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Florianópolis
2015
PRISCILA ROSÁRIO FRANCO
Florianópolis
2015
AGRADECIMENTOS
Não há como não começar por eles, meus pais. Obrigada por tantos anos de
amor, carinho, paciência e ensinamentos. Eles representam tudo que busco construir na minha
vida: caráter, honestidade e amor. E é com eles que quero compartilhar minhas conquistas.
Obrigada por estarem aqui, sempre.
Às minhas avós, por representarem tão lindamente essa figura de ser
mulher, mãe, avó, tia, amiga. Meu carinho por elas é infinito. Um agradecimento especial à
minha vó Ló, pois esteve ao meu lado nessa caminhada, inclusive me proporcionando um
teto. Obrigada por acreditarem em mim.
Aos meus avôs, que, embora não estajam mais aqui, são exemplos que
carrego na minha vida, principalmente na vida profissional. São duas as principais lições que
levo da vida deles: exercer aquilo que se ama é compensatório e suficiente para continuar até
os 90 e tantos anos de vida; trabalhar e não se esquecer de sua família é essencial. Saudades.
Muito obrigada.
Ao meu irmão. Ele que me defendeu no colégio, ajudou-me nos deveres de
casa, tomou conta de mim enquanto nossos pais trabalhavam, além de ter me acompanhado
nas primeiras saídas da minha adolescência. Eu sei que ele estará ao meu lado para sempre,
assim como eu também ficarei ao seu lado sempre. Obrigada por ser, verdadeiramente, meu
irmão.
À minha madrinha, por tamanha confiança e torcida. Ela foi a minha
primeira influência para seguir a área jurídica e nunca me abandonou nesse percurso.
Obrigada por me apresentar o direito, obrigada por ser minha segunda mãe.
Ao meu padrinho, que, enquanto esteve aqui, cuidou com muito carinho de
todos e sempre deu atenção à minha família. Obrigada e sentimos sua falta.
Às minhas tias e aos meus tios. Porque eles sempre estão comigo nos
momentos bons e ruins e também representam uma enciclopédia de ensinamentos e exemplos.
Muito obrigada.
Às minhas primas e aos meus primos. Nós crescemos juntos e construímos
uma amizade única. Podemos permanecer longos períodos sem nos reunirmos, mas quando o
fazemos é inesquecível. Obrigada por estarem e fazerem a minha família. Obrigada especial à
minha prima Maria Júlia. Porque ela foi minha primeira amiga em Florianópolis e, desde
então, não me largou.
Às minhas amigas de infância, Bárbara, Beatriz, Cinthia, Edla, Johanna,
Larissa, Maria Júlia, Mariana, Thienne. Elas estão nas minhas memórias mais gentis e
continuam fazendo parte das mais recentes. Obrigada por me acompanharem.
Às minhas colegas de faculdade, amigas que o destino me presenteou em
um período da minha vida já tão especial. À Diana, Isabela, Helena, Mariana, Naiana, Nicole.
Nossas noites de aula e manhã e tardes de estágio obrigatório tornam-se momentos agradáveis
em razão do carinho, risada, presença e fala de cada uma. Elas são as cerejas do meu bolo
que, sem essas, ele não teria cor. Obrigada a todas.
Não posso deixar de agradecer todos os profissionais que me orientaram em
meus estágios, em especial, a Dra. Brigitte Remor de Souza May e sua equipe, Juniara e
Álvaro, pessoas responsáveis por despertarem meu interesse na área dos direitos da criança e
do adolescente, inclusive ao tema proposto neste trabalho.
Por fim, ao Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa, orientador. Em especial, à
Prof. Me. Fernada Martins, minha coorientadora, que também é responsável pela produção
deste trabalho. Obrigada por ter aceitado esta tarefa, por ter apontado meus erros, mas
também meus acertos.
Para fazer uma descoberta, é preciso desconfiar das ideias que estão em voga – e desconfiar não
pelos simples prazer de desconfiar, mas seriamente. Existem muitas ideias completamente falsas que
estão estabelecidas há muito tempo e ninguém se dá conta disso. Penso que esta é a parte mais difícil:
pensar de uma maneira diferente daquela a que estamos habituados. Uma ideia nova só aparece
quando deixamos de acreditar na antiga.
(Niels Kaj Jerne)
RESUMO
Este trabalho tem como proposta analisar o novo paradigma de justiça criminal, a Justiça
Restaurativa, e suas experiências na Vara da Infância e Juventude de Florianópolis, Santa
Catarina. O corrente sistema de justiça penal, inclusive o sistema socioeducativo, requer a
adoção de um novo método. Como resposta, as experiências do Projeto de Mediação têm
apresentando resultandos satisfatórias. Além disso, tais práticas também são diretrizes da Lei
12.594/12, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Isso representa
um novo olhar sobre como lidar com os atos infracionais, que destaca não o ato ofensivo, mas
as necessidades dos envolvidos, assim como a de reparar o dano. Esta pesquisa se concentra
na aplicação prática da justiça restaurativa na capital de Santa Catarina, representando uma
alternativa de sociabilidade. Ademais, também é objetivo deste trabalho o estudo da violência
contemporânea e a construção social em relação ao adolescente em conflito com a lei. A
justiça restaurativa aceita o fato do clássico sistema punitivo se preocupar demais com o
aparato do Estado, além de se concetrar apenas na apreciação da infração na busca pela pena
do acusado. Este modelo, por sua vez, contém uma legalidade original e emancipatória,
constituindo um processo multifacetado de construção democrática social e dialógica. Sobre o
projeto na jurisdição de Florianópolis, este trabalha com duas formas de mediação: mediação
judicial e a mediação extrajudicial. As perspectivas da Justiça Restaurativa são encorajadores
no Sul do Brasil, especialmente porque ela permite que o adolescente autor de ato infracional
e a vítima pensem sobre a infração cometida, pondo fim às possíveis angústias dos
envolvidos.
The purpose of this study is to analyze the new paradigm of criminal justice, the Restorative-
justice, and its experience at the Child and Youth Court in Florianópolis’s jurisdiction, Santa
Catarina, Brazil. The current justice system requires a new type of method. To reply this
status, the experience known as the “Mediation Project” has appeared as a successful
outcome. Moreover, it means a new approach about how to deal with infractions, which
highlights not only the act offensive, but the needs of those involved and the damage’s repair.
This research is concerned with the practical application of restorative-justice in Santa
Catarina’s Capital, presenting an alternative sociability. Furthermore, calling attention to the
contemporary violence and the social construction of prejudice in relation to youth in conflict
with the law is also the aim of this study. Restorative-justice accepts that the classic punitive
system focuses too much on State apparatus and the appreciations are concentrated on the
infraction for the sight of this penance the accused. This matrix contains a legality original
and emancipatory, making as a multifaceted proceeding of social democratic and dialogical
construction. About the project in Florianópolis’s jurisdiction, it provides two forms of
mediation: judicial mediation and extrajudicial mediation. The prospects of Restorative-
Justice are encouraging in the South of Brazil, mainly because it allows the author and victim
think over about the offense committed, putting an end to possible distress of the involved.
