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UNIJUI - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL

HANNA BAUER RIEGER

AMICUS CURIAE: DA ORIGEM AO NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL

Ijuí (RS)
2015
2

HANNA BAUER RIEGER

AMICUS CURIAE: DA ORIGEM AO NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação


em Direito objetivando a aprovação no
componente curricular Trabalho de Curso - TC.
UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul
DCJS − Departamento de Ciências Jurídicas e
Sociais

Orientador: Dr. Doglas Cesar Lucas

Ijuí (RS)
2015
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Dedico este trabalho a meu pai Magnus,


pelas boas lembranças de dias felizes; à minha
mãe Denise, por sua perseverança e força e por
iluminar meu caminho; e à minha irmã Sofia,
pelo companheirismo e amor.
4

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha mãе Denise, a heroína quе mе dеu apoio, incentivo e fôlego nаs horas
difíceis, de desânimo е cansaço, além de todo o amor e cuidado ao longo da vida. Eu não seria
nada sem você.

Aos mеus avós, Marlene e Hélio, Juni e Nelson, que mesmo com todas аs dificuldades
sempre se dispuseram a me ajudar, da mesma forma que toda a minha família, e a todos meu
agradecimento cheio de gratidão.

Obrigada à minha irmã Sofia, por sua paciência, pelo companheirismo e amor, apesar
da distância e das nossas diferenças: sempre estaremos juntas.

Agradeço com carinho ao meu noivo João Guilherme, por estar ao meu lado, por não
medir esforços para me amparar e por torcer sempre pelo meu sucesso.

Meus agradecimentos também аоs meus amigos, companheiros de trabalho e colegas


de curso quе fizeram parte dа minha formação, os quais o Direito me apresentou e que vão
continuar presentes еm minha vida.

Agradeço ao meu orientador Doglas, pela dedicação, apoio е confiança, bem como à
esta Universidade, sеu corpo docente, direção е administração, os quais oportunizaram o meu
crescimento pessoal e profissional, fundado nо mérito е na ética aqui presentes.
5

“Se, na verdade, não estou no mundo para


simplesmente a ele me adaptar, mas para
transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem
um certo sonho ou projeto de mundo, devo
usar toda possibilidade que tenha para não
apenas falar de minha utopia, mas participar de
práticas com ela coerentes”.
(Paulo Freire)

“Se as coisas são inatingíveis...ora!


Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas.”
(Mario Quintana)
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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise do Amicus Curiae


enquanto instrumento de democratização das decisões judiciais. Aborda-se detalhadamente a
origem, os objetivos e as formas de intervenção, delineando a atuação do amigo da corte no
direito estrangeiro e internacional, bem como a sua integração ao direito pátrio, ao longo do
tempo e das legislações, até o recente e inovador Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015).
Além disso, busca-se conceitua-lo, caracterizando-se suas formas de intervenção e delimitando
seus poderes e direitos, enquanto terceiro enigmático. Analisa, ainda, de forma breve, a
intervenção do instituto, através de jurisprudências, no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Palavras-Chave: Amicus Curiae. Processo Civil. Intervenção de Terceiros. Justiça.


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ABSTRACT

This monographic research aims to analyze the Amicus Curiae as an instrument to


democratize the juridical decisions. Thus are presented in details it’s origins, objectives and
intervention tactics, detailing it’s acting in the international law, as well the integration in the
local juridical order (historically and by the statutory laws) up until the Brazilians’ Civil
Procedure Code (Law number 13.105/2015). Furthermore this research aims to define the
Amicus Curiae, characterizing it’s intervention tactics and delimiting it’s powers and rights as
a third party. Also, briefly analyze, by jurisprudences, the institute’s intervention in the
Supreme Court and the Rio Grande do Sul State’s Court of Justice.

Keywords: Amicus Curiae. Civil Procedure. Third party intervention. Justice.


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................09

1 1 AMICUS CURIAE: ORIGENS, REFERÊNCIAS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA........11


1.1 A origem do instituto.........................................................................................................11
1.2 O Amicus Curiae no direito estrangeiro e no direito internacional...............................13
1.3 O Amicus Curiae no direito brasileiro: histórico e previsões legais..............................15

2 CONCEITOS, CLASSIFICAÇÕES E LIMITES INTERVENTIVOS DO AMICUS


CURIAE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ......................................................................24
2.1 Em busca de um conceito..................................................................................................24
2.2 Natureza Jurídica..............................................................................................................25
2.3 Classificação.......................................................................................................................28
2.4 Limites, momentos e direitos da intervenção...................................................................31

3 3 O AMICUS CURIAE NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA....................................37


3.1 Uma breve análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).................38
3.2 Uma breve análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul (TJ/RS) .........................................................................................................................44

CONCLUSÃO.........................................................................................................................48

REFERÊNCIAS......................................................................................................................50
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INTRODUÇÃO

Assunto bastante atual na sociedade brasileira, principalmente pelos estudiosos das


ciências política e jurídica, o instituto do Amicus Curiae, que já era aceito por muitos países
pela sua função colaborativa, e que já vinha sendo aceito pela doutrina e jurisprudência pátrias
há algumas décadas, é importante instrumento de democratização da jurisdição, visto que
permite a intervenção da sociedade por meio de pessoas, físicas ou jurídicas, e organizações,
no processo civil brasileiro e na busca do ideal de justiça. Estudá-lo é, agora mais do que nunca,
visto que previsto pelo Novo Código de Processo Civil (Lei. nº 13.105/2015), necessário para
os operadores do direito, além de importante, inclusive, para a nação brasileira que, com a
inovação, poderá participar mais ativamente nas discussões atinentes à justiça e ao bem comum,
trazendo ao judiciário os princípios morais e éticos que prevalecem na sociedade atual.

Mais do que uma forma de renovar a ideia de democracia em meio ao direito positivo,
objetivo esse que é inafastável de todo Estado erigido com base no princípio democrático, a
previsão legal da participação do Amicus Curiae no processo civil brasileiro, cria certa
esperança em um país melhor através de uma justiça mais coerente com as necessidades do
povo e suas expectativas.

Tais circunstâncias serão brevemente abordadas no presente estudo, o qual se estrutura


em três etapas. Inicialmente, para um melhor entendimento da matéria, é de fundamental
importância tecer concisas considerações acerca da origem e do histórico do instituto no direito
estrangeiro e internacional, bem como sua absorção e evolução no direito pátrio, através das
recentes legislações e inovações jurisprudenciais.
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Posteriormente, busca-se chegar a conceitos, analisando o entendimento de renomados


autores, esclarecer as poucas e divergentes classificações doutrinárias acerca da intervenção,
além de estabelecer os limites interventivos do amigo da corte na legislação brasileira.

Por fim, faz-se uma breve análise da participação do Amicus Curiae na jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal (STF), no controle de constitucionalidade das normas, destacando
o papel democrático desse terceiro na busca pela legitimação das decisões, bem como uma
superficial análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
(TJ/RS), onde ainda não há uniformidade e total aceitação do instituto.

A presente pesquisa objetiva, dessa forma, trazer ao debate acadêmico esse instituto tão
importante para a democracia e para a justiça do país, sobretudo diante de sua significativa
inclusão no processo civil brasileiro, oriunda da Lei 13.105/2015, que é a intervenção do
Amicus Curiae em todos os graus de jurisdição.
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1 AMICUS CURIAE: ORIGENS, REFERÊNCIAS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O termo Amicus Curiae deriva do latim e significa, literalmente, Amigo da Corte. Esse
instituto é, ainda, pouco conhecido pela sociedade brasileira, mas vem sendo assunto bastante
discutido pelos estudiosos das ciências política e jurídica, já que o novo Código de Processo
Civil, sancionado no início do corrente ano, inovou ao trazer, de forma expressa, a figura do
Amicus Curiae à legislação brasileira.

Para o entendimento de tal instituto é necessário, de início, a análise de suas origens e das
referências do instituto, ao longo do tempo, no direito estrangeiro, supralegal e, principalmente,
na legislação brasileira. Além disso, far-se-á, para a compreensão desse tipo de intervenção
processual, a classificação do instituto, indicando suas espécies, limites e características.

1.1 A origem do instituto

A origem do Amicus Curiae não se encontra pacificada entre os historiadores e


doutrinadores do Direito. Sabe-se que essa forma de intervenção, porém, existe desde os tempos
mais remotos e foi importante na formação da justiça de diversas civilizações.

Há notícia de que suas raízes se encontram no direito romano, conforme afirma Del Prá
(2001, p. 25), esclarecendo que com uma conformação diversa da que encontramos atualmente,
mas há outros indícios que apontam ter o instituto sua origem no direito inglês medieval, eis
que sua previsão já se encontrava nos chamados Year Books Ingleses, nos séculos XIV a XVI.

Nesse contexto, os doutrinadores que sustentam que a origem do instituto é o Direito


Romano, o fazem com base no histórico de que em Roma os julgadores possuíam auxiliares,
de suas confianças, e que juntos constituíam o que se chamava por consilium, com funções
consultivas nas mais diversas áreas do conhecimento, como economia, política e religião.
Bueno (2011, p. 88) cita:

Giovani Criscuoli, contudo, mostra-se bastante cético quanto às origens


romanas do instituto. Para ele, o que pode ser sustentado é que o amicus curiae
teria derivado do consilliarius romano e que foi a partir dela que o sistema
inglês incorporou e desenvolveu a figura, adaptando-a para suas próprias
necessidades de acordo com as características, ainda em evolução, de seu
próprio sistema jurídico.
12

Outros autores, contudo, afirmam que o instituto é originário do sistema da common law
inglês, de forma mais sistemática, onde o Amicus era auxiliar das Cortes, com a função de
indicar qualquer erro de posicionamento e trazer precedentes desconhecidos ou ignorados pelos
julgadores.

Sobre esse posicionamento, Bueno (2008, p. 90, grifos do autor) informa que, no direito
inglês, em causas em que não havia interesse governamental, o amicus curiae comparecia
perante as Cortes na qualidade de attorney general ou de counsels, para apontar e sistematizar
eventuais precedentes (cases) e leis (statutes) que, por qualquer razão, pudessem ser
desconhecidos pelos julgadores de determinados casos concretos.

No mesmo sentido, Del Prá (2011, p. 25) esclarece que o Amicus Curiae cumpria um
papel meramente informativo e supletivo, mas de clara importância no direito inglês daquela
época, já que apontava precedentes jurisprudenciais não ventilados pelas partes, atuando em
benefício de menores, e, principalmente, frisando certos fatos relevantes do caso, como o erro
manifesto, a morte de uma das partes, o descumprimento do rito processual ou a existência de
norma específica para a matéria debatida.

Dessa forma, o instituto surgiu, ao longo da história, para auxiliar a Corte em questões
tanto de fato quanto de direito, e por isso recebeu esse nome, Amicus Curiae, o amigo da corte.

Essa intervenção do Amicus Curiae desenvolveu-se para o que se conhece


hodiernamente, entretanto, a partir da absorção pelo direito norte-americano, onde o instituto
ganhou conformações e características distintas das até agora analisadas. Del Prá (2011, p. 27),
sobre isso, aduz que:

Com o tempo, e sobretudo a partir de sua absorção pelo direito norte-


americano, o instituto passou gradativamente a deixar de ser instrumento de
um terceiro desinteressado, para assumir uma função mais comprometida.
Houve, portanto o abandono da original neutralidade de sua função, passando
o amicus curiae a assumir uma função mais parcial, interessada.

