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UniSALESIANO LINS

CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICO SALESIANO AUXILIUM


CURSO DE DIREITO

ANA CAROLINI BEZERRA GOMES

OS EFEITOS JURÍDICOS DA MULTIPARENTALIDADE E A FILIAÇÃO


SOCIOAFETIVA

LINS/SP
2018
ANA CAROLINI BEZERRA GOMES

OS EFEITOS JURÍDICOS DA MULTIPARENTALIDADE E A FILIAÇÃO


SOCIOAFETIVA

Monografia apresentada ao curso de Direito do


UniSALESIANO, Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium, sob a orientação da Professora
Mestra Meire Cristina Queiroz Sato como um dos
requisitos para obtenção do título de bacharel em
Direito.

LINS/SP
2018
Gomes, Ana Carolini Bezerra
G612e Os efeitos jurídicos da multiparentalidade e a filiação socioafetiva/
Ana Carolini Bezerra Gomes. – – Lins, 2018.
121p.

Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano


Auxilium – UniSALESIANO, Lins-SP, para graduação em Direito, 2018.
Orientador: Meire Cristina Queiroz Sato

1.Famílias Recompostas, Parentalidade Socioafetiva,


Multiparentalidade, Registro do Nome de família. I Título.
CDU 34
ANA CAROLINI BEZERRA GOMES

OS EFEITOS JURÍDICOS DA MULTIPARENTALIDADE E A FILIAÇÃO


SOCIOAFETIVA

Monografia apresentada ao curso de Direito do


UniSALESIANO, Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium, sob a orientação da Professora
Mestra Meire Cristina Queiroz Sato como um dos
requisitos para obtenção do título de bacharel em
Direito.

Lins, Maio, 2018.

Professora Mestra Meire Cristina Queiroz Sato (Orientadora)

Professora Mestra Thábata Biazzuz Veronese

Professor Mestre Danilo César Siviero Ripoli


Dedico este trabalho primeiramente aos
meus pais que sempre me incentivaram a
estudar me oferecendo todo o apoio
emocional e financeiro necessário, a minha
irmã que sempre me manteve focada nos
meus objetivos e me ajudou a chegar até
esse momento, ao meu namorado que
sempre esteve ao meu lado me apoiando e
motivando a sempre seguir em frente, a
minha coordenadora do Ensino Médio que
sempre incentivou seus alunos a estudar,
às minhas amigas que me ajudaram e
ajudam desde o primeiro ano de faculdade.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus por sempre ter me abençoado com o amor, o


carinho, a atenção e a dedicação das pessoas mais especiais e amadas na minha
vida, também agradeço por toda a força concedida, o que me permitiu vencer todos
os obstáculos para chegar até este momento e por toda a graça e bondade que me
fará alcançar muitos outros objetivos.

Agradeço aos meus pais que são a base na minha vida e me acompanharam
no desenvolvimento da pessoa que sou hoje, admirando-os aprendi a ser uma pessoa
melhor, a amar o próximo e desejar o bem a todos, agradeço-lhes por todo carinho,
atenção, cuidado e amor que me proporcionaram desde o meu nascimento, agradeço
de coração aqueles que me deram a vida, os quais amo mais que tudo.

Agradeço de coração aos carinhos e cuidados que minha irmã sempre teve por
mim, agradeço a ela, que mesmo sendo mais nova esteve acordada comigo todas as
noites difíceis, sendo minha companhia.

Agradeço ao meu namorado por ter sido um verdadeiro companheiro, amigo,


irmão e até rival, por sempre ter me apoiado, por ser um dos poucos que nunca
duvidaram da minha capacidade de superar meus limites e acima de tudo por ser
aquela pessoa que nunca me deixava pensar em desistir.

Agradeço as verdadeiras amigas que fiz durante esses cinco anos,


principalmente às que estavam juntas em todas as situações, com palavras de amor
e carinho, agradeço de coração as minhas leais amigas, maravilhosas, que me
apoiavam, me faziam rir, me ajudando com minhas limitações, e por isso, só tenho a
agradecer pessoas tão sensacionais e queridas, a amizade e o carinho continuam
mesmo com o término da graduação.

Agradeço a minha orientadora por todo conhecimento técnico e jurídico que me


guiaram durante a confecção deste trabalho.
RESUMO

O presente trabalho, utilizando-se dos tipos metodológicos jurídico-exploratório e o


jurídico-interpretativo, e dos métodos dedutivo, da pesquisa qualitativa e descritiva,
através do levantamento bibliográfico, da legislação brasileira, jurisprudências,
doutrinas, livros, artigos científicos e publicados na internet, teve como objeto de
estudo a parentalidade socioafetiva e os efeitos advindos com o reconhecimento da
multiparentalidade, sendo este um fenômeno que ocorre dentro de um dos novos
arranjos familiares abrangidos pela Constituição Federal, que seria as famílias
recompostas ou reconstituídas. De forma mais específica o trabalho apresenta como
pesquisa a possibilidade do reconhecimento da filiação socioafetiva
concomitantemente com a biológica e um rol mínimo de efeitos jurídicos. No
desenvolvimento do trabalho também se debateu a efetividade do reconhecimento da
multiparentalidade em razão da Lei nº 11.924/2009 e o Provimento 63/2017 do
Conselho Nacional de Justiça. Para melhor entender o atual direito de filiação foi-se
necessário fazer um breve apanhado sobre sua evolução histórica, demonstrando o
rompimento com as designações discriminatórias em relação aos filhos como também
o tratamento jurídico que estes recebiam, buscou-se apresentar um conceito moderno
de filiação sob a atual ordem constitucional, esclarecendo que o conceito mais
adequado para defini-la seria aquele que abordasse tanto as relações de filiação
advindas dos laços biológicos, socioafetivos e civis. Nesta linha de raciocínio o
trabalho direcionou seus esforços para apresentação da multiparentalidade como uma
modalidade de filiação socioafetiva e também sua possibilidade de reconhecimento
através da Lei nº 11.924/2009 e o Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de
Justiça. A Lei e o Provimento apresentam clara divergência no que diz respeito ao
meio utilizado para o reconhecimento da filiação socioafetiva, neste contexto, a
pesquisa realizada apresentou seus esforços para demonstrar uma possível solução
a esse conflito, buscando amparar-se nos valores que fundamentam o Direito das
Famílias.

Palavras-chave: Famílias recompostas, Parentalidade socioafetiva,


Multiparentalidade, Registro do nome de família.
ABSTRACT

The present work, using the methodological types juridico-exploratory and the juridico-
interpretative, and of the deductive methods, of the qualitative and descriptive
research, through the bibliographical survey, of the Brazilian legislation,
jurisprudences, doctrines, books, scientific articles and published in the internet, had
as its object the study of socio-affective parenting and the effects of the recognition of
multiparentality, which is a phenomenon that occurs within one of the new family
arrangements covered by the Federal Constitution, which would be the families
recomposed or reconstituted. More specifically, presents as a research the possibility
of recognition of socio-affective affiliation concomitantly with bond biological and a
existence of minimal of legal effects. In the development of the work, the effectiveness
of the recognition of multiparentality was also debated due to Law 11,924 / 2009 and
Provision 63/2017 of the National Council of Justice. In order to better understand the
current right of affiliation , it was necessary to make a brief survey about its historical
evolution, demonstrating the disruption with the discriminatory designations in relation
to affiliation as well as the juridical treatment that they received, was sought to present
a modern concept of under the current constitutional order, clarifying that the most
adequate concept to define it would be the one that approached both the affiliation
relations arising from biological, socio- affective and civil ties. In this line of reasoning
the work directed its efforts to present multiparentality as a modality of socio-affective
affiliation and also its possibility of recognition through Law 11,924 / 2009 and Provision
63/2017 of the National Council of Justice. The Law and the Provision have a clear
divergence with respect to the means used for the recognition of socio-affective
affiliation, in this context, the research presented its efforts to demonstrate a possible
solution to this conflict, seeking to rely on the values that underlie Right of Families.

Keywords: Families reconstituted, Socio-Affective Parenting, Multiparentality, Family


Name Registration.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11

2 OS NOVOS RUMOS DO DIREITO DE FILIAÇÃO ................................................ 16


2.1 A delimitação conceitual de filiação sob a ótica constitucional ................... 21
2.2 Os princípios constitucionais fundamentadores do direito de filiação ........ 25
2.3 Reflexos das novas composições familiares no atual conceito de filiação.33
2.3.2 A família ampliada e a filiação socioafetiva ................................................. 38
2.3.3 A adoção à brasileira e a filiação socioafetiva............................................. 41
2.4 Outras modalidades de filiação ....................................................................... 45

3 A MULTIPARENTALIDADE SOB A PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL E


JURISPRUDENCIAL ................................................................................................ 58
3.1 Conceito de multiparentalidade ....................................................................... 61
3.2 Fundamentos constitucionais da multiparentalidade .................................... 64
3.3 Possibilidade de reconhecimento jurídico da multiparentalidade ................ 68
3.3.1 Análise jurisprudencial .................................................................................. 72
3.3.1.1 Julgados que reconhecem a multiparentalidade ........................................... 73
3.3.1.2 Julgados que não reconhecem a multiparentalidade .................................... 77

4 A EFETIVIDADE DO RECONHECIMENTO JURÍDICO DA


MULTIPARENTALIDADE À LUZ DA LEI Nº 11.924/09 ........................................... 84
4.1 Novos rumos do direito à filiação na aplicação da Lei nº 11.924/09 e do
Provimento nº 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça ................................... 87
4.2 Efeitos jurídicos decorrentes da multiparentalidade ..................................... 93
4.2.1 Direito de inclusão do nome de família do pai/mãe socioafetivo............... 98
4.2.2 Direito ao exercício do poder familiar .......................................................... 99
4.2.2.1 O exercício da guarda e o direito de visitas ................................................. 103
4.2.3 A responsabilidade alimentar ..................................................................... 105
4.2.4 Direitos sucessórios .................................................................................... 108

5 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 110

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 115

ANEXO ................................................................................................................... 121


ANEXO 1 – NOVO MODELO DE CERTIDÃO DE NASCIMENTO ......................... 121
11

1 INTRODUÇÃO

O ser humano acalenta como um de seus grandes objetivos a busca pela


felicidade, e o caminho percorrido para alcançá-la é composto de diversos outros
aspectos que se almeja no decorrer da vida, sendo eles a busca pelo amor, pelo afeto,
pelo sucesso financeiro, ou qualquer outro objetivo para a realização pessoal. Nesses
argumentos se introduz o Direito, que existe para trazer regras de convivência e regras
que possibilitam a realização pessoal do indivíduo.

Tratando-se de realização pessoal do individuo, apresenta-se o instituto da


família, pois será no seio desta que se dá o desenvolvimento da personalidade e a
busca pela felicidade. Neste sentido explica Maria Berenice Dias (2016, p. 228)

Ainda que a família continue a ser essencial para a própria existência da


sociedade e do Estado, houve uma completa reformulação do seu conceito.
Os ideais de pluralismo, solidarismo, democracia, igualdade, liberdade e
humanismo se voltaram à proteção da pessoa humana. A família adquiriu
função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e
existenciais de seus componentes.

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226 trata a família como base da
sociedade, necessitando de integral proteção do Estado para assegurar os direitos
dos membros que a compõem. Ainda nas inovações trazidas pela Constituição
Federal, às composições familiares ganharam distintas formas, as uniões
matrimonializadas saíram de foco como a única forma de constituir uma família,
surgindo outros arranjos (DIAS, 2016, p. 80).

Neste sentido, é necessário ter-se um olhar plural em relação à família, a qual


será reconhecida nos mais diversos arranjos, possuindo como parâmetro a ocorrência
no caso concreto da afetividade, onde o indivíduo possa se sentir completo tanto no
plano espiritual como no material, percebendo-se neste aspecto a
12

consagração do princípio da liberdade de constituir família, do afeto e da dignidade


da pessoa humana (DIAS, 2016, p.232).

A partir desses novos arranjos familiares se deu o contexto de investigação do


trabalho e, como mencionado acima, a família é plural abrangendo a família
constituída a partir do casamento, como as mais diversas formas de constituição de
um arranjo familiar.

Outro instituto que sofreu forte influência da Constituição Federal de 1988 e a


pluralização das famílias foi à filiação. Com a Constituição Federal se consagrou o
princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da Igualdade Jurídica, proibindo-se
qualquer designação discriminatória entre as modalidades de filiação, como também
a possibilidade de existência de outras modalidades filiatórias sem ser a biológica, a
qual se destacou neste trabalho a socioafetiva.

Neste contexto, o presente trabalho utiliza-se dos tipos metodológicos jurídico-


exploratório e o jurídico-interpretativo, e dos métodos dedutivo e da pesquisa
qualitativa e descritiva, através do levantamento bibliográfico, da legislação brasileira,
jurisprudências, doutrinas, livros, artigos científicos e publicados na internet, teve
como objeto de estudo a multiparentalidade, sendo este um fenômeno que ocorre
dentro de um dos novos arranjos familiares abrangidos pela Constituição Federal, que
seria as famílias recompostas ou reconstituídas. De forma mais específica o trabalho
pesquisou a respeito da possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade e um
rol mínimo de efeitos jurídicos do seu reconhecimento.

No desenvolvimento do trabalho também se debateu a efetividade do


reconhecimento da multiparentalidade em razão da Lei nº 11.924/2009 e o Provimento
63/2017 do Conselho Nacional de Justiça, assunto este que melhor será abordado
neste texto introdutório.

No segundo capítulo deste trabalho buscou-se apresentar os novos rumos que


o direito de filiação está tomando a partir das inovações trazidas pela Constituição
Federal de 1988. Para melhor entender o atual direito de filiação foi necessário fazer
um breve apanhado sobre sua evolução histórica, demonstrando- se o rompimento
com as designações discriminatórias em relação aos filhos como
13

também o tratamento jurídico que estes recebiam. Ademais, ressalta-se que além de
tratar dessa evolução, também se teve como objetivo demonstrar que a filiação se
pluralizou (conforme mencionado acima), existindo deste modo diversas modalidades
filiatórias.

Neste sentindo, buscou-se apresentar um conceito moderno de filiação sob a


atual Ordem Constitucional, demonstrando-se que o conceito mais adequado para
defini-la seria aquele que se abordam tanto as relações de filiação advinda dos laços
biológicos como os socioafetivos e civis. Analisaram-se os princípios constitucionais
que fundamentam a família como também a filiação nos seus mais diversos aspectos
e conflitos.

Ainda, no segundo capítulo debateu-se os novos arranjos familiares trazidos


pela Constituição Federal de 1988 e os reflexos deles na filiação, demonstrando-se,
também, quais as modalidades de filiação existentes sem ser a socioafetiva, que
sejam elas a biológica, a por adoção e a por inseminação artificial.

No que tange a filiação socioafetiva apresentou-se sua incidência nas famílias


ampliadas, nas recompostas e na filiação advinda da ―adoção à brasileira‖,
buscando-se demonstrar neste último caso que quando caracterizada a posse de
estado de filho não se exclui a paternidade do pai registral.

Prosseguindo com a análise do desenvolvimento do trabalho, no terceiro


capítulo abordou-se, mais especificamente, a multiparentalidade sob a perspectiva
Constitucional e Jurisprudencial. Buscou-se debater neste capítulo o conceito adotado
pelos doutrinadores a respeito da multiparentalidade e seus fundamentos
constitucionais, entre eles se destacou a teoria tridimensional do Direito das Famílias
de Belmiro Pedro Marx Welter.

De acordo com este fundamento, a teoria tridimensional do Direito das Famílias


embasa a filiação socioafetiva, e com esta teoria referida modalidade filiatória deve
existir em patamar de igualdade com a filiação biológica já que ambas fazem parte
dos três mundos do indivíduo, que são eles o mundo genético, des- afetivo e o
ontológico. O reconhecimento simultâneo dessas duas modalidades de filiação
afirmaria a existência desses mundos.
14

Como apresentado, a teoria de Belmiro Pedro Marx Welter defende, que o


indivíduo necessita para sua existência do mundo afetivo, tomado pela existência dos
laços que vão além dos vínculos genéticos, ou seja, a forma que indivíduo existe em
família e em sociedade, como também a forma que existe no plano das coisas, a forma
que ele se interage com o mundo material, e no terceiro mundo seria a forma que o
individuo se relaciona com ele mesmo (WELTER, 2012, p. 134).

Adentrando mais na problemática do trabalho, pesquisou-se sobre a


possibilidade do reconhecimento da multiparentalidade, tentou-se demonstrar neste
trecho do trabalho que a multiparentalidade (filiação socioafetiva) pode existir
simultaneamente, portanto trata-se de uma múltipla filiação biológica e socioafetiva.

Para reforçar este entendimento, apresentou-se análise de alguns dos julgados


que reconhecem e outros não a multiparentalidade. Primeiramente fez-se a
apreciação dos julgados que acolhem a filiação socioafetiva concomitante com a
biológica, destacando-se que para existência simultânea dessas filiações torna-se
imprescindível a ocorrência da Posse de Estado de Filho e que não se tenha vício no
registro civil.

Apresentou-se nesta linha de raciocínio julgados que reconhecem a


multiparentalidade nas mais distintas ações, a exemplo ação de adoção e de
reconhecimento da maternidade socioafetiva. Por outro lado, nos julgados que não
reconhecem a multiparentalidade, destaca-se que o entendimento jurisprudencial está
no sentido de não reconhecê-la quando não estiver constatada a posse do estado de
filho ou se estiver ocorrido algum vício no registro civil.

Aprofundando no desenvolvimento do capítulo derradeiro deste trabalho,


debateu-se a efetividade do reconhecimento da multiparentalidade à luz da Lei nº
11.924/2009 e o Provimento nº 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça.
Primeiramente buscou-se demonstrar a inovações trazidas pela Lei nº 11.924/09, a
qual alterou a Lei de Registros Públicos, possibilitando que o enteado (a) adotasse o
nome de família de seu padrasto/madrasta.

Destaca-se que com essa Lei a filiação socioafetiva teve um grande avanço no
que diz respeito ao seu reconhecimento, muito embora em novembro de 2017 o
15

Conselho Nacional de Justiça, através do Provimento 63, possibilitou o


reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva.

No entanto, a Lei e o Provimento apresentam clara divergência no que diz


respeito ao meio ou procedimento a ser utilizado para reconhecimento da filiação
socioafetiva e, neste contexto, a pesquisa realizada apresentou seus esforços para
demonstrar uma possível solução a esse conflito, buscando amparar-se nos valores
que fundamentam o Direito das Famílias.

Depois da análise desse assunto, o trabalho direcionou seus esforços para


trazer um rol mínimo de efeitos jurídicos decorrentes da filiação socioafetiva, fala-se
em rol mínimo de efeitos por ser a multiparentalidade um tema ainda em
desenvolvimento, e em cada situação podem existir efeitos distintos como, por
exemplo, efeitos previdenciários, efeitos penais e os próprios efeitos apresentados em
cada caso concreto com a possibilidade de incidência de novos efeitos.
16

2 OS NOVOS RUMOS DO DIREITO DE FILIAÇÃO

Para se compreender o atual direito de filiação devem-se fazer breves


considerações históricas a respeito da família e da filiação, para que, depois desse
breve estudo, determinar os novos rumos que o Direito de Família como um todo está
tomando, especificamente o direito de filiação.

Iniciam-se os estudos tratando da evolução da família a partir do Direito


Romano. Por meio da comprovação de registros históricos, a família durante um
extenso período viveu de forma patriarcal, sendo a família à principal fonte de
produção de bens, onde tudo era confeccionado por seus integrantes. Ainda
referente a este contexto, a busca pela felicidade não era o vínculo de constituição
da família, ressaltando que a mesma era constituída por meio do casamento, o
qual possuía como finalidade gerar filhos que dessem prosseguimento ao
patrimônio familiar (QUEIROZ, 2008, p. 181).

Conforme explica Meire Cristina Queiroz sobre a família no Direito Romano


(2008, p. 181)

A família romana era chefiada pelo cidadão romano, o pater famílias, ou


seja, o chefe da família, que por sua vez, tinha a atribuição de administrar
a família sendo, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz. Ele
conduzia os filhos, a esposa era submissa no senti do pessoal e, ao se
casar, passava da condição de filha para a condição de esposa, sem
qualquer autonomia. Já no sentido patrimonial, o patrimônio ficava nas
mãos do filho varão, apenas. O pater comandava o culto dos deuses
domésticos, pois o núcleo religioso acontecia dentro da família. Também
distribuía justiça, exercendo sobre os seus filhos o direito de vida e de
morte, pois na condição de julgador aplicava sanção que poderia ir desde
um castigo, mutilação, até uma imposição de sentença de morte aos
herdeiros, podendo, inclusive, vendê-los, se com eles não estivesse
satisfeito. Ainda, sendo possuidor do poder de sacerdote realizava as
cerimônias de casamento, batizado e funeral.
17

Prosseguindo com a evolução da família, adentra-se na fase do Direito


Canônico, neste período era à igreja quem estabelecia regras que regulamentavam
as famílias. Neste contexto, as normas do direito de família canônico, eram normas
imperativas que tinham sua inspiração na vontade divina ou na do monarca
(QUEIROZ, 2008, p. 181). A respeito do direito de família canônico Silvio de
Salvo Venosa (2014, p.11) explica que ―era constituído por cânones, regras
de convivência impostas aos membros da família e sancionadas com penalidades
rigorosas. O casamento, segundo os cânones, era a pedra fundamental, ordenada
e comandada pelo marido‖.

Nesse período histórico o casamento possuía característica de perpetuidade,


possuindo como diretriz a indissolubilidade do mesmo. Como já mencionado acima, o
casamento possuía como escopo a reprodução e c riação dos filhos (QUEIROZ, 2008,
p. 181-182).

No final do século XVII, mais especificamente na revolução industrial, a


família não mais possuía uma função unicamente econômica. Surgi neste período
leis escritas, onde o poder não vinha mais da igreja, mas sim do Estado. Dentro
deste contexto instaurou-se o casamento civil, o mesmo era celebrado pelo oficial
de registro, o qual representava o Estado, conclui -se, portanto, que a partir deste
período que o casamento passou a ser uma instituição jurídica (QUEIROZ, 2008,
p. 182).

Continuando os estudos entra-se na família do século XX. Nesta época a


família era hierarquizada, patrimonial e matrimonializada. Na família deste período o
pai era a figura de autoridade, estando este no topo da relação familiar e da relação
conjugal, também existia hierarquia entre os filhos caso um fosse homem e outro
mulher, por último nesta relação de hierarquia e discriminação se encontra a figura da
mulher (GILDO, 2016).

A família deste período era patrimonial e matrimonial, pois girava em torno do


patrimônio e do casamento. Para afirmar esta argumentação, conforme estabelece
Maria Berenice Dias (2016, p. 653)
18

A família constituída pelo casamento era a única a merecer reconhecimento


e proteção estatal, tanto que sempre recebeu o nome de família legitima. É
desprezada a verdade biológica e gerada uma paternidade jurídica por
presunção independente da verdade real. Para a biologia, pai é unicamente
quem, em uma relação sexual, fecunda uma mulher que, levando a gestação
a termo, dá a luz a um filho. Para o direito, o conceito sempre foi diverso Pai
é o marido da mãe. A ciência jurídica conforma-se com a paternidade calcada
na moral familiar.

Diante de referidas informações, historicamente o direito de filiação era fruto de


uma situação de desigualdade, onde havia intensa necessidade de preservação do
patrimônio familiar, esta situação permitia que os filhos fossem catalogados de forma
extremamente cruel e desigual (DIAS, 2016 p. 654).

Conforme explica Maria Berenice Dias (2016, p. 654)

[...] Os filhos se classificavam em legítimos, ilegítimos e legitimados. Os


ilegítimos, por sua vez, eram divididos em naturais ou espúrios. Os filhos
espúrios se dividiam em incestuosos e adulterinos. Essa classificação tinha
como único critério a circunstância do filho ter sido gerado dentro ou fora do
casamento, isto é, se os genitores eram casados ou não entre si. Ou seja, a
situação conjugal do pai e da mãe refletia-se na identificação dos filhos;
conferia-lhes ou subtraía-lhes não só o direito a identidade, mas também o
direito a sobrevivência.

Essa classificação discriminatória gerava efeitos jurídicos, os filhos ilegítimos


(aqueles havidos fora da sociedade conjugal) não tinham direitos à luz do Código Civil
de 1916, como direito de ter sua paternidade reconhecida e, tão pouco, pleitear
alimentos, situação que desprotegia o filho e beneficiava o pai, uma vez que este
estava livre dos encargos do pátrio poder. Diante dessa situação, percebe-se mais
uma vez o ordenamento jurídico, priorizando o instituto do matrimônio, uma vez que o
reconhecimento deste filho iria marginalizar a figura do pai e afetar a imagem conjugal
(DIAS, 2016, p. 654).

Esta situação deprimente se prolongou durante muitos anos, porém foi se


amenizando conforme outras leis foram sendo editadas, no entanto nenhuma delas
protegia efetivamente a criança e o adolescente, sempre ficando alguma situação mal
protegida ou desprotegida.
19

A respeito dessas legislações Maria Berenice Dias (2016, p. 655) pondera


que

O advento de duas normas, nos anos de 1942 e 1949, autorizou o


reconhecimento do filho havido fora do matrimônio, mas somente após a
dissolução do casamento do genitor. O máximo a que se chegou foi conceder
o direito de investigar a paternidade para o fim único de buscar alimentos,
tramitando a ação em segredo de justiça. Ainda assim, tais filhos eram
registrados como filhos ilegítimos e só tinham direito, a título de amparo
social, à metade da herança que viesse a receber o filho legítimo ou
legitimado.

Seguindo com sua explicação Maria Berenice Dias (2016, p.655) reforça

Foi a Lei do Divórcio que garantiu a todos os filhos o direito à herança em


igualdade de condições. Admitiu a possibilidade de reconhecimento do filho
havido fora do casamento exclusivamente por testamento cerrado. Criou uma
estranha eficácia à ação investigatória de paternidade movida contra o genitor
casado: o único efeito da sentença era quanto aos alimentos. Somente depois
de dissolvido o casamento do pai tornava-se possível o registro do filho. Não
era necessária a propositura de nova ação investigatória, mas terceiros
interessados tinham o direito de impugnar a filiação. Essa artificiosa
construção, além de sujeitar o conteúdo declaratório da sentença a uma
condição suspensiva (o fim do casamento), lhe subtraía a segurança da coisa
julgada ao admitir impugnações de "terceiros interessados". Sabe-se lá a
quem era reconhecida legitimidade para tal.

Neste contexto, a vedação que se tinha a respeito do reconhecimento dos filhos


ilegítimos, somente foi extinta com a Constituição Federal de 1988, que instituiu o
princípio da igualdade jurídica entre os filhos, proibindo deste modo qual quer
tratamento discriminatório referente à origem da filiação, o que teve como
consequência a revogação da norma do Código Civil de 1916 que proibia o
reconhecimento dos filhos advindos fora da relação conjugal (DIAS, 2016, p. 655).

