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Meu nome é Fabrício Carvalho, sou Procurador do Estado, sou mestre em Direito Civil pela UERJ.
Nós teremos 30 encontros de 3 horas, vamos ter 90 horas e a proposta é abranger parte geral,
obrigações, contratos, reais e responsabilidade civil. O tema é bastante árduo, bastante extenso, então
vamos nos dedicar com afinco.
Em relação à referência bibliográfica não há um autor que resolva todos os problemas. Na verdade, no
direito civil contemporâneo vamos ver que verdades absolutas são muito poucas. Então, vou indicar
algumas opções.
Algumas boas referências:
Carlos Alberto Gonçalves, o curso de direito civil e não as sinopses. Também é boa obra a do Cristiano
Chaves de Farias que escreve em parceria com o Nelson Rosenvald.
Para parte geral há outra obra também interessante que é do Francisco Amaral.
Dentre os clássicos, talvez o mais interessante seja o Caio Mário, até porque a atualizadora é a Maria
Celina Bodin de Moraes que é uma autora que está bem atualizada com vários temas. Claro que a
atualizadora acaba sofrendo algum tipo de restrição, pois não pode alterar a substância da obra, então...
Enfim, dos clássicos talvez o Caio Mário.
Há quem goste do Venosa e assim sucessivamente.
Como segunda leitura, em uma perspectiva um pouco mais aprofundada e mais polêmica, como vamos
perceber no decorrer do curso, temos o Gustavo Tepedino. Não aconselho como primeira, porque o
Tepedino é muito polêmico. Nós veremos que ele tem posicionamentos extremamente minoritários, mas
talvez seja o diferencial hoje no direito civil.
Não dá mais para estudar direito civil sem consultarmos os enunciados do Conselho da Justiça Federal.
Se colocarmos no Google “Conselho da Justiça Federal”, é o primeiro site que aparece.
Claro que os objetivos aqui são múltiplos, nem todo mundo quer só concurso público, mas falando na
realidade de concurso talvez se fizermos uma estatística pós código civil em vigor, 80% das questões de
prova encontram resposta nesses enunciados. Mas não podemos levar esses enunciados para as
provas, então quem pensa em concurso tem que ler e vamos fazer remissão aqui, acolá, fazendo colas
lícitas em nossos códigos.
Constitucionalização do Direito Civil
Antes de começarmos especificamente a tratar do código civil, vamos fazer uma breve introdução
acerca da questão da constitucionalização do direito civil.
É um tema que está em voga... Na verdade percebemos que toda a tendência do direito civil é de ser
interpretado à luz da Constituição.
O Código Civil de 1916, o código civil revogado foi extremamente inspirado pelo Código Civil francês,
pelo Código Civil Napoleônico. Toda codificação da época foram extremamente influenciados pelo
Código Civil da Revolução Francesa. É a chamada codificação oitocentista... Código elaborado na
época sob o influxo do Código Civil Napoleônico.
Como todos seguramente já sabem, há três postulados básicos na Revolução Francesa: liberdade,
igualdade e fraternidade. Só que a perspectiva de igualdade da Revolução Francesa correspondia a
idéia da igualdade meramente formal, isonomia formal e no ambiente de isonomia formal todos são tidos
como efetivamente iguais.
Essa questão da isonomia formal que é tão difundida no direito constitucional trouxe um reflexo decisivo
para o direito civil, porque em um ambiente em que todos são tidos como efetivamente iguais,
desnecessária é a intervenção do Estado nas relações privadas. Se sou tido como absolutamente igual
a IBM ou qualquer outra grande empresa, é desnecessária a intervenção do Estado nessa relação
jurídica porque se todos são efetivamente iguais cada um melhor tutelará os seus respectivos
interesses.
Então, naquele contexto era tido como desnecessária a intervenção estatal nas relações privadas.
Obviamente que esse contexto de isonomia formal interessava a classe econômica dominante, a
burguesia que em um ambiente em que o Estado não intervém nas relações privadas o interesse
econômico sempre prepondera.
Nós sabemos que esse sistema de isonomia formal caiu por terra, não resistiu a realidade dos fatos,
grandes guerras, crack da Bolsa de Nova Iorque e hoje nós conhecemos o sistema de isonomia
material, isonomia substancial.
Então, percebam bem... O que aconteceu no direito brasileiro resumidamente? Nós tínhamos um
Código Civil de 1916 extremamente apegado ao ideal da Revolução Francesa, um Código Civil que não
prezava pela intervenção do Estado nas relações privadas. Por outro lado, nós tínhamos uma realidade
sócio-econômica que impunha a intervenção estatal nas relações privadas de direito civil.
Como foi a areação do legislador a esse descompasso entre o Código Civil e essa nova realidade
social? Foi o surgimento dos chamados microssistemas. É o que a doutrina chama de movimento de
descodificação, é o chamado movimento de descodificação.
Poupo a pouco o Código Civil de 1916 foi perdendo a centralidade do sistema porque diversas leis
extravagantes, esses chamados microssistemas começaram a cada vez mais a regulamentar
determinados setores da vida privada. Nós temos hoje diversos microssistemas: estatuto da terra,
locação, consumidor, meio ambiente, inúmeras situações envolvendo a questão dos microssistemas.
Qual o grande cuidado que é preciso tomar? Essa expressão microssistemas ela não pode ser levada
ao pé da letra, porque se interpretarmos literal mente a expressão microssistemas, o que essa expressa
parece sugerir? Que nós temos diversos sistemas jurídicos, quando na verdade, por razões óbvias, o
sistema jurídico é apenas um. O que garante a unidade do sistema jurídico? É a Constituição. Quer
dizer, o papel preponderante da Constituição Federal é garantir a unidade do sistema jurídico.
Então, claro que dentro dessa perspectiva de garantir a unidade do sistema, o direito civil
necessariamente precisa ser interpretado em harmonia com os valores e princípios constitucionais.
Aquela pirâmide do Kelsen me parece que ilustra bem essa perspectiva.
Percebam que isto vem em harmonia inclusive com a tendência de pós positivismo. Dentro da lógica de
que o direito positivo é válido, a regra escrita é válida, mas desde que interpretada e aplicada em
harmonia com os valores do sistema.
Não há dúvida alguma não há hierarquia entre normas e princípios constitucionais. No direito brasileiro
sempre prevaleceu o chamado princípio da unidade hierárquico-normativa. O direito brasileiro nunca
admitiu aquela teoria das normas constitucionais inconstitucionais. O Otto Bachof defendia a existência
de hierarquia ente normas, entre princípios constitucionais, mas isso nunca valeu... Princípio da unidade
hierárquico-normativa.
Cá entre nós, eu costumo dizer que os constitucionalistas não nos ouçam, mas há um princípio
constitucional que ganha um papel de maior realce no direito civil como veremos que é o princípio da
dignidade da pessoa humana.
A Maria Celina Bodin de Moraes preconiza que o princípio da dignidade da pessoa humana comporta
quatro subprincípios. Nós teríamos quatro subprincípios decorrentes da dignidade da pessoa humana.
Quais sejam: liberdade, igualdade, integridade psicofísica e solidariedade.
Princípio constitucional da solidariedade nós utilizaremos bastante aqui no decorrer do nosso curso
contemplado no artigo 3º, inciso I da CF. Lembrando que a dignidade da pessoa humana está no artigo
1º, inciso III da CF.
A grosso modo, é claro vamos precisar avançar um pouco no direito civil para percebermos os efeitos
mais práticos decorrentes dessa nova perspectiva, mas é justamente por conta do que nós estamos
começando a delinear que modernamente a doutrina costuma salientar a questão da
despatrimonialização do direito civil. É justamente a dignidade da pessoa humana aplicada ao direito
civil que gera a chamada despatrimonialização do direito civil.
Para não viajarmos demais, qual é a síntese da despatrimonialização do direito civil? Quando há um
conflito entre o interesse patrimonial e o interesse existencial há de preponderar o interesse existencial.
Basicamente a doutrina costuma dizer o seguinte: em um ambiente anterior a preocupação central do
ordenamento jurídico para o direito civil se focava no contratante e no proprietário, a preocupação
central envolvia o contratante e o proprietário dentro de uma conotação patrimonial.
No direito civil contemporâneo a preocupação central deixa de ser o contratante e o proprietário e passa
a ser a pessoa humana.
O que já dá para perceber claramente aqui? No contexto atual, ocorre uma mitigação na dicotomia
direito público e direito privado. Estamos vivendo em um ambiente em que ocorre a mitigação da
dicotomia direito público e direito privado. Não há um rompimento dessa dicotomia, mas há uma
mitigação, uma atenuação dessa dicotomia.
Há algum tempo atrás era muito fácil separarmos o direito público do direito privado. O que se dizia?
Direito público, interesse público e direito privado, interesse particular. Vejam que essa afirmativa
infelizmente que encontramos em alguns manuais, ela fazia todo sentido em uma época em que o
Estado não intervinha nas relações privadas, naquele ambiente o direito civil era direito privado e o
interesse era meramente particular, mas no contexto atual nós passamos a ter também interesse público
nas relações privadas.
Tem algumas expressões que às vezes ainda encontramos em alguns manuais que na verdade
precisam ser revisitados. É muito comum ouvirmos o seguinte: essa norma é de direito patrimonial e,
portanto disponível... Isso é um equívoco, fazia sentido em uma época em que o Estado não intervinha
nas relações privadas, mas no contexto atual o fato de uma norma envolver direito patrimonial não
significa necessariamente dizer que ela é uma regra disponível.
Veremos no decorrer do nosso curso a boa-fé objetiva, a função social dos contratos, enfim uma série
de aspectos que demonstram o interesse público nas relações privadas.
Cláusulas Gerais
Antes de começarmos no código especificamente, vamos nos ater a uma definição muito importante
que diz respeito às chamadas cláusulas gerais, um tema bastante atual. Cláusulas Gerais.
Uma das características do Código de 16, que também se espelhava no Código Napoleônico, era
chamada a pretensão de concretude. O Código de 16 tinha a chamada pretensão de concretude. Como
o próprio nome já sugere, o Código de 16 tinha pretensão de regulamentar casuisticamente todos os
potenciais conflitos de interesses.
É claro e evidente que essa pretensão é absolutamente incompatível com a dinâmica das relações
privadas. É lógico que o legislador da época não era ingênuo, é óbvio que os legisladores da época já
anteviam essa impossibilidade, mas percebam bem: a Revolução Francesa acabou instaurando um
novo modelo, na verdade se buscava a quebra de paradigmas antes estabelecidos pelo sistema feudal
e os magistrados na época da Revolução Francesa ainda se encontravam atrelados ao regime anterior,
ao modelo de pensamento anterior.
Então, vejam que a idéia de que o Código francês era completo tinha que objetivo? Tinha o objetivo de
atribuir ao julgador a missão de resolver os conflitos de interesses como se houvesse uma mera receita
de bolo. Quer dizer, o código era completo e, portanto não havia qualquer margem de liberdade para o
julgador solucionar os conflitos de interesses, não havia muito espaço para que o julgador pudesse
imprimir seus respectivos valores na resolução dos conflitos. Daí aquela máxima: “dá-me os fatos, que
eu te darei a norma”, como se fosse muito fácil a solução de todos os conflitos.
Como superar esse envelhecimento precoce da legislação? Porque, na verdade um conjunto de regras
casuísticas, novos fatos surgem e esses fatos não encontram solução nesse conjunto de regras
casuísticas. Daí a importância das chamadas cláusulas gerais.
É justamente nesse contexto que entram as cláusulas gerais, pelo seguinte: as cláusulas gerais
representam uma nova técnica legislativa. Na verdade, as clausula gerais são normas dotadas de maior
vagueza, maior abstração. Por isso é comum ouvirmos que as cláusulas gerais têm uma vocação
expansionista, por quê? Porque essas cláusulas gerais, justamente por serem vagas, por serem normas
elásticas elas têm uma potencial aplicação em diversas situações fáticas.
Isso é muito importante porque o nosso código atual usa e abusa da técnica de cláusulas gerais, é uma
marcante do nosso código atual... Boa fé objetiva, função social do contrato.
O artigo 11 do Código Civil, que veremos já na próxima aula, só para termos uma idéia o artigo 11 diz
lado: com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e
irrenunciáveis não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária.
Direitos da personalidade, cláusula geral. Quantas situações práticas nós não podemos enquadrar aqui
no artigo 11 do Código Civil?! Enfim, é uma marcante do código atual.
Então, o grande mérito das cláusulas gerais qual é? É viabilizar que novas situações práticas possam
vir a ser dirimidas, possam vir a ser enfrentadas à luz dessas regras que tem uma maior elasticidade,
uma maior capacidade de absorção.
Qual é a grande crítica as cláusulas gerais? Insegurança jurídica. A grande crítica é a insegurança
jurídica. Sem dúvida alguma, isso é inegável, as cláusulas gerais conferem uma maior dose de
discricionariedade ao julgador.
Qual é o contra argumento? Como vamos defender as cláusulas gerais diante dessa crítica? O contra
argumento é o seguinte: sem dúvida alguma as cláusulas gerais conferem maior liberdade ao julgador,
porém essa liberdade não é uma liberdade absoluta. O que limita a aplicação e interpretação das
cláusulas gerais? Princípios constitucionais. Que dizer, os princípios e valores constitucionalmente
tutelados representam uma limitação a aplicação e interpretação das cláusulas gerais.
O tema é importante primeiro porque o código usa muito essa técnica como percebemos, também
porque as cláusulas gerais também vêm de uma conexão com a perspectiva da constitucionalização do
direito civil.
Personalidade Jurídica
Vista essa parte mais introdutória, vamos começar com o código especificamente, começando com a
idéia de personalidade jurídica.
Definição tradicional, definição majoritária: é a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair
obrigações.
Vamos seguir nessa perspectiva tradicional e depois veremos uma nova perspectiva.
Então, personalidade jurídica é a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações. O que a
doutrina amplamente majoritária sustenta? A princípio, para ser titular de direitos e obrigações é preciso
que se tenha personalidade jurídica, mas nós temos algumas exceções, são os chamados entes
despersonalizados, que Pontes de Miranda chama de pessoas formais.
Os exemplos aqui são os exemplos clássicos: a massa falida, o espólio, a sociedade de fato e
tradicionalmente também se coloca o condomínio. Em relação ao condomínio, é preciso registrar que há
uma forte tendência doutrinária no sentido de se sustentar que o condomínio edilício tem personalidade
jurídica. Nesse sentido, Enunciado nº 246 combinado com o Enunciado nº 90 do Conselho da Justiça
Federal.
Enunciado nº 90: Art. 1.331: Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício nas
relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse. (Alterado pelo En. 246 – III Jornada)
Enunciado nº 246: Art. 1.331: Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão da parte final: “nas
relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse”. Prevalece o texto: “Deve ser
reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício”.
Quando falamos em Enunciado do Conselho da Justiça Federal parece que são Enunciados firmados
em caráter jurisprudencial, não é nada disso. Esses Enunciados foram firmados por estudiosos do
direito civil. O Gustavo Tepedino, por exemplo, teve uma participação decisiva e expressiva na
elaboração dos enunciados. Então, é na verdade uma interpretação trazida pelos estudiosos do tema,
não há nenhum vínculo com o entendimento da jurisprudência da Justiça Federal especificamente.
Além desses denunciados, nós temos a Maria Helena Diniz e o Marco Aurélio, atualmente examinador
da Defensoria pública.
Na verdade, o condomínio edilício celebra uma série de contratos, ele tem empregados, enfim... Há uma
magnitude tal de obrigações contraídas pelo condomínio edilício que vêm fazendo com que a doutrina
se incline em favor de personalidade jurídica para o condomínio edilício.
Antes de mais nada, vamos ressaltar aqui o seguinte: esses entes despersonalizados eles não têm essa
aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações, mas por uma razão política legislativa o
ordenamento jurídico atribui a esses entes despersonalizados a possibilidade do exercício de alguns
direitos e obrigações. A questão dos entes despersonalizados é uma questão de política legislativa.
Na verdade, esses entes despersonalizados têm inclusive capacidade processual, o CPC prevê
capacidade processual para tais entes despersonalizados.
Essa é a perspectiva clássica, a perspectiva majoritária. Já criando polêmica, discorda dessa posição o
Gustavo Tepedino. O Tepedino não é isolado aqui diga-se de passagem, por exemplo, a Giselda
Hironaka acompanha essa posição do Tepedino.
Qual é a segunda perspectiva? A segunda perspectiva vem no sentido de que a personalidade jurídica é
um valor que decorre do princípio da dignidade da pessoa humana. Dentro desse contexto percebam
bem: só tem personalidade jurídica a pessoa física, só pessoa física teria personalidade jurídica.
O Tepedino ressalta seguinte: não podemos confundir personalidade jurídica com subjetividade. A
subjetividade seria essa a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações. Então, na verdade a
pessoa jurídica, por exemplo, não teria personalidade jurídica, ela seria dotada de subjetividade, os
entes despersonalizados também teriam subjetividade.
Percebam que o Tepedino ressalta que personalidade jurídica não é sinônimo de capacidade de direito.
A idéia de capacidade de direito não é essa aptidão genérica para adquirir direitos e contrair
obrigações? A doutrina clássica costuma afirmar que personalidade jurídica e capacidade de direito
seriam sinônimos. O Tepedino diz que não é nada disso, personalidade jurídica só tem pessoa física e a
capacidade de direito abrange não só pessoa física, mas também a pessoa jurídica e os entes
despersonalizados.
Com isso, o que o Tepedino defende é que todos os desdobramentos da dignidade da pessoa humana,
toda a tutela especial envolvendo direitos da personalidade, por exemplo, são privativos da pessoa
física.
Vamos discutir mais adiante a questão do dano moral em favor de pessoa jurídica, a maioria da doutrina
entende pelo cabimento dano moral, e isso tem até súmula do STJ que a súmula 227, e o Tepedino
discorda, para ele não cabe dano moral em favor de pessoa jurídica, justamente porque o dano moral
decorre da dignidade da pessoa humana, o dano moral seria privativo da pessoa física. Essa posição é
minoritária.
Início da Personalidade
Em relação ao início da personalidade jurídica, nós temos aquelas teorias clássicas. A primeira teoria
tradicional é a chamada teoria natalista. Pela teoria natalista a personalidade jurídica se inicia com o
nascimento com vida, no momento da primeira respiração. Tem até um exame que se faz para aferir se
houve ou não respiração, é a chamada docimasia hidrostática de galeno. Mergulha-se o pulmão na
água e se verifica se há ou não ar nos pulmões.
Cuidado, pois há uma posição isolada do Washington de Barros no sentido de que a personalidade
jurídica se iniciaria quando do rompimento do cordão umbilical. Posição isolada.
Na verdade, a teoria natalista decorre inclusive da interpretação, na verdade não é nem da
interpretação e sim da letra fria do artigo 2º, primeira parte do Código Civil que diz que a personalidade
civil da pessoa começa com o nascimento com vida.
Nesse sentido, nós temos a maioria da doutrina, só a título de exemplificação o próprio Gustavo
Tepedino que é polêmico em vários temas, ele defende a teoria natalista, o Arnaldo Rizzardo, o Venosa,
o Caio Mário...
A segunda posição no é a chamada teoria concepcionista, também chamada teoria conceptualista. Essa
teoria defende que a personalidade jurídica se iniciaria desde a concepção e, portanto o nascituro seria
dotado de personalidade jurídica.
Argumentos utilizados por essa segunda perspectiva: a redação do artigo 2º, parte final do Código Civil,
o mesmo artigo 2º na parte final. A parte final diz assim: mas a lei põe a salvo desde a concepção os
direitos do nascituro.
O código usa a expressão “direitos do nascituro” e, na verdade, para se ter direitos é preciso
personalidade jurídica.
Outro argumento: o nascituro pode ser donatário, artigo 542; pode ser o herdeiro, artigo 1798; pode
haver reconhecimento de paternidade do nascituro, artigo 26 parágrafo único do ECA e artigo 1609
parágrafo único do Código Civil; o nascituro tem direito a gestação saudável, realização de exames de
pré-natal, artigo 7º do ECA.
Tradicionalmente são defensores dessa posição o Leoni, Francisco Amaral, Teixeira de Freitas, tem
alguns clássicos defendendo a teoria concepcionista, a Silmara ??? Almeida... Essa é inclusive a
perspectiva do direito francês, o direito francês segue a teoria concepcionista.
O que há de novo aqui é o seguinte: essa dicotomia teoria natalista versus teoria concepcionista é uma
dicotomia antiga. Agora, o que vem surgindo de novo aí é o seguinte: nós temos alguns autores
defendendo que o nascituro teria personalidade jurídica para práticas de atos de natureza existencial,
para o exercício de situações existenciais, ou seja, para o exercício de direitos da personalidade, mas
não teria para exercício de direitos estritamente patrimoniais.
Uma das autoras que inclusive defende essa posição, uma delas nós veremos que é a Maria Helena
Diniz, ela costuma dizer o seguinte: o nascituro tem personalidade jurídica para o exercício dos direitos
da personalidade, para situações existenciais. Ela chama essa personalidade jurídica de personalidade
jurídica formal, estaria atrelado ao exercício de direitos da personalidade, mas o nascituro não teria
personalidade jurídica para o exercício de direitos patrimoniais que ela chama de personalidade jurídica
material. Quem acompanha essa expressão da Maria Helena Diniz é o Flávio Tartuce que também tem
uma boa obra, uma coleção nova.
É dentro desse cenário, desse novo cenário trazido por vários autores é que o nascituro, por exemplo,
ele tem personalidade jurídica para pleitear investigação de paternidade, estamos falando de um direito
à identidade pessoal. Toda discussão envolvendo a possibilidade do nascituro pleitear alimentos, a
questão dos alimentos, pois os alimentos estão atrelados a subsistência, a dignidade da pessoa
humana.
Questão recente decidida pelo STJ, no informativo 360 STJ, Resp 931 556 que diz respeito à questão
do dano moral em favor do nascituro pelo falecimento do genitor. Depois vale a pena dar uma olhada no
julgado.
Informativo nº 360 do STJ – Terceira Turma
ACIDENTE DE TRABALHO. PENSÃO MENSAL. NASCITURO. DANO MORAL.
Prosseguindo o julgamento, a Turma decidiu ser incabível a redução da indenização por danos morais
fixada em relação a nascituro filho de vítima de acidente fatal de trabalho, considerando, sobretudo, a
impossibilidade de mensurar-se o sofrimento daquele que, muito mais que os outros irmãos vivos, foi
privado do carinho, assim como de qualquer lembrança ou contato, ainda que remoto, de quem lhe
proporcionou a vida. A dor, mesmo de nascituro, não pode ser mensurada, conforme os argumentos da
ré, para diminuir o valor a pagar em relação aos irmãos vivos. REsp 931.556-RS, Rel. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 17/6/2008.
Houve um acidente do trabalho, o sujeito faleceu em razão do acidente do trabalho. Foi demonstrada a
culpa do empregador, o falecido tinha filhos vivos e nascituro. O STJ condenou o empregador em dano
moral não apenas em favor dos filhos vivos, mas também favor do nascituro e, diversamente do que
ocorria anteriormente, o STJ ressaltou que o valor devido ao nascituro deveria ser o mesmo daquele
devido aos outros filhos vivos.
Em uma perspectiva clássica se dizia que pode até caber dano moral, esse sujeito nem conheceu o pai,
então valor do dano moral seria reduzido. Só que em uma perspectiva tradicional que valoriza a
dignidade da pessoa humana, se sustenta que talvez justamente o fato de não haver sequer a
oportunidade do nascituro conhecer o pai, talvez o dano moral seria mais intenso do que em relação aos
outros filhos vivos.
Então, o STJ veio nessa perspectiva de reconhecer ser devido dano moral, inclusive um valor idêntico
pela dor suportada pelo nascituro de sequer ter tido a oportunidade de conhecer o pai.
Quem quiser até fazer um contraste com a perspectiva anterior, eu cheguei a ver um julgado anterior
que vinha contra essa tendência e dizendo que o valor seria diferente. Resp 399028. Esse último
julgado vai na perspectiva de que o valor seria diferente.
Resp 399028 / SP
RECURSO ESPECIAL 2001/0147319-0
DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. MORTE. ATROPELAMENTO. COMPOSIÇÃO FÉRREA. AÇÃO
AJUIZADA 23 ANOS APÓS O EVENTO. PRESCRIÇÃO INEXISTENTE. INFLUÊNCIA NA
QUANTIFICAÇÃO DO QUANTUM. PRECEDENTES DA TURMA. NASCITURO. DIREITO AOS DANOS
MORAIS. DOUTRINA. ATENUAÇÃO. FIXAÇÃO NESTA INSTÂNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.
I - Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o
decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na
fixação do quantum.
II - O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo
conhecido em vida tem influência na fixação do quantum.
III - Recomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo, inclusive nesta instância,
buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução
jurisdicional.
Tem a questão, por exemplo, do dano moral por deformações sofridas durante o processo gestacional
por ato de terceiros, quer dizer, por falha do médico que dá o medicamento inadequado e o sujeito
nasce com algum tipo de deficiência. Se discute se o nascituro teria ou não possibilidade de pleitear
dano moral em face daquele que teria supostamente causado aquela deficiência.
Nesse contexto, vale a pena ressaltar o Enunciado 01 do CJF que vai até um pouco além, diga-se de
passagem.
Enunciado nº 01 do CJF: Art. 2º: A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no
que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura.
Esse enunciado diz assim: a proteção que o código defere ao nascituro alcança o natimorto no que
concerne aos direitos da personalidade tais como nome, a imagem e sepultura. Mesmo o natimorto teria
proteção de direitos da personalidade e aqui, na verdade, o enunciado implicitamente acaba
reconhecendo a existência de direitos da personalidade em favor do nascituro.
Vejam que isso vai contra a perspectiva clássica que sempre afirmou que ou o sujeito tem personalidade
jurídica ou não tem. Não existe esse negócio de o sujeito ter personalidade jurídica em parte. Nessa
nova perspectiva, o nascituro teria personalidade jurídica apenas para concretização de situações
existenciais.
Como se justifica o fato, por exemplo, de o nascituro poder ser donatário? A teoria natalista vai dizer
que, na verdade, o nascituro tem um direito sujeito a condição suspensiva, é a lógica da condição
suspensiva que é utilizada para refutar a idéia de personalidade jurídica do nascituro.
Há uma terceira e última teoria, teoria desprestigiada no direito brasileiro sem dúvida alguma que é a
chamada teoria da personalidade condicionada. Essa teoria desprestigiada defende o seguinte: o
nascituro teria personalidade jurídica sujeita a condição suspensiva. Quando, na verdade, colocamos
condição suspensiva a personalidade condicionada acaba se equiparando a própria teoria natalista.
Quem defende essa posição é o Washington de Barros Monteiro, Arnold Wald e Serpa Lopes.
Só a título de curiosidade, no Brasil pela teoria natalista bastam nascimento com vida. Nós temos
situações no direito comparado que divorciam um pouco dessa regra, por exemplo, há legislações, o
Código Civil espanhol exige que haja a sobrevida com 24h, se exige a forma humana, enfim situações
não exigidas no direito brasileiro.
Término da Personalidade
Em relação ao término da personalidade jurídica, não há muita dúvida que o término ser dá com morte.
Lembrando, inclusive, que para fins de transplante o que prevalece a é a perspectiva da morte cerebral
ou morte encefálica, está no artigo 3º da lei 9434/97.
Art. 3º da Lei 9434: A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a
transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e
registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a
utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.
O que a doutrina é uníssona ao afirmar, não há dúvida realmente, é de que no contexto atual não mais
se admite a figura da morte civil. A figura da morte civil era adotada, por exemplo, no Direito Romano em
relação aos escravos, aos religiosos, aos desertores de guerra, quer dizer, no plano jurídico eles eram
tidos como falecidos e, na verdade, não teriam personalidade jurídica.
O Venosa e a Maria Helena Diniz defendem que há um resquício da questão da morte civil no direito
brasileiro no caso da exclusão do sucessor por indignidade, haveria um resquício da morte civil no
direito brasileiro em relação à exclusão dos sucessores por indignidade.
Na verdade, no caso da exclusão por indignidade os descendentes do sucessor excluído ele sucedem
como se tivesse falecido o excluído. E isto está no artigo 1816: são pessoais os efeitos da exclusão, os
descendentes do herdeiro excluído sucedem como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão.
O próprio artigo 1816 diz "como se morto fosse antes da abertura da sucessão", seria um mero
resquício aqui obviamente.
Quais são alguns dos efeitos da morte? Claro que um rol meramente e exemplificativo. Como alguns
dos efeitos da morte nós teremos a transferência da propriedade, artigo 1784, prevê a teoria da saisine,
inclusive é uma das exceções àquela lógica geral de que a propriedade de móveis se transfere com
tradição e o imóvel com o registro, por ficção jurídica pelo simples falecimento já há a imediata
transferência da propriedade. É uma das poucas hipóteses que veremos em que o registro imobiliário
tem natureza meramente declaratória.
Outro efeito: a extinção do poder familiar, a extinção do vínculo conjugal e a extinção de contratos
personalíssimos.
Um aspecto que relevante é o seguinte: com a morte nós sabemos que termina a personalidade jurídica
e terminando a personalidade jurídica cessam os mecanismos gerais de proteção do indivíduo, mas
percebam que excepcionalmente se admite a chamada proteção post mortem de alguns direitos da
personalidade. Nós veremos, inclusive, que o artigo 12 parágrafo único e artigo 20 parágrafo único do
Código Civil contemplam a questão da legitimação, a questão da legitimidade, ou seja, a quem compete
pleitear o dano moral pela violação ao direito a personalidade do morto.
O que justifica a proteção post mortem dos direitos da personalidade? Sem dúvida é uma situação
excepcional, porque já está cessada a personalidade jurídica, mas o que justifica é o princípio da
dignidade da pessoa humana. Os exemplos clássicos de proteção pos mortem de direitos da
personalidade são: a imagem e os direitos morais do autor.
O Francisco Amaral chega a defender isoladamente que haveria personalidade jurídica post mortem por
conta dos direitos da personalidade, o que na verdade a doutrina afirma é que cessa a personalidade
jurídica, mas excepcionalmente se confere uma proteção post mortem a direitos da personalidade em
que pese o término da personalidade jurídica, seria uma situação de exceção decorrente da dignidade
da pessoa humana.
O código prevê a questão da morte no artigo 6º e no artigo 7º.
Quer dizer, na primeira parte o artigo 6º prevê a morte real e na segunda parte o artigo 6º prevê a morte
presumida... Morte presumida que pressupõe, como o próprio código diz, os elementos necessários
para abertura da sucessão definitiva do ausente.
Esses elementos, façam remissão do artigo 6º parte final combinado com os artigos 37 e 38.
O artigo 7º traz uma novidade. No Código de 16 só se admitia morte presumida no caso de ausência, o
artigo 7º traz aí uma exceção. Diz o artigo 7º que pode ser declarada a morte presumida sem
decretação de ausência e aí vem o inciso I e diz: e for extremamente improvável a morte de quem
estava em perigo de vida e inciso II: se alguém desaparecido em campanha ou feito prisioneiro não foi
encontrado até dois anos após o término da guerra.
A maioria da doutrina diz que o código traz aí uma nova modalidade de morte presumida que
independe de decretação de ausência. Aliás, diga-se de passagem, que isso não chega a ser tão novo
assim porque já havia uma hipótese em que se admitia a morte presumida independentemente de
ausência no artigo 88 da lei 6015/73, lei de registros públicos.
Art. 88 da Lei 60615: Poderão os Juízes togados admitir justificação para o assento de óbito de pessoas
desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, quando
estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível encontrar-se o cadáver para
exame. (Renumerado do art. 89 pela Lei nº 6.216, de 1975).
Parágrafo único. Será também admitida a justificação no caso de desaparecimento em campanha,
provados a impossibilidade de ter sido feito o registro nos termos do artigo 85 e os fatos que convençam
da ocorrência do óbito.
A lei de registros públicos prevê como premissa para essa decretação da morte presumida a
observância daquele procedimento de justificação do CPC em que há, entre aspas, uma documentação
da prova testemunhal. Para quem quiser registrar: artigo 861 a artigo 866 do CPC.
O Cristiano Chaves de Farias, por exemplo, que escrevem em parceria com Nelson Rosenvald não
gosta dessa expressão morte presumida... O Nelson Rosenvald e o Christiano Chaves não gostam
dessa expressão morte presumida porque para eles a situação do artigo sétimo é absolutamente
diferente da do artigo 6º, porque vejam no artigo 6º, na parte final a única certeza que há é em relação
ao desaparecimento, quer dizer, a ausência apenas ressalta o desaparecimento, não há uma
perspectiva de efetivo falecimento com a decretação de ausência.
Já o artigo 7º pressupõe hipóteses em que a morte é extremamente provável. Eles, inclusive, ao invés
de usar a expressão morte presumida do artigo 7º eles costumam usar a expressão presunção de
morte. Quer dizer, no artigo 7º não haveria uma morte presumida, seria uma presunção de morte.
Na verdade, o artigo 7º traria a idéia de prova indireta do falecimento, que não haveria aqui no artigo 6º.
Tem uma questão que não há ainda uma resposta clara, a doutrina também não vem enfrentando, é
mais um dos problemas em que nós percebemos que não há ainda uma solução clara. O que acontece
no caso de reaparecimento de sujeito no caso do artigo 7º, por exemplo? Esse é um problema que o
código não sistematizou, não regulamentou.
Vamos primeira abordar uma questão principiológica aqui... Em uma perspectiva tradicional a tendência
no caso de reaparecimento desse sujeito seria a proteção de seus respectivos interesses, então o
interesse daquele que reapareceu. Só que nós veremos que um dos princípios que marca do nosso
Código Civil é o princípio da boa-fé objetiva e um dos desdobramentos do princípio da boa-fé objetiva é
justamente o princípio da confiança.
Na verdade, uma síntese aqui: o princípio da confiança busca o quê? A proteção da legítima
expectativa. O Código Civil atual, todo nosso ordenamento jurídico ele deixa de priorizar a proteção do
declarante e passa a conferir maior proteção ao declaratário... A preocupação central se desloca do
declarante e vai para o declaratário, ou seja, para aqueles que em tese receberiam algum tipo de
proteção, algum tipo de interesse em decorrência de uma determinada declaração de vontade. Aqui no
nosso caso a tendência vem no sentido de proteger a legítima expectativa de terceiros.
Nós veremos que o Código Civil atual tem uma preocupação central em proteger a legítima expectativa
de terceiros, justamente sobre o influxo, em homenagem ao princípio da confiança, proteção da legítima
expectativa.
Todo mundo lembra que a nulidade absoluta atinge interesse público. O que a doutrina clássica sempre
afirmou? Se a nulidade absoluta atinge interesse público, não se protege interesse de terceiros no caso
de nulidade, porque o interesse público prevalece sobre eventual interesse de terceiros.
Todo mundo sabe que agora a simulação passa a ser causa de nulidade absoluta, está lá no artigo 167
e olha o que diz o §2º do artigo 167: ressalvam-se os direitos de terceiros de boa fé em face dos
contraentes do negócio jurídico simulado.
Quer dizer, mesmo a simulação sendo uma causa de nulidade absoluta, o artigo 67 protege os
interesses de terceiros, por quê? Porque a proteção aos interesses de terceiros passa a ser também
matéria de ordem pública, porque a proteção aos interesses de terceiros decorre do princípio da
confiança, boa fé objetiva, ela tem uma tendência de proteção a legítima expectativa de terceiros.
É só uma síntese, vamos ver isso com mais calma, mas é uma mudança aqui na reflexão do direito
privado.
Como situação de morte presumida nós temos a lei 9140/95 que envolve os desaparecidos políticos a
época do regime militar.
Comoriência
Artigo 8º do CC.
Todos se lembram da comoriência: se duas ou mais pessoas falecem em um único evento, no direito
brasileiro desde o Código 16, sempre houve que a presunção relativa de falecimento simultâneo. Isso
de vez em quando vem em prova objetiva.
Presunção relativa, nem precisamos ler o Código, porque obviamente se for possível constatar a efetiva
precedência de falecimentos a gente vai se valer aí da primazia da realidade, da verdade real.
Em outros ordenamentos temos alguns jogos de presunções jamais adotamos aqui, por exemplo, alguns
países há presunção que as mulheres falecem antes que os homens, por ser o suposto sexo frágil, os
mais velhos falecem antes dos jovens e as crianças antes dos adultos. Quer dizer, uma série de
presunções que o nosso ordenamento jurídico nunca adotou. Para nós presunção relativa de
simultaneidade.
Aí um cuidado aqui é o seguinte, o artigo 8º diz que se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma
ocasião, não se podendo averiguar se alguns dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão
simultaneamente mortos.
Falecerem na mesma ocasião. A doutrina é bastante segura aqui no sentido de afirmar que essa
expressão “mesma ocasião” não deve ser interpretada restritivamente.
Vamos imaginar dois atentados terroristas simultâneos em locais distintos, em ocasiões diferentes. Pela
letra fria do Código, por uma interpretação restritiva seria inaplicável a comoriência, mas a doutrina é
unânime em afirmar que a regra do artigo 8º se aplicaria em tal circunstância.
Não é necessário que o evento seja único, o que importa é que haja a efetiva simultaneidade, a
dificuldade em se apurar a efetiva precedência de falecimentos.
O efeito prático disso aqui vai para o âmbito do direito sucessório, porque se há presunção de
simultaneidade o efeito é a não transmissão de direitos sucessórios entre comorientes.
Capacidade
Vamos para a capacidade. Ela pode ser de direito ou de fato. Capacidade de direito é sinônimo de
capacidade de gozo ou ainda capacidade de fruição.
Capacidade de Direito
Capacidade de direito seria na verdade aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações, o
que leva inclusive boa parte da doutrina a afirmar que capacidade de direito seria sinônimo de
personalidade jurídica.
Já sabemos que aquela perspectiva do Tepedino desafia essa afirmativa porque pela visão do Tepedino
apenas a pessoa física teria personalidade jurídica. Mesmo fora dessa posição do Tepedino, há quem
defenda que personalidade jurídica não seria exatamente uma definição idêntica de personalidade
jurídica.
Para o Tepedino são institutos bastante diferentes, mas há quem defenda que, por exemplo, a
personalidade jurídica ela seria ilimitada. Já a capacidade de direito comportaria determinadas
restrições.
O exemplo que se costuma trazer é o seguinte: pessoa jurídica, pela visão amplamente dominante, tem
personalidade jurídica de maneira ilimitada. Mas a pessoa jurídica apesar de ter personalidade jurídica
ela não teria capacidade de direito para a prática dos chamados atos de direito de família puros, atos
puros do direito de família. Porque os chamados atos puros do direito de família seriam incompatíveis
com a própria finalidade que envolve a pessoa jurídica.
Por exemplo, o chamado dever de coabitação, o dever de fidelidade recíproca, são os chamados
direitos de família puros porque na verdade são direitos de família que não tem qualquer repercussão
patrimonial.
O Tepedino traz aqui uma ponderação que parece interessante, ele diz o seguinte: por exemplo, artigo
1618: só a pessoa maior de 18 anos pode adotar. Quando o sujeito atinge os 16 ele já atinge a
incapacidade relativa e, em tese, ele pode praticar os atos da vida civil através da assistência.
Art. 1.618 do CC: Só a pessoa maior de dezoito anos pode adotar.
Se há a incapacidade relativa de fato, a assistência supre essa incapacidade relativa de fato. Essa
limitação aqui, a capacidade de adotar 18 anos, ela pode ser suprida por assistência, maior de 16 pode
adotar através da assistência? Não. Então, o Tepedino deixa claro aqui que não estamos falando aqui
de incapacidade de fato porque se fosse incapacidade de fato a assistência supriria.
Na verdade, o sujeito menor de 18 anos não tem capacidade de direito para adotar, seria um equívoco
falar em incapacidade de fato porque incapacidade de fato, se for relativa ela se supre através da
assistência. Na verdade, não há como suprir essa limitação desse artigo 1618 através da assistência,
haveria aqui um limite a capacidade de direito.
Só para registro, tem uma posição que é minoritária do Arnaldo Rizzardo, no sentido de que a
personalidade jurídica estaria atrelada ao exercício dos direitos da personalidade. Ele usa a expressão
“direitos fundamentais”. Já a capacidade de direito estaria atrelada aos exercícios dos atos civis, dos
atos da vida civil, trazendo aí portanto uma perspectiva patrimonial. Posição aí do Arnaldo Rizzardo que
é isolada.
Sintetizando, para ficar claro, posição de vários autores, talvez posição majoritária no sentido de que
capacidade de direito seja sinônimo de personalidade jurídica. Alguns dizem na verdade é quase a
mesma coisa, a diferença é que a capacidade de direito pode sofrer determinadas restrições, é possível
se falar em gradação a capacidade de direito.
E a posição do Tepedino que é radicalmente diversa. Para ele, personalidade jurídica é dignidade
humana, capacidade de direito abrangeria pessoas físicas e entes personalizados.
Capacidade de Fato
Vamos para a capacidade de fato que aí sim nós temos vários aspectos, até polêmicos aqui, de modo
até menos abstrato.
Capacidade de fato é sinônimo de capacidade de exercício que é sinônimo de capacidade de ação. A
doutrina aqui não diverge. Basicamente, a capacidade de fato representaria aptidão para pessoalmente
praticar atos da vida civil.
Aqui a diferença é bem clara, porque é claro que um garoto de cinco anos pode ser proprietário porque
tem personalidade jurídica, tem capacidade de direito, mas ele não pode alienar sozinho um imóvel
porque ele não tem capacidade de fato.
A idéia de capacidade de fato está intimamente atrelada a idéia de discernimento, aqueles que não têm
nenhum discernimento são qualificados como absolutamente incapazes.
Como nós sabemos absolutamente incapazes tem que ser representados sob pena de nulidade
absoluta, artigo 166, I.
Aqueles que têm discernimento reduzido são os relativamente incapazes, precisam ser assistidos sob
pena de anulabilidade artigo 171, I do Código Civil.
Lembrando que a diferença básica entre representação e assistência é que na representação vale
apenas a vontade do representante. Justamente porque o representado não tem nenhum discernimento
e como ele não tem nenhum discernimento a vontade do representado é em regra, amos ver que há
exceções, mas em regra ela é desimportante.
Já na assistência, o assistente é um coadjuvante do assistido, quer dizer, a vontade do assistido há de
ser levada em consideração porque na verdade é apenas uma redução no grau do discernimento.
Metaforicamente é claro, a representação seria um pai atravessando a rua com o filho no colo e a
assistência seria o pai atravessando a rua com o filho pela mão.
Está claro e evidente que o objetivo da incapacidade qual é? Proteção. Isso vai ser decisivo em alguns
pontos mais adiante, por exemplo, quando discutirmos se o incapaz pode usucapir? O incapaz mora lá
sozinho há muito tempo, exerce a posse, preenche todos os requisitos como veremos mais adiante, a
dúvida é se ele pode ou não usucapir?
E vejam, se o objetivo da incapacidade é a proteção, haveria uma incoerência em privar o incapaz da
usucapião. Quer dizer, seria inaplicável, em tese, a teoria geral das incapacidades para privar o incapaz
da usucapião, porque nós não estaríamos protegendo o incapaz e sim punindo. Nós veremos essas e
outras circunstancias em que vai ser importante essa perspectiva.
Bom, o fato é que os absolutamente incapazes estão elencados no artigo 3º do Código Civil e logo no
inciso I o código diz que são absolutamente incapazes os menores de 16 anos. Presunção absoluta, é o
chamado critério biológico.
Então, por razões de segurança jurídica não adianta o garoto de 15 anos tentar provar que tem
discernimento porque ele é absolutamente incapaz.
Tem uma questão importante, que pela letra fria do Código todo ato praticado por um absolutamente
incapaz, por um menor de 16 sem estar devidamente representado conduziria a nulidade absoluta. Só
que vejam, não é muito comum um garoto de 15 anos ou até muito menos, por exemplo, celebrar um
contrato de transporte sozinho e ir para a escola. Ele chega na escola e celebra um contrato de compra
e venda da merenda.
Enfim, nós temos alguns atos socialmente aceitos que são efetivamente praticados por menores de 16
anos sem que ninguém suscite a nulidade de tais atos. Para essas hipóteses não previstas em lei, surge
a chamada teoria do ato fato.
Teoria do ato fato, essa é a expressão mais usada, mas como sinônimo nós teríamos a idéia de
autorização presumida e o Leoni usa expressão autonomia, seria a expressão utilizada lá no Direito
alemão. No Brasil, a expressão mais utilizada seria a teoria do ato fato.
Qual o objetivo básico da teoria do ato fato? A teoria do ato fato busca estabelecer critérios que venham
a conferir validade a determinados atos praticados por incapazes independentemente de representação
ou assistência.
Eu já joguei representação e assistência porque é claro que se a teoria do ato fato se aplica aos
menores de 16, com muito mais razão entre 16 e 18.
Quais são os critérios? São requisitos cumulativos e não alternativos. Primeiro: atos de pouca expressão
econômica. Segundo: atos que venham a atender aos interesses imediatos e cotidianos do incapaz. E
por último (terceiro), que tais atos usualmente sejam praticados por recursos destinados pelo próprio
representante ou assistente.
A teoria do ato fato é sem dúvida uma construção doutrinária e jurisprudencial não prevista pelo Código
Civil.
O inciso II prevê incapacidade absoluta por deficiência mental e o inciso III, vamos fazer uma análise
conjunta, o inciso III diz lá que mesmo por causa transitória não puder exprimir a sua vontade.
A diferença do inciso II para o III é que no inciso III a privação do discernimento decorre de uma causa
transitória. Se a deficiência mental tem o cunho de permanência, obviamente vamos aplicar o inciso II.
Situações, por exemplo, de coma, de depressão profunda, hipnose, abrangeria o inciso III.
Tem um exemplo extremamente polêmico do Arnaldo Rizzardo, está lá no livro dele “tensão pré-
menstrual” entraria no inciso III.
Uma questão aqui que agora estava resolvida no Código atual, é a seguinte: no Código de 16 os
ausentes estavam no rol dos absolutamente incapazes. A doutrina já criticava muito o Código anterior
por isso, porque o ausente a princípio é aquele que abandona o seu domicílio sem deixar um
administrador para seus interesses e o absolutamente incapaz é aquele que não tem nenhum
discernimento. Quer dizer, o fato de alguém abandonar seu domicílio sem deixar um administrador para
os seus interesses não significa que o sujeito é totalmente desprovido de discernimento.
Então, muitos autores, contra legem, já defendiam eu o ausente era capaz. Isso caiu uma vez em uma
prova específica do MP uma questão em que o ausente na Bahia vendeu um imóvel sem estar
representado ou assistido e se indagava se aquela alienação era válida ou não.
A época do Código de 16 o examinador queria que se defendesse a validade da compra e venda sob
esse argumento. Na verdade, não haveria uma incapacidade absoluta propriamente para o ausente
diversamente do que previa o Código.
Esta questão está resolvida porque o Código não mais traz o ausente no rol dos absolutamente
incapazes. Quer dizer, esse aparente equívoco do Código de 16 foi corrigido pelo legislador do Código
em vigor.
Que é a chamada sentença de interdição e aí tem até aquela discussão sobre a natureza jurídica da
sentença de interdição, alguns defendendo que a sentença de interdição teria natureza meramente
declaratória. Porque na verdade a sentença de interdição ela não cria ausência de discernimento, ela
apenas reconhece uma ausência de discernimento pré-existente.
Tem autores importantes aí defendendo essa posição, o próprio Carlos Roberto Gonçalves, o Paulo
Nader e o Fábio Ulhoa Coelho.
Essa posição, na verdade ela vem sendo revista, porque a sentença de interdição não cria ausência de
discernimento, a ausência de discernimento é pré-existente. Mas na verdade a sentença de interdição
cria um novo estado jurídico, ou seja, o estado jurídico de incapaz.
Toda sentença constitutiva ou condenatória ela traz uma carga de declaração, ela pressupõe uma
declaração, quer dizer, sentença para constituir ou condenar ela precisa declarar algo pré-existente.
Então, o simples fato da sentença reconhecer a ausência de discernimento não a qualifica como sendo
declaratória. Tanto é que os autores contemporâneos usam a expressão “sentença meramente
declaratória”, apenas quando ela não traz efeitos constitutivos ou negativos.
Então, a tendência hoje vem sendo no sentido de se entender que a sentença de interdição tem
natureza constitutiva, tese inclusive defendida pelo Barbosa Moreira.
Há quem defenda, acho que essa não é uma posição que ganhe repercussão no direito processual,
porque na verdade essa discussão aqui ela tem natureza processual, mas há quem defenda que a
sentença tem natureza híbrida. Ela seria híbrida, ela seria heterogênea porque na verdade essa
sentença ela seria declaratória em relação a ausência de discernimento e constitutiva em relação ao
estado de incapaz.
O Leoni, por exemplo, defende essa posição que talvez não agrade os processualistas porque, como
nós ressaltamos, toda sentença constitutiva pressupõe uma carga de declaração.
Bom, só que há um ponto aqui muito importante que é o seguinte: se o incapaz ele pratica um ato sem
está representado ou assistido, após a sentença haverá a invalidação do ato, nulidade se for
absolutamente incapaz e anulabilidade se for relativamente incapaz.
A questão tormentosa é a seguinte: vamos supor que haja um reconhecimento hoje da interdição e uma
semana antes aquele agora interditado praticou atos significativos de disposição patrimonial, ele vendeu
imóveis, por exemplo.
Percebam que nós não podemos falar em efeitos ex tunc da sentença de interdição. Quer dizer, em
relação aos maiores de idade há uma presunção de capacidade, ninguém é obrigado a exigir atestado
médico para ninguém quando se celebra um contrato. As relações contratuais inclusive são cada vez
mais impessoais, nós celebramos hoje contrato pela internet sem nunca ter visto o outro contratante.
Então, cogitar de efeitos ex tunc, abalaria a segurança jurídica.
Talvez numa visão mais atual, acho que já temos que acostumar a essa nova dogmática, ao invés de
falar em segurança jurídica acho que devemos começar a falar em princípio da confiança. Na verdade, o
princípio da confiança busca a proteção da legítima expectativa, seria como que uma nova leitura da
antiga segurança jurídica, traduzida através da boa fé objetiva.
Só que ao mesmo tempo uma semana antes é claro que o sujeito era ausente, desprovido de
discernimento. Para essas situações se aplica o que a doutrina chama de incapacidade natural.
Para não precisarmos decorar a expressão, por que incapacidade natural? Porque haveria aqui uma
suposta incapacidade no plano naturalístico, mas não reconhecida no âmbito jurídico e, por isso a
expressão incapacidade natural.
Pergunta do aluno.
Resposta: na verdade o CPC tem uma regrinha explícita dizendo que a sentença de interdição ela
produz efeitos desde a sua prolação. Agora, claro que até essa própria regra do CPC e essa afirmativa
que estamos trazendo a luz do princípio da confiança acaba se inclinando em favor da natureza
constitutiva da sentença.
Numa perspectiva atual, sem dúvida a sentença tem natureza constitutiva. É preciso só ressaltar,
porque nós temos alguns autores clássicos que ainda defendem inversamente. Quer dizer, a gente pode
até fazer uma conexão aqui, os processualistas talvez não façam, mas a natureza constitutiva da
sentença como decorrente do próprio princípio da confiança, decorrente da boa fé objetiva.
Então, vejam bem, a incapacidade natural busca o que? Estabelecer requisitos que permitam atingir a
validade de atos praticados antes da sentença de interdição. Requisitos, mais uma vez, cumulativos.
Primeiro: haverá o ônus de se demonstrar a efetiva ausência de discernimento a época do ato. Esse
ônus não haverá em relação a atos posteriores.
Segundo: efetivo prejuízo.
Terceiro: mais importante, me parece. Em uma visão clássica, o que alguns autores afirmam como
terceiro e último requisito? Se exigiria a má fé do outro contratante.
O Venosa, o Silvio Rodrigues, por exemplo, explicitamente usam essa expressão “má fé”, com o objetivo
de resguardar a segurança jurídica.
Só que vamos perceber aqui o seguinte: quando falamos em má fé, estamos falando da hipótese em
que o outro contratante sabia da ausência de discernimento.
Então, a idéia de má fé se contrapõe a boa fé subjetiva, porque quando se fala em má fé, o que
estamos dizendo? O outro contratante sabia e a boa fé subjetiva representa justamente o
desconhecimento do vício ou da ilicitude, elemento subjetivo.
Só que vejam bem, o contexto atual que estamos vivendo, na verdade é primordialmente o princípio da
boa fé objetiva e todo mundo sabe que uma das conseqüências da boa fé objetiva são os chamados
deveres anexos. E dentre os deveres anexos, nós temos o dever anexo de cuidado, de diligência.
Então, sobre o influxo da boa fé objetiva o que modernamente vem se sustentando? Que como último
requisito não se exigiria necessariamente a má fé do outro contratante. O que se exige é que a ausência
de discernimento fosse perceptível ao outro contratante.
Então, quando se fala em perceptível o que estamos dizendo? Se o outro contratante não sabia, mas
deveria saber, ele está agindo de acordo com a boa fé subjetiva, mas em desarmonia com a boa fé
objetiva. Ou seja, o que se exige aqui, a bem da verdade, é a teoria da aparência, o que se exige é que
a ausência de discernimento fosse aparente, fosse perceptível.
Enfim, a doutrina é unânime em admitir a incapacidade natural, entendimento consolidado. O STJ já
chegou a aplicar essa idéia de incapacidade natural, Resp 255271.
Resp 255271 / GO
RECURSO ESPECIAL 2000/0036843-1
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FUNDAMENTAÇÃO. PROVA. INTERDIÇÃO.
Somente a ausência de fundamentação, não ocorrente na espécie, é que enseja a decretação de
nulidade da sentença com base no art. 458, II, não a fundamentação sucinta. Sendo o processo anulado
por motivo não referente à prova, esta pode ser utilizada, no mesmo feito, desde que ratificada, em
respeito ao princípio da economia processual.
Os atos praticados pelo interditado anteriores à interdição podem ser anulados, desde que provada a
existência de anomalia psíquica - causa da incapacidade - já no momento em que se praticou o ato que
se quer anular. Recurso não conhecido.
E a doutrina praticamente unânime aqui, a exceção da Maria Helena Diniz, vem no sentido de que a
incapacidade natural deve ser reconhecida através de ação autônoma. Quer dizer, o processo de
interdição ele não se presta ao reconhecimento da incapacidade natural, toda a dilação probatória no
processo de interdição busca a constatação da incapacidade a partir da prolação da sentença.
Outra questão importante aqui é Enunciado nº 138 do CJF.
Enunciado nº 138 do CJF: Art. 3º: A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art.
3º é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que
demonstrem discernimento bastante para tanto.
É o seguinte: nós já vimos que os menores de 16 são absolutamente incapazes e, como absolutamente
incapazes, a vontade dos menores de 16 ela é desimportante, porque eles não têm nenhum
discernimento.
Aí, o Enunciado nº 138 diz assim: a vontade dos absolutamente incapazes na hipótese do inciso I, do
artigo 3º é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes
desde que demonstrem discernimento bastante para tanto.
Quer dizer, o enunciado 138 diz que excepcionalmente a vontade dos menores de 16 deve ser levada
em conta para situações existenciais, ou seja, situações de natureza extrapatrimonial.
Isso talvez nos lembre diretamente a questão da guarda, questão da adoção. O próprio artigo 47, §5º do
ECA prevê lá a necessidade da oitiva da opinião do adotando. A participação no processo educacional.
Art. 47, § 5º do ECA: A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido deste, poderá
determinar a modificação do prenome.
Querem ver uma questão tormentosa que tem a ver com isso? Tem uma regra do Código que a gente
vai ver com calma mais adiante que é o artigo 15 que diz: ninguém pode ser constrangido a submeter-
se com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica.
Pela lógica dos direitos patrimoniais é muito fácil, quem se manifesta ao representante e o representado
tem que seguir, agora a dúvida é: será que o representante ele tem disponibilidade para assumir riscos
em relação a própria vida do representado? Quer dizer, a lógica da representação é toda voltada para a
lógica dos direitos patrimoniais.
Na verdade, o Código foi omisso em relação a lógica da representação em relação a situações de
natureza existencial. Então, obviamente que a lógica é totalmente diferente e, portanto nesse caso é
plenamente aplicável pelo Enunciado nº 138.
Isso é importante por quê? O Enunciado nº 138 traz uma sistemática peculiar a representação, no caso
dos absolutamente incapazes, por conta do princípio da dignidade da pessoa humana. Quer dizer, na
verdade o princípio constitucional da pessoa humana que traz aí essa peculiaridade do Enunciado nº
138.
Outra questão que a doutrina sempre ressalta é a questão dos intervalos de lucidez. Quer dizer, há uma
sentença, interdição, reconhece a deficiência mental, só que a deficiência mental é intermitente, ela vai
e volta. E aí a dúvida é se o sujeito pode tentar comprovar em juízo que quando da prática do ato ele
estava no momento de lucidez.
O direito brasileiro já admitiu, isso antes do Código de 16, quando valiam aqui as Ordenações de
Portugal, as Ordenações Filipinas, Ordenações Manuelinas, Ordenações Afonsinas, elas admitiam
alegações dos intervalos de lucidez. Mas desde o Código de 16, entendimento consolidado na doutrina
e jurisprudência no sentido de não se admitir a alegação de intervalo de lucidez para convalidar o
negócio jurídico.
Tradicionalmente o que sempre se afirmou? Que essa possibilidade de alegação dos intervalos de
lucidez abalaria a segurança jurídica. Modernamente fica mais interessante usarmos aqui, mais uma
vez, o princípio da confiança.
Outra questão importante, não confundir incapacidade com impedimento. Impedimento é sinônimo de
falta de legitimação e incapacidade resulta da ausência de discernimento.
Então, a incapacidade ela é genérica para os atos da vida civil. Já o impedimento é casuístico, é
episódico, tecnicamente os autores afirmam o seguinte: o impedimento decorre de uma circunstancia
especial que determinado indivíduo ocupa em relação a certos interesses.
O exemplo mais claro é o seguinte: o tutor é capaz, mas ele é impedido de comprar bens para o
tutelado, artigo 497, I. A hipótese não é de incapacidade, é de impedimento, resulta dessa natureza
especial decorrente da relação entre tutor e tutelado.
Tem o artigo 496, lembram daquela história da venda de descendente para ascendente que pressupõe
o consentimento dos outros descendentes e também em regra do cônjuge? Também teríamos ali uma
hipótese de impedimento, de fala de legitimação.
Última questão envolvendo incapacidade absoluta. O código atual não mais previu o surdo-mudo como
absolutamente incapaz. Na verdade, o surdo-mudo pode tanto ser tanto capaz, quanto absolutamente
incapaz, quanto relativamente incapaz.
Dados os avanços, o chamado surdo-mudo hoje tem condições de expressar a sua vontade, agora se
ele padece de algum tipo de deficiência mental, enfim, ou de qualquer outro tipo de situação previstas
nos artigos 3º ou 4º, ele vai ser erigido ao status de incapaz. Mas a simples existência da “surdo-mudez”
não conduz necessariamente a incapacidade.
Bom, os relativamente incapazes estão no artigo 4º.
O inciso I já prevê: maiores de 16 e menores de 18. Para não sermos repetitivos, se aplica aqui a teoria
do ato fato, tudo que vimos lá vale para cá.
Vale a pena registrar o seguinte: regra geral - maior de 16 menor de 18 tem que ser assistidos,
exceções:
Primeira: maior de 16 e menores de 18 não dependem de assistência para ser mandatário, artigo 666.
Segunda: pode ser testemunha, art. 228, I e ainda pode testar, art. 1858 combinado com o art. 1860,§
único.
Vale a pena fazer algum tipo de referencia para o artigo 180 do Código Civil, é uma peculiaridade
envolvendo maior de 16 e menor de 18.
Lembra aquela história do maior de 16 e menor de 18 que quando oculta a sua própria idade acaba
assumindo as obrigações daí decorrentes? É uma peculiaridade também atrelada ao artigo 4º, inciso I.
A doutrina costuma afirmar que o artigo 180 decorre do princípio geral de que ninguém pode se
beneficiar da própria torpeza. Não está errado, está certo, mas numa leitura atual podemos afirmar que
o artigo 180 decorre da boa fé objetiva através de um tema que veremos mais adiante, que é a idéia da
(24’30’’). Boa fé objetiva através da (24’35’’).
Só para não ficar no ar vou falar de maneira bem resumida. Qual é a idéia básica aqui da (24’58’’)? Se
eu violo uma determinada regra X, eu não posso exigir que outrem cumpra aquela mesma regra X que
eu estou transgredindo. A idéia básica é essa, quer dizer, se eu descumpro uma determinada regra X eu
não posso exigir que outrem cumpra a quela regra X que eu estou violando.
Isso não tem a ver com exceção de contrato não cumprido, por exemplo? Enquanto não cumpro minha
prestação não posso exigir o cumprimento da prestação oposta. Isso não tem a ver com o dolo
recíproco do artigo 150? Se ambas as partes agem dolosamente, nenhuma delas pode alegar o dolo em
face da outra.
Quer dizer, o código ali no artigo 180 foi feliz ao restringir essa sistemática entre o 16 e 18 anos porque
antes dos 16 o sujeito é absolutamente incapaz. A hipótese é de nulidade absoluta, ou seja, interesse
público. Vamos ver com calma que não de aplica (26’11’’) em detrimento de interesse público.
Aqui, o inciso II do artigo 4º, traz para o Código situações que antes eram previstas por leis
extravagantes. O Código fala em ébrio, habitual, viciados em tóxicos e os que por deficiência mental
tenham o discernimento reduzido.
A deficiência mental ela pode conduzir tanto a incapacidade absoluta quanto a incapacidade relativa, vai
depender do grau, do comprometimento do discernimento.
Olha aqui um cuidado, o Código no inciso II diz “ébrio habitual”. Se o ébrio habitual for um deficiente
mental e, com isso não tiver discernimento, é claro que ele vai ser absolutamente incapaz. É uma mera
presunção relativa de que o ébrio habitual é relativamente incapaz.
Vejam, se o sujeito quando pratica o ato, ele não tem discernimento por conta de uma embriaguez que
não é constante, quer dizer, ele não é ébrio habitual, mas estava absolutamente bêbado quando
celebrou o negócio jurídico, vejam que o argumento aí a ser utilizado por muitos de agora em diante, vai
ser o artigo 3º, III. Quando o sujeito não tem discernimento por uma causa transitória é alegável o artigo
3º, III.
Então, na verdade é possível que a embriaguez não seja habitual, mas o sujeito não tenha nenhum
discernimento para a prática do ato por uma circunstancia transitória e, nesse caso, pode ser aplicado o
artigo 3º, III se ele quiser demonstrar efetiva ausência de discernimento.
E o inciso IV prevê aqui a questão dos pródigos como relativamente incapazes e aí basicamente o
prodigo é aquele que não tem condição de administrar os seus próprios recursos.
Na verdade, o pródigo em geral até tem discernimento dos atos da vida civil, o problema do pródigo
envolve atos de disposição patrimonial, ele padece de falta de discernimento para atos que envolvam
disposição patrimonial.
Quer dizer, o pródigo seria um perdulário, justamente por isso aí a remissão é importante, o artigo 1782
prevê que a incapacidade relativa do pródigo se restringe aos atos de disposição patrimonial.
Há uma questão importante que é a seguinte: vamos ver mais adiante a questão da responsabilidade
civil indireta, que é a questão da responsabilidade civil por fato de outrem. Lembram daquela história de
que os pais respondem pelos atos dos filhos menores? O Curador também responde pelos atos do
curatelado, está lá no artigo 932, II.
Só que o pródigo é relativamente incapaz apenas para os atos que envolvam disposição patrimonial,
nos atos que não envolvam disposição patrimonial o pródigo é capaz.
Então, o que se sustenta é que o curador do pródigo só responde indiretamente pelos danos causados
pelo pródigo em atos que envolvam disposição patrimonial.
Se um pródigo causa um dano a outrem num ato que não envolva disposição patrimonial, para esse ato
o prodigo é capaz e não há como se cogitar de responsabilidade civil indireta do curador.
Acidente de trânsito, por exemplo. O pródigo causa um dano a outrem num acidente de trânsito, qual é
a tese defensiva do curador do pródigo? Não há responsabilidade civil indireta porque aquele dano foi
causado por um ato do pródigo que não envolvia disposição patrimonial e, portanto não envolvia
responsabilidade civil indireta.
Qual a remissão que eu já faria aí? Artigo 4º, IV combinado com o artigo 1782 para o artigo 932, II.
Vamos lembrar o que? O pródigo é relativamente incapaz, mas só para os atos de disposição
patrimonial e a responsabilidade civil indireta tem que ser interpretada à luz do artigo 1782.
Outra coisa importante é o seguinte: no Código de 16 a legitimidade para suscitar a incapacidade
relativa do pródigo era apenas do cônjuge, do ascendente e do descendente. Então, se o pródigo não
tivesse cônjuge, ascendente e descendente pouco importava para o ordenamento jurídico que ele
dilapidasse todo o seu patrimônio. Quer dizer, o objetivo da prodigalidade, o objetivo da incapacidade
relativa do pródigo era a proteção do patrimônio familiar, perspectiva patrimonialista.
A doutrina já vinha criticando, o CPC nos artigos 1177 e 1178 passou a atribuir legitimação ao MP para
requerer a interdição do pródigo. O Código atual vem sintonia prevendo também legitimação ao MP no
artigo
O que se pode afirmar aqui com clareza? Que essa legitimação atribuída ao MP vem em harmonia com
o princípio da dignidade da pessoa humana porque, na verdade, é insuficiente nós afirmarmos que o
objetivo da incapacidade relativa do pródigo é proteção apenas do patrimônio. A luz da dignidade
humana o objetivo é a proteção da pessoa do pródigo.
Por último, só ressaltar aí, em relação à incapacidade relativa, §único do artigo 4º que é o seguinte: o
Código anterior dizia que o silvícola era relativamente incapaz.
O §único do artigo4º do código civil diz o seguinte: a capacidade dos índios será regulada por regulação
especial. Quer dizer, remeteu para a legislação especial e, ao invés de usar a expressão silvícola, usou
a expressão índio.
Muitos afirmam que a mudança na expressão foi extremamente infeliz porque o silvícola é o indivíduo
nascido e criado na selva e talvez por isso padeça de falta de discernimento. Índio é raça, o sujeito pode
ser um índio nascido e criado em Ipanema. Então na verdade essa mudança na expressão parece
colidir com a própria idéia de isonomia material, “tratar desigualmente os desiguais”
E o Código remete para a legislação especial. Essa lei especial é a lei 6001/73. Basicamente, a lei prevê
que o negócio praticado entre um índio não acautelado e um terceiro estranho a tribo é presumidamente
nulo, salvo se demonstrar que o índio tinha efetivo discernimento.
O Carlos Roberto Gonçalves diz, e com toda razão, que na verdade o Código não trouxe nada de novo,
porque o Código de 16 dizia que o silvícola era relativamente incapaz, só que a lei 6001/73 é lei
posterior e, portanto a lei 6001/73 já havia revogado tacitamente o Código Civil quando definiu o
silvícola como relativamente incapaz. O Código apenas se adaptou a uma revogação tácita que a lei
6001 já havia provocado.
Outra questão aqui é a seguinte: no Direito brasileiro se admite o benefício de restituição? Vamos ver
primeiro o que é benefício de restituição para enfrentarmos a pergunta.
Pelo benefício de restituição, o incapaz pode suscitar a invalidade de um ato legitimamente praticado ou
licitamente praticado com a simples alegação de prejuízo.
Qual seria a hipótese aí do benefício de restituição? Vamos supor que um garoto tenha praticado um ato
devidamente assistido ou representado (alienou um imóvel), intervenção do MP, autorização judicial,
quer dizer, o ato foi formal e materialmente devidamente praticado, preço de mercado a época era o
preço justo, enfim tudo adequado.
Só que uma semana depois dessa alienação há o anúncio de uma obra faraônica na localidade e
aquele imóvel que valia 100 e foi vendido a 100 na época passa a valer trezentos. Pelo benefício de
restituição, o incapaz poderia suscitar a invalidade daquele ato com a simples alegação de prejuízo.
Quer dizer, só se deve falar em benefício de restituição se o ato foi validamente praticado.
Antes do Código de 16, como nós sabemos, valiam aqui as Ordenações de Portugal e a época das
Ordenações de Portugal se admitia o benefício de restituição.
O artigo 8º do Código de 16, explicitamente passou a refutar o benefício de restituição, só que o Código
atual é omisso. E apesar da omissão do Código, os autores que enfrentam o tema, e não são todos
obviamente, ressaltam que não se admite benefício de restituição no Direito brasileiro.
Primeiro, por uma razão da tradicional segurança jurídica e aí talvez uma leitura mais atualizada, como
nós vimos, princípio da confiança que é a proteção da legítima expectativa.
Sabe o que dá para aplicar aqui? Lembram da teoria da contradição com a própria conduta? É a
chamada venire contra factum proprium. Está no Enunciado nº 362 do CJF.
Enunciado nº 362 do CJF: Art. 422: A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum
proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil.
O que essa teoria a grosso modo busca limitar? Condutas contraditórias que venham a atingir uma
legítima expectativa.
Além da legítima expectativa, a boa fé objetiva e até a venire aqui, não nos esqueçamos do artigo 2º,
§3º da LICC: salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei reguladora
perdido a vigência.
É pela presunção de que não há efeito repristinatório no Direito brasileiro, quer dizer, o fato do Código
ao qual ter revogado o Código 16 não restaura a vigência das Ordenações de Portugal.
Emancipação
Vamos tratar de emancipação. Artigo 5º, §único que traz as hipóteses de emancipação.
Basicamente, a emancipação é o instituto que permite o atingimento da capacidade de fato antes do
prazo ordinariamente previsto em lei, antes dos 18 anos.
As hipóteses de emancipação estão lá no artigo 5º, §único e no inciso I 1ª parte o legislador traz a
chamada emancipação voluntária que é aquela emancipação concedida pelos pais.
Ela é chamada de voluntária justamente porque essa emancipação tem natureza extrajudicial e o
Código agora enfrenta uma questão (cuidado na prova objetiva) ele passa a exigir explicitamente no
inciso I instrumento público. Havia uma divergência anteriormente e o inciso I explicitamente exige
instrumento público.
Só para não precisarmos decorar, por que o Código atual passou a exigir explicitamente instrumento
público quando toda a tendência do direito civil vem cada vez mais no sentido de flexibilizar a forma e,
aqui, o Código acabou aumentando o rigor formal?
Essa exigência de instrumento público busca justamente compensar o caráter extrajudicial da
emancipação, quer dizer, o objetivo é conferir o mínimo de segurança considerando o caráter de
extrajudicialidade da emancipação
E aí, no caso de divergência entre pais, se admite o suprimento judicial. Artigo 1631, §único. E aí tem
uma questão importante também que é a seguinte: nós vimos que os pais respondem indiretamente
pelos atos dos filhos, artigo 932, I.
Vejam bem, em tese, com a emancipação cessa o poder familiar e em cessando o poder familiar, em
tese, não haveria mais a responsabilidade civil indireta, mas no nosso inciso I 1ª parte seria muito fácil
para os pais, emancipação voluntária com o objetivo de se esquivar de eventual responsabilidade civil
Então, o entendimento já consolidado, isso está inclusive no Enunciado nº 41 do CJF, no sentido de que
a emancipação voluntária não elide, não afasta a responsabilidade civil dos pais.
Enunciado nº 41 do CJF: Art. 928: A única hipótese em que poderá haver responsabilidade solidária do
menor de 18 anos com seus pais é ter sido emancipado nos termos do art. 5º, parágrafo único, inc. I, do
novo Código Civil.
Vamos ver mais adiante que, em regra, a responsabilidade civil do incapaz passou a ser subsidiária,
está no artigo 928 do Código Civil, ele prevê a responsabilidade civil subsidiária do incapaz.
Então, primeiro tem que buscar no patrimônio dos pais e se não achar bens no patrimônio dos pais aí
sim vai para o patrimônio dos incapazes. Só que com a emancipação cessa a incapacidade e a
premissa do artigo 928 é que quem responde subsidiariamente é o incapaz.
Se com a emancipação cessou a incapacidade, não mais se aplica o artigo 928 e aí o Enunciado nº 41
diz que com a emancipação voluntária haverá responsabilidade civil solidária entre o emancipado e os
pais.
Pergunta do aluno.
Resposta: tem uma regrinha especial lá no artigo 934 que diz que a regra geral é de que o responsável
indireto quando indeniza tem o direito de regresso contra o direto, a exceção é quando o responsável
direto é um descendente seu. Então, excepcionalmente nós teríamos aqui um regime de solidariedade
passiva em que não haveria um direito de regresso dos pais em relação ao filho.
Teria uma regra especial aqui que aniquilaria esse direito de regresso que era próprio do regime de
solidariedade passiva como veremos mais adiante. Não haveria aquelas relações internas do regime de
solidariedade passiva.
O Arnaldo Rizzardo defende aqui inclusive que essa mesma lógica da responsabilidade civil se aplicaria
aos alimentos, quer dizer, a emancipação n ao excluiria por si só o dever de prestar alimentos.
Vamos nos lembrar que a emancipação, inclusive a voluntária, ela é irrevogável, uma das características
da emancipação, inclusive a voluntária, é a irrevogabilidade. Só cuidado com o seguinte: a emancipação
é irrevogável, mas ela pode ser anulada, são situações diferentes. Porque a idéia da irrevogabilidade diz
respeito a que? Os pais não podem voltar atrás, ou seja, por ato discricionário dos pais não cabe o
retorno ao status quo ante.
A anulação é cabível se for comprovada que aquela emancipação não atingia, não vinha em harmonia
com os interesses do emancipado e aí essa hipótese seria de invalidação da emancipação.
O inciso I parte final prevê a emancipação judicial que é na hipótese de tutela. Aqui claro tem que ter
intervenção do MP e a questão do curador especial porque há potencial conflito entre os interesses do
tutor e do tutelado.
A tendência aqui é de que com a emancipação judicial cessa a responsabilidade civil do tutor. A uma,
porque essa emancipação em caso de tutela pressupõe sentença. Então, há controle jurisdicional sobre
a emancipação, ela não depende da mera iniciativa do tutor. E mais, a tutela é um múnus público, então
a tendência é no sentido de não se tratar o tutor com tanto rigor quanto aos pais.
Os incisos II a V tratam de emancipação legal. Então, a doutrina sempre traz essa classificação:
emancipação pode ser voluntária, judicial ou legal.
A emancipação legal é um gênero que comporta aí as espécies dos incisos de II a V.
No inciso II o legislador prevê o casamento. Assim que vemos uma regra sobre casamento o que a
gente logo se indaga: “se aplica a união estável?” Cuidado que normalmente quando enfrentamos essa
questão o que a gente faz? A gente usa o artigo 226 da Constituição e equipara todo mundo. União
estável também é modalidade de família... Só que aqui precisamos tomar certo cuidado. A posição
prevalecente é no sentido de não se admitir a emancipação no caso união estável.
Não é unânime, mas é a posição majoritária. Não há unanimidade aqui. A uma, porque a união estável
ela independe da autorização dos pais, diferentemente do ocorre no casamento. Quer dizer, a união
estável é um ato não solene, não depende da autorização dos pais.
Quando se fala em emancipação, a gente tende a pensar em prêmio, o sujeito está emancipado, mas
vamos perceber o seguinte: o intuito da incapacidade é proteção. E quando falamos de emancipação
estamos falando da cessação dessa proteção. Então, tecnicamente essa emancipação representa o
término dessa proteção que o ordenamento jurídico confere ao incapaz.
Então, em se tratando de término da proteção conferida aos incapazes o que a doutrina afirma aqui?
Que o elenco do artigo 5º, §único envolve rol taxativo, numerus clausus.
Lembrando que numerus clausus, rol taxativo se contrapõe ao rol exemplificativo que seria numerus
apertus.
Contra essa posição, o argumento é simples. Para entender que a união estável emancipa, o que
vamos dizer? Por que o casamento emancipa? Porque é incompatível o sujeito constituir uma nova
família e continuar submetido a ingerência dos pais. E se a união estável é uma nova modalidade de
família, a Constituição assim prevê, essa mesma incompatibilidade ocorreria no caso da união estável.
O Paulo Nader até defende a possibilidade, por exemplo, dessa emancipação por união estável, mas o
Paulo Nader defende que seria pressuposto a essa emancipação que haja na verdade uma sentença
declaratória de união estável. A sentença declaratória de união estável seria pressuposto a
emancipação, de acordo com a posição do Paulo Nader.
Outra questão importante aqui é a seguinte: idade mínima para casar 16 anos, artigo 1552.
Só que o Código admite o casamento por menores de 16 anos para evitar pena criminal ou gravidez,
está no artigo 1521.
Essa questão da pena criminal parece ter sido revogada pelo Código Penal, porque não há aqui mais
aquela excludente de inimputabilidade, mas subsiste a possibilidade do casamento antes dos 16 no
caso de gravidez.
A dúvida é a seguinte: vamos supor que eles se casem aos 13 anos de idade por causa de gravidez.
Estão emancipados aos 13 anos? A maioria da doutrina entende que sim, Silvio Rodrigues, Carlos
Roberto Gonçalves, Pablo Stolze.
Quem tem interesse em área trabalhista, por exemplo, o livro do Pablo Stolze é muito interessante,
porque o Pablo Stolze escreve em parceria com o Rodolfo Pamplona que é Juiz do Trabalho. Então, a
grande peculiaridade dessa obra do Pablo Stolze é que há um inter facie entre Direito Civil e Direito do
Trabalho.
Então, o argumento qual é? O Código autoriza a emancipação pelo casamento, está lá no artigo 5º,
§único, II. Se a legislação específica admite casamento aos 13 haveria a causa de emancipação, quer
dizer, o inciso II não restringe, diz apenas que o casamento emancipa e ponto final.
Contra essa posição: José Acir Lessa Giordani. Ele invoca como argumento aqui a redação do artigo
1560, §1º: extingue-se em 180 dias o direito de anular o casamento dos menores de 16 anos contado o
prazo para o menor do dia em que perfez essa idade, quer dizer, o prazo para anular o casamento pelo
menor de 16 só começa a fluir quando ele atinge os 16, por quê? Porque o código entendeu que só a
partir dos 16 ele tenha discernimento suficiente para isso.
Aí o José Acir diz que haveria uma incompatibilidade, porque se ele não tem discernimento para
provocar a própria anulação do casamento ele não pode ter discernimento para os atos em geral da vida
civil. Em uma interpretação sistemática o José Acir discorda da posição majoritária.
Parece fazer sentido essa posição do José Acir.
O inciso III do artigo 5º, § único, traz uma regra em total desuso, prevê emancipação aqui pelo exercício
de emprego público efetivo.
Aqui, além de estar em desuso, o Código parece ter usado mal a expressão porque emprego público
estaria em tese atrelado a empresa pública e sociedade economia mista. Os próprios civilistas quando
comentam a questão a maioria diz o seguinte: só para o caso de Administração Direta, autarquias e
fundações que são pessoas jurídicas de direito público. Então, o Código uso mal, de maneira atécnica a
expressão emprego público.
Na verdade, toda essa divergência se aplica ou não a empresa pública e sociedade de economia mista,
além de ter esvaziado a aplicação prática, parece ter caído totalmente por terra com a novidade trazida
pelo inciso V do § único.
Essa novidade sim é importante, o inciso V passa a prever que a relação de emprego que propicia a
economia própria passa a ser causa de emancipação.
Resposta: em tese sim, tem até uma inter facie interessante que é a seguinte: economia própria, salário
mínimo é economia própria? O garoto ganha um salário mínimo, será que ele emancipou? Pela
Constituição sim.
Qual é a tendência aqui? A tendência é se afirmar que essa economia própria é deve ser interpretada
de acordo com a situação sócio-econômica em que a pessoa se encontre inserida.
Talvez para um garoto carente, pobre, o salário mínimo represente economia própria e talvez para um
garoto abastado, rico, o salário mínimo não represente economia própria.
Por isso, até o Pablo Stolze diz que dificilmente essa regra vai ser aplicada no caso de aprendiz e no
caso de jornada a tempo parcial. Nessas hipóteses se admite a percepção de salário inferior ao mínimo
legal, quer dizer, no caso de aprendiz, no caso de jornada a tempo parcial.
Só para fechar aqui, uma última questão que é a seguinte: o Pablo Stolze defende que se por ventura
houver a emancipação pela relação de emprego deixam de ser aplicadas regras específicas de proteção
aos incapazes da legislação trabalhista.
Por exemplo, o artigo 439 da CLT diz que o menor de 18 tem que estar devidamente assistido para
lavratura lá do tempo de rescisão.
O Pablo Stolze diz que não faz nenhum sentido o sujeito ter sido emancipado pela própria relação de
emprego e ter que ser assistido para a lavratura do termo de rescisão. Quer dizer que essa
emancipação do Direito Civil projetaria para as relações de Direito de Trabalho.
Contra essa posição, a última polêmica de hoje, José Afonso Dallegrave Neto, extremamente influente
na prova do MPT, já foi inclusive da Banca. Ele repudia essa afirmativa, primeiro pelo artigo 8º da CLT
que diz que o Direito Civil tem aplicação meramente subsidiária no Direito do Trabalho.
Mais, essa interpretação colidiria com o princípio protetivo do Direito do Trabalho e invoca por último o
princípio da especialidade. Quer dizer, pelo principio da especialidade a emancipação no âmbito do
Direito Civil não necessariamente produz reflexos no Direito do Trabalho.
4. Direitos da Personalidade
Na aula passada paramos em emancipação. Vamos então retomar tratando dos direitos da
personalidade, matéria agora disciplinada nos artigos 11 a 21 do Código Civil.
Vamos fazer uma análise de alguns aspectos gerais relevantes envolvendo o tema.
Antes de mais nada, uma definição básica de direitos da personalidade: conjunto de caracteres e
atributos da pessoa humana que dizem respeito ao seu desenvolvimento físico e espiritual. Em outras
palavras, os direitos da personalidade são aqueles direitos de natureza extrapatrimonial e, portanto
insuscetíveis de mensuração econômica imediata.
Tentando minimamente sistematizar o tema, a doutrina em geral adota a chamada classificação
tripartida dos direitos da personalidade.
Dentro dessa chamada classificação tripartida, a doutrina ressalta que os direitos da personalidade
envolvem a integridade física e dentro da integridade física, como exemplos de direitos da
personalidade, nós teríamos o direito a vida, a saúde e aos alimentos.
Além da integridade física, nós teríamos ainda a chamada integridade intelectual e dentro da integridade
intelectual teríamos a liberdade de pensamento e os direitos morais do autor.
Teríamos ainda a chamada integridade moral e dentro da integridade moral teríamos a honra, o recato e
a identidade pessoal.
Essa classificação norteia autores como Venosa, Arnaldo Rizzardo, Pablo Stolze, enfim um consenso
doutrinário em torno dessa classificação.
Agora, apenas é preciso ressaltar, antes de mais nada, o seguinte: evidentemente que essa
classificação não encerra o rol taxativo, obviamente estamos diante de um rol exemplificativo, ou seja,
numerus apertus que se contrapõe a numerus clausus.
Por que o rol aí é meramente exemplificativo? Porque uma das grandes novidades do Código atual é a
inserção de um capítulo próprio, específico, tratando dos direitos da personalidade.
Só que a doutrina é unânime na afirmativa de que esse rol é meramente exemplificativo. Pelo que vimos
na primeira aula me parece claro que esse rol é meramente exemplificativo porque os direitos da
personalidade têm como cláusula geral o princípio da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, nós temos inclusive o Enunciado 274, 1ª parte do Conselho da Justiça Federal que diz:
os direitos da personalidade regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil são as expressões
das causas gerais de tutela da pessoa humana contida no artigo 1º, III da Constituição.
Características Gerais
Primeira: os direitos da personalidade são vitalícios obviamente no sentido de que eles se projetam por
toda a vida. Só que nesse ponto há uma peculiaridade, porque o primeiro efeito da morte é o término da
personalidade jurídica e, com isso cessa aquela aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, ou
seja, cessa a proteção do ordenamento jurídico.
Só que nós inclusive ressaltamos na aula passada que excepcionalmente se concebe a existência de
proteção post mortem a alguns direitos da personalidade. Então, sem dúvida os direitos da
personalidade são vitalícios como regra, mas em algumas situações é possível que venhamos nos
deparar com a chamada proteção post mortem dos direitos da personalidade.
Quando se fala na proteção post mortem dos direitos da personalidade, a doutrina sempre traz como
exemplos a questão do direito a imagem e os direitos morais do autor.
Nós veremos daqui a pouco que o Código atual inclusive contempla explicitamente essa proteção post
mortem nos artigos 12, § único e 20, §único que tratam da legitimação para a proteção dos direitos da
personalidade do falecido.
Segunda: os direitos da personalidade são absolutos. Obviamente não por serem ilimitados, na verdade
são absolutos por terem oponibilidade erga omnes. Lembrando que na verdade os direitos da
personalidade representam um ambiente muito propício a aplicação da chamada técnica de ponderação
de interesses.
Nós temos, por exemplo, aspectos envolvendo intimidade X direito a informação, então direitos da
personalidade representam um ambiente muito propício a técnica de ponderação de interesses.
Quando falamos em ponderação, nós estamos automaticamente excluindo o caráter ilimitado. Nesse
sentido, Enunciado 274, parte final que diz: em caso de colisão entre direitos da personalidade como
nenhum pode sobrelevar as demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.
Outra característica: de acordo com o artigo 11, os direitos da personalidade são irrenunciáveis,
sinônimo de indisponíveis.
Desde que entrou em vigor o Código, a doutrina começou a refutar a literalidade do artigo 11 porque se
os direitos da personalidade fossem efetivamente indisponíveis, efetivamente irrenunciáveis ninguém
poderia posar nu, lutar boxe... Na verdade, o que a doutrina afirma é que os direitos da personalidade
são relativamente indisponíveis.
Nesse sentido, Enunciados 04 e 139 do CJF. O Enunciado 04 diz: o exercício do direito da
personalidade pode sofrer limitação voluntária desde que não seja permanente nem geral.
Enunciado 139 do CJF: Art. 11: Os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não
especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular,
contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes.
O que não se admite é a chamada renuncia a direitos da personalidade sem qualquer tipo de restrição e
sem qualquer tipo de limitação temporal.
Então, por exemplo, o Flávio Tartuce trabalha bem com isso... O Flávio Tartuce ressalta, por exemplo,
contrato vitalício de imagem o que acontece em relação a alguns atletas, quer dizer, a cessão vitalícia
de imagem parece colidir com a indisponibilidade dos direitos da personalidade. Quer dizer, a qualquer
momento o sujeito pode voltar atrás no que tange a cessão da imagem.
Contratos inclusive envolvendo a Globo com integrantes do Big Brother Brasil. Esses contratos
normalmente afirmam que os integrantes renunciam por completo qualquer possibilidade de pleitear
dano moral pela edição das imagens.
Claro que a simples edição da imagem não configura dano moral, mas a forma pela qual a edição possa
vir a ser exteriorizada ao público pode sim configurar dano moral. Quer dizer, não se admite uma
renúncia irrestrita aos direitos da personalidade, é isso que quer dizer o Enunciado 04 do CJF.
Em relação a esse tema, talvez seja interessante a conexão com o artigo 852: é vedado o compromisso
para a solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outros que não tenham caráter
estritamente patrimonial.
Quer dizer, o artigo 852 veda o compromisso para a solução de questões envolvendo direitos da
personalidade.
Outra característica: os direitos da personalidade são impenhoráveis.
Curioso lembrar que quando se fala na questão do bem de família legal, todos se lembram está na lei
8009/90, aquela questão do único imóvel residencial, enfim... Há uma forte tendência da jurisprudência
do STJ em afirmar que se aplica a impenhorabilidade do bem de família ainda que o titular do imóvel
nele não resida, exigência esta explicitamente prevista na lei 8009/90 que exige que haja residência no
imóvel.
O STJ há muito vem superando a literalidade da lei 8009/90 e no último Informativo (informativo nº 365)
há um julgado que basicamente afirma que se aplica a impenhorabilidade da lei 8009 ainda que o
sujeito não resida no imóvel, porém, desde que demonstrado que o recurso obtido com o aluguel do
bem é indispensável a sua subsistência.
PENHORA. BEM DE FAMÍLIA ÚNICO. LOCAÇÃO.
Faz jus aos benefícios da Lei n. 8.009/1990 o devedor que, mesmo não residindo no único imóvel que
lhe pertence, utiliza o valor obtido com a locação desse bem como complemento da renda familiar,
considerando que o objetivo da norma é o de garantir a moradia familiar ou a subsistência da família.
Precedentes citados: AgRg no Ag 385.692-RS, DJ 19/8/2002, e REsp 315.979-RJ, DJ 15/3/2004. REsp
243.285-RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 26/8/2008.
Na verdade, o que fundamenta a impenhorabilidade do bem de família legal é o princípio da dignidade
da pessoa humana atrelado claro a questão do direito social a moradia.
Tem uma alteração recente aqui que vale a pena ressaltar no CPC. O artigo 649, X prevê que são
absolutamente impenhoráveis até o limite de 40 salários mínimos a quantia depositada em caderneta de
poupança. Quer dizer, a impenhorabilidade de até 40 salários mínimos em caderneta de poupança
evidencia que a regra inspira no princípio da dignidade da pessoa humana.
Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança.
(Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
Outra característica: os direitos da personalidade são imprescritíveis. Quando a doutrina ressalta a
imprescritibilidade dos direitos da personalidade o que se afirma é que os direitos da personalidade
podem ser exercidos a qualquer tempo.
Uma questão tormentosa é a seguinte: e os reflexos patrimoniais decorrentes dos direitos da
personalidade? Será que esses reflexos patrimoniais se sujeitam a prescrição?
A posição predominante é no sentido de que os reflexos patrimoniais dos direitos da personalidade
prescrevem, tem até uma Súmula antiga do STF que sempre é trazida a colação sempre que se discute
esse tema que é a Súmula 149 do STF que basicamente diz que é imprescritível a investigação de
paternidade, mas não é a petição de herança.
A ação de investigação de paternidade é imprescritível por se tratar de um direito a identidade pessoal,
direito de natureza extrapatrimonial, direito da personalidade. A herança seria um reflexo patrimonial
decorrente de tal direito da personalidade.
Também, por isso, entendimento majoritaríssimo na doutrina e na jurisprudência no sentido de que
prescreve a ação por dano moral, porque na verdade o dano moral seria um reflexo patrimonial oriundo
da lesão ao direito a personalidade, como reflexo patrimonial se sujeita a prescrição.
Discordando especificamente da prescrição por dano moral, especificamente acerca do dano moral, há
uma posição defendida por Gustavo Tepedino, ele discorda da prescritibilidade da reparação por dano
moral.
O que o Tepedino defende é o seguinte: quando é que se inicia o prazo de prescrição em geral?
Quando se consuma a lesão ao direito se inicia o prazo prescricional. Quer dizer, se eu tenho um crédito
que vence no dia 05 no dia 06 se inicia o prazo prescricional caso o devedor não venha a cumprir a
prestação. Então, o prazo prescricional se inicia a partir da lesão ao direito.
O que o Tepedino afirma é se nós estivermos diante de um direito patrimonial é muito simples se
constatar o momento em que a lesão se consuma. Entretanto, defende o Tepedino, a lesão a dignidade
dessa pessoa humana não se consuma em um único ato, que dizer, o que o Tepedino sustenta é que a
lesão a dignidade humana ela se prolonga no tempo. E, portanto se a lesão a dignidade humana se
protrai no tempo, se ela não se consuma, nós não teríamos a premissa necessária ao início do prazo
prescricional. Por que a premissa necessária ao início do prazo prescricional qual é? A consumação da
lesão ao direito.
Essa posição do Tepedino é minoritaríssima, mas cuidado porque o Tepedino é um autor muito
prestigiado e está em algumas bancas examinadoras para quem pretende concurso público. Nem a
Justiça do Trabalho adota esse entendimento, ela que é extremamente protetiva, o entendimento
consolidado lá TST é de que a prescrição se dá em dois anos para reparação por dano moral.
Inclusive é discutível essa posição do TST porque eles usam prazo de dois anos invocando a emenda
constitucional 45 que atraiu a competência para apreciar dano moral para a Justiça do Trabalho e os
créditos trabalhistas tem prescrição total em dois anos.
Na verdade, parece haver uma confusão entre a questão da competência e a natureza do direito
envolvido, quer dizer, o fato da competência ter sido atraída para a Justiça do Trabalho não
necessariamente significa dano moral é um crédito de natureza essencialmente trabalhista, um tema
discutível.
Pergunta do aluno.
Resposta: a doutrina majoritária que defende a prescritibilidade, defende a aplicação do prazo de 03
anos do artigo 206, §3º, V. Isso valeria para o dano moral.
O que muitos discordam em relação a perspectiva até da Justiça Trabalhista é que na verdade o dano
moral seria uma reparação civil cuja competência teria sido atraída para a Justiça do Trabalho, mas isso
não alteraria a natureza do prazo.
Pergunta do aluno.
Resposta: dentro da ótica do Tepedino a situação não seria propriamente a mesma. Na verdade, nas
obrigações de trato sucessivo a lesão ela vai se renovando a cada circunstancia em que há o
vencimento da prestação. Quer dizer, a cada vencimento se consumaria uma nova lesão, mas a
consumação da nova lesão não desnatura a consumação já ocorrida em relação a prestação anterior.
O que o Tepedino defende é que na verdade aquela única conduta não permitiria a consumação da
lesão porque na obrigação de trato sucessivo nós temos a consumação da lesão, só que nós temos
consumações sucessivas.
O que o Tepedino defende é que dentro da ótica do dano moral não haveria consumação da lesão,
portanto não haveria sequer o início do prazo prescricional.
Contra essa posição, quer dizer, o que a maioria da doutrina afirma é o que? Os reflexos patrimoniais
prescrevem. O Tepedino não desmente isso, ele apenas refuta a questão envolvendo dano moral.
A segunda corrente vai defender que os reflexos patrimoniais também são imprescritíveis.
Tem alguns julgados, vou colocar só os números de todos os recursos especiais, está certo? RESP
379414, 462840, 602237, 816209 que saiu inclusive no Informativo nº 316 do STJ.
Informativo nº 316 do STJ – Primeira Turma
PRESCRIÇÃO. AÇÃO. TORTURA. REGIME MILITAR.
Discutiu-se acerca da prescritibilidade da ação tendente a reparar a violação dos direitos humanos ou
dos direitos fundamentais da pessoa humana (indenização lastreada no art. 8º, § 3º, do ADCT da
CF/1988) causada pela prisão e tortura por delito de opinião durante o regime militar de exceção, se
aplicável o prazo prescricional qüinqüenal do art. 1º do Dec. n. 20.910/1932, tal como entendeu o juízo
singular. Quanto a isso, ao prosseguir o julgamento, a Turma, por maioria, firmou que a proteção da
dignidade da pessoa humana (direito inato, universal, absoluto, inalienável e imprescritível, conforme a
doutrina), como corroborado pelas cláusulas pétreas constitucionais, perdura enquanto subsistente a
própria República Federativa, pois se cuida de seu fundamento, de um de seus pilares, e, como tal, não
há que se falar em prescrição da pretensão tendente a implementá-la, quanto mais se a Constituição
Federal não estipulou lapso prescricional ao direito de agir correspondente àquele direito à dignidade.
Asseverou que o art. 14 da Lei n. 9.140/1995 previu ação condenatória correspondente a essas
violações da dignidade humana durante o período de supressão das liberdades públicas, mas não
previu prazo prescricional para o caso. Assim, concluiu que a lex specialis convive com a lex generalis,
arredada a aplicação analógica do Código Civil ou do Decreto n. 20.910/1932 ao caso. Por fim,
determinou o retorno dos autos à origem para que se dê prosseguimento ao feito, obstado pela
decretação da prescrição. Precedentes citados do STF: HC 70.389-SP, DJ 10/8/2001; HC 80.031-RS,
DJ 14/12/2001; do STJ: REsp 529.804-PR, DJ 24/5/2004; REsp 449.000-PE, DJ 3/6/2003, e REsp
379.414-PR, DJ 17/2/2003. REsp 816.209-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 10/4/2007.
Essa segunda posição, que tem como um dos seus defensores o próprio Flávio Tartuce, invoca
precisamente a questão da constitucionalização do direito civil. Quer dizer, apesar de estarmos diante
de um crédito de natureza patrimonial, trata-se de um crédito de natureza patrimonial que decorre da
violação a dignidade da pessoa humana.
Em havendo na origem a lesão à dignidade da pessoa humana, a segunda posição defende que esse
crédito de natureza patrimonial merece uma tutela privilegiada e um dos mecanismos de tutela
privilegiada se traduziria na imprescritibilidade. Posição minoritária.
O Caio Mário defende que nessas hipóteses § único do artigo 12 e do artigo 20, no caso de proteção
post mortem para a tutela preventiva aos direitos da personalidade, para a tutela específica nós
teríamos aqui uma legitimação concorrente. Qualquer um desses legitimados, o cônjuge, ascendente,
descendente, o colateral no caso do artigo 12, qualquer um deles pode exercer a tutela preventiva,
tutela inibitória.
Já na tutela ressarcitória, tutela reparatória, sustenta o Caio Mário, deve ser exercida de acordo com a
vocação hereditária. Quer dizer, a tutela preventiva pode e na verdade deve ser exercida por qualquer
deles por conta da melhor promoção da dignidade da pessoa humana.
Vamos para o artigo 13, porque ele comporta uma discussão importante.
Artigo 13: salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo quando importar
diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes.
O artigo 13 trata da questão da disposição sobre o próprio corpo e aí ele impõe claramente como limites
a disposição sobre o próprio corpo a questão da diminuição permanente da integridade física e os bons
costumes.
Isso nos conduz a que questão? A questão da cirurgia de transgenitalização (mudança de sexo).
Numa posição talvez mais conservadora é possível afirmar que o artigo 13 proíbe a cirurgia. Quer dizer,
a cirurgia gera a diminuição permanente da integridade física com a retirada do órgão genital masculino
e a cirurgia contrariaria os bons costumes. Essa posição é adotada pelo Carlos Roberto Gonçalves.
Não é essa a posição predominante, inclusive em sede jurisprudencial a posição predominante é no
sentido contrário, no sentido oposto, no sentido de se admitir a cirurgia. A cirurgia não abalaria a
integridade física, ela não geraria uma diminuição permanente da integridade física. Na verdade, a
cirurgia melhor propiciaria a adequação da sexualidade física à sexualidade psíquica.
Pergunta do aluno.
Resposta: essa adequação da sexualidade física à sexualidade psíquica vem em harmonia com o
próprio princípio da dignidade da pessoa humana, quer dizer, seria uma forma de melhor promoção da
dignidade da pessoa humana.
O artigo 13 não permite a disposição quando importar diminuição permanente da integridade física ou
contrariar os bons costumes, mas vejam a parte inicial do artigo 13: “salvo por exigência médica”. Quer
dizer, nós temos como limite a integridade física e os bons costumes, mas num plano hierarquicamente
superior à integridade física e os bons costumes, nós temos a exigência médica, a finalidade
terapêutica.
Há inclusive a cerca da cirurgia a Resolução 1682/2002 do Conselho Federal de Medicina que prevê
uma série de procedimentos prévios, necessários a realização da cirurgia, uma série de exames, de
procedimentos. Esses procedimentos previamente exigidos buscam justamente aferir a existência de
necessidade terapêutica.
Sobre o tema nos temos os Enunciados 06 e 276 do CJF.
O Enunciado 06 diz: a expressão exigência médica contida no artigo 13 refere-se tanto ao bem estar
físico quanto ao bem estar psíquico do disponente. Quer dizer quando o Enunciado 13 fala em bem
estar psíquico, já abre espaço para argumentação em sentido contrário.
De maneira direta temos o Enunciado 276 o qual diz: o artigo 13 do Código Civil ao permitir a disposição
do próprio corpo por exigência médica autoriza as cirurgias de transgenitalização em conformidade com
os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina e a conseqüente alteração do
prenome, do sexo no registro civil.
Há várias decisões, inclusive no âmbito da Justiça federal, determinando a inclusão da cirurgia no SUS
e há procedimento recente no Ministério da Saúde determinando a inclusão de tais cirurgias dentro do
âmbito do SUS.
Na verdade, este artigo traz outras questões que não encontram solução firme, fatos novos, por
exemplo: a questão da medicina preventiva que tem como aferir a predisposição genética para
determinadas doenças.
Saiu há algum tempo reportagem em revista especializada afirmando que algumas pessoas estariam se
mutilando através de procedimentos médicos diante da constatação dessa pré disposição genética.
Quer dizer, a mulher constata que tem uma pré disposição a câncer de mama e diante da simples pré
disposição a mulher acaba suscitando e pleiteando a possibilidade de retirada da mama.
Esse tema é extremamente discutível. Em que medida a mera pré disposição autorizaria a
automutilação? A tendência no cenário contemporâneo seja no sentido da inadmissibilidade.
Tem uma outra questão, não sei se já ouviram falar, a questão dos wannabes. São as pessoas que tem
compulsão para automutilação, as pessoas têm a compulsão de retirar partes do seu corpo, quer dizer,
sem dúvida há um tipo de patologia psíquica em relação aos wannabes.
Mas diante da incerteza em relação a tratamento e a cura, a tendência é no sentido de não se admitir a
automutilação em tais circunstancias.
Esses exemplos são interessantes? Não estamos em busca de uma solução padrão para todas as
hipóteses. Mas esses exemplos evidenciam que o consentimento, o papel do consentimento, varia
bastante dentro da ótica do biodireito. Quer dizer, a questão do consentimento ela não recebe o
tratamento uniforme dentro da perspectiva do direito contemporâneo.
Pergunta do aluno.
Resposta: há ainda vários autores que defendem a impossibilidade da mudança do nome, temos vários
autores que defendem isso. Porque o enunciado 276 ele prevê a alteração do prenome e do sexo no
registro civil, não é isso? Na verdade são dois aspectos, não apenas a mudança do prenome, como a
questão da mudança no sexo.
Na verdade, muitos afirmam que seria injustificável a mudança do sexo porque na verdade a cirurgia
gera apenas uma transformação na aparência, mas não há na verdade uma transformação biológica.
Quer dizer, o sujeito não passa a ter os aspectos internos... Não há possibilidade de procriação e assim
sucessivamente.
Essa perspectiva vem sendo superada justamente por conta do princípio da dignidade da pessoa
humana. O princípio da dignidade da pessoa humana em determinadas circunstancias pode dar
prevalência a sexualidade psíquica em detrimento da própria sexualidade física. Claro que desde
contatados os requisitos previstos pelo Conselho Federal de Medicina.
E a questão da mudança do prenome sem dúvida guarda alguns aspectos delicados notadamente no
que diz respeito a proteção de eventuais expectativas de terceiros.
A questão não é regulamentada no direito brasileiro, mas em alguns países, por exemplo, na Alemanha
e na Suécia se proíbe a redesignação sexual e a mudança do nome se o sujeito é casado ou tem filhos,
porque na verdade a existência de filhos ou a existência do casamento seria incompatível com a própria
mudança do prenome e do sexo.
A questão não é sistematizada no direito brasileiro, mas talvez seja interessante que antes da alteração
do prenome e do sexo sejam realizadas algumas pesquisas inclusive em relação a sistema de proteção
de crédito, enfim a diversos aspectos que possam envolver a expectativa de terceiros. Talvez seja uma
maneira de conciliar a dignidade da pessoa humana com eventual expectativa de terceiros que inclusive
é resguardado pelo princípio da confiança. Mas a questão sem dúvida padece de uma esquematização
mais pormenorizada.
Pergunta do aluno.
Resposta: vamos ver no artigo 15 porque a questão acaba se aproximando do artigo 15.
Vamos dar uma olhada no artigo 14. Sem dúvida é uma questão importante também.
O artigo 14 trata da disposição do corpo post mortem e o artigo 14 diz: é valida com o objetivo científico
ou altruístico a disposição gratuita do próprio corpo no todo ou em parte para depois da morte.
A questão do objetivo científico está atrelada a questões de escolas de medicina principalmente. A
questão da disposição com finalidade científica para escolas de medicina é sistematizada pela lei
8501/92. Finalidade altruística diz respeito à doação de órgão e tecidos do corpo humano e tem regra
especial para isso que é a lei 9434/97.
E aí surge uma questão importante que é a seguinte: a redação atual do artigo 4º dessa lei do
transplante diz que a decisão sobre doar ou não os órgãos do falecido compete aos familiares.
Art. 4o A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra
finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a
linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por
duas testemunhas presentes à verificação da morte. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
Esse artigo foi objeto de modificações. Há algum tempo a regra dizia que a presunção era de que todos
seriam doadores, tamanha foram as críticas que houve alteração e agora a regra prevê que a decisão
compete aos familiares.
Só que o artigo 14 do Código Civil, lei posterior, diz que o próprio indivíduo pode dispor de seu corpo
post mortem. Será que o Código Civil, lei posterior, revogou a lei do transplante? Não, o que a doutrina
vem afirmando é a necessidade de uma interpretação sistemática entre os dispositivos.
E numa interpretação sistemática o que se afirma? Que a decisão compete aos familiares, como diz a lei
de transplantes, no caso de silencio (em vida) do doador.
Quer dizer, a vontade manifestada pelo doador em vida prevalece sobre a dos familiares. Nesse sentido,
o Enunciado 277 do Conselho, tendo os autores como o Venosa e Tepedino nesse sentido.
Enunciado 277, CJF: Art. 14: O art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita do
próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para depois da morte, determinou que a
manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares,
portanto, a aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/97 ficou restrita à hipótese de silêncio do potencial
doador.
Essa foi uma das questões específicas da prova PGE de direito civil.
Pergunta do aluno.
Resposta: é extremamente discutida a possibilidade de suprimento judicial no caso de discordância
porque na verdade essa manifestação ela parece ter um caráter eminentemente personalíssimo, dizer
respeito a questões existenciais, talvez seja discutível que Estado-Juiz possam suprir a manifestação de
vontade. Parece haver uma possível incompatibilidade entre essa manifestação de vontade e eventual
suprimento.
Só para ressaltar, essa vontade do doador em vida ela pode se dar, afirma a doutrina, tanto por
testamento quanto por qualquer documento idôneo. E mesmo que essa vontade não tenha se
manifestado por testamento, é da essência dessa manifestação de vontade a revogabilidade, porque
estamos tratando de um direito da personalidade.
Data: 09/09/08
Aula 02 – 2ª Parte
Vamos dar uma olhada no artigo 15. Diz o artigo 15: “ninguém pode ser constrangido a submeter-se
com risco de vida a tratamento médico ou intervenção cirúrgica”.
Quando entrou em vigor o Código, talvez numa primeira leitura apressada, alguns afirmavam que o
artigo 15 se encaixaria naquela questão envolvendo transfusão sanguínea por Testemunha de Jeová
que por convicção religiosa se negam a transfusão sanguínea e a dúvida é em que medida essa recusa
pode ser ou não refutada judicialmente.
Só que o artigo 15 diz que ninguém pode ser constrangido a submeter-se com risco de vida a
tratamento médico ou intervenção cirúrgica. Na verdade, a mera transfusão sanguínea, por si só, não
implica em risco de vida e em não implicando a mera transfusão sanguínea em risco de vida, a questão
não seria dirimida especificamente pelo artigo 15.
Nós temos aqui, nesse caso específico, mais uma vez a questão da ponderação de interesses
envolvendo direitos da personalidade. Porque nós temos a questão da liberdade religiosa, que é um
direito da personalidade, consagrado constitucionalmente versus o direito a vida, também resguardado
em sede constitucional.
A tendência, não só na doutrina como na jurisprudência, é no sentido de se entender que o direito a vida
há de preponderar em detrimento da convicção religiosa.
Existe a Resolução 1.021/80 do Conselho Federal de Medicina e, ainda, a Resolução 136/99 do
CREMERJ. Tais resoluções afirmam que se indispensável a preservação da vida, se não houver um
meio alternativo e se for realmente constatada a necessidade da transfusão sanguínea para a
preservação da vida, há de se proceder a dita transfusão.
Discordando dessa opinião nós temos o Christiano Chaves de Farias e o Nelson Rosenvald que
afirmam que não haveria razão de ser porque o direito a vida sempre preponderá em detrimento da
convicção religiosa. Posição minoritária.
Aqui é preciso tomar cuidado com o seguinte: o artigo 15 impõe o consentimento do paciente para que
ele possa se submeter a tratamento médico ou intervenção cirúrgica que implique risco de vida.
Aqui, apenas ressaltar algo que vamos ver mais adiante, mas é preciso desde logo afirmar que numa
perspectiva contemporânea esse consentimento há de ser necessariamente o chamado consentimento
informado.
A idéia do consentimento informado está atrelada ao princípio da boa fé objetiva, quer dizer, que o
paciente seja previamente informado em linguagem atécnica, linguagem clara, linguagem precisa sobre
os riscos a que se submete.
Inclusive, essa questão do dever de informação vem ganhando cada vez mais repercussão... Na
penúltima prova da PGE, na penúltima prova específica caiu uma questão elaborada pelo Tepedino.
Uma atriz famosa fez uma cirurgia plástica estética e ficou horrorosa com a cirurgia. Ela ingressou com
uma ação de responsabilidade civil em face do médico. O médico provou por A+B que não houve falha
no procedimento, que aquela é uma variante do corpo humano, de cada 100 cirurgias 01 pode trazer
aquele resultado. Indagava-se qual seria o resultado da questão.
Claro que vários aspectos envolvem a matéria, aquela dicotomia de meio e de resultado, mas o ponto
central aqui qual era? O ponto central era: pode não ter havido falha no procedimento, mas houve
inobservância do dever de informação e a inobservância do dever de informação propicia a configuração
de responsabilidade civil. Quer dizer, o ponto central envolvia a questão da observância do dever anexo
de informação.
Então, sempre que se fala hoje em consentimento, como diz o Código, a idéia é a do consentimento
necessariamente informado a luz da boa fé objetiva.
Para não esquecermos disso, é bom fazer uma conexão entre o artigo 15 e o artigo 422 que trata de
boa fé objetiva.
Olha que questão tormentosa: vamos supor que o paciente seja um absolutamente incapaz, um garoto
de 14 anos. Em tese, a manifestação de vontade do absolutamente incapaz ela é desimportante, não é
isso? O que vale é a vontade do representante porque o representado não tem discernimento, portanto
a vontade do representado é desimportante.
Vejam que e lógica da representação ela se encaixa muito bem na perspectiva dos direitos patrimoniais,
mas ela não se mostra suficiente para a lógica dos direitos extra-patrimoniais.
Quer dizer, em que medida cabe ao representante emitir a vontade em nome do representado em
relação aos riscos envolvendo a vida do representado? Quer dizer, em que medida o representante tem
disponibilidade sobre os interesses de natureza existencial do representado?
Porque vejam, se para a disposição, para a alienação de um imóvel o representante tem que ter a
autorização judicial com mais razão há de haver algum tipo de controle em relação a disponibilidade
sobre interesses de natureza existencial.
Aqui talvez nós tenhamos um ambiente propício a aplicação daquele Enunciado 138 que vimos na aula
passada que diz que a vontade dos menores de 16 anos pode ser levada em consideração para
concretização de situações existenciais a eles concernentes. Desde que haja discernimento mínimo,
sem dúvida alguma, numa situação como essa a vontade do representado há de ser levada em
consideração.
Enunciado 138, CJF: Art. 3º: A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3o, é
juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que
demonstrem discernimento bastante para tanto.
A doutrina mais especializada costuma afirmar que o Código Civil nasceu um pouco ultrapassado
porque na sistemática da representação e da assistência o Código molda esses institutos a luz de uma
ótica patrimonialista, mas o Código não trata parâmetros em relação a representação e a assistência
envolvendo situações de natureza existencial, de natureza extra-patrimonial.
Pergunta do aluno.
Resposta: tem sistemática específica na Lei 9.434 sobre o tema. Por exemplo, só se admite a doação
de órgãos dos incapazes no caso de medula óssea desde que haja autorização judicial. Salvo engano é
o artigo 9º da Lei 9434/97, tem regra específica.
Art. 9o É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do
próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consangüíneos
até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4 o deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante
autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de
23.3.2001)
Nome
Nos artigos 16 a 19 tratam da questão do direito ao nome, finalmente ficou claro aqui no Código que o
nome representa um direito da personalidade.
Havia uma divergência, alguns afirmavam que o nome seria um direito de propriedade. Essa afirmativa
caiu por terra diante de algumas características inerentes a propriedade que são incompatíveis com o
direito ao nome. Por exemplo, a propriedade é alienável, a propriedade pode ser usucapida, portanto
incompatíveis os institutos.
No momento anterior também se afirmou, em relação a natureza jurídica do nome, que o nome seria
uma instituição de polícia. Essa afirmativa chegou a ser predominante em épocas de Estados
totalitários, quer dizer, o objetivo primordial do nome era a identificação do indivíduo perante o Estado.
Fazia sentido em outro contexto, em um contexto de Estados totalitários.
Quer dizer, o Código notadamente se filia aí a terceira posição que defende que o nome é direito da
personalidade.
Lembra daquela questão da mudança do sobrenome no caso de separação judicial, caso de divórcio? A
questão está no artigo 1578: o cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito
de usar o sobrenome do outro desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a
alteração não acarretar: inciso I, prejuízo a identificação, inciso II: manifesta distinção entre o seu nome
de família e os dos filhos havidos na união dissolvida e inciso III: dano grave reconhecido na decisão
judicial.
Quer dizer, em tese o 1578 permite alteração do sobrenome do cônjuge culpado ainda que contra a sua
vontade. O que hoje se discute é seguinte: em sendo o nome um direito da personalidade, em que
medida a sistemática literal do artigo 1578 se adéqua a essa nova perspectiva? Em que medida a culpa
na separação judicial seria suficiente para o aniquilamento de um direito da personalidade?
Muitos discordam da lateralidade do artigo 1578 e afirmam que em sendo o nome um direito da
personalidade não é cabível a sua alteração sem o consentimento do seu titular, independentemente do
elemento culpa. Seria na verdade uma reinterpretação a esse dispositivo a ser exercido em harmonia
com a dignidade da pessoa humana.
Nessa esteira, vamos lembrar algumas hipóteses em que se admite a alteração do prenome, porque
uma das características básicas do prenome é a imutabilidade. A regra geral é a imutabilidade, mas nós
temos exceções.
Vamos lembrar:
Artigo 55,§ único da Lei 6015/73 que é quando o prenome expõe ao ridículo.
Art. 55, § único. Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os
seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por
escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente.
Na mesma lei de registros públicos, artigo 56 que prevê que até 01 ano após o atingimento da
maioridade é possível a alteração do prenome.
Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por
procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a
alteração que será publicada pela imprensa. (Renumerado do art. 57, pela Lei nº 6.216, de 1975).
Há ainda o artigo 58, §único da mesma lei. Está dentro da política do programa de proteção a
testemunhas. Então, na política de proteção a testemunhas é possível a alteração do prenome.
Art. 58, § único. A substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou
ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz
competente, ouvido o Ministério Público. (Redação dada pela Lei nº 9.807, de 1999)
Erro de grafia, adoção: artigo 1627 do Código Civil e artigo 47, §5º do ECA. O erro de grafia não em
previsão legal.
Tem até uma previsão de alteração de prenome naquele Estatuto do Estrangeiro, estão lembrados?
Artigos 30 e 43 da Lei 6815/81.
Art. 30. O estrangeiro admitido na condição de permanente, de temporário (incisos I e de IV a VI do art.
13) ou de asilado é obrigado a registrar-se no Ministério da Justiça, dentro dos trinta dias seguintes à
entrada ou à concessão do asilo, e a identificar-se pelo sistema datiloscópico, observadas as
disposições regulamentares. (Redação dada pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)
Art. 43. O nome do estrangeiro, constante do registro (art. 30), poderá ser alterado: (Renumerado pela
Lei nº 6.964, de 09/12/81)
I - se estiver comprovadamente errado;
II - se tiver sentido pejorativo ou expuser o titular ao ridículo; ou
III - se for de pronunciação e compreensão difíceis e puder ser traduzido ou adaptado à prosódia
da língua portuguesa.
O que há de interessante e de novo é o seguinte: a doutrina sempre afirmou que essas possibilidades
da alteração de prenome são situações excepcionalíssima, merecendo sempre interpretação restritiva.
Só que modernamente, há algumas decisões judiciais permitindo a alteração do prenome por razões
meramente existenciais ainda que fora das hipóteses legais. Tem um julgado do STJ, RESP 220059,
RESP 439636 e RESP 538187.
Resp 220059 / SP
RECURSO ESPECIAL
1999/0055273-3
NOME. Alteração. Patronímico do padrasto.
O nome pode ser alterado mesmo depois de esgotado o prazo de um ano, contado da maioridade,
desde que presente razão suficiente para excepcionar a regra temporal prevista no art. 56 da Lei
6.015/73, assim reconhecido em sentença (art. 57). Caracteriza essa hipótese o fato de a pessoa ter
sido criada desde tenra idade pelo padrasto, querendo por isso se apresentar com o mesmo nome
usado pela mãe e pelo marido dela. Recurso não conhecido.
Resp 439636 / SP
RECURSO ESPECIAL
2002/0064690-4
REGISTRO CIVIL. NOME. ALTERAÇÃO PRETENDIDA MEDIANTE SUPRESSÃO DOS
PATRONÍMICOS. INVIABILIDADE.
- Após o decurso do primeiro ano da maioridade, só se admitem modificações do nome em caráter
excepcional e mediante comprovação de justo motivo, circunstâncias não configuradas no caso.
Recurso especial não conhecido.
Resp 538187 / RJ
RECURSO ESPECIAL 2003/0049906-9
Civil. Recurso especial. Retificação de registro civil. Alteração do prenome. Presença de motivos
bastantes. Possibilidade. Peculiaridades do caso concreto. - Admite-se a alteração do nome civil após o
decurso do prazo de um ano, contado da maioridade civil, somente por exceção e motivadamente, nos
termos do art. 57, caput, da Lei 6.015/73. Recurso especial conhecido e provido.
Nesse primeiro, RESP 220059, foi uma hipótese de um sujeito que foi criado pela mãe e pelo padrasto e
a mãe e o padrasto sempre utilizaram um prenome distinto daquele constante do registro.
Quer dizer, o uso prolongado e continuado de um prenome diverso daquele constante do registro teria
propiciado àquele indivíduo a expectativa da alteração do prenome mesmo após o prazo de 01 ano tão
logo atinja a maioridade por conta de razões existenciais.
A própria Maria Helena Diniz defende que o uso prolongado e continuado de prenome diverso propicia a
possibilidade de alteração do prenome ainda que fora das hipóteses legais.
Veja se não parece com surrectio envolvendo o direito ao nome? Qual a idéia básica da surrectio? É
uma atitude continuada que gera uma legítima expectativa em favor de outrem, é uma decorrência da
boa fé objetiva, é a idéia da surrectio. Vamos ver isso com calma mais adiante, mas a conexão aqui
acaba sendo inevitável. É uma conduta reiterada que acaba gerando uma legítima expectativa. A grosso
modo é isso.
Um exemplo de surrectio, exemplo típico da Claudia Lima Marques: vamos supor que um plano de
saúde venha concedendo home care, atendimento domiciliar, sem previsão contratual há 04 anos.
A Cláudia Lima Marques defende que depois de conceder home care durante 04 anos sem previsão
contratual a seguradora não tem como tirar mais porque aplicado seria o que? O fenômeno da surrectio,
aquela conduta pró-ativa modificando aquilo que havia sido originariamente acordado. Quer dizer, esse
entendimento doutrinário e adotado pela jurisprudência do STJ acabou projetando a surrectio para a
proteção dos direitos da personalidade.
Pergunta do aluno: a surrectio fora dos direitos patrimoniais é exceção ou ocorre normalmente?
Resposta: não só a surrectio, mas como supressio, a venire e a tu quoque elas não se aplicam em
detrimento de interesse público.
Então, talvez seja admissível a aplicação desses institutos para proteção dos direito da personalidade,
mas talvez não seja possível em detrimento dos direitos da personalidade. Quer dizer, não dá para se
falar em supressio, por exemplo, em relação à questão do nome, da imagem... Aquela questão da
cessão vitalícia do direito a imagem. Não vamos falar em supressio, em inércia prolongada gerando a
perda da expectativa de voltar atrás, porque nós aplicaríamos a supressio em detrimento do direito da
personalidade, não podemos aplicar o instituto em detrimento do interesse público.
Vamos ver isso com calma mais adiante.
Pergunta do aluno.
Resposta: é bastante pacífica, claro que erros bem evidentes de grafia, porque na verdade a questão do
erro de grafia estaria atrelada mera a ratificação, não seria uma alteração, uma modificação, seria uma
mera retificação e que estaria vinculada a idéia da dignidade da pessoa humana.
Pergunta do aluno.
Resposta: o Código Civil atual lá na regras atinentes ao direito de família prevê apenas a possibilidade
de inserção do nome da outra parte. O Código prevê agora a possibilidade de inserção tanto por parte
do homem quanto por parte da mulher. Enfim, a luz da Constituição esse entendimento já deveria ser
adotado muito antes desse Código atual.
Então, na verdade a previsão legislativa é no sentido de permitir a inserção e não propriamente a
supressão principalmente em se tratando de prenome. A não ser que haja eventual situação de
natureza existencial. Dentro dessa perspectiva da dignidade da pessoa humana, o rol de possibilidades
de alteração acaba sendo um rol meramente exemplificativo e não mais taxativo.
Pergunta do aluno.
Resposta: o Código antigo nem previa essa regra, previa a possibilidade de alteração. O Código agora
fala em inserção. Então, a tendência é pela impossibilidade da supressão.
Pergunta do aluno.
Resposta: talvez esse, entre aspas, reconhecimento social seja um instrumento necessário a
demonstração do uso prolongado e continuado, mas o que está em jogo não é a repercussão social da
expressão e sim o direito da personalidade. Mas em termos práticos vai ser um instrumento de prova
necessário a tal demonstração.
Só para mudarmos de assunto, tem um outro julgado interessante que vale a pena olhar: RESP 66643.
Resp 66643 / SP
RECURSO ESPECIAL 1995/0025391-7
CIVIL. REGISTRO PUBLICO. NOME CIVIL. PRENOME. RETIFICAÇÃO. POSSIBILIDADE.
MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. PERMISSÃO LEGAL. LEI 6.015/1973, ART. 57. HERMENEUTICA.
EVOLUÇÃO DA DOUTRINA E DA JURISPRUDENCIA. RECURSO PROVIDO.
I - O NOME PODE SER MODIFICADO DESDE QUE MOTIVADAMENTE JUSTIFICADO. NO CASO,
ALEM DO ABANDONO PELO PAI, O AUTOR SEMPRE FOI CONHECIDO POR OUTRO
PATRONIMICO.
II - A JURISPRUDENCIA, COMO REGISTROU BENEDITO SILVERIO RIBEIRO, AO BUSCAR A
CORRETA INTELIGENCIA DA LEI, AFINADA COM A "LOGICA DO RAZOAVEL", TEM SIDO
SENSIVEL AO ENTENDIMENTO DE QUE O QUE SE PRETENDE COM O NOME CIVIL E A REAL
INDIVIDUALIZAÇÃO DA PESSOA PERANTE A FAMILIA E A SOCIEDADE.
Foi a hipótese de um filho que foi abandonado pelo pai e conseguiu alteração do patronímico
(sobrenome) pelo abandono do pai. Quer dizer, por razões existências o STJ admitiu a supressão do
patronímico paterno em homenagem a dignidade da pessoa humana.
O artigo 19 previa ainda a proteção ao pseudônimo que é sinônimo de heterônimo.
Na verdade, o pseudônimo não se confunde com apelido. O pseudônimo, na verdade, é o nome
utilizado usualmente por artistas, escritores e jornalistas visando a sua identificação para fins
profissionais.
O pseudônimo acaba sendo um próprio sucedâneo do nome civil para fins profissionais. Por exemplo,
Lima Duarte não é seu nome é um pseudônimo, Dercy Gonçalves também é pseudônimo.
Não estamos falando de apelido por que o apelido tem que característica? Ele está atrelado
normalmente a característica do indivíduo e o apelido em regra é atribuído por terceiros. O apelido não
tem como objetivo substituir o nome civil propriamente dito, já o pseudônimo é o nome pelo qual o
sujeito se intitula para fins profissionais.
Tem um caso interessante que é o Geraldo Vandré. Ele é compositor, pseudônimo Geraldo Vandré e ele
desapareceu durante o regime ditatorial. No processo de separação judicial não houve citação no
pseudônimo Geraldo Vandré, a citação se deu em seu nome civil verdadeiro. A citação foi feita de
maneira editalícia, ele não foi localizado e o processo foi posteriormente anulado porque o julgamento
reconheceu que a citação deveria ser feita também no pseudônimo, porque através do pseudônimo
terceiro poderia identificar a localização do desaparecido.
Então, essa proteção ao pseudônimo se faz relevante até para fins que não apenas estritamente
profissionais.
Pergunta do aluno.
Resposta: numa tendência civilista aqui, o que se vem sustentando... O colega está falando da questão
do DNA... A dúvida é em que medida alguém pode ser constrangido a realização do exame de DNA?
Como a doutrina civilista vem se posicionando? Nós temos uma colisão de interesses: a questão da
intimidade do investigando e o direito a identidade pessoal do autor da demanda.
Numa ponderação qual é a tendência? Não há como se impor a realização do exame isso atingiria a
intimidade. Só que vejam, o direito a intimidade, a privacidade ele deve ser ponderado principalmente
quando o direito a intimidade repercute na esfera jurídica de terceiros.
Porque vejam, a idéia de intimidade aqui nesse caso está atrelada a idéia de liberdade, o que vimos na
nossa primeira aula? A dignidade da pessoa humana comporta alguns subprincípios: liberdade,
igualdade, integridade psicofísica e solidariedade.
O que se afirma é que dentro desse contexto nós temos uma colisão entre liberdade e solidariedade
porque o exercício demasiado da liberdade acaba atingindo a repercussão jurídica de terceiros,
colidindo aqui com o princípio constitucional da solidariedade.
Então, nessa ponderação como fator de mitigação a liberdade, o que se sustenta é exatamente essa
conclusão aí, o sujeito pode ou não fazer o exame, mas se ele não fizer haverá uma presunção
contrária a seus respectivos interesses.
Porque na verdade o direito a liberdade ele deve ser ponderado e extremamente limitado, notadamente
quando essa liberdade gera repercussão na esfera jurídica de terceiros, porque se há essa repercussão
haverá uma colisão entre liberdade e solidariedade que são subprincípios da dignidade da pessoa
humana e é justamente nessa ponderação é que a Súmula 301 vem em harmonia com essa
ponderação.
Súmula nº 301, STJ: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA
induz presunção juris tantum de paternidade.
Pergunta do aluno.
Resposta: na verdade o que nessa ponderação se entende é o seguinte: esse “poderá” na verdade
pode trazer repercussão negativa aos interesses daquele que se recusa a fazer o procedimento porque
essa recusa implica na esfera jurídica de terceiros.
Na verdade, entenda-se, implica na esfera jurídica de terceiros no que diz respeito ao direito a
identidade pessoal, ou seja, o direito da personalidade. A própria questão da proteção ao melhor
interesse da criança, do adolescente, de uma série de aspectos aplicáveis, quer dizer, gerariam essa
ponderação em favor do princípio constitucional da solidariedade em detrimento da liberdade. Seria uma
colisão dentre os subprincípios da dignidade da pessoa humana.
A tendência é a seguinte: quando a liberdade não interfere na esfera jurídica de terceiros, a tendência é
no sentido de se enfatizar a liberdade.
Quando a liberdade interfere na esfera jurídica de terceiros, principalmente interesses que envolvam
interesse público obviamente, a tendência é se dar primazia ao princípio constitucional da solidariedade.
Pergunta do aluno.
Resposta: na verdade não meramente patrimoniais porque a questão dos alimentos, da herança
representam um reflexo patrimonial do direito a identidade pessoal, a proteção primordial do
ordenamento jurídico não estaria atrelado a esse reflexo patrimonial e sim ao direito existencial e aí
claro como desdobramento a esse interesse existencial eventualmente poderíamos ter reflexos de
ordem patrimonial.
Quer dizer que, a preocupação central estaria não em relação a esses reflexos patrimoniais e sim em
relação ao direito a identidade pessoal, que é o nosso caso aqui.
Esse é um tema muito árido, é um tema em que nós não temos verdades absolutas. Vai muito até da
convicção pessoal, da convicção religiosa, ideológica. É um tema sem dúvida alguma muito controverso.
O artigo 21 trata da proteção a privacidade, qual é a idéia tradicional da privacidade? É o direito ao
recato, estar só. Só que vejam bem, diante dos avanços tecnológicos surge uma nova modalidade de
privacidade porque diante desses avanços, dentro da privacidade, surge a questão referente ao controle
sobre fluxo de informações que dizem respeito a pessoa.
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as
providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
Diante do avanço tecnológico, as informações pessoais circulam quase que livremente, inclusive no
ambiente virtual. Aí é claro que essas informações merecem proteção.
Obviamente que nenhum direito da personalidade é absoluto no sentido de ser ilimitado, mas nessa
questão da proteção das informações que dizem respeito a pessoa, é preciso diferenciar os chamados
dados sensíveis das informações de natureza patrimonial.
O próprio nome já parece sugerir, os dados sensíveis são informações de natureza existencial,
extrapatrimonial, exemplos: convicção religiosa, opção sexual, condição se soro positividade e porque
não aquela questão em relação a pré-disposição genética de contrair determinadas doenças.
Como informações de natureza patrimonial se destacam o sigilo bancário e o sigilo fiscal.
Dentro do pouco que nós já vimos, dá para perceber que a intensidade da proteção aos dados sensíveis
não podem ser a mesma da intensidade protetiva em relação aos dados patrimoniais. Quer dizer, a
proteção aos dados sensíveis há de ser mais incisiva em homenagem a dignidade da pessoa humana.
Isso vem em harmonia com aquela idéia de despatrimonialização do direito civil. Não é a toa que se
admite a quebra de sigilo bancário e fiscal desde que haja clara autorização judicial, algumas premissas,
mas a proteção aos dados sensíveis ela é mais rigorosa.
Imagine essa questão das informações concernentes a pré-disposição genética caindo em mãos do
empregador ou da seguradora. Olha que questão atual: em que medida entra na boa fé do contrato de
seguro o dever de informar a pré-disposição genética de contrair futuras doenças?
Numa perspectiva tradicional está dentro da boa fé, numa perspectiva atual é extremamente discutível
porque estamos falando de intimidade, privacidade, é uma mera pré-disposição.
Tem um julgado recente sobre privacidade interessante no sentido de que o empregador pode fiscalizar
o email corporativo do empregado.
Julgado polêmico, sem dúvida alguma, TST RR (recurso de revista) 613/2000-013-10-00.
Domicílio
Vamos tratar agora de aspectos relevantes envolvendo domicílio, artigo 70 a 78. Talvez seja bastante
feliz a definição de alguns autores que definem o domicílio como sendo a sede jurídica da pessoa. Em
outras palavras, o domicílio é o local onde a pessoa presumidamente se encontra para fins de relações
jurídicas.
Vamos nos lembrar que o domicílio pode ser voluntário ou necessário. Domicílio necessário sinônimo de
domicílio legal.
Indo direto o ponto, a definição de domicílio voluntário, no direito brasileiro, pressupõe dois elementos: a
residência que é o elemento objetivo e o animus manendi, elemento subjetivo.
O animus manendi, elemento subjetivo significa a intenção de permanecer. Essa definição está no artigo
70 que diz o domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo
definitivo.
Diante dessa definição, toda a doutrina, isso é clássico em todos os manuais, traz aquela diferença
entre morada, residência e domicílio.
A morada é onde a pessoa se encontra em caráter precário, ou seja, eventualmente, esporadicamente.
Exemplo típico de morada é a locação para temporada.
Já a residência pressupõe estabilidade, permanência. Domicílio é a residência mais a intenção
permanecer. Em termos práticos, residência e domicílio quase sempre caminham lado a lado.
Exemplo típico em que há residência sem domicílio é a hipótese do sujeito que é transferido para o
exterior, ele vai fazer uma pós graduação por 01 ano no exterior, ele terá lá sua residência, mas não
terá lá o seu domicílio.
Tem um exemplo previsto no artigo 469 da CLT.
Art. 469 - Ao empregador é vedado transferir o empregado, sem a sua anuência, para localidade diversa
da que resultar do contrato, não se considerando transferência a que não acarretar necessariamente a
mudança do seu domicílio.
É curioso porque a doutrina civilista não traz exemplos previstos em lei. Mas o artigo 469 da CLT prevê
que a transferência do empregado para outra localidade ela é sempre temporária. Então na verdade, o
empregado transferido para outra localidade por um prazo de 02 anos, por exemplo, terá lá a sua
residência, mas não terá lá o seu domicílio voluntário.
O artigo 71 prevê a possibilidade de pluralidade domiciliar: se, porém a pessoa natural tiver diversas
residências onde alternadamente viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.
Imagine um médico, profissional líber que passe 06 meses na Serra e 06 meses na praia. O Código
brasileiro admite a possibilidade de pluralidade domiciliar.
Tem uma regra correspondente a essa no artigo 94, §1º do CPC: se o réu tiver mais de um domicílio ele
pode ser citado em qualquer deles.
O artigo 72, que é novidade, passa a contemplar o chamado domicílio profissional. Aí, como o próprio
nome evidencia, domicílio profissional é para que relações? De natureza profissional, concernentes a
profissão.
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá
domicílio para as relações que lhe corresponderem.
Percebam que o domicílio profissional, que diz respeito às relações profissionais, não exclui o domicílio
voluntário. Nada impede que o indivíduo tenha o seu domicílio voluntário em Niterói e tenha como
domicílio profissional o Rio de Janeiro, quer dizer, nós teremos aí a possibilidade de pluralidade
domiciliar.
Cuidado com a pegadinha, principalmente em prova objetiva, não é plenamente possível que tenhamos
pluralidade de domicílio profissional? O sujeito pode exercer determinada profissão em locais diferentes.
O artigo 72, §único prevê a pluralidade de domicílio profissional.
Muito cuidado com o seguinte: o critério da pluralidade do domicílio profissional do artigo 72, §único é
totalmente diferente do critério do artigo 71. Porque o artigo 71 quando prevê a pluralidade dos
domicílios em geral vai dizer que vai ser domicílio qualquer deles, tanto faz.
O parágrafo único do artigo 72 não, diz lá: se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos cada um
deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.
Cuidado para o examinador não jogar no parágrafo único do artigo 72 o que consta no artigo 71, porque
se fizer isso está errado não vai ser considerado domicílio profissional qualquer deles, mas apenas
aquele domicílio específico para cada relação profissional.
Exemplo: para as relações profissionais de Petrópolis domicílio será Petrópolis, para as relações
profissionais do Rio o domicílio profissional é Rio de Janeiro.
Pergunta do aluno.
Resposta: a questão acaba sendo mais processual. A tendência hoje do processo civil é cada vez mais
no sentido da instrumentalidade e muitos inclusive já estão discutindo se na verdade é inaplicável a
instrumentalidade no próprio ato citatório. Então, me parece que talvez pela tendência de
instrumentalidade não houvesse vício de citação desde que haja demonstração inequívoca da ciência.
Mas é melhor perguntar ao professor de processo civil, pois essa questão de vício citatório eu fico com
receio de abordar.
O artigo 73 prevê a possibilidade de ausência de domicílio. Diz o artigo 73: ter-se-á o domicílio da
pessoa natural que não tenha residência habitual o lugar onde for encontrada.
O que a doutrina afirma é o seguinte: o local onde a pessoa é encontrada não é o domicílio, esse local
vale como se fosse domicílio. Tecnicamente é um equívoco se afirmar que o local onde a pessoa é
encontrada é o seu domicílio, na verdade aquele local vale como se fosse domicílio.
O Orlando Gomes usa a expressão domicílio aparente no caso do artigo 73 e o Carlos Roberto
Gonçalves usa expressão domicílio ocasional.
A expressão domicílio aparente parece interessante porque a idéia de domicílio aparente parece estar
atrelada a própria teoria da aparência. Quer dizer, o local onde a pessoa é encontrada se equipara ao
seu domicílio a luz da teoria da aparência.
O artigo 75 prevê o domicílio das pessoas jurídicas. Os incisos de I a III não trazem grandes questões.
Prevê lá o domicílio das pessoas jurídicas de direito público, dos entes federativos.
Agora, o inciso IV diz lá: quanto as pessoas jurídicas os domicílios é: inciso IV: das demais pessoas
jurídicas o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações ou onde elegerem
domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.
Para resumir, o inciso IV está dizendo que o domicílio das demais pessoas jurídicas que não os entes
federativos é a sua sede
Só que vejam, nós temos pessoas jurídicas com diversos estabelecimentos espalhados pelo Brasil a
fora, obviamente que a solução do inciso IV seria insuficiente porque poderíamos ter uma pessoa
jurídica com a sede em Manaus e estabelecimentos espalhados pelo Brasil a fora.
O legislador anteviu esse problema no parágrafo 1º que diz lá: tendo a pessoa jurídica diversos
estabelecimentos em lugares diferentes cada um deles será considerado domicílio para os atos nele
praticados.
Regra especial, nesse caso não será a sede e sim o local onde o ato é praticado. Qual é o objetivo
dessa regra?
Pergunta do aluno.
Resposta: não há previsão explícita. Talvez a lacuna legislativa possa ser minimizada por conta do
CDC, porque o CDC prevê que o consumidor pode demandar em seu próprio domicílio, está lá no artigo
101. Na verdade, a lacuna legislativa nesse caso acaba sendo suprida pela disposição consumerista.
Aliás, vou aproveitar e fazer uma conexão aqui, qual o objetivo desse parágrafo 1º? É proteger aquele
que negocia com a pessoa jurídica. Fazendo uma conexão essa proteção acaba se tornando inócua,
desnecessária, em relação de consumo porque o consumidor pode demandar do seu próprio domicílio.
Mas para as relações que não consumerista, o dispositivo ganha uma relevância significativa e aí vejam,
o objetivo da regra portanto é protetiva, não é isso?
Sim, o Zeno Veloso tem uma obra específica sobre domicílio e acompanha a posição do Zeno Veloso, o
Tepedino e o Zeno Veloso diz que se o objetivo da regra é proteger aquele que negocia com a pessoa
jurídica nada impede que o destinatário desta proteção venha a renunciá-la. Ou seja, cabe a renúncia
da proteção prevista no parágrafo 1º do artigo 75. Quer dizer, nada impede que aquele que negocia com
a pessoa jurídica fora de uma relação de consumo venha a renunciar ao §1º e venha se valer do inciso
IV, nada impede.
Imaginem um estabelecimento em Niterói e a sede no Rio, pode interessar ao sujeito a renúncia ao
disposto no parágrafo 1º e a invocação do inciso IV. Pode haver interesse em relação a localização dos
bens do devedor...
O que o Zeno Veloso afirma é que cabe a renuncia do parágrafo 1º e a invocação do inciso IV. O que
não pode é o sujeito renunciar ao parágrafo 1º e querer demandar em outro estabelecimento. Quer
dizer, se ele renuncia ao parágrafo 1º, ele tem que demandar na sede.
Só para fechar domicílio, vamos dar uma olhada numa questão específica do chamado domicílio
contratual sinônimo de domicílio especial que é sinônimo de foro de eleição que está lá no artigo 78.
Diz o artigo 78: nos contratos inscritos poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem
e cumpram direitos e obrigações deles resultantes.
Há muito tempo a jurisprudência já vinha repudiando domicílios contratuais que venham a dificultar ou
inviabilizar o acesso ao Poder Judiciário. Prática muito comum em contratos de adesão.
A dúvida era a seguinte: se o juiz demandado no foro de eleição poderia reconhecer de ofício a sua
incompetência? Quer dizer, o foro de eleição é Manaus e o domicílio da outra parte é Rio de Janeiro. Se
valendo do foro de eleição o contratante demanda em Manaus. A dúvida era se o juiz de Manaus
poderia reconhecer da sua incompetência de ofício.
Até a pouco tempo atrás o entendimento predominante era pelo descabimento do reconhecimento de
ofício porque a hipótese, a questão envolveria incompetência territorial e, portanto incompetência
relativa.
Contra essa posição o Ministro Rui Rosado já dizia o seguinte: o que está em jogo, em circunstancia
como essa são os princípios da boa fé objetiva e o artigo 5º, XXXV da Constituição.
Então, Rui Rosado já dizia matéria é de ordem pública. A questão foi dirimida pelo artigo 112,§ único do
CPC que por alteração trazida em 2006 explicitamente agora prevê a possibilidade de reconhecimento
de ofício nesses casos.
Numa prova de civil além de fazer menção ao artigo 112, § único do CPC é extremamente oportuno
mencionar o artigo 424 que diz: nos contratos de adesão são nulas as cláusulas que estipulem a
renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
Não é da natureza do negócio que seja invocado, em tese, o domicílio voluntário e o artigo 424 está
dizendo o que? Que a renúncia antecipada é nula, nulidade absoluta, reconhecimento de ofício.
Fim da aula.
6. Sistemática dos Bens
O Código Civil começa tratando da sistemática dos bens imóveis nos artigos 79 a 81.
Dentro de uma definição clássica, a doutrina costuma ressaltar que os bens imóveis são aqueles
insuscetíveis de deslocamento sem prejuízo de sua substancia.
Vamos nos lembrar das categorias de bens imóveis no direito brasileiro, lembrando-se inclusive que
houve uma ligeira alteração em relação ao Código de 16.
São categorias de bens imóveis no direito brasileiro: os imóveis por natureza, basicamente o solo.
Temos ainda os imóveis por acessão natural, como o próprio nome já parece sugerir são aqueles que
acedem naturalmente ao solo. Exemplo típico da doutrina de imóveis por acessão natural: as plantas
rasteiras.
O Venosa chega a ressaltar o seguinte: se um arbusto acede naturalmente ao solo, ele é um imóvel por
acessão natural. Se por ventura aquele arbusto estiver dentro de um vaso removível ele vai ser bem
móvel, quer dizer, é preciso que se identifique efetivamente a acessão sobre o solo.
Outra modalidade: os imóveis por acessão artificial ou física. Basicamente as construções, quer dizer,
tudo aquilo que acede artificialmente ao solo através da atuação humana.
E temos, por último, os imóveis por determinação legal, previstos no artigo 80.
O que mudou? No Código de 16 havia mais uma categoria que eram chamados imóveis por acessão
intelectual. No artigo 43, III do Código de 16, havia os chamados imóveis por acessão intelectual.
Basicamente, esses imóveis por acessão intelectual eram tudo aquilo que não era parte integrante do
imóvel, mas se destinava ao uso, ao serviço ou aformoseamento do imóvel. Quer dizer, o aparelho de ar
condicionado, na época do Código 16, seria um imóvel por acessão intelectual seria um imóvel. Não é
parte integrante, mas se destina ao uso do mesmo. As carteiras seriam também imóveis por acessão
intelectual.
Essa categoria foi suprimida no Código atual, não mais subsiste a categoria bens e imóveis por
ascensão intelectual. Nesse sentido, além de toda a doutrina: Carlos Alberto Gonçalves, Christiano
Chaves, Tepedino, o Enunciado 11 do Conselho da Justiça Federal.
Enunciado nº 11, CJF: Art. 79: Não persiste no novo sistema legislativo a categoria dos bens imóveis
por acessão intelectual, não obstante a expressão “tudo quanto se lhe incorporar natural ou
artificialmente”, constante da parte final do art. 79 do Código Civil.
Sem dúvida, pela leitura dos dispositivos, artigo 79: são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe
incorporar natural ou artificialmente. Quer dizer, o artigo 79 prevê o imóvel por natureza, por acessão
natural e por acessão artificial. E o artigo 80 prevê aí a categoria dos imóveis por determinação legal,
elenca as hipóteses de imóvel por determinação legal.
Nós veremos que a questão dos imóveis por acessão intelectual hoje acaba se conectando a um novo
instituto jurídico que são as pertenças. O fato é que não subsiste mais a categoria dos bens imóveis por
acessão intelectual no direito brasileiro.
Vale a pena registrar que no artigo 80 nós temos aí a categoria dos imóveis por determinação legal, não
é isso? No inciso II há lá previsão em relação o direito a sucessão aberta.
Qual o efeito prático disso aí? De se entender que o direito a sucessão aberta é um imóvel de
determinação lega. Um efeito prático que não constava explicitamente do Código anterior e agora
consta, mas já era consenso doutrinário jurisprudencial, é o seguinte: cessão de herança, se a parte
cedida supera 30 salários mínimos, em se entendendo que o direito a sucessão aberta é imóvel por
determinação legal, nós temos o requisito formal, ou seja, o artigo 108 do Código Civil vai impor
instrumento público.
Um instrumento prático seria a forma, por exemplo, para cessão de herança, ela tem que
necessariamente se dar por instrumento público. Está no artigo 108 do Código Civil e agora está
explicitamente no artigo 1793.
Outro efeito prático: a doutrina do direito sucessório ressalta que a renúncia a herança, em regra,
pressupõe a outorga do cônjuge tal qual se dá em relação aos imóveis, ressalvado o regime de
separação absoluta, mas em regra a renúncia a herança pressupõe a outorga do cônjuge.
O efeito prático de se entender que o direito a sucessão aberta é imóvel por determinação legal, se dá o
que? Coma aplicação do regime jurídico próprio dos bens imóveis em relação aos direitos a sucessão
aberta. O que se excepciona aqui apenas é a exigência de registro, não se exige o registro para a
efetiva transferência do direito sucessório.
Vamos tomar cuidado com o artigo 81, pegadinha constante em provas objetivas. O artigo 81 traz na
verdade hipóteses de imóveis por ficção jurídica.
Na verdade, no artigo 81 o legislador adota critério finalístico, critério da destinação. Adota o critério
finalístico porque se nós analisássemos as hipóteses do artigo 81 no plano meramente fático, nós talvez
afirmaríamos que tais bens fossem móveis, quando na verdade o Código tipifica como imóvel.
Artigo 81, I: não perdem o caráter de imóvel as edificações que separadas do solo, mas conservando a
sua unidade forem removidas para outro local.
É claro que só tem relevância o inciso I dentro do lapso temporal em que esse imóvel por acessão
artificial é destacado do solo e se destina a ser colocado em outra localidade. Exemplo disso: pavilhões
de circo, parque de diversão, casa pré-fabricadas ela se situa naquela localidade e ela se destina a ser
retirada daquele local e ser transposta para outro. Quer dizer, mesmo nesse lapso temporal em que tais
imóveis por acessão artificial se encontram destacados do solo, subsiste a categoria como imóvel por
quê? Por conta do critério finalismo, da destinação, como tais bens se destinam a ser novamente
imobilizados, os bens continuam a ser tratados como imóveis.
O inciso II diz: os materiais provisoriamente separados de um prédio para nele se reempregarem. Quer
dizer, se há uma reforma num determinado imóvel e por conta da reforma o indivíduo retira as
esquadrias de alumínio temporariamente para posteriormente serem recolocadas, as portas que são
eventualmente destacadas para serem novamente reempregadas, quer dizer, mais uma vez o critério
finalístico estabelece a sistemática dos bens imóveis.
Fica inclusive muito clara a questão do critério finalístico, se nós compararmos o artigo 81, II com o
artigo 84 (fazer remissão). O artigo 84 tratando dos bens móveis diz: os materiais destinados a alguma
construção enquanto não forem empregados conservam a sua qualidade de móveis, readquirem essa
qualidade os provenientes da demolição de algum prédio.
Na verdade o que qualifica o bem imóvel do artigo 81, II é justamente o que? A finalidade, o escopo de
ser reempregado no imóvel. Se há destruição do imóvel e não há o objetivo de reemprego de tais bens
no mesmo imóvel esse bens passam a ser móveis.
Observação em relação ao artigo 81, I, aquela questão das edificações que são separadas do solo para
serem transportadas para outra localidade. Muito cuidado que nessa hipótese não se encaixa a figura
do trailer, entendimento já consolidado, porque o trailer jamais foi imobilizado, o trailer é bem móvel,
portanto não entra dentro da hipótese do inciso I.
Os bens móveis estão nos artigos 82 a 84.
Pergunta do aluno.
Resposta: pela literalidade sim. O código diz “para nele se reempregarem”. a doutrina quando comenta
o dispositivo vem em harmonia com a literalidade do Código.
Parece-me (posição particular) que é plenamente sustentável superar a literalidade do dispositivo e
ressaltar que se aquele material se destina a ser empregado em outro imóvel, justificar-se-ia a ficção
jurídica aqui estabelecida.
Na verdade, a ratio legis aqui qual é? É o critério finalístico, da destinação, numa prova objetiva, por
exemplo, é plenamente sustentável que a luz do critério finalístico se sustente que se ele busca ser
empregado em outro imóvel, a solução seja a mesma.
A gente vai ver que o Código Civil, até nessa sistemática dos bens, ela vem muito inspirada pelo critério
da destinação, pelo critério finalístico e enfim me parece sustentável que a solução viesse nesse
sentido.
Pergunta do aluno.
Resposta: bem móvel, a porta exposta a venda é bem móvel porque ela não está ainda imobilizada.
Os bens móveis: artigo 82 a 84. Tradicionalmente esses bens são definidos como? São os bens
suscetíveis de deslocamento sem prejuízo de sua substância e o Código agora acrescenta na parte final
do artigo 82 o seguinte: “ou da destinação econômico social”. Novidade aí na parte final do artigo 82,
novidade inspirado no critério finalístico.
Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem
alteração da substância ou da destinação econômico-social.
Os bens móveis podem ser por natureza ou por determinação legal e os bens móveis por natureza
podem ser inanimados ou semoventes, qual a diferença? Os inanimados eles não são suscetíveis de
movimento próprios, quer dizer, só são suscetíveis de movimento por força alheia. Exemplo: mesa,
cadeira, etc... Os semoventes seriam os animais que são susceptíveis de movimento próprio.
O que há de relativamente novo na doutrina é o seguinte: além dos imóveis por natureza e por
determinação legal, vem ganhando cada vez mais espaço a figura do chamado bens móveis por
antecipação.
Quais seriam esses bens? Seriam bens ainda incorporados ao solo, mas que se destinam a serem
destacados e convertidos em bens móveis, exemplo, os frutos pendentes, as árvores destinadas ao
corte.
Quer dizer, no plano fático tais bens ainda seriam imóveis por acessão, mas se eles estão destinados a
um destacamento futuro, se entende que na medida em que há essa finalidade de destacamento, esses
bens desde logo podem vir a ser qualificados como móveis por antecipação.
O efeito prático qual é? O regime jurídico aplicável, quer dizer, ninguém aqui vai exigir instrumento
público para alienação de frutos pendentes porque são bens móveis por antecipação.
Essa questão já foi, inclusive, tratada no STJ no RESP 23195.
Resp 23195 / PR
RECURSO ESPECIAL 1992/0013657-5
ARVORES - VENDA PARA CORTE - MOBILIZAÇÃO ANTECIPADA. EFETUADA A VENDA DE
ARVORES, SEPARADAMENTE DO SOLO, CONSIDERA-SE ANTECIPADAMENTE COMO MOVEIS,
DESDE A DATA EM QUE CONCLUIDO O CONTRATO.
A matéria não chega a ser explicitamente tratada no Código atual, mas vários autores ressaltam que a
sistemática dos bens móveis por antecipação estaria inspirado no artigo 95 do Código Civil que diz:
apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objetos de negócio
jurídico. Quer dizer podem ser objeto de negócio jurídico autônomo justamente por serem bens móveis
por antecipação.
Isso pode gerar algum tipo de problema até de cunho prático porque se alguém celebra um contrato de
compra e venda por instrumento público de uma determinada área e essa área tem uma mata, se
aquela mata inclusive consta no registro, há uma legítima expectativa do comprador do terreno em obter
o terreno com toda a vegetação.
Só que paralelamente a isso nós podemos ter outro contrato de compra e venda sobre aquelas árvores
que se destinem ao corte que seriam bens móveis por antecipação e, sendo assim, não precisa de
instrumento público, não precisa registrar, enfim a sistemática própria dos bens móveis.
Sem dúvida essa sistemática pode trazer algum tipo de insegurança jurídica. Quem até enfrenta essa
questão é o Eduardo Ribeiro que escreve aqueles comentários ao Código Civil da Forense. Ele
entende que esse contrato de compra e venda sobre o bem móvel por antecipação, feito por
instrumento particular, desvinculado de registro ele só vai ser oponível a eventuais adquirentes do
imóvel que tiverem ciência da relação contratual anterior.
Justamente por quê? Em sendo um contrato sobre bem móvel esse contrato é desprovido de qualquer
sistema registral, é desprovido de qualquer mecanismo de publicidade.
Ele inclusive chega a ressaltar que não bastaria conferir publicidade aqui com caráter erga omnes a
averbação desse contrato junto ao registro de títulos e documentos, seria insuficiente, porque
presumidamente as questões referentes ao imóvel não se encontram no registro de títulos e
documentos, mas apenas no registro de imóveis.
Então, Eduardo Ribeiro defende que esse contrato de bem móvel por antecipação só seria oponível a
eventuais adquirentes do imóvel que tiverem ciência da relação contratual anterior.
Na verdade, essa solução viria em harmonia com o princípio da confiança que busca a proteção da
legitima expectativa.
A doutrina aqui ela é uniforme no sentido de trazer uma crítica ao nosso Código, essa crítica já existia
ao anterior e subsiste no atual, que é a seguinte: todo regime jurídico envolvendo bens imóveis é
extremamente peculiar em comparação com os bens móveis, quer dizer, há um tratamento privilegiado
do Código Civil em relação a bens imóveis.
Na verdade, a crítica consiste no fato em que esse tratamento privilegiado a esses bens imóveis seria
um resquício do sistema feudal. Porque a época do feudalismo os bens imóveis eram instrumento de
riqueza por excelência e seria justificável um tratamento peculiar aos bens imóveis.
No contexto atual, nós temos bens móveis de valor muito mais expressivo do que imóveis, aliás as
grandes riquezas do mundo estão em bens móveis e não mais em bens imóveis. Então seria
injustificado esse tratamento diferenciado.
Exemplos de tratamento diferenciado:
Primeiro: Como se transmite em regra propriedade imóvel? Registro via de regra. Bens móveis tradição,
quer dizer, sem qualquer formalidade a simples entrega transfere a propriedade móvel via de regra.
Segundo: a necessidade de outorga do cônjuge para a alienação de imóveis artigo 1647, I.
Terceiro: os prazos para usucapião para bens imóveis são muito mais elevados do que em relação a
bens móveis.
Quarto: dentro da usucapião, vocês lembram da usucapião especial rural e urbana? A usucapião
especial rural está no artigo 1239 e a usucapião especial urbana no artigo 1240.
É curioso porque essas duas modalidades de usucapião estão previstas constitucionalmente e o que
justifica a previsão constitucional é que nessas duas modalidades a usucapião busca mitigar as
desigualdades sociais.
Um dos requisitos exigidos tanto para uma quanto para outra modalidade é que o usucapiente não seja
proprietário de nenhum outro imóvel. Se ele tiver um milhão aplicado ele pode usucapir, mas se ele tiver
um imóvel que valha 30 mil reais ele não pode usucapir. Sem dúvida alguma um privilégio demasiado
em relação às riquezas imobiliárias.
Quinto: direito real de aquisição, artigo 1417, se restringe a bens imóveis.
Sexto: alienação de bens imóveis dos filhos. Artigo 1691, quer dizer, uma série de requisitos específicos
no direito de família.
Então, persiste a crítica doutrinária cada vez mais incisiva no que tange a essa diversidade de
tratamento, ela seria injustificável diante da relevância que os bens imóveis têm no contexto
contemporâneo.
Pergunta do aluno.
Resposta: claro que a doutrina critica, mas reconhece a diversidade de tratamento. O que muitos
sustentam é que na verdade talvez fosse interessante maior rigor no que tange a formalidade para
transferência dos bens móveis para que se resguarde um mínimo de segurança jurídica de bens móveis
que tenham na verdade um valor tão específico ou até mais do que imóvel.
Obras ou despesas que se fazem num bem móvel ou imóvel para conservá-lo, melhorá-lo ou embelezá-
lo. A definição que paira nos manuais pressupõe que essa obra ou despesa seja realizada num bem
alheio.
De maneira bastante perspicaz, me parece, o Eduardo Ribeiro ressalta que na verdade é possível que
haja relevância em eventual benfeitoria realizada no próprio bem. Quer dizer, não só no bem alheio,
mas é possível que haja repercussão prática de eventual benfeitoria realizada no próprio bem,
notadamente no artigo 453, que trata dos efeitos de eventuais benfeitorias realizadas pelo evicto, quer
dizer, o evicto que supõe ser o proprietário, realiza benfeitorias e o artigo 453 trata de eventual
indenização em favor do evicto.
E ainda no artigo 505 que prevê aí a questão das benfeitorias realizadas em caso de pacto de
retrovenda onde o sujeito vende o bem para outrem e se reserva o direito potestativo de reaver o bem
dentro de um determinado prazo. Aquele que recebe o bem temporariamente tem propriedade resolúvel
e aí o dispositivo regulamenta os efeitos de eventuais benfeitorias realizadas pelo proprietário resolúvel.
Quer dizer, nós temos repercussão jurídica de eventual benfeitoria realizada pelo próprio proprietário
resolúvel.
As benfeitorias, artigo 96, elas podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias. As necessárias estão no
§3º, as úteis no § 2º e as voluptuárias no §1º.
As benfeitorias necessárias buscam basicamente conservação. Tradicionalmente essa conservação a
que se refere o artigo 96, §3º pode ser conservação física ou jurídica.
A conservação física é a mais lembrada de todas, busca evitar a ruína, a destruição. Então, se alguém
troca toda a parte elétrica de um imóvel que está na iminência de pane, nós temos uma benfeitoria
necessária.
A conservação jurídica seriam na verdade benfeitorias realizadas com o objetivo de impedir a perda do
bem pela via judicial.
O que na Defensoria se sustenta? Que o pagamento de IPTU seria benfeitoria necessária, liberação de
uma hipoteca seria benfeitoria necessária. Percebam que pela definição que vimos agora a benfeitoria
representa obras ou despesas... Não apenas obras, mas também despesas. O que há de novo aqui é o
seguinte e isso é muito importante: nós temos alguns autores que vem sustentando que a conservação
a que se refere a benfeitoria necessária, pode ser estática ou dinâmica.
Essas duas modalidades que vimos agora a pouco, física ou jurídica, seriam exemplos de conservação
estática, então a perspectiva tradicional entraria na definição de conservação estática.
A novidade está então na conservação dinâmica. A conservação dinâmica representaria melhoramentos
que tem por objetivo permitir a normal exploração econômica do bem.
Exemplo bem claro disso: piscina numa residência para mero deleite sem dúvida é benfeitoria
voluptuária. A piscina numa escola talvez entre como benfeitoria útil. Agora, piscina numa escola de
natação seria benfeitoria necessária, pois busca viabilizar a normal exploração econômica do bem.
Aquisição de máquinas necessárias ao funcionamento de uma empresa também entraria dentro da
perspectiva da conservação dinâmica.
Vejam, o efeito prático disso qual é? Todos sabem que a benfeitoria necessária ela tem uma tutela
privilegiada e essa tutela privilegiada, no caso de conservação dinâmica, decorreria da função social da
propriedade e da função social da empresa.
Por que quando alguém realiza uma despesa, um melhoramento que busca viabilizar a destinação
econômica do bem, na verdade essa melhoria e essa despesa vem buscar o que? A função social da
propriedade e da empresa, matéria de ordem pública no contexto atual. E esse contexto privilegiaria
uma tutela específica, uma tutela privilegiada em favor da hipótese de conservação dinâmica integrando
a definição de benfeitoria necessária. Quem defende isso é o Carlos Roberto Gonçalves e o Arnaldo
Rizzardo.
Bom, as benfeitorias úteis estão lá no §2º: aumentam ou facilitam o uso do bem. Então, o sujeito tem
uma casa com três quartos e uma suíte e decide fazer uma obra e coloca mais um banheiro, nós
teríamos uma benfeitoria útil.
E as voluptuárias §1º: puro deleite, recreação.
Efeitos Práticos dessa classificação no Código Civil: artigos 1219 e 1220; artigo 453, artigo 505; artigo
1660, IV; artigo 1922 §único; artigo 2004 §2º; artigo 878 e artigo 504, §único e tem ainda o artigo 35 da
lei 8245/91 – lei de locações.
É importante aqui não confundir benfeitoria com acessão. Sugiro, então, a remissão artigo para esses
artigos que acabei de ditar para fechar os efeitos práticos.
Então, não confundir as benfeitorias com as acessões. Diferenças básicas:
As acessões, que estão no artigo 1248, representam um meio de aquisição da propriedade imóvel, as
benfeitorias não representam um meio de aquisição da propriedade imóvel.
As acessões podem decorrer da intervenção humana ou da natureza. Isso fica claro porque o artigo
1248 traz cinco incisos tratando das acessões. Nos incisos de I a IV nós temos as chamadas acessões
naturais: formação de ilhas, aluvião, avulsão e o álveo abandonado são acessões naturais, que
decorrem da natureza e no inciso V as chamadas acessões artificiais que são a plantações ou
construções que decorrem da atuação humana.
Já as benfeitorias decorrem necessariamente da intervenção humana, artigo 97. Diz o artigo 97: não se
considera benfeitorias os melhoramentos ou acréscimo sobrevindos ao bem sem a intervenção do
proprietário, possuidor ou detentor.
O que talvez fique mais difícil em termos práticos? Talvez fique mais delicado em termos práticos
diferenciar uma benfeitoria de uma construção, porque tanto na benfeitoria quanto no inciso V do artigo
1248 a melhoria decorre da intervenção humana, nas outras hipóteses é muito fácil diferenciar, mas no
inciso V a questão se torna delicada.
Qual seria aí uma diferença básica entre as benfeitorias e as construções? As benfeitorias representam
melhoramento sobre algo pré-existente, ao passo que as construções representam a edificação de algo
novo.
Na construção há uma maior substância, um exemplo clássico: se tenho uma casa de 4 quartos e
coloco mais um banheiro é benfeitoria, se tenho um solo cru e construo uma residência a hipótese é de
construção.
Cuidado porque tem uma posição aqui minoritária defendida pelo Pablo Stolze. Ele, de forma
minoritária, sustenta que há construção quando há aumento de volume. Então, pela posição do Pablo
Stolze se tenho uma casa de 3 quartos, 2 suítes, eu faço um puxadinho para botar mais uma suíte é
construção porque houve aumento de volume. Para a maioria da doutrina, não, isso é exemplo típico de
benfeitoria útil.
O que vou dizer agora será muito importante mais para a frente, seguinte: a lógica da indenização por
benfeitoria, ela decorre do que? Toda a sistemática da indenização por benfeitorias, ela decorre da
vedação ao enriquecimento sem causa que inspira a necessidade de indenização por benfeitorias.
Vedação de enriquecimento sem causa era um mero princípio geral de direito sem previsão legislativa e
agora está no Código Civil nos artigos 884 a 886, que tratam especificamente do vedação ao
enriquecimento sem causa.
Olha só, por que a benfeitoria necessariamente decorre da intervenção humana? Por conta da vedação
do enriquecimento sem causa, quer dizer, se o melhoramento ou acréscimo decorreu a conduta do
possuidor é preciso que o possuidor seja, em tese, indenizado.
Veja, se o melhoramento ou acréscimo não decorre da conduta do possuidor e sim da natureza não
haveria justificativa para a indenização das melhorias com vedação ao enriquecimento sem causa.
Sabendo-se disso, o que dá para inferir aqui? Que há uma tendência muito significativa, tanto da
doutrina quanto da jurisprudência, em equiparar, em estender, em aplicar analogicamente a sistemática
da indenização por benfeitoria para os casos de construção.
Porque o Código em algumas situações ele só se refere a indenização por benfeitorias não fazendo
menção para os casos de construção e a lógica vem no sentido de se estender analogicamente por
conta a vedação ao enriquecimento sem causa.
Tem uma hipótese inclusive que é ultra sensível, isso cai de vez em quando, que é a seguinte:
possuidor de boa fé, ele tem direito a ser indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis, com direito
de retenção. Artigo 1219.
A dúvida é a seguinte: e se o possuidor de boa fé ao invés de fazer uma benfeitoria necessária, ele faz
uma construção? O artigo 1255, caput trata do tema, mas o artigo 1255, caput prevê o direito a
indenização sem contemplar direito de retenção.
A questão é delicada porque direito de retenção não se presume e por quê? Porque é resquício de
autotutela.
Então, numa perspectiva clássica o que afirmaríamos? Possuidor de boa fé que fizer benfeitoria
necessária tem direito de retenção, mas aquele que fizer construção não tem porque o legislador não
prevê.
O que o STJ vem excepcionalmente defendendo e de maneira reiterada? De maneira excepcionalíssima
se aplica por analogia ao artigo 1255 o direito de retenção previsto no artigo 1219. Tem enunciado do
Conselho nesse sentido que é o Enunciado 81, posição consolidada já do STJ.
Enunciado nº 81, CJF: Art. 1.219: O direito de retenção previsto no art. 1.219 do Código Civil, decorrente
da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (construções e
plantações) nas mesmas circunstâncias.
Haveria um contra-senso manifesto, o sujeito faz um banheiro ele tem direito de retenção, se ele
constrói uma casa, na literalidade do Código, ele não o teria.
Isso que eu disse agora, de estender para a construção a sistemática da indenização por benfeitorias,
vale para outros artigos 453, 1660 IV e ainda o artigo 204, §2º.
Outro problema: e se esses melhoramentos ou acréscimos decorrem da conduta de terceiro? Qual é a
posição amplamente dominante? É a posição literal do Código.
Se esses melhoramentos forem produzidos por terceiros que não o possuidor, eles não seriam
benfeitorias por que o artigo 97 exige o que? Que a benfeitoria seja realizada pelo próprio possuidor e
em não se qualificando como benfeitoria esses melhoramentos estariam fora do regime de indenização.
Essa é a posição majoritária e é a posição literal do Código.
Há quem critique essa posição porque esses melhoramentos podem ter sido realizados por terceiros
com o objetivo de beneficiar aquele possuidor. Quer dizer, pode ter havido um ato de liberalidade de
terceiro com intuito de beneficiar aquele possuidor.
Alguém vai se beneficiar disso: ou será o próprio possuidor ou será um eventual adquirente e a
presunção é de que se o melhoramento foi realizado por terceiro, na verdade o objetivo foi beneficiar a
quem? Aquele determinado possuidor e, por conta disso, há quem defende que esses melhoramentos
praticados por terceiros, apesar de não se enquadrarem na definição do artigo 97, também seriam
suscetíveis de indenização.
Quem defende essa posição: Agostinho Alvim, Renan Lotufo e Eduardo Ribeiro.
Bens Públicos
Está nos artigos 98 a 103 do Código Civil. No artigo 99 tem aquela classificação tradicional: uso
comum, uso especial e dominicais.
Vamos ficar atentos ao seguinte: primeiro o Enunciado 287 do Conselho que trata de uma questão que
os administrativistas bem desenvolvem, que é a chamada de bens públicos por afetação.
Enunciado nº 287, CJF: Art. 98: O critério da classificação de bens indicado no art. 98 do Código Civil
não exaure a enumeração dos bens públicos, podendo ainda ser classificado como tal o bem
pertencente a pessoa jurídica de direito privado que esteja afetado à prestação de serviços públicos.
Quer dizer, um bem de direito privado pode ser equiparado ao status de bem público se ele tiver
afetado, destinado a uma finalidade social com os efeitos práticos daí decorrentes: impenhorabilidade,
impossibilidade de usucapião e assim sucessivamente.
Outra questão importante é a seguinte: dentro de uma perspectiva já consolidada na doutrina
administrativista, quais seriam os bens dominicais? Seriam os bens desafetados.
Só que o §único do artigo 99 traz aqui uma novidade... Vou orientar para o direito civil, pois há
administrativistas que defendem que essa regra tem que ser ignorada, há muitas críticas sobre o §único.
“Não dispondo a lei em contrário consideram-se bens dominicais os bens pertencentes as pessoas
jurídicas de direito público a de se tenha dado estrutura de direito privado”.
Tem uma primeira posição defendida pelo Christiano Chaves de Farias com Nelson Rosenvald e é
também a posição do Pablo Stolze no sentido de que a regra se aplicaria as empresas públicas e as
sociedades de economia mista.
São bons autores, mas parece que há um equívoco aí, porque o Código fala em que? Pessoa jurídica
de direito público que se tenha dado estrutura de direito privado. Empresa pública e sociedade de
economia mista é pessoa jurídica de direito privado a Constituição prevê lá no artigo 173.
Tem um Enunciado do Conselho que é posição hoje majoritária da doutrina civilística que é o Enunciado
141. O Enunciado 141 NÃO FAZ REFERENCIA ESPECIFICAMENTE AO ARTIGO 99 §ÚNICO, ele faz
referencia ao artigo 41, §único cuja redação é idêntica. A expressão é a mesma: “pessoa jurídica de
direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado”.
Enunciado nº 141, CJF: Art. 41: A remissão do art. 41, parágrafo único, do Código Civil às “pessoas
jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado”, diz respeito às fundações
públicas e aos entes de fiscalização do exercício profissional.
O Enunciado 141 diz que a hipótese se refere aos conselhos profissionais e as fundações públicas.
Isso causa muita estranheza aos administrativistas porque uma das conseqüências práticas dessa
classificação é de que apenas os bens dominicais são alienáveis, porque eles estão desafetados, está
nos artigos 100 e 101 do Código Civil.
Aplicando o Enunciado, nós podemos ter bens pertencentes a conselhos profissionais e fundações
públicas que estejam afetados e que ainda assim sejam qualificados como dominicais e
conseqüentemente alienáveis. Isso causa perplexidade aos administrativistas.
Na prova de civil, Enunciado 141 do Conselho é a posição predominante entre os civilistas. Para
administrativo sugiro procurar alguém de administrativo para discutir, mas me parece que há várias
críticas dentre os administrativistas.
- O propósito da Lei nº 8.009/90 é a defesa da célula familiar. O escopo da norma não é proteger o
devedor, mas sim o bem estar da família, cuja estrutura, por coincidência, pode estar organizada em
torno de bens pertencentes ao devedor. Nessa hipótese, sopesadas a satisfação do credor e a
preservação da família, o fiel da balança pende para o bem estar desta última.
- Contudo, os excessos devem ser coibidos, justamente para não levar o instituto ao descrédito. Assim,
a legitimidade da escolha do bem destinado à proteção da Lei nº 8.009/90, feita com preferência pela
família, deve ser confrontada com o restante do patrimônio existente, sobretudo quando este, de um
lado se mostra incapaz de satisfazer eventual dívida do devedor, mas de outro atende perfeitamente às
necessidades de manutenção e sobrevivência do organismo familiar.
- Nesse contexto, fere de morte qualquer senso de justiça e equidade, além de distorcer por completo os
benefícios vislumbrados pela Lei nº 8.009/90, a pretensão do devedor que a despeito de já possuir dois
imóveis residenciais gravados com cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e
incomunicabilidade, optar por não morar em nenhum deles, adquirindo um outro bem, sem sequer
registrá-lo em seu nome, onde reside com sua família e querer que também este seja alcançado pela
impenhorabilidade. Recurso especial não conhecido.
Outro julgado interessante, o STJ também entendeu que cabe o reconhecimento da indisponibilidade do
bem de família por ato de improbidade administrativa, a impenhorabilidade do em de família não afasta
a indisponibilidade por ato de improbidade administrativa.
A questão da indisponibilidade por improbidade administrativa está no artigo 7º, §único da Lei 8429/92 e
o STJ ressaltou o seguinte: a indisponibilidade não significa expropriação. Como a indisponibilidade não
corresponde a idéia de expropriação, quer dizer,a impenhorabilidade não seria incompatível com a
lógica da indisponibilidade por ato de improbidade administrativa. O julgado é RESP 806301.
Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento
ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público,
para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que
assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do
enriquecimento ilícito.
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. INDISPONIBILIDADE DE BENS. BEM DE
FAMÍLIA. DEFERIMENTO DE LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
O que vale a pena mencionarmos aqui? Tem uma questão envolvendo o inciso VII que diz lá: por
obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. Então, a lei está ressaltando o que?
Que o fiador se sujeita a penhora do seu único imóvel residencial caso haja um descumprimento na
prestação pelo locatário.
Se tivermos que ser parcial em alguma prova ou no plano prático dá para ressaltar que esse dispositivo
é de duvidosa constitucionalidade, há quem defenda que o dispositivo é de duvidosa
constitucionalidade.
Primeiro pelo seguinte: os bens móveis do locatário que não representam bens suntuosos do locatário,
esses bens móveis e de família do locatário são impenhoráveis e vejam que o locatário é aquele que
tem débito e responsabilidade. Por outro lado, o que a lei ressalta é que o imóvel residencial, o bem de
família do fiador seria suscetível de penhora e não nos esqueçamos que o fiador é aquele que tem
responsabilidade sem ter o débito. Lembram daquela história do schuld e do raftum? Quer dizer, o fiador
tem responsabilidade sem ter o débito. O débito é o schuld e a responsabilidade é o raftum. Vamos ver
isso com calma no direito das obrigações, mas acho que todos se lembram disso.
Então, o fiador tem responsabilidade sem ter o débito, quer dizer, a lógica estabelecida no dispositivo
parece ser incompatível com o princípio da isonomia material e há outro argumento... Inclusive essa
questão já foi dirimida há algum tempo atrás dirimida pelo STF. Hoje a posição dos Tribunais Superiores
é favorável a aplicação da lei, mas há outro julgado no STF em que se entendeu como inconstitucional a
regra e esse julgado é RE 352.940-4.
Esse julgado ressaltou que a regra seria inconstitucional alegando pura e simplesmente o direito social a
moradia, a tese do julgado foi que o dispositivo viola o direito social a moradia.
Particularmente, eu acho que o julgado disse menos do que deveria, porque o julgado fala apenas em
direito social a moradia. Porque vejam: falar simplesmente em direito social a moradia representaria
revogar todas as hipóteses do artigo 3º, porque em todas as hipóteses se permite o atingimento do
direito social a moradia. Quer dizer, talvez tenha faltado ao julgado falar naquela questão de ponderação
de interesses.
Porque vejam, em várias outras exceções previstas no artigo 3º, o atingimento do direito social a
moradia pela penhora do bem de família se justifica para a proteção de outro interesse socialmente
relevante. Por exemplo, os créditos trabalhistas, as pessoas da própria residência, alimentos, os
impostos, os tributos, enfim e na hipótese do inciso VII o legislador em tese permite o atingimento do
direto social a moradia para proteger, em tese, o interesse patrimonial do locador, interesse que não
envolve repercussão social.
Contra essa tese o que se argumenta? Se não couber penhora dos bens do locador haverá uma
diminuição das garantias e qual é a tendência em havendo diminuição das garantias? Diminuição da
oferta e aumento no preço dos aluguéis. Quer dizer, essa suposta segunda posição acabaria por via
oblíqua atingindo o direito social a moradia porque haveria uma diminuição das garantias e
conseqüentemente um aumento nos preços dos aluguéis.
Essa é uma tese boa eventualmente na Defensoria se tivermos que defender o fiador ou na advocacia
privada. Agora, o entendimento amplamente hoje consolidado nos Tribunais Superiores é no sentido de
aplicar o inciso VII. Quem quiser dar uma olhada, recentemente o STJ se pronunciou RESP 891290 e
RESP 959972.
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. FIANÇA. BEM DE FAMÍLIA DO
FIADOR. PENHORABILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E
PROVIDO.
1. É possível a penhora do único bem imóvel do fiador do contrato de locação, em virtude da exceção
legal do art. 3º da Lei 8.009/90, inserida pelo art. 82, VII, da Lei 8.245/91, que, por ser de índole
processual, tem eficácia imediata. Precedentes do STJ e do STF.
2. Recurso especial conhecido e provido.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. FIANÇA.
RESPONSABILIDADE ATÉ DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL. INAPLICABILIDADE DA
SÚMULA Nº 214/STJ. PENHORA EM BEM DE FAMÍLIA DE FIADOR.
POSSIBILIDADE.
1. A Corte local considerou válido o título executivo, uma vez que fora fundado no contrato principal e
em aditivo firmado pelas partes, com cláusula extensiva da responsabilidade fidejussória até a
desocupação do imóvel.
2. Diante do contexto fático delineado pelo acórdão recorrido, inaplicável o enunciado de nº 214 da
Súmula do Superior Tribunal de Justiça, por referir-se apenas à hipótese de aditamento contratual sem
anuência do fiador.
3. Pacífico o entendimento deste Superior Tribunal de ser penhorável o imóvel familiar dado em garantia
de contrato locativo, em face da exceção introduzida no inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/1990 pelo
art. 82 da Lei do Inquilinato.
4. Agravo regimental improvido.
Outra questão que merece ser lembrada: o inciso IV prevê o cabimento da penhora para cobrança de
impostos predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar.
Temos aquela sistemática das taxas especificamente no direito tributário, seriam as taxas em sentido
estrito que se diferenciariam das taxas em sentido amplo. O que parece vendo aqui a Lei 8009/90?
Quando o legislador fala em impostos, taxas e contribuições, parece que o legislador está se referindo
as taxas especificamente no direito tributário não abrangendo as taxas condominiais.
Claro que essa é melhor tese para a Defensoria, eventualmente para a advocacia privada. Numa
interpretação sistemática apesar da lei não restringir, quando a legislação coloca a expressão taxa ao
lado de impostos e contribuições, o legislador estaria se referindo a taxa do direito tributário não
abrangendo as taxas condominiais.
Só que o STJ entende aplicável o inciso IV por débitos condominiais. Quer dizer, diante da ausência de
restrição explícita, o STJ vem entendendo que a expressão taxa não envolveria somente as taxas
especificamente do direito tributário, mas abrangendo todas as demais modalidades de taxas, inclusive
a taxa condominial.
Tem um julgado relativamente recente em que o STJ ressaltou que os impostos a que se refere o inciso
IV são apenas aqueles de caráter propter rem. Agravo Regimental no Agravo 741.601. Então, não se
aplicaria, por exemplo, para dívida de Imposto de Renda, para ISS e sim apenas para tributo de
natureza propter rem... O próprio dispositivo diz isso: impostos, taxas e contribuições devidas em função
do imóvel familiar. Quer dizer, tem a expressão “em função do imóvel familiar” que parece realmente
que seriam os impostos de natureza propter rem.
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - ARTS. 348 E 350 DO CPC - ART. 3º DA
LEI Nº 8.009/90 - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ -
PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA - OBRIGAÇÃO PROPTER REM - POSSIBILIDADE -
ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL A QUO NO MESMO SENTIDO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ -
INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ - RECURSO IMPROVIDO.
Mais, o inciso III prevê aqui a questão dos alimentos pelo credor de pensão alimentícia. O STJ também
recentemente ressaltou que esses alimentos a que refere o artigo 3º abrange os alimentos devidos pela
prática de atos ilícitos. Então, não seriam apenas os alimentos decorrentes do direito de família,
abrangendo também os alimentos decorrentes de atos ilícitos, Agravo Regimental no Agravo 772614.
AGRAVO INTERNO - DIREITO PROCESSUAL CIVIL - BEM DE FAMÍLIA IMPENHORABILIDADE -
OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA - ATO ILÍCITO - EXCEÇÃO. A exceção ao regime de impenhorabilidade do
bem de família prevista no artigo 3º, III, da Lei 8.008/90 em favor do credor de pensãoalimentícia
compreende o crédito originário de indenização por ato ilícito. Precedentes. Agravo improvido.
7. Pessoa Jurídica
Vamos começar a tratar de alguns aspectos relevantes envolvendo pessoa jurídica cuja sistemática vem
nos artigos 40 a 78.
Numa definição básica, a doutrina costuma ressaltar que a pessoa jurídica seria uma entidade a que a
lei atribui personalidade jurídica.
Alguns dos efeitos práticos decorrentes dessa atribuição da personalidade jurídica seriam, por exemplo,
a questão da autonomia patrimonial, talvez seja o aspecto que chame maior atenção, a pessoa jurídica
tem domicílio próprio, tem vontade própria e nome próprio.
Os autores costumam ressaltar que a gênesis da pessoa jurídica vem desde os primórdios da
humanidade porque desde o início os seres humanos perceberam que eles só poderiam sobreviver
atuando coletivamente, quer dizer, algumas finalidades elas só são compatíveis com atuação conjunta
entre os indivíduos, daí o surgimento das pessoas jurídicas.
Vamos lembrar a classificação segundo a qual as pessoas jurídicas podem ser de direito público e de
direito privado.
As pessoas jurídicas de direito público podem ser de direito público interno ou externo, sendo que as de
direito público interno estão elencadas no artigo 41 do Código Civil e as pessoas jurídicas de direito
público externo estão no artigo 42.
Pessoas jurídicas de direito público interno: União, Estados, Municípios, Autarquias. Pessoas jurídicas
de direito público externo: Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito
internacional público. Além dos Estados estrangeiros, alguns exemplos em doutrina seriam a ONU, FMI,
OMS, dentre outros.
As pessoas jurídicas de direito privado estão no artigo 44 e, aqui, o Código Civil explicitamente adotou
uma distinção, que o legislador de 16 não fazia. O Código Civil (34’10’’) explicitamente tratou em
apartado as associações das sociedades. A doutrina já assim defendia, só que o Código agora tratou
em apartado, quer dizer, as associações estão lá no inciso I e as sociedades no inciso II.
Pergunta do aluno.
Resposta: O novo Código literalmente traz essa dicotomia: associação e sociedade que a doutrina já
fazia, mas o Código agora vem em harmonia com a posição doutrinária anterior.
Então, o inciso I prevê as associações que em como característica básica a inexistência de fins
lucrativos e as sociedades que, a contrario sensu, têm finalidade lucrativa.
As associações e a sociedades são as chamadas corporações. A expressão que a doutrina se utiliza
para se referir as associações e as sociedades, são as chamadas corporações, porque tanto as
associações quanto as sociedades resultam da reunião de pessoas para o atingimento de uma
determinada finalidade. Os romanos chamavam e ainda hoje os manuais fazem referência a essa
expressão que seriam as chamadas de universitas personarum.
Quer dizer, o que há de comum entre as associações e as sociedades é o fato de que elas decorrem da
reunião de pessoas para o atingimento de uma determinada finalidade, por isso elas são chamadas de
corporações e a diferença está em relação a finalidade lucrativa das sociedades e a finalidade não
lucrativa das associações.
Essa questão aí das universitas personarum, das corporações traz uma diferença fundamental entre as
associações e as sociedades em relação às chamadas fundações. As fundações estão previstas como
pessoa jurídica de direito privado no inciso III do artigo 44 e qual é a característica básica das
fundações?
Nas fundações, o ordenamento jurídico atribui personalidade não a um conjunto de pessoas que se
reúnem para o atingimento de uma finalidade e sim a um acervo patrimonial. Então, nas fundações se
atribui personalidade jurídica a um conjunto de bens que se destina ao atingimento do interesse social,
por isso os romanos chamavam as fundações de universitas bonorum.
Sem dúvida as fundações representam uma abstração muito maior que as associações e as
sociedades, por isso, as fundações surgiram num momento posterior no Direito Romano.
E o Código prevê que ainda como pessoa jurídica de direito privado as organizações religiosas e os
partidos políticos, está lá nos incisos IV e V.
Associações
No que diz respeito as associações, o artigo 53 do Código Civil traz as suas duas características básicas
das associações que são: a primeira, que está lá no caput e que já mencionamos, ausência de fins
lucrativos. Normalmente as associações se destinam a cultura, lazer, esportes e assim sucessivamente.
Nada impede, e a doutrina é bem firme nesse sentido, é muito comum que tenhamos associações que
tenham determinada atividades das quais resultem lucro, por exemplo, cantina numa associação de
natureza recreativa.
Na verdade, o que a doutrina ressalta é que não há uma vedação peremptória ao atingimento de lucros.
O que é da essência da associação é que os lucros não sejam repartidos entre os associados. Então,
nada impede que haja lucro decorrente de uma atividade associativa. O que não se admite, obviamente,
é a repartição dos lucros resultantes da associação.
O parágrafo único do artigo 53 traz como outra característica a inexistência de direitos e obrigações
entre os associados.
A respeito do tema, associação, a Constituição Federal estabelece o princípio da liberdade associativa,
artigo 5º, XVII e XVIII. A exceção a liberdade associativa qual é, prevista na Constituição? A questão do
caráter paramilitar, só se veda as associações com caráter paramilitar.
O que o Gustavo Tepedino ressalta é que o princípio da liberdade associativa não impede eventual
controle jurisdicional sobre os objetivos efetivamente perseguidos pela associação. O princípio da
liberdade associativa previsto na Constituição proíbe que o Estado venha a ter ingerência nas
associações, se veda que haja prévia autorização a constituição das associações e se permite que o
sujeito possa livremente se associar e deixar de ser associado, mas nada impede o controle finalístico.
Não se admite o controle do mérito dos atos da associação, mas o controle finalístico há de ser exercido
até para que não haja fraude a lei porque as associações gozam de uma série de prerrogativas
notadamente no âmbito tributário e fiscal.
Vejam se não dá para enquadrar aqui a possibilidade de fraude a lei? O artigo 61 trata do destino dos
bens da associação no caso da sua extinção. O artigo 61 diz: dissolvida a associação o remanescente
do seu patrimônio, depois de deduzidas as cotas ou frações ideais, será destinada a entidade de fins
não econômicos designados no estatuto ou omisso esse, por deliberação dos associados a instituição
municipal, estadual ou federal de fins idênticos ou semelhantes.
Vejam se não é no mínimo discutível se diante de uma hipótese concreta os associados na eminência
da extinção de uma associação deliberam transformar a associação numa sociedade, com que objetivo?
Para permitir a repartição do patrimônio da associação entre os sócios, quer dizer, eventualmente a
transformação de uma associação em sociedade, na eminência do término da pessoa jurídica pode
eventualmente configurar fraude a lei.
Percebam que o princípio da liberdade associativa não vai afastar por completo a possibilidade do
controle judicial em situações como essas de fraude a lei, quer dizer, o controle finalístico sobre a
associação há de ser exercido em que pese o princípio da liberdade associativa.
Fundações
Em relação às fundações tem alguns aspectos importantes. Qual é basicamente o processo de
formação de uma fundação? O primeiro passo para a formação de uma fundação é a chamada dotação
patrimonial que o artigo 62 ressalta que há de ser feita por escritura pública ou testamento.
Percebam que ainda que haja dotação patrimonial por escritura, por exemplo, essa dotação patrimonial
eventualmente pode vir a ser impugnada por fraude contra credores. Nada impede que essa dotação
patrimonial venha a ser anulada por fraude contra credores, quer dizer, se essa dotação patrimonial
conduz o doador a um estado de insolvência, os seus credores quirografários poderão suscitar a
invalidação dessa dotação patrimonial.
No caso de testamento... Façam uma remissão do artigo 62 para o artigo 158 que trata de fraudes
contra credores e aí vamos lembrar que a fraude contra credores é aplicável aqui. E em se tratando de
disposição orçamentária, a dotação patrimonial por testamento ou por escritura pública eventualmente,
não nos esqueçamos da legítima, da intangibilidade da legítima.
Para quem quiser lembrar disso, há o artigo 549 que trata da doação inoficiosa. É aquela em que o
sujeito doa além do que poderia se tivesse dispondo em testamento, quer dizer, você tem 500 reais em
patrimônio, tem o herdeiro necessário e você faz uma doação de 300 reais. Aquilo que ultrapassa a
parcela disponível é atingida de nulidade absoluta. Vale a pena fazer a remissão do artigo 62 para o
artigo 158 e para o artigo 549.
Outro passo para a criação das fundações é a elaboração do estatuto e essa elaboração do estatuto
pode ser direta ou fidejussória. Direta é quando o próprio instituidor elabora o estatuto e fidejussória no
caso do artigo 65, que é quando atribui a um terceiro a missão de elaborar o estatuto.
Art. 65. Aqueles a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio, em tendo ciência do encargo,
formularão logo, de acordo com as suas bases (art. 62), o estatuto da fundação projetada, submetendo-
o, em seguida, à aprovação da autoridade competente, com recurso ao juiz.
Outro passo é a aprovação do estatuto que está prevista no artigo 65 parte final e, na verdade, diz que o
estatuto se submete a aprovação da autoridade competente com recurso ao juiz, essa autoridade
competente é o MP.
O último passo é o registro que, salvo posição isolada do Fábio Ulhoa Coelho, o registro das pessoas
jurídicas tem natureza constitutiva, artigo 45.
Pergunta do aluno.
Resposta: a questão acaba sendo casuística, por quê? Porque no caso de fraude contra credores o
Código prevê o prazo de 4 anos para suscitar anulação, está lá no artigo 178.
Ela perguntou se vai precluir... Se com a constituição da fundação, se afastaria a possibilidade dos
interessados em validar a dotação patrimonial. Depende, na fraude contra credores o prazo é de 4 anos.
Na hipótese de nulidade absoluta, vamos ver que o Código prevê no artigo 169 parte final a regra da
imprescritibilidade do ato nulo. Na verdade, a nulidade seria apenas parcial no caso da doação
inoficiosa, ela não atingiria por completo a dotação patrimonial, só atinge aquilo que ultrapassa a parcela
disponível.
Uma questão importante, e que às vezes cai em prova, é o seguinte: artigo 62, §único: a fundação
somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. “Somente” sugere
rol taxativo, não é? Sim.
Já caiu mais de uma vez em prova de múltipla escolha e normalmente em prova objetiva o examinador
segue a literalidade do Código: pode ser instituída fundação para fins educacionais, errado, porque a
finalidade educacional não está contemplada no §único. Então, para prova objetiva a direção é seguir a
literalidade do Código.
Para prova dissertativa, se o examinador pergunta isso não podemos deixar de fazer alusão a uma
segunda corrente que defende aqui que o rol é meramente exemplificativo.
Por que vejam bem, o que temos na fundação como nós vimos? Personalidade jurídica atribuída a um
conjunto de bens, a um acervo patrimonial. O que justifica a atribuição dessa personalidade jurídica a
esse acervo patrimonial? É os fins a que ela se dirige e necessariamente uma finalidade envolvendo
interesse social.
Então, o que a segunda corrente defende é que o rol aqui não é taxativo, na verdade o que importa é
que a fundação tenha finalidade de atendimento ao interesse social, ainda que o interesse social não
esteja elencado no parágrafo único. Quer dizer, é possível a constituição de uma fundação com o
objetivo de proteção ao meio ambiente, para finalidade e pesquisa científicas? Para a segunda posição,
sem dúvida alguma. Nesse sentido Enunciados 8 e 9 do Conselho ressaltando que o rol é meramente
exemplificativo, o que importa é o interesse público.
Enunciado 08, CJF: Art. 62, parágrafo único: A constituição de fundação para fins científicos,
educacionais ou de promoção do meio ambiente está compreendida no Código Civil, art. 62, parágrafo
único.
Enunciado 09, CJF: Art. 62, parágrafo único: Deve ser interpretado de modo a excluir apenas as
fundações com fins lucrativos.
Outra questão que cai de vez em quando, caiu na última prova para AGU. O artigo 66 diz lá: velará
pelas fundações o MP do estado onde situadas. Então, cabe ao MP velar pelas fundações. Justificável,
porque a fundação busca o atendimento do interesse público.
Aí o parágrafo único diz assim: se funcionarem no Distrito Federal ou em Território caberá o encargo ao
MPF.
A doutrina já vinha a algum tempo discutindo a constitucionalidade do dispositivo. Por que vejam, o DF é
um ente federativo e a Constituição contempla a existência do MP do Distrito Federal, está lá no artigo
128 da Constituição. Então, não haveria razão para se atribuir atribuição ao MPE para zelar pelas
fundações e quando a fundação se situasse no DF que essa atribuição coubesse ao MPF, isso atentaria
inclusive contra a autonomia do ente federativo DF.
Foi objeto essa questão de ADIN e o Supremo já reconheceu a inconstitucionalidade do dispositivo,
ADIN 2794, que ressalta explicitamente que no caso de fundações situadas no DF a atribuição não é do
MPF e sim do MPDF.
EMENTA:
I. ADIn: legitimidade ativa: "entidade de classe de âmbito nacional" (art. 103, IX, CF): Associação
Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP 1. Ao julgar, a ADIn 3153-AgR, 12.08.04,
Pertence, Inf STF 356, o plenário do Supremo Tribunal abandonou o entendimento que excluía as
entidades de classe de segundo grau - as chamadas "associações de associações" - do rol dos
legitimados à ação direta. 2. De qualquer sorte, no novo estatuto da CONAMP - agora Associação
Nacional dos Membros do Ministério Público - a qualidade de "associados efetivos" ficou adstrita às
pessoas físicas integrantes da categoria, - o que bastaria a satisfazer a antiga jurisprudência restritiva. II.
