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SEGUNDO CICLO DE ESTUDOS

CRIMINOLOGIA

Análise comparada dos marcos normativos da justiça juvenil luso-brasileira e suas


implicações socio-históricas sob o olhar criminológico

Juliana Carrinho Borges Silva

M
2020

Dissertação elaborada sob a orientação


de: Professora Drª. Maria Alexandra Gomes Machado Leandro

1
Dedico esta Dissertação aos meus pais, Gilberto,
Márcia e Sirlei, a quem guardo o mais profundo
amor e gratidão. E à minha irmã, minha metade
na vida.
RESUMO

A presente investigação teve como principais objetivos analisar os marcos normativos dos
direitos da criança e do adolescente, através da análise comparada dos instrumentos internos do
Brasil e de Portugal, e conhecer a perceção de peritos da justiça juvenil brasileira e portuguesa,
relativamente ao sistema nacional socioeducativo e tutelar educativo, sua conceção e aplicação,
num contexto socio-histórico nacional e internacional. Para tal, foram avaliadas três dimensões:
(1) Sistema Socioeducativo/Tutelar Educativo, (2) Aplicação da legislação infantojuvenil e (3)
Medidas em meio fechado e semiaberto. Este objetivo foi prosseguido através de um estudo
qualitativo que envolveu a análise documental de convenções internacionais, decretos,
relatórios e legislações sobre a justiça infantojuvenil brasileira e portuguesa e a realização de
entrevistas semiestruturadas a três peritos, dois brasileiros e um português. Os resultados
obtidos permitiram estabelecer uma trajetória jurídica e política dos referidos países e aceder a
suas interrelações, bem como descrever as perceções dos agentes nas dimensões elencadas,
nomeadamente, a incorporação dos instrumentos internacionais, a articulação operacional, a
imputabilidade penal, as medidas em meio fechado e semiaberto e as principais fragilidades da
justiça juvenil no Brasil e em Portugal.

Palavras-chave: Justiça juvenil, Criminologia, Legislação infantojuvenil, Medidas de Proteção


e Responsabilização, Brasil e Portugal.
ABSTRACT

The present investigation had as main objectives to analyze the normative frameworks of the
rights of the child and the adolescent, through the comparative analysis of the internal
instruments of Brazil and Portugal, and to know the perceptions of Brazilian and Portuguese
juvenile justice experts, regarding the national socio-educational system and educational
guardianship, its design and application, in a national and international socio-historical context.
To this end, three dimensions were evaluated: (1) Socio-educational / Guardian Educational
System (2), Application of child and youth legislation and (3) Measures in closed and semi-
open environments. This objective was pursued through a qualitative study that involved the
documentary analysis of international conventions, decrees, reports and legislation on Brazilian
and Portuguese juvenile justice and semi-structured interviews with three experts, two
Brazilians and one Portuguese. The obtained results allowed to establish a legal and political
trajectory of the referred countries and to access their interrelations, as well as to describe the
perceptions of the agents in the listed dimensions, namely the incorporation of the international
instruments, the operational articulation, the criminal imputability, legal measures in closed and
semi-open environment and the main weaknesses of juvenile justice in Brazil and Portugal.

Keywords: Juvenile Justice, Criminology, Child and Youth Law, Protection and
Accountability Measures, Brazil and Portugal.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as mulheres que abriram caminho para que hoje eu pudesse estar
ocupando este espaço, que nos é de direito, e que por tanto tempo nos foi negado.
Agradeço aos meus guias, sempre presentes, me dando força e coragem para vencer o
desafio que é escrever a própria história.
Agradeço a minha orientadora, Professora Doutora Maria Alexandra Gomes Machado
Leandro, por todo o suporte, paciência e disponibilidade conferidos. Agradeço em especial
pelos momentos de partilha e encorajamento, pela leveza e humildade com que transmite
tamanho conhecimento.
Agradeço aos peritos entrevistados, por terem aceite participar e pela generosidade em
compartilharem suas experiências e saberes para a construção deste estudo.
Agradeço ao meu pai, Gilberto, por ter nos acolhido, por ser meu exemplo de dignidade
e luta, e o grande responsável por alimentar em mim a busca incessante pelo conhecimento.
Agradeço à minha avó Sirlei, a mulher mais doce que já conheci, por ser meu exemplo
de cuidado e amor incondicional, por ser o aconchego do lar, aonde quer que estejamos.
Agradeço à minha mãe, Marcia, por ser a força que me empurra pra a frente, o
verdadeiro significado do poder feminino, aquela que concebe, que nutre e protege, sem
amarras, com generosidade e amor, e quem me ensinou a enxergar o outro com delicadeza e
empatia.
Agradeço à minha irmã, Luciana, por ter sido minha companheira desde o início de
nossas vidas, meu exemplo de empenho e dedicação, e que acreditou em mim, mesmo quando
eu duvidei. Obrigada por trazer às nossas vidas o Heitor, que é a luz dos nossos dias e em quem
deposito minhas esperanças em um mundo melhor.
Agradeço ao meu namorado, Felipe, por ser o (a)mar que eu precisava, profundo e
revolto, onde mergulho sem medo. Meu exemplo de integridade e disciplina, companheiro fiel,
que faz meus dias mais leves, com a certeza do nosso mar, doce lar.
Agradeço a Taís, com quem sempre posso contar, meu conforto nos momentos de
desânimo, meu elo de alma, minha bússola orientadora.
Agradeço a Cecília, por ser meu modelo a seguir, uma força da natureza, capaz de
vencer tudo que está a frente. Sigamos juntas, minha irmã, a luta continua.
Agradeço a Lorena, Danilo, Sabrina e Rafael, por compartilharem mais do que um
espaço de convivência, mas por serem a extensão da minha família aqui no Porto.
Agradeço a Andressa, por ser uma alegria, sempre vívida, sempre pulsante, fazendo dos
momentos sempre uma festa ao seu lado.
Agradeço a Andressa, Ana, Mariana, Giovana e Amanda, as irmãs que a vida me deu.
Agradeço por fim a Mariana, por ter trilhado essa longa jornada comigo, me dando
motivação e esperança, e sem a qual eu não teria conseguido.
A história nos julgará pela diferença que fizermos na
vida de todos os dias das crianças.
Nelson Mandela
LISTA DE SIGLAS

CE – Centro Educativo
BR – Brasil
CDC - Convenção dos Direitos da Criança
CF – Constituição Federal
CP – Código Penal
LPCJP – Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo
LPI – Lei de Proteção à Infância
LTE – Lei Tutelar Educativa
MP – Ministério Público
OTM – Organização Tutelar de Menores
PEP – Projeto Educativo Pessoal
CNMP - Conselho Nacional do Ministério Público
COVID – Corona Vírus Disease
DGRSP - Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
DL – Decreto-Lei
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
ENS - Escola Nacional de Socioeducação
LPI – Lei de Proteção à Infância
MNMMR - Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua
ONG – Organização Não Governamental
ONU – Organização da Nações Unidas
OSCIP - Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
OTE - Organização Tutelar Educativa
PIA - Plano Individual de Atendimento
PT – Portugal
RPJD - Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes
SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TCLE - Termo de Consentimento Livre Esclarecido
TEM - Medidas Tutelares Educativas
YLS/CMI - Youth Level of Service/Case Management Inventor
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Instrumentos normativos ..................................................................................... 14


ÍNDICE
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 1

PARTE I: CRIMINOLOGIA E JUSTIÇA JUVENIL ......................................................... 2

1. A CRIMINOLOGIA, O DIREITO E A DOGMÁTICA PENAL ....................................... 2


2. AS CORRENTES CRIMINOLÓGICAS E A JUSTIÇA JUVENIL ................................. 4
2.1. CRIMINOLOGIA DO CONSENSO ............................................................................ 4
2.1.1. Escola de Chicago ................................................................................................... 4
2.1.2. Teoria da Associação Diferencial ......................................................................... 5
2.1.3. Teoria da anomia ................................................................................................... 6
2.1.4. Teoria das Subculturas Delinquentes .................................................................... 7
2.2. CRIMINOLOGIA DO CONFLITO ............................................................................. 8
2.2.1. Teoria do Labelling Approach ............................................................................... 8
2.2.2. Teoria crítica ....................................................................................................... 10

PARTE II: O ESTUDO EMPÍRICO ................................................................................... 12

1. OBJETIVOS DA PESQUISA ...................................................................................... 12


2. METODOLOGIA ........................................................................................................ 12
2.1. A PESQUISA DOCUMENTAL ............................................................................ 14
2.2. A ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA A PERITOS .......................................... 15
2.2.1. GUIÃO DE ENTREVISTA ................................................................................... 15
2.2.2. AMOSTRA ............................................................................................................ 17
2.2.3. ANÁLISE DOS DADOS ....................................................................................... 18
3. RESULTADOS............................................................................................................ 19
3.1. A CONSTRUÇÃO SOCIOHISTÓRICA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE .............................................................................................................. 19
3.1.2. O OLHAR SOB A INFÂNCIA: DA INDIFERENÇA A OBJETO DE
PROTECÇÃO .................................................................................................................. 19
3.1.3. TRATAMENTO JURÍDICO E CRIMINOLÓGICO DISPENSADO A CRIANÇAS
E ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI NA ATUALIDADE .......................... 28
3.2. PERCEÇÕES DOS PERITOS RELATIVAMENTE AO SISTEMA DE JUSTIÇA
INFANTOJUVENIL ......................................................................................................... 36
3.2.1. CONSTRUÇÃO SOCIO-HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO INFANTOJUVENIL . 37
3.2.2. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DOS JOVENS: TEORIA E PRÁTICA DOS
SISTEMAS ........................................................................................................................ 45
3.2.3. FRAGILIDADES DA JUSTIÇA JUVENIL NO BRASIL E EM PORTUGAL ...... 54

CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 57

BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................... 62

ANEXOS ................................................................................................................................. 73
INTRODUÇÃO

A presente investigação, desenvolvida no âmbito do Mestrado em Criminologia, teve


como finalidade a análise comparada da legislação relativa aos sistemas de justiça
infantojuvenil de Portugal e do Brasil e a compreensão dos peritos da justiça juvenil brasileira
e portuguesa relativamente ao sistema nacional socioeducativo e tutelar educativo, sua
conceção e aplicação. Para tal, foi apreciada a conceção dos marcos normativos da justiça
juvenil no Brasil e em Portugal, levando em conta as diretrizes internacionais, e as implicações
socio-históricas destas normativas, sob o olhar da criminologia.
A primeira parte da dissertação começará explorando a ciência criminológica e a justiça
juvenil, que perpassa pela relação da criminologia com o direito e a dogmática penal e as
correntes criminológicas que sustentam o tema.
Na segunda parte apresentaremos os objetivos, metodologia e os resultados do estudo
empírico, tendo em conta as duas etapas da recolha e análise – análise legislativa comparada e
entrevistas a peritos.
Num primeiro momento, será realizado um enquadramento socio-histórico relativo à
evolução da justiça das crianças e jovens no Brasil e em Portugal e outras temáticas intimamente
relacionadas, tais como as normativas internacionais que versam sobre os direitos da população
infantojuvenil. Em seguida, entraremos na fase de análise do tratamento jurídico e
criminológico dispensado a crianças e adolescentes em conflito com a lei na
contemporaneidade, onde teceremos considerações a respeito do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) no Brasil e da Lei Tutelar Educativa em Portugal.
Encerrar-se-á esta segunda parte com a apresentação dos principais resultados
alcançados pela análise das entrevistas com os peritos. Com base nos objetivos da pesquisa,
obtiveram-se três dimensões principais, a saber: (1) Sistema Socioeducativo/Tutelar Educativo;
(2) Aplicação da legislação infantojuvenil; (3) Medidas em meio fechado e semiaberto.
Na conclusão faremos a discussão dos resultados obtidos, à luz do conhecimento teórico
e empírico subjacente a este estudo. Serão, ainda, exploradas as limitações do estudo e algumas
pistas que poderão orientar investigações futura.

1
PARTE I: CRIMINOLOGIA E JUSTIÇA JUVENIL

1. A CRIMINOLOGIA, O DIREITO E A DOGMÁTICA PENAL

Muito se indaga a respeito do campo do saber criminológico, nomeadamente o


reconhecimento da Criminologia como ciência autónoma, dada a diversidade de seus objetos
de estudo, a multiplicidade de métodos de investigação empírica e suas fronteiras com outras
disciplinas adjacentes, como o direito penal, a psicologia, a antropologia, a sociologia, etc.
(Faria & Agra, 2012).
Etimologicamente, o vocábulo "criminologia" vem do latim crimino (crime) e do grego
logos (estudo) e significa o “estudo do crime”, constituindo um hibridismo composto de raiz
latina e desinência grega (Habermann, 2010). O termo “criminologia" foi utilizado pela
primeira vez pelo antropólogo francês Paul Topinard em 1833, e aplicado internacionalmente
por Raffaelle Garófalo em seu livro “Criminologia” no ano de 1885 (Filho, 2016).
A Criminologia sofreu diversas mudanças ao longo de sua evolução histórica, podendo
ser conceituada como ciência empírica e interdisciplinar que tem por objeto de análise o
fenómeno do crime, o delinquente, o controlo social e a vítima. Gassin (1994) define a
Criminologia como a ciência que estuda os fatores e os processos da ação criminal e que
determina, a partir do conhecimento desses fatores e processos, os meios de luta mais
adequados para conter e, se possível, reduzir esse mal social.
A ciência criminológica tem por finalidade orientar as políticas criminais e sociais,
nomeadamente na prevenção e intervenção junto dos indivíduos delinquentes, nas estratégias
de combate e diminuição dos índices de criminalidade (Habermann, 2010).
Historicamente, a relação da criminologia com outras áreas do conhecimento que
também se debruçam sobre o estudo do crime e do criminoso (ex.: direito penal, sociologia
criminal, política criminal, antropologia criminal, medicina forense, etc.) mostra-se
problemática, na medida em que continua em aberto o estabelecimento de fronteiras mais
precisas entre si. Muitos pensam que é um ramo ou subproduto do Direito Penal, pelo facto de
na Europa, salvo raras exceções, se ter constituído e funcionar nas faculdades de Direito, o que
contribui para essa representação (Agra, 2012).
As relações entre a dogmática penal e a criminologia tiveram início nas ciências penais,
na segunda metade do século XIX, com os vários movimentos positivistas da época, quando o
crime passou a ser entendido não apenas como um “facto jurídico”, mas a ser explicado

2
cientificamente como um “facto social” (Bacigalupo, 1982). Surge, então, o que Bacigalupo
(1982) chamou de "consequência de uma coincidência do interesse do conhecimento dogmático
e da criminologia”: o facto de a dogmática penal ser orientada para a prevenção especial da
punição (evitar a reincidência) e a criminologia se dedicar a encontrar as causas que levaram o
delinquente a praticar o ato criminoso.
A criminologia crítica permitiu a transição das teorias da criminalidade (posição causal
explicativa) para as teorias da criminalização (estudo da reação social)1. Nessa configuração,
para que exista colaboração entre a dogmática penal e a criminologia é preciso uma mudança
no dogmatismo tradicional, que deve também se preocupar em denunciar a aplicação seletiva
do direito penal e do sistema penal. A mudança de paradigma trazido pela criminologia crítica
ampliou o campo de reflexões que antes eram consideradas irrelevantes ou inadequadas para a
dogmática penal, como os processos de criação de regulamentos legais-criminais, o seu
conteúdo e a proteção que oferecem, bem como os processos de aplicação discricionária e
seletiva (Bacigalupo, 1982).
Sobre o tema, Andrade (2009) afirma que as discussões acerca do futuro da dogmática
penal devem perpassar, pelo menos, duas conjunturas: uma ao nível macro, que diz respeito à
sua “conexão funcional com o sistema penal e as estruturas sociais” (Andrade, 2009, p. 184),
e outra, ao nível micro, “que se conecta com a sua específica identidade epistemológica, cultural
e ideológica” (ibidem). O autor conclui, referindo a necessidade de uma transformação da
dogmática penal e da sua relação funcional com o sistema penal, com vista à sua aproximação
e abertura cognoscitiva à realidade social, e com a busca de um diálogo interdisciplinar; a
“possibilidade desta transformação depende assim, de maneira relevante, da relação que se
estabeleça entre dogmática penal e criminologia crítica no marco de um novo modelo integrado
de ciência penal” (Andrade, 2009, p. 184).
Para Schecaira (2013) “as ciências humanas, dentro da vasta gama de ciências
autónomas relacionadas com o crime (…), consubstanciam-se naquilo que se pode denominar
da vasta visão de ciências criminais.” (Schecaira, 2013, p.37). Sendo assim, dentro da lógica
interdisciplinar, a criminologia é uma das disciplinas responsáveis pelo estudo do fenómeno
delitivo e, embora forme um eixo de estudo importante com a dogmática penal, se desenvolve
de forma cientificamente autónoma.

1
O termo reação social é usado para designar a resposta, pública ou privada, formal ou informal, a um ato
normativamente definido como criminoso ou desviante.

3
2. AS CORRENTES CRIMINOLÓGICAS E A JUSTIÇA JUVENIL

A importância da criminologia para a compreensão do fenómeno criminal não pode ser


entendida sem que nos debrucemos sobre a evolução histórica do pensar sobre as causas do
delito e, dentre elas, a problemática da delinquência juvenil. Sendo assim, o presente momento
propõe a reflexão em torno das correntes criminológicas baseadas na ideia de consenso ou na
ideia de conflito, e suas repercussões na justiça juvenil.

2.1. CRIMINOLOGIA DO CONSENSO

As terias do consenso, também chamadas de teorias da integração, entendem que a


composição social se dá de forma voluntária por associação dos seus integrantes, que
compartilham os mesmos valores e objetivos, de forma consensual. A finalidade da sociedade
é atingida, portanto, quando há um perfeito funcionamento das suas instituições de forma que
os indivíduos aceitam as regras vigentes e compartilham as regras sociais dominantes (Shecaira,
2013, p. 124). Neste tipo de sociedade não há espaço para a luta de poder, uma vez que este
deve ser exercido apenas pelo interesse coletivo e bem de todos. O Estado figura como protetor
do interesse público, sendo ele o responsável por solucionar eventuais desentendimentos. O
crime seria, então, considerado uma disfunção, uma perturbação do consenso, uma oposição ao
funcionamento do sistema que não consegue mais integrar as pessoas em suas finalidades e
valores (Vold, 1958).
Inserem-se nesse marco a Escola de Chicago, a Teoria da Associação Diferencial, a
Teoria da Anomia e a Teoria das Subculturas Delinquentes.

2.1.1. Escola de Chicago

No final do século XIX, com a criação do modelo de produção em massa e a expansão


industrial, os Estados Unidos deram início a um enorme desenvolvimento económico e
financeiro que revolucionou o modo de trabalho e a sociedade da época. Os centros urbanos
foram tomando grandes proporções, resultante do crescente número de trabalhadores e
imigrantes que se deslocavam dos meios rurais e de outros países para as cidades americanas,
a procura de novas oportunidades de emprego.
Marcado por este acontecimento histórico, nasce, em 1890, na Universidade de
Chicago, o Departamento de Sociologia, cujas pesquisas dão especial atenção à denominada
4
Sociologia Urbana, responsável pelo estudo dos fenómenos sociais decorrentes do crescimento
demográfico e do alargamento da área urbana (Catão & Pereira 2015).
O crescimento desordenado das metrópoles obrigou a convivência forçada de diversos
povos e culturas, com reduzidos níveis de afinidade e intercomunicabilidade. Sob a lógica da
teoria do consenso, este fenómeno gerou uma rutura na integração social, um enfraquecimento
dos valores coletivos (Catão & Pereira 2015).
É neste contexto que surge, na Escola de Chicago, a Teoria da Ecologia Humana, a qual
afirma que o ambiente exerce influência sobre o comportamento das pessoas e, dentro da
perspetiva criminal, a delinquência apresenta taxas mais elevadas onde se identifica uma maior
desorganização social, considerada pelos teóricos da Escola como uma patologia social
(Araújo, 2010).
A criminalidade juvenil também foi objeto de pesquisa pela Escola de Chicago. Shaw e
Mckay (1942) buscaram identificar, entre os anos de 1900 e 1930, a proveniência geográfica
dos jovens em conflito com a lei e, para tal, mapearam cuidadosamente a localização residencial
de um grupo de delinquentes da cidade de Chicago, diferenciando-os em três grupos distintos:
os indivíduos processados pela Corte Juvenil, os processados e remetidos para as escolas
correcionais e, por fim, os que apenas passaram pelo controle da polícia. (Araújo, 2010).
Os resultados do estudo mostraram uma associação significativa entre a área de
residência dos adolescentes e a sua opção pela criminalidade, bem como permitiram perceber
que, durante o período do estudo (30 anos), as taxas de delinquência tinham-se mantido
constantes (Shaw e Mckay, 1942). Os autores concluíram, então, que, relativamente à
delinquência juvenil, as suas causas estão na na comunidade, não variando de acordo com a
nacionalidade ou características especificas da população (Araújo, 2010).
Amparados pela ecologia criminal, os autores reconheceram, portanto, que a
criminalidade da população jovem é um produto da desorganização social, cuja solução
dependia de mudanças nas condições de vida presentes nas áreas de delinquência (Araújo,
2010).

