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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


DEPARTAMENTO DE DIREITO

PRISCILA ROSARIO FRANCO

Justiça Restaurativa no Poder Judiciário catarinense


o desafio do novo modelo criminal na Vara da Infância e Juventude da Capital.

Florianópolis
2015
PRISCILA ROSÁRIO FRANCO

Justiça Restaurativa no Poder Judiciário catarinense:


o desafio do novo modelo criminal na Vara da Infância e Juventude da Capital.

Monografia submetida ao Centro de Ciências Jurídicas da Univerdade


Federal de Santa Catarina para obtenção do Grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa. Co-orientadora: Prof. Me.
Fernanda Martins.

Florianópolis
2015
AGRADECIMENTOS

Não há como não começar por eles, meus pais. Obrigada por tantos anos de
amor, carinho, paciência e ensinamentos. Eles representam tudo que busco construir na minha
vida: caráter, honestidade e amor. E é com eles que quero compartilhar minhas conquistas.
Obrigada por estarem aqui, sempre.
Às minhas avós, por representarem tão lindamente essa figura de ser
mulher, mãe, avó, tia, amiga. Meu carinho por elas é infinito. Um agradecimento especial à
minha vó Ló, pois esteve ao meu lado nessa caminhada, inclusive me proporcionando um
teto. Obrigada por acreditarem em mim.
Aos meus avôs, que, embora não estajam mais aqui, são exemplos que
carrego na minha vida, principalmente na vida profissional. São duas as principais lições que
levo da vida deles: exercer aquilo que se ama é compensatório e suficiente para continuar até
os 90 e tantos anos de vida; trabalhar e não se esquecer de sua família é essencial. Saudades.
Muito obrigada.
Ao meu irmão. Ele que me defendeu no colégio, ajudou-me nos deveres de
casa, tomou conta de mim enquanto nossos pais trabalhavam, além de ter me acompanhado
nas primeiras saídas da minha adolescência. Eu sei que ele estará ao meu lado para sempre,
assim como eu também ficarei ao seu lado sempre. Obrigada por ser, verdadeiramente, meu
irmão.
À minha madrinha, por tamanha confiança e torcida. Ela foi a minha
primeira influência para seguir a área jurídica e nunca me abandonou nesse percurso.
Obrigada por me apresentar o direito, obrigada por ser minha segunda mãe.
Ao meu padrinho, que, enquanto esteve aqui, cuidou com muito carinho de
todos e sempre deu atenção à minha família. Obrigada e sentimos sua falta.
Às minhas tias e aos meus tios. Porque eles sempre estão comigo nos
momentos bons e ruins e também representam uma enciclopédia de ensinamentos e exemplos.
Muito obrigada.
Às minhas primas e aos meus primos. Nós crescemos juntos e construímos
uma amizade única. Podemos permanecer longos períodos sem nos reunirmos, mas quando o
fazemos é inesquecível. Obrigada por estarem e fazerem a minha família. Obrigada especial à
minha prima Maria Júlia. Porque ela foi minha primeira amiga em Florianópolis e, desde
então, não me largou.
Às minhas amigas de infância, Bárbara, Beatriz, Cinthia, Edla, Johanna,
Larissa, Maria Júlia, Mariana, Thienne. Elas estão nas minhas memórias mais gentis e
continuam fazendo parte das mais recentes. Obrigada por me acompanharem.
Às minhas colegas de faculdade, amigas que o destino me presenteou em
um período da minha vida já tão especial. À Diana, Isabela, Helena, Mariana, Naiana, Nicole.
Nossas noites de aula e manhã e tardes de estágio obrigatório tornam-se momentos agradáveis
em razão do carinho, risada, presença e fala de cada uma. Elas são as cerejas do meu bolo
que, sem essas, ele não teria cor. Obrigada a todas.
Não posso deixar de agradecer todos os profissionais que me orientaram em
meus estágios, em especial, a Dra. Brigitte Remor de Souza May e sua equipe, Juniara e
Álvaro, pessoas responsáveis por despertarem meu interesse na área dos direitos da criança e
do adolescente, inclusive ao tema proposto neste trabalho.
Por fim, ao Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa, orientador. Em especial, à
Prof. Me. Fernada Martins, minha coorientadora, que também é responsável pela produção
deste trabalho. Obrigada por ter aceitado esta tarefa, por ter apontado meus erros, mas
também meus acertos.
Para fazer uma descoberta, é preciso desconfiar das ideias que estão em voga – e desconfiar não
pelos simples prazer de desconfiar, mas seriamente. Existem muitas ideias completamente falsas que
estão estabelecidas há muito tempo e ninguém se dá conta disso. Penso que esta é a parte mais difícil:
pensar de uma maneira diferente daquela a que estamos habituados. Uma ideia nova só aparece
quando deixamos de acreditar na antiga.
(Niels Kaj Jerne)
RESUMO

Este trabalho tem como proposta analisar o novo paradigma de justiça criminal, a Justiça
Restaurativa, e suas experiências na Vara da Infância e Juventude de Florianópolis, Santa
Catarina. O corrente sistema de justiça penal, inclusive o sistema socioeducativo, requer a
adoção de um novo método. Como resposta, as experiências do Projeto de Mediação têm
apresentando resultandos satisfatórias. Além disso, tais práticas também são diretrizes da Lei
12.594/12, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Isso representa
um novo olhar sobre como lidar com os atos infracionais, que destaca não o ato ofensivo, mas
as necessidades dos envolvidos, assim como a de reparar o dano. Esta pesquisa se concentra
na aplicação prática da justiça restaurativa na capital de Santa Catarina, representando uma
alternativa de sociabilidade. Ademais, também é objetivo deste trabalho o estudo da violência
contemporânea e a construção social em relação ao adolescente em conflito com a lei. A
justiça restaurativa aceita o fato do clássico sistema punitivo se preocupar demais com o
aparato do Estado, além de se concetrar apenas na apreciação da infração na busca pela pena
do acusado. Este modelo, por sua vez, contém uma legalidade original e emancipatória,
constituindo um processo multifacetado de construção democrática social e dialógica. Sobre o
projeto na jurisdição de Florianópolis, este trabalha com duas formas de mediação: mediação
judicial e a mediação extrajudicial. As perspectivas da Justiça Restaurativa são encorajadores
no Sul do Brasil, especialmente porque ela permite que o adolescente autor de ato infracional
e a vítima pensem sobre a infração cometida, pondo fim às possíveis angústias dos
envolvidos.

Palavras-chave: justiça restaurativa; medidas socioeducativas; modelo protetivo; atuação


judicial.
ABSTRACT

The purpose of this study is to analyze the new paradigm of criminal justice, the Restorative-
justice, and its experience at the Child and Youth Court in Florianópolis’s jurisdiction, Santa
Catarina, Brazil. The current justice system requires a new type of method. To reply this
status, the experience known as the “Mediation Project” has appeared as a successful
outcome. Moreover, it means a new approach about how to deal with infractions, which
highlights not only the act offensive, but the needs of those involved and the damage’s repair.
This research is concerned with the practical application of restorative-justice in Santa
Catarina’s Capital, presenting an alternative sociability. Furthermore, calling attention to the
contemporary violence and the social construction of prejudice in relation to youth in conflict
with the law is also the aim of this study. Restorative-justice accepts that the classic punitive
system focuses too much on State apparatus and the appreciations are concentrated on the
infraction for the sight of this penance the accused. This matrix contains a legality original
and emancipatory, making as a multifaceted proceeding of social democratic and dialogical
construction. About the project in Florianópolis’s jurisdiction, it provides two forms of
mediation: judicial mediation and extrajudicial mediation. The prospects of Restorative-
Justice are encouraging in the South of Brazil, mainly because it allows the author and victim
think over about the offense committed, putting an end to possible distress of the involved.

Key-words: restorative-justice; educacional measueres; protective model; judicial action.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 8
CAPÍTULO I ............................................................................................................................ 13
Breves considerações históricas e filosóficas acerca das práticas judiciárias em resposta a atos
infracionais ............................................................................................................................... 13
1.2 O paradigma do Direito do Menor e da Situação Irregular ............................................ 14
1.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a doutrina da Proteção Integral .................... 22
1.3 O novo olhar recepcionado pelo SINASE: práticas restaurativas .................................. 29
CAPÍTULO II ........................................................................................................................... 33
Justiça Restaurativa e Sistema Socioeducativo: modelos alternativos ou complementares? ... 33
2.1 Compreendendo as medidas socioeducativas no paradigma da doutrina da Proteção
Integral .................................................................................................................................. 33
2.2 Justiça Restaurativa: fundamentos éticos e princípios .................................................... 44
2.3 Os modelos de restauração no ordenamento jurídico internacional e nacional .............. 51
CAPÍTULO III ......................................................................................................................... 58
A Justiça Restaurativa na Vara da Infância e Juventude de Florianópolis/SC ......................... 58
3.1 Dimensão prática e modelo do programa ....................................................................... 59
3.2 A convivência simultânea dos dois paradigmas na Capital: avanços e desafios ............ 66
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 71
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 73
8

INTRODUÇÃO

Este trabalho propõe-se a examinar o novo modelo de justiça executado na


Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis/SC desde 2011, assim como seu método de
atuação, suas experiências, desafios e avanços. Trata-se do Centro de Justiça Restaurativa,
uma iniciativa da Coordenadoria Estadual da Infância e da Juventude (CEIJ) do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina, a qual utiliza a metodologia da justiça restaurativa – mediação –
com adolescentes em conflito com a lei.
A hipótese principal deste trabalho é, pois, a efetivação do novo paradigma
da Proteção Integral no que tange a adolescentes autores de atos infracionais, na capital
catarinense, através da justiça restaurativa, e não mais por intermédio apenas da tradicional
aplicação de medida socioeducativa. Tal postura revela-se importante, não em razão, tão
somente, dos problemas enfrentados pelo atual sistema, o que também, de fato, justifica-a,
mas, principalmente, da necessidade de olhar o fenômeno do ato infracional e a produção de
justiça através de outras lentes.
Para tal fim, a metodologia do primeiro capítulo concentra-se no estudo
histórico e filosófico da figura da criança e do adolescente na sociedade, assim como os
principais instrumentos legais de cada período e seus discursos elaborados pelos intérpretes de
cada modelo. Assim, inicialmente, aborda-se a postura do Estado em desprezar o papel da
criança, vista como objeto de seus pais, assim como a ausência de entendimento quanto às
suas peculiaridades. Em seguida, abordam-se as experiências do paradigma do “Direito do
Menor”, recepcionada pelo Código de Menores de 1927, elaborado pelo jurista Melo Mattos.
Este aparato jurídico e assistencial era voltado, exclusivamente, para as crianças, os
adolescentes e os jovens no Brasil.
Nesse contexto, é importante elucidar, como fez a historiadora Maria Luisa
Marcílio, a diferença entre a existência de dois tipos de crianças na sociedade brasileira, a
qual, pode-se afirmar, sobrevive até hoje:
A distinção entre a criança rica e a criança pobre ficou bem delineada. A primeira é
alvo de atenções e das políticas da família e da educação, com o objetivo de prepará-
la para dirigir a sociedade. A segunda, virtualmente inserida nas ‘classes perigosas’
e estigmatizada como ‘menor’, deveria ser objeto de controle especial, de educação
elementar e profissionalizante, que a preparasse para o mundo do trabalho. Disso
9

cuidaram com atenção os médicos higienistas e os juristas das primeiras décadas


deste século (1989, p.224, apud MIRANDA, p. 86, in MIRANDA, 2010).

Esse diploma trouxe, assim, a primeira doutrina, conhecida como “Direito


do Menor”, a qual tratava crianças como meros objetos, e não sujeitos de direito. Tal norma
atribuiu ao Estado a tutela apenas daquelas crianças descritas em um segundo momento pela
historiadora Maria Luisa Marcílio, isto é, aquelas não inseridas em uma família padrão,
chamadas também de “expostos”, “abandonados”, “vadios”, “mendigos”, “libertinos”
(FARIAS, 2010, p. 177, in MIRANDA, 2010).
Em um segundo momento, ainda no primeiro tópico, trabalha-se com o
Código de Menores de 1979, o qual trouxe a Doutrina da Situação Irregular como paradigma
de sua atuação no que toca a crianças e adolescentes em conflito com a lei. Pretende-se
defender, assim, que tal período tratou-se apenas de uma substituição de terminologias, pois a
ênfase dos direitos infanto-juvenis permaneceu nas questões problemáticas extrafamiliares,
restringindo sua abordagem apenas às crianças privadas das condições essenciais de
sobrevivência. Isto é, vivia-se a confusão da criança delinquente e carente.
Por fim, procura-se examinar a evolução no âmbito legislativo com a
recepção da doutrina da Proteção Integral através da Constituição Federal de 1988 e do
Estatuto da Criança e do Adolescente, as interpretações dos estudiosos e atores do sistema de
justiça, além da avaliação desse mesmo paradigma no âmbito internacional. Além disso,
apresenta-se o novo modelo de justiça proposta pela Lei n. 12.594/12, que busca a efetivação
da doutrina da proteção integral na aplicação e, principalmente, na execução das medidas
socioeducativas. Tal conquista trata-se de matéria que introduz um novo paradigma no
tratamento legal brasileiro sobre a criança e o adolescente, pois os consagra como pessoa em
desenvolvimento biopsicossocial e sujeito de direitos.
A confirmação da hipótese deste trabalho acontece no terceiro capítulo,
quando se explora o modelo de justiça restaurativa da Vara da Infância e da Juventude de
Florianópolis, assim como suas práticas e avanços. Contudo, o segundo capítulo é
imprescindível como referencial teórico para essa conclusão, oportunidade em que verifica os
hermeneutas da socioeducação, ou seja, os defensores, em síntese, do Direito Penal Juvenil e
da responsabilização estatutária, além de uma análise crítica da aplicação da medida
socioeducativa e de suas inegáveis marcas no adolescente autor de ato infracional. Além
disso, o segundo capítulo também apresenta um novo modelo para efetivação da doutrina da
proteção integral, a justiça restaurativa, seus princípios, valores e práticas, para, então, trazer
10

algumas experiências nacionais e internacionais que confirmam a possibilidade desse novo


paradigma.
O conteúdo do segundo capítulo é essencial para a compreensão da
importância do Centro de Justiça Restaurativa de Florianópolis. É que o reconhecimento dos
direitos de cidadania à criança e ao adolescente no paradigma da proteção integral somente
será possível no universo jurídico que se liberte das amarras do menorismo, da pretensão de
ressocialização ou reeducação através da aplicação de medida socioeducativa, além de um
reconhecimento fático quanto aos aspectos negativos de toda medida socioeducativa. Nesse
sentido, abordam-se também os discursos da natureza e finalidade da medida socioeducativa à
luz da criminologia crítica.
O paradoxo de privar ou restringir a liberdade, sejam nas prisões, nos
reformatórios ou nos estabelecimentos educacionais, é produto da mesma cultura técnico-
disciplinar que se fundamenta na ideia de transformas os indivíduos (KONZEN, 2007, p. 67).
Conforme aponta Michel Foucault quanto às prisões, o que pode ser visto em relação às
demais instituições, “Conhecem-se todos os inconveniente da prisão, e sabe-se que é perigosa
quando não inútil. E entretanto não ‘vemos’ o que pôr em seu lugar. Ela é detestável solução,
de que não se pode abrir mão” (1987, p. 261).
Nesse ponto, Afonso Armando Konzen traz os seguintes questionamentos a
fim de instigar o proceder por um novo olhar:
Não se deveria, então, na perspectiva de que se ainda há espaços para pensar em
saídas, centrar esforços na busca de alternativas ao proceder no lugar de justificar a
medida com propriedades que ela não tem, como se mera diversão terminológica, de
estabelecimento penal da Lei de Execução Penal para estabelecimento educacional
do Estatuto, pudesse resignificar determinado provimento judicial? Não se deveria,
no lugar de somente tentar melhor o que bravamente resiste a quaisquer melhoras,
investir mais consistentemente em dimensões com a capacidade de evitar a
institucionalização? (2007, p. 67).

Nesse sentido, a segunda seção deste trabalho reconhece que a doutrina


proposta na década de noventa ainda deva ser considerada recente e em afirmação, ao mesmo
tempo em que acredita que o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE),
instituído pela Lei n. 12.594/12, lança novo paradigma, reconhecendo, por conseguinte, o
caráter reparador e restaurativo, que o sistema socioeducativa deve acolher, excepcionando,
assim, a intervenção judicial e a imposição de medidas.
De fato, as experiências com as práticas restaurativas não aguardaram a
publicação de mencionado diploma, mas, a partir dessa, não há dúvidas quanto ao
11

reconhecimento, pelo Estado, de que as práticas restaurativas são caminho para um tratamento
de respeito com o adolescente, privilegiando a doutrina da proteção integral.
As experiências internacionais e, mais recentemente, nacionais de práticas
restaurativas mostram-se, de fato, como resposta às angústias apontadas. O novo paradigma
da criminologia, embora em seus diversos modelos, é conduzido sempre nos mesmos
princípios e valores: guia-se em um procedimento de consenso, em que vítima, infrator e
terceiros interessados, quando apropriado, no papel de sujeitos centrais, participam coletiva e
ativamente na construção de soluções para a cura das feridas, dos traumas e perdas causados
pelo crime.
No debate criminológico, o modelo restaurativo pode ser visto como uma síntese
dialética, pelo potencial que tem para responder às demandas da sociedade por
eficácia do sistema, sem descurar dos direitos e garantias constitucionais, da
necessidade de ressocialização dos infratores, da reparação às vítimas e comunidade
e ainda revestir-se de um necessário abolicionismo moderado (PINTO, p. 21, in
SLAKMON, 2005).
Atenta para tais questões, foram implementados programas de Justiça
Restaurativa no âmbito nacional no lugar da resolução de conflitos tradicionais produzidos
pelo Poder Judiciário. Somam-se as experiências internacionais, a agenda política nacional no
começo do Século XXI discutia, na esfera da reforma do Judiciário, demandas por:
uma justiça mais participativa, um mais amplo acesso ao direito e à construção das
bases interpretativas do direito, sobretudo os sociais da população, marcadas por
visão pluralista do direito, uma ampliação do acesso à justiça, um fortalecimento da
dimensão de respeito aos direitos humanos e de uma justiça garantidora de direito
sociais (MELO, p. 12, in MELO, EDNIR, CURI, 2008).
É nesse contexto que o último capítulo pretende analisar as experiências do
judiciário catarinense através da justiça restaurativa com adolescentes autores de ato
infracional, assim como reconhecer a hipótese principal deste trabalho: o Centro de Justiça
Restaurativa de Florianópolis, portanto, adotando uma forma pedagógica sedimentada nos
princípios das práticas restaurativas, representa a efetiva concretização da doutrina da
proteção integral.
Quanto ao conteúdo do último capítulo o primeiro tópico desta seção, então,
estabelece os procedimentos e métodos adotados pelo CJR para o atendimento do adolescente,
enquanto o segundo tópico aborda a convivência do serviço da justiça restaurativa e do
sistema tradicional da medida socioeducativa, elencando alguns aspectos fundamentais para o
12

aperfeiçoamento de suas práticas, como a produção de conhecimento acerca da justiça


restaurativa e sua disseminação.
13

CAPÍTULO I

Breves considerações históricas e filosóficas acerca das práticas judiciárias em resposta


a atos infracionais

O presente capítulo, como proposto em seu próprio título, não pretende


esgotar suas considerações exclusivamente sob o ângulo normativo. A compreensão teórica
das diferentes normas que disciplinaram o direito da criança e do adolescente durante séculos
solicita uma abordagem interdisciplinar. É que as variações no olhar a criança e o adolescente
decorrem, basicamente, da natureza social, política e histórica vivenciada em cada período.
Mary Del Priore (2010, p. 8) denuncia que tanto a história sobre a criança
feita no Brasil, assim como no resto do mundo, vem demonstrando a existência de uma
significativa “distância entre o mundo infantil descrito pelas organizações internacionais,
pelas não governamentais e pelas autoridades, daquele no qual a criança encontra-se
cotidianamente imersa.” Em seguida, a historiadora continua: “O mundo que a ‘criança
deveria ser’ ou ‘ter’ é diferente daquele onde ela vive, ou no mais das vezes, sobrevive”.
Refletir tais questões, da mesma forma como o passado histórico, deve ser
preocupação atual.
Substancial repisar, nessa perspectiva, a seguinte indagação feita pelo
historiador inglês Arnold J. Toynbee: a história repete-se? (1976, p. 39. Apud SILVA;
VERONESE, 1998, p. 11).
Nesse norte, o que se propõe nos próximos apontamentos é responder a
questão ideada por Toynbee, examinando o universo da criança e do adolescente em
diferentes períodos, a fim de traçar suas similitudes e seus contrastes.
Com o escopo de tornar mais didático este segmento do trabalho, a divisão
escolhida para o capítulo traduz-se nas três principais correntes doutrinárias relativas à
proteção da infância no Brasil (PEREIRA, 2008, p. 12), a saber, a) Doutrina do Direito Penal
do Menor e b) Doutrina Jurídica do Menor em Situação Irregular, os quais serão trabalhados
no mesmo item tendo em vista suas similitudes práticas; c) Doutrina Jurídica da Proteção
Integral; além, por fim, daquela introduzida recentemente pelo Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (Sinase), referente a práticas restaurativas.
14

