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Coordenação Geral
Dra. Cinara Maria Moreira Liberal
Subcoordenação Geral
Dr. Marcelo Carvalho Ferreira
Coordenação Didático-Pedagógica
Rita Rosa Nobre Mizerani
Coordenação Técnica
Dr. Luiz Fernando da Silva Leitão
Conteudistas:
Isabella Franca Oliveira
Renata Ribeiro Fagundes
Gleice Messias Cardoso Pamplona
Produção do Material:
Polícia Civil de Minas Gerais
Revisão e Edição:
Divisão Psicopedagógica - Academia de Polícia Civil de Minas Gerais
Reprodução Proibida
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................................4
2. O SISTEMA DE GARANTIAS DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE VÍTIMA
OU TESTEMUNHA DE VIOLÊNCIA .................................................................................................................6
2.1 MECANISMOS PARA PREVENIR E COIBIR A VIOLÊNCIA .............................. 7
2.2 A VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES ............................... 11
2.3 PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL.............................................. 17
2.4 REDE DE PROTEÇÃO ..................................................................................... 18
2.5 MEDIDAS DE PROTEÇÃO ............................................................................... 20
3. ORIENTAÇÕES PARA REALIZAÇÃO DE ESCUTA PROTEGIDA................................................ 22
3.1 REGISTRO E TRANSMISSÃO DAS INFORMAÇÕES ..................................... 22
3.2 ACOLHIMENTO INICIAL .................................................................................. 23
3.2.1 A importância do ambiente ......................................................................... 25
3.2.2 Salas de Depoimento Especial.................................................................... 25
3.3 FALSAS DENÚNCIAS ...................................................................................... 26
3.4 PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS NA ESCUTA PROTEGIDA ........................... 28
3.5 MEMÓRIA E DESENVOLVIMENTO INFANTIL ................................................ 29
3.6 TIPOS DE PERGUNTAS .................................................................................. 32
3.6.1 Perguntas Desejáveis E/Ou Adequadas ..................................................... 32
3.6.2 Perguntas Inadequadas e que Devem Ser Evitadas ................................. 34
4. ESCUTA ESPECIALIZADA.......................................................................................................................... 38
4.1 FASE INTRODUTÓRIA ..................................................................................... 40
4.2 CONSTRUÇÃO DA EMPATIA .......................................................................... 41
4.3 TRANSIÇÃO ..................................................................................................... 42
4.4 ANÁLISE DO INCIDENTE ................................................................................ 44
4.5 INTERVALO ...................................................................................................... 44
4.6 ENCERRAMENTO ............................................................................................ 45
5. DEPOIMENTO ESPECIAL............................................................................................................................ 46
5.1 FASE INTRODUTÓRIA ..................................................................................... 51
5.2 CONSTRUÇÃO DA EMPATIA OU RAPPORT.................................................. 52
5.3 PRÁTICA NARRATIVA E TREINO DE MEMÓRIA ........................................... 53
5.4 TRANSIÇÃO ..................................................................................................... 54
5.5 INVESTIGAÇÃO DO INCIDENTE ..................................................................... 58
5.6 INTERVALO ...................................................................................................... 58
5.7 ENCERRAMENTO ............................................................................................ 59
6. FATORES QUE PODEM INFLUENCIAR A ENTREVISTA ................................................................ 61
6.1 PASSAGEM DO TEMPO .................................................................................. 61
6.2 TÉCNICAS DE ENTREVISTA UTILIZADAS ..................................................... 61
6.3 AMBIENTE FÍSICO ........................................................................................... 62
6.4 SÍNDROME DO SEGREDO .............................................................................. 62
6.5 REPETIÇÃO DE ENTREVISTAS OU DE PERGUNTAS .................................. 62
7.CONCLUSÃO .................................................................................................................................................... 63
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................................... 64
1. INTRODUÇÃO
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2. O SISTEMA DE GARANTIAS DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
VÍTIMA OU TESTEMUNHA DE VIOLÊNCIA
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“ARTIGO 12.º
1 – Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de
discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as
questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em
consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e
maturidade.
2 – Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida
nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja
directamente, seja através de representante ou de organismo adequado,
segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação
nacional.” (Presidência da República, 1990)
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Em dezembro de 2021, foi assinado Termo de Cooperação Interinstitucional,
firmado entre Ministério Público, Tribunal de Justiça, Defensoria Pública, OAB,
Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, Policia Militar, Policia Civil,
Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, Secretaria de Estado de Saúde,
Secretaria de Estado de Educação visando a adoção de ações integradas para
fomentar a implementação da escuta especializada e do depoimento especial de
crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência em Minas Gerais,
conforme as disposições da Lei 13. 431/17 e do Decreto 9.603/18.
Uma das atribuições comuns às Instituições signatárias do Termo é a
realização de cursos e outros eventos de capacitação, qualificação e
aprimoramento conjunto para seus integrantes e, sempre que possível, para os
demais profissionais da rede de atendimento. É necessário elaborar fluxos,
protocolos e materiais informativos, internos e interinstitucionais que sirvam de
parâmetros para a realização da escuta especializada e depoimento especial e que
visem a uniformização do atendimento e à intervenção especializada, com a
máxima qualificação dos profissionais responsáveis pela entrevista avaliativa da
vítima, evitando-se a repetição de seu relato perante outros órgãos da rede de
atendimento, a preservação da memória dos fatos e o sofrimento de forma
secundária.
Dentre as atribuições da Policia Civil de Minas Gerais no referido Termo,
que pode ser encontrado de forma integral nos anexos deste curso, registra-se a
importância de evitar a oitiva de crianças ou adolescentes vítimas e testemunhas
de violência, buscando a instrução do procedimento de outra forma, priorizando a
busca de informações junto à pessoa que acompanha a criança ou adolescente e
por meio de documentação remetida por outros serviços, programas e
equipamentos públicos.
Apenas se não for possível a busca de informações por outros meios, e se
revelar imprescindível ouvir a criança ou adolescente para obter elementos
mínimos sobre autoria e circunstâncias do fato, realizar-se-á a escuta
especializada, limitada ao estritamente necessário para cumprimento de sua
finalidade e garantida a livre narrativa sobre a situação de violência, sem
intervenção investigativa.
