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Diamantina
2023
Ana Clara Fernandes Carlos Totti
Diamantina
2023
Dedico este trabalho à minha mãe, Patrícia
Fernandes Carlos bem como ao meu avô,
Hélvio Carlos, que são a minha razão da
busca pelo sucesso.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho aborda a complexa relação entre a psicopatia e o sistema jurídico penal
brasileiro, destacando os desafios enfrentados na identificação, tratamento e punição
do indivíduo portador do transtorno de personalidade antissocial. O estudo também
abrange questões como a responsabilidade penal do sujeito inserido nessa realidade.
Isso posto, a pesquisa questiona a eficácia das intervenções legais e destaca lacunas
na legislação, levantando questionamento sobre as respostas jurídicas frente ao
problema. O objetivo é contribuir para uma reflexão sobre como o sistema penal lida
com indivíduos considerados psicopatas e quais são suas limitações. A presente
pesquisa segue abordagem qualitativa, através do método dedutivo, a partir de análise
bibliográfica.
Palavras-chave: Psicopatia; Responsabilidade penal; Direito penal brasileiro.
ABSTRACT
This work addresses the complex relationship between psychopathy and the Brazilian
penal legal system, highlighting the challenges faced in the identification, treatment,
and punishment of individuals with antisocial personality disorder. The study also
covers issues such as the criminal responsibility of individuals within this context. With
that said, the research questions the effectiveness of legal interventions and highlights
gaps in legislation, raising questions about legal responses to the problem. The aim is
to contribute to a reflection on how the penal system deals with individuals considered
psychopathic and what its limitations are. The present research follows a qualitative
approach through the deductive method, based on bibliographical analysis.
Keywords: Psychopathy; Criminal liability; Brazilian criminal law.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 09
1. A PSICOPATIA ............................................................................................... 11
2 ESPÉCIES DE PENA ......................................................................................... 16
2.1 Medida de Segurança ...................................................................................... 16
2.2 Pena Privativa de Liberdade ............................................................................ 18
2.3 Pena Restritiva de Direitos ...............................................................................19
2.4 Ineficácia do tratamento aplicado .................................................................... 21
2.5 Exame Criminológico ....................................................................................... 23
3. RESPONSABILIDADE PENAL ......................................................................... 26
3.1 Culpabilidade ................................................................................................... 26
3.2 Imputabilidade .................................................................................................. 27
3.3 Inimputabilidade ............................................................................................... 28
3.4 Semi-imputabilidade ......................................................................................... 30
4. REINCIDENCIA ................................................................................................. 35
4.1 Escala PCL-R ................................................................................................... 37
5. CASOS BRASILEIROS ..................................................................................... 39
5.1 Comparação com outros países ...................................................................... 41
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 44
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 46
INTRODUÇÃO
9
psicopatas. Isso inclui a análise dos índices de reincidência criminal, a prevalência na
sociedade e, por fim, a comparação da forma como esses indivíduos são tratados pela
legislação estrangeira.
Para tanto, a estrutura do trabalho se inicia com uma revisão, ainda que em
termos gerais, dos principais elementos caracterizadores da psicopatia. Na sequência,
o capítulo que se segue quer contextualizar as diversas espécies de pena previstas
no ordenamento jurídico brasileiro, com a finalidade de vislumbrar como encaixar ali
a conduta de um agente psicopata. Dando continuidade a esse esforço, o capítulo
subsequente, revisa elementos essenciais da responsabilidade penal no direito
brasileiro. Adiante, é feito uma breve explanação a respeito do problema da
reincidência das ações criminosas de psicopatas, bem como se aproxima da prática
do direito brasileiro por meio da análise de casos concretos, em debate com sistemas
jurídicos outros.
