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Curso de Direito
Caruaru
2022.2
1
JOÃO PAULO DOS SANTOS PAIVA
Caruaru
2022.2
2
JOÃO PAULO DOS SANTOS PAIVA
Banca Examinadora
__________________________________________________________
Professora Newdylande de Oliveira Ribeiro de Souza
__________________________________________________________
1ª Examinadora: Professora Tatiana Costa
_________________________________________________________
2ª Examinadora: Valéria Soares
Caruaru
2022.2
3
A Deus que é meu guia, a minha família
que sempre me apoiou em todos os
momentos e sem dúvida é a base para o
meu equilíbrio e força nessa vida e a todas
as 111 vítimas do Massacre do Carandiru.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, por tudo o que Ele tem feito por mim, por me proteger e guiar em
todos os meus passos, me dando força e fé para superar os obstáculos durante essa
árdua trajetória.
A minha família, na forma de minha mãe Ana, meu pai João, minha tia Josefa
e meu irmão Sávio, por todo carinho e incentivo em cada momento, sem eles
imagino que não seria nada do que sou.
A minha companheira, Lívia Marcelle, por me apoiar em minha trajetória
acadêmica, me incentivar e ser meu alicerce em meio as adversidades.
Aos meus nobres e valorosos amigos, em especial Pedro Antonino, pelos
valores que sempre me encheram de inspiração e motivação para enfrentar as
dificuldades cotidianas.
A minha orientadora, Professora Newdylande Oliveira, por sua admirável
compreensão, ensinamentos e pelo fundamental apoio a mim concedido, que me
servirão por toda vida.
E a tantos outros, colegas e amigos, que nos mais diversos lapsos
temporais até então vividos, me inspiraram à concretização deste trabalho. O meu
muito obrigado.
5
CARANDIRU – O QUE DEU ERRADO? UM ESTUDO SOBRE O SISTEMA
PRISIONAL E O QUE OCASIONOU O MAIOR MASSACRE CARCERÁRIO DO
BRASIL
João Paulo dos Santos Paiva1
RESUMO
O Brasil possui uma conjuntura normativa que serve de exemplo para diversos países,
todavia, a realidade carcerária brasileira é de constantes violações de direitos e
garantias. Portanto, o objetivo deste artigo foi analisar o Massacre do Carandiru,
ocorrido em 02/10/1992 e que foi um marco para o cárcere brasileiro. Foram utilizados
diversos meios de pesquisa, como livros, artigos científicos, notícias, relatórios, entre
outras fontes que abordavam a Casa de Detenção de São Paulo, sendo, portanto,
uma pesquisa essencialmente bibliográfica. Entretanto, para que fosse possível
entender os principais fatores que levaram ao massacre, se fez necessário discorrer
a respeito da evolução do sistema prisional e dos direitos e garantias do detento,
desde os seus primeiros registros históricos até a data do massacre, e quais os
impactos da chacina para o próprio sistema prisional e para a sociedade como um
todo. O artigo abordou o contexto histórico e político do Carandiru, bem como as
questões relacionadas ao sistema carcerário. Ademais, foi feita uma comparação
entre o Carandiru e o atual sistema prisional, elencando sugestões de medidas
efetivas para uma mudança na realidade penitenciária, priorizando a ressocialização
do preso e em atenção a dignidade da pessoa humana.
1
Bacharelando em Direito pela UNIFAVIP Wyden; Membro da Comissão de Relações Acadêmicas da OAB
Subseção Pesqueira/PE; Membro da Comissão de Direito Penal da OAB Subsecção Pesqueira/PE.
1
INTRODUÇÃO
2
Por fim, o terceiro objetivo foi analisar o Carandiru, desde o início de suas
atividades em 1920, até o ocorrido de 1992, comparando com o sistema carcerário
atual. Objetivando identificar as consequências desse atentado no atual sistema
penitenciário brasileiro e buscar soluções para a crise carcerária no Brasil.