Atualmente, essa neutralidade característica do instituto nos tempos passados, deixou


de ser regra, e hoje a realidade muda de Estado para Estado, de caso para caso e de processo
para processo.
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1.2 O Amicus Curiae no direito estrangeiro e internacional

Bueno (2008, p. 92, grifo nosso) cita que na Inglaterra a atuação dos Amici (Amicus no
plural) é restrita aos casos em que o Attoney General (função que para o direito brasileiro é
exercida pelo Procurador Geral da República ou pelo Advogado Geral da União) atua em juízo
em prol de interesses públicos ou para a tutela dos interesses da Coroa inglesa.

Nos Estados Unidos da América, diz-se que a primeira aparição do Amicus Curiae foi
em 1812, no caso “The Schooner Exchange vs. McFadden” quando o Attoney General foi
admitido em juízo para esclarecer questões referentes à Marinha e de que ele tinha grande
conhecimento. Com o passar do tempo, os casos de intervenção de entes públicos (Amici
governamentais) passou a ser comum naquele Estado, quando, então, no início do século XX a
jurisprudência passou a aceitar a intervenção de particulares (amici privados ou litigantes) com
interesse na tutela de direitos privados, o que causou, e ainda causa, bastante divergência entre
os juristas norte-americanos.

Del Prá (2011, p. 33), sobre os limites e as características da intervenção do Amicus


Curiae no direito norte-americano expõe:

Interessante notar que a participação do amicus curiae nos EUA, dar-se-á


somente nas Supremas Cortes, federais e estaduais, e nos tribunais de
apelação, mas nunca nas instâncias inferiores. Ademais, muito embora sua
participação se destine a “ajudar a corte”, o amicus curiae age em auxilio a
uma das partes [...] Como já anunciado alhures, nos países de cultura jurídica
anglo-saxônica (e sobretudo nos EUA), a função do amicus curiae há muito
deixou de ser neutra, constituindo verdadeiro ato de “advogar” em favor de
uma das partes.

Outrossim, a Suprema Corte dos Estados Unidos regulamentou, em sua Rule (regra) 37,
em 1998, que é admissível a intervenção do amicus curiae desde que este traga à Corte matéria
relevante, ainda não ventilada pelas partes e que seu conhecimento seja, de alguma forma, útil
para a Corte, e ainda acrescenta que o principal objetivo da figura é de auxílio à Corte, de forma
que resta vedada sua admissão nos casos em que a intervenção pudesse sobrecarregar a Corte.

Já na França, a Corte de Apelação de Paris admitiu, de forma pioneira naquele Estado,


a participação do Amicus Curiae em dois julgamentos no ano de 1988, dando ensejo para que
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a Corte de Cassação também admitisse o instituto no ano de 1991. Tais admissões foram
fundadas no entendimento de que ao juiz é livre a investigação de elementos para seu próprio
convencimento e para o proferimento da sua decisão, eis que essa é a previsão do Código de
Processo Civil francês nos arts. 179 a 183 (DEL PRÁ, 2011, p. 33, grifo nosso).

Importante destacar que a função desempenhada pelo interveniente na França, de acordo


com Del Prá (2011, p. 34), é muito parecida com a desempenhada na antiguidade, isso porque
age como verdadeiro amigo da corte, em sua fisionomia original, sem interesses próprios.

Nos mesmos moldes, na Itália o instituto é tido como um instrumento que está sempre
à disposição do julgador, de forma que é considerado “esperti in una determinata arte o
professione” conforme destaca Del Prá (2011, p. 35, grifo nosso). É de se destacar que a
pretensão principal do Amicus Curiae no direito italiano é trazer benefícios à justiça, de forma
desinteressada, no sentido de que o interveniente não traz implícitos interesses próprios ou de
pessoas por ele representadas.

Na Argentina, diversamente, havia entendimento de que a intervenção desse terceiro,


lá chamado de asistente oficioso, só era admissível nos casos em que havia disposição legal
expressa nesse sentido. Na década de 90, contudo, dois organismos internacionais de direitos
humanos foram admitidos em um feito que tratava de crimes contra a humanidade, ocorridos
durante a ditadura militar. Após esse precedente, muitos outros casos de intervenção foram
observados e a sua utilização passou a ser largamente reconhecida no país, com papel
importante no âmbito da democracia, nas palavras de Del Prá (2011, p. 37, grifo nosso):

O que impende notar, primeiramente, é que a participação do amicus curiae


na Argentina pareceu comportar função mais abrangente e alargada do que
aquela verificada na França e na Itália. Enquanto nesses países, e pelo menos
em um primeiro momento, o “amigo da corte” era instrumento apenas de
busca da verdade pelo juiz, na Argentina ele revelou-se também de extrema
importância para a democratização do processo, porquanto possibilitou a
participação de organismos não só em benefício da própria corte, mas
sobretudo em exercício de um direito de ativa participação democrática.

Por essa razão, na Argentina, a Corte Suprema de Justiça da Nação editou, em 2004,
norma interna (Acordada 28/2004) que autorizou a participação de um terceiro na qualidade de
Amicus Curiae, denominando-o de “Amigo del Tribunal” e regulamentando detalhadamente a
figura, da mesma forma que o Tribunal Superior de Justiça da cidade de Buenos Aires já havia
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feito no ano 2000. Assim, naquele país há real identificação do instituto como efetiva forma de
participação ativa e voluntária dos cidadãos na Justiça.

Nos ordenamentos internacionais, na mesma esteira, houve gradativa, mas rápida,


identificação entre a função desempenhada pelo amicus e a função desempenhada pelas
instancias internacionais de controle, jurisdicionais e regulatórias. Há, inclusive, previsão
expressa da possibilidade desse tipo de intervenção nos acordos e tratados internacionais.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, criada pela Convenção que é conhecida


como Pacto de San José da Costa Rica, por exemplo, que abrange o Brasil e mais 24 países,
autoriza a manifestação de terceiros em busca da verdade real. Essa participação é de suma
importância, considerando que as violações a direitos humanos rompem as barreiras territoriais
e acabam por atingir toda a humanidade.

1.3 O Amicus Curiae no direito brasileiro: histórico e previsões legais

O Amicus Curiae teve sua primeira aparição no ordenamento jurídico brasileiro de forma
muito singela quando a Lei 6.835 de 07/12/1976, que disciplina o mercado de valores
mobiliários, foi alterada pela Lei 6.616 em 1978, e passou a prever, em seu art. 31, que nos
processos judiciais onde o objeto central seja de fiscalização e competência da Comissão de
Valores Mobiliários (CVM), esta será sempre intimada para, entendendo necessário, intervir no
feito.

Essa forma de intervenção trazida pela legislação se justificou por serem as questões
relacionadas ao mercado mobiliário consideradas de extrema relevância, a ponto de possibilitar
que o julgador pudesse obter informações e esclarecimentos importantes que, considerando a
formação média do magistrado, pudessem passar despercebidas por ele e assim restasse
prejudicada sua decisão.

Todavia, Del Prá (2011, p. 59) ressalta que essa intervenção da CVM não se identifica
de forma completa com o que entendemos por Amicus Curiae nos dias atuais. Havia, sim, na
Lei 6.835/76 a previsão de uma participação voluntária (já que a intimação era obrigatória, mas
a manifestação era apenas uma faculdade da autarquia) de um terceiro que, até certo ponto,
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caracterizava-se por desinteressado juridicamente, mas faltava-lhe um dos atributos principais


do amigo da corte: a função democrática.

Pode-se dizer, nesse diapasão, que a primeira hipótese de previsão legal do Amicus
Curiae no direito brasileiro foi em 1978, com terminologia distinta, mas com características
próprias que já o diferiam da intervenção de terceiros prevista no Código de Processo Civil
(CPC).

Nos mesmos moldes, mas alguns anos depois, o amigo da corte reapareceu no
ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 8.884 de 11/06/1994, a qual transformou o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia Federal e dispôs sobre
as formas de prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.

A referida norma permitiu a intervenção do CADE em processos em que se discutia a


aplicação da própria lei, e cujas matérias tratadas fossem de apreciação obrigatória da autarquia,
haja vista seu poder de polícia no setor econômico, fixado pela própria Constituição Federal
(CF) brasileira.

O Art. 89 da Lei 8.884/94, que foi revogado pela Lei nº 12.529/2011 (a qual passou a
tratar do assunto da mesma maneira no seu Art. 118), previa que “nos processos judiciais em
que se discuta a aplicação desta lei, o CADE deverá ser intimado para, querendo, intervir no
feito na qualidade de assistente”. Frisa-se, por oportuno, que o termo “assistente”, empregado
pelo legislador, não tem correspondência com a modalidade de assistência regulada pelo CPC
no art. 50 e seguintes, porque no diploma processual civil está presente o interesse jurídico
subjetivo do assistente, e o CADE intervém apenas como fiscal da lei, de forma impessoal, com
o intuito de auxiliar o juízo na solução das questões econômicas e concorrenciais (DEL PRÁ,
2011, p. 64).

A terceira manifestação reconhecida do instituto foi a previsão do art. 49 da Lei 8.906


de 04/06/1994, que permitiu que as autoridades no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), isso é, Presidentes dos Conselhos e das Subseções, pudessem intervir em inquéritos e
processos onde figurassem, em qualquer dos polos, pessoas inscritas na OAB. Para Bueno
(2008, p. 342), o objetivo da intervenção do órgão é claramente perceptível, pois “a OAB não
atua em nome do advogado, mas em prol da defesa, administrativa ou judicial, das prerrogativas
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profissionais dele, de seu múnus público [...]” e por isso pode ser equiparada à figura de Amicus
Curiae.

Ainda dentre as primeiras previsões do instituto, está a intervenção do Instituto Nacional


de Propriedade Industrial (INPI) nas causas em que sua participação é obrigatória, a qual está
regulada nos arts. 57 e 175 da Lei 9.279 de 14/05/1996, que estabelecem:

Art. 57. A ação de nulidade de patente será ajuizada no foro da Justiça Federal
e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito.

Art. 175. A ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da justiça federal
e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito.

Sobre a referida lei, há discordância entre os autores no tocante à qualidade que o órgão
assume ao intervir nos processos, com base na interpretação dos artigos citados. A corrente que
entende que o INPI seria um litisconsorte necessário o faz com base na obrigatoriedade de
participação do órgão no feito, o que não é característica da assistência processual propriamente
dita, bem como na falta de vinculação do órgão a qualquer das partes litigantes e na submissão
do interventor à decisão proferida.

Del Prá (2011, p. 67-69), pelo contrário, aduz que as únicas hipóteses de litisconsórcio
necessário são aquelas expressas por disposição legal ou decorrentes da natureza da relação
jurídica, afastando a possibilidade de o INPI figurar como tal. No entanto, o autor também
rechaça a ideia de que o órgão agiria como o assistente regulado pelo CPC, pois no presente
caso inexiste voluntariedade e não há interesse jurídico ou auxílio a qualquer das partes
litigantes.

Bueno (2008, p. 305-306, grifo do autor) acrescenta dizendo que:

Aqui também, portanto, a exemplo do que se dá em outras hipóteses em que a


lei processual civil brasileira “insinua” a existência de uma figura que, aqui,
chamamos de amicus curiae, isto é, em que se deixa entrever a existência
dessa figura, o legislador terá entendido ser oportuna a intervenção de alguém
que domine as regras próprias e técnicas daquele específico ramo do direito
para viabilizar ao magistrado o proferimento de uma decisão que,
objetivamente, melhor atenda (melhor tutele) o específico direito material
envolvido na questão.
18

Pode-se concluir, portanto, que a situação do INPI se assemelha à do CVM e à do


CADE, que intervêm, apesar da nomenclatura utilizada e de suas particularidades, como
verdadeiros Amici Curiae, prestando informações e esclarecimentos ao juízo, de forma
descomprometida em relação às partes, mas comprometida com sua função institucional.

