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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Dissertação de Mestrado
Curitiba
julho de 2006
Flavio Antônio da Cruz
Dissertação de Mestrado
Ficha Catalográfica
Cruz, Flavio Antônio da
C957c Considerações sobre o tratamento do erro em um direito penal de bases
2006 democráticas / Flavio Antônio da Cruz ; orientador, Rodrigo Sánchez Rios.
– 2006.
273 f. ; 30 cm
Palavras-chave
Democracia; direito; penal; subjetividade; erro; tipo; proibição;
culpabilidade.
Abstract
Error is one of the most complex themes in penal matters. The author
examines typically objective conduct – it does penal harm to legally entrusted
assets – without being totally aware of what is really going on without perceiving
the legal ramifications of this conduct. Therefore, the problem of error requires
the contrast between the effectiveness of the Penal Code and respect concerning
the culpability principle and the insurmountable limit of the punishment.
Questions are raised as to the amplitude of subjectivity of legal responsibility in a
democratic state of law. Special problems arise concerning types of penal
programming, which seek to protect complex functions. It deals with
incriminating norms related to social planning built by the State through legal
sanctions. In such cases, the individual may only understand the legal
ramifications of a determined kind of conduct by consulting a lawyer or
researching legislation. Faced with legislative inflation and a symbolic Penal
Code, caution must be doubled in the censure of conduct as there is the risk of
falling back into versarista responsibility.
Key words
Democracy; law; penal; subjectivity; error; type; ban; culpability.
Sumário
Introdução 9
1. Premissas 25
1.1. Dogmática penal e Estado Democrático de Direito 26
1.2. Propósitos reconhecidos ao Direito Penal 40
1.3. Legalidade penal e secularização do Estado 65
4. Conclusões 244
1
CONDE, Francisco Muñoz. El error en derecho penal. Buenos Aires: Rubinzal Culzoni
Editores, 2.003, p. 13. Consulte-se também MIR PUIG, Santiago. Derecho penal. Parte general. 7ª
ed. Buenos Aires: Julio César Faira Editor (Editorial IB de F), 2.004, p. 270 e JAKOBS, Günther.
A autoria mediata com instrumentos que atuam por erro como problema de imputação objetiva in:
Revista ibero-americana de ciências penais. Porto Alegre: CEIP, ano 3, número 7, set./dez.
2002, p. 79.
2
O estudo do erro exige uma prévia compreensão do conhecimento enquanto fenômeno humano.
Para as epistemologias antigas, sobretudo a aristotélica, o conhecimento demandaria a reprodução
exata, no pensamento, do objeto de estudo (adaequatio intellectus ad rem). Posteriormente, com
Immanuel KANT, resta ultrapassada esta concepção. São reconhecidos os limites inerentes à
capacidade humana de se relacionar com o mundo. KANT supera - em solução de compromisso -
tanto os céticos (que diziam que o conhecimento se resume a um amontoado de fatos e de
presunções, não sendo possível qualquer metafísica, como queria David HUME, frente à falácia do
raciocínio indutivo) quanto os racionalistas (que diziam que todo o conhecimento emanava da
mente humana, sendo independente de qualquer experiência, como queria DESCARTES, ao
fundar a certeza do mundo no cogito). O autor da Crítica à Razão Pura sustentou que o
conhecimento demanda simultaneamente tanto a experiência empírica quanto os elementos
apriorísticos transcendentais, inerentes à razão humana (noção de causa e efeito; noção de
totalidade; de espaço e tempo, etc.). O conhecimento absoluto do que existe (da coisa em si –
noumenica) é impossível ao ser humano, diante dos filtros inerentes à razão. Anote-se, por fim,
que hodiernamente há epistemologias que sustentam que o conhecimento é um produto social,
decorrente de escolhas políticas formuladas em determinado contexto histórico. A ciência é
eminentemente pragmática, enfim. Não corresponde - desse modo - a um ato de contemplação
isolada do mundo e dos seus signos, mas sim, a um fenômeno dialético, de interação humana, de
utilidade e de dominação (como elucida FOUCAULT). A respeito do tema confira-se REALE,
Giovane; ANTISERI, Dario. História da filosofia. 7ª ed. SP; Paulus, 2º vol., 2.005, p. 869;
HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant. Tradução de Christian Viktor Hamm e Valerio Rodhen. SP:
Martins Fontes, 2.005, p. 33-53. Recomenda-se a leitura do capítulo oitavo da obra Filosofía del
derecho, de autoria de Arthur KAUFMANN, ao versar sobre a íntima conexão entre a imputação
jurídica e a linguagem e entre esta (a linguagem) e o conhecimento. Leia-se ainda o Tratado
lógico-filosófico, de Ludwig WITTGENSTEIN, a respeito do liame entre o conhecimento e
linguagem. É salutar o contraponto entre POPPER, Karl. Conjecturas e refutações. Coimbra:
Almedina, 2.003 e TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. BH: Del Rey, 2.000, p. 23-42.
Por fim, leia-se a respeito da proposta epistemológica subjacente à autopoiese biologicista na
introdução empreendida por José Engrácia Antunes à obra TEUBNER, Günther. O direito como
sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1.993, p. VIII.
10
“La teoría del error constituye sin lugar a dudas uno de los puntos más
controvertidos de la teoría del delito al tiempo que se presenta como la prueba de la
evolución que se ha operado en este sector del ordenamiento desde la concepción
objetiva basada en la responsabilidad objetiva, por el resultado, a la vigencia de los
principios de la responsabilidad subjetiva y de culpabilidad como limites del ius
puniendi”4.
Para Castro MORENO, “dentro del estudio de la teoría jurídica del delito,
el error es, sin duda alguna, una de las cuestiones centrales, lo que ha motivado
que la doctrina jurídica se haya ocupado del mismo en multitud de trabajos
científicos”5.
Ora,
“Um dos mais difundidos adágios expressa, em língua latina, verdade que cada um
pode constatar em sua própria experiência existencial: errare humanum est. Errar é
humano, ou melhor, é um atributo do homem, faz parte da natureza humana. Não
poderia, pois, a Ciência do Direito, que se situa entre as que têm por objeto fatos
humanos, deixar de ocupar-se seriamente com tal fenômeno”6.
3
TOLEDO, Francisco de Assis. O erro no direito penal. SP: Saraiva, 1.977, p. 2. MUNHOZ
NETTO, Alcides. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal. RJ: Forense, 1.978, p. 2-
3. JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal. Parte general.
5ª ed. atual. e ampl. Tradução de Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Colmares, 2.002, p. 328.
BELEZA, Tereza Pizarro; PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. O regime geral do erro e as
normas penais em branco. Ubi lex distinguit. Coimbra: Almedina, 2.001, p. 10.
4
BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación. Valencia: Tirant lo
Blanch, 2.004, p. 35. Em sentido semelhante, confira-se com W. SAUER, citado por Figueiredo
DIAS: “Nenhum capítulo de toda a doutrina do dolo e mesmo de todo o direito penal é tão cheio
de significação prática e tão difícil como o do erro de direito. Ele pertence ao trabalho diário da
justiça penal, ao mesmo tempo em que põe em questão os alicerces da nossa ciência. É o
calcanhar de Aquiles da doutrina do crime”. DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da
consciência da ilicitude em direito penal. 5ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2.000, p. 01.
5
MORENO, Abraham Castro. El error sobre las circunstancias atenuantes. El error sobre las
circunstancias atenuantes genéricas modificativas de la responsabilidad y sobre los elementos
accidentales de los tipos privilegiados. Valencia: Tirant lo Blanch, 2.003, p. 15.
6
TOLEDO, Francisco de Assis. O erro no direito penal, p. 01.
11
7
FELIP I SABORIT, David. Error iuris. El conocimiento de la antijuricidad y el artículo 14
del Código Penal. Barcelona: Atelier, 2.000, p. 23: “No en vano el error de prohibición, más allá
de su importancia intrínseca, ha sido el banco de pruebas predilecto en el análisis de las
construcciones de la teoría general del delito, de tal manera que la plasmación legislativa de
dicho error ha sido considerada determinante para establecer la compatibilidad de las diferentes
concepciones del delito con el ordenamiento jurídico de cada país”.
8
FRISCH, Wolfgang. El error como causa de exclusión del injusto y/o como causa de exclusión
de la culpabilidad in: _____ El error en el derecho penal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.999, p. 14.
9
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 15 e ss.
10
Muito embora haja a percepção generalizada de que a teoria do dolo teria sido totalmente
superada pela teoria da culpabilidade (de lastro finalista), vê-se que a questão ainda demanda
indagações relevantes. Autores da magnitude intelectual de ROXIN adotam, em certa medida, um
dolo que não é a mera vontade do resultado típico. Isto porque Claus ROXIN adota a teoria
limitada da culpabilidade, que exclui o juízo de tipicidade dolosa, quanto o agente erra sobre o
substrato fático de uma causa de justificação (apesar de haver dolo). Confira-se: “Actua
dolosamente quien se decide por una conducta que está prohibida por el ordenamiento jurídico
(aun cuando no conozca esa prohibición). A quien sin embargo se guía por representaciones que
también en un enjuiciamiento objetivo se dirigen a algo jurídicamente permitido, y produce un
resultado indeseado por falta de atención y cuidado, le es aplicable el reproche de la
imprudencia. Así sucede en el error sobre los presupuestos objetivos o materiales de una causa de
justificación, que en consecuencia hay que equiparar a un error de tipo del §16”. ROXIN, Claus.
Derecho penal, p. 583.
11
Com efeito, caso se admita que seja totalmente livre a valoração jurídica dos vários elementos
do crime – seja por parte do legislador, seja por parte do Juiz – é fato que o conteúdo garantista do
conceito analítico do delito restará severamente atingido. Afinal de contas, não haveria muita
utilidade em se delimitar as relações lógicas (e, como tal, de mútua imbricação e condicionamento)
existentes entre as várias categorias se, ao final, pudessem ser simplesmente olvidadas. Registre-
se, porém, que Figueiredo DIAS e Enrique BACIGALUPO entendem que a construção sistemática
do delito não tem importância fundamental para a solução da questão do erro, dado que o tipo de
erro não coincide com o tipo de crime (os objetos cujo desconhecimento/má compreensão dão
12
origem ao erro de tipo não são todos aqueles que compõem o tipo penal. Não há como, por
exemplo, alegar o desconhecimento dos tipos subjetivos gerarem o erro de tipo). Confira-se DIAS,
Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 145-150 e
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error. 3ª ed. Buenos Aires: Hammurabi, 2.002, p. 62-64. Ainda
neste sentido, vide ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 278; 289 e 477: “El tipo a efectos de error
no es necesariamente idéntico al tipo sistemático”. JESCHECK e WEIGEND sustentam, porém,
que “El dolo debe referirse a todos los elementos del tipo objetivo”. JESCHECK, Hans-Heinrich;
WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 316.
12
Destaque-se, contudo, que a Teoria Limitada do Dolo admite soluções distintas para o erro de
proibição e o erro de tipo, sempre que a falta de compreensão do desvalor da conduta decorrer de
uma predisposição para a ignorância dos preceitos legais, frente a uma categoria comumente
denominada de “aversão/hostilidade ao direito”, defendida pelo fascista Edmund MEZGER (e
criticada por HAFTER) e que perigosamente acena para um direito penal do autor, no qual a
culpabilidade é aferida por conta de presumidas opções imemoriais do agente, como se lhe fosse
possível simplesmente escolher não conhecer o Direito da sociedade em que vive (note-se que o
Direito não é o mesmo que a Lei. Quanto à relação entre Direito e moral, em um contexto de
superação do positivismo jurídico, vide ainda ALEXY, Robert. El concepto y la validez del
derecho. 2ª ed. Tradução de Jorge M. Seña. Barcelona: Gedisa, 2.004, p. 123-126. Também
VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. Tradução de Cláudia Berliner.
SP: Martins Fontes, 2.005, p. 45 (a respeito da distinção entre direito e moral em Aristóteles).
Aliás, a respeito da filiação de MEZGER ao nacional socialismo, confira-se CONDE, Francisco
Muñoz. La otra cara de Edmund Mezger: su participación en el proyecto de ley sobre
Gemeinschaftsfremde in: El penalista liberal, 2.004, p. 694-716; CONDE, Francisco Muñoz.
Edmund Mezger e o direito penal do seu tempo. Estudos sobre o direito penal no nacional-
socialismo. 4ª ed. São Paulo: Editora Lumen Juris, 2.005.
13
Com efeito, a chamada teoria estrita do dolo, defendida por Karl BINDING exigia - por dever de
coerência - que os seus adeptos reconhecessem que todo equívoco (fosse de percepção ou de
valoração) implicava a exclusão do dolo, apenas permitindo a imputação a título de negligência,
desde que o erro fosse indesculpável e houvesse previsão legislativa do tipo culposo respectivo.
Dado que a tipificação culposa é exceção no sistema (o Direito Penal é fundado no desvalor da
intenção, muito mais do que no desvalor do resultado), a referida teoria ensejava uma maior gama
de absolvições. Daí que, em certa medida, o retorno a um dolo valorado (dolus malus) poderia
corresponder às aspirações da corrente minimalista do Direito Penal (defendida por teóricos do
porte de FERRAJOLI; Louk HULSMAN e Nils CHRISTIE). Este argumento somente se sustenta,
porém, diante da manutenção de um determinado estado de coisas, isto é, diante de um sistema que
não generalize a imputação por erro na execução, e em que as diferenças entre as penas dos tipos
dolosos e culposos sejam consideráveis.
14
TAVARES, Juarez. Direito penal da negligência. Uma contribuição à teoria do crime culposo.
13
constitutiva ou meramente ancilar da sanção penal (O direito penal poderia tipificar penalmente
algo que não fosse desvalorado por nenhum outro ramo do Direito?). De qualquer sorte, por ora,
convém ficar com a noção de que, por exemplo, aquilo que o Direito Tributário autoriza não pode
ser sancionado pelo Direito Penal, dado que não são admissíveis contradições normativas, sob
pena de se violar a boa fé dos administrados, dos quais não se pode exigir que - a todo tempo -,
desconfiem de que o Estado desconhece a Lei que ele próprio edita, incorrendo em antagonismos
insuperáveis.
16
ORTEGA Y GASSET, José. Obras completas. Madrid: Editorial Alianza, 1993: “Eu sou eu e
minhas circunstâncias, se não me salvo a elas, não se me salvo a mim mesmo”. Ainda neste
sentido, confira-se com KAUFMANN, Arthur. Filosofía del derecho. Tradução de Luis Villar
Borda e Ana María Montoya. Bogotá: Universidad Externado de Colombia. 1.999, p. 222 e ss. e
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis:
Vozes, 1.997, p. 368-396.
17
Leia-se PUPPE, Ingeborg. Error de hecho, error de derecho, error de subsunción. in: FRISCH,
Wolfgang. El error en el derecho penal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.999, p. 105-107.
18
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método, p. 385-396.
19
A respeito do conceito de socialização e da institucionalização, consulte-se TAVARES, Juarez.
Teoria do injusto penal, p. 67, em que se faz referência à obra de Talcott PARSONS.
15
20
Neste trabalho, será utilizada a expressão percepção fática para indicar o conhecimento, por
parte do agente, do contexto empírico em que está envolvido. A expressão compreensão normativa
será empregada para fazer referência ao efetivo entendimento, por parte do autor, da valoração
social da conduta por ele praticada. Cuida-se de uma diferenciação ensaiada por DIAS, Jorge de
Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. SP: RT, 1.999, p. 293. Anote-
se, porém, que – a rigor - não há uma verdadeira distinção ontológica entre um fenômeno e outro,
frente à premissa de que tudo, no ser humano, é atribuição constante de significado para si e para o
que dele se avizinha. Talvez a diferença entre a percepção fática e a compreensão normativa seja
apenas de dimensão, de grau, sobremodo quando se tem em conta que o conhecimento é sempre
intermediado pela linguagem e que esta é essencialmente valorativa. Saber o que ocorre em
determinado contexto fático exige, por certo, o domínio do código semântico compartilhado pela
comunidade em que o autor está inserido, que abrange tanto a linguagem falada, quanto os signos
não escritos (expressões corporais; indicações de participação em determinado grupo; etc.). Caso o
autor não saiba o que é um computador, também não poderá quebrar sigilo de outrem. Caso o
indivíduo não saiba, de antemão, o significado e a utilidade do cheque, tampouco poderá incorrer
em um crime de apropriação indébita, notadamente porque o próprio tipo (na origem,
pretensamente descritivo) exige uma intenção especial; uma tendência interna (o querer ter pra si)
para que o próprio ilícito possa surgir. Ou seja, não se pode olvidar que a percepção fática também
exige o reconhecimento de significado social. Contudo – mesmo que ciente desta ressalva – não se
pode deixar de fazer uso da distinção. Quando se emprega, nesta dissertação, o termo compreensão
valorativa, busca-se enfatizar um fenômeno mais complexo. Implica, nesta quadra, contrapor o
indivíduo às opções políticas fundamentais da sua comunidade em cada situação de vida. Melhor
dizendo, implica aferir se o agente tinha consciência de que a conduta realizada era desaprovada
pelo Direito Oficial/Estatal. Aqui se perquire se basta a possibilidade de se alcançar o
conhecimento (conhecimento in potencia)? - o que não é, na verdade do ato, conhecimento algum.
Também se indaga se basta o entendimento de que a conduta viola a moral coletiva (mas, não
necessariamente, a Lei penal). A respeito desta última questão, confira-se com FELIP I
SABORIT, David. Obra citada, p. 109-113. Por outro lado, “Deve-se tratar diversamente quem
desconhece a Lei daquele outro que, apesar de conhecê-la, a entende indevida,
inconstitucional?”, ou melhor, “Até onde vai o direito de resistência civil; a competência
individual para a interpretação da Lei?” Por acaso um delegado estaria obrigado a se socorrer
previamente a um provimento jurisdicional para deixar de cumprir uma Lei que impusesse a
tortura? Ou poderia, desde logo, simplesmente desconsiderar uma Lei absurda desta? Portanto,
adota-se aqui a tese, defendida por Gustav RADBRUCH e por Robert ALEXY de que uma Lei
absurdamente injusta sequer é jurídica, não podendo constranger seus destinatários. Por fim, deve-
se aferir o limite do direito de resistência, verbalizado no célebre manifesto de Henry David
THOREAU: "Saibam todos quantos esta declaração lerem que eu, Henry Thoreau, não desejo ser
considerado integrante de qualquer sociedade organizada à qual não tenha aderido”.
THOREAU, Henry David. A desobediência civil. Tradução: Sérgio Karam. Porto Alegre: L&PM,
1997. Qual é, enfim, a ‘liberdade de rebelião’ individual contra as amarras institucionalizadas,
notadamente diante de um Estado em constante crise ética? Consulte-se, para tanto, MIRANDA,
Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV. Direitos fundamentais. 3ª ed. revista e
atualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2.000, p. 359-366.
21
SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. 4ª ed. Curitiba: ICPC: Lumen
Juris, 2.005, p. 82 e ss. Anote-se, por sinal, que esta pretensão de separar o conhecimento do
16
23
Como elucida Luiz Régis PRADO, deve-se falar em ‘teorias da imputação objetiva’, dado que,
ao contrário dos movimentos anteriores, não há uma unidade entre as várias propostas agrupadas
sob este epíteto. Confira-se PRADO, Luiz Régis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da
imputação objetiva do resultado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.002, p. 16.
24
No Brasil, leia-se MACHADO, Luiz Alberto. Direito criminal. Parte Geral. SP: RT, 1.987.
Anote-se, por oportuno, com Figueiredo DIAS que “Se há uma distinção entre erro sobre o tipo e
erro sobre a proibição, ela só pode ser o reflexo, como num espelho, da distinção entre tipo e
ilicitude, enquanto momentos constitutivos autônomos do conceito de crime”. DIAS, Jorge de
Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 67. Ora, o professor
lusitano também formula graves críticas contra a doutrina do tipo indiciário da ilicitude, vale dizer,
contra a pretensão de se segmentar totalmente o momento do exame típico (tipicidade) do
confronto entre a conduta e o Ordenamento (ilicitude) – o que é inerente à teoria de três níveis.
Figueiredo DIAS leva em conta, em síntese, a questão da adequação social da conduta (já
considerada por WELZEL) e também o problema dos tipos abertos (offene Tatbestände) e dos
elementos de dever jurídico presentes na descrição típica. Confira-se em p. 80-81. Com
fundamento em ROXIN, o autor sustenta que “Terá de concordar-se, porém, com aqueles que
afirmam ser a distinção substancial entre momentos especiais da ilicitude e causas de justificação
impossível de fazer com um mínimo aceitável de segurança”. Vê-se, aliás, que Figueiredo DIAS
manifesta certa simpatia pela teoria dos elementos negativos do tipo em p. 88 da referida obra
(com exame crítico em p. 93-94).
18
25
MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el derecho penal tributario.
Tradução de Marcelo A. Sancinetti, Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.997, p. 22 e ss.
26
KAUFMANN, Arthur. Filosofía del derecho. Tradução de Luis Villar Borda e Ana María
Montoya. Bogotá: Universidad Externado de Colombia. 1.999, p. 156-157. O autor sustenta que
apenas as expressões numéricas poderiam ser compreendidas como verdadeiras descrições. Tudo o
mais comportaria, em uma maior ou menor medida, uma apreciação valorativa, dependentes de
uma pré-compreensão, na linha de GADAMER. Tudo seria analogia, no dizer de KAUFMANN
(Obra citada, p. 158).
27
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. SP: RT, 2.002, p. 649-673.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Primeiro volume: Teoria Geral do
Direito Penal. 2ª ed. RJ: Revan, 2.003, p. 50, em que se sustenta que a administrativização do
Direito Penal “Se caracteriza pela pretensão de um uso indiscriminado do poder punitivo para
reforçar o cumprimento de certas obrigações públicas (em especial no âmbito fiscal, societário,
previdenciário, etc.), o que banaliza o conteúdo da legislação penal, destrói o conceito limitativo
de bem jurídico, aprofunda a ficção do conhecimento da Lei, põe em crise a concepção do dolo,
vale-se de responsabilidade objetiva e, em geral, privilegia o estado em suma relação com o
patrimônio dos habitantes”. SALOMÃO, Heloisa Estellita. A tutela penal e as obrigações
tributárias na Constituição Federal. SP: RT, 2.001, p. 177. Por fim, no dizer de REALE
JÚNIOR: “A administrativização do Direito Penal torna a lei penal um regulamento, sancionando
a inobservância a regras de convivência da Administração Pública, matérias antes de cunho
disciplinar. No seu substrato está a concepção pela qual a lei penal visa antes a organizar' do que
a proteger, sendo, portanto, destituída da finalidade de consagrar valores e tutelá-los”. REALE
JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 21.
19
estudar o erro sobre a valoração da conduta, na exata medida em que, com isto,
cada vez se torna mais inverossímil o postulado de ‘esforço de consciência
kantiano’ subjacente à suposição de que qualquer pessoa pode - mediante simples
reflexão - constatar o caráter indevido do seu agir. Isto somente ocorre naquelas
searas em que a tipificação penal guarda sintonia com as opções morais da
considerável maioria da população, de modo que, neste caso, apesar de
desconhecer a legislação penal, o agente não fica impedido de alcançar o conteúdo
indevido da sua conduta28.
Quem restará convencido do argumento de que o agente desconhecia que
matar é crime?
Agora, se o indivíduo alegar que desconhecia o dever de entregar à
autoridade estatal bens achados (art. 169, CPB), certamente este argumento terá
um grau muito maior de convencimento, já que boa parte da população ainda
supõe equivocadamente que “achado não é roubado”.
O problema que se colocará em debate, nesta quadra, é intimamente afeito à
própria legitimidade do processo legislativo penal, anterior à tipificação, diante de
um notório déficit democrático, em que uma maioria representativa se converte
em uma minoria representada29.
Afinal de contas, a questão do erro de proibição decorre de uma falha na
comunicação entre o Estado e o indivíduo, cumprindo aferir a quem deve ser
imputado o custo30, diante do postulado da culpabilidade, como limite
28
Figueiredo DIAS menciona a distinção entre crimes naturais (crimina naturaliter proba) e os
crimes de mera criação política (mala qui prohibita). DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da
consciência da ilicitude em direito penal. 5ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2.000, p. 34 e 39.
Tenha-se em conta que a distinção – conquanto seja rotineira em muitos manuais – ao associar o
chamado crime natural à agressão aos valores supostos como universais (hauridos junto ao Direito
Natural), revela-se extremamente perigosa. Isto porque a presunção de um delito em si
(ontológico; pré-positivado) pressupõe uma natureza das coisas, algo insuscetível de
demonstração, além de estar intimamente associado ao pressuposto de que o Direito Penal é o
único instrumento de que a Humanidade dispõe para conseguir proteger aludidos interesses. Leia-
se também MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el derecho penal
tributario. Tradução de Marcelo A. Sancinetti. Buenos Aires: Ad-hoc, 1.997, especialmente em p.
73-81, sobre a ‘indiferença ética’ de inúmeros tipos penais de direito penal tributário.
29
VIANNA, Luiz Werneck apud STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e
hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2ª ed. RJ: Forense, 2.004, p. 185.
30
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 22. Afirma o autor espanhol que a atribuição de
relevância penal ao erro de proibição “Supone también un avance garantista en la protección del
ciudadano frente al Estado, que intenta muy a menudo que los costes de la confusión creada por
él mismo corran a cargo de sus súbditos; éstos, sin posibilidades reales de evitar el castigo,
quedan atrapados bajo la hipertrofia legislativa. Sin embargo, la otra cara de la moneda la
constituye el riesgo de beneficiar con esa medida, al menos en parte, al irresponsable o, mucho
peor, al considerado que se despreocupa de las reglas de convivencia”. O excerto sintetiza bem as
20
intransponível da pena.
Vê-se, portanto, que quanto mais o Direito Penal cede a utilitarismos, i.e., à
pretensão de induzir condutas futuras - sem um desvalor social prévio à
tipificação - mais se exige do indivíduo quanto ao dever de informação, dado que,
em casos tais, o chamado ‘esforço de consciência’ mostra-se infrutífero31.
Não há como, mediante simples meditação, se alcançar o conteúdo efetivo
da proibição veiculada no art. 1º, V, da Lei nº 8.137, que criminaliza a emissão de
nota fiscal em desacordo com a legislação tributária32. Somente se agirá em
conformidade com a norma se efetivamente for conhecido, pelo agente, o
complemento do tipo, ainda que de forma aproximada. Adivinhação de pouco
vale, nesta área.
Por outro lado, a atribuição de um especial dever de instrução pessoal –
notadamente na área de profissões regulamentadas – não deixa de traduzir uma
espécie de culpabilidade por condução de vida, porquanto exige um exame
judicial de momentos anteriores àquele em que o substrato típico foi consumado.
Também suscita uma difícil questão: o que, em substância, diferencia o
dever de informação que dá causa aos crimes imprudentes (dever geral de
33
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 99-102, com especial atenção para as páginas 793; 798 e 814.
Vide também DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte geral. Tomo I. Questões
fundamentais. A doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra Editora, 2.004, p. 259.
34
Este termo (lesividade) revela, desde logo, a vinculação deste trabalho à compreensão de que o
Direito Penal apenas se presta a tutelar os bens jurídicos valiosos para o grupo social, não se
desconhecendo, entretanto, que a referida concepção teórica ainda está atrelada a uma ideologia de
defesa social, elucidada com brilhantismo na obra BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica
e crítica ao direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos
Santos. 3ª ed. RJ: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2.002, p. 162. Também neste
sentido, mostra-se pertinente a leitura de ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas
perdidas, p. 26-27. Fica a observação, porém, que, no presente trabalho, a atribuição desta função
ao Direito Penal (proteção de bens jurídicos) está sendo entendida como um limitador democrático
à tipificação penal – e, como tal, um reflexo da secularização do Estado e contenção da
competência legiferante - sendo lastimável a cabal inexistência de ações de inconstitucionalidade
para controle de conteúdo das cominações penais.
35
ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Tradução de Luís Greco. RJ:
Renovar, 2.002, p. 20: “De todo o exposto, fica claro que o caminho correto a seguir só pode ser
deixar as decisões valorativas político-criminais introduzirem-se no sistema do direito penal, de tal
forma que a fundamentação legal, a clareza e a previsibilidade, as interações harmônicas e as
conseqüências detalhadas deste sistema não fiquem a dever nada à versão formal-positivista de
proveniência lisztiana. Submissão ao direito e adequação a fins político-criminais
(kriminalpolitische Zweckmäßigkeit) não podem contradizer-se, mas devem ser unidades numa
síntese, da mesma forma que Estado de Direito e Estado Social não são opostos inconciliáveis,
mas compõem uma unidade dialética: uma ordem jurídica sem justiça social não é um Estado de
Direito material, e tampouco pode utilizar-se da denominação de Estado Social um Estado
planejador e providencialista que não acolha as garantias de liberdade do Estado de Direito”.
Deve-se superar, enfim, a separação estanque entre dogmática; criminologia e política criminal, tal
como fora defendida por von LISZT. Confira-se DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões
fundamentais do direito penal revisitadas. SP: RT, 1.999, p. 24 quanto à gesamte
22
outros.
E, nessa medida, ao longo da presente dissertação, buscar-se-á o constante
estabelecimento de premissas de conteúdo valorativo, relacionadas diretamente a
uma concepção funcionalista da teoria do delito (na linha roxiniana) e a uma
concepção do direito penal de duas vias, na linha propugnada por Jesus-Maria
SILVA SANCHEZ38 e Bernd SCHÜNEMANN39, com certo comedimento, a fim
de se evitar a gestão da vida por meio de normas indutoras penais40, de modo que
sempre se respeite o postulado da ultima ratio.
O tema suscita, por conseguinte, consideráveis reflexões a respeito da
imputação de resultados ao agente (liame jurídico entre o indivíduo e
determinados sucessos físicos) e sobre a responsabilização penal (exame da
capacidade efetiva de se deixar conduzir em conformidade com o Direito Oficial,
reconhecido e, em certo sentido, criado pelos Tribunais)41.
Strafrechtswissenschaft.
36
SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria da pena: fundamentos políticos e aplicação judicial.
Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2.005, p. 2-3.
37
GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. O futuro do direito penal: (tem algum futuro a
dogmática-jurídico penal?). Tradução de Maurício Ribeiro Lopes, Barueri: Manole, 2.004, em
que o autor versa sobre a necessidade de que os juristas prestem atenção aos estudos das ciências
psicológicas. Leia-se também GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. Conceito e método da ciência
do direito penal. Tradução de José Carlos Gobbis Pagliuca. SP: RT, 2.002, p. 32-34, a respeito da
importância da criminologia para a dogmática penal. Por fim, ainda quanto à relação entre direito
penal; política criminal e criminologia, consulte-se DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal.
Parte geral. 2ª ed. rev. atual. ampl. RJ: Forense, 2.005, p. 73-102.
38
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal
nas sociedades pós-industriais. Tradução de Luiz Otavio de Oliveira Rocha. SP: RT, 2.002, p. 137-
151.
39
SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la ciencia
jurídico-penal alemana. Tradução de Manuel Cancio Meliá. Bogotá: Universidad Externado da
Colombia, 1.998.
40
Há certa dúvida quanto ao papel a ser exercido pelo Direito Penal em uma sociedade pós-
industrial, submetida a um considerável grau de risco. Certamente, as críticas formuladas por
Alessandro BARATTA à ideologia da defesa social são plenamente aplicáveis à defesa de um
papel pró-ativo do Direito Penal na temática do meio ambiente; consumidores e regularidade fiscal
(os chamados ‘complexos funcionais’). De qualquer sorte, anote-se que a tutela penal dos
interesses supra-individuais carrega consigo uma maior coerência intra-sistemática para o Direito
Penal, de modo que a pauta valorativa eleita pelo legislador tenha consonância com a axiologia
constitucional. Desse modo, a atuação penal no âmbito dos interesses difusos não acarreta uma
crise no sistema, desde que se continue a vedar a utilização da pena como prima ratio.
41
Para o presente trabalho, será de extrema a importância, portanto, a teoria da dirigibilidade
normativa de Claus ROXIN. Faz-se menção a um ‘direito oficial’, frente à compreensão de que
nem sempre o discurso oficial ou o direito reconhecido pelos Tribunais corresponde às regras que
imperam no convívio social. Em uma sociedade de intérpretes da Constituição, em que todos
podem interpretar a Lei (tal como a revolução protestante, ao acabar com o monopólio sacerdotal
da inspiração pelo Espírito Santo), surgem consideráveis dúvidas a respeito da solução a ser
aplicada ao eventual antagonismo entre o Direito Oficial e aquele reconhecido no dia-a-dia da vida
de relação. Ora, se for assim – se o Direito se restringe ao Direito Estatal - “O estudo do Direito
não merece um minuto de esforço, porque não passa de trabalho braçal” (Léon DUGUIT apud.
VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 5ª ed. SP: Malheiros, 2.002, p. 54). A
23
título de exemplo, veja-se a questão do crime de adultério, apenas recentemente extirpado do CPB.
Por fim, fica a provocação: será que realmente o desuso/costume não implica em abolitio criminis,
em um Direito Penal legitimado pelo postulado da ultima ratio e exigente de uma legitimidade
material?
42
Aliás, este dilema já fora percebido há muito tempo por WÜRTENBERGER, conforme
demonstra a famosa palestra proferida em 30 de novembro de 1.955 e referida por Bernd
SCHÜNEMANN. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la ciencia jurídico-
penal alemana, pp. 12-17. Confira-se: “Resulta fascinante el hecho de que pueda trazarse, desde
estas posiciones fundamentales de WÜRTENBERGER en cada caso, una línea recta entre
aquellas dos concepciones teóricas del Derecho Penal que pueden ser consideradas como los
polos, la vanguardia o el contrapunto de la más reciente evolución. Me refiero, por un lado, a la
concepción del Derecho Penal propugnada por antiguos y actuales autores radicados en
Frankfurt, como Derecho referido exclusivamente al individuo, concepción que se manifiesta del
modo más claro en la teoría del bien jurídico y en la política procesal penal de Winfried
HASSEMER y sus discípulos. Por otro lado, hablo del sistema normativista del Derecho Penal de
Günther Jakobs, orientado con base en la teoría funcional de sistemas y que se concibe a sí mismo
como el polo opuesto al pensamiento lógico-material. No es una casualidad que las Jornadas
Alemanas de Profesores de Derecho Penal de este año, que se desarrollan en Rostock, se celebren
con el tema general El Derecho Penal entre el funcionalismo y el pensamiento europeo de los
principios tradicionales y que las ponencias generales al respecto hayan sido encomendadas a
Günther JAKOBS y a Klaus LÜDERSSEN (...) el individualismo de Frankfurt está abocado a
exprimir en demasía un único principio, convirtiendo así, en vez de en un elemento positivo, en un
obstáculo; el normativismo de Jakobs, por su parte, necesariamente conduce a una capitulación
incondicional ante la práctica política imperante en cada momento en la actividad del legislador
en la jurisprudencia. Ello es así, en todo caso, si se toman en serio las pretensiones teóricas de
ambas corrientes, en vez de relativizarlas siempre que sea necesario a través de decisiones ad
hoc” (SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la
ciencia jurídico-penal alemán, pp. 13-14).
43
Confira-se com o conceito de culpabilidade formulado por Günther JAKOBS. Leia-se JAKOBS,
Günther. Derecho penal. Parte general. Fundamentos y teoría de la imputación. 2ª ed. revis.
Tradução de Joaquin Cuello Contreras e Jose Luis Serrano Gonzales de Murillo. Madri: Marcial
Pons, 1.997, p. 581-582.
44
BECK, Ulrich. Risk society: towards a new modernity. Sage Publications: Great Britain,
1.992. Vide igualmente KAUFMANN, Arthur. Filosofia del derecho, p. 528-533. Por fim, leia-se
PRITTWITZ, Cornelius. Sociedad del riesgo y Derecho penal in: DIAS, Jorge de Figueiredo et al.
El penalista liberal, p. 147-179.
24
45
A co-culpabilidade é uma categoria desenvolvida na obra ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al.
Derecho penal: parte general, 2ª ed. Buenos Aires: Ediar, 2002, p. 656. Confira-se também
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro.
Parte geral. SP: RT, 1.997, p. 613.
1
Premissas
1.1
Dogmática penal e Estado Democrático de Direito:
Por que razão se gasta tanta energia intelectual com a sistematização das
categorias do delito? Não haveria uma preocupação demasiada com construções
absolutamente idealizadas e alheias aos indivíduos que vivem “no mundo real”?
A resposta a tais perguntas depende, por certo, da espécie de dogmática que
se quer construir.
Para alguns, o estudo deveria ser neutro; autopoiético (categoria que está na
moda), verdadeiramente circular.
Uma dogmática com tal pretensão deve ser, sem mais, abandonada. Apenas
causa prejuízos. Baseia-se, no fundo, no pressuposto de que o Direito encontre
legitimação em si mesmo, totalmente absorto da sorte daqueles que ousaram
‘cruzar o seu caminho’.
Não é essa a aspiração que anima o presente estudo.
Ao contrário, propugna-se por uma dogmática penal48 emancipatória,
46
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo, São Paulo:
Martins Fontes, 1.999, p. 71.
47
Argumentação bastante forte em STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise:
uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2.005, p. 315. Em sentido similar, confira-se ainda o posicionamento de Arthur
KAUFMANN, informando a superação da pretensão a conhecimentos livres de subjetividade,
frente à cabal falha da epistemologia fundada na relação sujeito/objeto. Vide KAUFMANN,
Arthur; HASSEMER, Winfried. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito
contemporâneas. Tradução de Marcos Keel e Manuel Seca de Oliveira. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2.002, p. 57-58; SILVESTRONI, Mariano H. Teoria constitucional del
delito. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2.004, p. 144.
48
Consoante define ROXIN, “A dogmática jurídico-penal é a disciplina que se ocupa da
interpretação, sistematização e elaboração e desenvolvimento das disposições legais e opiniões da
doutrina científica no campo do Direito Penal”. ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 192.
27
49
Geralmente, a dogmática penal vê na pena um mal necessário, do qual, infelizmente, a sociedade
atual ainda não pode abrir mão. Como se verá adiante, esta formulação ainda está subordinada a
uma ideologia da defesa social, severamente criticada por Alessandro BARATTA. Leia-se
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal: introdução à sociologia
do direito penal, p. 42-44 e 162.
50
A expressão ‘agências de criminalização’ é empregada na obra ZAFFARONI, Eugênio Raúl et
al. Direito penal brasileiro. Teoria do direito penal, Rio de Janeiro: Revan, 2.003, p. 51. Em p. 43
encontra-se a definição de criminalização primária e secundária, como segue: “Criminalização
primária é o ato e o efeito de sancionar uma lei penal material que incrimina ou permite a
punição de certas pessoas (...) A criminalização secundária é a ação punitiva exercida sobre
pessoas concretas, que acontece quando as agências policiais detectam uma pessoa que supõe-se
tenha praticado certo ato criminalizado primariamente, a investigam, em alguns casos privam-na
da sua liberdade de ir e vir, submetem-na à agência judicial, que legitima tais iniciativas e admite
um processo”.
51
Em sentido semelhante, confira-se ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique.
Manual de direito penal brasileiro, p. 79-80.
52
KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried. Introdução à filosofia do direito e à teoria do
direito contemporâneas. Tradução de Marcos Keel e Manuel Seca de Oliveira. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2.002, p. 167-170.
28
“A dogmática deve nos ensinar o que é devido com base no Direito, deve averiguar
o que diz o Direito. A dogmática jurídico-penal, pois, averigúa o conteúdo do
Direito Penal, quais são os pressupostos que devem ocorrer para que entre em jogo
um tipo penal, o que distingue um tipo de outro, onde acaba o comportamento
impunível e onde começa o punível. Torna possível, por conseguinte, ao assinalar
limites e definir conceitos, uma aplicação segura e calculável do Direito Penal,
torna possível subtraí-lo da irracionalidade, da arbitrariedade e da improvisação”54.
Ademais,
“Quanto menos desenvolve o Direito Penal uma dogmática, mais imprevisível será
a decisão dos tribunais, mais dependerão do azar e de fatores incontroláveis a
condenação ou a absolvição. Se não conhecem os limites de um tipo penal, se não
se estabeleceu dogmaticamente o seu alcance, a punição ou a impunidade de uma
conduta não será a atividade ordenada e meticulosa que deveria ser; apenas uma
questão de loteria. E quanto menor for o desenvolvimento dogmático, mais loteria,
até chegar à mais caótica e anárquica aplicação de um Direito Penal do qual – por
não ter sido objeto de um estudo sistemático e científico – se desconhecem o
alcance e o limite”55.
53
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
54
GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. O futuro do direito penal, p. 37-38.
55
Idem, ibidem.
56
Anote-se, todavia, que sob a perspectiva da Criminologia Crítica – em que se coloca sob
holofotes o próprio controle penal, notadamente por meio das violências não racionalizadas (vide
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas, p. 26-28) - esta pretensão de
controle da irracionalidade punitiva não deixa de ser apenas simbólica, justificando a verdadeira
violência, praticada às margens da dialeticidade processual. Isto porque o controle ritualista-
judicial exercido racionalmente é mínimo, frente às conhecidas cifras negras e também aos
mecanismos de escape da judicialização do conflito, entre os quais: a) a corrupção; b) a falta de
fiscalização efetiva; c) a burocracia ineficiente, etc. Portanto, o problema está na violência
29
exercida pelo poder de conformação penal, a que alude ZAFFARONI, sob a manifesta influência
do conceito de disciplina formulado por FOUCAULT. Leia-se também Alessandro BARATTA.
Criminologia crítica e crítica do direito penal, sobremodo no epílogo de p. 209-222. Por fim,
confira-se SANTOS, Juarez Cirino dos. Criminologia radical. 2ª ed. ICPC: Lumen Juris, 2.006,
p. 125-132.
57
Sectária dos grupos que exercem o Poder; propugnáculo da pena, como valor em si.
58
NOVOA MONREAL, Eduardo apud BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal
brasileiro. 10ª ed. RJ: Revan, 2.005, p. 117. Em sentido semelhante, leia-se JESCHECK, Hans-
Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 210, ao tratar da insegurança que a
falta de categorias sistemáticas provocou na decisão do caso Mignonette (julgamento, por um
tribunal inglês, dos náufragos que, depois de vários dias de privações em alto mar, decidiram
matar o companheiro moribundo para alimentarem-se com a sua carne).