2.1.2. Teoria da Associação Diferencial

A teoria da Associação Diferencial tem seus aportes iniciais, em 1939, com o


pensamento de Edwin Sutherland, na publicação da obra Principles of Criminology. Este autor
defende que o comportamento criminoso é aprendido através de interações sociais, trocas

5
interpessoais, ganhando especial relevância a aprendizagem no seio de grupos de pessoas
íntimas como os pais, amigos, etc. Desta forma, a maneira como o indivíduo age ou pensa é
afetada pela pressão exercida pelos pares (Ramalho, 2015).
Sendo assim, a conduta criminal é um comportamento adquirido por meio do
aprendizado que resulta da socialização num determinado meio social. Para Sutherland o
indivíduo aprende a delinquir devido a um excesso de definições favoráveis à violação da lei,
em detrimento de definições não favoráveis a tal violação, este seria o princípio da associação
diferencial (Sutherland, 1949). Sutherland também evidencia o facto da associação diferencial
depender da frequência e consistência de contactos com padrões criminosos. Utilizando como
exemplo uma família que é obrigada a mudar-se para uma área marginalizada da cidade, com
altas taxas de criminalidade, argumenta que se o filho receber ordens dos pais para voltar da
escola imediatamente para casa, sem estabelecer nenhum contacto com estranhos,
provavelmente não terá a associação diferencial concretizada. Todavia, se o indivíduo não
possuir uma boa relação parental e permanecer muito tempo fora de casa, é muito provável que
estas associações indesejadas se estabeleçam.
Neste sentido, Jessor, Van DenBos, Vanderryn, Costa e Turbin (1995) ligam a
criminalidade juvenil às influências negativas dos pares; um indivíduo que estiver inserido num
grupo de jovens delinquentes, com fatores de risco presentes, como droga, álcool, violência,
etc., terá a tendência para acompanhar os mesmos atos.

2.1.3. Teoria da anomia

Para os defensores da teoria da anomia, a sociedade é entendida como um todo orgânico,


cujo funcionamento se dá através de indivíduos integrados no sistema de valores e regras sociais
(Shecaira, 2013).
O conceito de anomia foi desenvolvido, inicialmente, pelo sociólogo francês Émile
Durkheim, em sua obra De la division du travail social (1893), referindo a anomia como uma
falha na regulação social. Para Durkheim, o equilíbrio da sociedade dá-se pela cooperação de
indivíduos através de valores normativos, crenças e regras de condutas apropriados e
predeterminados. A anomia seria, então, a ausência ou desintegração das normas sociais
(Bernburg, 2014).

6
O crime, por sua vez, seria um fenómeno normal da estrutura social, deixando de sê-lo
(tornando-se uma anomia) apenas quando configurasse um estado de desorganização, onde todo
o sistema de regras de conduta perde valor (Shecaira, 2013).
Os estudos sobre a anomia influenciaram as pesquisas no campo criminológico de
Robert K. Merton (1938), que concentrou o seu trabalho na distinção entre estrutura social e
estrutura cultural. A estrutura cultural seria o conjunto de valores normativos que governam a
conduta comum dos membros de uma determinada sociedade, a fim de atingir as metas sociais
(valores que regulam a meta e valores que regulam os meios de atingir a meta), e a estrutura
social o conjunto organizado de relações sociais, no qual os membros da sociedade são
implicados de várias maneiras (padrões contínuos de relações e posição social) (Shecaira, 2013;
Bernburg, 2014).
Merton pressupõe que, numa sociedade bem integrada, a estrutura cultural atinge um
equilíbrio aproximado entre objetivos e meios (Bernburg, 2014, p.77). Entretanto, o que ocorre
é uma disfunção entre as aspirações culturalmente prescritas e os caminhos socialmente
estruturados, exercendo pressão sobre determinados indivíduos para que sigam condutas não
conformistas, uma vez que a estrutura social não oferece as mesmas oportunidades para todos
os indivíduos (Shecaira, 2013; Bernburg, 2014).
A maior contribuição desta teoria reside na ideia de que os indivíduos não estão em pé
de igualdade na sociedade, e determinadas condições sociais, potencializam as desigualdades e
consequentemente, os crimes.
Neste sentido, a delinquência juvenil pode ser vista como consequência desta disfunção,
uma vez que a sociedade acaba por impor objetivos a serem almejados sem, contudo, prover
oportunidades igualitárias para alcançá-los, forçando os jovens a encontrar meios desviantes
para atingir o status social, especialmente valorizado pelos indivíduos nesta fase de vida
(Varisco, 2014, p.2).

2.1.4. Teoria das Subculturas Delinquentes

A ideia de subcultura delinquente foi consagrada na literatura criminológica pela obra


de Albert Cohen, em Delinquent Boys (1955). Conhen procurou explicar os altos índices de
delinquência juvenil nos bairros pobres dos Estados Unidos dos anos 50, tendo como amostra
indivíduos jovens, do sexo masculino e filhos da classe trabalhadora (Shecaira, 2013). Para tal,

7
definiu a cultura como sendo o núcleo de valores e padrões de conduta aceites pela maioria da
sociedade, os quais atuam como critérios orientadores de seu comportamento. A subcultura
seria então “culturas dentro da cultura”, isto é, subgrupos com distintos modos de pensar e de
agir da cultura dominante, como, por exemplo, os gangues de jovens americanos (Araújo,
2010).
Segundo Cohen, o comportamento delinquente dos jovens surge a partir do que ele
chama de status frustration2. Ao perceberem que a sua condição social os impossibilita de
alcançarem os valores vigentes, por não fornecer os meios legítimos de obtenção de sucesso ou
ascensão social, o que gera um estado de frustração, optam por associar-se a grupos cujos
valores dominantes são diversos – subculturais –; passa, então, a preocupar-se com o respeito
pelas regras impostas por este segmento, ainda que ilícitas aos olhos da sociedade, (Araújo,
2013, p. 67). A delinquência pode ser considerada, portanto, correta nos padrões da subcultura,
uma vez que os seus membros negam a legitimidade das normas de conduta aceites pela maioria
e atribuem legitimidade a outras, tidas como ilegítimas pelas instâncias oficiais (Araújo, 2012).
Com a teoria das subculturas delinquentes encerra o ciclo de produção de construções
criminológicas baseadas no modelo de consenso social, modelo que vem a ser questionado, por
se considerar desadequado à compreensão das realidades contemporâneas (Araújo, 2013, p.
70).

2.2. CRIMINOLOGIA DO CONFLITO

As teorias do conflito questionam a ideia de coesão social trazida pelos pensadores das
teorias do consenso, em que a sociedade é vista como um todo pacífico, de estrutura estável e
bem integrada. O entendimento passa a ser o de que a coesão social é pautada pela coerção e
pela dominação de alguns sujeitos sobre outros (Shecaira, 2013; Furquim, 2017).
Dentre as principais correntes de pensamento das teorias do conflito, no contexto da
criminologia, destacamos a teoria do Labelling Approach e a teoria crítica.

2.2.1. Teoria do Labelling Approach

2
Desejo de obtenção de respeito aos olhos dos demais cidadãos (Araújo, 2013, p. 69).

8
O movimento criminológico do Labelling Approach, também conhecido como teoria
da rotulação ou etiquetamento, é considerado um marco, porque rompe com o paradigma
etiológico do crime, dando início ao chamado paradigma da reação social (Abreu, 2018). A
grande modificação que se inaugura é a ideia de que para se entender o sentido social dos
comportamentos é imprescindível que se examinem as reações sociais que dele decorrem. A
conduta só é qualificada como desviante ou inadequada após a resposta negativa dos membros
da sociedade (Araújo, 2013, p. 78).
Do ponto de visto da teoria da etiquetagem, o desvio e a criminalidade não são uma
qualidade intrínseca da conduta ou uma entidade ontológica preconstituída à reação social e
penal, mas uma qualidade (etiqueta) atribuída a determinados sujeitos através de complexos
processos de interação social, de definição e seleção, formais e informais (Andrade, 2017).
Do ponto de vista desta teoria, nas sociedades modernas, iminentemente conflituosas, as
normas sociais são ditadas por um grupo detentor do poder, o qual elege os valores a serem
tutelados pelos órgãos estatais, e, de igual maneira, define os violadores da norma, aqueles a
quem será atribuída a etiqueta de desviante (Araújo, 2013).
Deste modo, os teóricos do labelling approach defendem a importância de estudar os
processos de definição da criminalidade: a investigação do processo de definição da conduta
desviante (criminalização primária), a atribuição do status de criminoso (criminalização
secundária) e o impacto desta na identidade desviante (criminalização terciária) (Andrade,
1995).
O controlo social passa a ser também objeto de estudo do crime, adentrando nas teorias
da criminalização, ou seja, no processo que envolve a determinação de quem é o criminoso, o
que é crime, bem como o do interesse social e do delito natural (Andrade, 1995).
Também ganham destaque as consequências da pena para a formação das carreiras
criminais, pois entende-se que não é o ato de transgredir a norma que torna o indivíduo
desviante, mas a aplicação com êxito da etiqueta ao indivíduo. Este, após recebê-la, passa a
reagir ao processo de rotulagem, reorganizando a sua identidade e a sua vida em função do
rótulo que lhe foi atribuído (Araújo, 2013). Nesse sentido, os efeitos produzidos através do
processo de imposição de etiquetas criam uma identidade “desviada” altamente visível, e que,
quando aplicadas aos adolescentes, podem conduzi-los a novas formas de desvio (Moraes &
Ramos, 2010).

9
Santos (2001) afirma, ainda, que o caráter criminoso do comportamento do adolescente
não decorre do ato em si, mas consiste numa qualidade que lhe é atribuída pelo sistema de
controlo, em particular, sobre os jovens socialmente deficitários.
Sendo assim, o delito é uma resposta à etiqueta atribuída ao adolescente como
delinquente, pela ação de seus mecanismos pessoais de adaptação psicológica à natureza do
rótulo, combinada com a expectativa dos outros de que se comporte conforme a rotulação,
praticando novos crimes (Santos, 2001).

2.2.2. Teoria crítica

Com base na teoria da reação social (labelling), a Teoria Crítica, também chamada de
teoria radical ou nova criminologia, entende o crime a partir de uma leitura, económico-
política, do desvio. Trata o conflito como luta de classes, desenhado diante dos modos de
produção e da infraestrutura socioeconómica da sociedade capitalista (Lopes, 2002, p.6). Sendo
assim, propõe que não é possível solucionar o crime sem antes acabar com as desigualdades
económicas e com as assimetrias de poder. Há um compromisso com o enfrentamento das
desigualdades sociais para construção de uma nova organização social pautada pelo fim da
exploração económica e a da opressão política (Araújo, 2013; Abreu, 2018). O delinquente,
produto das relações sociais, é entendido, em larga medida, como vítima destas dinâmicas
(Araújo, 2013).
Do ponto de vista da criminologia radical, não se investigam as causas da criminalidade,
mas o modo como o sistema de controlo social formal (sistema penal) produz a criminalidade
e o delinquente, em interação com o controlo social informal (família, escola, trabalho, religião,
etc.) (Abreu, 2018). A definição de crime está ligada à ideia de neutralização dos indivíduos
pelo sistema formal de controlo, e o sistema penal serve como instrumento de controlo das
vítimas da exploração e da opressão social, geralmente os indivíduos marginalizados (Abreu,
2013).
Sendo assim, dentre as maiores contribuições da criminologia crítica está a necessidade
de o fundamento mais geral do ato desviante ser investigado junto das bases económicas e
sociais que caracterizam a sociedade na qual vive o autor do delito (Shecaira, 2013, p. 315).
Por fim, Baratta (1999) relembra a análise Foucaultiana de que os métodos punitivos
não são simples consequências de regras de direito, ou indicadores de estruturas sociais, mas
técnicas que têm sua especificidade no campo mais geral dos outros processos de poder.

10
afirmando que não há como enfrentar o problema da marginalização criminal sem incidir na
estrutura social capitalista (Baratta, 1999, p. 190).

11
PARTE II: O ESTUDO EMPÍRICO

O presente momento versa sobre o desenho de investigação utilizado para elaboração


do estudo. Inicialmente, serão apresentados os objetivos geral e específicos que orientam a
pesquisa empírica. Em seguida, será abordada a metodologia de investigação científica
escolhida, bem como os procedimentos metodológicos da investigação, passando, por fim, para
a escolha do método de análise dos dados.

1. OBJETIVOS DA PESQUISA

A problemática deste trabalho de investigação centra-se no campo da justiça juvenil,


nomeadamente do sistema nacional socioeducativo brasileiro e tutelar educativo português.
O que se pretende é a análise comparada dos instrumentos normativos da justiça juvenil
brasileira e portuguesa, e das suas correlações com os principais marcos legislativos
internacionais.
De modo a alcançar o objetivo geral que orienta a pesquisa, foram desenvolvidos os
seguintes objetivos específicos:
I. Analisar os marcos normativos dos direitos da criança e do adolescente,
através da análise comparada dos instrumentos internos do Brasil e de Portugal, num
contexto socio-histórico nacional e internacional;
II. Perceber como peritos dos sistemas de justiça infantojuvenil do Brasil e
de Portugal avaliam os instrumentos normativos desenvolvidos, ao nível da sua
conceção e aplicação, num contexto socio-histórico nacional e internacional.

2. METODOLOGIA

Olhando para os objetivos do presente estudo, optou-se pela abordagem qualitativa, por
considerar esta abordagem mais adequada para a análise dos documentos legislativos e para a
compreensão das perceções, na sua inter-relação com a experienciação dos peritos do sistema
de justiça infantojuvenil.
Por pesquisa qualitativa, Denzin e Lincoln (2000) entendem que a pesquisa qualitativa
é “uma atividade situada que coloca o pesquisador no mundo, consistindo num campo de
práticas materiais e interpretativas que tornam o mundo visível” (Denzin & Lincoln, 2000, p.3).

12
Exige do pesquisador um a postura interrogativa, um diálogo permanente entre os dados obtidos
e a teoria que embasa a investigação, pois “possibilita ao pesquisador condições metodológicas
de perscrutar o inaudível, de olhar o invisível, de ir até os produtores do conhecimento, não
simplesmente de dar vozes aos sujeitos, mas a pesquisa é a voz dos sujeitos, pois eles têm e
produzem suas próprias vozes” (Ribeiro, 2008, p.136).
Sob essa perspetiva, as conclusões e os resultados de estudos e pesquisas podem ser
localizadas num espectro contínuo que vai da descrição à interpretação. Procurando
compreender o que leva os sujeitos a agir e o modo como agem, o pesquisador procura os
significados das ações e práticas que configuram a dinâmica social (Godoi & Balsini, 2010).
Para Minayo (2014) “a pesquisa qualitativa preocupa-se com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde ao universo mais profundo
das relações, dos processos e dos fenómenos” (Minayo, 2014).
No campo criminológico, a metodologia de investigação qualitativa vem sendo cada
vez mais utilizada, pois permite conhecer e compreender o significado dos fenómenos criminais
no contexto das experiências vividas pelos sujeitos. A análise desenvolvida recai sobre a
dinâmica social, individual e holística do ser humano, e inspira-se, entre outros, nos
pressupostos do paradigma construtivista que, no plano ontológico, assume que a interpretação
da realidade passa pela consideração e captação dos significados atribuídos pelos atores sociais
aos diferentes aspetos da sua vida (Silva, 2013; Vilelas, 2017).
Noaks e Wincup (2004) entendem que o uso de técnicas qualitativas fornece um meio
de pesquisar o mundo social do ponto de vista do ofensor, da vítima ou do profissional de justiça
criminal, de elucidar os contextos em que ocorrem as ofensas e os significados associados aos
comportamentos, complementando, deste modo, as pesquisas quantitativas, e ajudando a
informar o desenvolvimento de políticas de controlo do crime.
Flick (2019) afirma que um dos aspetos essenciais da pesquisa qualitativa consiste na
escolha adequada dos métodos como parte de um processo de produção de conhecimento, a
partir do qual torna-se o ponto de referência a verificação adequada das questões de
investigação empírica. Sendo assim, como método de recolha de dados para a elaboração do
presente trabalho, optou-se pela pesquisa documental e pela realização de entrevistas
semiestruturadas.

13
2.1. A PESQUISA DOCUMENTAL

A pesquisa documental consiste em identificar, verificar e apreciar documentos,


permitindo a organização e análise das informações contidas nas fontes, além da
contextualização dos factos na sua historicidade. Preconiza-se, para tal, a utilização de
diferentes fontes, numa lógica de complementaridade (Moreira, 2005).
No contexto desta dissertação, a pesquisa documental baseou-se na consulta de
documentos legislativos provenientes de diferentes entidades, tanto no âmbito nacional
(Brasil e Portugal), quanto internacional, relevantes para a construção do sistema de proteção
e da justiça juvenil, a saber:

Tabela 1: Instrumentos normativos

Portugal Brasil Internacionais

Lei de Protecção à Infância Declaração sobre os Direitos


Código Mello Mattos
(Decreto-Lei de 27 de maio da Criança: Declaração de
(Decreto nº. 17.943-A/27)
de 1911) Genebra (1924)
Constituição da República Código de Menores (Lei n.º Declaração Universal dos
Portuguesa (1976) 6.697/1979) Direitos Humanos (1848)

Regras Mínimas das Nações


Organização Tutelar de
Constituição da República Unidas para a Administração
Menores (Decrto -Lei nº.
do Brasil (1988) da Justiça da Infância e da
314/78)
Juventude (1985)

Lei de Promoção e Proteção Estatuto da Criança e do


Convenção dos Direitos da
de Crianças e Jovens em Adolescente (Lei n.º
Criança (1989)
Perigo (Lei n.º 149/99) 8.069/90)
Sistema Nacional de
Lei Tutelar Educativa (Lei
Atendimento Socioeducativo
n.º 166/99)
(Lei n.º 12.594)

De modo complementar, foram consultados e analisados documentos provenientes de


diferentes instituições, que têm como missão a defesa dos direitos da criança, do adolescente e
dos jovens, o que permitiu aceder a estatísticas oficiais e a outros tipos de dados de abrangência
nacional e internacional.

14
Esta primeira fase da pesquisa empírica, permitiu, ainda, preparar as entrevistas aos
peritos, possibilitando uma exploração mais eficaz dos dados, no intuito de obter conclusões
mais pertinentes.