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Da mesma forma, e, neste mesmo sentido, nos casos que a Lei autoriza,
poderá ser realizado o Depoimento Especial em Unidade Policial.
A aplicação da Lei da Escuta Protegida e a realização do atendimento da
criança ou adolescente terão como base, sem prejuízo dos princípios estabelecidos
nas demais normas nacionais e internacionais de proteção dos direitos da criança e
do adolescente, os seguintes direitos e garantias fundamentais:
- receber prioridade absoluta e ter considerada a condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento;
- receber tratamento digno e abrangente;
- ter a intimidade e as condições pessoais protegidas quando vítima ou
testemunha de violência;
- ser protegido contra qualquer tipo de discriminação, independentemente de
classe, sexo, raça, etnia, renda, cultura, nível educacional, idade, religião,
nacionalidade, procedência regional, regularidade migratória, deficiência ou
qualquer outra condição sua, de seus pais ou de seus representantes legais;
- receber informação adequada à sua etapa de desenvolvimento sobre
direitos, inclusive sociais, serviços disponíveis, representação jurídica, medidas de
proteção, reparação de danos e qualquer procedimento a que seja submetido;
- ser ouvido e expressar seus desejos e opiniões, assim como permanecer
em silêncio;
- receber assistência qualificada jurídica e psicossocial especializada, que
facilite a sua participação e o resguarde contra comportamento inadequado
adotado pelos demais órgãos atuantes no processo;
- ser resguardado e protegido de sofrimento, com direito a apoio,
planejamento de sua participação, prioridade na tramitação do processo, celeridade
processual, idoneidade do atendimento e limitação das intervenções. A Lei prevê
que o planejamento da participação no processo será realizado entre os
profissionais especializados e o juízo;
- ser ouvido em horário que lhe for mais adequado e conveniente, sempre
que possível;
- ter segurança, com avaliação contínua sobre possibilidades de intimidação,
ameaça e outras formas de violência;
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- ser assistido por profissional capacitado e conhecer os profissionais que
participam dos procedimentos de escuta especializada e depoimento especial;
- ser reparado quando seus direitos forem violados;
- conviver em família e em comunidade;
- ter as informações prestadas tratadas confidencialmente, sendo vedada a
utilização ou o repasse a terceiro das declarações feitas pela criança e pelo
adolescente vítima, salvo para os fins de assistência à saúde e de persecução
penal;
Importante ressaltar que os procedimentos que envolvem crianças e
adolescentes são sigilosos e a defesa técnica dos envolvidos pode ter acesso
mediante procuração juntada nos autos. A mídia gravada, seja do Depoimento
Especial ou da Escuta Especializada, não deve ser compartilhada, sem ordem
judicial autorizativa, permitindo-se à defesa técnica do investigado o acesso às
referidas mídias apenas no interior das Unidades Policiais.
- prestar declarações em formato adaptado à criança e ao adolescente com
deficiência ou em idioma diverso do português.
- pleitear, por meio de seu representante legal, medidas protetivas contra o
autor da violência.
Todos os direitos assegurados às crianças e aos adolescentes são
igualmente importantes. E em relação à temática abordada do presente
documento, é necessário ressaltar o direito da criança e adolescente vítima ou
testemunha de violência ser ouvido e expressar seus desejos e opiniões, assim
como permanecer em silêncio. Ou seja, a criança ou adolescente pode ou não falar
sobre a violência que sofreu ou presenciou, não podendo os profissionais
responsáveis pelo atendimento forçar, insistir ou tentar convencer que ela fale.
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criança ou adolescente proporcionar condições para superação do
impacto da violência”. (MINISTÉRIO DA MULHER, DA FAMÍLIA E DOS
DIREITOS HUMANOS, 2019)
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para estimulação sexual do agente ou de terceiro;
b) exploração sexual comercial, entendida como o uso da criança
ou do adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou
qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob
patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por
meio eletrônico;
c) tráfico de pessoas, entendido como o recrutamento, o transporte,
a transferência, o alojamento ou o acolhimento da criança ou do
adolescente, dentro do território nacional ou para o estrangeiro, com o fim
de exploração sexual, mediante ameaça, uso de força ou outra forma de
coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, aproveitamento de
situação de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamento, entre
os casos previstos na legislação;
IV - violência institucional, entendida como a praticada por
instituição pública ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização.
Maus-tratos
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● Maus-tratos físicos: uso da força física, de modo intencional e não acidental,
praticada por responsáveis ou cuidadores com o objetivo de ferir a criança ou
adolescente, deixando marcas físicas ou não.
● Síndrome do bebê sacudido: tipo de maus-tratos caracterizado por lesões
cerebrais causadas pelo sacudimento de bebês, geralmente menores de seis
meses de idade.
● Síndrome da criança espancada: diz respeito a crianças, geralmente de
pouca idade, que sofreram grandes traumas (fraturas, queimaduras, etc.) em razão
de punições inadequadas praticadas pelos pais e responsáveis.
● Síndrome de Munchausen por procuração: diz respeito ao cenário em que a
criança é levada para cuidados médicos, administração de exames e de
medicamentos por sintomas inventados pelos responsáveis por seu cuidado.
Negligência
Violência psicológica
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Além disso, a recente inovação legislativa trazida pela Lei 14.088/21 registra
no art. 147-B do Código Penal a conduta típica de causar dano emocional a criança
e adolescente do gênero feminino que a prejudiquem e perturbem seu pleno
desenvolvimento ou que visem a degradar ou a controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do
direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde
psicológica e autodeterminação; e a Lei 14.132/21, a tipificação da conduta de
perseguição, no art. 147-A do Código Penal, com aumento de pena quando
praticada contra crianças ou adolescentes.