Outrossim, cabe a ressalva de que

a figura do amicus curiae no direito positivo brasileiro, até esse momento


histórico, representava vantagem para a atividade jurisdicional apenas no
sentido técnico-processual. Ou seja, o auxílio das informações trazidas pela
CVM, pelo CADE e pelo INPI [da mesma forma que o auxílio prestado pela
OAB] possibilita ao juiz obter melhor desempenho na construção da decisão
[...] Sua outra faceta, a de instrumento de participação democrática, ainda não
havia sido encampada pelo legislador brasileiro, o que somente veio a ocorrer
no âmbito do controle de constitucionalidade [...] (grifo nosso).

Pouco tempo depois, a Lei 9.868 de 10/11/1999, que dispõe sobre o processo e
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e da Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADECON) perante o Supremo Tribunal Federal (STF), previu a
possibilidade de manifestação de órgãos ou entidades na ADI, assim dispondo:

Art. 7º Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de


inconstitucionalidade.
§ 1º (VETADO)
§ 2º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos
postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo
fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

Necessário se faz o exame de alguns tópicos, no entanto, sobre tal previsão legal. O
caráter das ações para o controle de constitucionalidade, como é o caso da ADI, revestem-se de
caráter objetivo, isso é, não se admite a propositura para a defesa de interesses subjetivos, mas
tão-somente a verificação abstrata da conformidade da norma infraconstitucional com a CF e
nesse sentido é a vedação do caput do art. 7º transcrito. Além disso, o legislador tomou o
cuidado de usar os termos “outros órgãos e entidades” no parágrafo segundo, para delimitar a
intervenção, e estabeleceu mais, é necessária também a relevância da matéria debatida e a
representatividade dos postulantes, como bem destaca Del Prá (2011, p. 84-85).

Assim, na ADI, o terceiro atuará como Amicus Curiae desde que cumpra os requisitos
previstos na Lei 9.868/99, e isso se dará de forma voluntária ou mediante requisição do relator,
19

hipótese essa que, consoante afirmação de alguns autores, poderão intervir não apenas “outros
órgãos ou entidades”, mas todo aquele que, no entendimento do relator, puder agir em benefício
da causa e da corte.

No mesmo sentido, a Lei 9.868/99 trazia em seu texto inicial o art. 18, §2º, com idêntico
teor do artigo 7º, §2º, supracitado, o qual tratava especificamente da possibilidade de
intervenção do amigo da corte na ADECON, mas tal disposição acabou sendo vetada do texto
legal. No entanto, por questão de isonomia e aplicação analógica, o entendimento dos autores
é de que a intervenção de Amici Curiae na ADECON é completamente possível, já que sua
participação é autorizada na ADI e o resultado/objetivo de ambas as ações é a mesma: analisar
a (in)constitucionalidade de norma infraconstitucional e legitimá-la (DEL PRÁ, 2001, p. 90-
91).

Ainda no tocante ao controle concentrado de constitucionalidade, a Lei nº 9.882, de


03/12/1999, que dispõe sobre o processo e o julgamento da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF), admitiu a manifestação “em audiência pública, de pessoas com
experiência e autoridade na matéria”, de acordo com seu art. 6º, §1º. Contudo, diferente do caso
da ADI e da ADECON, na ADPF tal intervenção somente ocorrerá por requisição do relator,
mas cabe a ressalva que nessa ação qualquer interessado terá legitimidade para tanto.

Medina (2010, p. 27) acrescente que

[...] a figura do amigo da corte surge como uma forma de abertura


procedimental do STF, sem implicar o aumento da já excessiva carga de
processos que a suprema corte lida no seu dia a dia. Cada amicus curiae
admitido em um processo pode significar inúmeros processos a menos, o que
também contribuirá para a administração da justiça.

Em suma, o Amicus Curiae é importante figura de legitimação nos processos que visem
o controle concentrado de constitucionalidade, uma vez que permite a participação ativa da
sociedade, por meio de entidades, órgãos, grupos e instituições, que expõem os princípios e
valores da maioria e, assim, o conceito de democracia participativa no Brasil recebe nova
conotação, e a administração da justiça acaba favorecida.

O termo permanecia citado apenas nas doutrinas brasileiras até que, em 17/09/2004, a
Resolução nº 390 do Conselho da Justiça Federal, que dispõe sobre o regimento interno da
20

Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudências dos Juizados Especiais Federais, trouxe


expressamente, em seu art. 23, o termo Amicus Curiae:

Art. 23. As partes poderão apresentar memoriais e fazer sustentação oral por
dez minutos, prorrogáveis por até mais dez, a critério do presidente.
§ 1º O mesmo se permite a eventuais interessados, a entidades de classe,
associações, organizações não governamentais, etc., na função de “amicus
curiae”, cabendo ao presidente decidir sobre o tempo de sustentação oral.
(grifo nosso).

Nessa esteira, a Lei 10.259, de 12/07/2011, dispôs sobre a instituição dos Juizados
Especiais Cíveis e Criminais na Justiça Federal e regulamentou o pedido de uniformização de
interpretação de lei federal em seu art. 14:

Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal


quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material
proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.
[...]
§ 7º Se necessário, o relator pedirá informações ao Presidente da Turma
Recursal ou Coordenador da Turma de Uniformização e ouvirá o Ministério
Público, no prazo de cinco dias. Eventuais interessados, ainda que não sejam
partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de trinta dias. (grifo
nosso).

Sem dúvida, essa inovação expressa no parágrafo supracitado é fruto da tendência


observada nas ações de controle de constitucionalidade, a que se analisou anteriormente.
Ademais, quanto à abertura da sociedade de interpretes do ordenamento jurídico brasileiro, esse
também foi fator importante, já que cada cidadão, sozinho ou de forma indireta ou representada,
poderá intervir nos incidentes de interpretação e uniformização de leis federais.

Por fim, mas quiçá a previsão legal mais importante e aguardada quando o assunto é
Amicus Curiae, foi a promulgação da Lei 13.105, em 16/03/2015, o novo Código de Processo
Civil, que entrará em vigor um ano depois de sua publicação, e traz em seu texto o seguinte
artigo, localizado no Livro III – Dos Sujeitos do Processo, Título III - Intervenção de Terceiros,
no Capítulo V – DO AMICUS CURIAE:

Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a


especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da
controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das
partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação
21

de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com


representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.
§ 1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência
nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos
de declaração e a hipótese do § 3º.
§ 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a
intervenção, definir os poderes do amicus curiae.
§ 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de
resolução de demandas repetitivas. (grifo nosso)

Essa é a primeira vez em que o legislador usa, no ordenamento jurídico brasileiro


(desconsiderando a Resolução nº 390/2004 do Conselho da Justiça Federal), o termo derivado
do latim, Amicus Curiae, para se referir ao instituto estudado, afastando qualquer possibilidade
de interpretação diversa para a intervenção. Para a doutrina, que já escreve sobre a novidade, a
intervenção passou a ser possível em qualquer processo, de forma que se generalizou a
intervenção do Amicus Curiae e se ampliou o rol de aptos a agirem como tal (DIDIER JR.,
2015, p.523).

Importante frisar, contudo, que o legislador impôs requisitos a essa manifestação,


estabelecendo ser necessário, de forma conjunta, a existência de relevância da matéria, a
especificidade do tema objeto da demanda e a repercussão social da controvérsia, conforme
exposto no próprio caput do artigo.

Do mesmo modo, o legislador determinou quem poderá atuar sob esta veste: “pessoa
natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada”, sem,
entretanto, restringir a intervenção a ponto de dificultá-la, permitindo inclusive a pessoa natural
de se manifestar, o que merece destaque.

Neves (2015, p. 137), sobre a nova lei, esclarece que

Exige-se nesse caso a existência de representatividade adequada, ou seja, que


o terceiro demonstre ter um interesse institucional na causa, não sendo
suficientes interesses meramente corporativos, que digam respeito somente ao
terceiro que pretende ingressar na ação. Por interesse institucional
compreende-se a possibilidade concreta do terceiro em contribuir com a
qualidade da decisão a ser proferida, considerando-se que o terceiro tem grade
experiência na área à qual a matéria discutida pertence. A pessoa jurídica deve
ter credibilidade e tradição de atuação a respeito da matéria que se discute,
enquanto da pessoa natural se espera reconhecido conhecimento técnico sobre
a matéria. Ainda que sejam conceitos indeterminados, dependentes de grande
dosagem de subjetivismo, são requisitos que se mostram importantes para
22

evitar a admissão de terceiros sem efetivas condições de contribuir com a


qualidade da prestação jurisdicional.

Entretanto, o Fórum Permanente de Processualistas Civis, em reunião realizada no Rio


de Janeiro entre os dias 25 e 27 de abril de 2014, aprovou o seguinte enunciado: “127. A
representatividade adequada exigida do amicus curiae não pressupõe a concordância unânime
daqueles a quem representa”. Deixando claro que, muitas das vezes, apesar de reconhecida a
representatividade de órgão ou entidade, suas opiniões não refletem a opinião de todos aqueles
que estão por trás dessa manifestação.

O Fórum ainda complementou dizendo, no Enunciado 128, que “no processo em que há
intervenção do amicus curiae, a decisão deve enfrentar as alegações por ele apresentadas, nos
termos do inciso IV do § 1º do art. 499”. Isso porque, nos termos no art. 138, §2º, do novo CPC,
o legislador estabeleceu que “caberá ao juiz ou ao relator [...] definir os poderes do amicus
curiae” e, dessa forma, a regra poderá ser amplamente discutida. Contudo, importante registrar
que o órgão julgador não fica vinculado à manifestação do Amicus Curiae, até porque há a
possibilidade de admissão de mais de um terceiro nesse papel, e cada um deles poderá defender
interesses contrapostos aos dos outros, conforme destaca Didier Jr (2015, p. 526).

Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery (2015, p. 576-577, grifo do autor), em
seus comentários ao novo CPC, destacam, outrossim, que o Amicus Curiae não está equiparado
à parte ou ao terceiro tradicionalmente considerado, “isto porque não tem interesse jurídico na
causa, o que caracteriza a intervenção de terceiros clássica. A situação do Amicus Curiae é de
interventor anódino (ad adiuvandum), sem interesse jurídico”. E acrescentam que “a razão pela
qual não há delimitação dos poderes processuais [...] está no fato de se tratar de um auxiliar do
juízo”.

Ademais, além da previsão genérica do art. 138, a Lei 13.105/15 autoriza sua
intervenção em outros casos, como na propositura de ação rescisória nos casos em que era
obrigatória sua intimação (art. 967, IV), no incidente de arguição de inconstitucionalidade em
tribunal (art. 959, §§ 1º ao 3º), no procedimento de análise da repercussão geral em recurso
extraordinário (art. 1.035, §4º) e nos julgamentos de recursos extraordinários ou especiais
repetitivos (art. 1.038).
23

A forma como a nova regra será recepcionada pelos tribunais, inferiores ou superiores,
e pelas instâncias inferiores, ainda é uma incógnita para a sociedade jurídica, que só tem a
aguardar a vigência da lei para saber como será sua admissibilidade, o quanto significará para
a nova maneira de processamento das lides, e os desdobramentos e consequências dessa
novidade no processo civil.

Diante do exposto, arroladas as hipóteses de intervenção do amigo da corte no


ordenamento jurídico brasileiro, desde 1978 quando da sua primeira intervenção, disfarçada,
até os dias atuais, com o novo CPC, percebe-se que o instituto progrediu consideravelmente e
conquistou importância destacável do Direito Processual pátrio.
24

2 CONCEITO, CLASSIFICAÇÕES E LIMITES INTERVENTIVOS DO AMICUS


CURIAE

Uma vez que não há, ainda, regras e estudos aprofundados do assunto, conceituar o
instituto do Amicus Curiae é tentar conciliar entendimentos doutrinários dissonantes e por vezes
contrários, da mesma forma que tentar classifica-lo e definir seus limites, de forma satisfatória,
ainda não é juridicamente possível, diante das lacunas e entendimentos contraditórios existentes
atualmente. Entretanto, considerando a realidade brasileira do instituto, tecer-se-ão algumas
conclusões.