59
BATISTA, Nilo. Obra citada, p. 118.
30
60
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 206. Também neste sentido, atente-se para a perplexidade
manifestada por Karl ENGISH ao longo do primeiro capítulo da Introdução ao Pensamento
Jurídico: “Há na verdade pessoas que podem viver e vivem sem uma ligação íntima com a poesia,
com a arte, com a música. Há também, na expressão de Max WEBER, pessoas religiosamente
amusicais. Mas não há ninguém que não via sob o Direito e que não seja por ele constantemente
afectado e dirigido. O homem nasce e cresce no seio da comunidade e – à parte dos casos
anormais – jamais se separa dela. Ora o Direito é um elemento essencial da comunidade. Logo,
inevitavelmente, afecta-nos e diz-nos respeito. E também o valor fundamental pelo qual ele deve
ser aferido, o justo, se não situa em plano inferior ao dos valores do belo, do bom e do santo. Um
Direito Justo faz parte do sentido do mundo. Por que, pois, tão pouca abertura de espírito para o
Direito e para a Jurisprudência?” ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 6ª
edição. Tradução de J. Baptista Machado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1.988, p. 12.
Prosseguindo, diz ENGISH que “Coisa bem diferente desta luta pela compreensão e pela
simpatia, em concorrência com as demais ciências do espírito e da cultura, é a permanente
necessidade de auto-afirmação da ciência jurídica em face das dúvidas que faz avultar o seu
confronto com as ciências da natureza (...) A ciência jurídica é, tal como as ciências naturais, uma
ciência de leis. No entanto, aquele que nos desvenda as leis da natureza, revela-nos o ser e a
necessidade. Ora, será que também o jurista nos conduz ao ser, poderá ele convencer-nos da
necessidade de leis jurídicas?” ENGISH, Karl. Obra citada, p. 14-15.
61
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 207.
62
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 208-209. Leia-se também GUARAGNI, Fábio André. As
teorias da conduta em direito penal: um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao
funcionalismo pós-finalista. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.005, p. 31-35.
63
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 210-214.
31
“La teoría del delito, conformada como un intento de comprender la acción punible
como un todo mediante la elaboración teórica de los elementos generales, requiere
de una justificación puesto que podría ser más conveniente pasar a ocuparse
inmediatamente de los distintos tipos de delito y del os elementos que los integran.
Sin embargo, los presupuestos de la punibilidad no se agotan en los elementos de
los tipos penales concretos, los factores esenciales del concepto de delito no están
contenidos en las infracciones descritas en la Parte Especial sino que se encuentran
antepuestos a ellas.
(…)
Sin el desglosamiento del concepto de delito en tipicidad, antijuricidad y
culpabilidad, así como en las diferenciaciones adicionales ligadas a estos elementos
tal y como sucede con la distinción entre estado de necesidad justificante y
exculpante, la solución del caso expuesto seria insegura y dependiente de
consideraciones sentimentales. Los elementos generales del hecho punible que son
tratados por la teoría del delito, posibilitan por el contrario una jurisprudencia
racional, objetivamente fundada e igualitaria, contribuyendo así esencialmente a
garantizar la seguridad jurídica”65.
64
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 214. Confira-se: “Un último peligro del pensamiento
sistemático consiste en que, al intentar ordenar transparentemente todos los fenómenos de la vida
bajo unos pocos puntos de vista rectores, por elegir conceptos demasiado abstractos se olviden y se
violenten las diversas estructuras de la materia jurídica. Así por ejemplo, la búsqueda de un
concepto unitario de acción, que se acomode por igual a todas las formas de manifestación del
delito, pude ya dar lugar a que la dogmática pase por alto las fundamentales diferencias materiales
entre actuación dolosa, actuación imprudente y mera omisión y comience demasiado alto en la
elección de sus conceptos (...) También radica en la predilección por la abstracción una de las
causas de la contumaz persistencia de la teoría subjetiva de la participación. El olvido de todas las
diversidades de la materia jurídica permite la aplicación de un criterio aparentemente igual, pero
realmente carente de contenido”.
65
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal. Parte general. 5ª
ed. atual. e ampl. Tradução de Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Colmares, 2.002, p. 210,
destaques presentes no original.
66
Aliás, convém ter em conta que o próprio ROXIN, na reedição do trabalho, com tradução para o
português sob a pena de Luís Greco (Política criminal e sistema jurídico-penal. Rio de Janeiro:
Renovar, 2.002, p. 08) faz referência à JESCHECK quanto a esta passagem específica. A posição
de JESCHECK/WEIGEND – no sentido de que os conceitos da dogmática penal viessem a ser
flexibilizados em busca da melhor solução para o caso concreto – foi objeto de crítica por parte de
ROXIN como segue “SCHAFFSTEIN (...) Ainda assim, pressupõe este procedimento, como em
JESCHECK, a possibilidade de corrigir soluções dogmático-conceituais através de soluções
político-criminais discrepantes. Se considerarmos um tal método permitido, a função de
construção sistemática de conceitos está mal servida. Pois ou esta quebra permitida dos
princípios dogmáticos, através de valorações político-criminais, acabará abalando uma aplicação
constante e não arbitrária do direito – caso em que todas as vantagens da sistemática acima
apontadas serão perdidas; ou se demonstra que uma solução diretamente valorativa do problema
não fere de modo algum a segurança jurídica e o domínio do material jurídico – caso em que se
32
pergunta para que serviria ainda o pensamento sistemático”. A respeito de qual liberdade deve
ser reconhecida à dogmática penal, confira-se ainda a obra de MIR PUIG, Santiago. Derecho
penal. Parte general. 7ª ed. Buenos Aires: Julio César Faira Editor (Editorial IB de F), 2.004, p.
143.
67
Tenha-se em conta, entretanto, que a aplicação meramente silogística (submissão do conceito de
fato ao conceito de direito) não deixa de ser uma falácia, como bem aponta Arthur KAUFMANN,
ao indicar que todo o raciocínio abstrato se dá mediante aproximação. Importa dizer: tudo é
analogia. O problema está na delimitação do ‘ponto de encontro’, isto é, do critério de comparação
(fator de descriminen ou de aproximação).
68
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 210-211.
69
Neste sentido, é significativa a opinião de WARAT: “A dogmática jurídica permite a
legitimação do poder no direito, garante o seu funcionamento, sempre irrestrito, com a ficção de
um limite racional. Garante uma fantasia de segurança jurídica para um poder ambivalentemente
limitado e irrestrito”. Vide ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica:
do controle da violência à violência do controle penal. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2.003, p. 311. No dizer de CLÉVE, “O grande mérito de autores como WARAT é
compreender a dogmática pelo que ela é e não pelo que ela deseja ser”. O constitucionalista
adverte, contudo, que “A dogmática, enquanto saber, não pode ser desdenhada como reles
atividade ideológica, pré-científica ou míope; ao contrário, deve ser compreendida tanto em sua
funcionalidade como em sua materialidade histórica”. CLÈVE, Clemerson Mérlin. O direito e os
direitos: elementos para uma crítica do direito contemporâneo. 2ª ed. SP: Max Limonad, 2.001, p.
66. Ainda a respeito do tema, vide ZAFFARONI, Raúl Eugênio; PIERANGELI, José Henrique.
Manual de direito penal, p. 173, criticando as teorias que resumem toda a dogmática a um
conjunto de ideologias, concluindo que “A dogmática é uma condição necessária da segurança
jurídica, mas seria terrivelmente ingênuo crer que é suficiente”.
33
respeito:
“Bentham ilustra esta idiotia profissional contando em uma nota uma divertida
anedota: encontrava-me presente no Tribunal do Rei, na sala de Westminster,
quando o célebre Wilkes, depois de haver-se subtraído algum tempo à sentença que
esperava, apresentou-se de improviso para recebê-la. Não é possível descrever o
quanto desorientou e confundiu os juízes essa inesperada aparição. As
formalidades haviam querido que aquele comparecesse não por sua conta, senão
acompanhado do sheriff. Ao faltar esta formalidade, o embaraço da justiça deu vida
a uma farsa. Por fim foi dito: senhor, quero crer, realmente, que o senhor está aqui
presente, dado que o senhor o diz e os meus olhos o vêem; mas não existe nenhum
precedente de que o Tribunal, em caso semelhante, tenha considerado que se
devesse confiar nos seus próprios olhos, por isto este Tribunal nada tem a dizer-lhe.
Quem fez este discurso? Um dos melhores gênios da Inglaterra. Mas para que serve
o gênio, quando está obscurecido por regras que impedem que os olhos vejam e
que os ouvidos ouçam?
Não menos extraordinária é a aventura contada por Voltaire de um certo sr. La
Pivardière, por cujo assassinato se havia promovido um processo contra sua
esposa, baseado em indícios fraquíssimos: um dia La Pivardière volta para a sua
casa e se apresenta aos juízes da província, que procediam por seu homicídio. Mas
os juízes não querem perder seu processo: sustentam que está morto, que é um
impostor por se declarar ainda com vida, que deve ser punido por tal mentira à
justiça, que seus procedimentos são mais críveis do que ele. Fizeram falta seus
bons dezoito meses de processo, antes que o pobre homem pudesse obter um
decreto declarando que ainda estava vivo”70.
70
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal, p. 70.
34
71
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 10ª ed. RJ: Revan, 2.005, p.
121.
72
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3ª ed. SP: Malheiros, 2.000,
especialmente em p. 18.
73
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. 4ª ed. SP: Atlas, 2.003, p. 218: “A concepção do ordenamento jurídico como sistema
dinâmico envolve, por fim, o problema de saber se este tem a propriedade peculiar de qualificar
normativamente todos os comportamentos possíveis ou, eventualmente, podem ocorrer condutas
para as quais o ordenamento não oferece qualificação (...) Nos quadros da dogmática analítica,
que elabora a sistematização do ordenamento, a questão é controvertida. Há autores que afirmam
ser a plenitude lógica dos ordenamentos uma ficção doutrinária, que permite ao jurista enfrentar
os problemas de decidibilidade com um máximo de segurança. Trata-se de uma ficção porque o
ordenamento de fato é reconhecimento como lacunoso (cf. Geny, 1.925:193). Há outros que
afirmam ser a incompletude uma ficção prática, que permite ao juiz criar direito quando o
ordenamento que, por princípio, é completo, parece-lhe insatisfatório no caso em questão (Kelsen,
1960:35). A questão das lacunas tem dois aspectos. Um refere-se a sua configuração sistemática,
ou seja, à discussão do cabimento das lacunas no sistema. É o problema da completude. Outro
refere-se à questão de, admitida a incompletude (de fato ou como ficção), dizer como devem ser
preenchidas as lacunas. É o problema da integração do direito pelo juiz. Desse problema vamos
falar quando abordarmos a dogmática hermenêutica”. Conclui FERRAZ JÚNIOR, em p. 222 da
obra que “O sistema não é completo, porque a ordem normativa é também um critério de
avaliação deôntica de comportamentos possíveis, sendo assim suscetível de transformações. Isso
parece dar ao conjunto das normas certa consistência à medida que, como o demonstra o teorema
de Gödel, a completude somente ocorre num sistema contraditório e o preço da consistência é a
incompletude do sistema. Um sistema formal é incompleto quando, a partir dos axiomas e das
regras de inferência do sistema, é impossível demonstrar uma proposição passível de formulação
no sistema, sendo igualmente impossível demonstrar sua negação. Não há, pois, indícios que
possam dizer se a proposição é logicamente verdadeira ou falsa”. Carlos COSSIO, mencionado
por Arnaldo VASCONCELOS, sustenta que toda conduta se submete ao critério devida/facultada
(VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica, p. 38). Ainda a respeito deste tema,
confira-se interessante passagem da obra de Claus ROXIN, ao cuidar do “espaço fora do direito”:
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 567-568: “De ahí se sigue para la dogmática jurídico penal
que hay que reconocer la existencia de un espacio fuera del Derecho situado previamente a los
tipos. Así por ejemplo, siguiendo una extendida opinión, es posible asignar el suicidio, como algo
no prohibido ni permitido, al espacio fuera del Derecho y extraer de ahí consecuencias jurídicas
para el supuesto de salvación en contra de la voluntad del afectado”. Leia-se KAUFMANN,
Arthur. Filosofía del derecho, p. 408, em que elucida que “Espacio libre de derecho no significa
jurídicamente no regulado, sino jurídicamente no valorado (…) Muy por el contrario, en el
espacio libre del derecho se trata de acciones relevantes y reguladas jurídicamente, que pese a
ello no pueden ser valoradas, pertinentemente, ni en cuanto conformes a derecho, ni en tanto
antijurídicas”. Vê-se, enfim, que o tema tangencia a conhecida disputa entre aqueles que
vislumbram as regras jurídicas como normas de valoração e aqueles que as têm apenas como
normas de imposição. Confira-se com ENGISH, Kart. Introdução ao pensamento jurídico, p. 48:
“Na medida em que as normas de valoração adquirem a força de manifestações de vontade e,
35
76
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Tradução de Raul Fiker. SP: Unesp,
1.991, p. 25 e ss. Confira-se, por fim, STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise.
Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria dos
advogados, 2.005, p. 25.
77
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do
direito. 2ª ed. RJ: Forense, 2.004, p. 185, com remissão a Luiz Werneck VIANNA: “Se a
judicialização da política significar a delegação da vontade do soberano a um corpo
especializado de peritos na interpretação do Direito e a substituição de um Estado benfeitor por
uma justiça providencial e de moldes assistencialistas, não será propícia à formação de homens
livres e nem à construção de uma democracia de cidadãos ativos. Contudo, a mobilização de uma
sociedade para a defesa dos seus interesses e direitos, em um contexto institucional em que
maiorias efetivas da população são reduzidas, por uma estranha alquimia eleitoral, em minorias
parlamentares, não se pode desconhecer os recursos que lhe são disponíveis a fim de conquistar
uma democracia de cidadãos”.
78
KAUFMANN, Arthur. Filosofía del derecho, p. 136-195, especialmente em p. 163, ao indicar
que o grande problema da interpretação jurídica reside na constatação de que a) dá-se sempre
mediante analogias, mesmo quando o intérprete não tem consciência disto; b) o problema está na
decisão a respeito do ponto de comparação, vale dizer, a escolha (o que é decisão; sentimento; não
é pura lógica) do fator de confronto entre uma coisa e outra: “La determinación del punto de
comparación se basa no tanto en uno conocimiento racional sino, en buena parte en una decisión
y, por lo tanto, en uno ejercício de poder, lo que en la mayoría de los casos ocurre, incluso, sin
que medie reflexión”. Confira-se ainda com HASSEMER, Winfried. Introdução aos
fundamentos do direito penal. Tradução de Pablo Rodrigo Aflen da Silva. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 2.005, p. 357.
37
79
Também neste sentido, vide FERRAJOLI: “A interpretação da lei, como hoje pacificamente se
admite, nunca é uma atividade exclusivamente recognitiva, mas é sempre fruto de uma escolha
prática a respeito de hipóteses interpretativas alternativas. Esta escolha, mais ou menos opinativa
segundo o grau de indeterminação da previsão legal, se esgota inevitavelmente no exercício de um
poder de indicação ou qualificação jurídica dos fatos julgados”. FERRAJOLI, Luigi. Direito e
razão, p. 33. Aliás, este tema redundaria no retorno à polêmica entre objetivistas e subjetivistas
referida por ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico, p. 170. Enquanto os
subjetivistas buscam recuperar a vontade histórica do legislador (tal como a descoberta da intenção
dos founding fathers americanos), os objetivistas buscam uma vontade distinta daquela que lhe deu
origem. Depois de promulgado o texto de Lei, a norma insere-se em um sistema vivo, dinâmico,
podendo ‘crescer para além de si’ (a expressão é de Karl ENGISH, Obra cit., p. 173).
80
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência
à violência do controle penal. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.003, p. 156 e
ss.
81
RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2ª ed. Tradução, revisão
técnica e nota introdutória de Gizlene Neder, RJ: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2.004,
especialmente em p. 282: “O sistema penal de uma dada sociedade não é um fenômeno social, e
compartilha suas aspirações e seus defeitos. A taxa de criminalidade pode de fato ser influenciada
somente se a sociedade está numa posição de oferecer a seus membros um certo grau de
segurança e de garantir um nível de vida razoável (...) A futilidade da punição severa e o
tratamento cruel podem ser testados mais de mil vezes, mas enquanto a sociedade não estiver apta
a resolver seus problemas sociais, a repressão, o caminho aparentemente mais fácil, será sem bem
aceita. Ela possibilita a ilusão de segurança encobrindo os sintomas da doença social com um
sistema legal e julgamentos de valor moral. Há um paradoxo no fato de que o progresso do
conhecimento humano tornou o problema do tratamento penal mais compreensível e mais perto de
uma solução, enquanto a questão de uma revisão fundamental na política penal parece estar hoje
mais longe do que nunca, por causa de sua dependência funcional em uma dada ordem social”.
82
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete.
Petrópolis: Vozes, 1.987. Em p. 249, leia-se: “O efeito mais importante talvez do sistema
carcerário e de sua extensão bem além da prisão legal é que ele consegue tornar natural e
legítimo o poder de punir, baixar pelo menos o limite de tolerância à penalidade. Tende a apagar
o que possa haver de exorbitante no exercício do castigo, fazendo funcionar um em relação ao
outro os dois registros, em que se divide: um, legal, da justiça, outro extralegal, da disciplina.
Com efeito, a grande continuidade do sistema carcerário por um lado e outro da lei e suas
sentenças dá uma espécie de caução legal aos mecanismos disciplinares, às decisões e às sanções
que estes utilizam”. Logo, para FOUCAULT a repressão penal não é o exercício mais importante
do Poder. Antes, a questão enfocada é o poder disciplinar: o panóptico (The Works of Jeremy
BENTHAM, ed. Bowring, t. IV, p. 172-173, aludidos por FOUCAULT, Obra citada, ilustração
seguinte à p. 32): deve-se saber que ‘o controle está lá’ e que, a qualquer momento, a vigilância é
possível!
83
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal: introdução à
sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3ª ed. RJ: Editora Revan:
Instituto Carioca de Criminologia, 2.002. Confira-se especialmente em p. 221 “A função natural
38
“Fica claro que o caminho correto só pode ser deixar as decisões valorativas
político-criminais introduzirem-se no sistema do direito penal, de tal forma que a
fundamentação legal, a clareza e a previsibilidade, as interações harmônicas e as
conseqüências detalhadas deste sistema não fiquem a dever nada à versão formal-
positivista de proveniência lisztiniana. Submissão ao direito e adequação a fins
político-criminais (kriminalpolitische Zweckmäβigkeit) não pode contradizer-se,
mas deve ser unidas em uma síntese, da mesma forma que Estado de Direito e
Estado Social não são opostos inconciliáveis, mas compõem uma unidade dialética:
uma ordem jurídica sem justiça social não é um Estado de Direito material, e
tampouco pode utilizar-se da denominação Estado Social um Estado planejador e
providencialista que não acolha as garantias de liberdade do Estado de Direito”92.
91
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 10ª ed. RJ: Revan, 2.005, p.
122. Em sentido bastante próximo, confira-se também ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A
ilusão de segurança jurídica, p. 118/124 a respeito das funções declaradas da dogmática penal.
92
ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Tradução de Luís Greco. RJ:
Renovar, 2.002, p. 20. Aliás, prossegue ROXIN: “A unidade sistemática entre política criminal e
direito penal, que no meu entender também deve ser realizada na construção da teoria do delito, é
somente o cumprimento de uma tarefa que é colocada a todas as esferas de nossa ordem jurídica.
Até agora, porém, não foram feitas tentativas globais nesse sentido na dogmática da parte geral.
A estrutura do crime, cujo modelo standard da doutrina e da jurisprudência encontramos com
diversas variações nos diferentes autores, parece muito mais um conglomerado de vários estilos
de época”. ROXIN, Claus. Obra citada, p. 22. Ainda neste sentido, criticando o posicionamento
relativista de Hellmuth MAYER, manifesta-se ROXIN na obra Derecho Penal. Parte General,
tomo I, p. 216-217. Vide, por fim, DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito
penal revisitadas. SP: RT, 1.999, p. 34-40.
40
“No se puede hacer del sistema de la teoría del delito la aspiración máxima y casi
única de la Ciencia del Derecho Penal, pero también que no se puede prescindir
completamente de él dejando la interpretación y aplicación del Derecho Penal en
manos del azar y la arbitrariedad. En la medida en que el sistema de la Teoría del
Delito constituye un riquísimo caudal ordenador de los criterios y argumentaciones
que se pueden utilizar en la decisión y solución de los casos jurídico-penales, será
para el penalista un instrumento indispensable para el estudio, interpretación y
crítica del Derecho Penal”93.
Com efeito, “No momento atual, não podemos abrir mão da dogmática
jurídico-penal, porque, como assinala Gimbernat ORDEIG em seu festejado
trabalho, temos que conviver com o direito penal. Transformá-la numa dogmática
aberta é o desafio que o penalista brasileiro tem, hoje, diante de si”94.
Demonstrada a importância da dogmática penal, pode-se partir para um
segundo problema: qual é a função do Direito Penal em um Estado que se quer
Democrático de Direito?
Este é o assunto do próximo tópico.
1.2
Propósitos reconhecidos ao Direito Penal:
93
MUÑOZ CONDE, Francisco; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria geral do delito. SP:
Saraiva, 2.000, p. 12.
94
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 10ª ed. RJ: Revan, 2.005, p.
122. Esta função garantista da dogmática penal também é examinada, com a precisão de sempre,
por CIRINO DOS SANTOS: “Fazer dogmática penal como critério de racionalidade do sistema
punitivo, significa assumir o ponto de vista do poder repressivo do Estado no processo de
criminalização de marginalizados do mercado de trabalho e da pobreza social, em geral. Ao
contrário, fazer dogmática penal como sistema de garantias do indivíduo em face do poder
punitivo do Estado, no sentido de conjunto de conceitos capazes de excluir ou de reduzir o poder
de intervenção do Estado na esfera da liberdade individual – e, portanto, capazes de impedir ou
de amenizar o sofrimento humano produzido pela desigualdade e pela seletividade do sistema
penal -, constitui tarefa científica de grande significado democrático nas sociedades
contemporâneas”. SANTOS, Juarez Cirino. Teoria da pena: fundamentos políticos e aplicação
judicial. Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2.005, p. 38. Por fim, leia-se STRECK, Lenio Luiz.
Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito, p. 287-288, em que,
remetendo-se a José LAMEGO, sustenta que “Nas situações da vida há similitude, mas não
identidade, pelo qual os traços caracterizadores da situação particular não podem ser deixados
de fora em virtude do caráter abstrato da pauta geral”.
41
ideológica da relação entre indivíduo e grupo social95. Cumpre definir o que pode
ser legitimamente exigido do sujeito pelo grupo, e vice versa.
Alguns discursos são marcados por um individualismo exacerbado,
enquanto que outros – em viés oposto - defendem a cabal capitulação do indivíduo
aos interesses de conservação da agremiação política (as expectativas sociais é
que devem subsistir)96. É o confronto entre hobbesianos e rousseaunianos.
Como já foi mencionado acima, é fato que – sob as vestes de uma aparência
silogística (pretensamente matemática - modus barbara97) -, remanescerá sempre
uma determinada opção axiológica.
Sabe-se, com efeito, que o imperativo “Se ocorre A, logo B” (silogismo) não
é suficiente para enquadrar a totalidade do fenômeno jurídico. O Direito depende
de opções morais, tanto aquelas feitas pelos legisladores, quanto àquelas outras,
95
Ao tratar sobre o conteúdo material do princípio da culpabilidade, Figueiredo DIAS adverte que
a questão fundamental é “Reduzir a tensão entre o sentido supra-individual e o sentido individual
que penetram qualquer conceito de culpa, entre a exigência de valores objectivos, advinda da
ordenação normativa (de que o homem participa, mas que o transcende) a que pertence, e a
irrenunciável imposição de que seja avaliado segundo critérios individualizados e subjetivos (...)
esta tensão dialética conduz a uma crise latente que ameaça furtar-lhe o fundamento como direito
penal de culpa: uma hiperacentuação de momentos supra-individuais e objectivos na culpa levará o
direito penal a transformar-se em entidade ideal e metafísica que, divorciada do concreto indivíduo
que age, perde toda a legitimidade ética para pessoalmente censurar e lhe aplicar uma pena em
nome da culpa; pelo contrário, a hiperacentuação no conceito de momentos subjetivos e empíricos
conduzirá o direito penal à fronteira das medidas terapêuticas individualizadas que se propõem a
cumprir um processo, não de reparação, mas de restituição puramente causal”. DIAS, Jorge de
Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 177-178.
96
O grande problema está na exata delimitação do que seja um bem jurídico digno de tutela penal.
Este detalhamento é indispensável para que esta categoria possa efetivamente cumprir o papel de
vincular o legislador a uma determinada pauta de valores, hauridos diretamente da Constituição.
Sob um viés antropocêntrico, ainda atormenta a dogmática alemã a delimitação precisa do bem
jurídico tutelado no âmbito da criminalização dos maus tratos aos animais. Confira-se
SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la ciencia
jurídico-penal alemán, pp. 12-15, a respeito da contraposição entre as preocupações com a
geração futura e o individualismo liberal. Leiam-se também as seguintes obras: SOUZA, Paulo
Vinicius Sporlender de. Bem jurídico-penal e engenharia genética humana. Contributo para a
compreensão dos bens jurídicos supra-individuais. SP: RT, 2.004, especialmente em p. 42-110;
FERNÁNDEZ, Gonzalo D. Bien jurídico y sistema del delito. Un ensayo de fundamentación
dogmática. Buenos Aires: IBdef: Julio César Faira Editor, 2.004, especialmente em p. 97-118;
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte geral, p. 14; GOMES, Luiz Flávio. Princípio
da ofensividade no direito penal. SP: RT, 2.002, especialmente em p. 80-84. FERRAJOLI,
Luigi. Direito e razão, p. 379-384. Com fundamentais indicações bibliográficas, DIAS, Jorge de
Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 85, nota de rodapé nº
53. Para Günther JAKOBS, nem todo objeto de regulação de uma norma pode ser tido como bem
jurídico, mas apenas aquelas ‘unidades funcionais’, que devem cumprir alguma função para a
sociedade ou para o indivíduo. Leia-se JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 52.
97
O chamado ‘modus barbara’ é elucidado por Arthur KAUFFMANN como segue: “El silogismo
lógico – usualmente de dos premisas se deduce una conclusión – se caracteriza con marcas de
nombres que siempre tienen tres sílabas, a cuyas vocales recurre (…) El modus barbara tiene
entonces la forma: Todos los M son P; Todos los S son M; Todos los S son P”. KAUFFMANN,
Arthur. Filosofía del derecho, p. 55, nota 16. Vide, ainda, na mesma obra, p. 140-173.
42
“Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este
contexto é, indireta ou, até mesmo, diretamente, um intérprete desta norma. O
destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor
tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes
jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da
interpretação da Constituição” 98.
98
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição.
Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2.002, p. 15.
Não se pode aceitar, portanto, o argumento de Assis TOLEDO, fundada em MEZGER, de que
“Não obstante, não pode satisfazer-nos a fórmula de Von Liszt, pois não é possível falar de uma
subsunção por parte do agente, a quem se concebe como profano, sem conhecimentos jurídicos. O
erro de subsunção é, com efeito, uma das modalidades de ignorantia legis que reputamos
inescusável”. TOLEDO, Francisco de Assis. O erro no direito penal. SP: Saraiva, 1.977, p. 124.
É fato que TOLEDO reconhece relevância à falha subsuntiva, quando a mesma se converter em
erro de proibição (p. 124). De qualquer forma, a importância do excerto é demonstrar que
constamente se reduz o Direito às decisões dos “iniciados”. Ora, ainda que não se possa
condicionar a responsabilização criminal ao efetivo conhecimento da proibição legal da conduta –
como quer Haro OTTO – também não se pode olvidar que os indivíduos vivem as normas éticas,
ainda que não escrevam tratados sobre isto. Ora, o Direito não pode ser reduzido às decisões dos
Tribunais. Além de se olvidar que mesmo entre os juízes não há consenso; que muitas vezes a
vontade do legislador não é reconhecida como a vontade objetivada na Lei (frente a um suposto
sistema jurídico racional e pleno de sentido); e que, em muitos casos, várias soluções valorativas
se mostram igualmente legítimas – sobremodo em uma sociedade pluralista e sob um Estado laico
-, é evidente que os sujeitos vivem o Direito, criando e alterando preceitos jurídicos, mesmo
quando não se cuida de um direito costumeiro. Enfim, o erro de subsunção deve redundar em uma
atenuação da reprovação da conduta, notadamente quanto aos tipos penais indutores (em que falta
uma antecedente sintonia ética com as opções valorativas da população).
43
99
A respeito da vinculação entre direito e moral, vide os recentes aportes de ALEXY, Robert. El
concepto y la validez del derecho. 2ª ed. Tradução de Jorge M. Seña. Barcelona: Gedisa, 2.004,
especialmente em p. 13-17 e 159-177. ALEXY sustenta que “El problema central de la polémica
acerca del concepto de derecho es la relación entre derecho y moral. A pesar de una discusión de
más de dos mil años, siguen existiendo dos posiciones básicas: la positivista y la no positivista”
(obra citada, p. 13. Aliás, em sentido oposto, dizendo que a questão é irrelevante, leia-se
VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 5ª ed. SP: Malheiros, p. 20; concordando
com ALEXY, leia-se DWORKIN, Ronald. O império do direito, p. 46, ao tratar do positivismo
jurídico enquanto teoria semântica. Advirta-se, porém, que o positivismo referido por DWORKIN
aproxima-se mais do chamado realismo sueco, que reduzia o direito aos fatos). Como elucida
ALEXY, os positivistas defendem a autonomia do Direito frente à moral. Vale dizer, o Direito
seria como que uma roupagem, passível de receber qualquer conteúdo. Por outro lado, os não
positivistas defendem um laço mais estreito de dependência do próprio conceito de Direito a certas
opções morais vigentes em um determinado contexto. Cada uma das posições admite graduação
(positivista extremado, moderado). Trata ALEXY ao longo da obra do chamado apotegma de
Gustav RADBRUCH (uma norma extremamente injusta é Direito?), chegando à conclusão de que
é defensável a resposta negativa: um preceito demasiadamente injusto sequer deveria ser tido
como jurídico. O tema é extremamente relevante, conforme se vê, influenciando a decisão a ser
proferida nos chamados casos difíceis (aplicação retroativa da lei penal, no caso de Nuremberg ou
ao caso dos atiradores do muro de Berlim, p.ex.). Vide ainda, com trabalho fundado no exame
tópico, DIMOULIS. Dimitri. O caso dos denunciantes invejosos. Introdução prática às relações
entre direito, moral e justiça. Com a tradução do texto de Lon L. Fuller. SP: RT, 2.003. Também a
respeito deste confronto entre positivistas e não positivistas, confira-se a obra de BACHOF, Otto.
Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução e nota prévia de José Manuel M. Cardoso
da Costa, Almedina, 1.994, especialmente em p. 30 (entendimentos contrários ao controle judicial
da validade da própria Constituição) e também em p. 45-48 (entendimento favorável ao
afastamento de normas materialmente ‘inconstitucionais’, i.e., injustas, se confrontadas com um
viés jusnaturalista). Ainda que o tema seja perigoso (porquanto, de boa intenção, muito mal já foi
feito. Pode-se esvaziar a força normativa da Constituição!, ao questionar a sua própria validade), é
fato que o referido debate teve maior relevância em países cujas constituições admitiam a
apartheid, a xenofobia, etc. No caso brasileiro, adotou-se uma Constituição extremamente pródiga
em direitos, que clamam apenas por efetividade, razão pela qual a discussão, aqui, é antes como
fazer cumprir a Constituição do que, propriamente, investigar se há normas constitucionais
impertinentes e desconexas com um sentimento de Justiça.
100
Conceitos como o da vida e da morte, p.ex., ainda que possam ser regulados pelo Direito, estão
intimamente associados às crenças subjetivas mais profundas. Sempre que se cuida da origem da
vida (p.ex.: utilização de embriões para pesquisas) e na sua extinção (eutanásia, p.ex.), o debate
tende à metafísica religiosa, porquanto referidos conceitos não podem ser monopolizados pelo
discurso jurídico.
101
Aqui se pode fazer referência ao que Ronald DWORKIN denomina de integridade do Direito,
conceito chave na sua teoria hermenêutica. Não sendo, contudo, o caso de descer em maiores
44
detalhamentos – por exigir um estudo à parte – é fato que a exigência de integridade, em uma
comunidade de princípios, “Pressupõe que cada pessoa é tão digna quanto qualquer outra, que
cada uma deve ser tratada com o mesmo interesse, de acordo com uma concepção coerente do
que isto significa”. (DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz
Camargo, São Paulo: Martins Fontes, 1.999, p. 257). Portanto, este postulado é indissociável de
uma comunidade pluralista, com diversas concepções de moral e de religião o que, sem sombra de
dúvidas, dificulta a obtenção de consensos em temas áridos como os da eutanásia e do aborto.
Exige-se, porém, uma investigação mais profunda a respeito dos limites do princípio da tolerância,
como acena Arthur KAUFMANN: “La tolerancia no es ilimitada, ella no es soportar a cualquier
precio. Que las leyes válidas tienen que seguirse, que la infracción del derecho, con mayor razón
el delito, no pueden ser soportados, que no se puede sostener la inhumanidad, se entiende por sí
mismo (…) La tolerancia tine su raíz en la idea de la libertad, y donde el intolerante no pone en
peligro la libertad garantizada en la Constitución, no hay, como lo dice John RAWLS, ningún
fundamento para negarle a él la libertad”. Conclui o filósofo que apenas o homem tolerante
consegue conduzir-se adequadamente frente à complexidade da vida, mas que não se pode ser
tolerante com tudo (p.ex., com a escravidão; pedofilia; desigualdade social dantesca, etc.). Leia-se
KAUFMANN, Arthur. Filosofía del derecho, p. 567-568 e 576.
102
Anote-se, entretanto, que não se está defendendo no presente trabalho a adoção irrestrita de um
absoluto relativismo ético e jurídico, caso se entenda por relativismo uma indevida liberdade de
atribuir qualquer sentido ao texto de lei, ou de se adotar concepções moralistas agressivas à
dignidade dos demais indivíduos. Todavia, registre-se com GRONDIN, na referência de Lenio
STRECK, que “Jamais existiu um relativismo para a hermenêutica; são, antes os adversários da
hermenêutica que conjuram o fantasma do relativismo, porque suspeitam existir na hermenêutica
uma concepção de verdade, a qual não corresponde às suas expectativas fundamentalistas”
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, p. 315.
103
"É uma das maiores singularidades da história do nosso pensamento (...) que os homens, desde
que se conhecem, tenham punido crimes e que, no entanto, desde que se conhecem, disputem entre
si acerca do fim para que o fazem”, EXNER apud RODRIGUES, Anabela Miranda. A
determinação da medida da pena privativa de liberdade. Os critérios da culpa e da prevenção.
Coimbra: Coimbra Editora, 1.995, p. 152. Anote-se, contudo, que a frase - tal como se encontra -
além de partir de um indemonstrável ‘sempre foi assim’, parece simplesmente legitimar a
aplicação da pena independentemente de qualquer critério. Aliás, tanto quanto se pergunta ‘por
que se pune?’ também se pergunta ‘o que é o direito?’, o que demonstra que o Direito, tanto
quanto a filosofia, é uma área do conhecimento em que a premissa jamais é superada, estando
constantemente sendo posta à prova e demandando constantes justificações. Jamais um estudioso
do Direito deve deixar de ler os compêndios de introdução ao Estudo do Direito, visto que é um
conhecimento que jamais se exaure.
104
A pergunta é fundamental. Como quer DWORKIN, “Uma interpretação é, por natureza, o
relato de um propósito; ela propõe uma forma de ver o que é interpretado – uma prática social ou
uma tradição, tanto quanto um texto ou uma pintura – como se este fosse o produto de uma
decisão de perseguir um conjunto de temas, visões ou objetivos, uma direção em vez de outra.
Essa estrutura é necessária a uma interpretação mesmo quando o material a ser interpretado é
uma prática social, mesmo quando não existe nenhum autor real cuja mente possa ser
investigada”. Confira-se em DWORKIN, Ronald. Império do direito, p. 71.
45
conturbados tempos105?
Não são questões fáceis. Ainda assim, aqui não se tentará esmiuçar as
teorias da retribuição e prevenção geral e especial106 e as respectivas críticas107.
Cuida-se, ao contrário, de um exame mais restrito, tanto quanto permita o
confronto entre as principais opções axiológicas subjacentes ao Direito Penal.
Atente-se, primeiramente, para a concepção de Günther JAKOBS, para
quem
“La pena tiene una función que debe surtir efectos finalmente en el nivel en el que
tiene lugar la interacción social, y que no se agota en el nivel en significar algo: la
pena debe proteger las condiciones de tal interacción y tiene, por tanto, una función
preventiva”108.
105
BECK, Ulrich. Risk society: towards a new modernity. Sage Publications: Great Britain,
1.992.
106
Um estudo bastante detalhado a respeito das várias teorias justificadoras da imposição da
sanção penal pode ser encontrado na obra de RODRIGUES, Anabela Miranda. A determinação
da medida da pena privativa de liberdade. Os critérios da culpa e da prevenção. Coimbra:
Coimbra Editora, 1.995, especialmente em p. 317-384, em que a autora estabelece um rico
confronto entre a teoria de ROXIN e a de JAKOBS. Vide também MIR PUIG, Santiago. Derecho
penal. Parte general. 7ª ed. Buenos Aires: Julio César Faira Editor (Editorial IB de F), 2.004, p.
83-109 e, por fim, FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 210-236.
107
CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime. RJ: Forense, 1.998. Leia-se também
CHRISTIE, Nils. Una sensata cantidad de delito. Tradução de Cecília Espeleta y Juan Iosa.
Buenos Aires: Editores del Puerto, 2.004, p. 51-78, em que trata do delito como valor de uso.
108
JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 18.
109
A reafirmação da norma por meio da sanção – além do evidente lastro hegeliano - aproxima-se
da concepção psicanalítica da pena na linha propugnada por Theodor REIK e Hugo STAUB, ao
vislumbrarem na sanção a reafirmação do tabu: “O mau exemplo do delinqüente age de modo
sedutor sobre os próprios impulsos reprimidos e aumenta sua pressão. Por isso, o ego tem
necessidade de reforçar o próprio superego, e somente pode obter este reforço das pessoas reais
que incorporam a autoridade, as quais são o modelo do superego. Se o ego pode demonstrar aos
impulsos que também as autoridades mundanas dão razão ao superego, então ele pode se
defender do assalto dos impulsos. Mas se as autoridades mundanas desautorizam o superego,
deixando fugir o delinqüente, então não existe mais nenhuma ajuda contra o assalta das
tendências anti-sociais. O impulso para a punição é, pois, uma reação defensiva do ego contra os
próprios impulsos, com a finalidade da sua repressão (...) A exigência de punir os delinqüente é,
simultaneamente, uma demonstração dirigida para dentro, para desencorajar os impulsos: o que
nós proibimos ao delinqüente, vós também podeis renunciar”. STAUB apud BARATTA,
Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal, p. 52-53.
110
Elucida FERRAJOLI, “O garantismo, num sentido filosófico-político, consiste essencialmente
46
113
JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 18. Vê-se, portanto, que a justificativa da imposição da
pena, em JAKOBS é auto-referida. Melhor dizendo, é como se a necessidade da eficácia da Lei
(qualquer que fosse esta) bastasse para justificar a imposição da pena. A teoria assim esboçada se
presta a justificar qualquer sistema, porquanto é despida de um exame de conteúdo. Daí o elevado
risco que provoca quando adotada sem maiores cuidados, até mesmo porque pode recair na
reificação do ser humano, violando postulados básicos da filosofia ética moderna (ademais, no
caso brasileiro, também ao disposto no art. 1º, inc. III, CF/88). Por outro lado, é interessante ter em
conta que o marco teórico da obra de JAKOBS é, diretamente, NIKLAS LUHMANN (Sociologia
do direito. Tradução de Gustavo Bayer, RJ: Edições Tempo Brasileiro, 1.983) e, de forma
indireta, é MATURANA/VARELA, que conceberam a idéia de sistema para a biologia. E, nessa
medida, cuida-se de um sistema associado com certo ‘biologicismo’, inerente às concepções de
estado autoritário (tanto quanto à metáfora de que a sociedade é um corpo, com cabeça, tronco e
membros, tão cara à nobreza medieval). A respeito do tema, confira-se a introdução da obra de
TEUBNER, Günther. O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1.993.
114
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 04. Vê-se
que a referida definição está carregada da ideologia da defesa social, reconduzida por Alessandro
BARATTA aos seguintes postulados: a) princípio da legitimidade – a aplicação da pena por parte
do Estado é a verbalização da vontade da sociedade, que reage contra o criminoso; b) princípio do
bem e do mal – a sociedade é presumida como pacata e organizada. O desvio criminal é o mal
(maniqueísmo); c) princípio da culpabilidade – o delito é expressão de uma má vontade (contrária
aos valores dos homens de bem); e) princípio da finalidade ou da prevenção – a pena não está
destinada (ou não apenas está destinada) à expiação da culpa. Busca impedir novos delitos; f)
princípio da igualdade – a Lei penal é presumida como igual para todos. Não se questionam os
interesses dos elaboradores da lei; g) princípio do interesse social e do delito natural – há um
conteúdo penal mínimo constante na maioria dos códigos das nações civilizadas. Portanto, este
núcleo essencial corresponde à defesa dos fundamentos básicos da convivência em sociedade.