As grandes mudanças no Direito de Família se deram com a promulgação da


Constituição Federal de 1988 que quebrou paradigmas ultrapassados e trouxe um
Direito Civil constitucionalizado, onde se colocou em primeiro lugar a figura do ser
humano e não seu patrimônio.
20

A Constituição Federal de 1988 trouxe novos conceitos e novas preocupações


para o ordenamento jurídico, focando as atenções na proteção da pessoa humana,
abandonando assim, a visão patrimonialista que o Direito e a sociedade possuíam,
valorizando deste modo, o ser humano pela sua singularidade e não pelo seu poder
de aquisição. Partindo deste argumento e de tudo que já foi tratado até o momento,
entende-se que a família deixou de ser baseada no cunho patrimonial e
exclusivamente no casamento, passando a se ter como alicerce a dignidade da
pessoa humana e a afetividade, resultando, como consequência desta quebra, a
reconstrução de valores e mudança de paradigma no olhar do direito de filiação, que
adquiriu novas perspectivas visto que o afeto é um dos alicerces mais importantes das
relações decorrentes da filiação (GILDO, 2016).

A Constituição Federal no art. 227, § 6º trata da igualdade jurídica entre os


filhos, não se admitindo mais a distinção entre a filiação biológica ou adotiva, abolindo
e vedando a distinção que existia no Código Civil de 1916, que trazia clara
desigualdade entre a filiação legítima e ilegítima entre os filhos havidos na constância
da sociedade conjugal ou fora dela, sendo adotiva ou biológica (GONÇALVES, 2014,
p. 320).

Deste modo ficam em pé de igualdade todas as modalidades de filiação, sejam


elas legítimas ou ilegítimas, de origem biológica ou adotiva, não podendo mais haver
tratamento discriminatório em relação à origem da filiação, estando todos os filhos
assegurados da mesma qualificação de direitos e deveres.

Vale destacar no tocante a este assunto, conforme estabelece regra do referido


artigo, a proibição de tratamento discriminatório entre os filhos tanto na concessão de
direitos e deveres, como nas designações, não há sentindo nos adjetivos legítimos,
ilegítimos, legitimados, incestuosos, adulterinos, naturais, espúrios e adotivos
(HIRONAKA, 2000, apud GILDO, 2016).

Percebe-se que a atual Constituição Federal provocou não só mudanças no


Direito, mas também na forma de pensar da sociedade, uma vez que traz uma visão
mais humana e afetiva quanto à filiação (HIRONAKA, 2000, apud GILDO, 2016),
devendo-se dar destaque também não só à filiação, mas a constituição das famílias,
21

que hoje é livre, sem interferência do Estado e sem pensamentos padronizados e


discriminatórios.

Na situação a qual se encontra a atual sociedade não mais interessa a origem


da filiação, a identificação dos vínculos de parentalidade não pode mais ser guiada
pelo campo da genética, uma vez que se demonstra uma grande evolução científica
para métodos de reprodução (DIAS, 2016, p. 657-658).

Destas considerações compreende-se que o direito de filiação caminha para


um direito de filiação desbiologizado, onde não se terá como filho somente aquele que
possui laços sanguíneos, mas também aquele filho que deriva do afeto.

2.1 A delimitação conceitual de filiação sob a ótica constitucional

Neste tópico busca-se tratar da delimitação conceitual da filiação, tendo como


paramento a nova ordem constitucional estabelecida pela Constituição federal de
1988.

Com a promulgação da atual Constituição Federal e as crescentes mudanças


que ocorreram no núcleo familiar com o passar dos anos, o instituto da filiação também
sofreu mudanças. Foram deixados de lado conceitos discriminatórios, que distinguiam
os filhos havidos dentro ou não de uma sociedade conjugal, passando a se considerar
apenas como filho independente de sua origem (DIAS, 2016, p.657). Assim como
aconteceu na entidade familiar, a filiação também passou a se identificar pelo vínculo
do afeto. Deste modo a ideia de paternidade/maternidade está muito mais fundada no
amor do que em sua origem biológica (DIAS, 2016, p.657).

Todas as mudanças sofridas na sociedade e no ordenamento jurídico refletem


na identificação dos vínculos de parentalidade, levando ao surgimento de novos
conceitos e de uma nova visão sobre a atual realidade brasileira, onde a filiação
22

pode ser social, socioafetiva, estado de filho afetivo entre outas (DIAS, 2016, p.
657).

Diante deste contexto para melhor se interpretar o atual direito de filiação é


necessário se ter em mente que ele possui sua base em três pilares constitucionais,
sendo eles a plena igualdade entre os filhos, o princípio da proteção integral da criança
e do adolescente e a desvinculação do estado de filho do estado civil dos pais (DIAS,
2016 p. 658). Partindo desta premissa, busca-se o conceito de filiação, tarefa esta que
não é tão fácil, uma vez que seu conceito não está previsto no ordenamento jurídico
e não é algo tão exato, pois este não deve reconhecer apenas como filhos aqueles de
origem biológica ou os de origem socioafetiva, devendo-se ter um conceito onde os
dois se complementam, devendo-se destacar, desde já, que não deve haver
preferência entre uma modalidade de filiação sobre a outra (GILDO, 2016). Neste
contexto, para se determinar um conceito de filiação que não seja extremamente
biológico ou extremamente afetivo, Maria Helena Diniz (2010, p. 455)

Filiação é o vínculo existente entre pais e filhos; vem a ser a relação de


parentesco consanguíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e
aqueles que lhe deram a vida, podendo ainda (CC, arts. 1.593 a 1.597 e 1.618
e s.), ser uma relação socioafetiva entre pai adotivo e institucional e filho
adotado ou advindo de inseminação artificial heteróloga.

No entanto, há observações que devem ser apontadas a este conceito, uma


vez que ele deixa de fora a relação de afeto paterno-filial que não possua vínculo
jurídico, de modo mais claro se está deixando de fora do conceito de filiação à relação
entre um ―pai‖ e um ―filho‖ que não possuam vínculo biológico ou civil, mas que se
reconhecem nessas figuras em razão do afeto que nutrem entre si. Neste sentido
conforme entendimento de Maria Berenice Dias (DIAS, 2016 p. 665)

Filiação é um conceito relacional: é a relação de parentesco que se


estabelece entre duas pessoas e que atribui reciprocamente direitos e
deveres. Na feliz expressão de Luiz Edson Fachin, a paternidade se faz, o
vinculo de paternidade não é apenas um dado, tem a natureza de se deixar
construir.
23

Assim entende-se que o atual conceito de filiação deve ser aquele onde se
vislumbra a filiação jurídica, situação onde a lei presume a paternidade; a filiação
biológica, que está relacionada ao fato da consanguinidade e a filiação socioafetiva,
sendo nesta situação o vínculo de filiação baseando-se na reciprocidade de afetos.

Após esse breve esclarecimento conceitual sobre filiação, há que se falar de


algo muito importante para o ramo do Direito de Família, não somente para ele, mas
o Direito como um todo, de forma mais específica voltado ao presente trabalho, deve-
se tratar das mudanças trazidas pela atual Constituição Federal no direito de filiação.

Conforme tratado no início deste capítulo, a atual Constituição Federal trouxe


significativas mudanças para o Direito de Família, quebrando paradigmas
discriminatórios e estabelecendo novos valores, trazendo para o plano principal o ser
humano e seu bem estar, deixando de lado a visão patrimonialista e, conforme
esclarecido no começo do capítulo, essas mudanças atingiram diretamente o direito
de filiação.

O primeiro ponto a se destacar está no princípio da afetividade, que rompeu


com a ideia das famílias serem formadas exclusivamente por interesses patrimoniais,
e que sua constituição se dava somente com o casamento. Assim, este princípio é a
base da família atual, e por ele percebe-se que são distintas e múltiplas as formas de
se amar, consagrando-se, gradativamente, a pluralidade familiar e estabelecendo
formas as diferentes as famílias que surgiam em nossa sociedade (COUTO, 2015).

Deste modo, conforme se tem mudanças na formação dos núcleos familiares,


o direito de filiação também é atingido por estas mudanças, daí o pensamento de que
o atual direito de filiação também é plural, pois como já foi tratado, a filiação não é
mais somente consanguínea, mas também baseada nas relações de afeto, se
destacando assim atuação do princípio da afetividade.

A Constituição Federal no caput do art. 227 traz como dever da sociedade, da


família e do Estado, garantir a criança e adolescente o direito à convivência familiar,
24

consagrando ainda neste artigo o princípio da igualdade entre os filhos (art. 227 §6º),
vedando-se o tratamento discriminatório em relação aos filhos, estando todos no
mesmo patamar de igualdade, aptos aos mesmos direitos e obrigações (COUTO,
2015).

A título de informação, Cleber Couto apresenta um Estatuto Constitucional da


Filiação (2015)

Em uma análise mais ampla da Constituição, percebe-se que há mais do que


um direito à filiação constitucionalmente previsto. Há um verdadeiro
estatuto constitucional da filiação, formado pela soma de outros princípios,
direitos e garantias que emanam da Carta Magna.

Para consolidar este entendimento Cleber Couto (2015)

Além do direito à filiação (art. 227 caput), temos o princípio da pluralidade das
entidades familiares (art. 226 caput), o princípio da igualdade entre as
espécies filiatórias (art. 227 § 6º), o princípio do planejamento familiar (art.
226 § 7º), o princípio da paternidade responsável (art. 226 § 7º), o
princípio da afetividade (art. 226 caput e § 8º), o princípio da busca da
felicidade (art. 226 caput e § 8º e art. 1º III), o princípio da proteção integral
infanto-juvenil (art. 227 §§ 1º e 3º e art. 229), o princípio da absoluta
prioridade infanto-juvenil (art. 227 caput), o princípio do melhor interesse da
criança e do adolescente (art. 227 caput), princípio do melhor interesse do
filho (art. 227 caput e § 6º), além da autodeterminação indentitária (art. 5º
caput), liberdade de autodeterminação afetiva (art. 5º caput), igualdade
material (art. 5º caput), solidariedade social (art. 3º I) e dignidade da pessoa
humana (art. 1º III).

Deve-se dar um especial realce ao princípio da dignidade da pessoa humana,


uma vez que este está consagrado no art.1º, III, como fundamento da República
Federativa do Brasil. De acordo com Cleber Couto (COUTO, 2015)

Ao apontar como princípio fundamental do Estado Brasileiro a dignidade da


pessoa humana, a Constituição Federal fixou o princípio hierarquizador e
harmonizador de todo o sistema jurídico, pelo qual havendo conflito entre
princípios de igual importância hierárquica, o fiel da balança, a
25

medida de ponderação, o objetivo a ser alcançado, já está determinado, a


priori, em favor do princípio da dignidade humana.

Tanto a justiça como a dignidade se efetivam no caso concreto, deste modo o


aplicador do direito no caso concreto deve-se guiar para efetivação deste princípio, e
deste entendimento percebe-se que a dignidade da pessoa humana prevalece sobre
as demais normas, e estas devem ser aplicadas sobre sua ótica (COUTO, 2015).

Partindo destas considerações, todos esses valores juntos irão formar o


estatuto constitucional da filiação, possuindo caráter personalíssimo, indisponível,
imprescritível e pétreo, devendo ser adotado para análise do direito de filiação e
resolução de conflitos a ele inerentes (COUTO, 2015).

Embora o estatuto da filiação não traga soluções explicitas, ele serviria como
um norte, onde o aplicador do direito iria se guiar para que sua decisão fosse justa,
acertada, equilibrada e de acordo com os valores constitucionais inerentes a filiação
(COUTO,2015).

Em síntese destaca-se que a filiação assim como as famílias também é plural,


pois como já foi tratada, a filiação não é mais somente consanguínea, mas também
baseada nas relações de afeto. Ressalta-se também a constitucionalização do direito
de filiação e seu conjunto de valores (princípios constitucionais) que guiam o
magistrado para soluções efetivas e validadoras de muitas situações no caso
concreto.

2.2 Os princípios constitucionais fundamentadores do direito de filiação

Com o advento da Constituição Federal de 1988 têm-se um novo ângulo para


se enxergar o direito das famílias, já que a atual Carta Constitucional é fundamentada
em valorosos princípios, estes por sua vez colocam para todo o
26

ordenamento jurídico o dever de eficácia de suas normas garantidoras de direitos e


garantias fundamentais (DIAS, 2016, p. 65).

Os princípios constitucionais não são vistos apenas como orientadores ao


sistema jurídico infraconstitucional, agora eles são imprescindíveis para se chegar o
mais perto possível ao ideal de justiça, não possuindo apenas força supletiva (DIAS,
2016, p 65).

Neste contexto, há que se destacar que os princípios constitucionais devem ser


vistos como uma forma de entrada para qualquer interpretação do Direito (DIAS, 2016,
p. 69). Ademais há que se acrescentar ―[...] Os princípios constitucionais
representam o fio condutor da hermenêutica jurídica, dirigindo o trabalho do interprete
em consonância com os valores e interesses por eles abrigados‖ (DIAS, 2016, p. 71).

Partindo destas breves considerações, o direito das famílias é o ramo que mais
se percebe a influência dos princípios constitucionais consagrados como sendo
valores fundamentais (DIAS, 2016, p. 71-72). Neste ponto cabe destacar alguns dos
princípios basilares do direito de família e do direito de filiação.

A - Princípio da Dignidade da Pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana é o maior dos princípios, sendo


este a fonte de luz, de onde derivam todos os demais princípios (DIAS, 2016, p. 73).
A dignidade da pessoa humana também se vê como imprescindível para o Estado
Democrático de Direito, conforme trata a Constituição Federal em seu art. 1º, III, este
princípio é valor fundamental da República Federativa do Brasil (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO 2014, p.64).

Neste sentindo, o princípio da dignidade da pessoa humana também iria atuar


não só como limite para atuação do Estado, mas também como um ponto a ser
seguido para sua atuação, devendo este estabelecer politicas publicas positivas, que
devem garantir o mínimo de dignidade aqueles que vivem em seu território nacional
(DIAS, 2016. p. 74-75).
27

Por estas considerações, ressalta-se a árdua missão de conceituar dignidade


da pessoa humana, não sendo este princípio algo tão simples de ser conceituado
devido a sua grande extensão e valoração no ordenamento jurídico, conforme Pablo
Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2014, p. 63)

Princípio solar em nosso ordenamento, a sua definição é missão das mais


árduas, muito embora arrisquemo-nos a dizer que a noção jurídica de
dignidade traduz um valor fundamental de respeito à existência humana,
segundo as suas possibilidades e expectativas, patrimoniais e afetivas,
indispensáveis à sua realização pessoal e à busca da felicidade. Mais do que
garantir a simples sobrevivência, esse princípio assegura o direito de se viver
plenamente, sem quaisquer intervenções espúrias — estatais ou particulares
— na realização dessa finalidade.

Deixa-se claro que não se tem intenção se apresentar um conceito especifico


de dignidade da pessoa humana, mas sim demonstrar seu vinculo com o direito das
famílias, já que esse direito está intrinsicamente ligado aos direitos humanos e estes,
por sua vez, possuem como base o princípio da dignidade da pessoa humana. Deste
modo, pode-se dizer este princípio no direito das famílias significa igual dignidade para
todas as entidades familiares (DIAS, 2016, p. 74). Neste sentido ainda pondera a
autora que ―[...] É indigno o tratamento diferenciado ás varias formas de filiação ou
aos vários tipos de constituição de família, com o que se consegue visualizar a
dimensão do espectro desse princípio que tem contornos cada vez mais amplos‖
(DIAS, 2016, p. 74).

Seguindo estes argumentos, entende-se que é na família que a dignidade da


pessoa humana encontra seu solo para florescer, dando a ordem constitucional
especial proteção a suas mais diversas formas de constituição, permitindo o
desenvolvimento pessoal e social de seus membros (DIAS, 2016, p. 74-75).

B - Princípio da liberdade

A Constituição Federal em seu art. 227 assegura como direito da criança e do


adolescente o direito a liberdade e esta, por sua vez, como direito humano floresceu
nas relações familiares e deu uma nova dimensão ao conteúdo da autoridade parental
com o estabelecimento da solidariedade entre pais e filhos, bem como o
28

estabelecimento da igualdade entre os cônjuges na direção da sociedade conjugal e


educação dos filhos, atendendo ao melhor interesse da criança e do adolescente.
(DIAS, 2016, p. 75).

C - Princípio da igualdade

Na atual Constituição Federal é assegurado tratamento igualitário, sendo


vedado qualquer tratamento discriminatório. A Constituição não tratou somente da
igualdade em seu preâmbulo, mas também em seu artigo 5º, caput e art. 5º, I, sendo
este um direito fundamental (DIAS, 2016, p. 76).

O princípio da igualdade é tão extenso que alcança também o direito de filiação,


sendo vedada qualquer forma de discriminação entre os filhos havidos ou não no
casamento ou pela sua origem, conforme regra do art. 227, § 6º. Seguindo a ordem
constitucional, o Código Civil consagra o princípio da igualdade no ramo do direito das
famílias, onde não é visto apenas como a igualdade entre os iguais, mas a simples
solidariedade existente entre os membros que compõem uma família (DIAS, 2016, p.
78).

O princípio da igualdade vincula a todos, intérpretes e aplicadores do direito,


devendo em sua análise assegurar direitos àqueles ignorados pela lei ou situações
por ela não tratadas, mas merecedoras de proteção jurídica (DIAS, 2016, p. 78-79).

Acrescenta-se ainda neste ponto o princípio da veracidade da filiação segundo


Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2014, p. 480) ―O reconhecimento
da igualdade dos filhos, independentemente da forma como concebidos, culmina por
se desdobrar na importante noção de veracidade da filiação, regra principiológica
fundamental‖. Referido princípio consiste no Estado não criar obstáculo para
reconhecimento do verdadeiro vinculo de pais e filhos.

Como exemplo da ocorrência deste princípio, tem-se a regra do art. 1601 do


Código Civil, a qual trata: ―Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos
filhos nascidos de sua mulher, sendo esta ação imprescritível. Parágrafo único.
Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.‖.
29

D - Princípio da vedação ao retrocesso social

Com a consagração constitucional da igualdade entre homens e mulheres,


entre os filhos e as entidades familiares, constituem estas, ao mesmo tempo, garantias
fundamentais e direitos subjetivos, não podendo sofrer deste modo limitações de
legislações ordinárias, sendo isso uma decorrência do princípio da vedação ao
retrocesso social (DIAS, 2016, p. 82-83). Neste sentido Ricardo Maurício Freire
Soares (apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 72).

Dentre os princípios jurídicos, sobrelevam, inegavelmente, os princípios


constitucionais. Isto porque os princípios da Constituição de 1988, situados
no ápice do sistema jurídico, ao expressar valores ou indicar fins a serem
alcançados pelo Estado e pela sociedade civil, irradiam-se pela totalidade do
direito positivo nacional. É o que sucede com o princípio fundamental da
dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1.º, III, da Carta Magna.
Conforme assinala Ingo Sarlet (2001, p. 41), a dignidade se afigura como a
qualidade integrante e irrenunciável da condição humana, devendo ser
reconhecida, respeitada, promovida e protegida. A aceitação da
normatividade do princípio da dignidade da pessoa humana impõe, assim, a
aceitação da sua capacidade de produzir efeitos jurídicos, através das
modalidades de eficácia positiva, negativa, vedativa do retrocesso e
hermenêutica. A seu turno, a eficácia vedativa do retrocesso se afigura como
uma derivação da eficácia negativa, segundo a qual as conquistas relativas
aos direitos fundamentais não podem ser elididas pela supressão de normas
jurídicas progressistas.

Seguindo este raciocino, a partir do momento que o Estado concede direitos e


garantias fundamentais, ele deve instituir políticas públicas de manutenção e proteção
a essas garantias e direitos, e ao mesmo tempo abster de atos que atinam
negativamente estas garantias (DIAS, 2016, p. 83).

E - Princípio da solidariedade familiar

Este princípio possui sua origem nos vínculos afetivos, representando muito
bem a solidariedade em seu aspecto mais profundo, compreendendo a reciprocidade
e a fraternidade. O princípio da solidariedade como os demais já tratados até então,
recebe especial atenção de nossa Constituição, sendo também tratado em seu
preâmbulo, onde se fala em uma sociedade fraterna (DIAS, 2016, p.
30

79). E com grande sabedoria Flávio Tartuce (2016, p. 1188) escreve a respeito deste
princípio

A solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamental da República


Federativa do Brasil pelo art. 3ª, I, da CF/1988, no sentido de construir uma
sociedade livre, justa e solidária. Por razões óbvias, esse princípio acaba
repercutindo nas relações familiares, eis que a solidariedade deve existir
nesses relacionamentos pessoais. Ser solidário significa responder pelo
outro, o que remonta à ideia de solidariedade do direito das obrigações. Quer
dizer, ainda, preocupar-se com a outra pessoa. Desse modo, a solidariedade
familiar deve ser tida em sentido amplo, tendo caráter afetivo, social, moral,
patrimonial, espiritual e sexual.

Como decorrência do princípio da solidariedade tem-se o dever de assistência


dos pais em relação aos filhos – art. 229 da CF, o dever de amparo às pessoas idosas
– art. 230 da CF, comunhão de vidas estabelecida pelo casamento (art. 1.511, Código
Civil) e o dever de prestar alimentos (art. 1.694, Código Civil). Pode- se concluir deste
modo, que a solidariedade se resume no dever de mutua assistência entre os
parentes.

F - Princípio da proteção integral a criança, adolescente, jovens e idosos

Conforme estabelece regra do art. 227 da Constituição Federal, os filhos


menores gozam de plena proteção e absoluta prioridade no seu tratamento e
desenvolvimento, se derivando desta regra o fundo constitucional do analisado
princípio.

Embora referido princípio não esteja prevista no art. 5º da Constituição Federal,


os direitos das crianças, adolescentes e jovens, são direitos fundamentais, devendo a
Família, a sociedade e o Estado prezar por sua proteção integral e pleno
desenvolvimento (DIAS, 2016, p. 81).

Para melhor esclarecer este princípio se faz ponderações dos autores Pablo
Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2014, p. 81)
31

Em respeito à própria função social desempenhada pela família, todos os


integrantes do núcleo familiar, especialmente os pais e mães, devem propiciar
o acesso aos adequados meios de promoção moral, material e espiritual das
crianças e dos adolescentes viventes em seu meio. Educação, saúde, lazer,
alimentação, vestuário, enfim, todas as diretrizes constantes na Política
Nacional da Infância e Juventude devem ser observadas rigorosamente.

Em uma visão mais atenta no caso dos filhos, a ocorrência deste princípio, se
torna mais incisivo. Pode-se dizer que mais do que jurídico, este princípio possui um
cunho espiritual, perante a responsabilidade que se assume diante dos filhos, sendo
que desta responsabilidade nenhum pai ou mãe se exime (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO 2014, p. 82).

G – Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente

O princípio do melhor interesse da criança e adolescente, não está positivado


na Constituição federal ou no Estatuto da Criança e do Adolescente, sustentando
alguns doutrinadores especializados no assunto, que referido princípio é inerente ao
princípio da proteção integral da criança e do adolescente (GONÇALVES, 2016).

O princípio em análise indica claramente o dever de se atender ao melhor


interesse da criança e adolescente, no entanto referido princípio não trás
taxativamente situações que corresponde a esse melhor interesse. Neste contexto
cabe ao magistrado no caso concreto analisar qual seria a conduta mais adequada,
que iria efetivar este princípio (GONÇALVES, 2016).

H - Principio da convivência familiar

Os filhos devem permanecer junto a seus pais, sendo seu afastamento da


família natural uma exceção, somente se justificando por motivo muito relevante, como
por exemplo, a adoção, o reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva
ou a destituição do poder familiar pelos motivos previstos em lei (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO 2014, p.82).

Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2014, p. 83) referido
princípio deveria também se estender aos irmãos, tios e avós, ou seja, pessoas que a
criança e adolescente mantém vinculo de afetividade.
32

Como consideração final a respeito desse princípio, apresenta-se seu fundo


constitucional no art. 227 da Constituição Federal, onde a mesma traz como dever da
família, sociedade e Estado o direito à convivência familiar do filho melhor.

I - Princípio da afetividade

Como encerrar essa parte principiológica sem tratar de tão majestoso princípio
fundamentador do atual direito das famílias. O afeto não é somente o laço de amor
que liga os integrantes de uma relação familiar, mas também um ponto de
humanidade. O princípio da afetividade também esta intrinsicamente ligado ao
princípio fundamental da felicidade (DIAS, 2016, p. 84).

Embora a palavra afeto não esteja alocada de forma expressa na Constituição


Federal, o afeto recebe especial proteção pela mesma, valendo ressaltar que o Código
Civil de 2002 também não utiliza a expressão afeto, mas em uma análise de suas
normas se percebe a sua valoração jurídica (DIAS, 2016, p. 84-85).

Pode-se dizer que os laços de afeto e solidariedade tem decorrência no


princípio da convivência familiar, e não exclusivamente dos laços sanguíneos. Neste
contexto cabe falar da posse do estado de filho, que seria o reconhecimento jurídico
do afeto, com o objetivo de se atingir a felicidade (DIAS, 2016, p. 85).Neste sentido
João Baptista Villela (apud TARTUCE, 2016, p. 1194)

A paternidade em si mesma não é um fato da natureza, mas um fato cultural.


Embora a coabitação sexual, da qual pode resultar gravidez, seja fonte de
responsabilidade civil, a paternidade, enquanto tal, só nasce de uma decisão
espontânea. Tanto no registro histórico como no tendencial, a paternidade
reside antes no serviço e no amor que na procriação. As transforn1ações
mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter
econômico, social e religioso, para se afumar fundamentalmente como grupo
de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável esforço ao
esvaziamento biológico da paternidade. Na adoção, pelo seu caráter afetivo,
tem-se a prefigura da paternidade do futuro, que radica essencialmente a
ideia de liberdade.

Por estas considerações, se percebe que todo o direito de filiação possui um


fundo constitucional que irá fundamentar as mais diferentes situações, mesmo que
não venham expressas no ordenamento jurídico, mas com base nesses princípios
33

que o interprete do direito se guiaria para proferir suas decisões, buscando sempre a
concretização do princípio da afetividade e dignidade da pessoa humana.

2.3 Reflexos das novas composições familiares no atual conceito de filiação

Avançando com os estudos demonstra-se muito importante tratar de um


assunto que está intrinsicamente ligado à filiação, sendo ele as novas composições
familiares abrangidas pela Constituição e seus reflexos na compreensão do atual
direito de filiação, para melhor elucidar o tema, apresentasse o princípio do pluralismo
das entidades familiares.

Após o advento da Constituição Federal de 1988 as estruturas familiares


ganharam novas formas, nas legislações anteriores somente a união derivada do
matrimonio merecia proteção jurídica e reconhecimento, estando as demais formas
de vinculo fadadas ao anonimato. Conforme as uniões matrimonializadas deixaram de
serem vistas como a única forma de se constituir família, foram surgindo novas formas
de reconhecimento dos arranjos familiares (DIAS, 2016, p. 80).

As uniões que não derivavam do casamento, isto é, as uniões


extramatrimoniais, não eram juridicamente consideradas de natureza familiar, sendo
suas relações resolvidas pelo direito obrigacional como uma sociedade de fato (DIAS,
2016, p. 80).