2.1 Em busca de um conceito

Da análise do histórico do instituto no ordenamento brasileiro, e da doutrina existente,


pode-se chegar ao conceito de Amicus Curiae no direito brasileiro como sendo um terceiro
(enigmático) especialmente interessado que, por iniciativa própria (intervenção espontânea) ou
por requisição judicial (intervenção provocada), manifesta-se em processo pendente com o
intuito de enriquecer o debate judicial sobre as mais diversas questões jurídicas, trazendo ao
ambiente judiciário os valores talvez dispersos na sociedade civil e no próprio Estado, os quais,
de uma forma mais ou menos intensa, serão afetados pela decisão que ali será prolatada, de
maneira a legitimar e pluralizar as decisões tomadas pelo Judiciário (DEL PRÁ, 2011; BUENO,
2008).

Define Medina (2010, p. 17/22) que

O amicus curiae é um terceiro que intervém em um processo, do qual ele não


é parte, para oferecer à corte sua perspectiva acerca da questão controvertida,
informações técnicas acerca das questões complexas cujo domínio ultrapasse
o campo legal ou, ainda, defender os interesses dos grupos por ele
representados, no caso de serem, direta ou indiretamente, afetados pela
decisão a ser tomada.
As evidencias empíricas sugerem que o amicus curiae contribui para o
aumento das alternativas interpretativas ao promover uma abertura
procedimental, bem como a pluralização da jurisdição constitucional.

De igual forma, Bisch (2010, p.17) expõe que

É usual definir o termo amicus curiae como o terceiro que intervém em


processos judiciais a fim de fornecer informações adicionais e relevantes aos
25

juízes da causa, ou mesmo pareceres sobre matérias de seu peculiar interesse


e sobre as quais tenha domínio, o que lhe atribui a denominação latina trazida
como “amigo da Cúria”, ou “amigo da Corte”. Com efeito, das definições
extraídas dos dicionários americanos Steven H Gifis e Black’s Law,
depreende-se a utilidade do instituto na hipótese de o juiz não estar convencido
ou estar equivocado em uma questão de direito, ou ainda na hipótese de o
Tribunal considerar válida a participação de indivíduos interessados na defesa
de determinada concepção jurídica, máxime quando verificado tema de vasto
interesse público.

Já nas palavras de Didier Jr. (2012, p. 420, grifo do autor),

o amicus curiae compõe, ao lado do juiz, das partes, do Ministério Público e


dos auxiliares da justiça, o quadro dos sujeitos processuais. Trata-se de outra
espécie, distinta das demais, porquanto sua função seja de auxilio em questões
técnico-jurídicas. Municia o magistrado com elementos mais consistentes para
que melhor possa aplicar o direito ao caso concreto. Auxilia-o na tarefa
hermenêutica.

Logo, o amigo da corte não atua em prol de um indivíduo ou uma pessoa singular, ele
age em prol de um interesse, que pode, até mesmo, não ser titularizado por ninguém, apesar de
ser compartilhado difusa ou coletivamente por um grupo de pessoas, as quais provavelmente
serão afetadas pelos efeitos da decisão prolatada. E essa é a razão que enseja a participação
desse terceiro como sujeito do processo, a circunstância de ser ele o legítimo portador de um
interesse que ultrapassa a esfera jurídica de um indivíduo e que, por isso mesmo, é um interesse
metaindividual, típico de uma sociedade pluralista e democrática.

2.2 Natureza jurídica

O enquadramento dogmático do Amicus Curiae no ordenamento brasileiro não é


unânime entre os doutrinadores, o que revela a dificuldade de situa-lo entre as espécies jurídicas
processuais. Observa-se que, a esse respeito, as correntes doutrinárias e jurisprudenciais se
contrapõem, de forma que algumas consideram o instituto como uma modalidade de assistência
qualificada, outras como uma forma de intervenção atípica de terceiros, e por fim as que o
conceituam como auxiliar do juízo ou sujeito processual.

Na lição de Didier (2012, p. 420), o amigo da corte integra o quadro dos sujeitos
processuais, ao lado do magistrado, das partes e dos auxiliares. Entretanto, cabe destacar que o
Amicus não postula ou apresenta pedidos, não possui titularidade da relação jurídica e tampouco
26

possui ônus, poderes ou deveres, e por tais razões, não pode ser equiparado às partes do
processo. Da mesma forma, não podem ser igualados aos auxiliares, visto que estes estão
investidos do múnus públicos, sob a autorização do juiz, não tendo vínculo ou qualquer afetação
com a decisão a ser prolatada, o que muitas vezes acontece com o amigo da corte, além de
estarem, apesar de não se tratar de rol taxativo, elencados no art. 139 do CPC (BRANDT
JUNIOR, 2011, p. 17-18).

Destaca, ainda, Didier (2012, p. 420) que a figura estudada não pode ser confundida
com os peritos, já que “esses têm a função clara de servir como instrumento de prova, e, pois,
de averiguação do substrato fático”, o que é complementado por Del Prá (2011, p. 82), quando
afirma que os peritos são submetidos a regime próprio estabelecido pelo CPC e tem natureza
jurídica singular, recebendo honorários e servindo como instrumento de prova no processo.

Além disso, diz-se que não pode ser sobreposto à figura do assistente, já que a
assistência se dá apenas de duas formas: simples, quando o assistente intervém na causa
auxiliando uma das partes, em desfavor da outra, com o intuito de influenciar a uma sentença
que lhe seja favorável; ou litisconsorcial, quando o terceiro não busca apenas uma sentença
favorável, mas passa a atuar efetivamente no processo e será diretamente afetado pela decisão
prolatada (BRANDT JUNIOR, 2011, p. 23). O Amicus Curiae, diferentemente, e a princípio,
busca apenas auxiliar o juízo ou esclarecer questões de fato e de direito, não sendo coadjuvante
de nenhuma das partes do processo.

Confirmando esse entendimento, Del Prá (2011, p. 64) afirma que não há essa igualdade
com o assistente pois este intervém voluntariamente, ao verificar que há interesse próprio, em
busca de algum benefício em sua própria esfera jurídica, o que não ocorre com o amigo da
corte, que atua em prol da coletividade, de um grupo ou instituição, ou até de interesses
eminentemente públicos, mas não em nome de interesse próprio.

Por sua vez, Morais (apud BISCH, 2010, p. 121), quanto ao papel de salvaguardar o
bom direito e a justiça, que muitos atribuem ao instituto, assevera que essa visão induziria a
dois erros: vislumbrar a atuação do Amicus Curiae como obrigatória, enquanto certo “fiscal da
lei”, e enquadrar o Ministério Público (MP) como Amicus Curiae nas lides em que atua como
custos legis. Assim, em sua visão, o Amicus seria um auxiliar de intepretação plural das questões
constitucionais, da mesma forma que Gontijo (apud BISCH, 2010, p. 121) o define como um
27

canal de comunicação entre a sociedade civil organizada e o Judiciário, além de ser uma
garantia institucional para os cidadãos poderem influenciar a tomada de decisões pelo STF.

Bueno (2008, p. 405/407), ao seu turno, analisa todas as posições doutrinárias e as


contrapõe, chamando-o de terceiro “enigmático” e asseverando que o amigo da corte pode ter
traços distintos, a depender da situação e do processo que se está a analisar, e da especialidade
do direito debatido ou da relevância política da causa. Destaca que é importante observar que
as alegações do Amicus são, ou deveriam ser, levadas em conta pelo magistrado na exata
proporção em que ele se mostrar confiável, idôneo, imparcial, neutro e respeitado no seu ramo
de atividade.

Outrossim, uma vez promulgada a Lei 13.105/2015, que incluiu o Amicus Curiae no
Capítulo V do Livro II, espaço reservado às modalidades de Intervenção de Terceiros,
Marinoni, Arenhardt e Mitidiero (2015, p. 209-211, grifo nosso) esclarecem que

O “amigo da Corte” é um terceiro [sim], representativo de certo grupo,


categoria ou interesse [...] O objetivo da intervenção é o aperfeiçoamento da
decisão judicial, subsidiando o magistrado e o processo com argumentos e
considerações mais profundas, para a adequada definição do litígio. Embora
não se exija imparcialidade do Amicus Curiae, a função de auxiliar do
Judiciário que lhe é inerente impõe, ao menos, que o amigo da corte não tenha
nenhum interesse jurídico (relação jurídica conexa ou dependente da relação
deduzida no processo) no feito, sob pena de essa intervenção transformar-se
em uma assistência escamoteada (art. 119 do [novo] CPC).

Pergunta-se, então,

é possível traçar um regime próprio para o Amicus Curiae no direito


brasileiro?
O que nos parece essencial e inadiável para responder a esta última indagação
é que examinemos quem é ou quem pode ser “terceiro”, analisando-o menos
como “pessoa” já dentro do processo e mais como portador de determinados
“direitos” ou “interesses” no sentido material, externo ao processo. A
dificuldade que o tema envolve, destarte, reside mais “fora” do que “dentro”
do processo. O que está “fora” do processo condiciona o que existirá, aquilo
que entra para “dentro” dele. O regime jurídico da atuação processual de um
terceiro, qualquer terceiro, define-se a partir daquela parcela do direito
(interesse) material, que é verdadeiramente condicionado por ela. Com o
Amicus Curiae não é diferente. (BUENO, 2008, p. 421) (grifo do autor).

Por conseguinte, mesmo diante da diversidade de opiniões e entendimentos doutrinários


e jurisprudenciais, pode-se chegar a conclusão de que o Amicus Curiae não é parte da relação
28

processual, também não possui equivalência com nenhum outro partícipe, de modo idêntico,
seja auxiliar ou assistente, cabendo defini-lo como um terceiro especial com características
próprias.

2.3 Classificação

Quanto às espécies e modalidades interventivas do Amicus Curiae, também não há


consenso entre doutrinadores e pensadores do direito, da mesma forma que é possível verificar
que as jurisprudências existentes são dissonantes e ainda não se aprofundaram no assunto a
ponto de se poder caracterizá-lo de forma pacífica.

Entretanto, seguindo o entendimento de Bueno (2008, p. 519/531), pode-se separá-los


em um sistema tripartite, que convive entre si, e esclarece alguns pontos: a) públicos (quiçá
governamentais) ou privados (particulares), dependendo de quem estará exercendo o papel; b)
de intervenção espontânea ou provocada, considerando a iniciativa de manifestação no
processo; e c) levando em conta a razão de sua intervenção, em vinculada, procedimental ou
livre.

No tocante ao primeiro critério, pode-se dizer que há casos em que o amigo da corte
será considerado como público, já que o interventor será uma pessoa ou um órgão do próprio
Estado, e por isso a doutrina norte-americana o chama de “governamental”. Em outras
situações, no entanto, esse terceiro poderá ser uma entidade privada, uma empresa, um
indivíduo, uma associação de classe, uma organização não governamental e até um grupo -
minimamente - organizado, casos em que será o Amicus Curiae entendido como particular ou
privado.