Para o desenvolvimento do artigo, foi usada uma abordagem qualitativa,
sendo uma metodologia de estudo de caso, por meio de pesquisa bibliográfica e
documental.
2
O termo gurus se refere a homens que costumeiramente mantinham relações de dependência e prestavam
serviços das mais variadas espécies a corte imperial em troca de retribuições.
3
Unidade de medida usada durante a III Dinastia de Ur que era equivalente a 8.3 gramas.
4
Talião se origina do latim talionis ius, onde ius significa direito e talionis vem do grego talis, que significa aquilo
que tudo reflete.
3
os “mushkenum”, fidalgos com menor status social e por último os “wardum”, escravos
que podiam ter propriedades. À época, a codificação se propunha a implantar a justiça
na terra, destruir o mal, prevenir a opressão do fraco pelo forte, propiciar o bem-estar
social e iluminar o mundo. In verbis alguns exemplos da codificação:
5
Organizações políticas ligadas a família, muito semelhante a tribos, que detinham o poder local.
6
Cidades-estados
4
Romana, a pena passou a ter caráter de caridade e em defesa da segurança e
harmonia social. Como cita Santo Tomás de Aquino: “é louvável e salutar, para a
conservação do bem comum, pôr à morte aquele que se tornar perigoso para a
comunidade e causa a perdição para ela; pois, como diz o Apóstolo, um pouco de
fermento corrompe toda a massa”7
Na Idade Média há um caráter exibicionista e sádico na prática de sanções,
tendo em vista que a figura do rei era juiz, júri e executor, como cita bem Danielle
Magnabosco:
7
AQUINO, Santo Tomás de. Summa Theológica 2ª Parte – Da Justiça Questão LXIV, Artigo II Tradução de
Alexandre Correia Ed. Instituto Sedes Sapientiae, 1956- p. 442
8
MAGNABOSCO, Danielle. SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO: Aspectos sociológicos. Jus Navigandi, 1998.
Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1010/sistema-penitenciario-brasileiro-aspectos-sociologicos.
9
LASTE, Geórgia. Breve resgate histórico da pena. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72978/breve-
resgate-historico-da-pena/2 Acesso em: 25/09/2022
10
EDUARDO, Vinícius. História do Sistema Prisional. 2012. Disponível em:
https://pordentrodasgrades.blogspot.com/2012/05/historia-do-sistema-prisional.html Acesso em: 25/09/2022
5
liberdade começou a ser aplicada, no Rasphuis de Amsterdã, que no passado era um
convento e passou a ser uma prisão.
Na Europa, a partir do século XVII, fomentada pela crescente da burguesia e
pelo Iluminismo, surgiram diversas escolas de direito, dentre elas a Escola Clássica e
a Escola do Direito Natural. Através de grandes pensadores como Montesquieu,
Voltaire, Locke, Rousseau, Hobbes, Kant, Spinoza e entre outros, foi se formando
cada vez mais um clamor pelo fim das barbáries no panorama penal da época. Cesar
Bonesana, Marquês de Beccaria, publica em 1764 a obra “Dos Delitos e das Penas”,
obra essa que virou um alicerce dos Direitos Humanos e teve diversos princípios
usados na “Declaração dos Direitos e dos Homens”.
A Revolução Francesa de 1789 é o estopim que a população europeia
precisava, sendo um marco do direito moderno. A Declaração dos Direitos e dos
Homens extinguiu as fases de vinganças do direito penal, sejam elas vingança divina,
privada ou pública e trouxe à tona pensamentos humanitários, bem como princípios
norteadores do direito penal até os dias de hoje, como o princípio da presunção de
inocência, da reserva legal e da dignidade da pessoa humana.