Atualmente as famílias se distanciam do perfil tradicional, sendo ele a união


entre um homem e uma mulher pelo casamento, com o objetivo de se ter filhos. Cada
vez mais a convivência com os diferentes arranjos familiares se torna mais comum,
como por exemplo, as famílias monoparentais e homoafetivas, deste modo
percebesse que o conceito de família se pluralizou, surgindo assim novos modelos,
sendo eles mais igualitários, flexíveis, se valorizando o desejo de constituir família
(DIAS, 2016, p. 228). Seguindo este contexto Maria Berenice Dias (2016, p. 228-
230) observa que
34

Ainda que a família continue a ser essencial para a própria existência da


sociedade e do Estado, houve uma completa reformulação do seu conceito.
Os ideais de pluralismo, solidarismo, democracia, igualdade, liberdade e
humanismo se voltaram à proteção da pessoa humana. A família adquiriu
função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e
existenciais de seus componentes.

A estrutura da sociedade sofreu mudanças influenciadas pelo pluralismo das


relações familiares, quebraram-se paradigmas em relação aos moldes de constituição
de uma família, que como já foi tratado, não é somente pelo casamento, houve uma
grande transformação na família com a consagração de princípios como o da
igualdade e liberdade, onde se extinguiu denominações discriminatórias e possibilitou
o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento (DIAS, 2016, p. 230).Neste
sentido a família e a filiação não mais se concretizam com o casamento, sexo e
procriação (DIAS, 2016, p. 230-231).

Atualmente, o elemento que coloca a família sob a proteção jurídica é a


afetividade, ou seja, o vínculo de afetividade que irá unir as pessoas que contenham
os mesmos projetos e propósitos de vida, gerando deste modo comprometimento e
solidariedade entre si (DIAS, 2016, p. 230).

Faz-se necessário um olhar plural da família, reconhecendo-se nos mais


diversos arranjos familiares à afetividade como um paramento para concretização de
desses arranjos e seu reconhecimento jurídico, cabendo destacar neste ponto a
liberdade de constituir família, com base no afeto e na dignidade da pessoa humana
(DIAS, 2016, p.232).

Complementando estes argumentos Maria Berenice Dias explica (2016,


p.233)

O novo modelo da família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da


afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo nova roupagem
axiológica ao direito das famílias. Agora, a tônica reside no indivíduo, e não
mais nos bens ou coisas que guarnecem a relação familiar. A família-
instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e
contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus
35

integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade,


justificando, com isso, a sua proteção pelo Estado.

Por estar-se tratando de família e filiação, destaca-se o princípio do livre


planejamento familiar, que tem seu embasamento constitucional no art. 227, § 7º.
Segundo esse princípio é livre o planejamento familiar não podendo se ter
interferência ou limites por parte da sociedade ou Estado.

Por estas considerações se percebe que deve-se ter reconhecimento jurídico e


devida proteção à família: matrimonial; informal; homoafetivas; poliafetiva; paralelas
ou simultâneas; monoparental; parental ou anaparental; recomposta, pluriparental ou
mosaico; natural extensa ou ampliada; substituta; eudemonista e coparental.

O presente trabalho não visa esgotar os conceitos e ocorrência de todos os


arranjos familiares acima mencionados, mas sim demonstrar que a atual Constituição
Federal revolucionou o conceito de família com a consagração de princípios
constitucionais basilares do direito das famílias e as pluralidade de seus arranjos
familiares.

Ademais, busca-se também demonstrar que com o reconhecimento destes


arranjos a filiação também sofre mudanças. Conforme já tratado no inicio desse
trabalho a filiação não é somente biológica ou registral, atualmente a filiação é ampla
podendo decorrer de vínculos biológicos, afetivos ou jurídicos. Neste contexto, cada
um desses arranjos possui uma decorrência direta na forma de filiação, o que
corrobora ainda mais com a ideia da filiação socioafetiva, como por exemplo, as
famílias pluriparentais, simultâneas e ampliadas.

2.3.1 As famílias recompostas e a multiparentalidade


36

Seguindo a linha de raciocino acima desenvolvido, devesse analisar alguns


modelos de família e formas de filiação extremamente importantes para o
entendimento da proposta do presente trabalho.

Com a reestruturação do organismo familiar, os conceitos ligados à família


sofreram varias mudanças, e cada vez mais a estrutura familiar se adequa a
necessidade de seus membros. Nesse sentido, destacam-se as famílias recompostas
ou reconstruídas (TRENTIN, 2014, p. 7-8). As famílias reconstruídas ou recompostas
se sobressaem as demais, por ser fruto da união de indivíduos que já integraram outra
relação familiar e buscam a constituição de uma nova família.

Nessa família se destaca os filhos anteriores à relação, que irão formar novos
vínculos de afetividade com os membros pertencentes a essa estrutura familiar. Vale
ressaltar que o princípio da afetividade como já vem sendo tratado, também
fundamenta está modalidade de família. Neste sentindo, o afeto não é uma derivação
da biologia, sendo este uma decorrência da convivência e solidariedade familiar. Os
laços decorrentes do afeto e amor juntos irão dar base para um ser humano solidário,
livre e justo (TRENTIN, 2014, p. 5).

A respeito da multiparentalidade Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona


Filho (2014, p. 491) trazem os seguintes questionamentos, argumentando que ―a
visão tradicional sobre a filiação é no sentido de que o seu reconhecimento resultaria
em uma dual perspectiva de parentalidade (em primeiro grau): o (os) filho (os)
vinculam-se a um pai e a uma mãe‖. Seguindo esta linha de raciocínio eles
complementam

Todavia, seria isto uma verdade absoluta? [...]. Definitivamente, este


posicionamento, quase um dogma, é algo que deve ser mais bem analisado,
diante da multiplicidade de situações da vida. [...] De fato, será que, com o
advento de uma visão mais aberta das relações de família, com admissão de
novas formas de composição familiar, não seria hora de rever este aparente
dogma? [...] será que não é o momento de se amparar, juridicamente, a
situação — muitas vezes ocorrente — de um filho possuir dois pais ou duas
mães?[...] Se não existe hierarquia entre os parâmetros de filiação, por que
forçar a exclusão de alguém que é visto como pai ou mãe de uma criança?
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 491).
37

Nesse sentido, Kirch & Copatti (apud TRENTIN et al 2014)

A multiparentalidade significa a legitimação da paternidade/maternidade do


padrasto ou madrasta que ama, cria e cuida de seu enteado (a) como se seu
filho fosse, enquanto que ao mesmo tempo o enteado (a) o ama e o(a) tem
como pai/mãe, sem que para isso, se desconsidere o pai ou mãe biológicos.
A proposta é a inclusão no registro de nascimento do pai ou mãe socioafetivo
permanecendo o nome de ambos os pais biológicos.

Para Maria Berenice Dias (2016, p. 682-683)

Para o reconhecimento da filiação pluriparental, basta flagrar a presença do


vínculo de filiação com mais de duas pessoas. A pluriparentalidade é
reconhecida sob o prisma da visão do filho, que passa a ter dois ou mais
novos vínculos familiares. Coexistindo vínculos parentais afetivos e
biológicos, mais do que apenas um direito, é uma obrigação constitucional
reconhecê-los, na medida em que preserva direitos fundamentais de todos os
envolvidos, sobretudo o direito à afetividade. Já sinalizou o STJ que não pode
passar despercebida pelo direito a coexistência de relações filiais ou a
denominada multiplicidade parental, compreendida como expressão da
realidade social. Esta é a tendência da Justiça que vem admitindo o
estabelecimento da filiação pluriparental quando o filho desfruta da posse de
estado, mesmo quando não há a concordância da genitora. Também na
hipótese da adoção unilateral é possível o reconhecimento da
multiparentalidade.

A multiparentalidade trás a possibilidade de juridicamente se reconhecer tanto


a filiação socioafetiva como a biológica, a ocorrência da família recomposta se torna
cada vez mais comum em nossa sociedade, e como foi tratado a multiparentalidade
emerge nesse contexto familiar, possuindo essas famílias amparo na posse de estado
de filho, igualdade de filiação e valores da família (TRENTIN, 2014, p. 9).

Por fim, pede-se atenção para os efeitos jurídicos decorrentes dessa entidade
familiar, ou melhor, não somente os efeitos, mas também seu reconhecimento e
devida proteção jurídica, devendo o Estado prezar pela dignidade da pessoa humana,
afetividade e felicidade dos membros que a compõe, não podendo o judiciário também
se eximir dessa responsabilidade, uma vez que ações contrarias a
38

estas atitudes estariam diretamente ferindo a pluralidade de famílias estabelecida


pela Constituição Federal e os princípios até então tratados no presente trabalho.

2.3.2 A família ampliada e a filiação socioafetiva

Seguindo com a proposta do presente trabalho, passa-se a analisar a família


ampliada ou extensiva, fazendo-se um paralelo com a filiação socioafetiva, busca-se
dar mais entendimento sobre a ocorrência desta modalidade de filiação.

A título de informação, é cada vez mais comum em nossa sociedade a


ocorrência da filiação socioafetiva, uma vez que os filhos não mais são somente
aqueles advindos de meios convencionais. na filiação socioafetiva deriva da posse de
estado de filho, constituindo uma modalidade de parentesco prevista no art. 1.593 do
Código Civil, onde o mesmo determina que: ―o parentesco é natural ou civil, conforme
resulte de consanguinidade ou outra origem” (grifos da acadêmica pesquisadora)
sendo esta outra origem afetiva (DIAS, 2016, p. 678).

Neste sentido Maria Berenice Dias (2016, p. 679)

[...] A filiação socioafetiva corresponde à verdade construída pela


convivência e assegura o direito à filiação. A consagração da afetividade
como direito fundamental subtrai a resistência em admitir a igualdade entre a
filiação biológica e a socioafetiva.

[...]

A constância da relação entre pais e filhos caracteriza uma paternidade que


existe não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas
em decorrência de uma convivência afetiva. Constituído o vínculo da
parentalidade, mesmo quando desligado da verdade biológica, prestigia-se a
situação que preserva o elo da afetividade. Pai afetivo é aquele que ocupa,
na vida do filho, o lugar do pai, desempenha a função de pai. É uma espécie
de adoção de fato. É aquele que ao dar abrigo, carinho, educação, amor ao
filho, expõe o foro mínimo da filiação, apresentando-se em todos os
momentos, inclusive naqueles em que se toma a lição de casa e ou verifica o
boletim escolar. Enfim, é o pai das emoções, dos sentimentos e é o filho do
olhar embevecido que reflete aqueles sentimentos que sobre ele se projetam
(DIAS, 2016, p. 679).
39

Complementando este entendimento Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo


Pamplona Filho (2014, p. 487)

[...] ser genitor é o mesmo que ser pai ou mãe?

O que vivemos hoje, no moderno Direito Civil, é o reconhecimento da


importância da paternidade (ou maternidade) biológica, mas sem fazer
prevalecer a verdade genética sobre a afetiva. [...] Ou seja, situações há em
que a filiação é, ao longo do tempo, construída com base na socioafetividade,
independentemente do vínculo genético, prevalecendo em face da própria
verdade biológica.

Traz-se ainda curioso entendimento sobre a possibilidade de ação de


reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva. Neste sentindo Teixeira
Giorgis (apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 488)

Contudo, é absolutamente razoável e sustentável o ajuizamento de ação


declaratória de paternidade socioafetiva, com amplitude contraditória, que
mesmo desprovida de prova técnica, seja apta em obter veredicto que afirme
a filiação com todas suas consequências, direito a alimentos, sucessão e
outras garantias. O que se fará em respeito aos princípios constitucionais da
dignidade da pessoa, solidariedade humana e maior interesse da criança e
do adolescente.

Adentrando ainda mais no assunto da paternidade/maternidade socioafetiva,


pai e mãe não são somente aqueles que aferem material de origem genética, mas
também aquele que dá de forma ilimitada seu afeto, atenção e cuidado sem esperar
nenhuma contraprestação seja ela afetiva ou financeira. Sendo neste contexto a
possibilidade do reconhecimento da pluralidade de laços afetivos (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 214, p. 488).

Como tratado acima, tem-se a posse de estado de filho que se exterioriza pela
convivência familiar e afetividade, embasando a filiação socioafetiva, comumente este
laço é conhecido como ―Filho de criação‖, onde embora não se tenha adoção
formalizada o comportamento da família ao qual ele faz parte, o trata
40

como filho biológico (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO 2014, p. 488). Neste sentido
Paulo Lôbo (apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 488)

―A posse do estado de filiação constitui-se quando alguém assume o papel


de filho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de
pai ou mãe ou de pais, tendo ou não entre si vínculos biológicos. A posse de
estado é a exteriorização da convivência familiar e da afetividade, segundo
as características adiante expostas, devendo ser contínua‖.

Diante deste contexto, pode-se novamente afirmar que é com o


reconhecimento das novas modalidades de família e filiação que o direito das famílias
vai se constituindo um ramo mais humano e solidário.

Tratando-se das mais variadas formas de arranjos familiares, abre-se espaço


para se tratar da família ampliada ou extensiva, prevista no art. 25, paragrafo único da
Lei nº 8.069/90– Estatuto da Criança e do Adolescente. O referido artigo conceitua
família extensiva da seguinte forma: ―Parágrafo único. Entende-se por família
extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da
unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou
adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade‖. Novamente se
destaca o princípio da afetividade como fundamentador das diversas modalidades de
família, como também vale ressaltar que referido dispositivo legal, também deixa claro
a desvinculação do estado de filho da relação conjugal de seus pais.

Neste contexto levanta-se a seguinte problemática, Seria possível a filiação


socioafetiva nesta modalidade de família com o reconhecimento de uma dupla
parentalidade? Para responder esta pergunta, levantam-se argumentos já analisados
até o presente momento, pai e mãe não são somente aqueles que mantem laços de
consanguinidade com seus filhos, sendo também aqueles que ilimitadamente
oferecem seu amor e proteção como se pais biológicos fossem. Também há que se
destacar em argumentação, toda valoração jurídica do afeto, bem como dos princípios
do melhor interesse da criança e do adolescente, da sua proteção integral, da
dignidade da pessoa humana e do convivo familiar.
41

Como já foi tratado o Estado deve oferecer proteção jurídica as mais diferentes
modalidades de família e filiação, sendo devido reconhecimento de seus efeitos, e
como também já mencionado o judiciário não pode se eximir dessa responsabilidade,
não podendo este se calar perante situações que ensejam proteção jurídica, mas não
possuem amparo legal. Para dar mais fundamento a este posicionamento, traz-se
entendimento de Maria Berenice Dias (2016, p. 683)

Coexistindo vínculos parentais afetivos e biológicos ou apenas afetivos, mais


do que apenas um direito, é uma obrigação constitucional reconhecê- los.
Não há outra forma de preservar os direitos fundamentais de todos os
envolvidos, sobretudo no que diz com o respeito à dignidade e à afetividade.

Neste contexto, não seria então extraordinário o reconhecimento desta filiação


socioafetiva na modalidade familiar estudada, ademais vale falar que o próprio
conceito deixa amplo para sua incidência, uma vez que trata do vinculo afetivo e da
afinidade com aqueles com quem o menor mantém seu convivo familiar, sem
necessariamente ser com seus pais biológicos ou derivar de uma relação
matrimonializada.

2.3.3 A adoção à brasileira e a filiação socioafetiva

Avançando um pouco a mais no tema da paternidade/maternidade socioafetiva,


cabe tratar da ―adoção à brasileira‖ e seus reflexos no direito de filiação. Considera-
se ―adoção à moda brasileira‖ ou mais comumente conhecida como ―adoção à
brasileira‖ segundo Márcio André Lopes Cavalcante (2012) ―quando o homem e/ou a
mulher declara, para fins de registro civil, o menor como sendo seu filho biológico
sem que isso seja verdade‖. Juridicamente referida atitude é ilegal conforme prevê
norma do art. Art. 242 do Código Penal
42

Art. 242 Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem;
ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente
ao estado civil:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:
Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.

No entanto cabe ressaltar que dificilmente quando esta situação chega ao


poder judiciário tem-se a aplicação das penalidades acima mencionadas, isto em
virtude do perdão judicial tratado em seu paragrafo único, onde no caso concreto o
magistrado reconhece fatores que demonstrem a nobreza da conduta
(CAVALCANTE, 2012).

Ainda referente à ―adoção à brasileira‖, tem-se entendimento de Maria


Berenice Dias (2016, p. 668-669) ―A difundida prática de proceder ao registro de filho
como próprio, e que passou a ser nominada de "adoção à brasileira", não configura
erro ou falsidade susceptível de ser anulada. Não cabe a alegação de erro quando a
paternidade foi assumida de forma livre e voluntária ‖Seguindo com seu raciocínio
complementa Maria Berenice Dias (2016, p. 680)

[...] Registrar filho alheio como próprio configura delito contra o estado de
filiação (CP 242), mas nem por isso deixa de produzir efeitos, não podendo
gerar irresponsabilidades ou impunidades. Como foi o envolvimento afetivo
que gerou a posse do 679/1276 estado de filho, o rompimento da convivência
não apaga o vínculo de filiação que não pode ser desconstituído. Assim, se,
depois do registro, separam-se os pais, nem por isso desaparece o vínculo
de parentalidade. Não há como desconstituir o registro.

Ainda em análise da filiação decorrente da adoção à brasileira, se destacam


duas situações, sendo a primeira delas o pai registral que busca anular o registro civil,
e a segunda, o filho que deseja ser reconhecido pelo pai biológico. Na primeira
situação, cabe falar que mesmo com a ação negatória de paternidade, têm-se
julgamentos dos nossos tribunais que não desconstituem o vinculo estabelecido pela
filiação registral quando se demonstrou caracterizado no caso concreto a posse de
estado de filho, neste sentido, o referido instrumento jurídico deve comprovar que
43

não existe vinculo biológico, como também que não se caracterizou a filiação
socioafetiva, ou seja, aquele pai que não tinha laços biológicos, também não constituiu
laços afetivos com seu ―filho‖. Neste sentido Superior Tribunal de Justiça - Quarta
Turma. Recurso Especial 1.059.214-RS, Min. Luís Felipe Salomão, julgado em
16/02/2012

Em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da


Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de
paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de
origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de
filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na
convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da
paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem
genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva. No caso, as
instâncias ordinárias reconheceram a paternidade socioafetiva (ou a posse
do estado de filiação), desde sempre existente entre o autor e as requeridas.
Assim, se a declaração realizada pelo autor por ocasião do registro foi uma
inverdade no que concerne à origem genética, certamente não o foi no que
toca ao desígnio de estabelecer com as então infantes vínculos afetivos
próprios do estado de filho, verdade em si bastante à manutenção do registro
de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro. Recurso
especial não provido (SUPERIOR TRIBUNAL JUSTIÇA, Quarta Turma.
Recurso Especial 1.059.214-RS, Min, Luís Felipe Salomão, julgado em
16/02/12).

Tratando-se de filiação decorrente da ―adoção à brasileira‖, deve-se buscar a


nulidade do registro civil somente quando não se estiver caracterizado a posse de
estado de filho, neste sentido o Superior Tribunal de Justiça

O conhecimento do recurso especial exige a clara indicação do dispositivo,


em tese, violado, bem assim em que medida o aresto a quo teria contrariado
lei federal, o que in casu não ocorreu com relação à pretensa ofensa ao artigo
535 do Código de processo Civil (Súmula n. 284/STF). Em se tratando de
adoção à brasileira, a melhor solução consiste em só permitir que o pai-
adotante busque a nulidade do registro de nascimento, quando ainda não
tiver sido constituído o vínculo de sócio-afetividade com o adotado. Recurso
especial improvido (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Terceira Turma,
Recurso Especial 1088157 PB 2008/0199564-3, Min. Rel. Massami Uyeda,
julgado em 23/06/2009).
44

Na segunda situação, onde o filho busca que seja reconhecido seu pai
biológico, seria possível a anulação do registro civil, conforme se demonstra no
acordão publicado Informativo n. 512 do Superior Tribunal de Justiça

É possível o reconhecimento da paternidade biológica e a anulação do


registro de nascimento na hipótese em que pleiteados pelo filho adotado
conforme prática conhecida como 'adoção à brasileira'. A paternidade
biológica traz em si responsabilidades que lhe são intrínsecas e que, somente
em situações excepcionais, previstas em lei, podem ser afastadas. O direito
da pessoa ao reconhecimento de sua ancestralidade e origem genética
insere-se nos atributos da própria personalidade. A prática conhecida como
'adoção à brasileira', ao contrário da adoção legal, não tem a aptidão de
romper os vínculos civis entre o filho e os pais biológicos, que devem ser
restabelecidos sempre que o filho manifestar o seu desejo de desfazer o liame
jurídico advindo do registro ilegalmente levado a efeito, restaurando-se, por
conseguinte, todos os consectários legais da paternidade biológica, como os
registrais, os patrimoniais e os hereditários. Dessa fom1a, a filiação
socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos do filho
resultantes da filiação biológica, não podendo, nesse sentido, haver
equiparação entre a 'adoção à brasileira' e a adoção regular. Ademais,
embora a 'adoção à brasileira', muitas vezes, não denote torpeza de quem a
pratica, pode ela ser instrumental de diversos ilícitos, corno os relacionados
ao tráfico internacional de crianças, além de poder não refletir o melhor
interesse do menor. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, REsp
1.167.993/RS, Min. Rel. Luís Felipe Salomão, julgado em 18.12.2012).

A respeito dessa decisão Flávio Tartuce (2016, p. 1381)

Com a devido respeito, a última ementa representa um retrocesso,


uma volta ao passado, desprezando a posse de estado de filhos
fundada na reputação social (reputatio) e no tratamento dos
envolvidos (tractatus). Ademais, abre a possibilidade de um filho
"escolher" o seu pai não pelo ato de afeto, mas por meros interesses
patrimoniais.

Cabe ressaltar neste ponto do trabalho entendimento de Luiz Edson Fachin


(apud CAVALCANTE, 2012) a respeito da paternidade socioafetiva
45

―a verdadeira paternidade pode também não se explicar apenas na autoria


genética da descendência. Pai também é aquele que se revela no
comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os
laços de paternidade numa relação psico-afetiva, aquele, enfim, que além de
poder lhe emprestar seu nome de família, o trata verdadeiramente como seu
filho perante o ambiente social‖.

Por fim, pelo que já foi apresentado, percebe-se que a paternidade atualmente
pode ser afetiva ou biológica, no caso da afetiva, quando derivar da
―adoção à brasileira‖, somente se desconstitui com a demonstração da não
existência do laço biológico e socioafetivo, em razão do princípio do melhor interesse
da criança e do adolescente, e da boa-fé objetiva decorrente do reconhecimento
voluntário de filho, mesmo sabendo não ser biologicamente seu pai (vedação ao
venire contra factum proprium). Enquanto que, ao tratar do filho que deseja o
reconhecimento de sua origem biologia, segundo Superior Tribunal de Justiça, pode-
se ter desconstituída a filiação socioafetiva em razão do princípio da dignidade da
pessoa humana e do direito de se saber sua origem genética, sendo esta decisão um
retrocesso a todo avanço que se tem no direito de família em respeito ao
reconhecimento e efeitos da filiação socioafetiva.

2.4 Outras modalidades de filiação

Após análise da evolução conceitual de filiação, apresentação dos princípios


que a norteiam, seguida de uma breve explicação da pluralidade de familias trazidas
pela Consituição federal de 1988 com seus reflexos no direito de filiação, termina-se
o estudo deste capitulo, com a análise das demais formas de filiação, frizando que a
filiação socioafetiva e registral já foram apresentadas e estudadas no tópico anterior,
possuindo como objetivo deste tópico tratar das demais especies de filiação, sendo
elas: por consaguiniedade; por adoção e por inseminação artificial, conforme se extrai
do art. 1.593 do Código Civil ―Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme
resulte de consangüinidade ou outra origem‖.

. Ainda tratando sobre filiação, cabe ressaltar o princípio do livre planejamento


46

familiar, conforme explica Maria Berenice Dias (2016, p. 660)

Falando em filiação, cabe lembrar que o planejamento familiar é livre (CF 226
§ 7.º), não podendo nem o Estado nem a sociedade estabelecer limites ou
condições. O acesso aos modernos métodos de reprodução assistida é
igualmente garantido em sede constitucional, pois planejamento familiar
também significa realização do sonho da filiação. O tema da inseminação
artificial e da engenharia genética encontra embasamento nesse preceito.

Antes de adentrar mais pronfundamente nas modalidades de filiação


apresenta-se entendimento importante de Maria Berenice Dias a respeito do vinculo
de parentalidade (2016, p. 658)

A identificação dos vínculos de parentalidade não pode mais ser buscada


exclusivamente no campo genético, pois situações fáticas idênticas ensejam
soluções substancialmente diferentes. A acessibilidade dos métodos
reprodutivos permite a qualquer pessoa realizar o sonho de ter filhos. Para
isso não precisa ser casado, ter um par ou mesmo fazer sexo com alguém.
Não há como identificar o pai com o cedente do espermatozoide. Nem dizer
se a mãe é a que doa o óvulo, a que cede o útero ou aquela que faz uso do
óvulo de uma mulher e do útero de outra para gestar um filho, sem fazer parte
do processo procriativo. Ao final, todas tornam-se mães, o que acaba com a
presunção de que a maternidade é sempre certa. Porém, se a mãe
gestacional for casada, surge a presunção de que seu marido é o pai.

Sobre a posse de estado de filho e o vinculo de parentesco Maria Berenice Dias


(2016, p. 658) explica

A posse de estado de filho é que gera o vínculo de parentesco e impõe as


responsabilidades decorrentes do poder familiar. Neste sentido enunciado do
IBDFAM. O parentesco deixou de manter, necessariamente, correspondência
com o vínculo consanguíneo. Basta lembrar a adoção, a fecundação
heteróloga e a filiação socioafetiva. A disciplina da nova filiação há que se
edificar sobre os pilares constitucionalmente fixados: a plena igualdade entre
filhos, a desvinculação do estado de filho do estado civil dos pais e a doutrina
da proteção integral.

O Código Civil de 2002 em seu art. 1.595 reproduz a norma constitucional que
47

trata do principicio de igualde entre os filhos. Conforme explica Maria Berenice Dias
(2016, p. 659)

O Código Civil (1.596) repete a norma constitucional (227 § 6.º): os filhos,


havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos
direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação. Esses dispositivos se limitam a equiparar a filiação adotiva
à filiação consanguínea, olvidando as filiações "de outra origem" (CC 1.593).
Tanto a filiação decorrente da fecundação heteróloga, como a filiação
socioafetiva, igualmente, geram vínculo de parentesco e são merecedoras
dos mesmos direitos.

Referidas citações, além de fazer uma breve explicação sobre como o vinculo
de parentesco deve ser visto nos dias atuais, ainda reforçam a idéia trabalhada
durante todo este capitulo, isto é, buscou-se demonstrar que a filiação não é
somente biologia, que atualmente seu conceito é muito mais amplo, abrangendo a
filiação que decorre da afetividade, devendo esta e a filiação consanguinea serem
analisadas em patamar de igualdade, sem que uma se prevalçca sobre a outra.
Ainda neste contexto, deve-se dar enfase ao princípio da igualdade juridica entre os
filhos, sendo vedada qual quer forma de discriminação entre eles. Nestesentindo,
Maria Berenice Dias (2016, p. 665-666) explica

Filiação é um conceito relacional: é a relação de parentesco que se


estabelece entre duas pessoas e que atribui reciprocamente direitos e
deveres. Na feliz expressão de Luiz Edson Fachin, a paternidade se faz, o
vínculo de paternidade não é apenas um dado, tem a natureza de se deixar
construir.38 Essa realidade corresponde ao que se costuma chamar de posse
de estado de filho. Esta noção não se estabelece com o nascimento, mas por
ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade, colocando em
xeque tanto a verdade jurídica, quanto a certeza científica no estabelecimento
da filiação.