Espera-se que, com isso, seja possível entender melhor como a questão da
responsabilidade penal do psicopata envolve vários equívocos em todos os seus
aspectos e definições, dado o número limitado de estudos e debates destinados a
encontrar soluções viáveis para esses casos. Com base nos dados psiquiátricos
coletados ao longo deste projeto e na análise do perfil de cada indivíduo reportado
com psicopatia, em conjunto com o sistema jurídico brasileiro, busca-se uma
adequação na legislação vigente. O objetivo é garantir o tratamento seguro para esses
indivíduos, assegurando sua dignidade e promovendo uma maior proteção social.
10
1. A PSICOPATIA
11
que antes eram apenas psicanalíticos passaram a respaldar-se em estudos médicos
baseados em evidências (Dunker, 2014).
Tal acontecimento foi considerado marco científico e histórico para a psiquiatria,
haja vista, que psicanálise era a base do manual nas edições anteriores. Houve
também a mudança nas terminologias doença mental e neurose para transtorno
mental. Na sequência, em 1994, foi lançado o DSM-IV, e se iniciou o chamado modelo
nosográfico de diagnóstico, de modo que o guia é percebido como uma abordagem
inquestionável que, após a conclusão de uma lista de verificação, gera
automaticamente um diagnóstico psiquiátrico (Ribeiro et al., 2020, p. 48).
Por fim, sua última versão foi publicada somente em 2013 e possui como
escopo central o diagnóstico dimensional, que analisa o sujeito de forma integral.
Sendo assim, o DSM-V é organizado em três sessões:
Nesse contexto dos distúrbios mentais, Rogério Paes Henriques explica que a
Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a
Saúde (CID) representa uma das principais ferramentas epidemiológicas utilizadas na
prática médica diária. Criada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a primeira
especificação do CID consiste em acompanhar a existência e persistência de doenças
por meio da padronização universal de registros. Em relação ao tema, o CID-10 segue
um tratamento estrutural semelhante ao DSM-IV. Durante a criação desses guias,
houve diversas colaborações entre a Associação Americana a de Psiquiatria e OMS,
levando à formulação de códigos e terminologias em consenso mútuo (Henriques,
2009, p. 295).
Entretanto, o autor ainda esclarece que os manuais apresentam diferentes
abordagens em relação à psicopatia: enquanto o DSM procedeu à radical
operacionalização dos critérios diagnósticos propostos para a psicopatia, baseando-
se tão somente em características comportamentais, reduzidas às condutas
antissociais, objetiváveis e evidenciáveis, a CID-10 incluiu características
12
psicológicas. Nesse sentido, é interessante trazer expressamente os critérios
instituídos, tanto na DSM-V, quanto no CID-10, que são a seguir reproduzidos em
citação longa, porém esclarecedora:
13
psicopatas são caracterizados por desrespeitarem e violarem os direitos alheios (APA,
2014, p. 685).
Em 1941, foi lançada a primeira edição do livro The Mask of Sanity (A máscara
da sanidade), escrito pelo psiquiatra americano Hervey Cleckey, em obra seminal a
respeito do assunto e cujo objetivo era elucidar algumas questões sobre a
personalidade psicopática. O autor trata essa condição como uma “demência
semântica”, ou seja, uma dificuldade de entendimento dos sentimentos humanos de
forma profunda e se baseou em 15 (quinze) pacientes para desenvolver às principais
características de um psicopata, em suas próprias palavras:
Interessante pontuar que o mesmo estudo mostra que tanto os filhos adotivos
quanto os filhos biológicos de pais portadores desse transtorno possuem maior risco
de desenvolver o transtorno de personalidade antissocial:
14
Crianças que conviveram algum tempo com os pais biológicos e
depois foram encaminhadas para adoção assemelham-se mais aos
pais biológicos do que aos adotivos, embora o ambiente da família
adotiva influencie o risco de desenvolvimento de um transtorno da
personalidade e psicopatologia relacionada (APA, 2014, p. 707).
15
2. ESPÉCIES DE PENA
2.1 Medida de Segurança
16
ao delito praticado, com a redução prevista (art. 26, parágrafo único).