Alessandro BARATTA busca desnudar a referida ideologia, ao argumento de que o discurso penal
oficializado corresponde a uma prática perversa, mediante a qual os grupos sociais desfavorecidos
são estigmatizados (conceito de vulnerabilidade em ZAFFARONI, Em busca das penas
perdidas, p. 270). Confira-se com BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao
direito penal, p. 41-42 e também em p. 162. ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGIELI, José
Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte geral. SP: RT, 1.997, p. 96. De forma
detalhada, confira-se em ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Primeiro
volume: Teoria Geral do Direito Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2.003, p. 516-518. O tema
ainda é abordado de forma bastante didática por CASTILHO, Ela Wiecko V.de. “Criminologia
crítica e a crítica do Direito Penal econômico” in: Verso e reverso do controle penal:
(des)aprisionando a sociedade da cultura punitiva. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2.002, p.
61-71 e ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica, p. 135-138; 179-
181 e 176-284.
48
115
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 08.
116
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. 7ª ed. rev. Tradução de Paulo
Menezes e Karl Heing Efken. Petrópolis: Vozes, 2.002 e HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich.
Princípios da filosofia do direito. Tradução de Orlando Vitorino. SP: Martins Fontes, 1.997,
especialmente em p. 24 e 83-93. Diz HEGEL que “O sofrimento (Verletzung) que se impõe ao
criminoso não é apenas justo em si (an sich) – (..) ele é também um direito do próprio criminoso
(sondern sie ist auch ein Recht an den Verbrecher selbst), ele está já implicado na sua vontade
existente, no seu acto (d.i., in seinem daseien den Willen, in seiner Handlung gesetz)”. Confira-se
em Anabela Miranda. A determinação da medida da pena privativa de liberdade, p. 167.
Anote-se, por sinal, que o próprio Günther JAKOBS reconhece a proximidade da teoria da
prevenção geral positiva, por ele esposada, e a teoria de HEGEL (pena como reafirmação da
norma). JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 22-23.
117
Aliás, anote-se, por exemplo, que a noção de bem jurídico pode estimular uma ‘inflação
legiferante’ na área penal, com esmaecimento do postulado da ultima ratio. Confira-se, p.ex., com
a obra FELDES, Luciano. Tutela penal de interesses difusos e crimes do colarinho branco. Por
uma relegitimação da atuação do Ministério Público. Uma investigação à luz dos valores
constitucionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.002, p. 41-47. Atente-se ainda para
a complexa questão a respeito da imposição de tipificação penal, veiculada em inúmeras
constituições (a nossa entre elas). Vide CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da. Constituição e
crime. Uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universidade Católica
Portuguesa Editora, 1.995, especialmente em p. 219-319. Confira-se mais de perto a p. 301, em
49
“La teoría penal aquí defendida se puede resumir, pues, como sigue: la pena sirve a
los fines de prevención especial y general. Se limita en su magnitud por la medida
de la culpabilidad, pero se puede quedar por debajo de este límite en tanto lo hagan
necesario exigencias preventivoespeciales y a ello no se opongan las exigencias
121
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 81. Interessante anotar, com René DOTTI, que o Direito
Penal não está apenas destinado a proteger bens jurídicos ofendidos pelo autor do fato típico. Ao
contrário, o Direito Penal, enquanto magna carta do delinqüente, também protege o próprio autor
do fato típico, mediante as garantias da legalidade, anterioridade, tipicidade estrita, etc. DOTTI,
René Ariel. Curso de direito penal. Parte geral. RJ: Forense, 2.005, p. 03.
122
Um exame bastante objetivo a respeito das teorias da pena (i.e., das funções declaradas da
pena) e também a respeito das diversas críticas formuladas por parte das correntes agnósticas e
também materialistas (dialético marxistas) pode ser encontrada na obra SANTOS, Juarez Cirino.
Teoria da pena: fundamentos políticos e aplicação judicial. Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2.005,
especialmente em p. 03-38. Bastante interessante a conclusão do autor: “A pena criminal significa
retribuição equivalente do crime nas sociedades capitalistas – fundadas no valor de troca medido
pelo fator tempo (a) de trabalho social necessário, na economia e, por isso, (b) de liberdade
pessoal suprimida, no Direito -, que não pode ser justificada pelas teorias preventivas isoladas ou
unificadas da pena criminal, como valores de uso atribuídos à retribuição equivalente da pena
criminal” (Obra Citada, p. 38). Leia-se também SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA
JÚNIOR, Alceu. Teoria da pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de
ciência criminal. SP: RT, 2.002, p. 124-148.
51
123
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 103. Anote-se que a teoria da prevenção geral está intimamente
associada à chamada teoria da coação psicológica desenvolvida por Anselm von FEUERBACH,
segundo a qual o desprazer advindo da sanção deveria ser sempre superior à satisfação promovida
pelo ilícito.
124
MIR PUIG, Santiago. Derecho penal. Parte general. 7ª ed. Buenos Aires: Julio César Faira
Editor (Editorial IB de F), 2.004, p. 104-105.
125
Também neste sentido, confira-se a obra de SANCHEZ RIOS, Rodrigo. O crime fiscal.
Reflexões sobre o crime fiscal no direito brasileiro (lei 8.137 de 27 de dezembro de 1.990) e no
direito estrangeiro, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1.998, p. 38-39.
126
Conforme constou em nota anterior, em que pese a relativa imprecisão do conceito de ‘bem
jurídico digno de tutela penal’ e, por isto mesmo, uma redução das expectativas liberais que foram
direcionadas a este instituto, é fato que – quando menos – se presta a facilitar a interpretação dos
tipos penais; a coibir o bis in idem, e, por fim, a garantir a aplicação do princípio da insignificância
penal, por reduzida lesividade da conduta.
52
127
Defende-se que a democracia é muito mais que a decisão da maioria. Vale dizer, o postulado da
maioria não legitima todas as opções políticas. Ao contrário, democracia é o que a maioria que
vence faz com a minoria que perde. Importa dizer: demanda um exame de conteúdo das opções
políticas adotadas, com respeito a um conjunto mínimo de direitos fundamentais (verdadeiramente
efetivados). No Brasil, isto fica muito evidente com a vedação da supressão de garantias
individuais, mesmo que sob o voto de 90% de toda a população, em consulta direta (cláusula
pétrea, art. 60, §4º, CF/88). Portanto, reconheceu sabiamente o Constituinte que, na temática de
direitos fundamentais, o procedimento (a forma) da adoção de decisões não é o mais importante.
Deve-se guarnecer um conteúdo jurídico mínimo, intimamente associado ao reconhecimento da
dignidade presente no ser humano, apenas e tão-somente por ser humano.
53
128
O que gera a necessidade urgente de revisão dos nossos códigos e leis esparsas, submetendo-se
os vários tipos penais a uma hierarquização de bens jurídicos, adequada às pautas constitucionais.
Então, nesta quadra dos tempos, não se pode admitir que a sanção cominada à calúnia seja inferior
à do furto simples, como mencionado em nota anterior. Também se deve discutir a
constitucionalidade de inúmeros dispositivos legais que apenas tutelam uma concepção moralista
específica (sem respaldo em uma constituição pluralista como a brasileira). A conclusão de
URBANO MARTÍNEZ corrobora esta afirmação: “El derecho penal será legítimo cuando su
configuración en la instancia legislativa se haga de acuerdo con el programa penal de la
Constitución; cuando los fallos de constitucionalidad de los Tribunales Constitucionales
garanticen solo la vigencia de aquella normatividad penal que sea coherente con ese programa
penal; cuando los administradores de justicia ejerzan sus competencias desarrollando los fines y
las funciones trazadas para el derecho (…)”. URBANO MARTÍNEZ, José Joaquín. Legitimidad
del derecho penal. Equilibrio entre fines, funciones y consecuencias. Bogotá: Universidad
Externado de Colombia, 2.001, p. 152.
129
Embora - em muitos casos - a atuação do Estado inclusive contradiga os interesses da maioria
dos indivíduos administrados. Anote-se, por oportuno, que não se pode perder de vista que todos
os entes coletivos (Estado; Sociedade; Empresa; Biblioteca, etc.) são ficções, porquanto não
existem no mundo em si. Portanto, deve-se sempre ter o cuidado de não se reconhecer ao Estado
interesses próprios, como se realmente dispusesse de direitos. Daí que a expressão ius puniendi,
ainda que seja consagrada na doutrina especializada, é bastante imprecisa. Ao contrário, o Estado
54
não tem o Direito de Punir. Antes, tem o dever de aplicar a Lei, desde que a referida lei se mostre
útil para as pessoas (todas as pessoas, e não apenas grupos privilegiados, repita-se).
130
A chamada cifra negra, objeto de estudos de Edwin SUTHERLAND, revela que existe um
mundo do direito formalizado e também uma realidade em que as regras do convívio social
passam totalmente a largo da codificação jurídica.
131
A respeito da internalização normativa, leia-se HART, Herbert L.A. O conceito de direito. 3ª
ed. Tradução de A. Ribeiro Mendes, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2.001, especialmente
em p. 114. Confira-se com o opositor de HART, Ronald DWORKIN. Levando os direitos a
sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 23-125.
132
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 60-61.
55
133
“Esta teoría sólo debe reconocer como bien jurídico un interés humano necesitado de
protección jurídico-penal, de modo que pasarían claramente a un primer plano los bienes jurídicos
individuales; la protección de los bienes jurídicos universales remanentes se llevaría a cabo tan
sólo en interés mediato de os individuos afectados, por lo que estos bienes deberían acomodarse a
la función de la protección de individuos y ser delimitados con base en esa misma función”.
SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la ciencia
jurídico-penal alemán. Tradução de Manuel Cancio Meliá. Bogotá: Universidad Externado da
Colombia, 1.998, p. 18.
134
SCHÜNEMANN, Bernd. Obra citada, p. 20. Na seqüência, o autor sustenta que “Como,
además, no hay razón alguna para que sea de mejor condición una generación frente a las demás,
cabe deducir como segunda norma básica que existe un derecho de todas las generaciones a una
parte relativamente igual de los recursos naturales, de lo que a su vez puede inferirse la existencia
y la preservación de un medio ambiente propicio a la vida y en el que ésta pueda desarrollarse en
condiciones favorables como el bien jurídico que ocupa el segundo lugar en la jerarquía de valores
después de la existencia y de la preservación de la especie homo sapiens”. (obra citada, p. 21).
Aliás, SCHÜNEMANN critica o ideário burguês/proprietário inerente a esta concepção restritiva
dos bens jurídicos suscetíveis da tutela penal: “Llevando la cuestión a sus últimas consecuencias,
se impone la valoración de que esta teoría tiene en mayor consideración a la más absurda apetencia
del individuo egoísta que a las condiciones de vida de las generaciones futuras” (obra cit., p. 22).
56
135
SCHÜNEMANN, Bernd. Obra citada, p. 37. A respeito de tema tão candente, confira-se ainda
a opinião de PÉRES DEL VALLE, em obra coordenada por BACIGALUPO, ao tratar da
imposição de criminalização veiculada no artigo 45.3 da CE. Vide PÉRES DEL VALLE, Carlos.
Introducción al derecho penal económico in: Derecho penal económico. Buenos Aires:
Hammurabi, 2.000, p. 29-52, especialmente em p. 42. Confira-se também CUNHA, Maria da
Conceição Ferreira da. Constituição e crime. Uma perspectiva da criminalização e da
descriminalização. Porto: Universidade Católica Portuguesa Editora, 1.995, p. 288 e ss.
57
intra-sistemática136.
A observância desse dever de coerência na eleição dos valores dignos da
tutela penal é o mínimo que se exige do legislador, até mesmo para que os
indivíduos possam distinguir, em cada caso, o que provavelmente está sancionado
do que não está.
Ademais, como foi esclarecido por Figueiredo DIAS137, caminha-se para a
superação daquela epistemologia calcada na razão instrumental calculadora.
Deve-se ultrapassar, enfim, o paradigma da relação homem/objeto, notadamente
diante de uma natureza cada vez mais esgotada, frente ao afã destrutivo humano.
Aquele enfoque (razão instrumental) está imbuído do pressuposto de que a
história é retilínea (há um futuro melhor; o passado jamais retorna). Assim, o
tempo não é cíclico. Antes, ainda se concebe o tempo como a espera messiânica,
como bem elucidado por Ramón CAPELLA138.
A subordinação da natureza pelo homem está vaticinada, de resto, por
preceito bíblico139. Com a razão instrumental calculadora, presume-se uma
136
Pode-se dizer que as críticas formuladas pela criminologia radical são ‘extra-sistemáticas’,
porquanto formuladas ‘do lado de fora’ da dogmática. Por outro lado, admitindo-se, por ora, o
conceito de sistema normativo, é cabível uma revisão interna da própria estrutura dogmática. Desta
forma - ainda que não se aceite o postulado abolicionista (defendido por Louk HULSMANN e
Nils CHRISTIE, p.ex.), porquanto totalmente contrafático - podem-se submeter as ‘objetividades
jurídicas’ do sistema penal a uma revisão pela própria dogmática, com observância de uma
hierarquia axiológica fundada na Constituição. Ainda quanto à escolha constitucional de bens
jurídicos passíveis da tutela penal, confira-se DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais
do direito penal revisitadas. SP: RT, 1.999, p. 65-77.
137
DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal. Coimbra: Coimbra Editora,
2.001, p. 161-162.
138
Anote-se que as culturas imbuídas da concepção cíclica do tempo estão geralmente fundadas na
tradição. Aqui, o tempo é medido pela repetição: tempo das chuvas; dos ventos; das colheitas, etc.
A história é algo cíclico. A Natureza acaba sendo sacralizada. O homem se sente como parte de
um todo, mas não o senhor da história. Para o tempo linear, “Na concepção judaico, teocrática, do
mundo, o tempo é essencialmente tempo de espera do Messias. Espera-se o cumprimento da
promessa de Deus ao povo eleito, à linhagem favorita. Esse acontecimento, que se situa em um
futuro indeterminado, que escapa totalmente à vontade dos seres humanos, dilata o círculo e o
converte em linha. Nada que se repita é comparável ao Acontecimento: único, esperado,
irrepetível. No interior desta concepção de mundo não cabe senão a espera. O tempo da espera é
um tempo vazio, pois seu sentido está precisamente na espera. As coisas da antropologia se
subordinam às coisas da teologia. A espera vazia é, sem embargo, sagrada: pois em qualquer dos
seus instantes pode aparecer o Messias como Redentor, dotando de sentido o vazio tempo de
espera, e como vencedor do Mal, cujo triunfo atual – no mundo da caída, da culpa – carece de
valor porque se considera efêmero. É o absoluto encantamento do mundo”. CAPELLA enfatiza
que o ‘Time is money’ é a versão moderna (agnóstica) desta versão linear. O novo Messias é o
progresso; o presente somente vale como prospecto do futuro. A natureza é um acessório
necessário, mas não é o todo (este é o Homem). CAPELLA, Juan Ramón. Cidadãos Servos.
Tradução de Leio Rosa de Andrade e Têmis Correira Soares, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Editor, 1.998, p. 19-23.
139
Leia-se Gênesis, capítulo I, versículo 28: “Então Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e
multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu
58
141
FABRICIUS, Dirk. Culpabilidade e seus fundamentos empíricos. Tradução de Juarez
Tavares e Frederico Figueiredo. Curitiba: Juruá, 2.006, p. 36: “O reconhecimento do injusto e de
sua produção dá chance a um contato com o ofendido, ou com seus parentes sobreviventes. Desse
modo, uma reparação do dano pode ser negociada dentro do relacionamento pessoal: uma
compensação justa – que no mais das vezes é simbólica, talvez para repelir a aparência de que
nada aconteceu”. A solução, já aplicada para delitos de menor potencial ofensivo, no âmbito dos
Juizados Especiais Criminais, revela-se um oportuno instrumento de redução do direito penal. A
respeito do tema, recomenda-se também a leitura do interessante artigo de Julio MAIER, com a
seguinte conclusão: “No es tan interesante afirmar o conocer si la reparación se puede constituir
em uma tercera via del derecho penal. Basta sostener que ella resulta uma alternativa racional
para la solución de conflictos sociales y que puede rendir frutos tanto en el Derecho penal como
en el Derecho procesal penal. Entre esos frutos, ella se cuenta como alternativa de reemplazo de
la reacción penal estatal, esto es, ya no como tercera vía, sino, antes bien, como cambio de vía,
para sustituir la pena o resolver el conflicto con ahorro de esfuerzo estatal en la persecución
penal. Si así no funciona en el caso concreto, la reparación puede, todavía, rendir frutos al media
la pena, puesto que, dentro de la pena merecida según la medida de la culpabilidad del autor, su
acción voluntaria a favor de la víctima verifica una menor necesidad preventiva de la pena. Por
último, también durante la ejecución de la pena resulta importante la reparación, no sólo para no
dificultarla, cuando ése es el caso, sino, además, para abonarla al proceso final de
individualización de la pena que se cumple durante la ejecución, conforme a los criterios
preventivos que operante en él”. MAIER, Julio B. J. ¿Es la reparación una tercera vía del Derecho
penal? in: DIAS, Jorge de Figueiredo. El penalista liberal, p. 229-230.
142
Confira-se ainda o entendimento de SILVA SÁNCHEZ: “Pode-se afirmar que certamente
existe, como mencionado no princípio, um espaço de expansão razoável do Direito Penal. O
espaço da expansão razoável do Direito Penal da pena de prisão é dado pela existência de condutas
que, por si sós, lesionam ou põem em perigo real um bem individual; eventualmente, cabe admitir
o mesmo a propósito de bens supra-individuais, sempre que efetivamente lesionados ou colocados
sob perigo real pela conduta do sujeito em concreto. Nesse âmbito, ademais, a razoabilidade da
expansão requereria plena salvaguarda de todos os critérios clássicos de imputação e princípios de
garantia. Paralelamente a isso, pode-se admitir resignadamente a expansão – já produzida – do
Direito Penal até os ilícitos de acumulação ou perigo presumido, isto é, a condutas distanciadas da
criação de um perigo real para bens individuais (e inclusive supra-individuais, desde que
concebidos com um mínimo rigor). Mas a admissão da razoabilidade dessa segunda expansão, que
aparece acompanhada dos traços de flexibilização reiteradamente aludidos, exigiria
inevitavelmente que os referidos ilícitos não recebessem pena de prisão. Na medida em que essa
exigência não vem sendo respeitada pelos ordenamentos jurídicos de diversos países, até o
60
Conclui-se, enfim, que a tutela penal dos interesses difusos será válida desde
que não se viole o postulado da ultima ratio.
Por outro lado, esta vinculação do direito penal à garantia dos bens jurídicos
fundamentais impõe uma espécie de contabilização, a fim de que isto não se
converta em um discurso oco.
Dito em outras palavras: deve-se submeter periodicamente todo o sistema
normativo e também as agências de criminalização a um controle de resultados146
- na medida em que isto seja possível – de modo a constatar se realmente a
imposição abstrata da pena e a sua cominação in concreto está redundando em
proteção daqueles valores primordiais da vida em comum147.
A concepção do Direito Penal como um mal necessário deve poder
demonstrar esta sua necessidade. Afinal, nada impede que, gradualmente, outros
mecanismos de solução dos conflitos sejam cogitados (sobretudo a reparação, que
para inúmeros delitos imprudentes se revela um instrumento suficiente para a
penal de viés nitidamente simbólico, porquanto pode revelar a cabal ausência da prestação de
serviços públicos e de efetivo exercício do poder de polícia. Pode gerar a falsa impressão de que o
Estado está atuando na área econômica, por ter estabelecido a cominação penal, sem que, no
entanto, isso venha acompanhado de um sério papel de orientação e efetivo controle administrativo
das atividades. Reafirma-se, enfim, que mesmo nesta sensível área da proteção de interesses supra-
individuais, o Estado somente pode se socorrer da cominação penal como derradeiro meio de
tutela.
146
CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da. Constituição e crime, p. 263-269. A autora adota
uma solução de compromisso, advogando a tese de que “Uma solução equilibrada seria a de
reconhecer ao Tribunal Constitucional poderes para controlar a necessidade penal nos casos
(porventura muito raros) em que a criminalização fosse claramente desnecessária – em casos de
flagrante inexistência de carência da tutela penal – quer por a pena ser manifestamente
inadequada (nomeadamente quando tivesse até efeitos criminógenos ou causasse outro tipo de
desvantagens sem qualquer compensação nalguma eficácia), quer por existirem outros meios
claramente suficientes (geralmente quando tal acontece a pena apresentar-se-á também
inadequada). Quer dizer, em casos de flagrante desnecessidade de pena”.
147
Atente-se, porém, para a concepção de Bernd SCHÜNEMANN, vinculando-se expressamente
ao pensamento tópico, para quem “A concretização da fórmula da ultima ratio deve ocorrer não
através de tais abordagens globalizantes e simplificadoras, mas por meio da construção de grupos
de casos, que partam do bem jurídico protegido, levem em conta os caminhos que conduzem à sua
lesão em determinado contexto histórico-social, bem como os recursos para a sua proteção,
desdobrando assim a necessidade de proteção do bem jurídico numa análise tridimensional. Esta
necessidade de proteção deve, por outro lado, ser contraposta à perda de liberdade de ação, para
se determinar o alcance adequado da proibição penal. o resultado deste raciocínio pode,
primeiramente, ser formulado por meio de máximas político-criminais, sobre as quais os espaços
de discricionariedade do legislador devem ser então projetados, que lhe têm de ser concedidos no
âmbito do reexame constitucional do poder legislativo pelo poder judiciário. Os limites a estes
espaços de discricionariedade marcarão, assim, a barreira insuperável da política criminal do
Estado de Direito”. SCHÜNEMANN, Bernd. O direito penal é a ultima ratio da proteção de bens
jurídicos! – Sobre os limites invioláveis do direito penal em um Estado de Direito Liberal in:
Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, número 53,
março-abril de 2.005, p. 09-37.
62
“O princípio da utilidade penal, tal como foi formulado por Grócio, Hobbes,
Pufendorf, Thomasius, Beccaria e, mais extensamente, por Bentham, é idôneo para
justificar a limitação da esfera das proibições penais – em coerência com a função
preventiva da pena como precautio laesionum – apenas às ações reprováveis por
seus efeitos lesivos a terceiros. A lei penal tem o dever de prevenir os mais graves
custos individuais e sociais representados por estes efeitos lesivos e somente eles
148
podem justificar o custo das penas e proibições” .
Também nesta linha, confira-se ainda Santiago MIR PUIG, para quem
148
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 372.
149
MIR PUIG, Santiago. Derecho penal, p. 126.
150
MIR PUIG, Santigo. Obra citada, p. 126.
63
151
KAUFMANN, Arthur. Filosofía del derecho, p. 516-528, especialmente em p. 518 em que se
lê: “No se puede ser demócrata (y tolerante) sin a lo menos un poco de relativismo”. Aliás, em p.
417, sustenta o saudoso KAUFMANN que “Para la realización del modelo no prohibido-no
permitido se requiere tan solo un pequeño detalle: tolerancia. En primer lugar y, ante todo,
tolerancia frente a la mujer embarazada, a la que no se puede tildar por decidir de manera
diferente a lo que un mismo crea correcto. Pero también es necesaria la tolerancia frente al niño
concebido y no nacido, que tiene un derecho a la vida. Finalmente, se debe ejercer, así mismo,
tolerancia frente a los partidarios y a los enemigos del aborto. Jamás se podrán colocar todos en
forma satisfactoria bajo una misma postura. Pero actuar responsablemente significa que todos
estos puntos de vista han de ser tenidos en cuenta seriamente para la decisión”. Aliás, revela-se
bastante interessante estabelecer um confronto com o questionamento de CLÈVE: quem tem medo
do plural? Confira-se em CLÉVE, Clemerson Mèrlin. O direito e os direitos: elementos para uma
crítica do direito contemporâneo. 2ª ed. SP: Max Limonad, 2.001, p. 172. Por fim, vide
FERRAJOLI: “Não se pode nem se deve pedir mais do direito penal. O princípio axiológico da
separação entre direito e moral, na primeira das três acepções do parágrafo 15.3 veta, por sua
vez, a proibição de condutas meramente imorais e ou de estados de ânimo pervertidos, hostis ou,
inclusive, perigosos. E impõe, para uma maior tutela da liberdade pessoal de consciência e de
autonomia e relatividade moral, a tolerância jurídica de toda atitude ou conduta não lesiva a
terceiros”. (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 372).
152
LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. SP: RT, 2.000, p.
658-689.
153
Não se olvida, por certo – como adverte ZAFFARONI - que a sociedade convive
‘naturalmente’ com condutas tipificadas e que sequer chegam à formalização processual. É a
chamada cifra negra, que revela que o crime não é uma doença que atinge o corpo social,
conforme querem teóricos organicistas (e, portanto, com tendências fascistas). Confira-se
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas, p. 26. Sobre o organicismo, vide
ZAFFARONI, Eugênico Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal, p. 282-
284. Deve-se, de qualquer forma, aferir se realmente a cominação abstrata de pena tem algum
efeito redutor das condutas indesejadas pelo legislador penal. Somente assim se colocará a
desnudo o discurso oficial atrelado à prevenção geral positiva. A respeito do tema (confirmação
empírica), leia-se HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal.
tradução de Pablo Rodrigo Aflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2.005, p.
426-428; DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. A racionalidade das leis penais. Teoria e prática.
Tradução de Luiz Régis Prado, SP: RT, 2.005, p. 66-69.
154
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal. Introdução à
sociologia do direito penal, p. 162, item “b”.
155
RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2ª ed. Tradução, revisão
técnica e nota introdutória de Gizlene Neder, RJ: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2.004.
64
156
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. 3ª ed. Tradução de
Orlando Vitorino. São Paulo: Martins Fontes, 1.997, p. 87: “Como evento que é, a violação do
direito enquanto direito possui, sem dúvida, uma existência positiva exterior, mas contém a
negação. A manifestação desta negatividade é a negação desta violação que entra por sua vez na
existência real; a realidade do direito reside na sua necessidade ao reconciliar-se ela consigo
mesma mediante a supressão da violação do direito”. Logo, como sabido, para HEGEL, a pena é
a reafirmação do direito, enquanto síntese decorrente da sua violação.
65
1.3
Legalidade penal e secularização do Estado:
157
RIOS, Rodrigo Sánchez. Reflexões sobre o princípio da legalidade no direito penal e o Estado
Democrático de Direito in: Revista dos Tribunais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
volume 847, maio de 2.006, p. 407-418. A respeito do tema, consulte-se também ALMEIDA,
André Vinícius de. O erro no direito penal econômico. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Editor, 2.005, p. 22-40. DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. RJ: Forense,
2.005, p. 221. “Em um Estado Democrático de Direito, a lei é a regra jurídica escrita, instituída
pelo legislador, no cumprimento de um mandato outorgado pela comunidade de cidadãos”.
158
Hans-Heinrich JESCHECK apud RIOS, Rodrigo Sánchez. Obra citada, p. 408.
66
159
“Poena non irrogatur, nis i quae quaquelege vel que alio jure specialiter hic delicto imposita
est”, constante do Digesto. Conf. LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais, p. 18.
160
“Nullus liber homo expiatur vel imprisioned, nisi per legale judicium purium suorim vel per
legem terrae”. Vide LUISI, Luiz. Obra citada, p. 18.
161
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 140. Anote-
se que, em p. 28, os autores associam o postulado da legalidade ao princípio do Estado de Direito.
ROXIN aponta ainda como fundamentos do postulado da legalidade: a) a separação de poderes – o
Parlamento constitui, na sua multiplicidade, a efetiva representação do povo, com a missão de
elaborar projetos de lei; b) teoria da coação psicológica/prevenção geral – os destinatários da
proibição devem poder conhecê-la com exatidão e c) princípio da culpabilidade – somente se pode
falar em culpabilidade se o autor conhecida ou teve a oportunidade de conhecer o caráter proibido
da sua conduta. ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 145-147.
162
LUISI, Luiz. Obra citada, p. 19. Consulte-se também TOLEDO, Francisco de Assis.
Princípios básicos de direito penal: de acordo com a Lei n. 7.209, de 11-7-1984 e com a
Constituição Federal de 1.988. 5ª ed. SP: Saraiva, 1.994, p. 21-49.
163
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 142. Aliás, anote-se que uma enunciação mais detalhada a
respeito do histórico da adoção do postulado da legalidade, no Direito Brasileiro, pode ser
encontrada na obra ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Direito penal brasileiro I, p. 202, que pode
ser resumida como segue: Constituição de 1.824, art. 179, inc. XI; Constituição de 1.937, art.
1322, item 13; Constituição 1.967, art. 151, §16; Constituição de 1.946, art. 141, §27 e
Constituição de 1.988, art. 5º, inc. XXXIX.
67
“As vantagens da sociedade devem ser igualmente repartidas entre todos os seus
membros. No entanto, entre os homens reunidos, nota-se a tendência contínua de
acumular no menor número os privilégios, o poder e a felicidade, para só deixar à
maioria miséria e fraqueza.
Só com boas leis podem impedir-se tais abusos. Mas, de ordinário, os homens
abandonam a leis provisórias e à prudência do momento o cuidado de regular os
negócios mais importantes, quando não os confiam à discrição daqueles mesmos
cujo interesse é oporem-se às melhores instituições e às leis mais sábias“164.
“Só as leis podem fixar as penas de cada delito e que o direito de fazer leis penais
não pode residir senão na pessoa do legislador, que representa toda a sociedade
unida por um contrato social.
Ora, o magistrado, que também faz parte da sociedade, não pode com justiça
infligir a outro membro dessa sociedade uma pena que não seja estatuída pela lei;
e, no momento em que o juiz é mais severo do que a lei, ele é injusto, pois
acrescenta um castigo novo ao que já está determinado. Segue-se que nenhum
magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público, aumentar a pena
pronunciada contra o crime de um cidadão.
A segunda conseqüência é que o soberano, que representa a própria sociedade, só
pode fazer leis gerais, às quais todos devem submeter-se; não lhe compete, porém,
julgar se alguém violou essas leis.
Com efeito, no caso de um delito, há duas partes: o soberano, que afirma que o
contrato social foi violado, e o acusado, que nega essa violação. É preciso, pois,
164
BONESANA, Cesare. Dos delitos e das penas. Disponível na internet via WWW.URL:
<http://www.dhnet.org.br/dados/livros/memoria/mundo/beccaria.html>. Acesso em 10 de julho de
2006.
165
É bastante freqüente, como sabido, a contraposição entre HOBBES e ROSSEAU. Enquanto
HOBBES vislumbra, na essência do homem (um indemonstrável estado da natureza) um viés
negativo, animalesco (lobo do próprio homem) a ser freado pela sociedade (que identifica com o
Estado), ROSSEAU entende que é, ao contrário, a sociedade que deturpa o homem,
contaminando-o com vícios que, antes de ser socializado, não existiriam. No dizer de
FERRAJOLI, o conceito de uma ‘sociedade má’ é enantiomorfo à visão de um ‘poder bom’, e
vice-versa. Vale dizer, o argumento de que um ‘presumido estado da natureza humana’ (anterior a
qualquer sociedade) seria o de ‘lobo do próprio homem’ corresponde a uma ideologia de que a
Ordem (o Poder; o Estado; a Força) qualquer que venha a ser esta – i.e., ainda que violente seus
cidadãos – é um bem em si, dado que, caso não existisse, ainda seria pior para os indivíduos. Vê-
se, portanto, que se cuida de uma aporia de justificação do status quo e, como tal, revela-se
inadmissível, frente ao postulado de que o Estado deve se justificar permanentemente mediante a
prestação de efetivos serviços públicos para a totalidade dos indivíduos que o compõem, inerente
ao reconhecimento e consagração jus filosófica de direitos fundamentais insuscetíveis de
derrogação. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 709.
68
que haja entre ambos um terceiro que decida a contestação. Esse terceiro é o
magistrado, cujas sentenças devem ser sem apelo e que deve simplesmente
pronunciar se há um delito ou se não há.
Em terceiro lugar, mesmo que a atrocidade das mesmas não fosse reprovada pela
filosofia, mãe das virtudes benéficas e, por essa razão, esclarecida, que prefere
governar homens felizes e livres a dominar covardemente um rebanho de tímidos
escravos; mesmo que os castigos cruéis não se opusessem diretamente ao bem
público e ao fim que se lhes atribui - o de impedir os crimes - bastará provar que
essa crueldade é inútil, para que se deva considerá-la como odiosa, revoltante,
contrária a toda justiça e à própria natureza do contrato social”166.
Causa certo espanto que no distante ano de 1.764 – em que foi publicada a
obra ‘Dos delitos e das penas’ – já se tivesse uma percepção tão clara das coisas.
Logo, frente a um suposto contrato original, a justificativa do exercício do
poder é sumariamente deslocada. Já não pode ficar enfeixada nas razões do
Estado, ou em uma pretensa delegação divina de poderes. O Direito Penal
tampouco pode se prestar a fins metafísicos167.
Surgia o Estado Utilitário. Em outras palavras, um Estado que deve ser útil,
sob pena de não ser legítimo. O problema é que este utilitarismo - como recorda
Luigi FERRAJOLI - tanto pode dar origem a um modelo penal garantista, quanto
pode suscitar tecnologias penais autoritárias, tais como a da prevenção geral e da
defesa social168.
É interessante ter em conta que o postulado da legalidade estrita – melhor
elucidado adiante – tem fundamentais conseqüências para a caracterização de uma
específica epistemologia penal, determinando os contornos da relação entre o
Estado e o indivíduo.
Luigi FERRAJOLI elucida que, sob o manto da legalidade, deve-se
reconhecer que o delito é um conceito atribuído169 (e não uma característica pré-
existente no indivíduo, meramente reconhecida pela Lei).
A tipificação penal é um ato de poder, de decisão. Não é um ato de
reconhecimento/cognição. Daí que a Lei não pode estar vinculada a uma pretensa
166
BONESANA, Cesare. Obra citada, acesso em 10 de julho de 2006.
167
Em sentido bastante próximo, confira-se ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 144-145. Para
JAKOBS, o postulado da legalidade - enquanto proteção de objetividade - tem contornos inclusive
superiores ao conceito de Estado de Direito (ao contrário do que ROXIN sustenta em p. 28 da
obra e BACIGALUPO menciona na obra Derecho penal, p. 107). JAKOBS argumenta que, do
postulado da democracia, não se pode extrair diretamente a vedação da retroatividade das leis.
JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 80.
168
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. SP: RT, 2.002, p. 29.
169
No dizer de BARATTA, o crime é um bem social negativo distribuído de forma seletiva. Leia-
se BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal. Introdução à
sociologia do direito penal, p. 143; 162 e 217.
69
ontologia delitiva.
De fato,
170
FERRAJOLI, Luigi. Obra citada, p. 30.
171
FERRAJOLI, Luigi. Obra citada, p. 38. Também neste sentido, citando o autor italiano, vide
ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito penal econômico. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 2.005, p. 35.
172
FERRAJOLI, Luigi. Obra citada, p. 30: “O juiz não pode qualificar como delitos todos (ou
somente) os fenômenos que considere imorais ou, em todo caso, merecedores de sanção, mas
apenas (e todos) os que, independentemente da sua valoração, venham formalmente designados
pela Lei como pressupostos de uma pena”. Anote-se, porém, que – na temática dos elementos
normativos do tipo – comumente o legislador tem transferido para o Juiz a valoração do conceito.
Melhor dizendo, atribui ao magistrado, p.ex., a conceituação do que seria uma mulher honesta,
para os fins do art. 215, na redação original do CPB. Ao fazê-lo, o magistrado não pode olvidar,
contudo, do conceito que está veiculado na própria Comunidade para a expressão (registre-se que
o vocábulo ‘mulher honesta’ foi - mais do que tarde - expurgado do Código Penal). Confira-se
70
“O indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus actos ou às decisões
públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas
alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos
deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam aos efeitos jurídicos
previstos e prescritos no ordenamento jurídico. As refracções mais importantes do
princípio da segurança jurídica são as seguintes: (1) relativamente a actos
normativos – proibição de normas retroactivas restritivas de direitos ou interesses
juridicamente protegidos; (2) relativamente a actos jurisdicionais – inalterabilidade
do caso julgado; (3) em relação a actos da administração – tendencial estabilidade
dos casos decididos através de actos administrativos constitutivos de direitos”179.
crítica do direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2.004, p. 26-27. Deve-se buscar a construção de
uma democracia participativa, conceituada na obra MIRANDA, Jorge. Manual de direito
constitucional, p. 390-392.
176
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 22. A respeito do tema,
leia-se também: ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 147-174; MIR PUIG, Santiago. Derecho
penal, p. 114-125; JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal,
p. 140-152; BACIGALUPO, Enrique. Justicia penal y derechos fundamentales. Madri: Marcial
Pons, 2.001, p. 31-46; BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 103-167 e 186-193; DOTTI,
René Ariel. Curso de direito penal, p. 219-294; ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Direito penal
brasileiro, p. 200-224; ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de
direito penal brasileiro, p. 174-177; SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, 19-23 e 47-55;
TOZZINI, Carlos A. El principio de legalidad in: DIAS, Jorge de Figueiredo. El penalista liberal,
p. 257-271; FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 301-309; SILVA, Pablo Rodrigo Alflen da.
Leis penais em branco e o direito penal do risco: aspectos críticos e fundamentais. RJ: Lumen
Juris, 2.004, p. 105-113 e, por fim, DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. A racionalidade das leis penais,
p. 155.
177
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 4ª ed. Coimbra: Almedina, 2.000,
p. 255. A respeito da contingência normativa, é fundamental atentar para LUHMANN, Niklas.
Sociologia do direito I. Tradução de Gustavo Bayer, RJ: Edições Tempo Brasileiro, 1.983, p. 45-
66. Por fim, leia-se também MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, p. 327 e ss.
178
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Obra citada, p. 256.
179
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Obra citada, p. 256.
72
180
CANOTILHO menciona que a jurisprudência constitucional lusitana tem articulado o princípio
da segurança jurídica e da confiança do cidadão a partir do conceito de Estado de Direito: “Assim,
por ex., no Parecer nº 14/82 da Comissão Constitucional afirma-se que o princípio do Estado de
Direito democrático garante seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas
suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da
comunidade na tutela jurídica”. CANOTILHO, Obra citada, p. 260.
181
Ainda com fulcro na lição do constitucionalista português, tenha-se em conta que a segurança
jurídica deve se traduzir em “calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos
jurídicos dos atos normativos (...) Sob o ponto de vista do cidadão, não existe um direito à
manutenção da jurisprudência dos tribunais, mas sempre se coloca a questão de saber se e como a
protecção da confiança pode estar condicionada pela uniformidade, ou, pelo menos, estabilidade,
na orientação dos tribunais. É uma dimensão irredutível da função jurisdicional a obrigação de os
juízes decidirem, nos termos da lei, segundo a sua convicção e responsabilidade”. CANOTILHO.
Obra citada, p. 263-264. No caso do Direito Nacional deve-se ter em conta, no entanto, que a
Constituição quer um Judiciário que possa se tornar previsível, quando menos no que toca à
interpretação da Lei Federal. A tanto acorre a constatação de que, no art. 105, inc. III, atribuiu ao
Superior Tribunal de Justiça a função de uniformizar o entendimento da legislação federal.
Ademais, é fato que se deve discutir a existência de um direito a tratamento isonômico e impessoal
perante os Tribunais, de modo que a eventual modificação da jurisprudência não decorra jamais de
algum casuísmo injustificado. No que toca à igualdade perante os tribunais, leia-se MIRANDA,
Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV. 3ª ed. rev. atual. Coimbra: Coimbra Editora,
2.000, p. 271-275.
182
A legalidade penal está intimamente associada à noção de culpabilidade (o que, aliás, já é
sabido desde a teoria da coação psicológica de FEUERBACH). Somente se admite a tipificação
passível de ser observada. Não se pode proibir a mulher grávida de parir; de morrer ou, tampouco,
obrigá-la a parar a chuva. Afinal, ad impossibilia nemo tenetur. Tais hipóteses, verdadeiramente
absurdas, não são, porém, menos monstruosas do que aquela outra, de se pretender impor penas a
fatos que, à época do seu cometimento, eram lícitos. Ao contrário, a “normalização” da conduta
impõe que se respeite ao sujeito a escolha de atender o comando da norma ou não. Caso esta
liberdade não exista, não será uma verdadeira hipótese de incidência, por faltar o caráter
hipotético. Antes, será uma mera declaração de efeitos. Indicar, no tipo, um substrato fático que já
havia sido consumado na data da Lei, como hipótese de incidência de uma sanção penal decorre,
geralmente, de uma confusão entre Direito e Moral. A Lei pretende ser sentença, em suma. É fato
que, como elucida Robert ALEXY (com base na inquirição de Gustav RADBRUCH), uma lei
extremamente injusta, ofensiva a direitos fundamentais universalmente consagrados, sequer poderá
ser tida como jurídica. Portanto, é fato que, realmente, a imposição de pena aos oficiais nazistas
não deixa de encontrar boa fundamentação jurídica. Contudo, note-se que referida solução não
pode ser ampliada. O Direito não pode ser confundido com moralismos. A aplicação da pena deve
73
pressupor uma liberdade (ainda que indemonstrável) de opção entre praticar a conduta ou omiti-la,
frente às exigências da norma jurídica. A Lei não pode ter a pretensão - como elucida FERRAJOLI
– de meramente declarar, como crime, um conceito supostamente pré-existente. Do mesmo modo,
não é dado utilizar como causa da imposição/agravamento da sanção eventos já consumados, sob
pena de grassar indevido arbítrio, fenecendo garantias duramente conquistadas e convertendo a
Legalidade em apenas um rótulo, vazio de sentido. A respeito desta relação entre legalidade e
culpabilidade, confira-se com BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 106 e DIAS, Jorge de
Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 59.
183
JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 99-103: “El aplicador de la ley no puede nunca
aumentar el nivel de generalización de los elementos positivos del tipo delictivo, es decir, llegar a
ser más general, ampliando así el ámbito de aplicación. Esta prohibición de generalización – la
doctrina dominante lo denomina (impropiamente) prohibición de la analogía – rige también
cuando del sistema de la ley se deduce claramente que la redacción de la ley es demasiado
estrecha, pues el principio de legalidad no impide tanto la punición sin razón fundada como la
punición sin ley. Ejemplo: En el sistema de la protección de la propiedad se abre una laguna no
justificable, pues la apropiación de una cosa sin sustracción (no es robo) y sin posesión del autor
(no es apropiación indebida) no constituye infracción penal. El principio de legalidad prohíbe
colmar esa laguna, lo que podría efectuarse, p.ej., interpretando la posesión en la apropiación
indebida generalizándola hasta tal punto que tuviera posesión todo autor que no sustraiga”
184
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 23.