Após a Primeira Guerra Mundial, surgiu na Inglaterra o sistema de progressão
de regime, que ainda é usado pela estrutura penal contemporânea. A época o sistema
era dividido em três fases, inicialmente o recluso era mantido em isolamento celular
durante o dia e a noite, posteriormente ele era mantido trabalhando em comum, mas
em total silêncio e por último era concedido o livramento condicional. Na Irlanda
também surgiu um interessante sistema, que consistia em, além das três fases do
sistema inglês, uma quarta fase antes da liberdade condicional que o preso ficava em
um regime semelhante ao semiaberto dos dias atuais, onde ele podia trabalhar ao ar
livre e em estabelecimentos próprios.
No Brasil, vale frisar que não há registros de como as tribos indígenas
aplicavam sanções punitivas, portanto, apenas é possível abordar após a colonização.
O Brasil Colônia no início usou como legislação penal as Ordenações Afonsinas,
mesmas leis usadas no Reino de Portugal. Em 1512, Dom Manuel I decidiu por criar
as Ordenações Manuelinas, que constavam as mesmas previsões legais das
Ordenações Afonsinas com a adição de leis extravagantes. Em 1603, Rei Felipe III na
Espanha e II em Portugal revogou as Ordenações Manuelinas e vigorou o Código
Filipino, que previa penas muito mais severas em relação a legislação anterior. A
6
legislação brasileira seguia as fases vingativas da pena vista na Europa, com exceção
da fase da vingança privada, que vigorou durante a Antiguidade.
Um caso que tomou proporções imensas é do mártir Tiradentes, líder do
movimento separatista que visava a independência de Minas Gerais, também
chamada de Inconfidência Mineira, que foi morto e mutilado, tendo suas partes
expostas em várias partes do estado de Minas Gerais, in verbis um trecho da sentença
trazido por René Ariel Dotti:
11
DOTTI, René Ariel. Casos criminais célebres. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 27.
7
prisão ainda em construção. Ao longo dos anos, a Casa de Correção foi transformada
no Complexo Penitenciário Frei Caneca, e por fim, demolida em 2010. A realidade do
cárcere no período imperial é de precariedade, com penitenciárias sem qualquer
infraestrutura para abarcar os detentos.
Já no período do Brasil República, foi promulgado um novo Código Penal em
1890, com penas mais leves e com caráter muito mais corretivo que o anterior. Foi
apenas em 1932, após um grande montante de leis extravagantes, que o governo
decidiu por realizar uma consolidação das leis penais.
No decurso do Estado Novo, apesar do autoritarismo, fechamento do
congresso e forte influência militar, inclusive com a volta da pena de morte, é
sancionado o Código Penal de 1940 que vigora até hoje, sofrendo mudanças ao longo
dos anos. Sendo outorgado um novo em 1969, que nunca chegou a ser sancionado.
Em 1984 é criada a Lei de Execução Penal, reformulando por completo a parte
geral do Código. René Ariel Dotti leciona que o projeto da lei foi desenvolvido com
base em cinco pilares, são eles: o repúdio à pena de morte, a manutenção da prisão,
as novas penas patrimoniais, a extinção das penas acessórias e a revisão das
medidas de segurança (1998, p. 93)12. Após a promulgação da CF/88, se fazia
necessário uma atualização no ordenamento penal, surgindo assim a lei 9.714/98, que
altera os requisitos das penas privativas de direito.
Ao longo dos anos, o direito penal e processual penal sofreu incontáveis
modificações, sendo influenciado pela época e sociedade em que era atribuído,
todavia, é visível a evolução normativista para com o detento, saindo de penas
exclusivamente corporais para normas que, teoricamente, visam garantir o bem-estar
social do apenado.
12
DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
8
como alude Protagoras: “o homem é a medida de todas as coisas”. Deste modo, o
indivíduo, apenas pelo fato de ser humano, intrinsicamente já é detentor de dignidade.