2.2. A ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA A PERITOS

A escolha das entrevistas justifica-se por ser uma forma específica de interação,
destinada à recolha de dados numa investigação (Vilelas, 2017), tratando-se de um instrumento
fundamental para “elucidar as realidades sociais” (Poupart, 1997, p. 216). É, por essência, uma
das melhores formas de aceder aos significados atribuídos pelos indivíduos à realidade, visto
que as condutas sociais não podem ser inteiramente compreendidas, nem explicadas, fora da
perspetiva dos atores sociais (Poupart, 1997).
As entrevistas semiestruturadas combinam perguntas abertas e fechadas, permitindo que
o entrevistado relate as suas vivências e experiências sobre o tema proposto. Na articulação
com o guião elaborado pelo pesquisador, o entrevistado possui a liberdade para desenvolver a
sua resposta com flexibilidade, e da forma que considere mais adequada, e, neste sentido, tem
a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto (Vilelas, 2017; Boni & Quaresma, 2005).
Segundo Edwards e Holland (2013), as entrevistas semiestruturadas permitem que os
entrevistados respondam em seus próprios termos, mas fornecem alguma estrutura para a
comparação entre os relatos dos diferentes entrevistados em um estudo, cobrindo os mesmos
tópicos, e, mesmo em alguns casos, usando as mesmas perguntas.
O pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente definidas, mas num
contexto muito semelhante ao de uma conversa informal; tem a atenção necessária para que a
discussão não fuja ao tema proposto e, também, para encontrar as oportunidades para
desenvolver determinado raciocínio que entenda pertinente à pesquisa e/ou fazer perguntas
adicionais para elucidar questões que não ficaram claras, intervindo a fim de que os objetivos
sejam alcançados (Boni & Quaresma, 2005).

2.2.1. GUIÃO DE ENTREVISTA

Nas entrevistas semiestruturadas a construção do guião tem início, geralmente, com a


revisão das especificações da pesquisa e a revisão literária do tema que se deseja abordar
(Arthur & Nazroo, 2003).

15
O processo de conceção do guião começa por estabelecer os assuntos a serem cobertos
na coleta de dados e leva a uma certa estabilização dos objetivos (Arthur & Nazroo, 2003).
Segundo Silvestre, Fialho & Saragoça (2014) a definição dos itens constitutivos de um guião
orientador da condução da entrevista, caso o investigador opte por realizar uma entrevista
semiestruturada, é o primeiro passo para a elaboração do instrumento, passando, ainda, pelas
etapas subsequentes de validação do guião, aplicação da entrevista-modelo e eventual
reformulação do guião, realização, transcrição, validação da entrevista por parte do inquirido e,
finalmente, a análise das entrevistas realizadas.
A partir dos tópicos, são elaboradas questões orientadoras, cuja extensão irá variar
dependendo do propósito do estudo, havendo ainda a possibilidade de serem reformuladas,
retiradas ou elaboradas novas questões, conforme o entendimento do pesquisador sobre sua
pertinência no decorrer da entrevista (Arthur & Nazroo, 2003).
Neste sentido, o processo de construção do guião para o presente estudo teve início na
leitura exaustiva da literatura pertinente à pesquisa, bem como na análise dos instrumentos
normativos como a Lei Tutelar Educativa, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e as
declarações e tratados internacionais que versam sobre os direitos das crianças e dos
adolescentes. Em seguida, foram identificadas três dimensões específicas: (1) Sistema
Socioeducativo/Tutelar Educativo (2) Aplicação da legislação infantojuvenil e (3) Medidas em
meio fechado e semiaberto.
Na dimensão (1) Sistema Socioeducativo/Tutelar Educativo vai tratar especificamente
das perceções dos peritos a respeito das medidas existentes no Sistema Socioeducativo
brasileiro e no Tutelar Educativo português, bem como os desafios e as boas práticas do
trabalho desenvolvido nesta área, em Portugal e no Brasil. Por fim, refletiu-se sobre o tema da
maioridade penal em ambos os países.
A dimensão (2) Aplicação da legislação infantojuvenil foram elaboradas questões no
intuito de aceder às perceções dos peritos acerca das legislações internacionais e pátrias que
versam sobre os direitos das crianças e dos adolescentes, e o envolvimento dos órgãos
responsáveis e as políticas públicas existentes.
A terceira e última dimensão (3) Medidas em meio fechado e semiaberto busca aceder
às práticas das unidades de internação/internamento e às perceções dos peritos sobre contornos
da privação de liberdade nos dois países, posto que vivenciam realidades distintas.
Depois de construído o guião, este foi discutido e validado com a professora orientadora,
e, neste seguimento, foi realizada a primeira entrevista. Após sua conclusão, o guião foi

16
reavaliado a fim de identificar eventuais necessidades de adequação e, em seguida, foram
agendadas as demais entrevistas.

2.2.2. AMOSTRA

As entrevistas foram realizadas a peritos da rede de proteção de crianças e jovens do


Brasil e de Portugal. Segundo Meuser e Nagel (1991), podemos definir como especialistas
aqueles que, de alguma forma, são responsáveis pela conceção, implementação e controlo de
um programa ou aqueles que possuem um acesso privilegiado a informações sobre grupos,
organizações e processos de decisão (Meuser e Nagel, 1991 cit. in Weller & Zardo, 2019).
Bogner et al. (2009) acrescentam, ainda, que “não é a exclusividade do seu saber que
torna um especialista interessante para efeitos de uma entrevista orientada para o conhecimento
interpretativo, mas o facto de este saber ter o poder de produzir efeitos práticos” (Bogner et al.,
2009, p.47).
É o pesquisador que, de acordo com os seus objetivos de pesquisa, decide quem vai
entrevistar como especialista, mas esta escolha não é feita de forma arbitrária, está relacionada
com o reconhecimento da pessoa em questão como especialista em seu próprio campo de ação
(Weller & Zardo, 2019). Para se conseguir realizar uma boa pesquisa o investigador deve
escolher especialistas que, na medida do possível, sejam pessoas já conhecidas por ele ou
apresentadas por outras pessoas do seu contexto relacional (Boni & Quaresma, 2005). Dessa
forma, quando existe uma certa familiaridade ou proximidade social entre pesquisador e
pesquisado, as pessoas ficam mais à vontade e sentem-se mais seguras para colaborar (Boni &
Quaresma, 2005).
Ademais, tanto estudantes quanto pesquisadores mais experientes podem se preocupar
com a questão de quantas entrevistas eles devem fazer quando estão conduzindo um trabalho
empírico qualitativo (Edwards, R., & Holland, J., 2013). No trabalho em questão, devido às
inúmeras limitações decorrentes do advento da Pandemia do Covid-19, como o fechamento dos
espaços de pesquisa e limitação de locomoção e contacto social, os convites para participação
no estudo foram realizados através do correio eletrónico e telemóvel a 5 especialistas, tendo
apenas 3 aceite participar do estudo, nomeadamente 2 especialistas brasileiros e 1 portuguesa.
O primeiro contacto foi destinado à apresentação da pesquisa e dos seus objetivos, os
motivos que a originaram e o método de recolha de dados. Nesta oportunidade, também foi

17
exposto o facto de os dados recolhidos terem caráter anónimo e confidencial, sendo utilizados
apenas para os fins académicos propostos.
Os especialistas brasileiros foram escolhidos conforme os critérios acima elencados, ou
seja, são pessoas com longa carreira e notório conhecimento na área da infância e da
adolescência no Brasil, sendo um oriundo da Segurança Pública e a outra pesquisadora da área
da infância e adolescência com atuação no Governo Federal Brasileiro.
Em Portugal, com o auxílio da professora orientadora, contámos com a colaboração de
uma perita especialista na área da infância e juventude, com atuação há mais de 20 anos na área
da infância e juventude enquanto consultora e investigadora.
As entrevistas realizadas em 2020 foram feitas através do software de comunicação
Skype, com duração entre 35 minutos e 1h28. Os participantes assinaram digitalmente a
autorização do uso dos dados por meio do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE),
através do qual deram a sua permissão para que as entrevistas fossem gravadas. Após a
realização das entrevistas foram realizadas as transcrições integrais das falas dos entrevistados,
seguidas às perguntas realizadas.
Depois de concluídas, as transcrições foram encaminhadas para os respetivos
entrevistados, para validação dos depoimentos. Esse procedimento garante a confidencialidade,
a ética e o resguardo da segurança dos sujeitos que participaram na pesquisa.

2.2.3. ANÁLISE DOS DADOS

Tendo em conta a diversidade de métodos qualitativos de análise de dados existentes,


torna-se indispensável que o pesquisador realize a escolha mais adequada ao que se propõe
estudar, visando a avanço na temática e, consequentemente, no campo de estudo (Mozzato,
Rebelato, Grzybovski & Denize. 2011).
O método utilizado no processo de análise dos dados empíricos foi a Análise Temática.
Braun & Clarke (2006) apresentam a Análise Temática como um método que se caracteriza
pela sua flexibilidade e por ser essencialmente independente de uma teoria ou epistemologia.
Após a transcrição das entrevistas, fase inicial da análise temática, é feito o cruzamento das
falas dos entrevistados e a identificação e articulação dos diferentes eixos e sub-eixos temáticos.
Duarte (2004) assevera que os dados de uma pesquisa deste tipo serão sempre o resultado da
ordenação do material empírico coletado/construído no trabalho de campo, que passa pela
interpretação dos fragmentos dos discursos dos entrevistados, organizados em torno de

18
categorias ou eixos temáticos, e do cruzamento desse material com as referências
teórico/conceituais que orientam o olhar do pesquisador. Ao longo de todo o processo de
análise, o material empírico vai sendo lido/visto/interpretado à luz da literatura científica de
referência para o pesquisador, que produz teoria articulada com o conjunto de produções
científicas com o qual se identifica.

3. RESULTADOS

3.1. A CONSTRUÇÃO SOCIOHISTÓRICA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E


DO ADOLESCENTE

3.1.2. O OLHAR SOB A INFÂNCIA: DA INDIFERENÇA A OBJETO DE


PROTECÇÃO

Ao longo da história, a atenção dispensada às crianças e adolescentes nem sempre se


deu de forma homogénea. O aparecimento da infância - como categoria autónoma diferenciada
da população adulta remonta aos séculos XIII e XIV, tomando maior ênfase no continente
europeu com o início do mercantilismo e das mudanças na estrutura social ocorridas entre os
séculos XVI e XVII (Francisco, 2016).
No final do século XVII, início do século XVIII, com a eclosão da Revolução Industrial
e a crescente urbanização das cidades, tornou-se necessária a criação de espaços públicos de
educação e socialização das crianças e adolescentes, apesar de que, nesse mesmo século, a
criança continua a atravessar momentos difíceis em termos da sua sobrevivência (Francisco,
2016).
No início do século XIX, o desvio e a delinquência de crianças e jovens começou a ser
objeto de atenção, dando início às reflexões a respeito da sua responsabilidade. Contudo, foi só
em meados do século XX, no período pós-guerra, que a infância se tornou uma questão central
na reflexão sobre a criminalidade. O crescimento massivo de crianças e adolescentes sem
acesso à escola, inseridas prematuramente no mercado de trabalho e muitas vezes vivendo em
condições sub-humanas de exploração, deu ensejo ao aumento expressivo da criminalidade
infantil.
Em Portugal, a questão da responsabilidade penal dos menores não havia sido colocada
até o Código Penal de 1852, período a partir do qual as crianças e os jovens podiam ser

19
considerados irresponsáveis em razão da idade ou da falta de discernimento, e, por isso, isentos
da aplicação de penas. Caso houvesse situações em que o jovem fosse considerado responsável,
não havia diferenciação quanto à pena aplicada aos adultos, tampouco estabelecimentos
próprios para internamento de jovens delinquentes, que cumpriam sua sanção nos
estabelecimentos prisionais dos adultos (Carvalho, 2017).
Com o advento do Código Penal de 1886, a idade de responsabilização criminal passou
a ser fixada no limite mínimo dos 10 anos de idade, e, neste sentido, as crianças abaixo desta
faixa etária passaram a ser consideradas irresponsáveis penalmente. Entre os 10 e os 14 anos,
os menores não podiam ser entendidos como responsáveis pelos atos praticados em razão da
falta de discernimento. Nestas situações, caso os menores não pudessem ser entregues a adultos
que cuidassem deles, eram encaminhados para centros de internamento, instituições
correcionais ou prisões. Todavia, ainda que entre os 10 e 14 anos, caso fosse comprovado o seu
discernimento, as penas aplicadas aos menores eram as mesmas do direito comum (Carvalho,
2017).
Os primeiros passos para a separação entre jovens e adultos teve início em 1871 com o
surgimento da Casa de Detenção e Correcção de Lisboa, sob o enfoque do movimento de
criação de “estabelecimentos especiais de correcção e de reeducação para menores
indisciplinados, vadios, desamparados e delinquentes, detidos pelas autoridades públicas e
jurídicas. Educavam-se as crianças, regenerando-as educativa e moralmente pelo trabalho”
(Martins, 1995 cit. in Carvalho, 2017).
No que respeita ao Brasil, a regulação da responsabilidade penal e da imputabilidade do
menor teve início, previamente, na fase imperial, com a Lei de 16 de dezembro de 1830, que
instituiu o Código Penal do Império de 18303 (Hathaway, 2015). Este código inaugura, no
direito brasileiro, o exame da capacidade de discernimento para aplicação da pena e o marco
da inimputabilidade penal em menores de quatorze anos. Caso fosse constatado que crianças
entre sete e quatorze anos possuíam o necessário discernimento do ato praticado, os mesmos
seriam encaminhados à casa de correção, onde poderiam permanecer até aos dezassete anos de
idade. Ganha, então, destaque, neste período, o critério biopsicológico adotado pelo Código
Penal do Império, no qual a punição dos menores, para além de levar em conta a idade, também
considerava a sua capacidade de avaliação da conduta delituosa, de forma que não existia uma

3
O Código substituiu o Livro V das Ordenações Filipinas, de 1603 – legislação portuguesa vigente mesmo depois
da Independência, em 1822, por disposição transitória da Assembleia Nacional Constituinte de 1823 (Pessoa,
2014).

20
presunção absoluta de incapacidade criminal, mas sim uma análise de sua capacidade de
“discernimento, a fim de que se aplique ou não uma pena ao menor transgressor” (Maciel,
2010).
Posteriormente, o primeiro Código Republicano – Decreto nº 847, de 11 de outubro de
1890 - Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil – considerava penalmente
irresponsáveis os menores de nove anos de idade. Crianças e adolescentes entre nove e quatorze
anos poderiam ser considerados inimputáveis quando agissem sem discernimento, ou, em caso
contrário, deveriam ser recolhidos em estabelecimentos disciplinares, pelo tempo designado
pelo juiz, até completarem dezassete anos (Hathaway, 2015).
Em 1912, o Deputado João Chaves apresentou um projeto de lei que alterava a
perspetiva do direito de crianças e adolescentes, afastando o direito de menores da área penal e
propondo a especialização de tribunais e juízos, seguindo, assim, a linha dos movimentos
internacionais da época (Maciel, 2010).
Em Portugal, a proteção judicial de menores autonomizou-se, um ano antes, em 1911,
com a publicação da primeira Lei de Protecção à Infância (LPI), aprovada pelo Decreto-Lei de
27 de maio de 1911, em consonância com o movimento de implantação da República (5 de
outubro de 1910). Este regime vigorou apenas em Lisboa, até a aprovação da Lei de 24 de abril
de 1912, que expandiu o novo regime para o Porto (Tomé, 2010).
Para Duarte-Fonseca (2005) “o grande mérito deste diploma assentou no facto de ter
retirado do âmbito do direito penal os menores de idade inferior a 16 anos, agentes de crimes
e de contravenções, sujeitando-os a uma jurisdição especializada (a tutoria) e ao cumprimento
de decisões, apesar de tudo, diferentes das penas comuns” (Duarte-Fonseca, 2005, p. 145).
Desta feita, a partir da LPI, crianças e adolescentes passaram a ser reconhecidos como
sujeitos de direitos tutelares, detentores de uma legislação que os diferencia dos adultos. Para a
execução da LPI foi fundada a primeira Tutoria de Infância, que mais tarde veio dar origem aos
atuais Tribunais de Família e Menores (Candeias & Henriques, 2011).
A LPI, de cunho protecionista, destinava-se a menores com idade inferior a 16 anos
que estivessem em perigo moral ou desamparados, a menores delinquentes, indisciplinados,
bem como a menores portadores de anomalias4. Sobre o tema, discorrem Agra e Castro (2002)
que esse período, que vai de 1911 a 1962, carrega uma racionalidade que gradualmente muda
com o tempo da higiene para o protecionismo. A lei de 1911 surge, então, num contexto político

4
Cf. Arts. 1.o, 26.o, 58.o, 59.o, 62.o, 69.o e 73.o da LPI.

21
que vê um estado social republicano substituir um regime monárquico, considerado obsoleto.
Faz parte, portanto, de um movimento geral de transformações políticas, jurídicas e sociais
(Agra & Castro, 2002).
Quanto aos menores delinquentes, estes deveriam ser julgados pelas chamadas Tutorias
(Duarte-Fonseca, 2011, pp. 146 e 147), uma espécie de Tribunal coletivo especial, que se
destinava a defender ou proteger as crianças em perigo moral5, desamparadas ou delinquentes,
sob a divisa educação e trabalho. Para tal, contavam com uma rede de correção e
institucionalização pública e privada destinada às crianças, a fim de propagar, pelo trabalho e
pela educação, a higiene moral necessária (Agra & Castro, 2002, p. 356). Em conjunto com as
Tutorias de Infância, surgem os chamados Refúgios da Tutoria, locais de acolhimento
temporário dos jovens, destinados à avaliação das situações em causa.
Entretanto, no campo internacional, surge, no ano de 1924, o que é considerada a
primeira manifestação internacional em prol dos direitos dos menores: a Declaração Universal
dos Direitos da Criança (Declaração de Genebra) adotada pela Liga das Nações e aprovada
numa forma estendida pela Organização das Nações Unidas - ONU (Costa & Eilberg, 2019).
A Declaração marca o início da tutela jurídica internacional dos direitos da criança, ao
recomendar aos estados filiados a necessidade de cuidar das suas legislações pátrias, a fim de
consagrar cinco direitos fundamentais: o direito a um desenvolvimento moral, físico e mental;
o direito à alimentação; o direito a cuidados de saúde; o direito à reinserção de crianças
marginalizadas; o direito a cuidados especiais para crianças abandonadas e órfãos (Macedo,
2015).
Em resposta a este movimento internacional, surge, no Brasil, o primeiro Código de
Menores, nos termos do Decreto nº. 17.943-A, de 12 de Outubro de 1927, mais conhecido por
Código Mello Mattos6 (Hathaway, 2015). O Código de Menores Mello Mattos tornou-se o
regime jurídico responsável por tratar do menor abandonado ou delinquente, consolidando as
leis de assistência e proteção e refletindo um profundo teor protecionista e intenção de controlo

5
“Os menores em perigo moral seriam aqueles que não possuíam domicílio certo ou meios de subsistência;
aqueles cujos pais ou tutores, devido a doença, prisão ou incapacidade, não cumprissem com os seus deveres; os
menores cuja educação fosse deixada ao abandono e cujos pais ou tutores tivessem mau comportamento "notório
e escandaloso" ou fossem mendigos, vadios, alcoólicos, gatunos, rufiões. Também aqueles menores que fossem
objeto de maus-tratos físicos habituais ou excessivos, privados de alimentação ou de cuidados de saúde,
empregados em profissões proibidas, perigosas ou desumanas ou que fossem "excitados para a gatunice,
mendicidade ou prostituição" eram passíveis de ser classificados como estando em perigo moral” (Henriques &
Vilhena, 2015).
6
O Código Mello Mattos foi assim chamado em homenagem a seu autor, o jurista José Cândido de Albuquerque
Mello Mattos, primeiro juiz de Menores do Brasil (AZEVEDO, 2007, p. 3).