Após estas breves considerações tem-se continuidade do estudo das


modalidades de filiação.

A - Filiação biológica, natural ou por consaguiniedade


48

Como o propio nome já presupõe esta modalidade de filiação está ligada a


origem genetica, isto é, os laços sanguineos que se mantem com os genitores. No
entanto embora pareca algo simples, na verdade não é isto em virtude da ocorrencia
de alguns fenomenos, como o da pluralidade de familias, o avanço genético advindo
com o exame de DNA e a descoberta das técnicas de reprodução assistida (DIAS,
2016, p. 666).

No que diz respeito à pluralidade de familias, é importante ressaltar que a partir


do momento onde a familia não é vista somente como aquela formada pelo
casamento, mas sim pela troca reciproca de afeto entre seus membros, se destaca o
princípio da afetividade, onde o mesmo não está limitado à constituição de uma familia,
mas tambémno estabelecimentoda filiação (DIAS, 2016, p. 667).

Como já vem sendo tratado até o presente momento, a filiação está cada vez
mais se afastando da verdade genética, buscando suas bases nas relações formadas
pelo convivio familiar e a troca mutua de afeto.Em relação ao exame de DNA, não há
muito que se esclarecer, no entanto há que se falar que tal avanço desencadeou uma
busca frenética no judiciário a respeito da "verdade real" de sua origem genética
(DIAS, 2016, p. 667).

No que diz respeito às técnicas de reprodução assistida como fenômeno que


atinge diretamente a filiação bióligca Maria Berenice Dias (2016, 667) explica

[...] A possibilidade da gestação por substituição, por meio do uso de material


genético de diferentes pessoas, pluralizou o próprio conceito de filiação.
Existe mãe gestacional e mãe biológica. A doação anônima de material
genético livrou os genitores da responsabilidade parentais.

Diante desses fenômenos apresentados, percebe-se a facilidade de se


descobrir a filiação biólogica, no entanto se destaca que esta já não é mais tão
importante quando se tem a frente à chamada "verdade afetiva", onde se passou a
existir diferença entre a figura de pai e a figura do genitor. Neste sentido Maria
Berenice Dias (2016, p. 667)explica ―[...] Pai é o que cria, o que dá amor, e genitor é
somente o que gera. Se, durante muito tempo - por presunção legal ou por falta de
49

conhecimentos científicos -, confundiam-se essas duas figuras, hoje é possível


identificá-las em pessoas distintas‖.

B - Filiação por adoção

Inicialmente, há que se falar que a adoção é instituto tutelado pelo Direito da


Criança e Adolescente, no entanto este possui um vinculo profundo com o direito de
filiação, sendo uma de suas modalidades necessitando deste modo ser melhor
estudada e compreendida. A filiação decorrente da adoção reforça a ideia de que a
relação paterno-filial não é somente biológica, existindo nela um vinculo muito mais
profundo, sendo este o do afeto (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 512).
Ainda neste contexto os autores explicam

[...] A filiação adotiva, não apenas por um imperativo constitucional, mas por
um ditame moral e afetivo equipara-se, de direito e de fato, à filiação biológica,
não havendo o mínimo espaço para o estabelecimento de regras
discriminatórias(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 512).

Essas considerações reforçam ainda mais a divisão entre pai e genitor, sendo
pai aquele quem educa, dá amor, se dedica, isto é, aquele que cuida e dá carinho de
forma ilimitada, enquanto que o genitor é aquele que somente gera (DIAS, 2016, p.
667).

A natureza jurídica e o conceito de adoção a muito vem se discutindo na


doutrina, conforme aponta Antunes Varela (apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO
(2014, p. 512)

―É muito controvertida entre os autores a natureza jurídica da adopção.


Enquanto adopção constitui assunto de foro particular das pessoas
interessadas, a doutrina inclinou-se abertamente para o carácter negocial do
acto. A adopção tinha como elemento fundamental a declaração de vontade
do adoptante, sendo os seus efeitos determinados por lei de acordo com o
fim essencial que o declarante se propunha alcançar (...)Logo, porém, que os
sistemas jurídicos modernos passaram a exigir a intervenção dos tribunais,
não para homologarem, mas para concederem a adopção, a requerimento do
adoptante, quando entendessem, pela apreciação das circunstâncias
concretas do caso que o vínculo requerido serviam
50

capazmente o interesse da criação e educação do adoptando, a concepção


dominante na doutrina quanto à natureza jurídica do acto mudou de sinal.
Passou a ver-se de preferência na adopção um acto de natureza publicística
(um acto judicial) ou um acto complexo, de natureza mista‖.

Deste conceito segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho


aponta-se uma leve critica ao se classificar adoção como negocio jurídico, uma vez
que não há margem de possibilidade para os adotantes negociarem sobre quais
efeitos aceitam ou não (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 513).

Por estas considerações, segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona


Filho (2014, p. 513) adoção é ―[...] um ato jurídico em sentido estrito, de natureza
complexa, excepcional, irrevogável e personalíssimo, que firma a relação paterno ou
materno-filial com o adotando, em perspectiva constitucional isonômica em face da
filiação biológica‖.

A respeito do amparo legislativo da adoção, ela não é mais tratada


conjuntamente pelo Código Civil e pelo Estatuto da criança e do Adolescente, com o
advento da Lei n. 12.010 de 2009, está passou a ser regulada somente por este último.
No tocante à capacidade para adotar Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho
ensinam (2014, p. 514)

A despeito de o art. 40 do ECA estabelecer que o adotando deva contar com,


no máximo, dezoito anos à data do pedido (salvo se já estiver sob a guarda
ou tutela dos adotantes), lembremo-nos de que, em se tratando da adoção
de maiores esta lei especial também deverá ser aplicada, no que couber.

Vale ressaltar ainda, que o estado civil independe para adoção, no entanto
existe uma vedação legal ao direito de poder adotar, não podendo o requerente ser
irmão ou ascendente do adotando, conforme regra do art. 42 do Estatuto da criança e
Adolescente. A respeito dessa vedação legal Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho explicam: "Uma criança ou adolescente pode ser posto sob a tutela
ou a guarda de um ascendente seu ou até mesmo de um parente colateral, mas essas
pessoas, dado o grau de proximidade parental já existente — inclusive em
51

face do pai ou da mãe biológica do menor — não poderão adotar, como dito" e
continuam com sua argumentação "[...] vale frisar, o amor e o cuidado dispensados
ao pequenino possam justificar a designação da tutela ou da guarda." (GAGLIANO ;
PAMPLONA FILHO, 2014, p. 516).

Adentrando na adoção conjunta, ela vem disposta no artigo 42, §2º do Estatuto
da Criança e do Adolescente, a lei estabelece como requisito para esta modalidade
de adoção, que os adotantes possuam união estável ou que sejam civilmente
casados, com a devida comprovação da estabilidade da família. No mesmo dispositivo
legal acima tratado, em seu § 3º, se estabelece um limite mínimo de idade entre o
adotante e o adotado, sendo este de 16 anos.

Avançando um pouco mais a respeito da adoção, abre-se espaço para tratar


da adoção post mortem ou adoção póstuma. Segundo Pablo Stolze Gagliano e
Rodolfo Pamplona Filho (2014, p. 517) "Denomina-se adoção ―post mortem‖ ou
adoção póstuma aquela concedida após inequívoca manifestação de vontade do
adotante, mas concluída após o seu falecimento (§ 6.º, art. 42)" e eles ainda
complementam dizendo "Trata-se, em nosso sentir, de uma medida de justiça, em
respeito à pessoa que, tendo iniciado o procedimento de adoção, segundo a sua livre
manifestação de vontade, teve a vida ceifada, pelas mãos do destino, antes da
prolação da sentença". No que diz respeito ao consentimento na adoção, os autores
arrematam

A par de ser medida formalizada pela via judicial, a adoção, em essência,


traduz uma manifestação da autonomia privada no âmbito das relações
familiares, sem prejuízo da acentuada carga de ordem pública que a
caracteriza, e, por isso, ao ingressar com o pedido, o adotante já expressa o
seu próprio consentimento (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 519).

Ainda a respeito do consentimento para adoção e sua efetivação referidos


autores fazem suas observações

[...] observamos ainda que, para a efetivação da adoção, é relevante


52

também o consentimento dos pais ou do representante do adotando (art. 45,


ECA), quando for possível. Ou seja, a manifestação prévia não se afigura
viável se os pais forem desconhecidos, estiverem em local incerto e não
sabido — caso em que é importante a citação por edital, nomeando-se
curador — ou destituídos do poder familiar (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2014, p. 519).

Conforme já foi explicado acima, à adoção atribui ao adotado o status de filho,


sendo esse um de seus principais efeitos, como decorrência dessa filiação e em
respeito à igualdade jurídica, o adotado passa a possuir o mesmo direito e deveres de
um filho biológico, sendo o filho adotado desligado do seu vinculo jurídico com sua
família biológica, preservando-se apenas as restrições no que diz respeito aos
impedimentos matrimoniais (GAGLIANO, 2014, p. 520).

Sobre a filiação decorrente da adoção temos o art. 41 do Estatuto da Criança e


do Adolescente que dispõe

Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos


direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo
com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.
§ 1.º Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se
os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante
e os respectivos parentes.
§ 2.º É recíproco o direito sucessório entre o adotado, seus descendentes, o
adotante, seus ascendentes, descendentes e colaterais até o 4.º grau,
observada a ordem de vocação hereditária.

Para encerrar esse breve estudo a respeito da adoção como modalidade de


filiação, apresenta-se o direito à ascendência genética, sendo este uma decorrência
constitucional do direito a identidade, no entanto ressalta-se que a extensão desse
direito não é ampla, não podendo o filho pleitear direitos de cunho patrimonial, uma
vez que referida permissão jurídica está ligada diretamente e unicamente a busca pela
investigação da origem biológica (GAGLIANO, 2014, p. 521).Ainda referente a este
direito a Lei n. 12.010 de 2009, que em seu art. 48 dispõe

Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como
de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus
eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos.
53

Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também


deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada
orientação e assistência jurídica e psicológica.

C - Filiação por insenimação artifical

Existe uma grande evolução nas técnicas de reprodução humana, referidas


tecnicas tem impacto direito na forma de estruturação de uma familia e
estabelecimento da filiação. Os avanços nestas técnicas também representam uma
quebra ao sistema de preseunção da parternidade, filiação e maternidade, dando-se
grande relevo a vontade dos envolvidos na relação de filiação (DIAS, 2016, p. 669).

No entando a lei ainda estabelece a paternidade por presunção aos filhos


havidos na constância do casamento nas hipóteses do artigo 1.597 sendo elas

[...]
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a
convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade
conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia
autorização do marido.

Cabe explicar que "insenimação artificial", "fecundação artificial" e "concepção


artificial", tratam-se de tecnicas de reprodução assistidas utilizadas como substituição
da concepção natural do ser humano nas hipoteses onde o casal ou somente um, não
pode(m) gerar um filho ou possue(m) dificuldade(s) pelo "metodo convencional"
(DIAS, 2016, p. 670).Ainda explica a autora a respeito da concepção homóloga e
heteróloga

Chama-se de concepção homóloga a manipulação dos gametas masculinos


e femininos do próprio casal. Procedida à fecundação in vitro, o óvulo é
implantado na mulher, que leva a gestação a termo. Na inseminação
54

heteróloga, a concepção é levada a efeito com material genético de doador


anônimo e o vínculo de filiação é estabelecido com a parturiente. Sendo ela
casada, se o marido consentiu com a prática, será ele o pai, por presunção
legal (DIAS, 2016, p. 670).

Ainda referente ao tema, cabe falar que o Conselho Federal de Medicina admite
a utilização dessas tecnicas no caso dos casais homoafetivos, ressalta-se que nestes
casos não é necessario comprovação da esterelidade, visto que a impossibilidade de
gerar um filho decorre da orientação sexual. Continuando ainda dentro do tema, é
interessante informar que os embriões que não foram implantados, recebem o nome
de embriões excedentários (DIAS, 2016, p. 670). Quanto aos embriões excedentários
não se pretende entrar no mérito se são ou não nascituros, ou eventual
reconhecimento deles como sujeitos de direitos.

Prosseguindo com esta modalidade de filiação explica-se um pouco mais sobre


a fecundação artifical homóloga, nesta modalidade não é necessario autorização do
marido, devendo-se atentar que quando se vê a expressão "marido", devesse ler
"Marido ou Companheiro", sendo sua paternidade estabelecida mesmo que o já tenha
o genitor falecido (DIAS, 2016, p. 671).

Faz-se um parenteses nesta modalidade de filiação para explicar, que neste


caso as gametas são de origem do proprio casal (como já foi dito em citação mais
acima), sendo deste modo um vínculo biológico e não somente afetivo, como é no
caso da fecundação heteróloga, onde se tem à figura de um doador anônimo, e a
filiação se presume ao marido ou companheiro que aceitou a tecnica a ser realizada
pela esposa ou companheira.

Quando a lesgislação utiliza da expressão "mesmo que falecido o marido" abre-


se espaço para questionamentos, conforme trata Maria Berenice Dias (2016, p. 671)

[...] No entanto, quando ocorre o seu falecimento, a expressão legal "mesmo


que falecido o marido" tem dado margem a inúmeros debates e discussões.
Diz Guilherme Calmon Nogueira da Gama que permissivo legal não significa
que a prática da inseminação ou fertilização in vitro post mortem seja
autorizada ou estimulada. A tendência é reconhecer que, ainda que o
55

cônjuge ou companheiro tenha fornecido o sêmen, não se presume o


consentimento para a inseminação depois de sua morte. Somente se houve
expressa autorização para que a implantação do óvulo fecundado ocorra
após a sua morte, é possível realizá-la. Nesta hipótese o filho será registrado
como seu e terá direito sucessório.

Na falta de autorização expressa do cônjuge ou companheiro falecido Maria


Berenice Dias (2016, p. 671-672) explica a respeito do procedimento a ser seguido

Sem autorização expressa, os embriões devem ser eliminados, pois não se


pode presumir que alguém queira ser pai depois de morto é necessário
respeitar o princípio da autonomia da vontade. Resolução do Conselho
Federal de Medicina exige a autorização prévia específica do falecido. A viúva
não pode exigir que a clínica lhe entregue o material genético que se encontra
armazenado para que seja nela inseminado, por não se tratar de bem objeto
de herança.

Ressalta-se ainda que é autorizado na legislação brasileira a inseminação post


mortem, lembrando que a Constituição Federal consagra a igudaldade juridica entre
os filhos. Neste sentindo, o filho concebido após o obito também possui direitos
sucessórios. Neste contexto Maria Berenice Dias (2016, p. 673)

[...] Não se pode, portanto, admitir que a legislação infraconstitucional


restrinja o direito do filho assim concebido. Esta é a posição de Carlos
Cavalcanti de Albuquerque Filho, que invoca ainda o princípio da liberdade e
o direito ao planejamento familiar, ambos consagrados em sede
constitucional. Com isso, reconhece plenos efeitos à inseminação artificial
homóloga post mortem e amplos direitos sucessórios. A possibilidade de não
se reconhecer direitos à criança concebida mediante fecundação artificial
post mortem pune, em última análise, o afeto, a intenção de ter um filho com
a pessoa amada, embora eventualmente afastada do convívio terreno.

No entanto, se faz necessário que a concepção ocorra em até dois anos da


data obtido do testador, de acordo com a aplicação analógica do art. 1.800, § 4º,do
Código Civil
56

Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança


serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.
[..]
§ 4o Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for
concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em
contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos (Grifos da acadêmica
pesquisadora).

Adentrando na fecundação artificial heteróloga, Maria Berenice Dias (2016, p.


673) explica

A fecundação artificial heteróloga ocorre quando o marido ou o companheiro


manifestam expressa concordância que sua mulher se submeta ao
procedimento reprodutivo com a utilização de sêmen doado por terceira
pessoa. O fornecedor do material genético é afastado da paternidade,
estabelecendo-se uma filiação legal. É obrigatória a mantença do sigilo sobre
a identidade dos doadores e dos receptores.

A respeito do consentimento acima mencionado, se faz necessário que seja de


forma expressa e prévia. Este consentimento realizado pelo companheiro ou marido
revela o desejo de ser pai, sendo impossivel a retratação. Diferente das demais
modalidades de filiação esta não pode ser impugnada, tratando-se de uma presunção
juris et de jure, onde há presunção absoluta de filiação socioafetiva ou paternidade
socioafetiva (DIAS, 2016, p. 674).

Ainda no que diz respeito ao consentimento, este é irretratavel depois da


implantação do óvulo, uma vez que já se encontra em andamento a gestação, no
entanto, referida autorização poderá perder sua eficácia na hipótese de divórcio ou
dissolução da união estável. Porém, ressalta-se mais uma vez que essa retratação
deve ser feita antes da implantação do óvulo (DIAS, 2016, p. 674).

Encerrando as modalidades de filiação tratadas neste tópico e este capitulo por


inteiro, traz-se o entendimento de que pai e filho, atualmente, não é determinado
unicamente pelo vinculo biológico, mas também aqueles que formam seus laços pelo
afeto, e neste ponto destaca-se a valoração juirdica do mesmo, e sobre isso o
ordenamento jurídico reconhece a posse do estado de filho como ensejadora da
filiação socioafetiva.
57

Como foi demonstrado até o presente momento, foram superados os


paradgmas discriminátorios contra a filiação, estabelecendo a Constituição de 1988 a
dingidade da pessoa humana, que pela interpretação deste princípio como os demais,
os filhos devem viver com dingidade no meio familiar ao qual estão inseridos, sem que
estes sejam alvo de situações que limitem seus direitos ou que sejam submetidos a
atos de maus tratos, humilhação e desrespeito.

Neste contexto, ainda dentro do que foi trabalhado, também se pode dizer que
a filiação é plural, isto em decorrência da pluralidade de familias consagradas pela
Constitituição Federal de 1988. Não existe mais um padrão rigido a ser seguido e
aceito juridicamente, devendo ser protegida toda constituição de familia que se baseia
na afetividade, busca pela felicidade e animus de se ter uma comunhão plena de vidas,
e conforme já visto acima, esses novos arranjos possuem efeitos na filiação, como a
multiparentalidade, cabendo ao aplicador do direito o reconhecimento e proteção
dessas diferentes formas de filiação mesmo que não previstas em no ordenamento
jurídico brasileiro.
58

3 A MULTIPARENTALIDADE SOB A PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL E


JURISPRUDENCIAL

Como vem sendo tratado durante todo o trabalho, do Direito das Famílias, muito
mais que os outros ramos do Direito, está constantemente sendo renovado pelas
mudanças ocorridas na sociedade. Diversos paradigmas já foram quebrados
conforme ocorreram mudanças no meio social, como por exemplo, a possibilidade de
legalmente se estar casado com uma pessoa do mesmo sexo.

Uma das primeiras barreiras a serem quebradas no Direito das Famílias diz
respeito à família codificada, onde ganhou espaço os arranjos familiares que se
despiam das grandes formalidades exigidas para o casamento, mesmo que sem o
cumprimento de formalidades previstas em leis, tinha-se o compromisso da comunhão
de vidas, lealdade e da mutua assistência entre seus membros (TEIXEIRA;
RODRIGUES, 2010, p.190).

Outra barreira eliminada com a evolução das relações sociais foi o término do
patriarcalismo, alicerce da hierarquia entre homens e mulheres, que concedia ao
marido poder ilimitado ao patrimônio e a sua esposa. Outro paradigma vencido se deu
com o fim da discriminação existente quanto à origem dos filhos, sendo ela legitima e
ilegítima (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2010, p.191).

Junto a essas mudanças, teve-se essencial alteração na natureza jurídica da


família, onde sua função alterou de forma definitiva a dinâmica das relações familiares.
A família deixou de ser instituto e passou a ser um instrumento para desenvolvimento
da personalidade e dignidade de seus membros (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2010,
p.191). E, partindo desta realidade, teve fim mais uma barreira, a rigidez e
indissolubilidade do vínculo conjugal. A família passou a se constituir com a finalidade
de realização pessoal, deste modo houve a necessidade da liberdade de desconstituir
o vínculo existente entre marido e mulher, possuindo assim a possibilidade de
conseguir satisfação pessoal em outros arranjos familiares (TEIXEIRA; RODRIGUES,
2010, p.191).
59

A autonomia de constituição de uma família foi marcada pela Lei do Divórcio de


1977, e também pela possibilidade de desconstituí-la pelos meios informais, pondo
fim a sua existência e gerando, deste modo, o fenômeno social atualmente conhecido
como ―famílias recompostas‖, que cada vez mais surgem efeitos de repercussão
jurídica complicada. Como consequência, se tem a quebra do último paradigma,
sendo ele na cultura brasileira da Biparentalidade, que abre espaço para a chamada
multiparentalidade, que possui fundamento na socioafetividade (TEIXEIRA;
RODRIGUES, 2010, p.191).

A Constituição Federal em seu artigo 226 traz como modelos de família a


constituída pelo casamento, pela união estável e as famílias monoparentais. No
entanto, referido dispositivo não elenca uma enumeração taxativa, tratando-se,
portanto, de situações exemplificativas, uma vez que a liberdade de constituir família
é um direito fundamental, pautado no princípio constitucional do livre planejamento
familiar, não podendo o Estado limitar as formas de constituição de uma família, ou
exercício desse direito fundamental (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2010, p.191-192). Por
estes argumentos, percebe-se o fundo constitucional da multiparentalidade, devendo
ser amplamente respeitado e protegido pelo ordenamento jurídico infraconstitucional.

Como já tratado no capitulo anterior, a família reconstituída é aquela onde a


estrutura familiar originada pelo casamento ou união estável anterior, de um ou ambos
os envolvidos, trazendo filhos da relação anterior, e construindo nova família com a
concepção de novos filhos ou não, mas formando um núcleo constituído
―pelos meus filhos, seus filhos e nossos filhos‖. Segundo Ana Carolina Brochado
Teixeira e Renata de Lima Rodrigues (2010, p.193) as famílias reconstituídas podem
ter as seguintes configurações

(a) o genitor, seu filho e o novo companheiro ou cônjuge, sem prole comum;
(b) o genitor, seu filho e o novo companheiro ou cônjuge, com prole comum;
(c) os genitores de famílias originárias distintas e seus respectivos filhos,
inexistindo prole comum; (d) os genitores de famílias originárias distintas e
seus respectivos filhos, com prole comum.
60

Mesmo a multiparentalidade sendo um assunto de grande relevância


sociológica, a doutrina, a jurisprudência e a legislação brasileira tratam o assunto de
forma superficial, devendo ser desenvolvido com mais profundidade. Vale ressaltar
que a doutrina existente discorre que esta modalidade de família é considerada
apenas quando existem filhos de um ou de ambos os cônjuges ou companheiros, que
convivem um com o outro, trazendo, deste modo, experiências e convicções das
relações anteriores, possuindo, neste contexto, como única alternativa à formação de
novas regras de convivência, onde os membros que a compõem coexistam em busca
de harmonia e felicidade em seu novo arranjo familiar (TEIXEIRA; RODRIGUES,
2010, p.193).

No que diz respeito à repercussão da multiparentalidade nos tribunais, cabe


apresentar alguns julgamentos, sendo o primeiro o do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. PADRASTO E ENTEADOS.


PEDIDO FORMULADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DE MANUTENÇÃO,
NA SEARA REGISTRAL, DO VÍNCULO BIOLÓGICO.
MULTIPARENTALIDADE. DESCABIMENTO, NO CASO. Caso em que se
mostra descabido o acolhimento da pretensão formulada pelo Ministério
Público, na condição de custos legis, atinente à manutenção na seara
registral do vínculo biológico, na figura da multiparentalidade, visto que os
adotandos sequer manifestaram há interesse a esse respeito, observando-
se, ademais, que eles no meio social utilizam apenas o patronímico do
adotante como forma de identificação e não mantêm qualquer convívio com
a família biológica paterna. APELAÇÃO DESPROVIDA (TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, Oitava Câmara Cível, Apelação Cível
nº 70066532680 RS, Min. Rel. Ricardo Moreira Lins Pastl, Data de
Julgamento: 12/11/2015. Data de Publicação: Diário da Justiça do dia
16/11/2015).

Ainda apresentando alguns dos julgamentos a respeito da multiparentalidade,


tem-se o julgamento da mesma Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. PADRASTO E ENTEADA.


PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA ADOÇÃO COM A MANUTENÇÃO
DO PAI BIOLÓGICO. MULTIPARENTALIDADE. Observada a hipótese da
61

existência de dois vínculos paternos, caracterizada está a possibilidade de


reconhecimento da multiparentalidade. DERAM PROVIMENTO AO APELO
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, Oitava Câmara Cível,
Apelação Cível nº 70064909864 RS, Min. Rel. Alzir Felippe Schmitz Data de
Julgamento: 16/07/2015 Data de Publicação: Diário da Justiça do dia
22/07/2015).

Percebe-se, portanto, ser imprescindível para reconhecimento da


multiparentalidade que esteja de fato caracterizado a ―posse do estado de filho‖, que
conforme leciona Maria Berenice Dias (2016, p. 682-683)

Para o reconhecimento da filiação pluriparental, basta flagrar a presença do


vínculo de filiação com mais de duas pessoas. A pluriparentalidade é
reconhecida sob o prisma da visão do filho, que passa a ter dois ou mais
novos vínculos familiares. Coexistindo vínculos parentais afetivos e
biológicos, mais do que apenas um direito, é uma obrigação constitucional
reconhecê-los, na medida em que preserva direitos fundamentais de todos os
envolvidos, sobretudo o direito à afetividade. Já sinalizou o STJ que não pode
passar despercebida pelo direito a coexistência de relações filiais ou a
denominada multiplicidade parental, compreendida como expressão da
realidade social. Esta é a tendência da Justiça que vem admitindo o
estabelecimento da filiação pluriparental quando o filho desfruta da posse de
estado, mesmo quando não há a concordância da genitora. Também na
hipótese da adoção unilateral é possível o reconhecimento da
multiparentalidade.

Partindo destas considerações, e usando de parâmetro o que já foi tratado até


o presente momento, cabe analisar a multiparentalidade de forma mais acentuada,
buscando-se apresentar a possibilidade de seu reconhecimento jurídico, bem como
seus fundamentos constitucionais para, depois dessas considerações, traçar uma
análise da multiparentalidade sob a perspectiva da jurisprudência brasileira, isto é,
como os tribunais estão se manifestando a respeito do seu reconhecimento ou não.

3.1 Conceito de multiparentalidade

As estruturas familiares ganharam novos contornos com o advento da


Constituição Federal de 1988, ao passo que as uniões derivadas do casamento
62

foram saindo de foco como a única forma de constituir família, outras ganharam
contorno e proteção jurídica (DIAS, 2016, p. 80).