A dignidade é muito mais que um direito, está ligada ao indivíduo pelo simples
fato de ser do gênero humano, sem distinção de classe social, etnia ou quaisquer
outras diferenças, e deve ser sempre princípio basilar de todo o ordenamento jurídico,
pois, como já foi visto no capítulo anterior, direitos são mutáveis de acordo com a
época e local, enquanto a dignidade deve ser imutável e inerente a qualquer pessoa
em qualquer lugar do mundo, “mesmo entre aquele que já perdeu a consciência da
própria dignidade, merece tê-la considerada e respeitada”13.
Para podermos falar da Lei de Execução Penal, primeiro precisamos abordar
os Tratados Internacionais de Direitos Humanos que devem, sempre que possível,
serem aplicados dentro do ordenamento penal brasileiro, sendo de extrema
importância para a humanização das penas. Discorreremos sobre as resoluções
editadas pelas Nações Unidas acerca da justiça criminal e da prevenção de crimes,
que durante anos servem como guia para diversos Estados, também chamadas de
Regras de Mandela, de Tóquio, de Bangkok e de Pequim.
As Regras de Mandela são diretrizes mínimas a serem estipuladas para a
tratamento do recluso, visando garantir um tratamento digno aos apenados em
situação de privação de liberdade, todavia, sem estipular um modelo padrão de
sistema prisional14. As Regras de Tóquio são um conjunto de recomendações acerca
da aplicabilidade de medidas alternativas e têm como objetivos fundamentais diminuir
a superlotação em presídios, colaborar para a ressocialização do apenado e prevenir
possíveis novos delitos, estimulando a aplicação de medidas não privativas de
liberdade15. Além do mais, estipula meios de supervisionar os indivíduos, visando
identificar descumprimentos que acarretariam a aplicação de uma pena privativa de
liberdade. As Regras de Bangkok versam sobre o tratamento de mulheres
encarceradas e medidas que possibilitem a aplicação de penas não privativas de
13
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais da Constituição Federal de
1988. 2001, p. 50.
14
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regras de Mandela: regras mínimas das Nações Unidas para o tratamento
de presos. Brasília: CNJ, 2016. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/a9426e51735a4d0d8501f06a4ba8b4de.pdf Acesso em:
26/09/2022.
15
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regras de Tóquio: regras mínimas padrão das Nações Unidas para a
elaboração de medidas não privativas de liberdade. Brasília: CNJ, 2016. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/6ab7922434499259ffca0729122b2d38-2.pdf Acesso em:
26/09/2022.
9
liberdade para as detentas. Tendo em vista que a mulher presa demanda
necessidades específicas em razão de suas particularidades16. As Regras de Pequim,
que originalmente seriam uma Carta de Direito aos Menores Infratores, foi promulgada
em 1985 sob a ótica de proteger o bem-estar do menor infrator e de sua família,
objetivando o desenvolvimento pessoal e educacional do menor e afastando-o da
criminalidade e da delinquência17.
A Lei de Execução Penal, promulgada em 1984, é um conjunto de normas e
princípios que em seu art. 1° já traz a finalidade de sua criação: efetivar as disposições
de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado e do internado (Brasil, 1984).18 De acordo com a
doutrina, é regida pelos seguintes princípios: humanidade das penas; legalidade;
personalização da pena; proporcionalidade da pena; isonomia; jurisdicionalidade;
vedação ao excesso da execução e da ressocialização.