Alienação parental
Violência institucional
Violência sexual
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“O contato genital não é condição obrigatória para que uma situação seja
considerada abusiva. Carícias não genitais, beijos, exibicionismo,
voyeurismo e exposição à pornografia podem ser tão danosos quanto às
situações que envolvem contato genital”. (WAKSMAN, 2011)
16
2.3 PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL
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Esta falta de integração dos serviços e de capacitação adequada e a
repetição dos relatados dos episódios de violência terminam por revitimizar as
crianças e os adolescentes.
Com o objetivo de evitar a revitimização, a lei 13.431/17 estabelece
diretrizes para a integração das políticas públicas de atenção e proteção, mediante
a implantação de centros integrados de atendimento a crianças e adolescentes
vítimas de violências.
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A cooperação entre os órgãos, os serviços, os programas e os
equipamentos públicos deve sempre ser priorizada e mecanismos de
compartilhamento de informações devem ser estabelecidos para evitar a
revitimização.
Cada órgão da rede de proteção tem uma atuação específica, porém em
cada Comarca podem conduzir seu trabalho de forma diferente dentro de sua
atribuição, primando sempre pela atuação integrada e de forma que não revitimize
a criança/adolescente.
Ressalta-se que, nos termos do art. 13 do ECA, qualquer órgão da rede de
proteção que tomar conhecimento de criança ou adolescente em situação de
violência deverá comunicar o Conselho Tutelar.
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Art. 21. Constatado que a criança ou o adolescente está em risco, a
autoridade policial requisitará à autoridade judicial responsável, em
qualquer momento dos procedimentos de investigação e
responsabilização dos suspeitos, as medidas de proteção pertinentes,
entre as quais:
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3. ORIENTAÇÕES PARA REALIZAÇÃO DE ESCUTA PROTEGIDA
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O registro através de relatório deve ser inteiramente descritivo, sem
qualquer tipo de avaliação, julgamento ou conclusões sobre os fatos ou sobre a
criança/adolescente que foi acolhido. Além da reprodução fidedigna das perguntas
do entrevistador e das respostas da criança/adolescente, o relatório deve conter
apenas a descrição de comportamento observáveis da vítima/testemunha, como se
ela chorou em algum momento, se recusou-se a responder algo, características
marcantes sobre o desenvolvimento (exemplos: crianças maiores ainda não
alfabetizadas; adolescentes com comportamento infantilizado, não esperado para a
idade; dificuldades de fala ou compreensão; etc.). Não há, no entanto, impedimento
legal para que seja feito registro da escuta especializada através de áudio e vídeo.
O registro do depoimento especial deve ser realizado através de áudio e
vídeo. A gravação permite ainda que seja evitada a coleta de novo depoimento da
vítima/testemunha em Juízo, uma vez que a mídia será juntada ao procedimento e
remetida à Justiça com o Inquérito Policial (recomendado realização de backup das
gravações).
É essencial a observância do cuidado de não compartilhamento da mídia
gravada, seja da Escuta Especializada ou do Depoimento Especial, salvo ordem
judicial autorizativa, permitindo-se à defesa técnica do investigado o acesso aos
referidos registros de áudio e vídeo apenas no interior das unidades policiais.
Ressaltando que as informações prestadas pela vítima/testemunha devem ser
tratadas confidencialmente sendo vedada a utilização ou repasse a terceiro das
declarações feitas, salvo para os fins de assistência à saúde e de persecução
penal.
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O registro da ocorrência policial consiste na descrição preliminar das
circunstâncias em que se deram o fato e, sempre que possível, será elaborado a
partir de documentação remetida por outros serviços, programas e equipamentos
públicos, além do relato do acompanhante da criança ou do adolescente.
É necessária postura empática, respeitosa, acolhedora, responsiva e
protetiva do servidor, que deve entender seu papel de agente de proteção, quando
realiza o atendimento inicial à criança/adolescente e àquele que a estiver
acompanhando.
É direito da criança/adolescente ser ouvida em suas demandas na
perspectiva de superação das consequências das violações sofridas, porém, no
momento do registro da ocorrência, deve-se evitar a conversa diretamente com a
criança/adolescente, colhendo todas as informações necessárias com o
representante legal ou acompanhante da vítima/testemunha.
Deve-se, ainda:
1) Garantir o conforto da criança/adolescente dentro das possibilidades do
espaço físico da Unidade Policial;
2) Manter postura amigável e receptiva, zelando pela ética e respeito à
criança e seu acompanhante;
3) Realizar a entrevista para a confecção do REDS com o acompanhante,
em lugar reservado e separado do local em que estiver a criança/adolescente,
sempre que possível;
4) Não externar opiniões, questionamentos acerca das circunstâncias da
ocorrência da violência na presença da criança/adolescente;
5) Não é necessário pormenorizar detalhes da violência no histórico do
REDS; caso haja relatórios de atendimentos médicos ou outros documentos
trazidos pelos envolvidos, mencioná-los na ocorrência e juntar as cópias
apresentadas sempre que possível;
6) Caso a vítima não tenha recebido atendimento médico e não seja
possível à Autoridade Policial proceder às diligências necessárias para
atendimento da ocorrência naquele momento, encaminhar a vítima para Hospital
de referência, caso seja necessário receber atendimento médico imediatamente
para medidas de profilaxia, ou realizar FAEP para exame de corpo de delito.
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7) O acolhimento e registro da ocorrência policial deve ser realizado, ainda
que a criança ou o adolescente esteja desacompanhado.
A Escuta Protegida é organizada em fases, entretanto o servidor que fará o
atendimento deve ser flexível ao perceber, durante a entrevista, que a ordem das
fases deve ser alterada.
As perguntas que serão apresentadas ainda neste módulo são sugestões,
devendo o entrevistador adaptar todas as intervenções para o caso e as
necessidades específicas de cada criança ou adolescente.
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O objetivo da sala é proporcionar ambiente saudável e adequado para o
atendimento específico de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de
violência em equilíbrio com as atividades desenvolvidas nas Unidades Policiais.
As salas devem ser implementadas em local adequado possibilitando um
ambiente humanizado e acolhedor com espaço lúdico, bem como instalação de
equipamento audiovisual para gravação dos atendimentos nos casos em que
couber.