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 8
CAPÍTULO I ............................................................................................................................ 13
Breves considerações históricas e filosóficas acerca das práticas judiciárias em resposta a atos
infracionais ............................................................................................................................... 13
1.2 O paradigma do Direito do Menor e da Situação Irregular ............................................ 14
1.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a doutrina da Proteção Integral .................... 22
1.3 O novo olhar recepcionado pelo SINASE: práticas restaurativas .................................. 29
CAPÍTULO II ........................................................................................................................... 33
Justiça Restaurativa e Sistema Socioeducativo: modelos alternativos ou complementares? ... 33
2.1 Compreendendo as medidas socioeducativas no paradigma da doutrina da Proteção
Integral .................................................................................................................................. 33
2.2 Justiça Restaurativa: fundamentos éticos e princípios .................................................... 44
2.3 Os modelos de restauração no ordenamento jurídico internacional e nacional .............. 51
CAPÍTULO III ......................................................................................................................... 58
A Justiça Restaurativa na Vara da Infância e Juventude de Florianópolis/SC ......................... 58
3.1 Dimensão prática e modelo do programa ....................................................................... 59
3.2 A convivência simultânea dos dois paradigmas na Capital: avanços e desafios ............ 66
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 71
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 73
8
INTRODUÇÃO
reconhecimento, pelo Estado, de que as práticas restaurativas são caminho para um tratamento
de respeito com o adolescente, privilegiando a doutrina da proteção integral.
As experiências internacionais e, mais recentemente, nacionais de práticas
restaurativas mostram-se, de fato, como resposta às angústias apontadas. O novo paradigma
da criminologia, embora em seus diversos modelos, é conduzido sempre nos mesmos
princípios e valores: guia-se em um procedimento de consenso, em que vítima, infrator e
terceiros interessados, quando apropriado, no papel de sujeitos centrais, participam coletiva e
ativamente na construção de soluções para a cura das feridas, dos traumas e perdas causados
pelo crime.
No debate criminológico, o modelo restaurativo pode ser visto como uma síntese
dialética, pelo potencial que tem para responder às demandas da sociedade por
eficácia do sistema, sem descurar dos direitos e garantias constitucionais, da
necessidade de ressocialização dos infratores, da reparação às vítimas e comunidade
e ainda revestir-se de um necessário abolicionismo moderado (PINTO, p. 21, in
SLAKMON, 2005).
Atenta para tais questões, foram implementados programas de Justiça
Restaurativa no âmbito nacional no lugar da resolução de conflitos tradicionais produzidos
pelo Poder Judiciário. Somam-se as experiências internacionais, a agenda política nacional no
começo do Século XXI discutia, na esfera da reforma do Judiciário, demandas por:
uma justiça mais participativa, um mais amplo acesso ao direito e à construção das
bases interpretativas do direito, sobretudo os sociais da população, marcadas por
visão pluralista do direito, uma ampliação do acesso à justiça, um fortalecimento da
dimensão de respeito aos direitos humanos e de uma justiça garantidora de direito
sociais (MELO, p. 12, in MELO, EDNIR, CURI, 2008).
É nesse contexto que o último capítulo pretende analisar as experiências do
judiciário catarinense através da justiça restaurativa com adolescentes autores de ato
infracional, assim como reconhecer a hipótese principal deste trabalho: o Centro de Justiça
Restaurativa de Florianópolis, portanto, adotando uma forma pedagógica sedimentada nos
princípios das práticas restaurativas, representa a efetiva concretização da doutrina da
proteção integral.
Quanto ao conteúdo do último capítulo o primeiro tópico desta seção, então,
estabelece os procedimentos e métodos adotados pelo CJR para o atendimento do adolescente,
enquanto o segundo tópico aborda a convivência do serviço da justiça restaurativa e do
sistema tradicional da medida socioeducativa, elencando alguns aspectos fundamentais para o
12
CAPÍTULO I
1
Obra de Charles Dickens publicada em 1837.
16
2
MACHADO justifica tal adjetivo, pois os autores que, à época, levantavam dados estatísticos sobre os índices
de criminalidade juvenil, defendendo seu aumento, não apresentavam estatísticas anteriores nem dados
comparativos confiáveis com a criminalidade dos adultos (2003, p. 31).
17
É nesse sentido que Sotto Maior Neto (2001, p. 6), citado por Machado
(2003, p. 46), revela que o Juiz de Menores exsurge como um ser onipotente, tendo em vista
20
que o Código de Menores lhe permite, entre outras coisas, decidir conforme o princípio da
livre convicção, legislar sobre as matérias de menores mediante portarias e provimentos,
decretar a perda ou a suspensão do pátrio poder, afastar dirigentes e ordenar o fechamento
provisório ou definitivo de estabelecimentos particulares, atuar como censor dos espetáculos
teatrais e afins, além de criar rito processual a revelia de qualquer texto legal.
Martha de Toledo Machado (2003, p. 47) defende que, a partir da confusão
conceitual da carência/delinquência, originou-se um direito triplamente iníquo.
Em sua primeira justificativa, defende que a doutrina da Situação Irregular
cria uma clara cisão entre crianças e jovens em situação regular, que, por conseguinte,
mereciam legislação própria e razoavelmente dotada das garantias iluministas, aplicada com
as garantias processuais, e aquelas em situação irregular, não merecedora desse direito
material e processual mais civilizado (MACHADO, 2003, p. 47).
Em seguida, relembra que tais preceitos justificaram a implementação da
medida de privação de liberdade – uma vez que segregados nos reformatórios – de enorme
massa de crianças e adolescentes desassistidos socialmente, embora a maioria sem nunca ter
praticado ato definido como crime (MACHADO, 2003, p. 47). É dizer, nas palavras da
doutrinadora, “tratando-se a problemática social como questão de polícia” (MACHADO,
2003, p. 47).
Por fim, Machado (2003, p. 47) aponta que, através dessa doutrina, logrou-
se “derrubar todas as garantias dos autores de crime, inimputáveis em razão da idade, aos
quais se passou a negar os mais elementares direito humanos,” sob a justificativa que estava
sendo adotada uma medida protetiva e não repressiva.
Em oposição ao desconhecimento do caráter negativo das medidas
imputadas aos menores, em que pese a confusão entre infração e carência, Munir Cury (1987,
p. 16) destaca a necessidade da “paixão pela liberdade” quando descreve a postura que se
aguarda do Curador de Menores, isto é, dos Promotores da Justiça do Menor:
Manuseando os autos que envolvem o menor com desvio de conduta, há de ter a
paixão pela liberdade, para saber dosá-la, visando a reeducação de que nunca foi
educado, a ressocialização de quem jamais viveu em sociedade. Segregação e
liberdade serão o binômio que permanentemente o angustiarão, e somente terá paz
quando saborear um único fruto que seja do seu trabalho e da sua confiança, na
infância e na adolescência de seu país.
Diante do menor carente, sentirá a dor profunda da fome, a rajada cortante do frio, o
amargor da sede, e pela obstinação e energia interior, será iluminado pelo amparo da
comunidade local, no desejo comum de construir uma só família.
Com o menor abandonado palmilhará as espinhosas estradas da solidão,
atravessando as borrascas da amargura, as noites de desespero e falta de amor, até
alcançar os braços de quem o acolha, lhe dê o calor do lar e o afeto da família.
21
3
Comentário adicionado pela autora.
22
4
Art. 25 1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o
bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda
quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na
viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua
vontade. 2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas
dentro ou fora do matrimónio, gozam da mesma protecção social.