Busca também garantir a dignidade da pessoa humana através de
assistências elencadas no art. 11, incisos I ao VI. A Assistência Material é formada
pela garantia de fornecimento de alimento, roupas, instalações sanitárias e de higiene
pessoal, além de compra e uso de objetos permitidos pela administração
penitenciária. A Assistência à Saúde abarca o direito a atendimento médico em caráter
preventivo e curativo dentro do sistema prisional, caso não haja condições, deve o
detento ou internado ser transferido para unidade hospitalar capaz, ademais, com a
inclusão da Lei nº 14.326/2022, ficou garantido também o direito da gestante de
receber tratamento pré-natal, no trabalho de parto e pós-parto, bem como o recém-
nascido. A Assistência Jurídica disserta que o indivíduo deve ter constituído um
advogado ou defensor público, visando garantir a devida aplicabilidade da pena. A
Assistência Educacional refere-se a garantia de ensino fundamental obrigatório,
ensino profissionalizante opcional e biblioteca dentro da penitenciária. A Assistência
Social busca amparar o detento e prepará-lo para o retorno a sociedade por meio de
16
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regras de Bangkok: regras das Nações Unidas para o tratamento de
mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. Brasília: CNJ, 2016. Disponível
em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/cd8bc11ffdcbc397c32eecdc40afbb74.pdf Acesso em:
26/09/2022.
17
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regras de Pequim: regras mínimas das Nações Unidas para a administração
da justiça de menores. Brasília: CNJ, 2016. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/2166fd6e650e326d77608a013a6081f6.pdf Acesso em:
26/09/2022.
18
LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984.
10
acompanhamento durante o cumprimento da pena e logo após a saída do recinto
prisional. Por último, a Assistência Religiosa garante a possibilidade de participar de
cultos, ter a liberdade de crença, além do direito de possuir livros religiosos,
encontrando amparo no art. 5°, VI, da CF/8819
Destarte, é responsabilidade do Estado garantir a aplicabilidade desses
princípios e assistências, visando a ressocialização do apenado. Todavia, não é o que
se verifica na prática, onde o condenado sofre uma pena quase que exclusivamente
punitiva, com inúmeras violações de direitos básicos. O sistema carcerário brasileiro
como um todo é atualmente de uma precariedade absurda, segundo relatório do
Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em dezembro de 2021, juntando
todas as 1.549 unidades prisionais no território nacional, havia uma capacidade
carcerária de 573.330 detentos, todavia, o total de presos no país era de 833.176
pessoas, ou seja, 45,32% acima da capacidade total20.
O local que deveria ser de reeducação, se tornou o local que intensifica a
prática criminosa, tendo em vista que o condenado é completamente esquecido pela
Administração Pública e encontra dentro do presídio o amparo de facções criminosas.
Na ADPF 347, o STF reconheceu em sede de decisão liminar, o Estado de Coisa
Inconstitucional (ECI)21 do sistema penitenciário brasileiro, na decisão, o ministro
Edson Fachin pontuou:
19
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos
e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
20
DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. 11º Ciclo – INFOPEN. 2021. Disponível em:
https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen/relatorios-e-manuais/relatorios/relatorios-
analiticos/br/brasil-dez-2021.pdf Acesso em: 26/09/2022
21
É uma técnica, usada pela primeira vez na Corte Constitucional da Colômbia, que visa enfrentar situações de
violação grave e sistemática dos direitos fundamentais, cuja causas sejam decorrentes de falhas estruturais em
políticas públicas adotadas pelo Estado.
22
Supremo Tribunal Federal. Petição inicial da ADPF 347. Disponível em:
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur339101/false Acesso em: 26/09/2022
11
Avista-se um estado em que os direitos fundamentais dos presos, definitivos
ou provisórios, padecem de proteção efetiva por parte do Estado 23.
3. O CARANDIRU
23
Supremo Tribunal Federal. Petição inicial da ADPF 347. Disponível em:
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur339101/false Acesso em: 26/09/2022
24
Supremo Tribunal Federal. Petição inicial da ADPF 347. Disponível em:
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur339101/false Acesso em: 26/09/2022
25
Termo usado para se referir a “penitenciária ideal” pensada por Jeremy Bentham em 1785, que consistia em
manter todos os presos sob vigilância total e silenciosa, sem ter contato com os carcereiros. No Carandiru, as
janelas localizadas nas portas tinham esse propósito.