22
total das crianças e jovens. Estava consagrada a aliança entre justiça e assistência, e criado um
novo mecanismo de intervenção sobre a população pobre (Soares, 2012).
No período pós Segunda Guerra Mundial, em 1948, a Conferência Internacional
Americana aprovou a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, e a
Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, considerado um dos mais importantes instrumentos jurídicos internacionais, a qual
reconheceu o princípio da dignidade da pessoa humana e o respeito devido aos direitos humanos
pelos Estados de Direito, pela sociedade e pelos homens, com fundamento na liberdade, justiça
e paz no mundo (Macedo, 2015). Nela foi endossada o respeito e a devida proteção às crianças
(Hathaway, 2015).
Em resultado dos acontecimentos ocorridos na Segunda Guerra Mundial e das suas
consequências desastrosas, a ótica humanitária e a infância ganharam maior espaço de
discussão, proporcionando o surgimento, em 1959, da Declaração dos Direitos da Criança pela
Organização das Nações Unidas, considerado o grande marco no reconhecimento de crianças
como sujeitos de direitos, carecendo de proteção e cuidados próprios da sua condição de pessoa
em desenvolvimento, conforme dispõe seu Princípio 2º: “A criança gozará de proteção especial
e deverão ser-lhe dadas oportunidades e facilidades através da lei e outros meios para o seu
desenvolvimento psíquico, mental, espiritual e social num ambiente saudável e normal e em
condições de liberdade e dignidade. Na elaboração das leis com este propósito, o superior
interesse da Criança constituirá a preocupação fundamental.” (UNICEF, 2004)
No final dos anos 1960 e início da década de 1970, iniciaram-se os debates para a
reforma ou criação de uma legislação menorista, no Brasil, culminando na publicação da Lei
nº. 6.697/1979, a qual ficou conhecida como o novo Código de Menores, e que tinha por
destinatários crianças e adolescentes considerados em situação irregular, que englobavam os
casos de delinquência, vitimização e pobreza.
A intervenção do Estado era legitimada quando se verificava que crianças e
adolescentes se encontravam “em perigo moral” ou “com desvio de conduta”, e tinha lugar
através da atuação amplamente discricionária do Juiz de Menores. Não havia, também, qualquer
tipo de diferenciação entre menores abandonados e menores delinquentes, ambos eram
considerados como estando em situação irregular (Leite & Imperial, 2005). No campo da
aplicação de infrações, as crianças e os adolescentes até os quatorze anos eram objeto de
medidas punitivas com finalidade educacional, ao passo que os maiores de quatorze e menores
de dezoito anos eram submetidos a um processo penal especial, sob a jurisdição do juiz de

23
menores. Foi, deste modo, atribuído ao Estado a competência para tratar dos menores em
situação irregular, bem como foram concedidos ao juiz amplos poderes normativos para decidir
o que seria o melhor interesse da criança e/ou do adolescente (Maciel, 2010).
Segundo Volpi (2001), crianças desnutridas, abandonadas, maltratadas, vítimas de
abuso, autoras de atos infracionais e outras violações, enquadrando-se todas numa mesma
categoria ambígua e vaga, denominada situação irregular. Estar em situação irregular
significava estar à mercê da Justiça de Menores cuja responsabilidade misturava, de forma
arbitrária, atribuições de caráter jurídico com atribuições de caráter assistencial. Ressalta-se que
o código se preocupava apenas em tutelar indivíduos que estavam em condições que
representavam risco nos moldes sociais propostos, isto é, em situação “desviante”, não havendo
preocupação em legislar sobre direitos e garantias dos jovens que não estão abandonados ou
“desviados” socialmente (Neri & Oliveira, 2010).
Em Portugal, a legislação sobre a jurisdição tutelar não sofreu alterações substanciais
entre 1911 e a década de 60, vindo a ser reformulada apenas no ano de 1962, com a Organização
Tutelar de Menores (OTM)7 , que emergiu da necessidade de unificar num mesmo diploma
legal todas as normas respeitantes aos menores. Segundo Carvalho, “entre 1911 até à reforma
de 1962, a intervenção judicial fundou-se numa lógica paternalista-repressiva baseada num
modelo que partia da conceção de degeneração-perigosidade dos menores. Na origem estava a
necessidade de reabilitação e tratamento de crianças e jovens, vítimas e agressores, inicialmente
com base em teorias bio-antropológicas como era comum à época” (Carvalho, 2017, p. 23).
A OTM surge sob o postulado da proteção, tendo os Tribunais Tutelares de Menores
como fim a proteção judiciária dos menores, no domínio da prevenção criminal, através da
aplicação de medidas de proteção, assistência e educação, e, no campo da defesa dos seus
direitos e interesses8.
Desde o início de sua vigência, a OTM passou por diversas mudanças, nomeadamente
as reformas de 19679 e 197810. Inicialmente, e até 1967, a OTM manteve a competência dos
tribunais para menores de 16 anos de idade, indistintamente, desde que sujeitos às condições
previstas no artigo 17 da lei11: sejam sujeitos a maus tratos ou se encontrem em situação de

7
Decretos-Leis nºs 44 287 e 44 288, de 20 de abril de 1962.
8
C.f. Art. 1º da OTM.
9
DL no 47727, de 23 de maio de 1967
10
DL no 314/78, de 27 de outubro de 1978
11
Cf. Art. 17.o/a) a d) da OTM de 1962.

24
abandono, desamparo ou semelhante, capazes num e noutro caso de pôr em perigo a sua saúde,
segurança ou formação moral; pela sua situação, comportamento ou tendências reveladas
mostrem dificuldade séria de adaptação a uma vida social normal; se entreguem à mendicidade,
vadiagem, prostituição ou libertinagem; sejam agentes de qualquer facto qualificado pela lei
penal como crime ou contravenção. Os tribunais tutelares de menores tinham igualmente
competência para decretar medidas relativamente aos menores que, tendo embora mais de 16
anos, se mostrassem gravemente inadaptados à disciplina da família, do trabalho ou do
estabelecimento de educação ou assistência em que se encontrassem internados 12 (Ribeiro,
2015). A alteração de 1967 estendeu esta faixa etária até aos 21 anos de idade13.
Em 1978, já depois da mudança para um regime político democrático, a OTM foi
reformada pela segunda vez, sofrendo algumas alterações introduzidas na organização
judiciária, pela Lei n. 82/77, de 6 de dezembro. Este diploma veio introduzir no seu regime
novas formas de participação da comunidade na administração da justiça, a distinção entre os
Tribunais de Família e o Tribunal de Menores, atribuindo a competência aos primeiros em
matéria de providências de natureza civil, bem como a criação das comissões de proteção, como
forma de intervenção administrativa na proteção de crianças e jovens desprotegidos, em
alternativa à via judicial (Abreu et al, 2010 cit. in Candeias & Henriques 2012; Carvalho, 2015).
Decorridos vinte anos desde o advento da Declaração dos Direitos da Criança, e frente
aos anseios e avanços sociais da época, a ONU estabeleceu o ano de 1979 como o Ano
Internacional da Criança, no intuito de identificar e avaliar os avanços alcançados no que diz
respeito às diretrizes menoristas, culminando na elaboração, dez anos depois, em 20 de
novembro de 1989, da Convenção das Nações Unidas da Criança, aprovada pela Resolução n.º
44 da Assembleia Geral da ONU.
A Convenção adota, pela primeira vez, a chamada Doutrina da Proteção Integral,
fundada em três pilares: (1) reconhecimento da peculiar condição da criança e jovem como
pessoa em desenvolvimento, titular de proteção especial; (2) crianças e jovens têm direitos à
convivência familiar; (3) as nações subscritoras obrigam-se a assegurar os direitos insculpidos
na Convenção com absoluta prioridade (Amin, 2010).
A consequência mais marcante deste novo instrumento foi o abandono do caráter não
vinculativo: a partir de sua assinatura pelos Estados, estes teriam que tomar uma posição ativa,
adaptando, para isso, as suas legislações, em conformidade com a Convenção.

12
Cf. Art. 18.º da OTM de 1962.
13
Cf. Art. 20.º do DL no 47727, de 23 de maio de 1967.

25
Em 1990, foi realizado o Encontro Mundial de Cúpula pela Criança, no qual
representantes de 80 países, entre eles Brasil e Portugal, assinaram a Declaração Mundial sobre
a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da Criança, bem como lançaram o Plano de
Ação para a década de 90, cujos signatários assumiram o compromisso de promover a rápida
implementação da Convenção (Amin, 2010).
No Brasil, com o fim da ditadura militar, em 1985, e o consequente processo de
redemocratização, começaram a emergir, em consonância, também, com os movimentos
internacionais de reconhecimento das crianças e adolescentes como sujeitos detentores de
direitos diversos, movimentos que questionavam o tratamento dado às crianças em situação
irregular e a quantidade de medidas de internamento aplicadas pelos Juízes de Menores.
Neste contexto ganhou grande destaque o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas
de Rua (MNMMR), resultante do 1º Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua,
realizado em 1984, cujo objetivo era discutir o crescimento do número de crianças e
adolescentes considerados “menores abandonados” ou “meninos de rua”. O esforço deste
movimento culminou na aprovação dos artigos 22714 e 22815 da Constituição Federal (CF) de
1988, que vêm consagrar a Doutrina da Proteção Integral e pôr fim à, então, vigente Doutrina
da Situação Irregular (Amin, 2010).
A Carta Constitucional de 1988 coroou significativas mudanças no direito brasileiro,
em especial no que se refere aos direitos sociais e individuais de crianças e adolescentes. A
nova Constituição prevê, no seu artigo 227, ser dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, alem de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Aderindo
integralmente à Doutrina da Proteção Integral, o Brasil se tornou o primeiro país a adequar as
suas normas à Convenção (Soares, 2003).
Sucessivamente, em 13 de julho de 1990, foi promulgada, no Brasil, o Estatuto da
Criança e do Adolescente16, nos moldes da Constituição Federal e da Doutrina da Proteção

14
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda
Constitucional nº 65, de 2010)
15
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.
16
Lei Nacional 8.069/90.

26
Integral. O Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe uma verdadeira mudança de paradigma
no campo político, cultural e jurídico brasileiro no que se refere a crianças e adolescentes, que
deixam de ser objeto de medidas e passam a ser titulares de direitos fundamentais,
reconhecendo-se a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (Soares, 2003). Nas
palavras de Amin (2010): “O termo “estatuto” foi de todo próprio, porque traduz o conjunto
de direitos fundamentais indispensáveis à formação integral de crianças e adolescentes, mas
longe está de ser apenas uma lei que se limita a enunciar regras de direito material. Trata-se de
um verdadeiro microssistema que cuida de todo o arcabouço necessário para se efetivar o
ditame constitucional de ampla tutela do público infantojuvenil. É norma especial com extenso
campo de abrangência, enumerando regras processuais, instituindo tipos penais, estabelecendo
normas de direito administrativo, princípios de interpretação, política legislativa, em suma, todo
o instrumental necessário e indispensável para efetivar a norma constitucional” (Amin, 2010,
p.9)
A nova legislação define crianças e adolescentes como prioridade, “na qual família,
sociedade e estado são co-gestores do sistema de garantias”17 (Amin, 2010, p. 10), alcançando
não mais crianças e adolescentes que se encontram em determinada situação pré-definida
(situação irregular), mas sim toda e qualquer criança e adolescente. Neste sentido, assevera
Saraiva (2003): “A ideologia que norteia o Estatuto da Criança e do Adolescente se assenta no
princípio de que todas as crianças e todos os adolescentes, sem distinção, desfrutam dos
mesmos direitos e sujeitam-se a obrigações compatíveis com a peculiar condição de
desenvolvimento que desfrutam, rompendo, definitivamente, com a ideia até então vigente de
que os Juizados de Menores seriam uma justiça para os pobres”. (Saraiva, p. 19-20)
Quanto à definição de criança e adolescente pelo ECA, utilizou-se o critério cronológico
constante da Convenção, com base no qual a pessoa até 12 anos incompletos é tida como criança
e a pessoa entre 12 e 18 anos de idade como adolescente. O estatuto prevê, ainda, sua aplicação,
de forma excecional, a pessoas entre 18 e 21 anos de idade18.
Finalmente, em Portugal, a ratificação da Convenção dos Direitos da Criança (CDC),
ocorrida em 1990, levou o poder político e judicial a reavaliar profunda e criticamente o modelo
de proteção até então adotado, em especial a necessidade de haver uma distinção entre as

17
Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder publico assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, a saúde, a alimentação, a educação, ao esporte, ao lazer, a
profissionalização, a cultura, a dignidade, ao respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária.
18
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente
aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se
excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

27
crianças e/ou jovens delinquentes infratores e as crianças ou jovens em situação de risco (Dias,
Santas & Carmo, 2018). Esta distinção culminou na aprovação de duas novas leis: a Lei de
Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP)19 e a Lei Tutelar Educativa
(LTE)20, que entraram em vigor em janeiro de 2001 (Carvalho, 2017, p 23).
Assumindo a importância da reflexão histórica acerca do desenvolvimento da legislação
infantojuvenil no Brasil e em Portugal, bem como a sua inter-relação com o cenário
internacional, pudemos observar grandes avanços no que diz respeito aos direitos das crianças
e adolescentes. Estes avanços apontam para uma preocupação ativa, por parte dos poderes
políticos e da Sociedade Civil, relativamente à necessidade de, num contexto democrático,
assente numa ordem jurídica internacional, proteger as gerações mais novas dos abusos de
poder a que estão sujeitas, e de reorientar e reinserir os adolescentes e jovens que cometem atos
tipicados como crime, com base em procedimentos e garantias que tenham em conta a sua
especial condição de vulnerabilidade. Desta feita, passaremos agora ao estudo de suas
implicações na contemporaneidade.

3.1.3. TRATAMENTO JURÍDICO E CRIMINOLÓGICO DISPENSADO A


CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI NA
ATUALIDADE

Em Portugal, a Lei Tutelar Educativa, que entra em vigor em 2001, marca um novo
modelo de intervenção do Estado na justiça de menores, rompendo com o modelo de proteção
preconizado pela OTM, e passando a adotar o modelo de justiça baseado na intervenção tutelar
educativa (Magalhães, 2015, p. 17), que visa assegurar aos menores os direitos
internacionalmente consagrados pelos documentos externos (Storino, 2012, p. 16).
Ribeiro (2015) afirma que a LTE integrou uma intervenção que se baseia em dois
elementos essenciais: o caráter educativo e a assunção da responsabilidade. Permite ao menor,
através do cumprimento da medida tutelar educativa, a interiorização dos bens jurídico-penais
que a sociedade considera fundamentais (tipificados nas normas penais) e possibilita a inserção
desse jovem na sociedade” (Ribeiro, 2015, p.13).

19
Lei Nº. 149/99, de 1 de setembro.
20
Lei Nº 166/99, de 14 de setembro de 1999.

28
O modelo tutelar educativo assenta na ideia de uma intervenção estatal educativa e
responsabilizadora do jovem, agora sujeito de direitos constitucionalmente garantidos, com
base no princípio do superior interesse da criança/do jovem (Duarte-Fonseca, 2005, p. 374).
De acordo com o novo modelo, às crianças - menores de 12 anos de idade - que
pratiquem atos qualificados pela lei como crime será aplicada a Lei de Promoção e Proteção de
Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), e só podem ser aplicadas medidas de promoção e
proteção, por se considerar que crianças abaixo desta faixa etária não possuem o necessário
discernimento. Quanto aos jovens entre os 12 e os 16 anos que tenham praticado factos
qualificados pela lei penal como crime, serão aplicadas as Medidas Tutelares Educativas
(MTE), visando a socialização dos jovens e a sua educação para o direito (Rodrigues e Fonseca,
2010). As medidas possuem uma função socializadora, e destinam-se à educação do menor,
para que a sua personalidade, ainda em formação, interiorize os valores fundamentais da
sociedade em que está inserido e se molde ao dever ser jurídico vigente. Tem-se, portanto, que
a personalidade do menor de 16 anos ainda está em formação, e cabe ao Estado intervir
corretivamente neste processo, de forma a fazer o menor interiorizar as normas e valores
fundamentais da sociedade em que se insere (Ramião, 2004).
Contudo, essa intervenção estatal não se faz de forma arbitrária, orientando-se pelo
modelo de proteção, porquanto o menor que se encontre em situação de desvio relativamente
ao padrão de normalidade é considerado pessoa carecida de proteção e o Estado legitima-se,
por esta simples razão, para o educar e reeducar (Ramião, 2004).
Quanto à sua aplicação, dispõe o artigo 3º da LTE o seguinte: “Só pode aplicar-se
medida tutelar a menor que cometa facto qualificado pela lei como crime e passível de medida
tutelar por lei anterior ao momento de sua prática”. Deparamo-nos, aqui, com o chamado
princípio da legalidade, também aludido no artigo 4º do mesmo dispositivo legal, o qual exige,
como condição sine qua non para a aplicação da medida, que o ato cometido seja qualificado
como crime em lei anterior à data do seu exercício, e, de igual forma, que a medida tutelar
aplicável também esteja previamente prevista em lei; abrange, portanto, tanto o facto como a
medida (Ramião, 2004). No artigo 4º da LTE, enquanto corolário do princípio da legalidade, o
princípio da tipicidade ou taxatividade, porquanto se elencam as medidas tutelares passíveis de
aplicação pelos magistrados, não sendo possível o uso de medidas diversas às previstas no
referido diploma legal.
As medidas tutelares educativas são divididas em institucionais e não institucionais. As
medidas não institucionais têm como objetivo reforçar o sentimento de auto-estima e de

29
responsabilidade do menor, representando, simultaneamente, formas naturais de reinserção
social, atendendo ao princípio da prevalência das medidas não institucionais sobre as
institucionais (Sanahuja, 2012). Encontram-se patentes nos artigos 9º a 16º da LTE, sendo elas:
admoestação; privação do direito de conduzir; reparação ao ofendido; prestações económicas
ou tarefas a favor da comunidade; imposição de regras de conduta; imposição de obrigações;
frequência de programas formativos; acompanhamento educativo. As medidas institucionais,
mais gravosas, envolvem a medida de internamento em centros educativos, com base em três
regimes - aberto, semiaberto e fechado -, que analisaremos com maior pormenor mais a frente.
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente manteve a inimputabilidade penal
aos menores de 18 anos de idade, aos quais não se aplica o Código Penal, mas sim o ECA, o
qual prevê que aqueles com idades entre 12 e 18 anos - adolescentes – que pratiquem atos
infracionais ficam sujeitos às denominadas medidas socioeducativas, ao passo que, aos com
idade inferior a 12 anos são aplicadas medidas específicas de proteção21 (Morais & Ramos,
2010, p.795). As medidas socioeducativas são tidas como sendo de natureza híbrida, isto porque
“além do caráter pedagógico, que visa à reintegração do jovem em conflito com a lei na vida
social, as medidas socioeducativas possuem outro, o sancionatório, em resposta à sociedade
pela lesão decorrente da conduta típica praticada” (Ramos & Moraes, 2010, p.?).
A norma traz, de forma taxativa, em seu artigo 112, o rol das medidas socioeducativas
a serem aplicadas ao adolescente infrator, subdividindo-as em duas categorias: as medidas em
meio aberto - advertência, obrigação de reparar dano, prestação de serviços à comunidade e
liberdade assistida -, e as medidas em meio fechado - inserção de regime em semiliberdade e
internamento em estabelecimento educacional.
As medidas não institucionais, chamadas medidas em meio aberto, visam preparar o
adolescente para desenvolver habilidades pessoais e sociais livres do envolvimento em atos
infracionais, de modo a possibilitar-lhe projetar novas perspetivas de vida, sendo elas:
advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade
assistida. Estas estão elencadas no art. 112 do ECA de uma forma progressiva, da mais amena

21
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar,
dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de
responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e frequência obrigatórias
em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários
de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; V - requisição de tratamento médico,
psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou
comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - acolhimento institucional; VIII
- inclusão em programa de acolhimento familiar; e IX - colocação em família substituta.