Cabe salientar, contudo, que os amici públicos, por mais que sejam governamentais, não
tutelam por interesses do governo, do Estado, pois para isso existem as advocacias públicas,
como a Advocacia Geral da União, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional ou as
Procuradorias dos Estados. O termo “público” é empregado de acordo com o regime jurídico
da pessoa interveniente, ou seja, pessoa jurídica de direito público. Exemplos desse tipo de
amigo da corte já admitidos no Brasil estão a União Federal e as demais pessoas de direito
público federal, estadual, municipal e distrital, através da Lei 9.469/97, a CVM, o INPI, o
CADE, e a OAB, nos termos das leis já citadas anteriormente nesse trabalho.
29

Bueno (2008, p. 523) destaca que, no Brasil, todos os casos em que a lei elege alguém
em específico para agir na qualidade de Amicus Curiae, a hipótese é de amicus curiae público
Talvez a causa de tal realidade seja que a principal intenção do legislador, que permitiu essa
intervenção (anômala ou sui generis, como destaca o autor), era a de trazê-los ao processo para
tutelar tão somente pelos interesses institucionais, que transcendem o litígio concreto, e não
para manifestarem-se por direitos seus, enquanto pessoas de direito público. Del Prá (2011, p.
70), no mesmo sentido, assevera que essas intervenções dos Amici públicos se devem ao seu
poder de polícia e à sua obrigatoriedade de fiscalização de determinadas situações que, muitas
das vezes, são discutidas no judiciário.

De acordo com a jurisprudência brasileira, no entanto, verifica-se a participação de


muitas organizações privadas como Amicus Curiae nas ações de controle de constitucionalidade
do STF. Bisch (2010, p. 122/128) cita que “90% dos pedidos de intervenção são feitos por
pessoas jurídicas, com preponderância de associações (40%) e de entidades sindicais (19%)”.
Elenca ainda, a autora, que nessa categoria situam-se as entidades religiosas, organizações não
governamentais (ONG) em prol dos direitos humanos e do meio ambiente, associações médicas
e científicas, organizações profissionais, e, entre outras, as entidades filantrópicas.

Já quanto à segunda classificação toma como fonte de referência as mesmas regras da


intervenção de terceiro, previstas no diploma de processo civil brasileiro, isso é pela iniciativa
de intervir. Assim, a intervenção será considerada provocada quando sua manifestação for
determinada pelo juiz, e será voluntária, ou espontânea, quando o próprio amicus ingressou, de
forma discricionária, no processo alheio a fim de se manifestar sobre o direito discutido.

Por oportuno, necessária a ressalva de que o termo “intervenção provocada” não é


sinônimo de intervenção compulsória, ou obrigatória, eis que, conforme leciona Bueno (2008,
p. 526, grifo do autor), “o que é compulsório ou obrigatório é a intimação para que o Amicus
Curiae se manifeste, e não sua intervenção propriamente dita”.

Na mesma linha, Del Prá (2011, p. 135, grifo do autor), sobre a intervenção provocada,
afirma que
30

os casos em que as normas jurídicas autorizam a participação do Amicus


Curiae, por requisição do juiz, ou do órgão julgador, constituem previsões de
participação de terceiros como auxiliares do juízo [...] Portanto, quaisquer
pessoas, inclusive grupos de pessoas, pessoas jurídicas ou entes
despersonalizados poderão manifestar-se como Amicus Curiae nas hipóteses
em que essa manifestação é requisitada pelo juiz, ou pelo órgão julgador.

Vale ressaltar que a intervenção será provocada mesmo quando requerida por uma das
partes litigantes, ou quando o juiz, apesar de não haver prescrição legal, sente a necessidade de
ouvir o que um terceiro conhecedor da matéria tem a dizer sobre a questão conflituosa do
processo. Por outro lado, a intervenção será espontânea se o amigo da corte vier aos autos por
iniciativa própria (comparecimento voluntário) mesmo nos casos em que a lei determine que
ele deva ser intimado para intervir, pois, como já referido, obrigatória é a sua intimação, e sua
manifestação é facultativa.

Por fim, a terceira forma de classificação trazida por Bueno (2008) é fundada na razão
pela qual o terceiro intervém como Amicus Curiae, e divide-se em intervenção vinculada,
procedimental ou atípica.

A intervenção vinculada é aquela em que as leis de regência específica descrevem


claramente o momento e as circunstancias em que o amicus deverá intervir. Não há, dessa
forma, discricionariedade do juiz para decidir sobre a necessidade ou benefício da intervenção,
estando restrito a identificar se a hipótese está prevista em lei, ou não. É o caso das leis 9.469/97,
6.385/76, 8.884/94, 8.906/94 e 9.279/96 quanto à União, ao CVM, ao CADE, à OAB e ao INPI,
respectivamente.

Será procedimental (ou discricionária) a intervenção, outrossim, quando houver


previsão legal da oitiva de um terceiro no processo, mas a lei não definir, de forma específica,
quem é, ou quem pode ser, esse terceiro. Pode-se observar esse tipo de intervenção nas ações
de controle de constitucionalidade (ADI, ADECON e ADPF), no incidente de
inconstitucionalidade previsto no art. 482 do CPC vigente, e no incidente de uniformização de
jurisprudência de que trata o art. 14, §7º, da Lei 10.259/01, nos quais o legislador permitiu a
manifestação de terceiros, mas não os elegeu, não os especificou. Cabe aqui, ainda, a ressalva
de que a recente Lei 13.105, publicada em 16/03/2015, que instituiu o. novo Código de Processo
Civil, traz no seu art. 138 uma forma de intervenção de terceiros que será, a princípio,
procedimental.
31

Portanto, a intervenção será atípica nos casos em que não houver indicação de quem
poderá ser amicus, nem de quando ele pode intervir, tampouco de que forma intervirá e qual
será o procedimento a ser adotado. Bueno (2008, p. 532, grifo do autor) conceitua:

Serão aqueles casos, destarte, “por construir”, que somente o dia-a-dia forense
conseguirá, aos poucos, identificar. Justamente porque ainda não estão
tipificados no sentido de “previstos expressamente” em alguma “lei” ou em
algum “Código”, optamos por identificar essas modalidades interventivas
como “atípicas”.

Dessa forma, apesar de classificada nos termos supramencionados, a figura do Amicus


Curiae carece de um maior estudo, sobretudo diante da promulgação do novo CPC que
generaliza as possibilidades de sua intervenção, para que seja possível sua classificação de
maneira a esgotar a matéria e torná-la clara e dogmática, afim de ser corretamente aplicada.

2.4 Limites, momentos e direitos da intervenção

Uma vez que não há, como já referido, uma regulamentação específica para o Amicus
Curiae, mas diversas previsões isoladas em leis federais, necessário se faz que cada texto legal
seja analisado de forma individualizada para identificação dos limites e momentos adequados
de intervenção, bem como dos direitos que o interveniente possui no trâmite e procedimento
processual, observando de forma subsidiária o Código de Processo Civil vigente.

Por primeiro, necessário ressaltar que a atuação dos Amici é regida pela imparcialidade,
ou institucionalidade, do interveniente. Nesse sentido, para que seja possibilitada a intervenção,
esta deve ser imparcial e digna de confiança do magistrado, sem qualquer interesse próprio, que
não o institucional ou social, na causa, até porque, no entendimento de Bueno (2008, p. 538),
todos aqueles que atuam em prol do proferimento de uma decisão jurisdicional, que não são
partes ou terceiros interessados, estão sujeitos ao impedimento e à suspeição de que tratam os
arts. 134 e 135 do CPC.

Importante destacar, por oportuno, que a principal razão de ser do Amicus Curiae é a
auxiliar o juízo. Nessa esteira, necessária a relevância e a utilidade da manifestação, bem como
a qualidade das informações que serão prestadas pelo interveniente, de modo que sua
32

participação não comprometa a rápida solução do litigio ou dificulte o trâmite processual,


tornando-se um problema para o processo.

Quanto ao instante procedimental em que a intervenção deve se dar, verifica-se que


somente em um dos diplomas legislativos há disposição expressa, a Lei 6.385/76, com relação
à CVM, a qual fixa que o momento adequado para a intimação do terceiro é logo após a
apresentação da contestação pelo réu, isso é, após o término da fase postulatória, ou no início
da fase saneadora, tomando por referência o procedimento ordinário do CPC.

Bueno (2008, p. 545-546) levanta a possibilidade de generalizar tal previsão para os


demais casos que a legislação silenciou, inclusive para as hipóteses de intervenção espontânea,
argumentando ademais que subsidiariamente poder-se-ia tomar como diretriz a regra de
intimação do Ministério Público, do art. 83, I, do CPC, que fixa a vista dos autos após a das
partes, possibilitando que o custos legis tenha informações o suficiente para sua
manifestação/opinião. Explica o autor que tal momento seria o ideal “justamente porque é após
a postulação das partes e sanados eventuais defeitos no plano do processo que o juiz terá
condições subjetivas de (começar a) decidir”.

Nada impede, contudo, que o Amicus Curiae venha a intervir desde logo, a exemplo do
assistente, conforme estabelece o art. 50, parágrafo único, do CPC vigente. Da mesma forma,
em qualquer outro momento poderá o interveniente pedir sua habilitação no processo,
fundamentando a conveniência de sua participação e a possibilidade de auxílio ao juízo no
proferimento da decisão.

Nesse sentido, inclusive, é a previsão do art. 14, §7º, da Lei 10.259/01, a qual
estabeleceu os Juizados Especiais Federais, que determina que “eventuais interessados, ainda
que não sejam partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de trinta dias”. Não se fixa
quando é o momento específico para a intervenção, mas fixa-se o prazo de 30 dias após o
requerimento do interessado em atuar como Amicus Curiae e o deferimento do pedido pelo
magistrado. Da mesma forma, o caput do art. 138 do novo CPC prevê o prazo de 15 dias, a
contar da intimação, para a manifestação do terceiro.

Necessário se ressaltar que nas ações de controle concentrado de constitucionalidade


(ADI e ADECON), reguladas pela Lei 9.868/99, haviam previsões acerca do momento
33

oportuno da intervenção, que fixava em 30 dias contados do recebimento do pedido de


informações do relator. Entretanto, o §1º do art. 7º, quanto à ADI, e os §§ 1º e 2º do art. 18,
quanto à ADECON, os quais continham essa regra de prazo, foram vetados, entendendo-se,
então, nas palavras de Bueno (2008, p. 137) que “será admissível a manifestação do Amicus
Curiae até o julgamento da ADIN ou ADECON, o qual se fará em prazo a ser concedido pelo
relator”.

Outro fator a ser analisado é a recorribilidade, ou não, da decisão que admite ou rechaça
a intervenção do Amicus Curiae. Nos casos de intervenção determinada em lei não há que se
falar em inadmitir o interveniente, mas nas hipóteses de intervenção espontânea, tal decisão
cabe ao relator e depende da análise da lei que trata do assunto.

Tomando por exemplo o caso do CADE e da CVM, cuja intimação é obrigatória, nos
termos das Leis 8.884/94 e 6.85/76, respectivamente, poderá qualquer deles, não tendo sido
devidamente intimado, requerer sua intervenção. Analisados os pressupostos de
admissibilidade, o juízo decidirá se admite ou não o interveniente a agir como Amicus Curiae,
e essa decisão será, sim, recorrível, conforme expõe Del Prá (2011, p. 152-153):

Ora, a hipótese é regida pela regra geral, da impugnabilidade das decisões


interlocutórias por meio do recurso de agravo (CPC, art. 522). De fato, as
normas que autorizam a intervenção do CADE e da CVM não regulam o
procedimento recursal de forma diferente do CPC; por isso, não só a decisão
de inadmissão, mas também qualquer outra proferida quanto à sua atuação
serão recorríveis. Da mesma forma, pensamos, deve-se concluir com relação
ao INPI [e também quanto à ADPF].