Cumpre, porém, esclarecer que sempre será aplicada a pena
correspondente à infração penal cometida e, somente se o infrator
necessitar de “especial tratamento curativo”, como diz a lei, será
aquela convertida em medida de segurança. Em outros termos, se o
juiz constatar a presença de periculosidade (periculosidade real),
submeterá o semi-imputável à medida de segurança (Bitencourt, 2012,
p. 931)
18
O regime fechado será executado em estabelecimento de segurança
máxima ou média; o semiaberto será executado em colônia agrícola,
industrial ou estabelecimento similar; e, finalmente, o regime aberto
será cumprido em casa de albergado ou em estabelecimento
adequado. Recentemente, a Lei n. 10.792/2003 instituiu o que
denominou regime disciplinar diferenciado - a ser cumprido em cela
individual -, que poderá ter duração máxima de 360 dias, sendo
possível sua repetição, desde que não ultrapasse um sexto da pena
(Bitencourt, 2012, p. 946).
20
de sanção, que não sofreu qualquer alteração com a Lei n. 9.714, de
25 de novembro de 1998. Com esse novo sistema evitou-se o
problema do casuísmo, isto é, a dificuldade em escolher os crimes que
poderiam ou não ser apenados com essa sanção. Assim, se a pena
efetivamente aplicada não for superior a quatro anos de prisão ou se
o delito for culposo, estando presentes os demais pressupostos, que
serão examinados a seguir, será possível, teoricamente, aplicar uma
pena restritiva de direitos, que, apesar de ser uma sanção autônoma,
é substitutiva (Bitencourt, 2012, p. 676).
21
caso, deve ser observada diante da ótica de um profissional apto a avaliar a condição
psíquica do mesmo.
Além disso, conforme estabelece o Código de Processo Penal (CPP), o juiz não
está vinculado a seguir o laudo médico, nos termos do caput de seu art. 182: “O juiz
não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte”
(Brasil, 1941). O mesmo código ainda determina que a decisão judicial não poderá se
basear exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, e que o
juiz não ficará obrigado a seguir o laudo médico, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no
todo ou em parte, conferindo ao juiz autonomia para julgar a condição mental do
acusado, mesmo sem possuir competência para tal, nos seguintes termos:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua
decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas (Brasil, 1941).
22
Para que se reconheça sua inimputabilidade, é necessário que a psicopatia
seja considerada uma condição de doença mental ou de desenvolvimento mental
incompleto ou retardado. Caso alguns desses traços estejam presentes, será crucial
realizar uma avaliação para determinar se, no momento dos acontecimentos, tal
condição era suficiente para comprometer e invalidar a capacidade dos indivíduos de
compreender. Além disso, observa-se de imediato que a psicopatia não é uma doença
mental, mas sim uma maneira de existir no mundo. Em outras palavras, não gera
nenhuma alteração na capacidade psicológica do indivíduo, pois se trata de um
transtorno de personalidade (Abreu, 2013, p. 187).
À vista disso, é essencial estabelecer um tratamento específico para esses
indivíduos, tendo em vista que cumprem suas penas nos mesmos locais que os
criminosos comuns, recebendo tratamento semelhante para sua recuperação. No
Brasil, o primeiro passo necessário envolve a criação de instalações para a detenção
desses apenados, evitando a recorrência de crimes. Uma estrutura voltada
exclusivamente para as psicopatas, com métodos de tratamento mais especializados
e a restrição de concessão de benefícios até a aplicação integral da pena, procurando
um controle mais eficaz sobre tais ações (Pereira et at., 2016).
Desse modo, entende-se que o atual tratamento jurídico-penal se mostra
ineficaz, o que motiva a busca por uma nova abordagem que se concentre na
periculosidade do indivíduo e no seu tratamento, em oposição à abordagem tradicional
baseada na reprovabilidade e culpabilidade (Pimentel, 2019). Essa questão é
evidenciada devido à ausência de sua normatização específica dentro do sistema
jurídico, resultando na falta de um consenso específico. Há apenas a defesa de um
tratamento que, até o momento, não foi declarado eficaz para esses indivíduos.