1.2 O paradigma do Direito do Menor e da Situação Irregular

Antes de ingressar no exame propriamente da questão do paradigma do


direito do menos e da situação irregular, impõe-se proceder a um breve apanhado das
principais correntes teóricas sobre o desenvolvimento da criança, sem, contudo, a pretensão
de analisar de forma a esgotar tal análise. Apesar disso, pretende-se que o estudo seja
suficiente a elucidar a recepção no ordenamento jurídico brasileiro da doutrina do Direito do
Menor e, posteriormente, da Situação Irregular.
Durante séculos, as práticas e os meios de educação que se dava o
desenvolvimento de cada indivíduo foram ignorados. Isso porque, partia-se de uma concepção
de pré-formação, na qual o desenvolvimento humano dava-se totalmente dentro do esperma,
sendo visto tal qual um adulto em miniatura (VIANNA, 2004, p. 12).
Na América colonial e na Inglaterra, entre os séculos XV e XVII, as práticas
cruéis e desumanas aplicadas na educação infantil, como, por exemplo, o fato de crianças
serem amarradas e sedadas para não desobedecerem, não foram sequer questionadas no
decorrer dos tempos (VIANNA, 2004, p. 13).
Os primeiros estudos acerca do comportamento e desenvolvimento das
crianças, por sua vez, foram realizados, dentre outros, pelos filósofos Locke, Rousseau e
Sigmund Freud. Quanto ao primeiro filósofo, este rejeitou a idealização do conhecimento
inato, reconhecendo que as crianças sofriam influências dos meios que iriam determinar suas
histórias, além de assinalar a importância do ambiente para o desenvolvimento delas.
Rousseau, contrariamente, propôs pela primeira vez a influência da herança genética,
introduzindo, assim, o conceito de estágio, nos quais crianças se desenvolvem conforme suas
potencialidades. Por fim, o psicanalismo de Sigmund Freud defendia que a individualidade é
significativamente afetada pelo ambiente e pelas pessoas deste, inclusive ressaltou a
fundamental importância da figura materna (VIENNA, 2004, p. 13).
Embora as diferentes teorias filosóficas apresentadas concentrassem seus
estudos, pela primeira vez, no reflexo – ou não – do ambiente em que as crianças eram
inseridas, perdurou por anos a fase da absoluta indiferença, em que não existiam normas
relacionas a essas pessoas (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 72).
15

De tal modo, no Brasil, a assistência social foi marcada, desde a época


colonial, pela caridade privada, sem intervenções significativas do Poder Público, apenas
através de subsídios concedidos aos particulares, consistentes, de início, em doações em
dinheiros a quem acolhesse crianças abandonadas e, após e concomitantemente,
comtemplaram subvenções a entidades privadas de beneficência (ROSSATO; LÉPORE;
CUNHA, 2011 p. 26).
Amplamente conhecida na Europa, a tradição da roda dos expostos chegou
ao Brasil quando, no século XVIII, reivindicou-se à Coroa a permissão de estabelecer uma
primeira roda de expostos na cidade de Salvador/BA, junto à sua Misericórdia e nos moldes
daquelas encontradas na Europa, em especial, em Lisboa (VIANNA, 2004, p. 20).
Essa instituição, que marcou por anos o assistencialismo nacional e apenas
foi extinta em 1950 (VIANNA, 2004, p. 16), objetivava estimular a entrega de bebês que não
eram aceitos por suas famílias, no lugar de serem abandonados nas ruas, lixos e em portas de
residências.
O nome da roda provém do dispositivo onde se colocavam os bebês que se queria
abandonar. Sua forma cilíndrica, dividida ao meio por uma divisória, era fixada no
muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior e em sua abertura externa, o
expositor depositava a criancinha que enjeitava. A seguir, ele girava a roda e a
criança já estava do outro lado do muro. Puxava-se uma cordinha com uma sineta,
para avisar a vigilante ou rodeira que um bebê acabava de ser abandonado e o
expositor furtivamente retirava-se do local, sem ser identificado (VIANNA, 2004, p.
17).
Não é preciso ler Oliver Twist1 para compreender a carência, ausência de
recursos e corrupção vivenciadas nessas instituições, bem como a (ir)relevância acerca do
desenvolvimento sadio dos pequenos institucionalizados nas casas de Misericórdia. Não há
dúvidas que, durantes anos, os métodos de educação e convivência dentro das instituições
eram cruéis e desumanos.
O caráter institucionalizador das ações assistencialistas do Estado refletiu
durante toda a história da política pública nacional no que toca à matéria de crianças e
adolescentes em conflito com a lei, ainda que, após a fase da absoluta indiferença com essas
questões, as leis começaram a lhes serem aplicadas, porém com o único propósito de coibir a
prática de ilícitos por aqueles (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 26).
A persistência dessa política assistencialista ocorreu em razão da “confusão
conceitual entre crianças e adolescentes desvalidos em todos os seus direitos sociais
fundamentais e adolescentes autores de crimes” (MACHADO, 2003, p. 28). Sob o olhar
assistencialista, ambos os grupos recebiam o mesmo tratamento.

1
Obra de Charles Dickens publicada em 1837.
16

Assim, as primeiras legislações conferidas à criança e ao adolescente, na


seara infracional, correspondem àquelas trazidas do próprio colonizador, como as Ordenações
Afonsinas e Filipinas, além das legislações do Império, o Código Criminal do Império de
1830 e o Código Penal de 1890 (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 73).
O Código Penal de 1890, por sua vez, responsabilizava os atos na esfera
penal a partir de seus 9 anos de idade. Em razão dessa imputabilidade penal juvenil, criam-se
grandes instituições de internamento, com o objetivo de retirar as crianças das ruas como
solução profilática. Isto é, internavam-se as crianças sem família, ou, como à época
estigmatizadas, de “famílias com patologia social” ou “degenerescência hereditária”, ou,
ainda, sem condições financeiras ideias (VIANNA, 2004, p. 25).
Como dito anteriormente, o tratamento jurídico propiciado às crianças e aos
adolescentes como resposta do Estado a todas as demandas daquelas fundava-se em apenas
uma única categoria, no binômio da criança carente/delinquente, ou da infância desviante,
como consequência daquela já mencionada confusão conceitual.
Tais concepções, como ensina Machado (2003, p. 29), marcará
“essencialmente não apenas o tratamento que os Estados deram a tal problemática social, mas
o próprio Direito material e as instâncias criadas para sua aplicação”.
A problemática social citada por Machado traduz-se como resultado da
severa exclusão social noticiada no século XX, a partir da urbanização, isto é, a criminalidade
juvenil, que, em boa medida, acreditava-se que era praticada pelas camadas menos
favorecidas da sociedade (2003, pp. 29-30).
É nesse contexto, com a expressiva preocupação com o suposto2 aumento da
criminalidade juvenil, que se verifica a construção do chamado direito do menor, com origem
nos Estados Unidos da América. Assim, de acordo com a própria tradição jurídica norte
americana, a implantação dos Tribunais de Menores foi o foco dessa inovação na história do
Direito, e não as linhas desse novo ramo de direito substantivo (MACHADO, 2003, p. 34).
Sobre os primeiros Tribunais de Menores implantados, Machado (2003, p.
34) traz o seguinte rol:
O primeiro Tribunal de Menores foi criado em Ilinois, Estados Unidos, em 1899.
Influenciados pela experiência americana, outros países aderiram à concepção,
criando seus próprios juízos especiais: Inglaterra em 1905, Alemanha em 1908,
Portugal e Hungria em 1911, França em 1912, Argentina em 1921, Japão em 1922,
Brasil em 1923, Espanha em 1924, México em 1927 e Chile em 1928.

2
MACHADO justifica tal adjetivo, pois os autores que, à época, levantavam dados estatísticos sobre os índices
de criminalidade juvenil, defendendo seu aumento, não apresentavam estatísticas anteriores nem dados
comparativos confiáveis com a criminalidade dos adultos (2003, p. 31).
17

Ressalta-se, todavia, que não se tratava de instâncias judiciais especiais, mas


verdadeiras instâncias judiciais de exceção, uma vez que separadas completamente das
estruturas tradicionais de aplicação do Direito. Foi nesse contexto a criação e aplicação do
conhecido direito do menor, que sempre se caracterizou, segundo Mendez (1992, p. 53),
citado por Machado (2003, p. 35), por “subordinar a tarefa de salvaguarda das crianças às
exigências da defesa social”.
Nesse sentido, Mendez (1992, p. 53, citado por MACHADO, 2003, p. 35)
defende a ideia de que a construção dessa doutrina, aliada a criação dos Tribunais de
Menores, originou um sistema de controle sociopenal da infância marginalizada socialmente,
pois aceitava aplicação de medidas de natureza penal – privação de liberdade – a
comportamentos não-criminais de crianças e adolescente.
A comunidade internacional, por sua vez, experimentava as bases filosóficas
difundidas pela Carta da Liga sobre a Criança de 1924, conhecida como Declaração de
Genebra, a qual continha duas ideias principais, reconhecia a vulnerabilidade da criança e
representava o início da criação de instrumentos internacionais uniformes protetores dos
direitos da criança (VIEIRA; VERONESE, 2015, pp. 88-89).
A respeito, Castro (2006, p. 295), citado por Vieira e Veronese (2015, p. 88)
comenta que:
A Declaração ou Carta de Genebra de 1924 constitui a primeira declaração
sistemática dos direitos da criança, foi elaborada no seio da Associação
Internacional de Proteção à Infância e contém sete princípios os quis foram
redigidos pela pedagoga Englatine Jebb nos seguintes termos:
I – A criança deve ser protegida excluindo toda consideração de raça, nacionalidade
e crença.
II – A criança deve ser ajudada respeitando a integridade da família.
III – A criança deve ser posta em condições de desenvolvimento normal desde o
ponto de vista material, moral e espiritual.
IV – A criança faminta deve ser alimentada; a criança doente deve ser assistida; a
criança deficiente deve ser ajudada; a criança desadaptada deve ser reeducada; o
órfão e o abandono devem ser recolhidos.
V – A criança deve ser o primeiro a receber socorro em caso de calamidade.
VI – A criança deve desfrutar completamente das medidas de seguridade social; a
criança deve, quando chegado o momento, ser posta em condições de ganhar a vida,
protegendo-a de qualquer exploração.
VII – A criança deve ser educada, inculcando-lhe a convicção de que suas melhores
qualidades devem ser postas a serviço do próximo (tradução de Vieira e Veronese).

Em paralelo, no Brasil, criava-se o primeiro Juizado de Menores, que teve


como titular o Dr. José Cândido de Alburquerque Mello Mattos, a quem se deve, também, o
primeiro Código de Menores no ordenamento jurídico, qual seja, o Código de Mello Mattos
de 1927 (PEREIRA, 2008, p. 9).
18

Juridicamente, o Decreto n. 17.943 de 12/10/27 (Código de Menores)


recepcionou a doutrina do direito do menor, seguindo a política de institucionalização,
iniciando-se, assim, a fase tutelar do tratamento jurídico dispensado às crianças e aos
adolescentes (ROSSATO; LÉPORE; CUNHO, 2011, p. 73). Tal tratamento, por sua vez,
cultivava importante preocupação no estado físico, moral e mental da criança, e ainda a
situação social, moral e econômica dos pais (PEREIRA, 2008, p. 9).
O Poder Público passa a interferir de forma cada vez mais significativa
nessas questões, de modo que, no início do século XX, já existiam casas públicas de custódia
de crianças e adolescentes e, em 1960, criaram-se a Funabem (Fundação Nacional do Bem-
Estado do Menor) e as Febens estaduais (Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor)
(MACHADO, 2003, p. 27).
Conforme reproduz as diretrizes da política do bem-estar do menor pela
Funabem, o bem-estar do menor consiste:
[...] do atendimento de suas necessidades básicas, através da utilização e criação dos
recursos indisponíveis à sua subsistência, ao desenvolvimento de sua personalidade
e à sua integração na vida comunitária [...].
As necessidades básicas do menor, para cujo atendimento a sociedade deve oferecer
as devidas condições, condensam-se em torno desses elementos – saúde, amor e
compreensão, educação, recreação e segurança social.
A proteção à saúde do menor, desde o período pré-natal, compreende cuidados
médicos e higiênicos, alimentação racional e ambiente onde esteja a recato de
fatores que ponham em risco a sua integridade física e mental.
Nos estímulos do amor e da compreensão repousam o desenvolvimento harmônico
do menor, e tem ele sua melhor expressão no lar bem constituído.
O desenvolvimento integral do menor exige, não só, que se lhe proporcione
educação sistemática, senão também, que se lhe assegure oportunidade, assim para o
exercício de suas aptidões como para o acesso á cultura.
A todos os menores se reconhece o direito de uma educação fundamental e uma
iniciação profissional, ainda que mínima, para auferirem os benefícios da atividade
econômica, fundada no trabalho digno e livre.
A recreação sadia e adequada a cada idade é fator integrante de desenvolvimento
pleno e equilibrado do menor.
A segurança do menor consiste na proteção afetiva (social e legal) à sua família e
bem assim na preservação e na defesa do próprio menor contra o abandono, a
crueldade, a corrupção ou a exploração. Esse amparo melhor se dispensará na
reintegração do ambiente familiar. Nem a criança nem o adolescente podem ser
submetidos a condições de trabalho capazes de prejudicar o menor, quer na saúde,
quer na educação onde a impedir-lhe o desenvolvimento físico, mental e moral
(VIANNA, 2004, pp. 42-43).

Com a responsabilidade de criar diretrizes fundamentais para a política


pública de Bem-Estar do Menor em substituição à repressão e a segregação, a Funabem
passou longe de seus objetivos ao conduzir sua atuação através de programas indefinidos,
marcados por irregularidades e mesmo regimes carcerários de internação (PEREIRA, 2008, p.
11).
19

Ao revelar a natureza institucionalizadora da política, a qual basicamente


recaía sobre crianças e adolescentes carentes, além de ratificar a própria crítica de Tânia da
Silva Pereira quanto à função desempenhada pela Funabem, Martha de Toledo Machado
(2003, p. 27) denuncia que, antes da proclamação da Constituição Federal (CF) de 1988 e a
vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a grande maioria, cerca de 80 a
90%, das crianças e jovens internados nas Febens não era autora de fato definido como crime.
Com o propósito de relembrar os aspetos das políticas públicas adotadas
pelo Brasil até então e, em especial, traçar suas principais diferenças, Vianna (2004, p. 37)
classifica os momentos do ordenamento jurídico nacional em três fases: a) a fase da
Filantropia, a qual segue pela b) fase do assistencialismo e, em 1960, inicia-se c) a fase do
Bem-Estar, com a criação da FUNABEM em 1964, posteriormente com a instalação em
vários estados de FEBEMs.
Na visão de Machado (2003, p. 28), da qual também compartilhamos, o
fundamento dessa política de institucionalização encontra-se na idealização de que crianças e
adolescentes internados nessas grandes casas, conhecidas como “reformatórios”, estariam
mais bem assistidos do que em companhia de suas famílias pobres – na acepção econômica.
A doutrina do direito penal do menor foi substituída pelo Código de
Menores de 1979 (Decreto n. 6.697/79), o qual recepcionou a Doutrina Jurídica do Menor em
Situação Irregular, embora já no plano internacional vigorasse a Doutrina da Proteção Integral
(PEREIRA, 2008, p. 13).
Munir Cury (1987, p. 10) conceitua essa doutrina como “o conjunto de
normas jurídicas relativas à definição da situação irregular do menor, seu tratamento e
prevenção” e ressalta o sua face tuitiva e protetora.
Observa-se, contudo, o caráter de jurisdição de exceção desse Juízo – já
denunciado por Mendez – através das considerações apontadas por Cury (1987, p. 10) acerca
das distinções entre o Direito Penal e o Direito do Menor:
Com o Direito Penal, que cataloga e define as infrações cometidas pelo menor. Dele
difere, no entanto, porque o juiz penal termina sua prestação jurisdicional com a
prolação da sentença, enquanto que o juiz de menores deve continuar sua ação até o
término da medida imposta. O juiz penal não toma conhecimento da prevenção, ao
passo que para o juiz de menores a prevenção é primordial. No Direito Penal, a
medida é repressiva; no Direito do Menor, a medida deve ser sempre reeducativa e
tutelar: no primeiro, a pena tem duração determinada; no segundo, a medida
conserva-se indeterminada no tempo e está condicionada à recuperação.

É nesse sentido que Sotto Maior Neto (2001, p. 6), citado por Machado
(2003, p. 46), revela que o Juiz de Menores exsurge como um ser onipotente, tendo em vista
20

que o Código de Menores lhe permite, entre outras coisas, decidir conforme o princípio da
livre convicção, legislar sobre as matérias de menores mediante portarias e provimentos,
decretar a perda ou a suspensão do pátrio poder, afastar dirigentes e ordenar o fechamento
provisório ou definitivo de estabelecimentos particulares, atuar como censor dos espetáculos
teatrais e afins, além de criar rito processual a revelia de qualquer texto legal.
Martha de Toledo Machado (2003, p. 47) defende que, a partir da confusão
conceitual da carência/delinquência, originou-se um direito triplamente iníquo.
Em sua primeira justificativa, defende que a doutrina da Situação Irregular
cria uma clara cisão entre crianças e jovens em situação regular, que, por conseguinte,
mereciam legislação própria e razoavelmente dotada das garantias iluministas, aplicada com
as garantias processuais, e aquelas em situação irregular, não merecedora desse direito
material e processual mais civilizado (MACHADO, 2003, p. 47).
Em seguida, relembra que tais preceitos justificaram a implementação da
medida de privação de liberdade – uma vez que segregados nos reformatórios – de enorme
massa de crianças e adolescentes desassistidos socialmente, embora a maioria sem nunca ter
praticado ato definido como crime (MACHADO, 2003, p. 47). É dizer, nas palavras da
doutrinadora, “tratando-se a problemática social como questão de polícia” (MACHADO,
2003, p. 47).
Por fim, Machado (2003, p. 47) aponta que, através dessa doutrina, logrou-
se “derrubar todas as garantias dos autores de crime, inimputáveis em razão da idade, aos
quais se passou a negar os mais elementares direito humanos,” sob a justificativa que estava
sendo adotada uma medida protetiva e não repressiva.
Em oposição ao desconhecimento do caráter negativo das medidas
imputadas aos menores, em que pese a confusão entre infração e carência, Munir Cury (1987,
p. 16) destaca a necessidade da “paixão pela liberdade” quando descreve a postura que se
aguarda do Curador de Menores, isto é, dos Promotores da Justiça do Menor:
Manuseando os autos que envolvem o menor com desvio de conduta, há de ter a
paixão pela liberdade, para saber dosá-la, visando a reeducação de que nunca foi
educado, a ressocialização de quem jamais viveu em sociedade. Segregação e
liberdade serão o binômio que permanentemente o angustiarão, e somente terá paz
quando saborear um único fruto que seja do seu trabalho e da sua confiança, na
infância e na adolescência de seu país.
Diante do menor carente, sentirá a dor profunda da fome, a rajada cortante do frio, o
amargor da sede, e pela obstinação e energia interior, será iluminado pelo amparo da
comunidade local, no desejo comum de construir uma só família.
Com o menor abandonado palmilhará as espinhosas estradas da solidão,
atravessando as borrascas da amargura, as noites de desespero e falta de amor, até
alcançar os braços de quem o acolha, lhe dê o calor do lar e o afeto da família.
21

Infração... Carência... Abandono... serão os espinhos da sua alma e se converterão na


coroa de sua vitória, se assumir como parte do seu ser a realidade de milhões de
menores desassistidos.

Nota-se que, desde a época da doutrina da situação irregular, a falta de


recursos suficientes aos Juizados de Menores, a precariedade das instituições que abrigam as
crianças e adolescentes, além da falta de pessoal técnico nesses estabelecimentos já eram
denunciadas pelos operadores de direito como fator impeditivo da realização dos objetivos da
doutrina, conforme advertiu Munir Cury (1987, p. 17) em sua palestra proferida no I Encontro
de Curadores de Menores do Estado de São Paulo, em 1987:
Tem-se afirmado, reiteradas vezes, que a educação e readaptação social do menor
não se alcançarão, sem a contribuição insuprimível de um pessoal de um pessoal de
formação especializada. Com os recursos insuficientes de que são dotados os
Juizados de Menores, a precariedade das instituições que abrigam menores, a falta
de pessoal técnico que apoie os trabalhos quer do Curador quer do Juiz de Menores,
há que se começar pela base – a especialização séria, radical e mais completa
possível do Curador de Menores.

Como salientou Machado (2003, p. 48), a forma como o direito do menor se


constituiu (a qual também foi repisada na doutrina da situação irregular)3 acaba por permitir
“completo mascaramento das fundas violações aos Direitos Humanos mais elementares, como
o direito à vida, à saúde, à educação, ao trabalho protegido, ao respeito, à dignidade, à
convivência, familiar e comunitária,” a que crianças e adolescente foram submetidos.
Embora o Brasil tenha intentado um trabalho pioneiro no campo da
prevenção através da Funabem (VIANNA, 2004, p. 48), não é preciso recorrer a livros de
história ou doutrinas jurídicas para notar que essa política mostrou-se inútil e foi, de fato, um
malogro.
Tal qual, a mobilização popular em defesa dos direitos fundamentais de
crianças e adolescentes, à época da assembleia constituinte, que desaguou numa Frente
Parlamentar suprapartidária composta por diversos profissionais ligados a esses interesses,
além da entrega de um manifesto a favor da atual redação do art. 227, da Constituição Federal
de 1988, contendo cerca de 5 milhões de assinaturas (MACHADO, 2003, pp. 25-26), traduz a
aversão de diversos profissionais à política implementada segundo a doutrina da situação
irregular.
É a partir da Constituição Federal de 1988 que o Estado brasileiro
recepciona a escola da doutrina da Proteção Integral, em contraposição à concepção do direito
do menor em Situação Irregular.