26
Inaugurada em 1898, na cidade de Fresnes, França, é atualmente o segundo maior estabelecimento prisional
da França, com capacidade para 1.651 detentos, segundo dados do Ministère de la Justice
12
reconhecido como um sinônimo de ressocialização e competência no cumprimento da
pena, se tornando um cartão postal da cidade e sendo inclusive visitado por
autoridades nacionais e internacionais com certa frequência.
Todavia, a partir de década de 40, com o exponencial aumento populacional
da cidade de São Paulo, a casa de detenção atingiu seu limite ocupacional (1200
detentos) e nunca mais saiu da rotina de superlotação. Em 1956, o então governador
Jânio Quadros decidiu por aumentar a Penitenciária e criou os pavilhões 2, 5 e 8,
passando a comportar 3.250 detentos. Com o passar dos anos, os governadores cada
vez mais tentam encobrir os erros administrativos cometidos no Carandiru e o que um
dia foi exemplo mundial de penitenciária, citado inclusive por Stefan Zweig, que
expressou seu sentimento de admiração pelo sentimento humano com que era tratado
a penitenciária, ressaltando que “a limpeza e a higiene exemplares faziam com que o
presídio se transformasse em uma fábrica de trabalho. Eram os presos que faziam o
pão, preparavam os medicamentos, prestavam os serviços na clínica e no hospital,
plantavam legumes, lavavam a roupa, faziam pinturas e desenhos e tinham aulas”27,
foi se tornando um exemplo de fracasso da administração pública.
O auge deste fracasso tem início por volta das 13h30 de 02 de outubro de
1992, um dia antes das eleições municipais. No pavilhão 9, se inicia uma briga entre
2 detentos que toma grandes proporções, eclodindo assim uma rebelião. Na data do
ocorrido, a capacidade do presídio era de pouco mais de 3 mil presos, todavia,
comportava 7.257 detentos. Segundo dados apresentados a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, apenas no pavilhão 9 havia 2.069 presos e 15
guardas28, o que tornava completamente inviável a possibilidade de interrupção do
motim pela guarda carcerária e ocasionou no acionamento da Polícia Militar.
Às 14h45 as guarnições chegam, entre as quais as da tropa de choque
especial ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), fundada durante o período
militar para combater guerrilhas urbanas e com extenso histórico de matanças, com
aproximadamente 325 policiais, comandados pelo Coronel Ubiratan, juntamente com
3 juízes que foram completamente dissuadidos de intervir e persuadidos da
impossibilidade de adentrar no pavilhão 9. Uma hora após o início do protesto, o
Secretário de Segurança da época, Cláudio Alvarenga avisa o Governador Luis
27
ZWEIG, Stefan. Encontros com homens livros e países. Rio de Janeiro. Ed. Guanabara. 1936.
28
Relatório nº 34/00, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CDIH, que faz parte da Organização
dos Estados Americanos.
13
Antônio Fleury, que preocupado com a repercussão da rebelião nas eleições, ordena
que ela seja cessada o mais rápido possível, todavia, não dá nenhuma ordem
expressa de invasão.
Segundo Fleury, a ordem de invasão veio do Secretário de Segurança às
16h15 e durou 20 minutos, os policiais obrigaram os presos sobreviventes a ficarem
nus no pátio interno e posteriormente carregarem os mortos para a galeria do pavilhão
9. Inicialmente foi noticiado 8 mortos, entretanto, faltando 30 minutos para o
encerramento das eleições no dia seguinte é noticiado o saldo real da chacina: 111
mortos, todos detentos. A perícia deixou claro que 75% dos presos mortos estavam
dentro das celas e foram alvejados de fora para dentro, derrubando a tese que houve
confronto entre detentos e policiais.