30
à mais gravosa, e devem ser aplicadas levando em conta a capacidade do adolescente em
cumpri-la e as circunstâncias e a gravidade da infração.
Com base num exercício comparativo, é possível perceber semelhanças e distinções a
respeito das práticas de responsabilização dos adolescentes entre Brasil e Portugal.
No tocante às medidas não institucionais portuguesas, a primeira delas é a admoestação,
que consiste na advertência solene feita pelo juiz ao menor, exprimindo o caráter ilícito da
conduta e o seu desvalor e consequências, e exortando-o a adequar o seu comportamento às
normas e valores jurídicos e a inserir-se, de uma forma digna e responsável, na vida da
comunidade (art.9º, da LTE). Esta medida tem sido apontada como de reduzida utilidade,
também pelo facto de poder ser dispensada, dando-se preferência à suspensão do processo, caso
este mecanismo possa ser aplicado (Fontes, 2015).
Seguindo um mesmo entendimento, o sistema brasileiro prevê a advertência, medida
tida como mais branda, geralmente aplicada a atos considerados de natureza leve, e que consiste
na admoestação verbal do adolescente, através do qual o Juiz da Infância e da Juventude alerta
o jovem sobre os riscos de envolvimento em práticas antissociais, no intuito de conscientizá-lo
a seguir uma vida alinhada com as normas sociais ( Moraes & Ramos, 2010).
A segunda medida prevista na LTE é a de privação do direito de conduzir (art. 10 da
LTE), que consiste na suspensão do direito de conduzir ciclomotores ou de obter permissão
para conduzir ciclomotores, na cassação ou na proibição de obtenção da licença, por período
entre um mês e um ano. Esta medida não existe no ordenamento jurídico brasileiro pelo facto
de a autorização de conduzir no Brasil só poder ser atribuída a partir dos 18 anos, em
consonância com a maioridade civil.
Dando sequência ao rol de medidas em meio aberto portuguesas, apresenta-se a
reparação ao ofendido, que tem como propósito cumprir com o papel corretivo do processo
tutelar educativo e, simultaneamente, pacificar o conflito social através da reparação efetiva ou
simbólica dos danos causados ao ofendido. Para tal, o legislador estabeleceu modalidades de
reparação que vão da apresentação de desculpas à compensação económica ou execução de
tarefas em benefício do ofendido (art. 11º da LTE). De forma semelhante, no Brasil, aplica-se
a medida de obrigação de reparar danos, que por sua vez, é imposta quando a prática do ato
delituoso causa danos patrimoniais à vítima. Em tais casos, poderá ser determinado a restituição
do bem jurídico, o ressarcimento do dano ou a compensação do prejuízo (Ramos & Moraes,
2010). Sobre o tema, afirma Tarcísio Martins Costa que: “Na realidade, a medida tem se
revelado de escassa aplicação, não só pela absoluta falta de recursos da clientela da justiça

31
especializada, como também dos pais ou responsáveis. Se o adolescente tiver património
próprio, o que é raríssimo, a obrigação de indenizar irá onerar seus bens” (Costa, 2004, pag.
232). Nestes casos, prevê o parágrafo único do artigo 116 do ECA a possibilidade de, havendo
manifesta impossibilidade, substituir a medida por outra mais adequada.
Já a medida de prestações económicas ou tarefas a favor da comunidade, constante da
legislação portuguesa, assemelha-se, em certa medida, à medida socioeducativa de prestação
de serviços à comunidade brasileira. Embora a medida de prestação económica esteja mais
alinhada com a anteriormente citada obrigação de reparar danos, a previsão de prestação de
serviços à comunidade aproxima-se da prestação de serviço à comunidade no Brasil, por
consistir na entrega, pelo menor, de uma certa quantia ou no exercício de uma atividade em
benefício de entidade, pública ou privada, de fim não lucrativo (art. 12º, nºs 1 e 2, da LTE).
Sanahuja (2012) ressalta a ineficácia educativa e pedagógica das prestações económicas, pois,
salvo os casos em que os jovens têm uma remuneração própria, “são as famílias que têm que
assegurar o cumprimento da medida, não chegando o menor a consciencializar-se da gravidade
da sua conduta nem a ser verdadeiramente responsabilizado” (Sanahuja, 2012, p.22).
A medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, constante da
legislação brasileira, consiste na realização pelo adolescente de “tarefas gratuitas de interesse
geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais,
escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou
governamentais”22, devendo ser aplicada levando em conta as aptidões do jovem (por exemplo,
se já exerce alguma atividade com crianças ou gosta de estar na presença delas, será direcionado
à tarefas cujo público alvo sejam crianças). Sobre o tema, entende Bandeira: “Nessa
perspectiva, atuando diretamente na raiz do problema, estimulando a auto-estima do jovem
ainda em desenvolvimento, introjetando regras mínimas de convívio social e fortalecendo os
vínculos familiares, é de se esperar que o adolescente que eventualmente cometeu algum ato
infracional possa redirecionar seus passos para o exercício da cidadania” (Bandeira, 2006, pág.
151).
Quanto às medidas de imposição de regras de condutas, imposição de obrigações e
frequência do adolescente em programas formativos, constantes da LTE, não há previsão de
medidas semelhantes no ECA, apesar de podermos encontrar os mecanismos de imposição de
condutas e de obrigações noutras medidas.

22
Art. 117 da Lei 8.069/90, de 13 de julho de 1990.

32
A medida de imposição de regras de condutas, tem caráter preventivo, e visa ajustar o
comportamento do menor às normas e valores jurídicos essenciais à vida em sociedade e evitar
a reincidência das condutas que contribuíram para a prática das infracções, podendo incluir: a)
não frequentar certos meios, locais ou espectáculos; b) Não acompanhar determinadas pessoas;
c) não consumir bebidas alcoólicas; d) não frequentar certos grupos ou associações; e e) não ter
em seu poder certos objectos. As regras de conduta não podem representar limitações abusivas
ou desrazoáveis à autonomia de decisão e de condução de vida do menor e têm a duração
máxima de dois anos (art. 13, nº3 da LTE).
Da mesma forma, a medida de imposição de obrigações tem por objetivo contribuir
para o melhor aproveitamento na escolaridade ou na formação profissional e para o
fortalecimento de condições psicobiológicas necessárias ao desenvolvimento da personalidade
do menor (art. 14, da LTE), podendo consistir na obrigação de: a) Frequentar um
estabelecimento de ensino com sujeição a controlo de assiduidade e aproveitamento; b)
Frequentar um centro de formação profissional ou seguir uma formação profissional, ainda que
não certificada; c) Frequentar sessões de orientação em instituição psicopedagógica e seguir as
directrizes que lhe forem fixadas; d) Frequentar atividades de clubes ou associações juvenis; e)
Submeter-se a programas de tratamento médico, médico-psiquiátrico, médico-psicológico ou
equiparado junto de entidade ou de instituição oficial ou particular, em regime de internamento
ou em regime ambulatório.
A medida do art. 15º preve a frequência do adolescente em programas formativos, nas
seguintes áreas: ocupação de tempos livres, educação sexual, educação rodoviária, orientação
psicopedagógica, despiste e orientação profissional, aquisição de competências pessoais e
sociais ou, ainda, desporto. Entretanto, uma questão relevante levantada quanto a esta medida
é “o facto da previsão do artigo ser tão abrangente que não é perceptível qual o sentido dos
programas formativos, sendo igualmente difícil distingui-los da imposição de regras de conduta
ou de obrigações” (Sanahuja, 2012, p. 28).
Por fim, a última medida não institucional, prevista no art. 16º da LTE, é a de
acompanhamento educativo, que apresenta semelhanças com a medida brasileira de liberdade
assistida, e que consiste na execução de um projeto educativo pessoal (PEP), concebido pelo
Instituto de Reinserção Social, que atente às necessidades educativas do menor e abranja as
áreas de intervenção fixadas pelo tribunal. A presente medida é, dentre todas, a que limita mais
fortemente a autonomia de decisão e de condução de vida do menor, estando destinada aos

33
delitos mais gravosos ou às situações em que as necessidades de educação para o direito são
particularmente preocupantes (Sanajuja, 2012, p.29).
Relativamente à última medida em meio aberto no Brasil, a liberdade assistida, prevista
nos artigos 118 23 e 119 24 da Lei 8069/90, esta é aplicada nos casos onde se identifica a
necessidade de acompanhamento, por uma pessoa apta a auxiliar e orientar o adolescente, pelo
prazo mínimo de seis meses. Esta medida exige a adesão voluntária do adolescente e de seus
familiares “no sentido de que se estabeleça um vínculo de responsabilidade com o orientador
pedagógico da medida” (Bandeira, pág. 152, 2006). De acordo com Giuliano D’Andrea (2005),
esta medida ocorre, normalmente, através de “encontros periódicos com o menor e sua família
a fim de orientação e sugestões que visem não só localizar o motivo pelo qual o adolescente
praticou a infração, mas o que poderá ser feito para melhorar sua conduta e seu
desenvolvimento” (D’Andrea, p. 95).
Ambas as medidas – acompanhamento educativo e liberdade assistida - têm, portanto,
em comum o acompanhamento e orientação do adolescente, visando a criação de condições
que permitam reforçar os vínculos entre o adolescente e o grupo social que se entender ser
benéfico aos objetivos da medida.
Feitas as considerações acerca das medidas em meio integralmente aberto, passamos,
agora, à analise das medidas privativas de liberdade.
Dispõe a Carta da República Brasileira que o direito à proteção especial abrangerá,
dentre outras, a “obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida
privativa da liberdade” (art. 227, § 3º, V, CF). Este artigo é ratificado pelo estatuto 25 , e
fundamenta-se na ideia de que, tratando-se de medidas cerceadoras de direitos, nomeadamente
o direito de liberdade, devem ser aplicadas como último recurso à ressocialização do
adolescente, quando as medidas em meio aberto se tiverem mostrado ineficazes ao propósito
que se intenciona.
A primeira medida prevista é a de semiliberdade, passível de ser aplicada desde o início
como forma de transição para o meio aberto. Nela o adolescente dorme em estabelecimento
designado pelo juiz da infância e da adolescência (colónia agrícola, industrial ou similar) e
realiza, durante o dia, atividades externas, sendo obrigatória a escolarização e a

23
Art. 118 da Lei 8.069/90, de 13 de julho de 1990.
24
Art. 119 da Lei 8.069/90, de 13 de julho de 1990.
25
Art. 121 da Lei n°. 8.069, de 13 de julho de 1990.

34
profissionalização sob a supervisão do responsável pela instituição. As referidas medidas são
realizadas em conformidade com o plano de atendimento elaborado pela equipa
multidisciplinar da instituição, contendo os horários estabelecidos para a sua execução e as
metas a serem alcançadas pelo jovem (Bandeira, 2006, p.164-165).
Esta espécie de sistema foi também previsto nas Regras Mínimas para a Administração
da Justiça de Menores de Beijing, especificamente no Art. 29.1, que reza o seguinte, in verbis:
Art. 29.1 – Procurar-se-á estabelecer sistemas semi-institucionais, como casas de
semiliberdade, lares educativos, centros de capacitação diurnos e outros sistemas apropriados
que possam facilitar a adequada reintegração dos menores à sociedade.
Com efeito, a medida de semiliberdade pauta-se pela ideia de fortalecimento dos
vínculos familiares e comunitários e por estimular o sentido de responsabilidade dos jovens. O
exercício das atividades externas dá-se com o mínimo de fiscalização possível, não havendo
instrumentos para evitar a fuga. Desta forma, o que a medida avalia é a capacidade do jovem
em se reinserir na comunidade de forma consciente, responsável e em conformidade com as
regras sociais (Bandeira, 2006, p. 165).
Em Portugal, tal como já foi referido, a medida de restrição de liberdade é a de
internamento, considerada mais gravosa e que visa proporcionar ao menor, por via do
afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos
socioeducativos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que
lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável.
Para tal, a medida de internamento pode ser executada por meio de três regimes
distintos: aberto, semiaberto e fechado. O internamento é realizado nos Centros Educativos
(CE) classificados com o correspondente regime de funcionamento e grau de abertura ao
exterior.
No regime aberto, que não tem paralelo no Brasil, os jovens irão pernoitar no Centro
Educativo (CE), ao mesmo tempo que frequentam, no exterior, atividades formativas e
socioeducativas. Neste regime, existem menos restrição quanto à privação da liberdade do
jovem, tendo em conta que, para além das atividades realizadas no exterior, o jovem pode
ausentar-se do CE sem acompanhamento e ainda usufruir de férias com seus pais ou
responsáveis (Severino, 2014).
No Brasil a medida de semiliberdade aproxima-se da medida portuguesa de
internamento em regime semiaberto, no modo como é aplicada, de acordo com o art. 168, da
LTE: “Nos centros educativos de regime semiaberto os menores em execução de medida de

35
internamento residem, são educados e frequentam atividades educativas e de tempos livres no
estabelecimento, mas podem ser autorizados a frequentar no exterior atividades escolares,
educativas ou de formação, laborais ou desportivas, na medida do que se revele necessário para
a execução inicial ou faseada do seu projeto educativo pessoal”.
A medida de internamento em regime fechado, que em muito se assemelha à medida de
internação brasileira, é aplicável quando se verifiquem cumulativamente os seguintes
pressupostos: a) ter o menor cometido facto qualificado como crime a que corresponda pena
máxima, abstratamente aplicável, de prisão superior a cinco anos ou ter cometido dois ou mais
factos contra as pessoas qualificados como crimes a que corresponda pena máxima,
abstratamente aplicável, de prisão superior a três anos; e b) ter o menor idade igual ou superior
a 14 anos à data da aplicação da medida (art. 17, nº4).
No Brasil, a última medida e a mais gravosa, é a de internação em estabelecimentos
destinados aos adolescentes infratores. Previsto no estatuto como ultima ratio, a internação
consiste no cerceamento da liberdade do jovem, “sem dúvida a forma mais drástica de
intervenção estatal na esfera individual do cidadão” (Bandeira, 206, p. 183). Trata-se de
medida imposta a adolescentes em resultado da prática de ato infracional mediante grave
ameaça ou violência contra pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves,
ou em caso de descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta26. O
período de internação não possui prazo mínimo determinado, estando a sua manutenção
condicionada à reavaliação semestral, e a duração total não poderá ultrapassar o prazo de três
anos. O adolescente que completar vinte e um anos de idade e estiver em regime de
internamento será compulsoriamente posto em liberdade, ao passo que o adolescente que
exceder o limite de três anos de internação será colocado em regime de semiliberdade ou
liberdade assistida27.

3.2. PERCEÇÕES DOS PERITOS RELATIVAMENTE AO SISTEMA DE


JUSTIÇA INFANTOJUVENIL

Os resultados provenientes das entrevistas foram organizados de acordo com os temas


e subtemas construídos ao longo do trabalho de análise temática. Inicialmente, apresentar-se-
ão as perspetivas dos peritos sobre o tema da construção sociohistórica da legislação

26
Art. 122 da Lei n°. 8.069, de 13 de julho de 1990.
27
Art. 121 da Lei n°. 8.069, de 13 de julho de 1990.

36
infantojuvenil, permeando os subtemas da incorporação dos instrumentos internacionais e
da articulação operacional da justiça juvenil no Brasil e em Portugal e, em seguida, as
perspetivas relativamente ao tema da imputabilidade penal – maioridade penal e cível.
Posteriormente, serão abordadas as perceções em relação ao tema da Responsabilização penal
dos jovens: teoria e prática dos sistemas, tecendo considerações a respeito do caráter
essencial das medidas; instrumentos de avaliação de risco; medidas em meio fechado e
semiaberto; infraestrutura e recursos humanos; instrumentos avaliativos para
acompanhamento das medidas. Por fim, no quarto e último momento, será́ possível perceber
as fragilidades da justiça juvenil em Portugal e no Brasil, percorrendo os subtemas da
ausência de dados estatísticos e cenário político

3.2.1. CONSTRUÇÃO SOCIO-HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO


INFANTOJUVENIL

Incorporação dos instrumentos internacionais

As legislações infantojuvenil, no Brasil e em Portugal, partem de momentos históricos


diversos, porém, convergem em marcos normativos internacionais comuns, nomeadamente, a
Declaração Universal dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas – ONU, a
Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, as Regras Mínimas das Nações Unidas
para a Administração da Justiça de Menores (Regras de Beijing), e a Convenção sobre os
Direitos da Criança de 1988, que fundamentam, hoje, o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) no Brasil e a Lei Tutelar Educativa (LTE) em Portugal. Neste sentido, o referido tema
foi levantado junto dos entrevistados, para tentar perceber como estes peritos avaliam o
desenvolvimento das normas infantojuvenis no contexto de legislação pátria, e em
conformidade com o trabalho desenvolvido por cada um em sua respetiva área de atuação.
Os peritos brasileiros consideram que o Estatuto da Criança e do Adolescente “foi um
avanço enorme nos direitos da criança e do adolescente, que passou a ser sujeito de direito e
de protecção integral” (E1), considerando que “é uma legislação bastante progressista”. A este
propósito, a E2 apresenta o trajeto brasileiro como especialmente relevante, na medida em que
refere que “o Brasil é um dos únicos países que incorporou integralmente a Convenção dos
Direitos da Criança da ONU e pensou toda sua legislação a partir dai”. Afirma, ainda, que “o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma referência para os países da América
Latina, para os países da Europa (...) além da gente estar de acordo com estes acordos

37
internacionais, em termos legislativos nos tornamos referência porque a gente vai para além
deles, temos legislações posteriores ao ECA e que também são legislações bastante protectoras
para a infância como um todo.” (E2). Tal como já foi referido nesta dissertação, a integração
dos instrumentos internacionais sobre os direitos das crianças, adolescentes e jovens ocorreu
no Brasil com a promulgação da Constituição Federal de 1988, após o fim da ditadura militar,
no período de redemocratização do sistema político brasileiro.
A perita portuguesa também aponta para um trajeto singular português, quando afirma
que “Portugal foi um dos primeiros países do mundo a ter uma primeira lei de proteção da
infância, separando a justiça junto de menores de idade de adultos” (E3). Assinala, a este
propósito, a lei de proteção à infância de 1911, “que era muito avançada para a época e era
de tal forma avançada que muitos dos seus princípios perduraram basicamente até o início do
século XXI” (E3). Pontua que “há aqui uma tradição do ponto de vista socio-histórico de
Portugal pensar a proteção a infância num sentido diferenciador e no sentido de ter as crianças
como sujeitos de direitos” (E3). Finalmente, refere que “Portugal foi também um dos primeiros
países a ratificar a Convenção sobre os Direitos da Criança” (E3) em sua plenitude, tendo esta
ganho status de lei no ordenamento jurídico português.
Em contrapartida, a E3 ressaltou que o cenário da proteção à infância em Portugal pouco
avançou entre a vigência da lei de 1911 e o fim do período ditatorial em Portugal, que perdurou
entre 1926 e 1974: “Assistimos, em 1925, à extensão da lei de proteção a infância a todo
território nacional; a lei de proteção à infância de 1911 criava os primeiros tribunais voltados
para as questões dedicadas à proteção da infância, incluindo as da justiça juvenil, eram
chamadas as tutorias de infância. Em 1919 é criado o primeiro serviço de inspeção e
superintendência dos menores, dá origem, depois, aqui, ao que são as atuais entidades ligadas
à justiça juvenil concretamente, mas nós de 1925 para a frente temos uma alteração legislativa
em 1962 que mantém os princípios todos de 1911 e agrava a situação da criança numa
perspetiva assistencialista” (E3). Esta alteração acabou por tornar o corpo normativo português
“voltado para uma visão assistencialista que coloca no mesmo patamar, da criança vítima à
criança autora de atos delinquentes” (E3).
A lei em questão - Organização Tutelar de Menores (OTM), foi revista em 1978, mas
“trouxe apenas meros ajustes” (E3), e, portanto, os anos que se seguiram à entrada da fase
democrática em Portugal (1974) não repercutiram alterações significativas na legislação
juvenil, acentuando cada vez mais o desajustamento do ordenamento jurídico com os avanços
internacionais da justiça juvenil e com a realidade social da época, especialmente após a

38
ratificação da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989, onde “aquilo que
se exige é todo um outro olhar, uma outra construção social da infância e da criança como
sujeito de direito, mas não só, como ator social, com direito à participação, à audição e como
interveniente próprio à partida em todas as decisões que lhe dizem respeito” (E3).
A necessidade de adequação da lei a este paradigma – “porque a realidade já estava
completamente desfasada, havia muitas queixas dos operadores, sobretudo judiciais nos casos,
quer de vitimado quer dos mais graves de delinquência” (E3) - conduz à criação, em 1996, de
uma comissão, responsável por “fazer a avaliação da execução do sistema de proteção à
infância no âmbito, também, da própria reforma do sistema de execução de penas e medidas.”
(E3). Desta comissão de reforma, saíram um conjunto de recomendações que viriam a orientar
a redação das novas leis de 1999, a Lei de Promoção e Proteção (Lei 147/99), voltada para as
crianças que são vítimas e a Lei Tutelar Educativa (Lei 166/99) para as crianças que, entre os
12 e os 16 anos, pratiquem atos qualificados pela lei penal como crimes.
Portanto, o que se verifica é que Portugal vem “ao longo dos anos e das décadas
procurando integrar, no quadro jurídico português, aquilo que são as normas decorrentes das
convenções da justiça juvenil” (E3).