3
Comentário adicionado pela autora.
22

Desse enfoque, isto é, do paradigma da proteção integral, portanto, pretende


cuidar o próximo subtítulo.

1.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a doutrina da Proteção Integral

A ponderar, inicialmente, que, enquanto no ordenamento jurídico nacional


nascia o paradigma do direito penal do menor em situação irregular, a comunidade
internacional já vivenciava a concepção da doutrina da proteção integral, importa iniciar o
presente tema investigando a evolução do tratamento dispensando a crianças e adolescentes
no âmbito do direito internacional.
É imprescindível o estudo do conteúdo dos tratados internacionais, uma vez
que, como ressaltam Rossato, Lépore e Cunha (2011, p. 45), o Direito Internacional passa a
ter papel destacado nos Tratados de Direitos Humanos que versam direitos relativos a crianças
e adolescentes.
Como já exposto no subtítulo anterior, durante séculos as crianças eram
vistas como autêntica propriedade de seus pais, sem que houvesse qualquer preocupação ou
intervenção estatal em seu desenvolvimento.
O enfoque às questões específicas das crianças e a importância de sua
proteção só eclodiu após dois fatores marcantes na história, a saber: a) o descontentamento da
classe operária com as condições de trabalho existentes; b) os horrores da Primeira Guerra
Mundial com consequências nefastas às crianças (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p.
52).
Dentre os instrumentos do sistema homogêneo de proteção dos direitos
humanos, no que toca à atenção às crianças e aos adolescentes, destacam-se a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, de 1948, em seus artigos 254 e 265, o Pacto Internacional

4
Art. 25 1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o
bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda
quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na
viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua
vontade. 2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas
dentro ou fora do matrimónio, gozam da mesma protecção social.
5
Art. 26: 1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao
ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser
generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu
mérito. 2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem
23

sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, em seus artigos 10 (3)6, 12 (2) (a)7 e
13(1)8, além das Convenções Europeia, Americana e Africana de Direito Humanos (VIEIRA;
VERONESE, 2015, p. 92; ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 53).
Apenas após a primeira e segunda guerra mundial, influenciada pela
Declaração dos Direitos do Homem, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração dos
Direitos da Criança, em 1959, significando tal instrumento importante ruptura com o antigo
paradigma, já que a criança passa a ser vista como sujeito de direitos (ROSSATO; LÉPORE;
CUNHA, 2011, p. 52).
Para Bobbio (1992, p. 35), citado por Vieira e Veronese (2015, pp. 92-93),
esse instrumento internacional se insere na “especificação” dos direitos humanos, tendência
nascida após a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e que é responsável pela
determinação posterior dos sujeitos titulares de direitos.
Esse instrumento, aliás, é resultado do reconhecimento pela comunidade
internacional de que as crianças carecem de atenção especial que as salve das consequências
danosas de sua hipossuficiência, derivadas de circunstâncias que podem coloca-las em risco
(ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 55).
Reconhecendo, a partir de então, a vulnerabilidade da infância, os
instrumentos internacionais declararam as crianças detentoras de direitos e credoras de
políticas públicas direcionadas. Aceitando, desse modo, o fato de a criança ser uma pessoa em
desenvolvimento (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 56).
Vieira e Veronese (2015, p. 93) revelam que a Declaração dos Direitos da
Criança de 1959 incentivou uma nova etapa de crescimento normativo voltado a formular um

e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e
todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a
manutenção da paz. 3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos
filhos.
6
Art. 10, 3: Os Estados Membros no presente Pacto reconhecem que: [...] 3. Deve-se adotar medidas especiais
de proteção e assistência em prol de todas as crianças e adolescentes, sem distinção alguma por motivo de
filiação ou qualquer outra condição. Deve-se proteger as crianças e adolescentes contra a exploração econômica
e social. O emprego de crianças e adolescentes, em trabalho que lhes seja nocivo à moral e à saúde, ou que lhes
faça correr perigo de vida, ou ainda que lhes venha prejudicar o desenvolvimento normal, será punido por lei. Os
Estados devem também estabelecer limites de idade, sob os quais fique proibido e punido por lei o emprego
assalariado da mão-de-obra infantil.
7
Art. 12, §2, 1: As medidas que os Estados-partes no presente Pacto deverão adotar, com o fim de assegurar o
pleno exercício desse direito, incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: 1. A diminuição da
mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças.
8
Art. 13, §1: §1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação.
Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de
sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais.
Concordam ainda que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade
livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais,
étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
24

pacto internacional imperativo para os Estados que o firmassem e ratificassem, do qual


permitisse medidas de fiscalização e responsabilização das infrações comprovadas.
Nesse norte, em 1989, culminou a aprovação da Convenção sobre os
Direitos da Criança, também conhecida de Convenção de Nova York, a qual teve, de fato,
adesão pelos Estados membros, pois dotada de coercibilidade, diferente do que ocorreu em
1959 (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 52).
Não há diferenciação, pois, entre crianças e adolescentes, os quais são
qualificados no instrumento apenas como criança, sendo esta “todo ser humano com menos de
dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a
maioridade seja alcançada antes” (BRASIL, 1989).
A convenção recebe a concepção do desenvolvimento integral da criança,
“reconhecendo-a como verdadeiro sujeito de direitos, que exige proteção especial e absoluta
prioridade” (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 63).
É nesse sentido, sobre o princípio do superior interesse da criança, que
dispõe o artigo 3º, da Convenção de Nova York: “Todas as decisões relativas a crianças,
adoptadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades
administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da
criança” (BRASIL, 1989).
Para Vieira e Veronese (2015, p. 95), a Convenção afirma ser a criança
titular de todos os direitos que correspondem às demais pessoas, além de certos direitos
específicos de quem se encontra em fase de desenvolvimento físico, intelectual e psicológico.
Nas palavras das professoras: “Ao reconhecer à criança titular de direitos, consagra a
Convenção [...] um novo paradigma de proteção infantoadolescente, denominado Doutrina da
Proteção Integral”.
A tornar indubitável a quebra do paradigma anterior, o qual reconhecia
apenas o dever do Estado em tutelar e proteger as crianças, a Convenção de 1989, que
recepciona a nova doutrina, traz importante rol de direito das crianças, e não apenas o dever
do Estado em protege-las nesses mesmos aspectos.
Os artigos 6º, 7º e 8º, respectivamente, reconhecem os direitos de
personalidade da criança, como o direito à vida e o dever dos estados partes assegurar ao
máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança; o direito ao registro de nascimento,
nome, nacionalidade, o direito de conhecer seus pais e ser cuidada por esses; e, por fim, o
direito da criança em preservar sua identidade (BRASIL, 1989).
25

Além desses, em regra, as crianças têm o direito de não serem separadas de


seus pais (art. 9º) e o direito de visita daquelas cujos pais residam em Estados diferentes (art.
10º). A Convenção determina, ainda, medidas a fim de lutar contra a transferência ilegal de
crianças para o exterior e a retenção das mesmas fora do país (art. 11), além do direito dessas
a se expressar e ter suas opiniões, inclusive em processos judiciais ou administrativos que
afetem as mesmas (art. 12), o direito à liberdade de expressão (art. 13), à liberdade de
associação e à liberdade de pensamento, de consciência e descrença (art. 14), à liberdade de
realização de reuniões pacíficas (art. 15) (BRASIL, 1989).
Elas têm, igualmente, o direito de não serem objetos de interferência
arbitrárias ou ilegais em suas vidas (art. 16), bem como o direito à informação (art. 17), à
proteção e à assistência especiais do Estado (art. 20), à adoção (art. 21), o direito da criança de
gozar do melhor padrão possível de saúde e seus tratamentos (art. 24), o direito à avaliação
periódica na internação quando para tratamento de saúde (art. 25), o direito à previdência
social, inclusive ao seguro social (art. 26), o direito a um nível de vida adequado ao seu
desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social (art. 27), o direito à educação (art.
28), ao descanso, ao lazer, ao divertimento, às atividades recreativas próprias da idade, bem
como à livre participação na vida cultural e artística (art. 31) e o direito de ser protegida
contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser
perigoso ou interferir em sua educação, saúde ou desenvolvimento físico, mental, espiritual,
moral ou social (art. 32) (BRASIL, 1989).
Por fim e, para o presente trabalho, como o mais importante, tem o direito
toda criança, a quem se alegue ter infringido as leis penais ou a quem se acuse ou declare
culpada de ter infringido as leis penais, de ser tratada de modo a promover e estimular seu
sentido de dignidade e valor, e fortalecerão o respeito da criança pelos direitos humanos e
pelas liberdades fundamentais de terceiros, levando em consideração a idade da criança e a
importância de se estimular sua reintegração e seu desempenho construtivo na sociedade (art.
40) (BRASIL, 1989).
Como apontam Vieira e Veronese (2015, p. 102), conquanto a Convenção
não expresse em seu dispositivo o termo “Proteção Integral”, a nova doutrina é evidente ante
o enorme rol de direitos reconhecidos pelo instrumento e, apenas efetivos, se todos os direitos
correlatos forem garantidos.
Para Vianna (2004, p. 54), a escola da proteção integral parte da concepção
de que os direitos de todas as crianças devem ser universalmente reconhecidos. Esses direitos,
por sua vez, especiais e específicos são justificados pela condição de pessoa em
26

desenvolvimento. Portanto, as leis internas e o direito de cada sistema devem assegurar a


satisfação de todas as necessidades das pessoas de até dezoito anos de idade, não apenas no
que toca ao penal do ato praticado pela ou contra a criança, mas o seu direito à vida, à saúde, à
educação, convivência, lazer e outros.
A fim de dar efetividade aos objetivos dessa convenção, bem como
acompanhar sua implementação, em 1991, criou-se o Comitê sobre os Direitos da Criança, o
qual destacava quatro princípios basilares da convenção, quais sejam: I) Princípio da não
discriminação (art. 2º); II) Princípio da observância dos melhores interesses da criança (art.
3º); III) Princípio do direito à vida e à sobrevivência (art. 6º); e IV) Princípio do direito de
expressar sua opinião (art. 12) (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 65).
Tal qual, foram as criações de organismos como a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e o Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF) (VIEIRA; VERONESE, 2015, p. 96).
Em razão da Convenção, a Doutrina da Proteção Integral, por conseguinte,
passa a orientar a comunidade internacional em seu relacionamento, com espoco de extinguir
a pobreza crítica, os conflitos armados, as crianças refugiadas, a exploração sexual, o trabalho
infantil, e as inúmeras outras situações de violação dos direitos da criança (VIEIRA;
VERONESE, 2015, p. 97).
Nesse norte, o instrumento internacional, de forma coercitiva, faz com que
os Estados partes abandonem os pressupostos do antigo paradigma da situação irregular, a
caminhar com o fim de assegurar os direitos das crianças, e não mais limitando-se no dever de
tutelá-las.
Para Vieira e Veronese (2015, p. 101), não se tratou de uma simples
substituição terminológica, mas de uma mudança de paradigma, de um modelo normativo
para outro, o que resultou na criação de uma nova gramática, a qual é fonte de uma concepção
radicalmente distinta dos direitos da infância.
A partir desse vértice, antes mesmo de ratificar-se a Convenção – o que só
aconteceu através do decreto n. 99.710, em 21 de novembro de 1990 –, o ordenamento
jurídico nacional recebe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 13 de julho de
1990, através da Lei n. 8.069, o qual carrega como fundamento máximo a doutrina da
proteção integral.
A Constituição Federal de 1988, tal qual a convenção, recepciona, à criança
e ao adolescente, os pressupostos da proteção integral, a prioridade dos direitos da criança e
27

do adolescente, o interesse superior da criança e a proteção sistêmica em seu art. 227. In


verbis:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão (BRASIL, 1988).
É nesse sentido que Vieira e Veronese (2015, p. 117) assinalam o caráter
principiológico do Direito da Criança e do Adolescente que revestem a proteção integral, a
prioridade absoluta, o superior interesse e a proteção sistêmica, o que se depreende, da mesma
forma, dos incisos I, II, III e IV do parágrafo único do art. 100, do ECA.
Supera-se, portanto, ao menos em lei, a doutrina da situação irregular e seus
pressupostos assistencialistas.
Por outro norte, Vieira e Veronese (2015, p. 105) advertem que, embora
inequivocamente alentadora a nova concepção, não se deve ocultar as enormes dificuldades
de sua aplicação efetiva. É que tais pressupostos não conseguiram “impedir e,
lamentavelmente, vem sustentando a defesa da vigência de antigos institutos, permitindo
estabelecer, mesmo sob o marco da Convenção, discussões em termos da já superada e
obsoleta cultura tutelar” (VIEIRA; VERONESE, 2015, p. 106).
No que toca à prática de atos infracionais, a criança só será privada da
liberdade, por lei quando absolutamente cabível e indispensável, após o seu 12º aniversário,
fazendo-jus, antes de tal idade, às medidas de proteção (JUNQUEIRA, 2014, p. 47).
A Doutrina da Proteção Integral quanto a esse tema revela-se na proteção de
adolescentes em conflito com a lei das eventuais perdas pela imposição, ou pela imposição
injusta, de responsabilidades pela prática de infração à lei penal. É nesse sentido que o
adolescente é sujeito de direito (KONZEN, 2007, p. 27).
Não obstante as garantias processuais e sem desprezo às peculiaridades do
foro individual, a seletividade do sistema de justiça juvenil é ainda perceptível dentro do
paradigma da proteção integral.
É o que revela Junqueira (2014, p. 48) ao repisar o Relatório sobre Situação
da Adolescência Brasileira (BRASIL, 2011, p. 103), divulgado pela UNICEF:
De maneira geral, os estudos indicam que o adolescente em conflito com a lei já teve
alguma experiência com o uso de drogas, vem de família de baixa renda e teve
dificuldade de acesso ás políticas públicas essenciais, como a educação e a saúde.
Ou seja: são meninos e meninas com uma história de exclusão social e negação de
direitos.
28

Hodiernamente, os destinatários precípuos do sistema denunciados pela


UNICEF é evidente. Como exemplo, a ação preventiva realizada na cidade do Rio de Janeiro
em setembro, 2015, divulgada em diversos jornais nacionais. A Polícia Militar desse estado,
em operação a fim de inibir os famosos arrastões nas praias da zona Sul carioca, retirava
menores9 considerados suspeitos de dentro de ônibus com destinos às praias.
Nas palavras do secretário de segurança do Rio de Janeiro, José Mariano
Beltrame (BRASIL, 2015): “um menor de idade sai de um lugar distante 30, 40 quilômetros
da praia somente com uma sunga, sem dinheiro para passagem, sem dinheiro para beber, sem
dinheiro para comer, esta pessoa, no meu humilde entendimento, está em situação
vulnerável”. Não bastasse tal declaração, o secretário afirma que a decisão judicial, a qual
determinou a cessão de tal operação, prejudicou o trabalho da PM, uma vez que, a retirada de
menores dos ônibus levava em conta se eles estavam em situação vulnerável ou não
(BRASIL, 2015).
Não obstante possa ser considerado um caso isolado – o que sabemos que
não –, é palpável no sistema nacional a fragilidade da efetivação do novo paradigma, que não
se basta apenas na pouca infraestrutura do sistema, na falta de recursos, mas no próprio
desconhecimento do sistema de garantias de crianças e adolescentes.
Conforme ressalta Junqueira (2014, p. 50), citando Costa (2006, p. 56),
dentre os pressupostos do ECA, temos o seguinte: “Não estamos diante de um infrator que,
por acaso, é um adolescente, mas de um adolescente que, por circunstâncias, cometeu um ato
infracional”.
Assim, quando diante de um adolescente que pratica ato tipificado como
crime, por sua vez, no novo paradigma, será responsabilizado por sua conduta e poderá, a
depender das circunstâncias do ato e do próprio adolescente, receber as seguintes medidas
socioeducativas previstas no art. 112: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de
serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação
em estabelecimento educacional, além das medidas protetivas elencadas nos incisos I a VI do
art. 101 (BRASIL, 1990).
Dessa vez, como determina expressamente o art. 123, do ECA, o
adolescente em conflito com a lei será internado em instituição distinta daquele destinado ao
abrigo (BRASIL, 1990). Nessa perspectiva, quebra-se o caráter puramente assistencialista da

9
O jornalismo brasileiro, em regra, continua adotando o termo “menor” quando em notícias relacionadas a
crianças e adolescentes em conflito com a lei.
29

antiga legislação, uma vez que a infância e a adolescência carente receberão tratamento
distinto daquela vulgarmente conhecida como delinquente.
Apesar disso, o estabelecimento de internação, tal qual do código de menor,
permaneceu sem alterações substanciais, uma vez que o estatuto não disciplinou sua
infraestrutura física, isto é, o sistema socioeducativa permaneceu por longo período – e por
que não até os dias atuais – como as convencionais penitenciárias nominadas Febens pela
antiga legislação do menor.
Tampouco há, nos primeiros 22 anos de vigência do estatuto, legislação
disciplinando a execução das medidas socioeducativas, o que evidencia, infelizmente, a
história redizendo seus acontecimentos: adolescentes privados de liberdade sem que haja, no
ordenamento jurídico, previsão do modo como ocorrerá seu andamento.
No mesmo sentido, Afonso Kozen (2007, p. 49) afirmava que a ausência de
formas procedimentais rendia vez à subjetividade e a discricionariedade. O vazio normativo
igualava-se a uma viagem ao território do improviso.
Embora a doutrina proposta na década de noventa ainda deva ser
considerada recente e em afirmação, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE), instituído pela Lei n. 12.594/12, além de reafirmar e concretizar os pressupostos
da escola da Proteção Integral no âmbito do adolescente em conflito com a lei, lança novo
paradigma – práticas restaurativas –, reconhecendo, por conseguinte, as consequências
negativas e marcantes das medidas, em especial, aquelas em que há privação de liberdade.
Os aspectos até aqui apresentados introduziram a relação histórica e
filosófica entre o Estado e o adolescente em conflito com a lei, de modo que são perceptíveis
os entraves em cada modelo proposto. Para avançarmos, passamos às inovações e os objetivos
lançados pela recente Lei n. 12.594/12.

1.3 O novo olhar recepcionado pelo SINASE: práticas restaurativas

Após vinte e dois anos de vácuo legislativo, a Lei n. 12.594, de 18 de


janeiro de 2012, instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e
regulamentou a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique
ato infracional, além de alterar as seguintes legislações: Leis nºs 8.069, de 13 de julho de 1990
30

(Estatuto da Criança e do Adolescente); 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 11 de


janeiro de 1990, 5.537, de 21 de novembro de 1968, 8.315, de 23 de dezembro de 1991,
8.706, de 14 de setembro de 1993, os Decretos-Leis nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942,
8.621, de 10 de janeiro de 1946, e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (BRASIL,
2012).
O Sinase é composto por um “[...] conjunto ordenado de princípios, regras e
critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve
desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medida socioeducativa”
(BRASIL, 2006, p. 22). Constitui-se, ainda, de uma política pública destinada à inclusão do
adolescente autor de ato infracional que “se correlaciona e demanda iniciativas dos diferentes
campos das políticas públicas e sociais” (BRASIL, 2006, p. 23). Tal política, no mais, possui
interfaces com distintos sistemas e políticas, além de exigir atuação diferenciada que
harmonize responsabilização (com a necessária limitação de direitos determinada por lei e
aplicada por sentença) e satisfação de direitos (BRASIL, 2006, p. 23).
Outro aspecto importante refere-se aos órgãos deliberativos e gestores do
Sinase, os quais deverão ser articuladores da atuação das diferentes áreas da política social.
“Nesse papel de articulador, a incompletude institucional é um princípio fundamental
norteador de todo o direito da adolescência que deve permear a prática dos programas
socioeducativos e da rede de serviços”. (BRASIL, 2006, p. 23. Isto é, para a concretização da
proteção integral de que são destinatários todos os adolescentes, a conduta dos órgãos e
gestores do Sinase demanda verdadeira participação dos sistemas e políticas de “educação,
saúde, trabalho, previdência social, assistência social, cultura, esporte, lazer, segurança
pública” (BRASIL, 2006, p. 23).
Não obstante essa legislação promover uma ação educativa no atendimento
ao adolescente, seja em meio aberto ou em casos de restrição de liberdade, Veronese (2015, p.
236) destaca que “esse instrumento jurídico-político dá preferência às medidas executadas em
meio aberto, até porque compreende que as medidas restritivas de liberdade como a
semiliberdade e a internação devem ser aplicadas em último caso”.
Norteando esse sistema, tem-se os dispositivos da Constituição Federal de
1998 e do ECA, além dos tratados e convenções internacionais. É a partir dessas premissas
que o documento disciplina como devem atuar as entidades de atendimento que trabalham
com os adolescentes em conflito com a lei e “tem como objetivo o desenvolvimento de uma
ação socioeducativa pautada nos princípios que regem os Direitos Humanos” (VERONESE,
2015, p. 237).
31

No que toca à fase executiva da medida socioeducativa, o diploma delimita


o número ideal de jovens por unidades, traz apontamentos quanto ao modelo arquitetônico a
serem preferencialmente adotados, assinalando a premência de uma intervenção humana e
não simplesmente autoritária (JUNQUEIRA, 2014, p. 206).
Isso dito, os Programas de Privação de Liberdade, normatizados no art. 1510,
do Sinase, reforçam cinco distintas reinvindicações históricas, a saber:
- estabelecimentos educacionais com instalações adequadas, ou seja, reafirma-se aí
um NÃO aos lugares insalubres, fétidos, verdadeiros presídios com fachada de
Centros de Internação ou de Semiliberdade;
- previsão do processo e requisitos para a escolha de dirigente, que seguem critérios
políticos e não técnicos;
- apresentação das atividades com vistas a um trabalho coletivo – princípio
educativo, vez que aprender exige a coletivização;
- constituição de estratégia para gestão dos conflitos internos, com vedação ao
isolamento cautelar (com exceção dos casos previstos no § 2º, art. 49 11);
- previsão de regime disciplinar, conforme determina o art. 7212 (VERONESE, 2015,
p. 240).