ADIn: pertinência temática. Presença da relação de pertinência temática entre a finalidade institucional
da entidade requerente e a questão constitucional objeto da ação direta, que diz com a demarcação
entre as atribuições de segmentos do Ministério Público da União - o Federal e o do Distrito Federal. III.
ADIn: possibilidade jurídica, dado que a organização e as funções institucionais do Ministério Público
têm assento constitucional. IV. Atribuições do Ministério Público: matéria não sujeita à reserva absoluta
de lei complementar: improcedência da alegação de inconstitucionalidade formal do art. 66, caput e § 1º,
do Código Civil (L. 10.406, de 10.1.2002). 1. O art. 128, § 5º, da Constituição, não substantiva reserva
absoluta à lei complementar para conferir atribuições ao Ministério Público ou a cada um dos seus
ramos, na União ou nos Estados-membros. 2. A tese restritiva é elidida pelo art. 129 da Constituição,
que, depois de enumerar uma série de "funções institucionais do Ministério Público", admite que a elas
se acresçam a de "exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua
finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas". 3.
Trata-se, como acentua a doutrina, de uma "norma de encerramento", que, à falta de reclamo explícito
de legislação complementar, admite que leis ordinárias - qual acontece, de há muito, com as de cunho
processual - possam aditar novas funções às diretamente outorgadas ao Ministério Público pela
Constituição, desde que compatíveis com as finalidades da instituição e às vedações de que nelas se
incluam "a representação judicial e a consultoria jurídica das entidades públicas". V - Demarcação entre
as atribuições de segmentos do Ministério Público - o Federal e o do Distrito Federal. Tutela das
fundações. Inconstitucionalidade da regra questionada (§ 1º do art. 66 do Código Civil) -, quando
encarrega o Ministério Público Federal de velar pelas fundações, "se funcionarem no Distrito Federal". 1.
Não obstante reserve à União organizá-lo e mantê-lo - é do sistema da Constituição mesma que se
infere a identidade substancial da esfera de atribuições do Ministério Público do Distrito Federal àquelas
confiadas ao MP dos Estados, que, à semelhança do que ocorre com o Poder Judiciário, se apura por
exclusão das correspondentes ao Ministério Público Federal, ao do Trabalho e ao Militar. 2. Nesse
sistema constitucional de repartição de atribuições de cada corpo do Ministério Público - que
corresponde substancialmente à distribuição de competência entre Justiças da União e a dos Estados e
do Distrito Federal - a área reservada ao Ministério Público Federal é coextensiva, mutatis mutandis
àquela da jurisdição da Justiça Federal comum e dos órgãos judiciários de superposição - o Supremo
Tribunal e o Superior Tribunal de Justiça - como, aliás, já o era sob os regimes anteriores. 3. O critério
eleito para definir a atribuição discutida - funcionar a fundação no Distrito Federal - peca, a um só tempo,
por escassez e por excesso. 4. Por escassez, de um lado, na medida em que há fundações de direito
público, instituídas pela União - e, portanto, integrantes da Administração Pública Federal e sujeitas,
porque autarquias fundacionais, à jurisdição da Justiça Federal ordinária, mas que não tem sede no
Distrito Federal. 5. Por excesso, na medida em que, por outro lado, a circunstância de serem sediadas
ou funcionarem no Distrito Federal evidentemente não é bastante nem para incorporá-las à
Administração Pública da União - sejam elas fundações de direito privado ou fundações públicas, como
as instituídas pelo Distrito Federal -, nem para submetê-las à Justiça Federal. 6. Declarada a
inconstitucionalidade do § 1º do art. 66 do Código Civil, sem prejuízo, da atribuição ao Ministério Público
Federal da veladura pelas fundações federais de direito público, funcionem, ou não, no Distrito Federal
ou nos eventuais Territórios.
Essa mesma ADIN vem em harmonia com o Enunciado 147 que diz: o Código Civil atribui ao MPE o
dever de velar pelas Fundações de direito privado, mas o Código Civil não afasta do MPF a atribuição
de velar pelas fundações públicas da Administração Federal.
O Enunciado 147 ressalta ainda que o MPF também tem atribuição para fiscalizar os atos de fundações
que recebam verbas da Administração Pública Federal.
O que caiu na prova da AGU foi só a questão da inconstitucionalidade do MPF no caso do DF, foi o que
caiu lá, mas na verdade não se afasta aí a atribuição do MPF para a fiscalização das fundações da
Administração Pública Federal, aquelas que recebem recursos da Administração Federal.
Tem uma pegadinha aqui que mais uma vez caiu na prova da AGU: vamos supor que uma fundação
tenha a sua atividade desenvolvida dentro de mais um estado, quer dizer que, uma mesma fundação
atua no Rio, São Paulo, Minas. Se aplicarmos a lógica do direito administrativo o que talvez viéssemos a
imaginar aqui? Se a atividade da fundação se estende a mais de um estado a atribuição seria vinculado
ao MPF, mas na verdade não é isso, parágrafo 2º do artigo 66 diz: se estenderem a atividade por mais
de um estado caberá o encargo em cada um deles ao respectivo MP.
Cai muito a afirmativa do §2º atraindo a sistemática para o MPF, como se a atividade em sendo
desenvolvida ao longo de mais de um estado, permitisse ao MPF a fiscalização, mas não é verdade... A
lógica estabelecida aqui é diferente. Cuidado com essa pegadinha aí.
Pergunta do aluno.
Resposta: talvez em termos práticos possa surgir, porque o Código diz aqui: caberá o encargo em cada
um deles ao respectivo MP. Pela lógica do Código, temos que verificar se o ato fiscalizado ele é
praticado num estado ou em outro, mas é claro que eventualmente isso, em termos práticos, possamos
ter algum tipo de problema prático porque um ato praticado por estado pode ter repercussão direta em
outro. Mas talvez entender que o MPF viesse a dirimir essa contenda violaria a autonomia dos entes
federativos.
É claro que a desconsideração inversa pressupõe a demonstração de fraude e, portanto quando se fala
em desconsideração inversa se adota a teoria subjetiva
O exemplo é sempre no direito de família, mas percebam que pode ser aplicado em várias outras
circunstâncias... Uma dívida pessoal trabalhista do sócio, uma empregada doméstica, IR de pessoa
física, o instituto é plenamente aplicável em diversas circunstâncias.
Teve até um caso que aconteceu na Argentina, caso conhecido... O sujeito tinha uma pessoa jurídica,
era ele, a esposa e mais cinco filhos como sócios. Só que na realidade o sujeito tinha mais um filho que
não integrava a pessoa jurídica. Tudo o que ele tinha, ele jogava para a pessoa jurídica e quando do
seu falecimento, o outro filho que não integrava a pessoa jurídica, pleiteou a desconsideração inversa
para obter o tratamento isonômico entre os herdeiros necessários. Quer dizer, veja que o tema é
inclusive potencialmente aplicável em sede de direito sucessório.
Tem uma maneira simples de enfrentar a questão que é a tese defendida por Flávio Tartuce. Ele diz
que quando o enunciado diz que é cabível desconsideração em favor da pessoa jurídica, o enunciado
estaria autorizando uma pessoa jurídica credora a pedir a desconsideração de uma pessoa jurídica
devedora. A teoria da desconsideração ela também se aplica no caso de pessoa jurídica credora.
Há quem defenda que a desconsideração em favor da pessoa jurídica, na verdade, teria outra
conotação.
Não é praxe pessoa jurídica pedir gratuidade de justiça? A princípio a gratuidade se dirige a pessoa
física, dificuldade de pagar as despesas do processo em prejuízo do seu próprio sustento ou de seus
dependentes. Podemos hoje de maneira segura atrelar a gratuidade de justiça à dignidade da pessoa
humana.
Quando a pessoa jurídica pede a gratuidade o que os autores de direito empresarial ressalvam? Se a
pessoa jurídica demonstrar que tem dificuldade de pagar as despesas sem prejuízo da sua continuidade
imporia gratuidade para prestigiar a função social da empresa. A função social da empresa pode
representar a viabilização da gratuidade de justiça em favor de pessoa jurídica, seria justificável.
Afora essa alegação, uma coisa não exclui a outra, o que se entende é que numa perspectiva civilística
quando a pessoa jurídica pede a gratuidade ela está pedindo a sua própria desconsideração, em seu
próprio benefício. Porque quando a pessoa jurídica pede a gratuidade ela está pedindo um tratamento
equiparado de pessoa física, então, na verdade o pedido da gratuidade por pessoa jurídica não deixaria
de ser uma desconsideração da pessoa jurídica em seu próprio benefício, porque na verdade a
gratuidade se dirige apenas a pessoa física. E, quando a pessoa jurídica postula a gratuidade, ela está
postulando um tratamento equiparado ao de pessoa física.
Tem outro exemplo que teve até julgado recente do STJ... Empresa notadamente familiar: são sócios lá
os pais e os filhos, o imóvel pertence a pessoa jurídica, mas no imóvel residem os familiares.
A impenhorabilidade da Lei 8009/90 a princípio não alberga pessoa jurídica. A alegação da
impenhorabilidade de um bem pertencente a pessoa jurídica no qual reside os sócios representaria um
pedido de desconsideração feito pela própria pessoa jurídica em seu próprio benefício, porque ela está
pleiteando tratamento equiparado ao tratamento de pessoa física. Tem até um julgado do STJ que
aplicou a Lei 8009 nesse caso de empresa familiar, em que nele residiam os sócios... Julgados recentes
RESP 1024394 e RESP 949499 aplicando a Lei 8009/90 em imóvel titularizado por pessoa jurídica.
PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – BEM DE FAMÍLIA –
IMPENHORABILIDADE – IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE SOCIEDADE COMERCIAL
RESIDÊNCIA DOS DOIS ÚNICOS SÓCIOS – EMPRESA FAMILIAR – PRECEDENTES.
1. A Lei n. 8.009/90 estabeleceu a impenhorabilidade do bem de família, incluindo na série o imóvel
destinado à moradia do casal ou da entidade familiar, a teor do disposto em seu art. 1º.
2. Sendo a finalidade da Lei n. 8.009/90 a proteção da habitação familiar, na hipótese dos autos,
demonstra-se o acerto da decisão de primeiro grau, corroborada pela Corte de origem, que reconheceu
a impenhorabilidade do único imóvel onde reside a família do sócio, apesar de ser da propriedade da
empresa executada, tendo em vista que a empresa é eminentemente familiar. Recurso especial
improvido.
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. BEM IMÓVEL QUE SEMPRE
SERVIU À MORADIA DE ENTIDADE FAMILIAR. REGISTRO EM NOME DA EMPRESA EXECUTADA.
BEM DE FAMÍLIA. CONFIGURAÇÃO. ESCOPO DA LEI N. 8.009/1990. PROTEÇÃO DO DIREITO À
MORADIA DA FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE.
1. A Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990, visou conferir especial proteção à moradia da família - direito
assegurado constitucionalmente (artigo 6.º) -, revelando-se menos importante o modo como se dá a
ocupação do bem imóvel, se a título de propriedade - com o imóvel registrado em nome de um dos
integrantes da entidade familiar - ou de posse.
2. No caso em apreço, o Tribunal de origem reconheceu, expressamente, que o imóvel discutido nestes
autos sempre serviu à moradia da família, daí porque não poderia ser objeto de penhora, entendimento
esse que se coaduna com a orientação jurisprudencial desta Corte.
3. Recurso especial não provido.
Quem defende essa segunda perspectiva mais uma vez o Gustavo Tepedino.
Pergunta do aluno.
Resposta: O que os juristas ressaltam é que quando a pessoa jurídica pede a gratuidade, implicitamente
nós estaríamos diante de um pedido de desconsideração em seu próprio benefício, até porque que o
pedido venha nesse sentido. Normalmente o argumento é o da função social da empresa. Na verdade, a
função social da empresa justificaria, nesse caso, a desconsideração em favor da pessoa jurídica. Na
Lei 8009/90 o direito social a moradia justificaria a desconsideração inversa da personalidade jurídica,
quer dizer, nós teríamos interesses socialmente relevantes que justificariam a desconsideração inversa.
9. Fatos Jurídicos
Fatos jurídicos lato sensu é todo acontecimento natural ou decorrente da vontade humana que tem o
condão de criar, modificar ou extinguir direitos. Então, o fato jurídico lato sensu envolve tanto o
acontecimento natural, quanto o decorrente da vontade.
Nós temos aí a primeira bifurcação, porque o fato jurídico stricto sensu é todo acontecimento natural e,
como o próprio nome parece sugerir, esse acontecimento natural que gera reflexos jurídicos pode ser
ordinário ou extraordinário.
O acontecimento natural ordinário é aquele que não foge a normalidade, exemplo clássico: transcurso
do tempo... O transcurso do tempo traz vários efeitos: o atingimento da maioridade aos 18 anos,
prescrição, decadência, usucapião.
O fato jurídico stricto sensu extraordinário é o acontecimento natural que escapa a normalidade dos
fatos. Muitos autores sintetizam que o acontecimento natural extraordinário envolveria as hipóteses de
caso fortuito e força maior.
Se tenho que efetuar um pagamento no Município X e se na data do pagamento aquele Município se
torna inacessível por uma tragédia natural, haverá mora por não cumprimento da prestação? Não,
porque a mora pressupõe inadimplemento culposo.
Veja como precisamos repensar o direito civil! Vamos supor que aquele município que esteja inacessível
e naquela data o credor está em outro município no qual o devedor o procura para efetuar o pagamento
e o credor simplesmente diz “aqui eu não recebo, porque o local acordado é lá”. Essa recusa do credor,
em uma perspectiva tradicional, seria uma recusa justificada, pacta sunt servanda. Ocorre que esse
credor inobserva o dever anexo de cooperação decorrente da boa-fé objetiva.
A inobservância do dever anexo de cooperação e colaboração por parte do credor representa uma
recusa injustificada, em tese, configurar-se-ia a mora do credor. Vamos ver que o princípio da boa-fé
objetiva traz outros reflexos, inclusive para a caracterização da mora.
A decretação, por exemplo, de estado de calamidade pública gera reflexo no direito administrativo, a
dispensa de licitação, por exemplo.
A questão ganha maiores contornos quando a gente vem aqui para baixo, quando a agente começa a
falar do fato humano. Aqui, nós temos a vontade humana produzindo efeitos jurídicos. Se essa vontade
é emitida em desarmonia com o ordenamento jurídico surge o chamado ato ilícito.
Perguntaram numa prova do MP se o abuso de direito é ato ilícito? Qual é a questão central aqui? A
doutrina ainda majoritária, defende que teríamos aqui o ato ilícito e ponto final, quer dizer, sempre que a
vontade humana for emitida em desarmonia com o ordenamento jurídico nós temos o ato ilícito.
Há quem discorde ressaltando exatamente isso aqui: na verdade nós teríamos um ato ilícito lato sensu
que se subdividiria no ilícito stricto sensu e no ato antijurídico.
O ato ilícito stricto sensu é aquele do artigo 186, que é o ato ilícito tradicional (conduta, dano, dolo ou
culpa e nexo causal). Para quem estudou no Código de 16 era o artigo 159 e agora é o artigo 186 do
Código atual.
O ato antijurídico seria o artigo 187, abuso do direito. O artigo 187 diz lá: também comete ato ilícito o
titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes.
Veja que pela literalidade do artigo 187 o abuso de direito é ato ilícito. Se cair numa prova objetiva
dizendo “abuso de direito é ato ilícito” está certo, o Código Civil diz isso.
Por que essa segunda corrente defende essa distinção? Porque a redação literal do artigo 187 apenas
reforça a corrente tradicional, dentro ali do ato ilícito, nós teríamos tanto o artigo 186 quanto o artigo 187
pela literalidade.
A diferença é a seguinte: no ato ilícito stricto sensu, ocorre a violação dos limites formais impostos pelo
legislador. Ao passo que no abuso do direito ocorre a violação dos limites axiológico-normativos
impostos pelo ordenamento jurídico.
Quando se diz que no ato ilícito se viola os limites formais impostos pelo legislador, o que se está
dizendo é que no ato ilícito o sujeito viola frontalmente uma regra de direito positivo. Ao passo que no
abuso, se dá a violação dos limites axiológico-normativos, ou seja, a violação dos limites valorativos.
Quando falamos em valor nos lembra princípios que nos lembra abstração, então no abuso do direito o
sujeito exerce um direito em desarmonia não com a literalidade do Código, mas ele exerce um direito
em desarmonia com os valores, com os princípios que irradiam pelo sistema.
Se eu pratico esbulho possessório, ato ilícito. Agora, se no meu próprio terreno eu construo um muro
com 10 metros de altura com um único objetivo de impedir que o sol bata na piscina do vizinho, isso é
abuso do direito de propriedade, quer dizer, estou exercendo o meu direito de propriedade em
desarmonia com os valores do sistema.
Teve um julgado recente do STJ, está nos últimos três Informativos... Um vizinho se comprometeu a não
levantar um muro a partir de uma determinada altura, ele não levantou o muro, na verdade ele plantou
árvores que ultrapassava e muito aquela metragem anteriormente permitida. Isso é o que? Abuso do
direito, não é um ato ilícito porque ele não violou frontalmente o acordo de vontades, mas ele exerceu o
seu direito em desarmonia com os valores do sistema.
Aquele exemplo da piscina, é um exemplo que está correto, talvez não seja o melhor dos exemplos,
porque nele fica claro que aquele que incorreu no abuso tinha intenção de prejudicar outrem, só que
essa intenção de prejudicar outrem não é pressuposto para configuração do abuso no Brasil. Não se
exige para a configuração do abuso do direito a intenção de prejudicar outrem, isso significa dizer que o
direito brasileiro não adota a teoria dos atos emulativos. E pela teoria dos atos emulativos só há abuso
se houver intenção de prejudicar outrem.
O artigo 187 em nenhum momento exige esse elemento subjetivo, o artigo 187 simplesmente diz que
incorre no abuso aquele que exerce o direito em desarmonia com a função social, com a boa fé e com
os bons costumes.
Nós veremos mais adiante que, em sede de abuso do direito de propriedade, o artigo 1228, §2º adota a
teoria dos atos emulativos. Diz: são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer
comodidade ou utilidade e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
Lá sim o legislador adotou a teoria dos atos emulativos. Nós veremos mais a frente que toda construção
doutrinária jurisprudencial é no sentido de superar a literalidade do artigo 1228, §2º. Mas, enfim foi a
postura do direito positivo.
Exemplo mais atual que caiu na prova da Defensoria: é aquela questão da teoria do adimplemento
substancial. O artigo 475 do Código Civil ressalta que se uma das partes contratantes não cumpre as
suas prestações o que o outro pode fazer? Resolução do contrato ou exigir o cumprimento da
prestação. Está lá no artigo 475.
Pela teoria do adimplemento substancial o que se defende é: se uma das partes cumpriu
substancialmente as suas prestações (pagou 98 de 100) não poderá o outro contratante exigir a
resolução do contrato, mas apenas o cumprimento das prestações remanescentes.
Onde está previsto em lei? Não está e se tivesse previsão legal isso não seria exemplo de abuso de
direito... Qual é a premissa do abuso de direito? Que não haja vedação legal, porque se há vedação
legal em determinada conduta o ato é ilícito, ele entra a na sistemática do artigo 186, quer dizer, a lógica
é: aquele que recebe quase tudo e exige a resolução está incurso no abuso do direito de exigir a
resolução do contrato.
Quais são os valores em jogo? Basicamente a boa fé objetiva e tem outro princípio que vamos estudar
mais adiante que é o princípio da conservação dos negócios jurídicos. O próprio nome já ressalta, quer
dizer, esse o princípio busca na medida do possível conservar, preservar o negócio.
Essa teoria do adimplemento substancial está nos Enunciados 361 e 371 do Conselho. Mais uma
questão de prova com resposta nos enunciados.
Enunciado 361, CJF: Arts. 421, 422 e 475: O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais
contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva,
balizando a aplicação do art. 475.
Enunciado 371, CJF: Art. 763: A mora do segurado, sendo de escassa importância, não autoriza a
resolução do contrato, por atentar ao princípio da boa-fé objetiva.
Esse exemplo é muito importante para a atual perspectiva do direito civil, pelo seguinte: qual a natureza
jurídica do direito do outro contratante entre a resolução ou o cumprimento da prestação? Não é direito
potestativo? Porque a escolha dele tem que o outro contratante que se sujeitar.
Qual é a definição clássica do direito potestativo? Ao direito potestativo corresponde o mero estado de
sujeição, quer dizer, a perspectiva tradicional parece sugerir que o titular do direito potestativo tudo
pode, o outro simplesmente se sujeita.
O que a boa-fé objetiva traz de novo? Mesmo direitos potestativos devem ser exercidos em harmonia
com os valores do sistema, quer dizer, é possível que tenhamos abuso de direito potestativo. Mesmo os
direitos potestativos se submetem aos princípios.
Pergunta do aluno.
Resposta: nós temos diversas regras de direito positivo que se inspiram em aspectos principiológicos. A
exceção de contrato não cumprido, por exemplo, que está lá no artigo 476, ela se inspira notadamente
na boa fé objetiva através da tu quoque.Na verdade, como o legislador positivou...Não vamos falar em
abuso do direito.
Pergunta do aluno.
Resposta: dogmaticamente vai se falar em abuso apenas nas hipóteses em que a lei não coíbe porque
se a lei não coíbe, mas o limite é meramente principiológico aí sim vamos falar de abuso de direito.
Quer ver uma projeção disso lá para a exceção de contrato não cumprido que dá para a gente
imaginar? Vamos ver que dentro da lógica da exceção de contrato não cumprido se sustenta que se
uma das partes cumpre parcialmente as suas prestações a outra também não vai poder exigir o
cumprimento da prestação. Quer dizer, se eu cumpro parte das minhas prestações, eu não posso exigir
o cumprimento dela, é a exceptio non rite adimpleti contractus. Está dentro da exceção de contrato não
cumprido e vamos ver lá.
Vejam o seguinte: se eu cumpro parte, mas eu cumpro quase tudo, o que a boa fé objetiva e a teoria do
adimplemento substancial vão estabelecer? Que aquela parte que recebe quase tudo não pode se
recusar a cumprir a sua própria prestação, quer dizer, é a teoria do adimplemento substancial limitando
a aplicação literal da exceção do contrato não cumprido.
Pergunta do aluno.
Resposta: o artigo 477 está dentro do capítulo do contrato não cumprido, mas a doutrina chama o artigo
477 de exceção de insegurança, questão lá do Pontes de Miranda... É quando há uma desproporção
econômica superveniente que autoriza exigir antecipadamente. Na verdade aqui a gente tem uma regra
positivada que se inspira na boa fé objetiva e que impõe essa exigibilidade antecipada. Quando a lei
tipifica determinada conduta inspirada num princípio, a gente não vai falar em abuso vai se falar em ato
ilícito.
Outro exemplo: cobrança antecipada de juros no caso de pagamento antecipado da dívida. O CDC
proíbe, então a instituição financeira que cobra antecipadamente em relação de consumo é ato ilícito.
Vamos ver que o Código Civil não proíbe explicitamente essa conduta, mas a gente vai poder falar no
Código Civil em abuso de direito porque veremos que há valores que coíbem essa conduta em que
pese o silencio do Código Civil.
Outro exemplo: assunção de dívida que é o devedor originário transferindo a dívida para um terceiro.
Por razões óbvias, assunção de dívida pressupõe consentimento expresso do credor, está lá no artigo
299, tem que ter consentimento expresso.
Tem uma exceção, a exigência de consentimento expresso no artigo 303 que é basicamente a hipótese
em que o adquirente do imóvel hipotecado quer assumir a dívida do alienante. Nesse caso, em que o
adquirente do imóvel hipotecado quer assumir a dívida do alienante, o legislador admite o
consentimento presumido... Diz que o silencio do credor em 30 dias importa em concordância, por quê?
Por que o legislador aqui flexibilizou em relação à exigência de consentimento expresso? Porque há
garantia hipotecária, quer dizer, a hipoteca com seqüela, com ambulatoriedade resguarda os interesses
do credor.
O que parte da doutrina começou a sustentar foi que a recusa do credor na assunção de dívida, no caso
do artigo 303, a recusa tem que ser justificada. O Código não exige justificativa, ao contrário, pela
literalidade do Código é direito potestativo do credor aceitar ou não.
Por que a doutrina passou a exigir justificativa? Porque a recusa injustificada pode configurar abuso do
direito. Isso está no Enunciado 353.
Enunciado 353, CJF: Art. 303: A recusa do credor, quando notificado pelo adquirente de imóvel
hipotecado comunicando-lhe o interesse em assumir a obrigação, deve ser justificada.
Pergunta do aluno.
Resposta: só no caso do artigo 303 que é hipótese que prevê questão do imóvel hipotecado.
O importante é desde logo a gente perceber isso, se há vedação legislativa, por essa segunda corrente,
a gente vai falar em ato ilícito. Só tem graça falar em abuso do direito quando não há vedação
legislativa, quando a limitação é principiológica.
Quem defende essa segunda posição com muita ênfase, mais uma vez, é o Gustavo Tepedino.
A pergunta do MP foi se o abuso do direito é ato ilícito, o examinador claro, estava provocando essa
questão.
Vejam, o Tepedino procurou o Moreira Alves, que foi quem fez a redação do artigo 187, para indagar
se era ilícito mesmo, se não tinha diferença nenhuma e aí o Moreira Alves respondeu exatamente o
que está no quadro, que na verdade temos um ato ilícito lato sensu que se subdivide no stricto sensu e
no ato antijurídico. Quando o artigo 187 diz que o abuso é ato ilícito está falando em ato ilícito lato
sensu, que é a posição da 2ª corrente.
Pergunta do aluno.
Resposta: dentre os manuais é minoritária, sem dúvida. Os manuais em geral se restringem a repetir a
literalidade do artigo 187 e dizem que abuso é ato ilícito e ponto final, sem muito justificar.
Percebam que o Código Civil de 16 ele não previa o instituto do abuso de direito, não previa e nem
deveria, por que uma das características do Código de 16 qual era? Pretensão de completude. O
Código de 16 tinha a pretensão de regulamentar todos os conflitos de interesse, então num ambiente
em que a pretensão de completude das duas uma: ou a lei proíbe e o ato é ilícito ou a lei não proíbe e o
ato é lícito, não há espaço, não há ambiente para abuso do direito.
Então, qual é a premissa para o abuso do direito? A premissa é a idéia da ascensão dos princípios no
ordenamento jurídico, é pressuposto a configuração do abuso de direito a admissibilidade do abuso de
direito que haja uma ascensão principiológica na interpretação e na aplicação do direito positivo. Quer
dizer, tem tudo a ver abuso de poder e pós- positivismo, o direito positivo devendo ser interpretado e
aplicado em harmonia com os princípios.
Sabe o que dá para perceber com clareza? Lembra aquela historinha da técnica de subjunção, “dá-me o
fato que eu te dou a norma”, receita de bolo? A técnica de subjunção se torna insuficiente para a
solução dos conflitos de interesse no direito civil contemporâneo. Na verdade, não há mais como dar o
fato e aplicar-se automaticamente a norma, porque na aplicação da norma o juiz há de imprimir uma
carga valorativa e nem sempre há uma norma explicita solucionando a questão, em muitas vezes a
solução decorre de uma construção principiológica.
Então, na verdade nós temos a insuficiência da teoria da subsunção, da técnica de subjunção dentro da
sistemática atual do direito civil contemporâneo.
No Informativo nº 368 saiu um julgado sobre bem de família questão lá do separados de fato...
Basicamente o casal se separou de fato e ambos alegavam impenhorabilidade do respectivo bem de
família.
O STJ rechaçou a argumentação da impenhorabilidade dos dois imóveis basicamente sobre o
argumento de que a separação de fato não rompe a sociedade conjugal, na verdade ambos eram co-
proprietários de ambos os imóveis e na verdade a separação de fato, propiciando a impenhorabilidade
dos dois imóveis, poderia ser um instrumento para consolidação de fraude a lei.
Teve outro julgado interessante, lembram aquela questão do dano moral, legitimidade dos parentes
falecidos, estão lembrados? Do artigo 12, §único e artigo 20,§único? Tínhamos visto que a doutrina era
no sentido de se entender que aqueles parentes falecidos postulariam dano moral próprio, aquela idéia
do dano moral indireto.
Foi exatamente o que o STJ fez no RESP 913131, falando que na verdade era o dano moral próprio de
cada um dos familiares, inclusive o STJ nesse julgado repudiou, afastou legitimidade do espólio
exatamente por ter legitimação de pessoal, é de cada um dos parentes.
DANO MORAL. FOTOGRAFIA.
Houve a publicação de uma fotografia em um semanário de circulação entre fiéis de uma denominação.
Naquela, não constava identificação da ofendida (já falecida) ou mesmo qualquer ataque a sua pessoa
no texto jornalístico, apenas houve a divulgação, por uma vez, de sua imagem retirada do contexto da
publicação originária (ocorrida sete anos antes) e acompanhada de tarjas em seus olhos. Nesse
contexto, vê-se que o ressarcimento do dano moral pleiteado pelos membros da família da ofendida
(cônjuge e filhos) constitui direito pessoal não advindo de herança: trata-se de direito próprio, sendo
certo que lhes remanesce legitimidade na defesa à imagem da falecida. Porém, o espólio não tem
legitimidade para pleitear a indenização em nome próprio, devendo ser excluído do pólo ativo. Quanto à
indenização, há que se adequar o valor fixado a título de dano moral nas instâncias ordinárias aos
patamares praticados neste Superior Tribunal, reduzindo-o para R$ 145.250,00, quantum a ser rateado
entre os autores e suportado igualmente entre as rés. Precedentes citados: REsp 697.141-MG, DJ
29/5/2006; REsp 521.697-RJ, DJ 20/3/2006, e REsp 348.388-RJ, DJ 8/11/2004. REsp 913.131-BA, Rel.
Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF da 1ª Região), julgado em 16/9/2008.
Tem mais um Julgado aqui que vale a pena ressaltar, apesar de não termos chegado lá ainda, mas já
chegamos a falar em venire, não é? Numa das poucas ocasiões em que o STJ explicitamente se
manifestou acerca da venire, foi no último Informativo que foi o seguinte:
Direito Empresarial... Uma pessoa emitia uma duplicata e ela circulou, foi endossada sem o aceite. O
STJ entendeu que apesar da ausência do aceite aquela duplicata era válida e eficaz, porque o aceitante
apesar de ser pessoa jurídica diversa do emitente era administrada pelo mesmo sócio controlador do
emitente. A mesma pessoa física, o mesmo administrador controlava, administrava a pessoa jurídica
emitente e a pessoa jurídica ao qual incumbia o aceite.
Nesse caso, o STJ aplicou a venire contra factum proprium dizendo que não pode a pessoa jurídica
aceitante se recusar ao aceite na medida em que ela é administrada pelo mesmo sócio que gerencia a
pessoa jurídica emitente.
Foi interessante porque foi, entre aspas, eu não colocaria isso em uma prova, mas foi entre aspas, uma
desconsideração da personalidade jurídica distinta para aplicar a venire, porque na verdade as pessoas
jurídicas eram diversas, mas a pessoa física controladora era a mesma. RESP 957769.
DUPLICATA. NULIDADE. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM.
Atento à vedação de venire contra factum proprium, não há como se acolher a nulidade, por falta de
lastro, de duplicata endossada e posta em circulação sem aceite, enquanto a emitente e a sacada, não
obstante serem pessoas jurídicas diversas, são administradas por um mesmo sócio cotista, responsável
tanto pela emissão quanto pelo aceite. Precedente citado: REsp 296.064-RJ, DJ 29/3/2004. REsp
957.769-PE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 16/9/2008.
Continuação de Ato e Negócio Jurídico
Na última aula paramos naquela dicotomia ato e negócio jurídico. Para grande parte da doutrina a
dicotomia para aí. Só que nos vimos no quadro dispositivo que para muitos há uma terceira via que seria
o ato fato, que ficou faltando comentar.
Qual é a característica básica do ato fato? No ato fato, o ordenamento jurídico não leva em conta a
vontade para a sua prática e sim as respectivas conseqüências. Quer dizer, na teoria do ato fato, a
vontade desencadeadora para a prática do ato fato ela é considerada desimportante para o
ordenamento jurídico, o que o ordenamento jurídico prioriza são as conseqüências decorrentes da
prática do ato fato.
Exemplos de ato fato: artigos 1264 a 1266 que tratam lá na parte especial do chamado achado do
tesouro. Outro exemplo: para muitos a ocupação, artigo 1263.
Lembram da ocupação? Aquisição originária de bem imóvel da coisa sem dono? Vamos ver mais
adiante e ainda a especificação, artigo 1269: aquele que trabalhando em matéria prima, em parte alheia
ou não tiver espécie nova, desta será proprietário se não puder restituir a forma anterior.
Há uma semelhança aí, porque muitos inclusive não concebem o ato fato como categoria autônoma,
para muitos nós teríamos apenas os atos jurídicos e os negócios jurídicos.
Mas qual seria uma diferença essencial entre ato fato e os atos jurídicos stricto sensu? Nós vimos que
nos atos jurídicos stricto sensu é irrelevante a vontade para a produção dos efeitos, as conseqüências
decorrem da lei. Só que a prática do ato jurídico stricto sensu pressupõe manifestação de vontade. No
ato jurídico, a vontade não é determinante para as conseqüências, mas ela é determinante para a sua
respectiva prática.
No ato fato não. No ato fato, a vontade para a prática do ato fato ela é desimportante, o ordenamento
jurídico mira nos efeitos, nas conseqüências.
Possível efeito prático disso? Reconhecimento voluntário de paternidade é ato jurídico stricto sensu, não
é? Não cabe erro? Sim. Agora, em relação a achado de tesouro, ocupação não cabe erro, por quê?
Porque a vontade é necessária, a prática do achado do tesou ou para a ocupação ela é desimportante.
A teoria dos vícios do negócio jurídico ela é inaplicável aos atos fatos. Nada impede, por exemplo, que o
tesouro seja achado por um incapaz independentemente de representação ou assistência. Quer dizer, o
incapaz pode praticar atos fatos diferentemente do que ocorre com os atos jurídicos stricto sensu, quer
dizer, em regra os incapazes têm necessariamente que ser representados ou assistidos.
Quem defende ato fato como categoria autônoma, alguns autores importantes, o Pontes de Miranda,
Moreira Alves, Carlos Roberto Gonçalves, Christiano Chaves de Farias e Vicente Rao.
Há quem diga que o Emílio Betti (autor italiano) defende que o ato fato não seria uma espécie
autônoma, seria uma modalidade de fato jurídico stricto sensu.
Por que o Emílio Betti pensa dessa forma? Porque no ato fato a vontade, como vimos, ela é
desimportante. Só que na verdade essa posição é minoritária e no Brasil ela não teve receptividade
porque o fato jurídico stricto sensu decorre de um acontecimento natural, o ato fato não, ele decorre da
vontade só que ela é tida como desimportante pelo ordenamento jurídico, o ato fato não decorre de um
evento natural, de um evento da natureza.
Elementos Naturais
Como o próprio nome já nos sugere, os elementos naturais são aqueles que decorrem naturalmente da
celebração do negócio independentemente de previsão contratual.
Exemplos clássicos de elementos naturais são os vícios redibitórios e a evicção. Quer dizer, para que
haja a incidência da teoria dos vícios ou da evicção não se exige previsão contratual. Vício redibitório e
evicção são elementos que decorrem naturalmente da celebração do negócio.
Agora, a questão aí é a seguinte: será que em tese podem as partes, por cláusula contratual, afastar a
incidência desses elementos naturais? O que se sabe é que esses elementos naturais. O que sabemos
é que os elementos naturais se aplicam independentemente de acordo, decorrem da própria natureza.
Agora, será que as partes podem afastar esses elementos naturais por elementos de vontade?
Regrinha que cai muito em prova de múltipla escolha: artigo 448 que explicitamente prevê a
possibilidade das partes excluírem a responsabilidade pela evicção.
Também se admite a chamada cláusula no estado em que se encontra. A jurisprudência também admite
a chamada cláusula no estado em que se encontra. Essa cláusula, em tese, tem um condão de afastar
os vícios redibitórios que é muito comum em objetos usados.
Vou sugerir essa remissão porque é importante, nós vimos que o artigo 448 explicitamente autoriza as
partes excluírem a responsabilidade pela evicção. Só que essa possibilidade explicitamente
contemplada pelo artigo 448 é inaplicável em contrato de adesão, artigo 424.
Sugiro a remissão do artigo 448 para o artigo 424 que diz lá: nos contratos de adesão são nulas as
cláusulas que estipulem a renuncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
“Direito resultante da natureza do negócio” diz respeito justamente a que? Aos elementos naturais do
negócio jurídico.
Pergunta do aluno.
Resposta: no caso da evicção, por exemplo, a questão é um pouco delicada. Vou responder
superficialmente só para não fugirmos muito. No caso de exoneração específica dos riscos da evicção,
quer dizer, o contrato exclui a responsabilidade pela evicção por conta de um determinado fato, a
usucapião em favor de Pedro.
Se houver usucapião de Pedro, que é justamente o fato previamente contemplado no contrato, nós
veremos que a doutrina entende que estaríamos diante de um contrato aleatório. Em havendo aqui um
contrato aleatório não haveria aqui qualquer responsabilidade do alienante pela evicção.
Já no caso de exoneração genérica, vamos ver que será aplicado os efeitos do artigo 449, quer dizer, o
evicto vai ter direito ao preço que pagou.
Então, na verdade, a área aqui ela vai ter que ser analisada no caso concreto, se for exoneração
específica, por exemplo, é indiscutível que o contrato é aleatório. Vamos deixar para ver isso mais
adiante para ficar melhor sistematizado.
Então, só resumindo, os elementos naturais decorrem naturalmente da celebração do negócio, as
partes em tese podem afastá-los com a ressalva dos contratos de adesão, artigo 424, que prevê que o
aderente não pode renunciar antecipadamente a um direito resulta da natureza do negócio. Direito que
resulta da natureza, entenda-se: elementos naturais.
Elementos Acidentais
Os elementos acidentais, como o próprio nome já parece sugerir, são aqueles que podem ou não
constar no negócio jurídico. Na verdade, esses elementos acidentais só se farão presentes se houver
manifestação de vontade.
Os elementos acidentais previstos no Código, que veremos ainda hoje: condição, termo e encargo.
Interpretação dos Negócios Jurídicos
Tema importante aqui, saindo desses elementos do negócio jurídico, envolve a questão da interpretação
dos negócios jurídicos. A interpretação dos negócios jurídicos se aplica naquelas hipóteses em que se
constata divergência entre a vontade declarada e a vontade interna.
Sobre essa questão da interpretação, quer dizer, qual delas vai prevalecer: se é a vontade declarada ou
se é a vontade interna? Tem duas correntes que são as clássicas, são as duas correntes tradicionais:
Teoria da vontade, defendida pelo Savigny, aquele mesmo lá da teoria subjetiva da posse. Teoria da
vontade preconiza a prevalência da vontade interna, isso porque a vontade interna seria a vontade real.
Essa teoria parece um absurdo hoje, a gente imaginar que a vontade interna vai sempre prevalecer
sobre a vontade declarada. Mas ela já fez sentido num outro contexto, no contexto em que o princípio
da autonomia privada era um valor absoluto. Quer dizer, era um contexto em que o Estado não
intervinha nas relações privadas, a vontade individual era o valor absoluto e, portanto fazia sentido a
teoria da vontade.
Teoria da declaração, em que prevalece a vontade declarada. O argumento básico é a segurança
jurídica.
Essas duas teorias são teorias extremadas, são as duas teorias clássicas, uma defendendo sempre a
vontade interna e a outra sempre defendendo a vontade declarada.
Recentemente surgiram duas novas teorias que representam aí um sistema híbrido, como que um meio
termo entre a teoria da vontade e da declaração.
A primeira seria a chamada Teoria da Responsabilidade. Essa teoria defende a prevalência da vontade
interna, salvo se o declarante é o responsável (culpa) pela divergência.
Lembra no Código de 16 aquela história do erro escusável? O erro para gerar a nulabilidade tinha que
ser escusável, teoria da responsabilidade. Quer dizer, se o declarante incorreu em culpa na divergência
entre a vontade de declarar e a vontade interna, prevaleceria a vontade declarada. Na ausência de
culpa prevaleceria a vontade interna.
Só que modernamente o que está em voga é a outra teoria que é a chamada Teoria da Confiança, o
princípio da confiança. O princípio da confiança está previsto no Enunciado 363.
Enunciado 363, CJF: Art. 422: Os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, sendo
obrigação da parte lesada apenas demonstrar a existência da violação.
Qual é a síntese aí do princípio da confiança? Prevalece a vontade declarada desde que a mesma
venha a conduzir outrem a uma legítima expectativa que está intimamente atrelada a idéia de boa fé
objetiva que o artigo 113 explicitamente prevê.
O artigo 113 prevê explicitamente a boa fé objetiva dentro de uma das suas funções que é exatamente a
da interpretação dos negócios jurídicos. Diz lá o artigo 113: os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa fé e os usos do lugar da sua celebração. A doutrina é unânime em afirmar
que o artigo 113 se refere a boa fé objetiva.
Nós veremos que a boa fé objetiva tem uma tríplice função e uma delas é de interpretação, artigo 113.
Então, o artigo 113 ao contemplar a boa fé objetiva reforça o princípio da confiança.
Vamos dar uma olhada no artigo 112: nas declarações de vontade se atenderá mais a intenção nelas
consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
Quando o Código faz menção “a intenção” há quem ressalte aqui que o Código, no artigo 112, teria se
inclinado em favor da teoria da vontade ao falar em intenção, intenção elemento subjetivo. Só que na
verdade, atualmente a tendência vem sendo no sentido de que o artigo 112, a bem da verdade, vem em
harmonia com a teoria objetiva, teoria da declaração.
É outra interpretação sobre o artigo 112, porque a primeira posição entende que o artigo 112 teria se
inclinado em favor da teoria da vontade, só que hoje o que se entende é que o artigo 112 estaria em
harmonia com a teoria da declaração.
Porque, olha só, diz o artigo 112: nas declarações de vontade se atenderá mais a intenção nelas
consubstanciada... “Nelas” se refere às declarações.
A redação do Código de 16 era diferente. A redação do Código de 16 conjugava a intenção com a
expressão vontade. O Código atual conjuga intenção com a expressão “declarações”. Então, na verdade
o artigo 112 viria em harmonia com a teoria da declaração.
Em síntese, a luz da boa fé objetiva, princípio da confiança.
Caiu numa prova da Magistratura federal na 1º fase o que é princípio da confiança, então era só
resumir essa questão da legítima expectativa.
Pergunta do aluno.
Resposta: aí o artigo 112 junto com o artigo 113, que ressalta a boa fé objetiva, afasta a teoria da
vontade e aí a conseqüência que a doutrina traz é a seguinte: o artigo 112 com o artigo 113 evidencia a
adoção do princípio da confiança, porque o artigo 112 alterando a sistemática anterior se afasta do
aspecto meramente subjetivo, não conjuga mais a intenção com a vontade e sim com a declaração. E o
artigo 113 impõe que essa declaração tem que ser interpretada em harmonia com a boa fé objetiva que
gera proteção da legitima expectativa. Então, numa interpretação sistemática, princípio da confiança.
Vamos olhar agora um tema de dificílima aplicação pratica, mas que vem caindo com muita freqüência
que é a reserva mental sinônimo de reticência. Artigo 110.
Antes de entrar na reserva mental, é uma conclusão que acabamos de dizer, mas que será muito útil
daqui para frente. Quando se fala na teoria da responsabilidade, o ordenamento jurídico se preocupa
com a culpa do declarante. Quer dizer, o foco de atenção do ordenamento jurídico se concentra no
declarante. Quando a gente desloca a questão para o princípio da confiança, a preocupação central
deixa de ser a culpa do declarante e passa a ser a legitima expectativa de terceiros.
A preocupação se desloca do declarante para o declaratário e percebam que esse deslocamento vem
em harmonia com o princípio constitucional da solidariedade. Porque o princípio constitucional da
solidariedade projeta para as relações privadas o que? A necessidade de observância da legítima
expectativa e a proteção a legitima expectativa vem a harmonia com o princípio constitucional da
solidariedade que como vimos é um dos princípios da dignidade da pessoa humana.
Repetindo:
O deslocamento da preocupação com a culpa do declarante (teoria da responsabilidade) para a legítima
expectativa do declaratário (princípio da confiança) vem em harmonia com princípio constitucional da
solidariedade, artigo 3º, I da Constituição.
O que vamos perceber é que o princípio constitucional da solidariedade afasta cada vez mais do direito
civil aquela idéia de punição e está mais preocupado com a proteção de legítima expectativa.
Por exemplo, o campo da responsabilidade civil, que veremos mais adiante, qual é o efeito do princípio
constitucional da solidariedade? Ampliação da responsabilidade civil objetiva, porque o objetivo da
responsabilidade civil deixa de ser punir o agente causador do dano, e punição pressupõe
reprovabilidade que pressupõe dolo ou culpa e a preocupação passa a ser a reparação dos danos
causados.
O efeito prático é a ampliação da responsabilidade civil objetiva. Na verdade, há um deslocamento aqui
da preocupação por parte do ordenamento jurídico.
Reserva Mental
Então, vamos para a reserva mental, artigo 110, que é sinônimo da reticência.
A redação do artigo 110 é péssima, diz lá: a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor
haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha
conhecimento.
Então, na reserva mental, diz o artigo 110, o sujeito declara algo com a reserva mental de não querer
aquilo que manifestou, daí a expressão reticência, o sujeito é reticente em relação aquilo que declarara.
O que está claro aqui na reserva mental? Que há uma divergência entre a vontade declarada e a
vontade interna. E aí é preciso ressaltar que essa divergência entre a vontade declarada e a vontade
interna. É preciso ressaltar que essa divergência entre a vontade declarada e a vontade interna é uma
divergência intencional, para diferenciar inclusive a reserva mental do erro, do dolo, da coação e, apesar
do silêncio do artigo 110, a doutrina predominante ressalta que também é da essência da reserva
mental a finalidade do declarante de enganar o declaratário.
Para fins de concurso, ninguém é obrigado a lembrar, mas tem regra explicita nesse sentido no artigo
244 do Código Português que é de onde a doutrina extrai esse requisito.
Esse requisito diferencia a reserva mental de que instituto? Da simulação, porque a simulação
pressupõe o que? Um conluio entre o declarante e o declaratário, não é isso? E a finalidade do
declarante em enganar o declaratário diferencia a reserva mental da simulação.
Qual o exemplo que a doutrina sempre trás sempre que fala da reserva mental? Imagine que você tem
um amigo em dificuldades financeiras, jamais emprestaria dinheiro a esse sujeito porque é dinheiro que
vai e não volta. Só que o sujeito está no parapeito de uma janela ameaçando se matar e na eminência
do suicídio do amigo você declara a vontade de emprestar com a reserva mental de não querer aquilo
que manifestou.
Qual é a grande questão aqui da reserva mental e quando cai em prova objetiva o que temos que
lembrar é isso: na reserva mental nós temos uma divergência entre a vontade declarada e a vontade
interna. Qual delas vai prevalecer?
Vamos pensar no princípio da confiança, porque temos uma divergência entre a vontade declarada e a
vontade interna. Se o declaratário não sabe da reserva mental ele não tem uma legítima expectativa?
Então, se ele tem uma legitima expectativa, vai prevalecer a vontade declarada. Por outro lado, se o
declaratário sabe da reserva mental ele não tem uma legítima expectativa. Se ele não tem uma legítima
expectativa não prevalece a vontade declarada e sim a vontade interna.
É isso que diz o artigo 110, vamos reler: a manifestação de vontade ainda que o seu autor tenha feito a
reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento. Então,
dá para fazer uma conexão clara entre reserva mental e princípio da confiança.
Na prova dissertativa tem que fazer a conexão e na prova objetiva se lembrarmos do princípio da
confiança o examinador pode fazer o que quiser lá que a gente equaciona.
Caiu uma questão na segunda fase do concurso para Juiz do Trabalho... Perguntaram o que era reserva
mental e qual seria o princípio interpretativo adotado sobre o instituto.
Tem uma questão aqui que o Código não enfrentou que é a seguinte: se o declaratário sabe da reserva
mental vai prevalecer a vontade interna, qual é o efeito prático sem pensar em termos técnicos? Aquele
negócio verbalizado, exteriorizado não vai prevalecer. Não vai prevalecer, entre aspas, a que título?
Qual é a natureza jurídica daquele negócio que havia sido exteriorizado? Porque o artigo 110 não diz se
esse negocio é nulo, anulável, inexistente.
Primeira corrente: negócio jurídico inexistente, posição predominante. Carlos Roberto Gonçalves,
Christiano Chaves, Moreira Alves.
Por que se diz que o negócio seria inexistente? O artigo 110 ele diz assim: a manifestação de vontade
subsiste ainda que o seu autor tenha feito a reserva mental, salvo de o destinatário tinha conhecimento.
Então, se o destinatário tinha conhecimento o artigo 110 está dizendo que a manifestação de vontade
não subsiste, a hipótese é de inexistência de vontade e se há inexistência de vontade o negócio jurídico
é inexistente. Na verdade, é até uma interpretação literal do artigo 110 a contrario sensu.
Divergindo da posição predominante, Gustavo Tepedino que defende que a hipótese é de nulidade
absoluta, o negócio jurídico será nulo. Pelo seguinte: o Tepedino defende que se o declaratário sabe da
reserva mental nós estaríamos diante de uma hipótese de simulação.
O Tepedino usa aqui, para defender a sua posição, um exemplo do Fábio Ulhoa Coelho: imagine que
tenhamos três titulares de uma pessoa jurídica e sobre essa pessoa jurídica recaem dividas fiscais
expressivas.
Para se esquivarem da responsabilidade por tais dívidas fiscais esses sócios transferem essa
titularidade da pessoa jurídica para um terceiro e se mantêm na qualidade de administradores da
pessoa jurídica.
Vamos supor que depois da transferência da titularidade da pessoa jurídica, aquelas dívidas fiscais
sejam anistiadas.
Qual seria o possível argumento daqueles sócios alienantes? Reserva mental, transferi a titularidade da
pessoa jurídica com a reserva mental de não querer aquilo que manifestei.
Vejam, se o declaratário não sabia da reserva mental, o que já sabemos? Que prevalece a vantagem
declarada. Mas se o declaratário sabia da reserva mental estaríamos diante de uma hipótese típica de
simulação e o efeito da simulação no direito brasileiro qual é? Nulidade do negócio jurídico, artigo 167.
Então, de maneira minoritária o Tepedino defende que a hipótese seria de nulidade com base no artigo
167.
Ainda na reserva mental do artigo 110 acho que vale a pena uma remissão do artigo 110 para o artigo
1899.
O Nelson Neri Júnior e o Eduardo Ribeiro não são minoritários não, é que os manuais em geral não
chegam a tratar do assunto, mas eles defendem que por força desse dispositivo, na hipótese do negócio
jurídico testamento, o artigo 1899 adota a teoria da vontade. Regra especial em relação ao artigo 110.
Diz o artigo 1899: quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes,
prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador. Quer dizer, o artigo 1899
seria a regra especial em relação ao artigo 110 em se tratando de testamento, teoria da vontade.
Silêncio
Vamos dar uma olhada no silêncio. Artigo 111: o silêncio importa anuência quando as circunstancias ou
os usos os autorizarem e não for necessária a declaração de vontade expressa. O artigo 111 deixa
claro que nem sempre quem cala consente. Qui tacet, consentire videtur. O artigo 11 rechaça a idéia de
que cala consente.
Antes de mais nada, não confundir silêncio com declaração tácita de vontade. O silêncio como todos
nós sabemos representa uma abstenção total, já a declaração tácita é aquela extraída do
comportamento de determinada pessoa. Que dizer, o sujeito não diz sim e nem não senão seria
declaração expressa, mas desenvolve uma determinada conduta em relação ao qual é possível extrair a
sua vontade.
Exemplo da declaração tácita: artigo 1805 que prevê a aceitação tácita da herança. Quer dizer, o
herdeiro não diz “aceito a herança”, mas ele intervém no processo inventário, protegendo o seu quinhão
hereditário, aceitação tácita.
E ainda artigo 659, que a aceitação do mandato pode ser tácita e resulta do começo de execução. Quer
dizer, o mandatário não diz “aceito”, mas ele começa a praticar atos em nome, em favor do mandante.
Aceitação tácita.
Vamos tomar cuidado aqui com a parte final do artigo 111 que diz lá: o silencio importa anuência quando
as circunstancias ou os usos o autorizarem e não for necessária a declaração de vontade expressa.
Então, fica claro e evidente que em regra inaplicável o artigo 111 no caso de assunção de divida, artigo
299. Porque em regra a assunção de dívida pressupões o que? Consentimento expresso do credor.
Então, silencio na assunção de divida, não vai gerar a presunção de concordância.
E, por razões óbvias, inaplicável o silêncio como concordância na hipótese de negócio jurídico solene.
Se a lei impõe certa formalidade para a pratica do ato é evidente que o silencio não implicar em
concordância.
Tenho aqui alguns artigos do código que trazem repercussões decorrentes do silencio, anotem: artigo
543; artigo 539; artigo 512; artigo 1640; artigo 529; artigo 1807; artigo 327; artigo 331; artigo 1738; artigo
299,§único e artigo 303.
Fechando a questão da interpretação dos negócios, o artigo 114 diz lá: os negócios jurídicos benéficos
e a renuncia interpretam-se estritivamente.
Como exemplo de negócios jurídicos benéficos: doação pura e comodato.
O Código aqui andou muito bem, cuidado com esse detalhe aí, porque o Código Civil diz que os
negócios jurídicos benéficos e a renuncia interpretam-se estritivamente. O Código não disse
restritivamente, não são sinônimos.
Estritivamente significa que a interpretação não comporta ampliação. É diferente da interpretação
restritiva, porque interpretação restritiva é aquela que limita, diminui a extensão de determinada regra
jurídica.
A Constituição anterior dizia que o casamento era indissolúvel. Só que mesmo no contexto anterior a
morte dissolvia o casamento, interpretação restritiva. O Código diz aqui no artigo 114 interpretação
estritiva.
Vamos ver um exemplo disso. Vamos fazer uma conexão desse dispositivo com o artigo 387. Sugiro
uma remissão recíproca: artigo 114 e artigo 387.
Basicamente o seguinte: regra geral, penhor (direito real em garantia) pressupõe a entrega do objeto
empenhado ao credor, regra geral.
O artigo 387 diz: a restituição voluntária do objeto empenhado prova a renuncia do credor a garantia real
e não a extinção da dívida.
Então, se o credor devolve ao devedor o objeto empenhado o que o artigo 387 diz? Que essa devolução
representa a renuncia ao penhor, renuncia a garantia real, mas dessa devolução não gera a presunção
de remissão. Porque a remissão é uma renuncia, uma modalidade de renuncia que merece
interpretação estritiva, então os dispositivos aí estão interligados.
Condição: a definição está no artigo 121: considera-se condição a cláusula que derivando
exclusivamente da vontade das partes subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.
Dentro da definição da condição nós temos aí alguns requisitos essenciais ai. O primeiro requisito é a
voluntariedade. Outro requisito: que estejamos diante de um evento futuro e, além de futuro, o evento
também deve ser incerto.
Vejam, dentro da questão da voluntariedade é preciso nós não confundirmos as condições propriamente
ditas com as chamadas conditiones iuris.
Pergunta típica de prova oral: qual é a natureza jurídica do casamento em relação ao pacto anti-nupcial?
O pacto só vai produzir efeitos com o casamento, casamento é evento futuro e incerto, o casamento não
é condição suspensiva em relação a eficácia do pacto. Porque na verdade o pacto se condiciona ao
casamento por força de lei.
É a lei que diz que o pacto só produz efeito se houver o casamento, portanto falta o requisito
voluntariedade. Quer dizer, para que haja condição é preciso que o negócio se subordine a um evento
futuro incerto por conta da manifestação de vontade e não por força de lei. Porque se a lei impõe um
determinado requisito para a eficácia do ato, nós não estamos diante de uma condição propriamente
dita.
Vamos supor, vendo esse imóvel de 100 mil reais se for adotado instrumento público. Nós não temos aí
uma condição suspensiva, a adoção de instrumento público na verdade é requisito legal para a validade
e eficácia do ato.
Pergunta do aluno.
Resposta: na verdade as chamadas conditiones iuris no direito brasileiro para sistematizar, a doutrina
chama como requisito legal de eficácia.
Outro elemento que nós vimos é que o evento tem que ser futuro. Em relação a essa exigência, não
confundir as condições as condições que estamos vendo agora com as chamadas condições
impróprias.
Essas condições impróprias, que não seriam condições propriamente ditas, dizem respeito a eventos
passados ou presentes ignorados pelas partes.
Um exemplo que a doutrina coloca: se premiado na loteria ontem... Quer dizer, vamos supor que as
partes ainda não saibam do resultado da loteria, o evento não é futuro. Portanto o evento é passado,
condição imprópria, nós não estaríamos diante de condição propriamente dita.
E o evento tem que ser incerto, por quê? Porque se o evento for futuro e certo nós estaremos diante da
hipótese de termo.
Vamos nos lembrar, ainda dentro dessa visão introdutória, dos chamados atos puros que são aqueles
que não admitem condição.
Nós vimos na aula passada que uma das modalidades de atos puros são os atos jurídicos em sentido
estrito porque neles não há liberdade de regulamentação, só liberdade de iniciativa. Então, como não há
liberdade de regulamentação nos atos jurídicos em sentido estrito, os efeitos decorrem da lei, então não
cabe condição.
Aquela história do reconhecimento voluntário de paternidade sobre condição, não cabe, emancipação
voluntária também não cabe e assim sucessivamente. Então atos jurídicos em sentido estrito.
Outro exemplo de ato puro: direitos da personalidade e o Francisco Amaral também elenca como ato
puro determinados atos unilaterais com eficácia imediata. Aí o Francisco Amaral exemplifica com o
endosso, artigo 912; a gestão de negócios artigos 861 a 875.
Lembram da gestão? Vamos ver mais adiante isso, mas na gestão basicamente o gestor atua em nome
e favor de outrem sem que tenha recebido poderes para isso. Essa ausência de prévia outorga de
poderes é que diferencia gestão de negócios do mandato. Então a gestão também não comportaria
condição.
Ele exemplifica ainda com a chamada concentração. A concentração se aplica nas obrigações
alternativas e nas obrigações de dar coisa incerta. Quer dizer, se tenho que entregar o carro ou a jóia, o
que significa a concentração? A concentração significa a escolha de qual das duas prestações será
cumprida. Então, a concentração também não comportaria condição.
Cuidado aqui com o seguinte: o artigo 121 tratando da condição diz assim: “derivando exclusivamente
da vontade das partes...”. Só que a doutrina é bastante insegura no sentido de afirmar que a condição
também se aplica a negócios jurídicos unilaterais.
O exemplo típico do testamento, nada impede que o testador imponha uma determinada condição
suspensiva e veja que nesse caso não haverá manifestação de vontade das partes, mas apenas do
testador.
Se formos olhar em termos práticos, a condição ela pode ser um instrumento para conferir repercussão
jurídica ao motivo.
Vamos supor que quero comprar um imóvel em Friburgo, porque estou na eminência de ser transferido
para lá. Qual é o motivo para comprar o imóvel em Friburgo? A transferência, só que o motivo em regra
não tem relevância jurídica. O que posso fazer em termos práticos para dar relevância a esse motivo?
Colocar a transferência como condição suspensiva. Então, a condição ela pode ser um instrumento apto
a conferir relevância ao motivo.
Pergunta do aluno.
Resposta: o colega está perguntando se a condição pode impor restrições a outra parte. De forma
resumida, as condições elas tem um caráter eventualmente suspensivo, mas elas são não coercitivas.
Quando se busca dar coercitividade, o instrumento adequado é o encargo porque ele, diferentemente da
condição, não tem natureza suspensiva, mas produz efeitos coercitivos. O doador, por exemplo, ele
pode inclusive revogar doação por inexecução do encargo.
Então, uma das diferenças aí em termos práticos é que o encargo produz efeitos coercitivos em relação
ao destinatário, ao declaratório, diferentemente da condição.
Vamos ver a primeira classificação que é a mais importante de todas: condição suspensiva versus
resolutiva.
O artigo 125 define a condição suspensiva que diz: subordinando-se a eficácia do negócio jurídico a
condição suspensiva enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito a que ele visa. Quer
dizer, na pendência da condição suspensiva, o negócio jurídico não produz efeitos. Então, a condição
suspensiva tem o condão de suspender a eficácia do negócio.
Nós estamos inclusive na hipótese de condição suspensiva diante do exemplo clássico em que o
negócio jurídico pode ser existente, válido e ineficaz. O exemplo típico qual é? Condição suspensiva.
Outro exemplo de negócio existente, válido e ineficaz é o testamento enquanto vivo o testador.
Então vejam, durante a condição suspensiva o negócio não produz efeitos e como o evento é seguro e
incerto pode ser que a condição venha sequer a se consumar.
Esse período em que há incerteza quanto ao advento ou não da condição e conseqüentemente o
advento ou não da eficácia, é chamado de período de pendência. E aí o Código Civil nesse artigo 125
diz lá: “enquanto a condição não se verificar não terá adquirido o direito a que ele visa”.
Remissão do artigo 125 para o artigo 131, por que na pendência da condição suspensiva (em tese) não
há aquisição de direito? Porque o evento é futuro e incerto. Se o evento não se consumar o negócio
jamais produzirá efeitos.
Se pensarmos nessa lógica, fica claro que na hipótese de termo inicial há aquisição de direito porque no
termo inicial o evento é futuro e certo. É isso que diz o artigo 131: o termo inicial suspende o exercício,
mas não a aquisição do direito. Então, uma das diferenças básicas entre a condição suspensiva e o
termo inicial.
A doutrina clássica costuma dizer que nesse período de pendência, aquele que aguarda o advento da
condição suspensiva, teria uma mera expectativa de direito. Clóvis Beviláqua já dizia isso e outros.
A doutrina mais contemporânea vem ressaltando que na verdade não haveria uma mera expectativa de
direito. Na verdade, nesse período de pendência, surge para a parte o chamado direito expectativo.
É curioso registrar o seguinte, a doutrina vem falando em direito expectativo adquirido. Parece até um
contra-senso. O que seria o direito expectativo adquirido? Seria o direito adquirido a produção dos
efeitos decorrentes do negócio caso ocorra o implemento da condição suspensiva. Ou seja, qual seria o
efeito prático de falar em direito expectativo adquirido?
O efeito prático seria que esse direito expectativo ele não pode ser afastado por legislação posterior,
quer dizer, eventual modificação legislativa não atingirá o direito expectativo adquirido caso haja o
implemento da condição.
Porque o que a doutrina mais contemporânea vem dizendo é o seguinte: se a gente só falar em
expectativa de direito o que estaria falando em termos práticos? O sujeito não tem proteção nenhuma,
quando na verdade ele teria o direito expectativo adquirido e essa posição parece resolver um aparente
conflito entre esse artigo 125 com o artigo 6º, §2º da LICC.
Diz o artigo 6º, §2º da lei de introdução: consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular ou
alguém por ele possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo ou condição
pré estabelecida inalterável ao arbítrio de outrem. Quer dizer, o artigo 6º está dizendo que o direito
pendente de condição suspensiva é direito adquirido em aparente conflito com o artigo 25.
Só que a lei de introdução está resguardando o que? O direito expectativo adquirido que não se
confunde com o direito visado pela prática do negócio. Quer dizer, em relação ao direito visado
praticado decorrente do negócio haveria uma mera expectativa de direito porque pode ser que ocorra ou
não. Mas em relação ao direito expectativo, ele seria adquirido e já integraria o patrimônio do indivíduo.
E aí percebam que por conta dessa perspectiva o Silvio Rodrigues e o Gustavo Tepedino ressaltam
explicitamente que esse direito expectativo adquirido é inclusive transferível a terceiros justamente por
ser um valor patrimonial incorporado ao patrimônio.
Sugiro então a remissão desse dispositivo artigo 125 para o artigo 6º, §2ª da LICC para lembrarmos
desse aparente conflito.
Tem outra questão que é a seguinte: vamos supor que haja um negócio sujeito a condição suspensiva
sem qualquer limite temporal para a ocorrência dessa condição suspensiva. Quer dizer, doar-te-ei um
imóvel se passares no vestibular.
Quem cuida do tema aqui diz que se não houver prazo pré-estabelecido é possível que uma das partes
venha a requerer em juízo a fixação de um prazo razoável. Porque, vejam, a ausência total de limite
temporal a condição suspensiva geraria uma indefinição ad eternum em relação ao direito focado no
negócio. Quer dizer, a inexistência de limites temporais ao implemento da condição suspensiva, traria
insegurança jurídica.
Nós teríamos a possibilidade um período de pendência ad eternum. Então, se não houver limite
temporal previsto no negócio para a condição suspensiva é possível que haja fixação judicial de um
limite temporal razoável para o implemento da condição suspensiva. Quer dizer o período razoável vai
variar de acordo com o caso concreto.
Então, um exemplo que o Eduardo Ribeiro traz: vamos supor que a condição suspensiva para
aquisição de um determinado imóvel seja a obtenção de uma determinada licença para construir
naquele imóvel sem que haja limite temporal para definição se haverá ou não a concessão da licença. É
possível que o Juiz fixe um prazo razoável para a obtenção daquela licença, findo qual aquela condição
suspensiva deixa de produzir efeitos.
Cuidado, porque essa posição além do Eduardo Ribeiro é defendida por Gustavo Tepedino. Não
chega a ser minoritária a posição porque os manuais normalmente silenciam sobre o tema.
Pergunta do aluno.
Resposta: o Tepedino não chega a colocar isso explicitamente, mas a legitimidade para requerer a
fixação é da parte que integra o negócio jurídico e eventualmente pode ser o sucessor não o sucedido.
Quer dizer, se houve eventual transferência do direito expectativo, como defende o Tepedino e o Silvio
Rodrigues, quer dizer, a legitimidade para requerer a ação judicial vai ser do sucessor. Porque o
sucessor na verdade passa a ser o titular do direito expectativo, então a legitimação não seria para o
sucedido e sim para o sucessor.
Quer dizer, não seria hipótese da parte contratante originária pleitear a fixação judicial em detrimento do
sucessor. A legitimação seria daquele que integra naquele momento... Daquela que tenha a titularidade
do direito expectativo.
Vamos dar uma olhada no artigo 126: se alguém dispuser de uma coisa sobre condição suspensiva e
pendente esta fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor realizada a condição se com
ela forem incompatíveis.
Exemplo: eu celebro um negócio sob condição suspensiva de um determinado imóvel e na pendência
dessa condição suspensiva, naquele período de pendência eu alieno aquele imóvel para terceiro.
O que o artigo 126 está dizendo? Se houver o implemento da condição suspensiva, essa segunda
alienação não produz efeitos, porque essa segunda disposição foi incompatível como implemento
daquela condição suspensiva.
Alguns aspectos aqui importantes: há uma primeira posição que ressalta que o artigo 126 consagraria a
retroatividade da condição suspensiva. Essa primeira corrente é defendida pelo Arnaldo Rizzardo e
pelo Washington de Barros Monteiro.
Por que essa corrente defende que seria retroatividade da condição suspensiva? Porque se houver o
implemento da condição suspensiva, o artigo 126 está dizendo o que? Que aquelas alienações
posteriores se desconstituem, então a condição suspensiva estaria provocando efeitos ex tunc.
Bom, vamos sistematizar isso bem. Quais seriam aí exemplos práticos decorrentes do art. 126, antes da
gente ver a segunda corrente? Vamos partir da premissa que produz efeitos ex tunc e depois vemos a
2ª corrente para sistematizar.
Hipóteses que se aplicariam o artigo 126: na hipótese de venda a terceiro, penhora superveniente por
dívida do titular do bem, arresto ou seqüestro e penhor ou hipoteca.
Pergunta do aluno.
Resposta: me parece que teríamos uma hipótese em que há um interesse jurídico do terceiro na fixação
judicial, sem dúvida alguma. O credor hipotecário, o credor pignoratício, quer dizer, teríamos aí um
terceiro interessado na fixação judicial\, porque nesse caso ele terá o interesse jurídico.
Em tese é aplicável o dispositivo nessas circunstancias, está certo? Exceções a aplicabilidade do artigo
126 nessas circunstâncias:
Primeiro: no caso de bens fungíveis, porque se for bem fungível ele é substituível por outro de mesma
quantidade, qualidade e espécie, artigo 85 que é o que define bens fungíveis.
Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e
quantidade.
Tem outra hipótese que tem tudo a ver com o princípio da confiança. Se a gente estiver diante de um
negócio envolvendo bem imóvel, essa condição suspensiva tem que estar averbada no registro. Porque
o artigo 126, ao supostamente trazer esses efeitos ex tunc como quer a 1ª corrente, acaba gerando
oponibilidade erga omnes, porque ela atinge terceiros adquirentes. Na verdade, a condição tem que
estar registrada para que haja a proteção a legítima expectativa de terceiros.
Pergunta do aluno.
Resposta: ainda que não haja uma previsão explicita, se tiver resolve, mas a condição, elemento
acidental do negócio jurídico e a condição ela não se presume, ela pressupõe acordo de vontade.
Então, em tese a condição ela deve constar no instrumento, digo instrumento público se for bem imóvel.
Então se houver averbação de instrumento público... Tentando pensar no seguinte, cabe a inscrição
mesmo que não haja previsão explicita, a inscrição cabe. Porque na verdade a condição ela vai estar
incerta no próprio instrumento e a inserção do instrumento junto ao registro com a condição já seria
suficiente para a proteção da legítima expectativa de terceiros.
Agora, se for bem imóvel não sujeito a registro, a regra não se aplicará em face de terceiros adquirentes
de boa fé. Posição essa majoritária em sede doutrinária.
Então, a 1ª corrente defende que estamos diante de uma hipótese de retroatividade por conta desses
efeitos que acabamos de ver. Esses efeitos são incontroversos sem duvida alguma o artigo 126
estabelece, e por conta desses efeitos, a 1ª corrente defende que a hipóteses seria de retroatividade.
A segunda posição defende que o artigo 126 não traz propriamente retroatividade, mas apenas
resguarda o direito expectativo do credor condicional. Porque o que a 2ª corrente defende é o seguinte:
a questão da retroatividade da condição suspensiva traria outros efeitos que não apenas esses do artigo
126.
Por exemplo: em relação aos frutos percebidos, se nós entendermos que a condição suspensiva produz
efeitos retroativos como quer a posição majoritária qual seria a conclusão? Os frutos percebidos teriam
que ser restituídos quando na verdade os frutos percebidos não serão restituídos, eles ficam com
aquele que já os percebeu a época em que exercia a titularidade sobre o bem.
Tem até uma regrinha aqui, que parece deixar bem claro essa solução, em relação aos frutos que é o
artigo 237, §único trata da teoria dos riscos e diz assim: os frutos percebidos são do devedor cabendo
ao credor os frutos pendentes.
Quer dizer, se alguém tem uma obrigação de dar e a obrigação de dar pode decorrer do implemento da
condição suspensiva, o artigo 237, §único diz que quem tem obrigação de dar, o devedor que tinha
obrigação de dar tem direito aos frutos percebidos antes da tradição.
Outra questão que parece evidenciar que não estaríamos diante de retroatividade, em relação aos
riscos por perda ou deterioração sem culpa. Se há perda ou deterioração sem culpa qual é a máxima
aplicada?
A coisa perece para o dono (res perit domino) e, na verdade a coisa vai perecer para quem? Para o
atual titular do direito, quer dizer, ele é que vai suportar os riscos pela perda ou deterioração sem culpa.
Não vai ser o credor condicional, vai ser aquele que a época do perecimento titularizava o bem, está lá
no artigo 234 1ª parte que veremos mais adiante.
E tem outra questão ainda em relação às benfeitorias, porque se for efeitos retroativos em geral como
quer a primeira corrente todas as benfeitorias realizadas terão que ser indenizadas.
Em relação às benfeitorias, a doutrina ressalva que a benfeitorias necessárias devem ser indenizadas.
Porque o artigo 1220, que veremos mais adiante, diz que até o possuidor de boa fé tem que indenizar
as benfeitorias necessárias. Então, relação às necessárias não haveria dúvida.
Agora, dúvidas podem haver em relação as úteis. O que acontece se o atual titular do direito fizer
benfeitoria útil? Será que com o implemento da condição suspensiva o credor condicional vai ter que
indenizar aquela benfeitoria útil?
Nesse caso, é aplicado por analogia o artigo 505 que trata da retrovenda que é o seguinte: o alienante
transfere a propriedade, só que o alienante se reserva o direito potestativo de reaver o bem dentro de
um determinado prazo. Condição, não é isso?
O artigo 505 explicitamente diz que só serão indenizadas as benfeitorias úteis se autorizadas pelo titular
do direito expectativo. Quer dizer, estamos diante de um negócio jurídico condicional e o artigo 505 seria
aplicado por analogia a outras hipóteses que não apenas na retrovenda.
Então, o que a 2ª corrente ressalta é o seguinte: não há uma regra sobre retroatividade ou
irretroatividade das condições suspensivas, o artigo 126 não traz uma regra. A análise da retroatividade
ou não há de ser vista no caso concreto e essa é a posição predominante da doutrina. Então, o artigo
126 não traria propriamente o princípio da retroatividade.
Vários autores nesse sentido: Orlando Gomes, Francisco Amaral, Caio Mário, vários autores nesse
sentido.
Visto aí a condição suspensiva vamos dar uma olhada na condição resolutiva artigo 127.
Na condição resolutiva, o negócio vai produzindo efeitos até que haja o implemento da condição
resolutiva. É o inverso da suspensiva. A condição resolutiva é aquela que tem por efeito resolver,
extinguir os efeitos do negócio e daí a expressão resolutiva.
O Código de 16 tinha uma impropriedade técnica que foi corrigida no atual pelo seguinte: o Código de
16 no artigo 119, §único tratava da chamada condição resolutiva tácita. Essa antiga condição resolutiva
tácita do artigo 119, §único do Código de 16 saiu dos capítulos das condições e foi para o artigo 475.
Atualmente ninguém mais fala em condição resolutiva tácita, quando a doutrina se refere ao artigo 475 a
expressão utilizada é cláusula resolutiva tácita.
O que está lá no artigo 475 é que se uma das partes descumpre o contrato a outra pode pedir a
resolução. Vejam que não estamos diante de uma condição efetivamente, primeiro porque ela é tácita e
a condição pressupõe acordo de vontades.
Vejam que esse efeito resulta da lei, quer dizer, além de tácita ela se opera ex vis legis, então o Código
anterior cometia uma impropriedade ao inserir o dispositivo no capítulo das condições.
O artigo 127 diz lá: se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio
jurídico podendo exercer desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido. Quer dizer, o que o
artigo 127 diz é o que acabamos de mencionar: enquanto não houver o implemento da condição
resolutiva o negócio produz efeitos.
Aquele que é titular de um direito sujeito a condição resolutiva tem faculdade jurídica de disposição
sobre àquele bem? Qual a questão que de vez em quando cai? Propriedade resolúvel. Qual é a lógica
da propriedade resolúvel? Sujeito tem uma propriedade sujeita a condição resolutiva.
Exemplo clássico é aquele da doação com cláusula de reversão (artigo 547) e como é isso? O doador
transfere para o donatário e diz: “olha donatário de você morrer antes de mim os bens voltam para mim”.
O pré-falecimento do donatário em relação ao doador é condição resolutiva.
A dúvida é se esse donatário que é titular do direito de propriedade sujeito a condição resolutiva tem
faculdade de disposição. Quer dizer, será que o donatário pode vender o bem para terceiros? Pode,
vale a pena para a gente não se esquecer disso a remissão do artigo 127 para o artigo 1359. Para
amarrar melhor na prova dissertativa eu até faria uma remissão entre o artigo 127, artigo 128 e artigo
1359.
O que o artigo 1359 diz é que quem tem propriedade resolúvel transfere propriedade resolúvel. Então,
quem tem propriedade resolúvel tem faculdade de disposição, só que, quem tem propriedade resolúvel
transfere propriedade resolúvel.
Então, na verdade, quem é titular de um direito sujeito a condição resolutiva tem a faculdade de
disposição sobre esse direito a condição resolutiva. Só que, como ninguém pode transferir mais direitos
do que tem, o sujeito vai transferir direito sujeito a condição resolutiva.
Percebam o seguinte: quando o artigo 1359 diz que quem tem propriedade resolúvel transfere
propriedade resolúvel o que ele está dizendo é que se o donatário naquele nosso exemplo falecer antes
do doador o terceiro adquirente perde o bem para o doador, não é isso? Ou seja, em termos práticos o
que o Código está estabelecendo é que neste caso a condição resolutiva vai produzir efeitos retroativos.
E aí vejam que a questão se encaixa bem no artigo 128, por isso é interessante amarrar o artigo 127,
artigo 128 e artigo 1359, porque o artigo 128 na 1ª parte diz: “sobrevindo a condição resolutiva extingui-
se para todos os efeitos o direito a que ela se opõe”. Regra parecida com aquela da condição
suspensiva, parecida só que jogada aqui para a condição resolutiva.
Para que essa condição resolutiva produza efeitos retroativos e conseqüentemente atinja a terceiros, se
for imóvel tem que estar registrada, e se for bem imóvel não atinge terceiros de boa fé, princípio da
confiança.
O que uma parte da doutrina diz? Que o artigo 128 consagra a retroatividade das condições resolutivas,
quer dizer, aquela 1ª corrente de lá se projeta para cá. Vai dizer que o artigo 128 prevê a retroatividade
das condições resolutivas.
A 2ª corrente vai dizer o que? Não é efeito retroativo porque na verdade a idéia de efeito retroativo traria
outras conseqüências. Quer dizer, por exemplo, os frutos percebidos não serão restituídos e o próprio
artigo 128 na parte final traz mais uma exceção: “sobrevinda a condição resolutiva extingue-se para
todos os efeitos o direito a que ela se opõe, mas se apostam negócio de execução continuada ou
periódica a sua realização salvo disposição em contrário não tem eficácia quanto aos atos já
praticados”.
Por exemplo, os aluguéis já recebidos pelo titular do direito a época, não serão restituídos ao credor
condicional. Porque na verdade, nos negócios de trato sucessivo a percepção dos frutos vai se dar à luz
da circunstância fática então vigente.
Se a época da percepção do aluguel, o titular do bem era aquele determinado, fará jus aos aluguéis
aquele que era o titular do direito real de propriedade. Ressaltando que não teríamos propriamente dito
a idéia de retroatividade plena das condições resolutivas.
E aí no artigo 130 diz: ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva é
permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.
A doutrina critica muito a expressão “titular do direito eventual”. O Zeno Veloso chega a dizer que é
uma contradição em seus próprios termos. Porque titularidade pressupõe um direito existente e eventual
é aquilo que depende de um evento futuro.
A doutrina ressalta que melhor do que a expressão “direito eventual” seria falar em “direito expectativo”.
Porque o que na verdade o que o sujeito titulariza é o direito expectativo e aí o Código diz que o titular
do direito expectativo pode praticar atos destinados a conservá-lo.
Então, fica claro que se houver eventual atentado de terceiro em face do objeto sujeito a condição, o
titular do direito expectativo tem legitimidade para defender a integridade do bem.
Cuidado, olha que pergunta capciosa: tem tutela possessória? Não, ele pode se defender através de
outros instrumentos que não tutela possessória. Quem vai ter tutela possessória é o atual titular do
direto, não é isso? O titular do direito expectativo vai se valer de cautelar enfim, mas não de tutela
possessória.
Agora, há uma situação mais delicada ainda que é a seguinte: em que medida o titular do direito
expectativo pode exercer medidas conservativas em detrimento do atual titular do bem?
Pode ser que o atual titular venha desempenhando condutas que venham a deteriorar, a gerar o
perecimento do bem objeto da condição. Vejam que se ficar evidenciado que a conduta do atual titular
do direito tende a perecimento ou a deterioração do objeto sujeito a condição, o titular do direito
expectativo tem legitimidade para adotar as medidas conservativas daí decorrentes.
Então, alguns exemplos que a doutrina traz aí em relação a essas medidas conservativas, em relação
ao titular do direito seriam a exigência de caução, protesto, a constituição em mora.
Tem um exemplo que o Carlos Roberto Gonçalves traz que me parece no mínimo questionável, ele diz
que o credor constitucional para adotar dentro aqui, dentro desse conjunto de medidas conservativas,
teria legitimidade para interromper a prescrição.
Por que é discutível no mínimo essa hipótese? Por conta do artigo 199, I que diz que não corre
prescrição na pendência da condição suspensiva. Quer dizer, na verdade se não corre prescrição,
parece faltar interesse para o titular do direito expectativo em interromper a prescrição.
Pergunta do aluno.
Resposta: é, mas na verdade dá para aplicar o dispositivo aqui a contrario sensu, porque na verdade
sempre que há condição suspensiva para um, há resolutiva para outro.
Então, numa interpretação a contrario sensu, uma interpretação entre aspas extensiva, o artigo 199, I se
aplicaria para as duas hipóteses, apesar do legislador não ter contemplado. Porque na verdade a
condição suspensiva para um gera resolutiva para outro.
Vamos fechar com uma última classificação que é breve. São as chamadas condições perplexas ou
contraditórias. Artigo 122, 2ª parte: as condições contraditórias ou perplexas são aquelas que privam de
todo efeito o negócio jurídico. O artigo 122 diz que essas condições são vedadas, são defesas pelo
ordenamento jurídico.
Exemplo típico: o sujeito faz um testamento e diz lá “deixo este imóvel para fulano, se fulano morrer
antes de mim”. Condição perplexa ou contraditória porque acaba privando todo negocio de efeito.
Tem outro exemplo: dôo a José a casa se vendê-la antes para Francisco. Condição perplexa,
contraditória.
Exemplo do Christiano Chaves: vamos supor que o sujeito faça a doação de um imóvel a outrem e ele
diz o seguinte: dôo para fulano se fulano não usar, gozar e dispor do bem. Porque na verdade a doação
busca transferir na propriedade o exercício das faculdades jurídicas.
Se o sujeito faz uma doação e retira todas as faculdades jurídicas para o donatário, na verdade ele
estaria privando de todo efeito o negócio jurídico doação. Também seria exemplo de condição perplexa
ou contraditória.
Antes de prosseguir, quero ressaltar que já saiu o Informativo 369 do STJ, ontem ou hoje. Teve um
julgado envolvendo um aspecto que já vimos aqui, aquela questão do foro eleição, domicílio contratual
que vimos em aulas anteriores.
No Informativo 369, o STJ firmou entendimento de que na verdade é em tese cabível foro contratual em
contrato de adesão desde que não haja hipossuficiência reconhecida em relação a uma das partes.
No caso concreto era duas pessoas jurídicas, uma delas com um maior potencial econômico do que a
outra, entretanto ambas demonstravam estruturação suficiente para exercer a defesa dos seus
respectivos interesses no domicílio contratual eleito.
Portanto, o STJ refutou a alegação de ilicitude do foro de eleição na medida em que ele não
inviabilizava o acesso ao poder judiciário, dada a ausência de hipossuficiência de uma das partes.
RESP 540257.
Na aula passada, paramos em condições perplexas, não é isso? Foi o último ponto visto. Vamos
prosseguir então, na sistemática da condição, com outra classificação relevante segundo a qual a
condição pode ser casual, potestativa ou mista.
Condição Casual é aquela que depende do acaso ou da vontade de terceiro, é aquela cujo implemento
depende do acaso ou da vontade de terceiro. Exemplo: se não chover em duas semanas. A condição
suspensiva “se não chover em duas semanas” seria uma condição casual.
As condições potestativas comportam uma subdivisão. As condições potestativas se subdividem nas
chamadas condições simplesmente potestativas e nas chamadas condições meramente potestativas.
As condições simplesmente potestativas são aquelas que decorrem da vontade de uma das partes e de
outros elementos. Exemplo: “se fulano se formar”, seria uma condição simplesmente potestativa, então
“se me formar”, “se eu viajar ao exterior” teríamos aí condições simplesmente potestativa.
Ganha relevância, na verdade, a questão das condições meramente potestativas que são sinônimas de
condições puramente potestativas, há ainda quem use a expressão condição potestativa pura.
Essas condições meramente potestativas estão vedadas pelo art. 122, parte final. Diz o art. 122 o
seguinte: são licitas em geral todas as condições não contrárias a lei, a ordem pública ou aos bons
costumes. Entre as condições defesas, se excluem a que privarem de todo negócio jurídico ou o
sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. Então, as condições meramente potestativas são aquelas
que se sujeitam ao puro arbítrio de uma das partes.
Essa condição meramente potestativa é conhecida como a famosa cláusula “se me aprouver”, a
doutrina ainda faz alusão a essa expressão.
Uma manifestação prática do art. 122 parte final, nós encontramos no art. 489, que é o seguinte: o art.
489 está dentro do capítulo da compra e venda. Regra geral as partes são livres para estabelecerem os
critérios pra definir o preço da compra e venda, princípio da autonomia privada. Quer dizer, podem as
partes fixar o preço de acordo com taxa de balcão ou de acordo com taxa de bolsa? Sim, podem as
partes atribuírem a fixação dos preços a terceiros? Sem dúvida alguma.
A regra geral em relação a critérios de fixação do preço é a do princípio da autonomia privada e o art.
489 traz uma exceção. O art. 489 diz lá: nulo é o contrato de compra e venda quando se deixa ao
arbítrio de uma das partes a fixação do preço.
Quer dizer, se a fixação do preço em relação a um contrato já consumado fica ao puro arbítrio de um
dos contratante, nós teríamos aí uma situação de potestatividade pura e, portanto a nulidade prevista no
art. 489 é uma decorrência do art. 122. Eu sugiro até uma remissão recíproca entre os dispositivos.
E aí tem uma observação que a doutrina costuma trazer aqui que é a seguinte: o art. 122 parte final
simplesmente diz que as condições meramente potestativas são vedadas.
Só que a doutrina em geral ressalta a necessidade de tratamento diferenciado no que diz respeito as
condições meramente potestativas suspensivas ou resolutivas. Ou seja, a doutrina ressalta que são
invalidantes as condições meramente potestativas suspensivas.
Nesse sentido, nós temos vários autores, nós temos aí o Francisco Amaral, Orlando Gomes, Gustavo
Tepedino e Eduardo Ribeiro.
Inclusive, esses autores costumam lembrar o seguinte: em regra, a condição meramente potestativa se
resolutiva seria válida e o exemplo seria inclusive a hipótese da retrovenda. Retrovenda, arts. 505 a 508.
Na retrovenda, a grosso modo, o alienante passa a ter o direito potestativo de reaver o bem dentro de
determinado prazo desde que pague o valor correspondente.
Em tese, nós não temos ai uma condição meramente potestativa resolutiva? Sem dúvida alguma,
porque a simples manifestação de vontade do alienante vai ter o condão de resolver a propriedade do
adquirente e, na verdade, essa iniciativa decorre da livre manifestação de vontade do alienante, portanto
temos uma condição meramente potestativa resolutiva.
O Humberto Theodoro Júnior, que escreve aquela obra da editora forense, Comentários ao Código Civil,
ele escreve nessa parte aqui, ele diz o seguinte: em regra, a condição meramente potestativa resolutiva
é válida, mas temos exceções. É possível que o ordenamento jurídico venha a vedar condições
meramente potestativas resolutivas, por exemplo, no contrato de doação não cabe revogação da
doação?
Cabe, mas a revogação da doação só se admite em que situações? Na hipótese de ingratidão do
donatário ou na hipótese de execução do encargo. Quer dizer, o ordenamento jurídico só admite a
revogação da doação dentro dessas duas circunstancias, portanto o ordenamento jurídico em tese
proíbe que no contrato de doação se estabeleça uma condição resolutiva meramente potestativa,
porque a resolução da doação só é contemplada nessas duas hipóteses prevista no Código Civil.
Tentando sistematizar, portanto, a tendência em sede de concurso qual é? O limite da dificuldade me
parece qual seria? Seria exigir essa necessidade de tratamento entre as condições meramente
potestativas suspensivas e resolutivas.
No que tange a suspensivas, é inequívoco o tratamento de que elas são repudiadas, elas são
invalidantes. Mas no que tange as condições meramente potestativas resolutivas, a tendência da
doutrina é no sentido de admiti-las, porque na verdade o negócio produziria efeitos deste plano
independentemente do advento do evento futuro incerto.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: na verdade, ou previsto em lei, o Humberto Teodoro Júnior fala, em previsão legal,
mas talvez no ambiente em que a gente na verdade está vivendo o direito civil contemporâneo, talvez
seja melhor falar previsto em lei ou compatível com o ordenamento jurídico. Acho que acabamos
correndo um risco menor com essa afirmativa.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: vamos ver inclusive em relação a venda a contento que aqui sim há uma previsão
específica, mas na verdade em que pese ser condição suspensiva, a concretização da compra venda
ela não vai depender da mera manifestação de vontade, porque toda a análise da venda a contento ela
há de ser vista a luz do princípio da boa fé objetiva, a luz do princípio da conservação, então nós
teríamos aqui uma condição potestativa, mas não uma condição potestativa pura. Porque a não
concretização da compra e venda, não depende do puro arbítrio, quer dizer, se o bem corresponde as
qualidades esperadas em relação aquilo que foi compactuado, o princípio da conservação e o princípio
da boa fé objetiva vão impor a celebração do contrato. Então, não teríamos aqui propriamente uma
condição puramente potestativa. Talvez tenhamos aqui um exemplo de condição simplesmente
potestativa, porque vai depender da vontade, sem dúvida, mas conjugadas a outros elementos. Não é
bem a cláusula “se me aprouver”, porque aqui a boa fé objetiva e a conservação vão funcionar como
uma baliza para essa manifestação de vontade.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: vamos ver no próximo ponto que há uma tendência de tratamento diferenciado entre
a condição suspensiva e a resolutiva. Vamos deixar para mais a frente. Nós vamos ver que o próprio
código vai trazer essa diferença de tratamento.
Só para fechar a classificação, ficou faltando falar da condição mista. A condição mista é aquela cujo
implemento depende da vontade de uma das partes conjugada a vontade de terceiro.
O exemplo clássico de condição mista é: “se constituíres sociedade com fulano”, é claro que a
sociedade com terceiros vai depender da própria parte envolvida do negócio conjugada a manifestação
de terceiros.
Não há previsão legislativa sobre condição mista no Brasil, mas a doutrina, em geral, se reporta aí ao
art. 1.171 do Código Francês explicitamente prevê aí as condições mistas. No Brasil não previsão legal,
mas a doutrina é unânime sobre a existência de tal classificação.
Outra classificação muito importante aqui é a seguinte: o código atual diferencia as condições ilícitas das
condições juridicamente impossíveis. É novidade legislativa, o código anterior não trazia essa distinção.
Obviamente que tanto as condições ilícitas, quanto as juridicamente impossíveis são incompatíveis com
o ordenamento jurídico. A diferença entre as ilícitas e as juridicamente impossíveis está no grau de
violação ao ordenamento jurídico. Isso porque as condições ilícitas atingem valores fundamentais e,
portanto as condições ilícitas têm uma maior gravidade.
Então, condições como: “se mudar de religião” seria uma condição ilícita porque atenta contra um valor
fundamental, qual seja, liberdade religiosa. A condição que tem por efeito negar o acesso a profissão,
também seria uma condição ilícita. Não se esqueçam que dentro das condições ilícitas, veremos isso
daqui a pouco, temos ainda as condições de fazer coisa ilícita, “se matares”, “se roubares”...
Já as condições juridicamente impossíveis, são aquelas que não atingem valores fundamentais, mas
encontram óbice no ordenamento jurídico. Apesar de não atingirem valores fundamentais, nós temos
determinadas regras que proíbem determinadas condições. Por exemplo: “se emancipares aos 12 anos
de idade” é condição juridicamente impossível porque o ordenamento jurídico não admite emancipação
aos 12 anos, ressalvadas aquela discussão do casamento que vimos na primeira aula.
Outro exemplo: “se elegeres rei” no Brasil é condição juridicamente impossível. Alguém colocar como
condição o fato de alguém aos 70 anos de idade se casar sob regime universal de bens, também seria
condição juridicamente impossível porque depois dos 60 anos o legislador presume “golpe do baú” e é
presunção absoluta (rs) e o código impõe o regime de separação legal de bens
Vamos para a última classificação, porque essa última vai nos levar a todas as classificações que vimos
até aqui. Vai trazer algo extremamente novo aqui para o nosso direito civil.
A última classificação subdivide as condições entre invalidantes ou inexistentes, o código anterior
também não conhecia essa classificação.
Vamos ver a definição em tese, para depois verificarmos quais são as hipóteses em que as condições
são invalidantes ou inexistentes.
Condição invalidante é aquela que contamina a própria validade do negócio jurídico, por isso
invalidante, porque além da condição ser contrária ao ordenamento jurídico a condição vai atingir a
própria condição do negócio.
Em tese, vamos supor aquele exemplo clássico: “doar-te-ei aquele imóvel se passares no vestibular”,
vamos supor que essa condição fosse invalidante. Não é, mas vamos supor que fosse invalidante. Qual
seria o efeito prático, para entendermos bem isso? Se essa condição fosse invalidante a condição seria
invalida e a invalidade da condição contaminaria a própria validade da doação. Ou seja, nós não
teríamos condição e nem teríamos doação. Por outro lado a condição inexistente, não tem condão de
invalidar o negócio jurídico que subsistirá como se tal condição jamais tivesse sido pactuada.
Usando o mesmo exemplo, para percebemos a diferença prática, “se passares no vestibular” for uma
condição inexistente, qual será o efeito prático? Essa condição será afastada e a doação vai produzir
efeitos imediatamente como se aquela condição não tivesse sido acordada.
Vejam que a classificação é extremamente relevante e eu usei o mesmo exemplo de propósito para a
gente perceber que os efeitos práticos são diametralmente opostos, então é muito importante a gente
saber se uma condição é invalidante ou se ela é inexistente.
O código civil elenca as condições invalidantes no art. 123. Diz o art. 123: invalidam os negócios
jurídicos que lhe são subordinados; inciso I: as condições física ou juridicamente impossíveis quando
suspensivas. Cuidado que isso aqui é fonte de pegadinha.
Olha só, vamos tentar entender o sistema. Nós vimos que as condições juridicamente impossíveis se
distingue das ilícitas por conta do grau de violação ao ordenamento jurídico, as ilícitas são mais graves
do que a juridicamente impossíveis.
O que é mais grave, a condição invalidante ou a inexistente? A invalidante porque a invalidade da
condição acaba atingindo o próprio negócio. No inciso II do art. 123 o legislador diz que as condições
ilícitas são sempre invalidantes e por quê? Porque elas atingem com maior gravidade o ordenamento
jurídico. Então, seja suspensiva ou resolutiva, a condição ilícita é invalidante.
Como as juridicamente impossíveis são menos graves, o legislador no inciso I diz que elas só são
invalidantes quando suspensivas e, na verdade, se resolutivas forem as condições juridicamente
impossíveis, elas serão inexistentes art. 124.
Vejam que o código aqui tratou diferentemente a condição juridicamente impossível no que tange a
suspensiva e a resolutiva, por quê? Porque a presunção que o código estabeleceu foi a seguinte: em
havendo condição resolutiva, as partes já manifestaram a vontade de conferir efeitos ao negócio jurídico
praticado.
E eventual incompatibilidade dessa condição juridicamente impossível, fisicamente impossível não teria
o condão de afastar os efeitos que as partes já exteriorizaram como sendo de suas respectivas
vontades para celebração do negócio. Quer dizer, o efeito prático seria o aniquilamento dessas
condições, o negócio produziria efeito como se tal condição não existisse.
Quer dizer, justamente essa adversidade de tratamento que o código estabelece aqui, no que diz
respeito às condições juridicamente impossíveis, que é aquela diferença que a doutrina ressalta em
relação às condições meramente potestativas. Nós vimos que para a doutrina dominante, as condições
meramente potestativas elas são invalidantes quando? Quando suspensivas, mas não quando
resolutivas. Porque na verdade as partes já exteriorizaram a manifestação de dar efeitos ao negócio
jurídico praticado.
Então, na verdade a própria adoção por analogia do art. 123, I combinado com o art. 124 propicia
aquela diversidade de tratamento em relação às condições meramente potestativas. Quer dizer, as
autores não chegam a fazer essa correlação, mas me parece plenamente sustentável a aplicação por
analogia, quer dizer, o próprio código estabelecer um tratamento diferenciado entre as condições
suspensivas e as resolutivas.
Tem uma ligeira discussão aqui, porque o código fala aqui no inciso I que são invalidantes as condições
físicas ou juridicamente impossíveis quando suspensivas.
Em relação à impossibilidade física, há uma discussão se são invalidantes apenas as condições com
impossibilidade absoluta ou se também seriam invalidantes as hipóteses de impossibilidade relativa.
Então, no que diz respeito a impossibilidade absoluta, não há nenhuma dúvida que se há
impossibilidade absoluta, a condição é invalidante. Quer dizer, impossibilidade absoluta é aquela que
ninguém poderia cumprir, exemplo: comprar um lote no sol – impossibilidade física absoluta.
Já a impossibilidade relativa diz respeito a que? Impossibilidade relativa é aquela prevista no art. 106 e,
na verdade, vamos ter impossibilidade relativa quando? Quando aquele indivíduo é impossibilitado
fisicamente de cumprir aquela condição, porém outra pessoa naquelas circunstancias teria condições de
cumprir aquilo que fora pactuado.
Impossibilidade relativa diz respeito a uma impossibilidade envolvendo as partes do negócio jurídico,
mas não haveria aqui uma impossibilidade em relação a toda a coletividade. Por exemplo: haveria uma
impossibilidade relativa a um tetraplégico de correr 10 km, mas outra pessoa poderia eventualmente
cumprir essa condição.
O tema aqui é controvertido, vejam. Podemos dizer que a maioria da doutrina entende que tanto a
impossibilidade absoluta quanto a relativa conduziria a hipótese de condição invalidante. Nesse sentido,
autores como Caio Mário, Francisco Amaral, e Zeno Veloso.
A segunda corrente vai sustentar que só a impossibilidade absoluta gera condição invalidante. Nesse
sentido, autores como Carlos Roberto Gonçalves, Christiano Chaves de Farias e Sílvio Rodrigues.
Esses autores não costumam fazer menção, mas me parece que se quisermos defender essa segunda
posição é sustentável invocar por analogia o art. 106 para defender essa corrente.
O art. 106 diz que a impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio se for relativa. Então, o que
poderíamos afirmar? Que a condição fisicamente impossível relativa também não invalida o negócio
jurídico.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: a doutrina aqui é bastante firme no sentido de que enquanto o art. 124 diz
“impossíveis”, na verdade ele está abrangendo tanto as jurídicas quanto as fisicamente impossíveis. Na
verdade, como o art. 123 fez essa dicotomia, o art. 124, em tese, entendeu desnecessário fazer menção
e com a expressão “condições impossíveis” ele acabou abrangendo tanto as físicas quanto a
juridicamente impossíveis.
Aqui, cuidado com o inciso II. O art. 123, II diz que são invalidantes as condições ilícitas ou de fazer a
coisa ilícita. Nós vimos que a condição de fazer a coisa ilícita não se confunde propriamente com as
condições ilícitas.
Ilícitas são aquelas que atingem liberdades fundamentais e as de fazer a coisa ilícita é como “se matar,
e se roubar, e se estuprar”, quer dizer, o próprio código no art. 123, II faz essa separação entre
condições ilícitas ou de fazer a coisa ilícita.
O inciso III diz que são invalidantes as condições perplexas ou contraditórias.
Tem uma questão importante que os manuais não costumam fazer alusão, olha só: o art. 123, II
explicitamente diz que são invalidantes a condição de fazer coisa ilícita: se matares, se roubares, se
estuprares, condição invalidante. A dúvida é: e a condição de não fazer a coisa ilícita? Quer dizer, “se
não matares fulano”, por exemplo, seria uma condição de não fazer coisa ilícita.
O que o Caio Mário ressalta aqui? Que essa condição de não fazer coisa ilícita também seria
invalidante. Porque, na verdade, não fazer coisa ilícita é um dever jurídico primário. Então, condições
como: se não matar, se não roubar, se enquadrariam por analogia no at. 123, II como condições
invalidantes.
Também se encaixaria aqui por analogia, de acordo com o Eduardo Ribeiro, eventual prêmio exigido
pelo próprio estipulante para cumprir seu dever legal. Imagine um salva vidas que diga “eu salvo fulano
se me pagares mil reais”, condição suspensiva. Essa condição também seria invalidante, integrando aí
por analogia o art. 123, II. Posição defendida por Eduardo Ribeiro.
Já o art. 124 prevê que são inexistentes as condições impossíveis quando resolutivas e as de não fazer
coisa impossível. Qual é uma característica inerente a condição? Que o evento seja futuro e incerto. Se
há uma condição de não fazer coisa impossível, falta o elemento incerteza. Quer dizer, “senão viajares
ao sol”, não há nenhuma dúvida que esse evento jamais se concretizaria e, portanto, em faltando o
elemento incerteza, a condição ela será sempre inexistente.
Cuidado com mais essa pegadinha. Nessa hipótese, em que a condição de não fazer coisa impossível,
como falta o elemento incerteza a condição será sempre inexistente seja suspensiva ou resolutiva. Na
parte final o art. 124 não distinguiu.
Vamos tratar de termo.
Como todos nós já sabemos, no termo o evento é futuro e certo. Na verdade, tudo que vimos na aula
passada em relação aos aspectos gerais da condição se aplicam ao termo.
Por exemplo, nós falamos que um dos requisitos essenciais a condição é o elemento voluntariedade,
quer dizer, só há condição se o que subordina a eficácia do negócio a evento futuro incerto é a
manifestação de vontade. O requisito voluntariedade também se encontra presente no termo.
Então, por exemplo, o falecimento do testador em relação a eficácia do testamento é termo? Não, o
falecimento é requisito legal para a eficácia do testamento porque, na verdade, é a lei que impõe para o
testamento só produzirá efeito após o falecimento do testador. Então, só haverá termo, quando há o
elemento voluntariedade.
O termo pode ser inicial ou final. Termo inicial sinônimo de termo suspensivo e termo final sinônimo de
termo resolutivo.
Se nós temos um contrato que terá vigência entre 5 de outubro de 2008 a 5 de outubro de 2009, ou
seja, termo inicial 5/10/2008 e termo final 5/10/2009. No usufruto vitalício, aquele que perdura durante
toda a vida do usufrutuário, quer dizer, a morte do usufrutuário será o termo resolutivo.
Outra classificação o termo pode ser certo ou incerto, classificação aparentemente contraditória, porque
o termo é essencialmente evento futuro e certo. Só que na verdade o termo é certo quando se sabe que
ele irá ocorrer e se sabe quando ele irá ocorrer. Já o termo incerto é aquele que se sabe que irá ocorrer,
mas não se sabe quando. Exemplo típico de termo incerto é a morte. No usufruto vidual, no vitalício a
morte é um termo resolutivo e incerto.
Outra classificação: termo essencial e termo não essencial.
Termo essencial é aquele cuja inobservância afasta a utilidade da prestação para o credor. O termo não
essencial, a contrario sensu, é aquele cuja inobservância não afasta a utilidade da prestação para o
credor.
Exemplo clássico de termo essencial é aquele do vestido de noiva, quer dizer, o costureiro se
compromete a entregar o vestido na data do casamento. Essa data acordada é um termo essencial
porque obviamente não interessa a noiva receber o vestido depois da data do casamento.
Em regra, no plano prático o termo é quase sempre não essencial, quer dizer, se o locador não recebe o
aluguel no dia 5 é claro que interessa ao locador recebê-lo no dia 15 ou dia 20. Se o mutuário não paga
a prestação no dia 10 é claro que interessa ao mutuante recebê-la no dia 20.
E, para fechar questão com chave de outro, o que seria necessário me parece consolidar lá? Lembra
da diferença da mora para o inadimplemento absoluto? Nós veremos com calma mais adiante, mas é
inevitável aqui essa conexão.
Uma das diferenças essenciais entre a mora e o inadimplemento absoluto diz respeito a utilidade da
prestação, quer dizer, é requisito a mora que a prestação ainda seja útil ao credor. Se a prestação não
for mais útil ao credor a gente não vai mais falar em mora, vamos falar em inadimplemento absoluto.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: estamos falando de mora do devedor.
Tem uma regrinha, que inclusive confirma que a hipótese aqui se restringe a mora do devedor, é o art.
395, §único que vamos ver mais adiante. O art. 395, §único diz: se a prestação devido a mora se tornar
inútil ao credor, este poderá enjeitá-la e exigir a satisfação das perdas e danos.
O prof. Araquém de Assis ele costuma dizer que o art. 395, §único estabelece o chamado caráter
transformista da mora, quer dizer, a mora se transmudando no inadimplemento absoluto.
O que temos que ressaltar? Que a inobservância do termo não essencial configura mora, ao passo que
o descumprimento do termo essencial configura inadimplemento absoluto.
O inadimplemento absoluto pode resultar de duas circunstancias: ou da inutilidade da prestação ou da
impossibilidade no seu respectivo cumprimento. Quer dizer, se há violação do termo essencial de plano
se demonstra que a prestação não é mais útil e, portanto de plano se caracteriza inadimplemento
absoluto.
O art. 135 diz: ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas a condição
suspensiva e resolutiva.
Exemplos: art.130. O art. 130 é aquele que diz que o titular do direito expectativo pode praticar atos
destinados a conservá-los. Ora, se o mero titular do direito expectativo pode adotar medidas
conservativas, com muito mais razão na hipótese de termo, porque no termo, vimos na aula passada o
art. 131, já há aquisição do direito, não há apenas o seu exercício. Então, obviamente a regra do art.
130 prevista para a condição também se aplica ao termo.
Outra regra aplicável, art. 126, que é aquele que diz que na pendência da condição suspensiva, uma
das partes pratica um ato de disposição patrimonial, em regra, com o implemento da condição
suspensiva, aquela disposição patrimonial se desconstitui o que para muitos corresponderia ao efeito
retroativo das condições suspensivas.
Vimos que o termo é controvertido, mas na verdade se há um negócio sob condição suspensiva e uma
das partes vende o bem a um terceiro na pendência da condição, o que o 126 diz? Se houver o
implemento da condição suspensiva aquela alienação a terceiro em tese se desconstitui.
Nós trouxemos várias ponderações a isso: tem que estar registrado, não se aplica a terceiros de boa fé
em se tratando de bem imóvel, a regra, enfim tudo aquilo que vimos no 126 se aplicaria a hipótese de
termo.
Também seria aplicável aqui, ao termo, o disposto nos arts. 123, I e 124. Nesses dispositivos o código
traz aquela diferença de tratamento entre as condições impossíveis, suspensivas ou resolutivas. Essa
mesma diversidade seria aplicada no caso de termo impossível. Exemplo de termo impossível: 31
fevereiro, exemplo que a doutrina sempre traz.
Se esse termo impossível for inicial, vamos aplicar por analogia o art. 123, I porque se for termo inicial
ele vai se equiparar a condição suspensiva e, portanto esse termo impossível será invalidante. Se for
resolutiva vamos aplicar o art. 124, ou seja, o negócio vai produzir efeito como se tal condição não
houvesse sido pactuada.
Vamos dar uma olhada no modo ou encargo.
O encargo seria um ônus que se estabelece para um ato de liberalidade. Isso demonstra que o encargo
é aplicável apenas em negócios jurídicos gratuitos, por quê? Porque se o negócio jurídico é oneroso,
nós não temos propriamente encargos, mas sim contraprestações recíprocas.
Tem uma questão que sempre foi objeto de debate e o código agora se posicionou sobre essa questão
que é a discussão se a doação com encargo é gratuita ou onerosa. A mesma lógica vale para o
comodato com encargo, a mesma discussão. Sempre houve duas posições sobre o tema, qual era a
predominante? Podemos dizer que essa é a predominante na doutrina.
Para a posição predominante na doutrina, a doação com encargo seria um negócio gratuito, porque
para a maioria da doutrina o negócio jurídico só é oneroso quando há sinalagma, ou seja, quando há
contraprestações recíprocas e o encargo, a bem da verdade, não tem natureza jurídica de
contraprestação, é um mero elemento acidental do negócio jurídico.
Outros discordavam dizendo que o encargo na verdade acaba gerando algum tipo de obrigação, de
dever, ônus a outra parte e a existência de qualquer ônus a outra parte faria com que o negócio jurídico
se tornasse oneroso.
O nosso código parece se inclinar em favor da segunda posição, a literalidade do direito positivo parece
se inclinar no sentido de que doação com encargo é onerosa, art. 441, §único e art. 562.
O art. 441, §único tratando dos vícios redibitórios diz assim: é aplicável a disposição desse artigo as
doações onerosas. E o art. 562, talvez de maneira mais enfática, diz lá: a doação onerosa pode ser
revogada por inexecução do encargo. Então, a literalidade do código se refere a doação com encargo
como sendo doação onerosa, o que é objeto de repúdio por parte da doutrina majoritária.
Então, se cair isso na prova dissertativa claro tem que se discorrer sobre o tema. Se cair na prova
objetiva, acho que é uma questão mal formulada, mas a letra fria do código diz que a doação com
encargo é onerosa. Talvez seja um caminho mais seguro.
Bom, o encargo aqui, o modo o encargo, tem duas características que ressaltam a sua distinção em
relação a condição.
A primeira delas é a de que o encargo não tem caráter suspensivo diferentemente do que ocorre com a
condição. Se há uma condição, o negócio não produz efeitos, no caso de condição suspensiva,
enquanto não houver o implemento da condição. Quer dizer, a condição traz a expressão “se”, o
encargo traz a expressão “para que”, ou seja, o encargo não tem ação suspensiva em relação aos
efeitos do negócio.
A outra diferença é a de que o encargo, apesar de não ser suspensivo, o encargo é coercitivo. Tanto é
verdade que nós chegamos até a mencionar na aula de hoje que uma das hipóteses de revogação da
doação é justamente qual? A inexecução do encargo, quer dizer, em regra aquele que pratica a
liberalidade pode exigir o cumprimento do encargo.
Há uma regrinha que vamos ver mais adiante, é o art. 553, §único que diz que se o cumprimento do
encargo atende ao interesse geral (expressão do código), o MP tem legitimidade para exigir o
cumprimento do encargo.
Isso que acabamos de ver, que o encargo não tem natureza suspensiva, está explicito no art. 136.
Então, a idéia de que o encardo não gera qualquer efeito suspensivo está no art. 136, diz lá: o encargo
não suspende a aquisição e nem o exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no
negócio pelo disponente como condição suspensiva. Nesse caso, obviamente deixamos de ter o
encargo e passamos a ter uma condição suspensiva.
O art. 137 é novidade, ele na existia no código anterior e ele trata do encargo ilícito ou impossível.
Vamos construir um raciocínio para não precisar decorar, a dúvida qual seria? Se esse encargo ilícito ou
impossível se ele seria invalidante ou inexistente, não é isso? É claro que o encargo ilícito é impossível
e ele tem que ser repudiado, mas a duvida é se o repúdio ao encargo contamina ou não o negócio
jurídico.
A regra geral é que o encargo não produz efeito suspensivo. O encargo não impede a aquisição no
exercício de direitos, como conseqüência, regra geral, o encargo ilícito ou impossível será inexistente.
Diz o art. 137: considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível. Quando o código diz “considera-
se não escrito” entenda-se inexistente, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso
em que invalida o negócio jurídico.
Percebam que mais uma vez o código, excepcionalmente traz conseqüências jurídicas ao motivo.
Lembram daquela diferença entre motivo e causa? Motivo as razões subjetivas que como regra não tem
efeito jurídico e a causa os efeitos mínimos necessários a configuração de um tipo contratual.
Nós temos mais uma hipótese em que o código trás repercussão jurídica ao motivo.
A doutrina não costuma trazer exemplos aqui, mas vamos supor que alguém tenha duzentos mil, faça
um testamento em favor de um amigo (ele não tem herdeiros necessários) dispondo dos duzentos mil a
seu favor atribuindo a ele o encargo de utilizar todo o montante para a construção de uma casa de
prostituição.
Nós temos aí um encargo ilícito e ficou claro e evidente que a razão da liberalidade era atingir a
finalidade ilícita, qual seja, a construção da casa de prostituição, ou seja, a ilicitude foi a razão
determinante da suposta liberalidade. Nesse caso, o encargo ilícito será invalidante porque ele era a
razão determinante da liberalidade praticada.
Esse art. 137 vem caindo com muita freqüência em questões objetivas.
Resposta do Prof: mais ou menos, a situação é muito parecida, não é a mesma porque nesse exemplo
que vimos agora no art. 137 nós aplicamos o dispositivo na hipótese de testamento, negócio jurídico
unilateral. Ou seja, o motivo determinante ilícito não necessariamente tem que ser comum a ambas as
partes, porque na verdade em se tratando de negócio unilateral basta que o motivo determinante ilícito
parta do disponente.
No art. 166, III o motivo determinante tem que ser comum a ambas as partes, quer dizer, há essa
distinção. Na verdade, no art. 166, III a regra vai se aplicar a negócios jurídicos bilaterais, mas sem
dúvida há uma conexão entre o art. 137 e o art. 166.
São duas novidades legislativas, o art. 166, III que veremos mais adiante também é novidade. Na
verdade é uma sintonia, talvez seja precipitado afirmarmos que seria a mesma coisa, mas há uma
sintonia sem dúvida alguma.
Vamos então começar a análise dos defeitos do negócio jurídico.
Vamos nos lembrar que a expressão defeito do negócio jurídico é um gênero que comporta duas
espécies: o vício de consentimento e o vício social.
No vício de consentimento há divergência entre a vontade declarada e a vontade interna. São hipóteses
típicas de vício de consentimento: erro que é sinônimo de ignorância, dolo, coação, estado de perigo e
lesão.
No vício social há divergência entre a vontade declarada e o ordenamento jurídico. Como hipótese de
vício social nós temos a fraude contra credores, e a fraude contra credores. Cuidado! É uma alerta
mesmo! Porque como é que cai sistematicamente, como vem caindo sistematicamente? Continua
caindo sistematicamente que a simulação seria um defeito do negócio jurídico, quando nós sabemos
que saiu do capítulo dos defeitos do negócio jurídico e passou a ser causa de nulidade absoluta, art.
167.
Então, no código atual como vício social nós passamos a ter a fraude contra credores. A simulação saiu
do capítulo dos efeitos, e agora é tratada no art. 167 que veremos mais adiante.
E a bem da verdade esses defeitos do negócio jurídico, seja vício de consentimento, seja vício social,
trazem uma conseqüência prática, qual é? Anulabilidade do negócio jurídico, os defeitos conduzem a
anulabilidade dos negócios jurídicos, artigo 171, II que prevê como causa de anulabilidade o erro, dolo,
coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
Vamos começar com a sistemática do erro. Erro ou ignorância, artigos 138 a 144.
O código agora acima do art. 138, quando abre a sessão I, no título está lá colocado: o erro ou
ignorância. Qual a diferença básica entre o erro e a ignorância? No erro o desconhecimento é parcial e
na ignorância o desconhecimento é total. Distinção meramente teórica porque os efeitos práticos do erro
e da ignorância são os mesmos. Então, vamos daqui para frente falar em erro sabendo-se que na
verdade estamos falando também em ignorância.
Qual é a idéia básica do erro então? O erro é a falsa percepção da realidade. Quais são as
características essenciais do erro?
Primeiro aspecto relevante a ressaltar é o seguinte: o erro, para gerar a anulabilidade, tem que ser
substancial. Erro substancial sinônimo de erro essencial que se contrapõe ao chamado erro acidental
também chamado de não essencial.
O próprio nome parece sugerir, qual é a característica básica do erro essencial? O erro essencial é
aquele que incide sobre elementos decisivos, determinantes a celebração do negócio. Ao passo que o
erro acidental, é aquele que incide sobre elementos desimportantes.
O erro gera anulabilidade por quê? Porque ele gera vício de consentimento, vejam que só há vício de
consentimento na hipótese de erro essencial. Porque como erro essencial incide sobre elementos
determinantes, o sujeito não teria celebrado o negócio se não tivesse incorrido em erro.
Se o erro é acidental, na verdade o sujeito teria celebrado o negócio ainda que não tivesse incorrido
naquele equívoco, que dizer, se vou comprar um automóvel de luxo (70 mil reais) e eu incorro num erro
sobre aparelho de toca-fitas AMFM que vale 50 reais no mercado, esse erro é um erro acidental.
Não teria deixado de comprar o automóvel se não tivesse incorrido em erro, portanto erro acidental não
gera vício de consentimento e como conseqüência no erro acidental o negócio jurídico é válido.
Isto está claro no art. 138 1ª parte que diz: são anuláveis os negócios jurídicos quando as declarações
de vontade emanarem de erro substancial.Então, apenas o erro substancial conduz a anulabilidade
E aí vamos tomar um cuidado aqui importante que é o seguinte: quando se fala em erro substancial está
se falando em erro determinante, o sujeito não teria celebrado o negócio se não tivesse incorrido em
erro. Para analisar a essencialidade do erro, é preciso levarmos em conta dois critérios: o primeiro seria
o chamado requisito subjetivo.
Qual é a idéia do requisito subjetivo? É verificar se aquele agente realmente celebraria ou não o
negócio, caso não tivesse incorrido em erro. Então, ele vai ter que demonstrar que para ele aquele erro
era substancial.
Só que vamos pensar no seguinte: o erro não vai gerar a anulabilidade? Quando há erro, há má fé da
outra parte? Não, se tiver má fé vamos ver que o instituto aplicado será o dolo. Então, o erro vai gerar a
invalidade em face de um contratante de boa fé.
Será que essa substancialidade do erro, em homenagem ao princípio da boa fé objetiva e do princípio
da conservação, também não merece uma análise objetiva? Quer dizer, é preciso verificar se aquele
erro, além de ter influenciado a vontade do agente, é efetivamente substancial a luz do princípio da boa
fé objetiva. Por conta do que? Não apenas por conta da boa fé objetiva e princípio da confiança, porque
a outra parte tem uma legítima expectativa na continuidade do negócio, mas também por conta do
princípio da conservação dos contratos.
Tem um exemplo que o Humberto Júnior traz que é bem interessante. Vamos supor que alguém incorra
num equívoco sobre a coloração de um determinado metal adquirido. Só que o sujeito comprou aquele
metal para ser utilizado como matéria prima e aquele metal vai ser fundido para a construção de um
outro produto e, com a fundição, aquele material vai perder a coloração originária.
O sujeito pode dizer o que? O meu erro é essencial, eu contei que aquela peça seria azul, quando na
verdade ela é preta. Ainda que demonstrado requisito subjetivo seria preciso demonstrar a
substancialidade do erro a luz do princípio da boa fé objetiva, a luz do princípio da conservação.
Ou seja, a essencialidade do erro não fica ao mero capricho do declarante, é preciso portanto que a
substancialidade do erro seja interpretada resumindo a luz da boa fé objetiva, do princípio da confiança
e do princípio da conservação dos atos e dos negócios jurídicos.
Bom, outra característica do erro é a espontaneidade, ou seja, o erro parte do próprio declarante. Há
quem diga, “quem erra, erra sozinho” (não se deve fazer essa citação em prova) quer dizer, o erro parte
do próprio declarante. Como sabemos, se há induzimento ao erro, o instituto aplicável passa a ser o
dolo.
Outro requisito que a doutrina traz: o erro deve real. Na verdade, o erro real que a doutrina costuma
trazer significa prejuízo ao declarante.
Percebam se essa exigência de erro real, não vem em harmonia com a interpretação do erro substancial
a luz da boa fé objetiva. Porque quando se diz que a idéia da substancialidade do erro há de ser
interpretada a luz da boa fé objetiva o que está se exigindo qual é? Que aquele erro realmente seja
prejudicial ao declarante, quer dizer, não fica ao mero alvedrio.
Então, quando a doutrina fala em erro real, na verdade, é preciso fazer a conexão com essa idéia de
erro real, prejuízo ao declarante, com o princípio da boa fé objetiva, com o princípio da confiança,
princípio da conservação.
Vamos partir para o tema mais árduo e relevante aqui que é questão da escusabilidade. Vamos ver por
partes para a gente sistematizar a questão.
Primeira corrente: é defendida pelo Carlos Roberto Gonçalves e pelo Moreira Alves. No Código de 16
era inequívoco que o erro para gerar anulabilidade tinha que ser escusável. O Código de 16 não fazia
explicita menção a escusabilidade do erro, mas toda a doutrina afirmava que a escusabilidade seria um
requisito implícito a anulabilidade do erro.
O erro escusável é o erro desculpável, vamos nos lembrar que a exigência de erro escusável, que era
unânime na doutrina anterior, está atrelada a teoria da responsabilidade. Quer dizer, pela teoria da
responsabilidade prevalece a vontade interna salvo se o declarante é responsável pela divergência,
salvo se o declarante foi descuidado. Então, erro escusável está atrelado a teoria da responsabilidade.
Esses autores defendem que essa exigência de escusabilidade, que era implícita no Código de 16,
passou a se tornar explicita no Código atual no art. 138, parte final. Esses autores defendem que o art.
138, parte final passa a exigir que o erro escusável. Porque o Código diz lá no art. 138, parte final:
quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa
de diligencia normal em face da circunstancias do negócio.
Então, esses autores vêm no sentido de que o código explicitamente agora passa a exigir a
escusabilidade do erro.
Nessa linha de raciocínio, esses autores continuam afirmando o que a doutrina do código anterior
afirmava e era o que? Se basta a escusabilidade do erro, fica claro que a anulabilidade do negócio por
um erro escusável pode atingir o outro contratante de boa fé. Porque se o único requisito é a
escusabilidade, se eu demonstro que meu erro é escusável, isso por si só basta para anular o negócio,
ainda que o outro contratante estivesse de boa fé.
Muitos autores já defendiam antes, inclusive inspirado no direito alemão, que se por ventura houver a
invalidação do negócio por um erro escusável aquele que invalida o negócio por erro pode vir a ter
responsabilidade civil perante o outro contratante. É a chamada reparação pelo interesse negativo,
expressão da doutrina.
Então, aquele que incorre num erro escusável, e venha a atingir o outro contratante de boa fé com a
invalidação do negócio, se sujeita a reparação pelo interesse negativo.
E o Carlos Roberto Gonçalves e o Moreira Alves afirmam ainda o seguinte: o art. 138 parte final diz: erro
substancial que poderia ser sido percebido por pessoa de diligência normal em face das circunstancias.
O código dá a entender que essa escusabilidade a de ser vista a luz do chamado homem médio, padrão
do homem médio.
Apesar do código se referir ao chamado homem médio no art. 138, esses autores ressaltam que a
tendência da jurisprudência é no sentido de se interpretar diligencia normal a luz do caso concreto. Quer
dizer, não se poderia conferir o mesmo tratamento a uma pessoa rude, sem nenhuma instrução ao
advogado, do advogado se espera maior cuidado, maior diligencia do que de uma pessoa rude e sem
nenhuma instrução.
Defendem, inclusive, a aplicação por analogia do art. 152 que trata de coação. O art. 152 diz que no
apreciar a coação ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente
e todas as demais circunstancias que possam influir na gravidade dela.
Quer dizer, aplicando por analogia o art. 152 nós nos distanciaríamos da questão do homem médio e
analisaríamos essa diligencia normal a luz das características do declarante.
Essa é a primeira posição que é hoje minoritária.
Da segunda posição nós vamos extrair duas por isso que na verdade são três correntes no total.
A segunda corrente parte do seguinte pressuposto: o Código, no art. 138 parte final, não se refere a
escusabilidade do erro e sim a sua cognocibilidade pelo declaratário. Ou seja, o que o art. 138, parte
final exige não é a escusabilidade do erro pelo declarante, o que o art. 138, parte final exige é que o erro
seja perceptível ao declaratário. Essa posição é amplamente dominante: Tepedino, Venosa, Christiano
Chaves, Humberto Theodoro Júnior.
O Tepedino afirma o seguinte, veja a redação do art. 138: “são anuláveis os negócios jurídicos quando
as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de
diligência normal”. O Tepedino diz que se fosse erro escusável, o Código teria que dizer “quando as
declarações de vontade emanarem de erro substancial que não poderia ser percebido”. Porque na
verdade se o erro fosse escusável o código imporia o que? Que o erro não fosse perceptível a qualquer
indivíduo, quer dizer, ele não poderia ser percebido, a expressão deveria vir negativamente.
Afora a interpretação literal tem uma questão que é muito importante. Na perspectiva do código anterior
bastava a mera escusabilidade do erro, se o erro fosse escusável, esse erro poderia gerar anulação do
negócio.
Só que no código anterior o elemento subjetivo culpa era um elemento decisivo à interpretação dos
negócios jurídicos, ou seja, a teoria da responsabilidade tinha maior influencia no código de 16.
No código atual, qual teoria tem maior aplicabilidade? O princípio da confiança e qual é a lógica do
princípio da confiança?O princípio da confiança desloca a preocupação do declarante e foca no
declaratário. Quer dizer, a simples exigência de escusabilidade do erro para anular o negócio jurídico
seria incompatível com o princípio da confiança porque a necessária proteção a legítima expectativa do
declaratário deve impedir a anulação do negócio jurídico por erro se o erro não for perceptível ao
declaratário.
Então, na verdade, sob o influxo do princípio da confiança, quer dizer, o erro agora tem eu ser aparente,
o erro tem que ser perceptível ao declaratário.
Diante dessa afirmativa de que a mera escusabilidade teria se tornado insuficiente a luz do princípio da
confiança, porque esse princípio impõe a proteção ao declaratário que não tinha condição de ter
percebido o erro, surge aqui uma subdivisão dessa segunda teoria. Aqui precisamos tomar muito
cuidado.
Primeira posição: enunciado 12 do CJF. Na verdade é uma primeira subdivisão dessa 2ª corrente. O
enunciado 12 do CJF diz assim: “na sistemática do art. 138 é irrelevante ser ou não escusável o erro,
porque o dispositivo adota o princípio da confiança”. Quer dizer, o enunciado 12 diz que pelo fato do art.
138 adotar o princípio da confiança não mais interessa se o erro é escusável ou não. O que interessa é
verificar se o erro era ou não perceptível ao declaratário, porque se o erro não era perceptível ao
declaratário, o negócio jurídico não será invalidado por conta da proteção ao declaratário. E se ele era
perceptível ele pode ser invalidado porque o declaratário não teria uma legítima expectativa.
Então ,o que importa, enunciado 12, é a perceptibilidade do erro, não importa se o erro é escusável ou
não.
Nesse sentido, além do enunciado 12 nós temos autores como Venosa, Christiano Chaves, Humberto
Theodoro Júnior e Flávio Tartuce. Podemos dizer que essa posição é predominante.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: porque o que se exige, de acordo com essa perceptiva aí, é que o erro seja
perceptível, não se exige que o erro tenha sido percebido. Isso é muito importante, primeiro pelo
seguinte: se por ventura o outro contratante percebeu, nós saímos do erro e vamos para o dolo por
omissão art. 147. Mais importante dogmaticamente, se o legislador exigisse que a outra parte tivesse
percebido, nós estaríamos no terreno da boa fé subjetiva. Quando o legislador simplesmente diz “basta
que o erro seja perceptível” nós estamos no terreno da boa fé objetiva.
Na verdade, o art. 113 do código civil diz que a interpretação dos negócios deve se dar a luz do princípio
da boa fé objetiva. Então, para essa primeira subdivisão o princípio da confiança exclui a escusabilidade
do erro.
Discordando do enunciado 12, Gustavo Tepedino e Sílvio Rodrigues. Quando o art. 138 diz que o erro
pode gerar a invalidade do negócio se ele for perceptível ao declaratário, qual é a mensagem que o
ordenamento jurídico está impondo ao declaratário? “Olha declaratário, se você não percebeu, mas
deveria ter percebido, você pode ser atingido.”
O que está implícito nisso aí? Deveres anexos. Uma das conseqüências da boa fé objetiva são os
chamados deveres anexos e um dos deveres anexos é justamente os deveres anexos de cuidado, de
diligencia.
Por isso que quando o código diz “sabe ou deveria saber”, o código vem em harmonia com a boa fé
objetiva. Porque quem não sabe, mas deveria saber está agindo de boa fé subjetiva, mas está violando
a boa fé objetiva. Então, quando o código diz que o erro tem que ser perceptível, o código está impondo
ao declaratário um dever anexo de cuidado.
Por outro lado, o Tepedino diz o seguinte: quando se exige que o erro tem que ser escusável, o que
está se impondo ao declarante? Dever anexo de cuidado. Porque quando se diz que o erro tem que ser
escusável o que se afirma? O erro grosseiro não socorre ao declarante e o erro grosseiro é aquele que
decorre da inobservância do dever anexo de cuidado.
Então, percebam bem, o art. 138 diz que o erro tem que ser perceptível ao declaratário, essa
perceptibilidade ao declaratário impõe ao declaratário o dever anexo de cuidado. Por outro lado, quando
se exige que o erro tem que ser escusável, o que se impõe ao declarante é um dever anexo de cuidado.
O Tepedino vem e diz que não faz nenhum sentido o enunciado 12, porque o enunciado 12 diz que o
princípio da confiança exclui a escusabilidade. Não faz sentido por que, defende o Tepedino? Porque da
boa fé objetiva resultam deveres anexos não apenas para o declaratário, mas também para o
declarante. Os deveres anexos, dentre os quais o dever de cuidado, vinculam declarante e declaratário.
Então, o Tepedino ressalta que não há nenhuma incompatibilidade entre o princípio da confiança e a
exigência da escusabilidade do erro. Ao contrário, na verdade a perceptibilidade e a escusabilidade se
complementam a luz do princípio da boa fé objetiva. A perceptibilidade atribuindo deveres anexos ao
declaratário e a escusabilidade impondo deveres anexos ao declarante.
Então, o Tepedino discorda do enunciado 12, no sentido de que o erro tem que ser não apenas
perceptível ao declaratário sim (princípio da confiança), mas além de perceptível ao declaratário, o erro
também tem que ser escusável.
Tepedino defende que não haveria incompatibilidade entre o princípio da confiança e a escusabilidade
do erro. Silvio Rodrigues também acompanha essa posição.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: exatamente, porque quando se fala em perceptibilidade, fixando bem isso porque
esse é o tema mais difícil dentro da sistemática do erro, é o tema mais importante. Quer dizer, quando
se diz o erro perceptível, o que está se dizendo?Se não sabia o declaratário, mas deveria ter percebido,
violou o dever anexo, pode ser atingido. Então, a perceptibilidade impõe um dever anexo ao
declaratário.
Quando se diz erro escusável, o que se está impondo ao declarante? Dever anexo de cuidado. Como
da boa fé objetiva resultam deveres anexos para declarante e para declaratário, o Tepedino de maneira
minoritária defende que o erro tem que ser perceptível e ao mesmo tempo escusável.
Não haveria aqui situações incompatíveis, na verdade os institutos se complementariam de acordo com
essa perspectiva. Posição minoritária, a posição predominante é a do enunciado 12.
Para não sermos contraditórios na hora da prova: quando se exige que o erro seja perceptível, isso está
tanto na 2ª quanto na 3ª corrente, quando se passa a exigir a perceptibilidade do erro, qual é a
conseqüência? É não mais falar em reparação a interesse negativo, porque a reparação ao interesse
negativo pressupõe o que? Que o simples erro escusável atinja o terceiro, outro contratante de boa fé.
Quando se diz que o erro tem que ser perceptível ao declaratário, ele violou a boa fé objetiva e, portanto
não mais se cogita de reparação a interesse negativo.
Estou ressaltando isso porque o Venosa fala em teoria da perceptibilidade e no final fala em reparação
ao interesse negativo e, na verdade, toda a doutrina afirma que são situações incompatíveis. Quer dizer,
quem adota a 2ª e 3ª corrente não vai falar em reparação ao interesse negativo.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: a questão acaba sendo mais dogmática do que prática, mas ela vai gerar um reflexo
talvez no campo processual. Porque a preocupação com o ônus probatório vai ser diferente. Por
exemplo, houve uma hipótese antes do código atual de que uma construtora adquiriu um terreno para
construir um edifício de 10 andares. Desconhecendo uma legislação urbanística que proibia edificação
(gabarito) a partir do 4º andar. O que se entendeu anteriormente? Erro inescusável. Para uma
construtora o erro é inescusável, era indispensável que a construtora verificasse toda a legislação
urbanística à época.
Se nós seguirmos a trilha do Tepedino, qual é a questão que vamos discutir? Não vamos discutir se o
erro era escusável ou não. Vamos ter que discutir se aquele erro da construtora era ou não perceptível a
outra parte. Quer dizer, a discussão processual vai gerar um outro caminho, quer dizer, a preocupação
central em relação a ônus probatório vai para outra direção.
Em termos práticos, quase sempre a escusabilidade e a perceptibilidade vão caminhar lado a lado, mas
o enfoque do ordenamento jurídico acaba sendo outro.
Resumindo, o que a segunda corrente defende é que o princípio da confiança exclui a teoria da
responsabilidade. O Tepedino diz o seguinte: na verdade, o princípio da confiança não exclui a teoria da
responsabilidade, porque essa teoria impõe ao declarante o dever anexo de cuidado e, nesse contexto,
a teoria da responsabilidade vem em harmonia com a boa fé objetiva.
As hipóteses de erro essencial estão previstas no art. 139. O art. 139 prevê essas modalidades de erro,
como sendo modalidades de erro essencial. O error in negotio é o erro sobre a própria natureza do
negócio. Está no art. 139, I, 1ª parte. O sujeito supõe estar celebrando uma compra e venda quando na
verdade está celebrando uma doação. O erro incide sobre a própria natureza do negócio.
O error in corpore está no art. 139, I 2ª parte. Há o error in corpore quando o erro incide sobre o objeto
principal da declaração. É o erro sobre a própria identidade do objeto.
Exemplos que a doutrina traz: o sujeito compra casa de nº 45 e supõe estar comprando a de nº 54, error
in corpore. Sujeito compra uma casa na rua X supondo que essa rua se situe em determinado
Município, quando na verdade essa casa é situada numa rua X em Município diverso, erro sobre a
própria identidade do objeto.
Error in substancia é o erro que incide sobre as qualidades essenciais do objeto. Então aqui, o erro não
incide sobre a identidade da coisa, incide sobre qualidade envolvendo o objeto.
Exemplo tradicional: o sujeito compra uma estátua de osso supondo ser de marfim; você compra um
relógio dourado supondo que seja de ouro quando na verdade o material é de péssima qualidade. Error
in substancia. Está no art. 139, I parte final.
Error in persona, que está no art. 139, II, é o erro sobre a pessoa, sobre as qualidades de uma pessoa.
E o error in persona ganha maior relevância em contratos gratuitos, em contratos personalíssimos como
é o caso do mandato e sociedade. E há todo um contexto específico em relação ao casamento que tem
inclusive sistemática própria, art. 1557, I, inclusive regras próprias de direito de família.
Há uma questão relevante aqui que é a questão do chamado erro impróprio que é sinônimo de erro
obstativo que é sinônimo de erro obstáculo. Alguns autores ressaltam que esse erro impróprio ele incide
não sobre a formação e sim sobre a declaração de vontade.
Dentro da experiência do direito estrangeiro, o error in negotio e o error in corpore corresponderiam aos
chamados erros obstativos, porque nesse caso o erro não incide sobre a formação, incide sobre a
própria declaração de vontade. A doutrina costuma lembrar essa idéia do erro obstativo porque em
vários países o erro obstativo não gera apenas a anulabilidade.
No direito alemão, por exemplo, o erro obstativo gera nulidade absoluta. No direito italiano e no direito
francês geram inexistência. Se entende que o erro na declaração acaba sendo mais grave do que o erro
na própria formação, só que no direito brasileiro o entendimento consolidado é no sentido de que o erro
obstativo também conduz a anulabilidade.
Então, na verdade, nós não temos efeitos práticos no direito brasileiro em relação ao chamado erro
obstativo ou erro impróprio, porque o próprio art.139 ressalta que o error in negotio e o error in corpore
correspondem a modalidade de erros essenciais que conduzem a anulabilidade.
Então, se perguntarem o que é erro obstativo, o que é erro in próprio? É aquele que incide sobre a
declaração de vontade que seriam, em tese, hipóteses de error in negotio e error in corpore. Só que no
Brasil o erro obstáculo não traz repercussão prática porque o erro obstáculo também gera anulabilidade.
O erro obstáculo se contrapõe ao chamado erro motivo que é aquele que incide sobre a própria
formação da vontade. Alguns manuais lembram essa distinção: Francisco Amaral, Humberto Theodoro
Júnior...
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: talvez sim, de acordo com as conseqüências da legislação estrangeira.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: interpretaria de acordo com a legislação alienígena.
Bom, ficou faltando aqui acrescentar também uma questão também muito importante, que é a questão
do erro de direito.
Qual a idéia básica do erro de direito? Resumidamente, é o desconhecimento da norma ou a sua
equivocada interpretação.
A dúvida é se o erro de direito gera a anulabilidade, quer dizer, se alguém pode alegar o
desconhecimento da norma ou a sua equivocada interpretação para anular um negócio jurídico.
Se cair numa prova dissertativa é muito importante lembrar que o Código de 16 era omisso sobre o tema
e, diante dessa omissão, havia uma posição defendida pelo Clóvis Beviláqua no sentido de não admitir o
erro de direito como causa de anulabilidade. O argumento principal do Clóvis Beviláqua, art.3º da LICC:
ninguém se escusa de cumprir a norma invocando seu desconhecimento.
Já havia uma segunda posição discordante da do Clóvis Beviláqua defendida pelo Caio Mário e o nosso
código atual explicitamente adotou a 2ª posição, posição do Caio Mario.
O nosso código civil, no art. 139, III, explicitamente prevê o erro de direito como causa de anulabilidade
e, aqui, vamos tomar cuidado com o seguinte: quando entrou em vigor o código, alguns começaram a
afirmar que o art. 139, III era uma exceção ao art. 3º da LICC.
Só que a bem da verdade, se analisarmos com cautela, e hoje é essa a posição consolidada,
perceberemos que não há nenhum conflito entre o art. 139,III e o art. 3º da LICC, as regras estão em
harmonia.
O que a lei de introdução proíbe é que o sujeito invoque o desconhecimento para descumprir a norma.
O que o art. 139, III autoriza é que o sujeito alegue o desconhecimento da norma para anular o negócio
jurídico. Quer dizer, o art. 139, III não permite que o sujeito invoque o desconhecimento para descumprir
a norma, mas apenas para anular o negócio jurídico.
Exemplo prático: vamos supor que eu celebre um contrato de importação. Faço esse contrato
desconhecendo uma determinada jurídica que proíbe tal importação daquelas mercadorias. Eu vou em
tese poder alegar o art. 139, III para trazer as mercadorias para o Brasil? Não, eu vou alegar o art. 139,
III para anular o negócio jurídico.
Aquele exemplo, eu compro um terreno para construir um edifício desconhecendo uma regra da
legislação urbanística editada dois dias antes da compra que proíbe tal edificação. Eu vou alegar o erro
de direito para construir o edifício? Não, eu vou alegar o erro de direito para anular o negócio jurídico.
Então, na verdade, o art. 139, III não colide com o art.3º da LICC, ao contrário, as regras estão em
harmonia, porque o art. 139, III permite a alegação de erro de direito para a invalidação do negócio
jurídico e não para o descumprimento da norma.
Lendo o dispositivo fica claro, diz o inciso III: sendo de direito e não implicando recusa a aplicação da lei
for o motivo único ou principal do negócio. Para lembrar disso, fazer uma remissão quando o código diz
“não implicando recusa a aplicação da lei” para o art.3º da LICC para lembrarmos que as regras estão
em sintonia.
O art.140 é uma regra importante, porque ele traz mais uma hipótese em que o motivo tem repercussão
jurídica. Lembrando que a regra geral é no sentido de que o motivo não tenha essa repercussão. Diz o
art. 140 que o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.
Vamos supor que alguém faça uma doação a fulano e explicitamente ressalte que está doando a fulano
porque fulano salvou a vida de seu filho em determinado incêndio. Quer dizer, o motivo da doação
explicitamente mencionado é o fato do donatário ter salvado o filho do doador.
Percebam que se posteriormente se constata que o donatário não salvou o filho do doador, o negócio
jurídico será anulado por erro porque esse negócio jurídico foi impulsionado por um falso motivo que
consta como razão determinante.
Tem um exemplo trazido da jurisprudência de São Paulo, exemplo do Christiano Chaves, uma hipótese
em que o alienante do fundo de empresa explicitamente assegurou ao adquirente uma grande clientela,
quer dizer, se há uma explícita assunção da responsabilidade pelo alienante em relação a grande
clientela, a inexistência de clientela representa um falso motivo a justificar a anulação do negócio.
Um último exemplo do Gustavo Tepedino, imagine que alguém venda um determinado terreno e o
comprador se compromete a entregar ao adquirente o 10º andar da construção.
Depois de firmado o contrato, o adquirente resolve não mais construir o edifício, vai construir um banco.
Vejam que para o adquirente houve um falso motivo porque o motivo da era aquisição do 10º andar, era
a construção do edifício. Então, o falso motivo vai viabilizar a anulação do negócio jurídico.
Aqui, toda a doutrina afirma, e o próprio art. 140 ressalta, que esse falso motivo tem que ser expresso,
demanda declaração expressa.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: foi isso que decidiu a jurisprudência paulista quando ficou demonstrado na semana
seguinte se viu que não havia clientela alguma e quando o contrato assegurava ao adquirente uma
clientela substancial, quer dizer, haveria aí um suposto falso motivo.
Observem que essa exigência aqui de que o falso motivo seja expresso vem em harmonia dom o
princípio da confiança, legitima expectativa do declaratário.
O art. 141 diz assim: a transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos
casos em que o é a declaração direta.
Quando é que vamos aplicar o art. 141? Quando o declarante exterioriza a sua vontade na ausência do
declaratário, porque aqui nesse caso a declaração de vontade se dá por meios interpostos.
Toda doutrina afirma que essa expressão “meios interpostos” a que se refere o art. 141 abrange não
apenas interposta pessoa, que seria o chamado mensageiro ou núncio, mas também meios alternativos
de comunicação como fax e email. 51:17
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: você está falando em relação a teoria da formação dos contratos? A teoria da
recepção, da expedição? Na verdade, lá vamos enfrentar as regras pertinentes que envolvem a
formação dos contratos. Aqui estamos falando em eventual vício na formação da vontade. Na verdade
os pressupostos são diferentes, a gente vai ver que lá, em regra, o código parece ter adotado a teoria
da expedição. Aqui não. Aqui estamos discutindo vício na formação da vontade, não estamos discutindo
quando é que o contrato se forma, estamos discutindo...
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: para fins de formação dos contratos. Email online também é considerado presente
para fins de formação dos contratos, mas é considerado ausentes para fins do art. 141 do código civil.
Porque lá realmente para a formação dos contratos nós veremos que “presentes” não significa apenas
presença física, mas também a possibilidade de comunicação imediata. Mas aqui não, no art. 141 basta
a ausência física.
O código está dizendo o que? Está dizendo que se o meu mensageiro se equivoca, o equívoco do
mensageiro pode ser por mim alegado para fins de anulação do negócio jurídico.
Vejam, o que o Humberto Theodoro Júnior defende? Ele defende que o art. 141 se aplica na hipótese
do mensageiro. Ou seja, na hipótese em aquele o sujeito que exterioriza a vontade o faz de acordo e
necessariamente como um mero instrumento do declarante.
A hipótese do núncio ou do mensageiro não se confundiria com a hipótese do mandatário ou do
representante em sentido amplo. Porque o núncio, o mensageiro ele é um mero condutor da vontade do
declarante, ele não tem nenhuma autonomia.
Já o representante, ele manifesta a sua vontade em nome e em favor do representado, mas quem
exterioriza a vontade é o próprio representante. Quer dizer, o representante goza de autonomia na
manifestação de vontade que vincula o próprio representado.
O que o Humberto Theodoro ressalta e os manuais em geral não enfrenta é o seguinte: se nós
estivermos diante da figura do representante é possível sim que haja erro do representante, mas a
análise do erro há de ser vista de acordo com a manifestação de vontade do próprio representante.
E mais, vamos supor que não haja erro por parte do representante, vamos supor que o representante
tenha atuado fora dos poderes que lhe tenham sido cometidos pelo representado. Quer dizer, ao invés
de ocorrer num equívoco, o representante extrapola os poderes que lhe foram conferidos pelo
representado.
Nesse caso, o que o Humberto Theodoro defende? Ou o outro contratante sabe da extrapolação dos
poderes e, nesse caso, aplicáveis os artigos 665 e 673.
Em síntese esse art. diz que se o outro contratante sabe que o representante extrapolou os poderes o
outro contratante assume o risco de uma simples gestão de negócios.
Qual o efeito prático disso? Gestão de negócios, veremos: art.861 a 875. Na verdade, aquela vontade
exteriorizada pelo representante só vai vincular o representado se ele confirmar, se ele ratificar. Se ele
na ratificar, aquela vontade não vincula o representado que é a lógica geral da gestão de negócios,
artigos 861 a 875.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: no final vamos ter que trabalhar porque o Humberto Theodoro Júnior não faz alusão a
isso, exatamente essa questão que temos que ver a luz da boa fé objetiva.
Por outro lado, o que o Humberto Theodoro Junior defende? Se o outro contratante não sabe, o negócio
é inoponível ao representado, artigos 654, 662 e 665. Quer dizer, o Humberto Theodoro diz que se o
outro contratante não sabe que o representante está extrapolando os poderes, o representado não vai
ter interesse de suscitar a anulabilidade, porque o representado não vai se vincular ao negócio jurídico,
o negócio vai se formar entre outro contratante e o representante, o representante é que vai
pessoalmente se vincular. Essa é a conclusão que chega Humberto Theodoro e ponto final.
Só que, a bem da verdade, a essas ponderações de Humberto Theodoro é preciso acrescentar a teoria
da aparência. A grosso modo, qual seria a conseqüência prática da teoria da aparência aqui? Se as
circunstancias fáticas gerarem ao declaratário a aparência de que o representante atua dentro dos
limites dos poderes, a conseqüência pratica seria vincular o representado e permitir a ele o exercício do
direito de regresso.
O Humberto Theodoro não fala em teoria da aparência, mas uma perspectiva contemporânea, a essas
ponderações é preciso trazer a teoria da aparência e, através da teoria da aparência, seria possível
atribuir responsabilidade ao representado e conseqüente direito de regresso em face do representante.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: o art. 141 diz “a transmissão errônea da vontade por meios interpostos”. Quer dizer, o
mensageiro seria um meio interposto, ele seria um mero veículo para manifestação de vontade do
próprio declarante. Só que o representante não é um mero veículo, não é um simples meio interposto
para a vontade do declarante porque o representante manifesta a sua própria vontade vinculando o
representado.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: típico do contrato de mandato, quer dizer, a diferença aqui é que o núncio, o
mensageiro não tem nenhuma autonomia, diferentemente do que ocorre com o representante.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: nada, o que o Tepedino ressalta aqui, acompanhando o Sílvio Rodrigues, é o
seguinte: não se aplica o art. 141 na hipótese de culpa in eligendo. Quer dizer, vamos supor que meu
núncio seja um sujeito desqualificado, manifestamente sem condições de manifestar adequadamente a
minha vontade.
Sustenta o Tepedino e o Silvio Rodrigues, nesse caso seria culpa in eligendo e essa culpa afastaria do
declarante a possibilidade de anular o negócio com base no erro do mensageiro. Porque nós vimos que
tanto o Tepedino quanto o Silvio Rodrigues defendem que o erro, além de perceptível, tem que ser
escusável.
Quem defender que o erro não precisa mais ser escusável, se falar em culpa in eligendo vai estar sendo
contraditório, porque se pouco importa a escusabilidade do erro o que importa é o princípio da
confiança, pouco importa a culpa em in eligendo. Porque na verdade a preocupação seria apenas em
relação a legítima expectativa do declaratário. Quer dizer, há uma certa coerência porque esses autores
defendem a escusabilidade do erro.
O art. 144 merece menção aí, é novidade, porque ele vem em harmonia com o princípio da conservação
dos atos e negócios jurídicos. Diz o art. 144 que o erro não prejudica a validade do negócio quando a
pessoa a quem a manifestação de vontade se dirige se oferecer para executá-la na conformidade da
vontade real do manifestante.
Vamos supor os exemplos que os manuais trazem, alguém compra determinado terreno supondo que
aquele terreno se encontra na quadra A quando na verdade o terreno vendido está na quadra B.
Percebendo o equívoco do declarante, o que o declaratário faz? Altera o objeto do negócio acordado e
predispõe entregar o imóvel da quadra A, tal qual o pretendido pelo declarante.
O que o art. 144 diz aqui? Pelo princípio da conservação o negócio jurídico não será anulado.
Por um lado, na hipótese de erro, desde que preenchido os requisitos legais, o declarante tem o direito
potestativo de anular o negócio jurídico, dentro do prazo previsto em lei. Mas o art. 144 prevê para o
declaratário um direito potestativo de preservar o negócio e há uma controvérsia aqui, seria a seguinte:
o Humberto Teodoro Júnior defende que o art. 144 se aplica até o momento em que o contratante não
incurso no erro, cumpre a sua prestação.
Discordando dessa posição nós temos o Gustavo Tepedino que defende que o art. 144 se aplica até o
momento de oferecimento de resposta da ação anulatória proposta pelo declarante.
Seria o momento posterior, quer dizer, poderia o contratante cumprir a sua prestação, o declarante
ingressaria com uma ação de anulação invocando o erro e até o momento da resposta da ação
anulatória, a outra parte teria o direito potestativo de afastar a anulação com base no art. 144. Essa
segunda posição vem em melhor sintonia com o princípio da conservação.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: processualmente o que seria? Talvez ele reconheceria a procedência do pedido e de
plano se predispõe a cumprir aquilo que o declarante realmente esperava. Quer dizer, ele reconhece o
erro do declarante e, além disso, se predispõe a cumprir adequadamente e aí numa visão instrumental,
quando ele se predispõe a cumprir adequadamente. Numa visão instrumental, quando ele se predispõe
a cumprir adequadamente, o princípio da conservação imporia a não anulação do negócio com o
objetivo de preservar o negócio.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: processualmente a questão é delicada sem dúvida algumas. Porque olha só, qual
seria a perspectiva, vendo no direito material? Se por ventura o declarante simplesmente disser: “agora
não quero mais” porque já houve a propositura da ação, o que teríamos aí? Uma recusa em tese
injustificada, quer dizer uma recusa em desarmonia com princípio da boa fé objetiva. Quer dizer, nós
teríamos aqui uma hipótese de abuso do direito, porque na verdade essa recusa pelo declarante ela tem
que ser interpretada a luz do princípio da fé objetiva. Quer dizer, a luz do direito material a solução é
essa.
Processualmente, haveria uma improcedência da anulatória com base na pré disposição do réu em
aceitar corrigir aquilo que o declarante pretendia. Acho que talvez a hipótese seria de falta de interesse
ao invés de improcedência. Acho que seria falta de interesse superveniente, quer dizer, com a postura
do réu em se predispor a cumprir aquilo que o declarante ressaltava, a hipótese, talvez, seja de extinção
do processo sem resolução de mérito.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: talvez o ônus sucumbenciais excepcionalmente fiquem a cargo do réu, mas o
fundamento aí talvez tenha que ser verificado.
No final da aula passada estávamos discutindo aquela questão do art. 144. Ficamos na dúvida em
relação ao aspecto processual, tinha a questão dos honorários de sucumbência. A colega chegou a
sugerir a extinção do processo sem resolução por falta de interesse, mas ficamos com algum tipo de
dificuldade quanto aos ônus sucumbenciais.
Não sei se já viram, saiu o Informativo 370 do STJ e acho que saiu ali um julgado que pode nos ajudar,
fica só como sugestão sem nenhuma pretensão de equacionar porque a questão é processual.
Mas olha só, o julgado do Informativo 370 diz que no caso de extinção do processo sem resolução de
mérito, em relação aos ônus sucumbenciais, cabe ao juízo verificar qual parte deu causa a extinção do
processo ou qual litigante seria sucumbente acaso o julgado fosse o mérito da questão.
Quer dizer, com esse julgado do último Informativo me parece que não teríamos dificuldade em salientar
que haveria extinção do processo sem resolução de mérito e os ônus sucumbenciais ficariam a cargo do
réu. Porque na verdade a conduta do réu é que deu causa a extinção do processo sem resolução de
mérito e acaso fosse julgado o pedido, haveria acolhimento da pretensão autoral. RESP 1072814.
Talvez esse julgado dê para equacionar pelo menos a questão dos ônus sucumbenciais.
Vamos prosseguir com a sistemática do dolo, artigos 145 a 150.
A grosso modo, o dolo representa a provocação intencional do erro. Chegamos a afirmar isso na aula
passada quando vimos que uma das características essenciais do erro é a espontaneidade, o erro parte
do próprio declarante porque se há induzimento a erro o instituto aplicável passa a ser o dolo.
Tal qual vimos na aula passada, vamos aproveitar na aula de hoje o seguinte: o dolo pode ser principal,
sinônimo de essencial, sinônimo de determinante ou pode o dolo ser acidental.
O dolo essencial é aquele que incide sobre elementos decisivos a celebração do contrato. Então, como
o dolo nesse caso incide sobre elementos decisivos, sobre elementos determinantes, sem dúvida o dolo
essencial vai gerar vício de consentimento. Em gerando vício de consentimento automaticamente o dolo
essencial vai gerar anulabilidade, art. 145 do código civil: são os negócios jurídicos anuláveis por dolo
quando esse for a sua causa.
O dolo acidental é aquele que incide sobre elementos desimportantes. Então, fica claro que como o dolo
acidental incide sobre elementos desimportantes, o negócio seria praticado ainda que não houvesse o
dolo. Ou seja, na hipótese de dolo acidental não há vício de consentimento. Dentro da mesma lógica do
erro da aula passada.
Só que quando se fala em dolo, qual é a diferença aqui? O dolo é um ato ilícito, o art. 146 diz que o dolo
acidental não invalida o negócio, mas cabem perdas e danos. Isso cai muito em prova objetiva. Então,
nem todo dolo conduz a anulabilidade apenas o dolo essencial porque apenas ele gera vício de
consentimento.
O art. 147 trata do dolo por omissão...
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: na verdade, o dolo essencial ele gera anulabilidade, mas o simples fato de gerar
anulabilidade sem dúvida alguma não exclui eventual perdas e danos. Isso vale para coação também,
porque há eminentemente a prática de lícito. Na verdade, no dolo essencial podemos ter duas
pretensões: a anulatória que se submete ao prazo decadencial de 4 anos, o art. 178 prevê assim, e
além da pretensão anulatória ele pode vir a ter uma pretensão reparatória, aí em tese o prazo de três
anos, prazo prescricional da reparação civil.
O art. 147 trata do dolo por omissão. É o silencio intencional. No contexto atual, em eventual prova
dissertativa não dá para se falar em dolo por omissão sem ao menos fazer menção ao dever anexo de
informação da boa fé objetiva. Então, é preciso fazer uma correlação entre o dolo por omissão e o dever
anexo de informação oriundo da boa fé objetiva. O dolo por omissão acaba ganhando um contexto
diante do princípio da boa fé objetiva.
Há uma questão aqui que é delicada que é a seguinte: mais adiante vamos ver com calma, mas vou
fazer esse comentário para podermos tratar de uma questão, quais são as duas categorias tradicionais
de inadimplemento? A mora e o inadimplemento absoluto.
Nós veremos que boa parte da doutrina mais atualizada vem ressaltando que essas duas categorias
tradicionais, a mora e o inadimplemento absoluto, teriam se tornado insuficiente na luz da boa fé
objetiva.
Resumidamente, quem viola um dever anexo da boa fé objetiva não está praticando um inadimplemento
contratual? Sem dúvida, e aí vejam, a violação e o dever anexo se encaixariam na mora? Não. Se
encaixariam no inadimplemento absoluto? Também não. Quer dizer, esse exemplo direto, já demonstra
a insuficiência dessas duas categorias tradicionais. Então, nós veremos que diante da boa fé objetiva
surgiu uma terceira categoria de inadimplemento que é a chamada violação positiva do contrato.
Uma das manifestações da violação positiva do contrato está justamente na violação dos deveres
anexos, é uma das manifestações e aí surge aqui o seguinte problema: quem está em dolo por omissão
está violando o dever anexo de informação.
Só que dolo por omissão gera anulabilidade e, em tese, a violação dever anexo de informação também
entra na categoria de inadimplemento, só que anulabilidade é uma coisa e inadimplemento é outra, são
institutos diferentes.
Então, como vamos separar isso? Como vamos distinguir quando a hipótese configura dolo por omissão
e conseqüentemente gera anulabilidade e quando é que a circunstância fática vai gerar violação positiva
do contrato, ou seja, vai gerar inadimplemento?
O dolo por omissão gera anulabilidade porque é vício de consentimento e isso representa o que? Vício
na formação da vontade. Quando é que a vontade se forma? A vontade se forma na fase pré-contratual,
na fase das tratativas. Quer dizer, é através das tratativas que as partes vão formando as suas
respectivas vontades.
Percebam que se há formação ao dever de informação na fase pré-contratual, dolo por omissão. Vício
de consentimento, vício na formação da vontade. Uma vez firmado o contrato e, conseqüentemente
formada a vontade, a violação ao dever anexo de informação no transcorrer do contrato já firmado vai
configurar inadimplemento do contrato que já fora celebrado.
Então, em fase pré-contratual, dolo por omissão, fase contratual inadimplemento, violação positiva do
contrato como veremos mais adiante.
Na penúltima prova específica da PGE caiu uma questão envolvendo dever de informação em que a
atriz famosa fez uma cirurgia plástica e ficou horrorosa. A lógica era a da responsabilidade civil pela
simples inobservância do dever anexo de informação. Ainda que não tenha havido erro de
procedimento, a inobservância do dever anexo de informação viabilizaria a responsabilidade civil.
O art. 148 trata do dolo de terceiro. O negócio jurídico é firmado entre A & B e o dolo aqui é praticado
por um terceiro. A doutrina costuma lembrar o exemplo dolo do corredor, terceiro estranho ao contrato.
Vamos supor que o terceiro induza uma das partes em erro, dolo de terceiro.
Sem ler o código, vamos pensar no princípio da confiança, proteção da legítima expectativa. Se o B não
sabe e nem deveria saber do dolo do terceiro, o B não tem legítima expectativa na continuidade do
negócio? Então, se o B não sabe e nem deveria saber, o negócio jurídico vai ser válido e o terceiro
responde por perdas e danos, princípio da confiança.
Por outro lado, se o B sabe ou deveria saber ele não tem uma legítima expectativa e, portanto a ele não
se aplica o princípio da confiança. A conseqüência natural qual vai ser? Anulabilidade sem prejuízo de
perdas e danos.
Na verdade, o art. 148, que trata do tema, é uma demonstração muito clara do princípio da confiança.
Diz o art. 148: pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro se a parte a quem
aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento.
O código aqui andou muito bem, porque ele falou tivesse ou devesse ter, porque percebam, se o
legislador exigisse que o B tivesse conhecimento, nós teríamos dois problemas aqui. Primeiro, nós
estaríamos no terreno da boa fé subjetiva e, segundo, se o B sabe do dolo de terceiro, ele no mínimo
está em curso num dolo próprio por omissão.
Seria até desnecessária a previsão do art. 148, o art. 147 já atrairia a sistemática do dolo por omissão
para B, então na verdade o código andou muito bem quando disse que sabe ou deveria saber, porque
ele guardou fidelidade ao princípio da confiança, ao princípio da boa fé objetiva, quer dizer, a mensagem
é: se o B não sabia, mas deveria saber ele está agindo em boa fé subjetiva, mas violou o dever anexo
de cuidado da boa fé objetiva.
E a parte final diz: em caso contrário ainda que subsista, o negócio o terceiro responderá por perdas e
danos.
Muito cuidado aqui com uma pegadinha que é a seguinte: o art. 148 na 1ª parte diz que se o B sabe ou
deveria saber do dolo do terceiro o negócio é anulável, só vamos tomar cuidado aqui com o seguinte: o
examinador pode jogar uma hipótese em que o B sabe ou deveria saber de um dolo acidental do
terceiro. Se o dolo do terceiro for acidental, a solução não é a do art. 148 1ª parte, porque o dolo
acidental acabamos de ver, art. 146, não conduz anulabilidade ele gera apenas perdas e danos.
Então, quando o art. 148 diz que se o B sabe ou deveria saber, gera anulabilidade, ele está presumindo
que o dolo de terceiro é um dolo essencial. Se for acidental ,a solução não é a contemplada no art.148,
a solução será perdas e danos e o negócio jurídico será válido.
Tem outro problema aqui que é o seguinte: se o B sabe ou deveria saber e o dolo do terceiro é
essencial, anulabilidade não é isso? Só que o dolo essencial não exclui eventualmente perdas e danos.
Só que vejam bem, se o B sabe ou deveria saber, as perdas e danos são potencialmente imputáveis
tanto ao B quanto ao terceiro. Só que o art. 148 falhou aqui, porque toda a doutrina afirma que o art. 148
deveria contemplar mais explicitamente um regime de solidariedade passiva entre o B e o terceiro.
Por exemplo, na hipótese da coação por terceiro do art. 154... O art. 148 não prevê a solidariedade
passiva entre B e o terceiro, diferentemente da hipótese da coação por terceiro do art. 154. O art. 154
quando trata da coação por terceiro, em hipótese idêntica a essa, diz que se o B sabe ou deveria saber
da coação de terceiro há anulabilidade e ambos respondem solidariamente por perdas e danos.
Em relação ao dolo especificamente tem duas possíveis soluções, uma primeira mais simples é dizer
solidariedade não se presume, tem que ter lei ou manifestação de vontade, art.265. Com essa solução,
nós afirmaríamos que não haveria regime de solidariedade passiva.
Outra solução que é defendida por Pontes de Miranda e Humberto Theodoro Júnior, seria no sentido de
invocar a solidariedade passiva aplicando o atual art. 942 do Código.
A grosso modo, veremos mais adiante, que o art. 942 prevê uma cláusula geral de solidariedade passiva
em sede de responsabilidade civil. O que o art. 942 diz é que se há mais de autor do ilícito, todos
respondem solidariamente e, além de invocar o art. 942, na prova dissertativa dá para colocar o
seguinte: a mesma lógica que impulsiona a repressão a coação por terceiros, contemplada no art. 154,
se justificaria para reprimir o dolo de terceiro. Quer dizer, não haveria razão de tratamento diferenciado
entre a coação por terceiro e o dolo de terceiro. A sistemática da coação por terceiro está no art. 154.
Eu não usaria a expressão analogia porque falar em analogia em sede de solidariedade eu acho que
não pega bem por conta do art. 265. Eu usaria o art. 942 e diria que a ratio legis, na verdade não
haveria razão para tratamento diferenciado, mas o fundamento legislativo seria o art. 942. Essa idéia da
comparação com a coação apenas com argumento de reforço.
Pergunta de aluno.
Resposta: claro que aqui vamos ter que fazer uma interpretação elástica do art. 942, na verdade a
jurisprudência o faz em sede de responsabilidade civil. Quando o código diz “se a ofensa tiver mais de
um autor”, na verdade “o autor” poderia causar ao ilícito tanto através de conduta comissiva quanto
omissiva. Quer dizer, a gente teria que... Uma interpretação elástica sem dúvida.
Temos um último aspecto importante. Sem dúvida, uma pegadinha significativa. O art. 148 trata da
hipótese do dolo do terceiro enfrentando negócio jurídico bilateral, porque o art. 148 diz “se a outra parte
sabe ou deveria saber ou se outra parte não sabe ou não deveria saber”.
Só que é claro e evidente que é admissível que haja dolo de terceiro em negócio jurídico unilateral:
testamento, aceitação e renúncia a herança. Se o dolo do terceiro incidir sobre negócio jurídico
unilateral, não se aplica o art. 148, se aplica o art. 145 e art. 146, ou seja, se o dolo do terceiro foi
essencial, anulabilidade e se ele for acidental é válido e cabe perdas e danos.
Vamos pensar: o art. 148 existe por quê? Por conta do princípio da confiança e o princípio da confiança
busca proteger a outra parte inserida no negócio jurídico. Se estivermos diante de um negócio jurídico
unilateral, quer dizer, cede a lógica do art. 148 e incide a regra geral do art. 145 e do art. 146.
Outro aspecto importante aqui é a questão do dolo do representante porque a duvida é a seguinte: em
que medida o dolo do representante compromete o representado, sabendo-se que o representante atua
em nome e em favor do representado, não é isso?
O código aqui diferenciou a representação legal da representação convencional. Faz muito sentido essa
diversidade de tratamento, porque na representação legal a lei impõe o representante. Ao passo que na
representação convencional, o representante é escolhido pelo representado. Então, evidentemente a
responsabilidade do representado tem que ser muito maior em que circunstância? Na representação
convencional.
Diz o art. 149: o dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder
civilmente até a importância do proveito que teve. “Até a importância do proveito que teve” o
representado responde pelo dolo representante legal, por quê? Vedação ao enriquecimento sem causa.
Sugiro a remissão aí ao artigo 149 1ª parte para os artigos 884 a 886, são os artigos do código que
tratam de vedação ao enriquecimento sem causa.
A parte final diz: se porém o dolo for do representante convencional, o representado responderá
solidariamente por perdas e danos. Aqui, a responsabilidade solidária se justifica diante da hipótese de
culpa in eligendo e in vigilando. O código anterior não fazia esta distinção entre representação legal e
convencional.
E o art. 150 trata do famoso dolo recíproco. Todos devem se lembrar que se ambas as partes agem
dolosamente nenhuma delas pode alegar o dolo em face da outra. Tradicionalmente, a doutrina aqui
ressalta que o art. 150 se inspira naquele princípio geral, segundo o qual ninguém pode se beneficiar da
própria torpeza.
Claro que essa afirmativa está corretíssima, mas é possível fazer uma correlação entre o art. 150 e o
princípio da boa fé objetiva através da tu quoque. O dolo recíproco é uma manifestação clara da tu
quoque que é um dos desdobramentos da boa fé objetiva.
A grosso modo, na tu quoque aquele que viola uma determinada regra não pode exigir que outrem
cumpra aquela mesma regra que ele está transgredindo. Se eu ajo dolosamente, não posso alegar o
dolo da outra parte buscando anular o negócio jurídico.
Pergunta de aluno.
Resposta: exatamente, nós vamos ver que o ponto diferenciador entre a tu quoque e a venire é que a tu
quoque parte de uma conduta ilícita, ao passo que na venire contra factum proprium ocorre uma
contradição entre duas condutas lícitas. Quer dizer, essa é a diferença essencial, a tu quoque está muito
atrelada a idéia de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza, sem dúvida alguma há uma
correlação entre a tu quoque e esse princípio geral de direito.
A doutrina muito segura aqui em relação ao art. 150 no sentido de aplicar o dispositivo ainda que o dolo
de uma das partes seja essencial e o da outra seja acidental. Quer dizer, a regra se aplica ainda que o
dolo de uma seja essencial e o dolo da outra seja acidental.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: não, vamos ver que o dolo de aproveitamento ele é contemplado no art. 156, no
estado de perigo, que é a ciência da outra parte da situação de necessidade, trataremos disso mais a
frente.
O dolos malus é o que estamos vendo até aqui, aquele que gera anulabilidade, vício de consentimento.
Tradicionalmente, a doutrina invoca o dolos bonus em relação a alguns exageros usualmente praticados
pelo comércio e, tradicionalmente, a doutrina antes do CDC era unânime em ressaltar que dolos bonus
não traria nenhuma conseqüência jurídica. É uma pratica reiterada do comércio, seriam dolos
ponderáveis diante da prática social reiterada.
O que hoje se vem sustentando é que não se admite dolos bônus se essa pratica empresarial for
suscetível de induzir o consumidor em erro por conta do art. 37 do CDC que veda a questão da
publicidade enganosa.
Os autores mais atualizados vêm dizendo que não é que tenha sido aniquilada a figura do dolos bonus,
na verdade a análise acaba sendo casuística. Porque alguns exageros não são suscetíveis de induzir o
consumidor em erro.
É preciso diferenciar, por exemplo, o seguinte anúncio “o melhor produto do mundo” e o outro que diga
“este produto tem 70% de aceitação popular”. Quer dizer, o melhor do mundo, a princípio não induz o
consumidor em erro, mas se algum tipo de veiculação precisa, que possa induzir o consumidor em erro,
sem dúvida se afasta a lógica do dolos bonus e entra a questão da publicidade enganosa. Quer dizer a
potencialidade lesiva, expressão tão difundida no direito penal, acaba funcionando aqui como um marco
divisor entre dolos bonus e publicidade enganosa.
Tem outra vertente para o dolos bonus, essa questão da prática reiterada do comércio é a mais
conhecida. Mas há quem diga que haveria também dolos bonus quando o sujeito age com a intenção de
prejudicar outrem por uma razão superior. Quer dizer, quando o sujeito busca enganar outrem com a
intenção de beneficiar a pessoa enganada.
O exemplo tradicional Washington Barros Monteiro, que os manuais fazem alusão, é a hipótese do
sujeito que engana um parente para que esse parente tome um remédio necessário a sua
sobrevivência. Na verdade, através do dolos bonus o sujeito acaba causando um bem a outra pessoa.
O Flávio Tartuce traz um exemplo curiosíssimo: segundo ele haveria conjugação das duas modalidades
de dolos bonus numa única circunstancia: imagine uma loja que venda roupa, que coloque um espelho
que emagreça o cliente, quer dizer, ele está fazendo uma prática maliciosa entre aspas no comércio e
ao mesmo tempo estaria fazendo um bem ao cliente.
Coação, artigos 151 a 155.
Coação nos sugere a idéia de constrangimento, não é isso? Evidentemente, para a coação gerar um
vício de consentimento é preciso que esse constrangimento seja grave. Cuidado com a prova objetiva:
há pessoas mais e menos suscetíveis, então a mesma coação dirigida para uma pessoa pode trazer um
efeito totalmente distinto para uma coação direcionada a outra pessoa.
Normalmente, quando se tem esse tipo de dilema o que a doutrina tradicional costuma lembrar? A figura
do homem médio, o bom pai de família, só que em sede de coação o art. 152 se distancia da figura do
homem médio.
Diz o art.152: no apreciar a coação ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o
temperamento do paciente e todas as demais circunstancias que possam influir na gravidade dela.
Então, fica claro que para fins de coação o art. 152 permite que o Juiz possa levar em conta as
circunstancias, as peculiaridades do caso concreto. Portanto, o art. 152 literalmente afasta a perspectiva
do homem médio.
Outra questão importante aqui é a seguinte: a coação pode ser física, moral ou acidental. Também é
uma questãozinha tradicional em provas objetivas. Posição amplamente dominante é no sentido de que
a coação física gera a inexistência e por quê? Porque na coação física não há manifestação de vontade.
Exemplo: aquele sujeito que é analfabeto e para colher a assinatura do analfabeto alguém forçosamente
segura o dedo do analfabeto e põe a digital dele no instrumento. Quer dizer, coação física, não houve
manifestação de vontade.
Posição minoritaríssima defendida pelo Silvio Rodrigues, Maria Helena Diniz e pelo Flávio Tartuce:
defendem que a hipótese seria de nulidade absoluta. Esses autores chegam a invocar, para justificar a
hipótese de nulidade, o atual art. 3º, III: aqueles que mesmo por causa transitória não puderem exprimir
a sua vontade. Em prova objetiva, o gabarito sempre vem que gera inexistência.
A coação moral, sim, gera anulabilidade porque nela há vício de consentimento. Quer dizer, ao invés de
segurar o dedo do analfabeto e colocar no instrumento o sujeito diz “ou bota o dedo aí ou vou
seqüestrar seu filho”, coação moral. Quer dizer, a diferença é que na coação moral o sujeito pode optar
entre celebrar ou não o negócio e claro que a não celebração poderá lhe trazer conseqüências
desfavoráveis, por isso a manifestação de vontade é viciada.
Tem uma discussão clássica na doutrina que é aquela questão da arma na cabeça. Alguns afirmam que
a coação seria moral, porque com a arma na cabeça o sujeito teria liberdade, teria a possibilidade de
não optar em celebrar o contrato, mas a tendência hoje é no sentido de se afirmar que haveria hipótese
de coação física.
Vamos nos atentar para a chamada coação acidental. Dificílima aplicação prática, mas dentro do que
vimos até aqui o que seria coação acidental? É a coação que não foi decisiva, não foi determinante a
celebração do negócio. Quer dizer, o negócio teria sido celebrado ainda que não tivesse havido coação
e aí, dentro da sistemática que vimos até aqui, acho que dá para concluir com tranqüilidade que em tese
na coação acidental não há vício de consentimento. E, em decorrência, na coação acidental o negócio
jurídico será válido e o co-autor responde por perdas e danos.
Exemplo: imagine que a coação seja praticamente concomitante a manifestação de vontade. Quer dizer,
no mesmo momento que o sujeito manifesta vontade de celebrar o negócio há a coação, ela acaba
sendo concomitante a própria manifestação de vontade. Em tese, a hipótese seria de coação acidental.
Outro exemplo: imagine um sujeito que tem uma lanchonete a venda, numa comunidade violenta. Está a
venda a um ano e não consegue vender de jeito nenhum. Depois de um ano, os traficantes da área
decidem comprar o imóvel dentro daquele preço ofertado só que obviamente exercendo
constrangimento, exercendo ameaça. Em tese, teríamos uma hipótese de coação acidental, cabendo
apenas perdas e danos.
Para não sermos repetitivos, a lógica da coação por terceiro está no art. 154 e 155. A lógica é a mesma
do dolo terceiro, quer dizer, o que inspira o art. 154 e o art.155 é o princípio da confiança.
Outro cuidado aqui é a tradicional hipótese levantada pelo Sílvio Rodrigues, que vários autores fazem
referencia. O Silvio Rodrigues diz que é possível que a coação seja exercida através de um mal a ser
impingido, perpetrado, em face do próprio coator. Quer dizer, o coator constrange outrem a celebrar
negócio jurídico através de um constrangimento que se dirige num mal a ser direcionado em face do
próprio coator.
O exemplo do Silvio Rodrigues é o seguinte: imaginem um filho que para constranger o pai a receber
uma determinada doação ameace suicídio ou seguir profissão perigosa.
Desse exemplo o que se dá para extrair é o seguinte: se da circunstancia fática se evidenciar uma
relação de proximidade tal entre o coator e coagido, se dessa proximidade é possível extrair um mal
direcionado ao próprio coator venha a viciar a vontade do coagido, nós teremos uma hipótese típica de
coação a justificar a anulabilidade do negócio jurídico.
Pela literalidade do código, essa solução não seria adequada, porque o art. 151 diz que a coação deve
ser direcionada ao paciente, a sua família ou seus bens. E aí o §único trouxe uma novidade, porque
alguns indagavam o seguinte: e se não for direcionado a família e se for com um amigo, uma pessoa
próxima do coagido? O §único nesse caso permite ao Juiz decidir por equidade, diz o §único: se disser
respeito a pessoa não pertencente a família do paciente, o Juiz com base nas circunstancias decidirá se
houve coação.
Percebam que numa perspectiva clássica, o que os autores costumam afirmar? Que o parâmetro que o
juiz deve se valer no §único é o grau de proximidade com o não familiar. Só que numa perspectiva a luz
do principio constitucional da solidariedade, esse não é o único parâmetro, porque ainda que o mal seja
direcionado a um sujeito não próximo do coagido, mas se o mal ofenda um bem jurídico fundamental,
em muitas situações haverá vício de consentimento.
Você pode ter um vizinho que você não tem contato nenhum e a coação é no sentido de tirar um braço
do vizinho, de estuprar a vizinha, seja lá o que for. Na verdade, o parâmetro para a aplicação do §único
não é apenas o grau de proximidade, mas também a natureza do bem jurídico ameaçado, porque
dependendo da natureza do bem jurídico ameaçado princípio constitucional da solidariedade justificaria
o vício de consentimento ainda que ausente tal proximidade.
Art. 153 diz que não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito e nem o simples
temor reverencial. Então, claro que não há coação se o credor ameaça ingressar em juízo para cobrar o
devedor. A mãe que ameaça ingressar em juízo para pleitear investigação de paternidade do suposto
pai da criança.
Agora, é possível que haja coação na hipótese de exercício anormal, ou seja, de exercício abusivo de
direito. Tem alguns exemplos que a doutrina traz. Imaginem um sujeito que constrange outrem a fazer
um instrumento de confissão de dívida em valor superior a dívida real sob pena de denúncia da outra
parte em relação a um determinado crime de falsidade por ela praticado.
Quer dizer, eu sou o credor dela e percebo que o outro contratante praticou algum crime de falsidade e
na verdade imponho uma confissão de dívida superior a dívida real sob pena de denúncia por crime de
falsidade. Nós teríamos uma hipótese de exercício abusivo de direito.
Outro exemplo, que hoje já está inadequado: imagine o marido que flagre a mulher em adultério e
constrange a mulher em realizar um instrumento de confissão de dívida sob pena de denunciá-la pelo
antigo ilícito penal praticado. Nós teríamos uma hipótese de exercício abusivo de direito.
Então, na verdade, a penas o exercício regular de direito afasta a coação.
E o código diz ainda que o temor reverencial afasta a coação. Quer dizer, o temor reverencial, a grosso
modo, são situações que envolvem relação especial de respeito, de obediência. Quer dizer, na verdade
quando há temor reverencial há sempre um impulso espontâneo de não desagradar a outra parte.
O que o código está dizendo é que o simples fato de um empregado celebrar um contrato de locação
com seu patrão alheio a relação de emprego por si só não configura coação. Ainda que haja o temor
reverencial decorrente do poder de subordinação, esse temor reverencial por si só noção gera coação.
Então, relação patrão empregado.
Outro exemplo de temor reverencial que é a relação pais e filhos, em relação a algumas autoridades
públicas, enfim.
Agora é claro que o art. 153 está dizendo que um simples temor reverencial não gera coação, nada
impede que em concreto se demonstre a existência de constrangimento.
Vamos para o Estado de Perigo – art. 156.
Esse instituto não era contemplado no código anterior. Basicamente o que diz o art. 156 é que no
estado de perigo alguém assume uma obrigação excessivamente onerosa diante da necessidade de
salvar-se ou a pessoa de sua família de grave dano conhecido pela outra parte.
O caput do art. 156 fala em dano a própria pessoa ou a sua família. Lembra aquela história da coação
se for em relação a terceiro? A mesma coisa no §único do art. 156: tratando-se de pessoa não
pertencente a família do declarante, o juiz decidirá conforme a circunstancia. Então, tudo aquilo que
dissemos lá vale para cá, para não sermos repetitivos
Alguns exemplos clássicos: promessas exorbitantes de recompensa. O sujeito tem um patrimônio de
300 mil e promete uma recompensa de 2 milhões para alguém que venha a salvar o próprio filho. Quer
dizer, acaba assumindo uma obrigação onerosa diante de uma necessidade de salvar pessoa de sua
família de um grave dano que é conhecido pela outra parte.
Outro exemplo: os cheques caução em hospitais. Dependendo do caso concreto, honorários médicos
abusivos.
Imagine que o sujeito tem uma doença grave e precisa de cuidados emergenciais. O médico sabe da
doença grave e cobra 600 reais por uma consulta, quando normalmente ele cobraria 150 reais. Em tese,
estado de necessidade.
Outro exemplo que nos será útil daqui a pouco: imagine que o sujeito tem um filho seqüestrado e
precisa pagar o resgate. O resgate é 150 mil reais e o sujeito tem um imóvel que vale 500 mil. Para
pagar o resgate ele vende por 150 mil, o imóvel que vale 500 mil. Só tem graça o exemplo se aquele
que compra sabe da situação de inferioridade da outra. Mas em tese é aplicável o estado de perigo.
Fica claro que o art. 156 literalmente exige o chamado dolo de aproveitamento para a configuração do
estado de perigo. O que é o dolo de aproveitamento? É o conhecimento pela outra parte da situação de
necessidade.
Percebam que o estado de perigo aqui ele se aproxima muito da coação por conta do dolo de
aproveitamento, há uma semelhança aqui entre os institutos, entre o estado de perigo e coação. A
diferença essencial é que na coação a ameaça, o constrangimento parte de um interessado a prática do
ato, ao passo que no estado de perigo a situação de necessidade provém de uma circunstancia fática
eventual.
Humberto Theodoro Júnior traz um exemplo interessante naquela obra comentários ao código civil da
Forense. A obra é muito boa só que é muito grande são 20 volumes não dá para concurso, mas para
advocacia essa obra é muito boa.
E ele diz o seguinte: vamos supor aqui um exemplo, se o vizinho implode a represa do vizinho, para
obter determinada vantagem para a celebração de um negócio. Nesse caso a hipótese é de coação,
mas se por ventura a represa do vizinho venha a se deteriorar, venha implodir por razões alheias a
conduta do vizinho, por um fenômeno natural, por exemplo, se esse vizinho se aproveita da situação de
inferioridade do outro para lhe impor uma circunstancia que lhe é vantajosa a hipótese seria a de estado
de perigo.
No estado de perigo há o dolo de aproveitamento de uma situação de inferioridade que não foi
provocada pela parte que é beneficiada. Quer dizer, na verdade a pessoa se beneficia de uma situação
de necessidade decorrente de uma circunstancia que lhe é alheia, ao passo que na coação a ameaça
parte do próprio interessado na prática do negócio.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: para configuração do estado de perigo, o art. 156 exige dolo de aproveitamento, quer
dizer, a parte tem o ônus de comprovar da ciência do outro na posição de inferioridade.
Vamos supor... Numa situação como essa é situação é menos delicada porque a situação é tão
flagrante que talvez em sede probatória o ônus seja praticamente invertido aí. Mas vamos supor uma
hipótese mais delicada em que não haja não haja a possibilidade de demonstração efetiva de dolo do
aproveitamento, pode piorar até.
O Carlos Roberto Gonçalves e o Tepedino dizem que ainda que não comprovado o dolo de
aproveitamento, nesse caso não caberá estado de perigo, porque é requisito legal, mas cabe a revisão
judicial do negócio praticado. Quer dizer, pelo próprio princípio do equilíbrio econômico, ainda que em
ausente estado de perigo pela não demonstração do dolo de aproveitamento, é cabível a revisão judicial
em homenagem a boa fé objetiva e ao equilíbrio econômico. Em termos práticos, se houver dificuldade a
solução vai para a revisão judicial.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: para que haja estado de perigo, a situação de necessidade ela pode ter ou não sido
provocada voluntariamente pela parte que se encontra inferioridade. Exemplo que a doutrina traz:
imagine a pessoa que tente suicídio. Ela própria provocou a situação de necessidade e diante da
tentativa frustrada ela se arrepende e assume uma obrigação excessivamente onerosa com o objetivo
de se salvar daquela situação de eminente perigo de vida. Ela paga, por exemplo, honorários médicos
exorbitantes, ela paga um valor muito superior a um transporte daquela localidade do acidente para um
hospital por exemplo.
Ainda que a própria parte tenha provocado a situação de necessidade, é cabível a aplicação do estado
de perigo desde que comprovado o dolo de aproveitamento.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: me parece ser estado de perigo, porque na verdade qual a diferença da coação para
o estado de perigo? Na coação, na verdade, o sujeito cria aquela situação de constrangimento, aquela
situação de dificuldade com o objetivo de se beneficiar daquela situação de inferioridade. No estado de
perigo não, é só o dolo de aproveitamento de uma situação de hipossuficiência criada anteriormente.
Na medida em que o dolo, a intenção do agente não era de se beneficiar de um negócio futuro, me
parece que a situação se enquadraria no estado de perigo. Porque no caso concreto na celebração do
negócio a gente acaba se deparando na prática com dolo que é apenas de aproveitamento, me parece
que a solução viria nesse sentido.
Os efeitos práticos são parecidos porque tanto a coação quanto o estado de perigo vão gerar
anulabilidade, mas me parece que dogmaticamente ficaria melhor estado de perigo.
Tem outro problema aqui, que é o seguinte: e na hipótese de perigo putativo? Será que alguém pode
alegar estado de perigo diante de um perigo putativo? É perigo suposto pelo agente.
Exemplo clássico do estado de perigo: aquele do seqüestro. Tem o filho seqüestrado... O sujeito supõe
o seqüestro do filho, supõe que tem que pagar o resgate de 150 mil e nessa suposição ele vende o
imóvel por 500 e só tem graça falar em estado de perigo aqui se o adquirente sabe da suposta situação
de perigo.
Vejam, o que gera a anulabilidade por estado de perigo? Não é o vício de consentimento? Sim, e o vício
de consentimento no perigo putativo é tão intenso quanto na hipótese de perigo real. Então, o perigo
putativo por si só não excluí a configuração do estado de perigo, porque no caso de perigo putativo o
vício do consentimento é tão intenso quanto na hipótese de perigo real.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: em tese, o dolo de aproveitamento aqui no perigo putativo, das duas uma: ou ele
supõe também a situação de perigo e aí sem dúvida entra no estado de perigo. Ou o sujeito até sabe
que o perigo não é real, ele sabe que o perigo é putativo. Só que nesse caso, a questão se encaixa
aonde? Não vai para o dolo por omissão? Nessa hipótese em que o beneficiado sabe que o perigo é
putativo a gente acaba entrando nua zona cinzenta, porque a questão acaba se encaixando em tese no
estado de perigo porque tem o dolo de aproveitamento, só que acabamos entrando na seara por dolo
por omissão nessa circunstancia, porque não deixa de haver um dolo por omissão nessa circunstancia e
estamos no momento da formação da vontade. Então, daria para encaixar tanto em uma quanto em
outra circunstância.
Agora, a hipótese clássica é quando o terceiro também supõe situação de perigo, aí não tem dúvida,
entra no estado de perigo.
Tem um Julgado recente em que o STJ aplicou estado de perigo, RESP 918.382. Foi basicamente o
seguinte: havia um contrato de seguro saúde e nesse contrato não havia cobertura para colocação de
stent. O sujeito estava na sala de cirurgia e aí o plano de saúde estimulou o segurado e seus familiares
a celebrarem um aditivo contratual no sentido de abranger a cobertura daquele material. O STJ
entendeu que era estado de perigo, porque a própria função social do contrato, aquela cobertura se
impunha em que pese a ausência de previsão contratual e a seguradora teria se beneficiado da situação
de inferioridade da outra a impor aquele aditivo contratual. Não veio em Informativo.
Outra questão importante é a seguinte: a solução do direito positivo brasileiro em havendo estado de
perigo é anulabilidade, não é isso? Vamos imaginar aquele exemplo, honorários médicos exorbitantes,
médico se aproveitando da situação hipossuficiencia do paciente cobra honorários absurdamente
exorbitantes do que ele cobraria normalmente.
Se a tese do estado de perigo do paciente for admitida, a conseqüência vai ser a invalidação do negócio
e a invalidação gera o que? O retorno ao status quo antes, art. 182. Só que vejam, apesar do silencio do
código, a simples invalidação nesse caso não geraria um enriquecimento sem causa? Porque na
verdade o serviço foi prestado pelo profissional, então em que pese o silencio do direito civil brasileiro, a
doutrina vem afirmando que em determinada circunstância a anulação do negócio por estado de perigo
não afastará eventual remuneração a ser fixada pelo Juiz em decorrência de eventual serviço prestado.
O fundamento para essa remuneração qual seria? A vedação ao enriquecimento sem causa, art. 884 a
886. Essa solução trazida pela doutrina tem explicita previsão no código Italiano no art. 1447 do código
Italiano.
Agora, vamos aproveitar até para ver a indagação do colega que foi sobre a aplicação do art. 157,§2º
não é isso? Sim. Sem dúvida, o enunciado 148 do Conselho vem no sentido de que o art. 157, §2º é
aplicável por analogia ao estado de perigo e é por analogia porque o art. 157, §2º trata de lesão. Diz lá:
não se decretará a anulação do negócio se for oferecido suplemento suficiente ou de a parte favorecida
concordar com a redução do proveito.
Nós podemos ter hipótese porque vejam, a premissa do art. 157,§2º qual é? Que a parte beneficiada
tome a iniciativa em se predispor a reequilibrar o negócio. Nós podemos ter hipótese de que tal iniciativa
não seja efetivada. Quer dizer, nenhuma das partes busque a revisão, tanto o autor quanto o réu
convergem no sentido da anulação e ainda que inaplicável o art. 157,§2º nessa hipótese, a solução viria
por eventual remuneração por serviços prestados por conta da vedação do enriquecimento sem causa.
Agora, fica claro o seguinte, o art. 157,§2º permite o que? Que a parte beneficiada se predisponha a
reequilibrar o contrato que conseqüentemente afaste o cabimento da anulação.
A literalidade do art. 157,§2º que está lá na lesão e se aplica aqui ao estado de perigo, a princípio
facultaria apenas ao beneficiado modificar o negócio. Vejam dois aspectos: 1º) será que a outra parte é
obrigada a aceitar? Vamos supor que o prejudicado tome a iniciativa de anular e o beneficiado se
predisponha a modificar o contrato, a outra parte é obrigada a aceitar?
A revisão, ela não vem em harmonia com o equilíbrio econômico, não vem em harmonia com a boa fé
objetiva? E, mais, tem outro princípio muito significativo aqui que é o princípio da conservação dos atos
e dos negócios jurídicos. Então, todos esses valores que mencionamos aqui respondem a duas
questões.
Primeira, a outra parte é obrigada a aceitar, quer dizer desde que haja um efetivo reequilíbrio
econômico? Sim. E responde com mais clareza uma outra pergunta que me parece mais sensível, o art.
157,§2º em sua literalidade autoriza apenas ao beneficiado modificar. E pela solução literal, o
prejudicado teria que tomar iniciativa apenas para anular. É o que diz o art. 157,§2º.
Só que essa literalidade há de ser superada, quer dizer, nada impede que o prejudicado ao invés de
pedir a anulação opte por pleitear a revisão judicial do negócio jurídico. E aí pelos fundamentos que
vimos: equilíbrio econômico, boa fé objetiva, conservação... Nesse sentido, Enunciados 149 e 291 do
Conselho da Justiça Federal.
Isso que estamos tratando se aplica tanto a lesão quanto ao estado de perigo, por analogia.
Lesão, no código civil art.157 e no CDC art. 6º,V; art. 39,V e art. 51, IV.
Diz o art. 157: ocorre a lesão quando uma pessoa sobre premente necessidade ou por inexperiência se
obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
Bom, o 1º elemento exigido para configuração da lesão é que haja desproporção manifesta entre as
prestações. Esse é o chamado elemento objetivo previsto no código civil. E percebam que o código não
adotou aqui um sistema de tarifação rígida. Era praxe nas legislações do passado estabelecer algum
tipo de tarifação.
Quer dizer, a maior parte das legislações costumava afirmar que haveria lesão se a desproporção
superasse 50% do valor, era praxe. Só que se percebeu com tempo, que esse sistema de tarifação
rígida colide com a própria perspectiva da lesão.
Por que qual é o objetivo da lesão? É equidade, é equilíbrio contratual, quer dizer, indo direto ao ponto
se a proporção for tarifada em 50%, se o sujeito vende por 75,01 um bem que vale 50 haveria lesão, se
vende-se por 74,99 não haveria lesão. Quer dizer, se percebeu que a idéia de equidade, equilíbrio
contratual é incompatível com o sistema de tarifação rígida, quer dizer, a equidade pressupõe
maleabilidade.
No direito romano havia diferença entre a lesão enorme e a enormíssima e qual era a diferença básica?
Na lesão enorme a desproporção teria que ser superior a 50% e a lesão enorme cuja desproporção
tinha que superar 50% gerava anulabilidade. Na lesão enormíssima, a desproporção tinha que superar
2/3 do preço e a lesão enormíssima gerava nulidade absoluta.
Quer dizer, na verdade essa dicotomia lesão enorme e enormíssima não tem nenhuma importância
prática no nosso direito atual.
Vamos nos lembrar que essa desproporção manifesta entre as prestações é congênita a celebração do
contrato em se tratando de lesão, art. 157,§1º. Na lesão, o contrato já nasce desequilibrado. Se a
desproporção for superveniente, em tese, o instituto aplicável será o da onerosidade excessiva, que
está nos artigos 478 a 480.
Como elemento subjetivo, o art. 157 traz a premente necessidade ou a inexperiência. É preciso registrar
que essa premente necessidade representa necessidade contratual e não necessariamente econômica.
Esse é inclusive um dos pontos que diferencia lesão de estado de perigo, são institutos muito parecidos
porque o art. 156, que vimos agora a pouco, quando o legislador fala em estado de perigo, ele fala em
salvar-se ou a pessoa de sua família. Então, na verdade o estado de perigo, com a expressão salvar-se
o que está em jogo é basicamente a vida ou a integridade física. Ao passo que na lesão o que
impulsiona o sujeito a assumir a obrigação desproporcional é uma necessidade contratual.
Exemplo: imagine que no momento de escassez de água, um agricultor venha a adquirir tal produto por
um valor muito superior ao de mercado. Ainda que o sujeito seja rico, ele assumiu uma obrigação
excessivamente desproporcional ao valor da prestação oposta diante de uma necessidade contratual.
