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Flavio Antônio da Cruz

Considerações sobre o tratamento


do erro em um Direito Penal
de bases Democráticas.

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS


Programa de Pós-Graduação em Direito

Curitiba, julho de 2006


Flavio Antônio da Cruz

Considerações sobre o tratamento


do erro em um Direito Penal
de bases Democráticas.

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Direito da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Sánchez Rios

Curitiba
julho de 2006
Flavio Antônio da Cruz

Considerações sobre o tratamento


do erro em um Direito Penal
de bases Democráticas.

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Direito da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo
assinada.

Prof. Dr. Rodrigo Sánchez Rios


Orientador
Centro de Ciências Jurídicas e Sociais – PUC-PR

Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos

Profª. Dra. Heloisa Estellita Salomão

Curitiba, 31 de julho de 2006


Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do
trabalho sem a autorização da universidade, do autor e do orientador.

Flavio Antônio da Cruz

Graduou-se em Direito na Faculdade de Direito da Universidade Federal


do Paraná em 2000, com habilitação em direito privado. Concluiu o Curso
de Pós-Graduação: Especialização em Direito Tributário em dezembro de
2000, na Faculdade de Direito de Curitiba. Exerce a função de Juiz Federal
Substituto no Estado do Paraná desde o ano de 2002.

Ficha Catalográfica
Cruz, Flavio Antônio da
C957c Considerações sobre o tratamento do erro em um direito penal de bases
2006 democráticas / Flavio Antônio da Cruz ; orientador, Rodrigo Sánchez Rios.
– 2006.
273 f. ; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná,


Curitiba, 2006
Inclui bibliografia

1. Erro (Direito). 2. Direito penal. 3. Culpa (Direito). 4. Democracia.


I. Rios, Rodrigo Sánches. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

Dóris 4. ed. – 341.4359


341.5
341.5224
À Ane, minha amada, cujas noites sem sono,
acompanhando minhas leituras, tornaram o
trabalho mais doce.

Para Maria, Sebastião, Sueli, Tokio e Jane,


com afeto.
Agradecimentos

Agradeço a paciência, a dedicação sem limites e a orientação segura do Professor


Rodrigo Sánchez Rios.

Aos professores que participaram da Comissão Examinadora pela disponibilidade


e interesse.

A todos os funcionários do Mestrado da PUC-PR, com especial carinho à Eva e à


Isabel por todo o apoio ao longo do curso.

A todos os colegas que, de uma forma ou outra, contribuíram para o presente


estudo.
Resumo:

CRUZ, Flavio Antônio da. Considerações sobre o tratamento do erro em


um Direito Penal de bases Democráticas. Curitiba, 2006. 273p.
Dissertação de Mestrado – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade
Católica do Paraná.

O erro constitui um dos temas mais difíceis da dogmática penal. O autor


incorre em uma conduta objetivamente típica – lesiona bens jurídicos tutelados
penalmente – sem tomar total conhecimento do que está realmente fazendo, ou,
sem perceber o desvalor jurídico do seu comportamento. Assim, o problema do
erro demanda a contraposição entre a efetividade do Direito Penal e o respeito ao
princípio da culpabilidade, enquanto limite intransponível da pena. Questiona-se
qual é a amplitude da subjetivação da responsabilização penal, em um Estado
Democrático de Direito. Problemas especiais surgem quanto aos tipos penais
programáticos, que buscam proteger complexos funcionais. Cuida-se de normas
incriminadoras relacionadas a um planejamento social, empreendido pelo Estado
por meio da cominação penal. Em tais casos, o indivíduo somente consegue
compreender o desvalor jurídico de uma determinada conduta mediante uma
consulta a advogados ou pesquisando a legislação. Diante de uma inflação
legislativa e de um Direito Penal simbólico, deve haver redobrada cautela na
censura da conduta, sob pena de se recair em uma responsabilização versarista.

Palavras-chave
Democracia; direito; penal; subjetividade; erro; tipo; proibição;
culpabilidade.
Abstract

CRUZ, Flavio Antônio da. Considerations on the treatment of errors in a


Democratically based Penal Code. Curitiba, 2006. 273p. Master’s Degree
Dissertation – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (Faculty of Law, Católica University, Paraná State, Brazil).

Error is one of the most complex themes in penal matters. The author
examines typically objective conduct – it does penal harm to legally entrusted
assets – without being totally aware of what is really going on without perceiving
the legal ramifications of this conduct. Therefore, the problem of error requires
the contrast between the effectiveness of the Penal Code and respect concerning
the culpability principle and the insurmountable limit of the punishment.
Questions are raised as to the amplitude of subjectivity of legal responsibility in a
democratic state of law. Special problems arise concerning types of penal
programming, which seek to protect complex functions. It deals with
incriminating norms related to social planning built by the State through legal
sanctions. In such cases, the individual may only understand the legal
ramifications of a determined kind of conduct by consulting a lawyer or
researching legislation. Faced with legislative inflation and a symbolic Penal
Code, caution must be doubled in the censure of conduct as there is the risk of
falling back into versarista responsibility.

Key words
Democracy; law; penal; subjectivity; error; type; ban; culpability.
Sumário

Introdução 9

1. Premissas 25
1.1. Dogmática penal e Estado Democrático de Direito 26
1.2. Propósitos reconhecidos ao Direito Penal 40
1.3. Legalidade penal e secularização do Estado 65

2. Subjetivação do injusto e erro 78


2.1. Breve exame da evolução dogmática 83
2.2. ‘Pré-juízos’ ontológicos versus funcionalização 126
2.3. Elementos negativos do tipo 131
2.4. Elementos descritivos, normativos e de desvalor global do fato 148
2.5. Oponibilidade objetiva do Direito e o error iuris nocet 158
2.6. Algumas notas sobre a culpabilidade 162
2.7. As espécies de dolo 183

3. Erro de tipo versus erro de proibição 192


3.1. Seqüência do exame dos elementos psíquicos 193
3.2. Critérios de distinção 195
3.3. Profundidade do conhecimento exigido para o dolo 203
3.4. Objeto da consciência do injusto 216
3.5. Acesso à compreensão da ilicitude 221
3.6. Erro sobre os elementos de desvalor global do fato divisíveis 229
3.7. Erro sobre os elementos de desvalor global do fato indivisíveis 231
3.8. Erro em face das leis penais em branco 238

4. Conclusões 244

5. Referências bibliográficas 252


Introdução:

O objeto do presente trabalho é o estudo dos efeitos atribuídos ao erro em


um Direito Penal de base democrática, comprometido com a proteção dos bens
jurídicos fundamentais e com o postulado da racionalidade da intervenção estatal.
O erro pode ser compreendido como sendo a equivocada percepção de uma
determinada realidade empírica ou valorativa pelo causador de um resultado
típico1. Portanto, o conceito de erro contrapõe-se à noção de acerto, em que há
uma correspondência entre a representação mental e o ente representado2.
Para fins penais, comumente a expressão erro também vem sendo utilizada

1
CONDE, Francisco Muñoz. El error en derecho penal. Buenos Aires: Rubinzal Culzoni
Editores, 2.003, p. 13. Consulte-se também MIR PUIG, Santiago. Derecho penal. Parte general. 7ª
ed. Buenos Aires: Julio César Faira Editor (Editorial IB de F), 2.004, p. 270 e JAKOBS, Günther.
A autoria mediata com instrumentos que atuam por erro como problema de imputação objetiva in:
Revista ibero-americana de ciências penais. Porto Alegre: CEIP, ano 3, número 7, set./dez.
2002, p. 79.
2
O estudo do erro exige uma prévia compreensão do conhecimento enquanto fenômeno humano.
Para as epistemologias antigas, sobretudo a aristotélica, o conhecimento demandaria a reprodução
exata, no pensamento, do objeto de estudo (adaequatio intellectus ad rem). Posteriormente, com
Immanuel KANT, resta ultrapassada esta concepção. São reconhecidos os limites inerentes à
capacidade humana de se relacionar com o mundo. KANT supera - em solução de compromisso -
tanto os céticos (que diziam que o conhecimento se resume a um amontoado de fatos e de
presunções, não sendo possível qualquer metafísica, como queria David HUME, frente à falácia do
raciocínio indutivo) quanto os racionalistas (que diziam que todo o conhecimento emanava da
mente humana, sendo independente de qualquer experiência, como queria DESCARTES, ao
fundar a certeza do mundo no cogito). O autor da Crítica à Razão Pura sustentou que o
conhecimento demanda simultaneamente tanto a experiência empírica quanto os elementos
apriorísticos transcendentais, inerentes à razão humana (noção de causa e efeito; noção de
totalidade; de espaço e tempo, etc.). O conhecimento absoluto do que existe (da coisa em si –
noumenica) é impossível ao ser humano, diante dos filtros inerentes à razão. Anote-se, por fim,
que hodiernamente há epistemologias que sustentam que o conhecimento é um produto social,
decorrente de escolhas políticas formuladas em determinado contexto histórico. A ciência é
eminentemente pragmática, enfim. Não corresponde - desse modo - a um ato de contemplação
isolada do mundo e dos seus signos, mas sim, a um fenômeno dialético, de interação humana, de
utilidade e de dominação (como elucida FOUCAULT). A respeito do tema confira-se REALE,
Giovane; ANTISERI, Dario. História da filosofia. 7ª ed. SP; Paulus, 2º vol., 2.005, p. 869;
HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant. Tradução de Christian Viktor Hamm e Valerio Rodhen. SP:
Martins Fontes, 2.005, p. 33-53. Recomenda-se a leitura do capítulo oitavo da obra Filosofía del
derecho, de autoria de Arthur KAUFMANN, ao versar sobre a íntima conexão entre a imputação
jurídica e a linguagem e entre esta (a linguagem) e o conhecimento. Leia-se ainda o Tratado
lógico-filosófico, de Ludwig WITTGENSTEIN, a respeito do liame entre o conhecimento e
linguagem. É salutar o contraponto entre POPPER, Karl. Conjecturas e refutações. Coimbra:
Almedina, 2.003 e TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. BH: Del Rey, 2.000, p. 23-42.
Por fim, leia-se a respeito da proposta epistemológica subjacente à autopoiese biologicista na
introdução empreendida por José Engrácia Antunes à obra TEUBNER, Günther. O direito como
sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1.993, p. VIII.
10

para designar a ignorância, em que sequer há qualquer representação3 por parte do


autor, não obstante se cuide de estados de consciência que não podem ser
confundidos.
A teoria do erro constitui um dos tópicos mais intrigantes de toda a teoria do
delito. Como argumenta María A. Trapero BARREALES,

“La teoría del error constituye sin lugar a dudas uno de los puntos más
controvertidos de la teoría del delito al tiempo que se presenta como la prueba de la
evolución que se ha operado en este sector del ordenamiento desde la concepción
objetiva basada en la responsabilidad objetiva, por el resultado, a la vigencia de los
principios de la responsabilidad subjetiva y de culpabilidad como limites del ius
puniendi”4.