Os novos arranjos familiares reconhecidos pós-Constituição Federal de 1988


são muitos, mas entre eles se destacam as famílias recompostas. Esta modalidade
de família vem se sobressaindo às demais por serem constituídas pela união de
pessoas que já fizeram parte de outra relação familiar e compõem uma nova. Neste
sentido explica Semy Glanz (apud VALADARES, 2008, p. 147)

após a ruptura dos casais, muitos refazem seus lares e, já tendo filhos,
acabam juntando os seus ao companheiro ou cônjuge do segundo
casamento. Muitas vezes, ambos têm filhos e acabam tendo mais, donde o
surgimento dos irmãos germanos e unilaterais.

Conforme explica Maria Goreth Macedo Valadares (2008, p. 148) as famílias


reconstituídas ou recompostas, podem ser formadas a partir de distintos arranjos
familiares, por exemplo, pode-se ter uma família reconstituída advinda de uniões
homoafetivas. De uma forma mais ampla, as famílias reconstituídas, tratam-se
daquelas que surgem a partir de uma família monoparental, que pode ser definida
como aquela composta por um dos pais e seus filhos, independente de sua origem
(VALADARES, 2008, p. 148). Continuando com essa linha de raciocínio, além do fato
de se ter a presença de filhos, é necessário que eles venham de uma família
monoparental. Neste sentido explica Paulo Lôbo (apud GOHEN; FELIX, 2013, p. 28)

A criança passa a conviver com o novo marido ou companheiro da mãe – ou


nova mulher ou companheira do pai – que exerce as funções cotidianas
típicas do pai ou da mãe que se separou para viver só ou constituir nova
família recomposta. Essa convivência envolve, às vezes, relações
transversais entre filhos oriundos dos relacionamentos anteriores de cada pai
e os comuns, dentro do mesmo ambiente familiar, o que provoca incertezas
acerca dos possíveis direitos e deveres emergentes, pois é inevitável que o
padrasto ou madrasta assuma de fato as funções inerentes da paternidade
ou maternidade.
63

Como foi tratado no primeiro capitulo, a multiparentalidade ocorre em essência


no âmbito dessa modalidade de arranjo familiar, cabendo falar, também, que este
fenômeno jurídico não é o único efeito decorrente da família recomposta, pois além
deste, tem-se o parentesco por afinidade tratado no artigo 1.595 do Código Civil

Art. 1595 Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo
vínculo da afinidade.
§ 1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes
e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.
§ 2º Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do
casamento ou da união estável.

Como tratado acima, a multiparentalidade e o parentesco por afinidade são


efeitos distintos das famílias recompostas, sendo que o parentesco por afinidade é o
vinculo jurídico estabelecido pelo casamento ou união estável, que ira se estender aos
ascendentes, descendentes e irmãos do cônjuge ou companheiro, conforme leitura do
artigo 1.595 do Código Civil.

O vinculo da afinidade nos casos dos ascendentes e descentes é eterno, não


se desfazendo com o fim do casamento ou união estável e as únicas hipóteses de se
extinguir o vinculo da afinidade se da nas hipóteses de anulação e nulidade do
casamento, as quais não serão debatidas por não ser o foco do trabalho.

Seguindo-se com o objetivo do trabalho, cabe a conceituação de


multiparentalidade, o que segundo Leandro Augusto Neves Corrêa (apud SOUZA,
2016, p. 69) ―[...] é a possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai e/ou mais de
uma mãe ao mesmo tempo‖. Embora o conceito seja simples, trata-se de uma
situação muito mais complexa, composta de efeitos e lacunas a serem preenchidas.

Segundo entendimento de Danni Souza (2016, p. 69)

Tal instituto surge da necessidade de o julgador solucionar o conflito existente


entre a paternidade biológica, que se fundamenta no princípio da dignidade
da pessoa humana e no direito fundamental que a pessoa tem de ter
reconhecida a sua identidade, e a paternidade socioafetiva, que também
64

se baseia no princípio da dignidade da pessoa humana e no princípio da


afetividade. Nas lides envolvendo essas paternidades, normalmente a
doutrina e a jurisprudência posicionam-se pela prevalência da paternidade
socioafetiva; entretanto, o jurista deve analisar o caso concreto e aplicar o
procedimento da ponderação de valores, para saber qual das paternidades
prevalecerá, visando sempre a atender aos princípios supracitados.

Percebe-se, portanto, que a multiparentalidade se torna uma ―saída‖


necessária a ser adotada pelo judiciário para que no caso concreto se atenda às
necessidades dos envolvidos, que pelas análises realizadas mais abaixo no trabalho,
sempre terá o interesse de uma criança. Portanto, além de tratar de um vinculo tão
sensível que é a família, se estará diretamente influenciando a vida de um ser em
desenvolvimento, que necessita de amplo amparo e apoio da família, Estado e
Sociedade, para que possua um desenvolvimento pleno e saudável.

3.2 Fundamentos constitucionais da multiparentalidade

Após analisar o conceito de multiparentalidade e estudar as famílias


recompostas, é necessário entender um pouco de suas bases, neste sentido, é
pertinente tratar dos fundamentos jurídicos que dão ensejo a sua proteção e
efetivação no caso concreto. Neste sentido, pode-se falar que a multiparentalidade
encontra sua base na Teoria Tridimensional do Direito de Família de Welter (WELTER,
2012, p. 141-144) juntamente com os princípios constitucionais da Dignidade da
Pessoa Humana, no princípio da pluralidade de entidades familiares, na liberdade de
constituir família, no princípio da afetividade, no princípio da Igualdade entre os filhos,
além do princípio da convivência familiar. Ressalta-se que esses princípios já foram
estudados no capitulo anterior, deste modo, não irá se detalhar novamente um por
um, no entanto, busca-se demonstrar que a multiparentalidade possui caráter
constitucional.

Como tratado acima, a multiparentalidade está alicerçada em importantes


princípios constitucionais, trazendo para um plano mais prático o princípio da
Dignidade da pessoa humana e da Afetividade são os grandes fundamentos
65

apresentados nas decisões do judiciário, entre eles pode-se citar a decisão do


Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 450.566/ Rio Grande do Sul

[...] a filiação socioafetiva encontra amparo na cláusula geral de tutela da


personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento
fundamental na formação da identidade e definição da personalidade da
criança [...] não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva,
na qual se encontre caracterizada, de maneira indelével, a posse do estado
de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo, o reconhecimento
desse vínculo, mesmo por meio de ação de investigação de paternidade, a
priori, restrita ao reconhecimento forçado de vínculo biológico (SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 450.566/Rio Grande do Sul, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, Data do Julgamento 03/05/2011).

Como explicado no tópico anterior, a multiparentalidade ocorre nas situações


onde um filho possui duas espécies de filiação, sendo uma delas a biológica e a outra
socioafetiva, onde ambas seriam judicialmente ou extrajudicialmente reconhecidas,
possuindo os mesmo efeitos. Seguindo esta linha de raciocínio, Renata Barbosa de
Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior (apud CASSETTARI, 2015, p. 171)

Em síntese: parece permissível a duplicidade de vínculos materno ou


paterno-filiais, principalmente quando um deles for socioafetivo e surgir, ou
em complementação ao elo biológico ou jurídico preestabelecido, ou
antecipadamente ao reconhecimento de paternidade ou maternidade
biológica.

É pertinente tratar também da diferença entre multiparentalidade,


Biparentalidade, Bipaternidade e Bimaternidade. Como explica Christiano Cassettari,
a multiparentalidade pode ser dividida em multiparentalidade paterna e
multiparentalidade materna, a primeira delas trata da situação onde se tem dois ou
mais indivíduos como genitores ocupando a figura de pai; por outro lado a
multiparentalidade materna trata-se da situação contraria, onde se irá ter a figura de
duas ou mais mães (CASSETTARI, 2015, p. 160).
66

A Biparentalidade, por sua vez, trata-se da situação em que se tem um pai e


uma mãe ambos de sexos opostos, enquanto que a Bipaternidade e a Bimaternidade
tratam-se de situações semelhantes, a primeira delas ocorre nas situações onde se
tem apenas a figura de dois indivíduos do sexo masculino, ocupando a figura de pais,
e a segunda, por sua vez, trata-se das situações que se têm duas mulheres ocupando
a figura de mãe (CASSETTARI, 2015, p. 160). A semelhança nestas duas situações
está no fato de se ter apenas um dos polos da relação filial, onde este polo é ocupado
por duas pessoas do mesmo sexo.

Após estas considerações, cabe falar mais especificamente da Teoria


Tridimensional do Direito de Família de Welter e, segundo esta teoria, o ser humano
possui três mundos os quais seriam eles (WELTER, 2012, p. 134)

A compreensão do humano não é efetivada somente pelo comportamento


com o mundo das coisas (mundo genético), como até agora tem sido
sustentado na cultura jurídica do mundo ocidental, mas também pelo modo
de ser-em-família e em sociedade (mundo des-afetivo) e pelo próprio modo
de relacionar consigo mesmo (mundo ontológico). Quer dizer que a
compreensão em família é linguagem, diálogo, conversação infinita e modos
de ser-no-mundo-genético, de ser-no-mundo-(des) afetivo e de ser-no-
mundo-ontológico. O ser humano não existe só, porquanto, nas palavras
heideggerianas, ―ele existe para si (Eigenwelt): consciência de si; ele existe
para os outros (Mitwelt): consciência das consciências dos outros; ele existe
para as entidades que rodeiam os indivíduos (Umwelt). Existência se dá no
interjogo dessas existências. Mas o Ser deve cuidar-se para não ser tragado
pelo mundo-dos-outros e isentar-se da responsabilidade individual de
escolher seu existir‖.

Conforme explica Belmiro Pedro Marx Welter, o Direito de Família não pode ser
entendido unicamente pela origem genética, mas também deve ser entendido através
da visão dos mundos (des) afetivo e ontológico, que são extremamente necessários à
saúde do ser individuo em todas as suas dimensões, sendo elas a física, mental,
inteligência, educação, estabilidade econômica, social, material e entre outras, onde
não basta ter-se apenas a reprodução do individuo (a origem genética), mas também
as origens afetivas, as quais envolvem a felicidade, solidariedade, o respeito e o amor
de cada ser (WELTER, 2012, p. 138).
67

Ainda, segundo o autor em comento, ainda há muito que ser falado e estudado
acerca da natureza do ser humano e do Direito de Família, destacando-se a
necessidade de escutar e ser escutado, como também da fusão de horizontes, e das
formas de se agir no mundo genético como no mundo afetivo e ontológico para que,
assim, possa se ter uma visão ampla das mais distintas situações (WELTER, 2012, p.
143-144)

Por enquanto, (re) lembro o diálogo gadameriano, no sentido de que o


hermeneuta que não tiver vários horizontes terá uma visão reduzida,
delimitada, obstruída, compreendendo demasiadamente o que está próximo
em detrimento do que está à distância, ou desvalorizando o que está distante
em detrimento do que está próximo, motivo pelo qual renovo a mensagem
gadameriana, de que quem quiser compreender o texto do direito de família
deixe que ele lhe diga alguma coisa.

Continuando com a argumentação do citado autor, este defende que tanto a


paternidade socioafetiva como a biológica não devem se sobrepor uma a outra, uma
vez que ambas são iguais por serem pater dos três mundos do ser humano (genética,
afetiva e ontológica). Neste sentido, reconhecer as duas espécies de paternidade
simultaneamente, com direito a todos os efeitos decorrentes delas, significa afirmar a
existência desses três mundos do ser humano (WELTER, 2012, p. 144). E ainda
assevera o autor

[...] a existência tridimensional do ser humano, que é reflexo da condição e


da dignidade humana, na medida em que a tridimensionalidade humana,
genética, afetiva e ontológica, é tão irrevogável quanto a vida, pois faz parte
da trajetória da vida humana(WELTER, 2012, p. 144).

Por estes argumentos, percebe-se ser a teoria tridimensional do Direito de


Família de Welter um dos fundamentos da multiparentalidade que, conforme
demonstrado acima, visa assegurar a existência e preservação jurídica dos vínculos
decorrentes da afetividade, como também a existência simultânea da filiação
socioafetiva com a filiação Biológica.
68

3.3 Possibilidade de reconhecimento jurídico da multiparentalidade

Com tudo que já foi tratado no presente trabalho, percebe-se que a família vem
revestida de uma função social, pois apresenta como principal característica ser um
meio para busca da felicidade, realização dos desejos e ambições dos membros que
a compõem. Atualmente, possui um papel de formação e realização da personalidade
e felicidade do individuo, uma vez que ela colabora para o desenvolvimento da
personalidade dos membros que a compõem, como também provem o
desenvolvimento da sociedade (SCHEID, 2017).

Não se torna cabível, neste contexto, que o Estado estabeleça um modelo


padrão de família a ser seguido, como também deve prezar pela realização pessoal
dos membros que a integram. Neste sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho (2014, p. 80) proclamam que

Numa perspectiva constitucional, a funcionalização social da família significa


o respeito ao seu caráter eudemonista, enquanto ambiência para a realização
do projeto de vida e de felicidade de seus membros, respeitando- se, com
isso, a dimensão existencial de cada um.

Partindo destes pressupostos e avançando um pouco mais na compreensão do


tema proposto, se torna pertinente tratar do princípio da afetividade para que, desta
forma, se tenha embasamento para o reconhecimento jurídico da multiparentalidade.
O princípio da afetividade é um dos princípios basilares do Direito das Famílias,
conforme explicam Ana Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues (2010, p. 194)

A doutrina costuma reconhecer a existência de parentesco socioafetivo a


partir da comprovação dos requisitos que compõem a posse de estado de
filho, sendo eles nome, trato e fama. Sem duvida, trata-se a posse de estado
de filho de meio hábil a comprovar o vinculo afetivo entre pais e filhos de
criação, mas ela não é capaz de constituir o próprio vinculo, pois, como
sabido, posse de estado é apenas meio de prova subsidiário e,
69

portanto, não gera estado. Sendo assim não é ela a definir a substância desse
novo tipo de parentesco, mas apenas sua comprovação.

A essência da socioafetividade está baseada na situação onde alguém não é o


genitor natural, mas pratica condutas para educação e desenvolvimento saudável dos
filhos, cuja finalidade é construir sua personalidade, sem levar em consideração a
existência de vínculo consanguíneo entre os mesmos. Neste sentindo, nesta
modalidade de parentesco não é a paternidade/maternidade biológica que irá
caracterizar a titularidade parental, mas sim o exercício concreto dessa autoridade em
beneficio dos filhos, gerando, assim, o vínculo jurídico da parentalidade (TEIXEIRA;
RODRIGUES, 2010, p. 194).

Ainda referente ao tema, Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima


Rodrigues (2010, p. 194) entendem que

O princípio da afetividade funciona como um vetor que reestrutura a tutela


jurídica do Direito de família, que passa a se ocupar mais da qualidade dos
laços travados nos núcleos familiares do que com a forma através da qual as
entidades familiares se apresentam em sociedade, superando o formalismo
das codificações liberais e o patrimonialismo que delas herdamos.

Assim, não é incumbência do Direito definir o afeto e exigi-lo nas relações


jurídicas entre os sujeitos, no entanto, quando se faz presente a afetividade entre
indivíduos, demonstrando-se como família, se torna possível o Direto reconhecer o
afeto como um fato concreto e de direito, sendo um acontecimento em que o Direito
possa dar ampla proteção jurídica.

Por estas considerações, não é possível falar em direito ou dever de afeto, mas
deve-se valorizar sua exteriorização na formação e existência das relações familiares.
A família, neste contexto, é o ―lugar‖ ideal para desenvolvimento dessas relações de
afeto, devido a curta distância entre seus membros e intimidade que emana entre as
pessoas. Neste sentido Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues
(2010, p. 196-197)
70

[...] As famílias recompostas, cujos membros adquirem estreita convivência,


constituem um espaço privilegiado para manifestações afetivas, que se
consolidam, como afirmamos, através de criação, educação e assistência da
autoridade parental.

Por estas considerações percebe-se não existir dúvidas que as famílias


recompostas formam um lugar especial para a ocorrência da socioafetividade, por se
tratarem de um novo arranjo familiar, e se fazem necessárias regras próprias de
convivência. Nessas famílias existe o compartilhamento de um espaço em comum e
cuidados recíprocos entre os membros que a compõem e, diante deste contexto,
percebe-se que são fontes de efeitos jurídicos, a ser amplamente apreciados pelo
Direito e pelo Judiciário (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2010, p. 197).

Partindo destes argumentos, nota-se ser possível o exercício da autoridade


parental por pessoa que não possui vínculo consanguíneo com o filho, como por
exemplo, a madrasta e o padrasto. No entanto, cabe aumentar o campo de visão
referente ao tema, como feito no primeiro capitulo referente à multiparentalidade e a
família ampliada, onde o exercício da autoridade parental poderia ser verificado
ocorrendo com outros membros familiares, como por exemplo, o avô/avó e o tio/tia.
Conforme explicam Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues
(2010, p. 200)

Essas novas composições familiares colocam em xeque a exegese mais


simples e literal do art. 1.636, pois a lógica cartesiana preconizada nesse
artigo, que estabelece a não interferência do padrasto ou madrasta no
exercício da autoridade parental em relação aos filhos de seus cônjuges ou
companheiros, é de difícil aplicação prática, tendo em vista o estabelecimento
de um conjunto próprio de regras para convivência saudável no novo arranjo
familiar.

A interferência das decisões do padrasto/madrasta no exercício da autoridade


parental é real e, caso essa interferência seja positiva, se torna claramente possível a
existência de um vinculo afetivo entre padrasto/madrasta e os enteados. Nota-se nos
casos concretos que com frequência ambos praticam atos típicos do vínculo
71

parental entre pais e filhos biológicos, vale ressaltar que com o reconhecimento da
filiação socioafetiva não se estaria excluindo a existência do vínculo com os pais
biológicos (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2010, p. 200).

Trata-se, portanto, de situações onde os filhos enxergam a figura parental em


terceiros, sendo estes responsáveis pela condução de sua vida e, nesta situação irá
coexistir o vinculo biológico com o socioafetivo. Neste sentido, ignorar a ocorrência do
fenômeno denominado de multiparentalidade representa real ofensa ao princípio do
melhor interesse da criança e do adolescente, e diante desta situação tem-se a
necessidade de manutenção desses dois vínculos, devendo, portanto, serem
tutelados pela ordem jurídica.

A partir desse contexto, a multiparentalidade assegura aos filhos menores,


tutela jurídica dos efeitos que surgem do vínculo biológico e socioafetivo, que não
excluem um ao outro. Nesta linha de argumentação leciona Pedro Belmiro Welter
(apud TEIXEIRA; RODRIGUES, 2010, p. 203)

Não reconhecer as paternidades genéticas e socioafetiva, ao mesmo tempo,


com a concessão de todos os efeitos jurídicos, é negar a existência
tridimensional do ser humano, que é um reflexo da condição e da dignidade
humana, na medida em que a filiação socioafetiva é tão irrevogável quanto a
biológica, pelo que se deve manter incólumes as duas paternidades, com o
acréscimo de todos os direitos, já que ambas fazem parte da trajetória
humana.

Neste contexto, mesmo que tenha a ruptura da convivência familiar com o


vinculo socioafetivo ou biológico, o filho, ainda assim, teria juridicamente todos os seus
direitos reservados.

Como uma luz a clarear os novos tempos do direito à filiação no ordenamento


jurídico brasileiro, surge o Provimento n° 63, de 14 de novembro de 2017, do Conselho
Nacional de Justiça que, entre suas regras, traz a possibilidade do reconhecimento
voluntário extrajudicial do vínculo socioafetivo. Nos termos do aludido Provimento,
este poderá ser feito nos Ofícios do Registro Civil das Pessoas Naturais, conforme
estabelece em seu artigo 10. Assim, no capítulo derradeiro
72

desse trabalho de conclusão de curso, se dedicará um tópico para o estudo do


Provimento n° 63/2017, abordando-se as peculiaridades de suas regras.

3.3.1 Análise jurisprudencial

A multiparentalidade, assim como na doutrina, vem sendo reconhecida na


jurisprudência brasileira, no entanto, cabe ressaltar que este assunto ainda não é
pacificado. Neste sentindo se encontram julgados reconhecendo e negando sua
incidência no caso concreto.

Referente ao assunto Danni Souza (2016, p. 69) explica

Atualmente há uma tendência em se privilegiar a paternidade socioafetiva


frente à paternidade biológica; contudo, diante de alguns casos, já é possível
reconhecer a paternidade biológica e a existência da paternidade afetiva
simultaneamente. Passa-se, assim, a não haver uma superposição de uma
paternidade sobre a outra, mas sim a conjugação de ambos. Privilegia-se,
assim, a dignidade, a identidade, a igualdade e o filho, que passa a ter bem
mais que dois pais/mães: agora ele tem amor, carinho, afeto e proteção em
dobro.

A multiparentalidade, como vem sendo tratada no trabalho, trata-se da situação


onde se tem a possibilidade de um individuo possuir mais de dois pais/mães
simultaneamente, e sua ocorrência no Direito de Família representa uma inovação na
interpretação das regras desse direito, sendo no caso concreto uma solução apta a
resolver o litígio apresentado ao julgador, sendo aplicada pela jurisprudência brasileira
para atender as necessidades apresentadas pelo atual Direito de Família.

O instituto da multiparentalidade teve início com a necessidade do julgador


solucionar conflitos existentes quando se tinha no caso concreto a incidência
simultânea da paternidade/maternidade biológica e socioafetiva. Embora ambas as
modalidades de paternidade tenham fundamento na Dignidade da Pessoa Humana,
muitas vezes a doutrina e jurisprudência preferem uma ou outra, sendo mais comum
73

a prevalência da socioafetiva. No entanto, entende-se pela igualdade entre as duas


formas de paternidade/maternidade, sem que uma seja preferível a outra e, neste
sentido, o aplicador do Direito deve-se valer da ponderação de valores e no caso
concreto analisar qual a melhor solução a ser tomada (SOUZA, 2016, p. 69).

Para dar mais força ao entendimento de que uma paternidade não pode excluir
a outra, Mauricio Cavallazzi Póvoas (apud SOUZA, 2016, p. 69-70) entende que ―é
direito tanto do filho, como do genitor biológico e/ou afetivo, de invocar o princípio da
dignidade da pessoa humana e da afetividade, para ter assegurando a manutenção
ou estabelecimento dos vínculos parentais‖. Neste sentido, tem-se no Brasil julgados
que reconhecem o vinculo paterno-filial existente entre pai/mãe biológico; pai/mãe
socioafetivos e o filho.

Ao analisar os julgados que serão apresentados, busca-se demonstrar que em


certos momentos a jurisprudência brasileira se mostra favorável quanto à prevalência
da paternidade socioafetiva, como em outros momentos exclui sua ocorrência,
encontrando-se também situações em que se reconhece a multiparentalidade sem,
contudo, excluir uma parentalidade da outra (reconhecimento da filiação socioafetiva
junto com a biológica).

3.3.1.1 Julgados que reconhecem a multiparentalidade

Passa-se em um primeiro momento à análise dos julgados que reconhecem a


multiparentalidade e destaca-se que não é o objetivo do trabalho esgotar todos, mas
fazer uma breve análise a fim de que o leitor possa vislumbrar como o tema é tratado
pela jurisprudência, ademais, também se ressalta que referidos julgados irão
corroborar com a ideia proposta pelo trabalho.

Como exposto em tópicos acima, a multiparentalidade trata-se de um fenômeno


que ocorre em essência nas famílias recompostas, no entanto o reconhecimento da
filiação socioafetiva concomitante com a biológica pode ocorrer em processos distintos
como os que serão mostrados abaixo.
74

O primeiro julgado a ser apresentado trata-se do reconhecimento da


multiparentalidade em processo de adoção, em que o Juiz da Vara da Infância e da
Juventude da Comarca de Cascavel/Paraná reconheceu a multiparentalidade na
situação abaixo descrita. O caso em questão tratava da adoção do menor A. M. F., e
referido pedido foi ajuizado por seu padrasto, onde se demonstrou efetivamente
caracterizada a posse de estado de filho, o que se verificava devido ao autor ter
exercido o papel de pai na vida do adotando após ter se casado com a mãe do mesmo,
que possuía apenas três anos na época.

No decorrer do processo o magistrado, após vasta análise das provas obtidas,


em especial pela oitiva do adotando, de seu pai biológico e padrasto, constatou a
intensa relação afetiva existente entre o pai biológico e o filho, onde mesmo a criança
indo fazer parte de outra família, nunca deixou de manter vínculos com seu pai
biológico, no entanto também se constatou a intensa relação de carinho e afeto
existente entre o padrasto e enteado.

Embora o pai biológico não tivesse condições de arcar com as despesas na


criação de seu filho, este nunca foi um pai ausente, sempre demonstrando querer o
melhor para a prole, pensamento este que o levou a concordar com a adoção, pois
acreditava que o adotante possuiria melhores condições de assumir economicamente
a criação do filho. O pai biológico esclareceu que, embora não dispusesse de situação
financeira favorável para criação do filho, este o ama muito e gostaria de manter sua
paternidade ao lado da paternidade do padrasto no registro do filho. A mãe do
adotando, deixou claro no processo que o mesmo mantem ótimo vínculo afetivo com
o pai biológico e com o padrasto (pai socioafetivo). Neste sentido, conforme entendeu
o magistrado.

[...] Os fatos demonstram que ambos, o pai biológico e o requerente, exercem


o papel de pai do adolescente. Excluir um deles da paternidade significaria
privar o adolescente da convivência deste, pois certamente haveria um
afastamento natural, o que só viria em prejuízo do próprio adolescente
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, Vara da Infância e da Juventude da
Comarca de Cascavel /PR, Processo nº 0038958- 54.2012.8.16.0021, Juiz de
Direito Sérgio Luiz Kreuz, Data de julgamento: 20 de fevereiro de 2013).
75

Cabe ainda ressaltar que o membro do Ministério Público apresentou solução


alternativa, propondo o reconhecimento simultâneo da filiação socioafetiva com a
filiação biológica. O membro Ministerial constatou que esta seria a melhor solução que
atenderia ao melhor interesse da criança e do adolescente. Ressaltasse, ainda, que a
decisão acima proferida pelo Juiz da Vara da Infância e Juventude trata-se de
importante inovação, uma vez que, mesmo após o deferimento da adoção para o
padrasto, se manteve os vínculos com o pai biológico, o que contraria a regra de que
com a adoção os vínculos com a família biológica são rompidos juridicamente.

Pela análise deste julgado, busca-se demonstrar que a multiparentalidade deve


ser utilizada para resolver os mais distintos conflitos envolvendo a filiação socioafetiva,
devendo-se observar os efeitos decorrentes dela nas diferentes situações vivenciadas
no cotidiano.

A segunda jurisprudência irá se analisar a decisão da primeira câmara de direito


privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que reconheceu a multiparentalidade em
sede de ação de reconhecimento de maternidade socioafetiva C/C retificação do
Registro Civil. Nesta Situação, a ação movida pela mãe socioafetiva e o filho
socioafetivo, foi julgada parcialmente procedente, pois onde o Juiz da Comarca de
Itu/São Paulo havia optado por acrescentar o nome de família da autora ao registro
de nascimento do filho, não reconhecendo a filiação socioafetiva, por entender que
não se tem a possibilidade jurídica de reconhecimento da maternidade biológica junto
com a socioafetiva.