Vejam que não se exige necessidade econômica por quê? Porque o que está em jogo na lesão é justiça
contratual e não justiça distributiva. Então, pode um sujeito rico assumir uma obrigação desproporcional
diante de uma necessidade contratual e configurável será a lesão.
Por que o que busca a lesão é o que? É a paridade no sinalagma...
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: na verdade a sistemática própria do CDC é diferente, porque no art. 6º,V, o legislador
não exige a premente necessidade ou inexperiência. Esse requisito, premente necessidade ou
inexperiência, ele é exigido no código civil porque para as relações de consumo que se entende é que o
legislador dispensa tal requisito diante da hipossuficiencia.
Quer dizer, o legislador presumiu a necessidade do consumidor em demonstrada desproporção
manifesta entre as prestações aplicável a lesão em sede do CDC independentemente da demonstração
dessa premente necessidade inexperiência. No CDC o legislador foi mais protetivo aqui do que no
código civil.
O código fala em premente necessidade ou inexperiência. O que a doutrina afirma é que inexperiência
não é sinônimo de falta de cultura. Porque vejam, é plenamente admissível um sujeito sem acesso a
cultura, sem acesso aos estudos, saiba tudo, por exemplo, de contratos agrícolas. Então, na verdade a
inexperiência há de ser analisada a luz do caso concreto.
Cabe lesão em contrato aleatório? Posição tradicional, não cabe. Essa posição é defendida pelo Caio
Mário e por quê? Porque a possibilidade de desequilíbrio econômico em contratos aleatórios é inerente
ao risco. Quer dizer, a possibilidade de desequilíbrio econômico é inerente ao risco que envolve os
contratos aleatórios.
A lesão sem dúvida é inspirada no princípio do equilíbrio econômico dos contratos e aí a dúvida é se o
princípio do equilíbrio econômico se aplica ou não em contrato aleatório. Porque por detrás dessa
indagação se a lesão se aplica ou não se aplica em contrato aleatório o que se está indagando é se o
princípio do equilíbrio econômico se aplica ou não em contrato aleatório.
A 1ª posição vai dizer que não justamente por esse fundamento, quer dizer, na medida em que as
partes celebraram um contrato de risco obviamente que elas assumiram uma possibilidade de
desequilíbrio.
A 2ª posição vem sendo defendida pelos manuais mais modernos. Essa posição começou a ser
defendida pela Anelise Becker que tem trabalho específico sobre lesão. Essa posição vem sendo
defendida por vários doutrinadores como o Venosa, Tepedino, Christiano Chaves e etc.
A 2ª corrente vai dizer que a mera desproporção entre as prestações sem dúvida não configura lesão
porque é claro que se o contrato é de risco as partes assumem a possibilidade de desequilíbrio
econômico. Entretanto, seria aplicável a lesão na hipótese de desproporção manifesta entre os riscos
assumidos pelas partes.
Quer dizer, por essa 2ª posição qual seria a função do princípio do equilíbrio econômico dos contratos
aleatórios? Não seria resguardar a paridade nas conseqüências econômicas porque elas podem ser
desproporcionais, o contrato é de risco. Mas o princípio do equilíbrio econômico impõe que os riscos
assumidos pelas partes, no momento da celebração do contrato, sejam proporcionais.
Qual o exemplo aí? Contrato de safra. Caiu na antepenúltima prova do MPT... Uma questão bem
simples afirmando que contrato de safra é contrato aleatório (prova objetiva). Vamos supor que o sujeito
pague 500 pela colheita futura e vamos supor que pelos 500 pagos o sujeito espera algo em torno de 50
kg daquela mercadoria.
Naquele ano, por uma questão climática, o sujeito colheu apenas 5 kg, a 2ª corrente nesse caso vai
dizer o que? Não cabe lesão. Houve um desequilíbrio econômico entre as prestações, mas a princípio o
risco assumido pelas partes era proporcional.
Mudando um pouquinho: vamos supor que o sujeito pague 500, a outra parte colheu 5kg, só que
analisando os últimos 20 anos se percebe que aquele sujeito sempre colheu algo entorno de 5 kg.
Vejam que nesse caso não houve um mero desequilíbrio econômico entre as prestações. No momento
em que o contrato aleatório foi celebrado os riscos assumidos pelas partes eram flagrantemente
desproporcionais.
Quer dizer, o desequilíbrio econômico não decorreu de uma variante, não decorreu da área normal do
contrato, porque na verdade havia já uma manifesta desproporção entre os riscos no momento da
celebração do contrato. E essa desproporção entre os riscos no momento da celebração do contrato
violaria o princípio do equilíbrio econômico.
Quer dizer, seria possível se cogitar de lesão em contrasto aleatório na hipótese em que os riscos já
sejam desproporcionais quando da celebração do contrato. Quando aquela desproporção econômica
não decorre de uma mera variante superveniente, mas já era previsível e evidente desde o momento
das celebração do contrato.
É claro que nesse exemplo, que é o exemplo da Anelise Becker, que os outros autores trazem
acabamos entrando mais uma vez numa zona cinzenta. Porque vejam que temos aqui potencialmente
aplicável o dolo por omissão, porque obviamente o sujeito se omitiu acerca da possibilidade de colher
efetivamente os 20 kg esperados pela outra parte.
Claro que teremos zonas cinzentas entre o dolo por omissão e a lesão. A vantagem prática da lesão
qual é? É que a configuração da lesão se dá a luz dos elementos eminentemente objetivos, o dolo por
omissão pressupõe a demonstração do elemento subjetivo.
Caiu uma questão muito parecida no MP Estadual, na primeira fase, perguntando se aplica ou não o
equilíbrio econômico na teoria da imprevisão. A sistemática é parecida com essa aqui, só que a teoria
da imprevisão está atrelada com onerosidade excessiva. Veremos no momento oportuno, mas a
discussão é parecida.
Lesão e estado de perigo são institutos muito parecidos. Vamos lembrar as principais diferenças entre
os institutos:
Primeira distinção é que na lesão, art. 157, o legislador dispensa o dolo de aproveitamento. Enunciado
150 do Conselho. O legislador não exige que a outra parte saiba da situação de premente necessidade
ou inexperiência, diferentemente do que ocorre com o estado de perigo.
Para prova objetiva é isso. Enunciado 150, posição predominante nos manuais. Há uma posição
interessante aqui para eventual prova dissertativa da Anelise Becker, que é acompanhada pelo
Tepedino e pelo Humberto Theodoro Júnior.
Resumidamente ela diz o seguinte: no art. 157 o legislador sem dúvida alguma não exige explicitamente
a comprovação do dolo de aproveitamento. Mas que na verdade, o mesmo art. 157 exige desproporção
manifesta e exige a comprovação da premente necessidade ou da inexperiência. Então, na verdade a
vítima da lesão vai ter ônus de comprovar a desproporção manifesta e a premente necessidade ou a
inexperiência.
Sobre isso Enunciado 290 que diz que a parte tem o ônus de comprovar a desproporção manifesta e a
premente necessidade ou inexperiência. Quer dizer, não se presume no Código Civil a premente
necessidade ou inexperiência, a parte tem que demonstrar. Mas uma vez demonstrado esses dois
requisitos, na verdade o legislador estaria presumindo o dolo de aproveitamento, quer dizer, o dolo de
aproveitamento é presumido.
Isso tem importância prática sim pelo seguinte: porque o enunciado 150 diz simplesmente que se
dispensa o dolo de aproveitamento. A Anelise Becker, Humberto Theodoro e Tepedino afirmam que o
dolo de aproveitamento é presumido e a presunção relativa.
O que se afirma é o seguinte: se a parte comprovar premente necessidade e desproporção manifesta
pode o suposto beneficiado pelo negócio afastar a lesão comprovando, por exemplo, que a intenção do
alienante era praticar um ato de liberalidade, porque na verdade não havia premente necessidade
alguma.
O que a Anelise Becker defende é que na verdade não é que se dispense o dolo do aproveitamento, na
verdade o dolo de aproveitamento é presumido e a presunção é relativa, ou seja, pode a outra parte
demonstrar a ausência de dolo de aproveitamento.
Por quê? Vê se não dá para fazer uma conexão, e é isso que a Anelise Becker faz, Tepedino e
Humberto Theodoro, entre essa afirmativa e o princípio da confiança? Se a lesão se configurasse de
maneira eminentemente objetiva em relação ao suposto beneficiado, quer dizer, se não fosse possível
discutir qualquer dolo de aproveitamento em relação a outra parte nós não poderíamos nesse caso
atingir eventual legítima expectativa dessa outra parte? Quer dizer, o que a Anelise Becker resguarda é
a possibilidade do suposto beneficiado demonstrar que não houve qualquer dolo de aproveitamento.
Que o valor foi muito inferior porque a outra parte tinha intenção de lhe beneficiar, havia um ânimo de
liberalidade. Ou ainda, o sujeito pagou um preço superior ao de mercado, porque ele é um colecionador
por exemplo. O sujeito é um colecionador e se justificava por parte do colecionador um valor superior ao
de mercado.
Outro exemplo: imagine que aquele bem adquirido tem um valor especial por conta de afeição familiar,
quer dizer, um objeto de família. Quer dizer , se justificaria um valor muito superior que ele pago e não
haveria a principio a hipótese de dolo de aproveitamento.
Então, cuidado porque na prova objetiva o enunciado 150 é o melhor caminho, não se exige o dolo de
aproveitamento e ponto final, a configuração da lesão seria em tese eminentemente objetiva.
Essa 2ª posição defende que na verdade que nós teríamos uma presunção relativa de dolo de
aproveitamento. Não é que se dispense, na verdade o dolo de aproveitamento seria presumido pelo
legislador.
Olha que conexão interessante... Aqui, mais especificamente pensando em PGE/PGM ou Tepedino,
Matieto na banca, mais especificamente em bancas mais progressistas.
Lembram o art. 157,§2º que aplicamos por analogia ao estado de perigo? Diz que não se decretará a
anulação se o beneficiado se predispor a reequilibrar o contrato. A Anelise Becker, acompanhada pelo
Tepedino e Humberto Theodoro diz que esse dispositivo, art. 157,§2º, vem em harmonia com o princípio
da confiança. Porque vejam, a lesão não pressupõe a demonstração do dolo de aproveitamento, não é
isso? Não pressupõe demonstração, entre aspas, a má fé do outro contratante, coloquemos assim.
Em homenagem a legítima expectativa do outro contratante que não necessariamente está imbuído de
dolo de aproveitamento, o legislador lhe confere a oportunidade de afastar a anulação desde que ele se
predisponha a reequilibrar o contrato. Quer dizer, na medida em que não se exige o dolo de
aproveitamento, o legislador faculta a parte beneficiada a possibilidade de afastar a anulação
reequilibrando o contrato.
Por isso esses mesmos autores que fazem essa conexão entre o art. 157,§2º e o princípio da confiança,
dizem que lá no estado de perigo só o prejudicado pode tomar a iniciativa de invocar o art. 157,§2º, por
quê? Porque no estado de perigo a outra parte age com dolo de aproveitamento e se a outra parte age
com dolo de aproveitamento não se projetaria o principio da confiança em seu respectivo benefício.
Eles defendem que cabe a aplicação por analogia do art. 157,§2º no estado de perigo, só que com essa
aplicação analógica apenas o prejudicado poderia invocar o art. 157,§2º, mas não o beneficiado, porque
em relação ao beneficiado não se projetaria o princípio da confiança, posição defendida por esses
autores.
Resposta do Prof: exatamente, se ficar demonstrado ânimo de liberalidade.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: isso ou demonstrar que na verdade era intenção da outra parte realmente beneficiá-
lo, havia o ânimo de liberalidade por exemplo. E aí nesse caso não vai haver revisão judicial nenhuma
só que o ônus cabe a ele.
Outra diferença é a seguinte: a lesão se aplica exclusivamente a contratos sinalagmaticos. Isso fica
claro com a redação do art. 157, parte final: se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao
valor da prestação oposta.
Então, na lesão é indispensável que haja o que? Contraprestações recíprocas, é no cotejo, é na
comparação entre as prestações que a gente extrai a desproporção caracterizadora da lesão.
Já o estado de perigo se aplica não apenas aos contratos sinalagmaticos, mas também a contratos
unilaterais e a negócio jurídicos unilaterais.
O art. 156 não restringe quando trata de perigo, ele simplesmente diz que assume a obrigação
excessivamente onerosa. Um dos exemplos clássicos de estado de perigo se dá justamente na
promessa de recompensa que tem natureza jurídica de negócio unilateral.
E a última diferença, que nós já vimos, só para ficar sistematizado no caderno é que no estado de
perigo o legislador usa a expressão “salvar-se”. Então, o que está em jogo no estado de perigo é a vida
ou integridade física. Há quem use aqui a integridade moral. Na lesão o que está em jogo é a
necessidade contratual ou a inexperiência.
Algumas situações, é claro, ficam muito limítrofes, vejam que se o carro enguiça num lugar ermo às 4hs
da manhã e o mecânico passa pelo local e ao invés de cobrar 200 reais cobra 2mil e o sujeito que é rico
paga os 2 mil. Nesse caso, a situação se aproxima do estado de perigo. Agora se o sujeito precisa do
reparo rápido porque ele tem um compromisso profissional inadiável daqui a 1 hora, a questão vai para
o lado da lesão.
Então, na verdade a análise acaba sendo em algumas situações casuísticas, a não ser que estejamos
diante de um negócio unilateral, de um contrato unilateral, porque vamos automaticamente excluir a
lesão e em tese estado de perigo.
No CDC o legislador no art. 6º,V não exige premente necessidade ou inexperiência. O CDC adotou uma
atitude mais protetiva. E o que se costuma afirmar é que essa premente necessidade ela seria
dispensável no CDC por conta da hipossuficiencia, da vulnerabilidade.
Se estivermos numa banca progressista, podemos sempre justificar eventual tratamento mais favorável
do CDC em detrimento do código civil pela isonomia material. Usar a isonomia material, usar a
Constituição quando impõe a proteção ao consumidor nos artigos 5º e 170. Então, é justificável o
tratamento diferenciado por conta da isonomia material artigo 5º e 170 que impõe a proteção ao
consumidor.
Lembrando que a lesão no CDC gera nulidade, está lá no artigo 51, IV do CDC e é curioso que o
mesmo CDC que prevê nulidade dá privilégio a revisão judicial em detrimento da invalidação. Art. 51,
§2º do CDC.
Tem alguns autores que dizem que a lesão pode ser usurária ou real e a grande característica da lesão
usurária, sinônimo de real, é a exigência de dolo de aproveitamento. Haveria inclusive a previsão da
lesão usurária no artigo 4º da lei 1521/51, Crimes contra a Economia Popular.
Essa lei inclusive foi quem trouxe inicialmente a lesão para o direito brasileiro, a lesão veio para o Brasil
inicialmente como um tipo penal e depois veio contemplada no CDC e no Código Civil.
Diferentemente da lesão usurária ou real em que se impõe o dolo de aproveitamento, nós teríamos a
lesão propriamente dita ou lesão especial, cuja característica básica é a inegixência de dolo de
aproveitamento, que foi inclusive a contemplada no art. 157 do Código Civil.
O Christiano Chaves ainda joga mais coisa aí no meio, diz ainda que tem lesão consumerista e a lesão
consumerista tem a peculiaridade de só exigir desproporção manifesta. Quer dizer, a peculiaridade da
lesão consumerista é que, além de dispensar o dolo de aproveitamento, ela também dispensa o
elemento subjetivo que é a premente necessidade ou a inexperiência.
Bom, vamos tratar agora de fraude contra credores.
Resposta do Prof:: o colega ressaltou aqui uma questão que é a seguinte: no caso de novação, o que
pode acontecer em tese? Podemos ter eventuais cláusulas acessórias abusivas, que inclusive geram
uma excessiva onerosidade e essas cláusulas abusivas que geram excessiva onerosidade geram uma
dificuldade no consumidor, por exemplo, em cumprir o que tenha sido pactuado. Diante dessa
dificuldade, o consumidor procura o credor e se faz uma novação. Em tese, o que acontece em termos
práticos quando se faz essa novação? Aquelas cláusulas acessórias abusivas passam a se incorporar
ao principal e, ao se incorporar ao principal, em tese aquilo que era acessória passa a ser o principal e a
princípio ficaria imune de quaisquer questionamentos. Isso até caiu em uma prova da Defensoria, prova
específica da Defensoria.
Resposta do Prof: o que vamos ver mais adiante é o seguinte: resumidamente, essa modificação de
cláusulas acessórias se incorporando ao principal não tornaria aquelas cláusulas acessórias imunes a
quaisquer questionamentos. Primeiro, porque não cabe novação de obrigação nula, aquelas cláusulas
acessórias eram inquinadas de nulidade absoluta diante da vedação explícita do CDC. E mais, além
disso, podemos utilizar o instituto da fraude a lei, porque há uma aparência de ilicitude na novação que
na verdade busca tornar aquelas cláusulas nulas imunes a eventuais questionamentos jurisdicionais
futuros. Então, na verdade o art. 157, §1º... A pergunta do colega é a seguinte: será que essa
desproporção vamos verificar no momento em que foi feita a novação? Em se entendendo que aquelas
cláusulas eram nulas e, portanto não poderiam ser objeto de novação, a análise da proporção entre as
prestações não vai se verificar no momento da novação e sim em relação a relação contratual anterior.
Quer dizer, uma exceção a lógica da novação sem dúvida alguma.
Vamos ver isso com calma mais adiante, mas é possível projetar o art. 157, §1º para uma hipótese
anterior a própria novação praticada.
Resposta do Prof: se for nulo por violar o CDC é mais simples. Se for anulável, a questão, me parece,
acaba se tornando casuística. Normalmente é CDC, nulidade. Agora, se tiver fora do CDC, se for
anulabilidade, o que podemos discutir? Olha como a análise é casuística! Na anulabilidade cabe
ratificação, então cabe novação de obrigação anulável. O art. 367 inclusive prevê isso, prevê que cabe
novação de obrigação anulável, mas não cabe de obrigação nula.
Por outro lado, o que dá para tentarmos defender aqui? Dá para tentarmos defender que essa novação
foi fruto de uma premente necessidade. Na verdade, se havia iminência de cobrança judicial, se havia
iminência de perda de bens indispensáveis a subsistência, o que daria para tentarmos sustentar sendo
tendencioso aqui para a defensoria pública? Dá para tentarmos sustentar a lesão, agora, qual o grande
cuidado? Desde que não ultrapassado o prazo decadencial de 04 anos, porque o prazo para suscitar
anulabilidade por todos esses aspectos é de 04 anos, é o art. 178 que vamos ver mais adiante.
Então, claro que se demonstrado em concreto a premente necessidade, a saída vem pela premente
necessidade contratual através da lesão. Mas, sem dúvida, no caso de anulabilidade a situação é
tormentosa, porque a princípio cabe novação de obrigação anulável. Enfim, a solução deveria vir
necessariamente com a demonstração dos requisitos comprobatórios da lesão.
Vamos para fraude contra credores. Fraude contra credores art. 158 ao art. 165.
Basicamente, na fraude contra credores há uma alienação patrimonial que conduz o devedor a
insolvência ou agrava eventual insolvência pré-existente. Tradicionalmente são dois os requisitos da
fraude contra credores: eventus damni e o concilium fraudis.
Eventus damni o próprio nome já sugere: evento danoso. Então, é preciso que a alienação cause
prejuízo aos credores. Quer dizer, a alienação vai causar prejuízo aos credores quando ela gerar ou
agravar a insolvência. Por isso costuma-se afirmar o seguinte: só há eventus damni no caso de
alienação de bens penhoráveis, porque a alienação de bem impenhorável não causa prejuízo aos
credores, porque sendo impenhorável aquele bem não era instrumento de garantia.
Nem toda alienação que induz o devedor a insolvência ou agrava a insolvência pode gerar a anulação,
porque ninguém é obrigado a saber sempre da situação econômica do outro contratante. As relações
contratuais são cada vez mais impessoais. Então, é claro que a simples presença do primeiro elemento
violaria o princípio da confiança. Então, tradicionalmente se exige aí o chamado concilium fraudis que
alguns chamam de scientia fraudis.
Só temos que tomar cuidado com o seguinte: concilium fraudis não lembra conluio? Concilium fraudis
parece sugerir conluio. Conluio entre quem? Entre o devedor alienante e o adquirente. Só que o Código
Civil não exige conluio, art. 159.
Diz o art. 159 o seguinte: serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente
quando a insolvência for notória ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.
O que já dá para perceber aqui? Não se exige conluio, o legislador se distanciou da boa-fé subjetiva e
se aproximou da boa-fé objetiva, porque se o legislador exigisse conluio, estaria exigindo a má-fé do
outro contratante, má-fé que se contrapõe a boa-fé subjetiva e o código agora diz que o outro
contratante não precisa saber, não tem que ter conluio, basta que a insolvência seja notória ou que o
outro contratante devesse saber.
Então, o elemento subjetivo da fraude contra credores é o elemento objetivo dirigido ao devedor
alienante. Em relação ao adquirente, o elemento não é subjetivo, o art. 159 deixa claro isso, o elemento
é objetivo, porque ainda que o outro contratante não soubesse, mas deveria saber ele vai ser atingido
pela invalidação, princípio da confiança, não é isso?! O art. 159 vem em harmonia com o princípio da
confiança.
Outro cuidado e isso cai muito em prova objetiva. Então, esse elemento subjetivo ele é exigido em
relação ao devedor, mas ele não envolve necessariamente o adquirente. O adquirente não precisa
necessariamente estar de má-fé, não se exige o conluio.
Agora, por que o art. 159 exige que essa insolvência do devedor seja ao menos aparente para o
adquirente? Para resguardar a legítima expectativa. Percebam que foi uma espécie de ponderação de
interesses feita pelo legislador. Na fraude contra credores nós temos dois interesses em conflito. Nós
temos os interesses dos credores e temos também os interesses dos adquirentes. Ponderando esses
interesses, o legislador diz: o adquirente será atingido se ele sabia ou deveria saber.
Vamos supor que essa alienação que conduz o devedor a insolvência seja uma alienação gratuita. Qual
é a ponderação aí? Credores versus terceiro que recebe a título gratuito. Tem que se proteger
inexoravelmente quem? Os credores.
Na hipótese em que atos de disposição gratuita não se exige o segundo elemento, basta o eventus
damni. Art. 158. Então, se o terceiro recebe a título de doação e o devedor é induzido a insolvência,
basta os credores demonstrarem que aquela doação gerou. Ninguém precisa discutir se o donatário
sabia ou deveria saber. Art. 158.
Resposta do Prof: no caso de partilha... Se houver diversidade de partilha, ou seja, um fica com 70 e
outro com 30 e ao receber 30 ele é induzido a insolvência, também se aplica o art. 158.
Na verdade, o que a doutrina afirma é que para aplicar o art. 158, que fala em atos de transmissão
gratuita ou remissão de dívida, a interpretação há de ser elástica.
Por exemplo: vamos supor que ao invés de fazer doação ou perdoar a dívida, aquele sujeito tem um
único imóvel que é penhorável e aí gratuitamente ele concede uma servidão para o vizinho. Essa
servidão não gera um esvaziamento econômico do bem? E esse esvaziamento econômico do bem pode
gerar o que? O estado de insolvência e em tese aplicável o art. 158.
A doutrina dá uma série de exemplos e um dele é esse: se houver diversidade de partilha em eventual
separação ou divórcio...
Resposta do Prof: é porque se houver diferença entre valores sem reposição em dinheiro, a natureza
jurídica desse ato é de doação, tanto é que incide ITD. Então, a questão se torna menos complexa
nesse caso, porque a natureza jurídica é de doação, salvo de houver reposição. Então, em tese essa
diversidade, até o limite dessa diversidade a hipótese deve ser tratada a luz do art. 158.
Resposta do Prof: a questão entra mais naquela discussão de promessa de doação. Se entende que
cabe a promessa de doação, porque normalmente a promessa de doação em separação não é uma
liberalidade pura, teria natureza jurídica de própria transação, por isso a jurisprudência admite efeitos
vinculantes a promessa de doação, dentro do contexto de eventual separação ou divórcio.
Na verdade, talvez a situação em tese fosse distinta. Na verdade há uma partilha, previamente
delimitada e na verdade fica claramente definido que um fica com 2/3 do patrimônio e outro com 1/3,
quer dizer, quem trata especificamente desse tema é o Humberto Theodoro Jr. Ele defende a aplicação
aqui do art. 158.
Outro ponto importante é o seguinte: o art. 158 atribui legitimidade aos credores quirografários. Por que
o credor com garantia real não pode alegar fraude contra credores? Porque não tem interesse. Porque
em havendo garantia real seqüela ou ambulatoriedade, a garantia vai acompanhar o bem onde quer que
ele se encontre.
O §1º do art. 158 traz uma afirmativa que de acordo com alguns seria uma exceção, mas na verdade
não é exceção, só confirma a regra. O §1º do art. 158 diz assim: igual direito assiste aos credores cuja
garantia se tornar insuficiente.
Não há exceção aqui porque se a garantia se torna insuficiente, na verdade em relação ao
remanescente, não cobrir pela garantia o sujeito se torna um credor quirografário. Então, o §1º vem em
sintonia com o caput. Não há uma exceção ao caput aqui.
Tem até um enunciado sobre esse §1º, é o enunciado 151 do CJF que basicamente diz que para aplicar
o §1º não é necessário que haja um prévio reconhecimento judicial da insuficiência da garantia. Quer
dizer, em termos práticos o que o enunciado dispensa é que esse credor tenha que exaurir todos os
bens objeto da garantia para depois poder suscitar a fraude contra credores.
Outro cuidado aqui é o seguinte: o art. 158, quando fala em credor quirografário, no §2º está dito que
apenas os credores que já o eram ao tempo dos atos podem pleitear anulação. O crédito, além de
quirografário, em regra ele tem que ser dotado de anterioridade, o crédito tem que ser anterior.
Sabe qual é o cuidado que temos que tomar aqui? É na hipótese de sucessão. Se há, por exemplo,
cessão de crédito. Vamos supor que o crédito seja anterior a alienação, mas ele seja cedido
posteriormente.
O que é sucessão? A grosso modo, vamos ter que trabalhar isso melhor lá em obrigações, mas a
grosso modo na sucessão muda um dos sujeitos, mas a relação jurídica permanece a mesma. Quer
dizer, o sucessor tem os mesmo privilégios, as mesmas garantias do credor originário. Então, veja que o
cessionário vai poder alegar fraude contra credores, na medida em que o crédito surgiu antes do ato de
alienação.
Acho que se cair isso será uma tragédia coletiva! Vamos imaginar que o fiador ou avalista, vamos supor
o seguinte: o devedor principal praticou atos de alienação que o conduziram a insolvência. O credor,
sabendo da insolvência do devedor, vai no fiador ou vai no avalista e o fiador vai lá e efetua o
pagamento da dívida.
Quando o fiador paga a dívida, nós não estamos diante de uma hipótese de pagamento pelo terceiro
interessado? Pagamento pelo terceiro interessado vai gerar o que? Subrogação legal, art. 346, III. E
quando há subrogação, há sucessão. Então, esse fiador, quando exercer a via de regresso, vai poder
alegar fraude contra credores, porque na verdade em havendo sucessão ele vai ocupar a mesma
posição jurídica daquele credor que fora satisfeito.
Veja que essa lógica não se aplica na hipótese de novação, porque se há novação surge uma nova
relação jurídica e, a princípio, com a novação aquele sujeito passa a ser o credor posterior ao ato,
porque a causa decorrente do crédito é superveniente.
Então, cuidado com essa questão da anterioridade do crédito em relação a sucessão, porque se houver
sucessão temos que analisar a origem do crédito.
Outro ponto importante é o seguinte: qual é a via adequada para suscitar fraudes contra credores? É a
chamada ação pauliana que é sinônimo de ação revocatória. Está prevista no art. 161.
Vamos tomar cuidado com o seguinte: regra geral, o credor para suscitar fraude contra credores tem
que ingressar com ação pauliana. Exceções, quer dizer, hipóteses em que cabe alegação de fraudes
contra credores independentemente de ação pauliana:
Primeira, art. 1.813. Renúncia a herança. Isso caiu na magistratura estadual e foi tragédia coletiva. Diz o
art. 1.813 o seguinte: quando o herdeiro prejudicar os seus credores renunciando a herança poderão
eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante. Quer dizer, o art. 1.813 autoriza a
configuração da fraude contra credores no curso do processo de inventário independentemente de ação
pauliana.
Tem outra hipótese ainda que é a do art. 548. O art. 548 trata de doação universal. Diz o art. 548 o
seguinte: é nula a doação de todos os bens sem reserva de parte ou renda suficiente para subsistência
do doador.
Claro que se a doação atinge a subsistência ela também atinge a solvência e, nessa hipótese em que a
doação atinge a própria subsistência, nulidade absoluta, princípio da dignidade da pessoa humana.
Então, se a doação atinge a subsistência ela também atinge a solvência. Só que nesse caso a hipótese
é de nulidade e nulidade absoluta dispensa propositura de ação pauliana. Pode ser até reconhecida de
ofício.
Então, cuidado para não se embolar. Se a doação atinge a solvência, mas não atinge a subsistência,
anulabilidade, fraude contra credores, ação pauliana. Agora, se a doação atinge a subsistência e
consequentemente a solvência, nulidade absoluta, independe de ação pauliana.
Na aula passada falamos em fraude contra credores, mas eu queria ainda para finalizar o tema trazer
breves considerações para seguir adiante.
Paramos falando da ação revocatória trazendo as exceções a necessidade de ação revocatória: doação
universal e renuncia a herança.
Outro ponto importante aqui para finalizar o tema é o seguinte: o art. 161 do código civil, se interpretado
literalmente, parece sugerir que na ação pauliana o litisconsórcio seria passivo facultativo, por quê?
Porque o art. 161 na parte final diz lá: a ação nos casos dos artigos 158 e 159 poderá ser intentada
contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta ou
terceiros adquirentes que hajam procedido de má fé.
Com a expressão “ou” o código parece sugerir litisconsórcio passivo facultativo. Só que evidentemente o
reconhecimento da fraude contra credores vai atingir não apenas o devedor alienante, mas também os
adquirentes eventuais do bem.
Então, por conta dos limites subjetivos da coisa julgada, resta claro que apesar da literalidade do art.
161 falar “ou” entenda-se “e”, ou seja, na ação pauliana o litisconsórcio é passivo necessário. Limite
subjetivo da coisa julgada, na medida e que tal reconhecimento da fraude contra credores vai atingir não
apenas o devedor, mas também terceiro adquirente.
Remissão para o art. 472 do CPC que trata de limites subjetivos da coisa julgada e, para ficar mais claro
ainda, remissão para o art. 47 do CPC que trata de litisconsórcio necessário, porque via ficar claro que a
hipótese é na verdade de litisconsórcio passivo necessário.
Tem outro ponto também importante aqui: pela letra do código civil, é incontroverso o que a fraude
contra credores geraria anulabilidade. O código civil textualmente diz que a fraude contra credores gera
anulabilidade e isso está no art. 171, II confirmado pelos artigos 165 e 182.
O art. 171, II diz lá: além dos casos expressamente declarados na lei é anulável negócio jurídico. E aí
vem i inciso II: fraude contra credores. Confirmado por esses dois dispositivos, por quê? Porque o art.
182 basicamente diz que anulado o negócio jurídico haverá o retorno das partes ao status quo ante,
esse é o efeito da invalidade do negócio jurídico.
Aí o art. 165, que está dentro do capítulo da fraude contra credores diz lá: anulados os negócios
fraudulentos a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o
concurso de credores.
Todos esses dispositivos, art. 171, II; art. 182 e art. 165 afirmam peremptoriamente que a fraude contra
credores gera anulabilidade. Prova objetiva o gabarito é sempre esse.
Se vier na dissertativa é preciso mencionar uma segunda posição. Essa segunda posição é defendida
por alguns autores importantes: Humberto Theodoro Júnior, Alexandre Câmara, Dinamarco e dentre os
civilistas autores como Christiano Chaves, Nelson Rosenvald e o Pablo Stolze. Apesar de vários autores
importantes, essa posição é minoritária.
Essa segunda posição defende que a fraude contra credores gera ineficácia relativa. Qual seria o efeito
prático disso? Vamos supor que tenhamos um devedor que tenha lá três credores, aí o devedor praticou
um ato de disposição patrimonial para um terceiro. Vamos supor que o bem, objeto da disposição
patrimonial, tenha valor de mercado de 100 mil reais e o C1 tem direito a 10 mil, o C2 50 mil e o C3 80
mil. Vamos supor que esse ato de disposição patrimonial tenha conduzido ou agravado a insolvência do
devedor, para caracterizar a fraude contra credores.
Pela tese tradicional, que é a que está escrita no código, a fraude contra credores gera anulabilidade.
Então, se o C1 propõe ação pauliana, qual vai ser o efeito prático da invalidação dessa alienação aqui?
Retorno ao status quo ante. Quer dizer, na verdade a invalidação desse ato acabaria beneficiando não
apenas o credor demandante, mas também os demais.
O que é ineficácia relativa? Na ineficácia relativa, o ato não produz efeitos em relação a determinada
pessoas, ou seja, quem defende que a ineficácia é relativa vai sustentar que eventual reconhecimento
da fraude contra credores não vai invalidar a transferência do domínio aqui. O reconhecimento da fraude
contra credores vai gerar uma sentença que vai reconhecer a ineficácia dessa alienação apenas em
relação ao credor demandante. Ou seja, não haverá desconstituição por completo do ato de
transferência, na verdade essa alienação apenas não produzirá efeitos em relação a C1.
Então, se por ventura houver alienação judicial desse bem transferido, com o produto dessa alienação
judicial for apurado 100 mil reais em se entendendo que a tese vencedora é a da eficácia relativa, o que
vai acontecer? 10 mil para o C1 e os 90 mil remanescente ficam com o adquirente, diferentemente do
que ocorreria com a tese da anulabilidade onde todo o montante reverteria em favor dos demais
credores.
Percebam que essa não á a posição prevista no código, o código literalmente diz que a fraude contra
credores gera anulabilidade, mas temos vários autores defendendo a ineficácia relativa principalmente
em âmbito processual.
Se justifica inclusive, alguns chegam a afirmar, que essa segunda solução em tese melhor protegeria
eventuais adquirentes do bem, principalmente em atos de disposição gratuita em que o terceiro poderia
inclusive estar de boa fé como vimos na aula passada.
Nós vimos que o concilium fraudis não se exige para os atos de disposição gratuita e remissão de
dívida. Então, a segunda posição melhor protegeria a legitima expectativa do terceiro adquirente, mas é
posição minoritária.
Prova objetiva o gabarito é sempre pela anulabilidade, se vier dissertativa tem que fazer alusão as duas
posições.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: em sendo a anulabilidade 4 anos. Se formos seguir a lógica da ineficácia relativa, das
duas uma: ou vai se usar por analogia o prazo do art. 178 (que prevê explicitamente que é de 4 anos
para fraude contra credores) ou a gente entra para a pretensão em relação a eventual reparação civil do
código, aí o prazo seria reduzido para três. Mais uma vez haveria uma maior proteção para o terceiro
adquirente em detrimento dos demais credores, mas essa posição é minoritaríssima.
Vamos começar invalidade do negócio jurídico.
Tem uma questão que é processual, que vou falar por desencargo de consciência, que é a Súmula 195
do STJ.
Vamos imaginar que o credor tenha proposto a ação em face do devedor e o devedor em tese já foi
citado. Depois de citado o devedor, esse devedor pratica um ato de disposição patrimonial que lhe
conduz a insolvência. Quer dizer, em tese o que o credor vai alegar aqui? Fraude a execução.
Então, com a alegação da fraude em execução o credor vai poder em tese atingir aquele bem que se
encontra sob aparente titularidade do adquirente. O que esse sujeito vai fazer aqui para se defender?
Embargo de terceiro, o pólo ativo vai ser o terceiro e o pólo passivo vai ser o credor.
Vamos supor que no prazo para resposta desse embargo de terceiro o credor reconheça que não houve
fraude a execução e que a alienação foi anterior ao ato citatório. Como ele reconhece que o ato foi
anterior, ele alega aí fraude contra credores.
A dúvida é se o Juiz poderia reconhecer a fraude contra credores no curso dos embargos de terceiros.
A Súmula 195 do STJ diz que não cabe reconhecimento de fraudes contra credores no curso dos
embargos de terceiros.
Uma, porque o veículo próprio para suscitar fraude contra credores é a ação pauliana, ressalvadas as
duas exceções que vimos na aula passada, mas a via adequada é a ação pauliana.
Segundo, porque a ação dos embargos de terceiros não é dúplice e, mais, como acabamos de ver a
ação pauliana, que é a via adequada para suscitar fraude contra credores, se submete ao regime de
litisconsórcio passivo necessário. Quer dizer, quem tem que ingressar o pólo passivo aí para
reconhecimento da fraude contra credores? Tanto o devedor quanto o terceiro e na verdade o terceiro
não integra a relação processual dos embargos de terceiros.
A Súmula 145 do STJ repudia o reconhecimento de fraude contra credores em embargo de terceiros,
reforçando a tese de que a via adequada é a ação pauliana.
Resposta do Prof: isso, mas ainda assim esbarraríamos nos problemas dos limites subjetivos.
Invalidade dos negócios jurídicos vem nos artigos 166 a 184.
Como todos devem se lembrar, a invalidade é o gênero que comporta duas espécies: nulidade absoluta
também chamada de nulidade e a anulabilidade também conhecida como nulidade relativa.
As diferenças essenciais são as seguintes:
A primeira é a mais simples e a mais importante de todas. Nulidade absoluta envolve interesse público,
anulabilidade interesse particular. Essa é a mais simples e a mais importante das distinções, porque as
demais decorrem dessa primeira.
A segunda diferença é a seguinte: como a nulidade envolve interesse público, a nulidade pode ser
alegada por qualquer interessado, pelo MP e pode ser reconhecida de ofício pelo Juiz, art. 168. Quer
dizer, a possibilidade de reconhecimento de ofício é uma exceção ao princípio da inércia que se justifica
a luz do interesse público. Já a anulabilidade pode ser invocada apenas pelo interessado, art.177.
Outra diferença: nulidade absoluta é irratificável, art. 169, 1ª parte. O art. 169, 1ª parte diz que o negócio
jurídico nulo não suscetível de confirmação. Então, as partes não podem confirmar o negócio que
atenta contra o interesse público. Já a anulabilidade é ratificável, art. 172.
Bom, outra questão e aqui há certa divergência na doutrina. Primeiro ponto: a nulidade produz efeitos ex
tunc, quer dizer, a sentença que reconhece a nulidade produz efeitos ex tunc, dentro daquela afirmativa
que o ato nulo não produz efeitos.
Em relação a anulabilidade o tema é controvertido. Uma primeira corrente defende que a anulabilidade
produz efeitos ex nunc. Essa primeira posição teria embasamento no art. 177, 1ª parte que diz que a
anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença. Então, a sentença em tese produziria efeito
ex nunc, ela invalidaria o ato apenas dali por diante.
Autores de peso em favor dessa primeira corrente: Caio Mário, Francisco Amaral, Carlos Roberto
Gonçalves, Orlando Gomes, Maria Helena Diniz, dentre outros.
Até a algum tempo atrás era uma diferença clássica entre nulidade e anulabilidade. Só que ultimamente
vem ganhando cada vez mais espaço uma segunda posição e essa posição defende que o
reconhecimento da anulabilidade também produz efeitos ex nunc.
Vamos imaginar que eu venha efetuando sucessivamente pagamentos mediante coação, se adotada a
1ª tese que reconhece efeitos ex nunc, o que aconteceria? A sentença que reconhece a coação moral
convalidaria todos os pagamentos anteriormente efetuados. Quer dizer, o que se começou a sustentar é
que a produção de efeitos ex nunc seria insuficiente para a proteção da livre manifestação de vontade.
Então, a segunda corrente defende que a produção de efeitos ex nunc seria insuficiente para a proteção
da livre manifestação de vontade. Portanto, a segunda corrente defende a produção de efeitos ex tunc e
essa posição teria embasamento no art. 182: anulado o negócio jurídico restituir-se-ão as partes ao
estado em que antes dele se achava.
“Anulado” é expressão genérica, abrange tanto nulidade quanto anulabilidade e o 182 diz: anulado,
retorno ao status quo ante. Também autores de peso aqui: Silvio Rodrigues, Pablo Stolze, Christiano
Chaves, Leonardo Matieto.
A diferença entre a nulidade e a anulabilidade para essa 2º posição não estaria em relação aos efeitos
do reconhecimento, os efeitos seriam os mesmos, a distinção estaria no momento que antecede o
reconhecimento. Quer dizer, a legitimidade para suscitar a nulidade é diferente da legitimidade para
suscitar a anulabilidade.
Como veremos daqui a pouco os prazos são diferenciados, quer dizer, o regime jurídico do
reconhecimento é distinto, mas uma vez reconhecida a anulabilidade, os efeitos de tal reconhecimento
se equiparariam aos efeitos do reconhecimento da nulidade.
Outra diferença entre nulidade e anulabilidade é a seguinte: a nulidade absoluta não convalesce pelo
decurso do tempo, art. 169, parte final. Quer dizer, quando se afirma que a nulidade absoluta não
convalesce pelo decurso do tempo, o que se está afirmando? É a imprescritibilidade da nulidade.
Se vier na prova objetiva dizendo que o ato nulo não convalesce pelo decurso do tempo ou se vier
dizendo que o reconhecimento da nulidade é imprescritível está certo, art. 169, parte final.
Se perguntarem numa prova dissertativa, vamos ter que ir um pouco além. Seguinte: essa matéria não
era tratada no código de 16. Quando entrou em vigor o código atual, a maior parte dos doutrinadores a
época entendia que a nulidade prescreveria no prazo ordinário, a maioria dos autores assim se
posicionava.
Porque vejam, se por um lado o reconhecimento da nulidade envolve interesse público, afirmava a
maioria da doutrina, a prescrição também, porque a prescrição busca a paz social, evitar a eternização
dos conflitos.
Então, quando entrou em vigor o código, vários autores se insurgiram em face da literalidade do código
civil e aí surgiu uma posição que hoje vários autores fazem referência do Pablo Stolze.
O Pablo Stolze defende que imprescritível é o reconhecimento da nulidade, mas eventuais pretensões
patrimoniais decorrente de tal conhecimento prescrevem. Seguem a posição do Pablo Stolze: Humberto
Theodoro Júnior, Gustavo Tepedino.
O que se afirma é que a prescritibilidade das pretensões patrimoniais viriam em harmonia com a
necessária segurança jurídica que busca ser estabelecida pelo instituto da prescrição. O que se afirma,
dentro dessa posição, é que imprescritível reconhecimento da nulidade e eventuais conseqüências
extrapatrimoniais. Eventuais pretensões patrimoniais decorrentes da nulidade se sujeitariam a prazos
prescricionais.
Pergunta de aluno.
Resposta do Prof: e o Humberto Theodoro Júnior chega dizer o seguinte: imagine que tenhamos um
contrato já executado, já cumprido e o prazo para qualquer pretensão patrimonial decorrente daquele
contrato nulo já esteja fulminado pela prescrição, dentro dessa segunda perspectiva.
Humberto Theodoro diz que nesse caso ainda que haja imprescritibilidade do ato nulo, se estão
prescritas todas as pretensões patrimoniais do contrato já executado, careceria o autor de interesse
processual no reconhecimento da nulidade. Ainda que haja imprescritibilidade, não haveria utilidade e
necessidade do reconhecimento da nulidade, na medida em que estariam prescritas todas as
pretensões patrimoniais daí resultantes.
Resposta do Prof: imprescritibilidade e aí justificaria a imprescritibilidade a dignidade da pessoa
humana. Porque o objeto da prescrição são direitos subjetivos patrimoniais.
Já a anulabilidade tem que ser invocada dentro de prazos previstos em lei. Qual é o prazo geral para
alegar a anulabilidade? Está no art. 178 e é de 4 anos. Prazo geral por quê? Porque o art. 178 prevê o
prazo de 4 anos para as causas gerais de anulabilidade que são a incapacidade relativa e os defeitos do
negócios jurídicos.
Muito cuidado com art. 179 que é novidade legislativa, seguinte: o art. 178 prevê o prazo para as causas
gerais de anulabilidade, mas obviamente nada impede que o legislador contemple causas específicas
de anulabilidade fora das causa gerias.
Para essas causas específicas de anulabilidade nós vamos aplicar o art. 179 e o art. 179 basicamente
diz que para essas causas específicas de anulabilidade: presunção relativa de que o prazo é de dois
anos. Presunção relativa porque obviamente nada impede que a regra específica, além de contemplar
essa causa especial de anulabilidade, também contemple um prazo especial.
Quer dizer, se a regra específica diz que determinado ato é anulável e prevê um prazo x, claro que
vamos aplicar o prazo x, mas no silêncio da regra específica quanto ao prazo aplicar-se-á o prazo de 2
anos do art. 179.
Cuidado porque esse art. 179, que prevê o prazo de 2 anos, se encaixa perfeitamente na hipótese do
art. 496 que é aquela historia da venda de ascendente para descendente.
Diz o art. 496 que é anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e
o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Uma das alterações aqui é que o código atual no art. 496 expressamente diz que é anulável, o código
anterior não dizia se era nulo ou se era anulável. Quer dizer, é uma causa específica de anulabilidade, o
art. 496 não prevê prazo e o prazo será de 2 anos. Nesse sentido Enunciado 368 do Conselho.
Então, faria a remissão do art. 179 para o art. 496 combinado com o enunciado 368 e aí claro faria a
remissão no sentido oposto: lá do art. 496 eu faria para o art. 179 do código civil combinado com o
enunciado 368.
Resposta do Prof: aplicável na hipótese do art. 533, II que trata do contrato de troca. Também aplicável
no art. 117.
Resposta do Prof: o código anterior não dizia se era nulo ou anulável essa venda de ascendente a
descendente, então, como o código era omisso, o STF num determinado momento entendia que a
hipótese era de nulidade absoluta.
Antes da Constituição quem enfrentava matéria de última instancia era o STF. A época o STF editou a
Súmula 494 que diz que o prazo é de 20 anos, quer dizer, dentro daquela idéia de que a nulidade
prescrevia no prazo ordinário.
Só que pós Constituição Federal quem passou a enfrentar matéria em última instancia foi o STJ, matéria
de natureza infraconstitucional e o STJ a muito vinha repudiando a Súmula 494 porque ele entendia que
a hipótese era de anulabilidade.
O art. 179 acaba por completo sepultando a Súmula 494 do STF, que já tinha sido afastada pela
jurisprudência do STJ e o prazo não é mais de 20 anos, mas cuidado que os códigos ainda faz
referencia a Súmula.
Vamos começar a enfrentar as principais hipóteses de nulidade absoluta, elas estão nos artigos 166 e
167.
O art. 166, I diz que gera nulidade absoluta o negócio celebrado por pessoa absolutamente incapaz. A
ressalva aqui ao negócio praticado por absolutamente incapaz qual é? Teoria do ato fato.
O inciso II também não traz grandes questões, ele fala do objeto ilícito, impossível ou indeterminável, já
vimos essa questão no momento anterior.
O inciso III traz uma novidade. O inciso III diz: o motivo determinante comum a ambas as partes for
ilícito. Quer dizer, se caísse numa prova dissertativa, primeira coisa é lembrar da diferença motivo e
causa. Motivo as razões subjetivas e a causa os efeitos mínimos necessários a configuração de um
negócio jurídico.
É importante essa regra por quê? Porque a regra geral é de que o motivo não tem repercussão jurídica
justamente por envolver razão de natureza subjetiva e o art. 166 inciso III é uma das exceções a essa
afirmativa geral, porque no art. 166, III o motivo passa a ter repercussão jurídica.
Só que o que a doutrina costuma afirmar aqui é o seguinte: no art. 166, III esse motivo determinante ele
é comum a ambas as partes porque em regra o motivo não tem relevância jurídica por quê? Princípio da
confiança, legítima expectativa. Só que aqui o motivo ilícito é comum a ambas as partes, então quando
o motivo acaba sendo comum a ambas as partes, o motivo acaba integrando o próprio conteúdo do
negócio jurídico.
Então, alguns exemplos trazidos pela doutrina seriam os seguintes: o mútuo para a prática de jogo
proibido, claro que é pressuposto a esse exemplo que o mutuante saiba que está emprestando para
jogo proibido; locação para casa de prostituição; doação para recompensar a prática de ato ilícito.
Então, obviamente como o art. 166, III o motivo é comum a ambas as partes não há porque se cogitar
de principio da confiança.
Resposta: vamos colocar para jogo não autorizado, por exemplo...
Resposta: aí acaba gerando uma certa polêmica porque olha só: o jogo não autorizado traz que
conseqüência? Obrigação natural e não há responsabilidade, mas há o débito.
Então, na verdade o jogo não autorizado ele não representa verdadeira ilicitude stricto sensu, na
verdade o que o ordenamento jurídico afasta é a exigibilidade de eventual dívida decorrente de jogo não
autorizado. Porque se jogo não autorizado fosse efetivamente ilícito stricto sensu na verdade não
haveria sequer débito resultante de tal prática.
Tanto é que a doutrina, nós vamos ver mais adiante, tanto a doutrina quanto a jurisprudência em relação
a divida de jogo dividem muito bem: divida de jogo regulamentada, que é exigível judicialmente, tem até
um Informativo do STJ que vamos ver mais adiante. Existe a dívida de jogo não autorizado aí sim
obrigação natural e a dívida de jogo proibido.
A divida de jogo proibido sim é reconhecidamente um ato um ilícito e conseqüentemente não há nem
débito e nem responsabilidade, quer dizer, como a conseqüência da dívida de jogo não autorizado é
obrigação natural e o ordenamento jurídico reconhece a existência do débito, mas não da
responsabilidade, quer dizer, é plenamente sustentável que neste caso nós não teríamos uma finalidade
ilícita propriamente dita, a não ser que o jogador seja um menor e aí temos uma sistemática própria
envolvendo a proteção tanto de jogo proibido quanto de mútuo envolvendo o interesse de menor.
Resposta: mas aí a conseqüência não seria a nulidade do art. 166, III. Não aplicaríamos esse artigo,
vamos aplicar uma regra especial que tem lá na parte de contrato de mútuo, te digo depois, tem uma
regrinha específica lá no contrato mútuo para prática de jogo.
Prosseguindo, muito importante como causa de nulidade absoluta, o instituto da fraude a lei que está no
art.166, VI. A fraude a lei é novidade como causa de nulidade absoluta. Ela não constava no código de
16 e uma das características primordiais da fraude a lei é a chamada aparência de licitude.
Na fraude a lei, o ato encontra um aparente respaldo numa determinada regra jurídica. Entretanto,
mediante interpretação sistemática, se percebe que aquele ato colide com outros interesses de ordem
pública protegidos pelo sistema. Quer dizer, o sujeito pratica um ato que aparentemente se amolda a
uma determinada regra, mas numa interpretação sistemática se percebe que aquela interpretação literal
acaba atingindo outros interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.
Exemplo clássico da doutrina, art. 549. Quem tem herdeiros necessários só pode doar metade. Então, o
art. 549 está dizendo que quem tem herdeiros necessários só pode doar a metade, diz o 549 o seguinte:
nula é também a doação quanto a parte que exceder a de que o doador no momento da liberalidade
poderia dispor em testamento.
Então, o sujeito que tem um filho, por exemplo, não pode doar além da metade do seu patrimônio, diz o
art. 549, no momento da liberalidade.
Vamos supor que o sujeito tenha 500 em patrimônio e tenha um filho. O que ele faz? Ele doa 250,
respeitou o art. 549. Um mês depois ele tem 250 e aí ele doa 125, respeitou o art. 549 e vai fazendo
isso sucessivamente.
Numa interpretação literal, todas essas doações respeitaram o art. 549 porque no momento da
liberalidade ele apenas dispôs de metade, só que essas sucessivas doações são praticadas em fraudes
a lei, porque essas sucessivas doações atentam contra a legítima dos herdeiros necessários.
Outro exemplo: art. 1.301, direito de vizinhança. Diz o art. 1.301, caput: é defeso abrir janelas ou fazer
eirado, terraço ou varanda a menos de metro e meio do terreno vizinho. O objetivo da regra é
resguardar intimidade, privacidade.
Aí o parágrafo 2º diz assim: as disposições desse artigo não abrangem as aberturaras para luz ou
ventilação, não maiores de 10 cm de largura sobre 20 de comprimento e construídas a mais de 2 metros
de altura de cada piso.
O que o sujeito faz? Ele faz 50 aberturas uma do lado da outra e aparentemente aquela conduta se
amolda ao §2º, mas é uma conduta em flagrante fraude a lei, porque ela atenta contra os interesses
resguardados pelo caput.
Outro exemplo de um instituto que veremos bem mais adiante: direito de superfície. Vamos ver que esse
tipo de direito é tratado tanto no código civil quanto no estatuto da cidade, mas no código civil o direito
de superfície tem que ser por prazo determinado, art.1369. Vamos ver que no estatuto da cidade pode
ser por prazo determinado ou indeterminado.
Qual é o objetivo do legislador ao determinar prazo determinado para o direito de superfície? É evitar a
perpetuidade, na verdade o legislador buscou claramente diferenciar o direito da superfície da enfiteuse
cuja característica é a perpetuidade.
Vamos supor que as partes convencionem o direito de superfície por prazo determinado de 600 anos,
fraude a lei. Há uma aparência de licitude, entretanto essa aparência de licitude colide com os
interesses protegidos pela norma.
Então, o grande cuidado aqui é nós não usarmos a fraude a lei de maneira atécnica, porque muita gente
usa a fraude a lei para situações em que há uma frontal violação ao ordenamento jurídico e na verdade
a fraude a lei se diferencia do ato ilícito propriamente dito.
Quer dizer, no direito do trabalho, por exemplo, as falsas cooperativas talvez representem um exemplo
de fraude a lei, há uma aparência de licitude que busca na verdade afastar o vínculo empregatício.
Resposta: a fraude a lei se parece muito com abuso, porque no abuso do direito também não há uma
vedação frontal do direito positivo porque no abuso o sujeito exerce um direito em desarmonia com os
valores do sistema. Em muitas situações, abuso e fraude a lei caminharão lado a lado, mas nem sempre
porque uma característica a fraude a lei é justamente essa aparência de licitude.
O Pontes de Miranda traz uma definição que eu acho que equaciona bem a sua pergunta, ele diz que na
fraude a lei o sujeito se utiliza da lei para violar a própria lei. Quer dizer, é da essência da própria lei que
aquela conduta se amolde aparentemente a um determinado preceito normativo, requisito esse que não
é exigido para configuração do abuso de direito. Quer dizer, na fraude a lei há sempre um aparente
dispositivo legal que dá suporte aquela conduta e esse requisito obviamente não se exige para o abuso.
No abuso, podemos ter uma hipótese que o ordenamento jurídico não preveja qualquer solução, mas
haja uma limitação principiológica, por exemplo.
Então, na verdade, seriam institutos parecidos, mas que nem sempre caminham lado a lado.
Por exemplo: a teoria do adimplemento substancial que vimos aqui como exemplo da abuso. O pedido
de resolução, na verdade entra como abuso do direito, ele aparentemente encontra amparo em
determinada regra jurídica, mas a limitação decorre do princípio da boa fé objetiva, não há uma
manipulação inadequada em relação ao ordenamento jurídico.
Quer dizer, na fraude a lei o Ponte de Miranda quer ressaltar que o sujeito se vale de determinada regra
para alcançar objetivos que o ordenamento jurídico não efetivamente deseja em relação aquele
dispositivo legal.
Para prova objetiva vale a pena nós olharmos o art. 166, VII (mais para prova objetiva ou oral). O art.
166, VII diz: a lei taxativamente o declarar nulo ou proibir-lhe a prática sem cominar sanção.
A 1ª parte do inciso VII traz a chamada nulidade expressa ou textual. Alguns exemplos: artigos 497, 548,
549, 762, 1860, 1863, 1867 e 1900.
Agora a parte final é que chama mais atenção “ou proibir-lhe a prática sem cominar sanção”. Essa é a
chamada nulidade virtual ou implícita. Então, nessas hipóteses o código usa expressão como: não deve,
não pode, não se admite. Exemplos: artigos 380, 426, 483, 485 e 547.
Esse último art. é o art. 547, §único que é aquela história de doação com cláusula de reversão em que
o doador transfere para o donatário e aí o doador diz “olha donatário se você morrer antes de mim, os
bens voltam para mim” e aí o §único do art. 547 diz assim: não prevalece cláusula de reversão em favor
de terceiros. “Não prevalece”, o legislador proibiu sem combinar sanção. Nulidade virtual.
Simulação, art. 167.
Na simulação há uma declaração enganosa de vontade em conluio com o declaratário... Esse conluio
entre declarante e declaratário é chamado de pactum simulationis. Então, declaração enganosa de
vontade em conluio com o declaratário com o objetivo de enganar terceiro havendo um negócio
meramente aparente.
Um exemplo clássico de simulação: art. 550. O art. 550 diz que a doação do cônjuge adúltero ao seu
cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge ou por seus herdeiros necessários até 2 anos depois de
dissolvida a sociedade conjugal. Essa doação é anulável.
O que o sujeito faz? Para se esquivar aos efeitos do art. 550, em conluio com a amante, ele faz uma
compra e venda que busca esconder a doação, exemplo típico de simulação.
Outro exemplo: locador e locatário. O locador está doido para despejar o locatário, mas não tem razão
plausível, o contrato está em curso e o locatário vem cumprindo as obrigações contratuais. Qual seria o
mecanismo para viabilizar o despejo? A venda simulada, quer dizer, o locador faz uma simulação em
relação ao contrato de compra e venda com o adquirente, ambos em conluio com que objetivo?
Viabilizar o despejo por parte do terceiro adquirente. Se o contrato de locação não estiver averbado
junto ao registro, o adquirente não é obrigado a respeitar o contrato de locação, art. 8º da lei de
locações.
Pensão alimentícia é suscetível de dedução do imposto de renda. Quer dizer, há casais que simulam
separação judicial e divórcio com o objetivo de fixação de alimentos para dedução no imposto de renda.
A Simulação pode ser absoluta ou relativa. Na Simulação absoluta há apenas o negócio simulado e o
negócio simulado é o negócio aparente. Já na Simulação relativa há o negócio simulado e também o
dissimulado. O simulado é o aparente e o dissimulado é o negócio que corresponde a real intenção das
partes.
Então, aquele exemplo da compra e venda para a amante que busca esconder a doação é exemplo
típico de simulação relativa. O negócio simulado, aparente é a compra e venda e o negócio dissimulado
é a doação.
Já a venda do imóvel para facilitar o despejo seria um exemplo típico de simulação absoluta.
Outra classificação e nós vamos conjugar as duas é a seguinte: a simulação pode ser maliciosa ou
inocente...
Resposta: na simulação relativa nós temos o negócio dissimulado que é o aparente, mas na verdade
esse negócio dissimulado, aparente, ele busca na verdade esconder a real intenção das partes que na
verdade corresponde a outro negócio que não fora declarado.
A compra e venda para a amante, por exemplo, na verdade busca esconder a doação. Na verdade nós
temos, entre aspas, dois negócios aparentes que é o de fachada (compra e venda), mas na verdade
aquele negócio de fachada busca esconder o negócio jurídico doação que corresponde a real intenção
das partes. Então na verdade a simulação relativa pressupõe essa dualidade de negócios, o aparente e
o dissimulado.
Então, a simulação ela pode ser maliciosa ou inocente. A simulação maliciosa é aquela que tem por
efeito atingir interesse juridicamente protegido de terceiro, ao passo que a simulação inocente, a
contrario sensu, não atinge interesse jurídico de terceiro.
Exemplo típico de simulação inocente: vamos imaginar uma pessoa pública que tem determinado
relacionamento amoroso e quer manter esse relacionamento sem qualquer divulgação. O sujeito não
tem herdeiros necessários, livre desimpedido e quer fazer uma doação para a namorada só que a
doação tornaria público o relacionamento. Então, eles fazem uma compra e venda que busca esconder
a doação.
Claro que isso é exemplo típico de simulação inocente no direito civil, mas que trás reflexos no direito
tributário. Se for compra e venda, o tributo é municipal e se for doação o tributo é estadual.
Esse é um exemplo de simulação inocente e relativa porque há uma compra e venda que busca
esconder a doação.
Outro exemplo: imagine um parente seja o único da família que tenha bens, a todo momento ele é
instado a ser fiador dos familiares e o que ele faz? Uma simulação de venda de seus bens com o único
objetivo de ser constantemente instado pelos familiares, quer dizer, uma simulação inocente e absoluta.
Temos aqui, portanto classificações distintas.
Uma questão pertinente é a seguinte: a dúvida é se a simulação inocente é invalidante. Se perguntarem
isso, é inevitável fazermos uma análise comparativa com o código anterior porque no art. 104 do código
de 16, o legislador exigia para configuração da simulação o prejuízo a terceiro.
No código atual, o art.167 suprimiu tal elemento, ele em nenhum momento exige a intenção de
prejudicar outrem. Quer dizer, o que a doutrina vem afirmando é que no código de 16 o que gerava a
anulabilidade da simulação era o prejuízo a terceiro, se houvesse prejuízo a terceiro aquele terceiro
atingido poderia invalidar o negócio.
No código atual, o que gera a invalidação da simulação não é o prejuízo a terceiro, o que gera a
invalidação é a simples divergência entre a vontade declarada pelas partes e a vontade real.
Parece inclusive fazer sentido, era anulabilidade por quê? Interesse particular, prejuízo a determinada
pessoa. Na medida em que a simulação passa a ser causa de nulidade a matéria passa a ser de ordem
pública. Não seria razoável, mas vai que uma matéria é de ordem pública porque ela simplesmente
decorre de um prejuízo a determinada pessoa, quer dizer, a hipótese é de nulidade devido a essa
divergência intencional entre aquilo que se declara e aquilo que se pretende, porque essa divergência
intencional atinge a eticidade nas relações jurídicas.
Nesse sentido Enunciado 152 que diz: toda simulação, inclusive a inocente, é invalidante.
Vamos tomar cuidado aqui com o seguinte: vamos ao art. 167. Se conjugarmos as duas classificações
fica fácil entender o art. 167, diz lá: é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se
dissimulou se valido for na substancia e na forma.
Bom, para aplicar a parte final do art. 167 fica claro que a simulação tem que ser absoluta ou relativa?
Tem que ser relativa porque o código fala “é nulo o negócio dissimulado, mas subsistirá o que se
dissimulou”.
Então, a primeira premissa é que a simulação seja relativa, tem que ter o simulado e o dissimulado e aí
diz “subsistirá o que se dissimulou se válido for na substancia e na forma”. Quer dizer, vai ser válido o
dissimulado se o dissimulado for válido na substancia e na forma, e quando que o dissimulado vai ser
válido na substancia e na forma? Quando não atingir interesse juridicamente protegido de terceiros.
Então a premissa para aplicar o art. 167 parte final é que a simulação seja relativa e inocente.
Simulação inocente é invalidante sim, mas a invalidação da simulação inocente pode eventualmente
gerar subsistência do negócio dissimulado se a simulação inocente for relativa. Então, art. o 167 parte
final, que parece confuso, pressupõe simulação relativa e inocente.
Resposta: isso. Haveria nulidade do negócio simulado, qual seja, a compra e venda e o aproveitamento
do negócio dissimulado, qual seja, a doação.
Dá para perceber que o art. 167 parte final, que permite em tese o aproveitamento do negócio
dissimulado, vem em harmonia com o princípio da conservação dos atos e dos negócios jurídicos.
Resposta: ação judicial. Aqui, me parece que a via adequada seria a tutela jurisdicional, quer dizer, a
simulação pode ser suscitada através dos mecanismos que vimos e aí se facultaria a possibilidade de
suscitar a preservação do negócio dissimulado pela via jurisdicional, quer dizer, extrajudicialmente me
parece inadequada a possibilidade.
Resposta: sem dúvida e inclusive aqui a simulação em matéria tributária ela tem uma peculiaridade, o
art. 116, §único do CTN diz que em sede de matéria tributária a simulação ela gera ineficácia em
relação a Fazenda Pública. Quer dizer, a própria autoridade administrativa ela pode desconstituir
determinados atos objeto de simulação.
Resposta: então na verdade o art. 116 do CTN prevê a possibilidade justamente de encarar a simulação
para uma causa de ineficácia relativa e não propriamente de invalidação. Quer dizer, o efeito prático é
que a simulação aqui, ela pode ser delatada pela Fazenda Pública pelo curso do próprio procedimento
fiscal, por exemplo, tem um regime jurídico específico.
Resposta: o enunciado 152 é o seguinte: ele diz que toda simulação inclusive a inocente é invalidante,
mesmo quando ela for relativa, se for absoluta é isso mesmo invalida e ponto final, se ela for relativa, o
que vai acontecer? A simulação inocente ela vai invalidar o negócio simulado e vai prestigiar o
dissimulado, quer dizer, haveria a invalidação apenas do negócio aparente, mas haveria o
aproveitamento do dissimulado.
Resposta: se no caso da simulação inocente absoluta haveria uma hipótese de dizer que há nulidade
independentemente de invalidação, de prejuízo? Eu evitaria afirmar isso, numa prova de civil
principalmente, por quê? Porque dentro de uma nova ótica principiológica o prejuízo decorrente da
simulação não envolve interesse específico de terceiro. O prejuízo decorrente da simulação está em
relação a necessária observância da eticidade nas relações privadas, por isso inclusive que a tendência
hoje da doutrina é no sentido de afirmar que a simulação inocente ainda que não cause prejuízo a
ninguém efetivamente ela gera invalidação, porque esse conluio entre as partes gerariam prejuízo a
ordem pública, quer dizer, essa seria a perspectiva hoje mais atualizada, por isso eu evitaria essa
afirmação.
Resposta: se for absoluta inocente o que vai acontecer? Vai anular e ponto final, não vai produzir efeito,
entre aspas, algum. Agora, se for inocente e relativa aí vai aproveitar o dissimulado.
Vamos lembrar aqui de um tópico que já vimos em aulas anteriores? Mas só para ficar consignado no
caderno. É o seguinte: a simulação pressupõe conluio entre declarante e declaratário, pode uma parte
em conluio alegar simulação contra a outra? Vamos lembrar do seguinte: já chegamos a fazer alusão a
tu quoque. Basicamente na tu quoque se eu violo determinada regra X não posso exigir que a outra
pessoa cumpra aquela mesma regra que estou transgredindo.
A tu quoque inclusive inspirou a sistemática do dolo recíproco do art. 150, se ambas as partes agem
dolosamente nenhuma delas pode alegar o dolo em face da outra. Está atrelada a idéia de que ninguém
pode se beneficiar da própria torpeza.
Nós vimos que no código de 16 havia uma regra idêntica ao dolo recíproco só que para simulação, era
no mesmo artigo 104 do código de 16: nenhuma das partes em conluio na simulação pode suscitar
simulação em face da outra.
Só que nós vimos que nosso código atual é omisso, ele não reproduziu essa regra do legislador de 16 e
aí qual é grande risco que corremos? É dizer que, apesar do silencio do código, a solução seria a
mesma por conta da tu quoque, por conta da boa fé objetiva.
Só que não é e por quê? Por que não dá para aplicar tu quoque na simulação? Porque houve uma
mudança na natureza jurídica da simulação, ela era causa de anulabilidade e agora passou a ser causa
de nulidade absoluta, ou seja, há interesse público no reconhecimento da simulação.
Tem até um enunciado sobre o tema, que é o Enunciado 294 do Conselho que afirma lá que sendo a
simulação uma causa de nulidade pode qualquer das partes alegá-la contra a outra.
Então, inaplicável aí a tu quoque por conta da mudança na natureza jurídica da simulação, nulidade
absoluta.
Vamos prosseguir com a simulação, com um ponto delicado que é o seguinte: não confundir simulação
com o chamado negócio fiduciário e negócio indireto. No negócio fiduciário, as partes se utilizam de um
tipo contratual de efeitos mais amplos do que o tipo usualmente adotado para o atingimento de
determinada finalidade.
Exemplo: vamos supor que eu seja um empresário, vou passar seis meses fora e preciso transferir os
poderes de administração a outra pessoa. Em tese, do que as partes se valem para isso? Mandato.
Vamos supor que meus empregados sejam absolutamente insubordinados e se aquele sujeito que for
administrar o meu negócio se apresentar como mandatário o negócio vai desandar. Então, ao invés de
celebrar o contrato de mandato o que podem as partes fazerem ai? Um contrato de compra e venda e
na verdade por esse contrato de compra e venda haverá a transferência da propriedade resolúvel.
Então, na verdade o sujeito vai transferir a propriedade, vai celebrar um contrato de compra e venda e
aquele sujeito que vai administrar o negócio ele não vai se apresentar como mandatário, ele vai se
apresentar como titular da pessoa jurídica e claro que nesse contrato vai constar a obrigação dele de
restituir o bem ao término dos seis meses.
Percebam que nesse caso as partes celebraram um contrato de compra e venda com o objetivo da
transferência dos poderes de administração. Quer dizer, as partes celebraram um contrato de compra e
venda de efeitos econômicos muitos mais abrangentes do que a própria finalidade por elas objetivada. A
finalidade objetivada era tão somente apenas a transferência dos poderes de administração, exemplo
típico de negócio fiduciário.
Outro exemplo que a doutrina traz: na alienação fiduciária em garantia, a grosso modo o que acontece
aí? Quero comprar um carro e não tenho dinheiro e aí eu celebro contrato de mútuo. Para garantir o
contrato de mútuo, o que eu faço? Transfiro a propriedade fiduciária. Quer dizer, é uma transferência de
propriedade que tem por objetivo a mera garantia.
Então, na verdade, tem uma síntese muito bem trazida por Arnaldo Rizzardo quando trata do tema e ele
diz que no negócio fiduciário o meio excede o fim, por quê? Porque o meio utilizado pelas partes é muito
maior do que a própria finalidade por elas objetivada.
O oposto acontece no chamado negócio indireto. No negócio indireto, as partes se utilizam de um tipo
contratual de efeitos menores do que o tipo usualmente adotado para o atingimento de determinada
finalidade.
Um exemplo que sempre cai é o mandato em causa própria do art. 685, como acontece no mandato em
causa própria a grosso modo? Eu quero vender um imóvel para ela, vamos imaginar que eu esteja fora
daquela localidade por 06 meses, se eu quero transferir a propriedade o tipo adotado é a compra e
venda.
Só que nada impede que eu proprietário e alienante celebre um contrato de mandato com o adquirente
e através desse contrato de mandato eu vou outorgar poderes a ela para que ela adote todas as
providencias necessárias na transmissão da minha propriedade em favor dela.
Vejam que nesse caso no mandato em causa própria as partes celebram contrato de mandato que tem
por objetivo a transferência de propriedade. Quer dizer, as partes se valem de um tipo contratual menor,
qual seja, o mandato com o objetivo de atingir a verdadeira transferência de propriedade.
Primeiro, cuidado aqui com uma pegadinha: lembram da usucapião ordinária? Justo título e boa fé,
art.1242. Cuidado que o mandato em causa própria pode representar justo título para fins de usucapião
ordinária, vamos ver isso mais adiante. Quer dizer, se houver um mandato em causa própria, se o
mandante não for o dono, o mandatário poderá alegar eventualmente usucapião ordinária, justo título e
boa fé.
E aí sem ler o art. 685, o que vou dizer agora cai muito em prova objetiva. O mandato em regra ele não
é um contrato personalíssimo? Extingue com o falecimento, o mandatário tem que prestar conta,
mandato é um contrato intuito personae. Por que o mandato em regra é intuito personae? Porque o
mandato gera transferência dos poderes de administração que pressupõe uma relação especial de
confiança.
Só que o mandato em causa própria traz que efeito? Não é a transferência dos poderes da
administração, o mandato em causa própria traz como efeito a transferência de propriedade. Qual é a
causa do mandato em causa própria?É a transferência de propriedade.
Então, na verdade contratos que envolvem transferência de propriedade não são personalíssimos, por
isso o art. 685 diz lá: conferido o mandato com a cláusula em causa própria a sua revogação não terá
eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de
prestar conta e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato obedecido as
formalidades legais.
Quer dizer o mandato em causa própria não se extingue com a morte de qualquer das partes, ele é
irrevogável e o mandatário não tem que prestar contas e por quê? Porque a causa do mandato em
causa própria é a transferência de propriedade e não a mera transferência dos poderes de
administração. Lembrando de que quando falo em causa, estou falando dos efeitos inerentes ao
contrato.
Resposta: o art. 685? Não, o legislador anterior já previa, o que há agora de claro e evidente é a
necessária observância da forma, do ato a ser praticado. Então, se for mandato em causa própria para
transferência de imóvel, o mandato necessariamente vem por instrumento público.
Resposta: para direito intertemporal acerca de validade temos uma regra específica que é do art. 2035
que diz que a validade dos atos anteriores se subordina as regras anteriores. Então, na verdade se o
ato a época respeitou as formalidades de então, aquele ato produz validamente seus efeitos.
Aqui, na verdade vamos ver um pouquinho mais adiante, é o princípio da retroatividade mínima que está
no art. 2035, então se eu obedeci a legislação da época em tese qualquer situação fática permanece a
validade e a validade imposta agora pelo código obedece aos novos preceitos, é a retroatividade
mínima. Tem uma exceção no parágrafo único quando a matéria é de ordem pública, vamos ver mais
adiante.
Resposta: a hipótese não seria de contrato consigo mesmo e se isso não gera anulabilidade? O contrato
consigo mesmo está no art. 117 que diz: salvo se o permitir a lei ou representado, é anulável o negócio
jurídico em que o representante no seu interesse ou por conta de outrem celebrar consigo mesmo. Quer
dizer, o art. 117 proíbe, em tese, que o mandatário celebre negócios jurídicos em seu próprio nome e ao
mesmo tempo em nome do mandante. Quer dizer, ele proíbe que o mandatário compre aquele imóvel,
objeto do mandato, quer dizer, outorgo poderes a ele para vender o imóvel a um terceiro e aí o art. 117
está dizendo que é anulável se ele comprar aquele imóvel em seu próprio nome. Só que o art. 117 diz
“ressalvadas as previsões legais”, então entra na exceção do art. 685. Vamos ver com calma mais
adiante.
Agora voltando aqui a questão, olha só: simulação não parece com negócio fiduciário, negócio
dissimulado? Se parece bastante. Só que na simulação, há uma divergência intencional entre a vontade
declarada e a vontade real dos contratantes. Quer dizer, a finalidade das partes ela não está explicitada
pelo contrato.
No negócio fiduciário e no negócio indireto as partes se utilizam de um determinado tipo buscando
alcançar efeitos que não lhe são próprios. Quer dizer, é um mandato que busca transferir a
propriedade, é a compra e venda que busca transferir poderes de administração, quer dizer, o efeito
perseguido pelas partes é diverso do efeito típico do negócio.
Só que a diferença é que no negócio fiduciário e indireto há apenas uma utilização do tipo em
desarmonia com seus efeitos próprios. Mas na verdade tanto no negócio fiduciário quanto no negócio
indireto aquilo que é exteriorizado pelas partes corresponde a realidade.
O que está dito lá no primeiro exemplo em que eu transfiro a propriedade resolúvel, está dito lá o que?
Que haverá transferência da propriedade resolúvel dentro daquele prazo de seis meses. O que as
partes querem é efetivamente a transferência da propriedade resolúvel, elas apenas se utilizaram de um
tipo negocial que traz um efeito usualmente diverso daquele adotado.
Quer dizer, no negócio fiduciário e no negócio indireto não há qualquer tipo de simulação em tese,
porque no negócio fiduciário e no negócio indireto o efeito pretendido pelas partes corresponde aquilo
que elas declararam. Só que na verdade elas buscam aquele efeito nitidamente declarado através de
um tipo negocial que usualmente tem uma finalidade distinta.
Quer dizer, não há nenhum conluio no negócio fiduciário e no negócio indireto para prejudicar terceiros,
as partes claramente usam determinado tipo para obtenção de um resultado que ela efetivamente
pretendem. Quer dizer, em termos práticos no negócio fiduciário, no negócio indireto há uma efetiva
transferência de propriedade, dos poderes de administração, não há nenhum conluio com o objetivo de
enganar terceiros ou de esconder a real intenção das partes envolvidas.
Entre aspas eu diria o seguinte: o negócio fiduciário e no negócio indireto está dentro da esfera do
princípio da autonomia privada, porque as partes na verdade elas se utilizam de um determinado tipo
previsto em lei para a obtenção de um resultado distinto daquele efeito tradicional. Só que elas se
utilizam mediante acordo de vontade e sem estabelecer qualquer tipo de maquiação em relação a real
intenção das partes.
É diferente da simulação, ela escapa o princípio da autonomia privada, por quê? Porque na simulação
há um conluio para prejudicar terceiros, a real intenção das partes não corresponde aquilo que fora
declarado.
Resposta: muito parecido, mas também diferentes, quer ver um exemplo de simulação inocente? Parece
muito porque a simulação inocente ela não prejudica terceiro. Só que na simulação inocente, apesar de
não haver prejuízo a terceiro, a vontade declarada pelas partes não corresponde com a vontade real.
Vamos imaginar que nós dois sejamos amigos de longa data e sejamos empreiteiros, eu renomado e
você iniciante e aí vamos supor que eu tenha uma máquina de grande porte que é indispensável a
obtenção de determinada obra que você está na iminência de celebrar o contrato.
O que as partes fazem aqui? Fazem uma simulação inocente, há uma simulação, no sentido de que
estou transferindo a propriedade desta máquina para você, com que objetivo? Com o objetivo de
viabilizar a celebração do contrato com você e aí vejam bem, por que aqui é simulação e não é negócio
fiduciário ou indireto? Porque a real intenção das partes não é celebrar a compra e venda, a real
intenção das partes é a celebração do contrato de comodato, a vontade declarada não corresponde a
vontade real. Não há apenas a utilização de um tipo negocial previsto em lei com efeitos diferentes,
porque na verdade aquele efeito efetivamente desejado pelas partes ele não foi exteriorizado.
Isso inclusive pode trazer efeitos práticos, vamos supor que você termine a obra e não restitua e o
negócio aparente foi a compra e venda. Vejam que para o alienante vai surgir o interesse em suscitar a
nulidade da simulação inocente e relativa e aí qual vai ser o interesse? Reconhecer como nula a compra
e venda e garantir a subsistência da validade com contrato de comodato, essa lógica não se aplica no
negócio fiduciário indireto, por quê? Porque a vontade real das partes ela foi exteriorizada no contrato,
ela corresponde a vontade real.
Quer dizer, quando eu faço mandato para transferir a minha propriedade para ela, eu estou me
utilizando do mandato com o objetivo de transferência de domínio e essa intenção transferência de
domínio ela consta claramente do negócio jurídico.
Resposta: qual seria a diferença? Lá tem que ficar claro que estou transferindo a propriedade resolúvel
e com a consistência de propriedade resolúvel vai ficar claro que aquela propriedade do adquirente ela é
temporária, diferentemente dessa hipótese em que é uma suposta transferência de propriedade
definitiva, quando a real intenção das partes é o comodato e não a efetiva transferência de domínio.
Na simulação há uma divergência intencional entre aquilo que se declara e aquilo que se pretende. Já
no negócio fiduciário ou negócio indireto as partes apenas se utilizam de um tipo negocial com efeitos
distintos.
Tem um ponto aqui, vamos registrar aqui o seguinte: vejam que no caso de simulação é possível que
haja prejuízo a credores. Quer dizer, lembra aquela história em que eu tenho um monte de parente que
fica me pedindo para ser fiador e eu fico me esquivando de tais pedidos? O que eu faço? Simulo uma
compra e venda e quando simulo a compra e venda dos meus bens a terceiros eu não posso estar me
conduzindo a insolvência?
E aí passamos a ver um elo, uma aproximação muito grande entre simulação e fraude contra credores e
como vamos saber quando é simulação ou fraude contra credores? Na simulação tem que haver
conluio, o negócio é meramente aparente, é de fachada e na fraude contra credores, a alienação por si
só é válida, o que vai gerar a invalidação da alienação é o prejuízo aos credores.
Então, o pressuposto para a fraude contra credores é que o ato de alienação por si seja válido, não haja
nenhum tipo de maquiação, quer dizer, a intenção é realmente transferir a propriedade a outrem. Se
essa transferência de propriedade atinge os credores, anulabilidade, interesse particular dos credores.
Agora, se essa alienação se dá através de conluio, a alienação não corresponde a realidade, a hipótese
aplicável passa a ser a de simulação e hoje isso traz efeitos práticos primordiais, porque a simulação
agora gera nulidade absoluta.
Pergunta.
Resposta: se houver conluio com o objetivo de obter resultado diverso daquele pretendido, porque pode
ser que o adquirente esteja de má fé em que sentido? Ele queira realmente comprar, mas ele está de
má fé porque ele sabe da insolvência do devedor, ele estará de má fé e o regime aplicado vai ser o da
fraude contra credores.
Vamos sair da simulação, vamos tratar de um tema que vem caindo sistematicamente que é a
conversão do ato nulo.
Conversão do ato nulo está no art. 170. Art. 170 diz: se, porém o negócio jurídico nulo contiver os
requisitos de outro, subsistira este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam
querido se houvessem previsto a nulidade.
Quais são as premissas do art. 170? Primeiro que haja a celebração de um negócio nulo. Outro aspecto
é o seguinte: todos nós sabemos que há inúmeros tipos negociais no ordenamento jurídico. Tem
compra e venda, tem doação, tem comodato e outros inclusive não previstos, porque os contratos
podem ser típicos ou atípicos.
A premissa para a conversão é que o negócio seja nulo em relação ao tipo escolhido pelas partes. Quer
dizer, vamos supor que tenhamos tipos negociais de A a Z e as partes escolheram o tipo A, o negócio
vai ser nulo em relação aquele tipo A escolhido pelas partes.
Só que temos negócios de A a Z e se por ventura as partes ao invés de terem escolhido o tipo A
tivessem optado pelo tipo C, que também é previsto pelo ordenamento, aquela mesma vontade emitida
seria válida. Quer dizer, o negócio é nulo em relação aquilo que as partes declararam, mas seria válido
se as partes tivessem optado por outro tipo negocial.
Já está começando a delinear que idéia aí? Que com o art. 170 se permite a conversão do tipo negocial
nulo A para o tipo negocial C que é aquele que em tese seria válido caso as partes tivessem por ele
optado.
Só que para caber essa conversão é preciso que haja compatibilidade de vontades, seria o terceiro e
último requisito, que haja a compatibilidade de vontades.
Qual o exemplo que já caiu na magistratura federal, PGE, já caiu em várias situações? O exemplo que
normalmente cai é a compra e venda de imóvel nula por vício de forma, quer dizer, compra e venda de
imóvel por instrumento particular.
Ressalvadas as exceções legais, compra e venda de imóvel por instrumento particular nulidade
absoluta, o art. 108 exige instrumento público. O que se afirmaria antes do código atual? A compra e
venda é nula e o ato nulo não produz efeitos.
Só que a nulidade da compra e venda ocorre do que? Da adoção do instrumento particular, o problema
é de ordem formal. E percebam que o ordenamento jurídico prevê um outro tipo negocial parecido que é
o compromisso de compra e venda que admite instrumento particular no art. 1.417.
A última pergunta que temos que fazer é: a vontade de vender é compatível com a vontade de prometer
vender? Sim, em havendo essa compatibilidade qual é o resultado? A compra e venda nula por vício de
forma pode ser convertida no compromisso de compra e venda.
Os efeitos práticos são extraordinários porque se antes nós diríamos que a compra e venda nula não
produziria efeitos agora aquela compra e venda vai produzir os efeitos típicos de um compromisso de
compra e venda e cabe em tese a adjudicação compulsória.
Resposta: 1ª que o negócio seja nulo, 2ª que o negócio seja nulo em relação aquilo que as partes
declararam, mas seria válido se as partes tivessem optado por outro tipo negocial.
Outro exemplo: a hipoteca e o título de crédito nulos. É possível que a hipoteca e o título de crédito
nulos venham a ser convertidos num instrumento de confissão de dívida, quer dizer, a hipoteca nula, o
tipo de crédito nulo vai produzir os efeitos típicos de uma confissão de dívida.
Outro exemplo tradicional: a alienação de usufruto. O art. 1.393, 1ª parte diz assim: não se pode
transferir usufruto por alienação. Nulidade virtual, “não se pode”, o legislador proibiu sem combinar
sanção. Art. 166, VII, parte final.
Então, é nula a alienação de usufruto, aí vem a 2ª parte e diz: mas o seu exercício pode ceder-se por
título gratuito ou oneroso. Quer dizer, a alienação de usufruto pode ser convertida na sessão do seu
exercício.
Resposta: aí vai depender. Se a alienação, por exemplo, de usufruto foi gratuita, haveria conversão a
princípio para o contrato de comodato. Se fosse oneroso, o que normalmente não, é haveria conversão
para locação. A conversão vai depender da origem do ato de alienação.
O que dá para perceber? Dá para perceber que a conversão do ato nulo é uma exceção a regra de que
o ato nulo não produz efeitos e que se inspira no princípio da conservação dos atos e dos negócios
jurídicos. O art. 170 se inspira no princípio da conservação dos atos e dos negócios jurídicos,
excepcionando, portanto a afirmativa de que o ato nulo não produz efeitos.
Tem outro exemplo muito bom, não sei se vocês estão lembrados do art. 191 que prevê a renuncia da
prescrição, só que o art. 191 diz que não se admite a renuncia antecipada da prescrição, só cabe depois
que o prazo prescricional já estiver ultimado. Então, a renuncia antecipada da prescrição é nula,
nulidade absoluta. Só que essa renuncia antecipada da transcrição, que é nula por força do art. 191, ela
pode ser convertida para o art. 202, VI.
A grosso modo, o art. 202,VI diz que quando o devedor reconhece o direito do credor ele interrompe a
prescrição. Quer dizer, se o devedor pede parcelamento da dívida o próprio devedor está interrompendo
o prazo prescricional.
Vejam, se ele renuncia antecipadamente a prescrição, o que o devedor está fazendo? Ele está
reconhecendo o direito do credor. Então, a renuncia nula pode ser convertida numa causa de
interrupção da prescrição, art. 202, VI.
A conversão pode ser formal ou substancial. Na conversão formal o que vai haver? A mudança apenas
na forma. Vamos supor que um testamento público não obedeça as formalidades exigidas por lei para
ser tido como público. O testamento público poderá se converter num testamento particular, conversão
formal.
Um contrato de locação por instrumento público e há algum tipo de vício no instrumento público, o vício
não vai impedir a conversão para locação por instrumento particular.
Para muitos, Leonardo Matieto, Humberto Theodoro Júnior, a conversão formal não representaria a
verdadeira conversão, por quê? Porque, para muitos, a conversão propriamente dita gera a mudança na
qualificação jurídica e vejam que na conversão formal não há mudança na qualificação jurídica, é
apenas a mudança na forma. O negócio jurídico continua a ser testamento, continua a ser locação,
então para muitos a conversão formal não representaria conversão propriamente dita, porque seria da
essência da própria conversão propriamente dita a mudança na qualificação jurídica.
Diferentemente da conversão formal, nós temos a conversão material. Conversão material é sinônimo
de conversão substancial. Nessa modalidade sim a conversão gera a mudança na natureza, na
substância do negócio.
Todos aqueles exemplos que vimos a pouco, a compra e venda para o compromisso, a alienação do
usufruto para o comodato, quer dizer, há uma mudança na qualificação jurídica e essa conversão
material sim representaria a conversão propriamente dita.
Há quem diga que o art. 431 seria um exemplo de conversão legal. O Christiano Chaves e o Rosenvald
de assim afirmam... O art. 431 seria uma conversão legal, conversão por força de lei. Diz o art. 431 que
a aceitação fora do prazo com adições, restrições ou modificações importará nova proposta por força de
lei.
Vamos partir para a análise da anulabilidade especificamente. As causas gerais de anulabilidade estão
no art. 171 e são elas a incapacidade relativa e os defeitos do negócio jurídico, ressalvada aquela
discussão sobre a fraude contra credores que vimos no início da aula, que para alguns não seria
anulabilidade e sim eficácia relativa.
Já vimos que a anulabilidade comporta ratificação e essa ratificação do ato anulável pode ser expressa
ou tácita. A ratificação expressa ela está precisamente nos artigos 173 e 176 e a ratificação tácita, nos
artigos 174 e 178.
Cuidado com o art. 178 porque ele não diz que a hipótese retratada é a de ratificação tácita. O art. 178
estabelece o prazo de 04 anos para suscitar anulabilidade, se a parte interessada não invoca
anulabilidade em 04 anos, ratificação tácita. Quer dizer, o código não diz no art. 178 que ali a hipótese é
de ratificação tácita, mas claro a não alegação da anulabilidade dentro do prazo de 04 anos vai gerar
ratificação tácita.
Agora, muito cuidado aqui com o art. 174 que é a outra hipótese de ratificação tácita que mencionamos.
Art. 174: é escusada a confirmação expressa quando o negócio já foi cumprido em parte pelo devedor
ciente do vício que o inquinava. Quer dizer, o art. 174 está dizendo que se o devedor tem ciência do
vício e ainda assim cumpre a prestação, ele está tacitamente ratificando.
Claro que essa iniciativa de cumprir conscientemente a prestação tem que ser uma iniciativa livre, claro
que se ele está sujeito a coação não se vai falar em ratificação tácita.
O art. 174 fala em cumprimento da prestação. Alguns autores já no passado, o Pontes de Miranda já
defendia isso, ele dizia que o código fala em cumprimento consciente, por que o cumprimento
consciente gera ratificação tácita? Porque é incompatível a iniciativa de cumprir voluntariamente e
posteriormente alegar o vício, então numa interpretação teleológica, muito antes de estarmos falando a
venire, o que o Pontes de Miranda já afirmava? O art. 174 é rol meramente exemplificativo, quer dizer,
sempre que o devedor conscientemente desenvolva conduta incompatível com a vontade de anular,
haverá ratificação tácita.
Por exemplo: se, mesmo ciente do vício e livre de qualquer constrangimento, o devedor pede dilação de
prazo, pedido de dilação de prazo é incompatível com o pedido de invalidação.
Outro exemplo: se, mesmo depois de ciente do vício, aquele devedor aliena ou consome o bem objeto
do negócio anulável, ele está desenvolvendo uma conduta incompatível com a intenção de anular. Se
ele oferece uma garantia hipotecária ou uma garantia fidejussória, o oferecimento dessas garantias
seria incompatível com a vontade de anular.
Hoje, se formos dissertar sobre isso, o que vamos usar para justificar essa interpretação elástica do art.
174?Vamos poder usar com tranqüilidade a boa fé objetiva através da venire contra a factum proprium,
lembra da contradição com a própria conduta? Não desenvolvemos muito o tema, mas chegamos a
mencionar aqui. Quer dizer, a venire contra factum proprium que é a teoria da contradição com a própria
conduta. Numa releitura do art. 174 podemos claramente mencionar que o dispositivo se influencia,
claro, pela boa fé objetiva.
Outra dúvida é a seguinte: no caso de confirmação expressa, a forma da confirmação deve obedecer a
forma do negócio a ser confirmado? O código civil é omisso. Em relação a forma da confirmação, ele
não diz se a forma da confirmação tem que ser a mesma do negócio a ser confirmado e aí surgem duas
posições.
A 1ª diz que sim, a forma da confirmação deve obedecer a forma do negócio a ser confirmado. Posição
levemente predominante, vários autores nesse sentido: Orlando Gomes, Francisco Amaral, Zeno Veloso
e Serpa Lopes.
Quer dizer, como a ratificação convalida o ato desde a origem produzindo efeitos ex tunc, a produção de
efeitos ex tunc imporia a idéia de que a confirmação acaba integrando o próprio negócio jurídico e a
forma deveria a mesma.
Divergindo dessa posição, Pontes de Miranda e Humberto Theodoro Júnior.
Tem um argumento que aqui me parece bem prático, não cabe ratificação tácita? A ratificação tácita ela
independe de qualquer formalidade. Então, sustentam esses autores que se cabe ratificação tácita, não
haveria razão para ratificação expressa necessariamente obedecer a forma do negócio a ser
confirmado. Quer dizer, a admissibilidade da ratificação tácita, demonstra o que? Que a ratificação seria
um ato não solene, na medida em que o código não admite a ratificação tácita. E mais, esses autores
afirmam que a ratificação seria um negócio jurídico distinto do negócio a ser confirmado.
Por exemplo: se temos um contrato de compra e venda feito por um relativamente incapaz sem
assistente, anulabilidade, não é isso? O garoto atinge a maioridade, a ratificação por ele realizada é
negócio jurídico bilateral ou unilateral? Unilateral e o negócio jurídico a ser confirmado era um negócio
jurídico bilateral. Quer dizer, a confirmação é negócio jurídico unilateral distinto do negócio jurídico a ser
confirmado. Como temos negócios jurídicos distintos, a forma não necessariamente será a mesma.
Resposta: sim, aí entra o princípio da instrumentalidade das formas. É o art. 104, III combinado com o
art. 107 que é aquele que diz que no silencio da lei a forma é livre.
Outro cuidado aqui é o seguinte: o art. 175 diz: a confirmação expressa ou a execução voluntária de
negócio anulável, nos termos dos artigos 172 a 174, importa a extinção de todas as ações ou exceções
de contra ele dispusesse o devedor.
O código diz “importa a extinção de todas as ações ou exceções”. O que o art. 175 quando diz “ações
ou exceções” está dizendo? Ele está dizendo que a anulabilidade ela pode ser argüida não apenas
através de ação autônoma, mas também como matéria de defesa.
O Humberto Theodoro Júnior chega a dizer que aqui a tese da defesa, quando invoca a anulabilidade,
seria mais um exemplo daquelas hipóteses de defesa indireta de mérito como é a exceção de contrato
não cumprido.
O art. 182, que já mencionamos aqui hoje, é aquele que diz que anulado o negócio jurídico restituir-se-
ão as partes ao estado em que antes dele se achavam e, não sendo possível restituí-las, serão
indenizadas com o equivalente. Então, o art. 182 está dizendo que tanto a nulidade quanto a
anulabilidade geraria em tese o retorno ao status quo ante e, não sendo isso possível, as partes serão
indenizadas pelo equivalente.
Antes de mais nada, se não for possível o retorno ao status quo ante e houver a indenização com o
equivalente, é preciso tomar cuidado para que não haja enriquecimento sem causa. Ou seja, na
hipótese em que houver o retorno ao status quo ante, algumas regras que veremos mais adiante terão
que ser observadas.
Por exemplo: se o terceiro fez benfeitorias no bem e ele era de boa fé, aplicável a sistemática do art.
1219. Quer dizer, haverá o retorno ao status quo ante, mas o terceiro de boa fé tem que ser indenizado
pelas benfeitorias necessárias e úteis tendo inclusive direito de retenção.
Se o terceiro de boa fé fez construções, aplicar o art. 1.255 que diz que construtor de boa fé tem direito
a ser indenizado.
O que estou ressaltando é que esse retorno ao status quo ante não afasta a incidência de regras
especiais que buscam evitar enriquecimento sem causa. E mais, o código diz retorno ao status quo ante
e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente. Só vai haver indenização pelo
equivalente se não for possível a restituição.
Numa perspectiva anterior, essa impossibilidade de restituição se aplicaria só no caso de
impossibilidade física, quer dizer, se o bem foi destruído não há como haver o retorno ao status quo
ante. Se houve destruição, se houve consumo do bem, impossibilidade física, retorno ao status quo
ante.
Só que numa perspectiva contemporânea o que os autores vem afirmando? Aplicável o art. 182 parte
final se o bem foi transferido a um terceiro de boa fé, ou seja, se o bem foi transferido a terceiro de boa
fé numa perspectiva atual se torna impossível retorno ao status quo ante e por quê? Princípio da
confiança, boa fé objetiva, quer dizer, a luz do princípio da confiança, a luz da boa fé objetiva haveria
não a impossibilidade física, mas uma impossibilidade jurídica ao retorno ao status quo ante.
Resposta: para proteger a legitima expectativa do terceiro, quer dizer, o princípio da confiança busca
justamente a proteção da legitima expectativa.
Fazer remissão para o art. 113 que trata de boa fé objetiva, porque o art. 113 prevê a boa fé objetiva
como um ??? de interpretação, a boa fá objetiva dentro da função de interpretação. A gente vai lembrar
que a boa fé objetiva vai gerar essa impossibilidade jurídica de retorno ao status quo ante.
Olha só o paralelo que não podemos deixar de fazer: a simulação é causa de nulidade absoluta, o que a
doutrina antes do código atual dizia? Se a nulidade atinge interesse público a nulidade, afirmavam os
autores, também atingiriam terceiros de boa fé. Só que na perspectiva atual, a proteção a terceiros de
boa fé também passa a ser matéria de ordem pública, porque a proteção a terceiros de fé decorre do
princípio da boa fé objetiva, princípio da confiança.
Vejam o que fez o art. 167,§2º. O art. 167 trata da simulação, nulidade absoluta e aí o §2º diz:
ressalvam-se os direitos de terceiros de boa fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado. O
art. 167, §2º está dizendo que o reconhecimento da nulidade absoluta decorrente da simulação não
atinge terceiros de boa fé, porque a proteção a terceiros de boa fé notadamente passa a ser também
matéria de ordem pública.
Então, se fizermos a remissão do art. 182 para o art. 113 e para o art. 167,§2º, acho que fica mais fácil
de lembrarmos disso.
Vamos dar uma olhada no art. 184 que trata da chamada redução, é o instituto da redução no negócio
jurídico.
Tem um brocardo conhecido na doutrina que diz que o art. 174... A idéia dessa expressão que está no
quadro, basicamente diz o que? Que a invalidade de parte do negócio não necessariamente contamina
a sua totalidade.
O que o art. 184 grosseiramente diz é o que? Se o contrato tem 50 cláusulas e uma delas é nula, a
nulidade de uma cláusula não necessariamente vai invalidar todo o contrato. Diz o art. 184: respeitada a
intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não prejudicará na parte válida, se esta
for separável.
Qual a diferença da redução para conversão do ato nulo? Na redução há uma mera limitação
interpretativa sem que haja modificação na qualificação jurídica. Na redução o contrato vai se reduzir as
demais cláusulas válidas, mas a natureza jurídica do negócio permanece a mesma.
Para que caiba a redução é preciso que essa invalidade parcial não atinja a causa do negócio jurídico.
Quer dizer, vamos imaginar que haja um contrato pelo qual alguém se comprometa a construir um
parque industrial e essa construção tem uma cláusula dizendo que vai se dar com material importado.
Vamos supor que haja vedação a importação de tais materiais. Apenas uma das cláusulas é inválida,
mas a invalidade dessa cláusula acaba atingindo a própria causa do negócio jurídico e aí obviamente
não será possível a redução. Quer dizer, a invalidade deve envolver uma cláusula que não seja
substancial, determinante.
Então, por exemplo, se os juros moratórios convencionais forem nulos, a nulidade da cláusula dos juros
moratórios não contaminará o todo, porque essa invalidade não atinge a causa do negócio jurídico.
Prescrição e Decadência
A principal diferença essencial aí decorre daquela distinção clássica entre direito subjetivo e direito
potestativo, ou seja, a prescrição está atrelada ao direito subjetivo e a decadência ao direito potestativo.
Lembrando mais uma vez que ao direito subjetivo corresponde um direito jurídico e ao direito potestativo
corresponde um estado de sujeição.
Lembrando que já vimos em aulas anteriores que numa perspectiva contemporânea apesar da idéia de
que ao direito potestativo corresponde um estado de sujeição, mesmo os direitos potestativos devem ser
exercidos em harmonia com os valores do sistema. Nós vimos que é plenamente admissível no contexto
atual que tenhamos abuso de direito potestativo.
Aí é preciso analisar a questão sempre a luz do caso concreto, vamos a questão típica de prova oral:
vamos supor que tenhamos uma obrigação alternativa que as partes tenham atribuído a concentração
ao credor, quer dizer, o devedor se compromete a entregar o carro ou a jóia e as partes estipulam
contratualmente que a escolha compete ao credor.
Percebam que a natureza jurídica do direito de escolha do credor é de direito potestativo e, portanto se
há um prazo para exercício dessa escolha por parte do credor, esse prazo terá natureza decadencial.
Uma vez exercida a escolha dentro do prazo decadencial, quer dizer, uma vez que o credor opte pela
entrega do carro ou da jóia vai surgir para o credor um direito subjetivo e o prazo para o exercício dessa
pretensão por ele optada vai ter natureza prescricional. Então, na verdade nós temos na mesma
circunstância prazo decadencial e prazo prescricional.
Vamos começar a tratar especificamente da prescrição e o art. 189 do código civil já enfrenta uma
questão importante que é aquela concernente a natureza jurídica da prescrição. Há três posições
clássicas aqui sobre o tema.
Uma 1ª corrente defendia que a prescrição geraria a perda da ação. Essa corrente caiu por terra por
conta da teoria abstrata. O direito de ação é abstrato, então ainda que o sujeito exerça uma pretensão
prescrita em juízo ele exerceu o direito de ação, então repudiada pela teoria abstrata.
A 2ª corrente no sentido de que a prescrição não geraria a perda do direito, só que vejam se a
prescrição gerasse a perda do direito, o pagamento da dívida prescrita seria um pagamento indevido e
uma das características do pagamento indevido é a repetibilidade e o art. 882, muito lembrado em
provas objetivas, diz lá: não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita ou cumprir
obrigação judicialmente inexigível.
Quer dizer, o art. 882 por completo afasta a possibilidade de repetição do pagamento de dívida prescrita
e vamos nos lembrar que esse tipo de dívida é um dos exemplos clássicos de obrigação natural onde há
o débito, mas não há a responsabilidade, quer dizer o pagamento de divida prescrita é um pagamento
devido, apenas não é exigível.
A 3ª corrente foi explicitamente adotada pelo código e está lá no art. 189: a prescrição como geradora
da perda da pretensão. Caiu na 1ª fase da prova da Defensoria, uma das questões objetivas era essa
afirmativa de que na sistemática atual o código se posicionou pela prescrição como causa geradora da
perda da pretensão, art. 189.
Quem quiser fazer um esquema introdutório, antes de desenvolvermos o tema, pode fazer assim.
Síntese da sistemática da pretensão:
Direito subjetivo – dever jurídico – lesão – pretensão – prescrição, quer dizer, a um direito subjetivo
corresponde um dever jurídico e se há lesão ao direito subjetivo, o descumprimento do dever jurídico faz
surgir uma pretensão que tem que ser exercida dentro de prazos prescricionais.
O art. 189 acabou resolvendo uma questão antiga, que na verdade não tem muito efeito prático, de que
a pretensão ela nasce do descumprimento do dever jurídico. O art. 189 diz lá: violado o direito nasce
para o titular a pretensão, quer dizer, a pretensão resulta da violação do dever jurídico.
Essa idéia de que a pretensão resulta do descumprimento do dever jurídico consta do Enunciado 14 do
Conselho da Justiça Federal. Daí porque alguns afirmam de maneira precipitada que a diferença entre
prescrição e decadência decorreria do fato de que o prazo prescricional se inicia a partir da lesão ao
direito ao passo que o prazo decadencial não se iniciaria a partir da lesão.
Não está errado afirmar isso, mas na verdade essa não é a diferença em essência entre os institutos,
essa é uma diferença que decorre da própria distinção entre direito subjetivo e direito potestativo.
Como o direito potestativo não gera um dever jurídico correspondente, na verdade não há lesão ao
direito potestativo, quer dizer, nasce o direito potestativo com prazo a ser exercido.
Regra que gerou muita discussão é a do art. 190 que diz que a exceção prescreve no mesmo prazo em
que a pretensão. É incontroverso que essa expressão “exceção” contida no art. 190 diz respeito à
exceção em sentido amplo, ou seja, todo meio de defesa.
As exceções em sentido amplo que se diferem das exceções em sentido estrito que são aquelas do
CPC: impedimento, suspeição e incompetência relativa.
Causou muita estranheza esse dispositivo, pelo seguinte: o código está dizendo que a tese defensiva
prescreve no mesmo prazo da pretensão, só que a prescrição, ela pressupõe inércia que na verdade se
o sujeito não é instado, se ele não é provocado, ele não se encontra inerte por não deduzir uma
determinada tese defensiva.
Quando surgiu o código, houve quem defendesse que teria havido uma falha na redação do art. 190,
alguns autores chegavam a afirmar que quando o art. 190 fala em exceção muitos diziam: entenda-se
execução. Muitos diziam que na verdade o código tinha pretensão de ressaltar que a execução
prescreveria no mesmo prazo em que a pretensão, porque a idéia da exceção prescrever junto com a
pretensão não faria sentido.
Diga-se de passagem, essa afirmação de que a execução prescreve no mesmo prazo em que a
pretensão consta da Súmula 150 do STF.
Só que hoje o entendimento que desponta como consolidado, apesar dos manuais em geral não
fazerem nenhuma observação mais profunda aqui, mas em geral o que se afirma é que para fins do art.
190 é preciso diferenciar a exceção propriamente dita que é sinônimo de exceção independente, que é
sinônimo de exceção autônoma. Então, é preciso diferenciar a exceção propriamente dita das
chamadas exceções impróprias, sinônimo de exceção dependente que é sinônimo de exceção não
autônoma.
A diferença basicamente é a seguinte: a exceção propriamente dita é aquela apenas suscetível de
alegação como matéria de defesa, ao passo que a exceção imprópria corresponde a tese defensiva
embasada em pretensão que poderia e deveria ter sido alegada por ação autônoma.
Exemplo: vamos supor que o A deva ao B e o B deva ao A. O crédito do A venceu ontem e o crédito do
B venceu há 25 anos. Se o A cobra do B, em tese o B alegaria compensação (tese defensiva).
Mas vejam que a compensação, uma tese defensiva, que se embasa numa pretensão que deveria ter
sido argüida através da ação autônoma, quer dizer, a compensação resulta de um direito de crédito que
o B tem em relação ao A. Se a pretensão que o B tem em relação ao A está prescrita, também
prescreve a tese defensiva compensação.
Tem outro exemplo, bem antigo, e quem traz é o Savigny que defende aquela teoria subjetiva da posse
que diz: no nosso código atual, a grosso modo, o art. 445 prevê lá prazos para que as partes possam
suscitar vício redibitório, 30 dias para móvel e 1 ano para imóvel com algumas peculiaridades que
veremos mais adiante.
Vamos supor que o sujeito venha a adquirir um bem com vício redibitório e deixa transcorrer em ??? o
prazo previsto para provocação dos vícios redibitórios. Posteriormente, ultrapassado esse prazo, o
alienante ingressa em juízo, exigindo cumprimento de prestações inadimplidas pelo adquirente.
Em tese, como matéria de defesa a essa pretensão autoral, o adquirente poderia alegar vício redibitório
inclusive alegando um abatimento proporcional. Só que, se o sujeito foi omisso em suscitar a tese vicio
redibitório dentro do prazo previsto em lei, a exceção também será atingida pela decadência no caso
que o art. 445 ele prevê prazos decadências.
Na verdade, ultrapassado o prazo de uma determinada pretensão que embasa uma exceção, propicia
também a prescrição daí correspondente, ou seja, o art. 190 quando fala em exceção se dirige a
chamadas exceções impróprias.
Pergunta.
Resposta: mas aqui a ação autônoma não é no sentido de que ele teria que propor uma ação, aqui o
enfoque do art. 190 é diferente. Na verdade, a compensação seria uma exceção imprópria por quê?
Porque ela resulta de uma pretensão.
Resposta: mas a pretensão autônoma no sentido de que na verdade o crédito do B em relação ao A, ele
deveria ter sido exigido através de ação autônoma. Aqui não se está discutindo o aspecto processual
específico, o modus operandi em relação à compensação, mas especificamente o fato que a
compensação decorre de um crédito autônomo que o B tem em relação ao A que ele deveria enfim ter
provocado dentro do prazo previsto em lei.
Resposta: isso, na verdade o art. 190 do código civil, ele não se aplicaria a essas exceções
propriamente ditas, por quê? Porque o que pode prescrever ou não é a pretensão do autor, mas
enquanto ele não exerce a pretensão, não há inércia pela outra parte por não suscitar aquela tese que é
eminentemente defensiva.
Por exemplo, coisa julgada, ninguém vai alegar coisa julgada se não for devidamente provocado, então
na verdade o art. 190 se aplicaria apenas a essas exceções impróprias que, aliás, nesse caso seria
possível se cogitar de inércia por parte daquele que deixou de exercer a pretensão que embarga a tese
defensiva.
Bom, o art. 191 do código civil admite a renuncia da prescrição, porque na verdade o art. 191 estabelece
são dois requisitos: 1º requisito – é que o prazo prescricional esteja consumado, quer dizer, o legislador
não admite a chamada renúncia antecipada da prescrição.
Vimos na aula passada, quando tratamos da conversão do ato nulo, que essa renúncia antecipada pode
ser convertida como uma causa da prescrição (art. 202, VI) que é quando o devedor reconhece o direito
do credor.
O Pontes de Miranda é que fazia uma ressalva a esse exemplo e dizia “sem dúvida a renuncia
antecipada pode ser convertida por essa causa interruptiva, salvo se o devedor está renunciando a
prescrição com o intuito inequívoco de sustentar a improcedência do pedido”. Quer dizer, pode ser que
o devedor esteja renunciando não com o objetivo de cumprir o pactuado, é possível que o devedor
renuncie porque ele quer ver aquela pretensão, aquele pedido julgado improcedente.
É claro que nesse caso não dá para falar na conversão porque a conversão pressupõe que o devedor
esteja reconhecendo o direito do credor. Ressalvada essa hipótese excepcional, seria admissível a
conversão para o art. 202, VI.
Não é preciso decorar isso, qual é o objetivo do art. 192 ao vedar a renuncia antecipada? É prestigiar a
livre manifestação de vontade. Imagine se é admissível a renuncia antecipada no contexto das relações
contratuais contemporâneas em que a regra é dos contratos de adesão. Quer dizer, a regra seria
sempre a da renuncia antecipada e com isso a paz social tão almejada pela prescrição não seria
atingida. Além disso, o art. 191 diz que essa renuncia da prescrição não pode prejudicar terceiro.
O exemplo lembrado é o da fraude contra credores. Vamos supor que eu tenha um débito prescrito para
com ela e tenho três credores, renuncio a prescrição, cumpro a dívida prescrita e com essa renúncia,
com esse cumprimento da dívida prescrita me conduzo ao estado de insolvência, é claro que renuncia a
prescrição acaba prejudicando terceiro.
Outro exemplo: imagine que tenhamos aqui um regime de solidariedade passiva por força de lei ou de
contrato. Vamos supor que a pretensão do credor já esteja fulminada pela prescrição e aí o credor bate
na porta de D1 e o D1 renuncia a prescrição e cumpre a integralidade do débito.
Em regra, o D1 quando cumpre tudo tem relação interna com os demais devedores, mas neste caso ele
não poderá exigir do D2 e D3 as suas partes porque a renuncia praticada pelo D1 não tem o condão de
prejudicar terceiros.
A renúncia da prescrição pressupõe não apenas capacidade, mas também disponibilidade sobre o
direito envolvido. Então, além da capacidade é preciso que tenha disponibilidade.
Isso pode ter reflexo práticos, por exemplo, no caso do tutor e do curador que não tem disponibilidade
sobre os interesses do tutelado e do curatelado e, portanto ele não pode renunciar a prescrição, seria
uma renuncia gratuita.
Todos devem saber que com a lei 11280/06 houve a revogação do art. 194 do código civil e a alteração
do art. 219,§5º do CPC e como conseqüência o juiz deve reconhecer de ofício a prescrição. Quando
entrou em vigor a lei, muitos começaram a sustentar que a lei 11280, ao impor o reconhecimento de
ofício da prescrição, teria revogado tacitamente o art. 191 do código civil, porque, para muitos, se o Juiz
deve reconhecer de ofício, a matéria seria de ordem pública e em sendo de ordem pública,
irrenunciável. Quer dizer, haveria uma incompatibilidade entre a lógica do reconhecimento de ofício e o
cabimento de renúncia, porque a renúncia pressupõe disponibilidade.
Hoje já podemos dizer que o entendimento consolidado é no sentido de que não houve revogação
tácita, nesse sentido Enunciado 295 do Conselho. E aí mesmo surge aqui um problema, porque é
preciso compatibilizar o reconhecimento de ofício com a admissibilidade de renúncia.
Vem ganhando cada vez mais espaço uma posição que é defendida pelo Arruda Alvim que, visando
compatibilizar os institutos, defende que o Juiz não pode reconhecer de ofício a prescrição antes de
transcorrido o prazo para a resposta do réu.
É curioso porque o Arruda Alvim é um processualista e o próprio art. 295 do CTPC traz como uma das
hipóteses de indeferimento da inicial, a prescrição. E o próprio Arruda Alvim diz que na verdade o art.
295 do CPC tem que se interpretado em conjunto com o direito material e, numa interpretação conjunta,
se cabe renuncia, o Juiz não pode reconhecer de ofício antes de ouvir o réu, por que? Para oportunizar
ao réu a possibilidade de renunciar à prescrição. Se o Juiz pudesse reconhecer de ofício sem ouvir o
réu, na prática o reconhecimento de ofício, estaria aniquilando a renuncia da prescrição.
Dentro desse contexto, o que se afirma é que não mais se admitiria aquela renuncia tácita em juízo, a
renúncia tem que ser expressa. Quer dizer, se o réu oferece resposta e se omite aí sim o Juiz pode
reconhecer de ofício a prescrição.
Quem for fazer prova para a advocacia pública tem uma observação importante: o Leonardo Matieto
acrescenta uma ponderação a essa afirmativa do Arruda Alvim e diz o seguinte: o Juiz, sem dúvida
alguma, não deve reconhecer de ofício antes de ouvir o réu, salvo se o réu é a Fazenda Pública. Se o
réu for Fazenda Pública, o Juiz pode decretar de ofício sem ouvir a fazenda, porque o advogado público
não pode renunciar da prescrição.
Pensando numa prova de MP, o que se pode colocar? Se o réu for absolutamente incapaz a mesma
lógica, quer dizer, na verdade sempre que o interesse envolvido no pólo passivo for indisponível, o Juiz
pode reconhecer de ofício antes mesmo de ouvir o réu.
Resposta: para uma prova de advocacia pública não, agora, fora do âmbito talvez seja sustentável se
usado por analogia principalmente em âmbito federal, os valores são altos para dispensa, é sustentável
no plano acadêmico. Para concurso acho que é precipitado defender a tese.
Mas a questão também é delicada porque ali pressupõe transito em julgado, já é um reconhecimento da
existência da dívida, é diferente aqui da hipótese da prescrição, quer dizer, seria um aniquilamento total.
Nós temos várias criticas a essa operação, principalmente por alguns processualistas porque alguns
criticam veementemente que no furor de criar agilidade ao processo por conta da Lei 11280, o legislador
acabou desprestigiando toda a sistemática da prescrição envolvendo o direito material.
Por exemplo, justificar o reconhecimento de ofício da decadência legal, por quê? Porque a decadência
gera a perda do direito. A prescrição não gera a perda do direito, ela gera a perda da pretensão e
justamente por não gerar a perda do direito e sim da pretensão é que o legislador admite renúncia. O
legislador ressaltou no art. 193 que a parte pode alegar em qualquer grau de jurisdição, se houvesse a
perda do direito a regra seria desnecessária.
Por isso que o art. 882 diz que o pagamento de divida prescrita é irrepetível, porque na verdade a
prescrição não gera o aniquilamento do direito em si, mas apenas da pretensão.
O Barbosa Moreira tem uma frase curiosa sobre isso que diz o seguinte: na verdade, a prescrição ela
não retira a arma do credor, a prescrição ela concede um escudo ao devedor para que ele venha a se
valer desse escudo caso em que ele pretenda se valer do escudo. Quer dizer, pela sistemática geral a
reforma vem em desarmonia, em descompasso com toda a sistemática geral da prescrição.
Tem outro detalhe de ordem até prática: o Juiz com a inicial, ele não tem elementos suficientes para
afirmar que houve prescrição, porque a prescrição ela admite causa de impedimento, de suspensão e
de interrupção. Com a simples inicial o Juiz nem sempre tem acesso a tais informações em relação a
esses fatos preclusivos.
Então, seria indispensável um contraditório mínimo entre as partes para que o Juiz pudesse
efetivamente até reconhecer se houve ou não prescrição diante da ausência de causa de impedimento,
suspensão e interrupção.
Diante dessa lógica de reconhecimento de ofício da prescrição, perdeu um pouco da graça o art. 193
que é aquele que diz que a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição. Perdeu a graça
se o juiz deve reconhecer de ofício, claro, a matéria pode ser suscitada em qualquer grau de jurisdição.
Sem dúvida o art. 193 é uma exceção ao princípio da concentração ou da eventualidade do processo
civil, só há um limite para a aplicação do art. 193 que é a necessidade de pré-questionamento. Quer
dizer, o limite de aplicação do art. 193 é a necessidade de pré-questionamento para a interposição de
recurso extraordinário, especial ou no recurso de revista no processo do trabalho.
Só que a lei 11280 trouxe um reflexo para o âmbito processual com essa questão, vamos pensar antes
e depois da lei.
Vamos pensar antes da lei: vamos supor que o autor ingresse em juízo exercendo uma pretensão
prescrita, o réu se defende por outros argumentos que não a prescrição, o juiz iria lá e acolheria a
pretensão autoral, o réu apela insistindo nos fundamentos originários sem suscitar a prescrição, tribunal
confirma a sentença e aí o advogado vê que cochilou, deveria ter alegado a prescrição e não alegou.
Bom, é preciso prequestionar a matéria para recurso extraordinário, recurso de revista, para
prequestionar se propõe embargo de declaração, vamos pensar antes e depois da lei.
Para haver embargo de declaração o julgado tem que ser omisso, obscuro ou contraditório. Antes da lei
aquele julgado não era omisso, nem obscuro e nem contraditório. Com a superveniência da lei 11280,
ainda que não alegada a prescrição, o julgado era omisso porque o Juiz no tribunal tinha que
reconhecer de oficio. Com a nova sistemática inaugurada pela lei 11280 o reflexo processual mais
importante é o cabimento de embargo declaratório para fins de pré-questionamento.
Tem outra questão que resulta do art. 193 porque ele diz que a prescrição pode ser alegada em
qualquer grau de jurisdição.
Vejam, o art. 193 não autoriza de maneira alguma que na execução a parte venha a suscitar prescrição
não suscitada na fase de conhecimento. O próprio CPC traz 2 artigos que evidenciam isso. São os
artigos 741, VI e 475L, VI que prevê que a parte na execução, nos embargos ou na impugnação pode
alegar prescrição decorrente de circunstancias posteriores a coisa julgada.
O que esses dispositivos ressaltam é o seguinte: nós temos uma prescrição envolvendo a pretensão
cognitiva e, uma vez exaurida a fase a fase cognitiva, se inicia a prescrição da pretensão executória. E
aí é importante registrar nesse contexto tem inclusive a Súmula 150 do STF que vimos que o prazo da
pretensão executória é o mesmo prazo da fase cognitiva e registrar que na verdade surge um novo
prazo de prescrição.
Nós não estamos aqui diante de uma causa preclusiva, de uma interrupção do prazo prescricional
anterior. Surge um novo prazo prescricional, a importância prática disso hoje nós veremos já que o art.
202 caput do código atual diz que agora a prescrição só pode ser interrompida uma vez.
Só que o sujeito pode interromper uma na fase cognitiva e pode interromper outra na fase executiva,
porque na verdade surge um novo prazo prescricional suscetível inclusive de interrupção, em que pese
ter se operado interrupção na fase cognitiva. Porque na verdade não estamos diante de um
prolongamento ou de uma interrupção do prazo prescricional anterior, surge um novo prazo suscetível
de interrupção inclusive.
Resposta: me parece que sim, porque na verdade a prescrição os próprios processualistas hoje vem
reconhecendo... Na verdade toda a sistemática da prescrição ela tem que ser entendida sob enfoque do
direito material.
Na verdade sob o enfoque do direito material, quer dizer, o sujeito tem uma pretensão para ingressar
em juízo e obter o titulo, obtido o titulo, surge a pretensão de fazer valer aquilo que havia sido ???, em
que pese toda a simplificação das reformas processuais recentes.... Até hoje não vi nenhum
processualista defendendo posição distinta.
Pergunta.
Resposta: é e não é, porque cabe renúncia.
Resposta: há quem defenda o cabimento de rescisória porque na verdade se a parte não alegou,
inclusive vamos conjugar com isso que acabamos de mencionar aqui. O Juiz agora deve reconhecer de
ofício, a parte não pode ressuscitar na execução aquilo que não alegou na fase cognitiva.
Na verdade, a via adequada com a instauração da lei 11280 é a ação rescisória, descabida
anteriormente e com essa lei se há um julgado que não reconheça essa prescrição, em que pese não
alegar nada, aquele julgado viola dispositivo de lei. Então, na verdade a via adequada não seria
alegação através dos embargos ou através da impugnação, a via adequada seria a rescisória.
Pergunta.
Resposta: me parece, se a questão não comportar qualquer dilação probatória, quer dizer, a gente entra
com aquele regime geral da exceção de pré-executividade. Em alguma circunstancia a prescrição acaba
envolvendo matéria fática, então na verdade se incontroversos os fatos, em tese é admissível, me
parece que sim. Agora, se houver espaço para alguma discussão de cunho probatório, ai me parece
que a questão acaba fugindo ao âmbito da exceção de preexecutividade.
Resposta: isso, só que com cuidado daquela crítica trazida pelos próprios processualistas, na verdade
cabe sim reconhecimento de ofício, mas seria no mínimo salutar que houvesse um contraditório mínimo
a respeito do conhecimento da prescrição até porque nós podemos ter aspectos fáticos que tenham
propiciado impedimento, suspensão e interrupção do prazo prescricional. Quer dizer, acho que vai
depender um pouco da visão que vamos ter acerca do tema. Se prestigiarmos, como fez o legislador, a
idéia do tema de economia processual, talvez o reconhecimento de ofício não seja tão simples assim
como quis o legislador.
Resposta: isso, o que eu particularmente não vi nenhum processualista até hoje defender o contrário.
Ainda que no cumprimento de sentença não haja formação de um processo executivo autônomo, quer
dizer, daquele título surgiria uma pretensão e aquela pretensão embasada no título se sujeitaria a um
novo prazo. Que é o mesmo prazo inicialmente instaurado, tanto é que o próprio dispositivo do
cumprimento de sentença, o próprio art. 475L no cumprimento de sentença faz alusão a prescrição
como ocorrida após o transito em julgado.
Resposta: na verdade, não seria uma própria interrupção, seria o surgimento de um novo prazo com
aquela diferença prática de que insurgindo um novo prazo é cabível uma outra causa interruptiva. Quer
dizer, se entendermos que houve uma mera interrupção não mais caberia a interrupção por força do art.
202, na verdade seria um novo prazo prescricional.
Vamos dar uma olhada agora... Sugere uma série de reflexos até de ordem processual que na verdade
acaba não se esgotando, querem ver uma discussão que tem de surgir no âmbito processual? É o art.
22 do CPC que fala daquela história em que o réu não alega uma determinada tese defensiva, alega
posteriormente e com essa alegação ele acaba aniquilando a pretensão do autor. O dispositivo diz o
que? Que a pretensão do autor não vai ser acolhida, mas pelo retardamento causado do julgamento da
lide ele vai ter que pagar as custas, a questão dos honorários, não vai ter direito a honorários, uma série
de conseqüências.
Esse dispositivo, se não me engano, fala em fato impeditivo, modificativo e extintivo do direito do autor e
dentro dessa lógica, fato impeditivo, modificativo ou extintivo, a prescrição sempre caiu como uma luva,
até porque a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição. Então, tradicionalmente
sempre se afirmou o seguinte: se o sujeito não alegou prescrição da contestação e alega depois, na
verdade aplicáveis os efeitos do art. 22 do CPC.
Com a sistemática da lei 11280 é no mínimo duvidosa a aplicabilidade do art. 22 do CPC porque na
verdade a não alegação em tese não deve gerar um retardamento do julgamento da lide.
O art. 195 do código civil trata da seguinte questão: os relativamente incapazes eles atuam no cenário
jurídico através dos respectivos assistentes e a pessoa jurídica através dos respectivos representantes
legais.
É possível que a inércia, a desídia do assistente venha a dar origem a uma prescrição envolvendo uma
pretensão do relativamente incapaz, o mesmo acontecendo em relação ao representante legal da
pessoa jurídica.
O que o art. 195 prevê, basicamente, é a responsabilidade civil, ele basicamente diz que se o
relativamente incapaz for omisso e não alegar, por exemplo, a prescrição, quando oportunamente, quer
dizer, a prescrição vai atingir o interesse do relativamente incapaz e ele terá pretensão ressarcitória.
Quer dizer, se o assistente for desidioso, não exercer a pretensão dentro do prazo prescricional e o
incapaz perde a pretensão, ele terá uma ação regressiva. O mesmo acontecendo em relação à pessoa
jurídica, diz o art. 195: os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus
assistentes ou representantes legais que derem causa a prescrição ou não a alegarem oportunamente.
Dá para perceber que é no mínimo duvidosa a aplicação da parte final em relação a não alegação em
juízo por força da lei 11.280 porque na verdade ainda que não alegado o Juiz deve reconhecer de ofício.
Esse artigo cai muito em prova objetiva de 1ª fase e qual é a pegadinha que o examinador joga? O art.
195 fala em relativamente incapaz, ele troca a redação do art. 195 e joga absolutamente incapaz. Ele
diz “que o absolutamente incapaz tem pretensão ressarcitória em face do representante que não
exercer a pretensão no prazo adequado”.
Se o examinador troca a expressão relativamente por absolutamente fica falso e por quê? Porque não
pode haver prescrição contra absolutamente incapaz. Sugiro sempre aí uma remissão recíproca entre o
art. 195 e o art. 198, I que é o artigo que prevê que não corre prescrição contra absolutamente incapaz.
Quer dizer, percebendo uma visão sistemática do código, em sede de prescrição tanto o relativamente
quanto o absolutamente incapaz, foram objeto de proteção específica, só que como o absolutamente
incapaz é totalmente desprovido de discernimento a proteção do código foi ainda mais incisiva do que
aquela dirigida aos relativamente incapazes.
Muito cuidado com uma posição minoritária defendida pelo Gustavo Tepedino, que é peculiar, que diz o
seguinte: o art. 195 ele prevê tanto a responsabilidade civil do assistente do relativamente incapaz
quanto do representante legal da pessoa jurídica.
Só que o art. 195 não trouxe nenhuma referencia quanto ao regime da responsabilidade de um e de
outro, o art. 195 podemos dizer que equiparou a responsabilidade civil dos dois e o Tepedino repudia
essa unicidade de sistema de responsabilidade civil aqui.
Para o Tepedino, se espera o caráter profissional do representante da pessoa jurídica, quer dizer, a
responsabilidade jurídica do representante legal da pessoa jurídica, ela deve se submeter a um regime
mais gravoso do que a do assistente do incapaz porque afinal de contas o representante legal da
pessoa jurídica é o profissional em relação ao qual se exige maior experiência , maior diligência e, com
base nisso, o Tepedino defende que a responsabilidade civil do representante legal da pessoa jurídica
seria objetiva.
Tepedino defende a responsabilidade civil de representante legal da pessoa jurídica, com base no art.
927,§único do código civil, que é aquele art. que prevê a teoria do risco, sempre quando há
desenvolvimento de uma atividade de risco responsabilidade objetiva. Nós veremos que o Tepedino tem
uma interpretação bastante elástica desse dispositivo, ao passo que a responsabilidade do assistente
do incapaz seria subjetiva. Quer dizer, do assistente não se espera necessariamente um caráter
profissional, a mesma experiência, a mesma malícia que o representante legal da pessoa jurídica.
O art. 196 trata da chamada ???, basta a gente lembrar a definição de sucessão que vai ser muito útil
para nós lá no direito das obrigações.
Vamos lembrar da definição de sucessão: ela representa a mutação subjetiva em um dos pólos da
relação jurídica a qual se mantém a mesma em relação aos demais elementos. Ou seja, na relação
obrigacional muda o credor ou o devedor, mas a relação jurídica permanece a mesma. Exemplos:
cessão de crédito, assunção de dívida, a sub-rogação, todos os institutos que geram sucessão.
Então, qual o efeito prático de sabermos se há sucessão ou não? Vamos imaginar a cessão de crédito:
muda o credor, sai o cedente, entra o cessionário, mas relação jurídica permanece a mesma. Como
conseqüência, o que acontece com as garantias que antes incidiam sobre a relação? Elas subsistem
porque a relação ela só se dá apenas no pólo ativo, mas a relação jurídica permanece a mesma.
O que acontece com os juros que antes fluíam em face do credor originário? Vão continuar a fluir em
favor do cessionário e o que acontece com o prazo prescricional? A mesma coisa, a prescrição iniciada
contra o credor originário vai continuar fluir naturalmente em face do novo credor. É isso que diz o art.
196.
Então, é claro que a premissa para a aplicação do art. 196 é que haja sucessão, ou seja, ele se aplica
para a cessão de crédito, mas não se aplica para novação subjetiva ativa. Porque se houver novação
subjetiva ativa além de mudar o credor vai surgir uma nova relação jurídica e, portanto nós não
estaremos diante de uma hipótese de sucessão, o prazo prescricional vai começar do zero.
Outro cuidado aqui é que a prescrição iniciada contra o antecessor continua a fluir em face do sucessor
salvo se em relação ao sucessor houver causa de impedimento ou suspensão do prazo prescricional.
Quer dizer, se o sucessor for um ausente do País a serviço da União, é claro que haverá uma causa de
suspensão do prazo prescricional.
Uma questão freqüente em concurso... Outro detalhe antes de colocar a questão, se tem cessão de
crédito, por exemplo, em relação ao cessionário, nós deixamos de ter uma causa impeditiva ou
suspensiva que corria em face do cedente, os efeitos da mudança no pólo da relação obrigacional em
relação ao art. 196 são sempre ex nunc, ou seja, os efeitos são sempre ex nunc. Quer dizer, se o
cedente estava ausente do País, o cessionário estava no território nacional sobre ele não pesa
nenhuma causa impeditiva suspensiva, o prazo vai começar a fluir dali.
Quer dizer, se havia fluido 2 anos, o cedente saiu do território nacional e passamos a ter um cessionário,
aquele prazo anterior é levado em conta e a partir dali continua a fluir o prazo prescricional. Só tomar
cuidado porque os efeitos são sempre ex nunc.
Questão: vamos imaginar aqui credor e devedor, vamos chutar um prazo prescricional de 5 anos e aí 4
anos e 11 meses o credor falece e por força da teoria da saisine ele transfere imediatamente o direito de
crédito aos herdeiros.
Na prova, o examinador costuma colocar que o H1 tem 12 anos de idade, o H2 e H3 são maiores,
sabemos que não corre prescrição sobre absolutamente incapaz, a dúvida é se a causa suspensiva da
prescrição sobre H1, beneficia ou não H2 e H3.
O entendimento a cerca do tema envolve a aplicação por analogia do art. 201 parte final: suspensa a
prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for
indivisível. A herança não é uma universalidade de direitos, não é indivisível? Aplicando o art. 201, parte
final por analogia, a suspensão em favor de H1 teria o condão de beneficiar H2 e H3.
E aí quando o prazo volta a fluir? Se não houver partilha antes para H2 e H3, o prazo volta a fluir
quando H1 fizer 16 anos. Mas cuidado com essa armadilha, porque se não pensarmos bem tendemos a
falar 18 anos. Mas na verdade não corre prescrição contra absolutamente incapaz, mas flui contra
relativamente incapaz, então se não houver partilha antes para H2 e H3 o prazo vai fluir quando H1 fizer
16 anos.
Questão simples que caiu na prova da Defensoria, não havia esse dispositivo no código anterior, é o art.
192 do código civil. Dentro desse ambiente em que a prescrição seria matéria de ordem pública, o art.
192 do código passa a dizer que os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das
partes.
O código anterior era omisso a respeito do tema e boa parte da jurisprudência admitia a redução
convencional do prazo prescricional, não se admitia a majoração porque ela iria contra a idéia de paz
social que é a idéia primordial da prescrição. A redução convencional, a jurisprudência admitia em termo
que ela quase que se equivaleria a uma renuncia parcial, muitos admitiam uma redução convencional do
prazo prescricional. Na sistemática atual, o art. 192 proíbe qualquer modificação nos prazos de
prescrição, na prova lá objetiva caiu essa afirmativa do art. 192 que estava certa.
Vamos começar a ver as causas de impedimento, suspensão e interrupção da prescrição que são
chamados fatos preclusivos da prescrição.
Resposta: isso não cabe nem redução e nem majoração.
No impedimento, o prazo prescricional sequer tem início. Na suspensão, o prazo se inicia, se suspende
e quando retorna leva-se em conta o período anteriormente transcorrido. Na interrupção, o prazo se
inicia, se interrompe e quando retorna volta do zero, ou seja, não se leva em conta o período anterior.
As causas de impedimento e de suspensão estão disciplinadas nos artigos 197 a 201 e a bem da
verdade as causas de impedimento e de suspensão são as mesmas.
Por exemplo: o art. 197, I diz que não corre prescrição entre cônjuges na constância da sociedade
conjugal. Então, se a dívida é contraída quando casados a pendência do casamento vai ser uma causa
de impedimento, o prazo não vai sequer começar. Se eles são solteiros, amigos e surge a dívida, há o
vencimento e posteriormente venha a se casar nós teremos uma causa de suspensão.
Vamos começar a ver os aspectos mais importantes, começando com o art. 197, I que é o diz que não
corre prescrição entre os cônjuges na constância da sociedade conjugal. Sem dúvida que o objetivo do
dispositivo é resguardar a paz familiar.
Levando-se em conta o objetivo do dispositivo, que é resguardar a paz social, hoje o entendimento é
pacifico no sentido de que a regra também se aplica a união estável. Nesse sentido, Enunciado 296 do
Conselho no sentido de que a regra também se aplicaria no caso de união estável. Sugiro a remissão do
art. 197, I para o art. 226, §3º da Constituição combinado com o Enunciado 296.
Quem discorda dessa posição de maneira isolada é o Ricardo Fiuza, que tem uma posição discordante
que na verdade o argumento aqui seria basicamente o fato de como a prescrição busca a paz social, as
causas de impedimento, suspensão e interrupção se submeteriam a um rol taxativo, porque essas
causas estão de algum modo dificultando o atingimento da paz social. Só que claro, numa perspectiva
civil e constitucional, essa visão acabaria não resistindo a aplicabilidade em relação a união estável.
Discussão aqui importante é a seguinte: se a hipótese é de separação judicial, ninguém vai mais
discutir, porque o código agora fala explicitamente em “constância da sociedade conjugal”. A dúvida é se
a hipótese é de separação de fato, quer dizer, será que corre prescrição entre separados de fato?
O 1º entendimento mais cômodo para se defender é no sentido de que quando o art. 197, I fala em
sociedade conjugal, a separação de fato por si só não a romperia, ou seja, numa visão mais positivista a
afirmativa seria no sentido de que não corre prescrição entre separados de fato, na medida em que essa
separação ela não rompe a sociedade conjugal.
Há um segundo entendimento defendido pelo Humberto Theodoro Júnior mencionado pelo Gustavo
Tepedino. O 2º entendimento defende que a separação de fato propicia assim o reinício do prazo e
esses autores defendem a necessidade sistemática entre esse art. 197, I com o art. 1723, §1º parte
final. Esse dispositivo, art. 1723, §1º parte final resumidamente autoriza a união estável para separados
de fato.
Resposta: na verdade é outro argumento de reforço, na verdade o que se argumenta é, o objetivo da
regra é o que? Preservar a paz familiar, se o separado de fato pode constituir uma nova família, não
haveria razão plausível para se prestigiar uma paz familiar que na verdade não mais existe. Quer dizer,
se o próprio legislador autoriza a união estável do separado de fato, haveria uma incongruência em
proteger aqueles separados de fato com a não fluência do prazo prescricional. Claro que a questão
sucessória ela pode sim, o Humberto e Tepedino não chegam a mencionar, mas é um argumento de
reforço aí, vem em harmonia com essa lógica.
Não se esqueçam daquela hipótese de casamento nulo porque se a hipótese é de nulidade, a princípio
há o efeito ex tunc ressalvada a hipótese do casamento putativo, porque em relação ao cônjuge de boa
fé subjetiva os efeitos serão ex nunc. Fazer remissão ao art. 1561.
Aliás, essa hipótese do casamento putativo é uma exceção a toda a sistemática geral, porque se um
dos cônjuges estava de boa fé, em que pese nulo o casamento, os efeitos serão ex nunc, é uma
hipótese em que há nulidade absoluta com efeitos ex nunc, exceção a lógica geral.
O art. 197, II diz que não corre prescrição entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar,
cuidado com a armadilha na prova objetiva “durante o poder familiar”. Quer dizer, se houve
emancipação, por exemplo, cessa o poder familiar, volta a fluir. Se houve adoção e obviamente a
destituição do poder familiar, o prazo volta a fluir da prescrição em relação ao pai biológico e
passaremos a ter uma causa suspensiva em relação ao adotande.
Sabe o que é tormentoso aqui e a doutrina não faz alusão? Vamos supor que o pai tenha uma dívida em
relação ao filho e o pai emancipa voluntariamente o filho, qual seria o efeito da emancipação voluntária
em tese? O início do prazo prescricional, só que isso beneficia o próprio pai que concedeu a
emancipação voluntária.
Lembram da 1ª aula que vimos o Enunciado 41 afirmando que a emancipação voluntária não inibe a
responsabilidade dos pais? Vejam que é no mínimo sustentável raciocínio análogo a essa hipótese, no
mínimo sustentável que a emancipação voluntária não teria o condão de propiciar o início do prazo de
uma dívida do pai para com o filho. É no mínimo sustentável essa afirmativa.
O inciso III prevê que não corre prescrição entre tutelados e curatelados e seus tutores e curadores
durante a tutela ou curatela. O objetivo da regra é proteger a relação entre tutor e tutelado e curador e
curatelado.
O Gustavo Tepedino afirma que é possível aplicar extensivamente o dispositivo a hipótese de guarda, o
dispositivo merece aplicação extensiva a hipótese de guarda. Até porque tal qual a tutela, a guarda é um
dos meios de colocação em família substituta e a mesma lógica que busca prestigiar harmonia entre
tutores e tutelados se justificaria para resguardar a relação entre o guardião e o incapaz.
Quem quiser lembrar dessa posição do Tepedino, pode fazer a remissão do art. 137, III para os artigos
33 a 35 da lei 8069/90, o famoso ECA que são os artigos que tratam da guarda.
Vamos fechar esse primeiro tempo com uma perguntinha de prova oral? O art. 197 que acabamos de
ver diz lá “não corre a prescrição”, o art. 198 artigo, que veremos após o intervalo, diz assim “também
não corre a prescrição”. Por que o legislador não trouxe um artigo só tratando de todas as hipóteses?
Não parece fazer sentido termos dois dispositivos para tratar da mesma questão.
Há uma razão de técnica legislativa, porque vejam bem, no art. 197 que acabamos de tratar, o objetivo
do legislador é proteger relações socialmente importantes. Quer dizer, no inciso I o casamento, o inciso
II o poder familiar e o inciso III a tutela e a curatela.
Qual o efeito prático dessa afirmativa em que o art. 197 busca a proteção da relação? É que a
incidência do art. 197 é bilateral. Porque vejam, quando o código diz que não corre prescrição entre os
cônjuges, o objetivo do art. 197 não é proteger um dos indivíduos em relação ao casamento e sim a
relação em si. Conseqüentemente não corre prescrição entre cônjuges, não corre prescrição entre
ascendentes e descendentes, não corre prescrição entre tutor e tutelado e entre curador e curatelado,
porque o objetivo não é a proteção unilateral e sim a proteção da relação.
Já no art. 198, que passaremos a ver daqui a pouco, não. Nele a regra busca proteger determinada
pessoa. Por exemplo: no inciso I, como nós sabemos, se diz lá que não corre prescrição contra
absolutamente incapaz, mas corre a favor do absolutamente incapaz. O objetivo da regra não é a
proteção da relação e sim a proteção do incapaz especificamente.
Intervalo...
Prosseguindo, vamos começar a análise do art. 198, I. Este artigo prevê que não corre prescrição contra
absolutamente incapaz. Tem uma questão aqui que é importante e é a seguinte dúvida: vamos supor
que a hipótese seja de incapacidade absoluta superveniente, quer dizer, as partes celebram contrato no
estado de capazes, vencida a dívida, a prestação não é cumprida e um dos contratantes se torna
deficiente mental. A dúvida é: se para aplicar o art. 198, I como causa suspensiva da prescrição, é
pressuposto que haja sentença de interdição? A dúvida, portanto é se a sentença de interdição é
pressuposto para aplicação do art. 198, I no caso de incapacidade absoluta superveniente.
Tem duas posições aí e a primeira me parece mais simples de ser defendida que é a do Carvalho
Santos que diz que é pressuposto para a aplicação do art. 198 I, por incapacidade superveniente, que
haja sentença de interdição. Esse argumento parece mais simples por quê? Porque em relação aos
maiores, há uma presunção de capacidade, a incapacidade resulta da sentença. Por isso vimos na
primeira aula que a posição hoje predominante é no sentido de que a sentença não tem natureza
constitutiva. Então, enquanto não houver sentença, o sujeito é capaz e, portanto ele não é beneficiado
pela regra do art. 198, I.
A segunda posição é defendida pelo Câmara que é acompanhada pelo Gustavo Tepedino que diz: olha,
sem dúvida em regra é que com a sentença é que surge o estado jurídico do incapaz, mas percebam o
objetivo da regra é protetiva e é possível que aquele sujeito seja totalmente desprovido de
discernimento e ainda não haja uma sentença por conta da desídia dos familiares ou por conta da
demora na prestação jurisdicional.
Então, entendendo que o deficiente mental não pode ser prejudicado por eventual desídia de seus
familiares ou pela demora da prestação jurisdicional, vários autores afirmam que a sentença não seria
pressuposto a aplicação do art. 1908, I. Agora, para aplicar o art. 198, I é preciso que haja comprovação
de que na época do ato, o sujeito já padecia da ausência de discernimento, em se comprovando...
Percebam, seria uma espécie de efeitos retroativos da sentença de interdição, para fins de suspensão
ou impedimento do prazo prescricional.
Eu fiz uma pesquisa no STJ e achei um julgado em favor dessa segunda tese: RESP 550615 e para a
primeira tese, um julgado mais antigo Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, ROMS 20512,
STJ.
O sujeito tinha prazo de 120 dias para impetrar mandado de segurança, enfim não se valeu do prazo em
que pese a interdição ter sido pronunciada posteriormente, o STJ entendeu que não caberia impetração
do mandado de segurança porque escoado o prazo de 120 dias, em pese a interdição reconhecida após
esse prazo, não admitiu efeitos retroativos para fins de suspensão do prazo de 120 dias.
O inciso II a princípio não traz muita dificuldade, diz lá: contra os ausentes do país, dos estados e dos
municípios... É claro e evidente que a regra se aplique ao DF, o legislador atual não corrigiu a lacuna do
código de 16.
Também é bastante firme o entendimento de que a regra se aplique as autarquias e fundações públicas.
Quer dizer, se o sujeito está no exterior a serviço do BACEN aplicável o art. 198, I.
Alguma discussão existe em relação às empresas públicas e sociedade de economia mista. O tema é
controvertido, alguns como Capanema defendem que a regra se aplicaria as empresas públicas e
sociedade de economia mista porque há ali o capital público. A existência do capital público justificaria a
aplicação do dispositivo.
Há uma predominância no sentido oposto, no sentido de não se aplicar as empresas públicas e as
sociedades de economia mista porque são pessoas jurídicas de direito privado.
Acho que dá para fazer um meio termo, por que qual é a ratio do dispositivo aqui? A ratio não é impedir
que venha a se consumar a prescrição para aquele que está fora do país atendendo interesse público.
Se nós pensarmos que as empresas públicas e sociedades de economia mista podem prestar serviço
público ou desenvolver atividade econômica, parece no mínimo sustentável, tratamento diferenciado.
Quer dizer, o sujeito está no exterior a favor de uma empresa pública que presta serviço público, ele
está no exterior em homenagem ao interesse público e conseqüentemente mais plausível, mais
justificável a aplicação do art. 198, II. Se por ventura a empresa pública ou sociedade de economia
mista desenvolve atividade concorrencial, atividade eminentemente econômica, talvez perca força a tese
da aplicação do art. 198, II.
A posição predominante é de não aplicar as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
Vamos para o artigo 199, I que diz que não corre prescrição pendendo condição suspensiva. A regra
parece obvia porque uma das premissas da prescrição é que haja lesão ao direito, que haja a pretensão
e se há pendência de uma condição suspensiva, como nós vimos, o negócio jurídico não é se quer
eficaz. Quer dizer, ele não produz efeitos enquanto não houver implemento da condição suspensiva.
Há uma ponderação aqui, mais uma vez do Câmara Leal, que nesse caso é seguido por Humberto
Theodoro Júnior e também pelo Tepedino, dizendo o seguinte: vamos supor que alguém tem uma
pretensão embasada num título contestado judicialmente, se for um titulo extrajudicial na ação
anulatória, se for um titulo judicial na ação rescisória. Quer dizer, tem um questionamento judicial acerca
da validade do título que embasa a pretensão do autor. Vejam, a efetividade da pretensão autoral não
está subordinada a prestação jurisdicional? Se a prestação jurisdicional refutar o título, cessa a
pretensão; se a prestação jurisdicional reconhecer como válido o título, a pretensão ela é exercitável.
Então, na verdade, esses autores defendem que quando alguém tem uma pretensão embasada num
título de objeto de questionamento judicial, a efetividade dessa intervenção ela estaria subordinada ao
resultado da prestação jurisdicional e o resultado a prestação jurisdicional é um resultado futuro e
incerto. Então, a pendência de questionamento judicial sob um título do qual resulta a pretensão geraria
uma causa de impedimento ou suspensão do prazo prescricional. Posição defendida pelo Câmara Leal,
Humberto Theodoro Júnior e Gustavo Tepedino.
E o inciso II diz que não corre prescrição não estando vencido o prazo, quer dizer, na verdade não
estando vencido o prazo não houve lesão ao direito. Esses dois dispositivos eles são muito aplicados lá
na usucapião.
Vamos ver mais adiante o art. 1244 diz que as causas de impedimento, suspensão e interrupção da
prescrição também gera o impedimento, interrupção e suspensão do prazo para usucapião. Então, tudo
isso que estamos vendo para a prescrição, para o art. 1244 se aplica também para a usucapião.
Tem uma questão lá que é a seguinte: vamos supor o fideicomisso, tem o fideicomitente que transmite a
propriedade resolúvel ??? e com o implemento da condição resolutiva ou do termo final a propriedade
vai para o poder comissário. Quer dizer, o fiduciário tem propriedade resolúvel.
Se discute lá na usucapião o seguinte: imagine que o fiduciário esteja dentro de seu prazo ou ainda não
tenha havido implemento da condição, só que o fiduciário sumiu do mapa e o terceiro venha exercendo
a posse preenchendo todos os requisitos legais para usucapião.
A dúvida é se a usucapião usada em face do judiciário atinge o fideicomissário, percebam que pela
regra geral, nós diríamos que sim porque usucapião é aquisição originária. Quando a aquisição é
originária surge um direito novo, então pela lógica geral, aquele que usucapir propriedade resolúvel não
adquiriria em tese propriedade resolúvel que é aquisição originária. Só que não corre prescrição na
pendência de condição suspensiva enquanto não vencido o prazo.
Vejam que em relação ao fideicomissário, das duas uma: ou pende condição suspensiva ou não foi
ainda vencido o prazo. Se não corre prescrição, também não corre prazo de usucapião. Então,
usucapião contra fiduciário não atingiria o fideicomissário.
Seria uma hipótese excepcional em que aquele que vem usucapir propriedade resolúvel também vai
adquirir propriedade resolúvel, apesar da usucapião ser aquisição originária. Usamos o art. 199, I e II
com base no art. 1244.
Resposta: sim, ou se vencer o prazo na pendência do poder de fato, aí a questão perde a graça.
O inciso III diz que não corre prescrição pendendo ação de evicção, aqui a questão é bem clara, por que
na evicção o que nós teremos? Exemplo prático, furto do automóvel: o meliante furta o automóvel e aí o
meliante transfere o bem para o A, o A para o B, o B para o C e o C para o D.
A vítima do furto, verdadeiro proprietário, é o evictor que vai exercer a pretensão reivindicatória em face
do evicto B. Na pendência dessa ação de evicção, não corre prescrição em eventual direito de regresso
do evicto em face dos alienantes imediatos... Em ????, melhor colocando, porque houve uma mudança
na sistemática do código atual como veremos mais adiante.
Porque há uma evidente relação de prejudicialidade entre o resultado da prestação jurisdicional
envolvendo evictor e evicto e o direito de regresso do evicto em face dos alienantes.
Só para registrar, essas regras que estamos vendo aqui de impedimento, suspensão são regras gerais,
na verdade são algumas regras especiais sobre o tema. Por exemplo, nós temos o art. 6º da lei
11101/05 que é a lei de falência e um dos efeitos da lei de falência é a suspensão do prazo
prescricional. Tem ainda o art. 40 da lei 6830/80 execução fiscal. Tem o art. 4º do decreto 20910/32 é o
protocolo de reclamação administrativa e tem uma hipótese também na Súmula 229 do STJ que é
contrato de seguro que diz que o pedido de pagamento de indenização com a seguradora suspende o
prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão, uma hipótese criada pela
jurisprudência Súmula 229 do STJ.
Tem outra discutição ainda que é a seguinte: e se for demonstrada a impossibilidade absoluta de agir?
Um argumento mais tradicional seria dizer o que? Que as hipóteses de impedimento de suspensão são
rol taxativo, se não estiver previsto no rol legislativo não haveria causa de suspensão, impedimento da
prescrição. Só que a tendência é no sentido de se afirmar que se for demonstrado o impedimento
absoluto de agir, não flui o prazo prescricional, ele não se consuma.
Exemplo atual: se há uma greve, a greve na eminência de expirar o prazo prescricional, quer dizer,
diante da greve nós temos um impedimento absoluto. Tragédias naturais como terremotos, etc... Tem
uma hipótese que o código português prevê e o brasileiro não prevê, mas a doutrina costuma lembrar
que é: se há uma ocultação dolosa do crédito pelo devedor.
Tem uma regra no art. 321 nº2 do código português e para justificar essa afirmativa dá para trazer a
colação o art. 183 do CPC o qual prevê que por justo impedimento é possível mitigar as lógicas dos
códigos processuais peremptórios. Ainda que peremptório o prazo, se houver justo entendimento, o art.
183 do CPC admite a concessão da dilação de eventual prazo peremptório. Claro que não é a mesma
coisa da prescrição, estaríamos falando basicamente de preclusão, mas o mesmo raciocínio aqui
aplicado.
O art. 202 trata da interrupção da prescrição e aí questões que não param de cair em prova objetiva que
é essa lógica do art. 202 caput no sentido de que agora só cabe interrupção uma única vez.
Por que o legislador assim se posicionou? O receio de que sucessivas interrupções pudessem
consagrar a imprescritibilidade e, conseqüentemente, o abalo a paz social.
Numa interpretação macro aqui, o art. 202 traz três incisos para causas interruptivas. Nos incisos de I a
V quem interrompe a prescrição é o credor, quer dizer, regra geral a interrupção da prescrição de corre
de uma iniciativa do credor. Só que anomalamente no inciso VI prevê uma hipótese em que o próprio
devedor interrompe a prescrição (art. 202, VI).
O que estou querendo dizer é que o objetivo central é evitar que o credor reiteradamente interrompesse
a prescrição, o prazo voltaria do zero e ele sempre preservaria a possibilidade do exercício da
pretensão.
Vamos fazer uma reflexão crítica aqui sobre isso, vamos imaginar que haja um prazo prescricional de 10
anos, prazo ordinário, venceu a dívida ontem. O inciso VI prevê que o devedor interrompe a prescrição
quando ele próprio reconhece o direito do credor.
Vamos supor que dois dias depois de vencida a dívida o devedor reconheça o direito do credor, sem
nenhum motivo, interrompeu a prescrição não é isso? Pela literalidade do art. 202 não cabe mais
interrupção, não dá para pensar ou no mínimo sustentar aí fraude a lei, abuso do direito? Porque vejam
que uma interrupção provocada sem motivo pelo devedor dois dias depois de vencida a pretensão,
aniquilaria do credor a possibilidade, por completo, de provocar qualquer outra causa interruptiva.
A posição predominante é no sentido de que só cabe interromper uma vez e ponto final, mas numa
visão sistematizada é no mínimo sustentável que em hipótese como essa possamos aplicar abuso do
direito. Porque na verdade devedor que interrompe no 2º dia, em tese, ele aniquilaria por completo a
possibilidade de qualquer interrupção por parte do credor. Então, se tivermos que ser parcial na prova,
tiver que defender isso na vida prática é no mínimo discutível a aplicação literal do art. 202, caput nesse
ponto.
Tem mais uma ponderação e que é defendida pelo Tepedino que é o seguinte: a grosso modo, no inciso
I interrompe a prescrição o credor que ingressa em juízo, nos incisos de II a V o credor interrompe por
outros meios (protesto cambial, quando constitui em mora o devedor, etc...).
Olha o problema que pode surgir aqui: vamos imaginar que o credor efetue protesto cambial,
interrompeu a prescrição, depois do protesto o prazo volta a fluir do zero. Antes de consumado o prazo
prescricional o credor ingressa em juízo, se aplicarmos literalmente o art. 202, caput o que vamos dizer?
Não interrompe de novo e o risco seria a consumação da prescrição na pendência da prestação
jurisdicional. Quer dizer, você exercer uma pretensão em juízo antes de ultimado o prazo, poderia vir a
ser prejudicado com a consumação da prescrição inclusive por conta de eventual delonga na prestação
jurisdicional.
Então, o que o Tepedino afirma aqui é que na verdade o art. 202, I teria o condão de propiciar uma
segunda causa interruptiva da prescrição.
Resposta: talvez o que o autor esteja querendo dizer é que na verdade não seria admissível dentro
dessa mesma ótica do Tepedino, não seria admissível que não venha a se admitir uma segunda causa
interruptiva quando o credor ingressa em juízo, porque é via própria para o exercício da pretensão.
Resposta: esse inciso I aqui, o Tepedino não chega a dizer isso não, mas seria facilmente adaptável,
aplicado por analogia nessa mesma lógica, ao inciso II (protesto medida cautelar).
Acho delicado a aplicação por analogia do ato judicial que constitui em mora o devedor, porque na
verdade se ele já protestou cambialmente, por exemplo, quer dizer, a via adequada não é a constituição
da mora, a via adequada seria o exercício da pretensão jurisdicional.
Acho que fica melhor equacionado, para não se correr risco, a tese do Tepedino é mais segura, quer
dizer, seria admissível uma 2ª causa interruptiva quando essa 2ª causa for um ingresso em juízo no
exercício da pretensão. Sob pena de corrermos o risco de vermos uma pretensão consumada quando o
sujeito ingressou na via judicial antes de ultimado o prazo prescricional, acho que fica mais
sistematizado, acho que se corre menos risco.
Vamos ver então as principais hipóteses. O inciso I começa dizendo assim: por despacho do juiz,
mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei
processual ...
Aí a gente já começa a ter uma primeira briga entre civilista e processualistas porque o CPC diz que
interrompe a prescrição a citação válida, está lá no art. 219, caput e o inciso I diz que interrompe a
prescrição despacho do Juiz que ordena a citação, que é o “cite-se” (despacho liminar de conteúdo
positivo lá do Barbosa Moreira).
O Tepedino defende que o dispositivo, o art. 202, I revogou tacitamente o RT. 219, caput quando diz
que o que interrompe é a citação válida. O Tepedino diz que o código civil é lei posterior e se é lei
posterior, no caso de divergência, o código civil teria revogado tacitamente o art. 219, caput quando diz
que o que interrompe é a citação válida. Então, o que Tepedino diz que com o “cite-se” já interrompe,
ainda que, tenha citação válida ou não.
Os processualistas em geral resistem a essa afirmativa, o que eles afirmam é que a citação válida
interrompe, e aí o art. 219, I diz que se a parte diligenciar e promover a citação no prazo oportuno aí sim
a citação válida vai produzir efeitos retroativos a propositura da ação.
A propositura da ação, o próprio CPC define, ou é distribuição ou é despacho liminar, está no art. 263 do
CPC. Isso gera uma série de desdobramentos, o possível problema para a posição do Tepedino, lembra
aquela sentença liminar que o Juiz de plano, repudia a pretensão autoral? Vamos imaginar que antes de
consumado o prazo, o sujeito ingressa em juízo, e o Juiz profere a sentença liminar. O autor recorre,
apela, o tribunal reforma a sentença. Só que, entre a sentença liminar e o acórdão a prescrição venha a
se confirmar, o despacho liminar de conteúdo positivo só vai se dar posteriormente.
Conversei com três processualistas e todos afirmaram “olha, problema do credor, o credor que nesse
prazo interrompa a prescrição por outros meios, ele que faça o protesto, enfim ele que se vire lá”.
Numa visão focada no direito material, para direito civil é plenamente sustentável a idéia de que aquela
sentença liminar reformada pelo tribunal produza os efeitos do despacho liminar de conteúdo positivo
para fim de interrupção do prazo prescricional. Quer dizer, seria uma equiparação da sentença liminar
ao despacho liminar para fins de interrupção do prazo.
Numa visão instrumental seria demasiadamente oneroso que o credor suportasse a perda da pretensão
por uma sentença liminar que o próprio judiciário reconheceu como equivocado. Quer dizer, no
momento da sentença a decisão adequada seria o “cite-se” e não o repudiar daquela pretensão
exercida. É claro que o tema é extremamente tormentoso, não estou querendo trazer aqui a solução,
não é nenhuma panacéia, mas é no mínimo discutível essa solução.
Pergunta.
Resposta: isso, só que na verdade, a própria provocação da outra parte para contra-razoar pode se dar
após a consumação do prazo prescricional. Podemos ter situações em que o único remédio plausível
seria a retroação. Então, uma visão instrumental seja demasiadamente oneroso imaginar consumação
da prescrição nessas circunstancias.
Para prova de processo civil, sugiro até que conversem com prof. de processo, até já conversei com
alguns e todos afirmam peremptoriamente rol taxativo cabe ao credor interromper por outros meios.
Se seguirmos a tese de Humberto Theodoro, a tese dos processualistas de que o que interrompe é a
citação válida, uma questão importante é a seguinte: vamos supor que o réu não seja citado, mas há um
comparecimento espontâneo que supre a citação. Se a não citação não decorre de culpa do autor, o
comparecimento espontâneo retroage a data da citação, vários autores assim se posicionam.
Porque na verdade o comparecimento não decorreu de culpa do autor, nós teríamos até um instrumento
de burla, de fraude para o réu inviabilizar a consumação da prescrição. Se decorreu de desídia do autor,
a interrupção se daria no momento do comparecimento espontâneo. Quer dizer, se não decorre de
culpa do autor, seria possível atribuição de efeitos retroativos ao comparecimento espontâneo para fins
de interrupção do prazo prescricional.
Outro ponto, se aplica o art. 202, I no caso de reconvenção ou de pedido contraposto porque tanto
numa como na outra hipótese o devedor exerce verdadeira pretensão.
Tem outra questão importante que é a seguinte: vamos supor que tenha um contrato com cláusula
compromissória. Então, diante dessa cláusula as partes se comprometeram levar todo e qualquer litígio
ao juízo arbitral. Se há cláusula compromissória e uma das partes provoca o juízo arbitral, a provocação
do juízo arbitral interrompe o prazo prescricional? Quer dizer, é possível aplicar extensivamente o art.
202, I ao ingresso no juízo arbitral se há cláusula compromissória? Se há cláusula compromissória, a via
adequada para a parte buscar a admissão de qualquer litígio, a princípio não seria via judicial, seria via
arbitral e na verdade a via arbitral seria aplicável por analogia a hipótese desde que haja cláusula
compromissória.
Vamos tomar cuidado aqui com o seguinte: pelo art. 202, I ou o despacho liminar ou a citação
interrompe, exceções: litispendência e coisa julgada. Porque na hipótese tanto de litispendência como
de coisa julgada, o efeito interruptivo se deu na relação processual anterior. Então, o reconhecimento da
litispendência ou da coisa julgada, afastaram o efeito interruptivo do despacho ou da citação da segunda
relação processual.
Há ainda a hipótese de ilegitimidade. Não se aplica o art. 202, I no caso de ilegitimidade ad causam,
porque o art. 203 do código civil diz que a prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado.
Então, a princípio, se o irmão do credor ingressa em juízo, ilegitimidade ad causam, se o irmão não tiver
nenhum interesse jurídico obviamente não haverá o efeito interruptivo da prescrição. Cabe ao próprio
credor ou interessado sair do estado de inércia.
Quem seria o interessado aqui? O código diz qualquer interessado, não necessariamente o credor, pode
ser um terceiro interessado. O credor do credor. Quer dizer, eu tenho a pretensão contra ela e ela tem
uma pretensão contra mim, pode ser que a minha solvência dependa do recebimento daquele direito de
crédito. Ela é uma terceira interessada em interromper o prazo de prescrição, quer dizer, o credor do
credor entraria no exemplo do art. 203.
Querem ver outro exemplo mais delicado ainda em que não há sequer a titularidade do direito? Seguro,
vamos supor que haja um contrato de seguro firmado, vamos supor que a seguradora seja responsável
por um contrato de transporte e haja um terceiro que tenha dado causa a um acidente decorrente
daquele contrato de transporte.
A princípio, a vítima direta tenha ação contra o culpado, só que a seguradora se compromete a se
subrogar na posição da vitima, a seguradora mesmo antes de se subrogar na posição da vítima tem
interesse em interromper o prazo de prescrição, depois da sub rogação ela vai ser a própria titular do
direito material ali envolvido, mas mesmo antes da sub-rogação ela seria um 3º interessado.
Os incisos II e III, precisam ser vistos em conjunto, porque o inciso II ele prevê aqui a interrupção pelo
protesto, essa regra já havia no código anterior, o que não havia era o inciso III que agora diz protesto
cambial que é uma nova causa de interrupção da prescrição.
A época do código 16 foi editada a Súmula 153 do STF e a Súmula formalmente em vigor afirma que o
simples protesto cambial não interrompe a prescrição. O que a Súmula queria dizer é que o protesto do
atual inciso II não correspondia ao protesto cambial, que esse protesto na verdade correspondia ao
protesto previsto no CPC dentro do rito das ações cautelares. Salvo engano esse protesto está nos
artigos 867 a 873 do CPC. Só que essa Súmula caiu por terra, então cuidado com a vigência do código
atual caiu por terra a Súmula 153 do STF.
O inciso IV diz que interrompe a prescrição a apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou
em concurso de credores. Obs: concurso de credores abrange a falência. Só que nós vimos que o art.
6º da lei de falência diz que um dos efeitos de sentença de falência é a suspensão do prazo
prescricional.
É preciso harmonizar o art. 202, IV com o art. 6º da lei de falência e se harmoniza nos seguintes termos:
com a prolação da sentença de falência, suspende a prescrição e o credor que for diligente e habilitar o
seu título de crédito no juízo falimentar ele a passa a se beneficiar da interrupção. Quer dizer, com a
simples sentença já suspendeu e o credor que for diligente e habilitar o seu título de crédito no juízo
falimentar, passa a se beneficiar da interrupção e a interrupção é mais benéfica para o credor do que a
suspensão.
Nós teríamos uma transmudação da suspensão da lei de falência na interrupção do art. 202, IV do
código civil e se ele não habilitar o título, ele continua a se beneficiar da suspensão do art.6º.
Temos ainda um problema lá no inciso V que diz que interrompe a prescrição qualquer ato judicial que
constitua em mora o devedor. Prova objetiva, o ato tem que ser judicial, se for extra-judicial não
interrompe. Só que numa interpretação sistemática é possível divergir da literalidade do inciso V pelo
seguinte: o código atual trouxe duas novidades legislativas, uma primeira no art. 397,§único que trata da
mora ex personae, percebam que o inciso V não se aplica na mora ex re que ela se constitui
automaticamente.
O que o art. 397, §único traz de novo, está lá na parte final que diz: não havendo termo a mora se
constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial. O legislador passa a prever a possibilidade da
interpelação extrajudicial interromper a prescrição, novidade do código.
Seria incompatível a inovação do parágrafo único que passa a autorizar a interpelação extrajudicial
como constitutiva da mora, com a redação restritiva do inciso V do art. 202. Quer dizer, o legislador
mudou lá e esqueceu de alterar cá.
Numa visão legalista, sem maiores cuidados interpretativos, alguns diriam “não, a judicial interrompe a
prescrição e constitui a mora e a extrajudicial não teria o mesmo efeito”.
Tem outro argumento que acho mais convincente, é a alteração que nós vimos do art. 202, III que agora
prevê que o protesto cambial interrompe, outra novidade, e o protesto cambial tem natureza
extrajudicial. Quer dizer, seria desarrazoado, numa interpretação sistemática, que o protesto cambial de
natureza extrajudicial interrompa a prescrição e a interpelação judicial constitutiva da mora não produzir
o mesmo efeito. Defendem essa posição Humberto Theodoro Júnior e Gustavo Tepedino.
Pergunta.
Resposta: pela literalidade só judicialmente, já a segunda corrente defende também extrajudicialmente
por conta destas duas modificações legislativas.
O inciso VI prevê que interrompe a prescrição qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial que
importe reconhecimento do direito pelo devedor. Quer dizer, o devedor quando reconhece o direito do
credor interrompe a prescrição, tem alguns exemplos clássicos aqui: o devedor que pede dilação de
prazo; na execução fiscal no direito tributário muito usado o parcelamento, então o contribuinte quando
pede o parcelamento da divida ele interrompe a prescrição porque quem pede parcelamento reconhece
o direito do credor; fornecimento de garantia
Resposta: não necessariamente, vai depender do caso, a mera dilação de prazo gera novação, mas se
a dilação de prazo vier acompanhada de outras modificações substanciais aí sim ela acabaria
configurando novação e aí perderia a graça o art. 202, VI não seria interrupção seria um novo prazo de
prescrição, quer dizer, a dilação de prazo desde que não configurada a novação.
Vamos tratar de um tema agora que vem caindo sistematicamente que é a questão do direito
intertemporal. Todos aqui sabem que há uma forte tendência do código atual em reduzir os prazos do
código anterior não é isso? Uma forte tendência.
Tem uma exceção a isso só que é o art. 206, §1º, I pretensão do hospedeiros ou fornecedores de
víveres, enfim, o prazo era de 6 meses e agora passou para 1 ano, mas em regra os prazos ou foram
mantidos ou reduzidos. Prazo ordinário era de 15, 20 ou 10 e agora sempre de 10 anos.
Então, a grande questão do direito intertemporal qual é? É a hipótese em que tenhamos prazos
prescricionais ??? do código de 16 em andamento quando entra em vigor o novo código.
A dúvida é quando aplicar o código de 16 e quando aplicar o prazo do código atual, tem regra explícita
no art. 2028 que a grosso modo diz: se havia passado mais da metade do código de 16 continuamos a
aplicar o código de 16, se havia passado menos da metade do prazo do código de 16, o prazo aplicável
passa a ser do novo código.
Duas questões importantes aí, notadamente quando se passa a aplicar o prazo do código novo:
primeiro, vamos supor que tenhamos um prazo aí para reparação civil, o prazo era de 20 anos e caiu
para 3 anos e aí vamos imaginar que quando entra em vigor o código atual, tivesse se passado 6 anos
menos da metade.
Menos da metade do prazo do código velho, então se passa aplicar o prazo do código novo que é de 3
anos, se não estivermos bem avisados nós diríamos perdeu, já era, só que na verdade o entendimento
já consolidado na jurisprudência, na doutrina, no sentido de que quando se aplica o prazo do novo
código o prazo começa a contar a partir da vigência do código atual.
Nesse sentido, Enunciado 50 do CJF e tem inúmeros julgados, mas vou dar o último Informativo,
Informativo nº 368 do STJ, RESP 966319.
Outra questão aqui pertinente é a seguinte: o art. 2028 ele é regra do direito intertemporal não apenas
para prescrição, mas também para usucapião, é regra geral de direito intertemporal.
Vamos imaginar, o prazo da usucapião extraordinária era de 20 anos no código velho e agora caiu para
15 ou 10 anos, mas vamos jogar de 20 para 15, art. 1238,caput. Então, o prazo era de 20 caiu para 15,
vamos imaginar que quando entra em vigor o nosso código atual tivesse se passado 9 anos, menos da
metade do código velho, a gente passa a aplicar o código novo a partir da vigência.
Só que vejam, 15 dali para frente mais 9 que passaram daria 24, prazo maior do que o código de 16
quando o objetivo do legislador foi reduzir o prazo. Então, a doutrina que também já construiu a idéia de
afirmar o seguinte: o prazo do novo código se aplica a vigência tendo como limite temporal o prazo do
código de 16. Então, o prazo vai começar a fluir a partir da vigência, mas esse computo a partir da
vigência não pode superar o prazo da legislação de 16.
Nesse sentido Enunciado 299 do Conselho que diz a mesma coisa, só que com outras palavras que
particularmente acho mais confusa, mas pode o examinador jogar lá na prova objetiva, ele diz assim: “O
prazo flui a partir da vigência, salvo se, contado dessa forma, o prazo for maior do que o código velho
porque se for maior do que o prazo do código velho a gente passa a aplicar o código de 16”.
Vamos então ressaltar aqui algumas considerações a respeito da decadência, artigos 207 a 211, já
vimos que a decadência foi atrelada aos direitos potestativos, não é isso? Olha só, uma primeira
observação aqui é a seguinte: no código de 16 sabemos que não havia tratamento próprio para a
decadência, ele não trazia o instituto da decadência, a doutrina é que diferenciava os prazos
prescricionais dos prazos decadenciais. E a época, era unânime a afirmativa de que os prazos
decadenciais eram peremptórios, isso era unânime, quer dizer, todos afirmavam que a decadência não
admitia causas de impedimento, suspensão e interrupção.
Só que o art. 207 desmente essa afirmativa anterior, ele diz que salvo disposição legal em contrário não
se aplicam a decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompe a prescrição.
O próprio art. 207 admite causas impeditivas, suspensivas ou interruptivas da ??? e o próprio art. 208
traz aí uma dessas hipóteses: o artigo seguinte, o art. 208 diz que se aplica a decadência o art. 195 e o
art. 198 inciso I que é aquele artigo que diz que não corre prescrição contra absolutamente incapaz e se
não corre prescrição por força do art. 208 também não correrá prazo decadencial contra ele.
O art. 195 é aquele que prevê a responsabilidade civil do assistente do representante legal da pessoa
jurídica. A lógica, o sistema de proteção aos incapazes da prescrição se projetou para a decadência,
quer dizer, a mesma regra envolvendo os relativamente incapazes para a prescrição se aplica a
decadência e aí a pessoa jurídica vai de carona e os absolutamente incapazes também.
Querem ver outro exemplo de impedimento, suspensão no art. 446, olha só o 445 prevê prazo
decadencial para ??? prazo legal de decadência, aí o art. 446 diz que não corre o prazo decadencial
legal do art. 445 na pendência da garantia contratual, ou seja, a garantia contratual se soma a legal.
Vejam que a garantia contratual vai ser uma causa de impedimento do transcurso do prazo decadencial
do art. 445. Então, o art. 446 seria um exemplo de impedimento ou suspensão de decadência.
Vamos jogar decadência legal para um lado e convencional para outro, prova objetiva. Decadência legal
é irrenunciável, art. 209. A decadência convencional é renunciável, principio da autonomia privada.
E a segunda diferença trazida pelo código, a decadência legal deve ser reconhecida de oficio, art. 210 e
a decadência convencional art. 211 não pode ser reconhecida de ofício.
Quando o art. 295, IV do CPC diz que é causa de indeferimento da inicial a decadência, entenda-se a
decadência legal. O art. 295, IV do CPC não se aplica a decadência convencional, art. 211 do código
civil.
Definição tradicional: é o poder que a ordem jurídica atribui ao credor, também chamado de accipiens,
de exigir do devedor, também chamada de ???, o cumprimento de uma prestação que pode consistir em
dar, fazer ou não fazer. Essa é a definição clássica, tradicional.
O que há de novo é que alguns afirmam que essa definição clássica, tradicional teria se tornado
insuficiente a luz da boa fé objetiva, porque essa definição parece sugerir que apenas o credor exerce
pretensões em relação ao devedor, ou seja, essa perspectiva clássica sugere que a relação obrigacional
seria uma relação de subordinação. Quer dizer, sugerindo a idéia de que o devedor estaria sempre
subordinado as pretensões exercidas pelo credor.
Por que essa lógica teria se tornado insuficiente a luz da boa fé objetiva? Por conta dos deveres anexos
e indiscutivelmente os deveres anexos vinculam não apenas o devedor, mas também o credor.
Então, diante dos deveres anexos da boa fé objetiva, que vinculam ambas as partes, o que sustenta que
não mais seria admissível a lógica de que na relação obrigacional de que não apenas o credor exerce
pretensões em relação ao devedor, na verdade o devedor também exerce pretensões em relação ao
credor, notadamente no que diz respeito aos deveres anexos. Daí a afirmativa de que a relação
obrigacional deixa de ser uma relação de subordinação e passa a ser uma relação de cooperação.
Essa visão ainda bastante introdutória, nos remete a uma outra questão que é a idéia da obrigação
como um processo. Idéia muito bem trabalhada pelo Clóvis Couto e Silva, repetida por outros autores e
muito bem difundida pela Judite Martins Costa e pelo Gustavo Tepedino, que é a idéia da obrigação
como um processo.
Qual a idéia básica de processo? Uma série de atos concatenados, direcionados, a uma determinada
atividade, então a idéia como processo parece sugerir o que? Que no contexto atual, a obrigação ela
não se resume ao acordo de vontades e ao respectivo cumprimento. Então, além do acordo e do
respectivo cumprimento é indispensável a inobservância de uma série de atos paralelos e esses atos,
que devem necessariamente serem observados, dizem respeito justamente aos deveres anexos da boa
fé objetiva.
Tem um caso que costumo comentar em sala porque ele ilustra bem isso, foi um caso concreto que
aconteceu na Justiça do Trabalho: foi feito um acordo entre o reclamante e o reclamado e por esse
acordo o reclamado se comprometeu a pagar ao reclamante mil reais na secretaria da Vara, numa
determinada data X. O reclamado compareceu na data convencionada, pagou os mil reais só que em
moedas de 50 centavos, despejou as moedas lá no balcão. Posteriormente o reclamante ingressou com
uma ação por danos morais e nesta ação por danos morais foi feito um novo acordo só que agora no
valor de dois mil reais, quer dizer, o dobro do acordo anterior.
Esse exemplo demonstra que no contexto atual não basta um mero acordo e respectivo cumprimento, é
preciso que haja a observância dos deveres anexos, nesse caso o dever anexo de cooperação e de
colaboração. Quer dizer, num outro contexto, seria inimaginável essa solução porque o acordo foi
cumprido e a moeda tem curso forçado no território nacional, sem dúvida é uma nova perspectiva no
direito obrigacional.
Antes de entrarmos no código civil, vamos lembrar de algumas definições introdutórias, começando com
a idéia de obrigação natural.
Começando a sistemática da obrigação natural: quanto ao vínculo jurídico obrigacional, hoje é bastante
pacífico o entendimento de que se adota a chamada teoria dualística. Por essa teoria, o vínculo jurídico
obrigacional se subdivide nesses dois elementos aqui, que são clássicos: débito e a responsabilidade
(Schuld e o Haftung)
O débito, como o próprio nome parece sugerir, representa o compromisso assumido pelo devedor no
sentido de cumprir o que fora pactuado. A responsabilidade seria a responsabilidade de sanção
patrimonial pelo descumprimento do débito.
Muitos no passado criticavam a teoria dualista porque muitos diziam que essa teoria não teria
importância prática, muitos afirmavam onde há o débito, há responsabilidade e onde há
responsabilidade, há o débito.
Regra geral sem dúvida, mas há exceções, vamos lembrar de hipóteses em que há responsabilidade
sem débito. Caso típico da fiança, do aval, do penhor ou da hipoteca de um bem oferecido por terceiro.
Quer dizer, nesses casos o terceiro que não contraiu débito se sujeita a uma sanção patrimonial no caso
do descumprimento daquilo que fora pactuado.
Quando se fala na hipótese de débito sem responsabilidade, na hipótese oposta em que há débito, mas
não há responsabilidade, aí sim nós entramos no contexto das obrigações naturais. Isso significa dizer
que a obrigação natural é inexigível pela via jurisdicional e os exemplos clássicos são as dívidas
prescritas e a dívida de jogo não autorizado, só com o cuidado de registrar que se o jogo é
regulamentado e autorizado a obrigação é civil.
Tem até um Julgado do STJ, Informativo 315, que era uma dívida envolvendo agenciador de jóquei
clube e essa atividade é regulamentada legislativamente, o STJ ressaltou que aquela obrigação era de
natureza civil e não natural.
Vamos tomar cuidado para não confundir, dar esmola para uma pessoa carente é obrigação natural?
Não, ou seja, não confundir obrigação natural com mero dever de consciência, porque é da essência da
obrigação natural que não haja responsabilidade, mas que haja débito, quer dizer, na obrigação natural
há débito.
Quem traz uma leitura diversa dessa que nós estamos colocando aqui, que é pacificada, quem diverge
disso é o Arnaldo Rizzardo que traz a lógica da obrigação natural encampando o dever de mera
consciência, mas é uma posição isolada.
Vamos nos lembrar aqui de uma regra que já vimos aqui na aula anterior que está dentro desse
contexto agora, que é aquela regra do artigo 882: aquela questão da irrepetibilidade de pagamento de
dívida prescrita, vocês estão lembrados? Basta recordar o que vimos na aula passada, quer dizer,
quando há obrigação natural o pagamento é devido, ele apenas não é exigível porque não há
responsabilidade, mas há o débito.
Então, o art. 882 rechaça, afasta a repetibilidade do cumprimento da obrigação natural, exceções ao art.
882: primeira exceção trazida pelo Fernando Noronha e seguida por outros autores é a hipótese do
pagamento da obrigação natural feita pelo incapaz.
Tem vários dispositivos e legislação estrangeiras sobre o tema, para concurso ninguém precisa saber
disso, mas quem tiver interesse específico, o art. 2034 do código italiano e o art. 403 do código
português e no direito brasileiro tem uma regrinha que é o art. 814, parte final: as dividas de jogo ou de
apostas não obrigam a pagamento, mas não se pode recobrar a quantia que voluntariamente se pagou
salvo se foi ganha por dolo ou se o perdente é menor ou interdito. Quer dizer, o art. 814 explicitamente
admite a repetibilidade do pagamento de divida de jogo não autorizado quando o perdente é menor ou
interdito.
Outra exceção ao art. 882 é quando o pagamento de obrigação natural causar prejuízo aos credores
civis. Isso nos lembra o que? Fraudes contra credores.
Para justificar essa posição, vale a pena trazer a colação o art. 191 que vimos na aula passada, que traz
a renuncia da prescrição. Quando o sujeito renuncia a prescrição ele vai cumprir uma obrigação natural
e aí o art. 191 diz que a renuncia da prescrição... Diz que não pode prejudicar terceiro. Então, pela
própria sistemática do art. 191 é possível se afirmar que teríamos essa outra exceção aí.
Outro cuidado aqui dentro da sistemática das obrigações naturais é em relação ao art. 369 que trata de
compensação legal que diz assim: a compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de
coisas fungíveis. Quer dizer, preenchido esses requisitos cabe a compensação legal que independe de
acordo.
É unânime o entendimento de que quando o art. 369 fala em dívidas vencidas entenda-se exigíveis,
justamente para excluir do âmbito da compensação legal as obrigações naturais. Quer dizer, uma divida
de jogo não autorizada ou prescrita são dividas vencidas, mas não são exigíveis. É claro que não pode
caber compensação legal de obrigação natural, porque se não nós estaríamos indiretamente atribuindo
responsabilidade a uma obrigação que não tem tal característica.
Outra discussão sobre o tema é se cabe ou não a novação de obrigação natural. Nós temos dois
entendimentos aqui: um no sentido de não cabe, lembrando que qual seria o efeito prático da novação
da obrigação natural? Surgir uma obrigação civil, se extinguiria a obrigação natural e se iniciaria uma
obrigação civil.
Principalmente o Clóvis Beviláqua sempre refutou, e muito, cabimento de novação em obrigação natural
e ele sempre fixou a atenção em relação ao descabimento em relação às dividas prescritas, porque a
prescrição busca a paz social e se fosse cabível a novação de divida prescrita as partes por acordo de
vontade poderiam adiar, afastar o atingimento da paz social.
Só que hoje, o entendimento majoritário é no sentido de se admitir a novação de obrigação natural e
tem vários autores nesse sentido como Carlos Roberto Gonçalves, Venosa, Tepedino. A uma, porque
vejam, na obrigação natural não há responsabilidade, mas há o débito, então a novação de obrigação
natural viria em harmonia com a idéia de eticidade nas relações obrigacionais.
Em relação à prescrição especificamente, que era a preocupação maior do Clóvis Beviláqua, qual é o
raciocínio lógico? Se o código admite a renuncia é justificável que caiba a novação, são institutos
diferentes. Mas se cabe renuncia é justificável que caiba novação. São institutos diferentes por quê?
Porque a renuncia da prescrição se dá na mesma relação jurídica ao passo que a novação vai fazer
surgir uma nova relação obrigacional.
Me parece no mínimo sustentável e não vi ninguém defendendo isso ainda, mas me parece no mínimo
discutível o seguinte: o código não diz que agora só cabe interromper a prescrição uma vez, art. 202,
caput? O objetivo da regra qual é? Evitar que a paz social não seja atingida, dentro dessa mesma
finalidade me parece no mínimo sustentável que só caiba novação de divida prescrita uma única vez, se
valendo da mesma lógica do art. 202 caput.
Uma interpretação, claro que por analogia, porque os institutos são diferentes, novação é uma coisa e
interrupção da prescrição é outra, mas enfim é no mínimo sustentável essa visão sistemática.
Para registro, saiu um Julgado no Informativo nº 362 do STJ dizendo que não ofende a ordem pública a
concessão do exequato para citar alguém no Brasil para que se defenda em ação de cobrança de divida
de jogo autorizado em estado estrangeiro.
Outro tema importante, antes de entrarmos no código civil, é a idéia de obrigação propter rem. Saiu mais
um Informativo do STJ acho que está no nº 373. Obrigação propter rem é a expressão mais utilizada,
são expressões sinônimas, obrigações reais ou ambulatórias.
Propter rem basicamente significa “por causa do bem”, qual a idéia básica desse tipo de obrigação? A
característica básica é que a obrigação propter rem decorre de um direito real pré existente. Ou seja, de
um direito real surge uma relação jurídica obrigacional, o exemplo mais conhecido é o das quotas
condominiais.
O código atual deixa claro a natureza propter rem no art. 1345, diz que o adquirente de unidade
responde pelos débitos do alienante em relação ao condomínio inclusive multas e juros moratórios.
Tem um Julgado aqui do STJ sobre essa questão no Informativo nº 341. Ele diz que o arrematante do
imóvel arca com as quotas condominiais pretéritas e eventualmente ele terá direito de regresso, mas
cabe ao arrematante suportar as quotas condominiais justamente por se tratar de obrigação propter rem
Vale a pena registrar que pela sistemática tradicional, clássica, a quem compete o pagamento da
obrigação propter rem? Aquele que tem seu nome averbado junto ao registro, essa é a lógica
tradicional.
Só que o STJ vem mitigando essa lógica, reiteradamente atribui legitimidade passiva para responder
pela quota condominial ao promitente comprador e ao comprador investidos na posse, ainda que seu
nome não esteja averbado junto ao registro como proprietário. RESP 956276 e agravo regimental no
RESP 921446.
Saiu também um Julgado sobre essa questão, interessante, no Informativo nº 364 do STJ era
basicamente o seguinte ...
Pergunta.
Resposta: se o procurador teria a legitimação? Eu nunca vi julgado do STJ sobre o tema e me parece
que não, porque o STJ nessa tendência jurisprudencial, sempre condiciona a legitimidade passiva ao
comprador e ao promitente comprador de estarem efetivamente investidos na posse, quer dizer, a posse
seria elemento essencial.
Pergunta.
Resposta: do mandato em causa própria que você diz? Sem dúvida, se a gente estiver falando do
mandato em causa própria, a partir do momento em que o mandatário se investe na posse, sem dúvida
alguma é o mesmo raciocínio, a mesma lógica. Até porque, no mandato em causa própria o mandatário
é o verdadeiro comprador, só que é comprador através do contrato de mandato, quer dizer, ele se vale
de um tipo contratual diverso daquele usualmente adotado, mas ele é um comprador.
Informativo nº 364, é o seguinte: havia um usufruto vidual, vitalício, só que o usufrutuário deixou de
pagar as quotas condominiais, ficaram em atraso. O STJ entendeu que o não pagamento da quotas
condominiais pelo atraso em decorrência do usufruto seria uma causa de extinção do usufruto vitalício
porque o não pagamento das quotas pelo usufrutuário poderia propiciar a perda do bem. E aí a
hipótese se amoldaria ao art. 1410, VII que é uma das causas do usufruto mesmo antes do prazo
originariamente acordado.
Também vem sendo tratado pela jurisprudência como obrigação propter rem as normas que impõe a
preservação ambiental. Quer dizer, se o alienante descumprir uma norma ambiental e for necessário
reflorestamento de parte da área, quem vai responder vai ser o adquirente. RESP 343741 e RESP
282781.
A doutrina também costuma lembrar como exemplo de obrigação propter rem aquelas obrigações
impostas em caso de tombamento e também regras de direito de vizinhança. Havia uma grande
divergência sobre a natureza jurídica das obrigações propter rem, uns diziam que a natureza seria
obrigacional outros diziam que a natureza jurídica era de direito natural.
Só que hoje o entendimento firme é no sentido de que a obrigação propter rem é uma obrigação
acessória mista. Acessória por quê? Porque ela não tem existência autônoma, ela decorre de um direito
real e é mista justamente por ter natureza híbrida, quer dizer, elas não se encaixam perfeitamente nem
na categoria dos direitos obrigacionais e nem categoria dos direitos reais. Porque vejam, se por um lado
na obrigação propter rem nós temos de maneira bem definida um sujeito ativo, passivo e um objeto, que
pode ser um dar, um fazer ou um não fazer, se encaixando perfeitamente na lógica dos direitos
obrigacionais. Por outro lado, obrigação propter rem não produz efeitos apenas inter partes, quer dizer,
a obrigação propter rem ela acompanha o bem onde quer que ele se encontre, daí a expressão
obrigação ambulatória, sendo que ambulatoriedade é uma característica típica dos direitos reais.
Vamos dar início agora a análise da chamada teoria dos riscos, que vem disciplinada nos artigos 233 e
seguintes. Todos seguramente sabem que o direito brasileiro adota o chamado sistema obrigacional, ou
seja, a luz do sistema obrigacional o contrato não tem o condão de transferir a propriedade.
Via de regra, no Brasil, veremos que há exceções, mas via de regra a propriedade se transfere com a
tradição para bem móvel e com registro para imóveis, é a regra geral. Então, fica claro que não
necessariamente coexistem os momentos em que surge a relação obrigacional e que há transferência
do direito real. Quer dizer, se eu celebro um contrato hoje, me comprometo a entregar uma determinada
mercadoria daqui a 60 dias, no exato momento em que o contrato é celebrado eu já passo a ocupar o
pólo passivo da obrigação de dar, eu já sou devedor da obrigação de dar.
E em que pese ser o devedor dessa obrigação de dar, eu ainda me mantenho no pólo ativo da relação
jurídica de direito real, eu me mantenho na qualidade de proprietário.
Quem enfatiza muito esta questão é o Tepedino, ele diz que a teoria dos riscos ela ganha uma
repercussão significativa no Brasil por conta do sistema obrigacional porque se no Brasil o contrato
transferisse a propriedade, a teoria do risco não teria tanta relevância porque o contrato por si só já
transferiria a propriedade e aí a solução viria com menos dificuldade. Aplicaríamos até aquela lógica res
perit domino, ou seja, a coisa perece para o dono.
Uma síntese do objetivo da teoria do risco: ela busca regulamentar os efeitos de eventual perda ou
deterioração do bem ocorrida entre a celebração do contrato e a tradição. O código civil adota
basicamente dois critérios dentro da teoria dos riscos:
O primeiro critério é se a hipótese é de perda ou deterioração. Para o nosso código, perda é
perecimento total e deterioração perecimento parcial. Pensando intuitivamente, se a hipótese for de
perda, não haverá como o credor exigir o que foi pactuado, ou seja, não há margem de escolha para o
credor no caso de perda. Mas se há deterioração, haverá sempre uma margem de escolha para o
credor, quer dizer, da essência da deterioração resulte uma margem de escolha para o credor.
A grosso modo, qual seria o primeiro caminho para o credor? Ele é obrigado a aceitar o bem
deteriorado? Não, o primeiro caminho para o credor seria rejeitar a coisa. O outro caminho seria aceitar
o bem com abatimento do preço, ressaltando inclusive que esse direito de escolha para o credor que
decorre da deterioração tem natureza jurídica de direito potestativo.
É aquela história que vimos na aula passada, o direito de escolha é direito potestativo, mas uma vez
exercido esse direito potestativo de escolha, vai surgir para o credor o direito subjetivo. É aquela história
que de um direito potestativo pode surgir um direito subjetivo, nós vimos isso quando tratamos de
prescrição e decadência.
Outro critério é se há ou não culpa do devedor. Regra geral, se há culpa cabe perdas e danos e se não
há culpa não cabe perdas e danos. Claro que a idéia de culpa é culpa no sentido amplo, culpa lato
sensu e, portanto abrange tanto o dolo quanto culpa estrito sensu.
Vamos começar a conjugar para criar um sistema, isso cai muito em prova objetiva, e normalmente não
se tem o código em mão. Então vejamos: a 1ª hipótese é de perda sem culpa, se não há culpa não cabe
perdas e danos. A 2ª hipótese é de perda, não há como o credor exigir a prestação acordada. Então,
perda sem culpa qual é a solução aí? Resolve-se a obrigação, art.234, 1ª parte, que significa retorno
aos status quo ante.
Então, cuidado para não se embolar, principalmente na prova objetiva, que o examinador pode jogar
uma hipótese em que tenha sido oferecido um sinal, qual é a sistemática geral das arras? Se aquele
que oferece o sinal dá causa a inexecução, o outro retêm, se aquele que recebe o sinal que dá causa a
inexecução tem que devolver o sinal mais o equivalente.
Só que essa sistemática geral das arras, via de regra, pressupõe inadimplemento culposo. Quer dizer,
se a hipótese é de perda sem culpa e o sinal foi oferecido, qual é a opção? A simples devolução do sinal
retornando ao status quo ante.
Exceção ao art. 234, 1ª parte: existem algumas e vou destacar duas que são as principais. O art. 393,
parte final que diz: o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de casos fortuitos ou força maior
se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Quer dizer, o próprio art. 393 permite
assunção de riscos pelo devedor para caso fortuito e força maior, então, se houver tal assunção a
princípio a solução não vem com o art. 234, 1ª parte, quer dizer, o devedor responderá por perdas e
danos.
Cuidado com o seguinte: o art. 393, parte final é exceção, só que tem uma exceção da exceção: não se
aplica o art. 393, parte final em se tratando de contrato de adesão por força do art. 424 que diz que nos
contratos de adesão são nulas a cláusulas que estipulem a renuncia antecipada do aderente a direito
resultante da natureza do negócio.
Tem lá outra exceção bastante expressiva ao art. 234, 1ª parte que está no art. 399 que é aquela
hipótese do devedor em mora, ele reponde ainda que por caso fortuito ou por força maior, se esses
eventos ocorrerem durante o atraso injustificado, durante a mora.
Outra hipótese, perda com culpa. Se há culpa, perdas e danos e se há perda, não há como o credor
exigir a prestação acordada. Então, na hipótese de perda com culpa, o devedor vai responder pelo
equivalente mais perdas e danos. Artigo 234, parte final.
Esse equivalente aí é necessariamente o valor do bem perecido? Não necessariamente, o equivalente
entenda-se equivalente ao valor que havia sido objeto de pagamento.
Vamos supor que a parte tenha pago apenas 30% do bem, um financiamento por exemplo, e haja o
perecimento culposo. É claro que não vai ser o equivalente ao valor integral do bem e mais as perdas e
danos porque haveria enriquecimento sem causa. Se nenhum montante foi pago, nós não teremos o
equivalente, nós só teremos perdas e danos. Então, equivalente entenda-se daquilo que havia sido
objeto de pagamento.
Pergunta.