Tendo em vista que o objetivo do presente capítulo não é exaurir todas as


facetas do Sinase, mas introduzir seus valores e objetivos, é bem-vinda a síntese de Veronese
(2015, p. 238) acerca desse sistema:
A lei do SINASE é constituída de 90 artigos, um verdadeiro “manual” a ser
“seguido” pelos operadores dos programas de atendimento, além de auxiliar os
operadores do sistema de garantia de direitos – principalmente na proposição de
políticas públicas e previsão orçamentária –, bem como os operadores do sistema de
justiça. Ambos devem atuar em conjunto para romper a lógica repressiva-punitiva
que permeia os programas de atendimento socioeducativo.

Tais premissas são suficientes para o fechamento do tema geral, a fim de


introduzir mais um vértice da Lei n. 12.594/2012, o qual é o cerne do presente trabalho, a
saber: as práticas restaurativas previstas no art. 35, inciso II e III.
Assim, dentre as diversas disposições, o diploma consagra, dentre os
princípios que regem a execução das medidas socioeducativas, a excepcionalidade da

10
Art. 15. São requisitos específicos para a inscrição de programas de regime de semiliberdade ou internação:
I - a comprovação da existência de estabelecimento educacional com instalações adequadas e em conformidade
com as normas de referência;
II - a previsão do processo e dos requisitos para a escolha do dirigente;
III - a apresentação das atividades de natureza coletiva;
IV - a definição das estratégias para a gestão de conflitos, vedada a previsão de isolamento cautelar, exceto nos
casos previstos no § 2o do art. 49 desta Lei; e
V - a previsão de regime disciplinar nos termos do art. 72 desta Lei. s e gestores do
11
Art. 49. [...]
§ 2º A oferta irregular de programas de atendimento socioeducativo em meio aberto não poderá ser invocada
como motivo para aplicação ou manutenção de medida de privação da liberdade.
12
Art. 72. O regime disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal que advenha do ato cometido.
32

intervenção judicial e a imposição de medidas, favorecendo os meios de autocomposição de


conflitos e a prioridade a práticas ou medidas restaurativas, nestes termos:
Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes
princípios:
[...]
II - excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas,
favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos;
III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível,
atendam às necessidades das vítimas;

Em coerência às práticas já adotadas nas Varas da Infância e Juventude


espalhadas pelo Brasil desde a primeira década do segundo milênio13, bem como as
experiências de outros países, a Lei n. 12.594/2012 inaugura, no ordenamento jurídico
nacional, a previsão legal de práticas restaurativas no âmbito da infância e juventude.
Tal princípio, de fato, reconhece os aspectos negativos e marcantes das
medidas socioeducativas, não obstante estas sejam reconhecidas como responsabilização
pedagógica, e não punitiva. Desse modo, a terceira alternativa, o modelo restaurativo, merece
especial atenção para sua concretização.
Por fim, como proposto inicialmente no capítulo, não obstante a história
revele que durante anos – e talvez até os dias atuais –, o tratamento dispensado a crianças e
adolescentes limitava-se a um sistema retributivo, assistencialista e institucionalizador, o qual,
recentemente, obteve o manto garantista e protecionista, resignificando o olhar o adolescente
em conflito com a lei, de fato, o modelo restaurativo é o primeiro que se apresenta como uma
nova possibilidade de escrever uma história inédita.
Feitas essas considerações e para avançarmos, galgamos para o próximo
capítulo, o qual se propõe examinar, de forma sincrônica, os pressupostos das medidas
socioeducativas, da justiça restaurativa, além do estudo dos modelos de autocomposição de
conflitos no ordenamento jurídico internacional e nacional.

13
Na comarca de Joinvile/SC, em 2003, foi implantado as práticas de mediações na Justiça da Infância e da
Juventude, sob a gerência do Dr. Juiz Alexandre Morais da Rosa (NIEKIFORUK; ÁVILA, 2015).
33

CAPÍTULO II

Justiça Restaurativa e Sistema Socioeducativo: modelos alternativos ou


complementares?

A fim de sistematizar o estudo deste capítulo, é imperioso verificar, em


primeiro lugar, a natureza das medidas socioeducativas, em especial, porque há, atualmente,
correntes doutrinárias antagônicas na seara dos interesses da infância e da juventude, o que,
por conseguinte, ocasionaria em díspares resultados à proposta deste capítulo.
Nesse aspecto, inicia-se este tema na procura da seguinte resposta: a medida
socioeducativa é instrumento de proteção, pena ou tem natureza diversa daquelas
naturalizadas no sistema?
Identificada a essência da medida socioeducativa, passa-se para o
reconhecimento das particularidades das práticas restaurativas e, em seguida, para as
experiências das justiças restaurativas com adolescente em conflito com a lei tanto no âmbito
nacional como internacional, aproximando-se, assim, do propósito de fundo deste capítulo: a
prática restaurativa é modelo complementar ou alternativo do sistema socioeducativo?

2.1 Compreendendo as medidas socioeducativas no paradigma da doutrina da Proteção


Integral

Já realizada a análise das questões históricas referentes às diferentes visões


acerca das crianças e dos adolescentes, tanto no contexto nacional como internacional, bem
como introduzido os principais aspectos da doutrina da Proteção Integral, acredita-se que se
possa ingressar no estudo das medidas socioeducativas, mormente, como dito, no que tange à
sua natureza, inclusive à luz da Criminologia crítica.
A divergência doutrinária e jurisprudencial acerca do caráter das medidas
socioeducativas é apontada por Marcelo Gomes Silva (2008, p. 61) como um dos fatores que
34

influenciam a reiteração de determinadas práticas históricas em relação ao tratamento dos


adolescentes em conflito com a lei penal.
De modo sintético, podem ser apontadas três diferentes tendências no trato
com a questão da responsabilização juvenil, quais sejam: a) a medida socioeducativa como
instrumento de “proteção”; b) a medida socioeducativa como “pena”; c) a medida
socioeducativa como medida judicial stricto sensu (SILVA, 2008, p. 61).
Não obstante o ordenamento jurídico nacional ter abandonado a visão
tutelar típica do Código de Menores, há entendimento na crença de que as medidas
socioeducativas são aplicadas na “proteção” do adolescente. Tanto é que existem discursos
defendendo a internação para “proteger” ou a prestação de serviços à comunidade para
“salvaguardá-lo” (SILVA, 2008, p. 61).
Sobre o discurso da ideologia protetora, Jorge Trindade (2002, p. 59)
adverte que essa é capaz de “mascarar a privação das garantias e dos direitos reconhecidos
para todos, deixando aberta a porta para abusos importantes sob o pretexto de que são de
interesse da criança”. De fato, tal aspecto foi notável na fase tutelar do tratamento jurídico
dispensado às crianças e aos adolescentes.
Conforme aponta Marcelo Gomes Silva (2008, p. 61), com razão, tal
fenômeno é principalmente observado na utilização assistencialista das medidas
socioeducativas quando se trata de atos infracionais mais leves. A justificativa da aplicação
daquelas encontra-se na suposta necessidade de afastar os adolescentes dos “perigos” que os
cercam.
Não é difícil a percepção de que essa hermenêutica destoa, em completo, do
novo paradigma da proteção integral inaugurado pela Constituição Federal de 1988. Até
porque, ao adotar-se tal entendimento, nada mais estamos criando senão repetindo a história
da Funabem.
O segundo discurso, adotado por considerável parte da doutrina nacional,
defende a natureza penal das medidas socioeducativas. Para grande parte dessa corrente, a
medida socioeducativa é pena, pois é retribuição (SILVA, 2008, p. 62). Dentre esses,
encontram-se os defensores do Direito Penal Juvenil.
Albrecht (1990), citado por Trindade (2002, p. 53), ao defender que a
educação não tira a natureza de pena da medida, esclarece que o tratamento educativo ocorre
dentro do pensamento punitivo, isto é, a educação se dá através da pena.
35

A fim de distinguir esses termos, necessário compreender, em primeiro


lugar, o significado de pena e, por conseguinte, tecer breves comentários sobre a teoria das
penas.
Segundo a Escola Clássica, globalmente considerada, a concepção de pena é
separada entre as chamadas teorias absolutas e relativas. É na teoria absolutista, defendida por
Kant, Hegel e Carrara, que a função da pena é a retribuição (ANDRADE, 1997, pp. 56-57).
Vera Regina Pereira de Andrade (1997, p. 57) ensina que, nessa teoria, a
“pena não é vista como meio para realização de fins, uma vez que encontra em si mesma a
própria justificação”. E continua: “a responsabilidade moral (imputabilidade), sinônimo de
liberdade de vontade, conduz à pena, que é ‘retribuição’ pelo mal realizado, diretamente
proporcionada ao crime e por ele justificada” (1997, p. 58).
A comparação entre pena e medida socioeducativa é feita, dentre outros,
pelos seguintes doutrinadores: Afonso Armando Konzen, Antônio Fernando do Amaral e
Silva, João Batista Costa Saraiva, Wilson Donizeti Liberati, Marina de Aguiar Michelman,
Karyna Batista Sposato e Ana Paula Motta Costa (SILVA, 2008, pp. 63-66).
Em síntese, Marcelo Gomes Silva (2008, p. 67) esclarece que “para os
defensores dessa linha de raciocínio, é necessário assumir a natureza penal das medidas para,
a partir dessa premissa, assegurar aos adolescentes as garantias de ordem processual”.
Nesse norte, dentro de uma perspectiva apenas teórica, frisa-se, ao abraçar
esse entendimento, isto é, o adolescente que praticar ato infracional cumpre uma pena, ainda
que sob a denominada medida socioeducativa, estaríamos diante de mais um retrocesso. É que
tal visão relembra a época em que o tratamento dispensando ao adolescente era indiferente, ou
seja, na hipótese de conduta análoga a crime, aplica-se o Código Penal por si só.
Em sentido contrário estão os doutrinadores Paulo Afonso Garrido de Paulo,
Tânia da Silva Pereira, Murilo Digiácomo, Mário Luiz Ramidoff, Alexandre Morais da Rosa,
Luís Gustavo Franco, Gersino Gerson Gomes Neto, Péricles Prade, Sandra Mári Córdova
D’Agostini, Josiane Rose Petry Veronese14 (SILVA, 2008, pp. 67-71).
A primeira premissa para compreender a natureza não penal das medidas
encontra-se na inimputabilidade penal de crianças e adolescentes, prevista na Constituição
Federal de 1988, em seu art. 228, que assim garante: “São penalmente inimputáveis os
menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial” (BRASIL, 1988).

14
Acrescentada pela autora.
36

Em outros dizeres, o constituinte originário “deflagrou uma modalidade


nova de responsabilidade: aquela que deveria ser contemplada por uma legislação específica”
(VERONESE; OLIVEIRA, 2008, p. 117), o que ocorreu em 1990, através do Estatuto da
Criança e do Adolescente, bem como pela Lei n. 12.594/12.
A respeito, Jorge Trindade (2002, p. 55) explica porque a inimputabilidade
afasta a suposta natureza penal do sistema socioeducativo:
[...], somente são imputáveis as condutas humanas, ativas ou omissivas, típicas,
antijurídicas e culpáveis, praticadas por pessoas capazes de direito. A criança e o
adolescente não são capazes de conhecer em plenitude a realidade de seus atos.
Falta-lhes a capacidade de percepção completa e de valoração dos fatos, razão pela
qual não são imputáveis, nem podem ser declarados culpáveis, não se lhes
aplicando, em nenhuma hipótese, o direito penal.
Em igual sentido, Veronese e Oliveira (2008, p. 111) afirmam que os
menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis e assim serão considerados até o
momento por “entender-se que não tenham atingido seu desenvolvimento completo e, por
consequência, a capacidade de terem plena consciência de seus atos e das suas
consequências”.

Alexandre Morais da Rosa (pp. 105-106 in SPENGLER, LUCAS, 2011)


assinala o ato infracional como (possível) sintoma de algo que não está acertado
subjetivamente, isto é, trata-se do processo da adolescência que, por sua vez, “implica,
necessariamente, um acertamento subjetivo em que os trilhamentos do complexo de Édipo
estão presentes”. O autor, citando Alberti (1999, p. 10), entende que a fase da adolescência é o
momento em que ocorre o confronto com o real do sexo além do trabalho de desligamento
dos pais. “As relações do sujeito adolescente com seu entorno, então, ganham novos matizes,
cujo enfrentamento depende, em muito, da maneira de como o sujeito foi estruturado”
(ROSA, 2011, p. 106).
É por tais razões que Rosa (p. 106 in SPENGLER, LUCAS, 2011) sustenta
que a intervenção nesta seara deve ser de ética de respeito, o que, por conseguinte, “demanda
o reconhecimento da singularidade e da procura individual de atribuição do sentido”.
De outro norte, Jorge Trindade entende que a inimputabilidade penal não é
entrave para a responsabilidade, tampouco se trata de obstáculo à intervenção do Estado. Em
verdade, conforme defende o professor, a inimputabilidade é “sinal indicativo de que a
intervenção que se espera não é a penal, mas a educativa” (2002, p. 49). Até porque, no
Estatuto da Criança e do Adolescente, não há uma medida determinada para um delito
concreto, pois, como se afirma, não é a infração penal que conta, mas a educação do
37

adolescente e como evitar que volte a praticar novos atos infracionais (TRINDADE, 2002, p.
50).
A educação, aliás, há muito é destacada como principal recurso para
prevenção de crimes. Fala-se prevenção, porque, como se insurgiu Cesare Beccaria (1996, p.
125), é “melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve
procurar antes impedir o mal do que repará-lo.”
O filósofo, ao responder a seguinte indagação, Quereis prevenir os crimes?,
indica, como meio mais seguro, porém, ao mesmo tempo, o mais difícil de tornar os homens
menos inclinados a praticar o mal, é aperfeiçoar a educação (1996, p. 132).
Em suas palavras:
Ouso, porém, dizer que está tão estritamente ligado com a natureza do governo que
será apenas um campo estéril e cultivado somente por um pequeno número de
sábios, até chegarem os séculos ainda distantes em que as leis não terão outro fim
senão a felicidade pública.
Um grande homem, que esclarece os seus semelhantes e que é por estes perseguido,
desenvolveu as máximas principais de uma educação verdadeiramente útil. Fez ver
que ela consistia bem menos na multidão confusa dos objetos que se apresentam às
crianças do que na escolha e na precisão com as quais se lhes expõem.
Provou que é preciso substituir as cópias pelos originais nos fenômenos morais ou
físicos que o acaso ou a habilidade do mestre oferece ao espírito do aluno.
Ensinou a conduzir as crianças à virtude, pela estrada fácil do sentimento, a afastá-
las do mal pela força invencível da necessidade e dos inconvenientes que seguem a
má ação (1996, p. 132).

Para Oliveira e Veronese (2008, p. 120), o Direito Penal Juvenil reporta


àquela visão penalista da história: da sanção negativa, o castigo, a punição; motivo pelo qual
as autoras entendem “que todos os esforços devam ser conjugados na efetiva
operacionalização do Estatuto, em sua ‘responsabilização estatutária’”.
Nesse norte, Jorge Trindade (2002, pp. 59 e 60) afirma que as medidas
socioeducativas, por nelas inexistirem caráter punitivo, devem obedecer aos seguintes
critérios de qualidade: a) ter caráter educativo; b) visar à socialização; c) estar adequada à
etapa desenvolvimental e às necessidades individuais.
Por outro lado, é necessário reconhecer que a principal inovação
recepcionada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, embora dificilmente aplicada na
execução das medidas socioeducativas, “foi a de superar a prática secular de que todo erro é
suscetível de punição. A Lei 8.069/90 rompe com este paradigma e de forma insurgente
estabelece que, presente o erro, este é possível ser trabalhado socioeducativamente”
(VERONESE; OLIVEIRA, 2008, p. 121).
38

Tal como não acontece no direito penal, nenhuma medida socioeducativa se


sustenta em si mesma. Isto é, a qualquer momento, na hipótese de o adolescente reunir
condições de conviver melhor com os outros e consigo mesmo, o Juiz tem o dever de
desconstituir a medida, pois esta alcançou sua finalidade e, por conseguinte, deixou de ser
necessária (TRINDADE, 2002, p. 60).
Contudo, sobre a insistência de crer-se que a resposta da medida
socioeducativa é punição, não são raros os atores jurídicos que insistem no cumprimento da
medida quando seu objeto já foi perdido, em razão do significativo decurso de tempo do
processo de apuração de ato infracional e execução de medida socioeducativa15.
Nesse mesmo sentido, cumpre asseverar que são também incoerentes as
fundamentações nas quais a internação é justificada ora como proteção da sociedade, ora
como em benefício e segurança do próprio adolescente (SILVA, 2012, p. 161).
Inclusive, embora equivocada a premissa, infelizmente, tal disposição é
encontrada no próprio Estatuto, em seu art. 174, o qual assim dispõe:
Comparecendo qualquer dos pais ou responsável, o adolescente será prontamente
liberado pela autoridade policial, sob termo de compromisso e responsabilidade de
sua apresentação ao representante do Ministério Público, no mesmo dia ou, sendo
impossível, no primeiro dia útil imediato, exceto quando, pela gravidade do ato
infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob
internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem
pública (BRASIL, 1990).
Marcelo Gomes da Silva (2012, p. 162) explana que a ideia de privação de
liberdade para proteção do adolescente é equivocada. Isso porque,
Caso tenha sua segurança ameaçada, por óbvio, compete ao Estado envidar esforços
para o resguardo da sua integridade física, mas nunca por meio da internação. Esse
dispositivo bem demonstra que apesar dos avanços do Estatuto, alguns resquícios do
menorismo não conseguiram ser extirpados do ordenamento e da prática (SILVA,
2012, p. 162).
É exatamente a persistência de algumas feições do menorismo na
jurisprudência nacional que sustenta a apreciação da medida socioeducativa sob à luz da
Criminologia crítica, a qual também merece destaque neste tópico.
Nesse sentido, Nayara Azevedo (2013, p. 123) entende que o caminho para
a efetivação de uma tutela jurisdicional em relação a adolescentes em conflitos com a lei não
deve buscar recuperá-los, ressocializá-los tampouco pautar-se na defesa social, mas deve
respeitá-los “enquanto sujeitos de direitos, dotados de certa autonomia e inseridos em um
contexto social, político e econômico comum ao dos adultos”.
15
É, por exemplo, o caso do julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível n. 2013.055962-0,
que, ao modificar a sentença absolutória para condenar o jovem pelo ato infracional análogo ao crime de
homicídio, aplicou a medida socioeducativa de internação em uma análise superficial dos princípios do sistema
socioeducativo, em especial, o princípio da brevidade e excepcionalidade, uma vez que tal medida foi determina
após 5 anos da prática do ato penal.
39

Nesse norte, ao compreender a medida socioeducativa a partir de objetivos


ressocializadores/reeducadores, tanto a doutrina do direito penal juvenil como da
responsabilização estatutária devem recepcionar as oposições ventiladas pela Criminologia
crítica.
Nesse aspecto, vale lembrar que o art. 10316, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, ao conceituar ato infracional, remete o intérprete à lei penal. É a partir dessa
definição que Nayara Azevedo (2013, p. 104), adotando como referencial teórico a
Criminologia crítica, em uma abordagem a partir da obra de Alessandro Barrata,
Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do Direito Penal,
além da vasta produção teórica da professora Vera Regina Pereira de Andrade, entende ser a
primeira etapa do processo de criminalização, inclusive na esfera do direito infracional, isto é,
na definição das condutas que serão criminalizadas – como ato infracional – e dos bens que
serão protegidos. Nas palavras da autora, “em uma sociedade divida em classes, as condutas
criminalizadas serão escolhidas pela classe dominante de acordo com os interesses desta”
(AZEVEDO, 2013, p. 104).
Dentro do paradigma da criminologia crítica, nesse norte, os princípios
norteadores da ideologia da defesa social, muitas vezes adotados como razão de aplicação da
medida socioeducativa17, são descontruídos a partir do labelling approach e da teoria do
conflito (ANDRADE, 1997, pp. 198-203). Além de esse paradigma desmentir o princípio do
bem e do mal, da culpabilidade, da legitimidade, do interesse social e do delito natural, bases
da dogmática penal, assinala-se que o princípio da igualdade é posto de lado de forma
reverberante tanto na esfera do Sistema Penal como do Sistema Socioeducativo.
Baratta (1991a, pp. 36-37, e 1982b, pp. 33-38), citado por Andrade (1997, p.
201), explica que a criminalidade é “uma qualidade atribuída a determinados sujeitos por
meio de mecanismos oficiais e não oficiais de definição e seleção”. A sociologia, por sua vez,
delimita a criminalidade como um status social, o qual assinala o indivíduo apenas após lhe
ser adjudicada com sucesso uma etiqueta de criminoso pelas instâncias que detêm o poder de
definição. As contingências para etiquetamento, todavia, são desigualmente distribuídas. Na
perspectiva do labelling approach a conceituação sociológica mostra-se como resultado de
“um processo altamente seletivo e desigual dentro da população total; enquanto o
comportamento efetivo dos indivíduos não é, por si mesmo, condição suficiente deste