Articulação operacional

Passando, então, para a avaliação da execução das legislações pátrias, levantou-se a


questão da articulação operacional existente entre os órgãos do Poder Judiciário, Poder
Executivo, Ministério Público, Defensoria Pública, Segurança Pública e Assistência Social nos
Estados Português e Brasileiro para aplicação dos instrumentos normativos (Estatuto da
Criança e do Adolescente e Lei Tutelar Educativa).
Sobre o proposto, observou-se um entendimento inicial do E1 de que “ no geral, é muito
boa a integração entre os órgãos de tutela dos direitos da criança e do adolescente”,
ressaltando, contudo, que a integração operacional que menciona diz respeito ao estado
federado onde trabalha: “existe uma integração muito forte, mas se você pegar a realidade de
outros estados não há integração nenhuma”. Posteriormente, o E1 irá destacar as dificuldades
existentes na articulação com os Conselhos Tutelares, órgão permanente e autônomo, não
jurisdicional, encarregado, pela sociedade, de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e

39
do adolescente, ao qual compete o acolhimento provisório28: “a gente pega um adolescente que
não está em situação de flagrante delito, e eu como delegado não posso fazer uma apreensão,
é óbvio, ai eu tenho que liberar esse adolescente, mas muitas vezes esse adolescente não tem
nenhum responsável, não tem pai, não tem mãe pra ser apresentado, então qual o
procedimento? A gente tenta apresentar ao Conselho Tutelar para fazer o acolhimento, mas o
Conselho Tutelar não acolhe”.
Segundo a E2 “quando descemos na prática nós não temos uma política integrada (...)
não há uma integração operacional”. Entende que “as diretrizes das políticas para a infância
são pensadas a partir daquela lógica do sistema de garantia de direitos que indica uma
interação operacional de órgãos e eu acho que a gente não tem uma integração operacional”
(E2). A E2 deu o seu ponto de vista, enquanto técnica do Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE)29, argumentando que um dos problemas observados na articulação
operacional é o papel da segurança pública dentro do sistema, na classificação do ato infracional
e nos mecanismos de seletividade fortemente reforçados pela estigmatização do adolescente:
“Porque, por exemplo, quando um adolescente é apreendido, o boletim de ocorrência (BO) ele
passa a ser uma parte principal desse processo jurídico, então o adolescente é apreendido por
exemplo por porte de arma e tráfico de drogas, mas na verdade o adolescente nem estava
armado, então a centralidade dessa tipificado do ato infracional ela está na mão da polícia,
do sistema de segurança pública e a gente sabe que o sistema de segurança pública é um
sistema extremamente seletivo, então se a polícia chegar em uma “bocada” que estiver cheia
de adolescentes, quem ela vai pegar em função da seletividade penal? Então a gente acaba
tendo muito adolescente preto, pobre, porque a polícia é seletiva e a gente não discute qual é
o papel da segurança pública nisso, o quanto eles estão implicados?” (E2).
A E2 levanta, também, a discussão da participação da segurança pública no decorrer do
processo, referindo a ausência deste setor nas fases posteriores ao envio da denúncia ao
Ministério Público: “eles fazem o B.O e acabou”.
Quanto à atuação do Ministério Púbico, a E2 aponta, em particular, o facto de este órgão
não ter plena atenção aos direitos dos crianças e adolescentes: “acho que o Ministério Público
era um órgão para atuar garantindo direitos e eles acabam atuando sempre como órgãos

28
O acolhimento provisório diz respeito à necessidade de providenciar o acolhimento do adolescente que, tendo
sido apreendido, se encontra em situação de vulnerabilidade social, sem residência fixa.
29
O sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) é formado pelos sistemas estaduais/distrital e
municipais, incluindo também todos os planos, políticas e programas existentes nas três esferas de governo
voltados a esse tema e coordenado pela Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério
da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

40
acusadores, as Defensorias Públicas não estão em todos os lugares do Brasil, então os
adolescentes acabam por não ter defesa técnica, nem no ingresso e nem na saída do sistema”
(E2). Esta ausência conduz, segunda esta perita, a uma sobrecarga da assistência social: “a
assistência social acaba por ficar com um papel muito duro, porque eles tem que fazer tanto
esse papel de defesa, de proteção, de integração com a família, porque os órgãos do judiciário
não se sentem responsabilizados em função disso, então tudo acaba sobrecarregando a política
de assistência social” (E2).
Para a E2 o facto de não existir uma integração operacional adequada conduz, também,
a uma excessiva atribuição de medidas privativas de liberdade: “acho que se essa integração
operacional funcionasse, se os órgãos entendessem cada um qual o seu papel, a gente ia ter
muito menos adolescentes privados de liberdade no país” (E2). As dificuldades de articulação,
essenciais ao acompanhamento de medidas mais flexíveis, conduz a uma excessiva aplicação
das medidas em meio fechado.
No que diz respeito a Portugal, a E3 afirma existir “um modelo de política integrada na
área da proteção à infância e justiça juvenil”, porque “ambos os grandes diplomas preveem
uma interatividade claríssima dos sistemas”. De acordo com esta perita, “Temos um modelo
de proteção à infância, também, que acende a toda a rede articulada, onde a própria justiça
juvenil pode estar, na área da prevenção, mas, sobretudo, a justiça juvenil pode estar integrada
na modalidade alargada das comissões e dar os seus contributos. Temos uma comissão
nacional onde estão os representantes de todos os ministérios, por isso, em termos de corpo,
nós podemos pensar que sim” (E3).
Contudo, quando se traz a integração operacional para a prática, E3 apresenta a mesma
perceção dos entrevistados brasileiros, de que não existe suficiente articulação entre os
diferentes setores: “nós não temos uma política integrada, a começar na gestão das idades, em
que as próprias idades, consoante as diferentes áreas, acabam por ter diferentes concessões
de modalidade de criança”. Fala, ainda, de problemas ao nível da comunicação entre as
diferentes entidades: “temos um problema muito grave que é a articulação em rede, em que
facilmente as entidades, apesar dos anos que já vão deste modelo, continuamos
sistematicamente a ouvir falar na ausência de uma rede eficaz de comunicação e, em termos
de procedimentos, há aqui orientações e tudo mais, mas, sistematicamente estamos a produzir
alterações ou ajustamentos legislativos em que não há uma visão sistémica sobre a infância e
juventude” (E3).

41
Numa avaliação mais positiva, E3 tece elogios à magistratura, ao afirmar que “nós
temos tido ao longo dos últimos anos o privilégio de ter na jurisdição de família e menores
magistrados, nas duas magistraturas, que são autênticas referências e que dedicaram a vida
precisamente a toda esta área e que apesar de agora já estarem jubilados, deixaram a marca
às gerações futuras e que são uma referência.”. Quanto à capacitação dos magistrados para
esta área, a E3 refere existirem algumas dificuldades: “Portugal também avança na
especialização na área da jurisdição de família e menores, que é considerada uma necessidade.
Avançou em termos de formação, mas depois, na prática, colocam-se dificuldades em termos
do número suficiente de magistrados já com esta formação especializada” (E3).

Imputabilidade penal - maioridade penal e cível

A imputabilidade é pressuposto da culpabilidade, a qual se fundamenta na capacidade


do autor compreender a ilicitude do facto e determinar a sua vontade, segundo essa
compreensão (Welzel, 1997). Nesse sentido, a Convenção Internacional sobre os Direitos da
Criança, da qual Brasil e Portugal são signatários, prevê em seu artigo 40, nº 3. “a” que: “Os
Estados Partes procuram promover o estabelecimento de leis, processos, autoridades e
instituições especificamente adequadas a crianças suspeitas, acusadas ou reconhecidas como
tendo infringido a lei penal, e, nomeadamente: a) O estabelecimento de uma idade
mínima abaixo da qual se presume que as crianças não têm capacidade para infringir a lei penal.
(…).”.
O Brasil definiu a maioridade penal aos 18 anos de idade, em consonância com a
maioridade civil, tanto na Constituição Federal, como no Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), sendo inimputáveis penalmente os maiores de 12 e os menores de 18 anos incompletos.
Por sua vez, Portugal prevê a maioridade penal aos 16 anos e maioridade civil aos 18 anos de
idade, sendo inimputáveis os maiores de 12 e os menores de 16 anos incompletos. No entanto,
como forma de evitar a transição radical do adolescente para o sistema penal, criou-se, em
Portugal, o Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes (RPJD)30, que prevê que jovens
entre 16 e 21 anos de idade, os chamados jovens adultos, possam usufruir de atenuação da pena
sempre que o juiz tiver sérias razões para crer que, da atenuação, resultem vantagens para a
reinserção social do jovem condenado.

30
DL 401/82 de 24/09.

42
Esta é uma discussão importante, tanto em Portugal como no Brasil, sendo que os
argumentos mais defendidos, tanto para a redução quanto para o aumento das idades, transitam
entre a capacidade do adolescente em compreender o caráter ilícito de seus atos, a crise no
sistema prisional, o nivelamento entre a idade civil e a penal e a seletividade do sistema penal.
Na busca de compreender o desenvolvimento destes debates no Brasil e em Portugal, tendo em
conta realidades sociais distintas, foi levantada esta questão aos participantes, que entendem de
forma diversa a questão da imputabilidade penal.
O E1 acredita que a menoridade penal no Brasil deveria cair para os 16 anos em crimes
mais graves, defendendo, contudo, que as decisões judiciais concretas deverão estar sustentadas
num exame pericial, com vista a avaliar as condições sociopsicológicas dos adolescentes: “a
menoridade penal no Brasil tinha que cair para 16 anos, mas para alguns crimes, para os
crimes mais graves, eu cito como exemplo o latrocínio, o crime hediondo, homicídio, uma
parcela de crimes de tutela de bens jurídicos mais importantes, como a vida, por exemplo. Acho
que ele deveria responder como maior, só que sujeito a uma cláusula excludente de
culpabilidade no sentido de uma perícia, a lei seria prevista com uma obrigação de realizar
um exame pericial” (E1).
De modo diferente, a E2 traz o argumento da criminalização mediática da adolescência,
em que veículos de comunicação de massa atribuem aos adolescentes e jovens do Brasil a
responsabilidade pelos altos índices de violência, dando especial destaque aos atos mais graves,
com grande repercussão pública, como os crimes contra a vida: “a gente têm construído
midiaticamente uma história que não corresponde à realidade que é culpar os adolescentes
por uma parte da violência social, com uma violência que a gente convive quotidianamente, e
isso não corresponde de forma nenhuma com a realidade” (E2).
Segundo a E2 “só 15% do sistema deveria estar cumprindo medida privativa de
liberdade, o que significa automaticamente que a culpa da violência social não é dos
adolescentes, só que a gente conseguiu construir um outro imaginário social e principalmente
porque a mídia pega pequenos casos e constrói isso” (E2). A E2 refere-se, aqui, ao facto dos
adolescentes que cometeram crimes mediante grave ameaça ou violência à pessoa, segundo
levantamento realizado pelo SINASE (MDDH., 2018), representarem uma média de 15% dos
adolescentes privados de liberdade.
A E2 traz como exemplo o caso “champinha”, como caso de grande repercussão
mediática nos anos 2000 no Brasil, que consistiu no crime de tortura e assassinato do jovem
Felipe Silva Caffé (19 anos) e de Liana Bei Friedenbach (16 anos) por quatro homens e um

43
adolescente na zona rural de Embu-Guaçu, na Grande São Paulo. A entrevistada refere-se ao
facto do adolescente champinha ter sido “abandonado dentro do sistema”: “até hoje está preso,
sem nenhum tipo de justiça, ele já cumpriu a medida, mas fizeram uma outra unidade, deixaram
o menino lá, então a gente faz aberrações, inclusive jurídicas, para justificar violências, que
não são pequenas, são violências bastante absurdas, mas que são uma fração muito pequena”
(E2).
O debate da redução da maioridade penal no Brasil ganhou especial força com a onda
de conservadorismo crescente no país e no mundo nos últimos anos, bem como a possibilidade
de aumentar o período de reclusão de 3 para 10 anos. A este propósito, E2 ressalta que “há uma
pressão para que o Congresso reduza a maioridade penal, que pode ser que ganhe, só que a
gente tem um movimento no Brasil muito cruel, que parte inclusive de teóricos dos direitos da
infância, que é aumentar o tempo da internação, então eu acho que a gente vai ter uma
combinação bastante cruel disso, em aumento o tempo da internação por até 10 anos”. A
possibilidade de prolongamento do tempo de reclusão para 10 anos constitui para E2 um perigo
real de exclusão dos jovens, tendo, ainda, em conta o caráter socialmente seletivo do sistema
judicial brasileiro: “10 anos é o tempo que uma pessoa faz o segundo grau e uma faculdade, ai
a pessoa vai ficar lá reclusa de liberdade, sem ter acesso a nada durante 10 anos, e em função
da seletividade penal que a gente tem no brasil, isso não vai acontecer com atos somente contra
a vida, isso certamente vai acabar acontecendo com roubo, roubo qualificado, tráfico de
drogas, que é trabalho infantil, o tráfico tem que ser entendido como isso, como uma das piores
formas de trabalho infantil.”. A E2 considera que esta deriva é quase inevitável, tendo em conta
o ambiente político e ideológico que se vive no Brasil: “Então apesar de eu ser terminantemente
contra (...) eu acho que vai acabar acontecendo essa combinação de redução da maioridade
penal para 16 anos com acréscimo do tempo de internação de 3 para 10 anos, na contramão
de todos os países, porque a Argentina também tem discutido para voltar para 18 anos,
Portugal tem discutido, (...) nós estamos tendo um recrudescimento absurdo de direitos, mas
isso é um reflexo do que está acontecendo no país inteiro.” (E2).
Quando inquirida sobre o tema da imputabilidade penal, a perita portuguesa defendeu
“que a maioridade civil deve coincidir com a maioridade penal”, argumentando que a
recomendação do Comité dos Direitos da Criança da ONU, de 2019, “aponta claramente para
a maioridade penal aos 18 anos”. Entretanto, ressalta que o que se tem assistido, na sociedade
portuguesa, é uma maioridade civil aos 18 anos, mas um conjunto de exceções que se colocam
em idades inferiores, como, por exemplo a possibilidade de conduzir a partir dos 16 anos, e,

44
portanto, é preciso perceber se a resolução da problemática teria que ter em conta a existência
de diferentes recortes etários, através de um sistema “mais flexível como por exemplo o que a
Holanda tem, que permite a maioridade aos 18 anos e depois duas vias até os 23 anos,
consoante a natureza do caso” (E3).
Para a E3, neste momento, não é possível dizer em termos objetivos quais deverão ser
os limites etários para a maioridade civil e penal, “porque, de facto, as idades são construções
sociais e são construções acima de tudo que cruzam o aspeto legal, criam a expectativa de uma
sociedade relativamente ao que tem que ser norma para aquela idade, mas nós sabemos que a
idade em si não é um fator, está comprovado. Na literatura, não há uma idade fixa, se calhar
é o próprio conceito de maioridade penal que tem que ser repensado num outro tipo de
construção sociojurídica” (E3).

3.2.2. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DOS JOVENS: TEORIA E PRÁTICA


DOS SISTEMAS

Caráter essencial das medidas

Quando questionados sobre as medidas socioeducativas, ambos os peritos brasileiros


aquiescerem que o sistema socioeducativo, na prática, possui um caráter oposto ao que foi
pensado para ser: “Na prática é unicamente repressor, você não vê uma ressocialização
concreta, não, das medidas socioeducativas. Na teoria sim, na prática, na minha vivência, eu
não vejo essa reconstrução, essa ressocialização. No Brasil as penas só servem para retirar
aquele infrator do meio social, não ressocializa, não tem esse caráter e nos menores não é
diferente” (E1).
A E2 vê o SINASE como “um fator de restituição de direitos”, contudo considera que
“o sistema em si é extremamente repressor e punitivo”. Dá especial destaque às unidades de
internação, as quais foram pensadas, na legislação, para serem espaços educacionais, e que, na
realidade, servem apenas para a retirada desses adolescentes do meio social, “tem lugares aqui
que tem uma média de escola por semana que são de três horas, por semana. Fizemos um
relatório que mostrou que as meninas internadas ficavam 15 horas por dia dentro do
alojamento, sem contar o horário em que dormiam, elas faziam refeições dentro do alojamento,
aí não tem como funcionar. Não se pode dizer que está responsabilizando alguém numa
perspetiva educacional quando ele está trancafiado lá dentro. Mas eu acho que sim, que a
estrutura da medida é sim educacional, mas que esse instrumento pode ser extremamente

45
repressor na medida em que você coloca um adolescente nesse lugar e ele fica trancafiado31
dentro do alojamento” (E2).
Curiosamente, este entendimento não foi percebido, na justiça juvenil portuguesa, pela
E3, que refere que, relativamente ao sistema português, “quando se analisa todo o processo,
destaca-se a medida pela ressocialização, pela educação para o direito, claramente, e não tem
qualquer intenção repressiva”. Argumenta, ainda, que “a ideia da justiça juvenil em Portugal
não é uma ideia retributiva, é uma ideia centrada no jovem, na ressocialização do jovem e na
produção da mudança, assente no chamado princípio da educação para o direito” (E3).
Apesar desta filosofia de base, perita portuguesa refere que, na prática, o sistema pode
estar a falhar na ressocialização “por desvalorizar o princípio da educação para o direito na
proteção e na intervenção ressocializadora de muitos jovens” (E3). Isto porque, segundo E3
tem observado, o estado português, na maioria das situações, não intervém e acaba por “ter
problemas com jovens de 16, 17 anos, com um crescente de violência, e condenados muito mais
do que por exemplo da década de 90”. A E3 traz a ideia de que a falta de intervenção do sistema
tutelar educativo em menores com trajetórias mais pesadas pode ser contraproducente, no
sentido em que não permite trabalhar a sua ressocialização e prevenir a sua futura condenação
como jovens adultos, e a sua entrada no sistema prisional. De acordo com esta perita, tem
havido um agravamento dos problemas de comportamento em idades menores, no campo da
proteção da infância, e que não podem ser tratados pela LTE: “estamos vindo a assistir nos
últimos anos aquele grupo crescente de jovens em idade já de 14, 15, 16 anos com
comportamentos muito graves, às vezes até em idades menores, que estão no âmbito da
promoção e proteção, mas cujas práticas não permitem a intervenção da área tutelar
educativa” (E3).