O mobiliário da sala de atendimento inclui poltronas, pufes, armário para
armazenamento de brinquedos e materiais psicopedagógicos, mesa infantil e
equipamento para gravação do procedimento.
A ante sala ou sala de observação será composta por estações de trabalho
e equipamentos de informática para acesso aos sistemas policiais e realização dos
procedimentos de polícia judiciária.
Além dos cômodos citados, pode ser feita sala de espera com armário com
brinquedos e jogos, longarinas, mesa e cadeiras, para que a criança possa
aguardar o atendimento em ambiente apropriado e acolhedor.
Um tablet será utilizado pelo profissional capacitado a realizar a escuta
protegida para conversa - chat com sala de observação.
Um dos computadores pode ser colocado em outra sala da Unidade Policial
beneficiada, que poderá servir como um segundo lugar de observação, se
necessário.
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Quando trazida por outra pessoa em nome da suposta vítima, é possível a
ocorrência de alienação parental, regulamentada pela Lei 12.318/2010, já
mencionada no módulo anterior. A lei define alienação parental como a
interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou
induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou
adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou
que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Uma das formas de alienação parental trazida pela legislação é a falsa
denúncia contra um dos genitores, contra familiares deste ou contra avós, para
obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente.
Ressalte-se que, ainda que a criança ou adolescente que seja submetida à
prática de alienação parental, a violência noticiada pode ter ocorrido, e não se
tratar de uma falsa acusação.
Durante a escuta da criança ou adolescente em casos de falsas denúncias,
o profissional pode se deparar com algumas circunstâncias que deverão ser
observadas. Em regra, a criança ou adolescente não consegue aprofundar o seu
relato nem trazer detalhes da prática criminosa e de outros fatos que perpassam a
violência noticiada, mantendo uma narrativa rasa, com grande dificuldade de trazer
mais informações além das contadas inicialmente.
Outra característica que pode estar presente, é o uso de palavras não
compatíveis com a faixa etária, sugerindo a influência por uma pessoa adulta. A
criança ou adolescente pode já começar o relato contando que sofreu a violação de
direito por algum familiar e pode trazer informações extremamente depreciativas,
com sentimento de ódio em relação ao mesmo.
Por fim, vale mencionar que o protocolo de atendimento deve ser seguido na
íntegra e, caso presentes algumas das circunstâncias acima citadas, estas devem
ser constatadas no relatório de atendimento, sem, todavia, trazer juízos de valor
nem mesmo concluir se a violência ocorreu ou não.
Durante a investigação que há suspeita da prática de alienação parental e
da ocorrência de falsas denúncias, é imprescindível a realização de outras
diligências com o objetivo de verificar a existência de conflitos entre os envolvidos,
devendo fazer pesquisa de ocorrências anteriores, procedimentos judiciais em
andamento, oitiva de familiares, vizinhos e outras pessoas de convivência do
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núcleo familiar, além da interlocução com a rede de proteção. Acrescenta ainda a
importância da escuta da criança ou adolescente ser realizada por profissionais
qualificados.
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Em relação ao conteúdo, a memória pode ser classificada em memória de
procedimentos e memória declarativa. A memória procedural é aquela que tem
capacidade ou habitualidade motora ou sensorial (atos motores ou concatenação
de atos). Assim, conecta-se ao aprendizado de atividades como digitar um texto,
andar de bicicleta, nadar, por exemplo. Pode, outrossim, ser subdividida em
implícita (aquela adquirida de maneira mais ou menos automática, sem que o
sujeito perceba claramente a aprendizagem, tal como ocorre com a língua materna)
e explícita, a que se constitui em memória adquirida com plena intervenção da
consciência.
A memória declarativa refere-se à memória de fatos, eventos, de pessoas,
de faces, de conceitos e de ideias e subdivide-se em episódicas, relativas a
eventos dos quais assistimos ou participamos, também chamadas de
autobiográficas, e em semânticas, relacionadas aos conhecimentos gerais.
Aliado à memória, está o esquecimento. A imensa maioria de tudo aquilo
que aprendemos, de todas as inúmeras memórias que formamos na vida, se
extingue ou se perde. Nós esquecemos a maioria das informações que foram
armazenadas. Sem o esquecimento, o convívio entre os membros de qualquer
espécie animal seria impossível.
Assim, verifica-se que o esquecimento é normal, somente o excesso, a
perda real de memórias que não queremos perder, denomina-se amnésia.
De acordo com Carmen Lisbôa Weingärtner Welter, a memória apresenta
diferentes níveis, de acordo com a fase de desenvolvimento do sujeito. Os bebês
apresentam memória episódica, ou seja, fragmentada e inacessível. Aos dois anos,
com o desenvolvimento da linguagem, desenvolve-se memória autobiográfica. Em
torno do quinto ano de vida, a criança tem a capacidade para evocar detalhes
perceptivos e referências contextuais.
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Pesquisas mostram que crianças em idade pré-escolar (de 4 a 6 anos) já
possuem recursos cognitivos (habilidades linguísticas, memória como fonte da
recordação, construção de referências espaciais e temporais) que as tornam
capazes de relatar um episódio vivido com riqueza de informações. Entretanto,
sabe-se que as crianças nessa faixa etária são mais suscetíveis à aceitação de
informações sugestivas.
Assim, as crianças em idade pré-escolar apresentam maior
dificuldade em tarefas de recordação livre, tendendo a não ter uma
memória legítima sobre determinado fato, pois seu sistema cognitivo ainda
está em formação. Sua recordação pode ser espontânea e isso não quer
dizer que não seja verdadeira, mas pode ser fruto de seu imaginário, bem
como ela pode ser sugerida, ou por meio do próprio entrevistador, com
perguntas fechadas (sim e não), ou pelos próprios familiares, que passam
ao infante sua visão do acontecimento, induzindo os a acreditar no que
aquele lhes relata (WELTER;FEIX,2010).
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As perguntas concretas dizem respeito a experiências sensoriais, ou seja,
descrições de fatos relacionados aos sentidos. Essas perguntas dizem respeito a
quem fez algo, o que aconteceu, onde algo aconteceu, e se ocorreu mais de uma
vez. São perguntas que requerem um desempenho narrativo mais básico.
