículos) é um documento expedido
pelo DETRAN no qual consta quem é o proprietário do veículo. A legislação determina
que, quando for realizada a alienação fiduciária de um veículo, o contrato deverá ser
registrado no DETRAN e esta informação constará no CRV do automóvel. No CRV,
existe um campo c amado “observaç es” e lá constará uma rase mais ou menos com
os seguintes di eres: “A . I . BAN O XXX”, ue signi ica alienado fiduciariamente para
o banco XXX. Essa informação é uma garantia tanto para o banco ,como também para
terceiros que eventualmente se interessem por comprar aquele carro. Isso porque, ao
consultarem o documento do veículo (CRV), verão que existe esse gravame e que a pessoa
que está na posse direta do veículo não possui ainda a propriedade plena do bem, já que
aquele automóvel foi oferecido como garantia de uma dívida. Somente após pagar todo o
débito é que o possuidor terá a propriedade plena.
(Juiz Federal TRF2 2009 CESPE) No caso de veículos, a propriedade fiduciária só se
constitui após o registro docontrato na repartição competente para o licenciamento,
procedendo-se à anotação no certificado de registro. CORRETO
301
Direito Civil 2016 302

Propriedade fiduciária no âmbito do mercado financeiro e de capitais

A Lei 13.043/2014 alterou muitos pontos deste instituto, segue abaixo considerações do site
Dizer o Direito (item todo reformado, pois no resumo do 1 essa lei não era
considerada).

1) NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR: No contrato de alienação fiduciária, a mora decorre do


simples vencimento do prazo para pagamento, mas a lei exige que o credor (mutuante)
demonstre a ocorrência desse atraso notificando o devedor.Assim, o credor deverá fazer
a notificação extrajudicial do devedor de que este se encontra em débito, comprovando,
assim, a mora. Essa notificação é indispensável para que o credor possa ajuizar ação de
busca e apreensão. Confira: Súmula 72 do STJ: A comprovação da mora é imprescindível
à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.
Pergunta importante: como é feita a notificação do devedor? Essa notificação precisa ser
realizada por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos? NÃO. Essa notificação é
feita por meio de carta registrada com aviso de recebimento. Logo, não precisa ser
realizada por intermédio do Cartório de RTD. Essa foi uma das mudanças operadas
pela Lei n.° 13.043/2014 no § 2º do art. 2º do DL 911/69. O objetivo da alteração foi o de
reduzir o custo da notificação, permitindo que seja feita por mera emissão de carta via
Correios, evitando assim que a instituição financeira tenha que pagar os emolumentos
para os titulares de Cartórios.
O aviso de recebimento da carta (AR) precisa ser assinado pelo próprio devedor? NÃO. A
Lei n.° 13.043/2014 alterou o § 2º do art. 2º do DL 911/69, deixando expresso que não se
exige que a assinatura constante do aviso de recebimento seja a do próprio
destinatário. Obs: apesar de não estar expressamente prevista no DL 911/69, a
jurisprudência do STJ já entendia que a notificação não precisava ser pessoal, bastando
que fosse entregue no endereço do devedor:
2) AJUIZAMENTO DA AÇÃO: Após comprovar a mora, o mutuante (Banco “X”) poderá
ingressar
com uma ação de busca e apreensão requerendo que lhe seja entregue o bem (art. 3º do
DL 911/69). Essa busca e apreensão prevista no DL 911/69 é uma ação especial
autônoma e independente de qualquer procedimento posterior.

3) CONCESSÃO DA LIMINAR: O juiz concederá a busca e apreensão de forma liminar


(sem ouvir o devedor), desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor
(art. 3º do DL 911/69). Liminar concedida no plantão judiciário: A Lei n.° 13.043/2014
alterou o caput do art. 3º do DL 911/69, deixando expressamente previsto que a
concessão liminar da busca e apreensão pode ocorrer no plantão judiciário.
4) INSERÇÃO DE RESTRIÇÕES SOBRE O VEÍCULO: Se o bem objeto da alienação
fiduciária for um veículo, caso seja concedida a liminar na busca e apreensão, uma
medida de grande eficácia para conseguir localizar e recuperar o bem é inserir uma
restrição judicial no “registro” do veículo. Pensando nisso, a Lei n.° 13.043/2014
acrescentou o § 9º ao art. 3º do DL 911/69 estipulando que o juiz, ao decretar a busca e
apreensão de veículo, deverá inserir uma restrição judicial na base de dados do
Renavam.

302
Direito Civil 2016 303

5) APREENSÃO DO BEM: Caso o bem seja localizado em comarca diferente da qual


onde está tramitando a ação (ex: o processo tramita em Belo Horizonte e o carro foi
encontrado em Lavras), a parte interessada poderá requerer diretamente ao juízo dessa
comarca pedindo a apreensão do veículo, bastando que em tal requerimento conste a
cópia da petição inicial da ação e, quando for o caso, a cópia do despacho que concedeu
a busca e apreensão do veículo (§ 12 do art. 3º do DL 911/69, acrescentado pela Lei n.°
13.043/2014). A apreensão do veículo será imediatamente comunicada ao juízo, que
intimará a instituição financeira para retirá-lo do local depositado no prazo máximo de 48
horas (§ 13 do art. 3º do DL 911/69, acrescentado pela Lei n.° 13.043/2014). O devedor,
por ocasião do cumprimento do mandado de busca e apreensão, deverá entregar o bem e
seus respectivos documentos (§ 14 do art. 3º do DL 911/69, acrescentado pela Lei n.°
13.043/2014).

6) POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO INTEGRAL DA DÍVIDA: No prazo de 5 dias após


o cumprimento da liminar (apreensão do bem), o devedor fiduciante poderá pagar a
integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário
na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus (§ 2º do art. 3º do DL
911/69). O que se entende por “integralidade da dívida pendente”? Para que o devedor
tenha de volta o bem, ele deverá pagar todo o valor do financiamento ou somente as
parcelas já vencidas e não pagas (purgação da mora)? Segundo decidiu o STJ, a Lei n.°
10.931/2004, que alterou o DL 911/69, não mais faculta ao devedor a possibilidade de
purgação de mora, ou seja, não mais permite que ele pague somente as prestações
vencidas. Para que o devedor fiduciante consiga ter o bem de volta, ele terá que
pagar a integralidade da dívida, ou seja, tanto as parcelas vencidas quanto as
vincendas (mais os encargos), no prazo de 5 dias após a execução da liminar.
7) CONTESTAÇÃO: No prazo de 15 dias após o cumprimento da liminar (apreensão do
bem), o devedor fiduciante apresentará resposta (uma espécie de contestação).

8) VENDA DO BEM: Se houve o inadimplemento ou mora e o bem foi apreendido, o


credor (proprietário fiduciário) poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de
leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial,
salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato (art. 2º do DL 911/69). Se
após o pagamento da dívida ainda sobrar dinheiro esse saldo apurado deverá ser
entregue ao devedor. A Lei n.° 13.043/2014 alterou o caput do art. 2º do DL 911/69,
deixando expresso que o credor, após fazer a alienação do bem, tem o dever de
prestar contas ao devedor a fim de que este tenha ciência do valor que foi apurado
com a venda e possa fiscalizar para saber se sobrou algum saldo, já que tais
recursos lhe pertencem.
9) SENTENÇA: da sentença proferida cabe apelação, apenas no efeito devolutivo.
10) BEM NÃO ENCONTRADO: o credor poderá requerer, nos mesmos autos, a
conversão do pedido de busca e apreensão em AÇÃO EXECUTIVA (execução para a
entrega de coisa) (art. 4º do DL 911/69, com redação dada pela Lei n.° 13.043/2014).
Caso o credor tenha optado por recorrer à ação executiva serão penhorados, a critério do
autor da ação, tantos bens do devedor quantos bastem para assegurar a execução (art. 5º
do DL 911/69, com redação dada pela Lei n.° 13.043/2014).
OBSERVAÇÕES FINAIS SOBRE A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Se o devedor do contrato de alienação fiduciária estiver em processo de recuperação


judicial ou extrajudicial, mesmo assim será possível a busca e apreensão do bem? SIM.
303
Direito Civil 2016 304

Mesmo já existindo pedido de recuperação judicial ou extrajudicial envolvendo o devedor


do contrato de alienação fiduciária, tal fato não impedirá a distribuição e a busca e
apreensão do bem (art. 6º-A do DL 911/69, inserido pela Lei n.° 13.043/2014).

Se, além da instituição financeira mutuante, o devedor do contrato de alienação fiduciária


possuir débitos com outros credores, estes poderão pedir o bloqueio judicial do bem objeto
da alienação fiduciária? NÃO. Não será aceito bloqueio judicial de bens constituídos por
alienação fiduciária de que trata o DL 911/69. Se os outros credores quiserem alegar que
possuem créditos preferenciais em relação à instituição financeira mutuante, tal discussão
sobre concursos de preferências deverá ser resolvida pelo valor da venda do bem após ele
ser apreendido (art. 7º-A do DL 911/69, inserido pela Lei n.° 13.043/2014).

Propriedade fiduciária no Sistema Financeiro Imobiliário

A alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o


escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade
resolúvel de coisa imóvel (art. 22 da Lei 9.514/97).
A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo
privativa das entidades que operam no SFI (previsto pela Lei 11.481/2007), podendo ter
como objeto, além da propriedade plena: I) bens enfitêuticos (exigível laudêmio, se houver
a consolidação do domínio útil no fiduciário/credor), II) o direito de uso especial para fins
de moradia; III) o direito real de uso, desde que suscetível de alienação; IV) a propriedade
superficiária.

Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro do contrato que lhe
serve de título no competente Registro de Imóveis (art. 23 da Lei). Com o pagamento da
dívida integral, resolve-se a propriedade fiduciária. Em 30 dias contados do pagamento, o
credor deve fornecer termo de quitação ao devedor, sob pena de multa em favor do
devedor (0,5% ao mês ou fração sobre o valor do contrato). O devedor deve levar este
termo ao Registro de Imóveis que efetuará o cancelamento da propriedade fiduciária.
Vencida e não paga, no todo ou em parte, o fiduciante ou seu representante legal será
intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a
satisfazer, no prazo de 15 dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do
pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os
encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel,
além das despesas de cobrança e de intimação. O contrato definirá o prazo de carência
após o qual será expedida a intimação. A intimação pode ser promovida, por solicitação do
oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca
da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso
de recebimento. Se não for encontrado o fiduciante, o oficial certificará o fato, cabendo,
então, ao oficial do competente Registro de Imóveis promover a intimação por edital.
Decorrido o prazo sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis,
certificando esse fato, promoverá na matrícula do imóvel a averbação (antes a lei falava
em registro, a correção técnica foi feita pela Lei 10.931/2004) da consolidação da
propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este do imposto de
transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio. Consolidada a propriedade em seu
nome, o fiduciário, no prazo de 30 dias contados da data do registro, promoverá público
leilão para a alienação do imóvel.
• 1º leilão: o maior lance deve ser igual ou maior ao valor do imóvel, caso contrário
haverá um 2º leilão nos 15 dias seguintes.
304
Direito Civil 2016 305

• 2º leilão:
o o maior lance deve ser igual ou superior ao valor da dívida, das despesas,
dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das
contribuições condominiais. Parte da doutrina sustenta a
inconstitucionalidade desta disposição legal (Cristiano Chaves e Nelson
Rosenvald), pois a norma possibilita que o devedor perca a coisa e tudo o
que foi pago. Ex. Imóvel vale 70 mil. A parte pagou 50 mil. No 2º leilão a
coisa pode ser vendida por apenas 20 mil. Assim a parte perderá o imóvel e
tudo o que pagou. Haveria violação à boa-fé e a função social do contrato,
ocorrência de enriquecimento ilícito e abuso de direito apto a ensejar a
nulidade do ato ou negócio jurídico (art. 187 e 166, II do CC). Neste caso, o
credor tem a obrigação de nos 5 dias que se seguirem à venda do imóvel no
leilão, entregar ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela
compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos
os valores da dívida e das despesas e encargos, fato esse que importará em
recíproca quitação.
o se o maior lance oferecido for inferior ao valor da dívida geral, considerar-se-
á extinta a dívida, estando o credor dispensado da obrigação de devolver
quantias.

8.5 PERDA DA PROPRIEDADE MÓVEL E IMÓVEL


A forma de aquisição é concomitantemente forma de perda da propriedade móvel ou imóvel.
Além disso, o art. 1275 elenca outras hipóteses de perda da propriedade:
Alienação: ato pelo qual o proprietário, por vontade própria, gratuita ou onerosamente,
transfere a outrem seu direito sobre a coisa.

Renúncia: ato unilateral pelo qual o proprietário declara formal e explicitamente o


propósito de despojar-se do direito de propriedade. Só se aplica aos bens imóveis,
com exceção do patrimônio móvel que se encerra no direito hereditário objeto de
abdicação pelo herdeiro.
Abandono: é o ato material pelo qual o proprietário desfaz-se da coisa porque não quer
mais ser seu dono. Por não ser um ato expresso como a renúncia, a derrelição deve
resultar de atos exteriores que atestem a manifesta intenção de abandonar. O mero
desuso não implica em abandono, tem que haver o elemento psicológico. A coisa
abandonada pode ser adquirida por outrem por meio da ocupação (móvel) ou por
usucapião (móvel e imóvel).

Perecimento: dá-se pela perda das qualidades essenciais da coisa.


Desapropriação: modo originário de aquisição e perda da propriedade, em face da
intervenção estatal na propriedade privada.
Há também a hipótese de perda involuntária: pela arrematação, adjudicação, implemento
de condição resolutiva, usucapião e confisco.
Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o
conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser
arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à
do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.
§ 1o O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser
arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde
quer que ele se localize.

305
Direito Civil 2016 306

§ 2o Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando,


cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais. Quanto à
este dispositivo, há quem entenda existir inconstitucional por ser confisco. Para alguns
deve a situação de abandono do imóvel ser apreciada em processo judicial, garantido
ampla defesa e contraditório. Julgada procedente a ação de abandono, incabível ação
petitória por incompatibilidade. (Enunciados 242, 243 e 316, CJF)

Desapropriação judicial privada por posse trabalho (art. 1228, §4º)

O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em


extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de 5 anos, de considerável
número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente,
obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
O juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença
como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
Usucapião coletiva urbana Desapropriação judicial privada por
(a. 10 Estatuto da Cidade – Lei posse-trabalho
10.257/2001) (a. 1228, §§ 4º e 5º CC)
Ocupantes de baixa renda Qualquer um
Área superior a 250m² Extensa área
Só imóveis urbanos Imóveis urbanos e rurais.
Não há direito à indenização. Há justa indenização.

Enunciado n. 82 da I JDC: “É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade prevista


nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil”.
Enunciado n. 83 da I JDC: “Nas ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público, não
são aplicáveis as disposições constantes dos §§ 4º e 5º§ do art. 1228 do novo Código
Civil”. Ou seja, este instituto não se aplica aos bens públicos, que não são usucapíveis.
Porém, para corrente minoritária é aplicável aos bens públicos dominicais (art. 99, III, CC –
ex. terrenos de marinha, terras devolutas, estradas de ferros, ilhas formadas em rios
navegáveis, os sítios arqueológicos e o mar territorial), uma vez que seria possível usucapir
tais bens (E. 304 da IV JDC: “são aplicáveis as disposições dos §§ 4º e 5º§ do art. 1228 do
CC às ações reivindicatórias relativas a bens públicos dominicais, mantido, parcialmente, o
Enunciado n. 83 da I JDC no que concerne às demais classificações dos bens públicos”) O
bem público pelo simples fato de ser público ele cumpre a função social? Para alguns sim,
pois o fim público consiste no cumprimento da função social. Outros entendem que não; a
titularidade pelo Estado não se confunde com a função social.
Enunciado n. 84 da I JDC: “a defesa fundada no direito de aquisição com base no interesse
social (art. 1228, §§ 4º e 5º§ do novo Código Civil) deve ser arguida pelos réus na ação
reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização”.
Enunciado n. 308 da IV JDC: “Art.1.228. A justa indenização devida ao proprietário em
caso de desapropriação judicial (art. 1.228, § 5°) somente deverá ser suportada pela
Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma urbana ou
agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde que tenha havido
intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores de baixa
renda, aplica-se a orientação do Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil.” O fundamento
dessa cobrança é o fato de que a reforma agrária e o direito à moradia devem ser garantias
(custeados) pelo Estado. O Estado não pode se beneficiar da própria omissão.

306
Direito Civil 2016 307

Enunciado n. 240 da III JDC: “Art. 1.228: A justa indenização a que alude o parágrafo 5º do
art. 1.228 não tem como critério valorativo, necessariamente, a avaliação técnica lastreada
no mercado imobiliário, sendo indevidos os juros compensatórios.” Visa afastar o art. 14 do
DL 3365/41 que regula a desapropriação.
Enunciado n. 241 da III JDC: “Art. 1.228: O registro da sentença em ação reivindicatória,
que opera a transferência da propriedade para o nome dos possuidores, com fundamento no
interesse social
(art. 1.228, § 5o), é condicionado ao pagamento da respectiva indenização, cujo prazo
será fixado pelo juiz.”
Enunciado n. 305 da IV JDC: “Art. 1.228: Tendo em vista as disposições dos §§ 3º e 4º do
art. 1.228 do Código Civil, o Ministério Público tem o poder-dever de atuar nas hipóteses de
desapropriação, inclusive a indireta, que encerrem relevante interesse público, determinado
pela natureza dos bens jurídicos envolvidos”. Ou seja, se o objeto for imóvel que interessa
à coletividade, caso dos bens públicos dominicais, o MP deve atuar (art. 82, III, do CPC).
Enunciado n. 306 da IV JDC: “Art. 1.228: A situação descrita no § 4° do art. 1.228 do Código
Civil enseja a improcedência do pedido reivindicatório”.
Enunciado n. 307 da IV JDC: “Art. 1.228: Na desapropriação judicial (art. 1.228, § 4º),
poderá o juiz determinar a intervenção dos órgãos públicos competentes para o
licenciamento ambiental e urbanístico”.
Enunciado n. 309 da IV JDC: “Art. 1.228: O conceito de posse de boa-fé de que trata o art.
1.201 do Código Civil não se aplica ao instituto previsto no § 4º do art. 1.228.” Ou seja, a
boa-fé que deve estar presente é a objetiva.
Enunciado n. 310 da IV JDC: “Art. 1.228: Interpreta-se extensivamente a expressão “imóvel
reivindicado” (art. 1.228, § 4º), abrangendo pretensões tanto no juízo petitório quanto no
possessório”.
Enunciado n. 311 da IV JDC: “Caso não seja pago o preço fixado para a desapropriação
judicial, e ultrapassado o prazo prescricional para se exigir o crédito correspondente,
estará autorizada a expedição de mandado para registro da propriedade em favor dos
possuidores.” Para alguns, esse entendimento não se aplica quando a administração
pública for responsável pelo pagamento. Enunciado n. 496 V JDC: “O conteúdo do art.
1.228, §§ 4º e 5º, pode ser objeto de ação autônoma, não se restringindo à defesa em
pretensões reivindicatórias”.
8.6 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
- Evolução social do direito de propriedade: função social da propriedade
- direito romano: caráter individualista
- idade média: dualidade de sujeitos: o dono e o que explora economicamente
- após Revolução Francesa: individualista
- século XX: caráter social
- século XXI: função social.
No CC/16 não existia previsão sobre função social da propriedade, pois o diploma legal
teve por base o Código de Napoleão (Código Civil Francês), que foi editado pós
Revolução Francesa. Desde a CF/46, fala-se na função social da propriedade (ordem
econômica), mas, somente na CF/88
o direito de propriedade foi tratado no artigo 5 o, inc. XXII e XXIII: “é garantido o direito de
propriedade” e “a propriedade atenderá a sua função social”.
Fundamentos:

307
Direito Civil 2016 308

- Norberto Bobbio (Da estrutura à função): o estudo do direito esteve preso à sua
estrutura, ou seja, o que é o direito. Porém, é necessário estudar para que serve o direito,
a sua função, o seu papel promocional.
- Miguel Reale (exposição de motivos do CC/2002): todo instituto do CC precisa cumprir
três diretrizes – eticidade, operabilidade e SOCIALIDADE. Assim, percebe-se a importância
do papel promocional dos institutos jurídicos.
No que tange especificamente à função social da propriedade, a propriedade deve
promover valores existenciais e sociais – STJ, Resp 27.039/SP. A função social da
propriedade não está hospedada na estrutura externa do direito de propriedade, residindo
na estrutura interna. A função social é o conteúdo que modela o exercício do direito de
propriedade. Ademais, a função social da propriedade é atribuir ao proprietério o
cumprimento de deveres sociais e exeistenciais ao exercício do seu direito de propriedade.
O exercício do direito de propriedade se tornou complexo, uma vez que o proprietário
possui, além de direitos, deveres. Ademias, houve uma obrigacionalização do direito de
propriedade, já que o proprietário deve garantir a sua propriedade valores existenciais e
sociais.
ATENÇÃO: a função social da propriedade não pretende corrigir posições de
hipossuficiência e nem distribuir riquezas. A função social é apenas a preocupação com o
exercício de direitos mais humanista, mais social. Ela não pretende retirar a lucratividade
ou efeitos econômicos da propriedade.
Dentro da FSP hospedam-se diferentes funções:
• Ambiental (ex: reserva legal ambiental): art. 1228, §1º, do CC - “o direito de
propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas
e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido
em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o
patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”

• Humana (direito de moradia) – Súmua 364, STJ: O conceito de impenhorabilidade


de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras,
separadas e viúvas.

• Econômica.

• Etc...
Função social não é socialização da propriedade, mas sim socialidade, ou seja, não quer a
FSP distribuir renda, mas sim, preocupar com os impactos sociais e existenciais do
exercício do direito de propriedade.
STF: a FSP afirmada constitucionalmente (art.5º, XXII e XXIII) e civilmente (art.1228, §1º)e
possui aplicação imediata, independentemente de qualquer regulamentação - Súmula 668,
STF: É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda
Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a
assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.
Tanto a doutrina quanto a jurisprudÊncia reconhecem a existência da função social das
propriedades e não de uma propriedade apenas, uma vez que, toda e qualquer propriedade
tem que cumprir a função social, seja a propriedade imóvel (EX: desapropriação para fins
de reforma agrária), móvel (IPTU progressivo; edificação compulsória), intelectual (direito
autoral), empresarial – Enunciado 53, JDC: Art. 966: Deve-se levar em consideração o
princípio da função social na interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da
falta de referência expressa. A função social da propriedade faz com que a propriedade

308
Direito Civil 2016 309

envolva a situação jurídica de mão dupla, ou seja, o proprietário tem direitos e deveres em
relação ao não proprietário.
Função social da propriedade relativiza o caráter autônomo, ilimitado e absoluto do direito
de propriedade. A função social é um conceito indeterminado. A CF/88 sinalizou o que é a
função social nos artigos 182 e 186:
• aproveitamento racional e adequado da propriedade;

• utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio


ambiente.

• observância das disposições que regulam as relações de trabalho

• exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Caso Favela Pullman/SP: A favela Pullman localiza-se em SP e nela vivem milhares de


famílias. A favela teve origem em um antigo loteamento de 1955, que não teve o devido
destino pelos seus proprietários. Logo, o local foi invadido e ocupado gerando a favela.
Após anos de ocupação, alguns proprietários ingressaram com ação reivindicatória. Ao final
o TJSP e o STJ julgaram a pretensão improcedente, pois a função social da propriedade
não foi atendida (abandono por mais de 20 anos) gerando a consolidação de uma nova
realidade social e urbanística. A decisão foi revolucionária por introduzir a função social no
próprio conceito de propriedade.
São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade ou utilidade, e
sejam animados pela intenção de prejudicar alguém (art. 1228, § 2º, do CC). Trata-se do
abuso do direito de propriedade. Este artigo parece exigir dolo no termo “intenção” gerando
a ideia de responsabilidade subjetiva. Porém, doutrina majoritária entende que o art. 187
do CC consolida responsabilidade objetiva no abuso de direito (E. 37 do JDC). Enunciado
n. 49 da I JDC: “a regra do art. 1228, § 2º, do novo Código Civil interpreta-se restritivamente,
em harmonia com o princípio da função social da propriedade e com o disposto no art. 187”.
Ou seja, a responsabilidade em ambos os artigos é objetiva.
O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade
pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente (a.
1228, §3º).

- Responsabilidade civil do proprietário

Regra: a responsabilidade do proprietário é SUBJETIVA, só respondendo pelos danos


causados a terceiros quando atuar culposamente.
Exceções:
I. Proprietário ou detentor: art.936, CC – responsabilidade OBJETIVA, sem risco
integral, ou seja, caso fortuito ou força maior excluem a responsabilidade.
Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este
causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.
II. Ruína de prédio: a responsabilidade do proprietário é OBJETIVA, sem risco integral.

III. Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de
sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.

IV. Coisa caída ou objeto lançado ou efuusio et dejectis: a responsabilidade é


OBJETIVA, COM RISCO INTEGRAL – o caso fortuito ou força maior não eliminam

309
Direito Civil 2016 310

a responsabilidade. Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo
dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

Propriedade aparente

Trata-se da projeção da teoria da aparência sobre o direito de propriedade. É a proteção de


terceiro de boafé que celebra negócios com aquele que aparenta ser o proprietário. Ex: herdeiro
aparente – pesssoa falece sem deixar filhos, sendo sua herança arrecadada pelos pais, que
venderam os bens. Após, um filho não reconhecido entra com ação de investigação de
paternidade sendo julgada procedente, sendo o filho o verdadeiro herdeiro e os avós, os herdeiros
aparentes. Como a herança foi vendida para um terceiro de boa-fé, os avós devem restituir o valor
recebido pelos bens ao verdadeiro herdeiro, não tendo o terceiro de boa-fé restituir nada.

8.6. POLÍTICA AGRÍCOLA E REFORMA AGRÁRIA

Os institutos básicos de direito agrário (o direito de propriedade e a posse da terra rural) são
regulamentadosdisciplinados e o direito de propriedade é garantido como direito fundamental,
previsto no art. 5º, XXII, da atual Lei Magna.
O direito de propriedade é um direito fundamental previsto na CF/88, art.5º, XXII. Contudo, tal direito
encontra-se mitigado, na medida em que a propriedade tem que atender a sua função social (art.
5º, XXIII), sob pena de o proprietário ficar sujeito à desapropriação para fins de reforma agrária. O
direito de propriedade também está previsto como um dos princípios da ordem econômica, que têm
por fim ”assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (art. 170, III).
Segundo a Constituição Federal, art. 186, para que a propriedade rural cumpra sua função social,
ela tem que atender, simultaneamente, a cinco requisitos: aproveitamento racional e adequado;
utilização adequada dos recursos naturais disponíveis; preservação do meio ambiente; observância
das disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos
proprietários e dos trabalhadores.
Assim, o princípio da função social da propriedade na zona rural corresponde à idéia de correta
utilização econômica da terra e sua justa distribuição, de modo a atender ao bem-estar da
coletividade, mediante o aumento da produtividade e da promoção da justiça social.

- REFORMA AGRÁRIA
Considera-se reforma agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da
terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de
justiça social e ao aumento de produtividade - §1º, do art. 1º, da Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra). A
reforma agrária nada mais é do que o conjunto de notas e planejamentos estatais mediante
intervenção do Estado na economia agrícola com a finalidade de promover a repartição da
propriedade e renda fundiária.
É a própria CF que estipula os casos em que a função social da propriedade rural é cumprida,
devendo esta atender, simultaneamente, aos seguintes critérios e graus de exigência estabelecidos
em lei: I) aproveitamento racional e adequado; II) utilização adequada dos recursos do meio
ambiente; III) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e IV) exploração
que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores (art. 186, I a IV).
O art. 184, CF/88, determina que a sanção para o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função
social é a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, mediante prévia e justa
indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação de seu valor real, resgatáveis
no prazo de até 20 (vinte) anos, a partir do segundo ano de sua emissão, em percentual proporcional
ao prazo, de acordo com os critérios estabelecidos nos incisos I a V, § 3º, do art. 5º da Lei nº.
8.629/93. Entretanto, as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
O Decreto que declarar o imóvel rural como de interesse social, para efeito de reforma agrária,
autoriza a União (competência exclusiva) a propor a ação de desapropriação. As operações de

310
Direito Civil 2016 311

transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária bem como a transferência ao
beneficiário do programa, serão isentas (imunes) de impostos federais, estaduais e municipais (art.
26, Lei n. 8.629/93; §5º, do art. 184, da CF/88).
A desapropriação, judicial ou extrajudicialmente, é executada pelo INCRA, autarquia federal
vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de
domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de 10 anos. O título de domínio
e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos,
independentemente do estado civil, nos termos e condições previstos em lei (art. 189, caput
e parágrafo único, da CF). Determina o art. 184, §5º, da CF que são isentas de impostos
federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados
para fins de reforma agrária. Segundo o STF, a isenção deve ser entendida como imunidade
e tem por fim não onerar o procedimento expropriatório ou dificultar a realização da reforma
agrária. Ademais, os títulos da dívida agrária constituem moeda de pagamento da justa
indenização devida e, dado seu caráter indenizatório, não podem ser tributados. Todavia,
terceiro adquirente de títulos da dívida agrária não goza da referida imunidade, uma vez
que o benefício alcança tão-somente o expropriado (RE 168.110, Rel. Min. Moreira Alves,
DJ 19/05/2000).
A Constituição Federal traz como pressupostos da desapropriação, a necessidade pública,
a utilidade pública e o interesse social. Há interesse social quando o Estado se vê diante
dos interesses relativos às camadas mais pobres da população, que proporcionem melhoria
nas condições de vida, a equidade na distribuição de riqueza, e a diminuição das
desigualdades sociais. O orçamento da União fixará, anualmente, o volume de títulos da
dívida agrária e dos recursos destinados ao atendimento do Programa de Reforma Agrária,
devendo constar estes recursos do orçamento do Ministério responsável por sua
implementação e do órgão executor da política de colonização e reforma agrária (INCRA).
De acordo com o art. 185 da Constituição Federal, são insuscetíveis de desapropriação para fins de
reforma agrária: a pequena e média propriedade rural, desde que seu proprietário não possua outra;
e a propriedade produtiva. Os conceitos de propriedade rural, pequena propriedade, propriedade
produtiva, estão contidos na Lei nº. 8.629/93, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos
constitucionais relativos à reforma agrária, previstos na Constituição.

Não se confunde latifúndio e minifúndio com pequena e média propriedade, pois estas são fixadas
em módulos fiscais e aquelas em módulos rurais. Para ser latifúndio, basta ter no mínimo 1 MR e
ser improdutiva. É preciso que o proprietário da pequena ou média propriedade não possua outro
imóvel RURAL. Se o sujeito tiver 40 imóveis urbanos e 1 média propriedade, ela não poderá ser
desapropriada, pois a lei veda este benefício àquele que possuir outro imóvel rural e não urbano.
(Na usucapião especial rural, não pode o indivíduo ter qualquer outro imóvel).

Assim como o art. 184, CF/88, o art. 5º, XXIV, CF, diz que “a lei estabelecerá o procedimento para
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e
prévia indenização em dinheiro”. Dessa forma, as vedações contidas no art. 185, CF/88, fazem
referência somente ao processo de reforma agrária constante do art. 184, e não ao poder geral de
desapropriação do art. 5º, XXIV.

A Lei Complementar nº 76/93 estabelece procedimento contraditório especial, de rito sumário, para
o processo de desapropriação de imóvel rural por interesse social, em conformidade com o
mandamento constitucional do art. 184, §3º.

Vale destacar da LC que as ações concernentes à desapropriação de imóvel rural, para fins de
reforma agrária, têm caráter preferencial e prejudicial em relação a outras ações referentes ao
imóvel expropriando (art. 18, caput). Qualquer ação que tenha por objeto o bem expropriado será
distribuída, por dependência, à Vara Federal onde tiver curso a ação de desapropriação,

311
Direito Civil 2016 312

determinando-se a pronta intervenção da União (§1º). Ainda, o Ministério Público Federal intervirá,
obrigatoriamente, após a manifestação das partes, antes de cada decisão manifestada no processo,
em qualquer instância (§2º).

Enfim, pode-se falar ainda, em desapropriação para fins de necessidade, utilidade pública ou
interesse social, mas nesses casos, qualquer tipo de propriedade pode sofrer a desapropriação,
seja ela: grande, média ou pequena, produtiva ou não, urbana ou rural, não importa, o que interessa
é que essa desapropriação não tenha ligação com qualquer tipo de reforma agrária.
Existem quatro medidas que constituem uma reforma parcial e que juntas denominam a chamada
reforma agrária. Essas medidas possuem a finalidade de melhorar a vida do homem no campo,
fazer com que as terras sejam utilizadas de forma mais coerente, reduzir as desigualdades sociais
e descentralizar a renda, fazendo assim, com que a economia do país também seja investida na
produtividade do trabalho agrícola. São elas:
• 1º - Reforma fundiária: é o Estado redistribuindo a propriedade fundiária, principalmente em
áreas de agricultura tradicional e de pouco produtividade. Essa redistribuição dos direitos de
propriedade é feita por meio da desapropriação e da divisão dos latifúndios improdutivos,
visando uma distribuição mais justa da terra, portanto, devem ser incluídas nessas
operações as terras do governo, ou seja: terras devolutas, terras da Federação, dos Estados
e Municípios. Vale ressaltar que as Terras devolutas (art. 188, CRFB/88) são terras que
pertencem ao patrimônio do poder público, mas por não serem propriedades utilizadas,
podem ser alienadas ou concedidas a particulares.
• 2º - Reforma agrícola: são as medidas destinadas a aumentar a produtividade da terra e da
mão-deobra agrícola, como: iniciação de técnicas avançadas de cultivo e assistência
técnica; crédito fácil e acessível; facilidades para o escoamento dos produtos a preços
compensatórios; e escolas e serviços médico-hospitalares locais.
• 3º - Reforma rural: é a reforma da empresa rural, visto que esta apresenta as melhores
condições de alcançar os grandes mercados, os preços mais acessíveis e os equipamentos
de mais alta tecnologia, para que assim, possa melhorar a utilização da terra.
• 4º - Regime das relações de Poder: os trabalhadores do campo carecem de mecanismos de
defesa legal e reformar as relações de poder é atribuir ao trabalhador do campo os recursos
legais para que os mesmos possam reivindicar seus direitos. Sendo que esses recursos são
as organizações do sindicalismo rural e da justiça agrária.

- POLÍTICA AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA


Não se deve confundir reforma agrária com política agrícola, na medida em que esta é a política
que orienta, no interesse da economia rural, a atividade agropecuária, traçando planos, com a
finalidade de harmonizá-la com o processo de industrialização do país e de melhorar a utilização da
terra, implementando a produção, o aproveitamento da mão-de-obra rural e a colonização oficial e
rural, atualizando a legislação e adaptando-a aos planos e programas de ação governamental, e
ainda, elevando o nível de vida rural – art.1º, §2º, Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra).
A política agrícola pode ser entendida como ação própria do Poder Público que consiste na escolha
de meios adequados para influir na estrutura e na atividade agrária, a fim de obter um ordenamento
satisfatório da conduta das pessoas que delas participam ou a ela se vinculam, com o escopo de
conseguir o desenvolvimento e o bem estar da comunidade
Essa política agrícola busca nortear a economia rural, a atividade agropecuária, sempre traçando
planos, que tenham a finalidade de harmonizá-la com o processo de industrialização do país e de
melhorar a utilização da terra, para que assim possa complementar a produção, o aproveitamento
da mão-de-obra rural e a colonização oficial e rural, modernizando a legislação e encaixando-a
aos planos e programas governamentais, tentando ainda elevar a condição da vida no campo.
Além disso, a política agrícola tem como principal objetivo proporcionar a toda comunidade o
desenvolvimento e o bem estar social.
O art. 187, CF/88, determina que ”a política agrícola será planejada e executada na forma da lei,
com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais (...)”.
312
Direito Civil 2016 313

A Lei nº. 8.171/91, que dispõe sobre a política agrícola, regula que “entende-se por atividade
agrícola a produção, o processamento e a comercialização dos produtos, subprodutos e derivados,
serviços e insumos agrícolas, pecuários, pesqueiros e florestais”. Dispõe ainda o art. 8° que o
planejamento agrícola será feito em consonância com o que dispõe o art. 174 da Constituição, de
forma democrática e participativa, através de planos nacionais de desenvolvimento agrícola
plurianuais, planos de safras e planos operativos anuais, observadas as definições constantes da
referida lei.
A política fundiária tem a finalidade de disciplinar à posse da terra e de adequar o seu uso, ou
seja, a função social da propriedade. “Nesse contexto, a política fundiária deve visar e promover o
acesso a terra daqueles que saibam produzir, dentro de uma sistemática moderna, especializada
e profissionalizada”.
A Constituição Federal criou ainda o chamado “usucapião constitucional” (art. 191) em favor daquele
que, não sendo proprietário de imóvel urbano ou rural, possua como seu, por cinco anos
ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a 50 hectares, tornando-a
produtiva por seu trabalho ou de sua família e tendo nela sua moradia, terá adquirido sua
propriedade. Em contrapartida, vedou qualquer possibilidade de usucapião em imóveis públicos.