185
“Não basta enumerar, definir, explicitar, assegurar só por si direitos fundamentais; é necessário
que a organização do poder político e toda a organização constitucional estejam orientadas para a
sua garantia e a sua promoção. Assim como não basta afirmar o princípio democrático e procurar a
coincidência entre a vontade política do Estado e a vontade popular em qualquer momento; é
necessário estabelecer um quadro institucional em que esta vontade se forme em liberdade e em
que cada cidadão tenha a segurança da previsibilidade do futuro”. MIRANDA, Jorge. Manual de
direito constitucional, p. 195-196. Logo, para o constitucionalista português, somente se pode
falar em Estado de Direito quanto há efetivos mecanismos de tutela dos direitos fundamentais. Por
outro lado, democracia é mais do que o respeito ao ‘postulado da maioria’. Antes, implica também
em decisões contra majoritárias, desde que orientadas ao respeito de direitos individuais (neste
sentido, vide a menção a Ronald DWORKIN por Jorge MIRANDA em p. 212 da obra
mencionada).
74
Desse modo, não se pode ter a ilusão de supor que, ante a simples realização
de eleições diretas, um determinado país já possa ser qualificado como
democrático. Ao revés, há que se perquirir se realmente os representantes estão
adotando decisões em benefício efetivo do povo, e não de meros grupos de
interesses deslocados do todo social.
O tema é de extremo relevo para a problemática do erro, porquanto, em
muitos casos, a falta de compreensão do desvalor jurídico de determinados
eventos decorre justamente da distância entre o legislador e os demais indivíduos,
em evidente agressão ao postulado de uma democracia material.
Atualmente, muitas normas são projetadas, com total desprezo às
percepções valorativas dos seus destinatários. Sancionam-se condutas que não
eram qualificadas, até então, de forma negativa pela moral comum. E isto tem
sido causa, conforme sabido, de uma considerável dificuldade de tratamento do
erro no caso dos tipos eticamente neutros.
Com efeito, quanto maior for a falta de diálogo entre os operadores oficiais
do Direito (legisladores, juízes e advogados) e aqueles que realmente vivem a
norma, os seus destinatários188, tanto maior será a freqüência em que haverá de
186
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional, p. 291.
187
Idem, ibidem.
188
KAUFMANN, Armin. Teoria de las normas. Fundamentos de la dogmática penal moderna.
Tradução de Enrique Bacigalupo e Ernesto Garzón Valdés. Buenos Aires: Ediciones Depalma,
1.977, p. 161-212, especialmente em p. 175: “¿Quién es destinatario de la norma (abstrata)? La
75
erros de proibição.
Por fim, não se pode olvidar do caráter laico189 do Estado.
Ora, a pena, na sua origem, correspondia a uma concepção nitidamente
religiosa. Relacionava-se aos ideais metafísicos de reposição; de reconciliação
com as divindades ofendidas, etc.
Ainda hoje, por sinal, a expiação da ofensa encontra-se entranhada na
percepção generalizada que os indivíduos possuem a respeito da sanção penal.
Todavia, como explicita Miranda RODRIGUES,
respuesta, como lo hemos visto, sólo puede ser: destinatarios de la norma son todos. En este
sentido, la respuesta de Thon y Bierling y otros es formalmente correcta. Pero, ao contrario, es
falsa la consecuencia que de allí se extrae en el sentido de que todo destinatario de la norma es al
mismo tiempo el obligado por ella, o sea que puede ser obligado por ella. ¿Quién es en concreto
obligado por la norma? La respuesta de Binding en el sentido de que sólo el capaz de acción es
concretamente obligado, es correcta en su dirección. El presupuesto c material de la concreción
del a norma en un deber concreto será todavía objeto d la presente investigación”. Conclui Armin
KAUFMANN, portanto, que há normas especiais que apenas obrigam determinados indivíduos,
ocupantes de certos papéis sociais específicos (p.ex., o funcionário público). Confira-se ainda
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 130-
135. Ao que interessa a este trabalho, atente-se para a p. 131, em que argumenta DIAS, citando
PETROCELLI, que “O direito ou é ou não é comando: se o é, para o ser e agir como tal deve ser
conhecido. Se se aceita a idéia do direito como comando, não se pode refutar nem iludir a
necessidade lógica do conhecimento do comando”. O autor lusitano argumenta que a conclusão
não pode ser aceita, dado que somente seria culpável um descumprimento consciente da norma,
por mais relapso que tenha sido o autor (tendo este contribuído para a sua própria ignorância, por
exemplo). Em sentido oposto, vide Haro OTTO, segundo a referência de Juarez Cirino dos
SANTOS: “A teoria moderna, representada por OTTO, apresenta a punibilidade do fato como
objeto do conhecimento do injusto, ou seja, consciência do injusto significa conhecimento da
punibilidade do comportamento através de uma norma penal positiva, embora não exija
conhecimento preciso dos parágrafos de lei infringidos”. Confira-se SANTOS, Juarez Cirino dos.
A moderna teoria do fato punível. 4ª ed. Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2.005, p. 228.
189
Um exame bastante crítico pode ser encontrado na obra ZAFFARONI, Eugênio Raúl;
PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte geral. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1.997, p. 245 e ss. Leia-se ainda DOTTI, René Ariel. Curso de
direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2.005, p. 131-132 e COSTA, José Francisco de
Faria. O perigo em direito penal. Contributo para a sua fundamentação e compreensão
dogmáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 2.000, especialmente em p. 49-53.
190
RODRIGUES, Anabela Miranda. A determinação da medida da pena privativa de
liberdade. Os critérios da culpa e da prevenção. Coimbra: Coimbra Editora, 1.995, p. 219.
76
direito, em que pese ser também uma categoria metafísica, relacionada a uma
especial visão religiosa de mundo.
Tenha-se em conta, aliás, a pertinente síntese de Salo de CARVALHO:
191
CARVALHO, Salo de. Reincidência e antecedentes criminais: abordagem crítica desde o
marco garantista in: Revista de estudos criminais n.º 1, 2001, p.110.
77
192
Sem mencionar a urgente necessidade de se adotarem, no Brasil, instrumentos jurídicos
semelhantes ao recall, i.e., a retirada do mandato parlamentar sempre que a atuação do
congressista implicar em fraude aos compromissos assumidos, sobremodo frente à eventual
desvinculação partidária.
2
Subjetivação do injusto e erro
193
Consagração legislativa dado que, enquanto referência teórica, o finalismo já fora esposado na
fundamental obra MESTIERI, João. Teoria elementar do direito penal: Parte geral. Rio de
Janeiro: J. Mestieri, 1.970.
194
A respeito da estrutura estratificada da personalidade leia-se JESCHECK, Hans-Heinrich;
WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 445-446. Confira-se também TAVARES,
Juarez. Teorias do delito, p. 75, em que alude à distinção entre o estrato profundo (o instinto de
autoconservação; impulsos); o estrato do Eu (regula e dirige os impulsos, conforme o sentido e
valor); o estrato intermediário da personalidade (desempenha a função de reservatório das decisões
anteriores, convertidas em posições internas inconscientes, configuradoras do caráter, vale dizer,
envolvendo uma auto-referência subjetiva). Por fim, leia-se WELZEL, Hans. Derecho penal
alemán, p. 204 (aspecto caracterológico).
79
195
Quanto ao chamado dolo geral, observe-se que, neste caso, “El autor cree haber consumado el
delito cuando en realidad el resultado sólo se produce por una acción posterior, con la cual buscaba
encubrir el hecho. Ejemplo: para encubrir el hecho, el autor arroja la víctima al agua, creyéndola
muerta, pero ésta sólo allí encuentra su muerte. El problema consiste en determinar: si hay
acciones distintas, con dos dolos diferentes; luego, si hay un homicidio doloso que sólo ha llegado
al grado de tentativa, seguido del acto de ocultar a la víctima presuntamente muerta, en lo que no
habría, a lo sumo, más que un homicidio culposo. O si hay un acontecer unitario de la acción
(homicidio encubierto) que quedaría abarcado, aun en su segunda parte, por el dolo de homicidio.
Esto último parece más acertado: cuando la voluntad está dirigida a matar en forma encubierta, el
hecho de ocultar la víctima es sólo un acto parcial, no independiente de la acción en su conjunto.
En suma, hay homicidio doloso consumado. Sólo cuando la resolución de eliminar el cuerpo de la
víctima es adoptada con posterioridad a la presunta muerte, habría tentativa de homicidio en
concurso real con delito de homicidio culposo”. WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 108-
109.
80
por si mesmo, senão que o critério decisivo está nas razões desse
desconhecimento (§17, inciso 2º, StGB)”196.
No juízo de culpabilidade, comumente se avalia a atenção dispensada a uma
presumida “função de apelo197” do substrato típico. Supõe-se que determinados
fatos já obrigam a mente humana a cogitar da sua ilicitude, devendo, portanto,
abster-se de agir, sem antes pesquisar/auto-informar-se.
Quando se trata de delitos “mala en se” – vale dizer, tipificações penais
correspondentes ao mínimo ético diluído socialmente – a ausência de
compreensão do caráter injusto da conduta pode ser atribuída a uma falta de
esforço de consciência kantiano. Mediante simples reflexão, o indivíduo poderia
atingir o reconhecimento da ilicitude do comportamento.
Em outros inúmeros fatos típicos, no entanto, somente com a remissão ao
descumprimento de um especial dever de informação, é que se consegue
responsabilizar o indivíduo pela conduta lesiva realizada. Teme-se, nesta quadra,
por um retorno à culpabilidade por condução de vida, visto que o atendimento
àquela obrigação de se auto-informar demanda a conferência de condutas
anteriores àquela consumada no recorte típico.
Por outro lado, notadamente diante de tipos eticamente neutros – categoria
empregada por MAIWALD e Figueiredo DIAS – não se consegue vislumbrar
alguma diferença substancial entre aquele dever de informação que está na base
dos delitos imprudentes, daquele outro, que irá caracterizar os crimes dolosos.
Daí que o tema ganha especial relevo, frente a uma tipicidade penal
enriquecida em complexidade, desde a sua concepção originária por BELING198.
Desde Max Ernst MAYER199, consagrou-se o entendimento de que a
tipicidade não é um recorte exclusivamente descritivo das possibilidades
fenomênicas. Ao contrário, o tipo também veicula elementos valorativos,
196
JAKOBS, Günther. A autoria mediata com instrumentos que atuam por erro como problema de
imputação objetiva in: Revista ibero-americana de ciências penais. Porto Alegre: CEIP, ano 3,
número 7, setembro/dezembro de 2.002, p. 79. Leia-se também neste sentido BACIGALUPO,
Enrique. La evitabilidad o vencibilidad del error de prohibición in: Revista brasileira de ciências
criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 4, número 14, abril-junho de 1.996,
especialmente em p. 29-30.
197
Declinada por ROXIN como ‘função de chamada de atenção do dolo típico’. ROXIN, Claus.
Derecho penal, p. 584. Vide também DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da
ilicitude em direito penal, p. 230 e ss.
198
BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. Rio de Janeiro: Forense, 2.003, p. 51-56.
199
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 86. WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p.
90. LUISI, Luiz. O tipo penal, a teoria finalista e a nova legislação penal. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 1.987, p. 17-18.
81
200
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 299.
201
Idem, p. 300. Leia-se também BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 322.
82
plano lícito, que restou empreendido pelo agente com falha na sua execução202.
No âmbito dos crimes materiais, tem ganhado destaque a imputação objetiva
– expressão mais atual do Funcionalismo Sistêmico – a racionalizar com maior
coerência os vários requisitos para a imputação do resultado, alterando
gravemente o tipo objetivo.
De certo modo, apenas se realça que a atribuição do resultado ao sujeito
depende sempre de juízos valorativos, sobrepostos à constatação dos liames
etiológicos entre a conduta do autor e o resultado típico (no caso dos delitos
materiais, de resultado).
Por sinal, este juízo valorativo já era empreendido, há algum tempo, no
âmbito dos delitos omissivos impróprios, em que não há verdadeiro nexo causal
físico. A imputação decorre, antes, de uma obrigação jurídica de evitar o
resultado.
Tais considerações são lançadas apenas com o intuito de demonstrar a
complexidade que o conceito analítico de delito tem atingido, nesta quadra dos
tempos.
Afinal, nos quadros de um Direito Penal do Fato, muitas são as inquietações
surgidas da combinação de uma ilicitude subjetivada203 com uma culpabilidade
condicionada à efetiva capacidade de autocensura do agente, no exato momento
da ocorrência típica.
Como conjugar uma culpabilidade – aqui entendida como limite, e não
como fundamento da pena204 - com a exigência de uma consciência meramente
202
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro. Parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1.997, p. 517-519. A respeito da
questão leia-se também SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 191-193 e D´AVILA,
Fábio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2.001, p. 99-103. Negando terminantemente a existência de um tipo subjetivo, leia-se
BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 201-202.
203
FRISCH, Wolfgang et al. El error en el derecho penal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.999, p. 24-
31.
204
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 792-793 e 798; SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p.
280-282. Como elucida Cirino dos SANTOS, em p. 280: “Hoje, a tese da culpabilidade como
fundamento da pena foi substituída pela tese da culpabilidade como limitação do poder de punir,
com a troca de uma função metafísica da legitimação da punição por uma função política de
garantia da liberdade individual. Como se pode observar, essa substituição não representa
simples variação terminológica, mas verdadeira mudança de sinal do conceito de culpabilidade,
com conseqüências político-criminais relevantes: a culpabilidade como fundamento da pena
legitima o poder do Estado contra o indivíduo; a culpabilidade como limitação da pena garante a
liberdade do cidadão contra o poder do Estado, porque se não existe a culpabilidade não pode
existir pena, nem pode existir qualquer intervenção estatal com fins exclusivamente preventivos”.
Em outras palavras, admite-se culpabilidade sem pena. Nunca, porém, pena sem culpabilidade!
83
potencial da ilicitude?
Diante de um modelo altamente complexo, o tema do erro ganha uma
dificuldade extra. A solução a ser dispensada ao erro em Direito Penal exige uma
tomada de postura frente às inúmeras categorias do delito.
É deveras pertinente, portanto, a observação de Arthur KAUFMANN, ao
indicar que
2.1
Breve exame da evolução dogmática:
205
KAUFMANN, Arthur apud DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da
ilicitude em direito penal, p. 02, em nota de rodapé.
206
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 138. CONDE, Francisco Muñoz. El error en
derecho penal, p. 75.
207
O exame da evolução histórica do tratamento do erro comumente atribui maior destaque ao
engano a respeito da ilicitude da conduta, dado que – como menciona MUNHOZ NETTO - “O
desconhecimento da ilicitude por equivocada representação dos fatos, sempre foi mais pacífica a
admissão da sua eficácia, sendo, pois dispensável analisar a respectiva evolução”. MUNHOZ
NETTO, Alcides. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal, p. 23.
84
equívoco penal coincidiu com a distinção entre o erro de fato e o erro de direito208.
Segundo a regra de PAULO, “regula est iuris quidem ignorantiam cuique nocere,
facti vero ignorantiam non nocere (D. 22, 6, 9)”209.
Em outras palavras, para os romanos, o erro de direito prejudicava o autor
(vale dizer, não exoneraria ou atenuaria a pena), enquanto que a conduta
provocada pela ignorância dos fatos podia ser desculpada.
Muitos romanistas extraíram, da referida máxima, a conclusão de que, para
o Direito Romano, o erro de direito fosse sempre inescusável. Isso não pode ser
aceito.
Como adverte DIAS210, esse entendimento restou abalado com os estudos de
Karl BINDING, para que, na Roma antiga, o conhecimento da norma violada
seria um requisito do dolus malus. Daí a ilação de que, faltando tal conhecimento
(scientia), tanto o error iuris quanto o erro facti excluiriam “a imputação do
comportamento ao errante a título de dolo”211.
O caráter pretensamente absoluto da irrelevância do erro de direito
tampouco foi aceita por Alcides MUNHOZ NETTO, para quem
“À acuidade jurídica dos romanos não poderia passar despercebida a questão, com
todas as suas implicações sobre o conteúdo da vontade delituosa. Desde a lei das
XII tábuas, emprestavam eles relevo ao nexo subjetivo que deve existir, entre o
autor e o fato punível.
Sobre a matéria não se construiu, porém, um sistema. Neste particular, como em
tantos outros, o que os romanos fizeram não foi dar regras gerais, senão resolver
casos particulares, em decisões a que os comentaristas e escritores vieram a dar
força e valor de verdadeiros princípios absolutos. Certamente, é por isto que
existem tantas disputas entre os estudiosos, a respeito do tratamento, em Roma, da
ignorância da antijuridicidade em matéria penal”212.
Por seu turno, Figueiredo DIAS lança sérias dúvidas quanto ao caráter
absoluto da fórmula pauliana, ao argumento de que serviria muito mais como um
critério processual, fundado em uma presunção – de qualquer modo, suscetível de
exceções – de que o erro sobre as normas seria mais censurável que o erro a
respeito dos fatos.
É fato que a crítica de BINDING acaba enfraquecida quando se percebe que
208
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 28.
209
PAULO apud DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 28.
210
Idem, p. 30.
211
Idem, ibidem.
212
NETTO, Alcides Munhoz. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal, p. 24-25. Em
sentido semelhante, leia-se TOLEDO, Francisco de Assis. O erro no direito penal, p. 32-33.
85
213
O que, sabidamente, não pode ser aceito, já que os romanos não possuíam um conceito de
legalidade semelhante ao formulado sob o iluminismo penal.
214
Referindo-se à SAVIGNY, argumenta MUNHOZ NETTO que, no direito romano, “O dolo
seria um fato, cuja existência ficaria excluída por qualquer espécie de erro. Contudo, prevalecia a
seguinte distinção: se o agente conhecia a lei penal, mas por erro de direito, enganava-se sobre a
qualidade punível do seu ato, excluía-se o dolo; não assim no que se referisse ao conhecimento da
lei penal, requerido e pressuposto em todos e cuja falta não anula o dolo nem a punibilidade. Deste
rigor seriam excetuadas apenas certas classes de pessoas às quais, em geral, se perdoava também a
ignorância da lei; tais eram os menores, as mulheres, os rústicos e os militares. Mesmo estas
classes, porém, só seriam excetuadas relativamente àquelas leis penais que possuíssem natureza
positiva (iuris civilis) e não quanto às que se revelassem ao sentimento jurídico natural de cada um
(iuris gentium)”. Confira-se MUNHOZ NETTO, Alcides. A ignorância da antijuridicidade em
matéria penal, p. 25.
215
De qualquer forma, atente-se para a pertinente crítica de Barbara WOOTON, para quem “os
mala in se eram, simplesmente, mala prohibita há mais tempo”. Consulte-se BELEZA, Tereza
Pizarro; PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. O regime geral do erro e as normas penais em
branco. Ubi lex distinguit. Coimbra: Almedina, 2.001, p. 26-27.
216
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 34 e também p. 39. Em nota de rodapé da página
34, DIAS menciona a crítica positivista de MOMMSEN, que sustenta que a distinção entre crimes
naturais e crimes de mera criação política seria irrelevante, dado que não é a natureza, mas sim o
Estado, que, ao penalizar, cria o crime. De qualquer modo – por mais que não se possa admitir um
conceito pré-legislativo de crime (vale dizer, um conceito vinculado ao Direito Natural e, como tal,
legitimado desde o início dos tempos), é fato que a classificação tem o mérito de evidenciar que há
delitos intimamente associados a um conteúdo mínimo ético, inerente ao reconhecimento da
dignidade humana (crimes que atingem diretamente os direitos fundamentais) e aqueles outros
tantos que apenas se prestam indiretamente a tutelar tais valores, cumprindo antes ‘garantir’
interesses secundários, funcionalizados, da agremiação política (por exemplo, os crimes contra o
Sistema Financeiro Nacional).
86
217
Idem, p. 35.
218
Idem, p. 57: “A idéia praticamente mais importante neste contexto é a de que o princípio nada
mais exprimiria do que a obrigação geral de conhecimento das exigências jurídicas, com a
conseqüente responsabilidade individual pelo não-cumprimento da obrigação”. O jurista adverte,
porém, que “desta forma o princípio perde o seu caráter absoluto e abstrato, tendo logo que ser
essencialmente limitado pela concreta possibilidade de o agente cumprir a obrigação: ad
impossibilia nemo tenetur”. (DIAS, Obra citada, p. 58).
219
BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación. Valencia: Tirant lo
Blanch, 2.004, p. 59.
220
“Se bien error de tipo y error de prohibición son distinguibles conceptualmente, no existirían
motivos fundados que justificasen un trato tan diferenciado entre quien obra en error de tipo y
quien lo hace en error de prohibición como el impuesto por el §17 do SfGB. En especial si se tiene
en cuenta que, en ambos casos, el sujeto no rechaza conscientemente las exigencias del
ordenamiento jurídico, cosa que le diferencia del autor doloso. Por otra parte, tampoco parece que
un error de prohibición sea más fácilmente evitable que un error sobre el supuesto de hecho típico,
ni que el autor que obra en aquel estado sea más peligroso que el autor imprudente, razones que
hubiesen podido explicar el distinto trato”. FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 46.
221
Como leciona ROXIN, “Es incompatible con la función del Derecho como ordenamiento
objetivo el que la teoría del dolo ponga la vigencia de las normas jurídicas ampliamente a
disposición de sus destinatarios; basta sólo con no tomar consciencia de un tipo para quedar a
salvo de su amenaza de pena. Entonces ya no se castiga lo que o legislador conmina con pena, sino
lo que el particular considera prohibido”. ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 864-865. O problema
todo está no fato de que: i. sabe-se que a norma não se confunde com o texto de Lei. Somente há
norma depois da interpretação; ii. há interpretações oficiais (órgãos Estatais com a função de
aplicar o Direito) e interpretações não oficiais (aqueles que vivem a norma); iii. portanto, a
argumentação de Claus ROXIN deve ser aferida sob as luzes de um constitucionalismo
emancipatório – da sociedade aberta dos intérpretes – em que a legitimidade do Direito não esteja
87
associada apenas à autoridade, mas sim, aos resultados que efetivamente sejam produzidos pelas
suas regras. A questão está muito mais em precisar com que fundamentos a interpretação oficial
necessariamente é melhor do que a do indivíduo (além da questão da autoridade). No fundo, os
erros de valoração individual decorrem: i. de uma distância entre as valorações dos centros de
decisão estatais e aquelas empreendidas pela população; ii. da pretensão de se mudar costumes a
partir da Lei; iii. da falta de um melhor sistema de ensino e de introjeção de valores – que, distante
de um mero adestramento – permita a cada cidadão tomar consciência dos seus direitos e deveres.
222
BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación. Valencia: Tirant lo
blanch, 2.004, p. 197-198 e 246-248. A autora parte do argumento de que a infidelidade ao direito
apenas ocorre naqueles casos em que o autor conhece o contexto fático em que se encontra, mas
valora de forma equivocada a sua conduta. Supõe-se, portanto, que a categoria da “infidelidade ao
direito” corresponderia apenas à interpretação equivocada das normas. Porquanto, aqui, não
haveria uma intenção de violar as normas (desconhecê-las já é descumpri-las!). A ilusão a respeito
dos fatos – que igualmente implica em erro valorativo, por certo – não poderia ser enquadrada
neste conceito.
223
BACIGALUPO, Enrique. La evitabilidad o vencibilidad del error de prohibición in: Revista
brasileira de ciências criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 4, número 14,
abril-junho de 1.996, p. 30.
224
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 62.
88
Aquino).
O jus naturalismo pressupõe a existência de regras anteriores à conformação
social do homem; de preceitos insuscetíveis de violação por parte do Estado e
indisponíveis, por natureza. Cuida-se, por sinal, de um conceito implícito na obra
de Sófocles (Antígona225), encontrando um revigoramento a partir da Idade
Média, com o racionalismo de Hugo GRÓCIO226. Sob a versão cristã, o Direito
Natural foi identificado como sendo a Lei de Deus, escrita no coração dos homens
(o decálogo mosaico, em síntese).
Por sinal, em certa medida, a distinção entre crimes naturais (um mal em si,
porquanto agressivo das regras da natureza) e crimes conjunturais/formais/de
mera eleição política (mal eleito) já estava presente em Aristóteles, conforme
enuncia Figueiredo DIAS227. O estagirita distinguia a ignorância das universalia
(regras gerais da moralidade) da ignorância das singularia. Apenas o erro sobre
estas últimas poderia ser desculpado.
Esta categorização igualmente está presente em Immanuel KANT, na
medida em que os seus imperativos coincidem com este mínimo ético da vida em
comum228.
Aliás, muitos acusam o filósofo de Konigsberg justamente de ter aplicado os
postulados pietistas (religião sob cujos valores o filósofo fora educado), à
225
Anote-se que, em certa medida, Antígona encontra um paralelo em Sócrates. Ambos são
irresistivelmente levados à ação pelos postulados maiores de suas crenças (ainda que estas sejam,
evidentemente, diferentes entre si: Antígona representa a crença na religião privada, contrária à
religião pública de Creonte. Sócrates representa o racionalismo, a fé (!) na razão). Há, em ambos
os casos, uma exortação – uma máxima de agir (imperativo kantiano) que os leva a uma
determinada conduta ética.
226
Confira-se em VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno.
Apresentação de Stéphane Rials. Tradução de Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2.005,
p. 630-674. Para GRÓCIO havia um direito natural, inerente à natureza própria do homem. Anote-
se, contudo, que um conceito idealista de direito natural – ainda que tenha a virtude de restringir a
competência legiferante estatal – pode ter um conceito simétrico de crime natural, o que, como
sabido, geralmente tende a ser um conceito legitimador da intervenção estatal e, como tal,
agressivo destas mesmas prerrogativas individuais. Aliás, a preocupação maior de GARÓFALO
foi justamente a de definir um crime natural, como sendo a violação aos sentimentos de probidade
e piedade de uma dada comunidade.
227
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 107 -108. Em sentido oposto ao do texto,
MUNHOZ NETTO argumenta que “Quanto à ignorância da ilicitude, Aristóteles considerava
inadimissível a escusa dela decorrente. Não obstante reputasse contrário à natureza das coisas o
conhecimento geral das leis, entendia que a ignorância não poderia ser eficazmente invocada, já
que traduziria uma culpa, ante o dever e a possibilidade de conhecê-las”. MUNHOZ NETTO,
Alcides. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal, p. 24.
228
A respeito do tema, leia-se SCHNEEWIND, J.B. A invenção da autonomia. Uma história da
filosofia moral moderna. Tradução de Magda França Lopes. São Leopoldo: Editora Unisinos,
2.005, p. 589 e ss.
89
229
Uma crítica aos postulados de Immanuel KANT pode ser lida em KELSEN, Hans. O problema
da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2.003.
230
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 106.
231
Idem, p.108.
232
Como menciona BARREALES, “En el derecho intermedio se admite eficacia eximente al error
de hecho, siempre y cuando reúna una serie de requisitos; en relación con el error de Derecho si se
trata del Derecho natural o el divino, no se admite eficacia eximente al error padecido por el
sujeto. Cuando se trata de leys de policía se admite la eficacia del error de Derecho y se hacen las
mismas excepciones que se reconocieran en el Derecho romano”. BARREALES, María A.
Trapero. El error en las causas de justificación. Valencia: Tirant lo Blanch, 2.004, p. 49.
90
núcleo básico das regras do convívio social – agrupadas sob o signo de um direito
natural – é indiscutível que a mencionada proposta deslocou o exame para a
responsabilidade do próprio homem, em conhecer o dever jurídico, superando a
tese do inatismo.
Daí que veio a encontrar forte oposição no jansenismo, fundado pelo
holandês Cornélio Jansenio.
Jansenio defendia que todo erro incidente sobre o direito natural (mesmo
sobre aqueles elementos não integrantes do rol tomista: fé; lei moral e deveres de
estado) seria indesculpável, por ser um pecado mortal, ainda quanto totalmente
invencível233, proposição refutada pela Congregação do Santo Ofício sob
Alexandre VIII.
Subjacente a esta disputa estava, a rigor, o entendimento de que apenas
Deus poderia julgar o homem, e que, diante de uma visão otimista do humano,
apenas a vontade de transformação, de redenção, pode salvar.
Tal como na parábola bíblica dos talentos234, o critério do julgamento não
seria a índole herdada, antes, o que foi feito a partir do próprio caráter.
Empreendida de forma rigorosa por Figueiredo DIAS, a referida
investigação histórica sobre a ignorância do direito natural mostra que -
subjacente ao problema do desconhecimento/equívoco a respeito da valoração
jurídica das condutas humanas – encontra-se a presunção de que as regras básicas
do convívio social foram (deviam ter sido) suficientemente introjetadas na psique
individual (desde que o sujeito não se inscreva naquele círculo restrito de pessoas
presumidas como inimputáveis).
Em muitos casos, se continua a adotar, portanto, uma tese inatista
(Cícero/Jansenio/Santo Agostinho), mesmo quando se encontra sob a roupagem
233
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 110.
234
Evangelho segundo Mateus, 25, versículos 14:18. “Pois como será o homem que, ausentando-
se do país chamou os seus servos e lhes confiou seus bens. A um deu cinco talentos, a outro dois e
a outro um, a cada um segundo a sua própria capacidade; e então partiu. O que recebera cinco
talentos saiu imediatamente a negociar com eles e ganhou outros cinco. Do mesmo modo o que
recebera dois, ganhou outros dois. Mas o que recebera um, saindo, abriu uma cova e escondeu o
dinheiro do seu senhor (...) Chegando, por fim, o que recebera um talento, disse: Senhor, sabendo
que és homem severo, que ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste, receoso,
escondi na terra o teu talento; aqui o que é teu. Respondeu-se, porém, o senhor: Servo mau e
negligente, sabias que ceifo onde não semeei e ajunto onde espalhei? Cumpra, portanto, que
entregasses o meu dinheiro aos banqueiros; e eu, ao voltar, receberia com juros o que é meu. Tirai-
lhe, pois, o talento e daí-o a quem tem dez. porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em
abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. E o servo inútil, lançai-o para fora,
nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes”.
91
“Que esta tese [a do conhecimento inato] tenha podido persistir mesmo numa
época em que a fundamentação natural dos conteúdos jurídico-positivos era, se não
necessariamente negada, ao menos profundamente desvalorizada, é coisa que só se
explica por ela ser no fundo escorada por uma certa concepção material de culpa,
antes que por qualquer particular perspectiva sobre o direito natural e a sua
cognoscibilidade”235.
235
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 117, explicitou-se.
236
Idem, p. 37-38.
237
Idem, p. 42.
92
238
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 91. BARREALES, María A. Trapero. El error en las
causas de justificación, p. 92: “La tesis de FEUERBACH deriva de su teoría de la coacción
psicológica: parte este autor de la teoría de la prevención general; el sujeto debe haber conocido la
ley penal, la punibilidad de su hecho; con este conocimiento la fuerza psíquica puede determinarle
a la renuncia a la comisión del hecho. Al revés, no se le puede hacer ningún reproche cuando
debido al desconocimientote la ley penal no hubiera sido eficaz este motivo par evitar al hecho”.
Contudo, como a autora menciona, Arthur KAUFMANN pôs em relevo que o próprio
FEUERBACH renunciou à sua tese radical, ao presumir que – ciente da ilicitude da conduta – o
agente também teria conhecimento da sua punibilidade.
239
BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación, p. 58 e ss.
93
240
FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 32.
241
Critério que tem sido revigorado por parte da dogmática alemã contemporânea. ROXIN
menciona, por exemplo, as obras de KUHLEN e PUPPE, com proposta neste sentido. ROXIN,
Claus. Derecho penal, p. 469 e 471. Segue o entendimento de Ingeborg PUPPE: “De lo anterior
deriva la justificación básica de una de las más discutidas tesis de la teoría del error, de acuerdo
con la cual un error de derecho es un error de tipo o, en su caso, un error de tipo al revés, cuando
se refiere a reglas jurídicas que han sido establecidas fuera de la ley penal, y un error de
subsunción o inverso de subsunción - irrelevantes ambos – cuando se refiere a reglas jurídicas de
la ley penal misma”. Confira-se em FRISCH, Wolfgang et al. El error en el derecho penal, p.
101. Leia-se também esta mesma obra em p. 76, em que FRISCH também defende a distinção feita
pelo Reichgericht (direito penal/extrapenal).
242
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude, p. 51, em que sustenta
que referida distinção foi mantida pelo Reichgericht por mais de 50 anos, lastreado muito mais em
uma questão de eqüidade do que de lógica. Em p. 53, sustenta o autor, com inteiro acerto, que “A
dicotomia aparecerá então, a plena luz, como aquilo que na realidade prática sempre se olvidou:
um posterius, que não um prius, relativamente ao conteúdo, à autonomia e à extensão materiais do
problema da falta da consciência da ilicitude”. Em sentido semelhante, BARREALES, María A.
Trapero. El error en las causas de justificación, p. 60, sabe-se que “Sus decisiones oscilaban en
la clasificación como error de Derecho penal o extrapenal atendiendo a razones de justicia
material”. Anote-se, ainda segundo a autora espanhola, que esta distinção entre o erro de fato e o
erro de direito continua sendo relevante, frente ao seu emprego na apreciação dos erros incidentes
94
246
Idem, p. 66.
247
Idem, p. 68.
248
FELIP I SABORIT, David. Error juris. El conocimiento de la antijuridicidad y el artículo 14
del código penal, p. 27-97. Leia-se também BARREALES, María A. Trapero. El error en las
causas de justificación, p. 48-357; ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito
penal econômico, p. 53-76. De forma sintética, SANCINETTI, Marcelo A. Casos de derecho
penal. Parte general. Tomo II. Teoría del hecho punible, delito doloso de comisión. Tipicidad –
antijuridicidad – culpabilidad – punibilidad. 3ª ed. rev. ampl. Buenos Aires: Hammurabi, 2.005, p.
95-102. No âmbito da doutrina brasileira, vide GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de
proibição, p. 42-190; BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição, p. 49-
79; NETTO, Alcides Munhoz. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal, p. 24-58.
96
249
FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 28.
250
Anote-se, por sinal, que o emprego da expressão dolo, no âmbito do direito civil brasileiro,
ainda está imbuído desta carga pejorativa. Neste sentido, vide os artigos 145 a 150 da Lei 10.406,
de 10 a janeiro de 2.002.
251
Por mais que tais déficits de punibilidade sejam inerentes à forma de atuação das agências de
criminalização, frente às conhecidas cifras negras, desvendadas por SUTHERLAND. Conf.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas, p. 26-28. Por outro lado, soa
bastante interessante a observação de TAVARES, para quem “Pode-se dizer que a introdução da
consciência atual do injusto como elemento do dolo representa, por um lado, uma virtude, a de
amenizar o rigorismo do error juris nocet, por outro, contudo, vê-se nela uma postura injusta, pois
só reconhece validade ao erro de proibição ocorrido em atuação dolosa, e não na conduta
culposa. Neste último caso, a regra da irrelevância do erro de proibição (aqui, erro de direito)
teria aplicação integral, o que, evidentemente, constitui um contra-senso, já porque, sem a menor
dúvida, a culpabilidade culposa é quantitativa e qualitativamente menor do que a culpabilidade
dolosa”. Leia-se em TAVARES, Juarez. Teorias do delito, p. 35.
252
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 128.
97
253
Uma exposição crítica da teoria das normas de BINDING pode ser lida na obra KAUFMANN,
Armin. Teoria de las normas. Fundamentos de la dogmática penal moderna. Tradução de Enrique
Bacigalupo e Ernesto Garzón Valdés. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1.977, especialmente em
p. 217-232. Leia-se também ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 863: “La teoría del dolo, cuya
fundamentación más impresionante la dio por primera vez Binding, contempla la esencia del
delito en la rebelión consciente del sujeto contra la norma y en consecuencia sólo aprecia
culpabilidad dolosa cuando el sujeto actuó con conciencia de la antijuridicidad. Convierte por
tanto al a conciencia de la antijuridicidad en un presupuesto del dolo (e ahí el nombre teoría del
dolo)”.
254
Conf. BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 81, que também inclui, nesta corrente,
Kohler; Niethammer; Beling; Sauer e Bergenroth.
255
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 864.
256
FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 29.
98
257
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 151.
Observa o professor lusitano, porém, que – ainda que se admitisse que a ilicitude devesse ser tida
como componente do tipo legal (o que a doutrina contemporânea em peso refuta) – é fato que isto
não torna a solução imaginada por BINDING a única admissível. Seria, destarte, uma solução
possível, mas não necessária. Isto porque, segundo defende Figueiredo DIAS, não há vinculação
entre o arquétipo construtivo-sistemático do conceito de delito e as soluções a serem dispensadas
ao erro. O fato de um determinado elemento ser componente do tipo de ilícito por si só não torna o
conhecimento deste objeto imprescindível para o dolo. No dizer do autor, “Mesmo que a ilicitude
se considere elemento constitutivo do tipo, nada pode impedir a priori que se trate de um elemento
especial com incidência particular em matéria do erro; também dentro do tipo se distinguem, v.g.,
os elementos normativos dos descritivos, assinalando-se em regra à distinção influência sobre as
exigências e requisitos de relevância do erro; e não falta sequer quem considere certas condições
objectivas de punibilidade como elementos do tipo, sem deixar por isso de reputar o erro sobre
aquelas como absolutamente irrelevante. A circunstância de um certo elemento pertencer ao tipo
não pode, portanto, tornar inevitável a conclusão de que a sua não-representação pelo agente
exclui o dolo – até mesmo porque, como já mostramos (supra, §4, IV), o tipo de ilícito aqui em
causa não tem também de ser tipo de erro”. Em fl. 154, argumenta Figueiredo DIAS que “o modo
como se concebe as relações entre tipo e ilicitude é impotente para delimitar aprioristicamente o
âmbito da falta da consciência da ilicitude, também o é para determina a sua forma de
relevância”. A respeito desta dissociação entre o tipo de erro e o tipo sistemático, leia-se também
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 62-64.
258
Sendo um suporte adequado a um minimalismo penal, por exemplo.
259
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 90-91. Citando o monumental trabalho de
Arthur KAUFMANN (Unrechtsbewuβtsein), argumenta que, entre as várias formas de se conceber
a compreensão da ilicitude, há “O conocimiento de la prohibición, conocimiento de la dañosidad
social, consciencia del injusto, tesis que hace depender la definición de la conciencia de la
antijuridicidad de los delitos que vengan em cuestión, distinguiendo en este sentido entre
conocimiento del significado material de la antijuridicidad, conocimiento del significado formal
de la antijuridicidad y la irrelevancia del conocimiento del injusto, posibilidad de la consciencia
del injusto, exigencia de la posibilidad de la contrariedad ao deber o donosidad social”. (Obra, p.
90).
99
260
Ainda assim, Hans WELZEL lança o juízo sobre a autocensura do agente para a culpabilidade,
ainda que – certamente – a direção final (base pré-jurídica, segundo o pai do finalismo) esteja
intimamente associado às representações valorativas que guiaram a escolha dos fins. Desde os
pressupostos metodológicos do finalismo, não se pode excluir, assim, um dolo valorado, desde que
situado na descrição típica e não na culpabilidade (como pretendia a teoria psicológica da
culpabilidade). Como argumenta Muñoz CONDE, “La distinción entre tipicidad y antijuridicidad
obliga a distinguir entre el conocimiento de los elementos que pertenecen a la tipicidad y el
conocimiento de los elementos que pertenecen a la antijuridicidad; el dolo que abarca el
conocimiento de los elementos típicos es un dolo natural y no tiene nada que ver con el
conocimiento de la antijuridicidad que se sitúa en un plano sistemático distinto y con una función
político-criminal distinta”. CONDE apud BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 97.
O autor adverte, contudo, que não se deve buscar uma diferença ontológica entre estes dois tipos
de conhecimento, dado que a existência de elementos normativos no tipo penal não autoriza a
conclusão de que o dolo seria meramente percepção empírica.
261
“El conocimiento de la antijuridicidad no es elementos del dolo, pues el error de prohibición
excluye la existencia de la imprudencia, y sin embargo podemos encontrarnos con conductas
imprudentes realizadas con conocimiento de la antijuridicidad”. BARREALES, Obra citada, p.
97. De qualquer forma, não se pode olvidar que, subjacente à construção sistemática, há opções
valorativas, porquanto o conceito de dolo e de imprudência – ainda que possa ser reconduzido a
uma diferença empiricamente constatável (entre buscar o resultado ou causá-lo por erro na
execução de uma outra intenção) – não tem que necessariamente determinar a solução jurídica.
Portanto, da possibilidade de uma conduta imprudente dotada de consciência da ilicitude não se
pode extrair a absoluta necessidade de que não se possa ter um dolus malus. Vê-se, por exemplo,
que este pré-juízo sistemático – como se o conceito jurídico de dolo e imprudência fossem
ontológicos – está presente na seguinte afirmação da autora: “No es justo objetivamente que el
error de prohibición excluya el dolo, en estos casos la conducta descripta en el tipo se realiza con
conocimiento de los elementos que la constituyen; su error afecta a la antijuridicidad de la
conducta realizada de modo consciente, este error no puede convertir una conducta
originariamente dolosa en imprudente”. BARREALES, Obra citada, p. 100. Registre-se, ademais,
que a previsão bem mais restrita de tipos imprudentes e a grande diferença de penas, conquanto
sejam juridicamente necessárias, não deixam, por isto mesmo, de corresponder a uma opção
valorativa do legislador. É plenamente possível – muito embora não seja defensável – um sistema
normativo em que a culpa seja numerus apertus tanto quanto a participação; ou que as penas dos
crimes imprudentes tenham a mesma expressão do crime doloso. Em tal caso, a pretensa distinção
ontológica teria perdido qualquer interesse. O que se deve enfatizar, em suma, é que tais
discussões partem de pressupostos normativos conjunturais, temporais, e que, por isso, não se deve
buscar uma natureza das coisas nesta temática, o que, em parte, parece reconhecido pela própria
autora em nota de rodapé, p. 110.
100
licitude.
No fundo, teoria estrita do dolo garantia que a autocensura do agente viesse
a predominar sobre a censura jurídica (externa) da coletividade, como se cada
indivíduo fosse o núcleo gravitacional de todas as regras jurídicas que lhe fossem
aplicadas.