Para Castro MORENO, “dentro del estudio de la teoría jurídica del delito,
el error es, sin duda alguna, una de las cuestiones centrales, lo que ha motivado
que la doctrina jurídica se haya ocupado del mismo en multitud de trabajos
científicos”5.
Ora,

“Um dos mais difundidos adágios expressa, em língua latina, verdade que cada um
pode constatar em sua própria experiência existencial: errare humanum est. Errar é
humano, ou melhor, é um atributo do homem, faz parte da natureza humana. Não
poderia, pois, a Ciência do Direito, que se situa entre as que têm por objeto fatos
humanos, deixar de ocupar-se seriamente com tal fenômeno”6.

A despeito dos inúmeros estudos já empreendidos, ainda há espaço para a


reiteração de perguntas que - conquanto sejam antigas - continuam a causar
perplexidades. Provável que a maior virtude do tema em debate seja justamente a

3
TOLEDO, Francisco de Assis. O erro no direito penal. SP: Saraiva, 1.977, p. 2. MUNHOZ
NETTO, Alcides. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal. RJ: Forense, 1.978, p. 2-
3. JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal. Parte general.
5ª ed. atual. e ampl. Tradução de Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Colmares, 2.002, p. 328.
BELEZA, Tereza Pizarro; PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. O regime geral do erro e as
normas penais em branco. Ubi lex distinguit. Coimbra: Almedina, 2.001, p. 10.
4
BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación. Valencia: Tirant lo
Blanch, 2.004, p. 35. Em sentido semelhante, confira-se com W. SAUER, citado por Figueiredo
DIAS: “Nenhum capítulo de toda a doutrina do dolo e mesmo de todo o direito penal é tão cheio
de significação prática e tão difícil como o do erro de direito. Ele pertence ao trabalho diário da
justiça penal, ao mesmo tempo em que põe em questão os alicerces da nossa ciência. É o
calcanhar de Aquiles da doutrina do crime”. DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da
consciência da ilicitude em direito penal. 5ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2.000, p. 01.
5
MORENO, Abraham Castro. El error sobre las circunstancias atenuantes. El error sobre las
circunstancias atenuantes genéricas modificativas de la responsabilidad y sobre los elementos
accidentales de los tipos privilegiados. Valencia: Tirant lo Blanch, 2.003, p. 15.
6
TOLEDO, Francisco de Assis. O erro no direito penal, p. 01.
11

de suscitar uma reflexão sobre a integralidade da teoria do delito7, e sobre as


opções políticas fundamentais que lhe são subjacentes.

“Ciertamente el círculo de los temas objeto de controversia en el ámbito del error


se ha ido desplazando en el curso de los últimos cien años: algunos aspectos, que se
debatían de forma vehemente con anterioridad, han quedado relegados – y no
exclusivamente por obra del famoso plumazo del legislador – a un segundo plano.
Sin embargo, ello no ha hecho que se reduzca el número de las cuestiones
polémicas en este ámbito; al contrario, las modificaciones en la perspectiva con la
que se afronta la comprensión del injusto y la culpabilidad han hecho que se
desarrollen ahi nuevas controversias que, en la competencia entre la nueva y la
vieja visión sistemática y su combinación con divergentes soluciones materiales,
8
han dado lugar a un cuadro de opiniones extraordinariamente complejo” .

Com efeito, a tendência para a adoção de um dolo valorado (dolus malus) ou


para a defesa de um dolo vinculado apenas à vontade do fato (dolo natural) surte
importantes reflexos penais na temática do erro9, consoante se evidenciará ao
longo deste estudo10, partindo-se da premissa de que é obrigatória a coerência
entre as afirmações de índole construtivo-sistemáticas e as conseqüências jurídicas
correspondentes11.

7
FELIP I SABORIT, David. Error iuris. El conocimiento de la antijuricidad y el artículo 14
del Código Penal. Barcelona: Atelier, 2.000, p. 23: “No en vano el error de prohibición, más allá
de su importancia intrínseca, ha sido el banco de pruebas predilecto en el análisis de las
construcciones de la teoría general del delito, de tal manera que la plasmación legislativa de
dicho error ha sido considerada determinante para establecer la compatibilidad de las diferentes
concepciones del delito con el ordenamiento jurídico de cada país”.
8
FRISCH, Wolfgang. El error como causa de exclusión del injusto y/o como causa de exclusión
de la culpabilidad in: _____ El error en el derecho penal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.999, p. 14.
9
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 15 e ss.
10
Muito embora haja a percepção generalizada de que a teoria do dolo teria sido totalmente
superada pela teoria da culpabilidade (de lastro finalista), vê-se que a questão ainda demanda
indagações relevantes. Autores da magnitude intelectual de ROXIN adotam, em certa medida, um
dolo que não é a mera vontade do resultado típico. Isto porque Claus ROXIN adota a teoria
limitada da culpabilidade, que exclui o juízo de tipicidade dolosa, quanto o agente erra sobre o
substrato fático de uma causa de justificação (apesar de haver dolo). Confira-se: “Actua
dolosamente quien se decide por una conducta que está prohibida por el ordenamiento jurídico
(aun cuando no conozca esa prohibición). A quien sin embargo se guía por representaciones que
también en un enjuiciamiento objetivo se dirigen a algo jurídicamente permitido, y produce un
resultado indeseado por falta de atención y cuidado, le es aplicable el reproche de la
imprudencia. Así sucede en el error sobre los presupuestos objetivos o materiales de una causa de
justificación, que en consecuencia hay que equiparar a un error de tipo del §16”. ROXIN, Claus.
Derecho penal, p. 583.
11
Com efeito, caso se admita que seja totalmente livre a valoração jurídica dos vários elementos
do crime – seja por parte do legislador, seja por parte do Juiz – é fato que o conteúdo garantista do
conceito analítico do delito restará severamente atingido. Afinal de contas, não haveria muita
utilidade em se delimitar as relações lógicas (e, como tal, de mútua imbricação e condicionamento)
existentes entre as várias categorias se, ao final, pudessem ser simplesmente olvidadas. Registre-
se, porém, que Figueiredo DIAS e Enrique BACIGALUPO entendem que a construção sistemática
do delito não tem importância fundamental para a solução da questão do erro, dado que o tipo de
erro não coincide com o tipo de crime (os objetos cujo desconhecimento/má compreensão dão
12

A inclusão da consciência da ilicitude como componente do conceito do


dolo viabiliza a aplicação de uma resposta unitária12 para a temática do erro,
inibindo sempre a tipificação dolosa, mas permitindo a responsabilização do
agente por crime imprudente, desde que previsto em lei e que se cuide de um
equívoco evitável.
Já a segmentação dos elementos intelectivos em vontade (dolo) - situada no
tipo -, e a auto-avaliação da conduta (compreensão da ilicitude do seu agir) -
posicionada na culpabilidade -, implicam na atribuição de distintas soluções
jurídicas para o engano, permitindo a punição a título doloso, caso o agente tenha
incorrido em erro indesculpável de proibição, suprindo as assim chamadas
‘lacunas de punibilidade’13, frente a ordenamentos jurídicos em que a tipificação
dos delitos imprudentes tem caráter excepcional14.

origem ao erro de tipo não são todos aqueles que compõem o tipo penal. Não há como, por
exemplo, alegar o desconhecimento dos tipos subjetivos gerarem o erro de tipo). Confira-se DIAS,
Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 145-150 e
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error. 3ª ed. Buenos Aires: Hammurabi, 2.002, p. 62-64. Ainda
neste sentido, vide ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 278; 289 e 477: “El tipo a efectos de error
no es necesariamente idéntico al tipo sistemático”. JESCHECK e WEIGEND sustentam, porém,
que “El dolo debe referirse a todos los elementos del tipo objetivo”. JESCHECK, Hans-Heinrich;
WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 316.
12
Destaque-se, contudo, que a Teoria Limitada do Dolo admite soluções distintas para o erro de
proibição e o erro de tipo, sempre que a falta de compreensão do desvalor da conduta decorrer de
uma predisposição para a ignorância dos preceitos legais, frente a uma categoria comumente
denominada de “aversão/hostilidade ao direito”, defendida pelo fascista Edmund MEZGER (e
criticada por HAFTER) e que perigosamente acena para um direito penal do autor, no qual a
culpabilidade é aferida por conta de presumidas opções imemoriais do agente, como se lhe fosse
possível simplesmente escolher não conhecer o Direito da sociedade em que vive (note-se que o
Direito não é o mesmo que a Lei. Quanto à relação entre Direito e moral, em um contexto de
superação do positivismo jurídico, vide ainda ALEXY, Robert. El concepto y la validez del
derecho. 2ª ed. Tradução de Jorge M. Seña. Barcelona: Gedisa, 2.004, p. 123-126. Também
VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. Tradução de Cláudia Berliner.
SP: Martins Fontes, 2.005, p. 45 (a respeito da distinção entre direito e moral em Aristóteles).
Aliás, a respeito da filiação de MEZGER ao nacional socialismo, confira-se CONDE, Francisco
Muñoz. La otra cara de Edmund Mezger: su participación en el proyecto de ley sobre
Gemeinschaftsfremde in: El penalista liberal, 2.004, p. 694-716; CONDE, Francisco Muñoz.
Edmund Mezger e o direito penal do seu tempo. Estudos sobre o direito penal no nacional-
socialismo. 4ª ed. São Paulo: Editora Lumen Juris, 2.005.
13
Com efeito, a chamada teoria estrita do dolo, defendida por Karl BINDING exigia - por dever de
coerência - que os seus adeptos reconhecessem que todo equívoco (fosse de percepção ou de
valoração) implicava a exclusão do dolo, apenas permitindo a imputação a título de negligência,
desde que o erro fosse indesculpável e houvesse previsão legislativa do tipo culposo respectivo.
Dado que a tipificação culposa é exceção no sistema (o Direito Penal é fundado no desvalor da
intenção, muito mais do que no desvalor do resultado), a referida teoria ensejava uma maior gama
de absolvições. Daí que, em certa medida, o retorno a um dolo valorado (dolus malus) poderia
corresponder às aspirações da corrente minimalista do Direito Penal (defendida por teóricos do
porte de FERRAJOLI; Louk HULSMAN e Nils CHRISTIE). Este argumento somente se sustenta,
porém, diante da manutenção de um determinado estado de coisas, isto é, diante de um sistema que
não generalize a imputação por erro na execução, e em que as diferenças entre as penas dos tipos
dolosos e culposos sejam consideráveis.
14
TAVARES, Juarez. Direito penal da negligência. Uma contribuição à teoria do crime culposo.
13