Já as perguntas abstratas são aquelas que exigem um desempenho
narrativo mais complexo, sendo esperadas descrições mais completas a respeito
de contexto, temporalidade e frequência. Crianças e adolescentes com
compreensão de perguntas abstratas conseguem descrever situações de forma
sequencial (começo, meio e fim).
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tipo de informação externa ao relato da criança ou adolescente, e sem indicar qual
a resposta esperada. O entrevistador pode começar essas perguntas repetindo
partes dos relatos já feitos pela criança ou adolescente. Exemplos:
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“Você me disse que _____ ficou muito bravo e te bateu. Me
conte tudo o que aconteceu depois dele te bater.”
“Você me contou que _____ encostou no seu pipiu, e que
você não gostou disso. Conte tudo o que ____ fez antes de
encostar no seu pipiu.”
“Você falou que ___ te xingou enquanto batia em você. Repita
para mim tudo o que ele disse enquanto te batia.”
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Entrevistador: “Então, seria muito importante que você me
explicasse o que aconteceu com você, pois eu não estava lá e
eu não sei. Quem te machucou?”
Criança/adolescente continua em silêncio.
Entrevistador, percebendo que a criança estava muito
machucada, e que o convívio com o(a) suspeito(a) pode
representar risco de novas violências, faz uma pergunta
fechada: “Foi alguém que mora na sua casa que te
machucou?”
Criança/adolescente: "Foi a minha mãe".
Entrevistador: "Me explique melhor como a sua mãe te
machucou. Me conte tudo o que ela fez".
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a distinção entre fantasia e realidade, outra criança da mesma idade talvez não
consiga. Exemplo:
37
4. ESCUTA ESPECIALIZADA
38
procedimentos em que tem que relatar sobre a violação sofrida, salvo alguns casos
excepcionais.
A criança ou o adolescente deve ser informado em linguagem compatível
com o seu desenvolvimento acerca dos procedimentos formais pelos quais terá
que passar e sobre a existência de serviços específicos da rede de proteção, de
acordo com as demandas de cada situação. (art. 19, §1º, do Decreto 9.603/2018).
O servidor responsável pelas diligências iniciais deve sempre buscar a
instrução do procedimento por outros meios de prova, priorizando a busca de
informações junto à pessoa que acompanha a criança ou adolescente e por meio
de documentação remetida por outros serviços, programas ou equipamentos
públicos, de modo a evitar, sempre que possível, a Escuta Especializada e o
Depoimento Especial em sede policial.
Conforme já foi ensinado no módulo anterior, que uma vez realizado o
registro da ocorrência e a análise dos fatos denunciados, o profissional responsável
pela Escuta Protegida deve, antes de convidar a criança ou o adolescente para a
entrevista em um ambiente mais reservado, realizar um breve acolhimento.
O referido acolhimento tem por objetivo a apresentação do profissional à
vítima/testemunha e ao responsável, como explicar aos mesmos sobre a realização
da Escuta Protegida, criando-se, assim, um vínculo de confiança com a
criança/adolescente, além de permitir ao profissional a análise inicial do
desenvolvimento da criança e de seu estado emocional no momento. Em seguida,
a criança ou adolescente deve ser convidada a entrar na sala de atendimento, sem
a presença do representante legal.
A Escuta Especializada se organiza nas seguintes fases:
Fase introdutória;
Construção da empatia ou rapport;
Transição;
Análise do incidente
Intervalo (opcional);
Encerramento.
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4.1 FASE INTRODUTÓRIA
Esta fase tem por objetivo explicar à vítima ou testemunha como a oitiva
deve acontecer, cientificar a criança/adolescente e representante legal acerca da
gravação em áudio e vídeo (se for feita), além de estabelecer junto à
criança/adolescente regras sobre a entrevista.
Deve-se, ainda no ambiente externo à entrevista, cumprimentar e
apresentar-se à criança, e assim conduzir a mesma até a sala de acolhimento. O
profissional explicar à criança como a entrevista será realizada, apresentar o
ambiente em que a entrevista vai acontecer, explicar as regras da entrevista e
explicar sobre o método de registro das informações (gravação de áudio/vídeo ou
confecção de relatório).
Recomenda-se que, no ambiente da Escuta Especializada, permaneçam
apenas a criança/adolescente e o entrevistador. A criança/adolescente deverá ser
informada sobre o acesso de outras pessoas ao registro de relatório/vídeo que será
realizado.
É importante avaliar o nível de estresse inicial da criança ou adolescente
para dosar a duração dessa fase introdutória. Este estágio da entrevista
geralmente não é muito longo, mas deve ser adequado às necessidades da criança
e da família.
Caso o acompanhante/responsável tenha entrado na sala junto com a
criança/adolescente para ambientação, explicar que nesse momento o primeiro vai
aguardar do lado de fora. Caso a criança se recuse veementemente a ficar na sala
sem a presença do seu responsável, deve ser realizada, junto à autoridade policial,
uma avaliação sobre a possibilidade da realização da entrevista com a presença do
responsável.
Caso o responsável permaneça na sala durante a entrevista, é necessário
orientar ao mesmo que ele deve permanecer sentado em uma cadeira fora do
alcance visual da criança/adolescente (preferencialmente, atrás), devendo ele
permanecer em silêncio durante toda a entrevista, de modo a não influenciar o
relato.
40
4.2 CONSTRUÇÃO DA EMPATIA
41
4.3 TRANSIÇÃO
42
Deve-se iniciar o diálogo solicitando à criança que fale sobre sua família ou
onde mora (no caso de crianças em situação de abrigamento institucional), pois o
tema pode revelar preocupações que precisam ser analisadas durante o
acolhimento.
Neste momento, devem ser realizadas perguntas ou abordagens abertas,
incentivando que a criança ou o adolescente inicie um relato sobre acontecimentos
da sua própria maneira, no seu próprio passo. O servidor deve estar preparado
para seguir na direção dada pela criança ou adolescente. Neste momento a criança
deve relatar os fatos espontaneamente, sem interrupções por parte do servidor.