Por outro lado, havia certa tendência dos Tribunais Alemães à aplicação da
parêmia “versari in re ilicita”, segundo a qual o agente se tornava responsável
pelas conseqüências dos seus atos ilícitos, mesmo aqueles resultados fortuitos e
incontroláveis263.
Ao agir em desacordo com o Direito – deixando de se informar a respeito
das suas proibições, por exemplo – o indivíduo deveria assumir todos os
resultados lesivos produzidos, mesmo quando fossem por ele indesejados. Se ele
não sabia que fazia algo indevido, a rigor, o problema ainda estava em um
imemorável comportamento censurável: o descumprimento do dever de conhecer
as regras jurídicas que lhe eram aplicáveis.
Tendia-se, enfim, para uma evidente responsabilidade penal objetiva264.
Ao que interessa no momento, isto apenas significa que os postulados da
teoria estrita do dolo não chegaram a encontrar uma efetiva aplicação
jurisprudencial265. Temia-se a criação de consideráveis lacunas de punibilidade,
frente ao caráter excepcional do tipo imprudente266.
262
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 106. Guarda-se ressalva, porém, à parte final
do texto. Não se cuida de uma questão de ilicitude. A falta de dolo, para a teoria estrita, era causa
de exclusão da culpabilidade, persistindo a valoração negativa do resultado frente a todo o direito
(mantinha-se a antijuridicidade). Portanto, poderia suscitar o problema da legítima defesa contra a
conduta cometida em erro, porquanto era tida como ilícita, também dando caso à responsabilização
civil fundada em atos ilícitos (responsabilidade subjetiva).
263
Ou melhor, “Qui in re illicita versatur tenetur etiam por casu”. Vide MIR PUIG, Santiago.
Derecho penal, p. 135 e 325. COSTA, José Francisco de Faria. O perigo em direito penal, p.
544. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 307-309
264
Que ainda subsiste em determinadas áreas, como a discutida a actio libera in causa.
265
MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el derecho penal tributario.
Tradução de Marcelo A. Sancinetti, Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.997, p. 29.
266
Advirta-se, por sinal, que este caráter excepcional do tipo imprudente tem especial relevo no
âmbito dos delitos econômicos. Claus ROXIN sustenta, contudo, que “La importancia práctica de
los delitos imprudentes ha aumentado bruscamente con la creciente tecnificación y los peligros
101
A proposta não foi aceita, por mais que tenha sido formulada em pleno
suscitados por ella (sobre todo en el tráfico automovilístico, pero también en la empresa y el
hogar); cerca de la mitad de todos los delitos son delitos imprudentes)”.
267
Anote-se, aliás, que a Espanha admitia uma tipificação genérica da conduta imprudente antes da
reforma de 1.995, conforme noticia MIR PUIG, Santiago. Derecho penal, p. 286: “Así, el anterior
art. 565, I decía: el que por imprudencia temeraria ejecutare un hecho que si mediare dolo
constituiría delito, será castigado con la pena de prisión menor”. Observa o autor, contudo, que
“No era éste el criterio más extendido en Derecho comparado, ni el preferido por la doctrina
española actual. Suele considerarse más adecuada a los principios de legalidad y de ultima ratio
del derecho penal la técnica de incriminación limitada (numerus clausus) de un número
determinado de delitos culposos que la ley prevea en cada caso tras las correspondientes figuras
dolosas (aí se recogía ya en el Proyecto CP 1980)”. Aliás, uma intrigante questão reside em saber
qual é a diferença entre os crimes culposos (que, reconhecidamente, não devem admitir uma
cláusula de extensão, que torne a tipicidade numerus apertus) e os demais tipos “abertos” previstos
na parte geral (conceitos como o de tentativa, participação e também da imputação nos crimes
omissivos impróprios). A rigor, parece haver certo consenso de que – ao se exigir, nos demais
casos, a intenção do agente direcionada ao resultado típico (o que não ocorre, por óbvio, no crime
imprudente) – seria ‘menor’ a restrição ao postulado da determinação da lei penal. Todavia,
certamente esta é uma questão para ser objeto de maiores reflexões.
268
FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 36. Vide também WELZEL, Hans. Derecho penal
alemán, p. 225. Por seu turno, Figueiredo DIAS faz alusão ao Assento de 1.963, no âmbito do
Direito Português, que “Reputava a negligência punível em relação a todos os crimes”, superado
a partir de 1.967. Confira-se com DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da
ilicitude em direito penal, p. 322, em nota de rodapé. Vide também a nota anterior, a respeito da
situação do direito espanhol, antes da reforma de 1.995. Quanto ao direito espanhol (art. 12 do
código: “Las acciones u omisiones imprudendentes solo se castigarán cuando expresamente lo
disponga la Ley”), vide BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria
geral do delito, p. 192. A respeito do mencionado projeto, leia-se também os comentários à
sentença do Bundesgerichthof, de 1.952 em ESER, Albin; BURKHARDT, Björn. Derecho penal,
p. 292. BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación, p. 118.
269
FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 36.
102
270
MUÑOZ CONDE, Francisco. Edmund Mezger e o direito penal do seu tempo. Estudos
sobre o direito penal no nacional-socialismo. 4ª ed. São Paulo: Editora Lumen Juris, 2.005.
271
Edmund MEZGER apud ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 180. JESCHECK, Hans-Heinrich;
WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 58 e 453.
272
Na Espanha, foi o posicionamento de FERRER SAMA e JIMÉNEZ DE ASÚA.
103
273
A categorização do Direito entre os amigos e os inimigos – que recebeu aportes de Carl
SCHMITT, p.ex. – é extremamente nefasta para o pensamento democrático, porquanto admite
uma separação maniqueísta entre as pessoas, violando o postulado básico da Justiça: a igualdade.
Julga-se o sujeito por ser quem é! Não se perguntando se, de algum modo, todos os demais
indivíduos também não contribuíram para que o agente tivesse a percepção valorativa que possui
(i.e., não se maneja a co-culpabilidade). Aliás, a História é pródiga em exemplos em que tais
categorias foram associadas aos outsiders, aos estrangeiros. A respeito do tema, leia-se
HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro. Estudos de teoria política. Tradução de George
Sperber, Paulo Astor Soethe e Milton Camargo Mota, São Paulo: Edições Loyola, 2.002, p. 263 e
ss.
274
Conceito (indiferença) ainda manejado por JAKOBS: “Não existe relação rígida entre o fato
psíquico da falta de conhecimento atual e a atenuação da pena. Ao contrário, se o desconhecimento
se fundamenta em um desinteresse em conhecer, sem que esse desinteresse por sua vez pudesse
explicar-se mediante uma razão que se deva valorar como favorável ao ordenamento jurídico,
mantém-se a pena completa”. JAKOBS, Günther. Fundamentos do direito penal. Tradução de
André Luís Callegari; colaboração de Lúcia Kalil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2.003, p. 25.
275
SCHRÖDER apud BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 130. Leia-se também
PORTO, Teresa Manso. Desconocimiento de la norma y responsabilidad penal. Bogotá:
Universidad Externado de Colombia, 1.999, p. 58. A obra de Teresa PORTO está amparada nos
postulados funcionalistas desenvolvidos por JAKOBS. Portanto, atribui um peso considerável para
a questão da prevenção geral positiva.
276
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 133.
104
Trata-se, sem dúvida, de uma teoria que calca todo o peso na veneração do
Estado. Ao lançar ao autor a pecha de inimigo do Direito, desconsidera que há
uma íntima correlação entre a Justiça do próprio Direito com a Justiça da
Sociedade que o aplica. Em outras palavras, reprova o indivíduo por ser quem é.
Ilustrativa, a respeito, a crítica de ZAFFARONI e PIERANGELI,
277
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro, p. 612.
278
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 337, ao tratar da desobediência civil.
279
PUPPE, Ingborg et al. El error en el derecho penal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.999, p. 95-111.
105
280
FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 38.
281
JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 629 e ss. No dizer do autor, “O que se chama de
culpabilidade é um déficit de fidelidade ao ordenamento jurídico. 4. Culpabilidade material é a
falta de fidelidade perante normas legítimas. As normas não adquirem legitimidade porque os
sujeitos se vinculam diretamente a elas, se sim quando se atribui a uma pessoa que pretende
cumprir um rol de que faz parte o respeito da norma, especialmente o rol de cidadão, livre na
configuração do seu comportamento. O sinalagma dessa liberdade é a obrigação de manter
fidelidade ao ordenamento jurídico”. Confira-se em JAKOBS, Günther. Fundamentos do direito
penal. Tradução de André Luís Callegari; colaboração de Lúcia Kalil. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2.003, p. 43. Leia-se também FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 52.
106
282
MIR PUIG, Santiago. Derecho penal, p. 524-525.
283
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 188.
284
MIR PUIG, Santiago. Obra citada, p. 524.
285
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro, p. 606-607.
107
“Dogmaticamente, a colocação do dolo no tipo, que hoje é aceita até mesmo por
não-finalistas [alusão à Jescheck], trouxe enormes facilidades na construção do
delito. Primeiramente, equacionou o problema da separação assistemática dos
elementos subjetivos, que informam o ilícito, do dolo, para juntá-los num mesmo
bloco. Tudo o que é, assim, naturalisticamente subjetivo deve ser encarado da
mesma forma. Depois, pôde-se obter um melhor enquadramento técnico da
tentativa e do crime consumado, da autoria, da participação, do erro de tipo e do
erro de proibição, como também dosar-se adequadamente o caráter indiciário do
tipo com relação à antijuridicidade”287.
286
TOLEDO, Francisco de Assis. O erro no direito penal, p. 14-15.
287
TAVARES, Juarez. Teorias do delito, p. 86. Apenas destaque-se que a afirmação de todos os
elementos subjetivos do ilícito deveriam ser tratados da mesma forma obviamente não compreende
o elemento subjetivo da autocensura, encartada pelo finalismo no exame da culpabilidade. Daí que
nem todos os elementos subjetivos do injusto são tratados igualmente. Vide também WELZEL,
Hans. Derecho penal alemán, p. 197-258.
288
Destaque-se, porém, que o tratamento do erro sob o Finalismo não é despido de dificuldades,
sobremodo quando incidente sobre elementos normativos do tipo e sobre os pressupostos fáticos
de uma causa de justificação. A respeito, leia-se BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p.
139.
108
de Edmund MEZGER.
Ademais, é fato que as teorias do dolo foram postas à prova durante os
julgamentos dos crimes do nazi-fascismo, sem um resultado político-criminal
satisfatório. Como enfatiza FELIP I SABORIT,
“En aquellos momentos mucha gente consideró insatisfactorio que, por ejemplo,
pudiera ser conceptuada como mero homicidio imprudente la conducta de quien
había ordenado, en cumplimiento de un mandato legal (la orden Keitel-Himmler-
Bormann), la ejecución de todos los civiles varones mayores de catorce años que se
encontrasen en una casa en la que, ante la inminente llegada del enemigo, se
hubiese izado una bandera blanca; por otra parte, para castigar los hechos como el
descrito como homicidios dolosos, el aparato sistemático de la teoría del dolo
parecía violentarse en exceso”289.
289
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 39.
290
O dolo acaba compreendendo certa valoração (dolus malus) no âmbito da teoria limitada da
culpabilidade, ao supor como imprudente a conduta de quem atua querendo o resultado, mas em
ilusão a respeito dos pressupostos fáticos de uma causa de justificação. Também há um dolo
valorado no âmbito do tratamento dos elementos normativos do tipo, a serem abrangidos pelo
conhecimento e vontade do autor. Esta questão é resolvida por Figueiredo DIAS a partir de um
ponto de vista bastante original, porquanto – refutando as premissas construtivo-sistemáticas e
vinculando-se a um conceito material de culpa de personalidade – submete o erro à distinção entre
erro de intelecção e erro de sentimento. Neste caso, o erro quanto ao substrato fático seria um
evidente erro intelectual, que impede a responsabilidade dolosa. Vide DIAS, Jorge de Figueiredo.
O problema da consciência da ilicitude no direito penal, p. 417-435. DIAS, Jorge de
Figueiredo. Direito penal, p. 505-507 (em que diferencia o erro da consciência psicológica do erro
da consciência ética / erro intelectual versus erro moral, lastreando-se em NOWAKOWSKI).
Adotando o referido critério de diferenciação, leia-se BELEZA, Tereza Pizarro; PINTO, Frederico
de Lacerda da Costa. O regime geral do erro e as normas penais em branco. Ubi lex distinguit.
Coimbra: Almedina, 2.001, p. 53 e ss.
109
Com efeito,
291
WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 231.
292
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 211. O autor apresenta estes mesmos exemplos em p. 864.
110
hipótese de existir, que não seja por negligência grave por parte do autor). E,
sendo assim, ainda há resquícios da noção da infidelidade ao direito, que deu
causa à irrelevância do erro sobre o Direito Natural (inatismo), anteriormente
mencionado.
Diante de uma conduta que, a olhos vistos, seria intolerável sob qualquer
ponto de vista (homicídio, estupro, etc.), a primeira reação dos estudiosos é
justamente a de dificultar a exoneração da pena, em casos tais.
Qual é, porém, a medida para a evitabilidade do erro? É a história daquele
específico sujeito, lançado pela sorte (ou por si mesmo) para o referido contexto
fático em que consumou o comportamento típico? Ou, ao contrário, deve-se
confrontar o autor com um conceito abstrato de homem prudente, tal como
empreendido em outras searas do direito penal? E, sendo assim, não se corre o
risco de responsabilizar objetivamente aqueles que, no caso concreto, realmente
não tinham qualquer acesso à norma, por força da sua história de vida? Por acaso
uma exigência meramente atualizável (potencial) da ilicitude, não teria um viés
versarista293?
É certo que esta problemática questão da culpabilidade aflige ainda hoje os
penalistas, frente à impossibilidade de se provar (e também de se negar) a
liberdade do agir. A disputa entre os deterministas e os indeterministas está longe
do fim, como se verá mais adiante.
Tais questões influenciam, de qualquer modo, o tratamento do erro incidente
sobre normas penais desconexas com as opções valorativas da comunidade
(inexistindo, portanto, uma “função de apelo” na situação empírica, que leve o
sujeito a refletir sobre o provável desvalor da conduta).
Ora, como explica Hans WELZEL,
293
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 147.
Em nota de rodapé em p. 218 consta que “Arthur Kaufmann chega a afirmar muito exactamente
que melhor do que perguntar pela culpabilidade ou desculpabilidade do erro sobre a proibição
seria perguntar pelo critério através do qual se deve encontrar a culpa apesar do erro sobre a
proibição. Só deve lamentar-se que não aplique esta doutrina, que defende para a falta de
consciência da ilicitude formal (erro sobre a proibição), à verdadeira e própria falta de
consciência da ilicitude”. Melhor dizendo, a grande questão passa a ser: o que vaticina a
reprovação de uma conduta calcada em um erro vencível de proibição? A condução de vida? A
violação a um especial dever de informação? Leia-se ainda a mesma obra em p. 261.
111
294
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal, p. 105.
295
FELIP I SABORI, David. Obra citada, p. 41. Anote-se que esta culpabilidade por formação da
vontade foi objeto de instigante exame por parte de Figueiredo DIAS, que defende uma teoria
complexa da culpabilidade, fundada na reprovação do caráter manifestado no fato (e que, como tal,
tende também para uma culpabilidade por condução de vida).
296
No dizer de Otfried HÖFFE, para Kant “Há três possibilidades de cumprir o dever moral.
Primeiro, pode-se cumprir o dever e, contudo, ao fim e ao cabo, ser determinado por um interesse
próprio; isto ocorre no comerciante, que, por receio de perder seus clientes, trata honestamente
mesmo clientes inexperientes. Segundo, pode-se agir conforme ao dever e ao mesmo tempo com
uma inclinação imediata pelo dever, por exemplo, ajudando por simpatia uma pessoa necessitada.
Finalmente, se pode reconhecer o dever puramente pelo dever. A vontade boa já não se verifica
onde se pratica o dever com base em quaisquer fundamentos determinantes; a moralidade
(Sittlichkeit) de uma pessoa não consiste na simples conformidade ao dever, que Kant chama de
legalidade. Pois a simples conformidade ao dever (correção moral) de uma ação depende de
fundamentos determinantes a partir dos quais se cumpre o dever, sendo portando condicionada e
não incondicionadamente boa. O critério (metaético) da moralidade, o ser-bom, ilimitado só se
cumpre lá onde o correto moral não é realizado a partir de nenhuma outra razão que pelo fato de
ele ser moralmente correto, lá, portanto, onde o próprio dever é querido e é, como tal, cumprido.
Só nestes casos Kant fala de moralidade (Moralität)”. Conclui HÖFFE, portanto, que, em Kant, “À
diferença da legalidade, a moralidade não pode ser constatada na ação mesma, mas somente em
seu fundamento determinante, no querer”. HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant. Tradução de
Christian Viktor Hamm e Valerio Rodhen. SP: Martins Fontes, 2.005, p. 194.
112
“Previamente, se había descartado la teoría del dolo porque, pese a la ventaja que
comporta poder prescindir de la compleja distinción entre error de tipo y error de
prohibición, se juzgó inadecuado concebir el error de prohibición culpable como
una forma de imprudencia, tanto por las lagunas de punibilidad que ello origina,
como por la levedad de las penas previstas para los delitos imprudentes cuando
éstos están tipificados; además, se entendió que los efectos de una rígida
vinculación de la responsabilidad dolosa a una conciencia actual de la
antijuridicidad forzaba soluciones sólo sustentables por vía de la analogía. Por el
contrario, según el BGH, la teoría de la culpabilidad, fundada en la posibilidad de
conocer la antijuridicidad del hecho, superaba satisfactoriamente todos estos
obstáculos. Primeramente, porque la remisión al injusto doloso en caso de error de
prohibición culpable evita posibles lagunas. En segundo lugar, porque cuando la
falta de consciencia actual de la antijuridicidad es altamente reprochable, la pena
puede ser la misma o muy parecida a la correspondiente a los delitos cometidos con
pleno conocimiento de la prohibición. Y, finalmente, porque el juicio de reproche
por la realización de un delito doloso es el que mejor se ajusta a los casos de error
de prohibición culpable, supuestos en los que, a pesar de todo, existe una voluntad
consciente dirigida a la realización del tipo”299.
297
Expertos da decisão e comentários podem ser lidos em ESER, Albin; BURKHARDT, Björn.
Derecho penal, p. 285-317.
298
FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 44.
299
Idem, ibidem.
114
300
Defendendo o caráter facultativo da atenuação, leia-se BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error,
p. 151-152.
301
A aplicação de uma mesma pena tanto para (a) o indivíduo que praticou uma conduta típica
plenamente consciente da sua ilicitude quanto para (b) aquele outro que apenas deixou
negligentemente de se informar a respeito das regras jurídicas ainda é reflexo de uma doutrina
versarista (versari in re ilicita), dado que responsabiliza o agente por resultados advindos de uma
negligência anterior, ainda que distante no tempo. Ao agir de forma ilícita, assume todas as
conseqüências – ainda que fortuitas – daí advindas! Em sentido próximo ao aqui sustentado,
confira-se BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 120.
115
302
ESER-BURKHARDT mencionam que há uma opinião minoritária (LANGER e
SCHMIDHÄUSER) que sustenta que apenas os postulados defendidos pela Teoria do Dolo
poderiam ser admitidos, a partir do princípio nullun crime sine culpa. Logo, a Teoria da
Culpabilidade seria inconstitucional. Porém, para os mencionados autores o referido entendimento
é insustentável, porquanto o princípio da culpabilidade não exclui nenhuma das duas teorias (a
esse respeito, fazem referência ao entendimento de KUHLEN). “Se respecta la exigencia de
culpabilidad teniendo el autor – y esto también es presupuesto de la teoría de la culpabilidad – la
posibilidad de conocer el carácter antijurídico del hecho y siendo posible atenuar la pena en caso
de concurrir un error de prohibición evitable”. Consulte-se ESER, Albin; BURKHARDT, Björn.
Derecho penal, p. 306.
116
303
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 140.
304
Explica ROXIN que “Esta doctrina lleva la denominación de teoría estricta de la culpabilidad
porque contempla todos los errores conducentes a la suposición de una conducta conforme a
Derecho, en tanto no se refieran a elementos del tipo de delito conforme al §16 I, sin excepción
(estrictamente) como problemas de culpabilidad”. ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 582.
305
HÄBERLE, Meter. Hermenêutica constitucional, p. 13-14.
117
apesar de existir, lhe seria inaplicável (por ser inconstitucional; ou por seu caso
ser uma exceção, etc.).
Em ambas as hipóteses, o importante é destacar que o homem não se
relaciona com o mundo tal qual ele é (noumenico); vincula-se ao mundo tal como
ele se lhe apresenta, condicionado pela sua razão (KANT), e também pelas suas
idiossincrasias e complexidades individuais (FREUD).
Aliás, em feliz excerto, resume Arthur KAUFMANN que
306
KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho. 2ª ed. Tradução de Villar Borda e Ana María
Montoya. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2.002, p. 227-228.
118
307
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 116.
308
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 144.
119
309
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 583. Crítica interessante é formulada, contudo, por Muñoz
CONDE, para quem a teoria, ao castigar um fato doloso como se fora imprudente, “Presenta los
mismos inconvenientes que la teoría del dolo, pero ninguna de sus ventajas. La persona que
dispara en la oscuridad contra quien considera erróneamente su agresor actúa dolosamente, sabe
que puede matarla y quiere o admite esa posibilidad. Castigar con la pena del homicidio
imprudente, en caso de que el error sea vencible, es volver a la teoría del dolo, es decir, es negar
que en este caso exista dolo y con ello cuestionar la diferenciación, exigida pela teoría de la
culpabilidad, entre dolo y conocimiento de la antijuridicidad, que, sin embargo, sigue
manteniendo en los casos de error sobre la existencia o los limites de una causa de justificación”.
CONDE, Francisco Muñoz. El error en derecho penal, p. 42. Anote-se também que
BACIGALUPO defende a teoria estrita da culpabilidade. BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error,
p.101; BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 409-410.
310
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 583-584.
311
Idem, p. 585.
120
312
A respeito da teoria dos elementos negativos do tipo, Juarez Cirino dos SANTOS argumenta
que não há, rigorosamente, qualquer objeção mais concreta para a sua utilização. Confira-se
“Como esclarecimento complementar, a sugestiva teoria das características negativas do tipo -
contra a qual, na verdade, não existe nenhum argumento sério – resolve o problema do erro sobre
a situação justificante do mesmo modo que a teoria limitada da culpabilidade, mas com
fundamentos diferentes: considera os componentes do tipo penal como elementos positivos e as
justificações como elementos negativos do tipo de injusto e, por conseqüência, define o erro sobre
a situação justificante como erro de tipo, excludente do dolo – e, por extensão, do tipo de injusto -,
se inevitável, admitindo imprudência, se evitável”. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p.
301. Também neste sentido, confira-se ROXIN, Claus. Derecho penal, 586-587. Por fim, uma
defesa bastante enfática da teoria dos elementos negativos é feita por María Trapero
BARREALES, que refuta as dezesseis principais críticas lançadas contra a teoria dos elementos
negativos do tipo. Confira-se em BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de
justificación, p. 223-277.
121
justificantes”313.
Há uma recuperação de um dolo valorado, ainda que em sentido simétrico
ao anterior (que compreendia a existência efetiva de um desvalor jurídico da
conduta).
O dolo não é mais afastado pela falta de uma consciência atual do injusto.
Ao contrário, é afastado justamente por haver a representação de fatos que – se
realmente existentes – qualificariam o comportamento como lícito.
No dizer de Claus ROXIN, Armin KAUFMANN argumenta que – na
natureza das coisas – as pessoas, ao empreenderem aos seus planos (direção final),
não representam a ausência de substratos fáticos justificantes.
Contudo, ainda segundo o professor,
“Pero se trata de un intento inidóneo de refutación. Pues del mismo modo que el
injusto objetivamente requiere, junto a la realización del tipo, sólo la ausencia de
causas de justificación, también el dolo de injusto presupone, junto al conocimiento
de las circunstancias del hecho, sólo la ausencia de suposiciones justificantes.
Prescindiendo de ello, el autor conoce perfectamente también, en forma de
coconsciencia no reflexiva que surge de la situación y es por completo suficiente
para la apreciación del de dolo (cfr. §12, nm. 12), la ausencia de circunstancias
justificantes: quien a mala idea p.ej. planea dar una paliza a otro o destruir una cosa
ajena desde luego ejecuta el hecho con representación de que va a agredir sin causa
justificante”314.
313
Idem, p. 586.
314
Idem, p. 586.
122
SABORIT – que o Código Penal Italiano de 1.930 dispunha, no seu artigo 50, que
ninguém pode invocar como escusa a ignorância da Lei Penal. Já o art. 47
preconizava que “el error sobre una ley distinta a la penal excluye la punibilidad
cuando ocasiona un error sobre el hecho que constituye el delito”.
Logo, em um primeiro exame, pode ficar a impressão de que tais preceitos
estavam em sintonia com o critério distintivo fixado pelo Reichgericht, visto
acima. Com efeito, a legislação italiana positivou a equiparação entre o erro
incidente sobre normas não penais e o erro fático.
Deve-se ter em conta, porém, que as cortes italianas não adotavam o mesmo
critério do Tribunal Alemão, quanto à identificação de uma lei extrapenal. Ao
contrário do Reichgericht, que adotava um entendimento flexível (quanto ao que,
justamente, foi severamente criticado), na Itália entendeu-se que todo preceito de
lei aludido em uma lei penal deveria ser tratado como se fosse penal.
O erro incidente sobre normas referidas em Leis penais não poderia ser
equiparado ao erro de fato e, assim, não teria qualquer condão abonatório.
Criticava-se tal opção hermenêutica, visto que – desse modo – acabava-se
por negar qualquer efeito prático para o disposto no art. 47, do código Rocco de
1.930.
Nas palavras de FELIP I SABORIT,
Daí que, sob tal entendimento, as leis extrapenais podem ser objeto de um
erro eximente. Todavia, tais leis simplesmente não existiam!
A dogmática penal, escorada na doutrina da boa fé,
315
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 58 e 142.
123
A boa-fé não era concebida, portanto, como regra geral (a simples ausência
de má-fé). Ao contrário, exigia-se um esforço de informação, de forma que o
próprio Estado houvesse contribuído para o engano do agente.
Destarte, referido critério somente teria o condão atenuante naqueles casos
em que o indivíduo atuasse em erro provocado pelo próprio Estado, tais como
diante de uma licença irregularmente concedida (sem que tenha contribuído para o
defeito do ato); ou diante de uma alteração repentina na jurisprudência que
passasse a considerar como ilícita uma conduta anteriormente reputada atípica.
Assim, antes da fundamental sentença da Suprema Corte Italiana, de 25 de
março de 1.975, praticamente vigorava absoluta a máxima error iuris nocet.
A partir de 1.975, contudo, restou consolidado o entendimento de que o
princípio da culpabilidade impede a responsabilização criminal por condutas
insuscetíveis de controle por parte do agente. Vale dizer, o art. 5º do código penal
italiano – na medida em que não excepcionava o erro de direito invencível –
revelava-se inconstitucional. A Corte Italiana apenas reconheceu o caráter
obrigatório da exoneração da pena, quando se cuidasse de um erro de direito
invencível.
Quando houvesse negligência do autor – por lhe ser possível, no caso, ter
atingido aquela compreensão normativa – a conduta continuaria censurável. Vê-
se, portanto, que o Tribunal Constitucional não reconheceu qualquer
obrigatoriedade da atenuação da pena quando se cuidasse de erro de proibição
vencível.
Acolhia-se, enfim, a equiparação entre uma consciência meramente eventual
(potencial/hipotética) e o conhecimento real da ilicitude, por mais que a primeira
ainda esteja atrelada a certo conteúdo versarista, como visto anteriormente. A
censura da ação típica sob julgamento era obtida por meio indireto, isto é, por
meio da censura do comportamento anterior do agente, por não ter se deixado
conduzir pelo Direito; por não ter se informado melhor quanto aos riscos da sua
atividade (sobremodo quanto às profissões reguladas), etc.
Frente a um direito penal simbólico e programático de interesses – vale
dizer, manejado como substituto de inúmeras políticas públicas do Estado
316
Idem, p. 60.
124
“Art. 565. El que por imprudencia temeraria ejecutar un hecho que, si mediare
malicia, constituiría delito, será castigado con la pena de prisión menor”.
317
FELIP I SABORIT, Felip. Obra citada, p. 66.
318
Idem, p. 76. Registre-se que JIMENEZ DE ASÚA foi destacado defensor da teoria estrita do
dolo, porquanto defendia que o erro de proibição deveria redundar na imputação imprudente (o
erro sempre excluiria o dolo).
319
Idem, p. 78.
125
320
“Hay que reconocer que la teoría de la culpabilidad (y la estructura finalista del delito, que no
el finalismo) ha experimentado un impresionante auge en España a caballo de la reforma”. FELIP
I SABORIT, David. Obra citada, p. 85.
126
2.2
‘Pré-juízos’ ontológicos versus funcionalização:
321
KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried. Introdução à filosofia do direito e à teoria
do direito contemporâneas, p. 130-131. Tenha-se em conta que, segundo Vera Regina Pereira de
Andrade, o próprio BINDING pode ser considerado como filiado a este postulado epistemológico.
Leia-se ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica, p. 92.
322
Idem, Ibidem.
323
MIR, José Cerezo em comentário à obra WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal:
uma introdução à doutrina da ação finalista. Tradução, prefácio e notas de Luiz Régis Prado. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.001, p. 14.
127
hombre”324.
Anote-se, por sinal, que a obra Derecho penal alemán, de Hans WELZEL, já
inicia, na primeira parte, com o conceito de ação sem uma prévia menção às
estruturas lógico-objetivas. Alguns comentários do próprio criador da teoria
finalista da ação podem ser lidos no prólogo da obra O novo sistema jurídico-
penal, em que – com a pretensão de desvencilhar-se da obra de Nicolai
HARTMANN325 - argumenta:
324
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 201. Leia-se também ANDRADE, Vera Regina Pereira de.
A ilusão de segurança jurídica, p. 148: “Para Welzel, existem no mundo objetividades lógicas ou
estruturas lógico-objetivas, representadas por certos dados ontológicos fundamentais e que
assinalam, por isto, limites muito precisos ao Legislador e à Ciência penal. de modo que é
necessário ao primeiro, ao normar ações, e à segunda, ao interpretar seu objeto, respeitar aquela
estrutura pré-jurídica, derivada da natureza das coisas, (que ninguém e nenhum poder no mundo
pode modificar) sob pena de, desconsiderando-a, legislar um Direito ineficaz, falso, contraditório e
não objetivo ou deixar a aplicação do Direito Penal abandonada ao arbítrio, no caso da Ciência
Penal”.
325
Questão, aliás, já suscitada na obra Derecho penal alemán: “Concluyendo, una observación
personal: cuando yo en el año 1.935 tomé de Nicolai Hartmann no la cuestión (que era mucho más
antigua), pero sí el nombre de finalidad para caracterizar la acción como un acontecimiento
dirigido y encauzado voluntariamente, no imaginé que con esta nominación iban unidas muchas
falsas interpretaciones. Entretanto se ha elaborado en la Cibernética una designación mucho más
ajustada a la peculiaridad determinante de la acción, esto es, su dirección y encauzamiento. Quizá
a la teoría final de la acción se le habrían ahorrado muchas falsas interpretaciones como teoría de
la acción, en cuanto acontecimiento (cibernético) dirigido o encauzado por la voluntad”. Confira-
se WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Parte general. 11ª ed. Tradução de Juan Bustos
Ramírez e Sergio Yáñez Pérez. Santiago del Chile: Editoria Jurídica de Chile, 1.976, p. 58.
326
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal, p. 14-15.
128
327
Idem, p. 15-16. O texto é repetido por Assis Toledo, ao tratar do conceito de ação final.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a lei 7.209, de
11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1.988. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1.994, p. 96.
328
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro, p. 349.
129
329
ARENDT, Hanna. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1.989, p. 300 e ss. Também neste sentido LAFER, Celso. A reconstrução
dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia
das Letras, 1.988, p. 103 e ss.
330
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 243. Atente-se, por sinal, ao caráter seletivo do descritor
(i.e., da hipótese de incidência normativa ou do tipo penal), como elucida Lourival VILANOVA:
“Os conceitos, quer normativos, quer empírico-naturais ou empírico-sociais, são seletores de
propriedades. Nem tudo do real tem acolhida no universo das proposições. No campo do direito,
especialmente, a hipótese apesar de sua descritividade, é qualificadora normativa do fático. O
fato se torna fato jurídico porque ingressa no universo do direito através da porta aberta que é a
hipótese. E o que determina quais propriedades entram, quais não entram, é o ato-de-valoração
que preside à feitura da hipótese da norma. Sociologicamente, não há fatos puros: todo fato social
130
é relacional e toda relação social, além de causal, é normativa. Não há, como observa LEGAZ y
LACAMBRA, desde o ponto de vista filosófico que repercute no ponto de vista empírico-científico,
não há realidade social para, depois, virem as normas. A realidade social é, constitutivamente,
realidade normada. É social porque implanta valores através de normas normativas dos usos e
costumes, da moral, de direito, etc.” VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de
direito positivo. Prefácio de Geraldo Ataliba e apresentação de Paulo de Barros Carvalho. São
Paulo: Max Limonad, 1.997, p. 89.
331
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Obra citada, p. 350. Consulte-se
também FRISCH, Wolfgang. Comportamiento típico e imputación del resultado. Tradução por
Joaquín Cuello Contreras e José Luis Serrano Gonzáles de Murillo. Madri: Marcial Pons Ediciones
Jurídicas y Sociales, 2.004, p. 59-60, quanto à importância da ubiquação sistemática dos elementos
típicos.
332
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 217.
333
GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. O futuro do direito penal: (tem algum futuro a
dogmática-jurídico penal?), p. 10 e ss. Crítico a respeito, vide ROXIN, Claus. Problemas
básicos del derecho penal. Tradução e notas de Diego-Manuel Luzón Pena. Madri: Réus, 1.976,
p. 95: “Si un concepto ontológico de acción se entiende de modo que sólo abarque el control de
un acontecimiento material y libre de valor, entonces dicho concepto no tiene ninguna utilidad: no
es idéntico ao dolo, no proporciona ningún dato para la teoría del error y tampoco se puede
deducir nada de él en otros terrenos. Pero si se incluye la dimensión del sentido en el concepto de
acción, éste pierde su carácter previo, se convierte en un producto jurídico-normativo por
131
2.3
Elementos negativos do tipo:
excellence y ya no tiene tampoco ninguna utilidad: luego entonces es posible desarrollas las
teorías del dolo y de la participación exactamente igual – e incluso mejor – desligándolas
totalmente del concepto de acción y partiendo de los contenidos de sentido propios de las
mismas”.
132
“Ya que el ordenamiento jurídico quiere sancionar con pena las conductas
intolerables para la vida en comunidad, podría hacerlo mediante una disposición
suprema, muy general: el que se comporte de un modo gravemente contrario a la
comunidad será castigado en la medida de su culpabilidad con una pena permitida.
Podría formularse, también, de un modo más moderno: El que infrinja
culpablemente los principios fundamentales del orden social democrático, o
socialista, o comunista, será castigado… Una disposición penal tan general como
ésta comprende, desde luego, toda conducta punibles imaginable, pero
precisamente por su carácter general no permite reconocer qué conducta en
particular debe estar prohibida”335.
334
Anote-se que o Funcionalismo permite uma maior clareza na compreensão do juízo de
imputação, ao sobrepor à exigência de um efetivo nexo de causa e efeito (para os crimes
comissivos) requisitos de índole valorativa: incremento indevido do risco; consumação deste risco
no resultado; análise do âmbito de proteção da norma, etc. Registre-se, por oportuno, que – no
âmbito dos crimes omissivos impróprios (comissivos por omissão), a imputação é exclusivamente
normativa, dado que não há, evidentemente, nexo etiológico. A respeito do tema, consulte-se
ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Tradução e introdução de
Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2.002. Leia-se também FRISCH, Wolfgang.
Comportamiento típico e imputación del resultado, p. 45-104.
335
WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 74.
133
336
O que, sabidamente, não ocorre, dado que interpretar é atribuir propósitos. Não há uma
hermenêutica inexoravelmente fiel ao texto interpretado, porquanto, nesta exata medida, intervém
a subjetividade do intérprete. O importante é que esta carga axiológica seja devidamente filtrada
pela sociedade, em cujo nome todo poder deve ser exercido. Para tanto, os vetores hermenêuticos
devem ser confrontados rigidamente com a hierarquia valorativa constitucional, remanescendo,
ainda assim, certo espaço de ambigüidade, em que a disputa política terá maior influência. A
respeito deste caráter relativo da interpretação, confira-se KAUFMANN, Arthur. Filosofía del
Derecho, p. 138-168 e, especialmente (a respeito do modelo de subsunção), p. 173-196. Leia-se
também STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, 2.005, p. 310-319; DIAS,
Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 333: “Se dão
constantemente casos relativamente aos quais não é possível predizer, com um mínimo aceitável
de segurança, o sentido de qualquer decisão judicial futura sobre a licitude ou ilicitude de certa
conduta; como inegável é fazerem os tribunais a cada passo valorações que não estão
inteiramente de acordo ou estão mesmo em aberta divergência ou contradição com outras que
foram consideradas como cabendo de direito à mesma questão”.
337
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 279. Vide também SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito
penal, p. 104.
338
BELING apud ROXIN, Claus. Obra citada, p. 279.
339
No caso brasileiro, este predomínio do desvalor da intenção fica evidente com a leitura do art.
20, §3º, do Código Penal Brasileiro: “O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado
não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão
as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime”. Não obstante, é certo que a falta do
resultado almejado pode implicar em uma pena atenuada desde logo, como na tentativa (a intenção
é a mesma do crime consumado), ou a total exoneração de pena, apesar de haver dolo e
culpabilidade (crime impossível).
134
340
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 281. A respeito do tema, leia-se também WELZEL, Hans.
Derecho penal alemán, p. 90.
341
Idem, ibidem. Noticia ROXIN que, para Erik WOLF, inclusive categorias tidas como
absolutamente descritivas (por exemplo, ser humano), seriam, a rigor, valorativas, em âmbitos
especiais, o que, hoje, se impõe quanto à discussão a respeito da proteção penal das células tronco.
O embrião já seria um “alguém”, para fins do art. 121 do código penal?
135
Alguém que tenha praticado uma conduta idêntica àquela descrita no tipo
legal, já teria, somente por isto, incorrido em ilicitude?
Para examinar o caráter ilícito de um dado comportamento, o Estado-Juiz
precisa fazer um exame dúplice. Primeiramente, deve aferir a subsunção exata
entre o recorte fático (a representação dos eventos ocorridos, segundo a prova do
processo) com o recorte típico (interpretação da norma incriminadora, presente na
lei). Reconhecida a tipicidade, impõe-se o exame quanto à presença de exceções
em que aquele agir estaria amparado pelo Direito.
Somente diante da ausência de tais motivos autorizadores da conduta é que
se poderia qualificá-la como ilícita.
Porém, com MERKEL, surgia a teoria dos elementos negativos do tipo343.
Supunha-se que cada tipo legal conteria, de forma implícita, a exceção, de modo
que, a proibição do homicídio fosse concebida da seguinte forma: é proibido
matar alguém, exceto em casos de legítima defesa; estado de necessidade; estrito
cumprimento do dever legal e obediência à ordem não manifestamente ilícita.
De certo modo, pode-se dizer que esta teoria adota um conceito de tipo
coincidente com o da norma de proibição, a ser aplicada ao caso.
Com efeito, caso se identifique o tipo com a norma de proibição, não haverá
342
MEZGER apud ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 282.
343
Defendida, entre outros autores alemães, por SCHRÖDER; MEZGER e SAUER. Uma variante
da teoria dos elementos negativos pode ser encontrada em GALLAS, conforma referência de
WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 81 e WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-
penal, p. 56, em que o autor sustenta que GALLAS, “Diferentemente de SAUER e MEZGER, não
concebe as causas de justificação como circunstâncias negativas do tipo, mas defende a tipicidade
de uma conduta ainda quando ocorra uma causa de justificação. Não admite, porém, que o tipo
seja a descrição material da conduta proibida (a matéria de proibição) e que seja, com essa
função, o terceiro elemento do delito, junto à antijuridicidade e a culpabilidade. Todo elemento
integrante do conteúdo do injusto seria, pelo contrário, elemento do tipo independentemente de se,
e até que ponto, o legislador tenha descrito materialmente o conteúdo da proibição. A medida da
diferenciação, própria do Estado de direito, seria apenas um princípio formal, que não pode ser
decisivo para a significação material do tipo”.
136
como fugir das conclusões defendidas pela teoria dos elementos negativos:
quando há motivos para a justificação da conduta, obviamente não remanesce
qualquer proibição, frente ao postulado da não contradição do Direito344.
Na hipótese, contudo, de se entender o tipo como sendo algo distinto da
norma de proibição – como sendo a mera descrição de uma conduta, que tanto
pode estar proibida quanto não - é fato que se pode perfeitamente seguir
admitindo uma teoria tripartida do delito, em que a tipicidade e a ilicitude sejam
aferidas em momentos distintos.
Mesmo neste caso se deve reconhecer que este tratamento em momentos
distintos corresponderá apenas a uma opção política, e não a uma imposição da
lógica345.
Anote-se, em primeiro lugar, que os textos de lei, na temática penal,
comumente indicam apenas a conduta proibida, sem que mencionem
expressamente os functores deônticos “proibido, obrigatório ou autorizado”. Dito
de outro modo, o art. 121 do código penal dispõe que: matar alguém – pena de 06
a 20 anos.
Disto, BINDING extraiu a conclusão de que o autor cumpre a Lei; mas
viola a norma ali subjacente.
A norma de proibição veicula, de forma implícita, a autorização da mesma
conduta, naqueles casos específicos em que, partindo de um conflito entre
interesses legítimos, o Ordenamento reconhece o direito à prática de um agir
típico. Em outras palavras, a norma de proibição é mais restrita do que o tipo.