Diante disso, torna-se necessário estabelecer um protocolo adequado para
aplicação de uma medida eficaz, bem como um espaço apropriado para a execução
e efetivação dessa medida, juntamente com a busca por um tratamento humano para
essas pessoas, objetivando a redução nos delitos praticados por esses indivíduos e
na ocorrência de reincidência.
23
Considerando o que se discutiu no tópico anterior, vislumbra-se que o exame
criminológico se justifica pela necessidade de cumprir as determinações
constitucionais relacionadas à proporcionalidade da pena. A seriedade do ato
criminoso e as características individuais do sujeito são fatores que justificam a
realização desse exame. Isso ocorre porque o exame criminológico desempenha um
papel crucial ao oferecer insights sobre a inteligência, princípios morais e
personalidade do infrator, ao mesmo tempo em que pode fornecer informações sobre
o grupo ao qual esse indivíduo pode ser associado.
No contexto brasileiro, a instituição do exame criminológico ganhou maior
relevância com a modificação da Lei de Execução Penal, que prevê, em seu artigo 5°,
que a classificação dos presos será feita: “[...] para orientar a individualização da
execução penal” (Mirabete, 1984, p. 48). Essa legislação atribui grande importância
às avaliações criminológicas, com o objetivo principal de alcançar uma
individualização no cumprimento da pena. Isso implica em estabelecer planos de
ressocialização que levem em consideração as características únicas de cada
indivíduo.
Vale ressaltar que a individualização da pena é um princípio fundamental no
campo do Direito Penal e possui amparo no inciso XLVI, do artigo 5º da Constituição
Federal, a qual define que as sentenças e medidas punitivas devem estar adaptadas
às circunstâncias do crime e às características individuais do acusado, levando em
consideração o grau de culpabilidade, seu histórico criminal, personalidade, situações
sociais, econômicas e familiares. Além disso, interpretando o art. 59 do Código Penal,
esclarece José Eduardo Goulart:
24
atualizando a precisão e a eficácia das medidas aplicadas. A essência desse conceito
sugere que tal exame representa um recurso importante, permitindo que o condenado
seja direcionado a um programa de cumprimento de pena adaptado as suas
necessidades individuais. Desta forma, busca-se resultados seguros mais
desenvolvidos para a reintegração social do indivíduo (Santos, 2013, p. 70).
A condução do exame criminológico permite obter respostas para diversas
questões que envolvem a conduta delituosa do indivíduo, sua tendência antissocial e
a probabilidade de reintegração à sociedade. Através dessas medidas, é possível
obter uma compreensão mais profunda das diferentes nuances da personalidade do
infrator, que se manifestam por meio de seu comportamento. Isso ocorre porque o
comportamento delituoso é, em última análise, um reflexo da índole do indivíduo no
processo de desenvolvimento (Mirabete, 2008, p. 36).
A análise criminológica perpassa avaliação médica, psicológica e social, sendo
agendada após o trânsito em julgado da sentença, para determinar de maneira
individual a pena de prisão. Ademais, é obrigatória por lei para condenados ao regime
fechado e opcional para aqueles sob o regime semiaberto (Mirabete, 2008, p. 37).
Destaca-se que, conforme previsto no artigo 8º da Lei de Execução Penal,
aquele que recebe uma sentença para cumprir em regime fechado passará por uma
avaliação criminológica. Tal processo tem como objetivo reunir informações para a
classificação adequada e a personalização da execução da pena, como se pode
depreender do texto do artigo acima mencionado:
25
3. RESPONSABILIDADE PENAL
3.1 Culpabilidade
26
infração, associada à manifestação da vontade humana, seja por meio de uma ação
ou de uma omissão, nas próprias palavras do autor:
3.2 Imputabilidade
Ainda sobre o tema, Cléber Masson esclarece que o Código Penal Brasileiro
aderiu à tendência observada na maioria das legislações contemporâneas ao optar
por não estabelecer uma definição explícita para a imputabilidade. Em vez disso, o
código se restringe a indicar as situações em que a imputabilidade está ausente, ou
seja, os cenários de inimputabilidade penal (Masson, p. 205, 2015).