Política Agrícola, usucapião e bens públicos


Será usucapido aquele imóvel rural não superior a cinquenta hectares, desde que o seu
possuidor não tiver o domínio de outro imóvel, seja rural ou urbano, e que nele morasse e
trabalhasse com sua família a fim de garantir a sua subsistência, tornando-o produtivo.
Exigiu a Constituição que a posse fosse contínua e sem oposição, mas prescindiu o justo
título e a boa-fé. Veja-se que a intenção da usucapião agrária, ao lado da conotação social
de se garantir a manutenção na terra daqueles que nela labutam, também foi a de estimular
a produtividade no setor agrícola. Diz-se especial este tipo de usucapião, pois o prazo para
a sua constituição é bem inferior à usucapião geral, a qual, segundo o Código Civil,
necessita de um prazo de 15 anos, no caso de inexistir título ou boa-fé, podendo ser
reduzido para 10 anos se o possuidor constituir atividade produtiva ou estabelecer moradia
no imóvel. Conforme a lei substantiva civil, caso o possuidor detenha título e boa fé, o prazo
é reduzido de 15 para 10 anos, salvo, se o possuidor detinha título expedido por Cartório e
que foi anulado, pois reduzirá para 5 anos. A lei 6969/81 não foi totalmente recepcionada
pela CF/88, mas sim a parte que dispõe acerca das normas processuais para o
reconhecimento da usucapião judicialmente. Previu esta norma o foro como o da situação
do imóvel, a adoção de rito sumaríssimo, com participação do Ministério Público e
possibilidade de realização de audiência preliminar em que, constatada a posse do
requerente, seria ele nela mantido liminarmente até final decisão. Em contrapartida, vedou
qualquer possibilidade de usucapião em imóveis públicos (art. 191, parágrafo único)

Instrumentos da Política Agrária


Além da reforma agrária, acima citada que configura o principal instrumento da política
agrícola, compõe instrumentos da política agrária: os creditícios e fiscais; os preços
compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização (subsídios); o
incentivo à pesquisa e à tecnologia; a assistência técnica e extensão rural (assistência
técnica pelo INCRA); o seguro agrícola; o cooperativismo; a eletrificação rural e irrigação; a
habitação para o trabalhador rural.
Cumpre salientar que os instrumentos constitucionais do art. 187 não são taxativos, mas
garantem a implementação mínima do projeto constitucional de política agrícola.
Princípios da PA
Princípio da função social da propriedade: a função social é tratada na CF e é o centro
gravitacional do estudo da propriedade no direito moderno. Surgimento da função
social: 1ª fase: O primeiro dado histórico da função social remonta a Aristóteles, para
313
Direito Civil 2016 314

ele a apropriação individual de bens não se justifica se os mesmos não tiverem uma
destinação social. Ter-se algo só para ter é pernicioso. 2ª fase: São Tomás de Aquino
desenvolve a tese da função social em sua Suma Teológica, nela, é desenvolvida a
noção do bem comum. É direito de todos adquirir coisas para garantir sua dignidade
desde que o bem comum seja atendido. 3ª fase: Para Leon Duguit, todo o direito
está subordinado a uma finalidade. Se o direito possuído pelo indivíduo não tiver
finalidade, cabe desapropriação. A CF trata da função social em seu art. 186 e para
estar caracterizada deve preencher todos os requisitos constantes naquele
dispositivo: 1º requisito: aproveitamento racional e adequado da terra. Para ser
atingido, devem ser atendidos níveis fixados pelo órgão responsável quanto à
eficiência na exploração e o grau de utilização da terra. (obs: são garantidos os
incentivos fiscais referentes ao Imposto Territorial Rural relacionado com os graus
de utilização e de eficiência na exploração. Obs2: não são consideradas áreas
aproveitáveis no cálculo do grau de utilização da terra as áreas de efetiva
preservação permanente e demais áreas protegidas por legislação ambiental). 2º
requisito: adequada utilização dos recursos naturais e da preservação do meio
ambiente. Isto tem por finalidade o respeito à vocação natural da terra, através da
manutenção do seu potencial produtivo. A preservação do meio ambiente é a
manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos
recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da
propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas. 3º requisito:
observância às normas relativas às relações de trabalho. Estas possuem
abrangência elástica, pois permitem a inclusão de relações de emprego e de
contratos agrários (parceria e arrendamento). 4º requisito: bem estar dos
proprietários (ou possuidores) e dos trabalhadores. O bem estar está ligado à
dignidade da pessoa humana. É cumprido pelo atendimento das necessidades
básicas dos que trabalham a terra, pela observância das normas de segurança do
trabalho e por não provocar conflitos e tensões sociais no imóvel. A função social na
CF tem uma perspectiva econômica, social e ecológica.
- Princípio da justiça social: é a justiça distributiva. A política agrária visa à alteração da
estrutura fundiária vigente.
- Princípio da prevalência do interesse coletivo sobre o individual: A política agrária é
composta por normas cogentes de forte interferência no domínio privado. A política
agrária visa ao atingimento de interesses coletivos sobre interesses individuais.
- Princípio da reformulação da estrutura fundiária: É base da política agrícola, permitindo
ao Estado uma série de programas para alteração do homem no campo. Há órgãos
específicos para cuidar desta reformulação. Ex: INCRA e Ministério da Reforma Agrária.
- Princípio do progresso econômico e social: visa ao aumento da produtividade da
propriedade rural, garantindo uma melhoria das condições de vida do
proprietário/possuidor e um aumento na produção primária do país.

OBS: O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), Teve origem na aglutinação de
movimentos que faziam oposição ou estavam desgostosos com o modelo de reforma agrária
imposto pelo regime militar, principalmente na década de 1970, o qual priorizava a colonização de
terras devolutas em regiões remotas, com objetivo de exportação de excedentes populacionais e
integração estratégica. Contrariamente a este modelo, o MST declara buscar a redistribuição das
terras improdutivas. Apresentando uma proposta que tem o escopo de melhorar a divisão das terras
brasileiras, exigindo do governo medidas complementares ao simples assentamento, como a
eletrificação e irrigação do campo, concessão de créditos rurais e execução de programas que
visem estimular a atividade agrária e a subsistência do agricultor e de sua família. Sendo que essas

314
Direito Civil 2016 315

reivindicações se apresentam num cenário de mudanças político-sociais da ordem estrutural,


sempre ressaltando os valores da ética e da moral, através de uma democracia participativa.

A seguinte jurisprudência do STJ demonstra a legitimidade do MST para fazer tais reivindicações:
“Reforma Agrária. Movimento Sem-Terra. Movimento popular visando a implantar a reforma agrária
não caracteriza crime contra o patrimônio. Configura direito coletivo, expressão da cidadania,
visando a implantar programa constante da Constituição da República. A pressão popular é própria
do Estado de Direito Democrático” (HC nº. 5.574/SP – 6ª T. – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro,
j. 8-4-97).

315
Direito Civil 2016 316

DIREITOS REAIS

Ponto 9 - Superfície. Servidões. Usufruto. Uso. Habitação. Penhor. Hipoteca.


Registros Públicos. Estatuto da Terra.

DOS DIREITOS REAIS DE GOZO OU FRUIÇÃO


Generalidades
O CC/02 propõe a constituição de três grupos de direitos reais em coisa alheia: a) os direitos
de fruição (servidão, usufruto, uso e habitação, concessão direito real de uso, concessão
de uso especial para fins de moradia e enfiteuse); b) os direitos de garantia (hipoteca,
penhor e anticrese);
c) e o direito real à aquisição, que se trata de promessa de compra e venda registrada (não
será aqui tratada, pois não figura no ponto 9).
Os direitos reais de gozo ou fruição são situações reais em que há a divisão dos atributos
relativos à propriedade. Transmite-se a outrem o atributo de GOZAR ou FRUIR a coisa,
com maior ou menor amplitude (princípio da elasticidade). A partir do momento em que se
institui um direito desta natureza, passa a haver uma relação jurídica real entre proprietário
e o seu titular.
9.1 Superfície
Previsão legal: arts. 1369 a 1377 do CC/02 e arts. 21 a 24 do Estatuto da Cidade/Lei
10.257/01.
A superfície é direito real pelo qual o proprietário concede a outrem (superficiário) o direito
de construir ou de plantar em seu terreno mediante escritura pública devidamente registrada
no Cartório de Registro de Imóveis. Este direito real recai SEMPRE sobre bens IMÓVEIS.
É também possível adquirir por usucapião o direito à superfície. Trata-se do mais amplo
direito real de gozo ou fruição, em que figuram como partes o Proprietário/ FUNDIEIRO e o
SUPERFICIÁRIO.
Ele promove um "DESMEMBRAMENTO" entre o domínio do solo e o domínio do que está
(ou será) incorporado a ele por acessão. Assim, a doutrina majoritária defende a superfície
como direito real "autônomo", apartando-o do rol dos "ius in re aliena”. Enquanto o
proprietário mantém a titularidade do solo, o superficiário adquire a propriedade resolúvel
das acessões (construções e plantações). Resolúvel, pois, findo o prazo, tais acessões
serão incorporadas ao patrimônio do proprietário do solo.
Enunciado 321 da IV JDC: “Art. 1.369. Os direitos e obrigações vinculados ao terreno e,
bem assim, aqueles vinculados à construção ou à plantação formam patrimônios distintos
e autônomos, respondendo cada um dos seus titulares exclusivamente por suas próprias
dívidas e obrigações, ressalvadas as fiscais decorrentes do imóvel”.
Enunciado 249 da III JDC: “Art. 1.369: A propriedade superficiária pode ser
autonomamente objeto de direitos reais de gozo e de garantia, cujo prazo não exceda a
duração da concessão da superfície, não se lhe aplicando o art. 1.474”. Ex.: é possível
hipotecar o direito do superficiário pelo prazo de vigência do direito real.
O CC/02 não contempla a possibilidade da sobrelevação ou superfície em segundo grau.
Ex: “puxadinho” ou “direito de laje” em locais carentes. Enunciado 568, VI JDC, porém,
adotou corrente diversa: 568 – O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o
subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato,
admitindo-se o direito de sobrelevação, atendida a legislação urbanística.
316
Direito Civil 2016 317

SUPERFÍCIE e ENFITEUSE. O direito de superfície surgiu para substituir a enfiteuse,


banida pelo NCC (art. 2038). As enfiteuses anteriores foram mantidas, sendo vedada a
criação de novas. Quando do surgimento da superfície, muitos a reputaram mais vantajosa
que a enfiteuse, pois i) a superfície pode ser GRATUITA ou ONEROSA, enquanto a
enfiteuse era sempre onerosa e ii) a superfície é TEMPORÁRIA ou NÃO e a enfiteuse é
necessariamente perpétua, algo que não se coaduna com os novos tempos.
Enunciado 250: “Art. 1.369: Admite-se a constituição do direito de superfície por cisão” -
quando o proprietário aliena por superfície plantação ou construção já existente no terreno.
Enunciado 93 da I JDC: “as normas previstas no Código Civil sobre o direito de superfície
não revogam as normas relativas a direito de superfície constantes do Estatuto da Cidade
(Lei 10.257/2001), por ser instrumento de política de desenvolvimento urbano”. Critério da
especialidade. CC e Estatuto coexistem.

A concessão da superfície será gratuita ou onerosa. A remuneração na superfície onerosa é


denominada “solarium” ou cânon superficiário.

O superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel. O


superficiário deve zelar pelo imóvel como se fosse seu. Quanto a disposição do CC, há
doutrina que reputa esta reponsabilidade muito onerosa para o superficiário. Enunciado 94
da I JDC: “as partes têm plena liberdade para deliberar, no contrato respectivo, sobre o
rateio dos encargos e tributos que incidirão sobre a área objeto da concessão do direito de
superfície”.

O direito de superfície pode transferir-se a terceiros e, por morte do superficiário, aos seus
herdeiros. Não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum título, qualquer
pagamento pela transferência (como ocorria com o laudêmio na enfiteuse).

Em caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície, o superficiário ou o proprietário


tem direito de preferência, em igualdade de condições. Trata-se de preempção ou prelação
legal em mão dupla. Porém, a lei é omissa sobre as consequências pela inobservância deste
direito. Existem 3 correntes: perdas e danos (efeitos meramente obrigacionais); alienação da coisa
mediante o depósito do preço OU perdas e danos; e ação de adjudicação da coisa (com base no
direito de sequela) no prazo decadencial de 180 dias (analogia ao art. 504, CC) a contar da ciência
da alienação ao 3º.
CC: No caso de extinção do direito de superfície em conseqüência de desapropriação, a
indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no valor correspondente ao direito real
de cada um. Enunciado n. 322 da IV JDC: “o momento da desapropriação e as condições da concessão
superficiária serão considerados para fins da divisão do montante indenizatório (art. 1376), constituindo-se
litisconsórcio passivo necessário simples entre proprietário e superficiário”. O direito de superfície, constituído
por pessoa jurídica de direito público interno, rege-se por este Código, no que não for diversamente
disciplinado em lei especial.
O Estatuto enumera as causas de extinção do Direito de Superfície. O Código Civil se se mantém
silente a respeito. Extingue-se o direito de superfície:
I – pelo advento do termo;
II – pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário.
A extinção do direito de superfície será averbada no CRI. Antes do termo final, resolver-se-á a
concessão se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para que foi concedida.
Extinta a concessão, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção
ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o
contrário. A grande vantagem do proprietário na superfície é a de adquirir as construções ou
plantações.

317
Direito Civil 2016 318

SUPERFÍCIE no SUPERFÍCIE no Estatuto da


NCC Cidade
Imóvel URBANO ou RURAL. Imóvel URBANO.
Exploração mais restrita: construções Exploração mais ampla: qualquer
e plantações. utilização de acordo com a política
urbana.
Cessão somente por prazo Cessão por prazo DETERMINADO ou
DETERMINADO. INDETERMINADO.
O proprietário pode conceder a outrem
o direito de construir ou de plantar O proprietário urbano poderá conceder a
outrem o direito de superfície do seu
em seu terreno, por tempo
terreno, por tempo determinado ou
determinado, mediante escritura indeterminado, mediante escritura
pública devidamente registrada no pública registrada no cartório de registro
Cartório de Registro de Imóveis. de imóveis.

Em regra, NÃO há autorização para


utilização do subsolo e do espaço Em regra é possível utilizar o subsolo ou o
aéreo. O CC não dispõe sobre o espaço aéreo.
espaço aéreo.
O direito de superfície abrange o direito de
O direito de superfície não autoriza utilizar o solo, o subsolo ou o espaço
obra no subsolo, salvo se for inerente aéreo relativo ao terreno, na forma
ao objeto da concessão. estabelecida no contrato respectivo,
atendida a legislação urbanística.

O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao


objeto da concessão. Ou seja, excepcionalmente se viabilizará superfície no
subsolo ou no espaço aéreo. No subsolo o direito de superfície precisa
ultrapassar dois óbices: i) não podem existir recursos minerais, caso em que a
União adquire a propriedade (art. 20, IX, da CF) e ii) a utilização do espaço seja
fundamental para o empreendimento (ex. construção de shopping, com
necessidade de garagem no subterrâneo). Quanto ao espaço aéreo, a previsão
é expressa no Estatuto da Cidade, sendo uma de suas aplicações práticas a
aquisição por condomínios da superfície do terreno vizinho, com o fim de
impedir qualquer edificação no imóvel contiguo acima dos limites que
viabilizem o sossego, privacidade e, mesmo, o campo visual das superfícies.
9.2 Servidões
Servidão é direito real sobre imóvel em virtude do qual se impõe uma restrição/ônus a
determinado prédio(serviente), para uso e utilidade de outro pertencente a dono
diverso(dominante).
9.2.1 CARACTERÍSTICAS
• A servidão é uma relação entre DOIS PRÉDIOS DISTINTOS, em que se estabelece um
ÔNUS OU ENCARGO, consistente na obrigação do titular do prédio serviente de tolerar a
utilização do titular do prédio dominante ou obrigação de não praticar determinado ato de
utilização do seu próprio bem. A vantagem ou desvantagem adere ao imóvel e transmite-se
com ele, tendo caráter perpétuo. Gera uma obrigação propter rem: vincula o dono do prédio
serviente, seja ele quem for.
• Os prédios devem pertencer a donos diversos.
• As servidões servem a coisa e não o dono.

318
Direito Civil 2016 319

• A servidão não se presume, pois constitui-se mediante declaração expressa dos


proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no CRI;
• A servidão é direito real, acessório, de duração indefinida (perpétua), de
GOZO/FRUIÇÃO sobre coisas alheias.
• É indivisível: o exercício da servidão é regido pelo princípio da indivisibilidade
(“servitutes dividi non possunt”). Assim, o art. 1386 determina que as servidões
prediais são indivisíveis, e subsistem, no caso de divisão dos imóveis, em benefício
de cada uma das porções do prédio dominante, e continuam a gravar cada uma das
partes do prédio serviente, salvo se, por natureza, ou destino, só se aplicarem a certa
parte de um ou de outro.
• A servidão é INALIENÁVEL.
• Tem função econômica de corrigir desigualdades entre prédios.
• dever que recai sobre prédio serviente pode importar uma abstenção (non facere),
um suportar (pati) e, para alguns doutrinadores, um facere;

MODOS DE AQUISIÇÃO. A servidão NÃO se presume (prova-se por título ou posse


contínua importando usucapião). Por ato humano:
• Negócio jurídico “inter vivos” ou “mortis causa”: institui-se o direito real por contrato ou
testamento, registrado no CRI. Enquanto não registrado, há apenas direito de crédito.

• Usucapião (art. 1.379 - só para as SERVIDÕES APARENTES): O exercício incontestado e


contínuo de uma servidão aparente, por 10 anos, nos termos do art. 1.242 (justo título e boa-
fé), autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no CRI, valendo-lhe como título a
sentença que julgar consumado a usucapião (usucapião ordinária de servidão). Se o
possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de 20 anos (usucapião extraordinária
de servidão). Note-se que este prazo de 20 anos é maior que o prazo para usucapião
extraordinária da propriedade (15 anos). Diante desse contrassenso legal, parte da doutrina
entende pela aplicação do máximo de 15 anos – Enunciado 251 da III
JDC: “o prazo máximo para o usucapião extraordinário de servidões deve ser de 15 anos, em
conformidade com o sistema geral de usucapião previsto no Código Civil”.

• Destinação do proprietário: o proprietário em caráter permanente (“perpetui usus causa”)


reserva determinada serventia de prédio seu em favor de outro. É necessário que a serventia
seja visível ou que exista obra que revele a destinação, bem como a falta de declaração
contrário ao estabelecimento da servidão.

• Sentença judicial: não havendo acordo entre os proprietários, entendendo o juiz que o direito
real deve persistir em ação confessória.

Por fato humano: é gerador SOMENTE da SERVIDÃO DE TRÂNSITO. Tem-se entendido


que se o dono do prédio dominante costuma servir-se de determinado caminho
aberto no prédio serviente, e se este se exterioriza por sinais visíveis, nasce o direito real
sobre coisa alheia, digno de proteção possessória.
Súmula 415 do STF: “Servidão de trânsito não titulada, mas tomada permanente, sobretudo pela natureza
das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória”.
Jurisprudência: servidões não aparentes só podem existir quando registradas; servidões
aparentes devem ser registradas, mas quando oriundas de usucapião ou de direito
hereditário, o registro só é probatório, e não constitutivo do direito;
9.2.2 DISTINÇÕES.
Servidão x direito de vizinhança. Alguns definem a servidão como CONVENCIONAL e o
direito de vizinhança como servidão LEGAL. Para Ihering, servidões são direitos de
vizinhança convencionais. A servidão surge por ato voluntário de seus titulares e visa
conceder uma comodidade. A servidão é UNILATERAL: há ônus apenas em um dos
319
Direito Civil 2016 320

prédios, importando aumento de utilidade para outro, SEM RECIPROCIDADE. O direito de


vizinhança decorre de lei e procura evitar um dano, permitindo o aproveitamento do
prédio. Na servidão não é obrigatório o pagamento de indenização. Já na passagem forçada
é obrigatório o pagamento de indenização. A passagem forçada é instituto de direito de
vizinhança presente na situação em que o imóvel encravado não tem saída para a via
pública. A servidão é direito real de gozo ou fruição; não é necessário que o imóvel esteja
encravado. Enunciado 88 do CJF: “Art. 1.285: O direito de passagem forçada, previsto no art. 1.285 do CC,
também é garantido nos casos em que o acesso à via pública for insuficiente ou inadequado, consideradas
inclusive as necessidades de exploração econômica”.
Servidão x usufruto: o usufruto beneficia pessoa e não um prédio (por isso era
denominado de servidão mista ou pessoal), sendo indeterminado (mas determinável) seu
sujeito passivo e determinado seu sujeito ativo. Já a servidão favorece uma coisa sobre
outra de modo IMPESSOAL e tem sujeitos ativo e passivo indeterminados (mas
determináveis).
Servidão e Atos de Tolerância. Atos de tolerância são precários e transitórios,
consistindo em anuência tácita do proprietário a condutas praticadas por terceiros em
seu imóvel. Como direito potestativo, a todo tempo os atos podem ser proibidos, pois jamais
constituirão objeto de um direito, como o caso de trânsito tolerado por simples cortesia. Já
a servidão não se presume, porque o direito real demanda à sua aquisição um título
convencional (contrato, testamento) ou usucapião.
9.2.3 CLASSIFICAÇÕES.
a) Quanto à natureza dos prédios envolvidos:

• Servidão rústica: prédios em terreno rural.

• Servidão urbana: imóveis em área urbana.

b) Quanto às condutas das partes:

• Servidão positiva: exercida por ato positivo ou comissivo. Ex:servidão de trânsito e de


aqueduto.

• Servidão negativa: decorre de ato omissivo ou abstenção. Ex:não construir e não abrir
janelas.

Tal classificação é importante a hipótese de extinção pelo seu não uso durante 10 anos (art.
1.389,III, CC). Na 1ª hipótese, conta-se último ato de exercício da servidão. Na negativa,
conta-se do ato do qual era obrigado a se abster.

c) Quanto ao modo de exercício:

• Servidão contínua: exercida independentemente do ato humano.

• Servidão descontínua: depende da atuação humana de forma sequencial.Ex: servidão de


trânsito.

d) Quanto à forma de exteriorização:


• Servidão aparente: está evidenciada no plano real e concreto, havendo sinal exterior.

320
Direito Civil 2016 321

• Servidão não aparente: não revelada no plano exterior. Ex: não edificar acima de
determinada altura.

Obs.: as servidões contínua e descontínua podem ser aparentes ou não.


As servidões se notabilizaram em Roma. Já foram cobradas em concursos as
denominações abaixo:
• Servidão “iter” = de passagem
• Servidão “actus” = de caminho
• Servidão “pascendi” = para pastar gado
• Servidão “aquaeductus” = para aquedutos
• Servidão “tigni imittendi” = travejar (por traves) muros
• Servidão “stilliciddi” = queda das águas da chuva
• Servidão “fluminis” = água recolhida em canais
• Servidão “altus non tollendi” = não edificar
• “Servitus nec luminibus officiatur” = abrir janelas no muro comum.

EXERCÍCIO DAS SERVIDÕES. O dono de uma servidão pode fazer todas as obras necessárias à
sua conservação e uso, e, se a servidão pertencer a mais de um prédio (servidão conjunta), serão
as despesas rateadas entre os respectivos donos. Essas obras devem ser feitas pelo dono do prédio
dominante, se o contrário não dispuser expressamente o título. A servidão pode ser removida, de
um local para outro, pelo dono do prédio serviente e à sua custa, se em nada diminuir as vantagens
do prédio dominante (exige a jurisprudência a anuência do dono do prédio dominante), ou pelo
dono deste e à sua custa, se houver considerável incremento da utilidade e não prejudicar o prédio
serviente. A servidão é regida pelo princípio de menor onerosidade ao imóvel serviente ou pelo
regramento do “civiliter modo”. Restringir-se-á o exercício da servidão às necessidades do prédio
dominante, evitando-se, quanto possível, agravar o encargo ao prédio serviente:
• Constituída para certo fim, a servidão não se pode ampliar a outro. Ex. se a servidão é para
pastagem de gado, não pode incluir a cultura agrícola no mesmo campo rural.
• nas servidões de trânsito, a de maior inclui a de menor ônus, e a menor exclui a mais
onerosa. Ex.
se a servidão é de passagem de carros, inclui a passagem de pessoas.
• Cabe EXTENSÃO da servidão, EXCEPCIONALMENTE se ocorrer NECESSIDADE de
cultura ou da indústria do prédio dominante, mediante INDENIZAÇÃO ao dono do prédio
serviente.
DA EXTINÇÃO DAS SERVIDÕES (art. 1387 a 1389). Salvo nas desapropriações, a servidão, uma
vez registrada, só se extingue, com respeito a terceiros, quando cancelada no registro de imóveis.
O dono do prédio serviente tem direito, pelos meios judiciais, ao cancelamento do registro, embora
o dono do prédio dominante lhe impugne:

I. quando o titular houver renunciado a sua servidão;


II. quando tiver cessado, para o prédio dominante, a utilidade ou a comodidade, que
determinou a constituição da servidão (fim do objeto da servidão);

III. quando o dono do prédio serviente resgatar a servidão. Este ato de resgate equivale
a uma renúncia expressa, convencional e onerosa (há anuência do dono do prédio
dominante), consiste em escritura pública subscrita por ambos os interessados.

321
Direito Civil 2016 322

Também se extingue a servidão, ficando ao dono do prédio serviente a faculdade de fazê-la


cancelar, mediante a prova da extinção:

I. pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa (confusão real);
II. pela supressão das respectivas obras por efeito de contrato, ou de outro título
expresso;

III. pelo não uso, durante 10 anos contínuos (desuso da servidão, pois se presume
pelo tempo a sua inutilidade). Obs: qualquer tipo de servidão é suscetível de
extinção pelo não uso, ao contrário da aquisição pela usucapião,
exclusivamente cabível nas servidões aparentes.
MEIOS DE DEFESA. As ações possessórias são utilizadas contra qualquer um que
impeça ou embarace o exercício da posse pelo titular do prédio dominante, mediante
esbulho ou turbação. Só há possibilidade de agressão em face de servidões aparentes,
haja vista que as servidões nãoaparentes não deixam vestígios e, portanto, não são
passíveis de tutela por ação possessória (art. 1213 e 1210 do CC), EXCETO quando
titulada e registrada no ofício imobiliário. Ao contrário do que previa o CC/16, o CC/02
não estendeu a vedação ao ajuizamento das possessórias às servidões descontinuas.

AÇÕES QUE PROTEGEM AS SERVIDÕES:


Ação confessória: visa o reconhecimento judicial da existência de servidão negada ou
contestada; Ação negatória: visão reconhecimento judicial da inexistência de servidão ou
de direito à sua ampliação, o interessado deve apenas provar que é proprietário, cabendo
ao réu a prova da existência da servidão.
Ação de manutenção ou reintegração de posse: o dono do prédio dominante pode se
valer dessa ação quando for molestado ou esbulhado pelo proprietário do prédio serviente.
Ação de usucapião: art. 1.379.
9.3 Usufruto
CONCEITO. O usufruto é o direito real em que o proprietário — permanecendo com a posse
indireta e com o poder de disposição — transfere a um terceiro as faculdades de usar
determinado bem e de retirar-lhe os frutos. O CC/16 conceituava o instituto no art. 713. O
CC/02 é silente. O usufruto é o direito real de gozo/fruição por excelência, pois há a divisão igualitária
dos atributos da propriedade (GRUD) entre as partes envolvidas:
• Usufrutuário: tem os atributos de USAR e FRUIR – atributos diretos que formam o domínio
útil. É possuidor direto.

• Nu-proprietário: tem os atributos de reivindicar e dispor. É “nu”, pois está despido dos
atributos diretos. É possuidor indireto.

Somente o nu-proprietário pode vender o bem e ingressar com ação reivindicatória. Ambos
podem manejar ação possessória.
OBJETO. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um
patrimônio inteiro, ou em parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e
utilidades. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á
mediante registro no CRI.
MODOS DE CONSTITUIÇÃO:
a) Por determinação legal ex: art. 1689, CC.
b) Usufruto indígena (art. 231, par. 2º, CRFB)
c) Por ato de vontade, podendo ser inter vivos ou mortis causa.

322
Direito Civil 2016 323

d) Usufruto judicial (art. 708, CPC)


e) Pela usucapião.
CARACTERÍSTICAS DO USUFRUTO.
INALIENABILIDADE. O usufruto é inalienável. Por isso, o usufruto se extingue com a morte
do usufrutuário. A regra sempre foi a intransmissibilidade do usufruto. O CC/16 permitia a
alienação somente ao proprietário da coisa de forma gratuita ou onerosa. O CC/02 é silente.
Porém, é permitida a cessão do exercício do usufruto a título gratuito ou oneroso. Ex. cede
o bem usufrutuário em comodato ou locação.
IMPENHORÁVEL. O usufruto é inalienável, logo é IMPENHORÁVEL. Porém, admite-se a
penhora dos frutos decorrentes da cessão do usufruto.
TEMPORÁRIO. É temporário, embora possa durar toda a vida do usufrutuário, quando será
chamado de vitalício.
FINALIDADE. Tem finalidade primordialmente assistencial e alimentar,
restringindo-se, praticamente às relações familiares.
DIVISÍVEL. O usufruto é divisível, podendo ser atribuído simultaneamente a mais de uma
pessoa/usufrutuário, sendo vedado o usufruto sucessivo.
GRAVITAÇÃO JURÍDICA. Não havendo ressalva, o usufruto estende-se aos acessórios
da coisa e seus acrescidos (art. 1392 do CC).
CLASSIFICAÇÕES
a) Quanto ao modo de instituição ou quanto à origem:

• Usufruto legal: decorre da lei, sendo desnecessário o seu registro no CRI. Ex.: usufruto dos
pais sobre os bens dos filhos menores (art. 1689, I, do CC.

• Usufruto voluntário ou convencional: decorre da vontade das partes:

o Testamento; ou o Contrato. Ex. doação. O usufruto voluntário decorrente


de contrato pode ser:
 Usufruto por alienação: o proprietário conserva a nua-propriedade e concede
o usufruto a terceiro.

 Usufruto por retenção ou deducto: o proprietário reserva para si o usufruto e


transfere a nua-propriedade a um terceiro.

• Usufruto misto: decorre da usucapião.

• Usufruto judicial (o CPC tratava “Do Usufruto de Imóvel ou de Empresa”; com a Lei
11.382/06 a hipótese mudou: “Do Usufruto de Móvel ou Imóvel”): o juiz na execução pode
conceder ao credor o usufruto de móvel ou imóvel, quando o reputar menos gravoso ao
executado e eficiente para o recebimento do crédito.

b) Quanto ao objeto em que recai:

• Usufruto próprio: recai sobre bens infungíveis e inconsumíveis. Ao final, o usufrutuário


deve restituir os bens que recebeu.

• Usufruto improprio ou quase usufruto: recai sobre bens fungíveis e consumíveis. O


usufrutuário se torna proprietário da coisa, podendo aliená-la a terceiros ou consumi-la. Ao

323
Direito Civil 2016 324

final do usufruto, deverá ser restituído o equivalente à coisa, aplicando-se as regras do


mútuo.

c) Quanto à extensão:

• Usufruto total ou pleno: abrange todos os acessórios da coisa. É a regra.

• Usufruto parcial ou restrito: tem seu conteúdo delimitado na instituição.

d) Quanto à duração:

• Usufruto temporário ou a termo: quando da instituição já se estabelece seu prazo de


duração (se usufrutuária a pessoa jurídica, seu termo máximo de duração será de 30
anos).

• Usufruto vitalício: é estipulado a favor de pessoa natural, sem previsão de prazo ou termo
final, extinguindo-se com a morte do usufrutuário ou enquanto não sobrevier causa legal
extintiva. Deve-se atentar ao fato de que a morte do nu-proprietário NÃO é causa de
extinção do usufruto, transmitindo-se tal qualidade aos seus herdeiros.

e) Quanto aos titulares:

• Usufruto simultâneo ou o co-usufruto: constituído em favor de duas ou mais pessoas ao


mesmo tempo
• Usufruto sucessivo: é o instituído em favor de uma pessoa, para que depois da sua morte
transmita-se a terceiro. Essa modalidade não é admitida pelo nosso ordenamento.
DISTINÇÕES.
USUFRUTO e ENFITEUSE. Usufruto é temporário, intransmissível e recai sobre um ou
mais bens, móveis ou imóveis. Já a enfiteuse é perpétua, transmissível e recai somente
sobre imóveis.

USUFRUTO e CONDOMÍNIO. No usufruto existe gradação ou repartição no exercício dos


poderes da propriedade. No condomínio, há o exercício conjunto de todos os poderes da
propriedade.

USUFRUTO e LOCAÇÃO ou ARRENDAMENTO. O usufruto é direito real sobre coisa


alheia. A locação ou arrendamento é relação obrigacional.

USUFRUTO e ANTICRESE: a anticrese tem por base a extinção de uma obrigação


preexistente, colocando-se um bem como garantia de seu cumprimento.

USUFRUTO, USO e HABITAÇÃO: O uso é uma espécie de usufruto de abrangência mais


restrita, pois insuscetível de cessão e é limitado pelas necessidades do usuário e de sua
família. O direito real de habitação é ainda mais restrito que o uso e consiste na faculdade
de residir num prédio, com sua família. O prédio em causa não pode ser cedido (a título
gratuito ou oneroso). Ao uso e à habitação aplicam-se, naquilo que não contrariarem suas
naturezas, as disposições concernentes ao usufruto, principalmente no que tange às ações
324
Direito Civil 2016 325

reivindicatórias contra aqueles que estejam obstando o direito do usuário, habitador ou


usufrutuário. O uso e a habitação gozam de pessoalidade

USUFRUTO X FIDEICOMISSO: No usufruto, ocorre repartição dos poderes da propriedade


entre o nu-proprietário e o usufrutuário, que os exercem de forma simultânea. No
fideicomisso, há uma disposição sucessiva da propriedade plena, que primeiramente é
atribuída ao fiduciário, que em certo tempo, sob determinada condição ou em sua morte, a
transferirá ao fideicomissário. O usufruto é um direito real sobre a coisa alheia, enquanto o
fideicomisso é uma forma de substituição.

DIREITOS DO USUFRUTUÁRIO (artigo 1.394/99 do CC).


DEVERES DO USUFRUTUÁRIO (artigo 1400/9 do CC).

EXTINÇÃO DO USUFRUTO (art. 1410 do CC). O usufruto extingue-se (se imóvel deve haver
cancelamento do registro no CRI):

I. pela renúncia do usufrutuário, que deve ser feita por escritura pública quando o imóvel tiver
valor superior a 30 salários mínimos (art. 108).

II. pela morte do usufrutuário.


III. pelo termo final de sua duração;
IV. pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela
perdurar, pelo decurso de 30 anos da data em que se começou a exercer;

V. pela cessação do motivo de que se origina. Ex. usufruto do pai sobre os bens do filho menor
sob o poder familiar, havendo a extinção do usufruto com a maioridade do filho.

VI. pela destruição da coisa.


VII. pela consolidação: hipótese em que na mesma pessoa se confundem a qualidades de
usufrutuário e proprietário;

VIII. por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes
acudindo
com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às
importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;

IX. Pelo não uso ou não fruição da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399). Qual é
o prazo para a extinção do usufruto pelo não uso?
1ª corrente: aplicação analógica do art. 1389, inc. III, do CC (servidão): 10 anos.

2ª corrente (Marco Aurélio Bezerra de Melo): o prazo será o ordinário de 10 anos do art. 205 do
CC, em virtude da redação do art. 739, VI, do Código Civil de 1916 que dispunha que o usufruto
extingue-se pela prescrição.

3ª corrente (Simão): prazo decadencial de 10 anos.

4ª corrente: não há prazo certo, devendo ser analisada a extinção caso a caso conforme a
função social. Nesse sentido:
• os prazos extintivos têm por finalidade propiciar segurança e paz social. Aplicar
por analogia o prazo da servidão implica alcançar o reverso do que se pretende
resguardar. Não se aplica prazo decadencial, porque de acordo com a
325
Direito Civil 2016 326

operabilidade do CC, todos os prazos decadenciais estão expressamente


dispostos em imediata conexão com a disposição normativa, o que não é o caso.
Por sua vez, a prescrição não extingue direitos e sim pretensões; além disso,
conforme anota Miguel Reale, os casos de prescrição estão enumerados na Parte
Geral em “numerus clausus”. Assim, a extinção do usufruto pelo não uso ou
fruição não está sujeita a qualquer prazo fixo e sim exclusivamente ao não
atendimento da função social do bem gravado. Assim, o usufruturário deve exercer
seu direito de uso e fruição em consonância com a finalidade social a que se destina
a propriedade (art. 1228, § 1º, do CC e art. 5º, XXIII, da CF). Fonte:
http://www.cespe.unb.br/concursos/TJDFT_13_JUIZ/arquivos/DIREITO_CIVIL_RESP
OSTA_PAD R__O_EMPRESARIAL.PDF.
• Enunciado 252 da III JDC: “a extinção do usufruto pelo não uso, de que trata o art. 1410, inc.
VIII, independe do prazo previsto no art. 1389, III, operando-se imediatamente. Tem-se por
desatendida, nesse caso, a função social do instituto”.
• REsp 1.179.259/MG: (...) a extinção do usufruto pelo não uso pode ser levada a efeito,
independentemente de prazo certo, sempre que, diante das circunstâncias, se verificar
o não atendimento de seus fins sociais.

O procedimento de extinção do usufruto é de jurisdição voluntária (art. 1103 e 1112, VI, do


CPC). Se decorrer da morte do usufrutuário, de acordo consensual dos interessados,
consolidação ou renúncia não é necessária decisão judicial (art. 250, II e III, da Lei 6015/73).
9.4 Uso

O uso é um direito real sobre coisa alheia, consistente no direito de usar a coisa móvel ou
imóvel, tendo o usuário sobre ela o gozo limitado, podendo perceber os frutos (para
consumo) dentro dos limites das necessidades pessoais suas e de sua família, aferidas pelo
juiz, de acordo com a condição social do usuário e os costumes do lugar em que vive.
Chama-se também de usufruto anão, nanico ou reduzido. São partes do direito real de uso:
i) o proprietário (fez a cessão real da coisa) e ii) o usuário (tem o direito personalíssimo
de uso da coisa). O direito real de uso pode ser constituído de forma gratuita ou onerosa.
Características: é direito personalíssimo e temporário; é indivisível; recai sobre móveis ou
imóveis, coisas singulares ou coletivas.