5
Art. 26: 1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao
ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser
generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu
mérito. 2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem
23
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, em seus artigos 10 (3)6, 12 (2) (a)7 e
13(1)8, além das Convenções Europeia, Americana e Africana de Direito Humanos (VIEIRA;
VERONESE, 2015, p. 92; ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 53).
Apenas após a primeira e segunda guerra mundial, influenciada pela
Declaração dos Direitos do Homem, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração dos
Direitos da Criança, em 1959, significando tal instrumento importante ruptura com o antigo
paradigma, já que a criança passa a ser vista como sujeito de direitos (ROSSATO; LÉPORE;
CUNHA, 2011, p. 52).
Para Bobbio (1992, p. 35), citado por Vieira e Veronese (2015, pp. 92-93),
esse instrumento internacional se insere na “especificação” dos direitos humanos, tendência
nascida após a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e que é responsável pela
determinação posterior dos sujeitos titulares de direitos.
Esse instrumento, aliás, é resultado do reconhecimento pela comunidade
internacional de que as crianças carecem de atenção especial que as salve das consequências
danosas de sua hipossuficiência, derivadas de circunstâncias que podem coloca-las em risco
(ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 55).
Reconhecendo, a partir de então, a vulnerabilidade da infância, os
instrumentos internacionais declararam as crianças detentoras de direitos e credoras de
políticas públicas direcionadas. Aceitando, desse modo, o fato de a criança ser uma pessoa em
desenvolvimento (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 56).
Vieira e Veronese (2015, p. 93) revelam que a Declaração dos Direitos da
Criança de 1959 incentivou uma nova etapa de crescimento normativo voltado a formular um
e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e
todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a
manutenção da paz. 3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos
filhos.
6
Art. 10, 3: Os Estados Membros no presente Pacto reconhecem que: [...] 3. Deve-se adotar medidas especiais
de proteção e assistência em prol de todas as crianças e adolescentes, sem distinção alguma por motivo de
filiação ou qualquer outra condição. Deve-se proteger as crianças e adolescentes contra a exploração econômica
e social. O emprego de crianças e adolescentes, em trabalho que lhes seja nocivo à moral e à saúde, ou que lhes
faça correr perigo de vida, ou ainda que lhes venha prejudicar o desenvolvimento normal, será punido por lei. Os
Estados devem também estabelecer limites de idade, sob os quais fique proibido e punido por lei o emprego
assalariado da mão-de-obra infantil.
7
Art. 12, §2, 1: As medidas que os Estados-partes no presente Pacto deverão adotar, com o fim de assegurar o
pleno exercício desse direito, incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: 1. A diminuição da
mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças.
8
Art. 13, §1: §1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação.
Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de
sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais.
Concordam ainda que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade
livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais,
étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
24
9
O jornalismo brasileiro, em regra, continua adotando o termo “menor” quando em notícias relacionadas a
crianças e adolescentes em conflito com a lei.
29
antiga legislação, uma vez que a infância e a adolescência carente receberão tratamento
distinto daquela vulgarmente conhecida como delinquente.
Apesar disso, o estabelecimento de internação, tal qual do código de menor,
permaneceu sem alterações substanciais, uma vez que o estatuto não disciplinou sua
infraestrutura física, isto é, o sistema socioeducativa permaneceu por longo período – e por
que não até os dias atuais – como as convencionais penitenciárias nominadas Febens pela
antiga legislação do menor.
Tampouco há, nos primeiros 22 anos de vigência do estatuto, legislação
disciplinando a execução das medidas socioeducativas, o que evidencia, infelizmente, a
história redizendo seus acontecimentos: adolescentes privados de liberdade sem que haja, no
ordenamento jurídico, previsão do modo como ocorrerá seu andamento.
No mesmo sentido, Afonso Kozen (2007, p. 49) afirmava que a ausência de
formas procedimentais rendia vez à subjetividade e a discricionariedade. O vazio normativo
igualava-se a uma viagem ao território do improviso.
Embora a doutrina proposta na década de noventa ainda deva ser
considerada recente e em afirmação, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE), instituído pela Lei n. 12.594/12, além de reafirmar e concretizar os pressupostos
da escola da Proteção Integral no âmbito do adolescente em conflito com a lei, lança novo
paradigma – práticas restaurativas –, reconhecendo, por conseguinte, as consequências
negativas e marcantes das medidas, em especial, aquelas em que há privação de liberdade.
Os aspectos até aqui apresentados introduziram a relação histórica e
filosófica entre o Estado e o adolescente em conflito com a lei, de modo que são perceptíveis
os entraves em cada modelo proposto. Para avançarmos, passamos às inovações e os objetivos
lançados pela recente Lei n. 12.594/12.
10
Art. 15. São requisitos específicos para a inscrição de programas de regime de semiliberdade ou internação:
I - a comprovação da existência de estabelecimento educacional com instalações adequadas e em conformidade
com as normas de referência;
II - a previsão do processo e dos requisitos para a escolha do dirigente;
III - a apresentação das atividades de natureza coletiva;
IV - a definição das estratégias para a gestão de conflitos, vedada a previsão de isolamento cautelar, exceto nos
casos previstos no § 2o do art. 49 desta Lei; e
V - a previsão de regime disciplinar nos termos do art. 72 desta Lei. s e gestores do
11
Art. 49. [...]
§ 2º A oferta irregular de programas de atendimento socioeducativo em meio aberto não poderá ser invocada
como motivo para aplicação ou manutenção de medida de privação da liberdade.
12
Art. 72. O regime disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal que advenha do ato cometido.
32
13
Na comarca de Joinvile/SC, em 2003, foi implantado as práticas de mediações na Justiça da Infância e da
Juventude, sob a gerência do Dr. Juiz Alexandre Morais da Rosa (NIEKIFORUK; ÁVILA, 2015).
33
CAPÍTULO II
14
Acrescentada pela autora.
36
adolescente e como evitar que volte a praticar novos atos infracionais (TRINDADE, 2002, p.
50).
A educação, aliás, há muito é destacada como principal recurso para
prevenção de crimes. Fala-se prevenção, porque, como se insurgiu Cesare Beccaria (1996, p.
125), é “melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve
procurar antes impedir o mal do que repará-lo.”
O filósofo, ao responder a seguinte indagação, Quereis prevenir os crimes?,
indica, como meio mais seguro, porém, ao mesmo tempo, o mais difícil de tornar os homens
menos inclinados a praticar o mal, é aperfeiçoar a educação (1996, p. 132).
Em suas palavras:
Ouso, porém, dizer que está tão estritamente ligado com a natureza do governo que
será apenas um campo estéril e cultivado somente por um pequeno número de
sábios, até chegarem os séculos ainda distantes em que as leis não terão outro fim
senão a felicidade pública.
Um grande homem, que esclarece os seus semelhantes e que é por estes perseguido,
desenvolveu as máximas principais de uma educação verdadeiramente útil. Fez ver
que ela consistia bem menos na multidão confusa dos objetos que se apresentam às
crianças do que na escolha e na precisão com as quais se lhes expõem.
Provou que é preciso substituir as cópias pelos originais nos fenômenos morais ou
físicos que o acaso ou a habilidade do mestre oferece ao espírito do aluno.