Resposta: sim, vamos ver no art. 399 que o código, antes da parte final, diz “salvo se provar isenção de
culpa”. Só que vamos ver que esse artigo na verdade gera muita polêmica. Primeiro, porque se não há
culpa... Porque vejam, o art. 399 trata de caso fortuito e força maior, não é isso? Então, numa primeira
perspectiva se afirma que não faria sentido a isenção de culpa porque o art. 399 está tratando de caso
fortuito e força maior e se é essa a hipótese não haveria culpa.
Aí uns tentam salvar o dispositivo dizendo que na verdade não seria culpa no evento e sim culpa no
atraso, na mora. É o que a maioria afirma, só que a bem da verdade, nós veremos que se não há culpa
na mora, se não há culpa no atraso, não há mora do devedor, o art. 396 que prevê como requisito
subjetivo para a mora do devedor que haja culpa dele. Então, na verdade se não houve culpa no atraso,
não haveria mora do devedor por força do art. 396, ou seja, o legislador perdeu uma boa oportunidade
de suprimir a expressão “isenção de culpa”.
Mas enfim, a questão não envolveria a culpa na perda em si. Isso é pacifico, a discussão é seria a culpa
na mora ou não, ou seja, não repercute aqui na nossa questão especificamente.
Deterioração sem culpa. Se não há culpa, não cabe perdas e danos, ressalvadas as exceções (art. 393,
parte final e do art. 399). E se a hipótese é de deterioração, nós sempre vamos lembrar do direito
potestativo de escolha. Então, o art. 235 diz que se for deterioração sem culpa o credor vai poder optar
entre resolver a obrigação ou aceitar o bem com abatimento proporcional do preço.
Na prova dissertativa me parece interessante fazer uma conexão entre o art. 235 e o art. 313, porque na
verdade esse direito potestativo de escolha do art. 235, no caso de deterioração, é uma decorrência do
art. 313 que trata do princípio da identidade da coisa devida.
Diz o art. 313 que o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida ainda que
mais valiosa, ou seja, a idéia do pacta sunt servanda, quer dizer, o bem deteriorado não corresponde as
qualidades originárias do bem e por isso o credor não é obrigado a aceitar o objeto deteriorado.
A última hipótese é a deterioração com culpa. Se há culpa, cabe perdas e danos e se há deteriorização,
vamos nos lembrar sempre do direito potestativo de escolha. Nesse caso, o art. 236 diz que o credor
pode optar pelo equivalente mais perdas e danos ou aceitar a coisa no estado em que ela se encontra
mais perdas e danos.
Vale a pena fazer um registro, que os civilistas em geral não fazem, mas me parece oportuno. O código
civil trouxe toda a sistemática da deteriorização, com ou sem culpa enfim, direito potestativo, escolha.
Mas vejam se aplicável, se cabível a espécie, toda essa sistemática do código civil não exclui o
cabimento de tutela especifica e lembrando que o legislador processual prevê a tutela especifica para as
obrigações de dar, artigo 461A do CPC. Quer dizer, nada impede que o credor, ao invés de optar pela
resolução, pelo abatimento do preço, imponha ao devedor um reparo do bem deteriorado, inclusive com
todas as medidas aplicáveis lá na tutela especifica.
Pergunta.
Resposta: exatamente, fora essas possibilidades que o código estabelece, nós temos a tutela especifica
que inclusive pode ser voltada de plano por parte do credor. A prioridade, a efetividade da tutela
jurisdicional é a via da tutela especifica.
O art. 237 em sua literalidade não traz muita dúvida não, é o seguinte: até aqui nós vimos hipóteses de
que entre a celebração do contrato e a tradição há um bem que ou se perdeu ou se deteriorou. É
possível que ocorra o contrário, é possível que entre a celebração do contrato e a tradição aquele bem
venha a sofrer melhoramentos, acréscimos. Quer dizer, tais melhoramentos ou acréscimos sobrevindo a
coisa, podem vir a causar valorização ao bem.
Pergunta.
Resposta: na verdade temos inúmeras situações, as benfeitorias.
O que o art. 237 basicamente diz? Até a tradição, o bem pertence ao devedor, então os melhoramentos
ou acréscimos sobrevindos ao bem também pertence ao devedor (principio da gravitação jurídica).
Então, como esses melhoramentos ou acréscimos pertencem ao devedor, o art. 237 autoriza o devedor
a exigir o aumento do preço acordado.
Então, as partes celebraram um contrato hoje, a entrega do bem daqui a 60 dias. Só que nesse lapso
temporal houve melhoramentos ou acréscimos, então um bem que valia 20 de repente passa a valer 25.
O credor não é obrigado a concordar e se ele não concordar diz o art. 237: resolve-se a obrigação.
O legislador tentou conciliar aqui, prestigiou o devedor ao viabilizar a possibilidade de exigir aumento do
preço, mas não atribui ao credor nenhum tipo de sanção caso ele não venha a concordar.
É entendimento consolidado, pacifico, que não de aplica o art. 237 no caso de melhoramentos
voluptuários. Costumo dar exemplo do ??? em que o sujeito se compromete a entregar purinho sem
nenhum acessório vale 20 mil e aí mesmo sabendo que tem que entregar daí a trinta dias sujeito faz
uma série de melhoramentos voluptuários: ar condicionado, vidro elétrico, som de última geração. Em
aplicando o art. 237 o devedor poderia exigir o aumento do preço. Nesse caso, essa conduta violaria o
principio da fé objetiva.
Então, sempre fazer a remissão aí do art. 237 para o art. 96, §1º trata de benfeitoria voluptuária,
combinado com o art. 422 que trata da boa fé objetiva.
Resposta: se o credor não concordar com o aumento do preço, resolve-se, que é o que diz o art. 237,
resolve-se que se entende o que? Retorno ao status quo ante.
Resposta: se tivéssemos no ambiente anterior, eu asseguraria a você que não caberia, no contexto
atual é no mínimo sustentável se a desvalorização for expressiva, aplicável o princípio do equilíbrio
econômico dos contratos para propiciar a possibilidade de revisão judicial do contrato.
Resposta: é plenamente sustentável a aplicação do princípio do equilíbrio econômico dos contratos. Nós
teríamos aqui uma causa superveniente gerando o desequilíbrio econômico entre as prestações e talvez
a questão possa ser questionada a luz da teoria da onerosidade excessiva, porque houve um
desequilíbrio econômico posterior a celebração do contrato ainda que anterior a entrega. A hipótese não
seria de lesão porque a lesão se apura no momento em que o contrato é celebrado e não no momento
em que o contrato é executado. Mas poderíamos ter um ambiente propicio a onerosidade excessiva e é
claro que vai ter que atender aos pressupostos próprios, mas em tese aplicável.
Resposta: porque o art. 450, §único é como se ele tivesse uma regra específica porque na evicção
especificamente, o legislador prevê o preço. Seja evicção total ou parcial, será o do valor da coisa na
época em que se venceu e proporcional ao desfalque sofrido em caso de evicção parcial.
Na verdade, nós temos uma regra específica de evicção porque ela decorre de causa anterior a própria
aquisição do domínio. Na hipótese suscitada pelo colega, a desvalorização me parece decorreria de
causa superveniente, a questão me parece ficaria mais afinada com a própria lógica da onerosidade
excessiva porque a evicção tem pressupostos bem distintos, ela decorreria de causa pré-existente.
Resposta: qual é a grande discussão se for aplicar a lógica da onerosidade excessiva? O código civil
quando trata do tema adotou a teoria da imprevisão, quer dizer, é preciso que se mostre a
imprevisibilidade e a extraordinariedade. O objetivo do código civil qual foi? Justamente resguardar o
mínimo de segurança.
Só que vamos ver que o CDC teve uma postura mais protetiva, ele não exige imprevisibilidade e
extraordinariedade, o objetivo é a proteção do consumidor. Então, o próprio âmbito da onerosidade
excessiva vai avaliar se é relação de consumo ou se é relação sujeita ao código civil. Quer dizer, numa
compra de maquinários, a lógica aplicada é a do código civil e não a do CDC, vai variar de acordo com a
circunstancia.
Resposta: não necessariamente, olha só, a doutrina não chega a fazer essa restrição, ao contrario,
alguns chegam a afirmar (essa posição é minoritária) que melhoramentos diferenciaria da benfeitoria
para diferenciar o art. 237 da lógica das benfeitorias. Porque a benfeitoria decorre necessariamente da
atuação humana e há quem defenda que, quando o código usou a expressão melhoramentos, ele
estaria restringindo a hipótese, em que na verdade, o sujeito acaba se beneficiando de um
melhoramento independentemente da sua conduta.
A maioria hoje entende que não é nada disso, a expressão melhoramento é uma expressão genérica
que abrangeria as duas hipóteses, que a própria literalidade diz assim “até a tradição pertence o
devedor a coisa com seus melhoramentos”, “seus” atrelado a coisa e não ao devedor especificamente.
Agora, quer ver um problema gravíssimo aqui, extremamente delicado? Se for benfeitoria, se for
melhoramento voluptuário, não tem dúvida não vamos aplicar. Se for necessário, também não parece
haver muita dúvida, vamos aplicar. Agora a dúvida é se for melhoramento útil, ficamos aí no meio termo.
A posição amplamente dominante é de aplicar aquelas regras dos artigos 1219 e 1220, e aí o cuidado
que se precisa tomar é o seguinte: vamos aplicar os artigos acima usando por analogia o art. 242 que
trata da obrigação de restituir e nós estamos falando da obrigação de dar coisa certa.
Só que o art. 242 tratando da obrigação de restituir diz assim: se para o melhoramento ou aumento
empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas normas desse código atinentes as
benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa ou de ma fé. Quer dizer, o art. 1219, para possuidor de
boa fé e art. 1220 para o possuidor de má fé.
Pergunta.
Resposta: qual é o cuidado que se tem que tomar? Para a maioria, melhoramento abrange tanto
benfeitoria quanto hipótese que não se adequaria a benfeitoria, de eventuais melhoramentos que não
ocorressem da intervenção do possuidor do proprietário. Quer dizer, o art. 242 diz: se para o
melhoramento ou aumento empregou o devedor trabalho ou dispêndio, englobando a hipótese que se
assemelharia a lógica de benfeitoria. Agora, se para esse melhoramento não houve despesa ou
trabalho, aí se usa por analogia o art. 241.
Só que cuidado aqui, vamos olhar o art. 241, porque isso aqui dá pano para manga e pode se enrolar. O
art. 241 trata de obrigação de restituir e ele diz assim: se no caso do art. 238 sobrevier melhoramento ou
acréscimo a coisa sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor desobrigado de indenização.
Quer dizer, os dois dispositivos demonstram que o melhoramento e o acréscimo podem decorrer ou não
de trabalho ou despesa.
Agora, muito cuidado com essa aplicação por analogia aqui porque no art. 241 o legislador está dizendo
que lucrará o credor. Quem é o proprietário da obrigação de restituir? O credor, qual é a lógica do
código civil? A coisa não perece para o dono? Não é o dono que suporta os riscos pela perda ou
declaração sem culpa? Se o proprietário arca com os riscos, o proprietário se beneficia com eventuais
melhoramentos que independem da atuação humana. Quer dizer, se houver uma avulsão
(deslocamento abrupto de terra)? Quem vai se beneficiar é o proprietário porque se a coisa perece para
o dono é justificável que o dono também se beneficie de eventual melhoramento que não dependa da
atuação humana.
Então, muito cuidado, porque vejam bem, vamos usar por analogia o art. 241 só que no art. 241 quem
lucra é o credor, porque o proprietário na obrigação de restituir é o credor.
Usando por analogia a obrigação de dar, quem é que vai lucrar? É o devedor, é por analogia, mas na
verdade o art. 241 fala em credor, mas na obrigação de dar vai ser o devedor. Ou seja, se esse
melhoramento ou acréscimo ocorrer de avulsão, o devedor vai poder exigir aumento do preço, porque
se ele suporta os riscos pela perda ou deteriorização é justificável que o devedor proprietário venha a se
beneficiar de eventuais melhoramentos que independam da conduta de terceiros.
Numa prova objetiva é isso, posição dominante. Se não tivermos limite de linhas para escrever dá para
criticar essa solução legal.
Vamos pensar o seguinte: aplicando o art. 1219 ele traz o mesmo tratamento para benfeitoria
necessária e útil, ou seja, pelo art. 1219 se o possuidor for de boa fé, o devedor vai poder exigir no caso
de benfeitoria útil, vai aplicar o art. 237 para benfeitoria útil.
Só que, vejam bem, quem é possuidor de boa fé? Possuidor de boa fé é aquele que ignora o vício está
lá no art. 1201, quer dizer, sendo pouco técnico e mais prático, quem é o possuidor de boa fé? É aquele
que acha que o bem lhe pertence. Só que nós estamos diante de uma hipótese em que o sujeito tem
plena ciência de que o sujeito tem obrigação de dar, ele sabe que o bem não lhe pertence, ele sabe que
tem que entregar o bem a outrem.
Por isso é criticável essa postura do código que seria na verdade defensável aqui a aplicação por
analogia do art. 35 da lei de locações e do art. 505 do código civil. Nessas hipóteses, o que diz o
legislador? O locatário ele só tem direito de exigir indenização por benfeitorias necessárias e as úteis se
autorizadas e por quê? Obrigação de restituir.
No art. 505, pacto de retrovenda, lembra daquela história? Eu vendo para ela, me reservo o direito
potestativo de reaver o bem, o art. 505 diz que o proprietário resolúvel, ela que adquiriu o bem, ela só
tem direito a ser indenizada pela benfeitoria necessária e a útil se autorizada. Quer dizer, se estou
registrando isso por dois motivos: dá para discutir isso numa prova dissertativa se não tiver limite de
linhas ou se a prova não for tão dissertativa assim, não se esqueçam que temos duas regras especiais
aqui que afastam a incidência dessa solução geral. Quer dizer, essa solução por analogia não se aplica
no caso de locação e no caso de pacto de retrovenda, isso é incontroverso temos aí regras especiais.
O art. 238 começa tratando da obrigação de restituir e aqui a questão é bem simples, acabamos de ver
que na obrigação de restituir, em regra o dono é o credor, se há perecimento sem dolo ou culpa nós já
sabemos que res perit domino. Então, no caso de perecimento ou dolo sem culpa, a obrigação de dar os
riscos correm para o devedor e na obrigação de restituir os riscos correm para o credor.
É isso que ressalta o art. 238: se obrigação for de restituir coisa certa e esta sem culpa do devedor se
perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda e a obrigação se resolvera, ressalvados os seus
direitos até o dia da perda. Então, se estivermos diante de uma locação, até o dia da perda o locador
fará jus aos aluguéis correspondentes, quer dizer, o art. 238 ele nada mais estabelece do que res perit
domino.
O art. 239 não traz grandes ponderações aqui não, sem ler o dispositivo, trata de perda com culpa na
obrigação de restituir. Sem precisar ler o código qual é a solução? Equivalente mais perdas e danos,
está lá no art. 239.
O art. 240 tem duas partes. A primeira menos problemática, na primeira parte o art. 240 trata de
deterioração sem culpa na obrigação de restituir. Então, se não há culpa, nós já sabemos que não cabe
perdas e danos, ressalvadas as exceções que vimos e na verdade há aqui uma peculiaridade, porque o
bem se encontra deteriorado, mas ele pertence ao próprio credor. Então, na verdade qual é a única
solução aqui? Receber o bem deteriorado.
Chamo muito atenção para a parte final do art. 240: se por culpa do devedor observar-se-á o disposto
no art. 239. Então, se for deterioração com culpa, aplica-se o art. 239 e ele diz o equivalente e mais
perdas e danos. Está certo isso? Não, está errado, o código falhou aqui porque estamos falando de
deterioração com culpa e quando a gente ouvir deterioração temos que lembrar de que?
Direito potestativo de escolha e a literalidade do código parece, em tese, ter suprimido esse direito
potestativo de escolha e, por isso, a doutrina é unânime no sentido de que quando o art. 240 parte final
se refere ao art. 239 entenda-se art. 236.
O art. 236 diz sim, o equivalente as perdas e danos ou aceitar o bem no estado em que se encontra
mais perdas e danos. Nesse sentido enunciado 15 do Conselho.
Então qual foi o equivoco do código? Foi se valer de uma regra de perda para equacionar uma hipótese
que é de deterioração, enunciado 15.
Intervalo.
Vamos prosseguir com as obrigações de dar coisa incerta, artigos 243 a 246.
Nas obrigações de dar coisa incerta, o bem não se encontra plenamente individualizado no momento
da celebração do negócio jurídico. Só que não podemos nos esquecer do art. 104, II parte final: é
requisito de validade do negócio jurídico que o objeto seja determinado ou determinável.
Determinável está no meio do caminho, não é determinado e nem indeterminado. Então na verdade, o
art. 243 do código civil vem em harmonia com o art. 104, II parte final (sugiro a remissão aí) porque o
art. 243 diz que a coisa incerta será indicada ao menos pelo gênero e pela quantidade. Porque se não
houver um mínimo indicação de gênero e quantidade, o objeto será indeterminado e sendo
indeterminado não haverá negocio jurídico válido.
Então, se eu me obrigo a entregar 5 cavalos, gênero cavalo, quantidade 5, obrigação de dar coisa
incerta. Se me obrigo a entregar 5 coisas quaisquer não há obrigação de dar coisa incerta validamente
constituída eis que não atendido o art. 243 e o art. 104, II.
Tem uma discussão na doutrina que não tem muito efeito prático, vários autores, Carlos Roberto
Gonçalves, Arnaldo Rizzardo criticam a expressão gênero do art. 243, para eles, melhor seria a
expressão espécie. Lembram do projeto 6960 que está arquivado no congresso? Esse projeto alteraria
a redação do art. 243 e, ao invés de gênero, o projeto inseriria a expressão espécie.
Porque muitos afirmam o seguinte: imaginem em relação aos cereais? O gênero seria cereal, o arroz
seria espécie de cereal. Então, na verdade ninguém se obrigaria a entregar 5 kg de cereais, seria
preciso a especificação do cereal aplicável para que o objeto fosse determinado.
É uma discussão que não tem efeito pratico porque o que muitos afirmam é que na verdade essa
expressão gênero não corresponde necessariamente a definição gênero no sentido técnico e jurídico,
gênero no sentido de espécie.
Essa indeterminação do bem, ela é transitória. Quer dizer, a coisa é incerta no momento da celebração
do negócio, mas quando da execução, quando do cumprimento do contrato, o bem há de estar
individualizado.
Que nome se dá a essa escolha do bem a ser entregue? Concentração, especialização ou
especificação que são expressões sinônimas. Basicamente representam a definição do bem a ser
entregue na obrigação de dar coisa incerta.
O art. 244, 1ª parte traz a presunção relativa de que a concentração cabe ao devedor. Presunção,
evidentemente relativa, porque as partes podem dispor ao contrario. Nada impede, também por razões
óbvias, que a concentração venha a ser atribuída a um terceiro e, nesse caso, aplicável por analogia o
art. 252, IV que é novidade no código.
O art. 252, IV trata de obrigação alternativa, por isso vem por analogia, diz o art. 252, IV que se o titulo
deferir a opção a terceiro e este não quiser ou não puder exercê-la caberá ao juiz a escolha se não
houver a acordo entre as partes.
Cuidado (prova objetiva), porque antes da existência desse dispositivo, art. 252, IV, a maioria da
doutrina defendia que se o terceiro não exercesse a concentração, a concentração passaria ao devedor
por conta da presunção relativa que o código estabelece. Só que com a nova sistemática, a solução
vem por analogia com o art. 252, IV.
A parte final do art. 244 vincula o devedor ao chamado termo médio, diz o art. 244: nas coisas
determinadas pelo gênero e pela quantidade a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar
no título da obrigação, mas não poderá dar a coisa pior e nem será obrigado a prestar a melhor.
Tem uma posição que podemos dizer hoje que está superada, que é uma posição defendida pelo Silvio
Rodrigues, manuais fazem alusão a essa posição dele. O Silvio Rodrigues diz o seguinte: na verdade, o
art. 244 teria vinculado apenas o devedor ao termo médio e como conseqüência, afirma Silvio
Rodrigues, se as partes atribuírem a concentração ao credor este poderá exigir “a nata do gênero”. Quer
dizer, para o Silvio Rodrigues o legislador teria apenas vinculado devedor ao termo médio, o credor
poderia escolher o melhor.
Só que essa posição, ela vem sendo cada vez mais repudiada, porque na verdade essa solução seria
incompatível com o principio da boa fé objetiva. Na verdade, o que inspira o art. 244 seria o princípio da
boa fé objetiva e a vedação ao enriquecimento sem causa.
Tem uma regrinha que traz uma exceção ao art. 244, parte final que é o art. 1931 lá no direito
sucessório, diz lá: se a opção foi deixada ao legatário este poderá escolher, do gênero determinado, a
melhor coisa que houver na herança. Quer dizer, o legatário não se vincula ao termo médio, se a
escolha do objeto do legado lhe for atribuída, art.1931 que é uma exceção ao art. 244, parte final.
Outra questão importante: com a concentração, a obrigação era de dar coisa incerta passa a ser de dar
coisa certa, ou seja, a concentração muda a própria natureza jurídica da obrigação. Nesse sentido, vem
o art. 245 e diz: certificado da escolha o credor, vigorara o disposto na sessão antecedente. A sessão
antecedente trata justamente da obrigação de dar coisa certa.
Cuidado com uma pegadinha aqui para prova objetiva principalmente: o código de 16 dizia “feita a
escolha, vigorará a sessão antecedente”, o código atual mudou isso que diz “certificado da escolha o
credor”. Ou seja, na concentração passou a ser uma declaração receptícia de vontade.
Pergunta.
Resposta: não, a literalidade do art. 244, o Silvio Rodrigues em nenhum momento lembra do art. 1931.
Ele sustenta essa tese em tom de generalidade, ele diz simplesmente que o art. 244 só vinculou o
devedor e que o credor poderia exigir a nata do gênero em qualquer circunstancia.
Na verdade, o art. 1931 seria uma exceção a essa interpretação doutrinaria e não a literalidade do art.
244, mas a essa interpretação doutrinaria que defende que na verdade também o credor se vincularia
ao termo médio. A exceção do art. 1931, sem duvida o legatário entraria numa posição análoga de
credor, quer dizer, nesse caso nós não invocaríamos a boa fé objetiva, enfim tudo isso.
As declarações receptícias de vontade são aquelas que apenas produzem efeitos quando levadas ao
conhecimento do declaratório. Ao passo que as não receptícias, a contrario sensu, produzem efeitos
independentemente do conhecimento do declaratório.
Claro que o art. 245 fala “certificado da escolha o credor”, pressupondo que a concentração foi feita pelo
devedor. Se por ventura, as partes atribuírem a concentração ao credor entenda-se certificado da
escolha o devedor.
Poucos autores, que interpretam essa afirmativa de maneira mais profunda, afirmam que essa
expressão “cientificado” entenda-se colocado o bem a disposição do credor. Quer dizer, não bastaria na
verdade a mera ciência, seria preciso que o bem já estivesse sido colocado a disposição do credor.
Isso pode ter algum efeito prático? Por conta do artigo seguinte. A grosso modo, vamos ver daqui a
pouco, que na obrigação de dar coisa incerta o devedor ele a principio continua a responder ainda que
por caso fortuito ou por força maior.
O Clóvis Beviláqua dizia assim: imagine que alguém compre um restaurante, o garçom vem trazendo
vinho na bandeja e cai, diz o Clóvis Beviláqua, ainda que o garçom tenha avisado o cliente qual seria o
vinho entregue, nós não estaríamos na lógica do art. 245 ainda, na verdade seria preciso ainda que
aquele objeto tivesse sido efetivamente colocado a disposição do credor para que aí sim a obrigação
passasse a ser de que? De dar coisa certa. Quer dizer, não cabe ao devedor dizer que já tinha
reservado esse bem para você, então como já havia reservado e notificado, na verdade aplicar-se –ia o
art. 245. O que a doutrina afirma é que é preciso que o bem seja efetivamente colocado a disposição do
credor.
O art. 246 é uma regra que cai com alguma freqüência, seguinte: regra geral, o devedor se exonera na
hipótese de caso fortuito ou de força maior. O art. 246 é uma exceção ao art. 393, 1ª parte que diz que o
devedor não responde por caso fortuito ou por força maior. Por quê? Vou dar um exemplo: vamos supor
que eu tenha me comprometido a entregar 5 cavalos ao credor quaisquer e se tenho lá no meu sítio 10
cavalos e os 10 vem a falecer sem dolo ou culpa, eu estou exonerado? Não, eu que corra atrás de
outros 5 para cumprir o que havia sido pactuado porque genus nunquam perit, o gênero nunca perece.
É o que consta no art. 246.
Diz o art. 246: antes da escolha não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa ainda que
por força maior ou caso fortuito. Antes da escolha em tese por quê? Porque depois a obrigação passaria
a ser de dar coisa certa.
Perceberam o deslize do código aí? Olha só, o artigo anterior alterou a sistemática, dizendo que a
concentração se efetiva quando cientificado da escolha o credor. Se alterou o art. 245 e esqueceu-se de
alterar o art. 246 que continua com a sistemática anterior dizendo “antes da escolha”.
Aquele projeto 6960, que está arquivado no Congresso, altera a redação do dispositivo. Pelo projeto
ficaria “antes de cientificado da escolha o credor...” e aí viria a redação do art. 246.
Pergunta.
Resposta: numa prova dissertativa sim, mas aí se vai sustentar que na verdade a obrigação ela só se
transforma em dar coisa certa a luz da nova diretriz do art. 245, mencionando projeto. Agora, na prova
objetiva se vier o que está no art. 246 está certo, mas na prova dissertativa aí sim temos que interpretar
o art. 246 ao lado do art. 245. Posição bastante segura da doutrina nesse sentido, tanto é que o projeto
já altera essa sistemática.
Agora o art. 246 comporta exceção, a principal exceção aqui é a hipótese de divida genérica limitada ou
restrita. Parece um contra censo, divida genérica restrita, vamos usar um exemplo parecido com o que
vimos agora: eu me obrigo a entregar 5 dos 10 cavalos que eu tenho no sítio, quer dizer, os meus 10
cavalos são individualizados no contrato e eu me obrigo a entregar 5 daqueles 10. Sem dúvida é uma
obrigação de dar coisa incerta, nós estamos diante de uma divida genérica restrita. Se os 10 cavalos
venham a perecer sem culpa, inaplicável o art. 246.
Piorando um pouco, eu tenho que entregar 5 dos 10, vamos supor que venham a perecer 7 sem dolo ou
culpa, restam 3, mas a obrigação era de entregar 5. Aplicável por analogia a sistemática da deterioração
sem culpa.
Por analogia porque é similar a de um perecimento parcial e ai aplicando por analogia a deterioração
sem culpa, das duas uma, ou o credor vai optar por resolver a obrigação ou ele vai aceitar os 3 cavalos
com o abatimento proporcional do preço.
Piorando um pouco mais, tenho que entregar 50 de 100, perecem 51 sem dolo ou culpa, restam 49. A
princípio aplicável por analogia a sistemática da deterioração sem culpa e um dos caminhos que se abre
na lógica da deteriorização sem culpa, é resolver a obrigação.
Será que vai caber mesmo sempre isso? Não, teoria do inadimplemento substancial. Enunciados 361 e
371 que tratam da teoria do inadimplemento substancial. Claro que o credor pode provar que só lhe
interessa 49, mas a principio aplicável a teoria do inadimplemento substancial.
Essa é a exceção mais importante: é a divida genérica restrita ou limitada. Enunciado 361 e 371.
A doutrina traz alguns outros exemplos esparsos: imaginem que a mercadoria seja importada e haja
rompimento das relações comerciais do Brasil com o pais exportador, se evidencia que não será
efetivamente possível, o cumprimento daquilo que havia sido pactuado.
Disco de vinil, vamos supor que não haja mais aquele disco de vinil disponível no mercado, também
inaplicável o art. 246. Quer dizer, o que a doutrina ressalta com esses exemplos esparsos é que o art.
246 estabelece presunção relativa, resumidamente é isso. Quer dizer, a principio, o devedor não
responde, salvo se ficar evidenciado que na verdade o devedor não teria como efetivamente cumprir o
pactuado.
Pelo projeto 6960 parte final o art. 246 ficaria assim: salvo dívida genérica limitada e quando se extinguir
toda a espécie na qual a prestação se compreende.
Vamos então para as obrigações de fazer: artigos 247 até 249.
Para esses dispositivos, nos interessa lembrar, aquela classificação tradicional segundo a qual as
obrigações de fazer podem ser fungíveis ou infungíveis. As fungíveis são aquelas que podem ser
cumpridas não apenas pelo devedor, mas também por um terceiro. A contrario sensu, as infungíveis são
aquelas que apenas podem ser cumpridas pessoalmente pelo devedor.
Resposta: depende, nada impede que se tenha obrigação de dar a coisa certa envolvendo um bem
fungível. Por exemplo, esse hidrocor, nada impede que contratualmente se estabeleça especificações
desse hidrocor aqui, nº de serie, enfim nos teríamos a principio uma obrigação de dar coisa certa
fungível, a autonomia privada comportaria isso. Mas na ausência de qualquer elemento especifico
envolvendo a relação contratual, nós teremos a obrigação de dar coisa ??? com alguns temperamentos.
Porque diante da fungibilidade, por exemplo, seria aplicado o art. 246 salvo se houver alguma
circunstancia especifica claro, se esse hidrocor tiver algum interesse familiar, se for objeto de uma
doação por um parente querido. Quer dizer, em tese, nós teríamos uma obrigação de dar coisa certa
pela autonomia privada se as partes assim convencionarem, mas na ausência de algum ingrediente
especifico nós teremos uma sistemática anômala, porque dada a fungibilidade aquele bem é substituível
por outro de mesma qualidade, quantidade e espécie.
Em termos práticos, quer dizer, normalmente os bens fungíveis vão gerar obrigação de dar coisa incerta,
quase sempre, mas nada impede disposição em contrario e aí a interpretação acaba sendo casuística.
As infungíveis são personalíssimas, ou seja, intuito personae, não nos esqueçamos que a
infungibilidade ela pode decorrer não apenas do titulo, mas também das circunstancias. Quer dizer,
ainda que não haja uma explicita previsão contratual contemplando a infungibilidade, é possível que se
extraia a infungibilidade das próprias circunstancias contratuais. Quer dizer, se paga um valor muito
superior ao de mercado para determinado profissional renomado, fica evidente a infungibilidade diante
da própria boa fé objetiva, diante da interpretação do negocio jurídico.
Essa classificação é importante para nós aqui, porque esses dispositivos, art. 247 ao art. 249, tratam
das conseqüências do inadimplemento das obrigações de fazer.
Quais são as conseqüências? As mais antigas de todas é perdas e danos. Quer dizer, se há o
descumprimento culposo de uma obrigação de fazer, uma primeira opção que resta ao credor é exigir
perdas e danos.
Graças ao avanço da legislação processual nós temos outro caminho para o credor que seria a busca
pela tutela especifica. Então, uma segunda alternativa do credor é a tutela especifica que, diga-se de
passagem, não necessariamente exclui perdas e danos.
Agora, aqui o cuidado maior que nos interessa, se a obrigação de fazer é fungível pode interessar ao
credor o cumprimento da prestação pelo terceiro, as custas do devedor. Quer dizer, seria uma terceira
opção para o credor nos casos de obrigações fungíveis.
O Tepedino acrescenta aqui dizendo o seguinte: sem duvida, o cumprimento pelo terceiro as custas do
devedor, a principio se aplica as obrigações fungíveis, como diz a doutrina salvo se o credor renunciar a
infungibilidade. Quer dizer, o que o Tepedino afirma é que nada impede que numa obrigação infungível,
o credor possa renunciar a infungibilidade e optar pelo cumprimento da prestação pelo terceiro.
Fica bem simples agora a leitura dos dispositivos, olha só, o art. 247 diz lá: incorre na obrigação de
indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta ou só por ele exeqüível.
Sem duvida, o art. 247 trata de obrigação de fazer infungível.
Percebam que o art. 247 só se refere às perdas e danos porque o código civil é de ???, faltou revisão
aqui, então é importante fazer a remissão do art. 247 do código civil para o art. 461 do CPC para
lembrarmos que além das perdas e danos cabe a tutela especifica.
O art. 249 diz lá: se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar as
custas do devedor, havendo recusa ou mora deste sem prejuízo da indenização cabível. Sem duvida o
art. 249 trata da obrigação de fazer fungível. Vale inclusive a referencia desse art. 249, caput do código
civil para o artigo art. 634 do CPC.
Lá no CPC, o legislador alterou a sistemática do descumprimento por terceiro a custa do devedor. O
procedimento antes era mais complexo, o juiz tinha que fazer uma mini licitação e agora o art. 634
simplifica cumprimento da prestação pelo terceiro as custas do devedor. Se atentem para a prova
objetiva, principalmente esse cumprimento pelo terceiro tem que obedecer ao art. 634 do CPC que é de
regra, quer dizer, ele tem autorização previa.
O código atual trouxe uma novidade no §único do art. 249 que traz para o código civil mais uma
hipótese de autotutela, diz lá: em caso de urgência pode o credor independentemente de autorização
judicial, executar ou mandar executar o fato sendo depois ressarcido. O pressuposto é que haja
urgência, sem duvida, estamos diante de um conceito indeterminado.
Um exemplo que está aí os manuais em geral: vamos supor que eu contrate uma empresa para fazer
obras em encostas que estão na eminência de cair sobre a minha residência. Se a empresa não cumpre
o contrato no tempo acordado e a queda das encostas é eminente, em tese é aplicável o §único do art.
249. É claro que essa autotutela não inibirá o controle jurisdicional diferido do ato.
Obs: talvez essa regra não existisse se o código civil fosse editado hoje, porque toda a tendência do
direito civil é cada vez mais repudiar a hipótese de autotutela e no contexto atual nós temos os
mecanismos de tutela jurisdicional de urgência que não existiam em ??? então talvez a regra não viesse
a tona caso o código fosse editado hoje.
Eu vou fazer uma inversão aqui, ao invés de tratar de obrigação de não fazer, eu vou começar com as
alternativas e depois voltamos para as obrigações de não fazer.
A obrigação pode ser simples ou complexa. Na obrigação simples, nós temos um credor, um devedor e
um objeto (lembrando que o objeto na relação obrigacional é sempre a prestação). Então, se eu me
obrigo a entregar um carro daqui a 60 dias o objeto dessa relação obrigacional não é o carro e sim a
entrega do carro.
Essa é uma das diferenças entre os direitos obrigacionais e os direitos reais, inclusive o objeto do direito
real é a coisa ao passo que o objeto do direito obrigacional é a prestação.
A obrigação complexa pode ser subjetiva ou objetiva. Na obrigação complexa subjetiva nós temos
pluralidade subjetiva num dos pólos da relação obrigacional, quer dizer, mais de um credor e mais de
devedor. A obrigação complexa objetiva pode ser cumulativa ou alternativa, na cumulativa é uma
prestação e outra ao passo que na alternativa é uma ou outra prestação.
O código civil disciplina as obrigações alternativas nos artigos 252 a 256, então qual é a natureza
jurídica das alternativas? Obrigação complexa objetiva. O que há de comum aí entre as obrigações
alternativas e a de dar coisa incerta? É que tanto nas alternativas quanto nas de dar coisa incerta o
objeto é determinável.
Qual é exemplo de objeto determinável? Obrigação de dar coisa incerta e obrigações alternativas. Isso
nos ajuda muito na analise dos dispositivos porque essa indeterminação alternativa também será o que?
Transitória, tal qual nós vimos de dar coisa incerta.
E a definição da prestação a ser cumprida na obrigação alternativa também se chama concentração que
é sinônimo de especialização e de especificação. Mais uma vez o art. 252, caput traz a presunção
relativa de que a concentração cabe ao devedor, a mesma sistemática de dar coisa incerta.
Toda a doutrina afirma, há consenso aqui, que a concentração é presumidamente irretratável, salvo se
houver o chamado pactum de variatione que nada mais é que uma cláusula de retratabilidade da
concentração.
O art. 253 trata da chamada concentração automática ou legal, é uma regra excepcional porque a
concentração, via de regra, decorre da manifestação de vontade, só que no art. 253 é a lei que fixa a
concentração.
Diz lá o dispositivo o seguinte: se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se
tornada inexeqüível subsistirá o débito quanto a outra. Então, se eu tenho que entregar o carro ou a jóia,
o que o art. 253 está dizendo? Se perece o carro, há concentração automática na jóia e o art. 253 na
concentração legal exclui perdas e danos, apenas diz que concentra na remanescente.
Diante disso, a doutrina firma que temos duas hipóteses de aplicação do art. 253, uma primeira mais
simples, é se o perecimento se dá sem culpa de uma das prestações. Porque se o perecimento não
culposo a principio o devedor não responde por perdas e danos, então a solução é concentrar
automaticamente na remanescente.
Pensando numa prova dissertativa, só não vai aplicar isso quando? Naquelas exceções, lembra que o
devedor assume os riscos pelo fortuito, quer dizer, se o devedor assume os riscos pelo fortuito e a
concentração cabia ao credor, por exemplo, aí vai poder optar ou pela subsistente ou pelo equivalente
mais perdas e danos, mas regra geral com perecimento sem culpa de uma concentra automaticamente
na outra e não há que se falar em perdas e danos.
A segunda hipótese chama mais a atenção, que é perecimento com culpa do devedor desde que a
concentração caiba ao próprio devedor. Vamos tomar cuidado que essa solução é exceção a regra geral
porque quando se fala em perecimento culposo, a gente lembra logo de que? De perdas e danos.
Mas se eu tenho que entregar um carro ou a jóia e a concentração cabe a mim, se embriagado, em
excesso de velocidade, eu obstruiu o carro, o credor não pode exigir perdas e danos porque a
concentração tem a natureza de direito potestativo. O credor não apitava na escolha, quer dizer, a
escolha cabia exclusivamente ao devedor, o credor não tem abalada qualquer expectativa.
O art. 254 traz uma redação extremamente confusa que diz: se por culpa do devedor não se puder
cumprir nenhuma das prestações, não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar
o valor da que por último se impossibilitou mais as perdas e danos que o caso determinar.
Qual a diferença do art. 254 para o art. 253? É que no art. 254 a impossibilidade por culpa se dá nas
duas prestações e no art. 253 a impossibilidade é de apenas uma, quer dizer, as duas se tornam
impossíveis por culpa do devedor não competir ao credor a escolha.
Vamos pensar aqui imaginando na prova objetiva, olha só, nós acabamos de ver no art. 253 que tenho
que entregar o carro ou a jóia, a concentração não cabe ao credor, cabe a mim e eu dou causa ao
crescimento culposo do carro, o que acontece? Há concentração automática na jóia. Então, a obrigação
que era alternativa passa a ser de dar coisa certa, se eu dou causa ao oferecimento culposo da jóia é o
equivalente da jóia mais perdas e danos. Por isso, o equivalente do que por ultimo se perecer, mais as
perdas e danos, quer dizer, o art. 254 é uma decorrência do art. 253.
Por isso, inclusive muitos autores dizem que aquela segunda solução do art. 253 não está prevista no
código, mas se interpretarmos sistematicamente aquela segunda hipótese do art. 253 ela está
implicitamente prevista no art. 254 porque a premissa do art. 254 é a de que possamos aplicar o art. 253
naquela segunda circunstancia.
Querem ver uma situação delicada e que o código também não enfrenta? Vamos supor que temos a
obrigação alternativa de dar o carro ou a jóia, a concentração cabe ao devedor e embriagado e em
excesso de velocidade destruiu o carro. Concentração automática na jóia.
Vamos supor que haja o perecimento da jóia por caso fortuito e força maior, se a gente for aplicar
literalmente o código qual seria a solução? Resolve-se e o credor nada poderia exigir. Mas, percebam
que hoje, houve anteriormente um perecimento culposo, então na verdade o que se sustenta é que
nesse caso o credor poderia optar pelo equivalente mais perdas e danos daquela primeira prestação
perecida. Quer dizer, nós não poderíamos aplicar nua e cruamente o direto positivo a luz do principio da
boa fé objetiva, seria possível o credor invocar o equivalente mais perdas e danos da primeira
prestação.
O único autor que achei tratando desse tema foi o Arnaldo Rizzardo, ele explicitamente defende essa
posição.
O art. 255 trata aí de uma hipótese que difere da que vimos até aqui porque no art. 255 a concentração
cabe ao credor e aí claro que a lógica é diferente porque se a concentração cabe ao credor e há o
crescimento culposo de uma das duas prestações sem duvida há uma frustração ao direito potestativo
do credor.
O art. 255, 1ª parte diz: quando a escolha couber ao credor e uma das prestações tornar-se impossível
por culpa do devedor, o credor terá direito de exigir a prestação subsistente ou o valor da outra, com
perdas e danos. Aí o código diz que o credor pode exigir a prestação subsistente ou o valor da outra,
com perdas e danos.
Controvérsia aí, qual a abrangência das perdas e danos? A controvérsia é a perdas e danos. Primeira
posição, defendida pelo Leoni, pelo Arnaldo Rizzardo e pelo Flávio Tartuce: eles defendem que o credor
pode optar pelo equivalente mais perdas e danos ou a prestação subsistente, mais perdas e danos.
Qualquer que fosse a escolha do credor ele poderia exigir perdas e danos. Inclusive o Leoni se apega
bastante a literalidade do art. 255, porque ele diz: o credor terá direito de exigir a prestação subsistente
ou o valor da outra, com perdas e danos. Quer dizer, essa vírgula teria o condão de propiciar ao credor
possibilidade de exigir perdas e danos, em qualquer das duas hipóteses.
A posição predominante é a segunda: Caio Mário, Carlos Roberto Gonçalves e Gustavo Tepedino. Para
essa posição, o credor pode optar entre o equivalente mais perdas e danos ou a prestação subsistente.
Quer dizer, se o credor optar pela prestação subsistente ele não poderia exigir perdas e danos, e por
quê? Vedação ao enriquecimento sem causa. Quer dizer, se o credor pudesse optar pela prestação
subsistente e mais perdas e danos, o credor lucraria com a culpa do devedor.
A parte final do art. 255 resolve uma pergunta que normalmente é feita pelo espírito de porco, seguinte:
e se a jóia estiver dentro do carro? A parte final do art. 255 diz: se por culpa do devedor, ambas as
prestações se tornarem inexeqüíveis, poderá o credor reclamar o valor de qualquer das duas mais
perdas e danos.
Qual é a lógica? Se as duas prestações se perecem, ainda que simultaneamente, se a concentração
cabe ao credor, o credor vai optar pelo equivalente em qualquer das duas mais perdas e danos. Se a
concentração cabia ao devedor, a contrario sensu, o devedor é quem vai optar pelo equivalente de
qualquer das duas mais perdas e danos. É só projetar a concentração para o equivalente mais perdas e
danos.
Para fechar, questão que cai sistematicamente e caiu nesta ultima prova para advogados do BNDES.
Não confundir obrigação alternativa com obrigação facultativa.
Na obrigação facultativa, que não tem previsão legal, não tem sistematização legal, a prestação devida
é apenas uma, porém, se reserva ao devedor a prerrogativa de se eximir do vinculo obrigacional
cumprindo prestação diversa.
Prerrogativa ai é a palavra chave porque quando se fala em prerrogativa do devedor estamos falando do
direito potestativo, ou seja, a prestação devida é apenas um, porém o devedor tem a prerrogativa, tem o
direito potestativo de se exonerar cumprindo prestação diversa.
Por exemplo: a minha obrigação é de entregar o carro, porém as partes atribuem a mim a faculdade de
me exonerar do vinculo entregando a jóia no lugar do carro. Prerrogativa, qual é o efeito pratico disso? É
o que normalmente se cobra em prova, a prestação facultativa é inexigível pelo credor porque a
prestação facultativa é uma prerrogativa, é um direito potestativo do devedor.
Então, se a minha obrigação é de entregar o carro e a facultativa é a jóia e eu dou causa ao
perecimento culposo do carro? O que credor pode exigir? Equivalente mais perdas e danos. Apenas e
tão somente isso, o devedor é que pode afastar essa pretensão, cumprindo a prestação facultativa.
Se há perecimento sem culpa do carro o que o credor pode exigir? A resolução da obrigação, o devedor
pode afastar a resolução da obrigação cumprindo a prestação facultativa.
Caiu na prova objetiva do BNDES afirmando que no caso de inadimplemento da prestação principal o
credor pode exigir a facultativa. (falso).
Pergunta.
Resposta: não necessariamente, vai depender do que for acordado, quer dizer, pelo principio da
autonomia privada. Claro que, em termos práticos, o credor normalmente vai barganhar isso, mas enfim
nada impede que tenhamos um valor similar e a prestação facultativa tendo que ser cumprida no mesmo
prazo da prestação principal.
Pergunta.
Resposta: não, porque as perdas e danos pressupõem inadimplemento, quando há facultativa, quer
dizer, que nós podemos ter o mesmo prazo para a facultativa para a prestação principal porque aí nós
não teríamos propriamente inadimplemento.
Antes de dar prosseguimento, gostaria de só registrar que em relação as obrigações facultativas a idéia
básica que nós vimos é que a prestação devida é apenas uma só que se reserva a possibilidade do
devedor cumprir prestação diversa daquela que é efetivamente devida. Essa é a diferença essencial
entre a facultativa e a alternativa porque a possibilidade de cumprir a prestação diversa é uma
prerrogativa, é um direito potestativo do devedor, ou seja, a prestação facultativa ela é inexigível pelo
credor.
Só salientar aqui o seguinte: nós temos alguns autores, o próprio Carlos Roberto Gonçalves que
continuam trazendo como exemplo de obrigação facultativa, previsto no código, a atual redação do art.
1382. Que é basicamente o seguinte: a principio, quando há o direito real de servidão, se é necessário a
realização de obras para o exercício da servidão, o custeamento presumidamente cabe ao dono do
prédio dominante. Quer dizer, na medida em que é o dono do prédio que se beneficia da servidão, então
a ele cabe custear as obras, salvo acordo em contrário, as partes podem acordar diversamente.
Aí o art. 1382 diz: quando obrigação incumbir ao dono do prédio serviente, este poderá exonerar-se
abandonando total ou parcialmente a propriedade ao dono do dominante. Quer dizer, a obrigação do
dono do prédio subserviente desde que acordado neste sentido seria de custear as obras, só que ele
poderia se eximir dessa obrigação de custear as obras abandonando o prédio. Quer dizer, seria um
exemplo de obrigação facultativa, o credor não pode exigir o abandono do prédio, o credor só pode
exigir o custeamento das obras.
Só que, vamos tomar cuidado, porque o nosso código atual trouxe o §único ao art. 1382, esse parágrafo
não havia no código de 16, não existia antes e esse §único agora diz: se o proprietário do prédio
dominante se recusar a receber a propriedade do serviente ou parte dela, caber-lhe-á custear as obras.
Ou seja, com a inserção do §único parece que o art. 1332 não mais trata de obrigação facultativa
propriamente dita porque esse parágrafo permite ao dono do prédio dominante recusar o abandono e,
obviamente, dentro da lógica das obrigações facultativas como vimos, o credor não pode se recusar a
receber a prestação facultativa, é um direito potestativo do devedor. Então, com a inserção do §único,
aparentemente, não se trataria aí mais de obrigação facultativa.
Como possível exemplo de obrigação facultativa prevista no código nós temos o art. 1234 que trata da
descoberta: aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo antecedente, terá direito a uma
recompensa não inferior a 5% do seu valor e a indenização pelas despesas que houver feito com a
conservação e transporte da coisa se o dono não preferir abandoná-la. Quer dizer, o abandono é uma
prerrogativa exclusiva do dono, nós teríamos aí uma obrigação facultativa.
Há ainda uma controvérsia em relação ao contrato estimatório que está nos artigos 534 a 537 que é a
venda em consignação muito comum em automóveis e carros. Exemplo: deixo meu carro numa
concessionária, digo que quero 30 mil e o que você apurar a mais é seu. Então, o consignante deixa o
carro com o consignatário e aí o consignatário pode enfim vender por um valor superior e ficar com o
lucro correspondente.
Vamos dar uma lida no art. 534, só nesse contexto que estamos vendo aqui, diz lá: pelo contrato
estimatório, o consignante entrega bens móveis ao consignatário e fica autorizado a vendê-los pagando
aquele preço ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido restituir-lhe a coisa consignada.
Por que muitos autores afirmam aqui que nós teríamos uma obrigação facultativa? Porque o código diz
“salvo se preferir”. Quer dizer, a obrigação a principio é de vender e pagar o preço esperado pelo
consignante, salvo se o signatário preferir restituir-lhe a coisa consignada. Então, essa expressão “salvo
se preferir” vários autores afirmam que teríamos uma obrigação facultativa e nesse sentido temos
Gustavo Tepedino, Venosa, Arnaldo Rizzardo e Maria Helena Diniz.
Isso não chega a ser unânime, temos alguns autores que defendem que no contrato estimatório, apesar
da redação “salvo se preferir” do art. 534, alguns afirmam que nós teríamos aqui uma obrigação
alternativa.
Um dos argumentos seria a redação do art.535 que diz lá: o consignatário não se exonera da obrigação
de pagar o preço se a restituição da coisa na sua integridade se tornar impossível ainda que por fato a
ele não imputável.
Lembra da obrigação alternativa de que se perece uma das duas sem culpa, concentração automática
na outra (art. 253)? Quer dizer, o que essa 2ª corrente afirma é que o art. 535 vem em harmonia com o
art. 253 porque na verdade o art. 535 estaria estabelecendo uma concentração automática na
remanescente, de maneira coerente com uma das obrigações alternativas no art. 253.
Inclusive, esse argumento está dizendo que se fosse facultativa, o art. 535 seria desnecessário, porque
se a obrigação de restituir é a prestação facultativa e há o perecimento sem culpa da prestação
facultativa, é claro que a prestação principal permanece intacta. Quer dizer, o art. 535 seria
desnecessário se por ventura se tratasse de obrigação facultativa.
Então, a 2ª corrente defende que temos uma obrigação alternativa, ou seja, pagar o preço ou restituir a
coisa e nesse sentido inclusive aparentemente o Enunciado 32 do Conselho, Caio Mário, Flávio Tartuce
assim se posicionam.
Salvo engano, nós pulamos as obrigações não fazer, não é isso? Sim, então vamos lá. Obrigações de
não fazer.
Elas estão disciplinadas nos artigos 250 e 251 e são sinônimo de obrigação negativa. O próprio código
civil usa essa terminologia obrigação negativa no artigo 390 e sugiro a remissão desses artigos 250 e
251 para o art. 390 que diz: nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia
em que executou o ato de que se devia abster. Então, o art. 390 usa a expressão “obrigação negativa”,
se referindo as obrigações de não fazer.
Um campo muito fértil das obrigações de não de fazer, sempre foi os dos direitos reais, tanto os direitos
reais quanto os direitos da personalidade, sempre propiciaram um âmbito muito fértil para a aplicação
das obrigações de não fazer. Todos sabem que em decorrência de um direito real, de um direito da
personalidade surge quase sempre um dever de abstenção que goza inclusive de oponibilidade erga
omnes.
Só que é importante consignar que o princípio da boa fé objetiva traz um novo ambiente para as
obrigações de não fazer, o principio da boa fé objetiva amplia o âmbito de incidência das obrigações de
não fazer, notadamente, através do deveres anexos. Sem dúvida nós temos deveres anexos que
envolvem sigilo, envolvem abstenção e que, portanto acabam gerando obrigações de não fazer.
Tinha até uma questão que era discutida no direito empresarial e que agora o código civil positivou, que
era aquela discussão sobre a cláusula de não restabelecimentos, estão lembrados? A discussão se o
alienante, quando ele vendia o estabelecimento, se ele poderia ou não se restabelecer na mesma
localidade, na mesma atividade se não houvesse cláusula proibitiva.
Quer dizer, toda discussão envolvia o que? Obrigação de não fazer decorrente do dever anexo. O
código agora trata do tema no art. 1147 que diz: não havendo autorização expressa, o alienante do
estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente nos 5 anos subseqüentes a transferência.
Quer dizer, o art. 1147 impõe uma obrigação de não fazer, sem dúvida sob a inspiração da boa fé
objetiva.
Tem algumas discussões envolvendo o direito do trabalho, sugere repercussões também aquelas
cláusulas comuns em contratos de trabalho envolvendo executivos, em que se impõe ao executivo a
obrigação de, rompida a relação de emprego, ele não laborar com o concorrente e aí se discute em que
medida essa obrigação de não fazer, prevista contratualmente, violaria ou não o acesso ao trabalho. Em
que medida essa cláusula atingiria ou não a dignidade da pessoa humana.
O que vem se sustentando é a possibilidade de fazer uma espécie de ponderação aí, porque por um
lado nós temos os interesses legítimos da pessoa jurídica, que tem o direito legitimo ao sigilo em relação
a informações privilegiadas, mas por outro nós temos um legítimo interesse de acesso ao trabalho por
parte do ex-executivo.
Como ponderar isso, o que vem se sustentando? O Tepedino inclusive é um dos defensores dessa tese,
é a admissibilidade dessa cláusula desde que tenhamos limitações de ordem temporal e espacial e que
essa quarentena seja remunerada pelo ex-empregador. O mais importante aqui, sem duvida, em
eventual prova dissertativa é fazer essa conexão entre a obrigação de não fazer e o princípio da boa fé
objetiva.
A sistemática em si dos ??? é muito simples, o art. 250 trata do inadimplemento sem culpa com a
obrigação de não fazer, quer dizer, eu convenciono com o vizinho, faço um contrato com ele e nós
acordamos no sentido de que nenhum de nós vai poder levantar o muro a partir de determinada altura.
Ambos assumem uma obrigação de não fazer e por força da legislação municipal superveniente um dos
dois ou ambos são constrangidos a levantar o muro descumprindo aquilo que havia sido acordado. Nós
teremos um inadimplemento sem culpa, qual é a conseqüência? Resolve-se a obrigação, está lá no art.
250.
O art. 251 trata do inadimplemento culposo e o como não poderia deixar de ser prevê que no caso de
inadimplemento culposo caberá perdas e danos.
Cuidado, caiu na prova para MPT, o art. 251 que além de contemplar perdas e danos ele também prevê
tutela especifica e qual seria a tutela especifica aí? O desfazimento.
Sobre essa questão do desfazimento é importante lembrar de uma classificação doutrinária, segundo a
qual, a obrigação de não fazer ela pode ser instantânea ou permanente. A obrigação de não fazer
instantânea é aquela que não permite o retorno ao status quo ante, por exemplo, dever de sigilo.
Se alguém transgride um dever de sigilo, dificilmente será possível o desfazimento, quer dizer, ainda
que haja eventual retratação dificilmente vai conduzir ao status quo antes. Ao passo que na obrigação
de não fazer permanente sem dúvida é possível o desfazimento, ou seja, o retorno ao status quo ante.
Então, na verdade essa possibilidade de exigir o desfazimento, ela só se aplica as obrigações de não
fazer permanentes, em relação as obrigações instantâneas o juiz deve levar em conta a instantaneidade
da obrigação de não fazer na hora de fixar as perdas e danos.
Então, vamos começar a tratar, das obrigações divisíveis, indivisíveis e solidárias.
Pergunta.
Resposta: o nosso código atual, inclusive sobre essa questão, houve uma mudança do código de 16
exatamente sobre esse tema aí.
O atual art. 390, que prevê as obrigações negativas, ele no código de 16 estava dentro do capítulo da
mora e, se formos olhar agora topograficamente, o art. 390 que trata das obrigações negativas ele saiu
das obrigações da mora e está no capítulo do inadimplemento absoluto.
Ele vem em harmonia com toda a crítica doutrinária anterior porque os doutrinadores são unânimes em
afirmar “quando alguém descumpre uma obrigação de não fazer nós não teríamos propriamente a mora,
nós não teríamos propriamente o atraso”. Quer dizer, o descumprimento de obrigação de não fazer
configura inadimplemento absoluto, tanto é verdade que o próprio direito positivo alterou a sistemática
anterior e no art. 390, agora, o legislador trata as obrigações de não fazer no capítulo do
inadimplemento absoluto. Vamos voltar a isso mais adiante quando voltarmos a falar no
inadimplemento.
Então, vamos para as obrigações divisíveis, indivisíveis e solidárias. Lembrando da aula passada, que
colocamos um quadro sinótico aqui e essas obrigações entraram dentro da obrigações complexas
subjetivas.
Estou ressaltando isso porque soa muito estranho o fato de que toda a doutrina afirma que essa
classificação seria subjetiva, toda a doutrina afirma “obrigação divisíveis, indivisíveis e solidárias
classificação subjetiva”. Por que parece estranho? Porque o que é divisível ou não é a prestação e a
prestação é justamente o objeto da relação obrigacional.
Só que na verdade essa classificação é tida como subjetiva porque ela ganha relevância quando há
pluralidade subjetiva, quer dizer, ela ganha relevância quando há mais de um credor e ou quando há
mais de um devedor. Quando não houver pluralidade subjetiva, aplicável o art. 314 que estabelece a
presunção de indivisibilidade nas obrigações simples.
Diz o art. 314: ainda que as obrigações tenham por objeto prestação divisível, não pode o credor ser
obrigado a receber e nem o devedor a pagar por partes se assim não se ajustou.
Vamos começar vendo a sistemática das obrigações divisíveis que vem lá no art. 257 que traz o
chamado concurso partes fiunt As obrigações divisíveis são aquelas suscetíveis de cumprimento
fracionado e aí diz o art. 257: havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação
divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações iguais e distintas, quanto os credores ou
devedores.
Exemplo típico de obrigação divisível é a obrigação pecuniária. O art. 257 diz que essas obrigações aqui
resumem-se iguais e distintas. Parece até um contra censo, “iguais e distintas”.
Quando o art. 257 usa a expressão iguais, entenda-se iguais sob o aspecto quantitativo, então a
presunção do art. 257 é de que se a divida é de 30 mil envolvendo 3 devedores, cada um deles
responde por 10 mil e obviamente nós estamos diante de uma presunção relativa. Quer dizer, nada
impede que as partes disponham diversamente. Quando o código usa a expressão “distintas” é no
sentido de serem autônomas, efeito prático disso.
Se o D3 é insolvente, tem rateio da quota de insolvente? Não, porque a relação que o C tem para com o
D3 é autônoma da relação que o C tem para com D2 que é autônoma com a relação que o C tem para
com o D1. Quer dizer, se há insolvência de um dos devedores, quem suporta a insolvência é o credor,
porque as obrigações são distintas, ou seja, são autônomas.
Outra manifestação pratica, se o credor interrompe a jurisdição em face do D1, essa interrupção em face
do D1 atinge os demais? Não, art. 204, caput. Talvez eu fizesse essa remissão aí do art. 257 quando
ele usa a expressão “distintas” eu jogaria para o art. 257, caput para lembrarmos na prova dissertativa
de fazermos essa conexão.
As obrigações indivisíveis vêm tratadas nos artigos 258 e seguintes, essas obrigações são aquelas
insuscetíveis de cumprimento fracionado.
Uma das novidades que o código trouxe sobre o tema é o art. 258, não havia esse dispositivo antes e
diz assim: a obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não
suscetíveis de divisão por sua natureza, por motivo de ordem econômica ou dada a razão determinante
do negócio jurídico. Na prática, quase sempre a obrigação vai ser indivisibilidade por sua própria
natureza da prestação.
O exemplo clássico de obrigação indivisível por força da natureza da prestação envolve obrigações de
dar um ??? certo ou um objeto determinado. Quer dizer, obrigação de entregar um carro, uma jóia, um
animal sem dúvida alguma é uma obrigação indivisível por sua própria natureza.
Só que o código diz que além da indivisibilidade pela natureza nós teríamos também a indivisibilidade
por motivo de ordem econômica. Quer dizer, notadamente haverá indivisibilidade por motivo de ordem
econômica, quando? Quando do fracionamento, da divisão, as partes resultantes não obtenham valor
proporcional.
Exemplo que a doutrina costuma trazer é em relação ao diamante, o diamante seria o exemplo de que
quanto maior o diamante maior a pureza, maior o valor, quer dizer, se houver o fracionamento a divisão,
as partes resultantes desse fracionamento não guardarão o valor proporcional. Então, uma razão de
ordem econômica propiciaria a indivisibilidade envolvendo o diamante por exemplo.
O Venosa traz um exemplo curioso: imagine que alguém viva de vender grampos, só que só é possível
um lucro razoável na venda de grampos se a venda ocorrer em larga quantidade. Então, se houver a
divisibilidade dessa obrigação na verdade a venda de poucos, escassos grampos não propiciaria
qualquer aptidão lucrativa para o negócio e, portanto nós teríamos aí uma indivisibilidade em razão de
ordem econômica.
O código fala ainda em indivisibilidade dada a razão determinante do negócio jurídico. Um exemplo aqui
de indivisibilidade resultante da natureza, da razão do negócio, que os autores trazem envolve shopping
center.
Porque a aptidão de lucro, a aptidão para atrair a clientela decorre justamente do Mix, daquele conjunto
de estabelecimentos enfim de caracteres distintos chamados. Então, na verdade nós teríamos aqui uma
indivisibilidade pela própria razão determinante do negócio jurídico.
Além dessas hipóteses previstas no art. 258, a doutrina ressalta a possibilidade de indivisibilidade por
determinação legal, por exemplo, o art. 1386 que prevê a indivisibilidade do direito real de servidão.
Outro exemplo, o art. 1421 que prevê a indivisibilidade da garantia real e esse artigo diz lá: o pagamento
de uma ou mais prestação da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que
esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa do titulo ou na quitação.
Quer dizer, o que o art. 1421... Só que se nós temos três imóveis hipotecados, para garantir uma divida,
na medida em que a divida vai sendo paga nós não teremos extinção parcial da garantia porque a
garantia real ela é indivisível não há como fracioná-la. Na verdade, a garantia real se extinguirá em
totalidade quando no cumprimento integral das prestações. Não dá, para no mínimo discutir o art. 1421
no caso de inadimplemento substancial, é no mínimo sustentável a possibilidade de mitigar a
indivisibilidade legal da garantia real no caso de inadimplemento substancial.
Outro exemplo de indivisibilidade legal é o art. 28 da lei 6404/76 que prevê as ações como sendo
indivisíveis.
Além da indivisibilidade, por determinação legal, a doutrina também é bastante firme no sentido do
cabimento da indivisibilidade convencional. Um exemplo que é fruto da autonomia privada, nós teríamos
no art. 1320, §1º que diz: podem os condôminos acordar que fica em divisa a coisa comum por prazo
não maior de 5 anos, suscetível de prorrogação anterior. Quer dizer, podem as partes convencionar a
indivisibilidade e essa indivisibilidade por força de convenção também é chamada de indivisibilidade
intelectual ou subjetiva. Então, são expressões sinônimas a indivisibilidade convencional, intelectual e
subjetiva.
Vamos rapidamente aqui nos lembrar da sistemática geral das obrigações indivisíveis, para podermos
apresentar temas mais específicos.
Vamos supor que a obrigação é a entrega de um automóvel que tenha o valor de mercado de 30 mil
reais, obrigação, evidentemente, indivisível. Quando nós nos depararmos com uma obrigação
indivisível, é interessante nós nos lembrarmos que nós temos as relações externas e também as
internas.
As relações externas são aquelas mantidas entre pólos distintos e qual é a tônica das relações externas
aqui? Como a obrigação é infracionável, o credor pode exigir prestação por inteiro de qualquer dos
devedores.
Vamos supor que o D1 entregue o carro para o credor e, quando ele entrega, o que acontece com as
relações externas? Extingue, quer dizer, o cumprimento integral de uma das prestações por um dos
devedores extingue as relações externas, o credor não tem mais nada a pretender de ninguém.
No exato momento em que se extingue as relações externas, se iniciam as relações internas, relação
aqui de causa e efeito, um dos devedores cumpre tudo, se extingue as externas e imediatamente se
iniciam as relações internas. Então o D1, que entregou o carro, vai poder exigir 10 mil do D2 e 10 mil do
D3.
Diz o art. 259: se havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível cada um é obrigado
pela divida toda. O art. 259,caput trata de relações externas e aí o §único diz: o devedor que paga a
divida subroga-se no direito do credor em relação aos outros co-brigados. Esse parágrafo trata das
relações internas.
O Carlos Roberto Gonçalves traz uma observação interessante aqui porque o art. 259, §único traz uma
hipótese de subrogação legal, estamos diante de uma hipótese de subrogação legal e vamos nos
lembrar que a sub-rogação legal se dá basicamente quando se há o pagamento pelo terceiro
interessado, art. 346 que trata lá das hipóteses de sub-rogação legal.
E aí o Carlos Roberto Gonçalves afirma que quando um dos devedores entrega a prestação por inteiro,
na verdade ele está efetuando o pagamento de um valor correspondente a dos demais devedores como
um terceiro interessado. Porque na verdade os três devem a entrega do automóvel e aquilo que acresce
a sua própria divida corresponderia a hipótese de que o D1 tivesse efetuando o pagamento das parcelas
de D2 e D3 como um terceiro interessado. Então, a lógica da sub-rogação legal prevista no dispositivo
viria em harmonia com a lógica do terceiro interessado.
Se for pluralidade de credores é a mesma coisa, quer dizer, aqui nós temos as relações externas e entre
C1, C2 e C3 as relações internas. Se a obrigação é indivisível não tem como o devedor entregar 1/3 do
carro para cada um, então se o devedor entrega para o C 1 o automóvel, se extingue as relações
externas e nesse exato momento se iniciam as relações internas. Quer dizer, o C1 que recebeu o carro
sozinho vai ter que passar 10 mil para o C2 e 10 mil para o C3. Tudo bem? Esta é a sistemática geral.
Em relação à pluralidade de credores, que acabamos de ver, diz lá o art. 260: se a pluralidade for dos
credores poderá cada um destes exigir a divida inteira, mas o devedor ou devedores se desobrigarão
pagando, inciso I a todos conjuntamente e inciso II a um dando este caução de ratificação do outros
credores.
Essa caução de ratificação nada mais é do que uma autorização dos outros credores. Então, percebam
que se os devedores não conseguem reunir os credores e se nenhum deles tem a caução de
ratificação, o que resta ao devedor para ser eximido o vínculo obrigacional? Efetuar o pagamento em
consignação.
Essa exigência de caução de ratificação para as obrigações indivisíveis é uma das diferenças entre
indivisibilidade e solidariedade porque nós veremos que na solidariedade ativa não se exige caução de
ratificação.
O art. 260 trata das relações externas e o art. 261 diz: se um só dos credores receber as prestações por
inteiro, a cada um dos outros assistirá o direito de exigir dele em dinheiro a parte que lhe caiba no total.
O art. 261 trata das relações internas.
Importante aqui é a análise do art. 262 e a redação desse artigo não é das mais felizes, isso caiu na
última prova para PFN. Olha só, o art. 262 tem duas partes: a primeira perfeita que diz se um dos
credores remitir a divida, a obrigação não ficará extinta para com os outros. Então, se o C1 perdoar o
devedor, o perdão do C1 não extingue o crédito de C2 e de C3. A primeira parte do art. 262 vem em
harmonia com o art. 385, parte final que diz que a remissão da divida não pode prejudicar terceiro.
O problema vem agora, diz o art. 262: se um dos credores remitir a divida, a obrigação não ficará extinta
para com os outros, mas estes só poderão exigir descontada a quota do credor remitente.
Se aplicarmos o que está aí, como seria? Se o C1 perdoar o devedor, este perdão não extingue o
crédito de C2 e de C3, mas eles só podem exigir descontada a cota de C1. Ou seja, se aplicarmos o que
está ai, o C2 e C3 poderiam exigir 2/3 do carro, só que a obrigação ela é por natureza indivisível não há
como proceder esse fracionamento nas relações externas.
Então, o que já se consolidou aqui? Como a obrigação é indivisível, o C2 e C3 vão poder continuar a
exigir a entrega do automóvel, vamos supor que o devedor entregue o automóvel para C2 e C3. Em
termos numéricos se o C2 e C3 repartirem o automóvel o que aconteceria? 15 para o C2 e 15 para o
C3, está claro que há uma gordura aí para cada um. Quer dizer, na verdade a cota do C1, aquela que
ele perdoou, acabou vindo 5 mil para C2 e 5 mil para C3 e é claro que esse perdão não pode beneficiar
C2 e C3 , o perdão tem que beneficiar o devedor.
Se o C1 quisesse beneficiar C2 e C3 ele não teria feito uma remissão de divida e sim uma cessão de
crédito. Então o que acontece aqui? O devedor entrega o carro e ele passa a ser credor de C2 de 5mil
reais e passa a ser credor de C3 também no valor de 5 mil reais. Quer dizer, o devedor entrega a
prestação por inteiro, e ele passa a titularizar um crédito em face de C2 e de C3, titulo esse
correspondente a cota do C1.
Projeto 6960 altera inclusive a redação do dispositivo dizendo exatamente isso, que na verdade a
prestação ela vai ser cumprida por inteiro e o devedor que cumpre por inteiro passa a titularizar um
crédito correspondente aquela cota em face dos outros credores.
Tem uma observação importante que é trazida pelo Gustavo Tepedino, Carlos Roberto Gonçalves que
na verdade é inspirada numa posição Tito Fulgêncio que já defendia essa hipótese a algum tempo atrás,
o que esses autores afirmam? Pela sistemática geral, o C2 e o C3 continuam como credores deduzida a
parcela de C1 e esses autores afirmam que, salvo se o perdão por parte C1 em nada beneficiar o
devedor ou se o perdão de C1 em nada beneficiar C2 e C3... Qual o exemplo que esses autores
trazem? Parece inimaginável isso não é? Porque a gente pensa obrigação pecuniária, a gente pensa é
lógico que vai beneficiar C2 e C3. Mas o exemplo que esses autores trazem é o seguinte: vamos supor
que a obrigação do devedor seja de construir uma servidão paisagística em favor de C1, 2 e C3. É uma
obrigação por natureza indivisível.
Se o C1 perdoa isso, causa algum beneficio a C2 e a C3? Não, como não causa nenhum tipo de
beneficio a C2 e C3 essa remissão por parte do C1 no que diz respeito a construção de uma servidão
paisagística, não tem nenhum desconto da cota do credor remitente. Quer dizer, a obrigação fica como
antes, só que aquela obrigação de constituir a servidão paisagística, só será exigida por parte de C2 e
C3.
Quer dizer, regra geral, tem que descontar a cota do remitente salvo se ficar demonstrado, como nesse
caso, que o perdão por parte de C1 em nada beneficia diretamente C2 e C3. Porque se não há qualquer
beneficio a C2 e C3 não há porque se falar em desconto, não há porque se falar em dedução.
Tem uma posição aqui, minoritaríssima, defendida pelo Carlos Roberto Gonçalves, ele sustenta que
nesse caso aí que acabamos de ver o devedor tem direito de retenção pela cota do credor remitente.
Ele defende isso porque o art. 262 diz: mas estes só poderão exigir descontada a cota do credor
remitente. Descontada a cota do credor remitente diz o Carlos Roberto Gonçalves parece sugerir que o
desconto é prévio e o desconto prévio se exerceria através do direito de retenção, quer dizer, para o C2
e C3 exigirem o carro, eles antes tem que pagar a cota do C1 ao devedor.
Essa posição é minoritária por quê? Porque direito de retenção não se presume, posição extremamente
minoritária e por que não se presume? Porque é resquício de autotutela. Eu costumo dizer que o direito
de retenção não deixa ser uma chantagem lícita (nunca se vai dizer isso numa prova), quer dizer, eu
não te devolvo enquanto você não me pagar.
O art. 263 traz uma regra aqui que parece intuitiva: vamos supor que tenhamos ai aqueles três credores
e o devedor, com uma obrigação de entregar um automóvel, se o devedor der causa ao perecimento
culposo do automóvel, nós sabemos que o devedor vai responder pelo equivalente mais perdas e
danos. Para facilitar a nossa conta, vamos supor que o equivalente mais perdas e danos dê 30 mil.
Vejam, a obrigação que era por natureza indivisível, passa a ser divisível, quer dizer, a conversão da
obrigação em divisível e perdas e danos, faz com que a obrigação de indivisível se torne divisível.
Exatamente isso que diz o art. 263: perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em
perdas e danos. Então, em convertendo essa obrigação indivisível em perdas e danos, a principio só
pode exigir 10 mil o C2 e o C3 10 mil reais.
Percebam o seguinte, esse dispositivo demonstra que mesmo sendo indivisível uma obrigação pode
haver interesse prático nas partes em convencionarem um regime de solidariedade, porque a
indivisibilidade cessa, quando a obrigação indivisível se transforma em perdas e danos, e a
solidariedade? A solidariedade não, ela continua e está lá no art. 271, e diz que a obrigação solidária
permanece solidária ainda que ela venha a se converter em perdas e danos.
Então, vejam que o interesse prático de convencionar a solidariedade em ação indivisível para essa
finalidade qual seria? Se houver pacto de solidariedade ativa a indivisibilidade cessa, mas a
solidariedade convencionada vai permitir que qualquer dos credores continuem a exigir os 30 mil reais.
Então, é possível que haja interesse prático em pactuar solidariedade ainda que a obrigação seja
indivisível.
Querem ver outro problema que o código não prevê. Vamos supor aqui que os devedores, que devem a
entrega do automóvel, tenham dado causa ao perecimento culposo do carro. Então, a obrigação que era
de entregar o automóvel passa a ser divisível, 30 mil reais, não é isso? Em se tornando divisível o
credor só vai poder exigir do D1 10 mil, do D2 10 mil e do D3 10 mil e aí vamos supor que o D3 seja
insolvente.
Se aplicarmos cruamente o direito positivo, o que vai acontecer aí? Problema com o credor, porque se a
obrigação é divisível, a obrigação do credor em relação a cada um dos devedores é autônoma, então
problema do credor.
Só que vejam bem, a obrigação se tronou divisível, por culpa dos próprios devedores e percebam que
se a obrigação fosse indivisível tal qual teria sido pactuado a insolvência do D3 em nada prejudicaria o
credor porque se insolvente o D3, o credor poderia exigir o carro do D1 ou do D2.
Então, é no mínimo sustentável que nesse caso especifico, em homenagem a boa fé objetiva e a
vedação do enriquecimento sem causa, que haja um rateio da cota do D3 dentro de uma obrigação
divisível. Quer dizer, nós atrairíamos a sistemática da solidariedade em relação ao rateio da cota do
insolvente para as obrigações divisíveis, em homenagem a boa fé objetiva e ao enriquecimento sem
causa, porque a obrigação de indivisível se tornou divisível pela culpa dos próprios devedores e não
seria justificado que o credor suportasse a insolvência de um desses devedores por conta da culpa dos
próprios devedores.
Outra discussão aqui que é a seguinte, está nos parágrafos do art. 263. O §1º diz que se a culpa for de
todos os devedores e a obrigação passa a ser divisível qual é a conseqüência? Cada um deles
responde por partes iguais. O §2º diz que se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros
respondendo só esse pelas perdas e danos. Então, os não culpados se exoneram e só o culpado
responde pelas perdas e danos.
A posição, amplamente dominante, é no sentido de que os não culpados não respondem por perdas e
danos é claro o código aqui diz explicitamente, mas os não culpados respondem pelo equivalente.
O argumento primordial aqui é a aplicação por analogia do art. 279 que trata de solidariedade passiva e
aí diz lá: impossibilitando a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o
encargo de pagar o equivalente, mas pelas perdas e danos só responde o culpado.
Vale a pena lembrar ainda do art. 414, que está dentro da cláusula penal, quando a gente fala aqui em
perdas e danos, se houver cláusula penal as perdas e danos estarão lá pré fixadas.
Diz o art. 414: sendo indivisível a obrigação, todos os devedores caindo em falta um deles, incorrerão na
pena, mas esta só se poderá demandar integralmente do culpado respondendo cada um dos outros
somente por sua quota. Essa é a posição predominante, de maneira minoritária nós temos o Flávio
Tartuce e a Maria Helena Diniz.
Porque o código no art. 263 diz que só o culpado responde pelas perdas e danos e aí esses autores
afirmam o seguinte: quando o legislador fala em perdas e danos, essas perdas e danos abrangem os
danos emergentes e o lucro cessante do art. 402. O que seria a idéia de dano emergente? Aquilo que o
individuo efetivamente perdeu e o que ele efetivamente perdeu? O equivalente. Então, na verdade o
equivalente estaria dentro da noção das perdas e danos.
Então, quando o código diz que apenas o culpado responde por perdas e danos, implicitamente, a luz
do art. 402, apenas o culpado responderia pelo equivalente porque a idéia de equivalente estaria dentro
da idéia de dano emergente. Essa posição é minoritária.
Pergunta.
Resposta: é plenamente sustentável que sim, porque na verdade aquele que responderia pelo
equivalente, se algum beneficio tivesse sido recebido nós não teríamos aqui qualquer tipo de contra-
partida. Então, claro que em algumas situações essa solução poderia trazer enriquecimento sem causa,
sem duvida alguma.
Resposta: a critica do Flávio Tartuce é justamente esta, porque para ele ao excluir o equivalente nós
estaríamos excluindo o dano emergente. Essa é exatamente a critica, quer dizer as perdas e danos a
que se referiria o código estariam apenas abrangendo a idéia de lucro cessante e não é essa a definição
que o código traz de perdas e danos, quer dizer, uma interpretação positivista é claro, mas enfim faz
sentido.
Resposta: é plenamente sustentável que sim. A sugestão do colega é mais que oportuna e é a seguinte:
vamos supor que haja convenção ali por conta da culpa de apenas um deles e aí se houver conversão
por apenas culpa de um deles é plenamente sustentável que a quota do insolvente seja suportada
apenas pelo culpado.
Agora, isso não chega a resolver todos os problemas, porque pode ser que o insolvente seja o próprio
culpado e aí se ele for o próprio culpado aí vamos ficar num dilema ou se aplica a lógica geral ou a
gente, em homenagem ao principio constitucional da solidariedade e a necessidade de reparação de
dano, a gente vai atribuir o rateio independente do elemento culpa. Mas sem duvida é plenamente
sustentável que se apenas um é o culpado e ele não é o insolvente que apenas ele suporte a cota do
outro.
Esse tipo de análise profunda os manuais não trazem, então a gente fica meio que pisando em ovos,
mas sem duvida é plenamente sustentável.
Resposta: a culpa é de um deles? Sim, aí o que o dispositivo diz: se a culpa é de um, todos respondem
pelo equivalente. Então, cada um deles vai responder por 10 mil.
Resposta: não porque as perdas e danos na verdade seria um valor maior.
Resposta: a parte, quer dizer, além do equivalente poderá discutir as perdas e danos ou cláusula penal
se houver fixação ou se tiver discussão do quantum debeatur através da liquidação.
Obrigações solidárias: artigo 264 e seguintes.
Intuitivamente aqui todos sabem que quando nós temos credores solidários, qualquer um deles pode
exigir tudo, e quando temos devedores solidários qualquer um deles respondem por tudo.
Esta idéia básica da solidariedade está no art. 264 que traz aí essa estrutura da solidariedade, quer
dizer, ele diz que cada um dos credores solidários tem direito a tudo e cada um dos devedores solidários
responde por tudo.
Há uma questão que já foi questão de algum debate e hoje já está bem consolidada, que é a questão da
natureza jurídica da solidariedade. Num primeiro momento se defendeu que a solidariedade teria
natureza jurídica de um mandato tácito, porque na solidariedade, como nós veremos na aula de hoje, se
temos credores solidários cada um deles atua como se fosse um único credor e cada um dos devedores
solidários pode ser demandado como se fosse um único devedor.
Então, a primeira posição vislumbrava num regime de solidariedade, um mandato tácito entre credores
ou entre devedores solidários. Essa posição é superada hoje por quê? Porque na verdade cada um dos
credores e dos devedores age em nome próprio, nenhum deles age em nome de outra pessoa, então, a
idéia de mandato tácito é superada porque cada um deles age em nome próprio.
Uma segunda posição vislumbrava, a solidariedade como uma hipótese de mútua fiança, essa posição
hoje é tida como superada, primeiro porque a fiança resulta apenas da vontade e por outro lado, quer
dizer, o fiador, a fiança ela gera uma obrigação acessória.
Sem falar obviamente que na fiança se presume o beneficio de ordem porque obviamente vai contra a
sistemática da solidariedade, então hoje a idéia que prevalece é uma idéia, muito mais simples do que
se afirma hoje, é de que na solidariedade nós temos uma fungibilidade entre sujeitos ativos ou passivos
visando o cumprimento da prestação.
Já dá para perceber que a solidariedade parece bastante com a indivisibilidade, são institutos bastantes
parecidos e são evidentemente parecidos por que? Porque se nós temos credores solidários qualquer
um deles pode exigir tudo, se nós temos devedores solidários qualquer um deles responde por tudo,
lógica bastante similar a da solidariedade.
Então, muito importante para nós é começar a delimitar as diferenças, as distinções entre solidariedade
e indivisibilidade. E uma primeira distinção se extrai do art. 265 diz que a solidariedade não se presume,
resulta da lei ou da vontade das partes. Ao passo que a indivisibilidade usualmente decorre da própria
natureza e não apenas da natureza. Nós vimos que a indivisibilidade também pode resultar da lei e
também pode resultar da vontade, mas via de regra, a indivisibilidade resulta da própria natureza.
Cuidado porque o art. 265 fala “resulta da lei ou da vontade das partes”, apesar da expressão “das
partes”, a doutrina afirma que cabe solidariedade imposta em testamento que é negócio jurídico
unilateral. Então nada impede que o testador estabeleça um regime de solidariedade que é negócio
jurídico unilateral.
Tem uma questão interessante que é extremamente atual que é a seguinte: naquele caso de seguro de
responsabilidade civil, eu faço um seguro de responsabilidade civil por danos causados a outrem, se eu
causo um dano a outrem qual é a lógica tradicional? A vítima vai contra mim e eu vou de regresso
contra a seguradora porque a vitima não tem contrato com a seguradora.
Só que em homenagem a função social do contrato, a jurisprudência vem sistematicamente permitindo
ação direta da vítima contra a seguradora. Em termos práticos o que a jurisprudência está
dizendo? Está dizendo que a vitima pode exigir tudo tanto do agente causador do dano quanto da
seguradora.
Em termos práticos isso nada mais é do que solidariedade passiva. Percebam que estamos diante de
uma hipótese de solidariedade passiva que se inspira em que dispositivo? No principio da função social
do contrato, quer dizer, é uma solidariedade que resulta de um princípio e não de um texto expresso e
literal, casuístico.
Nós sabemos que a função social tem previsão no código civil e está no art. 421, mas é realmente nova
a idéia de que a solidariedade possa resultar de um princípio, dessa regra que tem um caráter de
evidente abstração.
Resposta: isso, por causa da função social do contrato a jurisprudência vem admitindo essa
possibilidade.
Art. 266 diz assim: a obrigação solidária pode ser pura e simples para um dos co-credores ou co-
devedores e condicional ou a prazo ou pagável em lugar diferente para o outro. Quer dizer, o art. 266
está ressaltando que as características de cada uma das obrigações não necessariamente serão as
mesmas, podemos ter três devedores solidários e cada um com uma data de vencimento distinta.
Claro que o direito de regresso vai se dar nos respectivos vencimentos, mas cada um com datas de
vencimentos distintos, por exemplo, diz que cada devedor pode se comprometer a pagar em local
diverso, quer dizer, pode ser que o D1 se comprometa a pagar em Petrópolis, o D2 no Rio e assim
sucessivamente.
Sobre esse dispositivo nós temos o Enunciado 347 que diz que esse rol do artigo 266 é meramente
exemplificativo, quer dizer, é possível que numa obrigação solidária nós tenhamos circunstancias
diversas e não apenas as que estão do art. 266.
Vamos ver um bom exemplo disso: art. 735 diz que a responsabilidade contratual do empregador com
acidente com passageiro não é elidida por culpa de terceiro contra o qual tem ação regressiva. Quer
dizer, o art. 735 permite que o transportado cobre não apenas do terceiro culpado, mas também do
transportador, ou seja, nós temos aí um regime de solidariedade passiva entre o transportador e o
terceiro culpado.
A responsabilidade do transportador é o que? Contratual e a responsabilidade do terceiro é extra-
contratual, inclusive para a ampla maioria da doutrina também subjetiva, quer dizer, nós temos
responsabilidade totalmente distintas e ao mesmo tempo solidárias. Quer dizer, nós temos solidariedade
passiva entre responsabilidade contratual e extra-contratual, nesse caso realçando que o rol do art. 266
é sem duvida é meramente exemplificativo.
Intervalo.
Solidariedade Ativa: artigos 267 e seguintes.
Se há solidariedade ativa, obviamente pluralidade de credores, quer dizer, nós temos dois ou mais
credores e há previsão legal ou contratual de solidariedade. Podemos superar relações internas e
externas?É a mesma coisa, é a mesma história.
Só para consignar, o art. 267 traz a lógica das relações externas na solidariedade ativa. Quer dizer, nas
relações externas cada um dos credores pode exigir a integralidade da prestação, é o que diz o art. 267.
O art. 268 traz a chamada prevenção judicial, a questão é a seguinte: o devedor é livre para pagar
qualquer dos credores? A principio sim, a principio na solidariedade ativa, o devedor se exonera
pagando a qualquer dos credores, a exceção está no art. 268 que é a prevenção judicial.
Diz lá: enquanto alguns dos credores solidários não demandarem, o devedor comum, a qualquer
daqueles poderá este pagar. Já fica claro, no art. 268, que na solidariedade ativa não se exige caução
de ratificação, porque o código diz que “enquanto nenhum dos credores demandar, o devedor pode
pagar a qualquer dos credores”.
Então, o art. 268 dispensando a caução de ratificação, ele é diferente do art. 260, II para ressaltarmos ai
mais uma diferença entre solidariedade e indivisibilidade.
Apesar do art. 268 usar a expressão demandarem, posição segura no sentido de que, a prevenção
judicial se dá a partir da citação porque é a partir da citação que o devedor toma ciência da demanda.
Então, não bastaria mera propositura para que haja prevenção judicial.
Uma questão, aqui, importante é a seguinte: vamos supor que o C1 ingresse em juízo, o devedor é
citado, ocorre a prevenção judicial e há o transito em julgado favorável ao C1. A dúvida é se o C2 e C3
se beneficiam ou não desse titulo formado em favor de C1? Pela regra geral, nós diríamos que não, pela
regra geral o titulo formado em favor de C1, não beneficiaria C2 e C3 por conta dos limites subjetivos da
coisa julgada.
Só que o art. 274, parte final do código civil, traz uma exceção aos limites subjetivos da coisa julgada.
Diz o art. 274 que o julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais, o
julgamento favorável aproveita-lhes, a menos que se funde em exceção pessoal o credor que o obteve.
Então, o julgamento contrário a C1 não prejudica C2 e C3 em harmonia com os limites subjetivos da
coisa julgada, mas o art. 274 diz “se for favorável ao C1 beneficia C2 e C3”.
A exceção, aliás antes de mais nada, cuidado aqui com o seguinte: lá nas ações coletivas, os
processualistas costumam dizer que a coisa julgada nas ações coletivas se dá o que? Secundum
eventus litis, é o que está no art. 274.
O art. 274, em se tratando de solidariedade ativa, a coisa julgada também se dá secundum eventus litis
e aí o art. 274 diz: “o julgamento favorável aproveita-lhes a menos que se funde em exceção pessoal ao
credor que o obteve”. Não há nenhuma duvida de que quando art. 274 usa a expressão exceção, ele
usa essa expressão em sentido amplo, e exceção em sentido ampla representa todo meio de defesa.
As exceções no sentido estrito são aquelas do CPC: impedimento, suspeição e competência relativa.
Essa redação aqui é inclusive criticada pelo Fred Didier porque o legislador diz “que o julgamento
favorável ao C1 aproveita aos demais a menos que se funde em exceção pessoal ao credor que o
obteve”. Fred Didier diz que exceção não é um meio de defesa em sentido amplo? Quer dizer, se houver
um meio de defesa, o acolhimento da tese defensiva geraria o que? A improcedência do pedido.
Então, o Fred Didier critica a literalidade do dispositivo. Ele diz que, na verdade, deve ser entendido
assim: salvo se o devedor tiver exceção pessoal oponível a outro credor. Quer dizer, imaginem que o C1
ingresse em juízo e tenha êxito, só que o C2 teria coagido moralmente o devedor a firmar aquele
contrato que deu origem a solidariedade ativa (coação moral). A coação moral não seria uma exceção
pessoal por parte do devedor? O devedor só pode fazer coação moral contra o co-autor, então esse
julgamento favorável ao C1 não beneficiaria a C2 porque o devedor teria uma exceção pessoal oponível
em face do C2. Essa posição é sustentada pelo Fred Didier e dentre os civilistas o Flávio Tartuce.
Os civilistas, em grande maioria, não chegam a repudiar a sistemática do at. 274 não, eles dizem o
seguinte: exceção pessoal, entenda-se uma circunstancia pessoal ao credor, uma circunstancia que
seja peculiar ao credor.
Querem ver um exemplo de aplicação do art. 274 tal como ele está? Vamos supor que aquela pretensão
ali prescreva em 5 anos. O C1 entra ingressa em juízo 8 anos depois de vencida a divida e ele obtêm
êxito.
Só que ele obtêm êxito porque o C1 estava fora do Brasil a serviço da União a 4 anos e o fato do C1
estar a serviço fora da União a 4 anos propiciaria uma causa de suspensão ou de impedimento do prazo
prescricional. Quer dizer, essa exceção pessoal ao C1, não poderia propiciar o efeito extensivo da coisa
julgada em favor de C2 e de C3 e aí nesse caso quanto o C1 pode exigir? Ele só vai poder exigir 10 mil.
Porque olha só, vamos supor que o julgamento seja favorável ao C1 porque ele estava fora do Brasil.
Se ele pudesse ficar com os 30 das duas uma: ou ele receberia os 30 e passaria da 10 para C2 e 10
para C3 e aí nós teríamos aqui burla a prescrição. Ou se ele pegar os 30 mil e colocar no bolso nós
teríamos enriquecimento sem causa. Então, a aplicação do art. 274, parte final gera a mitigação do
regime de solidariedade.
Resposta: ele pode na verdade pegar os 30 e o juiz diz que só tem 10 ou ele na inicial ele já justifica
“olha está prescrito para todos menos para mim, porque eu estava fora do Brasil, então como está
prescrito para todos menos para mim eu quero a minha parte” e aí ele pede ???. Quer dizer, ele estaria
na verdade reconhecendo a prescrição da pretensão dos outros credores, resguardando a não
consumação da prescrição da sua própria pretensão.
Outra diferença entre indivisibilidade e solidariedade é o seguinte: cabe pagamento parcial em
obrigação indivisível? Não, a esse tipo de obrigação não comporta pagamento parcial porque vai contra
a própria natureza.
A solidariedade sem dúvida comporta pagamento parcial, art. 269 que diz que o pagamento feito a um
dos credores solidários extingue a divida até o montante do que foi pago.
Percebam que se o pagamento for parcial nós teremos coexistência de relações externas e internas.
Porque vejam, em relação àquilo que já foi objeto de pagamento, se iniciaram as relações internas e
naquilo que ainda não foi objeto de pagamento subsistiram as relações externas. Então, no caso de
pagamento judicial haverá coexistência entre relações externas e internas. Claro que envolvendo
objetos diferentes, mas teremos coexistência entre as duas relações.
Outra peculiaridade aqui importante (cai muito em prova objetiva) é a seguinte: vamos supor aqui que o
C1 venha a falecer e aí ele transfere o direito de crédito, por força da saisine e para H1 e H2, transfere
imediatamente. Se nós continuássemos aplicando solidariedade, como se nada tivesse acontecido, o H1
poderia exigir 30 mil porque ele em tese seria mais um credor solidário.
Só que o art. 270 diz que não, o art. 270 traz uma regra peculiar, ele diz que “cada um dos herdeiros do
credor solidário só pode exigir o seu quinhão hereditário”. Ou seja, o H1 no nosso caso só vai poder
exigir 5 mil, vamos ver se está certo ou errado se vier lá na prova objetiva: o falecimento de um dos
credores solidários gera a extinção do regime de solidariedade. Está errado, gera mitigação e não a
extinção.
Por que é mitigação e não extinção? Porque o C2 continua poder exigir 30 mil, o C3 também pode exigir
30 mil, quer dizer, é uma mitigação do regime de solidariedade em relação aos herdeiros do credor
falecido.
Pergunta.
Resposta: aí uma questão delicada, é o seguinte: o que a doutrina em geral afirma? Que o que está no
art. 270 não se aplicaria: primeiro, se for herdeiro único, ou a doutrina sustenta a aplicação do art. 276,
parte final por analogia porque o art. 276 trata de regra idêntica só que para solidariedade passiva.
Ele diz que cada um dos herdeiros do devedor falecido só responde pelo seu quinhão e aí diz assim “se
um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, nenhum deste será obrigado a pagar se não a
quota que corresponder ao seu quinhão hereditário, mas todos reunidos serão considerados como um
credor solidário em relação aos demais devedores”.
Quer dizer, o que a doutrina sustenta é que os credores, os herdeiros reunidos, o H1 e H2 em conjunto,
poderiam exigir a integralidade. Por isso o Tepedino e o Venosa afirmam que só tem relevância tanto o
art. 270 quanto o art. 276 após a partilha, porque enquanto não há partilha, quem responde ou quem
recebe é o espólio e em relação ao espólio subsistiria o regime de solidariedade.
Então, na verdade a relevância desse dispositivo se efetivaria após a partilha, quer dizer, exatamente
em harmonia com o que o colega ponderou, a questão ganha relevância depois da partilha. Mas mesmo
depois da partilha, afirmam os autores, o H1 e o H2 em conjunto poderiam exigir a integralidade com a
aplicação do art. 276 parte final.
Essa posição é amplamente dominante, está em praticamente todos os manuais, só tem uma pequena
critica que dá para fazer a essa posição porque eles em conjunto podem exigir tudo.
Olha só, porque a solidariedade ativa é muito pouco aplicada na prática? Porque pressupõe uma
confiança muito grande entre os credores, quer dizer, que ao invés de cada um só poder exigir a sua
parte, um deles pode exigir tudo e depois o outro que busque pela via de regresso.
Vejam que o art. 270, quando exclui os herdeiros da solidariedade, em certa medida ele está
prestigiando os outros credores porque talvez houvesse uma mútua confiança entre si e essa confiança
não vem abranger entre H1 e H2.
Essa posição amplamente dominante na doutrina fragiliza a posição de C2 e C3, porque se nós
interpretarmos com cautela o art. 270 acaba em certa medida resguardando os interesses do C2 e do
C3. Mas é a posição amplamente dominante Carlos Roberto Gonçalves, Tepedino, Venosa, posição
consolidada nesse sentido.
Resposta: uma dúvida que pode surgir é a seguinte: se o testador poderia impor solidariedade aos
herdeiros ou a seus respectivos credores? A tendência no direito brasileiro, e quem trata desse tema é o
Tepedino, para ele não cabe disposição em contrário por via testamentária. Os franceses, por exemplo,
admitem.
Resposta: naquele código comentado, no volume 1, o comentário é esse artigo mesmo, quer dizer, para
ele não cabe. O direito Francês admite em homenagem ao principio da autonomia privada. Quer dizer,
ele diz que não cabe sem explicar muito, mas nós talvez pudéssemos sustentar ou não o cabimento
justamente porque a regra tem por objetivo a proteção de C2 e de C3. E essa disposição testamentária
exclusivamente firmada por C1 talvez não pudesse ter o condão de fragilizar a posição de C2 e de C3.
Vamos aproveitar, essa questão cai muito em múltipla escolha, olha só, é a historia da interrupção da
prescrição: nós vimos que nas obrigações divisíveis a interrupção contra um dos devedores não
prejudica os demais, estão lembrados? Que as obrigações são distintas, que elas são autônomas.
Na solidariedade, as obrigações não são autônomas, por isso, o §1º do art. 204 diz que a interrupção
por um dos credores solidários aproveitam os outros, assim como a interrupção efetuada contra o
devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros. Então, a interrupção por um credor beneficia os
demais e a interrupção contra um devedor atinge os demais.
O que acabamos de ver? Que em relação aos herdeiros do credor e do devedor, o que o código fez
nesses artigos 270 e 276? Mitigou a solidariedade em relação a esses herdeiros. Por isso, o §2º diz
assim: a interrupção declarada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros
herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis.
Porque a interrupção contra um dos herdeiros, o devedor solidário, não prejudica os outros herdeiros e
devedores? Porque ele não está no regime de solidariedade. Então, sugiro a remissão ai do art. 204,
§2º para os artigos 270 e 276 e reciprocamente, que vai facilitar na prova objetiva.
Querem ver outro detalhe aqui? O §1º diz que a interrupção contra o devedor solidário envolve os
demais, não é isso? As causas de interrupção estão no art. 202, vimos lá na penúltima aula, nos incisos
de I a V quem interrompe a prescrição é o credor.
Lembram lá do despacho do Juiz, do protesto cambial, toda aquela história, no inciso VI quem
interrompe a prescrição é o próprio devedor quando ele reconhece o direito dos credores, estão
lembrados? Se um dos devedores solidários reconhece o direito do credor, essa interrupção prejudica
os demais devedores solidários? Não.
Nós não aplicaremos o art. 204, §1º no caso do art. 202,VI, quer dizer, só interrompe contra um dos
devedores prejudica os demais quando a interrupção é operada por iniciativa do credor.
Por isso o código diz “interrupção contra o devedor”, se a interrupção é provocada por um dos
devedores solidários, essa interrupção provocada por um dos devedores não prejudica os demais.
Agora, sem precisar ler o código, essa mitigação do regime de solidariedade aí cabe se a obrigação for
indivisível? Não, se for indivisível não há como haver fracionamento. Mais uma diferença entre a
solidariedade e a indivisibilidade, diferença essa que consta nos artigos 270 e 276.
Questão terminológica, o Carlos Roberto Gonçalves e o Flávio Tartuce, dizem que esses artigos 270 e
276 trazem a chamada refração do crédito.
O art. 271 traz uma regra que nós já vimos hoje, só lembrando quando a obrigação indivisível se
transforma em perdas e danos o que nós já vimos? A obrigação de indivisível se torna divisível artigo
263.
Já na solidariedade, ela não decorre da natureza da obrigação, a solidariedade decorre da lei ou da
vontade, então, quando a obrigação solidária se transforma em perdas e danos, ela subsiste, a
solidariedade ela não cessa com as perdas e danos é isso que está no art. 271. Então o art. 271 é
diferente do art. 263.
Outra questão que precisamos tomar cuidado é a seguinte: será que na solidariedade ativa o C1 pode
perdoar e conseqüentemente exonerar por completo o devedor? Se nós pensássemos intuitivamente,
nós afirmaríamos que não, quer dizer, o C1 é mais um dos credores solidários e ele não poderia
exonerar por completo o devedor.
Só que o art. 272 diz que pode, ele permite que um dos credores solidários venha a perdoar
integralmente o devedor, por quê? Na solidariedade ativa, cada um dos credores atua nas relações
externas como se fosse o único titular do direito de crédito, por isso tímida a aplicação pratica, porque
isso envolve uma confiança demasiada entre os credores. Então, justamente porque cada um atua nas
relações externas como se fosse o único credor, qualquer um deles pode exigir a integralidade.
Só que quando C1 recebe tudo, esse recebimento integral por parte de C1, não prejudica os demais por
conta das relações internas. Então o C1 pode receber tudo e pode perdoar tudo. Só que ele tem que
repassar para C2 e C3 todas as suas respectivas cotas nas suas relações internas.
Diz o art. 272: o credor que tiver remetido a divida ou recebido o pagamento responderá aos outros pela
parte que lhes caiba. Percebam que não dá para aplicar o art. 272 se o credor remitente for insolvente.
A mesma lógica se aplica, se houver novação, dação em pagamento ou compensação. O código é
omisso, mas entendimento consolidado nesse sentido porque são formas especiais de extinção das
obrigações, que veremos mais adiante.
Pergunta.
Resposta: se o C perdoa, aí vai ter que pagar C2 e C3 sem solidariedade. Ele vai pagar C2 e C3 na
relação interna, porque na verdade o que se percebeu aqui, que tanto na indivisibilidade quanto na
solidariedade nas relações internas estamos aplicando a lógica da divisibilidade, então como ele vai
prestar conta nas relações internas, nessas relações internas aplica-se a lógica da divisibilidade não
haveria solidariedade ali.
Pergunta.
Resposta: salvo se por natureza for indivisível, agora o problema é o seguinte, mesmo que seja
indivisível por natureza, nas relações internas o que acontece? A indivisibilidade ela só se opera nas
relações externas, nas relações internas a obrigação é de pagar o equivalente em dinheiro, então, ainda
que as obrigações sejam indivisíveis, nas relações internas cessa a indivisibilidade porque as
obrigações são pecuniárias e aí se aplica a lógica do art. 263, quer dizer, as obrigações elas se tornam
divisíveis nas relações internas.
Vamos começar a análise da solidariedade passiva que vem nos artigos 275 e seguintes.
O art. 275 mais uma vez reforça que a solidariedade admite pagamento parcial e diz que o credor tem
direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores parcial ou totalmente a divida comum, se o
pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo
resto.
Há uma critica em relação à redação do art. 275 porque ele diz que se o pagamento for parcial, todos os
demais continuam solidariamente pelo resto. E o que a doutrina afirma? Não apenas todos os demais
também o próprio devedor que efetuou o pagamento parcial. O próprio devedor que efetuou o
pagamento parcial continua obrigado pelo resto, então, não apenas todos os demais devedores.
Há inclusive sobre essa questão o Enunciado 348 que diz assim: o pagamento parcial não implica por si
só renúncia a solidariedade a qual deve derivar os termos expressos da quitação ou inequivocadamente
das circunstâncias do recebimento da prestação pelo credor. Quer dizer, o fato do devedor ter efetuado
o pagamento parcial não implica a renúncia a solidariedade em relação aquele devedor que não efetuou
o pagamento parcial.
Então, apesar do código dizer todos os demais, não apenas todos os demais, mas o próprio devedor
também continua solidariamente obrigado pelo resto. Porque alguns autores, o Caio Mário, por exemplo,
dizia o seguinte: se o D1 paga a sua cota e o credor recebe, o Caio Mário afirmava: o devedor está livre.
O Enunciado desmente isso, na verdade, se devedor paga a sua quota e o credor recebe isso, não
implica necessariamente em renuncia a solidariedade.
Isso inclusive ressalta que se por ventura, vamos imaginar o seguinte: mutatis mutantes, o que esse
Enunciado traz implicitamente para nós aqui? Jogando para a solidariedade ativa o mesmo raciocínio,
vamos supor que o devedor pague ao C1 10 mil que é a cota do C1, quando o C1 receber esses 10 mil
ele pode receber e ir embora para casa? Não. O objetivo das relações internas não é garantir um
tratamento paritário entre todos os credores? Então, se o C1 recebe 10 mil se iniciam as relações
internas em relação aos 10 mil, porque se o C1 recebesse os 10 mil e fosse embora o C1 seria
privilegiado. Então a lógica do Enunciado 348 pode ser aplicada inclusive analogicamente na
solidariedade ativa, o pagamento parcial não exclui o regime de solidariedade.
Resposta: isso, ai nós aplicaríamos mutatis mutantes, quer dizer, o Enunciado 348 lá no art. 269, quer
dizer, seria uma aplicação analógica do Enunciado que fala da solidariedade passiva, mas
analogicamente para solidariedade ativa.
E o §único do art. 275 vem em harmonia com o art. 114 e ele diz assim: não importará renuncia da
solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores. Quer dizer, o fato
do credor demandar o D1 na solidariedade passiva, não implica em renuncia a solidariedade em favor
de D2 e D3.
Faz todo sentido isso, porque o art. 114 diz que a renuncia merece interpretação restritiva, então o
simples fato do credor demandar o D1 não gera renuncia a solidariedade em favor dos demais. Quer
dizer, não dá para aplicar aqui a venire contra factum proprium, não dá para o D2 dizer “olha
contradição com a própria conduta, demandou lá e agora tem que demandar cá”, é da essência da
solidariedade tal possibilidade.
Como já vimos, o art. 276 trata do falecimento de um dos devedores solidários que é diferente da
indivisibilidade. Uma questão muito importante aqui é a seguinte: não confundir renúncia a
solidariedade, que é sinônimo de exoneração da solidariedade, com remissão de divida. A remissão
está no art. 277 e a renuncia está no art. 282.
Vamos imaginar que o credor perdoe o D1 e D2, remissão de divida. Se o credor perdoa o D1 e o D2, o
credor não pode exigir mais nada deles, vai subsistir a solidariedade passiva entre D3 e D4 por 60 mil.
Agora, ao invés de perdoar o D1 e o D2, o credor renuncia da solidariedade em favor de D1 e D2, a
hipótese agora é de renuncia, é de exoneração da solidariedade.
Quando o credor renuncia a solidariedade em favor de D1 e de D2, ele não está perdoando a divida, ele
está apenas afastando o D1 e D2 do regime de solidariedade, qual é o efeito prático aqui? Quando se
afasta a solidariedade, a gente passa a aplicar a lógica da divisibilidade, então com a renuncia a
solidariedade o credor só vai poder exigir do D1 30 mil e do D2 30 mil.
Resposta: isso, 60 mil para D3 e D4 solidariedade passiva contra D1 só 20 mil e contra D2 só 30 mil,
quer dizer, totalizando tudo continuaria 120 mil.
Olha só, cuidado com a pegadinha na prova objetiva, vamos pensar aqui o seguinte: a remissão da
divida e a renuncia a solidariedade geram a extinção parcial da obrigação. Está errado (E), a remissão
da divida gera a extinção parcial, a renuncia e a solidariedade não geram a renuncia parcial.
A renuncia e a solidariedade ela gera uma cisão da relação obrigacional e cisão por quê? Porque os
exonerados continuam sobre a ótica das obrigações divisíveis e os não exonerados continuam na
solidariedade.
Surgiu um pequeno debate, agora já está bem resolvido isso, porque o art. 282, que trata da renuncia
da solidariedade, diz assim: o credor pode renunciar a solidariedade em favor de alguns ou de todos os
devedores. Se ele renuncia em favor de todos os devedores, na prática, o que vai acontecer? A
obrigação de solidariedade passa de solidária passa ser divisível, vai cessar a solidariedade.
Aí o §único diz: se o credor exonerar da solidariedade, um ou mais devedores, subsistirá a dos demais.
Quer dizer, os não exonerados continuam solidários, só que o código de 16, dizia: subsistirá a dos
demais abatida a cota dos exonerados. O nosso código agora não mais diz isso.
Só que a doutrina hoje está unânime em afirmar que, apesar do código não ressaltar, entenda-se
abatida a cota dos exonerados. Porque houve quem dissesse o seguinte: “olha, o D3 e D4 vão
responder por 120 e aí depois o D3 e D4 que exerçam direito de regresso contra a D1 e o D2”, essa
posição está superada inclusive pelo Enunciado 349. O Enunciado 349 que explicitamente ressalta aqui
o abatimento da parcela em relação aos exonerados.
Outra questão importante que cai muito: vamos supor que o credor renuncie da solidariedade em favor
D1. Então, quanto ao D1 ele só pode exigir 30 e subsiste a solidariedade os demais com 90.
Vamos supor que o D2 pague os 90 mil, quando o D2 pagar os 90 vão se iniciar as relações internas 30
mil contra o D3 e 30 mil contra o D4. E aí vamos supor que o D4 seja insolvente, quer dizer, não há
nenhuma duvida aqui que o D2 que pagou sozinho não vai suportar sozinho a insolvência do D4, isto
está explicito no art. 283 que prevê o rateio da cota do insolvente.
Só que o art. 284 explicitamente afirma, que nesse caso aqui do quadro, participarão do rateio não
apenas o D2 e o D3, mas também o D1. Quer dizer, aquele que foi exonerado do regime de
solidariedade também participa do rateio da cota do insolvente.
Diz o art. 284: no caso de rateio entre os co-devedores contribuirão também os exonerados da
solidariedade pelo credor pela parte que na obrigação incumbia ao insolvente.
Perguntaram a pouco tempo na magistratura estadual o seguinte: se o exonerado responde pelo
rateio? Perguntava se tinha dispositivo legal no código, era só identificar e aí perguntavam assim “essa
solução tem base em algum principio?” Tem, a renuncia a solidariedade foi pactuada entre quem aqui?
Entre o C e o D1, qual é uma das características envolvendo direito obrigacional? É o princípio da
relatividade, pelo principio da relatividade o acordo firmado entre C e D1 não tem o condão de prejudicar
terceiros.
E aí era muito interessante destacar o seguinte: o principio da relatividade, segundo o qual o contrato
não pode prejudicar a terceiros, tem previsão explicita na parte geral dos contratos? Não tem. Mas tem
na previsão explicita no art. 278 dentro do capítulo da solidariedade passiva. Diz o art. 278 que qualquer
cláusula, condição ou obrigação adicional, estipulada entre um dos devedores solidários e o credor não
poderá agravar a posição dos outros sem consentimento destes. Ou seja, qualquer acordo entre C e D1
não pode agravar a posição de D2, D3 e D4. É uma manifestação explicita da relatividade na
solidariedade passiva, art. 278.
Então, se um dos devedores convenciona juros mais elevados ou se um dos devedores convenciona
uma cláusula penal, isso não vincula os demais devedores solidários.
Então percebam que o art. 284 vem em harmonia com o art. 278 porque se o D1 não participasse do
rateio a posição do D2 para o D3 seria agravado porque o rateio se daria entre dois e não por três
pessoas. Então, na verdade o art. 284 vem em harmonia com o art. 278 e, portanto se embasa no
principio da relatividade.
E aí veio a 3ª pergunta que foi tragédia coletiva: se for remissão de dívida? Porque o art. 284 fala
apenas em exonerados, tem duas correntes para o caso de remissão.
A posição predominante qual é? É que a solução é a mesma, no caso remissão a solução é a mesma,
não pelo art. 284 porque ele não prevê a remissão, mas a solução é a mesma pelo art. 278. E quando
se fala em art. 278 não se fala apenas da literalidade, mas também no principio da relatividade e além
do art. 278 e do principio da relatividade, nós temos ainda o art. 385, parte final que é aquele que diz
que a remissão não pode prejudicar terceiro.
Contra essa posição, que é predominante, há o Enunciado 350 que diz: a renuncia a solidariedade
diferencia–se da remissão em que o devedor fica inteiramente liberado do vínculo obrigacional inclusive
no que tange ao rateio da cota do eventual co-devedor insolvente nos termos do art. 284.
Então, o Enunciado 350 diz que o devedor perdoado não participa do rateio. Sem dúvida alguma o
Enunciado 350 disse muito menos do que deveria. Porque olha só, quem defende essa posição do
Enunciado em termos é o Gustavo Tepedino porque o Enunciado diz que D não participa do rateio e
ponto final. Só que o Enunciado não esclarece como fica o art. 278, como fica o principio da relatividade
e como fica o art. 385.
O Tepedino acrescente dizendo o seguinte: o devedor perdoado está livre, não vai participar do rateio,
para o Tepedino quem participa do rateio é o próprio credor remitente, ou seja, para o Tepedino
participarão do rateio D2, D3 e o credor remitente.
Qual a diferença conceitual aí? Para a maioria as remissões só garantem as relações externas, as
remissões elas não se projetam para as relações internas. O que o Tepedino sustenta é que a remissão
ela abrange não apenas as relações externas como as internas também. Posição minoritária, porque ela
traz uma dose de insegurança para o credor. Então, como as remissões abalariam as relações internas
e os demais devedores não podem ser prejudicados a solução seria o próprio credor remitente participar
do rateio.
Olha que coisa curiosa pode acontecer aqui: imagina se esse credor remitente seja insolvente então o
D2 vai poder alegar o que? Fraude contra credores porque o devedor passa a ser credor do credor
originário porque se o perdão dele se dá na qualidade de insolvente o D2 não vai conseguir o que?
O rateio por parte do credor, então, vai surgir para ele interesse em que? Em suscitar fraude contra
credores para poder atingir D1 para a posição do Tepedino.
Pergunta.
Resposta: sem dúvida, em tese poderia, plenamente sustentável que se houver um mínimo de
habilidade, cai da alegação de conversação para essa posição do Tepedino.
Pergunta.
Resposta: exatamente, agora ainda que não alegada a compensação, aí o instrumento seria a fraude
contra credores. Para a maioria não tem nada disso, vai o D1 da mesma maneira não teria hipótese de
compensação aí.
Tem uma posição do Carlos Roberto Gonçalves que é extremamente criticável e só ele diz isso e
também nunca vi ninguém divergir, os autores também são omissos sobre o tema. Ele diz o seguinte:
vamos supor que o credor exonere o D1 da solidariedade e aí vamos supor que todos os demais
devedores sejam insolventes, o que o art. 284 diz é que o exonerado responde pela cota do insolvente.
Então, ele diz que se todos os demais devedores forem insolventes o D1 exonerado responde pela
totalidade da dívida porque o art. 274 diz o que? Ele diz que o exonerado responde pela insolvência dos
demais, se todos são insolventes, afirma o Carlos Roberto Gonçalves, o exonerado vai responder por
tudo.
Por que essa posição é extremamente criticável? Porque o D1, ele participa do rateio, da insolvência
dos demais, porque o acordo entre o C e o D1 não pode prejudicar a DS2, D3 e D4. Quer dizer, o art.
284 decorre do art. 278, ou seja, ele responde pela cota dos demais nas relações internas, não se
justificaria essa solução para as relações externas porque o art. 284 decorre do art. 278, decorre do
principio da relatividade.
Para finalizar, o art. 285. Regra simples, mas que pode chamar a atenção. Olha só, a regra geral qual
é? Se um devedor solidário paga a dívida ele só vai poder exigir dos outros as respectivas quotas, não é
isso? A quota, a parte de cada um.
O art. 285 traz uma exceção, ele diz: se a dívida solidária, interessar exclusivamente a um dos
devedores, responderá este por toda ela para com aquele que pagar. Qual a hipótese típica do art.
285? Fiança ou aval. Quer dizer, claro fiança desde que haja obviamente a renuncia ao beneficio de
ordem
Querem ver outro exemplo? Lembram da responsabilidade civil indireta por fato de outrem? Os pais
pelos atos dos filhos, aquela historia toda? O art. 942, §único prevê solidariedade passiva entre os
responsáveis indiretos e o responsável direto. Tem exceção, veremos, mas é a regra geral.
Aí o art. 934 prevê que o responsável indireto que pagar a dívida pode exigir tudo que pagou do
responsável direto na via de regresso. É o art. 942, §único combinado com o art. 934. Quer dizer, o art.
942, §único prevê a solidariedade passiva e o art. 934 diz: o responsável indireto que paga tudo tem o
direito de regresso de tudo contra o responsável direto. Porque princípio a divida caberia a quem? Ao
responsável direto. Então é mais uma manifestação do art. 285.
Tem exceção a isso que vimos, em relação ao incapaz, a responsabilidade do incapaz, em regra, vai ser
subsidiária, mas é a regra geral a do art. 942.
Além, do artigo 385 há outro artigo que a gente vai ver daqui a pouco, que é o artigo 304, §único, parte
final que permite que o devedor se oponha a um ato de liberalidade praticado por um terceiro.
Esse dispositivo §único trata de uma hipótese em que o terceiro paga sem ter direito de regresso, quer
dizer, ele paga como ato de liberalidade e o código agora inova na parte final dizendo que o devedor
pode se opor ao pagamento para terceiros nessas circunstancias. O que legitima a oposição ao terceiro
mais uma vez é a razão de ordem moral.
Então, essas duas inovações seriam suscetíveis de aplicação por analogia e de maneira estrutural nós
diríamos que a 1ª corrente vem numa lógica eminentemente patrimonialista, quer dizer, a luz da
despatrimolização do direito civil (tudo aquilo que vimos na 1ª aula) seria justificável a oposição pelo
devedor.
Quem assim sustenta é Gustavo Tepedino porque essa posição tem a cara da doutrina do Tepedino,
além dele tem Venosa e o Arnaldo Rizzardo.
Saindo agora dessa classificação, que acabamos de ver, qual é a diferença entre a assunção de divida
cumulativa e a fiança? Tem uma diferença que é marcante, o fiador tem responsabilidade sem ter débito
e justamente por isso, o fiador é contemplado com o benefício de ordem.
Pelo mesmo motivo, pelo fato de ter responsabilidade sem débito, o fiador que paga ele se sub-roga nos
direitos do credor. Quer dizer, ele vai poder exigir a integralidade do que pagou em face do devedor
principal.
Nós vimos no final da aula aquela hipótese, o último artigo em que se permite no caso de fiança,
mesmo no caso de renuncia ao beneficio de ordem, se o fiador solidário pagar tudo, ele pode exigir a
integralidade do devedor principal. Já a assunção cumulativa, não, o assuntor ele passa a ter débito e
responsabilidade e como conseqüência para o entendimento amplamente dominante o que nós vimos?
Não há benefício de ordem.
Aliás, mesmo para o Tepedino a responsabilidade inicial é do assuntor e subsidiariamente o devedor
originário, então, assunção de divida cumulativa não propicia beneficio de ordem em favor do assuntor e
como conseqüência não há subrogação.
Pergunta.
Resposta: depende, para a maioria o que a assunção de divida cumulativa vai gerar? Solidariedade
passiva, aí sim vamos aplicar a sistemática da solidariedade. Para o Tepedino, se não houver acordo
nesse sentido, subsidiariedade, aí não tem direito de regresso, quer dizer, o devedor originário ficaria
apenas como um soldado de reserva.
Então vai depender, se as partes convencionarem a solidariedade aí fica claro, solidariedade passiva e
aí a solução vem nesses moldes e vamos aplicar a sistemática da solidariedade, relações internas e aí
vai exercer o direito de regresso.
Tem outra diferença aqui que é a fiança, artigo 819 que impõe a forma escrita para o contrato de fiança.
A assunção cumulativa como não tem previsão legal, o que aplicamos? Principio da instrumentalidade
ou liberdade da forma.
Outra questão aqui que pode chamar atenção: vamos supor que tenhamos três devedores solidários. O
D1 quer fazer uma assunção de divida com um terceiro, claro que vai ter que ter a anuência do credor.
Agora vejam, se o D2 cumpre integralmente a prestação, e ele pode fazê-lo porque o regime é de
solidariedade passiva, quando o D2 cumprir tudo, o que vai acontecer coma as relações internas?Ele vai
passar a ser credor do D3 e do D1.
Vejam que cada um dos devedores solidários, é potencial credor dos demais nas relações internas,
então no caso de obrigação indivisível, a assunção de divida por parte de um dos devedores pressupõe
não apenas a anuência do credor, mas também dos demais devedores. Porque cada um deles é
potencial credor dos demais nas relações internas, quer dizer, isso se aplica na solidariedade passiva e
se aplica nas obrigações indivisíveis, nas divisíveis não, pois nas divisíveis cada uma das obrigações é
autônoma, é distinta.
Pergunta.
Resposta: isso, na verdade qual seria o negócio jurídico aqui? O d1 transferindo a dívida para o terceiro
e o terceiro assumindo a posição do D1, aquela relação jurídica, é sucessão, não é isso? Então, se é
sucessão, assunção de divida, ele ocuparia a posição do D1 nas mesmas circunstâncias, só que
justamente pelo fato do interesse dos demais devedores solidários é que precisa da anuência deles.
Porque a modificação do pólo passivo de um dos integrantes pode atingir a posição jurídica dos demais
devedores solidários, porque nas relações internas, há uma potencial relação de crédito entre eles.
Se pudesse haver essa assunção sem a anuência do D2, ele cumpriria tudo e poderia vir a ser
surpreendido com a insolvência de um terceiro, com o qual ele não anuiu integral pólo passivo da
relação jurídica.
Resposta: isso, mas desde que haja anuência. Sem dúvida vai haver subrogação das relações internas,
mas desde que haja essa anuência dos demais devedores, justamente por que o que vai acontecer
aqui? Se houver assunção da divida nas relações internas, se o D2 pagar, ele vai se sub-rogar na
posição do credor, então ele vai poder exercer o direito de regresso com as mesmas garantias e
privilégio do credor originário.
Só que haverá aqui a sub-rogação e justamente por isso é preciso que haja anuência desses demais
devedores, porque ao se sub-rogar o D2 vai se tornar credor dos demais devedores solidários. Então, é
justamente pelo fato de haver a sub-rogação é que é pressuposto essa anuência.
Resposta: ela não chega a ser minoritária porque os autores em geral não tocam no tema, falar que é
minoritária ou majoritária talvez fosse precipitado porque os autores não chegam a esse grau de
profundidade.
Resposta: isso, inclusive é a solução do código português que explicitamente diz isso, que a assunção
cumulativa gera a solidariedade e não precisa da anuência. O problema é que com a solidariedade a
questão é no mínimo discutível, porque é possível que haja alegação de compensação entre o terceiro e
o credor originário e essa alegação de compensação poderia de algum modo prejudicar o credor. Mas o
Rosenvald traz essa solução e os manuais se omitem quanto ao tema.
Outra questão importante aqui, os manuais nem sempre tratam, é não confundir assunção de divida
com promessa de liberação. Promessa de liberação é também conhecida como assunção de
cumprimento, seguinte: quando há assunção de divida, nós já sabemos que o assuntor, o terceiro, ele
passa a integrar posição jurídica do devedor. Ou seja, passamos a ter uma relação direta entre o credor
e o assuntor, razão pela qual é necessário consentimento do credor.
Na promessa de liberação se estabelece uma relação jurídica entre o promitente e o devedor. Não há
relação jurídica entre o credor e o promitente na promessa de liberação, não há, a relação jurídica se dá
entre o promitente e o devedor.
Então, na verdade aqui o que vai acontecer? O promitente vai se comprometer perante o devedor a
pagar o credor, não há uma relação entre credor e promitente, o efeito prático qual é? O credor não
pode exigir do promitente, a relação se estabelece apenas entre o promitente e o terceiro.
Exemplo rotineiro disso ai: contrato de locação de imóvel. É praxe em contrato de locação, o locador
transferir a obrigação de pagar a quota condominial ao locatário. Qual é a natureza jurídica dessa
cláusula? É assunção de divida? Não, a natureza jurídica dessa cláusula é de promessa de liberação.
Vamos pensar aqui, o terceiro promitente seria o locatário, não é isso? O locatário se compromete
perante o locador a pagar a cota condominial ao condomínio que é o credor. Vejam como a estrutura
não é exatamente essa: se o locatário não pagar, o condomínio tem ação direta contra o locatário? Não,
na verdade o locatário se compromete perante o locador a pagar a cota condominial em favor do credor
que é o condomínio e aí se o locatário não paga e o locador cumpre, haverá direto de regresso. Mas o
credor não pode exigir do promitente aquilo que ele assumira perante o devedor.
Vejam que nesse caso a promessa de liberação é decorrência da natureza propter rem da obrigação de
pagar a cota condominial, porque como pagar cota condominial tem natureza propter rem, ela se
vincula apenas ao titular do direito real e, portanto a natureza propter rem propiciaria o surgimento da
promessa de liberação no caso.
Resposta: não, não há previsão legislativa no código civil, o que há de discussão aqui em termos
legislativo é o seguinte: lembra aquele projeto 6960, os portugueses costumam dizer que enquanto o
terceiro e o devedor não obtém a anuência do credor, a assunção de divida ela é ineficaz em relação ao
credor.
Para muitos a ausência de consentimento não seria um fator de validade e sim um fator de eficácia e,
conseqüentemente o que muitos afirmam é que enquanto não houver a anuência do credor, a natureza
jurídica do acordo entre o terceiro e o devedor seria de promessa de liberação. Porque para promessa
de liberação virar assunção de divida é preciso que haja concordância do credor para que surja a
relação entre o credor e o terceiro.
O tal projeto 6960 acrescentaria um §1º ao artigo 299 e aí o projeto diz, contra essa tendência dos
portugueses, o projeto diz que enquanto não houver a anuência do credor, haveria solidariedade
passiva entre o devedor originário e o terceiro, não seria promessa de liberação. Quer dizer, o objetivo
do projeto é resguardar o credor, quando ele não anuiu com a solidariedade, ele não seria prejudicado.
Só que os especialistas criticam o projeto porque se a não anuência gerar solidariedade, o credor não
vai concordar nunca mais com a assunção de divida. Quer dizer, seria um fator de desestímulo, de
desencorajamento a anuência do credor para a assunção de divida.
Na verdade, nós não temos hoje esse problema legislativo, mas temos um potencial problema no futuro
caso o projeto venha a tona da maneira como se encontra. Nós não temos previsão legal, os
doutrinadores em geral, os portugueses principalmente que enfrentam o tema, afirmam nesse sentido,
que seria promessa de liberação e o projeto traz a solidariedade.
Bom, tem um problema em relação às garantias, é o seguinte: como a assunção de divida gera
sucessão, a principio, a relação jurídica permaneceria a mesma, inclusive com as garantias. Tem um
Enunciado sobre o tema que é Enunciado 352, a primeira parte não gera muita polemica, a doutrina é
muito firme nesse sentido, e diz: com a assunção de divida cessam eventuais garantias prestadas por
terceiros. Claro, desde que o terceiro não venha anuir com a assunção.
Então, cessaria a fiança, por exemplo, se o imóvel hipotecado tivesse sido oferecido por um terceiro
também cessaria a hipoteca. Parece fazer sentido por quê? Porque o terceiro se comprometeu a
resguardar, a garantir o cumprimento da prestação por aquele devedor. Não seria razoável que a
mudança no devedor sem a anuência do terceiro garantidor propiciasse a subsistência daquela garantia.
Bom, problema maior diz respeito as garantias prestadas pelo próprio devedor. Olha só: nós temos o
artigo 300: salvo a sentimento expresso do devedor primitivo, consideram-se extintas a partir da
assunção da divida as garantias especiais por ele originariamente dadas ao credor.
Tem duas correntes aqui: tem uma primeira posição defendida pelo Caio Mário e Venosa. Para eles
essas garantias especiais a que se refere o artigo 300 diriam respeito a eventual garantia fidejussória ou
eventual garantia real prestada por terceiro. Ou seja, se o próprio devedor oferecesse um imóvel em
hipoteca, para essa primeira corrente, aquela garantia real ela subsiste.
Essa posição do Caio Mário e Venosa não traz nada de novo em relação a questão do terceiro, porque
na garantia fidejussória em relação ao fiador, a garantia é prestada por um terceiro.
A tendência da doutrina vem pela segunda corrente que consta no Enunciado 352, parte final: já as
garantias prestadas pelo devedor primitivo somente são mantidas no caso em que este concorde com a
assunção. Ou seja, o que a doutrina vem reafirmando aqui, não é unânime, mas é uma tendência, é no
sentido de que as garantias oferecidas pelo devedor se extinga caso o devedor não venha a anuir em
relação a subsistência de tais garantias. Quer dizer, eventual hipoteca oferecida pelo devedor, cessa no
caso de assunção de divida, caso ele não venha a anuir com a subsistência daquela garantia. Ou seja,
a própria fundamentação o Enunciado 352 afirma na verdade essas garantias especiais oferecidas pelo
devedor seriam toda e qualquer garantia oferecida pelo devedor que não a garantia geral que seria a
garantia em relação a seu patrimônio.
Então, toda e qualquer garantia superior a garantia geral, estaria abrangida no artigo 300. Nesse sentido
nós temos o Carlos Roberto Gonçalves, Tepedino, Flávio Tartuce e o José Roberto de Castro Neves,
além do Enunciado 352.
Quer dizer, nós teríamos aqui uma hipótese sui generis em que nós teríamos sim sucessão, em que não
se presume a subsistência das garantias prestadas pelo próprio devedor dada a mudança no pólo
passivo da relação obrigacional.
Quer dizer, em termos práticos se formos pensar em termos de advocacia, o credor tem que tomar
cuidado em anuir com a assunção de divida, ele deve buscar o consentimento expresso do devedor em
relação a eventuais garantias por ele oferecidas para escapar dessa controvérsia.
Uma última observação, em relação aos privilégios, não há duvida que os privilégios subsistem porque
eles decorrem da natureza do crédito. Quer dizer, são privilegiados, por exemplo, crédito trabalhista,
crédito fiscal, os privilégios decorrem da natureza do crédito e não do acordo de vontades. Então, como
é a própria natureza que impõe o privilegio a assunção de divida não afasta, não descaracteriza o
privilégio anteriormente incidente.
Cuidado também, o assuntor ele responde civilmente por eventual violação dos deveres anexos
praticados pelo devedor originário, sabendo-se, inclusive, veremos um pouco mais adiante, que a
violação dos deveres anexos configura inadimplemento contratual e o assuntor responde por eventual
danos causados.
Então, vamos mudar de assunto e começar a tratar de pagamento. Bom o código civil em relação ao
pagamento começa a tratar do tema no artigo 304 e seguintes.
O código começa logo definindo quem deve pagar. É claro que o código civil não perdeu tempo em
afirmar que cabe pagamento ao devedor, é evidente. O que o código começou a delinear nesses artigos
é a questão do pagamento pelo terceiro.
Aqui, é preciso nos lembrarmos que em relação ao pagamento pelo terceiro é preciso diferenciar o
terceiro interessado do terceiro não interessado. Para se qualificar como um terceiro interessado é
preciso que se tenha interesse jurídico e econômico, e como hipóteses claras como terceiros
interessados, nós temos o artigo 346 que traz hipóteses clássicas de terceiros interessados.
O artigo 346 trata de sub-rogação legal, por exemplo, uma das hipóteses ali prevista é o adquirente do
imóvel hipotecado, ele é um terceiro interessado em pagar a divida do alienante. Ele tem interesse em
pagar a vivida para que? Para afastar a possibilidade de discussão judicial, o fiador também é um
terceiro interessado. *39:15*
Enfim, tratando do pagamento pelo terceiro interessado, nós temos o artigo 304, caput, então já vou
sugerir a remissão do artigo 304, caput para o artigo 346 porque com essa remissão o que já fica claro?
Que quando o terceiro interessado efetua o pagamento, por força de lei ele se sub-roga na posição do
credor. Qual o efeito prático disso?
Subrogação implica em integrar a mesma relação jurídica, ou seja, sucessão no pólo ativo, então se tem
um débito de 30 mil e o terceiro interessado paga o credor, o terceiro interessado por força de lei vai se
sub-rogar na posição do credor. Sucessão no pólo ativo com os efeitos práticos que já sabemos, quer
dizer, todas as características da relação jurídica subsistirão, as garantias, os juros, toda aquela historia
lá.
Além do pagamento gerar sub-rogação legal, tem uma outra questão aqui. O artigo 304, caput diz:
qualquer interessado na extinção da divida pode pagá-la usando, se o credor se opuser, dos meios
conducentes a exoneração do devedor.
O que é isso? Pagamento em consignação, quer dizer, se o credor se recusa a receber o pagamento
pelo terceiro, o terceiro pode se valer dos meios conducentes a exoneração do devedor, ou seja,
pagamento em consignação. Eu talvez fizesse remissão para o artigo 1335 que trata de hipótese em
que cabe a consignatória.
Tem outra hipótese de aplicação desse artigo 304, pagamento em consignação é a hipótese mais
lembrada, mas vamos supor que o devedor esteja em mora. Lembra daquela história da purgação da
mora? Artigo 401, aplicando o artigo 304, parte final o que podemos afirmar? Que o terceiro interessado
pode purgar a mora do devedor porque a purgação também gera a exoneração do devedor.
Então, sugiro também a remissão do artigo 304, caput para o artigo 401, I que prevê a purgação da
mora pelo devedor.
Aliás, também outra observação, porque estamos começando a ver pagamento pelo terceiro e eu sugiro
a remissão de toda essa sistemática de pagamento pelo terceiro para o artigo 877. Porque o terceiro
pode pagar e depois alegar que na verdade pagou por erro, ele não tinha intenção de ter pago, pagou
por erro.
Quando alguém paga por erro, paga indevidamente, a principio vamos aplicar a lógica do pagamento
indevido e aí é aplicável o artigo 877 que diz: aquele que voluntariamente pagou indevido, incumbe a
prova de tê-lo feito por erro.
Então, para que esse terceiro que paga possa obter a repetição, ele vai ter que provar o erro, a
presunção do código é no sentido de que tivemos aqui um pagamento pelo terceiro e, portanto não
suscetível de repetição direta.
O que pode haver em alguns casos é o direito de regresso. É claro que em termos práticos vai ser muito
difícil o terceiro interessado provar que pagou por erro porque na verdade ele tinha um interesse jurídico
em cumprir a prestação.
Não é que não seja aplicável, mas em termos práticos haverá uma dificuldade probatória muito maior.
Então, terceiro interessado, consignação ou purgação da mora e ao mesmo tempo sub-rogação.
No §único do artigo 304, cuidado aqui com esse dispositivo, ele trata da hipótese do pagamento pelo
terceiro não interessado em nome do devedor. Toda a doutrina, a exceção do Caio Mário, já afirmava no
código de 16 que quando o terceiro não interessado paga em nome do devedor, ele não tem direito de
regresso, praticaria um ato de liberalidade.
Essa posição foi extremamente reforçada com a parte final do §único do 304, que é novidade e fizemos
menção a esse artigo agora pouco, diz o §único: igual direito cabe ao terceiro não interessado se o fizer
em nome e a conta do devedor, salvo oposição deste.
A novidade que o código agora traz é o devedor se opor ao pagamento pelo terceiro não interessado em
nome do devedor, porque essa alteração? Razão de ordem moral. Justamente por se tratar de
liberalidade, o devedor pode ter razão de ordem moral para se opor ao pagamento pelo terceiro nesse
caso.
Cuidado aqui! Imaginem que o devedor se valendo deste dispositivo se oponha ao pagamento pelo
terceiro nessas circunstancias e ao mesmo tempo em que ele se opõe ao pagamento pelo terceiro
nessas circunstancias, ele não contesta a divida e não demonstra nenhuma intenção de pagar, abuso
do direito.
É possível que tenhamos o abuso do direito do devedor em se opor ao pagamento pelo terceiro. Vamos
apenas tomar cuidado com essa possibilidade também de abuso do direito de oposição por parte do
devedor.
Resposta: pode, vamos ver isso agora no artigo 305.
Resposta: a questão ganha contorno no artigo 305, pelo seguinte, porque quando o terceiro não
interessado paga em nome do devedor ele não tem direito de regresso. Agora, quando o terceiro não
interessado, que a sub-rogação pressupõe direito de regresso, o artigo 305 é que trata do pagamento
pelo terceiro não interessado que paga em seu próprio nome.
Cuidado que isso aqui, pois é cheio de detalhe e em prova objetiva cai muito. O artigo 305 está dizendo
que o terceiro não interessado que paga a divida em seu próprio nome tem direito a reembolsar-se do
que pagar, mas não se sub-roga nos direitos do credor.
Qual é o efeito prático aqui? É que o terceiro quando pagar os 30 mil ao credor, se for um terceiro não
interessado que pague em seu próprio nome, ele vai poder exigir 30 mil do devedor. Só que como não
há sub-rogação, ele vai poder exigir os 30 mil em uma nova relação jurídica, uma nova relação que se
estabelecerá entre o terceiro e o devedor.
Ou seja, no artigo 305 haverá direito de regresso sem sub-rogação, entenda-se sem sucessão, o direito
de regresso será exercido numa nova relação e os efeitos práticos nós já sabemos, os juros voltam do
zero, prescrição, as garantias se extinguem e assim sucessivamente.
Vamos pensar aqui o seguinte: o que justifica a sub-rogação no artigo 304? É o interesse jurídico do
terceiro que justifica a sub-rogação, quando não houver interesse jurídico e o pagamento for pelo
terceiro não interessado surgirá uma nova relação jurídica.
E muito cuidado porque esse artigo 305 comporta duas exceções: uma primeira exceção ao artigo 305
vem do artigo 347, I que diz: a sub-rogação é convencional, inciso I quando o credor recebe o
pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos. Ou seja, pode o principio
da autonomia privada propiciar a sub-rogação no caso do artigo 305, então salvo acordo em contrário.
Se houver acordo em contrário haverá sub-rogação convencional.
Outra exceção está no artigo 1368, está dentro do capítulo da propriedade fiduciária, que é a alienação
fiduciária, diz lá que o terceiro interessado ou não que pagar a divida se sub-rogará de pleno direito no
crédito e na propriedade fiduciária. Regra especial, sugiro a remissão do artigo 305 para essas duas
exceções.
Cuidado aqui com um detalhe em relação ao artigo 307. A regra em si é muito simples, ela basicamente
diz que se o pagamento importa em transmissão da propriedade, é preciso que aquele que pague tenha
a possibilidade de alienar o bem. Ou seja, se o terceiro que paga não é o proprietário, não se admite a
alienação a non domino no direito brasileiro.
Então diz lá: só terá eficácia o pagamento que importar em transmissão da propriedade quando feito por
quem possa alienar o objeto em que ele consistiu. Cuidado aqui porque essa regra tem que ser
interpretada em harmonia com o artigo 1268, tem duas observações aqui em relação ao artigo 1268.
Vamos ver primeiro o caput.
O artigo 1268, que trata especificamente de bem móvel, traz uma exceção a lógica da alienação a non
domino no direito brasileiro, especifico para bem móvel. Porque pela regra geral, como ninguém pode
transferir mais direitos do que tem, e se o alienante não é dono, ele não pode transferir a propriedade.
Aí o artigo 1268 diz assim: feita por quem não seja proprietário a tradição não aliena a propriedade,
exceto se a coisa oferecida ao público em leilão ou em estabelecimento comercial for transferida em
circunstancias tais que ao adquirente de boa fé, como a qualquer pessoa o alienante se afigurar dono.
O que o dispositivo estabelece é que nessas hipóteses aí previstas, se admite a alienação a non domino
de bem móvel, se alguém adquire um bem móvel em estabelecimento comercial ou leilão, em
circunstancias que façam presumir que o alienante era dono, o artigo 1268 transfere a propriedade
ainda que a alienação tenha sido a non domino.
Vejam que se trata de uma exceção a lógica de que ninguém pode transferir mais direitos do que tem,
exceção essa que se embasa em teoria da aparência, principio da confiança.
Então, qual é a confusão que o examinador pode fazer aí? Alguém adquire a non domino um bem móvel
com base no artigo 1268, parte final e, ato contínuo, efetua o pagamento transferindo a propriedade
desse bem adquirido. O pagamento é válido porque a alienação anterior apesar de ser a non domino
gerou efetivamente a transferência de propriedade.
Observação: artigo 1268, caput é especifico para bem móvel.
Outro cuidado em relação ao §1º do artigo 1268, também aplicável ao artigo 307. Esse §1º do artigo
1268 ele seria aplicável por analogia ao artigo 307 mesmo em se tratando de imóvel. Porque o §1º
aplicável ao artigo 307 traria a chamada pós-eficacização do pagamento e o que seria isso? Aquele que
efetua o pagamento a non domino vem posteriormente adquirir a propriedade sobre aquele bem. Quer
dizer, no momento em que ele efetuou o pagamento ele não era dono, mas 05 dias depois ele adquire a
propriedade sobre aquele bem. A aquisição superveniente da propriedade gera a pós-eficacização do
pagamento, quer dizer, convalida o pagamento anteriormente efetuado a non domino.
Resumindo qual seria aí a hipótese? Terceiro quando paga não é o dono, no momento em que ele
transfere a propriedade efetuando o pagamento ele não é o dono e aí 05 dias depois daquele
pagamento efetuado a non domino ele vem a adquirir a propriedade sobre aquele bem. Essa aquisição
superveniente da propriedade convalida o pagamento anteriormente efetuado.
Acho que vale a pena a remissão aí para esses dispositivos.
Pergunta.
Resposta: exatamente, é a hipótese lá do §1º do artigo 1268 aplicável aqui no artigo 307 e aqui em
relação ao §1º a doutrina sustenta que vale tanto para bem móvel quanto para imóvel.
Vamos dar uma olhada na questão envolvendo o pagamento feito ao credor putativo, artigo 309.
Credor putativo é o credor aparente, o irmão gêmeo do credor (exemplo da doutrina), o brilhante
falsificador de um titulo, o sujeito faz uma falsificação brilhante de um titulo e se apresenta como atual
portador, esse seria o credor putativo.
Claro que aqui nós temos dois interesses em conflito, nós temos o interesse do devedor que paga de
boa fé e temos os interesses do verdadeiro credor. Ponderando esses dois interesses, qual é a solução
legal? O artigo 309 diz que o devedor se exonera, há uma forte influencia aqui da teoria da aparência.
Quer dizer, o pagamento feito ao credor putativo, ao credor aparente produz os mesmos efeitos em
relação ao devedor como se o pagamento tivesse sido ao credor real (teoria da aparência). Devedor se
exonera, principio da confiança. E o credor real vai poder exigir do credor putativo o que indevidamente
recebera. (artigo 876 que trata do pagamento indevido).
Na prova isto está tudo certo, mas na prática o credor real fica sem receber porque o credor putativo,
normalmente é um 171. Mas em termos dogmáticos, ponderação de interesses a nível
infraconstitucional, principio da confiança, legitima expectativa.
Não há duvida na doutrina que o artigo 309 também se aplica no caso de pagamento feito ao
mandatário putativo do credor. Imaginem que o credor receba aquele crédito através de uma imobiliária,
por exemplo, e o devedor vem pagando aquele crédito ali há 03 anos para a imobiliária e na verdade o
credor rescinde o contrato com a imobiliária, só que o devedor não está sabendo de nada, ele vai
efetuar o pagamento ao mandatário putativo e se exonerará.
Artigo 310, pagamento feito ao credor incapaz, diz lá que não vale o pagamento cientemente feito ao
credor incapaz de quitar se o devedor não provar que em beneficio dele efetivamente reverteu.
Este artigo 310 está em harmonia com o artigo 181(vejam em casa), a questão importante aqui é a
seguinte: o código fala apenas em pagamento feito ao incapaz, ele não diferenciou o relativamente
incapaz, do absolutamente incapaz. Colocou duas situações distintas na mesma situação e é preciso
aqui um tratamento diferenciado.
Qual seria a diferença de tratamento aí? Em relação ao pagamento feito ao absolutamente incapaz, o
devedor só se exonera nos termos do artigo 310.
Agora, se o pagamento for feito ao relativamente incapaz, o devedor vai se exonerar não apenas no
caso do artigo 310, mas também no artigo 180 (lembra da historia do garoto entre 16 e 18 que oculta a
própria idade) ele vai se exonerar se pagar ao relativamente incapaz nesse caso.
Outra hipótese no artigo 176, ratificação pelo assistente. Outra hipótese no artigo 172, o próprio garoto
ao atingir a maioridade ratificar o ato. Então, só para fechar qual a remissão que sugiro? Porque
ninguém vai lembrar disso tudo na prova é impossível.
O que eu faria aqui? Do artigo 310 para diferenciar eu jogaria a remissão para o artigo 3º combinado
com o artigo 310, porque o artigo 3º trata do absolutamente incapaz, eu faria do próprio artigo 310 para
o artigo 3º combinado com o artigo 310.
Faria outra remissão para o artigo 4º (que trata dos relativamente incapazes) para o artigo 310 e para
esses artigos que acabamos de ver. Porque aí vamos lembrar que em relação aos relativamente
incapazes nós temos todas essas outras hipóteses que permitiriam a liberação do devedor.
Vamos prosseguir com alguns aspectos importantes a respeito do pagamento. Pensando principalmente
em questões de ordem mais objetiva... Artigo 315 diz lá: as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no
vencimento em moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subseqüentes.
O artigo 315 traz o chamado principio do nominalismo monetário, porque vejam que o artigo 315 diz que
no caso de divida em dinheiro, a divida vai ser paga em moeda corrente pelo valor nominal constante do
título.
Vejam, pelo principio do nominalismo monetário, se adotadas as últimas instâncias, o transcurso do
tempo ao gerar o esvaziamento ou a depreciação do valor monetário constante do título, seria suportado
pelo credor. Se aplicado o nominalismo monetário, quer dizer, a depreciação monetária em decorrência
do transcurso do tempo seria suportada pelo credor.
Percebam que o principio do nominalismo monetário, adotado as últimas instancias, propiciaria
enriquecimento sem causa, então na verdade esse principio do nominalismo monetário, que é previsto
no artigo 315, é cada vez mais mitigado pelo principio do valorismo monetário. Percebam inclusive, que
o nominalismo adotado as últimas instancias, ele seria incompatível com o principio do equilíbrio
econômico dos contratos que é um dos novos princípios que veremos mais adiante, principio do
equilíbrio econômico. Nós teríamos, portanto com o nominalismo monetário uma distorção do
sinalagma.
Então, o princípio do valorismo monetário, na verdade se manifesta não apenas nos artigos
subseqüentes, como diz o artigo 315 que diz: adota-se o principio do nominalismo salvo o disposto nos
artigos subseqüentes. Então, na verdade o principio do valorismo monetário, que é uma exceção a regra
na primeira parte do artigo 315, se faz presente não apenas nos artigos subseqüentes, como diz o artigo
315, mas também em legislações extravagantes.
O exemplo mais claro do valorismo monetário, lei 6899/81 que prevê a correção monetária a ser fixada
pelo Juiz independentemente de pedido nesse sentido, lei 6899/81 há imposição de correção monetária,
inclusive uma exceção ao principio da inércia da tutela jurisdicional, não é isso?
Tem outro artigo que também é muito lembrado, o artigo 184 da Constituição, lembra aquela
desapropriação sanção em que o pagamento se dá através de pagamento de divida agrária? Mesmo
naquela hipótese de pagamento através de título de divida agrária, a Constituição no artigo 184, impõe a
observância, a preservação do valor real constante do título. Artigo 184 que prevê o valorismo monetário
ainda que no caso de desapropriação sanção, mesmo na hipótese do artigo 184.
Surge aqui uma questão que é a seguinte, costumam perguntar em provas orais ou objetivas,
dificilmente em provas dissertativas: diante do suposto principio do nominalismo, algum tempo atrás, era
praxe a celebração de contratos com as chamadas cláusulas de escala móvel. A cláusula de escala
móvel basicamente representa a disposição contratual que contempla a correção do valor
originariamente pactuado de acordo com variações de índices de preços ou aspectos de natureza
cambial. Então, na verdade a cláusula de escala móvel tinha por motivo mitigar o nominalismo
monetário a luz do principio da autonomia privada.
Por que estou ressaltando isso? Porque para a maioria da doutrina, o artigo 316 do código civil
contempla a cláusula de escala móvel. Diz o artigo 316: é licito convencionar o aumento progressivo de
prestações sucessivas. Então, o artigo 316 estaria contemplando a possibilidade das chamadas
cláusulas da escala móvel. Nesse sentido o Carlos Roberto Gonçalves e Gustavo Tepedino dentre
outros. Discordando dessa posição, nós temos a Judith Martins Costa que é acompanhada pelo
Christiano Chaves e pelo Nelson Rosenvald.
A cláusula de escala móvel busca necessariamente o que? A correção e o artigo 316 não fala em
correção, ele fala em aumento progressivo de prestações.
Então, na verdade o que o artigo 316 permite é que as partes possam pré-estabelecer não apenas a
correção do valor originariamente pactuado, mas o efetivo aumento real de prestações sucessivas e a
idéia de aumento real escaparia ao âmbito das chamadas cláusulas de escala móvel.
E aí há um segundo argumento defendido por esses autores e essa posição é minoritária, mas há um
segundo argumento que é o seguinte: as chamadas cláusulas de escala móvel, elas buscavam
estabelecer correção através de um determinado índice previsto pelas partes e a incidência dessa
correção ela se daria automaticamente. A incidência da correção recorrente da cláusula de escala móvel
se operaria automaticamente. Ao passo que no artigo 316, sustentam esses autores, as partes
poderiam convencionar o aumento progressivo, como diz o dispositivo, desde que ocorrido um fato
subseqüente que venha a alterar o sinalagma originariamente pactuado. Então, seria premissa a
aplicação do artigo 316 a ocorrência de uma circunstancia fática posterior, que tenha o condão de
alterar o sinalagma originariamente acordado.
Percebam que a principal diferença entre a cláusula de escala móvel e a correção monetária qual é? É
que a chamada cláusula de escala móvel deriva do principio da autonomia privada, ao passo que a
correção monetária se opera ex legis.
Na medida em que a questão da correção monetária foi se solidificando como matéria de ordem pública,
a tendência foi cada vez mais impropiciar o relativo esvaziamento das chamadas cláusulas de escala
móvel. Então, há na verdade essa tendência no direito contemporâneo.
Pergunta do aluno.
Resposta: isso, só que evidentemente essa cláusula de escala móvel, ela não é imune a eventual
revisão judicial. Porque a cláusula de escala móvel (veremos com calma mais adiante), mas acho que
todos tem uma idéia aqui de que na medida em que a escala móvel está atrelada ao principio da
autonomia privada, na medida em que a autonomia privada deixa de ser um valor absoluto e passa a
ser um valor função, quer dizer, a autonomia privada ela precisa ser ponderada a luz de outros
princípios no conceito atual, então sem dúvida que a cláusula de escala móvel ela pode ser revisada
judicialmente a luz do principio do equilíbrio econômico.
Então, nada impede que as partes se convencionem um determinado índice que não aquele previsto em
lei. Só que a utilização desse índice não torna a cláusula imune em eventual revisão judicial, a luz,
principalmente do conceito da onerosidade excessiva e da lesão.
Pergunta do aluno.
Resposta: a grande critica aqui da Judithe e do Rosenvald é justamente isso, em relação ao artigo 316,
porque a correção monetária ela não busca um aumento, o que ela busca na verdade é preservar
aquele valor originariamente pactuado que seria corroído a luz do principio do nominalismo monetário.
Já o artigo 316 ele não fala em correção, ele fala em aumento, então se apegando a literalidade do
dispositivo, esses autores afirmam que o artigo 316 não está contemplando correção, ele está
contemplando verdadeiro aumento real do padrão originariamente acordado e o aumento fugiria a ótica
da correção.
Então, na verdade a correção ela não busca um reajuste efetivamente, ela busca apenas a manutenção
do sinalagma originalmente acordado, ela busca evitar a corrosão do valor monetário no transcurso do
tempo em relação ao credor, quer dizer, na verdade a correção monetária vem em harmonia com a
vedação ao enriquecimento sem causa, em harmonia com o principio do equilíbrio econômico.
Pergunta do aluno.
Resposta: exatamente isso que eu ia mencionar aqui, tem uma legislação especifica, é o artigo 2º, §1º
da lei 10192/01 que instituiu a política econômica concernente ao plano real. Esse dispositivo prevê a
nulidade de qualquer reajuste em período inferior a 1 ano, matéria inclusive de ordem pública, que diz
respeito a questão de política econômica. Então, percebam que este dispositivo já estabelece um limite
ao princípio da autonomia privada no que diz respeito a chamada cláusula de escala móvel.
Então, sem dúvida alguma, buscando a desindexação da economia, buscando estabilidade econômica,
nós temos essa nova matéria, que é de ordem pública, que se infiltra no principio da autonomia privada.
Pergunta do aluno.
Resposta: em tese sem duvida alguma não, mas é claro que é preciso verificar se há alguma legislação
especifica em relação a construção civil, na ausência de regulamentação especifica, a regra geral sem
dúvida, a lei 10192. Agora não sei te afirmar se tem ou não uma regra especifica em relação a
construção civil.
Pergunta do aluno.
Resposta: isso, quer dizer, a lei 10192 estabelece um limite de ordem pública por razões de ordem
econômica, a possibilidade de reajustes aí.
Outra questão que vou enunciar de maneira bem objetiva, o artigo 318 proíbe o pagamento em ouro ou
moeda estrangeira, é a chamada nulidade da cláusula ouro ou do pagamento em moeda estrangeira.
O mais importante para nós aqui, principalmente em provas objetivas, são as exceções a esse artigo
318 que são: artigo 1º da lei 10192/01, temos ainda exceções no decreto lei 857/69, ainda na lei
9069/65 e por último no artigo 6º da lei 8880/94.
Os exemplos previstos na legislação basicamente envolvendo contratos de importação e exportação,
contratos de câmbio e também contratos envolvendo arrendamento mercantil com recursos captados no
exterior.
Fiquem atentos em provas objetivas porque o examinador acaba trazendo uma dessas exceções
nessas hipóteses em que é admissível pagamento em moeda estrangeira.
Lugar do pagamento: vamos, antes de mais nada, nos recordar do seguinte: em relação ao lugar do
pagamento as dívidas podem ser quesíveis ou portáveis. Quesíveis no domicilio do devedor, portáveis
no domicilio do credor.
No direito brasileiro, o artigo 327 traz a presunção relativa de que as dívidas são quesíveis, diz lá:
efetuar-se-á o pagamento no domicilio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente ou
se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstancias.
Então, salvo se resultar da lei, por exemplo, em relação as dividas fiscais plenamente admissível que o
poder público eleja um local do pagamento diverso do domicílio do devedor. Então, eventualmente em
dívidas fiscais é possível a exceção a sistemática da divida quesível.
Outra exceção é em relação a natureza da obrigação, tem um exemplo que a doutrina costuma trazer
em relação a essa exceção, por exemplo: em relação a aquisição de ingressos para determinado
espetáculo teatral, quer dizer, pela própria natureza da obrigação, em regra, o pagamento se dá no
próprio local do estabelecimento excepcionando a regra do artigo 527, 1ª parte e o código diz “ou das
circunstâncias”.
Um exemplo também trazido pela doutrina, em relação às circunstancias, o pagamento feito ao
empregado ou ao empreiteiro pelas próprias circunstancias normalmente se dá no próprio local da
atividade desenvolvida ou no domicílio do devedor.
Inclusive a doutrina critica muito essa presunção relativa prevista no código, porque sem duvida que
essa presunção relativa é um resquício do código de 16. Porque em 1916, era comum o credor e os
seus cobradores baterem de porta em porta para receberem o crédito do seu respectivo patrão.
Só que a dinâmica das relações privadas hoje é absolutamente distinta, então o que muitos autores
afirmam é que essa presunção relativa do código é absolutamente divorciada com a dinâmica das
relações privadas contemporâneas.
O artigo 328 traz uma regra especial que excepciona, portanto, o artigo 327 e diz o artigo 328 se o
pagamento consistir na tradição de um imóvel ou em prestações relativas a imóveis, far-se-á no lugar
onde situado o bem.
Bom, percebam que quando o legislador diz “tradição do imóvel far-se-á no lugar onde situado o bem”
em que pese o legislador não ter restringido, essa tradição a que se refere o artigo 328, corresponde a
tradição real. Porque, percebam é possível que tenhamos tradição ficta do imóvel, inclusive dentro das
modalidades, a mais conhecida é a tradição ficta simbólica, a entrega das chaves. Percebam que no
caso de tradição ficta, simbólica da entrega das chaves, não será aplicável necessariamente o artigo
328.
Então, tradição entenda-se tradição real, caso de tradição ficta inaplicável o dispositivo.
E o código diz ainda “ou em prestação relativa a imóveis”. A doutrina aqui é bastante firme no sentido
de que a redação foi demasiadamente vaga, imprecisa. Porque vejam, se eu contrato alguém para
trocar o piso do meu apartamento, sem duvida aplicável o artigo 328, que é a prestação relativa ao
imóvel, necessariamente há de ser cumprida no local do imóvel. Agora, aluguel, por exemplo, não é uma
prestação relativa a imóvel? E vejam que em relação a aluguel não necessariamente aplicável o artigo
328. Cota condominial, também é uma prestação relativa a imóvel, não necessariamente aplicável o
artigo 328. Quer dizer, quando o artigo 328 fala em prestação relativa a imóveis, entenda-se prestações
que devam necessariamente serem cumpridas no imóvel.
O artigo 330, sem duvida chama muito a atenção aqui, tanto para provas objetivas quanto para
dissertativas. O artigo 330 é um dispositivo extremamente importante.
Vamos supor que tenhamos um contrato de locação que o local acordado para o pagamento tenha sido
Rio de Janeiro. Só que há 4 anos o locatário vem pagando e o locador vem recebendo os alugueis em
Niterói. O artigo 330 diz que o credor depois de receber 4 anos em Niterói não pode mais exigir o
pagamento no Rio de Janeiro.
Diz o artigo 330: o pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renuncia do credor
relativamente o previsto no contrato. No que inspira o artigo 330? Na supressio que todos nós sabemos
é uma decorrência do principio da boa fé objetiva.
A supressio lembra o que? Supressão, então qual é a idéia básica de supressio? A supressio representa
a supressão de uma prerrogativa em decorrência da inércia prolongada do seu respectivo titular. Quer
dizer, a inércia prolongada do titular de uma prerrogativa pode despertar em outrem uma legítima
expectativa e aí nesse caso aplicável a figura da supressio que é justamente a hipótese do artigo 330.
Tem um detalhe aqui, porque o artigo 330 diz que faz presumir renúncia do credor, supressio não
parece renuncia tácita?
Parece, só que não é a mesma coisa, é um equívoco técnico falar que supressio é renúncia tácita.
Inclusive a renúncia tácita existe há muito tempo, inclusive no direito de família a questão da discussão
da renuncia tácita dos alimentos.
Quando se fala em renuncia tácita, está se focando na vontade de quem? Do renunciante, quer dizer, a
inércia prolongada gera uma presunção de que o renunciante não tem a intenção de exercer uma
determinada prerrogativa. Então, a renuncia tácita foca a atenção do ordenamento jurídico em relação
ao renunciante.
Quando se fala em supressio, a atenção primordial do ordenamento jurídico se dirige a quem? Ao
declaratário, ao destinatário da vontade, quer dizer, o objetivo primordial da supressio é a proteção da
legitima expectativa de terceiro.
Por isso é até criticável a redação do artigo 330 quando diz que faz presumir renúncia, porque parece
sugerir renuncia tácita quando num ambiente de boa fé objetiva muito melhor do que falar em renuncia
tácita é falar em supressio. Porque na medida em que a boa fé objetiva busca a legitima expectativa,
supressio sem dúvida traz um enfoque diverso da lógica da renuncia tácita. E aí desde logo vamos
enfrentar a seguinte questão: é praxe a existência de cláusulas contratuais que tenham por objetivo
afastar o artigo 330. Quer dizer, as cláusulas normalmente dizem que o recebimento em local diverso é
mera liberalidade não vinculando situações futuras.
Bom, o que está por detrás da pergunta é a duvida se o artigo 330 é regra cogente ou dispositiva. Tem
duas correntes sobre o tema.
Há uma primeira posição, que é defendida pelo Celso Quintela. Ele escreve sobre a questão do
pagamento naquela obra que é coordenada pelo Gustavo Tepedino, não pode ser interpretado aqueles
textos da parte geral. E o Celso Quintela escrevendo sobre o tema sustenta que a regra é dispositiva e,
portanto afastável pela vontade das partes.
Percebam que o Celso Quintela não chega a trabalhar essa questão especifica, mas ainda que
venhamos a seguir essa posição, essa lógica parece inaplicável em contrato de adesão por força do
artigo 424. Diz o artigo 424: nos contratos de adesão são nulas as cláusulas que estipule a renuncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
Só que a posição que tende a predominar, não podemos afirmar que hoje ela é amplamente dominante,
porque nem todos os manuais tratam do tema e não temos ainda decisões consolidadas sobre a
questão, mas a posição que tende a ser predominante é defendida pela Judith Martins Costa, é a
posição inclusive adota no código civil interpretado do Gustavo Tepedino.
Essa segunda posição defende, portanto o artigo 330 é regra cogente. O argumento é bem simples, a
regra é cogente porque inspirada no princípio da fé objetiva. Quer dizer, o que busca o artigo 330 é a
proteção da confiança da legítima expectativa que sem dúvida alguma é matéria de ordem pública.
Tomar cuidado com um pequeno detalhe no artigo 329, que é novidade esse artigo, não existia, diz o
artigo 329: ocorrendo motivo grave para que não se efetue o pagamento no lugar determinado, poderá o
devedor fazê-lo em outro, sem prejuízo para o credor.
O Tepedino traz uma ponderação dizendo: essa parte final do artigo 329 quando diz “sem prejuízo para
o credor” não se aplica se o motivo grave for imputável ao credor ou decorrer de fortuito. Porque o artigo
329 quando diz que o devedor pode efetuar pagamento em outro local sem prejuízo para o credor, na
verdade o artigo 329 quando diz “sem prejuízo para o credor” se conecta a princípio com o artigo 325
que diz presumidamente se as despesas com pagamento e quitação correm por conta do devedor.
Então, se houver um motivo grave, o devedor vai poder efetuar o pagamento em local diverso, sem
prejuízo para o credor e aí vem o Tepedino e afirma: entenda-se se esse motivo grave for imputável ao
credor as despesas extras decorrentes da mudança do local do pagamento não serão atribuídas ao
devedor nos termos do artigo 325.
E se o motivo grave decorre de fortuito, as despesas extras decorrentes de fortuito, devem ser rateadas,
elas não serão suportadas exclusivamente pelo devedor como sugere a literalidade do artigo 325
combinado com o artigo 329, parte final.
Pergunta do aluno.
Resposta: em se tratando de relação de consumo, necessariamente externo a princípio, sem dúvida
alguma. Então, cuidado só com essa peculiaridade da parte final do artigo 329.
Em relação ao tempo do pagamento, o artigo 331 contempla o princípio da satisfação imediata. Diz o
artigo 331: salvo disposição legal em contrário, não tendo sido ajustada época para o pagamento pode o
credor exigi-lo imediatamente.
Então, na ausência de acordo e na ausência de disposição legal, adota-se o principio da satisfação
imediata e como não há situação prevista em lei que excepciona a satisfação imediata, vale a remissão
aí para o artigo 592 que excepciona o artigo 331 em se tratando de contrato de mútuo.
Só que esse artigo 331, que contempla o principio da satisfação imediata, é mitigado, é excepcionado
pelo chamado termo moral que é aplicável quando a natureza da prestação for incompatível com a sua
exigibilidade imediata e para lembrar do termo moral, sugiro a remissão do artigo 331, para o artigo 134,
parte final.
Diz o artigo 134 que os negócios jurídicos entre vivos sem prazo são exeqüíveis desde logo, salvo se a
execução tiver que ser em lugar diverso ou depender de tempo. Então, claro que se eu sou contratado
para fazer uma obra de arte suntuosa em favor de outra pessoa e não há prazo acordado para a
entrega da obra, inaplicável o principio da satisfação imediata, a natureza e a complexidade da
satisfação não se compadece com a sistemática do artigo 331 e aí nesse caso aplicável o chamado
termo moral.
Observação importante aqui sobre esse tema é trazida pelo Arnaldo Rizzardo, ele traz uma ponderação
importante porque vejam: a premissa para a aplicação da satisfação imediata é que as partes não
tenham estabelecido data para o pagamento e aí vejam que o artigo 331 diz que se não há data
convencionada, o credor pode exigi-lo imediatamente.
Na verdade essa expressão “exigi-lo imediatamente” do artigo 331 tem que ser interpretada em
harmonia com o artigo 397, §único. Lembram daquela história da mora ex persona que só se constitui
mediante interpelação? A mora ex persona se dá basicamente quando não há data certa para o
cumprimento da prestação, isso está no artigo 397,§único.
Quando não há data certa, a mora é ex persona, é pressuposto a constituição da mora que haja
interpelação, então quando o artigo 331 diz que o credor pode exigi-lo imediatamente, entenda-se o
credor pode interpelar imediatamente para posteriormente exigir o cumprimento do pactuado.
Outra questão importante aqui é a seguinte: o devedor pode constranger, forcejar, o credor a receber
antes do prazo acordado? Temos que tomar cuidado aqui, porque quando enfrentamos essa questão,
tendemos a lembrar só do pacta sunt servanda. Se nós ficarmos presos ao pacta sunt servanda nós
afirmaríamos que o devedor jamais poderia impor ao credor recebimento antecipado.
Só que a essa questão se aplica o artigo 133 do código civil que estabelece a presunção relativa de que
nos contratos os prazos são estabelecidos a benefício do devedor. Claro que a presunção é relativa, o
próprio artigo 133 é claro dizendo que a presunção é relativa. E aí vejam bem, se estivermos diante de
uma hipótese em que o prazo é efetivamente estabelecido a benefício do devedor, como estabelece a
presunção do artigo 133, se o prazo se dá a beneficio do devedor, cabe renuncia e com a renuncia o
devedor poderia constranger o credor ao recebimento antecipado. Quer dizer, se o credor se recusa, o
devedor pode se valer do pagamento em consignação.
Pergunta do aluno.
Resposta: vamos ver, um pouco mais adiante, que quando o devedor paga antecipadamente, primeiro
tem o abatimento proporcional do juros, mas se aplica aqui também os efeitos do artigo 337 que serão
aplicáveis aqui com essa consignação antes do prazo acordado.
O artigo 337, tratando do pagamento em consignação, diz que com o deposito cessam os juros da
divida e os riscos. Veremos mais adiante que uma das hipóteses da aplicação do artigo 337 é
justamente essa hipótese da consignação antecipada e esse juros a que se refere o artigo 337 seriam
juros remuneratórios. Agora, vejam bem, essa presunção de que o prazo se dá a beneficio do devedor é
uma presunção relativa.
Vamos supor que ele esteja vendendo um equipamento para mim e o prazo para a entrega do
equipamento é de 60 dias, fica claro e evidente no contrato que esse prazo de 60 dias é necessário para
que eu comprador consiga um armazém para guardar aquela determinada mercadoria. Quer dizer, é
claro que nesse caso o prazo estabelecido não se dá apenas a beneficio do devedor, mas também a
beneficio do credor e aí nesse caso cai a presunção relativa do artigo 133 e não cabe portanto o
pagamento antecipado sem a anuência do credor.
Pergunta.
Resposta: é até uma questão que traz insegurança jurídica que é a questão até que o colega suscitou, é
a questão do pagamento antecipado com abatimento proporcional dos juros, tem previsão do CDC, está
lá no artigo 52, §2º do CDC. O artigo 52, §2º do CDC explicitamente diz que o consumidor pagar
antecipadamente tem direito a abatimento incondicional dos juros remuneratórios vincendos.
Percebam que um dos argumentos clássicos das instituições financeiras, contra o que agora está
disposto como matéria de ordem pública, qual era? Era justamente o artigo 133. É inquestionável que o
prazo do contrato de mútuo ele não se dá apenas a beneficio do mutuário, no caso de mútuo feneratício,
no caso de mútuo com juros, o prazo também se dá beneficio do mutuante. Porque é justamente a
dilação do prazo que permite ao mutuante obter os lucros decorrentes do empréstimo firmado.
O Pontes de Miranda inclusive defendia essa tese, ele dizia que no mútuo feneratício o mutuário não
poderia impor, aliás o mutuário não poderia impor ao mutuante o recebimento antecipado justamente
porque o prazo do contrato de mútuo é que gerava a legitima expectativa de lucro para o mutuante.
Só que a tendência do nosso direito civil hoje, sem dúvida alguma, é de trazer insegurança jurídica em
homenagem a uma maior equidade, a uma idéia maior de isonomia material. Quer dizer, quando a
gente traz para o nosso direito civil a boa fé objetiva, princípio da confiança, a função social dos
contratos, a gente traz uma forte ingerência estatal que traz uma dose indiscutível de insegurança.
Então olha só, surge até uma questão interessante, porque se for CDC o legislador positivou, não tem
graça. A dúvida é se há abatimento proporcional de juros mesmo que fora do âmbito do CDC, porque o
código civil é omisso a respeito do tema, em nenhum momento ele trata do assunto. Ao contrário, se nós
aplicarmos a literalidade do artigo 133, nós teríamos aqui um instrumento significativo de defesa em
favor das instituições financeiras porque o prazo sem duvida também se dá a benefício do mutuante. Só
que a tendência da doutrina que enfrenta o assunto é sustentar que a solução é a mesma que a do
CDC, ainda que fora de relação de consumo.
Quais seriam os argumentos aí para sustentar o abatimento proporcional dos juros, mesmo que fora de
relação de consumo, apesar da redação do artigo 133? Vamos partir do argumento mais abstrato para o
mais concreto.
O argumento mais abstrato seria o principio constitucional da solidariedade. Lembramos, como vimos na
nossa 1ª aula, que o principio constitucional da solidariedade é um dos sub princípios da dignidade da
pessoa humana. Vejam, o que o principio constitucional da solidariedade projeta para as relações
obrigacionais? O dever de eticidade, de correção, de lealdade. Ou seja, o principio constitucional da
solidariedade projeta para as relações obrigacionais o principio da boa fé objetiva. Então além do
principio constitucional da solidariedade outro argumento seria o principio da boa fé objetiva.
Então vejam, no CDC se o sujeito recebe antes do tempo e cobra juros vincendos é ato ilícito, no código
civil, se recebe e cobra juros vincendos é abuso do direito, por quê? Porque não há uma previsão
legislativa especifica vedando essa conduta, a vedação decorre do principio da boa fé objetiva, então
nós teríamos aqui um exemplo de abuso do direito.
Vamos ser agora um pouco mais específicos porque esses argumentos são muito vagos.
Tem um argumento aqui, um pouco mais especifico, que diz respeito a aplicação ao artigo 885 e é
interessante porque o artigo 885 ele trata da vedação ao enriquecimento sem causa por motivo
superveniente. Diz o artigo 885 que a restituição é devida não só quando tem havido causa que
justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.
O que justifica a incidência dos juros remuneratórios, o que legitima a incidência de juros
remuneratórios? Na verdade são dois aspectos basicamente: o risco do inadimplemento e a
remuneração em favor daquele que se encontra desprovido do seu respectivo capital.
Então vejam que quando é celebrado o contrato de mútuo, há uma justificativa plausível para cobrança
de juros remuneratórios, mas na medida em que há o pagamento antecipado subsiste risco de
inadimplemento? Não e o capital passa a ficar a disposição do credor, então a cobrança de juros
vincendos diante do pagamento antecipado é exemplo típico de enriquecimento sem causa por motivo
superveniente. Seria uma hipótese típica de aplicação do artigo 885.
E o último argumento, a aplicação por analogia do artigo 1426, e por analogia porque esse artigo trata
de vencimento antecipado da dívida. Diz o artigo 1426 que nas hipóteses do artigo anterior de
vencimento antecipado da divida não se compreendem os juros correspondentes ao tempo ainda não
decorrido.
Sem dúvida alguma essa solução é mais uma daquelas em que nós temos uma forte carga valorativa
em prejuízo de segurança jurídica. Uma observação aqui importante, em relação ao artigo 333 que traz
hipóteses em que se admite o vencimento antecipado da dívida. E uma das hipóteses de vencimento
antecipado da divida, normalmente o vencimento antecipado decorre de situações em que se evidencia
uma dificuldade do devedor em cumprir a prestação, sempre que há um indício ao menos de insolvência
nós temos aí um vencimento antecipado da dívida dentro das hipóteses previstas em lei.
Uma das hipóteses está no inciso III que diz lá: se cessarem ou se tornarem insuficientes as garantias
do débito fidejussórias ou reais e o devedor intimado se negar a reforçá-la.
A Judith Martins Costa e o Gustavo Tepedino sustentam que se há o abalo a garantia prestada pelo
devedor por fato do credor, o que se pode aplicar aí? Vamos supor que o credor dê causa a uma
deterioração do bem empenhado, por exemplo, o objeto empenhado é entregue ao credor e o credor dá
causa a deterioração do bem. Será que o credor pode exigir o pagamento antecipado? O que esses
autores defendem? Venire contra factum proprium, teoria da contradição com a própria conduta.
Pergunta do aluno.
Resposta: a Judith fala em venire aqui porque essa diferença entre a licitude e a ilicitude nas condutas
contraditórias é o que diferencia a venire da tu quoque. Na tu quoque a conduta é ilícita e na venire a
conduta é lícita.
Só que aqui na verdade, a Judith use a expressão venire e o Tepedino também, sem dúvida daria para
falar em tu quoque também. Mas talvez porque na verdade o perecimento pode ser aqui decorrente de
mera culpa, quer dizer, não necessariamente há intenção do credor em prejudicar o devedor, quer dizer,
nós não teríamos necessariamente a idéia de torpeza que envolve a idéia de tu quoque.
Estou aqui fazendo uma defesa da tese do Tepedino e da Judith porque se formos olhar em sentido
amplo a conduta culposa também representa ato ilícito. Estou sendo aqui parcial para justificar a tese da
Judith e do Tepedino, mas se formos olhar de maneira mais ampla, quer dizer, talvez a intenção seja
divorciar a aplicação dessa solução a idéia de torpeza que é a que normalmente inspira a idéia da tu
quoque.
Quer dizer, a tu quoque é muito atrelada a idéia de que ninguém pode se divorciar da própria torpeza e
aqui não necessariamente se pressuporia a conduta torpe por parte do credor. Mas sem duvida sua
ponderação é oportuna porque talvez aqui fosse justificável até a lógica da tu quoque porque estamos
partindo aqui de uma conduta culposa e a conduta culposa dentro da definição do artigo 186 do código
civil entra na sistemática do ato ilícito.
Vamos tratar de alguns aspectos concernentes ao pagamento em consignação. Sem dúvida o tema é
de natureza híbrida, talvez as questões mais sensíveis, envolvam o direito processual envolvendo
pagamento em consignação. Quer dizer, no código civil a matéria vem nos artigos 334 a 345 e no CPC
artigos 890 a 900.
Vamos tratar de alguns aspectos envolvendo direito material, olhem só. Primeira questão, quem tem
legitimidade para enfrentar o pagamento em consignação? Devedor, terceiro interessado e o terceiro
não interessado em nome do devedor salvo a oposição do devedor.
Só há aqui uma peculiaridade, que pode chamar atenção em provas objetivas em relação à legitimação.
No artigo 345 que diz se a divida vencer pendendo litígio entre credores que se pretendem mutuamente
excluir, poderá qualquer deles requerer a consignação. Então, o artigo 345 prevê a hipótese em que um
dos credores litigantes tem legitimidade para requerer a consignação.
Quer dizer, qual é o objetivo desse credor litigante, quer dizer, temos 3 credores disputando a qualidade
creditória o A, B e o C. E o artigo 345 no código civil diz que o A tem legitimidade para requerer a
legitimação pelo devedor, o objetivo obviamente é evitar que o devedor venha a efetuar o pagamento
diretamente a qualquer dos demais credores.
Sem dúvida o artigo 345 tem que ser interpretado junto com o artigo 344 e com o artigo 335, V que
prevê como uma das hipóteses de consignação a hipótese em que há litígio sobre o objeto do
pagamento.
Só um cuidado com uma pegadinha boba aqui: o artigo 337 diz que o depósito deve ser requerido no
lugar do pagamento. É claro que quando o artigo 337 diz “lugar do pagamento”, essa regra tem que ser
interpretada em harmonia com o artigo 330, que é aquela da supressio. Então, só cuidado que o
examinador na prova pode juntar as duas coisas numa única questão, naquele caso da supressio a
consignação deve ser efetuada no local de pagamentos anteriormente efetivados.
Segunda questão: quais são os principais efeitos, as principais conseqüências do êxito na pretensão
consignatória? O principal efeito sem dúvida alguma é a extinção da obrigação. Com a extinção da
obrigação, aplica-se o principio da gravitação jurídica, ou seja, cessão juros, cláusula penal, eventuais
garantias enfim o acessório segue o principal.
Outra conseqüência nos contratos bilaterais, o consignante passa a poder exigir do consignatário o
cumprimento da prestação oposta. Isso nos remete a que tema? Isso tem tudo a ver com a exceção de
contrato não cumprido e o outro efeito a transferência dos riscos. Porque vejam, até a tradição a coisa
pertence ao devedor, na obrigação de dar e se há perecimento sem dolo ou culpa o que nós já
sabemos? Res perit domino, a coisa perece para o dono, ou seja, os riscos são suportados pelo
devedor com o depósito e com o respectivo êxito na pretensão consignatória o depósito gera a
transferências dos riscos.
Uma questão importante, até quando, até que momento se admite, cabe a consignação do pagamento?
Havia uma posição clássica que afirmava que só seria admissível a consignação até a propositura da
ação de resolução do contrato pelo credor. Quer dizer, depois de proposta a ação de resolução
percebam, até caber a consignação de prestações supostamente devidas, anteriormente a resolução,
mas aquelas posteriores seriam descabidas.
Só que o que hoje vem se sustentando é que na verdade se admite a consignação enquanto a
prestação for útil ao credor. Quer dizer, a mera propositura da ação de resolução pelo credor não afasta
por completo a possibilidade de consignação pelo devedor caso o credor se recuse a receber aquelas
prestações subseqüentes.
Isso tem a ver com o que? Com purgação da mora, por isso que vamos aprofundar o tema mais adiante,
porque ainda que venhamos a enfrentar o tema um pouco mais adiante, dá para perceber que essa
nova tendência em se admitir a consignação enquanto a prestação for útil ao credor, ainda que
provoque ação de resolução, vem em harmonia com o principio da conservação dos atos e dos
negócios jurídicos.
Seria uma preocupação de aprofundamento agora, porque antes se entendia é que o devedor ele não
poderia purgar a mora e efetuar a consignação, depois que o credor tomasse a iniciativa de pleitear a
resolução, seria uma espécie de punição para o devedor litigioso.
Só que, o que se entende hoje, é que o principio da conservação permite a purgação da mora e a
consignação enquanto a prestação for útil ao credor e essa utilidade da prestação ela há de ser medida
em harmonia com o principio da boa fé objetiva. A análise da utilidade da prestação há de ser analisada
a luz do principio da boa fé objetiva.
Pergunta do aluno.
Resposta: exatamente, porque o §único do artigo 395, que veremos mais adiante, é o que prevê o
chamado caráter transformista da mora.
O Araquém de Assis chama de caráter transformista que é a possibilidade da mora de se transformar
em inadimplemento absoluto e a mora vai se transformando em inadimplemento absoluto justamente no
caso do §único, quando a prestação se tornar inútil. Só que nós veremos que essa inutilidade
superveniente, ela não fica ao mero capricho do credor, essa inutilidade ela há de ser vista a luz do
principio da conservação da boa fé objetiva. Na verdade, vamos aprofundar o tema quando analisarmos
exatamente o §único do artigo 395 que guarda correlação com a questão da consignação.
Tem o Julgado aqui do STJ que vem em harmonia com essa posição. RESP 256275.
Tem uma questão aqui que tem uma leve controvérsia envolvendo o artigo 339 do código civil: julgado
procedente o depósito, o devedor já não poderá levantá-lo, embora o credor consinta se não de acordo
com os outros devedores e fiadores.
A doutrina aqui é unânime em afirmar que apesar da redação do artigo 339, se houver acordo entre
credor e devedor cabe o levantamento do depósito. Agora é evidente que se o acordo abrange apenas
credor e devedor o levantamento do deposito exonerará terceiro garantidor, o fiador, por exemplo, fica
exonerado. Porque a letra fria do artigo 339 parece sugerir que só cabe levantar o deposito se houver
anuência não apenas entre credor e devedor, mas também o fiador.
E toda a doutrina afirma que na verdade mesmo que não haja anuência do fiador, se há concordância
entre fiador e credor cabe levantamento, só que em decorrência deste levantamento o fiador se
exonera.
Sobre a natureza jurídica desse acordo entre credor e devedor que permite levantamento neste caso,
tem duas posições aqui sobre a natureza jurídica desse acordo que permite o levantamento no caso do
artigo 339.
Uma 1ª corrente defendida pelo Leoni, minoritária, sustenta que no caso há novação.
A posição amplamente dominante é em sentido inverso, porque vejam bem, nem chegamos na
novação, mas todos devem se lembrar que na novação há o surgimento de uma nova relação que tem
por efeito extinguir uma relação originária, não é isso? No caso do artigo 339, afirma a doutrina, a
sentença já havia extinto a obrigação originária, a sentença já teria produzido aí a extinção da obrigação
originariamente acordada. Porque o pressuposto do artigo 339 é que o pedido já tenha sido julgado
procedente e a sentença já teria reconhecido a extinção da obrigação originariamente pactuada.
Então, na verdade não seria o acordo que teria o condão de extinguir a obrigação relacional originaria, a
própria sentença que acolheu a pretensão consignatória já teria produzido a extinção daquela obrigação
originariamente contratada. Então, o que a maioria da doutrina entende é que aqui surgirá uma nova
obrigação.
Nós não teríamos tecnicamente novação, porque a novação pressupõe que a nova relação tem o
condão de extinguir a obrigação primitiva e nesse caso não foi a nova obrigação que teria produzido
esse efeito, a própria sentença já teria efetivado a extinção da relação primitiva. Nesse sentido nós
temos Gustavo Tepedino, Caio Mário e Judith Martins Costa.
Pergunta do aluno.
Resposta: isso, em relação aquilo que for objeto da lide.
Olha só, duas considerações, a primeira bem simples aqui, o nosso código civil agora explicitamente
prevê, o que agora antes só tratava o CPC e a possibilidade da consignação por estabelecimento
bancário chamada consignação extra-judicial e está lá no artigo 334, caput.
Quem quiser depois dar uma olhada, a sistemática processual da consignação por estabelecimento
bancário, está no artigo 890, I a IV do CPC.
Uma última observação. Todos aqueles efeitos que vimos decorrentes da consignação pressupõe, claro,
a sentença que julga procedente a consignatória, só que o artigo 334 deixa claro e evidente que a
sentença que julga procedente a consignatória produz efeitos retro operantes, retroativos ao depósito.
Por isso importante, porque o CPC quando trata da consignação estabelecimento bancário, diz mais ou
menos o seguinte naqueles artigos: consignante vai lá e deposita no estabelecimento bancário, a outra
parte é notificada para se manifestar, se ela aceitar ou ficar calada presume-se a anuência e extingue a
obrigação.
Agora, se ela se insurge, o consignante vai ter o prazo de 30 dias para propor consignação pela via
judicial, a importância prática de se valer desse prazo de 30 dias qual é? Se a consignatória é proposta
nesse prazo de 30 dias o êxito da procedência da sentença vai retroagir a data do depósito junto ao
estabelecimento bancário.
Então, a importância prática da observância do prazo de 30 dias está justamente no efeito retro-
operante previsto no artigo 334,caput.
No pagamento com sub-rogação há sucessão no pólo ativo da relação obrigacional, a sistemática geral
nós já vimos em outras aulas.
O que acontece a grosso modo quando há sub-rogação? O terceiro efetua o pagamento ao credor e
dentro das hipóteses admitidas pelo ordenamento jurídico, em algumas circunstancias quando o terceiro
efetua o pagamento, ele se sub-roga, ou seja, ele se coloca na mesma posição jurídica do credor, quer
dizer, ele exerce o direito de regresso com sub-rogação.
Os efeitos práticos da sub-rogação vão implicar em sucessão, estão no artigo 349 que diz que a sub-
rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo em relação
a divida, contra o devedor principal e os fiadores. Então, na verdade todas as características que
norteavam a relação obrigacional subsistem porque a sub-rogação gera sucessão.
Diga-se de passagem, o artigo 349 ele fala em transferir todos os direitos, ações, privilégios e garantias
e a doutrina afirma não apenas os direito, não apenas a prerrogativas, mas também eventuais
inconvenientes se transfere ao novo credor sub-rogado. Quer dizer, vamos supor que o credor originário
tivesse feito algum tipo de acordo extrajudicial com o devedor e, por conta desse acordo firmado com o
devedor, aquele credor ordinário teria dado quitação geral.
Com a quitação geral, aquele credor originário não poderia mais exigir o cumprimento da dívida, essa
circunstância também vincula o credor sub-rogado, porque nós temos aí na verdade o que? Sucessão,
então em havendo sucessão todas as circunstâncias da relação originária subsistem.
A sub-rogação ela pode ser legal ou convencional. As hipóteses gerais de sub-rogação legal estão no
artigo 346 e temos também sub-rogação legal no artigo 1368 que está dentro do capítulo da propriedade
fiduciária, da alienação fiduciária em garantia e ele traz uma regra excepcional porque prevê sub-
rogação legal mesmo na hipótese por pagamento de terceiro não interessado, excepcionando a regra
geral que vimos na aula anterior. E em relação ao contrato de seguro há também uma regra especial de
sub-rogação legal no artigo 786 em relação ao contrato de seguro.
É aquela historinha do segurador quando indeniza e se sub-roga nas pretensões do segurado em face
do agente causador do dano.
Bom, como vimos na aula anterior, as hipóteses de sub-rogação legal do artigo 346 evidencia uma
hipótese em que o pagamento se dá pelo terceiro interessado. Então, é justamente o interesse jurídico
que permite ao terceiro se sub-rogar na posição do credor, via de regra.
Por exemplo, o inciso II traz uma hipótese típica de pagamento pelo terceiro interessado e a sub-
rogação, que é o do adquirente do imóvel hipotecado, quer dizer, claro que o adquirente do imóvel
hipotecado tem interesse jurídico em pagar a dívida do alienante e se ele o faz, ele se sub-roga na
posição do credor.
O inciso II diz inclusive o seguinte: do adquirente do imóvel hipotecado que paga o credor hipotecário,
bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre o imóvel.
Imagina que haja um imóvel hipotecado e posteriormente a hipoteca, seja constituído um usufruto sobre
esse imóvel. O usufrutuário se vale do inciso II do artigo 346 parte final, porque quando ele efetua o
pagamento ele busca na verdade evitar que ele venha a ser privado do direito real do usufruto sobre
aquele bem.
Essa parte final também facilita muito porque vejam que a mesma lógica da primeira parte do inciso II,
que prevê o adquirente do imóvel hipotecado, se aplicaria para o adquirente do bem móvel objeto de
penhor. E vejam que apesar do silencio da primeira parte, a questão da aquisição do bem móvel objeto
de penhor, o adquirente do bem móvel pode se valer da redação da parte final ainda que não haja
previsão explícita na primeira parte do dispositivo a lógica pode ser aplicada com base na parte final.
Dá para usar também em relação ao sub-locatário que paga o aluguel devido pelo locatário ao locador,
quer dizer, ele é um terceiro interessado, ele efetua o pagamento buscando não ficar privado do direito
sobre o imóvel.
As hipóteses de sub-rogação convencional estão no artigo 347, aqui a sub-rogação vai pressupor
manifestação de vontade e as hipóteses aqui do artigo 347 são duas situações bem diferentes.
No inciso I do artigo 347 o acordo se dá entre o credor e o terceiro que efetua o pagamento, esse
terceiro é o terceiro não interessado porque se for o terceiro interessado a sub-rogação é legal.
Percebam o seguinte, qual é a diferença mais gritante entre a sub-rogação e a cessão de crédito?
Porque ambos geram sucessão no pólo ativo, a diferença mais significativa decorre do fato de que a
sub-rogação decorre do pagamento. Quer dizer, o fato rogador da sub-rogação é o pagamento pelo
terceiro e a cessão de crédito, via de regra, decorre do acordo entre o cedente e o cessionário. O
próprio nome já sugere, cessão de crédito, e o que é o crédito? O crédito é o direito de exigir uma
prestação futura, então a cessão de crédito pressupõe que não tenha havido o pagamento.
Percebam que nessa sub-rogação convencional, em que a sub-rogação decorre não apenas do
pagamento, mas também pressupõe o acordo entre o credor e o terceiro que paga, nós temos uma
hipótese muito similar, faz com que a sub-rogação aqui se assemelhe muito com a cessão de crédito.
Não é a mesma coisa, evidentemente, porque na sub-rogação convencional é pressuposto que haja o
pagamento, mas além do pagamento se exige que haja acordo entre o credor e o terceiro tal qual ocorre
com a cessão de crédito que também pressupõe acordo entre o credor originário e o terceiro que é o
cessionário.
Dada essa similitude, o artigo 348 diz que na hipótese do inciso I do artigo 347 vigorará o disposto
quanto à cessão de crédito. Então, todas aquelas normas envolvendo a notificação do devedor, as
questões das exceções pessoais, estão lembrados? Do artigo 294, toda aquela sistemática em relação
à responsabilidade do cedente perante o cessionário pela existência do crédito, pela solvência, todos
aqueles aspectos da cessão de crédito no que for compatível se aplica a sub-rogação convencional do
inciso I.
Já no inciso II a sub-rogação convencional decorre de um acordo entre o devedor e o terceiro que
empresta a quantia necessária ao devedor para solver o débito.
Claro que, para que haja essa sub-rogação convencional é necessário que no contrato de mútuo haja
explícita previsão de sub-rogação, diz o inciso II: quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia
precisa para solver a dívida com a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado no direito do
credor satisfeito.
Questão importante ainda aí diz respeito a sub-rogação parcial que resumidamente diz, vamos supor
que tenhamos aqui credor e devedor débito de 30 mil e aí o terceiro interessado paga ao credor 15 mil
sub-rogação parcial, não é isso?
O que vai acontecer? O credor vai poder continuar podendo exigir 15 mil que não recebeu, e esse
terceiro que é o credor sub-rogado passa a poder exigir também 15 mil reais que diz respeito aquilo que
ele pagou.
O artigo 351 diz que se o devedor não puder pagar aos dois devedores, o credor originário prefere ao
sub-rogado. O dispositivo é criticado, entusiasmadamente criticado, pelo Silvio Rodrigues que diz que o
dispositivo representa um fator de desencorajamento da sub-rogação.
Só a titulo de curiosidade, ninguém tem que lembrar disso em concurso, a sistemática do artigo 1505 do
código italiano é totalmente diferente e diz que se há sub-rogação parcial o credor originário e o sub-
rogado concorrem de maneira paritária em relação ao valor disponível do devedor. O artigo italiano
exclui por completo qualquer prioridade, qualquer preferência do credor originário e o Silvio Rodrigues
sustenta a adequação do código italiano em detrimento do brasileiro.
Uma questão muito importante aqui é a seguinte, o artigo 351 sem dúvida nenhuma, apesar das críticas
do Silvio Rodrigues, claramente confere prioridade preferência ao credor originário em detrimento do
sub-rogado, entretanto, o artigo 351 não prejudica e nem beneficia outros credores.
Vamos supor que esse devedor tenha além do credor originário sub-rogado outros credores pro força de
outras relações jurídicas, qual é a posição do credor sub-rogado em relação ao C1? A mesma posição
ocupada pelo credor originário porque a sub-rogação gera sucessão, então o sub-rogado ingressa na
mesma relação jurídica.
Então, se o C1, por exemplo, tinha um crédito trabalhista ou previdenciário e tinha preferência em
relação ao credor originário, o C1 vai continuar tendo preferência ao credor sub-rogado.
Se o C2 tinha um crédito sub-quirografário e o originário prefere ao C2 o sub-rogado também preferirá
ao C2. Então na verdade, em relação a outros credores, a posição do sub-rogado é a mesma do credor
originário por se tratar de sucessão.
Muito importante ainda, o artigo 350 que explicitamente proíbe o caráter especulativo na sub-rogação
legal. Basicamente aqui é o seguinte: credor, devedor 30 mil aí o terceiro interessado procura o credor e
diz “olha eu não tenho 30 mil, mas se você aceitar 27 mil agora, eu te dou os 27, mas quero quitação
geral” e o credor aceita.
Esse credor sub-rogado aqui vai poder exigir quanto do devedor? 27 mil, diz o artigo 350 que na sub-
rogação legal, o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor senão até a soma que
tiver desembolsado para desobrigar ao devedor. Então, o artigo 350 proíbe o caráter especulativo na
sub-rogação legal e é inclusive mais uma das diferenças entre a prorrogação e a cessão de crédito.
Porque a cessão de crédito como vimos pode ser onerosa, se admite o caráter especulativo na cessão
de crédito.
Agora, a dúvida em prova dissertativa, e se a sub-rogação for convencional? Para a prova objetiva não
tem dúvida porque o legislador especificou “sub-rogação legal”. Então, a posição amplamente
dominante é no sentido de que se admite caráter especulativo na sub-rogação convencional, quer dizer,
o artigo 350 não seria extensível a sub-rogação convencional.
Vejam, não apenas pela literalidade do artigo 350, mas também porque a sub-rogação convencional
decorre do princípio da autonomia privada e esse principio justificaria o caráter especulativo.
Tem outro argumento, bastante prático inclusive, que é trazido pelo Cristiano Chaves e Nelson
Rosenvald.
Eles dizem o seguinte: na sub-rogação convencional quem paga é o terceiro não interessado, ora o que
em regra vai mover o terceiro não interessado a efetuar o pagamento é o caráter especulativo. Então, o
que o Rosenvald e o Cristiano Chaves defendem é que a vedação ao caráter especulativo esvaziaria a
aplicabilidade da sub-rogação convencional porque na medida em que o terceiro não interessado em
regra o que moverá esse terceiro não interessado, será justamente o caráter especulativo. Divergindo
dessa posição, que é amplamente dominante, nós temos o Gustavo Tepedino e Judite Martins Costa.
O que gera a sub-rogação, qual o pressuposto a sub-rogação seja legal ou convencional? É o
pagamento, diferentemente da cessão de crédito, que gera sub-rogação é o pagamento. Então, o que
esses autores afirmam primeiramente é o seguinte: se o que gera a sub-rogação é o pagamento, a sub-
rogação só se justifica se exercida dentro dos limites do próprio pagamento. Quer dizer, para a Judite e
para o Tepedino, a possibilidade de caráter especulativo propiciaria enriquecimento sem causa na sub-
rogação convencional.
Pergunta do aluno.