Distinção do usufruto. O uso não implica o gozo amplo e ilimitado da coisa; é considerado
um usufruto restrito. No uso não cabe cessão do direito em si nem de seu exercício (já o
usufruto é intransferível, mas cabe cessão do seu exercício).

Direitos e obrigações. a)Direitos: usar, perceber os frutos para necessidades pessoais


suas e de sua família, administrar com diligência. b) Obrigações: conservar e restituir a
coisa; prestar caução, se exigida.

Constituição. Por ato inter vivos ou causa mortis. Se imóvel, deve haver também o registro.
O uso não se adquire por usucapião.

Extinção: Extingue-se pela mesma forma do usufruto (artigo 1.410, CC), com exceção
apenas do não-uso, que não se aplica também ao direito real de habitação.

Direito de uso resolúvel (Decreto-Lei 271/67): Direito de uso resolúvel de terrenos


públicos ou particulares, remunerado ou gratuito, por tempo certo ou não, destinando-se à
urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra ou outras utilizações de interesse
social. Dá-se por instrumento público ou particular, ou por termo administrativo, todos
326
Direito Civil 2016 327

levados a registro. Pode ser transmissível inter vivos ou causa mortis, levando-se também
a registro.
Concessão de uso especial para fins de moradia (arts. 15 a 20, Estatuto da Cidade –
vetados; posterior edição da MP2.220/2001): é um contrato de direito público pelo qual o
Estado outorga a alguém o direito de uso de um bem público. Esse direito real se diferencia
do direito de uso (Del. 271/67), pois se restringe à finalidade única de moradia, enquanto
aquele se afeiçoa a qualquer ocupação que traduza interesse social (ex: industrialização,
cultivo etc.).
9.5 Habitação
O direito real de habitação consiste em utilizar gratuitamente imóvel alheio para fim
de moradia. O direito real de habitação constitui o mais restrito dos direitos reais de
fruição, eis que apenas é cedida uma parte do atributo de usar, qual seja o direito de
habitar o imóvel. São partes da habitação: a) proprietário – transmite o direito e b) o
habitante – tem o direito de habitar o imóvel a seu favor.
Este direito real pode ser constituído pelo registro no ofício imobiliário, pela via legal (art.
1831), convencional (testamento ou contrato) ou por usucapião. Recaindo sobre imóvel, o
direito real de habitação convencional deve ser registrado no CRI (art. 167, I, n. 7, da Lei
6015/73). Características:
a. Direito personalíssimo;

b. É impenhorável o imóvel;
c. Pode recair sobre o imóvel todo ou parte dele;
d. É temporário;
e. Em caso de existir mais de um titular (direito real de habitação simultâneo), qualquer um pode
habitar a casa sem pagar aluguel ao outro, e este não pode impedi-lo de exercer o direito;
falecendo um dos titulares, o seu direito extingue-se sem beneficiar outros habitadores, salvo
disposição em contrário ou quando se tratar de relação de parentesco ou afetividade, para a
jurisprudência.
Direitos e obrigações (art. 1416 do CC).
Extinção: Extingue-se pela mesma forma do usufruto (artigo 1.410, CC), com exceção
apenas do não-uso.
Direito de habitação e direito das sucessões (art. 1831) Cabe direito de habitação em
favor do cônjuge sobrevivente, enquanto viver e permanecer viúvo, sem prejuízo de sua
participação que lhe caiba na herança ou meação, relativamente ao imóvel destinado à
residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar. E a
companheira? O direito real de habitação conferido à companheira pelo artigo 7 o. da Lei
9278/96 NÃO foi consagrado em norma expressa do CC/02. Daí, surgirem duas correntes:
1a. CORRENTE (FRANCISCO CAHALI, INÁCIO DE CARVALHO NETO): a companheira
não tem
direito de habitação, porque o CC/02 não previu.

2a. CORRENTE (PABLO STOLZER, SILVIO VENOSA): a companheira tem direito


de habitação, porque o dispositivo não foi expressamente revogado. Invocam o
fundamento de CANOTILHO para afirmar que entendimento contrário viola o
PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO, a previsão de uma lei nova que

327
Direito Civil 2016 328

revogando uma lei anterior miniminiza ou extingue um direito fundamental. Na


CF/88, a união estável é equiparável ao casamento.

DOS DIREITOS REAIS DE GARANTIA


Princípios e regras gerais quanto aos direitos reais de garantia tratados pelo CC/02
Nos direitos reais de garantia um bem garante a dívida por vínculo real (art. 1419). Já
nas garantias pessoais ou fidejussórias a dívida é garantia por uma pessoa (ex. fiança). São
direitos reais de garantia sobre coisa alheia: o penhor, a hipoteca e a anticrese. É direito
real de garantia sobre coisa própria a propriedade fiduciária.
CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DOS DIREITOS REAIS SOBRE COISA ALHEIA (PISE).
Preferência: O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito preferência, no pagamento,
a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro. Salvo as dívidas
que, em virtude de outras leis, devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos.
Ex. crédito trabalhista na falência.
Indivisibilidade: O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa
exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo
disposição expressa no título ou na quitação.
Sequela: representada pela máxima “para onde o bem vai, o direito real de garantia o
acompanha”.

Excussão: O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou


empenhada. Assim, o credor pode ingressar com ação de execução pignoratícia ou hipotecária para
promover a alienação judicial da coisa garantida, visando a receber o seu crédito que tem garantia
(o credor anticrético não tem esse direito, podendo apenas reter em seu poder o bem até o
pagamento da dívida). Excepcionalmente, a alienação do bem prescinde do processo de
execução, vide hipotecas constituídas pelo SFH (del 70/66). É nula o pacto comissório real
(art. 1428). Porém, após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida.

REQUISITO SUBJETIVO. Só aquele que pode alienar (o proprietário) poderá empenhar, hipotecar
ou dar em anticrese. Se casado, necessária é outorga conjugal uxória ou marital, salvo separação
absoluta de bens, sob pena de anulabilidade do ato de constrição (art. 1649). Além disso exige-se
capacidade genérica para os atos de alienação.

REQUISITO OBJETIVO. Só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese
ou hipoteca (consuntibilidade jurídica), sob pena de nulidade (art. 166, II ou VI, do CC). Ex. não
pode ser objeto de hipoteca o bem de família convencional, que é inalienável. Por outro lado, o bem
de família legal pode ser hipotecado, pois é apenas impenhorável.

REQUISITO FORMAL (art. 1.424). Os contratos de penhor, anticrese ou hipoteca, além de


registrados no registro imobiliário (princípio do registro), declararão, sob pena de não terem
eficácia PERANTE TERCEIROS (Resp 226.041/MG): I - o valor do crédito, sua estimação,
ou valor máximo; II - o prazo fixado para pagamento; III - a taxa dos juros, se houver; IV - o bem
dado em garantia com as suas especificações.
CAUSAS DE VENCIMENTO DA DÍVIDA: art. 1.425/30 do CC.
9.6 Penhor
O penhor consiste na tradição da coisa móvel ou imobilizável com o fim de garantir o
pagamento de um débito (a regra de que o penhor recai sobre o bem móvel se aplica
somente ao penhor tradicional, visto que a lei criou penhores especiais que incidem sobre
imóveis por acessão física e intelectual, como o penhor rural e o industrial). Nas
modalidades de penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas
continuam em poder do devedor, não havendo a tradição.
328
Direito Civil 2016 329

É contrato real, não se aperfeiçoando com o simples acordo de vontades,


condicionando-se a sua perfeição à transferência do bem. Deve revestir-se de forma
solene, por instrumento público ou particular. O instrumento do penhor deverá ser levado a
registro, por qualquer dos contratantes; o do penhor comum será registrado no Cartório
de Títulos e Documentos. Se não levado a registro, o penhor não tem eficácia real/erga
omnes, tendo efeito apenas entre as partes. O credor funciona como mero depositário,
não podendo gozar da coisa. Ao credor é assegurado o direito de retenção do bem até a
integralização do pagamento e das despesas feitas com a sua custódia. É vedada a
cláusula comissória. Podem o credor e o devedor pactuar a alienação extrajudicial do bem.
Penhor e penhora. O penhor é um instituto de direito civil, um direito real de garantia consistente
na entrega de coisa móvel em garantia de uma obrigação. A penhora é um instituto de direito.
Penhor solidário: quando o penhor incide sobre diversas coisas singulares, em garantia
de um mesmo crédito, com cláusula de sujeitar cada uma delas à satisfação integral do
débito.
Penhor Legal X Direito de Retenção. Embora tenham pontos em comum, os dois institutos
apresentam vários traços distintivos, entre outros:
. O penhor tem caráter positivo, porque se constitui pela posse direta que o credor adquire
para sua garantia, ao passo que o direito de retenção tem caráter negativo;
. Ao penhor legal, depois de judicialmente homologado, segue-se a execução pignoratícia,
enquanto o direito de retenção constitui simples meio de defesa;
. O penhor legal incide apenas sobre bens móveis, em favor de determinadas pessoas. Já
o direito de retenção, se aplica indistintamente tanto aos móveis quanto aos imóveis, em
prol de qualquer credor que tenha crédito conexo à guarda da coisa;
. Finalmente, o penhor legal inicia-se por um ato de ordem privada do devedor,
posteriormente completado pela intervenção do juiz, enquanto no direito de retenção a coisa
já se acha em poder do retentor.

DIREITOS DO CREDOR PIGNORATÍCIO (art. 1.433). OBRIGAÇÕES DO CREDOR


PIGNORATÍCIO (art. 1.435).
PENHOR LEGAL (arts. 1467/72). Além do penhor legal, a favor do hospedeiro e do locador, o art.
31 da Lei 6533/1978 consagra o penhor legal a favor do artista e do técnico de espetáculo sobre
equipamento e todo o material de propriedade do empregador, utilizado na realização do programa,
espetáculo ou produção, pelo valor das obrigações não cumpridas pelo empregador.
PENHOR CONVENCIONAL COMUM. Trata-se da forma ordinária de penhor, que tem por
objeto bens móveis ocorrendo a transmissão da posse do devedor ao credor.
PENHOR CONVENCIONAL ESPECIAL. Espécies:
I. penhor rural (arts. 1438/1446), que tem como subespécies o penhor agrícola e
penhor pecuário. Constitui-se pelo vínculo resultante do registro no Cartório
Imobiliário, por via do qual agricultores ou criadores sujeitam suas culturas ou
animais ao cumprimento de obrigações, ficando depositários daquelas ou destes.
Só para os bens penhoráveis. Característica comum: o bem não é transferido para
o credor.
II. penhor industrial e mercantil (arts. 1447/1450)
III. penhor de direitos e títulos de crédito (arts; 1451/1460)
IV. penhor de veículos (art. 1461/66): a posse direta remanesce nas mãos do devedor
pignoratício. Deve ser registrado no Cartório de Títulos e Documentos (não é o
DETRAN).

329
Direito Civil 2016 330

HIPÓTESES DE EXTINÇÃO DO PENHOR (art. 1436). Produz efeitos a extinção do penhor depois
de averbado o cancelamento do registro (em regra no Cartório de Títulos e Documentos), à vista da
respectiva prova. Quanto à hipótese V, verifica-se que o CC menciona remiSSão – perdão – o que
está tecnicamente errado.

PENHOR. JÓIAS. ASSALTO. AGÊNCIA BANCÁRIA. PERDA. BEM.. (...) Na hipótese de


roubo ou furto de jóias que se encontravam depositadas em agência bancária, por força de
contrato de penhor, o credor pignoratício (o banco) deve pagar ao proprietário das jóias
subtraídas a quantia equivalente ao valor de mercado delas, descontando-se os valores dos
mútuos referentes ao contrato de penhor. Trata-se de aplicação, por via reflexa, do art.
1.092 do CC/1916 (art. 476 do CC atual) (REsp 730.925-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi).
9.7 Hipoteca
A hipoteca é o direito real de garantia em virtude do qual um bem imóvel remanesce em
poder do devedor ou de terceiro, assegurando preferencialmente ao credor o pagamento
de uma dívida. Não há transmissão da posse da coisa entre as partes. São partes da
hipoteca: a) devedor hipotecante – aquele que dá a coisa em garantia, podendo ser o
próprio devedor ou terceiro e b) credor hipotecário – tem o benefício do crédito e do direito
real.

Podem ser OBJETO de hipoteca (art. 1.473 - a lista é numerus clausus):

I. os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles (c.c. art. 1474 do
CC).
II. o domínio direto. Caso do antigo direito do senhorio na enfiteuse, instituto que foi
parcialmente banido pelo art. 2038 do CC/02. Há interesse apenas quanto às
enfiteuses anteriores.

III. o domínio útil, como ocorre em relação ao direito do usufrutuário que pode ser
hipotecado.
IV. as estradas de ferro;
V. as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia
hidráulica e os monumentos arqueológicos, independentemente do solo onde se
acham;

VI. os navios. São bens móveis especiais, pois podem ser hipotecados (Lei 7652/88 e
Decreto 2256/1997 – registro é feito no Tribunal Marítimo).

VII. as aeronaves. São bens móveis especiais, pois podem ser hipotecados (Lei
7565/1986 – Registro Aeronáutico Brasileiro).

VIII. o direito de uso especial para fins de moradia;


IX. o direito real de uso;
X. a propriedade superficiária.
MODALIDADES:
• CONVENCIONAL: pode ser:
o Comum: é a contratual que recai sobre imóvel ou sobre recursos minerais (também
são considerados imóveis desvinculados do solo);
o Especial: quando se trata dos outros objetos (vias férreas, navios e aeronaves e
etc). Há dispositivos especiais que tratam de tais objetos.

330
Direito Civil 2016 331

• LEGAL: art. 1489/98.


• JUDICIAL: art. 466 do CPC. A sentença que condenar o réu no pagamento de uma
prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca
judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei 6015/73.
• CEDULAR: art. 1486. Podem o credor e o devedor, no ato constitutivo da hipoteca, autorizar
a emissão da correspondente cédula hipotecária, na forma e para os fins previstos em lei
especial.
EFICÁCIA - A hipoteca para o seu aperfeiçoamento é essencial o registro público no cartório em
que está inscrito o bem; não basta a celebração do contrato:
a) HIPOTECA COMUM - Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.227);
b) HIPOTECA ESPECIAL - O CC/02 exige o registro de acordo com a lei especial: navio -
Tribunal Marítimo e aeronaves - Registro Aeronáutico Brasileiro.
CARACTERÍSTICAS.
• É DIREITO REAL: desde que devidamente registrado.
• É ACESSÓRIO: está vinculada à obrigação principal.
• DIREITO DE SEQÜELA: possibilidade de reclamar o bem para si nas mãos de quem quer o
detenha ilicitamente.
• É INDIVISÍVEL (art. 1.421) - O vínculo real de garantia é indivisível, não importando a
divisibilidade da dívida.
• A FORMA É SOLENE:
o Forma pública (art. 108; CC): Para contratos de imóveis superiores à 30 salários
mínimos - escritura pública;
o Forma particular - Para imóveis com valor inferior a 30 salários mínimos.
o [art. 38, Lei 9.514] – Nos casos do Sistema Financeiro Imobiliário não há
necessidade de forma pública (instrumento particular podendo vincular uma
hipoteca).
Obs.: necessidade da outorga conjugal, salvo se casado pelo regime da separação absoluta (art.
1647).

PRINCÍPIOS
• PUBLICIDADE: Se dá com o registro da garantia.
• ESPECIALIDADE: É um detalhamento de todos os pormenores da dívida e da coisa da em
garantia (art. 1.424 e 1.484):
PLURALIDADE DE HIPOTECAS / SUB-HIPOTECA (art. 1.476): o dono do imóvel hipotecado pode
constituir outra hipoteca sobre o bem, mediante novo titulo, em favor do mesmo ou de outro credor.
REMIÇÃO: Devedor não paga a 1ª dívida. O credor da 2ª hipoteca pode pagar, consignando em
juízo a importância e citando o 1º credor para recebê-la e o devedor para pagá-la. Se o devedor não
pagar, o 2º credor se sub-roga nos direitos da hipoteca anterior. Por outro lado, havendo execução
da hipoteca pelo 1º credor, basta que o 2º credor deposite o valor do débito e as despesas judiciais
para haver a sub-rogação. Hipóteses especiais de remição:
a) Remição da hipoteca pelo adquirente do imóvel (art. 1481). O adquirente paga o valor da
hipoteca e não o valor da dívida. Esse artigo só faz sentido quando o valor da dívida for
superior ao valor da hipoteca. Haverá sub-rogação do adquirente nos direitos de crédito (art.
346; II).
b) Remição da hipoteca pelo próprio devedor ou por seus familiares (art. 1482). Pode ser que o
devedor não esteja extinguindo a divida (que pode ser maior do que a hipoteca), e sim só
remindo a hipoteca.
c) Remição da hipoteca no caso de falência ou insolvência do devedor hipotecário (art. 1483).
331
Direito Civil 2016 332

Observação: remição (verbo remir) = Resgate, libertar. Remissão = Perdão.


PEREMPÇÃO DA HIPOTECA CONVENCIONAL: extinção pelo decurso do prazo máximo de 30
anos, a contar da data da instituição por negócio jurídico (art. 1485).
PROCEDIMENTO DE REGISTRO (art. 1.492 à 1.498) –
Os registros e averbações seguirão a ordem em que forem requeridas (princípio da
anterioridade ou prioridade registral). O número de ordem determina a prioridade, e
esta a preferência entre as hipotecas.
Para garantir esses direitos, não se registrarão no mesmo dia duas hipotecas, ou uma
hipoteca e outro direito real, sobre o mesmo imóvel, em favor de pessoas diversas,
salvo se as escrituras, do mesmo dia, indicarem a hora em que foram lavradas.
Quando se apresentar ao oficial do registro título de hipoteca que mencione a
constituição de anterior, não registrada, sobrestará ele na inscrição da nova, depois
de a prenotar, até 30 dias, aguardando que o interessado inscreva a precedente;
esgotado o prazo, sem que se requeira a inscrição desta, a hipoteca ulterior será
registrada e obterá preferência.
Vale o registro da hipoteca, enquanto a obrigação perdurar; mas a especialização, em
completando 20 anos, deve ser renovada. Parte da doutrina entende que essa última
disposição somente se aplica à hipoteca legal, que não tem prazo máximo, eis que perdura
enquanto vigente a situação descrita em lei. A hipoteca convencional tem prazo máximo de
30 anos.
EFEITOS EM RELAÇÃO AO DEVEDOR: É nula a cláusula que proíbe ao proprietário
alienar imóvel hipotecado. Porém, pode convencionar-se que vencerá o crédito hipotecário,
se o imóvel for alienado (art. 1475).

EFEITOS EM RELAÇÃO AO CREDOR: fracionamento (art. 1488). Se a garantia se tornar inócua


ocorre o vencimento antecipado (art. 1425). Citado o devedor em cobrança, mesmo que não seja
executiva, qualquer alienação ou percepção de frutos será considerada fraude à execução.

EFEITOS EM RELAÇÃO À TERCEIROS: Se o credor executar a dívida o terceiro estará sujeito a


direito de sequela, todavia, poderá exercer a remição.

PECULIARIDADES. O contrato de hipoteca poderá ser registrado antes da celebração do contrato


principal (ex: contrato de mutuo antes da entrega do dinheiro). O mutuário leva o instrumento de
hipoteca a registro juntamente com o contrato de mutuo sem ter o dinheiro ainda (mútuo é contrato
real, só se aperfeiçoa coma entrega do dinheiro) e após o registro da hipoteca efetiva-se o contrato
(o mutuante entrega o dinheiro ao mutuário). Assim, a garantia surge antes do surgimento do
contrato. Dívida sujeita a condição suspensiva poderá ser objeto de hipoteca. Divida futura poderá
ser objeto de hipoteca.

HIPOTECA LEGAL (art. 1.489 a 1.491). Exige o registro, ao invés de provir de um contrato, a fonte
é legal (art. 1.497). As pessoas, às quais incumbir o registro e a especialização das hipotecas legais,
estão sujeitas a perdas e danos pela omissão. Pode ser constituída para garantia da Fazenda
Pública em razão de determinados tipos de servidor (ex: arrecadador de tributos terá seus bens
hipotecados em favor da Fazenda Pública). Filhos podem constituir hipoteca legal sobre bens dos
pais quando contrair novas núpcias sem efetuar o inventário dos bens. Os prejudicados poderão
constituir hipoteca sobre os bens do delinqüente (fato que gerou crime). Co-herdeiro pode constituir
hipoteca sobre imóvel adjudicado a coherdeiro, para garantir ao seu quinhão. Garantia do imóvel
arrematado se o arrematante não pagar o imóvel de uma única vez (caso em que o arrematando
propõe o pagamento do imóvel em parcelas).

PROCESSO DE ESPECIALIZAÇÃO DA HIPOTECA LEGAL (art. 1.205 a 1210 do CPC) – É o


procedimento judicial que constitui a hipoteca legal.
332
Direito Civil 2016 333

EXCUSSÃO HIPOTECÁRIA - É outra nomenclatura para execução hipotecária (art. 1501).


Importância: a adjudicação e arrematação não são formas de aquisição originária da
propriedade, pois não extingue os vínculos obrigacionais e anteriores, são formas de
aquisição da propriedade imóvel derivada. Se fosse forma originaria haveria a extinção do
vínculo com todos os credores. Nesse sentido, não extinguirá a hipoteca , devidamente
registrada, a arrematação ou adjudicação, sem que tenham sido notificados judicialmente os
respectivos credores hipotecários, que não forem de qualquer modo partes na ação de execução
hipotecária.

EXTINÇÃO DA HIPOTECA (art. 1.499). Havendo implemento da condição resolutiva, a hipoteca


desaparecerá ficando o credor sem a garantia real. Extingue- se ainda a hipoteca com a averbação,
no CRI, do cancelamento do registro, à vista da respectiva prova (art. 1500 do CC). Com o
cancelamento registral, o direito real deixa de ter efeito “erga omnes”. Ainda:
d) Desapropriação: Forma originária de aquisição do imóvel e passa a pertencer a Fazenda
Publica (impenhorabilidade), por isso não pode ser passível de execução.
e) Usucapião: Forma de aquisição originária (extingue qualquer vinculo real).
f) Confusão: O credor passa a ser o dono do imóvel.
g) Perempção do direito hipotecário (art. 1.485) - Alterado pela lei 10.931 (alterou o CC e a
alienação fiduciária). Extinção pelo decurso do tempo: após 30 anos sem a execução da
hipoteca ou sem o seu cancelamento, perderá efeito – Poderá ser cancelada mediante simples
averbação pela parte interessada.
Obs.1: Necessidade de cancelamento da hipoteca no registro (art. 1.500). Não é necessário que
haja o cancelamento para que a hipoteca desapareça, o cancelamento do registro é necessário
somente para fins administrativos.
Obs.2: Súmula 308 do STJ: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior
ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os
adquirentes”.
9.8 Registros Públicos
9.8.1 TRATAMENTO CONSTITUCIONAL E SEU REGULAMENTO LEGAL
Compete privativamente à União legislar sobre Registros Públicos (art. 22, XXV), sendo
gratuito para os reconhecidamente pobres, na forma da lei, o registro civil de nascimento
e a certidão de óbito (art. 55º, LXXVI). Dispõe o art. 236 que “os serviços notariais e de
registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”.
Obs: A CF/88 previu normativamente duas situações, de serventias extrajudiciais não-
oficializadas e oficializadas, desde sua redação originária. A previsão de exercício da
atividade notarial e de registro em caráter privado por delegação (não-oficializados)
constitui a regra geral e está vazada no art. 236 e §§ da CF. Já a previsão da prestação
da atividade em caráter público, diretamente pelo estado, sem delegação a particulares, é
exceção, estando prevista em regra intertemporal de transição prevista no art. 32 do
ADCT, apenas para aqueles serviços notariais e de registro que tenham sido oficializados
antes da CF/88.
A grande relevância jurídica sobre a distinção entre serventias oficializadas e não-
oficializadas se dá no regime de responsabilidade civil em decorrência de danos oriundos
da atividade (tema tratado adiante).

A Lei n. 8935/94 regulamenta o art. 236 da CF e dispõe no art. 1º Serviços notariais e de registro
são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade,
autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (Lei n.º 8.935/94 – regulamenta o art. 236
da CF).

333
Direito Civil 2016 334

SERVIÇOS NOTARIAIS são as atividades exercidas pelos notários, pessoas às quais se comete
o encargo de escrever nos livros de notas, segundo a praxe, todos os atos jurídicos e contratos
das partes interessadas no registro.
REGISTRO PÚBLICO é a denominação genérica dada a todo serviço concernentes aos
registros instituídos por lei, para autenticidade, segurança, validade e publicidade dos atos
jurídicos ou contratos. Pode ser de natureza civil ou comercial. Só a União pode legislar
sobre a competência, forma e o regime dos registros públicos. Isto é, só a ela cabe
reger essa função pública. Entretanto, é essa função exercida por órgão estaduais. Assim,
é competente o Estado federado para as normas administrativas referentes aos
registros públicos.
DELEGAÇÃO E FÉ PÚBLICA. Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou
registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o
exercício da atividade notarial e de registro (Lei n.º 8.935/94). Assim, a Administração
Pública, com a delegação:
a) passa a atuar fora de seus quadros, certo que o registrador e o notário não são
servidores da administração direta, mas ocupem cargos públicos, conforme definiu o
Pleno do STF;
b) legitima os delegados para prática de atos que regulam interesses privados ou da
própria administração, dando-lhes eficácia.

A delegação do serviço de registro e notarial é um ato administrativo complexo,


irrevogável. É ainda permanente e estável desde o início, não submetida ao estágio
probatório de três anos pelo qual passa o servidor público da administração direta e
indireta, não estando sujeito à aposentadoria compulsória ao atingir 70 anos de idade,
segundo decidiu o STF. O delegado não é nomeado, mas recebe outorga de delegação.
O término da delegação acontece por extinção ou perda. A delegação se extingue por
fatos próprios da vontade do registrador (aposentadoria facultativa e renúncia) e por fatos
estranhos a ela (morte, invalidez, perda por sentença judicial). A Lei n.º 8.934/94 não
contemplou a hipótese de aposentadoria compulsória.
O SUBSTITUTO do titular é escolhido pelo registrador ou notário, sem que a escolha
constitua uma subdelegação. A substituição é imprescindível para a ininterrupta atividade
registrária e notarial. O substituto atua por conta e risco do delegado, e, no caso de
extinção da delegação, o mais antigo tem direito de ser designado para responder pelo
expediente, até a nomeação do novo titular.
GARANTIAS. O notário e o registrador são independentes no cumprimento da atividade
que desenvolvem, de caráter privado, embora delegados do Poder Público. Mas esta
independência é relativa, pois devem ser observadas as restrições impostas pela lei e à
observância dos requisitos técnicos e funcionais imponíveis pelo órgão competente do
Poder Judiciário. A lei lhes reconhece, ainda, o que denomina o direito “à percepção dos
emolumentos integrais”, a ser entendido em seu significado apropriado: refere-se à
parcela líquida dos emolumentos (despojadas dos encargos fiscais e previdenciários que
geralmente a acompanham), correspondente à remuneração de seu serviço.
Obs1: A parte beneficiada pela justiça gratuita não precisa pagar emolumentos para que
os notários ou registradores pratiquem os atos indispensáveis ao cumprimento de decisão
proferida no processo judicial em que fora concedido o referido benefício.
Obs2: Os “serviços de registros públicos, cartorários e notariais” não gozam de imunidade
tributária, devendo pagar, portanto, o ISS. A regra geral é que a base de cálculo do ISS é
o preço do serviço (art. 7º, LC 116/2003). O § 1º do art. 9º do DL n.° 406/68 traz uma
334
Direito Civil 2016 335

exceção a essa regra e prevê que os contribuintes que prestam serviço sob a forma de
trabalho pessoal (pessoas físicas) têm direito ao regime do chamado “ISSQN Fixo”,
segundo o qual é fixada uma alíquota sem relação com o preço do serviço. Para o STJ,
NÃO SE APLICA à prestação de serviços de registros públicos cartorários e notariais a
sistemática de recolhimento de ISS prevista no § 1º do art. 9º do DL 406/68. Desse modo,
os serviços notariais e registrais sofrem a incidência do ISS e a base de cálculo do
imposto é o preço do serviço, ou seja, o valor dos emolumentos. STJ. 1ª Seção. REsp
1.328.384-RS, Rel. originário Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min.
Mauro Campbell Marques, julgado em 4/2/2013.
Ordem judicial, tanto que recebida, sendo legal, deve ser cumprida, diligenciando o
serventuário no sentido de superar eventuais formalidades que retardem o registro.
Segundo Walter Ceneviva, se a ordem é manifestamente ilegal, ou se contraria
determinação expressa do juiz corregedor permanente, o funcionário não pode ser
compelido a cumpri-la. Todavia, encontramos a seguinte jurisprudência:
O oficial é ainda responsável pela rigorosa fiscalização do pagamento do imposto devido
por força de ato que lhe seja apresentado em razão do ofício. Entretanto, o cumprimento
desse dever não obsta a prenotação do título, que há de ser feito sempre que ocorrer
possibilidade de precedência de direito para o apresentante, como usual no registro
imobiliário.
RESPONSABILIDADE: Diferentemente das serventias oficializadas que têm a
responsabilidade objetiva desde a edição da CF/88, por força do art. 37, § 6º, as
serventias não-oficializadas (delegadas) possuem como dispositivo constitucional de
regência da responsabilidade civil na atividade o § 1º do art. 236. Regulamentando o
dispositivo, previu a Lei 6.015/73 a resp. subjetiva (art. 28). Contudo, com a Lei 8.935/94,
passou-se à resp. objetiva (art. 22), ressalvando-se que a atividade do protesto notarial
continua a ser regida pela responsabilidade subjetiva por força do art. 38 da Lei 9.492/97.
REsp 1027925/RJ (j. 21/03/13).
CONTROLE. Os juízes competentes para a fiscalização são os exercentes de função de
corregedor. Correição é a vistoria administrativa em diligência, pelo juiz corregedor, de
livros e papéis pertinentes à atividade do delegado, com o objetivo de assegurar correção
dos serviços e bom atendimento. Fiscalização é a atividade correcional permanente,
aberta às queixas do público, que o juiz desenvolve, sobre a serventia, o oficial e os
funcionários.

Serão registrados Serão averbados


Nascimentos. As sentenças que decretam a
nulidade ou anulação do casamento,
o divórcio, a separação judicial e o
restabelecimento da sociedade
conjugal
Casamentos. Atos judiciais ou extrajudiciais que
declarem ou reconheçam a filiação.
Óbitos. Os atos judiciais ou extrajudiciais de
adoção.
Emancipações. A alteração ou abreviatura de nomes.
Interdições.

335
Direito Civil 2016 336

Opções de nacionalidade.
Sentenças declaratórias de ausência.
Sentença que defere legitimação
adotiva.

Registro é a inscrição ou transcrição do documento, em que se instrumenta o ato, em livros


públicos, mantidos pelos ofícios de registros ou pelos departamentos e repartições públicas.
Averbação é o ato pelo qual se anota, em assento ou documento anterior, fato, que altere,
modifique ou amplie o conteúdo do mesmo assento ou documento.
LEI DE REGISTROS PÚBLICOS (LEI Nº 6.015/1973)
Art. 1º Os serviços concernentes aos Registros Públicos, estabelecidos pela
legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos,
ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta Lei.
§ 1º Os Registros referidos neste artigo são os seguintes:
I - o registro civil de pessoas naturais;
II - o registro civil de pessoas jurídicas; III - o registro
de títulos e documentos; IV - o registro de imóveis.
§ 2º Os demais registros reger-se-ão por leis próprias.
Segundo Wilson de Sousa Campos Batalha, os Registros Públicos visam constituir
formalidades, essenciais ou não para a validade do ato em si mesmo, ou apenas para sua
eficácia perante terceiros (erga omnes). Esquematicamente, podemos dizer que a
formalidade do registro pode ser:
• formalidade essencial (eficácia inter partes): quando indispensável à aquisição do
direito ou à sua subsistência. Assim, por exemplo, a aquisição da propriedade
imobiliária não decorre apenas da escritura pública de compra e venda (prova
preconstituída), mas do efetivo registro.

• formalidade para mera oponibilidade perante terceiros (eficácia erga omnes). Neste
caso, o contrato é dotado de plena eficácia inter partes. Ex.: para que o contrato de
locação seja oponível a terceiro adquirente do imóvel deve o contrato ser registrado.

• formalidade cautelar (autenticidade, segurança): visa atribuir autenticidade e


segurança aos atos e negócios jurídicos. O registro do contrato permite sejam
extraídas, a qualquer tempo, certidões de seu conteúdo, pondo o contrato a salvo
das eventualidades de perda ou extravio.

Segundo Walter Ceneviva, são fins do registro público:

Autenticidade: O registro cria presunção relativa de verdade, podendo ser retificado ou


modificado. Só o próprio registro tem autenticidade.
Segurança: sendo obrigatórias as remissões recíprocas, tendem a constituir malha firme e
completa de informações.
Eficácia: O registro, propiciando publicidade em relação a todos os terceiros, no sentido
mais amplo, produz o efeito de afirmar a boa-fé dos que praticam atos jurídicos baseados na
presunção de certeza daqueles assentamentos.
Publicidade: além de dar conhecimento das situações jurídicas, previne outras que se
refletem no

336
Direito Civil 2016 337

interesse de terceiros.

Incide em eiva de nulidade o registro lavrado fora das horas regulamentares ou em dias
em que não houver expediente. É nulo, e não anulável. No registro imobiliário, o
expediente se prorroga para a conclusão de ato iniciado, mas o protocolo é encerrado,
mantendo-se inviolada a prioridade (arts. 208 e 209, LRP). A prioridade do registro é
assegurada pela precedência da apresentação dos títulos. Não pode haver recusa ao
recebimento de título, nem recusa a seu lançamento em protocolo, com o respectivo
número de ordem, sob pretexto de dúvida ou exigência fiscal, em qualquer das hipóteses
nas quais da precedência decorrer prioridade de direitos para o apresentante. É
obrigatório, portanto, o recebimento do documento e sua protocolização, suscitando-se,
ulteriormente, as dúvidas que couberem.

Art. 13. Salvo as anotações e as averbações obrigatórias, os atos do registro


serão praticados:
I - por ordem judicial;
II - a requerimento verbal ou escrito dos interessados;
III - a requerimento do Ministério Público, quando a lei autorizar.
1º O reconhecimento de firma nas comunicações ao registro civil pode ser
exigido pelo respectivo oficial.
2° A emancipação concedida por sentença judicial será anotada às
expensas do interessado.
As anotações e as averbações obrigatórias, entretanto, serão efetivadas ex officio, se não
houverem sido requeridas. Por exemplo, o registro da escritura definitiva de compra e
venda envolve o cancelamento do registro do compromisso já cumprido, averbando-se
esse cancelamento independente de pedido dos interessados.
9.8.2 PRENOME, SOBRENOME E MUDANÇA DE NOME
Nome é a designação pela qual a pessoa identifica-se no seio da família e da sociedade.
Os criadores intelectuais muitas vezes identificam-se por pseudônimos e, quando adotado
para atividades lícitas, goza da mesma proteção do nome (art. 19, CC). Limongi França
considera que a natureza jurídica do nome é de um direito de personalidade. Nesse sentido,
o CC/02 tutela o nome no capítulo referente aos direitos de personalidade. Um aspecto
público se insere no estudo do nome: é disciplinado pelo Estado (LRP, arts. 54 a 58; CC,
arts. 16 a 19), que tem interesse na perfeita identificação das pessoas. Ainda, há um
aspecto individual: o direito ao nome (art. 16, CC), que abrange o de usá-lo e o de defendê-
lo contra usurpação (direito autoral) e contra a exposição ao ridículo. Basta o interesse
moral. Nesse sentido, arts. 17 e 18 do CC. Trata-se de direito inalienável, imprescritível,
essencial para o exercício regular dos direitos e do cumprimento das obrigações.
São elementos do nome: 1 – prenome, 2- sobrenome/apelido familiar e, em alguns casos,
3- agnome, sinal que distingue pessoas de uma mesma família (Júnior, Filho, Neto).
Axiônimo é a designação que se dá a forma cortês de tratamento ou à expressão de
tratamento. Ex. Excelência, senhor, doutor.
PRENOME. O prenome pode ser livremente escolhido pelos pais, desde que não
exponham o filho ao ridículo (LRP, art. 55, § único). Configurada a hipótese, o oficial de
registro pode recusar-se a efetuar o registro. Irmãos não podem ter o mesmo prenome, a
não ser que seja duplo, estabelecendo a distinção (LRP, art. 63, § único). Os “gêmeos que

337
Direito Civil 2016 338

tiverem prenome igual deverão ser inscritos com duplo prenome ou nome completo diverso,
de modo que possam distinguir-se”. Pode ser simples ou composto.
SOBRENOME. Sobrenome é o sinal que identifica a procedência da pessoa, indicando a
sua filiação ou estirpe. É imutável (LRP, art. 56). Adquire-se com o nascimento (art. 55).
Portanto, não é escolhido. Mesmo que a criança seja registrada somente com o prenome,
o sobrenome faz parte, por lei, de seu nome completo, podendo o escrivão lançá-lo de ofício
diante do prenome escolhido pelo pai (art. 55). Assim, o registro, com indicação do
sobrenome, tem caráter puramente declaratório. Pode ser o do pai, o da mãe ou de ambos.
FILHOS FORA DO CASAMENTO. O registro dos filhos havidos fora do matrimônio é regido
pelos arts. 59 e 60 da LRP: não será lançado o nome do pai sem que este expressamente
autorize. Hoje, a Lei n.º 8.560/92 obriga os escrivães do Registro Civil a remeter ao juiz os
dados sobre o suposto pai, que será convocado para reconhecer voluntariamente o filho.
Não o fazendo, os dados serão encaminhados ao MP, que poderá promover a ação de
investigação de paternidade. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é
irrevogável e será feito pelos modos previstos no art. 1.609 do CC, que admite inclusive que
se faça por escrito particular, a ser arquivado em cartório, e também por qualquer espécie
de testamento.

