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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL

MAYARA SCHNEIDER DE AMORIM

A PRIVAÇÃO DA LIBERDADE E O MÉTODO APAC - UMA FORMA DE


RESSOCIALIZAÇÃO VOLUNTÁRIA NA EXECUÇÃO DA PENA

Três Passos (RS)


2017
MAYARA SCHNEIDER DE AMORIM

A PRIVAÇÃO DA LIBERDADE E O MÉTODO APAC - UMA FORMA DE


RESSOCIALIZAÇÃO VOLUNTÁRIA NA EXECUÇÃO DA PENA

Trabalho de Conclusão do Curso de


Graduação em Direito objetivando a
aprovação no componente curricular
Trabalho de Curso - TC.
UNIJUÍ - Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul. DCJS - Departamento de Ciências
Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Marcia Cristina de Oliveira

Três Passos (RS)


2017
Dedico este trabalho à minha família, em
especial ao meu noivo pelo incentivo,
apoio e confiança em mim depositados
durante toda a minha jornada.
AGRADECIMENTOS

À minha família, que durante todo esse caminho esteve ao meu lado, me
apoiando e me auxiliando no que necessário fosse. A meu noivo que, do mesmo
modo, me ofereceu todo auxílio e apoio necessário, e esteve a meu lado dividindo
todos os momentos, transmitindo tranquilidade para enfrentar essa jornada.

À minha orientadora, Marcia Cristina de Oliveira, que esteve sempre


disponível para me mostrar por onde seguir, com atenção e dedicação dignas de
uma grande mestra.

A todos os professores e colegas que, de uma forma ou outra, me ajudaram a


traçar este caminho.
“Se fosse possível examinar o homem por
dentro e por fora, certamente ninguém se diria
inocente”. Dr. Mário Ottoboni
RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise acerca da origem e


evolução da pena, bem como um estudo mais aprofundado dos princípios
constitucionais penais, que embasam a nossa legislação. Aborda a da Lei de
Execução Penal, do conceito a sua origem, assim como seu objeto e sua finalidade,
além dos direitos e deveres dos presos. Estuda alguns pontos que justificam as
críticas ao sistema penitenciário tradicional. Finaliza apresentando um método
alternativo ao sistema carcerário e que tem se mostrado eficiente no que tange ao
objetivo e finalidade da pena, superando os índices apresentados pelo sistema
penitenciário tradicional, além de seguir rigorosamente os preceitos estabelecidos em
nosso ordenamento jurídico, garantindo a humanização do cárcere, conhecido como
Método APAC.

Palavras-Chave: Execução penal. Pena. Sistema penitenciário. Princípios


constitucionais penais. Crise no sistema penitenciário. Alternativas ao sistema penal
brasileiro. Metodologia APAC.
ABSTRACT

The present work of conclusion of course makes an analysis on the origin and
evolution of the sentence, as well as a more detailed study of the constitutional
principles criminal, that base our legislation. It addresses the Criminal Execution Law,
from the concept to its origin, as well as its object and purpose, as well as the rights
and duties of prisoners. It studies some points that justify the critics to the traditional
penitentiary system. It ends by presenting an alternative method to the prison system,
which has proved to be efficient with regard to the purpose and purpose of the
sentence, exceeding the indices presented by the traditional penitentiary system, and
strictly follow the precepts established in our legal system, guaranteeing the
humanization of the prison , Known as the APAC Method.

Keywords: Penal execution. Feather. Penitentiary system. Constitutional penal


principles. Crisis in the penitentiary system. Alternatives to the Brazilian penal
system. APAC Methodology.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8

1 O OBJETIVO DA PENA NO CONTEXTO HISTÓRICO BRASILEIRO E OS


PRINCÍPIOS NORTEADORES DA LEGISLAÇÃO PENAL ..................................... 10
1.1 A origem da pena e sua evolução .................................................................... 11
1.1.1 A pena como vingança .................................................................................. 11
1.1.2 A pena na idade média................................................................................... 13
1.1.3 A pena na idade moderna ............................................................................. 14
1.1.4 A pena na idade contemporânea .................................................................. 14
1.1.5 A evolução histórica do sistema punitivo brasileiro ................................... 15
1.2 Os princípios constitucionais penais .............................................................. 19
1.2.1 O princípio da igualdade................................................................................ 23
1.2.2 O princípio da humanidade ........................................................................... 24
1.2.3 O princípio da legalidade ............................................................................... 26
1.2.4 O princípio da pessoalidade e da individualização da pena ...................... 28
1.2.5 O princípio da culpabilidade ......................................................................... 30
1.2.6 O princípio da intervenção mínima ............................................................... 31
1.2.7 O princípio da ofensividade .......................................................................... 32
1.2.8 O princípio da proporcionalidade ................................................................. 33

2 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL: A CRISE DO ATUAL SISTEMA PRISIONAL


BRASILEIRO ............................................................................................................ 36
2.1 Conceito e evolução histórica da execução penal no Brasil......................... 36
2.2 Objeto e finalidade da Lei de Execução Penal ................................................ 39
2.3 Direitos e deveres dos presos ......................................................................... 43
2.4 A crise do sistema prisional brasileiro ............................................................ 54

3 O CUMPRIMENTO DA PENA OBSERVANDO A METODOLOGIA DA


ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AO CONDENADO - APAC ...... 60
3.1 Conceito e aspectos históricos do método APAC ......................................... 60
3.2 Os 12 elementos da metodologia APAC ......................................................... 63
3.3 A metodologia APAC à luz da lei de execução penal..................................... 71

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 76

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 79
8

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa foi dividida em três capítulos. No primeiro, foi realizada


uma análise acerca da origem e evolução da pena, em especial no Brasil, bem como
um estudo mais aprofundado dos princípios constitucionais penais, que embasam
nosso ordenamento jurídico.

No segundo, foi realizado um estudo acerca da elaboração da Lei de


Execução Penal, assim como seu objeto e sua finalidade, além dos direitos e
deveres dos presos. Ainda no mesmo capítulo, foram explorados e analisados
alguns pontos que justificam as críticas ao atual sistema penitenciário brasileiro.

No terceiro capítulo foi apresentado um método alternativo ao sistema


carcerário e que tem se mostrado eficiente no que tange ao objetivo e finalidade da
pena, além de cumprir rigorosamente os preceitos estabelecidos em nosso
ordenamento e garantir a humanização do cárcere, conhecido como Método APAC.

Essa metodologia tem se demonstrado inúmeras vezes mais eficaz que o


sistema comum, em especial no que diz respeito ao cumprimento das finalidades da
pena, a ressocialização e reintegração do indivíduo a sociedade.

Para a realização do presente trabalho foram efetuadas pesquisas


bibliográficas e virtuais, e a pesquisa se desenvolveu de acordo com o método
hipotético-dedutivo.

O objetivo principal deste trabalho é conceituar e expor a execução da pena


de forma tradicional e analisar outra forma de executar essa pena desenvolvida
9

inicialmente no Estado de Minas Gerais e atualmente expandida a outros Estados,


tais como Paraná, Rio Grande do Sul entre outros, além de possuir unidades em
outros países. Além disso, pretende-se demonstrar como se desenvolve o Método
APAC, revelando como este método tem se mostrado eficiente, sempre em
consonância com a legislação brasileira relativa a execução penal. Nesse sentido,
faz-se necessário um estudo mais aprofundado acerca da origem e evolução da
pena e de forma mais sucinta do cárcere, principalmente em nosso ordenamento
jurídico, bem como os princípios constitucionais penais que são fundamentais, pois
norteiam nossa legislação.

O tema é atual, visto que o sistema penitenciário brasileiro é notícia nos


principais meios de comunicação no país, além de ser alvo de críticas
internacionalmente, devido a sua total decadência, conforme será estudado. São
inúmeros os fatores que o trouxeram a atual situação e nesse trabalho os principais
deles serão abordados. Em especial, a violação do princípio da dignidade humana,
consagrado pela Constituição Federal e pela Lei de Execução Penal. Também serão
analisados o objeto e a finalidade da Lei de Execução Penal, além dos direitos e
deveres dos condenados, internados e presos provisórios por ela garantidos.

A partir disso, surge o problema que originou esta pesquisa: até que ponto o
atual sistema carcerário cumpre com o seu objetivo principal: a ressocialização e
reintegração do preso a sociedade.
10

1 O OBJETIVO DA PENA NO CONTEXTO HISTÓRICO BRASILEIRO E OS


PRINCÍPIOS NORTEADORES DA LEGISLAÇÃO PENAL

A pena, conforme será analisada no decorrer do presente capítulo, assumiu,


conforme preceitua Boschi (2004, p. 93), as mais variadas formas e finalidades
durante toda a história da humanidade, e remonta aos primeiros sinais de relação
entre os homens. Nesse mesmo sentido, ensina Bitencourt (2011, p. 59) que a
história e os objetivos da pena não ocorreram de forma progressiva e sistemática, e
sim de acordo com o que cada sociedade assumia ser “crime” e “punição”.

O presente capítulo tem como objetivo inicial explanar de modo sucinto como
se deu essa evolução, bem como inserir a pena no contexto histórico brasileiro.
Desse modo, verifica-se que o sistema punitivo se instaurou desde os primórdios da
civilização, através de penas corporais perpassando por longo período até a
Revolução Francesa, onde passou a ser admitida uma nova modalidade de pena, a
privativa de liberdade. Em que pese a pena corporal não tenha sido abolida, essa
nova modalidade de pena foi um marco para o sistema punitivo. Diante disso, com o
passar do tempo, novas sanções foram surgindo e a pena corporal foi abolida do
ordenamento jurídico.

Nesse contexto, faz-se necessária uma análise acerca dos princípios que
norteiam a legislação penal contemporânea, uma vez que servem como base para a
interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo e, por
consequência, do sistema punitivo. Assim, as leis penais devem seguir os princípios
e garantias para não se tornarem meramente simbólicas, mas sim efetivas.

A Constituição Federal de 1988, traz em seu texto, uma vasta gama de


direitos e garantias fundamentais, consagrando princípios gerais aplicáveis a todos
os ramos do Direito, servindo de orientação para a produção legislativa. Dentre
estes, encontramos os princípios explícitos e implícitos específicos do Direito Penal,
que se configuram como verdadeiras garantias penais.

Diante do exposto, o presente capítulo pretende estudar e analisar o


sistema punitivo desde os primórdios chegando até contemporaneidade, além de
11

fazer uma análise acerca dos princípios constitucionais penais explícitos e implícitos
em nosso ordenamento jurídico.

1.1 A origem da pena e sua evolução

O sistema punitivo, conforme será abordado mais detalhadamente nos


subitens abaixo, de acordo com Hauser (1997, p. 18) nas sociedades primitivas se
caracteriza por penas que tinham como objetivo a vingança e a retribuição. Assim os
povos primitivos puniam apenas por punir, atingindo não somente o culpado, mas
também indivíduos inocentes. Para Corsi (2016) este tipo de punição ocasionava
guerras infindáveis, uma vez que não havia qualquer tipo de controle. Em virtude
disso, tornou-se necessária a limitação da pena e o Estado, aos poucos, assumiu
essa tarefa.

No Brasil, o primeiro sistema punitivo foi trazido pelos portugueses e era tão
cruel quanto o vigente da Europa à época. Os ideais iluministas representaram um
marco no sistema punitivo, uma vez que fizeram surgir um novo modo de sanção,
que era o recolhimento penitenciário, também conhecido como pena privativa de
liberdade (BOSCHI, 2004, p. 145).

Após essa breve explanação, pretende-se analisar a evolução histórica da


pena, desde o início da civilização, analisando a origem da pena no Brasil até a sua
contemporaneidade.

1.1.1 A pena como vingança

A palavra “pena” deriva do latim poena, e do grego poine, significa dor,


castigo, punição, expiação, penitência, sofrimento e vingança. Inicialmente a pena
era considerada, pelos homens primitivos, como a ira dos deuses supostamente
descontentes, tudo aquilo que ultrapassava seus conhecimentos, tais como, a
chuva, trovões, terremotos era considerado como castigo divino. Nesse contexto,
ensina Boschi (2004, p. 94) que “Os homens primitivos tinham uma ideia muito
rudimentar de pena”, uma vez que com as formações das sociedades e o
12

surgimento de conflitos entre os indivíduos aflorou a espécie mais antiga de pena,


que tinha como objetivo principal a retribuição ao mal sofrido, ou seja, a vingança.

Destaca, Boschi (2004, p. 94) que “A espécie mais antiga de pena, vale dizer,
de manifestação humana carregada de reação explícita à falta sofrida, teria sido a
vingança de sangue.” Para Hauser (1997, p. 18) “a pena nasce com o homem e é
reação ou vingança contra todo e qualquer comportamento indesejado.”

A vingança de sangue era consequência segundo Bruno (1959, p. 55) da


solidariedade existente entre os sujeitos que compunham o mesmo clã, contra ação
agressiva a qualquer de seus membros. Ou seja, se um membro de um clã sofria
qualquer tipo de violência por parte de um membro de clã diverso, a comunidade
tinha o dever de se vingar.

Este tipo de punição, no entendimento de Corsi (2016), acarretava guerras


infindáveis entre os clãs, uma vez que recaiam sobre inocentes, por não haver
nenhum tipo de controle, pois era desvinculada de um poder central que limitasse a
extensão da pena. Em virtude disso, se tornou necessária a limitação da pena,
assim o direito de punir deixou, aos poucos, de ser dos indivíduos e passou a ser do
Estado.

Nesse sentido, a pena como vingança de sangue, foi substituída pela


expulsão do ofensor e seu banimento do próprio território, e, desse modo, a pena
passou a ter um caráter personalíssimo, ou seja, a pena só poderá ser exercida na
pessoa que cometeu o delito.

De acordo com Corsi (2016):

A vingança, então, passou a ser substituída pelas penas públicas,


sendo aceita no contexto social e inserida nos sistemas punitivos e,
por essa razão, passou a não ser interpretada como forma de
agressão destrutiva. Todavia, o sentimento vingativo ainda persistia
em sua essência. O exemplo desse caráter é o talião nas leis
antigas, como o Código de Hamurabi, cujo princípio era “olho por
olho, dente por dente”
13

O Código de Hamurabi, conforme o mesmo autor, consagra o princípio da


pessoalidade da pena ao aplicar a pena de talião, a qual se tratava de uma pena
tipicamente corporal, uma vez que o opressor sofreria como sanção o mesmo ato
que praticou, ou seja, quem quebrasse os membros de outrem, teria seus membros
quebrados. A pena cruel aplicada à pessoa do condenado continuou sendo
consagrada durante todo o período da idade média, conforme será aprofundado no
próximo subitem.

1.1.2 A pena na idade média

A Idade Média, foi um período marcado principalmente por penas cruéis,


impostas pela igreja católica e teve forte influência do Direito Germânico. Neste
período, as penas eram impostas com o objetivo de castigar a todos que eram
contra os preceitos religiosos, ou seja, os hereges.

Desse modo, destaca Corsi (2016):

Para o homem medieval tudo era derivado de Deus. O direito de


punir, como consequência, não fugiu à regra e, por esse motivo, a
pena consistia em uma espécie de represália pela violação divina e
objetivava a expiação como forma de salvação da alma para a vida
eterna.

Ainda conforme o mesmo autor, as penas não tinham caráter de retribuição


no sentido jurídico, mas sim no seu aspecto de conversão, por meio de expiação 1.
Para Boschi (2004, p. 98) “as penas estatais eram aplicadas desumana e
desmedidamente para que o poder político assegurasse o status quo e reproduzisse
a denominação, alcançada pelo consórcio celebrado com a igreja.”

O início desse período teve como marca a falta do direto à defesa do


acusado, uma vez que os meios de “averiguação” de culpa não levavam em conta
provas sólidas e concretas, e sim questões espirituais e religiosas, e o acusado, para
“provar” sua inocência, tinha que, por exemplo, caminhar em brasas e, se restasse
com os pés queimados, era considerado culpado (BOSCHI, 2004, p. 98).

1Meio usado para expiar(-se); penitência, castigo, cumprimento de pena; sofrimento compensatório
de culpa
14

Este período perdurou por vários séculos, tendo ficado conhecido como “a
idade das trevas”, visto que foi um período dominado pela igreja católica, que tinha
como principal característica a crueldade e desproporcionalidade das penas
impostas, seja na imposição, seja na execução, segundo destaca o autor Boschi
(2004, p. 98).

Mais tarde, com a queda do Império Romano e o fim do período conhecido


como Idade Média, junto com a decadência do poder da Igreja Católica, a pena
passa a não mais ser exercida como um instrumento de controle e punição dos
delitos cometidos contra os preceitos religiosos. Contudo, a principal característica
da pena dessa época passada – a crueldade – segue como regra no período que
sucedeu a Idade Média, servindo agora como meio de punição dos delitos de acordo
com os preceitos da Monarquia, como será a seguir exposto (CORSI, 2016).

1.1.3 A pena na idade moderna

Nesse período iniciou-se uma nova forma de punir, a pena, então, era
aplicada para demonstrar o poder e soberania do monarca, sem a mínima proporção
com o delito cometido. Contudo, conforme já destacado, mantinha a sua principal
característica, qual seja, a crueldade, de acordo com o que ensina Corsi (2016).

Ainda segundo o mesmo autor, as Ordenações do Reino tinham dispostas


penas severas, com o objetivo de intimidar a população e reafirmar o poder do
soberano. Essas sanções tinham como intuito alertar para que as ordens do Rei
fossem obedecidas, sendo que o seu não cumprimento ofendia a pessoa do
monarca. Com o movimento iluminista e os ideais da Revolução Francesa, surgiu
um novo meio de punir, uma forma mais justa e humana, pondo fim ao absolutismo
dos reis, o que será em seguida analisado (CORSI, 2016).

1.1.4 A pena na idade contemporânea

A Revolução Francesa foi um marco no sistema punitivo, uma vez que suas
ideias liberais e humanitárias refletiram diretamente na imposição das sanções
corporais. Em consequência, surgiu um novo modo de sanção, o recolhimento
15

penitenciário, ou seja, a pena privativa de liberdade. Nesse sentido, “penitenciária –


local onde a pena privativa de liberdade é executada – deriva exatamente de penar,
de penitência” (BOSCHI, 2004, p. 97, grifo do autor).