A diferença não é sibilina. A adoção de um dolus malus implica a


descaracterização da tipificação dolosa, sempre que o agente atuar com equívoco,
qualquer que seja este. E, nessa medida, enseja um grau maior de atipicidade,
diante da ausência de modalidade culposa para muitos delitos, sobremodo quanto
à criminalidade econômica. Também acarreta um tratamento uniforme de
realidades aparentemente distintas: o equívoco a respeito da percepção da
realidade empírica circundante ao agente (o agente supõe que atira em um
espantalho, que depois constata ser uma criança) e o equívoco na compreensão
valorativa da própria conduta (supõe ser válida a prática de rufianismo, por ilação
da constatação de que a prostituição não é crime).
Convém lembrar que a inclusão da vontade anímica (dolo natural)
diretamente no tipo de injusto torna a noção de ilicitude dependente do querer do
agente. Melhor dizendo, a ilicitude deixa de ser uma contraposição lógica entre
um resultado objetivo e uma determinada hipótese normativa, para se tornar um
injusto subjetivado, dependente de um exame da psique do autor. Sob certo
aspecto, cuida-se de um resgate da “boa vontade” kantiana, erigida como
fundamento último do comportamento ético.
Sob esta ótica, ações aparentemente idênticas - tais como a de dois médicos,
ao examinarem suas pacientes – poderão receber qualificações jurídicas distintas,
tudo a depender da intenção com que agiu o autor.
Logo, frente à existência de uma tipicidade composta de dados objetivos e
subjetivos – reconhecida pela ampla maioria da doutrina e consagrada
normativamente –, um eventual engano, por parte do agente, quanto ao objeto da
conduta resultará no afastamento da ilicitude do agir. E, nessa medida (erro de
tipo desculpável, por exemplo), referida qualidade – de agir lícito - deverá ser
respeitada por todos os ramos do pensamento jurídico, frente ao postulado da sua
unidade e não contradição do Direito, que permeia a sua compreensão enquanto
sistema coerente de normas15.

2ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2.003, p. 433.


15
A divisão do Direito em segmentos (Direito Civil, Tributário, Penal, etc.) presta-se apenas para
fins didático-científicos. A rigor, a noção do Direito – enquanto limite entre as aspirações
individuais e as exigências do convívio social – demanda o reconhecimento da sua unidade
intrínseca, ainda que seja discutível a efetiva existência de um ‘Sistema do Direito’, nos moldes
em que vem sendo propugnado por Niklas LUHMANN, vinculado a certo organicismo originado
das ciências biológicas (MATURANA/VARELA). Confira-se com a introdução da obra
TEUBNER, Günther. O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1.993. Recai-se aqui - bem se vê - no conhecido debate a respeito da natureza
14

Por outro lado, a defesa de um dolo totalmente neutro, conceituado apenas


como vontade, também não é despida de dificuldades. Provável que a primeira
delas seja a fragilidade dessa separação pretensamente absoluta entre a percepção
empírica (sensação, visualização) e a compreensão do mundo (valoração,
sentimento).
O conhecimento fático não é ontologicamente distinto da compreensão
normativa. Ao contrário, não há nada no ser humano que não seja, em essência,
valoração; atribuição de significado16. Ao se relacionar consigo (consciência) e
com o meio circundante (alteridade), o homem está constantemente atribuindo
propósito para si e para as demais pessoas e coisas17.
A título de exemplo, veja-se que o conceito de carro não é apenas descritivo.
O entendimento do que é um carro pressupõe que o sujeito possa reconhecer a sua
função no amplo contexto de interação social. Melhor dizendo, supõe uma pré-
compreensão18 do mundo, antes que realmente se possa dizer que se sabe o que é
um veículo. Alguém que tenha nascido em uma ilha e tenha vivido isolado de
todos, ao ser apresentado pela primeira vez a um automóvel estacionado, verá
apenas um conjunto de metais, de tintas, borrachas, etc. Apenas terá a percepção
da matéria, todavia não reconhecerá o ser do carro, que é muito mais que a sua
ontologia física, porquanto abrange também a complexa atribuição de significados
que lhe são associados. No mundo em si, o carro não existe.
Referidos signos apenas serão compreendidos, portanto, por aqueles que
comungam de uma mesma base de socialização/institucionalização valorativa19.
O objeto carro pode ser compreendido, enquanto significante social, sob o

constitutiva ou meramente ancilar da sanção penal (O direito penal poderia tipificar penalmente
algo que não fosse desvalorado por nenhum outro ramo do Direito?). De qualquer sorte, por ora,
convém ficar com a noção de que, por exemplo, aquilo que o Direito Tributário autoriza não pode
ser sancionado pelo Direito Penal, dado que não são admissíveis contradições normativas, sob
pena de se violar a boa fé dos administrados, dos quais não se pode exigir que - a todo tempo -,
desconfiem de que o Estado desconhece a Lei que ele próprio edita, incorrendo em antagonismos
insuperáveis.
16
ORTEGA Y GASSET, José. Obras completas. Madrid: Editorial Alianza, 1993: “Eu sou eu e
minhas circunstâncias, se não me salvo a elas, não se me salvo a mim mesmo”. Ainda neste
sentido, confira-se com KAUFMANN, Arthur. Filosofía del derecho. Tradução de Luis Villar
Borda e Ana María Montoya. Bogotá: Universidad Externado de Colombia. 1.999, p. 222 e ss. e
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis:
Vozes, 1.997, p. 368-396.
17
Leia-se PUPPE, Ingeborg. Error de hecho, error de derecho, error de subsunción. in: FRISCH,
Wolfgang. El error en el derecho penal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.999, p. 105-107.
18
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método, p. 385-396.
19
A respeito do conceito de socialização e da institucionalização, consulte-se TAVARES, Juarez.
Teoria do injusto penal, p. 67, em que se faz referência à obra de Talcott PARSONS.
15

ponto de vista de utilidade (transporte de pessoas e coisas); símbolo (status


social); afeto (evocação de lembranças pessoais), etc. Qualquer mudança na
atribuição de propósito social também surtirá efeitos sobre a compreensão
valorativa. Não há como confundir a apreciação que se faz de um tanque de guerra
nazista e a de uma ambulância, em que pese ambos estarem ajustados a um
idêntico conceito de veículo.
Assim sendo, em inúmeras situações, a distinção entre a percepção20 fática e
a compreensão valorativa dos fatos revela-se impraticável21, não passando de uma

20
Neste trabalho, será utilizada a expressão percepção fática para indicar o conhecimento, por
parte do agente, do contexto empírico em que está envolvido. A expressão compreensão normativa
será empregada para fazer referência ao efetivo entendimento, por parte do autor, da valoração
social da conduta por ele praticada. Cuida-se de uma diferenciação ensaiada por DIAS, Jorge de
Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. SP: RT, 1.999, p. 293. Anote-
se, porém, que – a rigor - não há uma verdadeira distinção ontológica entre um fenômeno e outro,
frente à premissa de que tudo, no ser humano, é atribuição constante de significado para si e para o
que dele se avizinha. Talvez a diferença entre a percepção fática e a compreensão normativa seja
apenas de dimensão, de grau, sobremodo quando se tem em conta que o conhecimento é sempre
intermediado pela linguagem e que esta é essencialmente valorativa. Saber o que ocorre em
determinado contexto fático exige, por certo, o domínio do código semântico compartilhado pela
comunidade em que o autor está inserido, que abrange tanto a linguagem falada, quanto os signos
não escritos (expressões corporais; indicações de participação em determinado grupo; etc.). Caso o
autor não saiba o que é um computador, também não poderá quebrar sigilo de outrem. Caso o
indivíduo não saiba, de antemão, o significado e a utilidade do cheque, tampouco poderá incorrer
em um crime de apropriação indébita, notadamente porque o próprio tipo (na origem,
pretensamente descritivo) exige uma intenção especial; uma tendência interna (o querer ter pra si)
para que o próprio ilícito possa surgir. Ou seja, não se pode olvidar que a percepção fática também
exige o reconhecimento de significado social. Contudo – mesmo que ciente desta ressalva – não se
pode deixar de fazer uso da distinção. Quando se emprega, nesta dissertação, o termo compreensão
valorativa, busca-se enfatizar um fenômeno mais complexo. Implica, nesta quadra, contrapor o
indivíduo às opções políticas fundamentais da sua comunidade em cada situação de vida. Melhor
dizendo, implica aferir se o agente tinha consciência de que a conduta realizada era desaprovada
pelo Direito Oficial/Estatal. Aqui se perquire se basta a possibilidade de se alcançar o
conhecimento (conhecimento in potencia)? - o que não é, na verdade do ato, conhecimento algum.
Também se indaga se basta o entendimento de que a conduta viola a moral coletiva (mas, não
necessariamente, a Lei penal). A respeito desta última questão, confira-se com FELIP I
SABORIT, David. Obra citada, p. 109-113. Por outro lado, “Deve-se tratar diversamente quem
desconhece a Lei daquele outro que, apesar de conhecê-la, a entende indevida,
inconstitucional?”, ou melhor, “Até onde vai o direito de resistência civil; a competência
individual para a interpretação da Lei?” Por acaso um delegado estaria obrigado a se socorrer
previamente a um provimento jurisdicional para deixar de cumprir uma Lei que impusesse a
tortura? Ou poderia, desde logo, simplesmente desconsiderar uma Lei absurda desta? Portanto,
adota-se aqui a tese, defendida por Gustav RADBRUCH e por Robert ALEXY de que uma Lei
absurdamente injusta sequer é jurídica, não podendo constranger seus destinatários. Por fim, deve-
se aferir o limite do direito de resistência, verbalizado no célebre manifesto de Henry David
THOREAU: "Saibam todos quantos esta declaração lerem que eu, Henry Thoreau, não desejo ser
considerado integrante de qualquer sociedade organizada à qual não tenha aderido”.
THOREAU, Henry David. A desobediência civil. Tradução: Sérgio Karam. Porto Alegre: L&PM,
1997. Qual é, enfim, a ‘liberdade de rebelião’ individual contra as amarras institucionalizadas,
notadamente diante de um Estado em constante crise ética? Consulte-se, para tanto, MIRANDA,
Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV. Direitos fundamentais. 3ª ed. revista e
atualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2.000, p. 359-366.
21
SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. 4ª ed. Curitiba: ICPC: Lumen
Juris, 2.005, p. 82 e ss. Anote-se, por sinal, que esta pretensão de separar o conhecimento do
16