ALTERAÇÃO DO NOME. Acerca da alteração do nome, foram feitas alterações no art. 57


da LRP:
Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após
audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o
registro, arquivandose o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a
hipótese do art. 110 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.100, de 2009).
§ 8o O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2 o e 7o deste
artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado
o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa
concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família. (Incluído pela Lei nº 11.924,
de 2009)
Segundo o art. 58 da LRP e seu parágrafo único, o “prenome será definitivo, admitindo-se,
todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios” e a “substituição do prenome será
ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a
apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o MP”.
Igualmente é possível a mudança do prenome que exponha o portador ao ridículo, se o
oficial não o houver impugnado. A pretensão depende de distribuição, perante o juiz, de
procedimento de retificação de nome (LRP, art. 109). A jurisprudência admite a retificação
não só do prenome como também de outras partes esdrúxulas do nome. A jurisprudência
ampliou as possibilidades de alteração do prenome, autorizando a tradução de nomes
estrangeiros, para facilitar o aculturamento dos alienígenas que vêm fixar-se no Brasil.
Também pode haver mudança do prenome em caso de adoção (art. 47, §§ 5º e 6º do ECA),
adequação de sexo; inclusão do sobrenome do padrasto ou madrasta (art. 57, §8º).
Jurisprudência recente: Quando for realizada a alienação fiduciária de um veículo, o
contrato deverá ser registrado no DETRAN e esta informação constará no CRV do
automóvel. É desnecessário o registro do contrato de alienação fiduciária de veículos
em cartório. RE 611639/RJ, julgado em 21/10/2015 (repercussão geral). E ADI 4333/DF e
ADI 4227/DF, julgados em 21/10/2015 (Info 804).

338
Direito Civil 2016 339

9.8.3 REGISTRO DE IMÓVEIS


No direito brasileiro não basta o contrato para a transferência ou aquisição do domínio. Por
ele, criam-se apenas obrigações e direitos, segundo estatui o art. 481 do CC. O domínio,
porém, só se transfere pela tradição, se for coisa móvel (art. 1.267) e pelo registro do título
translativo, se for coisa imóvel (art. 1.245). A relação dos atos sujeitos a registro encontram-
se na LRP (art. 167). A lei anterior sujeitava alguns atos, como os transmissivos da
propriedade, à transcrição, e outros, como a hipoteca, à inscrição. O CC usa apenas a
expressão “registro”, que engloba os antigos atos de transcrição e inscrição.
PRINCÍPIOS QUE REGEM O REGISTRO DE IMÓVEIS.
Princípios da publicidade. O registro confere publicidade às transações imobiliárias, valendo
contra terceiros. Qualquer pessoa poderá requerer certidão do registro sem informar ao
oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido (LRP, art. 17). Todos têm direito
de ter acesso às informações registradas.

Princípio da conservação: os dados devem ser rigorosamente conservados.


Princípio da força probante (fé pública), da presunção ou da veracidade registral. Os
registros têm força probante, pois gozam da presunção de veracidade relativa. No Brasil,
apenas o registro pelo sistema Torrens (LRP, art. 277) acarreta presunção absoluta sobre
a titularidade do domínio, mas só se aplica a imóveis rurais.
Princípio da legalidade: incumbe ao oficial do cartório, por dever de ofício, examinar a
legalidade e a validade dos títulos que lhe são apresentados para registro, nos seus
aspectos intrínsecos e extrínsecos. Não lhe cabe, entretanto, arguir vícios de
consentimento, devendo limitar-se à verificação de sua natureza, se registrável ou não.
Apenas aquilo que formalmente transparece ao oficial do cartório como válido pode ser
examinado/apreciado (o que vai além, o que não transparece sob ponto de vista formal, não
deve ser examinado).
Princípio da territorialidade: é o que exige o registro na circunscrição imobiliária da situação
do imóvel. A escritura pode ser lavrada no Cartório de Notas de qualquer localidade, mas o
registro só pode ser efetuado no Registro de Imóveis da situação do imóvel, o que, sem
dúvida, facilita a pesquisa em torno dos imóveis (LRP, art. 169).
Princípio da continuidade: os registros se dão pela ordem cronológica da apresentação.
Somente se admite o registro de um título se a pessoa que nele aparece como alienante é
a mesma que figura como o seu proprietário (art. 195 da LRP).
Princípio da prioridade: protege quem primeiro registra seu título. A prenotação assegura a
prioridade do registro. Se mais de um título for apresentado a registro no mesmo dia, será
registrado aquele prenotado em 1º lugar no protocolo (art. 191 e 192 da LRP e art. 1246
NCC). Princípio da especialidade: exige a minuciosa individualização no título do bem a ser
registrado. É o que trata dos dados geográficos do imóvel, especialmente os relativos às
suas metragens e confrontações. Visa proteger o registro de erros que possam confundir
as propriedades e causar prejuízos aos seus titulares (art. 225 da LRP).
Princípio da inscrição: a ideia central é a de que a constituição, transmissão e
desconstituição dos direitos reais sobre imóveis por atos “inter vivos” só se operam com a
publicidade no registro imobiliário. É a publicidade que opera a mutação jurídico-real. Para
que o direito, fato ou ato possa ser objeto de publicidade, é necessário que o título esteja
prenotado.
Princípio da instância, que não permite que o oficial proceda a registros de ofício, mas
somente a requerimento do interessado, ainda que verbal (LRP, art. 13). Até mesmo a
instauração de procedimento de dúvida será feita a requerimento do interessado (art. 13 e
198, LRP).

339
Direito Civil 2016 340

Princípio da responsabilidade: o oficial e seus prepostos são responsáveis pelos danos


decorrentes dos registros realizados equivocadamente. Trata-se de responsabilidade
objetiva.

DÚVIDA. A Dúvida é pedido de natureza administrativa, formulada pelo oficial, a


requerimento do apresentante de título imobiliário, para que o juiz decida sobre a
legitimidade de exigência feita como condição de registro pretendido. Tão logo o título seja
protocolizado, faz-se a prenotação, devendo o oficial examiná-lo. Se estiver em ordem, será
registrado. Havendo exigência a ser satisfeita, indicá-la-á por escrito, tendo o interessado
30 dias para a regularização. Não se conformando o apresentante com a exigência do
oficial, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo
competente para dirimi-la (LRP, art. 198). Neste caso, o prazo de 30 dias permanecerá
suspenso, até a solução ser dada pelo juiz. Suscitada a dúvida pelo oficial (suscitante), a
pedido do interessado, cujo procedimento é de jurisdição voluntária (em que o juiz
administra interesses privados), será o apresentante do título (suscitado) cientificado do
seus termos, para impugná-la. O MP será ouvido, e a dúvida julgada, por sentença. Se
procedente, poderão interpor recurso de apelação o interessado, o MP e o terceiro
prejudicado. Se improcedente, não poderá o oficial apelar, por falta de legítimo interesse,
tendo-a suscitado apenas por dever de ofício. Todavia, poderão fazê-lo o representante do
MP e o terceiro prejudicado. O recurso será endereçado ao Tribunal de Justiça. Mantida a
sentença de improcedência, o interessado apresentará de novo os documentos, para que
se proceda o registro (LRP, art. 203). Quando é o próprio interessado que peticiona
diretamente ao juiz, requerendo a instauração do procedimento de dúvida (passando,
então, a suscitante, e o oficial a suscitado), o expediente denomina-se dúvida inversa, não
prevista na LRP, mas em geral admitida pelos juízes, por uma questão de economia
processual.
MATRÍCULA, REGISTRO E AVERBAÇÃO. A atual LRP, pretendendo melhor
individualizar os imóveis, instituiu a matrícula, exigindo a sua realização antes do registro,
quando o imóvel sofrer a 1ª alteração na titularidade após a sua vigência (arts. 176, § 1º, e
228).
O registro sucede à matrícula e é o ato que efetivamente acarreta a transferência da
propriedade. O número inicial da matrícula é mantido, mas os subsequentes registros
receberão numerações diferentes, em ordem cronológica, vinculados ao número da
matrícula-base.
A averbação é qualquer anotação feita à margem de um registro, para indicar as alterações
ocorridas no imóvel, seja quanto à sua situação física (edificação de uma casa, mudança
de nome de rua), seja quanto à situação jurídica do seu proprietário (mudança de solteiro
para casado). Averbam-se fatos posteriores à matrícula e o registro, que não alteram a
essência desses atos, modificando apenas as características do imóvel ou do sujeito.
Inovação legislativa: Art. 176, §8º: O ente público proprietário ou imitido na posse a
partir de decisão proferida em processo judicial de desapropriação em curso poderá
requerer a abertura de matrícula de parte de imóvel situado em área urbana ou de
expansão urbana, previamente matriculado ou não, com base em planta e memorial
descritivo, podendo a apuração de remanescente ocorrer em momento posterior.
(Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)
9.9 Estatuto da Terra
9.9.1 DIREITO AGRÁRIO
NOÇÕES GERAIS. Remontam aos primórdios da civilização as origens do Direito Agrário,
que compreende as regras de conduta que regem o homem em sua relação com a terra.
340
Direito Civil 2016 341

Alguns agraristas defendem outras terminologias como “Direito Rural”, “Direito da Reforma
Agrária”, “Direito da Agricultura” ou “Direito Agrícola”.
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS do Direito Agrário: 1) o monopólio legislativo da União; 2)
a utilização da terra se sobrepõe à titulação dominial; 3) a propriedade da terra é garantida,
mas condicionada ao cumprimento da função social; 4) o Direito Agrário é dicotômico:
compreende política de reforma (Reforma Agrária) e política de desenvolvimento (Política
Agrícola); 5) as normas jurídicas primam pela prevalência do interesse público sobre o
individual; 6) a reformulação da estrutura fundiária é uma necessidade constante; 7) o
fortalecimento do espírito comunitário, através de cooperativa e associações; 8) o combate
ao latifúndio, ao minifúndio, ao êxodo rural, à exploração predatória e aos mercenários da
terra; 9) privatização dos imóveis rurais públicos; 10) a proteção à propriedade familiar, à
pequena e à média propriedade; 11) o fortalecimento da empresa agrária; 12) a proteção
da propriedade consorcial indígena; 13) o dimensionamento eficaz das áreas exploráveis;
14) a proteção do trabalhador rural; 15) a conservação e a preservação dos recursos
naturais e a proteção do meio ambiente; 16) combate a qualquer tipo de propriedade rural
ociosa, sendo aproveitável e cultivável; 17) povoamento da zona rural, de maneira
ordenada; 18) progresso econômico e social do rurícola; 19) fortalecimento da economia
nacional, pelo aumento da produtividade; 20) fortalecimento do espírito comunitário,
mormente da família; 21) desenvolvimento do sentimento de liberdade (pela propriedade) e
de igualdade (pela oferta de oportunidades concretas); 22) implantação da justiça
distributiva; e 23) eliminação das injustiças sociais no campo.
DIREITO AGRÁRIO NO BRASIL. O Tratado de Tordesilhas (1494) assinado por D. João,
rei de Portugal, e D. Fernando e D. Isabel, reis da Espanha, estipulou que as terras
eventualmente descobertas no mundo passariam ao domínio de quem as descobrisse,
conforme linha imaginária traçada (à direita pertence a Portugal, a esquerda a Espanha).
Esse documento é importante para o sistema fundiário brasileiro, pois o Brasil foi descoberto
por Pedro Álvares Cabral de Portugal, que adquiriu o domínio sobre essas terras. Titular do
domínio sobre o território descoberto, a Cora Portuguesa cuidou de ocupar a nova terra e
para tanto, em 1531, incumbiu a Martim Afonso de Souza, a tarefa de colonizar o Brasil.
Tantas eram as terras por distribuir que Portugal começou o processo de colonização
doando, em caráter irrevogável, àquele colonizador uma grande extensão de terras.
REGIME SESMARIAL. Este regime era adotado em Portugal, mas foi aplicado de forma
diferente no Brasil. No Brasil, as sesmarias eram muito similares a enfiteuse, pois só
transferiam o domínio útil. Assim, pela sesmarias eram concedidas terras para pessoas
que aqui viessem e fixassem residência, povoando o Brasil, inclusive com efeito de
transmissão “causa mortis”. Mas, havia cláusula nas cartas de sesmarias segundo a qual
as terras concedidas poderiam ser retomadas e dadas a outras pessoas, caso os
concessionários não as aproveitassem no prazo de 2 anos. Ainda as cartas previam outras
obrigações (colonizar a terra, demarcar limites, pagar tributos e etc.). Se o sesmeiro não
cumprisse essas obrigações, caía em comisso e assim o imóvel devia voltar para o
patrimônio da Coroa para ser redistribuído a outros interessados (terras devolutas). O
regime sesmarial no Brasil vigorou até 17/07/1822, poucos meses antes da proclamação
da independência. O regime sesmarial privilegiou pessoas que não tinham condições de
cumprir com suas obrigações, por outro lado, trabalhadores vindos de Portugal ocuparam
sobras de sesmarias não aproveitadas, ou até invadiam áreas não concedidas. Por um lado
este regime colonizou e povoou o interior do País, consolidando suas dimensões
continentais. Por outro lado, gerou vícios no sistema fundiário até os dias de hoje. A “LEI
DE TERRAS”. Portugal entendeu que as sesmarias trouxeram mais malefícios do que
benefícios, por isso, extinguiu definitivamente este regime em 1822. Mas, isso causou um
mal maior, pois deixou o Brasil sem qualquer legislação sobre terras por 28 anos. Este
341
Direito Civil 2016 342

período “extralegal” ou “das posses” gerou ocupação desenfreada do vasto território


brasileiro e de forma desordenada. Somente em 1850, sob o regime imperial, foi editada a
1ª lei sobre terras: a Lei 601, considerada um marco histórico legislativo no direito
agrário brasileiro e regulamentada pelo Decreto nº 1318/1854. Este marco legal teve o
mérito de definir o instituo de “terras devolutas”, bem como estabelecer mecanismos para
a sua discriminação, extremando-as das terras de particulares. Aliás, o procedimento
discriminatório até hoje persiste no ordenamento jurídico pátrio, passados quase 2 séculos.
O NASCIMENTO DO DIREITO AGRÁRIO. A “Lei de Terras”, apesar de importante, não
solucionou o problema da distribuição de terras no País. Este problema se situa em 2 polos:
de um lado a concentração de extensas áreas improdutivas em mãos de poucos
(latifúndios) e de outro a grande quantidade de minifúndios. Apesar disso, ainda subsistem
os mais importantes delineamentos da “Lei das Terras” que foram repetidos nas leis
subsequentes, podendo-se destacar normas sobre legitimação de posse, proteção aos
silvícolas, as limitações ao acesso de estrangeiros aos imóveis rurais no País, a proteção
às terras situadas na faixa de fronteira e outros. Destaca-se que a 1ª Constituição
Republicana de 1891, no art. 64, transferiu para os Estados as terras devolutas, ficando
reservadas à União apenas áreas destinadas à defesa das fronteiras, fortificações,
construções militares e estradas de ferro, além dos terrenos de marinha. A CF de 1934
sedimentou ideias agraristas, preconizou a formulação de “normas fundamentais de Direito
Rural” (art. V, XIX, c), criou o usucapião “pro labore” e abrigou normas sobre colonização e
dimensionou a proteção aos silvícolas e ao trabalhador. A CF/46 criou a desapropriação por
interesse social, que mais tarde viria a ser adaptada para fins de reforma agrária e ensejou
a criação do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC), embrião do atual INCRA.
A autonomia do Direito Agrário foi reconhecida há pouco tempo com a EC 10/64. Na
sequência da EC 10/64, foi logo promulgado o Estatuto da Terra (Lei nº 4504/64) para
muitos considerado um verdadeiro código agrário.
9.9.2 ESTATUTO DA TERRA
O Estatuto da Terra (lei 4504/64) dá o conceito do que sejam Políticas públicas agrícolas e
Reforma Agrária:
a) política agrícola é o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que
se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja
no sentido de garantirlhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo
de industrialização do País.
b) reforma agrária é o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da
terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios
de justiça social e ao aumento de produtividade.

A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. Pode-se dizer que a propriedade privada, como


um direito individual e funcionalizado, i.e., que tem presente uma função social, apresenta
um conceito não absoluto de propriedade. “Para usar uma expressão metafórica muito feliz,
diz-se que o direito de propriedade é o corpo e a função social é a alma, elementos
inseparáveis, mas distintos, que se mantêm vivos enquanto ligados.” (Godoy. P. 31). O novo
Código Civil no art. 1228 se mostra atento à ideia de função social da propriedade.
Especificamente quanto à propriedade imobiliária agrária, a CF (art. 186) considera
atendida a sua função social quando cumpre simultaneamente os requisitos:
• da produção: uso racional e adequado, segundo critérios exigidos em lei;
• da ecologia: preservação e conservação dos recursos naturais e

342
Direito Civil 2016 343

• social: respeito aos direitos trabalhistas e “manter exploração que favoreça o bem-
estar dos proprietários e dos trabalhadores”.
A CF manteve a mesma disciplina inaugurada com o Estatuto da Terra,
acrescentando-lhe, apenas, a preocupação com o meio ambiente. Posteriormente, a Lei
8.629, de 25.02.93 minudenciou os requisitos da função social da propriedade rural,
detalhando objetivamente todas as exigências legais para que se considere cumprida a
função social da propriedade.

DA PRODUÇÃO. A Lei 8.629/93 traz o detalhamento para a caracterização da propriedade


produtiva. O art. 6º da Lei atribui essa condição àquela propriedade que atinge,
simultaneamente, graus de utilização e de eficiência na exploração, segundo índices
fixados pelo órgão federal competente. Estabelece que o grau de utilização da terra deverá
ser igual ou superior a 80%, calculado entre a área utilizável e a área efetivamente em
produção. A eficiência é computada segundo o tipo de exploração na unidade em face aos
índices indicados pelo órgão estatal. O artigo 7º da mesma Lei 8.629/93 exclui da
desapropriação para fins de reforma agrária, o imóvel que comprove estar sendo objeto de
implantação de projeto técnico.

DO ELEMENTO ECOLÓGICO. A Lei 8.629/93, no seu art. 9º, considera adequada a


utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a
vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade.
DO ELEMENTO SOCIAL. A Lei 8.629/93, no §4º do artigo 9º, considera que a observância
das disposições que regulam as relações de trabalho implica tanto o respeito às leis
trabalhistas quanto aos contratos coletivos de trabalho; além de aos contratos de
arrendamento e parceria rurais.
INSTRUMENTOS DE POLÍTICA AGRÁRIA NA CF/88. Nos artigos 184 a 187, a CF
concede os instrumentos que permitem ao Poder Público o desenvolvimento da Política
Agrária. São eles:
• Política agrícola e desapropriação por interesse social para fins de reforma
agrária.
• ITR progressivo no tempo (art. 153, §4º),
• A impenhorabilidade da pequena propriedade imobiliária agrária (art. 5º,
XXVI) e
• O usucapião constitucional agrário.

A POLÍTICA AGRÍCOLA. A Política Agrícola, como primeiro instrumento de Política


Agrária, está disciplinada na CF, no art. 187, que dispõe que será planejada e executada,
na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e
trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de
transporte; em seguida, especifica uma série de medidas de políticas públicas a seres
implementadas, visando à promoção da produção, beneficiando e incentivando os produtos,
com: instrumentos creditícios27 e fiscais; preços compatíveis com os custos de produção e
a garantia de comercialização; incentivo à pesquisa e à tecnologia; assistência técnica e

27
A Lei 9.138 91, denominada lei da securitização, determinou às instituições financeiras que realizem o
alongamento do pagamento das dívidas oriundas de créditos rurais, sob a garantia de títulos federais, em um claro
benefício ao produtor rural pequeno e médio, já que o montante da dívida não podia superar R$200 mil reais. A
jurisprudência pacificou-se no sentido de que o produtor rural tem direito subjetivo ao alongamento da dívida, não
podendo as instituições financeiras decidir livremente à quais produtores outorgariam a securitização, sob pena de
ofender o princípio da isonomia.
343
Direito Civil 2016 344

extensão rural; seguro agrícola; cooperativismo; eletrificação rural e irrigação; e habitação


para o trabalhador rural. Diferentemente da Reforma Agrária, a Política Agrícola, também
chamada de Política de Desenvolvimento Rural, é um movimento permanente, em eterna
renovação para acoplar os recursos da tecnologia e a necessidade de retirar riquezas cada
vez mais densas da terra, sem a exaurir, sem a esgotar. São atividades cobertas pela
Política Agrícola: agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais (i.e., exploração de
florestas cultivadas ou extrativismo).
INSTITUTOS BÁSICOS DE DIREITO AGRÁRIO. O ET, em seu artigo 4º, traz uma série
de conceitos básicos de direito agrário, que vão a seguir analisados.
IMÓVEL RURAL X IMÓVEL URBANO. O imóvel rural é o prédio rústico de área contínua,
qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração
agrícola, pecuária, extrativa, vegetal, florestal ou agro-industrial. O Estatuto da Terra
procurou encerrar a polêmica, adotando a teoria da destinação. Acontece que o CTN, como
lei posterior, revogou o princípio da destinação, substituindo-o pelo da localização (art. 32).
Mais recentemente, a Lei 8.629/93, que veio regulamentar os artigos 185 e 186 da CF,
também cuidou da definição de imóvel rural, utilizando-se do critério da destinação. No
STJ já pacificou que o critério para definição de imóvel rural, para fins de cobrança de ITR,
é o critério da destinação do imóvel. Há decisão sobre o tema inclusive em sede de recurso
repetitivo (RESP - RECURSO ESPECIAL – 1112646. 1º seção, julgado 28.08.2009).
PROPRIEDADE FAMILIAR é o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo
agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a
subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região
e tipo de exploração, e, eventualmente, trabalhado com a ajuda de terceiros (art. 4º, II do
ET).
MÓDULO RURAL é a área de terra, com área máxima fixada para cada região e tipo de
exploração, que, trabalhada direta e pessoalmente por uma família de composição média,
com auxílio apenas eventual de terceiros, se revela necessária para a subsistência e, ao
mesmo tempo suficiente como sustentáculo ao progresso social e econômico da referida
família. Segundo Benedito Ferreira Marques, “tem-se, assim, que o módulo rural é a medida
adotada para o imóvel rural ser classificado como ‘propriedade familiar’.” A fixação desta
área é feita atualmente pelo INCRA. É proibido o parcelamento do solo em dimensão inferior
à constitutiva do módulo rural (fração mínima de parcelamento – FMP). Com isso, visa-
se a evitar a proliferação de áreas tidas como antieconômicas, o que acarreta problemas
graves de distorção fundiária.
MINIFÚNDIO é o imóvel rural de área e possibilidades inferiores às da propriedade familiar
(art. 4º, IV do ET). É, pois, a gleba de terra que, embora bem trabalhada pelo proprietário
com sua família, e, eventualmente, com a ajuda de terceiro, se revela insuficiente para o
sustento e o progresso social e econômico do mesmo conjunto familiar. O minifúndio, sendo
antieconômico, prejudica o minifundiário, e, retendo-o em situação deficitária, prejudica a
própria comunidade por falta de melhor aproveitamento de suas forças humanas
disponíveis.
LATIFÚNDIO é o imóvel rural que, tendo área igual ou superior ao módulo, é mantido
inexplorado, explorado incorretamente, ou que tem dimensão incompatível com a justa
distribuição de terra. Há, pois, dois tipos de latifúndios: por extensão/por dimensão (área
superior a 600 vezes o módulo médio da propriedade rural ou 600 vezes a área média dos
imóveis rurais na respectiva zona) e por exploração/por inexploração (não exploração ou
exploração incorreta).
EMPRESA. “A empresa rural pode ser definida como o empreendimento de pessoa física
ou jurídica, pública ou privada, que explore econômica e racionalmente imóvel rural,
344
Direito Civil 2016 345

fazendo-o cumprir integralmente sua função social”. A empresa rural não se confunde com
a propriedade familiar. Esta é unidade de produção para o conjunto familiar. Aquela é
unidade de produção para uma comunidade mais ampla, onde se associam terra, trabalho,
capital e técnica, tudo dirigido organicamente a um fim econômico. A natureza da empresa
rural depende de como a mesma estiver organizada. Poderá ser de natureza civil,
submetida ao registro no INCRA, ou comercial. Segundo nos ensina Fábio Ulhôa Coelho, o
Código Civil de 2002 reservou para o exercente de atividade rural um tratamento específico
(art. 971). Se ele requerer sua inscrição no registro da empresa (Junta Comercial), será
considerado empresário e submeter-se-á às normas de Direito Comercial. Esta deve ser a
opção do agronegócio. Caso, porém, não requeira a inscrição neste registro, não se
considera empresário e seu regime será o do Direito Civil.
PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. A CF fez referência à pequena propriedade rural, a
qual foi definida pela lei 8.629/93, como sendo aquela compreendida entre 1 (um) a 4
(quatro) módulos fiscais. A pequena propriedade rural, “desde que trabalhada pela família,
não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade
produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento”. (art. 5º, XXVI).
MÉDIA PROPRIEDADE RURAL. A lei 8.629/93 definiu a média propriedade rural como
aquela com dimensão superior a 4 (quatro) até 15 (quinze) módulos fiscais. A média
propriedade rural é relativamente insuscetível de desapropriação, com se verá a frente.
COLONIZAÇÃO é instrumento de política agrária, com objetivos básicos de dar sentido
econômico e social a imóveis rurais ociosos. A colonização é forma de política agrária
dirigida ao povoamento de terras desabitadas ou pouco povoadas, virgens ou incultas,
objetivando introduzir nelas a infraestrutura necessária para permitir a organização de um
parcelamento de terras ou permitir o racional aproveitamento ou utilização, bem como a
introdução de serviços púbicos e privados adequados para o assentamento de uma
população. Duas são as espécies de colonização: a) oficial e b) particular. A colonização
oficial tem como colonizador o Poder Púbico, cujos projetos se desenvolvem sobre terras
que já se incorporaram ao seu patrimônio, ou que venham a sê-lo, preferencialmente nas
áreas ociosas, próximas a grandes centros urbanos e de mercado de fácil acesso com
problemas de abastecimento. A colonização particular, como nome indica, é realizada por
empresa particular.
TERRAS DEVOLUTAS E PODER PÚBLICO. Terras devolutas são as terras que, não
sendo bens próprios nem aplicadas a algum uso público, não se incorporam regular e
legitimamente ao domínio privado. As terras devolutas que estiverem localizadas em área
rural devem passar para a iniciativa privada, de modo a promover o desenvolvimento
agrícola. Afinal, é certo que o Poder Público não quer terras para sua exploração direta,
como se for empresário. Não quer competir com a iniciativa privada, cujo estímulo é
postulado constitucional. Nesse sentido, dispõe o artigo 188 da CF de 1988 que “a
destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e
com o plano nacional de reforma agrária”. O ET no art. 13 dispõe que “o Poder Público
promoverá a gradativa extinção das formas de ocupação e de exploração da terra que
contrariem sua função” e no art. 14 “o Poder Público facilitará e prestigiará a criação e a
expansão de empresas rurais de pessoas físicas e jurídicas que tenham por finalidade o
racional desenvolvimento extrativo, agrícola, pecuário ou agroindustrial. Também
promoverá a ampliação do sistema cooperativo e a organização daquelas empresas, em
companhias que objetivem a democratização do capital”.
AQUISIÇÃO DE TERRAS POR ESTRANGEIROS. É regulada pela Lei 5.709, de 1971.
Essa lei prevê uma série de restrições, como limitações territoriais e necessidade de
aprovação prévia pelo Incra. A lei se aplica tanto ao “estrangeiro residente no país” como à
345
Direito Civil 2016 346

“pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil”. Entretanto, o seu artigo 1º,
parágrafo 1º, ampliou o seu alcance a pessoas jurídicas brasileiras das quais participem, a
qualquer título, “pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu
capital social e residam ou tenham sede no Exterior”. A partir de 1988, passou-se a entender
que essa equiparação foi revogada pela Constituição Federal, que trouxe, em seu artigo
171, os conceitos de “empresa brasileira” e “empresa brasileira de capital nacional”. Esse
entendimento foi confirmado pela AGU, que editou dois pareceres, em 1994 e 1998,
concluindo pela revogação do artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 5.709. Por muitos anos, esses
pareceres geraram segurança jurídica para grupos estrangeiros investirem em projetos
agrícolas. Afinal, eles consagraram o entendimento de que empresas brasileiras não
estavam mais sujeitas a restrições para aquisição de terras rurais, pouco importando a
origem de seu capital. Mas, em agosto de 2010, a AGU elaborou um novo parecer,
revogando os pareceres anteriores e entendendo que a norma em questão não havia sido
revogada; ao contrário, o discrímen nela inserido seria plenamente compatível com a
Constituição, de modo que empresas brasileiras com capital social majoritariamente
estrangeiro deveriam, sim, se sujeitar às restrições da Lei 5.709. Esse novo parecer foi
aprovado pelo presidente Lula e passou a vincular a administração pública federal. Seus
impactos na economia foram significativos. Estima-se que, apenas em 2011 e 2012, foram
causados US$ 15 bilhões de prejuízos ao agronegócio. Mais recentemente, a Sociedade
Rural Brasileira ajuizou no STF a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
342, objetivando a declaração de que o parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 5.709/1971 não foi
recepcionado pela Constituição Federal.
PROCESSO DISCRIMINATÓRIO. É o procedimento especial destinado a identificar e
definir em seus contornos e em suas lindes as terras devolutas. Assim, o seu objetivo
precípuo é separar as terras do Poder Público das que pertencem aos particulares,
identificando-as, claramente, para efeito de registro nos CRI e, ao depois, aliená-las ou
aplicá-las nas finalidades previstas no Estatuto da Terra. O processo discriminatório pode
ter lugar no âmbito administrativo ou no âmbito judicial, hoje regulada pela Lei 6.383/76. Por
óbvio, a ação discriminatória de terras da União processar-se-á na Justiça Federal. A
ação discriminatória tem caráter prejudicial em relação às ações em andamento, referentes
a domínio ou posse de imóveis situados, no todo ou em parte, na área discriminada. Assim,
segundo Torminn, com espeque no artigo 23, p. ún., da Lei 6.383, todas as ações atraídas
passam à competência da JF, e, nelas, mesmo que não seja parte, deve a União intervir.
Nesse contexto, pode-se dizer que a ação discriminatória goza de preferência, mas apenas
em relação às demais ações versantes sobre a área discriminada.
A JUSTIÇA AGRÁRIA. O artigo 126 da CF diz que, para dirimir conflitos fundiários, o TJ
proporá a criação de varas especializadas, com competência exclusiva para questões
agrárias. Sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicional, o juiz far-se-á presente
no local do litígio (EC 45/2004).
LEGITIMAÇÃO DE POSSE. A legitimação da posse está ligada ao cumprimento de um dos
mais importantes princípios norteadores do direito agrário que é a despublicização de suas
terras, transferindo-as para particulares, para que nela trabalhem e produzam. A
legitimação de posse é a exaração de ato administrativo, através do qual o Poder Público
reconhece ao particular que trabalhava a terra a sua condição de legitimidade, outorgando,
ipso facto, o formal domínio pleno, ou, simplesmente, é a forma de alienação de terras
devolutas.
Atualmente, a legitimação de posse está regulada pela Lei 6.383/76, que dispõe sobre os
procedimentos discriminatórios das terras devolutas da União. Para a expedição do título
de domínio, a Lei 6.383 estabeleceu a necessidade de obtenção de um documento

346
Direito Civil 2016 347

provisório, que denominou de “licença de ocupação”. Para obtê-la, o posseiro deve atender
os seguintes requisitos prévios:
a) serem as terras legitimáveis públicas devolutas;
b) a área não pode ultrapassar a cem (100) hectares;
c) o posseiro deve comprovar morada permanente e cultura efetiva pelo lapso de tempo não
inferior a um (1) ano;
d) o posseiro não pode ser proprietário de imóvel rural;
e) deve ele explorar a atividade agrária com seu trabalho direto e o de sua família.
Preenchido esses requisitos, o posseiro recebe a licença de ocupação, que terá o prazo de
quatro anos. Esse documento representa um título de posse, permite o acesso ao crédito
rural e assegura a seu titular a preferência para a aquisição definitiva do imóvel. É um
documento intransferível por ato inter vivos, é inegociável, e não pode ser objeto de penhora
ou de arresto, tendo o caráter personalíssimo. A licença de ocupação é pré-requisito da
legitimação de posse, pelo que para obter esta o posseiro terá que ter, pelo menos 5 anos
de posse (1 ano para a licença de ocupação e mais os 4 anos de cumprimento da licença).
A CF de 88, em seus artigos 188 e 189, introduziu novos parâmetros para as alienações
das terras devolutas. De acordo com o novo texto constitucional, a transferência das terras
devolutas está condicionada à compatibilização com a Política Agrícola e com a Reforma
Agrária e estabelece a cláusula de inegociabilidade do imóvel pelo prazo de 10 (dez) anos,
a ser inserida, seja no título de domínio, seja no de concessão de uso.
REGULARIZAÇÃO DE POSSE é forma onerosa de aquisição de propriedade, resultando
da preferência para a aquisição do imóvel em virtude da posse agrária. A regularização de
posse é facultativa e onerosa, em contraposição à legitimação que é obrigatória e gratuita.
Tratando-se de um procedimento administrativo com caracteres peculiares à compra e
venda, negócio jurídico tipicamente bilateral e oneroso, não se vislumbra possibilidade de
obtenção do título na esfera judicial, a menos que, preenchidos todos os requisitos legais e
convencionais, o Poder Público se negue a outorgar o título definitivo. Em tal hipótese,
acredita-se que se apresente cabível a ação de adjudicação compulsória, regulada no
Decreto–Lei n. 58, de 10 de dezembro de 1937.
USUCAPIÃO AGRÁRIO. A usucapião agrário ou usucapião especial, também é
denominado de usucapião pro labore e de usucapião constitucional. O usucapião agrário
se funda na possetrabalho, assim entendida como aquela caracterizada pela utilização
econômica do bem possuído. Os requisitos do usucapião agrário estão previstos no artigo
191 da CF. é ponto pacífico na doutrina agrarista que, no usucapião agrário, não se conhece
a figura do preposto, nem se admite que a posse do antecessor se some à do atual, para
efeito de composição do tempo necessário à prescrição aquisitiva. A posse há de ser direta
e pessoal e ininterrupta. Quando muito se concebe a sucessão de posses em caso de morte
do possuidor, porque, no contexto agrário, a chamada propriedade familiar constitui um dos
seus postulados. A competência da ação de usucapião será do foro da situação do bem:
Súmula 11 do STJ: A presença da União ou de qualquer de seus entes, na ação de
usucapião especial, não fasta a competência do foro da situação do imóvel.
REFORMA AGRÁRIA. Art. 1º do ET: reforma agrária é o conjunto de medidas que visem a
promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e
uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade. Temos,
assim, que a reforma agrária não visa apenas a distribuição de terras, mas sim a uma
melhor distribuição, o que evidencia o seu caráter de transformação da distorcida estrutura
agrária do país. A reforma agrária busca atender a um fim específico que é a “justiça social
347
Direito Civil 2016 348

e ao aumento de produtividade”. Essa é a razão porque alguns autores afirmam que o


fundamento da reforma é a justiça social. Outros assinalam que são dois os fundamentos:
a) igualdade de oportunidade de acesso à terra (democratização da terra); e b) fazer a terra
cumprir a sua função social.
Existem, em tese, dois métodos de fazer a reforma agrária, o coletivista e o privatista. O
coletivista consiste na nacionalização da terra, passando à propriedade do Estado, que
outorga ao campesino apenas o direito de uso. Fundamenta-se na doutrina socialista. O
privatista é aquele em que se admite a propriedade privada. A terra é de quem a trabalha,
seja pequeno, médio ou grande produtor. Baseia-se na teoria, segundo a qual os bens
existem para a satisfação do homem, que deve se apropriar deles, não sendo, porém um
direito absoluto, porque está condicionado ao bem comum. A reforma agrária, no Brasil, é
de competência da União e a desapropriação respectiva tem marcado caráter punitivo, uma
vez que a indenização da terra nua é paga com Títulos da Dívida Agrária. A distribuição dos
imóveis rurais desapropriados tanto pode ser feita através de títulos de
– art. 7º28). Em
qualquer desses instrumentos é obrigatória a inclusão de cláusula de inegociabilidade pelo
prazo de 10 anos (CF 189). Além disso, os beneficiários assumem a obrigação de cultivar
o imóvel recebido, direta e pessoalmente, ou través de seu núcleo familiar, mesmo que
através de cooperativas, bem como a obrigação de não ceder o seu uso a terceiros, a
qualquer título, pelo prazo de 10 anos.
DESAPROPRIAÇÃO RURAL. Celso Antônio Bandeira de Melo: “a desapropriação é um
procedimento administrativo mediante o qual o poder público, compulsoriamente e por ato
unilateral, despoja alguém de um bem, adquirindo-o originariamente, mediante indenização
prévia e justa”. O legislador constituinte, no artigo 185, previu a desapropriação agrária, ao
tempo em que estabeleceu certas imunidades.
Em princípio, todo imóvel que não cumpra a sua função social é passível de desapropriação
agrária, excepcionando-se a pequena e medida propriedade, quando o proprietário não
possua outra propriedade rural, bem como a propriedade produtiva. Além disso, nos termos
do artigo 7º da Lei 8.629/93, o imóvel que comprove estar sendo objeto de implantação de
projeto técnico que atenda a certos requisitos estabelecidos na lei não pode ser
desapropriado.
A desapropriação pode se dar por procedimento administrativo, quando existe acordo das
partes em relação ao valor da indenização, ou por procedimento judicial, quando tal acordo
inexiste. Na hipótese de ser instaurada a ação de desapropriação agrária, o réu pode alegar
qualquer matéria de defesa, exceto apreciar o interesse social declarado (art. 9º, LC 76/93).
Declarado o interesse social, para fins de reforma agrária (sempre por decreto do
Presidente da República), fica o órgão executor do projeto (atualmente o INCRA) legitimado
para promover a vistoria e a avaliação do imóvel, podendo até mesmo valer-se de força
policial, com autorização do juiz, em caso de resistência do proprietário. O prazo para
exercício da ação expropriatória é de dois anos, a contar do decreto. O depósito prévio é
uma exigência no momento da instauração do processo expropriatório agrário. A imissão
de posse é um ato processual que deve ser determinado no primeiro despacho do juiz,
determinado-se, ainda, a citação e a averbação da ação no registro do imóvel.
O art. 22 da Lei n. 9393/96, que disciplina a incidência do ITR, dispõe que o valor da terra
nua para fins de depósito judicial não pode ser superior ao valor da terra nua declarada pelo

28
Art. 7º É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, remunerada ou gratuita, por tempo
certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de urbanização, industrialização, edificação,
cultivo da terra, ou outra utilização de interesse social.
348
Direito Civil 2016 349

proprietáriocontribuinte para efeitos e tributação. Da sentença caberá apelação apenas no


efeito devolutivo, quando o expropriado for apelante, e no duplo efeito quando o poder
público for apelante. A remessa obrigatória somente está prevista para os casos em que a
sentença fixar valor de indenização superior a 50% do oferecido na inicial.
A competência é sempre da justiça federal de 1ª instância e o MPF funciona em todas
as fases da ação, como fiscal da lei.