3.3 Inimputabilidade
28
completamente incapaz de compreender a natureza ilícita dos atos realizados ou de
agir de acordo com essa compreensão (Sadalla, 2019, p. 81).
Conforme explicações de Fernando Capez, a imputabilidade do agente é
excluída quando este apresenta doença mental, desenvolvimento mental incompleto
ou retardado, ou embriaguez completa relativa associada a caso fortuito ou força
maior. O autor define doença mental como uma condição em que o agente possui
uma atipicidade que o impede de compreender certos comportamentos e
cumprimentos de regras impostas. O desenvolvimento mental incompleto ocorre
quando o agente não consegue compreender completamente os princípios da vida
em sociedade, apesar de possuir certo grau de entendimento, sendo essa capacidade
reduzida. Capez também esclarece que a falta de experiência social pode afetar a
habilidade do indivíduo de se comportar especificamente em determinados contextos
(Capez, 2017, p. 318).
Já na visão de Nachara Sadalla, é necessário que dois fatores estejam
presentes para que o agente seja capaz de compreender suas ações. O primeiro é a
saúde mental, que envolve a capacidade de avaliar a ilegalidade compreendida no
ato. Ademais, o segundo fator é a maturidade, que inclui o desenvolvimento físico e
mental necessário para estabelecer relações sociais, ser capaz de se autossustentar
longe dos pais, organizar suas ideias e manter a estabilidade emocional, bem como
equilíbrio no aspecto sexual (Sadalla, 2019, p. 82).
Nessa abordagem, de acordo com Jesus, o sistema biopsicológico, composto
pelos sistemas biológico e psicológico, é considerado em relação à causa e ao efeito.
Sendo assim, é considerado inimputável o indivíduo que, devido a uma doença mental
ou transtorno, não possui a capacidade de compreender a natureza ilícita da ação ou
de agir de acordo com essa compreensão. Em outras palavras, não basta apenas a
presença de uma anomalia mental: é necessário que o agente não tenha a capacidade
de compreender a ilicitude do ato ou de agir de forma autônoma, ou seja, em
decorrência desses estados, o agente deve ser completamente incapaz de
compreender a ilicitude do evento (Jesus, 2011, p. 544).
Isso encontra ressonância na perspectiva do artigo 26 do Código Penal, que
adotou a abordagem biopsicológica para determinar a inimputabilidade do agente. A
respeito do tema, vale mencionar decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da
29
4ª Região, que demonstra o entendimento do relator, desembargador federal Carlos
Eduardo Thompson Flores Lenz, em relação a tais critérios:
Por outro lado, a imputabilidade penal não apresenta uma chave meramente
disjuntiva, uma vez que é possível compreender indivíduos enquanto semi-imputáveis,
conceito que se pretende desenvolver no tópico que se segue.
3.4 Semi-Imputabilidade
31
Diante desse cenário, devido a tais fatores, ocorre uma redução da sanção
penal imposta pelo Estado. Existe, nesse caso, uma diminuição da responsabilidade,
mas não da imputabilidade. Tal redução de responsabilidade não constitui um motivo
para a exclusão da culpabilidade, uma vez que o indivíduo ainda será
responsabilizado pelo ato ilícito e, consequentemente, receberá uma sentença
condenatória, nas palavras de Bitencourt:
32
agente é capaz de ser considerado inimputável ou não com base nessa análise
(Masson, 2015).
Para determinar o cabimento da semi-imputabilidade, bem como da
inimputabilidade, é necessário, em primeiro lugar, estabelecer em qual categoria a
psicopatia se enquadra: como uma doença mental ou como um distúrbio que afeta o
desenvolvimento mental. Uma vez identificada uma dessas condições, é fundamental
avaliar se, no momento dos eventos em questão, essa condição era suficiente para
afetar a capacidade dos indivíduos envolvidos de compreender e controlar suas ações
(Capez, 2017).