16
Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal (BRASIL, 1990).
17
Comentário adicionado pela autora.
40

processo” (BARATTA, 1991a, pp. 36-37, e 1982b, pp. 33-38 apud ANDRADE, 1997, pp.
201-202).
A partir dessas premissas, ou seja, a criminalidade como pressuposto do
papel do sistema penal, torna-se instável o argumento ressocializador do sistema penal, tal
qual no sistema socioeducativo, na medida em que a criminalidade é definida pelo próprio
sistema (AZEVEDO, 2013, p. 113).
Em análise de julgados dos tribunais estaduais e superiores, Azevedo (2013,
pp. 116-118) chega a conclusão de que o estereótipo do menor infrator18 - número de
ocorrências anteriores, frequentar escola, encontrar-se residindo com a família – é o que
justifica a aplicação de medidas socioeducativas, e não as circunstâncias do ato infracional
apurado, pois aquela é de finalidade pedagógica. Assim, é possível observar significativa
diferença entre o Direito Penal, no qual a resposta é mais rígida em relação à infração
praticada e a pena a ser aplicada (AZEVEDO, 2013, p. 114).
Nesse sentido, Azevedo (2013, p. 2013) justifica que, pelos mesmos
motivos, no âmbito do direito juvenil, deverá ser objetada a intervenção estatal calcada sobre
a justificativa ressocializadora. É que, nos dizeres da autora, “assim como determinados
indivíduos recebem o status de criminosos, também o status de menor infrator é desigual –
mas não aleatoriamente – distribuído entre a juventude brasileira” (AZEVEDO, 2013, p. 113).
Embora haja, reiteradamente, fundamentação pautada nos princípios da
proteção integral e de sua finalidade pedagógica, a aplicação da medida socioeducativa é
sempre justificada, conforme analisou Azevedo (2013, p. 118) segundo as finalidades
declaradas das medidas repressivas do sistema penal: reeducação, ressocialização e
prevenção.
Assim, observa-se que o fundamento da natureza puramente pedagógica e a
desvinculação absoluta do Direito Penal são elementos que configuram um sistema que, sob a
aparência de protetivo, legitima, outra vez, uma prática menorista (AZEVEDO, 2013, p. 122).
No atual cenário doutrinário e jurisprudencial, é de grande relevância o
estudo do conflito entre as hermenêuticas do modelo protetivo. Isso porque, de um lado, tem-
se o Direito Penal Juvenil que cabe, em síntese, todas as críticas destinadas ao Direito Penal,
e, de outra ponta, encontra-se a perspectiva da responsabilização estatutária, que legitima, por
sua vez, interpretações anômalas do Estatuto da Criança e do Adolescente (AZEVEDO, 2013,
p. 118).

18
Isso porque é esse o termo utilizado nos julgados.
41

Além disso, acerca da natureza pedagógica acolhida pelos defensores da


responsabilização estatutária, aliás, necessário assinalar igualmente a crítica do efeito
“McDonaldização”. Isso porque, tal padrão é resultado da própria finalidade pedagógica da
medida socioeducativa, a qual fomenta a normatização e a disciplina, pois elas, conforme
argumenta Rosa (p. 110-111 in SPENGLER, LUCAS, 2011), apresentam
propostas padrões que desconsideram, por óbvio, o sujeito e, especialmente, a
existência de demanda, para em nome da salvação moral, do bem do adolescente,
proceder-se ao fomento de sua desubjetivação. Comumente impõe-se tratamento,
educação, disciplina, independentemente do sujeito, então objetivado.
[...]
No Brasil, portanto, qualquer pretensão pedagógica-ortopédica será sempre charlatã,
de boa ou má-fé.
Além da necessidade de reconhecer também a pretensão pegagógica-
ortopédica de alguns discursos, é necessário igualmente investigar os aspectos negativos das
medidas cumpridas em meio fechado, por compreender que representam as maiores violações
ao direito de liberdade do adolescente, as quais são inerentes ao atual sistema socioeducativo
(SILVA, 2012, p. 159), o que justifica, também, sua extinção.
É que, como bem repreende Marcelo Gomes Silva (2012, p. 158), em razão
dos diversos aspectos da privação de liberdade do adolescente, “a institucionalização é
medida extrema que traz consequências negativas e marcantes na vida do adolescente e, ainda
que o fim seja pedagógico, não há como negar que traz consigo os seus efeitos maléficos.”
Ademais, é imprescindível a análise objetiva de nossa realidade. Sobre esse
perfil, Veronese e Oliveira (2008, p. 119) denunciam:
Quando nos é apresentada a realidade da Febem/SP, que sequer sofreu alteração em
seu nome, continua sendo a Fundação do Bem-Estar do Menor, na qual os
adolescentes são ali jogados, um verdadeiro depósito à moda dos presídios, dos
indesejáveis sociais, sem um efetivo atendimento psicológico, pedagógico, de
manutenção dos vínculos familiares e comunitários, sem atividades
profissionalizantes, e simplesmente dizemos que o Estatuto é próprio, nesse caso
estaríamos sendo antiéticos. O modelo das instituições de internação, com raras
exceções, continua sendo o do passado, herdado da fase correcional-repressiva.

Dentre outros aspectos prejudiciais da institucionalização lançados por Silva


(2012, p.147), a internação, vista como instituições totais, estabelecem em sua rotina diária
uma série de eventos que atingem física ou psicologicamente a pessoa e tem como resultado
comum a mortificação do sujeito pelo isolamento com o mundo exterior.
Em consequência do isolamento está a falta de contato com a família. E é
nela o ponto principal de apoio e referência do adolescente que cumpre medida
socioeducativa em meio fechado. Altoé (1993, p. 91), citado por Silva (2012, p. 150), explica
que
42

Face ao desligamento, a família se torna o único ponto de apoio na vida social,


ponto de referência este tão desvalorizado pelas autoridades institucionais até então.
O interno se vê, portanto, tendo que mudar a representação inculcada pela
instituição. Frente à pressão de ter que desligar, ele valoriza e anseia o reencontro
familiar. Este reencontro, entretanto, quase sempre se dá em meio a muitos conflitos
[...].
Outro aspecto negativo da institucionalização decorre da disciplina do
estabelecimento. Isso porque a rigidez da disciplina suprime o autodiscernimento, a
responsabilidade pessoal e a iniciativa do interno (SILVA, 2012, p. 151).
Além disso, o estabelecimento das instituições é caracterizado também pela
uniformidade – de vestimentas, cabelos, número sequencial –, o que retira a autonomia do
adolescente e a decisão sobre seu corpo e seu comportamento (SILVA, 2012, p. 152).
Marcelo Gomes Silva (2012, p. 152) aponta que a diversidade, própria do
ser humano e de grupos sociais, é absolutamente reprimida, resultando em dificuldades
maiores ainda para que “os adolescentes possam compreender a internação como uma
tentativa de reinserção na comunidade”. Em verdade, tal característica “reafirma a negação da
sociedade ao diferente, que é a qualidade própria da adolescência” (SILVA, 2012, p. 152).
Embora não se possa alienar a norma da realidade, motivo pelo qual, deve-
se necessariamente considerar todos os efeitos prejudiciais das medidas socioeducativas,
notadamente a que retira a liberdade do adolescente em conflito com a lei, se a Lei n.
9.069/90 não funciona sob o prisma aqui por último contemplado, “é porque estamos
trabalhando com profissionais inabilitados e/ou programas inadequados, o que se apresenta
como uma grande omissão, um verdadeiro descaso com a área infanto-juvenil” (VERONESE;
OLIVEIRA, 2008, p. 121).
É por essa mesma razão que Jorge Trindade (2002, p. 60) aponta sua ideia
nuclear acerca das medidas socioeducativas. Para Trindade (2002, p. 60), é imprescindível a
“inter-relação entre órgãos de aplicação e órgãos de execução das medidas, sob pena de as
decisões judiciais ficarem sem controle e sem resposta. Esta é mais importante do que a
medida em si”.
Tal qual é o entendimento de Marcelo Gomes Silva (2012, p. 147) ao
denunciar que o modelo de justiça juvenil é caracterizado pela divisão das atribuições na
aplicação de medidas socioeducativas. Assim, nas palavras do doutrinador, “enquanto a
representação em face do adolescente é oferecida pelo Ministério Público, a instituição não
vincula a um dos três Poderes, a sentença é prolatada pelo Judiciário” (2012, p. 147). Já
quanto ao cumprimento da medida privativa de liberdade, continua Silva (2012, p. 147), esta
43

está sob a incumbência do Executivo que ainda pode a delegar a organizações não
governamentais.
É por tais motivos, como também defendeu Trindade, que essa divisão de
funções, quando não há diálogo, faz com que os profissionais e, em especial os operadores de
direito, não tenham noção da realidade na qual estão trabalhando (SILVA, 2012, p. 147).
Não há como esquivar-se, portanto, do fato da institucionalização gerar
traumas físicos, psicológicos e sociológicos, e marca, indelevelmente, a vida dos adolescentes
justamente quando a vida corresponde a descobertas, a ritos de passagem e ao ingresso no
universo adulto (SILVA, 2012, p. 124).
Assim, analisadas as críticas cabíveis aos modelos propostos pelo Direito
Penal Juvenil e pela responsabilização estatutária, assim como realizada a abordagem da
tradicional medida socioeducativa à luz da criminologia crítica, a qual revela a seletividade do
atual sistema do direito infracional e, igualmente, os aspectos negativos inerentes ao usual
modelo, em especial, no que diz respeito às medidas de privação de liberdade, reconhece-se
substancial a necessidade de respeitar e ouvir o sujeito para se falar em um caráter pedagógico
de suas intervenções, que valorize o adolescente em todas as suas potencialidades e que lhe
sugere um caminho diferente a seguir.
A prática, como aponta Silva (2012, p. 154), de fato, desvirtua-se para a
caracterização, o que, apesar de não alterar os conceitos teóricos, exige respostas diversas.
Alexandre Morais da Rosa (p. 111, in SPENGLER; LUCAS, 2011), nesse
sentido, aproxima a função e lugar da mediação. Para o autor é imprescindível respeitar o
sujeito e com ele, no limite do possível eticamente, se houver demanda, “construir um
caminho, sempre impondo sua responsabilidade pelo ato e relembrando-o, ou mesmo
advertindo, de que existe algo de impossível, algo que não se pode gozar”.
É aí, então, que se mostra relevante introduzir um novo paradigma para
atender as demandas de adolescentes em conflito com a lei: as práticas restaurativas.
44

2.2 Justiça Restaurativa: fundamentos éticos e princípios

Neste tema, propõe-se delinear um conceito amplo de Justiça Restaurativa,


sem, contudo, limitar-se a contrapô-la à Justiça Retributiva. Pretende-se pontuar as questões
relativas aos seus pressupostos e princípios.
A abordagem inicial será, assim, a especulação destes aspectos: identificar
os principais elementos epistemológicos formadores do modelo de Justiça Restaurativa, para,
então, o próximo tema cuidar dos modelos de resolução de conflitos que podem estar
inseridos na Justiça Restaurativa.
Tal metodologia mostra-se importante, pois, como explica Prudente (p. 42,
in SPENGLER; LUCAS, 2011), a fim de avaliar o quão restaurativo é essa prática, é
imperioso examinar o que existe de “restaurativo tanto em seus valores quanto em seus
processos, pois valores e processos são inseparáveis, posto que valores determinam o
processo e o processo torna visíveis os valores”.
Não obstante inexistir um único conceito teórico sobre a justiça restaurativa,
é possível encontrar em suas práticas elementos que se distinguem daqueles já conhecidos da
justiça criminal tradicional e a própria justiça consensual tradicional.
Foi no século XX que emergiu a ideia de reparação do dano como uma
modalidade de pena, bem como da vitimologia como uma nova disciplina. Apenas depois,
todavia, que se passa a falar acerca do novo papel para a reparação do dano de forma mais
precisa (GIAMBERARDINO, 2014, p. 127).
André Ribeiro Giamberardino (2014, p. 127), lista, em primeiro lugar,
Giorgio Del Vecchio como fundador dos primeiros pressupostos do novo paradigma, que, em
1965, defendeu que a compensação, inclusive simbólica, “seria a única forma de atender às
expectativas de justiça da vítima e da coletividade”. O próximo, em 1977, é Randy Barnett
que doutrinou a favor da “restituição pura” como um novo modelo para a justiça penal, assim:
“o conceito de ‘crime’ seria visto como uma nova ofensa a direitos de alguém, e não do
Estado, consistindo sua forma pura na compensação pelo dano causado sem passar pela
imposição de sofrimento ao ofensor” (GIAMBERARDINO, 2014, p. 127).
Giamberardino (2014, p. 127), por fim, cita o psicólogo Alberto Eglash
como responsável por introduzir o termo “justiça restaurativa” no contexto ocidental. Aliás,
tais autores contribuíram para se alcançar a “reabilitação” do acusado sem utilizar-se do
recurso à privação de liberdade. A justiça restaurativa, nesses termos, acabou por se
45

classificar como uma terceira possibilidade ao lado da justiça “retributiva” e “distributiva”,


caracterizando-se, também, como criativa, eis que conta com a participação dos diretamente
envolvidos (GIAMBERARDINO, 2014, p. 127).
Embora diversos autores admoestem sobre o reducionismo que poderá
resultar a tentativa de conceituar de forma unívoca a justiça restaurativa, como alerta Sica
(2015, p. 417), que defende que a riqueza da proposta da restauração “está, justamente, na
diversidade e na flexibilidade, o que permite a sua melhor adaptação a diferentes cenários
sociais”, cumpre, aqui, colacionar marcos jurídicos internacionais importantes sobre a justiça
restaurativa.
A Resolução n. 2002/12, da ONU, intitulada “Princípios básicos para
utilização de programas de justiça restaurativa em matéria criminal”, adotou conceito amplo e
bem-vindo, pois visa amparar a institucionalização do novo modelo nos Estados:
Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e,
quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade
afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do
crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem
incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e
círculos decisórios (sentencing circles) (BRASIL, 2002).
De forma mais recente, em 25 de outubro de 2012, o Parlamento Europeu e
do Conselho, adotaram a Diretiva n. 2012/29/UE, que estabelece normas mínimas relativas
aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade. Neste ato, justiça restaurativa
é entendida como um “processo que permite que a vítima e o autor do crime participem
ativamente, se o fizerem com o seu livre consentimento, na resolução de questões decorrentes
do crime mediante a ajuda de terceiros imparciais” (UNIÃO EUROPEIA, 2012).
Em síntese, Neemias Moretti Prudente (p. 42 in SPENGLER; LUCAS,
2011) define a justiça restaurativa como um novo modelo de resolução de conflitos, no qual
as partes envolvidas no conflito (vítima, infrator e comunidade – primária e/ou secundária) se
encontrarão e buscarão, através de diálogo/consenso e com a ajuda de um facilitador
capacitado, a solução da divergência, a reparação dos danos – sentido lato – e a reintegração
das partes, como medida conveniente para todos.
No que toca aos processos (práticas), as formas mais conhecidas de Justiça
Restaurativa são resumidamente em três, quais sejam:
I) Mediação vítima-ofensor, que consiste no encontro entre vítima e ofensor; II)
Conferências familiares – nesses encontros, além da vítima e do ofensor, se incluem
os familiares ou pessoas de apoio do ofensor e da vítima, e ademais tendem a
participar agentes do Estado, como a polícia e assistentes sociais; III) Círculos, além
de incluir a vítima e o ofensor, seus respectivos familiares e apoios, estão abertos a
qualquer pessoa representativa da comunidade que tenha um interesse em envolver-
se no assunto. Os membros do sistema judicial também podem participar.
(PRUDENTE, p. 43 in SPENGLER; LUCAS, 2011).
46

Vale assinalar que a justiça restaurativa também tem sido representada


como modelo compatível com as crenças espirituais dos cristãos, judeus, indígenas,
muçulmanos e outros grupos religiosos (WOOLFORD; RATNER, 2008, p. 65, tradução
nossa)19. Da mesma forma, as práticas restaurativas são frequentemente entendidas dentro de
uma perspectiva de justiça social mais ampla, a qual objetiva a transformação das relações
sociais injustas (WOOLFORD; RATNER, 2008, p. 65, tradução nossa)20. Por fim, alguns
consideram a justiça restaurativa como um estilo de vida, no sentido que devem andar em
sintonia com o que falam – “walk the talk” – acerca da justiça restaurativa em todas as
dimensões de seus cotidianos (WOOLFOR; RATNER, 2008, p. 65, tradução nossa)21.
Giamberardino (2014, p. 128) orienta no sentido de a denominação do novo
paradigma, como “restauração”, “restituição criativa”, mediação, não deve implicar tanto no
estudo em si, uma vez que “nomes” muitas vezes podem trazer consigo vícios e experiências
que não correspondem ao que se pretende. O cerne do novo modelo está, nas palavras de
Giamberardino (2014, p. 128), “na participação ativa e criativa dos sujeitos criminalizados e
vitimizados, na criação de espaços e oportunidades de diálogo e mútua compreensão”.
Conformem também definem Andrew Woolford e R.S. Ratner (2008, p. 65,
22
tradução nossa) , o processo da justiça restaurativa tipicamente acentua a participação da
vítima e do ofensor, e, às vezes, da comunidade, em um encontro facilitado. Os objetivos dela,
por sua vez, incluem promover a empatia, reparar o dano e reintegrar o ofensor. Seus valores
concentram-se na oposição entre a justiça retributiva e a restaurativa. Isto é, esta última é
conhecida por possuir valores na cura, na não coerção, amor, cuidado, participação
democrática, as quais são opostas a orientação do direito penal formal, que, por sua vez, é
punitivo, coercitivo e alienante (WOOLFORD; RATNER, 2008, p. 65, tradução nossa)23.
De forma análoga, Prudente (p. 43, in SPENGLER; LUCAS, 2011), citando
Van Ness e Strong (1997, p. 42), elenca quatro valores centrais da justiça restaurativa, quais
sejam: I) encontro, II) participação, III) reparação e IV) reintegração.