O Coronel Ubiratan, que assumiu total comando e responsabilidade pela
operação, aproveitou-se da fama do ocorrido e lançou candidatura em 1997 para
deputado estadual com o número 14.111 (alusão ao número de mortos), sendo eleito
suplente. Foi condenado em 2001 a 632 anos pela morte de 102 dos 111 detentos e
em 2002 se elegeu em definitivo com pouco mais de 50 mil votos, onde fez uso do
benefício do foro privilegiado para não ser preso. Em 2006 foi absolvido pelo órgão
especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob o argumento de estrito cumprimento
do dever legal, todavia, poucos meses depois foi assassinado a tiros.
73 policiais envolvidos no massacre foram a júri popular entre 2013 e 2014,
com penas que variaram entre 48 e 624 anos, todavia, em 2018 o Tribunal de Justiça
de São Paulo anulou todos os julgamentos sob o argumento que a decisão foi
contraria as provas apresentadas e que os agentes agiram no estrito cumprimento do
dever legal, bem como em legítima defesa. Ademais, em 2021 o Superior Tribunal de
Justiça restabeleceu as condenações, a defesa então recorreu ao Supremo Tribunal
Federal, que em agosto deste ano decidiu por negar o recurso e manter a decisão do
Superior Tribunal de Justiça, haja vista a ausência de repercussão geral.
O Carandiru, implodido em 2002, se tornou um atrativo para a população
paulista. Diário de um detento, obra de Racionais MC’s, retrata o cotidiano da
penitenciária, abordando temas como a rua 10, local de acerto de contas; o metrô que
passava todos os dias ao lado da prisão e possibilitava a sociedade paulista visualizar
o cotidiano dos presos, fazendo assimilação a um zoológico; a superlotação das celas,
14
sua precariedade e insalubridade. Segundo Mauricio Monteiro, sobrevivente do
episódio, o Carandiru “era um país, e cada pavilhão era um estado”29.
Uma série de fatores levaram ao massacre, dentre os principais estão a
pressão política e administrativa, a falta de preparo e agressividade dos agentes e
policiais (um dos sobreviventes, Marco Antônio de Moura, depôs que a ROTA, ao
retirar os detentos do pavilhão gritava 'Deus cria, a Rota mata. Viva o choque'), a
situação precária dos detentos e a ausência de apoio do Estado. Todavia, esses
aspectos não se limitaram apenas ao momento do massacre, o Carandiru como
sistema prisional se tornou fadado ao fracasso por incompetência do Estado e virou
um marco do colapso do sistema prisional brasileiro, bem como o estopim para o
surgimento das organizações criminosas, com ênfase no Primeiro Comando da
Capital (PCC), que surgiu para evitar que massacres semelhantes ao do Carandiru
ocorressem e hoje é a maior e mais poderosa organização criminosa da história do
Brasil.
Após 30 anos do ocorrido, não é possível verificar nenhuma mudança
significativa por parte do Estado nos presídios brasileiros. A superlotação,
precariedade, insalubridade e a falta de garantia de direitos básicos torna quase que
inviável a ressocialização dentro do ordenamento brasileiro, salvo raras exceções,
como a da Penitenciária Central do Estado – Unidade de Progressão, localizada em
Curitiba, onde, por meio de uma parceria entre o governo e o Tribunal de Justiça,
busca-se garantir todos os direitos e garantias previstos na Lei de Execução Penal,
ofertando a 100% dos presos estudo e trabalho, bem como boas condições de
cumprimento da pena, o que resulta, segundo o diretor geral do Departamento
Penitenciário do Estado do Paraná, Luiz Alberto Cartaxo Moura, em um índice de
reincidência criminal de 0%.30
Entretanto, a grande maioria das penitenciárias brasileiras abarca apenas o
caráter punitivo, recebendo o detento que após entrar no presídio perde seu nome e
se torna apenas um número para o Estado, sendo largado ao léu depois de anos. Se
assemelhando muito com as penas corporais aplicadas antes do século XIX, onde os
29
ARAÚJO, Mateus. 'Carandiru era um país': sobreviventes lembram massacre, que faz 30 anos. Tab UOL. 2022.