Caso o relato da criança seja curto e sem detalhes, deve-se estimular, de forma
não diretiva, que ela forneça mais informações.
O profissional, de posse das circunstâncias em que a violação ocorreu
(REDS, relatórios ou falas do responsável legal), poderá utilizar algumas
perguntas, tais como:
“Já aconteceu alguma coisa em sua vida que você não gostou
ou que tenha te deixado triste?”
“Já aconteceu alguma coisa em sua vida que te deixou com
medo de falar para alguém de confiança?”
“Alguém já te pediu segredo sobre algo?”
“Eu fiquei sabendo que você contou para ____ sobre algo que
te deixou triste ou que te incomodou. É verdade? O que você
contou para ___?”
Caso a criança não relate espontaneamente, formule
perguntas mais focadas, mas que ainda estimulem o relato
espontâneo, como:
“Conte-me porque _____ trouxe você aqui para falar comigo
hoje”
“Alguém falou com você sobre o assunto da nossa conversa?”
43
Caso a criança apresente sinais visíveis de machucados (vermelhidões,
arranhões, curativos etc.), peça a ela para contar tudo sobre o que os causou (“Eu
vejo que você tem (uma queimadura/corte/ferida/curativo etc.) no seu ______.
Conte-me tudo sobre isto”.
Se a criança/adolescente NÃO relatar a violência, verifique com cuidado a
necessidade de continuar perguntando ou parar com a entrevista. O objetivo da
Escuta Especializada é o acolhimento para superação da violência. Perguntas mais
diretas podem ser necessárias caso exista a preocupação com o fato de a criança
estar em elevado risco de sofrer novos abusos. Lembre-se, no entanto, que o
abuso pode não ter ocorrido.
4.5 INTERVALO
44
Durante o intervalo, o responsável pode acompanhar a criança/adolescente,
se necessário, ao banheiro, beber água ou fazer um lanche. Também se
recomenda que seja fornecido a crianças pequenas atividades como lápis e papel,
jogos, livros ou revistas em quadrinhos.
4.6 ENCERRAMENTO
45
5. DEPOIMENTO ESPECIAL
46
3) o profissional responsável conduzirá livremente a oitiva sem
interrupções, garantida a sua autonomia profissional e respeitados os
códigos de ética e as normas profissionais;
4) as perguntas demandadas pelos componentes da sala de
observação serão realizadas após a conclusão da oitiva;
5) as questões provenientes da sala de observação poderão ser
adaptadas à linguagem da criança ou do adolescente e ao nível de seu
desenvolvimento cognitivo e emocional, de acordo com o seu interesse
superior;
6) durante a oitiva, deverão ser respeitadas as pausas prolongadas,
os silêncios e os tempos de que a criança ou o adolescente necessitarem.
47
Nessas situações, em vez da oitiva realizada pela Autoridade Policial, deve-
se buscar a realização na fase processual como prova. Nestes casos, conforme
trazido anteriormente, a polícia poderá realizar escuta especializada, com o relato
limitado ao estritamente necessário para tomada das medidas urgentes, dentre
elas a representação pelo depoimento especial como prova antecipada.
Assim, o Depoimento Especial, quando não segue rito de produção
antecipada de prova judicial (art. 11, §1º), poderá ser realizado em Unidade Policial
em local apropriado e acolhedor, com infraestrutura e espaço físico que garantam a
privacidade da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de violência.
O depoimento especial será colhido conforme o seguinte procedimento (art.
12 da Lei 13.431/17):
49
Polícia representar ao Ministério Público pela produção antecipada de prova,
encaminhando os autos ou cópia do Inquérito Policial com a maior brevidade
possível.
O procedimento pode ser realizado quando da formalização de Auto de
Prisão em Flagrante, devidamente agendado, ou em atendimento de demanda
espontânea, após manifestação de consentimento da criança/adolescente e de seu
representante legal.
Como o procedimento realizado em Unidade Policial não se trata de
produção antecipada de provas, não é imprescindível a presença do investigado ou
seu advogado, no entanto, podem participar do procedimento em sala de
observação.
No caso de depoimento especial previamente agendado, a criança ou
adolescente deverá ser intimada 30 minutos antes do horário previsto para o início
da oitiva, com o objetivo de possibilitar a apresentação do profissional e da sala a
ser utilizada, além de evitar contato com o investigado, caso ele participe do
procedimento.
Sugere-se que a intimação seja acompanhada de material explicativo (vide
anexos) destinado à criança/adolescente e aos responsáveis legais sobre o trâmite
do Depoimento Especial.
Importante ressaltar que a criança/adolescente é uma pessoa em
desenvolvimento e não pode ser tratada como mero objeto de prova.
O Depoimento Especial organiza-se com as seguintes fases:
1. Fase introdutória;
2. Construção da empatia ou rapport;
3. Prática narrativa e treino de memória;
4. Transição;
5. Investigação do incidente
6. Intervalo;
7. Encerramento.
50
5.1 FASE INTRODUTÓRIA
Esta fase tem por objetivo explicar à vítima ou testemunha como a oitiva
deve acontecer, cientificar a criança/adolescente e representante legal acerca da
gravação em áudio e vídeo, além de estabelecer junto à criança/adolescente regras
sobre a entrevista.
Deve-se, ainda no ambiente externo à entrevista, cumprimentar e
apresentar-se à criança, e assim conduzir a mesma até a sala de entrevista. O
profissional explicar à criança como a entrevista será realizada, apresentar o
ambiente em que a entrevista vai acontecer, explicar as regras da entrevista e
explicar sobre o método de registro das informações (gravação de áudio/vídeo).
Recomenda-se que, no ambiente da entrevista, permaneçam apenas a
criança/adolescente e o entrevistador. A criança/adolescente deverá ser
cientificada da existência da sala de observação e que outras pessoas
acompanharão a oitiva, como o Delegado de Polícia, advogado, dentre outros.
Caso a criança manifeste-se negativamente sobre a presença de uma das pessoas
na sala de observação, é necessário avaliar se tal presença é realmente
necessária para a realização da entrevista.