Nesse contexto, a Declaração dos Direitos do Homem de 1789, refletiu


diretamente no sistema punitivo, as penas cruéis e desproporcionais impostas até
então foram sendo abandonadas, e tornou-se necessária a imposição de novas
penas, surgindo assim penas mais justas e humanas, conforme destaca Corsi
(2016).

Após essa breve explanação acerca da origem e evolução histórica da pena


em um contexto amplo, para alcançar os objetivos do presente trabalho, é
importante destacar como se deu essa evolução histórica do sistema punitivo
brasileiro, o que será objeto de estudo no próximo subitem.

1.1.5 A evolução histórica do sistema punitivo brasileiro

No Brasil, segundo Boschi (2004, p. 145), o primeiro sistema punitivo


implantado foi trazido pelos portugueses e regido pelas Ordenações Afonsinas (1500
a 1514), Manuelinas (1514 a 1603) e Filipinas (1603). Este sistema era tão cruel
quanto ao vigente da Europa à época, isto por que teve grande influência da igreja.
Conforme, destaca Dotti (1988, p. 46) “sobre o corpo e o espirito dos acusados e dos
condenados se lançavam as expressões mais cruentas da violência dos homens e
da ira dos deuses”. Desse modo, de acordo com Boschi (2004, p. 145), as sanções
impostas nas Ordenações espalharam a crueldade, o horror do direito penal da
Idade Média.

O direito penal instituído nas Ordenações, ficou marcado por uma ampla
gama de condutas tipificadas como crime e sua vasta forma de punição, que tinha
como característica principal a crueldade, além de seu objetivo à retribuição e à
exemplaridade. Nesse sentido, Boschi (2004, p. 146) menciona algumas sanções
dispostas nas Ordenações: a multa, o confisco, a queimadura com tenazes ardentes
e a pena capital. Essa última se divide como: pena de morte “natural” (o condenado
expiava o crime e após era enforcado), a de morte “natural pelo fogo” (eram
16

submetidos a garrote e, depois, lançado a chamas), a de morte “natural cruelmente”


(ficavam ao arbítrio do executor) e a de “morte natural para sempre” (ficava
pendente a forca, até cair podre ao chão). Esse contexto de horror vivenciado
durante as Ordenações significou um dos períodos mais cruéis e impiedosos, assim
como ocorreu no período da Idade Média, conforme já mencionado.

Conforme ensina Boschi (2004, p. 147), com a ascensão das ideias do


movimento iluminista e da Revolução Francesa, o sistema punitivo brasileiro começa
a passar por uma forte modificação, que refletiu diretamente na imposição das penas
cruéis, visando uma pena mais justa e humanitária. Diante disso, surgiu um novo
modo de sanção, a pena privativa de liberdade.

Importante destacar que, apesar da pena privativa de liberdade ter sido


estabelecida a partir dos ideais da Revolução Francesa, como principal meio de
sanção, ensina Santos (2016) que:

A instalação da primeira prisão brasileira consta na Carta Régia de


1769, que manda estabelecer uma Casa de Correção no Rio de
Janeiro, na época as Ordenações Filipinas decretavam a Colônia
como presídio de degredados. A prática do degredo foi um
mecanismo pelo qual os portugueses procuravam purgar seus
pecados na Colônia. O Brasil era comumente conhecido como região
onde os pecadores deveriam pagar suas dívidas. (SANTOS, 2016).

Ainda, a Constituição de 1824 trouxe em seu texto, disposições acerca de


uma nova modalidade penal, além de outras determinações. Essa nova modalidade
adaptou a prisão ao trabalho e determinou a separação dos réus conforme seus
crimes, além de impor que as prisões deveriam ser limpas, arejadas e seguras, de
acordo com Santos (2016).

Com o advento do Código Criminal de 1830, foram impostas novas sanções,


tais como a pena de multa, porém foram mantidas muitas penas consideradas
cruéis, conforme ensina Boschi (2004, p. 146-147). Importante destacar que havia
duas correntes doutrinárias, uma com um pensamento liberal e humanitário, que
defendia a eliminação das penas cruéis, e a outra, que defendia a manutenção
dessas penas, conforme destaca Neder (2016).
17

Segundo Boschi (2004, p. 147-148), o Código Penal de 1890, influenciado


pelas ideias liberais, consagra o fim das penas degradantes no Brasil, limitando a
pena de liberdade, a qual até então poderia ser perpétua, para no máximo trinta
anos, além de consagrar os seguintes regimes penais: prisão celular, banimento,
reclusão, prisão com trabalho obrigatório, prisão disciplinar, interdição, perda do
emprego público e multa, e cada modalidade deveria ser cumprida em
estabelecimento específico.

Cabe destacar que ainda no Código Penal de 1890, as prisões tinham como
estrutura ideal, de acordo com Santos (2016), “segurança dos detentos; higiene
apropriada ao recinto da prisão; segurança por parte dos vigilantes e guardas;
execução do regime carcerário aplicado; inspeções frequentes às prisões”,
entretanto, a realidade dos presídios existentes era outra. Em que pese o Código
estabelecesse o cumprimento dos quesitos acima mencionados, os presídios, devido
a sua precariedade não tinham condições de segui-los. O legislador, ciente da
realidade do sistema carcerário à época, introduziu nas disposições gerais que
“enquanto não entrasse em inteira execução o sistema penitenciário, que engloba a
pena de prisão celular e a de prisão com trabalho, por exemplo, estas seriam
cumpridas nos estabelecimentos penitenciários existentes, segundo o regime atual.”
(SANTOS, 2016).

O Decreto-Lei nº 2.848 de 1940, institui o atual Código Penal Brasileiro,


que limitou o poder de punir do Estado, manteve a pena privativa liberdade como o
meio principal de punir, preservou a pena de multa e as penas acessórias e
proporcionou que a pena aplicada aos deficientes mentais fosse cumulada com
medidas de segurança, conforme ensina Boschi (2004, p. 148).

Ainda de acordo com Santos (2016):

O período que sucedeu após as reformas que se deram nos anos 30


e 40 foram de poucas aberturas para reformulações no pensar do
sistema penitenciário. Porém, as tentativas de se construir uma
legislação federal cujo escopo seria a criação de um novo modo de
execução penal e a reforma de um sistema penitenciário que
pudesse garantir os direitos básicos aos apenados não cessaram, de
forma alguma. Pelo menos três anteprojetos de legislação
18

penitenciária foram indicados ao congresso para avaliação, os de


Oscar Stevenson (1957), Roberto Lyra (1963) e Benjamin Moraes
Filho (1970) (DOTTI, 2009).

Segundo Santos (2016), no período da ditadura militar, essas temáticas foram


deixadas em segundo plano. Somente ao final da década de 1970 e no início da
década de 1980, se desencadearam condições para uma reforma legislativa.

A Lei 6.416 de 1977 declarou a necessidade da individualização das


penas e de se classificarem os apenados conforme a prática delituosa, além de
introduzir a regra de progressividade do regime e adicionar requisitos para a
manutenção a prisão em flagrante, de acordo com Boschi (2004, p. 149). Ainda,
como destaca o mesmo autor, em 1984 houve uma grande reforma na parte geral do
atual Código Penal. Esta reforma foi instituída pela Lei 7.209 de 1984, com o
principal objetivo de incorporar em nosso ordenamento penal a mais avançada
concepção de direito, visando a instauração de novas sanções e declarando a
extinção da retribuição do mal do crime, voltando-se para a prevenção e a
ressocialização do criminoso, para que volte a reintegrar a sociedade da qual foi
retirado.

A Constituição Federal de 1988, prevê o sistema de penas que vigoram no


pais, em seu artigo 5º, inciso XLVI e alíneas, contém o rol de penas permitidas, tais
como a privação ou restrição da liberdade, perda de bens, multa, prestação social
alternativa e suspensão ou interdição de direitos2. Já o inciso XLVII e alíneas,
apresenta as penas proibidas, quais sejam, pena de morte (salvo em caso de guerra
declarada), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis 3.

Por fim, com relação ao atual cumprimento das penas, a regularização se dá


pelo Código Penal brasileiro, que dispõe que quanto mais grave for o crime, mais
alta será a pena. Após uma contextualização da origem da pena e sua evolução,

2 XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou
restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou
interdição de direitos.
3 XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84,

XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis


19

adentraremos ao estudo dos princípios constitucionais que norteiam o ordenamento


jurídico penal.

1.2 Os princípios constitucionais penais

Conforme destacam Callegari e Wermuth (2010, p. 119), as normas penais,


em especial no que diz respeito a realidade brasileira contemporânea, devem ser
construídas sob preceitos constitucionais, respeitando os direitos e garantias
fundamentais.

Nesse contexto, os princípios de direito penal indicam uma ordenação ao


sistema de normas, e servem como base para a interpretação, integração,
conhecimento e aplicação do direito positivo. Assim, as leis penais devem seguir os
princípios e garantias, para não se tornarem meramente simbólicas, mas sim
efetivas.

Os princípios constitucionais penais estão explícitos ou implícitos no sistema


normativo, ou seja, os explícitos são os que estão escritos, expressos em lei, e os
implícitos, ainda que não expressos, figuram subentendidos no ordenamento
jurídico. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 traz em seu texto, uma vasta
gama de direitos e garantias fundamentais, consagrando princípios gerais aplicáveis
a todos os ramos do Direito, denominados de Princípios Constitucionais, servindo de
orientação para a produção legislativa. Dentre estes, encontramos, igualmente, os
princípios explícitos e implícitos específicos do Direito Penal, que configuram como
verdadeiras garantias penais.

Os objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito são expressos


pelas principais garantias constitucionais e, por este motivo, devem ser observadas
pelo direito penal quando da criação da legislação. Palazzo (1989, p. 23) esclarece a
diferença entre os princípios de direito penal constitucional e princípios (ou valores)
constitucionais pertinentes à matéria penal ao afirmar que:

Os primeiros apresentam um conteúdo típico e propriamente


penalístico (legalidade do crime e da pena, individualização da
20

responsabilidade etc.) e, sem dúvida, delineiam a “feição


constitucional” de um determinado sistema penal, a prescindir,
eventualmente, do reconhecimento formal num texto constitucional.
Tais princípios, que fazem parte, diretamente, do sistema penal, em
razão do próprio conteúdo, têm, ademais, características
substancialmente constitucionais, enquanto se circunscrevam dentro
dos limites do poder punitivo que situam a posição da pessoa
humana no âmago do sistema penal. [...] “Os princípios (ou valores)
pertinentes à matéria penal”, se atêm à específica matéria
constitucionalmente relevante (economia, administração pública,
matrimônio e família), da qual traçam, frequentemente, os grandes
rumos disciplinadores. Embora sejam princípios de condição
obviamente constitucional, seu conteúdo se revela heterogêneo e,
por isso, não exatamente característicos do direito penal; impõem-se
tanto ao legislador civil, ou administrativo, como ao penal.

Conforme destacam os autores Callegari e Wermuth (2010, p.120), após a


Constituição de 1988, os princípios constitucionais de defesa dos direitos individuais,
ou direitos humanos, nem sempre têm sido observados, uma vez que se passou de
uma intervenção mínima a uma política de intervenção máxima, tendo como
fundamento a insegurança que vive a sociedade. Nessa perspectiva, Callegari e
Wermuth (2010, p.120 e 121), ensinam que:

A pena em muitos casos já não é mais a última razão e o mesmo


vale para os bens jurídicos protegidos, pois, como se verifica, a nova
tendência incriminadora é a de proteção de bens jurídicos que antes
estavam destinados a outras áreas do Direito (Civil, Administrativo,
etc.).

Segundo Carvalho (1992, p.57), o direito penal, para ser um direito justo
numa determinada sociedade, exige adequar-se aos valores assim considerados
pela Constituição desta sociedade. Ainda, Palazzo (1992, p. 87), corrobora com este
entendimento:

podemos dizer que da influência desses princípios constitucionais


deve originar-se uma tendência à secularização do direito penal,
secularização não identificada apenas na vitória de certas
incrustações do sistema, de feição especificamente religiosa, mas
como tendência bem mais racional que busca ajustar a intervenção
penal a situações efetivamente ofensivas das condições objetivas de
existência da sociedade civil, e a excluir, em consequência, os fatos
reprováveis de um ponto de vista apenas ideológico.

Para Callegari e Wermuth (2010, p.119-120), as legislações penais devem ser


construídas sob forte base de garantias, isto é, a legislação em especial os preceitos
21

incriminadores devem respeitar os direitos e garantias fundamentais estabelecidos


na Carta Política, de forma explícita ou implícita. Desse modo, destacam os mesmos
autores que, na construção das leis penais os fundamentos devem ser racionais, ou
seja, a legislação penal deve seguir os princípios e garantias e ser efetiva e não
meramente simbólica.

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 5º, caput,
sobre o princípio constitucional da igualdade. Este princípio é considerado um dos
mais importantes elencados de forma explícita em nossa Constituição, disposto em
diversos artigos, serve como base essencial para o nosso ordenamento jurídico. O
princípio da igualdade perante a lei consiste em tratar os diferentes sempre como
iguais, não os eximindo das consequências civis ou penais dos atos ilícitos que
eventualmente praticou. Assim, Boschi (2004, p. 51) destaca que o princípio da
igualdade perante a lei não possui conteúdo material, mas sim formal.

O princípio da igualdade atua em duas vertentes: perante a lei e na lei. O


primeiro compreende o dever de aplicar o direito no caso concreto. Já o segundo,
pressupõe que as normas jurídicas não devem conhecer distinções, exceto as
constitucionalmente autorizadas. Nesse contexto, este princípio atua em dois
campos distintos: em um deles, frente ao legislador ou ao próprio Poder Executivo,
na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias,
impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que
se encontram em situação idêntica. Em outro, na obrigatoriedade ao intérprete,
basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira
igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião,
convicções filosóficas ou políticas, raça e classe social (BOSCHI, 2004 p. 51).

Ainda, conforme destaca Luisi (2003, p. 183-184) o artigo 5º, caput, de forma
implícita, dispõem sobre o princípio da necessidade e da proporcionalidade, ao se
garantir aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, “a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade”. Deste modo é
evidente que as privações ou restrições desses direitos “invioláveis” só se justificam
quando estritamente necessários.
22

Segundo o autor, “as penas, em suas várias espécies formas de privação


e/ou restrição desses direitos invioláveis, só se justificam quando a resposta penal é
meio indispensável para a proteção de um determinado bem jurídico.” Assim,
quando as outras modalidades de sanções previstas no ordenamento jurídico se
mostrarem insuficientes, é legitimado o uso de sanção penal. Outrossim, a privação
e a restrição desses direitos invioláveis, só será legítima quando constituir o meio
necessário para a efetiva proteção de um determinado bem jurídico, ou seja, há de
ser proporcional a importância do bem. (LUISI, 2003).

Luisi (2003, p. 57) ainda destaca que os princípios constitucionais relativos ao


direito penal têm como objetivo limitar a interferência penal, fixando fronteiras
inderrogáveis. Expõem, a rigor, as exigências do Estado de Direito, limitando a
atividade penal do Estado no sentido de garantir a inviolabilidade do direito à
liberdade e de outras prerrogativas individuais. Entretanto, as Constituições
contemporâneas têm, ao lado dos princípios, uma série de diretrizes destinados a
aumentar a incidência do direito criminal no sentido de fazê-lo um instrumento de
proteção de direitos coletivos, para que se atendam às exigências de Justiça
material.

De acordo com Luisi (2003, p. 58), estes tipos de normas constitucionais têm
sido nomeadas “cláusulas de criminalização”, sendo algumas expressas e
inequívocas, e outras facilmente deduzíveis do contexto das normativas
constitucionais. Nesse contexto, a nossa Carta Magna de 1988, é farta, de cláusulas
que ordenam criminalização, além de outras que impõem tratamento severo e
extraordinário a certas modalidades de delitos. A título de exemplos o artigo. 5º,
dispõem no inciso XLI, “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdades fundamentais”. No inciso XLII, do referido artigo prevê “a prática do
racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito a pena de reclusão nos
termos da lei”. Já no inciso XLIII, do mesmo artigo, a lei ordena que seja punido
como crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, a prática de tortura, o
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo, os crimes hediondos,
respondendo por eles os mandantes, executores e omitentes.
23

Assim, os princípios constitucionais, em especial os penais, são pressupostos


que servem de orientação ao legislador infraconstitucional, no sentido de determinar
a elaboração de normas incriminadoras quando efetivamente necessárias para
proteção de determinado bem jurídico. Nesse sentido, busca-se o equilíbrio entre a
conduta e a pena. Ou seja, pretende-se que o direito penal seja chamado para atuar
somente nos casos em que se verifica imprescindível sua aplicabilidade, pois o que
se busca não é a impunidade, mas a aplicabilidade útil e efetiva. Todavia, o direito
penal e a política criminal, devem ser compreendidos em conjunto para em certa
medida se ter a intervenção penal mais constitucional. O que adiante o estudo
propõe é aprofundar o tema a partir do estudo dos princípios constitucionais penais,
pois como vimos a lei penal não pode ser elaborada num contexto simbólico
casuístico de emergência. É necessária a participação da sociedade, envolvimento
social e proporcionalidade na elaboração das leis.

1.2.1 O princípio da igualdade

A igualdade em sentido amplo, segundo Boschi (2004, p. 46), pode ser


entendida em diversos aspectos, tal como em igualdade entre os indivíduos, todos
são iguais, a igualdade entre os indivíduos perante a lei, no sentido de ninguém está
acima da desta, e a igualdade na lei, nesse sentido a lei não pode consagrar
desigualdades.

O princípio da igualdade perante a lei consiste em tratar os diferentes sempre


como iguais, como destaca a Constituição Federal em seu artigo 5º, não os eximindo
das consequências civis ou penais dos atos ilícitos que eventualmente praticou.
Desse modo, Boschi (2004, p. 51) destaca que o princípio da igualdade perante a lei
não possui conteúdo material, mas sim formal.