Ensinou a conduzir as crianças à virtude, pela estrada fácil do sentimento, a afastá-
las do mal pela força invencível da necessidade e dos inconvenientes que seguem a
má ação (1996, p. 132).
16
Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal (BRASIL, 1990).
17
Comentário adicionado pela autora.
40
processo” (BARATTA, 1991a, pp. 36-37, e 1982b, pp. 33-38 apud ANDRADE, 1997, pp.
201-202).
A partir dessas premissas, ou seja, a criminalidade como pressuposto do
papel do sistema penal, torna-se instável o argumento ressocializador do sistema penal, tal
qual no sistema socioeducativo, na medida em que a criminalidade é definida pelo próprio
sistema (AZEVEDO, 2013, p. 113).
Em análise de julgados dos tribunais estaduais e superiores, Azevedo (2013,
pp. 116-118) chega a conclusão de que o estereótipo do menor infrator18 - número de
ocorrências anteriores, frequentar escola, encontrar-se residindo com a família – é o que
justifica a aplicação de medidas socioeducativas, e não as circunstâncias do ato infracional
apurado, pois aquela é de finalidade pedagógica. Assim, é possível observar significativa
diferença entre o Direito Penal, no qual a resposta é mais rígida em relação à infração
praticada e a pena a ser aplicada (AZEVEDO, 2013, p. 114).
Nesse sentido, Azevedo (2013, p. 2013) justifica que, pelos mesmos
motivos, no âmbito do direito juvenil, deverá ser objetada a intervenção estatal calcada sobre
a justificativa ressocializadora. É que, nos dizeres da autora, “assim como determinados
indivíduos recebem o status de criminosos, também o status de menor infrator é desigual –
mas não aleatoriamente – distribuído entre a juventude brasileira” (AZEVEDO, 2013, p. 113).
Embora haja, reiteradamente, fundamentação pautada nos princípios da
proteção integral e de sua finalidade pedagógica, a aplicação da medida socioeducativa é
sempre justificada, conforme analisou Azevedo (2013, p. 118) segundo as finalidades
declaradas das medidas repressivas do sistema penal: reeducação, ressocialização e
prevenção.
Assim, observa-se que o fundamento da natureza puramente pedagógica e a
desvinculação absoluta do Direito Penal são elementos que configuram um sistema que, sob a
aparência de protetivo, legitima, outra vez, uma prática menorista (AZEVEDO, 2013, p. 122).
No atual cenário doutrinário e jurisprudencial, é de grande relevância o
estudo do conflito entre as hermenêuticas do modelo protetivo. Isso porque, de um lado, tem-
se o Direito Penal Juvenil que cabe, em síntese, todas as críticas destinadas ao Direito Penal,
e, de outra ponta, encontra-se a perspectiva da responsabilização estatutária, que legitima, por
sua vez, interpretações anômalas do Estatuto da Criança e do Adolescente (AZEVEDO, 2013,
p. 118).
18
Isso porque é esse o termo utilizado nos julgados.
41
está sob a incumbência do Executivo que ainda pode a delegar a organizações não
governamentais.
É por tais motivos, como também defendeu Trindade, que essa divisão de
funções, quando não há diálogo, faz com que os profissionais e, em especial os operadores de
direito, não tenham noção da realidade na qual estão trabalhando (SILVA, 2012, p. 147).
Não há como esquivar-se, portanto, do fato da institucionalização gerar
traumas físicos, psicológicos e sociológicos, e marca, indelevelmente, a vida dos adolescentes
justamente quando a vida corresponde a descobertas, a ritos de passagem e ao ingresso no
universo adulto (SILVA, 2012, p. 124).
Assim, analisadas as críticas cabíveis aos modelos propostos pelo Direito
Penal Juvenil e pela responsabilização estatutária, assim como realizada a abordagem da
tradicional medida socioeducativa à luz da criminologia crítica, a qual revela a seletividade do
atual sistema do direito infracional e, igualmente, os aspectos negativos inerentes ao usual
modelo, em especial, no que diz respeito às medidas de privação de liberdade, reconhece-se
substancial a necessidade de respeitar e ouvir o sujeito para se falar em um caráter pedagógico
de suas intervenções, que valorize o adolescente em todas as suas potencialidades e que lhe
sugere um caminho diferente a seguir.
A prática, como aponta Silva (2012, p. 154), de fato, desvirtua-se para a
caracterização, o que, apesar de não alterar os conceitos teóricos, exige respostas diversas.
Alexandre Morais da Rosa (p. 111, in SPENGLER; LUCAS, 2011), nesse
sentido, aproxima a função e lugar da mediação. Para o autor é imprescindível respeitar o
sujeito e com ele, no limite do possível eticamente, se houver demanda, “construir um
caminho, sempre impondo sua responsabilidade pelo ato e relembrando-o, ou mesmo
advertindo, de que existe algo de impossível, algo que não se pode gozar”.
É aí, então, que se mostra relevante introduzir um novo paradigma para
atender as demandas de adolescentes em conflito com a lei: as práticas restaurativas.
44
19
Restorative justive ha salso been represented as consistent with the spiritual beliefs of Christians, Jews,
aboriginal peoples, Muslims and other religious groups.
20
Likewise, restorative justice is often undertood to fit within a broader social justice perspective that seeks to
transform unjust social relations.
21
Finally, some consider restorative justice a lifestyle, in the sense that practitioners and advocates must ‘walk
the talk’ of restorative justice in all dimensions of their everyday lives.
22
Restorative justice process typically emphasise the participative involvement of victim and offender, and
sometimes the community, in a facilitated encounter.
23
The goals of restorative justice include promoting empathy, repairing harm and reintegrating offenders. The
values of restorative justice centre on key oppositions between restorative and retributive justice. Restorative
justice is said to possess values of healing, non-coercion, love, caring and democratic participation that are
contrary to the adversarial orientation of formal criminal law, wich, acoording to restorative justive advocates, is
punitive, coercive and alienating.
47
Sob outro prisma, Howard Zehr (2008, p. 170), da mesma forma como
assinalado por Randy Barnett, antes de introduzir a concepção de justiça restaurativa que
defende, entende ser necessário a problematização do conceito do crime. É que o autor
reconhece diferentes olhares sobre o significado do crime, pois acredita que este é
compreendido segundo o paradigma adotado. Assim:
Justiça retributiva: O crime é uma violação contra o Estado, definida pela
desobediência à lei e pela culpa. A justiça determina a culpa e inflige dor no
contexto de uma disputa entre ofensor e Estado, regida por regras sistemáticas.
Justiça restaurativa: O crime é uma violação de pessoas e relacionamentos. Ele cria a
obrigação de corrigir os erros. A justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade
na busca de soluções que promovam reparação, reconciliação e segurança.
Em outras palavras, o crime não é uma ofensa em primeiro plano contra a
sociedade tampouco contra o Estado. O crime possui uma dimensão interpessoal, ou seja, é,
primeiramente, uma ofensa contra as pessoas e por tal motivo a resposta deve-se partir delas
(ZEHR, 2008, p. 172).
Convém assinalar que o autor Zehr (2008, p, p. 173) indaga-se acerca da
adequação do termo crime, pois não acredita que este seja adequado para o novo paradigma.