344
WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 77: “La antijuridicidad, como una mera
contradicción entre la realización del tipo y las exigencias del Derecho, es una y la misma para
todos los sectores de lo Derecho”.
345
Nada impede, com efeito, que o legislador disponha que: Matar alguém, exceto nos casos dos
artigos tais, punição de tanto a tanto.
137
significado”346.
346
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte geral. Tomo I. Questões fundamentais. A
doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra editora, 2.004, p. 252-253.
347
Nada impede, aliás, que o tipo veicule expressões que – de antemão – qualifiquem a conduta
como ilícita. Melhor dizendo, há tipos em que a ilicitude é antecipada frente a expressões como
‘sem a autorização do órgão respectivo’; injustamente, indevidamente, etc. Isto ocorre com os
chamados elementos de desvalor global do fato.
348
Notadamente quanto ao conflito de interesses de igual dimensão, Arthur KAUFMANN tem
defendido o que chama de espaço vazio de Direito, em que a conduta não seria valorada pelo
Ordenamento Jurídico. Para o autor, não seria correto, portanto, dizer que há um direito à
realização da conduta típica em estado de necessidade. Antes, apenas não isto seria proibido,
coisas que distingue. É fato, porém, que – partindo de pressupostos positivistas de completude do
Sistema – tudo quanto não fosse proibido seria facultado (coincidindo a faculdade com a noção de
direito, com o que KAUFMANN discorda). KAUFMANN, Arthur. Filosofia del derecho, p. 212.
349
BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación, p. 223-276.
350
Registre-se, por oportuno, que é de extremo relevo a constatação, por parte de Figueiredo
138
“Los presupuestos con los que se describen las causas de justificación pertenecen al
concepto de tipo, y en este concepto no se incluye la valoración jurídica del a
conducta realizada bajo estos presupuestos como no antijurídica o permitida. El
tipo implica siempre la antijuridicidad, porque sólo estamos en presencia de un tipo
penal completo cuando no concurren las causas de justificación, y por esta razón ha
de denominarse tipo global de injusto. En el tipo han de diferenciarse dos partes: la
parte positiva que contiene los elementos definidos de forma positiva en cada uno
de los tipos penales de la parte especial (generalmente se definen de modo expreso,
pero algunos se deducen del sentido y finalidad de la norma) y una parte negativa,
la ausencia de causas de justificación (y de atipicidad penal). La parte negativa del
tipo va generalmente sobreentendida en los tipos de la parte especial, aunque en
algunas ocasiones se incluyen en algunos tipos de manera expresa en la descripción
legal”351.
DIAS, que de tal teoria não decorre, necessariamente, a solução propugnada pela Corrente
Limitada da Culpabilidade. Isto porque não há obrigatoriedade lógica de que o dolo deva
compreender também o substrato empírico de uma causa de justificação. Melhor dizendo, o
problema está no fato de que a construção sistemática não impõe o conteúdo a ser reconhecido
como objeto do dolo, nada impedindo que este seja restringido (como, de fato, já ocorre, dado que
o dolo não abrange todos os elementos típicos). Confira-se DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra
citada, p. 145-154. Anote-se que esta vinculação construtivo-sistemática foi reconhecida, contudo,
por Luzón PEÑA para quem “O tipo es la descripción legal, expresa o tácita, de todos los
elementos, objetivos y subjetivos, positivos y negativos, que fundamentan la prohibición penal de
la conducta y la distinguen de otras figuras típicas; constituye la materia de prohibición. Estamos
en presencia de un tipo de injusto, ya que la conducta típica será al mismo tiempo un injusto, un
hecho antijurídico. Y el dolo, como elemento subjetivo del tipo de injusto, ha de abarcar todos los
elementos del tipo en sentido amplio; hay que conocer tanto los elementos del tipo indiciario,
como la ausencia de elementos objetivos de las causas de justificación”. LUZON PEÑA apud
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 230.
351
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 224.
352
SILVESTRONI, Mariano H. Teoria constitucional del delito. Buenos Aires: Editores del
Puerto, 2.004, p. 145-166.
139
353
No dizer de Juarez Cirino dos SANTOS, “O resultado nos crimes de imprudência é, para a
opinião dominante, elemento do tipo de injusto”. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p.
178. O que deve ser enfatizado, contudo, é que a lesão a um bem jurídico relevante é elemento
componente de qualquer juízo de tipicidade, frente ao postulado constitucional de que somente há
crime frente à intolerável ofensa a um valor digno de tutela. Assim, se a lesão for insignificante –
qualquer que seja a espécie do delito – inexorável será a exclusão da própria tipicidade, ao invés
de a questão ser examinada apenas por época do juízo de valoração em lícito ou ilícito
(antijuridicidade). É certo, outrossim, que há determinados bens jurídicos cuja lesão é insuscetível
de graduação. Desse modo, a falsificação de uma moeda de dez reais é tão agressiva ao monopólio
estatal quanto a falsificação de uma nota de cem reais.
140
354
WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 81. Também neste sentido, leia-se WELZEL, Hans.
O novo sistema jurídico penal, p. 55. LUISI, Luiz. O tipo penal, a teoria finalista e a nova
legislação penal, p. 43-60.
141
“El concepto de la teoría del tipo global de injusto. Cuando concurre el tipo
indiciario, se han cumplido todos los elementos del tipo positivo, el ordenamiento
jurídico puede considerar que, en determinadas circunstancias, y concurriendo
determinados presupuestos, tal indicio no se eleva a definitivo si el hecho realizado
está amparado por una causa de justificación. Y puede suceder que la causa de
justificación esté formada por varios presupuestos, algunos de ellos esenciales
tienes la virtualidad de disminuir en cierta medida el grado de injusto realizado por
el autor, lo que significa que si bien no se excluye el tipo global de injusto, este sí
se encuentra diminuido”356.
355
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 239.
356
Idem, p. 249.
357
“Esta subjetivización del injusto se produce a través de una valoración objetiva interpersonal, es
decir, sólo se admite como error invencible sobre la situación objetiva de justificación (que supone
apreciar al caso fortuito como causa de justificación) aquel que es objetivamente invencible, el
142
error que el hombre medio ideal colocado en la situación del autor, con los conocimientos de este
y empleando toda la Diligencia de este y empleando toda la diligencia objetiva debida hubiera
igualmente sufrido”. BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 255.
358
BACIGALUPO posiciona-se a favor da Teoria Estrita da Culpabilidade, enfatizando que
subsiste o dolo, em tais casos. Confira-se BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 101.
359
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal, p. 63: “A doutrina dos elementos negativos
do tipo ignora a significação independente dos preceitos permissivos (das autorizações do Direito).
A concorrência da legítima defesa tem para ela a mesma significação que a falta do tipo: a ação de
matar alguém em legítima defesa equivale juridicamente a ação de matar uma mosca”.
143
360
Confira-se em BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 266: “El dolo se define en
parte como conocimiento y voluntad de realización del tipo (positivo) y en parte como
desconocimiento, en su referencia al tipo negativa o a la ausencia de las causas de justificación (y
de atipicidad penal)”.
361
Advirta-se que, no texto acima, está sendo referido o tipo positivo do injusto, e não o tipo
global (teoria dos elementos negativos). Apenas quanto ao primeiro se pode dizer que é uma
subsunção isolada, como segue afirmado no texto.
362
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p.346.
363
Conversão da exceção (preocupação com o substrato fático de uma justificante) em regra. O
dolo não abrange, normalmente, a ausência de base empírica justificante. Simplesmente
144
Estabelece-se, desse modo, uma diferença entre o (i) dolo do tipo positivo
(mero conhecimento e vontade da conduta típica realizada) e aquele (ii) dolo do
tipo positivo justificado (conhecimento e vontade da conduta típica, acrescido da
suposição de um contexto fático justificante). Neste último caso, caminha-se para
um dolo mais amplo que o tradicional, tendendo para uma espécie de dolus malus.
Os adeptos da teoria dos elementos negativos se vêm forçados a formular
exigências distintas para o conceito de dolo, caso se trate da suposição de uma
causa de justificação: imaginar que se está em um contexto de legítima defesa, por
exemplo.
Não há qualquer vedação para que uma classificação distinta entre diversas
espécies de dolos seja feita. Afinal de contas, o dolo já é classificado tendo em
conta uma diferença de volição, como se infere da distinção do dolo direto de
primeiro grau e o dolo eventual.
O que impede que haja uma diferenciação entre um dolo limitado a
substrato do tipo positivo e aquele outro, que apenas ocorre em casos raros de
suposição de uma base empírica justificante?
Bastaria empreender a um novo conceito de dolo – o que, de resto, pode ser
feito – tomando em conta a amplitude do conhecimento exigido. Nada impede,
reitere-se, que uma classificação como esta seja feita.
Daí não prosperar, neste particular, a asserção de Arthur KAUFMANN,
para quem na “Teoría de los elementos negativos del tipo se observa un error:
bajo el aspecto de elementos negativos del tipo toma el de elementos positivos con
contenido negativo; se cambia la ausencia de una circunstancia por la
circunstancia de una ausencia”365.
(…).
Otra cosa sucede, sin embargo, con las causas de justificación. Éstas no descansan
sobre excepciones generales de la norma, sino que para solución de situaciones
sociales conflictivas requieren ponderaciones de tipo valorativo en el caso
concreto, sobre cuya base el interés en la conservación sin menoscabo alguno del
bien jurídico protegido debe ceder, bajo ciertas circunstancias, frente a otro
igualmente reconocido por el Ordenamiento jurídico. Estas ponderaciones, nada
sencillas, que se realizan dentro de los límites de la necesidad y proporcionalidad,
no contienen una restricción general de la prohibición común sino que con su
contenido valorativo y de un modo independiente de los elementos del tipo. De ahí
que deban distinguirse de los elementos del tipo. El problema de la concurrencia
inherente a la relación entre el tipo y las causas de justificación no puede
armonizarse artificialmente acogiendo a estas últimas en los tipos con un designio
366
negativo” .
366
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal. Parte general.
5ª ed. atual. e ampl. Tradução de Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Colmares, 2.002, p. 267-
268.
367
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 287. Na síntese feliz do professor de München, “Esta
opinion se ve ciertamente relativizada, pero no contradicha, si se tiene en cuenta que en algunos
preceptos penales casi no se pueden separar tipo e injusto (cfr. nm.17). Las razones pueden ser
diversas y siguen ncesitando una elaboración monográfica. A veces el tipo delictivo está
configurado de al manera que no es asequible a intereses contrapuestos relevantes (p.ej., la
violación). A veces sólo se puede formar un tipo delictivo incluyendo el injusto, ya sea porque lo
exijan razones lingüísticas (p.ej. el abuso de llamadas de emergencia, ya que su uso ordenado no
da lugar a ningún tipo delictivo), ya sea porque se protege derechos cuya lesión no es posible sin
afirmar que hay injusto. Y otras veces también sucede que el legislador, por falta de habilidad, no
ha sido capaz de describir un tipo o clase de delito y, sin dar el rodeo del tipo, ha destacado
directamente el injusto, como sucede en las coacciones (ver al respecto con más detalles nm. 43
ss.). Pero de todo ello sólo hay que sacar la conclusión de que, cuando no pueden entrar en juego
derecho de intromisión, carece de importancia el elemento valorativo destinado a ello. Y en los
casos más frecuentes en que un tipo delictivo sólo se crea incluyendo las causas de justificación,
hay que considerar ya en el tipo las peculiaridades sistemáticas de las mismas. En tales casos la
unidad del tipo total de injusto cubre las diferencias sistemáticas, pero no las suprime”. Confira-se
em ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 288-289. Vide também JESCHECK, Hans-Heinrich;
WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 268.
147
Conquanto a separação entre tipo e ilicitude resulte a cada dia mais difícil
(notadamente diante do postulado da ofensividade, como excludente do próprio
tipo), é certo que a segmentação destas duas categorias continua sendo útil, a fim
de explicar com maior clareza a grande maioria das condutas proibidas.
Registre-se uma vez mais que, mesmo que ROXIN não se vincule a uma
teoria dos elementos negativos do tipo, isto não implica em qualquer prejuízo
teórico para a adoção da teoria limitada da culpabilidade, a partir de argumentos
de índole funcional (vale dizer, interesses relacionados à desnecessidade de
prevenção geral ou especial, em tais casos)369.
De modo semelhante, aqui também não se adota a teoria dos elementos
normativos do tipo, por mais que, nos termos acima, se reconheçam vários
argumentos a seu favor370.
A adoção de uma teoria estratificada em três níveis é a que melhor se presta
para racionalizar o julgamento dos casos, sob a ótica de um Estado Democrático
de Direito.
368
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 254. Anote-se, por oportuno, que o professor
lusitano sustenta que ambas as categorias (tipo incriminador e tipo justificante) devem ser
compreendidas de forma imbricada, funcionalizada. Argumenta que em um “sistema teleológico-
funcional da douctrina do crime, não há lugar a uma construção que separe, em categorias
autónomas, a tipicidade e a ilicitude. Categoria sistemática, com autonomia conferida por uma
teleologia e uma função específicas, é só a categoria do ilícito-típico ou do tipo de ilícito: tipos
incriminadores e tipos justificadores são apenas instrumentos conceituais que servem, hoc sensu
sem autonomia recíproca e de forma dependente, a realização da intencionalidade e da teleologia
próprias daquela categoria constitutiva”. Em sentido bastante próximo, vide ROXIN, Claus.
Derecho penal, p. 288-289.
369
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 583-584 e 791-793.
370
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 301 e SANTOS, Juarez Cirino. Teoria do fato
punível, p. 227, argumentando não haver nenhum argumento sério contra a aludida teoria. Em
sentido oposto, bastante crítico GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição, p. 84-85,
em que alega que a teoria “peca” por a) fundir em uma só fase valorativa o tipo e a ilicitude; b)
nega autonomia dos tipos permissivos frente aos incriminadores; c) o dolo não compreende a
ausência de todas as causas de justificação; d) impede a distinção valorativa entre uma conduta
atípica e outra típica, mas justificada.
148
2.4
Elementos descritivos, normativos e de desvalor global do fato:
371
Para tanto, basta uma breve referência a Immanuel KANT, para quem a coisa em si é
inatingível. O homem se relaciona com o mundo apenas sob o filtro da razão. Confira-se com
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 3ª ed. tradução de Manuela Pinto dos Santos e
Alexandre Fradique Morujão. Introdução e notas de Alexandre Fradique Morujão. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1.994, p. 36-87.
372
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 306: “Ahora bien, en la definición usual de elementos
descriptivos y normativos apenas se presentan circunstancia puramente descriptivas o normativas,
pues incluso elementos a primera vista descriptivos, como sustraer o edificio, en los casos dudosos
deben interpretarse conforme al fin de protección del correspondiente precepto legal y por tanto
conforme a criterios normativos; así vimos ya que incluso conceptos como ser humano o cosa no
se pueden precisar sin ayuda de valoraciones jurídicas”.O autor também enfatiza que sequer os
elementos normativos podem ser tomados como sendo exclusivamente valorativos, dado que têm
um substrato descritivo.
149
coisa.
Enquanto os elementos descritivos são os que predominam nos tipos, a esses outros
que neles aparece eventualmente denomina-se elementos normativos do tipo”373.
Não há empeços, por sinal, de que o conceito de mulher, acima aludido por
ZAFFARONI-PIERANGELI, também seja tido como valorativo. Basta atentar
para o fato de que, em muitas situações da vida, referido conceito não se confunde
com a noção de ser humano do sexo feminino. Pode denotar, por exemplo, uma
pessoa do sexo feminino maior do que 18 anos, em contraposição ao termo
adolescente, absorvendo o termo ‘mulher adulta’.
Daí que, com efeito, a interpretação demandará sempre um exame de
contexto, holístico, em face de vários pressupostos implícitos (ideologias;
ressentimentos, meta-regras, traumas, v.g.). O contexto evoca o sentido da
palavra, por mais que - como elucida Arthur KAUFMANN - tudo seja, em
essência, analogia374.
Para Figueiredo DIAS,
Já os normativos
373
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro, p. 446. No dizer de ROXIN, “El tipo es por tanto una figura totalmente normativa, in
inseparable entramado estructural donde se entrelazan elementos de valor y elementos del ser”.
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 282.
374
Repita-se, uma vez mais, que, para KAUFMANN, os únicos conceitos verdadeiramente
precisos sãos os números (desde que admitida a base do sistema: binário; decimal, etc.). Confira-se
com KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 121: “La analogía implica em si misma sin
duda notables peligros, pues sus limites son difíciles de demarcar. Para obtener conclusiones
analógicas correctas se requieren conocimientos teorético-lingüísticos (ver adelante, pp. 246 e
ss). Visto así, mucho habla a favor de aferrarse a la idea de que la aplicación del derecho no sería
nada distinto a una subsunción. Esto se puede oír en la praxis jurídica cunado uno se mantiene en
los linderos de la subsunción. Eso, sin embargo, son es lo que se hace en todas las partes. Sobre
la interpretación extensiva, objetivo-teleológica, y particularmente sobre el posible sentido literal
se va hacia una extensión de la ley, que en nada está a la zaga de la analogía. El posible sentido
literal no es nada diferente de la analogía, sólo que con otro nombre, lo cual engaña al aplicador
del derecho en que no se trata de analogía prohibida para el derecho penal. La caracterización de
un bloqueo pasivo, dirigido a exhortar a la paz, como utilización reprobable de la violencia, o del
ácido clorhídrico como un arma (ver adelante pp. 152 y ss.), e colocarse en medio de un analogía
prohibida”. Também neste sentido, leiam-se as páginas 56 e 158.
375
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 272.
150
“Los objetos del mundo real son los más fácilmente reconocibles por el autor al ser
inmediatamente accesibles a la percepción (persona, animal, hombre, mujer,
edificio, barco, puente, corriente de agua). En los elementos descriptivos del tipo
(vid. supra §26 IV 1), que presuponen un conocimiento espiritual, debe haber sido
entendido su significado natural (por ejemplo, dañar en el §303). En los elementos
normativos del tipo (vid. supra §26 IV 2) se requiere el pleno conocimiento de su
significado (vgr. cosa mueble ajena en el §271 [al respecto, OLG Cell. NDs. Rpfl.
1985, p. 148]; documento público en el §271; peligro común o necesidad en el
§323 c; lo mismo rige para el los elementos del autor como funcionario público,
§§11 I num. 2, 331 ss, o juez, §§ 11, I núm. 3, 336]”.377
376
Idem, p. 272-273. Leia-se também TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal, p. 188-190;
BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 122-123
e JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 349.
377
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 316. Vide
também MIR PUIG, Santiago. Derecho penal, p. 235-236.
378
BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal. Parte general. 2ª ed. ren. ampl. Buenos Aires:
Hammurabi, 1.999, p. 226-227: “Elementos descriptivos son aquellos que el autor puede conocer y
comprender predominantemente a través de sus sentidos; puede verlos, tocarlos, oírlos, etcétera.
Ejemplo de elementos descriptivos es cosa mueble en el delito de hurto (art. 234, cód. penal).
Elementos normativos son aquellos en los que predomina una valoración y que, por lo tanto, no
pueden ser percibidos ´solo mediante los sentidos. Por ejemplo, puros conceptos jurídicos, como el
de documento art. 390 y ss. Código Penal)”. Também neste sentido, leia-se WELZEL, Hans.
Derecho penal alemán, p. 78-83.
151
379
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 306. Vide também DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito
penal, p. 174; 273-278 e 336-338. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 108.
380
Confira-se com DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em
direito penal, p. 328-378. Atente-se, especialmente, para o seguinte excerto: “A solução do
problema da censurabilidade da falta de consciência da ilicitude pressupõe a correcta
delimitação do âmbito desta falta perante o do erro intelectual ou falta de conhecimento
necessário à orientação da consciência-ética para o problema da ilicitude”. (Obra citada, p.
328). Posteriormente, sustenta que: “O procedimento da jurisprudência alemã traduzir-se-ia em
cindir o erro sobre a proibição em duas categorias: a das hipóteses em que tal erro configura
ainda um puro erro intelectual e onde, sob a capa do critério da tensão da consciência-ética,
averigua realmente da sua censurabilidade segundo o critério da violação de um dever de
cuidado, informação ou esclarecimento; e a das hipóteses em que tal erro configura uma
verdadeira falta de consciência da ilicitude, onde a censurabilidade é desde logo deduzida da
mera existência do dolo-de-facto”. Anote-se, por oportuno, que a referida solução está
intimamente associada à concepção que Figueiredo DIAS desenvolve a respeito da culpabilidade
material, enquanto culpa pela formação da personalidade (demonstrada no ato) e que tende,
portanto, para uma culpabilidade por condução de vida. Desse modo, a construção de Figueiredo
DIAS - conquanto seja indiscutivelmente digna de um debate muito mais detido, ante a sua riqueza
– encontra-se indissoluvelmente ligada a uma noção de infidelidade ao direito e, como tal, também
se aproxima de MEZGER. A respeito, leia-se também a mesma obra, p. 392-415, quanto ao erro
incidente sobre as proibições legais (crimes mala qui prohibita / tipos eticamente neutros, etc.), em
que o conteúdo da proibição é muito mais um problema de cognição do que de valoração. Na
síntese do próprio autor, “Perante uma conduta axiologicamente neutra, se o agente desconhece a
proibição legal e em conseqüência disso não alcança a consciência da ilicitude, fica este erro a
dever-se ainda a uma falta de ciência, que não a um engano da sua consciência; esta, a
consciência-ética, não é chamada a debate de forma esclarecida, não se exprime na conduta
realizada e não pode ser atingida pelo juízo de censura da culpa. Por outro lado, o que o
desconhecimento da proibição legal de uma conduta axiologicamente neutra põe em causa não é
ainda a falta de destrinça entre o lícito e o ilícito, mas a falta de um pressuposto indispensável
daquela; não é ainda o problema da consciência da ilicitude, mas do conhecimento necessário
para que ela se alcance”. (Obra citada, p. 400). Portanto, quanto aos tipos eticamente neutros, o
professor DIAS acaba aproximando-se da solução propugnada por Haro OTTO, conforme noticia
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 302-303.
152
381
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 468. Leia-se também PUPPE, Ingeborg. El error en el
derecho penal, p. 104, citando DARNSTÄDT: os fatos institucionais “Son, en contraposición con
los hechos naturales, aquellos hechos que se refieren a una cualidad de un objeto existente en
virtud de una institución social”.
382
ENGISH, Karl apud ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 307. Do mesmo modo, JAKOBS,
Günther. Derecho penal, p. 352, argumentando que o conceito de ‘maus tratos’ (§223, StGB)
apenas pode ser compreendido frente às regras usuais do trato social. Aliás, atente-se para o fato
de que a conceituação de JAKOBS é ainda mais ampla, porquanto alega que “Todos los elementos
están delimitados pela norma”. (Obra, p. 350).
153
“Falta um critério objetivo para completar o tipo, como, por exemplo, a coação do
art. 240 (...). A antijuridicidade deve ser constatada aqui pelo juiz por meio de um
juízo de valor independente, o que dá lugar a uma grande incerteza acerca do que
esteja proibido”384.
383
SILVESTRONI, Mariano H. Teoria constitucional del delito, p. 142-143. Em sentido
semelhante, confira-se ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 298-299.
384
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal, p. 65. DOTTI, René Ariel. Curso de direito
penal, p. 312. BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 105.
385
Idem, p. 143.
386
Em sentido próximo ao afirmado, leia-se ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 866. Para
154
Figueiredo DIAS, contudo, a censura penal não exige que o indivíduo tenha introjetado, como seu,
o valor ético-jurídico consubstanciado na norma. Basta que tenha o conhecimento de que uma
conduta tal e qual seria agressiva à referida ponderação social. Melhor dizendo, “A consciência da
ilicitude requerida pela culpa não exige um re-conhecimento pelo agente do dever que a
sociedade lhe impõe, ou sequer a sua valoração como dever, mas basta-se com o seu puro e
simples conhecimento, independentemente da posição do agente perante ele; por isso pode ser
punido o próprio criminoso por convicção que, conhecendo a antijuridicidade formal do facto,
conhece também (embora não re-conheça) a sua ilicitude material do ponto de vista da ordenação
social existente”. Confira-se em DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da
ilicitude em direito penal, p. 209.
387
Convém registrar, por oportuno, que o art. 215 do código penal brasileiro foi alterado, em boa
hora, pela Lei nº 11.106, de 28 de março de 2.005, com a exclusão da mencionada expressão que
veiculava um inegável preconceito, sobremodo porque expressão simétrica (homem honesto) não
foi veiculada, com esta acepção, no código penal.
388
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 139: “En
estos casos fronterizos de reserva de Ley en los que el legislador se remite a criterios imprecisos y
extrajuridicos, la exigencia de vinculación del juez a la ley sólo puede ser salvaguardada si la
valoración puede ser realizada de conformidad con los conceptos axiológicos de la colectividad
(vid., por ejemplo, la cuestión acerca de la impunidad de los duelos estudiantiles BGH 4, 24 [32]),
y si el contenido de los conceptos jurídicos indeterminados, como ocurre con el §240 II, pueden
ser concretados por medio de la interpretación”. Em sentido semelhante, ROXIN, Claus. Derecho
penal, p. 170-173 e 302 e BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 227-229, em que sustenta
que “El juez, aplicando estos criterios, debería motivar su valoración mediante uma expresa
referencia a norma socilaes (no jurídicas), a critérios ético-sociales o standards de comportamiento
reconocidos socialmente”. ADRIASOLA, Gabriel. Juez, Legislador y principio e taxatividad en la
construcción del tipo penal in: El penalista liberal, p. 1.063-1.076.
389
Quanto aos limites do postulado da tolerância, confira-se com KAUFMANN, Arthur. Filosofía
del Derecho, p. 570-582. O importante é ter em conta que a tolerância está fundada no
reconhecimento da igualdade e, portanto, também na igual liberdade. E, sendo assim, delitos de
autolesão (lesão exclusiva do próprio autor) não podem ser, obviamente, alvo de censura penal,
por mais que venham, eventualmente, a ofender a percepção ética dos demais (sendo que esta
percepção, em um Estado verdadeiramente laico, não pode ser alvo, em si mesma, de proteção
penal). Dito de outro modo, se o indivíduo decide consumir estupefacientes em sua residência, não
expondo ninguém mais ao risco, isto não pode ser alvo de censura penal (o que, sabidamente, não
tem sido respeitado). É fato que se pode argumentar que, com o consumo, estar-se-á estimulando o
comércio dos entorpecentes, que pode ser prejudicial a terceiros. Caso realmente se demonstre esta
155
“Puede suceder que si el autor parte de una concepción jurídica incompatible con el
sano sentimiento popular, en tal caso lo que esté en tela de juicio no es la propia
conciencia sobre la valoración jurídica de su comportamiento, sino que esta
concepción jurídica sobre su comportamiento puede reflejar problemas de
inimputabilidad o bien al contrario, puede tratarse de un ejemplo del autor por
convicción y, en tal caso, no existe tal error de prohibición, porque el sujeto sí tiene
conciencia de que su comportamiento está prohibido, lo único que sucede es que él
no participa de la valoración jurídica que impera en la comunidad en que vive”390.
Em que pese não ser cabível, neste trabalho, uma maior digressão a respeito
do assunto – porquanto extrapola os objetivos deste ensaio -, é fato que deve ficar
apenas anotada a reserva contra a desmesurada transferência valorativa por parte
conexão – notadamente frente à possibilidade de venda de drogas para menores – certamente que a
argumentação anterior deverá ser revista. O importante é muito mais enfatizar a relevância deste
princípio, de ser tolerante com o diferente, com o outro, reconhecendo nele um igual. Porém,
justamente por isto, não se pode ser tolerante com a pedofilia, com a escravidão, com o abuso e
todas as outras práticas que, de um modo geral, acabam violentando a liberdade do próximo e,
como tal, sendo intolerantes. Não há tolerância passível com a intolerância (compreendida esta
como violação do postulado básico da igualdade), motivo pelo quais certas práticas
verdadeiramente não podem ser admitidas, nem mesmo em uma sociedade que se quer pluralista e
sem preconceitos. A título de exemplo, é evidente que a prostituição não pode ser considerada
delito, porquanto a disposição do próprio corpo é intimamente associada à noção de igual
liberdade. Considerando que todos os “clientes” da prostituta sejam pessoas maiores de idade,
autônomas, não há qualquer fundamento constitucional que autorize a sua repressão e, portanto,
também a repressão daqueles que, sem violência, administrem tais atividades. Contudo, caso esta
atividade venha a atingir/ser ofertada a menores de idade, ou pessoas de outro modo ainda não
tenham uma plena autonomia de vontade (por ser presumida a carência de um ulterior
desenvolvimento), isto certamente deverá ser alvo de persecução administrativa ou penal, a fim de
que não se viole – sob o apanágio da tolerância – a liberdade dos demais. É evidente – e isto não se
desconhece – que o problema não é tão simples, porquanto demanda uma reflexão mais detida a
respeito de quais percepções exclusivamente éticas podem dar causa a uma tipificação penal.
Sabe-se que o homossexualismo não pode ser considerado crime em um país laico, ainda que se
possa sustentar (o que não está sendo aceito aqui, frise-se) que ofende a percepção ética da maioria
da população. Já os maus-tratos aos animais, conquanto também esteja fundado apenas em um
conteúdo ético (partindo-se de uma premissa antropocêntrica, segundo a qual os animais não são
titulares de direitos) dá base a uma intervenção penal legítima, a partir do pressuposto de que,
facilmente, encontra amparo constitucional. A respeito do tema, leia-se ainda ZAFFARONI,
Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 467-468.
390
BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación, p. 133.
156
391
VIANNA, Luiz Werneck apud STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica:
uma nova crítica do direito, p. 185.
392
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 80 e
472.
393
JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 198.
394
BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição, p. 99. BITENCOURT,
Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 410.
395
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 274-275.
157
396
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 265. Vê-se
que, no âmbito do tratamento do erro sobre os elementos de desvalor global do fato, há uma
inevitável tendência de se equiparar o erro de fato como sendo erro de tipo, enquanto que o erro
sobre a norma corresponderá ao erro de proibição, a fim de se solucionar o caso concreto.
397
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 299: “No obstante, la adscripción al tipo de todas las
circunstancias que fundamentan la reprobabilidad pone de relieve una peculiaridad que distingue
el criterio de la reprobabilidad de otros elementos del tipo: se trata de un elemento de valoración
global del hecho, en cuanto que la reprobabilidad de la acción coactiva del autor no sólo designa el
injusto típico, sino simultáneamente también el concreto injusto de las coacciones del caso
particular. Así, pues, el que coacciona a otro de modo reprobable no sólo actúa típicamente, sino
eo ipso también antijurídicamente en el sentido del §240; y ya no queda espacio para causas de
justificación, pues si alguien coacciona a otro amparado por una autorización legal para la
coacción, o por legítima defensa o por un estado de necesidad justificante, ya no obra de modo
reprobable y por ello tampoco típicamente”.
398
WELZEL diz que “No puedo imaginarme ningún caso en el cual, a un autor que tenga el dolo
de la defraudación tributaria, es decir, que conozca la pretensión tributaria concreta, y quiera
evadir esta pretensión, pueda faltarle conciencia del ilícito”. WELZEL apud MAIWALD,
Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el derecho penal tributario. Tradução de Marcelo
A. Sancinetti, Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.997, p. 48.
399
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 80.
Para o autor, em tais casos, há uma confusão entre tipo e ilicitude, com prejuízo da função
meramente indiciário do juízo de tipicidade penal.
158
2.5
Oponibilidade objetiva do Direito e o error iuris nocet:
400
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude, p. 52.
401
Idem, p. 264 e 281.
402
MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el derecho penal tributario.
Tradução de Marcelo A. Sancinetti, Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.997, p. 41.
403
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 153.
159
404
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 62.
405
Ao menos em teoria. Sabe-se que, na prática, o Direito Penal acaba atingindo apenas os grupos
marginalizados da sociedade (vulneráveis, segundo a dicção de ZAFFARONI).
406
RAÓ, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2.005, p. 381. No dizer de TOLEDO, “Dispensamo-nos de reproduzir os inúmeros
argumentos existentes sobre a necessidade e a natureza jurídica do princípio ignorantia legis
nemine excusat, pois parece-nos indiscutível, conclusivamente, dever-se admitir a sua utilidade,
visto como tal princípio sempre constituiu e constitui um dogma que repousa sobre imprescindível
exigência de ordem prática para a validade do ordenamento jurídico. Um ordenamento jurídico
não pode com efeito subsistir a não ser na medida em que as leis sejam obrigatórias quando
promulgadas. E esta obrigatoriedade deve operar-se de modo concomitante, geral, em relação a
todos, não sendo pensável que, dentro de um mesmo Estado, as leis possam ter validade em
relação a uns e não em relação a outros que eventualmente a ignorem”. TOLEDO, Francisco de
Assis. O erro no direito penal, p. 80. Também neste sentido, MONCADA argumenta que “A
necessidade social de que a lei impere igualmente sobre todos, sem se tomarem em consideração
as circunstâncias subjectivas, de conhecimento ou desconhecimento, do espírito dos cidadãos.
Isto, em nome dum interesse público e para que os interesses da coletividade não venham a achar-
se à mercê de incertezas, mas possam ser regulados uniformemente ao mesmo tempo em todo o
território do Estado”. MONCADA, Cabral de apud DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da
consciência da ilicitude em direito penal, p. 60.
160
407
MARTÍNEZ, Soares. Filosofia do direito. 2ª ed. rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1.995, p.
369. O filósofo lusitano ressalva, no entanto, que uma ficção de tal naipe somente é admissível
quanto àquelas normas básicas, “Facilmente comunicadas pelo ambiente familiar, ou por uma
preparação escolar mesmo elementar” (Obra, p. 370). MARTÍNEZ não aceita esta presunção
quanto às normas complexas, eticamente neutras dos dias atuais.
408
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. Tradução de João Baptista Machado, São
Paulo: Martins Fontes, 1.998, p. 12.
409
MARTÍNEZ, Soares. Obra citada, p. 365. Atente-se também para as páginas 259-260 em que
o autor trata do caráter intersubjetivo das normas jurídicas.
161
410
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil interpretada. 7ª ed. atual. São Paulo:
Saraiva, 2.001, p. 90.
411
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 63-64.
162
2.6
Algumas notas sobre a culpabilidade:
412
Idem, p. 64 e 134.
413
MUNHOZ NETTO, Alcides apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de
proibição. Uma análise comparativa. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.003, p. 85. Consulte-se o
saudoso jurista paranaense diretamente na obra MUNHOZ NETTO, Alcides. A ignorância da
antijuridicidade em matéria penal, p. 20. Deve-se tomar cuidado, porém, com a afirmação de
que o desconhecimento da lei não pode dar causa a um verdadeiro erro de proibição, notadamente
quanto àqueles crimes meramente conjunturais de que fala Figueiredo DIAS; ou melhor, delitos
referidos a um desvalor ainda não sedimentado na consciência coletiva e que, como tal, são mais
facilmente suscetíveis ao erro (visto que, em tais casos, somente se “alcança” o conteúdo da
norma, mediante um especial dever de informação). Incisivo, neste sentido, SANTOS, Juarez
Cirino dos. Direito Penal, p. 315-317 e SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria do fato punível, p.
239 e ss. A respeito do tema consulte-se, por fim, ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI,
José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 498.
163
“El sujeto actúa culpablemente cuando realiza un injusto jurídicopenal pese a que
(todavía) le podía alcanzar el efecto de llamada de atención de la norma en la
situación concreta y poseía una capacidad suficiente de autocontrol, de modo que
le era psíquicamente asequible una alternativa de conducta conforme al
Derecho”414.
414
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 792.
415
Quanto ao tema, consulte-se ROXIN, Claus. Culpabilidad y responsabilidad como categorías
sistemáticas jurídicopenales. In: _____ Problemas básicos del derecho penal. Tradução e notas
de Diego-Manuel Luzón Pena. Madri: Réus, 1.976, p. 200-225.
416
No Brasil a categoria sistemática da necessidade de pena não está prevista (nem tampouco,
salvo engano, pode ser extraída diretamente da Constituição ou da Lei).
164
417
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 793.
418
Idem, p. 794.
419
GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição, p. 45.
165
420
Idem, p. 795. Tenha-se em conta que “Não haverá culpa onde não houver censurabilidade,
mesmo que o substrato psíquico do tipo requerido se mantenha. A culpa exige, para além da
comprovação cognitiva de um certo substrato psíquico, uma valoração pelo juiz daquele
substrato”. DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito
penal, p. 141.
421
“As modificações e novas propostas apresentadas pelo teleogismo mantêm essa mesma
colocação, apenas ajustando-a ou procurando ajustá-las às exigências do direito positivo. Nessa
tarefa não obtêm, contudo, inteiro sucesso diante dos crimes omissivos, na tentativa, no tratamento
do erro e no concurso de agentes, bem como nos crimes culposos”. TAVARES, Juarez. Teorias
do delito, p. 114.
422
Idem, p. 796. Leia-se ainda RODRIGUES, Cristiano. Teorias da culpabilidade. Rio de
Janeiro: Editora Lumen Juris, 2.004, p. 39.
166
“De la misma manera que se debe distinguir entre supuesto de hecho del injusto y
juicio de injusto y que el injusto representa el objeto de la valoración junto con su
predicado de valor, se debe diferenciar entre supuesto de hecho de la
responsabilidad y juicio de responsabilidad y concebir la acción responsable como
unidad de la valoración y lo valorado. Al supuesto de hecho de la responsabilidad
en sentido estricto pertenecen todas las circunstancias que más allá del injusto son
determinantes para la responsabilidad”424.
423
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 142.
O jurista lusitano argumenta que a teoria normativa é meramente formal, porquanto não evidencia
qual é o conteúdo material de culpa do qual parte. Lembre-se, contudo, que WELZEL empreendeu
a uma defesa da liberdade enquanto categoria, ao distinguir os níveis antropológico,
caracterológico e categorial. Afirmou o pai do finalismo que “Tampoco el derecho penal parte de
la tesis indeterminista de que la decisión delictiva proceda totalmente o en parte de la voluntad
libre y no del concurso de disposición y medio ambiente, sino del conocimiento antropológico de
que el hombre, como ser determinado a la auto responsabilidad está existencialmente en la
situación de configurar finalmente (conforme a sentido) la dependencia causal de los impulsos. La
culpabilidad no es un acto de libre autodeterminación, sino justamente la falta de determinación
de acuerdo a sentido en una sujeto responsable”. WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p.
210.
424
Idem, p. 797.
167
“El individuo es, en buena medida, resultado social, pero tiene capacidad de decidir
y de obrar (podía haber actuado de otra forma, como ya señalo Moore); está ligado
a necesidades, pero no determinado por ellas. No es la autoridad absoluta sobre sus
preferencias y deseos, pero es capaz de auto evaluación reflexiva, acción y
proyecto. Son sujetos de responsabilidad y, por consiguiente, de moralidad,
dotados de racionalidad”426.
“La conducta humana – incluyendo los aspectos físicos de las acciones – también
puede ser estudiada como reacciones a estímulos (internos y externos). El ser
humano no es menos máquina de lo que lo son los animales. Antes bien se diría
que lo es más porque su maquinaria es más compleja, más desarrollada. No es por
425
Nesse sentido, de cabal importância a exposição de Figueiredo DIAS: “Diremos então que a
concepção da culpa como mera normatividade impõe, sem mais, a relevância da consciência
potencial da ilicitude? Do que fica dito já resulta que não. Culpa é censurabilidade. Mas o que é
censurável? Um acto no seu puro conteúdo externo-objetivo ou também na sua qualidade de
desvalor jurídico? Uma certa conformação da vontade do seu autor? A periculosidade deste? Uma
certa condução ou decisão da sua vida, uma defeituosa preparação ou formação da sua
personalidade? Um certo carácter ou formação da sua personalidade que no fato se exprimiu? E
depois: o que censurabilidade? O actuar-se contra o dever no pressuposto do poder agir de outra
maneira? Ou simplesmente um certo sentido objectivo do desvalor jurídico? Eis só algumas das
perguntas que de forma mais próxima condicionam a relevância ou irrelevância da consciência da
ilicitude como problema de culpa e às quais se não pode responder com o simples apelo a uma
concepção da culpa como pura normatividade ou censurabilidade”. Confira-se em DIAS, Jorge de
Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 143.
426
GÓMES, Amparo na introdução à obra WRIGHT, Georg Henrik von. Sobre la liberdad
humana. Tradução de Antonio Canales Serrano. Barcelona: Editora Paidós, 2.002, p. 45.
168
estar exento de la esclavitud de la ley natural que el ser humano es un agente libre.
Lo es porque podemos comprenderle de una manera, en tanto que persona, en la
que nosotros – o muchos de nosotros al menos – no podemos comprender al resto
427
de la creación” .
2.6.1
Livre arbítrio:
“E assim nada mais restará que compreender o poder de agir de outro modo, a
427
WRIGHT, Georg Henrik von. Sobre la liberdad humana, p. 115.
428
ESER, Albin; BURKHARDT, Björn. Derecho penal, p. 298-302.
429
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 799.
430
SILVESTRONI, Mariano H. Teoría constitucional del delito, p. 331.
431
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 184.
169
Adverte Claus ROXIN, por seu turno, que tanto o determinismo quanto o
indeterminismo são conceitos metafísicos, insuscetíveis de demonstração
empírica.
Do mesmo modo que não se pode afirmar que a formação da vontade
humana seja sempre livre; que sempre haja opção de agir de outro modo; do
mesmo modo não se pode recusar terminantemente esta liberdade. Ambos os
posicionamentos são impassíveis de prova.
Porém, como quer ROXIN – ainda que esta liberdade absoluta não possa ser
negada ou confirmada – é certo que não se presta como um fundamento válido
para o juízo de censura penal.
Isto porque não indica qualquer critério para a diferenciação entre uma
vontade livre e uma não livre433. Acaba redundando em um aspecto meramente
formal.
Por outro lado, o subterfúgio de substituir o autor real por um arquétipo (um
homem médio) acaba por negar a premissa de que se parte. O autor não é o homo
medius: “Desde una perspectiva indeterminista es imposible basar un reproche
moral contra una persona individual en capacidades que quizá otras personas
tengan, pero que precisamente le faltan al sujeto!”434.