Outrossim, há a previsão do art. 7º, §2º da Lei 9.868/99, estabelecendo ser irrecorrível
a decisão que permitir a manifestação de outros órgãos e entidades na ADI e na ADECON.
Contudo, essa irrecorribilidade expressa se limita às decisões que admitem a intervenção,
silenciando quanto à decisão que inadmite a manifestação do terceiro como Amicus Curiae. Del
Prá (2001, p. 155), quanto a esse caso, a despeito da regra de impossibilidade de recurso quanto
às decisões interlocutórias prevista na citada lei e da controvérsia doutrinária, acredita ser
possível recorrer da decisão denegatória considerando que o Amicus Curiae defende interesses
de toda a coletividade, poder esse outorgado pela lei, e dessa forma presentes os pressupostos
recursais de interesse, legitimidade e sucumbência.
34

Além disso, o art. 138 do novo CPC estabelece que a decisão do juiz ou relator acerca
da admissão do Amicus Curiae será irrecorrível, e sobre isso a doutrina diverge. Didier Jr (2015,
p. 524) e Neves (2015, p. 138) entendem taxativa a previsão legal, mas Amaral (2015, p. 217)
entende ser cabível agravo de instrumento (ou recursos internos, no âmbito dos tribunais), em
caso de indeferimento, já que se trata de hipótese de intervenção de terceiro. Entretanto, quanto
a sua legitimidade recursal, o art. 1º do citado artigo estabelece que não haverá possibilidade de
recursos, apenas de interposição de embargos de declaração e, conforme o § 3º, recurso de
decisões nos incidentes de resolução de demandas repetitivas.

E, na mesma lógica, considerando que os Amici agem, muitas vezes, como fiscais da lei
e com poder de polícia, há que ser estendida a eles a legitimidade reconhecida ao Ministério
Público enquanto custos legis, por exemplo, de acordo com o art. 499, §2º, do CPC, ou ao
terceiro juridicamente interessado, que demonstrando o nexo entre a decisão recorrida e seus
interesses e/ou direitos que serão afetados por aquela, terá legitimidade para tanto.

Assim, destacando que o objetivo do amigo da corte é auxiliar o juízo a proferir a melhor
decisão possível, seu direito a recorrer de decisões que vão de encontro a esse propósito e à
correta prestação jurisdicional é evidente e salutar, apesar dos entendimentos doutrinários e
jurisprudenciais contrários no cenário jurídico brasileiro hodierno.

Em suma, pode-se afirmar que em todas as hipóteses em que a lei autoriza a intervenção
voluntária do Amicus Curiae, as decisões sobre sua admissão (e sobre sua forma de agir,
inclusive) são passíveis de recurso, cabendo apenas a análise individual da legitimidade do
candidato a interventor para recorrer. (DEL PRÁ, 2011, p. 158)

Os limites de intervenção, por sua vez, serão de discricionariedade do julgador, na


medida que a razão da intervenção do Amicus Curiae é auxilia-lo a elucidar as questões de fato
e de direito para decidir da melhor forma possível. Tal entendimento inclusive foi
expressamente consagrado no §2º do art. 138 do novo CPC, que determinou que caberá ao juiz
ou ao relator definir os poderes do amicus curiae, já na decisão que solicitar ou admitir a
intervenção.

Quanto a esses poderes dos amigos da corte, destaca Bueno (2008, p. 560, grifo do autor)
que
35

a mesma gradação do interesse ou do direito que justifica (que legitima) a


intervenção acaba por refletir na qualidade de atuação do terceiro em juízo.
Quanto maior a intensidade com que as relações jurídicas do terceiro e das
partes interpenetram-se, maior é a possibilidade de atuação desse terceiro. E
vice-versa.

Nesse diapasão, os poderes decorrem do seu grau de interesse na intervenção, a fim de


atingir as finalidades que os legitimam a intervir como tal. Sua função, e portando os limites de
seus poderes, é fundada em seu poder de polícia, de fiscal institucional da lei, e deve ter como
objeto o direito material discutido, isso é, o mérito da lide, ampliando os horizontes da questão
ali problematizada.

Já os deveres desse terceiro, de forma geral, nos termos do art. 14 do CPC, serão:

I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;


II - proceder com lealdade e boa-fé;
III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas
de fundamento;
IV - não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à
declaração ou defesa do direito.
V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar
embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou
final.

Destarte, independentemente do tipo de ação que intervirem, os Amici devem,


sobretudo, ser imparciais e comprometidos com a função que exercem: a de auxiliar o juízo,
que inclusive pode-se classificar como um ônus, trazendo informações relevantes,
desconhecidas pelo juízo e/ou não ventiladas pelas partes, colaborando com a prestação
jurisdicional.

Relativamente à produção de provas, Bueno (2008, p. 566) aduz que ao amigo da corte
deve ser franqueado comprovar o que está alegando em juízo, assegurando a utilidade de sua
intervenção e a comprovação, por meios idôneos, de que tais alegações merecem guarida. Mas
no caso de entendimento diverso, há, ao menos, a possibilidade de o terceiro sugerir ao julgador
que se produzam outras provas além das produzidas pela parte, para o bom saneamento da lide.

De outra banda, cabe analisar os efeitos da decisão prolatada em processo onde houve
intervenção do Amicus Curiae. Tendo em vista que este interveniente não pode sequer conduzir
36

o processo, e que não é considerado parte, nem assistente litisconsorcial, visto que não é titular
de nenhum direito deduzido em juízo, ele não ficará sujeito à coisa julgada, apesar de muitas
vezes restar afetado pela decisão (BUENO, 2008, p. 594).

Diante do exposto, ainda cabe muito estudo acerca das classificações, limites e poderes
dos Amici Curiae no direito processual pátrio, principalmente diante da Lei 13.105, promulgada
recentemente, e que, sem afastar as polêmicas acerca do instituto, generalizou a sua intervenção
a praticamente todos os processos, pluralizando e tentando qualificar as decisões judiciais de
todos os âmbitos da justiça brasileira.
37

3 O AMICUS CURIAE NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

Nos termos do Glossário Jurídico do site do próprio STF, o verbete Amicus Curiae ou
"Amigo da Corte" é forma de

intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade por


parte de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar
nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional.
Não são partes dos processos, atuam apenas como interessados na causa.

Nesse sentido, em recente estudo acadêmico sobre o tema, Medina (2010, p. 113-127)
analisa os dados obtidos dos relatórios do STF sobre o tema, e define a influência do Amicus
Curiae a partir do exame dos processos em que suas razões foram juntadas aos autos. De um
total de 1.440 pedidos de ingresso de terceiros, 85,8% tiveram seu pedido deferido, o que
demonstra que o Supremo possui uma postura extremamente aberta à participação de amigos
da corte, vez que grande parte dos indeferimentos se deu por ausência de fundamentação
coerente, pedido fora de prazo (após o término da instrução processual ou às vésperas do
julgamento), ou ausência de representatividade adequada.

Ainda sobre o citado estudo, concluiu-se que 89,8% dos intervenientes eram pessoas
jurídicas, mas que as pessoas físicas também têm franqueado o acesso à jurisdição
constitucional. Dentre as pessoas jurídicas, há preponderância de associações (40%) e de
entidades sindicais (19%), sendo que também são, comumente, protagonistas as organizações
profissionais, as organizações privadas em prol de direitos fundamentais, além de órgãos
públicos e unidades governamentais.

Medina (2010, p. 27, grifo nosso) ainda assevera, em suas pesquisas, que

a figura do amigo da corte surge como uma forma de abertura procedimental


do STF, sem implicar o aumento da já excessiva carga de processos que a
suprema corte lida no seu dia a dia. Cada amicus curiae admitido em um
processo pode significar inúmeros processos a menos, o que também
contribuirá para a administração da justiça.
38

De igual forma, Mattos (2010, p. 117, grifo nosso) ressalta a importância da, de certa
forma recente, participação do Amicus Curiae como instrumento de democratização das
decisões:

Desta forma, numa tentativa de democratizar o controle concentrado brasileiro


das normas, principalmente tendo em vista a avaria do controle difuso de
constitucionalidade aqui prevalecente, além de, também, fazer sobressair o
papel do Supremo Tribunal Federal, não como o guardião de uma ordem de
valores, mas sim como o protetor do processo de criação democrática do
direito, cumprindo-lhe proteger um sistema de direitos que torne factível a
incidência simultânea da autonomia privada e da autonomia pública, celebra-
se a inovação do instituto do amicus curiae no sistema jurídico brasileiro.

Bueno Filho (2002), por sua vez, sustenta que cabe à sociedade, e principalmente aos
advogados, a tarefa de contribuir para que o Supremo se convença, cada vez mais, da utilidade
da participação de terceiros nessa tarefa importantíssima, com a intenção de alargar o juízo de
admissibilidade do instituto, abrindo-o a juristas ou personalidades representativas.

Por essa razão, e conforme descrito nos capítulos anteriores, é que se pode afirmar que
além do, a nosso ver, importante sentido democrático da participação, o Amicus Curiae vem
para enriquecer o debate entre as partes, trazendo aos autos informações e experiências de
implicações de vários aspectos (políticas, jurídicas, sociais, culturais, técnicas e econômicas),
além de fortalecer o princípio da fundamentação racional das decisões, definido no art. 93, IX,
da CF/88.

Assim, passemos a analisar como o STF tem enfrentado a matéria, com a análise de
algumas das decisões dos Ministros sobre a admissão, os poderes e os limites da intervenção.

3.1 Uma breve análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Uma das ADIs mais polêmicas decidas pelo STF até hoje é a ADI nº 3510/DF, acerca
da inconstitucionalidade do art. 5º e parágrafos da Lei 11.105/2005, cujo tema era a
possibilidade de pesquisas científicas com o uso de células tronco embrionárias. Na ação, foram
admitidos como Amicus Curiae o Centro de Direitos Humanos (CDH), o Instituto de Bioética,
Direitos Humanos e Gênero (ANIS), a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, o
Movimento em Prol da Vida (MOVITAE), e diversos especialistas no assunto. Todos eles
39

puderam, em audiência pública, fazer suas sustentações orais e contribuir com suas opiniões e
entendimentos, conforme bem asseverou o Ministro Relator em sua decisão:

Vistos, etc.
Ante a saliente importância da matéria que subjaz a esta ação direta de
inconstitucionalidade, designei audiência pública para o depoimento de
pessoas com reconhecida autoridade e experiência no tema (§ 1º do art. 9º da
Lei nº 9.868/99). Na mesma oportunidade, determinei a intimação do autor,
dos requeridos e dos interessados para que apresentassem a relação e a
qualificação dos especialistas a ser pessoalmente ouvidos.
2. Pois bem, como fiz questão de realçar na decisão de fls. 448/449, “a
audiência pública, além de subsidiar os Ministros deste Supremo Tribunal
Federal, também possibilitará uma maior participação da sociedade civil no
enfrentamento da controvérsia constitucional, o que certamente legitimará
ainda mais a decisão a ser tomada pelo Plenário desta nossa colenda Corte”.
Sem embargo, e conquanto haja previsão legal para a designação desse tipo
de audiência pública (§ 1º do art. 9º da Lei nº 9.868/99), não há, no âmbito
desta nossa Corte de Justiça, norma regimental dispondo sobre o
procedimento a ser especificamente observado.
3. Diante dessa carência normativa, cumpre-me aceder a um parâmetro
objetivo do procedimento de oitiva dos expertos sobre a matéria de fato da
presente ação. E esse parâmetro não é outro senão o Regimento Interno da
Câmara dos Deputados, no qual se encontram dispositivos que tratam da
realização, justamente, de audiências públicas (arts. 255 e 258 do RI/CD).
Logo, são esses os textos normativos de que me valerei para presidir os
trabalhos da audiência pública a que me propus. Audiência coletiva, realce-
se, prestigiada pela própria Constituição Federal em mais de uma passagem,
como verbi gratia, o inciso II do § 2º do art. 58, cuja dicção é esta: “Art. 58.
O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e
temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no
respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. (...) § 2º. Às
comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: (...) II – realizar
audiências públicas com entidades da sociedade civil; (...)”
4. Esse o quadro, fixo para o dia 20.04.2007, das 09h às 12h e das 15h às 19h,
no auditório da 1ª Turma deste Supremo Tribunal Federal, a realização da
audiência pública já designada às fls. 448/449. Determino, ainda:
a) a expedição de ofício aos Excelentíssimos Ministros deste Supremo
Tribunal Federal, convidando-os para participar da referida assentada;
b) a intimação do autor, dos requeridos e dos amici curiae, informado-lhes
sobre o local, a data e o horário de realização da multicitada audiência;
c) a expedição de convites aos especialistas abaixo relacionados: [...]
Às Secretarias Judiciária e das Sessões para as providências cabíveis.
Publique-se. Brasília, 16 de março de 2007.
Ministro CARLOS AYRES BRITTO (Relator).
(BRASIL, 2007, grifo nosso)