Apesar disso, optou por continuar com o uso dessa palavra, uma vez que não encontrou
nenhum substituto aceitável.
Isto dito, o crime envolve quatro dimensões de violações que precisam ser
sanadas, quais sejam: a) a vítima, b) os relacionamentos interpessoais, c) o ofensor, d) a
comunidade, sendo que a justiça restaurativa concentra seus esforços primeiramente nas duas
primeiras dimensões, diferente do que ocorre na justiça retributiva (ZEHR, 2008, p. 173).
Como o novo paradigma tem como objeto a restauração, a questão central
não é mais no que devemos fazer ao ofensor ou o que ele merece em razão de sua conduta,
mas sim na seguinte pergunta: “O que podemos fazer para corrigir a situação?” (ZEHR, 2008,
p. 175).
Howard Zehr (2008, p. 176) defende que a justiça é restauração, o que
implica que aquela deverá reparar a lesão e promover a cura. Em segundo plano, portanto, a
justiça deve procurar sanar o relacionamento entre vítima e ofensor, isto é, a reconciliação. E
continua:
A restituição representa a recuperação de perdas, mas sua verdadeira importância é
simbólica. A restituição significa um reconhecimento do erro e uma declaração de
responsabilidade. A correção do mal é, em si, uma forma de expiação que poderá
promover a cura mais eficazmente do que a retribuição (ZEHR, 2008, p. 181).
48
24
Justice restorative is a problem-solving approach to crime which involves the parties themselves, and the
community generally, in an active relationship with statutory agencies.
25
It is not any particular practice, but a set of principles which may orientate the general practice of any agency
or group in relation to crime.
49
resultou ou que foi revelado pelo conflito e, contextualmente, produzir uma solução
consensual com base na reparação dos danos e na manutenção da paz jurídica.
[...]
Em suma, os requisitos para qualificar a mediação penal são: voluntariedade;
confidencialidade e oralidade, informalidade; neutralidade do mediador; ativo
envolvimento comunitário; autonomia em relação ao sistema de justiça. Existem
características comuns às mediações promovidas em todos os âmbitos (penal ou
não): a intervenção de terceiros imparciais na função de facilitadores, o
envolvimento das partes em conflito, o consenso das partes à atividade de mediação
e a natureza extrajudicial.
Para a perspectiva maximalista, conforme classifica André Giamberardino
(2014, p. 130), “é admissível a inclusão da coerção à cooperação e possível a ressignificação
do processo penal tradicional e da pena estatal sob o prisma da restauração”. Nessa, em regra,
o cerne da restauração desloca-se “para a reparação dos danos sofridos sob um prisma
compensatório ou retributivo, mais preocupado com a reparação financeira/pecuniária da
vítima” (GIAMBERARDINO, 2014, p. 130).
Nos termos propostos por Johnstone e Van Ness, citado por Giamberardino
(2014, p. 130), tanto a concepção minimalista como a maximalista podem diferenciar-se
segundo o enfoque ao encontro ou à reparação, pois aqueles assinalam que as perspectivas
devem se complementar, e não se excluir.
Por fim, outros dois aspectos da justiça restaurativa necessitam ser
esclarecidos: a questão do “empowerment”26 dos indivíduos envolvidos e os limites da
influência da Vitimologia neste paradigma.
Mosconi (2000, p. 57), citado por Leonardo Sica (2015, pp. 418-419),
ressalta, no modelo de restauração, a necessidade de “empowerment” como fundamento de
uma nova subjetividade que outorga aos envolvidos papel ativo, de redefinição de problemas,
de reafirmação de sua autonomia e poder, em todos os âmbitos, como culturais, políticos e
psicológicos. Isso se dá, segundo o autor, a partir das diferentes orientações presentes que são
capazes de fluir na justiça restaurativa, o que, por outro norte, “são sufocadas pelas abstrações
e esquematizações pelo sistema tradicional e estruturas burocráticas correspondentes, cuja
26
Leonardo Sica entende insuficiente e redutiva e tradução de “empowement” por apoderamento ou
empoderamento. Nesse sentido, Marshal, Bayack e Bowen (2005, p. 273), citados por Sica (2015, p. 417-418),
assim definem: “[...] todo ser humano requer um grau de autodeterminação e autonomia em suas vidas. O crime
rouba este poder das vítimas, já que outra pessoa exerceu controle sobre elas sem seu consentimento. A Justiça
restaurativa devolve os poderes a estas vítimas, dando-lhes um papel ativo para determinar quais são as suas
necessidades e como estas devem ser satisfeitas. Isto também dá poder aos infratores de responsabilizar-se por
suas ofensas, fazer o possível para remediar o dano que causaram e iniciar um processo de reabilitação e
reintegração”. E Leonardo Sica (2015, p. 418) continua em suas palavras: Aprimorando essa definição e
adequando-a aos moldes do presente estudo, o “empowerment” verifica-se com a recuperação do poder de
diálogo e entre as partes, suprimido pelo processo penal, assim como o poder de evitar o processo e definir
outras formas de regulação social distintas daquela única oferecida pelas agências judiciais tradicionais.
50
transformação também se insere dentro dos objetivos da justiça restaurativa” (SICA, 2015, pp.
419).
A crítica que, em regra, cerca o aspecto do papel ativo da vítima na justiça
restaurativa refere-se à possível reintrodução da vítima na condução do evento criminoso.
Contudo, tal afirmação merece adequada ponderação, como alerta Santos (2013, pp. 126-
127).
Não obstante ela tenha acolhido influências da Vitimologia, a justiça
restaurativa jamais se propôs a buscar a troca da atual postura estatal, a qual rejeita o sujeito
passivo na solução do conflito, no lugar de uma ditadura da vítima em uma postura
desfavorável ao ofensor (SANTOS, 2013, pp. 126-127). Isso porque, como esclarecido por
Leonardo Sica, o “empowerment”, isto é, o papel ativo, é entregue tanto à vítima como ao seu
ofensor.
Não há, portanto, falar-se em legitimação de respostas advindas do possível
ódio cultivado pela vítima, eis que a justiça restaurativa não foi recebida com o escopo para
legitimar a vingança. Exatamente para evitar tais posturas, todos os envolvidos, nos encontros
restaurativos, devem “estar cientes de que os direitos das partes estão igualmente
resguardados, não havendo uma espada apontada para a cabeça do autor do delito” (SANTOS,
2013, p. 127).
Tal qual apontado por Santos (2013, p. 128) no que toca à coexistência da
justiça restaurativa e do Direito Criminal, neste trabalho, defende-se uma atuação
complementar do paradigma restaurativo no sistema socioeducativo atualmente em voga,
postura na qual acaba por enfatizar o princípio da intervenção mínima defendido pela própria
Doutrina da Proteção Integral.
Isso porque, como visto no tópico anterior, ambos os modelos, tanto da
restauração como do sistema socioeducativo referem-se a novos paradigmas, cujos objetivos
são convergentes: rompem a natureza retributiva e coercitiva da resposta do Estado diante de
adolescentes em conflito com a lei penal.
Portanto, não há se falar em confronto entre o sistema socioeducativo e a
justiça restaurativa, como ocorre quando na esfera da justiça retributiva, mas sim em
complementariedade da restauração. De outro norte, como já sustentado, é necessário também
compreender os aspectos negativos das medidas socioeducativas, em especial, aquelas
consubstanciadas em privação de liberdade, assim como a falha interpretativa de diversos
atores jurídicos ao aplicarem aquelas.