Instrumentos de avaliação de risco

Há aqui uma questão muito importante a ser observada, que é a utilização, em Portugal,
por parte da DGRSP, de um instrumento de avaliação de risco para aplicação das medidas. Em
Portugal o Inventário de Avaliação do Risco de Reincidência e de Gestão de Caso para Jovens
foi adaptado do Youth Level of Service/Case Management Inventory – YLS/CMI no ano de
2009, aprovado e autorizado pela Multi-Health Systems, para estimar e probabilidade de

31
Sinónimo de preso.

46
ocorrência do comportamento criminal de jovens, avaliando os fatores de risco/necessidades
criminógenas e fatores de responsividade, para, então, definir o planeamento das intervenções
juntos de jovens ofensores (Simões et al., 2017).
A incorporação desta prática no sistema de justiça português é considerada pela E3
como muito positiva, pois trata-se de uma “avaliação baseada num modelo que foi construído,
foi validado, foi testado cientificamente e isso é fundamental porque há sistemas de outros
países que não têm isso” (E3). Apesar disto, E3 coloca em causa “o ajustamento e a validade
desse modelo para avaliar o que pretende avaliar na vida dos jovens nos dias de hoje”,
buscando entender “até que ponto é que este modelo está adaptado àquilo que é a realidade
dos jovens na atualidade” (E3).
No Brasil não há notícia do uso de nenhum instrumento de avaliação de risco de
reincidência, conforme observado pelo E1: “Acredito que não há no Brasil um instrumento,
um estudo criminológico individualizado aqui no Brasil” (E1). A E2 corrobora esta situação,
apontando como possível causa a resistência do sistema socioeducativo a um maior escrutínio
das condições de desigualdade associadas às crianças e jovens infratores; “eu acho que isso
nunca foi pensado aqui no Brasil até porque a socioeducação se comporta contrária a uma
avaliação mais individualizada de níveis de desigualdade, então eu acho que tem um pouco a
ver com isso de porque não se usa esses instrumentos de avaliação de risco.” (E2).
Entretanto, ambos os peritos brasileiros, julgam “importante considerar a reincidência”
(E1), apesar da E2 ponderar eventuais efeitos perversos: “pra fins de pesquisa e pra fins de
diagnóstico de política pública, de pensar uma eficiência e uma eficácia do significado de uma
medida, isso teria que ser feito, mas, ao mesmo tempo, eu acho bastante perigoso fazer uma
avaliação de risco individualizada quando a gente tem uma política que pensa que a
vulnerabilidade também é uma categoria política, em função da locação desse adolescente em
função de classe, género, raça e etnia, etc.” (E2).
Adequação e exequibilidade das medidas em meio fechado e semiaberto

No decorrer do projeto de investigação, focamos a nossa atenção nas medidas em meio


fechado e semiaberto, a fim de compreender a perceção dos peritos sobre o modo de aplicação
destas medidas.
Os diplomas internacionais e a legislação infantojuvenil brasileira e portuguesa apoiam
os ideais da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de que a restrição da
liberdade do adolescente deve ser o ultimo ratio e que a sua permanência nas unidades de

47
internamento deve perdurar o menor tempo possível, por respeito à sua peculiar condição de
pessoa em desenvolvimento. Tal como referiu a perita portuguesa, estas orientações assentam
na ideia de “tentar evitar o contacto das crianças com a justiça, tentar evitar a jurisdição da
intervenção”, direcionando-a para casos em que tenha havido “práticas de atos mais graves,
comparado com o Código Penal” e “simultaneamente, exista também uma avaliação de cada
caso para verificar se aquelas práticas correspondem eventualmente ao desenvolvimento de
uma personalidade que esteja numa trajetória mais desviante” (E3).
O que se observou nas entrevistas, entretanto, foram algumas divergências entre a teoria
e a prática de aplicação destas medidas. De acordo com o E1, “A internação é a última medida,
dificilmente o adolescente fica internado e aí existe o internamento provisório, por até 45 dias,
porque, quando o adolescente é apreendido em flagrante, ele vai pra uma audiência de
apresentação ao MP, e o MP pode representar contra o menor. Se ele representa, então já
pode aplicar uma medida de internação provisória, que leva 45 dias no máximo; mas as
medidas de internação provisória são só em casos de crimes muito graves, só em casos onde o
MP verifica uma garantia da ordem pública. Outra hipótese é a medida de internação, que tem
duração máxima de 3 anos. Segundo o E1, os adolescentes internados “nunca costumam ficar
esse tempo todo, normalmente são liberados antes desse tempo. A internação no Brasil é uma
exceção, ela não é aplicada em todos os casos, só em alguns e bem pontuais (E1). Essa perceção
não coincide com os dados oficiais. O último levantamento do Conselho Nacional do Ministério
Público sobre o Panorama dos programas socioeducativos de internação e semiliberdade nos
estados brasileiros (CNMP, 2019) apontou que o número de adolescentes em privação de
liberdade no Brasil, até final de 2018, era de 18.086, representando um índice de superlotação
das unidades de internação de 111,91%.
Estes dados coincidem com a fala da E2, que entende existirem, no Brasil, “um número
excessivo de internações” (E2). Acrescenta, ainda, que muitos dos casos de internação “não
deveriam estar lá” (E2), dando especial destaque para as situações que envolvem o tráfico de
drogas: “a Organização Mundial do Trabalho (OMT) diz que tráfico de drogas é uma das
piores formas de trabalho infantil, por que que a gente prende um adolescente que está
trabalhando numa das piores formas de trabalho? Então começa pelo tráfico, eu acho que a
gente não tem que internar tráfico, e tem uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
que diz que a internação não é a melhor medida para tráfico, que é para internar em último
caso” (E2).

48
Um estudo realizado no Brasil em 2012 - Panorama nacional: a execução das medidas
socioeducativas de internação realizado - referia que o tráfico de drogas era responsável por
24% dos casos de internação, figurando como o segundo maior índice, atrás apenas do roubo,
com 36% dos casos. Os crimes contra a vida seguiam com 18% (13% homicídios, 1% estupro,
3% lesões corporais e 1% roubo seguido de morte), e 15% foram enquadrados na categoria
“Outros”. Estes dados, apesar de não estarem atualizados, refletem a fala da E2, e merecem
especial atenção, pois, não sendo o tráfico de drogas conduta praticada mediante grave ameaça
ou violência à pessoa, a aplicação da medida de internação não se mostra plausível.
Ao abordarmos esta temática com a perita portuguesa, pudemos observar uma realidade
distinta. A mesma referiu que “as medidas de internamento são meramente quase residuais”
(E3), cenário que coincide com os dados oficiais. De acordo com o relatório estatístico mensal
da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), para o mesmo recorte
temporal, setembro de 2018, o número de jovens internados em Portugal era de 162 casos, para
uma lotação disponível de 164 vagas, ou seja, ligeiramente abaixo do limite máximo, sendo que
apenas 24 estavam em regime fechado e 81 em regime semiaberto. Este número cai para 123
jovens em agosto de 2020, sendo 12 em regime fechado e 77 em regime aberto. Relativamente
ao tipo de crime cometido, 52,91% foram medidas aplicadas por crimes contra a vida e 40,25%
contra o património. A legislação avulsa, onde o tráfico de drogas estaria representado, se
mostra em 3,81% dos casos, seguido dos crimes contra a sociedade com 2,65% e contra o
Estado, com 0,39%.
Destacamos, aqui, mais uma vez, as diferenças existentes entre as medidas brasileiras e
portuguesas, tendo em conta que, em Portugal, a medida de internamento pode ser executada
em regime aberto, semiaberto ou fechado, consoante o grau de abertura ao exterior (nº 2, 3 e 4
do art.17 da Lei Tutelar Educativa), ao passo que no Brasil a medida de internação é
exclusivamente atribuída em meio fechado, dentro de uma unidade. Uma outra diferença é que
a medida de internamento em regime fechado, em Portugal, é aplicável apenas a adolescentes
entre os 14 e 16 anos de idade, ao passo que no Brasil esta faixa etária se estende dos 12 aos 18
anos, sendo possível ir até os 21 anos de idade, em situações excecionais. Ainda assim, para o
mesmo ano analisado (2018), existe alguma semelhança entre os dois países: a faixa etária dos
15 e 16 anos representava 48,54% dos casos em cumprimento de medida tutelar educativa em
Portugal, e no Brasil esta faixa vai dos 15 aos 17 anos, representando 67% dos casos de medidas
socioeducativas aplicadas.

49
Mais uma vez, importa ter aqui em conta a questão levantada pela perita portuguesa,
relativamente ao que a mesma considera uma intervenção demasiada baixa nos casos mais
graves: “até que ponto medidas de internamento aplicadas nesta fase não teriam evitado
condenações, penas de prisões graves em fases posteriores. Podemos não ter aqui uma relação
de causalidade, mas temos assistido claramente a uma orientação técnica e uma orientação
política de uma total diminuição da aplicação das medidas de internamento” (E3). Afirma,
ainda, que “temos sistematicamente um aumento das ocorrências policiais, um aumento da
gravidade dos factos e temos um agravar de desigualdades de situações, que depois acabam
muito mais cedo no sistema penal” (E3).
A E3 traz, também, uma questão já levantada pela E2, relativamente ao Brasil, que é o
papel da segurança pública na designação dos atos dos adolescentes: “junto de quem faz a
ocorrência, de quem faz a denúncia, que acha que não vale a pena porque o sistema não é
eficaz, há essa receção, não se conhece o sistema mas a ideia é de que depois corre tudo mal,
não há proteção e, por isso, às vezes, a própria classificação dos atos é feita inadequadamente”
(E3). Há aqui duas situações opostas, uma vez que, no Brasil, o que ocorre é um encarceramento
em massa da população jovem, na sua grande maioria negros e de comunidades periféricas, ao
passo que, em Portugal, o caminho tem sido do não internamento: “Ao longo dos últimos anos
e não sou apenas eu, tem havido um questionamento se a realidade que nós temos no sistema
corresponde de facto ao número de medidas de internamento ou se não há aqui uma opção
técnica e política de desvalorização da medida de internamento” (E3).

Infraestruturas e recursos humanos

O subtema das infraestruturas e recursos humanos dos centros educativos (PT) e das
unidades de internação (BR) foi bastante discutido pelos peritos de ambos os países.
No que tange ao Brasil, há anos que a situação das unidades de internação enseja largos
debates, isto porque o sistema socioeducativo é entendido como política pública assegurada
constitucionalmente como prioritária, de prestação continuada e essencial. Essa prioridade tem
implicações na formulação e na execução das políticas públicas, nomeadamente as políticas
sociais e a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção
à infância e à juventude. Entretanto, na prática, o que se verifica é um total desmantelamento
dos centros socioeducativos e o desfasamento em relação à política pública voltada para as
crianças e adolescentes. Isto se confirma quando analisamos o orçamento da União para o
exercício de 2019, no qual não houve previsão orçamentária para a manutenção e

50
desenvolvimento do SINASE (Fonte: Conselho Nacional do Ministério Público, 2019). Este
cenário se revela ainda mais preocupante quando nos referimos a um sistema marcado pela
violência estrutural inerente à superlotação, à carência de suporte técnico, à falta de manutenção
das unidades de execução das medidas, condições a que acresce uma forte estigmatização dos
adolescentes em conflito com a lei.
Quando questionados sobre o tema, o E1 afirmou o seguinte: “no sistema
socioeducativo você já não vê isso, uma formação dos agentes, tem muita agressão contra o
adolescente, em carácter punitivo, às vezes os agentes respondem o menor com agressões
físicas, morais, com carácter punitivo, porque fugiu. É recorrente essa questão das agressões
físicas dos adolescentes no sistema socioeducativo. (...) eu vejo porque chegam as ocorrências
e no sistema socioeducativo não existe esse conhecimento técnico e as agressões sistemáticas
ocorrem” (E1).
Sobre este assunto, a E2 entende que “há uma sobrecarga daqueles que a gente chama
de socioeducadores, que são os agentes da segurança” (E2) dentro das unidades de internação.
Esta perita refere que estes agentes deveriam estar a realizar um trabalho ressocializador, “só
que colocam eles num lugar que é disciplinar” (E2). Como forma de evitar práticas repressivas,
a E2 disse acreditar na formação dos profissionais do SINASE, mas também considera serem
pessoas “extremamente mal remuneradas, especialmente as do meio aberto, principalmente os
técnicos que trabalham como socioeducadores e agentes de segurança”. Considera serem as
medidas em meio aberto as mais sensíveis nesse “elo da socioeducação”, tendo em conta que
são medidas que demandam uma integração maior entre os agentes e um investimento em
recursos humanos. Entretanto, o que se observa é uma rede de proteção enfraquecida pela
sobrecarga de trabalho e a falta de investimento público: “as pessoas têm a mania de dizer, em
termos gerais, que o meio aberto não funciona, cansei de ouvir isso em vários espaços, tanto
de juiz, como de procurador, de promotor, mas assim, quem é o meio aberto? O meio aberto é
uma equipe técnica que atende uma série de violações de direitos, eles atendem violência
sexual, eles atendem as famílias inteiras, eles atendem os adolescentes do SINASE, então qual
que é o recurso humano que tem para fazer um “grande trabalho”, “né”? Então infelizmente
alguns trabalhos, eles acabam sendo protocolares, mas isso não é porque o técnico não quer,
isso têm a ver com a estrutura social toda” (E2).
Frente a essa realidade, e na busca de atender à necessidade de capacitação e troca de
experiências dos técnicos, gestores e outros atores da rede de atendimento do sistema
socioeducativo, bem como da sistematização e registro das práticas institucionais, foi criada a

51
Escola Nacional de Socioeducação – ENS32 pelo Governo Federal Brasileiro. Referindo-se a
esta estrutura, a E2 aponta para a existência de uma “metodologia híbrida”, na medida em que
a execução dos programas e dos cursos de formação pode ser feita diretamente pela Escola
Nacional de Socioeducação, através de modalidade presencial, à distância, ou, ainda,
semipresencial, ou através de convénio com instituições de ensino superior (público ou
privado), ONG-OSCIP, fundações e órgãos de execução de medidas socioeducativas (aos
níveis estadual, distrital e municipal)33.
Em Portugal, os técnicos da DGRSP são, segundo a E3, “dos técnicos do estado mais
qualificados e recebem regularmente formação”. De acordo com o último Relatório de
Atividade e Autoavaliação de 2019, da DGRSP, foram realizadas 15 formações, representando
uma taxa de execução de 65% do total de 23 formações previsto para ações de formação
constantes do Plano Anual de Formação para 2019. A E3 realça que a “DGRSP esteve sempre
recetiva e aberta a estudos e no fundo a trocas de experiências (...) nesse aspeto tem sido um
sistema sempre aberto e que eu conheça há essa preocupação permanente.” (E3).
Quanto à estrutura dos centros educativos, a E3 afirmou ser notório, nos últimos anos,
a falta de investimentos nos centros educativos para a execução das medidas de internamento
nas estritas condições que prevê a LTE. Neste sentido assevera: “eu em relação aos centros
educativos tenho enormes preocupações, principalmente por os conhecer por dentro, enormes
preocupações pela falta de investimento em toda área da justiça juvenil e depois pela ausência
de programas adequados e que possam responder às necessidades, porque nós temos um
instrumento de avaliação que pode não estar a avaliar todas as necessidades, sobretudo as
mais presentes nos tempos atuais”. A entrevistada refere, em particular, o facto da LTE prever
a criação de unidades e programas especializados, mas que nunca foi efetivamente cumprida.
Como exemplo contrário, E3 menciona a situação de Espanha, que desenvolveu intervenções
especializadas para “questões de membros de gangue, questões mais no âmbito da violência
doméstica, para consumos” (E3).
Ainda sobre a falta de investimentos na área, aponta a dificuldade na execução das
medidas não institucionais, onde existe uma desigualdade a nível de oferta no país: “a medida

32
SINASE - Resolução do Conanda no 119/2006 e Lei Federal no 12.594/2012.
33
Não existem dados estatísticos sobre a atual situação da ENS no site do Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos. A base de dados na Escola da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente é
de 2014 e o arquivo não pode ser acedido pois foi retirado do ar, sendo assim, não foi possível realizar uma
avaliação mais aprofundada sobre o desenvolvimento desta política pública.

52
é tomada, é bem fundamentada, é feita uma boa avaliação, mas, depois, na prática, a execução
que compete, na maioria dos casos, à DGRSP novamente falha porque não há recursos” (E3).

Instrumentos avaliativos para acompanhamento das medidas

No Brasil, a Lei do SINASE (Lei n. 12.594/2012) trouxe o que Saraiva (2014) considera
ser um dos maiores avanços atuais nas políticas públicas que norteiam a intervenção com o
adolescente autor de ato infracional: o Plano Individual de Atendimento – PIA. Trata-se de um
instrumento cujo objetivo é a integração social do adolescente em cumprimento de medida
socioeducativa e a garantia de seus direitos individuais e sociais, e consiste na construção de
ações e metas em conjunto com o adolescente e a sua família, baseadas no histórico e nas
necessidades desse jovem, com vista a afastá-lo do campo infracional e prevenir eventual
reincidência. O PIA também define os limites de intervenção do Estado, de forma
individualizada, tendo como parâmetro a sentença judicial e levando em consideração o juízo
de desaprovação ou reprovação da conduta do adolescente (Saraiva, 2014).
A E2 considera que o PIA deve ser um instrumento flexível, adequado à vida do
adolescente e sujeito a revisão contínua, uma vez que configura “um instrumento avaliativo,
principalmente para o judiciário”, que pode ajudar na apreciação da medida socioeducativa
mais adequada. Como ponto fraco, identifica a falta de um modelo de PIA nacional unificado,
o que “pode ser um entrave”.
De forma semelhante, existe em Portugal o Projeto Educativo Pessoal – PEP,
instrumento previsto pela Lei Tutelar Educativa (Lei nº 166/99) e aplicado aos casos de
internamento, tendo em conta o regime e duração da medida, as suas particulares motivações,
e as necessidades educativas e de reinserção social. O PEP deve ser elaborado nos primeiros 30
dias da admissão do menor no Centro Educativo, juntamente com o adolescente e seus pais ou
responsáveis legais, e inclui os objetivos a alcançar durante o tratamento, a sua duração, fases,
prazos e meios de realização, nomeadamente, os necessários ao acompanhamento psicológico,
por forma a que o menor possa, mais facilmente, aperceber-se da sua evolução e para que o
centro possa avaliá-lo (art. 164 da LTE). O projeto educativo pessoal tem que ser
posteriormente apresentado ao Tribunal para ser homologado, no prazo máximo de 45 dias a
contar da admissão do menor no centro educativo (art. 165 da LTE) e tem que ser revisto
periodicamente e avaliado, conforme as necessidades e progressos do adolescente durante o
cumprimento da medida.

53
No estudo realizado por Almeida e Manso (2010), baseado em entrevistas com
adolescentes internos, verificou-se que o PEP funciona como meio de negociação entre o jovem
e o tribunal, pois do cumprimento deste projeto pode resultar a revisão do tempo de duração e
do regime de cumprimento da medida de internamento.

3.2.3. FRAGILIDADES DA JUSTIÇA JUVENIL NO BRASIL E EM


PORTUGAL

Ausência de dados estatísticos

Em qualquer país, a estatística é ferramenta fundamental para que se possa traçar planos
sociais e económicos e projetar metas para o futuro (Ignácio, 2010). Ademais, para que os
gestores públicos possam subsidiar de forma eficiente a elaboração, o acompanhamento e a
avaliação das ações governamentais, as informações estatísticas, além de cobrirem amplo
escopo temático e territorial, necessitam ser atualizadas permanentemente (Ferreira, 2003).
Nenhum Estado pode prescindir das informações sobre o “estado do Estado”, e as estatísticas
públicas ajudam a pautar agendas políticas, a qualificar debates públicos e a subsidiar decisões
técnico-políticas (Jannuzzi, 2018). No campo da justiça juvenil estes dados tomam maior
importância por versarem sobre uma população de cunho prioritário nas políticas públicas dos
estados.
No que tange às entrevistas, verificou-se que Brasil e Portugal compartilham dos
mesmos entraves quando se trata de dados estatísticos. Os entrevistados relataram a dificuldade
que é o desenvolvimento de pesquisas, análises, projetos, e aperfeiçoamento das políticas na
justiça juvenil em razão do deficit de informações sobre o tema.
Quando falamos especificamente sobre as medidas socioeducativas brasileiras, a perita
brasileira afirma que, no Brasil, existe “um fraquíssimo sistema de dados”, dando como
exemplo a falta de informação relativamente ao “adolescente que cumpre internação por ato
reiterado”. Esta realidade pôde ser comprovada durante a busca de informações para a
realização do presente trabalho: o último levantamento anual do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo versa sobre o ano de 2017, a base de dados da Escola Nacional
de Socioeducação, que remonta ao ano de 2014, sendo que o documento foi retirado do site, e
o último relatório sobre medidas em meio fechado e semiaberto do Conselho Nacional do
Ministério Público foi realizado em 2019, referente aos dados de 2018. Quanto às medidas em

54
meio aberto, o último Relatório da Pesquisa Nacional das Medidas Socioeducativas em Meio
Aberto no Sistema Único de Assistência Social é do ano de 2018.
Falas semelhantes foram, também, apontadas pela entrevistada portuguesa, que chamou
atenção para o facto de que o “Estado Português é sistematicamente chamado à atenção” pela
“ausência de dados estatísticos e sobretudo uma fraca implementação de mecanismos
adequados de supervisão e recolha de informação estatística que lhe permitam o conhecimento
exato das situações”. Acresce, ainda, uma “ausência de estatísticas, que também não permite
conhecer bem a realidade”, sendo que este cenário “arrasta-se há décadas” (E3).