Resposta: a premissa aqui para essa discussão é que ele dê quitação integral. Se há quitação integral,
vai ter um negócio complexo praticado pelo credor porque além de dar quitação quanto ao pagamento
no mesmo ato nós tivemos uma remissão parcial.
Pergunta do aluno.
Resposta: e a remissão parcial, assim compreendida, teria que beneficiar a quem? Ao devedor. Então
na verdade olha só, vamos sistematizar aqui porque esse é um dos argumentos sem dúvida alguma.
Quando o terceiro recebe os 27 mil e dá quitação geral, nesse ato nós temos um ato complexo porque
nós temos a quitação quanto ao pagamento efetivado, que nós teríamos uma remissão em relação
aquilo que não fora objeto de pagamento e a remissão ela beneficiaria em tese ao devedor.
Então, o fato de termos um ato complexo justificaria, enfatizaria a lógica de que a sub-rogação, como
qualquer das suas modalidades, seja legal ou convencional, ela só se justificaria dentro dos limites do
próprio pagamento.
E tem mais um argumento que também corresponde a essa assertiva que é: o artigo 351 trata da sub-
rogação parcial e o artigo 351 diz que se há pagamento parcial a sub-rogação também é parcial. Nós
temos aqui um pagamento parcial e como conseqüência do artigo 351 a sub-rogação também seria
parcial. Essa posição é minoritária.
A grande maioria da doutrina, Caio Mário, Carlos Roberto Gonçalves, Cristiano Chaves com Nelson
Rosenvald defendem a tese oposta, principio da autonomia privada.
Obs: na prova objetiva a sub-rogação legal, múltipla escolha artigo 350, agora na dissertativa é claro
que temos que trazer essas questões.
Pluralidade de débito de mesma natureza envolvendo mesmo credor e mesmo devedor. Só tem graça a
imputação do pagamento se tiver condição de pagar as duas dívidas e imputar significa o que? Atribuir.
Então, a imputação do pagamento busca estabelecer critérios pelos quais se permite a imputação, ou
seja, a atribuição do pagamento a uma das dívidas.
A regra geral do código é muito simples: a principio a imputação cabe ao devedor, artigo 352, com uma
maldade aqui para a prova dissertativa, diz o artigo 352 que a pessoa obrigada por dois ou mais débitos
da mesma natureza a um só credor tem o direito de indicar a qual deles oferece pagamento se todos
forem líquidos e vencidos.
Qual é a maldade aí gente? Vamos supor que uma das dívidas não esteja vencida, mas o prazo, nessa
relação obrigacional, se dá beneficio ao devedor, cabe renúncia e o devedor pode optar por imputar
aquela dívida ainda não vencida. Então, sugiro a remissão desse artigo 352 para o artigo 133 que é
aquele que diz que presumidamente os prazos se dão a benefício do devedor, para se lembrar desse
detalhe.
Então a princípio a imputação cabe ao devedor, se o devedor não faz a imputação, a imputação passa
ao credor, artigo 353 e se nenhum dos dois faz a imputação dar-se-á a imputação legal, artigo 355.
Cuidado com o seguinte: se o devedor não faz a imputação, ela vai para o credor não é isso? Direito
potestativo, vejam que se uma das dividas é obrigação natural, o devedor não pode imputar uma
obrigação natural sem consentimento do devedor. Se o credor pudesse imputar na obrigação natural, o
credor estaria constrangendo o devedor a cumprir uma divida que não é dotada de responsabilidade.
É da essência da obrigação natural que o cumprimento parta espontaneamente do devedor, então não
pode o credor imputar unilateralmente uma obrigação natural sem a anuência do devedor, isso
desnaturaria a própria natureza da obrigação natural.
Tem uma questão aqui que não tem nenhuma importância prática, mas por incrível que pareça é objeto
de acirrados debates doutrinários, então até para concurso a gente precisa se resguardar.
Olhem só, o artigo 355 traz a imputação legal, diz o artigo 355: se o devedor não fizer a indicação do
artigo 352 e a quitação for omissa quanto a imputação, esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em
primeiro lugar. Então, o primeiro critério é a anterioridade do vencimento, aí diz lá: se as dívidas forem
todas líquidas e vencidas, far-se-á a imputação na mais onerosa.
Segundo critério, portanto é o da maior onerosidade, não há nenhuma dúvida de que na maior
onerosidade se o valor do principal é idêntico, a maior onerosidade pode ser extraída dos acessórios.
Então, se a cláusula penal de uma das obrigações for mais intensa, essa obrigação é tida como
onerosa, se os juros de uma das dívidas é mais pesado do que a de outra essa com juros mais
expressivos será tida como mais onerosa.
A grande dúvida é a dúvida do espírito de porco, e se for tudo igual? Dois contratos de adesão e as
condições são as mesmas e a data de vencimento é a mesma, os acessórios, tudo igual? Não tem
nenhum efeito prático isso, percebam que se é tudo igual as conseqüências são as mesmas, mas temos
duas correntes:
Primeira corrente: posição predominante, no sentido de que deverá ocorrer a imputação parcial nas
duas obrigações, quer dizer, vai metade para uma e metade para outra.
Essa posição era explicitamente contemplada no artigo 433, nº 4 do código comercial que todos sabem
está revogado e é a solução em geral do direito comparado (código francês, italiano e assim
sucessivamente). Quer dizer, a doutrina em geral se vale do direito comparado. Carlos Roberto
Gonçalves, Nelson Rosenvald.
A segunda corrente afirma que a solução trazida pela 1ª corrente viola o artigo 314 que diz: ainda que a
obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber e nem o
devedor a pagar por partes se assim não se ajustou.
Vejam que com a primeira solução o devedor e o credor estariam constrangidos a pagar e receber por
partes o que violaria o artigo 314. E aí um dos defensores dessa 2ª corrente, Clóvis Beviláqua, hoje
seguido pelo Caio Mário, perguntaram para ele e aí como se faz então? E aí o Clóvis Beviláqua com
muita sabedoria respondeu “cara ou coroa, o Juiz vai ter que fazer imputação integral em uma das duas
dívidas”. Quer dizer, o efeito prático é desprezível, mas a lógica violaria o artigo 314.
Regra muito importante aqui, que é uma regra excepcional, artigo 354 que traz essa regra excepcional e
por duas razões: primeiro, porque em regra a imputação pressupõe pluralidade de débitos e no artigo
354 há unicidade de débitos, ele é apenas um. A outra singularidade a gente vai descobrir lendo o
dispositivo que diz: havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos e
depois no capital, salvo estipulação em contrário ou se o credor passar a quitação por conta do capital.
Então, se há juros e capital a imputação vai primeiro nos juros e depois no capital, salvo acordo ou a
iniciativa do credor.
Ou seja, qual é a outra singularidade aqui? A regra geral da imputação qual é? A regra geral é de que a
imputação cabe a princípio ao devedor e no artigo 354 o legislador excluiu a possibilidade do devedor
imputar unilateralmente no capital. Por quê? Porque é do capital que se extraem os juros, os
rendimentos, então, se o devedor pudesse unilateralmente imputar no capital, o devedor unilateralmente
abalaria a expectativa do credor em relação ao recebimento dos rendimentos, dos juros.
Decisão importante aqui do STJ, ainda sobre o tema, o STJ decidiu no sentido de que na hipótese de
prestações periódicas vencidas, o credor não é obrigado a aceitar a imputação feita pelo devedor na
última prestação vencida, por força do artigo 322. O artigo 322 diz que quando o pagamento for em
cotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem
solvidas as anteriores.
Quer dizer, se o credor fosse obrigado a aceitar a imputação nas últimas prestações, ao credor seria
atraído o ônus do artigo 322. Ou seja, a imputação sem dúvida é um direito potestativo do devedor, mas
se o devedor faz a imputação nas últimas prestações por essa posição do STJ o devedor estaria em
curso no abuso do direito potestativo de imputar um pagamento. Quem quiser depois dar uma olhada:
RESP 225435.
Vamos tratar especificamente da mora que como vimos representa uma das modalidades
de inadimplemento ao lado do inadimplemento absoluto e da violação positiva do contrato.
A mora vem sistematizada nos artigos 394 a 401 e como todos aqui seguramente já
sabem, a mora pode ser tanto do devedor, que é a chamada mora debendi, quanto pode
ser do credor que é a chamada mora credendi ou accipiendi.
Quando a gente fala em mora, a gente normalmente pensa na idéia de atraso,
normalmente se conjuga a idéia de mora a tempo de pagamento. Só que a definição legal,
a definição legislativa da mora no artigo 394 é mais abrangente que a idéia de tempo.
Diz o artigo 394: considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o
credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção
estabelecer.
Há uma crítica aqui trazida pelo Gustavo Tepedino segundo a qual a mora em tese
deveria estar atrelada a idéia de tempo, de acordo com esse autor, a inobservância do
lugar e da forma configuraria a violação positiva do contrato através do cumprimento
defeituoso. O Tepedino defende que a inobservância do lugar e da forma deveria
configurar a violação positiva do contrato, através do cumprimento defeituoso.
Claro que é uma critica trazida pelo Tepedino, mas não há nenhuma dúvida de que dentro
da sistemática prevista no código a mora abrange não apenas a idéia de tempo, mas
também a idéia de lugar e de forma. Então, o devedor que oferece o pagamento em local
diverso do acordado, no caso de recusa do credor, se encontraria em mora.
Lembrando que essa necessária observância do tempo, lugar e da forma tem que ser
interpretada a luz dos deveres anexos da boa fé objetiva.
Imaginem que o local do pagamento seja Rio de Janeiro. Só que o devedor e o credor na
data do pagamento se encontram em Niterói e o devedor oferece o pagamento ao credor
em Niterói, local diverso do acordado. Se não houver qualquer justificativa plausível para
a recusa do credor, a luz dos deveres anexos notadamente o de cooperação e
colaboração seria injustificável, nos estaríamos diante do abuso de direito e
conseqüentemente a mora seria do credor e não do devedor. Claro que a literalidade do
artigo 394 pode ser mitigada a luz do princípio da boa fé objetiva.
Uma das diferenças essenciais entre a mora e o inadimplemento absoluto, decorre do fato
de que é pressuposto à configuração da mora a utilidade da prestação para o credor.
Quer dizer, se a prestação não for mais útil ao credor, nós não estaremos mais falando de
mora e sim de inadimplemento absoluto, de inadimplemento definitivo.
Aqui, basta lembrar lá da parte geral... Lembram daquela diferença entre termo essencial
e termo não essencial? O exemplo clássico de termo essencial: vestido de noiva na data
do casamento. Quer dizer, a inobservância do termo essencial afasta a utilidade para o
credor, como conseqüência o descumprimento do termo essencial acarreta
inadimplemento absoluto, ao passo que a inobservância do termo não essencial
caracteriza mora que é o descumprimento do termo não essencial, não afasta a utilidade
da prestação.
Chegamos a ver isso e mencionamos até a prova do MP que o examinador perguntou a
diferença entre o termo essencial e o não essencial.
Bom, a respeito do tema, o §único do artigo 395 prevê a possibilidade de inutilidade (logo
em seguida o professor repete a frase e fala em inadimplemento superveniente)
superveniente da prestação.
Imagine que o vestido da noiva tem que ser entregue três semanas antes do casamento,
essa é a data acordada. Se não há entrega três semanas antes, a princípio a prestação
ainda é útil, mas na medida em que o inadimplemento vai se protraindo no tempo, com a
chegada do casamento a prestação se torna inútil.
Qual é o efeito da inutilidade superveniente? É a transmudação da mora no
inadimplemento absoluto. É isso que prevê o §único do artigo 395, a transmudação da
mora no inadimplemento absoluto pela inutilidade superveniente da prestação.
Tem um processualista renomado, Araquém de Assis, que ressalta que o dispositivo
estabelece o chamado caráter transformista da mora. O § único do artigo 395 estabelece
o caráter transformista da mora, diz o dispositivo: se a prestação devido a mora se tornar
inútil ao credor, este poderá enjeitá-la e este exigir a satisfação das perdas e danos.
Bom, neste contexto é de suma relevância o Enunciado 162 do Conselho, o qual afirma
que essa inutilidade superveniente há de ser interpretada a luz do princípio da boa fé
objetiva. Ou seja, o que Enunciado busca ressaltar é que a constatação, a análise dessa
inutilidade superveniente não fica ao mero capricho, ao mero alvedrio do credor.
Então, a análise dessa utilidade ou inutilidade há de ser vista em caráter objetivo e
percebam, nesse ponto, além do principio da boa fé objetiva, outro princípio que norteia
essa solução é o principio da conservação dos atos e dos negócios jurídicos.
Sem dúvida, em se entendendo a situação ainda propicia a mora, o negócio jurídico
poderá vir a ser conservado, principalmente com o tema que veremos daqui a pouco que
é a questão da purgação da mora.
Enquanto houver mora cabe purgação e com a purgação o negócio jurídico é preservado.
Outra questão importante especificamente em relação à mora do devedor, há um ponto
aqui especifico, é a interpretação do artigo 396 que diz: não havendo fato ou omissão
imputável ao devedor, não incorre este em mora.
A quase totalidade da doutrina, quando trata do assunto, afirma que o artigo 396 exige o
elemento culpa para a mora do devedor. Quer dizer, quando o artigo 396 diz que não há
mora se não houver fato ou omissão imputável ao devedor, imputável entenda-se culpa,
diz a quase totalidade da doutrina, então a culpa seria um elemento indispensável a
configuração da mora do devedor.
Essa exigência do elemento culpa, inclusive, parece vir em harmonia com aquela idéia
básica de atraso injustificável. Normalmente, quando se fala em mora, a gente lembra de
atraso injustificado, a expressão injustificado parece se adequar dentro da percepção da
culpa em sentido amplo.
A Judith Martins Costa e Pontes de Miranda divergem dessa posição, nós voltaremos a
essa divergência, mas vamos desde logo enfrentá-la aqui.
O artigo 396 fala em fato ou omissão imputável, imputar é sinônimo de inculpar, atribuir
culpa, o que seria imputar? Seria atribuir responsabilidade. Então, imputável não seria
sinônimo de culpa, seria sinônimo de atribuir responsabilidade.
Sem dúvida alguma até a pouco tempo atrás nós ficaríamos até um pouco mais a vontade
para afirmarmos isso. Mas ainda hoje talvez seja possível falar que em regra a imputação
do direito civil diz respeito a lógica da imputação subjetiva, ou seja, regra geral a
imputação atribuição de responsabilidade pressupõe dolo ou culpa.
Mas não há nenhuma dúvida, principalmente no contexto atual, que não há porque se
ignorar a existência da imputação objetiva. Nós temos inúmeras hipóteses, e hoje muito
mais ampliada, em que se atribui responsabilidade independentemente de dolo ou culpa.
Por exemplo: imaginem que o consumidor compre um produto com defeito e seja
estabelecido lá o prazo legal de 30 dias para o fornecedor reparar o produto. Se o
fornecedor não observa o prazo de 30 dias, a mora do fornecedor, no caso devedor na
obrigação de fazer, pressupõe demonstração de culpa? Não, porque a imputação é
objetiva, nas hipóteses de atividades de risco, que veremos mais adiante no artigo
927,§único, é preciso demonstração de culpa para imputação, para atribuição de
responsabilidade? Não, sem dúvida alguma a imputação também se dá em caráter
objetivo.
Então, o que a Judith e Pontes de Miranda já afirmavam era que a mora no direito
brasileiro em regra pressupõe a culpa do devedor, mas o artigo 396 não está atrelando de
maneira inexorável a idéia de culpa à mora do devedor.
Na verdade, o artigo 396 quando utiliza a expressão imputável está dizendo atribuir
responsabilidade e nada impede que imputação possa ser não apenas subjetiva, mas
também objetiva.
A posição amplamente dominante afirma que a mora do devedor pressupõe culpa,
sempre, a grande maioria da doutrina nesse sentido: o Carlos Roberto Gonçalves, o
Tepedino, o Venosa, a grande maioria quando enfrenta o artigo 396.
Prosseguindo então, na mora do devedor há duas conseqüências básicas na mora do
devedor: a primeira e mais simples, sem dúvida alguma, está no artigo 395, que
basicamente prevê que um dos efeitos da mora do devedor é a responsabilidade civil.
O segundo efeito, sem dúvida alguma de maior relevância, e é sempre o efeito mais
cobrado em concurso, está no artigo 399 que é a perpetuação da obrigação.
Essa regra chama bastante a atenção, porque ela é uma exceção a regra geral do artigo
393 1ª parte que já mencionamos em outras aulas, é aquele que diz que o devedor não
reponde por caso fortuito e força maior.
Diz o artigo 399, excepcionando essa regra, que o devedor em mora responde pela
impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de
força maior se estes ocorrerem durante o atraso.
Então, aquele exemplo básico da doutrina: se eu me comprometo a devolver um
automóvel, sou locatário de um automóvel tenho que devolver no dia 5, se não devolvo,
no dia 6 já estou automaticamente em mora. Se no dia 10 cai um raio em cima do
automóvel e destrói o carro eu respondo civilmente pelo perecimento do automóvel.
Percebam que no contexto atual esse artigo não é novidade, ele já havia no código
anterior, mas talvez numa releitura do dispositivo o artigo 399 parece vir em harmonia
com a boa fé objetiva. Mais precisamente através de que? Da tu quoque, quer dizer, o
devedor não pode alegar a sua própria mora para se eximir de responsabilidade alegando
o caso fortuito e força maior. Quer dizer, há uma conexão aqui do artigo 399 com a boa fé
objetiva e com a tu quoque.
E aí todo o cuidado agora com a parte final do dispositivo. A parte final diz: salvo se
provar a isenção de culpa ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse
oportunamente desempenhada. A primeira exceção: quando provar a isenção de culpa.
Há um aparente paradoxo aqui porque o mesmo artigo 399 está tratando de perecimento
por caso fortuito ou força maior, então é evidente que não há culpa, premissa do artigo
399 é que não haja culpa. E aí o que a maioria do que os autores dizem é o seguinte:
não, mas na verdade não seria culpa no perecimento, seria culpa no atraso.
Só que o grande problema é que essa mesma doutrina, amplamente majoritária, é a que
diz que o artigo 396 exige sempre a culpa para a mora do devedor. Aí ficamos sem
solução porque se não há a culpa, diz a doutrina majoritária, não há mora e a premissa do
artigo 399 é que o devedor esteja em mora.
Este é um paradoxo que os manuais na verdade não enfrentam, fica a sistemática, porque
o artigo 396 de acordo com a maioria diz que pressupõe a mora e por outro lado diz “não,
é a ausência de culpa no atraso”. Mas, olha, a maioria da doutrina diz que se não há
culpa no atraso, não há mora e se não há mora, de acordo com essa posição
predominante, não seria o caso de se aplicar o artigo 399.
Aí é que entra em cena a posição do Pontes de Miranda e da Judith Martins Costa. O que
esses autores defendem de maneira minoritária, como vimos aqui? Que o artigo 396 não
está impondo culpa, ele não está dizendo que tem que ter culpa do devedor para a
configuração da mora, então na verdade essa afirmativa do artigo 399 quando diz “salvo
se provar isenção de culpa” se aplicaria quando? Nos casos de imputação subjetiva,
quando a imputação for subjetiva, ou seja, nas hipóteses em que for exigido culpa para a
configuração da mora, aí sim nós invocaremos o artigo 399 parte final.
Não haveria uma contradição com o artigo 396 porque ele na verdade não estaria
exigindo a culpa de maneira irrestrita para toda e qualquer situação de mora.
E a parte final diz: ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse
oportunamente desempenhada.
Aqui, na verdade, a questão fica bem mais simples, quer dizer, a outra exceção seria a
hipótese que o devedor possa comprovar por A mais B que aquele dano ocorreria ainda
que ele não estivesse em mora.
Fica fácil a gente pensar em locação de imóvel, se ele tinha que devolver o imóvel no dia
5, não devolve, no dia 6 ele está em mora, vem um raio cai em cima do imóvel e o destrói,
o que o devedor legitimamente vai sustentar? Que aquele dano ocorreria ainda que ele
não estivesse em mora. Quer dizer, a parte final do artigo 399 se aplicaria não apenas na
imputação subjetiva, mas também na imputação objetiva porque a parte final está atrelada
a que? Ao nexo de causalidade.
Eu só não quero induzir ninguém a erro em concurso, essa construção me parece ser a
mais lógica, a mais adequada, mas é minoritária.
Em relação à constituição da mora, a mora pode ser ex re ou ex persona, lembrando que
a mora ex re é aquela que se constitui automaticamente e as hipóteses legais: artigo 397,
caput e 398.
O artigo 397, caput quando há data certa, a doutrina sempre menciona esse brocardo aqui
em relação ao artigo 397 caput. (O professor só escreveu no quadro o brocardo, ele não
falou)
Resumidamente o que isso significa dizer é que o ultrapassar do prazo certo
convencionado interpela pelo credor, quer dizer, o simples vencimento do prazo já teria o
condão interpelativo, já teria o condão de constituir a mora. E o artigo 398 se aplica no
caso de ato ilícito, diz o artigo 398que nas obrigações provenientes de ato ilícito
considera-se o devedor em mora desde que o praticou.
Cuidado aqui em relação a mora ex re. A regra geral do artigo 397, caput que acabamos
de ver, se houver data certa a mora se constitui independentemente, e portanto dispensa
qualquer tipo de interpelação.
Exceções ao artigo 397, caput:
Primeira exceção: artigo 14 do decreto lei 58/37 e ainda artigo 32 da lei 6766/79 , esses
dispositivos tratam de compromisso de compra e venda de imóveis loteados. Além disso,
decreto lei 745/69 que trata de imóveis não loteados.
Outra exceção: contrato de mútuo no âmbito do sistema financeiro da habitação, artigo 2º,
IV da lei 5741/71 e aí pode conjugar esse dispositivo com a Súmula 199 do STJ.
Tem outra hipótese curiosa que a jurisprudência vem construindo aqui em relação a mora
do segurado. Vale a pena olhar o Informativo 366 do STJ, RESP 726673, em relação a
contrato de seguro.
Na verdade, regra geral do artigo 397, caput: data certa, mora ex re. Mas em algumas
situações, mesmo havendo data certa, a interpelação é pressuposto para a configuração
da mora. Claro que eventuais dispositivos legais que impõe a prévia interpelação tem
caráter nitidamente protetivo.
Bom, e a mora ex persona está no artigo 397, §único. Basicamente quando não há data
certa e aí quando não houver data certa a mora é ex persona e o dispositivo impõe a
prévia interpelação judicial ou extrajudicial.
Em geral, em relação ao artigo 397, §único especificamente, os civilistas em geral
defendem que a citação supriria a exigência de prévia interpelação judicial.
Vários autores nesse sentido: o Tepedino, a Judith Martins Costa, o Nelson Neri Júnior,
enfim vários autores nesse sentido.
Só que a jurisprudência vem na verdade ressaltando, principalmente no âmbito do STJ,
que nas hipóteses em que a lei impõe a prévia interpelação, esta seria uma condição
especifica de procedibilidade. Entre aspas uma condição especifica da ação, se é que a
expressão condição da ação é das mais técnicas, na medida em que o direito de ação é
abstrato. Quem quiser dar uma olhada RESP 130012.
Quer dizer, a lógica é que nas hipóteses em que o legislador impõe a prévia interpelação,
a razão que moveu o legislador foi uma razão de índole protetiva e em sendo uma razão
de índole protetiva tais normas seriam de ordem pública.
Vamos desde logo perceber o seguinte: o artigo 397, caput quando há data certa, o artigo
397,§único quando não há data certa e o artigo 398 para ato ilícito.
Esse ato ilícito do artigo 398 só pode ser ilícito extracontratual. O artigo 398 não restringe
em sua literalidade, mas numa visão sistemática o artigo 398 trata de ilícito
extracontratual porque as hipóteses de ilícito contratual já estão sistematizadas no artigo
397.
O artigo 398 ressalta inclusive que a mora não é um instituto privativo da
responsabilidade contratual, vale a pena também registrar por desencargo de consciência
o seguinte: nas hipóteses de mora ex persona vimos que é pressuposto para a
constituição da mora, prévia interpelação, e aí o que a doutrina e a jurisprudência
ressaltam é que a interpelação constituía mora ainda que na interpelação haja indicação
de valor excessivo.
O que a doutrina ressalta é que o devedor não pode refutar a configuração da mora sob a
alegação de excessividade do valor da interpelação porque ele dispõe de mecanismos
próprios para discutir o quantum debeatur.
O devedor que efetue o pagamento em consignação dos valores que entende devidos e vá
discutir pela via jurisdicional, portanto a excessividade do valor não afasta o efeito
caracterizador da mora ex persona, o devedor que se utilize da via adequada para discutir
o efetivo quantum debeatur.
Ainda há um cuidado também, imagine que na interpelação o credor estabeleça um prazo
para o devedor cumprir. O controle desse prazo fixado na interpelação ele é suscetível de
controle jurisdicional. Ou seja, é possível que haja o controle sob a fixação abusiva do
prazo fixado na interpelação, notadamente quando a natureza da prestação não for
compatível com o cumprimento naquele prazo estabelecido.
Então, haverá a constituição da mora sim, mas é possível controle jurisdicional de
eventual prazo fixado na interpelação notadamente de acordo com a natureza da
prestação devida. Na verdade a notificação constituiria a mora, mas a efetiva exigibilidade
se daria após o transcurso de um prazo razoável, compatível.
Lembra daquela discussão em relação ao termo moral? Porque há um dispositivo do
código, que é o artigo 331 que diz: se não houver prazo para o pagamento, a exigibilidade
é imediata. Lembram do princípio da satisfação imediata?
Só que nós vimos que o princípio da satisfação imediata ou o princípio da exatidão, ele
tem que ser interpretado sempre à luz do termo moral que está lá no artigo 134, parte
final. Quer dizer, quando a natureza da prestação não for compatível com a exigibilidade
imediata, o artigo 331 é abrandável em homenagem ao artigo 134.
Então, essa figura do termo moral tem que ser transplantada para a questão do prazo
fixado na constituição da mora, o termo moral pode ser um instrumento para viabilizar o
controle jurisdicional sobre eventual prazo fixado na interpelação. Então, exigibilidade
sempre a luz da perspectiva do termo moral.
Vamos tratar agora da mora do credor.
Há uma primeira questão aqui que é a seguinte: será que se exige a culpa do credor para
a configuração da sua respectiva mora? Porque em relação ao devedor a ampla maioria
entende que sim e há posição discordante da Judith e do Pontes de Miranda segundo a
qual em regra sim, mas nas hipóteses de imputação objetiva não.
Em relação ao credor nós tivemos três entendimentos aí. A posição amplamente
dominante é no sentido de que não se exige a culpa do credor. Nesse sentido, autores
como Carlos Roberto Gonçalves, Sílvio Rodrigues, Christiano Chaves de Farias e
Agostinho Alvim.
Por que não se exigiria a mora do devedor para essa posição que é a amplamente
dominante? A uma porque o código foi omisso em relação ao tema, o código não exige a
culpa do credor. Diversamente do que para a maioria da doutrina o código fez em relação
ao devedor no artigo 396 porque para a maioria o artigo 396 exige a culpa.
Além disso, há outro argumento aqui mais importante. Vamos supor que o credor não
receba de maneira justificada, sem culpa, a recusa é justificada, na verdade vamos supor
que não haja recusa.
Vamos supor que por uma circunstancia alheia a vontade do credor (uma tragédia
natural), o credor não tenha como comparecer ao local acordado para o pagamento.
Primeiramente, vai dizer olha, se não houver a culpa do credor diante da ausência de
culpa, os ônus em conseqüência do não pagamento será suportado por quem? Pelo
devedor, alguém vai ter que custear as despesas, guardar e conservar a coisa, enfim há
diversos ônus, diversas conseqüências em decorrência do não pagamento. Se por ventura
exigirmos a culpa, na ausência de culpa não haveria mora do credor, mas todos os ônus
decorrentes do não recebimento pelo credor seriam imputados ao devedor.
Então, para não propiciar uma maior gravosidade ao devedor, a primeira corrente
sustenta que não se exija a culpa a configuração da mora do credor. Quer dizer, ainda
que não haja culpa, há mora do credor se ele não comparece ao local acordado.
Segunda posição: Judith Martins Costa e Silvio Venosa. O que esses autores ponderam é
que regra geral não se exige culpa como defende a primeira. Porém, se ressalva ao
credor a possibilidade de comprovar justa causa, quer dizer, a justa causa aqui seria um
elemento objetivo estranho a pessoa credor.
Então, na verdade o que essa segunda corrente basicamente defende é a inversão do
ônus da prova, quer dizer, presumi-se a culpa do credor, mas se resguarda ao credor a
possibilidade de demonstrar justa causa, talvez a tragédia natural fosse um exemplo da
justa causa.
De maneira isolada, minoritária, terceira corrente Gustavo Tepedino.
O Tepedino vem dizendo: por que tradicionalmente não se exige a culpa do credor?
Porque numa perspectiva tradicional ao credor resta apenas receber, não se impõe ao
credor qualquer tipo de obrigação, como não se impõe ao credor qualquer tipo de dever,
qualquer tipo de obrigação, em se notando que ao credor resta apenas a prerrogativa de
receber, não teria como se exigir a culpa do credor.
Haveria uma contradição entre a idéia de mera prerrogativa e a idéia de culpa e aí o que
o Tepedino ressalta é que esse contexto não vale mais, porque numa perspectiva mais
atual vimos a questão da obrigação como um processo, ao credor não cabe apenas
prerrogativas, ao credor também a resta a observância dos deveres anexos.
Então, se o credor inobserva um dever em anexo presumi-se a culpa da credor, a culpa
do credor viria como? Através da inobservância dos deveres anexos. A luz da boa fé
objetiva, o Tepedino ressalta que a culpa também estaria atrelada a mora do credor,
repetindo, diante da inobservância dos deveres anexos.
Repetindo: a posição amplamente dominante é a primeira, até porque a segunda e a
terceira não chegam a enfrentar isso especificamente, mas se entendermos que não há
mora do credor, no caso de ausência de culpa, seria no mínimo sustentável que houvesse
o rateio de eventual despesas para que todo o ônus decorrente do não cumprimento da
prestação não recaia sobre o devedor.
Questão de extrema relevância aqui é a seguinte: Quando é que se constitui a mora do
credor? Até a algum tempo atrás, o entendimento praticamente unânime na doutrina era
no sentido de que a mora do credor constituiria através do pagamento em consignação.
Quer dizer, o devedor para constituir a mora do credor, teria o ônus de consignar. Essa
posição sempre teve por base o que consta do atual artigo 337, já havia no código de 16
de maneira idêntica.
O artigo 337 tratando do pagamento em consignação diz assim: o depósito requerer-se-á
no lugar do pagamento cessando tanto que se efetue para o depositante os juros da
dívida e os riscos, salvo se for julgado improcedente.
Quer dizer, o artigo 337 diz que o depósito faz cessar os juros e os riscos. Não são
efeitos típicos da mora do credor? Quer dizer, a cessação em tese dos juros moratórios e
a cessação dos riscos. Quer dizer, numa obrigação de dar, lembrando aqui, até a tradição
a coisa pertence ao devedor e se há perecimento sem dolo ou culpa res perit domino, a
coisa perece para o dono, ou seja, perece para o devedor.
Na medida em que o credor se constitui em mora, vai cessar para o devedor os riscos, os
riscos automaticamente se transferem ao credor e o artigo 337 diz que os riscos e os
juros cessam com o depósito. Essa posição ainda é adotada pelo Carlos Roberto
Gonçalves.
Vem preponderando o segundo entendimento que sustenta que a mora do credor se
constitui no momento da recusa injustificada. Então, no momento da recusa nós já
teríamos a mora do credor, não seria pressuposto a constituição da mora a consignação
pelo devedor.
O grande problema é o artigo 337 que parece dispor literalmente em contrário. Só que o
que a doutrina vem agora dizendo é o seguinte: quando o artigo 337 diz que com o
depósito cessam os juros da divida, esses juros a que se refere o artigo 337 não seriam
juros moratórios e sim os juros remuneratórios sinônimo de juros compensatórios.
Parece fazer todo o sentido, vamos lembrar o que justifica, legitima a cobrança de juros
remuneratórios? O risco de inadimplemento e remunerar o capital que se encontra
afastado de seu titular. Na medida em que há o depósito, na medida em que há
consignação não há mais riscos de inadimplemento e aqueles recursos se encontram a
disposição do credor.
Então, com depósito cessarão os juros remuneratórios, juros compensatórios. Na verdade
os juros moratórios cessarão quando? Desde a recusa injustificada, não há fluência de
juros moratórios aqui, pois com a recusa já houve a mora do credor. Quer dizer, o artigo
337 quando diz que o depósito faz cessar os juros da divida, entenda-se juros
remuneratórios.
E o mesmo artigo 337 diz que além de cessarem os juros cessam os riscos. O que a
doutrina vem dizendo é o seguinte: a cessação dos riscos, no caso do artigo 337, se
aplica em duas circunstancias. A primeira, se não há data certa para o pagamento, porque
se houver data certa a simples recusa do credor na data aprazada, já faz cessar os
riscos.
Na segunda hipótese, e essa talvez mais delicada, se há data certa e o devedor renuncia
ao prazo estipulado em seu próprio beneficio.
Lembram do artigo 133, quando a gente viu aquela questão, será que o devedor pode
constranger o credor a receber antes do prazo? Nós vimos que o artigo 133 diz que há
presunção relativa de que os prazos se dão a benefício do devedor, se o prazo
efetivamente se der a benefício de devedor como estabelece a presunção legal, o devedor
pode renunciar ao prazo e oferecer o pagamento antecipadamente. Se o credor se
recusar, o devedor deve efetuar o deposito para se esquivar dos riscos.
Em suma, na hipótese em que há data certa, o devedor oferece na data acordada e o
credor se recusa, todos esses efeitos aqui se dão desde o momento da recusa e não do
depósito.
Essa segunda posição ela é adotada entre outros pelo Silvio Venosa, Gustavo Tepedino,
Christiano Chaves com Nelson Rosenvald.
Tem uma questão que parece bem simples e no caso de mora simultânea? Quer dizer,
nem o credor e nem o devedor aparece no local e na data acordada para o pagamento,
mora simultânea.
A doutrina normalmente diz o seguinte: isso encontra praticamente em todos os manuais,
que a mora de um compensa a mora do outro, que as moras se compensam, quer dizer,
nenhum deles poderá alegar a mora do outro. Numa releitura dessa definição o que
justifica essa solução? Tu quoque, boa fé objetiva.
Lembram da tu quoque? Se eu estou em mora eu não posso alegar a mora do outro em
meu próprio benefício, na verdade, a solução trazida de maneira unânime pela doutrina no
sentido de que uma mora compensa a outra, vem em harmonia com a boa fé objetiva
através da tu quoque.
Não é a mesma solução que a doutrina sustenta, a solução é diferente de acordo com a
doutrina, no caso de moras sucessivas. Quer dizer, em caso de moras sucessivas, num
primeiro momento quem se encontra em mora é o credor, ele se recusa a receber e aí
posteriormente quando o credor se recusa o devedor fica de birra e é ele que se recusa a
efetuar o pagamento.
A doutrina recomenda que no caso de moras sucessivas, uma mora não apaga os efeitos
da outra, então, uma parte vai poder suscitar os prejuízos decorrentes da mora da outra.
Essa posição ela é consolidada em todos os manuais, mas percebam, que talvez ela
possa ser no mínimo rediscutida a luz da tu quoque. Mas a posição pacifica nos manuais
é no sentido de que na mora simultânea uma não apaga a outra.
Tema extremamente relevante aqui é a questão da purgação ou emenda da mora, artigo
401. Resumidamente o que seria a purgação ou emenda da mora? Seria a neutralização
dos efeitos da mora.
Sem precisar ler o código, por lógica geral, como o devedor pode neutralizar a sua devida
mora? Se sujeitando aos seus efeitos, artigo 401, I que prevê a purgação da mora pelo
devedor.
O artigo 401 diz lá: purga-se a mora por parte do devedor, oferecendo este a prestação
mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta.
E o inciso II prevê a purgação da mora pelo credor: por parte do credor, oferecendo-se
este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data.
Então, a purgação da mora seja por parte do devedor, seja por parte do credor, se dá com
a sujeição voluntária aos efeitos da mora.
Uma primeira questão relevante aqui que se abre é a seguinte: até que momento se
admite a purgação da mora pelo devedor? Na verdade temos aqui três posições:
Primeira posição, hoje inteiramente superada, defende que só cabe a purgação até a
propositura da ação de resolução contratual movida pelo credor.
Então, a partir do momento que o credor propõe a ação exigindo a resolução do contrato,
não mais caberia a purgação da mora, seria uma espécie de sanção, de punição a desídia
do devedor.
Essa primeira posição, que está totalmente superada, evoluiu para uma segunda posição
que defende que cabe a purgação da mora pelo devedor até o transcurso do prazo para a
resposta na ação de resolução movida pelo credor.
Pergunta do aluno.
Resposta: prazo pela legislação processual, depois da juntada do mandato, conta o prazo
para responder e transcorrido o prazo da resposta, seja contestando ou não contestando,
com o transcurso do prazo para a resposta cessaria a possibilidade de purgar a mora.
Quer dizer, junto com o término do prazo para a resposta ou com a resposta se afastaria
a possibilidade da purgação da mora pelo devedor, se facultaria ao devedor uma última
oportunidade de purgar a mora.
Essa posição é defendida pelo Venosa e pela Judith Martins Costa, o Beviláqua também
defende essa posição.
Obs: numa prova oral, às vezes você tem que demonstrar que sabe, mas nem tanto senão
pode ferir o ego do examinador, claro que nem todos são assim, só alguns.
Pergunta do aluno.
Resposta: aí entra no contexto dessa posição do Nelson Rosenvald, entra no contexto da
terceira posição, que é inclusive a posição defendida por ele.
A terceira posição é defendida pelo Christiano Chaves com o Nelson Rosenvald e
Gustavo Tepedino, essa posição sustenta que cabe a purgação da mora pelo devedor,
enquanto a prestação for útil ao credor. Quer dizer, independentemente de proposta a
ação, independentemente de contestada a lide, enquanto houver utilidade da prestação
para o credor o devedor pode purgar a mora.
Há argumentos aí para isso e o primeiro argumento bastante claro é o artigo 395, §único
do código civil, que vimos a pouco, conjugado com o Enunciado 162.
Tanto o dispositivo do código quanto o Enunciado ressaltam que o credor pode se recusar
a receber quando a prestação se tornar inútil.
O enunciado diz que a inutilidade ela se mede a luz da boa fé objetiva porque na verdade
quando não se admite mais a purgação da mora, qual o efeito prático disso? Está se
legitimando a recusa por parte do credor e aí o que se afirma é: cabe a purgação
enquanto for útil, primeiro por conta desses dispositivos. E aí claro, indiretamente já
mencionamos aqui, a boa fé objetiva e também o principio da conservação dos atos e dos
negócios jurídicos.
Na verdade, por essa posição defendida pelo Nelson independente de ser uma relação de
consumo, enquanto houver a utilidade, a purgação da mora (olha a pergunta capciosa na
prova oral) ela tem que ter a concordância do credor? Pela terceira posição, em regra,
não. Quer dizer, se for termo não essencial a purgação da mora não pressupõe a
anuência do credor, ela pressupõe a utilidade da prestação pelo credor. A purgação da
mora enquanto houver a utilidade seria um direito potestativo do devedor.
Pergunta do aluno.
Resposta: caberia a purgação, na verdade nós teríamos aqui uma hipótese típica de
direito potestativo, ao credor restaria o estado de sujeição diante da iniciativa do devedor
para purgar a mora, pois a purgação da mora dentro dessas premissas que estamos aqui
definindo seria matéria de ordem pública.
Pergunta do aluno.
Resposta: não necessariamente, mas nós não podemos fixar a priori a sentença como
marco diferenciador porque na verdade pode ser que antes da sentença a prestação
venha efetivamente a se tornar inútil ao credor. Quer dizer, análise dessa utilidade ou
inutilidade independe da circunstância processual, ela vai depender da circunstância
fática.
Pergunta do aluno.
Resposta: talvez seja interessante conversar com alguém de processo, mas numa visão
instrumental, os adeptos da terceira corrente vão sustentar com tranqüilidade que cabe a
purgação ainda que depois da sentença. Não havendo o transito em julgado, cabe a
purgação. Seria a perspectiva instrumental da terceira posição, se isso talvez traga algum
tipo de inconveniente processual, talvez seja interessante conversar com alguém de
processo civil.
Mas numa visão civilística, numa visão instrumental, como a matéria é de ordem pública,
os princípios são de ordem pública, caberia independentemente do momento processual.
O importante é averiguar a existência ou não dessa utilidade a luz da boa fé objetiva,
essa seria a questão fundamental pela terceira posição.
Tem uma questão aqui muito importante, como desdobramento dessa aqui. Acabamos de
ver então, que pela 3ª posição, que inclusive tende a ser predominante... Mas partindo-se
dessa premissa enquanto houver utilidade da prestação para o credor, a purgação da
mora é direito potestativo do devedor.
Vamos supor que numa relação de trato sucessivo, mês sim, mês não, o devedor atrasa e
purga a mora. O que poderíamos ter aí? Abuso do direito potestativo de purgação da
mora. Quer dizer, sucessivas purgações da mora podem configurar abuso do direito, sem
dúvida sucessivas purgações da mora podem configurar abuso do direito. Sem dúvida
sucessivas purgações da mora parecem colidir com o dever anexo de colaboração e
cooperação atingindo a legítima expectativa do outro contratante.
Vale a pena só lembrar que para fins de locação de imóvel urbano tem regra específica,
artigo 62, §único da lei 8245/91. Então, para fins de locação não precisaríamos falar em
abuso do direito porque aí o legislador positivou.
Mas para outras circunstâncias não definidas em lei a gente traz a colação a lógica do
abuso do direito e claro numa interpretação sistemática a lei de locação é extremamente
protetiva diante do direito social a moradia. Se própria lei de locações inibe sucessivas
purgações com muito mais razões outras relações contratuais que não envolvam acesso a
moradia.
Vamos enfrentar aqui um aparente conflito envolvendo o artigo 405, saindo da mora
agora, há um aparente conflito aqui.
O artigo 405 diz lá: contam-se os juros de mora desde a citação inicial. Há um aparente
conflito entre artigo 405 e o artigo 398 o qual diz que quando há pratica de ato ilícito, o
devedor já está em mora desde a prática do ato e se o devedor já está em mora desde a
prática do ato, os juros de mora teriam que fluir desde a prática do ato e o artigo 405 diz
que flui desde a citação.
O artigo 405 é regra geral e que, portanto se aplica diante da ausência de regra especial.
Uma das regras especiais em relação à mora é o artigo 398, porque vimos agora pouco
que o artigo 398 trata especificamente de ilícito extracontratual, quer dizer, apesar de
estar no capítulo dos direitos das obrigações, o artigo 398 trata de ilícito extracontratual.
Por isso a jurisprudência é pacífica no sentido de afirmar primeiro, que o artigo 405 se
aplica a ilícito contratual e o artigo 398 se aplica a ilícito extracontratual. Nesse sentido
Súmula 54 do STJ, Enunciado 163 do Conselho e Informativo 366 STJ, RESP 983728.
Só que não para por aqui não, outro cuidado: de acordo com esse entendimento
amplamente difundido, se foi ilícito contratual, artigo 405, flui desde a citação. Dentro do
ilícito contratual nós temos a regra especial do artigo 397, caput (data certa). Se eu tenho
que pagar a prestação do dia 5 decorrente de um contrato de mútuo, os juros de mora vão
fluir a partir de quando? A partir do dia 6 porque o artigo 397 diz que a mora se constitui
automaticamente.
Outra exceção e essa exceção é novidade inclusive. Mesmo no ilícito contratual, se não
houver data certa, artigo 397, §único. E cuidado com a maldade, porque o artigo 397,
§único passa a dizer agora que constitui a mora ex persona não apenas a interpelação
judicial, mas também a interpelação extrajudicial. A interpelação extrajudicial agora
também constitui a mora.
Então, se foi ilícito contratual sem data certa, se houve prévia interpelação extrajudicial,
ela já vai ter constituído a mora e a partir da interpelação extrajudicial fluiriam os juros de
mora. Quer dizer, na verdade o artigo 405 se aplicaria a ilícito contratual em que não haja
data certa sem que tenha havido a prévia interpelação extrajudicial.
Outra exceção: nas obrigações negativas (obrigação de não fazer), porque nelas o artigo
390 diz: o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de se
devia abster. Então, os juros de mora fluem desde a pratica do ato.
Mais uma exceção: artigo 677 (contrato de mandato): as somas adiantadas pelo
mandatário para a execução do mandato vencem juros desde a data do desembolso.
Mesmo sendo ilícito contratual, regra especial: artigo 677.
Uma das exceções ao artigo 405 a primeira que nós vimos foi artigo 398 que trata de
ilícito extracontratual. Só que vejam bem, o que a jurisprudência e a doutrina hoje
afirmam é o seguinte: o artigo 398, que é regra especial, fala em ato ilícito. Ato ilícito,
regra geral pressupõe culpa, artigo 186.
Então, vejam se for responsabilidade civil extracontratual objetiva, não entra no artigo
398 que fala em ato ilícito que regra geral pressupõe culpa, artigo 186. Então, se for
responsabilidade extracontratual objetiva não se aplica a exceção do artigo 398 e vamos
para a regra geral do artigo 405.
O que é no mínimo sustentável aqui, a doutrina não vem enfrentando, é a possibilidade de
se aplicar o artigo 398 para abuso do direito, porque o artigo 187 o código diz que o
abuso é ato ilícito apesar de toda aquela discordância que vimos, se é ato ilícito ou
antijurídico... Quer dizer a sistemática do código diz que o abuso é ato ilícito e o abuso
gera responsabilidade objetiva, então é no mínimo sustentável que o abuso entre no
artigo 398. Porque o abuso, apesar de gerar responsabilidade objetiva, pelo artigo 187 o
abuso do direito é ato ilícito, cuidado principalmente com essa questão da
responsabilidade extracontratual objetiva.
Prosseguindo, terminamos vendo o artigo 405 que está dentro do âmbito da sistemática
das perdas e danos.
Há uma novidade que o código traz no artigo 404. O artigo 404 trata das questões das
perdas e danos nas obrigações em dinheiro e aí ele diz que nesse caso as perdas e
danos abrangem correção monetária, juros, custas e honorários de advogado sem
prejuízo da pena convencional.
Antes de enfrentar especificamente esse artigo, o código civil aqui em algumas ocasiões
faz alusão a expressão honorário de advogados, em algumas ocasiões. Sobre essa
expressão “honorários de advogado” no código civil há o Enunciado 161 do Conselho que
diz que só são devidos honorários advocatícios se houver efetiva atuação profissional de
advogado.
O fato é que o código agora explicitamente diz que além dos juros e da correção
monetária, haverá também eventualmente a incidência de pena convencional, ou seja,
cláusula penal, multa contratual.
Os juros de mora independem de qualquer acordo de vontade, eles incidem ex vis legis.
Os juros de mora representam uma indenização mínima, a indenização presumida nas
obrigações pecuniárias.
Lembrando que, diferente dos juros, a correção monetária prevista aqui pelo legislador, a
correção monetária não busca qualquer tipo de indenização, o objetivo da correção
monetária é manter o padrão monetário, manter o valor real.
A novidade está no §único, até porque muita gente confunde essa questão juros
moratórios com cláusula penal, já fica claro que a incidência de juros moratórios não
exclui cláusula penal.
O §único, que é novidade, agora diz assim: provado que o juros de mora não cobrem os
prejuízos e não havendo pena convencional, pode o Juiz conceder ao credor indenização
suplementar.
Essa possibilidade do juiz conceder indenização suplementar na ausência de cláusula
penal, não era prevista anteriormente, isso não existia antes. O §único explicitamente
prevê que ainda que não haja cláusula penal, se o credor comprovar que o prejuízo por
ele suportado é muito maior do que aquele coberto pelos juros moratórios, ele pode exigir
indenização suplementar. Claro, que ele vai ter o ônus de comprovar o prejuízo maior,
quer dizer, em relação a indenização suplementar terá o ônus de demonstrar tal prejuízo.
Essa possibilidade de exigir indenização suplementar, na ausência de cláusula penal, vem
em harmonia com qual perspectiva? Com a lógica da reparação integral de danos que
representa uma projeção do principio constitucional da solidariedade. E aqui uma
necessidade de interpretação sistemática porque o código prevê o cabimento do Juiz
prever indenização suplementar se não houver cláusula penal.
Esse dispositivo tem que ser interpretado em harmonia com o §único do artigo 416 e para
nós termos uma noção aqui, esse §único do artigo 416 enfrenta a seguinte questão:
vamos supor que haja uma cláusula penal dizendo que o dano foi pré-fixado em 500, só
que o credor tem como provar por A mais B que o dano por ele suportado não foi de 500
foi de 800. Ou seja, o prejuízo efetivo foi muito maior do que o valor acordado na cláusula
penal, a dúvida antes do código atual era se o credor poderia ou não exigir indenização
suplementar.
O que o §único agora explicitamente diz é que só pode exigir indenização suplementar se
assim foi convencionado. Quer dizer, no silêncio da cláusula penal não cabe exigir
indenização suplementar. Então, só pode exigir quando a cláusula penal disser perdas e
danos de 500, o que não exclui a possibilidade de indenização complementar.
Então, em havendo cláusula penal, não vamos aplicar o artigo 404, §único que rechaça a
sua própria aplicabilidade em se tratando de cláusula penal.
Nesse caso, em havendo a cláusula penal, §único do artigo 416, que diga-se de
passagem, não exclui indenização suplementar, só admite indenização suplementar se
houver acordo. Ou seja, em havendo cláusula penal, não se admite a indenização
suplementar ex lege, só se admite indenização suplementar convencional.
Em relação aos juros moratórios, o código civil trata do tema no artigo 406. A questão se
tornou muito mais delicada, porque no código anterior o legislador dizia que os juros
moratórios na ausência de previsão legal ou contratual os juros eram de 6% ao ano.
Então, não havia nenhuma dúvida, o código anterior definia claramente, só que o código
atual no artigo 406 diz que quando os juros moratórios não forem convencionados ou
forem sem taxa estipulada ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados
segundo a taxa que estiver em vigor para a mora de pagamentos de impostos devidos à
Fazenda Nacional. Há duas posições aqui sobre a aplicação do artigo 406:
A primeira posição, que inicialmente despontou como predominante, aplicação da taxa
SELIC.Seria em tese a taxa aplicável a questão da mora no pagamento de impostos
devidos a Fazenda Nacional. Surgiram aí algumas criticas em relação a aplicação da taxa
SELIC
A primeira critica foi a seguinte: qual é o objetivo fundamental dos juros moratórios?
Estabelecer uma indenização mínima, quer dizer, o objetivo é a reparação de danos. Qual
é o objetivo da SELIC? Política econômica. A SELIC é fixada pelo Governo Federal como
objetivo de ditar a política econômica. Percebam, essa razão fundamental da SELIC qual
seja? Razão de política econômica é extremamente volátil, variável, principalmente em
momentos de crise como a atual.
Percebam, portanto que a finalidade da SELIC parece não se compadecer com a
finalidade dos juros moratórios, que é reparação de danos, pressupõe um mínimo de
estabilidade, um mínimo de precisão. E a SELIC não, ela é extremamente variável de
acordo com a conjuntura econômica, ela está atrelada a aspectos de natureza macro
econômica.
Em suma, além de ser incompatível com a finalidade dos juros moratórios, a aplicação da
SELIC traria insegurança jurídica às relações privadas justamente por esse fator volátil
envolvendo a SELIC, e mais, na SELIC já estão embutidos juros e correção monetária.
Quer dizer, o grande risco de aplicar a SELIC qual é? É ter a SELIC como juros e na
prática o credor receber juros e correção monetária duas vezes (juros mais correção com
a SELIC e mais a correção monetária que decorre de lei). Ou seja, enriquecimento sem
causa.
Tantas críticas propiciaram o Enunciado 20 do Conselho (CJF) que recomenda a
aplicação do artigo 161, §1º do CTN 1% ao mês.
A maior parte da doutrina vinha defendendo o CTN por conta dessas críticas que vimos
aqui e por conta do Enunciado. A jurisprudência do STJ sempre dividida, ora aplicando
SELIC, ora CTN, talvez com uma leve predominância em favor do CTN.
Diga-se de passagem, que pela aplicação do CTN, foi editada a Súmula 95 do TJ/RJ. Só
que recentemente, no Informativo 367 STJ, esse Julgado merece destaque, porque ele foi
proferido pela Corte Especial do STJ que mandou aplicar a SELIC.
Além de mencionar todos os dispositivos legais que estabelecem a SELIC como
instrumento de aplicação em matéria tributária, um outro argumento utilizado em favor da
SELIC, o artigo 406 quando ele fala dos juros diz que eles serão fixados segundo a taxa
que estiver em vigor. Taxa em vigor pressupõe o que? Uma taxa variável, oscilante e
entre as duas a única taxa oscilante e variável seria a SELIC e, além disso, se justifica
que diante de uma conjuntura de significativo inadimplemento, a aplicação da SELIC
propiciaria um maior reforço do vínculo obrigacional.
Claro que é extremamente discutível a solução trazida pelo STJ, mas enfim é a última
decisão mais importante sobre o tema.
Claro, temos que acompanhar porque pode haver alteração aí desse entendimento, resta
inclusive ao STJ se pronunciar sobre o seguinte, não foi objeto de pronunciamento aqui.
Será que em se definindo a SELIC cabe a incidência de correção monetária ou para se
evitar enriquecimento sem causa seria justificável que com a implicação da SELIC nós já
teríamos embutido a correção? Porque a incidência da SELIC mais a correção parece
propiciar enriquecimento sem causa, resta o enfrentamento dessa questão.
Pergunta do aluno.
Resposta: de significativo inadimplemento. Quer dizer, diante de um quadro de bastante
inadimplemento, a aplicação de uma taxa mais pesada, mais onerosa como a SELIC
propiciaria um reforço do vínculo.
Agora, questão importante ainda dentro dessa sistemática dos juros diz respeito ao direito
intertemporal...
Pergunta do aluno.
Resposta: a primeira é a SELIC e a segunda o CTN e aí a jurisprudência recentemente o
STJ foi pela SELIC no Informativo 367.
Outro ponto: direito intertemporal em relação aos juros.
Sem dúvida alguma a questão é relevante porque em muitas situações o código entra em
vigor quando da fluência de juros moratórios que já incidiram sobre a égide do código de
16.
Para fins de direito intertemporal, em relação aos juros, artigo 2035 que traz para o
código civil a lógica da retroatividade mínima. Isto é de extrema relevância porque
tradicionalmente o STF tinha o entendimento contrário a lógica da retroatividade mínima.
Foi muito discutido quando entrou em vigor o CDC, se discutia se o CDC seria ou não
aplicado a contratos de seguro saúde firmados antes do CDC e o STF disse que não, que
o CDC só se aplicaria a contratos firmados após a vigência da lei 8078/90. Sem dúvida
essa posição do STF é extremamente conservadora.
O Santiago Dantas já defendia o contrário, ele dizia que se a nova legislação é de ordem
pública, vedar a aplicação da nova norma de ordem pública a situações fáticas
posteriores, seria aplicar o direito positivo, direito legislado contra a ordem pública.
Então, o que o Santiago Dantas há muito tempo já defendia? A retroatividade mínima, por
ela resumidamente a nova legislação se aplica a institutos anteriores no que diz respeito
a situações fáticas supervenientes.
Tem um exemplo aqui muito claro, que vem lá dos direitos reais, lembram da história da
multa de 2%, da cota condominial? O Marco Aurélio Mello e o Nelson Rosenvald com o
Christiano Chaves defendem que esse limite de 2% só se aplicaria a convenções
condominiais posteriores a vigência do código. Quer dizer, o que esses autores defendem
é que se houvesse uma convenção condominial anterior contemplando um limite de 20%
essa convenção condominial anterior seria um ato jurídico perfeito. E em sendo um ato
jurídico perfeito ficaria imune a qualquer alteração legislativa, o que a jurisprudência já
consolidou aqui? Que o limite dos 2% se aplica a convenções anteriores no que se refere
às cotas condominiais vencidas após a vigência (retroatividade mínima).
Os processualistas gostam de falar no princípio da aplicabilidade imediata da lei, eles
falam muito da aplicação imediata da lei, é a lógica da retroatividade mínima.
Quer dizer, aplicando aqui nos juros qual é a solução? Os juros que se vencerem sob a
égide do código de 16 continua a se submeter a sistemática anterior e os juros que se
vencerem após a vigência do código atual passam a se submeter a nova sistemática.
O artigo 2035 diz lá: a validade dos negócios e mais atos jurídicos constituídos antes da
entrada em vigor deste código, obedece ao disposto nas leis anteriores referidas no artigo
2045, mas os seus efeitos produzidos após a vigência desse código, aos preceitos dele se
subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.
Retroatividade mínima, cuidado com a parte final, retroatividade mínima, porque o artigo
2035 na parte final diz: salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de
execução.
Vamos aplicar isso para os juros aqui. Se os juros moratórios que vigiam a época do
código de 16 eram legais, a gente aplica a primeira parte do artigo 2035.
Mas é possível que os juros moratórios tenham sido convencionados a ela, o código 16
dizia: na ausência de acordo, 6% ao ano, mas se admitia juros moratórios convencionais.
Se as partes a época convencionaram juros de 8% ao ano, parte final do artigo 2035,
porque juros 8% ao ano se prolongam para além da vigência do código.
Então, a retroatividade mínima em relação aos juros, pode vir a ser excepcionada pela
parte final, ou seja, se os juros convencionais a época do código anterior forem
convencionais.
Só para quem quiser dar uma olhada tem outro Julgado interessante sobre retroatividade
mínima, foge um pouco ao nosso objetivo aqui, mas vale a pena dar uma olhada, RESP
809329.
Foi resumidamente o seguinte: estatuto do idoso proíbe cobrança de valor diferenciado
pelo critério etário. Nesse caso o contrato de seguro saúde foi firmado antes do estatuto
do idoso, mas o sujeito atingiu os 60 anos após a vigência do estatuto do idoso.
O STJ disse “o fato do contrato ter sido firmado antes não inibe a aplicação do estatuto
do idoso em relação a fatos posteriores” e vedou a distinção de cobrança por critério
etário em relação ao contrato firmado antes do estatuto do idoso, porém no caso o sujeito
completou os 60 anos após a vigência da nova legislação. Quer dizer, retroatividade
mínima.
Pergunta do aluno.
Resposta: faltou uma sistematização explicita, na verdade o STF foi muito conservador
realmente, mas talvez se o CDC tivesse estabelecido...
Pergunta do aluno.
Resposta: o STF a época consolidou esse entendimento, assim se posicionou realmente,
apesar das críticas de vários autores, mas foi a “decisão final” do STF sobre o tema, o
STF sempre que instado a se pronunciar, assim se colocou a época.
Pergunta do aluno.
Resposta: não, não tem, mas todas a questões que desaguavam lá eram assim definidas,
talvez uma causa ou outra que tenha transitado em julgado antes possa ter tido efeito
diferente.
Tem mais uma questão aqui importante: o artigo 406 diz que se aplica ou a SELIC ou o
CTN, conforme o caso, se os juros não forem convencionados. Só que o artigo 406
aparentemente não definiu o limite dos juros convencionais. Quer dizer, se não houver
acordo, SELIC ou CTN, mas será que as partes são livres para fixarem os juros
moratórios que desejarem? Não.
Em relação aos limites dos juros moratórios convencionais tem dois entendimentos aqui.
O primeiro entendimento, no sentido de que o limite seria o próprio artigo 406, ele não diz
isso literalmente, ele apenas diz que na ausência de acordo, CTN ou SELIC. A Judith
Martins Costa, que defende essa corrente, diz que o limite é o próprio artigo 406 e ela
sustenta essa solução aplicando por analogia o artigo 591.
Mas, basicamente o artigo 591 trata de mútuo feneratício com juros, esses juros são juros
remuneratórios, e aí o que o artigo 591 diz é que o limite dos juros remuneratórios do
mútuo feneratício é o artigo 406.
Claro que não aplica a Instituição Financeira, tem uma série de aspectos que veremos
mais adiante, mas é o que diz o artigo 591, que o limite dos juros remuneratórios é o
artigo 406.
Então, usando por analogia, a Judith diz que se o limite dos juros remuneratórios é o
artigo 406, é justificável que o limite dos juros moratórios também fosse o artigo 406,
usando por analogia o artigo 591.
Essa posição ela é minoritária, porque na verdade os pressupostos aqui são bem
diferentes. Os juros remuneratórios tem uma sistemática totalmente distinta da dos juros
moratórios, os fundamentos são diferentes. Então o que se sustenta é o seguinte: o
código civil revogou total ou parcialmente a lei de usura? Revogou parcialmente a lei de
usura.
A lei de usura, decreto 22626/33, quer dize, o código civil revogou a lei de usura no que
for incompatível, por exemplo, a lei de usura ela proibiu o anatocismo, o artigo 591 agora
do código permite o anatocismo, revogando esse dispositivo da lei de usura.
Agora, a lei de usura no artigo 1º diz que o limite dos juros moratórios convencionais é o
dobro da taxa legal. O código civil não estabelece limites a juros moratórios
convencionais. Como não há incompatibilidade, o artigo 1º da lei de usura permanece em
vigor.
Então, trazendo a colação do artigo 1º da lei de usura, o limite dos juros moratórios
convencionais seria o dobro da taxa legal, ou seja, o dobro da SELIC ou o dobro do CTN.
Pergunta do aluno.
Resposta: nós vamos ver que o artigo 591 do código, em relação aos juros
remuneratórios, admite peridiodicidade anual e há uma medida provisória que para as
Instituições Financeiras admite anatocismo com periodicidade inferior a 1 ano e há uma
ADIN sobre essa medida provisória. Vamos deixar isso para mais adiante.
Cláusula Penal : artigo 408 a 416.
Como já vimos, cláusula penal é sinônimo de pena convencional. A cláusula penal tem o
duplo fundamento, é o chamado duplo fundamento da cláusula penal, reforço do vínculo
obrigacional e a liquidação antecipada das perdas e danos. Quer dizer, pela cláusula
penal, as partes já pré estabelecem o quantum debeatur a título de perdas e danos.
O nosso código prevê duas modalidades de cláusula penal: a cláusula penal
compensatória que é sinônimo de cláusula penal substitutiva, está no artigo 410 e a
cláusula penal moratória sinônimo de cláusula penal cumulativa, artigo 411.
Todo cuidado aqui, qual é a posição que consta aí na quase totalidade dos manuais,
posição quase unânime? Cláusula penal moratória para mora e a cláusula penal
compensatória para inadimplemento absoluto. Isso é praticamente unânime, Carlos
Roberto Gonçalves, Christiano Chaves, Tepedino, Venosa, praticamente todos dizem isso.
Talvez no concurso seja melhor seguir essa posição, numa prova objetiva sem dúvida
alguma.
Só que há um problema aqui, cláusula penal compensatória está no artigo 410 o qual diz:
quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento, esta converter-
se-á em alternativa a benefício do credor.
“Alternativa a benefício do credor” entenda-se, se for cláusula penal compensatória, o
credor pode optar entre a cláusula penal ou exigir a prestação. Mas se a cláusula penal
compensatória for sinônimo de inadimplemento absoluto, a prestação não é mais útil ao
credor, não faria sentido o artigo 410.
Que alternativa é essa se a prestação não é mais útil ao credor?! E mais, o artigo 410 ele
fala “para o caso de total inadimplemento”. O que nós vimos na aula passada?
Inadimplemento total não é sinônimo de inadimplemento absoluto, quer dizer,
inadimplemento total quando o inadimplemento abrange a totalidade da prestação, não é
isso?
Então, olha só, o artigo 410 fala que a cláusula penal compensatória, no caso de total
inadimplemento, e o artigo 411 diz que no caso da cláusula penal ali firmada se dirige a
hipótese de mora, que é a cláusula penal moratória.
Vamos pensar o seguinte: se no artigo 410, que é cláusula penal compensatória, há uma
alternativa para benefício do credor, para haver realmente essa alternativa, essa
prestação ainda tem que ser útil. Se a prestação não for útil não há alternativa possível,
se a prestação é útil, a hipótese é de mora.
Numa visão sistemática, macro é possível dizer o seguinte: o artigo 410 e o artigo 411
não são regras cogentes, quer dizer, nada impede que as partes convencionem no caso
de mora que a cláusula penal venha a ser compensatória, ou seja, principio da autonomia
privada.
Não seria preciso dizer que para a mora tem que ser o artigo 411 e para o
inadimplemento absoluto tem que ser o artigo 410 porque se tiver que ser o artigo 410
para o inadimplemento absoluto não haveria alternativa a que se refere o artigo 410.
Então, na verdade o código civil contempla duas modalidades de cláusulas penais que
podem ser livremente adotadas de acordo com o princípio da autonomia privada. Quer
dizer, pode ser que a vontade das partes seja para no caso de mora o credor poder além
de exigir a prestação, exigir também a cláusula penal.
Se a vontade das partes estabelecer a multa como um acréscimo a exigibilidade das
prestações, artigo 411 e a cláusula penal moratória, porque o artigo 411 diz que se a
cláusula penal for moratória o credor pode exigir a prestação mais a multa, mais a
cláusula penal. Agora, se o objetivo das partes era criar uma cláusula penal substitutiva,
na verdade vamos aplicar o artigo 410.
Normalmente as partes não vão dizer isso explicitamente e aí a doutrina traz um critério
relativamente seguro e a doutrina vai dizer o seguinte: a gente vai inferir isso pelo valor.
Porque, em termos práticos, o valor da cláusula penal compensatória vai ser igual ou
extremamente similar ao valor da prestação.
O valor da cláusula penal moratória vai ser menor, vai ser muito inferior ou
significativamente inferior ao valor da prestação porque a cobrança da cláusula penal
moratória não afasta a exigibilidade da prestação. Quer dizer, no silêncio das partes,
definir se é o artigo 410 ou se é o artigo 411, deriva da interpretação do contrato.
Quer dizer, não seria técnico vincular a mora ao artigo 411 e o inadimplemento absoluto
ao artigo 410. Minoritário, por incrível que pareça, e quem defende isso é o Pontes de
Miranda que parece estar mais atualizado que todos aí, acompanhado pela Judith Martins
Costa.
Pergunta do aluno.
Resposta: isso, exatamente, quer dizer as partes poderiam se utilizar tanto de uma
quanto de outra, ainda que haja a mora, as partes podem firmar uma cláusula penal
substitutiva que seria a cláusula penal compensatória. Até para fazer sentido para o artigo
410 que pressupõe que haveria uma alternativa a benefício do credor.
Quer dizer, o que o código traz é uma mera presunção relativa que pode ceder não
apenas pela vontade expressa, mas pelas próprias circunstancias. Vai demandar ao
aplicador interpretar o caso concreto para diferenciar uma hipótese da outra, quer dizer,
se o valor da cláusula penal for igual ao da obrigação principal, a tendência é o artigo
410, mas se for significativamente inferior, se inclina para o artigo 411. Minoritário.
Pergunta do aluno.
Resposta: no artigo 411 é menor o valor da cláusula, porque além da prestação vai ficar
com a cláusula. No artigo 410 não, é a prestação ou a cláusula, então a cláusula vai ter
um valor similar ao da prestação na hora de substituir, não é isso?
Pergunta do aluno.
Resposta: isso, exatamente.
Tem outro detalhe aqui, o artigo 411 quando fala em cláusula penal moratória, ele diz que
a cláusula penal se aplica para o caso de mora ou em segurança especial de outra
cláusula determinada.
O contrato pode ter 50 cláusulas e uma delas gozar de um interesse especial do credor e
o credor pode convencionar com o devedor uma cláusula penal para o descumprimento
dessa cláusula, não é isso? E aí o código diz que a cláusula penal é moratória e tem que
ser moratória? Não, pode ser que a cláusula seja tão relevante para o credor que o
descumprimento da cláusula gere a inutilidade da prestação para o credor. Se a cláusula
for tão relevante a ponto do seu descumprimento gerar a imprestabilidade da conduta do
devedor, nada impede que se firme uma cláusula penal compensatória.
Claro que não vai ter alternativa porque caiu por terra a utilidade da prestação, mas seria
desarrazoado imaginar que o credor pudesse exigir uma prestação inútil mais a cláusula
penal. Quer dizer, mesmo a cláusula penal para a segurança de determinada cláusula,
pode ser pactuada pelas partes a luz do artigo 410 nada impede, desde que o
cumprimento dessa cláusula seja extremamente relevante a ponto de comprometer a
própria utilidade da prestação.
Quer dizer, o que se demonstra é que os dispositivos aqui tratam de regras dispositivas e
não de regras cogentes, as regras não são cogentes.
E aí surge a questão... Vamos supor que tenhamos uma hipótese de inadimplemento total
com cláusula penal compensatória. Por essa posição, que é minoritária, nada impede que
tenhamos cláusula penal moratória por inadimplemento total contra o que diz o texto
legal.
Como seria a cláusula penal moratória do inadimplemento total? Emprestei 500 se ele não
me pagar os 500 daqui a 1 mês eu posso exigir 500 mais 50, cláusula penal moratória
para o caso de inadimplemento total. Nada impede, quer dizer, o inadimplemento total não
necessariamente impõe que a cláusula penal seja compensatória.
Mas vamos supor que tenhamos uma hipótese de cláusula penal compensatória com
inadimplemento total como diz o artigo 410. Vamos supor que o devedor tenha cumprido
em parte, cai a cláusula penal? Não, mas é cabível a redução da cláusula penal artigo
413.
O artigo 413 diz que a penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo Juiz se a
obrigação principal tiver sido cumprida em parte ou se o montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em visto a natureza e finalidade do negócio.
Faz todo sentido essa redução do caso cumprimento parcial, em se interpretando o artigo
410 inadimplemento total e não absoluto. Porque se a cláusula era para inadimplemento
total e o inadimplemento foi apenas parcial, a não redução geraria enriquecimento sem
causa.
Sugiro a remissão do artigo 413 para os artigos 884 a 886 combinados com Enunciados
355 e 356 do CJF.
O Enunciado 355 respondia uma das questões da prova específica da PGE (última), uma
das questões era se poderiam as partes afastarem o artigo 413, ou seja, se é lícita a
cláusula de irredutibilidade da multa contratual. Quer dizer, em outros termos, a dúvida é
se o artigo 413 é regra cogente ou dispositiva.
Tem uma primeira posição, que hoje está superada que é do Caio Mário, que
resumidamente diz que a regra é de direito patrimonial e, portanto disponível. Nenhuma
crítica ao Caio Mário, porque ele é brilhante e, diga-se de passagem, extremamente
progressista para o seu tempo, porque ele já falava em constitucionalização do direito
civil. Mas essa posição do Caio Mário não faz mais sentido, não faz mais sentido nós
afirmarmos que uma regra de direito patrimonial, é necessariamente disponível.
O que está por traz do artigo 413? Fizemos a remissão aí, é vedação ao enriquecimento
sem causa, que é matéria de ordem pública. Então, o Enunciado 355 diz que não cabe a
irredutibilidade em homenagem ao enriquecimento sem causa. O Enunciado 356, que eu
mencionei, diz que o Juiz deve reduzir de ofício. Também nesse contexto, por se tratar de
matéria de ordem pública.
Pergunta do aluno.
Resposta: o colega suscitou uma questão importante, se diante do adimplemento
substancial configuraria abuso do direito do credor exigir a integralidade da multa
contratual? Talvez não.
Mesmo os mais ardorosos defensores da teoria do adimplemento substancial, dizem o
seguinte: com adimplemento substancial não cabe resolução do contrato, não cabe a
inscrição do devedor em cadastro de proteção de crédito, a inscrição seria abusiva.
Mas sem dúvida alguma, o inadimplemento substancial não produz efeito liberatório ao
devedor, ou seja, o adimplemento substancial não afasta a exigibilidade da prestação com
perdas e danos, desde que claro demonstrado prejuízo.
Em se entendendo que o adimplemento substancial inibe a resolução, mas não inibe a
exigibilidade do remanescente mais perdas e danos, as perdas e danos em tese teriam
sido o que? Pré-fixadas e aí seguramente, diante do adimplemento substancial, cabe a
redução proporcional a luz do artigo 413.
Porque mesmo os mais ardorosos defensores ressaltam isso, não se afasta a
exigibilidade nem perdas e danos, se assim houver, porque na verdade a cláusula penal
representa justamente a pré-fixação das perdas e danos e aí claro cabível a redução
proporcional.
Além desse argumento de vedação ao enriquecimento sem causa, um argumento menos
importante o artigo 403 diz que a penalidade “deve” o código anterior dizia “pode”,
interpretação literal. Não é o argumento mais importante, mas evidentemente que precisa
ser mencionado.
Percebam que essa questão da redução da cláusula penal, só para fixar, vale o artigo 413
não apenas para o cumprimento parcial, mas também para o cumprimento defeituoso. No
caso de cumprimento defeituoso, se houver utilidade para o credor nesse tipo de
cumprimento, cabe a redução proporcional. Lembram da violação positiva do contrato? Se
o cumprimento defeituoso for útil cabe redução proporcional, se for inútil ao credor aí não
cabe.
Quer ver outro exemplo interessante de aplicação do artigo 413? Porque o artigo 413 fala
natureza e finalidade do negócio, o Tepedino defende que não seria admissível tratar de
maneira idêntica a cláusula penal num contrato comutativo e num contrato aleatório. O
tratamento tem que ser diferente porque o contrato aleatório implica necessariamente em
riscos, então seria inerente ao contrato aleatório as funções dos riscos atinentes ao
inadimplemento.
Se assunção de riscos atinentes ao inadimplemento num contrato aleatório, a cláusula
penal no contrato aleatório tem que ser menor do que a do contrato comutativo. Quer
dizer, o valor não pode ser o mesmo, porque seria da natureza do contrato aleatório...
Claro que depende do caso concreto assunção de eventuais riscos e com isso seria
possível a redução de eventuais cláusulas penais firmadas em contratos aleatórios.
Pergunta do aluno.
Resposta: talvez a questão acabe sendo melhor enfrentada pela questão atinente a
onerosidade excessiva e aí talvez a discussão seja se escapar o âmbito CDC e aplicar o
código, se entra não na lógica da teoria da imprevisão.
Pergunta do aluno.
Resposta: quer dizer, se houver cláusula penal firmada talvez seja sustentável. A
jurisprudência vem sempre aplicando a lógica da onerosidade excessiva, mas talvez seja
possível principalmente num ambiente de estabilidade econômica, enfim talvez seja
sustentável.
Outro ponto aqui é o seguinte: o artigo 412 (extremamente importante) é bem conhecido,
ele diz que o valor da cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.
A doutrina antes do código atual sempre afirmou, era posição unânime, de que essa regra
do artigo 412 só se aplicaria a cláusula penal compensatória. Porque para moratória, a
posição predominante era no sentido de que o limite estaria no artigo 9º da lei de usura
que é aquele decreto 22626/33 que diz 10%.
Apesar a lei de usura sistematizar questões atinentes as Instituições Financeiras, a
posição predominante era no sentido de que esse limite se aplicaria não apenas aos
contratos firmados por Instituições Financeiras, mas também a outras relações
contratuais. Ressalvadas, claro, eventuais exceções legais, CDC diz que é 2%, cota
condominial 2% enfim na ausência de regras especificas, a lei de usura 10%.
Só que esta questão hoje vem sendo discutida. Há quem defenda que o artigo 412
também passa a abranger o limite da cláusula penal moratória, quer dizer, o artigo 412 do
código civil teria revogado o 9º da lei de usura.
Essa revogação decorreria aqui de alguns argumentos, de acordo com essa posição,
primeiro seria desnecessária a lei de usura porque a cláusula penal moratória pode ser
reduzida com base no artigo 413.
A redação do código anterior quando tratava da redução da cláusula penal só permitia a
redução da cláusula penal compensatória. Mas a nova sistemática do artigo 413, que trata
da redução, não mais restringe, então seria desnecessário o limite de 10% porque o Juiz
poderia reduzir cláusulas penais moratórias abusivas com base no artigo 413.
Além disso, seria desnecessário o limite rígido de 10% previsto na lei de usura, diante da
nova principiologia instaurada pelo código atual. Porque no código atual nós temos abuso
do direito, boa fé objetiva, função social do contrato, previsão legal de enriquecimento
sem causa, artigos 884 a 886. Ou seja, o código traz uma série de novos princípios que
restringiriam cláusulas penais moratórias excessivas.
Para fechar essa questão, na verdade, em relações com maior densidade social o
legislador estabeleceu limites pontuais a cláusula penal moratória. Quais hipóteses em
que o legislador traz regras especificas coibindo cláusulas penais moratórias? Artigo
1336, §1º; artigo 526; artigo 740, §1º todos do código civil.
Vale ainda lembrar o artigo 52, §1º do CDC e uma série de regras específicas
envolvendo cédulas hipotecárias, títulos de créditos rural, industrial, enfim. Ou seja, em
situações de extrema relevância o legislador trouxe regras especificas, na ausência de
regra especifica artigo 412 e a nova principiologia, revogação da lei de usura.
Para fecharmos bem o tema da cláusula penal, que foi o tema que paramos na última
aula, algumas breves considerações para podermos fechar e mudarmos de assunto.
Veja uma questão que gera alguma discordância: o código anterior, o código de 16 no
artigo 922, o código dizia que a invalidade da obrigação gerava a invalidade da cláusula
penal. O código atual é omisso, ele não reproduziu regra similar ao código anterior, só
que apesar do silêncio do código atual, o que a doutrina afirma é a aplicação aí do que,
de que princípio? Principio da gravitação jurídica, ou seja, o acessório segue o principal,
quer dizer, em sendo a cláusula penal acessória, a invalidade da obrigação, a invalidade
do principal vai propiciar a invalidade da cláusula penal.
Isso pode ter importância prática porque em algumas situações a invalidade da obrigação
pode propiciar a um dos contratantes perdas e danos, é possível que isso aconteça. E aí
o que a doutrina afirma é que no silêncio do contrato, se da invalidade resulta perdas e
danos, cai por terra a cláusula penal e a parte que busque perdas e danos pelas vias
tradicionais discutindo o quantum debeatur.
Há quem defenda aqui, quem trata especificamente do tema é o Tepedino e o Christiano
Chaves, mais até o Tepedino... Seria lícito as partes convencionarem a chamada cláusula
penal independente.
A cláusula penal independente, o próprio nome nos parece sugerir, cláusula penal
independente porque ela sobrevive a própria obrigação. Quer dizer, a cláusula penal
independente teria por objetivo explicito a pré-fixação das perdas e danos para o caso de
invalidade da obrigação. O Tepedino afirma textualmente que essa cláusula penal
independente pressupõe explicita manifestação de vontade.
Pergunta do aluno.
Resposta: a doutrina não chega a detalhar tanto, mas talvez o que nós possamos
sustentar para evitar o enriquecimento sem causa? Que a cláusula penal independente
estabeleceria a pré-fixação das perdas e danos, desde que a causa geradora da
invalidade propicie perdas e danos. Quer dizer, se for uma invalidação por dolo ou
coação, por exemplo, a invalidação por dolo ou coação vai desencadear cabimento de
perdas e danos. Então, a cláusula penal independente teria o condão de pré-fixar essas
perdas e danos, afastando a necessidade de discussão do quantum debeatur.
Talvez seja possível, talvez seja necessário fazer uma filtragem, uma limitação no caso
concreto da cláusula penal independente. O Christiano Chaves chega a dizer que a
cláusula penal independente nem seria uma cláusula penal propriamente dita porque a
cláusula penal propriamente dita diz respeito ao inadimplemento que não se confunde
com invalidade.
Não confundir cláusula penal com multa penitencial. A diferença básica é a seguinte: a
cláusula penal ela tem como um dos seus pilares a pré-fixação das perdas e danos, mas
principalmente o reforço do vínculo obrigacional. Na verdade nós temos dois pilares da
cláusula penal: a pré-fixação das perdas e danos e o reforço do vínculo.
Em se sabendo que um dos objetivos da cláusula penal é o reforço do vínculo, fica claro
que a cláusula penal se dá a benefício do credor.
No artigo 410 (que vimos aula passada) diz que: a cláusula penal compensatória é uma
alternativa a benefício do credor. A multa penitencial se estabelece a benefício do
devedor. Então, na verdade, com a multa penitencial a prestação devida é uma, mas as
partes convencionam uma multa pela qual o devedor pode se exonerar do vínculo
obrigacional.
Vejam que a multa penitencial, em termos práticos, acaba gerando uma obrigação
facultativa pecuniária porque o cumprimento da multa penitencial exonera o devedor. Mas
ela se dá a benefício do próprio devedor e não do credor, ela fica a mercê da iniciativa do
devedor, então não confundir a cláusula penal com a multa penitencial. Quer dizer, a
multa penitencial, ao contrário, ela acaba afrouxando o vínculo obrigacional porque
permite ao devedor não cumprir a prestação devida através do cumprimento da multa.
Pergunta do aluno.
Resposta: não, as arras que vamos ver agora, traz uma sistemática bem diferente, porque
as arras pressupõem a entrega e na multa penitencial não. Na verdade Na verdade, na
multa penitencial o devedor se compromete a cumprir a prestação, só que as partes
convencionam que o devedor pode, ao invés de cumprir a prestação, pagar a multa
penitencial, mas nenhum valor é adiantado em relação ao exercício dessa possível, futura
opção por parte do devedor. Diferente das arras, porque as arras têm uma natureza
essencialmente real porque elas pressupõem a entrega, essa inclusive é uma das
diferenças entre as arras e a cláusula penal.
Então, vamos para as arras: artigos 417 a 420.
Seguramente todos devem se lembrar da sistemática geral das arras, quer dizer, se
aquele que oferece o sinal, que dá o sinal, dá causa a inexecução, a outra parte pode
reter o sinal. Se quem recebe o sinal é quem dá causa a inexecução tem que devolver o
sinal mais o equivalente.
Essa sistemática geral está no artigo 418. O código inclusive no artigo 418, que a gente
costuma falar na prática, no dia a dia: se aquele que recebe o sinal dá causa a
inexecução tem que devolver em dobro. O código atual substituiu a expressão do código
anterior “em dobro” e ele fala que tem que efetuar a devolução “mais o equivalente”.
Há uma razão de ser para isso, parece dar no mesmo, questão claro terminológica,
porque na verdade o sinal ele usualmente é dado em dinheiro, mas nada impede que o
sinal se dê através de um bem infungível. Quer dizer, o sinal não envolve
necessariamente a entrega de dinheiro, ele pode representar a entrega de outro bem e
vejam que se o bem entregue seja infungível, por exemplo, não haveria como exigir a
devolução em dobro. Então, o código muda a técnica legislativa usando a expressão
“mais o equivalente”.
Inclusive, a possibilidade de ofertar as arras em dinheiro ou através de outro bem está no
artigo 417. Esse artigo prevê que o sinal pode ser oferecido em dinheiro ou outro bem
móvel.
O mesmo artigo 417 traz uma regra aqui que me parece intuitiva, que se o bem dado em
sinal for do mesmo gênero da prestação devida... Então se eu devo 50 mil e dou 5 mil de
sinal, por exemplo, esse sinal dado vai representar princípio de pagamento, que está lá
no artigo 417.
Bom, o fato é que o código civil prevê duas modalidades de arras, o código prevê as arras
confirmatórias e as arras penitenciais.
As arras confirmatórias têm o objetivo de estreitar o vínculo, confirmar o negócio.
Então vejam, pensando aqui intuitivamente, vamos supor que eu dê cinco mil de sinal a
ele e eu dou causa a inexecução, a princípio ele tem o direito de reter o cinco mil
entregues.
Vamos supor que ele tenha como provar por A mais B que o prejuízo dele não foi de cinco
mil, mas sim de 20 mil. Se essas arras tem por objetivo confirmar o negócio e estreitar o
vínculo, parece claro que ele, em provando prejuízo maior, pode exigir indenização
suplementar.
Se ele não puder exigir indenização suplementar por um prejuízo que é efetivamente
maior que o valor do sinal, na verdade aquelas arras estariam afrouxando o vínculo.
Então, o artigo 419, ao tratar das arras confirmatórias, ressalta que as arras
confirmatórias não afastam perdas e danos.
Aqui é interessante porque a doutrina hoje já está bem firme no sentido de sustentar que
se há um inadimplemento parcial e útil, mesmo havendo arras confirmatórias é cabível em
tese a redução proporcional das arras. Quer dizer, no caso de inadimplemento parcial e
útil, é cabível a redução proporcional das arras aplicando-se por analogia o artigo 413,
que é aquele que prevê a redução da cláusula penal, estão lembrados? E claro, além da
aplicação analógica do artigo 413, talvez seja interessante falar em vedação ao
enriquecimento sem causa, artigos 884 a 886. Nesse sentido, Enunciado 165 do
Conselho.
Talvez se fizermos a remissão aí... Na verdade tanto no artigo 419 quanto no artigo 420,
que veremos daqui a pouco, mas estamos vendo por enquanto o artigo 419. Fazer
remissão talvez do artigo 419 então para o artigo 413 combinado com os artigos 884 a
886, combinado com o Enunciado 165 . Aí vai ficar fácil de lembrar do cabimento da
redução proporcional das arras.
Bom, a segunda modalidade de arras prevista no código diz respeito as arras
penitenciais. As arras penitenciais buscam legitimar o exercício do direito de
arrependimento. O que elas buscam na verdade é viabilizar licitamente o direito de
arrependimento.
Se as próprias partes pactuam um direito de arrependimento e uma delas recua, se
arrepende, fica claro que essa contratante que se arrepende ele está praticando um ato
lícito que, via de regra, afasta perdas e danos. Então, o artigo 420 tratando das arras
penitenciais deixa claro que elas afastam perdas e danos.
Claro que na prática dificilmente as partes dizem se as arras são confirmatórias ou se são
penitenciais, dificilmente as partes qualificam a espécie de arras. Mas no Brasil, não há
dúvida de que a presunção relativa é no sentido de que as arras são confirmatórias.
Fica clara essa presunção relativa com a simples leitura do artigo 420, porque o artigo
420, quando trata das arras penitenciais diz: “se no contrato for estipulado o direito de
arrependimento”. Então, na ausência de cláusula de arrependimento as arras serão
confirmatórias.
Tem uma Súmula antiga do STF que não traz nada de novo, na verdade é mera aplicação
do dispositivo, é a Súmula 412 do STF, que diz: “No compromisso de compra e venda com
cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem o deu, ou a sua restituição
em dobro, por quem o recebeu, exclui indenização maior a título de perdas e danos...” Na
medida em que as arras aí são de natureza penitencial.
Sobre essa questão das arras penitenciais e direito de arrependimento, há uma posição
interessante lembrada pela Judith. A Judith Martins Costa defende que ainda que haja
direito de arrependimento previsto contratualmente, se uma das partes exige do outro
contratante o cumprimento da prestação, esta parte que exige o cumprimento da
prestação não poderia mais exercer o direito de arrependimento, venire contra factum
proprium (contradição com a própria conduta).
Também é bastante firme o entendimento de que quando uma das partes cumpre a sua
prestação, a partir do cumprimento da prestação por uma das partes, não resta a este
contratante o exercício de se arrepender. Quer dizer, aquele que cumpre integralmente a
sua prestação não mais pode se arrepender pelo mesmo motivo: venire contra factum
proprium. Quer dizer, com a quitação, portanto não mais caberia o exercício do
arrependimento. E aí, claro que para quem assim se posiciona, é a posição predominante,
nós podemos jogar o ingrediente aí do que? Da teoria do adimplemento substancial.
É incrível, porque o Pontes de Miranda ele já tinha um entendimento que era até mais
avançado que esse predomina aqui no Brasil, ele já defendia que quando uma das partes
inicia o cumprimento da prestação ela já não mais poderia se arrepender.
Pergunta do aluno.
Resposta: claro que vamos até aproveitar a ponderação aqui do colega, porque toda essa
questão do direito de arrependimento que estamos vendo aqui, na verdade é
excepcionada pelo artigo 49 do CDC. Porque o artigo 49 do CDC, vocês devem estar
lembrados, que é aquela história do consumidor que compra fora do estabelecimento e aí
quando ele compra fora do estabelecimento ele tem o direito potestativo de se arrepender
em 7 dias. E aí é curioso porque o §único do artigo 49 traz uma exceção a tudo isso que
estamos vendo, diz lá: se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto
nesse artigo, os valores eventualmente pagos a qualquer título durante o prazo de
reflexão serão devolvidos de imediato monetariamente atualizados.
O que o dispositivo aí está vedando peremptoriamente? Ele está vedando arras
penitenciais. O legislador de maneira cogente veda arras penitenciais na hipótese do
artigo 49.
Se não existisse o §único do artigo 49 o que o fornecedor faria? Olha, tudo bem
consumidor você pode se arrepender em 7 dias, mas me dá mil reais de sinal e aí se
você desistir esse sinal fica comigo. O artigo 49 impõe a devolução de qualquer valor
pago a qualquer título, portanto afasta o cabimento de arras penitenciais na hipótese aí
do dispositivo.
É preciso nos atentarmos com o seguinte: a pouco tempo na magistratura estadual, na 1ª
fase caiu uma pergunta em que o examinador queria apenas que o candidato
demonstrasse a diferença entre arras confirmatórias e penitenciais. Só que é preciso nós
nos atentarmos para o seguinte: apesar do silencio do código, a doutrina consegue uma
terceira modalidade, nós teremos uma terceira modalidade de arras não prevista no
código.
Seriam as arras assecuratórias, a grande peculiaridade dessas arras é que nelas o sinal é
oferecido na fase pré-contratual. Quando se fala em fase pré-contratual estamos falando
nas tratativas, nas negociações preliminares, porque vejam, dentro da sistemática
prevista pelo código, o artigo 417 quando trata do sinal ele diz lá: se por ocasião da
conclusão do contrato uma parte der a outra sinal ou ágio. Quer dizer, dentro da
sistemática do código, as arras são oferecidas quando da conclusão do contrato.
Apesar da sistemática do artigo 417, a doutrina ressalta, quer dizer, nada impede que as
arras sejam estabelecidas na fase pré-contratual. O Orlando Gomes há muito tempo já
defendia essa sistemática. E aí hoje, vários autores mencionam, como: Gustavo
Tepedino, a Judith Martins Costa, acompanhando a posição do Orlando Gomes.
Quer dizer, apesar do silencio do código, por que seria admissível as arras
assecuratórias? Pelo principio da autonomia privada. Na verdade, faz sentido o código
não tratar do tema porque dentro da sistemática geral do nosso código civil, a fase pré-
contratual não gera, entre aspas, efeitos vinculantes. Essa frase não é das mais felizes
porque na verdade há efeitos vinculantes no que diz respeito aos deveres anexos, mas
enfim não há efeitos vinculantes, entre aspas, no sentido de que ninguém é obrigado a
contratar.
Então, como a fase pré-contratual não obriga ninguém a contratar, o legislador não
contemplou as arras assecuratórias, porque dentro da sistemática geral as partes são
livres para concluir ou não o contrato no decorrer de uma tratativa. Então, quando as
partes convencionam e oferecem as arras assecuratórias, o que elas na verdade estão
pretendendo é criar, pela autonomia privada, um vínculo que não é estabelecido pelo
ordenamento jurídico.
Pergunta do aluno.
Resposta: a gente não pode jamais confundir isso que acabamos de ver: arras
assecuratórias, fase pré-contratual com contrato preliminar. Porque é praxe quando se
celebra contrato preliminar o oferecimento de arras, oferecimento de sinal.
Só que o contrato preliminar na verdade representa o que? Fase contratual, contrato
preliminar é contrato. Sem dúvida alguma, é um contrato preliminar que tem um objetivo
final... Não traz em si o objetivo final das partes, mas sem duvida alguma o contrato
preliminar envolve fase contratual, efeitos vinculantes. Tanto é que o descumprimento
contrato preliminar propicia tutela especifica. Então, na verdade, quando se oferece sinal
quando da celebração de um contrato preliminar, nós não estamos falando de arras
assecuratórias, nós estamos falando de arras confirmatórias ou penitenciais.
Talvez seja interessante ainda registrar o seguinte: é preciso não confundir as arras com
eventuais prestações pagas em compra e venda a prazo. Isso é muito importante porque
as arras, caso o inadimplemento parta de quem as ofereça, as arras podem ser
integralmente retidas, ao passo que as prestações pagas numa compra e venda a prazo
não podem ser integralmente retidas, artigo 53 do CDC... Artigo 53 do CDC proibindo a
retenção integral das prestações pagas. É a questão da cláusula de decaimento que é
vedada pelo por esse artigo.
Aliás, antes de finalizar a questão das arras, aquilo que vimos em relação a redução
proporcional das arras para o caso de cumprimento parcial, também é contemplado no
mesmo Enunciado 165. Aquela questão do inadimplemento parcial e útil que viabiliza a
redução proporcional das arras também consta do Enunciado 165.
Então, na verdade tudo aquilo que dissemos em relação a redução das arras
confirmatórias também se aplicam as arras penitenciais e aí percebam que o Enunciado
165, ao contemplar a redução proporcional das arras penitenciais aplicando o artigo 413
por analogia, parece estar refutando a tese do Pontes de Miranda. Porque o artigo 413
está permitindo que, ainda que haja o cumprimento parcial, é lícito o arrependimento, só
que as arras precisam ser reduzidas proporcionalmente.
Quer dizer, o Enunciado vem em harmonia com a tese predominante segundo a qual
apenas a quitação propiciaria o aniquilamento do direito de arrependimento e é claro com
aquele ingrediente que já vimos do adimplemento substancial.
Para não sermos repetitivos tudo que dissemos lá vale para cá e as remissões são as
mesmas.
Nós paramos na última aula falando de teoria dos atos próprios. E pelas minhas
anotações ficou ainda pendente falar da terceira função da boa fé objetiva.
A terceira função da boa fé objetiva é a função de integração dos negócios jurídicos. Essa
terceira função nos repete a questão dos chamados deveres anexos. São expressões
sinônimas deveres anexos, laterais, instrumentais, acessórios ou secundários. Há quem
use a expressão deveres satelitários.
Eu evitaria usar as expressões: “acessórios” e “secundários”, porque para alguns essas
expressões parecem revelar que tais deveres teriam menor relevância em relação ao
pagamento, como se um amesquinhamento da relevância da boa fé objetiva. Então, acho
que vale a pena evitar essas expressões: acessórios e secundários.
Como já vimos em aulas anteriores, a questão dos deveres anexos está intimamente
atrelada a idéia da obrigação como um processo. Então, os deveres anexos têm como
objetivo primordial o correto processamento da relação obrigacional. Lembrando que,
dentro da perspectiva da obrigação como processo, a obrigação não mais de restringe ao
acordo de vontade e ao pagamento. Para que haja o correto processamento da relação
obrigacional é preciso que haja observância de uma série de atos dirigidos ao atingimento
de uma determinada finalidade.
Exemplos de deveres anexos (os mais conhecidos): deveres de cuidado e segurança,
dever de informação, dever de prestar contas, dever de cooperação e de colaboração.
Parece esquisito dever de cooperação e colaboração, mas aquele exemplo que nós vimos
do acordo na Justiça do Trabalho de pagar mil reais no balcão da secretaria da vara, o
reclamado vai lá e paga os mil reais em moedas de 0,50 centavos. Quer dizer, teria
havido ali a inobservância do dever de cooperação e de colaboração. Ou naquela
hipótese em que o credor recusa o pagamento no local diverso do acordado... O local
acordado era o RJ, o devedor oferece para pagar em Niterói quando o credor se encontra
em Niterói e o credor se recusa injustificadamente alegando que na verdade o pagamento
em Niterói se divorciaria do constante no contrato. Nós teríamos ali uma inobservância do
dever de cooperação ou de colaboração.
E também dever de sigilo.
É incontroverso que os deveres anexos se aplicam não apenas a fase contratual mas
também as fases pré e pós contratual Enunciado 25 do CJF.
Tem um exemplo interessante do RS de aplicação de dever anexo na fase contratual: uma
concessionária induziu o indivíduo interessado na compra do automóvel em realizar
despesas expressivas em relação a deslocamento. O sujeito morava no interior e, diante
do anúncio publicitário vinculado pela concessionária, o sujeito saiu do interior, teve
despesa com transporte, hospedagem para aquisição do veículo e o atrativo primordial do
anúncio era justamente o fato do veículo estar em perfeito estado (novo), quando na
verdade o veículo havia sofrido uma colisão significativa e o reparo era muito mal feito.
Então, o Tribunal de Justiça do RS atribuiu responsabilidade civil a concessionária por
inobservância do dever anexo na fase pré-contratual. TJ do RS recurso cível
71000531376, 2ª Turma Recursal Cível.
Também aplicando boa fé objetiva na fase pré-contratual na última aula quando falamos
em venire e mencionamos a questão da ruptura abrupta nas tratativas. Ninguém pode
duvidar que se aplica dever anexo de informação, de sigilo, cooperação já no decorrer
das tratativas.
Por isso, já vínhamos comentando e parece inapropriada aquela afirmativa tradicional
segundo a qual a fase pré-contratual não gera efeitos vinculantes. Quer dizer, não gera
efeitos vinculantes entenda-se no sentido de que ninguém é obrigado a celebrar um
contrato numa tratativa, mas obviamente gera efeitos vinculantes no que diz respeito à
observância dos deveres anexos.
Sem dúvida, chama mais a atenção a questão da aplicação dos deveres anexos na fase
pós-contratual, é a chamada projeção da boa fé objetiva pós factum finitum, boa fé
objetiva aplicável mesmo após o término da relação contratual.
Tem um exemplo que é muito bom daquele filme “O Informante”. Foi mais ou menos o
seguinte a história: o sujeito tinha uma relação de trabalho com uma empresa do ramo de
tabaco e, como alto executivo dessa empresa, ele obteve informações privilegiadas sobre
a nocividade do cigarro. Extinta a relação de emprego, determinado canal de televisão
instigava aquele empregado a revelar na mídia aquelas informações privilegiadas que ele
obteve no decorrer da relação laboral.
Então, uma das questões que envolve o filme é a questão da observância ou não do dever
de sigilo na fase pós contratual. Talvez, o ponto mais interessante decorra do fato de que
num determinado estágio do filme, na iminência do programa ir ao ar com a entrevista do
ex empregado, o próprio corpo jurídico do canal de TV pediu que o programa não fosse ao
ar, por quê? Tutela externa do crédito. O receio qual seria? A de que o canal de TV fosse
responsabilizado extracontratualmente por induzir o ex empregado ao dever anexo de
sigilo na fase pós contratual.
Esse evento é interessante, porque ele demonstra que a tutela externa do crédito é
potencialmente aplicável, não apenas quando o terceiro induz o devedor ao não
pagamento, mas também quando o terceiro induz o devedor ao descumprimento dos
deveres anexos.
Claro que o exemplo é de um filme, se nós trouxéssemos no contexto do direito brasileiro,
nós poderíamos no mínimo suscitar a ponderação de interesses. Porque o que estaria em
jogo ali seria o direito a vida, a saúde e, que potencialmente, poderia afastar qualquer
tipo de responsabilidade civil. Mas em tese o exemplo evidencia que a tutela externa do
crédito pode vir a ser conjugada com os deveres anexos ainda que na fase pós contratual.
Pergunta do aluno.
Resposta: se o terceiro sabia da cláusula? Para fins de configuração da responsabilidade
do terceiro, em tese, talvez não. Claro que se ela tinha ciência da cláusula de sigilo com
mais razão, que aí nesse caso ele estaria induzindo o devedor a praticar um ilícito já
previsto na relação contratual. Mas como dentro dessa perspectiva a gente está
sustentando que o dever de sigilo é que se projeta para além do contrato
independentemente de cláusula, quer dizer, ainda que não haja cláusula de sigilo
atribuindo a responsabilidade civil, na existência com mais razão ainda a configuração da
responsabilidade. Então se na prática isso, é comum realmente, se há cláusula de sigilo,
talvez, fique mais clara, mais nítida a responsabilidade do terceiro por conta da tutela
externa do crédito. Mas na ausência da cláusula a gente vai sustentar como argumento a
questão do induzimento a violação dos deveres anexos.
Pergunta do aluno.
Resposta: cláusula penal para descumprimento de dever anexo. Os
poucos autores que tratam do tema ressaltam que sim, não haveria nenhuma
incompatibilidade entre a cláusula penal e os deveres anexos. Seria, na verdade, uma
revisão de toda sistemática da cláusula penal na medida em que o descumprimento dos
deveres anexos, como vimos, também representam uma modalidade de inadimplemento
contratual.
O Christiano Chaves e Rosenvald é que trazem como argumento apenas o seguinte:
nesse caso nós teríamos uma cláusula penal imprópria, porque a cláusula penal a
principio ela está atrelada a idéia de não pagamento. Na verdade, o principio da
autonomia privada seria compatível com essa chamada cláusula penal imprópria.
Imprópria porque pela sistemática do código civil cláusula penal está atrelada ao não
pagamento.
Dentro dessa nova sistemática, nada impede uma pré fixação de perdas e danos pela
cláusula penal e, aí claro, nesse exemplo, voltaria a discussão que vimos na aula anterior
se essa cláusula penal firmada entre os contratantes vincularia ou não terceiros que induz
ao inadimplemento.
Pergunta do aluno.
Resposta: sem dúvida, a questão dos deveres anexos ela se encaixa perfeitamente no
contrato de trabalho, por exemplo, na fase pré contratual dever de informação em relação
às condições de trabalho, em relação as peculiaridades do que vai ocorrer no decorrer da
relação de emprego e na fase pós contratual também.
Inclusive é interessante, tem uma discussão na Justiça do Trabalho que tem a ver com o
que estamos comentando. É muito comum em contratos de trabalho envolvendo altos
executivos uma cláusula pela qual o sujeito se compromete a não trabalhar no
concorrente, uma quarentena e aí se discute em que medida seria admissível a cláusula
de quarentena.
Numa ótica civilística o que muitos sustentam é o seguinte: nós temos sem dúvida dois
interesses legítimos em conflito. Nós temos os interesses do ex-empregador no que diz
respeito a questão do sigilo envolvendo as informações estratégicas, mas por outro lado
nós temos o interesse legítimo do ex-empregado no acesso ao emprego, dignidade
humana.
Então, o que alguns sustentam é que na ponderação entre esses dois interesses legítimos
em rota de colisão seria justificável a admissão da cláusula, desde que haja limites
temporais e que essa quarentena seja remunerada pelo ex-empregado.
Nos teríamos aí uma possibilidade de conciliar esses interesses dignos de tutela em
aparente conflito, mas sem dúvida alguma, respondendo mais objetivamente, esses
deveres anexos, mesmo naquela fase pós contratual, sem dúvida se projeta na relação de
emprego.
Pergunta do aluno.
Resposta: na verdade, a dúvida é que essa cláusula de quarentena, esse contrato de
quarentena se harmoniza ou não a boa fé objetiva. Porque se há disposição contratual
explicita regulamentando uma determinada questão, perde relevância sem dúvida alguma
a gente falar em dever anexo. Porque se alguém descumpre uma determinada cláusula
contratual a gente entra na seara do ilícito contratual tradicional. O que é possível é
mitigarmos a literalidade de uma determinada cláusula à luz da boa fé objetiva, inclusive
a luz dos deveres anexos. Quer dizer, os deveres anexos eles não tem uma função
meramente subsidiária, deveres anexos podem inclusive limitar, condicionar interpretação
de uma cláusula derivada da autonomia privada.
Pergunta do aluno.
Resposta: sem dúvida, a autonomia privada pode transmudar o dever anexo, oriundo da
boa fé objetiva, numa cláusula contratual resultante da autonomia privada, só que claro,
essa cláusula tem que vir em harmonia com a boa fé objetiva.
Tem outro exemplo do Antonio Junqueira,de boa fé objetiva na fase pós-contratual: o
sujeito vende um terreno e o grande atrativo daquele terreno é a vista panorâmica que ele
tem. O sujeito vende o terreno e no anúncio sai a vista que o terreno tem e o adquirente
constrói uma casa de expressivo valor, 5 ou 6 vezes o valor do terreno, e posteriormente
a construção da casa, o alienante daquele terreno consegue mudar o gabarito, a limitação
administrativa do terreno da frente e naquele terreno da frente, com a mudança da
limitação administrativa ele constrói um imóvel que acaba afastando a vista do
adquirente.
Com esse exemplo o Antônio Junqueira ressalta a aplicabilidade dos deveres anexos na
fase pós contratual, haveria ali um dever de abstenção decorrente da boa fé objetiva.
Outro exemplo interessante que aconteceu em Portugal (caso prático): uma determinada
confecção forneceu determinadas peças para uma loja de grife situada no shopping de
Lisboa e o fornecimento dessas peças se deu sem cláusula de exclusividade. Como não
havia cláusula de exclusividade para o fornecimento daquelas peças, aquela confecção
forneceu as mesmas peças para a concorrente situada enfrente aquela no mesmo
shopping. O Tribunal Português entendeu que, apesar de ausente a cláusula de
exclusividade, aquela conduta da confecção teria violado a boa fé objetiva na fase pós
contratual.
Esse exemplo é muito bem porque vejam, não é isso que acontece diariamente no
mercadão popular do Saara? Em todas as lojas os produtos são os mesmos. Só que não
dá para aplicar a boa fé objetiva pós contratual no mercadão do Saara porque quem vai
ao Saara não busca exclusividade, quem vai no Saara busca menor preço. Então, esse
exemplo é muito bom, porque demonstra que o conteúdo dos deveres anexos não é
estático, o conteúdo dos deveres anexos é dinâmico.
A gente começou falando que os deveres anexos estão atrelados a idéia da obrigação
como um processo e o processo significa uma série de atos direcionados ao atingimento
de um determinado fim. Então, o conteúdo dos deveres anexos varia de acordo com a
finalidade, com a natureza da relação contratual. Por isso o conteúdo não estático, ele é
dinâmico ele varia de acordo com as circunstancias, varia com a finalidade que norteia a
relação contratual.
Pergunta do aluno.
Resposta: isso, na medida em que o sujeito da frente, que vendeu o terreno tendo como
atrativo principal a vista, na verdade ele tinha o dever de abstenção em relação ao
aumento da não modificação da limitação administrativa anteriormente imposta pela
municipalidade. Então, na verdade, nós poderíamos até mencionar aqui a questão da
venire na fase pós-contratual, quer dizer, teria havido em tese uma contradição entre as
condutas no sentido de frustrar uma legítima expectativa do adquirente.
Ficou faltando a gente fazer uma breve alusão ao princípio do equilíbrio econômico como
o último dos novos princípios, porque na aula passada vimos os clássicos, falamos de
função social, boa fé objetiva, praticamente esgotamos e terminamos agora. Então, ficou
faltando o princípio do equilíbrio econômico.
O principio do equilíbrio econômico está atrelado a idéia de justiça contratual e o
fundamento constitucional do equilíbrio econômico é sem dúvida alguma o principio da
isonomia material.
O que recomenda o principio do dever econômico? Esse principio recomenda que se há
dois contratantes em situação de desigualdade, esse principio impõe que se estabeleça
um tratamento desigual. Como se estabelece um tratamento desigual entre contratante
em situação de desequilíbrio econômico? Revisão judicial do contrato. Então, o principio
do desequilíbrio econômico propicia a admissibilidade da revisão judicial do contrato. E,
como vimos, representa uma forte mitigação ao pacta sunt servanda.
A doutrina em geral ressalta que há duas principais manifestações do equilíbrio
econômico no Código Civil, quais sejam, na lesão (artigo 157) e na onerosidade excessiva
nos artigos 478 a 480.
Como já sabemos, na lesão o desequilíbrio econômico é congênito a celebração do
contrato. Na lesão o contrato já nasce desequilibrado (artigo 157,§1º). Ao passo que na
onerosidade excessiva o desequilíbrio econômico é superveniente.
Para fechar eventual questão dissertativa sobre desequilíbrio econômico, talvez seja
interessante uma frase aqui da Teresa Negreiros. Ela afirma que com o equilíbrio
econômico o ordenamento demonstra o deslocamento da ênfase na liberdade para a
ênfase na paridade. Então, evidentemente, o desequilíbrio econômico vem dentro do
ambiente de intervenção estatal nas relações privadas.
Pergunta do aluno.
Resposta: salvo engano, a questão da manutenção do equilíbrio econômico financeiro,
talvez seja um dos pouquíssimos direitos daquele que contrata com a Administração
Pública. Na verdade, essa manutenção do equilíbrio econômico financeiro talvez
represente uma exceção a lógica das cláusulas exorbitantes dos contratos
administrativos. Porque as cláusulas exorbitantes estabelecem privilégios para a
Administração, em relação inclusive a exceção de contrato não cumprido (tema que
veremos mais adiante) em relação ao outro contratante, ao particular, ao concessionário,
por exemplo. Talvez uma das exceções que escape a questão das cláusulas exorbitantes
seja justamente o equilíbrio econômico financeiro. Na verdade, isso representa, entre
aspas, uma projeção do equilíbrio econômico nos contratos administrativos.
Nesse ponto é curioso, porque talvez a sistemática dos contratos administrativos fosse
mais avançada do que a própria sistemática do código civil anterior. O direito civil
brasileiro só realmente passou explicitamente contemplar o equilíbrio econômico no novo
diploma legislativo. O CDC já contemplava a lesão, já contemplava a onerosidade
excessiva.
Então, na verdade, tudo isso que estamos mencionando vem em harmonia com o
equilíbrio econômico financeiro dos contratos administrativos. Quer dizer, o equilíbrio
econômico ele não cede sequer diante das cláusulas exorbitantes do contrato
administrativo, numa seara em que em tese a Administração Pública teria uma posição de
proeminência, de predominância.
Como aqui estamos falando em relações particulares com mais razão se impõe a
incidência do equilíbrio econômico.
Pergunta do aluno.
Resposta: nada impede que você invoque a onerosidade excessiva como meio de defesa,
inclusive para repudiar eventuais pretensões decorrentes de eventual devolução
contratual ou como decorrente da mora. Claro que, em tese, a pretensão se dá através da
ação autônoma no sentido de buscar revisão judicial, mas é possível a utilização desse
instituto como meio de defesa de modo afastar eventuais conseqüências maléficas aquele
que descumpre um contrato decorrente de desequilíbrio econômico.
Só que a revisão judicial só vai alcançar as prestações que venceram após a citação, o
artigo 478 diz que os efeitos da sentença retroagem a data da citação. Então cabe aquele
que se sentir prejudicada buscando revisar prontamente o contrato, ingressar em juízo e
providenciar a citação, está no artigo 478 parte final.
Vamos prosseguir... Formação dos contratos . Lembrando que a sistemática da formação
dos contratos vem nos artigos 427 a 435.
No que tange a formação dos contratos, o direito brasileiro segue o sistema trifásico. A
1ª fase, a das tratativas ou negociações preliminares; a 2ª fase, a da proposta, lembrando
que aquele que oferece a proposta é chamado de proponente ou policitante; a 3ª fase que
é a fase da aceitação e aquele que aceita é chamado de aceitante ou oblato.
Bom, em relação às tratativas já fizemos várias menções aqui em relação a não
vinculação no que diz respeito a celebração do contrato. Ninguém é obrigado a contratar
por estar num tratativa, mas vimos que nas tratativas já há projeção de deveres anexos.
Essa responsabilidade civil na fase pré-contratual, por conta do descumprimento dos
deveres anexos, decorre da chamada responsabilidade in contrahendo, pergunta que
costuma vir em prova oral.
A maioria, inclusive fala em culpa in contrahendo, expressão usada pelos alemães e o
que é isso? Na verdade é a responsabilidade civil projetada na fase pré-contratual e fala
muito em culpa in contrahendo, mas essa expressão nem é das mais adequada,s na
medida em que a responsabilidade por descumprimento dos deveres anexos se dá de
maneira objetiva. Então, a expressão culpa in contrahendo talvez não se adéqüe de
maneira perfeita na sistemática do direito brasileiro, mas é a expressão mais usada.
Em relação à proposta, o artigo 427 do código civil estabelece a regra segundo a qual a
proposta vincula o proponente. Diz o artigo 427: a proposta de contrato obriga o
proponente se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das
circunstâncias do caso.
Então, a regra geral é da vinculação e as exceções são: primeiro, as cláusulas de
retratabilidade, então nada impede que a proposta contenha cláusula de retratabilidade. E
a outra exceção que o artigo 427 traz seria a natureza do negócio.
Em relação à natureza do negócio, se costuma lembrar como exemplo aqui a questão
envolvendo contrato de seguro. Por que o seguro, em tese, pode representar uma
exceção dos efeitos vinculantes da proposta? Porque é da essência da celebração do
contrato de seguro a análise de riscos. Quer dizer, é preciso levar em conta situações
peculiares da outra parte, do outro contratante. Então, na verdade essa necessidade de
avaliação dos riscos inerentes ao segurado mitigaria efeitos vinculantes da proposta.
Também se lembra aqui como hipótese de aplicação em relação a natureza do negócio o
contrato de mandato e sociedade. Tais contratos também podem mitigar os efeitos
vinculantes da proposta dada a sua natureza personalíssima. Como tais contratos
pressupõem uma relação especial de fidúcia, de confiança é possível que a proposta em
tais circunstancias, em tais contratos não venha gerar efeitos efetivamente vinculantes.
A última exceção do artigo 427: as circunstancias do caso. Essas circunstancias a que se
refere a parte final do artigo 427 são aquelas do artigo 428. O que há de mais importante
aqui? O artigo 428 diz: deixa de ser obrigatória a proposta, inciso I: se feita sem prazo a
pessoa presente não foi imediatamente aceita.
Então, no inciso I o legislador trata de proposta fita a pessoa presente. A parte final do
inciso I deixa muito claro que essa expressão “presente” não pressupõe presença física.
A expressão “presente” representa a possibilidade de comunicação direta e imediata. Diz
o inciso I, parte final: considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone
ou por meio de comunicação semelhante.
Vejam que é inclusive potencialmente aplicável ao mundo virtual se ambos se encontram
online, se ambos se encontram online é possível aplicabilidade do inciso I, parte final.
Pergunta do aluno.
Resposta: na verdade aquelas teorias se aplicam na questão do contrato epistolar, porque
na verdade pressupõe que o contrato corre, entre aspas, entre ausentes.
O inciso II diz: se feita sem prazo a pessoa ausente tiver decorrido tempo suficiente para
chegar a resposta ao conhecimento do proponente.
Nesse caso, do contrato epistolar por correspondência, o que a maioria da doutrina
sustenta? A maioria sustenta a adoção da teoria da expedição. Vamos ver com calma os
fundamentos, mas em regra teoria da expedição.
Vejam que o inciso II de cara excepciona a teoria da expedição, porque vejam “deixa de
ser obrigatória a proposta se feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo
suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente”. Quer dizer, ainda que
a expedição tenha sido efetuada oportunamente, se a aceitação não chega em tempo
razoável ao proponente, a proposta deixa de produzir efeitos vinculantes. Então o inciso
II, sem dúvida já traz de plano a mitigação da teoria da expedição.
O inciso III do artigo 428 contempla a teoria da expedição e diz: se feita a pessoa ausente
não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado. Aqui, sem duvida, a teoria da
expedição.
Mas percebam que o inciso III é excepcionado pelo inciso II, porque se a resposta é
expedida em tempo oportuno, mas ela chega tardiamente ao proponente, o inciso II diz o
que? Que a proposta deixa de produzir efeitos vinculantes.
Se adotada a teoria da expedição as últimas conseqüências, o contrato já teria se
formado a época da expedição e o recebimento tardio não teria o condão de afastar os
efeitos vinculantes da proposta.
Talvez seja interessante fazer uma remissão entre os incisos II e III para lembrar que um
excepciona outro e faria desses dispositivos para o artigo 430 . Diz lá: se a aplicação por
circunstancia imprevista chegar tarde ao conhecimento do proponente, este comunicá-lo-á
imediatamente ao aceitante sob pena de perdas e danos.
Essa responsabilidade de perdas e danos é contratual ou extracontratual?
Extracontratual, porque o artigo 430 ele tem que ser interpretado em harmonia com o
artigo 428, II. O artigo 430 combina com o artigo 428, II .
O artigo 430 trata da hipótese em que a aceitação chega tardiamente ao proponente e,
quando isso acontece, o artigo 428,II prevê o que? Que a proposta deixa de produzir
efeitos vinculantes. E aí o artigo 430 diz que nesse caso aquele proponente que não mais
se encontra mais vinculado tem o dever de comunicar ao aceitante o recebimento tardio
sob pena de perdas e danos.
Vejam que essa necessidade de comunicação busca a proteção da legitima expectativa do
aceitante. Se não existisse essa previsão legal, nós poderíamos claramente falar em
dever anexo de informação, mas o código aqui tipificou e aí perde relevância de se
cogitar dever anexo.
E o inciso IV do artigo 428 guarda íntima correlação com o principio da confiança e esse
dispositivo também enaltece que a proposta é uma declaração receptícia de vontade.
Lembrando que a declaração receptícia é aquela que só produz efeitos quando levada ao
conhecimento do declaratário. Porque vejam bem, a proposta gera efeitos vinculantes por
força de lei porque a proposta gera na outra parte uma legitima expectativa. Aí o inciso IV
diz: deixa de ser obrigatória a proposta, se antes dela ou simultaneamente, chegar ao
conhecimento da outra parte a retratação do proponente. Portanto, se o aceitante não
toma ciência da proposta ela não gera efeitos vinculantes para o proponente.
Qual é a exceção a essa questão da proposta como sendo declaração receptícia de
vontade? Tem uma exceção que é bem mencionada pelo Araquém de Assis, ele ressalta
que uma exceção a natureza receptícia da declaração decorrente da proposta se dá no
caso de oferta ao público, no artigo 429. Na oferta ao público, a proposta não é
declaração receptícia, ela já gera efeitos vinculantes independentemente de
conhecimento dos múltiplos destinatários.
Vamos aproveitar esse contexto que acabamos de ver para enfrentarmos todas aquelas
teorias envolvendo a formação do contrato epistolar. Diga-se de passagem, isso já teve
mais aplicabilidade prática, mas a pouco tempo isso caiu na prova da Magistratura
estadual em direito empresarial, a questão da formação do contrato epistolar.
Nós temos 4 teorias sobre a formação do contrato epistolar ou contrato por
correspondência, quer dizer, a dúvida é quando se forma, se constitui o contrato epistolar.
Primeira : teoria da declaração, também conhecida como teoria da agnição. Como o nome
já diz, o contrato se formaria quando o aceitante escreve a resposta, quando ele declara a
sua aceitação, no momento em que ele exterioriza a aceitação.
A segunda teoria , que é a mais prestigiada pelos autores, é a teoria da expedição e
estaria contemplada nos artigos 428, III e 434.
O artigo 434 diz: os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos, desde que a aceitação
é expedida, exceto... E aí traz as exceções, quer dizer, como regra, o legislador teria
adotado a teoria da expedição. Muitos ressaltam que essa teoria é a mais interessante
porque é a que gera menor dificuldade no âmbito probatório.
A terceira é a teoria da recepção e o contrato de formaria quando? Quando o proponente
recebe a aceitação, a correspondência.
A quarta teoria , que é a teoria da informação, também conhecida como teoria da
cognição. Por essa teoria, o contrato se forma quando o proponente toma efetiva ciência,
toma efetivo conhecimento do conteúdo da aceitação. Quer dizer então, se o sujeito
recebe a correspondência hoje e abre três dias depois, pela teoria da recepção, o
contrato se forma hoje, pela teoria da cognição o contrato só se formará daqui a três dias.
Como vimos aqui, a ampla maioria da doutrina defende que o ordenamento jurídico adota
como regra a teoria da expedição, só que isso não é unânime. O Carlos Roberto
Gonçalves e o Araquém de Assis ressaltam que, como regra, o código adota a teoria da
recepção, pelo seguinte: lembra aquela história de que a proposta deixa de produzir
efeitos vinculantes se junto ou antes da proposta chega a retratação do proponente,
porque a proposta é declaração receptícia? Tem uma regra idêntica a essa para a
aceitação no artigo 433 que diz: considera-se inexistente a aceitação se antes dela ou
com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante.
Então, a aceitação também é declaração receptícia de vontade. Aí o artigo 434, artigo
seguinte, diz que como regra se adota a teoria da expedição, exceto: inciso I, no caso do
artigo antecedente.
Pela literalidade, a regra é a expedição e a retratação seria uma das exceções. O que o
Carlos Roberto Gonçalves diz é o seguinte: na verdade é exceção, se na verdade o
contrato se formar num momento da expedição, pouco importaria a retratação
superveniente e, na verdade, quando o código diz que a retratação simultânea ou anterior
afasta os efeitos de uma aceitação já expedida, o que o código está ressaltando é que o
contrato só se forma quando a aceitação é recebida pelo proponente.
Além do artigo 433, também justificaria a teoria da recepção aquele artigo que vimos
agora a pouco, artigo 428, II que diz que feita sem prazo a pessoa ausente tiver decorrido
o tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente. Nesse caso, o
que acontece com a proposta? Ela deixa de produzir efeitos vinculantes. Então, na
verdade a sistemática do II do artigo 428 também seria absolutamente incompatível com a
teoria da expedição.
O Carlos Roberto Gonçalves não diz isso e nem o Araquém de Assis nenhum dos dois diz
isso, mas quem quiser defender a teoria da recepção, que é sustentada por esses
autores, pode fazer uma correlação com o principio da confiança. Porque vejam, com a
teoria da recepção, o que acontece? O proponente toma ciência da aceitação, a partir
deste momento a aceitação gera uma legítima expectativa para o proponente.
É claro que o tema aqui é amplamente controvertido, a maioria defende a teoria da
expedição, mas toda essa sistemática em favor da teoria da recepção pode ser conjugada
com o principio da confiança, proteção a legítima expectativa.
Tem outra questão, que hoje está resolvida, foi objeto de amplos debates doutrinários,
mas no momento está solucionada, seguinte: se o proponente falece ou se torna incapaz
antes de expedida a aceitação, quer dizer, a proposta já chegou ao conhecimento do
oblato, já chegou ao conhecimento da outra parte, portanto a proposta em tese já geraria
efeitos vinculantes, só que antes de expedida a aceitação o proponente venha a falecer
ou se tornar incapaz, a dúvida é se essa proposta continua ou não a produzir efeitos
vinculantes? O Orlando Gomes, hoje vencido, em relação ao falecimento superveniente
ele trazia uma frase curta e grossa, ele dizia: “defunto não contrata”. Então, com o
falecimento do proponente, a proposta deixaria de produzir efeitos, notadamente se há o
falecimento antes da aceitação, antes da expedição da aceitação e por quê? Porque para
a maioria o contrato se forma com a expedição da aceitação.
Esse entendimento do Orlando Gomes hoje é tido como superado. Inúmeros autores aqui:
Caio Mário, Tepedino, Venosa, Carlos Roberto Gonçalves, enfim a ampla maioria no
sentido de que nesse caso a proposta vinculará os sucessores ou curador do proponente
(incapaz).
Qual é a exceção ao caráter vinculativo nesse caso? Se a proposta envolve contrato de
natureza personalíssima, ressalvados os contratos de natureza personalíssima, quer
dizer, o ônus da proposta se transmite aos sucessores.
Pergunta do aluno.
Resposta: sim, mas aqui talvez a gente esteja numa seara mais especifica... Essa
questão da capacidade natural que a colega está suscitando, não sei se você está
lembrando, vimos isso na primeira aula naquela hipótese em que há uma sentença de
interdição hoje, mas o sujeito praticou atos de disposição patrimonial uma semana antes.
E a dúvida é em que medida aquela sentença proferida hoje pode comprometer a validade
dos atos praticados anteriormente.
Aqui, na verdade, talvez estejamos trazendo uma situação mais especifica, porque a
gente estaria tratando de uma eventual incapacidade no transcorrer da própria formação
do contrato. O que talvez dê para suscitar, quer dizer, uma sentença de interdição
proferida posteriormente, quando na verdade já havia uma incapacidade notória pelo
proponente em relação a obrigação personalíssima, por exemplo. E aí talvez suscitar os
efeitos retroativos dessa sentença para desconstituir aquela proposta anteriormente
firmada, é preciso isso, talvez isso. Quer dizer, é possível sim dentro daquelas premissas,
boa fé objetiva, teoria da aparência.
Pergunta do aluno.
Resposta: isso, quer dizer, na verdade aquela perceptibilidade da incapacidade vai
afastar a legitimidade da expectativa. Porque a expectativa legítima, como vimos,
pressupõe não apenas a obediência a boa fé subjetiva, mas também e principalmente a
boa fé objetiva, quer dizer, se não sabia, mas deveria saber a expectativa não é legítima.
Outra questão importante ainda dentro da formação dos contratos é o seguinte: artigo
432: se o negócio for daqueles em que não seja costume aceitação expressa ou
proponente a tiver dispensado, refutar-se-á concluído o contrato não chegando a tempo a
recusa. É uma espécie aqui de aceitação presumida que o artigo 432 autoriza em algumas
circunstancias, é a aceitação presumida.
Antes de mais nada, talvez seja oportuna aí a referencia ao artigo 39, inciso III e §único
do CDC, da lei 8078/90. Esse dispositivo parece afastar a admissibilidade de aceitação
presumida em relação de consumo.
Na primeira parte artigo 432, admite a aceitação presumida se o negócio for daquele em
que não seja costume aceitação expressa. A doutrina aqui ressalta que o exemplo típico
de aplicação aqui dessa 1ª parte é aquela hipótese em que é praxe a celebração de
sucessivos contratos com o mesmo fornecedor. Quer dizer, o sujeito é empresário e toda
a semana compra determinada quantidade de produto daquele mesmo fornecedor. Quer
dizer, essas sucessivas relações contratuais periódicas, num determinado instante podem
afastar a necessidade de aceitação expressa.
Vejam que aqui, esse exemplo, talvez evidencie uma manifestação do que? Se não
houvesse essa previsão legal, não daria para falar em venire contra factum proprium ou
talvez surrectio. Quer dizer, sucessivas contratações acabariam gerando uma legitima
expectativa de molde a permitir a aceitação presumida. Aqui, não tem muita graça falar
em surrectio, porque o legislador positivou, mas sem dúvida há aqui algum tipo de
influencia da surrectio na interpretação do artigo 432, 1ª parte.
E o exemplo em relação à segunda parte seria: ou o proponente a tivesse dispensado. O
exemplo que está em todos os manuais é o seguinte: vamos supor que o sujeito seja um
turista, mande um email para o hotel dizendo que ele vai chegar no dia seguinte e quer o
quarto a partir das 14 horas, salvo se ele próprio expedir um novo email avisando ao hotel
de que não chegará naquela localidade. Nós teríamos ali uma espécie de aceitação
presumida. Na ausência de nova manifestação de vontade, o contrato presumidamente já
geraria efeitos vinculantes a ambas as partes.
Vamos dar uma olhada no artigo 435: refutar-se-á celebrado o contrato no lugar em que
foi proposto. Esse dispositivo, em tese, parece ser um resquício do Código de 16, porque
diante dos avanços tecnológicos é possível que um contrato seja proposto através de
celular. Então, é plenamente possível que o proponente more no Rio, o oblato more em
São Paulo e a proposta tenha sido efetuada em Manaus, porque o proponente se
encontrava em viagem de negócios e de lá teria oferecido a proposta. O mesmo vale para
celular e email. Então, os avanços tecnológicos parecem demonstrar a insuficiência do
artigo 435.
O Arnaldo Rizzardo chega a dizer que o dispositivo traz conseqüências extremamente
danosas, notadamente em relação a questão processual. Só que, a bem da verdade,
felizmente essa regra não tem muita aplicação pratica, porque para fins processuais a
competência é delimitada pelo artigo 100, IV, b do CDC que diz: o foro competente para
julgar ação que busque compelir o cumprimento da prestação é o local pactuado para o
cumprimento da prestação e não o local em que o contrato foi constituído, local em que o
contrato foi celebrado.
O que importa, para fins de competência, em relação à exigibilidade do cumprimento da
prestação é aquela questão que vimos em aulas anteriores, se a dívida é 1:15:07 e não o
local em que o contrato foi celebrado nos termos do artigo 435.
Se o pleito é de invalidade e não de cumprimento da prestação, aplicáveis as regras do
artigo 94, em relação a pessoa física, e artigo 100, IV, a do CDC em relação a pessoa
jurídica. Claro que tudo isso independentemente do chamado foro de eleição, que já
vimos em aulas anteriores, sem prejuízo do foro de eleição.
Então, para fins de competência a regra não tem relevância de ordem pratica e para fins
da legislação aplicável, a regra também não relevância em relação ao direito
internacional, porque em relação ao direito internacional é aplicável o artigo 9º, §2º da
LICC que diz que a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em
que residir o proponente.
Então, na verdade, a regra tem esvaziado a aplicação de cunho pratico felizmente, diga-
se de passagem.
Vejam que tudo isso que acabamos de ver aqui acaba se aplicando analogicamente no
caso dos contratos pela internet. Claro que se as partes se encontram online, o contrato
se forma imediatamente, a aceitação tem que ser de imediato, enfim tudo aquilo que
vimos agora a pouco.
Se as partes não estão online a sistemática se dá a luz do contrato entre ausentes.
Então, pela teoria predominante, que é a teoria da expedição, o contrato se constituiria no
momento em que a resposta é enviada ao solicitante. Para o Carlos Roberto Gonçalves
seria no momento em que o solicitante toma conhecimento da aceitação.
O próprio Carlos Roberto Gonçalves ressalta uma dificuldade aqui de ordem prática em
relação a contratos firmados pela internet em propostas oriundas do exterior, porque em
tese a legislação aplicável é a legislação do local de onde foi oferecida a proposta, por
outro lado o CDC permite ao consumidor demandar no seu próprio domicilio.
Só que em termos práticos, isso significaria o consumidor demandando em seu próprio
domicilio pleiteando a aplicação da legislação estrangeira e a efetividade dessa legislação
no pais de origem da proposta pressupõe, entre aspas, o exequatur da autoridade
competente local. Então, na verdade, o que o Carlos Alberto parece suscitar é que toda
essa dinâmica parece não ser suficiente diante da globalização dos avanços tecnológicos.
Sistemática da estipulação em favor de terceiros : artigos 436 a 438.
A estipulação em favor de terceiros, como nós já vimos, representa uma exceção clássica
ao principio da relatividade, é uma exceção clássica a esse brocardo aqui que vem desde
o direito romano e os manuais continuam repetindo. Cá entre nós esses brocados
poderiam ser abolidos, porque nada mais representa que o principio da relatividade. O
que significa aí a expressão é que o contrato faz lei entre as partes, principio da
relatividade.
Nós temos basicamente três partes envolvidas na estipulação em favor de terceiros: nós
temos o estipulante, também chamado de promissário, que celebra o contrato com o
chamado promitente em favor de um terceiro que é chamado de beneficiário.Então nós
temos aí o estipulante, o promitente e o beneficiário, sendo que o contrato é firmado entre
o estipulante e o promitente contemplando terceiro beneficiário.
Natureza Jurídica: na verdade nós temos 4 correntes aqui:
Primeira corrente : teoria da oferta. Pela teoria da oferta a estipulação em favor de
terceiro só representaria uma mera proposta carente da aceitação pelo beneficiário. Essa
posição caiu por terra, porque evidentemente o promitente não é um mero proponente, o
promitente é o contratante que se obriga a beneficio do terceiro. A estipulação em favor
de terceiros pressupõe a celebração de um contrato entre o promitente e o estipulante.
Segunda corrente : gestão negócios. Por que não é gestão de negócios? A gestão de
negócios está nos artigo 861 a 875. A gestão de negócios se parece muito com o
mandato, porque o gestor também atua em nome e em favor de outrem. A diferença é que
o gestor não tem a prévia outorga de poderes, ele atua unilateralmente em nome e em
favor de outrem.
Por que a estipulação em favor de terceiros não tem natureza jurídica de gestão
negócios? Porque o estipulante e o promitente agem em nome próprio, eles não atuam em
nome do beneficiário.
O Silvio Rodrigues sustenta uma terceira corrente : se trataria de uma declaração
unilateral de vontade e essa também não acolhida, porque obviamente, como acabamos
dever de maneira muito introdutória, a estipulação em favor de terceiro pressupõe um
acordo de vontades.
O que predomina, o que vale hoje é a quarta corrente : natureza contratual. Percebam que
todas as três teorias anteriores buscavam na verdade em outro argumento por conta do
principio da relatividade. No contexto atual, não há nenhuma duvida que se trata de
natureza contratual e a mitigação a relatividade não é privilegio a estipulação em favor de
terceiros. Tanto é que alguns autores defendem que melhor do que a expressão
estipulação em favor de terceiros seria a expressão contrato a favor de terceiros.
Então, a natureza jurídica é contratual e teremos um contrato mitigando o princípio da
relatividade.
Intervalo...
Prosseguindo na sistemática da estipulação em favor de terceiro é preciso ressaltar,
desde logo, que ela pode ser típica ou atípica. Então, quando há estipulação em favor de
terceiro típica, o que nós estamos dizendo é que o direito positivo contempla determinada
modalidade de estipulação em favor de terceiro.
Por exemplo, artigo 632 no que diz respeito ao contrato de depósito; artigo 803 ao artigo
813 em relação à constituição de renda, quer dizer aqui, o estipulante se compromete
perante o promitente a constituir uma renda em favor do beneficiário; como exemplo,
temos ainda o seguro de vida, artigos 789 e seguintes que tratam do seguro de pessoas.
E outro exemplo de estipulação de terceiro tipificada em lei pode ocorrer na doação
modal, ou seja, na doação com encargo, notadamente se o encargo se estabelece em
beneficio de um terceiro.
Mas é possível que a estipulação em favor de terceiro seja atípica. Tenham muito cuidado
para não confundir as estações, por exemplo: se o A aluga um imóvel do B em favor do C,
quer dizer, o locador aluga um bem do locatário sendo que o locatário está firmando um
contrato em favor de um filho, por exemplo.
Essa é uma estipulação em favor de terceiro típica ou atípica? Atípica, sem duvida que
um contrato de locação é um contrato típico, só que não há previsão legislativa de
locação em favor de terceiro. Então, nós teríamos uma modalidade de estipulação em
favor de terceiro atípico.
Enfim inúmeras hipóteses podem surgir dentro desse ambiente. Quer dizer, um sujeito
contrata uma determinada empresa X para transportar o seu filho, é uma articulação em
favor de terceiro atípica, porque o transporte de pessoas não traz nenhuma previsão
envolvendo estipulação em favor de terceiro.
Aqui a gente só não pode confundir a estipulação em favor de terceiro com a tradição
ficta longa manu, porque nessa tradição o que acontece a grosso modo? O adquirente
ressalta ao alienante a entrega do bem a um terceiro, só que na realidade na tradição
ficta longa manu esse terceiro,como o próprio nome diz, ele é um longa manus do
adquirente. Quer dizer, aquele exemplo clássico: eu compro um bem que vai ser entregue
daqui a 60 dias, só que naquele prazo eu aqui não estarei, estarei viajando, então eu
instruo o alienante a entregar o bem para um terceiro. Só que o terceiro nesse caso não é
o beneficiário, o terceiro fica apenas incumbido de receber a prestação em favor do
contratante.
Então, obviamente essa estipulação em favor de terceiros não se confunde com a tradição
ficta longa manu, porque nesse caso a prestação é apenas cumprida a um terceiro, mas
ela não é cumprida em favor de um terceiro.
Nunca vi isso cair em prova, mas por desencargo de consciência... Parecido com a
tradição ficta longa manu, mas diferente é isso aqui que também não se confunde com a
estipulação em favor de terceiro.
Olha só, nessa modalidade aí de pacto, o credor combina com o devedor a possibilidade
deste último cumprir a obrigação não apenas diretamente ao próprio credor, mas também
a um terceiro. Então, a prestação pode ser cumprida não apenas ao credor, mas também
a um terceiro. Com a diferença, em relação à primeira hipótese, de que nessa segunda,
essa admissibilidade dessa prestação ser cumprida a um terceiro se dá a beneficio do
devedor por razões de conveniência em favor do devedor.
Na tradição ficta longa manu a conveniência é de quem? É do credor. Então, vamos supor
que eu vá comprar um produto que me é vendido por uma empresa em São Paulo e a
empresa me diz “você pode pagar para mim, mas eu aceito também o pagamento nessa
conta corrente nº tal e banco tal”. Adjectus solutionis causa, nós não teríamos aqui uma
tradição ficta longa manu, porque essa admissibilidade do pagamento a um terceiro se dá
a benefício, a conveniência do devedor. É um acordo que busca na verdade facilitar o
pagamento para o devedor e, aqui, obviamente nós não temos uma estipulação em favor
de terceiro, porque o pagamento não se dá em benefício do terceiro e sim a beneficio do
contratante imediato.
Bom, também é preciso não confundir a estipulação em favor de terceiro com o contrato
com eficácia protetiva para o terceiro. Porque vejam, essa eficácia protetiva ela não
resulta do acordo de vontades, essa eficácia protetiva é uma eficácia protetiva lateral
resultante da boa fé objetiva e da função social do contrato.
Exemplo típico de contrato com eficácia protetora perante terceiro é o contrato de locação
residencial, ainda que o locatário seja o A, esse contrato firmado com o locatário A
envolve uma eficácia protetiva lateral em relação aos familiares do locatário A. Nós não
teríamos propriamente uma estipulação em favor de terceiros, porque essa eficácia
protetiva resulta da própria natureza da relação contratual. A natureza da relação
contratual atrelada ao direito social, moradia, é que atrai essa eficácia protetiva lateral.
É preciso que o terceiro beneficiário seja capaz? Será que o terceiro tem que ter
capacidade? Não, aqui só cuidado com o seguinte: não se exige a capacidade do terceiro
para o recebimento do benefício, sem dúvida alguma. Então, não é requisito de validade
da estipulação em favor de terceiros que o terceiro tenha capacidade.
Agora, nem chegamos lá ainda, mas todos sabem que, dentro de determinadas premissas,
o terceiro pode exigir o cumprimento do contrato. Para que o terceiro possa, em nome
próprio, exigir o cumprimento do contrato se exige capacidade, quer dizer, se o terceiro
for incapaz ele só pode exigir o cumprimento do contrato através da representação ou da
assistência. A mesma lógica vale em relação à recusa a liberalidade. A recusa a
liberalidade em nome próprio também pressupõe capacidade.
Então cuidado com perguntas soltas, numa prova oral tem a pergunta: tem alguma
importância a capacidade do terceiro na estipulação em favor de terceiro? Depende, no
que diz respeito ao recebimento do beneficio não, mas é relevante no que diz respeito à
exigibilidade, no que diz respeito à recusa a liberalidade.
Pergunta do aluno.
Resposta: no contrato de eficácia protetiva? Os parentes do locatário acabam sendo
beneficiado por uma eficácia protetiva lateral, porque toda a sistemática da lei de
locações trata basicamente do direito social a moradia. Então, na verdade, é da própria
natureza do contrato que aquele contrato acabe estabelecendo uma eficácia protetiva
lateral.
Por exemplo, quer ver um exemplo de dispositivo legal? Uma das possibilidades de
denuncia cheia por parte do locador é quando ele pretende que naquele imóvel vá residir
um familiar próximo. Quer dizer, nesse caso nós teríamos uma eficácia protetiva, só que
tipificada por lei a beneficio do locador, independe de previsão contratual. Quer dizer, é
um contrato que não produz efeitos exclusivamente entre locador e locatário, ele acaba
irradiando efeitos laterais em relação a outras pessoas que não aquelas diretamente
envolvidas na seara contratual. Só que diferente da estipulação em favor de terceiro, isso
resulta na natureza e não do acordo de vontades.
Agora, é indispensável, sem duvida alguma, que haja a legitimidade do terceiro. Quer
dizer, não cabe estipulação em favor de terceiro se o estipulante for o amante do
beneficiário, por quê? Porque o doador não tem legitimidade para doar para a amante,
porque o doador não tem legitimidade para doar para a amante, a doação do cônjuge para
a amante é anulável. É a mesma história lá do tutor em relação ao tutelado, não cabe
estipulação em favor de terceiro de um bem saindo do tutelado em favor do tutor. E se a
estipulação em favor de terceiro fosse de um ascendente para um dos descendentes? Vai
ser adiantamento de legítima. Quer dizer, toda a sistemática envolvendo a estipulação em
favor de terceiro vai acabar atraindo disposições esparsas para que não haja fraude a lei.
A doutrina também ressalta aqui o seguinte: na estipulação em favor de terceiro, a sorte
do terceiro acompanha a sorte do contrato.
Pergunta do aluno.
Resposta: olha só, o tutor para o tutelado talvez não haja maiores problemas, porque na
verdade a ilegitimidade está de um benefício do tutelado em favor do tutor.
O que talvez dê para a gente trazer aí como uma mitigação a essa afirmativa é o
seguinte: isso não chega a ser unânime, mas o Silvio Rodrigues, por exemplo e o
Tepedino ressaltam que nada impede que a estipulação em favor de terceiros tenha uma
causa onerosa. Quer dizer, é possível que o estipulante tenha uma divida para com o
beneficiário, por conta de uma determinada relação jurídica. O estipulante celebra a
estipulação em favor do beneficiário tendo como contrapartida a quitação da dívida.
Então, uma causa onerosa seria propiciada estipulação em favor de terceiro, quer dizer,
não seria da essência a estipulação em favor de terceiro um ato de liberalidade pura.
Então nesse contexto, de estipulação em favor de terceiro com causa onerosa, talvez seja
possível mitigar regras atinentes a legitimidade, notadamente quando as hipóteses de
legitimação envolvem ato de disposição gratuita como normalmente o é. Então, se a
causa for onerosa, claro que as regras atinentes a legitimidade envolvendo atos gratuitos
cede diante da causa onerosa.
Olha só, a sorte do terceiro segue a sorte do contrato. O que se quer dizer com isso? Isso
está escrito no artigo 436, §único: ao terceiro em favor de quem se estipulou a obrigação
também é permitido exigi-la, ficando todavia sujeito as condições e normas do contrato se
a ele anuir.
Isso significa dizer o que? Se no contrato há foro de eleição, o foro de eleição vincula o
beneficiário, se há cláusula compromissória, a cláusula compromissória vincula o
beneficiário. Mais importante ainda, se cabe exceção de contrato não cumprido entre o
estipulante e o promitente, o beneficiário se submete a alegação de exceção de contrato
não cumprido. Ou seja, se o estipulante não vem cumprindo as prestações e o promitente
alega exceção de contrato não cumprido, essa exceção é oponível ao beneficiário.
Agora, será que o promitente pode alegar perante o beneficiário exceções oponíveis ao
estipulante por força de outras relações jurídicas? Será, que o promitente pode opor ao
beneficiário exceções oponíveis ao estipulante por força de outras relações jurídicas? Por
exemplo: vamos supor que o promitente por força de outra relação jurídica tenha um
crédito perante um estipulante (por força de um outro contrato), será que o promitente vai
poder alegar compensação por esse crédito decorrente de outra relação jurídica que ele
titulariza em face do estipulante para atingir o beneficiário? Não. As exceções oponíveis
ao estipulante, só atingem o beneficiário se tais exceções envolvem aquela relação
jurídica, apenas aquelas atreladas à relação jurídica em concreto.
Isso é tranqüilo dentre os poucos que tratam do assunto, mas de modo geral não tratam
do assunto, mas Tepedino defende assim, Araquém de Assis, a Judithe, nós temos vários
autores que quando tratam do assunto trazem essa sistemática.
O Araquém de Assis defende aqui ainda o seguinte: que pode o promitente alegar
exceções pessoais ao beneficiário ainda que decorrentes de outras relações jurídicas, é a
hipótese da compensação.
No primeiro exemplo, a compensação em tese seria oponível a quem? Ao estipulante. Na
segunda hipótese, aqui é diferente, a compensação seria oponível ao beneficiário por
força de outra relação jurídica. Quer dizer, o promitente é credor do beneficiário por força
de outra relação jurídica, o Araquém de Assis defende que é cabível a oposição dessa
exceção.
Então, cuidado para não confundir as exceções pessoais do promitente em relação ao
estipulante só valem se inseridas naquela relação jurídica, mas as exceções pessoais
oponíveis ao beneficiário podem abranger inclusive outras relações jurídicas, na medida
em que a prestação, na verdade, vai ser cumprida em favor do beneficiário.
Pergunta do aluno.
Resposta: isso, dentro desse contexto, claro que se encontrariam restrições a eventual
fraude alheia, eventual simulação, mas em tese uma das possibilidades que tem o
estipulante é justamente a de substituir o beneficiário. Isto está lá no artigo 438 que prevê
a possibilidade de substituição do beneficiário.
Pergunta do aluno.
Resposta: em termos práticos, se o estipulante ocupa a posição do beneficiário, na
verdade ele estaria revogando a estipulação em favor de terceiros, o que é admissível. O
Caio Mário chega a ressaltar que toda aquela sistemática envolvendo a revogação da
doação, por ingratidão do donatário ou por inexecução do encargo, é aplicável
analogicamente articulação em favor de terceiros, notadamente se a estipulação em favor
de terceiros for uma causa de liberalidade.
Aproveitando as duas questões, o Silvio Rodrigues defende que o artigo 438, que prevê a
substituição do beneficiário e a própria possibilidade de revogação da estipulação em
favor de terceiros, não tem aplicabilidade se a estipulação decorre de causa onerosa.
Quer dizer, o artigo 438 prevê a possibilidade de substituição do beneficiário e a doutrina
admite a revogação da estipulação em favor de terceiros por se tratar de um ato de
liberalidade.
Se a estipulação em favor de terceiros não representa um verdadeiro ato de liberalidade,
se ela tem uma causa onerosa, se ela tem por objetivo legitimar uma quitação por uma
divida entre o terceiro e o estipulante, não cabe a modificação do beneficiário e muito
menos a revogação dessa suposta liberalidade, porque a causa da estipulação em favor
de terceiros foi uma causa onerosa e o que justifica a substituição do terceiro e a
revogação da estipulação em favor de terceiros é justamente a causa de liberalidade.
Quem explicitamente trata disso é o Silvio Rodrigues.
Ainda dentro desse contexto da substituição, tem uma ponderação interessante aqui do
Tepedino sobre essa questão da substituição do terceiro. Olha só, o artigo 438 diz que o
estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro, independentemente da sua
anuência e a do outro contratante. Então, pode reservar-se o direito de substituir o
terceiro, então, nada impede por outro lado que o contrato afaste a possibilidade de
substituição do terceiro, principio da autonomia privada.
O §único diz que a substituição pode ser feita por atos entre vivos ou por disposição de
última vontade, ou seja, pela via testamentária. O Tepedino diz que se a estipulação em
favor de terceiro tiver eficácia post mortem (seguro de vida, por exemplo) é inadmissível a
renuncia, a possibilidade de revogação ou de substituição do beneficiário.
Por que isso? Porque pela regra geral é admissível a renuncia, por que não seria
admissível no caso de estipulação em favor de terceiros com eficácia post mortem?
Testamento não pode ser revogável a qualquer tempo? Principio da liberdade das
disposições de ultima vontade.
Pergunta do aluno.
Resposta: o Caio Mário não chega a dizer isso, mas se formos pensar lá na revogação da
doação a natureza é personalíssima, só o próprio doador pode pleitear a revogação e ele
só pode pleitear em face do donatário, está admitindo apenas a sucessão processual.
Então, aplicando analogicamente, a lógica seria a mesma. Com um detalhe aqui, que se
formos seguir aqui essa lógica do Caio Mário, tem uma novidade lá na revogação da
doação que permite agora ao doador revogar a doação por ingratidão, se o donatário
atenta não apenas contra o doador, mas também contra parentes próximos do doador
como ascendentes, descendentes e cônjuges. Então, seria possível aplicar
analogicamente essa nova possibilidade de revogação da doação por ingratidão, por
analogia também na estipulação em favor de terceiros, seguindo a sistemática da doação.
Ele não chega a dizer isso claramente, mas quando ele sustenta a aplicação analógica me
parece que a solução viria com toda a sistemática aplicada.
Pergunta do aluno.
Resposta: sem dúvida, toda aquela sistemática ... Como chegamos a mencionar antes
aqui, a estipulação em favor de terceiros normalmente representa um ato de liberalidade
pura, raríssimas hipóteses envolvem a causa onerosa.
Então, todas as regras que limitam liberalidades puras merecem aplicação analógica no
caso da estipulação em favor de terceiros, porque senão nós teríamos um evento típico
aqui de fraude a lei. Quer dizer, um ato que tem uma aparência de licitude, o sujeito se
violaria a lei, como diz o Pontes de Miranda quando define fraude a lei, ele violaria a lei
se valendo da própria lei. Ele se valeria da estipulação em favor de terceiros para burlar
eventuais limites legislativos em relação à prática de liberalidade. Então, na verdade, a
aplicação analógica se justifica a luz da fraude a lei, então a questão da doação
inoficiosa, por exemplo, poderia ser aplicada analogicamente como uma restrição sem
duvida a estipulação em favor de terceiros.
Pergunta do aluno.
Resposta: o artigo 438, interpretado literalmente, pensando numa prova objetiva, o que
ele diz? O estipulante pode reservar-se o direito de substituir. Então, pela interpretação
literal no silêncio do contrato não pode. Numa interpretação teriológica é amplamente
justificável que sim, justamente por se tratar de um ato de liberalidade. Quer dizer, foi
uma causa do contrato que é a liberalidade, se justificaria a possibilidade de substituição,
salvo, mais uma vez insisto, se a causa é onerosa nesse caso, o artigo 438 não seria
aplicado.
Pergunta do aluno.
Resposta: A causa é onerosa, então a causa onerosa da articulação em favor de
terceiros afastaria a possibilidade do artigo 438, por isso que é preciso a gente investigar
se a causa é efetivamente ou não uma liberalidade, se não for a gente afasta a
sistemática do artigo 438.
Vamos só tomar cuidado aqui, para fecharmos o tema, com o seguinte: o artigo 436 caput
diz o obvio: o que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação.
É obvio porque o estipulante foi quem firmou o contrato com o promitente e como
contratante, pacta sunt servanda ele pode exigir o cumprimento da prestação.
O §único é que traz uma regra excepcional, porque ele permite que o terceiro possa exigir
o cumprimento da prestação. Sem dúvida aqui, nós temos uma exceção ao principio da
relatividade. Sendo que o terceiro quando aceita a liberalidade, como vimos, se sujeita a
sorte do contrato. Todas as nuances do contrato se projetam ao terceiro, inclusive
eventuais exceções pessoais oponíveis ao estipulante.
*38:39*
O artigo 437 diz: Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito
de reclamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor. Mais uma
regra excepcionalíssima aqui, porque na verdade, o código proíbe que o contratante, o
estipulante possa exonerar o promitente. Essa regra excepcional se justifica justamente
pelo fato de que o contrato, na verdade, busca beneficiar um terceiro. São regrinhas que
caem em prova objetiva, múltipla escolha.
O artigo 438, que acabamos de ver, possibilidade de substituir o terceiro designado no
contrato. Só para termos uma visão panorâmica para eventuais provas objetivas.
Vamos, então, passar para o tema Promessa de Fato de Terceiro, artigos 439 e 440.
Como o próprio nome já parece sugerir, através desse instituto alguém se compromete a
obter uma conduta, um fato de terceiro.
Exemplo: vamos supor que eu me comprometa perante o credor a convencer um artista a
pintar um quadro para ele. Veja, a relação se estabelece entre o credor e o promitente,
qual é a relação jurídica aqui estabelecida entre o credor e o promitente? O promitente se
compromete a convencer um terceiro a pintar o quadro. Percebam que o terceiro não
integra, a principio, qualquer relação jurídica, a relação se estabelece entre o credor e o
promitente.Percebam que o promitente, portanto não assume o compromisso de pintar o
quadro, ele se compromete apenas a convencer o terceiro a isso.
A obrigação do promitente é invariavelmente de que natureza? É invariavelmente uma
obrigação de fazer. Qual seja? Obter uma conduta de terceiro. Quer dizer, se alguém, se
o A promete ao B que o C será o seu sócio, o A está se comprometendo perante o B a
convencer o C a firmar um contrato de sociedade com A. Então, nós temos aqui mais uma
vez uma promessa de fato de terceiro, obrigação de fazer.
Aqui fica muito fácil o instituto se a gente perceber o seguinte: na promessa de fato de
terceiro nós temos duas obrigações sucessivas com objetos distintos. Porque vejam, sem
ler o código, a primeira obrigação se estabelece entre o credor e o promitente, o
promitente se comprometendo a convencer o terceiro.
Se eu, promitente, não consigo convencer o terceiro, a principio qual é a conseqüência?
Perdas e danos, o promitente responde por perdas e danos. Cabe tutela especifica? Não,
a promessa de fato de terceiro, por sua própria natureza, exclui a admissibilidade de
tutela especifica em face do promitente.
Agora, se eu convenço o terceiro e o terceiro concorda, o que acontece nisso tudo que
acabamos de dizer? O que acontece com aquela primeira relação jurídica entre o
promitente e o terceiro? Se extingue, porque a obrigação do promitente era convencer ao
terceiro e quando ele convence, ele cumpre a obrigação.
Relação de causa e efeito, extingue a obrigação primitiva e automaticamente surge uma
nova obrigação entre o credor e o terceiro.
E aí vejam, dentro do que acabamos de dizer, regra geral o promitente convence o
terceiro, só que o terceiro descumpre o que ele próprio anuiu, o que acontece com o
promitente presumidamente? Nada. O promitente está livre, porque a obrigação do
promitente era só de convencer o terceiro, quando ele convence o terceiro, se extingue a
obrigação, então a principio o promitente não tem qualquer responsabilidade pelo
inadimplemento por parte do terceiro.
Vamos dar uma lida nos dispositivos legais: o artigo 439,caput diz: aquele que tiver
prometido o fato de terceiro responderá por perdas e danos quando este o não executar.
Redação infeliz do código civil. Porque o código diz “quando este o não executar” e na
verdade entenda-se “quando este não anuir”. Fica claro o equívoco redacional do artigo
439, não apenas pela estrutura que acabamos de ver, mas também com a própria leitura
do artigo 440. O próprio artigo 440 desmente a expressão executar do artigo 439.
O artigo 440, que caiu na penúltima prova do MPT 1ª fase V/F e muita gente marcou F,
diz o artigo 440 que nenhuma obrigação haverá para quem se comprometer por outrem,
se este, depois de te ver obrigado, faltar à prestação. Justamente por quê? Na medida em
que o promitente convence o terceiro, o promitente cumpre a sua prestação e ele,
portanto não se responsabiliza pelo cumprimento da prestação pelo terceiro. Então, a
expressão executar do artigo 439 sem duvida há de ser interpretada como sendo anuir.
Pergunta do aluno.
Resposta: isso, o artigo 440, sem duvida alguma é regra dispositiva. O artigo 440 quando
diz que o promitente não se compromete pelo cumprimento da prestação pelo terceiro,
sem duvida é regra dispositiva, principio da autonomia privada.
Será que pode o promitente, ao perceber que não vai conseguir convencer o terceiro, ele
próprio cumprir a prestação? Porque se o promitente não convencer ele responde por
perdas e danos. Será que ele pode evitar as perdas e danos cumprindo a prestação no
lugar do beneficiário? Em regra, não e por quê? Porque a expectativa do credor é no
sentido do cumprimento pelo terceiro. Só que vejam, se por ventura o promitente se
compromete convencer o terceiro a cumprir uma obrigação meramente pecuniária, a
recusa do credor representaria abuso do direito.
E além de falar em abuso do direito, talvez de maneira mais simples nós possamos falar
na sistemática do pagamento pelo terceiro e, nesse caso, o promitente é um terceiro
interessado. Ele é um terceiro interessado porque, na verdade, ele pode se sujeitar as
conseqüências do não cumprimento da prestação por parte do terceiro, ele pode evitar
perdas e danos satisfazendo aquela obrigação pecuniária.
Tem um exemplo... Esse exemplo é o mais conhecido de promessa de fato e de terceiro
(não acho bom) e quem traz esse exemplo é Carlos Roberto Gonçalves: um empresário se
compromete perante uma determinada casa de espetáculo a apresentação de um
determinado artista. Esse exemplo, vindo assim sem maiores cuidados não me parece
mais apropriado, porque no plano pratico o empresário só vai se comprometer perante a
casa de espetáculo se tiver havido um prévio acordo entre o empresário e o respectivo
artista.
E vejam que é da essência da promessa de fato e de terceiro que o promitente assuma o
compromisso de convencer o terceiro. Essa essência, no que diz respeito a obrigação de
convencer o terceiro, diferencia a promessa de fato e de terceiro de que instituto? Do
mandato, por exemplo. O mandato não se confunde com a promessa de fato e de terceiro
porque o promitente ele não age em nome e em favor do terceiro. Se há um prévio acordo
entre o empresário e o artista, no sentido da apresentação na casa de espetáculo, nós
não temos a promessa de fato de terceiro.
O instituto, pelo mesmo motivo, também não se confunde com a gestão de negócios pelos
mesmos motivos, porque na verdade o promitente não age em nome e em favor do
terceiro.
Pergunta do aluno.
Resposta: dependendo da natureza da obrigação, quase sempre, a regra geral no plano
prático, vai ser pela inadmissibilidade, quase sempre.
Pergunta do aluno.
Resposta: no plano prático, se a gente for ver pelo aspecto meramente material,
escapando do plano moral, você tem toda a razão.
Vamos aproveitar para ponderar o seguinte: no plano patrimonial, essas perdas e danos a
que o promitente se responsabiliza, no caso de não convencer o terceiro, busca na
verdade a reparação do interesse negativo, é a chamada reparação pelo interesse
negativo e não pelo interesse positivo.
Essa expressão “reparação pelo interesse negativo” é bom a gente ouvir falar porque se
usa isso em algumas hipóteses. Porque a reparação pelo interesse negativo busca na
verdade reparar a quebra da confiança, a quebra da expectativa.
O que seria a reparação pelo interesse positivo, no nosso exemplo? A reparação pelo
interesse positivo envolveria todas as vantagens que o credor obteria com a anuência do
terceiro.
Então, vendo sob o prisma prático, patrimonial especificamente, porque pode ser que o
promitente queira cumprir até por uma já razão de ordem moral. Mas no plano prático, a
reparação pelo interesse negativo, quase sempre vai ser um valor inferior a própria
prestação do terceiro.
Quer ver outra hipótese em que se fala em reparação por interesse negativo e hoje não
mais? Lembram daquela historia do erro, o erro agora tem que ser perceptível ao outro
contratante, estão lembrados? Antes do código atual o que se sustentava? Que o erro
tinha que ser apenas escusável. Se eu incorresse num erro escusável e imperceptível a
outra parte, eu poderia anular o negocio por erro e a outra parte buscaria a reparação
pelo interesse negativo.
O interesse negativo buscaria reparar o que? A legítima expectativa da outra parte, na
continuidade do negocio e não cobrir todos os prejuízos suportados pela anulação do
contrato.
Então, quando se fala em reparação do interesse negativo, isso é importante a gente ao
menos ter ouvido falar, a reparação pelo interesse negativo está atrelado a legitima
expectativa, a quebra da confiança que se encaixa aqui na hipótese do artigo 439.
Pergunta do aluno.
Resposta: olha só, tem uma questão aqui atrelada a essa, porque a principio não seria
admissível, porque... É claro que essa sistemática da promessa de fato de terceiro, ela
pode ceder diante de regras especiais. Por exemplo, a doutrina quando comenta essa
obrigação de fazer do promitente, ressalva que essa obrigação de fazer é de resultado.
Só que se nós estivermos diante de um contrato de corretagem, sem duvida, essa
sistemática especifica cede diante da própria essência do contrato corretagem que
envolve obrigação de meio. Então, se a promessa de fato de terceiro for inserida numa
tipologia contratual especifica, como no contrato de corretagem, essa tipologia especifica
claro prepondera sobre a sistemática geral da promessa de fato de terceiro.
Outro ponto aqui: o §único do artigo 439 é uma decorrência de uma situação que era
reiteradamente enfrentada pela jurisprudência, basicamente o seguinte: marido e mulher
são proprietários do imóvel. Ele quer vender, mas ela não quer. Ele se compromete
perante o interessado a convencê-la a vender, promessa de fato de terceiro. Vamos supor
que ele não consiga convencê-la, na medida em que ele não convence, ele reponde a
principio por perdas e danos. Só que a jurisprudência começou a perceber que,
dependendo do regime de bens, a responsabilidade integral dele poderia atingir o
patrimônio dela e o §único trata justamente dessa hipótese.
O §único diz: tal responsabilidade não existirá se o terceiro for o cônjuge do promitente
defendendo da sua anuência o ato a ser praticado e desde que pelo regime do
casamento, a indenização de algum modo, venha a recair sobre os seus bens.
Então, o limite da responsabilidade do promitente aqui é o patrimônio do cônjuge que é o
terceiro e, portanto não pode ser atingido.
Esse artigo aqui nos remete a outra questão. Eu já vi caindo em prova objetiva, dando o
gabarito como certo e o Carlos Roberto Gonçalves também defende isso: que a promessa
de fato de terceiro é uma exceção ao principio da relatividade. Não me parece. Se fala
que é uma exceção ao princípio da relatividade, porque o contrato, em tese, vincularia um
terceiro que não teria originariamente firmado num acordo primário.
Mas qual é a lógica do principio da relatividade? O contrato só vincula aqueles que
manifestaram a sua vontade, se o terceiro não concorda, o contrato não vincula o
terceiro. Então, me parece extremamente frágil a afirmativa de que o instituto excepciona
o principio da relatividade. E o §único enaltece isso, porque o §único, inclusive, limita a
responsabilidade do promitente em relação ao terceiro que não manifesta a sua vontade.
Pergunta do aluno.
Resposta: se o terceiro não anui, ele não pode ser penalizado. O terceiro não sofre
qualquer conseqüência se não anuir, a relação fica restrita ao credor e ao promitente e o
§único enaltece isso, limitando, inclusive, a responsabilidade do promitente, limitando
inclusive a reparação integral de danos.
Outro ponto aqui: é possível a exclusão da responsabilidade do promitente por fatos
supervenientes.
Exemplo: se o promitente se compromete a convencer o terceiro a dar um bem ao credor.
Se há o perecimento do bem, notadamente se o bem for infungível, haverá a extinção da
obrigação do promitente por uma causa superveniente, ainda que esse perecimento
decorra de culpa do terceiro. Por que nós estamos focando em que? Na responsabilidade
ou não do promitente.
E aí cuidado para não usar mal os dispositivos. Nós não podemos usar como argumento a
exclusão da responsabilidade do promitente nesse caso o artigo 234, não podemos. O
artigo 234 é aquele que prevê que o perecimento sem culpa da obrigação de dar resolve a
obrigação.
Por que não é o artigo 234 gente? Porque a obrigação do promitente é de fazer, não
podemos misturar as estações aqui. Então, se há perecimento sem culpa por parte do
terceiro, o argumento para excluir a responsabilidade do promitente não é o artigo 234
(que trata da obrigação de dar) e sim o artigo 248, 1ª parte que trata da extinção da
obrigação de fazer sem culpa.
Pergunta do aluno.
Resposta: o contrato em si existiu e, na verdade, ele só não vai produzir os efeitos
desejados, porque a promessa em si se dá entre o credor e o promitente. Se o terceiro
não concorda, tanto haverá o contrato que a conseqüência do promitente será o que?
Perdas e danos. As perdas e danos vão decorrer de um limite contratual decorrente da
promessa.
Agora, tem outro ponto aqui importante que é o seguinte: outra causa de impossibilidade
superveniente... Excluirá a obrigação do promitente em razão de causa superveniente, é
o falecimento do terceiro. O falecimento do terceiro vai excluir a obrigação do promitente
porque é claro promitente se comprometeu a convencer determinada pessoa, essa
obrigação não vai se transmitir em relação ao convencimento dos sucessores do terceiro.
Agora, tem uma hipótese interessante, suscitada pelo Gustavo Tepedino sobre essa
questão. É a hipótese do promitente vir a ser o sucessor do terceiro. O exemplo do
Tepedino é bom pelo seguinte: vamos supor que haja um garoto de 17 anos e ele tem um
imóvel, o pai está doido para vender o imóvel do filho, mas tem que ter autorização
judicial, intervenção do MP, tem que provar interesse, enfim. Então, mais do que isso é o
pai se comprometer perante o interessado na compra a convencer o filho a vender tão
logo ele atinja a maioridade, promessa de fato de terceiro.
Vamos supor que o filho venha a falecer e o único herdeiro é o pai. O pai passa a ocupar
a posição jurídica do terceiro, o filho. Nesse caso, o Tepedino defende a admissibilidade
de tutela especifica.
Pergunta do aluno.
Resposta: O Tepedino não usa a venire, ele fala apenas que cabe tutela especifica pelo
principio da efetividade, mas sem dúvida alguma o instrumento jurídico adequado para
subsidiar admissibilidade da tutela especifica não é apenas a efetividade, mas também o
principio da boa fé objetiva através da venire contra factum proprium. É uma situação
anômala em que caberá tutela especifica em face do ex promitente que agora passa a
ocupar a mesma posição jurídica do terceiro.
O exemplo do Tepedino é bom, por quê? Porque ele trata de uma relação entre pai e filho,
e presumidamente, o pai não vai prometer uma conduta em relação ao filho que não lhe
seja em tese proveitosa.
Vejam que não se aplicaria, talvez, essa mesma solução numa hipótese do corretor, que é
um profissional na intermediação de bens que se compromete a convencer o terceiro a
vender. Talvez não dê para aplicar a venire, porque é justificável a alegação de que o
sujeito se comprometeu a convencer o terceiro, mas naquelas circunstancias ele próprio
não teria praticado o ato de disposição, por ser um ato de natureza profissional.
Então, se atentem aí para essa possibilidade.
Evicção Invertida
Como seria a evicção invertida? É dificílima a aplicação prática, mas vamos supor que
ela faça uma alienação a non domino para mim, ela transfere a propriedade de um imóvel
para mim, mas na verdade ela não era dona, o verdadeiro proprietário é um terceiro. Só
que o terceiro, posteriormente aquela celebração da compra e venda, vem a falecer e eu
adquirente sou o sucessor do terceiro. Ou seja, o que acontece nesse caso? Há uma
alienação a non domino, como a alienação é a non domino o adquirente não obtém a
propriedade por aquela alienação, mas na verdade a aquisição da propriedade se dá por
um titulo diverso. No nosso caso, em que pese alienação a non domino, o adquirente
obtém a propriedade não por força da compra e venda, mas sim por força do direito
sucessório.
É evicção invertida porque nesse caso não há propriamente a perda do bem, na evicção
invertida há aquisição do bem por um titulo diverso. Só que, em que pese ter havido
aquisição do bem por um titulo diverso, todas as conseqüências econômicas da evicção
são aplicáveis em face do alienante.
Veja, o preço que eu paguei foi em vão, todas as despesas que eu tive com a celebração
do contrato foram em vão, o que efetivamente gerou a transferência da propriedade foi um
titulo diverso. Então, a aquisição da propriedade por um titulo superveniente que não
exclui os reflexos econômicos da evicção.
E aí o cuidado aqui é para não confundir a evicção invertida, que acabamos de ver, com o
artigo 1268, §1º. Diz esse artigo: se o adquirente estiver de boa fé e o alienante adquirir
depois a propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em que
ocorreu a tradição.
Quer dizer, no caso do §1º houve alienação a non domino, o sujeito fez a tradição sem
ser o dono, só que posteriormente é o próprio alienante que adquire a propriedade. Se o
alienante adquire a propriedade, o que o código está dizendo? Que se considera realizada
a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição. Ou seja, a aquisição
superveniente do bem pelo alienante vai produzir efeitos ex tunc, isso é o que o Pontes
de Miranda já chamava de pós eficacização da tradição.
Nós não podemos confundir, até porque os efeitos práticos são totalmente diferentes,
aqui na verdade a alienação ela é na verdade chancelada com efeitos ex tunc,
diferentemente do que ocorre com a evicção invertida.
Resumidamente, na evicção invertida quem adquire a propriedade por um titulo diverso é
o adquirente. No artigo 1268, §1º quem adquire posteriormente a propriedade é o próprio
alienante.
Pergunta do aluno.
Resposta: vamos supor que ela fizesse uma tradição para mim e ela não era dona. Só que
posteriormente ela vem adquirir a propriedade daquele bem, o filho por exemplo que
vende o bem do pai, isso no artigo 1268, §1º.
Pergunta do aluno.
Resposta: na evicção invertida como fica o financeiro? Ela transfere o bem para mim, mas
o bem não pertence a ela, pertence ao terceiro. Aí o terceiro, que é o verdadeiro
proprietário falece, e eu venho a adquirir a propriedade pelo direito sucessório, na
verdade eu adquiri o bem por força de um titulo diverso daquela compra e venda.
Então, todos os efeitos econômicos da evicção se aplicam nesse caso.
Eu vou poder alegar contra ela, reivindicar o preço que paguei, as despesas do contrato,
todas as conseqüências da evicção do artigo 450 vão ser aplicáveis.
Pergunta do aluno.
Resposta: ação autônoma pela qual ele postularia, que aqui talvez não fosse nem o caso
propriamente de denunciação da lide, porque ele não é demandado aqui, ele adquire o
bem com titulo diverso.
Como mencionamos agora a pouco, o artigo 448 prevê que as partes podem, por cláusula
expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade por evicção.
Em relação ao reforço pela garantia da evicção, o que seria o reforço? A princípio, o
alienante responde pelo preço, então as partes vão responder pelo dobro do preço,
estaria se reforçando a garantia contra a evicção.
Isso na prática, é inclusive utilizado para fins fraudulentos, quer dizer, as pessoas às
vezes colocam valor inferior ao valor real do titulo e para evitar que aquele valor inferior
vincule no caso de evicção elas fazem um suposto reforço da garantia contratual da
evicção.
O Silvio Rodrigues e o Carlos Roberto Gonçalves afirmam que esse reforço não pode
superar o efetivo prejuízo suportado pelo evicto, quer dizer, o limite do reforço seria o
efetivo prejuízo do evicto para que não haja enriquecimento sem causa.
O código ainda fala em exclusão da responsabilidade pela evicção. Essa cláusula que
exclui a responsabilidade pela evicção é chamada cláusula non praestando evictione que
prevê a exclusão da responsabilidade pela evicção.
E aqui é preciso diferenciar a exoneração genérica da exoneração especifica. Na
exoneração genérica, o próprio nome já sugere, a cláusula é genérica, quer dizer, a
cláusula vai dizer “o alienante não responde pelos riscos da evicção”. Ou seja, na
exoneração genérica as partes não fazem menção a qualquer situação fática determinada
que poderá ensejar a evicção.
Na hipótese de exoneração genérica, aplicáveis os efeitos do artigo 449, diz lá: não
obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der tem direito
evicto a receber o preço a que pagou pela coisa evicta se não soube do risco da evicção
ou dele informado, não assumiu. Quer dizer, ainda que haja exoneração genérica, o evicto
tem o direito de receber o preço que pagou.
Alguns podem estar supondo, mas qual a importância pratica disso? Tem importância sim,
porque os efeitos da evicção são mais amplos do que estes, os efeitos da evicção estão
no artigo 450 e sem duvida os efeitos são mais abrangentes do que aquele previsto no
artigo 449. Então, no caso de exoneração genérica tem direito ao preço que pagou.
Na exoneração especifica, o que já parece ter ficado claro a contrário senso? Na
exoneração especifica as partes vão dizer assim “alienante não responde pela evicção no
caso de usucapião já consumada em favor de Pedro”. Quer dizer, na exoneração
especifica, as partes se referem a determinado fato potencialmente gerador da evicção.
Então, o que se sustenta é que em havendo a exoneração especifica, se aquela situação
fática pré-estabelecida se consumar, o alienante se exime de qualquer responsabilidade.
A uma, pela própria parte final do artigo 449 que diz: o evicto tem direito ao preço que
pagou se não soube no risco da evicção ou dele informado não assumiu. Além disso, o
artigo 457 que diz que não pode o adquirente demandar pela evicção se sabia que a coisa
era alheia ou litigiosa. E se argumenta ainda que, no caso de exoneração especifica, o
contrato passa a ser aleatório no que se refere a ocorrência daquela determinada
situação fática.
Outro cuidado aqui: o código anterior dizia que a aplicabilidade da evicção decorreria da
perda do bem por sentença. Mesmo sob a égide do código anterior já era possível
constatar alguns julgados mitigando a exigência da legislação de 16. Quer dizer, alguns
julgados já admitiam a evicção ainda que não decorrente a perda de sentença,
notadamente a jurisprudência já vinha aplicando a evicção de perda do bem por ato
administrativo. Apreensão policial, por exemplo.
Como o código atual não faz mais referencia a perda do bem por sentença, essa posição
que já era predominante jurisprudencialmente, inclusive no STJ, hoje parece ser
inquestionável, os autores em sua totalidade afirmam que não se exige que a perda
decorra necessariamente de sentença, é possível que a perda se dê por ato
administrativo.
Quem quiser ver em casa, RESP 47398, esse é o mais recente e outro: RESP 259726.
Percebam que, nesse caso inclusive, inexigível a denunciação da lide, toda aquela
sistemática da denunciação da lide, claro, inaplicável no caso de perda por ato
administrativo.
Os efeitos tradicionais da evicção estão no artigo 450 que diz: salvo estipulação em
contrário, tem direito evicto, além da restituição integral do preço ou das quantias que
pagou... E aí traz 3 incisos.
Vejam que o caput fala em restituição integral do preço ou das quantias que pagou, só
que o caput por si só, talvez não fosse suficiente porque é possível que haja oscilação do
valor patrimonial do bem. Pode ser que a época o bem valesse X e agora vale Y e a
simples correção monetária, talvez não seja suficiente para viabilizar reparação integral.
Então, o §único do artigo 450 agora diz assim: o preço seja a evicção total ou parcial,
será o do valor da coisa na época em que se envenceu e proporcional ao desfalque
sofrido no caso de evicção parcial.
O Tepedino diz que como o §único ressalta que o preço é aquele na época da evicção, na
época em que se envenceu, ou seja, na época em que houve a perda do bem, o
adquirente, o evicto, se submeteria não apenas a plusvalia, mas também a desvalorização
do bem. O Tepedino defende que o adquirente não apenas se beneficia com a
valorização, mas pode se prejudicar com a desvalorização porque o preço (diz o código) é
aquele na época em que se envenceu.
O Carlos Roberto Gonçalves e o Araquém de Assis divergem. Para eles, a regra do
§único tem que ser interpretada em harmonia com o caput e o caput do artigo 450 fala em
restituição integral. Então, na verdade, o adquirente ele pode se beneficiar com a
valorização, mas não se prejudica com eventual desvalorização porque o caput garante a
restituição integral. Então, na verdade o caput nortearia a interpretação do §único.
Alguns cuidados aqui. O inciso I do artigo 450 fala em indenização dos frutos que tiver
sido obrigado a restituir, quer dizer, os frutos restituídos pelo evicto ao evictor poderão
ser exigidos pelo evictor em face do alienante. Isso aqui tem que ser interpretado junto
com os artigos 1214 a 1216 (lá nos direitos reais). Aquela questão do possuidor de boa fé
e de má fé no que tange aos frutos, estão lembrados? Toda aquela sistemática, quer
dizer, o artigo 1214 ao artigo 1216 que veremos lá nos direitos reais.
Possuidor de boa fé, por exemplo, artigo 1214 ele tem direito aos frutos percebidos, mas
tem que restituir os pendentes. Então, se o evicto restituir os frutos pendentes, ele vai ter
o direito de exigir do alienante os frutos pendentes que ele teve que indenizar ao evictor e
assim sucessivamente.
Olha a pegadinha aí, o artigo 1214 quando prevê que mesmo o possuidor de boa fé tem
que restituir os frutos pendentes, diz que ele tem o direito as despesas de produção e
custeio, assim como o possuidor de má fé do artigo 1216. O possuidor de má fé ele tem
que indenizar todos os frutos ao verdadeiro proprietário, mas ele tem o direito a
indenização pelas despesas de indenização e custeio, para que não haja enriquecimento
sem causa.
Percebam que essa dedução nas despesas de indenização e custeio lá do artigo 1214 ao
artigo 1216, deve ser levado em conta em relação a pretensão do inciso I do artigo 450
aqui, quer dizer, o evicto quando consegue tal dedução, essa dedução também vai refletir
no direito de regresso do evicto em face do alienante para que não haja enriquecimento
sem causa.
Pergunta do aluno.
Resposta: artigos 1214 a 1216. O artigo 1214 trata do possuidor de boa fé e o artigo
1216 de má fé, que tratam da dedução nas despesas de produção e custeio.
Pergunta do aluno.
Resposta: Inciso I do artigo 450. Quer dizer, do inciso I do artigo 450 para os artigos 1214
a 1216.
O inciso II fala em indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que
diretamente resultarem da evicção. Aqui vejam, a reparação é a mais ampla possível.
Quer dizer, despesas com escrituras, imposto de transmissão, registro e assim
sucessivamente.
Inciso III, só um cuidado com o inciso III, pois ele fala: “as custas judiciais e aos
honorários advocatícios”. Custas e honorários de ação? Do evictor contra o evicto. O
código não está fazendo menção aqui específica a ação do evicto contra o alienante,
seria desnecessário, o CPC já contempla. O que o código está resguardando é que as
custas e os honorários suportado pelo evicto na ação movida pelo evictor poderão ser
objeto de reparação através de evicção em face do alienante.
Tem uma maldade aqui, mas acho que é simples: o artigo 35 do CPC inclui aquelas
multas por má fé processual dentro das custas, multa por litigância de má fé.
Será que essa multa, por litigância de má fé, pode ser exigida pelo evicto em face do
alienante? Não, essa multa tem caráter personalíssimo, quer dizer, na verdade nós temos
aqui uma sanção de caráter pessoal.
Outra classificação aqui : a evicção pode ser negativa ou positiva.
A evicção negativa é a mais comum. Na evicção negativa, o adquirente se torna evicto se
defendendo de demanda movida por terceiro, quer dizer, aquela hipótese em que o
verdadeiro proprietário reivindica o bem do adquirente e evicção negativa por quê?
Porque ele está numa postura negativa, numa postura integrante do pólo passivo da
relação processual.
Já na evicção positiva, o sujeito se torna evicto sucumbindo na ação movida em face de
terceiro, quer dizer, o suposto adquirente ingressa contra o terceiro verdadeiro
proprietário reivindicando a coisa para si. Aí o sujeito se torna evicto como? Ele perde a
demanda em face do verdadeiro proprietário e, com isso, fica caracterizada a evicção,
pois fica caracterizada a perda do bem em face do terceiro.
Cuidado aqui em relação à evicção... Acho que vale a pena algum tipo de referencia para
o artigo 199, III, eu faria lá no início das disposições sobre evicção, lá no titulo do artigo
447 para o artigo 199, III que diz: não corre prescrição pendendo a ação de evicção.
O que o código está ressaltando aqui? Que o prazo de prescrição da demanda do evicto
contra o alienante se inicia a partir do transito em julgado da demanda pela qual se
constata a perda do bem pelo evicto. Quer dizer, com o transito em julgado da demanda
do evictor em face do evicto é que se inicia o prazo prescricional da demanda do evicto
em face do alienante, por quê? Porque é uma relação de prejudicialidade. Dada a relação
de prejudicialidade o prazo só se inicia com o transito e julgado da outra demanda.
Pergunta do aluno.
Resposta: no caso da desapropriação, digamos?
Pergunta do aluno.
Resposta: talvez não, sabe por quê? Porque o artigo 199, III está buscando resguardar...
Na verdade é aquela teoria da actio nata, quer dizer, o prazo de prescrição só se inicia
quando o sujeito tem inequívoca ciência da lesão do direito. Ainda que o decreto
expropriatório seja anterior, quer dizer, ele só passa a ter conhecimento inequívoco de
eventual pretensão Poder Público com a solução do evictor contra o evicto. Então, ainda
que a causa seja anterior, o código quis resguardar é a não influencia do prazo do direito
de regresso enquanto pendente o litígio entre o evictor e o evicto.
Pergunta do aluno.
Resposta: talvez seja no mínimo sustentável, nunca vi ninguém defendendo isso por que,
enfim não há uma interface entre o civil e o administrativo, mas talvez seja possível usar
uma interpretação analógica para se exigir o transito em julgado administrativo.
Pergunta do aluno.
Resposta: talvez o transito em julgado administrativo resguarde minimamente os
interesses aí, mas no mínimo enquanto pendente a questão administrativa me parece
plenamente aplicável extensivamente a regra.
O artigo 456, opinião minha, acho que essa remissão para artigo 199, III caia bem no
artigo 450 , porque ele é que trata das pretensões do evicto contra o alienante e aí fica
claro que essa pretensão do evicto se submete a lógica do artigo 199, III no que tange ao
limite do prazo prescricional.
O artigo 456 traz alguns aspectos importantes. Um deles nós já vimos, o artigo 456 prevê
que o evicto pode demandar não apenas o demandante imediato, mas qualquer dos
anteriores. Podemos superar isso? Senão vai ser repetitivo, quer dizer, função social do
contrato, exceção ao principio da relatividade.
Por outro lado o artigo 456 diz: para poder exercitar o direito que da evicção resulta, o
adquirente notificará no litígio o alienante imediato ou qualquer dos anteriores. “Para
poder exercitar”, então o código a principio impõe a denunciação da lide para que o evicto
possa exercitar o direito decorrente da evicção. A dúvida é e se ele não denuncia a lide?
Nós temos duas posições sobre o tema:
Primeira posição : Caio Mário e Clóvis Beviláqua, posição talvez hoje praticamente
superada. Essa posição defende que se não denunciar a lide o evicto não tem direito a
nada, perde qualquer pretensão. Isso porque o artigo 456 impõe a denunciação da lide
como requisito legal.
Muitos devem se lembrar que o artigo 70 do CPC, que trata a denunciação da lide,
aparentemente impõe a denunciação da lide para todas as hipóteses, mas o que muitos
processualistas afirmam é que o CPC não é a via adequada para proibir o exercício de
pretensões. Essa proibição tem que se dar a luz do direito material. E o que essa 1ª
corrente diz, é que nesse caso a denunciação obrigatória é não por força do artigo 70 do
CPC, mas sim por força do artigo 456 do código civil, regra de direito material.
Segunda posição : hoje é adotada pelo STJ e defendida pelo Tepedino. Nós vimos agora
pouco que quando as partes excluem a evicção pela exoneração genérica, o artigo 449
diz que o evicto tem direito ao preço que pagou, não é isso? Então, numa interpretação
genérica seria desarrazoado a seguinte questão: se as partes excluem a evicção, o evicto
tem direito ao preço, se o evicto simplesmente não denuncia a lide, o evicto não teria
direito a nada, haveria uma contradição. Quer dizer, ainda que se entenda que a não
denunciação afasta a evicção, quando as partes afastam a evicção, o que o artigo 449
diz? Tem direito ao preço. Então, a não denunciação da lide atrai os efeitos do artigo 449.
Como argumento de reforço, podemos falar de enriquecimento sem causa. Tem um
julgado, RESP 255639 ressaltando exatamente isso.
É obvio que essa sistemática aí não vai se aplicar, se o rito não comportar a denunciação
a lide, se for juizado especial obviamente; se a evicção se dá por ato, administrativo
obviamente inaplicável essa sistemática; e também inaplicável essa sistemática do artigo
456 no caso de evicção positiva. Quer dizer, é aquela hipótese em que o sujeito se torna
evicto quando exerce uma ação em face do terceiro, quer dizer, a premissa aqui é que o
réu evicto denuncia a lide dos alienantes anteriores.
Pergunta do aluno.
Resposta: evicção positiva é quando ele se torna evicto ao sucumbir a uma ação movida
em face do terceiro. A premissa do artigo 456 é que o evicto esteja sendo demandado e,
como integrante do pólo passivo, ele venha denunciar a lide o alienante imediato, então
não se aplicaria na evicção positiva.
Tem outra questão e essa é super delicada e os manuais não costumam enfrentar.
Quando se fala em evicção normalmente a gente lembra a expressão perda do bem, só
que na verdade a evicção ela pode decorrer não apenas da perda da titularidade sobre o
bem, mas também da privação de alguma utilidade da coisa.
Exemplo, sujeito compra um imóvel presumidamente livre e desembaraçado, sem nenhum
ônus real, sem nenhum gravame real. Posteriormente, um terceiro ingressa em juízo
comprova a preexistência de uma servidão de passagem sobre aquele imóvel adquirido,
evicção. O sujeito vai ser privado de uma utilidade do bem por força de um direito
anterior, ele não vai perder propriedade, mas ele vai ter que suportar uma servidão de
passagem preexistente.
Lembra aquela questão da servidão por destinação? Situação fática prolongada gerando a
servidão. Tem uma ação para isso, é ação confessória. Quer dizer, se por qualquer
motivo, o terceiro comprova a pré-existência de um direito real de servidão sobre o bem o
adquirente pode alegar evicção. Se um terceiro comprova a existência de uma garantia
real, por exemplo, pré-existente também aplicável o instituto da evicção. Isso é importante
para duas coisas:
Primeiro: o artigo 456 diz que é denunciação da lide o veículo adequado para o evicto
alegar evicção em face do alienante, só que o artigo 70, I do CPC correlaciona a evicção
à perda de domínio, a perda da propriedade. E aí o que alguns processualistas debatem,
e a questão até foge um pouco ao civil, mas há algum debate em relação ao seguinte: e
se a evicção não resulta da perda da propriedade, se resulta de uma servidão pré-
existente? Quer dizer, o Araquém de Assis por exemplo defende que nesse caso a
denunciação da lide não é obrigatória, porque a denunciação da lide do artigo 70, I do
CPC está atrelada a evicção, a perda de propriedade. Se a evicção não gera perda de
propriedade e sim um gravame real sobre o bem, inaplicável a obrigatoriedade da
denunciação da lide Do artigo 70, I do CTPC.
Contra essa posição do Araquém de Assis, o Venosa. O Venosa defende interpretação
extensiva.
Isso que acabamos de ver também é útil para interpretar o artigo 455, porque trata de
evicção parcial e isso é importante por quê? Já ficou claro aí que evicção parcial vai
acontecer quando? Quando o sujeito perder parte da propriedade do bem ou se sobre o
bem incide algum gravame real. Quer dizer, se é uma servidão de passagem sobre aquele
bem adquirido, a servidão de passagem pré-existente e não averbada no registro a época,
a evicção será parcial, ela não é total.
Então, evicção parcial, cuidado com isso, ela pode abranger não apenas o aspecto
quantitativo, no que diz respeito a perda de parte da propriedade, mas pode também
envolver a pré-existência de um direito real menor sobre o bem adquirido.
E aí o artigo 455, tratando dos direitos da evicção parcial, ressalta que esses efeitos
variam se a evicção parcial é considerável ou não considerável, é preciso diferenciar a
evicção parcial considerável da não considerável.
Diz o artigo 455 que se parcial, mas considerável for a evicção, poderá o evicto optar
entre a rescisão do contrato e a restituição da parte do preço correspondente ao
desfalque sofrido. Então, se for parcial e considerável, ele vai poder optar entre a
rescisão ou a restituição do preço.
Agora, o mais importante aqui, que pode vir tanto na dissertativa quanto na objetiva,
vamos ignorar a parte final do artigo 455, vamos pensar aqui para não memorizar. Se a
evicção parcial for não considerável, o sujeito perde uma parte desprezível de um terreno,
por exemplo. Pela dogmática aqui que estamos vendo caberia ao adquirente exigir a
rescisão do contrato? Não, o artigo 455 diz exatamente isso, diz lá: se não for
considerável caberá somente direito a indenização. Então, se a evicção parcial for não
considerável só tem direito a indenização, não pode exigir rescisão.
Na dissertativa vamos dizer o que? A gente vai dizer que esta regra se inspira no
principio da conservação dos atos e dos negócios jurídicos e eu não deixaria de falar em
adimplemento substancial, isso aqui não deixa de ser uma previsão implícita de
adimplemento substancial. Quer dizer, o adimplemento substancial obstaculizando o
pedido de rescisão do contrato.
Pergunta do aluno.
Resposta: se formos progressista... Por exemplo, se for o Tepedino na banca ou o
Matieto, se for PGE/PGM é plenamente sustentável dizer que a regra é cogente, boa fé
objetiva, conservação, valores socialmente relevantes. Em uma banca menos
progressista, autonomia privada. Mas é no mínimo sustentável que a regra é cogente,
sem dúvida alguma.
Contratos aleatórios : artigos 458 a 461.
Álea significa sorte, então contrato aleatório é um contrato de risco. A doutrina ressalta
que os contratos podem ser aleatórios por natureza ou podem ser acidentalmente
aleatórios.
Aleatórios por natureza: jogo ou aposta e, posição consolidada dentre os civilistas, o
contrato de seguro. Ressaltando dentre que os civilistas, porque o Fábio Ulhoa Coelho
tem uma posição aqui divergente, inclusive caiu na última prova da PFN e o gabarito era
no sentido de que o seguro era comutativo em direito empresarial e não houve mudança
de gabarito, posição isolada do Fábio Ulhoa Coelho, um absurdo completo! Absurdo
completo, não a posição do Fábio Ulhoa Coelho, o absurdo completo é colocarem isso
numa prova objetiva e enfim...
O que podemos dizer então aí? Que nesses contratos aleatórios por natureza, a álea é
causa de tais tipos contratuais. Lembram da causa como efeitos inerentes a um
determinado tipo negocial? Quer dizer, a álea é causa, é da essência de tais contratos.
Como contrato acidentalmente aleatório, o exemplo clássico é a compra e venda.
Quer dizer, quase sempre é comutativo, mas pode ser aleatório, por exemplo numa
compra e venda de coisa futura, teríamos aí um contrato acidentalmente aleatório.
Questão tradicional aqui e que cai sempre em provas objetivas. Emptio spei, artigo 458,
significa venda de esperança. Então, como o próprio nome já parece sugerir nessa
modalidade o adquirente tem uma mera esperança quanto a aquisição do bem.
Isso vai nos ajudar lembrar de que? Se o adquirente tem uma mera esperança na
aquisição do bem, nessa modalidade o adquirente assume o risco pela inexistência.
Então, se eu pago 100 reais pela pesca futura e assumo o risco pela inexistência, se o
pescador for diligente e não conseguir pegar nada, os 100 reais serão devidos.
O mesmo em relação ao contrato de safra, caiu na penúltima prova de MPT, na primeira
fase de Procurador do Trabalho, dizendo que o contrato de safra é um contrato
tipicamente aleatório, certo.
Na 2ª modalidade 1 rei é o que? Coisa, então quando bater na prova a expressão rei a
gente vai lembrar de coisa e ai fica claro que é o que? Que é venda de coisa esperada.
Então, como o próprio nome já nos sugere, nessa modalidade a coisa é esperada e,
portanto o adquirente não assume o risco pela inexistência, mas apenas pela quantidade.
O Venosa traz uma... Isso está no artigo 459, tá certo! Claro que tudo isso pressupõe que
não haja dolo ou culpa pela outra parte, é evidente, é preciso que a outra parte esteja
diligente. O Venosa traz uma observação aqui que na verdade me parece incontroversa.
Ele diz que nessa segunda modalidade do artigo 459, nada impede e, talvez seja até
aconselhável, que haja uma cláusula que garanta o preço ajustado dentro de quantidade
e/ou qualidade mínima.
Vejam bem, pela sistemática do artigo 459 que diz: se for aleatório por serem objeto dele
coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de vir a existir em qualquer quantidade,
terá o alienante a todo preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda
que a coisa venha a existir em quantidade inferior a esperada.
Então, pela sistemática do artigo 459 o adquirente assume o risco por qualquer
quantidade, mas pelo principio da autonomia privada nada impede que as partes
restrinjam quantidade ou qualidade mínima. Quer dizer, haveria aqui uma diminuição dos
riscos da álea assumida pelo adquirente, principio da autonomia privada.
Pergunta do aluno.
Resposta: é possível, claro que a gente não vai presumir, mas enfim toda interpretação
dos contratos hoje é norteado pela boa fé objetiva. Então, quer dizer, é possível que a
própria natureza do contrato atrelada ao próprio preço pactuado conduza a essa álea.
Talvez não dê para estabelecer presunções nesse sentido, mas em situações flagrantes
seria possível.
Pergunta do aluno.
Resposta: inerentemente aleatório me parece, quer dizer, as oscilações à luz de
aspectos mercadológicos seriam inerentes da própria celebração do contrato, é da própria
natureza, seria um contrato naturalmente aleatório.
Tem uma questão aqui interessante que é a seguinte: vamos supor que eu me
comprometa a pagar 100 reais pela pesca futura e o contrato é dessa 2ª modalidade aí,
“assumo o risco com qualquer quantidade”. O pescador vai ao mar, é diligente e pega 01
bagre. Pelo artigo 459, 100 reais por 01 bagre e essa é a posição predominante. Por que
posição predominante? Porque para a maioria da doutrina e também da jurisprudência o
principio do principio equilíbrio econômico é inaplicável em contratos aleatórios.