presunção – o que destoa, enfim, do complexo fenômeno da intelecção


(conhecimento da conduta a ser evitada em determinado contexto fático e a
efetiva capacidade de evitação) - sobremodo quando se considera que a grande
maioria das ações humanas é automatizada, sem precedência de um momento
detido de reflexão, como escapa do homem idealizado por Immanuel KANT.
Logo, é fato que a distribuição dos elementos anímicos (querer/avaliar) no
interior da estrutura analítica ainda não está imune às críticas, com consideráveis
conseqüências para o juízo de responsabilização criminal.
Também não se pode perder de vista que o tipo objetivo vem sofrendo um
incremento constante de elementos de valoração. Com as teorias da imputação
objetiva do resultado, tem-se antecipado já para a fase de análise da tipicidade
objetiva questões anteriormente resolvidas com a aferição da intenção o agente
(tipo subjetivo) ou por época do exame da culpabilidade (sistema de três níveis).
Certamente que as mencionadas teorias têm permitido uma maior clareza na
diferenciação entre o reconhecimento de um nexo causal empírico – aferível22 nos
crimes de resultado - e o juízo de imputação, concebido como sendo a valoração
jurídica indispensável para se atribuir a alguém determinado sucesso fático. Aliás,
conforme sabido, é possível a imputação do resultado ao agente mesmo quando
falta o nexo etiológico, tal como ocorre nos chamados crimes de omissão

substrato típico (erro de tipo) da compreensão normativa (erro de proibição) é a causa da


construção de válvulas de escape tais como: ‘valoração paralela na esfera do profano’ (MEZGER);
‘diferenciação entre erro de subsunção e erro de proibição’ e a ‘resistência/inimizade do direito’,
mencionadas ao longo da presente monografia. Mencione-se, por oportuno, que teóricos do porte
de Haro OTTO e Enrique BACIGALUPO defendem que o juízo de reprovação penal exige, em
um Estado Democrático de Direito, que o agente realmente conheça a punibilidade penal da
conduta. A adoção desta tese, de forma absoluta, poderia ensejar uma considerável lacuna de
punibilidade, dado que sequer os legisladores, os juízes ou os advogados conhecem todas as leis
penais existentes, notadamente em um país como o Brasil, submetido a uma avassaladora inflação
legislativa, fruto de um Direito Penal Simbólico.
22
Por mais que também aqui a questão não seja imune às dúvidas. Com efeito, “Todos os
conteúdos da mente humana outra coisa não são senão percepções, dividindo-se em duas grandes
classes, que chama de impressões e idéias. HUME só põe duas diferenças entre as primeiras e as
segundas: a) a primeira classe diz respeito à força ou vivacidade com que as percepções se
apresentam à nossa mente; b) a segunda diz respeito à ordem e à sucessão com que elas se
apresentam” (REALE, Giovane; ANTISERI, Dario. História da filosofia, v. 2, p. 557). Aliás,
para HUME, “Causa e efeito são duas idéias bem distintas entre si, no sentido de que nenhuma
análise da idéia de causa, por mais acurada que seja, pode nos fazer descobrir a priori o efeito
que dela deriva (...) Não é possível à mente encontrar nunca o efeito da pretensa causa, nem
mesmo com a investigação e o exame mais acurados, dado que o efeito é totalmente diverso da
causa e, conseqüentemente, não pode nunca ser descoberto nela. Se eu atinjo uma bola de bilhar
com outra bola, digo que a primeira causou o movimento da segunda; entretanto, o movimento da
segunda bola de bilhar é fato completamente diferente do movimento da primeira e não está
incluído nela a priori”. (Obra citada, pp. 564-565). É fato que as dúvidas suscitadas por David
HUME foram magistralmente enfrentadas por Immanuel KANT, responsável, por isto mesmo, por
salvar a possibilidade de uma ciência causal.
17

imprópria, em que é exigido do autor um dever de evitação do resultado (posição


de garantidor).
A par desse maior rendimento explicativo, as teorias da imputação objetiva
exoneram o indivíduo - já no exame da tipicidade objetiva -, de ter que responder
por eventos insuscetíveis de controle (decorrentes de um mero azar, p.ex.) e por
eventos lesivos não tutelados pelo chamado “âmbito de proteção da norma”, o que
reduz a contingência da vida social na exata medida em que os sujeitos devem
preocupar-se apenas com o âmbito das suas competências, em cada papel social
específico.
Ao invés de se ficar com um exame de constatação empírica (investigação
de fatos), as referidas teorias da imputação23 trazem para o exame da tipicidade
objetiva elementos de valoração jurídica, o que torna muito tênue o limite entre a
análise da tipicidade e a da ilicitude, dando força à corrente minoritária que
defende o conceito bipartido do fato punível24, revigorando a teoria dos elementos
negativos do tipo.
De qualquer forma, é certo que esta antecipação da apreciação valorativa já
para a quadra da tipicidade objetiva, sepultou de vez qualquer pretensão à
existência de uma tipicidade neutra, meramente descritiva (modelo de BELING),
o que surte reflexos interessantes para a questão sob holofote.
Esta carga axiológica, trazida para o tipo objetivo, complica ainda mais a
separação entre os erros de proibição (fundados em equívocos de compreensão do
desvalor da conduta adotada) dos erros de tipo (fundados nos equívocos de

23
Como elucida Luiz Régis PRADO, deve-se falar em ‘teorias da imputação objetiva’, dado que,
ao contrário dos movimentos anteriores, não há uma unidade entre as várias propostas agrupadas
sob este epíteto. Confira-se PRADO, Luiz Régis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da
imputação objetiva do resultado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.002, p. 16.
24
No Brasil, leia-se MACHADO, Luiz Alberto. Direito criminal. Parte Geral. SP: RT, 1.987.
Anote-se, por oportuno, com Figueiredo DIAS que “Se há uma distinção entre erro sobre o tipo e
erro sobre a proibição, ela só pode ser o reflexo, como num espelho, da distinção entre tipo e
ilicitude, enquanto momentos constitutivos autônomos do conceito de crime”. DIAS, Jorge de
Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 67. Ora, o professor
lusitano também formula graves críticas contra a doutrina do tipo indiciário da ilicitude, vale dizer,
contra a pretensão de se segmentar totalmente o momento do exame típico (tipicidade) do
confronto entre a conduta e o Ordenamento (ilicitude) – o que é inerente à teoria de três níveis.
Figueiredo DIAS leva em conta, em síntese, a questão da adequação social da conduta (já
considerada por WELZEL) e também o problema dos tipos abertos (offene Tatbestände) e dos
elementos de dever jurídico presentes na descrição típica. Confira-se em p. 80-81. Com
fundamento em ROXIN, o autor sustenta que “Terá de concordar-se, porém, com aqueles que
afirmam ser a distinção substancial entre momentos especiais da ilicitude e causas de justificação
impossível de fazer com um mínimo aceitável de segurança”. Vê-se, aliás, que Figueiredo DIAS
manifesta certa simpatia pela teoria dos elementos negativos do tipo em p. 88 da referida obra
(com exame crítico em p. 93-94).
18

percepção dos eventos empíricos realizados).


Equívocos sobre elementos normativos do tipo também têm provocado
inúmeras discussões, com infindáveis debates25, notadamente quando se cuidam
dos chamados elementos do dever jurídico, também chamados de elementos de
desvalor global do fato, gerando a necessidade de se delimitar qual a espécie e
objeto do conhecimento exigido pelo dolo, para que haja “preenchimento” do tipo
subjetivo.
Soma-se a isto a natural dificuldade de se precisar exatamente o que seriam
os chamados “elementos normativos do tipo”, na exata medida em que
praticamente não existem conceitos meramente descritivos, consoante elucida
Arthur KAUFMANN26.
Geralmente, tem-se sustentado que os tais ‘elementos normativos’ são
aqueles que demandam complementação conceitual por parte do Juiz, diante da
situação concreta examinada e levando-se em conta o uso que a sociedade faz do
termo (exemplo: conceito de mulher honesta, na redação original do CPB de
1.940) ou o conceito delimitado pela Lei (p.ex., o conceito de tributo, para fins do
art. 1º da Lei 8.137/90).
Noutra via, o crescente utilitarismo penal - mediante emprego da tipificação
criminal como instrumento de administração programática de interesses
(‘administrativização do direito penal’27) - também deve ser tido em conta, ao se

25
MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el derecho penal tributario.
Tradução de Marcelo A. Sancinetti, Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.997, p. 22 e ss.
26
KAUFMANN, Arthur. Filosofía del derecho. Tradução de Luis Villar Borda e Ana María
Montoya. Bogotá: Universidad Externado de Colombia. 1.999, p. 156-157. O autor sustenta que
apenas as expressões numéricas poderiam ser compreendidas como verdadeiras descrições. Tudo o
mais comportaria, em uma maior ou menor medida, uma apreciação valorativa, dependentes de
uma pré-compreensão, na linha de GADAMER. Tudo seria analogia, no dizer de KAUFMANN
(Obra citada, p. 158).
27
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. SP: RT, 2.002, p. 649-673.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Primeiro volume: Teoria Geral do
Direito Penal. 2ª ed. RJ: Revan, 2.003, p. 50, em que se sustenta que a administrativização do
Direito Penal “Se caracteriza pela pretensão de um uso indiscriminado do poder punitivo para
reforçar o cumprimento de certas obrigações públicas (em especial no âmbito fiscal, societário,
previdenciário, etc.), o que banaliza o conteúdo da legislação penal, destrói o conceito limitativo
de bem jurídico, aprofunda a ficção do conhecimento da Lei, põe em crise a concepção do dolo,
vale-se de responsabilidade objetiva e, em geral, privilegia o estado em suma relação com o
patrimônio dos habitantes”. SALOMÃO, Heloisa Estellita. A tutela penal e as obrigações
tributárias na Constituição Federal. SP: RT, 2.001, p. 177. Por fim, no dizer de REALE
JÚNIOR: “A administrativização do Direito Penal torna a lei penal um regulamento, sancionando
a inobservância a regras de convivência da Administração Pública, matérias antes de cunho
disciplinar. No seu substrato está a concepção pela qual a lei penal visa antes a organizar' do que
a proteger, sendo, portanto, destituída da finalidade de consagrar valores e tutelá-los”. REALE
JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 21.
19

estudar o erro sobre a valoração da conduta, na exata medida em que, com isto,
cada vez se torna mais inverossímil o postulado de ‘esforço de consciência
kantiano’ subjacente à suposição de que qualquer pessoa pode - mediante simples
reflexão - constatar o caráter indevido do seu agir. Isto somente ocorre naquelas
searas em que a tipificação penal guarda sintonia com as opções morais da
considerável maioria da população, de modo que, neste caso, apesar de
desconhecer a legislação penal, o agente não fica impedido de alcançar o conteúdo
indevido da sua conduta28.
Quem restará convencido do argumento de que o agente desconhecia que
matar é crime?
Agora, se o indivíduo alegar que desconhecia o dever de entregar à
autoridade estatal bens achados (art. 169, CPB), certamente este argumento terá
um grau muito maior de convencimento, já que boa parte da população ainda
supõe equivocadamente que “achado não é roubado”.
O problema que se colocará em debate, nesta quadra, é intimamente afeito à
própria legitimidade do processo legislativo penal, anterior à tipificação, diante de
um notório déficit democrático, em que uma maioria representativa se converte
em uma minoria representada29.
Afinal de contas, a questão do erro de proibição decorre de uma falha na
comunicação entre o Estado e o indivíduo, cumprindo aferir a quem deve ser
imputado o custo30, diante do postulado da culpabilidade, como limite