Na decisão do Ministro, percebe-se que o próprio Supremo admite que a participação


de “experts” só vem a contribuir com o debate ventilado nos autos, e, sobre essa mesma ação,
comenta MORAIS (2008, p. 10, grifo nosso):
40

Vejamos. Está o STF a julgar ADI [...] acerca de dispositivo da Lei de


Biosegurança que permite a pesquisa com células-tronco embrionárias. Em se
considerando os diversos argumentos metajurídicos que a Suprema Corte
desconhece a respeito do tema – os aspectos científico, médico, social,
religioso e filosófico – e que envolvem a questão, não seria necessário que se
permitisse a intervenção de terceiros para quer estes pudessem disponibilizar
tais informações à Corte, já que, em se tratando de debate acerca de questão
constitucional, o julgamento, necessariamente, não terá somente natureza
jurídica? Em nosso entender, sim, pois se a norma constitucional, em vista de
sua natureza aberta e principiológica, apta a permitir a flexibilização de sua
interpretação, é naturalmente dialética, como poderá a Suprema Corte decidir
adequadamente a questão constitucional se não conhecer os diversos
argumentos, que não os meramente jurídicos, que envolvem a questão
constitucional sobre debate?

Percebe-se, outrossim, que essa abertura procedimental do controle de


constitucionalidade nada mais é do que trazer a sociedade, através de representantes
adequadamente representados, ao debate acerca de assuntos que interessam não só a
comunidade jurídica, mas a coletividade, visto que muitas das decisões, como essa sobre a
possibilidade de estudos científicos com células embrionárias, poderá ter repercussão na vida
(ou sobrevida) de muitas pessoas doentes, poderá significar o avanço da ciência e quiçá a
descoberta da cura de males que assolam a população. Dessa forma, nada mais justo e coerente
do que permitir que a sociedade se faça presente e seja ouvida.

Outra ação polêmica que tramitou no STF foi a ADPF 132/RJ, que discutia a
possibilidade de equiparação entre o regime jurídico da união estável e da união homoafetiva,
bem como no reconhecimento desta última como instituto jurídico. É de conhecimento público
que esse assunto tem gerado muitas discussões e debates na sociedade brasileira, e, por isso
mesmo, foi necessário que uma ação como essa fosse amplamente debatida no Supremo pelos
Ministros, mas que também fosse ouvida a sociedade, já que a vida, ou a situação jurídica, de
milhares de brasileiras e brasileiros dependia do que ali seria decidido.

Portanto, foram admitidos e atuaram nessa ação como Amicus Curiae: o Grupo Gay da
Bahia (GGB); o Escritório de Direitos Humanos do Estado de Minas Gerais (EDH); o Centro
de Referência de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado
de Minas Gerais (GLBTTT); o Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual (CELLOS); o
Grupo Arco-Íris de Conscientização Homossexual (GAI); a Associação Brasileira de Gays,
Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT); o Instituto Brasileiro de Direito de
Família (IBDFAM); a Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP); o Instituto de Bioética,
41

Direitos Humanos e Gênero (ANIS); e, entre outros, a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB).

Nesse processo, o Ministro Relator ao deferir alguns dos pedidos de intervenção de


organizações e entidades como Amici Curiae, que foram inúmeros, fundamentou suas decisões
favoráveis com base na notória contribuição que as manifestações trariam para o julgamento da
causa, conforme se observa em um de seus despachos na ADPF nº 132:

Junte-se, oportunamente.
2. Trata-se de petição pela qual a Sociedade Brasileira de Direito Público
(SBDP) requer seu ingresso no feito, na condição de amicus curiae.
3. Pois bem, a Lei nº 9.882, de 03 de dezembro de 1999, que dispõe sobre o
processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito
fundamental, não traz dispositivo explícito acerca da figura do amicus curiae.
No entanto, vem entendendo este Supremo Tribunal Federal cabível a
aplicação analógica do art. 7º da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999
(ADPF 33, Rel. Min. Gilmar Mendes; ADPF 46, Rel. Min. Marco Aurélio e
ADPF 73, Rel. Min. Eros Grau). E o fato é que esse dispositivo legal, após
vedar a intervenção de terceiros no processo de ação direta de
inconstitucionalidade, diz, em seu § 2º, que “o relator, considerando a
relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por
despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior,
a manifestação de outros órgãos ou entidades”. Não obstante o § 1º do art. 7º
da Lei nº 9.868/99 haver sido vetado, a regra é, segundo entendimento deste
Supremo Tribunal Federal, a de se admitir a intervenção de terceiros até o
prazo das informações.
4. Sucede que a própria jurisprudência desta nossa Corte vem relativizando
esse prazo. Nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, “especialmente diante
da relevância do caso ou, ainda, em face da notória contribuição que a
manifestação possa trazer para o julgamento da causa, é possível cogitar de
hipóteses de admissão de amicus curiae, ainda que fora desse prazo [o das
informações]” (ADI 3.614, Rel. Min. Gilmar Mendes). Nesse sentido foi
também a decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes na ADPF 97.
5. Ante o exposto, considerando a relevância da matéria e a representatividade
da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP), defiro a sua inclusão no
processo, na qualidade de amicus curiae.
À Secretaria, para as devidas anotações.
Publique-se.
Brasília, 29 de abril de 2009.
Ministro CARLOS AYRES BRITTO – Relator. (BRASIL, 2009, grifo nosso).

Em igual sentido, na ADI nº 4815/DF, a Ministra Relatora Carmen Lúcia, em sua


manifestação nos autos, afirmando que “estamos lutando pela liberdade e a liberdade é sempre
plural”, e esclarecendo que todas as manifestações serão levadas em consideração para instruir
o julgamento sobre biografias não autorizadas, admitiu como Amicus Curiae a Academia
Brasileira de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), o Conselho Federal
42

da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e alguns outros interessados. Tal ação ganhou
popularidade nacional pois um dos casos que podem ser influenciados pela decisão do Supremo
é a biografia não autorizada do cantor Roberto Carlos, que rendeu inúmeras notícias no país e
milhares de exemplares recolhidos. O julgamento da ação foi realizado no último dia 10 de
junho, e a decisão foi no sentido de afastar a exigência da autorização prévia para a publicação
de biografias, conforme sustentaram alguns dos Amici Curiae em suas manifestações.

Na citada ação, a Ministra além de admitir dezenas de intervenções de entidades e


organizações, como acima citado, designou audiência especialmente para esse fim, já que o
número de Amici Curiae era grande, e que, para ela, as manifestações eram de fundamental
importância, conforme se depreende da decisão abaixo. Ressalta-se, porém, que restaram
indeferidas as manifestações daqueles que já possuíam lides sobre o assunto ajuizadas ou já
julgadas, para que não fosse prejudicada a coisa julgada ou configurada a conexão/continência.

Defiro a participação na Audiência Pública convocada para os dias 21 e 22 de


novembro do corrente, a partir das 9 horas, na sala de Sessões da 2ª Turma,
Anexo II-A, 3º Andar, Supremo Tribunal Federal, das entidades e pessoas
abaixo listadas, que requereram a sua participação como expositores para
apresentar seus conhecimentos sobre o tema debatido nos autos.
Considerando que a audiência pública tem como objetivo discutir as teses
postas sobre a matéria, não foram acolhidos os pleitos daqueles que,
conquanto podendo expor relatos pessoais e questões subjetivas,
judicializaram casos de seu interesse. Escritores ou biografados, todos os que
submeteram pendências pessoais a juízo, tendo sido elas solucionadas ou
ainda pendentes, têm as suas questões sujeitas ao Poder Judiciário. Não
caberia, portanto, trazer novamente essa discussão subjetiva ao espaço deste
Tribunal brasileiro nesta audiência. Tanto equivaleria a recolocar o mesmo
tema em debate em espaço que não o comporta.
A matéria da audiência pública está posta em sede de controle abstrato da
validade e da interpretação da lei, não procedendo, portanto, discussão de
casos específicos, em que pese não se desconhecer que condições peculiares
experimentadas pelas pessoas possam e mereçam ser consideradas para
enriquecer a discussão e serem objeto de atenção e cuidado na solução da
causa.
Entretanto, estaria frustrada a finalidade da audiência, que, no caso, não é
discutir situações concretas, mas aprofundar as teses que repercutirão nos
casos de todos os cidadãos brasileiros na forma da melhor Justiça.
Autor da ação e Ministério Público dispõem de tempo regimental para
sustentar suas teses na sessão de julgamento, não cabendo se valerem desse
específico espaço da audiência pública para mais uma incursão.
É o seguinte o cronograma a ser seguido:
[...]
Publique-se.
Brasília, 14 de novembro de 2013.
Ministra CÁRMEN LÚCIA – Relatora. (BRASIL, 2013, grifo nosso)
43

No mesmo sentido, o Ministro Joaquim Barbosa, na ADI nº 3889/RO, em que é Relator,


e na qual se discute se o imposto de renda retido na fonte, incidente sobre a folha de salários
dos servidores, deve integrar a receita tributária do Estado e dos Municípios, reafirma, com suas
palavras, e parafraseando o Ministro Celso de Mello, que a decisão do STF no processo terá,
ao que tudo indica, repercussões no âmbito nacional, tendo em vista que o tema da presente
ação direta afeta a administração pública dos demais estados da Federação, consoante decisão
abaixo colacionada.

DESPACHO: Trata-se de diversos pedidos de intervenção como amicus


curiae, formulados pelas seguintes entidades e órgãos (por ordem do número
de protocolo das petições avulsas): (i) 78454 - Sindicato dos Trabalhadores do
Ensino Público de Mato Grosso; (ii) 87141 – Associação dos Membros dos
Tribunais de Contas do Brasil; (iii) 94258 – Tribunal de Justiça do Estado de
Rondônia; (iv) 100524 - Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul; (v)
101189 - Ordem dos Advogados do Brasil -Seccional Rondônia; (vi) 102345
- Tribunal de Justiça do Distrito Federal; (v) 110435 - Ministério Público do
Estado do Rio Grande do Sul; (vi) 121399 - Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul; (vii) 132574 - Associação Nacional dos Membros do
Ministério Público - CONAMP.
Observo que a intervenção de terceiros no processo da ação direta de
inconstitucionalidade é regra excepcional prevista no art. 7º, § 2º, da Lei
9.868/1999, que visa a permitir “que terceiros - desde que investidos de
representatividade adequada - possam ser admitidos na relação processual,
para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria
controvérsia constitucional. A admissão de terceiro, na condição de amicus
curiae, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como
fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal
Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático, a
abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em
ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva
eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de
entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais
da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos,
classes ou estratos sociais. Em suma: a regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº
9.868/99 - que contém a base normativa legitimadora da intervenção
processual do amicus curiae - tem por precípua finalidade pluralizar o debate
constitucional.” (ADI 2.130-MC, rel. min. Celso de Mello, DJ 02.02.2001).
Vê-se, portanto, que a admissão de terceiros na qualidade de amicus curiae
traz ínsita a necessidade de que o interessado pluralize o debate constitucional,
apresentando informações, documentos ou quaisquer elementos importantes
para o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade.
No presente caso, em que se questiona a constitucionalidade de parecer
alegadamente normativo do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia,
parece relevante constatar que a decisão da Corte sobre o pedido
provavelmente terá repercussões no âmbito nacional, tendo em vista que o
tema da presente ação direta afeta a administração pública dos demais estados
da Federação.
Nesse sentido, entendo que estão presentes os requisitos referidos
anteriormente e admito a manifestação dos postulantes para intervirem no
feito na condição de amici curiae.
44

À Secretaria, para juntada das petições referidas, bem como para a inclusão
dos nomes dos interessados e de seus respectivos patronos na autuação.
Publique-se.
Brasília, 29 de outubro de 2007.
Ministro JOAQUIM BARBOSA – Relator. (BRASIL, 2007, grifo nosso).