Caiu uma questão parecida com essa no MP estadual, perguntaram se seria possível a
teoria da imprevisão em contrato aleatório? Tem a ver com isso que estamos começando
a tratar, porque na verdade a teoria da imprevisão vem em harmonia com o principio da
equilíbrio econômico. Quer dizer, a maioria da doutrina e da jurisprudência afirma que não
há aplicação do equilíbrio econômico nos contratos aleatórios, quer dizer, seria inerente
ao risco a possibilidade de desequilíbrio econômico. Uma ou duas semanas antes da
prova do MP, o STJ lançou dois julgados dizendo que não se aplicaria a teoria da
imprevisão em contratos aleatórios.
Nesse ponto especifico aqui, o Tepedino tem uma posição ultra minoritária, lá na teoria da
imprevisão ele não é minoritário não, ele é acompanhado por vários autores, mas aqui sim
Tepedino é extremamente minoritário.
O Tepedino defende a aplicação mitigada do equilíbrio econômico em contratos
aleatórios, quer dizer, aplicação mitigada por quê? Porque para o Tepedino é aplicável o
equilíbrio econômico no caso de desequilíbrio desarrazoado que escape a álea normal do
contrato, ao risco normal e assumido pelas partes.
Qual é a lógica aqui do Tepedino? Aquele que pesca 01 bagre e exige os 100 reais,
estaria incurso num abuso do direito de exigir os 100 reais. Quer dizer, ter que falar que o
1
Nota da transcritora: a segunda modalidade é emptio rei speratae
Tepedino em abuso do direito, porque o código literalmente permite exigir os 100 reais.
Mas essa exigência se daria em desarmonia com os valores do sistema.
Pergunta do aluno.
Resposta: seria, só que não seria contrato aleatório dentro dessas modalidades, porque,
na verdade aqui, essas duas modalidades não esgotam o tema contratos aleatórios, é o
tema mais explorado. Na verdade aqui, emptio spei e emptio rei speratae... Mas isso aqui
envolve compra e venda de coisa futura, mas nada impede compra e venda sobre coisa
existente.
Pergunta do aluno.
Resposta: a coisa é futura, mas você não sabe o preço? Também nada impede, quer
dizer, aqui nesse caso você vai ter incerteza não apenas no que tange a própria
superveniência do bem quanto em relação ao próprio preço, sem dúvida alguma. O que
talvez se divorcie ainda mais dessa possibilidade é a possibilidade de contrato aleatório
sobre coisa existente e aí fugiria dessa sistemática. Mas nada impede que a coisa seja
futura e o preço também não pré sabido pelas partes.
E aí é possível suscitar, quer dizer, sustentável levantar essa tese do Tepedino, se essa
oscilação de preço escape a álea normal, quer dizer, se há uma guerra mundial, enfim o
Tepedino sustentaria possibilidade de aplicação mitigada.
Uma pegadinha aqui... Eu sugiro uma remissão recíproca entre o artigo 458 e o artigo 483
parte final, faria via de mão dupla aí . Porque o artigo 483 diz: a compra e venda pode ter
por objeto coisa atual ou futura, neste caso ficará sem efeito do contrato se essa não vier
a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório.
Então, o artigo 483 diz que se houver compra e venda de coisa futura, se a coisa não vier
a existir, o contrato não produz efeitos, salvo se o contrato era aleatório. Só que nesse
caso tem que ser o artigo 458, porque só no artigo 458 o adquirente assume o risco pela
inexistência, se o adquirente só assumir o risco pela quantidade esse contrato não vai
produzir efeitos ainda que ele seja aleatório.
Então, o artigo 483 parte final se refere a hipótese do artigo 458, porque pelo artigo 483,
ainda que a coisa futura não venha a existir, em sendo aleatório o contrato produz efeitos,
para isso é preciso que o adquirente tenha assumido o risco pela inexistência.
Para fechar agora, não nos esqueçamos da questão do contrato aleatório sobre coisa
existente, artigo 460.
Um exemplo típico da doutrina e de difícil aplicação na prática, mas em tese é um bom
exemplo: imagine um navio com uma mercadoria valiosa na iminência do naufrágio. Há
equipe de resgate no local e algum interessado compra aquelas mercadorias por um valor
muito inferior ao de mercado. Se houver o salvamento, o sujeito fica com as mercadorias
por um valor inferior, se houver o naufrágio perde o preço pago, quer dizer, nós teríamos
uma compra e venda sobre coisa existente.
Vimos um exemplo hoje também de compra e venda sobre coisa existente... Aquela
hipótese em que eu compro um imóvel hipotecado por um valor inferior ao de mercado,
quer dizer, nós temos aqui uma compra e venda sobre coisa existente que envolve uma
álea, que envolve um risco por parte do adquirente.
E aí o artigo 460 traz uma peculiaridade aqui, diz o artigo 460 o seguinte: se for aleatório
o contrato por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco assumido pelo
adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que a coisa já não
existisse em parte ou de todo no dia do contrato.
A parte final do artigo 460 está consagrando existência, validade e eficácia sobre um
contrato que incide sobre coisa inexistente, objeto inexistente.
Em regra, se a coisa é inexistente não há sequer negócio jurídico existente e o artigo 460
permite conferir existência, validade e eficácia a um contrato sobre objeto inexistente. E
aqui não é coisa futura, aqui na verdade o objeto já pereceu, ele é efetivamente
inexistente, é uma exceção sem duvida a sistemática geral.
CONTRATO PRELIMINAR ( Pactum de contrahendo)
Artigos 462 a 466 do CC.
Artigo 470 e 471 – tratam de hipóteses em que o contrato vai vincular os contratantes
originários. São hipóteses em que o terceiro não se vinculará. As hipóteses, em si, são
claras.
EXTINÇÃO DO CONTRATO
Artigos 472 a 480 do CC.
Resilição
Pode ser:
1) Bilateral (Distrato) – a natureza jurídica do distrato é contratual, ou seja, é um
contrato. Em se sabendo que o distrato tem natureza contratual é incontroverso que ao
destrato se aplicam os princípios contratuais. Portanto, não há porque se estranhar,
hoje, quanto a possibilidade de revisão judicial do distrato, ou seja, se ele não observa
o principio do equilíbrio econômico é possível que seja revisto judicialmente; a teoria
dos vícios do negócio jurídico a ele se aplicam.
O distrato produz efeitos ex nunc. Se do distrato houver a mudança na titularidade de
um imóvel, sobre ele incidirá imposto de transmissão.
O único artigo do CC que trata do distrato é o artigo 472: “O distrato faz-se pela
mesma forma exigida para o contrato”. Teve uma sutil alteração em relação ao artigo
1093 do CC/16. No CC/16 estava previsto que o distrato faz-se da mesma forma que o
contrato; então, todo e qualquer contrato firmado por instrumento publico, só poderia
ter distrato por instrumento publico. O artigo 472 diz que o distrato faz-se pela forma
exigida para o contrato; então, se é um contrato de locação realizado por instrumento
público, o distrato desse contrato pode ocorrer por instrumento particular, porque não
há exigibilidade do contrato de locação ser realizado por instrumento publico. O que
vincula o distrato, agora, é a forma exigida por lei e não necessariamente a forma
utilizada pelas partes; se as partes se utilizam de uma forma superior a prevista em
lei, esta forma superior não mais vincula a forma do distrato.
OBS: Pontes de Miranda já falava que se temos contratos conexos, o distrato de um
deles gera presunção em relação ao distrato dos demais, por gozarem de uma relação
de interdependência. Essa posição é discutível.
2) Unilateral – artigo 473: “A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa
ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte”.
Representa a extinção do contrato pela vontade de uma das partes. A regra geral é
pela inadmissibilidade da resilição unilateral. Apesar de todas as exceções vistas,
pacta sun servanda , ou seja, uma das partes não pode, unilateralmente, extinguir o
contrato pela mera manifestação de vontade.
Mas há algumas hipóteses em que se admite a resilição unilateral. Exemplo: mandato
– a revogação dos poderes outorgados ao mandatário tem a natureza juridica de
resilição unilateral; a renuncia pelo mandatário; o depositante quando requer o bem
antes do prazo; nos contratos de tratos sucessivos por prazo indeterminado.
O artigo 473, caput, que não havia no CC/16, deixa claro que a resilição unilateral é
uma declaração receptícia de vontade , ou seja, só produz efeitos quando levado ao
conhecimento do declaratário.
Remissão para o artigo 720 do CC, que exige o aviso prévio de 90 dias.
Parágrafo único – Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver
feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denuncia só produzirá efeito
depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.
As hipóteses em que se admite a resilição unilateral representam um direito
potestativo. Pela regra clássica, ao direito potestativo corresponde um mero estado de
sujeição. Antes do CC atual funcionava assim: suponhamos que haja um contrato e
uma das partes tinha o direito de exercer a resilição unilateral – direito potestativo; se
uma delas exerce esse direito potestativo a resilição unilateral, o contrato seria extinto
e o outro contratante – que se sentir prejudicado – que busque perdas e danos
(reparação pelo interesse negativo – proteção da legitima expectativa).
Mas o parágrafo único do artigo 473 do CC/02, para esta hipotese aqui em comento,
traz uma espécie de tutela especifica. O exemplo que a doutrina sempre traz é o
contrato de franquia; suponha que no contrato de franquia haja uma cláusula em que
permite ao franqueador resilir unilateralmente o contrato a qualquer tempo; o
franqueado faz investimentos consideráveis, que resultam da própria natureza do
contrato de franquia; e o franqueador, em seguida, resolve resilir o contrato; antes do
CC/02 o contrato seria extinto e o franqueado que fosse perquirir perdas e danos; o
CC/02, por suav vez, permite ao franqueador exigir um tempo mínimo ao franqueador,
antes que o contrato seja extinto, para que possa reaver o investimento mínimo
realizado.
Pergunta de aluno: pode se recorrer a arbitragem para resolver essa questão?
R: Sem dúvida. Em algumas situações, dada a complexidade e os vultos dos
investimentos, talvez seja até aconselhável as partes a eleição de um arbitro, que seja
um expert no assunto.
O parágrafo único do artigo 473 prevê a possibilidade de limitação temporal a eficácia
do direito potestativo de resilição unilateral.
OBS: Caio Mário ressalta que o dispositivo é inaplicável em contrato de mandato. Em
termos práticos, suponha que eu seja um advogado, com escritório pequeno, e consigo
grandes clientes; para absorver esses grandes clientes é feito um investimento
considerável; um mês depois, o novo cliente exerce a resilição unilateral, revogando os
poderes outorgados ao advogado; se aplicarmos o parágrafo único do artigo 473, em
sua literalidade, o cliente terá que suportar o advogado atuando em seu nome sem que
haja relação de confiança. Então, na verdade, o parágrafo único seria inaplicável ao
contrato de mandato, porque é da essência a subsistência do mandato a relação de
fidúcia, confiança.
Na hipótese, pois, de contrato personalíssimo, a solução não se dá a luz do parágrafo
único do artigo 473, mas sim pela via clássica, ou seja, o contrato se extingue e as
partes que discutam perdas e danos.
Será que a cláusula penal afasta o parágrafo único do artigo 473? A pré fixação das
perdas e danos afasta o parágrafo único do artigo 473?
R: Não. Porque a clausula penal apenas pré fixa perdas e danos. Quando tem clausula
penal o credor não é obrigado a pedir perdas e danos pela cláusula penal; o artigo 410
claramente diz que a clausula pena é uma alternativa a beneficio do credor; a clausula
penal não inibe o credor de exigir a tutela especifica, o cumprimento da prestação.
Então, não há nenhuma incompatibilidade entre a cláusula penal e a invocação do
parágrafo único do artigo 473.
Diferente, e tormentosa, é se a hipótese envolver arras penitenciais, porque estas
buscam atribuir as partes o direito de arrependimento; é pressuposto as arras
penitencias que haja cláusula de arrependimento – artigo 420. Assim, se as próprias
partes pré pactuaram as arras penitenciais, a alegação do parágrafo único do artigo
473 seria caso de venire contra factum proprium.
Se a hipotese é de arras confirmatórias, o objetivo desta também é reforçar o vinculo,
aplicando a mesma solução para o caso da clausula penal.
Só se fala em resilição quando não há que se falar em inadimplemento, caso contrário
será caso de resolução.
Resolução
Artigo 474 – A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende
de interpelação judicial.
Este instituto parece muito com direito de retenção. É como se o contratante pudesse
reter a sua prestação, enquanto o outro não cumpre a sua própria. O que difere
tecnicamente ambos os institutos é que a exceção de contrato não cumprido pressupõe
sinalagma, ou seja, interdependência entre as prestações. Exemplo: contrato de
mandato – o serviço é prestado pelo mandatário, tendo como contrapartida um
determinado preço; suponha que afora o preço, o mandatário suporte despesas de
deslocamento; essas despesas de deslocamento serão objeto de direito de retenção e
não exceção de contrato não cumprido, porque não representam propriamente o preço
devido pela celebração do contrato de mandato.
A retenção envolve um bem que pertence a outrem; na exceção de contrato não
cumprido há a retenção de uma prestação que o sujeito deve a outrem por uma
determinada relação contratual.
Prova da Magistratura Estadual: pertungou sobre a exceção da exceção de contrato
não cumprido?! Dava para falar em adimplemento substancial; proibição de corte de
fornecimento quando o destinatário presta serviço essencial; clausulas exorbitantes
(90 dias); mas o que o examinador queria era a clausula solve et repet , pela qual as
partes convencionam o afastamento da exceção de contrato não cumprido, ou seja, pré
convencionam a inaplicabilidade da exceção de contrato não cumprido. Essa clausula,
na verdade, tem uma dimensão mais ampla, pois, tem o condão de afastar as exceções
de inadimplemento, e dentro destas teríamos a exceção de contrato não cumprido, o
direito de retenção, enfim.
A doutrina e a jurisprudência admitem a clausual solve et repet pelo principio da
autonomia privada. Inaplicável, contudo, em contratos de adesão – artigo 424 do CC.
ONEROSIDADE EXCESSIVA
Artigos 478 a 480 do CC.
Artigo 6º, inciso V do CDC.
Tem uma posição defendida por alguns manuais no sentido de que o devedor em mora
não pode alegar onerosidade excessiva se o evento extraordinário e imprevisível
ocorre durante o atraso injustificado.
Poderíamos justificar essa posição usando, por analogia, com artigo 399, que dispõe
que o devedor em mora responde, ainda que, por caso fortuito ou força maior. Também
podemos invocar a tu coque, ou seja, não pode o devedor em mora alegar onerosidade
excessiva, diante de seu próprio atraso injustificado.
O Venosa traz uma observação, que parece clara, no sentido de que tal vedação não
se aplicaria no caso em que a mora decorre da onerosidade excessiva. Por isso é
preciso que o evento extraordinário e imprevisível ocorra dentro do atraso injustificado,
para que não decorra da mora.
O fato gerador do desequilíbrio não pode ser imputável ao contratante que alega a
onerosidade excessiva. Suponha que A tenha por objeto comercializar bens
manufaturados, e na verdade a entrega dos bens manufaturados, a luz de preços
anteriormente acordados em contratos antes firmados, se tornou impossível por um
aumento significativo do custo da matéria prima do bem manufaturado. Imagine que o
aumento na matéria prima se dê em razao de um inadimplemento contratual de A em
relação aos fornecedores; o A é o único da localidade que compra a matéria prime e
deixou de pagar aos fornecedores, tendo esse não pagamento reiterado gerado a
quebra dos fornecedores; essa quebra acabou propiciando um elavadíssimo custo da
matéria prima por um fato superveniente. Ou seja, o próprio individuo que alega a
onerosidade excessiva deu causa a maior onerosidade invocada. É possível, aqui, se
falar em tu coque (principio da boa fé objetiva). É inadmissível que aquele que tenha
dado causa ao desequilíbrio econômico possa invocar a onerosidade excessiva.
O juiz de oficio pode impor a revisão judicial? Ou seja, a parte autora invoca a
onerosidade excessiva e pede a resolução, poderia o juiz de oficio impor a revisão?
R: Enunciado 367 do CJF diz que NÃO. diz o enunciado: “Em observância do principio
da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto
por excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo equitativamente, desde que ouvida
a parte autora, respeitada a sua vontade e observado o contraditório”. É direito
potestativo, em tese, do autor optar entre a resolução e a revisão judicial.
Contra este tese poderíamos invocar matéria de ordem publica, ou seja, principio da
conservação, boa fé objetiva, enfim.
O próprio CC, pela literalidade, dispõe que resta ao devedor pedir a resolução. Por
uma interpretação sistemática é que se defende a possibilidade de exigir a revisão.
DIREITOS REAIS
POSSE
Blibiografia:
José Acyr Lessa Giordane
Tupinambá Miguel de Castro
Teorias:
a) Teoria Subjetiva – Savigny – A posse seria o poder físico que se exerce sobre
o bem com a intenção de ser proprietário.
Elementos:
Corpus – poder físico; contato material; envolve a idéia de influência imediata
sobre o bem.
Animus Domini – ânimo de dono; intenção de ser proprietário.
Criticas: A) Supervalorização do elemento subjetivo ( animus domini ); a critica se daria
em relação a dificuldade probatória e porque essa supervalorização do elemento
subjetivo vai contra a tendência do direito civil contemporâneo. Essa exigência de
animus domini seria um resquício da era voluntarista, na qual a vontade humana tinha
um valor absoluto. B) Tecnicamente, o locatário, depositário, o comodatário, não tem
animus domini ; ou seja, a teoria subjetiva ao exigir animus domini restringe
demasiadamente o âmbito de aplicação da posse.
Para esta teoria não existe a divisão da posse em direta e indireta. Para Savigny
àqueles caracterizados, hoje, como possuidores diretos eram caracterizados como
meros detentores, porque desprovidos de animus domini. Ou seja, a figura do
desmembramento possessório é estranha a teoria subjetiva do Savigny.
b) Teoria Objetiva – Jhering
Elementos:
Corpus – pressupões poder de fato; ou seja, destinar o bem a sua função
econômica-social. O sujeito para ter posse não precisa necessariamente ter o contato
físico, material, exigindo-se apenas que o sujeito destine o bem à sua função social.
Exemplo: o sujeito é um pescador e se utiliza da rede dia sim, dia não, para sua
atividade pesqueira; mesmo no lapso temporal em que não utiliza a rede para pescar
ele mantém a posse, pois não tem o poder físico, o contato material, mas aquele bem
está destinado a sua função econômica e social. Outro exemplo é o material de
construção num terreno destinado a determinada obra.
Um relógio perdido na areia da praia não há corpus. É preciso analisar a finalidade
econômica a que se dirige o bem, ou seja, temos na teoria objetiva, talvez, o
nascedouro da função social da posse .
Affectio Tenendi – utilizar-se do bem como se proprietário fosse. “A posse como
sendo a visibilidade do domínio”. Utilizar-se do bem como se proprietário fosse
significa destinar o bem a sua função econômica e social. Assim sendo, para muitos
autores, como Caio Mario, Tepedino, Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald, a affectio
tenendi estaria embutida na própria definição de corpus da teoria objetiva.
1C) Defende a posse como sendo um FATO, e não um direito. A posse seria um fato
que traz conseqüências jurídicas. Não há porque se estranhar o fato da posse ser um
fato que traz conseqüências jurídicas, vez que isso também se aplica, por exemplo, em
relação ao nascimento, ao falecimento. Para esta corrente, a posse não seria um
direito porque pode ser justa ou injusta (a posse é aética, segundo afirmam alguns
autores anteriormente), de boa ou má fé, e seria inimaginável que o ordenamento
jurídico contemplasse um direito injusto e de má fé. Outro argumento é o seguinte: se
há a celebração de um contrato, ainda, que nulo, haverá a transferência da posse;
diziam os romanos que o ato nulo não tem o condão de transferir direitos, mas o
contrato, ainda, que nulo transfere a posse; portanto, se o contrato nulo transfere a
posse, esta não pode ser um direito, porque o contrato nulo não tem o condão de
transferir direitos. Outro argumento: a posse sempre foi disciplinada no capitulo dos
direitos reais; o objeto da posse é a coisa; a posse tem oponibilidade erga omnes ;
enfim, se a posse fosse um direito, seria um direito real; mas os direitos reais estão
elencados no artigo 1225 do CC, e neste artigo o legislador não prevê a posse; seria
obstáculo ao reconhecimento da posse como direito real o rol taxativo do artigo 1225
do CC. Outro argumento, do Pontes de Miranda: a própria definição do artigo 1196 do
CC/02, que diz considerar-se possuidor aquele que tem de fato o exercício, e não a
titularidade.
Pergunta de aluno: qual a diferença entre fato com conseqüência juridica e fato
jurídico?
R: Tem alguns autores, como o Tepedino, por exemplo, não gosta da expressa “fato
que traz conseqüência juridica”; ou é um fato, ou é um direito. A diferença, talvez, seja
a seguinte: fato jurídico lato sensu é o gênero, ou seja, todo acontecimento natural,
decorrente da vontade, que produz efeito no plano jurídico; quando a primeira corrente
defende a posse como mero fato estaria enquadrando a posse dentro do ato-fato, que
leva em conta as suas conseqüências e não a vontade dirigida a sua pratica.
Para quem defende que a posse é um direito, a posse não seria um mero ato-fato, mas
sim um direito titularizado.
Isso traz algumas conseqüências em relação a capacidade. A posição, hoje,
predominante, é no sentido de que o incapaz pode exercer a posse; quando se afirma
isto parece vir em sintonia com a lógica do ato-fato.
Enfim, quando se defende que a posse é um fato que traz conseqüências jurídicas não
se está negando que a posse é um fato jurídico, mas dentro do fato jurídico lato sensu.
Essa primeira corrente já era defendida pelo Savigny; e é defendida, dentre outros,
pelo Pontes de Miranda, Silvio Rodrigues, José Acyr Lessa Giordane, Tupinambá
Miguel de Castro.
2C) Defende que a posse é um DIREITO. Tese que já era defendida pelo Jhering. Dizia
este autor que o direito é um interesse juridicamente protegido. Dentro desse contexto,
seria inegável a idéia de que a posse é um interesse juridicamente protegido, portanto
um direito. Nessa segunda corrente, todavia, há uma subdivisão: uns defendem a
posse como sendo um direito pessoal; e outros defendem a posse como um direito
real.
Posse como Direito Pessoal Posse como Direito Real
Partindo-se da premissa de que O artigo 95 do CPC prevê a posse
a posse é um direito para ser direito como sendo direito real. Competência
real tem que estar no artigo 1225 do para ações fundadas em direito real sobre
CC; se não está neste dispositivo, por imóveis. Dispõe o artigo: “nas ações
exclusão, a posse é um direito pessoal; fundadas em direito real sobre imóveis é
competente o foro da situação da coisa;
Uma das características do
pode o autor, entretanto, optar pelo foro
direito real é a oponibilidade erga
do domicilio ou de eleição não recaindo o
omnes; em relação a posse, o artigo
litígio sobre direito de propriedade,
1212 do CC ressalta que a tutela
vizinhança, servidão e posse”. O referido
possessória não pode ser oponível a
dispositivo está tratando sobre ações de
terceiros adquirentes de boa fé; diz o
direito real sobre imóveis, fazendo alusão
referido artigo que “o possuidor pode
explicitamente a posse. Portanto, no
intentar a ação de esbulho ou de
artigo 95 do CPC teríamos a previsão
indenização contra o terceiro que
legislativa da posse como sendo direito
recebeu a coisa esbulhada sabendo
real. Defende esta teoria que não
que o era”; a contrario sensu , se
necessariamente os direitos reais
recebeu a coisa esbulhada não
precisam estar catalogados no CC, mas
sabendo que o era não caberá tutela
sim no ordenamento jurídico.
possessória contra terceiro adquirente
de boa fé. Ou seja, a posse, a luz do Critica: A definição da natureza juridica
artigo 1212 não é oponível erga omnes . compete ao direito material, e não ao
Sistemática essa que se difere do instrumental.
artigo 1247, parágrafo único, que trata
Parágrafo segundo do artigo 10 do
dos bens imóveis em relação ao
CPC – para o caput apenas as ações reais
registro, dispondo que “cancelado o
precisam do consentimento do cônjuge;
registro, poderá o proprietário
para as ações que não envolvem direito
reivindicar o imovel,
real não precisa do consentimento. O
independentemente da boa fé ou do
parágrafo segundo diz que para as ações
título do terceiro adquirente”.
possessórias não precisam do
Critica: o artigo 1268, caput, traz uma consentimento. A terceira corrente
exceção a oponibilidade erga omnes da defende, então, que se a posse fosse um
propriedade. direito pessoal não precisaria do
parágrafo segundo, porque já diz o caput,
O artigo 10 do CPC, no caput,
a contrario sensu, que para as ações de
diz assim: “o cônjuge somente
direito pessoal não precisa do
necessitará do consentimento do outro
consentimento do cônjuge. O que o
para propor ações que versem sobre
parágrafo segundo estabelece é uma
direitos reais e imobiliários”. A
exceção a regra do caput, ou seja, mesmo
contrario sensu, se não for direito real
a posse sendo um direito real, para a ação
não precisa do consentimento.
possessória não precisaria do
Parágrafo segundo do artigo 10 do
consentimento.
CPC: “Nas ações possessórias a
participação do cônjuge do autor ou do Com o falecimento – teoria da
réu somente é indispensável nos casos saisine – há a imediata transferência da
de composse ou de ato por ambos posse aos herdeiros. E nenhum fato
praticados”. Numa visão sistemática, o embasa a posse neste caso. Temos
parágrafo segundo do artigo 10 estaria inumeras hipóteses de posse ficta, sendo
ressaltando que as ações possessórias uma delas a teoria da saisine, onde o
não versam sobre direito real, e sim sujeito adquire a posse sem nunca ter
sobre direito pessoal. exercido o poder de fato; todas as
hipóteses de tradição ficta – constituto
possessório, tradição ficta longa manu,
brevi manu – são hipóteses em que há
posse em o efetivo exercício do poder de
fato. Enfim, a simples existência de posse
sem qualquer embasamento fático
evidenciaria que a posse, na verdade,
seria um direito, e não um mero fato.
A posse é disciplinada no capitulo dos direitos reais, incide sobre a coisa, tem
oponibilidade quase erga omnes ; mas o grande óbice é a ausência de previsão legal; é
a taxatividade dos direitos reais.
A discussão, hoje, mais relevante, é entre a posse como FATO ou como DIREITO
REAL. A idéia da posse como um direito pessoal é bastante desprestigiada.
Há uma leve predominância em se entender a posse como um direito real. Defensores:
Caio Mário, Orlando Gomes, Marco Aurélio Melo, dentre outros.
Tem quem defenda, o Carlos Roberto Gonçalves, Moreira Alves, por exemplo, que a
posse seria um direito sui generis, porque tem características próprias dos direitos
reais, mas também características próprias dos direitos pessoais.
Uma ultima posição, defendida pelo Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, no sentido
de que a natureza juridica da posse varia de acordo com o caso concreto. Por
exemplo: a posse exercida pelo esbulhador – nesse caso a posse seria um ato-fato; a
posse exercida pelo proprietário, pelo usufrutuário, seria um direito real. A posse
exercida pelo locatário seria um direito pessoal. Ou seja, a natureza juridica da posse
estaria atrelada a causa juridica da posse, aquilo que embasa a posse, seja uma
situação fática, uma situação de direito real ou uma situação de direito pessoal. Essa
posição é minoritarissima.
DETENÇÃO
Detentor é aquele que exerce o poder de fato sobre o bem sem alcançar o status de
possuidor.
Para fins didáticos, o detentor seria o possuidor aparente. O sujeito que
aparentemente seria qualificado como possuidor, mas por algum motivo o ordenamento
jurídico lhe retira esse status.
Para a teoria subjetiva, do Savigny, todos aqueles que exercem o poder de fato sem
animus domini seriam qualificados como mero detentores.
Mas o CC/02 adota a teoria objetiva, de Jheringe. E para a teoria objetiva a detenção
decorre do ordenamento jurídico, isto é, a detenção decorre de óbice legislativo. O
Moreira Alves chega a utilizar a expressão de “reserva legal”; talvez um pouco forte. O
Tupinambá diz que na detenção o ordenamento jurídico traz um elemento degradante
da posse, e esse elemento degradante faz com que o poder de fato seja qualificado
como uma mera detenção.
Qual seria o efeito prático da distinção entre posse e detenção?
Em regra, os mecanismos de proteção da posse não são extensíveis ao detentor.
Hipóteses:
a) Artigo 1198 do CC – “Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação
de dependência para com outro, conserva-se a posse em nome deste e em
cumprimento de ordens ou instruções suas”.
Trata do denominado “fâmulo ou servo da posse”.
Muitos incorrem num equivoco técnico de afirmar que a detenção se esgota no artigo
1198; o que não é verdade. A detenção é um gênero que comporta algumas
manifestações, sendo uma delas o artigo 1198.
Resumidamente, o fâmulo da posse previsto no artigo 1198 é aquele que exerce o
poder de fato, sem autonomia, em obediência as ordens ou instruções de seu superior.
Exemplo: caseiro; motorista em relação ao automóvel do patrão; da secretária em
relação aos objetos do patrão.
O fâmulo da posse a exerce em nome de seu superior. Quando o artigo 1198 fala
“conserva-se a posse em nome deste”, fazer remissão, sinalizando uma diferença, para
o artigo 1204. O possuidor conserva a posse em nome próprio, o detentor conserva a
posse em nome alheio.
O que o CC anterior não previa, mas o atual passa a contemplar, é o seguinte:
suponha que A tenha um caseiro; no final de semana, quando A vai a casa de praia, é
impedido de entrar em seu imovel, pelo caseiro. O que qualificava a detenção era a
relação de subordinação; com o rompimento desta, a detenção irá se transmudar em
posse (evidentemente injusta). Essa possibilidade da transmudação da detenção em
posse, por conduta unilateral do detentor, está prevista no parágrafo único do artigo
1198 do CC.
Parágrafo único – Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este
artigo, em relação ao bem e a outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o
contrário.
Enaltecendo essa possibilidade de transmudação da detenção em posse temos o
enunciado 301 do CJF.
No exemplo visto – do caseiro – a transmudação se deu por uma conduta abrupta. Mas
nada impede que essa transmudação se dê por uma situação fática prolongada.
Suponha que A desapareça do imovel, deixa de pagar salário, e o caseiro fica no
imovel por 30 anos, administrando o bem em nome próprio, sem receber qualquer
ordem ou instrução; ou seja, passa a exercer o poder de fato com plena autonomia.
Essa situação fática prolongada, sem duvida, pode gerar a transmudação da detenção
em posse. E o efeito prático relevante é o prazo para usucapião.
O ônus da prova cabe àquele que invoca a transmudação (antigo detentor).
CUIDADO: esse dispositivo não se confunde com a inversão ou interversão da posse.
No parágrafo único do artigo 1198 o que o legislador prevê é a transmudação da
detenção em posse. Na inversão da posse, o que ocorre é a mudança no titulo da
posse preexistente. A questão ganha importância pratica na questão da posse
precária, se esta vale ou não para alegação de usucapião.
b) Artigo 1208, primeira parte – “Não induzem posse os atos de mera permissão
ou tolerância (...)”. Ou seja, atos de mera permissão ou tolerância. Na permissão há o
consentimento prévio – exemplo: A tem um sitio e seu vizinho uma vez por semana
passa uma hora no açude de seu sitio; o vizinho nunca pediu a permissão, mas A
sempre tolerou; o vizinho não tem posse sobre o sitio quando ali se encontra, mas sim
mera detenção por um ato de permissão ou tolerância.
O Cristiano Chaves e o Nelson Rosenvald destacam que, no contexto atual, essa
tolerância para qualificar mera detenção deve envolver prazo reduzido. Uma tolerância
demasiadamente prolongada, para esses autores, propiciaria a aplicação da supressio.
E com base na supressio seria possível sustentar a transmudação daquela detenção
em posse. Posição minoritária.
A tendência da jurisprudência, como um todo, é bastante restritiva em relação ao
tema. Não há nenhum julgado do STJ aniquilando a aplicação da supressio , mas, a
principio, a tendência da jurisprudência é no sentido oposto a tese do Cristiano
Chaves.
*Há um julgado do STJ para aplicar supressio como sucedâneo a inadmissibilidade de
usucapião sobre área comum de condomínio edilício. Mas é diferente da situação ora
tratada, porque neste julgado não se discutia a existência ou não de posse.
Exemplo: o sujeito enguiça o carro, altas horas da noite, em local ermo; pede para
passar a noite numa determinada residência; o dono do imovel permite – ato de mera
permissão; há mera detenção, não há posse. No dia seguinte o sujeito se recusa a
sair; se o proprietário ficar inerte irá haver a transmudação da detenção em posse.
Tudo que vimos em relação a mudança da circunstancia fática, no parágrafo único do
artigo 1198, se aplica também ao artigo 1208, primeira parte.
c) Artigo 1208, segunda parte – “(...) assim como não autorizam a sua aquisição
(da posse) os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a
clandestinidade”. Diz respeito aos atos violentos ou clandestinos. Enquanto houver
atos violentos ou de clandestinidade não há posse, mas mera detenção. Enquanto o
possuidor ou proprietário estiver se insurgindo em face do esbulho, o esbulhador não
tem posse, mas mera detenção. Exemplo de ato clandestino: o esbulhador entra no
terreno, mas não acende as luzes, fica no escuro, não exterioriza o poder de fato.
Remissão para o artigo 1200 do CC; este artigo, a contrario sensu, ressalta que é
injusta a posse violenta, clandestina ou precária. Combinando os dois artigos, hoje,
entendimento majoritário é no sentido de que enquanto há atos violentos, ou enquanto
perdurar a clandestinidade, haverá mera detenção – artigo 1208, segunda parte;
cessados os atos violentos, ou cessada a clandestinidade, haverá posse injusta –
artigo 1200.
Cessada a violência ou a clandestinidade, a detenção se transmuda em posse; mas em
posse injusta, a luz do artigo 1200.
A importância pratica aqui é para fins de usucapião. Enquanto há detenção, não há o
computo do prazo para fins de usucapião.
Alguns clássicos, quando diz o artigo “senão depois de cessar a violência ou a
clandestinidade”, defendem que se entende por clandestinidade “enquanto o
proprietário não sabe”. Era a tendência dos manuais anteriores. Enquanto o esbulhado
não souber, mera detenção. Suponhamos que todo mundo sabe, menos o esbulhado,
porque não aparece no bem há trinta anos. Essa interpretação à moda clássica parece
ser flagrantemente contrária a teoria sociológica da posse e a função social da
propriedade. A visão clássica protege irremediavelmente o proprietário desidioso, em
detrimento do detentor, ainda que este tenha destinado o bem a sua função econômica
e social. A tendência, hoje, é no sentido de interpretar a clandestinidade à luz do
aspecto objetivo, ou seja, basta que o poder de fato seja aparente: “sabe ou deveria
saber”.
d) Bens cujo mero poder constitui ilicitude – por exemplo, entorpecentes, armas
proibidas, animais silvestres cuja domesticação é vedada por lei. O sujeito não tem
posse sobre esses bens, mas mera detenção.
CUIDADO: aquele que furta um relógio tem posse; a hipótese de detenção é bens cujo
mero poder constitui ilicitude; o poder de fato sobre um relógio, por si só, na gera
ilicitude; a ilicitude, neste caso, proveio da origem, da causa do poder de fato. Quando
esta contraria a lei temos posse injusta.
Fazendo um paralelo com o direito penal: o contrabando está para a detenção e o
descaminha está para a posse injusta; o contrabando a simples importação da
mercadoria, por si só, gera ilicitude; o descaminha é crime contra o fisco, ou seja, o
sujeito importa mercadorias sem o devido pagagamento do tributo.
DETENÇÃO (CONT.)
Espécies (cont.):
Artigo 1224 do CC – “Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o
esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando
recuperá-la, é violentamente repelido”.
Suponhamos que eu tenho uma casa de veraneio e três pessoas invadiram minha casa
de praia há uma semana, e eu não estou sabendo de nada. No plano fático, no plano
naturalístico, eu já perdi a posse há uma semana; os esbulhadores já teriam a posse.
O artigo 1224 do CC estabelece uma ficção jurídica. Ou seja, enquanto eu não estiver
sabendo de nada, permaneço com o status de possuidor; e é indiscutível que o referido
artigo traz uma modalidade de posse ficta , pois evidentemente o esbulhado já perdeu o
poder de fato.
É um mecanismo de proteção àquele que não tinha meios de se defender.
Se o esbulhado é o possuidor, por força do artigo 1224, os esbulhadores são
detentores. O artigo 1224, implicitamente, traz mais uma modalidade de detenção.
Esse artigo é de suma importância para alguns aspectos que veremos mais adiante.
Uma questão que cai muito é autodefesa da posse – desforço imediato – artigo 1210,
parágrafo primeiro. Uma das exigências ao exercício da autodefesa da posse é no
sentido de que a reação seja imediata; se o esbulhado toma ciência uma semana
depois do esbulho, ainda é possível, pelo plano jurídico, o exercício da autodefesa da
posse, porque no plano jurídico àquela reação é tida como imediata, em que pese o
esbulho ter ocorrido uma semana antes.
Outro reflexo do artigo 1224 é a questão da posse nova e posse velha. O computo da
posse, como sendo nova ou velha, há se dar a luz do artigo 1224; ou seja, aquele
período em que o esbulhado não teve ciência é mera detenção, e não é computado
para fins de posse até ano e dia.
Pela interpretação literal do artigo 1224, a detenção dos esbulhadores só vai se
transmudar em posse quando o esbulhado tomar ciência. A doutrina contemporânea
ressalta o seguinte: imagine que todo mundo saiba, menos o esbulhado; a
interpretação literal do artigo 1224, impondo conhecimento inequívoco do esbulho,
ainda que toda circunstancia fática evidencia o poder de fato dos esbulhadores,
colidiria com a teoria sociológica da posse; porque a interpretação literal confere uma
proteção inexorável ao proprietário, ainda que desidioso, ainda que tenha abandonado
o imóvel por trinta ou quarenta anos, em detrimento dos detentores, ainda que estes
venham a destinar o bem a sua função social. Então, a teoria sociológica da posse
impõe a interpretação mitigada do artigo 1224, ou seja, não se exige,
necessariamente, conhecimento inequívoco; o que se exige é que a ausência do
esbulhado seja temporária e justificada.
Outro ponto que merece destaque é o seguinte: a doutrina, praticamente unânime,
ressalta que os esbulhadores são meros detentores enquanto o esbulhado não toma
ciência, a princípio; todavia, excepcionalmente a esses detentores se confere tutela
possessória em face de terceiros. O professor já ouviu posição – que lhe parece
atécnica – no sentido de que o esbulhador seria detentor em relação ao esbulhado e
possuidor em relação a terceiro. Para o professor, o esbulhador ou é detentor, ou é
possuidor. Na verdade, neste caso em análise, ele é um detentor que,
excepcionalmente, dispõe de tutela possessória em relação a terceiros. Essa
possibilidade do detentor se valer de tutela possessória em favor de terceiro é
estranhada pelo Marco Aurélio Melo, o qual defende, isoladamente, que o artigo 1224
não traz mais uma hipótese de detenção. Defende ele que no artigo 1224 teriamos um
desmembramento fático da posse, ou seja, posse direta e indireta. Essa posição do
Marco Aurélio é isolada porque contraria o artigo 1197 do CC. Segundo este
dispositivo, para que haja posse direta/indireta é preciso que haja embasamento em
direito pessoal ou real. Quando se fala em desmembramento possessório vem a mente:
locação, comodato, deposito, usufruto, ou seja, a posse direta/indireta – artigo 1197 –
decorre sempre de direito pessoal ou real, por isso o Marco Aurelio, de maneira
coerente fala em desmembramento fático, ou seja, seria a hipótese, em que
excepcionalmente, haveria um desmembramento não decorrente de direito obrigacional
ou direito real. Toda essa construção é para legitimar que o possuidor direto – assim
denominado pelo Marco Aurelio – se valha de proteção possessória em relação a
terceiros. Para o Marco Aurelio, o esbulhador teria a posse direta, e o esbulhado a
posse indireta.
Bens públicos – a posição praticamente unânime, na doutrina, e consolidada na
jurisprudência, é no sentido do descabimento de posse sobre bens públicos de uso
comum e de uso especial. Defensores: Maria Helena Diniz, Carlos Roberto Gonçalves,
Caio Mario, etc. Fundamento: apenas os bens públicos de uso comum – dominicais –
são suscetíveis de posse porque apenas estes são apropriáveis, na medida em que os
bens públicos de uso comum e de uso especial são, sabidamente, inalienáveis. Então,
quem exerce poder de fato sobre bem publico de uso comum e de uso especial tem
mera detenção. O possuidor é aquele que atua como se proprietário fosse; como não é
possível a aquisição de propriedade sobre bem publico de uso comum ou de uso
especial não se configuraria a posse. O efeito prático é o seguinte: se o sujeito é mero
detentor sobre o bem publico de uso comum ou uso especial não são extensíveis a
este detentor os mecanismos de proteção da posse. Tem um julgado do STJ –
Informativo 297, Resp. 788.057 – muito bom para quem fazer prova para a advocacia
publica – PGE, PGM – que diz o seguinte: o sujeito exercia o poder de fato sobre bem
publico de uso comum ou de uso especial e fez benfeitorias no bem; quando da
retomada do bem pelo poder publico, este sujeito alegou o artigo 1219 do CC – direito
a indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, com direito a retenção; o STJ
decidiu que direito de retenção não tem, porque este só é conferido ao possuidor de
boa fé, e em sendo o sujeito mero detentor, descabido é o direito de retenção; dentro
da perspectiva, inclusive, de que o direito de retenção não se presume. O direito de
retenção não se presume porque é resquício de autotutela. O STJ entendeu, ainda,
que descabia direito a indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, porque este
só é contemplado no artigo 1219 em favor do possuidor de boa fé. Em prova para a
advocacia publica deve se adotar esta posição como a adequada. Mas, cá entre nós, o
direito a indenização pelas benfeitorias necessárias, evidentemente, não está no artigo
1219 do CC, mas se justifica a luz da vedação ao enriquecimento sem causa; e, como
já visto, a questão da vedação ao enriquecimento sem causa ganha maior relevância,
justamente, quando não há previsão legislativa – artigo 886 – aplicação subsidiária da
vedação ao enriquecimento sem causa.
Pergunta de aluno: o Marco Aurelio se manifestou sobre esse julgado? R: Não. Na obra
não há nenhum comentário, até porque a obra não faz nenhuma alusão a este julgado.
Mas, sem duvida alguma, a posição dele é pela indenização das benfeitorias
necessárias. O próprio Tepedino, que é examinador da PGE e PGM, seguramente
defenderia a indenização pelas benfeitorias necessária.
Tem uma posição do Gustavo Tepedino, que é absolutamente impar, minoritaríssima,
no sentido de que cabe posse sobre qualquer modalidade de bem público, seja de uso
comum, especial ou dominical. Um dos grandes argumentos contrários a
admissibilidade da posse sobre bem publico é a impossibilidade de usucapião; o
Tepedino lembra uma classificação – incontroversa – de que a posse pode ser ad
interdicta ou ad usucapione ; posse ad usucapione é a posse conducente ao usucapião
(nem toda posse é ad usucapione ; a posse desprovida de animus domini não é ad
usucapione, ou seja, a posse direta, por exemplo, não é ad usucapione ); posse ad
interdicta é aquela que confere ao seu titular mecanismos de proteção (interditos
possessórios), e não há duvida alguma de que toda posse é ad interdicta – mesmo a
posse injusta; fica claro, então, que toda posse é ad interdicta , mas nem toda posse é
ad usucapione (exemplo: posse direta). O Tepedino diz, então, que o fato de não caber
usucapião de bem publico não aniquila a possibilidade da posse, porque a posse sobre
o bem publico seria ad interdicta, mas não seria ad usucapione. O Tepedino invoca,
ainda, para justificar a sua posição, o instituto da concessão de uso especial para fins
de moradia; esse instituto – concessão de uso especial para fins de moradia – é
originariamente disciplinado na medida provisória 2220/01; esta MP fala explicitamente
em posse de bem público de uso comum e uso especial; este instituto é, agora, tratado
pela lei 11481/07, e esta lei incorporou o artigo 22-A da lei 9636/98. O próprio
Tepedino reconhece que é isolado.
Pergunta de aluno: esta posição dele está escrito em algum livro, artigo? R: Não. até
porque não temos, hoje, uma obra de direitos reais, sistematizada, escrita pelo
Tepedino.
Ultrapassada a questão da posição minoritária do Tepedino, de forma majoritária, na
doutrina, se afirma o seguinte: ainda que se entenda que não caiba posse sobre bem
publico de uso comum e de uso especial, a este detentor sobre bem publico de uso
comum ou uso especial se confere mecanismo de proteção da posse em face de
terceiros. Teríamos mais uma hipótese em que o detentor, excepcionalmente, seria
dotado de tutela possessória em face de terceiros. Quando se fala em tutela
possessória não estamos limitando à autodefesa da posse. A posição consagrada na
doutrina é que o detentor pode exercer a autodefesa da posse. Estamos falando em
tutela possessória em sentido amplo, abrangendo, portanto, as ações possessórias.
Pergunta de aluno: seria possível falar em posse injusta relativa? R: Não no sentido
para qualificar a situação fática em posse ou detenção. Veremos que a posse injusta é
um vicio relativo, ou seja, é injusta em relação a vitima, mas é tida como justa perante
terceiro.
Há uma decisão peculiar, isolada, defendida pelo José Acyr, que pode ser útil em parte
para a advocacia pública, e em parte para a defensoria. Defende ele que não cabe
posse sobre bem publico de uso comum ou bem especial, há mera detenção. Além
disso, como uma das características do ato administrativo é a auto executoriedade,
defende ele que, se há mera detenção, não há interesse processual da fazenda pública
em entrar em juízo pleiteando tutela possessórias; para ele não há
utilidade/necessidade do provimento jurisdicional buscado pela fazenda publica no
sentido de exercer a tutela possessória. Seria causa de extinção do processo sem
resolução de mérito. Seria um desastre adotar esta posição em uma prova de
advocacia publica, mas pode ser útil se o examinador joga uma situação fática já
consolidada, ou seja, em que a administração publica conseguiu reaver o bem
independentemente da tutela jurisdicional, em que podemos nos valer desse
argumento para legitimar o ato administrativo praticado. E podemos usar em favor do
assistido – defensoria publica – a tese no sentido de sustentar a extinção do processo
sem resolução do mérito.
CLASSIFICAÇÃO DA POSSE:
Posse Direta – artigo 1197
Posse Indireta – artigo 1197
Posse direta e indireta é sinônimo de desmembramento possessório . Suponha que não
exista o artigo 1197; eu tenho um imóvel e moro nele, portanto, eu tenho a propriedade
e a posse exclusiva do bem; um dia eu resolvo alugar o imóvel; com a locação eu
transfiro, temporariamente, o poder de fato em favor do locatário; se não existisse o
artigo 1197, muitos talvez afirmassem que com a locação, comodato, depósito, quem
passa a exercer a posse seria apenas o locatário, comodatário, depositário, porque
apenas essas figuras exercem efetivamente o poder de fato sobre o bem. Isso traria
inconvenientes evidentes. Imagine no comodato que apenas o comodatário teria tutela
possessória em face de terceiro; para evitar tais inconvenientes é que o artigo 1197
traz a figura do desmembramento possessório.
Então, àquele que recebe, temporariamente, o poder de fato é chamado de possuidor
direto (sinônimo de posse imediata); e àquele que transferiu, temporariamente, o poder
de fato fica com a posse indireta (sinônimo de posse mediata).
Por isso que vários autores, como Tepedino, Tupinambá Miguel de Castro, Silvio
Rodrigues, sustentam que a posse indireta é uma ficção jurídica, porque o possuidor
indireto não exerce efetivamente o poder de fato. A posse indireta seria um nada facti;
não há um embasamento fático da posse indireta.
Essa posição não é unânime. O Carlos Roberto Gonçalves e o Cristiano Chaves de
Faria, em parceria com o Nelson Rosenvald, afirmam que não há ficção juridica alguma
na posse indireta. Vimos na aula passada que dentro da teoria objetiva do Jhering não
se exige contato físico para a qualificação da posse; só exige contato físico na teoria
subjetiva do Savigny. Então, ainda que o possuidor indireto não tenha o contato físico,
estaria ele destinando o bem a sua função econômica e social através do possuidor
direto. O possuidor indireto estaria atuando como se proprietário fosse, porque é
inerente a qualidade de proprietário a possibilidade de transferir, temporariamente, o
poder de fato a outrem.
Tem uma frase curiosa do Jhering, eis que ele defendia que a posse é uma ficção
juridica, que é a seguinte: a posse indireta seria um exemplo de espiritualização da
posse. Ou seja, o possuidor indireto estaria apenas em espírito exercendo o poder de
fato.
A posse direta tem duas peculiaridades, que estão no artigo 1197. A primeira
peculiaridade é que a posse direta é necessariamente licita, isto porque o referido
artigo deixa claro que a posse direta resulta de direito pessoal ou real. Ela
necessariamente se embasa num título.
Pegadinha de obra objetiva: ius possidendi x ius possessioni ; ius possidendi é a posse
embasada num título, ou seja, no ius possidendi a posse é titulada (exemplos:
locatário, proprietário), enquanto o ius possessioni é a posse desprovida de título
(exemplo: esbulhador). Se vier na prova objetiva que o possuidor direto tem ius
possidendi está certo, porque a posse direta resulta de direito pessoal ou real, ou seja,
a posse direta é necessariamente titulada.
Pergunta de aluno: o ius sucessionis se aplica a posse justa? Isso vai depender da
postura que iremos apostar em relação a seguinte indagação: a posse injusta só se
qualifica como tal no caso de violência, clandestinidade ou precariedade? O rol do
artigo 1200 é taxativo? Para o STJ e maioria da doutrina não é. Então, para nos
posicionarmos com a maioria devemos adotar o entendimento de que a posse injusta
será ius sucessionis. Posição peculiar do Nelson Rosenvald e do Cristiano Chaves,
minoritarissima, é no sentido de que o rol é taxativo. Se a gente se posicionar assim,
nem toda posse injusta vai se equiparar ao ius sucessionis.
Tem uma posição do Gondinho Neto, que é acompanhada pelo Marco Aurelio Melo, no
sentido de que é possível que a posse direta resulte de uma relação juridica putativa.
Quer dizer, o possuidor indireto é o esbulhador, mas este esbulhador celebra, por
exemplo, um contrato de locação ou comodato, com um terceiro de boa fé. Esse
terceiro de boa fé, para o Marco Aurelio e Gondinho Neto, teria a posse direta. A
relação juridica é putativa porque em sendo o possuidor indireto o esbulhador, ele não
poderia, evidentemente, celebrar o contrato de locação ou comodato; então, a boa fé
do terceiro qualificaria sua posse como sendo direta, por conta de uma relação jurídica
putativa.
A segunda peculiariedade da posse direta é que ela é, necessariamente temporária.
Então, se a posse direta é necessariamente temporária fica fácil perceber que é
inerente a qualidade de possuidor direto a função de obrigação de restituir. A
obrigação de restituir é inerente a qualidade de possuidor direto.
OBS: Surge daí uma questão que os manuais não costumam enfrentar. É o problema
da enfiteuse. Temos na enfiteuse o titular do domínio útil e o proprietário. Pela lógica
geral, diríamos que o titular do domínio útil tem a posse direta, e o proprietário posse
indireta. Mas tem um problema: a enfiteuse é perpétua; esta perpetuidade colide com a
temporariedade exigida no artigo 1197. Se perguntarem isso é preciso dizer que tem
duas correntes: 1C) Defendida pelo Pontes de Miranda, Orlando Gomes, Moreira Alves
– há posse direta; esses autores justificam a existência de posse direta porque a
enfiteuse admite causas de extinção. 2C) Defendida pelo Tupinambá Miguel de Castro,
Gondinho Neto – a enfiteuse pode até admitir causas extintivas, mas estas causas são
supervenientes; por exemplo, uma das hipóteses de causas de extinção da enfiteuse é
o falecimento do enfiteuta sem deixar herdeiros e sem deixar testamento; a
qualificação da posse se dá no momento em que ela surge, na origem da posse; e a
posse do enfiteuta nasce dirigida a perpetuidade. Dentro dessa segunda posição, o
enfiteuta teria posse exclusiva do bem, não haveria desmembramento possessório.
Pergunta de aluno: seria possível usucapir a parte de domínio útil?
R: Sim, ainda que o proprietário do bem seja o Poder Público; mas haverá usucapião
sobre o bem publico em detrimento do particular. Não há o animus de dono, mas sim
de enfiteuta. E talvez um argumento para repudiar a lógica do desmembramento
possessório.
Outro problema é o seguinte: compromisso de compra e venda. Tem duas posições.
1C) A posição do STJ é no sentido de que com a quitação cessa o desmembramento
possessório no compromisso de compra e venda, independentemente de adjudicação
compulsória ou qualquer outra coisa, porque a posse direta é temporária; quem tem
posse direta tem sempre a obrigação de restituir, e com a quitação do compromisso
não há mais temporariedade na posse do promitente comprador; não há mais qualquer
potencial obrigação de restituir; com a quitação, o promitente comprador passa a ter
posse exclusiva. A importância pratica disso é o inicio do prazo para usucapião,
porque quem tem posse direta não tem animus domino . Para que falar em usucapião
se com a quitação o promitente comprador dispõe da adjudicação compulsória? Pode
ser relevante na hipótese de compromisso de compra e venda a non domino . Imagine
que o promitente vendedor não fosse o dono; eu sou o promitente comprador e
suponho ter adquirido a propriedade com o registro; 18 anos depois, o verdadeiro
proprietário aparece e diz que não existe compromisso de compra e venda porque o
promitente comprador não era dono e, não sendo dono, não poderia prometer vender;
não adquiro a propriedade pelo compromisso, mas sim pelo usucapião. O usucapião
funcionaria como um soldado de reserva na hipotese de compromisso de compra e
venda a non domino. Se o STJ entende que com a quitação cessa o desmembramento
possessório, é plenamente justificável a aplicação do mesmo efeito diante da teoria do
adimplemento substancial; é, no mínimo, justificável que com o adimplemento
substancial cesse o desmembramento possessório, até porque com o adimplemento
substancial só cabe exigir as prestações remanescentes, não cabendo mais resolver o
contrato. 2C) Há quem defenda, de maneira mais progressista, que desde a origem do
compromisso de compra e venda não há desmembramento possessório. O que se
sustenta, neste caso, é que não há como se estabelecer um tratamento equiparado à
posse do locatário, do comodatário, do depositário, a posse do promitente comprador,
porque o locatário, comodatário, de plano, assumem a obrigação de restituir; a posse
destes é essencialmente temporária. A posse do promitente comprador, ao contrário,
não nasce com o sentido da temporariedade; desde a origem nasce direcionada a
perpetuidade, principalmente, se não há cláusula de arrependimento. Para esta
corrente, a posse do promitente comprador, desde a origem, é exclusiva. Defendem
esta posição: José Osório de Azevedo Jr., Tupinambá Miguel de Castro. Esses autores
dizem que o fato da posse ser exclusiva desde a origem não significa dizer que desde
a origem essa posse seria conducente ao usucapião da propriedade. Afirmam esses
autores que quando o sujeito exerce a posse do direito real de servidão aparente irá
usucapir a servidão aparente; então, antes da quitação, o promitente comprador
estaria exercendo a posse do direito a aquisição do bem; o que esses autores
defendem é que antes da quitação há posse exclusiva, sendo esta tendente ao direito
real de aquisição. A usucapião da propriedade só se justificaria com a quitação,
porque o animus domini antes da quitação não se dirigira a aquisição da propriedade,
mas sim ao potencial direito real da aquisição.
Pergunta do aluno: para essa segunda corrente, então, se não há o desmembramento
possessório, não poderia o promitente vendedor se valer dos interditos possessórios?
R: O promitente vendedor – dentro desta segunda corrente, que é minoritária – talvez
não tivesse tutela possessória, mas teria mecanismos de proteção com base no artigo
130 do CC, porque o promitente vendedor seria o titular de um direito eventual, sujeito
a uma condição resolutiva, que seria o não pagamento pelo promitente comprador; e o
titular de direito eventual pode praticar atos destinados a conservá-los. Então, essa
corrente não excluiria, por completo, os mecanismos de proteção em favor do
promitente vendedor.
Em defesa do assistido, numa prova de defensoria pública, não seria absurdo
sustentar que se não há desmembramento possessório desde a origem, a partir daí a
posse vale para aquisição da propriedade pelo usucapião. Mas não é a posição do
Tupinambá e do José Osório. Eles defendem que antes da quitação haveria posse do
direito real de aquisição e o animus envolveria apenas este direito, e não a
propriedade.
Outra questão importante é a seguinte: o desmembramento possessório não retira o
bem do comercio; quem tem posse indireta se mantém com a faculdade jurídica de
disposição. Em alguns casos, o desmembramento possessório não afasta, mas
restringe a faculdade de disposição, por exemplo, na locação, porque o
desmembramento possessório, por força de lei, neste caso, irá conferir ao possuidor
direto o direito de preferência. Vamos pensar em bens moveis. O possuidor indireto,
portanto, pode dispor do bem. A via por excelência da transferência de bens moveis é
a tradição; mas o possuidor indireto não exerce o efetivo poder de fato, ou seja, o bem
se encontra com o possuidor direto; evidente que o possuidor indireto não tem como
efetivar a tradição real, na medida em que o bem se encontra em poder de terceiro,
qual seja, o possuidor direto que tem a obrigação de restituir. Para esta hipótese, o
artigo 1267, parágrafo único, segunda parte, do CC, prevê mais uma modalidade de
tradição ficta. Diz o dispositivo: “Subentende-se a tradição quando o transmitente
continua a possuir pelo constituto possessório; quando cede ao adquirente o direito a
restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro ; ou quando o adquirente já
está na posse da coisa, por ocasiao do negócio jurídico”. Remissão recíproca entre os
artigos 1197 e 1267, parágrafo único, segunda parte.
Pergunta de aluno: essa tradição tem algum nome em latim? Não. Veremos que a
tradição ficta tem diversos denominações especificas: longa manu, brevi manu,
constituto possessório, mas aqui não há um nome batizado pelo doutrina.
A parte final do artigo 1197 diz que o possuidor direto pode defender a sua posse
contra o possuidor indireto. Possuidor direto entenda-se possuidor não proprietário.
Possuidor indireto quase sempre é o possuidor proprietário. O que o Código está
dizendo é que o possuidor direto – não proprietário – pode defender a sua posse
diante do possuidor indireto – proprietário. Estamos diante de uma manifestação clara
da teoria sociológica da posse. O dispositivo deixa claro que o fato do sujeito ser
possuidor não lhe garante êxito em sede de tutela possessória. O enunciado 66 do CJF
acrescenta à parte final do artigo 1197 a expressão “e vice-versa”. Ou seja, o
enunciado ressalta que o possuidor indireto também pode se valer de tutela
possessória em face do possuidor direto, notadamente quando o possuidor direto violar
a obrigação de restituir. A exceção aqui é a locação de imóvel urbano, onde a via
adequada é a do despejo, e não a reintegração de posse.
O possuidor indireto é quase sempre o possuidor proprietário. Não se pode dizer que
sempre o será por conta da chamada verticalização em graus do desmembramento
possessório. Exemplo típico de verticalização em grau: sublocação. Muita gente diz
que na sublocação o sublocatário é possuidor direto em relação ao sublocador; e o
sublocador é possuidor direto em relação ao locador. Isso está errado, porque na
verticalização em graus o que se verticaliza é a posse indireta, ou seja, na sublocação
só um possuidor direto, que é o sublocatário. Com a sublocação, o sublocador e o
locador passam ao status de possuidores indiretos. Ou seja, o desmembramento vai se
verticalizar apenas na posse indireta; a posse direta irá se concentrar naquele que
exerce o efetivo poder de fato. Sempre que o contrato originário gerar a transferência
da posse, a celebração de um contrato derivado vai gerar a verticalização de graus.
Posse Nova – até ano e dia Posse Velha – mais de ano e dia
A relevância dessa classificação se extrai do artigo 924 do CPC. Ou seja, a posse
nova enseja um rito especial; e a posse velha, rito ordinário.
O que a doutrina clássica sempre afirmou é o seguinte: para a posse nova cabe liminar
do artigo 928 do CPC; para a posse velha não cabe a liminar do artigo 928 do CPC,
porque aplica-se o rito ordinário. Mas hoje o entendimento consolidado é no sentido de
que mesmo em sendo a posse velha, e se aplicando o rito ordinário, é admissível a
antecipação de tutela prevista no rito ordinário. Nesse sentido, enunciado 238 do CJF.
Na verdade, a liminar do rito especial tem natureza eminentemente satisfativa. Os
efeitos práticos da antecipação de tutela do rito ordinário são os mesmos da liminar do
artigo 928 do CPC. É claro que a liminar é mais fácil de ser alcançada do que a
antecipação de tutela, mas os efeitos práticos de eventual concessão sãos os mesmos.
Essa classificação – posse nova x posse velha – era disciplinada nos artigos 507 e 508
do CC/16; o CC/02 é omisso. Alguns começaram a dizer que essa classificação não
mais subsistira, na medida em que o CC teria silenciado a respeito do tema. Isto está
superado. Porque esta é uma classificação eminentemente processual. Em 1916 a
competência para legislar sobre processo civil era do Estados, então Clovis Bevilaqua
atraiu a matéria para o CC com o objetivo de uniformizar o tratamento do tema em todo
o território nacional; na medida em que a competência legislativa, hoje, é da União,
não mais se justificaria a subsistência do tema no CC, por se tratar de matéria
eminentemente processual. Isso está consolidado; não há mais nenhuma duvida de
que a classificação persiste.
Pergunta de aluno: se a posse é velha como se justifica o periculum in mora da tutela
antecipada?
R: A grande dificuldade de se obter a tutela antecipada é demonstrar a urgência da
posse que existe há mais de ano e dia; na verdade, o sujeito vai ter que demonstrar
que apesar do ano e dia transcorrido haveria situação de urgência.
Posse Justa – artigo 1200 do CC
Posse Injusta – artigo 1200 do CC
Artigo 1200 – “É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária”.
A contrario sensu é injusta a posse que é violenta, clandestina ou precária.
Sem duvida alguma, violência, clandestinidade e precariedade são denominados de
vícios objetivos da posse . O vicio subjetivo se dá na posse de má fé .
Vários autores correlacionam a posse violenta ao crime de roubo; a posse clandestina
ao crime de furto; e a posse precário ao crime de apropriação indébita. Vamos ver
cada uma dessas hipóteses.
Posse violenta – não há nenhuma duvida de que a posse violenta posse resultar tanto
da vis absoluta (física) quanto da vis compulsiva (moral).
O efeito prática da qualificação da posse como sendo injusta é a legitimidade passiva
para as ações possessórias. Suponhamos que alguém celebre um contrato de
comodato mediante coação; o comodante irá ingressar com uma reintegração de
posse? Não, porque, neste caso, a posse do comodatário se embasa num título, e é
premissa a admissibilidade da tutela possessória que haja a desconstituição do título.
Nesse caso, é preciso que se pleiteie a anulação do negócio jurídico combinado com a
reintegração de posse; na verdade, não teríamos como via adequada a retomada do
bem a via do rito especial das ações possessórias, porque é preciso que haja
previamente a invalidação do título para que depois haja a retomada do bem.
A violência para classificar a posse injusta deve ser dirigida à pessoa, e não à coisa. O
simples fato do sujeito destruir o portão, quebrar as janelas, não qualifica a posse
como sendo violenta. Lembrando o seguinte: a posse injusta mediante violência se
inicia quando cessados os atos violentos, pois enquanto estes existirem há mera
detenção.
Posse clandestina - Essa assertiva de que a posse injusta apenas se inicia quando
cessados os atos violentos (no caso, clandestinos) também se aplica na posse
clandestina, ou seja, enquanto o sujeito exercer o poder de fato na clandestinidade,
sem acender as luzes, sem sair dos fundos do terreno, haverá mera detenção – artigo
1208, parte final; cessada a clandestina é que se inicia a posse injusta, a posse
clandestina do artigo 1200. Então, a posse injusta não é aquela que se exerce as
escondidas, mas sim aquela que na origem foi exercida as escondidas, pois enquanto
há a clandestinidade há a mera detenção. Numa perspectiva tradicional, clássica, essa
detenção só se trasmuda em posse injusta quando o possuidor tivesse ciência;
enquanto o possuidor não tivesse ciência não haveria transmudação da posse em
posse injusta. Mas vimos que essa posição vem sendo superada pela teoria
sociológica da posse. Pela teoria sociológica da posse, a transmudação se opera
quando o poder de fato se tornar aparente, perceptível. Nesse sentido, Carlos Roberto
Gonçalves, Gustavo Tepedino, Cristiano Chaves.
Posse precária – é aquela que decorre da violação à obrigação de restituir. Outra
maneira de dizer a mesma coisa é a seguinte: a posse precária como decorrência do
abuso de confiança. O abuso de confiança inspira o crime de apropriação indébita; e,
nesse crime, o primeiro contato do agente com a coisa é licito, havendo posteriormente
a inversão de animus. E é exatamente isto que ocorre na posse precária. A posse
precária decorre da violação de uma obrigação de restituir. Quem tem obrigação de
restituir, na origem, tem uma posse licita. O caso típico de posse precária é a do
possuidor direto que viola a obrigação de restituir.
A posse precária, de plano, possui uma peculiaridade em relação a posse violente e a
posse clandestina, porque a posse precária nasce justa; a injustiça na posse precária
se dá por um fato superveniente, diversamente do que ocorre na posse violenta ou na
posse clandestina.
A posse precária tem embasamento originário num título. Como essa posse é
originariamente titulada, o Tupinambá Miguel de Castro – os doutrinadores em geral
são omissos – ressalta o seguinte: como a posse precária tem um titulo, um
embasamento, não cabe autodefesa da posse; como há um título originariamente
embasador, a reassunção do bem pressupõe analise da causa jurídica; seria preciso
que o poder judiciário constatasse efetivamente o termino da causa jurídica
embasadora daquela posse supostamente precária. Diversamente do ocorreria da
posse violenta ou clandestina, pois estas jamais tiveram qualquer titulo; como não há
qualquer titulo nessas posses a situação é meramente fática, então autorizado estaria
a autodefesa da posse. Se terminar um contrato de comodato, o comodante não pode
retirar o comodatário na marra; necessariamente tem que se valer da ação de
reintegração de posse. Diferente da hipótese em que ele é esbulhado mediante
violência, sendo neste caso admissível a autodefesa da posse. Isso é um fato
incontroverso, mas que a doutrina, em geral, não chega a explicitar.
A questão mais importante aqui é a seguinte: terminou o contrato de locação; o
locatário não continuou pagamento os alugueis, caso contrario seria caso de
prorrogação tácita; e vai ficando no bem; fica por 40 anos no bem. Cabe usucapião?
Controvérsia.
1C) Não cabe. Fundamento: a posse precária decorre da violação a uma obrigação de
restituir. Quem tem obrigação de restituir não tem animus domini. Então, quem tem
posse precária não tem animus domini. Os adeptos dessa primeira corrente afirmam
que a posse precária não convalesce. Uma vez precária, precária sempre será a
posse. Se jamais convalescer a posse precária, jamais haverá animus domini. Essa
posição se embasa no artigo 1208, parte final, do CC, o qual diz: “senão depois de
cessar a violência ou clandestinidade”. Este artigo 1208 só prevê a possibilidade de
cessar a violência ou a clandestinidade; não prevê a possibilidade de cessar a
precariedade. São adeptos dessa posição: Silvio Rodrigues, Arnaldo Rizzardo, Silvio
Venosa, Tupinambá Miguel de Castro.
2C) Defende a chamada inversão ou interversão da posse . Inversão ou interversão da
posse significa, basicamente, a mudança no título da posse. Que no nosso caso
especifico significaria o termino da precariedade, ou seja, com o termino da
precariedade surgiria o animus domini. A inversão da posse, para os adeptos dessa
segunda corrente, se encaixaria na redação do artigo 1203, que diz o seguinte: “Salvo
prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi
adquirida”. Sobre o tema, temos o enunciado 237 do CJF, que admite a inversão da
posse, desde que observados dois requisitos, que são cumulativos: a) oposição clara e
inequívoca do, até então, possuidor direto; b) inércia do, até então, possuidor indireto.
Dentro do enunciado a hipótese de inversão seria a seguinte: imagine que tenha
terminado o contrato de locação; daí o locatário notifica o locador dizendo que não
paga mais aluguel e do imóvel ninguém o tira; se o locador permanecer inerte diante
dessa oposição clara e inequívoca, diz o enunciado que cessa o desmembramento
possessório, e como conseqüência o locatário passa a ter posse com animus domini. O
enunciado se justifica da seguinte maneira: a posse precária é aquela que decorre da
violação a uma obrigação de restituir; a obrigação de restituir decorre, neste exemplo,
do contrato de locação; então, a posse de locação é tida como precária por estar
atrelada a um contrato anterior; na medida em que o locatário manifesta oposição clara
e inequívoca, e o locador permanece inerte, aquele passaria a exercer o poder de fato
não mais em decorrência do contrato anterior, e sim por uma vontade autônoma; ou
seja, a posse se desprenderia por completo do contrato anterior, e por isso a posse
teria animus domini.
O STJ já aplicou inversão da posse numa situação diferente (RESP. 154.733). o STJ
aplicou inversão da posse, neste caso, não diante de uma oposição clara, abrupta,
mas sim em hipótese de situação fática prolongada. Foi mais ou menos o seguinte: o
sujeito era locatário e pagava fielmente os alugueis; o locador morreu; e o locatário foi
ficando no bem, sem pagar aluguem, vez que ninguém se apresentou como sucessor
do locador por trinta anos. O STJ entendeu que àquela situação fática prolongada teria
propiciado no locatário o animus domini; e, como conseqüência, o STJ aplicou a
inversão da posse no sentido de viabilizar a usucapião da propriedade em favor do
locatário nesse caso.
Pergunta de aluno: Dá para se falar em supressio neste caso?
O Cristinao Chaves e o Rosenvald, como um dos argumentos da inversão da posse,
sustentam a supressio. Mas entende o professor que não há como se aplicar a
supressio no caso do enunciado, que não exige inércia prolongada.
Há outros argumentos em favor da inversão da posse.
Um argumento bem interessante é o seguinte: na aula passada analisamos o artigo
1198, parágrafo único – questao do caseiro que fecha o portão e diz que o patrão não
vai mais entrar no bem. O parágrafo único do artigo 1198 deixa claro que o caseiro,
detentor, passa a ser possuidor – posse injusta e com animus domini . O raciocínio aqui
é o seguinte: se o caseiro, detentor, por conduta unilateral, pode ter posse com animus
domini, seria injustificável que o possuidor, ainda, que precário, não pudesse ter a
mesma oportunidade, ou seja, estaríamos conferindo um tratamento privilegiado ao
detentor, em detrimento do possuidor. Na verdade, se o artigo 1198 permite que da
detenção surja uma posse com animus domini, seria injustificável que de uma posse
precária não pudesse surgir uma posse com animus domini. Entendimento diverso
conferiria ao detentor maior proteção que ao próprio possuidor. CUIDADO: O artigo
1198, parágrafo único, não se confunde com inversão da posse. São institutos
diferentes. O próprio nome diz “inversão da posse”, ou seja, inversão de uma posse
pré-existente; no artigo 1198, parágrafo único não há inversão de posse, mas sim
transmudação da detenção em posse.
Outro fundamento em favor da inversão da posse é o seguinte: a primeira corrente
invoca o artigo 1208, que só prevê a possibilidade de cessar a violência ou a
clandestinidade, mas não a precariedade. A segunda corrente defende que o artigo
1208 não tem nada a ver com isso aqui, porque no referido dispositivo o legislador
trata da transmudação de detenção em posse; o que a inversão da posse não é isso,
mas sim a transmudação de uma posse precária em posse dotada de animus domini .
Tem mais um argumento, muito bom, que é o seguinte: o artigo 1244 do CC, a grosso
modo, diz que as regras acerca do impedimento, suspensão ou interrupção da
prescrição também se aplicam ao usucapião. Então, se não corre prescrição, por
exemplo, contra absolutamente incapaz também não corre prazo para usucapião contra
absolutamente incapaz, e assim sucessivamente. O artigo 202, inciso VI do CC diz que
o próprio devedor interrompe a prescrição quando reconhece o direito do credor.
Trazendo isso para o usucapião, por força do artigo 1244, o possuidor que reconhece,
ainda que tacitamente, o direito do proprietário interrompe o prazo para usucapião. A
contrario sensu, o proprietário que de algum modo reconhece o direito do possuidor,
ainda que tacitamente, dá inicio ao prazo de usucapião. É uma interpretação a
contrario sensu do artigo 202, inciso VI combinado com o artigo 1244 do CC.
*Para usucapião a melhor obra é José Carlos de Moraes Salles.
O ultimo fundamento em favor da inversão da posse é a teoria sociológica da posse.
Pela primeira posição àquela ex locatário pode ficar no bem por 100 anos e jamais terá
a via do usucapião, ou seja, uma proteção inexorável em favor do proprietário, em
detrimento do possuidor; essa primeira corrente vem dentro de um resquício dentro do
qual há uma hierarquia entre propriedade e posse.
Essa segunda corrente é entusiasmada defendida pela defensoria pública.
Ainda dentro dessa classificação, há uma ultima observação a ser feita. Violência,
clandestinidade e precariedade são vícios objetivos. Esse vícios objetivos da posse
são vícios relativos, ou seja, a posse é injusta em relação a vitima, porém é justa em
relação a terceiros.
Na penúltima prova para procurador da republica, primeira fase, tinha uma afirmativa
assim: “O ladrão tem tutela possessória contra outro ladrão”. Afirmativa verdadeira,
pois a posse do ladrão é injusta em relação a vitima, porém justa em relação a
terceiros.
Posse de boa fé – artigo 1201 do CC.
Posse de má fé – artigo 1202 do CC.
Quando se fala em boa fé subjetiva o exemplo mais lembrado é exatamente o do artigo
1201. O referido artigo diz: “É de boa fé a posse, se o possuidor ignorava o vicio, ou o
obstáculo que impede a aquisição da coisa”. Se o possuidor não sabe do vicio, a posse
é de boa fé. Sem duvida alguma, o CC traz a lógica da boa fé subjetiva no artigo 1201.
Pela concepção clássica, e pela concepção que está escrita no CC, aquele que incorre
no crime de receptação culposa tem posse de boa fé.
CUIDADO: Alguns autores mais contemporâneos defendem a chamada concepção ética
da posse de boa fé . Essa concepção sustenta que o possuidor só será considerado
como de boa fé se o desconhecimento do vicio for escusável. Para o professor quem
defende a concepção ética está objetivando a boa fé no artigo 1201, porque está
impondo a observância do dever anexo de cuidado, que em termos práticos representa
a transmudação da boa fé subjetiva em boa fé objetiva. Defendem essa concepção
ética: Carlos Roberto Gonçalves, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald.
Sem duvida alguma, o que o CC adota é a chamada concepção psicológica , que trfaz a
lógica da boa fé subjetiva, e não a concepção ética.
Essa classificação – posse de boa fé e má fé – não se confunde com a classificação
anterior. Nada impede que um possuidor tenha posse injusta, mas de boa fé. Imagine
um terceiro, de boa fé, que adquire um bem esbulhado; esse terceiro possui posse
injusta, porém de boa fé. Além da definição ser diferente, as conseqüências também
não são as mesmas. Para a posse injusta o efeito prático é a ilegitimidade passiva
para as ações possessórias. Os efeitos práticos da classificação entre posse de boa e
posse de má fé são inúmeros, por exemplo, percepção dos frutos, indenização por
benfeitorias, responsabilidade civil por perda ou deterioração do bem, acessão
invertida – hipótese em que a construção excede consideravelmente o valor do terreno,
usucapião ordinária.
Diante de tantos efeitos práticos, é de suma relevância definir quando ocorre a
transmudação da posse de boa para má fé . Se não tivéssemos nenhum compromisso
com a realidade, a resposta seria quando o possuidor toma ciência do vicio. Mas
estaríamos falando de um elemento eminentemente subjetivo, sendo a prova
extremamente difícil. Sensível a isso, o CC traz o artigo 1202, que diz: “A posse de
boa fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstancias
façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente”. A relevância
deste artigo é ressaltar que a transmudação se dá a luz de critérios objetivos. O
referido artigo fala em “circunstancias que façam presumir” – critério objetivo.
Há um critério que é predominante na doutrina e na jurisprudência. Os requisitos
necessários a transmudação dentro deste critério predominante seriam cumulativos.
Seriam eles:
Que haja propositura de ação judicial – quem irá propor a ação será o proprietário, ou
o legitimo possuidor;
Trânsito em julgado favorável ao demandante – a posição, hoje, quase consolidada na
doutrina e na jurisprudência, é no sentido de que esta decisão transitada em julgado
em favor do demandante retroaja a data da citação, por ficção jurídica. Essa posição,
que é predominante, vem em harmonia com o artigo 563 do CC, que diz: “A revogação
por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o
donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação valida”. Suponha o seguinte:
A compra o imóvel de B, que transferiu a propriedade àquele, o que foi averbado junto
ao registro; A, supondo ser o proprietário, aluga o imóvel, e pela locação recebe
R$2.000, por mês. O verdadeiro proprietário ingressa em juízo dizendo que B não era
dono – alienação a non domino. A é citado no dia 15 de janeiro. Tempos depois há o
transito em julgado favorável ao demandante; esse transito em julgado, para fins de
transmudação da posse de boa para má fé, vai retroagir a esta data de 15 de janeiro.
Efeitos práticos: a) os alugueis recebidos até 15 de janeiro, inclusive a metade
referente ao mês de janeiro, fica com A; todos aqueles recebidos do dia 15 de janeiro
para frente foram frutos percebidos por possuidor de má fé e devem ser restituídos; em
relação aos alugueis é preciso mencionar a redação do artigo 1215 do CC, que diz que
“Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos logo que separados;
e os civis reputam-se percebidos dia por dia”. Como frutos civis – alugueis – são
recebidos dia por dia haverá proporcionalidade dentro do mês em que houve a citação.
B) As benfeitorias em que A realizou até o dia 15 de janeiro aplica-se o artigo 1219 do
CC; as que foram feitas do dia 15 de janeiro em diante aplica-se o artigo 1220.
Divergem dessa posição o Pontes de Miranda e o Tupinambá Miguel de Castro. Esses
autores, na verdade, repudiam um critério rígido para definir a transmudação.
Defendem que a analise deve ser sempre casuística. Exemplo: imagine que o
proprietário ingresse em juízo; a sentença julga improcedente a pretensão deduzida
pelo proprietário; essa sentença reforça ainda mais a convicção do possuidor de boa
fé; o autor – verdadeiro proprietário – apela; tribunal confirma, reforçando ainda mais a
convicção do possuidor de boa fé; o transito em julgado em favor do demandante só
ocorre com um acórdão do STJ ou STF, reformando o acórdão regional. Para esses
autores seria inimaginável que àquela decisão proferida em ultima instancia,
reformando as decisões anteriores, pudesse produzir efeitos retroativos à data da
citação no que tange a transmudação da posse de boa para má fé.
Esses exemplos citados está partindo do pressuposto de que a transmudação da posse
esteja ocorrendo após a propositura de uma demanda judicial, mas nada impede que
ocorra antes.
O que a posição consolidada, em relação a este assunto defende, é que
presumidamente se dá através desses critérios, mas se for possível provar que por
A+B a transmudação ocorreu anteriormente, aplica-se a primazia da realidade. Esses
critérios ora estudados trariam uma presunção relativa.
Parágrafo único do artigo 1201 – “O possuidor com justo título tem por si a presunção
de boa fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta
presunção”. Possuidor com justo titulo é presumidamente possuidor de boa fé. O
próprio CC diz que a presunção é relativa.
CUIDADO: a expressão justo título mencionada no parágrafo único do artigo 1201 não
se confunde com a expressão justo título do artigo 1242. O artigo 1242 trata da
usucapião ordinária; justo título para fins de usucapião ordinária é o titulo hábil, em
tese, para aquisição de propriedade – é o caso típico de compra e venda a non
domino. Justo título no parágrafo único do artigo 1201 é o titulo hábil, em tese, para
aquisição da posse; o contrato de locação, por exemplo, é justo título para fins do
parágrafo único do artigo 1201, mas não o é para fins do artigo 1242. Nesse sentido, o
enunciado 303 do CJF.
COMPOSSE
Artigo 1199 CC – “Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada
uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros
compossuidores”.
Resumidamente é o seguinte: duas ou mais pessoas exercem, em conjunto, o poder de
fato sobre determinado bem.
Composse X Desmembramento possessório. Tanto em um quanto em outro temos dois
ou mais possuidores sobre um determinado bem. No desmembramento possessório
temos, no mínimo, um possuidor direto e um possuidor indireto; na composse temos,
no mínimo, duas ou mais pessoas exercendo o poder de fato.
Composse
O conteúdo do poder de fato dos compossuidores é o mesmo
A composse não é necessariamente licita, nem necessariamente temporária. Se três
pessoas esbulham determinado imóvel, teremos uma composse injusta. Se temos três
proprietários, em conjunto, exercendo o poder de fato temos uma composse que não é
temporária. * Não é uma diferença essencial porque podemos ter composse temporária
e justa, mas não necessariamente assim o é.
Desmembramento Possessório
O conteúdo do poder de fato dos possuidores é diferente, ou seja, o possuidor
direto é aquele que exerce efetivamente o poder de fato; diversamente do possuidor
indireto.
A posse direta é necessariamente licita e temporária
Composse X Condomínio. A composse pode ou não caminhar ao lado do condomínio.
Condomínio significa co-pripriedade; composse significa co-posse. Três esbulhadores
terão composse sem que tenha condomínio e os esbulhados podem ser condôminos
sem que exerçam a composse.
Suponha que tenhamos três compossuidores, mas apenas um deles ingressou no bem
mediante violência. A, B e C exercem em conjunto o poder de fato, mas apenas o A
exerceu violência. Ainda que apenas um deles tenha exercido a violência, toda a
composse é injusta. Na origem da composse o vicio objetivo envolvendo um dos
compossuidores atinge os demais, toda a composse.
Diferente pode ser a solução no caso de vicio objetivo superveniente. Imagine que a
composse seja exercida entre A e B. A, além de compossuidor, é proprietário. O B
exerce a composse na qualidade de comodatário. C seria o proprietário comodante. Se
o B viola obrigação de restituir, a posse do comodatário passa a ser precária e passa a
ter o status de compossuidor injusto. A injustiça do poder de fato do B, obviamente,
não atinge o status da posse exercido pelo A.
É diverso o tratamento do vicio originário e do vicio superveniente na composse.
O vicio subjetivo – boa ou má fé – é analisado em apartado. Ou seja, nada impede que
um tenha posse de boa fé e o outro compossuidor tem posse de má fé.
No direito brasileiro é incontroverso a admissibilidade de tutela possessória entre
compossuidores . É sabido que como na composse duas ou mais pessoas exercem o
poder de fato em conjunto nenhuma delas pode exercer ato de exclusividade. Se
houver ato de exclusividade por um dos compossuidores autorizado estará os demais a
exercer tutela possessória.
Posições do Marco Aurélio Melo:
Se um dos compossuidores, ao arrepio da vontade dos demais, explora sozinho o bem
economicamente, o compossuidor preterido não é obrigado a ingressar com a tutela
possessória. Ao invés de ingressar com a tutela possessória pode se valer da actio in
rem verso (enriquecimento sem causa). Na prova da AGU dizia que o locatário que
deixa de pagar os alugueis confere ao locador a actio in rem verso. Afirmativa falsa,
porque a vedação de enriquecimento sem causa tem aplicação meramente subsidiaria;
se não pagou o aluguel, caberá ação de cobrança – ilícito contratual.
O legislador prevê a ação de extinção do condomínio. Para o Marco Aurélio, em
homenagem a teoria sociológica da posse, também cabe a ação de extinção da
composse. Não há previsão legal. Diz o doutrinador que no condomínio um dos
condôminos possui direito de preferência para adquirir a propriedade do outro;
portanto, para ele, também há direito de preferência entre compossuidores. No caso de
cessão de composse, por exemplo, os demais compossuidores tem direito de
preferência em relação a terceiros.
Há quem diga que a composse pode ser: pro diviso ou pro indiviso . Resumidamente, a
composse será pro diviso quando houver divisão fática na utilização do bem. Suponha
que três sujeitos estejam averbado junto ao registro como condôminos; no plano
jurídico eles são condôminos e, consequentemente, compossuidores; mas no plano
fático eles estabeleceram uma divisão fática para viabilizar a convivência pacifica. Na
composse pro indiviso, a contrario sensu, não há divisão fática. O Carlos Roberto
Gonçalves e o Silvio Venosa adotam essa classificação. A maioria discorda,
defendendo que só há composse denominada pro indiviso. A composse pro diviso não
seria verdadeiramente composse, porque a composse não é analisada no plano
jurídico, mas sim no plano fático.
SUCESSÃO NA POSSE
Se o sujeito falece deixando três imóveis, três herdeiros, sem ter elaborado testamento, será sucessão
universal.
Se faz o testamento e destina cada um dos bens a cada um dos respectivos sucessores será sucessão
singular.
Se há uma compra e venda, doação, envolvendo bem determinado, teremos uma sucessão inter vivo
singular.
No caso de sucessão universal, o sucessor por força de lei é o continuador da posse do antecessor.
Essa expressão do CC “continuador da posse do antecessor” envolve não apenas o aspecto
quantitativa, como também o aspecto qualitativo.
O aspecto quantitativo diz respeito, basicamente, ao computo do prazo anterior para fins de usucapião.
E o aspecto qualitativo envolve a natureza da posse do antecedente, ou seja, se a posse do
antecedente era injusta, a posse do sucessor também será qualificada como injusta; se a posse do
antecessor era de má fé, a posse do sucessor também será qualificada como sendo de má fé.
O Caio Mário traz uma observação importante em relação a sucessão universal, dizendo o seguinte:
sem duvida, via de regra, na sucessão universal, o sucessor continua a posse do antecessor com todas
as suas características; mas os sucessores universais não podem invocar a boa fé do antecessor para
qualificarem a sua própria posse. É possível que o antecessor fosse um possuidor de boa fé, e o
sucessor, no caso, venha a ser possuidor de má fé; o que o Cario Mario destaca é que não pode o
sucessor de má fé invocar a boa fé do antecessor para qualificar a sua própria posse, com base no
artigo 1207. Seria uma mitigação à literalidade do artigo 1207.
No caso de sucessão singular, o sucessor tem o direito potestativo de optar entre ser ou não o
continuador da posse do antecessor.
É possível que não interesse ao sucessor ser o continuador da posse do antecessor?
R: Sim. Imagine que a posse do antecessor era precária; se a posse era precária, e o sucessor singular
optar por ser o continuador da posse, o período anterior será computado, mas a posse do sucessor
também será qualificada como precária. E a posse precária, a principio, é desprovida de animus domini,
ou seja, não é computada para fins de usucapião, ressalvada a inversão da posse.
Então, é possível que o sucessor venha desvincular sua posse do antecessor. Em termos práticos, essa
desvinculação se dará quando o sucessor singular ingressar com uma ação de usucapião ou quando
alegar o usucapião como matéria de defesa, com base na sumula 237 do STF.
Tem um detalhe, que é o seguinte: o Tupinambá Miguel de Castro justifica essa diversidade de
tratamento – sucessor universal x sucessor singular – com base no artigo 1923, parágrafo primeiro, do
CC, que diz: “Não se defere de imediato a posse da coisa, nem nela pode o legatário entrar por
autoridade própria”. O artigo 1923, parágrafo primeiro, exclui em relação ao legatário, especificamente,
a teoria da saisine no que diz respeito a transmissão da posse. Como não há imediata transferência da
posse ao legatário, o Tupinambá justifica a diversidade no tratamento. Como o sucessor singular não é
atraído pela teoria da saisine em relação a posse poderia ele desvincular sua posse da do antecessor;
diversamente do que ocorre na sucessão universal, em que a teoria da saisine implica na imediata
transferência da posse.
CUIDADO: Para o Tupinambá, portanto, quando fala em sucessor singular estaria se referindo tanto a
sucessão inter vivos como mortis causa, notadamente com base no artigo 1923, parágrafo primeiro.
Todavia, há quem defenda que a sucessão singular do artigo 1207 se restringe a sucessão singular inter
vivos, por conta do artigo 1206, que diz: “A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor
com os mesmos caracteres”. Ou seja, o artigo 1206 seria regra especial, referindo-se especificamente
ao legatário, e estaria ressaltando que em relação ao legatário também há a continuidade da posse do
antecessor por força de lei. Então, na verdade, esta possibilidade de ser ou não continuador da posse,
pelo artigo 1207, se restringe, para esta segunda opinião, apenas a compra e venda, doação, ou seja, a
hipóteses de sucessão singular inter vivos. Defendem esta posição: Clovis Bevilaqua e Ernani Fidelis
dos Santos.
É evidente – e não há nenhuma discussão doutrinária – que todas as questões envolvendo sucessão na
posse pressupõe aquisição derivada da posse. Quer dizer é preciso que a posse do sucessor decorra
da do antecessor. Se houver esbulho possessório não há como se cogitar de sucessão da posse. Se o
esbulhador cede a posse a um terceiro haverá sucessão da posse do esbulhador para o terceiro
adquirente; mas não há sucessão entre o esbulhador e o esbulhado, eis que o esbulho da origem a uma
aquisição originária.
Veremos mais adiante que todas as questões envolvendo sucessão na posse são mitigadas em duas
modalidades de usucapião: na usucapião especial rural e na usucapião especial urbana; não se aplica
sucessão na posse nessas duas modalidades de usucapião. O tema é controvertida. A grosso modo, a
sucessão na posse enfrenta algumas dificuldades nessas duas modalidades de usucapião, porque na
usucapião especial rural um dos requisitos é que o possuidor tenha tornado a terra produtiva por seu
trabalho ou de sua família, e na usucapião especial urbana se exige o direito à moradia; quer dizer, os
requisitos da usucapião rural e urbano tem cunho quase personalíssimo, e esta natureza quase que
personalíssima gera algum tipo de embaraço, dificuldade, a aplicação da sucessão na posse.
EFEITOS DA POSSE:
Artigo 1222 – “O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má fé, tem o direito
de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa fé indenizará pelo valor atual”.
Em geral, o que a doutrina diz é que o custo é o custo histórico, ou seja, quanto o possuidor gastou a
época para realizar a benfeitoria; e o valor atual seria quanto o possuidor gastaria para realizar a
benfeitoria naquele exato momento.
Mas vejam bem. Essa interpretação não parece, ao professor, uma das melhores. A uma porque
esvaziaria por completo a possibilidade de opção, porque é evidente que o reivindicante jamais irá optar
pelo valor atual se ele pode optar pelo custo histórico. E mais. Imagine que a benfeitoria tenha sido
realizada há cinco anos; a indenização pelo custo histórico geraria enriquecimento sem causa em favor
do reivindicante. Enfim, a interpretação literal é, no mínimo, criticável.
Uma outra forma de interpretar o dispositivo é a seguinte: o custo corresponderia ao custo histórico
corrigido monetariamente; o valor atual seria quanto ele gastaria para fazer a benfeitoria naquele
momento. Não necessariamente os valores coexistiram; é possível que o preço daquele serviço tenha
superado a valorização da própria correção monetária.
Há uma terceira via, que parece sedutora, mas pode representar um “tiro no pé. A terceira via seria
interpretar a expressão “custo” como sendo custo da benfeitoria hoje; quer dizer, quanto o possuidor
gastaria para fazer aquela benfeitoria hoje. E a expressão valor atual significaria a valorização ou a
desvalorização do bem decorrente da benfeitoria. É possível que o possuidor tenha gasto R$1.000 e o
bem tenha valorizado R$2.000. isso pode representar um “tiro no pé” porque se for possuidor de má fé,
o reivindicante tem o direito de optar entre o valor atual e o seu custo; se for possuidor de boa fé tem
que ser pelo valor atual; imagine o seguinte: kit gás – o possuidor de má fé instala um kit gás no
automóvel; o custo seria uns R$2.000; esse R$2.000 não, necessariamente, irá representar a
valorização do automóvel em R$2.000. Vejam que o possuidor de boa fé seria prejudicado com essa
interpretação, porque nem sempre o reflexo da valorização é igual ou maior do que o custo realizado
pela benfeitoria.
Não há, ainda, entendimento do STJ sobre o tema, portanto é cedo para se falar em posição
consolidada. Mas parece que o melhor entendimento, segundo opinião do professor, seria o segundo,
porque evita o enriquecimento sem causa, na medida em que o custo é o custo histórico corrigido
monetariamente e, ao mesmo tempo, não necessariamente conduz a prejuízos ao possuidor de boa fé.
Essas regras que acabamos de ver cedem diante de regras especiais. Estamos falando de regras
gerais. Por exemplo, para fins de locação temos o artigo 35 da lei 8245/91, que basicamente diz que o
locatário tem direito a ser indenizado, com direito de retenção, pelas benfeitorias necessárias; as úteis,
apenas se autorizadas; sobre este dispositivo – artigo 35 da lei de locações – foi editada a sumula 335
do STJ, que diz que estas disposições referentes a direito a indenização e retenção em favor do
locatário são regras dispositivas, ou seja, a sumula 335 admite renuncia pelo locatário. Evidentemente, a
sumula é de duvidosa aplicabilidade em contratos de adesão, por conta do artigo 424 do CC – podemos
falar tanto em dialogo de fontes (eis que o CC é regra geral e a lei de locação é regra especial), como
podemos utilizar a ferramenta da constitucionalização do direito civil (temos a isonomia material como
uma base axiológica a proteção do aderente; e em havendo essa base constitucional, a proteção do
aderente prevista no CC também se projetaria para a lei de locações).
Outra regra especial é o artigo 584 do CC, que trata de comodato. Diz o artigo que o comodatário não
poderá jamais recobrar do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada.
Jamais é muito forte. Na verdade, a doutrina e a jurisprudência ressaltam a não aplicabilidade do artigo
584 no caso de despesas extraordinárias e necessárias. Tais despesas, excepcionalmente, poderiam,
sim, ser objeto de indenização pelo comodante.
Outra questão já pacificada é a hipótese do caseiro, motorista, enfim, do fâmulo da posse. A duvida é se
o fâmulo da posse pode exercer a autodefesa. Se vier na prova dissertativa tem duas correntes:
1C) JÁ SUPERADA – o fâmulo da posse não pode exercer a autodefesa. Posição defendida pelo Tito
Fulgencio. Argumento: estamos falando de autotutela, e regra que trata de autotutela merece
interpretação estritiva; não cabe interpretação extensiva de regra que trata de autotutela; e o parágrafo
primeiro do artigo 1210 só confere legitimação ao possuidor. Como a regra não se refere ao detentor,
deve ser feita uma interpretação estritiva.
2C) Posição consolidada no sentido de que o fâmulo da posse pode exercer a autodefesa. Até porque
uma das funções essenciais do fâmulo da posse é justamente a guarda e a conservação do bem; retirar
do fâmulo da posse a autodefesa seria como retirar dele uma de suas funções essenciais. Isso significa
dizer que o fâmulo da posse não estaria atuando em defesa de sua própria posse, mas sim como um
longa manus de seu superior.
Essa questão caiu como pegadinha na prova para procurador federal – 1ª Fase – a afirmativa dizia
assim: “nos termos expressos do CC o motorista não pode exercer a autodefesa da posse”. Afirmação
verdadeira, porque nos termos expressos, de fato, não pode. Mas a doutrina e a jurisprudência se
consolidaram em sentido oposto.
Outra questão aqui é a seguinte: a doutrina ressalta que excepcionalmente aquele que tem posse
injusta pode se valer da autodefesa em face da vitima, quando a vitima tentar reaver o bem com a
própria força fora das hipóteses do parágrafo primeiro. Se a vitima um ano depois tenta tirar o esbulhar
“na marra”, o esbulhador pode exercer a autodefesa em face da vitima, restando a esta se valer da via
judicial.
Que pode se valer em face de terceiro, não há duvida, porque a posse de terceiro é um vicio relativo.
Pergunta de aluno: a ação de dano infecto pode ser considerada ação de proteção a posse?
R: Pode ser. Seria uma ação atípica de proteção da posse. Normalmente, não é elencada pelos
processualistas como tal. A peculiaridade das ações possessórias atípicas é que elas não
necessariamente se voltam a proteção da posse, mas indiretamente, ou em algumas circunstancias,
pode funcionar como instrumento de proteção da posse; então, dentro dessa perspectiva, a ação de
dano infecto poderia, sim, se encaixar, no caso concreto, como uma espécie de ação possessória
atípica.
A imissão não posse, por exemplo, para muitos, é uma ação petitória. Basicamente, seria ela cabível
naquela hipotese em que o sujeito tem direito a posse, mas nunca teve a posse. Exemplo: A celebra um
contrato de compra e venda com B, sem clausula constituti (sem constituto possessório); se B não
entrega o bem no prazo acordado, A não tenha tutela possessória contra B; a ação adequada seria
imissão na posse. Muitos defendem a natureza petitória porque, na verdade, o sujeito estaria invocando
o direito a posse com base em um título. Em que pese ter natureza petitória, a imissão na posse
indiretamente acaba sendo um instrumento de aquisição da posse, por isso seria uma ação possessória
atípica. Se tiver clausula constituti haverá a tradição ficta no momento da celebração do contrato.
Pergunta de aluno: se o locatário é esbulhado, o locador pode propor ação possessória em face de
terceiro? Sem duvida, porque o locador tem posse indireta. A via adequada para ele reaver o bem do
locatário é o despejo, mas em face do terceiro dispõe da ação possessórias, como possuidor indireto
que é. No caso de sublocação, todas as figuras envolvidas, ou seja, tanto o possuidor direto –
sublocatário – como os dois possuidores indiretos – locador e sublocador – tem tutela possessória
perante terceiros.
Os embargos de terceiro tem aplicabilidade, basicamente, quando a ofensa a posse se dá através de
constrição judicial. Exemplo: penhora do bem objeto do compromisso de compra e venda por dividas do
promitente vendedor. Ou seja, por divida do promitente vendedor, o imóvel, que se encontra em posse
do promitente comprador, é penhorado. Ainda que o compromisso não esteja registrado – sumula 84 do
STJ – fica garantida a posse do promitente comprador. A via adequada para o promitente comprador se
insurgir contra essa constrição judicial não é a reintegração de posse, mas sim os embargos de terceiro,
porque neste caso a suposta lesão possessória decorreu de constrição judicial.
Pergunta de aluno: como está, hoje, a possibilidade de exceção de domínio em sede de ação
possessória?
R: Os civilistas claramente se posicionam pela inadmissibilidade da exceção de domínio em sede de
ação possessória. Prova de civil, sem dúvida alguma, está é a resposta. Tem dois enunciados do CJF,
enfim.
O STJ, naquela decisão mencionada no final da aula passada, parece dar um indicio da posição do
STJ, no sentido de se admitir a equiparação entre tutela possessória e tutela petitória.
Pergunta de aluno: e se ambas as partes se embasarem no domínio para buscar a posse?
O enunciado 78 do CJF diz que se ambas as partes discutem posse sob alegação de propriedade, o
caso é de improcedência do pedido, porque a via adequada, neste caso, para esta pretensão seria a via
petitória. Não há, ainda, uma posição do STJ, neste caso especifico.
Alguns processualistas resistem a tese dos civilistas, ao argumento da economia processual.
Pergunta de aluno: o Estatuto da cidade, no artigo 11, tem a ver com isso?
R: Sim. Vamos ver quando tratarmos de usucapião que o artigo 11 diz que na pendência da ação de
usucapião urbano ficarão sobrestados quaisquer outras ações petitórias ou possessórias que venham a
ser proposta relativamente ao imovel usucapiendo. Esse dispositivo é extremamente criticado, até
mesmo pelos processualistas, não só pelo aspecto da confusão entre a tutela possessória e petitória,
mas principalmente pelo fato de que eventuais esbulhadores poderiam levianamente propor ação de
usucapião urbano com o único intuito de elidir eventual tutela possessória, ou reivindicatória, por parte
de terceiros. Então, na verdade, esse artigo 11 vem sendo extremamente criticado.
PROPRIEDADE
Artigo 1228, parágrafo segundo: São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer
comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
O referido dispositivo contempla o abuso do direito de propriedade.
Muitos autores enaltecem tal dispositivo, na medida em que finalmente o CC teria contemplado o abuso
ao direito de propriedade.
Mas, numa visão minimamente aprofundada, é possível perceber que o dispositivo é merecedor de
críticas, e não de elogios, porque ao contemplar o abuso do direito adotou a teoria dos atos emulativos (
por esta teoria só há abuso do direito se demonstrada a intenção de prejudicar outrem).
O artigo 187 do CC, ao contemplar o abuso do direito na parte geral, não segue a teoria dos atos
emulativos. À luz do artigo 187 haverá abuso sempre que um sujeito exercer um direito em desarmonia
com os valores do sistema, não se exige a intenção de prejudicar outrem. E a literalidade do parágrafo
segundo do artigo 1228 do CC retrocedeu, e pela literalidade do dispositivo só haveria abuso no caso de
intenção de prejudicar outrem.
Uma doutrina mais especializada, minimamente progressista defende a superação da literalidade do
parágrafo segundo. É evidente que não se exige a intenção de prejudicar outrem para a configuração do
abuso do direito de propriedade.
Pergunta de aluno: poderia se aplicar o artigo 187?
R: Tem duas ponderações aqui. Além de podermos aplicar o artigo 187 – dispensando a teoria dos atos
emulativos, o Gustavo Tepedino chega a dizer que o parágrafo segundo do artigo 1228 seria letra morta
– regra absolutamente desnecessária - porque quem exerce a propriedade com a intenção de prejudicar
outrem está, obviamente, violando a função social da propriedade, que já está prevista no parágrafo
primeiro. Então, na verdade, quando se exerce a propriedade com a intenção de prejudicar outrem, a
vedação a esta conduta já estaria no parágrafo primeiro do artigo 1228, que contempla a função social
da propriedade.
E evidente, indiscutível, que a aplicação de todos os instrumentos do estatuto da cidade não pressupõe
a intenção do proprietário em prejudicar outrem.
Defendendo, então, uma interpretação sistemática do parágrafo segundo do artigo 1228, a luz do artigo
187, temos o Gustavo Tepedino, Cristiano Chaves de Faria, Nelson Rosenvald, e Enunciado 49 do CJF.
Faculdades jurídicas inerentes a propriedade:
a) Uso – permite ao proprietário usar-se e servir-se do bem. É incontroverso que essa faculdade
jurídica pode ser exercida indiretamente; é admissível o chamado “uso indireto”. Exemplos de uso
indireto: detenção, locação, comodato. Em relação a detenção não tem muita duvida, ou seja, o caseiro
é um mero detentor, e quem exerce a faculdade de uso não é o caseiro, mas sim o proprietário. Mas na
locação e no comodato pode gerar alguma duvida; será que, com a locação e o comodato, o proprietário
não transferiu a faculdade de uso ao locatário ou comodatário? Tem uma classificação tradicional,
segundo a qual a propriedade pode ser plena ou restrita. Propriedade restrita sinônimo de propriedade
limitada. Na propriedade plena o proprietário titulariza todas as faculdades jurídicas; diversamente com o
ocorre na propriedade restrita ou limitada; na locação, no comodato, o proprietário tem propriedade
plena. O que a doutrina sustenta é o seguinte: através de relações meramente obrigacionais, como é o
caso da locação e do comodato, o proprietário não transfere a titularidade das faculdades jurídicas, mas
apenas o exercício das faculdades jurídicas. Diversamente do que ocorre, por exemplo, com o usufruto;
em sendo o usufruto um direito real sobre coisa alheia, o nu-proprietário não transfere apenas o
exercício, mas a própria titularidade das faculdades jurídicas de uso e gozo; no usufruto, o nu-
proprietário tem propriedade restrita ou limitada. Ou seja, em sendo a faculdade jurídica oriunda de um
direito real, a sua titularidade só poderia ser transferida através de um direito real; por isso na locação e
no comodato se sustenta que o locador proprietário exerce o uso indireto do bem; não cairia na idéia de
uso indireto, por exemplo, o usufruto, porque neste o proprietário transferiu não apenas o exercício, mas
a própria titularidade das faculdades jurídicas de uso e de gozo.
O exercício da faculdade jurídica de uso quase sempre gera a posse direta; mas não é pressuposto ao
desmembramento possessório que haja transferência da titularidade; basta que haja a transferência do
exercício. Diz-se quase sempre, porque há hipóteses em que a lei afasta a posse e qualifica o poder de
fato como sendo mera detenção.
*Tem uma posição minoritária do Nelson Rosenvald e do Cristiano Chaves no sentido de que na
faculdade jurídica de uso já estaria embutida a possibilidade de perceber os frutos naturais. Há um
artigo que ajuda nesta posição, que é o artigo 1412, que diz: “O usuário usará da coisa e perceberá os
seus frutos, quanto exigirem as necessidades suas e de sua família”. CUIDADO: Isso é uma pegadinha
freqüente em prova oral, porque temos o uso e o usufruto; o usufruto confere ao usufrutuário as
faculdades de uso e fruição; o uso transfere além da faculdade de uso, também transfere a fruição,
embora limitada as necessidades do usuário e de sua família. Então, o Cristiano Chaves e o Nelson
Rosenvald, utilizando-se desse dispositivo por analogia, defendem que na faculdade de uso já estaria
embutida a possibilidade de percepção dos frutos naturais necessários a subsistência do usuário.
b) Fruiçao ou Gozo – atrelada a possibilidade de percepção dos frutos e, eventualmente, dos
produtos. Resumidamente, a faculdade jurídica de fruição atribui ao proprietário a possibilidade de se
beneficiar economicamente da coisa.
*Remissão do artigo 1232 para o artigo 1284, 1394 e 1214.
Artigo 1232 – Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu
proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem.
Artigo 1284 – Os frutos caídos de arvores do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram,
se esse for de propriedade particular.
Artigo 1394 – O usufrutuário tem direito a posse, uso, administração e percepção dos frutos.
Artigo 1214 – O possuidor de boa fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.
Para não sermos repetitivos, não nos esqueçamos da discussão, já vista, se essas regras excepcionais
que tratam da percepção dos frutos pelo não proprietário se estendem ou não aos produtos. O Cristiano
Chaves entende que se aplica por analogia, e o Carlos Roberto Gonçalves diverge dizendo que é
descabida a aplicação por analogia, pois o próprio artigo 1232 exige preceito especifico para afastar a
regra segundo a qual os produtos pertencem ao proprietário, a percepção dos produtos acaba abalando
a própria substancia do bem, diversamente do que ocorre com a percepção dos frutos.
Por coerência, Para o Rosenvald e Cristiano Chaves a faculdade jurídica de fruição tem relevância para
a percepção dos frutos industriais e civis, porque para eles a percepção dos frutos naturais já estaria
embutida na própria faculdade de uso.
Pergunta de aluno: não há uma limitação a percepção dos frutos naturais?
R: A posição do Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves aplica por analogia o artigo 1412, que confere
uma percepção limitada dos frutos naturais; limitada a necessidade do próprio usuário e de sua família.
c) Disposição – se subdivide na chamada disposição material e jurídica. A disposição material, em
tese, permitiria a destruição, o abandono do bem. Ao passo que a disposição jurídica se subdividiria em
total e parcial. A total permite ao proprietário a transferência – alienação – da titularidade. Ao passo que
a disposição jurídica parcial permite a constituição dos direitos reais menores; essa possibilidade do
proprietário constituir direitos reais menores (que são direitos reais sobre coisas alheias) decorre da
chamada elasticidade ou fragmentariedade do direito de propriedade; pela elasticidade ou
fragmentariedade do direito de propriedade, o proprietário pode transferir, temporariamente, a
titularidade de uma ou alguma das faculdades jurídicas sem perder a propriedade.
É claro e evidente, dentro desta análise do uso, gozo e disposição, que a função social é sem duvida
uma limitação intrínseca da propriedade, pois o exercício de todas essas faculdades jurídicas, vistas até
o momento, devem obediência a função social; é como se a função social condicionasse o exercício de
todas as faculdades jurídicas.
d) Reivindicação – é uma manifestação clara da seqüela, da ambulatoriedade, do direito de
propriedade. A oponibilidade da tutela reivindicatória se dá em caráter de generalidade, ou seja,
oponibilidade erga omnes, porque pode ser exercida em face de qualquer terceiro. Diz a parte final do
artigo 1228: “... de qualquer terceiro que injustamente a possua ou detenha”. Essa expressão
“injustamente a possua” é incontroversamente mais ampla do que a definição de posse injusta. A posse
injusta – artigo 1200 a contrario sensu – pressupõe violência, clandestinidade ou precariedade (são os
chamados vícios objetivos da posse); no artigo 1228, parte final, a expressão “injustamente a possua”
significa simplesmente posse não titulada, não embasada juridicamente. Então, se alguém ingressa no
terreno alheio, a luz do dia, sem exercer violência, sem exercer clandestinidade, sem qualquer
precariedade, esta posse, apesar de, em tese, não se qualificar com posse injusta – a luz do artigo 1200
– se encaixa na parte final do artigo 1228 e autoriza o exercício da tutela reivindicatória.
Pergunta de aluno: A expressão “injustamente o possua” representa qualquer posse sem
propriedade?
R: Não necessariamente. Posse não titulada é posse sem título. O locatário, o usufrutuário, o
comodatário, tem posse titulada. Posse não titulada entenda-se sem título hábil a atribuição da posse, e
não da propriedade.
Pergunta de aluno: o artigo 1200 é taxativo?
R: Essa é uma discussão que existe em âmbito jurisprudência, e até doutrinário. Para o STJ o rol é
meramente exemplificativo. Para o Rosenvald o rol é taxativo, porque se entendermos que toda posse
contrária ao ordenamento jurídico, não titulada, corresponde a definição de posse injusta, quase sempre
a posse justa vai corresponder a posse do proprietário; isso seria um resquício da era anterior em que a
propriedade era um valor superior à posse. Essa posição do Nelson Rosenvald é minoritária, mas é uma
crítica interessante. Independentemente desta tomada de posição, é unânime que o artigo 1228 trata da
posse não titulada, e não necessariamente enquadrável dentro das hipóteses de posse injusta do artigo
1200.
O efeito prático de se qualificar uma posse como sendo injusta, a luz do artigo 1200 a contrario sensu,
diz respeito a legitimidade passiva para as ações possessórias. Pela tese do Rosenvald, se o terceiro
ingressa no bem as claras, sem violência, sem precariedade, ele não tem posse injusta; se ele não tem
posse injusta não cabe tutela possessória contra ele, mas cabe tutela reivindicatória, porque a definição
do artigo 1228, parte final, é mais ampla do que a definição do artigo 1200 a contrario sensu.
O Código inovou na parte final do artigo 1228, caput, quando fala no “...no direito de reavê-la do poder
de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Essa expressão “ou detenha” é novidade; não
havia antes. Isso gerou, e ainda gera, uma certa perplexidade, porque uma das hipóteses de nomeação
a autoria do CPC é justamente quando o sujeito dirige a tutela jurisdicional em face do detentor; e o
pressuposto a nomeação a autoria é a ilegitimidade passiva, porque a nomeação a autora, a grosso
modo, busca retificar o pólo passivo da relação processual. Diante da literalidade do artigo 1228, alguns
estudiosos chegaram a afirmar – tese, hoje, superada – que o CC/02 teria revogado tacitamente o CPC
quando prevê a nomeação a autora no caso de citação do detentor, porque o CC com a expressão “ou
detenha” teria conferido legitimidade passiva ao detentor; e em havendo legitimidade passiva para o
detentor não mais seria admissível a nomeação a autora; mas, em tese, caberia a denuncia a lide para
eventual direito de regresso. O Alexandre Câmara e o Marco Aurélio Melo defendem a
inconstitucionalidade do dispositivo no que se refere a expressão “ou detenha”, porque a tutela
reivindicatória dirigida em face do detentor vai repercutir na esfera jurídica do possuidor; se o
proprietário dirige a tutela reivindicatória em face do caseiro do esbulhador, esta tutela irá repercutir
diretamente na esfera jurídica do esbulhador, e não do caseiro – fâmulo da posse; então, o grande
entrave a admissibilidade do artigo 1228, nesta parte, seriam os limites subjetivos a coisa julgada. Por
ferir os limites subjetivos da coisa julgada, o Alexandre Câmara e o Marco Aurélio sustentam a
inconstitucionalidade do dispositivo a luz do devido processo legal.
O Tepedino, sem adentrar nesta filigrana processual, sustenta que não adianta nada entrar contra o
detentor; para ele a disposição legislativa, permitindo a tutela reivindicatória contra o detentor, é inócua,
porque tal tutela não vai repercutir na esfera jurídica do possuidor. Para o Tepedino a regra é letra
morta.
É bastante interessante uma posição defendida pelo Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, no sentido
de que para fins do artigo 1228, parta final, é preciso diferenciar a detenção dependente da detenção
autônoma. Teríamos detenção dependente nos artigos 1198 (fâmulo da posse: caseiro, que exerce uma
detenção dependente porque está diante de uma subordinação) e 1208, primeira parte (atos de mera
permissão ou tolerância); para a detenção dependente seria inaplicável a parte final do artigo 1228,
porque, na verdade, o detentor, eventualmente demandado, estaria a mando ou em obediência a um
superior, que seria o legitimado a integrar o pólo passivo. Entretanto, a parte final seria aplicável no caso
de detenção autônoma; a detenção autônoma seria a hipótese do artigo 1208, parte final, que diz: “Não
induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância; assim como não autorizam a sua aquisição os
atos violentos ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”; ou seja,
enquanto houver atos violentos ou enquanto houver clandestinidade haverá mera detenção; essa, sem
duvida, é uma detenção autônoma, porque o detentor não exerce o poder de fato de acordo com as
instruções ou ordem de ninguém; neste caso não teríamos problema com os limites subjetivos da coisa
julgada porque quem efetivamente viola a propriedade é o próprio detentor, e não eventual superior ou
possuidor.
*Quando o caseiro se transmuda em possuidor pelo exercício continuado de atos possessórios ou pela
ruptura unilateral do contrato, a detenção se transmuda em posse não titulada, e em sendo posse não
titulada a conseqüência é a legitimidade passiva para a tutela reivindicatória.
*O enunciado 253 do CJF confere tutela reivindicatória ao promitente comprador titular do direito real de
aquisição. Para ser titular de direito real de aquisição, o promitente comprador tem que ter o
compromisso de compra e venda averbado no registro de imóveis. É mais um efeito prático do registro
do compromisso de compra e venda, ou seja, permitir a tutela reivindicatória do promitente comprador
em face de terceiros. Outro efeito prático do registro do compromisso é permitir a adjudicação
compulsória.
O STJ, inclusive, já se pronunciou no sentido de que se o compromisso de compra e venda tiver
averbado no registro a pretensão a adjudicação compulsória se torna imprescritível, porque neste caso
a pretensão alçaria a qualidade de natureza real; daí seguindo a primeira corrente de que as pretensões
reivindicatórias são imprescritíveis, o pleito à adjudicação compulsória não se subordinaria a prescrição
extintiva.
Outra característica, que não se encontra no artigo 1231, é a perpetuidade. A exceção a perpetuidade é
a propriedade resolúvel.
A propriedade resolúvel está nos artigos 1359 e 1360 do CC.
A propriedade resolúvel lato sensu se subdivide em:
a) Propriedade resolúvel stricto sensu (artigo 1359)
b) Propriedade revogável (também denominada de ad tempus) (artigo 1360)
Em ambas as hipóteses a propriedade é temporária, excepcionando o caráter de perpetuidade.
O parágrafo quinto diz: “... paga a indenização, a sentença vale como título para o registro”. O
pagamento da indenização é condição suspensiva a aquisição da propriedade?
R: Não. Parece condição suspensiva porque o pagamento da indenização é evento futuro e incerto, mas
falta a voluntariedade. Para que haja condição suspensiva é preciso que haja a voluntariedade. O
pagamento da justa indenização, como pressuposto da aquisição da propriedade, não decorre do
acordo de vontade, mas sim da imposição legal. Não estamos, então, diante de uma condição
suspensiva, mas sim de um requisito legal.
Paramos na aula passada falando dos artigos 4º e 5º do artigo 1228 do CC. Vamos tecer, ainda, breves
considerações sobre este mesmo tema para fechar bem o instituto.
Cabe aplicação dos parágrafos quarto e quinto do artigo 1228 do CC em face do poder público?
R: Sobre o tema, na primeira jornada, foi editado o enunciado 83 do CJF no sentido do descabimento,
ou seja, da inaplicabilidade dos parágrafos 4º e 5º do artigo 1228 em face do poder público. Na ultima
jornada foi editado o enunciado 304. A lógica do enunciado 83 ao ressaltar a inaplicabilidade seria que o
instituto é incompatível com toda a política especial de proteção dos bens públicos. Mas o enunciado
304 explicitamente ressaltou a aplicabilidade do instituto em se tratando de bens públicos dominicais.
Vimos em aulas anteriores que pela posição amplamente dominante apenas os bens públicos
dominicais são suscetíveis de posse; os de uso comum e deu uso especial seriam insuscetíveis de
posse. E uma das premissas para aplicação do instituto é que haja a posse sobre o bem em via de ser
adquirido. Então, nesta perspectiva predominante, o enunciado ao contemplar a admissibilidade da
aplicação do instituto sobre bens dominicais, explicitamente se filia a tese predominante no sentido do
cabimento de posse sobre bens dominicais. E, ao mesmo tempo, implicitamente, ao ressaltar a
aplicabilidade do instituto sobre bens dominicais, o enunciado repudia a tese segundo a qual o instituto
tem natureza de usucapião – ou seja, uma daquelas quatro correntes que vimos.
Outro ponto importante é o seguinte: Esse dispositivo, parágrafo quarto, traz uma série de cláusulas
gerais. Muitos criticam, inclusive a regra, pois seria ela muito imprecisa, muito vaga. O código fala em
“extensa área” e “numero considerável de pessoas”. Sem dúvida alguma esses conceitos são um tanto
quanto vago. Toda doutrina afirma que a analise há ser evidentemente casuística; notadamente no que
diz respeito a “extensa área”; quer dizer, se nós tivermos num imóvel em uma área rural, obviamente
que a dimensão de extensa área rural não é a mesma que noção de extensa área em Ipanema. Ou
seja, a noção há de ser aferida a luz do caso concreto.
O Pablo Renteria dá um passo além dos manuais – que normalmente se omitem em relação a esse
aspecto – sustentando que se estivermos falando de área urbana seria aplicável por analogia o artigo 10
do Estatuto da Cidade (que trata de usucapião coletiva, apenas admitindo-a numa área superior a
250m2) e para a área rural defende a aplicação por analogia do artigo 191 da CRFB (que trata da
usucapião especial rural, a qual não pode incidir sobre áreas não superiores a 50 hectares; então
apenas áreas superiores a 50 hectares poderiam ser qualificadas como extensa área). E em relação ao
número considerável de pessoas, ele defende a aplicação por analogia do artigo 2º, inciso IV da lei
4.132/62 (que trata de desapropriação por interesse social, dispondo que só haveria interesse social,
preenchidos alguns requisitos, quando estivermos possuidores envolvendo mais de 10 núcleos
familiares). O Pablo Renteria não chega a defender a aplicação desses dispositivos com rigor, mas
sugere que teríamos, ao menos, standards envolvendo esses dispositivos.
Quando o CC entrou em vigor, trazendo esta novidade, muitos começaram a suscitar a
inconstitucionalidade dos parágrafos quarto e quinto do artigo 1228. O principal argumento no sentido
da inconstitucionalidade decorreria do fato de que apenas a CRFB poderia contemplar mecanismos de
perda da propriedade, apenas a CRFB poderia criar novas modalidades de perda do direito da
propriedade, quer dizer, como a própria CRFB contempla o direito de propriedade, caberia a ela própria
estabelecer os mecanismos de perda da propriedade. Essa posição é defendida pelo Caio Maria e
Carlos Alberto Dabus Maluf. Essa posição, hoje, é tida como superada.
O entendimento, hoje, é bastante seguro no sentido da constitucionalidade dos dispositivos; temos
inclusive o enunciado 82 CJF afirmando a constitucionalidade dos dispositivos. O argumento central
pela constitucionalidade seria o seguinte: sem duvida a CRFB resguarda o direito da propriedade, mas
ela própria impõe a observância da função social da propriedade. E o instituto, como vimos, vem em
harmonia com a lógica da função social da propriedade – artigo 5º, inciso XXIII da CRFB. O Cristiano
Chaves de Faria e o Nelson Rosenvald chegam, inclusive, a argumentar pela constitucionalidade
também com base no artigo 5º, inciso XXIV da CRFB, porque neste dispositivo o poder constituinte
originário permite ao legislador infraconstitucional sistematizar a desapropriação por interesse social.
Então, como o artigo 5º, inciso XXIV permite que o legislador infraconstitucional sistematize a
desapropriação por interesse social, seria justificável que o legislador contemplasse um mecanismo de
perda da propriedade em homenagem a função social da posse e da propriedade.
Outro ponto para arrematar é o seguinte: a questão de direito intertemporal. Vejam. Trata-se de um
instituto novo, não contemplado no CC/16. Se não houvesse nenhuma regra específica de direito
intertemporal, sem duvida alguma, a tendência da doutrina e da jurisprudência seria no sentido de
afirmar que esse prazo de cinco anos, mencionado no parágrafo quarto, só se iniciaria a partir da
vigência do CC/02; quer dizer, ainda que tivéssemos vários possuidores preenchendo os requisitos
antes da vigência do CC, como se trata de instituto novo, a tendência seria no sentido de não se
computar o período de posse anterior a vigência do CC. Mas temos, aqui, uma regra especifica de
direito intertemporal, que é o artigo 2030 do CC. É interessante a remissão desses dispositivos para o
artigo 2030. O artigo 2030 manda aplicar ao parágrafo quarto do artigo 1228, o artigo 2029.
Artigo 2029 – Até dois anos após a entrada em vigor deste código, os prazos estabelecidos nos artigos
(....) serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência anterior.
Isso significa dizer que o esse prazo de cinco anos salta para sete, mas o legislador permite computar o
período anterior de posse. Qual é a ratio do artigo 2029? R: O objetivo do artigo 2029 é, sem dúvida,
facilitar a consumação dos institutos ali previstos. E, indiscutivelmente, o que levou o legislador a facilitar
a consumação dos institutos ali previstos é a teoria sociológica da posse. Fica muito claro isso se nos
atentarmos que o artigo 2029 se refere ao artigo 1238, parágrafo único e ao 1242, parágrafo único, que
são hipóteses em que se permite a redução do prazo para usucapião pela função social da posse; e o
parágrafo quarto do artigo 1228 está intimamente atrelado a função social da posse. Quer dizer, o
parágrafo quarto na parte final fala em “obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e
econômico relevante”. Então, qualquer prova dissertativa em que formos instados a aplicar o artigo 2029
ou 2030 é indispensável fazer uma conexão com a teoria sociológica da posse. *Isso caiu até na
penúltima especifica da posse, mas envolvia o parágrafo único do artigo 1242, e o examinador queria
que se falasse, também, de teoria sociológica da posse.
*Para quem for fazer prova para o Ministério Público vale a pena ressaltar o enunciado 305 do CJF, que
prevê a necessidade de intervenção do MP quando em jogo os parágrafos quarto e quinto do artigo
1228 do CC. Na verdade, seria imperiosa a intervenção do MP dada a dimensão social dos interesses
em jogo; como está em jogo a teoria sociológica da posse seria justificável a intervenção do MP.
Essas eram as considerações finais acerca dos parágrafos quarto e quinto do artigo 1228.
Antes de passarmos ao outro tópico é preciso fazer uma observação que o Gustavo Tepdino e o Nelson
Rosenvald ressaltam bastante, que é o seguinte:
OBS: Os manuais, em geral, ressaltam que os direitos reais se submetem a um rol taxativo – vimos isso
inclusive na discussão sobre a natureza jurídica da posse. Os manuais, clássicos, tratam
indiscriminadamente em “taxatividade” e “tipicidade” dos direitos reais. É praxe os manuais tratarem
essas duas expressões como sinônimas. O Gustavo Tepedino, Nelson Rosenvald e Leonardo Mattieto
ressaltam que são, na verdade, definições diferentes; taxatividade não se confundiria com tipicidade;
para esses autores, sem dúvida alguma, teríamos a taxatividade dos direitos reais; taxatividade dos
direitos reais porque estes estão taxativamente previstos em lei – tem previsão legal. Mas para esses
autores não teríamos tipicidade em relação aos direitos reais, porque, defendem eles, que apesar dos
direitos reais estarem enumerados em lei – apesar de haver a taxatividade – o princípio da autonomia
privada permitiria pequenas alterações, pequenas modificações, nas categorias de direito reais previstas
em lei, na tipologia dos direitos reais previsto em lei. Vejam bem. Os direitos reais são taxativos, e para
a doutrina predominante, seriam também típicos, em razão de alguns aspectos: a) os direitos reais
possuem oponibilidade erga omnes; ou seja, geram repercussão perante toda a coletividade; então, na
verdade, a taxatividade e, para muitos, também a tipicidade, dos direitos reais buscam a segurança
jurídica, ou seja, a proteção de terceiros que necessariamente se curvam aos direitos reais previsto em
lei; b) Numa ótica anterior havia uma outra razão, que seria a própria proteção ao direito de propriedade;
quer dizer seria a lógica que o direito de propriedade só poderia ser restringido pelos direitos reais
previstos em lei, ou seja, a taxatividade seria um instrumento de proteção ao direito de propriedade; as
partes não poderiam criar outro direito real, que não aqueles previstos em lei, para mitigar o direito de
propriedade, como sendo este um direito real de excelência.
Mas vejam. A lógica da intervenção estatal nas relações privadas, através da função social do contrato e
através da função social da propriedade vem cada vez mais mitigando a dicotomia clássica entre direitos
reais e direitos obrigacionais. Ficou muito claro isso quando vimos a questão da eficácia externa das
relações obrigacionais, ou seja, as relações obrigacionais, hoje, não produz apenas efeitos inter partes;
e, nesse contexto, a função social da propriedade é que trariam a lógica de que os direitos reais
estariam previstos em lei, mas não seriam, necessariamente, típicos, ou seja, em homenagem a função
social da propriedade, o princípio da autonomia privada poderia modular os direitos reais previstos na
norma.
O exemplo sempre trazido pela doutrina é do time-sharing (também denominado de multi propriedade
imobiliária) - a grosso modo, esse sistema funciona da seguinte forma: tem-se um imóvel com vários
proprietários sobre aquele mesmo imÓvel, mas a propriedade exercida por cada um se dá em caráter de
exclusividade e dentro de um determinado lapso temporal, quer dizer, cada um é proprietário exclusivo,
por exemplo, por um determinado período, ou seja, um é proprietário exclusivo toda primeira semana do
mês, o outro é proprietário exclusivo toda segunda semana do mês, e assim sucessivamente. Enfim,
temos propriedades exclusivas e periódicas. Vejam que isso não se confunde com condomínio, porque
o que temos são propriedades exclusivas dentro de lapsos temporais pré estabelecidos. Não temos uma
sistemática legal envolvendo o time sharing; apesar da ausência de previsão legal, o princípio da
autonomia privada, desde que não violada a ordem pública, poderia estabelecer pequenas alterações,
modulações, dentro do direito de propriedade previsto na norma. Então, na verdade, o exemplo do time-
sharing demonstra que há algum tipo de espaço, algum tipo de autonomia privada, para a criação de
direitos reais não exaustivamente regulamentados na norma; quer dizer, é possível que haja modulação
dos direitos reais enumerados, a luz do princípio da autonomia privada. Isso sem duvida representa
mais um campo de reaproximação entre os direitos obrigacionais e os direitos reais, pois das
características clássicas que diferenciam um do outro é que nos direitos obrigacionais o rol é meramente
exemplificativo – plena liberdade das partes (hoje sabemos que não há mais plena liberdade) e, por
outro lado, os direitos reais, apesar de enumerados na norma, não seriam necessariamente tipicados
exaustivamente na norma.
Pergunta de aluno: Isso seria um exemplo de propriedade resolúvel?
R: Não. São situações que se parecem, mas não chega ser exemplo clássico de propriedade resolúvel
porque, na verdade, temos exclusividade, periodicidade e perpetuidade. Em toda a primeira semana de
março, o sujeito irá exercer a propriedade exclusiva sobre o bem; não teríamos propriamente a tipologia
da propriedade resolúvel, porque pela sistemática legal da propriedade resolúvel a condição resolutiva
ou termo final extingue a propriedade, e ponto final. Neste caso ora tratado, não, porque temos, ao
mesmo tempo, a periodicidade e perpetuidade, pois não teríamos a perda, propriamente, da
propriedade com o advento do tempo; àquela propriedade se “renovaria” a cada lapso temporal
existente.
Pergunta de aluno: mas a cada lapso temporal não haveria o renascimento da propriedade resolúvel?
R: O que poderíamos afirmar, em termos práticos, é que teríamos em tese uma propriedade resolúvel
perpétua, porque se renovaria a cada lapso temporal.
Pergunta de aluno: Em termos de direito tributário, haveria solidariedade entre os proprietários
envolvidos no time sharing?
R: Para ser franco, não tenho idéia.
Pergunta de aluno: como a função social influencia na autonomia privada?
R: Essa questão da função social é mais trabalhada pelo Leonardo Matieto. Diz o Leonardo Matieto que
a função social impõe um relativo dinamismo aos direitos reais; os direitos reais seria um instrumento a
serviço das finalidades econômicas e sociais; dentro desta percepção, quer dizer, dentro do dinamismo
envolvendo os direitos reais, decorrente da função social, é que se permitira uma certa modulação dos
direitos reais previstos em lei. Não seria a lógica da função social atrelada necessariamente ao interesse
social estrito sensu, e sim a função social impondo uma maior dinâmica nas relações envolvendo
direitos reais.
No exemplo do time sharing não teríamos a função social ligada diretamente ao direito de propriedade,
mas sim a potencialidade de utilização bem.
Enfim, se cair na prova uma pergunta pedindo para diferenciar taxatividade de tipicidade é isso que
acabamos de ver que o examinador irá querer ouvir.
Pergunta de aluno: em termos processuais, isso daria margem ao sujeito se valer da própria torpeza,
porque ante essa diversidade no registro imobiliário, o sujeito (cujo nome está registrado no RGI)
poderia alegar em preliminar falta de autorização.
R: Em tese ele se beneficiaria da própria torpeza, mas por outro lado teríamos o interesse do outro
cônjuge também em jogo. Talvez não fosse propriamente a proteção da torpeza do proprietário, mas
talvez a proteção do outro cônjuge propriamente dito, que teria sua situação aviltada pela torpeza do
outro. Na verdade foi uma opção legislativa em mais uma vez estabelecer uma tutela diferenciada da
propriedade imóvel em relação a móvel.
Tem outro ponto que é o seguinte: Como o registro tem natureza constitutiva, se A celebra um
contrato de compra e venda com B, hoje, e no dia seguinte celebra o contrato de compra e venda, do
mesmo bem, com C, qual dos dois – B ou C – irá adquirir a propriedade? Dois contratos diferentes
envolvendo o mesmo bem, qual terá o condão de transferir a propriedade?
R: Aquele que registrar primeiro. O que registrar depois poderá alegar evicção para exigir perdas e
danos, porque teria havido uma alienação a non domino.
Dentro do contexto da função social do contrato é plenamente sustentável que, se o segundo
contratante sabia da existência da primeira relação contratual - ainda que este segundo contratante,
sabedor da primeira relação contratual, venha registrar primeiro – o primeiro registro não prevaleça em
detrimento do segundo. Seria uma projeção da função social do contrato.
Pergunta de aluno: tem-se como referencia a data do registro ou da prenotação?
R: Prenotação no protocolo. Tem até regra explicita. Artigos 182 e 186 da lei de registros públicos e
artigo artigo 1246 do CC, que diz que o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título
ao oficial do registro e este o prenotar no protocolo. Então, sem dúvida, a primazia se dá em relação a
prenotação no protocolo. Tem um dispositivo, para quem tiver algum interesse especifico para a
advocacia, que é o artigo 174 da lei de registros que prevê o livro de protocolos, inclusive.
Então, é plenamente sustentável que, se àquele que registrou primeiro tinha ciência da relação
contratual preexistente, o segundo registro prevaleça em detrimento do primeiro, em homenagem a
função social do contato. Quer dizer, o segundo contratante tinha o dever de abstenção, no sentido de
não induzir a violação daquela primeira relação contratual.
Pergunta de aluno: nesse caso caberia aplicação da tutela externa do crédito do segundo em relação ao
primeiro?
R: A tutela externa do crédito vai propiciar responsabilidade civil do terceiro perante o credor frustrado
de seu direito de crédito pelo fato do terceiro ter induzido o devedor ao inadimplemento contratual. Com
essa solução que estamos aqui trazendo, o que estamos concretizando, a bem da verdade, seria uma
tutela especifica em favor do primeiro contratante que registrou depois; na verdade, ele terá a tutela
especifica porque a questão não irá desaguar apenas em perdas e danos; ele terá a sua propriedade
reconhecida; talvez essa solução seja mais vanguardista, vá mais além, do que a própria tutela externa
do crédito, porque a tutela externa do crédito não tem o condão de necessariamente conduzir a tutela
especifica, mas sim a responsabilidade civil. Não seria, pois, equivocado falar em tutela externa do
crédito porque o fundamento é o mesmo, mas, na verdade, a solução aqui vai um pouco além, pois
permite a própria tutela específica, a própria aquisição do bem.
Pergunta de aluno: se o que contratou depois e registrou primeiro não sabia da primeira contratação
haverá evicção. Mas e se constar do contrato a primeira alienação?
R: Será um contrato aleatório e não cabe evicção em contrato aleatório.
O aluno trouxe uma ponderação que seria a seguinte: se no próprio contrato em relação ao segundo
adquirente constasse a alienação anterior, ou se por algum modo ficar comprovado que o segundo
contratante tinha ciência; neste caso, seria possível afastar a titularidade daquele que registrou primeiro
porque ele sabia do contrato anterior, e seria justificável o descabimento da evicção em favor desse
contratante porque não cabe evicção em se tratando de contrato aleatório – artigo 457. Portanto, seria
plenamente aplicável o artigo 457 para afastar os efeitos da evicção em relação ao segundo contratante
que registrou primeiro sabendo da primeira relação contratual.
Atributos do registro:
a) Constitutividade - porque tem natureza constitutiva. Tem uma ponderação aqui em relação às
obrigações propter rem; pela lógica geral quem responde pelas obrigações propter rem é aquele que
tem o seu nome no registro; então o registro teria natureza constitutiva também em relação as
obrigações propter rem; entretanto, há posição consolidada do STJ não sentido de atribuir ao promitente
comprador, investido na posse, legitimidade passiva para as obrigações propter rem. Sem duvida é uma
mitigação a natureza constitutiva do registro em relação as obrigações propter rem, porque o promitente
comprador investido na posse ainda que não registrado como proprietário já teria legitimidade passiva
para as obrigações propter rem.
Pergunta de aluno: os credores de obrigações propter rem seriam mais privilegiados em relação aos
demais credores?
R: Parece que não necessariamente. A pergunta é um pouco vaga. Mas diria que não necessariamente,
porque a característica da obrigação propter rem é que ela acompanha um bem; então, mudou o titular
do direito real, mudou o legitimado passivo; mas ela não traz, em si, a separação daquele bem como
instrumento de garantia geral para os demais credores daquele devedor; diferente da hipoteca: na
hipoteca também temos a seqüela, ou seja, ela também acompanha o bem, mas a hipoteca separa
aquele imóvel do patrimônio do devedor como instrumento de garantia geral e aquele imóvel passa a
funcionar como instrumento de garantia especifica em favor do credor hipotecário; o que não é, em tese,
a hipótese da obrigação propter rem; digo em tese, porque na prática acaba acontecendo muito, porque
se estivermos falando em bem de família a regra geral é a impenhorabilidade, e uma das exceções a
impenhorabilidade são as obrigações propter rem de natureza tributária, obrigação propter rem
envolvendo cota condominial; então, em termos práticos, quando estamos falando de bem de família, a
obrigação propter rem vai acabar atribuindo uma tutela, em tese, privilegiada, porque vai admitir a
penhora do bem; mas ela não traz a mesma lógica da hipoteca em destacar aquele bem imóvel como
instrumento de garantia especifica daquele credor. Então, em tese, um credor hipotecário é mais
protegido do que um credor de obrigação propter rem, porque terá absoluta prevalência em relação
aquele imóvel em comparação aos demais credores daquele devedor.
Outro detalhe em relação às obrigações propter rem é o artigo 27, parágrafo 8º da lei 9514/97, que trata
da alienação fiduciária de bem imóvel; a lei, genericamente, prevê que se o devedor fiduciante se tornar
inadimplente se consolida a propriedade fiduciária em favor do credor fiduciário; se adotássemos a
perspectiva clássica das obrigações propter rem diríamos que, com a consolidação da propriedade em
favor do credor fiduciário, este já passaria automaticamente a responder pelas obrigações de natureza
propter rem. Esse dispositivo – artigo 27, parágrafo 8º - diz que o devedor fiduciante responde pelas
obrigações propter rem enquanto o credor fiduciário não for imitido na posse. Quer dizer, ele vem dentro
da perspectiva do STJ, permitindo a configuração de legitimidade passiva a eventual possuidor não
proprietário. O artigo 27, parágrafo 8º, também traz uma mitigação a natureza constitutiva do registro em
relação as obrigações propter rem.
Pergunta de aluno: Mas o STJ não faz esse raciocínio quando os bens imóveis são arrematados em
leilão, porque o arrematante antes de ser imitido na posse já está respondendo pelas dividas
condominiais. Não poderia se aplicar o mesmo raciocionio, ou seja, o possuidor – e não proprietário –
poderia arcar com as dividas do condomínio?
R: O STJ maciçamente diz que o arrematante já responde. A grande peculiaridade é que a arrematação
é aquisição originária – o que causa ainda maior estranheza nessa posição do STJ, porque em sendo
aquisição originária surge em tese um direito novo, desvinculado de eventuais situações pretéritas; mas,
a lógica das obrigações propter rem é uma exceção à aquisição originária. Como cota condominial é
obrigação propter rem ela não cede diante de aquisição originária. Diante da tutela privilegiada das
obrigações propter rem, o STJ afirma que mesmo em sendo a arrematação aquisição originária, o
arrematante passa a ter, automaticamente, legitimidade passiva para as obrigações propter rem.
Fazendo uma comparação com a hipoteca, vimos na aula passada que a hipoteca cede diante de uma
aquisição originária.
b) Prioridade ou Preferência – essa prioridade ou preferência são produzidas desde a prenotação
no protocolo – artigo 1246 do CC;
c) Força probante – sabendo-se que essa força probante traz uma presunção meramente relativa,
à exceção do registro torrens.
d) Continuidade – artigo 195 da lei de registros públicos. É preciso que se demonstre toda a
continuidade no âmbito sucessório para que haja a averbação no registro. Qual a exceção a isto? Ou
seja, quando se dispensa a continuidade? Quando há aquisição originária.
e) Legalidade – incumbe ao oficial do registro fazer um prévio exame de legalidade.
O oficial pode se recusar a proceder ao registro em perceber qualquer invalidade?
R: Alguns autores dizem genericamente que sim; quer dizer, diante de qualquer invalidade o oficial
poderia recusar ao registro, e o interessado que suscite duvida a ser provocada pelo oficial; mas
percebam o seguinte: o oficial não pode se recusar de fazer o registro diante de uma anulabilidade. É
preciso diferenciar nulidade de anulabilidade. As anulabilidades, por envolverem apenas interesse
particular, não podem ser reconhecidas de oficio nem pelo juiz, quiçá pelo oficial do registro.
Em havendo o exame negativo de legalidade feito pelo oficial, cabe a instauração da dúvida; quer dizer,
o particular irá suscitar a instauração da dúvida; a questao da dúvida vem disciplinada nos artigos 198 e
seguintes da lei de registros públicos; o artigo 200 prevê, inclusive, a intervenção do Ministério Público.
Uma controvérsia que surge é a seguinte: e se o oficial for inerte quanto ao exame de legalidade? Ou
seja, se ele não faz a analise da legalidade? Há quem entenda que no caso de inércia do oficial é
cabível a denominada dúvida invertida. A dúvida invertida é suscitada diretamente pelo interessado
perante o juiz do registro civil. É chamada de dúvida invertida porque o processo de dúvida contemplada
na lei de registros públicos, no artigo 198, traz uma sistemática absolutamente diferente; pela lei de
registros públicos, o oficial procede ao exame negativo de legalidade e o interessado suscita perante o
oficial a instauração da dúvida; quer dizer, a princípio, cabe ao oficial instaurar a dúvida; neste caso da
dúvida invertida, a dúvida seria suscitada diretamente pelo interessado perante o juiz do registro civil.
Argumentos a favor da admissibilidade da duvida invertida: artigo 5º, inciso XXXV (inafastabilidade da
tutela jurisdicional); artigo 5º, inciso XXXIV, “a” (direito de petição), ambos da CRFB.
Contra o cabimento da dúvida invertida os argumentos são: a) ela não é contemplada no artigo 198 da
lei de registros públicos; não há previsão legal; b) o cabimento do MS como remedido adequado para
compelir o oficial a instauração da duvida; c) a admissibilidade da reclamação prevista no artigo 20 da lei
de registros públicos.
A sentença que reconhece a adjudicação compulsória se submete ao crivo de legalidade do oficial?
R: Sem duvida. A sentença de adjudicação compulsória se submete ao crivo da legalidade do oficial
porque não tem ela o condão de transferir a propriedade; o efeito da sentença de adjudicação
compulsória é apenas substituir a vontade não emitida pela parte; então a sentença de adjudicação
compulsória faz as vezes da escritura, apena autoriza a lavratura da escritura independentemente da
vontade do promitente vendedor; não produz ela nem mais nem menos efeitos que a escritura, e se a
escritura se submete ao crivo de legalidade, a sentença de adjudicação compulsória também se
submete ao crivo da legalidade. Ou seja, é possível que a sentença de adjudicação compulsória seja
proferida sobre um loteamento em área irregular; a irregularidade desse loteamento pode, e deve, ser
objeto de exame da legalidade por parte do oficial. Não há nenhuma subversão de hierarquia entre
instancia administrativa e judicial; é que o objeto da tutela jurisdicional teria sido apenas a emissão da
vontade não emitida pelo promitente vendedor.
Pergunta de aluno: desde que a matéria objeto da análise de legalidade não tenha sido suscitada na
sentença?
R: Sem duvida alguma.
f) Especialidade – artigo 176 da lei de registros públicos. Especialidade diz respeito a
individualização do bem.
g) Obrigatoriedade – qual a natureza jurídica dessa obrigação lato sensu do adquirente em
averbar a escritura no registro?
R: Isso não é uma obrigação stricto sensu; mas sim um ônus. Não teríamos um dever jurídico stricto
sensu; mas sim um ônus. A inobservância do ônus não acarreta, a princípio, ilicitude, e sim uma
situação de desvantagem. Na verdade, seria ônus do adquirente averbar junto ao registro porque
apenas com o registro ele obterá a aquisição da propriedade. Então, a natureza jurídica não seria de
dever jurídico stricto sensu, e sim de ônus. Essa posição é predominante.
É criticável tal posição, em certa medida, até por conta das obrigações propter rem; ou seja, há um
interesse evidente do alienante em verificar o registro em favor do adquirente, até mesmo para que ele
venha a, incontroversamente, se ver livre das obrigações de natureza propter rem. Tanto é verdade que
o alienante dispõe inclusive de todos os mecanismos processuais de tutela especifica para compelir o
adquirente a proceder o registro, porque o alienante também tem o interesse jurídico em providenciar a
transferência da propriedade pelo registro. Para quem assim entende, o registro seria um dever jurídico.
Na verdade, quando se fala em ônus estaríamos falando apenas em uma situação de desvantagem
para aquele que descumpre o ônus; e o descumprimento do ônus não acarretaria qualquer
desvantagem para a outra parte.
Pergunta de aluno: no caso de uma obrigação propter rem o alienante poderia comprovar através de
documentação a venda do bem e se exoneria de tais obrigações?
R: Claro. Em tese, ele poderia trazer a colação, inclusive, os argumentos do STJ; mas, enfim, é evidente
que o alienante tem interesse em, incontroversamente, se ver livre das obrigações propter rem.
a) Tradição – é o meio por excelência de aquisição da propriedade móvel. A tradição pode ser:
a.1) Real – consiste na efetiva entrega do bem.
a.2) Ficta – são hipóteses em que o ordenamento jurídico presume a entrega; ficção jurídica. A tradição
ficta é o gênero, que comporta algumas espécies. São espécies de tradição ficta:
a.2.1) Simbólica – caso típico de tradição ficta simbólica é o da entrega das chaves.
Suponhamos que eu tenha um imóvel em Cabo Frio; anunciei na internet o interesse em alugar esse
imóvel; o interessado vê as fotos na internet e vem até o RJ para celebrar o contrato do imóvel de Cabo
Frio; celebramos o contrato e eu entrego as chaves para ele. Essa tradição ficta simbólica não vai gerar
transferência da propriedade, porque a tradição pressupõe não só a entrega do bem, mas a intenção de
transferir o domínio. Nesse caso, a tradição ficta simbólica irá gerar o desmembramento possessório. A
singularidade aqui é que quando da entrega das chaves teremos posse direta ficta. Isso é uma anomalia
dentro do direito civil brasileiro, porque é possuidor direto, em tese, aquele que exerce efetivo poder de
fato; e com a tradição ficta simbólico podemos ter posse direta ficta, ou seja, podemos ter um possuidor
direto que jamais exerceu efetivamente o poder de fato.
Outro cuidado: artigo 328 do CC, que diz “Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em
prestações relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde situado o bem”. O referido dispositivo não se aplica
na hipótese de tradição ficta simbólica. Quando o artigo 328 fala em “tradição” entenda-se tradição real.
Nada impede que a tradição ficta simbólica de um imóvel se de em local diversa do imóvel, fora da
localidade do bem.
Pergunta de aluno: Esse artigo quando fala em tradição do bem imóvel está se referindo a transferência
da propriedade?
R: Não. A tradição consta do CC dentro do capítulo dos bens móveis; mas a tradição produz efeitos
jurídicos não apenas em relação aos bens móveis, como também em relação aos bens imóveis. A
tradição em relação aos bens moveis transfere a posse e a propriedade; e em relação aos imóveis a
tradição tem o condão de transferir apenas a posse.
a.2.2) Longa manu – a definição predominante é que o bem é entregue a um terceiro de
acordo com as instruções do adquirente. Suponhamos que eu tenha celebrado uma compra e venda
sobre determinado bem móvel, que será entregue daqui a trinta dias; daqui a trinta dias eu aqui não
estarei; então, eu instruo o vendedor, alienante, a entregar o bem a um terceiro, no endereço X, a tantas
horas; quando o alienante entrega o bem ao terceiro, seguindo as minhas determinações, haverá
tradição ficta longa manu; ou seja, a entrega do bem ao terceiro irá produzir o mesmo efeito de eventual
entrega efetuada diretamente a mim; o terceiro atua como um longa manu do adquirente.
O efeito prático disso é que no caso de tradição ficta longa manu de bem móvel a entrega do bem a um
terceiro irá gerar a imediata transferência da posse e da propriedade para o adquirente; se houver, a
partir da entrega do bem a terceiro, perecimento sem dolo ou culpa, res perit domino, ou seja, a coisa
perece para o dono; então, os riscos para o perecimento sem dolo ou culpa, a partir da entrega do bem
ao terceiro, passam imediatamente a serem suportados pelo adquirente.
Não confudir tradição ficta longa manu com gestão de negócios.
Gestão de negócio: Artigos 861 a 875 do CC; Se parece muito com o mandato; são parecidos porque o
gestor atua em nome e em favor de outrem; a diferença entre eles é que o gestor sem que haja a prévia
outorga de poderes; A hipótese seria a seguinte: o alienante se compromete a me entregar o bem daqui
a 30 dias; eu não instruo o alienante a entregar a mais ninguém, só a mim; na data acordada o alienante
bate a minha porta e ninguém aparece; o vizinho escuta a movimentação e se oferece para receber; o
alienante entrega para o vizinho. Não temos, aqui, tradição fica longa manu, mas sim hipótese típica de
gestão de negócio. Efeito prático: na gestão de negócio, em tese, para que haja vinculação do dono do
negócio é preciso que haja a ratificação; no caso de gestão de negócio, os riscos não passam
automaticamente a ficar por conta do adquirente; continuam a ser suportados pelo alienante, porque
não há transferência da propriedade em se tratando de gestão de negócio na ausência de ratificação.
A diferença entre uma e outra seria a instrução do adquirente ao alienante para entregar ao terceiro;
quer dizer, a tradição ficta longa manu pressupõe que o adquirente instrua o alienante a entregar o bem
a determinada pessoa; neste caso, o terceiro atua como longa manu do adquirente; se não há previa
outorga de poderes e se não há previas instruções ao alienante, este quando entrega a um terceiro que
se oferece a receber estará envolvido numa gestão de negócio; e essa gestão só irá vincular o
adquirente se a ratificar.
Pergunta de aluno: na tradição ficta longa manu haverá transferência da propriedade?
R: Se for bem móvel sim; se imóvel transfere a posse.
Pergunta de aluno: no caso de bem imóvel haverá a transferência da posse direta ficta ou posse
indireta?
R: É possível que haja transferência de posse direta ficta, notadamente se houver uma tradição ficta
simbólica longa manu. Nada impede que eu instrua o alienante a entregar as chaves a um terceiro; daí
teremos a possibilidade de desmembramento possessória com uma posse direta ficta; a analise acaba
sendo casuística.
Pergunta de aluno: essa tradição longa manu está positiva ou é construção?
R: É uma construção doutrinária e jurisprudencial porque as hipóteses de tradição ficta estão, a
principio, positivas no artigo 1267, parágrafo único; tanto não está positivada esta espécie de tradição
que essa definição que vimos para a tradição ficta longa manu é predominante, mas não é unânime.
Temos alguns autores que defendem que há tradição ficta longa manu sempre que houver aquisição do
bem a distância. Tem um exemplo do Marco Aurélio Melo que preocupa um pouco; o exemplo é o
seguinte: imagine um sujeito que coloque uma armadilha para um determinado animal; o animal é
atraído pela armadilha; e o caçador, portanto, adquire, em tese, a titularidade daquele animal; o Marco
Aurélio chama isso de tradição fica longa manu; preocupa este exemplo porque tradição é um
instrumento típico de aquisição derivada de bem móvel, e neste caso não teríamos aquisição derivada,
e sim originária. A caça e a pesca eram disciplinadas no CC/16, e não mais constam, explicitamente, do
código atual. Quando a doutrina comenta o assunto dizem que a caça e a pesca deixaram de ter
disciplina especifica no CC porque se encaixam na ocupação do artigo 1263 (aquisição de coisa sem
dono) – modalidade típica de aquisição originária. Tem um outro exemplo do Caio Mário – que também
traz essa definição de aquisição a distancia – que é o seguinte: imagine um sujeito que vai entregar uma
fazenda para outra pessoa; quando o alienante coloca a fazenda à disposição do adquirente teríamos
uma tradição ficta longa manu, porque, ainda que o adquirente não exerça efetivamente o poder de fato
sobre toda a extensão territorial, ele a distância já teria adquirido a posse e a propriedade. Essa
definição mais genérica não vendo sendo adotada, em regra, pelos manuais mais contemporâneos. A
tendência vem sendo no sentido de trabalhar com a idéia de instruções ao alienante.
Qual a natureza jurídica da gestão de negócio?
Essa questão tem alguma graça porque a gestão de negócios no CC/16 era tratada ao lado dos
contratos; ou seja, o CC/16 trata dos contratos e, em seguida, gestão de negócios; a gestão de
negócios constava no CC/16 no capítulo de contratos em espécie. A doutrina critica muito o código por
isso, porque contrato pressupõe prévio acordo de vontades e não há acordo de vontades na gestão de
negócios. O CC/02 cedeu as criticas e a gestão de negócio agora consta do capítulo dos atos
unilaterais; então, a gestão de negócio tem natureza jurídica de ato unilateral.
O gestor pode ou não praticar atos de disposição em relação aos interesses do dono do negócio?
R: Regra geral, obviamente, que não pode, sem que haja a prévia anuência do titular do bem jurídico
envolvido.
Posição defendida pelo Gustavo Tepedino, seguindo o Pontes de Miranda, afirma que
excepcionalmente cabe atos de disposição em situações de comprovada necessidade e urgência.
Exemplo: dois terrenos vizinhos. O meu vizinho cultiva um determinado produto agrícola, mas ele está
no exterior e só volta daqui a seis meses; toda a colheita do vizinho se encontra na iminência de
extinção, ou seja, se os bens não foram destacados naquele momento haverá perecimento de todos os
produtos ali cultivados; em situações de extrema necessidade e urgência, o Tepedino admite a
possibilidade do gestor, sem a previa anuência do dono do negócio, praticar atos de disposição; nesse
caso, em se demonstrando a utilidade e a necessidade, o dono do negócio se vincula
independentemente de ratificação explicita. Temos, inclusive, permitindo a vinculação do dono do
negócio independentemente de ratificação explicita, o artigo 869 do CC. Este artigo diz basicamente o
seguinte: imagine que o negócio seja comprovadamente útil ao dono negócio; se não houvesse o artigo
869 e o dono do negócio simplesmente não ratificasse, apesar de comprada a utilidade, poderíamos
falar em abuso do direito, vedação ao enriquecimento sem causa; o artigo 869 diz que se o negócio for
utilmente administrado haverá ratificação legal; a lei dispensa, excepcionalmente, a ratificação explicita.
A ratificação produz efeitos ex tunc, mas esses efeitos não transmudam a natureza juridica da gestão do
negócio para o mandato; a gestão, neste caso, produzirá os efeitos similares ao do mandado, mas a
natureza jurídica permanece a mesma. Artigo 873 do CC.
a.2.3) Brevi manu – está no artigo 1267, parágrafo único, parte final do CC. Na tradição
ficta brevi manu o adquirente já exercia anteriormente o poder de fato sobre o bem; por isso que
quando ele adquire a propriedade não há entrega real, entrega efetiva, porque o bem já se encontrava
com o adquirente. Exemplos: sujeito que aluga o carro, gosta tanto do carro, que no 5º dia do contrato
compra o bem; no leasing quando ao final do contrato há a opção pela compra do bem; no contrato
estimatório (venda em consignação – eu tenho um carro usado, deixo numa concessionária e aviso ao
dono desta que eu quero R$30.000,00 pelo carro, o excedente fica com a concessionário; o bem fica na
concessionário para venda, mas o dono do concessionário resolve ficar com o bem para si e paga
R$30.000,00 para o alienante).
Remissão do artigo 1267, parágrafo único, parte final para o artigo 445, caput parte final, ambos
do CC. Prazo para suscitar vicio redibitório ou propor actio quanti minoris. O artigo 445 diz que o prazo é
de trinta dias para móvel e um ano para imovel contado da entrega efetiva, ou seja, contado da tradição
real. A parte final diz que já estava na posse o prazo conta-se da alienação, reduzido a metade – como
já estava na posse há a tradição ficta brevi manu.
2C) Essa primeira posição, que diz que o A fica como mero detentor, parece contradizer o artigo 1267,
parágrafo único do CC. Dispõe o dispositivo: “Subentende-se a tradição quando o transmitente continua
a possuir constituto possessório. Ou seja, o A teria posse direta e o B teria a posse indireta; teríamos
aqui uma hipótese de desmembramento possessório.
Pela literalidade do código para ter caído por terra a primeira posição.
Remissão para o artigo 1198 (detenção) e outra para o artigo 1197 (desmembramento
possessório), para alertar das duas correntes.
CUIDADO: Compra e venda de bem móvel com cláusula constituti. Transferência imediata da posse e
da propriedade para o B. Se houver perecimento sem dolo ou culpa res perit domino (a coisa perece
para o dono), que é o adquirente (B). Suponhamos que ultrapassado o prazo de trinta dias, o A
descumpre a obrigação jurídica de dar. Quando há esse descumprimento da obrigação, o A fica em
mora; e o devedor em mora – artigo 399 – responde ainda que por caso fortuito ou força maior. Então,
dentro do lapso temporal de trinta dias, em se tratando de bem móvel, os riscos correm para o B;
ultrapassado o prazo de trinta dias, os riscos passam a ser suportados pelo A por força da mora do A.
Só tem graça essa colocação se for bem móvel.
Outro cuidado aqui é o seguinte: suponhamos que no momento em que o contrato foi celebrado com a
cláusual constituti o alienante não tivesse a posse do bem (por exemplo: no momento da celebração do
contrato de compra e venda com a cláusula constituti ele já havia sido esbulhado, já havia perdido a
posse); se o vendedor não tinha posse no momento em que celebrou a compra e venda com cláusula
constituti, o adquirente também não adquire a posse, pois ninguém pode transferir mais direito do que
tem.
Se o examinador quiser perturbar poderá conectar isso que acabamos de ver com o artigo 1224 do CC.
Suponha que eu tenha uma casa de praia; três pessoas invadem a minha casa, mas eu não sei de
nada. O artigo 1224, a grosso modo, diz que enquanto eu não sei de nada eu mantenho a posse. Então,
o examinador pode jogar uma questão em que haja contrato com cláusula constituti de um imóvel, já
esbulhado, sem que o vendedor soubesse do esbulho. Se fossemos aplicar o artigo 1224, esse contrato
transferiu a posse, porque o alienante ainda tinha posse ficta por força do referido dispositivo. É uma
posse ficta transferida por tradição ficta.
Pior ainda. Imagine que no momento em que o contrato é celebrado o vendedor não tivesse a posse –
foi esbulhado. Por alguma razão, após a celebração do contrato, ele adquire a posse – seja porque ele
consegue reaver o bem ou seja porque ele é um sucessor do esbulhador, por exemplo; neste caso,
podemos aplicar por analogia o artigo 1268, parágrafo primeiro, que trata da pós eficacização da
tradição. Diz o parágrafo primeiro o seguinte: “Se o adquirente estiver de boa fé, e o alienante adquirir
depois a propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em ocorreu a tradição” –
hipótese de alienação a non domino, mas aquele que transferiu a non domino através da tradição
adquiriu depois a propriedade sobre o bem. Imagine o filho que vende o bem do pai; o pai falece; e o
filho é o único herdeiro. Essa aquisição superveniente da propriedade pelo vendedor produzirá efeitos
ex tunc – retroativos a tradição, por isso é possível falar em pós eficacização da tradição. É possível
falar em pós eficacização da tradição para defender que a aquisição superveniente de posse retroage
ao momento da celebração do contrato com clausula constituti. Seria uma aplicação por analogia do
parágrafo primeiro do artigo 1268.
Pergunta de aluno: pode haver cláusula constituti em cima de cláusula constituti? Hipotese: A celebra
com B uma compra e venda com cláusula constituti de bem móvel – transferiu imediatamente a posse e
propriedade para o B, mas posse ficta e indireta.; e o B, por compra e venda, na pendência do prazo,
celebra um contrato de compra e venda com um terceiro.
R: O B transferirá posse ficta e indireta ao terceiro, pois ninguém pode transferir mais direitos do que
tem.
Se envolver imóvel será alienação a non domino se não estiver registrado em nome do B, porque a
tradição não transfere a propriedade para o B; se depois o B adquire a propriedade haverá a pós
eficacização da segunda compra e venda com cláusula constituti.
Nada impede cláusula constituti em cima de cláusula constituti.
Alienação fiduciária – a grosso modo na alienação fiduciária (denominada pelo código de propriedade
fiduciária) ocorre o seguinte: quero comprar um carro e não tenho dinheiro; celebro, então, um contrato
de mútuo; para garantia o cumprimento do contrato de mútuo eu transfiro a propriedade fiduciária;
transfiro a propriedade fiduciária, mas me mantenho com o poder de fato. Essa é uma situação análoga
do constituto possessório. Temos, então, o constituto possessório na ida, ou seja, quando da
transferência da propriedade fiduciária.
Quitada a dívida, cai a propriedade fiduciária em favor do devedor fiduciante; sendo que o devedor
fiduciante já exercia o poder de fato sobre o bem adquirido; hipótese, pois, de tradição ficta brevi manu.
Quer dizer: temos duas modalidades de tradição ficta dentro de um único instituto. Na ida constituto
possessório e na volta a tradição ficta brevi manu.
É preciso ressaltar o artigo 1268, caput do CC, que prevê a alienação a non domino de bem móvel se a
aquisição se dá em estabelecimento comercial ou leilão (hasta pública). O referido dispositivo é uma
exceção a regra da alienação a non domino no direito brasileiro – teoria da aparência.
USUCAPIÃO
Usucapião é aquisição originária, ressalvada a posição do Caio Mário. Mas o
entendimento é consolidado no sentido de que se trata de aquisição originaria.
Em sendo aquisição originaria não há incidência de imposto de transmissão. O artigo
945 do CPC quando exige o cumprimento das obrigações fiscais para a averbação da
sentença de usucapião junto ao registro diz respeito as obrigações fiscais de natureza
propter rem, e não ao imposto de transmissão.
Em se tratando de aquisição originária surge um direito novo em favor do usucapiente.
E, como conseqüência, se há o usucapião de um imóvel hipotecado, o entendimento
hoje consolidado é no sentido de que a hipoteca cai por terra porque a seqüela ou
ambulatoriedade se aplica apenas na hipótese de aquisição derivada.
Questão que caiu há algum tempo na magistratura: haviam dois imóveis, A e B. O
imóvel B era gravado por uma servidão de passagem; B era o prédio serviente, A
prédio dominante. Um terceiro - C - usucapiu o imóvel B. Regra geral, em se tratando
de aquisição originária, cairia por terra a servidão; mas o examinador deixou claro que
C – usucapiente – durante toda a sua posse sempre respeitou a servidão de passagem
do A. Para este hipótese há um brocardo que diz o seguinte: tantum praescriptum
quantum possessum; que, basicamente, significa dizer que a usucapião se consuma da
maneira com que aposse é exercida. Então, quando o examinador deixou claro que o
usucapiente sempre respeitou a servidão de passagem titularizada pelo A, queria que
aplicássemos a tantum praescriptum quantum possessum e afirmássemos que nessa
situação, excepcional, a servidão de passagem não se desconstitui em razão da
usucapião. Quer dizer, tantum praescriptum quantum possessum é uma mitigação da
lógica de que eventuais direitos reais incidentes sobre o bem caem com a usucapião.
Cairia se no contexto fático o C não respeitasse a servidão de passagem, mas como,
na situação especifica, o usucapiente respeitou a servidão de passagem, ela
permanece intacta.
Como fica o credor hipotecário? Será que ele tem que assistir passivamente a
consumação da usucapião e a conseqüente queda da hipoteca?
Não. Vimos que a luz do artigo 203 c/c 244 o credor hipotecário tem legitimidade para
se insurgir em face da usucapião. O artigo 244 é o artigo que diz que as causas de
impedimento, suspeição ou interrupção da prescrição se aplicam a usucapião. E o
artigo 203 diz que a prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado. Se a
prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado, a usucapião também.
A luz do artigo 203 do CC seriam interessados em se insurgir contra a usucapião, por
exemplo, o credor hipotecário, o usufrutuário, o titular do prédio dominante (que não
tenha a sua servidão de passagem respeitada pelo usucapiente, porque se sua
servidão for respeitada pelo usucapiente não terá ele interesse jurídico, pois tantum
praescriptum quantum possessum ). Enfim, eventuais titulares de direitos reais sobre o
bem tem o interesse de se insurgir face a usucapião.
Por outro lado, na hipótese do credor hipotecário, o usucapiente não tem o interesse
jurídico em pagar a dívida objeto de hipoteca? Se o faz, o faz na qualidade de terceiro
interessado; entra na subrogação legal do artigo 346, inciso II do CC, que diz: “A
subrogação opera-se, de pleno direito, em favor: inciso II – do adquirente do imóvel
hipotecado que paga credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o
pagamento para não ser privado de direitos sobre o imóvel”. Que dizer, o objetivo do
usucapiente em pagar a divida é evitar a possibilidade do credor hipotecário se
insurgir em face da usucapião.
Não cabe usucapião sobre bens públicos – artigo 102 do CC; artigos 183, parágrafo
terceiro e 191, parágrafo único da CRFB. Por razões óbvias, o STJ afirma que essa
impossibilidade de usucapião sobre bens públicos não se aplicam as empresas
públicas e sociedades de economia mista – informativo 297 do STJ, RESP 647357.
Se alguém for fazer advocacia pública ou magistratura, é muito importante não
esquecer da questão dos bens públicos por afetação.
Aos bens públicos por afetação se aplica o enunciado 287 do CJF – bens pertencentes
eventualmente a empresa publica e sociedade de economia mista afetados e a
afetação atrai toda a sistemática sobre bens públicos. Inclusive, no informativo 385,
RESP 242073 - se discutia sobre o cabimento ou não do usucapião de via férrea
desativada: O julgado diz que como a via férrea, apesar de pertencer a uma empresa
publica federal, estava desativada, em tese, com a não utilização da via férrea
passaria a ser computável o prazo para o usucapião. Quer dizer, implicitamente, o STJ
aplicou a sistemática dos bens públicos por afetação. No caso em concreto havia uma
peculiaridade porque havia uma lei especifica que atribuía a titularidade dessas vias
férreas a União (o que menos nos importa).
Tem uma posição clássica, mas já superada, defendida pelo Celso Ribeiro Bastos e
Silvio Rodrigues. O artigo 188 da CRFB fala em terras públicas e devolutas; o Celso
Ribeiro Bastos, então, defende que a terra devoluta não é pública; e, como
conseqüência, a terra devoluta seria suscetível de usucapião.
Pergunta de aluno : Mas antes de 1988 era usucapido, né? A lei 6989 diz que
administrativamente.
R: Isso. Na verdade foi edita, inclusive, a súmula 340 do STF, que ia contra este
dispositivo legal da lei 6989. Diz a sumula: “Desde a vigência do CC os bens
dominiais, bem como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por
usucapião”. Havia uma discussão, antes da CRFB, e a súmula do STF se posicionava
contra a admissibilidade.
Pergunta de aluno: Se tivesse processo discriminatório caberia?
R: Isso. Mas a partir da CRFB/88 – e hoje é a posição consolidada dos
administrativistas – no sentido de que os bens dominicais são bens públicos. O próprio
CC elenca os bens dominicais como bens públicos - artigo 99, inciso III do CC. então,
como conseqüência, hoje, posição consolidada, jurisprudencialmente, pela
inadmissibilidade do usucapião, inclusive, sobre bens dominicais.
Há uma tese do Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald – que não é acolhida
jurisprudencialmente, mas pode ser útil até para a Defensoria – no sentido de que
seria preciso diferenciar os bens formalmente públicos dos bens materialmente
públicos. Os bens formalmente públicos são aqueles titularizados formalmente pelo
Poder Público, mas não tem nenhuma destinação social; quer dizer, os bens
formalmente públicos seriam os desafetados; em tese, os bens dominicais. Ao passo
que os bens materialmente públicos são os afetados, que tem alguma destinação
social. Defendem esses autores que apenas os bens materialmente públicos não
deveriam ser suscetíveis de usucapião, porque, na verdade, a impossibilidade de
usucapião sobre bem público vem dentro da ótica da predominância do interesse
publico, mas interesse publico primário (no sentido de interesse da coletividade, e não
interesse patrimonial do Estado), e não interesse publico secundário.
Pergunta de aluno: Eles citam algum exemplo?
R: Sim. Eles não chegam a usar essa expressão, mas citam o seguinte exemplo: pode
ser que um bem pertença a uma pessoa jurídica de direito privado, mas esteja afetado
a prestação de um serviço publico – esse bem não seria formalmente público, mas
seria materialmente publico. Na verdade, o que é isso? São os bens públicos por
afetação. Para eles pouco importa quem titulariza formalmente o bem; o determinante
é a destinação que é dada ao bem; se o bem de algum modo tem uma destinação
social o certo seria a inadmissibilidade do usucapião independentemente da
titularidade formal. Para eles, por exemplo, o bem dominical deveria ser suscetível de
usucapião, em que pese pertencer ao poder público formalmente; mas os bens
públicos por afetação não deveriam ser objeto de usucapião, como diz o enunciado
287. Quer dizer, eles dão ênfase na destinação e não na titularidade formal.
Pergunta de aluno: seria mais ou menos o mesmo raciocínio da impossibilidade de
penhora dos bens das estatais?
R: A lógica é a mesma. Tem até um julgado famoso em relação aos Correios e
Telégrafos, que trata dos bens públicos por afetação. RE 200906 – leading case
envolvendo os correios e telégrafos, onde se entendeu pela impenhorabilidade de seus
bens.
Pergunta de aluno: Hoje se pode falar em supremacia do interesse público?
R: O que o Cristiano Chaves o Nelson Rosevald sustentam – e para o professor com
alguma propriedade – é que o interesse público seria o primário, ou seja, interesse
público da coletividade; e não interesse público secundário, ou seja, na acepção
patrimonial do Estado.
Outro artigo muito importante, que cai com muita freqüência, é o artigo 1244 . Este
dispositivo diz que as regras sobre impedimento, suspensão e interrupção da
prescrição, também se aplicam à usucapião. Se não corre prescrição contra
absolutamente incapaz, também não corre usucapião contra absolutamente incapaz.
Situação: Temos o proprietário e o usucapiente. O prazo de usucapião flui contra o
proprietário. O proprietário falece. Pela teoria da saisine ele vai transferir sua
propriedade imediatamente a seus herdeiros, H1, H2 e H3. H1 tem 12 anos de idade,
portanto, contra ele não correrá o prazo de usucapião porque é absolutamente
incapaz. Não há, então, nenhuma duvida de que o prazo que anteriormente fluía contra
o proprietário vai se submeter a uma causa suspensiva em relação a H1. A dúvida é se
esta causa suspensiva em favor de H1 beneficia, ou não, H2 e H3? Vimos que sim pela
aplicação do artigo 201, parte final por analogia. O artigo 201 diz: “Suspensa a
prescrição em favor de um dos credores solidários só aproveita aos outros se a
obrigação for indivisível”. Como a herança é indivisível, aplicando-se por analogia, a
suspensão do prazo em favor de H1, benéfica H2 e H3. Lembrando que o prazo volta a
fluir quando H1 completar 16 anos ou se o bem for anteriormente partilhado para H2 e
H3.
Outra hipótese interessante de aplicação deste artigo 1244 é a aplicação do artigo
204, parágrafo primeiro . Regra geral, se um dos credores interrompe a prescrição, esta
interrupção não beneficia aos demais; assim como se o credor interrompe a prescrição
em face de um dos devedores, essa interrupção não prejudica os demais devedores; a
exceção está no parágrafo primeiro, que é solidariedade. Então, no caso de
solidariedade ativa, como há uma comunhão de interesse entre os credores solidários,
a interrupção da prescrição por um dos credores beneficia os outros; assim como a
interrupção em face de um dos devedores atinge os demais.
Como se usa isso para a usucapião? Na solidariedade há uma comunhão de interesse.
Se aplica o artigo 204, parágrafo primeiro, a composse e ao condomínio. Suponha que
A é proprietário e foi esbulhado; diante do esbulho surgiu uma composse entre os
esbulhadores; aplicando o artigo 204, parágrafo primeiro c/c com o artigo 1244,
podemos dizer que se A – proprietário – interrompe o prazo de usucapião em face de
um dos compossuidores, àquela interrupção atinge os demais compossuidores. Por
outro lado, se o imóvel em vias de ser usucapido é objeto de condomínio, a interrupção
do prazo por um dos condôminos tem o condão de beneficiar os demais. Quer dizer,
aplica-se o regime de solidariedade, por analogia, a idéia de composse em relação aos
esbulhadores e a hipótese de condomínio em relação ao imóvel em vias de ser
usucapido.
Pergunta de aluno: isso seria caso de solidariedade ou de indivisibilidade?
R: Na verdade, se sustenta a aplicação, por analogia, da solidariedade porque há uma
comunhão de interesses; agora, não deixa de ser também justificável o argumento da
indivisibilidade, principalmente se estivermos focando na hipótese aqui tratada –
composse e condomínio – porque, na verdade, é um estado de indivisão.
Pergunta de aluno: o prazo começa a ser contado independente da ciência do
esbulhado?
R: Depende. Sem duvida ele pode começar a contar independentemente da ciência;
mas essa sua indagação parte da analise do artigo 1224 que diz: “Só se considera
perdida a posse para quem não presenciou o esbulho quando, tendo notícia dele, se
abstém de retornar a coisa ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido”. Quer
dizer, pela letra fria do artigo 1224 o prazo não começaria a fluir enquanto o esbulhado
não soubesse; mas vimos que essa ausência deve ser fugaz, porque a interpretação
literal colidiria com a teoria sociológica da posse. Então, de qualquer modo seria
preciso sim a inercial, porque ainda que não saiba, deveria saber.
Usucapião Extraordinária
Artigo 1238.
Requisitos:
a) Posse ininterrupta ou continua; é bastante consolidado o entendimento de que
se o usucapiente consegue repelir eventual esbulho, através da autodefesa, sua posse
continua a ser qualificada como ininterrupta ou continua. O contexto fático é o
seguinte: o sujeito está em vias de usucapir; um terceiro vai e pratica um esbulho
possessório; só que o usucapiente consegue repelir o esbulho através de autodefesa;
essa diligencia do usucapiente é premiada, ou seja, a posse continua a ser qualificada
como ininterrupta ou contínua.
O pior dos mundos é o examinador jogar isso a luz do artigo 1224 – o referido
dispositivo diz que enquanto não se sabe do esbulho não se perde a posse; daí se uma
semana depois um vizinho liga e avisa da invasão, no plano jurídico, uma semana
depois pode o possuidor exercer a autodefesa, porque no plano jurídico a reação é tida
como imediata, apesar de uma semana depois. Portanto, neste contexto, se uma
semana depois o possuidor consegue afastar o esbulho, e sua posse continua sendo
ininterrupta ou contínua, apesar de no plano fática ela ter sofrido uma solução de
continuidade por uma semana.
Numa prova para Defensoria, principalmente, (porque isso que será dito não é nada
consolidado), é plenamente sustentável que a posse continua a ser ininterrupta e
continua se o usucapiente consegue reavê-la através de liminar, prevista no artigo 928
do CPC. A questão da autodefesa é bem consolidada, mas o José Carlos Moraes
Salles – posição peculiar – defende a mesma lógica em relação a obtenção da liminar;
o objetivo é prestigiar o usucapiente que foi diligente. Essa posição, contudo, não e
consolidada.
Pergunta de aluno: Mas o possuidor terá um ano e um dia para obter essa liminar e
manter a posse ininterrupta?
R: O Moraes Salles não chega a falar nisso. Mas é justificável que a obtenção dessa
liminar seja dada de plano e não depois, por exemplo, de seis meses. Talvez seja
demasiadamente forçado a interpretação no sentido da liminar seis meses depois
produzir tal efeito.
Pergunta de aluno: A prescrição pode ser reconhecida de oficio pelo juiz; e a
usucapião por ser uma modalidade de usucapião também poderia?
R: O fato da usucapião ser uma modalidade de usucapião aquisitiva, como a maioria
defende, não atrai a usucapião toda a sistemática da prescrição extintiva, e uma delas
seria o reconhecimento de oficio e a alegabilidade em qualquer grau de jurisdição.
Quem entende o contrario justifica pelo artigo 1244 e pelo fato do usucapião ser uma
modalidade de prescrição. Mas a jurisprudência do STJ vem repudiando isso.
b) Posse mansa ou pacífica – como se afasta a mansidão ou pacificidade da
posse? Claro que temos quer ter aqui requisitos de ordem técnico, porque se
interpretássemos de maneira vulgar a expressão “posse mansa e pacifica” bastaria que
um inimigo, desafeto, do usucapiente reunisse umas 20 pessoas em frente ao imóvel e
fizesse algum tipo de manifestação contrario ao poder de fato; esta posse deixaria de
ser mansa e pacifica, em tese. Então, quais são os requisitos técnicos exigíveis para
se afastar a mansidão ou pacificidade da posse? A) a propositura da ação; quem irá
propor a ação será um terceiro – verdadeiro proprietário ou legitimo possuidor que irá
se insurgir em face do usucapião. b) não basta a propositura da ação porque o direito
de ação é abstrato; então, além da propositura da ação se exige transito em
julgamento favorável ao demandante; esse transito em julgado favorável ao
demandante retroage a data da propositura da ação (não confundir duas situações
parecidas, mas distintas: vimos em aulas anteriores a questão da transmudação da
posse de boa para má fé, onde os requisitos são muito parecidos com o caso em tela -
propositura da ação por um terceiro, transito em julgado em favor do demandante -, no
entanto, os efeitos do transito em julgado retroagiam a data da citação, pois quando se
fala em posse de boa ou má fé o que está em jogo é se o possuidor sabia ou não
sabia, e presumidamente ele passa a saber a partir do momento em que é citado.
Agora quando se fala em posse mansa e pacifica o que está em jogo é a inércia do
proprietário; e o proprietário sai da inércia quando ele propõe a ação; então, os efeitos
do transito em julgado, neste caso, retroage a data da propositura da ação).
Tem uma situação curiosa trazida pelo Tupinambá Miguel de Castro: via de regra, o
pedido tem que ser julgado procedente; exceção: imagine que o proprietário ingresse
com uma ação de reintegração de posse, antes de consumado o prazo para usucapião;
a reintegração de posse é julgada improcedente porque àquele proprietário nunca teve
posse; na verdade, ele teria que ter se valido da ação de imissão na posse; neste
caso, o Tupinambá diz que a improcedência do pedido pelo fato do proprietário ter se
utilizado da via inadequada não é obstáculo a interrupção do prazo para usucapião;
quer dizer, se posteriormente o proprietário obtém um título favorável, uma sentença
que lhe seja favorável, esta sentença posterior irá retroagir à propositura daquela
primeira ação possessória, porque, na verdade, o proprietário saiu da inércia (apenas
se utilizou da via processual inadequada). Então, mesmo uma sentença improcedente
poderia beneficiar o proprietário que saiu do estado de inércia.
Outra hipótese curiosa é a do informativo 298 do STJ – Embargos nos RESP 54388.
Foi mais ou menos o seguinte: o proprietário, pouco antes de consumar o prazo para
usucapião, entrou com uma ação reivindicatória; o processo foi extinto sem resolução
de mérito por uma questão processual qualquer; por não ter feito coisa julgada
material, o proprietário, prontamente, ingressou novamente em juízo, mas desta vez o
prazo para usucapião já havia se consumado; quer dizer, o prazo se consumou entre a
propositura da primeira ação e a propositura da segunda. O STJ entendeu que a
sentença transitado em julgado na segunda demanda teria o condão de retroagir à data
da propositura da primeira, porque ainda que a primeira relação processual tenha sido
extinta sem resolução de mérito, o proprietário demonstrou que saiu do estado de
inércia; então, a questão meramente processual não seria óbice a desconstituição da
mansidão ou pacificidade da posse, neste caso.
No caso do informativo o proprietário ingressou prontamente em juízo com a segunda
demanda. Mas imagine que o proprietário demorasse alguns anos para propor a
segunda demanda. Neste caso daria para sustentar aqui a supressio, para afastar a
possibilidade daquele segundo transito em julgado retroagir a data da propositura da
primeira ação.
c) Animus domini – para não sermos repetitivos é importante lembrar aqui o tema
da inversão ou interversão da posse – Enunciado 237 do CJF – que é a possibilidade
de cessar a precariedade; cessando a precariedade, inicia-se a posse com animus
domini.
O examinador pode fazer uma confusão aqui. Vamos lembrar da aula anterior:
Constituto possessório. No constituto possessório, A venda para B, mas se obriga a
entregar o B daqui a trinta dias; se essa compra e venda contém a clausula constituti,
com a simples celebração do contrato já houve tradição ficta; vimos que pelo
entendimento, hoje, predominante, o vendedor no prazo de trinta dias fica com a posse
direta, e o adquirente com a posse indireta. Então, a princípio a posse do vendedor – A
– não é computável para fins de usucapião, porque quem tem posse direta não tem
animus domini. Mas é possível que haja aqui a inversão da posse. Se houver a
inversão da posse direta decorrente do constituto possessório, o vendedor, que já
transferiu a propriedade do bem móvel por via contratual, pode vir a readquirir a
propriedade daquele bem através da usucapião. O exemplo ganha relevância se
tivermos falando de bem móvel, porque a simples celebração de contrato de compra e
venda com a cláusula constituti transfere a propriedade do bem móvel, porque há
tradição ficta.
d) Posse prolongada – em relação ao lapso temporal houve uma inovação do CC.
Regra geral, o prazo é de 15 anos, sendo que o parágrafo único prevê a redução para
10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele
realizado obras ou serviços de caráter produtivo; quer dizer, sem duvida alguma, o que
justifica a redução do prazo no parágrafo único é a teoria sociológica da posse, função
social da posse. Este dispositivo, inclusive, é uma manifestação muito evidente da
teoria sociológica porque permite a redução do prazo em favor do possuidor sem título
e de má fé, sabendo-se que a usucapião extraordinária não depende de justo título e
de boa fé.
Para não sermos repetitivos sugiro a remissão do parágrafo único do artigo 1238 para
o artigo 2029 do CC – regra especifica de direito intertemporal que vimos em relação a
desapropriação judicial, ou seja, o prazo aumenta para mais dois anos, mas se leva em
conta o prazo anterior. O artigo 2029 também vem em harmonia com a teoria
sociológica da posse.
Usucapião Ordinária
Artigo 1242 do CC.
Esses requisitos que vimos da usucapião extraordinária acompanha todas as
modalidades de usucapião.
O que há de peculiaridade na usucapião ordinária é a exigência de justo título e
boa fé. Posse de boa fé é a do artigo 1201 – àquela em que o possuidor ignora o vicio
ou obstáculo. Justo título é o título apto, em tese, a aquisição de propriedade; apto em
tese, porque se o titulo tivesse transferido a propriedade não estaríamos falando em
usucapião; é o exemplo típico da alienação a non domino . Quer dizer, A tem o nome
dele averbado no registro; lavra-se uma escritura publica e a propriedade é transferida
para o B; 11 anos depois aparece C, provando que o registro em nome de A era falso;
a tese defensiva do B é a usucapião ordinária, pois ele tem justo título e posse de boa
fé). Percebam que aqui a usucapião ordinária é a antítese da evicção, porque se não
preenchi o prazo da usucapião ordinária a minha tese será evicção, pois perderei o
bem por força de circunstancia anterior. Se já preenchi o prazo para usucapião
ordinária não alegarei evicção, mas usucapião ordinária. Vai depender da circunstancia
fática.
Remissão do artigo 1242, quando fala em “justo título” para o artigo 685, que
trata de mandato em causa própria. Mandato em causa própria é um exemplo típico
de negocio indireto, porque através desse mandato o que as partes buscam é transferir
a propriedade, pois é um mandato que tem por objetivo transferir a propriedade. Na
verdade, o mandante está transferindo a propriedade para o mandatário; se o
mandante não for dono, o mandato em causa própria pode configurar justo título para
fins de usucapião ordinária. É estranho, porque é um mandato sendo qualificado como
justo título para aquisição de propriedade.
Pergunta de aluno: em uma ação de evicção pode se utilizar o usucapião ordinário
como matéria de defesa?
R: Talvez não. Talvez aquele adquirente a non domino terá que analisar o caso
concreto e se não houver preenchido o prazo para a usucapião ordinária deverá
denunciar a lide e alegar a evicção; se houver preenchido o prazo, alega usucapião
ordinária como matéria de defesa – sumula 237 do STF.
Pergunta de aluno: Como o usucapião ordinário é uma forma de aquisição originária,
poderia o usucapiente recuperar o dinheiro daquele que lhe vendeu a non domino ?
R: Sim. Chegamos até mencionar isso na teoria geral dos contratos; é a denominada
evicção invertida, onde o sujeito não perde a propriedade, mas o evicto adquire a
propriedade por outro título, que não àquele da compra e venda. Neste caso é evicção
invertida porque o adquirente adquiriu a propriedade pelo usucapião, e não pela
compra e venda, porque esta não se prestou a transferir a propriedade.
Pergunta de aluno: Sempre que se fala em alienação a non domino exige-se uma
mínima idoneidade do título? Ou se admite a alegação de alienação a non domino
quando houver um erro grosseiro?
R: Vamos aproveitar, então, para ver os efeitos da alienação a non domino no direito
brasileiro.
A regra geral da alienação a non domino é de que ninguém pode adquirir mais direitos
do que tem. Então, se o alienante não é dono, ele não transfere a propriedade. Só que
o CC trouxe uma alteração, que já vimos em aulas anteriores, que é o artigo 1268,
especifico para bens móveis.
Artigo 1268 – “Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a
propriedade, exceto se a coisa oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento
comercial, for transferida em circunstancias tais que, ao adquirente de boa fé como a
qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono”.
É uma hipótese excepcional em que há uma alienação a non domino e, ainda assim, se
resguarda a propriedade do adquirente a non domino . Sem dúvida alguma o legislador
afastou a aplicação do artigo 1268 no caso de erro grosseiro, porque o que inspira tal
dispositivo é a teoria da aparência.
Remissão do artigo 1260, que prevê a usucapião ordinária de bem móvel – prazo:
3 anos, se tiver justo título e boa fé. O artigo 1260 e o 1268 são artigos que se
excluem, porque se tivermos diante da hipótese do artigo 1268 não falaremos de
usucapião ordinária, pois o adquirente irá adquirir a propriedade por àquele
título. Então, só vai usar o artigo 1260 quando houver alienação a non domino
fora das hipóteses do artigo 1268. Se alegarmos o artigo 1268 e falar em
usucapião ordinária estaremos sendo contraditório.
Em relação a alienação a non domino de imóvel, o artigo 1247, parágrafo único, diz
que cancelado o registro poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente
da boa fé ou do título do adquirente. Então, em relação ao imóvel, o legislador foi mais
conservador e disse que se for alienação a non domino o alienante não transfere a
propriedade, não se aplicaria a teoria da aparência. Todavia, existem exceções.
Exceções ao artigo 1247, parágrafo único: a) artigo 1817, que trata de alienação
onerosa pelo herdeiro aparente (pode ser que o terceiro aliena um bem a terceiro e,
posteriormente, é excluído por indignidade; essa alienação, apesar de ser operada a
non domino é convalidada pelo artigo 1817); b) artigo 879, tratando de pagamento
indevido diz que se àquele que indevidamente recebeu um imóvel o tiver alienado em
boa fé, por título oneroso, responde somente pela quantia recebida, mas se agiu de má
fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos. O parágrafo único diz que
se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou se alienado por título oneroso o terceiro
adquirente agiu de má fé, cabe ao que pagou por erro direito de reivindicação; c)
Artigo 167, parágrafo segundo – ressalvam-se os direitos de terceiro de boa fé em face
dos contraentes do negócio jurídico simulado; a simulação apesar de produzir efeitos
ex tunc, apesar de gerar nulidade absoluta, não atinge direitos de terceiro de boa fé;
d) Artigo 161 – está dentro da fraude contra credores; exclui a possibilidade do credor
quirografária reivindicar o bem alienado a terceiro adquirente de boa fé.
Então, a regra geral no direito brasileiro é que em relação a bens móveis temos o
artigo 1268, que resguarda as aquisições a non domino, e fora das hipóteses do artigo
1268 o adquirente perde a coisa; para imóveis, a regra geral é o artigo 1247, parágrafo
único, ressalvadas essas exceções acima citadas, que alguns autores denominam de
propriedade aparente (quer dizer: em homenagem a teoria da aparência é que se
resguarda a propriedade nessas circunstancias).
Pergunta de aluno: Podemos também falar do artigo 214, parágrafo 15 da lei de
registros públicos?
R: Tenho minhas dúvidas, porque aqui o que justificaria a convalidação do registro
seria um outro título, ou seja, a própria usucapião. Diria que este artigo é um bom
argumento para quem defende que a usucapião gera efeitos desde o primeiro dia da
posse, porque aqui o legislador está dizendo que a usucapião está convalidando um
registro nulo praticado em momento anterior. Talvez, aqui, não teríamos propriedade
aparente, porque o que justificaria a subsistência do registro seria outro título
aquisitivo; nessas hipóteses de exceção não temos outro título aquisitivo, mas mera
teoria da aparência convalidando uma aquisição a non domino.
A usucapião ordinária não se restringe a alienação a non domino. É a hipótese mais
lembrada, que mais cai em prova, mas não se restringe a ela. Há uma tese que é
defendida pelo Orlando Gomes – muito difundida na Defensoria – que é o chamado
erro no modo de aquisição.
*Erro no modo de aquisição: em tese, permite a usucapião ordinária quando o título é
invalido, ou seja, quanto contém algum vício que atinge a sua validade. Isso é muito
importante pelo seguinte: se discute se a compra e venda por instrumento particular de
um imóvel é justo título – se formos rigorosos diríamos que não, porque tal titulo não é
hábil, em tese, a transferir a propriedade. A tese do erro no modo de aquisição busca
justamente justificar que títulos com vícios formais configuram justo título para fins de
usucapião. Talvez essa teoria se distancie da técnica, porque a compra e venda por
instrumento particular não se configuraria como justo título; é uma posição muito mais
de política social do que jurídica propriamente dita.
Hoje há uma outra saída para esta hipótese. Lembram da conversão do ato nulo. A
compra e venda por instrumento particular pode ser convertida no compromisso de
compra e venda. O STJ entende que a partir da quitação o promitente comprador
passa a ter animus domini.
Temos, então, duas possibilidades de se sustentar a usucapião: a) invocar o erro no
modo de aquisição (Orlando Gomes); b) invocar a conversão do ato nulo. Se
sustentarmos a conversão iremos dizer que a compra e venda nula pode se converter
em compromisso; e a partir da quitação do compromisso o promitente comprador passa
a ter animus domini porque com a quitação do compromisso cessa-se o
desmembramento possessório, e com isso se iniciaria o prazo para usucapião. Essa
tese só tem graça se o promitente vendedor não era o dono.
Pergunta de aluno: Pode também ter o mesmo entendimento que se teve para a
promessa de compra e venda por instrumento particular no que diz respeito a cessão
de direitos hereditários, por exemplo?
R: Suponha que alguém faz uma cessão de herança por instrumento particular; dentro
da lógica do erro no modo de aquisição, a cessão de herança por instrumento
particular é justo título, porque o temos é um mero vicio formal, e esse vicio formal não
inibiria a configuração da usucapião ordinária.
O parágrafo único do artigo 1242 traz uma novidade. Diz o dispositivo que será de 5
anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido onerosamente
com base no registro constante do respectivo cartório cancelada posteriormente, desde
que os possuidores nele tiverem estabelecidos a sua moradia habitual ou realizado
investimento de interesse social e econômico.
O que justifica essa redução do prazo é a teoria sociológica da posse. Remissão ao
artigo 2029.
A hipótese do parágrafo único é exatamente aquela em que A compra um imóvel de B
como base no que consta do registro, mas este registro é posteriormente cancelado.
Para termos a redução do parágrafo único do artigo 1242 a aquisição com base no
registro cancelado posteriormente tem que ser onerosa. Vale se for compra e venda,
mas não vale se for doação ou formal de partilha. Se a alienação for gratuita aplica-se
o caput e o prazo é de 10 anos.
O Tepedino traz uma ponderação aqui interessante. Acabamos de ver a alienação a
non domino no direito brasileiro. Vimos que o legislador inovou profundamente em
relação aos bens móveis, no artigo 1268, mas parece ter sido conservador em relação
aos bens imóveis, no artigo 1247, parágrafo único. Essa hipótese do parágrafo único
do artigo 1242 é uma hipótese típica de alienação a non domino; aqui o legislador
facilitou a consumação da usucapião ordinária com a diminuição do prazo para cinco
anos. Foi uma solução de conciliação. Quer dizer, o legislador não alterou
profundamente, como fez com o artigo 1268 em relação aos bens moveis, não adotou a
teoria da aparência, mas por outro lado não ficou inerte diante das mudanças sociais,
permitiu, pois, a redução do prazo da usucapião ordinária de 10 para 5 anos. Regra de
conciliação prestigiada pela teoria da aparência.
A interpretação do parágrafo único do artigo 1242 tem tudo a ver com o enunciado 86
do CJF. Sempre se discutiu se a escritura publica sem registro seria justo título. Se
fossemos rigorosos diríamos que não, porque o registro tem natureza constitutiva; a
escritura, por si só, não tem o condão de transferir a propriedade. O enunciado 86 diz
que sim, que a escritura sem registro é justo título.
E o que o parágrafo único do artigo 1242 tem a ver com isso? Vários autores dizem
que não é justo título ao argumento de que o parágrafo único do artigo 1242, ao
contemplar a redução do prazo, exige o registro. Diz o parágrafo único do artigo 1242
que só irá se aplicar a redução do prazo se a aquisição for efetuada com base no
registro cancelado posteriormente. Então, se houve o registro aplica-se o parágrafo
único; se não houve registro não caberá redução do prazo, aplicando-se o caput do
artigo 1242.