Em geral, o sistema judiciário do Brasil tende a considerar os indivíduos
psicopatas como parcialmente imputáveis, de acordo com a maioria das
interpretações da literatura jurídico-penal. No entanto, psiquiatras e psicólogos
defendem, de modo geral, que o psicopata é imputável, haja vista, que possuem a
capacidade mental necessária para compreender as leis, as suas restrições e
proibições, de modo que não se afastam da realidade. Insta salientar, que uma
parcela significativa dos indivíduos detidos em instituições penitenciárias possui traços
de personalidade associados à psicopatia (Morana, 2003, pp. 140-141).
De acordo com a pesquisa de Hilda Clotilde Morana, a presença do diagnóstico
de psicopatia é bastante comum entre os reclusos, afetando até 60% da população
carcerária do sexo masculino. A autora também observa que, quando se trata de
crimes violentos, a proporção de psicopatas entre os detentos é quatro vezes maior
do que a dos indivíduos sem esse diagnóstico. Além disso, Morana destaca que, em
casos de prisioneiros no sistema penal brasileiro, a taxa de reincidência criminal é
4,52 vezes maior entre os que apresentam traços de psicopatia em comparação com
aqueles que não demonstram essas características, conforme as palavras da própria
autora:
33
Isso posto, a insegurança social está relacionada com a abordagem penal
aplicada a esses agentes. O motivo dessa inquietação reside no fato de que eles
possuem uma notável habilidade para manipular e demonstram uma falta de temor
diante de ameaças, o que os torna um desafio específico para o sistema penitenciário.
Esses reclusos são capazes de manter um comportamento exemplar com o objetivo
de obter vantagens legais. Dentro das instituições correcionais, eles são capazes de
ocultar sua verdadeira natureza, podendo envolver-se em atos cruéis ou prejudicar o
processo de reabilitação de outros detentos.
Pelo exposto, é evidente que o campo do Direito, em sua totalidade, muitas
vezes demonstra hesitação em enfrentar essa questão de frente. Mesmo diante das
incertezas em outras áreas, é fundamental que o sistema legal tome uma posição
definida e esteja disposto, se para o caso, a sugestão de reformas e modificações nos
métodos de aplicação das penas. Nessa seara, um instituto especialmente relevante
é o da reincidência, que será mais bem desenvolvido no capítulo subsequente.
34
4. REINCIDÊNCIA
35
Não há, no sistema carcerário brasileiro, um processo para diagnosticar a
psicopatia em relação à redução de penas ou à avaliação da capacidade do preso de
cumprir sua sentença em regime semiaberto. Se fossem implementados tais
procedimentos, é provável que os criminosos em questão permanecessem detidos
por um período mais longo, resultando em uma possível redução progressiva nas
taxas de reincidência desses crimes violentos cometidos por psicopatas.
No entanto, o único recurso apresentado pelo sistema legal brasileiro, quando
julgado pelo juiz, é o exame criminológico, conforme já mencionado. Entretanto, este
método não consegue avaliar o indivíduo de maneira minuciosa e confiável, indicando
a necessidade de uma abordagem mais atualizada e precisa, pelas razões expostas
anteriormente.
Além disso, conforme o disposto no Código Penal, a reincidência criminal é
considerada como um agravante da pena, o que leva a um aumento da sanção
imposta. Como já se viu, observa-se uma taxa de reincidência de 77% entre os
psicopatas, os quais, ao serem libertadores, demonstram uma especialização
crescente na prática de atos criminosos, o que leva à aplicação do seguinte dispositivo
do mencionado código: “Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena,
quando não constituem ou qualificam o crime: I - a reincidência; [...]” (Brasil, 1940).
Nesse contexto, as leis penais consentem que, se a primeira ação criminosa
do psicopata não envolve absolvição imprópria, esse pode ser julgado com base no
artigo acima mencionado. Em outras palavras, se a decisão anterior não se basear
em uma exceção de absolvição, um indivíduo depositado com psicopatia leve pode
ser considerado reincidente na segunda publicação.