Disponível em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2022/10/02/um-numero-para-o-estado-sobreviventes-
relembram-o-massacre-do-carandiru.htm Acesso em: 24/10/2022.
30
MARONI, João Rodrigo. Prisão onde 100% dos detentos trabalham e estudam? Existe, e fica no Brasil. Gazeta
do Povo. 2018. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/justica/prisao-onde-100-dos-detentos-
trabalham-e-estudam-existe-e-fica-no-brasil-0h3sil0asliz2bgm0tuzrtnf2/ Acesso em: 24/10/2022.
15
detentos eram jogados em depósitos temporários enquanto aguardavam a execução
de suas verdadeiras penas.
Os presídios atuais, apesar de inúmeras leis que visam garantir o devido
cumprimento da pena com integridade física e moral, são “bombas-relógios”, assim
como um dia foi o Carandiru, em razão do descaso do Estado e da sociedade que
julga o detento como um cidadão que não pode mais ser inserido no meio social e faz
vista grossa para o que ocorre dentro das prisões, bem como por conta da corrupção
dentro do próprio sistema prisional.
A necessidade de mudança e modernização de todo o sistema prisional urge,
construindo novas cadeias para descentralizar e desobstruir o governo, dando
autonomia municipal para a gestão e manutenção das estruturas prisionais, bem como
uma maior assistência jurídica, social, médica, psicológica e melhor preparo dos
agentes penitenciários. O reconhecimento do ECI já foi um grande passo, onde foram
formulados oito pedidos de medidas cautelares para os Tribunais, Conselho Nacional
de Justiça e União, sendo dois pedidos aprovados, os das alíneas “b” e “h”:
Obrigação à União:
h) Libere, sem qualquer tipo de limitação, o saldo acumulado do Fundo
Penitenciário Nacional (Funpen) para utilização na finalidade para a qual foi
criado, proibindo a realização de novos contingenciamentos.
Ademais, não se pode deixar de pontuar a falta de apoio social que o indivíduo
recebe após o cumprimento da pena, sob a acunha de ex-presidiário, o indivíduo sofre
uma forte represália do mercado de trabalho motivada pelo ódio e preconceito. É
corriqueiro o apenado receber como ônus da prisão, a rejeição e exclusão por parte
do meio social, mesmo que já tenha cumprido sua pena. Tem-se em nossa sociedade
um receio em permitir a participação de ex-detentos em ambientes de lazer, trabalho
e educação, não restando nenhuma alternativa senão a reincidência. Destarte,
deveria ser de responsabilidade do Estado aplicar políticas públicas que visassem a
educação e qualificação dos detentos ainda dentro do presídio, para que quando
livres, não ficassem eternamente atrelados ao crime cometido.
Isto posto, é correto afirmar que há meios que se bem implementados pelo
governo, podem evitar que massacres como o da Casa de Detenção do Carandiru
ocorram novamente.
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CONCLUSÃO
17
responsabilizados, gerarão mais episódios como o que foi visto em 02 de outubro de
1992.
Por todo o exposto, retomando o problema de pesquisa: “Quais os principais
fatores que levaram ao massacre do Carandiru?”, concluiu-se que dentre os principais
fatores estavam a má administração, tendo em vista o pouquíssimo número de
guardas penitenciários que estavam no pavilhão 9, a falta de direitos e garantias
básicas, muito em decorrência da precária estrutura que o presídio tinha, bem como
a superlotação, a insalubridade e a falta de dignidade, além da pressão política no
momento da rebelião em decorrência das eleições municipais que ocorreriam no dia
seguinte, e por fim, a violência policial respaldada e alicerçada pelo Estado que
perpetuava desde o regime militar de 1964.
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REFERÊNCIAS
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ZWEIG, Stefan. Encontros com homens livros e países. Rio de Janeiro. Ed.
Guanabara. 1942.
23
ANEXO I
__________________________________________
Assinatura do (a) Aluno(a)
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