349
Direito Civil 2016 350

DIREITO DE FAMÍLIA

A CF, no seu art. 226, no âmbito do direito de família, consagra um sistema normativo aberto, inclusivo
e não discriminatório.
Nessa linha, a moderna doutrina (Maria Berenice Dias, Giselda Hironaka, Paulo Lôbo, etc...) sustenta
que para além do casamento, da união estável e do núcleo monoparental, outros arranjos
familiares, na perspectiva do princípio da afetividade, mesmo não expressamente contemplados
são dignos de tutela.
Nenhum ramo do direito civil sofreu uma metamorfose tão profunda como o direito de família. A linha
que o prof. vai seguir é constitucional.
Afilhado criado pela madrinha. O irmão mais velho cria o menor com a morte dos pais. Não está
expressamente, está implicitamente  princípio da afetividade = sistema normativo aberto,
inclusivo e não discriminatório = © família: mutável moldável com a alteração da afetividade 
não há hierarquia entre os arranjos familiares
Isso que sustentava a fundamentação do arranjo familiar da homoafetividade.
Caio Mario da Silva Pereira, em uma de suas últimas obras, Direito Civil: Alguns aspectos da sua
evolução, já anunciava que a multiplicidade de fatores não permitiria a fixação de um modelo
social único de família.
©Família: por óbvio, nenhuma definição, neste seara, será definitiva e completa (já se resguarda com
o examinador). Mas, em esforço científico, podemos conceituar a família, base da sociedade
(expressão importante de colocar), como ente despersonificado, potencialmente estável e
moldado pelo vínculo da afetividade.
Namoro não é núcleo familiar, porque é um núcleo instável.
Casamento, união estável, relação entre madrinha que cria afilhado, são núcleos estáveis.
Mesmo registrando ao examinador que não há conceito certo de família, há 3 características
indispensáveis na noção contemporânea de família, segundo a doutrina moderna:
1) Eudemonista: busca imediata da felicidade, da autorealização que decorre do princípio da
função social.  dignidade da pessoa humana.
2) Socioafetiva  legislador não pode definir família a priori
3) Anaparental  família integrada por quem não é parente
©Eudemonista: significa que, como decorrência do princípio da função social, a família deve ser
de ambiência para que seus próprios integrantes realizem-se e busquem a felicidade.
Dec 60 (1962) – Estatuto da Mulher Casa. Antes família era núcleo do varão. A mulher não era
vista como indivíduo, não se tinha na época a noção de eudemonismo para mulher.
Portanto, a característica eudemonista da família é um tributo à dignidade da pessoa humana.
OBS: Discorra sobre a evolução paradigmática da família. (praticamente toda essa primeira
parte da aula.
©socioafetiva: proque a família é moldada pelo vínculo do afeto. Significa que não é o legislador
que vai aprioristicamente definir o que é família. Isso tem relação com a anaparentalidade.

350
Direito Civil 2016 351

©Anaparental: a família pode ser integrada, inclusive, por pessoas que não guardem,
tecnicamente vínculo parental entre si.
No CC/2002, não há artigo que consiga reunir os 3 caracteres da família contemporânea. Mas
o art. 5, I, Lei 11.340, se aproxima:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;

O que é princípio da intervenção mínima do direito de família (prova de civil ou constitucional)?


Trata-se de uma regra principiológica, segundo a qual o Estado não poderia intervir
indevidamente no âmbito familiar. Exemplo da doutrina: a não obrigatoriedade do planejamento
familiar.

CASAMENTO
Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na
igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.

Casamento não é mais que união estável, é apenas diferente. A equiparação de direitos não
torna o casamento igual a união estável (objeto da aula do prof. Aguirre).
Conceito
©Casamento: A luz do art. 1.511, CC, o casamento estabelece uma comunhão plena de vida,
com base na igualdade entre os cônjuges. Trata-se de um enlace solene e formalizado mediante
registro público, com a conseqüente alteração do estado civil.
Horizontalidade dos direitos fundamentais  No conceito de casamento no art. 1511, é inserido
o princípio da igualdade, não há preponderância entre os cônjuges.
Natureza jurídica e teorias explicativas do casamento
Duas correntes fundamentais tentaram explicar a natureza jurídica do casamento:
CORRENTE 1 – PUBLICISTA: casamento seria um instituto do direito público = ato
administrativo. Como o Estado puxou para si a celebração do casamento e depois concedeu
novamente espaço para a religião, houve quem defendesse essa ideia. Se o casamento fosse
essencialmente um instituto do direito público a aula seria dada pela Marinela! (OMG!!!). Mas cuidado!!!
As normas que disciplinam o casamento são normas de ordem pública!!! Lembrando...

Norma de direito público Norma de ordem pública


É aquela norma que se preocupa com a É aquela norma imposta coativamente à
atuação do Estado na satisfação do sociedade e que não pode ser afastada,
interesse público. modificada pela vontade das partes.
Encontrada no ramo de direito público. Encontrado em qualquer ramo do direito.
Conclusão: Toda norma de direito público é norma de ordem pública, mas nem toda norma
de ordem pública é de direito público, pois pode ser também do direito privado.

CORRENTE 2 – PRIVATISTA: Prevalece essa. Casamento é instituto do direito privado ainda


que regulada por normas de ordem pública. Mas é dividida em dois entendimentos:

351
Direito Civil 2016 352

Corrente privatista não contratualistas: Casamento ≠ contrato: No sentido do casamento


ser:
Casamento = acordo (diferenciar acordo de contrato é difícil) ou;
Casamento = Negócio complexo (complexo pq? Pq participa o juiz? Não ele só
chancela a vontade das partes) ou;
Casamento = Ato condição (para Duguit, seria uma declaração emitida pelos noivos
que os colocava em situação jurídica pessoal.)
Casamento = Instituição: casamento como instituição, é um conjunto de normas. (tudo
no plano jurídico pode ser reduzido a um conjunto de normas)
Corrente privatista contratualista: Casamento = contrato / negocial. Stolze entende que é a
melhor corrente, com base no Orlando Gomes.
Forte é a linha de pensamento no sentido que casamento é um contrato, mas não qualquer
tipo de contrato. O casamento é um contrato especial do direito de família, e, assim o é,
lembra Orlando Gomes, pois tem como núcleo o consentimento. Acordo bilateral
convergente de vontades, como qualquer contrato. Quando se habilita ao casamento é
chamado de contraente.
Reforçando a tese, lembremo-nos de que, assim como se dá, para os contratos em geral,
o casamento pode ser invalidado por defeito do negócio a exemplo do erro ou da coação.
Há quem diga que seria um contrato de adesão.
Não se pode transplantar tudo do contrato para o casamento. É possível perceber isso no
próximo tópico:
PRESSUPOSTOS EXISTENCIAIS DO CASAMENTO
São pressupostos existenciais do casamento.
1- Consentimento;
2- Celebração por autoridade materialmente competente; (parte da explicação será
complementada na aula de invalidade do casamento, online, tartuce)
3- Diversidade de sexo

©Consentimento: por óbvio, o casamento, para existir pressupõe o expresso e livre consentimento
manifestado pelos noivos (art. 1.538, CC) PLANO DA EXISTÊNCIA. Autoridade deve suspender o ato
se um não responde ou faz alguma brincadeira.

Art. 1.538. A celebração do casamento será imediatamente


suspensa se algum dos contraentes:

I - recusar a solene afirmação da sua vontade;

II - declarar que esta não é livre e espontânea;

III - manifestar-se arrependido.

352
Direito Civil 2016 353

Parágrafo único. O nubente que, por algum dos fatos


mencionados neste artigo, der causa à suspensão do ato, não será
admitido a retratar-se no mesmo dia.

Além do consentimento para que o casamento exista, ele deverá ser celebrado por autoridade
materialmente competente. Vale dizer, ausente competência legal ou material, o matrimônio não tem
existência jurídica, a exemplo do ato celebrado por um policial militar, delegado, bombeiro. Não são
investidos de poderes legais.
Art. 1.554. Subsiste o casamento celebrado por aquele que, sem possuir a competência
exigida na lei, exercer publicamente as funções de juiz de casamentos e, nessa
qualidade, tiver registrado o ato no Registro Civil.

 Se alguém se passa por autoridade, a luz do princípio da boa-fé esse


casamento pode ser preservado. Com base no princípio da boa-fé, com
amparo ao princípio da aparência, nos termos do art. 1.554, CC,
excepcionalmente, poderá ser admitido o casamento celebrado por aquele
que sem competência material ou legal, exercer publicamente a função de
juiz tendo mandado registrar o ato.
Quando a ausência é apenas territorial / relativa de juiz de direito ou juiz de paz há
competência material. Há incompetência relativa pela territorialidade  casamento é
anulável. Art. 1.550, VI, CC.
Quanto à diversidade de sexos, especial e cuidadosa análise deve ser feita. Tradicionalmente, a
doutrina considerava por princípio, a impossibilidade de haver casamento entre pessoas do mesmo
sexo. Não havia no BR norma legal proibindo casamento entre HH e MM. O que havia era uma
concepção principiológica, a doutrina entendia que a diversidade de sexo era necessária para a
existência do casamento.
O julgamento, pelo STF, ADI 4277 e ADPF 132, alterou completamente a percepção deste pressuposto
de existência. O STF admitiu a união estável homoafetiva como forma de família.
Quanto a DIVERSIDADE DE SEXOS, especial e cuidadosa análise deve ser feita. Tradicionalmente, a doutrina considerava,
por princípio, a impossibilidade de haver casamento entre pessoas do mesmo sexo. O julgamento, pelo STF, da ADI 4277 e
da ADPF 132, alterou completamente a percepção deste pressuposto de existência. O Supremo Tribunal admitiu a união
estável homoafetiva como forma de família. A partir deste norte superior o STJ, por consequência, reconheceria o casamento
homoafetivo (REsp 183378/RS), seguido pelo próprio CNJ que, na Resolução 175/2013, disciplinaria administrativamente a
habilitação direta em cartório para o casamento civil homoafetivo. Assim, no momento atual, não se pode juridicamente afirmar
que o casamento exige diversidade de sexos.

União estável de mesmo sexo é forma de família + lei diz que deve facilitar a conversão em casamento
= pessoas do mesmo sexo podem ser casar convertendo a união estável em casamento ou diretamente
requerendo o casamento
PRESSUPOSTOS DE VALIDADE DO CASAMENTO (AULA DO TARTUCE)
CAPACIDADE PARA CONTRAIR CASAMENTO: nos termos do art. 1517, CC, a capacidade para o
casamento (capacidade núbil) é adquirida a partir dos 16 anos de idade, embora até os 18 anos o
nubente necessite de uma autorização para o matrimônio.
16 – 18 anos: autorização dos pais
Ou autorização do juiz por discordância entre os pais ou por injusta negação dos pais.
A autorização do casamento pode ser revogada até a celebração do casamento
Menor de 16 anos:
353
Direito Civil 2016 354

CAPÍTULO II
Da Capacidade PARA O CASAMENTO

Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se
autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a
maioridade civil.

Parágrafo único. Se houver divergência entre os pais, aplica-se o disposto no parágrafo


único do art. 1.631.

Art. 1.518. Até à celebração do casamento podem os pais, tutores ou curadores revogar
a autorização.

Art. 1.519. A denegação do consentimento, quando injusta, pode ser suprida pelo juiz.

Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou
a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso
de gravidez.

 Excepcionalmente, o art. 1.520, CC, admite o casamento abaixo dos 16


anos, em caso de gravidez ou para evitar a imposição de pena criminal.
 O caso da gravidez, em tese ainda é possível. Para a grávida com 15 anos!
 O problema é com o menor com 14 anos ou menos.
 Relação sexual com menor (13 anos) juiz poderia autorizar o casamento
para evitar a punibilidade pelo crime de estupro.
Entendimento preponderante na jurisprudência  menos de 14 anos 
caracteriza crime de estupro de vulnerável  a presunção é absoluta! 
não cabe por isso a autorização do casamento pelo juiz para extinguir a
punibilidade.
Entendimento da doutrina  varia
O art. 1.520, CC, no que toca à possibilidade de autorização para casamento abaixo da idade
núbil, visando a evitar pena criminal, encontra-se esvaziado. Isso porque, conforme deverá ser visto
nas aulas de direito penal, o atual entendimento preponderante na jurisprudência é no sentido de que
todo o ato sexual, com pessoa menor de 14 anos é estupro de vulnerável. Ver noticiário STJ de
26/08/2014.

Estupro de vulnerável (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14
(catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

O que se entende por noivado?

354
Direito Civil 2016 355

O noivado, também conhecido como esponsais, consiste em uma promessa séria de


casamento.
Fim do noivado x responsabilização
Segundo a doutrina, assim como a jurisprudência (Apelação Cível 200100117643/RJ, Resp
251689/RJ) a ruptura injustificada do noivado que acarrete dano moral ou material, pode gerar
responsabilidade civil. Se caracterizar abuso de direito e quebra da boa-fé objetiva.
Por óbvio, até a celebração do casamento, é possível o desfazimento do compromisso. Todavia,
uma ruptura injustificada que frustre a legítima expectativa de casar (dias antes de tudo pronto para a
festa) poderá resultar no reconhecimento da quebra da boa-fé objetiva, segundo a #Teoria do Abuso
de Direito.
Fim do namoro x responsabilização
O TJRS, julgando o emblemático recurso de Apelação Cível 70008220634, não acatou a tese
de responsabilidade civil pelo fim do namoro

DEVERES MATRIMONIAIS
O CC/2002, art. 1.566, elenca os dever matrimoniais. É preciso que se diga não haver uma ordem
hierárquica entre eles, razão pela qual iremos analisar cada um desses deveres autonomamente.

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

I - fidelidade recíproca;

II - vida em comum, no domicílio conjugal;

III - mútua assistência;

 Assistência matrimonial (dever de alimentos – aula do aguirre)


 Assistência moral

Abrange além da assistência material (dever de prestar alimentos), a


assistência moral e emocional.

OBS na assistência material: no que toca ao dever de prestar alimentos,


merecem especial referência os seguintes julgados:

1.025.769/MG que tratou dos alimentos transitórios e o pioneiro

Alimentos transitórios: antes, divorciados capazes de trabalharem,


havia o pagamento de alimentos até que haja novo casamento, nova
união estável, novo comcubinato. Agora há os alimentos transitórios,
no sentido de que quando os divorciados são capazes e aptos a
trabalharem.

355
Direito Civil 2016 356

RESP 1.185.337/RS, que tratou dos alimentos em favor da amante


(concubina).

IV - sustento, guarda e educação dos filhos;

 Esse dever está inserido aqui como dever matrimonial. O dever de sustento,
guarda e educação dos filhos não deriva exclusivamente do casamento,
pois não é na sua essência matrimonial, mas sim da própria condição de
pais, deriva do poder familiar.

V - respeito e consideração mútuos.

 O respeito e a consideração são deveres que ultrapassam a dimensão


eminentemente jurídica. É importante dizer que a antiga Lei da União
Estável (ainda vigor em parte – Lei n 9.278/96) já fazia referência ao respeito
entre os companheiros

INVALIDADE DO CASAMENTO
Relação direta com a teoria do fato jurídico.
Casamento inexistente
Casamento nulo = nulidade absoluta
Casamento anulável = nulidade relativa

Introdução
A Teoria da inexistência do negócio jurídico foi desenvolvida para explicar o casamento de
pessoas de mesmo sexo. (desenvolvida na Alemanha, 1808, Zacharias) Todavia, o direito civil
brasileiro não fez opção de regulamentá-la na lei (CC/1916 e CC/2002).
Dizia Sílvio Rodrigues que a Teoria da Inexistente seria inútil, inconvenientes e inapropriada,
pois os seus problemas são resolvidos no plano da validade.
Autores não favoráveis  Tartuce, Maria Helena Diniz. Entendem que se resolve tudo na
nulidade (teoria da invalidade, afinal existir existe)
Há autores favoráveis a Teoria da Inexistência  Pontes de Miranda, Caio Mário, Marcos
Bernardes de Mello, Venosa, Pablo Stolze, Carlos Roberto Gonçalves
Como a doutrina majoritária é favorável, isso cai em concurso, em especial o casamento
inexistente.

CASAMENTO INEXISTENTE
HIPÓTESES (sem previsão legal, apenas previsão doutrinária, que será com base em Sílvio Venosa e
Carlos Roberto Gonçalves)
a) Casamento entre pessoas do mesmo sexo: #Cuidado! Essa hipótese não serve mais para
o direito brasileiro.

356
Direito Civil 2016 357

Porque o STF no julgamento da ADPF 132-RJ (informativo 625) Que a união homoafetiva é
entidade familiar. Entendeu o STF que todas as regras previstas para a união estável
heteroafetiva aplicam-se por analogia à união homoafetiva (votos vencidos: Gilmar Mendes,
Peluzo e )
Aplica-se o art. 1.726, CC, que trata da conversão da união estável em casamento. Logo,
também é possível o casamento homoafetivo direto no cartório. Seria ilógico permitir apenas
por conversão. (STJ, REsp 1183378/RS, de 2011, até que veio a Resolução do CNJ 175 –
maio de 2013, que prevê a obrigatoriedade dos cartórios realizarem o casamento, não mais
necessitando os casais homoafetivos ajuizarem demanda). OBS: não foi o CNJ que criou o
casamento homoafetivo, mas sim o STF através da ADPF.
O rol das entidades familiares na CF são exemplificativas. Logo, como não há lei aplica-se
por analogia as regras do casamento à união estável homoafetiva.
b) Ausência total de vontade:
Exemplos da doutrina: casamento contraído por pessoa sedada ou hipnotizada. Coação
física, vis absoluta.
c) Casamento celebrado por autoridade absolutamente incompetente: a incompetência
em razão da matéria.
Pela CF/88 a competência é do juiz de paz (eleito, mandato, remunerado). Muitos Estados
não regulamentaram a Justiça de Paz (por exemplo, em SP é Juiz de Casamento, Bahia e
Alagoas é através do Juiz de Direito).
Exemplo de casamento inexistente celebrado por Delegado, Promotor, Autoridade Local
(Coronel).
Autoridade Local (Coronel)  Para o Tartuce seria caso de nulidade e cogitaria a
convalidação. Para a Teoria da Inexistência, seria inexistente e incompatível com a
convalidação, seria um nada jurídico.
Efeitos e procedimentos do casamento inexistente.
O ato inexistente é tido como um nada para o direito. E justamente como ato inexistente, não
há qualquer regulamentação legal (como se regulamentaria algo que não existe?) Então o que diz a
doutrina que reconhece o casamento inexistente? A doutrina que admite o casamento inexistente
entende pela aplicação das mesmas regras do casamento nulo. (Por que já não dizer que é nulo? Mais
uma razão para o Tartuce criticar essa teoria). Mas há uma exceção, para a doutrina favorável à
inexistência do casamento, o casamento putativo art. 1561, CC, não se aplica para casamento
inexistente (casamento putativo: embora nulo ou anulável gera efeitos a quem estava de boa-fé)

CASAMENTO NULO
HIPÓTESES – art. 1.548, CC:

Art. 1.548. É nulo o casamento contraído:

I - pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida


civil;

II - por infringência de impedimento.

357
Direito Civil 2016 358

a) Casamento contraído pelo enfermo / doente mental sem o necessário discernimento para
os atos da vida civil:
É a mesma hipótese do art. 3, II, CC, Enunciado 332 IV JDC. A única diferença é que aqui para
o reconhecimento pode ocorrer nos próprios autos da nulidade do casamento, não há
necessidade de interdição prévia. AgRgAg. 24836-MG
Enunciado 332 – Art. 1.548: A hipótese de nulidade prevista no inc. I do art. 1.548 do
Código Civil se restringe ao casamento realizado por enfermo mental absolutamente
incapaz, nos termos do inc. II do art. 3º do Código Civil.
b) Casamento contraído por infringência a impedimento matrimonial – art. 1.521, CC
Impedimentos decorrentes de:
Parentesco

Parentesco consanguíneo:

I - os ascendentes com os descendentes (até o infinito), seja o parentesco


natural ou civil (= adoção);  para evitar o incesto (Freud e problemas
congênitos à prole)

Parentesco por afinidade:

II - os afins em linha reta;

Ex: sogra e genro, sogro e nora, padastro e enteado, madrasta e enteado.

#Atenção Questões de prova!

Afinidade pela linha reta o vínculo é perpétuo, ou seja, não se pode ser casar
com a mãe da sogra, vó da sogra.

Também existe a afinidade decorrente da união estável (art. 1.595, CC)

Lembrando que cunhados podem se casar, porque são afins colaterais!

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem
o foi do adotante;  é a projeção da sogra na adoção

Aqui não se aplica para a União Estável.

IV - os irmãos, unilaterais (pai= ou mãe=) ou bilaterais (pais =s), e demais


colaterais, até o terceiro grau inclusive;   para evitar o incesto (Freud
e problemas congênitos à prole)

Os irmãos são colaterais de 2 grau

Colaterais de 3 grau = tios e sobrinhos


358
Direito Civil 2016 359

Decreto-Lei 3.200/1941 (ainda está em vigor) – se uma junta médica


provar que o casamento entre tios e sobrinhos (chamado de
casamento avuncular), não oferecem risco à prole este poderá ser
celebrado.

98 – Art. 1.521, IV, do novo Código Civil: O inc. IV do art. 1.521 do novo
Código Civil deve ser interpretado à luz do Decreto-lei n. 3.200/41, no
que se refere à possibilidade de casamento entre colaterais de 3º grau.

Primos (colaterais de 4 grau) podem se casar livremente.

O caso dos meus, os teus e os nossos. A lei não prevê o


impedimento do filho dele casar com a filha dela:

Analisar o caso em concreto: se tem irmandade sócio-afetiva, duas


hipóteses:

Se são criados juntos, para Tartuce não podem casar.

Se não conviveram como irmãos, não havendo socioafetividade,


podem casar.

V - o adotado com o filho do adotante;  não é possível, porque é como


se fosse seu irmão

Vínculo matrimonial (princípio da monogamia)

VI - as pessoas casadas;

Crime (tem que ser o condenado, não tem muita aplicação prática)

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de


homicídio contra o seu consorte. Transitado em julgado

Sentença penal superveniente para Pablo Stolze nulifica. Para Tartuce,


não retroage, porque o inciso VII apenas fala em condenação.

Não confundir os impedimentos Art. 1.521 com as causas suspensivas art. 1.523.

IMPEDIMENTOS CAUSAS SUSPENSIVAS


Art. 1.521, CC. Art. 1.523, CC
Não podem casar Poder pode, mas não deve.
Casamento nulo (matéria de ordem pública) Casamento não é nulo ou anulável, há
apenas sanções patrimoniais, dentre elas a
sanção de separação obrigatória de bens
359
Direito Civil 2016 360

CAPÍTULO IV
Das causas suspensivas

Art. 1.523. Não devem casar:

I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário
dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

 Para evitar confusão patrimonial.


Mãe viúva e não houve partilha dos bens. Dupla sanção, se ela quiser casar:
1- Regime por separação obrigatória.
2- Art. 1.489, II, CC, hipoteca legal dos imóveis de todos os bens, para não
vender.

II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até
dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

 Para evitar confusão quanto à origem da prole. Confusio sanguinis. Sanção, se ela quiser
casar:
Regime por separação obrigatória.
Por óbvio, caso seja feito o exame de DNA durante a gravidez não precisa haver a causa
suspensiva

III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens
do casal;

 Para evitar confusão patrimonial. Sanção, se quiser casar:


Regime por separação obrigatória.

IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou


sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e
não estiverem saldadas as respectivas contas.

 Para evitar confusão patrimonial. Sanção, se quiser casar:


Regime por separação obrigatória.

Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam
aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a
inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a
pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de
filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.

OBS: Súmula 377, STF – aplica-se no final a comunhão parcial. Por isso, as causas
suspensivas se tornaram letra morta. Na prática separação obrigatória é comunhão
parcial e o STF aplica essa súmula também para a união estável.

SÚMULA 377

NO REGIME DE SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS, COMUNICAM-SE OS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO.

EFEITOS E PROCEDIMENTOS DO CASAMENTO NULO


Ação Declaratória de Nulidade do Casamento.
360
Direito Civil 2016 361

Por força do art. 169, CC, não convalida, essa ação é imprescritível e não tem decadência.
Nulidade absoluta, matéria de ordem pública.
Art. 1.549, CC. Prevê que essa ação declaratória pode ser proposta por qualquer interessado
ou pelo MP.
Nulidade absoluta, matéria de ordem pública... cabe conhecimento de ofício pelo juiz?
Não pode o juiz conhecer de ofício, com base no princípio da não intervenção que
está no art. 1.513, CC.
#Cuidado! O impedimento patrimonial, para impedir que o casamento seja celebrado, deve
ser conhecido de ofício, isso apenas para impedir o casamento de ser celebrado art.
1.522, Parágrafo Único, CC!!! O que não se confunde com a nulidade. A nulidade não
pode ser declarada de ofício. (O Tartuce não concorda)
#NovoCPC??? A ação de nulidade / anulabilidade, pode ser precedida por medida cautelar de
separação de corpos (art. 1.562, CC, este artigo não foi revogado pelo CPC/2015). Como será
compatibilizado com o novo CPC, não é mais medida cautelar, talvez seja revogado tacitamente.
Mas por ora, ainda é direito posto. #Atualizar.
Art. 1.563, CC. A sentença da ação de nulidade retroage a data de celebração do casamento.
Efeito ex tunc. Porém, essa sentença não pode prejudicar os direitos adquiridos por terceiros de
boa-fé ou a coisa julgada.
Ex: Durante o casamento, foi adquirido imóvel. Posteriormente, foi vendido a terceiro de
boa-fé. Passado o tempo, houve impedimento, porque o sujeito era casado. A venda é
nula?
Não, a venda continua válida. Assim como a boa-fé vence a simulação, aqui a boa-fé
vence a nulidade.
Para Tartuce a boa-fé deveria vencer qualquer forma de nulidade.

CASAMENTO ANULÁVEL
HIPÓTESES – art. 1.550, CC:

Art. 1.550. É anulável o casamento:

I - de quem não completou a idade mínima para casar; = (menor 16 anos)

 CC/2002 – art. 1517, 16 anos.

Não se aplica aqui a teoria geral das incapacidades!!! Aqui o casamento não é nulo é
anulável!!!

II - do menor em idade núbil (16-18 anos), quando não autorizado por seu
representante legal;

Menor de 16 anos 16 – 18 anos Maior de 18


art. 1.520 art. 1.517
361
Direito Civil 2016 362

Gravidez de menor de Gravidez 15 anos Autorização dos pais


14 anos

Estupro de 14 anos Estupro de 15 anos Autorização do juiz:


Juiz não pode Juiz pode autorizar - pais divergem
autorizar casamento casamento para
- pais negam
evitar a pena
injustamente
criminal ao réu que
praticou estupro
com vítima de 15
anos
Estupro de vulnerável
é presunção absoluta!
Não cabe autorização
de casamento!!!
Art. 1.550, I, CC, casamento anulável (não se Sem autorização –
aplica a ideia da teoria geral das nulidades, casamento anulável. Art.
aqui não é nulo, aqui é anulável) 1550, II, CC

III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;

 Vis Compulsiva (nulidade relativa) X vis absoluta (causa de inexistência, anteriormente


vista)

Art. 1.556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por
parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro.

Casamento celebrado havendo erro essencial quanto a pessoa do outro cônjuge (cai muito
em prova):

Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:

I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro
tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge
enganado;

 Exemplos: Homossexualidade, transexualismo, 50 tons de cinza,


viciados em tóxicos ou em jogos de azar, pessoa violenta. (isso com o
tempo não será mais motivo, assim como aconteceu com o tempo
quando descobria que a mulher era antes prostituta)

II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne


insuportável a vida conjugal;

 Não há necessidade de trânsito em julgado do crime, porque aqui o que


importa é a insuportabilidade da vida conjugal.

362
Direito Civil 2016 363

III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou


de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco
a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;

 Defeito físico:
A impotência sexual instrumental (couendi) anula o casamento.
A impotência para ter filhos (generandi / concipiendi) não anula.
 Moléstia grave: AIDS, hepetite, sífilis...
Hemofilia é debatido se anula ou não.

IV - a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por


sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.

Casamento celebrado mediante coação

Art. 1.558. É anulável o casamento em virtude de coação, quando o


consentimento de um ou de ambos os cônjuges houver sido captado mediante fundado
temor de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus
familiares (= ©coação moral).

Quais as diferenças entre a coação da parte geral (art. 151, CC) e a coação do
casamento (art. 1.558, CC)?

Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente
fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.

Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz,
com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.

Art. 1558,CC – Somente prevê a coação ao próprio coagido e aos seus familiares.Não
inclui bens e pessoas não pertencentes à família do coagido.

IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;

 Art. 3, III, CC. entendimento majoritário. Para Tartuce seria caso de nulidade
 Art. 4, II e III, CC.

OBS: Art. 4, IV – Pródigo! Não é caso de anulação e não está no art. 1.641, CC. O pródigo pode
se casar livremente. Ele só é interditado para administrar diretamente os bens. Não se impõe o
regime de separação obrigatória de bens!!!

Pacto Antenupcial  precisa de assistência  porque há restrição nos bens. Alguns


entendem que não precisa (minoritária)

Os incapazes e o casamento

Contratos Casamento Contratos Casamento


Art. 3, CC Art.4, CC.
I - Anulável I - Anulável
II - Nulo II - Anulável
Nulo III - Anulável Anulável III - Anulável
363
Direito Civil 2016 364

IV – Válido

V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da


revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;

 Mandato por escritura pública com poderes especiais.

 art. 1550, parágrafo único, CC. Se o mandato for NULO OU ANULÁVEL  CASAMENTO
ANULÁVEL (nulo ao anulável = inválido, por não ter, por exemplo, poderes especiais ou por
não ser por escritura pública) será o casamento anulável

VI - por incompetência da autoridade celebrante.

 Competência ratione locci

EFEITOS E PROCEDIMENTOS DO CASAMENTO ANULÁVEL


Ação Anulatória de Casamento (nulidade relativa  ação desconstitutiva / desconstitutiva
negativa – aula online prescrição)
Prazos Decadenciais para a anulação. Em regra é contado da data da celebração do
casamento. Exceções quando há incapazes.
4 anos Coação
3 anos Erro
2 anos Incompetência ratione locci
180 dias D+ hipóteses
O casamento anulável admite convalidação em várias hipóteses.
Art. 1.551, CC – motivo de idade (menor com 15 anos) havendo gravidez e sem
autorização.
Art. 1.553, CC – menor que não atingiu a idade núbil (menor com 15 anos) havendo
confirmação posterior.
Art. 1.554, CC – incompetência relativa ratione locci, havendo publicidade do ato e
registro civil posterior.
Art. 1.559, CC – erro ou coação + coabitação posterior convalida o casamento, com
exceção do art. 1.557, III (moléstia grave) e IV (doença mental), nesses casos não
convalida o casamento mesmo com a coabitação. ©Coabitação: convivência no mesmo
teto de maneira afetiva.
Casamento putativo também é caso de convalidação, mas será analisado em separado.
A ação anulatória somente pode ser promovida pelo interessado e não pelo MP. Mesmo no
caso de incapazes há entendimento majoritário que apenas o interessado, com base no
princípio da não intervenção, assim, como também não cabe conhecimento de ofício. Aqui com
base na parte geral.
Efeitos da sentença anulatória. Entendimento majoritária efeito ex nunc (MHD, Caio Mário).
Alguns entendem (minoritário, Pablo e Zeno Veloso) que há efeitos ex tunc parciais, porque

364
Direito Civil 2016 365

com a anulação do casamento a pessoa volta a ser solteira, assim como ocorre no casamento
nulo. Polêmica que envolve o art. 177 e o 182, CC.

CASAMENTO PUTATIVO – art. 1561, CC


Aquele que embora nulo / anulável, gera efeitos em relação a quem esteja de boa-fé.
Putare = crer / imaginar. A pessoa crê / imagina que pode casar.
3 efeitos / regrinhas:
1- Boa-fé de ambos os cônjuges (ex: casaram sem saber que eram irmãos) o casamento
gera efeitos para ambos os cônjuges e para os filhos. Regime de bens, como se fossem
casados.
2- Má-fé de ambos  casamento gera efeitos somente para os filhos. Eles se resolvem no
âmbito obrigacional, como se fosse uma sociedade de fato.
3- Boa-fé de um e má-fé do outro  o casamento só gera efeitos para os filhos e o cônjuge
de boa-fé. O de boa-fé resolve com base no regime de bens. O de má-fé, considera a
lei ele culpado, e o art. 1564, CC, prevê duas sanções. Sanções que estão fora da moda
porque foi pensado quando o regime era o universal.
Obs: o art. 1.564, CC, prevê apenas anulado, mas deve-se ler acrescentando nulo!!!

Art. 1.564. Quando o casamento for (nulo ou) anulado por culpa de um dos
cônjuges, este incorrerá:

I - na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente;

 Todos os imóveis adquiridos durante o casamento ficam para o cônjuge de


boa-fé.

II - na obrigação de cumprir as promessas que lhe fez no contrato antenupcial.

 Antigamente era comum fazer a promessa no contrato antenupcial, para a


noiva que fosse virgem.

O Novo CPC trouxe um capítulo sobre as ações de família. Art. 693... O problema é que o art. 693,
CPC/2015, não fala sobre a invalidade. O Art. 693 se aplica às ações de nulidade ou anulabilidade do
casamento? O entendimento do Tartuce é que sim, porque o rol seria meramente exemplificativo.
Barroso diz que é indiferente.

FILIAÇÃO
O princípio constitucional da isonomia projeta-se na relação filial, de maneira que não
há mais espaço para distinção entre família legítima ou ilegítima.
1) RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO
Reconhecimento voluntário de filho: o art. 1.609, CC, trata do tema e tem especial
aplicação para os filhos havidos fora do casamento, na medida em que para os concebidos
no matrimônio existe uma presunção relativa de paternidade (art. 1.597, CC).
Art. 1.609 (por exemplo, quando se tem filho com namorada)

365
Direito Civil 2016 366

Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento


é irrevogável e será feito:

I - no registro do nascimento (mais comum);

II - por escritura pública ou escrito particular (desde que seja


reconhecida a assinatura, não haja dúvida quanto à autenticidade), a ser
arquivado em cartório;

III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;

IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o


reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o
contém.

 declaração em juízo, o Juiz tomará por termo e mandará


registrar em cartório, até mesmo no JEC, por exemplo, o
suposto pai diz: não vou registrar o guri mesmo sabendo que é
meu filho.

Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do


filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.

 Lavrar escritura reconhecendo que o nascituro é seu filho.


 Apenas se pode reconhecer filho falecido se ele deixou descendentes,
porque tem a finalidade de evitar reconhecimento interesseiro, pois o
pai não vai receber nenhuma herança já que o suposto filho tem
descendentes. Ou seja, evitar que o pai reconheça apenas para
receber herança.

O reconhecimento voluntário de filho é um ato unilateral, irrevogável, incondicional e


personalíssimo (no sentido de que ninguém pode reconhecer filho meu em meu nome, salvo
procurador com poderes especiais nos termos do art. 59, LRP.

A mãe não pode ir ao registro público e informar o nome do suposto pai. O registrador deve
informar o MP, para que proceda a investigação da paternidade.