19
Restorative justive ha salso been represented as consistent with the spiritual beliefs of Christians, Jews,
aboriginal peoples, Muslims and other religious groups.
20
Likewise, restorative justice is often undertood to fit within a broader social justice perspective that seeks to
transform unjust social relations.
21
Finally, some consider restorative justice a lifestyle, in the sense that practitioners and advocates must ‘walk
the talk’ of restorative justice in all dimensions of their everyday lives.
22
Restorative justice process typically emphasise the participative involvement of victim and offender, and
sometimes the community, in a facilitated encounter.
23
The goals of restorative justice include promoting empathy, repairing harm and reintegrating offenders. The
values of restorative justice centre on key oppositions between restorative and retributive justice. Restorative
justice is said to possess values of healing, non-coercion, love, caring and democratic participation that are
contrary to the adversarial orientation of formal criminal law, wich, acoording to restorative justive advocates, is
punitive, coercive and alienating.
47

Sob outro prisma, Howard Zehr (2008, p. 170), da mesma forma como
assinalado por Randy Barnett, antes de introduzir a concepção de justiça restaurativa que
defende, entende ser necessário a problematização do conceito do crime. É que o autor
reconhece diferentes olhares sobre o significado do crime, pois acredita que este é
compreendido segundo o paradigma adotado. Assim:
Justiça retributiva: O crime é uma violação contra o Estado, definida pela
desobediência à lei e pela culpa. A justiça determina a culpa e inflige dor no
contexto de uma disputa entre ofensor e Estado, regida por regras sistemáticas.
Justiça restaurativa: O crime é uma violação de pessoas e relacionamentos. Ele cria a
obrigação de corrigir os erros. A justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade
na busca de soluções que promovam reparação, reconciliação e segurança.
Em outras palavras, o crime não é uma ofensa em primeiro plano contra a
sociedade tampouco contra o Estado. O crime possui uma dimensão interpessoal, ou seja, é,
primeiramente, uma ofensa contra as pessoas e por tal motivo a resposta deve-se partir delas
(ZEHR, 2008, p. 172).
Convém assinalar que o autor Zehr (2008, p, p. 173) indaga-se acerca da
adequação do termo crime, pois não acredita que este seja adequado para o novo paradigma.
Apesar disso, optou por continuar com o uso dessa palavra, uma vez que não encontrou
nenhum substituto aceitável.
Isto dito, o crime envolve quatro dimensões de violações que precisam ser
sanadas, quais sejam: a) a vítima, b) os relacionamentos interpessoais, c) o ofensor, d) a
comunidade, sendo que a justiça restaurativa concentra seus esforços primeiramente nas duas
primeiras dimensões, diferente do que ocorre na justiça retributiva (ZEHR, 2008, p. 173).
Como o novo paradigma tem como objeto a restauração, a questão central
não é mais no que devemos fazer ao ofensor ou o que ele merece em razão de sua conduta,
mas sim na seguinte pergunta: “O que podemos fazer para corrigir a situação?” (ZEHR, 2008,
p. 175).
Howard Zehr (2008, p. 176) defende que a justiça é restauração, o que
implica que aquela deverá reparar a lesão e promover a cura. Em segundo plano, portanto, a
justiça deve procurar sanar o relacionamento entre vítima e ofensor, isto é, a reconciliação. E
continua:
A restituição representa a recuperação de perdas, mas sua verdadeira importância é
simbólica. A restituição significa um reconhecimento do erro e uma declaração de
responsabilidade. A correção do mal é, em si, uma forma de expiação que poderá
promover a cura mais eficazmente do que a retribuição (ZEHR, 2008, p. 181).
48

Na definição de Tony Marshall (1999, p. 5, tradução nossa),24 justiça


restaurativa é um novo tipo de abordagem ao crime que inclui uma resolução para este, na
qual envolve as próprias partes e a comunidade em geral. Define que justiça restaurativa não é
nenhuma prática particular, mas um conjunto de princípios que orienta a prática geral de
qualquer órgão ou grupo em relação ao crime (Marshall, 1999, p. 5, tradução nossa)25. Trata-
se, nas palavras de Giamberardino (2014, p. 2014), “de visão minimalista ou pura, que
prioriza a efetiva resolução de conflitos por mecanismos de mediação e traz um conceito de
reparação simbólica, não apenas pecuniária”.
Sob esse ângulo, a restauração apenas existirá se houver, ao menos, a
tentativa de promoção de um encontro entre vítima e ofensor, bem como entre seus próprios
círculos familiares e sociais. Além do mais, nessa perspectiva, esses – vítima e ofensor – são
quem devem debater e construir a proposta de acordo de reparação simbólica
(GIAMBERARDINO, 2014, p. 130).
Em decorrência de tais premissas, isto é, em razão da mediação se
desvincular do resultado final de acordo, é notório a não instrumentalidade dela em relação ao
processo penal. Sica (2015, p. 419) entende que tal aspecto é resultado de um simples motivo:
“a mediação penal não é um meio e sim um fim, uma atividade cujo alcance pode resultar em
solução que indique a desnecessidade de pena, afastando as necessidades materiais de
acionamento da tutela penal repressiva”.
A mediação, nesse prisma, é capaz de agir como fator de estabilização
social, como instrumento de veiculação do consenso. O ofício de mediação aparece, então,
como esfera pública, que produz, nas palavras de Leonardo Sica (2015, pp. 419-420),
“reconhecimento recíproco entre as pessoas, propagado sobre a forma de discurso;
esclarecimento e confirmação de reinvindicações legítimas geradas ao redor de expectativas
normativas transmitidas pela lei”.
Nessa perspectiva, Sica (2015, p. 419) define o melhor conceito de
mediação que se encaixa no âmbito da construção do novo paradigma e, em seguida,
relaciona os principais requisitos para qualificar a medicação penal e de outras esferas:
a mediação é uma reação penal (concebida sob o ponto de vista político-criminal)
alternativa, autônoma e complementar à justiça formal punitiva, cujo objeto é o
crime em sua dimensão relacional, cujo fundamento é a construção de um novo
sistema de regulação social, cujo objetivo é superar o déficit comunicativo que

24
Justice restorative is a problem-solving approach to crime which involves the parties themselves, and the
community generally, in an active relationship with statutory agencies.
25
It is not any particular practice, but a set of principles which may orientate the general practice of any agency
or group in relation to crime.
49

resultou ou que foi revelado pelo conflito e, contextualmente, produzir uma solução
consensual com base na reparação dos danos e na manutenção da paz jurídica.
[...]
Em suma, os requisitos para qualificar a mediação penal são: voluntariedade;
confidencialidade e oralidade, informalidade; neutralidade do mediador; ativo
envolvimento comunitário; autonomia em relação ao sistema de justiça. Existem
características comuns às mediações promovidas em todos os âmbitos (penal ou
não): a intervenção de terceiros imparciais na função de facilitadores, o
envolvimento das partes em conflito, o consenso das partes à atividade de mediação
e a natureza extrajudicial.
Para a perspectiva maximalista, conforme classifica André Giamberardino
(2014, p. 130), “é admissível a inclusão da coerção à cooperação e possível a ressignificação
do processo penal tradicional e da pena estatal sob o prisma da restauração”. Nessa, em regra,
o cerne da restauração desloca-se “para a reparação dos danos sofridos sob um prisma
compensatório ou retributivo, mais preocupado com a reparação financeira/pecuniária da
vítima” (GIAMBERARDINO, 2014, p. 130).

Nos termos propostos por Johnstone e Van Ness, citado por Giamberardino
(2014, p. 130), tanto a concepção minimalista como a maximalista podem diferenciar-se
segundo o enfoque ao encontro ou à reparação, pois aqueles assinalam que as perspectivas
devem se complementar, e não se excluir.
Por fim, outros dois aspectos da justiça restaurativa necessitam ser
esclarecidos: a questão do “empowerment”26 dos indivíduos envolvidos e os limites da
influência da Vitimologia neste paradigma.
Mosconi (2000, p. 57), citado por Leonardo Sica (2015, pp. 418-419),
ressalta, no modelo de restauração, a necessidade de “empowerment” como fundamento de
uma nova subjetividade que outorga aos envolvidos papel ativo, de redefinição de problemas,
de reafirmação de sua autonomia e poder, em todos os âmbitos, como culturais, políticos e
psicológicos. Isso se dá, segundo o autor, a partir das diferentes orientações presentes que são
capazes de fluir na justiça restaurativa, o que, por outro norte, “são sufocadas pelas abstrações
e esquematizações pelo sistema tradicional e estruturas burocráticas correspondentes, cuja

26
Leonardo Sica entende insuficiente e redutiva e tradução de “empowement” por apoderamento ou
empoderamento. Nesse sentido, Marshal, Bayack e Bowen (2005, p. 273), citados por Sica (2015, p. 417-418),
assim definem: “[...] todo ser humano requer um grau de autodeterminação e autonomia em suas vidas. O crime
rouba este poder das vítimas, já que outra pessoa exerceu controle sobre elas sem seu consentimento. A Justiça
restaurativa devolve os poderes a estas vítimas, dando-lhes um papel ativo para determinar quais são as suas
necessidades e como estas devem ser satisfeitas. Isto também dá poder aos infratores de responsabilizar-se por
suas ofensas, fazer o possível para remediar o dano que causaram e iniciar um processo de reabilitação e
reintegração”. E Leonardo Sica (2015, p. 418) continua em suas palavras: Aprimorando essa definição e
adequando-a aos moldes do presente estudo, o “empowerment” verifica-se com a recuperação do poder de
diálogo e entre as partes, suprimido pelo processo penal, assim como o poder de evitar o processo e definir
outras formas de regulação social distintas daquela única oferecida pelas agências judiciais tradicionais.
50

transformação também se insere dentro dos objetivos da justiça restaurativa” (SICA, 2015, pp.
419).
A crítica que, em regra, cerca o aspecto do papel ativo da vítima na justiça
restaurativa refere-se à possível reintrodução da vítima na condução do evento criminoso.
Contudo, tal afirmação merece adequada ponderação, como alerta Santos (2013, pp. 126-
127).
Não obstante ela tenha acolhido influências da Vitimologia, a justiça
restaurativa jamais se propôs a buscar a troca da atual postura estatal, a qual rejeita o sujeito
passivo na solução do conflito, no lugar de uma ditadura da vítima em uma postura
desfavorável ao ofensor (SANTOS, 2013, pp. 126-127). Isso porque, como esclarecido por
Leonardo Sica, o “empowerment”, isto é, o papel ativo, é entregue tanto à vítima como ao seu
ofensor.
Não há, portanto, falar-se em legitimação de respostas advindas do possível
ódio cultivado pela vítima, eis que a justiça restaurativa não foi recebida com o escopo para
legitimar a vingança. Exatamente para evitar tais posturas, todos os envolvidos, nos encontros
restaurativos, devem “estar cientes de que os direitos das partes estão igualmente
resguardados, não havendo uma espada apontada para a cabeça do autor do delito” (SANTOS,
2013, p. 127).
Tal qual apontado por Santos (2013, p. 128) no que toca à coexistência da
justiça restaurativa e do Direito Criminal, neste trabalho, defende-se uma atuação
complementar do paradigma restaurativo no sistema socioeducativo atualmente em voga,
postura na qual acaba por enfatizar o princípio da intervenção mínima defendido pela própria
Doutrina da Proteção Integral.
Isso porque, como visto no tópico anterior, ambos os modelos, tanto da
restauração como do sistema socioeducativo referem-se a novos paradigmas, cujos objetivos
são convergentes: rompem a natureza retributiva e coercitiva da resposta do Estado diante de
adolescentes em conflito com a lei penal.
Portanto, não há se falar em confronto entre o sistema socioeducativo e a
justiça restaurativa, como ocorre quando na esfera da justiça retributiva, mas sim em
complementariedade da restauração. De outro norte, como já sustentado, é necessário também
compreender os aspectos negativos das medidas socioeducativas, em especial, aquelas
consubstanciadas em privação de liberdade, assim como a falha interpretativa de diversos
atores jurídicos ao aplicarem aquelas.
51

É por tais razões que se reconhece o modelo restaurativo conciliável e,


notadamente, desejável também no âmbito da justiça juvenil.
Veronese (2015, pp. 282-283), ao abordar a justiça restaurativa e a
responsabilização estatutária, argumenta que, por esses motivos, o SINASE encontrou forças
e espaço nos que concebem o Sistema Estatutário como modelo, o qual incentiva, sempre que
possível, a reparação dos atos lesivos, a integração social do adolescente, bem como a
desaprovação da conduta que caracterizou o ato infracional.
Para finalizar a presente análise, é imprescindível registrar que, tal qual o
novo paradigma restaurativo, o sistema de medidas socioeducativas pretende “a superação das
velhas concepções autoritárias de defesa social e de caráter retributivo, pois sabemos que a
melhor alternativa de superação à violência é a emancipação humana” (VERONESE, 2015, p.
283).
Sendo assim, reconhecendo-se a complementariedade entre os modelos de
restauração e socioeducativo, resta examinar, de forma perfunctória, como vem acontecendo a
reprodução de tais práticas em âmbito internacional e nacional.

2.3 Os modelos de restauração no ordenamento jurídico internacional e nacional

A proposta desta abordagem concentrar-se-á, com maior relevância, nas


práticas restaurativas com adolescentes em conflito com a lei, pois tais exemplos contribuirão
para uma análise mais aprofundada do modelo de Justiça Restaurativa implementado na
Justiça da Infância e Juventude de Florianópolis/SC, tema do último capítulo deste trabalho.
Embora com antecedentes mais antigos, a justiça restaurativa,
verdadeiramente, tornou-se um movimento social por volta dos anos 1970, ao mesmo tempo
em que a comunidade de mediação emergia (WOOLFORD; RATNER, 2008, p. 69, tradução
nossa).
Woolford e Ratner (2008, p. 69, tradução nossa) citam como uma das
primeiras experiências de justiça restaurativa, o modelo de Kitchener, cidade da província
canadense de Ontário, assim nomeada: Programa de Reconciliação Vítima e Ofensor – Victim
Offender Reconciliation Program [VORP]. Em 1974, o modelo foi implantado após diversas
52

práticas de vandalismos por dois adolescentes na região próxima a Elmira, em Ontário. Foi
Mark Yantzi, Oficial de Justiça, que propôs ao juiz o encontro entre os adolescentes e as
vítimas. Como um menonista, Yantzi estava interessado em uma abordagem de pacificação na
justiça criminal. Todavia, o Oficial de Justiça jamais esperou que o juiz concordasse com sua
proposta tampouco que lhe atribuiria a tarefa de facilitar o encontro entre os adolescentes e as
vítimas. Juntamente com David Worth, que trabalhava para o Comitê Central Menonista,
Yantzi aceitaram a função e apresentaram resultados encorajadores. Os adolescentes ficaram
face-a-face com as vítimas, assim como repararam os danos causados, o que estimou a criação
de um projeto de justiça reparadora (PEACHEY; 2003, apud WOOLFORD; RATNER, 2008,
p. 69, tradução nossa)27.
Vezzulla (2004, p. 89), por sua vez, aponta o programa de Barcelona como
uma das primeiras experiências de medição na justiça juvenil. Em maio de 1990, pois, a
Dirección General de Justicia Juvenil começou a aplicar a mediação.
Ao citar Vidal (1996), Vezzulla (2004, p. 89) destaca as dificuldades iniciais
da experiência, em razão da inexistência de previsão legal de procedimentos conciliatórios.
Apenas a partir da Lei Orgânica 4/12, que regulamentou os “Juizados de Menores”, foi
recepcionada a prática de reparação, em dois momentos distintos:
1. Como alternativa ao processo judicial, como uma forma de parar o procedimento
atendendo à pouca gravidade dos fatos, à situação especial do adolescente e à
proposta deste de reparar o dano ocasionado;
2. Como suspensão da medida judicial toda vez que, estando já desenvolvido o
procedimento judicial, se apresentasse ao adolescente e seus responsáveis a
possibilidade de fazer um acordo de reparação extrajudicial.
Esses enunciados inauguraram, com o conceito material de reparação como
reparação do dano, reposição do bem ou de seu valor, um espaço à conciliação e, por
conseguinte, a um “tratamento direto entre o ofensor e os supostos prejudicados, o que os
obriga a dialogar, a trocar sentimentos, dores, mágoas, a repensar o ato violento junto ao
outro, desde o outro e junto a ele” (VEZZULLA, 2004, p. 90).

27
Despite its ancient lineage, restorative justice truly took hold as a social movement in 1970s, around the same
time that community mediation emerged. One of the earliest restorative justice experiments, the Kitchener
Ontario Victim Offender Reconciliation Program (VORP), took place in 1974, after a vandalism spree by two
teenagers in nearby Elmira, Ontario, inspired probation officer Mark Yantzi to propose to te judge that the
offenders meet with their victims. As a Mennonite, Yantzi was interested in taking a peacemaking approach to
criminal justice, but he never expected the judge to agree to his approach and to assign to him the task of
facilitating meetings between the teenagers and their victims. He and David Worth, who worked for de
Mennonite Central Committee, took on this challenge, and its encouraging results – the teenagers faced their
victims and paid restitution – spurred them to create a post-sentencing restorative justice project dedicated to
reconciling offenders with their victms.
53

Vezzulla (2004, p. 91) explica que a lei catalã não é explicita quanto ao
modo que se procederá a reparação da vítima. Ela limita-se a valoração do esforço realizado
pelo adolescente no momento em que repara o dano causado. É com essa referência, pois, que
o programa de reparação de Barcelona adota a mediação, prática pelo qual adolescente e
vítima elaboram o programa de reparação que atende aos interesses de ambos.
Inúmeras são as vantagens deste procedimento neste aspecto. É que, ao
permitirem que o jovem e a vítima decidam os programas de reparação que satisfaçam seus
interesses, o poder de decisão é, então, daqueles, o que, ainda que parcialmente, emancipa-os
“da tutela do Estado ao serem reconhecidos como sujeitos, e não objetos de seus operadores”
(VEZZULLA, 2004, p. 91).
O projeto de mediação integral da Espanha, além de trabalhar o diálogo
entre a vítima e o ofensor, inclui também e especialmente a situação do adolescente em
relação à sua família, no que diz respeito à sua identidade, condição atual, assinalando que os
familiares devem estar envolvidos a fim de possibilitar um atendimento mais amplo do
adolescente e do que o levou para praticar o ato infracional (VEZZULLA, 2004, p. 92).
O programa de Catalunha é formulado em duas partes, quais sejam, a
primeira, que ocorre o contato com as partes e, a segunda, com a mediação conjunta.
Antes do encontro entre a vítima e o adolescente, é necessário verificar se as
partes tem interesse no programa e, em caso positivo, ambas devem estar preparadas
positivamente para o diálogo (VEZZULLA, 2004, pp. 93-94).
Caso a mediação ocorra em todas as suas fases, o momento que deve ser
destacado, ápice do procedimento, é o encontro entre a vítima e o adolescente. É que, nesse
momento, os envolvidos transmitirão um “ao outro as razões, as circunstâncias de cada um,
num esforço por uma mútua compreensão. Caso se produza um acordo, este deverá atender
aos interesses de ambos e às possibilidades reparatórias do adolescente” (VEZZULLA, 2004,
pp. 93-94).
Vezzulla (2004, p. 94), citando Vidal (1996), define como objetivos do
programa:
1) possibilitar a partir do Judiciário o restabelecimento da paz social;
2) Incorporar à “justicia juvenil” elementos restitutivos ou compensatórios em
relação à vítima;
3) responsabilizar o adolescente autor de ato infracional das próprias ações e de suas
conseqüências;
4) Oferecer à vítima a possibilidade de participar na resolução do conflito;
5) Possibilitar à vítima a recuperação da tranqüilidade, da paz e que seja
compensada pelos danos sofridos;
6) Aproximar o Judiciário dos cidadãos através da viabilização de formas ágeis e
participativas para a resolução dos conflitos que também são da comunidade.
54

Ainda no continente europeu, urge citar, também, a experiência belga no


campo de práticas restaurativas a partir da pesquisa de Daniel Achutti (2013).
Antes mesmo do programa espanhol, no final da década de 1980, iniciaram-
se os primeiros programas restaurativos na justiça juvenil, que possuía uma finalidade
pedagógica. Tal qual no ordenamento jurídico espanhol, a Bélgica deparou-se com diversas
dificuldades, em especial, em razão da ausência de uma base legal para promoção da
mediação, de políticas públicas coerentes em nível federal e Comunitário, além de falta de
orçamento específico para a execução de problemas locais, o que resultou no atraso do
desenvolvimento da justiça juvenil restaurativa entre o final dos anos 1980 e meados dos anos
1990 (AERTSEN, 2006, p. 68-69, apud ACHUTTI, 2013, p. 162).
Em 1999, foram criados programas restaurativos no âmbito da justiça
juvenil em todos os distritos judiciais da Comunidade Flamenca, adotando-se três diferentes
modelos: mediação vítima-ofensor, serviço comunitário e programas de treinamento. De
forma semelhante, a Comunidade Francesa acolheu tal política e, em 2000, a Univerdade de
Leuven conduziu um projeto piloto de conferências restaurativas para delitos graves
(AERTSEN, 2006, p. 70. Apud ACHUTTI, p. 162).
Apenas em 2006, a Lei Juvenil de 1965 da Bélgica foi alterada e, então,
recepcionaram-se a mediação e as conferências restaurativas, em posição mais clara e central,
pois determinou aos juízos que esses deem preferências pelas práticas restaurativas de
resolução de conflito, além de ter instituído que os promotores considerassem a possibilidade
do uso da mediação antes de iniciar o processo judicial (VAN DOOSSELAERE;
VANFHAECHEM, 2010, p. 4. Apud ACHUTTI, 2013, p. 162).
Achutti (2013, p. 167), em suas entrevistas com os profissionais
responsáveis pelas práticas restaurativas proporcionadas através de ONGs da Bélgica, listou
três dos principais e primeiros problemas enfrentados pelos defensores do novo modelo:
primeiro, concluiu-se que o que estava sendo realizado possibilitava o aumento da
rede de controle social, pois pequenos casos, que costumavam ser arquivados pelo
Ministério Público em função do excesso de trabalho, poderiam voltar a ser objeto
de algum tipo de controle. O segundo problema estava relacionado ao fato de os
ofensores passarem a forçar a realização dos acordos, pois ao ouvir do promotor que
se o caso fosse mediado e resolvido, o processo seria arquivado, o ofensor passava a
tentar o acordo de todas as formas possíveis. Por fim, do segundo problema surgiu o
terceiro, pois as vítimas, em alguns casos, passaram a se sentir usadas: com o pedido
de desculpas do ofensor, o promotor arquivava os processos e a vítima não obtinha o
retorno que desejava, sentindo-se insatisfeita com o resultado final da mediação.
Tais entraves impulsionaram esses profissionais a investirem tempo e
trabalho na divulgação do serviço de mediação para a sociedade, oferecido de forma
55

autônoma em relação ao sistema de justiça. Contudo, a procura pela mediação ainda sim não
foi satisfatória, o que resultou no quarto problema: “a baixa procura poderia estar relacionada
com o fato de o serviço ser oferecido de forma paralela ao sistema judicial, sem a segurança
legal sobre o que poderia acontecer após a mediação” (ACHUTTI, 2013, p. 168).
Diante desse vazio, compreendeu-se que a medição necessitava um mínimo
de segurança jurídica, isto é, era necessário ter um contato com o sistema judicial, o que,
inclusive, permitia que os envolvidos “tivessem clareza sobre sua posição no procedimento e
sobre os seus direitos” (ACHUTTI, 2013, p. 169).
A tentativa de aproximação, naquele momento, não teve resultados
positivos. Isso porque o Ministério Público questionava sobre o seu interesse na mediação,
pois sua função precípua – acreditava-se – era de garantir o processo contra os ofensores
(ACHUTTI, 2013, p. 170).
Aertsen (2006, p. 73-75), citado por Achutti (2013, p. 174), revela que a
consolidação da justiça restaurativa Belga ocorreu somente após a previsão da mediação na
legislação federal, em 2005, além do papel desempenhado pelas ONGs e os projetos de
pesquisa realizados pela Universidade de Leuven, que, em 2000, criou o Fórum Europeu de
Justiça Restaurativa.
No que toca às experiências nacionais, por sua vez, suas raízes originaram-
se principalmente de programas de restauração em âmbito escolar. O primeiro programa com
componentes da Justiça Restaurativa, assim, aconteceu em 1998, com o “Projeto Jundiaí:
Viver e Crescer em Segurança”. Neste, 26 escolas de 2º grau da região de Jundiaí/SP
receberam o projeto, que objetivava “testar um programa para melhorar condutas, prevenir
desordem, violência e criminalidade na escola” (PRUDENTE, p. 44, in SPENGLER,
LUCAS, 2011). O programa criou as Câmaras Restaurativas que visavam resolver casos mais
complexos e, neles, reconstruir as relações entre escola e sociedade, reparar danos e
minimizar consequências negativas futuras. Contudo, tal projeto sobreviveu até 2000
(PRUDENTE, p. 44 in SPENGLER, LUCAS, 2011).
Durante os anos de 2002 e 2003, o “Projeto da Serra”, também com as
câmaras restaurativas conectadas com as escolas, atendia os casos com reflexos na Justiça da
Infância e Juventude. O projeto aconteceu em 12 escolas de ensino médio e uma escola do
ensino fundamenta nas seguintes cidades do estado de São Paulo: Caieiras, Mairiporã e
Francisco Morato (PRUDENTE, p. 44 in SPENGLER, LUCAS, 2011).
Também no ano de 2002, a Justiça Restaurativa foi adotada, pela primeira
vez, na capital gaúcha no “Caso Zero”. Essa experiência, diferente daquelas ocorridas no
56

estado de São Paulo, aconteceu na própria justiça, especificamente na 3ª Vara do Juizado