432
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 187. Também impugnando o postulado do livre
arbítrio, leia-se GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. O futuro do direito penal: (tem algum futuro
a dogmática-jurídico penal?), p. 14 e ss.
433
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 799.
434
Idem, p. 799-800. Também neste sentido, DIAS: “O caminho para tal estará numa qualquer
abstração do concreto poder deste agente nesta situação; e na generalização correlativa para um
poder normal ou médio: para, segundo um padrão ainda subjectivado, o poder normal no homem
com as capacidades do agente, ou para, segundo um critério objectivado, o poder do homem
médio. Mas também assim não desaparecerão as aporias em que incorre o conceito de culpa
construído nesta base. Tomando como critério a generalização do poder individual do agente –
mesmo que ela se considere ainda compatível com a tese indeterminista – continuam a faltar todos
os padrões objectivos sociais necessários à valoração da culpa e permanecem irredutíveis as
170
Em síntese, o livre arbítrio não pode ser erigido em fundamento para o juízo
de censura penal, porquanto – além de ser inaferível - não viabiliza um critério
prático de distinção entre condutas culpáveis e não culpáveis.
2.6.2
Censura da atitude interna reprovável:
Melhor sorte não merece a segunda corrente aqui tratada, que entende a
culpabilidade como sendo a censura da atitude interna reprovável.
Cuida-se de teoria atribuída a GALLAS, WESSELS e
SCHMIDHÄUSER435 - mas que pode ser associada também à noção de boa
vontade436 kantiana – segundo a qual a culpabilidade teria por objeto uma atitude
interna do autor contrária ao bem jurídico tutelado. Estar-se-ia censurando o
menoscabo individual (a indiferença ou a aversão) aos valores tutelados pelo
Direito.
Para SCHMIDHÄUSER,
2.6.3
Dever de responder pelo próprio caráter:
437
SCHMIDHÄUSER apud ROXIN, Claus. Obra citada, p. 801. Observe-se que
SCHMIDHÄUSER defende a exigência de uma atualidade da consciência da ilicitude, no
momento do fato, por meio de um pensamento material (Sachdenken), “Cuja característica
essencial no que aqui importa estaria, por oposição ao pensamento pela fala, (Sprachdenken), na
rapidez com que actualiza um saber que se possui e que, embora não de forma reflectida, chega à
consciência de modo suficiente a fazê-la ponderar na decisão pela ação”, tema que se mostra
importante para a chamada co-consciência (ao se examinar um altar, já se imagina,
automaticamente, uma igreja, conforme exemplo de ROXIN). Confira-se a respeito com DIAS,
Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude no direito penal, p. 216. Referida
categoria poderia ser associada ao estranhamento heiddegariano (quebra da trama de sentido).
438
O que, ademais, aproximam os autores da nefasta categoria da hostilidade ao direito, como se
houvesse uma predisposição inata para agredir a Ordem Jurídica.
439
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 195,
em nota de rodapé.
440
Para ARISTÓTELES o desconhecimento das obrigações universais (identificados, no fundo,
com os crimes ‘naturais’ de GARÓFALO), teria sempre como causa uma maldade do caráter, na
sua qualidade anti-social ou, mais exatamente, na vida total do indivíduo despida de valores
altruístas. Leia-se DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 295 e p. 190, citando o seguinte
trecho da Ética a Nicômaco: “Não é por efeito da natureza nem contrariamente a ela que as
virtudes nos cabem; se temos a predisposição natural para adquiri-las, ela, na realidade, só se
actualiza através do hábito (...) Que nos tenhamos tornado aquilo que somos, é coisa de que nós
mesmos somos culpados, na medida em que nos deixamos chegar a tal; que sejamos injustos e
intemperantes é coisa de que nós mesmos somos culpados, porque repetidamente cometemos
injustiças ou porque passámos o tempo a embriagar-nos ou em actividades análogas. Pois as
ações que exercemos numa certa direcção fizeram de nós mesmos aquilo que somos”.
441
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 247-
248.
172
“Dolo e negligência devem (como a própria culpa a que pertencem ou com quem
se encontram fundamentalmente conexionados) receber a sua determinação da
posição ética, da atitude pessoal do agente perante o dever-ser jurídico-penal e,
442
Idem, p.193.
443
Idem, p. 248.
444
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 252, com lastro em STURM. Leia-se também a p.
279, em que argumenta que “O automobilista que, seguindo numa estrada em noite enevoada e
sentindo um embate um veículo, continua o seu caminho porque supôs tratar-se de uma pedra ou
de um animal – quando na realidade se tratava de uma criança que ficou gravemente ferida –
actua, relativamente ao facto tipicamente relevante (abandono do sinistrado), com falta de
conhecimento de um elemento típico, com uma falta ao nível da sua consciência psicológica que
impede a consciência-ética de se orientar esclarecidamente para o problema em causa (o do
abandono). Já, porém, o automobilista que se dá conta que embateu numa criança e, vendo-a
gravemente ferida, se não põe a questão do dever de a socorrer, ou se não julga juridicamente
obrigado a fazê-lo e assim (v.g., para se não atrasar no caminho ou não manchar de sangue os
estofos do seu carro) a abandona, possui ao nível da sua consciência psicológica todos os
elementos necessários para que a consciência ética se ponha e decida correctamente o problema do
desvalor em causa. Diremos nós, apesar disto, que o significado axiológico-normativo destas
condutas é o mesmo para a culpa?” Este tema também foi suscitado na obra DIAS, Jorge de
Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas, p. 391-305 (‘As duas espécies
de erro e a diferença de culpabilidade que entre elas intercede’).
173
Com efeito, para DIAS, pode-se falar em uma modalidade de culpa dolosa e
outra culposa, enquanto diferentes graus de manifestação do defeito da
personalidade ética. A culpa dolosa consiste na
Para DIAS, não basta que o autor tenha consumado uma conduta típica e
ilícita com conhecimento e vontade do fato. Exige-se uma atitude de aversão aos
valores jurídicos que dão causa àquela proibição (“uma atitude pessoal de
contrariedade ou indiferença ao direito”447). Já na conduta imprudente, deve
haver uma manifestação de personalidade leviana, frente ao cuidado indispensável
à vida em comunidade.
Fica a ressalva, feita pelo próprio jurista, de que não seria qualquer desvalor
ético o objeto da censura penal, mas antes, exclusivamente aquele manifestado em
cada figura típica (razão pela qual aceita a tese da divisibilidade da consciência da
ilicitude448).
Disso tudo, Figueiredo DIAS extrai a conclusão de que – para a aferição de
uma consciência da ilicitude – basta que o agente tenha uma advertência dos
sentimentos, de que a sua conduta atinge valores jurídicos449. A falta do
445
Idem, p. 253.
446
Idem, p. 254.
447
Idem, p. 255.
448
Conforme a jurisprudência alemã, quem pratica um crime em concurso formal ou material com
outro delito, consciente, entretanto, apenas da ilicitude de um único tipo, não poderia alegar o erro
de proibição quanto ao outro. No exemplo referido por DIAS, segundo estes precedentes, o sujeito
que, sendo casado, mantém relações sexuais com a filha, não poderia alegar a falta de
compreensão da ilicitude do incesto, desde que tivesse a consciência do caráter injusto do
adultério. Figueiredo DIAS argumenta, com razão, que isto implica em uma verdadeira versari in
re illicita (O sujeito que age ilicitamente se torna responsável de todas as conseqüências daí
decorrentes, mesmo aquelas não controláveis pela sua psique), ou seja, responsabilidade objetiva,
pura e simples (ampliação da censura penal, sem uma correspondente motivação). Confira-se
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 261.
449
Idem, p. 257-258. Caso falte o dolo, todavia, por si só faltaria a culpa, “por certo que, com ter o
agente incorrido numa falta de representação da realização típica, não fica excluído que ele possa
possuir, em geral, uma má consciência-ética (que pode até existir quando a própria realização
típica acabou por não ter lugar); mas fica excluída a possibilidade de se por uma qualquer falta de
consciência-ética como fundamento da realização e nela documentada”. DIAS, Jorge de
Figueiredo. Obra citada, p. 265.
174
conhecimento da Lei não seria óbice para o juízo de censura penal, desde que a
valoração da lei guarde sintonia com uma valoração ética mais ampla.
Por outro lado, ainda segundo este critério, o agente pode até conhecer a lei
e, contudo, não possuir, no momento da conduta, a consciência ética a que se
refere o professor lusitano. Isto ocorre quando o autor se supõe em uma situação
de exceção ou, ao contrário, quando julga a norma inválida, perante todo
Ordenamento Jurídico.
Desse modo, parte para uma diferenciação entre uma culpa material dolosa e
a imprudente, como segue:
“Tudo o que fica em aberto, nas hipóteses de que agora curamos, é a censura
própria do tipo de culpa negligente. Também esta é, como vimos, culpa de
personalidade, também ela se liga a uma não correspondência da pessoa às
exigências do dever-ser jurídico-penal. Só que a atitude e a personalidade que aqui
se exprimem são qualitativamente diferentes das que fundamentam a culpa dolosa;
as duas possuem a mesma base – um defeito da personalidade ético-juridicamente
relevante -, mas cada uma delas resulta diferenciadamente, de forma imediata,
desta essência da culpa: além um atitude de contrariedade ou indiferença ao dever-
ser jurídico-penal ancorada em último termo numa deficiência da consciência-ética,
numa sua censurável posição perante os valores jurídico-penais; aqui, uma atitude
de leviandade ou descuido perante aquele dever-ser, que não implica uma
deficiência da consciência-ética, mas antes se liga imediatamente à não-prestação
de uma diligência devida e exigível”450.
Vê-se que, para Figueiredo DIAS, haveria uma diferença substancial entre a
culpabilidade dolosa e imprudente, relacionadas a duas atitudes de personalidades
manifestadas no ato.
Figueiredo DIAS colhe, deste conceito material de culpabilidade, uma
distinção entre o erro intelectivo (falta de conhecimento de um substrato para
orientação da consciência ética) e o erro valorativo ou de sentimento (no fundo,
um erro quanto à introjeção normativa).
Nas palavras do autor,
“De acordo com o aludido critério subjectivo, pode a falta ou o erro intelectual em
que se traduz a não-previsão e co-determinar a expressão no facto de uma
personalidade descuidada ou leviana perante o dever-ser jurídico penal, quando
fosse de esperar, de um homem dotado das forças intelectuais do agente, mas com
a personalidade ético-juridicamente relevante conformada com a que a ordem
jurídica supõe e exige, que este tivesse alcançado a devida previsão. Quando, pelo
contrário, também do homem portador de uma personalidade conformada com a
450
Idem, p. 266.
175
ordem jurídica não fosse de esperar o alcance da devida previsão, toda a culpa fica
excluída; pois o que então se exprime no facto e o fundamenta só pode ser uma
insuficiência ou diminuição da capacidade intelectual que não pertence aos
451
componentes ético-juridicamente relevantes da personalidade” .
451
Idem, p. 268.
452
A respeito de GARÓFALO, leia-se MOLINA, Antonio García-Pablos de. Criminología. Una
introducción a sus fundamentos teóricos. 5ª ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2.005, p. 240-243.
453
Idem, p. 363.
176
“A tese segundo a qual todos devem responder pelo próprio caráter não deixa de
ser uma afirmativa interessante; ela não pode, entretanto, ocultar a ausência de
qualquer fundamentação definitiva. Uma reflexão mais sóbria trará argumentos
convincentes contra ela. Afinal, se existe total acordo a respeito de que anomalias
físicas (como uma corcunda, uma paralisia ou a cegueira) não podem ser
reprovadas àquele que as porta, então não se compreende o porquê de se dispensar
tratamento diverso a anomalias psíquicas. Isto vale independentemente de serem os
defeitos psíquicos inatos ou decorrentes de condições de socialização
desfavoráveis; pois, como diz a linguagem cotidiana, de modo bastante correto, a
pessoa portadora de tais faltas não é culpada disto”454.
2.6.4
Teoria de Günther JAKOBS:
454
ROXIN, Claus. A culpabilidade e sua exclusão no direito penal in: Revista brasileira de
ciências criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 12, número 46, janeiro-
fevereiro de 2.004, p. 55.
455
SILVESTRONI, Mariano H. Teoría constitucional del delito, p. 328.
177
Conclui-se, enfim, que a teoria jakobsiana não pode ser erigida como
fundamento material da culpabilidade. Não indica qualquer critério concreto para
distinção entre um culpável de um não culpável.
2.6.5
Teoria da dirigibilidade normativa:
456
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 806.
457
SILVESTRONI, Mariano H. Obra citada, p. 330.
458
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 806-807.
459
Confira-se com SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 282.
178
ROXIN que
“Con ello se quiere decir que hay que afirmar la culpabilidad de un sujeto cunado
el mismo estaba disponible en el momento del hecho para la llamada de la norma
según su estado mental y anímico, cunado (aún) le eran psíquicamente asequibles
posibilidades de decisión por una conducta orientada conforme a la norma, cuando
la posibilidad (ya sea libre, ya sea determinada) psíquica de control que existe en el
adulto sano en la mayoría de las situaciones existía en el caso concreto”463.
460
ROXIN, Claus. A culpabilidade e sua exclusão no direito penal, p. 48.
461
ESER, Albin; BURKHARDT, Björn. Derecho penal, p. 301. Segundo mencionam os autores,
a resposta à pergunta acima formulada há de ser respondida obviamente com um ‘sim’ em letras
garrafais, porquanto qualquer outra opção redundaria em violência ao postulado constitucional da
dignidade da pessoa humana enquanto conteúdo ético em que se funda o Estado. Melhor dizendo,
é o Estado que se legitima a partir do indivíduo; jamais o contrário (o valor do indivíduo não poder
ser dimensionado a partir de outro elemento que não o simples fato de ele ser humano!).
462
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 807.
463
Idem, p. 807.
464
ROXIN, Claus. A culpabilidade e sua exclusão no direito penal, p. 52.
179
468
SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da. O fundamento da culpabilidade: a teoria da dirigibilidade
normativa de Claus Roxin in: Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais das
Faculdades do Brasil. Jan-junho de 2.003, p. 127-141.
469
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal, p. 98-104. Anote-se que WELZEL parte de
uma ontológica capacidade de escapar dos impulsos causais (tanto quanto, em certa medida, já
fizer KANT). Tenha-se em conta que – como, por sinal, já advertido por Vera ANDRADE, fiando-
se em MIR PUIG –“A doutrina final da ação não é a única manifestação da metodologia
finalista. É este um aspecto pouco estudado no qual é preciso insistir. Junto à finalidade da ação,
a concepção da essência da culpabilidade como reprovabilidade por ter podido o autor do injusto
181
ontológicos.
Em certo sentido, pode-se dizer que ROXIN desloca o problema. Deixa de
perquirir se há uma efetiva liberdade, que fundamente a reprovação da conduta
adotada, para – a partir de tais conceitos – vincular a culpabilidade a um dogma
social, verdadeira regra do jogo, tanto quanto o princípio jurídico da igualdade.
Afinal de contas, não se pode demonstrar que todos os indivíduos sejam
realmente iguais entre si (sabidamente, aliás, não o são). Contudo, é um
imperativo do Direito que todos sejam tratados como tais.
Todavia, esse reconhecimento do caráter normativo (‘regras do jogo’, como
diz ROXIN470) não resolve totalmente a questão.
Tanto quanto se pode falar em uma discriminação positiva – a fim de
realmente se obter uma igualdade de cidadãos (por exemplo, mediante ações
afirmativas) – a questão da culpabilidade penal é essencialmente pragmática, com
o que se afirma que dever permitir diferenciar, com critérios seguros (tanto quanto
possível) e justos, condutas culpáveis de não culpáveis.
Dito em outras palavras, por mais que se entenda que, entre todas as
concepções até aqui vistas, a de ROXIN é a mais adequada, é certo que ainda
restam muitas dúvidas quanto ao critério de diferenciação entre um culpável e
outro não culpável, a partir de um exame material – ou seja, de um exame que
desconsidere opções legislativas já formuladas, mas que, antes, busque indicar
uma verdadeira essência da culpabilidade.
Sem prejuízo da existência dessas dúvidas, é fato que a teoria de ROXIN é a
mais adequada – dentre todas as examinadas – para a garantia de direitos
fundamentais do homem, contra a potestade estatal.
atuar de outro modo (a célebre fórmula de Anders – handeln – Können) constitui o segundo pilar
da teoria do delito de WELZEL”. (ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança
jurídica, p. 150).
470
ROXIN, Claus. “A culpabilidade e sua exclusão no direito penal”, p. 59, o que não deixa de ser
uma solução kantiana. KANT reconhece a igualdade como um inexorável imperativo da formação
do Direito, concebido como “O conjunto das condições sob as quais o arbítrio de um pode ser
reunido com o arbítrio de outro segundo uma lei universal da liberdade”. Leia-se em HÖFFE,
Otfried. Immanuel Kant, p. 239. Leia-se também KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried.
Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas, p. 95-103. De modo
semelhante, pode-se dizer que ROXIN também considera a responsabilidade (e, como tal, a
culpabilidade) como a indispensável necessidade de se reconhecer como livres os homens
suscetíveis de se guiarem pelas normas.
182
2.6.6
Postulado da alteridade:
“Na verdade, o homem é responsável por suas ações porque vive em sociedade, um
lugar marcado pela presença do outro, em que o sujeito é, ao mesmo tempo, ego e
alter, de modo que a sobrevivência do ego só é possível pelo respeito ao alter e não
por causa do atributo da liberdade de vontade; o princípio da alteridade – e não a
presunção de liberdade – deve ser o fundamento material da responsabilidade
social e, portanto, de qualquer juízo de reprovação pessoal pelo comportamento
anti-social”471.
471
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 284.
472
CAPELLA, Juan Ramón. Cidadãos Servos, p. 36.
183
2.7
As espécies de dolo:
Sob certo aspecto, o erro de tipo é equacionado de uma forma mais simples
do que o erro de proibição.
A partir do Finalismo, a presença do dolo deixou de ser aferida no juízo de
culpabilidade. Passou a ser analisada já no exame da tipicidade/ilicitude da
conduta, como visto.
O erro de tipo ocorre justamente quando – diante de um comportamento
que, exteriormente, se enquadra em uma previsão incriminadora – falta o dolo da
realização desta mesma conduta. O agente não sabe o que realmente está fazendo.
Logo, a questão do erro está intimamente associada ao conceito do dolo, por
mais que – tanto quanto o erro de proibição – seja, em essência, um problema de
culpabilidade.
473
SANTOS, Juarez Cirino. Obra citada, p. 285.
184
474
Desde logo, registre-se que é plenamente possível que o sujeito incorra em erro de tipo,
supondo, ainda assim, que pratica uma conduta ilícita (pode incorrer, por exemplo, em um delito
putativo). O sujeito destrói uma coisa que pensa ser sua, na tentativa de realizar fraude processual.
Ao final, descobre que a coisa não lhe pertencia e não guardava qualquer conexão com o processo.
A rigor, incorreu em equívoco sobre o caráter próprio da coisa, o que exclui a tipicidade do crime
de dano (art. 163, CPB), não obstante estivesse convicto de estar agindo ilicitamente. Daí se
conclui, igualmente, que não basta ao direito penal um desvalor da conduta. Exige-se, além disso,
um desvalor do resultado correspondente àquele proibido no tipo.
475
KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried. Introdução à filosofia do direito e à teoria do
direito contemporâneas, p. 167-170.
476
No âmbito do Direito Pátrio, isto significa uma leitura restritiva do Art. 20, do código penal: “O
erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por
crime culposo, se previsto em lei”.
185
Não se cuida aqui de um estudo mais profundo a respeito do dolo, tema que
tem sido revisitado pela doutrina especializada, do que é exemplo o estudo de
Ingeborg PUPPE478 e JESCHECK-WEIGEND, entre inúmeros outros.
Busca-se apenas delimitar quais devem ser o objeto e a profundidade do
conhecimento e da vontade do agente para que uma determinada conduta possa
ser tida como dolosa. Havendo uma falta daquele conhecimento, haverá o erro de
tipo, conceito simétrico ao dolo479.
Segundo Cirino dos SANTOS,
477
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 278. Ainda neste sentido, vide p. 289 e 476.
478
PUPPE, Ingeborg. A distinção entre dolo e culpa. Tradução, introdução e notas por Luís
Greco. Barueri: Manole, 2.004. Tenha-se em conta, por sinal, da introdução de Luís GRECO (p.
XVII), que “O fato é que, ao contrário do que a doutrina brasileira ainda costuma pensar, a lei
não resolveu nada. Isso porque as palavras que a lei usa – assumir o risco da produção do
resultado – são ambíguas, podem ser compreendidas tanto no sentido de uma teoria meramente
cognitiva, que trabalha tão-só com a consciência de um perigo qualquer, como no sentido de uma
teoria da vontade, a qual pode ser a teoria da anuência, como também qualquer outra”. Anote-se
também que a autora trabalha a interessante categoria da cegueira diante dos fatos, frente à
indiferença perante o bem jurídico (cuida-se de categoria afeita a MEZGER e que, como visto,
parte da suposição de uma predisposição a uma infidelidade ao direito). Observe-se ainda uma
discussão mais complexa a respeito da dupla ubiquação sistemática do dolo, como se infere em
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 260. A respeito
da evolução dogmática do tipo subjetivo, confira-se o trabalho KÖSTER, Mariana Sacher de.
Evolución del tipo subjetivo. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1.998, p. 73-115.
479
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro, p. 493: “Dolo é querer a realização do tipo objetivo; quando não se sabe que se está
realizando um tipo objetivo, este querer não pode existir e, portanto, não há dolo: este é o erro de
tipo”.
480
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 132.
186
“De acuerdo con una definición inexacta aunque usual, el dolo significa conocer y
querer los elementos objetivos que pertenecen al tipo legal (...) Para ser exactos, la
voluntad que aspira a la consecución del resultado sólo es parte integrante de la
forma más frecuente del dolo: la intención (Absicht) (…) En el dolo directo y en el
eventual el autor no pretende alcanzar el resultado sino que, simplemente, sabe que
el mismo está vinculado de forma necesaria o posible con la acción desarrollada
voluntariamente. A causa de la diversidad de las modalidades del dolo aquí se
481
renuncia a una definición global del mismo” .
481
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 214.
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 415-417.
482
Também neste sentido, SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 133.
483
SANTOS, Juarez Cirino. Obra citada, p. 134, mencionando que, em tal caso, não se exige o
conhecimento do conceito jurídico equivalente, mas apenas uma valoração na esfera do leigo
(aproximada, portanto). Neste mesmo sentido, JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas.
Obra citada, p. 316. Referida questão (valoração paralela) pode suscitar inúmeras dúvidas, como
bem demonstra o estudo de PUPPE, na obra FRISCH, Wolfgang et al. El error en el derecho
penal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.999, p. 97 e ss.
188
Com efeito,
487
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 138-139. Vide também DIAS, Jorge de
Figueiredo. Direito penal, p. 351, em que emprega a expressão ‘conseqüência necessária,
inevitável, conquanto lateral’ em relação ao fim da conduta. Leia-se, por fim, ROXIN, Claus.
Obra citada, p. 423-424. Como menciona PUPPE, “O Reichgericht caracterizou o dolo eventual
várias vezes com a expressão que o autor quer o resultado na eventualidade de que ele ocorra (...)
Mais de um século depois, o BGH, no famoso caso da cinta de couro, no qual os autores não só
não almejaram, nem aprovaram, nem desejaram, nem eram indiferentes a seu respeito, mas
tinham manifestado uma vontade de evitá-lo, afirma o dolo com as palavras de Mittermeier: Pode
existir dolo eventual mesmo quando a ocorrência do resultado é algo indesejável para o autor.
Em sentido jurídico ele aprova o resultado quando age para atingir sua finalidade última,
sabendo que não poderá alcançar seu resultado de outra maneira, aceitando que sua ação
provoque o resultado em si indesejado, de maneira que o autor o quer, na eventualidade de que
ele ocorra”. PUPPE, Ingeborg. A distinção entre dolo e culpa, p. 30.
488
BITENCOURT explica que “O dolo direito em relação ao fim proposto e aos meios escolhidos
é classificado como de primeiro grau, e em relação aos efeitos colaterais, representados como
necessários, é classificado como de segundo grau. Como sustenta Juarez Cirino dos Santos, o fim
proposto e os meios escolhidos (porque necessários ou adequados à realização da finalidade) são
abrangidos, imediatamente, pela vontade consciente do agente: essa imediação os situa como
objetos do dolo direto”. BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição, p. 28.
190
489
SANTOS, Juarez Cirino dos. Obra citada, p. 139. Anote-se, por sinal, o entendimento de
DIAS: “Todas as contas feitas, uma conclusão se torna infelizmente segura: a de que a distinção
entre dolo eventual e negligência consciente, como quer que seja levada a cabo, é tanto do ponto
de vista teórico, como ainda mais na aplicação prática, tão frágil e insegura que mal é capaz de
justificar – quer do ponto de vista político-criminal estrito, quer em perspectiva dogmática, quer,
globalmente, e muito especialmente, à luz do princípio da culpa – diferenças significativas (e por
vezes abissais) das molduras penais aplicáveis a um e outro caso (...) como, ainda menos, será
capaz de justificar que muitas vezes o delito doloso seja severamente punível, o negligente pura e
simplesmente não seja punível (v.g.aborto, art. 140º e 141º). Assim sendo, e tendo ademais em
consideração o facto de na sociedade do risco aumentarem significativamente as necessidades
político-criminais de tutela de uma imensidade de condutas que se situarão predominantemente no
âmbito do dolo eventual e da negligência consciente, parece justificado deixar aqui pelo menos a
questão de saber (apenas isto...) se à bipartição tipo de ilícito doloso/tipo de ilícito negligente, não
deverá no futuro vir a substituir-se uma tripartição: dolo/negligência/temeridade. Esta nova
categoria dogmática [temeridade] destinar-se-ia a incluir (dito a traço grosso) os casos tradicionais
de dolo eventual e de negligência consciente, ficando o âmbito do dolo restrito ao dolo directo e o
da negligência à negligência inconsciente”. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 359.
490
Leia-se, a respeito, em BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 322-323.
491
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 316.
Reconhecendo que os elementos normativos são objeto de erro de tipo, ZAFFARONI, Eugênio
Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 499.
191
preparatoria”492.
Todavia, “No es necesario que el dolo esté presente durante toda al a
acción ejecutiva. Basta que concurra en el momento en el que el sujeto se dispone
a la producción del resultado y abandona el controle del curso causal”493.
Superada essa questão relacionada ao conteúdo do dolo, pode-se passar ao
exame mais detido do erro de tipo, como segue.
492
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 453. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 150.
493
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 454.
3
Erro de tipo versus erro de proibição.
“Existe error de tipo cuando el autor no conoce uno de los elementos a los que el
dolo debe extenderse según el tipo que corresponda. La consecuencia
verdaderamente obvia de un erro de esta naturaleza la expresa el §16: el autor actúa
sin dolo. La disposición es aplicable analógicamente a circunstancias que, aunque
en realidad no pertenecen al tipo, deben ser abarcadas por el dolo, como por
ejemplo con las circunstancias que agravan la pena en el marco de la determinación
de esta”.
Para Hans WELZEL, por sua vez, “Se excluye o dolo si el autor desconoce
o se encuentra en un error acerca de una circunstancia objetiva del hecho que
deba ser abarcada por el dolo y pertenezca al tipo legal”494.
Cristiano RODRIGUES opina também que o erro de tipo
“É aquele que recai sobre os elementos constitutivos do tipo penal, sejam eles
descritivos ou normativos, e conseqüentemente pelo fato de o autor errar quanto a
esses elementos objetivos essenciais à descrição típica lhe ficará afastado o
elemento subjetivo do tipo, ou seja, o dolo, já que o resultado não irá corresponder
à manifestação volitiva do autor, que age em erro”495.
3.1
Seqüência do exame dos elementos psíquicos:
496
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 861.
497
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 490.
194
498
ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito penal econômico. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 2.005, p. 85.
499
A respeito do tratamento do delito imprudente, leia-se TAVARES, Juarez. Direito penal da
negligência. Uma contribuição à teoria do crime culposo. 2ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2.003.
195
3.2
Critérios de distinção:
3.2.1
Inutilidade da diferenciação – tratamento homogêneo:
3.2.2
Critério aplicado na teoria limitada do dolo:
3.2.3
Critério aplicado pela teoria estrita da culpabilidade:
3.2.4
Critério aplicado pela teoria limitada da culpabilidade:
3.2.5
Erro ao reverso – delito putativo e tentativa inidônea:
“El siguiente ámbito problemático de la teoría del error que será tratado tiene por
objeto la delimitación entre tentativa y delito putativo. Según la definición del §22
StGB, que por lo demás se corresponde con la aquí favorecida variante de la
verdad del objeto del dolo, el auto posee en la tentativa una representación que si
fuese acertada realizaría objetivamente el tipo de un delito. En cambio, en el delito
putativo el autor tiene una representación del o sucedido que aun cuando fuese
acertada no realizaría el tipo de una ley penal, porque no existe una ley en la que
pudiera subsumirse la situación fáctica representada por el autor. Un delito putativo
es irrelevante para el Derecho penal, porque una norma que no existe tampoco
precisa de una garantía para su vigencia”.504
500
MIR PUIG, Santiago. Derecho penal, p. 274-275 e 356.
501
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 572 e 575.
502
BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación, p. 603-607.
503
O adultério deixou de corresponder a uma descrição típica a partir da Lei nº 11.106, de 28 de
março de 2.005. Pode-se discutir, porém, se já antes disto não teria sido ab-rogado pelos costumes.
Deve-se perquirir, realmente, se – diante de postulados constitucionais que impõem o exame da
utilidade/necessidade do Direito Penal – é sustentável a tese de que o costume não ab-roga a
norma penal, quando o próprio Kelsen sustentou que, sem um mínimo de observância, a norma é
automaticamente invalidada. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. Tradução de João
Baptista Machado, São Paulo: Martins Fontes, 1.998, p. 12. Ademais, frente ao consagrado
princípio da lesividade (não há crime sem lesão significativa a um bem jurídico tutelado), sem
sombra de dúvida aquele dogma deve ser posto em dúvida.
504
KINDHÄUSER, Urs. Acerca de la distinción entre error de hecho y error de derecho in:
FRISCH, Wolfgang et al. El error en el derecho penal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.999.
505
O Código Penal Alemão tem uma previsão da tentativa de uma forma mais ampla do que o art.
14 do Código Penal Brasileiro. Confira-se com o §22 do Strafgesetzbuch: “Intenta un hecho penal
quien de acuerdo con su representación del hecho se dispone inmediatamente la realización del
198
entanto, permite indicar certa conexão entre a falta (supõe ser lícito o que não é) e
o excesso (supõe ser ilícito o que não é).
3.2.6
Erro intelectual versus erro moral:
Com efeito, para DIAS, o problema não comportaria a distinção entre erro
de tipo e erro de proibição. Tampouco teria como ser solucionado pela questão da
vencibilidade ou invencibilidade do erro507.
Antes seria um problema de (i) intelecção (conhecimento – consciência-
psicológica) ou de (ii) valoração (avaliação – consciência-ética). Em suma, cuida-
se de uma categorização em conhecimento e sentimento, bastante útil em
determinadas hipóteses508.
tipo”.
506
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 296-
297. Leia-se ainda DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 505-506.
507
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 331
e 332. A afirmação da imprestabilidade deste critério, por sinal, é atribuída a Eduardo CORREA:
“O critério da vencibilidade ou evitabilidade do erro não se compagina com o da censurabilidade
da falta de consciência da ilicitude”.
508
Tenha-se em conta, por exemplo, a interessante obra de Tereza Pizarro BELEZA e Frederico
Costa PINTO sobre o tratamento do erro incidente sobre o complemento das normas penais em
branco, fundamentado na distinção proposta por Figueiredo DIAS. Confira-se em BELEZA,
Tereza Pizarro; PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. O regime geral do erro e as normas
penais em branco. Ubi lex distinguit. Coimbra: Almedina, 2.001. Registre-se também que,
segundo os mencionados autores, a proposta de DIAS foi consagrada com o código penal lusitano
de 1.982. Também nesse sentido, leia-se DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais de
direito penal revisitadas, p. 283: “Acresce, por outra parte, que o tratamento concedido ao erro
199
O autor leva em conta, muito mais, a maneira como ocorre o erro do que,
propriamente, o seu objeto. A tanto contribui, é verdade, a constatação de que a
realidade empírica é incindível (no fundo, o ser humano não faz qualquer divisão
entre compreensão fática e valorativa. Tudo é atribuição de sentido).
Dito de outro modo, para DIAS mesmo uma Lei poderia ser alvo de um erro
intelectual (com efeitos semelhantes ao do erro de tipo), desde que se cuidasse de
um preceito despido de colorações éticas (eticamente neutros - erro sobre
proibições legais, na dicção do autor509), aproximando-se da solução mais ampla,
dispensada por Haro OTTO510.
Leia-se:
pelo direito positivo português vigente – é dizer, pelo CP português de 1.982 – corresponde
integralmente não só às teses que sobre o ponto defendi nas minhas investigações anteriores sobre
o tema, como aquilo que eu continuo a pensar deverem ser a compreensão e as soluções cabidas à
problemática do erro em um sistema penal moderno”.
509
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 392-415.
510
OTTO, Haro apud SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 302: “Conhecimento do injusto,
no sentido de conhecimento da antijuridicidade, é conhecimento da punibilidade do
comportamento através de uma norma legal penal positiva” em que “não é necessário o
conhecimento preciso dos parágrafos da lei, ma o conhecimento de infringir uma prescrição legal”.
511
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 506-507.
200
512
BELEZA, Tereza Pizarro; PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. O regime geral do erro e
as normas penais em branco, p. 22-23.
513
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 312.
Anote-se que, para dias, o verdadeiro erro moral (correspondente a um defeito da personalidade
ética do autor, manifestada no ato) não escusa jamais.
514
A expressão deve ser empregada sob reservas. A rigor, nada no mundo é neutro. Ainda mais
depois de estar verbalizado em Lei. O que se busca evidenciar, contudo, é que – em muitos tipos
penais – a tipificação penal pretende criar o desvalor social. A cominação da pena corresponderá a
uma pretensão planificadora da realidade social, por parte do Estado. E, sendo assim, referidos
dispositivos legais serão altamente técnicos, exigindo um especial dever de informação para que
possam ser efetivamente observados pelos seus destinatários.
515
Citando Arthur KAUFMANN, Dias argumenta que “Pode haver erros sobre a proibição não
censuráveis, naqueles casos em que o conhecimento do tipo não conduz eo ipso à consciência da
ilicitude por o tipo abstrair, em medida inadmissível, do ilícito material – como será o caso dos
delitos de perigo abstrato, dos tipos penais com condições objectivas de punibilibidade ou
daqueles cuja dignidade punitiva é discutível ou discutida (p.ex. inseminação artificial,
esterilização, interrupção da gravidez por indicação ética, homossexualismo simples, etc.). Mas
isto não significa que se trate de uma verdadeira falta de consciência da ilicitude não censurável,
mas somente de uma falta de conhecimento de circunstâncias (v.g., o perigo concreto, a condição
de punibilidade, o ponto de vista de valor a que o legislador se ligou, a posição que toma em uma
controvérsia moral, etc.) relevantes para o dolo – o que conduzirá a comprovar a censurabilidade à
face dos critérios da negligência. Quanto, porém, ao erro moral em que para nós e analisa a
autêntica falta de consciência da ilicitude, esse, diz-nos KAUFMANN, nunca desculpa”.
201
516
É o que afirma o próprio autor. DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da
ilicitude em direito penal, p. 310.
517
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 307.
518
Expressão empregada por MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el
derecho penal tributario. Tradução de Marcelo A. Sancinetti, Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.997, p.
73 e ss. Corresponde, no fundo, a um Direito Penal utilitarista (“administrativizado”). Vale dizer,
garantidor de complexos funcionais, na dicção de BARATTA.
202
519
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 247-248.
520
Vide, a respeito, BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 149.
521
“A distinção especificamente política a que podem reportar-se as ações e os motivos políticos é
a discriminação entre amigo e inimigo”. SCHMITT, Carl apud MACEDO JÚNIOR, Ronaldo
Porto. Carl Schmitt e a fundamentação do direito. São Paulo: Max Limonad, 2.001, p. 75
522
JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manual Cancio. Direito penal do inimigo. Noções e críticas.
Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli, Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2.005.
523
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 308.
O autor prossegue argumentando que a teoria de Edmund MEZGER também não teria o condão de
tratar a questão de uma forma exata, porquanto admite erros de proibição desculpáveis (sempre
que o erro não fosse imputável a uma infidelidade ao direito), enquanto que a verdadeira falta de
consciência da ilicitude (erro moral) nunca desculpa.
203
3.3
Profundidade do conhecimento exigido para o dolo:
3.3.1
Observação inicial – o problema da representação:
524
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 160.
205
3.3.2
Amplitude do conteúdo intelectual do dolo:
“Si por consiguiente concebimos el conocimiento de los elementos del tipo como
percepción de sus elementos descriptivos y comprensión de sus elementos
normativos, se suscita la ulterior cuestión de con cuánta precisión han de haber
aparecido estos elementos ante la mirada física o intelectual del sujeto para poder
hablar de un conocimiento y por tanto de actuación dolosa”525.
Afasta-se desde logo a exigência mais absurda de todas. A Lei não quer, por
certo, que o indivíduo formule subsunções exatas, como se vivesse confrontando
textos de Lei e a representação que faz dos fatos, a cada momento.
O indivíduo, ao decidir matar o seu vizinho, terá cometido um homicídio
mesmo que não tenha cogitado, de forma reflexiva em seu cérebro, que “José é
alguém. Logo, se eu matá-lo, estarei matando alguém”.
Dito em outras palavras, o sujeito não precisa mentalizar uma oração
idêntica àquela prevista na Lei. Exigi-lo seria um arrematado absurdo, que
inviabilizaria a aplicação de todas as normas penais existentes.
525
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 471.
206
526
PUPPE, Ingeborg in: FRISCH, Wolfgang et al. El error en el derecho penal, p. 95-98. Com
efeito, “Los hechos que según el §16 forman parte del tipo legal son descriptos por el tipo cuando
se introducen constantes en lugar de las variables de individuos, esta relación de pertenencia es
mucho más estrecha de lo que comúnmente se piensa”. Para a autora, portanto, o tipo do homicídio
veicularia algo como ‘sempre que A matar B, deverá sofrer uma sanção de tantos anos’. Vale
dizer, o tipo somente ganharia sentido quanto as variáveis (A, B) fossem substituídas por
pessoas/coisas reais. Também sustenta, neste rastro, que os tipos seriam orações L-equivalentes
(filosofia da linguagem – CARNAP). Daí que toda e qualquer oração, repleta de sentido, que fosse
sinônima daquela outra, seria o mesmo que o conhecimento do tipo. Em outras palavras, se o autor
não sabe o que é um documento – segundo conceito dogmático-doutrinário, veiculado nos manuais
jurídicos – isto não o impede de compreender, com orações L-equivalentes, o sentido da vedação
penal, dado que, se o indivíduo alega que não sabia que havia cometido uma falsidade documental,
o juiz deve seguir “preguntando al acusado acerca de qué es lo que había representado. Quizá le
pregunta: ¿Sabía usted que generaba la apariencia de que quien exponía la mercancía había
emitido una declaración de pensamiento, que en realidad no emitió, corporizándola
permanentemente? También esta pregunta probablemente se contestada negativamente por el
acusado que no tenga formación jurídica o comercial. Por lo tanto, el juez abandonará el nivel
abstracto de configuración conceptual jurídica y preguntará más concretamente, pero deberá tener
en cuenta que las oraciones por él ofrecidas como contenido de la representación del autor L-
impliquen la descripción típica del supuesto de hecho. Si el autor realmente padecía un error de
tipo, nunca confirmará una oración de este tipo, a no ser que se encuentre en el momento de
confirmar esa oración, a su vez, de nuevo en un error de subsunción (error conceptual). Por lo
tanto, el juez únicamente podrá interrumpir el diálogo con el acusado cuando esté seguro de que
coincide con el acusado en la utilización de los términos. Sin esa coincidencia, además, resulta
imposible toda comunicación entre juez y acusado acerca del contenido de las representaciones de
éste”. PUPPE, Ingeborg. Obra citada, p. 98-99. Este papel demiúrgico do Juiz, entre a linguagem
do réu e a da Lei, foi objeto de trabalho de Arthur KAUFMANN, conforme referido na obra
MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el derecho penal tributario, p. 41, em
nota de rodapé.
527
Sendo que aqui ganha relevo também o problema da co-consciência (pensamento material),
desenvolvido por SCHMIDHÄUSER. O referido autor, no dizer de ROXIN, tem aproveitado o
desenvolvimento da psicologia da linguagem para a questão do erro, ao trabalhar com uma
consciência lingüística material. “No es necesario por tanto que el sujeto piense en las
circunstancias del hecho con formulaciones lingüísticas (esta cosa es ajena; yo hurto de una
207
que haja dolo. Basta que a situação seja compreendida de forma equivalente
àquela proibição do legislador.
Para que haja dolo não basta, contudo, um conhecimento meramente
eventual528, ao contrário do que se reconhece para a consciência da ilicitude.
Com efeito, o conteúdo intelectual deve abarcar aquelas circunstâncias
cogitadas ‘materialmente’ (ou seja, pensamento não reflexivo; evocação de
sentido, tal como quando se escuta uma música ‘carregada’ de lembranças). Para
ROXIN,
iglesia; ahora actúo como médico, etc.), sino que basta con que se percate de ellas de modo
material-conceptual (en el pensamiento material)”. Leia-se ROXIN, Claus. Derecho penal, p.
473. Ou seja, certos objetos – por estarem entrelaçados em uma teia de significados (Heidegger) –
geram percepções sensoriais/intelectuais com tão simples visualização. Um altar automaticamente
evoca uma igreja; o cemitério evoca a morte; etc. Leia-se também DIAS, Jorge de Figueiredo. O
problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 216. Crítico a respeito, DIAS
argumenta que – na grande maioria dos casos – faltando uma consciência clara ao agente, também
faltaria a co-consciência ou a consciência segundo o pensamento pela matéria.
528
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 472.