Diante desta situação os autores interpuseram o Recurso de Apelação nº


0006422-26.2011.8.26.0286, pleiteando a reforma da decisão, com a seguinte ementa

MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Preservação da maternidade biológica -


Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de
sua família - Enteado criado como filho desde dois anos de idade - Filiação
socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse
do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e
considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar
dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da
família moderna não consanguínea tem sua base na afetividade e nos
princípios da dignidade da pessoa humana e da
76

solidariedade - Recurso provido (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO,


Apelação Cível. Processo nº 0006422- 26.2011.8.26.0286,1ª Câmara de
Direito Privado, Relator Desembargador Alcides Leopoldo e Silva Junior. Data
do julgamento 14/08/2012).

Pelos fatos contidos na inicial, o menor nasceu em 26/06/1993 e três dias


depois de seu nascimento perdeu sua mãe biológica em virtude de um acidente
vascular cerebral. Passados alguns meses seu pai conheceu a sua atual companheira
e, quando o filho menor contava com dois anos de idade, casou-se com a mesma,
tendo ela criado e educado o enteado. A madrasta optou por não adotar o menor em
consideração a memória de sua mãe biológica, optando pelo reconhecimento da
multiparentalidade. Assim, a demanda foi atendida pelo referido tribunal, o qual
baseou sua decisão no artigo 1.593 do Código Civil, conforme mostrado abaixo

É certo que a filiação não decorre unicamente do parentesco consanguíneo.


O art. 1.593 do Código Civil é expresso no sentido de que ―o parentesco é
natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem‖. De
―outra origem‖, sem dúvida alguma, pode ser a filiação socioafetiva, que
decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência,
aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de
forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes.
As fotografias anexadas mostram a autora, durante muitos anos, participando
efetivamente de fatos e momento importantes na formação da criança, nos
seus aniversários, nas reuniões da escola, nos passeios, viagens, festas, mas
também, na reclusa do lar, sobressaindo em todas as imagens, desde
aquelas em que ainda está seguro no colo, até as mais recentes, já adulto e
estudante de Direito, mesma profissão da requerente, a expressão de
felicidade. A formação da família moderna não- consanguínea tem sua base
na afetividade, haja vista o reconhecimento da união estável como entidade
familiar (art. 226, § 3º, CF), e a proibição de designações discriminatórias
relativas à filiação (art. 227, § 6º, CF). (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO
PAULO, Apelação Cível. Processo nº 0006422- 26.2011.8.26.0286,1ª
Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Alcides Leopoldo e Silva
Junior. Data do julgamento 14/08/2012).

De se notar que na fundamentação de sua decisão, o Magistrado utilizou como


fundamento, dentre outros, a decisão proferida pelo STJ em sede de Recurso Especial
450.566/Rio Grande do Sul, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, Data do
Julgamento 03/05/2011, o qual reconheceu a filiação socioafetiva como
77

parte essencial da formação da personalidade humana, conforme se percebe no


trecho abaixo

[...] a filiação socioafetiva encontra amparo na cláusula geral de tutela da


personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento
fundamental na formação da identidade e definição da personalidade da
criança [...] não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva,
na qual se encontre caracterizada, de maneira indelével, a posse do estado
de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo, o reconhecimento
desse vínculo, mesmo por meio de ação de investigação de paternidade, a
priori, restrita ao reconhecimento forçado de vínculo biológico (SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Recurso Especial 450.566/Rio Grande do Sul, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, Data do Julgamento 03/05/2011).

Por fim, o acórdão coaduna com a decisão acima e afirma que não causa
nenhuma reprovação social, como também não oferece risco à segurança jurídica,
sendo, portanto, o reconhecimento legal de uma situação comumente vivenciada,
onde estabelece seu alicerce no amor, respeito, solidariedade e na dignidade de cada
membro que compõe a família.

3.3.1.2 Julgados que não reconhecem a multiparentalidade

Continuando com a proposta do trabalho, passa-se a análise de julgados que


não reconhecem a multiparentalidade, isto é, não reconhece a filiação socioafetiva
concomitante a biológica. Como resultado da análise de todos os dados e argumentos
colhidos das referências bibliográficas, tem-se que os casos que não se encontrarem
diante das situações abaixo tratadas devem ter a socioafetividade e,
consequentemente, a multiparentalidade reconhecida no mesmo sentido do
Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça, a ser analisado com mais
precisão no capitulo final deste trabalho, como também em respeito aos princípios já
apresentados, sendo um deles a incidência da afetividade, conforme entendimento do
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 450.566/Rio Grande do Sul
78

[...] a filiação socioafetiva encontra amparo na cláusula geral de tutela da


personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento
fundamental na formação da identidade e definição da personalidade da
criança [...] não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva,
na qual se encontre caracterizada, de maneira indelével, a posse do estado
de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo, o reconhecimento
desse vínculo, mesmo por meio de ação de investigação de paternidade, a
priori, restrita ao reconhecimento forçado de vínculo biológico (SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Recurso Especial 450.566/Rio Grande do Sul, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, Data do Julgamento 03/05/2011).

Passando esta fase introdutória, inicia-se a análise de algumas jurisprudências


de referência que não reconhecem a multiparentalidade como forma de filiação. A
primeira jurisprudência a ser apresentada trata-se da Apelação Cível nº
70040612079/ Rio Grande do Sul

APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE.


AFASTAMENTO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA E SOCIOAFETIVA.
POSSIBILIDADE. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. Afastada a paternidade
biológica através de exame de DNA e não comprovada a socioafetividade
entre pai e filho, bem como demonstrada a existência de vício de
consentimento por ocasião do registro civil, possível a desconstituição de
paternidade registral. APELAÇÃO DESPROVIDA. (SEGREDO DE JUSTIÇA)
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA RIO GRANDE DO SUL, Apelação
Cível nº 70040612079/Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, Relator:
Roberto Carvalho Fraga, Data do Julgamento 25/05/2011).

O recurso em questão foi interposto por F. E. S., representado por sua mãe
V. A. DA R. E. em face da procedência da Ação Negatória de Paternidade movida
pelo pai registral F. F. S. . A sentença de primeiro grau declarou a não existência da
paternidade biológica, analisando também a não concretização da parentalidade
socioafetiva. Na sentença, a parte requerida foi condenada ao pagamento de custas
e honorários no valor de R$ 700,00 (setecentos reais), o qual foi suspenso à
exigibilidade do pagamento, em virtude do requerente ser beneficiário da gratuidade
da justiça, a decisão judicial em comento também determinou a exclusão do nome do
pai registral como de seus ascendentes do registro civil de F. E. S.
79

No recurso o apelante (F. E. S.) defende a tese de que, embora a paternidade


biológica tenha sido afastada, a paternidade socioafetiva deve ser levada em
consideração quando configurada no caso concreto, destacando-se ainda, que na
petição inicial o requerente (pai registral) sempre deixou claro que tratava o requerido
como seu filho.

Na ação negatória de paternidade segundo argumentação da parte apelante,


ficou evidenciado por estudos sociais realizados a incidência da filiação socioafetiva,
argumentando que o mantimento da sentença de primeiro grau iria gerar danos
psicológicos ao menor em virtude do afastamento do convívio com seu
―pai‖.

No recurso de apelação sustenta-se, ainda, a tese de que o registro civil só


poderia ser anulado nos casos de vícios do consentimento, não apresentando provas
que ocorreram referidas situações, e por estes argumentos o apelante busca a
reforma da decisão de primeiro grau, tornando a demanda inicial improcedente. Nas
contrarrazões da apelação, argumenta-se que o estudo social efetuado onde o
apelante reside, assemelha-se ao depoimento de uma das testemunhas ouvidas na
audiência de instrução e julgamento, demonstrando que o apelado não possui
vínculos biológicos nem socioafetivos com o apelante. O estudo social realizado
indica que o ex-marido da mãe do apelante é tanto o pai biológico quanto socioafetivo
da criança.

Por estas considerações o apelado pleiteia o desprovimento da apelação, neste


mesmo sentindo a procuradoria de Justiça se posiciona a respeito da situação
apresentada. O Relator Roberto Carvalho Fraga votou pelo desprovimento do recurso
com o seguinte parecer

O adolescente identifica o Sr. Flademir como seu pai e gostaria a retomada


da convivência dos dois, destacando as atividades agradáveis que faziam
juntos nos encontros espaçados que tinham até 2006. Entretanto, não nos
parece que Sr. Flademir tenha se ocupado da formação de Fábio e seja
referência de vida para ele, quem cumpre tal papel é o Sr. Áureo, este
efetivamente vem sendo pai do adolescente. Também a prova testemunhal
não demonstrou a existência de socioafetividade entre as partes. Deste
modo, o apelado, embora visitasse esporadicamente o apelante (duas a três
vezes por ano) nunca
80

demonstrou afetividade em relação ao menino, diante do que não verifico


razão para manter a paternidade diante da inexistência da verdade do afeto
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA RIO GRANDE DO SUL, Apelação Cível Nº
70040612079/Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, Relator: Roberto
Carvalho Fraga, Data do Julgamento 25/05/2011).

Para que o leitor melhor entenda este parecer, A era o ex-marido da mãe do
apelante, e no voto o relator considerou o fato de F. E. S. não ser filho de F. F. S., em
virtude dos exames de DNA realizados, mas também analisou se ocorreu a incidência
da socioafetividade entre F. E. S. e F. F. S., o que não se comprovou no caso em
debate.

A corte também observou a relação de F. E. S. com A., onde o apelante


declarou que A. dirigia-se ao mesmo como filho, também foi informado que A.
acompanha sua vida escolar, inclusive o colocando de castigo quando faz algo de
errado .F. E. S. também mencionou que os cartões de dia dos pais são dados a A. e
que seus vizinhos como seus colegas de sala pensam existir entrem ambos uma
relação filial. A respeito da anulação do registro civil a corte também demonstrou
parecer favorável ao da sentença que o determinou com a seguinte argumentação

[...] muito embora o ato de reconhecimento de filho seja ato irrevogável,


segundo o art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do Código Civil Brasileiro, é
possível a anulação do registro quando restar demonstrado o vício do ato
jurídico, isto é, coação, erro, dolo, simulação ou fraude. E foi o que ocorreu
no caso concreto, pois de toda a prova analisada ficou comprovado que o
autor foi induzido em erro, inexistindo o liame biológico entre as partes e,
também, a ausência do vínculo socioafetivo [...] (TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RIO GRANDE DO SUL, Apelação Cível nº
70040612079/Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, Relator: Roberto
Carvalho Fraga, Data do Julgamento 25/05/2011).

Prosseguindo com o trabalho tem-se início a segunda jurisprudência a ser


analisada na Apelação Cível nº 10433110217117001/Minas Gerais

DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C


ANULATÓRIA DE REGISTRO. EXAME DE DNA. ERRO ESSENCIAL.
BUSCA DA VERDADE REAL - PATERNIDADE BIOLÓGICA E
SOCIOAFETIVA AFASTADA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO. - O
81

registro público pode ser anulado, comprovando-se o erro, embasado em


exame de DNA, tendo em vista que torna a declaração de vontade, realizada
no ato registral, viciada. - O exame de DNA (prova tecnológica e
cientificamente avançada) e a prova do vício de consentimento, por ter como
resultado um erro essencial sobre o estado da pessoa, são provas capazes
de desconstituir a certidão registral, pois, derruba, por completo, a verdade
jurídica nele estabelecida. - Não há como reconhecer a paternidade
socioafetiva de quem pretende desconstituir esse vínculo através de
interposição de ação judicial. Se o pai pretendesse permanecer vinculado à
requerida, não faria diferença o fato de não ser o pai biológico e, por
conseqüência, não intentaria a presente ação (TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MINAS GERAIS, Apelação Cível nº 10433110217117001/MINAS
GERAIS, Relator: Dárcio Lopardi Mendes, 4º Câmara Cível, Data de
julgamento 30/07/2015).

A apelação cível foi proposta por C.L.R. em face da sentença de primeiro grau
da 1ª Vara da Família da Comarca de Montes Claros, que na Ação Anulatória de
Registro Civil determinou a improcedência do pedido, por entender que estava
configurado o vínculo da socioafetividade. Na apelação o Requerente, ora Apelante,
sustenta a tese de que a paternidade é de conveniência dos litigantes, uma vez que
se tem ciência de que não existe vinculo biológico ligando pai (apelante) e filha
(apelada), e ambos não desejam mais esta relação. Para reforçar essa tese,
argumenta que a apelada, uma vez intimada da interposição da Apelação, não teve
interesse de apresentar suas contrarrazões, e o apelante ainda argumentou no sentido
de que a mais de trinta anos não mantém contato com a filha. Por estas
argumentações pleiteia o provimento do recurso, objetivando a reforma da sentença
de primeiro grau.

No decorrer do processo também se buscou a realização do estudo social, em


que a ré também não compareceu e constatou-se que o apelante não possui
sentimentos paternos pela filha (ré), e ainda se sentia ludibriado pela mãe.

Passando-se à análise do voto dos Desembargadores, verificou-se que a


fundamentação tem amparo na citação de voto proferido em outro caso de Ação
Anulatória de Paternidade, destacando-se a argumentação do Des. Eduardo Andrade,
da 1ª Câmara Cível deste Tribunal, proferida no processo nº 1.0701.09.263856-1/001
82

Compartilhando o mesmo entendimento, transcrevo parte do voto do douto


Desembargador Eduardo Andrade, da 1ª Câmara Cível deste Tribunal,
proferido no processo nº 1.0701.09.263856-1/001, que tratava de caso
parecido, in verbis: "Ressalte-se que o carinho existente entre os envolvidos,
como denota o depoimento pessoal do requerente (fls. 72), não causa
surpresa, nem estranheza. Considerando-se terem convivido mais de três
anos sob a crença de serem pai e filho, nada mais natural. E vale anotar,
ainda, que a tese acolhida por este relator não tem o condão de afastar o
afeto paternal, fazendo prevalecer a paternidade biológica em detrimento da
paternidade socioafetiva. Ao contrário, se o próprio pai registral manifestou
expressamente o seu desejo em extinguir a relação parental com a criança,
desejo este amparado em exame de DNA conclusivo sobre a inexistência de
paternidade (fls. 95), não tem o juiz o" poder "de manter o vínculo entre as
partes, agora não sob o enfoque biológico e sim sob o aspecto afetivo Por
fim, se é certo que a criança tem o direito de ter preservado o seu estado de
filiação, como corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, também
é certo que o pai tem o direito de negar a paternidade em razão do
estabelecimento da verdade biológica, cumprindo ressaltar que, nesse caso,
o menor terá a oportunidade de perseguir a sua ascendência genética em
ação investigatória de paternidade, com todas as conseqüências daí
advindas". (TRIBUNAL DE JUSTIÇA MINAS GERAIS, Apelação Cível nº
10433110217117001/MINAS GERAIS, Relator: Dárcio Lopardi Mendes, 4º
Câmara Cível, Data de julgamento 30/07/2015).

E, ainda, na fundamentação de sua decisão o Desembargador apresentou o


seguinte entendimento do Superior Tribunal de Justiça

[...] Nas demandas sobre filiação, não se pode estabelecer regra absoluta que
recomende, invariavelmente, a prevalência da paternidade socioafetiva
sobre a biológica. É preciso levar em consideração quem postula o
reconhecimento ou a negativa da paternidade, bem como as circunstâncias
fáticas de cada caso. (Resp 1256025 - Rel. Min. João Otávio de Noronha -
Terceira Turma - Dje - 19/03/2014) (TRIBUNAL DE JUSTIÇA MINAS
GERAIS, Apelação Cível Nº
10433110217117001/MINAS GERAIS, Relator: Dárcio Lopardi Mendes, 4º
Câmara Cível, Data de julgamento 30/07/2015).

"EMENTA: AÇAO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA QUE


EXCLUI VÍNCULO GENÉTICO. AUSÊNCIA DE PATERNIDADE
SÓCIOAFETIVA. ANULAÇÃO DO REGISTRO DE NASCIMENTO.
POSSIBILIDADE - Merece acolhida a pretensão autoral norteada à
invalidação da paternidade ante a exclusão quando dos resultados dos
exames de DNA de filiação biológica e incomprovada relação sócio- afetiva,
não podendo a regra jurídica sobrepor e afrontar a realidade dos fatos e
contra eles prevalecer.‖ (TJMG - Apelação Cível
1.0313.11.020988-6/001, Relator (a): Des.(a) Duarte de Paula, 4ª CÂMARA
CÍVEL, julgamento em 02/10/2014, publicação da sumula em 09/10/2014)
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA MINAS GERAIS, Apelação Cível nº
10433110217117001/MINAS GERAIS, Relator: Dárcio Lopardi Mendes, 4º
Câmara Cível, Data de julgamento 30/07/2015).
83

Por estas considerações e levando em conta o princípio da dignidade da


pessoa humana, o relator percebeu no caso concreto não se tratar de filiação
socioafetiva, dando provimento ao recurso para dar procedência ao pedido em
primeiro grau da ação negatória de paternidade, determinando-se, ainda, a anulação
do registro civil com a retirada do nome do apelante e dos avós paternos.

Encerrando este tópico, percebe-se que o assunto multiparentalidade não é


pacificado na jurisprudência brasileira, e o seu não reconhecimento é pautado,
sobretudo, no mesmo fundamento que enseja a sua caracterização, o que torna
imprescindível para o seu reconhecimento pelo Judiciário é a posse de estado de filho,
assunto este já tratado em tópicos acima, isto é, se no caso em análise ocorreu no
plano material a concretização do princípio da afetividade entre os dois polos da
relação paterno-filial; caso não tenha ocorrido, decide-se pelo seu não
reconhecimento. Outro argumento estudado na análise destes julgados se refere a
ocorrência das hipóteses de vício do consentimento, sendo eles: erro; dolo; coação;
estado de perigo e a lesão, ou ainda nos casos de falsidade.

Por fim, ainda é pertinente falar da possibilidade de reconhecimento


extrajudicial da multiparentalidade, de acordo com Provimento 63/2017 do Conselho
Nacional de Justiça, que também poderia ser utilizado como parâmetro para que os
magistrados guiassem suas decisões para o reconhecimento judicial, uma vez que o
extrajudicial já é cabível, conforme irá se destacar no capítulo derradeiro. Por estas
considerações, a multiparentalidade trata-se de um fenômeno que não mais pode ser
ignorado juridicamente nem extrajudicialmente, pois negar a existência jurídica da
multiparentalidade é fechar os olhos aos efeitos dela decorrentes, o que será grave
afronta a princípios constitucionais do Direito de Família, destacando-se o princípio do
melhor interesse da criança e do adolescente, o da liberdade de constituir família, o
do livre planejamento familiar, o da convivência familiar e afetividade, além de
representar também grave ofensa a direitos inerentes aos filhos como, os direitos
sucessórios, guarda, visita e alimentos.

Em virtude de tudo que já foi mencionado, se percebe a inequívoca


possibilidade do reconhecimento da multiparentalidade e efetivação do vínculo
paterno-materno-filial no caso concreto, a fim de que o Direito efetivamente traga
proteção jurídica aos membros que integram as famílias recompostas.
84

4 A EFETIVIDADE DO RECONHECIMENTO JURÍDICO DA


MULTIPARENTALIDADE À LUZ DA LEI Nº 11.924/09

Após analisar a filiação, os arranjos familiares e a multiparentalidade,


destacando-se a possibilidade do seu reconhecimento, cabe no capítulo final deste
trabalho tratar da efetividade da multiparentalidade e seus efeitos jurídicos no
ordenamento pátrio.

Conforme defendido no trabalho, a multiparentalidade trata-se de um fenômeno


que vem se despontando na sociedade brasileira, onde crianças e adolescentes
enxergam em terceiros a figura do pai/mãe ou os dois, isto é, simultaneamente se tem
dois pais (um biológico e outro socioafetivo) e, ao mesmo tempo, duas mães (uma
biológica e outra socioafetiva) responsáveis pela criação e educação do filho; ou
somente um dos pólos com a dupla-filiação, ou seja, poderá se formar a
multiparentalidade somente com relação ao pai, então tem um pai biológico e outro
socioafetivo, ou somente com relação a uma mãe biológica e outra socioafetiva.

O conceito de multiparentalidade já foi destrinchado no capítulo anterior,


entendendo-se como a existência dos laços de filiação com duas pessoas ou mais
pessoas exercendo o poder familiar, onde, no plano material, se teria concomitante a
filiação socioafetiva e biológica. Mesmo com uma crescente incidência na sociedade
brasileira, o assunto multiparentalidade anda é um tema em desenvolvimento na
doutrina e jurisprudência.

Conforme demonstrado no capítulo anterior, a jurisprudência não é pacífica no


sentido de seu reconhecimento, com julgados que reconhecem ou não sua incidência.
No entanto, como se constatou, não há o reconhecimento da multiparentalidade
quando se estiver caracterizado no caso concreto a incidência de vício no registro civil
ou se não estiver caracterizada a posse de estado de filho. Porém, ignorar a sua
ocorrência no plano material e jurídico, seria grande afronta ao princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente que, em diversas
85

situações, tem a necessidade de conviver com todas as figuras que exercem de


forma responsável o poder familiar.

Pode-se falar também em ofensa aos direitos fundamentais tanto dos


pais/mães, quanto dos filhos (a), uma vez que estaria privando-os da ampla proteção
e assistência moral e material para desenvolvimento e concretização de suas
personalidades. Por estas considerações se apresentou a necessidade e
possibilidade do reconhecimento da multiparentalidade pelo Direito, onde esse
reconhecimento no plano prático se inclina a incidir de forma positiva nas relações dos
membros que compõe a família. Neste sentido, Maria Berenice Dias (2016, p. 682)
leciona que ―Coexistindo vínculos parentais afetivos e biológicos, mais do que apenas
um direito, é uma obrigação constitucional reconhecê-los, na medida em que preserva
direitos fundamentais de todos os envolvidos, sobretudo o direito à afetividade‖.

Quando se reconhece a existência jurídica da multiparentalidade esta passa a


refletir no cotidiano das famílias como também no âmbito jurídico e, neste sentido, se
tem a ocorrência de efeitos, que serão analisados mais abaixo, adiantando-se que os
seus efeitos são os mesmos da biparentalidade (conceito já apresentado no capítulo
anterior).

Este raciocínio se baseia em alguns princípios já estudados, entre eles pode-


se destacar o princípio da igualdade, uma vez que é vedada a discriminação de
direitos e deveres dos filhos pela sua origem (socioafetiva e biológica), e também
partindo da proteção jurídica que o Estado, através da Constituição Federal de 1988,
assegurou às mais diversas modalidades de família não seria coerente tratar de forma
desigual os efeitos decorrentes da família reconstituída (recomposta).

Outro princípio que fundamenta os efeitos da multiparentalidade é o da


afetividade, tão majestoso princípio é um dos quais se baseia a filiação socioafetiva.
Todos os princípios constitucionais que invocam e fundamentam a filiação socioafetiva
e a multiparentalidade se entrelaçam para dar ampla aplicação ao Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana, o fundamento de todo o Direito de Família. Assim,
todos esses princípios juntos irão fundamentar a posse de estado de filho, como já
defendido no trabalho, ela não vem expressa no ordenamento jurídico
86

brasileiro, no entanto é utilizada para que se declare reconhecida a filiação


socioafetiva.

Neste contexto, surgem-se os mesmos direitos e obrigações de uma filiação


biológica entre pais/mães e filhos (as). A relação existente entre o padrasto/madrasta
e enteados/enteadas se tornou tão relevante, que se tem a possibilidade de incluir o
nome de família do pai/mãe por afinidade no registro civil do enteado (a), no entanto,
não pode haver prejuízo de seu próprio nome de família, como também deve haver
concordância do pai/mãe por afinidade (art. 57, § 8°, da Lei n° 6.015/73).

A Lei n° 6.015/73, Lei dos Registros Públicos, exige como requisito para este
reconhecimento que o pedido do padrasto/madrasta deve ser feito pela via judicial, ou
seja, é necessário autorização do juiz para essa equiparação socioafetiva ocorra.
Conforme se destaca no texto da Lei dos Registros Públicos

Art. 57. [...]


[...]
§ 8o O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos
§§ 2o e 7o deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro
de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua
madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de
seus apelidos de família.

Por outro lado, tem-se, a partir de novembro de 2017, o Provimento no 63/2017


do Conselho Nacional de Justiça que autoriza expressamente no art. 10 o
reconhecimento da parentalidade socioafetiva, via extrajudicial, diretamente ao Oficial
de Registro Civil das Pessoas Naturais. Assim, estala-se uma antinomia jurídica entre
uma norma legal e outra de caráter administrativo, mas que rege o procedimento
registral. Diante da problemática aludida, dedica-se o próximo tópico, 4.1, a falar sobre
a aplicação da Lei n° 6.015/73 e do Provimento no 63/2017 do Conselho Nacional de
Justiça.

Ao se adotar o nome do padrasto/madrasta no assento do registro civil incidirá


os deveres da paternidade/maternidade no caso concreto. A
87

paternidade/maternidade por afinidade tem relevante papel para assegurar que o


direito fundamental ao convívio familiar seja garantido. Assim, no exercício do poder
familiar de seus enteados, com a adoção do nome de família, é necessário estar
caracterizado o vínculo de afeto que une o enteado (a) ao padrasto/madrasta.

Neste contexto, percebe-se legalmente um avanço jurídico significativo no que


diz respeito à multiparentalidade, uma vez que a Lei n o 11.924/09 alterou a Lei dos
Registros Públicos, equipara o padrasto/madrasta à figura de pai/mãe socioafetivo.
No entanto, no caso concreto é necessário que se demonstre o vínculo de afetividade
(quando se deseja que o enteado (a) possua seu sobrenome) e quando de fato se
constatar o exercício da posse do estado de filho. Embora essa inovação seja
importante, até novembro de 2017, para que se agregasse o sobrenome do
padrasto/madrasta ao nome civil do enteado (a) era necessário se socorrer da via
judicial; no entanto, este panorama mudou com o Provimento n o 63/2017 do Conselho
Nacional de Justiça, em que o reconhecimento da filiação socioafetiva poderá ser feito
pela via extrajudicial.

4.1 Novos rumos do direito à filiação na aplicação da Lei nº 11.924/09 e do


Provimento nº 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça

Dando continuidade ao raciocínio apresentado no tópico acima e em


conformidade ao que já vem sendo tratado no trabalho, busca-se falar de forma mais
detalhada sobre a Lei nº 11.924/09 que fez alterações na Lei nº 6.015/73 e o
Provimento nº 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça, fazendo-se um paralelo entre
os dois a fim de demonstrar os impactos que eles geram tanto para a filiação
socioafetiva como para a multiparentalidade.