28
Figueiredo DIAS menciona a distinção entre crimes naturais (crimina naturaliter proba) e os
crimes de mera criação política (mala qui prohibita). DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da
consciência da ilicitude em direito penal. 5ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2.000, p. 34 e 39.
Tenha-se em conta que a distinção – conquanto seja rotineira em muitos manuais – ao associar o
chamado crime natural à agressão aos valores supostos como universais (hauridos junto ao Direito
Natural), revela-se extremamente perigosa. Isto porque a presunção de um delito em si
(ontológico; pré-positivado) pressupõe uma natureza das coisas, algo insuscetível de
demonstração, além de estar intimamente associado ao pressuposto de que o Direito Penal é o
único instrumento de que a Humanidade dispõe para conseguir proteger aludidos interesses. Leia-
se também MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el derecho penal
tributario. Tradução de Marcelo A. Sancinetti. Buenos Aires: Ad-hoc, 1.997, especialmente em p.
73-81, sobre a ‘indiferença ética’ de inúmeros tipos penais de direito penal tributário.
29
VIANNA, Luiz Werneck apud STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e
hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2ª ed. RJ: Forense, 2.004, p. 185.
30
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 22. Afirma o autor espanhol que a atribuição de
relevância penal ao erro de proibição “Supone también un avance garantista en la protección del
ciudadano frente al Estado, que intenta muy a menudo que los costes de la confusión creada por
él mismo corran a cargo de sus súbditos; éstos, sin posibilidades reales de evitar el castigo,
quedan atrapados bajo la hipertrofia legislativa. Sin embargo, la otra cara de la moneda la
constituye el riesgo de beneficiar con esa medida, al menos en parte, al irresponsable o, mucho
peor, al considerado que se despreocupa de las reglas de convivencia”. O excerto sintetiza bem as
20

intransponível da pena.
Vê-se, portanto, que quanto mais o Direito Penal cede a utilitarismos, i.e., à
pretensão de induzir condutas futuras - sem um desvalor social prévio à
tipificação - mais se exige do indivíduo quanto ao dever de informação, dado que,
em casos tais, o chamado ‘esforço de consciência’ mostra-se infrutífero31.
Não há como, mediante simples meditação, se alcançar o conteúdo efetivo
da proibição veiculada no art. 1º, V, da Lei nº 8.137, que criminaliza a emissão de
nota fiscal em desacordo com a legislação tributária32. Somente se agirá em
conformidade com a norma se efetivamente for conhecido, pelo agente, o
complemento do tipo, ainda que de forma aproximada. Adivinhação de pouco
vale, nesta área.
Por outro lado, a atribuição de um especial dever de instrução pessoal –
notadamente na área de profissões regulamentadas – não deixa de traduzir uma
espécie de culpabilidade por condução de vida, porquanto exige um exame
judicial de momentos anteriores àquele em que o substrato típico foi consumado.
Também suscita uma difícil questão: o que, em substância, diferencia o
dever de informação que dá causa aos crimes imprudentes (dever geral de

duas preocupações fundamentais subjacentes à discussão do erro de proibição: (i) o risco da


responsabilização penal objetiva versus (ii) o temor de graves lacunas de punibilidade (Nesta
argumentação desconsidera-se, contudo, que referida lacuna já existe, frente à considerável cifra
negra, em que muitos fatos típicos sequer são averiguados, sem que isto tenha causado quebra da
confiança social; rompimento dos laços de convívio, etc., a indicar que o verdadeiro poder penal é
o de conformação, muito mais do que de aprisionamento). Vide ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em
busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Tradução de Vânia
Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. RJ: Revan, 1.991, p. 26-27.
31
Em sentido semelhante, confira-se com DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da
consciência da ilicitude em direito penal, p. 400.
32
Desde logo, convém questionar: é possível que alguém cometa o referido fato típico (emitir nota
fiscal em desacordo com a legislação) com dolo e, ao mesmo tempo, em erro de proibição? Ora,
em casos tais, ao se trazer para o juízo de imputação típica, exige-se já um dolo ‘valorado’, com
abarque também a compreensão normativa (o agente deve saber que está emitindo nota fiscal em
desacordo com a Lei, para que haja dolo típico). Daí que – nestas hipóteses - é realmente difícil
conceber que o agente possa incorrer em uma conduta típica e, noutra via, encontrar-se em erro de
proibição. É como se houvesse um retorno do dolus malus defendido pelo causalismo, só que,
agora, situado na tipicidade. A conseqüência, em tais casos, é que antecipar, já para o juízo de
imputação típica (exame do tipo subjetivo, mais precisamente), a análise da efetiva compreensão,
por parte do agente, do desvalor da sua conduta, isto é, a compreensão de que a sua conduta
violava a legislação tributária. Esta antecipação surte inúmeras conseqüências relevantes, com
destaque, p.ex., para o afastamento do próprio ilícito penal (do injusto), por ausência de
conhecimento da ilicitude (fazendo a existência do injusto ficar na dependência do conhecimento
da lei, pelo agente). Por outro, também surgirá a dúvida quanto à suficiência, para este dolo
“valorado”, de um conhecimento meramente potencial, tal como o defendido para o exame da
culpabilidade (potencial consciência da ilicitude). Anote-se, por fim, que este problema
(antecipação do juízo valorativo, relativo à compreensão normativa pelo agente) encontra-se
bastante presente nos tipos penais que veiculam elementos de desvalor global do fato (ou
elementos de dever jurídico, na dicção de Hans WELZEL).
21

cautela), daquele outro dever de informação, cujo descumprimento justifica a


censura penal no caso do erro de proibição vencível? Em tipos eticamente neutros
– arrisca-se a resposta desde logo – a diferença é praticamente nula.
A questão do erro revela-se, destarte, consideravelmente rica em detalhes,
permitindo também retomar a sempre viva discussão jurídica a respeito do
conceito analítico de crime, lançando luzes sobre a função a ser desempenhada
pela dogmática penal em um Estado que se quer Democrático de Direito. Importa
dizer: em um Direito em que a culpabilidade seja antes o limite do que o
fundamento da pena33, na linha propugnada por Claus ROXIN.
Ora, o estudo do erro não pode ser formulado em bases etéreas, alheias aos
debates da política criminal e da criminologia. Não podem ser esquecidos os
interesses subjacentes à adoção de determinadas categorias jurídicas, hábeis a
gerar um recrudescimento na violência estatal, ou, n’outra senda, aptas para
provocar o esvaziamento da tipificação penal, com a cabal desoneração dos
agentes por condutas lesivas34, mesmo que fundadas em erros evitáveis.
O hermetismo da discussão dogmática deve ser rompido, como propugnam
Claus ROXIN35; Juarez Cirino dos SANTOS36; Gimbernat ORDEIG37, entre

33
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 99-102, com especial atenção para as páginas 793; 798 e 814.
Vide também DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte geral. Tomo I. Questões
fundamentais. A doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra Editora, 2.004, p. 259.
34
Este termo (lesividade) revela, desde logo, a vinculação deste trabalho à compreensão de que o
Direito Penal apenas se presta a tutelar os bens jurídicos valiosos para o grupo social, não se
desconhecendo, entretanto, que a referida concepção teórica ainda está atrelada a uma ideologia de
defesa social, elucidada com brilhantismo na obra BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica
e crítica ao direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos
Santos. 3ª ed. RJ: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2.002, p. 162. Também neste
sentido, mostra-se pertinente a leitura de ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas
perdidas, p. 26-27. Fica a observação, porém, que, no presente trabalho, a atribuição desta função
ao Direito Penal (proteção de bens jurídicos) está sendo entendida como um limitador democrático
à tipificação penal – e, como tal, um reflexo da secularização do Estado e contenção da
competência legiferante - sendo lastimável a cabal inexistência de ações de inconstitucionalidade
para controle de conteúdo das cominações penais.
35
ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Tradução de Luís Greco. RJ:
Renovar, 2.002, p. 20: “De todo o exposto, fica claro que o caminho correto a seguir só pode ser
deixar as decisões valorativas político-criminais introduzirem-se no sistema do direito penal, de tal
forma que a fundamentação legal, a clareza e a previsibilidade, as interações harmônicas e as
conseqüências detalhadas deste sistema não fiquem a dever nada à versão formal-positivista de
proveniência lisztiana. Submissão ao direito e adequação a fins político-criminais
(kriminalpolitische Zweckmäßigkeit) não podem contradizer-se, mas devem ser unidades numa
síntese, da mesma forma que Estado de Direito e Estado Social não são opostos inconciliáveis,
mas compõem uma unidade dialética: uma ordem jurídica sem justiça social não é um Estado de
Direito material, e tampouco pode utilizar-se da denominação de Estado Social um Estado
planejador e providencialista que não acolha as garantias de liberdade do Estado de Direito”.
Deve-se superar, enfim, a separação estanque entre dogmática; criminologia e política criminal, tal
como fora defendida por von LISZT. Confira-se DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões
fundamentais do direito penal revisitadas. SP: RT, 1.999, p. 24 quanto à gesamte
22

outros.
E, nessa medida, ao longo da presente dissertação, buscar-se-á o constante
estabelecimento de premissas de conteúdo valorativo, relacionadas diretamente a
uma concepção funcionalista da teoria do delito (na linha roxiniana) e a uma
concepção do direito penal de duas vias, na linha propugnada por Jesus-Maria
SILVA SANCHEZ38 e Bernd SCHÜNEMANN39, com certo comedimento, a fim
de se evitar a gestão da vida por meio de normas indutoras penais40, de modo que
sempre se respeite o postulado da ultima ratio.
O tema suscita, por conseguinte, consideráveis reflexões a respeito da
imputação de resultados ao agente (liame jurídico entre o indivíduo e
determinados sucessos físicos) e sobre a responsabilização penal (exame da
capacidade efetiva de se deixar conduzir em conformidade com o Direito Oficial,
reconhecido e, em certo sentido, criado pelos Tribunais)41.