Não se esqueçam do artigo 1201, parágrafo único, que diz que o possuidor com justo
título é presumidamente possuidor de boa fé. Tem a ver com a usucapião ordinária,
porque se o possuidor tem justo título o ônus da prova para afastar a boa fé do
possuidor é da outra parte.
USUCAPIÃO (CONT.)
Usucapião especial urbana (cont.)
Um dos requisitos da usucapião urbana é que o usucapiente não seja proprietário de
outro imóvel urbano ou rural. Suponhamos que na fluência do prazo para usucapião, o
usucapiente venha adquirir, por herança, um imóvel de quarto e sala, ao lado de outros
8 herdeiros, sendo que neste imóvel já reside um dos irmãos do usucapiente. Pela
letra fria do CC, essa aquisição da propriedade imóvel no decorrer do prazo seria
obstáculo a configuração da usucapião especial urbana. Mas numa interpretação
teleológica, é plenamente sustentável que essa aquisição superveniente de
propriedade não represente obstáculo a configuração do usucapião, porque o que está
em jogo na usucapião especial urbana é o direito a moradia; quer dizer, se a outra
propriedade não viabiliza o acesso a moradia, é justificável que a usucapião possa se
consumar.
Outro aspecto que não deixa nenhuma dúvida é o seguinte: o CC fala exige que “não
seja proprietário de imóvel rural ou urbano”; a própria redação parece excluir a
questão dos imóveis por determinação legal. Estou me referindo mais ao direito à
sucessão aberta – artigo 80, inciso II. Então, o usucapiente que venha a se tornar
herdeiro no curso do prazo, ainda que de bens móveis, em tese, ele passa a titularizar
um imóvel por determinação legal; mas essa titularidade por determinação legal não é
óbice ao reconhecimento da usucapião especial urbana, porque o simples direito a
sucessão aberta, obviamente, não viabiliza o acesso a moradia.
Outra questão delicada é a seguinte: e se o usucapiente tem propriedade resolúvel
sobre outro imóvel? A questão é delicada porque sabemos que a propriedade resolúvel
é uma propriedade temporária. Mais uma vez, numa interpretação literal, a existência
de uma propriedade resolúvel em favor do usucapiente seria óbice a configuração do
usucapião; mas numa interpretação teleológica é plenamente sustentável que a
propriedade resolúvel não seja óbice a configuração de usucapião, principalmente se
ela se sujeita a termo final; porque neste caso da existência de termo final o evento é
futuro e certo, diversamente da condição resolutiva.
O ponto mais delicado é o seguinte: suponhamos que o proprietário ingresse com uma
ação reivindicatória; o usucapiente, se valendo da sumula 237 do STF, alega
usucapião em defesa; o juiz julga improcedente a pretensão reivindicatória com base
na usucapião alegada em defesa; a duvida é se essa sentença que julga improcedente
a reivindicatória com base na usucapião alegada em defesa pode ser levada a registro
em favor do usucapiente?
Tem dois artigos que explicitamente contemplam tal possibilidade, quais sejam: artigo
7º da lei 6969/81, que trata especificamente da usucapião especial rural; e artigo 13 da
lei 10257 – Estatuto da Cidade, que trata da usucapião especial urbana.
Os processualistas – vários deles – e, segundo o professor, com justa razão, sustenta
que tais dispositivos são incompatíveis com o devido processo legal. Isso porque a
ação de usucapião tem rito especial; e, diga-se de passagem, um dos requisitos do rito
especial é a citação pessoal dos confinantes e a citação por edital; o objetivo da
citação por edital é colocar toda a coletividade no pólo passivo; faz todo sentido que
toda a coletividade integre o pólo passivo porque o registro da sentença produzirá
efeitos erga omnes ; então, a sentença por edital busca resguardar os limites subjetivos
da coisa julgada. O que muitos processualistas afirmam é que a observância dessas
disposições legais violariam os limites subjetivos da coisa julgada, ou seja, a aplicação
de tais dispositivos violariam os limites subjetivos da coisa julgada. Na verdade, na
ação reivindicatória, temos no pólo ativo o proprietário, no pólo passivo o usucapiente;
não tem citação por edital, não tem citação dos confinantes, a Fazenda não é ouvida,
enfim, nenhum dos procedimentos exigidos pelo rito especial é observado.
Dentre os civilistas, a posição predominante vem no enunciado 315 do CJF. Diz o
enunciado: “O artigo 1241 do CC permite que o possuidor que figurar como réu em
ação reivindicatória ou possessória formule pedido contraposto e postule ao juiz seja
declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel, valendo a sentença
como instrução para registro imobiliário, ressalvados eventuais interesses de
confinantes e terceiros”.
O enunciado começa dizendo que o artigo 1241 permite ao possuidor formular pedido
contraposto de usucapião. Artigo 1241: “Poderá o possuidor requerer ao juiz seja
declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel”. O professor não
encontra pedido contraposto no dispositivo; mas é o que diz o enunciado.
Ainda assim, o grande obstáculo dessa sentença ser levada a registro seria os limites
subjetivos da coisa julgada. Para escapar desse obstáculo, o enunciado diz que a
sentença vale como instrumento para registro, ressalvados os interesses de
confinantes e terceiros, ou seja, ressalvados os interesses daqueles que não
participaram da relação processual. A novidade que o enunciado, implicitamente, traz é
um registro com efeitos inter partes, um registro que não produz efeitos erga omnes.
Critica do professor: para que o registro? Esse registro sem dúvida terá o condão de
dar publicidade, mas em nada vinculada terceiros que não participaram da relação
processual; esses terceiros podem, inclusive, rediscutir, a requestionar, tudo aquilo
que foi objeto da relação processual originária.
Então, o enunciado acaba trazendo a seguinte conclusão: o artigo 1241 é um artigo
que trata genericamente da usucapião; então, a controvérsia que antes se centrava na
usucapião especial rural e urbana, agora é tratada em caráter de generalidade pelo
enunciado; vale para todas as modalidades. O enunciado, então, diz que cabe pedido
contraposto, a sentença será levada a registro, mas esse registro só vincula as partes
que integraram a relação processual.
Pergunta de aluno: Haveria um prazo para que os interessados possam rediscutir
essa matéria? Isso não ofenderia a coisa julgada?
R: Exatamente. O registro, no direito brasileiro, tem presunção relativa de veracidade
– artigo 1247, parágrafo único do CC. mesmo na ação de usucapião, obedecendo ao
rito especial, aquilo que está no registro pode vir a ser questionado, mas apenas por
aspectos distintos daqueles discutidos na ação que deu ensejo a declaração da
usucapião. Nesse caso ora analisado, não. Nesse caso, toda a matéria discutida no
pedido contraposto de usucapião pode ser alegada por terceiro que não participou da
relação processual. A diferença pratica é essa.
*Toda essa dificuldade, perplexidade, do enunciado não será aplicada em uma
hipótese, qual seja, quando a usucapião é alegada em defesa numa ação de usucapião
proposta por terceiro. Suponha que A proponha uma ação de usucapião sobre
determinado imóvel; citação por edital, citação dos confinantes, enfim toda
coletividade; como um dos integrantes da coletividade, B se opõe a pretensão de A
alegando que a usucapião se consumou em favor dele; se o pedido de A for julgado
improcedente com base na usucapião alegada em matéria de defesa, essa sentença
pode ser levada à registro, porque neste caso foram obedecidos todos os requisitos do
rito especial da ação de usucapião. É uma hipótese excepcional em que não haverá
qualquer embaraço à averbação da sentença junto ao registro, ainda que a usucapião
tenha sido alegada em defesa. Neste caso, o registro surtirá efeitos erga omnes
porque foi um registro resultante de uma sentença que observou todos os requisitos do
rito especial da ação de usucapião.
Não nos esqueçamos que em relação a usucapião especial urbana há o artigo 9º,
parágrafo terceiro, do Estatuto da Cidade (lei 10257). Isso é uma pegadinha
importante. Lembram da hipótese da accessio possessionis, que é a possibilidade do
possuidor atual somar o tempo de posse do antecessor para fins de usucapião. Vimos
que há um enunciado do CJF – 317 – que diz que não cabe accessio possessionis na
usucapião especial rural e urbana porque os requisitos de tais modalidades tem cunho
personalíssimo. CUIDADO. O artigo 9º, parágrafo terceiro do Estatuto da Cidade, traz
uma mitigação ao enunciado 317. Usamos este artigo por analogia na usucapião
especial rural. Diz o artigo: “Para os efeitos desse artigo, o herdeiro legitimo continua
de pleno direito a posse do seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião
da abertura da sucessão”. É uma hipótese que, excepcionalmente, cabível a accessio
possessionis na usucapião especial urbana. Artigo este aplicado por analogia na
usucapião especial rural.
Pergunta de aluno: essa exigência de que o possuidor atual resida no imóvel para
poder suceder é inconstitucional, uma vez que a CRFB não previu?
R: Há algumas discussões sobre a constitucionalidade de algumas hipóteses, como
esta. Tem uma discussão até maior na usucapião coletiva. Temos duas posições claras
aqui. Uns defendem claramente que todos os requisitos da usucapião especial urbana
já estão previstos na CRFB e não caberia ao legislador infraconstitucional trazer
qualquer alteração àquilo que fora contemplado constitucionalmente. Mas a tendência,
hoje, é no sentido de se interpretar diversamente, porque o artigo 182 da CRFB fala na
função social das cidades e delega a legislação infraconstitucional estabelecer
critérios a observância da função social das cidades. Então, o que muitos sustentam –
e esse é o entendimento predominante – é que por esta abertura do artigo 182 da
CRFB poderia o legislador infraconstitucional trazer algumas nuances às modalidades
de usucapião previstas constitucionalmente, desde que em harmonia com a ótica da
função social das cidades; e como aqui estamos falando do direito social à moradia, o
artigo 182 teria o condão de conferir constitucionalidade ao parágrafo terceiro do
artigo 9º da lei 10257.
tem uma questão ainda mais delicada do que essa na usucapião coletiva, que é o
próximo ponto.
USUCAPIÃO COLETIVA
Artigo 10 do Estatuto da Cidade.
Resumidamente, os requisitos da usucapião coletiva são os seguintes: a) incide sobre
área urbana com mais de 250m2; b) ocupada por população de baixa renda; c) para
fins de moradia; d) há pelo menos 5 anos. O legislador exige, ainda, que os
usucapientes d) não sejam proprietários de qualquer outro imóvel urbano ou rural. O
artigo 10 diz ainda que onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada
possuidor; tecnicamente isso é composse. Então, o quinto e ultimo requisito, porém
mais importante, é que haja composse entre os possuidores.
Pergunta boa para prova oral: qual é a modalidade de usucapião que necessariamente
gera o surgimento de um condomínio? A usucapião coletiva. A premissa da usucapião
coletiva é que haja composse. Quando a composse deságua na usucapião, àquele se
transmuda em condomínio. Então, a usucapião coletiva é a modalidade de usucapião
que necessariamente propicia o surgimento de um condomínio.
Esse condomínio resultante da usucapião coletiva tem uma peculiaridade. O
condomínio é uma fonte interminável de litígios; ninguém gosta de dividir nada, muito
menos propriedade. Então, todo o ordenamento jurídico sempre traz mecanismos
facilitadores da extinção do condomínio. Um dos direitos potestativos clássicos é o
direito potestativo de pedir a extinção parcial do condomínio. Só que aqui há uma
regra excepcional. É o parágrafo quarto do artigo 10, que prevê o chamado
condomínio especial indivisível. Isso porque o legislador exige o quórum qualificado
de 2/3 para a extinção desse condomínio.
Então, sem dúvida, duas peculiaridades: a) A usucapião coletiva gera necessariamente
um condomínio; b) Esse condomínio é chamado de especial indivisível.
Há uma discussão que é a seguinte: a CRFB quando trata da usucapião especial
urbana a prevê para área de até 250m2; e a usucapião urbana coletiva incide
necessariamente sobre área com mais de 250m2. Isso despertou em alguns que a
regra seria incompatível com a CRFB, porque teria extrapolado os limites delineados
pelo poder constituinte originário. A solução é invocar o artigo 182 da CRFB, porque
este dispositivo confere ao legislador infraconstitucional disciplinar a função social das
cidades. Tem uma posição muito interessante que é a seguinte: esse condomínio
especial indivisível vai gerar a fixação de uma fração ideal da propriedade de cada
condomínio; a fixação da fração ideal está no parágrafo terceiro do artigo 10, que diz:
“Na sentença o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor,
independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo acordo escrito
entre os condôminos estabelecendo frações ideais diferenciadas”; há um entendimento
que diz que a fração ideal de cada condômino não pode superar 250m2; quer dizer,
teríamos uma modalidade de usucapião coletiva incidente sobre área superior àquela
prevista constitucionalmente para usucapião individual, mas a fração individual de
cada condômino não poderia superar os 250m2 previstos na CRFB. esse entendimento
é defendido pela Rosangela Maria de Azevedo Gomes – professora da UERJ – e
Francisco Loureiro.
Pergunta de aluno: Pergunta incompreensível. Mas ao que parece trata das
semelhanças entre os institutos do artigo 10 da lei 10257 e do artigo 1228, parágrafo
quarto.
R: São institutos muito próximos sim. Tem algumas diferenças tênues. A mais nítida é
a questão da indenização. Por isso, posição hoje predominante é no sentido de que no
artigo 1228 não temos uma modalidade de usucapião coletiva; mas tem alguns outros
detalhes que diferenciam como, por exemplo: a) no artigo 10 tem-se uma metragem
mínima e no artigo 1228 não há uma metragem pré fixada em lei (o legislador fala
apenas em extensa área); b) no artigo se dirige a população de baixa renda, no artigo
1228, parágrafo quarto não, até porque neste dispositivo o legislador exige o
pagamento da indenização, que para a maioria não deve ser custeado pelo Estado (a
exceção daquela hipótese do enunciado que vimos, qual seja, quando for população de
baixa renda); no artigo 10 há uma conotação maior de justiça distributiva.
Pergunta de aluno: No parágrafo quarto do artigo 1228 surge um direito novo ou seria
uma propriedade derivada?
R: Alguns defendem que seria uma propriedade derivada por conta do pagamento da
indenização. O Marco Aurélio Mello defende isso. A posição predominante é no sentido
de que a aquisição é originária porque a indenização seria um requisito legal, não
haveria uma transferência de propriedade. Há quem defenda, de forma minoritária, que
nos parágrafos quarto e quinto do artigo 1228 não se exige animus domini (Marco
Aurelio e Nelson Rosenvald); eles, inclusive, dão o seguinte exemplo: imagine que se
faça um arrendamento sobre um imóvel; o número considerável de pessoas
(arrendatários) preenchem os requisitos dos parágrafos quarto e quinto do artigo 1228;
não poderão eles alegar usucapião coletiva porque não tem animus domini, mas
poderiam alegar o artigo 1228, parágrafos quarto e quinto do CC.
Pergunta de aluno: Pergunta incompreensível.
R: A idéia foi basicamente esta. Essa expressão “se não for possível identificar o
terreno ocupado por cada possuidor” merece interpretação flexível. Porque se formos
interpretar de maneira rígida, o instituto seria inaplicável. Mesmo em favelas, mesmo
em comunidades carentes, há algum tipo de delimitação de cada área. Na verdade, o
dispositivo teria em mente um cenário de desordem urbana. Numa interpretação
extensiva, ampliativa, o legislador teria focado, sem dúvida, em comunidades carentes.
Se formos nos apegar a interpretação literal teríamos a exigência de composse pro
indiviso, que no plano prático é praticamente impossível, principalmente com área de
mais de 250m2, por cinco anos.
Pergunta de aluno: um prédio ocupado poderia se encaixar no dispositivo?
R: Talvez seja mais delicado. Em regra, temos apartamentos previamente ocupados,
com delimitação envolvendo área comum; há um certo grau de organização entre os
possuidores.
Pergunta de aluno: Se tem fração ideal, teria a composse; é como se fosse um
condomínio edilício?
R: É isso que diz o parágrafo quarto. Temos uma composse, mas não, em tese, uma
composse pro indiviso tal como contempla o artigo 1199; uma composse em sentido
amplo, no sentido de desordem, no sentido de que não há áreas comuns previamente
delimitadas. Enfim, aqui a interpretação da norma tem que ser extensiva, caso
contrário a usucapião coletiva se torna inaplicável.
Outra hipótese de interpretação elástica é a seguinte: o CC fala em “moradia”. Imagine
que nesta comunidade, em que há este cenário de desordem, haja uma farmácia, uma
creche, e não moradia. Numa interpretação literal da norma, a farmácia, a creche, não
seria contemplada com a usucapião coletiva; numa interpretação finalística, o que se
sustenta é que eventuais atividade econômicas, diretamente afetadas a dignidade
humana e as necessidades imediatas dos moradores da região poderiam estar
abrangidas pela usucapião coletiva. Ou seja, o que se sustenta é que a prestação de
serviços essenciais na localidade não é obstáculo ao reconhecimento do instituto.
A aplicabilidade prática do instituto é ínfima.
Vimos até aqui a usucapião do direito de propriedade. Mas não apenas o direito de
propriedade é suscetível de usucapião. Quer dizer, outros direitos reais, que não a
propriedade, também são usucapíveis.
ENFITEUSE:
Temos enfiteuse envolvendo bens públicos, notadamente de bens públicos federais,
envolvendo terreno de marinha. Temos a União, que é a proprietário; e por outro lado,
temos o domínio útil, que é exercido pelo particular. Na prática, o enfiteuta atua como
dono; as únicas restrições a que se submete o enfiteuta são o foro anual e o laudêmio.
Suponhamos que o enfiteuta suma do mapa, desaparece; e um terceiro vem exercendo
o poder de fato sobre àquele bem. Cabe usucapião? Cabe.
A pergunta maliciosa na prova ora é a seguinte: cabe usucapião sobre bem público?
Em regra, não. Mas, nesse caso, temos uma usucapião que incide sobre bem público.
Essa usucapião incide sobre um bem público e não em face do poder público; é uma
usucapião que incide sobre um bem público em face do particular.
Pergunta de aluno: Quem deverá alegar a usucapião, neste caso, é o Estado?
R: Não. Quem vai alegar a usucapião é o terceiro, que passou a ocupar o imóvel. O
interesse do terceiro é usucapir o domínio útil; o terceiro passará a ser enfiteuta por
usucapião. E a enfiteuse é perpetua, transmissível inter vivos ou mortis causa. O
terceiro não vai usucapir a propriedade da União, mas sim o domínio útil.
Pergunta de aluno: Não há um direito de preferência?
R: O direito de preferência se aplica para a alienação onerosa; aqui a hipótese seria
de aquisição originária e gratuita; portanto, o direito de preferência não seria óbice a
usucapião.
Pergunta de aluno: Como fica o pagamento do foro anual?
R: Pela tese tradicional, seguindo a ótica do Cristiano Chaves, o foro anual caberia ao
proprietário anterior. Mas o julgado do STJ que vimos no inicio da aula parece sugerir
que no lapso temporal em que o possuidor exerce o poder de fato teríamos um
esvaziamento do domínio útil do anterior e, em tese, caberia ao usucapiente pagar o
foro anual do lapso temporal em que ele vinha exercendo a posse. Por essa
perspectiva, o registro não seria o fator dominante a atribuição das obrigações propter
rem.
Pergunta de aluno: Mas não é uma obrigação originária?
R: Sim. Mas as obrigações propter rem não cedem diante das aquisições originárias.
Essa é uma diferença marcante entre as obrigações propter rem e a garantia real. As
garantias reais cessam diante de uma aquisição originária; as obrigações propter rem
não. Por exemplo: o usucapiente responde pelas cotas condominiais pretéritas. Isso
porque as obrigações propter rem aderem a coisa; não estão vinculadas ao respectivo
particular.
Isso é muito abstrato. O que se entende é que naquele lapso temporal do usucapião
teríamos, em relação ao usucapiente, a posse do domínio útil; ele não titularizava o
domínio útil.
Para que ele resguarde a aquisição do domínio útil por usucapião é preciso que ele
efetue o pagamento do foro anual; é um dos elementos. Isso porque ele tem que
demonstrar que tem o animus de titular do domínio útil; e para isso tem que se
comportar como titular do domínio útil fosse; e um dos elementos é o pagamento do
foro anual.
Para o poder público a situação fica inalterável, porque o usucapiente é obrigado ao
foro anual; e quando ele transferir o domínio útil ao terceiro incidirá laudêmio. Só não
incidirá laudêmio quando da aquisição do domínio útil por usucapião, porque estamos
diante de uma aquisição originária.
Então, é um usucapião que incide sobre o bem público, porém em face do particular
(enfiteusa).
Tem julgado do STJ sobre o tema: Resp 575572; Resp 262071.
Tem um argumento legislativo, que é o seguinte: o artigo 200 do DL 9760/46 revogou o
artigo 12, parágrafo segundo do DL 710/38. Esse artigo revogado previa o não
cabimento de usucapião sobre o domínio útil de bens públicos; o dispositivo revogador
se omite. Então, não temos mais uma regra vedando a usucapião do domínio útil.
Pergunta de aluno: Pode repetir a diferença entre as obrigações propter rem e as
garantias reais?
R: A obrigação propter rem decorre da preexistência de um direito real (relação
obrigacional que resulta de um direito real preexistente); então, o que se entende é
que a obrigação propter rem não tem nenhuma conotação pessoal; está estritamente
vinculado à coisa, por isso o usucapiente não se esquiva de eventuais quotas
condominiais pretéritas. Já os direitos reais em garantia estão vinculados a coisa, mas
são resultantes de um acordo de vontades que busca resguardar o interesse de um
determinado credor; há, sem dúvida, uma vinculação à coisa, mas tem uma conotação
pessoal.
Aula passada chegaram até a suscitar o que seria melhor: as obrigações propter rem
ou as garantias reais? Nesse ponto, a obrigação propter rem é mais prestigiada que as
garantias reais. Num caráter geral, talvez, não, porque a garantia real desloca um
determinado bem do patrimônio do devedor para satisfação daquele credor; a
obrigação propter rem não.
Quem discorda disso que acabamos de ver – posição isolada – é o Miguel Reale. Para
ele não cabe usucapião de domínio útil. Invoca a CRFB e diz que em se tratando de
bem público não cabe usucapião.
Pergunta de aluno: Um acordo de vontade não pode gerar uma obrigação propter
rem?
R: Não. Pode gerar um direito real de garantia, mas não uma obrigação propter rem,
porque esta resulta da própria natureza, pressupõe um direito real preexistente.
USUCAPIÃO DE USUFRUTO
Artigo 1391 do CC.
Como alguém irá usucapir o usufruto sem usucapir a propriedade?
É a hipótese de concessão a non domino. Quer dizer, aquele que concede o usufruto
não era o dono. Daí o verdadeiro proprietário aparece 15 anos depois dizendo que se
ele não era dono não poderia conceder o usufruto. A tese defensiva será usucapião de
usufruto. O animus dele era de usufrutuário; não tinha animus de propietário.
O artigo 1393 diz que o usufruto é inalienável. É contraditório o CC por num artigo
dizer que o usufruto é inalienável e no outro artigo dizer que cabe usucapião de
usufruto? Vimos que não há contradição alguma, porque a inalienabilidade envolve
aquisição derivada; e a usucapião é uma espécie de aquisição originária.
O importante para o usucapião do usufruto é enfocar no animus daquele exercia a
posse do direito real de usufruto. O animus dele era de usufrutuário, e não
proprietário, por isso poderá ele usucapir o usufruto, e não a propriedade do imóvel.
USUCAPIÃO SOBRE PROPRIEDADE RESOLÚVEL
Exemplo: o testador transfere a propriedade resolúvel para o fiduciário; com o
implemento do termo final ou da condição resolutiva, a propriedade sai do fiduciário e
vai para o fideicomissário; suponhamos que o bem esteja sobre a propriedade
resolúvel do fiduciário, mas este sumiu, e um terceiro vem exercendo o poder de fato,
preenchendo os requisitos legais à usucapião; ele vai usucapir direito de propriedade;
a duvida é a seguinte: essa usucapião atinge o fideicomissário?
Pela regra geral, diríamos, talvez, que a usucapião é aquisição originária e partindo
dessa lógica surge um direito novo em favor do usucapiente. Então, como surge um
direito novo, o usucapiente não adquiriria a propriedade resolúvel, porque a
propriedade por ele adquirida não se sujeitaria as restrições do antigo dono.
Entretanto, a posição, hoje, amplamente dominante é pela aplicação do artigo 1244 c/c
artigo 199, incisos I e II. O artigo 1244 é o que diz que as regras sobre impedimento,
suspensão e interrupção da prescrição se aplicam ao usucapião; e o artigo 199, inciso
I diz que não corre prescrição pendendo condição suspensiva; e o inciso II, não
estando vencido o prazo. Percebam: o direito do fideicomissário ou se sujeita a uma
condição suspensiva ou ainda não venceu o prazo; portanto, não corre prescrição
contra o fideicomissário; se não corre prescrição, também não corre usucapião. Então,
excepcionalmente, o sujeito vai adquirir a propriedade resolúvel por usucapião; e uma
aquisição originária que, entretanto, se sujeitará a mesma restrição do fiduciário.
Para sustentar contra, ou seja, defendendo o usucapiente, podemos invocar que o
artigo 203 diz que a prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado; se
assim o é, a usucapião também; e, em tese, houve a inércia do fideicomissário; ou
seja, o fideicomissário teria interesse jurídico em se insurgir em face da usucapião;
inércia em razão do artigo 130, que diz: “Ao titular do direito eventual, nos casos de
condição suspensiva ou resolutiva, é permitido a praticar os atos destinados a
conservá-lo”; o artigo 130 permite ao fideicomissário praticar atos destinados a
conservação do seu direito expectativo, do seu direito eventual. Então, na verdade, o
fideicomissário também foi inerte durante toda aquele lapso temporal, e poderia ter se
insurgido em face da usucapião. Além disso se, no caso concreto, a posse do
usucapiente obedecia a função social, poderíamos invocar a teoria sociológica da
posse. Essa tese não é acolhida na jurisprudência.
Pergunta de aluno: Mas o fideicomissário não tem uma mera expectativa?
R: Sim. Por isso que essa não é a tese vencedora.
DIREITO DE SUPERFÍCIE
Artigos 1369 a 1377 do CC; Artigos 21 a 24 do Estatuto da Cidade.
No direito de superfície há duas partes envolvidas: o proprietário do solo (também
denominado de concedente ou fundeiro) e, de outro lado, temos o superficiário
(também chamado de concessionário).
A rigor, como funciona o direito de superfície previsto no CC?
Basicamente é a seguinte a estrutura: temos alguém, que é o proprietário do solo; e
este transferirá ao superficiário o direito de construir ou plantar em seu terreno; e,
paralelamente, o proprietário do solo transfere ao superficiário a propriedade resolúvel
sobre tais construções ou plantações.
Então, qual a grande singularidade do direito de superificie?
Quando o superficiário faz a construção ou a plantação, passamos a ter duas
propriedades paralelas; um será proprietário do solo, e o outro terá a propriedade
superficiária, ou seja, a propriedade sobre a construção ou plantação.
Vimos em aulas anteriores o brocardo: superfície solo cedit; pela lógica desse
brocardo, àquele que constrói ou planta em solo alheio, perde as construções ou
plantações. O proprietário do solo adquire automaticamente a propriedade sobre as
plantações ou construções realizadas em seu terreno, dentro do princípio da
gravitação jurídica – artigo 1255, caput. A exceção a este brocardo foi a acessão
invertida – artigo 1255, parágrafo único.
E no direito de superfície temos uma segunda exceção ao brocardo superfície solo
cedit, porque o sujeito irá construir sobre solo alheio, mas não perderá a propriedade
da construção ou plantação; ao contrário, adquirirá a propriedade resolúvel sobre a
construção ou plantação realizada.
Então, o que temos aqui são propriedades paralelas. Isso evidencia que o direito de
superfície não se confunde com o condomínio, porque neste temos dois ou mais
proprietários em conjunto sobre o mesmo objeto; no direito de superfície temos dois
proprietários paralelos sobre objetos diferentes. Tanto isso é verdade que nada impede
que haja co-propriedade do solo e nada impede que haja co-propriedade superficiária.
São institutos diferentes.
Por se tratar de um direito real, o artigo 1369 exige escritura pública e o registro;
portanto, o artigo 1369 vem em harmonia com o artigo 108, o qual exige instrumento
público para negócios envolvendo direitos reais imobiliários.
O CC é lei posterior ao Estatuto da Cidade. Será que o CC, ao disciplinar o direito de
superfície, revogou os artigos 21 a 24 do Estatuto da Cidade, que também tratam do
direito de superfície?
Isso tem importância prática. Por exemplo, o direito de superfície no CC tem que ser
por tempo determinado – artigo 1369; no estatuto da cidade, não – o artigo 21 prevê
direito de superfície por prazo determinado ou indeterminado. Nem sempre a disciplina
do CC coincide com a disciplina do Estatuto da cidade.
1C) Posição hoje superada defende que o CC revogou os artigos do Estatuto da
Cidade. Fundamento: sistema cronológico; o CC por ser lei posterior revogou a lei
anterior.
2C) A posição hoje consolidada é no sentido de que não houve a revogação, por conta
do sistema da especialidade; quer dizer, o Estatuto da Cidade é lei especial.
CUIDADO: Se for imóvel rural, aplica-se o CC. Se for imóvel urbano, depende. É
insuficiente o critério da localização. O objetivo do Estatuto da Cidade é o melhor
aproveitamento do solo urbano, otimizar a função social do solo urbano; suponha,
então, que haja um direito de superfície cujo objetivo é a utilização daquele espaço
para fins meramente privados – peladas de final de semana; nesse caso, ainda, que o
imóvel se situe na Presidente Vargas, o regime jurídico aplicável será o Estatuto da
Cidade? Não, porque àquele imóvel não está sendo afetado, utilizado, para a
destinação contemplada no Estatuto da Cidade. O que se sustenta é que se adote o
critério finalístico, ou seja, se há direito de superfície sobre imóvel urbano para fins
meramente privados a regra aplicável é o CC, e não o Estatuto da Cidade, porque o
que justifica a especialidade não é apenas a localização do imóvel, mas também a
destinação que lhe é atribuída. Nesse sentido, enunciado 93 do CJF, que diz: “As
normas previstas no CC sobre direito de superfície não revogam as relativas ao
instituto constantes do Estatuto da Cidade por ser instrumento de politica de
desenvolvimento urbano”. Então, se há direito de superfície para construção de casas
populares, por exemplo, obviamente, o regima aplicável é o Estatuto da Cidade.
Outra questão importante diz respeito ao artigo 1371 , ou seja, diz respeitos aos
encargos e tributos. O artigo 1371 do CC diz: “O superficiário responderá pelos
encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel”. Tem um enunciado – 94 do CJF,
feito por civilistas – que parece ter dado uma rasteira no direito tributário. Diz o
enunciado 94 que a regra do artigo 1371 é dispositiva, ou seja, que as partes poderiam
pactuar diversamente, não tendo o condão de vincular o poder público.
Talvez isso valha para o direito de regresso, mas não para vincular o poder público.
Obviamente que esse acordo não gera efeitos vinculantes ao Poder Público.
Uma questão bem importante é a seguinte: há quem defenda a inconstitucionalidade
formal do artigo 1371. Seria inconstitucional porque a definição de contribuinte, em
matéria tributária, é reservada a legislação complementar – artigo 146, inciso III da
CRFB; e o CC, obviamente, tem natureza de lei ordinária.
Isso tem um pouco cara de PGM, ou quem sabe até de AGU.
Uma tese boa para a advocacia pública é de que o CC não está definindo contribuinte,
mas sim responsável tributário; sabendo-se que o responsável tributário pode ser
definido por lei ordinária. Este é o melhor dos mundos para o poder público, porque em
se interpretando que a hipótese é de responsável tributário, e não contribuinte, surge o
regime de solidariedade passiva – artigo 128 do CTN.
Sobre o que o colega perguntou agora pouco vamos ver o seguinte: a luz do Estatuto
da Cidade, o direito de superfície pode ser por prazo determinado ou indeterminado.
Suponhamos que haja um direito de superfície por prazo indeterminado; se é por prazo
indeterminado, a princípio, o concedente pode extinguir o direito de superfície a
qualquer tempo; ninguém é obrigado a ficar vinculado eternamente a outro,
principalmente em se tratando de direito de superfície em que o legislador veda a
perpetuidade; suponha que seja concedido um direito de superfície e no ato
constitutivo da superfície, o proprietário do solo permite ao superficiário construir uma
industria (há uma finalidade, inclusive, pré convencionada com o proprietário do solo);
depois que é realizada a construção da industria, num prazo de três meses, por
exemplo, o proprietário do solo diz que quer extinguir o direito de superfície; em tese,
isso seria possível; mas obviamente estamos diante de um abuso do direito. E aí o que
se sustenta, neste caso, é aplicação por analogia do artigo 473, parágrafo único do
CC. É por analogia porque o artigo 473, parágrafo único, trata de resilição unilateral
nas relações contratuais. Diz o parágrafo único: “Se, porém, dada a natureza do
contrato, uma das partes tiver feito investimento considerável para sua execução, a
denuncia unilateral só produzirá efeitos depois de transcorrido prazo compatível com a
natureza e o vulto dos investimentos”. Poderia se alegar, então, abuso do direito, boa
fé objetiva, e aplicação analógica do artigo 473, parágrafo único, para se buscar a
tutela especifica.
Pergunta de aluno: Teria alguma regra parecida com o artigo 473, parágrafo único,
mas que não seja contratual?
R: Não. Na verdade, a tutela especifica só é contemplada neste dispositivo. Não é
tecnicamente adequado falar no artigo 473 diretamente; a solução vem por analogia,
pois são institutos diferentes, vez que um tem natureza obrigacional e o outro natureza
real; mas enfim, a densidade axiológica seria a mesma, qual seja, a boa fé objetiva.
Pergunta de aluno: Nesse caso da industria que seria por prazo indeterminado, e
neste caso o proprietário em três meses denunciaria o contrato; fiquei com uma dúvida
porque se aplicaria o CC nas relações particulares, e o Estatuto da Cidade as relações
urbanas; nesse caso, então, não poderia fixar por prazo indeterminado; deveria ser por
prazo determinado sempre?
R: Não é que seja entre particulares; é para fins privados, privatisticos, meramente
egoísticos; pode se ter um direito de superfície entre particulares que atenda a função
social da propriedade. Um direito de superfície, por exemplo, para construção de uma
industria vem em harmonia com a lógica de uma função social, geração de empregos,
pagamento de tributos, atendimento ao mercado de consumo, enfim; então, na
verdade, podemos aplicar o estatuto da cidade entre particulares e é normalmente,
inclusive, o que acontece. A finalidade do direito de superfície é que vai direcionar a
aplicabilidade de um ou outro diploma legislativo.
Outro ponto que merece atenção é o seguinte: o artigo 1370 diz que a concessão do
direito de superfície pode ser gratuita ou onerosa. Quando onerosa, o nome que se dá
ao valor pago pelo superficiario ao concedente é solarium.
Uma questão que surge é a seguinte: direito de superfície gratuito parece não ter
nenhuma aplicação prática. Será que teríamos um ato de liberalidade no direito de
superfície gratuito? Nem sempre. Direito de superfície gratuito não representa
necessariamente liberalidade.
O artigo 1370 tem que ser interpretado junto com o artigo 1375. O artigo 1375
estabelece a presunção relativa de que com a extinção do direito de superfície o
proprietário do solo adquire a propriedade superficiaria independentemente de
indenização. Presunção relativa, pois o próprio CC permite as partes pactuarem
diversamente.
O Ricardo Lira já fazia uma correlação intima entre o direito de superfície e a função
social da propriedade. É muito comum o sujeito adquirir um terreno com intuito
meramente especulativo; por exemplo: compra para deixar parado por 20 anos,
esperando a especulação imobiliária, para venda futura. Vejam que o direito da
superfície pode conciliar o intuito especulativo do adquirente com a função social da
propriedade. Ao invés de deixar o terreno absolutamente abandonado por vinte anos, o
sujeito – que não interesse em explorar o imóvel – concederia o direito de superfície
por um prazo determinado; e como vimos o proprietário do solo pode delimitar a
natureza da construção a ser realizada pelo superficiario; o investidor pode perceber
que naquele local tem um potencial de crescimento de um determinado setor industrial,
agrícola, comercial, e daí direciona a superfície as suas finalidades especulativas; ao
término daquele prazo, em que já houve a observância da função social da
propriedade, ele adquire a propriedade sobre a construção com um caráter
especulativo ainda maior do que se ele tivesse deixado o imóvel abandonado. O direito
de superfície pode ser um instrumento importante de otimização da função social.
Pergunta de aluno: Poderia aquele que tem direito de superfície adquirir a
propriedade do solo?
R: O que se sustenta é que o artigo 1255, parágrafo único não se aplica ao direito de
superfície. A questão da acessão invertida não se aplica ao direito de superfície. A
uma porque o direito de superfície tem uma sistemática própria; e segundo porque na
acessão invertida o sujeito constrói ou planta em solo alheio de boa fé; quando o
legislador fala que tem que ser possuidor de boa fé é um possuidor que ignora o vicio,
ou seja, tem que ter vicio para se aplicar o artigo 1255, parágrafo único.
Pergunta de prova oral: suponha um contrato de locação, o locatário durante o prazo
contratual tem posse de boa ou de má fé? Nem uma, nem outra, porque a posse de
boa fé pressupõe o vicio; se não tem vicio, não tem graça falar em posse de boa ou má
fé.
O usufrutuário tem um título; e o título dele é todo disciplinado tanto pelo CC, como
pelo Estatuto da Cidade; como a acessão invertida é um instituto excepcional, não se
aplicaria no caso em que há uma disciplina especifica, como no caso do direito de
superfície.
Agora nada impede que as partes convencionem explicitamente essa possibilidade.
Aqui irá funcionar o principio da autonomia privada. Nada impede que as partes
convencionem que com a extinção da superfície irá surgir um regime de condomínio
voluntário entre o proprietário do solo e o superficiario sobre a construção. É o
principio da autonomia privada se infiltrando nos direitos reais.
CUIDADO: Está errada a afirmativa no sentido de que “extinta a superfície, o
proprietário do solo resgata a propriedade sobre as construções”. O proprietário, na
verdade, adquire, porque ele nunca foi dono da construção ou plantação, salvo se for a
superfície por cisão. Se for a superfície por cisão tem resgate, porque o proprietário já
foi dono da construção ou plantação.
Tem mais uma questão que vale a pena ressaltar que é a seguinte: tutela da posse do
promissário comprador por dívidas do promitente vendedor. Normalmente quando se
celebra o compromisso de compra e venda a posse direta já fica com o promitente
comprador, mas o bem continua na titularidade do promitente vendedor; então,
obviamente, que por eventuais dividas do promitente vendedor àquele bem pode vir a
responder. E aí tem duas situações diferentes:
a) a primeira situação é aquela em que o promissário comprador não se encontra,
ainda, investido na posse; se ele ainda não se encontra investido na posse, o
promissário comprador irá sucumbir diante do registro da penhora, exceto se o
compromisso foi registrado antes da penhora; se o compromisso de compra e venda foi
registrado antes, pelo principio da prioridade do registro, o direito do promitente
comprador prepondera sobre o direito do exeqüente; ou seja, mais uma demonstração
da importância prática do registro; o registro é importante não só para conferir a
adjudicação compulsória em caráter erga omnes, mas também para resguardar os
interesses do promitente comprador em relação a eventual penhora por dividas do
promitente comprador.
Pergunta de aluno: se fica com duas averbações, tanto do compromisso quanto do
registro penhora; esse imovel fica com dois gravames?
R: Na verdade, se o compromisso foi registrado antes e a penhora depois, e o
promitente comprador quita e obtém a transferência da propriedade, a penhora cai por
terra, porque o bem passa a titularidade do promitente comprador, e não ao promitente
vendedor que é o devedor da dívida garantida. Mas caso o promitente comprador não
efetue a quitação e o compromisso se desconstitui, a penhora subsiste e irá afetar
aquele bem ao interesse do exeqüente.
É obvio que o compromisso anterior abala a eficácia da penhora, mas há interesse do
exeqüente na penhora, porque o registro do compromisso, por si só, não transfere a
propriedade, mas apenas confere uma prelação do promissário comprador em relação
ao exeqüente. Quer dizer, se ele honrar sua divida, cumprir as prestações, irá obter a
transferência da propriedade, e automaticamente o afastamento daquela penhora por
dividas do promitente vendedor; mas se ele não vir a quitar, o compromisso cai por
terra, e a penhora irá satisfazer o interesse do exeqüente. Então, há sim interesse do
exeqüente no registro da penhora, ainda que haja um compromisso anteriormente
averbado, mas haverá a prelação em favor do promitente comprador, pelo principio da
prioridade do registro.
Pergunta de aluno: a promessa de compra e venda, às vezes, perdura anos; o
exeqüente tem que aguardar até o prazo final?
R: Em tese, sim. Em termos práticos não e interessante que o exeqüente se contente
com àquela penhora, porque a situação da penhora é extremamente frágil pelo
principio da prioridade. Então, não há um esvaziamento por completo da penhora, mas
há uma fragilidade flagrante por irá depender da quitação ou não pelo promitente
comprador.
Pergunta de aluno: Na prática como fica: a penhora fica registrado aguardando o
termo final do compromisso de compra e venda?
R: Registra a penhora. E, na verdade, o promissário comprador ao quitar tem,
inclusive, legitimidade para pleitear o levantamento da penhora.
b) Uma questão mais interessante que esta, principalmente para fins de concurso é
a seguinte: hipótese em que o promissário comprador já se encontra investido na
posse. Nesse caso, a solução se dá com a exclusão da penhora através de embargos
de terceiro. O terceiro será o promitente comprador. Poderá ele excluir a penhora
através de embargos de terceiro, ainda que o compromisso de compra e venda não
esteja registrado. Sumula 84 do STJ: “É admissível a oposição de embargos de
terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda
do imóvel, ainda que desprovido do registro”. Esta sumula é criticada pelos
doutrinadores porque ela traz uma dose de insegurança jurídica. O fundamento da
sumula seria que o registro é indispensável para fins de aquisição da propriedade e,
nesse caso, o que está em jogo não é o direito de propriedade, mas sim a tutela
possessória. Então, ainda que ausente o registro, se o promissário comprador já se
encontrava investido na posse, a posse do promissário comprador prepondera sobre a
penhora superveniente, ainda que o compromisso não esteja registrado. Para defender
isto, hoje, é interessante alegar também a teoria sociológica da posse, que parece vir
de encontro a sumula 84 do STJ.
Pergunta de aluno: A súmula 621 do STF era diametralmente oposto, né?
R: Sim, mas na verdade esta sumula do STF é anterior. Essa sumula valia quando o
STF enfrentava a questão em ultima instancia; como, agora, a matéria vai para o STJ
por tem natureza infraconstitucional, perdeu ela a eficácia.
A sumula do STJ não é imune a criticas, porque muitos criticam a forte dose de
insegurança jurídica. Mas ela vem em harmonia com a teoria sociológica, porque
parece sugerir que nem sempre a propriedade do promitente vendedor averbada no
registro prevalece sobre a tutela possessória do promitente comprador. Se
entendermos que a propriedade do promitente vendedor prevalece porque está
registrada, consequentemente aquela propriedade continuará a servir como
instrumento de garantia aos seus respectivos credores. O que hoje se sustenta é que
com a teoria sociológica da posse, a ausência de registro não é óbice à tutela
possessória em detrimento dos interesses dos credores do proprietário.
Pergunta de aluno: Qual é o limite da questão da fraude contra credores neste caso?
R: A exceção da sumula 84 do STJ é a fraude contra credores ou fraude à execução.
Quer dizer, se o compromisso de compra e venda se deu em fraude contra credores ou
fraude à execução irá ser aplicado ou a parte geral do CC – no que tange à fraude
contra credores - ou o direito processual civil – no que tange a fraude à execução.
*Todo mundo já deve ter visto a sumula recente do STJ sobre a fraude a execução
salientando que esta pressupõe o registro da penhora ou a má fé do terceiro
adquirente. Merece elogios a sumula porque busca a proteção da legitima expectativa
do terceiro adquirente. A súmula, tratando da fraude à execução, vem em harmonia
com o principio da confiança. Mas atente para um detalhe. Diz a súmula que para ter
fraude a execução é necessário o registro da penhora ou a má fé do terceiro
adquirente. Ocorre que para ter fraude contra credores, ou seja, alienação anterior do
processo, não se exige a má fé do adquirente; basta que a insolvência do devedor
fosse aparente, notória. Então, percebam que dentro da sistemática da sumula os
requisitos da fraude à execução são mais rigorosos que os da fraude contra credores.
Numa interpretação sistemática, deveria ser o oposto porque numa fraude à execução
já temos um processo judicial em andamento; ficou um pouco assistemática a
perspectiva; talvez, melhor fosse que a sumula dissesse “a penhora ou a
perceptibilidade da existência da relação processual”, e não a má fé propriamente dita,
porque a má fé nos conecta a boa fé subjetiva, e não objetiva. O CC foi mais
progressista do que a súmula.
OBS: quando estudarem direito do promitente comprador sugiro estudarem junto com a
parte de contrato preliminar, pois os dois temas acabam se complementando.
DIREITO DE VIZINHANÇA
Artigos 1277 e ss.
Para fins do CC, propriedade vizinha não significa dizer prédios contíguos. A idéia de
propriedade vizinha envolvem todos os prédios que possam sofrer algum tipo de
repercussão. Então, não se exige que os prédios sejam confinantes para aplicação do
direito de vizinhança. Obviamente, que se o meu prédio venha emanar gases
poluentes, estes gases poluentes não irá atingir apenas os imóveis confinantes, mas
também outros imóveis próximos.
É preciso também lembrar que as normas envolvendo direito de vizinhança geram
obrigações propter rem. A natureza juridica das normas atinentes ao direito de
vizinhança é de obrigação propter rem. Essas normas, inclusive, não tem oponibilidade
erga omnes, mas somente em relação aos vizinhos.
Outro aspecto importante é o seguinte: as regras atinentes ao direito de vizinhança
envolvem hipótese de interferência mediata. Interferência mediata significa que a
interferência começa na propriedade que dá causa ao dano ao vizinho; ou seja, quando
se fala em interferência mediata se afirma que o processo causal que atinge o direito
dos vizinhos se inicia no prédio do causador da violação ao direito de vizinhança
alheio. Então, se eu sou o proprietário que viola uma regra do direito de vizinhança, na
verdade, os gases poluentes saem do meu imóvel; e ao sair do meu imóvel esses
gases poluentes acabam atingindo a esfera jurídica dos meus vizinhos. Se eu pego o
lixo e jogo diretamente no imóvel vizinho não precisamos falar de direito de
vizinhança; isso é ato ilícito. Então, ganha relevância as regras do direito de
vizinhança no caso de interferência mediata, ou seja, quando a violação ao direito de
vizinhança nasce no imóvel do titular do imóvel que gera a violação do direito de
vizinhança. O som abusivo sai daquele que gera o dano aos vizinhos. As regras do
direito de vizinhança geram hipóteses de interferência mediata. Nas hipóteses de
interferência imediata há a configuração de ato ilícito stricto sensu.
Árvores limítrofes
Artigo 1282 a 1284
O artigo 1282 diz que se a árvore tem o tronco na linha divisória entre dois imóveis
presume-se o condomínio entre os proprietários confinantes em relação a arvore.
Como conseqüência, o que a doutrina afirma, inspirada no Código Português – já que o
nosso Código é omisso, é que neste caso, por se tratar de condomínio, um dos
confinantes não pode abater a arvore sem o consentimento do outro. Quer dizer, o
reflexo do artigo 1282 é a impossibilidade de um dos confinantes abater a arvore sem
o consentimento do outro.
Outra ponderação diz respeito ao artigo 1283, que traz a hipótese de autotutela;
àquela em que a raiz e os ramos da arvores ultrapassa o marco divisório e o vizinho
pode, de maneira autoexecutória, cortar o ramo ou a raiz que ultrapassa a sua
respectiva parte. Tem uma ponderação sobre esse artigo trazida pelo Cristiano Chaves
e Nelson Rosenvald; eles defendem que essa possibilidade de corte dos ramos de
arvore que ultrapassa o terreno do vizinho deve ser ponderado com o interesse social
concernente à preservação do meio ambiente; o que o Rosenvald defende é que só é
legitimo o corte se demonstrado prejuízo ou dano iminente. É uma espécie de
ponderação pelo fato das árvores serem agentes despoluidores.
Critica do professor: depende do caso concreto; quase sempre seja um exagero
inviabilizar o corte de pequena parcela da árvore.
Uma ultima observação é em relação ao artigo 1284; esse artigo é uma exceção ao
artigo 1232, primeira parte. O artigo 1232 diz: “Os frutos e mais produtos da coisa
pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se por preceito jurídico
especial couberem a outrem”. O artigo 1284 é um desses preceitos jurídicos especiais.
Na verdade, o artigo 1284 é uma exceção ao principio da gravitação jurídica. Diz o
artigo 1284: “Os frutos caídos da arvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo
onde caírem, se este for de propriedade particular”. É uma situação excepcional
porque os frutos pertencerão ao não proprietário, afastando a lógica do artigo 1232.
Mutatis mutandi, se o fruto cai em terreno público continua a pertencer ao proprietário.
EXTINÇÃO DA SERVIDÃO
Artigos 1387 a 1389 do CC
O artigo 1389, inciso III prevê a extinção da servidão pelo não uso durante 10 anos
contínuos. Fica clara, aqui, uma diferença básica entre a servidão e a propriedade; a
propriedade não se extingue pelo mau uso, porque em relação ao proprietário a
faculdade de uso abrange a faculdade de não utilizar; a utilização é uma mera
faculdade atribuída ao proprietário; a faculdade do não uso, hoje, é limitada a função
social. Na servidão, o que a justifica é a utilidade para o prédio dominante; então, o
não uso da servidão evidencia a inutilidade do instituto; e inutilidade do instituto
acarreta a extinção do instituto.
Qual a natureza jurídica desse prazo de 10 anos?
1C) Defendida pelo Caio Mario, Silvio Venosa, Marco Aurelio Melo e Tupinambá
Miguel de Castro – trata-se de prescrição extintiva. O efeito prático é o seguinte: em
se entendendo que o prazo tem natureza prescricional, aplicam-se as causas de
impedimento, suspensão ou interrupção do prazo prescricional ao caso – artigos 197 a
204 do CC; se o titular da servidão estiver no exterior a serviço da União, esse prazo
de 10 anos se submeteria a uma causa de impedimento ou suspensão.
2C) Trata-se de prazo decadencial. Defendem esta corrente: Gustavo Tepedino,
Cristiano Chaves de Faria com Nelson Rosenvald. O prazo não seria prescricional
porque a prescrição gera a perda da pretensão, e não a perda do direito; e o que
ocorre no artigo 1389, inciso III é a perda do direito.
Para o professor parece sustentável uma terceira corrente.
3C) Prazo sui generis. Fundamento: se por um lado não é prescrição, porque esta gera
a perda da pretensão, por outro não se encaixa perfeitamente na decadência, porque
esta gera perda do direito potestativo, e o direito real de servidão não é direito
potestativo, mas sim subjetivo, pois ao direito de servidão corresponde um dever
jurídico em relação ao titular do prédio serviente. Então, temos um prazo que gera a
perda do direito subjetivo, por isso ele não se encaixa perfeitamente nem na
prescrição, nem na decadência.
A POSIÇÃO PREDOMINANTE É A PRIMEIRA.
Pergunta de aluno: o direito de servidão seria, talvez, um direito potestativo do prédio
encravado, e o outro teria que suportar, quando instituída por testamento ou quando
expressa em um contrato.
R: No direito de servidão, o CC traz uma série de deveres inerentes ao titular do
prédio serviente; quer dizer, ao titular do prédio dominante, a titularidade do direito
real de servidão, o CC elenca uma série de deveres jurídicos atribuíveis ao titular do
prédio serviente; por exemplo, não embaraçar o exercício da servidão, permitir a
mudança da localização da servidão se for necessário ao desenvolvimento da atividade
pelo prédio dominante; por isso que talvez seja delicado sustentar direito potestativo,
porque o próprio CC elenca uma serie de deveres atribuíveis ao prédio serviente.
Pergunta de aluno: Mas o direito subjetivo lato sensu não envolveria o direito
potestativo?
R: Lato sensu, sim. Mas a definição de prescrição e decadência se dá a luz stricto
sensu.
Outro ponto relevante é o seguinte: o parágrafo único do artigo 1387 precisa ser
interpretado com cautela. Suponhamos que o prédio dominante esteja hipotecado; é
averbado um instrumento de hipoteca sobre o prédio dominante, que tem em seu favor
um determinado direito de servidão; obviamente, que a extinção dessa servidão pode
gerar um esvaziamento econômico do valor do bem; uma depreciação econômica do
valor do bem; para resguardar os interesses do credor hipotecário, o parágrafo único
do artigo 1387 diz: “Se o prédio dominante estiver hipotecado, e a servidão se
mencionar no título hipotecário, será também precisão para a cancelar o
consentimento do credor”.
O CC, então, exige a anuência do credor hipotecário para o cancelamento da servidão
que beneficia o prédio dominante.
Não há dúvida de que este dispositivo se aplica ao artigo 1388, inciso I, que prevê que
se extingue a servidão pela renuncia de seu titular. Se for renuncia do titular, aplicável
a exigência do credor.
Mas, por exemplo: extinção da servidão pelo não uso; tem que ter anuência do credor?
Obvio que não, porque a extinção da servidão pelo não uso está atrelada a função
social da propriedade.
Então, essa exigência de anuência, em muitas situações, deve ser interpretada como
ciência, e não como anuência; é obvio que a extinção da servidão pelo não uso não se
subordina ao consentimento do credor hipotecário.
Pergunta de aluno: Se for entendido como prescrição, poderia o credor interromper o
prazo como terceiro interessado?
R: O problema é que na hipótese de não uso temos uma desnaturação do instituto;
quer dizer, o instituto perde sua essência.
Outra hipótese em que seria inaplicável o artigo 1387, parágrafo único é no caso do
artigo 1388, inciso II. Diz o dispositivo: “Quando tiver cessado para o prédio dominante
a utilidade ou comodidade que determinou a servidão”. Se cessa a comodidade cessa
automaticamente a razão de ser da servidão. Imagine uma servidão de pastagem e o
titular do prédio dominante passa a desenvolver exclusivamente atividade agrícola.
Neste caso não precisaria se esperar o prazo de 10 anos.
Outra hipótese em que não se aplicaria é o artigo 1389, inciso I: “Extingue-se a
servidão pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa”. A servidão aqui
se transforma em serventia.
Usucapio libertatis
Esse instituto não tem previsão no CC/02, mas se encontra previsto no artigo 1574 do
Código Português.
A usucapio libertatis seria o seguinte: temos o prédio dominante e o prédio serviente.
O prédio serviente tem a obrigação de respeitar a servidão do prédio dominante;
suponha que num determinado momento, o titular do prédio serviente se oponha ao
exercício da servidão pelo prédio dominante; não deixa mais o titular do prédio
dominante exercer a servidão de passagem; a partir desse ato de oposição exercido
pelo titular do prédio serviente se iniciaria o prazo para a usucapio libertatis. Ou seja,
a inércia prolongada do titular do prédio dominante geraria a extinção do direito real de
servidão.
É curioso, porque muitos dizem que a usucapio libertatis seria a extinção da servidão
pelo não uso. Mas, na verdade, o próprio Código português desmente isso ao
estabelecer o prazo de 20 anos para o não uso, e o prazo para a usucapio libertatis é
o prazo ordinário da prescrição extintiva. São prazos diferentes, porque o não uso não
pressupõe a oposição do titular do prédio serviente; a usucapio libertatis pressupõe
esse ato de oposição atrelada a inércia do titular do prédio dominante.
E não se confundiria com a usucapião porque esta gera a aquisição do direito, e a
usucapio libertatis gera a desconstituição do direito real de servidão.
Isso parece com supressio e surrectio na seara do direito real de servidão. Inclusive
com a posição do Cristiano Chaves de verso e reverso da mesma moeda.
3) Legal – dos pais em relação aos bens dos filhos – artigo 1689, inciso I do CC
(usufruto dos pais como decorrência do poder familiar); artigo 231, parágrafo segundo
da CRFB – usufruto em favor dos índios. Essas hipóteses de usufruto legal
independem de registro.
Objeto:
Inicialmente devemos lembrar que, evidentemente, pode ser objeto de usufruto não
apenas os bens imóveis, mas também os bens móveis. Sendo que, como já vimos em
aulas anteriores, uma das obrigações do usufrutuário é de manter a substancia do
bem; consequentemente, regra geral, apenas são suscetíveis de usufruto bens
inconsumíveis e infungíveis. Essa é a regra geral.
Uma primeira no artigo 1392, parágrafo primeiro do CC, que diz: “Se, entre os
acessórios e acrescidos, houver coisas consumíveis, terá o usufrutuário o dever de
restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, das outras, o equivalente em gênero,
qualidade e quantidade, ou, não sendo possível, o seu valor, estimado ao tempo da
restituição”. Neste caso entraria como fungíveis e consumíveis apenas os acessórios e
acrescidos ao bem principal.
A questão mais relevante envolve o artigo 1395, que diz: “Quando o usufruto recai em
títulos de crédito, o usufrutuário tem direito a perceber os frutos e a cobrar as
respectivas dívidas”. Este dispositivo contempla o usufruto sobre titulo de crédito.
Através desse instituto, o titular do crédito concede o crédito por ele titularizado em
usufruto a um terceiro, no caso o usufrutuário. O usufrutuário irá se incumbir de cobrar
a divida e aplicar a importância recebida em títulos de mesma natureza ou em títulos
da dívida pública federal.
Não nos esqueçamos de uma outra exceção quanto aos bens infungíveis,
inconsumíveis, quanto a substancia do bem, que é o exemplo do usufruto sobre a
pedreira; neste caso, excepcionalmente, seria possível o usufruto sobre produtos,
abalando a própria substancia do bem; falamos, inclusive, em venire contra factum
proprium.
Direitos do usufrutuário:
Como conseqüência, o usufrutuário dispõe das ações possessórias. Ao lado das ações
possessórias, o usufrutuário também dispõe da chamada ação confessória. Ação
confessória é diferente da possessória, porque àquela tem um caráter nitidamente
petitório. Na verdade, a ação possessória é como que uma extensão, uma projeção, da
tutela reivindicatória do proprietário em favor do usufrutuário. Resumidamente, o
objeto especifico da ação confessório é o usufrutuário utilizá-la para demonstrar e
comprovar o seu direito real de usufruto; na ação confessória não se discute apenas a
posse do bem, mas sim a titularidade do direito real sobre coisa alheia.
Tem um julgado antigo do STJ, Resp 31748. De maneira, talvez um pouco atécnica, o
STJ acolheu tutela reivindicatória movida pelo usufrutuário. O usufrutuário ao invés de
propor ação confessória, propôs ação reivindicatória, e o STJ como que equiparou os
efeitos da tutela reivindicatória aos da ação confessória. Na verdade, o STJ mitigou
essa distinção entre ação confessória e reivindicatória, pois de acordo com a doutrina
a ação reivindicatória se restringiria ao proprietário e o usufrutuário deveria se valer
da ação confessória; o STJ mitigou essa diversidade trazida pela doutrina dizendo que
elas se equiparariam diante do caráter petitório.
R: Em termos práticos, sim. Mas seria um pouco arriscado numa prova mencionar
fungibilidade, porque não há previsão legislativa.
Outra questão importante dentro, ainda, dos direitos do usufrutuário, está no artigo
1393, parte final. Isso traz algumas conseqüências. O artigo 1393 começa falando da
inalienabilidade do usufruto. O usufruto é inalienável. Mas a parte final diz: “... mas o
seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”. Então, o usufrutuário pode
alugar o bem e com o recebimento dos alugueis vai colhendo os frutos.
Por outro lado, é evidente que não há qualquer embaraço a possibilidade de penhora
da nua propriedade por conta de dívidas do nu proprietário. Mas evidentemente se a
penhora recai sobre um bem já objeto de usufruto, o arrematante, exeqüente, terá que
respeitar o usufruto pré constituído. Se, porventura, houver algum tipo de embaraço a
posse do usufrutuário por conta da hasta publica da nua propriedade deverá o
usufrutuário se valer dos embargos de terceiro. Então, sem duvida alguma, cabe a
penhora da nua propriedade desde que não haja nenhum embaraço ao usufrutuário,
caso contrario, caberá embargos de terceiro.
Nesse contexto, merece ser lembrado o artigo 619 do CPC, que diz que o usufrutuário
tem que ser previamente intimado da hasta publica, sob pena de ineficácia relativa da
alienação forçada. Qual o objetivo do artigo 619 do CPC, já que a principio o
usufrutuário não será atingido pela hasta publica já que o arrematante terá que
respeitar o direito real de usufruto previamente constituído? É oportunizar ao
usufrutuário a possibilidade de consolidar o direito de propriedade. É uma disposição
legal que busca a consolidação do direito de propriedade, ou seja, reunião de toda as
faculdades jurídicas nas mãos de um único titular.
R: Sem dúvida. Isso seria determinante até para aplicação ou não do artigo 619 do
CPC.
Uma outra observação diz respeito ao artigo 1401 do CC. Um dos deveres do
usufrutuário é o de prestar caução ao nu proprietário. O nu proprietário pode exigir
caução do usufrutuário. O dever de prestar caução está no artigo 1400. A caução
busca exatamente resguardar o direito do nu proprietário a conservação do bem. O
artigo 1401 prevê a hipótese em que o usufrutuário não quer ou não pode prestar a
caução. Nesse caso, o legislador prevê que a administração dos bens objeto de
usufruto permanece com o nu proprietário, mas este terá que prestar caução ao
usufrutuário, ou seja, o nu proprietário passa a gerir os bens para a percepção dos
frutos, mas terá que prestar caução ao usufrutuário. O CC diz que o nu proprietário
será obrigado a entregar ao usufrutuário os rendimentos do bem, deduzidas as
despesas de administração e a remuneração do nu proprietário pelo ato de
administração. Essa dedução busca evitar enriquecimento sem causa. Na prova de
múltipla escolha o examinador pode dizer que se o usufrutuário não prestar caução cai
por terra o usufruto, mas não é isso que diz o artigo 1401.
O Ricardo Aroni afirma que com essa sistemática acaba se desnaturando o usufruto,
pois é da essência do usufruto que o usufrutuário tenha a administração do bem para
que ele próprio conduz o bem de modo a colher os seus respectivos rendimentos. Esse
mesmo autor afirma que o usufruto impróprio também gera uma desnaturação do
usufruto porque gera a transferência da propriedade, e o nu proprietário acaba
exercendo um direito de ordem pessoal, que é a restituição do valor pecuniário ou de
objeto idêntico.
Extinção do usufruto:
Questão que de vez em quando em prova de múltipla escolha é o artigo 1411. Vale a
pena conjugar o artigo 1410, inciso I com o artigo 1411. No caso de usufruto
simultâneo não se presume o direito de acrescer, ou seja, se se constitui três
usufrutuários sobre um determinado bem, o falecimento de um dos usufrutuários não
gera o direito de acrescer dos demais sobreviventes; ou seja, na medida em que há o
falecimento de cada um dos usufrutuários haverá extinção parcial do usufruto. É isso
que diz o artigo 1411. Essa regra é uma presunção relativa; quer dizer, no silencio do
ato constitutivo do usufruto, o falecimento de um dos usufrutuários extingue
parcialmente o usufruto, mas nada impede que haja estipulação em contrário. Esse
artigo 1411 é excepcionado pelo artigo 1946. O artigo 1946 tratando especificamente
de usufruto estabelecido em testamento presume o direito de acrescer.
Pergunta de aluno: esta regra se aplica apenas para as locações que tem aplicação a
lei 8245 ou para as demais também?
A cláusula de vigência, ainda que averbada no RGI, não tem o condão de afastar o
artigo 7º, porque a clausula de vigência produz oponibilidade erga omnes em relação a
situações subseqüentes. Ou seja, se um terceiro vier a adquirir a propriedade do
imóvel depois do contrato de locação averbada no registro terá que respeitar a
locação; mas na hipótese em tela tem-se uma nua propriedade preexistente ao
contrato de locação celebrado; então, a simples averbação da clausula de vigência não
tem o condão de resguardar o locatário quanto aos efeitos do artigo 7º.
R: Sim, que vinculam situações juridicas posteriores. Essa oponibilidade erga omnes
do artigo 8º produz efeitos ex nunc, e não ex tunc.
Outra questão que pode gerar certa dúvida, em especial na prova oral, é a seguinte: o
inciso II prevê extinção do usufruto pelo termo de sua duração. A ponderação simples
é que apesar do silencio do código, nada impede a extinção do usufruto pelo
implemento de condição resolutiva. Vale a pena ressaltar isso, porque o artigo 1410
prevê extinção pela morte do usufrutuário e outras hipóteses, mas apenas prevê no
inciso II a hipótese de termos, não falando nada sobre a hipótese de condição, mas
obviamente pelo principio da autonomia privada nada impede o usufruto sob a
condição resolutiva. Se não houver o implemento da condição resolutiva, o usufruto se
extinguirá com a morte do usufrutuário.
Uma primeira linha de entendimento defende que o prazo é de dez anos. A solução
viria por analogia do artigo 1389, inciso III. Um outro fundamento para sustentar o
prazo de dez anos é o seguinte: discutimos a natureza jurídica do prazo de dez anos
previsto no artigo 1389, inciso III; uns diziam que teria natureza prescricional, outros
decadencial, e outros defendem que teriam natureza sui generis. A tese que defende a
natureza prescricional do prazo sustenta a aplicação do prazo ordinário de dez anos –
artigo 205. Então, numa primeira linha de entendimento o prazo seria de dez anos seja
por analogia, seja pela aplicação do artigo 205 que prevê o prazo ordinário da
prescrição.
Contra esse entendimento, temos o enunciado 252 do CJF, que diz: “A extinção do
usufruto pelo não uso, de que trata o artigo 1410, inciso VIII, independe do prazo
previsto no artigo 1389, inciso III, operando-se imediatamente, tem-se por
desatendida, neste caso, a função social do instituto”. Quer dizer, o enunciado sem
delimitar um prazo especificado ressalta que não é preciso aguardar o transcurso do
prazo de dez anos; é indispensável que fique caracterizado, no caso concreto, a
inobservância da função social do usufruto.
Pergunta de aluno: Seria justificável criticar essa segunda corrente dizendo que o
próprio instituto protege a função social quando estipula a idéia de um prazo para o
exercício do usufruto e também argumentar que a própria função social depende de um
prazo para ser exercida?
R: Sem dúvida que o enunciado 252 quando fala em “opera-se imediatamente” deve
ser interpretado com cautela porque evidentemente que a possibilidade de otimizar a
função social deve ser analisada no caso concreto; até mesmo nas questões agrárias,
ou seja, se há um usufruto sobre uma vasta área de terra talvez é preciso que se
aguarde um período razoável de tempo para que se viabilize a exploração econômica
do bem. Talvez a melhor interpretação do enunciado seja não se contentar com a
rigidez do prazo de dez anos. Sem duvida o enunciado traz uma dose indiscutível de
insegurança jurídica.
Aspectos gerais:
Características gerais:
Artigo 1420 – Só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em
anticrese; só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese
ou hipoteca.
Sem duvida alguma a criação de um direito real em garantia pode conduzir a alienação
do bem objeto da garantia real, notadamente no caso de inadimplemento. Por razões
óbvias, o artigo 1420 exige a capacidade para alienar daquele que oferece o direito
real em garantia. Então, por exemplo, um menor pode oferecer um direito real em
garantia sobre bem que titulariza se obedecidos os requisitos legais para alienação –
autorização judicial, intervenção do MP, etc; a mesma coisa em relação ao cônjuge –
outorga do outro.
Questão importante diz respeito ao seguinte: se por um lado se exige a capacidade
para alienar, obviamente se exige que o objeto da garantia real seja também suscetível
de alienação; quer dizer, objetos inalienáveis não podem ser objeto de garantia real.
Daí surge a questão da concessão a non domino de garantia real. Regra geral se
alguém oferece em penhor um automóvel furtado, obviamente que esse penhor não
produzirá efeitos; só não nos esqueçamos do artigo 1268, que se encaixa no artigo
1420 (artigo 1268 – hipótese em que alguém que adquire um bem móvel a non domino
em leilão ou em estabelecimento comercial; hipótese em que a alienação a non domino
transfere a propriedade pela teoria da aparência). Quer dizer é possível que àquele
que ofereça o automóvel em penhor tenha adquirido esse automóvel furtado em
estabelecimento comercial, em situações que fizessem presumir que o alienante era
dono; ou seja, aplicando o artigo 1268 essa alienação a non domino irá transferir a
propriedade e, consequentemente, àquele penhor de automóvel furtado produzirá
efeitos. Essa regra se restringe a bens moveis e, portanto não se aplica ao caso de
hipoteca. Pode até se aplicar em caso de hipoteca no caso de navios e aeronaves.
Sendo que vimos a história da pós eficacização. A pós eficacização da garantia real
consta do parágrafo primeiro do artigo 1420. A pós eficacização da garantia real seria
a hipótese em que aquele que oferece a garantia real não é dono quando oferece a
garantia, mas posteriormente se torna proprietário do bem. Quer dizer, a aquisição
superveniente da propriedade gera a pos eficacização da concessão a non domino da
garantia real. Remissão do parágrafo primeiro do artigo 1420 para o parágrafo primeiro
do artigo 1268, que prevê a pos eficacização da propriedade sobre bens moveis.
Artigo 1420, parágrafo segundo – prevê a hipótese de direito real em garantia sobre
bem objeto de condomínio. A literalidade do parágrafo segundo não deixa muita
duvida, pelo seguinte: se há três condôminos, cada um deles titulariza a sua respectiva
cota ideal; obviamente que cada um dos condôminos só pode oferecer em garantia a
sua respectiva cota, sob pena de concessão a non domino da garantia real. O que vale
a pena registrar é que esse dispositivo precisa ser interpretado em harmonia com o
artigo 504 do CC, que prevê o direito de preferência de um condômino para adquirir a
cota dos demais. Então, numa interpretação conjunta, podemos afirmar que cada um
dos condôminos pode oferecer a sua cota como garantia real, mas na hipótese de
inadimplemento da cota a excussão judicial pressupõe a intimação dos demais
condôminos para oportunizar a estes o exercício do direito de preferência. Se não
houver a oportunização do direito de preferência, o arrematante da cota passa a ter
propriedade resolúvel porque o condômino preterido pode exercer pretensão real em
face do arrematante – artigo 504 CC.
É preciso tomar cuidado com o mix legislativo que se desenvolveu sobre o tema.
Temos sobre o tema, basicamente, três situações diferentes.
Por outro lado, temos a lei 4728/65, que trata basicamente da propriedade fiduciária no
âmbito do sistema financeiro nacional; quer dizer sob a égide desta lei temos credores
fiduciários integrantes do sistema financeiro nacional; essa legislação sofreu uma
alteração legislativa extremamente relevante; o dispositivo que trata, originariamente,
da alienação fiduciária nesta regra, era o artigo 66 da lei 4728 (essa lei é genérica que
disciplina todo o mercado de capitais); mas este dispositivo 66, tal qual
originariamente concebido, foi revogado pela lei 10931; essa legislação acabou
revogando o artigo 66 e o artigo 66-A, e agora temos o artigo 66-B, que trata sobre o
tema. Resumidamente, tem duas modificações extremamente importantes: a) a
primeira é que o parágrafo terceiro desse artigo 66-B passa a contemplar alienação
fiduciária sobre bem fungível (artigo 66-B, parágrafo terceiro: “É admitida a alienação
fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas moveis, bem
como de títulos de credito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse
direta, e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária é atribuída ao credor”; como
estamos diante de bens fungíveis haverá a transferência da posse direta e indireta ao
credor fiduciária; é uma exceção a regra geral do desmembramento possessório. B)
outra observação importante é que o artigo 66-B, caput, passa a contemplar alienação
fiduciária para garantia de créditos fiscais e previdenciários.
Temos uma terceira manifestação legislativa do instituto na lei 9514/97, que trata
especificamente de propriedade fiduciária sobre bens imóveis.
A disciplina do instituto, portanto, depende do bem sobre o qual recaia.
Isso que acabamos de ver consta do artigo 1368-A do CC, que diz, a grosso modo, que
as disposições do CC não afastam a incidência de legislação especifica sobre o tema;
e o CC só se aplica as legislações especificas no que for compatível. Sistema da
especialidade.
Forma do Contrato:
Controvérsia.
Há autores que defendem que essa expressão “ou” deve ser entendida como “e”. Ou
seja, para alguns autores a alienação fiduciária envolvendo veículos automotores, que
é aplicada largamente na prática, deve ser averbada não apenas no DETRAN, mas
também no registro de títulos e documentos. Fundamentos: a) Artigo 236 CRFB –
afirma que os serviços notariais e de registros são exercidos em caráter privado, por
delegação do poder público; então, o DETRAN não teria atribuição para estabelecer
uma garantia real; b) Artigo 129, número 5 da lei 6015/73 permanece em vigor; esse
dispositivo prevê a necessidade de averbação da alienação fiduciária de automóveis
no registro de títulos e documentos; como o CC não revogou explicitamente o
dispositivo, permaneceria ele em vigor; c) Artigo 1462, por analogia; esse artigo trata
especificamente do penhor de veículos; situação parecida, sem dúvida, porque o
penhor envolve garantia real; o artigo 1462 exige para o penhor do veiculo o registro
não apenas no cartório de títulos e documentos, mas também no certificado de
propriedade; d) A garantia real surge da averbação no cartório de títulos e
documentos; a exigência do CC quanto a averbação no DETRAN busca apenas
proteger terceiros de boa fé; se invoca neste sentido, por analogia, a súmula 92 do
STJ; diz a sumula: “A terceiro de boa fé não é oponível a alienação fiduciária não
anotada no certificado de registro de veiculo automotor”. Essa posição é defendida,
dentre outros, pelo Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald, Marco Aurélio
Mello.
Esta posição não foi recentemente adotada pelo STJ.
O STJ enfrentou o tema no informativo 350, RESP 686932, Relator: Ministro Luiz Fux.
O Fux usou a própria sumula 92 do STJ para decidir em sentido contrário. A sumula 92
do STJ diz que não é oponível a terceiro de boa fé a alienação fiduciária não averbada
junto ao DETRAN. O Fux ressaltou que a própria sumula ressalta que o DETRAN é o
instrumento mais adequado a conferir oponibilidade erga omnes, que é inerente ao
direito real em garantia, e por isso o CC usa a expressão “ou”; portanto, teria o CC
acertado porque o registro no DETRAN é que seria o instrumento adequado a proteção
de terceiro de boa fé e, consequentemente, o registro no DETRAN seria indispensável
para a oponibilidade erga omnes, que é inerente ao direito real em garantia. Além da
sumula 92 do STJ, nos artigos 122 a 124 da lei 9503/97 não se exige o registro do
contrato para expedição do certificado do registro do veiculo; quer dizer, a legislação
especifica não exige o prévio registro no cartório de títulos e documentos. Nesse
contexto do STJ, se a alienação fiduciária não é averbada junto ao DETRAN, o terceiro
de boa fé pode se valer de embargos de terceiro caso o credor fiduciário venha a
pleitear busca e apreensão do bem, porque, na verdade, a ausência de registro inibe a
oponibilidade erga omnes e o surgimento do direito real. Ou seja, a não averbação da
alienação fiduciária junto ao DETRAN propicia ao terceiro adquirente de boa fé
embargos de terceiro no caso de busca e apreensão movida pelo credor fiduciário.
Neste contexto do STJ, na medida em que o terceiro de boa fé dispõe de embargos de
terceiro, não haverá evicção.
O que o STJ ressaltou é que o CC andou bem ao exigir, especificamente para veículos,
o registro no DETRAN, porque, na verdade, quando se busca alguma informação sobre
veículos automotores, o órgão procurado é sempre o DETRAN. Haveria uma regra
especifica em relação a veículos automotores. A regra geral seria o cartório de registro
de documentos.
Características gerais :
R: Há quem diga que ela seria uma subespécie de propriedade resolúvel porque está
sujeita a uma condição resolutiva. Numa prova, segundo o professor, seria
interessante se posicionar no sentido de que a propriedade fiduciária seria uma
espécie de propriedade resolúvel por se sujeitar a uma condição resolutiva, conforme
estabelece o artigo 1359, mas se diferiria deste instituto porque é uma propriedade
despida das faculdades jurídicas inerentes ao domínio.
Uma questão interessante sobre o tema é trazida pelo Cristiano Chaves de Faria e o
Nelson Rosenvald: a grosso modo, no patrimônio de afetação temos determinado(s)
bens que são tratados de maneira separada dos demais bens integrantes do
patrimônio, imune as vicissitudes desses demais bens; esses autores defendem que a
propriedade fiduciária é uma manifestação clara da teoria do patrimônio de afetação.
Isso é interessante porque a uma que parece vir em harmonia com a lógica de que a
propriedade fiduciária é uma propriedade desnudada, pois parte da idéia de que o
único objetivo da propriedade fiduciária é a garantia, por isso seria um bem integrante
a parte do patrimônio do credor; um efeito prático interessante é o seguinte: o bem
integrante da propriedade fiduciária não responde por dividas do credor fiduciário, ou
seja, o bem integrante da propriedade fiduciária é impenhorável por divida do credor
fiduciário; o que vimos agora pouco é que o bem é impenhorável por divida do devedor
fiduciente porque integra ao patrimônio do fiduciário; regra geral, se ele integra o
patrimônio do fiduciário, em tese, responderia por eventuais dividas do credor
fiduciário, mas se entende que não, porque na verdade isso abalaria a legitima
expectativa do credor fiduciante; na verdade, àquela titularidade busca apenas a
garantia; por isso, àquele bem integrante da propriedade fiduciária seria um patrimônio
de afetação por não responder por dividas do credor fiduciário; se integrasse o
patrimônio geral responderia por eventuais dividas daquele credor. Tudo isso – teoria
do patrimônio de afetação, penhora ou não por dividas do credor ou do devedor – vem
em sintonia com a noção de negocio fiduciário.
Poderia haver, na verdade, sem duvida uma própria violação ao direito de propriedade
sem qualquer controle prévio.
Tem uma sumula do TJRJ, número 75, no sentido de que basta o A.R. entregue no
endereço. A defensoria vai se insurgir contra isso dizendo que é preciso que haja
ciência inequívoca do devedor, e a simples entrega no entrega no endereço não
comprova a ciência do devedor.
Tem uma sumula do STJ, número 245, dizendo que a notificação, que busca comprovar
a mora para fins de busca e apreensão, não precisa conter o valor do débito.
Outra alteração que merece ser lembrada é a seguinte: até a algum tempo atrás se
exigia para purgação da mora do devedor que houvesse o pagamento de ao menos
40% das prestações; essa exigência foi aniquilada do ordenamento jurídico brasileiro;
essa exigência não mais consta do artigo 3º do DL 911, portanto, caiu por terra a
sumula 184 do STJ. Percebam que essa mudança legislativa parece vir em
consonância, não apenas com a função social do contrato, mas, principalmente, com o
principio da conservação dos contratos.
Situação curiosa é a seguinte: artigo 3º, parágrafo primeiro do DL 911. essa regra é
curiosa e traz um caráter protetivo para o credor. O dispositivo diz que, depois de
cumprida a liminar da busca e apreensão, se o devedor não efetua o pagamento em 5
dias se consolida a propriedade em favor do credor fiduciário. Isso é curiosíssimo, e
criticado por alguns – em especial pela Defensoria – porque haveria a consolidação da
propriedade em mãos do credor antes da sentença, antes mesmo da consumação do
prazo para resposta do devedor (que é de 15 dias, contados da execução da liminar).
O Arnaldo Rizzardo traz criticas a essa norma. Porém os defensores da regra buscam
ressaltar que a legislação busca oferecer maiors garantias ao credor fiduciária e
busca, também, minimizar eventuais despesas - que eram usualmente suportadas
pelos credores – quanto a administração e gestão dos bens; quer dizer, com essa
consolidação da propriedade se permite que o credor possa alienar automaticamente o
bem a terceiro.
Sem duvida parece que a regra tenha sido inserida por loby das instituições
financeiras.
Outra questão importante é a seguinte: como já vimos, no caso de inadimplemento a
venda por ser judicial ou extrajudicial, no caso de alienação fiduciária; o artigo 5º do
DL 911 conferiu ao contrato de alienação fiduciária a força de título executivo. Diz o
artigo 5º o seguinte: “Se o credor preferir recorrer a ação executiva, ou se for o caso
ao executivo fiscal, serão penhorados, a critério do autor da ação, bens do devedor
quantos bastem para assegurar a execução”. Quer dizer, ao credor fiduciário não é
obrigado exigir a busca e apreensão; ao invés de optar pela busca e apreensão pode
ele se valer da via executiva, portanto, o legislador atribui a alienação fiduciária força
de titulo executivo. Ocorre que o STJ já afirmou que, no caso de venda extrajudicial,
se o montante apurado com a alienação for insuficiente restará ao credor a via
cognitiva para a cobrança do saldo remanescente.
O STJ adota um meio termo neste caso. RESP 140894 e RESP 254408. O STJ entende
que o fiador responde se foi previamente cientificado da alienação. Isto porque se ele
tomou previa ciência da alienação o fiador teve a oportunidade de efetuar o pagamento
da dividia, inclusive como terceiro interessado, e resguardar a subrogação. Embora o
STJ não diga, mas dá para fazer uma conexão com o dever anexo de informação
oriundo da boa fé objetiva.
AULA 30
*Saíram três sumulas novas do STJ no que tange a matéria de direito civil: 379 a 381.
A sumula 379 trata dos juros moratórios; vimos que havia a discussão sobre a
aplicação do CTN ou da taxa SELIC, e havia julgado da Corte Especial recomendando
a aplicação da SELIC; e a sumula 379 diz que os contratos bancários que não regidos
por legislação especial, os juros moratórios aplicáveis são de 1% ao mês; então, na
verdade, essa sumula acabou encampando a aplicação do CTN.
A sumula 380 diz que a simples propositura de ação revisional não inibe a
caracterização da mora por parte do credor; o STJ há muito já vinha mencionando que
seria necessário a plausibilidade do direito, o deposito do valor que o valor entende
adequada, enfim.
A sumula 381 diz que, nos contratos bancários, o juiz não pode declarar de oficio a
abusividade das cláusulas.
CONTRATOS EM ESPÉCIE
COMPRA E VENDA
O artigo 486 prevê a fixação do preço a luz de taxa do mercado ou de bolsa. E o artigo 487 prevê a
fixação do preço a luz de índice ou parâmetros.
Enfim, a regra geral é a da liberdade. O importante é a exceção.
E a exceção consta do artigo 489, que diz: “Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao
arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço”. É imperiosa a remissão do referido dispositivo
para o artigo 122, parte final (remissão recíproca), porque o que justifica essa nulidade do artigo 489 –
que é uma exceção a autonomia privada quanto a fixação do preço – é que essa clausula
corresponderia a uma condição meramente potestativa, que é vedada pelo artigo 122, parte final.
g) Consenso
Artigo 496 – “É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o
cônjuge do alienante expressamente houverem consentido”.
Parágrafo único – Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens
for o da separação obrigatória”.
Tem duas alterações flagrantes no caput.
A primeira é que o CC/02 começa dizendo que a venda é anulável; a hipótese é de anulabilidade. O
CC/16 não era claro; apenas proibia, mas não se posicionava expressamente se a hipótese era de
nulidade ou anulabilidade; antes de 1988, o tema era enfrentado pelo STF, que editou a sumula 494,
onde diz que o prazo para invalidar essa compra e venda era de 20 anos; ao editar esta sumula, o STF
se posicionou no sentido de que essa compra e venda gerava nulidade absoluta (lembrando que à
época as nulidades absolutas prescreviam no prazo ordinário – entendimento predominante da doutrina
e da jurisprudência). O STJ, pós CRFB 1988, já vinha alterado esse entendimento, se posicionando pela
anulabilidade, notadamente porque a matéria não envolve matéria de ordem publica, mas sim interesse
particular, patrimonial. O CC/02, ao explicitamente se posicionar pela anulabilidade, sepulta de maneira
definitiva a sumula 494. (Cuidado que vários códigos ainda mantém a remissão para esta sumula). O
prazo, então, será de dois anos, conforme artigo 179 do CC. Esse entendimento pela aplicação do
artigo 179 ao artigo 496 consta no enunciado 368 do CJF.
Pergunta de aluno: Como fica a questão intertemporal?
R: A questão talvez não seja tão grave quanto da simulação, que era expressamente causa de
anulabilidade e passou a ser causa de nulidade absoluta, porque o STJ já vinha se posicionando pela
anulabilidade. De qualquer modo, a questão do direito intertemporal em sede de validade se submete ao
artigo 2035 do CC. O artigo 2035 adota a teoria da retroatividade mínima (eficácia imediata da norma –
as normas sobre validade do CC/02 entrem imediatamente em vigor apenas em relação as situações
fáticas supervenientes; os contratos firmados anteriormente continuam a se submeter a sistemática do
CC anterior.
Pergunta de aluno: o prazo de dois anos inicia-se com a celebração do negócio ou com a ciência dos
interessados?
R: O artigo 179 diz que o prazo de dois anos se conta da data da conclusão do ato; então, a principio,
para o professor o prazo iniciar-se-ia não a partir da celebração do contrato, necessariamente – porque
se envolver imóvel seria a partir do registro, pois a partir deste surge a presunção absoluta de
conhecimento, e poderíamos afirmar que a compra e venda de imóvel é um ato complexo que só se
perfectibiliza a partir do registro, pois o contrato por si só não transfere a propriedade. A principio, a
resposta seria essa: artigo 179 – celebração do ato, mas se envolver compra e venda a partir do
registro.
Mas há um problema aqui que é o artigo 1649 que diz: “A falta de autorização, não suprida pelo juiz,
quando necessária (art. 1647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a
anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal”. Sendo que esta regra do artigo
1649, explicitamente, se dirige as hipóteses do artigo 1647; e este, no inciso I, prevê a alienação de
bens imóveis, ou seja, não pode um cônjuge alienar um bem imóvel sem o consentimento do outro.
Segundo o professor, se envolver bem imóvel passa a ser, no mínimo, sustentável a aplicação do
computo do prazo a luz do artigo 1649; se for móvel, indiscutivelmente, vai para o artigo 179. Tem
importância pratica porque o artigo 1649 fala em até dois anos depois de terminada a sociedade
conjugal. Pode ser um argumento útil para afastar o artigo 179 em detrimento do artigo 1649; a
alegação seria o sistema da especialidade: o artigo 1649 seria especial em relação ao artigo 179,
restringindo-se, contudo, a bens imóveis.
A outra modificação flagrante é que o legislador passou a exigir o consentimento não apenas dos outros
descendentes, mas também do cônjuge do alienante, salvo se o regime for de separação obrigatória.
E no caso de união estável? Quando temos uma regra sobre cônjuge e se indaga sobre companheiro,
normalmente, vamos no artigo 226, parágrafo terceiro, da CRFB e sustentamos a equiparação. Mas no
caso do artigo em tela temos que investigar o que levou o legislador a passar a exigir o consentimento
do cônjuge e, sem duvida alguma, foi o fato do cônjuge estar elencado no CC atual como herdeiro
necessário. A premissa, então, para enfrentar a questão é saber se o companheiro é, ou não, herdeiro
necessário; se o for, sem duvida alguma, justificável a aplicação extensiva da norma; caso contrário, a
ratio legis não seria a mesma. Tem duas posições sobre o tema:
1C) A primeira corrente defende que não, com base no artigo 1845, que diz: “São herdeiros necessários
os ascendentes, descendentes e o cônjuge”, ou seja, o dispositivo elenca os herdeiros necessário e
nesse rol não traz a figura do companheiro.
2C) Se posiciona em sentido oposto, no sentido de que o companheiro é herdeiro necessário.
Argumentos: a) redação imperativa do artigo 1790, que diz: “A companheira ou companheiro participará
da sucessão do outro”. A expressão “participará”, sem duvida, denota cogencia; e a cogência na
participação é qualidade inerente do herdeiro necessário, que não pode se afastar pela via
testamentária; b) artigo 1850, que diz: “Para excluir da sucessão os herdeiros colaterais basta que o
testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar”; quer dizer, o referido dispositivo prevê apenas
a exclusão dos colaterais, e não do companheiro; c) Artigo 226, parágrafo terceiro da CRFB
Pergunta de aluno: inaudível.
R: O colateral, flagrantemente, também não é herdeiro necessário, pois não consta do artigo 1845. o
CC/02 é absolutamente contraditório. O CC/02 foi feito em 1975, quando não existia a união estável; e
inseriu o artigo 1790 que, inclusive, topograficamente não faz nenhum sentido estar onde se encontra; e
esqueceu de revisitar todo o CC. Há uma flagrante incompatibilidade entre o artigo 1845 e o artigo 1850;
o legislador foi lacunoso.
Numa perspectiva civil-constitucional (Gustavo Tepedino) defende a segunda posição, ou seja, de que o
companheiro seria herdeiro necessário.
O fato é que se entendermos que o companheiro é herdeiro necessário seria necessário sua anuência;
se entendermos que não, seria indispensável sua anuência.
Outro aspecto importante é o seguinte: o CC/02 exige o consentimento dos outros descendentes. Que
outros descendentes são esses? São todos aqueles com expectativa sucessória imediata. Isso ganha
relevância no caso de sucessão por estirpe (hipótese do pré morto), porque se houver sucessão por
estirpe é possível que um descendente de segundo grau venha a ter direitos sucessórios ao lado de
outros descendentes de primeiro grau; então, o sucessor por estirpe tem que anuir ao lados dos outros
sucessores de primeiro grau.
Em relação a forma dessa anuência é interessante a remissão para o artigo 220 do CC, que diz: “A
anuência ou autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que
este, e constará, sempre que se possa, do próprio instrumento”. Então, se a hipótese é de compra e
venda de imóvel por instrumento público, a anuência também virá por instrumento publico. Cuidado com
a hipótese de conversão, pois é possível que haja uma compra e venda de imóvel por instrumento
particular e anuência por instrumento particular; a compra e venda do imóvel por instrumento particular
pode ser convertida em promessa de compra e venda e, com a conversão, aquela anuência por
instrumento particular se torna valida; ou seja, a conversão vai não apenas aproveitar a compra e
venda, se transmudando para o compromisso, mas propiciará também o aproveitamento da anuência do
terceiro por instrumento particular.
Pergunta de aluno: a assinatura por testemunha ... (48:30)
R: Ao professor parece que não, porque o artigo 220 preve expressamente a forma do ato. No direito
brasileiro vige o principio da instrumentalidade, liberdade das formas. Mas talvez dê para alegar o
seguinte: tem uma tese dos portugueses que é a questão da inalegabilidade das nulidades formais, ou
seja, suponha que A celebre um contrato com B, e A dá causa a nulidade formal do negocio jurídico;
apesar da nulidade formal gerar a nulidade absoluta, os portugueses defendem a mitigação da solução
tradicional da nulidade por conta da venire contra factum proprium, ou seja, aquele que deu causa a
invalidade formal não pode suscitar a invalidação do negocio jurídico; seria uma mitigação da solução da
nulidade absoluta por conta da boa fé objetiva; isso não colou muito no Brasil. Vimos, inclusive, em
aulas anteriores o enunciado que fala da simulação, no sentido de que como a simulação gera nulidade
absoluta pode uma das partes suscitá-la contra a outra, porque a nulidade absoluta atinge interesse
publico; esse enunciado vai contra, a principio, a lógica da inalegabilidade das nulidades formais; mas
não deixa de ser uma tese sustentável a luz da venire, visto que esta também é matéria de ordem
publica, buscando a proteção da confiança e, numa ponderação do interesse publico entre a nulidade e
a venire, neste caso, o regime das nulidades comportaria uma exceção.
Outro ponto importante é o seguinte: o parágrafo único do artigo 496 diz: “Em ambos os casos,
dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime for de separação obrigatória”. Que casos são
esses? Não existe. O caput só vale da anulabilidade de venda de ascendente para descendente. Houve
um equivoco na tramitação do projeto; na origem, a redação do caput contemplava anulabilidade não
apenas de venda de ascendente para descendente, mas também de descendente para ascendente. A
segunda hipótese foi suprida da redação e esqueceram de alterar o parágrafo único. Enunciado 177 do
CJF.
Por que há essa vedação legal de alienação de bens de ascendente para descendente?
R: Há um interesse patrimonial, evidentemente. Mas, na verdade, o objetivo primordial da exigência
desse consentimento é evitar a simulação, porque seria possível, em tese, que o ascendente celebrasse
uma suposta compra e venda com um dos descendentes que tenha por objetivo esconder a doação;
tanto isso é verdade, e que se as partes celebram doação “as escancaras” não exige consentimento do
cônjuge ou demais descendentes (nesse caso será aplicável o artigo 544 – adiantamento de legitima).
Pergunta de aluno: O Capanema fala que um dos objetivos é também resguardar o direito real de
habitação, e assim sendo, o consentimento deve ser exigido do companheiro também.
R: É justificável também este argumento, mas talvez isso não seja decisivo para fins de argumentação
por conta da sistemática própria da doação, ou seja, na doação pode haver o abalo ao direito de
habitação. Talvez, por via reflexa, esse seja um argumento interessante para a extensão da
necessidade de consentimento por parte do companheiro.
Artigo 503 – “Nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma não autoriza a rejeição de
todas”.
Esse dispositivo nos remete diretamente a sistemática dos vícios redibitórios.
Sem dúvida alguma, o artigo 503 vem em sintonia com o principio da conservação dos contratos.
Dependendo do contexto da situação fática, dá para falar, inclusive, em teoria do adimplemento
substancial.
Mas este artigo 503 traz presunção relativa. Quando vimos vicio redibitório chegamos a mencionar que
o adquirente comprove por A+B que o defeito de um bem compromete a destinado do todo. O exemplo
normalmente mencionado envolve a questão do colecionador em serie, ou seja, é possível que o vicio
em uma única obra integrante da coleção comprometa a destinação do todo. Então, sem duvida alguma
o artigo 503 estabelece presunção relativa. Essa ótica da presunção relativa acaba reforçando a
influencia teoria do adimplemento substancial, pois é possível que o adquirente demonstre que apesar
do defeito envolver um bem, este defeito é substancial.
O artigo 504 prevê o direito de preferência do condômino. Tem uma ligeira controvérsia envolvendo a
primeira parte do artigo 504.
Diz o dispositivo: “Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro
consorte a quiser, tanto por tanto (...)”.
A literalidade do dispositivo só comporta direito de preferência na hipótese de coisa indivisível. A duvida
é: e se o bem for divisível? A tendência de posição, inclusive do STJ, é no sentido de se aplicar o artigo
504 ainda que se trata de bem divisível. Isso parece ir contra o preceito legal. O argumento para
defender esta posição é o seguinte: o artigo 504 prevê alienação de cota ideal, ou seja, se um dos
condôminos quiser alienar sua cota ideal a terceiros, os demais terão direito de preferência; a cota ideal
se espraia por todo o bem, vale para todo o bem; a cota ideal por si só é indivisível, ainda que recaia
sobre um bem divisível. Então, na verdade, como a própria cota ideal é essencialmente um bem
indivisível a alienação de cota ideal se submete ao artigo 504, ainda que a coisa seja divisível. Neste
sentido o RESP 489860 e RESP 9934. Há julgados antigos em sentido contrário, por exemplo RESP
109787, 60656; a tese contrário vai pela literalidade do dispositivo legal.
Um outro detalhe (mais para prova de múltipla escolha ou para prática) é que houve uma pequena
alteração na segunda parte do artigo 504, que prevê o prazo para o exercício do direito de preferência.
O legislador anterior falava em 6 (seis) meses; o legislador atual fala em 180 dias. Parece a mesma
coisa, mas não é. O computo em meses se dá sempre no dia correspondente ao mês subseqüente, e o
prazo de 180 dias se conta necessariamente (não necessariamente o prazo que se inicia no 05 de
janeiro irá vencer no dia 05 de junho, no caso de prazo contado em dias).
O condômino preterido tem pretensão de natureza real. O artigo 504 prevê explicitamente a pretensão
do condômino preterido como sendo de natureza real; ou seja, o condômino preterido, dentro desse
prazo, pode exigir o bem em face de terceiro.
Fizemos, inclusive, uma comparação entre o direito de preferência do condômino com o direito de
preferência do locatário, que está no artigo 33 da lei de locações. Como já visto, o locatário preterido só
tem direito a perdas e danos, salvo se o contrato houver sido registrado com prazo de antecedência de
trinta dias, pois neste caso o contrato de locação passa a ter eficácia real; e a pretensão do condomínio
preterido decorre da oponibilidade erga omnes do direito real.
Para o entendimento predominante na doutrina, esse artigo 504 se aplica, por analogia, ao direito de
preferência no caso de superfície, vez que o legislador contempla o direito de preferência no caso de
superfície sem sistematizar seus efeitos; como o direito de superfície também representa um direito real,
a hipótese mais parecida seria a do artigo 504, portanto o dispositivo seria aplicado por analogia.
Como um reflexo processual desse direito de preferência, o STJ tem alguns julgados exigindo a
intimação dos demais condomínios para a hasta publica de cota ideal. Essa previa intimação se impõe
justamente para oportunizar os demais condôminos o exercício do direito de preferência. Neste sentido,
RESP 229247.
Outra observação é a seguinte: tem um julgado do STJ, RESP 198516, afirmando que o exercício do
direito de preferência pode ser exercido a partir da celebração do contrato de compra e venda da cota
ideal; ou seja, o exercício do direito de preferência não pressupõe o registro do contrato. Talvez, numa
interpretação mais rigorosa, alguns pudesse sustentar que apenas com o registro seria exercitado o
direito de preferência, porque este possui natureza constitutiva - ou seja, apenas com o registro se tem
a transferência da cota ideal. Mas o STJ entende que não; entende o STJ que a partir da celebração do
contrato já seria exercitável o direito de preferência.
Uma outra observação é em relação ao parágrafo único do artigo 504. Diz o dispositivo: “Sendo muitos
os condôminos, preferirá o que tiver benfeitoria de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão
maior (...)”. O que justifica esse critério de quinhão maior?
O condomínio é uma fonte interminável de litígios. Então, o legislador a todo o momento busca
estabelecer regras de facilitação para extinção do condomínio; e o exercício de preferência pelo
condômino de maior quinhão potencializa a extinção futura o condomínio. O artigo 504, parágrafo único,
quando estabelece a preferência para o condômino de maior quinhão vem dentro da perspectiva de
extinção do condomínio.
O artigo 500 do CC prevê a compra e venda ad corpus x ad mensuram. A questão se restringe a bens
imóveis. Na compra e venda ad mensuram a extensão do imóvel é determinante a fixação do preço.
Diversamente do que ocorre com a compra e venda ad corpus.
Especificamente na compra e venda ad mensuram – e normalmente compra e venda de imóveis são
desta espécie – o artigo 500 trata basicamente da hipótese em que a extensão enunciado no contrato
não corresponde a extensão efetiva do bem. Neste caso, se a extensão anunciado no contrato é maior
do que a extensão efetiva do bem resta ao comprador a invocação da actio ex empto; e
sucessivamente, actio reddhibitoria ou actio quanti minoris. ATENÇÃO: é praxe em provas objetivas o
examinador colocar todos esses pedidos como se fossem alternativos, e não são. A actio ex empto é a
ação pela qual o comprador busca a complementação da área, e o artigo 500 é claro em afirmar que
resta ao comprador exigir o complemento da área. Se não for possível o complemento da área poderá
optar pela actio reddhibitoria ou actio quanti minoris. Na verdade, ele não tem três pedidos alteranativos.
O pedido adequado é a actio ex emptio, e sucessivamente a actio reddhibitoria ou actio quanti minoris.
Artigo 500 – Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar
a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dada, o comprador
terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do
contrato ou abatimento proporcional ao preço.
Há uma hipótese que é novidade sobre o tema. E se ao invés da medida real ser inferior, for maior? Ou
seja, e na hipótese em que a extensão real do imóvel é maior do que aquela anunciada no contrato?
O CC/16 como era omisso, fazia com que a doutrina afirmasse que o problema seria do vendedor, isto
porque o erro do vendedor seria inescusável. No CC/02, a questão é tratada no parágrafo segundo do
artigo 500, que diz: “Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para
ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor
correspondente ao preço ou devolver o excesso”.
Quando o legislador exige que o vendedor tenha motivos para ignorar a medida exata da área vendida,
está exigindo que o erro do vendedor seja escusável.
Quem tiver pensando em PGE e PGM, pode sustentar o seguinte (posição exclusivamente do
Tepedino): o erro agora tem que ser perceptível ao outro contratante; tem enunciado dizendo que basta
que haja a perceptibilidade, não mais se exige a escusabilidade; o Tepedino defende, de maneira
minoritária, que se exige além da perceptibilidade, também se exige a escusabilidade. Esse dispositivo
pode ser usado como argumento reforço para a tese do Tepedino, porque o próprio CC prevê uma
hipótese de erro do alienante e exige a escusabilidade. É um argumento para justificar a subsistência da
exigência de escusabilidade ao lado da exigência de perceptiibilidade. É dificílima a aplicação do
instituto na prática; talvez um exemplo seja o alienante, em coma, que desperta e celebra o contrato de
compra e venda.
Pergunta de aluno: inaudível.
R; O erro, quase para toda mundo, tem que ser perceptível ao outro contratante; não basta apenas a
escusabilidade, porque se o erro não é perceptível ao outro contratante, este tem a legitima expectativa
a continuidade do negocio, por conta da alteração do artigo 138; mas o enunciado 12 ressalta que basta
a perceptibilidade, não exige a escusabilidade. Mas o Tepedino entende que perceptibilidade não afasta
a necessidade de escusabilidade.
Pergunta de aluno: inaudível.
R: A analise, em tese, seria casuística. É ônus do devedor demonstrar que tinha motivos para ignorar a
exata medida da área vendida. Se houver suscetíveis registros talvez seja um argumento de ordem
prática, mas enfim, ele terá o ônus de comprovar.
Observação de aluno: tem um caso em que o imóvel para efeitos de IPTU tem uma metragem e depois
da venda se verificou que a metragem real era muito maior;
A analise é muito fática. A própria extensão da área e as dificuldades de medição, enfim, a própria
topografia da área, pode justificar, ou não, a incidência do parágrafo segundo. O IPTU não chega ser
um efeito vinculante na aplicação do parágrafo segundo, mas pode ser um argumento de reforço.
Se a hipótese envolvesse o poder publico poderíamos falar em venire, mas a hipótese é entre
particulares.
Pergunta de aluno: e o registro torrens?
O registro torrens gera presunção absoluta em relação a titularidade do bem, e não em relação a efetiva
extensão. A existência do registro torrens não tem o condão de afastar a sistemática da compra e venda
ad corpus e ad mensuram. A aplicabilidade do registro torrens é muito reduzida.
Um complicador, neste caso, é que o registro torrens se dá sob o crivo judicial; daí, como há o crivo
judicial e o contraditório exercido em juízo, é plenamente justificável que o registro torrens afaste a
sistemática da própria compra e venda ad mensuram.
Pergunta de aluno: em sucessivas alienações, onde em varias delas a extensão estava maior, teria
que se demandar todos os alienantes anteriores?
R: Não. A principio é apenas o alienante imedita. A sistemática, aqui, é bem diversa da ocorrida na
evicção. Nesta há a perda efetiva do bem, e no artigo 500 envolve apenas uma diversidade de
metragem.
O parágrafo primeiro do artigo 500 traz uma presunção relativa. Diz o dispositivo: “Presume-se que a
referencia às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de
1/20 da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstancias,
não teria realizado o negócio”.
O próprio dispositivo deixa claro que a presunção é relativa no sentido de que se a diversidade de
metragem não excede a 1/20 da área anunciada, a compra e venda se presume ad corpus. E como
efeito prático, a presunção relativa de inaplicabilidade quanto ao complemento da área.
Presunção, obviamente, relativa porque é possível que aquela parte pequena do terreno seja
justamente a área em que a terra é fértil, produtiva. A premissa do CC é que diversidade inferir a 1/20
não é uma diversidade substancial, mas é possível a demonstração em contrário por parte do
comprador. O parágrafo primeiro explicitamente ressalta se tratar de presunção relativa. Dá para falar
aqui em teoria do adimplemento substancial.
Pegadinha em relação ao parágrafo segundo: hipótese em que ao invés de falta, há o excesso da área,
ou seja, o imóvel é maior do que o anunciado no contrato. Diz o CC que se o erro do alienante é
escusável, cabe ao comprador, a sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o
excesso. O CC claramente prevê uma obrigação alternativa. E a obrigação alternativa, aqui, cabe ao
comprador, pois a ele cabe exercer a concentração. É lógico porque, na verdade, o erro foi do vendedor;
e esse erro escusável do vendedor acaba gerando algum tipo de gravame, despesa ao comprador;
então, é justificável que a concentração dessa obrigação alternativa atribuível ao comprador pelo
alienante seja objeto de concentração por parte do próprio comprador. CUIDADO: o examinador pode
jogar a redação do dispositivo e falar que a concentração cabe ao vendedor; o que estaria errado.
Pergunta de aluno: e se ele não quiser uma coisa nem outra?
R: A concentração cabe a ele, mas se ele não exerce passa-se a aplicar a sistemática geral das
obrigações alternativas; e a concentração passa ao outro contratante.
Outro dispositivo importante é o artigo 502, que diz: “O vendedor, salvo disposição em contrário
responde por todos os débitos que gravem a coisa até o momento da tradição”.
Remissão desse artigo 502 para o artigo 1345, ambos do CC. Isso vai nos lembrar que essa regra do
artigo 502 comporta exceções. O artigo 1345 diz: “O adquirente de unidade responde pelos débitos do
alienante em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios”; isso porque cota condominial
é obrigação propter rem.
CUIDADO: a regra do artigo 502 não se aplica, a principio, no caso de obrigações de natureza propter
rem, e no caso de eventuais dividas gravadas com direitos reais em garantia. Tudo isso por conta da
seqüela, ambulatoriedade.
Posição minoritária quanto a interpretação deste dispositivo é do Gustavo Tepedino no sentido de que é
preciso diferenciar a obrigação propter rem do chamado ônus real. A obrigação propter rem resulta de
um direito real; mas dentro dessa diferenciação trazida pelo Tepedino a obrigação propter rem, apesar
de resultar do direito real, ganha autonomia em relação ao direito real; ela provem do direito real, nasce
do direito real, mas com o seu respectivo nascimento, ela ganha autonomia em relação ao direito real;
como conseqüência prática, para o Tepedino essa obrigação propter rem se incorpora como um passivo
geral no patrimônio do devedor; daí não apenas àquele bem responde pelas obrigações propter rem,
mas todo e qualquer bem integrante do patrimônio do devedor. Já o ônus real, para o Tepedino, guarda
um vinculo mais intenso com a coisa; na verdade, para o Tepedino, o ônus real está visceralmente
atrelado ao bem, portanto, apenas àquele bem gravado com ônus real responde por tais débitos, pela
divida com ônus real. Dentro dessa diferenciação, o Tepedino sustenta que o artigo 502 se restringe as
obrigações propter rem, não sendo aplicável na hipótese de ônus real, porque para o Tepedino, na
hipótese de ônus real, a divida necessariamente acompanha o bem e, nesse caso, quem responderá
pela divida será o adquirente, ainda que anterior. A obrigação propter rem se ela nasce antes da venda
ela se incorpora como um passivo obrigacional qualquer no patrimônio daquele devedor que, no caso, é
o alienante e, portanto, este devedor alienante é quem continuará a responder por ela. Essa posição é
minoritária até por contrariar o artigo 1345.
Essa ponderação do Tepedino talvez valha, por exemplo, se lembrarmos em questões atinentes a tutela
especifica no direito de vizinhança, cujas regras impõem obrigações propter rem, e, sem duvida, a tutela
especifica em relação a situações anteriores a alienação não abrange o adquirente. Fato é que essa
posição peculiar do Tepedino parece contrariar o artigo 1345.
Resumidamente, para a posição predominante o artigo 502 não se aplica as obrigações propter rem e
nem as hipóteses de direitos reais em garantia, por conta da seqüela, da ambulatoriedade; e o
Tepedino, de forma peculiar, defende essa diferenciação entre as obrigações propter rem e a hipótese
de ônus real.
É interessante lembrar o seguinte: suponha que haja uma divida fiscal – obrigação propter rem de
natureza fiscal – e o poder público, quando da alienação do bem emite uma certidão negativa, e,
posteriormente, cobra débitos anteriores. Neste caso dá para aplicar a venire contra factum proprium em
desfavor do poder publico. A mesma lógica se dá na hipótese da declaração de quitação do condomínio;
quer dizer, o condomínio declara a quitação do alienante e depois vem cobrar dividas anteriores; sem
duvido é possível aplicar a venire para afastar as cobranças.
A retrovenda, tal qual disciplinada no código, só cabe no caso de coisas imóveis. O STJ, mais uma vez,
se pronunciou no sentido de que o código não proíbe retrovenda sobre bem móvel. Essa hipótese seria
admissível pelo principio da autonomia privada.
Pergunta de aluno: não se confundiria com a reserva de domínio?
R: Se parece, mas não chega a ser exatamente a mesma coisa, porque na retrovenda há uma
transferência imediata de propriedade com o direito potestativo de reaver o bem; na reserva de domínio,
não, porque neste caso, se tem como premissa o pagamento de prestações periódicas, e na reserva de
domínio o vendedor permanece com a propriedade até que haja a quitação.
O julgado em relação a bens moveis é o RESP 28598 – tratou de clausula de retrovenda envolvendo
ações.
O próprio código trata separadamente da venda a contento (art. 509) e da venda sujeita a prova (art.
510). Qual a diferença de uma para outra, a grosso modo? O código anterior não trazia essa diferença;
o atual traz essa diferença; no artigo 509, em tese, há maior discricionariedade para o comprador em
aceitar, ou não, o bem (em consumar, ou não, a compra e venda), porque, a principio, dentro de uma
dogmática tradicional, na venda a contento nada impede que a experiência do comprador com o bem
seja positiva e, ainda assim, ele venha a se recusar a celebração do contrato. Ao passo que na venda
sujeita a prova, a consumação do contrato depende da mercadoria ter as qualidades enunciadas ou ser
idônea a sua destinação. Na verdade, na venda a contento, a consumação do contrato, a principio,
dependeria exclusivamente da vontade do comprador, ao passo que na venda sujeita a prova, se
demonstrado que o bem preenche as qualidades enunciadas ou é adequado a sua finalidade natural,
vincularia a vontade do comprador.
Essa dicotomia, que está prevista no código, é mitigada a luz da boa fé objetiva, porque na venda a
contento, o artigo 509 fala em condição suspensiva e, dentro desta perspectiva clássica, a venda a
contento dependeria exclusivamente da vontade do comprador; isso seria uma condição suspensiva
meramente potestativa, que é vedada no artigo 122. Isso não é uma verdade absoluta. Mas numa visão
talvez mais progressista o que se sustenta é a mitigação dessa dicotomia, porque mesmo na venda a
contento a consumação do contrato não dependeria do mero capricho do comprador, da simples
manifestação da vontade.
Pergunta de aluno: o preço é pago antes da manifestação de vontade?
R: Principio da autonomia privada. Mas na pratica dificilmente as partes irão pactuar a quitação do preço
antes da manifestação de vontade. Não se impõe o pagamento em parcelas, nem se impõe o
pagamento diferido, mas também não veda. Mas, a prática negocial irá recomendar que não haja o
acordo no sentido de que haja o pagamento do preço antes da consumação da compra; é um cuidado
que se impõe ao comprador. Se o sujeito, espontaneamente, antecipa o pagamento, antes mesmo de
manifestar sua vontade, aí mesmo que teríamos a aplicação da venire contra factum proprium. Não se
impõe o pagamento diferido, mas se a compra e venda se subordina a condição suspensiva, é natural
que o próprio comprador não admita o pagamento da integralidade enquanto não manifestada a sua
vontade. Mas o código não impõe uma ou outra solução.
Pergunta de aluno: se for colocado que o pagamento se sujeita a devolução integral no caso de não
consumação da compra e venda?
R: Poderia ser aplicável, mas na verdade haveria um descuido por parte do comprador, porque ele pode
ter dificuldade em reaver o preço.
Pergunta de aluno: essa tese de se trata de uma condição meramente potestativa é complicada porque
o código expressamente faz a diferença.
R: O código explicitamente traz essa diferença. Quem defende a mitigação dessa dicotomia, a luz da
boa fé objetiva, é o Gustavo Tepedino.
3 - Preempção ou Preferência
Artigos 513 a 520
Através deste instituto as partes convencionam o direito de preferência em favor do alienante. O
vendedor transfere o bem ao comprador e a clausula contratual atribui ao vendedor o direito de
preferência de comprar o bem no futuro.
O exercício do direito de preferência se sujeita a duas condições:
c) Se o comprador quiser vender;
d) Se o vendedor quiser comprar.
Flagrantemente, a preempção se difere da retrovenda; na retrovenda, o vendedor tem o direito
potestativo de reaver a coisa, e a preferência depende da vontade do comprador em vender o bem.
O CC em momento algum restringe a preempção ou preferência a bens imóveis; portanto, dentro da
sistemática do código se admite a preempção não apenas para bens imóveis, mas também para bens
móveis.
Artigo 518 – prevê a chamada eficácia obrigacional da preferência. Diz o CC que a inobservância do
direito de preferência irá gerar apenas perdas e danos; isso tratando-se de direito de preferência de
clausula contratual, e não de eventuais preferências legais.
Diz o dispositivo: “Responderá por perdas e danos o comprador se alienar a coisa sem ter dado ao
vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela oferece; responderá solidariamente o adquirente
se tiver procedido de má fé”. A crítica que se faz ao legislador aqui é que melhor seria a aplicação da
tutela especifica. A função social do contrato, através da figura do terceiro cúmplice (terceiro que induz o
devedor ao inadimplemento contratual), justificaria aplicação da tutela especifica em face do terceiro
adquirente de má fé; quer dizer, o terceiro que tem ciência do direito de preferência anteriormente
existente, e adquire o bem ciente da inobservância da preferência anteriormente existente em favor do
vendedor, se sujeitaria a perda do bem em favor do titular da preferência. Sem duvida, o código, talvez
aqui, não tenha sido tão fiel a lógica da função social do contrato. Essa regra acaba fragilizando a
ascensão dos princípios na interpretação do direito privado, porque tanto a função social quanto a boa
fé especifica vem no sentido de conferir tutela especifica na hipótese do terceiro cúmplice.
Pergunta de aluno: pode se antecipar o valor das perdas e danos no próprio contrato?
R: Nada impediria a existência de clausula penal neste caso. A função primordial seria a pré liquidação
das perdas e danos.
O artigo 518 fala em perdas e danos se o alienante não deu ciência ao vendedor do preço e das
vantagens que por ela oferece. Pela própria redação legal, o dispositivo se aplica não apenas no caso
de notifica, mas também no caso de notificação incompleta ou insuficiente. Notificação que, por
exemplo, não contenha a forma de pagamento.
Outra questão é a seguinte: o artigo 515 diz “Aquele que exerce a preferência está, sob pena de a
perder, obrigado a pagar em condições iguais o preço encontrado ou o ajustado”.
Imagine que o preferente (aquele que é titular da preferência) se insurja em face da alienação ao
terceiro, e diante da insurgência do preferente o terceiro desiste da compra; sendo que o preferente se
insurge, porém, não efetua o pagamento, não segue adiante no exercício efetivo da preferência. Qual a
sanção aplicável ao preferente, neste caso?
Na verdade, o que se sustenta é que esse preferente além de responder por perda e danos, também,
perde a prelação em relação a situações futuras. Essa posição é defendida pelo Carvalho Santos, e
alguns manuais fazem alusão a essa posição.
Pergunta de aluno: Mesmo se for justificável?
R: A presunção relativa é essa; o Carvalho Santos não chega trazer essa minúcia, e nem os manuais.
Mas se houver alguma justifica plausível talvez seja, ao menos, justificável a não perda da prelação em
relação a situações futuras; quanto a responsabilidade civil haverá a incidência da sistemática geral.
Pergunta de aluno: e no caso em que o alienante jamais tivesse direito de exercer o direito de
preferência, por estar manifestamente insolvente por exemplo, ainda assim teria que haver a
notificação?
R: Em tese sim; mas talvez seja justificável que a o comprador possa se eximir de perdas e danos,
neste caso, se provar por A+B que apesar da ausência de notificação, o alienante jamais teria condição
de exercer a preferência; o argumento aqui possivelmente seria a venire contra factum proprium. A boa
fé objetiva teria eventualmente o condão de afastar as perdas e danos neste caso.
Pergunta de aluno: se o preferente não efetua o deposito; se ele for condenado em perdas e danos
não configuraria um caso de enriquecimento sem causa por conta do comprador porque no caso
quando ele paga perdas e danos estaria embutido o valor do imóvel; daí ele perderia o direito de
preferência, não adquiriria o imóvel, e pagaria indenização. O dano material não seria o valor do imóvel,
que seriam os lucros cessantes pela perda da venda?
R: Mais ou menos, porque o lucro cessante talvez não seja o valor do imóvel, pois o sujeito deixou de
receber o valor, mas continuou com a titularidade do bem. Talvez haja lucro cessante, e até dano
emergente, se o comprador demonstrar que o preço que ele obteve em relação ao terceiro seria muito
superior ao preço de mercado. As perdas e dano não irão corresponder ao valor do imóvel, porque o
imóvel permanece na titularidade do comprador.
Nos artigos 519 e 520 do CC, o legislador trata da preempção legal ou retrocessão. Institutos
tipicamente de direito administrativo. De maneira anômala o instituto conta no código civil; muitos
criticam a topografia do instituto porque, na verdade, não teríamos um pacto adjeto a compra e venda; a
retrocessão se impõe por força de lei na desapropriação, naquela hipótese em que o poder publico não
confere destinação social ao bem desapropriado.
Pergunta de aluno: isso não seria inconstitucional; não feriria a autonomia dos outros entes
administrativos – Município, Estado – uma vez que apenas a União pode legislar sobre direito civil? Digo
isso porque o Município ou Estado poderiam dispor de forma diferente sobre a retrocessão.
R: É sustentável, forçando-se uma barra, que como a regra apesar de estar no CC é de direito
administrativo, poderia cada um dos entes administrativos, poderia cada um dos entes administrativos
disciplinar de forma diferenciada sobre a retrocessão. É discutível porque a competência para legislar
sobre regras gerais sobre desapropriação é da União, e na verdade o entendimento predominante é que
a sistemática da retrocessão é uma regra geral; e como regra geral, a União poderia vincular os demais
entes administrativos.
O fato é que o CC tem como mérito, no artigo 519, trazer para o código civil uma regra que já é
consolidada entres os administrativistas. O CC/16 dizia que só caberia retrocessão no caso do poder
publico conferir destinação diversa do objeto da desapropriação; o CC/02, vem em harmonia com os
administrativistas, porque prevê a possibilidade de retrocessão prevendo dois requisitos: a) a destinação
diversa; b) que o bem não tenha destinação social, ou seja, ainda que o bem não tenha destinação para
a qual se estabeleceu a desapropriação, se aquele bem tiver uma destinação social será descabida a
preempção legal, a retrocessão; ou seja, o que importa para afastar a preempção legal é a afetação do
bem.
AULA 31
O artigo 522 deixa claro que a reserva de domínio é negocio jurídico formal, pois o legislador exige
forma escrita. Além de exigir a forma escrita, o artigo 522 exige o registro n domicilio do comprador para
que a clausula valha contra terceiros. Quer dizer, a questão de oponibilidade erga omnes pode ser
importante por conta de eventual transferência do bem.
Um detalhe em relação ao artigo 523 é o seguinte: cabe compra e venda com reserva de domínio sobre
bem fungível?
Artigo 523 – Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de
caracterização perfeita para extremá-la de outras congêneres.
O legislador não está vedando a compra e venda com reserva de domínio para bens fungíveis; o
legislador não exige a infungibilidade. Exemplo: automóvel – em tese é um bem fungível, mas apesar de
ser fungível é suscetível de caracterização individualizada, seja pelo número do chassi, enfim. O que o
artigo 523 impõe é que o bem seja suscetível de individualização. Não confundir, então, a exigência do
artigo 523 com a exigência do bem ser infungível. Pode se ter uma coisa certa, individualizada, mas
fungível.
O artigo 523, parte final, é uma manifestação do principio da confiança.
Diz: “... na duvida, decide-se a favor do adquirente de boa fé”. Quer dizer, pode ser que o bem objeto da
compra e venda com reserva de domínio tenha sido transferido a um terceiro por parte do comprador;
pode haver duvida em relação a individualização daquele bem objeto da busca e apreensão, que agora
está com o terceiro; daí o código diz que, na duvida, em homenagem ao principio da confiança haverá
proteção do terceiro de boa fé.
Pergunta de aluno: pergunta inaudível.
R: Em tese ele não irá transferir a propriedade, mas sim seu direito eventual. Ele não pode transferir
mais do que tem.
Pergunta de aluno inaudível:
R: Na pratica teria que ter, mas em tese depende. Em tese, depende, porque nada impediria, a principio,
que ele transferisse um bem a terceiro sem transferir a divida; mas, em tese, na pratica, quase sempre
haveria a transferência de sua posição contratual, e isso pressupõe a anuência da outra parte.
Pergunta do aluno: o artigo 528 não prevê isso?
A questão do artigo 528 é um pouco diferente. O artigo 528 é novidade do código atual. Muitos afirmam
que o artigo 528 traz uma aproximação muito grande entre a reserva de domino e a alienação fiduciária.
No artigo 528 há uma relação entre o vendedor e o comprador, que só adquire a propriedade quando da
quitação; na hipótese do artigo 528, o vendedor consegue obter o recebimento daqueles recursos de
uma instituição financeira; a relação jurídica se mantém entre o vendedor e a instituição financeira, e
não o comprador como ocorre na alienação fiduciária. O vendedor consegue o recebimento do montante
da instituição financeira, subrogando seus direitos e prerrogativas em favor da instituição financeira. O
artigo 528 não deixa de ser uma espécie de subrogação contemplada no dispositivo. Se aproxima, mas
se distingue, da propriedade fiduciária, porque nesta a relação jurídica é mantida entre o comprador e a
instituição financeira.
Pergunta de aluno: quando é um vendedor qualquer, que não é uma instituição financeira, não teria o
óbice da taxa de juros, para que não configure a usura?
R: Mas o artigo 528 trata de subrogação, e assim sendo a instituição financeira ocupará a mesma
posição jurídica que o vendedor e se submetará as relações mantidas entre o comprador e o vendedor.
Teríamos duas relações paralelas: a) comprador e vendedor com reserva de domínio; b) o vendedor
receberá a totalidade da divida da instituição financeira, que se subrogará ao vendedor, ou seja,
ocupará a mesma posição jurídica daquele vendedor que recebeu a totalidade do montante e se
submeterá a todas as condições contratuais originariamente acordadas entre o vendedor e o
comprador, não podendo, por exemplo, extrapolar os juros originariamente acordados ou devidos por
força daquela relação jurídica primitiva.
O Arnaldo Rizzardo e o Cristiano Chaves, em relação ao artigo 528 defendem que haverá subrogação
em favor da instituição financeira no que tange aos direitos e ações, mas não se torna ela proprietária; a
propriedade permanece com o vendedor. A subrogação envolveria apenas as garantias obrigacionais. O
Rosenvald chega a afirmar que esta solução buscaria afastar a própria subversão do instituto, porque se
a propriedade fosse para a instituição financeira deixaríamos de ter uma reserva de domínio e
passaríamos a ter uma alienação fiduciária.
O artigo 524 traz uma exceção à regra res perit domino. Diz o dispositivo: “A transferência de
propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago, todavia, pelos
riscos da coisa responde o comprador a partir de quando lhe foi entregue”. A tradição, nesta modalidade
negocial não transfere a propriedade, mas o artigo 524, parte final, atribui ao comprador desde a
entrega os riscos da coisa. Esses riscos, assumidos pelo comprador antes mesmo da aquisição da
propriedade, não envolve os riscos a respeito da perda jurídica do bem. Ou seja, se houver evicção,
obviamente, que o vendedor responderá pela evicção perante o comprador. Esses riscos abrangem
riscos envolvendo perda ou deterioração material do bem, e não a perda jurídica.
O artigo 525 do CC é uma exceção ao artigo 397, caput, que diz que quando há data certa a mora é ex
re. O artigo 525 excepciona porque impõe a mora ex persona na venda com reserva de domínio.
Artigo 525 – “O vendedor somente poderá executar a clausula de reserva de domínio após constituir o
comprador em mora, mediante protesto do titulo ou interpelação judicial”.
CUIDADO: é a mesma coisa da alienação fiduciária? Não, é quase a mesma coisa. Na alienação
fiduciária, a mora é ex re, mas a admissibilidade da busca e apreensão demanda comprovação da
mora. E o DL 911 diz que a comprovação da mora se dá mediante interpelação. No artigo 525, o
legislador deixa claro que a mora é ex persona.
O que justifica essa exceção ao artigo 397, caput, é a conseqüência drástica do inadimplemento, pois
este na compra e venda com reserva de domínio irá propiciar a busca e apreensão. A mora ex persona
é uma contrapartida a possibilidade de busca e apreensão; por um lado se tutela o vendedor com a
busca e apreensão, e por outro se resguarda minimamente o comprador com a mora ex persona.
A busca e apreensão seria uma conseqüência drástica para hipótese de inadimplemento.
Houve uma unificação das relações obrigacionais entre o direito empresarial e o direito civil. E a venda
sobre documento, contemplada no CC, é uma decorrência desta unificação, pois este instituto sempre
teve base no antigo direito comercial, hoje denominado de direito empresarial.
A grande peculiaridade está prevista no artigo 529. Neste instituto, a tradição do bem é substituída pela
entrega de documentos que o representa.
Exemplo: conhecimento de transporte (warrant) – ao invés de haver a tradição da coisa em si, na
verdade, há a tradição de documento que representa o bem.
O objetivo é conferir maior dinamismo a determinadas relações.
Artigo 530 – Não havendo estipulação em contrario, o pagamento deve ser efetuado na data e no lugar
da entrega dos documentos.
Este dispositivo excepciona o artigo 327. O artigo 327 diz que no silencio do contrato as dividas são
quesíveis (domicilio do devedor).
No artigo 530, para muitos, a divida seria portavel, para outros mista, porque para alguns sempre que
não for no domicilio do devedor seria divida portável, para muitos sempre que não for no domicilio do
credor, nem do devedor, seria divida mista. Mas para a maioria se enquadraria como portável.
A veda com reserva de domínio não se confunde com o leasing. A uma porque no leasing há a tríplice
opção – restituir o bem, renovar o contrato ou adquirir a propriedade; ademais, no leasing as prestações
pagas tem natureza jurídica de aluguel. O leasing, na verdade, é um contrato atípico, porém misto: é um
mix de locação, mutuo e compra e venda. Na compra e venda com reserva de domínio não há a tríplice
opção, porque as partes de antemão desejam a transferência de propriedade, sob condição suspensiva;
e as parcelas pagas não tem natureza jurídica de aluguel; não tem valor residual na compra e venda
com reserva de domínio, evidentemente.
Pergunta de aluno: se o vendedor optar por pegar a coisa de volta depende de decisão judicial?
R: O legislador impõe a via da busca e apreensão, que tem previsão no CPC. O artigo 526 quando fala
em “recuperar a posse” merece remissão para os artigos do CPC que tratam da busca e apreensão.
DOAÇÃO
Artigos 538 e ss.
Há uma critica da definição contida no artigo 538.
Artigo 538 – Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu
patrimônio bens ou vantagens para o de outra.
A critica é no sentido de que a redação contraria o sistema obrigacional, porque, na verdade, pelo
contrato o doador não transfere, mas apenas se obriga a transferir.
A doação pode até ser real – parágrafo único do artigo 541.
Por outro lado a expressão “transfere” tem um mérito, pois deixa claro que para que haja doação é
indispensável que haja mutação patrimonial. Nem toda liberalidade tem natureza jurídica de doação. Ou
seja, o bem tem que sair do doador e ir para o donatário.
Remissão de divida é uma liberalidade, porém não tem natureza jurídica de doacao, porque não há
mutação patrimonial.
Pergunta de aluno: não tem incidência de ITD?
R: Na remissão de divida não.
Questão interessante envolvendo incidência de ITD é a renuncia à herança. A principio, a renuncia por
si só não tem natureza jurídica de doação, justamente porque não há mutação patrimonial. Mas em
relação a renuncia à herança há uma peculiaridade: apesar da teoria da saisine que transfere
imediatamente a propriedade aos herdeiros, o CC contempla a renuncia a herança, pela qual o sujeito
tem a oportunidade de “repudiar” a saisine, ou seja, afastar o ingresso daqueles bens pela via do direito
sucessório. A construção jurisprudência, e defendida pela PGE, é que se a renuncia é manifestada no
primeiro momento do processo temos a renuncia propriamente dita, e neste caso a renuncia não tem
natureza jurídica de doação porque apesar da saisine os bens objeto da herança ainda não se
incorporam definitivamente ao patrimônio dos herdeiros, e assim sendo essa renuncia não gera mutação
patrimonial. Entretanto, se o herdeiro aceita a herança – expressa ou tacitamente – e “depois” renuncia
ocorre a chamada renuncia translativa, e esta tem natureza jurídica de doação, porque com a aceitação
– ainda que tácita – os bens se incorporaram definitivamente ao patrimônio do herdeiro e quando ele
renuncia passamos a ter um ato de mutação patrimonial; essa mutação patrimonial é que vai qualificar a
renuncia translativa como sendo doação a gerar a incidência do ITD inter vivos, sem prejudicar a
incidência do ITD mortis causa.
A expressão “pequeno valor” é um conceito indeterminado. A tendência, não apenas doutrinaria, mas
também jurisprudencial, é no sentido de que a expressão “pequeno valor” deve ser mensurada a luz da
situação econômica do doador. Nesse sentido, Resp 155240. Até o STF quando enfrentava a questão
assim se posicionou. RE 19817.
Outra questão que gera alguma polemica: a doação, a principio, é um contrato gratuito. A doação com
encargo é ou não gratuita? O CC, nos artigos 441, parágrafo único e 562 fala em doação onerosa,
sugerindo, portanto, que a doação com encargo seja um contrato oneroso. Mas vimos que essa posição
legislativa não é imunes a criticas, porque para a maioria dos doutrinadores o contrato é oneroso
quando há contraprestações recíprocas, quando há o sinalagma, e como sabemos o encargo não tem
natureza jurídica de contraprestação. A natureza jurídica do encargo é de elemento acidental do negocio
jurídico.
É da essencial do encargo que ele seja firmado em contrato gratuito, porque se firmado em contrato
oneroso deixamos de ter encargo e passamos a ter contraprestação.
2C) Defende o cabimento de perdas e danos. Posição defendida pelo Pontes de Miranda e Silvio
Venosa. No caso de inadimplemento caberia perdas e danos, sendo necessário provar prejuízo.
3C) Defende o cabimento de tutela especifica. Defensores: Washington de Barros Monteiros, Arnaldo
Rizzardo e Arnold Wald.
A posição amplamente dominante é a primeira. Mas essa terceira posição é defendida pela Maria
Celina Bodin de Moraes, portanto fiquem atentos quando o Tepedino estiver na banca, pois ele segue
esta autora. Argumentos da Celina: a) no plano prático o doador usualmente tem os seus interesses
quando celebra a doação. No plano prático, dificilmente a doação representa uma liberalidade pura; b)
na verdade, para que a doação não propicie efeitos vinculantes basta a inserção de clausula de
arrependimento pelo doador. A ausência de clausula de arrependimento, para ela, gera a presunção da
impossibilidade de se arrepender; c) para ela a admissibilidade de tutela especifica vem em consonância
com o principio da confiança; a ótica jurisprudencial estaria ultrapassada, porque o principio da
confiança busca a proteção da legitima expectativa, e com o principio da confiança a preocupação
central do ordenamento jurídico se desloca do declarante para o declaratário, ou seja, para o
destinatário da vontade, e essa mudança na perspectiva geraria a necessidade de priorizar a proteção a
legitima expectativa do promissário donatário; essa legitima expectativa seria prestigiada com a
possibilidade de tutela especifica. Posição minoritaríssima.
Pergunta de aluno: dá para falar em venire ?
R: Pela posição da Celina não é necessário nem se utilizar da venire, pois para ela o contrato gera
efeitos vinculantes. Teríamos efeitos vinculantes decorrentes da própria relação contratual;
tecnicamente, tem graça a venire quando o ordenamento jurídico não confere um vinculo especifico.
Talvez a venire seja interessante para justificar a segunda corrente, porque esta não admite a tutela
especifica, mas apenas as perdas e danos. A segunda corrente não admite os efeitos vinculantes
decorrentes do contrato.
Pergunta de aluno: inaudível.
R: A revogação, seja o rol taxativo ou não (tema controvertido) pressupõe uma conduta inadequada do
donatário em relação ao doador. No contrato preliminar de doação não há nenhuma conduta
inadequada em relação ao doador e a duvida é se esse contrato, independentemente de conduta
inadequada do donatário, gera efeitos vinculantes. Na revogação temos um fato superveniente que
confere ao doador o direito potestativo de revogar o contrato.
A mesma liberalidade que permite a revogação, não admite os efeitos vinculantes do contrato.
Mesmo nessa promessa de doação, com ausência de simulação, o imposto aplicável seria o ITD.
Outra peculiaridade é o artigo 542, que prevê doação ao nascituro. No artigo 542 o legislador exige a
aceitação pelo representante legal. Os adeptos da teoria concepcionista invocam tal dispositivo como
argumento; e a teoria natalista irá defender que se trata de doação sujeita a condição suspensiva.
Outra novidade é o artigo 554, que prevê a doação para entidade futura. Ou seja, doação para um ente
que ainda não existe no plano jurídico (“pessoa jurídica não constituída”). O dispositivo apenas prevê
que a doação caduca em dois anos se a pessoa jurídica não se constituir regularmente.
Espécies de Doação:
1) Doação como adiantamento de legítima – artigo 544 do CC – A doação de ascendente a
descendente ou de um cônjuge a outro importa adiantamento do que lhes cabe por herança.
O adiantamento de legitima gera presunção relativa, ou seja, nada impede que o doador explicitamente
ressalte que está dispondo de sua parcela disponível.
O ordenamento jurídico não impõe um tratamento paritário a todos os herdeiros, mas sim a
intangibilidade da legitima. Então, até 50% o doador pode dispor livremente, sem afetar a intangibilidade
do direito sucessório.
No sentido de se tratar de presunção relativa, vide Resp 730483.
Vale a pena, ainda, para lembrar que a presunção é relativa, fazer uma remissão do artigo 544 para o
artigo 2005. Quando o código presume a doação como adiantamento de legitima, o donatário tem que
trazer os bens doados a colação; diz o artigo 2005 que são dispensadas da colação as doações que o
doador determinar saiam da parte disponível.
Outra questão sensível é a seguinte: suponhamos que haja doação do ascendente para o descendente
e, antes do falecimento do doador, há perecimento, sem culpa do donatário, do bem doado. O
equivalente pecuniário hão de ser levado em conta no âmbito do direito sucessório? Diferentemente do
sistema de outros países, o artigo 2002 do CC não faz qualquer distinção, ou seja, não traz essa
hipótese como sendo uma exceção a necessidade de colocação (em vários países, o legislador
dispensa a colação na hipótese de perecimento sem culpa do donatário). O que se afirma é que essa
postura do direito brasileiro – em não dispensar a colação nestes casos – vem em sintonia com a lógica
res perit domino. Ou seja, como houve a transferência da propriedade ao donatário, este é que vai
suportar os riscos por eventual perecimento sem culpa; portanto, o donatário não fica imune à colocação
nos casos de perecimento sem culpa. Solução diversa é trazida nos artigos 2112 do Código Português,
744 do Código Italiano e artigo 855 do Código Francês.
Talvez valha a pena a referencia deste artigo 544 para o artigo 549. A doação de ascendente a
descendente gera a presunção relativa de que se trata de adiantamento de legitima, podendo o doador
pode dispor em contrario; mas essa ressalva em contrario não pode abalar a legitima de herdeiros
necessários. Essa hipótose é tratada no artigo 549, que trata da chamada doação inoficiosa.
Diz o artigo 549: Nula é também a doação quanto a parte que exceder a de que o doador, no momento
da liberalidade, poderia dispor em testamento.
Esse dispositivo revoga o artigo 1014, parágrafo único do CPC. Isto porque o artigo 549 diz que o
momento de mensurar se houve, ou não, o atingimento superior a 50% do patrimônio se dá no momento
da liberalidade, e não no momento da abertura da sucessão como dizia o CPC. Muitos criticam a regra,
mas o que justificou a modificação legislativa é o seguinte: suponha o sujeito rico que faz uma doação
moderada, de pequeno valor diante da sua situação econômica; ao longo de trinta anos depois da
doação, o sujeito empobreceu por circunstancias alheias a liberalidade; o legislador entendeu que essa
oscilação patrimonial exagerada não deve ter o condão de prejudicar demais herdeiros que teriam
eventual legitima expectativa atingida. Essa alteração legislativo dá ensejo a aplicação da fraude à lei (o
artigo tem 500 e doa 250; tem 250 e doa 125, e assim sucessivamente; a hipótese é de fraude a lei, há
uma aparência de licitude).
Antes da CRFB/88, o artigo 549 era enfrentado pelo STF. O STF se posicionava no sentido de que a
nulidade do artigo 549 só poderia ser suscitada depois do falecimento do doador, porque para o STF
discutir antes essa questão seria discutir herança de pessoa viva, o que colidiria com o atual artigo 426
do CC, que não permite contrato sobre herança de pessoa viva. RE 53783.
Hoje, a posição do STJ vem em sentido contrário. A uma porque a matéria envolvida no artigo 549 tem
natureza obrigacional, e não de direito sucessório. Além do mais, o artigo 549 diz que essa doação é
nula; nulidade absoluta representa violação a interesse publico; e a violação de interesse publico
demanda a aplicação cogente, imediata, da norma. Por fim, A CRFB explicitamente resguarda a
proteção a qualquer lesão ou ameaça a direito. Nesse sentido, Resp 7879.
O artigo 549 traz uma hipótese de nulidade absoluta parcial, porque só será nulo aquilo que exceder a
parcela disponível.
Artigo 550 – A doação do cônjuge adultero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro
cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até 2 anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.
A doação do cônjuge para amante é anulável. Essa anulabilidade abrange eventual doação
remuneratória?
Existem dois entendimentos.
1C) Não abrange a doação remuneratória pela vedação ao enriquecimento sem causa.
2C) Abrange a doação remuneratória porque o artigo 550 não restringiu.
Se olharmos atentamente o artigo 540, talvez a melhor posição seja um meio termo. Diz o artigo
540 que não perde o caráter de liberalidade apenas aquilo que excede; naquilo que excede a doação é
anulável; naquilo que não excede, a doação é válida por conta da vedação ao enriquecimento sem
causa. Teríamos uma anulabilidade parcial em relação a doação remuneratória.
3) Doação com clausula de reversão – artigo 547. Regra geral, o doador transfere os bens para
o donatário; e se o donatário falece os bens vão para os herdeiros do donatário. Pela cláusula de
reversão se houver o pré falecimento do donatário em relação ao doador, os bens se revertem em favor
do doador.
Remissão do artigo 547 para o artigo 1359. Quando cai doação com clausula de reversão a pergunta é
se o donatário pode transferir o bem a terceiro? Com essa remissão perceberemos que o donatário tem
propriedade resolúvel; e quem tem propriedade resolúvel, pode transferir propriedade resolúvel.
E se for comoriência, ou seja, o donatário falecer junto com o doador? Neste caso, não haverá a
condição resolutiva; não havendo a condição resolutiva os bens serão herdados pelos herdeiros do
donatário.
Havia uma duvida sobre a admissão de clausula de reversão em favor de terceiros. O parágrafo único
do artigo 547 diz explicitamente que não. Remissão do parágrafo único do artigo 547 para o artigo 166,
inciso VII, parte final. Este dispositivo do parágrafo único é um bom exemplo da denominada nulidade
virtual (aquela em que o legislador proíbe a pratica, mas não comina sanção).
O legislador proíbe a clausula porque na ausência de dispositivo legal muitos defendiam a possibilidade
por conta do principio da autonomia privada, vez que não haveria qualquer violação a ordem publica.
Mas vimos que a jurisprudência não admite efeitos vinculantes a promessa de doação porque ninguém
pode se vincular a uma liberalidade futura; a clausula de reversão em favor de terceiro vincularia o
doador a uma liberalidade futura. O doador transfere para o donatário e se este morrer antes do doador,
o bem ingressaria automaticamente no patrimônio de terceiro. O que o código quer é que se o donatário
morrer antes do doador o bem volta para o doador; e neste momento, se o doador desejar pode praticar
uma liberalidade.
Tem uma hipótese em que esse dispositivo – 547 - tem aplicação esvaziada. É a hipótese do artigo 545.
O artigo 545 trata da doação em forma de subvenção periódica. Nada impede que o doador transfira,
por liberalidade, pagamentos mensais a uma determinada pessoa. Mas o artigo 545 estabelece a
presunção absoluta de que a doação em forma de subvenção periódica se extingue com o falecimento
do donatário. O código diz que essa modalidade de doação não poderá ultrapassar a vida do donatário.
Ora, se há doação de clausula de subvenção periódica não há eficácia na aplicação da clausula de
reversão porque por força de lei a doação com clausula de subvenção se extingue.
O artigo 545 traz a presunção absoluta de que se extingue com o falecimento do donatário; e a
presunção relativa de que se extingue com o falecimento do doador.
Pergunta de aluno: é feito algum calculo para se saber se está sendo doado parte disponível da
herança?
R: Em tese sim, porque não há nenhuma ressalva. Em termos práticos dificilmente isso iria se
concretizar. Se a pessoa através dessa doação em forma de subvenção periódica esvazia por completo
o seu conteúdo econômico e perde seu meio de subsistência vamos para outra seara. Mas sem duvida
essa modalidade de doacao não exclui a necessidade de eventual colação, sob pena de possibilitar a
fraude a lei.
Revogação da Doação:
Artigos 555 a 564 do CC.
O artigo 555 prevê a admissibilidade da revogação da doação em duas hipóteses: ingratidão e
inexecução do encargo.
O artigo 556 proíbe a renuncia antecipada do direito de revogar a doação por ingratidão. Toda a
doutrina afirma que, por força da própria literalidade do artigo 556, nada impede a renuncia antecipada
do direito de revogar a doação por inexecução do encargo. Até mesmo porque a gratidão está atrelada
a condutas aéticas do donatário. Por razoes éticas e morais o código vedou a renuncia antecipada ao
direito de revogação por ingratidão.
O código atual traz as hipóteses de ingratidão no artigo 557. o nosso código adotou uma postura
legislativa diferente de muitos outros países. Em muitos países é comum o legislador contemplar a
revogação da doação se o donatário comete “ofensa grave” ao doador; o nosso código ao invés de
trazer conceitos indeterminados, trouxe quatro incisos, que basicamente, contempla: a) atentado a vida
do doador; b) ofensa física; c) ofensa moral (o legislador se refere apenas a injuria e a calunia; mas é
unânime o entendimento de que o inciso abrange a difamação; d) recusa de alimentos.
Houveram duas alterações em relação ao código anterior:
O código atual no artigo 557 diz: “Podem ser revogadas por ingratidão as doações: ...”. O código
anterior dizia “apenas se admite revogação da doação:...”. Quer dizer, na redação do CC/16 dizia
claramente que o rol era taxativo, e muitos criticavam o CC/16 porque a lógica da revogação por
ingratidão era o fato do donatário atentar contra um interesse fundamental do doador; muitos defendiam,
contra legem, um rol meramente exemplificativo (posição esta que nunca vingou na jurisprudência).
Com essa modificação legislativa excluindo literalmente o fato de se tratar de rol taxativo, hoje, há duas
posições sobre o tema: 1) Enunciado 33 do CJF – defende se tratar de rol meramente exemplificativo,
por conta da mudança na redação do dispositivo; 2) Mas há quem defenda, como por exemplo o Silvio
Capanema, que o rol continua sendo taxativo; fundamentos: a) a regra traz uma norma restritiva de
direitos, que demandam interpretação estritiva; b) segurança jurídica, estabilidade das relações jurídicas
(sem dúvida, a revogação da doação atinge, de algum modo, a estabilidade das relações jurídicas).
Artigo 558. Antes do código atual só haveria ingratidão se o donatário atentasse contra os
interesses do doador. O artigo 558 agora diz: “Pode ocorrer também a revogação quando o ofendido
quando o ofendido, nos casos do artigo anterior, for o cônjuge, ascendente, descendente, ainda que
adotivo, ou irmão do doador”. Entao, se porventura o donatário atentar contra os interesses desses
parentes próximos do doador é cabível a revogação por ingratidão. Quando o código fala em cônjuge, a
proteção abrange companheiro. A redação do artigo 558 é péssima porque além de não contemplar o
companheiro, em evidente desarmonia com a CRFB, o código fala em descendente adotivo – regra
absolutamente feita em 1975 e não revista posteriormente.
Outro detalhe que merece registro é o artigo 559, que prevê o prazo para suscitar revogação da doação.
Literalmente, o prazo é de um ano a contar da data do conhecimento do doador sobre o fato e de ter
sido o donatário o seu autor.
Mas há um grave problema aqui, que o legislador não resolveu. Esse artigo 559 merece ser interpretado
junto com o artigo 560, o qual manteve o caráter personalíssimo da revogação da doação. Na verdade,
esse caráter personalíssimo envolve doador e donatário, ou seja, só o doador pode exigir a revogação,
e o doador só pode exigir a revogação em face do donatário. Então, o caráter personalíssimo envolve os
dois pólos da revogação da doação. O que o artigo 556 prevê é a admissibilidade de sucessão
processual.
Diz o artigo 560: “O direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador, nem
prejudica os do donatário. Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada pelo doador, continuando-a
contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de ajuizada a lide”. Dois problemas gravíssimos
não enfrentados pelo legislador:
f) O prazo para revogar é de um ano contado do conhecimento do fato pelo doador e contado do
conhecimento de que o donatário foi o autor do fato. E se o doador falece antes de saber que foi o
donatário ou se falece um mês depois de saber? Diante da natureza personalíssima, contemplada no
artigo 560, não cabe mais a revogação; quer dizer o legislador poderia ter contemplado uma exceção ao
caráter personalíssimo na hipótese em que o prazo de um ano não transcorreu. Na verdade, o
falecimento do doador irá gerar um perdão presumido pelo legislador, pois inadmissível a revogação.
g) Se o doador falecer o donatário fica livre para injuriar descendente, ascendentes, cônjuge,
companheiro, irmão, porque o direito de revogar doação tem caráter personalíssimo.
A mudança trazida pelo artigo 558 demandava uma mitigação do caráter personalíssimo de revogar a
doação.
Pergunta de aluno: qual a razão do caráter personalíssimo?
R: Porque a ingratidão apenas poderia ser mensurada pelo próprio doador, porque ingratidão resulta de
uma ofensa do donatário ao doador. Isso fica claro se olharmos uma novidade que o código trouxe no
artigo 561.
Artigo 561 – “No caso de homicídio doloso do doador, a ação caberá aos seus herdeiros, exceto se
aquele houver perdoado”.
Esta hipótese não constava no código anterior. Uma das hipóteses de revogação é atentar contra a vida
do doador. O código anterior dizia que a revogação tinha caráter personalíssimo, e pronto, e não
contemplava nenhuma exceção.
O perdão, obviamente, ainda em vida.
Essa questão do perdão em vida demonstra o caráter, em tese, personalíssimo da revogação da
doação.
Pergunta de aluno: Por ser o caráter personalíssimo, aquele que prosseguir na ação até a sentença
não poderia desistir da ação?
R: Talvez não. O que justifica o caráter personalíssima é o fato do doador aferir a ingratidão, ou não. O
doador poderia desistir, mas os herdeiros talvez não, pois são continuadores ex vi legis da relação
processual.
Um aspecto importante, principalmente para quem for fazer MP, é o seguinte: o artigo 553, parágrafo
único diz que se a execução do encargo for de interesse geral, o Ministério Público tem legitimidade
para exigir a execução do encargo depois da morte do doador.
O Ministério Publico tem legitimidade para exigir o cumprimento do encargo, mas não tem legitimidade
para exigir a revogação da doação, justamente porque esta tem caráter personalíssimo. Remissão do
parágrafo único do artigo 553 para o artigo 560, pois este é que traz o caráter personalíssimo da
revogação da doação.
O artigo 563 traz os efeitos da revogação da doação por ingratidão do donatário. Esses efeitos são ex
nunc. A revogação por ingratidão do donatário não atinge terceiro de boa fé. Se o donatário transferiu o
bem a terceiro de boa fé, este não perde o bem diante da revogação da doação por ingratidão, este
dispositivo é necessariamente conjugado com o artigo 1360 (propriedade resolúvel stricto sensu – 1359,
decorre de condição resolutiva ou termo final – x - propriedade revogável – 1360, que decorre de causa
superveniente). A ingratidão do donatário é uma causa superveniente, e o artigo 1360 diz que os efeitos
é ex nunc.
Artigo 563 – A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o
donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida; mas sujeita-o a pagar os posteriores, e,
quando não possa restituir em espécie as coisas doadas, a indenizá-la pelo meio-termo do seu valor.
A primeira parte do dispositivo tem tudo a ver com a transmudação da posse de boa para má fé. A
presunção legislativa é de que a partir da citação, o donatário passou a ser possuidor de má fé, e o
possuidor de má fé não tem direito aos frutos percebidos. Remissão do artigo 563, primeira parte, para
os artigos 1214 a 1216, que tratam da percepção dos frutos pelo possuidor de boa fé.
À revogação por inexecução do encargo aplica-se por analogia o artigo 563? Controvérsia.
1C) Cristiano Chaves e Marco Aurelio Mello – aplica-se o artigo 563, por analogia. No caso de
revogação por inexecução de encargo, esses autores defendem aplicação ex nunc. Até mesmo para
proteção do terceiro de boa fé.
2C) Tepedino – Não se aplica, porque o encargo é uma causa preexistente. Quer dizer, se o encargo foi
averbado junto ao registro, o terceiro adquirente do bem já sabia que àquela doação que deu ensejo a
aquisição da propriedade pelo alienante era gravada com encargo; e se o encargo é preexistente é
aplicável o artigo 1359, ou seja, a doação com encargo transfere propriedade resolúvel stricto sensu.
Isso já foi dito em aulas anteriores.
AULA 32
Contrato estimatório
Artigos 534 a 537 do CC.
Vimos na teoria geral dos contratos que a questão dos contratos típicos e atípicos, usualmente, se
analisam à luz da tipicidade legal; os contratos típicos são aqueles previstos e regulamentados em lei, e
os contratos atípicos os não regulamentados em lei. Há uma questão interessante, trabalhada pelo
Venosa no Brasil, que é a idéia da tipicidade social, ou seja, o contrato pode não ser típico legalmente,
mas pode ser típico socialmente. A idéia de tipicidade social seria a pratica reiterada do contrato no
comercio jurídico; quer dizer, pode um contrato ser socialmente típico, e legalmente atípico. Era
exatamente isso que acontecia com o contrato estimatório antes do código atual. O contrato estimatorio
era a famosa venda em consignação. A venda em consignação era extremamente utilizado na pratica,
um contrato socialmente típico, e com o código em favor a tipicidade passa a ser não apenas social,
mas também legal. Como o Venosa destaca, usualmente, a tipicidade legal decorre da tipicidade social.
Há basicamente duas partes envolvidas: o consignante e o consignatário.
Artigo 534 – “Pelo contrato estimatório, o consignante entrega bens moveis ao consignatário, que fica
autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido,
restituir-lhe coisa consignada”.
A grosso modo, o consignante entrega bens moveis ao consignatário e este fica obrigado a vender os
bens, salvo se preferir restituir a coisa consignada.
Natureza jurídica: CONTROVÉRSIA. 5 correntes.
1c) É uma venda sob condição suspensiva ou resolutiva. Posição hoje superada, que nega a própria
autonomia do contrato estimatório.
2c) Promessa de venda pelo consignatário. Um mero contrato preliminar. Posição, hoje, também,
superada.
3c) Deposito preparatório de compra e venda. Deposito no sentido de que o consignatário tem o dever
de guarda e conservação. Posição também superada.
Na verdade, há um embate entre as duas próximas posições.
4c) Obrigação alternativa. Contrato autônomo em que o consignatário assumiria uma obrigação
alternativa, qual seja, pagar o preço estimado ou restituir o bem. Defendida pelo Caio Mario, Pontes de
Miranda e Valdirio Bulgareli.
5c) Obrigação facultativa. Levemente Predominante. Na obrigação facultativa – que não está
sistematizada no código - a prestação devida é apenas uma, porém se reserva ao devedor a
prerrogativa de se eximir da obrigação cumprindo prestação diversa. O cumprimento da prestação
facultativa é direito potestativo do devedor. Seria uma obrigação facultativa porque, de acordo com o
artigo 534, o consignatário fica autorizado a vendê-los, pagando ao consignante o preço ajustado, salvo
se preferir pagar ao consignante o preço ajustado. A prestação devida seria o pagamento do preço; e a
prestação facultativa seria a restituição da coisa consignada. Esta ultima corrente se embasa na
expressão “salvo se preferir”. Defendem esta corrente, Arnaldo Rizzardo, Gustavo Tepedino, Maria
Helena Diniz, Venosa. Quem sustenta essa posição defende que a redação do artigo 534 é
extremamente similar a redação do artigo 1234, caput , parte final, que é um exemplo clássico da
doutrina de obrigação facultativa.
Outro aspecto importante é o seguinte: o código, no artigo 534, parte final, diz: “... salvo se preferir, no
prazo estabelecido, restituir a coisa consignada”. O código se refere explicitamente a um “prazo
estabelecido”; pela tipologia do código, o contrato estimatorio é celebrado dentro de um determinado
lapso preestabelecido, e dentro desse lapso surge a obrigação alternativa ou facultativa, conforme a
doutrina que se segue. Entretanto, o entendimento amplamente predominante é no sentido de que a
ausência de prazo não desnatura o contrato estimatório. Na ausência de prazo acordado, a doutrina traz
a colação a figura do termo moral (direito das obrigações); ou seja, um prazo razoável. O efeito prático
da ausência do prazo determinado é que a mora será ex persona.
O código diz que o consignatário se obriga a pagar ao consignante o preço ajustado. É evidente que
esse preço não se confunde com o preço da compra e venda. O preço a que se refere o artigo 534 é o
chamado preço estimado. Percebam que o consignatário assume a obrigação de pagar o preço
estimado ao consignante e, na verdade, o consignatário não pode alegar eventual dedução por
despesas de preservação e guarda do bem, porque estas se encontram na álea normal que envolve o
contrato estimatório. É da essência do contrato que o consignatário assuma os riscos pelas despesas de
conservação do bem.
Por despesas de conservação do bem é evidente que o consignatário não pode exigir nada do
consignante. Mas suponhamos que o bem se encontre com o consignatário para a venda e, na verdade,
aquele bem é atingido por dividas do consignante. Dividas do consignante fazem com que os creddores
do consignante consiga atingir o bem que se encontra com o consignatário para a venda. Neste caso,
passam a ser suscetíveis de indenização eventuais despesas assumidas pelo consignatário, porque, na
verdade, a possibilidade de perda do bem do consignatário por divida do consignante foge a álea normal
do contrato. Então, no caso de perda do bem por dividas do consignante, o consignatário faz jus a
eventuais despesas pela guarda e conservação do bem.
Pergunta de aluno: engloba perdas e danos?
A principio se inviabiliza-se a celebração da compra e venda por conta da perda do bem por divida do
consignante, este responderá pelo equivalente mais perdas e danos; na pratica serão apenas perdas e
danos porque dificilmente haverá algum adiantamento do valor do consignatário ao consignante; a
transferência do valor – contraprestação - se dará apenas quando da efetivação da compra e venda. Se
há algum tipo de perda do bem por conta de divida do consignante, este responderá por todo o prejuízo
suportado pelo consignatário, porque neste caso fugiríamos ao risco normal assumido por este. Por isso
se discute se o contrato estimatorio é comutativo ou aleatório; muitos dizem que é aleatório porque o
consignatario fica com o bem, assume despesas por guarda e conservação, e não necessariamente terá
o lucro esperado por conta da celebração; mas aqui, na verdade, é uma álea restritiva, limitada, pois
não envolve a perda do bem por divida do consignante.
Todo o contrato envolve uma dose de risco. Nunca há certeza absoluta de ganho e de perda. Mas afora
o risco natural do contrato, a solução vem por perdas e danos.
Pela letra fria do artigo 534, o consignatário não é obrigado a vender o bem; ele pode pagar o preço
estimado e ficar com a coisa. Mas é possível que haja abuso do direito. Imagine o seguinte: a editora
deixa o livro na livraria, exige um preço X e o que a livraria apurar a mais é dela. O dono da livraria, em
conluio com o concorrente do consignante, paga o preço estimado e não coloca os livros a venda.
Naquele momento inicial não haveria qualquer prejuízo ao consignante, mas a ausência de publicidade
pode gerar prejuízo ao consignante a médio ou longo prazo; tudo isso depende da finalidade envolvida
na relação contratual; se o contrato estimatorio envolve vendas em larga escala e se dentro do contrato
estimatorio há a veia de publicidade da obra, da divulgação de determinada obra, a não divulgação
representa uma modalidade de inadimplemento contratual; haveria, no mínimo a violação ao dever
anexo da boa fé objetiva, violação positiva do contrato. Em algumas circunstancias em que a finalidade
econômica evidencia interesse do consignante não apenas no preço estimado, mas também na
veiculação, em publicidade, a ausência de publicidade pode configurar inadimplemento, ainda que o
preço de estima seja efetuado. Em termos práticos é preciso tomar cuidado de inserir clausulas não
apenas em relação ao pagamento do preço, mas também em relação a divulgação da obra.
O artigo 535 traz uma exceção à regra res perit domino, porque a principio a propriedade do bem
permanece com o consignante.
Diz o artigo 535 – “O consignatário não se exonera na obrigação de pagar o preço se a restituição da
coisa, em sua integridade, se tornar impossível ainda que por fato a ele não imputado”. O consignatário
assume risco inclusive por perecimento oriundo de caso fortuito ou força maior. Sem dúvida, é uma
exceção a regra res perit domínio e mais uma exceção ao artigo 393 do CC, que diz que o devedor não
responde por caso fortuito ou força maior.
O artigo 535 serve tanto para fundamentar a tese da obrigação alternativa, quanto a tese da obrigação
facultativa. Suponhamos que a obrigação seja alternativa: pagar o preço estimado ou restituir o bem; se
há o perecimento do bem sem culpa, há a concentração automática na obrigação de pagar o preço;
então, o artigo 535 vem em harmonia com a lógica da obrigação facultativa. Pensando na obrigação
facultativa: a obrigação devida seria pagar o preço e a facultativa restituir a coisa; faltando a obrigação
facultativa, a única que restaria seria a principal, ou seja, pagar o preço de estima. O artigo 535 não
resolve a discussão sobre a natureza jurídica da obrigação do consignatário.
Artigo 536 – “A coisa consignada não pode ser objeto de penhora ou seqüestro pelos credores do
consignatário enquanto não pago integralmente o preço.”
O bem é de titularidade do consignante e, por razoes obvias, os credores do consignatario não pode
obter penhora e sequestro do bem.
Daí o código diz: “enquanto não pago integralmente o preço”. O código disse menos do que deveria.
Porque é evidente que quando diz “enquanto não pago integralmente o preço” entenda-se “preço pago
pelo próprio consignatário ou por seus credores”. O artigo 536 parte final só se aplica se o preço for
pago pelo consignatário ou seus credores. Se é o próprio consignatário que paga o valor de estima, o
bem passa a integrar o seu patrimônio e passa a se sujeitar a eventuais gravames por conta de divida
do próprio consignatario. Nada impede que os credores do consignatário efetue o pagamento do preço
de estima, na qualidade de terceiro interessado; como conseqüência disso teríamos a subrogação. Há
interesse econômico dos credores porque, na pratica, o preço de estima é inferior ao preço de compra e
venda. Dessa diferença, denominada de sobrepreço, é que surge o lucro.
Se esse preço é pago por terceiro por conta de contrato de compra e venda, obviamente, não se aplica
o artigo 536, porque o bem sai do patrimônio do consignante e vai direto para o patrimônio do
comprador. E obviamente os credores do consignatário não poderão obter a penhora ou o seqüestro de
tais bens.
Pode haver fraude contra credores por parte do consignante. Ou seja, o consignante, na iminência da
insolvência, celebra um contrato estimatório; esse contrato viabiliza a propositura da ação pauliana,
porque na verdade se tem um contrato que busca a celebração de alienação futura. Os credores
quirografários possuem legitimidade para anular o contrato estimatorio, neste caso. Mas o prazo para
anular eventual alienação a terceiros não se inicia a partir da celebração do contrato estimatório. O
prazo de 4 anos se inicia a partir da alienação propriamente dita, e não da celebração do contrato
estimatório, porque o contrato de compra e venda é um contrato distinto do contrato estimatório. Na
verdade, os credores poderiam desde logo anular o contrato estimatorio, mas, ainda que não o faça, o
prazo para anular eventual venda a terceiro se inicia a partir da compra e venda, e não do contrato
estimatório. Conta-se a partir do contrato de compra e venda, desde que o terceiro não pague o preço
de estima. Se há o pagamento do preço de estima, pelo consignatário, a partir daí se iniciaria o prazo.
Em resumo, o prazo se inicia a partir do momento em que o bem sai do patrimônio do consignante, seja
pelo pagamento do preço de estima, seja pela compra pelo terceiro.
Questão extremamente peculiar se encontra no artigo 537. O referido dispositivo deixa claro que
durante o contrato estimatorio, o consignante perde a faculdade jurídica de disposição. A faculdade de
disposição fica, exclusivamente, com o consignatário.
Artigo 537 – “O consignante não pode dispor da coisa antes de lhe ser restituída ou de lhe ser
comunicada a restituição”.
São raríssimas as hipóteses em que o proprietário não tem a faculdade de disposição. O exemplo
usualmente lembrado é o da clausula de inalienabilidade. E no contrato estimatorio temos mais um
exemplo.
Essa regra tem por objetivo permitir o normal funcionamento do contrato. Suponha que o consignante
também tivesse a faculdade de disposição; o risco que teríamos seria o consignatario acertar a venda
de um bem a terceiro e, paralelamente, o consignante também obteve um determinado comprador; o
negocio atingido pelo consignatário não poderia ser levado adiante, porque o bem já teria sido vendido
pelo consignante proprietário; se formos bem interpretar o dispositivo podemos perceber que a ausência
da faculdade de disposição pelo consignante busca a proteção da legitima expectativa do terceiro
adquirente; na verdade, o artigo 537 vem em harmonia com o principio da confiança; busca evitar
frustração da expectativa daquele que negocia com o consignatário.
Pergunta de aluno: poderia haver um contrato estimatório em segundo grau; ou seja, uma
subcontratação – o consignatario realiza outro contrato estimatorio com terceiro?
R: Antes de mais nada seria preciso verificar se havia ou não permissão contratual para isso. Mas,
supondo que haja, o consignatário primário perderia a faculdade de disposição em favor do segundo
consignatário, para que não haja o abalo do funcionamento do contrato como protege o artigo 537;
senão teríamos duas pessoas com a faculdade de disposição; e o contrato real, então o subcontrato
também seria real – principio da gravitação juridica. Como o objetivo do legislador é concentrar
faculdade de disposição em um consignatario para proteger terceiro adquirente, nesta hipótese o
consigantario de primeiro grau ficaria sem a faculdade de disposição.
Pergunta de aluno: tem alguma diferença entre bens fungíveis ou infungíveis?
R: É muito comum contrato estimatorio de automóveis, livros, tecidos, obras de arte. A fungibilidade irá
mudar profundamente a dinâmica do contrato. Exemplo: no artigo 535, o código diz que o perecimento
por caso fortuito ou força maior não elide a obrigação de pagar o preço estimado; se o bem for fungível,
o consignatario poderá restituir outro bem, de mesma quantidade, qualidade e espécie. Nesta hipótese
de contrato derivado, ainda que, no plano naturalístico, seja possível a entrega do bem pelo
consignatário de primeiro grau ao consignatário de segundo grau de bem de mesma quantidade,
qualidade e espécie, esbarraríamos na proibição do artigo 537. Na verdade, o consignatário de primeiro
grau que transfere ao consignatário de segundo grau, e tenta vender bens de mesma quantidade,
qualidade e espécie, poderíamos aplicar, para esta venda, a venire contra factum proprium, para
justificar a impossibilidade de concretização de tal negocio.
Se houver falência, insolvência civil, do consignatário, resta ao consigante pedido de restituição; não
será preciso habilitar crédito. Mas nada impede do administrador pagar o preço de estima e ficar com o
bem.
Se o consignatário pagar o preço de estima e ficar com o bem, o instituto de direito real aplicado é a
tradição ficta breve manu (artigo 1267, parágrafo único, parte final). Se o examinador quiser puxar o
candidato pode jogar hipótese em que o consignatario paga o preço de estima ao consignante, fica com
o bem, mas há vicio redibitório; daí surge a questão do prazo para a propositura da ação edilícia – artigo
445, parte final; sempre que tiver tradição fica breve manu acendam os holofotes para o artigo 445,
parte final (... o prazo conta-se da alienação reduzida a metade). Remissão da expressão “pagando
àquele o preço ajustado”, contida no artigo 534, para o artigo 1267, parágrafo único parte final c/c
com o artigo 445, parte final).
Contrato de empréstimo:
Artigo 579 a 592 do CC.
O contrato é o empréstimo, que comporta duas espécies: comodato e mútuo.
Comodato Mutuo
Artigo 579 a 585. Artigo 586 a 592.
Empréstimo de uso. Empréstimo de consumo.
É de sua essência que o comodatário se O mutuário irá consumir o bem e irá se
comprometa a restituir o mesmo bem. obrigar a restituir outro de mesma qualidade,
quantidade e espécie.
Envolve bem infungível e inconsumível.
Nada impede a denominada infungibilidade Envolve bem fungível e consumível.
convencional (pode um bem fungível ser objeto
O mutuo transfere a propriedade –
de comodato, desde que haja a fungibilidade
artigo 587 do CC. Como o empréstimo é de
convencional; nesta hipótese surge o comodato
consumo, o mutuário irá consumar o bem e
ad pompam (exemplo: a cesta de frutas para fins
restituir outro. O efeito prático é o res perit
de ornamentação).
domino (o risco corre para o mutuário). Apesar
Não transfere a propriedade. Com o de transferir a propriedade, não é um contrato
comodato surge o desmembramento de alienação (essa denominação “contrato de
possessório. alienação” se dirige a contratos que tenham por
finalidade precípua a transferência da
O comodante dispõe de tutela
propriedade; e no mutuo a finalidade é o
possessória em face do comodatário, caso este
empréstimo de consumo, mas como
não restitua o bem no momento adequado.
decorrência deste, indiretamente, transfere a
Necessariamente gratuito. propriedade). Pergunta de aluno: poderia dizer
que é um negócio fiduciário? Tecnicamente,
Contrato real – artigo 579, parte final. não, porque não tem outra maneira.
Res perit domino, como efeito prático da
transferência do bem.
Como o mutuante transfere a posse e
propriedade ao mutuário não dispõe ele de
tutela possessória, nem reivindicatória.
Bifronte: pode ser gratuito ou oneroso.
O oneroso é denominado de mutuo feneratício.
Natureza real – para a maioria da
doutrina. *
*O que justifica a natureza real do contrato de comodato é o fato de termos um ato de liberalidade;
então, o objetivo do legislador ao impor a entrega do bem à celebração do contrato é evitar que alguém
seja compelido a uma liberalidade indesejada. Se toda e qualquer verbalização de liberalidade gerasse
efeitos vinculantes, em muitas situações alguém seria compelido a realização da liberalidade. Por conta
disso, a segunda posição defende que em relação ao mutuo seria preciso diferenciar o mutuo gratuito
do mutuo oneroso. Só se justifica a natureza real no caso de mutuo gratuito. Como no mutuo feneraticio
não há nenhuma liberalidade, não se justificaria a instituição financeira não estar vinculada a emprestar
pelo simples fato de ainda não ter entregue o dinheiro; se há uma manifestação de vontade, essa
vontade emitida pela instituição financeira já produziria efeitos vinculantes. Então, para essa segunda
posição o mutuo feneratício seria um contrato consensual. Posição defendida pelo Silvio Venosa, Maria
Celina Bodin de Moraes e Gustavo Tepedino.
Quem defende a natureza consensual afirma que pelo simples acordo já teríamos o mutuo. Então, na
pratica, a simples disponibilidade do credito pela instituição financeira já propiciaria a convergência de
vontade, e dentro desta perspectiva teríamos o contrato de mutuo com efeitos vinculantes.
Quando se fala em mútuo feneratício, quase a totalidade da doutrina diz que o mutuo feneraticio é um
contrato unilateral e oneroso. Oneroso porque, obviamente, gera dispêndio econômico para uma das
partes, seja para o mutuante que se despe do capital, seja para o mutuário que paga os juros. Seria
unilateral porque se só se forma com a entrega do dinheiro, a partir da entrega apenas o mutuário tem
obrigações. Se entendermos que o mutuo feneraticio é consensual, o contrato deixa de ser unilateral e
passa a ser bilateral, porque com a simples manifestação de vontade do mutuante, ele já assume a
obrigação de dar. Essa classificação – unilateral e oneroso – parte da premissa de que o mutuo é real,
porque se entendermos como sendo consensual, ele passa a ser bilateral e oneroso.
Pergunta de aluno: Tem alguma diferença entre contrato de mutuo e abertura de crédito? A abertura
de crédito, na verdade, desencadeará um mutuo, ao menos um mutuo em potencial, mas não seria
propriamente um mutuo. A abertura de credito seria como que um contrato preparatório a um mutuo
futuro; ela potencializa a realização de um mutuo futuro. O mutuo pressupõe entrega, mas não forma
escrita, por isso a simples abertura de credito não se confundiria com o mutuo.
Pergunta de aluno: o mutuante também não disporia de tutela reivindicatória? Não. A obrigação do
mutuário é tão somente de dar.
Se o comodatário não restitui o bem ao termino do contrato, o comodatário passa a ter uma posse
precária, ou seja, posse injusta.
E aí muito importante é a regra do artigo 582, que prevê uma espécie de aluguel-pena em face do
comodatário.
Artigo 582 – “O comodatário é obrigado a conservar como sua própria fora a coisa emprestada, não
podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas
e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará até restituí-la o aluguel
da coisa que for arbitrado pelo comodante”.
A aplicação da parte final não desqualifica o comodato para locação.
A questão mais sensível é a seguinte: será que o comodante é livre para fixar o valor do aluguel?
Controvérsia.
Uma posição mais conservadora diz que sim. Posição defendida pelo Caio Mario. Fundamento: a
finalidade é sancionatória, ou até mesmo estimular a restituição do bem.
Um segundo entendimento defende que o comodante não tem plena liberdade para fixar o valor do
aluguel. Os argumentos da segunda corrente são: boa fé objetiva; vedação ao enriquecimento sem
causa (artigos 884 a 886); aplicação por analogia do artigo 413 (redução da clausula penal quando
manifestamente excessiva); e, por fim, por analogia o artigo 575, parágrafo único (“Se o aluguel
arbitrado for manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo, mas tendo sempre em conta o seu
caráter de penalidade”).
O problema é que o legislador não trouxe parâmetros. Se o valor de aluguem for exatamente o valor de
mercado não teríamos qualquer estimulo a restituição do bem. Sugestão: talvez seja possível usar por
analogia a dinâmica das arras. Talvez seja possível sustentar que o aluguel pena não possa ultrapassar
o dobro do aluguel de mercado.
Pergunta de aluno: quanto tempo tem o comodante para intentar uma ação possessória? A principio
não teríamos um prazo delineado para isso. Sendo positivas, o comodante teria duas alternativas: o
aluguel-pena ou a via da ação possessória. Mas talvez seja justificável, dependendo do caso concreto,
se indagar se diante de uma inércia prolongada em se valer da tutela possessória haveria ou não um
enriquecimento sem causa com a percepção do alguém pena por um lapso temporal prolongado. Difícil
a argumentação, mas talvez sustentável.
Talvez seja sustentável afirmarmos que a exigibilidade do aluguel penal deva ser interpretada
conjugadamente a utilização da via judicial adequada para que o comodante não venha se enriquecer
as custas do comodatário.
Pergunta de aluno: inaudível.
É discutível, porque na verdade não há uma inércia por completo do comodante. A idéia do dever da
vitima em minimizar os prejuízos por ela suportados parte do pressuposto da inércia da vitima, de uma
conduta desidiosa da vitima; e o simples fato dela cobrar o aluguel penal gera duvida quando a desídia
da vitima.
A supressio não deixa de ser um argumento, mas de difícil sustentação.
Artigo 584 – “O comodatário jamais poderá recobrar do comdante as despesas feitas com o uso e gozo
da coisa emprestada”.
Jamais é muito forte. O que a jurisprudência consolidou é que o artigo 584 se aplica as despesas
ordinárias. Então, obviamente, aquele que recebe gratuitamente um veículo emprestado não pode exigir
do comodante as despesas com combustíveis. A jurisprudência, portanto, recomenda o afastamento da
regra no que se refere as despesas necessárias e extraordinárias por conta da vedação ao
enriquecimento sem causa. Resp 249925.
CUIDADO: não confundir a expressão “despesas” com benfeitorias; as benfeitorias necessárias e úteis
serão indenizadas (artigo 1219).
Nos manuais costuma se dizer que o comodatário por ser possuidor de boa fé terá direito de retenção
pelas benfeitoras necessárias e úteis e será indenizado com base no artigo 1219. Ocorre que só tem
graça falar em posse de boa, ou má, fé se houver vicio; quando não há vicio essa classificação perde
qualquer relevância; portanto, O regime jurídico aplicado ao comodatário, por analogia, obedece ao
artigo 1219, mas tecnicamente não seria adequado afirmar que o comodatário, na pendência do prazo,
é um possuidor de boa fé, porque dentro da sistemática do artigo 1201 a posse de boa, ou má fé,
pressupõe a existência de vicio; se não há vicio não haverá essa classificação.
Artigo 585 – Se duas ou mais pessoas forem simultaneamente comodotárias de uma coisa, ficarão
solidariamente responsáveis para com o comodante.
Prevê solidariedade passiva entre comodatários.
Por exemplo: se houver dois ou mais comodatários, o aluguem pena se submeterá ao regime da
solidariedade passiva
CUIDADO: suponhamos que tenha dois comodotários (A e B); o comodatário A, que recebeu o trator
para fazer o arado do campo, no dia de da celebração do contrato, morre; o contrato, excepcionalmente,
não se extinguirá automaticamente, porque a finalidade para a qual se destinava o trato ainda não foi
efetivada; suponha que os herdeiros do comodatário viole a obrigação de restituir, ou cause, de forma
culposa, um dano ao trato; os herdeiros do comodatário, em tese, responderão pelos danos causados
ao comodante; os herdeiros do comodatário falecido, a principio, não se submetem a solidariedade
passiva, por conta do artigo 276 do CC (os herdeiros do devedor solidário só respondem pelas suas
respectivas cotas partes; o falecimento do devedor solidário gera mitigação no regime de solidariedade).
Cada um responderia pelo seu quinhão, pela sua cota parte.
O Venosa, seguido por vários autores, afirma que nada impede que as partes excluam o regime de
solidariedade prevista no artigo 585 – principio da autonomia privada.
Será que as partes podem excluir uma regime de solidariedade legal? Depende. É preciso verificar, no
caso concreto, se a solidariedade é matéria de ordem pública. Por exemplo, a solidariedade passiva do
CDC não pode ser afastada por vontade das partes por se matéria de ordem publica; assim como a
solidariedade em questão ao dano ambienta.
*Não é mais correta a afirmação no sentido de que não cabe anatocismo no direito brasileiro. O artigo
591, parte final, permite a capitalização anual (anatocismo) de juros remuneratórios. Portanto, o artigo
591, parte final, revoga o artigo 4º do Decreto 22626/33, que é a lei de usura, e expressamente vedava
o anatocismo. O artigo 591 acaba permitindo o anatocismo com periodicidade anual. Pela sistemática
geral do CC não seria admissível a capitalização pro rato.
Para as instituições financeiras tem regra especial – artigo 5º da MP 2170. Esse dispositivo permite, por
instituição financeira, a capitalização com periodicidade inferior a um ano. Há uma ADIN em tramitação
no STF sobre esse dispositivo (ADIN 2316). Já há quatro votos nessa ADIN (dois contra e dois a favor).
Não há liminar. Argumentos da ADIN: a) ausência de relevância e urgência no tratamento da matéria; b)
inconstitucionalidade formal, por conta do artigo 192 da CRFB (que diz que matéria atinente a sistema
financeiro nacional é reservada a legislação complementar).
Artigo 590 – O mutuante pode exigir garantia da restituição se antes do vencimento o mutuario sofrer
notória mudança em sua situação econômica.
O dispositivo traz uma espécie de exceção de insegurança.
Remissão deste dispositivo para o artigo 477 do CC, que é a regra geral de exceção de insegurança.
É interessante uma posição defendida pelo Silvio Rodrigues e Maria Celina Bodin de Moraes no sentido
de que a exceção de insegurança em favor do mutuante – artigo 590 – só se aplicaria ao mutuo gratuito,
por dois motivos: a) seria uma espécie de tutela em favor daquele que pratica a liberalidade (Critica:
esse argumento não parece muito interessante porque a exceção de segurança não pressupõe
liberalidade); b) no mutuo feneratício um dos fatores que compõem os juros é o risco do
inadimplemento; então, como o risco do inadimplemento já estaria embutido nos juros, o artigo 590 não
seria aplicável ao mutuo feneratício, porque a maneira pela qual o mutuante poderia se resguardar do
risco do inadimplemento seria através dos juros moratórios. Argumento interessante para a defensoria.
Difícil ser adotado jurisprudencialmente.
Pergunta de aluno: inaudível.
Aquele que empresta gratuitamente não poderia ter nenhuma clausula de garantia, daí o artigo 590
funcionaria como uma garantia legal.
Em relação ao mutuo feito a menor, dê uma olhada nos artigos 588 a 589. O código prevê a invalidade
do mutuo feito a menor, dentro da política de proteção aos incapazes. Remissão do artigo 588, parte
final, para o artigo 824, parágrafo único.
Artigo 588 – O mutuo feito a pessoa menor, sem previa autorização daquele cuja guarda estiver, não
pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores.
A incapacidade do mutuaria afasta a exigibilidade em relação ao fiador do mutuário incapaz.
Artigo 824 – As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar apenas
de incapacidade pessoal do devedor.
A regra geral do artigo 824, caput, é que a incapacidade do devedor principal não afasta a exigibilidade
em relação ao fiador do devedor incapaz.
Parágrafo único – A exceção estabelecida neste artigo não abrange em caso de mutuo feito a menor.
Então, essa inexigibilidade em face do fiador do mutuário incapaz é uma exceção a regra geral do
contrato de fiança.
Depósito
Artigos 627 a 652 CC
É contrato real, nos termos do artigo 627.
Artigo 627 – Pelo contrato de deposito recebe o depositário objeto móvel (...).
Artigo 628 – O contrato de depósito é gratuito, exceto se houver convenção em contrário, se resultante
de atividade negocial ou se o depositário o praticar por profissão.
Evidencia que o contrato de deposito é bifronte.
O artigo 628 traz uma presunção ultrapassada, obsoleta, qual seja, de que o contrato de deposito é
gratuito. Presunção, evidentemente, relativa.
Artigo 640 – Sob pena de responder por perdas e danos, não poderá o depositário, sem licença
expressa do depositante, servir-se da coisa depositada, nem a dar em deposito a outrem.
Traz a presunção de que o depositário não pode servir-se do bem. Para que ele posse se servir do bem,
o artigo 640 exige a licença expressa do depositante.
O que a doutrina sustenta é que se, diante de um contrato de deposito, há uma clausula pela qual o
depositante autoriza o depositário a usar livremente o bem, esta clausula desnatura o contrato de
deposito. A licença expressa para utilização irrestrita desqualifica o contrato de deposito. O deposito, na
verdade, se transmuda para comodato (se gratuito e de bem infungível), mutuo gratuito (se gratuito e de
bem fungível) ou locação (se oneroso). É da essência do deposito que a obrigação do depositário, a
principio, seja de guarda e conservação. É causa do contrato de deposito a não utilização do bem pelo
depositário.
Artigo 633 – Ainda que o contrato fixe prazo à restituição, o depositário entregará o deposito logo que
se lhe exija, salvo se tiver o direito de retenção a que se refere o artigo 644, se o objeto for
judicialmente embargado, se sobre ele pender execução, notificada ao depositário, ou se houver motivo
razoável de suspeitar que a coisa dolosamente obtida.
Deixa claro que o prazo do contrato de deposito tem por objetivo limitar temporalmente as obrigações
do depositário. Isto porque, o artigo 633 deixa claro que o depositante pode reaver o bem antes do
prazo; sendo, pois, da essência do contrato de deposito que o prazo flua em favor do depositante.
Essa, inclusive, é uma diferença essencial do deposito para o comodato, mutuo e locação; nesses três
últimos contratos, o prazo flui em favor do comodatário, mutuário e locatário, respectivamente; além do
mais, nesses três últimos contratos, aquele que possui a posse direta do bem pode dele se utilizar.
Esse aspecto em relação ao beneficio do prazo é de vital importância para bem interpretarmos o artigo
645.
Artigo 645 – O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do
mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo.
Esse dispositivo prevê o denominado deposito irregular.
A grande singularidade decorre do fato de que o depositário receberá bens fungíveis, no caso de
deposito irregular, comprometendo-se a restituir outro bem de mesma qualidade, quantidade e espécie.
O deposito irregular se parece muito com o mutuo. Por isso o artigo 645 diz que o deposito irregular
segue o disposto acerca do mutuo. As regras que norteiam o depósito irregular não serão as regras
atinentes ao contrato tipo de deposito regular, mas sim as regras atinentes ao contrato de mutuo.
O contrato de deposito pode transferir a propriedade? Sim, se tratar de deposito irregular.
Pergunta de aluno: Qual a diferença básica do deposito irregular para o mutuo?
No mutuo, o contrato se dá a beneficio do mutuário; no deposito, a beneficio do depositante. Isso gera
efeito pratico, por exemplo, em relação a possibilidade de extinção antecipada do contrato, a qual será
cabível no caso de deposito irregular, mas não no contrato de mutuo.
A finalidade principal do contrato de mutuo é o uso e consumo do bem; no deposito, a causa é a guarda
e conservação.
O artigo 642 não se aplica ao deposito irregular. Artigo 642 – O depositário não responde por caso
fortuito ou força maior.
No deposito irregular, o depositário responde, porque res perit domino. Se o depositário é o proprietário,
a coisa perece para ele.
*Se não são encontrados bens com o depositário, em se tratando de deposito irregular não cabe ação
de deposito – informativo 310 do STJ. Isso tinha importância pratica quando se admitia a prisão civil do
depositário infiel. Hoje, com a declaração de inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel, perdeu
um pouco a importância pratica. Informativo 531 do STF (revogação da sumula 619 do STF).
Na medida em que o depositante transfere a posse e a propriedade exclusiva para o depositário, não
pode o depositante irregular se valer da ação possessória.
AULA 33
MANDATO:
Artigos 653 e ss.
O artigo 653 traz a causa do contrato de mandato.
Artigo 653 – Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome,
praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.
A causa do mandato, obviamente, é esta atuação em nome ou em favor de outrem, praticando atos ou
administrando interesses.
O legislador, nesse mesmo dispositivo, deixa claro que a procuração não se confunde com o mandato.
A procuração é o instrumento do mandato. A procuração tem como objetivo, basicamente, definir os
poderes outorgados e conferir publicidade em relação a terceiros.
Se percebe, desde logo, que a procuração não é requisito de validade do contrato de mandato; não está
atrelada a validade do mandato, e sim a sua eficácia em relação a terceiros.
Tema bastante atual no direito brasileiro diz respeito a chamada “teoria da separação”; tem haver com
essa dicotomia entre procuração e mandato. A natureza jurídica da procuração é negocio jurídico
unilateral.
Pergunta de aluno: A procuração seria uma declaração recepticia?
R: A procuração faz com que o mandato só produza efeitos em relação a terceiro que tenham ciência
dos limites da outorga de poderes; regra geral, o mandante não se vincula se o mandatário atua fora
dos limites da outorga de poderes; na verdade, seria declaração recepticia no que diz respeito a
eventuais terceiros, mas não no que diz respeito as partes envolvidas na procuração especificamente,
porque a procuração seria um negocio jurídico unilateral.
Pela teoria da separação, além de se tratar de negocio jurídico unilateral, a procuração também é um
negocio jurídico abstrato, porque, na verdade, o poder de representação não resulta do mandato, e sim
da procuração. A importância prática disso é que em se entendendo que os poderes resultam da
procuração e não do mandato, e em se entendendo que a procuração é negocio jurídico abstrato,
eventual invalidade do contrato de mandato não afasta a eficácia da representação. A procuração,
instrumento do mandato, é que confere publicidade e define os poderes do mandato. O que se está
afirmando pela teoria da separação é que eventuais vícios no contrato de mandato não atingem
eventuais atos decorrentes da representação oriunda da procuração – principio da confiança, proteção
em favor de terceiro de boa fé. A teoria da separação busca enaltecer a diferença entre o mandato e a
procuração.
*Há quem defenda que há mandato sem procuração no artigo 663 – CONTRÓVERSIA.
No direito brasileiro não há previsão explicita acerca da teoria da separação, mas se sustenta tal teoria
basicamente com dois argumentos: a) uma das novidades do código atual está nos artigos 115 a 120,
ou seja, o código atual abriu um capitulo na parte geral para tratar da representação; e o mandato
consta da parte especial – artigos 653 e ss; na verdade, à época do CC/16 representação voluntária era
sinônimo de mandato; hoje, a própria topografia do código demonstra que representação não é
sinônimo de mandato; o que se sustenta hoje é que temos como instrumentos de representação não
apenas o mandato, mas também outros tipos contratuais, como por exemplo agência e distribuição,
contrato de comissão (discutível, porque a diferença primordial do mandato para a comissão é que no
mandato o comissário age em próprio nome, e não em nome do comitente; mas apesar de agir em
nome próprio tem que atuar de acordo com as instruções do comitente; então, para muitos a ausência
de autonomia demonstraria a representação no contrato de comissão); na verdade, a representação do
contexto atual é um gênero, que admite algumas espécies, dentre as quais, o mandato; b) artigo 115 diz
que os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado; se os poderes de
representação resultassem do mandato, obviamente, que esses poderes decorreriam da manifestação
de vontade dos interessados, porque o mandato é contrato bilateral; como o artigo 115 diz que resulta
do interessado (no singular), está ressaltando que os poderes do mandato resultam da procuração, a
qual é negocio jurídico unilateral; teríamos aqui uma previsão implícita da teoria da separação.
Artigo 662 – Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são
ineficazes em relação aquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar”.
A doutrina atualmente critica o artigo 662 quando fala em atos praticados por quem não tenha mandato.
A doutrina afirma que a expressão correta seria “poderes de representação”.
Remissão do artigo 662 para o artigo 665. o artigo 662 trata da pratica de atos do mandatário sem que
tenha outorga de poderes ou sem poderes suficientes; diz, ainda, que esses atos praticados pelo
mandatário sem poderes não vincula o mandante, salvo se este o ratificar. Essa figura que demanda a
ratificação do mandante para que os atos praticados pelo mandatário lhe sejam vinculantes lembra o
instituto da gestão de negocio.
Artigo 665 – O mandatário que exceder aos poderes do mandato, ou proceder contra eles, será
considerado mero gestor de negocio, enquanto o mandante não lhe ratificar os atos.
A principio, o mandatário é quem fica vinculado aos atos, salvo ratificação do mandante.
Representação aparente: irá mitigar o rigor desses dispositivos. Quando se fala em representação
aparente estamos falando da teoria da aparência. Como é aplicada a teoria da representação aparente
de acordo com a teoria contemporânea?
Ao lado da aparência dos poderes em favor do mandatário se exige, ainda, que a conduta ativa ou
omissiva do mandante tenha de algum modo contribuído para a formação da situação geradora da
confiança.
Exemplo: falso manobrista de um determinado restaurante que furta o veiculo. Obviamente que o
meliante não tem qualquer outorga de poderes do estabelecimento comercial para manobrar o veículo
dos clientes, mas de algum modo a conduta omissiva do estabelecimento permitiu que um terceiro
estranho adentrasse em seu estabelecimento e enganasse o terceiro de boa fé; suponha um falso
funcionário de uma instituição financeira que recebe dinheiro resultante de transporte de valores, quer
dizer, de algum modo a conduta omissiva da instituição financeira contribuiu para a conduta geradora da
confiança em relação a transportadora.
O que inspira a figura da representação aparente é a venire contra factum proprium (contradição com a
própria conduta); em geral, se sustenta que para a adoção da representação aparente se demandaria
alguma conduta por parte do mandante que tenha contribuído para a situação geradora da confiança.
Venire porque, na verdade, se ela contribuiu para a situação geradora da confiança não pode alegar que
não se vincula a pratica daquele ato.
Remissão do artigo 662 e 665 para o artigo 116. esses dispositivos estão em harmonia.
Artigo 116 – A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes, produz
efeitos em relação ao representado.
O que é muito importante, não apenas em termos práticos, é não confundir a atuação sem poderes com
a hipótese do artigo 679. São situações distintas que produzem efeitos diferentes. No artigo 679 o
mandatário atua dentro dos seus poderes, porém inobservando as instruções do mandante. Nesse
caso, se o sujeito atua dentro da outorga de poderes, a representação (entendo-se como instrumento
que gera eficácia do para terceiros) está perfeita; se há inobservância das instruções há o
inadimplemento envolvendo o contrato de mandato; só que a eficácia do mandato perante terceiros se
projeta através da procuração; então, nesse contexto, o artigo 679, basicamente, diz que se o
mandatário atua dentro dos limites dos poderes, mas inobservando as instruções do mandante, os atos
praticados pelo representante vinculam o mandante perante terceiros, mas o mandante poderá exigir
perdas e danos do mandatário.
Na verdade, o artigo 679 é uma demonstração em relação a diversidade de efeitos entre mandato e
procuração. Mandato sempre demandando efeitos inter partes e a procuração como instrumento apto a
demandar a produção de efeitos perante terceiros.
Julgado interessante sobre o assunto é o Informativo 376 do STJ, Resp 1034264. Foi feito um acordo
em juízo através dos advogados; à época em que o acordo foi firmado havia a outorga de poderes, ou
seja, o advogado agiu dentro de seus poderes; posteriormente a celebração do acordo, mas antes da
homologação foi revogado os poderes outorgados ao advogado; o STJ, aplicando o artigo 679 e o
principio da confiança disse que o acordo era valido, porque ainda que o advogado tivesse inobservado
eventuais instruções que tenham conduzido a revogação, ele atuou dentro da outorga dos poderes, e a
outra parte tinha uma legitima expectativa na subsistência e na validade daquele acordo realizado; a
matéria seria de natureza interna corporis; depois, a parte que ingressasse em juízo em face do
advogado.
Não confundir excesso de poder com abuso de poder. No excesso de poder, em regra, o mandante não
se vincula, ressalvada a teoria da aparência. No caso de abuso de poder, aplica-se o artigo 679.
Outro ponto importante diz respeito ao direito de retenção. No revogado código comercial havia uma
regra que dizia que o mandatário teria direito de retenção sobre o objeto do mandato para recebimento
de tudo que lhe fosse devido em relação ao mandato (remuneração e despesas). O artigo 681 do
CC/02 diz: “O mandatário tem sobre a coisa de que tenha a posse em virtude do mandato direito de
retenção até se reembolsar do que no desempenho do encargo desprendeu”. Este dispositivo está se
referindo especificamente as despesas.
Mas vejam bem. Esse artigo 681 está em flagrante contradição com o artigo 664, que diz: O
mandatário tem o direito de reter, do objeto da operação que lhe foi cometida, quanto baste para
pagamento de tudo que lhe for devido em conseqüência do mandato.
Tudo, obviamente, abrange não só o pagamento das despesas, mas também da remuneração. Na
verdade, o legislador trouxe como novidade o artigo 664, e se esqueceu de retirar o artigo 661. o
entendimento, hoje, é a preponderância do artigo 664, conforme enunciado 184 CJF.
Concluindo, o mandatário tem direito de retenção sobre tudo.
Outro detalhe é o seguinte: vimos que quando o mandatário atua fora dos poderes que lhe foram
outorgados, o mandante, a principio, não se vinculada, ressalvada a representação aparente, e está
vinculado o mandatário. Exceção: artigo 673; o artigo 673 é exceção ao artigo 662 e ao 665.