Cenário político

Nos últimos anos temos assistido a uma crescente onda de conservadorismo no campo
político internacional, cuja repercussão no Brasil teve início em 2016, vindo confirmar-se nas
últimas eleições presidenciais (2018). Entendendo que o ato infracional, enquanto construção
histórica e social, é permeado pelas desigualdades de classe, raça e género, observamos o
ascender de um discurso em favor da sociedade e contra a adolescência e juventude pobre e
marginalizada, que os vê como inimigos que precisam ser encarcerados, ou mesmo,
exterminados (Pinto et al, 2019).
No Brasil os índices, quando possíveis de serem aferidos, demonstram o aumento global
nas taxas de mortalidade de adolescentes e jovens negros e periféricos. O levantamento
realizado pelo Observatório da Criança e do Adolescente (2019), dos 5.332 casos de homicídios
por arma de fogo registrados contra crianças e adolescentes, demonstra no recorte segundo raça
e cor que 74% eram considerados pretos ou pardos contra 26% ente brancos, amarelos,
indígenas e “ignorado”34.
De acordo com os índices relativos à aplicação das medidas de internação e
semiliberdade, quase 60% dos adolescentes são considerados pretos ou pardos contra 22% de
brancos e 16% sem informação de cor (Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social, 2018).
Em Portugal, entretanto, os dados sobre raça e etnia não foram levados em conta para a
realização do relatório da DGRSP, o que dificulta a comparação com a realidade brasileira.

34
Não encontramos a definição do que seriam “ignorados” pelo Observatório da Criança e do Adolescnete. Sendo
assim, consideramos ignorados os registros que não foram possíveis de identificação nas demais classificações.

55
Os investimentos no campo da justiça juvenil brasileira também causam estranheza. De
acordo com o Portal da Transparência35, em 2020, o recurso do Governo Federal destinado à
“Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento
Socioeducativo”, que era inicialmente de 20.269.121,00, teve uma redução para 7.693.428,00,
cujo valor ainda não foi utilizado.
A falta de investimentos na área da socioeducação também se mostra presente na
política portuguesa, o que, nas palavras da E3 corresponde a um “esmagamento do sistema de
justiça juvenil” e a uma “crescente inviabilidade da infância e juventude, e mais ainda da
infância e juventude em risco, na esfera da ação política porque são temas que saíram
complemente da agenda pública” (E3). De acordo com o Relatório da DGRSP, a situação
orçamental da instituição apresenta, desde há vários anos, um défice crónico, em resultado da
não satisfação das necessidades anualmente apresentadas em sede de preparação do Projeto de
Orçamento e da aplicação dos cativos em sede de execução orçamental (DGRSP, 2019).

35
O Portal da Transparência do Governo Federal é um site de acesso livre, no qual o cidadão pode encontrar
informações sobre como o dinheiro público é utilizado, além de se informar sobre assuntos relacionados à gestão
pública do Brasil. Disponível em: <
http://www.portaltransparencia.gov.br/orcamento/despesas?paginacaoSimples=true&tamanhoPagina=&offset=&
direcaoOrdenacao=asc&palavraChave=socioeducativo&de=2019&ate=2020&orgaos=OS81000&colunasSelecio
nadas=ano%2CorgaoSuperior%2CorgaoVinculado%2Cfuncao%2CsFuncao%2Cprograma%2Cacao%2Ccategor
iaEconomica%2CgrupoDespesa%2CelementoDespesa%2CorcamentoInicial%2CorcamentoAtualizado%2Corca
mentoRealizado%2CpercentualRealizado>. Acesso em 02.out.2020.

56
CONCLUSÃO

O presente trabalho visa, neste momento final, tecer considerações a respeito da justiça
juvenil portuguesa e brasileira, não de forma exaustiva, mas como contributo e instrumento
para futuras discussões no âmbito da justiça juvenil.
A revisão dos postulados criminológicos possibilitou a análise das correntes de
pensamento que influenciaram a justiça juvenil nestes dois países, nomeadamente as teorias do
consenso, que apontam para a necessidade de ressocialização dos jovens infratores,
reorientando-os para uma vida alinhada com as normas sociais fundamentais, bem como as
teorias do conflito que chamam a atenção para a seletividade presente nos processos de
criminalização e de etiquetamento de adolescentes e jovens, incidindo, geralmente, sobre
aqueles provenientes de camadas sociais mais baixas.
Convém assinalar a importância de cruzar a análise comparada da legislação com as
entrevistas a peritos para a resposta às questões de investigação, pois é através das perceções
dos atores que conseguimos aceder às práticas, crenças, valores e sistemas classificatórios de
universos sociais específicos, em que os conflitos e contradições não estejam claramente
explicitados (Duarte, 2004, p. 215). Neste contexto, a seleção dos sujeitos entrevistados levou
em conta a especificidade do tema e o histórico profissional e académico dos peritos.
Ao analisarmos o enquadramento teórico e os resultados da pesquisa empírica, observa-
se que a justiça juvenil brasileira e portuguesa em muito se comunicam, especialmente no que
tange aos avanços legislativos ocorridos em ambos os países, em prol dos direitos das crianças,
adolescentes e jovens.
No que concerne à construção socio-histórica da legislação infantojuvenil brasileira,
é possível perceber que os peritos percecionam a incorporação dos instrumentos internacionais
de forma bastante positiva, dando especial destaque à ratificação e incorporação da Convenção
sobre os Direitos da Criança da ONU de 1988, que ocorreu em ambos os países de forma
integral. Seus ideais repercutiram na legislação brasileira pela promulgação, em 1990, do
Estatuto da Criança e do Adolescente, instrumento responsável por tutelar os direitos da
população infantojuvenil. De igual forma, a Declaração ganhou status de lei no ordenamento
jurídico português na elaboração e promulgação da Lei de Promoção e Proteção e a Lei Tutelar
Educativa, ambas em 1999.
Ressalta-se que ambos os países passaram por períodos históricos de
comprometimento dos direitos individuais e coletivos, nomeadamente a Ditadura Militar no

57
Brasil (1964-1985) e O Estado Novo (Salazarismo) em Portugal (1933-1974), onde o que se
percebeu foi o enfraquecimento dos debates e articulações políticas a respeito dos direitos da
infância e juventude. A perceção da perita portuguesa aponta que os anos seguintes à
redemocratização foram de reestruturação dos mecanismos de defesa dos direitos da população
infantojuvenil e de readequação da realidade fáctica aos instrumentos de proteção dos direitos
das crianças e adolescentes, que se encontravam desfasados. Os peritos brasileiros também
destacam o caráter progressista da nova legislação brasileira, amplamente protetora dos direitos
da criança e do adolescente, e servindo como modelo para diversos países do mundo.
Entretanto, quando se fala da avaliação da execução das referidas legislações, todos
os peritos apresentam insatisfações. Os discursos convergem para o entendimento de que,
embora os diplomas legais prevejam de forma clara a interatividade entre os integrantes do
sistema de proteção da criança e do adolescente, os órgãos responsáveis pela execução desta
política não possuem uma boa comunicação e articulação operacional. Foi possível perceber,
também, que os peritos brasileiros atribuem como consequência da falta de articulação os
números de adolescentes inseridos em regime de cumprimento de medida em meio fechado.
Para a E2 a falta de articulação em rede e o entendimento do papel de cada órgão no
acompanhamento do adolescente, bem como sua responsabilidade institucional, acaba por
sobrecarregar a política de assistência social, que não consegue dar uma resposta plena às
necessidades desses jovens, que, somado à ausência de mecanismos de proteção, acabam por
delinquir. Frente a isso, acresce o processo de estigmatização sofrido pelos jovens delinquentes
no Brasil, acarretando um encarceramento em massa, especialmente de jovens negros e de
comunidades periféricas. De acordo com a perceção da perita portuguesa, parece existir, em
Portugal, o inverso desta lógica, com os profissionais da área a desvalorizarem a medida, que
acaba por ser residualmente aplicada.
Quando analisamos a questão da imputabilidade penal entre os países, percebemos
que não há um consenso sobre qual será a idade mais adequada. Entre os entrevistados
brasileiros as opiniões refletem a dualidade dos debates sobre o tema, uma vez que o E1 entende
pela redução da maioridade penal, nomeadamente para 16 anos de idade, nos casos mais graves,
como por exemplo os atos cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. Em
contrapartida, a E2 afirma ser terminantemente contra essa alteração. Os argumentos que
sustentam a sua visão têm como palco a criminalização da juventude negra e pobre pelos media
brasileiros e a seletividade do sistema penal. Sobre o tema, Bonalume & Jacinto (2019) referem
o enraizamento no sistema penal juvenil brasileiro do “caráter classista, racista, excludente e

58
seletivo, numa explícita tentativa de manutenção da lógica da marginalização, da
criminalização da pobreza e descarada naturalização da questão social” (Bonalume & Jacinto
2019, p.167).
Este entendimento vai de encontro com os dados apresentados pelo Levantamento
Anual do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) (Brasil, 2018), que
revela que 56% dos adolescentes e jovens em restrição e privação de liberdade, em 2017, eram
negros ou pardos. Cresce, ainda, a tensão e contradição entre a punição e a proteção, quando
analisamos o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência do ano de 2017, que revela que o
risco relativo de um jovem negro ser vítima de homicídio em relação a um jovem branco é de
2,7 vezes maior (Brasil, 2017). Nessa mesma perspetiva os dados do Atlas da Violência 2017
demonstram que, dos 35.783 jovens assassinados no Brasil, 51,8% dos óbitos foram de jovens
entre 15 e 19 anos e 75,5% das vítimas de homicídios foram indivíduos negros. Esta mesma
análise não pode ser realizada em Portugal, pois não constam dos dados oficiais o recorte racial
dos adolescentes e jovens. Este facto dificulta a identificação dos mecanismos de seletividade
do sistema.
No que tange à responsabilização penal dos adolescentes e jovens, verificou-se que,
de acordo com as perceções dos peritos, Brasil e Portugal têm entendimentos e vivências
distintas, e atribuem caráter opostos às medidas socioeducativas e tutelares educativas
aplicadas. Embora ambos os países tenham legislações que conferem caráter educativo e
ressocializador ao sistema socioeducativo e tutelar educativo, os peritos brasileiros concorrem
para a ideia de um sistema unicamente punitivo e repressivo, ao passo que a perita portuguesa
o vê como ressocializador, ainda que reconheça falhas na sua atuação, quando refere uma falta
de intervenção por parte do Estado em indivíduos com trajetórias mais graves. Estas perceções
coincidem com o facto de, no sistema socioeducativo brasileiro, as medidas em meio fechado
e semiaberto apresentarem índices crescentes de superlotação, o que resulta, inevitavelmente,
na violação de direitos, e o sistema tutelar educativo apresentar um número muito reduzido de
internamentos.
Como contributo para o melhor juízo dos casos de delinquência juvenil, identificou-
se em Portugal a utilização do Inventário de avaliação do risco de reincidência e de gestão de
caso para jovens, baseado no Youth Level Service/Case Managment Inventory (YLS/CMI)
(Pimentel et. al., 2015). A respeito do referido instrumento, a E3 entende que, apesar de a
introdução do mesmo constituir um avanço para a justiça juvenil, já que é um instrumento
amplamente utilizado no campo internacional e com validade científica, o mesmo pode não

59
estar a avaliar todas as necessidades dos jovens na atualidade. Em contrapartida, o Estado
Brasileiro não possui nenhum tipo de instrumento de avaliação de risco de reincidência, o que
pode ser um fator concorrente para os elevados índices de encarceramento da população
infantojuvenil.
Quanto à infraestrutura dos sistemas tutelar educativo e socioeducativo, verificou-se a
falta de investimento estatal em ambos os países. Ainda que os dados relativos a Portugal
apontem para a alta qualificação dos profissionais da área, existe, de acordo com a perita
portuguesa, falta de investimentos na justiça juvenil, especialmente nos programas de
ressocialização, que podem não estar a responder às necessidades dos jovens. A situação
Brasileira tem contornos ainda mais drásticos, quando verificamos a existência de unidades de
internação em condições sub-humanas, com altos índices de superlotação, inexistência de
escolarização, falta de atividades profissionalizantes, ambiente insalubre, inexistência de
sistema de esgoto sanitário, entre outras carências (Volpi, 2013).
Este panorama é reflexo do atual cenário político brasileiro, onde a pauta dos direitos
das crianças e dos adolescentes enfrenta uma onda de conservadorismo cujas consequências
recentes são o apoio à tramitação do projeto de emenda constitucional que propõe a redução da
maioridade penal, a proposição da extinção de órgãos colegiados responsáveis pela garantia da
participação social na gestão estatal, o fim da educação sexual nas escolas, etc., bem como
cortes orçamentais nos recursos destinados ao financiamento das políticas públicas da infância
e da adolescência.
Relativamente às limitações da pesquisa, podemos destacar a dimensão da amostra, que,
em virtude da especificidade dos campos de atuação, reduziram a possibilidade de acesso a
profissionais da área da infância e juventude portuguesas e brasileiras. Este cenário se acentuou
com os profissionais portugueses devido aos trâmites inerentes às autorizações para
participação na pesquisa. Deste modo, os resultados obtidos devem ser interpretados com
ponderação.
Ademais, a pandemia mundial causada pelo COVID-19 impôs restrições ao acesso a
locais de recolha de documentos e da bibliografia necessária para o desenvolvimento da
pesquisa de forma ampla, como por exemplo bibliotecas e órgãos públicos.
Concluindo, o estudo permitiu identificar as semelhanças entre os sistemas de justiça
juvenil brasileiro e português, contribuindo para a identificação de boas práticas, em ambos os
países, bem como as perceções bastante interessantes dos peritos como forma de contribuir para

60
o aprofundamento do debate na área da infância, adolescência e juventude e desenvolvimento
de estratégias para fazer face aos entraves identificados pela pesquisa.

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72
ANEXOS

73
DIMENSÃO: EXPERIÊNCIA DOS TÉCNICOS NA APLICAÇÃO DA NORMA

Dimensões Temática específica/exemplos de perguntas


• Como avalia a legislação da criança e do adolescente do
Brasil/Portugal? Considera que ela está de acordo com os
instrumentos internacionais dos quais seu país é
signatário?
• Quais desafios deparam-se na prática para a
implementação plena da Convenção dos direitos da
Criança?
• Como considera a integração operacional dos órgãos do
Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança
Pública e Assistência Social?
• No seu entender, as políticas públicas voltadas para
crianças e adolescentes (Políticas Sociais Básicas,
Avaliação e aplicação Políticas de Protecção e Políticas
da legislação Socioeducativas/Tutelares Educativas) se relacionam de
Infantojuvenil forma integrada no Brasil/Portugal?
• Brasil: O tema da redução da maioridade penal para 16
anos tem sido bastante debatido no Brasil nos últimos
anos, qual o seu entendimento a respeito do assunto?
• Portugal: A Lei Tutelar Educativa define a maioridade
penal em 16 anos, entretanto, crescem os debates no
sentido de igualar a maioridade penal com a maioridade
civil aos 18 anos de idade. Qual seu entendimento a
respeito do assunto?
• Das medidas existentes no sistema
Socioeducativo/Tutelar Educativo, quais as que a
apresentam maior grau de dificuldade em sua
implementação e por quê?
• Existe algum instrumento de avaliação do risco de
envolvimento em práticas ilícitas e necessidades de
intervenção? (No caso de não existir este instrumento ou
não ser utilizado) Acha que seria importante?
Sistema
• Considera que as medidas aplicadas têm
Socioeducativo/Tutelar
fundamentalmente caráter educativo-ressocializante e/ou
Educativo
meramente repressor e punitivo? E relativamente à sua
aplicação, considera que esta é fundamentalmente
educativo-ressocializante e/ou meramente repressor e
punitivo?

74
• Em termos gerais, como avalia o modo como as medidas
de internamento são aplicadas no Brasil/Portugal?
• Considera que os profissionais técnicos recebem a
formação necessária para execução de seu trabalho? É
viabilizado cursos de reciclagem?
• A unidade desenvolve algum projeto de prevenção da
reincidência de atos infracionais com os adolescentes?
• Considera que o tempo médio praticado na medida de
internação está em consonância com seu objetivo
(interiorização de valores conformes ao direito e a
Medidas em meio
aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro,
fechado e semiaberto
conduzir a sua vida de modo social e juridicamente
responsável)?
• Utilizam algum instrumento de avaliação e/ou
planeamento individualizado para o cumprimento da
medida?
• Existe alguma oferta de serviços e/ou políticas sociais que
forneçam alternativas de reinserção social, como por
exemplo parcerias com empresas para inserção no
mercado de trabalho, no caso de adolescentes em
cumprimento de medidas em meio fechado?

75
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO ENTREVISTA SEMI-
ESTRUTURADA

Eu, ____________________________________________ aceito participar de livre vontade


no projeto "Análise comparada dos marcos normativos da justiça juvenil luso-brasileira e suas
implicações sócio-históricas sob o olhar criminológico”, que está a ser desenvolvido no âmbito
do mestrado em Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, pela
mestranda Juliana Carrinho Borges Silva, sob a orientação da Professora Doutora Maria
Alexandra Gomes Machado Leandro.
Declaro que fui informada(o) que a pesquisa pretende analisar de forma comparada os marcos
normativos da justiça infanto-adolescente internacionais e suas implicações socio-históricas na
construção e no desenvolvimento dos instrumentos normativos brasileiro e português e suas
correlações.
Compreendo que a minha participação neste estudo é voluntária, podendo desistir a qualquer
momento, sem que essa decisão se reflicta em qualquer prejuízo para mim.
Ao participar neste trabalho, estou a colaborar para o desenvolvimento da investigação na área
da criminologia, não sendo, contudo, acordado qualquer benefício directo ou indirecto pela
minha colaboração.
Como participante da pesquisa declaro que concordo em ser entrevistada(o) pela pesquisadora,
via Skype, com duração previamente ajustada, ( ) permitindo / ( ) não permitindo a gravação
audio/visual da entrevista.
Fui informada(o) pela pesquisadora que tenho a liberdade de deixar de responder a qualquer
questão ou pergunta, assim como recusar, a qualquer momento, participar da pesquisa,
interrompendo minha participação, temporária ou definitivamente.
( ) Autorizo / ( ) Não autorizo que meu nome seja divulgado nos resultados da pesquisa,
comprometendo-se, a pesquisadora, a utilizar as informações que prestarei somente para os
propósitos da pesquisa.

Nome________________________________________________________________
Assinatura____________________________________________________________

Data ___/___/___

76
TERMO DE RESPONSABILIDADE

Eu, Juliana Carrinho Borges Silva, aluna do Mestrado em Criminologia da Faculdade


de Direito da Universidade do Porto, estou a desenvolver, no âmbito da minha dissertação de
mestrado, o estudo “Análise comparada dos marcos normativos da justiça juvenil luso-
brasileira e suas implicações socio-históricas sob o olhar criminológico”, sob a orientação da
Profª. Drª. Maria Alexandra Gomes Machado Leandro. Comprometo-me a salvaguardar os
dados recolhidos, que serão estritamente utilizados para elaboração do referido trabalho, em
conformidade com as diretrizes éticas e moral da investigação científica.

___________________________________________
Juliana Carrinho Borges Silva

77

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