51
práticas de vandalismos por dois adolescentes na região próxima a Elmira, em Ontário. Foi
Mark Yantzi, Oficial de Justiça, que propôs ao juiz o encontro entre os adolescentes e as
vítimas. Como um menonista, Yantzi estava interessado em uma abordagem de pacificação na
justiça criminal. Todavia, o Oficial de Justiça jamais esperou que o juiz concordasse com sua
proposta tampouco que lhe atribuiria a tarefa de facilitar o encontro entre os adolescentes e as
vítimas. Juntamente com David Worth, que trabalhava para o Comitê Central Menonista,
Yantzi aceitaram a função e apresentaram resultados encorajadores. Os adolescentes ficaram
face-a-face com as vítimas, assim como repararam os danos causados, o que estimou a criação
de um projeto de justiça reparadora (PEACHEY; 2003, apud WOOLFORD; RATNER, 2008,
p. 69, tradução nossa)27.
Vezzulla (2004, p. 89), por sua vez, aponta o programa de Barcelona como
uma das primeiras experiências de medição na justiça juvenil. Em maio de 1990, pois, a
Dirección General de Justicia Juvenil começou a aplicar a mediação.
Ao citar Vidal (1996), Vezzulla (2004, p. 89) destaca as dificuldades iniciais
da experiência, em razão da inexistência de previsão legal de procedimentos conciliatórios.
Apenas a partir da Lei Orgânica 4/12, que regulamentou os “Juizados de Menores”, foi
recepcionada a prática de reparação, em dois momentos distintos:
1. Como alternativa ao processo judicial, como uma forma de parar o procedimento
atendendo à pouca gravidade dos fatos, à situação especial do adolescente e à
proposta deste de reparar o dano ocasionado;
2. Como suspensão da medida judicial toda vez que, estando já desenvolvido o
procedimento judicial, se apresentasse ao adolescente e seus responsáveis a
possibilidade de fazer um acordo de reparação extrajudicial.
Esses enunciados inauguraram, com o conceito material de reparação como
reparação do dano, reposição do bem ou de seu valor, um espaço à conciliação e, por
conseguinte, a um “tratamento direto entre o ofensor e os supostos prejudicados, o que os
obriga a dialogar, a trocar sentimentos, dores, mágoas, a repensar o ato violento junto ao
outro, desde o outro e junto a ele” (VEZZULLA, 2004, p. 90).
27
Despite its ancient lineage, restorative justice truly took hold as a social movement in 1970s, around the same
time that community mediation emerged. One of the earliest restorative justice experiments, the Kitchener
Ontario Victim Offender Reconciliation Program (VORP), took place in 1974, after a vandalism spree by two
teenagers in nearby Elmira, Ontario, inspired probation officer Mark Yantzi to propose to te judge that the
offenders meet with their victims. As a Mennonite, Yantzi was interested in taking a peacemaking approach to
criminal justice, but he never expected the judge to agree to his approach and to assign to him the task of
facilitating meetings between the teenagers and their victims. He and David Worth, who worked for de
Mennonite Central Committee, took on this challenge, and its encouraging results – the teenagers faced their
victims and paid restitution – spurred them to create a post-sentencing restorative justice project dedicated to
reconciling offenders with their victms.
53
Vezzulla (2004, p. 91) explica que a lei catalã não é explicita quanto ao
modo que se procederá a reparação da vítima. Ela limita-se a valoração do esforço realizado
pelo adolescente no momento em que repara o dano causado. É com essa referência, pois, que
o programa de reparação de Barcelona adota a mediação, prática pelo qual adolescente e
vítima elaboram o programa de reparação que atende aos interesses de ambos.
Inúmeras são as vantagens deste procedimento neste aspecto. É que, ao
permitirem que o jovem e a vítima decidam os programas de reparação que satisfaçam seus
interesses, o poder de decisão é, então, daqueles, o que, ainda que parcialmente, emancipa-os
“da tutela do Estado ao serem reconhecidos como sujeitos, e não objetos de seus operadores”
(VEZZULLA, 2004, p. 91).
O projeto de mediação integral da Espanha, além de trabalhar o diálogo
entre a vítima e o ofensor, inclui também e especialmente a situação do adolescente em
relação à sua família, no que diz respeito à sua identidade, condição atual, assinalando que os
familiares devem estar envolvidos a fim de possibilitar um atendimento mais amplo do
adolescente e do que o levou para praticar o ato infracional (VEZZULLA, 2004, p. 92).
O programa de Catalunha é formulado em duas partes, quais sejam, a
primeira, que ocorre o contato com as partes e, a segunda, com a mediação conjunta.
Antes do encontro entre a vítima e o adolescente, é necessário verificar se as
partes tem interesse no programa e, em caso positivo, ambas devem estar preparadas
positivamente para o diálogo (VEZZULLA, 2004, pp. 93-94).
Caso a mediação ocorra em todas as suas fases, o momento que deve ser
destacado, ápice do procedimento, é o encontro entre a vítima e o adolescente. É que, nesse
momento, os envolvidos transmitirão um “ao outro as razões, as circunstâncias de cada um,
num esforço por uma mútua compreensão. Caso se produza um acordo, este deverá atender
aos interesses de ambos e às possibilidades reparatórias do adolescente” (VEZZULLA, 2004,
pp. 93-94).
Vezzulla (2004, p. 94), citando Vidal (1996), define como objetivos do
programa:
1) possibilitar a partir do Judiciário o restabelecimento da paz social;
2) Incorporar à “justicia juvenil” elementos restitutivos ou compensatórios em
relação à vítima;
3) responsabilizar o adolescente autor de ato infracional das próprias ações e de suas
conseqüências;
4) Oferecer à vítima a possibilidade de participar na resolução do conflito;
5) Possibilitar à vítima a recuperação da tranqüilidade, da paz e que seja
compensada pelos danos sofridos;
6) Aproximar o Judiciário dos cidadãos através da viabilização de formas ágeis e
participativas para a resolução dos conflitos que também são da comunidade.
54
autônoma em relação ao sistema de justiça. Contudo, a procura pela mediação ainda sim não
foi satisfatória, o que resultou no quarto problema: “a baixa procura poderia estar relacionada
com o fato de o serviço ser oferecido de forma paralela ao sistema judicial, sem a segurança
legal sobre o que poderia acontecer após a mediação” (ACHUTTI, 2013, p. 168).
Diante desse vazio, compreendeu-se que a medição necessitava um mínimo
de segurança jurídica, isto é, era necessário ter um contato com o sistema judicial, o que,
inclusive, permitia que os envolvidos “tivessem clareza sobre sua posição no procedimento e
sobre os seus direitos” (ACHUTTI, 2013, p. 169).
A tentativa de aproximação, naquele momento, não teve resultados
positivos. Isso porque o Ministério Público questionava sobre o seu interesse na mediação,
pois sua função precípua – acreditava-se – era de garantir o processo contra os ofensores
(ACHUTTI, 2013, p. 170).