Nesse contexto, destaca Boschi (2004, p. 52) que deve se observar que
apesar desse sentido de igualdade perante a lei, não resta inviabilizado o
reconhecimento da diferença, uma vez que as leis foram feitas para o homem e não
ao contrário. Assim, podemos analisar os artigos 29 e 59 do Código Penal, o
primeiro dispõe que, quem concorre para o crime incide nas penas a este
24

cominadas, na medida da sua culpabilidade. Já o segundo prevê a regulamentação


da culpabilidade, levando em consideração o princípio da individualização da pena.

Assim, ensina Moraes (1999, p. 65) que “vedar as diferenciações arbitrárias,


as discriminações absurdas, pois o tratamento dos casos desiguais, na medida em
que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça”, é em síntese, o
princípio da igualdade perante a lei e desse modo se exerce a Justiça Distributiva.

O princípio de igualdade na lei consiste em tratar os iguais como iguais e os


desiguais como desiguais na medida de suas desigualdades. Este princípio limita o
legislador em editar leis criando ou aumentando as diferenças entre os indivíduos.
Nesse caso, segundo Boschi (2004, p. 54), o legislador além de estar proibido de
aprovar leis que criem ou aumentem as diferenças, tem a obrigação de produzir leis
que reduzam as desigualdades em sentido amplo, a exemplo da Lei 8.112 de 1990,
que assegura 20% das vagas em concursos públicos aos portadores de deficiência.

1.2.2 O princípio da humanidade

Para conceituar o princípio da humanidade, é necessário mencionar a


clássica obra do pensador iluminista Cesare Beccaria, “Dos delitos e das penas”,
que é um verdadeiro marco no processo de humanização das penas. Nesse sentido,
destaca o autor:

[...] os dolorosos gemidos do fraco, sacrificado à ignorância cruel e


aos opulentos covardes; os tormentos atrozes que a barbárie inflige
por crimes, sem provas, ou por delitos quiméricos; o aspecto
abominável dos xadrezes e das masmorras, cujo horror é ainda
aumentado pelo suplício mais insuportável para os infelizes, a
incerteza; tantos métodos odiosos, espalhados por toda parte,
deveriam ter despertado a atenção dos filósofos, essa espécie de
magistrados que dirigem as opiniões humanas. (BECCARIA, 2013, p.
20).

Nesse contexto, segundo o autor surge a necessidade de limitar as


arbitrariedades e atrocidades do Estado na época. Diante disso, levanta o pensador,
entre outras, as bandeiras do princípio da legalidade, do princípio da
25

proporcionalidade, bem como a necessidade de humanização das penas, ou seja, o


princípio da humanidade.

Esse princípio, de acordo com Luisi (2003, p. 46-47), teve origem com as
ideias do movimento iluminista dos séculos XVII e XVIII. Os pensadores iluministas
defendiam a transformação do Estado, partido de duas ideias fundamentais, de um
lado a existência de direitos inerentes a condição humana e de outro lado a
elaboração jurídica do Estado como se tivesse origem em um contrato, no qual os
direitos humanos seriam respeitados. Nesse sentido, o direto penal vincula as leis
que limitam as sanções, sem penas degradantes.

Com a criação do Estado pelos ideais iluministas, os direitos humanos


passaram a integrar as constituições. A nossa Constituição Federal de 1988,
segundo Luisi (2003, p. 47), consagrou em diversos dispositivos este princípio, tais
como, no artigo 5º, em seus incisos. Ainda, destaca o mesmo autor, o inciso XLIX
que garante ao apenado o respeito a integridade física e moral, o inciso seguinte,
dispõe que o Estado deve fornecer condições para que as mulheres condenadas
durante o período de amamentação possam permanecer com seus filhos. Já no
inciso XLVII do mencionado artigo, conforme ensina Boschi (2004, p. 56), é onde se
vê, com maior destaque, o princípio da humanidade, destacando a proibição das
penas: de morte (salvo em caso de guerra declarada); de caráter perpetuo; de
trabalhos forçados; de banimentos e cruéis.

De acordo com Franco (2007, p. 59):

o princípio da humanidade da pena, na Constituição brasileira de


1988, encontrou formas de expressão em normas proibitivas
tendentes a obstar a formação de um ordenamento penal de terror e
em normas asseguradoras de direitos de presos ou de condenados,
objetivando tornar as penas compatíveis com a condição humana.

Segundo Luisi (2003, p. 50-51), é importante não esquecer que é através da


pena que a sociedade responde as agressões que sofre com o cometimento de um
delito. Nesse sentido, destaca que o princípio da humanidade não pode obscurecer
a natureza punitiva da sanção penal. Contudo, todas as relações humanas que
disciplina o direito penal devem estar emanadas do princípio em comento, uma vez
26

que preserva as garantias e os direitos fundamentais do indivíduo, principalmente no


que diz que respeito à imposição da pena e na sua execução.

1.2.3 O princípio da legalidade

O princípio de legalidade, conforme ensina Luisi (2003, p. 17), se divide em


três postulados: o primeiro quanto as fontes das normas penais, é o da reserva legal;
o segundo diz respeito a declaração dessas normas, é o da determinação taxativa;
já o terceiro dispõe sobre a validade dessas disposições penais no tempo, é a
irretroatividade.

Conforme Boschi (2004, p. 58, grifo no autor):

A expressão reserva legal expressa idéia [sic] de confinamento do


crime e da criminalidade à definição realizada nos tipos penais – à
tipicidade – ou seja, à prática de conduta em consonância plena com
o enunciado no preceito primário da norma incriminadora, sem o que
não há o que a doutrina denomina de jurídica do pedido (art. 43, I, do
CPP). Daí a denominada e conhecida função política de garantias
dos tipos penais.

A Constituição Federal de 1988, é clara em seu artigo 5º, inciso XXXIX, no


que diz respeito ao postulado da reserva legal, prevendo que “não há crime sem lei
anterior que o defina e nem pena sem previa cominação legal.” (BRASIL, 1988).

Destaca Luisi (2003, p. 18-19) que este preceito historicamente foi


consagrado nas Constituições dos anos de 1824, 1891, 1934, 1946, 1967 e na
Emenda Constitucional nº 1 de 1969. Ainda, corrobora o mesmo autor que a origem
deste princípio é incerta, uma vez que há divergência doutrinaria, havendo autores
que sustentam que o postulado da Reserva Legal teve origem no direito romano, e
outros afirmam que sua origem se deu através da Magna Carta Inglesa de 1215, por
dispor que nenhum individuou poderá ser preso ou ser privado de sua propriedade
sem ser pelo julgamento de seus semelhantes. Ainda, outros penalistas reconhecem
que este princípio teve origem no direito medieval.

No entendimento de Luisi (2003, p. 19), é a partir das ideias do movimento


iluminista que surge o princípio da Reserva Legal, fundamentado na teoria do
27

contrato social do iluminismo. Nesse contexto, conforme o mesmo autor, esta teoria
faz do Estado um mero instrumento de garantia, fazendo com que a missão do
Estado se limite, basicamente, a proteção efetiva desses direitos. Assim, se insere o
princípio da Reserva Legal, uma vez que somente a lei pode estabelecer que
determinado fato constitui delito e a pena a ele aplicada.

O postulado da Reserva Legal tem como objetivo, além de limitar o poder


punitivo do Estado na lei, dar ao direito penal uma função de garantia, visto que traz
de forma expressa o delito e a pena corresponde, assegurando ao indivíduo que só
será punido se cometer fato definido como delituoso na lei.

A determinação taxativa, o segundo postulado do princípio da legalidade, de


acordo com Luisi (2003, p. 24):

expressa a exigência de que as leis penais, especialmente as


de natureza incriminadora, sejam claras e o mais possível
certas e precisas. Trata-se de um postulado dirigido ao
legislador ventando ao mesmo tempo a elaboração de tipos
penais com a utilização de expressões ambíguas, equivocas e
vagas de modo a ensejar diferentes e mesmo contrastantes
entendimentos.

Ainda, o mesmo autor destaca que, sem essa dedução, o princípio da


legalidade não alcançaria seu objetivo, uma vez que ele reduz o coeficiente de
variabilidade subjetiva na aplicação da lei, eis que a norma estará dotada de clareza
e certeza, afim de evitar formas diferencias e arbitrárias na sua aplicação.

O terceiro postulado do princípio da legalidade diz respeito à validade dessas


disposições penais no tempo, e se trata da irretroatividade, que consiste segundo
Boschi (2004, p. 59), no fato de que as leis penais não projetam seus efeitos em
fatos anteriores a sua vigência. O mesmo autor destaca que as leis processuais
também são regidas pelo mesmo princípio. Contudo, segundo Boschi (2004, p. 59),
este postulado não é absoluto, pois, no que se refere as leis penais mais benignas
ao autor do delito, as normas podem retroagir mesmo no período de vacatio legis.

Conforme ensina Bitencourt (2011, p. 48-49, grifo do autor):


28

A irretroatividade, como princípio geral do Direito Penal moderno,


embora de origem mais antiga, é consequência das ideias
consagradas pelo Iluminismo, insculpida na Declaração Francesa
dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Embora
conceitualmente distinto, o princípio da irretroatividade ficou desde
então incluído no princípio da legalidade, constante também da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. Desde que
uma lei entra em vigor até que cesse a sua vigência rege todos os
atos abrangidos pela sua destinação. Entre estes dois limites [...]
situa-se a sua eficácia. Não alcança, assim, os fatos ocorridos antes
ou depois dos dois limites extremos: não retroage e nem tem ultra-
atividade [sic]. É o princípio tempus regit actum.

Nesse sentido, destaca Luisi (2003, p. 26-27) que a partir da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, as constituições vêm consagrando expressamente
o princípio em comento. No Brasil, a primeira constituição a consagrar esse princípio
foi a Constituição de 1934, e, desde então, constou em todas as demais Cartas. A
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XL, dispõe que “a lei penal
não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.” (BRASIL, 1988). Ainda, segundo
Bitencourt (2011, p. 49), as leis temporárias e excepcionais são ultra ativas,
constituindo uma exceção ao postulado da irretroatividade, ou seja, mesmo
esgotado o seu período de vigência, terão aplicação aos fatos ocorridos em sua
vigência.

1.2.4. O princípio da pessoalidade e da individualização da pena

O princípio da pessoalidade, conforme destaca Boschi (2004, p. 61) prevê


que a pena só pode atingir o condenado, não podendo ser transferida para terceiro.
No entanto, nem sempre foi assim, e como já mencionando anteriormente, na fase
pré-clássica, a punição de um agente alcançava a todos. Mais tarde, com a vingança
privada, o ofendido poderia punir todo o clã a qual pertencia o ofensor. Após isso,
durante o Brasil Imperial, as penas poderiam ser transmitidas aos filhos e
descendentes do agressor.

Este princípio constou, de acordo com o mesmo autor, inicialmente na


Declaração dos Direitos do Homem de 1789 e tem sido reafirmado em nosso
29

ordenamento até a atual Constituição, que prevê, em seu artigo 5º, inciso XLV, que
nenhuma pena passará da pessoa do condenado.

Conforme destaca Luisi (2003, p. 52), apesar do princípio da pessoalidade


prever que a pena não passará da pessoa do condenado, ela pode afetar terceiros,
como, por exemplo, esposa e filho que dependiam do condenado, e, após a
condenação deste ela se vê obrigada a prostituir-se para garantir sua subsistência e
de seu filho. Contudo, essas situações não afrontam o princípio da pessoalidade.

O princípio da individualização da pena está previsto na Constituição Federal


de 1988, no artigo 5º, inciso XLVI, que dispõe o seguinte: “A lei regulará a
individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou
restrição da liberdade; b) perda de bens; c) prestação social alternativa; d)
suspensão ou interdição de direitos” (BRASIL 1988).

De acordo com Luisi (2003, p. 52), o processo de individualização da pena se


dá em três fases: legislativa, judicial e o executório ou administrativo. A primeira fase
através da lei, que fixa para cada tipo penal uma ou mais sanções proporcionais a
gravidade do delito, ou seja, o legislador elege a conduta que será tipificada como
crime e, observando a gravidade desta, fixa parâmetros mínimo e máximo da sanção
penal. Nessa fase são estabelecidas todas as variáveis que possibilitarão a posterior
individualização da pena na fase judicial.

A segunda fase, é a individualização judiciária, ou seja, é a fase de aplicação


das leis estabelecidas pela fase legislativa, como destaca Luisi (2003, p. 53), o juiz
vai fixar qual das penas é aplicável, se pode ser ou não ser substituída, e acertar o
seu quantitativo entre o máximo e o mínimo, além de determinar como se dará a
execução, no caso concreto. Segundo o mesmo autor, as regas que devem orientar
o magistrado estão previstas em lei, todavia o juiz é possui certa discricionariedade,
uma vez que o juiz, nos limites da lei, realiza a tarefa de ajustamento do tipo penal
em função não só de circunstancias objetivas, mas também da pessoa do
denunciado e do comportamento da vítima. Nesse sentido, poder discricionário é
vinculado, uma vez que o magistrado está preso aos parâmetros da lei e dentro
deles poderá fazer opções para chegar a uma justa aplicação da lei penal.
30

Já a terceira fase, é a execução, onde efetivamente a individualização


judiciaria será concretizada, nesse contexto, destaca Nogueira (1993, p. 3):

A execução é a mais importante fase do direito punitivo, pois de nada


adianta a condenação sem que haja a execução da pena imposta.
Daí o objetivo da execução penal, que é justamente tornar exeqüível
ou efetiva a sentença criminal, que impôs ao condenado determinada
sanção pelo crime praticado.

Esta fase de individualização da pena, conforme destaca Luisi (2004, p. 55)


pode ser denominada de individualização administrativa ou executória, e está
disposta na Constituição Federal de 1988, em diversos artigos, tais como o inciso
XLIX, do artigo 5°, que dispõe: “é assegurado aos presos o respeito à sua
integridade física e mental” (BRASIL 1988).

1.2.5 O princípio da culpabilidade

O princípio da culpabilidade é um dos princípios mais consagradas nas


constituições contemporâneas, conforme ensina Luisi (2003, p. 72). A característica
da “culpabilidade”, no entanto, somente aparece, conforme o mesmo autor, em um
momento mais evoluído da história da espécie humana. A partir do século XIX,
somente, é que procurou-se construir um direito penal à margem da culpabilidade.
Nesse contexto, a fim de preservar o princípio da culpabilidade, muitos Estados
Democráticos inseriram este princípio em seus textos constitucionais, sendo pioneira
a Constituição Italiana de 1947. No âmbito do direito brasileiro, a primeira
Constituição a tratar deste princípio foi a atual Constituição Federal de 1988.

Conforme preceitua Bitencourt (2011, p. 46), o conceito de culpabilidade para


o direito penal possui um triplo sentido. Em primeiro lugar, a culpabilidade como
fundamento de pena, diz respeito à análise de ser ou não possível a aplicação de
uma sanção penal ao autor de um fato ilícito e típico. Nesse sentido, para que seja
possível a punição do autor, necessária a presença de alguns requisitos, tais como:
a capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta.
Estes requisitos constituem elementos positivos decisivos do conceito de
culpabilidade, e a ausência destes requisitos impedem a aplicação da pena. O
31

segundo sentido, refere-se à culpabilidade como elemento da determinação ou


medição da pena.

Ainda conforme o mesmo autor, a culpabilidade serve como limite da pena,


impedindo que a sanção penal seja imposta além da medida prevista pela ideia de
culpabilidade, somada a outros critérios. Por fim, o terceiro sentido, tem-se a
culpabilidade como conceito contrário à responsabilidade objetiva. Refere-se ao
princípio de culpabilidade que impede a responsabilidade objetiva, ou seja, ninguém
responderá por um resultado imprevisível se não houver culpa ou dolo.
(BITENCOURT 2011, p. 46).

1.2.6 princípio da intervenção mínima

De acordo com Boschi (2004, p. 63), o princípio da intervenção mínima


consiste na ideia de que o direito penal só deveria intervir em ultima ratio e na
defesa de bens jurídicos relevantes após se esgotarem todas as políticas
administrativas.

Nas palavras de Luisi (2003, p. 39):

só se legitima a criminalização de um fato se a mesma constitui meio


necessário para a proteção de um determinado bem jurídico. Se
outras formas de sanção se revelam suficientes para a tutela desse
bem, a criminalização é incorreta. Somente se a sanção penal for
instrumento indispensável de proteção jurídica é que a mesma se
legitima.

Ensina o mesmo autor que as legislações contemporâneas constitucionais e


penais não trazem em seu texto o princípio em comento de forma explícita. Contudo,
trata-se de um princípio inerente a outros princípios que estão explícitos no texto da
Constituição, com fundamentos do Estado de Direito.

Por se tratar de um princípio emanado dos ideais Iluministas, foi consagrado


no texto da Declaração dos Direitos do Homem, com intuito de reduzir a legislação
em geral, especialmente a legislação penal. Conclui-se, portanto, que o legislador,
durante a criação de tipos penais, terá presente que direito penal deverá intervir o
32

mínimo possível no ordenamento social, ou seja, a norma penal deverá ser criada
somente quando for estritamente indispensável, quando já esgotadas todas as
demais possibilidades jurídicas de sanar o problema (LUISI, 2003, p. 46).

1.2.7. O princípio da ofensividade

Ensina Bitencourt (2011, p. 52) que, para que se possa tipificar um crime,
necessário haver perigo concreto de dano a bem jurídico a ser tutelado. Em outras
palavras, se justifica a intervenção penal do Estado somente em havendo dano
efetivo e concreto a esse bem de interesse social relevante.

Para Callegari e Wermuth (2010, p. 128):

Partindo-se do pressuposto de que a função do Direito Penal é a


proteção de bens jurídicos, é correto afirmar que todo delito deve
comportar a lesão ou colocação em perigo de um bem jurídico,
exigindo, consequentemente, no momento de aplicação da lei penal,
que o comportamento concreto que será julgado tenha lesionado ou
colocado em perigo o bem jurídico.

Nesse contexto, destacam os mesmos autores, que o princípio da


ofensividade, possui uma “dupla influência” do princípio da lesividade, em parte
sobre o legislador, que é o que indica o bem jurídico a tutelar; e por outra parte
sobre o magistrado que terá de comprovar que o fato lesionou ou colocou em perigo
bem jurídico protegido pela norma, caso em que isso não ocorra deverá ser
declarada a sua atipicidade.