Salienta-se que, em sede do processo legislativo, existem alguns projetos de
lei que visam a disciplinar a matéria, como projeto da Câmara dos Deputados nº
6.658/2010, que propõe: “[...] criar comissão técnica independente da administração
prisional e a execução da pena do condenado psicopata, estabelecendo a realização
de exame criminológico do condenado a pena privativa de liberdade, nas hipóteses
que especifica” (Brasil, 2010b). Também vale mencionar o projeto de lei do Senado
Federal nº 140/2010, que adiciona os incisos 6º, 7º, 8 e 9º ao artigo 121 do Código
Penal brasileiro, com intuito de tipificar o assassino em série, assim sumarizado:
37
vantagem para a sociedade no geral, a avaliação PCL-R também beneficia o sistema
de justiça criminal: “[...] os psicopatas são manipuladores inatos e que, em função
disso, costumam utilizar os outros presidiários para a obtenção de vantagens
pessoais” (Silva, 2008, p. 133).
Conforme mencionado, os países que adotaram a utilização da escala PCL-R,
alojam esses criminosos em celas distintas dos demais presidiários, quando
comprovada a identificação de personalidade psicopática. Entende-se que essa é uma
medida que teve sucesso nos sistemas jurídicos mencionados e que se mostra como
promissora para a realidade brasileira, se for a ela bem adaptada, na medida em que
casos eminentes no Brasil tiveram tratamento diverso e menos adequado, como será
discutido no capítulo a seguir.
38
5. CASOS BRASILEIROS
Diante desse caso, percebe-se que o indivíduo foi considerado inimputável por
falta de sanidade. Conforme os relatos de Ilana Casoy, Febrônio, na realidade, sofria
de grande desordem mental, a qual ele utilizou para cometer uma variedade de
crimes. Febrônio poderia ser rotulado como um assassino em série desorganizado e
não demonstrou qualquer premeditação em seus crimes ou preocupação com sua
captura. Foi sujeito a uma medida de segurança devido a sua incapacidade de
39
reabilitação, uma medida de caráter perpétuo legitimada pelas autoridades brasileiras
da época. Conforme relata Casoy, Febrônio foi internado em 6 de junho de 1929 no
Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, permanecendo por 57 (cinquenta e sete)
anos, vindo a falecer aos 89 (oitenta e nove) anos de idade (Casoy, 2014).
As conclusões indicavam que Febrônio manifestava uma psicopatia
caracterizada por “desvios éticos, evidenciados por impulsos sádicos e homossexuais,
associados a uma imaginação fértil e delirante”. Os atos criminosos de Febrônio eram
resultados de sua condição psicológica, incapazes de afetar sua própria vontade,
sendo este o motivo de sua inimputabilidade. Ainda, que devido à sua falta de controle,
Febrônio representava uma ameaça para a sociedade, necessitando permanecer
internado e afastado do convívio social em uma instituição designada para o
tratamento de delinquentes psicopáticos, conforme laudo pericial redigido pelo Dr.
Heitor Carrilho no mês de fevereiro de 1928 (Casoy, 2014).
Diante disso, é demonstrado que o caso de Febrônio representou o primeiro
exemplo de um assassino em série considerado mentalmente incapaz. Nota-se
também que houve uma medida de proteção à sociedade, e, apesar da aplicação de
uma medida de caráter perpétuo, a justiça acautelou-se, com sua saúde mental e
física, encaminhando-o não para uma prisão, mas para uma instituição adequada ao
seu estado psicológico.
Em contraponto a essa narrativa, que representou a primeira aplicação de uma
medida de caráter perpétuo no Brasil, faz-se relevante a descrição de um caso
relativamente recente que abalou o país devido à maneira desumana com que esse
assassino perpetrava seus atos. Conhecido como "Maníaco do Parque", o agente
cometia seus crimes, na área de mata do Parque do Estado, localizado em São Paulo.