Como mencionado no capítulo segundo, o direito das famílias caminha em


rumo a um direito desbiologizado, onde cada vez mais a filiação não é estabelecida
unicamente pelos laços consanguíneos, mas pelo sentimento de afeto envolvendo
pai/mãe e filho (a). Neste sentido Maria Berenice Dias (2016, p. 638) explica
88

As profundas alterações que ocorreram na família se refletem nos vínculos


de parentesco. A própria Constituição Federal (227 § 6.º) encarregou-se de
alargar o conceito de entidade familiar ao não permitir distinções entre
filhos, afastando adjetivações relacionadas à origem da filiação. Ocorreu
verdadeira desbiologização da paternidade-maternidade-filiação e,
consequentemente, do parentesco em geral. Assim, deve-se buscar um
conceito plural de paternidade, de maternidade e de parentesco em sentido
amplo, no qual a vontade, o consentimento, a afetividade e a
responsabilidade jurídicas terão missões relevantes.

Primeiro irá se analisar a Lei nº 6.015/73, que foi alterada pela Lei nº 11.924/09,
possibilitando ao enteado (a) adotar o nome de família do padrasto/madrasta.
Conforme abordado acima, essa lei trouxe consequências mais complexas ao
confrontá-la com o Provimento do Conselho Nacional de Justiça.

Além do reconhecimento do nome de família do padrasto/madrasta, a Lei


equiparou a figura do parente por afinidade à filiação socioafetiva, isto é, quando o
padrasto/madrasta pleiteia judicialmente a adoção de seu nome pelo enteado (a) e
preenchendo os requisitos acima mencionados, este irá legalmente ocupar a figura de
pai/mãe, estabelecendo-se a parentalidade socioafetiva.

Neste contexto, percebe-se que, uma vez legalmente assumido os deveres e


direitos do poder familiar (que de fato já vem sendo exercido), trará consequências
jurídicas, as mesmas da biparentalidade, isto é, os mesmos direitos e deveres
existentes na filiação biológica.

Outro ponto peculiar a se tratar está no fato de que a Lei dos Registros Públicos
trata da necessidade do pedido judicial para reconhecimento da filiação socioafetiva
(adoção do patronímico do padrasto/madrasta) e o Provimento 63/2017 do Conselho
Nacional de Justiça reconhece a parentalidade socioafetiva pela via extrajudicial,
portanto, as duas normas tratam de dois marcos teórico no que diz respeito à filiação
socioafetiva. O primeiro deles estabeleceu o parentesco por afinidade como filiação
socioafetiva (quando estiver presente a posse de estado de filho), e o segundo
possibilitou o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva, não se limitando
apenas à situação de padrasto/madrasta, mas
89

ampliando o rol de requisitos para seu reconhecimento da filiação socioafetiva em


quaisquer circunstâncias.

Prosseguindo-se com a análise do Provimento nº 63 do Conselho Nacional de


Justiça, é pertinente ressaltar que referido reconhecimento é irrevogável, salvo nos
casos de vícios de vontade, fraude ou simulação, no entanto é necessário se recorrer
da via judicial para que ocorra sua desconstituição, conforme leitura do § 1º do artigo
10.

Outro requisito do referido Provimento diz respeito ao § 3º e § 4º do artigo 10,


que traz limites para o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva,
sendo o primeiro deles um limite sanguíneo. Deste modo, não pode pleitear o
reconhecimento irmãos entre si e os ascendentes, o outro limite diz respeito à idade,
conforme prevê a norma do § 4º ―O pretenso pai ou mãe será pelo menos dezesseis
anos mais velho que o filho a ser reconhecido‖.

Avançando com análise do Provimento, depara-se com os demais requisitos


necessários para o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva, que estão
espalhados pelos artigos 10, 11 e 12, que são eles:

A- Requerimento firmado pelo ascendente socioafetivo, por meio de documento


público ou particular de disposição de última vontade – Testamento ou Codicilo (artigo
11, parágrafos 1º e 8º, do Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça);

B- Documento de identificação com foto do requerente – original e cópia (artigo


11 do Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça);

C- Certidão de nascimento atualizada do filho – original e cópia (artigo 11 do


Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça);

D- Anuência dos pais biológicos, caso o filho seja menor de 18 anos de idade,
nos casos do filho maior de doze anos, a coleta dessa anuência deverá ser feita
pessoalmente perante o oficial do cartório ou escrevente autorizado (artigo 11,
parágrafos 3º e 5º, do Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça);
90

E- A filiação socioafetiva não pode ser requerida entre os irmãos nem entre os
ascendentes (artigo 10, parágrafo 3º, do Provimento 63/2017 do Conselho Nacional
de Justiça);

F- Necessidade de diferença mínima de dezesseis anos entre aquele que


pleiteia e o filho (artigo 10, parágrafo 3º, do Provimento 63/2017 do Conselho Nacional
de Justiça);

G- Comprovação da posse do estado de filho – não pode haver dúvida quanto


à idoneidade da sua existência (artigo 12 do Provimento 63/2017 do Conselho
Nacional de Justiça).

Vale ressaltar que, este Provimento não prevê o registro da filiação socioafetiva,
mas sim a devida averbação junto à certidão de nascimento do filho, isto é, é
necessária a existência do registro civil da criança pelos pais biológicos, para que se
proceda ao reconhecimento da filiação socioafetiva, averbando-se no assento do
Registro Civil dela.

Cabe ainda falar que o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva não


exclui a filiação biológica, conforme estabelece o Provimento 63/2017 do Conselho
Nacional de Justiça

CONSIDERANDO o fato de que a paternidade socioafetiva, declarada ou não


em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação
concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios
(Supremo Tribunal Federal – RE n. 898.060/SC).

Paula Ferla Lopes (2016, p. 19-20) sabiamente defende

Autorizar o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva é, pois,


colocar em prática o objetivo de proteção familiar previsto na Constituição
Federal. Além de consagrar os princípios da afetividade, convivência familiar
e planejamento familiar, referida atitude regulamenta e, consequentemente,
protege uma relação que, na prática, já existe. Ademais, ao aceitar a
possibilidade do reconhecimento extrajudicial da
91

paternidade socioafetiva, está-se poupando tanto as partes como o Poder


Judiciário de uma demanda Judicial.

Outro ponto peculiar de se destacar no Provimento diz respeito à busca pela


verdade biológica, conforme prevê o artigo 14 do Provimento, o reconhecimento
voluntário da maternidade/paternidade socioafetiva não impede a busca judicial pelas
origens genéticas. Em seu artigo 12 o provimento trata das hipóteses de recusa do
reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva, sendo seis situações que
motivarão a recusa, as quais são: a fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade,
simulação, dúvida sobre a configuração da posse de estado de filho. Cabe mencionar
que referido artigo logo em seu início estabelece que apenas a suspeita gera recusa
motivada ao reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva.

O artigo 13, parágrafo único, estabelece a necessidade de no termo de


reconhecimento voluntário da filiação socioafetiva, em que o requerente declara o
desconhecimento de processo judicial que tenha como litígio a filiação do filho
socioafetivo. Aqueles que contrariarem esta regra estarão sujeitos a prática de ilícito
civil e penal. Ainda no caput trata como causa de impedimento ao reconhecimento
extrajudicial da filiação socioafetiva a existência de um processo de adoção ou
qualquer outro processo judicial que diz respeito ao reconhecimento dessa
parentalidade socioafetiva.

No provimento 63/2017 tem o modelo de termo de reconhecimento extrajudicial


da filiação socioafetiva, como também de Certidão de Nascimento e Certidão de Óbito,
os quais devem ser seguidos pelos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais.
No que tange ao modelo de Certidão de Nascimento abordado pelo Provimento
63/2017 não se tem mais a especificação da filiação, isto é, não se detalha mais os
campos ―pai e mãe‖, fazendo abordagem geral quanto à designação da filiação, como
se percebe no anexo 1.

Após análise da Lei e do Provimento depara-se com uma antinomia jurídica. A


Lei nº 11.924/2009, que alterou a Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73),
estabelece que para o reconhecimento da filiação socioafetiva é indispensável o
requerimento judicial; já o Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça
permite que o reconhecimento se dê pela via extrajudicial (conforme estudado
92

acima). Percebe-se, com isso, que a Lei e o Provimento entram em conflito quanto à
forma de reconhecimento da filiação socioafetiva.

Contudo, pelos dados coletados na presente pesquisa arrisca-se a apresentar


uma possível solução ao problema da antinomia jurídica. O conflito pode ser
observado de dois ângulos distintos, o primeiro deles trata-se de uma visão mais
legalista, onde a lei prevalece sobre o ato administrativo seguindo a pirâmide de
Kelsen e, como conseqüência, o reconhecimento da filiação socioafetiva só se
procederia pela via judicial. Outra solução a ser apresentada trata-se de uma visão
principiológica, a qual será adotada por aqueles que tomam posturas mais protetivas
em relação ao direito, que se baseia na ideia de que os princípios constitucionais
possuem valor jurídico para o Ordenamento Jurídico Brasileiro e o novo Código Civil
apresenta toda uma interpretação principiológica constitucional.

A solução defendida neste trabalho é justamente da visão principiológica em


que, tomando com base os princípios da Dignidade da Pessoa Humana, Afetividade,
Proteção Integral da Criança e do Adolescente e a Convivência Familiar, no caso
concreto proceder-se-á o reconhecimento da filiação pelo oficial do registro civil e não
por meio de decisão judicial.

Como defendido, essa posição se baseia em princípios constitucionais que


fundamentam todas as relações familiares, destacando-se o princípio da Convivência
Familiar e da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, onde com a
burocratização para o reconhecimento dessa parentalidade socioafetiva estaria
afetando a aplicação desse direito fundamental de forma célere, redundando em
malefícios ao filho reconhecido, pois quanto mais difícil se torna o reconhecimento
mais tardio se dá a proteção jurídica que necessita ao menor. Ademais, com a
proteção dessa garantia constitucional da criança e do adolescente se desenvolve o
direito (princípio) de convivência familiar.

Nesta linha de raciocínio se invoca o princípio da proporcionalidade e


razoabilidade, onde a Constituição Federal, em seus artigos 226 e 227, estabelece
que a família, a criança e o adolescente merecem especial proteção do Estado e da
Sociedade e, neste sentido, não seria razoável uma lei infraconstitucional dificultar a
efetivação dos princípios constitucionais e garantias fundamentais acima
93

mencionados. Neste sentido, entende-se que a Lei e o Provimento aplicados numa


interpretação harmônica irão respaldar o reconhecimento da filiação socioafetiva
(multiparental), equiparando a figura da madrasta/padrasto a uma modalidade de
filiação socioafetiva.

Com a argumentação acima apresentada, observa-se que a Lei nº 11.924/2009


dá respaldo ao Provimento 63/2017, entendendo um e outro pelo reconhecimento
jurídico da parentalidade socioafetiva. A Lei no trecho que trata da exigibilidade do
reconhecimento judicial verifica-se inaplicável, devendo prevalecer o Provimento, já
que este possibilita um meio menos burocrático para efetivação dos direitos da
parentalidade socioafetiva. Entende-se, assim, que a Lei e o Provimento se
complementam no sentido de que a multiparentalidade pode ser reconhecida
juridicamente como filiação socioafetiva, procedendo-se ao reconhecimento judicial
somente nos casos onde houver duvida quanto à configuração da posse de estado de
filho.

4.2 Efeitos jurídicos decorrentes da multiparentalidade

Conforme já abordado em tópicos mais acima os efeitos inerentes ao


reconhecimento da multiparentalidade, são os mesmo efeitos da biparentalidade
(filiação biológica a um pai e uma mãe), a diferença está na quantidade de pessoas
que irão ter o exercício do poder familiar sobre a criança ou adolescente. Neste sentido
o parentesco e seus efeitos, sejam eles pessoais ou patrimoniais, são os mesmos sem
discriminar a origem da filiação. A respeito desses argumentos, Heloisa Helena
Barboza (2013, p. 15) discorre

O parentesco socioafetivo produz todos e os mesmos efeitos do parentesco


natural. São efeitos pessoais: a) a criação do vínculo de parentesco na linha
reta e na colateral (até o 4º grau), permitindo a adoção do nome da família e
gerando impedimentos na órbita civil, como os impedimentos para
casamento, e pública, como os impedimentos para assunção de
determinados cargos públicos; b) a criação do vínculo de afinidade. Sob o
94

aspecto patrimonial são gerados direitos (deveres) a alimentos e direitos


sucessórios.

Com o vínculo da filiação, emerge o poder familiar dos pais quanto aos filhos
menores. O poder familiar abrange o direito a convivência cotidiana com os genitores,
o direito de prestar alimentos, a responsabilidade pela educação dos filhos menores,
orientação, entre outros direitos e deveres inerentes ao poder familiar, conforme se
pode constatar pela leitura do art. 1.634 do Código Civil

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação
conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos
filhos:
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua
residência permanente para outro Município;
VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos
pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos,
nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem
partes, suprindo-lhes o consentimento;
VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de
sua idade e condição.

Conforme vem sendo argumentado no trabalho, os direitos e deveres acima


mencionados podem ser claramente desenvolvidos por mais de um pai/mãe de forma
concomitante. No entanto, conforme se destacou no tópico anterior para que essa
dupla parentalidade (socioafetiva e biológica) seja desenvolvida, torna-se necessário
que de forma expressa essa paternidade/maternidade socioafetiva tenha sido
reconhecida seja pela via judicial ou pela via extrajudicial (conforme estudado no
tópico acima).

Antes de continuar com a análise dos efeitos jurídicos decorrentes da


multiparentalidade, é pertinente fazer algumas considerações a respeito da
parentalidade socioafetiva. Como estudado nos capítulos anteriores deste trabalho, a
Constituição Federal de 1988 trouxe importantes inovações para o direito das
95

famílias, a partir do momento que foram consagrados princípios constitucionais como


o da Dignidade da Pessoa Humana, da Afetividade, da Igualdade jurídica e do Melhor
interesse da criança e do Adolescente, o direito das famílias se inclinou cada vez mais
para um direito de filiação desbiologizado, onde se destaca cada vez mais os laços
socioafetivos, por estas considerações a parentalidade é reconhecida quando se
constata a existência da socioafetividade somada aos laços biológicos, ou como
defendido, a parentalidade pode ser socioafetiva, Neste sentido Christiano Cassettari
(2015, p. 45) conceitua multiparentalidade socioafetiva

[...] entendemos que a parentalidade socioafetiva pode ser definida como o


vínculo de parentesco civil entre pessoas que não possuem entre si um
vínculo biológico, mas que vivem como se parentes fossem, em decorrência
do forte vínculo afetivo existente entre elas. E, caso seja comprovada,
entendemos que os filhos socioafetivos deverão ter os mesmos direitos dos
biológicos, em razão da igualdade prevista em nossa Constituição.

Ainda no que diz respeito à parentalidade socioafetiva Heloísa Helena Barboza


(apud CASSETTARI, 2015, p. 117) explica

Indispensável salientar que o reconhecimento da paternidade afetiva não


configura uma ―concessão‖ do direito ao laco de afeto, mas uma verdadeira
relação jurídica que tem por fundamento o vinculo afetivo, único, em muitos
casos, capaz de permitir a criança e ao adolescente a realização dos direitos
fundamentais da pessoa humana e daqueles que lhes são próprios, a saber:
direito a vida, a saúde, a alimentação, a educação, ao esporte, ao lazer, a
profissionalização, a cultura, a dignidade, ao respeito, a liberdade e a
convivência familiar e comunitária, assegurando-lhes, enfim, o pleno
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e dignidade.

Corroborando com a tese do trabalho, apresenta-se Enunciado nº 6 do IBDFAM


(Instituto Brasileiro de Direito de Família), ao qual se estabelece que com o
reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva se irradiaram todos os direitos e
deveres ligados ao poder familiar. Vale destacar, neste ponto, que com o Provimento
63/2017 do Conselho Nacional de Justiça permitisse o reconhecimento extrajudicial
da filiação socioafetiva, portanto, o Enunciado pode ter uma interpretação
96

abrangente a respeito da necessidade do reconhecimento judicial, alcançando a


interpretação de que, a partir de novembro de 2017, a filiação socioafetiva poderá ser
reconhecida nos cartórios de Registro Civil.

Por estas considerações cabe fazer algumas outras pertinentes à parentalidade


socioafetiva que irão influenciar de formar direta nos efeitos da multiparentalidade,
uma vez que ambos se ligam ao reconhecimento jurídico do afeto (filiação
socioafetiva).

Segundo Christiano Cassettari (2015, p. 113), com a parentalidade socioafetiva


a árvore genealógica dos filhos socioafetivos sofre alterações, e este passa ter novos
ascendentes e colaterais. Nesta linha de raciocíno, se o filho já tiver se tornado pai, o
seu filho também sofrerá a influência dessa filiação socioafetiva, ganhando novos
ascendentes e colaterais socioafetivos. Sem esquecer-se de mencionar que o filho
socioafetivo irá ter acrescido na sua arvore genealógica a imagem do irmão/irmão
socioafetivo, avôs/avós socioafetivas e tios/tias socioafetivas (CASSETTARI, 2015, p.
113). De forma mais profunda explica o autor

Se considerarmos que o reconhecimento de uma paternidade socioafetiva


estende a parentalidade aos outros filhos desse pai, teríamos a ―irmandade
socioafetiva‖, que nos obrigaria a reler o art. 1.521 do Código Civil, que trata
dos impedimentos legais, conforme bem lembra Maria Goreth Macedo
Valadares, pois o inciso IV desse artigo determina que não podem casar
irmãos unilaterais ou bilaterais. O dispositivo se referia, apenas, aos irmãos
biológicos, mas com o advento da socioafetividade, esse artigo precisa ser
reinterpretado (CASSETTARI, 2015, p. 113).

Conforme regra do art. 1.591 do Código Civil, as relações de parentesco podem


ser divididas em linha reta e colateral. Os parentes em linha reta são aqueles que
descendem uns dos outros (ascendentes e descendentes), enquanto que os parentes
em linha colateral, por sua vez, são aqueles até o quarto, que tem descendência de
um tronco em comum, sem serem descendentes uns dos outros. Por estas
considerações, Cassettari (2015, p. 114) ressalta que
97

Assim, quando o art. 1.521 do Código Civil estabelece que não podem casar
os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil, leia-
se consanguíneo ou socioafetivo, esta estabelecendo que o filho socioafetivo
não poderá casar com seus ascendentes socioafetivos, e nem o pai ou mãe
poderá se casar com os descendentes socioafetivos.

Christiano Cassettari ainda complementa sua linha de raciocínio a respeito dos


impedimentos matrimonias decorrentes da parentalidade socioafetiva (2015, p.113-
114)

A citada proibição alcança, igualmente, os demais parentes colaterais, ate o


terceiro grau, inclusive. Dessa forma, os filhos socioafetivos não poderão
casar com seus sobrinhos, por exemplo. No entanto, ha uma exceção que
autoriza o casamento entre tios e sobrinhos, prevista no Decreto-lei nº
3.200/1941, art. 2º, §§ 4º e o 7º, que permite a realização desse matrimonio
se, apos pericia medica, ficar constatada a inexistência de problemas com a
futura prole. O casamento entre tios e sobrinhos e denominado casamento
avuncular. Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, pairou duvida
sobre se o citado Decreto-lei ainda estaria em vigor, ou se fora revogado pelo
Código. Essa duvida foi dirimida pelo Enunciado nº 98 do CJF, que
reconheceu que ele ainda continua em vigor, bem como pela jurisprudência.
A Lei nº 5.891/1973 permite que os nubentes, no caso do casamento
avuncular, requeiram novo exame medico quando não se conformarem com
o laudo medico. Provada a impotência do marido ou da mulher, os tribunais
permitem, também, a realização desse tipo de casamento.

Após essas considerações, entende-se que com o reconhecimento da


multiparentalidade surtirão os mesmos impedimentos matrimonias do art. 1.521, do
Código Civil (conforme explicado acima na parentalidade socioafetiva). Portanto, cabe
agora nesta reta final do trabalho, tratar de forma mais específica dos efeitos da
multiparentalidade.

É pertencente fazer uma breve consideração, antes da análise dos efeitos a


serem apresentados pelo trabalho. Primeiramente, cada um dos tópicos que serão
analisados logo abaixo demanda estudo intenso e específico sobre seus respectivos
temas na multiparentalidade, e nota-se que a finalidade principal do trabalho não é
tratar especificamente de cada um deles, mas demonstrar que a multiparentalidade
possui efeitos a partir do seu reconhecimento. Neste sentido, devem-se demonstrar
quais os possíveis efeitos que dela podem decorrer. Portanto, não será apresentado
um trabalho extenso sobre cada um dos tópicos, mas sim uma leve apresentação,
98

para que o caro leitor conheça dos efeitos que a multiparentalidade produz e que
possa, de forma simples e direta, entender um pouco mais sobre o assunto.

4.2.1 Direito de inclusão do nome de família do pai/mãe socioafetivo

O primeiro efeito jurídico da multiparentalidade a ser analisado, trata-se do


direito a inserção registral do nome do pai/mãe socioafetivo. O registro Civil é tratado
pela Lei nº 6.015/73, e reflete na exteriorização do vínculo parental, seja ele
socioafetivo quanto biológico existente entre pai/mãe filho (a), conforme regra do
artigo 1.603 do Código Civil.

Uma conquista importante para a multiparentalidade no que diz respeito ao


registro civil, trata-se da Lei nº 11.924/09 e do Provimento 63/2017 do Conselho
Nacional de Justiça e, de acordo com o que já foi tratado no trabalho, a Lei em questão
possibilitou que o enteado (a) adotassem o nome de família de seu
padrasto/madrasta, equiparando, deste modo, estas figuras à filiação socioafetiva. No
entanto, conforme estabelece a lei, seria imprescindível que fosse feito requerimento
judicial. Porém, esta situação mudou com o Provimento 63/2017 do Conselho
Nacional de Justiça, que prevê a possibilidade do reconhecimento extrajudicial da
filiação socioafetiva.

Em relação ao registro civil fazem-se algumas considerações em relação ao


nome. Primeiramente é necessário explicar que o nome trata-se de um dos direitos da
personalidade, os quais são tutelados no Código Civil em seus artigos 11 a 21, e este
rol é meramente exemplificativo (TARTUCE, 2016, p. 98). O direito ao nome mais
especificamente, está disposto entre os artigos 16 a 19 do Código Civil e na Lei de
Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973).

Neste contexto, cabe a apresentação do conceito dos direitos da personalidade


segundo Rubens Limongi França (apud TARTUCE, 2016, p. 98)
―Direitos da personalidade dizem-se as faculdades jurídicas cujo objeto é os diversos
99

aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim da sua projeção essencial no


mundo exterior‖.

Segundo entendimento de Flávio Tartuce, a tutela desses direitos tem como


finalidade a proteção de atributos da personalidade do indivíduo. De forma inequívoca,
pode-se alegar que os direitos personalíssimos – direitos da personalidade – tratam-
se daqueles ligados intrinsicamente a pessoa e sua dignidade (TARTUCE, 2016, p.
99).

Por não ser o único foco do trabalho, não irá se aprofundar tanto no estudo da
inserção do nome de família do pai/mãe socioafetivo, referido assunto, como os
demais que abaixo serão expostos e conforme explicado no final do tópico anterior,
demandam trabalhos específicos.

4.2.2 Direito ao exercício do poder familiar

Continuando com a proposta do trabalho, cabe à análise do exercício do poder


familiar na multiparentalidade, como vem sendo destacado no trabalho, os efeitos da
multiparentalidade são os mesmos da biparentalidade, portanto para que o caro leitor
entenda um pouco mais sobre o assunto aqui apresentado, devesse tecer algumas
considerações no que diz respeito ao exercício do poder familiar.

O poder familiar, conforme determina o Código Civil, diz respeito ao extinto


pátrio poder, expressão esta ligada ao direito romano, ao qual se tratava de um direito
absoluto e ilimitado que era conferido ao líder da família em relação à pessoa de seus
filhos. Conforme se percebe, referida expressão está diretamente ligada à sociedade
patriarcal, uma vez que diz respeito unicamente ao exercício do poder familiar pelo
pai e, após diversos movimentos feministas e o advento do tratamento legal da
igualdade jurídica entre homens/mulheres e entre os filhos, teve-se a mudança dessa
expressão para ―Poder familiar‖, incluindo-se a idéia de poder parental. Neste
sentido explica Maria Berenice Dias (DIAS, 2016, p. 780-781)
100

A Constituição Federal (5.º I) concedeu tratamento isonômico ao homem e


à mulher. Ao assegurar-lhes iguais direitos e deveres referentes à sociedade
conjugal (CF 226 § 5.º), outorgou a ambos o desempenho do poder familiar
com relação aos filhos comuns. O Estatuto da Criança e do Adolescente,
acompanhando a evolução das relações familiares, mudou substancialmente
o instituto. Deixou de ter um sentido de dominação para se tornar sinônimo
de proteção, com mais características de deveres e obrigações dos pais para
com os filhos do que de direitos em relação a eles. O princípio da proteção
integral emprestou nova configuração ao poder familiar, tanto que o
inadimplemento dos deveres a ele inerentes configura infração susceptível à
pena de multa (ECA 249).

Embora o Código Civil tenha escolhido a expressão poder familiar para


satisfazer a igualdade jurídica, esta expressão ainda não agradou, uma vez que faz
menção ao poder, ocorrendo somente à deslocação da mão de um único membro
para a família. Segundo Silvio Rodrigues (apud DIAS, p. 781-782), o erro está no fato
de se ter preocupado em tirar somente a palavra pátrio. Uma vez que, o poder familiar
não se trata especificamente de um poder, seria, portanto a obrigação dos pais (não
tratasse de uma obrigação da família) em relação aos filhos. Neste sentido, o poder
familiar, não seria exatamente poder na sua acepção da palavra, mas sim um dever,
que foi convertido em função ou dever parental. (DIAS, 2016, p. 781-782).

Cabe falar que a expressão referente e este dever que é mais aceita pela
doutrina, diz respeito à autoridade parental. Essa nova expressão retrata de forma
mais agradável e profunda a mudança que se tem com a consolidação constitucional
do princípio da proteção integral da criança e adolescente, no entanto, estudiosos
indicam que a expressão mais acertada a ser utilizada seria ―responsabilidade
parental‖. Conforme ensina Maria Berenice Dias (2016, p. 783) a autoridade parental
trata-se de deveres materiais e existências, onde os pais devem satisfazer não só as
necessidades ligadas a bens materiais, mas também a sua condução psíquica, moral,
afetiva, social, física e espiritual.

De acordo com Waldyr Grisard (apud DIAS, 2016, p. 783) a definição de poder
familiar, trata-se de uma tentativa de estabelecimento de um conjunto de deveres
encaminhados aos pais, como uma forma de proteção aos filhos menores,
101

que terá como finalidade pleno desenvolvimento da criança, adolescente e jovem em


todos os aspectos.

O poder familiar, ou melhor, dizendo a responsabilidade parental, trata-se de


um dever irrenunciável, intransferível, inalienável e imprescritível, ao qual terá
decorrência tanto da filiação biológica, legal ou socioafetiva (DIAS, 2016, p. 783). As
obrigações que emanam do poder familiar são personalíssimas. Neste contexto, a
responsabilidade parental trata-se de uma decorrência lógica da qualidade de ser
pai/mãe. Partindo do pressuposto que não se pode renunciar aos filhos, também não
é possível a renúncia aos deveres que emanam da paternidade/maternidade, não
podendo desta forma ser renunciados ou transferidos a terceiros. É pertinente
ressaltar que os filhos menores (de zero aos dezoito anos) ficam sujeitos ao exercício
do poder familiar pelos pais (DIAS, 2016, p. 783).