Para Bitencourt (2011, p. 52-53), essas duas funções não devem ser vistas
como incomunicáveis e, tampouco, inalteráveis, e sim como funções que se
complementam, visto que “quando, por exemplo, o legislador, no exercício da sua
função legislativa, criminalizar condutas ignorando a necessidade de possuírem
conteúdo lesivo, como exige o princípio em exame, essa omissão deve,
necessariamente, ser suprida pelo juiz ou interprete.”

Segundo Mateu (apud CALLEGARI E WERMUTH, 2010, p. 129), o princípio


da ofensividade ou lesividade requer que não exista delito sem lesão ou perigo de
33

um bem jurídico, ou seja, limita o poder punitivo do Estado, uma vez que o legislador
não pode proibir ou obrigar o indivíduo a realizar ou não condutas que não resultem
em lesão ou perigo ao bem jurídico tutelado. Ainda, destaca o mesmo autor, que o
princípio em tela, não necessita somente da dignidade formal, mas, também, a
material, isto é, o bem jurídico deve tratar-se de um valor assumido socialmente e
ser suscetível de destruição, de ser lesionado ou posto em perigo, necessitando
assim da tutela penal.

Por fim, Callegari e Wermuth (2010, p. 130) destacam ainda que para se
aplicar corretamente o direito em espécie, é necessário que se leve em
consideração os princípios da proporcionalidade, que será exposto em sequência, e
da ofensividade, no que tange ao bem jurídico para que se tenha a correta medição
da pena aplicada e, também a correta tipificação da conduta realizada.

1.2.8 O princípio da proporcionalidade

Segundo Boschi (2004, p. 75), o princípio da proporcionalidade surge no


século XVIII com a ideia de limitar o poder do Estado medieval e de humanizar as
penas, perpassando e fixando raízes nos ideais iluministas, evoluindo, até alcançar
o nível constitucional atual, limitando o poder dos juízes na esfera do poder
judiciário, os governantes quanto ao poder executivo e aos legisladores no que diz
respeito ao poder legislativo.

O princípio da proporcionalidade, como preceitua Callegari e Wermuth (2010,


p. 120), origina o princípio subsidiariedade da intervenção penal, uma vez que a
pena é utilizada como última razão, portanto a utilização da sanção penal somente
será aplicada quando se tratar de bens jurídicos importantes e para prevenir danos
sociais.

Nesse contexto, ensina Beccaria (2013, p. 71):

O interesse de todos não é somente que se cometam poucos crimes,


mas também que os delitos mais funestos à sociedade sejam os
mais raros. Os meios que a legislação emprega para impedir os
crimes devem, pois, ser mais fortes, à medida que o delito é mais
34

contrário ao bem público e pode tornar-se mais comum. Deve, pois,


haver uma proporção entre os delitos e as penas.

Segundo Callegari e Wermuth (2010, p. 120), o princípio da


proporcionalidade, nem sempre vem sendo respeitado na construção de uma política
criminal que preserva os diretos fundamentais do ser humano, principalmente após a
Constituição de 1988, que marca a elaboração da legislação penal
infraconstitucional, com a passagem da política de intervenção mínima para uma
política de intervenção máxima, fundamentada na alegada insegurança da
sociedade.

De acordo com o mesmo autor, o princípio da proporcionalidade não se


encontra de forma expressa na Constituição Federal e, no âmbito do direito penal,
pouco se fala neste princípio. Contudo, o referido princípio encontra-se previsto
quando o legislador proíbe, de forma expressa, na Constituição Federal as penas
desumanas ou degradantes. Diante disso, o legislador fica limitado a não impor
estas espécies de pena, uma vez que violaria a dignidade da pessoa humana. Por
outro lado, deve estabelecer penas proporcionais à gravidade do delito (CALLEGARI
E WERMUTH 2010, p. 120).

Analisada a origem e a contextualização histórica da pena, bem como os


princípios constitucionais que norteiam o direito penal no nosso ordenamento
jurídico, cumpre-se que foi proposto no presente capítulo. Conforme o que foi
estudado pode-se verificar que a pena nem sempre foi utilizada para o mesmo fim,
sendo no começo utilizada como vingança corporal, aplicando-se penas cruéis e que
não se limitavam à pessoa do apenado. Após, na Idade Média, como vingança
divina e, por fim, como uma tentativa de ressocializar o preso, aplicando-se penas
mais humanas e justas.

E nesse contexto é que se pretende no capítulo seguinte adentrar de uma


maneira mais aprofundada no que tange a Lei de Execução Penal, em especial sua
origem e evolução histórica, bem como seu objeto e finalidade, além dos direitos e
deveres previstos em seu texto. Ademais faz-se necessária uma abordagem do atual
35

sistema penitenciário e sua situação, observando se a pena vem cumprindo a sua


principal finalidade, a ressocialização.
36

2 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL: A CRISE DO ATUAL SISTEMA PRISIONAL


BRASILEIRO

No presente capítulo, pretende-se analisar no que consiste a execução penal


e sua evolução histórica, bem como o objeto e finalidade da Lei de Execução Penal,
Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - a LEP. Ainda nesse contexto, serão
analisados os direitos e deveres dos presos, tanto dos condenados quanto dos
provisórios, assim como a atual e tão comentada crise do sistema penitenciário
brasileiro.

Em um primeiro momento, apresentaremos o conceito e a natureza jurídica


do Direito da Execução Penal no Brasil, e analisaremos como se deu a evolução da
execução da pena em nosso sistema. Em seguida adentraremos ao estudo do
objeto e da finalidade da Lei de Execução Penal. Após, será feita uma análise dos
direitos e deveres constantes no texto da Lei e, por fim, apresentaremos uma breve
explanação acerca do suposto caos no nosso sistema prisional brasileiro.

2.1 Conceito e evolução histórica da execução penal no Brasil

A execução penal e individualização executória da pena é a fase do processo


penal em que se faz valer a punição imposta em sentença condenatória penal, que
pode ser uma pena privativa de liberdade, pena restritiva de direitos ou pena
pecuniária. Para Nucci (2016, p. 949), após o trânsito em julgado da decisão que
impôs a punição, momento em que se passa do processo de conhecimento para o
processo de execução, a sentença se torna um título executivo judicial. Ensina o
mesmo autor que, embora este processo executório seja especial, devido a
particularidades que um típico processo executório não possui, não deixa de ser
neste momento processual que o Estado faz valer a pretensão punitiva, agora em
forma de pretensão executória.

No dizer de Avena (2015, p. 3):

a execução penal pode ser compreendida como o conjunto de


normas e princípios que tem por objetivo tornar efetivo o comando
37

judicial determinado na sentença penal que impõe ao condenado um


pena (privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa) ou
estabelece medida de segurança.

A natureza desta execução penal vem sendo muito discutida no âmbito


doutrinário, visando definir exatamente sua posição, seus métodos e seus limites.
Para muitos doutrinadores, a natureza da execução penal é puramente jurisdicional.
Já outros entendem ser essa natureza puramente administrativa, visto que estão
presente preceitos do direito penal, direito processual penal e direito administrativo.
Neste sentido, afirma Giovanni Leone (apud MIRABETE, 2004, p. 19) que:

a função da execução penal deita raízes entre três setores distintos:


no que respeita a vinculação da sanção do direito subjetivo estatal de
castigar, a execução entra no direito penal substancial; no que
respeita à vinculação como título executivo, entra no direito
processual penal; no que toca à atividade executiva verdadeira e
própria, entra no direito administrativo, como nas providências de
vigilância e nos incidentes de execução

Na mesma linha de pensamento, destaca Andreucci (2010, p. 276) que para


os doutrinadores que defendem a natureza da execução penal como puramente
jurisdicional “a fase executória tem o acompanhamento do Poder Judiciário em toda
sua extensão, sendo garantida, desta forma, a observância dos princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa”. Já para a corrente que acredita
ser puramente administrativa, ”a execução penal tem caráter administrativo, não
incidindo, portanto, os princípios atinentes ao processo judicial.” (ANDREUCCI 2010,
p. 276).

No Brasil, a execução penal é considerada de natureza mista, ou seja,


jurisdicional e administrativa, como preceitua o Código de Processo Penal de 1941.
Isto significa que uma parte da atividade da execução se refere especificamente a
providências administrativas pertencentes exclusivamente as autoridades
penitenciarias e, por outro lado, desenvolve-se a atividade judicial da execução de
competência do juízo. Nesse sentido, conforme Grinover (1987, p. 7), a execução
penal é uma atividade complexa, que se desenvolve, conjuntamente, nos planos
jurisdicionais e administrativo, ou seja, dessa atividade participam dois poderes
38

estaduais, o Judiciário e o Executivo, por intermédio dos órgãos jurisdicionais e dos


estabelecimentos penais.

Diante desse caráter misto e dos limites ainda não totalmente elucidados da
matéria, afirma Mirabete (2004, p. 20) que, vencida a crença de que o direito da
execução penal é predominantemente administrativo, deve-se reconhecer, em razão
de sua autonomia, a sua natureza híbrida. Nesse contexto, destaca-se a importância
da autonomia do direito de execução penal, uma vez que, conforme Nucci (2016, p.
951), essa denominação foi adotada na Exposição de Motivos da Lei Execução
Penal (Lei nº 7.210/84), com o intuito de cuidar da execução da pena aplicada,
envolvendo todos os aspectos pertinentes para tornar efetiva a sanção punitiva.
Ainda, segundo o mesmo autor, apesar de se tratar de uma ciência autônoma com
princípios próprios, jamais se desvincula do Direito Penal e do Direito Processual
Penal, por razões intrínsecas a sua existência.

No dizer de Mirabete (2004, p. 22-23):

ao dispor o art. 1º da Lei de Execução Penal que a execução penal


tem por objetivo “efetivar as disposições da sentença ou decisão
criminal e proporcionar condições para harmônica integração social
do condenado e do internado”, resulta claramente que não se trata
apenas de um direito voltado à execução das penas e medidas de
segurança privativas de liberdades, como também às medidas
assistências, curativas e de reabilitação do condenado, o que leva à
conclusão de ter-se adotado em nosso direito positivo o critério da
autonomia de um Direito de Execução Penal em vez do restrito
Direito Penitenciário.

Conforme ensina Nucci (2016, p. 951), a denominação de Direito


Penitenciário torna-se insuficiente, pois, na medida em que a LEP estabelece
normas que regulam não somente execução da pena privativa de liberdade, mas
também as penas alternativas e outros aspectos da execução penal, tais como
indulto, anistia e a liberdade condicional, entre outros, enfraquece-se, ainda mais, o
seu caráter de direito penitenciário, fortalecendo, portanto, um Direito da Execução
Penal.

Segundo Mirabete (2004, p. 23-24), muitas foram as tentativas de formular


uma codificação a respeito de normas de execução penal até a promulgação da Lei
39

de Execução Penal (Lei nº 7.210 de 1984), a primeira tentativa foi o projeto de


Código Penitenciário da República, de 1933, que, no entanto, foi abandonado por
discrepar sobremaneira com Código Penal promulgado em 1940. A doutrina,
entretanto, desde aquela época destacava a necessidade de uma lei de execução
penal, uma vez que o Código Penal e o Código de Processo Penal não
regulamentavam adequadamente a execução da pena e de medidas privativas de
liberdade.

Desse modo, de acordo com Avena (2015, p. 2), em 1957 foi aprovada a Lei
nº 3.274, que dispunha sobre normas gerais de regime penitenciário. Esta norma,
contudo, não prosperou, visto que carecia de eficácia por não estabelecer sanções
para eventual descumprimento das regras e princípios contidos no texto da lei.
Diante disso, no mesmo ano, foi apresentado um anteprojeto ao Código
Penitenciário, o qual, por vários motivos, também fora abandonado.

Nos anos de 1963 e 1970, novas tentativas de estabelecimento de legislação


sobre a matéria foram feitas, porém, nenhuma logrou êxito. Somente no ano de
1981 uma comissão de juristas, instituída pelo Ministro da Justiça, apresentou novo
anteprojeto da Lei de Execução Penal. Referido projeto foi analisado por uma
comissão revisora e, em 1983, o projeto foi encaminhado ao Congresso Nacional,
sendo, então, aprovada a Lei de Execução Penal, sob o nº 7.210, e promulgada em
11 de julho de 1984, entrando em vigor no ano de 1985 (MIRABETE, 2004).

A Lei de Execução Penal, hoje, é referência para a execução da pena, em


especial no que diz respeito a seu objeto e finalidade, além de estabelecer como se
dará o cumprimento da pena dentro do cárcere, limitando o poder do Estado ao
estabelecer os direitos e deveres dos condenados.

2.2 Objeto e finalidade da Lei de Execução Penal

De acordo com Mirabete (2004, p. 28), o artigo 1º da LEP possui duas ordens
e finalidades, a primeira refere-se a correta efetivação dos mandamentos existentes
na sentença ou decisão criminal, com objetivo de reprimir e prevenir os delitos. A
segunda diz respeito a reintegração do condenado e do internado a sociedade,
40

através de instrumentos pelos quais os apenados e os submetidos a medidas de


segurança possam participar construtivamente da comunhão social. Nesse sentido,
o objeto do Direito de Execução Penal, apesar de algumas contradições entre a
cominação e aplicação da pena e sua execução, dirigiu-se ao estudo do
desenvolvimento de métodos para a execução da pena como defesa social e
ressocialização do condenado.

Nesse sentido, ensina Mirabete (2004, p. 28):

O sentido imanente da reinserção social, conforme estabelecido na


lei de execução, compreende a assistência e ajuda na obtenção dos
meios capazes de permitir o retorno do apenado e do internado ao
meio social em condições favoráveis para a sua integração, não se
confundindo “com qualquer sistema de ‘tratamento’ que procure
impor um determinado número e hierarquia de valores em contraste
com os direitos da personalidade do condenado.”

A Lei de Execuções Penais buscou traçar o caminho para que o condenado


pudesse não só se tornar um cidadão recuperado, através de direitos e deveres que
será mais aprofundado no decorrer do trabalho, mas também em ter um tratamento
digno e humano durante a privação da sua liberdade, o que possibilitaria a sua
reinserção social.

A pena, como já mencionado no capítulo anterior, é a sanção imposta ao


indivíduo que pratica uma conduta criminosa nos termos do Código Penal e,
segundo Avena (2015, p. 6), possui duas finalidades, envolvendo aspectos
retributivo e preventivo, sendo que a primeira finalidade, de caráter retributivo,
consiste na resposta estatal à infração cometida e a segunda no sentido de evitar a
prática de novos delitos.

Nesse mesmo contexto, segundo Nucci (2016, p. 952), essa finalidade


preventiva se divide em quatro aspectos: o geral positivo, que demostra a existência,
eficiência, legitimidade e validade do Direito Penal; o geral negativo, que intimida a
quem pensa em delinquir, ou seja, é o poder de intimidação da punição em relação a
sociedade; o especial positivo, que se refere ao condenado, objetiva-se a prevenção
individual positiva, isto é, ressocializar o condenado com sua reintegração à
41

sociedade após o cumprimento de sua pena; e, por fim, o especial negativo, que
significa a possibilidade de ser recolher, quando for o caso, o condenado ao cárcere
para que não torne a praticar outras condutas delitiva.

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, em seu texto legal, proíbe,


conforme já exposto no capitulo anterior, penas cruéis que vão além da privação da
liberdade do indivíduo, como a tortura física e moral, o que, além de significar um
avanço na busca da humanização da pena, possibilita a reinserção social do
indivíduo. De acordo com Nucci (2016, p. 953), o estudo da execução penal deve
estar ligado aos princípios constitucionais penais e processuais penais, os quais
indicam uma ordenação ao sistema de normas, e servem como base para a
interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito punitivo.

Conforme já mencionado no decorrer deste trabalho, o princípio da


humanidade, segundo Nucci (2016, p. 952-953), está previsto em nosso texto a
constitucional, envolvendo não apenas o Direito Penal, mas também o Direito da
Execução Penal. Nesse seguimento a Lei de Execução Penal abarca este princípio,
ao dispor em seus artigos que a pena não ultrapasse a privação da liberdade
condenado, ou seja, que não atinja a sua dignidade, integridade física, entre outros
direitos. Entretanto, conforme destaca o mesmo autor e como veremos no decorrer
deste trabalho, este princípio e outros contemplados pelas Lei de Execução Penal,
não vem sendo observado pelo Estado.

Em que pese já tenhamos tratado acerca dos princípios constitucionais penais


e que fundamentam, também, Direito da Execução Penal, merece destaque o
princípio da jurisdicionalidade, disposto expressamente na Lei de Execução Penal.
O Artigo 2º da LEP, dispõe que “A jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da
Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de
execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal.” (BRASIL,
1984)

Avena (2015, p. 10), afirma, que é a partir deste artigo que se percebe que a
execução penal é regida pelo princípio da jurisdicionalidade, isso significa que na
pratica a intervenção do juiz não se esgota com o transito em julgado da sentença
42

condenatória, estendendo-se ao processo de execução. Mirabete (2004, p. 32),


destaca que esta intervenção do juiz, na execução da pena, é eminentemente
jurisdicional, contudo, sem a exclusão de atos administrativos que acompanham as
atividades do magistrado.

Ainda, reforçando a importância não só do princípio da jurisdicionalidade, mas


de todos princípios que já foram analisados no capítulo anterior, e que fundamentam
o Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito da Execução Penal, colaciona-se
decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul:

EMENTA: EXECUÇÃO DA PENA - JURISDICIONALIZAÇÃO -


LIVRAMENTO CONDICIONAL - SUSPENSÃO - REVOGAÇÃO - A
LEP CONSAGROU A JURISDICIONALIZAÇÃO DA PENA. O
CONDENADO DEIXOU DE SER - OBJETO - E PASSOU A -
SUJEITO – DA EXECUÇÃO. ASSIM, O CONTRADITÓRIO
(CONST., ART. 5., LV) NÃO PODE SER OLVIDADO.
COMPREENDE TANTO O PROCESSO JUDICIAL COMO O
ADMINISTRATIVO. A SUSPENSÃO DO LIVRAMENTO
CONDICIONAL ANTECEDE A SENTENÇA CONDENATÓRIA
TRANSITADA EM JULGADO. A REVOGAÇÃO, CONTUDO,
DEPENDE DE SENTENÇA FIRME. EM QUALQUER CASO,
POREM, IMPÕE-SE O DIREITO DE DEFESA (BRASIL, 1994).