Regional da Infância e da Juventude, referente a delito envolvendo dois adolescentes. Três
anos após, implementou-se o projeto “Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de
Justiça Brasileiro”, com ênfase nos processos judicias da 3ª Vara, que acabou por motivar
outros estudos e práticas inspirados no novo modelo de justiça (BRASILa, 2015).
Assim, é no sul do Brasil que se inicia o movimento nas Justiças da Infância
e Juventude inspirado nos pressupostos de restauração, isto é, com enfoque não mais de
punição ou retribuição, mas na resolução de conflitos, também articulado com os ideais da
doutrina da proteção integral e da Cultura de Paz (BRASILa, 2015).
Em paralelo as experiências do Rio Grande do Sul, em Joinville/SC, foi
instalado, através da portaria n. 5/2003, o “Projeto Mediação” na Vara da Infância e
Juventude. A portaria regulamentou as atribuições da equipe interprofissional, como
profissionais da área de serviço social, orientação educacional, direito e psicologia, ligada à
Vara nos casos de apuração de ato infracional, assim como a aplicação de técnicas de
mediação em questão que envolvam adolescentes em conflito com a lei (PRUDENTE, p. 55
in SPENGLER; LUCAS, 2011, p. 55; NIEKIFORUK; ÁVILA, 2015, p 58).
O primeiro projeto catarinense, que contou com o apoio do Instituto de
mediação e Arbitragem de Portugal (IMAP) e o Poder Judiciário do estado, foi de
responsabilidade do magistrado Alexandre Morais da Rosa que, em 1999, teve contato com a
mediação por intermédio de Juan Carlos Vezzulla e Luis Alberto Warat. O programa consistiu
em “agilizar processos em trâmite no fórum e dar um atendimento pessoal e de qualidade na
prática alternativa na resolução de conflitos” (NIEKIFORUK; ÁVILA, 2015, p. 58).
Dentre outras questões, a portaria n. 05/2003 previa a possibilidade do
complemento do parecer da equipe interprofissional pelas entidades de educação que
conheçam a situação do adolescente (art. 2, parágrafo único), além de prever a possibilidade
de, a qualquer tempo, a equipe interprefissional ser chamada a emitir parecer verbal ou por
escrito (art. 4º). O art. 6º, por sua vez, disciplina as hipóteses de aplicação da remissão
suspensiva ou definitiva, sendo que, no dispositivo seguinte, a conciliação será reconhecida
“quando o adolescente reconheça o dano causado e se desculpe perante a vítima, e esta aceite
suas desculpas e, havendo possibilidade, repare o dano causado” (NIEKIFORUK; ÁVILA,
2015, p. 59).
É necessário destacar que o projeto não disciplinou nenhuma distinção do
ato infracional, se leve ou grave, mas das possibilidades restaurativas em si. Isso porque, com
fundamentos do próprio paradigma, o desenvolvimento da justiça restaurativa não deve ser
57

definido “a partir da gravidade ou não do delito, e sim a partir de um conflito”


(NIEKIFORUK; ÁVILA, 2015, p. 60).
Há outras experiências que também merecem ser assinaladas, como o
projeto “Justiça, Educação e Comunidade: Parcerias para a Cidadania”, implementado na
cidade de São Caetano/SP e apoiado pela Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério
da Justiça e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; o projeto “Justiça e
Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a Cidadania” e o projeto de Campinas/SC,
“Justiça e Educação – Novas perspectivas” (PRUDENTE, pp. 57-61 in SPENGLER; LUCAS,
2011).
Enumeradas a vasta vivência de práticas restaurativas com adolescentes em
conflito com a lei, é possível concluir, como Prudente (p. 63 in SPENGLER; LUCAS, 2011),
que, no Brasil, assistimos a uma proliferação da Justiça Restaurativa, embora esta saga tenha
começado com atraso em relação às experiências internacionais.
Nesse aspecto, Alexandre Morais da Rosa (p. 113 in SPENGLER; LUCAS,
2011) ressalta a necessidade de discussão e estudo das perspectivas da Justiça Restaurativa,
afirmação reforçada após o noticiado pelo Instituto Latino-Americano das Nações Unidas
para prevenção do Delito e tratamento do delinquente (Ilanud) acerca das dificuldades de
compreensão da mediação e da Justiça Restaurativa dos diversos projetos em fase de
experimentação no Brasil.
Os elementos já compreendidos são suficientes para avançar, no próximo
capítulo, com a análise da experiência do projeto de mediação com adolescentes autores de
ato infracional de Florianópolis/SC.
58

CAPÍTULO III

A Justiça Restaurativa na Vara da Infância e Juventude de Florianópolis/SC

A justiça restaurativa, como vista nos dois últimos tópicos, representa um


novo horizonte, o qual busca construir outra resposta ao ato infracional praticado pelo
adolescente, assim como atender, de forma efetiva, vítimas, adolescentes, comunidades e a
sociedade para a construção de uma verdadeira cultura de paz.
De outra ponta, como bem alerta Prudente (p. 64 in SPENGLER; LUCAS,
2011), é ilusão esperar grandes realizações dessa se não for dotada de autonomia e suficientes
recursos institucionais e econômicos. Aliás, esses entraves já foram percebidos na experiência
da justiça restaurativa belga.
Nessa perspectiva, este trabalho, em especial, o presente capítulo, espera
contribuir, de alguma forma, para o debate e reflexão do Centro de Justiça Restaurativa da
Vara da Infância e Juventude de Florianópolis/SC, pois, como um novo paradigma para o
enfrentamento dos conflitos, assim como diante das dificuldades do atual sistema
socioeducativo e a hermenêutica a esse dedicado, é imperioso sua consolidação.
Convém assinalar que o conteúdo deste capítulo tem como principais
referências teóricas a dissertação de Juan Carlos Vezzulla, “A mediação de conflitos com
adolescentes autores de ato infracional”, o projeto pedagógico do Centro de Justiça
Restaurativo (CJR), elaborado, em sua versão original, por Eliedite Mattos Ávila, e revisado e
ampliado por Brigitte Remor de Souza May, Lilian Domingues, Cristina Mulezini Gonçalves
e Matheus Sant’Ana Vieira, além de entrevista realizadas com a coordenadora do CJR,
Cristina Gonçalves.
59

3.1 Dimensão prática e modelo do programa

O Centro de Justiça Restaurativa (CRJ) com adolescentes em conflito com a


lei de Florianópolis foi iniciativa da Coordenadoria Estadual da Infância e da Juventude
(CEIJ) do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que teve início em outubro de 2011 e passou
a receber encaminhamento sistematizado a partir de abril de 201228.
Inicialmente, tratava-se de um serviço executado na Vara da Infância e
Juventude de Florianópolis e hoje constitui um programa estável, sugerido a outras Varas da
Infância do estado, que conta também com o apoio do Ministério Público, Secretaria de
Segurança Pública, além de outros parceiros periféricos que integram os serviços, através de
termos de cooperação ou parceria (ÁVILA, 2015).
A criação do CJR ocorreu a partir do questionamento dos limites estruturais
no atendimento do adolescente em conflito com a lei, em especial, no que diz respeito à
“sobrecarga dos tribunais, a lentidão, os custos, a burocracia judicial, a reincidência no crime”
(ÁVILA, 2015). Esses são alguns aspectos relevantes que denunciaram e denunciam a
urgência de mudança de paradigma de resolução de conflitos.
Outrossim, como apontado no capítulo dois deste trabalho, há muito fala-se
na falência das práticas dos sistemas de justiça no atendimento e tratamento do adolescente
em conflito com a lei, inclusive no atual paradigma da Proteção Integral. Isso porque e,
principalmente, sobrevivem as instituições totais – internação – no sistema socioeducativo,
além do próprio pensamento menorista.
Outro aspecto importante para a apresentação deste projeto foi resultado das
pesquisas realizadas em outros países que já haviam adotado o novo paradigma de justiça, o
que também foi apresentado no tópico 2.3, onde foram observadas experiências com alto nível
de satisfação dos infratores e vítimas, baixa reincidência nas infrações e melhor atendimento
entre as partes envolvidas (ÁVILA, 2015).
Nesse contexto, o novo paradigma para resolução de conflitos foi
apresentado através do trabalho do Centro de Justiça Restaurativa, delimitado por três
principais diretrizes, a saber:
a) o atendimento aos adolescentes em conflito com a lei por meio de práticas
restaurativas (como preconizam o artigo 35, incisos II e III, da Lei do Sistema
Nacional Socioeducativo – Lei n. 12.594/2012, e as diversas normativas
internacionais, com a Resolução n. 2002/12 do Conselho Econômico e Social das

28
Informações colhidas em entrevista com a Coordenadora do Centro de Justiça Restaurativa, Cristina Mulezine
Gonçalves.
60

Nações Unidas, que trata sobre os “Princípios básicos para utilização de programas
de justiça restaurativa em matéria criminal”), elegendo-se deste logo a mediação
como principal instrumento;
b) a reinserção social e familiar do adolescente a que se atribui a prática de ato
infracional;
c) o encaminhamento desses adolescentes a programas de aprendizagem profissional
ou de inserção profissional, bem como a serviços outros que enalteçam a promoção
da autonomia do jovem e o provoquem à emancipação e cooperação na vida
comunitária, ampliando-se o espectro da responsabilização e reforçando sua
interiorização (ÁVILA, 2015).

Quanto ao instrumento de mediação citado na alínea a, este é baseado no


modelo de Juan Carlos Vezzulla, a partir de sua experiência no projeto de justiça restaurativa
desenvolvido na Vara da Infância e Juventude da Comarca de Joinville/SC, cuja dissertação,
“A mediação de conflitos com adolescentes autores de ato infracional”, foi apresentada em
2004 no curso de Pós-Graduação de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina
e, em seguida, publicada como livro sob o mesmo título no ano de 2006, mencionada no
tópico 2.3. O modelo desenvolvido em Florianópolis, contudo, considerando as peculiaridades
da Vara da Infância e da Juventude de Capital, precisou ser adaptado à realidade da ilha.
A formação e o treinamento dos envolvidos no CJR foram realizados pelo
próprio Juan Carlos Vezzulla, no ano de 2011, oportunidade em que os operadores do CJR
foram capacitados para saber trabalhar com adolescentes, vítimas e a comunidade.
Conforme ensinamento do professor, mediação de conflitos pode ser
definida e conceituada como um procedimento privado, voluntário, coordenado por um
terceiro capacitado, responsável apenas por orientar o trabalho a fim de que se alcance uma
comunicação cooperativa e respeitosa entre os participantes, objetivando o aprofundamento
na “análise e compreensão do relacionamento, das identidades, necessidades, motivações e
emoções dos participantes, para que possam alcançar uma administração satisfatória dos
problemas em que estão envolvidos” (2004, p. 64).
A fim de delimitar o papel do mediador neste procedimento, Vezzulla
(2004, p. 64) compara-o com o trabalho do fruticultor. Assim, da mesma forma que este, para
obter as melhores frutas preocupa-se com as árvores e plantas, e não com as frutas, o
mediador, igualmente, importa-se com os mediados, suas necessidades subjetivas e objetivas.
Sendo essas atendidas, os próprios envolvidos – mediados – são capazes de produzir “os
melhores acordos, de encontrar as melhores soluções que atendam às necessidades
expressadas nos seus conflitos”, isto é, de produzir seus frutos.
É através da participação questionadora do mediador, conforme propõe
Vezzulla (2004, p. 104), que há de se possibilitar o trabalho de realização do acontecido ao
61

“transformar em palavras o atuado e facilitar um reconhecimento (conhecimento-


emancipação) da situação. Obtido seu reconhecimento de sujeito, o adolescente mesmo passa
a respeitar (reconhecer) os outros como sujeitos”.
Essa perspectiva de trabalho, na verdade, parte da abordagem que, conforme
denomina Vezzulla (2004, p. 96), é pelo que realmente é, diferente do que estamos habituados
na abordagem pelo que deveria ser. Explica-se. Utilizando dos conceitos de Boaventura de
Sousa Santos acerca do modo em que os conhecimentos são transmitidos, o modelo
tradicional colonialista do desconhecimento versus a forma emancipadora do conhecimento-
reconhecimento, Vezzulla (2004, p. 96) acredita que tais formas resultem em dois diferentes
trabalhos com os adolescentes em conflito com a lei, quais sejam, pelo modo pelo que deveria
ser, de desconhecimento de sua realidade e imposição de um modelo, ou seja, modelo
tradicional, e, de outro norte, através da abordagem pelo que realmente é, que se dá pelo
conhecimento-reconhecimento de sua realidade sem preconceitos ou modelos considerados
melhores.
As consequências da abordagem pelo que deveria ser são conhecidas. O
Estado adota uma posição assistencial e penalista, baseada no modelo desejado de adolescente
e de sua inserção na sociedade, isto é, critica e preconceituosamente o adolescente é recebido,
para, após ser julgado, “a ovelha desgarrada” ser recuperada na reeducação. Vezzulla explica
que “a segregação, o alistamento geram a violência própria de sentir-se desconhecido,
desrespeitado, o que reforça a insatisfação do adolescente e fortalece o caminho do ato
infracional como único espaço deixado para ele pela sociedade” (VEZZULLA, 2004, pp. 96,
97).
Por outro lado, o trabalho com adolescentes em conflito com a lei a partir do
que realmente é possibilita o que Alexandre Morais da Rosa, no tópico 2.1, teria colocado
como melhor interpretação das medidas socioeducativas no paradigma da Proteção Integral:
tratamento com respeito. Isso porque, é nessa abordagem – pelo que realmente é – que o
adolescente será acolhido acompanhado de sua realidade, quando será escutado abertamente,
sem imposição de modelos e, assim, em um trabalho com total respeito. É assim que “essa
acolhida respeitosa produz o efeito emancipador pelo fato de ser o adolescente tratado como
sujeito ao ser escutado sem ser julgado” (VEZZULLA, 2004, p. 97).
Nesse sentido, Vezzulla (2004, p. 98) alerta que não se deve incorporar um
serviço de mediação pervertido pelo sistema a fim de servir à regulação e à sujeição, o que
obriga que o serviço de mediação seja mantido incontaminado do processo judicial, assim
como das imposições normativas. Aquele, nessa perspectiva, deve representar um espaço
62

informal, aberto a acolher todas as realidades apresentadas com respeito e reconhecendo que
cada adolescente é um único e exclusivo ser humano, razão pela qual não há falar em modelos
pré-estabelecidos nem padrões de condutas esperadas. Nas palavras de Vezzulla (2004, p. 98),
“cada adolescente é um sujeito diferente, e como tal cada procedimento deverá ser apropriado
às suas necessidades”.
No modelo proposto por Vezzulla, vale ressaltar, inclui-se, logicamente, as
leis que foram desrespeitadas na prática do ato infracional. E em razão disso, assim, faz-se
necessário a inclusão de um representante da Vara da Infância e da Juventude na mediação,
pois, representando essas normas, pode elucidar as motivações que as sustentam e permitir,
pois, que essas sejam compreendidas pelo adolescente. Acredita-se, desta forma, que o
adolescente deve conhecer as razões dessas leis existirem e as necessidades sociais que tais
leis expressam.
Feitas tais considerações acerca dos pressupostos e valores da mediação de
conflito de Juan Vezzulla, resta sistematizar os procedimentos adotados pelo CJR de
Florianópolis que, igualmente, também se pautam no programa de mediação de conflitos com
adolescentes autores de ato infracional proposto pelo professor.
Nessa esteira, são duas as formas de mediação: a mediação judicial, hipótese
em que processos já instaurados são encaminhados pelo magistrado ou promotor de justiça ao
centro de mediação, e a mediação extrajudicial, quando não ainda não há o processo de
apuração do ato infracional ou a execução de medida socioeducativa.
O método do trabalho da mediação extrajudicial, que em parte se repete nos
casos de mediação judicial, acontece através do encaminhamento do adolescente da delegacia
especializada na área da Infância e Juventude para o CJR, com o devido agendamento.
Em seguida, no primeiro encontro, os adolescentes são recebidos por
mediadores capacitados para a mediação de conflitos com adolescentes, sendo o atendimento
divido em duas etapas, quais sejam, a pré-mediação e a as sessões de mediações.
Juan Vezzulla (2004, p. 106) identifica a pré-mediação como a oportunidade
em que o mediador, em um primeiro contato com o adolescente, seus pais ou responsáveis,
seu advogado e o representante da Vara da Infância e da Juventude, buscará elucidar aos
participantes o funcionamento da mediação, suas técnicas, seus objetivos e quais são as
responsabilidades do mediador e dos mediados. Tal método é igualmente adotado na CJR, no
qual o procedimento, frisa-se, é sempre voluntário.
Na hipótese do adolescente aceitar participar do serviço de mediação, essa
informação é prestada ao processo, inclusive se na fase do inquérito, que será suspenso. Caso
63

não haja adesão, o processo segue os trâmites tradicionais, quando necessariamente o


adolescente e seu responsável serão notificados acerca do prosseguimento da ação (ÁVILA,
2015).
Convém ressaltar, desde já, que a participação dos mediados não se
subordina a anuência tanto da vítima como do adolescente. Para as sessões de mediações
iniciarem-se é suficiente que apenas uma das partes deseje seus serviços. Isto é, o CJR presta
seus serviços de mediações apenas às vítimas em sessões de mediação como também apenas
aos adolescentes, inclusive, quando estamos diante de conflitos que não há um conflito
interpessoal, como no ato infracional equiparado a tráfico de drogas.
Nessa esteira, aceita a mediação pelos envolvidos, segue-se para a primeira
sessão. Nesta ocasião, o adolescente terá a oportunidade de conhecer a dupla de mediadores
designada para seu caso, oportunidade em que estes ilustrarão outra vez acerca do serviço e,
em seguida, estabelecerão as regras básicas da mediação, destacando “os princípios que
norteiam o procedimento, tais como respeito, cooperação e responsabilização” (ÁVILA,
2015).
Nessa primeira sessão, também será oportunizado ao adolescente dar sua
versão sobre o fato ocorrido, quando os mediadores observarão a percepção do adolescente,
seu nível de responsabilidade, assim como sua capacidade e vontade de reparar o dano
(ÁVILA, 2015).
As demais sessões seguirão na tentativa de investigar-se as necessidades do
mediado como um método de revalorização e reconhecimento pessoal, por intermédio de um
diálogo construtivo (ÁVILA, 2015).
Sobre esse aspecto, Vezzulla (2004, p. 108) ensina que o adolescente
somente concretizará seu crescimento através de uma elaboração positiva da experiência
dolorosa se ele compreender sua realidade, suas necessidades e, nesse contexto, ser capaz de
aprofundar-se em seus relacionamentos e no ato infracional.
É pela necessidade de ser o adolescente acolhido e reconhecido que os
mediadores devem preocupar-se em acalmá-lo, para que o mediado consiga se sentir à
vontade e acredite na prática de mediação como forma de alcançar sua confiança e, dessa
forma, facilitar a expressão aberta de seus pensamentos, emoções, temores e expectativas.
Aliás, tal postura é imprescindível diante do tão conhecido formalismo do Judiciário
(VEZZULLA, 2004, p. 108).
Para tanto, o professor explica que é “necessário desenvolver a acolhida, o
reconhecimento e a revalorização de maneira a deixar os participantes em condições de
64

analisar sua situação e de procurar opções para atendê-la”. E justifica que, ao ser escutado
atentamente, expondo sobre si e sua situação, o adolescente se sente respeitado e atendido, o
que o estimula a verbalizar as motivações e especiais situações que envolvem sua realidade e
o ato infracional praticado (VEZZULLA, 2004, p. 108).
O próximo procedimento é aplicado quando há o consentimento dos
envolvidos no conflito, isto é, vítima e adolescente. Nessa hipótese, a vítima é contatada
através de ligações telefônicas, em regra, ou por carta-convite (ÁVILA, 2015).
Caso ocorra o comparecimento daquela, os mediadores a informarão o
significado da Justiça Restaurativa e as ações já realizadas com o adolescente, assim como o
interesse de esse reparar o dano, sem que seja revelado o conteúdo das sessões. Também serão
estabelecidas as normas de comunicação e o tempo que os envolvidos terão para expor o fato
ocorrido (ÁVILA, 2015).
Vezzulla (2004, pp. 113-114) propõe que esse encontro ocorra com os
seguintes objetivos: a) que a vítima tenha a possibilidade de elaborar a agressão sofrida,
questionar e falar sobre isso; b) que o adolescente possa se expressar, para ele também
elaborar a situação vivida; c) que o adolescente possa perceber o ocasionado com sua ação
(repercussão de seus atos); d) que ambos os participantes possam se sensibilizar um com a
realidade do outro e consigam estabelecer uma atitude cooperativa diante da forma de resolver
a situação; e) que possam reparar o dano, chegando os dois a um acordo do que deverá ser
feito nesse sentido; f) que o adolescente possa adquirir responsabilidade sobre seus atos.
Na eventualidade da vítima não aceitar participar da mediação, como dito,
os mediadores continuarão trabalhando com o adolescente por intermédio de atividades
positivas, seja com o termo de acordo ao juiz ou carta à vítima, oportunidade em que o
adolescente poderá se expressar no que diz respeito à sua consciência e senso de
responsabilização quanto ao ato, eventual proposta de reparação e projeto futura (ÁVILA,
2015).
No mesmo sentido que proposto quando não há adesão pela vítima, os
acordos de mediação – vítima e adolescente – podem promover desde a reparação do dano
causado, até o pedido de desculpas e a responsabilização do adolescente, por meio de um
comprometimento futuro ou de participação em programas educacionais ou de tratamento.
Além disso, o comprometimento do adolescente poderá acontecer através de outras
atividades, como a inserção em programas de aprendizagem profissional ou no mercado de
trabalho por meio do programa Jovem Aprendiz. Com esses termos, os acordos serão
homologados em gabinete (ÁVILA, 2015).
65