1.2 PAI MENOR DE IDADE

E se o suposto pai é menor de idade (17 anos, por exemplo)? Precisa de assistência para isso?

É matéria de discussão acadêmica, não há jurisprudência sobre isso. Segundo Pablo, se o


menor é relativamente incapaz, não é necessária a assistência para o ato de reconhecimento de
filho, até porque trata-se de um ato jurídico em sentido estrito [não é um negócio jurídico, é um fato
natural que produz efeitos jurídicos] (Marcos Bernardes de Mello). Todavia, se for ABSOLUTAMENTE
INCAPAZ, defende Stolze a tese de que deve haver procedimento para registro, para segurança,
devendo o MP intervir, pois há uma margem de vulnerabilidade maior.

1.2 RECONHECIMENTO DE FILHO MAIOR DE IDADE.

366
Direito Civil 2016 367

Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu
consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro
anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.

O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento (tem que ir junto ao cartório
e o registrador constar a sua anuência). E o menor poderá impugnar esse reconhecimento nos 4 anos
que seguirem à maioridade ou à emancipação.

Existe julgado do STJ que derruba esse prazo de 4 anos, porque pode descobrir posteriormente
a esse prazo que o pai que o registrou não é de fato o seu pai. Esse prazo de 4 anos não deve ser
aplicado na busca da verdade real da filiação (REsp 601997-RS e REsp 939818-RS).

Numa prova objetiva marcar o artigo, prazo de 4 anos. Jogo de cintura na prova.

Há ainda que ser levado em conta o raciocínio da filiação socioafetiva, pode o juiz entender que
devido a esse vínculo sociafetivo não é a descoberta capaz de alterar o registro.

Reconhecimento em cartório para contestar tem que ajuizar ação de declaração de


falsidade.
2 RECONHECIMENTO JUDICIAL

Nessa temática, a ação mais importante é a investigatória de paternidade. Pode haver de


maternidade, por exemplo, no caso de troca de bebês no hospital. Mas não se trata de única ação de
filiação, outras existem:

- Ação declaratória ou investigatória de paternidade [fora do casamento];

- Ação anulatória de registro (a exemplo do que se dá quando o sujeito alega haver reconhecido
por erro – nenhum dos dois sabia - ou dolo – a mãe enganou);

- Ação declaratória de falsidade de registro cumulada com reivindicação de paternidade [caso


Pedrinho].

Crime – art. 241, CP, prescrição, art. 111, III, CP.

- Ação negatória de paternidade [dentro do casamento – presunção relativa] (caso em que o


marido contesta a paternidade do filho nascido de sua esposa)

AÇÃO DECLARATÓRIA OU INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE

Filho Suposto pai

MP Herdeiros

Adotado (vínculo biológico) Suposto pai biológico

Neto (relação avoenga) Suposto avô

Trata-se de ação imprescritível, cuja legitimidade ativa é do suposto filho ou do MP.


OBS: INCLUSIVE O FILHO ADOTADO, entendeu o STJ, poderá manejar a
investigatória para conhecer a sua verdade biológica, Ag Rg no Ag 492352-SP. [sete vidas]
367
Direito Civil 2016 368

Obter provimento judicial apenas para declarar que o fulano é seu pai biológico, tal
reconhecimento não traz como consequência o direito à herança ou à pensão alimentícia!!!
O STJ também admite que os netos possam ajuizar ação investigatória para o
reconhecimento de RELAÇÃO AVOENGA. AgRg no Ag 131933-MG. Por exemplo, o meu
pai não é reconhecido como filho do meu avô. Como a ação é personalíssima não posso
ajuizar ação para declaração da paternidade, mas posso sim ajuizar ação para obter
reconhecimento como neto. Inclusive haverá efeitos sucessórios.
E no caso da relação avoenga: se o pai não reconhecido como filho estiver vivo, como
fica a questão sucessória com o reconhecimento da declaração avoenga? O pai não
reconhecido passa também ser herdeiro juntamente com o neto? Ou é necessário o juiz
constar em termo o reconhecimento indireto da filiação do pai, para haver o registro? Mas
neste caso não seria sentença extra petita?
O normal é post mortem. Tem que acompanhar a jurisprudência.
OBS: embora a adoção não seja a nossa temática, vale a pena conferir, pela
excepcionalidade, o Resp 1.448969-SC que admitiu a adoção de neto pelos avós.
Avô e avó não podem adotar neto como filho, nem irmão adotar o outro irmão
como filho! Existe art. 42, §1, ECA. Mas esse julgado foi admitido, porque nesse caso a
mãe biológica de 8 anos foi adotada já grávida e ambos foram criados como filhos.

No que tange à legitimidade passiva, a investigatória é proposta contra o suposto pai


ou SEUS HERDEIROS (outra filha, suposta irmã do autor, por exemplo) [não é espólio] (no
caso da ação investigatória post mortem). O fato do suposto pai ter morrido não retira o
direito do suposto filho reconhecê-lo como pai. Caso não tenha herdeiros ou, sejam
desconhecidos, a citação será por edital. Será nomeado curador para acompanhar o
processo.
Ainda quanto à investigatória, é importante lembrar que o art. 1.615, CC, permite a
qualquer pessoa, com justo interesse, contestar o pedido de investigação. Por
exemplo, o filho já reconhecido pode contestar, porque isso alterará a herança.
No que se refere à instrução probatória, o exame de DNA é a principal prova a ser
produzida em juízo. Súmula 301, STJ, ao encontro do art. 231 e 322, CC, bem como o
Parágrafo Único do art. 2, da Lei 8.560/92, apontam no sentido de que a recusa do suposto
pai em realizar o exame de DNA induz presunção relativa de paternidade. O STJ, inclusive
em recente noticiário 12/11/2014, reforçou a idéia de que essa presunção é relativa, na
medida em que deve haver mínimos indícios da existência do relacionamento com a mãe.
O mesmo STJ, em julgado da lavra da Ministra Nancy Andrighi, já entendeu que a
“ficada”, pode confirmar a presunção de paternidade. REsp 557365-Rondônia.
Na sentença, no 6ambito da investigatória, poderá o juiz inclusive condenar o réu a
pagar alimentos de ofício, Resp 819729-Ceará.
Ver no material de apoio o interessante tópico sobre paternidade alimentar (Rolf
Madaleno). Mesmo havendo pai oficial poderia pedir alimentos para o pai biológico. Tema
do Prof. Aguirre.
Súmula 277, STJ estabelece que julgada procedente a investigação de paternidade, os
alimentos são devidos desde a citação.
Por fim, vale lembrar ainda, tema da grade de processo civil a interessante discussão
referente à coisa julgada na investigatória.

PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
Em visão meramente didática, a paternidade no Brasil passou por três fases:

368
Direito Civil 2016 369

Fase 1 - paternidade legal ou jurídica - primeira parte do séc. XX (confusão


pai e marido): nessa fase preponderava a presunção, quase absoluta do CC/1916, de
que pai seria o marido da genitora. O legislador, por meio dos artigos 338 e 339, 342,
do CC/1916, ditaria a paternidade confundindo-a com a figura do marido.
Primeira parte do séc. XX, não havia exame de DNA, por isso a era da
paternidade jurídica, quem dizia quem era o pai era o legislador. Nessa época a única
forma de família era a do casamento, filhos havidos fora do casamento eram bastardos.
Atualmente a presunção é relativa.
Fase 2 – Paternidade biológica ou científica - final da déc. 80 (confundiu
genitor com pai): O exame de DNA revolucionou a percepção da paternidade. A partir
da difusão dessa técnica, não mais o legislador, mas a ciência diria quem é o pai, que
passou a se identificar com o gerador biológico. Nem todo genitor é pai. Ainda,
atualmente, tem força no Brasil, mas não igual a força dessa época. O juiz seria mero
homologador de resultado de exame de DNA.
Fase 3 - Desbiologização do direito de família. Em 1979, Prof. João Batista
Vilela, já advertia sobre a necessidade dessa desbiologização da paternidade. O exame
de DNA e a paternidade biológica continuam tendo importância, mas, já ingressando
em uma terceira fase é necessário reconhecermos situações em que a paternidade
socioafetiva supera a paternidade biológica.
A jurisprudência brasileira já é sensível à idéia de que a verdade afetiva, em
certos casos, pode superar a verdade biológica – Nancy Andrighi (REsp 1244957-SC e
REsp 1189663-RS). Ex: Ação declaratória de paternidade sociafetiva de enteada com
padrasto, em vez de ser feita adoção.
#acompanhar!!! #Atualizar! Plenário do STF reconheceu a repercussão geral do
RExt 841528. Está na iminência de acatar recurso que em certos casos a paternidade
socioafetiva pode superar a paternidade biológica. Manter atualização RE 841528
(número original ARE 692.186/Paraíba). A apreciação analisa o mérito e é aplicado nas
instâncias inferiores. Através desse julgado o STF pode dar um norte para essa matéria,
no sentido de que o afeto se consolidou por anos não possui prazo mínimo para a
declaração da paternidade afetiva superando a paternidade biológica.
Duas mães: mãe morreu no parto e a madrasta criou desde os 2 anos. Primeiro
julgamento no Brasil, TJSP. Registro de 2 mães (biológica e sociafetiva)
Multiparentalidade: a visão tradicional da filiação tem uma perspectiva dual ou
bilateral: um pai e uma mãe.
Sucede que a Teoria da Multiparentalidade (TJSP, Apelação Cível 6422-26 de
2011) aponta no sentido de ser juridicamente possível a existência concomitante de
mais de dois pais ou de duas mães. A formação da família modernidade não está mais
baseada na consangüinidade, mas sim pela solidariedade e afetividade.
A idéia de multiparentalidade admite a adoção por casal homossexual.

369
Direito Civil 2016 370

DIREITO DAS SUCESSÕES

Bibliografia direitos das sucessões:


- Maria Berenice Dias
- Gizelda Hironaka

1 – A sucessão como um fenômeno jurídico


A sucessão não se restringe ao direito da sucessões. O que quero dizer é que o
fenômeno sucessório é mais amplo, mais abrangente do que o conceito de direito das
sucessões. Ou seja, direito das sucessões é apenas uma parte do fenômeno sucessório.
Sub + cedere = substituição. Sucessão diz respeito à substituição. A sucessão é a
substituição do sujeito ou objeto de uma relação jurídica.
Diante dessa explicação percebemos que existem 3 diferentes possibilidades de
substituição (sucessão) no sistema jurídico. A substituição pode ser:
 Do objeto. Sucessão em relação ao objeto chama-se sub-rogação real: é quando se
substitui o objeto de uma relação jurídica. Exemplo de sub-rogação real: bem de família
convencional (aquele escolhido pela entidade familiar).
Quando a entidade familiar dedica a proteção de um determinado bem. Quem vai
fazer isso é quem tem um vasto patrimônio e quer que a proteção de bem de família incida
sobre um determinado bem – pessoa que tem valiosa fazenda. Para que a proteção incida
sobre a fazenda o bem de família legal não é suficiente. O CC limitou o bem de família
convencional a 1/3 do patrimônio liquido do devedor – mais do que isso poderia gerar
situação de fraude. o regime do bem de família legal se harmoniza com o bem de família
convencional – os dois andam juntos: um não elimina o outro. Ou seja, aquele que constitui
o bem de família convencional não perde a proteção do bem de família legal. Os arts. 1717
e 1719, CC estabelecem a possibilidade de substituição do bem de família convencional, por
decisão judicial ouvido o MP, está aí o exemplo de sub-rogação real (substituição do objeto
da relação).
 Do sujeito por atos inter vivos. Substituir sujeito por ato inter vivos ganha um nome: sub-
rogação pessoal. Sub-rogação pessoal é a substituição do sujeito de uma relação jurídica
decorrente de uma ato inter vivos. Ex: art. 304, CC (direito das obrigações – pagamento pelo
terceiro interessado).
Quando o pagamento é feito pelo terceiro interessado (aquele que pode ser atingido
juridicamente pelo inadimplemento. Ex: avalista, fiador, sublocatário) ele se sub-roga no
crédito (sub-rogação do crédito).
Atenção: Na alienação fiduciária o pagamento feito mesmo pelo terceiro não interessado
gera sub-rogação (não se aplica a regra do art. 304 quando se tratar de alienação fiduciária).
No caso de alienação fiduciária haverá sub-rogação sempre. A regra do 304 é de que só
haverá a sub-rogação se o pagamento for feito por terceiro interessado.
 Do sujeito por ato causa mortis. Aqui chegamos ao direito das sucessões. O direito das
sucessões diz respeito à substituição do sujeito da relação jurídica, em razão da morte do
titular. Entretanto, nem toda sucessão diz respeito ao direito das sucessões. A sucessão
pode dizer respeito à sub-rogação real e a sub-rogação pessoal, não só ao direito das
sucessões. O direito das sucessões diz respeito à sucessão, mas nem toda sucessão está
abrangida pelo direito das sucessões. Ou seja, existem sucessões não abrangidas pelos
direitos das sucessões. Com isso percebemos que o fenômeno sucessório é mais amplo
para o direito do que somente o direito das sucessões.
370
Direito Civil 2016 371

O direito das sucessões é apenas um pedaço do fenômeno sucessório.

2 – O direito das sucessões


Direito das sucessões é o conjunto de normas-regras e normas-princípios que
disciplinam a transmissão do patrimônio de alguém que faleceu para os seus sucessores.
Nesse caso o direito das sucessões diz respeito à substituição de um sujeito da relação
jurídica que faleceu.
É possível dizer que toda e qualquer relação jurídica admite a incidência do direito das
sucessões? Em qualquer jurídica a morte do titular gera sucessão?
R: Existem relações jurídicas que não admitem a incidência do direito das sucessões.
O direito das sucessões cinge-se exclusivamente às relações jurídicas patrimoniais –
somente as relações jurídicas patrimoniais admitem a substituição do sujeito quando do óbito
do titular. Significa que as relações personalíssimas se extinguem com a morte do titular (as
relações personalíssimas são as relações existências). As relações existenciais se
extinguem com a morte do titular, as patrimoniais geram transmissão. Ex: relação de crédito
(morreu o titular transmite); relações apropriativas de propriedade (transmite-se); relação
afetiva (não transmite); direito da personalidade (não transmite).
Relação existencial não se transmite nunca. Ela não admite exceções.

Existem exceções no sistema (relações patrimoniais que, excepcionalmente, não


admitem a incidência do direito das sucessões - não admitem transmissão):
1º. Enfiteuse, quando falecido o foreiro, sem deixar sucessores (art. 692, III, CC/1916). O
CC/1916 disciplina as enfiteuses. Se o foreiro morrer e não deixar herdeiros aplicando o CC
quem receberá é o poder público, assim, para evitar que a enfiteuse chegue ao poder público
extingue-se a enfiteuse com a morte do foreiro que não deixa herdeiros. Evita-se que a
enfiteuse cheque ao poder público porque senão o enfiteuta nunca recuperará o imóvel.
2º. Usufruto, uso e habitação, por serem relações baseadas no caráter intuito personae. A
habitação e uso são subtipos de usufruto.
3º. Direito autoral (lei 9610/98, art. 41). No caso do direito autoral temos uma exceção
porque o direito autoral é um direito hibrido: ele é a um só tempo direito da personalidade e
direito real. Ele é direito da personalidade no que diz respeito ao invento, à criação. E é direito
real no que diz respeito à exploração, exercício (a isso se dá o nome de propriedade intelectual
– é a exploração, exercício). Morreu o autor do invento, a criação não se transmite: O autor da
obra continua sendo o morto, mesmo depois da morte, não muda a autoria porque a autoria é
o invento, a criação. A autoria não será afetada pelo óbito. Já o aspecto patrimonial do direito
autoral se transmite de acordo com o art. 41 da lei de direitos autorais (e não de acordo com
o CC): transmite-se a parte patrimonial do direito autoral aos herdeiros do autor pelo prazo de
70 anos contados de 1º de janeiro do ano subsequente à morte do autor. O prazo não começa
a fluir na data do óbito. Ele começa a fluir em 1º de janeiro do ano subsequente à morte do
autor. Esse prazo de 70 anos é o prazo para que os herdeiros do autor explorem o direito
autoral No caso de coautoria o prazo começará a contar da morte do último coautor. Depois
desse prazo a obra cairá em domínio público – qualquer pessoa poderá explora-la
independentemente de pagamento. Ex: na espera do filme no cinema toca musica clássica
porque a maioria das musicas clássicas são de domínio público, deste modo não tem que
pagar direitos autorais.
4º. Alvará judicial - está previsto no art. 1.037, CPC; Lei n. 6.858/80 disciplina, que está
regulamentada pelo Decreto 85.845/81. Não entra na regra dos direito das sucessões, tem
regra própria. Conceito de alvará judicial: é a regulamentação de pequenas sucessões.
Tecnicamente é um procedimento de jurisdição voluntária pendente a disciplinar pequenas
sucessões de modo facilitado. O novo CPC vai mudar de nome: de jurisdição voluntária vai se
chamar de procedimento não litigioso. O juiz pode julgar por equidade, ele não está adstrito
371
Direito Civil 2016 372

ao principio da legalidade estrita, esta é a grande ideia da jurisdição voluntária. Para tanto,
dois requisitos para o alvará judicial:
- Patrimônio consistente, apenas em verbas pecuniárias (dinheiro), não superiores a 500
OTNs, ou seja, o patrimônio não pode exceder em 500 OTN (é uma unidade fiscal que não
mais existe, hoje a OTN tem como referencia a OFIR). Mas quanto vale 500 OTN? Cálculos
do TJSP indica que 500 OTN vale entorno de 15 a 20 mil reais. Ex: verbas trabalhistas,
FGTS, etc.
- Inexistência de outros bens a partilhar.
Obs. A maioria dos Estados do Brasil, inclusive a BA dispensa o tributo, já que o valor é
reduzido.
A lei estabelece que se tiver qualquer outro bem obsta o alvará. Mas de acordo com
o art. 5º, LINDB que diz que ao aplicar qualquer lei o juiz deve levar em conta os fins sociais.
Por conta disso, se não ultrapassar o valor das 500 OTN o juiz pode liberar o alvará, mesmo
que tenha algum bem de pequeno valor, na visão do professor. Pois se o morto tiver um
Chevette velho, por exemplo, o sucessor estaria obrigado a abrir o inventário com incidência
fiscal por conta de um carro velho.
A maioria dos estados do Brasil dispensa – em lei – a inexistência de incidência fiscal.
A lei exige que não existam bens para a propositura de albará. A incidência de qualquer
outro bem obsta o alvará. Cristiano discorda disso. Art. 5º da LIND diz que ao aplicar
qualquer lei o juiz deve levar em conta os fins sociais. Para Cristiano se não ultrapassar o
valor das 500 otn o juiz pode liberar o alvará, senão vai obrigar à pessoa a fazer inventário
por causa de um bem de valor irrisório. Solução: para Cristiano se não ultrapassar 500 otn
libera o alvará.

3 – Terminologias essenciais
Os autores mais antigos - Barros Monteiro, Silvio – estabelecem que toda
compreensão do direito das sucessões está em sua terminologia.
 Autor da herança, extinto ou de cujus sucessionis agitur (aquele de quem a sucessão se
trata): é o titular falecido do patrimônio. Não pense que toda pessoa que morre é de cujus.
Ex: pessoa que morre sem deixar patrimônio não pode ser chamada de de cujus. Nem todo
morto é de cujus, mas o de cujus é morto. De cujus ou autor da herança é aquele que morreu
e deixou patrimônio. Se a pessoa morreu e não deixou patrimônio ela é simplesmente uma
pessoa morta, não é de cujus.
 Sucessor: é aquele que será convocado para dar continuidade às relações patrimoniais
do falecido.
No nosso sistema o sucessor se divide em dois ramos: O sucessor pode ser herdeiro
ou legatário.
- Herdeiro é o sucessor a titulo universal.
- Legatório é o sucessor a titulo singular.
Se eu deixo 20% do meu patrimônio eu estou deixando herança, pois todo herdeiro é
a titulo universal, todo herdeiro terá um percentual do patrimônio transmitido. A herança e
uma universalidade e o herdeiro recebe uma fração ideal da herança (um pedaço da
universalidade). O herdeiro recebe um quinhão. Então todo herdeiro vai ter um percentual
do patrimônio transmitido (quinhão, fração ideal).
A titulo singular – legatário – é quando recebe um bem certo e determinado (legado).
O legado é um bem singularmente considerado (ex: uma casa, um carro, uma quantia em
dinheiro – 50 mil reais, etc).
Com isso, herdeiro e legatário são espécies de sucessores. Todo legatário é sempre
testamentário (sem exceção). Já o herdeiro pode decorrer da lei (herdeiro legitimo) ou da
vontade do autor da herança (herdeiro testamentário). O herdeiro legitimo é aquele que está
previsto em lei. Ele recebe porque está em lei. A lei o contempla. Já o herdeiro testamentário
372
Direito Civil 2016 373

é aquele que provem da vontade do autor da herança. A diferença ente o herdeiro


testamentário e legatário é o objeto.
Os herdeiros legítimos estão nos arts. 1829 e 1790, CC:
- Descendentes
- Ascendentes
- Cônjuge sobrevivente (cônjuge supersiste)
- Companheiro sobrevivente
- Colaterais até o 4º grau
Os demais herdeiros só podem herdar por vontade do autor da herança (herdeiro
testamentário)
Dentre os herdeiros legítimos alguns deles são necessários e outros são facultativos
(art. 1845, CC).
Os herdeiros necessários são aqueles que sucedem obrigatoriamente, fazendo jus a
uma porção mínima chamada de legitima. Essa legitima corresponde a 50% do patrimônio
liquido disponível. A legitima é dedicada aos herdeiros necessários – eles fazem jus à
legitima.
São herdeiros necessários (art. 1845):
- Descendente
- Ascendente
- Cônjuge sobrevivente.
Problema: companheiro não está previsto como herdeiro necessário. Isso se sustenta?
Valendo-se da técnica/princípio da interpretação conforme a CF, se o cônjuge é herdeiro
necessário o companheiro e parceiro homoafetivo também deve ser considerado. No
entanto, se cair na prova objetiva marcar só o cônjuge, pois o CC não se referiu ao
companheiro como herdeiro necessário.
Observações:
É possível a concomitância entre sucessão legitima e testamentaria em dois casos:
1 – quando há herdeiro necessário e testamento.
2 – quando não há herdeiro necessário mas o testamento não dispõe da integralidade do
patrimônio. Nesse caso chamam-se para receber os herdeiros facultativos para receber o
patrimônio que não foi disponibilizado no testamento.
Se uma pessoa falecer e deixar como herdeiro um único tio ou primo ele pode ser afastado
pelo testamento? Sim. É possível dispor de todo patrimônio quando só se tenha herdeiro
facultativo. O herdeiro facultativo não tem legitima.
Nunca esquecer da expressão herdeiro universal. A expressão Herdeiro universal alude
a hipótese de uma pessoa herdar integralmente um patrimônio sozinha. É o herdeiro
único. O herdeiro universal não terá direto à partilha, mas sim a adjudicação da
herança. Não teria sentido ele dividir consigo mesmo.

Juiz do trabalho não pode emitir alvará sucessório, somente e o juiz das sucessões
pode.
Herança x espólio:
Herança é o conjunto de relações jurídica patrimoniais transmitida pelo falecido. Ou
seja, é o complexo de relações jurídicas. No Brasil, a partir da CF a herança é direito
fundamental constitucional (garantia constitucional, art. 5º, XXX, CF) e é também um bem
imóvel, indivisível e universal (art. 80, CC). A herança é um bem imóvel, indivisível e
universal, mesmo que composta de bens moveis, divisíveis e singulares. Bastaria supor
herança formada por dinheiro. Mesmo que a herança seja exclusivamente formada por
dinheiro ela é imóvel, indivisível e universal. A herança é sempre imóvel, indivisível e
universal, independentemente do seu conteúdo. Decorrem aqui todos os efeitos dos bens
imóveis, indivisíveis e universais.
373
Direito Civil 2016 374

Se o titular quiser dispor de sua herança (ex: ceder) e esse titular é casado, ele precisa
do consentimento de sua esposa?
Sim, pois a herança é bem imóvel. Ademais o consentimento precisa ser por
instrumento público, pois trata-se de bem imóvel.
Se existem 5 herdeiros e um deles quer vender a sua parte precisa dar preferencia
aos outros?
Sim, pois trata-se de bem universal, que forma um condomínio.
A herança é um bem jurídico, é uma universalidade de direito e não de fato.
É preciso traçar uma diferença entre herança e espólio.
A herança é bem jurídico mas não tem personalidade, ela é ente despersonalizado,
desprovido de personalidade. Em se tratando de ente despersonalizado quem representa a
herança? É o espólio. O espólio é a representação da herança em juízo e fora dele.
Significa, portanto, que a herança será representada pelo espólio. Eu quero ajuizar
ação contra alguém que faleceu para reclamar a posse. se a pessoa já faleceu ela não pode
constar no polo passivo da demanda (extinguiu a sua personalidade). Não se pode entrar
com ação contra a herança (a herança é o objeto, o bem jurídico). Nesse sentido se quer
entrar com ação contra a herança deve-se ajuizar a ação contra o espólio. Quem representa
o espólio é o inventariante (art. 12, CPC).
O inventariante representa o espólio. O inventariante somente será nomeado pelo juiz
e o juiz somente nomeara inventariante dentro do processo de inventario. Até que nomeia o
inventariante já existe a herança pois a herança se forma automaticamente. Enquanto não
tiver inventariante quem representa o espolio? Quem representa o espolio até a nomeação
do inventariante é o herdeiro que estiver na posse e se mais de um estiver na posse é todos
eles - administrador provisório (Resp 777566/RS, STJ: o STJ afirma que quem representa o
espolio antes da nomeação do inventariante é o herdeiro que estiver na posse da herança e
se mais de um estiver todos eles). Administrador provisório é o herdeiro que representa a
herança antes da nomeação do inventariante.
A herança e espólio cessam automaticamente com a partilha.
OBS: se a ação que se pretende ajuizar contra o falecido disser respeito a relações jurídica
existenciais (não patrimoniais) o espolio é parte ilegítima e nesse caso a ação será ajuizada
contra os herdeiros. O espolio representa a herança (conjunto de relações patrimoniais),
portanto, o espolio somente representar o falecido nas relações patrimoniais. Ex: ação de
investigação de paternidade pós-mortem (ajuíza a ação contra os herdeiros. Os herdeiros
são partes legitimas quando o direito disser respeito a ação existencial). Ex²: o ECA permite
adoção póstuma – adoção que se aperfeiçoa depois da morte do adotante, quando ele já
manifestou inequívoca vontade de adotar. A ação de adoção póstuma será ajuizada contra
os herdeiros. Apesar dessas ações serem cumuladas com a herança essas ações são
dirigidas contra os herdeiros.
Existe uma hipótese em que uma ação versará sobre direitos patrimoniais mas exigirá
a citação dos herdeiros (para querendo promovam suas defesas): art. 12,§1º, CPC. Quem
representa o espolio é o inventariante, só que o CPC permite que o juiz nomeie inventariante
judicial ou dativo. Se o inventariante for judicial ou dativo, obrigatoriamente a citação recairá
sobre todos os herdeiros. Motivo: se o inventariante for judicial ou dativo ele não é nem
herdeiro, nem legatório. E se ele não é nem herdeiro e nem legatário ele não tem interesse
em defender a herança e é exatamente por isso exige-se a citação de todos os herdeiros
para que possam efetivar as suas defesas.
É possível litisconsórcio passivo entre espólio e herdeiros?
Sim, quando se tiver em uma única ação pedidos dirigidos ao espólio e pedidos
dirigidos aos herdeiros. Outrossim, no caso de inventariante dativo ou judicial.

4 – Abertura da sucessão e transmissão automática


374
Direito Civil 2016 375

Art. 1784, CC: o CC abraça a regra da transmissão automática da herança com a


abertura da sucessão (droit de saisine – direito de saisine).
Essa regra de saisine foi criada pela jurisprudência no período medieval. Quando os
servos faleciam e não deixavam testamento os senhores feudais diziam que tudo o que
estava na terra e não tem dono era dele. Os senhores feudais começaram a subtrair o
patrimônio dos servos que faleciam. Para evitar que os senhores feudais se apossassem
dos bens a jurisprudência francesa construiu saisine com a ideia de impedir que os senhores
feudais se apossassem dos bens de seus servos que faleceram.
Saisine é transmissão automática das relações patrimoniais do falecido: Falecendo o
titular todas as suas relações patrimoniais são automaticamente transferidas para os seus
herdeiros. É como se o titular no ultimo suspiro de vida estivesse ele mesmo de mãos
próprias entregando a sua herança.
O droit de saisine impede que o patrimônio fique acéfalo.
Abertura da sucessão: é a morte. Ou seja, a abertura da sucessão não se confunde
com a abertura do inventário. A abertura da sucessão corresponde à transmissão
automática. E transmissão automática, por sua vez, chama-se saisine. Com a abertura da
sucessão (morte) teremos saisine operando efeitos: transmitem-se automaticamente posse
e propriedade de todas as relações patrimoniais deixadas pelo falecido.
A morte gera a transmissão automática das relações patrimoniais do falecido,
formando a herança, que será representada pelo espólio. Independe da vontade dos
herdeiros, é a lei que transmite. Com isso, forma-se por força de lei, um condomínio, que
somente será dissolvido pela partilha. Saisine tem tamanha amplitude que ele transmite
automaticamente o patrimônio para os sucessores, formando a herança que formara o
condomínio (efeito fundamental de saisine).
Efeito principal de saisine: Transmissão automática.
Outros efeitos jurídicos decorrentes da transmissão automática (outros efeitos
decorrentes de saisine):
1 – Averiguação da capacidade sucessória dos herdeiros e legatários (art. 1798). No
momento da morte serão averiguadas a capacidade sucessória. Assim, qualquer
modificação superveniente nessa capacidade sucessória é irrelevante.
2 – Fixação da lei sucessória. Saisine fixa a lei sucessória. Moral da historia: a lei que vai
nortear uma sucessão é a lei vigente no momento de sua abertura. Modificações posteriores
são irrelevantes. Ex: imagine pessoa que faleceu em dezsembro de 2002. O CC/2002 só
entrou em vigor em janeiro de 2003. O inventario só foi aberto posteriormente, já sob a égide
do CC novo. Que CC disciplinará essa sucessão? O CC/1916. Estamos diante de curioso
caso no direito civil de ultratividade da norma (ultratividade da norma sucessória). Nesse
sentido, sumula 112, STF: estabelece que a alíquota do imposto causa mortis será aquela
vigente no momento da abertura da sucessão. Ou seja, qualquer modificação da alíquota
será irrelevante.
3 – Verificação do calculo da legítima. A legitima será verificada no momento da abertura da
sucessão. Aqui tem uma pegadinha: o CC estabelece que saisine (que a abertura da
sucessão) serve para calcular a legitima para fins de testamento, pois se quiser calcular a
legitima par afins de doação é no momento da liberalidade (art. 549, CC). são dois diferentes
momentos par o calculo da legitima: legitima para fins de testamento e legitima para fins de
doação. Não satisfeito com essa dualidade de regimes (regimes para calcular a legitima) o
CC estabeleceu um terceiro critério: calculo da legitima para fins de antecipação da herança
(art. 544, CC). O momento para se calcular a legitima para fins de antecipação da herança:
aqui existe um aparente conflito normativo entre o CPC 1014, p.u, CPC e 2004, §2º, CC.
Esses dois dispositivos são aparentemente conflitantes pois o CPC diz que a legitima será
calculada para fins de antecipação da herança no momento da abertura da sucessão. Mas
o §2º do art. 2004, CC, diz que a legitima será calculada para fins de antecipação de herança
375
Direito Civil 2016 376

no momento da liberalidade. Com isso percebe que há uma situação aparentemente


contraditória. Enunciado 119, jornada veio para pacificar o aparente conflito. Esse enunciado
estabelece que se o bem antecipado ainda estiver no patrimônio do donatário (o filho)
calcula-se o seu valor na abertura da sucessão. Todavia, se o bem não mais estiver no
patrimônio do donatário, não mais integrar o patrimônio do donatário o valor será calculado
pela data da liberalidade. Ex: filho ganha carro do pai quando tinha 18 anos. Quando o pai
falecer suponha que o filho tenha 60 anos. Ele já não mais está com o bem. Assim, esse
filho vai colacionar pelo valor do bem atualizado.
Agora se o filho recebeu imóvel. E ficou com o imóvel esse imóvel valorizou, então o filho
vai colacionar o valor atualizado do imovel. A referencia do enunciado 119 é evitar o
enriquecimento sem causa.
119 – Art. 2.004: para evitar o enriquecimento sem causa, a colação será efetuada com
base no valor da época da doação, nos termos do caput do art. 2.004, exclusivamente
na hipótese em que o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário. Se,
ao contrário, o bem ainda integrar seu patrimônio, a colação se fará com base no valor
do bem na época da abertura da sucessão, nos termos do art. 1.014 do CPC, de modo
a preservar a quantia que efetivamente integrará a legítima quando esta se constituiu,
ou seja, na data do óbito (resultado da interpretação sistemática do art. 2.004 e seus
parágrafos, juntamente com os arts. 1.832 e 884 do Código Civil).
Critérios estabelecidos pelo CC para o calculo da legitima:
Para fins de testamento: abertura da sucessão.
Para fins de doação: momento da liberalidade.
Para fins de antecipação da legítima: depende.
4 – Fixação do lugar da sucessão (art. 1785, CC). Esse artigo afirma que o lugar da sucessão
é o ultimo domicilio do falecido pois ali presumidamente hospedam os seus interesses. Esta
informação é valiosa para fins processuais no que diz respeito a competência para processar
e julgar o inventario. Esse artigo 1785, CC tem conexão direta com o art. 96, CPC.
Competência para processar e julgar inventário (arts. 1785, CC c/c 96, CPC):
Regra geral: último domicilio do falecido.
Situações especiais:
a. Se tinha mais de um domicílio (art. 70, CC – pluralidade de domicílios), qualquer deles
por prevenção.
b. Se não tinha domicilio, o lugar do óbito, se nele havia bens.
c. Se no lugar do óbito não existiam bens, qualquer dos lugares onde existiam, por
prevenção.
Não esquecer que todas estas regras são de competência relativa e portanto não
podem ser conhecidas de oficio pelo juiz (súmula 33, STJ). Portanto as partes podem
prorrogar. Ex: suponha que o falecido tinha domicilio em salvador, bens em Aracaju, faleceu
em Maceio e os filhos querem abrir inventário em Recife. Isso pode? Sim, pois a competência
é relativa. O STJ admite que o MP, como fiscal da lei, excepcione essa competência de
inventário em favor de incapazes. Cristiano não concorda porque quem tem que excepcionar
essa competência é o representante do incapaz e não o MP (a opinião do Cristiano é
minoritária).
Não se aplicam estas regras de competência quando se tratar de inventário
extrajudicial (inventário cartório: quando for consensual, não tem incapaz e não tem
testamento). Motivo: não se pode falar em incompetência de cartório, cartório não tem
competência. Não existe jurisdição cartorária. Ou seja, inventario extrajudicial pode ser feito
em qualquer cartório do Brasil, respeitada a competência tributaria (o imposto será pago
para o Estado competente).
Às regras de fixação de competência agrega-se o art. 89, II, CPC. Esse artigo
estabelece competência exclusiva da justiça brasileira para processar e julgar inventario de
bens situados no Brasil, mesmo que pertencente a estrangeiro.

376
Direito Civil 2016 377

Nesses casos de competência exclusiva da justiça brasileira o juiz do Brasil vai julgar
de acordo com a regra do art. 5º, XXXI, CF, que corresponde ao art. 10 da lei de introdução
das normas do direto brasileiro. Esses dispositivos consagram a regra da norma sucessória
mais favorável: quando se tratar de sucessão de bem de estrangeiro aplica-se sempre a
norma sucessória mais favorável ao herdeiro brasileiro. As duas normas sucessórias mais
favoráveis no mundo são do México e Portugal. A partilha de bem imóvel de português no
Brasil deve ser feito por juiz brasileiro, todavia a partilha deve ser feita com base na lei de
Portugal.
Art. 337, CPC: o ônus de prova é da parte, em se tratando de direito estrangeiro
compete à parte qual será a norma sucessória mais favorável. Não pode exigir que o juiz
saiba. O único ordenamento que o juiz tem que saber além do brasileiro é dos países do
Mercosul (protocolo de las lenhas: em se tratando de países do mercosul presume-se que o
juiz conheça o ordenamento). Nesse caso de países do mercosul a parte não é obrigada a
provar.
Os efeitos decorrentes de saisine não alcançam o legatário, somente o herdeiro.
Quando se fala na transmissão automática o legatário não recebe na transmissão
automática. O legatário só vai receber quando da partilha. Ele não recebe porque o legatário
recebe a titulo singular e a transmissão é a titulo universal – há uma incompatibilidade. O
legatário será citado para se habilitar, mas ele não será citado nas ações contra o espolio,
pois ele não integra o espolio.
E se o legatário pleitear tutela antecipada no curso do inventario?
Pode caber tutela antecipada, desde que o legatário preste garantia (caução
muciana). Essa caução pode ser real ou fidejussória. Caução muciana é a garantia prestada
pelo legatário que eventualmente pleiteia tutela antecipada. Essa caução deve ser prestada
porque não se sabe se ao final do processo vai sobrar bens para o legatário (tem que pagar
as dividas primeiro, etc).