EMENTA: EXECUÇÃO PENAL. NATUREZA JURÍDICA. NA


ESTEIRA DA DOUTRINA ITALIANA E, ENTRE NÓS, DA DE
ESPINOLA FILHO E ADA GRINOVER, COM O ADVENTO DA LEI
N.º 7.210/84, EMBORA A PRÁXIS POSSA INDICAR O
CONTRÁRIO, ANTE A INICIATIVA DE OFICIO, A PRECARIEDADE
DA DEFESA E A ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES PERICIAIS COMO
RAZOES DE DECIDIR, A EXECUÇÃO PENAL DEIXOU DE SER
ATIVIDADE ADMINISTRATIVA PARA, JURISDICIONALIZANDO-SE,
REGER-SE PELO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL,
EM NOME DA NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CONSEQUÊNCIAS. SENDO
DE NENHUM EFEITO A CONCESSÃO OU CASSAÇÃO DE
DIREITOS FORA DO PROCEDIMENTO JUDICIAL A QUE ALUDE O
ARTIGO 194 DA LEP, MESMO PORQUE SUPRIME A
INTERVENÇÃO FISCALIZATÓRIA DO MP, NÃO E O CASO,
ENTRETANTO, DE REVOGAR-SE O TRABALHO EXTERNO
CONCEDIDO VERBALMENTE PELO JUIZ AO PRESO PORQUE,
APÓS A INSTAURAÇÃO DA CORREIÇÃO PARCIAL, A QUESTÃO
FOI FORMALIZADA EM PROCEDIMENTO PRÓPRIO, QUE
CONTOU COM PARECER FAVORÁVEL DA DOUTORA
PROMOTORA DE JUSTIÇA SUBSTITUTA DA VARA DE
EXECUÇÕES (RIO GRANDE DO SUL, 2001).
43

Nota-se que, segundo Mirabete (2004, p. 33), as garantias jurídicas


estabelecidas ao condenado, não devem ser apenas aquelas em que se relacionam
com a lei de execução, mas também devem se estender a autoridade encarregada
de aplica-la, logo surge a necessidade de se ter um juiz para a execução penal,
assegurando, assim o controle jurisdicional sobre a execução da pena, conforme o
disposto na exposição de motivos da LEP. Ademais, conforme já mencionamos
acima quando tratamos da natureza jurídica da execução penal, este princípio da
jurisdicionalidade, reafirma o caráter complexo da execução e sua natureza mista e
não meramente administrativa.

Por fim, quando mencionamos o artigo 2º da Lei de Execução Penal,


importante destacar o disposto em seu parágrafo único, que prevê que os presos
provisórios e aqueles condenados pela Justiça Eleitoral ou Militar, que sejam
recolhidos a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária, também terão a execução
da pena regida pela LEP (BRASIL, 1984). Nesse sentido, Nucci (2016, p. 953-954)
menciona que se o réu é detido cautelarmente antes do trânsito em julgado da
sentença, ficando recolhido em penitenciária, deve submeter-se às regras que
regem a execução penal, desde que compatíveis com a natureza de sua prisão.
Logo, é assegurada a sua integridade física e moral, assim como a mesma
assistência que o condenado tem direito.

2.3 Direitos e deveres dos presos

Segundo Mirabete (2004, p. 113), o cumprimento da pena privativa de


liberdade e medida de segurança é emanado pelo princípio de que o condenado é
sujeito de direito e não está excluído da sociedade, mas sim continua fazendo parte
desta. Deste modo, as relações jurídicas devem ser impostas ao condenado tão-
somente aquelas limitações que correspondam à pena que lhe foi cominada. Neste
sentido, como contraprestação, devem ser estabelecidos pela lei os deveres
mínimos elementares que devem ser obedecidos pelos indivíduos privados de sua
liberdade.

Para Avena (2015, p. 61), o condenado está vinculado ao cumprimento das


obrigações decorrentes da pena imposta. Essa vinculação, de acordo com o mesmo
44

autor, está disposta no artigo 3º da LEP que menciona que, tanto o condenado,
quanto o internado, terão assegurados todos aqueles direitos que não sejam
atingidos pela sentença ou pela lei. Assim, além das obrigações da própria
penalidade imposta, a LEP apresenta outras obrigações, tais como as elencadas
nos artigos 384 e 395, da LEP.

De acordo com Mirabete:

Segundo a exposição de motivos da Lei de Execução Penal, “a


instituição dos deveres gerais do preso (art. 38) e do conjunto de
regras inerentes à boa convivência (art. 39) representa uma tomada
de posição da lei em face do fenômeno da prisionalização, visando a
depurá-lo, tanto quanto possível, das distorções e dos estigmas que
encerra” e, por isso, “sem característica infamante ou aflitiva, os
deveres do condenado se inserem no repertório normal das
obrigações do apenado como ônus naturais da existência
comunitária.” (MIRABETE, 2004, p. 113).

O artigo 39 da LEP, conforme Avena (2015, p. 61-62), apresenta um rol de


deveres dos condenados e dos presos provisórios, no que couber, cuja violação
pode acarretar na aplicação de sanções disciplinares e interferir na avaliação do
mérito, pela administração carcerária e pelo juízo, para a concessão de eventuais
benefícios. A fim de possibilitar um melhor entendimento acerca dos deveres dos
apenados, faz-se necessária uma análise um pouco mais específica sobre cada um
deles, o que será feito, ainda que de maneira sucinta, em seguida.

Avena (2015, p. 62) apresenta um rol contendo os deveres mencionados no


artigo 39 e seus incisos. O primeiro dever diz respeito ao comportamento disciplinar
e ao cumprimento fiel da sentença, o que, conforme o autor, reflete diretamente
quando da apreciação dos benefícios carcerários, tais como a progressão de regime

4 Art. 38. Cumpre ao condenado, além das obrigações legais inerentes ao seu estado, submeter-se
às normas de execução da pena.
5 Art. 39. Constituem deveres do condenado: I - comportamento disciplinado e cumprimento fiel da

sentença; II - obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se; III -
urbanidade e respeito no trato com os demais condenados; IV - conduta oposta aos movimentos
individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina; V - execução do trabalho,
das tarefas e das ordens recebidas; VI - submissão à sanção disciplinar imposta; VII - indenização à
vitima ou aos seus sucessores; VIII - indenização ao Estado, quando possível, das despesas
realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho; IX -
higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento; X - conservação dos objetos de uso pessoal.
Parágrafo único. Aplica-se ao preso provisório, no que couber, o disposto neste artigo.
45

e o livramento condicional que exigem, além do cumprimento mínimo da pena, o


chamado bom comportamento carcerário. Também, impõe o mesmo dispositivo o
cumprimento fiel da sentença, o que abrange não somente a obediência a pena
imposta, mas como também aos efeitos da sentença condenatória previstos nos
artigos 916 e 927 do Código Penal.

O segundo dever, conforme Mirabete (2004, p. 115), diz respeito à obediência


ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem o apenado deva se relacionar,
isto é, o condenado deve respeito aos agentes penitenciários, autoridades judiciárias
e administrativas, seja dentro ou fora do estabelecimento penitenciário, bem como a
qualquer pessoa com quem se relacione como, por exemplo, os visitantes
implicando o afrontamento a essas obrigações na prática de falta grave, conforme
artigo 50, inciso VI8 da LEP.

O terceiro dever, ainda de acordo com o mesmo autor, refere-se à urbanidade


e respeito no trato com os demais condenados. Esse dever observa a conduta
correta que o interno deve ter com seus companheiros de prisão, ou seja, respeitá-
los e aprender a conviver com os demais apenados. A inobservância deste dever
pode gerar uma falta disciplinar.

Conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de


subversão à ordem ou à disciplina caracteriza-se como o quarto dever que deve ser

6 Art. 91 - São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo
crime; II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: a) dos
instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou
detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua
proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. § 1º Poderá ser decretada a perda de
bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados
ou quando se localizarem no exterior. § 2º Na hipótese do § 1o, as medidas assecuratórias previstas
na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado
para posterior decretação de perda.
7 Art. 92 - São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato

eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos
crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b)
quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais
casos; II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos,
sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado; III - a inabilitação para
dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Parágrafo único - Os
efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na
sentença.
8 Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: [...] VI - inobservar os

deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.


46

observado pelo apenado, de acordo com Avena (2015, p. 62). Esse dever refere-se
à atuação do condenado no sentido de liderar, organizar ou participar dos
movimentos voltados à fugas, motim, tumultos, rebeliões e conflitos. A inobservância
do disposto neste inciso poderá ser considerada como falta de natureza grave,
conforme expresso no artigo 50, inciso I da LEP. Entretanto, a lei não exige que o
apenado denuncie às autoridades, e tampouco que intervenha junto aos demais a
fim de evitar que eles participem de tais movimentos.

A execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas é o quinto dever


que o condenado deve seguir. Conforme Avena (2015, p. 62), o trabalho,
devidamente remunerado, é obrigatório ao condenado a pena privativa de liberdade,
e tem como finalidade a ressocialização, visando a reintegração para a vida em
sociedade após o término da pena. Entretanto, não se pode confundir o trabalho
remunerado aqui mencionado com trabalhos forçados, os quais são
constitucionalmente proibidos.

O sexto dever elencado no artigo 39 da LEP diz respeito, segundo


ensinamento de Mirabete (2004, p. 116), à submissão à sanção disciplinar imposta,
isto é, os condenados devem acatar as sanções disciplinares regularmente
impostas, sejam elas de natureza grave, média ou leve. A recusa ou resistência a
esta submissão poderá constituir conforme a lei, uma nova falta disciplinar, sem
prejuízo da execução da primeira. Contudo, se a sanção disciplinar não for imposta
de acordo com o procedimento previsto em lei, o apenado tem o direito de a ela se
opor.

A indenização à vítima ou a seus sucessores, conforme o mesmo autor,


sétimo dever elencado no artigo supramencionado, é a reparação prevista na lei
penal ou civil. Nesse sentido, é possível descontar da remuneração pelo trabalho do
condenado uma parte, a qual será destinada à indenização, desde que isto seja
determinado judicialmente. Todavia, referida indenização é devida mesmo nos casos
em que o interno não exerça qualquer trabalho durante o cumprimento da pena e,
ainda assim, é dever do apenado satisfazê-la. Ainda, o oitavo dever trata da
indenização devida perante o Estado, quando possível, das despesas realizadas
com sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho.
47

Esse desconto não prejudica a destinação prevista na lei, para indenização à vítima
ou seus sucessores, assistência à família do apenado e despesas pessoais,
conforme artigo 29, § 1º, alínea ‘d’9 da LEP (MIRABETE, 2004).

Por fim, constituem os últimos deveres do condenado, conforme Avena (2015,


p. 63), a higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento, bem como a conservação
dos objetos de uso pessoal. Trata-se do dever de limpeza, tanto pessoal, quanto
coletivo, do local pelo preso ocupado, bem como o dever de cuidado e conservação
dos objetos fornecidos pela administração para uso pessoal do condenado, tais
como vestuário, colchão etc.

Após essa breve explanação dos deveres que os condenados e presos


provisórios devem observar durante o cumprimento da reprimenda, passaremos,
agora, a analisar os direitos que devem ser garantidos aos apenados e presos
provisórios, para a adequada execução da pena.

A Constituição Federal de 1988, de acordo com Marcão (2009, p. 32), em seu


artigo 5º, incisos III e XLIX10, assegura ao condenado tratamento humano e o
respeito à sua integridade física e moral. Neste sentido, corrobora Avena (2015, p.
65) que:

O art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, o art. 40 da LEP e o art. 38


do Código Penal asseguram aos presos (definitivos e provisórios) o
respeito à integridade física e moral. Essas regras harmonizam-se
com outras previstas na Constituição Federal, a exemplo da previsão
de que ninguém será submetido a tortura ou a tratamento desumano
ou degradante (art. 5º, III, da CF); da proibição a penas de morte
(salvo em caso de guerra declarada), de caráter perpétuo, de
trabalhos forçados, de banimento e cruéis (art. 5º, XLVII, da CF).
(grifo do autor)

9 Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a
3/4 (três quartos) do salário mínimo. § 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:
[...] d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em
proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.
10 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à


igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] III - ninguém será submetido a
tortura nem a tratamento desumano ou degradante; [...] XLIX - é assegurado aos presos o respeito à
integridade física e moral;
48

Visando a proteção constitucional e legal à integridade do condenado,


discorreu o Egrégio Superior Tribunal De Justiça, em decisão a Recurso Especial nº
856706/AC, o seguinte:

Ementa: [...] O Estado Democrático de Direito repudia o tratamento


cruel dispensado pelos seus agentes a qualquer pessoa, inclusive
aos presos. Impende assinalar, neste ponto, o que estabelece a Lex
Fundamentalis, no art.. 5º, inciso XLIX, segundo o qual os presos
conservam, mesmo em tal condição, o direito à intangibilidade de sua
integridade física e moral. Desse modo, é inaceitável a imposição de
castigos corporais aos detentos, em qualquer circunstância, sob
pena e censurável violação aos direitos fundamentais da pessoa
humana. Recurso especial provido. (BRASIL, 2010).

Para Mirabete (2004, p. 119), o artigo 40 da LEP prevê o respeito à


integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios, ou seja, estão
protegidos os direitos humanos fundamentais do homem, tais como a vida, a saúde,
a integridade corporal e a dignidade humana. Diante disso, conforme já exposto, a
Constituição Federal de 1988 proíbe os maus tratos, castigos que, por sua
crueldade, conteúdo desumano, degradante, vexatório ou humilhante atentem contra
o princípio da dignidade da pessoa humana.

Nota-se que este princípio não abrange somente a integridade física e moral
do preso, mas também estabelece, conforme ensina Mirabete (2004, p. 119), que,
em todas as dependências penitenciárias e em todos os momentos e situações, as
necessidades de higiene e segurança de ordem material devem ser satisfeitas.
Diante da importância do tema, tanto o Supremo Tribunal Federal, quanto o
Conselho Nacional de Justiça, reiteram este princípio em várias de suas decisões e
resoluções.

A LEP estabelece, em seu artigo 4111, um rol exemplificativo de direitos do


condenado e do preso provisório, os quais serão analisados de forma sucinta mais

11 Art. 41 - Constituem direitos do preso: I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de


trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; V -
proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício
das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis
com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o
advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI -
chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização
49

adiante. Trata-se, segundo Avena, de um rol exemplificativo, pois o artigo 3º 12 da


LEP preceitua que o preso tem direito a tudo aquilo que não lhe é restringido pela
condição de encarcerado.

O primeiro direito elencado no rol do artigo 41 da LEP diz respeito a


alimentação e vestuário (regulado pelo artigo 12 da LEP, que dispõe sobre a
assistência material). De acordo com Mirabete (2004, p. 120), trata-se de regra que
advém do princípio geral de preservação da vida e da saúde do preso, ou seja, do
princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, a administração penitenciária
deve proporcional ao preso uma alimentação controlada e que corresponda em
quantidade e qualidade às normas dietéticas e de higiene. O vestuário, por sua vez,
deve ser apropriado ao clima, para que não seja prejudicada a saúde ou a dignidade
do recolhido, tudo observando o disposto nas regras mínimas da ONU (nº 20.1 e
20.2).

A atribuição de trabalho e sua remuneração, de acordo com Avena (2015, p.


66), não é apenas um dever, como já vimos anteriormente, mas também um direito
do apenado, uma vez que possui um viés ressocializador. Além disso, auxilia na
disciplina e na profissionalização do preso. Ademais, o trabalho é uma oportunidade
permitida por lei de redução da pena, por meio da remição. Ainda, destaca-se que a
remuneração do trabalho do preso poderá ser utilizada para realização de descontos
destinados à indenização do dano, à assistência familiar, à cobertura de pequenas
despesas pessoais e ao ressarcimento do Estado, além de depósitos em caderneta
de poupança, chamados de pecúlio, aos quais o apenado terá direito quando posto
em liberdade.

da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a
qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de
correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e
os bons costumes. XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da
responsabilidade da autoridade judiciária competente. Parágrafo único. Os direitos previstos nos
incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do
estabelecimento.
12 Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela

sentença ou pela lei. Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social,
religiosa ou política.
50

O terceiro direito elencado é o da Previdência Social, ou seja, o preso possui


direito à obtenção dos benefícios da previdência social. Mirabete (2004, p. 121)
ensina que, em que pese o direito à previdência estar estritamente ligado ao direito
ao trabalho, mencionado anteriormente, um detalhe importante deve ser observado:
a LEP não prevê a possibilidade de se descontar da remuneração do preso
contribuição previdenciária, portanto, o direito à previdência social somente poderá
ser exercido pelo preso que, voluntariamente, contribuir com a previdência social,
conforme legislação específica. Além do mais, não se pode impedir que o preso dê
andamento aos procedimentos judiciais ou administrativos referentes à previdência
social que estejam em andamento no momento de sua prisão, devendo ser
oferecida a oportunidade para que possa propor novas ações, formular pedidos e
tomar as previdências necessárias para preservar seus direitos adquiridos antes de
ingressar no cárcere.

Conforme o mesmo autor, o quarto direito é a constituição de pecúlio, que é,


como já dito anteriormente, uma verba depositada em caderneta de poupança a
partir da remuneração do trabalho. Destaca-se que este valor somente é destinado
ao pecúlio após a realização dos descontos necessários, tais como a reparação do
dano, a assistência familiar, a cobertura de pequenas despesas pessoais e o
ressarcimento do Estado (MIRABETE, 2004).