Aertsen (2006, p. 73-75), citado por Achutti (2013, p. 174), revela que a
consolidação da justiça restaurativa Belga ocorreu somente após a previsão da mediação na
legislação federal, em 2005, além do papel desempenhado pelas ONGs e os projetos de
pesquisa realizados pela Universidade de Leuven, que, em 2000, criou o Fórum Europeu de
Justiça Restaurativa.
No que toca às experiências nacionais, por sua vez, suas raízes originaram-
se principalmente de programas de restauração em âmbito escolar. O primeiro programa com
componentes da Justiça Restaurativa, assim, aconteceu em 1998, com o “Projeto Jundiaí:
Viver e Crescer em Segurança”. Neste, 26 escolas de 2º grau da região de Jundiaí/SP
receberam o projeto, que objetivava “testar um programa para melhorar condutas, prevenir
desordem, violência e criminalidade na escola” (PRUDENTE, p. 44, in SPENGLER,
LUCAS, 2011). O programa criou as Câmaras Restaurativas que visavam resolver casos mais
complexos e, neles, reconstruir as relações entre escola e sociedade, reparar danos e
minimizar consequências negativas futuras. Contudo, tal projeto sobreviveu até 2000
(PRUDENTE, p. 44 in SPENGLER, LUCAS, 2011).
Durante os anos de 2002 e 2003, o “Projeto da Serra”, também com as
câmaras restaurativas conectadas com as escolas, atendia os casos com reflexos na Justiça da
Infância e Juventude. O projeto aconteceu em 12 escolas de ensino médio e uma escola do
ensino fundamenta nas seguintes cidades do estado de São Paulo: Caieiras, Mairiporã e
Francisco Morato (PRUDENTE, p. 44 in SPENGLER, LUCAS, 2011).
Também no ano de 2002, a Justiça Restaurativa foi adotada, pela primeira
vez, na capital gaúcha no “Caso Zero”. Essa experiência, diferente daquelas ocorridas no
56
CAPÍTULO III
28
Informações colhidas em entrevista com a Coordenadora do Centro de Justiça Restaurativa, Cristina Mulezine
Gonçalves.
60
Nações Unidas, que trata sobre os “Princípios básicos para utilização de programas
de justiça restaurativa em matéria criminal”), elegendo-se deste logo a mediação
como principal instrumento;
b) a reinserção social e familiar do adolescente a que se atribui a prática de ato
infracional;
c) o encaminhamento desses adolescentes a programas de aprendizagem profissional
ou de inserção profissional, bem como a serviços outros que enalteçam a promoção
da autonomia do jovem e o provoquem à emancipação e cooperação na vida
comunitária, ampliando-se o espectro da responsabilização e reforçando sua
interiorização (ÁVILA, 2015).
informal, aberto a acolher todas as realidades apresentadas com respeito e reconhecendo que
cada adolescente é um único e exclusivo ser humano, razão pela qual não há falar em modelos
pré-estabelecidos nem padrões de condutas esperadas. Nas palavras de Vezzulla (2004, p. 98),
“cada adolescente é um sujeito diferente, e como tal cada procedimento deverá ser apropriado
às suas necessidades”.
No modelo proposto por Vezzulla, vale ressaltar, inclui-se, logicamente, as
leis que foram desrespeitadas na prática do ato infracional. E em razão disso, assim, faz-se
necessário a inclusão de um representante da Vara da Infância e da Juventude na mediação,
pois, representando essas normas, pode elucidar as motivações que as sustentam e permitir,
pois, que essas sejam compreendidas pelo adolescente. Acredita-se, desta forma, que o
adolescente deve conhecer as razões dessas leis existirem e as necessidades sociais que tais
leis expressam.
Feitas tais considerações acerca dos pressupostos e valores da mediação de
conflito de Juan Vezzulla, resta sistematizar os procedimentos adotados pelo CJR de
Florianópolis que, igualmente, também se pautam no programa de mediação de conflitos com
adolescentes autores de ato infracional proposto pelo professor.
Nessa esteira, são duas as formas de mediação: a mediação judicial, hipótese
em que processos já instaurados são encaminhados pelo magistrado ou promotor de justiça ao
centro de mediação, e a mediação extrajudicial, quando não ainda não há o processo de
apuração do ato infracional ou a execução de medida socioeducativa.
O método do trabalho da mediação extrajudicial, que em parte se repete nos
casos de mediação judicial, acontece através do encaminhamento do adolescente da delegacia
especializada na área da Infância e Juventude para o CJR, com o devido agendamento.
Em seguida, no primeiro encontro, os adolescentes são recebidos por
mediadores capacitados para a mediação de conflitos com adolescentes, sendo o atendimento
divido em duas etapas, quais sejam, a pré-mediação e a as sessões de mediações.
Juan Vezzulla (2004, p. 106) identifica a pré-mediação como a oportunidade
em que o mediador, em um primeiro contato com o adolescente, seus pais ou responsáveis,
seu advogado e o representante da Vara da Infância e da Juventude, buscará elucidar aos
participantes o funcionamento da mediação, suas técnicas, seus objetivos e quais são as
responsabilidades do mediador e dos mediados. Tal método é igualmente adotado na CJR, no
qual o procedimento, frisa-se, é sempre voluntário.
Na hipótese do adolescente aceitar participar do serviço de mediação, essa
informação é prestada ao processo, inclusive se na fase do inquérito, que será suspenso. Caso
63
analisar sua situação e de procurar opções para atendê-la”. E justifica que, ao ser escutado
atentamente, expondo sobre si e sua situação, o adolescente se sente respeitado e atendido, o
que o estimula a verbalizar as motivações e especiais situações que envolvem sua realidade e
o ato infracional praticado (VEZZULLA, 2004, p. 108).
O próximo procedimento é aplicado quando há o consentimento dos
envolvidos no conflito, isto é, vítima e adolescente. Nessa hipótese, a vítima é contatada
através de ligações telefônicas, em regra, ou por carta-convite (ÁVILA, 2015).
Caso ocorra o comparecimento daquela, os mediadores a informarão o
significado da Justiça Restaurativa e as ações já realizadas com o adolescente, assim como o
interesse de esse reparar o dano, sem que seja revelado o conteúdo das sessões. Também serão
estabelecidas as normas de comunicação e o tempo que os envolvidos terão para expor o fato
ocorrido (ÁVILA, 2015).
Vezzulla (2004, pp. 113-114) propõe que esse encontro ocorra com os
seguintes objetivos: a) que a vítima tenha a possibilidade de elaborar a agressão sofrida,
questionar e falar sobre isso; b) que o adolescente possa se expressar, para ele também
elaborar a situação vivida; c) que o adolescente possa perceber o ocasionado com sua ação
(repercussão de seus atos); d) que ambos os participantes possam se sensibilizar um com a
realidade do outro e consigam estabelecer uma atitude cooperativa diante da forma de resolver
a situação; e) que possam reparar o dano, chegando os dois a um acordo do que deverá ser
feito nesse sentido; f) que o adolescente possa adquirir responsabilidade sobre seus atos.
Na eventualidade da vítima não aceitar participar da mediação, como dito,
os mediadores continuarão trabalhando com o adolescente por intermédio de atividades
positivas, seja com o termo de acordo ao juiz ou carta à vítima, oportunidade em que o
adolescente poderá se expressar no que diz respeito à sua consciência e senso de
responsabilização quanto ao ato, eventual proposta de reparação e projeto futura (ÁVILA,
2015).