É importante avaliar o nível de estresse inicial da criança ou adolescente
para dosar a duração dessa fase introdutória. Este estágio da entrevista
geralmente não é muito longo, mas deve ser adequado às necessidades da criança
e da família.
Caso o acompanhante/responsável tenha entrado na sala junto com a
criança/adolescente para ambientação, explicar que nesse momento o primeiro vai
aguardar do lado de fora. Caso a criança recuse veementemente a ficar na sala
sem a presença do seu responsável, deve ser realizada, junto ao Delegado de
Polícia, uma avaliação sobre a possibilidade da realização da entrevista com a
presença do responsável.
Caso o responsável permaneça na sala durante a entrevista, é necessário
orientar ao mesmo que ele deve permanecer sentado, em uma cadeira fora do
alcance visual da criança/adolescente (preferencialmente, atrás), e em silêncio
durante toda a entrevista, de modo a não influenciar o relato.
51
Caso haja indicadores de que o investigado, caso presente, não deva ter
acesso ao conteúdo da entrevista durante a realização do depoimento, deve-se
adotar os procedimentos previstos no Art. 12 § 3º e 4º: “o profissional especializado
comunicará ao Delegado se verificar que a presença, na sala de audiência, do
autor da violência pode prejudicar o depoimento especial ou colocar o depoente em
situação de risco, caso em que, fazendo constar em termo, será autorizado o
afastamento do imputado”.
52
Pedir à criança/adolescente que conte sobre coisas que gosta de fazer,
sobre sua escola, sobre alguma peça de roupa ou brinquedo que esteja em posse
da criança, se ela tem animais de estimação etc.
Caso a criança ou o adolescente necessite de um estímulo para continuar
falando, o(a) entrevistador(a) pode fazer uma solicitação do tipo “Me fale mais
sobre _______”.
53
Deve-se iniciar o diálogo solicitando à criança que fale sobre sua família ou
onde mora (no caso de crianças em situação de abrigamento institucional), pois
esse tema pode revelar preocupações que precisam ser investigadas em
entrevista.
Caso a criança cite apenas nomes, sem revelar sua relação com as pessoas
citadas ou for muito objetiva, o entrevistador deve estimular para que ela continue
falando ("Quem são essas pessoas?", "Há quanto tempo você mora nesse lugar?").
O(a) entrevistador(a) deve, então, perguntar à criança sobre um evento
específico em sua vida, solicitando que ela relate tudo, do começo até o final. Isso
permite que o(a) entrevistador(a) tenha chance de compreender as habilidades
narrativas da criança/adolescente. Pergunte sobre algum evento neutro e que não
tenha ligação com a denúncia (primeiro dia na escola, aniversário, comemoração
de data especial, férias, viagem etc.).
Caso a entrevista esteja sendo realizada com uma criança bem pequena ou
com adolescente que apresente suspeita ou confirmação de atraso cognitivo, esse
é o momento adequado para observar se ele possui compreensão sobre datas ou
tempo decorrido ("Qual foi a data do seu aniversário?", “Qual seu horário de aula?”,
“Quando foram as suas últimas férias?”, etc.).
Caso o entrevistador não tenha sucesso ao tentar explorar um evento
específico da vida da criança, sugere-se fazer perguntas sobre ontem e hoje ("Me
conte como foi o seu dia ontem, desde a hora que você acordou até a hora em que
foi dormir", “Me conte tudo o que você fez no final de semana”).
5.4 TRANSIÇÃO
54
empatia/prática narrativa. Nesses casos, o(a) entrevistador(a) deve estar
preparado(a) para seguir na direção apontada pela criança ou adolescente.
São regras que devem ser apresentadas à criança/adolescente nesse
momento da entrevista:
Tudo bem se você não entender a pergunta: "Se eu fizer uma
pergunta que você não entendeu, diga “eu não entendi”. Está
bem?”.
Eu (entrevistador) não sei as respostas: “Se eu não entender
o que você está me contando, vou pedir para você me
explicar melhor. Eu não estava lá, então eu não sei o que
realmente aconteceu. Está bem?”.
Tudo bem se você não souber me responder: “Se eu fizer
uma pergunta e você não souber a resposta diga apenas “eu
não sei”. Está bem?
Pode usar qualquer palavra: "Não tem problema se você
precisar usar alguma palavra "feia" para me explicar o que
aconteceu. Na nossa conversa não tem palavra certa e nem
palavra errada, você pode falar do jeito que quiser.
Repetição de perguntas: "Se eu fizer a mesma pergunta mais
de uma vez, isto não significa que a primeira pergunta estava
errada. Talvez eu apenas tenha me esquecido ou me
confundido. Se a sua primeira resposta estava correta,
apenas me diga novamente. Tudo bem?”.
Deve-se iniciar o diálogo solicitando à criança que fale sobre sua família ou
onde mora (no caso de crianças em situação de abrigamento institucional), pois o
tema pode revelar preocupações que precisam ser analisadas durante a entrevista.
Neste momento, devem ser realizadas perguntas ou abordagens abertas,
incentivando que a criança ou o adolescente inicie um relato sobre acontecimentos
da sua própria maneira, no seu próprio passo. O servidor deve estar preparado(a)
para seguir na direção dada pela criança ou adolescente. Neste momento a criança
deve relatar os fatos espontaneamente, sem interrupções por parte do servidor.
Caso o relato da criança seja curto e sem detalhes, deve-se estimular, de forma
não diretiva, que ela forneça mais informações.
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O profissional, de posse das circunstâncias em que a violação ocorreu
(REDS, relatórios ou falas do responsável legal), poderá utilizar algumas
perguntas, tais como:
“Já aconteceu alguma coisa em sua vida que você não gostou
ou que tenha te deixado triste?”
“Já aconteceu alguma coisa em sua vida que te deixou com
medo de falar para alguém de confiança?”
“Alguém já te pediu segredo sobre algo?”
“Eu fiquei sabendo que você contou para __ sobre algo que te
deixou triste ou que te incomodou. É verdade? O que você
contou para ___?”