Também é previsto, no dizer de Avena (2015, p. 67), a distribuição


proporcional do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação. Logo, o trabalho
do preso deverá ser realizado em jornada não inferior a seis, nem superior a oito
horas diárias, com descanso nos domingos e feriados. Assim, tempo livre de que
dispõe deve ser ocupado com atividades recreativas que contribuam, não apenas
para a manutenção da disciplina, como também para a ressocialização do
condenado. Ainda na visão do mesmo autor, o legislador dispôs, em vários artigos
da LEP, sobre a recreação do detento, a título de exemplo, cita-se os artigos 2113 e
23, inciso IV14 do referido diploma legal.

13 Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca,
para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.
14 Art. 23. Incumbe ao serviço de assistência social: [...] IV - promover, no estabelecimento, pelos

meios disponíveis, a recreação;


51

Seguindo o estudo dos direitos previstos na LEP, chegamos no direito ao


exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas que o
apenado eventualmente exercesse antes da privação da liberdade. No ponto de
vista de Avena (2015, p. 67), o dispositivo contempla a necessidade de se
proporcionar ao recluso a chance de este prosseguir no exercício das mencionadas
atividades, observando-se, por óbvio, a compatibilidade entre a atividade e a
execução da pena. Na opinião do autor, cabe à administração penitenciária
conceder ao apenado os meios e condições para o exercício das atividades.

O sétimo direito disposto no artigo 21 da LEP, diz respeito à assistência


material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Este direito está previsto
no capítulo II do referido diploma legal e se divide da seguinte forma, segundo o
mesmo autor: a assistência material (art. 12) – consiste no fornecimento de
alimentação, vestuário e instalações higiênicas; a assistência à saúde (art. 14) –
dispõe que o preso terá direito a tratamento médico, odontológico e farmacêutico; a
assistência jurídica (art. 15), dirigida aos presos e internados que não possuem
recursos econômicos para constituir um advogado; a assistência educacional (art.
17) compreende a instrução escolar e formação profissional; a assistência social (art.
22) tem como objetivo amparar e preparar o preso para o retorno ao convívio social
e; a assistência religiosa (art. 24) trata-se da liberdade de culto, permitindo a
participação nas atividades religiosas dentro do estabelecimento prisional, bem
como a posse de livros religiosos.

Para Mirabete (2004, p. 123), o oitavo direito é a proteção contra o


sensacionalismo, que tutela a imagem do preso. O sensacionalismo de noticiários
que tem caráter espetaculoso não só atenta contra o princípio constitucional da
dignidade humana, mas também dificultam a ressocialização do preso. Assim é
proibido a qualquer integrante do sistema de execução penal a divulgação de
ocorrência que exponha o preso a inconveniente notoriedade, no cumprimento da
pena.

De acordo com o mesmo autor, o nono direito disposto é o direito à entrevista


com advogado, direito que se fundamenta na Constituição Federal de 1988, a qual
garante ao acusado a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, bem
52

como assinala que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário
qualquer lesão a direito. Não fosse o direito de entrevista com advogado, as
garantias constitucionais acima referidas não restariam plenamente assegurados
(MIRABETE, 2004).

O décimo direito elencado é o direito de visita de parentes e amigos em dias


determinados. Nas palavras de Avena (2015, p. 68), “é essencial no processo de
reabilitação do apenado a manutenção dos laços que unem a família e os amigos.”
Diante disso, a LEP assegura o direito de visita ao preso, sendo dever da
administração penitenciária regulamentá-la, estabelecendo dias e horários para
realização das visitas. Importante destacar que, apesar de a LEP não dispor
expressamente sobre restrições ao direito de visita, não significa que seja ele
irrestrito, ou seja, conforme o parágrafo único do artigo ora em análise, poderá ele
ser suspenso ou restringido, mediante ato motivado do diretor do estabelecimento
prisional.

Outro aspecto de suma importância é a questão da visita de filhos menores,


regulamentada pela Lei nº 12.962 de 08 de abril de 2014 que, alterando o Estatuto
da Criança e do Adolescente, assegurou a convivência da criança e do adolescente
com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de visitas promovidas pelo
responsável ou entidade, independentemente de autorização judicial.

A chamada visita íntima, que é aquela destinada à satisfação das


necessidades sexuais do preso, na opinião de Avena (2015, p. 69), tem o efeito de
reduzir a tensão interna, favorecendo a disciplina do preso, além de estimular o
vínculo conjugal e familiar e reduzir a violência entre os apenados. Em que pese as
vantagens mencionadas, faz-se necessária a adoção de algumas cautelas, sendo
uma delas a exigência de que o visitante esteja previamente cadastrado e vinculado
a preso determinado.

É também direito do condenado, conforme ensina Mirabete (2004, p. 126) o


chamamento nominal, ou seja, o preso tem o direito de ser chamado pelo próprio
nome, sendo, portanto, vedadas outras formas de tratamento e designação, tais
53

como a baseada em números, alcunhas etc. Esse direito tem como objetivo
preservar a dignidade e intimidade pessoal do preso.

Avena (2015, p. 69) conceitua que o direito a igualdade de tratamento tem


como objetivo a isonomia entre os presos no que tange aos direitos e deveres,
sendo proibido qualquer tipo de tratamento discriminatório por motivo de raça,
posição política, orientação sexual, condição econômica, crença religiosa ou
qualquer outra. Destaca-se, entretanto, que essa isonomia se impõe apenas quando
há igualdade de situações, ou seja, o legislador possibilitou tratamento diferenciado
quando as exigências da individualização da pena assim imporem.

A audiência especial com o diretor do estabelecimento no qual o preso se


achar recolhido também é direito constante no rol ora em estudo. Mirabete (2004, p.
127) afirma que é permitido que o preso entre em contato com o diretor em qualquer
dia da semana, para qualquer reclamação ou comunicação. A observância desse
direito possibilita a diminuição de discriminação e abuso de poder dos agentes
penitenciários, além de possibilitar ao diretor maior controle do que se passa no
estabelecimento.

Também constitui direito do preso, de acordo como Avena (2015, p. 70-71) a


representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito. Essa garantia
legal também encontra amparo na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso
XXXIV, alínea a15. Trata-se da possiblidade de o preso representar e peticionar
diretamente ao poder judiciário ou a qualquer outro órgão público, visando
apresentar reclamações ou realizar postulação de defesa a seu direito.

O décimo quinto direito elencado no rol do artigo 41 da LEP é, segundo


Avena (2015, p. 71-72), o direito a contato por meio de correspondência escrita, da
leitura e outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons
costumes. É direito do preso, portanto, estar informado sobre o que acontece no

15 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXIV - são a todos assegurados,
independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa
de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
54

mundo exterior, seja por meio de correspondência, leituras, televisão, rádio e, até
mesmo, via internet, o que tem sido possibilitado em alguns estabelecimentos
prisionais. Entretanto, cabe à administração carcerária, em prol da segurança, da
disciplina e do objeto de ressocializar o condenado, vedar aos recolhidos o acesso a
determinados conteúdos, a título de exemplo, notícias sobre rebeliões ou motins,
filmes violentos ou relativos ao cometimento de crimes, sites pornográficos, literatura
referente a armas e bombas, entre outros.

Sobre este tema, existe uma questão bastante polêmica que, conforme o
mesmo autor, diz respeito à correspondência do preso em face da segurança do
estabelecimento e da sociedade. Sem intenção de se ater ao tema, porém para
ilustrar o que diz o autor, segue trecho do voto do Min. Celso de Melo, quando
relatando o HC 70814/SP:

a administração penitenciária, com fundamento em razões de


segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da
ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que
respeitada a norma escrita no art. 41, parágrafo único, da Lei
7.210/1984, proceder a interceptação da correspondência remetida
pelos sentenciados, eis que a causa tutelar da inviolabilidade do
sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de
práticas ilícitas. (BRASIL, 1994).

Por fim, conforme ensina Avena (2015, p. 72), o último direito previsto no
artigo em comento é o atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena de
responsabilidade da autoridade judiciária competente. Este direito foi incluído pela
Lei nº 10.713 de 2003, em virtude da necessidade de fornecer ao preso, pelo menos
uma vez por ano, o atestado com o saldo da pena a cumprir, uma vez que o cálculo
da pena não pode se limitar a uma simples operação aritmética diante do sistema de
remição e da unificação de penas.

2.4 A crise do sistema prisional brasileiro

Apesar dos princípios constitucionais penais vigentes que embasam nosso


ordenamento jurídico em especial a nossa legislação penal, que devem ser
observados não somente para a elaboração de leis, mas também no momento de
55

sua execução, o atual sistema penitenciário não consegue aplicar estes princípios
de forma eficaz no cumprimento da pena.

Muitas são as críticas ao atual sistema carcerário brasileiro, alguns juristas


falam, inclusive, na falência total do sistema. Para Ferreira (2016, p. 23), o sistema
prisional está falido desde seu surgimento em nosso país. Afirma o autor que as
prisões são universidades do crime, bem como que o preso sai do sistema muito pior
do que entrou. Segundo o mesmo autor, o preso é um problema social, resultado de
uma família desestruturada, doente e fragmentada, e resultado da ausência de
políticas públicas e do aumento crescente da dependência química, é a certeza de
que algo não vai bem em nosso ordenamento jurídico, econômico e social.

Nas palavras do autor,

a prisão é, por sua vez, uma chaga social, uma ferida aberta, um erro
humano, talhado em concreto e adornado de grades. Como o
avestruz que esconde a cabeça na terra para não ver o perigo, o
Estado estabelece normas e regras criando dificuldades de toda
sorte para evitar a presença da sociedade dentro das prisões, de
modo que ninguém possa saber o que se passa ali dentro. Por outro
lado, a sociedade vê a prisão como um espaço de vingança. Varre o
lixo incômodo para debaixo do tapete, mantendo-se comodamente
afastada das prisões. Não toca na chaga social. Não toca nas feridas
expostas, porque sabe que ao tocá-las poderão acordar as suas
próprias feridas e assim dar-se conta de que seu lugar poderia ser o
lugar do preso. (FERREIRA, 2016, p. 23-24).

Inúmeros são os problemas que levaram à falência de nosso sistema


prisional. Podemos citar como exemplos a falta de infraestrutura, a superlotação e a
ociosidade do preso, entre outros. A superlotação, no entanto, pode ser considerada
o problema que mais afeta o sistema penal brasileiro, visto que, conforme Ribeiro e
Oliveira (2015) deste fenômeno surgem vários outros problemas, de natureza não
menos grave, como é o caso da violência, rebeliões, fugas etc. Conforme menciona
Gomes (2015), “O Brasil parece ter encontrado no encarceramento o caminho para
resolver o problema da violência no país. Prender, tirar das ruas aquelas pessoas
que cometeram algum tipo de delito, aparece como a melhor solução.”
56

Conforme dados consolidados disponibilizados pelo Conselho Nacional de


Justiça (CNJ), a população carcerária, no ano de 2014, data da consolidação, era de
cerca de 563.526 presos, número que não leva em conta os presos em prisão
domiciliar, com um sistema capaz de alojar 357.219 presos, o que ocasionava um
déficit de 206.307 vagas. Outro dado disponibilizado pelo CNJ, referente às
inspeções nos estabelecimentos prisionais, mostra que, houve um grande aumento
nos números antes apresentados, e que, atualmente, o número de pessoas
recolhidas é de cerca de 654.768, sendo que, destas, 244.552 são presos
provisórios, ou seja, ainda estão aguardando julgamento. (BRASIL, 2014)

Nesse contexto, destacam os autores França, Steffen Neto e Artuso (2016, p.


17):

O Brasil é um país com 715 mil pessoas presas (incluindo prisão


domiciliar). Isolado, o número não indica a real dimensão do
problema. Seu vulto só começa a tomar forma quando comparado
com dados como os do relatório do Conselho Nacional de Justiça de
junho de 2014: o número é três vezes maior do que a quantidade de
vagas existentes. Também somos o terceiro país no mundo que mais
prende pessoas, perdendo apenas para os Estados Unidos (2,2
milhões) e a China (1,7 milhões). O primeiro possui um sistema
penitenciário privatizado, em que prender gera lucro para a iniciativa
privada. O segundo é uma ditadura com uma população sete vezes
maior que a brasileira. Em termos relativos, o Brasil possui 2,7% da
população total do mundo, mas 8% da população carcerária, uma
distorção só superada pelos americanos. Prendemos tanto que
superamos muitos países considerados muito mais repressores,
como Rússia (676 mil), Irã (217 mil) ou Indonésia (154 mil). E,
proporcionalmente, somos o país que menos tem vagas no sistema
prisional. Novamente, no Brasil são 715 mil pessoas no cárcere. E
não fazemos ideia de quem elas são.

A referida superlotação viola o Princípio Constitucional da Dignidade da


Pessoa Humana, visto que as celas abrigam um número muito maior de pessoas
que sua capacidade de engenharia prevê, causando, assim, problemas como a falta
de espaço, o calor excessivo, causado pela falta de ventilação, a insuficiência de
colchões, a falta de higiene adequada, dentre outros. Conforme menciona SILVA
(2017), nem mesmo a alternativa muito utilizada de pendurar redes nas celas faz
com que todos possam descansar. Neste contexto, nota-se que, além de violar o
texto constitucional, a superlotação infringe, ainda, o disposto no artigo 88, da LEP,
assim disposto:
57

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá


dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Parágrafo único. São
requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente
pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e
condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área
mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados). (BRASIL, 1984).

O Presídio Estadual de Porto Alegre pode ser considerado o símbolo do caos


do sistema carcerário. Conforme dados do Relatório Final da Comissão de
Cidadania e de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio
Grande do Sul, num espaço projetado para abrigar 1.905 presos, há 4.193, ou seja,
são 2.288 presos acima da capacidade. Deste número, 2.069 são presos
provisórios. Diante da superlotação, só houve um jeito de manter referida casa
prisional em ordem: deixar o gerenciamento interno das galerias nas mãos dos
próprios detentos, que as comandam por meio das facções. Segundo o mesmo
relatório, não há qualquer tipo de separação entre os presos pelo perfil ou natureza
do delito cometido, quando o indivíduo chega na penitenciária, informa à
Administração para qual facção pertence e, a partir da resposta, é definido para qual
galeria será enviado. Outrossim, destaca-se que sequer há separação por celas,
assim, todos circulam livremente no interior da galeria (RIO GRANDE DO SUL,
2015).

De acordo com o relatório:

O gerenciamento desse pessoal geralmente se dá por um “prefeito”,


o qual faz valer o seu poder a partir da influência financeira que o
tráfico de drogas oportuniza. Esse poderio aproveita a omissão do
Estado, paradoxalmente, num espaço de sua custódia, coopta novos
adeptos e mantém os antigos. Isso funciona como uma espécie de
“seguro do preso”. Ele obtém os pertences necessários à sua
sobrevivência diária, que o sistema não prevê, e paga o preço
depois. A facção disponibiliza desde roupas de cama, materiais de
higiene, vestuário, comida até armas e proteção, em troca de
obediência e disciplina. (RIO GRANDE DO SUL, 2015).

Conforme já mencionado, o Presídio Central é apenas um exemplo da


falência do sistema prisional. Em todas as casas prisionais brasileiras, em maior ou
menor grau, encontraremos os mesmos problemas acima reportados. Nesse
58

sentido, podemos destacar, também, as guerras entre facções e as rebeliões que


tem como finalidade a reivindicação de direitos.

Nesse contexto, conforme reportagem veiculada pela Agência Brasil, TV


Brasil e Rádios EBC16, no início do corrente ano, a situação caótica dos presídios
ganhou novos capítulos. Ao menos sessenta presos foram mortos durante uma
rebelião que durou 17 horas, em Manaus, Estado do Amazonas. Na mesma
semana, em Roraima, morreram trinta e três presos. No dia 14 de janeiro, no Rio
Grande do Norte, vinte e seis presos perderam a vida, também em rebelião.

Segundo Rocha (2017), esse massacre dentro das penitenciarias está


diretamente ligada à guerra entre facções e, nas palavras do autor:

revela que a crise acentuada enfrentada pelo sistema penitenciário


Brasileiro está muito longe de acabar. A caça aos Criminosos, com o
uso de armas de fogo por seus desafetos em um ambiente que
supostamente deveria ser seguro, demonstra a incapacidade do
Estado em gerir com eficiência as unidades prisionais.

Ainda destaca o mesmo autor que a superlotação dificulta o controle da


segurança interna das prisões, além de colabora para que as rebeliões aconteçam.
Ademais, há um déficit significativo no quadro de agentes prisionais, fazendo com
que o controle das unidades prisionais fique com os líderes de facções. Nesse
mesmo contexto, conforme já mencionado anteriormente os números comprovam
que os investimentos em construção de novas unidades prisionais são deixados em
segundo plano pelos governantes. E nesse diapasão fica claro que o governo não
tem realizado políticas públicas baseadas em ações emergenciais para reduzir a
superlotação das penitenciárias (ROCHA, 2017).

Para Rocha (2017), “As constantes rebeliões e mortes em unidades prisionais


de vários Estados Brasileiros são lembretes mais que escancarados aos nossos
Governantes de que o pavio está aceso e o tempo de apagá-lo se esgotando.”

16Reportagem: Agência Brasil, TV Brasil e Rádios EBC, Teto e implementação: Líria Jade. Disponível
em: www.ebc.com.br/especiais/entenda-crise-no-sistema-prisional-brasileiro
59

A crise vivida pelo sistema penitenciário brasileiro faz com que seja
necessária a busca por medidas alternativas para execução da pena privativa de
liberdade. Nesse contexto ganha destaque uma nova metodologia que tem se
mostrado mais eficaz no que diz respeito à finalidade da pena, à ressocialização do
condenado, e à reinserção do indivíduo na sociedade, e que será tema do próximo
capítulo, denominado método APAC.
60

3 O CUMPRIMENTO DA PENA OBSERVANDO A METODOLOGIA DA


ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AO CONDENADO - APAC

A APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados –


conforme Ferreira (2016, p. 33) “é uma entidade civil, de direito privado, sem fins
lucrativos, com personalidade jurídica própria, destinada à recuperação e à
reintegração social dos condenados a pena privativa de liberdade.” Ainda segundo o
autor, a APAC apresenta um método de valorização humana, oferecendo ao
condenado condições de se recuperar, buscando, assim, a proteção da sociedade, o
socorro às vítimas e a efetivação da justiça restaurativa.