377
Direito Civil 2016 378

AULA 20
DIREITO DAS SUCESSÕES: SUCESSÃO EM GERAL
5 – Capacidade sucessória
Capacidade sucessória é a aptidão para ser herdeiro ou legatário. Portanto, a
capacidade sucessória prende-se à ideia de atributo sucessório.
A expressão capacidade sucessória não é muito boa, pois ela acaba induzindo ao
erro: veicula a ideia de capacidade jurídica. Não se confunde capacidade sucessória com
capacidade jurídica (possibilidade de praticar atos jurídicos pessoalmente). A capacidade
sucessória é a aptidão para ser herdeiro ou legatário. Ou seja, garoto com 3 anos não tem
capacidade jurídica, mas tem capacidade sucessória. A capacidade sucessória não se
confunde com a capacidade jurídica, e por isso a melhor nomenclatura seria legitimidade
sucessória.
Quem pode ser herdeiro ou legatário: pessoas nascidas ou concebidas (art. 1798,
CC). A legitimidade sucessória é das pessoas nascidas ou concebidas.
A verificação da capacidade sucessória se dará no momento da abertura da
sucessão, sendo irrelevante eventuais modificações posteriores. Ex: Suzane Rictofen matou
os pais. Ela não tem direito à herança porque ela é indigna. Suponha que depois do
assassinato ela tenha engravidado. O neto não será herdeiro, pois o verificação da
capacidade sucessória se dará no momento da abertura da sucessão.
Abertura da sucessão = se dá com a morte.
Ampliação da capacidade sucessória no que diz respeito à sucessão testamentária.
Quando se tratar de sucessão testamentaria haverá uma ampliação da capacidade
sucessória, além de sucederem as pessoas nascidas ou concebidas, também terá
legitimidade sucessória (Hipóteses de ampliação da capacidade sucessória quando se tratar
de sucessão testamentária, apenas):
1º. Pessoa jurídica.
2º. A pessoa jurídica a ser constituída com patrimônio transmitido (fundações)
3º. Prole eventual (concepturo). Tem prazo para conceber: prazo de 2 anos para
concepção contados da abertura da sucessão. Não é para nascer, é para conceber.
Concepturo (ainda será concebido) x nascituro (já foi concebido).
Seria possível imaginar que ao invés de conceber biologicamente essa prole eventual
poderia ser adotada?
Sim. Não existe qualquer óbice de possibilidade de adoção, haja vista inclusive a
igualdade entre os filhos constitucionalmente garantido, salvo disposição expressa pelo
testador.
Poderia o testador dizer: a prole eventual que fulano vai ter com meu sêmen
congelado. Poderia ele deixar claro que aquele filho também vai ser filho dele?
Não (art. 1799, I, CC). Os pais da prole eventual devem ser pessoas vivas no
momento da abertura da sucessão, assim, o art. 1799, I acaba limitando o benefício em favor
de prole eventual. O testador não pode deixar para caracterizar como prole eventual o filho
dele ainda não concebido.
O único caso no Brasil em que se autoriza o fideicomisso é em favor de prole eventual
(art. 1952, CC).
As pessoas concebidas em laboratório (embrião) também estão alcançadas pela
capacidade sucessória? O embrião de laboratório pode ser abrangida pelo conceito de
pessoa concebida?
O embrião de laboratório não tem personalidade.
1ª corrente: Para alguns autores como Caio Mario e Flávio Tartuce, não. Para estes o
embrião laboratorial não tem capacidade sucessória, pois entendem que somente ao se
tornar nascituro é que se teria o conceito jurídico de concepção. O conceito jurídico de
378
Direito Civil 2016 379

concepção dependeria de útero. Para eles o conceito jurídico de concepção é uterino, se


não tem útero não tem concepção. Corrente minoritária.
2ª corrente (Maria Berenice, Giselda Ionaka): Para o entendimento majoritário o embrião de
laboratório tem capacidade sucessória. A CF proclama a igualdade entre os filhos, e se o
constituinte não distinguiu os filhos não cabe ao interprete faze-lo. O art. 1798 não exigiu
concepção uterina. Concepção de laboratório é concepção. A lei de biosegurança
(11105/05) estabelece que o embrião ficará guardado pelo prazo de 3 anos: com 3 anos ou
implanta ou descarta para pesquisa. A prescrição da petição de herança é de 10 anos (ação
pertinente para reclamar herança que não foi recebida). O embrião deverá nascer no máximo
em 3 anos e 9 meses. Na hora que o menino nascer ele é absolutamente incapaz, portanto
não corre a prescrição até ele atingir 16 anos (se torna relativamente incapaz).
O CC também quis indicar algumas pessoas que não tem capacidade sucessória.
Incapacidade sucessória (art. 1801, CC) – quem não tem capacidade sucessória,
quem não pode suceder:
4º. Quem não é nascido, nem concebido (art. 1798).
5º. O tabelião ou quem redigir o testamento.
6º. As testemunhas testamentárias (testemunha testamentária pode ser pessoa com 16
anos).
7º. Aquele que redigir o testamento a rogo do testador.
*Rogo: Caso que o testador não pode ou não sabe escrever.
8º. A concubina, salvo se estiver separada de fato (art. 1801, III). Vide o art. 1723, §1º, CC:
estabelece que a simples separação de fato, independente de prazo caracteriza união estável.
O art. 1801, III, estabelece um prazo de 5 anos, todavia, a simples separação de fato já altera
a natureza da relação: deixa de ser concubinato e passa a ser união estável. A pessoa deixa
de ser concubina e passa a ser companheira. Enunciado 269, jornada.
269 – Art. 1.801: A vedação do art. 1.801, inc. III, do Código Civil não se aplica à união
estável, independentemente do período de separação de fato (art. 1.723, § 1º).
9º. A pessoa interposta (testa de ferro ou laranja). Eu quero fazer o testamento para a
concubina, assim eu faço para uma pessoa interposta para que esta possa receber e passar
para ela. Pessoa interposta é simulação e simulação gera nulidade. Haverá presunção
absoluta de simulação quando se tratar de descendente, ascendente, cônjuge ou companheiro
e irmão das pessoas incapazes de suceder. Ao invés de fazer o testamento para a concubina
faz para o irmão da concubina: isso é nulidade (presunção absoluta de simulação).
O filho da concubina pode ser filho do testador, e ele pode receber herança, pois ele
é filho do testador (art. 1803 – artigo inútil).
Qual a diferença entre petição de herança e reintegração de posse?
Petição de herança é para reclamar herança (bem universal). Aqui se reclama a posse de
uma universalidade chamada de herança. A reintegração é para recuperar bem
singularmente compreendido, persegue-se a posse de bem individualmente considerado.

6 – Indignidade e deserdação
A indignidade e deserdação possuem um ponto de afinidade: constituem sanção civil,
é pena, portanto. É uma sanção, pena, imposta àquele que se comportou de forma ignóbil
contra o autor da herança (aquele que se comportou mal contra o autor da herança). É o
sucessor que praticou ato contrário aos interesses do autor da herança.
Indignidade e deserdação são espécies do gênero sanção. Aqui aplica-se portanto o
princípio da intranscendência da pena: a pena não pode passar da pessoa do apenado,
consequentemente o indigno e deserdado não recebe, mas os seus descendentes recebem
em seu lugar como se mortos fossem.
A indignidade e deserdação constituem um dos casos de sucessão por
representação, também chamada de sucessão por estirpe.

379
Direito Civil 2016 380

Casos únicos de sucessão por representação (sucessão por estirpe: quando uma
pessoa recebe no lugar da outra):
- Indignidade.
- Deserdação.
- Pré-morte.
Com isso se nota que a indignidade e deserdação possuem um ponto de afinidade, de
convergência: é uma sanção civil e se submetem ao princípio da intrasncendência. Ademais,
em se tratando de sanção é exigido o devido processo legal. A indignidade e deserdação
somente por decisão judicial, respeitado o devido processo legal.
Indignidade Deserdação
A indignidade é de qualquer Somente dos herdeiros necessários:
sucessor, seja herdeiro, seja art. 1845, CC (descendente,
legatário. Qualquer sucessor pode ascendente, cônjuge ou
ser reputado indigno. companheiro). Herdeiro facultativo
pode ser privado por testamento.
O sucessor pode ser indigno por O ato deve ser praticado antes da
atos praticados antes da abertura da abertura da sucessão.
sucessão (morte). Se o ato foi
praticado depois (ex: vilipendio a
cadáver) já não se pode mais falar
em indignidade.
A indignidade será reconhecida por A deserdação é por testamento. No
meio de ação ordinária de próprio ato de testamento. Esse
indignidade. Portanto possui testamento precisa ser homologado
procedimento comum ordinário. pelo juiz, pois o juiz precisa
confirmar se o ato foi realmente
praticado e se estava previsto como
causa deserdativa.
Qualquer interessado na indignidade Somente o autor da herança é que é
pode promover a ação. Ex: outros o ofendido. Somente ele pode
herdeiros, o descendente do indigno. deserdar.
*

Prazo decadencial de 4 anos. Não tem prazo. Pode ser feito


Contado do ato de indignidade. enquanto vivo for.
Hipóteses de indignidade (Art. 1814, Causas deserdativas (art. 1814 +
CC): arts. 1961 a 1963, CC):
1- Homicídio doloso, tentado ou 1- Homicídio doloso, tentado ou
consumado, contra o autor da consumado, contra o autor da
herança, seu cônjuge ou herança, seu cônjuge ou
companheiro, ascendente ou companheiro, ascendente ou
descendente. Atenção: O homicídio descendente.
culposo não está abrangido. 2 – Crime contra a honra ou
2 – Crime contra a honra ou denunciação caluniosa contra o
denunciação caluniosa contra o autor da herança, seu cônjuge ou
autor da herança, seu cônjuge ou companheiro.
companheiro. Aqui há uma redução. 3 - Ato que impeça a manifestação
Há uma redução aqui: o ascendente de vontade do autor de herança
e o descendente não foram produzir efeitos.
alcançados pela 2ª hipótese. 4 – Ofensas físicas.
5 – Injúria grave.
380
Direito Civil 2016 381

3 - Ato que impeça a manifestação 6 – Abandono material.


de vontade do autor de herança 7 – Relações ilícitas.
produzir efeitos. Algum ato que As 7 causas são aplicáveis
impediu o testamento de produzir integralmente as descentes e
efeitos: ex: marido que jogou o cofre ascendentes, mas o cônjuge
da esposa, onde estava o somente pode ser deserdado nas
testamento, no mar: esse é um ato hipóteses de indignidade (três
que impede que a manifestação da primeiras causas). As causas
vontade produza efeitos. deserdativas dos ascendentes e
Observações: descentes são mais numerosas.
O rol do art. 1814, CC é taxativo: O filho mantem relações sexuais
princípio da legalidade e toda norma com a madrasta: o filho praticou
que estabelece sanção deve ser causa deserdativa (relações ilícitas).
interpretada restritivamente. Esse filho pode ser deserdado, mas
Em se tratando de rol taxativo, o filho a madrasta não. O cônjuge só
que praticou auxilio ou instigamento incorre nas causas deserdativas da
ao suicido ele pode ser sancionado? indignidade.
Para tentar resolver o problema,
visto que o rol é taxativo, o STJ
recorreu à tese da tipicidade
finalística – José de Oliveira (Resp
334773/RJ). Essa tese da tipicidade
finalística serve também para
deserdação e serve também para a
doação (a doação é irrevogável
salvo pela ingratidão do donatário).
Tese da tipicidade finalística:
estabelece que a interpretação
desse rol taxativo deve levar em
conta a finalidade de cada tipo ali
presente. Ex¹: homicídio culposo tem
a mesma finalidade do doloso? Não,
portanto não pode se reputar causa
de indignidade. Todavia o
instigamento ao suicido tem a
mesma finalidade do homicídio
doloso, portanto é causa de
indignidade. A interpretação dos
tipos, portanto, é em conformidade
com a finalidade. Em suma, o rol é
taxativo, todavia o juiz pode
considerar outras causas desde que
tenham a mesma finalidade.
Nesse rol as duas primeiras
hipóteses correspondem a crimes
(homicídio doloso, crime contra a
honra e denunciação caluniosa). É
preciso condenação criminal prévia
para que se reconheça a indignidade
nessas hipóteses? Não se exige
prévia condenação criminal por
381
Direito Civil 2016 382

conta da autonomia das instâncias


(art. 935, CC). Não precisa ter, mas
se já houver condenação penal, a
condenação civil é efeito anexo da
sentença criminal. Tem uma
hipótese em que é necessária a
prévia condenação criminal: crime
contra a honra.
Toda vez que o Código utilizar a
palavra crime ou delito quem deve
reconhecer é o juiz penal, e não o
juiz civil. Se a lei civil não usar a
palavra crime, embora descreva o
crime, o juiz civil pode julgar, porque
nesse caso o CC vai falar de um fato
e não de um crime. Porém, se a lei
civil falar em crime, aí só o juiz penal
pode reconhecer.
Pegadinha: em se tratando de
homicídio precisa prévia
condenação criminal?
Não! Porque o juiz civil pode
reconhecer que houve um homicídio
para fins de indignidade.
Porém crime contra a honra
depende de previa condenação
criminal
Crime de denunciação caluniosa o
juiz civil pode porque a lei civil não
falou em crime de denunciação
caluniosa.
OBS: se no futuro houver 2 leis
dizendo cada uma que o homicídio
deixou de ser crime e que o crime
contra a honra deixou de ser crime:
mesmo com a lei que diz que o
homicídio deixou de ser crime, ele
ainda pode ser causa de
indignidade, pois a lei civil não usou
a palavra crime.
E se no futuro vier uma sentença
penal absolutória por negativa de
autoria. Só cabe Ação rescisória se
tiver dentro do prazo de 2 anos e se
conseguir enquadrar em uma das
hipótese do artigo que prevê a ação
rescisória. Passado o prazo da
rescisória: não pode fazer nada, a
pessoa será condenada (não cabe
relativização da coisa julgada nesse
caso pois o interesse perseguido é
382
Direito Civil 2016 383

patrimonial, e a jurisprudência só
admite a relativização da coisa
julgada nos casos que não são
patrimoniais).
Toda vez que o código utilizar a
palavra crime ou delito somente
pode reconhecer é o juiz criminal. O
juiz civil pode reconhecer fato
jurídico qualquer, seja ele criminoso
ou não. Se o CC não usar a palavra
crime, em que ela descreva um
crime o juiz civil pode reconhecer
pois o juiz vai declarar a existência
do fato, e não do crime. Agora se a
lei falar em crime, somente o juiz
penal pode declarar. Reconhecer
fato criminoso o juiz civil pode, ele
não pode é reconhecer o crime. Em
se tratando de homicídio não precisa
de prévia condenação criminal pois
o juiz civil pode reconhecer que
houve o homicídio para fins de
dignidade. Agora crime contra a
honra depende de prévia
condenação criminal. Se amanhã
sobrevierem duas leis penais
descriminalizadoras: uma
descriminaliza o homicídio a outra
descriminaliza os crimes contra a
honra. Depois de amanhã será
possível a indignidade por
homicídio? Sim. E a indignidade
contra a honra? Não, pois contra a
honra depende de crime.
Indignidade por homicídio não
depende de crime. E se depois da
sentença civil condenatória por
indignidade veio uma sentença
criminal absolutória por negativa de
autoria: cabe ação rescisória
(devendo ser enquadrada em uma
das hipóteses do art. 485 e prazo
decadencial de 2 anos). Contudo se
não cabe em umas das hipóteses do
art. 485 e no prazo decadencial
haverá coisa julgada – garantia
constitucional: então a pessoa será
absolvida pelo crime e declarada
indigna.

383
Direito Civil 2016 384

*Vem se discutindo se no conceito de interessado para fins de ação de indignidade se


enquadra o MP. O MP é interessado?
Para Cristiano não (minoritário), mesmo que haja interesse de incapaz. O art. 127, CF
diz que o MP atura quando se tratar de interesse social ou individual indisponível. Na
indignidade e deserdação o interesse é patrimonial, que é disponível. Assim, por conta da
disponibilidade do interesse que se discute, não seria o MP legitimado. Para Cristiano quem
tem que entrar com a ação seria o representante legal, o defensor público ou então curador
a ser nomeado pelo juiz, quando nenhum daqueles promover a ação.
Para a corrente majoritária o MP tem legitimidade quando se tratar de interesse de
incapaz (enunciado 116).
O juiz penal não pode declarar a indignidade.

7 – Cessão de direitos hereditários


A herança é valor patrimonial e como todo valor patrimonial ela admite circulação. É possível
fazer circular a herança. Assim, a herança pode ser objeto de um negócio jurídico. Esse
negócio jurídico é a cessão de direitos hereditários. Cessão de direitos hereditários: É a
circulação jurídica da herança:
A cessão de direito hereditários pode ser no todo ou em parte, a titulo oneroso ou
gratuito.
Requisitos da cessão de direito hereditários:
1º. Requisito temporal: o negócio deve ser celebrado no lapso temporal compreendido
entre a abertura da sucessão e a partilha. Motivo: depois da partilha já não pode mais haver
cessão de herança, depois da partilha vai ser cessão de direitos próprios (compra e venda ou
doação). Antes da abertura da sucessão: proibição da pacta corvina (proibição de pacto
sucessório). Art. 426, CC. Não é possível cessão de direito hereditários antes da abertura da
sucessão, pois não tem ainda. Nesse caso será nulo o contrato que tenha por objeto herança
de pessoa viva.
2º. Requisito formal: a cessão de direito hereditários tem de ser por instrumento público
(escritura pública) ou por termo nos autos do inventário, isso se dá porque a herança é bem
imóvel. Vai ser por instrumento público (escritura pública), mas não depende de registro no
cartório.
3º. Requisito subjetivo: a capacidade do cedente (só pode ceder direitos hereditários
quem tem capacidade). Em se tratando de herdeiro incapaz exige-se prévia autorização do
juiz ouvido o MP, pois a herança é considerada bem imóvel. Se o cedente for casado exige-se
o consentimento do cônjuge, salvo se ele for casado no regime de separação absoluta (a lei
dispensa) ou de participação final de aquestos e o pacto dispensar, sob pena de anulabilidade
no prazo de 2 anos (a herança é considerada bem imóvel).
4º. Requisito objetivo: o objeto da cessão deve ser sempre uma universalidade. Isso porque
a herança é um bem universal, considerada a universalidade da herança somente
universalidades podem ser cedidas. Uma herdeiro pode ceder 20%, 30%, etc. o herdeiro pode
ceder universalidade, percentuais de sua herança, mas ele não pode ceder bens específicos,
pois ele não tem bens específicos, ele tem universalidades: ninguém pode dar mais do que
tem. Assim, portanto, o herdeiro não pode ceder um carro, um terreno, etc. mesmo que tenha
5 imóveis e 5 herdeiros, o herdeiro não pode ceder 1 terreno, pois ele tem a universalidade e
tem que pagar as dividas e etc. A única hipóteses que admite cessão de direitos de bens
singulares, específicos é quando houver a concordância de todos os interessados (herdeiros,
eventuais credores, Fazenda Pública). Cessão de legado: se se tratar de cessão de legado,
essa pode se dar em bens não universais, ex: pode ceder carros, motos, etc.
A consequência jurídica da cessão é que o cessionário passa a ocupar o lugar do
cedente. Assim, o cessionário passa a ter, por exemplo, a legitimidade para requerer a

384
Direito Civil 2016 385

abertura do inventario ou para propor ação de petição de herança, pois ele passou a ocupar
a posição do cedente, e por isso é que ele adquire essa legitimidade.
A natureza jurídica da cessão de direitos hereditários é aleatória (sorte), ou seja, é
um negócio incerto. Em se tratando de negocio aleatório não incidem aqui vícios redibitórios
e a evicção (cessão onerosa e gratuita). Apesar disso, se sobrevierem bens desconhecidos
pelo cedente, não pertencerão ao cessionário, pois ninguém pode dispor daquilo que não
sabe ter.
OBS: Quando se tratar de cessão onerosa de direitos hereditários, o CC exige o respeito ao
direito de preferencia dos coerderios, sob pena de ineficácia do negócio celebrado em
relação ao coerdeiros prejudicados, (os coerdeiros preteridos terão o prazo de 180 dias para
ajuizar a adjudicação compulsória). Só haverá direito de preferencia se a cessão for onerosa.
Cessão gratuita é liberalidade e liberalidade não tem preferência: cada um dá o que tem pra
quem quiser.
Se eu tenho cessão de direitos hereditários celebrada sob égide do código velho, mas
cuja partilha veio depois do CC/2002, como funciona?
O art. 2035, CC ele dá a regra para direito intertemporal de qualquer relação jurídica
continuativa.
Relações jurídicas continuativas submetem-se à seguinte regra intertemporal:
 Existência e validade estão submetidas à norma do tempo da celebração;
 Eficácia está submetida à norma atualmente em vigor.
Então se essa cessão foi celebrada antes a validade dela é do CC/1916, mas a
eficácia é do CC/2002 (assim tem que ter direito de preferencia, cujo prazo é de 180 dias).

8 – Aceitação de herança
A aceitação de herança: É um ato jurídica em sentido estrito de natureza confirmatória,
apenas. Portanto, confirma a transmissão automática de saisine. E portanto com efeitos
retroativos. Confirma a transmissão automática que já se operou: efeitos retroativos.
De acordo com o art.1792, CC a aceitação de herança é sempre com benefício de
inventario, por força de lei. Com beneficio de inventário: é dizer que os herdeiros não
respondem por dividas para além das forças da herança. Os herdeiros somente pelas dividas
nos limites das forças da herança.
Toda aceitação de herança é irrevogável e irretratável. A pessoa pode renunciar
depois, só que aí vai ter problema fiscal: suponha que o herdeiro aceito, depois de aceitar
ele renunciou: esse herdeiro vai pagar imposto, pois ocorreu o fato gerador. A renuncia
posterior à aceitação mantem a incidência fiscal.
A aceitação pode ser direta ou indireta. Direta: é aquela que advém de manifestação
de vontade do interessado ou procurador. A indireta: é aquela que decorre do credor do
renunciante. Quando um herdeiro ou legatário renuncia ele pode estar prejudicando os seus
credores, e o código legitima o credor a fazer uma aceitação indireta. Esta aceitação indireta
não será no limite do quinhão da fração ideal, ela será no limite do crédito (o restante
continua na massa hereditária pois o herdeiro renunciou). Se a herança não pagar o crédito
a divida continua no que remanejar.
Espécies de aceitação:
 Expressa: é aquela que decorre de manifestação de vontade escrita. Isso é muito raro.
 Tácita: é uma aceitação comportamental. Esta é a amis comum. É aquela que decorre
do comportamento. Ex: constituir advogado para requerer abertura do inventário; cessão de
direitos hereditários (se o cara cede é porque ele aceitou antes). O CC adverte que não induz
aceitação tácita a prática de atos oficiosos ou ordinatórios. Ex: pagamento das despesas do
funeral (é um ato oficioso, mais moral do que jurídico).
 Presumida: depende de ação. A aceitação presumida é a que está ligada à ação
interrogatória (actio interrogatoria). A ação interrogatória é a ação promovida pelo interessado
385
Direito Civil 2016 386

em saber se uma determinada pessoa vai ou não aceitar uma herança. Ex: credor quer saber
se alguém vai ou não aceitar a herança. Essa ação só pode ser proposta 20 dias depois da
abertura da sucessão. Passado o prazo de 20 dias não havendo aceitação, nem expressa e
nem tácita, vem a ação interrogatória. Na ação interrogatória o herdeiro será citado para no
prazo de 30 dais falar se aceita ou não. o herdeiro pode nos 30 dias: renunciar, aceitar
expressamente ou ficar calado. Se ele se mantiver silente, aceitou presumidamente, pois o
silencio não pode ser interpretado como renúncia.
Em todos esses casos a aceitação será sempre plena e integral, sem possibilidade
de condição ou termo. Motivo: se a aceitação pudesse ser parcial, o herdeiro aceitaria o
crédito e renunciaria o débito. Isso não pode. Exceção: a aceitação pode ser parcial no caso
daquele que sucede com mais de um título (art. 1808). É o exemplo daquele que a um só
tempo é herdeiro e legatário. Para aquele que é herdeiro e legatário ao mesmo tempo ele
pode ser só herdeiro, só legatário ou os dois, e aí tem uma aceitação parcial. Nesse caso o
que há é uma aceitação parcial ou uma aceitação integral de cada um dos títulos
sucessórios? Para Cristiano não parecer haver aceitação parcial.
A legitimidade passiva na ações em que se discute interesse parimonail do falecido é
do herdeiro ou espolio? É do espolio pois o herdeiro não responde pelas divida, quem
responde é o espolio, por isso é que o espolio qiue é legitimado passivo.

9 – Renúncia
A renúncia é ato de despojamento da herança. A renuncia portanto é o repudio à
transmissão automática de saisine. A renúncia tem que se dar com caráter retroativo. Assim
com a aceitação, a renúncia é irrevogável e irretratável.
A renúncia exige escritura pública ou termo judicial, exatamente por se tratar de ato de
despojamento de bem imóvel.
Há uma discussão se é necessário ou não para a renúncia o consentimento do cônjuge.
A Maria Helena Diniz construiu tese dizendo que não. a Maria enquadra a renúncia de
herança como ato personalíssimo, ato pelo qual o herdeiro está renunciado à sua qualidade
hereditária (ação personalíssima). O entendimento dela é minoritário. Prevalece o
entendimento de Tartuce, Venosa, Cristiano, etc: a renuncia é ato de disposição patrimonial
e por isso precisa do consentimento do cônjuge, exceto se o casamento for no regime de
separação absoluta e na participação final dos aquestos se o pacto dispensar.
A doutrina brasileira (Venosa) costuma dividir a renúncia em:
- Abdicativa: renúncia pura e simples. “eu não quero”
- Translativa (in favorem): em favor de terceiro. “eu não quero para mim, mas quero para
fulano”.
Na verdade o que se chama de renuncia translativa tem natureza de cessão de
direitos hereditários. A isso que se da o nome de renúncia translativa na verdade é cessão
de direitos hereditários e se é cessão estará submetida à regra de cessão, inclusive
incidência fiscal. O cara pode estar chamando de renuncia translativa para fugir do fisco
(STJ, Resp 36076/MG: a renuncia abdicativa não tem incidência fiscal, o que leva à
conclusão de que a renuncia translativa tem incidência fiscal). A renúncia abdicativa não
gera efeito fiscal mas não pode prejudicar os credores, sob pena de legitimar a aceitação
indireta.
Efeito jurídico da renuncia: tratar o renunciante como se nunca tivesse existido. O
renunciante simplesmente será eliminado e tratado como se nunca tivesse existido. Moral
da historia: a renuncia não gera a sucessão por representação. O descendente do
renunciante nada pode reclamar, pois o descendente não tem qualquer direito sobre o
patrimônio renunciado (não gera sucessão por representação). O descendente do
renunciante somente recebe se todos de uma mesma classe renunciarem (o descendente

386
Direito Civil 2016 387

receberá por direito próprio e não por representação, caso haja a renuncia de todos os da
mesma classe).

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AULA 21
1 – Noções conceituais
O testamento é um negocio jurídico pelo qual se dispõe de patrimônio para depois da
morte e se faz outras declarações de vontade. O testamento é negocio jurídico mortis causa.
O testamento além de estipular previsões patrimoniais para depois da morte comporta
também outras manifestações de vontade.
Através do testamento é possível dispor de patrimônio para depois da morte e
também é possível manifestar outras declarações de vontade. As outras declarações de
vontade que podem estar no testamento são, por exemplo: reconhecimento de filho,
deserdação, nomeação de tutor, instituição de bem de família, etc.
No Brasil não é comum encontrar testamento. Zeno Veloso apresenta um diagnostico
desse fenômeno: porque não é comum testamento no Brasil? segundo Veloso, é por questão
econômica (a maioria das pessoas não tem patrimônio para transmitir); por questão cultural,
religiosa talvez (o brasileiro não gosta muito de falar de morte, é como se quem fosse fazer
o testamento fosse morrer) e as pessoas que muito provavelmente o autor da herança
gostaria de contemplar já estão contempladas pela sucessão legítima (assim de certa forma
seria inócuo fazer o testamento). Por tudo isso é que é rara a ocorrência da sucessão
testamentária.
Características do testamento:
1. Natureza negocial: testamento é negocio jurídico.
2. Caráter personalíssimo: só quem pode elaborar é o titular. O testamento é negócio
personalíssimo e por isso pode ser elaborado pelo maior de 16 anos de idade. Se o maior de
16 anos pode elaborar, também pode servir como testemunha testamentária (quem pode mais
pode menos).
3. Revogabilidade: o testamento pode ser revogado a qualquer tempo. Toda e qualquer
derrogativa ou derrogatória é nula. É nulo porque é da essência do testamento a
revogabilidade.
Clausula derrogativa: Clausula que retira do testador o direito de revogar o
testamento.
4. Solenidade: é da essência do testamento. O testamento pe negócio formal e solene,
sob pena de nulidade.
5. Eficácia causa mortis. O testamento só produz efeitos para depois da morte do titular.
6. Possibilidade de inserção de outras manifestações de vontade.
Não esquecer que as outras manifestações de vontade inseridas no testamento serão
interpretadas autonomamente, de modo que a eventual anulabilidade, nulidade, caducidade
ou revogação do testamento não os afetará. Ex: se o testamento contiver o reconhecimento
de um filho, ao se revogar o testamento não se atinge o reconhecimento do filho. O filho
estará reconhecido independentemente da revogação, nulidade, caducidade, etc, do
testamento.
Art. 1863, CC: estabelece a nulidade do testamento conjuntivo.
Testamento conjuntivo: testamento simultâneo (duas pessoas fazendo junto),
recíproco (com concessões mutuas) ou correspectivo (com respectiva retribuição. Ex:
pessoa retribui doação recebida). Em qualquer dessas hipóteses o testamento é nulo

2 – Pressupostos
Para que seja possível sucessão testamentária, são necessários os seguintes
pressupostos:
1. Capacidade testamentária do testador: a capacidade testamentaria do testador é a
aptidão para elaborar o testamento. A capacidade testamentaria é aptidão pra celebrar o

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testamento. Se a pessoa tem mais de 16 anos e está no gozo das faculdades mentais, ela
pode fazer testamento. Capacidade testamentária é ter mais de 16 anos e capacidade mental.
A capacidade testamentária será aferida no momento da celebração/abertura do
testamento. E não no momento da sucessão.
2. Capacidade sucessória do beneficiário: existência de uma pessoa apta a receber a
herança ou legado. Essa aptidão para receber herança ou legado: art. 1798, CC – são pessoas
capazes de receber herança ou legado: são as pessoas nascidas ou concebidas (nascituro –
que está no ventre materno ou aquele que ainda está no laboratório – que já está concebido
no laboratório).
No que diz respeito ao testamento, especificamente teremos ampliação dessa
capacidade sucessória: em se tratando de sucessão testamentaria, além das pessoas
nascidas ou concebidas, também possuem capacidade sucessória as pessoas jurídicas, as
pessoas jurídicas a serem constituídas com o patrimônio transmitido (fundações) e prole
eventual – filho que alguém vai ter no prazo de 2 anos contados da abertura da sucessão. A
prole eventual deverá ser concebidas nesse prazo de 2 anos contados da abertura da
sucessão (art. 1799). Moral da historia: possuem capacidade sucessória na sucessão
testamentária: as pessoas nascidas, concebidas, pessoa jurídica, pessoas jurídicas a serem
constituídas com o patrimônio transmitido (fundações) e prole eventual, concebidas no prazo
de 2 anos. Essa prole eventual pode ser decorrente de adoção, salvo restrição no testamento
em sentido contrário.
A capacidade testamentaria é verificada no momento da elaboração do testamento.
A capacidade sucessória é verificada na abertura da sucessão. São dois momentos distintos.
3. Respeito às formalidades na elaboração do testamento, sob pena de nulidade. A
eventual nulidade do testamento não afetará as demais manifestações de vontade.
4. Observância do limite da legítima. Aqui é necessário respeitar a legítima (metade do
patrimônio liquido disponível do testador). Para fins de testamento, a legitima vai ser calculada
na abertura da sucessão. Para fins de doação, a legitima será calculada na data da
liberalidade. E para fins de antecipações de herança (quando o pai faz doação para o filho sem
deixar expresso que o bem sairia de sua quota disponível), a legitima será calculada na data
da abertura da sucessão se o bem ainda existe; se o bem não mais existe a legitima será
calculada na data da liberalidade (enunciado 119 da jornada). O fundamento dessa dualidade
de prazo (se o bem ainda existe e se o bem já não mais existe) é a proibição do enriquecimento
sem causa.
119 – Art. 2.004: para evitar o enriquecimento sem causa, a colação será efetuada com
base no valor da época da doação, nos termos do caput do art. 2.004, exclusivamente
na hipótese em que o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário. Se,
ao contrário, o bem ainda integrar seu patrimônio, a colação se fará com base no valor
do bem na época da abertura da sucessão, nos termos do art. 1.014 do CPC, de modo
a preservar a quantia que efetivamente integrará a legítima quando esta se constituiu,
ou seja, na data do óbito (resultado da interpretação sistemática do art. 2.004 e seus
parágrafos, juntamente com os arts. 1.832 e 884 do Código Civil).

3 - Espécies de testamento
O testamento pode se apresentar a partir de dois grandes grupos de testamento:
 Testamentos ordinário: são aqueles feitos nas condições normais.
Os testamentos ordinários podem ser:
- Público;
- Cerrado ou secreto;
- Particular.
 Testamentos especiais ou extraordinários: são os testamento elaborados em situações
de excepcionalidade.
Os testamentos especiais podem ser:

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- Marítimo/aeronáutico;
- Militar.
Todas essas categorias de testamentos terão forma própria.
Todos os testamentos (cerrado, público, militar, aeronáutico, marítimo) exigem duas
testemunhas, com exceção do particular, que exige 3.
Testamento público:
O testamento público é aquele elaborado pelo testador de viva voz* na presença de
duas testemunhas e da autoridade com função notarial
*O testador vai narrar a sua vontade.
Autoridade com função notarial é o tabelião, os cônsules fora do Brasil.
A grande característica do testamento público é a publicidade da declaração. A
declaração será pública. Inclusive, respeitando o art. 13, CF, esse testamento tem que ser
redigido em língua portuguesa, pois esse testamento é publico.
O mudo não pode fazer o testamento público (não tem como o mudo declarar a sua
vontade). Porém o testamento público é permitido ao analfabeto e ao cego. Neste caso do
testamento público elaborado pelo cego e analfabeto além da presença das duas
testemunhas e da autoridade com função notarial, exige-se mais uma pessoa que assinará
o testamento a rogo do cego e do analfabeto (trata-se de regra específica).
Esse testamento público é elaborado de viva voz, mas ele não pode ser feito com
base em perguntas e respostas. Motivo: se o testamento público fosse feito com base em
perguntas e respostas: ex: a autoridade pergunta para o testador: a sua cassa vai ficar para
quem? Nesse caso o testamento teria afrontada a sua essência personalíssima. Ora, em se
tratando de negocio personalíssimo ele não pode admitir a intromissão da autoridade na
vontade do testador.

Testamento cerrado ou secreto:


Os mais antigos preferiam chamar o testamento cerrado de místico.
A testamento é aquele elaborado unilateralmente e exclusivamente pelo testador e
apenas entregue, já redigido à autoridade, na presença de duas testemunhas. A grande
característica dele é o segredo. O testamento é elaborado sozinho pelo testador, ele só é
entregue na presença das testemunhas. Nem a autoridade, nem as testemunhas terão
acesso ao conteúdo do testamento, pois o conteúdo do testamento só é do conhecimento
do próprio testador. As testemunhas são meramente instrumentais visto que apenas
testemunham a entrega.
O mudo pode fazer o testamento cerrado, pois não precisa declarar a vontade
verbalmente. Não é necessária a manifestação oral.
Não é possível ao analfabeto e ao cego elaborarem o testamento cerrado.
Por conta da linguagem em braile seria possível o cego elaborar esse testamento?
Para cristinao sim, nesse caso será necessária interpretação do CC mais abrangente. O CC
esqueceu da possibilidade da linguagem em braile. Num interpretação constritiva é possível
chegar à conclusão de que o cego pode elaborar o testamento cerrado em braile.
O testamento cerrado tem como grande característica o segredo. Por isso, se houver
dilaceramento (se alguém abrir indevidamente o conteúdo do testamento cerrado) gera
caducidade. O testamento cerrado somente pode ser aberto pelo juiz das sucessões.
Para Cristiano se esse dilaceramento do testamento cerrado ocorreu depois da morte
do testador (antes do juiz) para Cristiano e Caio Mario não há caducidade. Nesse caso não
haverá caducidade, mas sim mera irregularidade. Nessa hipótese não se pode dizer que
houve caducidade porque o testador já faleceu e não tem como elaborar outro. Se o
fundamento do testamento cerrado é o segredo e alguém violou o testador terá direito de
fazer outro (caduca o primeiro exatamente para que o testador elabore outro). Entretanto,
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se o testamento é violado depois da morte do testador ele não tem como elaborar outro,
assim, não haveria nesse caso caducidade, mas mera irregularidade.
Existe somente um caso em que o conteúdo do testamento cerrado será conhecido
por mais alguém além do testador. Essa hipótese é quando o testador sabe ler, mas não
sabe ou não pode escrever. A única hipótese que o conteúdo de um testamento cerrado
será do conhecimento de mais alguém, além do testador, é quando o testador sabe ler, mas
não sabe ou não pode escrever (ex: pessoa perdeu as mãos, que tem mal de parkson).
Neste caso alguém escreve a rogo da pessoa: alguém escreve, mostra para o testador, lacra
e entrega para a autoridade. A autoridade recebe o testamento, vai selar (coser) e somente
o juiz abrirá.
O testamento cerrado pode ser em língua estrangeira, devendo antes da homologação
do juiz ele ser traduzido por tradutor oficial.