Caso a criança não relate espontaneamente, formule
perguntas mais focadas, mas que ainda estimulem o relato
espontâneo, como:
“Conte-me porque _____ trouxe você aqui para falar comigo
hoje”
“Alguém falou com você sobre o assunto da nossa conversa?”
56
me conte as coisas que ela faz e que te deixam triste/que você não gosta". Após a
resposta da criança, fazer as mesmas perguntas sobre o irmão e sobre o
padrasto).
Caso a criança confirme, através dessas perguntas, a existência de violação
por parte do suspeito, o(a) entrevistado pode pedir, com perguntas abertas, que a
criança descreva os fatos.
Se as estratégias anteriores não estiverem funcionando, para facilitar que a
criança ou o adolescente converse sobre o fato denunciado, o(a) entrevistador(a)
pode prosseguir com um tipo de abordagem denominada estratégia de
afunilamento. Nela, o(a) entrevistador(a) se move gradualmente de perguntas ou
abordagens abertas para perguntas ou abordagens mais focadas e/ou perguntas
mais diretas, introduzindo uma quantidade mínima de informações necessárias
para focar a criança ou o adolescente no assunto da denúncia.
O(a) entrevistador(a) deve seguir o caminho sinalizado pela criança ou
adolescente em suas respostas. (Exemplo: “Eu sei que você conversou com sua
professora, e que você contou para ela que algo aconteceu. Conte para mim o que
você disse para a ela”). Cada resposta positiva deverá ser seguida por “Me conte
mais sobre isso”.
Caso a criança ou o adolescente tenha negado ou se recusado a falar sobre
os fatos denunciados, mesmo após o uso gradual das perguntas da abordagem do
“afunilamento”, deve-se oferecer suporte emocional à mesma, perguntando como
ela se sente e o que poderia ser feito para que ela se sentisse mais à vontade para
relatar os fatos. Recomenda-se, também, retornar aos objetivos da entrevista,
explicando à criança/adolescente sobre a importância de ela falar o que aconteceu,
uma vez que só ela sabe detalhes. Caso a criança ainda se recuse a falar sobre os
fatos, o(a) entrevistador(a) poderá prosseguir diretamente para a etapa de abertura
para perguntas da sala de observação.
Se a criança/adolescente NÃO relatar a violência, verifique com cuidado a
necessidade de continuar perguntando ou parar com a entrevista. Perguntas mais
diretas podem ser necessárias caso exista a preocupação com o fato de a criança
estar em elevado risco de sofrer nova violência abusos. Lembre-se, no entanto,
que a violência pode não ter ocorrido.
57
5.5 INVESTIGAÇÃO DO INCIDENTE
Caso a criança forneça novas informações que ainda não haviam sido
exploradas durante a fase de transição, cada resposta deverá ser seguida por “Me
conte mais sobre isso”.
5.6 INTERVALO
58
Deve-se, também, sugerir à mesma que pense, enquanto espera, se há algo
mais que ela gostaria de contar. Também se recomenda que seja fornecido a
crianças pequenas atividades como lápis e papel, jogos, livros ou revistinhas.
5.7 ENCERRAMENTO
59
• “O autor usou de violência física, psicológica, ameaçou de causar mal
injusto ou grave?”
Pergunta transformada: [retomar o que a criança disse sobre a violência]
“Quando isso aconteceu, você ficou com alguma marca ou machucado no
seu corpo?”.
Caso a resposta da criança seja “Sim”, continue: “Me conte de que jeito
aconteceu essa marca/machucado”. [retomar o que a criança disse sobre
a violência]
“Quando isso aconteceu, [nome do autor, caso tenha sido revelado antes]
disse algo para você?”
Caso a resposta tenha sido “Sim”, prossiga com a pergunta: “O que [nome
do autor] disse?” ou “[nome do autor] disse que alguma coisa de ruim ou
de mal ia acontecer com você ou com alguém que você gosta?” – em caso
afirmativo de resposta, continue: “Me conte tudo sobre isso”.
• “O autor usou de violência física? Foi só com a força ou se valeu de faca,
arma de fogo ou qualquer outro instrumento capaz de ofender a
integridade física de alguém?”
Pergunta transformada: [retomar o que a criança disse sobre a violência]
“Quando isso aconteceu o(a) [nome do autor, caso tenha sido revelado
antes] estava com algum objeto?”.
Caso a criança tenha respondido “Sim”, pergunte: “O que era esse objeto?
Serve para que isso?”.
Caso a criança revele sobre o objeto, diga “Me conte tudo sobre isso”.
• “Existe grau de parentesco com o autor, ou ele é vizinho, padrasto etc.?”
Pergunta transformada: [retomar o que a criança disse sobre a violência]
“Quem é [nome do autor, caso tenha sido revelado antes]? O que essa
pessoa é de você? Quem é essa pessoa?”.
Caso seja extrafamiliar: “Como foi que você ficou conhecendo essa
pessoa?”.
• “Em que parte da casa ocorreu?”
Pergunta transformada: “Me fale como era o local em que ocorreu
[especificar o evento]. Me conte tudo o que você se lembra sobre o
momento em que [especificar o evento]”.
• Solicitação de acareação quanto a depoimento anterior
Não constitui boa prática da entrevista confrontar ou acarear informações
prévias da criança.
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6. FATORES QUE PODEM INFLUENCIAR A ENTREVISTA
61
6.3 AMBIENTE FÍSICO
62
7. CONCLUSÃO
63
REFERÊNCIAS
64
LAMB, M. E. et al. Structured forensic interview protocols improve the quality
and informativeness of investigative interviews with children: A review of
research using the NICHD Investigative Interview Protocol. Child Abuse Negl., v.
31, p. 1201-1231, 2007. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2180422/pdf/nihms35447.pdf.
Acesso em: 14 jan. 2022.
65
TJMG. Depoimento especial um novo paradigma para a justiça infantojuvenil.
Cadernos da COINJ, 2019. Disponível em:
https://www.tjmg.jus.br/data/files/4F/95/19/69/2E84561053B04356B04E08A8/Ca
derno%202.pdf. Acesso em: 14 jan. 2022.
66