Conforme será exposto a seguir, o amor, a confiança e a disciplina são


fatores básicos da recuperação do indivíduo, bem como os pilares dessa
metodologia, que tem como objetivo promover a humanização das prisões, sem
perder de vista, porém, a finalidade punitiva da pena. O propósito da metodologia é
evitar a reincidência e oferecer alternativas para a recuperação do condenado,
sempre levando em conta a filosofia “matar o criminoso e salvar o homem”.

Diante disso, é fundamental um estudo mais aprofundado da metodologia


apaqueana. Apesar de não estar diretamente vinculada ao poder público, essa
metodologia está se tornando referência de sistema de execução da pena, visto que
objetiva punir o condenado, privando-o, contudo, apenas de sua liberdade e visando
à sua ressocialização e reintegração à sociedade.

3.1 Conceito e aspectos históricos do método APAC

A metodologia APAC conta, hoje, com mais de 100 unidades espalhadas por
todo o país, seja em funcionamento ou em fase de implantação, além de diversas
unidades no exterior. Esse método tem se mostrado inúmeras vezes mais eficaz do
que o sistema prisional comum, em especial no que tange à finalidade
ressocializadora da pena. Os resultados podem ser visualizados analisando o índice
de reincidência dos recuperandos, que, conforme dados do Conselho Nacional de
Justiça - CNJ, gira em torno de menos de 10%, enquanto no sistema prisional
comum, esse número ultrapassa os 70% (BRASIL, 2017).
61

Dentro da metodologia apaqueana não se usam as denominações


“condenado”, “preso” e “apenado”, e em seu lugar, utiliza-se o termo “recuperando”.
Além disso, não são usadas armas, visto que a segurança interna fica a cargo dos
próprios recuperandos, enquanto que a externa é realizada por monitores
contratados para o serviço, sendo esta a principal diferença com relação ao sistema
comum, notada já no momento em que se entra em um Centro de Reintegração
Social de uma APAC. Outra diferença que chama atenção é a limpeza e a
organização interna do lugar, tarefa exclusiva dos recuperandos.

Destaca-se, conforme Ferreira (2016, p. 33) que a APAC encontra amparo


legal na Constituição Federal de 1988 para atuar nos presídios, bem como dispõem
de estatuto próprio protegido pelo Código Civil e pela Lei de Execução Penal, em
especial no que tange a Execução Penal e na administração do cumprimento das
penas privativas de liberdade, nos regimes fechado, semiaberto, aberto e livramento
condicional.

Para Zeferino (2013, p. 56):

A APAC surge embasada na Lei de Execução Penal, pautando-se


por um novo enfoque no cumprimento da pena, executando a
liberdade progressiva, priorizando a reeducação do encarcerado que
desempenhar os requisitos preliminarmente estabelecidos. A cada
etapa cumprida dos estágios estabelecidos, o encarcerado passa a
ter um acesso maior à liberdade. Sua liberdade é conquistada a partir
da inserção, da aceitação da proposta metodológica, desempenho
satisfatório, disciplina e confiança.

Conforme em consulta ao site da Fraternidade Brasileira de Assistência aos


Condenados – FBAC17, em 1972, na cidade de São José dos Campos, no Estado de
São Paulo, surge a APAC – fundada sob a liderança do advogado e jornalista Dr.
Mário Ottoboni, juntamente com um grupo de amigos, no presídio Humaitá, para
evangelizar e dar apoio moral aos presos. Assim, surgiu uma experiência
revolucionária. A sigla significava Amando o Próximo Amarás a Cristo
(FRATERNIDADE BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS, 2017).

17 FBAC – Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados - é uma associação civil de direito
privado sem fins lucrativos que tem a missão de congregar a manter a unidade de propósitos das
suas filiadas e assessorar as APAC do exterior.
62

A equipe que constituía a Pastoral Penitenciária, no ano de 1974, chegou à


conclusão que somente uma entidade juridicamente organizada seria capaz de
enfrentar as dificuldades do dia a dia do presídio e, assim, foi instituída a APAC -
Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (FRATERNIDADE
BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS, 2017).

Dessa forma, a APAC - Associação de Assistência aos Condenados -


entidade juridicamente constituída, ampara o trabalho da APAC - Amando o
Próximo, Amarás a Cristo – Pastoral Penitenciária, composta por entidades
religiosas, junto aos condenados, respeitando, sempre a crença de cada um, de
acordo com as normas internacionais e nacionais sobre direitos humanos. Nesse
sentido, apesar de distintas, uma ampara a outra, pois têm a mesma finalidade:
ajudar o condenado a se recuperar e se reintegrar no convívio social
(FRATERNIDADE BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS, 2017).

Apesar de ter sido idealizada e fundada na cidade de São José dos


Campos/SP, de acordo com Lima (2017), foi no Estado de Minas Gerais que houve
maior difusão da metodologia, sendo a cidade de Itaúna a pioneira a implantar a
metodologia e estabelecer o Centro de Reintegração Social – CRS18 – no Estado, e,
hoje, é referência nacional e internacional da metodologia apaqueana. Destaca-se,
ainda, que hoje Itaúna conta com dois CRSs, um feminino e outro masculino.

Ferreira (2016, p. 33) diferencia a APAC do sistema carcerário atual,


basicamente, porque nela os próprios presos, denominados recuperando, são
corresponsáveis pela sua recuperação e recebem toda a assistência espiritual,
médica, psicológica e jurídica garantida pela Lei de Execução Penal. Ademais,
salienta que fica a cargo dos recuperandos, com o suporte de funcionários e
voluntários, a segurança e a disciplina do Centro de Reintegração Social – CRS -
sem a presença de agentes penitenciários e policiais.

18 Centro de Reintegração Social – CRS – estabelecimento criado pela a APAC, com o objetivo de
oferecer ao recuperando a oportunidade de cumprir a pena próximo de seu núcleo afetivo, facilitando
a formação de mão de obra especializada, favorecendo assim, a reintegração social, respeitando a
Lei e os direitos do condenado.
63

De acordo com o mesmo autor, a metodologia APAC caracteriza-se por uma


rígida disciplina, baseada no respeito, na ordem, no trabalho, na capacitação
profissional, no estudo e no envolvimento familiar. Nesse contexto, como já exposto,
são pilares da metodologia o amor, a confiança, a valorização do ser humano e a
sua capacidade de recuperação, que diferenciam esse método do sistema comum
de execução da pena.

Segundo Faria (2017) a APAC tem como objetivo a humanização do cárcere,


sem deixar de lado, entretanto, a finalidade punitiva da pena, e objetiva, também,
evitar a reincidência e proporcionar condições para que o condenado se recupere e
consiga a reintegração social.

Para Ferreira (2016, p. 34):

Com o objetivo de promover a humanização das prisões, sem perder


de vista o caráter punitivo da pena, a APAC mantém o propósito de
evitar a reincidência no crime e oferecer alternativas para o
condenado se recuperar, mantendo sempre sua filosofia: “matar o
criminoso e salvar o homem.”

De acordo com Falcão e Cruz (2017), o método APAC tem como base a
valorização humana, buscando reformular a autoimagem do homem que errou. Para
tanto, 12 elementos fundamentais foram estabelecidos, sendo sua observância
indispensável para a aplicação da metodologia, uma vez que é no conjunto
harmonioso desses elementos que serão encontradas respostas positivas para o
problema. A seguir, serão apresentaremos estes 12 elementos, a fim de esclarecer a
função de cada um deles dentro da metodologia em estudo.

3.2 Os 12 elementos da metodologia APAC

Conforme já mencionado, o método APAC é composto de 12 elementos que


devem estar em sintonia para o funcionamento da metodologia. São eles: a
participação da comunidade; recuperando ajudando recuperando; o trabalho; a
espiritualidade a importância de se fazer a experiência de Deus; a assistência
jurídica; a assistência à saúde, a família, o voluntário e o curso para sua formação, o
64

centro de reintegração social, o mérito, a jornada da libertação com Cristo, a


valorização humana.

O artigo 4º da Lei de Execução Penal19 prevê, de acordo com Pinto (2013, p.


22), a cooperação da comunidade nas atividades da execução penal e da medida de
segurança, uma vez que o crime é praticado em um determinado contexto social e
que após o cumprimento da pena o condenado retornará para a mesma
comunidade, a sociedade tem o ônus de contribuir para a execução da pena. Caso
se omitam, assumirão as consequências dessa omissão.

Diante disso, ensina Ferreira (2016, p. 34) que na metodologia APAC a


comunidade está presente desde o primeiro momento, estabelecendo laços e
vínculo com os recuperandos. Diferencia-se do sistema comum por não isolar o
apenado dentro dos muros da prisão, o que o afasta da comunidade. Para o autor,
se a sociedade for mobilizada por meio de audiências públicas, utilizando-se dos
meios de comunicação social, dos testemunhos de recuperando, para conhecer uma
unidade da APAC, com o tempo, as barreiras do preconceito serão rompidas, ou
seja, a ideia de que “bandido bom é bandido morto” não mais vingará naquela
comunidade.

Nas palavras do mesmo autor:

A sociedade necessita, urgentemente, deixar de cometer o grave


equívoco de acreditar em que tão somente prender resolve o
problema, esquecendo-se de que, ao final, cumprida a pena o preso,
que foi abandonado atrás das grades, retornará para o seio da
sociedade com muito mais ódio, revolta e desejos de vingança.
(FERREIRA, 2016, p. 35).

Destaca-se, ainda, que a APAC não nasce por decreto, ou tão somente pelo
desejo de uma autoridade. Ela é o resultado do trabalho da sociedade civil
organizada, por meio das suas diferentes instituições com o objetivo de buscar
alternativas para o problema prisional.

19Art. 4º O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena
e da medida de segurança.
65

O segundo elemento é o recuperando ajudando o recuperando. Este


elemento, conforme Ferreira (2016, p. 35), é essencial, uma vez que, ao despertar
nos recuperandos os sentimentos de responsabilidade, de ajuda mútua, de
solidariedade e de fraternidade e da importância de viver em comunidade, possibilita
que o recuperando seja o protagonista de sua própria recuperação. Dentro desse
contexto, destaca-se o conselho da sinceridade e solidariedade que é constituído
pelos recuperandos, cabendo a eles, também, as tarefas de limpeza, organização,
segurança e disciplina, visando promover a harmonia no ambiente em que vivem.

No mesmo sentido, Vedovotto (2013, p. 243) menciona que o ser humano


nasceu para viver em comunidade, assim, é indispensável a necessidade de um
preso ajudar outro preso, em tudo o que for necessário, para que o respeito e a
harmonia se estabeleçam no ambiente.

É por este mecanismo que o recuperando aprende a respeitar o


semelhante. Como ressaltado, por meio da representação de cela e
da constituição do CSS, composto tão somente de recuperandos,
busca-se a cooperação de todos para a melhoria da segurança da
unidade prisional e para as soluções práticas, simples e econômicas
dos problemas e anseios da população prisional, mantendo-se a
disciplina (VEDOVOTTO, 2013, p. 243).

O trabalho é o terceiro elemento do método. Mesmo exercendo papel


essencial para a ressocialização do recuperando, não resolve o problema sozinho.
Nesse sentido, segundo Ferreira (2016, p. 35), a APAC reconhece o valor do
trabalho para a recuperação do ser humano, contudo, este não pode ser o único
instrumento utilizado. Ademais, o autor menciona que no regime fechado, o objetivo
do trabalho é a recuperação dos valores, o despertar da autoestima, das
potencialidades, do senso de estética e da criatividade, e, portanto, destaca-se o
trabalho artesanal, isto é, o trabalho nesse regime não tem por objetivo somente a
geração de renda.

Já o trabalho no regime semiaberto tem a finalidade da profissionalização,


tendo como princípios alguns aspectos da psicologia do preso e a alta rotatividade
dos recuperandos, bem como a questão disciplinar. É importante destacar que o
trabalho nesse regime deve ter como objetivo a capacitação profissional, e não a
66

manutenção da unidade. O regime aberto, por seu turno, tem como finalidade a
inserção social, pois é quando os recuperandos são autorizados ao trabalho externo,
pernoitando apenas no Centro de Reintegração Social (FERREIRA, 2016, p. 36).

O quarto elemento é a espiritualidade e a importância de se fazer a


experiência de Deus. Conforme Santos (2013, p. 36), é a oportunidade de cuidar do
espírito, de proporcionar ao recuperando a reflexão de valores espirituais para se
alcançar uma libertação, a uma jornada de apegar-se a algo maior que seu passado.
Nesse contexto, nos movimentos apaqueanos, líderes religiosos oferecem, com
técnica e carinho, estudos que proporcionam melhor apego e valores aos
condenados. Contudo, salienta-se que esse elemento somente surtirá os efeitos
desejados se acompanhado dos demais elementos, pois a religião, somente, não
será capaz de preencher a necessidade do recuperando e, muito menos, a sua
lacuna espiritual.

Nas palavras de Ferreira (2016, p. 37):

é preciso ajudar os recuperandos a se encontrarem espiritualmente


para que, depois, em liberdade, eles possam continuar alimentando
essa necessidade e, certamente, além de se inserirem em uma
comunidade religiosa, possam passar a ter uma vida pautada pela
ética e norteada por novos valores.

A assistência jurídica também é um dos 12 elementos formadores da


metodologia APAC. De acordo com Santos (2013, p. 46), umas das maiores
angústias dos presos é a sua situação jurídica dentro dos sistemas prisionais. Diante
disso, a assistência jurídica do preso é de suma importância pois significa calmaria
no estabelecimento prisional e tranquilidade para o condenado. Nas APAC essa
angústia não é vista, pois normalmente nos Centros de Reintegração Social os
recuperandos não estão preocupados com os seus processos, isso porque há uma
organização própria do departamento jurídico para dar assistência aos
recuperandos.

Ademais, conforme o mesmo autor, os operadores do direito, em especial o


juiz da vara de execução, frequentam rotineiramente o estabelecimento para atender
aos presos, esclarecendo eventuais dúvidas. Além disso, os voluntários orientam e
67

discutem com os recuperandos os seus direitos e audiências no próprio Centro de


Reintegração Social, ajudando, assim, na transparência dos trabalhos
acompanhados pela assistência jurídica.

Segundo Ferreira (2016, p. 37), 95% da população prisional não possui


condições financeiras para contratar um advogado, e é nesse sentido que a APAC
oferece uma assistência jurídica gratuita, especificamente na fase da execução da
pena. Essa assistência se restringe apenas aos condenados que aderem à proposta
oferecida pela APAC e que possuam mérito.

O sexto elemento formador da metodologia APAC é a assistência à saúde.


Como já exposto no capítulo anterior, o cárcere apresenta condições insalubres,
como a falta de sol, falta de ventilação nas celas, péssima alimentação, coação
psicológica etc. Tais condições, segundo Ferreira (2016, p. 37-38), fazem com que o
condenado, mesmo que não entre doente na prisão, fatalmente doente dela sairá.
Ainda, a falta da assistência à saúde dentro do sistema penitenciário é um dos focos
geradores de rebeliões, motins, fugas e mortes nas prisões.

Nesse sentido, a APAC entende que este elemento deve ser tratado com
prioridade. Para Santos (2013, p. 48), a presença de um departamento de saúde
organizado, com rotinas de atendimento médico, odontológico e psicológico permite
a harmonia do ambiente. Salienta-se que a presença de voluntários nesses setores
dá força para a recuperação do preso, que percebe o esforço da comunidade na
esperança de sua recuperação.

A família é o sétimo elemento essencial para a metodologia APAC. Conforme


Santos (2013, p. 49), “não há maior assistência social ao preso do que proporcionar
seu encontro e contato com a sua família.” Nas APAC, as visitas de familiares são
calmas, tranquilas e equilibradas, trazendo consigo carinho e esperança, bem como
a certeza de que o reeducando é amado e terá, com aqueles visitantes, novos
contatos, afastando a ideia de que ficará esquecido até o seu retorno à sociedade.

De acordo com o mesmo autor, o contato com os familiares proporcionará ao


recuperando o elo com o mundo exterior, permitirá que ele continue pai, marido, filho
68

e irmão, além de suas outras relações sociais. Este elemento consagra a assistência
social ao preso, pois permite que os familiares conheçam a metodologia e alterem
seu comportamento, acabando com o mal que fomentou a ação criminosa. Nesse
contexto, as APAC ministram cursos aos familiares, chamando-os à
responsabilidade com o recuperando, com o intuito de uma reflexão quanto à
mudança de valores.

A família, segundo o autor, está sempre presente na APAC, entretanto, deve


ter conhecimento desta metodologia, com o objetivo de zelar por ela e disseminá-la
da maneira correta, ajudando na reinserção social do recuperando, ainda que esteja
distante do convívio familiar.

O oitavo elemento desta metodologia é o voluntário e o curso para sua


formação. Nas palavras de Ferreira (2016, p. 39), “nada, absolutamente nada,
substitui o trabalho dos voluntários que, por meio de gestos concretos de caridade,
revelam aos recuperandos o amor gratuito, constante e incondicional.” Para Santos
(2013, p. 49-50), embora a Lei de Execução Penal não preveja a presença do
voluntário, este trabalho é essencial na recuperação dos presos, não apenas nas
APAC, mas em todos os estabelecimentos penais.

Ferreira (2016, p. 39) destaca que toda a equipe de voluntariados e de


funcionários contratados precisa ser devidamente capacitada, pois um trabalho
dessa natureza não pode ser marcado pelo amadorismo e improvisação. Conhecer a
metodologia APAC, a psicologia do preso e, ainda, ter estrutura psicológica e cultivar
a espiritualidade são requisitos básicos para todos que atuam nas APAC.

O mesmo autor referencia que, dentro deste método, ganham destaque os


“casais padrinhos”, que são pessoas que adotam os recuperandos como afiliados,
contribuindo para que sejam refeitas as imagens desfocadas e negativas que
possam ter em relação à figura do pai, da mãe ou de ambos, ou ainda das pessoas
que os substituíram em seu papel de amor.

O Centro de Reintegração Social – CRS – é o nono fundamento da APAC.