Testamento particular:
O testamento particular tem a forma e conteúdo livres. Ele é elaborado como bem
entender o testador.
Ele pode elaborar mecanicamente, de próprio punho, etc. ele apenas precisa ler o seu
conteúdo na presença de 3 testemunhas.
O testamento particular pode ser em língua estrangeira, desde que as 3 testemunhas
entendam o idioma.
O testamento particular precisa ser lido na presença de 3 testemunhas. O testamento
particular traz alto grau de insegurança, pois ele não ficará registrado em nenhum lugar. O
testamento particular será guardado pelo testador. O alto grau de insegurança desse
testamento particular faz com que o código exija homologação judicial em relação à sua
validade. O juiz precisa homologar o testamento particular para garantir a sua segurança e
validade.
Há uma exceção no CC (art. 1879): permite-se ao testador elaborar testamento
particular de próprio punho, sem testemunhas, em casos excepcionais declarados no
testamento. Nesse caso o testamento continuará exigindo homologação judicial. Ex:
Brasileiro da Onu que ficou soterrado no Iraque: poderia ter elaborado testamento sem
testemunha.

Testamento marítimo/aeronáutico:
Este testamento é aquele testamento elaborado à bordo de navios ou aeronaves, pelos
passageiros ou tripulantes, tanto faz. Condição: a aeronave ou embarcação precisa estar
em curso (em viagem). Motivo: se a aeronave tiver pousado ou embarcação atracada, não
há excepcionalidade. Nesse caso o testamento pode ser pelo passageiro ou tripulante,
elaborado de forma pública (ditado para o comandante) ou cerrada perante o comandante.
No caso do testamento cerrado o testamento será entregue ao comandante, o qual fará o
registro no livro de bordo.
Se o testamento é particular, não precisa das peculiaridades do testamento
marítimo/aeronáutico.

Testamento militar:
Testamento militar é aquele elaborado pelos militares ou civis que estejam à disposição das
forças armadas (ex: médico) em tempo de guerra ou praça sitiada. Nesse caso será possível
a elaboração de testamento perante o comandante. Esse testamento elaborado perante o
comandante pode ser de forma pública (ditada verbalmente ao comandante) ou cerrado
(interessado elabora o testamento secretamente e entrega ao comandante).
Testamento militar é entregue perante o comandante da tropa.

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O testamento militar é o único que permite uma forma oral no direito brasileiro. É o chamado
testamento militar nucumpativo. Somente aquele que estiver ferido ou em situação de
combate pode testar verbalmente.
Todos os testamentos especiais (militar, marítimo/aeronáutico) exigem homologação
judicial, haja vista a excepcionalidade das circunstancias e o alto grau de insegurança.
Os testamentos especiais contam com condição de caducidade: todos os testamentos
especiais exigem que o testador morra durante a circunstancia excepcional. Se ele não
morrer, ele disporá do prazo de 90 dias para ratificar o testamento sob pena de caducidade.
É obvio que pode acontecer de a pessoa não ter condições de manifestar a vontade
no prazo de 90 dias. Ex: pessoa passa mal no navio e sai de lá em coma. Nesse caso o
testamento é valido. A ratificação é necessária quando for possível a manifestação de
vontade.
OBS: O direito brasileiro admite o chamado codicilo (Art. 1881).
Codicilo: pequeno testamento. Codicilo é uma disposição para o funeral (ex: pessoa
quer ser cremada) ou para pequenos legados (ex: pessoa quer deixar uma joia de estimação
para fulano).
Pequeno legado é aquilo que não ultrapasse 10% do patrimônio liquido, segundo a
jurisprudência. O codicilo tem forma livre e não exige testemunha, mas exige a capacidade
testamentária.
É possível a coexistência de testamento e codicilo, cada um tem seu objeto.
É possível que o codicilo revogue o testamento em parte. E o testamento pode revogar o
codicilo no todo.
Havendo testamento ou codicilo, exige-se a intervenção do MP como fiscal da lei (art.
999, CPC).
Não se admite o inventario extrajudicial quando existir disposição de ultima vontade.
O codicilo tem forma livre e dispensa testemunhas.

4 - Regras interpretativas e clausulas testamentarias


As clausulas testamentarias correspondem às disposições de um testamento.
As clausulas testamentárias de conteúdo não patrimonial não serão afetadas no caso
de revogação, invalidade ou caducidade das disposições de conteúdo patrimonial.
As disposição patrimoniais devem ser analisadas autonomamente. E portanto,
havendo, por exemplo, vicio de vontade, sobre uma disposição de conteúdo patrimonial,
haverá o prazo decadencial de 4 anos para ajuizar ação anulatória, somente em relação à
disposição viciada (anulabilidade). As demais continuam validas e eficazes (art. 1909, CC).
Clausulas proibitivas:
O CC estabeleceu a vedação de algumas clausulas testamentárias (o testamento não
pode ter algumas clausulas):
1. Clausula derrogativa ou derrogatória: é a clausula que prevê a irrevogabilidade de
testamento. Essa clausula é nula, pois a revogabilidade é da essência do testamento.
2. Clausula conjuntiva: é a clausula pela qual pessoa elabora testamento simultâneo,
recíproco ou correspectivo. Essa clausula é nula porque o testamento é personalíssimo.
3. Clausula a termo: apesar de o testamento se tratar de negocio jurídico, o testamento
não pode ter clausula a termo. Ele pode ter clausulas condicionais, mas a termo não. Motivo:
não se admite cláusula a termo porque se estaria criando hipótese de propriedade resolúvel
não prevista em lei. De acordo com o art. 1898, CC a clausula a termo somente é possível na
hipótese de legado, fora disso o CC não admite clausula a termo (estabelece período certo e
determinado).
4. Clausula captatória (art. 1900).

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5. Clausula com nomeação de pessoa incerta, sem possibilidade de determinação. É


possível nomeação de pessoa incerta porém determinável. Ex: eu deixo um bem para o aluno
que passar em primeiro lugar do concurso.
6. Clausula conferindo a indicação do beneficiário ou do objeto do testamento a um
terceiro. Essa clausula viola a natureza personalíssima, só quem pode indicar o beneficiário e
objeto do testamento é o próprio testador.
7. Clausula beneficiando uma das pessoas proibidas de receber herança ou legado.
Pessoas proibidas (arts. 1801 e 1802, CC):
 Testemunhas testamentárias
 Autoridade que presidiu o ato
 Aquele que assinou a rogo o testamento (caso do cego, analfabeto, do testamento
cerrado da pessoa que sabe ler, mas não escrever).
 A concubina, desde que o testador não esteja separado de fato. Se o testador estiver
separado de fato, a concubina deixa de ser concubina e vira companheira. O art. 1723,
§1º não exige prazo para a união estável. O prazo do art. 1801 fica prejudicado pelo art.
1723, §1º.
 O cônjuge ou companheiro, descendente, ascendente ou irmão destas pessoas (aqui
tem presunção de fraude, presunção absoluta de simulação). Presume que se pretende
beneficiar uma dessas pessoas que estão proibidas de receber herança ou legado. Se
o filho da concubina for filho do testador ele poderá sim receber herança ou legado.

O testamento também contém clausulas restritivas. Essas clausulas restritivas são 3:


1. Impenhorabilidade.
2. Incomunicabilidade.
3. Inalienabilidade.
É preciso chamar atenção para uma opção muito interessante no CC. A opção do CC
é a seguinte: a clausulas de inalienabilidade faz presumir as demais, mas a reciproca não é
verdadeira (art. 1911, CC). Ou seja, as outras clausulas não presumem a inalienabilidade.
Isso porque a clausula de inabilenabilidade é mais ampla, por ser mais ampla, o legislador
estabeleceu que a inalienabilidade presume as outras por ser mais ampla. Portanto, o
testador que quiser inserir as 3 cláusulas, basta colocar a inalienabilidade.
As clausulas restritivas seriam absolutas?
Segundo o CC não. As clausulas restritivas não são absolutas porque o juiz a
requerimento do interessado, pode determinar a extinção ou subrrogação de clausula
restritiva. O juiz pode determinar a retirada da clausula ou a sua substituição (subrrogação).
Ex: eu deixei um imóvel para Carla (legado) com clausula restritiva (Carla não pode doar, se
Carla for casada, independentemente do regime de bens não se comunica o bem, não pode
ser penhorado). Esse imóvel com clausulas restritiva fica indisponibilizado no patrimônio do
titular. Essa indisponibilidade pode ser extinta ou subrrogada por ordem judicial. Carla está
precisando fazer tratamento de saúde e não tem nenhum outro imóvel, e se ela não fizer o
tratamento pode morrer. Nesse caso o juiz pode extinguir a clausula. Outro motivo pode ser
porque o imóvel está se desapreciando, assim Carla quer comprar outro e transferir a
clausula para não se perder o valor do bem. Esse é o juiz da vara de registros públicos por
procedimento de jurisdição voluntária. Não é o juiz da sucessão pois já acabou o testamento.
As clausulas restritivas tem a duração indicada pelo testador. O testador indicará a
duração da clausula restritiva. No silencio do testador, presume-se o prazo máximo: vida do
beneficiário. Portanto, a clausula restritiva será, no máximo, vitalícia.
Quem recebe com clausula restritiva, transmite sem clausula restritiva, pois o prazo
máximo da clausula restritiva é a vida do beneficiário. Deste modo, a clausula restritiva torna
o proprietário usufrutuário (o beneficiário pode usar e fruir do bem, ,mas não tem a livre
disposição). A existência de clausula restritiva transmuda propriedade em usufruto.
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Possibilidade de clausulação de restrição da legítima: é possível clausular a legítima?


Duvida não há sobre a possibilidade de clausular a parte disponível. O titular da
herança pode perfeitamente clausular a parte disponível, mesmo para os seus filhos.
É possível clausular a legitima dos filhos?
Transforma o filho de proprietário em usufrutuário. No Brasil o direito à herança é
garantia constitucional (art. 5, XXX, CF). E por ser garantia constitucional, não pode o
testador clausular a legitima dos filhos. A herança é direito fundamental, ele é herdeiro
necessário. O herdeiro necessário tem direito à herança, portanto, como regra, a legitima
não pode ser clausulada.
Art. 1848, CC estabelece uma exceção: permite a clausulação da legitima quando
houver justa causa, indicada pelo testador no testamento. Essa justa causa precisa ser
provada judicialmente. O testador vai indica-la e posteriormente ela deverá fiar provada. O
testador não pode transformar herdeiro necessário em usufrutuário sem prova.
Silvio Rodrigues: essa possibilidade de clausulação da legitima com clausula restritiva
é estranha, pois ela vai fomentar discórdia e entre os herdeiros, pois o autor da herança vai
indicar a justa causa e isso pode causar discórdia. Ex: o autor vai clausular porque o marido
da filha bate nela, porque o filho é prodigo, etc. Essa clausula será objeto de duvidosa
razoabilidade no caso concreto.

5 - Redução testamentária
Todo testamento tem de respeitar os limites estabelecidos pela legitima. Respeitar a
legitima significa não ultrapassar o limite de 50% do patrimônio liquido do testador no
momento da abertura da sucessão.
Entretanto, não se pode esquecer que deliberadamente ou não, intencionalmente ou
não o testador pode exceder a legítima. Ex: testador elaborado o testamento e só vem a
falecer 15 anos depois. Como a legitima será calculada na abertura da sucessão, é possível
uma oscilação patrimonial entre a data de elaboração do testamento e de abertura da
sucessão. Essa oscilação pode fazer com que a legitima tenha sido violada.
Nesse caso, toda vez que houver violação da legitima (excesso testamentário), é caso
de redução da clausula testamentária.
A redução testamentaria é o ato pelo qual o juiz faz com que o testamento que excede
a legitima volte ao seu limite, restabelece o limite da legitima. A redução testamentaria pode
ser determinada de ofício pelo juiz, independentemente de motivo (isso se dá porque o juiz
tem que homologar o testamento).
O testamento público e o cerrado devem ser homologado, todavia não haverá
discussão sobre o seu conteúdo. Somente nos outros é que haverá discussão do conteúdo.
Regras para a redução testamentária:
 Havendo só herança (universalidade) ou só legado (bem individualmente considerado),
o juiz determinará uma redução proporcional;
 Havendo herança (universalidade) e legado (bem individualmente considerado),
simultaneamente, o juiz reduzirá primeiro da herança e, posteriormente, se preciso, do legado.
Reduz-se inteiramente a herança, para só depois reduzir o legado. E se o legado exceder 75%
do patrimônio? Se excedeu em 25% (1/4 - + de 75%) o limite permitido, aí cessa o legado, os
herdeiros legítimos recebem o bem e pagam o legado em dinheiro. Se o bem não valia mais
do que 75% o bem permanecerá com o legatário que pagara a diferença em dinheiro. Ex: eu
deixei uma casa para Arlete. Essa casa vale 80% do patrimônio (excedeu a legitima em mais
de 1/4). Nesse caso Arlete não recebe a casa. A casa fica para os herdeiros legítimos e os
herdeiros pagam o legado. Se a casa não excedeu ¼, a casa fica para Arlete e ela paga a
diferença.

6 - Direito de acrescer
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Para discutir o direito de acrescer é preciso pensar um testamento beneficiando em uma


clausula duas ou mais pessoas conjuntivamente.
Se o beneficio é disjuntivo não há discussão sobre o acréscimo. A discussão é só quando o
beneficio é disjuntivo. Ex: eu deixo casa para Carla e Arlete (clausula conjuntiva – elas vão
receber a casa juntas). Agora se eu deixo a casa 50% para Carla e 50% para Arlete aí a
clausula será disjuntiva. A clausula é disjuntiva quando há estabelecimento de percentuais.
Se a clausula é conjuntiva e um dos beneficiários não pode (deserdação, indignidade)
ou não quer receber (renuncia) e não há substituto, ocorrerá o direito de acrescer. No
exemplo dado, se Carla não quer receber a Arlete vai acrescer.
Direito de acrescer: o beneficiário pode somar a quota parte que seria do outro.
Requisitos para o acréscimo testamentário:
1. Clausula conjuntiva, beneficiando duas ou mais pessoas, sem especificação de fração
ideal.
2. Se um dos beneficiários da clausula não quer (renúncia) ou não pode (indignidade ou
deserdação) receber o beneficio.
3. Inexistência de indicação de substituto testamentário.
Se a clausula for disjuntiva, não pode acrescer. A parte do beneficiário que não quer
ou não pode receber volta para a sucessão legitima. O fundamento é o respeito à vontade
do testador.

7 - O testamentário
O testamenteiro é uma pessoa indicada pelo testador para fazer valer a sua
declaração de vontade. O testamenteira portanto, é alguém a quem o testador confiará a
missão de efetivar, fazer valer o seu testamento.
Exatamente por isso o testamenteiro tem a legitimidade para requerer a abertura do
inventario (art. 998, CPC).
O testamenteiro pode até mesmo ser inventariante se assim indicou o testador.
Exatamente porque a função do testamenteiro é fazer cumprir a vontade do testador.
O testamenteiro assume responsabilidades civis e criminais (ex: não pode dar
declaração falsa), mas o testamenteiro não tem privilégios. O testamenteiro não tem
tratamento diferenciado. Exatamente por isso que se o testamenteiro não for nem herdeiro
nem legatário, o juiz fixará para ele uma remuneração chamada de prêmio ou vintena, no
percentual de 1 a 5% sobre o total da herança. Nessa caso o juiz utilizará os mesmos
parâmetros para arbitramento de honorários advocatícios.
O testamenteiro portanto, tem funções processuais e extraprocessuais e não tem
nenhuma prerrogativa, por isso ele tem direito ao premio.

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SUCESSÃO LEGÍTIMA
1 – Ordem de vocação hereditária
A sucessão legitima é aquela que se opera de acordo com a lei, para a sucessão
legitima é irrelevante a vontade do autor da herança. No Brasil a sucessão legitima beneficia
as pessoas que o autor muito provavelmente beneficiária se fizesse um testamento.
A sucessão legitima beneficia os parentes mais próximos em ordem de preferencia. A ideia
é transmitir o patrimônio para a pessoa mais próxima. A sucessão legitima presume a
vontade do autor da herança. Essa presunção é relativa e não absoluta, pois de qualquer
sorte o autor da herança pode elaborar um testamento, razão pela qual já se percebe que a
presunção não é absoluta.
É possível uma concomitância (simultaneidade) de sucessão legitima e testamentária
em dois casos (ao mesmo tempo é possível ter sucessão legitima junto com a
testamentária):
1. Quando houver herdeiro necessário e testamento. É que se há herdeiro necessário
haverá o bloqueio da legítima e se há legítima o testamento só pode dispor de 50%.
2. Quando não há herdeiros necessários, mas também não há testamento dispondo da
integralidade do patrimônio.
A sucessão legitima traz presunção relativa de vontade do autor da herança.
A sucessão legitima se opera de acordo com a ordem vocação hereditária.
A ordem de vocação hereditária é o fundamento da sucessão legitima. Toda sucessão
legitima gravita ao derredor da ordem de vocação hereditária, também chamada de ordem
de vocação sucessória.
A ordem de vocação hereditária é o estabelecimento do rol dos sucessíveis (é a lista
das pessoas que serão chamadas a suceder por força de lei).
Ordem de vocação hereditária no Ordem de vocação hereditária no
CC/1916 CC/2002
Art. 1603 Arts. 1829 e 1729. Premissa do novo
CC: extinguir o usufruto vidual. O
CC/2002 pois fim ao usufruto vidual
e estabeleceu uma nova ordem de
vocação sucessória.
Descendentes Descendentes + cônjuge ou
companheiro
Ascendentes Ascendentes + cônjuge ou
companheiro
Cônjuge sobrevivente/companheiro* Se não tiver nem descendente ou
(supérstite) ascendente aí será chamado o
cônjuge sobrevivente sozinho.
Colaterais até 4º grau Colaterais até 4º grau + o
companheiro.
Fazenda pública Somente se não tiver colateral até 4º
grau aí sim será chamado o
companheiro sobrevivente sozinho.
Essa ordem é preferencial, ou seja, Dessa nova ordem temos 3
tendo os descendentes o conclusões:
ascendente não será chamado e 1 - Os grande privilegiados dessa
assim sucessivamente. nova ordem foram o cônjuge e
*Advieram as leis 8971/94 e 9278/96 companheiro. Há portanto um
que estabeleceram o direito indiscutível privilégio do cônjuge e
sucessório para o companheiro, companheiro.
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Direito Civil 2016 397

então ao lado do cônjuge O descendentes e ascendentes


sobrevivente passou a figurar foram prejudicados pois perderam
também, por força dessas duas leis, um pedaço da sua herança para o
o companheiro sobrevivente. cônjuge ou companheiro.
No CC/1916 a posição jurídica 2 – Quebrou-se a histórica paridade
sucessória do cônjuge ou entre cônjuge e companheiro.
companheiro é uma posição 3 – A fazenda pública deixou de ser
residual, pois o cônjuge só herdaria herdeira. Nesse ponto o CC foi ótimo
na hipótese de não existir pois a fazenda pública de fato não é
descendente ou ascendente, o que é herdeira, pois ela recebe na
muito difícil. O cônjuge e ausência de herdeiros através de um
companheiro somente recebe a procedimento de jurisdição
herança residualmente. Com isso o voluntária chamado de herança
CC/1916 estabeleceu uma jacente e vacante.
compensação para o cônjuge ou Considerando que a fazenda pública
companheiro: criou-se então um não é herdeira ela não pode ser
instituto chamado de usufruto vidual beneficiada pela transmissão
(palavra de origem espanhola que automática de saisine (art. 1784,
quer dizer viuvez). Esse usufruto CC). se o nem o legatório é
vidual é usufruto decorrente da beneficiado pela transmissão
viuvez. Esse usufruto vidual era o automática, sentido não há para que
direito reconhecido ao cônjuge ou a fazenda pública receba a
companheiro de ter metade ou ¼ da transmissão automática (Resp
administração e dos frutos da 253719/RJ, STJ ). Nesse julgado o
herança transmitida aos STJ estabeleceu que a aquisição de
descendentes ou ascendentes. Em propriedade pela fazenda publica só
suma, o patrimônio ia direto para o ocorre pela decisão judicial. Com
descendente ou ascendente, mas o isso até que a decisão judicial seja
cônjuge ou companheiro tinha o proferida é possível falar em
direito de administrar e de retirar os usucapião (STJ, AgRgAgInst.
frutos da metade ou de ¼ do 851228/RJ). Esse precedente
patrimônio transmitido para os estabeleceu a possibilidade de
ascendentes ou descendentes. usucapião dos bens antes da
Nota-se que o usufruto vidual partia prolação da decisão, pois os bens
da falsa premissa de que esse ainda não se tornaram bens
cônjuge receberia o usufruto com públicos.
descendentes que eram seus (esse O procedimento de herança jacente
pensamento estava no CC/1916 e vacante é um procedimento
porque não existia divórcio na bifásico escalonado. A primeira fase
época). Até 1949 era proibido ao é a jacência e a segunda fase é a
homem reconhecer filho fora do vacância. A propriedade somente
casamento, então mesmo que ele será adquirida pela fazenda pública
tivesse um filho fora do casamento depois da sentença da segunda
ele não poderia reconhecer, então o fase, portanto, com a sentença de
CC/1916 partiu da premissa que vacância e não de jacência.
esse conuge teria direito ao usufruto Exceção (existe uma hipótese em
vidual porque ele normalmente era a que o procedimento não será
mãe ou pai desses filhos. A partir de bifásico): art. 1823, CC – se houver
1977, quando se admitiu o divórcio renúncia de todos os herdeiros,
no Brasil, o usufruto vidual se tornou abre-se direto a vacância, saltando-
fonte de conflitos. Motivo: com o se a jacência. Isso se dá porque a
397
Direito Civil 2016 398

divorcio esse cônjuge não primeira fase é uma fase de


necessariamente era o pai ou mãe precaução de interesse de terceiros,
dos filhos com quem estava se todos já renunciaram não precisa
concorrendo. Conclusão: era precaver os interesses de terceiros,
necessário por fim ao usufruto que já estarão precavidos.
vidual.

2 – Sucessão do descendente
A sucessão do descendente é norteada por 2 regras:
1ª. Inexistência de tratamento discriminatório entre os descendentes. A sucessão do
descendente não pode ter discriminação. Trata-se de uma projeção do princípio constitucional
da igualdade entre os filhos.
No CC/16 o filho adotivo não herdava. Agora, por não poder haver discriminação, o
filho adotivo terá o mesmo direito sucessório do filho biológico.
Os artigos 41 a 49 do ECA reconhecem o direito hereditário do filho adotivo (esses
artigos tratam da irrevogabilidade da adoção, por ser assim, terá o mesmo direito sucessório
do filho biológico).

2ª. A presença do descendente mais próximo afastará o mais remoto. Se tem um


descendente mais próximo não será chamado o mais remeto. Ex: se tem filho não se chama
o neto; se tem neto não se chama o bisneto, etc. Com isso, ordinariamente, não serão
chamados descendentes de diferentes graus. Portanto, ordinariamente a sucessão do
descendente é por cabeça (ou por direito próprio). Exceção: a sucessão será por
representação (sucessão por estirpe). Na sucessão por representação é possível a presença
de descendentes de diferentes graus e ela só ocorre em 3 casos:
a. Indignidade
b. Deserdação
c. Pré-morte.

PAI/viúvo

FILHO 1 FILHO 2 FILHO 4


FILHO 3
Pré-morto Indigno Renúncia

N1 N2 N3 N4 N5 N6 N7

Atenção: A renúncia não gera sucessão por representação. A parte do renunciante


será redistribuída, ela não vai para os seus descendentes. No gráfico acima dado como
exemplo, se o filho 4 renuncia, a sua quota parte não vai para os seus filhos, mas sim será
dividido entre os filhos 1, 2 e 3.
Cuidado: Se todos os descendentes de um mesmo grau renunciarem aí sim os
descendentes da classe seguinte serão convocados (mas eles serão convocados não por
representação, mas sim por direito próprio). No exemplo dado, se os todos os filhos
renunciam, a herança será dividida entre os N1 a N7, mas não por representação, mas sim
por direito próprio. Agora se todos os graus de descendentes renunciarem aí sim parte para
os ascendentes, e assim por diante.
Se a sucessão por representação decorre de indignidade ou deserdação somente
serão chamados os descendentes. Mas se decorre de pré-morte é possível chamar os

398
Direito Civil 2016 399

demais sucessíveis (quando for por pré-morte segue a ordem dos sucessíveis). Ex: se o filho
2 for indigno, mas deixou descendente - o N3 – o descendente recebe. Mas se o Filho 3 foi
deserdado e não tiver filhos ele é simplesmente aniquilado da sucessão, a parte dele não irá
para o seu ascendente, ela será redistribuída na classe. Agora o filho 1, que é pré-morto,
suponha que ele não tenha deixado filhos, aí a sua parte irá para seu ascendente, se não
houver vai para o cônjuge e assim por diante.
Principio da intranscendência da pena – a pena não pode perpassar a pessoa do
apenado. Como a indignidade e deserdação são penas, aí o descendente vem buscar só
pelo princípio da intranscedência. Agora a pré-morte não é pena, então a transmissão se
opera.

3 – Sucessão do ascendente
A sucessão do ascendente é norteada por 3 regras:
1ª. Aplicação da igualdade de origens (reciprocidade sucessória): se há uma igualdade
entre os filhos, também deve haver igualdade entre os ascendentes. Se o filho adotivo herda
do pai adotivo, o pai adotivo também herda do filho adotivo. Igualdade de origens. Não há
limitação de origens para a sucessão.
2ª. A presença do ascendente mais próximo afastará o mais remoto. Se tem pai não chama
avô, e assim por diante. Na classe dos ascendentes não existe sucessão por representação,
somente sucessão por pré-morte, mas essa sucessão não será por representação, será pela
ordem de vocação que seguiu.
3ª. A sucessão do ascendente é a única dividida em linhas (linha materna e linha paterna).
Suponha que uma pessoa faleceu não deixou filhos e nem pais, mas deixou avós (um paterno
e dois maternos). Suponha que ele tenha deixado uma herança de 100 mil reais. Para o avô
paterno fica 50% e para os dois maternos ficam os outros 50%, que serão repartidos entre
estes. Quando não houver representante em uma linha a outra linha acresce. Ex: se não tem
avô paterno mas tem os maternos estes ficam com tudo, não passa a parte do paterno para
os bisavôs.

4 – Sucessão do cônjuge e sucessão do companheiro


A sucessão do cônjuge e companheiro é complexa, pois eles podem descender com os
ascendentes, descendentes, sozinhos, etc.
Concorrência sucessória do cônjuge e companheiro:

C/ C/ Sozinho C/ colaterais
descendente ascendente
Cônjuge - A - Independe Independentement X
Art. 1852, concorrência do regime e do regime de O cônjuge
CC sucessória do de bens. bens o cônjuge não concorre
cônjuge com o Seja qual for recebe todo o com
descendente o regime de patrimônio colateral, ele
depende do bens, sozinho, se não se antecipa
regime de mesmo que houver nem ao colateral e
bens*. seja o da descendentes ou recebe
- Incide comunhão ascendentes. sozinho.
somente sobre universal, o
os bens cônjuge
particulares. sobrevivent
Somente os e terá direito
bens à herança
particulares quando
399
Direito Civil 2016 400

serão objeto concorrer


de herança em com os
favor do ascendente
cônjuge. Os s.
bens comuns - Incide
geram sobre todo
meação; os acervo
bens patrimonial
particulares (bens
geram comuns +
herança. Onde particulares)
se herda não .
méia, onde se - O
méia não percentual
herda. Onde do cônjuge é
há meação igual à
não há metade (art.
herança, onde 1873, CC),
há herança exceto se
não há concorrer
meação. com o pai e
Meação e mãe. Se
herança concorrer
incidem sobre com pai e
patrimônios mãe o
distintos na percentual
sucessão do cai para 1/3.
cônjuge com Agora se
descendente. concorrer só
- O percentual com pai, só
do cônjuge com mãe,
será o mesmo avós, o
do percentual
descendente do cônjuge
(art. 1832, será a
CC). o cônjuge metade.
sobrevivente
entra como
mais uma
cabeça
sucessória
participando
da partilha. O
art. 1832, CC
garante pelo
menos ¼ ao
cônjuge
sobrevivente**
.
Companheir - A - O X Não
o concorrência companheir havendo
400
Direito Civil 2016 401

Art. 1790, do o terá direito descendente


CC companheiro à herança s e
com somente ascendentes
descendente é sobre os , o
somente sobre bens companheiro
os bens comuns não recebe
comuns. Os quando sozinho e ele
bens concorre ainda vai
particulares com concorrer
vão todos para ascendente. com os
os Os bens colaterais até
descendentes. particulares 4º grau,
- O percentual vão todos recebendo
será o mesmo para os somente os
do ascendente bens
descendente. s. comuns, no
O - O percentual
companheiro percentual é de 1/3. Os
não tem a de 1/3. bens
garantia particulares
mínima de ¼ e ficam todos
o companheiro para os
somente terá o colaterais.
mesmo Se não tiver
percentual se sequer
ele for o (caput do art.
ascendente do 1790, CC)
descendente colateral, o
com quem direito
estiver sucessório
concorrendo. do
Se ele não for, companheiro
o companheiro é somente
terá direito à sobre os
metade do que bens
couber ao comuns,
descendente. então os
Ex: railander bens
morreu em particulares
união estável vão para a
com jéssica e fazenda
deixou 2 filhos. pública. ***
Se os dois
filhos são de
Jéssica cada
um fica com
1/3. Agora se
os dois filhos
não forem dela
ela terá direito
somente à
401
Direito Civil 2016 402

metade do que
couber aos
filhos, ou seja
ela terá direito
apenas a 1/5
da herança
(20%). Se for
sucessão
hibrida o CC
nada disse e a
doutrina vai
controvertend
o, assim como
no casamento.

O código civil afastou a concorrência em 3 regimes de bens (o CC não quer que o


cônjuge concorra com o descendente porque nesses três regimes o CC quer que o
descendente receba a totalidade da herança).
Regimes que excluem o direito sucessório do cônjuge concorrendo com o
descendente:
a. Comunhão universal de bens. Isso se dá porque o cônjuge na comunhão universal ele
já tem metade de tudo, incluindo aí os bens que ele sequer colaborou.
b. Comunhão parcial sem bens particulares. É que a comunhão parcial sem bens
particulares na prática é uma comunhão universa.
c. Separação obrigatória de bens (art. 1641, CC).
Conclusão: esses 3 regimes não geram direito sucessório concorrendo com o
descendente. Todos os demais regimes geram e com isso surge o problema do regime de
separação convencional (a intenção de quem casa no regime de separação convencional é
não ter meação e por consequência não ter herança). O CC termina estabelecendo que a
pessoa que se casou no regime de separação convencional vai deixar herança para o
cônjuge. O CC termina estabelecendo um direito sucessório para quem casou no regime de
separação convencional. Para Cristiano isso afronta a autonomia privada, a liberdade de
autodeterminação pois se a pessoa escolheu o regime se separação convencional é porque
ela não quer comunicar nada. Tartuce concorda com o entendimento do CC pois para
Tartuce é injusto a pessoa sair do casamento sem nada. Para Cristiano a pessoa casou para
ter afeto, amor alegria ou patrimônio? Se for para ter patrimônio nem precisa casar. Para
Cristiano não parece que a essência afetiva do casamento conduza à produção de efeitos
patrimoniais, se o casamento tem essência afetiva existencial produzir efeitos patrimoniais
parece para ele desnecessário. Segundo ele é plenamente possível casamento sem efeitos
patrimoniais.
O STJ já julgou esse caso uma vez (precedente – tem força normativa): Resp
992749/MS. Nesse precedente o STJ fixou o entendimento de que se o casamento é no
regime de separação convencional também elimina o direito à herança (adotar esse
entendimento em prova do CESPE). Esse precedente exclui o direito sucessório de quem
se casou pelo regime de separação convencional.
** O cônjuge sobrevivente terá a garantia minimiza de ¼ se ele for o ascendente do
descendente com quem estiver concorrendo. Se ele não for, então ele não tem a garantia
de ¼. Ex: Fulano morreu e deixou a esposa e dois filhos comum. Então nesse caso a mulher
terá direito a 1/3 (1/3 > 1/4). Agora se ele morreu deixou 6 filhos e a viúva, se os 6 filhos
forem dela ¼ é da viúva e os outros ¾ serão divididos entre os 6 filhos. Agora se os 6 filhos
não são dela ela não tem a garantia de ¼, então ela terá direito a 1/7. Agora se os filhos
402
Direito Civil 2016 403

forem híbridos, por exemplo, 3 filhos são dela e 3 filhos não são o CC não responde. Mas a
doutrina responde:
1ªc: Para alguns doutrinadores basta ter um filho para ter a garantia de ¼.
2ª c.: Para outros, precisa que todos sejam filhos para que tenha a garantia de 1/4 (toda
norma que estabeleça privilégios deve ser interpretada restritivamente).
3ª c.: Para outros doutrinadores, que é a corrente majoritária, vai ter que fazer uma
composição: vai ter que aplicar ¼ para o numero de filhos comuns e não aplicar o ¼ para os
filhos que não são comuns. Terá que fazer uma equação.
Para Cristiano esse artigo 1832 é incompatível com a constituição, pois ele trata
desigualmente os filhos. Para Cristiano esse artigo põe-se em rota de colisão com o texto
constitucional.
Além do direito à meação e ao direito à herança, o CC criou um terceiro direito para
o cônjuge: que é o direito real de habitação (art. 1831, CC). Direito real de habitação é um
direito reconhecido ao viúvo ou viúva de continuar morando no imóvel residencial que servia
de lar para o casal.
O direito real de habitação do cônjuge é vitalício (só perde quando morre) e
incondicionado (é incondicionado porque o cônjuge sobrevivente tem o direito real de
habitação mesmo que constitua uma nova família). Para Cristiano isso gera dua agravantes:
1 - Imagine que uma piriguete casa com um velho sob o regime de separação de bens e
espera ele morrer. Os filhos apesar de terem direito sobre o imóvel que ficou de herança,
não terão como repartir pois a piriguete tem o direito de ficar morando no imóvel, ainda que
constitua uma nova família. Para Cristiano isso pode prejudicar os filhos do falecido de outro
casamento – imaginem que eles sejam menores e dependiam de pensão do pai
2 – Uma mulher tem um móvel antes de casar, onde ela morava, ela casa e aluga esse
imóvel. Se o marido morrer ela não tem que voltar par ao imóvel dela, ela continua morando
no imóvel que era residência do casal e continua recebendo aluguel do imóvel dela.
O STJ vem entendendo que o direito real de habitação independe de herança e de
meação. O direito real de habitação além de não estar submetido à herança e meação, ele
é reconhecido mesmo que haja mais de um imóvel residencial a partilhar (art. 1831).
O artigo 1831, CC é uma regra, então havendo necessidade o que se pode sustentar
aqui é a derrotabilidade (forma de superar a aplicação da regra). Humberto Ávila e Tomas
Bustamante foi quem trouxeram a tese de derrotabilidade. Essa regra da derrotabilidade é
para casos excepcionais, nos quais uma regra que é válida, é superada para garantir justiça
social ao caso concreto. A regra é válida, mas ela pode se tornar ruim, então quando ela for
ruim aplica-se a derrotabilidade: resolve o problema casuisticamente e a regra continua no
sistema. Para Cristiano essa é a solução imediata, para ele a solução mediata seria alterar
a lei: dizer que o direito real de habitação deveria ser determinado pelo juiz no caso concreto
e não pela lei.
O direito à herança e o direito de habitação só serão reconhecidos se o cônjuge não
estiver divorciado, separado judicialmente e nem de fato há mais de 2 anos. Mas, segundo
o art. 1830, CC, se o cônjuge estiver separado há mais de dois anos e provar que o
casamento se desfez por culpa do falecido o sobrevivente readquire a herança e habitação
(a doutrina chama isso de culpa mortuária ou culpa funerária). Isso é muito grave pois
imagine que os cônjuges estão separados há mais de 15 anos, um morre e outro aparece
querendo herança falando que a culpa da separação se deu por conta do falecido. A doutrina
brasileira unanimemente diz que essa parte da culpa mortuária ou funerária é não escrita,
dada a impossibilidade de discutir essa culpa. A doutrina não admite essa discussão de
culpa.
Pressuposto da sucessão do companheiro (art. 1790, CC): o companheiro
sobrevivente terá direito à herança sobre os bens adquiridos onerosamente na constância
da união estável. Problema: sobre esses bens o companheiro já tem meação (na união
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Direito Civil 2016 404

estável incide o regime de comunhão parcial). Conclusão: na união estável o direito à


herança incide sobre os mesmos bens sobre os quais incidem a meação. Portanto, o
companheiro terá direito à herança somente sobre os bens comuns. Sobre os particulares,
não terá nem herança, nem meação.
***A maioria dos doutrinadores, liderados pela Maria Berenice Dias, fazem uma
interpretação sistémica. A maioria dos autores dizem que a expressão “direito à totalidade
da herança” presente no inciso IV do artigo 1790 ele será interpretado isoladamente, sem o
caput, e dizer que esse inciso quando disse a totalidade da herança ele quis dizer inclusive
os bens particulares, privando a fazenda pública.
O companheiro além do direito de herança ele terá o direito real de habitação (art. 7º
da lei 9278/76). O direito real de habitação do companheiro é vitalício e condicionado. Ou
seja, se a companheira sobrevivente constituir nova família extingue-se automaticamente o
direito real de habitação.
Hoje, para Cristiano, há uma indiscutível inconstitucionalidade da sucessão do
companheiro pois trata desigualmente uma entidade da outra. a maioria dos doutrinadores
defendem a inconstitucionalidade (Rolf Madeleno, Berenice Dias, etc), devendo-se nortear
pelas regras do cônjuge.

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