529
Idem, ibidem.
530
Desenvolvida por PLATZGUMMER, conforme BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal,
p.323.
531
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 99: “SCHMIDHÄUSER entiende que la conciencia
de la antijuridicidad es dudosa en los casos críticos mientras se la analice desde el punto de vista
del pensamiento dirigido a cosa a través del lenguaje (sprachgedanklich), pues no se piensa
siempre de la manera que se habla, sino que a menudo pensamos de una manera, de la que sólo
podemos pensar pero no hablar, es decir directamente en la cosa. La cosa misma la conocemos
mediante el lenguaje y su concepto, ya sí la hemos recibido para disponer de ella en nuestro
pensar, pero la tenemos actualmente en la conciencia sin lenguaje”.
208
3.3.3
Valoração paralela na esfera do profano:
“El error sobre los elementos normativos, pelo contrario, se da cuando el autor ha
carecido de una valoración que le haya permitido comprender el significado del
elemento correspondiente. En estos casos se habla del conocimiento paralelo en la
esfera del lego”534.
532
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 476.
533
ESER, Albin; BURKHARDT, Björn. Derecho penal, p. 69-101.
534
BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 326.
535
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 460. Contudo, como se verá mais adiante, ROXIN faz algumas
ressalvas quanto a tese de que o erro de subsunção seria sempre um erro de proibição.
209
que basta con que posea una idea de cuáles son los hechos a los que el legislador
quiso extender la protección de la norma penal. Con otras palabras, en relación con
los elementos normativos del tipo el dolo presupone que el autor vislumbra por si
mismo, a su propio nivel de comprensión, la valoración del legislador
materializada en el concepto correspondiente (valoración paralela en la esfera del
profano)”536.
536
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 316.
537
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 461. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 152-
153. Anote-se, por fim, com ZAFFARONI-PIERANGELI, que “Não obstante, tampouco com isto
conseguimos esclarecer sobre o que dever versar este conhecimento paralelo, que é o
conhecimento aproximado que tem o profano”. ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José
Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 624.
538
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 152. A esse respeito, leia-se também a sentença
proferida no caso da prevaricação do advogado (BGHSt 7, 261), referida na obra ESER, Albin;
BURKHARDT, Björn. Derecho penal, p. 335-349.
210
BACIGALUPO539.
Santiago MIR PUIG - ao tratar sobre a espécie de conhecimento dos
elementos normativos do tipo, para configuração do dolo - argumenta que a
expressão de MEZGER representa uma solução de compromisso com a teoria dos
conceitos complexos540 (que exigia o conhecimento da base fática dos elementos
normativos) e a exigência de uma exata percepção do termo jurídico.
Note-se que
539
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 161.
540
Como explica ROXIN, para a teoria dos elementos complexos “debería bastar para el dolo el
conocimiento de los elementos constitutivos de un concepto jurídico utilizado por la ley, sin ser
preciso que sea conocida su conjunción en el concepto (complejo). Pues p.ej. para el dolo de hurto
no basta con el conocimiento de las circunstancias de las que se deriva la amenidad de la cosa, sino
que el sujeto debe haber extraído de esas circunstancias también la consecuencia jurídica de que la
misma pertenece en todo o en parte a otro. Lo mismo rige para la pretensión fiscal y de alimentos
(nm. 91 s.). Hay sin embargo una parte de verdad en esa doctrina en el caso de los elementos de
valoración global del hecho divisible, en cuanto que en ellos el dolo debe abarcar solamente los
elementos descriptivos y normativos constitutivos del juicio de antijuridicidad, pero no el juicio de
antijuridicidad de ahí derivado como tal”. ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 465. Desta forma, em
parte, ROXIN recupera a teoria dos elementos complexo (FRANK) para o caso dos erros sobre
elementos de desvalor global do fato.
541
MIR PUIG, Santiago. El error en el código penal español de 1.995. Disponível na Internet via
WWW.URL:<http://www.revistacathedra.com/Downloads/ar00001.pdf.>. Acesso em 10 de julho
de 2.006.
211
“Sem embargo, pode haver casos em que este erro, sendo invencível, possibilite
apenas a compreensão de um injusto menor, como, por exemplo, quando existir
jurisprudência obrigatória para os tribunais inferiores na hipótese de uma pessoa
praticar um delito que a jurisprudência pacífica e remansosa considerava tipificada
no tipo básico, mas que, no dia seguinte, o considerar qualificado por modificar o
seu entendimento anterior. É óbvio que o sujeito, por mais que fosse a sua
diligência, não teria possibilidade de compreender outra juridicidade que não a
correspondente à magnitude do tipo básico. Neste caso, o erro de subsunção é
relevante, porque determina uma menor culpabilidade”543.
Logo, para o autor - conquanto tenha sido admitida pela doutrina majoritária
- referida categoria deve ser vista com reservas:
542
“SCHLÜCHTER ha tratado de precisar algo más la clase de correspondencia que debe existir
entre el nivel del profano y el nivel técnico de la ley. A través de una ‘reducción teleológica’ del
objeto del dolo, esta autora llega a la conclusión de que sólo serán relevantes y generarán error de
tipo las desviaciones que supongan una falsa representación en el sujeto del significado lesivo de
la conducta para el bien jurídico (Schlüchter, Irrtum über normative Tatbestandsmerkmale im
Strafrecht)”. Consulte-se MIR PUIG, Santiago. El error en el código penal español de 1.995.
Disponible na Internet. http://www.revistacathedra.com/Downloads/ar00001.pdf. Acesso em 10 de
julho de 2.006. A respeito da compreensão da lesão do bem jurídico, leia-se BARREALES, María
A. Trapero. El error en las causas de justificación, p. 142.
543
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro, p. 650.
544
PERSCHIERA, José Leandro Reãno. El error de tipo en el código penal peruano. Disponível
na Internet via WWW.URL: <http://www.unifr.ch/derechopenal/anuario/03/Reano.pdf>, acesso
em 10 de julho de 2.006.
212
autor”545.
545
Idem, ibidem.
546
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 462-463.
213
“Es comprensible la preocupación de Celia SUAY por tener en cuenta a favor del
sujeto las dificultades especiales que éste encuentra para conocer el sentido de
determinadas interpretaciones técnicas que se apartan del lenguaje común y,
también de algunos términos legales, demasiado vagos. Pero la vía que propone no
es compatible con el criterio de distinción generalmente aceptado, y que ella misma
acepta, entre el error de tipo y el error de prohibición. Si se admite, como hace
SUAY, que para el conocimiento de un elemento de la situación típica basta que se
advierta su significado social relacionado con la lesión del bien jurídico, no puede
afirmarse error de tipo si el sujeto capta dicho significado material, por mucho que
lo califique de otro modo que la interpretación usual de la ley. Ello es evidente en
el ejemplo del que deshincha un neumático de un vehículo. También sucederá
cuando el sujeto perciba que sus actos se valoran socialmente como obscenos,
aunque él no los juzgue del mismo modo. Cosa distinta es que alguna de estas
discrepancias en la calificación del hecho pueda verse como error de prohibición.
El sujeto que, siguiendo la opinión de un abogado desconocedor de la
interpretación dominante del § 303 del Código alemán que define los daños, cree
no incurrir en ellos ni en otra infracción cuando deshincha en Alemania las ruedas
de un vehículo ajeno, podría alegar error de prohibición: su conciencia de afectar al
bien jurídico de la propiedad ajena no obstaría a su creencia de que su conducta no
está prohibida”547.
547
MIR PUIG, Santiago. El error en el código penal español de 1.995. Disponible na Internet via
WWW.URL: <http://www.revistacathedra.com/Downloads/ar00001.
pdf>. Acesso em 10 de julho de 2.006.
214
548
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 469. O autor enfatiza que o critério adotado por
SCHLÜCHTER permite resolver alguns problemas, mas não todos. Detalha que, com efeito, a tese
de que a compreensão dos elementos negativos do tipo pode ser restringida à compreensão da
lesividade do bem jurídico parece indicar um critério para solucionar aqueles casos em que é
possível ao sujeito conhecer o sentido (a função social) da categoria jurídica mencionada no tipo.
Não precisa saber o que é um documento. Basta que reconheça que, com o seu comportamento,
está fraudando uma manifestação de vontade registrada de algum modo para fazer prova
posteriormente. Contudo, ROXIN critica no entendimento da autora a falta de clareza a respeito do
tipo de conhecimento necessário, naqueles casos difíceis (mal resolvidos pela teoria da valoração
paralela), para que se possa aferir se o autor realmente tinha consciência de que estava lesando o
bem jurídico tutelado. A autora tampouco define o que seriam exatamente os fatores restritivos a
que alude, na sua classificação. Confira-se: “Pero, como los factores restrictivos de la protección
del bien jurídico también deben ser abarcados por ele conocimiento del sujeto y en el fondo todos
los elementos del tipo se refieren al bien jurídico protegido y a los limites de su protección,
Schlüchter se queda materialmente en la teoría de la valoración paralela. Esta teoría tampoco
aclara cómo de preciso ha de ser el conocimiento para que pueda ser considerado como
aprehensión del significado lesivo y de los factores restrictivos”
549
Em uma sociedade idealizada, provável que não houvesse crimes. Contudo, supondo-os
existentes, é fato que a teoria estrita do dolo seria a mais justa aplicação da Lei, por exigir o pleno
conhecimento da regra, para a censura da conduta. Ademais, em uma sociedade como esta,
provável que se caminhasse para uma democracia efetiva, em que a decisão vem do povo e para o
povo, o que eliminaria boa parte do problema. Contudo, a partir do momento em que a sociedade
não tem ainda este contorno, é fato que a teoria estrita do dolo carreia às vítimas todo o custo da
lesão, podendo estimular (sob o prisma de uma teoria preventiva geral) o descuido dos indivíduos
para com as normas jurídicas, indispensáveis para o convívio social.
215
“Caracterizado por delitos creados por el legislador sin que ello haya penetrado en
la valoración social. Conocer el sentido social del hecho no supone aquí conocer su
significado jurídico. Ello explica, precisamente, que sea en este ámbito donde se
alzan más voces favorables a considerar necesario el conocimiento del significado
jurídico del hecho para el dolo típico, o que defienden aquí la igualdad de
tratamiento del error de tipo y del error de prohibición, según los postulados más
clásicos de la teoría del dolo. Pero –y esta es la consideración con la que quería
concluir esta reflexión– ¿no es ello incoherente?, ¿no sería más coherente exigir en
todo caso para el dolo, entendido como dolus malus, el conocimiento del
significado jurídico del hecho?”550
550
Idem.
551
Idem.
216
3.4
Objeto da compreensão do injusto:
Como indica FELIP I SABORIT, quando se afasta dos delitos mais comuns,
“raramente el sujeto tiene un conocimiento claro de los preceptos jurídicos que
atañen a su comportamiento y simplemente llega a un pronóstico sobre si puede
o no puede llevar a cabo un determinado comportamiento” 553.
A maioria das pessoas tem uma percepção vaga dos conceitos jurídicos.
Sabe, por exemplo, que matar é crime. Contudo, dificilmente saberá exatamente
que a apropriação de coisa achada é crime (art. 169, inc. III, CPC), frente ao
conhecido argumento de achado não seria “roubado”.
Qual a profundidade do reconhecimento do injusto necessária para o juízo
de culpabilidade? Basta que o indivíduo reconheça sua conduta como imoral? Ou
deve saber, ao contrário, de que faz algo ilícito? E, neste último caso, deveria
reconhecer que é proibido penalmente? Ou bastaria que soubesse que é proibido
pelo Direito Administrativo, por exemplo?
Não basta o conhecimento da imoralidade da ação, como bem enfatiza
Figueiredo DIAS:
552
ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito penal econômico, p. 104.
553
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 109. Leia-se também p. 178-184.
217
“Además, las valoraciones sociales y morales son tan cambiantes en una sociedad
pluralista que el Derecho no puede exigir la orientación incondicional por ellas,
sino que por regla general sólo puede formular el reproche íntegro de la
culpabilidad cuando el sujeto desatiende conscientemente prohibiciones y
555
mandatos jurídicos” .
“Si bien es verdad que respecto a las conductas que integran el corazón del
Derecho penal criminal, los ciudadanos suelen identificar, incluso confundir, las
valoraciones de las normas ético-sociales fundamentales y las de las normas
jurídicas, ambos niveles no deben mezclarse”556.
Para JESCHECK-WEIGEND,
554
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 508.
555
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 866.
556
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 110. Portanto, no caso muitas vezes citado: se os
camponeses mantêm relações sexuais com uma enferma mental, reconhecendo a imoralidade disto,
contudo, sequer cogitando de que seja proibido pelo Direito, haverá erro de proibição, cumprindo
apenas aferir se era vencível ou não.
557
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 487.
218
RODRIGUES também sintetiza este ponto de vista, nos termos que seguem:
“Há alguns anos atrás, um caso discutido nos tribunais fez porém que puséssemos
em questão esta unanimidade de pontos de vista. Resumidamente, um advogado foi
acusado de ter cometido um crime financeiro (relacionado com operações ilegais
com divisas), tendo todavia sido comprovado que actuou na convicção de que a
conduta não constituía um crime, mas uma contra-ordenação. O tribunal de 1ª
instância condenou o argüido a título de negligência, por ter considerado a conduta
abrangida no art. 16 (erro sobre as circunstâncias do facto), a instância do recurso
condenou o agente a título de dolo, por o ter considerado incurso no art. 17 (falta
censurável de consciência do ilícito): os dois tribunais, por conseguinte, reputaram
o erro relevante, afastando deste modo, de forma mais ou menos consciente, a
doutrina acima apontada como unânime”562.
562
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 509.
563
Idem, p. 510. O referido entendimento parece compartilhado por SILVA SANCHÉZ, conforme
mencionado por FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 118. Leia-se também a obra
BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 425 e ss. O Ministro da Suprema Corte Espanhola
tem enfatizado que o autor deve conhecer a desaprovação jurídico-penal da conduta.
564
Figueiredo DIAS argumenta que “O conhecimento do caráter punível da acção é de todo
irrelevante para a culpa e responsabilidade do agente constitui, depois da polêmica contra
FEUERBACH, logo decidida na primeira metade do século passado, uma das mais firmes e menos
discutidas aquisições do pensamento jurídico-penal”. O professor lusitano argumenta, contudo,
que quanto aos tipos penais eticamente neutros (técnicos), o conhecimento da proibição é uma
imposição do principio da culpabilidade. DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência
da ilicitude em direito penal, p. 317 e 392-415.
220
565
BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p.426.
566
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 127.
567
Idem, p. 128. Aliás, JESCHECK-WEIGEND mencionam um especial dever de auto-
informação quanto aos delitos previstos no Direito Penal Acessório. JESCHECK, Hans-Heinrich;
WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, 493-494.
568
O erro sobre tais tipos axiologicamente neutros será objeto de considerações logo adiante.
Desde logo, porém, recomenda-se a leitura da obra DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p.
392 e ss., em que o autor desenvolve o problema, sob o amparo da diferenciação entre erro de
cognição ou de valoração.
569
Sabe-se que há bastante controvérsia a respeito do caráter constitutivo ou meramente ancilar do
direito penal. O tratamento deste importante tema escapa, porém, dos limites deste trabalho. Fica
aqui pressuposto, portanto, que o direito penal – frente ao seu caráter subsidiário – somente pode
tutelar valores que já sejam significativos sob o ângulo dos demais ramos do Direito.
221
3.5
Acesso à consciência da ilicitude:
570
Desde que sejam preenchidos os demais requisitos da culpabilidade, registre-se.
571
ESER, Albin; BURKHARDT, Björn. Derecho penal, p. 309: “El BGH argumenta: en todo
caso, la decisión acerca [acerca de la evitabilidad del error de prohibición] sólo puede ser tomada
con base en el talento, las facultades y los conocimientos que concurren precisamente en el sujeto
que actúa, de modo que el SchwurG en este caso estaba obligado a tomar en cuenta que el A es un
alto funcionario del Estado con formación humanista y jurídica y experiencia vital, que a través de
su importante posición conocía en profundidad los objetivos y planes de su partido”.
222
3.5.1
Esforço de consciência:
Logo, apenas a capacidade de agir segundo leis formuladas por sua própria
572
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 878.
573
HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant. Tradução de Christian Viktor Hamm e Valerio Rodhen.
São Paulo: Martins Fontes, 2.005, p. 188. REALE, Giovane; ANTISERI, Dario. História da
filosofia. 7ª ed. São Paulo: Paulus, 2º volume, 2.005, p. 910 e ss. Confira-se, por fim,
SCHNEEWIND, J.B. A invenção da autonomia. Uma história da filosofia moral moderna.
Tradução de Magda França Lopes. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2.005, p. 553-575.
223
574
Idem, p. 189.
575
HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant, p. 223-224.
576
HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant, p. 224.
577
Cirino dos SANTOS, bastante crítico a respeito, enfatiza a insuficiência desta categoria
porquanto, na melhor das hipóteses, poderia dar a conhecer o conteúdo de regras morais, mas já
não permitiria a apreensão de sentido de qualificações jurídicas. Leia-se SANTOS, Juarez Cirino
dos. Direito penal, p. 308. Em sentido oposto, JESCHECK-WEIGEND, coerente a partir da
identificação do objeto do conhecimento com a moralidade (ignorantia crassa). Consulte-se
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 493.
578
RODRIGUES, Cristiano. Teorias da culpabilidade, p. 67: “De acordo com o posicionamento
intermediário, basta que se conheça a ilicitude concreta do ato praticado, ou seja, conhecer que o
fato está proibido, pois lesiona um bem jurídico protegido pela lei, sendo suficiente então que o
autor, por um esforço de consciência, tenha a capacidade de perceber o caráter injusto de seus
atos, independentemente de conhecimentos técnico−jurídicos, para se constatar a consciência da
ilicitude".
224
“Sin embargo, esta idea no sirve de mucho, pues la conciencia puede llevar a quien
actúa, como mucho (y en el sujeto que actúa por motivos de conciencia ni siquiera
esto), al conocimiento de la inmoralidad de su conducta, que precisamente no es el
objeto de la conciencia de la antijuridicidad. El tener mala conciencia debería
suponer sin duda una incitación a seguir tratando de aclarar la conformidad a
Derecho de la propia conducta, de modo que en esa medida la exigencia de una
extensión de la conciencia puede tener sentido (sin perjuicio de la duda de si la
conciencia se puede extender a la voluntad). Pero la mayoría de los errores de
prohibición son de tal índole que la conciencia no puede contribuir para nada en su
evitación”579.
3.5.2
Função de apelo do substrato típico.
579
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 882. Claus ROXIN argumenta, por sinal, que – a ser
diferente – seria supérfluo o estudo do Direito (BAUMANN-WEBER).
580
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 584.
225
“Esta función de llamada de atención del dolo típico debería inducirle a un examen
especialmente cuidadoso del supuesto de hecho; si lo omitiera, entonces el injusto
de su conducta sería más grave que el de un error de tipo ordinario”581.
“El sujeto actúa culpablemente cuando realiza un injusto jurídicopenal pese a que
(todavía) le podía alcanzar el efecto de llamada de atención de la norma en la
situación concreta y poseía una capacidad suficiente de autocontrol, de modo que
le era psíquicamente asequible una alternativa de conducta conforme a
582
Derecho” .
“Quem incide em erro de tipo ‘não sabe o que faz, porque, em conseqüência de seu
erro, não compreende o verdadeiro conteúdo de sentido no espaço jurídico social; o
decisivo é somente que o que atua em erro de tipo não seja alcançado pela função
de apelo e advertência do tipo. Em síntese, onde há erro de tipo essencial não há
dolo, onde há dolo não há erro de tipo essencial”583.
3.5.3
O dever de informação.
A presente categoria tanto pode ser examinada sob a base de uma conduta
imprudente586, quanto dolosa. E aqui está, provavelmente, a dificuldade de
distinção entre um caso e outro, frente a tipos penais axiologicamente neutros.
Deve-se perquirir se o indivíduo deixou de compreender o injusto por falta
de pesquisa. É certo que, sob o ponto de vista meramente lógico, qualquer erro
seria evitável. Segundo ROXIN, frente ao caráter fragmentário do Direito Penal,
sempre se poderia supor que o indivíduo, informando-se, teria reconhecido a
ilicitude do seu agir.
Por certo que o tema não comporta conjecturas tais. “Unas exigencias tan
exageradas entorpecerían la vida social y no se corresponden tampoco por lo
demás con los esfuerzos que la ley espera”587.
Portanto, se somente com esforços extremos teria conseguido compreender
a ilicitude do seu comportamento, deverá ser reconhecida a vencibilidade do erro
de proibição e exonerada a conduta.
Deve-se perquirir, entretanto, quando surge este especial dever de
informação. Seria, por acaso, necessário que o sujeito, a cada nova ação,
586
Por exemplo, “El cuidado necesario puede consistir, además, en el cumplimiento de deberes de
preparación e información antes de la ejecución de la acción peligrosa (cuidado como
cumplimiento de un deber de información). Aquí se trata de que el autor se procura a tiempo los
conocimientos, experiencias y capacidades sin los cuales la realización de la acción sería una
irresponsabilidad a causa del riesgo vinculado con ella”. JESCHECK, Hans-Heinrich;
WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 625. Também neste sentido, Claus ROXIN:
“De ello se deriva que en el error de prohibición la culpabilidad consiste únicamente en la
posibilidad de acceder al conocimiento del injusto, y no v.g., en la infracción, independiente de lo
anterior, de un deber de extender o poner en tensión la conciencia (hacer un esfuerzo de
conciencia)”. ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 878.
587
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 60. “Gracias a la cual se aceptaba la falta de
conciencia de la ilicitud como causa de exclusión de la culpabilidad. Ahora bien, esta buena fe no
derivaba de la simple ignorancia de la ilicitud del hecho, sino que debía existir, por parte del autor,
un convencimiento racional de la licitud fundado en que, previamente, se hubiese realizado una
actividad positiva para ajustar su conducta al ordenamiento”. Vale dizer, o erro somente seria
vencível se fosse imputável a um terceiro, responsável por ter convencido o autor da validade da
sua conduta.
227
Por fim, deve-se concordar com Claus ROXIN quando conclui que, quando
não há qualquer dos três motivos acima, não se pode falar em dever de
informação. Em casos tais, o erro será tido por escusável.
Isso acontece, segundo o professor de Munique, sobremodo no âmbito do
Direito Penal acessório, quando a lesividade de uma conduta não resta aferível
sem mais, e também quanto há normas penais muito específicas. Também quanto
às omissões, geralmente o erro será invencível, desde que não se cuide de deveres
elementares, gravados na psique individual, ao longo do processo de socialização.
Vê-se, enfim, que, quanto maior for o utilitarismo penal, tanto mais se exige
que os indivíduos se informem a respeito das normas, frequentemente
588
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 60.
589
Leia-se a este respeito, comparando o entendimento de RUDOLPHI ao de JAKOBS,
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 131.
590
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 885-887.
591
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 310.
228
3.5.4
Dever de informação e culpabilidade por condução de vida:
592
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 58-59.
593
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 883.
229
desvencilhou totalmente594.
Isto não agride, contudo, o nulla poena sine culpa, desde que o exame deste
especial dever de informação seja feito com redobrada cautela, de modo a não
trazer para o julgamento penal a própria formação cultural; universitária e demais
escolhas que o indivíduo tenha feito e que, de modo reflexo, influenciam
certamente o resultado lesivo examinado.
Aliás, soa interessante notar que, em muitas hipóteses (sobretudo quanto aos
tipos eticamente neutros), este dever de informação guardará muitas semelhanças
com o dever geral de cautela595, gerando dúvidas quanto as razões que
fundamentam a considerável diferença de tratamentos entre a violação de um e
outro.
Esta questão não será aqui examinada, frente aos limites da presente
dissertação.
3.6
Erro sobre elementos de desvalor global do fato divisíveis:
594
Esta censura por condução de vida também pode ser constatada no caso do incremento da pena
por causa da reincidência criminal, prevista no art. 61, inc. I, do código penal brasileiro.
595
“Por tanto, cuando una paciente comunica al médico que tiene algo en el corazón, es
imprudente proceder a una anestesia general sin previo examen por un internista (BGHSt 21,59).
El médico que no está perfectamente al corriente del tratamiento de una dolencia debe informarse
en la literatura científica especializada (RGSt 64, 263 [269]; 67, 12 [23]). El testigo que ya no se
acuerda exactamente debe prepararse para su declaración (p.ej. de la mano de su documentación
escrita), para evitar manifestaciones falsas (RGSt 62, 1216 [129 e s])”. ROXIN, Claus. Derecho
penal, p. 1.010.
596
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 299-302 e 590.
230
§ 240. Constreñimiento
(1) Quien constriña a una persona antijurídicamente con violencia o por medio de
amenaza con un mal considerable, a una acción, tolerancia u omisión, será
castigado con pena privativa de la libertad hasta tres años o con multa.
(2) El hecho es antijurídico cuando la utilización de la violencia o la amenaza del
mal para el fin perseguido se considere como reprochable.
(3) La tentativa es punible.
(4) En casos especialmente graves el castigo es pena privativa de la libertad de seis
meses hasta cinco años. Por regla general se presenta un caso especialmente grave
cuando el autor
1. constriña a otra persona a efectuar una acción sexual,
2. constriña a una embarazada a la interrupción del embarazo
3. abuse de sus competencias y de su posición como titula de un cargo
597
Desde que tais elementos sejam divisíveis, isto é, comportem a segmentação entre substrato da
valoração e a valoração em si, o que nem sempre ocorre. Segundo ROXIN, a pretensão tributária
seria um elemento de desvalor global do fato não divisível, podendo ser objeto exclusivamente de
um erro de tipo, frente ao caráter mais benéfico deste último. Para Muñoz CONDE, “O caráter
seqüencial das distintas categorias obriga a comprovar primeiro o problema do erro de tipo e
somente solucionado este se pode analisar o problema do erro de proibição”. Muñoz CONDE
apud BITENCOURT, César. Teoria peral do delito, p. 411. Contra, MAIWALD, Manfred.
Conocimiento del ilícito y dolo en el derecho penal tributario. Tradução de Marcelo A.
Sancinetti, Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.997,
598
ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito penal econômico, p. 106-107.
231
599
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 464-463. Atente-se para a exposição de BACIGALUPO a
respeito da teoria dominante, com a qual – por sinal – ele não concorda: “La opinión hoy
dominante parte de que los especiales elementos de al antijuridicidad son todos los elementos que
directamente dan a conocer al autor su deber jurídico (...) Estos elementos se podrían designar
como circunstancias valoradoras totales, o incluyentes de la antijuridicidad, por lo que, junto a su
función descriptiva en el caso normal, agregan la valoración total del hecho que, de lo contrario,
estaría reservada al juicio sobre la antijuridicidad. En consecuencia, se dice, un error sobre estos
elementos no es siempre un error de tipo, ni siempre un error sobre la prohibición, sino que tan
pronto es lo uno como lo otro, según que se refiera a las circunstancias determinantes de lo ilícito
o, interpretando estos elementos correctamente, que se refiera sólo a la antijuridicidad de la
acción”. BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 156.
600
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 265.
232
3.7
Erro sobre elementos de desvalor global do fato indivisíveis:
“No cabe duda que la posición minoritaria presupone una distribución más acertada
porque exige el autor un mayor cuidado frente a las consecuencias de su acción
respectos de otras personas o de los bienes jurídicos de otras personas”606.
601
CONDE, Francisco Muñoz. El error en derecho penal, p. 39: “Es casi imposible determinar si
el error sobre la existencia de la deuda tributaria en el delito fiscal es un error de tipo o un error de
prohibición, pues este elemento del delito en cuestión es, al mismo tiempo, que elemento
(normativo) del tipo, un elemento integrante de la antijuridicidad. Sino no hay deuda tributaria,
difícilmente se puede defraudar indebidamente al Erario Publico. De ahí que la polémica sobre el
tratamiento que merece este tipo de error sea inacabable y no haya encontrado todavía una
solución plenamente satisfactoria”.
602
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 464.
603
PEREZ, Carlos Martinez-Bujan. Derecho Penal económico. Parte general. Valencia: Tirant lo
Blanch, 1.998, p. 392.
604
Claus ROXIN argumenta que, “Sin embargo en los casos en los que, para comprender el
sentido social de la conducta, se ha de haber efectuado la valoración jurídica, tal valoración
pertenece también al dolo aun cuando sea prácticamente idéntica al juicio de la antijuridicidad”.
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 464.
605
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 159. Registre-se que o autor sustenta que não há
empecilhos lógicos para que a teoria dominante (defendida por ROXIN) seja aceita. Contudo, isto
não seria político criminalmente desejável. Segundo BACIGALUPO,“Un error sobre las
circunstancias de los elementos especiales de la antijuridicidad es siempre, a la vez, un error
sobre el deber o la autorización que se deriva de esas circunstancias: el abogado del ejemplo que
hemos propuesto, que no sabe de la contraposición de intereses, cree también no tener el deber de
abstenerse de intervenir”. Crítico a respeito da posição de BACIGALUPO, consulte-se CONDE,
Francisco Muñoz. El error en derecho penal, p. 75-76.
606
Idem, p. 160.
233
607
BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p.425-426.
608
Com inteira razão neste particular, MAIWALD argumenta que “La relevancia práctica de estas
opiniones diferentes seria proporcionalmente menor, para la punibilidad se hubiera un tipo de
evasión imprudente del tributo. Pues, entonces, aquel criterio que parte de un error de tipo, en caso
de afirmarse el desconocimiento imprudente del deber tributario, no llegaría, en todo caso, a la
impunidad, sino que se podría así y todo este tipo. Pero, en el derecho vigente, junto al tipo penal
de la defraudación tributaria dolosa, existe únicamente la infracción de la evasión tributaria por
ligereza (§378, AO), de modo que el ámbito del desconocimiento imprudente del deber tributario
queda impune según este criterio, e incluso se perseguirá ello como infracción, mientras que los
autores que admiten un error de prohibición llegarán en este ámbito a la punibilidad por
defraudación tributaria dolosa, y únicamente – según las circunstancias – reconocerán la
posibilidad de una atenuación de la pena”. MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo
en el derecho penal tributario, p. 23-24.
234
613
Idem, p. 52.
614
Muñoz CONDE argumenta, a respeito, que a legislação comumente não respeita uma natural
necessidade de contrabalanço. Melhor dizendo, o Direito Penal Administrativizado tem aumentado
consideravelmente o risco de cominação penal, por atuar longe daquele mínimo ético introjetado
individualmente. A teoria da culpabilidade contribui para esta expansão do Direito Penal, dado que
apenas exige um conhecimento potencial da ilicitude. Portanto, o erro de proibição deveria ser
reconhecido com maior facilidade pelos tribunais, segundo pensa o autor. Enfatiza, contudo, que
“como demuestra la regulación del error en el Derecho vigente, el legislador es parco en
conceder excesiva relevancia al error de prohibición, quizá, entre otras cosas, porque tiene miedo
de debilitar con ello la vigencia objetiva de sus normas jurídicas, sobre todo en aquellos sectores,
como el tributario, en los que no está muy seguro de que los ciudadanos aceptan de buen grado la
vigencia de esas normas”. CONDE, Francisco Muñoz. El error en derecho penal, p. 102.
615
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 464. Comparar com MAIWALD, Manfred. Obra citada, p.
50-51. Quanto ao conteúdo do dolo exigido para o crime do art. 1º da Lei 8.137, de 1.990, leia-se
LOVATTO, Alécio Adão. Crimes tributários: aspectos criminais e processuais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.000, p. 68-69.
236
“Na esmagadora maioria dos casos, o elemento intelectual do dolo do tipo será
configurado através da exigência de conhecimento de todos os supostos do facto e
(nos limites referidos) do decurso do acontecimento. Excepcionalmente, porém, à
afirmação do dolo do tipo torna-se ainda indispensável que o agente tenha actuado
com o conhecimento da proibição legal. Isto sucede sempre que o tipo de ilícito
objectivo abarca condutas cuja relevância axiológica é tão pouco significativa que
o ilícito é primariamente constituído não só ou mesmo nem tanto pela matéria
proibida, quanto também pela proibição legal. Nestes casos, com efeito, seria
contrária à experiência e à realidade da vida a afirmação de que já o conhecimento
da factualidade típica e do decurso do acontecimento orientam suficientemente a
consciência ética do agente para o desvalor do ilícito. Não queremos com isto
afirmar que o relevo axiológico da conduta valha já como consciência do ilícito.
Queremos sim significar que a pequena ou insignificativa relevância axiológica da
acção faz com que o facto, no conjunto dos seus elementos, não suscite
imediatamente um problema de desvalor ligado aos seus elementos, não suscite um
problema de desvalor ligado ao dever-ser jurídico; e que portanto o substrato de
valoração da ilicitude não é aqui constituído apenas pela conduta como tal, antes
por esta acrescida de um elemento novo: a proibição legal. Por isso o
desconhecimento desta proibição impede o conhecimento total do substrato da
valoração e determina uma insuficiente orientação da consciência ética do agente
para o problema da ilicitude. Por isso, em suma, neste campo o conhecimento da
proibição é requerido para afirmação do dolo do tipo, sem que por isso ele deixe de
ser um dolo natural, um dolo do facto (complexo)”616.
616
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 346-347. Confira-se, na mesma obra, p. 500-501
e 40. Consulte-se também DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude
em direito penal, p. 392-415, com especial atenção para a p. 403. Leia-se, por fim, DIAS, Jorge
de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas, p. 302: “é o critério
apontado que justifica que o erro sobre a proibição exclua o dolo relativamente a todos aqueles
crimes que tenham na sua base condutas axiologicamente, se não completamente neutrais (porque
então o comportamento não deveria ser qualificado pela lei como crime, mas sim e apenas como
contra-ordenação), em todo caso pouco relevantes e densificadas; isto é, crimes em que a conduta
é em definitivo ilícita em função da proteção subsidiária de um bem jurídico penal, mas em que
este não se encontra ainda nitidamente aceito como tal pela comunidade e pela sua consciência
dos valores, assumindo então aqui um certo relevo autônomo a injunção do legislador”. O texto é
de uma extrema percuciência. O critério de distinção, como visto anteriormente, pode ser
submetido a várias críticas, contudo. A maior delas está na dificuldade de se delimitar estes
elementos eticamente neutros (conceito indeterminado com ‘zonas cinzentas’ de aplicação).
237
convém recordar que o critério por ele empregado decorre do exame do tipo de
conhecimento falho (erro). Havendo falha da consciência-intelectual (cognitiva),
será afastado o dolo617. Ao contrário, se o erro for da consciência-ética, como
regra geral será censurável.
Ainda que não possa ser aceita a premissa deste raciocínio (culpabilidade de
personalidade), é evidente a sua riqueza para solucionar uma série de problemas
que se colocam perante o Finalismo, e que tem origem justamente na secção – de
qualquer sorte, arbitrária – entre a vontade (tipo) e a autocensura (culpabilidade).
Conquanto fosse, de fato, equivocado examinar o dolo apenas na fase da
culpabilidade, é fato que pelo menos havia um substrato anímico concentrado
(examinado conjuntamente). O Finalismo carregou o dolo para a tipicidade, mas
abonou a conferência da consciência da ilicitude (autocensura) na fase da
culpabilidade, o que gera os inúmeros problemas com os quais até hoje esta
corrente se depara.
Não se está defendendo aqui que a consciência do ilícito também deva ser
carregada para a tipicidade, como uma regra geral. Como se fosse o caso de criar
um ‘dolus malus’ situado na tipicidade.
Apenas está dito que isso já vem acontecendo – com um caráter excepcional
- sempre que há um elemento de desvalor global do fato indivisível, na dicção
roxiniana.
Apenas se enfatiza que o Legislador possui uma considerável liberdade para
burlar este sistema de três estratos, do conceito analítico de delito.
Basta o legislador lançar uma expressão de valoração global no tipo para
que várias conseqüências jurídicas tenham quer ser revistas.
Assim, Figueiredo DIAS está certo, quando afirma que a solução
construtivo-sistemática é meramente formal. Não há um maior exame de
substância, dado que o decisivo acaba sendo a maneira como o legislador decidiu
coibir determinada conduta.
Por vezes, sanções eticamente muito semelhantes encontrarão sentenças
617
No dizer de Hans WELZEL, por sinal, “El dolo y el conocimiento del injusto requieren
psicológicamente dos formas distintas de conciencia: aquél exige necesariamente la representación
o la percepción actual, en el momento del hecho; el segundo se conforma con un saber inactual”.
Confira-se WELZEL apud CONDE, Francisco Muñoz. El error en derecho penal, p. 50.
Portanto, o pai do finalismo também procurou uma distinção de natureza entre o dolo e a
autocensura. Ainda assim, o critério de distinção empregado pelo finalismo é o objeto do erro, e
não a espécie de conhecimento.
238
bastante diversas, tudo porque o Legislador decidiu lançar no tipo – para um dos
casos – uma conotação de ilicitude, soldando os dois elementos.
Provável que a pergunta mais importante a ser feita - por quem defende uma
dogmática vinculante ao juiz (e, como tal, garantista), como aqui se aceita -, é se a
dogmática também deve vincular o legislador. Qual é, enfim, a liberdade
reconhecida ao legislador penal em um Estado Democrático de Direito
(Constitucionalizado)?
A resposta não será sequer ensaiada, mesmo porque extrapola os limites
desta dissertação. Fica anotada, contudo, por ser fundamental para o pleno
desenvolvimento de uma dogmática de contenção do arbítrio.
3.8
Erro em face das leis penais em branco.
Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação
do trabalho:
Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à
violência.
618
DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2.005, p.
225.
619
O conceito de tipos abertos pode ser encontrado em WELZEL, Hans. Derecho penal alemán,
p. 75: “No todos los tipos satisfacen este ideal de descripción exhaustiva o de tipos cerrados. Más
bien hay muchos en los cuales la ley describe sólo una parte de los caracteres del tipo, dejando al
juez la labor de completar la otra parte, al indicarle sólo el criterio con arreglo al cual ha de
emprender la tarea de completarlo. Estos tipos que necesitan ser completados o abiertos los
encontramos, sobre todo, en los delitos culposos (ver infra §18) y en los delitos impropios de
omisión”.
620
Este é a opinião de Gabriel ADRIASOLA, bastante crítico quanto ao abuso desta delegação e
constante violação ao princípio da taxatividade da lei penal. Consulte-se ADRIASOLA, Gabriel.
Juez, Legislador y principio e taxatividad en la construcción del tipo penal in: DIAS, Jorge de
Figueiredo. El penalista liberal. Controversias nacionales e internacionales en Derecho penal,
239
procesal penal y criminología. Buenos Aires: Hammurabi, 2.004. Leia-se ainda SILVA, Pablo
Rodrigo Aflen da. Leis penais em branco e o direito penal do risco, p. 100-113.
621
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. SP: RT, 2.002, p. 649-673.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Primeiro volume: Teoria Geral do
Direito Penal. 2ª ed. RJ: Revan, 2.003, p. 50; SALOMÃO, Heloisa Estellita. A tutela penal e as
obrigações tributárias na Constituição Federal. SP: RT, 2.001, p. 177.
622
Vide a pertinente crítica de Cirino dos SANTOS à categoria ‘reflexão’ como meio de se atingir
o conhecimento do injusto. Leia-se SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 309.
623
ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito penal econômico. 85-88.
240
624
BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 425-426.
241
625
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 465.
626
Em sentido oposto, WARDA nega que a norma complementar deva ser tratada como um
elemento do tipo. Confira-se com MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el
derecho penal tributario, p. 39. Para SILVA, contudo, tais normas integram efetivamente o tipo.
Consulte-se SILVA, Pablo Rodrigo Aflen da. Leis penais em branco e o direito penal do risco,
p. 165. Também neste sentido, ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito penal
econômico, p. 99.
627
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. Prefácio de
Geraldo Ataliba e apresentação de Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Max Limonad, 1.997, p.
88-90. Vide também KAUFMANN, Armin. Teoría de las normas. Fundamentos de la dogmática
penal moderna. Tradução de Enrique Bacigalupo e Ernesto Garzón Valdés. Buenos Aires:
Ediciones Depalma, 1.977, p. 87-96.
628
BELEZA, Tereza Pizarro; PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. O regime geral do erro e
as normas penais em branco, p. 53.
242
valoração (e não da valoração deste substrato). Portanto, para DIAS, o erro sobre
o complemento sempre excluiria o tipo doloso.
BELEZA e Costa PINTO argumentam, porém, que esta resposta para o
problema deve comportar exceções. De fato,
629
Idem, p. 54.
630
Os próprios professores Pizarro BELEZA e Costa PINTO advertem que estão empregando,
simultaneamente, o critério relacionado ao objeto do erro (Finalismo) com a proposta de DIAS, ao
argumento de que ambas os fatores de diferenciação foram empregados no art. 16 do Código Penal
Português de 1.982. Leia-se BELEZA, Tereza Pizarro; PINTO, Frederico de Lacerda da Costa.
Obra citada, p. 18-29 e 61.
631
Idem, p. 56.
243
normas integradoras.
Citando Günther JAKOBS, Pablo SILVA argumenta que em uma lei penal
em branco,
632
SILVA, Pablo Rodrigo Aflen da. Leis penais em branco e o direito penal do risco, p. 151-152.
4
Conclusão.
633
Ou seja, admite-se culpabilidade sem pena. Mas, nunca, pena sem culpabilidade!
634
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 21.
635
CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da. Constituição e crime, p. 309 e ss.
245
636
Art. 1º, parágrafo único, Constituição da República Federativa do Brasil.
637
Categoria de Figueiredo DIAS. Anote-se que os vários termos não são equivalentes. Têm em
comum, contudo, a predominância da questão valorativa sobre a cognitiva. São erros de avaliação,
ao invés de erros de apreensão intelectual. Enfim, correspondem à diferença entre o substrato de
valoração e a valoração do substrato (NOWAKOWSKI).
246
638
A expressão é de Alessandro BARATTA, conforme mencionado no texto de Juarez Cirino dos
SANTOS. Novas hipóteses de criminalização. Disponível na internet via WWW.URL:
<http://www.cirino.com.br/artigos/jcs/novas_hipoteses_criminalizacao.pdf> Acesso em 10 de
julho de 2006.
247
639
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude no direito penal, p. 307.
248
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