Conforme prevê norma da Constituição Federal, o poder familiar deve ser


exercido sempre em grau de igualdade entre os genitores. No entanto, ocorreu um
grande descuido pelo legislador no que diz respeito aos filhos havidos fora do
casamento, de acordo com a regra do artigo 1.611 do Código Civil, para que o direito
de guarda seja exercido pelo pai/mãe, faz-se necessário que se tenha anuência do
cônjuge ou companheiro do genitor, caso este se encontre casado ou em união
estável (DIAS, 2016, 784).

Para Maria Berenice Dias essa regra é claramente inconstitucional, uma vez
que a Constituição Federal consagra o princípio do melhor interesse da criança e
adolescente, neste sentido a lei infraconstitucional deve respeitar as normas da
Constituição, devendo esta ser considerada como não escrita (DIAS, 2016, p. 784).
Ainda como observa a autora citada no que diz respeito às afrontas à Constituição
Federal, é pertinente mencionar que a lei de forma injustificada é omissa quanto aos
diferentes arranjos familiares que recebem proteção jurídica (DIAS, 2016, p. 784).
Neste contexto a lei cível nada menciona a respeito das famílias monoparentais,
homoparentais, multiparentais, ou qual quer outra modalidade familiar que possui
filhos que estão vinculados ao poder familiar dos pais (DIAS, 2016, p. 784).

Para elucidar um pouco mais sobre o tema no que diz respeito à filiação
socioafetiva, Maria Berenice Dias (2016, p. 787) explica
102

[...] em face do prestígio da filiação afetiva, a tendência é reconhecer direitos


e deveres entre enteado e padrasto. Tanto que é possível a adoção do seu
sobrenome (LRP 57 § 8.º). Comprovada a filiação socioafetiva, entre
ambos, é possível a adoção unilateral (ECA 41 § 1.º). Também sua inclusão
como dependente no âmbito do direito previdenciário (L 8.213/91 16 § 2.º).
Também pode haver a imposição de obrigação alimentar a favor do
enteado, o que não exime o dever do não guardião de continuar provendo o
sustento do filho (CC 1.589).

O artigo 1.634 do Código Civil traz uma série de deveres dos pais/mães em
relação aos filhos menores. Embora este rol seja extenso, ele não trata do amor, afeto
e carinho, cabendo neste ponto destacar que os deveres dos pais em relação aos
filhos não se limitam a deveres de natureza patrimonial (DIAS, 2016, p. 787- 788).
Neste sentido, apresentam-se os deveres dos pais quanto aos filhos menores
conforme regra do artigo 1.634 do Código Civil

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação
conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos
filhos: (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
I - dirigir-lhes a criação e a educação; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de
2014)
II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
(Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; (Redação
dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
(Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua
residência permanente para outro Município; (Redação dada pela Lei nº
13.058, de 2014)
VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos
pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
(Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos,
nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem
partes, suprindo-lhes o consentimento; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de
2014)
VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; (Incluído pela Lei nº
13.058, de 2014)
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de
sua idade e condição. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)
103

Como se pode perceber, o poder familiar e seu exercício são extremamente


extensos, e por não ser o objeto de estudo específico do trabalho não ira se aprofundar
mais no assunto, cabendo analisar neste ponto o exercício da guarda e o direito de
visitas nos casos de reconhecimento da multiparentalidade.

4.2.2.1 O exercício da guarda e o direito de visitas

A guarda trata-se de um dos deveres dos genitores quanto aos filhos menores,
por ser tratar de um dos deveres da responsabilidade parental (poder familiar) e
também será um dos efeitos do reconhecimento da multiparentalidade.

Segundo artigo 1.579 do Código Civil os atributos do poder familiar continuam


existindo mesmo com o divórcio e dissolução da união estável. E nas situações de
divergência entre os genitores qualquer um deles pode socorrer-se do Judiciário para
solução do conflito, conforme art. 1.631 do Código Civil.

De acordo com regra do artigo 1.632 do Código Civil o poder familiar dos pais
continua mesmo após o termino da relação conjugal ou união estável. Com o advento
da Lei nº 13.058/2014 surgiu a modalidade de guarda compartilha como regra nessas
situações (DIAS, 2016, p. 786). Na guarda compartilhada o tempo que a criança irá
conviver com seus genitores deve ser estabelecido de forma igualitária, cabendo a
ambos promover a criação e sustento dos filhos, sendo um dever do pai ou mãe que
melhor tiver condições financeiras a responsabilidade alimentar do filho (DIAS, 2016,
p. 786).

Por estas considerações devesse encaixar a figura da paternidade/maternidade


socioafetiva quando reconhecida. Neste caso, o magistrado, ao atribuir a guarda
compartilhada, deverá fazê-lo em virtude da existência dos vínculos biológico e
socioafetivo, inclusive no que diz respeito a responsabilidade alimentar ( tópico que
será analisado mais abaixo).
104

A guarda unilateral somente será atribuída nos casos onde um dos pais ou
mães biológicos(a)/socioafetivos(a) não desejarem ou não puderem estar no exercício
do poder familiar, conforme leitura do artigo 1.584, § 2º, mesmo nas situações onde o
pai/mãe não exerce a guarda do filho este fato não retira ou limita o poder familiar
(responsabilidade parental) daquele que não é guardião (DIAS, 2016, p. 786-787). No
que diz respeito ao estabelecimento da guarda unilateral o magistrado ao fazê-lo
também deverá observar a existência do vínculo socioafetivo ou não.

Segundo artigo 1.631 do Código Civil, a guarda somente será exercida com
exclusividade nas situações onde não se tem um dos ―pais‖ (biológicos ou
socioafetivos) ou quando um destes estiver impedido de exercer o poder familiar.
Conforme estabelece regra do artigo 1.636 do Código Civil, quando o possuidor da
guarda, seja ela unilateral ou compartilha, se casa ou estabelece união estável com
alguém, não se tem a perda do poder familiar e este não se transfere ao atual cônjuge
ou companheiro, e segundo Maria Berenice Dias (2016, p. 787) este fenômeno
chama-se princípio da incomunicabilidade, e explica a autora

[...] em face do prestígio da filiação afetiva, a tendência é reconhecer direitos


e deveres entre enteado e padrasto. Tanto que é possível a adoção do seu
sobrenome (LRP 57 § 8.º). Comprovada a filiação socioafetiva, entre
ambos, é possível a adoção unilateral (ECA 41 § 1.º). Também sua inclusão
como dependente no âmbito do direito previdenciário (L 8.213/91 16 § 2.º).

Como uma decorrência ao exercício unilateral da guarda tem-se o direito de


visitas, segundo Maria Berenice Dias (2016, p. 892) esta expressão é extremamente
inadequada uma vez que os encargos referentes ao poder familiar não estão limitados
à companhia em determinado período de tempo, a expressão mais adequada a se
utilizar diz respeito ao direito de convivência.

No direito à convivência familiar o que deve ser preservado é o relacionamento


entre os pais (mãe/pai) e os filhos (biológicos ou socioafetivos). Em respeito ao
princípio da proteção integral da criança e do adolescente, o direito deve
105

se preocupar em estabelecer formas de convivência e não a regulamentação de


períodos de visitas (DIAS, 2016, p. 892).

O direito de convivência não é somente um direito do pai ou mãe, mas também


um direito do próprio filho de com eles conviverem (DIAS, 2016, p. 892- 893). Trata-
se, portanto do direito do filho de manter seus vínculos com o genitor ou pai/mãe
socioafetivo que não convive diariamente. Cabe ressaltar que para o estabelecimento
do regime convivencial não é relevante o motivo que deu causa o fim da sociedade
conjugal.

Outro ponto pertinente a tratar do direito de convivência está no fato deste ser
um direito pertencente à classe dos direitos da personalidade, e através do seu
exercício o indivíduo recebe aqueles com quem vai conviver (DIAS, 2016, p. 893).
Cabe ainda mencionar que aqueles que não detêm a guarda dos filhos é resguardado
o direito de fiscalização quanto à manutenção e educação dos menores, conforme
preceitua o artigo 1.589 do Código Civil.

4.2.3 A responsabilidade alimentar

Conforme mencionado no tópico anterior a responsabilidade alimentar será


exercida pelo pai/mãe (biológico/socioafetivo) que tiver melhores condições
financeiras. Como vem sendo defendido, o pai socioafetivo irá ter os mesmos direitos
e deveres do pai biológico.

Neste sentido cabe apresentar ao leitor como se dá a responsabilidade


alimentar dos pais quanto aos filhos e, no mesmo sentido, a obrigação alimentar dos
filhos quanto aos pais quando estes necessitarem. O direito aos alimentos tem
intrínseca ligação ao princípio da preservação da dignidade da pessoa humana e,
neste sentido, o direito aos alimentos trata-se de um direito da personalidade uma vez
que a os alimentos possuem o objetivo de assegurar o direito a vida, quanto a
integridade física (DIAS, 2016, p. 936-937).
106

Ao se utilizar a expressão alimento, não está se limitando unicamente ao


controle da fome. Existem várias outras coisas ligadas aos alimentos, onde estes irão
servir para as necessidades do corpo e da alma (DIAS, 2016, p. 937).

O direito aos alimentos além de se fundamentar no princípio da dignidade da


pessoa humana também encontra suas bases no princípio da solidariedade,
percebendo-se, portanto que a obrigação alimentar se baseia nos vínculos de
parentalidade entre os indivíduos que compõem a família (DIAS, 2016, p. 937).

Embora cada espécie de obrigação alimentar possua origens distintas, todas


são tratadas de forma igualitária pelo Código Civil e todas possuem o mesmo
fundamento, sendo ele a necessidade do indivíduo prover a própria subsistência.

Conforme explica Maria Berenice Dias (DIAS, 2016, p 937-938) o dever de


prestar alimentos pertence ao Estado, no entanto o mesmo não possui condições de
arcar com essa obrigação, e nesta linha a solidariedade alimentar é transformada em
dever alimentar dos membros que compõe uma família, cabendo ressaltar que este
se torna um dos principais efeitos da relação de parentesco. De acordo com
explicação de Maria Berenice Dias (2016, p. 938)

Depois dos cônjuges e companheiros, são os parentes os primeiros


convocados a auxiliar aqueles que não têm condições de subsistir por seus
próprios meios. A lei transformou vínculos afetivos em ônus de garantir a
subsistência dos parentes. Trata-se do dever de mútuo auxílio transformado
em lei.

É imprescindível falar que a obrigação alimentar existe nas situações onde se


tem a prática de ilícito penal; em virtude de contrato; através de testamento e a
responsabilidade alimentar no direito das famílias (DIAS, 2016, p. 938), sendo esta
última o foco do trabalho. Como mencionado acima, irá se destacar a obrigação
alimentar nas relações familiares, e mais especificamente a responsabilidade
alimentar existente nos vínculos de filiação. Conforme explica Maria Berenice Dias
(DIAS, 2016, p. 939)
107

O dever dos pais de sustentar os filhos deriva do poder familiar. A


Constituição Federal (229) reconhece a obrigação dos pais de ajudar, criar e
educar os filhos menores. Também afirma que os filhos maiores devem
auxiliar e amparar os pais na velhice, carência e enfermidade. Trata-se de
obrigação alimentar que repousa na solidariedade familiar entre os parentes
em linha reta e se estende infinitamente [...].

A responsabilidade alimentar nas relações familiares comportam vários


critérios, que observam ao vínculo de parentesco, afinidade e solidariedade. A
doutrina faz distinção entre obrigação alimentar e dever alimentar, e segundo Maria
Berenice Dias (2016, p. 941) o dever alimentar é uma decorrência da solidariedade
familiar dos cônjuges ou companheiros, enquanto que a obrigação alimentar trata-se
de uma decorrência do poder familiar - leia-se responsabilidade parental.

O filho enquanto está sob a responsabilidade parental dos pais a obrigação


alimentar trata-se de um dever de sustento, esse dever possui um fundamento
constitucional no artigo 229 da Constituição Federal, que estabelece como dever dos
pais o dar assistência, criação e educação quanto aos filhos menores.

Como foi trabalhada no tópico anterior, a responsabilidade alimentar persiste


mesmo nas situações onde se tem a guarda compartilhada, ou seja, responsabilidade
alimentar será daquele que apresentar melhores condições financeiras para o
sustento do filho(a). Em relação a essa obrigação explica Maria Berenice Dias (2016,
p. 964-965)

O encargo de prestar alimentos é obrigação de dar, representada pela


prestação de certo valor em dinheiro. [...] Os alimentos estão submetidos a
controles de extensão, conteúdo e forma de prestação. Fundamentalmente,
acham-se condicionados pelas necessidades de quem os recebe e pelas
possibilidades de quem os presta (CC 1.694 § 1.º). [...] Enquanto os filhos são
menores, a presunção de necessidade é absoluta, ou seja, juris et de jure.
Tanto é assim que, mesmo não requeridos alimentos provisórios, deve o juiz
fixá-los (LA 4.º).

Na filiação socioafetiva a responsabilidade alimentar também se faz presente,


onde o filho afetivo tem direito aos alimentos, podendo requerê-los tanto com relação
ao vínculo socioafetivo quanto ao vínculo biológico, inclusive sendo possível
108

a complementação da verba pelos pais socioafetivos ou biológico a depender de


quem tem o dever de prestar alimentos (DIAS, 2016, p. 976).

Segundo regra do artigo 1.829 do Código Civil, a obrigação alimentar segue a


mesma regra da ordem da vocação hereditária, e quem possui direito na sucessão
também terá dever alimentar. O artigo 1.829, I e II, do Código Civil estabelece que os
parentes em linha reta, isto é, os ascendentes e descentes, no direito sucessório não
possuem limite para suceder, partindo desta regra também seria infinita a obrigação
alimentar entre eles – regra do artigo 1.696 do Código Civil, podendo o filho(a) pleitear
alimentos do avó/avô ou vice versa, caso viesse a ocorrer necessidade para um dos
polos e faltar à pessoa que pela ordem da vocação hereditária seria a pessoa indicada
a prestar os alimentos.

4.2.4 Direitos sucessórios

Como último efeito a ser apresentado neste trabalho há que se falar nos direito
sucessórios e, de forma sintética, entende-se que o filho(a) socioafetivo terá os
mesmos direitos sucessórios que o filho biológico em razão do princípio da igualdade,
podendo, deste modo, o filho ser herdeiro tanto do pais/mãe biológico como do
socioafetivo. No entanto, há que se destacar que se deve comprovar a existência da
posse de estado de filho ou tiver ocorrido o reconhecimento judicial ou extrajudicial da
filiação.

Durante o trabalho já foi abordado sobre a posse de estado de filho e o


reconhecimento judicial/extrajudicial da filiação socioafetiva, cabendo neste tópico
mais pontualidade. Como já defendido, o estudo específico de cada um desses efeitos
demandam pesquisas específicas, uma vez que o tema é extremamente amplo e novo
na doutrina e jurisprudência, portanto não se aprofundará no mérito dos direitos
sucessórios, deixando claro ao leitor que como os outros direitos, os sucessórios
também são direitos dos filhos socioafetivos, em respeito aos princípios da igualdade
jurídica, afetividade, dignidade da pessoa humana e também em respeito ao
reconhecimento judicial/extrajudicial da filiação socioafetiva. Contudo, no
109

que tange aos direitos sucessórios existem pontos a serem debatidos, embora não
seja o foco do trabalho, podendo-se citar a sucessão por concorrência do cônjuge com
os descentes, onde há prole bilateral com unilateral.

Particularmente, entende-se que nos casos da filiação socioafetiva –


reconhecimento judicial/extrajudicial – a sucessão do cônjuge com os descentes seria
a mesma que o artigo 1.832 do Código Civil em virtude dos argumentos já
apresentados no trabalho. Assim, a regra de sucessão do cônjuge com filhos bilaterais
e unilaterais somente teria aplicabilidade nas situações onde não se tem o
reconhecimento dos vínculos socioafetivos, ademais esse raciocínio também se
aplicaria nas situações onde haveria a sucessão entre irmãos bilaterais com irmãos
unilaterais.

Neste sentido, como foi defendido em todo o trabalho, não pode existir
impedimento legal que estabeleça limites ao reconhecimento dos laços e efeitos
decorrentes da multiparentalidade, devendo ser assegurado para todos os envolvidos
dessa relação os mesmos direitos e deveres inerentes à relação parental, destacando-
se, ainda, o posicionamento de que nenhuma modalidade de filiação deve se sobrepor
a outra e, neste sentido, na ocorrência de filiação socioafetiva concomitante com a
biológica as duas devem ser preservadas e existirem em grau de igualdade.
110

5 CONCLUSÃO

A família e a filiação percorreram um longo caminho até chegarem ao patamar


que se encontram atualmente, e como abordado ao longo deste trabalho ambas
passaram por diversas mudanças sociais, legais e jurídicas.

Como analisado, a família no Direito Romano era patriarcal sendo a principal


fonte de produção de bens, onde sua constituição se dava com a finalidade de
procriação e prosseguimento do patrimônio familiar. No Direito Canônico, era a igreja
quem determinava as regras que iriam regulamentar as famílias. Neste período
histórico, as normas estabelecidas pela igreja eram imperativas e possuíam sua
inspiração na vontade de Deus ou na do Rei/Monarca. Ainda nesta época o
casamento tinha como característica sua perpetuidade e indissolubilidade.

Mais adiante no século XVII, de forma mais precisa na Revolução Industrial a


família deixou de possuir como única função a econômica. Neste período o poder para
estabelecer normas relativas às relações familiares passou a pertencer ao Estado e
não mais à Igreja, através dessa importante mudança o casamento passou a ser uma
instituição jurídica.

A família do século XX ainda era hierarquizada, patrimonial e matrimonializada.


Dentro deste contexto histórico o pai ocupava a figura de autoridade, localizando-se
no topo da relação familiar e conjugal. A partir dessas informações históricas, a filiação
e a família passaram a serem frutos de situações de desigualdades, onde prevalecia
o patrimônio no lugar da Pessoa Humana. Esta sobreposição do patrimônio familiar
em detrimento da Pessoa Humana permitia situações onde a mulher ficava em último
plano na relação familiar e os filhos poderiam ser catalogados a partir de sua origem,
com consequente atribuição de direitos ou não.

Essa situação de desigualdade e discriminação entre os filhos estendeu-se por


diversos anos, no entanto, conforme algumas leis foram sendo editadas,
111

algumas melhorias foram surgindo, como por exemplo, a Lei do Divórcio a qual
garantiu aos filhos, independente de sua origem, o direito a herança nas mesmas
condições de igualdade, embora as grandes mudanças para o Direito de Família
Brasileiro se deram através da Constituição Federal de 1988, que institui diversos
princípios importantes e norteadores para o Direito como um todo.

Entre as diversas mudanças trazidas pela Constituição Federal destaca-se a


Dignidade da Pessoa Humana, a Igualdade Jurídica entre os filhos, a Afetividade e a
Liberdade de Constituir Família. A partir desses fundamentos e somados a diversos
outros analisados durante o trabalho, tem-se o atual direito de família e filiação, onde
a pessoa humana passou a se sobrepor ao interesse financeiro, prezando-se a
legislação e os indivíduos pela proteção pessoal a fim de que o desenvolvimento
social, emocional e físico seja da forma mais digna e prazerosa possível.

No atual direito de família se prezou muito pela Igualdade jurídica,


estabelecendo-se a igualdade entre as espécies filiatórias e a igualdade jurídica entre
os cônjuges. A partir da Constituição Federal 1988, os filhos não mais poderiam ser
classificados quanto a sua origem como também ter designações discriminatórias,
além do fato da sociedade conjugal ser exercida em grau de igualdade entre os
cônjuges e da mesma forma se daria a união estável entre os companheiros.

Continuando com o atual direito de família ou das famílias, expressão moderna


utilizada pelos doutrinadores do assunto, surgiu à liberdade de constituir família, onde
o Estado não poderia estabelecer limites ou dificultar à constituição de um arranjo
familiar, como também tem o dever de promover meios para seu reconhecimento e
proteção. Neste sentido, o direito deveria tutelar os mais diversos arranjos familiares,
onde a família iria se desprender dos padrões convencionais e, neste mesmo sentido,
se aflora a filiação que deixa de ser unicamente biológica, podendo ser reconhecido
os vínculos da afetividade.

No que diz respeito à afetividade, a partir do momento que o afeto ganha valor
jurídico no ordenamento brasileiro e passa a ser reconhecido como um direito
fundamental do indivíduo produz-se efeitos jurídicos, sendo este fundamento utilizado
para a existência simultânea da filiação socioafetiva com a biológica.
112

Além da afetividade como fundamento para o reconhecimento da filiação


socioafetiva concomitantemente a biológica, chamada de multiparentalidade, têm-se
outros fundamentos. Como destacado no trabalho, os princípios constitucionais irão
guiar o aplicador do direito para chegar a soluções que melhor atendam as
necessidades do caso concreto. Nesse aspecto, defende-se a ideia de um estatuto
constitucional de filiação e o referido estatuto seria baseado nos princípios
constitucionais que envolvem a família e a filiação, e a partir desses princípios
surgiriam às soluções para o conflito apresentado.

Como defendido no trabalho, a multiparentalidade seria a incidência da filiação


socioafetiva com a biológica e conforme estudado, esse fenômeno ocorre
essencialmente nas famílias recompostas, onde se tem a figura da madrasta/padrasto,
muito embora, possa vir a ocorrer nas famílias ampliadas.

Além da afetividade e dos princípios constitucionais que fundamentam o direito


de filiação e de família, a teoria tridimensional do direito das famílias de Welter também
seria um dos fundamentos para o reconhecimento da multiparentalidade. De acordo
com esta teoria, o ser humano possui três mundos: o mundo genético, o mundo afetivo
e o ontológico. Segundo ele, o ser humano deve ser compreendido a partir do modo
de ser e comportar no mundo material (das coisas), como também deve ser
compreendido a partir da forma que ele se relaciona em sociedade e nas suas
relações familiares (afetivo), também seria utilizado para a compreensão do ser
humano a forma que ele interage em relação a si mesmo (ontológico).

Nesse seguimento, o direito das famílias não poderia ser entendido unicamente
a partir da origem material (genética), devendo ser compreendido em conjunto com o
mundo afetivo e ontológico. Os mundos afetivo e ontológico tratam- se de mundos
imprescindíveis para o desenvolvimento saudável do ser humano tanto no
desenvolvimento físico, social quanto emocional. Neste sentido, o Direito deveria
tutelar amplamente as origens afetivas e estas, por sua vez, estão ligadas
intrinsicamente à felicidade, ao amor e à solidariedade entre os indivíduos.

Por estas considerações, resta clara a possibilidade do reconhecimento da


multiparentalidade, ademais, esse entendimento se consolidou a partir da Lei nº
113

11.924/09 que alterou a Lei de Registros Públicos, possibilitando o reconhecimento


judicial da filiação socioafetiva. Nota-se que a lei mencionada fez bem mais que
possibilitar o reconhecimento da filiação socioafetiva, ela equiparou a figura do
padrasto/madrasta a uma modalidade de filiação socioafetiva.

Mais adiante, em novembro de 2017 o Provimento nº 63 do Conselho Nacional


de Justiça, que também trata da possibilidade do reconhecimento da filiação
socioafetiva, que traz um caminho menos burocrático para esse reconhecimento,
podendo ser feito pelo próprio Oficial do Cartório de Registro Civil de Pessoas
Naturais.

Percebe-se, por consequência, que a Lei nº 11.924/09 e o Provimento nº 63 do


Conselho Nacional de Justiça tratam-se de verdadeiras conquistas para o
reconhecimento da multiparentalidade, podendo-se dizer que são marcos teórico para
seu reconhecimento.

Embora a Lei e o Provimento comentado se complementem no sentindo da


possibilidade do reconhecimento da multiparentalidade, existe um claro conflito quanto
ao meio de reconhecimento. Enquanto a Lei prevê a possibilidade de reconhecimento
através de pedido judicial, o Provimento traz um meio mais simples e rápido pela via
extrajudicial. Partindo dessa problemática, levantam-se duas possíveis soluções para
o problema, sendo a primeira delas, a partir de uma visão legalista, a lei iria prevalecer
sobre o provimento uma vez que este é ato administrativo e, neste contexto, o
reconhecimento da filiação socioafetiva proceder- se-ia somente através de pedido
judicial.

Por outro lado, o trabalho defende uma vertente mais principiológica, onde
através dos princípios iria afastar essa exigência legal para o reconhecimento,
aplicando-se o Provimento para reconhecimento extrajudicial da multiparentalidade.
Através dos princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana, Afetividade,
da Proteção Integral da Criança e do Adolescente e da Convivência Familiar, iria
afastar essa exigência do pedido judicial.

Quanto mais burocrático o procedimento para reconhecimento da


multiparentalidade, mais tardia seria a proteção jurídica envolvendo a família e a
114

filiação nessas situações. Fala-se em burocracia, pois o reconhecimento judicial


envolve um procedimento com mais custos, menos célere, o que implica diretamente
um amplo acesso a proteção jurídica que a Constituição Federal de 1988 oferece às
famílias. Neste sentido, não seria proporcional e razoável dificultar o reconhecimento
e a devida proteção jurídica da multiparentalidade em virtude da necessidade de uma
exigência de lei infraconstitucional, a própria Constituição Federal em seus artigos 226
e 227 determina que a criança e o adolescente e a família merecem ampla proteção
do Estado e da Sociedade.

Portanto, entende-se que a lei não teria aplicabilidade no que diz respeito à
necessidade do requerimento judicial para reconhecimento da filiação podendo
proceder-se o reconhecimento pela via extrajudicial no cartório de registro civil.
Entende-se, ainda, que o reconhecimento judicial dar-se-ia somente nas situações
onde o oficial do cartório de registro civil nega-se o reconhecimento por achar não
estar caracterizada a posse de estado de filho ou tiver a incidência de algum vício do
consentimento.

A começar do pressuposto do reconhecimento da multiparentalidade, esta


possui efeitos como defendido no trabalho, onde os efeitos da multiparentalidade
seriam os mesmos da filiação biológica: direito de inclusão do nome de família do
pai/mãe socioafetivo, exercício do poder familiar, o exercício da guarda, do direito de
visita, direito a alimentos e direitos sucessórios.

No trabalho defendeu-se um rol mínimo de efeitos jurídicos da


multiparentalidade no direito das famílias, fala-se em rol mínimo, pois seus efeitos
jurídicos e suas extensões demandam estudos específicos. Os referidos efeitos não
são amplamente debatidos na doutrina e jurisprudência, neste sentido, existe uma
clara dificuldade em estabelecer efeitos e limites como, por exemplo, no direito aos
alimentos, no que diz respeito aos alimentos avoengos, seria possível a possibilidade
de alimentos avoengos socioafetivos? Esta pergunta, assim como outras poderão
surgir a partir da análise desses efeitos, por isso é muito importante e necessário
continuar estudando sobre o assunto.
115

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ANEXO

ANEXO 1 – NOVO MODELO DE CERTIDÃO DE NASCIMENTO

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