Nesse contexto, Bueno (2008) faz a seguinte reflexão: não devemos nos perguntar o que
é ou quem é o Amicus Curiae, mas quem é que pode levar ao Estado-Juiz as vozes dispersas da
sociedade civil naqueles casos em que, certamente, determinados interesses difusos e coletivos
serão sensivelmente afetados pelo que vier a ser decidido jurisdicionalmente? Por certo que os
Ministros, isoladamente, não possuem capacidade de falar por todos os brasileiros, seus
sentimentos e princípios morais e éticos, e é aí que o Amicus ganha sua razão de existir.

Mattos (2010, p. 119, grifo nosso), por sua vez, afirma que não só é direito do povo se
manifestar nas ações que tratem da Carta Magna, como também é um dever:

Tendo como base a Teoria Discursiva do Direito, pode-se dizer que a


salvaguarda da Constituição é dever de todo cidadão, devendo o mesmo zelar
pela sua proteção e preservação, visando garantir os direitos e garantias nela
previstos. Assim, a admissão de um terceiro na condição de amicus curiae no
processo dito “objetivo” de controle normativo abstrato apresenta-se como um
elemento de legitimação das decisões do Supremo Tribunal Federal, uma vez
que, no paradigma do Estado Democrático de Direito, com suporte em uma
teoria procedimentalista, o Direito adquire legitimidade através de um diálogo
vivo com a sociedade civil, tornando, portanto, exequível a idéia do “espaço
público” que, para HABERMAS, é, resumidamente, um locus central, onde
os atores da sociedade civil interagem entre si e com o Estado, mediante
discussões públicas, produzindo um poder comunicacional que se retroliga ao
poder administrativo, legitimando-o.

Dessa forma, o Amicus Curiae é importante figura de legitimação de decisões nos


processos que visem o controle concentrado de constitucionalidade, uma vez que permite a
participação ativa da sociedade, por meio de entidades, órgãos, grupos e instituições, como os
acima citados, que expõem os princípios e valores da maioria e, assim, o conceito de democracia
participativa no Brasil recebe nova conotação, além de a administração da justiça acabar sendo
favorecida.

3.2 Uma breve análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul
45

Na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ/RS), a


presença do Amicus Curiae também vem crescendo ao longo do tempo, embora ainda sem uma
concretude de entendimento e de forma não pacificada, vez que sem previsão legal.

Em acórdão da Oitava Câmara Cível do TJ/RS, foi dado provimento agravo de


instrumento quanto ao pedido de intervenção de pessoas físicas em um processo de família,
após o juiz de primeiro grau ter negado tal participação. A decisão, no entanto, esclarece a
diferença entre a assistência simples e a figura do Amicus Curiae, o que já havia sido feito na
decisão recorrida, consoante trechos abaixo:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESTITUIÇÃO DO PODER


FAMILIAR DOS PAIS BIOLÓGICOS. PEDIDO DA FAMÍLIA EXTENSA
DE INTERVENÇÃO NA DEMANDA COMO AMICUS CURIAE.
INTERESSE JURÍDICO PRESENTE. ASSISTÊNCIA DEFERIDA. Embora
equivocado o pedido de ingresso na ação na qualidade de amicus curiae (que
é a adesão de uma fonte de conhecimento que amplia a discussão), forçoso
reconhecer o direito dos agravantes (tios biológicos), que têm interesse
jurídico na ação, pois pretendem a guarda da menina, de participarem da ação
de destituição do poder familiar. Aliás, direito esse que foi assegurado aos
atuais guardiões da menina. DERAM PROVIMENTO AO RECURSO (RIO
GRANDE DO SUL, 2014, grifo nosso)

[Decisão Recorrida:] Com relação ao pedido de intervenção dos tios maternos


da requerida D. S. R. P., na condição de amicus curiae, destaca-se que a
respectiva expressão significa “amigo da corte” e, se destina a identificar
alguém que solicita entrar em um processo do qual não é parte, mas cujo
resultado terá reflexos em sua vida. Portanto, conforme observou o Ministério
Público no parecer retro, os pedidos de intervenção na condição de amicus
curiae, formulados pelos guardiões da criança e pelos tios da demandada D.
S. R. P. possuem objetivos diversos. Vejamos: Os guardiões das crianças
possuem interesse direto no resultado da destituição do poder familiar, uma
vez que não desejam unicamente o exercício da guarda provisória, mas a
posterior adoção da criança. Já os tios da requerida D. S. R. P. apenas almejam,
conforme constou em sua petição, apenas o exercício da guarda da criança P.
K. P. A., para fins de mantê-la no núcleo familiar, independente do resultado
do presente feito. Logo, salienta-se que o objeto do presente feito não abrange
exclusivamente a guarda da criança, mas o questionamento acerca da
conveniência da manutenção ou não, do exercício do poder familiar, pelos
genitores da criança, sendo que a guarda provisória constituiu consequência
para assegurar os direitos da criança, a qual foi deferida ao respectivo casal,
pelos motivos já expostos no presente feito. Assim, em razão do pedido de J.
V. M. R e de L. M. P. estar desprovido de vínculo direto com o objeto do
presente feito, INDEFIRO o pedido de intervenção na condição de amicus
curiae, sendo que estes poderão ser ouvidos, na fase de instrução, a fim de
trazer elementos aos autos (RIO GRANDE DO SUL, 2014, grifo nosso).
46

No entanto, como carente de normatização legal em vigor até o momento, sobretudo


diante das classificações e entendimentos doutrinários citados nos capítulos anteriores, o
instituto ainda sofre com limitações e indeferimentos, em casos como o abaixo colacionado, em
que seu recurso não foi conhecido pelo TJ/RS:

Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. AMICUS CURIAE. ILEGITIMIDADE
PARA RECORRER. Instituto de muito conhecida no direito norte-americano,
o "amicus curiae" foi introduzido na ordem jurídica nacional pela Lei
9.868/99, que dispôs sobre o processo e julgamento da ação direita de
inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o
Supremo Tribunal Federal. Com efeito, a legislação de regência não atribuiu
a este personagem a qualidade de parte e nem outorgou-lhe os poderes a ela
inerentes. Deste modo, a participação do amicus curiae, (do latim, "amigo da
corte") cinge-se à juntada de documentos, pareceres e memoriais, faltando-lhe
legitimidade para recorrer. EMBARGOS NÃO CONHECIDOS. UNÂNIME
(RIO GRANDE DO SUL, 2013, grifo nosso).

Da mesma forma, o caso abaixo em que, poucos meses antes da entrada em vigor da Lei
nº 13.105/2015 – Novo Código de Processo Civil, e ainda sem definição clara de seus poderes
e limites, a Vigésima Segunda Câmara Cível do TJ/RS indefere a intervenção da OAB como
Amicus Curiae em Mandado de Segurança:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. MANDADO


DE SEGURANÇA. OAB. PEDIDO DE INERENÇÃO COMO
ASSISTENTE SIMPLES. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO.
INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO QUE MANTEVE DECISÃO
ANTERIOR. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. INTEMPESTIVIDADE DO
RECURSO NO PONTO. "AMICUS CURIAE". INTERVENÇÃO DE
TERCEIROS. DESCABIMENTO. É intempestivo o agravo de instrumento
interposto contra decisão que manteve decisão anteriormente proferida, não
servindo o pedido de reconsideração para suspender ou interromper o prazo
recursal. A figura do "amicus curiae" não é admissível em sede de mandado
de segurança, sendo o mesmo incompatível com a intervenção de terceiros
(MS nº 32.074/DF - STF). Inteligência do art. 24 da Lei n. 12.016/09.
Precedentes do TJRGS, STJ e STF. Agravo de instrumento conhecido em
parte e, no ponto, com seguimento negado (RIO GRANDE DO SUL, 2015,
grifo nosso).
47

Nesse contexto, apesar de haver previsão de uniformidade de entendimentos com o final


da vacatio legis do novo CPC, reitera-se o Enunciado 128 do Fórum Permanente de
Processualistas Civis, de 2014, que estabelece que “no processo em que há intervenção do
amicus curiae, a decisão deve enfrentar as alegações por ele apresentadas [...]”, somado ao
constante do art. 138, §2º, do novo CPC, no qual o legislador estabeleceu que “caberá ao juiz
ou ao relator [...] definir os poderes do amicus curiae”. O que leva a crer que as regras relativas
a intervenção do amigo da corte nas instâncias inferiores ainda poderá (e deverá) ser
amplamente discutida.
48

CONCLUSÃO

O objetivo do presente trabalho foi analisar, de forma minuciosa, o histórico do Amicus


Curiae desde sua origem, sua evolução e absorção pelo direito brasileiro, pontuando suas
principais características e delimitações. Para tanto, foram utilizadas diversas bibliografias
sobre o tema, colacionando ao trabalho o entendimento dos principais doutrinadores sobre o
amigo da corte no Brasil, além de jurisprudências pertinentes e de decisões dos julgadores que
nos mostram o lado prático do que tecnicamente se expõe.

Percebe-se, então, que o amigo da corte evoluiu ao longo das décadas e das legislações
de forma gradual. Apareceu de forma tímida e, atualmente, vem sendo aceito e previsto em
diversas leis, com diferentes nomenclaturas e objetivos, sobretudo com a recente promulgação
do novo Código de Processo Civil, que é um marco importante para o instituto.

Outrossim, em um Estado Democrático como o brasileiro, essa figura representa


avanços da democracia no setor da participação de entes e organizações, públicas ou privadas,
à medida que permite que o ideal de justiça não fique tão somente nas mãos daqueles que detêm
o poder jurisdicional.

Além disso, é possível verificar que a intervenção do Amicus Curiae nos processos de
controle de constitucionalidade perante do STF tem feito com que as ações tenham maior
repercussão nacional, de forma que a sociedade brasileira pode participar das discussões que
transcendem o interesse das partes e atingem cada um e a todos, indiretamente.

Esse terceiro traz, cada vez mais, ao poder judiciário a pluralidade de interpretações,
reproduzindo as vontades e os valores da população, e permitindo que a Constituição e as outras
normas brasileiras sejam interpretadas com base na realidade do país e de sua constante
49

evolução. Assim, mais do que uma forma de abertura da hermenêutica constitucional, a


possibilidade de manifestação de Amici Curiae é exercício da democracia erigida em um Estado
que a prioriza.

Por outro lado, a forma como a nova lei será recepcionada pelos Tribunais, superiores e
principalmente inferiores, e pelo primeiro grau de jurisdição, ainda é uma incógnita, eis que até
então a intervenção do Amicus Curiae se limitava a poucos casos, como referido anteriormente.

O que não se pode negar, em conclusão, é que o art. 138 da Lei 13.105/15 é passo
importante para a democracia brasileira e para o poder judiciário, merecendo destaque pelo
progresso e pelo avanço na busca do ideal de justiça, em meio a tantas injustiças e incoerências
em que estamos inseridos na sociedade atual.
50

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dos Tribunais, 2015.

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