Artigo 673 – O terceiro que, depois de conhecer os poderes do mandatário, com ele celebrar negocio
jurídico exorbitante do mandato, não tem ação contra o mandatário, salvo se este lhe prometeu
ratificação do mandante ou se responsabilizou pessoalmente.
Inspira este dispositivo a tu coque, pois sabidamente estaria o terceiro praticando um ato em
desarmonia com uma relação contratual anterior; parte de uma situação de ilicitude.
Neste caso, portanto, o mandatário não irá figurar como um gestor de negócio.
Parte final – “salvo se o mandatário lhe prometeu a ratificação do mandante” – isso nos lembra a
promessa de fato de terceiro. Remissão para os artigos 439 e 440, que tratam da promessa de fato de
terceiro.
Há uma singularidade no contrato de mandato em relação a capacidade. Mais precisamente em relação
a capacidade do mandatário. Artigo 666. O dispositivo permite que maior de 16 e menor de 18, ainda
que não emancipado, seja mandatário, enquanto a regra geral é no sentido de que maior de 16 e menor
de 18 só pode atuar através da assistência. Muitos justificam a regra dizendo que, na verdade, o
mandatário não se vincula, pois que irá se vincular é o mandante; portanto, como regra geral, o mandato
vincula o mandante e não ao mandatário justificaria-se a regra especial do artigo 666.
Ainda no que tange a capacidade, há uma singularidade no artigo 654, que diz: Todas as pessoas
capazes são aptas a dar procuração em documento particular mediante instrumento particular, que
valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.
Então, todos os mandantes capazes podem dar procuração diante de instrumento particular.
A doutrina sustenta que é preciso diferenciar a situação do absolutamente incapaz da do relativamente
incapaz.
Pela teoria geral, o absolutamente incapaz não pode outorgar poderes a ninguém, pois não pode emitir
validamente declaração de vontade. O absolutamente incapaz tem um representante legal; nada impede
que o representante legal outorgue poderes a um terceiro para praticar atos em seu próprio nome. Na
verdade, aqui, o outorgante, por força de lei, atua em nome e em favor do incapaz; então, nada impede
que da representação legal do absolutamente incapaz resulte a representação voluntária, ou seja, o
representante legal outorga poderes a um terceiro para praticar atos em seu próprio nome, que
legalmente atual em nome e em favor do absolutamente incapaz; não é hipótese de instrumento publico
porque quem está outorgando poderes é o representante legal do absolutamente incapaz, e não o
próprio incapaz. Indiretamente, o representante legal está vinculando um terceiro a praticar atos em
nome e em favor do absolutamente incapaz, sendo que quem outorga os poderes é o representante
legal.
Pergunta de aluno: pergunta inaudível.
É diferente a hipótese do relativamente incapaz. Quando há incapacidade relativa, a figura aplicável é
da assistência. O assistente é um coadjuvante do assistido – atuam eles lado a lado. Aqui será aplicável
o artigo 654, porque na verdade quem irá outorgar poderes será o relativamente incapaz ao lado do
respectivo assistente. Nesse caso, sim, a manifestação de vontade do incapaz será relevante para a
outorga de poderes. Nessa hipótese, a responsabilidade no que se refere a atos praticados perante
terceiros, a principio, estará o relativamente incapaz vinculado, sem prejuízo da vinculação do
assistente. A responsabilidade do relativamente incapaz é sempre limitada (regra geral, é subsidiária).
Temos a figura da responsabilidade civil por fato de outrem, ou seja, os representantes legais
respondem pelos atos de seus representados. Então, será utilizada a sistemática geral da
responsabilidade civil, ou seja, a principio responderá o assistente e, subsidiariamente o incapaz – artigo
928.
OBS: Nada impede que um mandato em termos gerais – que só confere poderes de administração -
possa ser mandato geral (para todos os atos) ou especial (para determinados negócios especificados).
Mas há o enunciado 183 do CJF, que afirma que o mandato com poderes especiais não pode ser geral.
Ou seja, o mandato com poderes especiais tem necessariamente que estabelecer os negócios
abrangidos pelo mandato.
Enunciado 183 – Para os casos em que o parágrafo primeiro do artigo 661 exige poderes especiais, a
procuração deve conter a identificação do objeto.
O que a doutrina sustenta é que seria desarrazoado que alguém pudesse outorgar poderes a outrem
para praticar atos de disposição envolvendo todos os negócios jurídicos. Isso geraria para o mandante
situação de extrema fragilidade.
Artigo 668 – O mandatário é obrigado a dar contas de sua gerencia ao mandante, transferindo-lhe as
vantagens provenientes do mandato por qualquer titulo que seja.
Exemplo: imaginemos que o mandante tenha autorizado o mandatário a vender o bem por R$300.000,
mas o mandatário consegue vender o bem por R$400.000. O mandatário tem que repassar o valor de
R$400.000. Isso demanda mais uma diferença entre o mandato e o contrato estimatório.
Isso demonstra, claramente, que todas as vantagens que o mandatário obtiver no curso do mandato
pertencem, desde a origem, ao mandante
Artigo 669 – O mandatário não pode compensar os prejuízos a que deu causa com os proveitos que,
por outro lado, tenha granjeado ao seu constituinte.
O mandatário responde pelos prejuízos causados ao mandante, não podendo compensar com os
proveitos que obteve para o constituinte, porque estes pertencem ao próprio mandante, e a
compensação pressupõe reciprocidade de obrigação, mas aqui ambos os créditos são titularizados pelo
próprio mandante.
Como conseqüência, temos o artigo 670.
Artigo 670 – Pelas somas que devia entregar ao mandante ou recebeu para despesa, mas empregou
em proveito seu, pagará o mandatário juros, desde o momento em que abusou.
Por conta do que vimos, a doutrina afirma que esses juros serão os moratórios, pois, na verdade, o
mandatário estaria em mora quanto a entrega de tais proveitos ao mandante. Neste caso do artigo 670,
a mora é ex re (“desde o momento em que abusou). Remissão para o artigo 397 e 398 (artigos que
tratam da mora ex re).
O mandato é presumidamente gratuito ou oneroso? O mandato é bifronte, ou seja, pode ser gratuito ou
oneroso.
Muita gente, de maneira precipitada, diz que o mandato é presumidamente gratuito. CUIDADO. Isso
depende. Artigo 658: “O mandato presume-se gratuito quando não houver sido estipulado a retribuição,
exceto se o seu objeto corresponder ao daqueles que o mandatário trata por oficio ou profissão
lucrativa”. Se o mandatário é um advogado, um despachante, por exemplo, o mandato será
presumidamente oneroso. O mandato é presumidamente gratuito ou oneroso dependendo da própria
natureza da atividade do mandatário.
O parágrafo único, parte final, diz que se o mandato for oneroso e houver omissão quanto ao preço
cabe fixação por arbitramento. Essa regra pode ser aplicada nos casos em que o mandato é
presumidamente oneroso, mas não há fixação de preço.
Revogação do mandato:
Regra geral, a natureza jurídica da revogação do mandato é resilição unilateral e, portanto, direito
potestativo. Justifica se tratar de direito potestativo porque o mandato envolve relação de confiança ou
fidúcia. Quebrada a confiança não se justifica a subsistência do mandato. Por isso, inclusive, é
inaplicável ao mandato o artigo 473, parágrafo único, que diz: “Se porém dada a natureza do contrato,
uma das partes houver feito investimentos consideráveis para sua execução a denuncia unilateral só
produzirá efeitos depois de transcorrido o prazo compatível com a natureza dos investimentos”. Em
relação ao mandato, contrato será extinto de plano e a questão será resolvida em perdas e danos.
Em harmonia com tudo isso, temos o artigo 683, que reforça a idéia de que a revogabilidade é da
essência do mandato.
Artigo 683 – Quando o mandato contiver causa de irrevogabilidade, e o mandante o revogar, pagará
perdas e danos.
O próprio dispositivo deixa claro que a clausula de revogabilidade não tem o condão de afastar o direito
potestativo da revogação. A eficácia da clausula é apenas propiciar perdas e danos.
Artigo 684 – Quando a clausula de irrevogabilidade for condição de um negocio bilateral, ou tiver sido
estipulada no exclusivo interesse do mandatário, a revogação do mandato será ineficaz.
“Cláusula de revogabilidade como condição de um negocio jurídico bilateral”. Imagine um mandato pelo
qual se outorga poderes a outrem para pagar uma letra de cambio – obrigação cambial contraída. Na
verdade, o mandato é um mero instrumento para cumprimento de uma obrigação contratual
anteriormente assumida. Neste caso, a irrevogabilidade do mandato decorre da impossibilidade de
resilição unilateral do contrato a ser cumprido através do mandato. Se pudesse ser revogado o mandato
se estaria dando causa àquela outra relação contratual.
A parte final é de árdua aplicação: “ou quando for estipulada no exclusivo interesse do mandatário”. Se
encaixa no artigo 685 – mandato em causa própria.
Outro exemplo trazido pela doutrina é o seguinte: suponha que se celebre um contrato preliminar; daí o
promitente outorga poderes ao promissário comprador em dar causa a execução do contrato preliminar,
ou seja, em emitir a declaração de vontade em nome do promitente tão logo o próprio promissário
cumpra suas obrigações. Nada impede que o sujeito que se comprometeu a emitir a declaração de
vontade outorgue poderes ao outro contratante para emiti-la em seu nome, caso seja cumprido o termo
ou a condição. Esse mandato é estabelecido no interesse do mandatário, pois este tem interesse direto
e imediato no interesse do mandato. Nesse caso, o mandato também se torna irrevogável.
Pode se afirmar que o artigo 684 se aplicará basicamente na hipótese de contratos interligados, quando,
na verdade, o mandato é firmado como instrumento ao adimplemento de outras obrigações, sendo que
esta outra obrigação é de interesse direto do mandatário.
Contrato de fiança:
Artigos 818 a 839 do CC.
A causa do contrato de fiança está no artigo 818.
Artigo 818 – Pelo contrato de fiança uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida
pelo devedor, caso este não a cumpra.
A fiança envolve a garantia pessoal ou fidejussória.
Particularidades:
O CC/ 16 tratava de uma figura que era denominada de abonador; essa figura não é mais prevista no
código atual. O abonador era o fiador do fiador. Caso o fiador não cumprisse a garantia fidejussória, o
abonador responderia pela divida. Esta figura, embora suprimida do CC, não deixou de existir no nosso
ordenamento jurídico. Nada impede a hipótese do antigo abonador pelo principio da autonomia privada.
Isso entraria na lógica dos contratos derivados.
Se alguém perguntar sobre abonador – fiador do fiador – isso entraria na lógica dos contratos
derivados, da subcontratação; ou seja, o fiador transferindo, em parte, a sua posição de fiador.
As partes envolvidas no contrato de fiança são credor e fiador. Tecnicamente, o devedor não integra a
qualidade de parte no contrato de fiança. Na pratica, normalmente, é o devedor que procura o fiador,
mas a relação contratual é firmada entre credor e fiador. Isso fica claro no Artigo 820 do CC.
Artigo 820 – Pode se estipular a fiança, ainda que sem consentimento do devedor ou contra sua
vontade.
Questão que já gerou alguma controvérsia é a seguinte: regra geral, a concessão de fiança demanda a
outorga do cônjuge. Tem regras especificas – artigos 1647, inciso III c/c 1649 – exigindo a outorga do
cônjuge, como regra, para celebração da fiança, com exceção do regime da separação absoluta. A
ausência da outorga do cônjuge geraria a invalidade ou ineficácia total ou parcial da garantia? Ou seja,
se a invalidade ou ineficácia da fiança abrangeria apenas o patrimônio do cônjuge que não anuiu ou se
abrangeria a própria parcela do fiador? A tendência do STJ, há algum tempo, é no sentido de defender a
ineficácia total da fiança, ou seja, abrangendo não só a parcela do cônjuge não anuente, como também
a do próprio fiador. Sumula 332 do STJ – a fiança prestada sem a anuência de um dos cônjuges implica
a ineficácia total da garantia.
Pergunta de aluno: essa necessidade de anuência abrange a união estável?
Numa leitura civil constitucional diríamos que se aplicaria tal sumula também a união estável. Os
interesses em jogo seriam os mesmos. O grande problema é que a união estável é um ato não solene; e
a exigência de outorga em relação a união estável pode, sem duvida alguma, abalar a legitima
expectativa de terceiro. A tendência é no sentido de se entender que a regra não se estende a união
estável dado o caráter de informalidade que envolve a relação. O objetivo seria a proteção da legitima
expectativa de terceiro, ainda que o companheiro venha a ser prejudicado. Se entendermos que se
dispensa a anuência no caso da união estável, podemos sustentar que a fiança não alcança a meação
do companheiro.
Pergunta de aluno: se o fiador se declara solteiro, pode seu cônjuge se opor ao pagamento da divida
objeto da fiança no que tange a sua meação?
R: Teríamos neste caso aplicável o instituto dolo. Teríamos aqui uma colisão de interesse entre os
interesses do credor de boa fé e o interesse do cônjuge, da família como um todo. A tendência
jurisprudencial é no sentido da proteção da família. Como o código estabelece um requisito legal para a
validade da fiança, a inobservância desse requisito pode propiciar a figura do erro ou do dolo, no caso,
para a anulação do contrato de fiança, inclusive, pelo credor prejudicado. A tutela do credor seria no
sentido de invocar o dolo para desconstituir o contrato de fiança e, inclusive, propiciar o vencimento
antecipado da divida em relação ao devedor principal, caso ele não substitua a figura do fiador. Numa
ponderação de interesse protegeríamos o cônjuge, que não anuiu por conta do erro do fiador, e por
outro lado, a tutela jurídica do credor se daria através do vencimento antecipado da vitima.
Classificação:
Unilateral
Em regra, Gratuito – excepcionalmente, temos a fiança bancária, que é um contrato de fiança
eminentemente oneroso.
Acessório
Personalíssimo – em relação a natureza personalíssima, o artigo 836 prevê que a morte do
fiador extingue o contrato. E, curiosamente, apesar do devedor não integrar a relação contratual, há
algum tipo de relação de fidúcia entre o devedor e o fiador; não é uma relação jurídica contratual, mas
uma relação de fidúcia.;o STJ, então, afirma que a morte do afiançado também extingue o contrato de
fiança. Resp 439945.
Contrato solene – artigo 819 – exige forma escrita para o contrato de fiança. Detalhe: o mesmo
artigo 819 diz que a fiança não admite interpretação extensiva. Essa parte final do artigo 819 vem em
sintonia com o artigo 114 do CC, que diz que os negócios jurídicos benéficos e a renuncia interpretam-
se estritivamente. Tanto o artigo 819, quanto o artigo 114, deram origem a sumula 214 do STJ, que diz
que o fiador, na locação, não responde por obrigações resultantes de aditamento com o qual não anuiu.
O STJ tem posição clara no sentido de que se o fiador se compromete até a entrega das chaves, com a
renovação tácita do contrato, o fiador não se exonera. Muitos diziam que esse entendimento contrarira a
sumula 214, mas o STJ disse que não, ao argumento de que renovação é uma coisa e prorrogação
tácita é outra. E faz sentido, porque a premissa da aplicação desse entendimento jurisprudencial é de
que o fiador se comprometa até a entrega das chaves; o código diz que a fiança não admite
interpretação extensiva, e o artigo 114 impõe interpretação estritiva, que não se confunde com
interpretação restritiva. Então, numa interpretação estritiva, literal, o fiador responde diante da
prorrogação tácita se ele comprometeu pela fiança até a entrega das chaves.
Esse artigo quando diz que a fiança não admite interpretação extensiva pode nos conduzir a afirmativa
de que se porventura a obrigação do devedor principal é acrescida pela surretio ou pela supressio, o
fiador não se vincula. Quer dizer, a surretio ou a supressio não necessariamente abrange o fiador.
Imagine que o aluguem acordado seja R$1.200,00, mas há cinco anos o locatário vem pagando
R$1.600,00 porque quer; podemos falar em surretio; mas, obviamente, que essa conduta não vincula o
fiador por força do artigo 819, parte final. A garantia permanece tal qual ajustada, o que exceder por
conta da supressio ou surretio fica fora da fiança.
Remissão do artigo 819, parte final para o artigo 822.
E se for o contrário, ou seja, o valor acordado é R$1.600,00 e o locatário vem pagando R$1.200,00 há
cinco anos, sem contestação do locador. Nesse caso a diminuição do valor da divida principal acaba
beneficiando o fiador, não pelo artigo 114, mas por dois fundamentos: a) principio da gravitação – o
acessório segue o principal; b) artigo 823, que é uma decorrência da gravitação jurídica: “A fiança pode
ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosa, e quando
exceder ao valor da divida ou for mais onerosa do que ela não valerá senão até o limite da obrigação
afiançada”. O artigo 823 é uma projeção da gravitação jurídica e faz com que o fiador não possa se
prejudicar com a supressio ou surretio, mas poderia sem duvida ser beneficiado, até porque
indiretamente estaríamos tutelando a posição jurídica de um credor que foi inerte, desidioso, de maneira
prolongada; o credor não teria mais a legitima expectativa de receber o valor de R$1.600,00. Num
ambiente acadêmico poderíamos falar até em enriquecimento sem causa; e a ausência de causa
decorreria da desídia prolongada do titular da prerrogativa.
O artigo 819, parte final, merece remissão para o artigo 822. O artigo 822 também trata da gravitação
jurídica. Diz o artigo 822: Não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os acessórios da divida
principal, inclusive as despesas judiciais desde a citação do fiador.
Então, a interpretação estritiva da fiança não afasta a responsabilidade do fiador em relação aos
acessórios, pelo principio da gravitação jurídica.
Em sendo acessória, a rigor, o contrato de fiança dependeria da existência de uma obrigação principal.
Mas o artigo 821 contempla fiança sobre divida futura. Ou seja, o artigo 821 é uma exceção ao principio
da gravitação jurídica.
Nada impede que um contrato, ainda sujeito a termo inicial ou submetido a uma condição suspensiva,
possa ser objeto de garantia fidejussória. Neste caso, há uma discussão doutrinaria no sentido de que
se a obrigação é condicional, o contrato de fiança também seria um contrato condicional?
Uns defendem que sim pelo principio da gravitação jurídica – Carvalho Santos.
O Serpa Lopes defende que não, afirmando que condicional é a obrigação principal, não a fiança; a
fiança não seria condicional porque quando o fiador assume o compromisso pela divida futura não mais
poderá se esquivar caso haja o implemento da condição; na verdade, a fiança não seria condicional,
mas teria a sua exigibilidade suspensa. A responsabilidade do fiador é que ficaria suspensa enquanto
não houver o implemento da condição suspensiva.
*A fiança é a hipótese em que há a responsabilidade sem debito. Um aluno suscitou, então, o seguinte
raciocínio: na fiança não se exige o debito. CUIDADO: Não se exige o debito do fiador. Em relação a
divida futura estamos falando do devedor principal. Quer dizer, a fiança, em regra, não pressupõe debito
por parte do fiador, mas busca assegurar uma outra obrigação na qual há débito e responsabilidade.
A questão da divida futura envolveria a hipótese em que há um debito principal sujeita a uma condição
suspensiva. A ausência de debito se dá em relação a figura do fiador. O que está em jogo neste
dispositivo é a existência, ou não, de debito exigível em relação ao devedor principal.
Artigo 824 – As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar apenas
de incapacidade pessoal do devedor.
Pelo principio da gravitação jurídica, o artigo 824 diz que as obrigações nulas não são suscetíveis de
fiança, ou seja, se invalido for o contrato principal, inválido também será o contrato de fiança, exceto se
a nulidade resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor. Na verdade, a incapacidade é uma
exceção ao principio da gravitação jurídica, porque ainda que a obrigação seja invalidade por
incapacidade do devedor, a fiança subsiste.
Há quem critique a redação do dispositivo porque o artigo 824 fala em obrigações nulas. O que muitos
sustentam é que a regra não se aplicaria a incapacidade absoluta, porque se houver incapacidade
absoluta a hipótese é de nulidade absoluta; nulidade absoluta atinge interesse publico e o ato nulo não
produz efeitos.
O que o Carvalho Santos defende é que a regra se restringiria a hipótese de incapacidade relativa, ou
seja, abrangeria a anulabilidade, e não nulidade como diz o artigo 824.
Parágrafo único – A exceção estabelecida neste artigo não abrange o caso de mutuo feito a menor.
Remissão para o artigo 588 do CC.
O que muitos sustentam, aqui, é que a restrição a aplicação da regra a maiores de 16 e menores de 18
anos, teria alguma correlação ao artigo 180, porque o artigo 180, de alguma maneira, mitiga o regime da
incapacidade relativa para prestigiar a tutela jurídica do outro contratante; e essa tutela jurídica do outro
contratante, em se tratando de fiança, não demandaria os requisitos do artigo 180; ela se projetaria para
o fiador.
Artigo 826
Trata da substituição do fiador. CUIDADO: a hipótese de substituição do fiador diz respeito a hipótese
de insolvência ou incapacidade superveniente do fiador.
Se a incapacidade é originaria a hipótese não é, tecnicamente, a do artigo 826, mas de invalidação do
contrato de fiança.
Se a hipótese é de insolvência originaria se aplica a sistemática do erro ou do dolo, ou seja, a hipótese
é de invalidade por defeito do negocio jurídico.
Tem um artigo do código prevê que a não substituição do fiador propicia vencimento antecipado da
vitima. A principio, o efeito imediato é o vencimento antecipado. Artigo 333, III CC. Artigo 1425 CC. De
qualquer modo, seria aplicável, ao menos por analogia, o artigo 1425, IV do CC.
Quando se fala em gravitação jurídica, se fala que o acessório segue o principal, mas na verdade as
questões atinentes ao contrato acessório não repercute no principal. Mas aqui estamos vendo que pode
repercutir, ou seja, uma circunstancia fática envolvendo o contrato de fiança – acessório – tem o condão
de produzir efeitos no contrato principal – a não substituição do fiador, no contrato acessório, produz o
vencimento antecipado no contrato principal.
Artigo 827
Trata do beneficio de ordem ou excussão. Resumidamente é a presunção relativa de que a
responsabilidade do fiador é meramente subsidiária.
O código literalmente exige que a exceção do beneficio de ordem seja alegada na contestação – dentro
da regra geral do CPC, artigo 303 (principio da concentração ou eventualidade).
Parágrafo único – É ônus do fiador que alega o beneficio de ordem nomear bens do devedor sitos no
mesmo município livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.
Essa presunção é meramente relativa.
Artigo 828
Prevê as exceções ao benefício de ordem.
O inciso I prevê a hipótese de renuncia expressa (o que sempre acontece na pratica). A renuncia tácita
do beneficio de ordem se dá com a não alegação na defesa.
O inciso II diz se o fiador se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário.
Na pratica, o inciso I e II se confundem. Remissão desses dois incisos para o artigo 424 do CC,
combinado com o enunciado 364 do CJF. O artigo 424 diz que no contrato de adesão não se admite a
renuncia antecipada do aderente a direito que resulta da natureza do negocio; e o beneficio de ordem é
um direito do fiador que resulta da natureza do negocio; ele é afastável, mas pela natureza da fiança há
o beneficio de ordem; o enunciado diz que não se admite a renuncia do beneficio de ordem no contrato
de adesão.
Normalmente, o contrato de locação se insere dentro da lógica do contrato tipo ou contrato padrão, que
não se confunde com o contrato de adesão. Apesar de na locação haver um conteúdo quase que pré
delimitado, algumas circunstancias são usualmente objeto de amplo debate entre as partes, como por
exemplo o preço do aluguel.
Essa analise de se o contrato é padrão, tipo ou adesão, é casuística.
O enunciado 364 quando fala que não cabe renuncia ao beneficio de ordem em contrato de adesão está
se referindo ao próprio contrato de fiança, e não ao contrato de adesão principal. Pode ser que o
contrato principal não seja de adesão, mas se o contrato de fiança for de adesão não caberá o
beneficio de ordem.
Se esse enunciado for levado a serio vai cair na pratica o beneficio de ordem, porque o contrato de
fiança é intuitivamente contrato de adesão.
Temos que verificar se o STJ vai encampar, ou não, o enunciado do CJF.
Muito cuidado para não confundir o beneficio de ordem com o chamado de beneficio de divisão. O
beneficio de divisão se aplica na hipótese de co-fiança, ou seja, quando temos dois ou mais fiadores. O
beneficio de ordem diz respeito a relação entre devedor principal e fiador; o beneficio de divisão diz
respeito a relação entre co-fiadores. O beneficio de ordem se presume; o beneficio de divisão não se
presume (Artigo 829: A fiança conjuntamente prestada a um só debito por mais de uma pessoa importa
o compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente não se reservarem o beneficio de
divisão). O código traz a presunção relativa de solidariedade entre os co-fiadores; presunção relativa.
Qual a diferença do artigo 829 quando fala em beneficio de divisão para o artigo 830 do CC (Artigo 830 -
Cada fiador pode fixar no contrato a parte da divida que toma sob sua responsabilidade,c aso em que
não será por mais obrigado). Praticamente é a mesma coisa; a diferença é meramente doutrinaria. O
Venosa e o Tepedino trazem essa diferença. No beneficio de divisão, presumidamente, cada um dos
fiadores respondem por uma cota proporcional. Se aplica a presunção relativa das obrigações divisíveis,
no sentido de que todas as obrigações são iguais percentualmente. Se temos quatro co-fiadores, no
caso de beneficio de divisão, cada um deles responde por 25%. Ao passo que no artigo 830 a
responsabilidade é fixada no valor predeterminado.
O que a doutrina entende é que as hipóteses de afastamento do artigo 828 merece interpretação
estritiva, porque é uma exceção a regra geral.
Pergunta de aluno: inaudível.
Talvez seja discutível se podemos ou não suscitar a exceção de insegurança em relação ao fiador
projetando perante o devedor. Aqui sim, parece plenamente sustentável.
Estamos falando em afastamento do beneficio de ordem. Se tiver beneficio de ordem parece
insustentável alegar exceção de insegurança contra o devedor pela dificuldade patrimonial do fiador,
porque este é mero garantidor. A insuficiência patrimonial do fiador teria como efeito prático a exigência
de substituição do fiador ou o vencimento antecipado da divida.
Podemos trazer a colação o artigo 333.
Artigo 831 – O fiador que pagar integralmente a divida fica sub-rogado nos direitos do credor, mas só
poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela respectiva cota.
Sabemos que o fiador é um terceiro interessado. E como terceiro interessado, o fiador se subrroga nos
direitos do credor.
O problema desse dispositivo é redacional. O problema está na expressão “integralmente”. E se o fiador
pagar parcialmente a divida? O Clovis Bevilaqua explica o dispositivo dizendo que se o fiador paga parte
da divida ele não se sub-roga porque continua a ser devedor (lato sensu, porque ele tem
responsabilidade, mas não tem débito); enquanto ele for devedor, ele não se sub-roga. O Venosa
embola um pouco; ele começa dizendo algo interessante, ou seja, ainda que entendamos que não há
sub-rogação, o fiador teria a via regressiva sem sub-rogação, até o limite do que pagou, pela vedação
ao enriquecimento sem causa; ele “embola” um pouco, porque ele traz um outro argumento
interessante, mas que acaba contradizendo o primeiro; ele invoca o artigo 351 (o credor originaria
prefere ao sub-rogado, se o devedor não puder pagar os dois); esse dispositivo trata de sub-rogação
parcial, que ocorre quando o terceiro pagar parte da divida. Por este dispositivo podemos sustentar que
haverá sub-rogação parcial.
Artigo 831, parágrafo único – A parte do fiador insolvente distribuir-se-á pelos outros.
Isso lembra o rateio da cota do devedor insolvente – artigo 283 do CC.
Vejam bem. A aplicação desse parágrafo único parte da premissa de no caso de co-fiança há
solidariedade entre eles. O dispositivo parece inaplicável no caso de beneficio de divisão, porque, na
verdade, a regra se alinha ao regime de solidariedade passiva. Se tiver o beneficio de divisão (artigo
829, parte final), ou a hipótese do artigo 830, cada um só responde pela sua parte, quer dizer, a
insolvência de um deles não pode ser atribuída aos demais, porque a obrigação de cada fiador passa a
ser autônoma, distinta.
Exemplo: 4 co-fiadores com solidariedade passiva, vez que não houve beneficio de divisão acordado; o
credor renuncia da solidariedade em favor de um dos co-fiadores; artigo 284 (os exonerados participam
do rateio); se o credor renuncia a solidariedade em favor de um dos co-fiadores, o co-fiador exonerado
participa do rateio, porque o acordo entre o credor e um dos co-fiadores não pode ter o condão de
prejudicar os demais. Remissão do artigo 284 ao 278.
Artigo 836 – A obrigação do fiador passa aos herdeiros, mas a responsabilidade da fiança se limita ao
tempo decorrido até a morte do fiador e não pode ultrapassar as forças da herança.
Deixa clara a natureza personalíssima do contrato de fiança.
O contrato de fiança se extingue, mas as responsabilidades atinentes até o período do falecimento do
fiador se projetam aos herdeiros dentro das forças da herança.
Só que, ganha cada vez mais espaço, a idéia da culpa normativa dentro de um padrão abstrato, levando
em conta as vicicitudes do caso concreto, quase que um meio termo. Quer dizer, um padrão abstrato à
luz das circunstâncias do caso concreto.
Por exemplo, quando vai se discutir. Nós chegamos a ver isso nos vícios redibitórios, nós vimos
implicitamente, um exemplo de culpa normativa. Lembra aquela história se o alienante sabia ou não
sabia do vício? Os efeitos são diferentes.
Só que, nós vimos que apesar, do Código falar se o alienante sabia ou não sabia muitos autores
defendem se, não sabia, mas deveria saber, o efeito é o mesmo da hipótese em que ele, efetivamente,
soubesse.
E aí, qual é a idéia da culpa normativa aqui? É preciso tratar diferentemente, o dono de uma
concessionária de automóvel de um particular que, obviamente, não tem a obrigação de conhecer, com
tanta profundidade aquele bem que é objeto de alienação.
Então, dentro da culpa normativa, o que se sustenta é a observância de um padrão abstrato,
dependendo das circunstâncias do caso concreto.
Ou seja, é preciso diferenciar o sujeito técnico, o sujeito que tem perícia no assunto, do sujeito
absolutamente leigo, de um hiposuficiente tecnicamente. Quer dizer, a idéia da hiposuficiencia técnica,
ganha demasiado destaque à luz da culpa normativa, no contexto atual.
Então, é o padrão abstrato, porém, sem desconsiderar eventuais nuances do caso concreto. É preciso
levar em conta, no caso concreto, as circunstâncias pessoais, para se extrair um padrão abstrato.
Vamos tratar agora, de alguns aspectos envolvendo o dano. Todo mundo, seguramente, sabe que, o
dano a princípio, pela lógica geral, ele pode ser patrimonial ou moral, sendo que para o STJ, também,
se admite o dano estético como categoria autônoma. Veremos isso mais adiante.
Vamos focar, nesse momento, na questão do dano patrimonial. O dano moral vai merecer depois, uma
atenção a parte. Vamos focar no dano patrimonial. Todo mundo sabe que, a lógica patrimonial se
subdivide no dano emergente e, no lucro cessante, art. 402 do Código Civil. Dano emergente sinônimo
de dano positivo. Então, dano emergente é aquele decréscimo patrimonial imediato, suportado pela
vítima e, lucro cessante é aquilo que, razoavelmente, deixou de lucrar. Chama muito atenção nesse
contexto, dessa dicotomia dano emergente e lucro cessante, a questão da perda da chance. Como o
próprio nome já diz a sistemática da perda da chance, resumidamente, ocorre a perda da oportunidade
de se evitar o prejuízo ou ainda, de obter determinada vantagem.
Quando isso entrou no Brasil, muita gente começou a dizer que, a perda da chance se confundiria com
o lucro cessante, o que está superado. Perda da chance não se confunde com lucro cessante. Porque
no lucro cessante é preciso que se demonstre e que se comprove que se deixou de ganhar.
É aquela história do taxista, exemplo típico, está em todos os manuais. Se, alguém causa culposamente
um dano a um taxista, o dano emergente é o reparo do automóvel, as despesas hospitalares. E o lucro
cessante é a féria que ele deixou de obter nos dez dias que o carro ficou parado.
O exemplo clássico de perda da chance é aquela história do advogado. O advogado apela fora do
prazo. Quando ele apela fora do prazo, o recurso não é conhecido.
E aí, se indaga se o advogado teria ou não, responsabilidade civil, pela perda da chance do cliente, em
ver revertido aquele julgado que lhe era desfavorável.
Quer dizer, a idéia é da perda da chance, porque, obviamente, o cliente não tem como comprovar se o
recurso seria ou não, provido caso fosse conhecido.
Aquela história do maratonista, também. O sujeito estava em primeiro lugar, diante de toda aquela
confusão, o sujeito acabou chegando em, terceiro. Também, se discute se haveria ou não
responsabilidade civil pela perda da chance.
Resposta: na verdade, esse tema é muito difundido no direito Francês e no direito Italiano. No Brasil, a
matéria ainda, não está tão consolidada. Se, faz até muita confusão jurisprudencialmente sobre o tema.
E lá, no direito comparado o que se afirma é o seguinte, olha é preciso, quando da fixação do quantum
debeatur se estabelecer um coeficiente de redução, ao montante esperado pela vítima, um coeficiente
de redução, proporcional as suas respectivas chances.
Quer dizer, então, claro que é uma tarefa árdua, em muitas circunstâncias, mas o caminho é
exatamente esse que você colocou. Quer dizer, uma análise através de estatísticas, em muitas
situações.
O caso mais conhecido, todo mundo já deve ter ouvido falar, da história do Show do Milhão. Ali foi fácil
fixar o quantum debeatur. Quer dizer, o sujeito chegou, na última pergunta se, acertasse levaria um
milhão e, se errasse perderia tudo, já tinha lá, os quinhentos mil.
Só que, não havia resposta certa dentre as quatro e, o sujeito acabou, obviamente, não acertando. E aí,
o STJ no julgado Resp 788.459. Esse caso foi, relativamente, simples, porque na verdade, havia quatro
alternativas e, em tese, ele teria vinte e cinco por cento de chance de acertar, caso houvesse resposta
certa.
Então, na verdade, o STJ atribuiu vinte e cinco por cento do montante esperado pela vítima. Então, na
verdade, em muitas situações a análise acaba sendo, sem dúvida, estatística, diversamente dessa
hipótese em que a codificação é mais simples.
Então, os exemplos que, normalmente, a doutrina traz e a jurisprudência. A questão do sujeito
gravemente enfermo, com câncer terminal. Porque a questão da perda da chance é, potencialmente,
aplicada na responsabilidade civil médica, inclusive, sem dúvida alguma.
Tem um julgado do Rio Grande do Sul em que, o advogado apelou fora do prazo, um exemplo clássico.
Aí, o cliente ingressou com uma ação de responsabilidade civil contra o advogado. O advogado na
resposta provou por “a” mais “b” que o recurso por ele feito, dificilmente, seria provido.
Não porque tenha havido equívoco técnico, mas porque a jurisprudência dominante vinha em sentido
contrário. E a jurisprudência repudiou a responsabilidade civil neste caso. Quem quiser dar uma olhada,
TJ do Rio Grande do Sul, apelação cível 7.403.1373.
Resposta: o instituto, sem dúvida, é potencialmente aplicável em questões médicas.
E aí, o colega indagou a questão de concurso. Tem um julgado do TJ do Rio Grande do Sul, processo
71000889236. Curso preparatório havia se comprometido com seus alunos a fazer o transporte para o
concurso.
Só, que houve uma falha e eles não chegaram para fazer o concurso. Esse julgado reconheceu a
responsabilidade civil do curso transportador, pela perda da chance dos candidatos.
Então, quer dizer, às próprias nuances, a própria evolução do processo seletivo, pode fazer com que a
consequência seja ou não, a caracterização da responsabilidade. Enfim, a análise acaba sendo
casuística.
Isso foi, potencialmente, aplicado naquele cenário de caso aéreo, também. O sujeito tinha uma
entrevista final de um emprego, concorrendo com cinco candidatos. E aí, por conta do caos aéreo, ele
não chega a tempo.
Quer dizer, em tese, responsabilidade civil ela perda da chance. Se, ele não chega a tempo, para
assinar um contrato já previamente acordado, aí, teríamos lucro cessante e não perda da chance.
Tem uns exemplos. Nós temos que ter cuidado, porque às vezes os manuais trazem, tem um exemplo
na jurisprudência francesa que, muita gente repete, mas que, talvez, no Brasil não seja de aplicação tão
fácil.
O sujeito era um brilhante estudante de medicina. Era casado, só tirava notas brilhantes. E aí, houve o
falecimento por conta de transporte aéreo, uma falha no transporte aéreo.
E aí, a jurisprudência lá, atribuiu responsabilidade civil à esposa, pela perda da chance de ostentar um
novo padrão de vida, tão logo houvesse a formatura.
Então, muito cuidado, porque, obviamente, a análise tem que ser vista à luz da própria realidade, sócio
econômica. Quer dizer, na França talvez, a chance de ostentar um novo padrão de vida com a formatura
seja uma chance séria e real e, obviamente que, no Brasil talvez, a solução tenha que ser diferente.
Resposta: é possível que, sim, no caso concreto é possível que sim. Isso vai definir, inclusive, a
mensuração do quantum debeatur, sem dúvida alguma.
Quer ver um exemplo que se enaltece muito isso? O sujeito perde, por exemplo, a oportunidade de
fazer um concurso público ou vestibular. Quer dizer, na verdade, a responsabilidade civil nesse caso, se
toca na perda da chance daquele certame, especificamente. Obviamente, não abrange situações
futuras.
Quer dizer, a análise acaba sendo casuística. A princípio, a perda da chance se volta para um único
evento. Mas, nada impede não me vem nenhum exemplo aqui de plano, mas talvez, nada impeça que,
no caso concreto, se demonstre que haja perda de duas ou mais oportunidades.
E aí, claro que isso deve ser levado em conta, na hora de fixar o quantum debeatur. Mas, é preciso dizer
o seguinte, no Brasil não há nem julgado nesse sentido, mas lá fora já se fixou o seguinte parâmetro.
Imagine que um garoto de nove anos, super estudioso venha a falecer, por um acidente automobilístico.
Se, nós fizermos uma interpretação elástica, nós diríamos que aquele garoto de nove anos perdeu
múltiplas oportunidades, porque ele tinha toda uma vida pela frente.
Então, de molde a restringir a aplicabilidade da teoria, nesse caso, por exemplo, a jurisprudência afirma
que, só há a perda da chance, quando a vítima já desenvolvia procedimentos preparatórios aquela
finalidade.
Quer dizer, talvez, seja justificável dentro da jurisprudência, dentro da realidade francesa que, o sujeito
na iminência de se formar em medicina, possa, efetivamente, ter sofrido a perda da chance de mudar o
padrão de vida, mas não um garoto de nove anos.
Então, quer dizer, essa necessidade de proximidade com a chance perdida talvez, acabe restringindo na
prática, esse leque demasiado de oportunidades, eventualmente, perdidas.
Resposta: a perda da chance em si, por isso ela entra no dano emergente. Nós estamos falando em
morte, tem um caso interessante que aconteceu, também, na França. Os casos mais interessantes até,
agora, são do direito estrangeiro.
A mãe fez o exame médico e nada foi constatado durante o processo gestacional. Só que, houve uma
falha no laboratório quanto ao exame gestacional. Porque, na verdade, ela tinha rubéola, rubéola não
constatada durante o processo gestacional e o sujeito nasceu, absolutamente, deformado.
E aí, o sujeito ingressou com uma ação de responsabilidade civil contra o laboratório, pela perda da
chance de não ter nascido. Porque na França seria admitido o aborto nessa hipótese.
Então, foi à perda da chance de não ter nascido. Claro que, inaplicável no direito brasileiro, mas enfim.
Resposta: nós vamos ver com mais calma isso, quando chegarmos no art. 948. Porque o art. 948 prevê
a responsabilidade civil contra o autor do dano em favor do alimentando. Só que, a ótica do art. 948 a
princípio, isoladamente, a idéia é de dano emergente e de lucro cessante em relação às prestações
subsequentes.
Resposta: é o art. 948 traz idéia de homicídio, exatamente. Por que qual é a graça do art. 948, que nós
vamos ver? Ele abre margem para a questão do dano reflexo, do dano em ricochete.
É uma hipótese legislativa de dano em ricochete, porque, na verdade, o alimentando acaba se
beneficiando de uma reparação, por um homicídio, no caso do art. 948, causado ao alimentante. Isso
acaba dando margem à questão do dano em ricochete.
A jurisprudência, na verdade, o STJ em várias situações julga desse modo, fixando o valor a partir da
idade em que o garoto, em tese, poderia ajudar a família e, quando ele chega a vinte quatro ou vinte e
cinco anos de idade, diminui o quantum debeatur, porque ele tende a constituir uma nova família.
Só que, na verdade, a conotação que o STJ sempre trouxe a esses aspectos nunca foi de perda da
chance, sempre traduziu a idéia de certeza, em relação aqueles alimentos futuros.
Então, é claro que essa perspectiva, o STJ nunca trabalhou com a perda da chance. Mas, sem dúvida, a
situação em muito se assemelha. E, na verdade, se nós entendermos pela perda da chance, nós
estaríamos, na verdade, abrangendo demasiadamente o próprio nexo causal.
Porque, na verdade, essa restrição a aplicação da perda da chance, quando o sujeito não está em vias
de alcançar o resultado esperado, busca a bem da verdade, estabelecer algum limite ao próprio nexo
causal.
Por que, na verdade, nós alargaríamos demasiadamente o nexo causal e traríamos uma profunda
insegurança jurídica em uma situação em que não há uma certeza, uma segurança clara, em relação a
evento futuro.
De qualquer maneira o STJ vem fugindo um pouco dessa perspectiva, porque ele não trabalha com a
idéia, nesse caso específico, de perda da chance.
Mas, sem dúvida, seria em tese, possivelmente enquadrado nessa nova perspectiva, porque, também,
não há como se assegurar que o sujeito teria ou não condições de prover os alimentos aos
ascendentes.
Resposta: em relação ao caso da sentença? Na verdade o que mais importa naquela circunstância é a
inobservância.
No caso da apelação, o que mais importa é a observância ou não dos requisitos de admissibilidade do
recurso. Porque o objeto da decisão direta, claro que tem que ser de alguma forma desfavorável.
Mas, na verdade, a fundamentação da decisão talvez, só vá ser relevante para se aferir se, havia ou
não, chance séria e real.
Resposta: o reflexo processual sobre o acolhimento ou não da perda da chance? Me, parece eu prefiro
até que converse com o professor de processo civil, mas me parece que no estágio atual da doutrina e
da jurisprudência, seria temerário que não adentrássemos ao menos, ao mérito da questão.
Quer dizer, algum tempo atrás, talvez, não, porque a questão do dano emergente e, lucro cessante não
abrangia a perda da chance. Mas, no estágio atual da doutrina e da jurisprudência, aquela questão da
Teoria da Asserção do processo civil, quer dizer, talvez, fosse demasiadamente forçado se cogitar de
impossibilidade jurídica do pedido.
Aquela questão da Teoria da Asserção do processo civil, porque na verdade, a jurisprudência hoje, é
muito clara no sentido de trabalhar com a questão da perda da chance.
Resposta: teve, na verdade, a decisão de primeira instância reconheceu, mas o Tribunal de Apelação
reformou a decisão. Eu só não estou, realmente, com o número do julgado aqui.
Mas, o Tribunal de Apelação reformou, disse que a vida não seria uma oportunidade em si, a vida seria
um valor fundamental, a questão da dignidade humana superando essas questões.
Tem um julgado aqui, que demonstra a confusão que a jurisprudência vem fazendo. Um julgado do TJ
foi exatamente, essa história da perda do prazo para recorrer.
Nesse julgado se afirmou que não havia um dano patrimonial demonstrado, porque, na verdade, não
haveria como o cliente comprovar se, o julgado seria ou não revertido.
E aí, aplicando a perda da chance, o julgado entendeu que teria que ser configurado o dano moral a
espécie e, não prejuízo patrimonial. Quem quiser dar uma olhada, Apelação Cível 2.008.001.56804.
Resposta: na verdade, ele aplicou a perda da chance, para justificar dano moral. Ele entendeu que não
havia dano patrimonial, dentro da lógica tradicional de dano emergente e lucro cessante.
Porque não haveria como comprovar o que, se razoavelmente, se deixou de lucrar, porque ele não tinha
como provar que apelo seria provido, caso fosse conhecido e, usou a perda da chance, para sustentar
dano moral ao cliente.
Resposta: parágrafo único do art. 473? Diz lá, se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes
houver feito investimentos consideráveis, para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito
depois de transcorrido o prazo compatível com a natureza em vulto dos investimentos.
Aí, você está conectando isso com a questão. E na verdade, a questão da perda da chance, dentro da
evolução jurisprudencial, não só lá fora, mas aqui no Brasil, ela traz como consequência, a
responsabilidade civil. Não cabe pela própria natureza, tutela específica, porque, na verdade, a
expectativa, a chance já foi perdida.
E, na verdade, na hipótese do parágrafo único do art. 473, o que o legislador contempla é uma espécie
de tutela específica. Quer dizer, o âmbito de incidência é diferente.
O parágrafo único, na verdade, espanca as perdas e danos e, impõe aquele que exerce a resilição
unilateral, a projeção do contrato, dentro de um determinado lapso temporal.
Então, eu diria que as premissas aqui, são diferentes. Tanto é que a chance não está perdida que, o
legislador contempla a tutela específica. Quer dizer, a idéia de perda da chance acaba sendo
incompatível com a idéia de tutela específica.
Isso gera uma série de discussões e, nós não vamos enfrentar aqui, porque fugiria ao nosso alcance,
mas até envolvendo direito de família. Quer dizer, uma discussão clássica, aquela história do
rompimento abrupto do noivado. Se, discute a perda da chance sabe-se lá de que. Mas, enfim.
A perda da chance, a perda da oportunidade que, na verdade, acaba colidindo com o valor essencial
que, é a liberdade matrimonial. A colega falou liberdade contratual, não deixa de ser.
Mas, a liberdade matrimonial que, na verdade, é um valor essencial na sociedade contemporânea,
levando-se em conta a própria dignidade humana.
Porque, na verdade, a família hoje, deixa de ser um valor em si mesmo e, passa a ser um instrumento
para a felicidade de seus integrantes. Enfim, gera reflexos, também, na seara do direito extrapatrimonial.
E percebam, nada impede, é importante nós ressaltarmos, porque nós estamos falando em perda da
chance, em uma ótica, eminentemente, patrimonial. Mas, nada impede que haja a perda da chance,
envolvendo aspectos existenciais.
Não foi o caso do julgado do TJ, mas é possível que haja a perda da chance em aspectos existenciais.
Imaginem, naquela hipótese de caos aéreo, o sujeito tem um parente enfermo, na iminência do
falecimento. E, por conta do caos aéreo ele perde a oportunidade de ver pela última vez aquela pessoa
querida.
Quer dizer, é possível que haja a perda da chance atrelada a uma situação, eminentemente, existencial.
Quer dizer, a perda da chance vinculada ao dano moral.
Por que talvez, não surrectio? A lembrança é oportuna porque a surrectio decorre de uma conduta
reiterada.
Só que, na verdade, quer dizer, dois poréns. Primeiro a surrectio pressupõe uma conduta reiterada,
prolongada, porque se não nós abalaríamos, profundamente, a estabilidade nas relações jurídicas.
E, mais, a surrectio, na verdade, representa uma conduta reiterada, continuada que, desperta na outra
parte uma legítima expectativa na subsistência do seu estado de inércia. Quer dizer, o surgimento de
uma prerrogativa, por conta do exercício continuado de uma determinada situação jurídica.
Aqui a hipótese não é de prolongamento do seu estado de inércia, aqui a hipótese é de configuração de
responsabilidade civil ou não. Ou seja, mensuração, a extensão ou não dos danos, efetivamente,
suportados.
Então, quer dizer, a boa fé objetiva traduzindo-se através da venire e, podemos falar em abuso do
direito, diante da ausência de positivação legislativa.
Nós chegamos a trabalhar com isso, o colega chegou a suscitar isso, em aulas anteriores, se eu não me
engano foi naquela hipótese do aluguel pena. Porque nós estávamos discutindo no comodato que, o
Código Civil permite a fixação do aluguel pena pelo comodante.
E aí, nós estávamos discutindo em que medida o aluguel pena, afastaria ou não a fixação de astreintes,
para que não houvesse enriquecimento sem causa.
É discutível a aplicabilidade lá, enfim, como advogado da outra parte eu suscitaria, sem dúvida alguma.
Mas, é discutível, porque, na verdade, essa teoria pressupõe a desídia, a inércia.
E, na verdade, o comodato é arbitrário ao exigir do comodatário o aluguel pena, ele não se encontra,
absolutamente, inerte em relação aos prejuízos por ele suportados. Claro que, em tese, é sustentável,
mas talvez, encontrássemos alguma resistência por conta disso.
Resposta: se toda vez que falar em venire, tem violação do dever anexo de cooperação? É muito difícil
em direito, mas talvez, sim. Desde que, nós entendamos o dever de cooperação em uma acepção
ampla, uma acepção bastante abrangente.
Porque, na verdade, essa história de dever de cooperação, muitos defendem, tem que ser analisada
com cuidado, quer dizer, os contratantes não têm que ser amigos, eles não tem que andar de mãos
dadas.
Mas, a idéia do dever de cooperação estaria em que sentido? Em não dificultar o pagamento. E, na
verdade, nem sempre a idéia de venire está atrelada, necessariamente, a essa ótica do dever de
cooperação.
Quer ver aquele exemplo, do vencimento antecipado da dívida? Se, o bem está com um credor
pignoratício e ele próprio dá causa ao perecimento culposo do bem, a Judith Martins Costa fala que, a
venire afasta o vencimento antecipado da dívida.
E, vejam que ali nós não teríamos propriamente a questão do dever de cooperação atrelada. Quer dizer,
em muitas situações teremos, mas nem sempre, enfim.
Resposta: talvez, não, pelo seguinte. O que o colega está suscitando é importante, quer dizer, porque
quando nós falamos do abuso do direito, nós estamos falando em ato ilícito. É aquela discussão se, é
ilícito estrito sensu, se é ato antijurídico, aquela história toda.
Essa é uma pergunta até, capciosa em uma prova oral, cabe venire com a prática de ato ilícito? No
abuso é possível. Não no ato ilícito estrito sensu, mas no abuso sim.
Por isso não chega a ser incoerente nós falarmos ao mesmo tempo em venire e, ao mesmo tempo em
abuso do direito. Seria incompatível, com a idéia do ilícito estrito sensu.
Vamos falar de um tema agora, super importante que, é o nexo de causalidade. Nexo de causalidade
traz, basicamente, três grandes teorias. Primeira teoria, Teoria da Equivalência dos Antecedentes
Causais, conditio sine qua non.
Por essa primeira teoria, não adotada no direito civil brasileiro, toda e, qualquer causa que, de algum
modo tenha contribuído para o resultado lesivo, ingressa na esfera de causalidades. Essa teoria nunca
foi adotada no direito civil brasileiro, porque ela permitiria o regresso ao infinito.
Tem uma piadinha clássica dos penalistas, a época que o adultério era crime se, afirmava que, por essa
teoria, em tese, o marceneiro poderia ser condenado criminalmente, porque de algum modo, a conduta
do marceneiro teria contribuído para o resultado lesivo.
Quer dizer, se faria um processo hipotético de eliminação da conduta. Se, se eliminando aquela
conduta, aquele resultado não ocorreria, aquela situação fática ingressaria na esfera de causalidade,
por mais distante que fosse.
A segunda teoria é a Teoria da Causalidade Adequada. Por essa teoria, resumidamente, como o próprio
nome já nos sugere, apenas, as causas mais adequadas, mais próximas, mais imediatas, ingressam na
esfera de causalidade.
Para muitos essa teoria estaria, implicitamente, prevista no art. 403. Diz o art. 403: ainda que a
inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros
cessantes, por efeito dela direto e imediato.
Então, com essas expressões, direto e imediato, o legislador teria contemplado a causalidade
adequada. São adeptos dessa teoria, o Sergio Cavalieri, o Aguiar Dias e o Caio Mario.
Só que, há uma terceira teoria que, é a chamada Teoria da Causalidade Necessária. Que é um
desdobramento da Teoria do Dano Direto e Imediato. É o seguinte, a terceira teoria critica a segunda,
porque pela segunda teoria, da Causalidade Adequada, a análise da causa mais adequada, mais
eficiente, se dá em abstrato.
Tem até um exemplo que o Cavalieri traz, para ilustrar isso. Imaginem que, o sujeito tem um vôo
agendado para determinada hora. Por conta de um acidente de trânsito, ele não consegue chegar
naquele vôo anteriormente agendado.
Estava marcado para as quinze horas e, ele acaba chegando às dezessete horas. Pega o vôo das
dezessete horas.
O vôo das dezessete horas cai. Sustenta o Cavalieri, pelas regras de experiência comum, em abstrato,
o atraso no vôo não traz como consequência, a queda do avião. Isso foge a experiência comum.
E, portanto, à luz da causalidade adequada, o agente causador do acidente, não teria responsabilidade
civil, perante os familiares do sujeito falecido. Porque pela noção abstrata, não haveria um nexo causal
ali configurado.
O efeito prático mais importante desse embate aí, que é destacado pela terceira teoria, é que à luz da
causalidade necessária se, destaca a possibilidade de interrupção ou ruptura do nexo causal.
Essa história é muito estudada no direito penal. Lembra daquela história do sujeito que, culposamente é
vítima de um acidente de trânsito. Aí, ele entra na ambulância, a ambulância bate de novo, os
ferimentos se agravam, ele chega ao hospital, o teto desaba e ele pega uma infecção hospitalar e aí,
falece.
Ou seja, não necessariamente, aquele que causou o acidente, vai responder pelo crime de homicídio.
Na verdade, a Teoria da Causalidade Necessária, busca enfatizar a projeção dessa possibilidade, para
fins de responsabilidade civil.
Esse é um tema muito importante, principalmente, para quem for fazer Advocacia Pública. Não é uma
tese, normalmente, boa para Defensoria, em concurso, mas é uma tese, normalmente, boa para
Advocacia Pública.
Resposta: na verdade, a discussão nós vamos ver depois, com calma. Mas a questão aí, talvez, se
desdobre não à luz de uma das duas teorias, mas à luz da excludente ou não do nexo causal, para
hipótese de caso fortuito ou força maior.
Que, inclusive, veremos daqui a pouquinho, há um debate sobre a definição. É possível, inclusive, nós
vamos ver mais adiante, que haja na verdade, com causas aí. É possível que se demonstre, por
exemplo, que o Município. Normalmente, as questões envolvem Município.
É possível que se prove que o Município, por exemplo, não fez as obras necessárias de contenção, que,
enfim, aquela enchente é uma situação rotineira.
Mas, ao mesmo tempo, o próprio Município pode suscitar mitigação do dever de indenizar, porque
apesar, da ausência de obras, aquela chuva foi extraordinária, ela fugiu a normalidade.
Enfim, a questão acaba, talvez, gerando para a discussão da excludente ou não, do próprio nexo
causal. E a possibilidade de diminuição do quantum debeatur, por conta de causas eventualmente,
concorrentes, independentemente, da teoria adotada aqui.
Nós vamos trabalhar com essas questões, com mais detalhes mais adiante, porque acaba ingressando
na seara da responsabilidade objetiva da Administração.
Resposta: a terceira posição é adotada dentre outros, pelo Gustavo Tepedino, pelo Carlos Roberto
Gonçalves e, nós não podemos deixar de fazer menção aqui, talvez, ao autor que tenha inspirado os
demais que, é o Agostinho Alvim. Ele tem uma obra específica do inadimplemento das obrigações, uma
obra clássica.
Resposta: isso, com critérios diferentes. Quer ver uma outra crítica que a causalidade necessária faz em
relação à causalidade adequada? Os adeptos da terceira corrente afirmam que, não se justificaria o art.
948 à luz da causalidade adequada.
Porque a causalidade adequada defende que é, a análise da causa mais próxima em abstrato. E o art.
948 traz uma previsão legal de dano em ricochete, de dano reflexo.
Os adeptos da terceira corrente afirmam que, a idéia de reflexo, de dano em ricochete é incompatível
com a causalidade adequada. Porque, na verdade, se a análise for feita em abstrato, nós não teríamos
nexo causal entre o dano reflexo e a conduta. Só seria possível a constatação do dano reflexo à luz de
uma análise em concreto.
Quer dizer, a dor. Aquela história da estudante da Universidade Estácio de Sá, estão lembrados? O juiz
condenou não apenas, dano moral em favor dela, mas também, dos pais em presenciarem o sofrimento
da filha. Quer dizer, a lógica do dano reflexo, melhor se acomoda à luz da causalidade necessária.
Quer ver outra observação? Aquela história da culpa contra a legalidade que, nós vimos agora a pouco.
Ela se fragiliza em uma ótica de causalidade necessária. Por que qual é a idéia da culpa contra a
legalidade? Violou o regulamento, violou uma regra administrativa é culpado.
Em abstrato, talvez, seja possível extrair essa consequência imediata de uma transgressão a uma regra
administrativa. Mas, em uma análise em concreto, talvez, se fragilize a idéia da culpa contra a
legalidade.
Quer dizer, o Cavalieri é extremamente coerente, quando defende causalidade adequada e defende
culpa contra a legalidade.
Então, não é que uma exclua a outra. Eu não diria isso em uma prova, eu acho que seria um risco
demasiado. Mas, sem dúvida, há algum tipo de colisão entre a lógica da culpa contra a legalidade e a
Teoria da Causalidade Necessária.
Tem alguns exemplos de causalidade necessária no STJ. Tem um bem recente, no Informativo 374 do
STJ, Resp 325.622.
O sujeito deixou o carro no estacionamento do aeroporto e foi viajar. No dia seguinte, o filho do dono do
automóvel que, deixou o carro no estacionamento, apareceu sem o bilhete, obviamente, porque o
bilhete se encontrava com a mãe, que estava viajando.
O sujeito apareceu, convenceu as pessoas do aeroporto a retirar o automóvel, sem o conhecimento da
mãe, obviamente. E aí, três ou quatro dias depois, aquele sujeito, culposamente, causou um dano a
outrem, em um acidente de trânsito, em Petrópolis.
O STJ disse, olha em abstrato a desídia do aeroporto foi decisiva, porque se não houvesse a desídia do
aeroporto, o sujeito não estaria com o carro naquela localidade. Mas, em concreto, houve uma causa
mais eficiente a eclosão daquele resultado, uma manobra brusca, o excesso de velocidade.
Enfim, a causalidade necessária que, foi usada, para mais uma vez, excluir a responsabilidade civil.
Intervalo.
Prosseguindo, vamos nos lembrar, rapidamente, das excludentes do nexo de causalidade. Primeira
excludente, fato exclusivo da vítima que, tem, inclusive, previsão no CDC, nos artigos 12, parágrafo 3º,
inciso III e art. 14, parágrafo 3º, inciso II.
Outra excludente, fato exclusivo de terceiro nos mesmos dispositivos. Sendo que, em relação ao fato
exclusivo de terceiro, é preciso. Nós vamos tratar isso especificamente, quando chegarmos, na
responsabilidade civil do transportador, mas de qualquer maneira, já vale a referência ao art. 735. É
uma exceção, é uma mitigação, podemos dizer a essa lógica.
Veremos mais adiante que, a tendência de toda a doutrina e jurisprudência, quer dizer, parte da
jurisprudência e, grande parte da doutrina é no sentido de afirmar que, essa expressão culpa, do art.
735, envolve culpa estrito sensu de terceiro.
Quer dizer, daí a questão não enfrenta diretamente aquela questão de furto em ônibus, enfim. Porque,
na verdade, o que se sustenta é que se a hipótese for de dolo de terceiro, nós teremos um fortuito
externo. E, a culpa estrito sensu, estaria dentro da ótica do fortuito interno.
E, temos ainda, a questão do caso fortuito e da força maior. Isso gera algum debate. Nós temos uma
parcela da doutrina que, afirma que caso fortuito e força maior são expressões sinônimas. Essa primeira
posição se embasa, principalmente, no art.393, parágrafo único que, praticamente, equipara as
expressões, pela literalidade.
Diz lá, o caso fortuito ou de força maior, verifica-se no fato necessário, cujos efeitos, não era possível
evitar ou impedir. Quer dizer, o legislador ao tratar dos dois institutos, tratou de maneira uniforme,
trazendo as mesmas consequências.
Há uma segunda linha de pensamento que, defende que o caso fortuito é imprevisível e, por conta da
imprevisibilidade, o caso fortuito é inevitável.
Então, na verdade, a inevitabilidade do caso fortuito decorre da imprevisibilidade. A força maior, não. Na
força maior nós temos um fato inevitável ainda, que previsível.
Por isso, de maneira talvez, direta demais alguns afirmam que a força maior é evento da natureza. Não
chega a ser sinônimo, mas quase sempre, os eventos da natureza apesar, de previsíveis, são
inevitáveis.
Só que, no Código atual ganhou força uma posição que, já era defendida pelo Agostinho Alvim, seria
uma terceira posição. O Agostinho Alvim lá atrás, defendia que, o caso fortuito seria sinônimo de fortuito
interno. E, força maior sinônimo de fortuito externo.
Por que ganhou força isso? Olha o que diz o art. 734: o transportador responde pelos danos causados
as pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior. O Código aqui, só fala em
força maior, ele não fala em caso fortuito.
E, portanto, em tese, o legislador teria usado a expressão força maior como sinônimo de fortuito
externo.
Outro dispositivo, art. 936, o dono ou detentor do animal, ressarcirá o dano por este causado se, não
provar culpa da vítima ou força maior. Mais uma vez, o legislador não usa a expressão caso fortuito.
Então, dentro dessa percepção o que sustenta é que, o caso fortuito se equipararia ao fortuito interno e,
portanto, o caso fortuito não excluiria o dever de indenizar.
Na verdade, o caso fortuito, não excluiria o nexo de causalidade. Seria uma projeção daquela dicotomia
fortuito externo e fortuito interno do CDC, para o Código Civil.
Vamos, então, começar a ver a questão do art. 927, parágrafo único. Só que antes de enfrentar, porque
o art. 927, parágrafo único, só para introduzir o tema, traz aquela questão da cláusula geral de
responsabilidade civil objetiva.
Quer dizer, na verdade, no nosso Código atual, nós temos duas cláusulas gerais de responsabilidade
civil. Nós temos a cláusula geral de responsabilidade subjetiva do art. 186 e passamos a ter, também, a
cláusula geral de responsabilidade objetiva do art. 927, parágrafo único.
Ou seja, o sistema de responsabilidade civil passa a ser dualista.
Vamos dar uma lida lá, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente, de culpa, nos casos
especificados em Lei, ou quando a atividade normalmente, desenvolvida pelo autor do dano, implicar,
por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Quer dizer, a cláusula geral está na parte final, quando a natureza da atividade gerar risco, para os
direitos de outrem. Sem dúvida alguma, o Código aqui adota a Teoria do Risco. Questão que já caiu
mais de uma vez em prova de múltipla escolha.
Só que, antes de adentrar na análise desse dispositivo, vamos nos lembrar, das subespécies existentes
da Teoria do Risco. A primeira modalidade é a chamada Teoria do Risco Proveito.
Segunda subespécie da Teoria do Risco seria a chamada Teria do Risco Criado.
Existe ainda, a chamada Teoria do Risco Profissional. A Teoria do risco Profissional defende a
responsabilidade objetiva, de acordo com a atividade profissional, atividade laborativa da vítima.
Essa teoria foi relevante, por um desencadeamento da responsabilidade civil por acidente de trabalho. A
questão da responsabilidade civil por acidente de trabalho. Na verdade, não é a teoria que justifica hoje,
a responsabilidade civil por acidente de trabalho, mas foi o primeiro passo a essa perspectiva.
Teríamos ainda, a Teoria do Risco Excepcional. Risco excepcional gera responsabilidade objetiva, para
atividades excepcionalmente, perigosas.
Exemplos típicos, danos nucleares, atividades com redes elétricas com alta tensão, e por que não,
Presídios, Penitenciárias, enfim.
Temos ainda, a Teoria do Risco Integral. Todo mundo deve se lembrar do direito administrativo que, a
grande singularidade do risco integral, é a dispensa do nexo de causalidade.
Caiu há pouco tempo, em uma prova de Procurador de Rio das Ostras se, eu não me engano. Se,
afirmava que o dano nuclear se, se encaixava na Teoria do Risco Integral. Quer dizer, a afirmativa era
essa, em V ou F. Prova de múltipla escolha.
A questão não foi das mais felizes, porque nós temos alguns autores que, afirma que dano nuclear atrai
a Teoria do Risco Integral. Só que, a bem da verdade, quer dizer, o tema é controvertido, há quem
defenda que sim, mas hoje, há uma tendência dos novos autores, em afirmar em sentido contrário.
A questão foi infeliz, porque a prova era de múltipla escolha. Tem uma legislação específica, na Lei
6.453. A Lei 6.453/77, tratando do tema prevê, excludentes.
Por exemplo, no art. 6º, diz assim, uma vez provado haver dano resultante exclusivamente de culpa da
vítima, o operador será desonerado, apenas, em relação a ela, da obrigação de indenizar. Culpa
exclusiva da vítima, nesse caso, acabou excluindo o nexo de causalidade.
Art. 8º: o operador não responde pela reparação do dano, resultante de acidente nuclear, causado
diretamente por conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza.
Fortuito externo.
Então, na verdade, o art. 6º e o art. 8º, da legislação específica que, é a Lei 6.453 contemplam
excludentes de nexo causal, razão pela qual, a Teoria do Risco Integral, não teria sido aqui
contemplada.
O legislador não prevê aqui, a excludente fato de terceiro. Então, a princípio, pelo fato de terceiro não se
afastaria a responsabilidade civil.
Se, alguém invade uma Usina Nuclear, por essa invasão há um dano a terceiro, fora das hipóteses do
art. 8º, em tese, se essa invasão propiciou o dano nuclear, justificável a responsabilidade civil da União.
Resposta: o que a legislação prevê aqui, nesses dispositivos, é a responsabilidade do operador da
instalação nuclear que, é o Poder Público, seria a União. Atividade privativa da União. Então, na
verdade, as disposições tratam da responsabilidade civil da União, pela atividade nuclear.
Outra questão, essa é mais debatida que, é a questão de dano ambiental que, muitos, também, afirmam
que é Teoria do Risco Integral. Inclusive, tem julgado do STJ afirmando isso, Resp 442.586, em relação
a dano ambiental.
É a posição, também, de um dos grandes especialistas no tema, Édis Milaré, especialista em direito
ambiental.
Há quem defenda, em contrário, com base na redação do art. 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/81. Diz lá,
sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, o poluidor é obrigado,
independentemente, da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio
ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
O Nelson Nery Junior defende que, com essa expressão, afetados a sua atividade, o legislador estaria
exigindo nexo de causalidade.
E, teríamos ainda, além da Teoria do Risco Integral, a chamada Teoria do Risco Social. A Teoria do
Risco Social, na verdade, representa, podemos dizer o apogeu do princípio constitucional da
solidariedade, em sede de responsabilidade civil.
Porque, na verdade, dentro da ótica do risco social, quem repara a vítima não é o agente causador do
dano e, sim, a coletividade. Daí, a idéia da socialização dos riscos, quer dizer, toda a coletividade de
alguma forma, reparará o dano suportado pela vítima.
Essa idéia do risco social é aplicável, basicamente, no caso de alguns seguros obrigatórios, o DPVAT e
o acidente de trabalho. Em relação à DPVAT, inclusive, tem duas Súmulas do STJ, que são as Súmulas
246 e 257.
A Súmula 246, basicamente, busca afastar enriquecimento sem causa. Diz lá, o valor do seguro
obrigatório deve ser deduzido da indenização judicialmente fixada. Quer dizer, o objetivo, obviamente, é
evitar o enriquecimento sem causa.
Resposta: a Súmula 257 é uma manifestação clara de socialização dos riscos. Ela, apenas, ressalta o
que nós estamos vendo aqui, porque ela diz a falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório de
DPVAT, não é motivo para recusa do pagamento da indenização.
Quer dizer, ainda, que o agente causador do dano, não tenha pago o DPVAT ainda, assim, não se
afasta o dever de reparar, administrativamente, o dano.
Diferente do seguro contratual. Porque o seguro contratual traz a idéia de justiça contratual, justiça
comutativa. E aqui, a idéia é de justiça distributiva, quer dizer, o princípio constitucional da solidariedade
traz a idéia de justiça distributiva.
Resposta: na verdade, o que se sustenta é que não. Porque, na verdade, o objetivo do DPVAT é,
primordialmente, reparar os danos à vítima. Então, ainda, que haja inadimplemento reiterado pelo
agente causador do dano, a lógica da razoabilidade aqui, se inclina, inexoravelmente, em favor da
solidariedade.
Tarifada, porque como toda a coletividade repara, é justificável que essa reparação seja tarifada.
Eventual, prejuízo a maior que seja buscado do agente causador do dano.
Na verdade, eu quis primeiro ver o panorama geral da Teoria do Risco, para depois enfrentarmos o art.
927, parágrafo único.
Vamos, então, interpretar o art. 927, parágrafo único. Há, basicamente, três correntes principais, sobre a
interpretação do dispositivo.
A primeira posição defende que, o art. 927, parágrafo único, se submete a Teoria do Risco Proveito.
Quer dizer, a princípio, seria necessário que a atividade de risco seja habitual, com caráter profissional e
cunho lucrativo.
Por que vejam o Código fala em atividade, normalmente, desenvolvida.
Primeiro, atividade, a princípio, não abrangeria ações ou omissões isoladas. A idéia de atividade
pressupõe reiteração, continuidade, não só, como os administrativistas definem serviço público. Porque,
normalmente, os administrativistas, quando falam em serviço público se referem, a idéia de atividade.
Mas, tem até um dispositivo do CDC que, é o art. 3º, parágrafo 2º: serviço é qualquer atividade fornecida
no mercado de consumo, mediante remuneração. Quer dizer, a expressão atividade aqui, positivada no
dispositivo, dando idéia de uma atividade organizada, estrutural, empresarial continuada. A tendência
hoje é no sentido de se, sustentar que, o dispositivo adota a Teoria do Risco Criado.
Seria uma projeção do princípio constitucional da solidariedade. Então, na verdade, o risco criado hoje,
é uma tendência dentre os autores, é uma tendência possível na jurisprudência do STJ. Ainda é cedo
para afirmar, não temos julgados concretos defendendo uma ou outra posição.
O Gustavo Tepedino defende essa posição. O Tepedino chega a exemplificar: acidentes
automobilísticos, em grandes centros urbanos, falhas em elevadores.
Essa posição tende a não ser adotada, porque, na verdade, se levada aos extremos, tudo geraria
responsabilidade objetiva. Nós vivemos em uma era de risco, uma era de incertezas. Isso parece ir
contra a própria noção de atividade.
Resposta: a tendência, claro que ainda é cedo, como eu disse, nós não podemos falar que é a posição
consolidada, mas há uma tendência no sentido de adoção do risco criado.
Resposta: não é inversão do ônus da prova, é ausência de interesse em discutir se há ou não o lucro.
Tem uma questão, extremamente, importante me parece que, é a seguinte (critérios para definição
sobre o que seja atividade de risco).
Resposta: na sistemática do transporte, então, é mais claro, porque o legislador tem regra pontual que,
subverte o próprio sistema. Na verdade, se discute se subverte ou não o sistema da especialidade. O
fato é que o Código Civil tem regra clara dizendo as disposições do CDC se, aplicam apenas,
subsidiariamente, no que não for compatível.
Resposta: nós podemos usar por analogia, por esforço axiológico, sem dúvida, a regra do contrato de
transporte.
Outra observação ainda, sobre o dispositivo é a seguinte. Quais são os critérios para definir o que é ou
não, uma atividade de risco? Há alguns standartes, há alguns parâmetros. Por exemplo, atividades
administrativamente regulamentadas.
Atividades que dependam de autorização governamental. Outro: prêmio elevado de seguro. Outra:
estatísticas, à luz das estatísticas seria possível apurar se a conduta é ou não, perigosa. Regras
específicas sobre segurança e medicina do trabalho.
E ainda, regras específicas de direito previdenciário. Seriam apenas, parâmetros para definição do que
seria atividade de risco.
Tem alguns exemplos já consagrados no direito estrangeiro, porque, na verdade, essa regra é,
praticamente, a mesma do Código Civil Italiano, no art. 2.050 do Código Italiano.
Só que, a diferença é que na Itália, a atividade de risco gera culpa presumida. E o legislador brasileiro
foi além, contemplando responsabilidade objetiva.
Alguns exemplos de lá, que a doutrina vem trazendo para cá. Produção e distribuição de energia elétrica
e de combustíveis. Outra: algumas atividades desportivas. Raio X. São alguns exemplos, consagrados
no direito italiano e trazido pela doutrina.
Tem uma questão interessante, só abrir o leque, para nós tratarmos do último dispositivo, antes do final.
O Tepedino defende aquela última posição, segundo a qual qualquer atividade isolada, geraria o art.
927, parágrafo único.
Lembra a história do carona, transporte mera cortesia? Tem até uma Súmula que diz que, o carona só
responde o transportador gratuito, o desinteressado, de mera cortesia só responde por dolo ou culpa
grave.
É a Súmula 145 do STF. Fala em dolo ou culpa grave, por conta do art. 392. Porque o art. 392 diz que,
nos contratos benéficos, aquele que pratica a liberalidade só responde por dolo.
Aí, o que o Tepedino sustenta aqui, de maneira isolada? O Tepedino diz o seguinte se, o sujeito tem um
carona e em um grande centro urbano atropela o transeunte. Para o Tepedino responsabilidade civil
objetiva ainda, que ele não seja um taxista.
Se, for um taxista, talvez, ingresse na Teoria do Risco Criado, responsabilidade objetiva. Aí, o Tepedino
diz o seguinte. Isso vale mais PGE, PGM e Delegado de Polícia Civil, porque ele pode estar na banca.
Aí, o Tepedino diz o seguinte, perante o transeunte, responsabilidade objetiva. Perante o carona, não
faz sentido dolo ou culpa grave. Quer dizer, são duas vítimas do mesmo evento.
E, na verdade, diante de uma necessidade de tratamento isonômico, o Tepedino defende que o art. 927,
parágrafo único que se dirige ao transeunte, passa também, a ser aplicado em favor do carona.
Ou seja, o Tepedino passa a defender responsabilidade objetiva, no caso do carona. Absolutamente,
contra a Súmula 145 do STJ.
Alguns chegam a dizer bom, mas então, quer dizer que o art. 392 está revogado, porque o art. 392
parece dizer, absolutamente, o oposto. Aí, o Tepedino diz o seguinte, na verdade, não. Porque o art.
392 continuaria aplicável no caso de algum tipo de dano intrínseco, no caso de transporte
desinteressado.
O CDC não diferencia o fato do fato do produto e do serviço? É mais ou menos, a mesma coisa. Quer
dizer, por um fato de transporte gratuito, responsabilidade objetiva, porque houve um dano externo.
Houve, na verdade, um dano físico.
Se, na verdade, a hipótese envolve um mero atraso, por exemplo, na condução do carona, dolo ou
culpa grave, art. 392. Quer dizer, na verdade, aplicar-se-á o art. 927, parágrafo único na hipótese de um
dano externo, de um dano físico e, não de uma mera inobservância em relação a prazo ou qualquer
outra questão envolvendo transporte gratuito. Posição isolada.
Resposta: entraria, a princípio, no risco criado. Seria, em tese, subjetiva, não é uma conduta
estruturalmente, organizada. Não é uma conduta, digamos empresarial. Ainda, que não se exija o lucro,
na verdade, é preciso que aquela conduta seja estruturalmente, organizada.
Resposta: para o Tepedino, o velhinho saiu de casa uma vez por ano, para tomar a vacina contra a
gripe, responsabilidade objetiva, porque a conduta seria de risco.
Tem uma outra posição ainda, sobre esse tema, porque há quem defenda o seguinte, seria da essência
do contrato de transporte, a onerosidade. A onerosidade seria a causa do contrato de transporte. E o
Código atual, inclusive, dá margem a isso.
Porque o Código atual, no art. 730, exige retribuição, para configuração do contrato de transporte.
Então, há quem defenda que a responsabilidade civil perante o carona, seria subjetiva, pela regra geral
do art. 186. Porque o transporte gratuito não seria, efetivamente, um contrato típico de transporte e, a
regra iria pelo art. 186, responsabilidade subjetiva.
Eu queria só enaltecer essa conexão dessa posição isolada do Tepedino, em relação ao transporte
gratuito.
Resposta: art. 730 que diz pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição. Ou seja,
a onerosidade é causa do contrato de transporte.
Vamos dar uma olhada breve, no art. 931.
Diz o art. 931: ressalvados outros casos, previstos em Lei Especial, os empresários individuais e as
empresas respondem, independentemente, de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em
circulação.
A primeira questão é a seguinte. Muitos afirmavam que, essa regra não teria qualquer importância
prática, porque o CDC já prevê responsabilidade objetiva, pelos produtos postos em circulação.
Resposta: é discutível, porque, na verdade, a figura do consumidor por equiparação, a princípio,
pressupõe que a vítima imediata seja o consumidor. Quer dizer, a princípio, a conduta tem que atingir o
destinatário final.
E, atingindo o destinatário final, se abrangeria à responsabilidade objetiva as outras pessoas, também,
vitimadas pelo evento. Quer dizer, como a princípio, a hipótese não seria de incidência do CDC, porque
a relação não seria consumerista, inaplicável o art. 17 do CDC. E a solução agora, viria pelo art. 931 do
Código Civil.
Resposta: além do CDC tem dispositivo constitucional e a hipótese seria, em tese, consumerista.
Fim da aula.
09.06.2009 AULA 35
Boa noite. Vamos prosseguir. Nós paramos na última aula falando do art. 931 que acaba abrangendo
responsabilidade objetiva para outras hipóteses que, não apenas, relação de consumo.
A questão do risco do desenvolvimento é basicamente é a seguinte, é muito comum, principalmente, no
ramo de medicamentos, nós ouvirmos que determinado produto é infalível para dor de cabeça. Nós
ouvimos isso por dez anos.
E, aí, graças ao progresso científico, graças ao desenvolvimento tecnológico, se constata que aquele
produto pode ser até bom para a dor de cabeça, mas ele traz um malefício ainda maior do que a própria
dor de cabeça, por ele resolvido.
A dúvida é se, o fabricante responde por danos causados naquele lapso temporal em que o estágio da
ciência não permitia a constatação do malefício. Porque é claro que em relação ao período posterior a
constatação, não há a menor dúvida.
A dúvida envolve, justamente, aquele lapso temporal em que o estágio da ciência não permitia tal
constatação.
Com alimentos, também, isso é frequente, com relação às telhas de amianto, recentemente, os
adoçantes entraram na berlinda há pouco tempo. Enfim, uma série de questões que podem ser daí,
resultantes.
Além, disso o Tepedino invoca alguns artigos do CDC: art. 12, parágrafo 1º, inciso III que diz, o produto
é defeituoso, quando não oferece a segurança que dele, legitimamente, se espera, levando-se em
consideração as circunstâncias relevantes entre as quais. Inciso III: a época em que foi colocado em
circulação.
A época em que o produto foi colocado em circulação, ele não era tido como defeituoso. O estágio da
ciência não permitia tal constatação.
Outro dispositivo: art. 6º, inciso I: são direitos básicos do consumidor. Inciso I: a proteção da vida,
saúde, segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços,
considerados perigosos ou nocivos. Tais produtos, não seriam a época, considerados perigosos ou
nocivos.
E, por último art. 10, caput: o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou
serviço que sabe, ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade. Sabe ou
deveria saber. Se, o estágio da ciência não permitia tal constatação, o fornecedor não sabia, nem
deveria saber.
Resposta: talvez em um contexto anterior, talvez fosse até o caso. Mas, em um contexto bem anterior.
Porque, na verdade, mesmo o Tepedino que é minoritário, que defende a irresponsabilidade, mesmo ele
diz o seguinte, só tem graça a questão se não há nenhum indício científico do malefício. Porque se, há
dúvida, o próprio Tepedino defende a configuração da responsabilidade civil.
O exemplo, por exemplo, é em relação aos transgênicos. Hoje, há algum tipo de dúvida, algum tipo de
questionamento em relação aos malefícios. Se, no futuro ficar constatado cientificamente, os malefícios
daí decorrentes, quer dizer, configurável a responsabilidade civil, mesmo partindo-se da posição
minoritária e restritiva do Tepedino.
Só, também, para tomar cuidado para não induzir ninguém a erro. Nós falamos na aula passada na
questão do risco social. Nós falamos risco social envolvendo, basicamente, seguro obrigatório de
DPVAT.
Vamos para o art. 928. O art. 928 trata da responsabilidade civil do incapaz. É novidade, sem dúvida
alguma, o Código anterior, como regra, não admitia a responsabilidade civil do incapaz.
Diz o art. 928: o incapaz responde pelos prejuízos que causar se, as pessoas por ele responsáveis não
tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Na parte final o art. 928,
claramente, prevê a responsabilidade civil subsidiária do incapaz.
Fica claro que, para fins da responsabilidade subsidiária aí, é preciso, processualmente, que tanto pai,
quanto filho integre o pólo passivo da relação processual. Ambos devem figurar no pólo passivo. É o
que alguns autores chamam nesse caso, que haveria um litisconsórcio sucessivo passivo. É a
expressão do Cândido Dinamarco e do Araken de Assis.
Porque tecnicamente, a conduta do incapaz não se encaixa nem na perspectiva do dolo e nem da culpa.
Porque, na verdade, o incapaz, como nós sabemos, é inimputável. E a inimputabilidade afastaria a idéia
de dolo ou culpa.
Talvez aqui, uma posição mais pessoal do que consagrada doutrinariamente. Talvez seja mais fácil nós
entendermos que, o art. 928 contempla mais uma hipótese de responsabilidade objetiva.
Quer dizer, uma hipótese em que há responsabilidade civil, independentemente, de dolo ou culpa.
Porque, tecnicamente, obviamente não há como se atribuir dolo ou culpa na conduta do incapaz.
A primeira parte do art. 928 diz que, o incapaz responde pelos prejuízos que causar se, as pessoas por
ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo.
Tem duas maneiras diferentes de interpretar essa regra. Uma primeira interpretação conjuga esse art.
928, primeira parte, com o art. 932, inciso I. Nós veremos daqui a pouquinho o art. 932, inciso I, mas, à
grosso modo, ele prevê a responsabilidade dos pais pelos filhos menores que estiverem sob sua
autoridade e em sua companhia.
Lembra daquela discussão dos pais separados? Qual é a posição predominante que, nós enfrentaremos
com calma daqui a pouco? Se, os pais estão separados e o garoto se encontra com o pai no momento
da conduta, a responsabilidade indireta se concentraria com o pai. Seria afastada a responsabilidade da
mãe.
E o Código até parece reforçar isso, literalmente, com a expressão autoridade e companhia. Parece
reforçar. Nós vamos ver que não é unanimidade isso, é controvertido, mas em tese seria essa
configuração.
E aí, o responsável que não estiver na companhia do menor, não teria responsabilidade. E aí, nesse
caso, aplicável o art. 928, primeira parte.
Resposta: na verdade, depende. Nós vamos trabalhar isso melhor, daqui a pouquinho. Será que à luz
do art. 928, nós podemos afirmar que, a responsabilidade aqui, sempre dispensa conduta culposa do
incapaz? Tecnicamente, sim, porque não há como nós cogitarmos de dolo ou culpa do incapaz diante
da inimputabilidade.
Mas, se não há nenhuma disposição específica que contemple responsabilidade objetiva, para aquela
situação fática, é preciso que a vítima demonstre que aquela conduta do incapaz seria, em tese,
considerada dolosa ou culposa, caso ele fosse imputável.
Quer dizer, é preciso demonstrar ou a intenção do incapaz ou a inobservância de um dever de cuidado
objetivo, para que em tese, se configure a responsabilidade do incapaz, caso a responsabilidade
aplicável ao caso, seja subjetiva.
Quer dizer, o simples fato do incapaz ser o agente causador do dano, não, necessariamente, afasta a
necessidade da vítima, comprovar que a sua conduta, em tese, seria dolosa ou culposa. Caso contrário,
nós traríamos uma situação mais drástica, mais prejudicial ao incapaz do que ao próprio capaz.
Quer dizer, tecnicamente, a responsabilidade seria objetiva, porque não se exige, tecnicamente, dolo ou
culpa. Mas, em algumas circunstâncias, na verdade, em termos práticos, a vítima teria que provar que
aquela conduta seria, em tese, dolosa ou culposa, caso imputável fosse o agente causador do dano.
Resposta: é que a colega perguntou, será que a responsabilidade do incapaz, vai sempre dispensar a
comprovação de dolo ou culpa? Na verdade, não, necessariamente, em termos práticos.
Tecnicamente, em uma prova dissertativa nós não vamos falar em dolo ou culpa, porque a
inimputabilidade afasta, tecnicamente, a idéia de dolo ou de culpa.
Mas, é possível. Imaginemos que aquela mesma conduta fosse praticada por um capaz e, a
responsabilidade seja subjetiva.
Não faria sentido dispensar a vítima de comprovar que aquela conduta seria, em tese, dolosa ou
culposa. Então, tecnicamente, a responsabilidade do incapaz é objetiva.
Mas é possível, dependendo do caso concreto, que a vítima tenha que provar que aquela conduta do
incapaz seria, em tese, dolosa ou culposa, caso ele fosse imputável. Caso contrário, nós teríamos um
regime mais gravoso para o incapaz do que ao próprio capaz.
Isso, inclusive, se aplica, nos mesmos termos, na hipótese da responsabilidade civil indireta, porque os
pais também respondem pelos atos dos filhos. Está no art. 932, inciso I.
Outra peculiaridade envolvendo a questão do incapaz cai muito em prova essa questão de exceção, a
sistemática geral. Em relação à responsabilidade indireta, nós estamos fazendo essa correlação entre
responsabilidade indireta e responsabilidade do incapaz.
Regra geral está no art. 934, o responsável indireto tem direito de regresso em face do responsável
direto. A exceção o próprio art. 934 prevê. A exceção é se o causador do dano for descendente seu
absoluta ou relativamente incapaz.
Então, outra peculiaridade em relação aos incapazes, notadamente, incapazes descendentes do
responsável direto, é a inexistência de direito de regresso.
Por sua vez, esse dispositivo que exclui o direito de regresso, merece ser interpretado em harmonia com
o art. 2.010 que diz, não virão à colação os gastos ordinários do ascendente com o descendente,
enquanto menor, na sua educação, estudos, sustento, vestuário, tratamento nas enfermidades, enxoval,
assim como, as despesas de casamento ou as feitas no interesse de sua defesa em processo crime.
Vejam que não há direito de regresso, mas se houver outros descendentes, quando do falecimento do
ascendente, aquela valor desembolsado pelo responsável indireto tem que ser trazido à colação, à luz
do art. 2.010.
Então, não há direito de regresso, mas é possível que aquele montante desembolsado tenha que ser
trazido à colação, para garantir a paridade da legítima.
Pergunta de aluno:
Resposta: por exclusão, o art. 2.010, a contrario sensu. Porque a regra geral é de trazer à colação, o art.
2.010 traz exceções. E, quando ele fala em gastos ordinários, quer dizer, aparentemente, está
espancando a hipótese do art. 934.
Os artigos 929 e 930 nós já vimos na parte geral. Aquela história da responsabilidade civil por estado de
necessidade. O art. 929 prevê responsabilidade civil, por estado de necessidade, por danos causados a
terceiros e o art. 930 prevê direito de regresso.
Tem aquela história da legítima defesa putativa e da legítima defesa com aberratio ictus, também, que é
a responsabilidade civil nessas hipóteses.
Vamos focar agora, na questão da responsabilidade civil indireta. Responsabilidade civil indireta ou por
fato de outrem, artigos 932 a 934. A jurisprudência anterior contra legem, já aplicava a idéia de culpa
presumida.
Contra legem, o Código de 16 em nenhum momento falava em culpa presumida, mas a jurisprudência já
tinha dado um passo além, contemplando a idéia de culpa presumida. Isso ficava muito claro, com a
Súmula 341 do STF.
O nosso Código atual, no art. 933, deixa claro que, a responsabilidade civil indireta passou a ser
objetiva. Portanto, aquela história de culpa in eligendo, in vigilando, in custodiendo, tudo isso caiu por
terra, porque, na verdade, a responsabilidade indireta passou a ser objetiva.
Cuidado aqui, com o seguinte. A responsabilidade indireta, incontroversamente, é objetiva, art. 933. Só
que, há uma relação de acessoriedade entre a responsabilidade direta e a indireta.
Porque só há como se cogitar de responsabilidade indireta se, presentes os elementos necessários à
configuração de responsabilidade direta. Apenas, se presentes os elementos configuradores da
responsabilidade direta. Porque se não, o responsável indireto seria um garantidor universal.
É como nós cogitarmos, claro que são situações diferentes, mas é possível que haja responsabilidade
subsidiária, sem que haja responsabilidade principal? Evidente que não. Caso contrário, o responsável
subsidiário seria um garantidor universal.
Então, para que haja responsabilidade indireta, é preciso que estejam presentes os elementos
configuradores da responsabilidade direta.
Como é que o examinador vai perguntar isso na prova? Ele vai jogar uma hipótese, em que a
responsabilidade direta é subjetiva. Porque, na verdade, o art. 933 se restringiu a objetivar
responsabilidade indireta, dispensar culpa in eligendo, culpa in vigilando, culpa in custodiendo.
Mas, o art. 933 não altera em nada a sistemática da responsabilidade direta que, vai depender do caso
concreto. Vejam que se a responsabilidade direta for subjetiva, só é possível atingir, alcançar a
responsabilidade indireta objetiva se, demonstrada a culpa do responsável direto.
Isso claro, partindo-se da premissa de que a hipótese, no caso concreto, seria de responsabilidade
direta subjetiva. O examinador não vai jogar responsabilidade direta objetiva, porque aí, não vai ter
graça. Ele vai jogar hipótese como a responsabilidade direta é subjetiva.
Então, nesse caso, para atingir o responsável indireto, objetivamente, é preciso demonstrar culpa do
responsável direto.
Outra questão interessante, importante aqui, é a seguinte. O art. 932, inciso I prevê a responsabilidade
dos pais, pelos filhos menores que, estiverem sob sua autoridade e em sua companhia.
Vamos focar logo, naquela questão dos pais separados. Quer dizer, o garoto quando causa o dano está
no período de visitação, com o pai. A jurisprudência maciça e a doutrina, amplamente, dominante
afirmam que a responsabilidade se concentra, nesse caso, no pai.
Quer dizer, a responsabilidade indireta se concentra naquele que exerce o efetivo poder de vigilância. A
expressão companhia, do inciso I, reforça isso, reforça essa tendência.
Pergunta de aluno:
Resposta: autoridade seria o poder familiar, autoridade decorreria, do próprio, poder familiar e, a
companhia atrelada à idéia de vigilância.
Normalmente, a idéia de guarda, quer dizer, a guarda presumida seria da mãe, no caso, no suposto
exemplo, só que essa guarda presumida cederia diante da demonstração de um efetivo poder de
fiscalização do pai.
Ou seja, se estava na visitação ao pai, vai para o pai. Só que, isso passou a ser rediscutido no Código
atual.
Isso agora é objeto de controvérsia, por dois argumentos: primeiro, o Código atual não passou a
contemplar a responsabilidade subsidiária? Imaginem o garoto causou o dano, quando estava com o
pai. O pai é pobre e a mãe é rica.
Quer dizer, melhor seria de acordo com o segundo entendimento que, a responsabilidade indireta recaia
sobre ambos os pais, pelo simples poder familiar. Solidariamente sobre ambos os pais, pelo simples
poder familiar que, é a regra geral da responsabilidade civil indireta, a solidariedade.
Por que a posição, amplamente, dominante construída a época do Código anterior, afirma que a
responsabilidade indireta se concentra naquele que exerce o efetivo poder de vigilância? Porque aquele
que exerce o efetivo poder de vigilância, foi quem falhou no dever de vigilância.
Essa é uma tese boa, eventualmente, para Defensoria Pública, inclusive. Pode interessar a Fazenda
Pública, vai depender do caso concreto.
Pergunta de aluno:
Resposta: na verdade, é possível, sem dúvida alguma que, haja, eventualmente, direito de regresso.
Porque, na verdade, o que o Código trouxe, foi à responsabilidade objetiva perante a vítima.
E como a hipótese seria, para a segunda posição, de solidariedade passiva, haveria, eventualmente,
direito de regresso na proporção do grau de culpa de cada um dos agentes ali envolvidos.
Se ficar evidenciado que a culpa foi, exclusiva, do outro, é possível que haja, inclusive, direito de
regresso sobre a totalidade do montante, sem dúvida alguma. Claro que, a análise é casuística.
Mas, o direito de regresso aqui na solidariedade, relações internas, elas vão se dá na proporção do grau
de culpa. Quer dizer, perante a vítima ninguém vai discutir culpa, porque o objetivo é viabilizar a
reparação de danos.
Mas, a questão da culpa é relevante, para determinar a proporção da responsabilidade de cada um, nas
relações internas.
Pergunta de aluno:
Resposta: isso claro, partindo-se da premissa de adoção da posição que é minoritária, diga-se de
passagem.
Pergunta de aluno:
Resposta: a posição predominante qual é? Quem não estava com o garoto não responde. A posição
predominante é essa.
Pergunta de aluno:
Resposta: e aí, haveria a responsabilidade subsidiária. É isso que, na verdade, os doutrinadores
continuam repetindo fartamente sem se atentar para o art. 928.
E aí, por isso, agora a pouco nós dissemos o que? Que o art. 928 diz que o incapaz responde pelos
prejuízos que causar se as pessoas, por ele responsável, não tiverem obrigação de fazê-lo. Por isso
para muitos se conecta com esse dispositivo, porque se estava com o pai e não com a mãe, a mãe não
tem obrigação de fazê-lo.
Pergunta de aluno:
Resposta: sem dúvida que, na verdade, é a preocupação central do ordenamento jurídico hoje, em sede
de responsabilidade civil.
Pergunta de aluno:
Pergunta de aluno:
Resposta: mas a fraude contra credores nesse caso, seria aplicável. Ainda que se trate, por exemplo,
piorando ainda, ainda que se trate de uma alienação de um imóvel do incapaz que, demanda
autorização judicial, intervenção do MP, isso por si só não ilide a incidência da fraude contra credores e
da fraude a execução.
Piorando, quer dizer, ainda que haja chancela judicial, isso não exclui os instrumentos gerais de garantia
dos credores.
Porque, tradicionalmente, alguns resistem a essa idéia, alegando aquele fato de que ninguém pode se
beneficiar da própria torpeza que, na verdade, está intimamente atrelado a tu quoque.
Quer dizer, a inserção da boa fé objetiva, parece reforçar entendimento diverso, ao lado da ótica de
reparação integral de danos.
Pergunta de aluno:
Resposta: aí, vamos aproveitar e vamos para o inciso II, porque o colega bem lembrou se, houver a
destituição do poder familiar, vai para o tutor que, é a hipótese do inciso II, prevê a responsabilidade
indireta do tutor e do curador, art. 932, inciso II.
Uma ponderação aqui, a tendência, tanto da doutrina, quanto da jurisprudência no sentido de tratar o
tutor e o curador com menor rigor do que os pais. Se, justifica porque a tutela e a curatela representam
um munus.
Por ser um munus, é justificável que o tratamento do tutor e do curador seja mais benevolente. Então,
dentro desse contexto, quer dizer, não chega a ser infalível o argumento, porque com a destituição do
poder familiar, a responsabilidade se concentraria no tutor.
Porque, na verdade, isso iria contra a tendência de na medida do possível, se proteger o patrimônio do
tutor e do curador. Por isso, inclusive, aproveitando o gancho, o art. 934 prevê aquela história do direito
de regresso, e aí, não prevê direito de regresso se, o responsável direto for descendente seu absoluta
ou relativamente incapaz.
Muitos, no passado, afirmavam que essa regra além, de ser aplicada aos pais, seria extensivamente
aplicada a tutores e curadores. Quer dizer, tutores e curadores, também, não teriam direito de regresso.
Hoje, a tendência quase que, unânime, tanto da doutrina quanto da jurisprudência é de reputar esse
argumento. A uma porque o Código atual perdeu a oportunidade de se posicionar em sentido contrário.
O Código repetiu a redação anterior.
E a duas, por essa tendência de na medida do possível, prestigiar, resguardar o patrimônio do tutor e do
curador. Quer dizer, seria justificável um tratamento mais rigoroso aos pais, do que ao tutor e ao
curador.
O que é muito importante aqui, é que em relação, vimos isso na primeira aula, a questão da
responsabilidade do curador do pródigo. A incapacidade relativa do pródigo se restringe aos atos de
disposição patrimonial.
Então, é justificável que, a responsabilidade indireta do curador, também, se restrinja aos atos de
disposição patrimonial do pródigo.
Pergunta de aluno:
Resposta: não, direito de regresso, contra o responsável direto que, é o que trata o art. 934.
Pergunta de aluno:
Resposta: aí eles teriam direito de regresso, em face do responsável direto.
O inciso III, prevê a responsabilidade indireta do empregador ou comitente, por seus empregados,
serviçais e prepostos no exercício do trabalho que lhes competir ou, em razão dele.
Tem um julgado aqui interessante, Informativo 368 do STJ, Resp 904.127 que aplicou a
responsabilidade objetiva indireta do tomador de serviços, por ato praticado por funcionário de empresa
terceirizada.
Sendo que, a princípio, não haveria uma relação de preposição direta, entre funcionário da empresa
terceirizada e tomador de serviços. O STJ justificou o entendimento, primeiro dizendo que isso, na
verdade, teria o efeito de propiciar maior fiscalização do tomador de serviços em relação aos atos da
terceirizada.
Ou seja, seria uma espécie de prevenir futuras hipóteses de danos causados a terceiros, um
aprimoramento dos serviços terceirizados.
Pergunta de aluno:
Resposta: eu não cheguei a ver precisamente, mas talvez, qual seria o melhor para a vítima, como
advogado da vítima, o que nós faríamos? Nós colocaríamos os dois no pólo passivo.
Nós colaríamos a terceirizada e o tomador de serviços em regime de solidariedade. Dentro dessa
posição do STJ, em caráter de solidariedade.
É diferente da sistemática da subsidiariedade das relações trabalhistas. Em relação a créditos
trabalhistas, o tomador de serviços responde apenas, subsidiariamente. Tem Enunciado o 331 inciso IV
do TST.
No nosso caso aqui, não, o STJ entendeu é que haveria solidariedade passiva no caso de
responsabilidade civil, entre a terceirizada e o tomador de serviços.
Porque o objetivo, o próprio julgado diz o objetivo, na verdade, seria não estimular demasiadamente o
regime de terceirização, porque isso poderia ser um instrumento até de fraude, um instrumento de burla
a responsabilidade civil.
Então, o STJ adotou uma postura aqui, sem dúvida, rigorosa em relação ao tomador de serviços. E aí,
claro essa postura mais rigorosa vem dentro da ótica da reparação integral.
Tem outro ponto aqui, importante. Um exemplo clássico aqui, e se, o preposto, o empregado causa um
dano a outrem, fora do horário de expediente? Quer dizer, fora das suas atribuições ordinárias, fora do
expediente? Tem duas questões importantes aqui, que podem ser focadas.
A primeira é a Teoria da Aparência. Teoria da Aparência, principalmente, quando ficar evidenciado que
de algum modo, a conduta comissiva ou omissiva do empregador, contribui para aquele resultado.
Quer dizer, imagine um manobrista de um restaurante. Está acabando o expediente dele, chegou a hora
o que é que ele faz? Ele pega um carro estacionado ali e vai embora. E há, obviamente, danos
causados a vítima.
Quer dizer, o próprio empregador, de algum modo contribuiu para aquele resultado lesivo e, seria
injustificável que ele afastasse a sua responsabilidade sob a alegação de que o dano foi causado fora
do expediente.
Tem um exemplo que é clássico aqui. Imagine um sujeito que vai a uma determinada residência prestar
um determinado serviço. Ele é preposto de uma empresa e vai prestar um determinado serviço a
domicílio. Normalmente, a doutrina fala em dedetização, em qualquer serviço a domicílio.
E aí, quando ele vai visitar aquele local, ele passa a ter ciência dos horários da pessoa e, sabe,
inclusive, que no dia seguinte aqueles habitantes ali, vão viajar.
Então, a expressão ou em razão dele, alargaria o âmbito da responsabilidade indireta para eventuais
atos, ainda que praticados fora do expediente, mas desde que de algum modo haja algum elo de
beneficiamento com a atividade profissional desenvolvida.
Pergunta de aluno:
Resposta: da responsabilidade do suposto entregador pelo ato?Salvo se, no caso concreto, porque a
Teoria da Aparência. Porque, na verdade, nós temos dois interesses em conflito, nós temos o interesse
da vítima claro, interesse mais do que louvável, mas também, há o interesse do empregador, do
responsável indireto.
Por isso que, quando se invoca a Teoria da Aparência, atualmente, normalmente se atrela a Teoria da
Aparência à lógica de venire. Quer dizer, se ficar demonstrado no caso concreto que, de algum modo
houve conduta omissiva do falso empregador.
Imaginem que o sujeito receba o interfone. Eu vou dar um exemplo aqui, que daria, no mínimo,
discussão. Ele recebe o interfone e diz olha, vem o fulano de tal empresa. O sujeito na dúvida espera e
liga para a empresa. E a empresa, simplesmente, não atende, insistentemente, a diversos telefonemas.
Quer dizer, nesse caso talvez, seja justificável a Teoria da Aparência, aquela conduta omissiva do
suposto entregador de algum modo teria contribuído para o resultado. Claro que, em situações
extremas. Em regra, não haveria responsabilidade.
É preciso que a Teoria da Aparência seja sempre, trazida à luz da venire, porque a venire nesse caso,
vai estabelecer uma espécie de ponderação entre os interesses da vítima e do responsável indireto.
Pergunta de aluno:
Resposta: sim, mas aí, daria para, na verdade, de algum modo atrair, por analogia, a questão da
responsabilidade objetiva, alargar o âmbito de incidência do art. 932, inciso III.
Porque, na verdade, se nós atrairmos para a responsabilidade tradicional, nós iríamos para o art. 186 do
Código Civil, nesse caso o princípio, porque aí, a responsabilidade seria subjetiva.
Porque, na verdade o que a Teoria da Aparência. Claro que isso tudo é, extremamente, progressista.
Mas, o que a Teoria da Aparência busca justamente é o que? Fazer com que uma situação que não
corresponde à realidade, seja considerada juridicamente, como se verdade fosse.
Então, ainda que não haja relação de emprego, a Teoria da Aparência conjugada à venire, teria o
condão de fazer com que aquela aparência da relação laboral, beneficiasse de algum modo a vítima. E
esse benefício se daria como? Através da responsabilidade objetiva.
Então, a Teoria da Aparência seria mais favorável a vítima, se possível comprovar, claro a venire, do
que se nós formos para a responsabilidade geral do art. 186.
Pergunta de aluno:
Resposta: mas aí, vai depender da natureza da atividade. Claro que, em algumas hipóteses nós vamos
até poder enquadrar o art. 927, parágrafo único, mas desde que a atividade da empresa seja uma
atividade de risco. Pode ser que não seja.
Pergunta de aluno:
Resposta: na verdade, claro que essa é uma visão protetiva, uma visão que vai dentro da ótica da
reparação integral. Mas, talvez, aplicar a Teoria da Aparência, sem que de algum modo a conduta do
suposto responsável indireto tenha contribuído para o resultado lesivo, talvez, enfim, seja um passo
largo em favor da reparação integral.
Não é indefensável, obviamente que não. Mas, é porque, normalmente, nesse campo a Teria da
Aparência vem sempre atrelada à idéia de venire, vem sempre atrelada à idéia de conduta comissiva ou
omissiva.
Pergunta de aluno:
Resposta: não, aí, vai para a objetiva. Só tem graça nós falarmos em Teoria da Aparência se, o sujeito
na verdade, não é preposto, ele não representa de algum modo aquela determinada empresa.
Eu não sei se vocês estão lembrados, nós vimos à questão da representação aparente. E a
representação aparente, normalmente está atrelada a idéia de venire. Então, isso, também, funcionaria
em tese, para fins de responsabilidade objetiva.
(Intervalo)
Prosseguindo, lembrar antes de nós mudarmos de assunto. Nós estávamos falando do inciso III, do art.
932, aquela questão da responsabilidade do empregador.
Só, lembrar de uma situação que, na verdade, corresponderia para alguns uma interpretação, talvez,
exageradamente ampla do dispositivo que, é a Súmula 492 do STF, criticada por alguns autores.
Basicamente, prevê a responsabilidade objetiva pelas locadoras de veículos, por danos causados por
respectivos locatários.
Diz lá, a empresa locadora de veículos responde civil e solidariamente, como locatário, pelos danos por
este causados a terceiro, no uso do carro locado. Muitos criticam, porque, na verdade, nesse caso, a
locadora estaria respondendo por um fato de outrem.
Fato de outrem este que, não se encaixaria na situação do art. 932, inciso III, porque não há nenhuma
relação de reposição entre locatário e a empresa locadora.
Pergunta de aluno:
Resposta: na verdade, claro que isso aumenta os riscos e, sem dúvida gera uma repercussão
econômica aqui. A Súmula traz uma repercussão econômica.
A jurisprudência sempre atrelou esse entendimento da Súmula à idéia de culpa da locadora, por não
separar recursos destinados a tais indenizações. Talvez hoje, a questão possa ser melhor dirimida se,
entendermos aplicável o art. 927, parágrafo único.
Quer dizer, se nós entendermos que aquela empresa que se destina a alugar veículos, desenvolve uma
atividade potencialmente perigosa a terceiros. Claro que, é uma interpretação elástica do art. 927,
parágrafo único.
Quem vem defendido o art. 927, parágrafo único, como instrumento legitimador da Súmula é o Sergio
Cavalieri e o Carlos Alberto Menezes Direito. Quer dizer, a Súmula não teria mais como instrumento
legitimador o art. 932, porque, na verdade, a hipótese não se encaixaria aqui, mas seria justificável à luz
do art. 927, parágrafo único.
Pergunta de aluno:
Resposta: tema extremamente delicado, porque como o colega ressaltou, porque se busca sempre
reparação. Se, busca reparação do dano, se fala muito em função social da responsabilidade civil. Mas,
é preciso não nos esquecermos que, a função social, também, tem que ser analisada à luz da análise
econômica do direito, como vimos.
Claro que, o entendimento da Súmula gera um aumento, considerável, no valor locatício do bem. Afinal
de contas, quem paga aqui o preço, obviamente, não é a empresa e sim, os locatários.
A jurisprudência não aplica, extensivamente, a Súmula no caso de leasing. O STJ não aplica a Súmula,
extensivamente, ao leasing. Tem um julgado aí, o mais recente sobre o tema, agravo regimental no
agravo 909.245, afirmando que no leasing a empresa arrendadora não exerce qualquer poder de
fiscalização. Súmula 492, do STF eu insisto, controvertida.
Outro ponto que merece atenção é em relação ao inciso IV, do art. 932. Ele prevê a responsabilidade
indireta dos donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos, onde se albergue por dinheiro,
mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos.
Obviamente que, a responsabilidade dos hotéis por atos dos seus hóspedes, é absolutamente
inaplicável. O legislador perdeu a oportunidade de suprimir essa regra.
É óbvio que, o dono do hotel responde por danos causados a seus clientes, por atos de seus prepostos.
Entra no inciso III. Mas, é obvio que o dono do hotel não responde por atos dos seus respectivos
clientes.
A questão chama atenção aqui, para fins de estabelecimentos educacionais. Tem uma questão que é a
seguinte. Imagine que um garoto cause um dano a outro garoto, na Escola. Está claro à luz do art. 932,
inciso IV que se, o dano ocorre na Escola, o dono do estabelecimento responde pelos danos causados.
E, tradicionalmente, a posição mais consolidada aqui, sempre foi no sentido de que, nesse caso, a
responsabilidade da Escola, exclui a responsabilidade dos pais. O entendimento predominante sempre
foi no sentido de que, nesse caso, a responsabilidade da Escola, exclui a responsabilidade dos pais.
Pergunta de aluno:
E o inciso V, é uma questão boa para prova oral. Dificilmente vão perguntar isso em uma prova
dissertativa, mas o tema para oral é interessante. O inciso V diz: os que gratuitamente houverem
participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.
Aqui a hipótese não envolve co-autoria ou participação. Porque se, a hipótese for de co-autoria e
participação, entra em cena o art. 942, parágrafo único. Então, em relação aos co-autores, art. 942,
parágrafo único.
Aqui é hipótese de, por exemplo, o sujeito pratica um roubo. O meliante, pega o produto do roubo e
realiza uma doação a um terceiro de boa fé. O Código está dizendo que esse terceiro de boa fé, que é
beneficiado com o produto do crime até a quantia paga, responde perante a vítima.
Por que a doutrina critica muito o dispositivo? Porque, na verdade, a hipótese não seria, propriamente,
de responsabilidade civil indireta e, sim, de enriquecimento sem causa.
Quer dizer, o donatário de boa fé, nesse caso, não está respondendo civilmente pelos atos praticados
pelo meliante. Até porque, necessariamente, não há qualquer relação de guarda, ou de proximidade
imediata.
Na verdade, o que há é um actio in rem verso, é aquela ação de enriquecimento sem causa que justifica
o donatário de boa fé, responder perante a vítima.
Pergunta de aluno:
Resposta: donatário de boa fé, até a quantia recebida responderia perante a vítima. Por isso que o
Código diz os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente
quantia.
Por isso que a doutrina diz, na verdade, não seria responsabilidade civil aqui, propriamente, dita. A ação
seria de enriquecimento sem causa.
A questão estaria mal enquadrada topograficamente no Código. Na verdade, a questão se encaixaria na
ótica do enriquecimento sem causa.
Mudando um pouco de assunto, vamos analisar, em conjunto, os artigos 937 e 938. Art. 937: o dono de
edifício ou construção, responde pelos danos que resultarem sua ruína se, esta provier de falta de
reparos, cuja necessidade fosse manifesta.
Então, o Código aqui no art. 937 trata, basicamente, da ruína de edifício ou construção. É inequívoco
que o dispositivo se aplica não apenas, no caso de ruína total, mas também, no caso de ruína parcial.
Então, na verdade, a regra se aplica não apenas, quando o prédio cai por inteiro, mas, também, quando
há a queda de partes que são integrantes ao prédio. Marquises, placas de granito, enfim, tudo aquilo
que seja parte integrante do edifício.
Nesse caso, a responsabilidade civil se concentra no dono, art. 937. Havendo uma flagrante tendência
no sentido de se estender essa responsabilidade ao promitente comprador.
Tudo aquilo que já vimos em aulas anteriores. Aquela tendência jurisprudencial de cada vez mais
equiparar o promitente comprador ao dano.
Essa é a pegadinha da múltipla escolha. No caso do art. 937 não é o locatário, não é o comodatário que
responde e, sim o dono, o proprietário.
Vamos analisar agora, o art. 938. As questões normalmente focam nessa diferença aí. O art. 938 trata
da responsabilidade pela queda de objetos não integrantes do prédio. Coisas, na verdade, caídas do
prédio. É o famoso vasinho de planta.
A grande diferença aqui, é que no art. 938, a responsabilidade é daquele que habita. Está no art. 938,
aquele que habitar prédio ou parte dele. Então, nesse caso a responsabilidade não se concentra,
necessariamente, no dono. Ela pode recair sobre o locatário, sobre o comodatário. O legislador aqui
adotou a famosa Teoria da Guarda.
Isso aqui lembra aquela questão de queda de objetos de apartamentos, em que não é possível detectar
de qual das unidades caiu o objeto. Caiu do edifício, mas ninguém sabe de qual apartamento caiu.
O Caio Mario tem uma posição clássica aqui e isolada, no sentido de que se não for possível constatar
de qual unidade caiu o objeto, a vítima não é reparada. Posição isolada do Caio Mario.
Pergunta de aluno:
Resposta: para o Caio Mario a vítima só vai ser reparada, ela só vai ser ressarcida se, ela demonstrar
de qual apartamento caiu o objeto. Se, não se provar, ninguém responde por aquele dano.
Porque para o Caio Mario, isso hoje parece uma loucura, mas há algum tempo atrás fazia sentido.
É preciso interpretar isso em outro contexto, porque o objetivo da responsabilidade civil, qual era,
primordialmente? Punir o agente causador do dano.
Então, dentro de uma ótica punitiva da responsabilidade civil, não se justificaria a responsabilidade do
condomínio, porque, na verdade, a responsabilidade civil focava, primordialmente, na sanção ao agente
causador do dano.
No contexto atual, é evidente que essa posição do Caio Mario se tornou ultrapassada. Hoje, a posição
consagrada na jurisprudência é no sentido de que, se não for possível constatar de qual unidade proveio
o objeto, responde o condomínio.
Inclusive, a jurisprudência chegou a um estágio de evolução, segundo o qual questão de ala oposta é
matéria interna corporis. Questão de ala oposta, quer dizer, será que o morador de fundos vai
responder? Na verdade, hoje a jurisprudência afirma, responde o condomínio. Ala oposta é matéria
interna corporis.
Quer dizer, pelo princípio constitucional da solidariedade, se justificaria a responsabilidade civil do
condomínio, sem prejuízo de eventual direito de regresso, no caso de ala oposta.
Pergunta de aluno:
Resposta: exatamente é essa a questão, o cara mora de fundos e, o vaso caiu de uma unidade da
frente. A jurisprudência hoje chegou a um estágio tal, que a posição é de atribuir responsabilidade ao
condomínio a questão de ala oposta, matéria interna corporis.
Por que, na verdade, o que isso envolve basicamente? É uma hipótese em que há um dano proveniente
de um determinado grupo, mas não se sabe qual dos integrantes daquele grupo, efetivamente, causou o
dano.
Pergunta de aluno:
Resposta: isso é que seria matéria interna corporis, quer dizer, o condomínio repara o dano e, depois
internamente o próprio condomínio delibere um rateio desproporcional até, enfim, daquele valor pago
através da via indenizatória. Com certeza, objeto de muita briga interna corporis.
Pergunta de aluno:
Resposta: aqui a pergunta do colega é oportuna pelo seguinte. Em relação ao art. 938, é unânime o
entendimento de que é objetiva. Porque ele fala, aquele que habitar o prédio ou parte dele, responde
pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.
Quer dizer, em nenhum momento o art. 938 faz alusão à idéia de dolo ou culpa. O art. 937 é que gera
alguma dúvida, porque o art. 937 diz o dono de edifício ou construção, responde pelos danos que
resultarem de sua ruína se esta provier de faltas de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.
O Carlos Roberto Gonçalves, por exemplo, afirma que a responsabilidade é subjetiva. Porque a
expressão cuja necessidade fosse manifesta, demonstra, claramente, a idéia de culpa.
Eu diria, se nós interpretamos literalmente a regra, eu diria inclusive, culpa grave, porque o legislador
exige que a falta de reparo seja manifesta.
Pergunta de aluno:
Resposta: mas aí, iria para o empreiteiro, solidário. Se nós adotarmos a posição do Carlos Roberto
Gonçalves que, é minoritária o que nós vamos dizer?Se, não houver culpa do dono, é possível que haja
responsabilidade objetiva do empreiteiro. Uma coisa sem dúvida, não excluiria outra.
A tendência da doutrina é no sentido de superar a literalidade do art. 937, porque a redação, sem
dúvida, parece sugerir responsabilidade subjetiva.
O que a doutrina afirma. O Aguiar Dias, uma frase até curta e grossa, ela diz se, o prédio caiu, integral
ou parcialmente, é óbvio que houve falha. Quer dizer, o prédio não cai à toa.
Então, para o Aguiar Dias, pela própria evidência fática, seria necessário superar a exigência legislativa,
porque, na verdade, exigir a demonstração de culpa seria, absolutamente, desnecessário diante do
próprio fato, em si. Qual seja? A ruína total ou parcial.
E outro argumento. Não faria sentido em uma visão sistemática, atribuir responsabilidade apenas,
subjetiva ao dono do edifício, no caso do art. 937 e, nos artigos 936 e 938 o legislador ter contemplado
responsabilidade objetiva.
O art. 938 é a queda de objetos não integrantes, é o vasinho de plantas. E o art. 936 é a
responsabilidade do dono do animal, que nós vamos ver daqui a pouco. O legislador trouxe no art. 936,
mais uma hipótese de responsabilidade objetiva.
Ou seja, tanto o art. 936, quanto o art. 937, quanto o art. 938, tratam, basicamente, da Teoria da
Guarda, responsabilidade pelo fato da coisa. Em uma interpretação sistemática, o legislador teria
adotado na hipótese de Teoria da Guarda, de responsabilidade pelo fato da coisa, a hipótese da
responsabilidade objetiva.
Pergunta de aluno:
Resposta: na verdade, nós podemos, para fazer o papel de advogado do diabo, dizer o seguinte no art.
936 e no art. 938 a responsabilidade não se concentra no dono.
No art. 936 e no art. 938 foi adotada a Teoria da Guarda, efetivamente, porque pela Teoria da Guarda, a
responsabilidade não concentra só no dono, se concentra naquele que exerce o efetivo poder de fato.
No art. 937, por política legislativa, o legislador não adotou a Teoria da Guarda em sua inteireza, porque
ele restringiu a responsabilidade ao dono. Então, isso talvez, justificasse a diversidade de regime de
responsabilidade civil.
Sem dúvida, é um contra-argumento a tudo isso, mas não é a tendência da doutrina. A doutrina chega a
falar aqui, no art. 937 em presunção de causalidade. Quer dizer, a situação fática, queda do edifício, é
tão flagrante que ela geraria uma presunção de causalidade para fins de responsabilidade civil.
Essa posição é defendida pelo Aguiar Dias, Cavalieri e pelo Carvalho Santos. Sem dúvida o tema é
controvertido, porque a redação, sem dúvida, parece sugerir a idéia de culpa. Seria a posição do Carlos
Roberto.
Teve uma alteração, também, no art. 936 que é a questão da responsabilidade pelo fato do animal. Era
praxe a doutrina invocar aqui a culpa in custodiendo. E o Código anterior, inclusive, trazia a ótica da
culpa presumida. O Código anterior tratava a hipótese como de culpa presumida.
Só que, o art. 936 na sua redação atual diz: o dono ou detentor do animal ressarcirá o dano por este
causado se, não provar culpa da vítima ou força maior.
Tem alguns que, precipitadamente, falam olha é responsabilidade subjetiva, culpa presumida. Não é
verdade, porque culpa da vítima e força maior, excluem nexo de causalidade.
Então, na verdade, o que o art. 936 contempla incontroversamente, é mais uma hipótese em que cai a
idéia de culpa, no caso aqui in custodiendo, e a lógica aplicável passa a ser a da responsabilidade
objetiva.
Pergunta de aluno:
Resposta: não aqui a doutrina é praxe admitir que, na verdade, excluiria em qualquer hipótese de
exclusão de nexo causal. Aqui, mais uma demonstração, o legislador fala em força maior, ele não fala
em caso fortuito, reforçando aquela tese segundo a qual o caso fortuito corresponderia ao fortuito
interno e a força maior seria o fortuito externo.
Pergunta capciosa, quer dizer, há responsabilidade civil por caso fortuito? No Código atual muitos
afirmam que sim, porque o caso fortuito está atrelado ao fortuito interno.
Algumas peculiaridades em relação ao art. 936. Têm julgados do STJ, eu vou dar o mais recente,
atribuindo responsabilidade no caso de concessão de rodovia, à concessionária por danos causados por
animais. Resp 467.883.
No caso de grupos de animais, ou seja, vários animais que, em conjunto causam danos a outrem e que
sejam de titularidade de várias pessoas, aplicável o regime de solidariedade passiva dos múltiplos
animais.
Isso tem a ver com a causalidade alternativa, porque na verdade, se não for possível detectar o efetivo
dono do animal causador do dano, se atribui a responsabilidade a todos os possíveis causadores
indiretos do dano. E aí, depois matéria interna corpus.
No caso de animais silvestres sem dono, não se admite a atribuição de responsabilidade para o dono da
terra, para o proprietário do imóvel, para o proprietário da terra.
Quer dizer, imagine um vira-lata sem dono causa um dano a outrem, em um determinado sítio. Não
haveria a responsabilidade civil do dono do sítio, pelo fato do animal sem dono.
E aqui só lembrando, o Código fala em dono ou detentor do animal, dentro da ótica da Teoria da
Guarda. Então, no caso, por exemplo, de Pet Shop, é possível que haja atribuição de responsabilidade
civil do Pet Shop se, o dano for causado em seu estabelecimento.
E em geral se entende que, a responsabilidade do detentor não excluiria a responsabilidade civil do
dono do animal. A hipótese seria de solidariedade passiva.
Vamos dar uma olhada agora, no art. 935. O art. 935 trata, basicamente, da correlação entre
responsabilidade penal e civil.
O art. 935 diz que a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais
sobre a existência do fato ou sobre quem seja seu autor, quando essas questões se acharem decididas
no juízo criminal.
Então, a regra geral é de que a responsabilidade penal não repercute na ceara da responsabilidade civil,
regra geral. Há exceção diz o legislador, se no juízo criminal já houver decisão sobre autoria e
materialidade.
Então, a perguntinha que sempre vem sentença absolutória no juízo criminal, exclui a responsabilidade
civil? Depende. Depende da causa absolutória.
Se, a sentença absolutória decorre de reconhecimento de inexistência de materialidade ou de autoria,
excluída a responsabilidade civil. Se, for insuficiência de provas, prescrição penal, obviamente, isso não
afastaria a responsabilidade civil.
Perguntinha maldosa, sentença absolutória no Juízo Criminal, por excludente de ilicitude, vincula o Juízo
Cível? Vincula, em termos. Vincula, em termos por quê? Porque se no Juízo Criminal houver sentença
absolutória, por estado de necessidade, ninguém no Juízo Cível vai poder discutir se houve ou não,
estado de necessidade, porque a questão já vai ter sido resolvida no Juízo Criminal.
Só que, as consequências do estado de necessidade no Juízo Cível, não, necessariamente, são as
mesmas da do Juízo Criminal. Então, vincula em termos. Vincula no sentido de que, no Juízo Cível não
se poderá discutir se houve ou não a excludente de ilicitude.
Só que a excludente no Juízo Cível, não, necessariamente, conduz “a absolvição”. Isso vale
principalmente, se o examinador perguntar ele vai enfocar ou, no estado de necessidade, ou na legítima
defesa putativa ou na legítima defesa com aberratio ictus.
Provavelmente, ele vai focar em uma dessas hipóteses, porque são hipóteses em que haverá
absolvição criminal, mas que não afastará a responsabilidade civil. São aquelas hipóteses em que há a
excludente de ilicitude, mas ainda, assim se configura a responsabilidade civil.
É interessante aqui, uma posição do STJ no seguinte sentido, decisão do Júri que absolve por negativa
de autoria. O STJ entende que, mesmo a decisão do Júri absolvendo por negativa de autoria, tal
decisão não afasta a responsabilidade civil, porque as decisões do Júri são desprovidas de
fundamentação.
Tem outro ponto aqui, que, talvez possa ser repensado. O STJ ainda não enfrentou nesses outros
termos. Todo mundo se lembra que a sentença penal condenatória é título executivo, no cível.
Aí, tem um julgado do STJ que diz que, na verdade, a sentença penal condenatória no juízo criminal não
gera título executivo contra o responsável indireto. Porque a condenação criminal atingiu o responsável
direto. Resp 222.603.
É curioso porque o principal argumento usado no STJ usado nesse julgado foi o argumento de que, na
verdade, se aquele título se formasse em face do responsável indireto, seria afastada do responsável
indireto, a possibilidade de discutir se houve ou não culpa in eligendo ou culpa in vigilando.
Ou seja, a questão foi enfrentada na ótica do Código anterior. Essa justificativa não vale mais, porque a
responsabilidade indireta passou a ser objetiva.
Quer dizer, talvez o único entrave seja de ordem, exclusivamente, processual. É se à luz da
responsabilidade objetiva, seria ou não admissível que aquele título vinculasse, também, o responsável
indireto.
Problema grave de limites subjetivos da coisa julgada, mas a questão se tornou eminentemente
processual, porque não mais se discute culpa in eligendo ou in vigilando. Não tem ainda, julgado do STJ
pós Código, sobre o tema.
Artigos 939 a 941. Resumidamente é o seguinte, o art. 939 trata da responsabilidade civil, pela cobrança
antecipada da dívida. Diz lá, o credor que demandar o devedor, antes de vencida a dívida, fora dos
casos em que a Lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a
descontar os juros correspondentes, embora, estipulados e a pagar as custas em dobro.
Descontar os juros entenda-se os juros remuneratórios vincendos. A expressão demandar aqui, sem
dúvida alguma é interpretada como de demanda judicial, ingresso em juízo.
E a jurisprudência, inclusive, do STJ é pacífica no sentido de restringir as sanções do art.939 ao caso de
má fé do credor. O Código não exige má fé, sugerindo que a responsabilidade seria subjetiva,
abrangendo dolo ou culpa. A jurisprudência, claramente, há muito restringe à aplicação do art. 939 à
hipótese de má fé.
É preciso ressaltar que, essas consequências do art. 939, independem de demonstração de prejuízo.
Na verdade, o art. 939 não tem um objetivo reparatório, a regra é sancionatória, é uma sanção. O
objetivo não é reparar danos e, sim sanção.
O que evidencia que, nada impede que o devedor demandado demonstre prejuízos superiores de molde
a exigir responsabilidade civil, por valores não abrangidos no art. 939.
Pergunta de aluno:
Resposta: seriam juros remuneratórios vincendos. Imagine que você tem uma dívida para comigo, a
dívida vai se vencer daqui a quatro meses e há juros remuneratórios pactuados entre nós.
Eu cobro antecipadamente a você hoje, a dívida. Isso faz, à luz do art. 939, que os juros a partir de hoje
até o vencimento não mais venham a incidir. É uma espécie de sanção ao credor que, cobra
antecipadamente de má fé. Quer dizer, dada a idéia de sanção, a jurisprudência restringe o dispositivo à
hipótese de má fé.
O art. 940 trata da hipótese em que o credor demanda por dívida já paga. Mais uma vez, demanda
judicial. Se, a cobrança for extrajudicial, pode acontecer alguma consequência? É possível que no caso
de demanda extrajudicial seja aplicável o art. 42, parágrafo único do CDC se, for relação de consumo.
Porque no art. 42, parágrafo único do CDC não se exige demanda, não se exige ingresso em juízo. O
CDC usa a expressão cobrar.
O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito a repetição do indébito, por valor igual ou ao
dobro do que pagou em excesso acrescido de correção monetária e juros legais. Salvo hipótese de
engano justificável.
O Código Civil usa a expressão demanda, o CDC usa a expressão cobrar. Como a expressão cobrar é
mais abrangente, a jurisprudência aplica tanto a hipótese de cobrança judicial, quanto extrajudicial.
E mais, o legislador no parágrafo único do art. 42 prevê que, o consumidor tem direito a repetição ao
dobro, salvo hipótese de engano justificável do cobrador. O CDC parece claro, em não exigir dolo do
cobrador. O CDC parece claro em admitir dolo ou culpa, em uma postura mais protetiva.
Só que, o STJ vem restringindo tal interpretação, inúmeros julgados exigindo má fé, mesmo no art. 42,
parágrafo único do CDC. Inúmeros julgados exigindo má fé, mesmo em relação de consumo. Só para
ter um julgado aí, talvez, o mais importante, 2ª Seção do STJ Resp 1032952.
Então, o CDC é mais protetivo na medida em que ele não exige cobrança judicial, ele se contenta com a
cobrança extrajudicial. Mas, a jurisprudência do STJ vem tratando de aproximar o CDC ao Código Civil,
a exigir a má fé.
Tem um último detalha aqui. O CDC até aqui parece mais protetivo, mas tem um detalhe. Pelo Código
Civil, o sujeito tem que restituir em dobro o valor demandado, o CDC prevê direito de restituição em
dobro, do valor pago.
Quer dizer, nesse ponto o Código Civil é mais protetivo do que o CDC, porque o Código Civil não exige
que o valor tenha sido pago, basta que ele tenha sido exigido judicialmente. O CDC, não, o CDC diz que
ele tem direito ao dobro do valor pago.
Fim da aula.
6.09.2009 AULA 36
Boa noite. Vamos prosseguir. Hoje, a princípio é a nossa última. Continuando na sistemática da
responsabilidade civil, é de extrema relevância a análise do art. 944, parágrafo único.
É o seguinte, a regra geral está prevista no caput do art. 944. E pela regra geral, diz o art. 944, caput,
que a indenização mede-se pela extensão do dano. Isso ficou claro desde a primeira aula, quando
vimos que a tendência hoje, da responsabilidade civil é sempre viabilizar a reparação integral.
Só que, o parágrafo único traz uma exceção a essa regra geral. Diz lá, se houver excessiva
desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir equitativamente a indenização.
Então, o que o legislador permite é na hipótese de culpa levíssima, com dano muito extenso, que o juiz
possa reduzir o quantum debeatur. E ao reduzir o quantum debeatur, obviamente, não se estará
reparando integralmente os danos causados.
Dois aspectos chamam atenção. Primeiro é que com essa regra, o legislador ressuscita a importância
dos graus de culpa no direito brasileiro.
Porque antes do Código atual, sempre se afirmou o seguinte, se a culpa é leve, grave ou gravíssima,
pouco importa, se a responsabilidade civil for subjetiva, independentemente da gradação da culpa, a
responsabilidade se configurará da mesma forma. E aqui o legislador confere relevância à gravidade da
culpa. Não para fins de configuração, mas para fins de quantificação do dano a ser reparado.
E o mais interessante aqui é o seguinte, na Primeira Jornada dos Enunciados do CJF foi editado o
Enunciado 46 que, afirmava na sua redação originária que, a regra seria aplicável apenas, à
responsabilidade civil subjetiva.
Muitos chegaram a dizer que o Enunciado dizia o óbvio, porque se o legislador fala em grau de culpa, a
regra só seria efetivamente aplicável na responsabilidade subjetiva.
Então, a questão da gravidade da culpa, nesse caso, não é pressuposto a configuração da
responsabilidade se, ela for objetiva. Mas, ela vai funcionar como tese defensiva do réu, buscando a
diminuição do quantum debeatur. Esse é o ponto mais sensível, envolvendo o dispositivo.
Resposta: porque quando a responsabilidade é objetiva, na verdade, o que se exige? Na verdade, é o
seguinte, o fato da responsabilidade civil, ser objetiva, não significa dizer que a conduta do agente, no
caso concreto, não foi efetivamente culposa, ela pode ter sido culposa.
Só que, na verdade, nessas hipóteses, o ordenamento jurídico dispensa a demonstração desse
elemento culpa. Então, ainda que a responsabilidade seja objetiva, porque o legislador dispensou a
presença de dolo ou culpa em qualquer dos seus níveis, é possível que o agente causador do dano
possa suscitar essa culpa levíssima, em contraste com esse dano muito extenso, como tese,
puramente, defensiva visando diminuir o quantum debeatur.
Resposta: na prática, na verdade, nós temos até que tomar cuidado, o advogado tem que tomar cuidado
na hora de usar esse dispositivo, porque na verdade, ele só deve invocar isso, em termos práticos se ele
sentir que está perdido.
Porque, na verdade, quando ele alega culpa leve, obviamente, ele está reconhecendo a pretensão
autoral. Então, sem dúvida, demanda a sensibilidade do profissional, do operador do direito para invocar
a regra. Porque é quase um reconhecimento aqui, uma confissão da presença da responsabilidade civil.
O colega até chegou aqui a suscitar uma questão que, obviamente, também, tem repercussão, quer
dizer, a possibilidade de invocação do parágrafo único, no caso de responsabilidade civil indireta.
Quer dizer, o empregador acionado diretamente pela vítima, suscitar culpa leve do empregado, para
mitigar o quantum debeatur. Obviamente a regra, também, é aplicável na responsabilidade indireta.
Resposta: eu só tenho dúvida aí, talvez seja interessante conversar com alguém de processo. Eu só
tenho dúvida se, a fase de liquidação comportaria um contraditório tão amplo.
Na verdade, em tese, não teríamos talvez, um fato realmente novo. Porque, na verdade, na causa de
origem nós já estaríamos discutindo a conduta do agente causador do dano.
Eu tenho dúvida se haveria fato novo e tenho dúvida se, a liquidação comportaria um contraditório tão
amplo acerca da presença ou não do elemento subjetivo.
Resposta: eu só tenho, realmente, dúvida se a fase de liquidação comportaria essa discussão. Ou, se o
juiz deveria reconhecer na sentença, desde logo, a aplicação do dispositivo e deixar para a liquidação a
efetiva diminuição.
Aí, talvez fosse interessante conversar com alguém de processo. Se, o juiz teria ou não que, na
sentença reconhecer a aplicação do parágrafo único, para sim, na fase de liquidação diminuir.
Resposta: para fixar o quantum debeatur, mas pressupõe discussão de culpa, especificamente.
O art. 945 traz para o Código Civil aquela história da culpa concorrente. Não havia previsão legal, mas a
doutrina e a jurisprudência sempre aplicaram a lógica da culpa concorrente, com fins de mitigar o
quantum debeatur.
Primeira observação aqui é a seguinte. O Código no art. 945, fala em culpa concorrente. Ele usa a
expressão culpa concorrente, ele diz se, a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a
sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade da sua culpa em confronto com a do autor
do dano.
É preciso ressaltar que, muitos criticam a expressão culpa concorrente. O que muitos sustentam é que,
na verdade, melhor seria a expressão causa concorrente.
Até porque, se nós ficarmos presos a expressão culpa concorrente, o que parece é que esse dispositivo
não seria aplicável nas hipóteses de responsabilidade objetiva, quando a própria jurisprudência aplica
muito a idéia de causa concorrente nas relações de consumo.
Quer dizer, se o próprio CDC prevê que o fato exclusivo da vítima afasta o nexo causal, é justificável
que haja mitigação do quantum debeatur, quando a vítima, de algum modo, contribui para o resultado
lesivo.
E essa crítica talvez, se torne ainda mais relevante se nós percebemos o seguinte. Vou dar um exemplo
prático, para facilitar. O sujeito vem com o automóvel a duzentos por hora e passa por cima de uma
moto, vitimando o carona que estava sem o capacete.
Em tese, culpa concorrente. Se, o sujeito da moto estivesse com o capacete, será que faria alguma
diferença? Provavelmente não. O que eu estou querendo dizer? Para que se aplique a mitigação do
dever de indenizar, é preciso que a culpa concorrente seja uma causa eficiente.
Eu estou usando a expressão do Código, culpa concorrente. É preciso que a culpa concorrente seja
eficiente a eclosão do resultado. Eu estou usando a expressão do Código, quer dizer, o que nós
diríamos? É possível que tenhamos duas condutas, em tese, culposas.
Só que, uma delas por si só, já seria suficiente para produzir aquele resultado. Quer dizer, a culpa do
outro, na verdade, não foi decisiva à eclosão do resultado.
Vejam que, quando se fala em culpa eficiente da vítima, para gerar mitigação do dever de indenizar, na
verdade, a idéia não é de culpa eficiente e, sim de nexo causal. Quer dizer, o que nós estamos
discutindo é se aquela conduta da vítima foi ou não uma causa eficiente, para contribuir para o resultado
lesivo.
Então, cuidado, porque em uma prova de concurso, vamos ser objetivos aqui. Muitos autores, talvez os
mais conhecidos o Cavalieri e o Carlos Alberto Menezes Direito, usam a expressão culpa eficiente.
Muitos sustentam, porque na verdade, não é a culpa que é eficiente, na verdade, o que se está
discutindo é nexo de causalidade, em que medida aquela conduta da vítima foi eficiente para a eclosão
do resultado lesivo.
Então, é possível que, ainda que presente uma causa concorrente se, uma delas não foi eficiente, se a
causa da vítima não foi eficiente à eclosão do resultado, não haverá diminuição do dever de indenizar.
O Gustavo Tepedino chega a afirmar que, esse art. 945. O Tepedino é um dos autores que defende a
idéia de causa eficiente, defende a idéia de causalidade concorrente e, não de culpa concorrente.
O Tepedino chega a afirmar que essa regra do art. 945, do Código Civil que, prevê a redução do
quantum debeatur se inspira na vedação ao enriquecimento sem causa.
E aí, com base, inclusive, nesse fundamento, o Tepedino afirma que o art. 945 do Código Civil, acaba
facilitando a aplicação desta solução, nas relações de consumo. O art. 945 do Código Civil se projetaria
para as relações de consumo.
Quer dizer, a jurisprudência há muito aplica isso nas relações de consumo, só que não há uma previsão
explícita do CDC. Para o Tepedino como o art. 945 se inspira na vedação ao enriquecimento sem
causa, esse seria o fundamento valorativo suficiente, para aquele chamado diálogo de fontes, questão
da projeção das normas do Código Civil, para as relações consumeristas. Posição do Gustavo
Tepedino.
Outro fato que merece a nossa atenção é o art. 948. O art. 948 diz lá, no caso de homicídio a
indenização consiste, sem excluir outras reparações.
Inciso I: pagamento das despesas com tratamento da vítima, seu funeral e o luto de família. Inciso II: a
prestação de alimentos as pessoas a quem o morto devia, levando-se em conta a duração provável da
vida da vítima.
O inciso I, quando fala em despesas com o tratamento da vítima se, refere, obviamente, a dano
emergente. Em relação ao funeral e o luto da família, também, temos dano emergente.
Sendo que, em relação ao funeral, o que se afirma é que, na verdade, o homicida vai responder pelas
despesas do funeral, desde que, compatíveis com a condição social da vítima.
Resposta: isso é o que diz o art. 948. Só que, por exemplo, o art. 951 que trata da responsabilidade civil
do profissional de área médica, manda aplicar o art. 948. O próprio art. 951 se refere ao art. 948.
Então, na verdade, esse art. 948 que, a princípio se refere a homicídio, acaba sendo aplicável em outras
situações que não apenas, de homicídio. O próprio art. 951 prevê a aplicação do art. 948. O art. 951 se
refere à responsabilidade do profissional de área médica.
Resposta: porque aqui o que se sustenta é a necessidade de razoabilidade, óbvio, na interpretação do
dispositivo. Quer dizer, o funeral desde que compatível com o padrão social, abrangendo missa de
sétimo dia, enfim, em tese, abrangeria tudo isso.
E a questão do luto da família. Aqui só uma pegadinha de prova oral, ninguém vai perguntar isso em
uma prova dissertativa. A doutrina em geral, quer dizer, muitos falam aqui, só em dano emergente, no
caso do inciso I.
Só que, há quem defenda aqui, o Carlos Alberto Menezes Direito é um dos autores que trata desse
tema que, o luto da família abrangeria, eventualmente, lucros cessantes naquele período de nojo, que
seria até a primeira semana.
Quer dizer, dentro da hipótese de luto, nós poderíamos ter lucros cessantes naquele primeiro lapso
temporal. Lapso temporal de uma semana, quer dizer, seria justificável que o parente mais próximo
deixe de realizar determinados negócios, por conta do falecimento do ente querido.
E aí, seria possível suscitar lucros cessantes, com base no inciso I, parte final.
E a questão dos alimentos as pessoas a quem o morto os devia, sempre chama muito atenção, porque
é uma hipótese em que o legislador contempla o chamado dano reflexo.
O legislador fala em duração provável da vida da vítima. Quer dizer, vai pagar os alimentos enquanto,
provavelmente, a vítima sobreviveria. Em media a jurisprudência vem aplicando de sessenta e oito a
setenta anos que, são as estatísticas atuais do IBGE. Tendência a serem revistas.
Aqui, só para lembrar, a jurisprudência criou aqui alguns standarts. Criação jurisprudencial. Em regra, se
fixa como pensão aqui, o montante de dois terços do que o falecido ganhava.
Sendo que, se o falecido tinha, por exemplo, dezoito anos de idade, ao chegar aos vinte e cinco, a
jurisprudência reduz esse montante de dois terços, para um terço.
Porque, presumidamente, aos vinte e cinco anos, aquele sujeito constituiria uma nova família. E, ao
constituir uma nova família, diminuiria sua capacidade contributiva em relação aos alimentandos
originários.
Resposta: na verdade, a plena cumulação de pensão previdenciária com essa pensão aqui, propiciaria
enriquecimento sem causa.
Então, como hoje, a vedação ao enriquecimento sem causa é cada vez mais enaltecido, como matéria
de ordem pública, previsto, inclusive, no Código atual, sem dúvida é possível que haja dedução entre as
pensões, a previdenciária com essa por força do direito civil.
Porque essa prestação de alimentos tem o caráter nítido de subsistência alimentar. Quer dizer, se há
uma, outra fonte e a pensão previdenciária, obviamente, tem a mesma ratio, seria possível aí, a
dedução dos valores, eventualmente, pagos.
É difícil, na verdade, se compreender dogmaticamente o seguinte, há inúmeros julgados em que há
condenação à prestação de alimentos, quando a vítima, por exemplo, tinha seis anos de idade.
Quer dizer, na verdade, talvez haja uma promiscuidade aqui jurisprudencial, na dicotomia dano
patrimonial versus dano moral. Porque a bem da verdade, nós teríamos, inclusive, dificuldade em
suscitar a Teoria da Perda da Chance.
Porque, na verdade, nós não teríamos uma relação mínima de proximidade com a percepção de renda,
por parte do falecido. Então, na verdade, há talvez aqui uma certa promiscuidade jurisprudencial, quer
dizer, um dano moral travestido de natureza de pensão alimentícia.
Resposta: não a título do inciso II, porque na verdade, o objetivo do inciso II não é sancionatório. A regra
do inciso II, busca prover a subsistência daquele que dependia do falecido. Então, na verdade, nós não
temos no inciso II, propriamente, um caráter punitivo.
Então, como na verdade, a vítima seria eventualmente, integralmente reparada em algumas situações
especialíssimas. Quer dizer, nessas hipóteses, à percepção integral do valor anteriormente recebido,
mais a pensão mensal, talvez conduzisse ao enriquecimento sem causa, porque o sujeito receberia,
enfim, duas vezes.
Vamos dar uma olhada no art. 949, porque tem uma crítica importante da doutrina.
Quem quiser anotar, tem um julgado super recente sobre essa história do art. 948 que nós acabamos de
ver, de dois terços de pensão, depois completa vinte e cinco anos, um terço. Tem um julgado bem
recente, Resp 1.101.213, tratando esse tema.
Esse artigo 948, também, merece. Só fazer uma remissão aí, para a Súmula 313 do STJ. A Súmula 313
do STJ faz alusão à prestação de caução ou formação de capital.
Diz lá, em ação de indenização procedente o pedido, é necessária à constituição de capital ou caução
fidejussória para garantia de pagamento da pensão, independentemente, da situação financeira do
demandado.
Quer dizer, se cair algum dia em uma prova da Defensoria, por exemplo, para redigir uma inicial
invocando a prestação de alimentos, com base neste dispositivo, é importante incluir no pedido o que
consta da Súmula 313 do STJ.
O art. 949 trata, basicamente, da questão da ofensa à saúde. Na verdade, aqui, só há um aspecto.
Vamos dar uma lida: no caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido nas
despesas do tratamento e dos lucros cessante, além, de algum outro prejuízo que o ofendido prove
haver sofrido.
Então, o Código prevê aqui o dano emergente, o lucro cessante e outro prejuízo que o ofendido prove
haver sofrido. Essa expressão, outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido, abrange a
possibilidade de dano moral, obviamente, cumulado com dano estético, conforme jurisprudência do STJ.
Nós vamos ver daqui a pouquinho essa questão do dano estético, mas todo mundo deve se lembrar que
o STJ, firmemente, admite a cumulação de dano patrimonial, mais moral, mais dano estético.
O art. 950 traz um aspecto importante. Essa regra merece um pouco mais de atenção, porque o art. 950
trata da hipótese de redução ou aniquilamento da capacidade laborativa da vítima.
A questão, talvez, tem dois aspectos importantes. O mais importante que me parece é o seguinte, é
possível que daquele ato gerador da responsabilidade, o sujeito se veja privado de exercer aquela
profissão por ele antes, exercida.
Mas, é possível que ele tenha plenas condições de exercer outra atividade laborativa que não aquela.
Quer dizer, a dúvida é se nesse caso, se justifica a reparação integral daquilo que ele perde por não
exercer aquela profissão originária.
Olha o que diz a regra: se da ofensa resultar defeito, pelo qual o ofendido não possa exercer o seu
ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização além, das despesas do
tratamento e lucros cessantes, incluirá pensão correspondente a importância do trabalho para que se
inabilitou ou, da depreciação que ele sofreu.
Quer dizer, a interpretação literal nos conduz à afirmativa de que na verdade, o que se leva em conta é
a diminuição ou o comprometimento total da capacidade laborativa daquela atuação profissional
originária. A princípio, a interpretação literal nos conduz a essa visão.
O Silvio Rodrigues repudia a interpretação literal, dizendo que essa visão pode gerar enriquecimento
sem causa da vítima, e pode ser um estímulo a ociosidade.
Quer dizer, para o Silvio Rodrigues, seria preciso verificar se o sujeito teria ou não condições de exercer
a sua profissão originária ou outra, similar em relação a qual o sujeito estaria habilitado a exercê-la.
O STJ tem aqui três julgados sobre essa discussão: Resp 233.610, Resp 569.351 e Resp 536.140. Esse
último julgado, então, é mais interessante, foi por maioria de votos.
Porque nesse julgado, o agente causador do dano comprovou que a vítima passou a exercer uma
atividade laborativa diversa e, que, na verdade, a vítima ganhava até mais nessa nova atividade
laborativa do que ganhava na profissão originária.
O STJ, por maioria, decidiu que, presumidamente, pessoas que passam por algum tipo de deficiência
física, suportam um constrangimento, uma dificuldade muito maior em exercer outra atividade do que
outra pessoa desprovida de tal hiposuficiencia.
Que essa maior dificuldade, esse maior desgaste pode, inclusive, comprometer no futuro, a capacidade
de atuação desse agente na nova atividade laborativa.
Ou seja, o que o STJ estabeleceu foi uma presunção de que, ainda, que o sujeito exerça outra
profissão, seria justificável a reparação integral, com base no art. 950.
Quer dizer, seria quase que um ônus do agente causador do dano, comprovar que além de exercer
essa outra atividade, o exercício dessa outra atividade, não lhe é desarrazoadamente desgastante, de
molde, inclusive, a comprometer a sua atuação no médio ou longo prazo. Decisão por maioria de votos.
Resposta: na verdade, se não houver. Porque aqui nós podemos ter dano patrimonial, moral e estético.
O art. 950 trata, especificamente, de dano patrimonial. Se, a hipótese for de dano estético,
exclusivamente, vai para o art. 949.
Quer dizer, o que o STJ entendeu no art. 950 não foi à hipótese do sofrimento, pelo fato da vítima se
apresentar no meio social com algum tipo de defeito externo, de dificuldade externa. Mas, sim,
efetivamente, dificuldade de exercer aquela atividade, para fins lucrativos, diante daquela deficiência.
Resposta: mas nesse julgado o STJ focou o seguinte, que apesar, de naquele momento ele estar
ganhando até um pouco mais, esse desgaste demasiado conduziria a um decesso futuro iminente.
Quer dizer, o STJ nesse julgado, o voto divergente foi interessantíssimo porque ele diz, na verdade,
esse entendimento aí, é um entendimento de futurologia, porque ninguém pode afirmar se, o sujeito no
futuro vai ou não ganhar menos.
Julgado extremamente criticável, porque na verdade, o julgado afirmou quase que, em caráter absoluto
que, apesar do sujeito estar ganhando mais naquele momento, esse desgaste maior no desempenho da
atividade comprometeria os rendimentos futuros.
Resposta: talvez, em relação à pensão, sem dúvida é possível que uma causa superveniente propicie o
valor aqui estabelecido. Até porque, nós não teríamos aqui, o óbice da coisa julgada, porque a causa de
pedir seria diferente em relação ao fato superveniente.
Talvez, essa questão da cláusula res sic standibus se agrave ainda, mais na hipótese do parágrafo
único. Porque o parágrafo único diz, o prejudicado se, preferir poderá exigir que a indenização seja
arbitrada e, paga de uma só vez.
Aqui, sim, talvez, nós teríamos um problema maior, porque, em tese, o sujeito poderia exigir de volta
parte do que foi pago. Mas, enfim, dificilmente haveria êxito nesse sentido.
Em relação à pensão, não. A pensão teria natureza res sic standibus apesar, do Código não estabelecer
explicitamente.
Resposta: mas o grande talvez, entrave aqui. Esse próprio julgado do STJ que trouxe essa posição e,
toda a doutrina costuma afirmar o seguinte, o art. 950 trata, especificamente, de dano patrimonial.
Se, a hipótese não é de dano patrimonial se, for dano moral ou se for dano estético. Porque talvez, nós
estejamos falando de dano moral. Quer dizer, o dano moral de ter de mudar de profissão. Quer dizer,
ainda que ele ganhe mais no outro, ele sofre algum tipo de enfim.
Resposta: dano moral e dano estético estariam albergados pelo art. 949.
Resposta: mas aí, nós não teríamos talvez, um dano patrimonial. Na verdade, isso nós estamos focando
nessa decisão do STJ, claro que, não é verdade absoluta, tanto é que foi por maioria de votos.
Como advogado ou em uma prova, claro que, é plenamente sustentável que, se a vítima, inclusive,
exerce outra profissão recebendo menos, é plenamente sustentável que, pelo menos, em relação ao
dano patrimonial haja uma diminuição do quantum debeatur pela percepção de parte daquilo que o
sujeito ganhava.
Quer dizer, se ele passou a ganhar metade, é no mínimo sustentável que, ao menos em relação ao
dano patrimonial, que esse valor mensal seja metade do que ele ganhava.
E aí, o argumento talvez, não seja difícil. É falar em vedação ao enriquecimento sem causa, o art. 950
trata de dano patrimonial e outras situações podem vir a ser discutidas sob a ótica do art. 949. E aí, sim,
poderíamos vir a ter à tona o dano moral, o dano estético que, seriam cumuláveis aqui.
Quer dizer, esse julgado do STJ sem dúvida alguma, é no mínimo, discutível, o voto vencido, inclusive,
fala em futurologia porque, na verdade, ninguém pode afirmar que o sujeito vai ganhar menos no futuro,
porque exerce uma atividade diversa.
O cuidado é só no enquadramento técnico aqui, porque as questões acabam sendo muito parecidas.
Resposta: justamente por conta da vedação do enriquecimento sem causa.
Vamos tomar cuidado com o parágrafo único do art. 950. O parágrafo único, inclusive, causa um
problema ainda maior. Porque o colega estava suscitando, isso parece ser res sic standibus, porque
pode ser que o sujeito em um determinado momento não exerça nenhuma atividade laborativa e, no
momento posterior, com eventual readaptação no meio social, o sujeito venha a desenvolver outro
trabalho.
E aí, o parágrafo único é que contempla esse direito potestativo. Talvez, não fosse adequado nós
invocarmos aquela regra geral lá, porque aqui nós temos uma regra especial. Tanto é especial que, pela
regra geral, o credor não pode optar por receber por partes.
O credor se, o devedor quiser ele pode se desvincular em uma única vez. Inclusive, se o credor quiser
receber parceladamente o devedor dispõe da via consignatória, porque o devedor tem o evidente
interesse em cumprir de logo a prestação.
Então, aqui talvez, nós estejamos em seara própria porque aqui nós estamos na verdade. Além de
termos uma regra específica, nós estamos fugindo daquela questão, das relações puramente,
contratuais. Aqui, nós temos sim, uma obrigação, mas tendo como fonte não o acordo de vontade e,
sim, a prática de um ato ilícito.
Então, aquela regra lá, talvez, do art. 314 ela seja aplicável às obrigações que tenham como fonte o
acordo de vontade e não o ato ilícito, propriamente, dito.
Aqui, nós temos uma situação diferenciada. Até porque, o dano aqui, tutelado pelo art. 950 é o valor que
seria recebido mensalmente. Então, seria justificável que, a princípio, o valor a ser reparado também
viesse de maneira mensal.
Na verdade, o parágrafo único é uma prerrogativa, porque a princípio a perda aqui tutelada seriam os
salários, a remuneração.
Tem uma ponderação aqui, em relação ao art. 952. O art. 952 trata da responsabilidade civil por
usurpação ou esbulho. O caput diz, havendo usurpação ou esbulho do alheio, além da restituição da
coisa, a indenização consistirá em pagar o valor das suas deteriorações e o devido a título de lucros
cessantes.
Por exemplo, lucros cessantes os frutos percebidos. Notadamente, se o usurpador era possuidor de má
fé. Faltando a coisa, dever-se-á reembolsar o seu equivalente, ao prejudicado.
Parágrafo único. Aqui, é uma situação peculiar. Para se restituir o equivalente, quando não exista a
própria coisa, estimar-se-á ela, pelo seu preço ordinário e pelo de afeição, contanto que este não se
avantaje aquele.
Pelo preço ordinário e pelo preço de afeição. Por que esse preço de afeição aí? Porque o preço
ordinário é o preço corrente. Esse preço de afeição diz respeito à relação sentimental da vítima com a
coisa.
Ou seja, esse preço de afeição significa, diretamente, dano moral. E aí, o detalhe aqui é que o legislador
diz que esse preço de afeição não pode ser superior ao preço ordinário da coisa. Ou seja, há um
tabelamento legislativo de dano moral. O legislador implicitamente tabelou o dano moral aqui.
Quer dizer, pode ser que o preço ordinário da coisa seja pequeno, mas a relação de afeto seja,
extremamente, significativa. Então, o que nós temos aqui, implicitamente, é um tabelamento legislativo
de dano moral.
Claro que, em uma perspectiva civil constitucional, é possível superar esse tabelamento legislativo.
Duas outras ponderações ainda, em relação ao art. 953 e art. 954. O art. 953 trata de responsabilidade
civil por ofensa à honra. Eu chamo atenção aqui, para o seguinte, diz o art. 953: a indenização por
injúria, difamação ou calúnia, consistirá na reparação do dano que dela resulte ao ofendido. O caput fala
genericamente em dano.
Aí, o parágrafo único: se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar
equitativamente o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso.
A interpretação literal parece sugerir que, a vítima só pode pedir dano moral se não comprovar o dano
patrimonial. Sem dúvida, o Código aqui veio com resquício de 1.975.
Porque apesar, do caput falar em dano, genericamente, o parágrafo único condiciona a possibilidade de
o ofendido comprovar outro dano que, não o patrimonial, desde que inexistente o dano patrimonial.
Então, obviamente, que essa redação, também, é superável sob o ponto de vista civil constitucional.
E sobre essa questão de ofensa à honra, que nós chegamos a trabalhar com isso, em direitos da
personalidade, quando tratamos do art. 20, a questão da liberdade de imprensa. Tem um julgado
recente, posterior a nossa aula que vale a pena dar uma olhada, Resp 984.803.
Esse julgado é muito importante, porque foi um julgado emitido recentemente pelo STJ, posteriormente
ao afastamento da Lei de Imprensa do direito brasileiro. O STF entendeu pela não recepção da Lei de
Imprensa à luz da Constituição.
A Lei de Imprensa trazia uma série de restrições à admissibilidade de dano moral. Esse julgado é
interessante, porque traz uma idéia muito clara de ponderação, entre liberdade de imprensa versus
acesso a informação.
Nesse caso, inclusive, o sujeito. Foi uma notícia televisiva, ele praticamente foi “condenado” pela mídia.
Praticamente, havia se afirmado que ele fazia parte da fraude. E houve uma absolvição criminal
posterior que, confirmou a ausência de autoria.
O STJ repudiou dano moral nesse caso, dizendo que, na verdade, não se exige um juízo de certeza,
quando da divulgação de matéria jornalística e, que a época havia indícios razoáveis de participação na
fraude.
E, que na verdade, a notícia veiculada permitiu, inclusive, a participação do ofendido para manifestar
sua versão. Enfim, claro que o julgado é polêmico, porque quando se fala em ponderação sempre há
polêmica.
Mas, o julgado veio em uma perspectiva de focar na liberdade de imprensa, em detrimento do dano
moral. Notadamente, porque a matéria envolvia fraude política, então, havia um interesse público na
divulgação daquelas informações. Talvez, se fosse um conteúdo de ordem, evidentemente, pessoal, a
decisão viria em sentido diverso.
Resposta: é porque se, por um lado nós temos a caia do teto da Lei de Imprensa, nós temos aquele
próprio artigo do Código que pode permitir ao agente causador do dano, suscitar culpa leve, para mitigar
o quantum debeatur. Mas, aí, vai depender do caso concreto, evidentemente.
Vamos tratar de aspectos envolvendo dano moral. Antes, de mais nada, lembrar que, o art. 186 do
Código Civil, quando trata de ato ilícito, o art. 186 agora diz que, o dano, exclusivamente, moral é digno
de reparação. Evidentemente, que a regra apenas, se harmoniza ao que já contemplava a Constituição.
O primeiro cuidado aqui é o seguinte. Se, alguém perguntar o que é dano moral, nós normalmente nos
lembramos daquela frase do Cavalieri, quase todas as petições invocam a dor, o sofrimento, a angustia
que foge à normalidade. Ficou consagrada essa frase do Cavalieri.
Mas, na verdade, o dano moral representa uma violação à dignidade da pessoa humana. E aí, é muito
útil aqui, nós nos lembrarmos da segunda aula, daquela questão dos subprincípios da dignidade da
pessoa humana: igualdade, integridade psicofísica, solidariedade. Enfim.
Resposta: cairia, porque na verdade, os direitos da personalidade estão intimamente atrelados à
dignidade da pessoa humana. Isso pode gerar algum reflexo, se nós definirmos atrelado aos direitos da
personalidade, na questão do dano moral a pessoa jurídica.
Porque é aquela discussão que nós já vimos se, cabe ou não dano moral a pessoa jurídica. Mas, na
verdade, o embate em termos de conteúdo acaba sendo o mesmo, quer dizer, a dúvida é em que
medida a dignidade humana seria extensível ou não a pessoa jurídica. Mas, a rigor nós estaríamos
falando da mesma coisa.
Isso é importante nós definirmos até pelo seguinte. Porque se o dano moral fosse, a dor, angústia, o
sofrimento, talvez, não fosse justificável cabimento de dano moral em favor de nascituro ou em favor de
um amental que não tem sequer condições de compreender o grau de violação a sua dignidade.
Então, na verdade, a dor, o sofrimento, a angústia representam um reflexo, uma consequência da lesão
a dignidade da pessoa humana. Então, o dano moral, na verdade, representa violação a dignidade da
pessoa humana. A história da dor, sofrimento, representa uma mera consequência.
O aspecto aqui mais importante do dano moral, sem dúvida alguma diz respeito à questão do
arbitramento. O primeiro critério que, felizmente, vem sendo repudiado pelo STJ é aquele que sustenta
que deve se levar em conta a capacidade econômica da vítima.
Capacidade econômica da vítima, critério digno de repúdio. Houve um caso, um tempo atrás, em que
uma empregada doméstica foi vítima de dano moral, por um gerente de supermercado.
A primeira instância condenou em cinquenta mil reais, o Tribunal manteve a sentença e, o STJ, há
tempos atrás reformou o julgado dizendo, como um dos argumentos a idéia de que aquela empregada
em seu honrado labor, jamais obteria um valor parecido com cinquenta mil reais e aí, reduziu o valor
para cinco.
Obviamente, que esse critério é repudiável, porque gera uma evidente patrimonialização da dignidade
da pessoa humana. E o STJ na última vez que se pronunciou sobre o tema, repudiou esse critério.
O STJ repudiou esse critério no Informativo 324, em que houve a reforma de um acórdão que adotou
esse critério como decisivo a configuração do dano moral.
O que se sustenta é que, na verdade, deve se levar em conta as condições pessoais da vítima. Por
exemplo, a perda de um dedo do pianista.
Imagine um sujeito que sofre algum tipo de dificuldade de locomoção e more no quarto andar de um
edifício, sem elevador. Então, na verdade, circunstâncias de ordem pessoal da vítima, devem ser
levadas em conta para fixação do dano moral.
Porque essas condições pessoais, sim, têm natureza existencial e buscam a melhor comoção da
dignidade humana.
Tem até um julgado que tem a ver com isso, porque nós vimos exemplos que as circunstâncias
pessoais serviram para majorar o dano moral. Tem um julgado em sentido oposto no Informativo 334, do
STJ.
O sujeito tinha vinte e dois títulos protestados devidamente. O vigésimo terceiro protesto foi indevido. O
STJ entendeu que essa circunstância pessoal, seria suficiente para diminuir o dano moral. Quer dizer,
aqui, na verdade, uma circunstância pessoal foi levada em conta, para diminuição do quantum debeatur.
Logo, após esse julgado veio a Súmula 385 do STJ. Nós chegamos a mencionar aqui a Súmula 385,
vinculando ela a venire. Porque a Súmula 385, na verdade, tem tudo a ver com isso.
É aquela que diz que, da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização
por dano moral, quando pré-existente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.
Claro que, não é verdade absoluta, há os críticos da Súmula. Mas, sem dúvida alguma, ela leva em
conta uma circunstância de ordem pessoal da vítima, de molde a excluir o dano moral. Então, sem
dúvida alguma, esse julgado vem em rota de colisão com a Súmula 385 do STJ.
Aqui, é curioso, porque nós podemos, eventualmente, até usar a venire, para diminuir ou espancar dano
moral, desde que nós usemos a venire em uma ótica existencial.
O que nós não podemos usar é de artifícios patrimoniais da vítima, para suscitar a não configuração de
dano moral. Porque se não, nós vamos patrimonializar a dignidade da pessoa humana.
Resposta: de acordo com a Súmula é exatamente isso. Quer dizer, a anotação irregular não justifica
dano moral, quando já existente uma inscrição devida. E aí, o que a Súmula ressalta é a tutela
específica, é apenas, o cancelamento.
Vamos falar, rapidamente, da questão do dano moral, no descumprimento contratual. Nos Juizados
Especiais é muito comum conseguir dano moral, por ilícito contratual. Só que, a posição do STJ é,
eminentemente, restritiva.
Por isso que até na prática se, for pedir dano moral por ilícito contratual, é bom ir pelo Juizado, porque
indo pelo Juizado nós escapamos da posição restritiva do STJ. Se, for pedir mais, o STJ é quem vai
decidir, em última instância.
O STJ, de maneira bastante restritiva, vem se posicionando no sentido de que, em regra, não cabe dano
moral por ilícito contratual. Quer dizer, o que o STJ vem afirmando é que o inadimplemento contratual é
solucionado pelas regras próprias, do direito patrimonial, aquelas regras do direito contratual.
A exceção que o STJ vem admitindo, sistematicamente, diz respeito a seguro saúde, planos de saúde.
Têm vários julgados, eu vou dar só os últimos admitindo dano moral no caso de seguro saúde: Resp
993.876 e 986.947.
Mutatis mutandis o STJ, por exemplo, não admite dano moral pela demora na entrega de apartamento.
Só para dar alguns exemplos, em que o STJ repudiou danos morais que, haviam sido acolhidos pelas
instâncias anteriores: Resp 876.527, no Informativo 350. E no último Informativo 369, Resp 750.735.
O sujeito comprou um carro novo, o ar condicionado ruim, com defeito. O sujeito foi desesperado ao
fornecedor, seis vezes para consertar e não conseguiu reparo. As instâncias de origem aplicaram dano
moral.
Eu não sei se já ouviram falar na questão do dano moral pela perda do tempo livre. Há quem defenda
essa questão do dano moral pela perda do tempo livre. Posição defendida até, pelo Cristiano Sobral.
E o STJ, nesse caso, repudiou. O STJ disse que, nesse caso, não há dano moral, pode haver,
eventualmente, dano patrimonial. O sujeito pode ter deixado de ganhar algo, pela presença sucessiva
no estabelecimento que, não fora objeto de pedido e nem de prova.
Então, sem dúvida, o STJ vem adotando uma postura restritiva no que tange a dano moral por ilícito
contratual.
Intervalo.
Prosseguindo, outra questão envolvendo dano moral, diz respeito à discussão sobre a chamada
“transmissibilidade” do dano moral.
Nós vimos na segunda aula, àquela questão envolvendo os artigos 12, parágrafo único e art. 20,
parágrafo único que, são hipóteses que alguém atinge algum aspecto existencial do falecido e, a dúvida
é se o autor da demanda age em nome próprio ou age em nome alheio.
A questão aqui é diferente, a dúvida aqui é se, é ou não aplicável o art. 943, à hipótese de dano moral.
O art. 943 diz que, o direito de exigir a reparação e a obrigação de prestá-la, transmite-se com a
herança.
Então, a dúvida é o sujeito é vitimado em vida, em sua dignidade. O sujeito falece no transcurso do
prazo prescricional. A dúvida é se, os sucessores podem ou não, ingressar em juízo, para pleitear o
dano moral suportado pela vítima, enquanto vivo.
Então, a hipótese, obviamente, se difere da do art. 12 e do art. 20. O tema é controvertido. Tem um
julgado do STJ, Resp 302.029, no sentido da inaplicabilidade do art. 943. Quer dizer, o que o STJ
naquele momento entendia é que seria admissível a sucessão processual.
Quer dizer, se o sujeito em vida propusesse a ação, os sucessores poderiam prosseguir na relação
processual. Mas, se o sujeito faleceu antes do transcurso do prazo, considerando o caráter,
eminentemente, pessoal do dano moral, não seria possível o sucessor ingressar em juízo.
Não é esta a tendência atual do STJ. Informativo 307 do STJ, Resp 647.562. Porque, na verdade, o que
vem se afirmando é que, não haveria aqui a transmissão do dano moral em si. O dano moral,
obviamente, tem cunho pessoal. O que se transmitiria aqui seria o reflexo patrimonial.
Quer dizer, a reparação pelo dano moral, representa um reflexo patrimonial, decorrente da dignidade da
pessoa humana.
Esse argumento, inclusive, parece fazer sentido, se nós nos lembrarmos que a posição consolidada na
jurisprudência apesar, do Tepedino divergir. Mas, é a posição consolidada na jurisprudência, a idéia de
que o dano moral se sujeita a prazo prescricional, justamente, por ser um reflexo patrimonial.
Então, como sendo reflexo patrimonial, a pretensão aqui, se sujeita a prescrição e é transferível aos
sucessores.
Só tem um possível detalhe aqui, que é o seguinte. Essa aplicação ao dano moral, talvez, encontre
restrição se, porventura ficar demonstrado, no caso concreto, que a vítima em vida, perdoou. Ou que a
vítima em vida, tenha de algum modo demonstrado que não teve um abalo a sua dignidade.
Dá para usar aqui, por analogia, o art. 561, parte final. É por analogia, a situação não é a mesma,
evidentemente. Lembra daquela história da revogação da doação, pelo doador que tem natureza
personalíssima? Aí, o art. 561 diz, no caso de homicídio doloso do doador, a ação caberá aos seus
herdeiros, exceto se aquele houver perdoado.
Resposta: se nessa hipótese seria o herdeiro pessoalmente? Quer dizer, a discussão se não houve
partilha até então, é isso? Vamos tentar lembrar o seguinte, eu só não estou com o número aqui do
julgado, mas nós vimos lá atrás, no art. 12, parágrafo único e no art. 20, parágrafo único, o STJ entende
que aqueles parentes ali legitimados, eles agem em nome próprio, na defesa de um direito próprio.
E aí, como consequência, o STJ entendeu que naquela hipótese, como o direito é próprio de cada um
dos herdeiros, o espólio não teria legitimação. Quer dizer, a legitimação seria pessoal, em relação a
cada um dos herdeiros que, se sentirem pessoalmente prejudicados.
O que se afirma no art. 943 é o contrário. O que se afirma no art. 943, é que se está exercendo um mero
reflexo patrimonial, decorrente de um dano que foi suportado pelo falecido.
Então, nesse contexto, nós teríamos até um, outro efeito prático entre o art. 943 e os artigos 12 e 20,
parágrafo único, porque nesse caso, em se tratando de reflexo patrimonial, o espólio teria legitimação.
Quer dizer, o que se afirma hoje. É por isso que eu coloquei “transmissibilidade”, porque, na verdade,
não é o dano moral que é transmitido. Na verdade, o que se transmite é apenas, o reflexo patrimonial.
Teve um julgado recente, foi no penúltimo Informativo, no Informativo 396 do STJ, Resp 1.032.014 que,
se discutiu se seria ou não cabível, dano moral, por contratação, falsificação de produtos.
O julgado começa afirmando que, a princípio, o direito de marca não diz respeito a direitos da
personalidade da pessoa jurídica. Nós já discutimos se cabe ou não, direitos da personalidade da
pessoa jurídica.
O STJ começou dizendo isso, direito de marca não integra direitos da personalidade. A princípio, a
violação a direito de marca representaria ou desvio de clientela ou, o não pagamento de royalties.
Ou seja, as consequências seriam de natureza, eminentemente, patrimoniais. Só que, o STJ entendeu
que, naquele caso específico, aquela marca falsificada se dirigia a uma determinada clientela de classe
elevada, que buscava exclusividade.
E a violação daquela marca, a vulgarização da marca, atingiria a imagem da pessoa jurídica que
titularizava a marca, em caráter excepcional. Porque, na verdade, aquela contratação estaria
popularizando um produto que, se destinava a ter caráter exclusivo.
E aí, dentro dessas circunstâncias, o STJ aplicou dano moral em favor de pessoa jurídica, por conta da
contratação. Isso vai contra aquela posição do Tepedino que, vimos anteriormente, mas vem dentro da
perspectiva da jurisprudência que, tende a admitir o cabimento de dano moral em favor de pessoa
jurídica.
Um tema que pode interessar, em termos de concurso, principalmente, ao MP é o dano moral coletivo
ou transindividual. O MPT aplica muito isso, diga-se de passagem, na hipótese de trabalho escravo, em
situação análoga de escravo, a lógica do dano moral coletivo.
Teve um caso, também, em que o empregador de maneira sigilosa, espalhou máquinas filmadoras pelo
estabelecimento. E aí, houve condenação, inclusive, no âmbito da Justiça do Trabalho, por dano moral
coletivo aos empregados, pela violação a intimidade, porque não houve prévio aviso, prévia informação.
O julgado é o TRT da 5ª Região – Recurso Ordinário 00052-2.004-026-05-00-3.
O STJ, por que, na verdade qual seria a idéia de dano moral coletivo? Seria o atingimento de direitos da
personalidade, de um grupo de pessoas, seja um grupo determinado ou indeterminado. Quer dizer,
seria o atingimento da violação a dignidade, de um conjunto de pessoas.
Tem um julgado do STJ que tem que ser lido sobre o tema. O STJ repudiou a configuração de dano
moral coletivo. Resp 598.281, julgado super conhecido, super badalado.
Quer dizer, o STJ afirmou que a dor, o sofrimento psíquico teriam natureza, eminentemente, individual.
Que, na verdade, não seria admissível dano moral coletivo.
E a questão tratava, justamente, de dano ambiental. A hipótese versava sobre a possibilidade de
configuração ou não, de dano moral coletivo por infração de regras ambientais.
E aí, vale à pena ler o voto vencido desse julgado, do Luiz Fux. O Fux, como voto vencido, defendeu ali
a configuração de dano moral coletivo.
Diga-se de passagem, há inclusive, previsão legislativa de dano moral coletivo, seja no art. 1º da Lei
7.347/85 que, é a Lei de Ação Civil Pública, seja no art. 6º, inciso VI do CDC.
E esse dano moral coletivo ou transindividual seria destinado a Fundos Públicos, com destinação social,
previsto, inclusive, nas respectivas legislações. Tema muito sensível, principalmente, para MP e mais
ainda, para MPT.
Vamos ficar atentos ainda, ao seguinte. Tem uma Súmula, relativamente, recente que, acabou
ratificando entendimentos anteriormente despojados pelo STJ, é a Súmula 362 do STJ.
A Súmula 362 do STJ diz que, para fins de dano moral, incide correção monetária desde o seu
arbitramento. É diferente da regra geral, porque em regra, a correção monetária incide desde o evento.
Tem outra Súmula de cunho processual que, afirma que caso o dano moral concedido seja inferior ao
postulado, não há sucumbência recíproca. Caso o dano moral fixado seja, fixado em montante inferior
ao postulado, não há sucumbência recíproca. É a Súmula 326.
Súmula de cunho processual, mas, na verdade, é uma Súmula de cunho processual que, não deixa de
representar mais uma espécie de tutela diferenciada da dignidade humana. Ela não deixa de ser uma
manifestação da tutela diferenciada da dignidade humana.
Quer dizer, talvez, se houvesse sucumbência recíproca, em muitas situações o sujeito teria que pagar
mais de honorários do que, eventualmente, receberia a título de danos morais. E com isso nós teríamos
um aviltamento da tutela da dignidade da pessoa humana.
Resposta: na verdade, o dano moral, isso é entendimento já firme da jurisprudência do STJ, o dano
moral é in re ipsa. Quer dizer, na verdade, não haveria o ônus se, comprovar dor, sofrimento.
Só que, o que se sustenta é que essa lógica de que o dano moral é in re ipsa, poderia ser mitigada, por
exemplo, no caso de dano moral decorrente de inadimplemento contratual.
Quer dizer, a regra geral, o STJ vem adotando uma postura extremamente, restritiva. Mas, afora a
posição do STJ, o que se afirma é que, excepcionalmente, seria, em tese, admissível o dano moral por
ilícito contratual.
O Cavalieri até traz um exemplo, já tradicional. O sujeito era um advogado famoso, fez uma festa de
aniversário de quinze anos para a filha, contratou um Buffet. Um local, extremamente, importante, o
evento foi amplamente divulgado e foi um vexame total no momento da festa.
Quer dizer, o Cavalieri defende que ali, episodicamente, seria admissível dano moral por ilícito
contratual, mas seria preciso que a vítima comprovasse o dano em si suportado.
Porque haveria uma presunção que, limitaria contra a admissibilidade do dano moral por ilícito
contratual. Apenas, em situações excepcionalíssimas seria admissível.
Pergunta de aluno:
Só para nós finalizarmos esse tema, a questão da admissibilidade do dano estético.
Por exemplo, Informativo 354, Resp 519.258. O Tepedino discorda. Enfim, é sempre importante a
posição do Tepedino, não só por ele ser referência, mas porque ele estar em algumas bancas.
O Tepedino entende, discordando do STJ que, o dano estético não seria uma categoria autônoma. Para
o Tepedino, o dano estético pode ensejar dano patrimonial e/ou moral, conforme o caso.
Para o STJ há o dano estético, no caso de deformidade. Ou seja, no caso de alteração morfológica.
Quer dizer, para o STJ é preciso separa o dano estético que, diz respeito a um bem jurídico externo. Ou
seja, o dano estético está atrelado a co-existência social.
E o dano moral, estaria afeto a alteração, eminentemente, psíquica da vítima.
Eu nunca diria isso em uma prova, mas para nós não esquecermos, isso é totalmente atécnico. Mas,
para facilitar, lembra daquela história de honra objetiva e honra subjetiva? O dano estético é como se
fosse uma “honra objetiva” e o dano moral uma “honra subjetiva”, seria o bem estar consigo mesmo.
Se, há deformidade externa, quer dizer, a perda de um membro ou a perda de algum aspecto físico
exterior, que gere algum tipo de comprometimento a própria imagem da vítima, no contexto social aí,
sim entraria em cena o dano estético.
Para o Tepedino não há uma categoria autônoma, porque na verdade, se o aspecto é meramente
existencial vai para o dano moral. E se, gerar reflexos patrimoniais, para um artista, para um
apresentador de televisão, além do dano moral, nós teríamos, também, o dano patrimonial.
Resposta: o STJ, recentemente, repudiou essa possibilidade, a questão da responsabilidade civil, nas
relações familiares. Tem uma posição que não foi adotada pelo STJ, mas é uma posição super
interessante, defendida pela Maria Celina e pelo Gustavo Tepedino.
Porque no que diz respeito à questão do dano moral, nas relações familiares, tem duas posições. Tem
uma que é bem restritiva que, diz que só cabe, eventualmente, dano moral se houver a prática de ato
ilícito, propriamente. Quer dizer, espancamento e por aí vai.
E outra mais extensiva que, admite dano moral, não apenas, por ato ilícito, mas eventuais transgressões
de regras inerentes ao direito de família. Aquela discussão do débito conjugal, por exemplo. A negativa
do débito conjugal configuraria dano moral.
A Celina e o Tepedino defendem o seguinte. É preciso diferenciar, no âmbito das relações familiares, a
relação marido e mulher, companheiro e companheira, relação entre cônjuges lato sensu, das relações
entre pais e filhos. Seriam situações diferentes.
Por que na relação entre cônjuges ou entre companheiros, qual é a tônica da Constituição Federal? É a
tônica de que a família não é mais um instrumento em si mesmo. A família não é um valor absoluto, a
ser tutelado as últimas instâncias.
Na verdade, a família é um mero instrumento, para projeção da felicidade de seus integrantes. Então,
nesse contexto, em uma relação entre cônjuges, a regra geral é da liberdade, é da paridade, da
liberdade.
E por isso, seria inadmissível que, a esposa seja condenada por danos morais, por não cumprir o débito
conjugal para com o marido. Seria um resquício de uma era anterior a possibilidade de dano moral,
nesse caso.
Agora, na relação entre pais e filhos, o que esses autores sustentam é que não há aqui, uma ótica da
liberdade. Aqui, a ótica é a ótica da responsabilidade. Tanto é que, o poder familiar só pode ser
suspenso ou destituído em hipóteses previstas em Lei, diferentemente do casamento, evidentemente.
Então, como há relação de dependência e, como o poder familiar tem que ser exercido em favor dos
filhos, o Tepedino e a Celina, defendem à admissibilidade de dano moral, por exemplo, para abandono
afetivo dos pais.
O STJ, recentemente, no Informativo 392, Resp 514.350 entendeu que não cabe dano moral por
abandono de filho. O STJ disse ninguém é obrigado a ter relação de afeto. Ninguém é obrigado a amar,
como a colega ali, bem resumiu.
Então, o STJ adotou uma postura diversa dessa sustentada pelo Gustavo Tepedino.
Resposta: a lesão em si, quer dizer, defendo o STJ apesar, discordar, qual é a coerência aqui? A lesão
pode ser até mais intensa, mas a natureza da relação não tem o vínculo contratual, não tem o vínculo
de direito real, o vínculo da relação seria, meramente, afetivo.
O que o Tepedino e a Celina sustentam, é o contrário. Na verdade, há sim, o vínculo, um vínculo
oriundo do poder familiar. Quer dizer, a relação não seria, puramente, afetiva, haveria aqui um dever
legal, talvez, mais relevante do que o próprio vínculo, eminentemente, contratual,
Talvez, o embate esteja justamente aí. Quer dizer, em uma perspectiva que prima pela ótica existencial,
parece fazer todo sentido a irresponsabilidade entre cônjuges, como regra e, a responsabilidade entre
pais e filhos, como regra. Mas, não foi essa a posição do STJ neste julgado.
Vamos dar uma pincelada na questão da responsabilidade civil da Administração Pública. Tema que,
estatisticamente, inclusive, cai muito mais em direito administrativo do que em direito civil. Até porque,
os administrativistas desenvolvem o tema com muito mais profundidade do que os civilistas. Não há
nenhuma dúvida disso.
Vamos dar uma pincelada aí. Antes, de mais nada, lembrar da evolução da questão da responsabilidade
civil do Estado. A primeira fase é a fase da irresponsabilidade civil do Estado.
Nessa primeira fase seria admissível apenas, eventualmente, a responsabilidade civil do funcionário que
atuasse dolosa ou culposamente. Lembra daquela história de que o rei não erra? É a ótica da primeira
fase.
A segunda fase traz a chamada concepção civilista. Pela ótica da concepção civilista, demonstrado o
dolo ou culpa do funcionário, configurar-se-ia a responsabilidade do Estado.
Na verdade, a concepção civilista, vem em uma ótica, primeiro de não se dispensar a comprovação de
dolo ou culpa do funcionário. E mais, era uma espécie de responsabilidade civil indireta ou por fato de
outrem.
Da concepção civilista se evoluiu para a chamada Teoria do Órgão. Ou seja, a idéia de que, na verdade,
o Estado está respondendo por um ato próprio, quando o funcionário atua quem atua é o próprio Poder
Público. Teoria do Órgão da Imputação, enfim.
O quarto passo aqui, da evolução é a da chama culpa anônima ou impessoal. Quer dizer, aqui não se
exige a demonstração de culpa de um determinado funcionário, basta à demonstração da falta ou
ausência ao serviço, falha ou ausência do serviço.
A quinta fase é a Teoria do Risco Administrativo que, vem na ótica da responsabilidade objetiva.
E, teríamos, em tese, uma última etapa da evolução que, seria como vimos em aulas anteriores, a
Teoria do Risco Integral. A peculiaridade é de que no risco integral se dispensa o próprio nexo de
causalidade.
Nós vimos àquela questão, porque para muitos o risco integral teria sido adotado, para acidente de
trabalho e no caso de seguro obrigatório de DPVAT.
Aí, vem aquela questão, uns defendem que não seria risco integral, seria risco social, porque, na
verdade, nesse caso, a reparação é custeada pela coletividade e não, pelo agente causador do dano.
E aqui, muito cuidado no artigo 37 parágrafo 6º porque nessa expressão prestadoras de serviço público,
nós temos não apenas, eventuais concessionários e permissionários, mas também, os entes da
administração indireta. Notadamente, empresas públicas e sociedades de economia mista.
Resposta: o que se sustenta é o seguinte, Banco do Brasil, por exemplo, Petrobrás, as empresas
públicas e sociedades de economia mista podem prestar serviço público ou desenvolver atividade
econômica.
A rigor, as que desenvolvem atividade econômica estariam fora do alcance do art. 37, parágrafo 6º.
Porque o art. 37, parágrafo 6º, especifica em relação à prestação de serviço público.
Mas, quase sempre, para as prestadoras, para aquelas que desenvolvem atividade econômica, não
haverá o alcance do art. 37, parágrafo 6º, mas em muitas situações a aplicação da responsabilidade
objetiva, se dará por força do CDC.
Quer dizer, quase sempre a responsabilidade será objetiva, mas o fundamento seria diverso.
Em relação à responsabilidade civil por atos comissivos, não há nenhuma dúvida de que, a
responsabilidade civil é objetiva. O art. 37, parágrafo 6º é claro e evidente.
Os administrativistas, e, talvez o líder maior aqui seja o Celso Antonio Bandeira de Melo, defende que se
justificaria a responsabilidade objetiva, pela necessidade de distribuição equitativa dos encargos sociais,
dos encargos decorrentes da atuação da Administração Pública.
Quer dizer, na medida em que a Administração Pública atua em favor do bem comum, é justificável que
todos venham a repartir os danos suportados, pela atuação da Administração Pública.
O Gustavo Tepedino defende que, nada impede que a vítima possa atuar, diretamente, em face do
agente. O STF entendeu de maneira diversa, no Informativo 436, Recurso Extraordinário 327.904.
Discussão processual, também, tradicionalíssima é aquela discussão se cabe ou não, a denunciação da
lide. A posição hoje, predominante na jurisprudência é pela inadmissibilidade com os seguintes
argumentos, basicamente.
Primeiro, a denunciação da lide, representa uma modalidade de intervenção de terceiros. E, através
dessa modalidade se estabelece uma ação secundária, no curso daquela relação processual. E a
admissibilidade da denunciação da lide, traria por esta ação secundária, uma nova causa de pedir.
E o que se sustenta é que através da denunciação da lide, não seria possível a inserção de uma nova
causa de pedir.
E a admissibilidade da denunciação da lide, sem dúvida alguma, permitiria que na mesma relação
processual houvesse discussão sobre a existência ou não, de culpa. O que atravancaria na prática, a
ágil reparação, a ideal ágil reparação dos danos. Precatório, as prerrogativas processuais, enfim.
Seria mais um aspecto dificultador da obtenção da reparação de danos.
Resposta: na verdade, o entrave maior, sem dúvida é o enfoque do direito material. Porque, na verdade,
a admissibilidade da denunciação, ela traria uma frustração das aspirações do Poder Constituinte
originário.
Tem uma outra questão que, talvez seja, também, interessante. Quem até comenta isso é o Tepedino.
Ele diz o seguinte, a Administração Pública se, ela denunciar a lide, ela está quase que, confessando a
sua própria responsabilidade. Porque, quando ele denuncia a lide, ele está invocando a culpa do
agente.
Então, seria até interessante, para a proteção dos interesses da própria Administração, que não ocorra
à denunciação da lide. Porque com a denunciação a Administração exerce o direito de regresso na lide
secundária, mas estaria quase que, admitindo a procedência da via reparatória, na lide principal.
A favor da denunciação, qual é o argumento? São ações diferentes, quer dizer, vai se discutir culpa na
denunciação, mas isso não torna subjetiva a responsabilidade da Administração. E a idéia de
julgamento conjunto de duas lides. Quer dizer, uma suposta economia processual.
Vamos aos atos omissivos. Tem duas posições aqui, a respeito da responsabilidade civil, por atos
omissivos. A primeira posição defende aquela dicotomia omissão genérica versus omissão específica.
Na omissão genérica, responsabilidade subjetiva e, na omissão específica, responsabilidade objetiva.
Saiu um julgado no último Informativo, Informativo 369 do STJ, Resp 1.014.520. O sujeito era militar do
exército, estava deprimido há algum tempo e cometeu suicídio se utilizando da arma da corporação,
dentro do quartel.
O STJ entendeu que, havia responsabilidade civil da União. O STJ vem aplicando responsabilidade civil,
no caso de suicídio, inclusive, de detentos. A tese é omissão específica.
Contra isso, quer dizer, se nós formos fazer prova para a Defensoria, claro, STJ, omissão específica,
responsabilidade objetiva e é mais simples.
Se, nós formos fazer prova para a Advocacia Pública, nós vamos dizer o que? Que ainda, que se
entenda que a responsabilidade é objetiva, é preciso que haja nexo de causalidade. E aí, nós vamos
alegar o fato exclusivo da vítima.
Quer dizer, não seria razoável que o Estado consiga colocar câmara de vigilância em cada uma das
celas. Aí, entraria aquela história da reserva do possível.
Resposta: aqui nesse caso, o STJ enfatizou o que, na verdade, como aquela depressão já era pré-
existente, teria de alguma forma, havido a omissão estatal, em não providenciar o tratamento. Ou, de
alguma maneira restringir a possibilidade daquele sujeito de acesso às armas da corporação.
Só que, aqui, o STJ não aplicou fato concorrente, aplicou a responsabilidade integral da União.
A tese contrária a essa de omissão genérica versus omissão específica é a que, defende irrestritamente,
a responsabilidade subjetiva por atos omissivos.
Porque vejam bem, por que seria subjetiva a responsabilidade dos atos omissivos? Quem desenvolveu
isso, a princípio, foi o Celso Antonio Bandeira de Melo. Porque o art. 37, parágrafo 6º, fala em
responsabilidade objetiva, por atos causados pela Administração Pública.
E aí, o que se diz é o seguinte, olha a omissão por si só, não causa o dano. A omissão pode ser uma
condição, para a eclosão do dano. A omissão por si só, não gera o dano, ela propicia condições para a
ocorrência do dano.
Quer dizer, se o Estado não se fazia presente através da segurança pública, quem causou o dano não
foi o Estado, diretamente. Quem causou o dano foi o meliante. Então, a responsabilidade seria
subjetiva, por ausência de nexo causal entre a omissão e o dano. Nexo causal imediato, porque o art.
37, parágrafo 6º, exigiria esse requisito.
Só que, o que se afirma é que a expressão, causados, do art. 37, parágrafo 6º, não significa ação.
Porque o nexo causal pode se dá tanto por conduta comissiva, quanto omissiva. Notadamente, quando
há o dever jurídico de agir, como é o caso da Administração Pública.
Então, o que a segunda corrente sustenta é que não se discute culpa, nos atos omissivos. Na verdade,
a questão envolve discussão de nexo de causalidade.
Na prática, faz muito pouca diferença. Porque, quando a Administração sustenta o afastamento da
culpa, ela na verdade, invoca causas excludentes do próprio nexo causal.
Nessa questão da responsabilidade do preso, do suicídio por detento, as duas correntes chegam à
mesma conclusão. Uma adota a Teoria da Culpa Anônima do Serviço, diante da omissão especifica. E a
outra diz responsabilidade objetiva, a omissão estatal foi a causa eficiente, diante da situação ali
existente.
Enfim, não há efeito prático aqui, importante.
Eu vou só focar dois últimos aspectos. O primeiro está relacionado ao que nós estamos vendo, em
relação à questão da responsabilidade civil do transportador.
O STJ vem, sistematicamente, adotando a tese que assalto é fortuito externo. Posição consolidada tanto
no STJ quanto no STF. O TJ volta e meia isso, caiu há pouco tempo até na Magistratura Estadual. Era
linha vermelha se, eu não me engano.
Tem vários julgados do TJ dizendo que, se o trecho é sabidamente, perigoso, cabe a responsabilidade
da transportadora. O STJ e o STF vinham afirmando em contrário, ainda, que o trecho seja perigoso
segurança pública, seria atribuição da Administração Pública.
E mais um detalhe aqui, vocês já ouviram aquela questão dos pingentes? O sujeito que fica pendurado
ali no ônibus, quase do lado de fora.
A jurisprudência vem aplicando, no caso dos pingentes, a idéia de causa concorrente, porque na
verdade, haveria a causa da vítima que, se colocou na situação de pingente.
E, na verdade, a situação do pingente está usualmente atrelada à idéia de falha na prestação do
serviço. Então, como consequência, mitigação do dever de indenizar.
E no caso do surfista rodoviário ou ferroviário, a idéia é de fato, exclusivo, da vítima. Porque o surfista
rodoviário ou ferroviário assim desenvolve a conduta por mero exibicionismo. Expressão da
jurisprudência, por mero exibicionismo.
Outro aspecto aqui, importante, dentro ainda da responsabilidade da Administração Pública é o
seguinte. Como é que fica a responsabilidade da Administração, no caso de prestadora de serviço
público?
Será que o Poder Público concedente responde de algum modo pelos atos seja, da administração
indireta, ou, seja do permissionário, concessionário do serviço público? A posição predominante é no
sentido de que há responsabilidade subsidiária.
Por que, responderia subsidiariamente e não solidariamente? A uma, pelo art. 265 do Código Civil, a
solidariedade não se presume. E, segundo, porque, na verdade, nós temos aqui, pessoas jurídicas
diversas.
Porque, na verdade, quem recebeu o recurso e causou o dano, foi o permissionário, foi o
concessionário, ou foi à empresa pública ou a sociedade de economia mista. Porque, na verdade, quem
recebe o bônus, deve arcar com o ônus.
O Tepedino discorda disso. O Tepedino defende regime de solidariedade passiva. Cuidado que ele é
examinador da PGE e da PGM. O que eu aconselho na prova? Digam a posição do Tepedino, mas a
posição que melhor protege os interesses Fazendários, obviamente, é a outra.
Qual seria o argumento da solidariedade, aí, para o Tepedino? Primeiro ele diz, olha a existência de ser
pessoa jurídica diversa, é pressuposto para nós falarmos em solidariedade.
Quer dizer, só tem graça falar em solidariedade, porque são pessoas jurídicas diferentes.
Agora, a última para acabar. Essa tese é boa para a Advocacia Pública e impensável para Defensoria.
Prazo de prescrição contra a Administração Pública, cinco anos. Tem um Decreto lá. Se nós formos
fazer prova para a Advocacia Pública, nós vamos defender que o prazo agora é de três. Não houve
revogação explícita do Decreto 20.910, mas nós vamos dizer o que? O Decreto, antes existia
contemplando o prazo de cinco, em um contexto em que o prazo ordinário era de vinte.
Ou seja, a ratio do Decreto qual era? Prerrogativa da Fazenda Pública. Na medida em que o prazo da
reparação civil caiu de vinte para três, continuar aplicando o Decreto, seria aplicar o prazo maior contra
a Fazenda, do que em relação às demais pessoas integrantes do corpo social. Então, como o objetivo
do Decreto era prerrogativa, teria havido uma revogação tácita do Decreto 20.910, no que tange a
pretensões de reparação civil, contra a Administração Pública.
Não seria justificável o prazo contra a Administração ser maior do que o prazo em face do particular.
Tese claro, boa para a Advocacia Pública.
Resposta: aí, três anos e três anos contra a Fazenda. Vai para o Código Civil, afasta o Decreto e vai
para o Código Civil, porque o Decreto é mais gravoso do que o Código Civil atual.
Meus amigos foi um grande prazer e um grande desafio, dar esse módulo aqui. Uma turma
extremamente qualificada e extremamente perseverante. Sucesso aí a todos.
Fim da aula.