No mesmo sentido que proposto quando não há adesão pela vítima, os
acordos de mediação – vítima e adolescente – podem promover desde a reparação do dano
causado, até o pedido de desculpas e a responsabilização do adolescente, por meio de um
comprometimento futuro ou de participação em programas educacionais ou de tratamento.
Além disso, o comprometimento do adolescente poderá acontecer através de outras
atividades, como a inserção em programas de aprendizagem profissional ou no mercado de
trabalho por meio do programa Jovem Aprendiz. Com esses termos, os acordos serão
homologados em gabinete (ÁVILA, 2015).
65
O último item deste trabalho, tendo em vista o percursor traçado até aqui, o
qual incluiu a análise histórica dos modelos de justiça adotados pelo Brasil no tratamento de
adolescente em conflito com a lei, passando pelas interpretações da natureza e finalidade das
medidas socioeducativas no paradigma da Doutrina da Proteção Integral, além da exposição
sobre os pressupostos da justiça restaurativa e suas experiências, é dedicado ao exame da
experiência da CJR ao lado do sistema socioeducativo tradicional. Pretende-se, assim, traçar
os principais avanços e desafios das práticas restaurativas, a fim de indicar um caminho para a
efetivação de uma tutela jurisdicional em relação a adolescentes autores de ato infracional em
sua maior abrangência possível e, em especial, com um tratamento de respeito.
Isso dito, é necessário elucidar o modo como ocorre o direcionamento dos
casos para o CJR ou sua manutenção no processo de apuração de ato infracional para
aplicação de medida socioeducativa.
Como dito, na hipótese de atendimento pelo CJR, esta pode iniciar-se na
própria Delegacia de Polícia especializada da Infância e Juventude, ocasião em que se
agendará o primeiro encontro no Centro com o adolescente.
Tais casos, por sua vez, referem-se aos atos infracionais equiparados aos
seguintes crimes: dano simples29, lesão simples30, dos crimes contra honra31, ameaça32 e
29
Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
(BRASIL, 1940)
30
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano.
[...]
§ 6° Se a lesão é culposa: Pena - detenção, de dois meses a um ano.
31
Calúnia. Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção,
de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.
[...]
Difamação. Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três
meses a um ano, e multa.
67
Injúria. Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses,
ou multa.
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se
considerem aviltantes: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à
violência.
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição
de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa. (BRASIL, 1940).
32
Ameaça
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal
injusto e grave: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
68
sobre a necessidade de se olhar o conceito do crime sob uma nova lente, já proposta por
Howard Zehr e abordada no tópico 2.2 deste trabalho.
Isto é, o ato infracional, no paradigma da justiça restaurativa, não se
restringe à concepção de uma violação contra o Estado, que, neste olhar, é a parte legitima
para disputar contra o ofensor, mas como uma violação de pessoas e relacionamento. É por
esta razão que Zehr ensina que a justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade na busca
de soluções que promovam reparação, reconciliação e segurança.
Dentro dessa perspectiva, entende-se que aí se encontra o principal desafio
do CJR na convivência com o modelo tradicional da Justiça Juvenil: compreender o ato
infracional sob o olhar da justiça restaurativa, quando os adolescentes que são encaminhados
sistematicamente para esse serviço entram pela porta da justiça tradicional, isto é, apenas nas
hipóteses dos atos infracionais equiparados, em síntese, aos crimes de menor potencial
ofensivo, deixando os demais casos sem uma análise do conflito em si e, por conseguinte, sem
a oportunidade de encaminhamento direito aos serviços do CJR.
O modelo de justiça restaurativa em voga se apresenta, pois, como aquele
defendido pelos minimalistas. Em outros dizeres, o CJR é mantido em apartado e pressupõe
um processo cooperativo e voluntário de restauração, porque acreditam ser capaz de transpor
e transformar o sistema criminal, no caso, o sistema socioeducativo tradicional, lenta e
gradualmente. Para seus defensores, as práticas restaurativas representam uma alternativa à
lógica punitiva estatal, razão pela qual devem se ocupar dos casos originados do sistema
convencional para programas de mediação (FERRAZ; MARTINS, 2014).
É a partir desse aspecto, assim, que a importância da compreensão acerca
das práticas da justiça restaurativa pela população é fundamental para o avanço da
concretização do CJR no seu mais amplo alcance. Isso porque, o CJR também efetiva o
atendimento dos envolvidos no conflito quando há busca espontânea por esses, seja em
processos que já foi apresentada a representação ou sejam naqueles que tal procedimento
ainda não ocorreu.
A iniciativa para o atendimento pelo serviço da justiça restaurativa,
portanto, pode partir de todos os envolvidos, ou seja, do juiz, do promotor, do advogado, do
adolescente, de sua família e, inclusive, da vítima, quando o processo, em tramitação, poderá
ser suspenso se houver concordância dos demais.
Nesse aspecto, parece fundamental a sensibilização dos agentes públicos –
juízes, promotores, defensores públicos, advogados, delegados, policiais militares e guarda
69
33
Também foi nesse sentido o apontamento feito pelo Magistrado Egberto de Almeida Penido (2013) em análise
da experiência da justiça restaurativa com adolescente em conflitos com a lei nas Varas Especiais da Infância e
Juventude de São Paulo
34
Tópico 2.3
70
CONSIDERAÇÕES FINAIS
básicos dos programas de justiça restaurativa na esfera de infrações penais, como a Resolução
n. 2002/12, da ONU. Além do mais, as diversas experiências nacionais, como o programa de
Joinville/SC, e internacionais, como o caso da Bélgica, ambas desenvolvidas com adolescente
em conflito com a lei, revelam a orientação no sentido da necessidade de expansão e difusão
dos ideais restaurativos.
Compreendeu-se, assim, que a produção do conhecimento vinculado à
sua disseminação e clareza sobre as práticas restaurativas produzidas no CJR são
fundamentais para os avanços e enfrentamento dos desafios desse novo modelo criminal, em
especial, no que toca à ampliação de sua atuação. A troca contínua de experiências com
projetos e propostas de outros países também aparece como fator imprescindível para o
aprimoramento do Centro.
Observou-se, nesse sentido, que o encaminhamento sistemático de
adolescentes autores de ato infracional em uma maior escala somente será possível através de
uma sensibilização dos autores do modelo tradicional, além de um efetivo um processo
cooperativo entre esses, o que, por conseguinte, oportunizará ao CJR olhar o conflito
identificado e suas possibilidades de restauração, e não, em um primeiro momento, do ato
infracional por si só.
Entendeu-se, também, acertado o desejo de introdução de outros métodos
de restauração, quais sejam, os círculos, pois neles busca-se a superação do papel ambíguo e
esporádico da família e da comunidade, a fim de que esses personagens sejam integrais no
processo restaurativo do adolescente.
O trabalho mostrou, portanto, que é possível transpor e transformar o
sistema socioeducativo tradicional, e que, de fato, tal modificação deve dar-se com mais
cuidado, de forma gradual e concomitante ao modelo tradicional, uma vez que a justiça
restaurativa requer um processo voluntário e cooperativo, além de também reclamar por uma
mudança na cultura ideológica contra a percepção comum de impunidade do adolescente em
conflito com a lei e da necessidade de retribuição – pena – a esses.
73
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