Strafrechtswissenschaft.
36
SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria da pena: fundamentos políticos e aplicação judicial.
Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2.005, p. 2-3.
37
GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. O futuro do direito penal: (tem algum futuro a
dogmática-jurídico penal?). Tradução de Maurício Ribeiro Lopes, Barueri: Manole, 2.004, em
que o autor versa sobre a necessidade de que os juristas prestem atenção aos estudos das ciências
psicológicas. Leia-se também GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. Conceito e método da ciência
do direito penal. Tradução de José Carlos Gobbis Pagliuca. SP: RT, 2.002, p. 32-34, a respeito da
importância da criminologia para a dogmática penal. Por fim, ainda quanto à relação entre direito
penal; política criminal e criminologia, consulte-se DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal.
Parte geral. 2ª ed. rev. atual. ampl. RJ: Forense, 2.005, p. 73-102.
38
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal
nas sociedades pós-industriais. Tradução de Luiz Otavio de Oliveira Rocha. SP: RT, 2.002, p. 137-
151.
39
SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la ciencia
jurídico-penal alemana. Tradução de Manuel Cancio Meliá. Bogotá: Universidad Externado da
Colombia, 1.998.
40
Há certa dúvida quanto ao papel a ser exercido pelo Direito Penal em uma sociedade pós-
industrial, submetida a um considerável grau de risco. Certamente, as críticas formuladas por
Alessandro BARATTA à ideologia da defesa social são plenamente aplicáveis à defesa de um
papel pró-ativo do Direito Penal na temática do meio ambiente; consumidores e regularidade fiscal
(os chamados ‘complexos funcionais’). De qualquer sorte, anote-se que a tutela penal dos
interesses supra-individuais carrega consigo uma maior coerência intra-sistemática para o Direito
Penal, de modo que a pauta valorativa eleita pelo legislador tenha consonância com a axiologia
constitucional. Desse modo, a atuação penal no âmbito dos interesses difusos não acarreta uma
crise no sistema, desde que se continue a vedar a utilização da pena como prima ratio.
41
Para o presente trabalho, será de extrema a importância, portanto, a teoria da dirigibilidade
normativa de Claus ROXIN. Faz-se menção a um ‘direito oficial’, frente à compreensão de que
nem sempre o discurso oficial ou o direito reconhecido pelos Tribunais corresponde às regras que
imperam no convívio social. Em uma sociedade de intérpretes da Constituição, em que todos
podem interpretar a Lei (tal como a revolução protestante, ao acabar com o monopólio sacerdotal
da inspiração pelo Espírito Santo), surgem consideráveis dúvidas a respeito da solução a ser
aplicada ao eventual antagonismo entre o Direito Oficial e aquele reconhecido no dia-a-dia da vida
de relação. Ora, se for assim – se o Direito se restringe ao Direito Estatal - “O estudo do Direito
não merece um minuto de esforço, porque não passa de trabalho braçal” (Léon DUGUIT apud.
VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 5ª ed. SP: Malheiros, 2.002, p. 54). A
23

Pretende-se, enfim, tangenciar a complexa problemática da introjeção


normativa perante um Direito Penal em busca de legitimação. De fato, a
dogmática encontra-se em um dilema existencial42: está cambiante entre optar
uma visão sistêmica - em que a tipificação penal é colocada à disposição de
complexos funcionais (meio ambiente; sistema financeiro; mercado consumidor,
etc.) e, nessa mesma medida, optar por uma redução da exigência de elementos
psíquicos43 (“reconstruindo” a noção de culpabilidade) ou, no caminho oposto,
decidir-se por manter a exigência - para a aplicação da pena - da conferência de
um substrato anímico, intimamente ligado à aferição das opções valorativas do
agente, em desconformidade com as escolhas sociais. Este último Direito Penal
(clássico ou liberal) decorre, por certo, de uma sociedade muito mais singela que a
atual – a chamada sociedade do risco44.
Reitere-se: bastaria a inferência potencial da capacidade de compreensão

título de exemplo, veja-se a questão do crime de adultério, apenas recentemente extirpado do CPB.
Por fim, fica a provocação: será que realmente o desuso/costume não implica em abolitio criminis,
em um Direito Penal legitimado pelo postulado da ultima ratio e exigente de uma legitimidade
material?
42
Aliás, este dilema já fora percebido há muito tempo por WÜRTENBERGER, conforme
demonstra a famosa palestra proferida em 30 de novembro de 1.955 e referida por Bernd
SCHÜNEMANN. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la ciencia jurídico-
penal alemana, pp. 12-17. Confira-se: “Resulta fascinante el hecho de que pueda trazarse, desde
estas posiciones fundamentales de WÜRTENBERGER en cada caso, una línea recta entre
aquellas dos concepciones teóricas del Derecho Penal que pueden ser consideradas como los
polos, la vanguardia o el contrapunto de la más reciente evolución. Me refiero, por un lado, a la
concepción del Derecho Penal propugnada por antiguos y actuales autores radicados en
Frankfurt, como Derecho referido exclusivamente al individuo, concepción que se manifiesta del
modo más claro en la teoría del bien jurídico y en la política procesal penal de Winfried
HASSEMER y sus discípulos. Por otro lado, hablo del sistema normativista del Derecho Penal de
Günther Jakobs, orientado con base en la teoría funcional de sistemas y que se concibe a sí mismo
como el polo opuesto al pensamiento lógico-material. No es una casualidad que las Jornadas
Alemanas de Profesores de Derecho Penal de este año, que se desarrollan en Rostock, se celebren
con el tema general El Derecho Penal entre el funcionalismo y el pensamiento europeo de los
principios tradicionales y que las ponencias generales al respecto hayan sido encomendadas a
Günther JAKOBS y a Klaus LÜDERSSEN (...) el individualismo de Frankfurt está abocado a
exprimir en demasía un único principio, convirtiendo así, en vez de en un elemento positivo, en un
obstáculo; el normativismo de Jakobs, por su parte, necesariamente conduce a una capitulación
incondicional ante la práctica política imperante en cada momento en la actividad del legislador
en la jurisprudencia. Ello es así, en todo caso, si se toman en serio las pretensiones teóricas de
ambas corrientes, en vez de relativizarlas siempre que sea necesario a través de decisiones ad
hoc” (SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la
ciencia jurídico-penal alemán, pp. 13-14).
43
Confira-se com o conceito de culpabilidade formulado por Günther JAKOBS. Leia-se JAKOBS,
Günther. Derecho penal. Parte general. Fundamentos y teoría de la imputación. 2ª ed. revis.
Tradução de Joaquin Cuello Contreras e Jose Luis Serrano Gonzales de Murillo. Madri: Marcial
Pons, 1.997, p. 581-582.
44
BECK, Ulrich. Risk society: towards a new modernity. Sage Publications: Great Britain,
1.992. Vide igualmente KAUFMANN, Arthur. Filosofia del derecho, p. 528-533. Por fim, leia-se
PRITTWITZ, Cornelius. Sociedad del riesgo y Derecho penal in: DIAS, Jorge de Figueiredo et al.
El penalista liberal, p. 147-179.
24

normativa do agente? Melhor dizendo, seria suficiente, para o juízo de censura, a


aferição de que o autor - caso houvesse se educado melhor - poderia compreender
o desvalor da sua conduta? Esta exigência não configuraria um retorno ao nefasto
direito penal do autor, combatido há muito como manifestação de um direito penal
de conteúdo fascista? Qual é o limite desta presunção perante um direito penal que
se quer secularizado e avesso à metafísica expiatória? Por outro lado, o
reconhecimento de uma co-culpabilidade45 social não traria maiores aportes para
esta reflexão, mitigando os efeitos de um absoluto dever de auto-instrução?
Enfim, frente a esse apanhado, crê-se estar justificada a opção pelo debate
deste assunto, cujo conteúdo é riquíssimo. Busca-se, a partir do seu exame,
suscitar outras considerações sobre a função do direito penal em uma sociedade
com elevado déficit democrático, como é a brasileira.
Para equacionamento do objeto da dissertação, primeiramente serão
formuladas algumas considerações sobre o papel da dogmática penal em um
contexto de modernidade tardia, enquanto mecanismo de racionalização do papel
do Estado e garantia individual contra arbítrios. Na seqüência, serão formuladas
algumas breves considerações sobre a evolução sistemática; sobre os pressupostos
metodológicos e as teorias materiais da culpabilidade.
Ressalva-se, desde logo, que a proposta subjacente ao presente trabalho é
muito mais a de suscitar o debate, de colocar o tema em dúvida, do que,
propriamente, de obter uma resposta exata e totalmente adequada à dimensão das
inúmeras questões que, direta ou indiretamente, vinculam-se à problemática do
erro.
Por fim, fica desde logo esclarecido que a atenção foi concentrada no exame
dogmático/filosófico, sem maior incursão no exame detalhado do tratamento
legislativo dos Ordenamentos Jurídicos mais representativos da Civil Law.

45
A co-culpabilidade é uma categoria desenvolvida na obra ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al.
Derecho penal: parte general, 2ª ed. Buenos Aires: Ediar, 2002, p. 656. Confira-se também
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro.
Parte geral. SP: RT, 1.997, p. 613.
1
Premissas

Ao se deparar com o tema do erro, o estudante desde logo se vê assaltado


por uma conclusão: o seu caráter absolutamente incerto.
Várias são as teorias; vários os detalhes, todos a assombrar aquele que
busca, sem mais, apenas uma solução para um determinado caso concreto.
A dificuldade está no fato de que o erro é, justamente, o arremate de toda a
construção teórica do delito. Depende, assim, de opções hermenêuticas que lhe
são anteriores e que – como tal – comprometerão todas as conclusões que o
intérprete busque, de forma afoita, extrair imediatamente de um dado artigo de lei.
E isto intimida.
Não há como tratar o tema do erro sem que, antes, sejam delimitadas (ou
sejam presumidas como tais) as categorias da tipicidade, da ilicitude e da
culpabilidade, em um contexto sócio-político específico.
Qual o papel atribuído ao Direito Penal naquela sociedade? Qual é a
amplitude da relação estabelecida entre os indivíduos e o grupo? Aquela
sociedade respeita as opções religiosas; sexuais; profissionais dos indivíduos? O
que se espera, em termos de comportamento, frente aos costumes mais arraigados
daquele povo?
A resposta a cada uma dessas questões indicará, no fundo, a amplitude da
liberdade subjetiva reconhecida, em tal sociedade, às pessoas que a compõem.
Não serão, no entanto, aqui respondidas.
Ao contrário, buscar-se-á empreender um exame mais teórico, fundado no
exame das categorias sistemáticas do delito, sob um viés crítico. Para tanto,
também se tentará indicar os valores subjacentes a cada uma das propostas aqui
defendidas ou criticadas, como se verá mais adiante.
Isto porque a interpretação jurídica é, acima de tudo, uma atribuição de
propósitos, conforme restou muito bem sintetizado por DWORKIN,

“Uma interpretação é, por natureza, o relato de um propósito; ela propõe uma


forma de ver o que é interpretado – uma prática social ou uma tradição, tanto
quanto um texto ou uma pintura – como se este fosse o produto de uma decisão de
perseguir um conjunto de temas, visões ou objetivos, uma direção em vez de outra.
26

Essa estrutura é necessária a uma interpretação mesmo quando o material a ser


interpretado é uma prática social, mesmo quando não existe nenhum autor real cuja
mente possa ser investigada”46.