Conforme Santos (2013, p. 50), é sabido que todo presídio deveria possuir
69

condições sanitárias e higiênicas mínimas, para proporcionar ao preso um


tratamento digno e humano. Entretanto, até mesmo nos presídios novos, as celas
estão em péssimas condições, impedindo o desenvolvimento de tarefas para a
recuperação do interno, como já exposto no capítulo anterior.

Para o mesmo autor, nas APAC, a existências de Centros de Reintegração


Social, dotados de departamentos de saúde, jurídico e administrativo, com recursos
materiais convenientes para a recuperação do recuperando, tais como celas, ou
alojamentos dignos, cozinha, locais para o recebimento da família, tem se mostrado
de suma importância, sendo fundamental no auxílio de sua recuperação. É
importante destacar que o CRS possui um cuidado especial na separação dos
regimes dos condenados, sem confusão ou contato entre eles, para que o sistema
progressivo previsto na Lei de Execução Penal funcione corretamente. Ademais, as
APAC observam criteriosamente a capacidade máxima dos CRSs, evitando a
superlotação e suas consequências.

O décimo fundamento da metodologia é o mérito. De acordo com Ferreira


(2016, p. 40), o mérito nas APAC diz respeito à vida do recuperando, desde o
momento em que ele chega, até o alcance de sua liberdade. Diante disso, todas as
suas conquistas, elogios, cursos, saídas autorizadas, bem como as faltas e as
sanções disciplinares, deverão constar em seu prontuário, para que, oportunamente,
o relatório seja anexado aos pedidos de benefícios jurídicos, quando estes tiverem
observado o lapso temporal para concessão.

Para Santos (2013, p. 51), na APAC o recuperando passa a ser avaliado


desde o dia que entrou, muitas vezes, pelos próprios conselheiros dos conselhos de
sinceridade e solidariedade, formados pelos recuperandos do regime, quanto à sua
caminhada e vontade de recuperação. São os conselheiros que irão indicar o
trabalho dos recuperandos na rotina do dia-a-dia, e avaliarão o seu compromisso no
que diz respeito à receptividade da assistência externa recebida. Observa-se que
esses conselhos formados pelos presos participam das avaliações e poderão
proporcionar melhorias na situação prisional de cada recuperando.
70

O mesmo autor destaca que os comitês técnicos de classificação são


formados, geralmente, por voluntários e funcionários da APAC, e têm como
finalidade observar as tarefas e a caminhada dos recuperandos dentro da
metodologia, opinando, assim, pela concessão de benefícios. Nota-se que os
benefícios são concedidos com base em quem também se empenha na metodologia
e não apenas a quem simplesmente não registra notas desabonadoras em seus
prontuários, ou seja, para a concessão do benefício, não basta apenas ser
“obediente”, o recuperando deve estar comprometido com a metodologia. Isso faz
com que o recuperando se interesse pela possibilidade da mudança do
direcionamento de sua vida.

A jornada de libertação com Cristo constitui o 11º elemento do método. Este


elemento, conforme Ferreira (2016, p. 40), é um momento de forte reflexão, pautado
por palestras de cunho espiritual, em que, ao longo de alguns dias, o recuperando é
exposto a uma terapia da realidade, que o leva a um encontro consigo mesmo e com
o ser superior. No dizer de Santos (2013, p. 52), “trata-se, muitas vezes, de um
empolgante reencontro consigo mesmo, suas origens, seus defeitos e virtudes,
capazes de desafiar novas escolhas.”

Por fim, o último elemento constituinte da metodologia é a valorização


humana, e é tratado como a base da metodologia APAC. Para Santos (2013, p. 48),
quando o preso entra no sistema prisional, é considerado lixo humano e, desde
então, recebe o atestado de óbito social. Não há esperança, e sim a certeza de que
saindo vivo da prisão, estará morto para sua comunidade. Nesse sentido, as ações
assistenciais têm o objetivo de dar ao preso a esperança de que, ao se entregar à
recuperação, poderá ter oportunidades fora da prisão, como pessoa livre e útil.

De acordo com Ferreira (2016, p. 41), o preso, quando cumpre sua pena no
sistema prisional comum, passa por um verdadeiro processo de desvalorização
humana, transformando-se, na maioria das vezes, em um verdadeiro monstro.
Diante disso, ainda que se admita que a espiritualidade e a religião sejam de suma
importância e devam continuar a constituir os 12 elementos fundamentais, a
valorização humana é, com certeza, a base da metodologia apaqueana.
71

Neste elemento, do ponto de vista de Santos (2013, p. 48), a assistência


educacional do preso é fundamental, por vezes pessoa analfabeta ou
semianalfabeta, que não vê chances e oportunidades de trabalho. A valorização
humana, como a assistência educacional, tem sido alcançada dentro da metodologia
APAC através da presença da comunidade nos CRSs, incentivando e demonstrando
que acreditam na ressocialização do recuperando.

Em síntese, segundo Santos (2013, p. 52), a metodologia desenvolvida pela


APAC tem como objetivo proporcionar aos condenados oportunidades para fazer
uma nova escolha, para traçar um novo caminho, muitas vezes desconhecido.
Contudo, deve-se notar que a metodologia apaqueana está estritamente ligada à
aplicação da Lei de Execução Penal. A seguir, veremos como esta metodologia
cumpre os preceitos descritos e previstos na Lei de Execução Penal.

3.3 A metodologia APAC à luz da lei de execução penal

Inicialmente, menciona Pinto (2013, p. 17-18) que o método APAC é uma


exceção aos desvios constatados nos estabelecimentos penitenciários tradicionais,
visto que a reinserção do condenado, na realidade da metodologia apaqueana, não
se trata de mera formalidade, pois se fundamenta na valorização do indivíduo,
oferecendo condições dignas que permitem sanar deficiências em sua formação,
possibilitando um desenvolvimento físico, moral, espiritual, profissional e intelectual,
sempre com o envolvimento da sociedade e da sua própria família, quando possível.

Nessa perspectiva, destaca Campos Filho (2013, p. 363-365) que a execução


da pena privativa de liberdade deverá promover readequação social do condenado,
e que a metodologia APAC busca este objetivo através da convergência de esforços
com o Poder Judiciário, com o Poder Executivo e com a colaboração das lideranças
religiosas, empresarias e políticas de determinada região.

Ainda, destaca o mesmo autor que o método possui três finalidades, quais
sejam: a) auxiliar a justiça, por meio de metodologia própria, preparando o apenado
para voltar ao convívio social, através da finalidade pedagógica da pena; b)
proporcionar à sociedade o convívio com o indivíduo ressocializado e c) assistir o
72

apenado e sua família na mediada da possibilidade de extensão quanto ao trabalho


desenvolvido.

De acordo com Pinto (2013, p. 17-18), quando o visitante adentra a um


estabelecimento da APAC, percebe que os internos têm a consciência da
oportunidade de uma nova vida e demonstram a clara noção da vida em
comunidade, pautada em tolerância, concessões e colaborações, além de uma
autoestima elevada sem, contudo, perderem a consciência do que lhes rendeu a
condenação. Além disso, a metodologia apaqueana tem uma especial preocupação
com a participação do condenado em atividades laborais utilizadas como terapia e
com a finalidade de incutir nele a importância de ser útil e produtivo, independente
do ganho financeiro.

Nas palavras de Pinto (2013, p. 18-19), “Sentenciados a perderem a


liberdade, e somente ela, os condenados em sentença penal têm lutado para
conseguir aquilo que nenhuma decisão judicial lhes pode tirar: a dignidade.”
Conforme já exposto, os estabelecimentos prisionais brasileiros têm causado
prejuízos e danos que vão muito além dos limites impostos na sentença, o que
afronta o artigo 3º20 da Lei de Execução Penal. O método APAC oferece ao
reeducando plenas condições de cumprimento da pena sem a perda da dignidade
ou de nenhum outro direito que não seja sua liberdade. Sempre em conformidade
com o disposto na Lei.

Conforme já mencionado no capítulo, os artigos 38 e 39 da Lei de Execução


Penal estabelecem os deveres do condenado quanto ao cumprimento da pena.
Queiroz e Abreu (2013, p. 135) ensinam que é a forma de obriga-los a se sujeitar à
pena, premiando-os pelo cumprimento dos deveres e punindo-os pela
desobediência.

Os mesmos autores mencionam que a metodologia apaqueana impressiona


pelo fiel cumprimento dos deveres dos recuperandos, em especial ao contido no
inciso V, do artigo 39 da Lei de Execução Penal, que diz respeito ao trabalho e que,

20Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela
sentença ou pela lei.
73

além de dever do recuperando, constitui elemento fundamental da metodologia em


estudo, pois afasta o condenado dos efeitos nocivos do ócio e o capacita durante a
sua pena para o mercado. Ademais, os deveres de higiene pessoal e asseio da cela
(inciso IX da LEP) e conservação dos objetos de uso pessoal (inciso X da ÇEP)
também são fielmente seguidos pelos recuperandos, o que demonstra a
preocupação com a valorização humana, uma vez que proporciona ao condenado o
cumprimento da pena em um ambiente limpo e organizado, necessário ao asseio
pessoal.

O artigo 41 da Lei de Execução Penal, já estudado no capítulo anterior,


elenca um rol de direitos não atingidos pela privação da liberdade. Para Queiroz e
Abreu (2013, p. 140):

Da leitura do rol de direitos do condenado, os quais também se


aplicam ao preso provisório no que couberem (art. 42), pode se
extrair a presença, explícita ou implícita, de todos os elementos
fundamentais da doutrina APAC (participação da comunidade,
recuperando ajudando recuperando, trabalho, religião, assistência
jurídica e à saúde, valorização humana, família, voluntário (casais de
padrinhos), mérito, centro de reintegração social e jornada de
libertação com Cristo), como modelo de justiça restaurativa.

Assim, exemplificam os autores que, no CRS de Itaúna/MG, pode-se


testemunhar os recuperandos, quando chegam na APAC, sendo entrevistados
diretamente pelo diretor do estabelecimento. Nos dias seguintes, os recuperandos
são chamados nominalmente, recebendo alimentação e vestuários adequados e
suficientes, assistência à saúde, jurídica e religiosa, oportunidades de
profissionalização e estudo e o direito de visita de familiares e amigos. Direitos estes
que, no estabelecimento penitenciário, somente são garantidos em grau de exceção
aos condenados.

Em que pese a APAC ser uma entidade civil, de direito privado, sem fins
lucrativos, com personalidade jurídica própria, em que impera o voluntariado, ela
necessita da contribuição do Estado, tanto para sua criação, quanto para seu
custeio. Nesse sentido o Conselho Nacional de Justiça – CNJ –, dispõem que a
metodologia apaqueana, como já exposto anteriormente, além de cumprir com o
objetivo principal da pena, tem um custo menor ao Estado se comparado ao atual
74

sistema penitenciário. Para o Estado, o gasto com recuperando representa menos


da metade do valor mensal gasto com um indivíduo sob custódia na unidade
prisional. Como exemplo, podemos citar o Estado de Minas Gerais, que hoje gasta
em média mil reais por recuperando, enquanto no sistema penitenciário tradicional o
gasto é de dois mil e setecentos reais, em média, por preso (BRASIL 2017).

Nesse contexto, uma das principais características, e também um dos


principais argumentos para a sua disseminação é austeridade na gestão, ou seja, o
baixo custo de administração. Ainda, usando o Estado de Minas Gerais, como
exemplo, atualmente mais de três mil homens e mulheres cumprem pena nas 39
unidades da APAC, espalhadas no Estado. Ademais, o custo para do Estado para a
construção de uma unidade da APAC é de em média quinze mil reais, enquanto em
no sistema tradicional o custo chega a quarenta e cinco mil reais (BRASIL, 2017).

De acordo com o CNJ, após edificada a APAC é necessário formar a equipe


de funcionários e de voluntários que se encarregue do cotidiano dentro do Centro de
Reintegração Social. A título de exemplo, em uma unidade com 125 recuperandos,
são necessários 16 funcionários (BRASIL, 2017).

Outro dado que chama atenção é o baixo índice de reincidência dos


recuperandos, que, conforme dados do CNJ, gira em torno de menos de 10%,
enquanto no sistema prisional comum, esse número ultrapassa os 70%. Esses
números se devem à disciplina do método, sempre de acordo com a legislação e os
princípios constitucionais penais, em especial o princípio a dignidade pessoa
humana (BRASIL, 2017).

Por fim, o método APAC, de acordo com Campos Filho (2013, p. 370-371),
tem seus fundamentos baseados em princípios cristãos e de solidariedade humana.
Nesse sentido, a dimensão humana é o núcleo essencial da metodologia
estabelecidas nas unidades apaqueanas, compatível com todo e qualquer regime de
cumprimento de pena.

Desse modo, as penas cumpridas com a adoção desta metodologia objetivam


a recuperação do preso, conforme já mencionado, sem prejuízo do cumprimento da
75

pena e, nesse contexto, apresentam resultados bastante significativos, superando os


índices obtidos pelo sistema penitenciário tradicional. Sob esta perspectiva,
proporciona a reintegração efetiva do reeducando, tornando possível a humanização
da pena e cumprindo com o seu objetivo, além de uma redução de gastos ao Estado
no que tange ao custo do condenado no sistema carcerário (CAMPOS FILHO, 2013,
p. 370-371).
76

CONCLUSÃO

Ao concluir a pesquisa, é possível observar que o sistema de execução penal


da forma que se materializa no direito brasileiro não tem cumprido com os objetivos
propostos na sua criação, visto que não respeita as garantias fundamentais
estabelecidas em nosso ordenamento. Nesse sentido, a busca por métodos
alternativos para a execução da pena privativa de liberdade se tornou necessária.
Assim, ganha destaque uma nova metodologia que tem mostrado eficiência no que
diz respeito à finalidade da pena, à ressocialização do condenado, e à reinserção do
indivíduo na sociedade, denominado método APAC.

Conforme a pesquisa, inicialmente a pena tinha um caráter de vingança, por


não haver nenhum tipo de controle central, este tipo de punição acarretava guerras
infindáveis entre os povos, uma vez que recaiam sobre inocentes, assim, tornou-se
necessária a limitação da pena, e o direito de punir deixou, aos poucos, de ser dos
indivíduos e passou a ser do Estado. A vingança, então, passou a ser substituída
pelas penas públicas, entretanto, o sentimento vingativo ainda persistia em sua
essência.

O primeiro sistema punitivo brasileiro foi implantado pelos portugueses e


regido pelas Ordenações. Este sistema era tão cruel quanto ao vigente da Europa à
época, isto porque teve forte influência da igreja católica. Este paradigma somente
foi alterado com os ideais da Revolução Francesa, visto que suas ideias liberais e
humanitárias refletiram diretamente na imposição das sanções corporais, surgindo
assim a pena privativa de liberdade. Em que pese os ideais da Revolução Francesa
tenham estabelecido a pena privativa de liberdade como a principal sanção, a
instalação da primeira penitenciária brasileira somente ocorreu no ano de 1769.
77

Foi no ano de 1890, com a promulgação do Código Penal que se consagrou o


fim das penas degradantes no Brasil. As prisões tinham como estrutura ideal,
estabelecidas pelo código, a segurança, a higiene do recinto, entre outras.
Entretanto, a realidade dos presídios existentes era adversa a prevista no
ordenamento penal da época. Já no ano de 1984, o código penal passou por uma
importante reforma na parte geral com o objetivo principal de incorporar em nosso
ordenamento penal a extinção da retribuição do mal do crime, voltando-se para a
prevenção, a ressocialização e reintegração do preso à sociedade.

Nesse sentido, pudemos verificar que a Lei de Execução penal (LEP),


promulgada 1984, tem como finalidade a ressocialização do indivíduo,
estabelecendo um conjunto de direitos e deveres entre o Estado e condenado,
embasada nos princípios constitucionais penais.

Contudo, constatou-se que as penas privativas de liberdade não têm


alcançado seus principais objetivos, uma vez que o ambiente carcerário não permite
a realização de trabalhos de ressocialização sobre o condenado, além das
condições matérias e humanas do cárcere que na maioria das prisões é degradante,
tampouco respeitam os princípios básicos estabelecidos em nosso ordenamento
jurídico.

Diante disso, fez-se necessário estudo de alternativas penais ao atual sistema


e, com isso, tomou-se como objeto de estudo a metodologia APAC. Este método
tem como base a valorização humana, vinculada à evangelização, para oferecer ao
condenado condições de recuperar-se. Tem como objetivo, além da ressocialização
e reintegração do recuperando a sociedade, a proteção da sociedade, a promoção
da justiça e o socorro às vítimas.

Constata-se que, em comparação ao sistema penitenciário comum, o método


APAC, apresenta um custo menor ao Estado, pois conta com o voluntarismo, e um
índice de reincidência inúmeras vezes menor que o sistema comum. Além de
cumprir rigorosamente os dispositivos legais, garantindo ao recuperando todas as
assistências estabelecidas pela Lei de Execução Penal.
78

Assim, as APAC se sobrepõem ao sistema prisional convencional porque


adota uma metodologia inovadora e eficaz, pois em atividade no Brasil desde o ano
de 1972, e que é capaz de ressocializar os condenados e reinseri-los na sociedade.

Ao final, conclui-se que o método APAC é uma alternativa para a solução da


crise do sistema penitenciário brasileiro, uma vez que tem se mostrado eficiente
cumprindo estritamente os preceitos do nosso ordenamento jurídico, além do
objetivo da pena, visto que conserva o seu caráter punitivo, entretanto sem esquecer
de valorizar o ser humano.

E quando se fala em alternativa, não está se falando somente em solução


para o problema da superlotação, mas também nos resultados que são atingidos
com a ressocialização voluntária desse recuperando, pois, conforme pesquisa
apresentada, os índices de reincidência do apenado que cumpre pena no sistema
prisional tradicional é de 90%, enquanto que as APAC registram o índice de 10%.

Para finalizar a pesquisa, acredita-se que o método APAC pode nos levar a
uma nova realidade no que tange a execução penal, onde o objetivo da penal
realmente possa se concretizar, ressocializando e reintegrando um novo indivíduo a
sociedade, além de respeitar sempre a dignidade da pessoa humana e levar em
conta a proteção da sociedade.
79

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