Francisco de Assis Pereira, apelidado de Chico, foi detido após um período de 23 dias
em fuga, conforme descrito por Luisa Alcalde em um estudo que aborda em detalhes
toda a busca pelo assassino em série (Alcade, 1999).
A autora relata que, em 1996, uma mulher procurou os ás autoridades e alegou
em seu depoimento que foi abordada por um homem na Praça da República que foi
apresentado como Patrick. Ele a convenceu a tirar fotos para uma agência de modelos
no jardim zoológico local. Quando então propôs que entrassem em uma trilha na mata,
ela hesitou. Contudo, foi surpreendida pela mudança repentinamente na expressão
facial e na voz do agressor, o que a deixou amedrontada e a fez ceder às exigências
40
do rapaz. A partir daí, se iniciou o ritual agressões físicas e sexuais. A autora relata
diversas denúncias de vítimas sobreviventes, com os mesmos detalhes da abordagem
e modos operandi (Alcade, 1999).
No dia 4 de agosto de 1998, em Itaqui, Rio Grande do Sul, Francisco de Assis
Pereira foi detido e posteriormente transferido para São Paulo. Em seus primeiros
depoimentos, ele negou qualquer envolvimento com os crimes dos quais foi acusado,
apesar das múltiplas evidências contra ele. Apenas em 7 de agosto, decidiu por
iniciativa própria confessar, com detalhes, os crimes que havia cometido, inclusive
oferecendo-se para indicar os locais onde os corpos que ainda não foram encontrados
estavam. No dia 14 de fevereiro de 1998, o criminoso foi encaminhado para a Casa
de Custódia e Tratamento de Taubaté, aguardando julgamento. Durante esse período,
passou por avaliações psiquiátricas e foi diagnosticado como semi-imputável e
portador de transtorno de personalidade antissocial. Tais avaliações destacaram sua
dificuldade em se adaptar às normas sociais e sua incapacidade de estabelecer
relações afetivas. É importante salientar que, conforme indicado pela autora, o próprio
assassino teria declarado que, caso fosse reintegrado à sociedade, cometeria novos
assassinatos (Alcade, 1999).
Neste segundo caso, observa-se a imposição de sanção punitiva mediante a
pena privativa de liberdade, no entanto, sem considerar a reintegração do indivíduo à
sociedade. Isso gera um desconforto entre os especialistas no assunto, uma vez que
uma pessoa em questão é exposta com transtorno de personalidade psicopática,
representando um risco para a comunidade caso seja libertada após cumprir sua
pena.
41
para detectar a psicopatia em outros países, estabelecendo uma comparação com a
realidade brasileira, a fim de avaliar a adoção de abordagens semelhantes.
Conforme analisado, a ferramenta utilizada por países como EUA, Holanda,
Noruega e China, para o reconhecimento do transtorno, é conhecida como
Psychopathy Checklist (PCL-R), que se demonstrou bastante eficaz na identificação
desses indivíduos, resultando na diminuição da taxa de reincidência criminal entre
esses indivíduos:
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CONCLUSÃO
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No que se refere à culpabilidade, sabe-se que esta é requisito para a imposição
da pena, sendo determinada pela capacidade de compreensão da ilicitude do ato
praticado, bem como, de agir em consonância com a legislação do país.
Diante de todo o exposto, conclui-se que o Estado deve se empenhar em
garantir uma segurança efetiva para a sociedade ao lidar com casos de psicopatia
comprovada, especialmente aqueles que possuem histórico de envolvimento em
crimes violentos. Isso implica na necessidade de desenvolver métodos específicos
para identificá-los, distinguindo-os do tratamento destinado aos denominados
criminosos comuns.
Em outras palavras, além da necessidade da introdução de dispositivos que
abordem a psicopatia, para atingir, de fato, o princípio da individualização da pena,
isso inclui a criação de instalações prisionais específicas para acomodar esses
indivíduos manipuladores, considerando que não devem compartilhar o mesmo
ambiente com outros detentos, com o objetivo de evitar que reincidam e se tornem
novamente uma ameaça para a sociedade.
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