Melhor dizendo, antes de interpretar o mundo, o sujeito se interpreta. Ao se


deixar influenciar pelo meio, também o influencia. Sem valoração, não há
direito47.
Logo, a fim de indicar as premissas deônticas que fundamentam este estudo,
é que segue o exame adiante.

1.1
Dogmática penal e Estado Democrático de Direito:

Por que razão se gasta tanta energia intelectual com a sistematização das
categorias do delito? Não haveria uma preocupação demasiada com construções
absolutamente idealizadas e alheias aos indivíduos que vivem “no mundo real”?
A resposta a tais perguntas depende, por certo, da espécie de dogmática que
se quer construir.
Para alguns, o estudo deveria ser neutro; autopoiético (categoria que está na
moda), verdadeiramente circular.
Uma dogmática com tal pretensão deve ser, sem mais, abandonada. Apenas
causa prejuízos. Baseia-se, no fundo, no pressuposto de que o Direito encontre
legitimação em si mesmo, totalmente absorto da sorte daqueles que ousaram
‘cruzar o seu caminho’.
Não é essa a aspiração que anima o presente estudo.
Ao contrário, propugna-se por uma dogmática penal48 emancipatória,

46
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo, São Paulo:
Martins Fontes, 1.999, p. 71.
47
Argumentação bastante forte em STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise:
uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2.005, p. 315. Em sentido similar, confira-se ainda o posicionamento de Arthur
KAUFMANN, informando a superação da pretensão a conhecimentos livres de subjetividade,
frente à cabal falha da epistemologia fundada na relação sujeito/objeto. Vide KAUFMANN,
Arthur; HASSEMER, Winfried. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito
contemporâneas. Tradução de Marcos Keel e Manuel Seca de Oliveira. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2.002, p. 57-58; SILVESTRONI, Mariano H. Teoria constitucional del
delito. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2.004, p. 144.
48
Consoante define ROXIN, “A dogmática jurídico-penal é a disciplina que se ocupa da
interpretação, sistematização e elaboração e desenvolvimento das disposições legais e opiniões da
doutrina científica no campo do Direito Penal”. ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 192.
27

comprometida com o postulado intransponível do reconhecimento da dignidade


inerente ao ser humano e - como tal - destinada à contenção do poder punitivo
estatal.
Muitas são as ideologias; as visões de mundo. É fato, porém, que onde o
Estado Fascista imperou, todos perderam. Vidas foram ceifadas; sonhos
destruídos.
Somente se pode compreender um trabalho construtivo-sistemático
enquanto tentativa – mesmo que tímida – de racionalizar a atuação do Estado,
contendo-lhe o arbítrio. E, nesta toada, viabilizar meios para a obtenção de um
Estado mais justo.
Conseqüentemente, uma dogmática comprometida com valores
democráticos não deve buscar legitimar a pena. É fato que, implicitamente,
sempre o fará49. Contudo, este não pode ser o seu propósito; o seu fim único.
Antes, deve estar endereçada a controlar as agências de criminalização50,
tanto primárias quanto secundárias. O controle da violência estatal51 - sobremodo
aquela não processada perante o Judiciário, mas tão somente contabilizada nos
relatórios da Anistia Internacional – deve ser um esforço de qualquer jurista,
comprometido com o Estado Democrático de Direito.
Aqui não se tenciona estudar a dogmática como um saber ensimesmado;
alheio ao sofrimento das pessoas atingidas pelos seus axiomas.
Ao contrário de uma jurisprudência de conceitos – sabidamente reprovada
pela Filosofia contemporânea52 - busca-se o amparo de uma hermenêutica

49
Geralmente, a dogmática penal vê na pena um mal necessário, do qual, infelizmente, a sociedade
atual ainda não pode abrir mão. Como se verá adiante, esta formulação ainda está subordinada a
uma ideologia da defesa social, severamente criticada por Alessandro BARATTA. Leia-se
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal: introdução à sociologia
do direito penal, p. 42-44 e 162.
50
A expressão ‘agências de criminalização’ é empregada na obra ZAFFARONI, Eugênio Raúl et
al. Direito penal brasileiro. Teoria do direito penal, Rio de Janeiro: Revan, 2.003, p. 51. Em p. 43
encontra-se a definição de criminalização primária e secundária, como segue: “Criminalização
primária é o ato e o efeito de sancionar uma lei penal material que incrimina ou permite a
punição de certas pessoas (...) A criminalização secundária é a ação punitiva exercida sobre
pessoas concretas, que acontece quando as agências policiais detectam uma pessoa que supõe-se
tenha praticado certo ato criminalizado primariamente, a investigam, em alguns casos privam-na
da sua liberdade de ir e vir, submetem-na à agência judicial, que legitima tais iniciativas e admite
um processo”.
51
Em sentido semelhante, confira-se ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique.
Manual de direito penal brasileiro, p. 79-80.
52
KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried. Introdução à filosofia do direito e à teoria do
direito contemporâneas. Tradução de Marcos Keel e Manuel Seca de Oliveira. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2.002, p. 167-170.
28

constitucional prospectiva53, consciente das grandes mazelas que assolam a nação


brasileira à qual as conclusões possam vir a ser aplicadas.
Ainda que isso possa parecer uma petição de princípios, não se pode olvidar
que justamente estes adágios - máximas, como queria KANT – influenciam a
tomada de posição do intérprete, frente a vários casos difíceis.
Sendo esta a finalidade, resta ainda instigante a provocação de ORDEIG,
lançada em 1.971:
Ora, “Tem futuro a dogmática penal?”
Pois, para o professor espanhol,

“A dogmática deve nos ensinar o que é devido com base no Direito, deve averiguar
o que diz o Direito. A dogmática jurídico-penal, pois, averigúa o conteúdo do
Direito Penal, quais são os pressupostos que devem ocorrer para que entre em jogo
um tipo penal, o que distingue um tipo de outro, onde acaba o comportamento
impunível e onde começa o punível. Torna possível, por conseguinte, ao assinalar
limites e definir conceitos, uma aplicação segura e calculável do Direito Penal,
torna possível subtraí-lo da irracionalidade, da arbitrariedade e da improvisação”54.

Ademais,

“Quanto menos desenvolve o Direito Penal uma dogmática, mais imprevisível será
a decisão dos tribunais, mais dependerão do azar e de fatores incontroláveis a
condenação ou a absolvição. Se não conhecem os limites de um tipo penal, se não
se estabeleceu dogmaticamente o seu alcance, a punição ou a impunidade de uma
conduta não será a atividade ordenada e meticulosa que deveria ser; apenas uma
questão de loteria. E quanto menor for o desenvolvimento dogmático, mais loteria,
até chegar à mais caótica e anárquica aplicação de um Direito Penal do qual – por
não ter sido objeto de um estudo sistemático e científico – se desconhecem o
alcance e o limite”55.

De forma alegórica, pode-se dizer que a dogmática é semelhante a uma


barragem. Seus fundamentos devem ser sólidos o suficiente para conter – no
limite do possível – o afã punitivo estatal56.

53
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
54
GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. O futuro do direito penal, p. 37-38.
55
Idem, ibidem.
56
Anote-se, todavia, que sob a perspectiva da Criminologia Crítica – em que se coloca sob
holofotes o próprio controle penal, notadamente por meio das violências não racionalizadas (vide
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas, p. 26-28) - esta pretensão de
controle da irracionalidade punitiva não deixa de ser apenas simbólica, justificando a verdadeira
violência, praticada às margens da dialeticidade processual. Isto porque o controle ritualista-
judicial exercido racionalmente é mínimo, frente às conhecidas cifras negras e também aos
mecanismos de escape da judicialização do conflito, entre os quais: a) a corrupção; b) a falta de
fiscalização efetiva; c) a burocracia ineficiente, etc. Portanto, o problema está na violência
29

Ou melhor, uma dogmática débil – e aqui se entenda também uma


dogmática descomprometida com esta função democrática57 - é o mesmo que uma
paliçada de gravetos posta em frente do maremoto. Sofre o indivíduo, despido de
qualquer escudo contra um poder desempeçado.
Esta afirmação é compartilhada por todos aqueles que - estudantes da
dogmática – já constataram na prática a distância entre o real e o ideal.
Daí que cai como luva a lição de Eduardo NOVOA MONREAL na
remissão precisa de Nilo BATISTA: a dogmática deve tornar “segura e calculável
a aplicação da Lei”58.
Para BATISTA, a dogmática tem a pretensão de subtrair

“Daquela aplicação a irracionalidade, a arbitrariedade e a improvisação. Trata-se,


portanto, de conhecer o direito aplicável, cujas normas não são submetidas a
qualquer confronto valorativo que transcenda sua descrição, explicação e
organização. Em outras palavras, o afazer dogmático não interpela a norma: acata-a
(dogma) como objeto de conhecimento. Uma lei básica da dogmática está no
princípio da proibição da negação; ao jurista é vedado, como diz Tércio Sampaio
Ferraz Jr., negar os pontos de partida das séries argumentativas. Podemos pretender
que o auto-abortamento seja indiferente perante a lei, ou que seja punido com
branda multa: o direito penal brasileiro comina-lhe de detenção de um a três anos
(art. 124 CP), e isso, no que concerne à pena, é unicamente o que deve ser
considerado nas hipóteses em que concorre um caso de auto-abortamento”59.