Vale ressaltar que o termo de acordo de mediação, também chamado de


termo de encerramento, contém tão somente o que foi autorizado e redigido pelo próprio
adolescente e demais partes envolvidas, quanto à narrativa e também deverá conter os termos
de eventual acerto alcançado, como “a reparação do dano, o pedido de desculpas, a
responsabilização do adolescente, ou ainda seu comprometimento em frequentar algum
programa especial de profissionalização” (ÁVILA, 2015).
Firmado o termo de encerramento, caso trate-se de mediação extrajudicial,
caberá ao promotor de justiça da infância e da juventude decidir pelas seguintes três opções:
promover o arquivamento, conceder a remissão ou representar à autoridade judiciária para
aplicação de medida socioeducativa, nos termos propostos pelo art. 180, do ECA.
Por fim, quanto à possibilidade da mediação judicial, esta fica a critério do
magistrado e do promotor de justiça da Vara da Infância e Juventude encaminhar processos
para o CJR, ocasião em que será adotada a mesma metodologia de atendimento proposta na
mediação extrajudicial (ÁVILA, 2015).
Como se viu, a proposta do CJR pretende dar ênfase ao adolescente em
conflito com a lei, reconhecendo que este se encontra em fase peculiar de desenvolvimento,
buscando, desse modo, proporcionar um tratamento de respeito, ao conhecer-reconhecer a
realidade desse protagonista. Por outro lado, o serviço da CJR não suprime a figura da vítima
deste processo, o que possibilita que os envolvidos do conflito juntos possam chegar a um
acordo, no qual, mais do que a reparação material, alcance a reparação moral.
É importante observar que, nessa esteira, as práticas restaurativas
desenvolvidas na CJR estão também alinhadas ao paradigma da Proteção Integral, pois traz
como celeuma o desenvolvido físico, mental, moral, espiritual e social do adolescente em
condições de liberdade e dignidade, nos moldes propostos no art. 3º, do Estatuto da Criança e
do Adolescente.
O modelo de justiça restaurativa implementando na Vara da Infância e da
Juventude, além disso, busca atender os adolescentes em conflito com a lei em dois momentos
distintos: tanto antes de esse se iniciar – mediação extrajudicial –, o que se encontra em
harmonia com o princípio da intervenção mínima esculpido no ECA, bem como quando o
processo já teve início, mas os operadores de direito – magistrado e promotor de justiça –
acreditam que o conflito ainda possa ser solucionado através da mediação.
Conhecido, assim, a metodologia de trabalho utilizada pelo CJR, assim
como suas diretrizes, objetivos e principais aspectos, necessário examinar, como último
tópico deste tema e, inclusive, objetivo primeiro deste trabalho, a prática simultânea dos
66

serviços da justiça restaurativa e do sistema de medida socioeducativas com adolescentes em


conflito com a lei em Florianópolis, bem como os avanços e desafios enfrentados pela CJR.

3.2 A convivência simultânea dos dois paradigmas na Capital: avanços e desafios

O último item deste trabalho, tendo em vista o percursor traçado até aqui, o
qual incluiu a análise histórica dos modelos de justiça adotados pelo Brasil no tratamento de
adolescente em conflito com a lei, passando pelas interpretações da natureza e finalidade das
medidas socioeducativas no paradigma da Doutrina da Proteção Integral, além da exposição
sobre os pressupostos da justiça restaurativa e suas experiências, é dedicado ao exame da
experiência da CJR ao lado do sistema socioeducativo tradicional. Pretende-se, assim, traçar
os principais avanços e desafios das práticas restaurativas, a fim de indicar um caminho para a
efetivação de uma tutela jurisdicional em relação a adolescentes autores de ato infracional em
sua maior abrangência possível e, em especial, com um tratamento de respeito.
Isso dito, é necessário elucidar o modo como ocorre o direcionamento dos
casos para o CJR ou sua manutenção no processo de apuração de ato infracional para
aplicação de medida socioeducativa.
Como dito, na hipótese de atendimento pelo CJR, esta pode iniciar-se na
própria Delegacia de Polícia especializada da Infância e Juventude, ocasião em que se
agendará o primeiro encontro no Centro com o adolescente.
Tais casos, por sua vez, referem-se aos atos infracionais equiparados aos
seguintes crimes: dano simples29, lesão simples30, dos crimes contra honra31, ameaça32 e

29
Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
(BRASIL, 1940)
30
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano.
[...]
§ 6° Se a lesão é culposa: Pena - detenção, de dois meses a um ano.
31
Calúnia. Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção,
de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.
[...]
Difamação. Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três
meses a um ano, e multa.
67

contravenções penais que guardem relações com as infrações anteriores. Tratando-se,


portanto, de alguma de conduta análoga aos mencionados crimes, o adolescente será
encaminhado ao CJR.
O rol é exaustivo e foi criado através de um acordo realizado entre a
Coordenadoria Estadual da Infância e da Juventude (CEIJ), Ministério Público do Estado de
Santa Catarina (MPSC), Centro de Justiça Restaurativa e a Magistrada da Vara da Infância e
Juventude. Convém ressaltar que o atual contexto pode ser alterado a depender de mudança de
membro do MPSC, assim como das demais partes envolvidas no mencionado acordo.
Tais atos infracionais estão também abarcados como “infrações de menor
potencial ofensivo”, classificação trazida do direito penal, que assim define essas infrações,
segundo a Lei n. 9.099/95: “Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial
ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine
pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”.
Torna-se imperioso reconhecer, como alertado por Vezzulla (2004, p. 105),
que se deve buscar atender o maior número de adolescentes autores de ato infracional no
serviço da mediação, embora o professor também compreenda que nem todos os casos serão
possíveis a mediação.
Convém assinalar, da mesma forma como enfrentado pela experiência belga
com as práticas restaurativas no âmbito do direito juvenil, exposta no tópico 2.3, que não
poderão ocorrer, por sua vez, o encaminhamento de casos que seriam arquivados pelo
Ministério Público, pois de pequenos casos, apenas para aumentar a rede de controle social
sobre os adolescentes em conflito com a lei.
Nesse norte, em que pese o rol de atos infracionais que devam ser
encaminhados sistematicamente para o CJR, acordado entre os operadores de direito dessa
área na infância, seja importante a fim de dar um andamento contínuo nas práticas
restaurativas da Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis/SC, é importante atentar-se

Injúria. Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses,
ou multa.
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se
considerem aviltantes: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à
violência.
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição
de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa. (BRASIL, 1940).
32
Ameaça
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal
injusto e grave: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
68

sobre a necessidade de se olhar o conceito do crime sob uma nova lente, já proposta por
Howard Zehr e abordada no tópico 2.2 deste trabalho.
Isto é, o ato infracional, no paradigma da justiça restaurativa, não se
restringe à concepção de uma violação contra o Estado, que, neste olhar, é a parte legitima
para disputar contra o ofensor, mas como uma violação de pessoas e relacionamento. É por
esta razão que Zehr ensina que a justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade na busca
de soluções que promovam reparação, reconciliação e segurança.
Dentro dessa perspectiva, entende-se que aí se encontra o principal desafio
do CJR na convivência com o modelo tradicional da Justiça Juvenil: compreender o ato
infracional sob o olhar da justiça restaurativa, quando os adolescentes que são encaminhados
sistematicamente para esse serviço entram pela porta da justiça tradicional, isto é, apenas nas
hipóteses dos atos infracionais equiparados, em síntese, aos crimes de menor potencial
ofensivo, deixando os demais casos sem uma análise do conflito em si e, por conseguinte, sem
a oportunidade de encaminhamento direito aos serviços do CJR.
O modelo de justiça restaurativa em voga se apresenta, pois, como aquele
defendido pelos minimalistas. Em outros dizeres, o CJR é mantido em apartado e pressupõe
um processo cooperativo e voluntário de restauração, porque acreditam ser capaz de transpor
e transformar o sistema criminal, no caso, o sistema socioeducativo tradicional, lenta e
gradualmente. Para seus defensores, as práticas restaurativas representam uma alternativa à
lógica punitiva estatal, razão pela qual devem se ocupar dos casos originados do sistema
convencional para programas de mediação (FERRAZ; MARTINS, 2014).
É a partir desse aspecto, assim, que a importância da compreensão acerca
das práticas da justiça restaurativa pela população é fundamental para o avanço da
concretização do CJR no seu mais amplo alcance. Isso porque, o CJR também efetiva o
atendimento dos envolvidos no conflito quando há busca espontânea por esses, seja em
processos que já foi apresentada a representação ou sejam naqueles que tal procedimento
ainda não ocorreu.
A iniciativa para o atendimento pelo serviço da justiça restaurativa,
portanto, pode partir de todos os envolvidos, ou seja, do juiz, do promotor, do advogado, do
adolescente, de sua família e, inclusive, da vítima, quando o processo, em tramitação, poderá
ser suspenso se houver concordância dos demais.
Nesse aspecto, parece fundamental a sensibilização dos agentes públicos –
juízes, promotores, defensores públicos, advogados, delegados, policiais militares e guarda
69

municipal – no sentido desses incorporarem a melhor compreensão dos valores e práticas da


justiça restaurativa, o que também ressignificará suas atuações profissionais33.
Dentro desse modelo, isto é, de processos já em andamento, Vezzulla (2004,
p. 105) orienta que os procedimentos em trâmite deverão ser revisados pelo Juiz da Vara da
Infância e da Juventude, o qual poderá encaminhar os adolescente que, conforme parecer
assessorado pela equipe técnica, melhor se adaptem a esta atuação do CJR.
Nesse contexto, é imprescindível impulsionar, como também apontando na
experiência belga34, a divulgação do trabalho realizado no serviço de mediação da justiça
juvenil da capital catarinense, oferecido de forma distinta em relação ao sistema de justiça
tradicional, a fim de que a atuação do CJR seja em sua maior dimensão possível.
Outro aspecto que merece ser abordado relaciona-se ao próximo projeto do
CJR: implantação de círculos como método. Este segundo modelo, proposto para
implementação no próximo ano, está ocorrendo através de parceria com a Universidade Sem
Muros e encontra-se em fase de pesquisa, através de um grupo de estudos que tem discutido
os círculos relacionados às práticas restaurativas.
Como já apontado no segundo capítulo deste trabalho, a diferença dos
círculos encontra-se no fato deste, além de incluir vítima e o ofensor, trabalha com seus
respectivos familiares e apoios e também estão abertos a qualquer pessoa representativa da
comunidade que possui algum interesse em abraçar o assunto.
No que diz respeito aos círculos, Howard Zehr (2008, p. 244) reconhece que
nas práticas restaurativas desenvolvidas com adolescente autor de ato infracional, a família
sempre foi tomado em consideração, ainda que seu papel fosse um problema para justiça
restaurativa. Isso porque, alguns programas encaram a família do adolescente como um
estorvo em potencial. Isto é, informadas sobre o andamento do programa, aquelas precisam
ser mantidas de fora do encontro em si, evitando, por conseguinte, que assumam a
responsabilidade no lugar do ofensor. Por outro lado, há ainda programas que, ainda que
incentivem a presença da família, buscam assegurar que o diálogo essencial ocorra entre o
jovem ofensor e a vítima, situação este que os pais possuem apenas um papel de apoio, e não
central. Tal qual, aconteceu também com o papel da comunidade, pois, muitos envolvidos,
reconheciam a comunidade apenas como uma forma de devolver os conflitos àquela (ZEHR,
2008, p. 244).

33
Também foi nesse sentido o apontamento feito pelo Magistrado Egberto de Almeida Penido (2013) em análise
da experiência da justiça restaurativa com adolescente em conflitos com a lei nas Varas Especiais da Infância e
Juventude de São Paulo
34
Tópico 2.3
70

Nas palavras de Howard Zehr (2008, p. 244), “reconheceu-se o papel da


família e da comunidade mas, na prática, esse papel tem se mostrado ambíguo e esporádico ou
marginal ao invés de integral”.
Para o avanço destes bloqueios referentes às figuras da família e da
comunidade, considera-se relevante a concretização deste projeto, pois amplia o objetivo da
resolução de problemas, e, como aponta Stuart em experiências com diversos círculos, visa:
“1. Tratar causas e não sintomas; 2. Envolver as partes de modo pessoal, oferecendo uma
oportunidade para ventilarem seus sentimentos e trabalharem em direção a soluções; 3.
Reduzir a dependência em relação a profissionais; 4. Construir um senso comunitário”
(ZEHR, 2008. P. 249).
Compreende-se, assim, que é pertinente o avanço pretendido pelo CJR, no
sentido de buscar a inclusão da família e da comunidade, pois tal perspectiva representa
importante diretriz que deve ser levada em consideração nos atuais programas de justiça
restaurativa desenvolvidos no país. Outrossim, essa direção também objetiva a construção de
um serviço que seja vinculado tão somente ao ato infracional e suas sequelas, “mas a serviço
do adolescente e sua vida toda” (VEZZULLA, 2004, p. 105).
Além do mais, entende-se oportuno também a disseminação de
conhecimento sobre os valores e princípios das práticas restaurativas à população, assim como
a ampla divulgação dos programas atualmente em prática, em especial, do Centro de Justiça
Restaurativa implementado na Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis, tendo em
vista seu potencial caráter de modelo para futuros projetos. Considera-se, nesse mesmo
sentido, fundamental a sensibilização dos agentes públicos envolvidos na justiça juvenil no
que diz respeito às práticas restaurativas, a fim de que o CJR possa receber os atendimentos
sistematizados dos adolescentes em conflito com a lei sob a perspectiva restaurativa, isto é,
através de um primeiro olhar do conflito gerado, e não do ato infracional equiparado a
infração de menor potencial ofensivo por si só.
Por fim, constata-se que o atual programa desenvolvido pelo Poder
Judiciário catarinense na capital com adolescentes autores de atos infracionais busca também
cumprir com a doutrina da Proteção Integral, superando as atuais hermenêuticas do Direito
Penal Juvenil e da responsabilização estatutária e inaugurando, assim, um tratamento de
respeito com o adolescente, sujeito de direitos e em peculiar condição de desenvolvimento, e
não mais como menor infrator.
71

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho pretendeu demonstrar que o atual modelo de justiça


restaurativa em execução na Vara da Justiça da Infância e da Juventude, o Centro de Justiça
Restaurativa, representa, verdadeiramente, um caminho para a ruptura com o sistema que o
antecedeu – Direito do Menor –, além de desempenhar a mais adequada hermenêutica do
paradigma da Proteção Integral no que tange aos adolescentes em conflito com a lei e, em
especial, na finalidade e caráter da medida socioeducativa, concretizando os princípios do
Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como a recente Lei do SINASE.
A justiça restaurativa emerge como uma alternativa à falência do modelo
de justiça penal convencional e, no âmbito do sistema socioeducativo, como caminho para a
efetivação dos direitos do adolescente, assim como representa uma melhor escolha diante do
atual modelo estrutural de execuções de medida socioeducativas.
A abordagem do tradicional sistema socioeducativo, seja no que toca à
sua estrutura, notadamente, dos resultados negativos do cumprimento das medidas
socioeducativas, em especial, aquelas em que há privação de liberdade, seja quanto aos
critérios utilizados para a aplicação da medida socioeducativa, os quais ignoram as
singularidades dos adolescentes, tornam pertinente a discussão sobre o novo paradigma
criminal também no âmbito do direito juvenil.
Nesse contexto, foi possível observar que os sistemáticos e constantes
abusos presenciados na seara do direito infracional são resultados da longa tradição da
doutrina da situação irregular, período em que o adolescente não é reconhecido como sujeito
de direito, mas objeto das medidas. Aliás, da breve retrospectiva histórica levantada neste
trabalho, pôde-se notar que a história dos direitos das crianças e dos adolescentes costuma
repetir-se no decorrer dos tempos, sobrevivendo, sempre, as violações de suas garantias
fundamentais.
É ao redor das práticas restaurativas, desenvolvidas também no programa
do CJR de Florianópolis, portanto, que se verificou o reconhecimento do adolescente como
sujeito de direito, a materialização de sua capacitação, assim como foi constatado a
disponibilização de um serviço que auxilia, de fato, em sua emancipação.
Em tal modelo, embora respaldado em paradigma emergente, notou-se a
crescente tendência no plano internacional voltado ao estabelecimento de princípios abertos e
72

básicos dos programas de justiça restaurativa na esfera de infrações penais, como a Resolução
n. 2002/12, da ONU. Além do mais, as diversas experiências nacionais, como o programa de
Joinville/SC, e internacionais, como o caso da Bélgica, ambas desenvolvidas com adolescente
em conflito com a lei, revelam a orientação no sentido da necessidade de expansão e difusão
dos ideais restaurativos.
Compreendeu-se, assim, que a produção do conhecimento vinculado à
sua disseminação e clareza sobre as práticas restaurativas produzidas no CJR são
fundamentais para os avanços e enfrentamento dos desafios desse novo modelo criminal, em
especial, no que toca à ampliação de sua atuação. A troca contínua de experiências com
projetos e propostas de outros países também aparece como fator imprescindível para o
aprimoramento do Centro.
Observou-se, nesse sentido, que o encaminhamento sistemático de
adolescentes autores de ato infracional em uma maior escala somente será possível através de
uma sensibilização dos autores do modelo tradicional, além de um efetivo um processo
cooperativo entre esses, o que, por conseguinte, oportunizará ao CJR olhar o conflito
identificado e suas possibilidades de restauração, e não, em um primeiro momento, do ato
infracional por si só.
Entendeu-se, também, acertado o desejo de introdução de outros métodos
de restauração, quais sejam, os círculos, pois neles busca-se a superação do papel ambíguo e
esporádico da família e da comunidade, a fim de que esses personagens sejam integrais no
processo restaurativo do adolescente.
O trabalho mostrou, portanto, que é possível transpor e transformar o
sistema socioeducativo tradicional, e que, de fato, tal modificação deve dar-se com mais
cuidado, de forma gradual e concomitante ao modelo tradicional, uma vez que a justiça
restaurativa requer um processo voluntário e cooperativo, além de também reclamar por uma
mudança na cultura ideológica contra a percepção comum de impunidade do adolescente em
conflito com a lei e da necessidade de retribuição – pena – a esses.
73

REFERÊNCIAS

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violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

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Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), regulamenta a execução
das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional; e altera as
Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); 7.560, de 19
de dezembro de 1986, 7.998, de 11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de novembro de 1968,
8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de 1993, os Decretos-Leis nos
4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro de 1946, e a Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.

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