Outra não é a opinião de Claus ROXIN, conforme segue:

“Quien se acerca como estudiante o como profano al Derecho penal, a menudo se


queda perplejo en cierta medida ante la multitud de intentos de sistematizar el
Derecho penal y se pregunta por qué se les concede tanto espacio en la discusión
científica. No es infrecuente encontrarse con la opinión de que éstos son
problemas de carácter puramente académico, que el práctico del Derecho puede
tranquilamente dejar de lado. Sólo es posible hacer frente a esas dudas de principio
y conseguir tener un punto de vista propio para juzgar las principales cuestiones
dogmático-sistemáticas, si uno se representa antes con la mayor claridad y
referencia al caso que sea posible las ventajas e inconvenientes del pensamiento

exercida pelo poder de conformação penal, a que alude ZAFFARONI, sob a manifesta influência
do conceito de disciplina formulado por FOUCAULT. Leia-se também Alessandro BARATTA.
Criminologia crítica e crítica do direito penal, sobremodo no epílogo de p. 209-222. Por fim,
confira-se SANTOS, Juarez Cirino dos. Criminologia radical. 2ª ed. ICPC: Lumen Juris, 2.006,
p. 125-132.
57
Sectária dos grupos que exercem o Poder; propugnáculo da pena, como valor em si.
58
NOVOA MONREAL, Eduardo apud BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal
brasileiro. 10ª ed. RJ: Revan, 2.005, p. 117. Em sentido semelhante, leia-se JESCHECK, Hans-
Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 210, ao tratar da insegurança que a
falta de categorias sistemáticas provocou na decisão do caso Mignonette (julgamento, por um
tribunal inglês, dos náufragos que, depois de vários dias de privações em alto mar, decidiram
matar o companheiro moribundo para alimentarem-se com a sua carne).
59
BATISTA, Nilo. Obra citada, p. 118.
30

sistemático en Derecho penal, en vez de aceptar incuestionadamente, como


frecuentemente ocurre, el sistema del Derecho penal precisamente en su forma de
manifestación histórica dominante”60.

Depois de mencionar o estudo de ORDEIG, Claus ROXIN61 traça um


paralelo entre as vantagens e perigos nascidos de um pensamento sistemático.
Melhor dizendo, ROXIN traça um balanço entre os aspectos positivos e os
negativos da pretensão de se vincular o julgador a critérios abstratos construídos a
priori pela dogmática penal.
O professor de Munique vê os seguintes benefícios da adstrição do Juiz a
uma estrutura dogmática rígida: a) isto facilita o exame do caso concreto; b)
garante uma aplicação uniforme e isonômica do Direito; c) simplifica e confere
maior maleabilidade ao Direito e d) serve como guia para a discussão e
desenvolvimento do Direito penal62.
Contudo, também há riscos63: a) a aplicação automatizada de conceitos
dogmáticos pode gerar uma despreocupação com a Justiça da solução dispensada
ao caso concreto; b) ao se vincular todas as soluções a um conjunto básico de
axiomas, o pensamento sistemático pode impedir a crítica e o surgimento de
soluções não cogitadas para os casos concretos; c) a vinculação sistemática pode
gerar soluções sem qualquer amparo político criminal e, por fim, d) o pensamento
sistemático pode acarretar a utilização de conceitos demasiado abstratos, com a

60
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 206. Também neste sentido, atente-se para a perplexidade
manifestada por Karl ENGISH ao longo do primeiro capítulo da Introdução ao Pensamento
Jurídico: “Há na verdade pessoas que podem viver e vivem sem uma ligação íntima com a poesia,
com a arte, com a música. Há também, na expressão de Max WEBER, pessoas religiosamente
amusicais. Mas não há ninguém que não via sob o Direito e que não seja por ele constantemente
afectado e dirigido. O homem nasce e cresce no seio da comunidade e – à parte dos casos
anormais – jamais se separa dela. Ora o Direito é um elemento essencial da comunidade. Logo,
inevitavelmente, afecta-nos e diz-nos respeito. E também o valor fundamental pelo qual ele deve
ser aferido, o justo, se não situa em plano inferior ao dos valores do belo, do bom e do santo. Um
Direito Justo faz parte do sentido do mundo. Por que, pois, tão pouca abertura de espírito para o
Direito e para a Jurisprudência?” ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 6ª
edição. Tradução de J. Baptista Machado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1.988, p. 12.
Prosseguindo, diz ENGISH que “Coisa bem diferente desta luta pela compreensão e pela
simpatia, em concorrência com as demais ciências do espírito e da cultura, é a permanente
necessidade de auto-afirmação da ciência jurídica em face das dúvidas que faz avultar o seu
confronto com as ciências da natureza (...) A ciência jurídica é, tal como as ciências naturais, uma
ciência de leis. No entanto, aquele que nos desvenda as leis da natureza, revela-nos o ser e a
necessidade. Ora, será que também o jurista nos conduz ao ser, poderá ele convencer-nos da
necessidade de leis jurídicas?” ENGISH, Karl. Obra citada, p. 14-15.
61
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 207.
62
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 208-209. Leia-se também GUARAGNI, Fábio André. As
teorias da conduta em direito penal: um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao
funcionalismo pós-finalista. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.005, p. 31-35.
63
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 210-214.
31

pretensão de abarcar a maior gama de contextos fáticos possíveis e, desse modo,


corre-se o risco de se violentar as diversas estruturas da matéria jurídica64.
Hans-Heinrich JESCHECK e Thomas WEIGEND formulam considerações
semelhantes às de ROXIN. Confira-se:

“La teoría del delito, conformada como un intento de comprender la acción punible
como un todo mediante la elaboración teórica de los elementos generales, requiere
de una justificación puesto que podría ser más conveniente pasar a ocuparse
inmediatamente de los distintos tipos de delito y del os elementos que los integran.
Sin embargo, los presupuestos de la punibilidad no se agotan en los elementos de
los tipos penales concretos, los factores esenciales del concepto de delito no están
contenidos en las infracciones descritas en la Parte Especial sino que se encuentran
antepuestos a ellas.
(…)
Sin el desglosamiento del concepto de delito en tipicidad, antijuricidad y
culpabilidad, así como en las diferenciaciones adicionales ligadas a estos elementos
tal y como sucede con la distinción entre estado de necesidad justificante y
exculpante, la solución del caso expuesto seria insegura y dependiente de
consideraciones sentimentales. Los elementos generales del hecho punible que son
tratados por la teoría del delito, posibilitan por el contrario una jurisprudencia
racional, objetivamente fundada e igualitaria, contribuyendo así esencialmente a
garantizar la seguridad jurídica”65.

Fiando-se em Claus ROXIN66, JESCHECK-WEIGEND também

64
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 214. Confira-se: “Un último peligro del pensamiento
sistemático consiste en que, al intentar ordenar transparentemente todos los fenómenos de la vida
bajo unos pocos puntos de vista rectores, por elegir conceptos demasiado abstractos se olviden y se
violenten las diversas estructuras de la materia jurídica. Así por ejemplo, la búsqueda de un
concepto unitario de acción, que se acomode por igual a todas las formas de manifestación del
delito, pude ya dar lugar a que la dogmática pase por alto las fundamentales diferencias materiales
entre actuación dolosa, actuación imprudente y mera omisión y comience demasiado alto en la
elección de sus conceptos (...) También radica en la predilección por la abstracción una de las
causas de la contumaz persistencia de la teoría subjetiva de la participación. El olvido de todas las
diversidades de la materia jurídica permite la aplicación de un criterio aparentemente igual, pero
realmente carente de contenido”.
65
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal. Parte general. 5ª
ed. atual. e ampl. Tradução de Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Colmares, 2.002, p. 210,
destaques presentes no original.
66
Aliás, convém ter em conta que o próprio ROXIN, na reedição do trabalho, com tradução para o
português sob a pena de Luís Greco (Política criminal e sistema jurídico-penal. Rio de Janeiro:
Renovar, 2.002, p. 08) faz referência à JESCHECK quanto a esta passagem específica. A posição
de JESCHECK/WEIGEND – no sentido de que os conceitos da dogmática penal viessem a ser
flexibilizados em busca da melhor solução para o caso concreto – foi objeto de crítica por parte de
ROXIN como segue “SCHAFFSTEIN (...) Ainda assim, pressupõe este procedimento, como em
JESCHECK, a possibilidade de corrigir soluções dogmático-conceituais através de soluções
político-criminais discrepantes. Se considerarmos um tal método permitido, a função de
construção sistemática de conceitos está mal servida. Pois ou esta quebra permitida dos
princípios dogmáticos, através de valorações político-criminais, acabará abalando uma aplicação
constante e não arbitrária do direito – caso em que todas as vantagens da sistemática acima
apontadas serão perdidas; ou se demonstra que uma solução diretamente valorativa do problema
não fere de modo algum a segurança jurídica e o domínio do material jurídico – caso em que se
32

mencionam o risco da supressão da perspectiva crítica, por força de uma aplicação


meramente silogística67 de conceitos legais abstratos:

“Tampoco puede desconocerse el peligro de una Dogmática penal formulada de un


modo demasiado abstracto; este riesgo consiste en que el juez se abandone a la
automatización de los conceptos teóricos pasando por alto así las especialidades del
caso concreto. La solución de la cuestión de hecho ha de ser siempre decisiva,
mientras que las exigencias de la sistemática deben ser tenidas en cuenta a través
de un desarrollo adicional en aquellos supuestos en los que la resolución del caso
no se adapta al sistema. Es necesario abordar de tal modo las decisiones valorativas
político-criminales en el sistema del derecho penal, que su modulación legal, su
claridad e previsibilidad, su funcionamiento coherente ye sus repercusiones
detalladas, se manifiesten en cualquier configuración imaginable del caso. Las
nuevas cuestiones que vayan surgiendo (…) deben ser clasificadas en el sistema o
resueltas a través del complemento de éste”68.

Há, certamente, um considerável risco de se erigir um castelo teórico, sem


qualquer preocupação com os interesses humanos regulados.
Porém, deve-se diligenciar para que isto não ocorra; para que o jurista não
se converta no “homem que sabia javanês”, de Lima Barreto69. Aquele sujeito que
domina um idioma que somente ele próprio entende e que – de útil – apenas lhe
insufla o ego.
Muito já se escreveu sobre os costumes do Foro; sobre os rituais
dogmáticos. Cômico – não fosse trágico – o relato de Luigi FERRAJOLI, a este

pergunta para que serviria ainda o pensamento sistemático”. A respeito de qual liberdade deve
ser reconhecida à dogmática penal, confira-se ainda a obra de MIR PUIG, Santiago. Derecho
penal. Parte general. 7ª ed. Buenos Aires: Julio César Faira Editor (Editorial IB de F), 2.004, p.
143.
67
Tenha-se em conta, entretanto, que a aplicação meramente silogística (submissão do conceito de
fato ao conceito de direito) não deixa de ser uma falácia, como bem aponta Arthur KAUFMANN,
ao indicar que todo o raciocínio abstrato se dá mediante aproximação. Importa dizer: tudo é
analogia. O problema está na delimitação do ‘ponto de encontro’, isto é, do critério de comparação
(fator de descriminen ou de aproximação).
68
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 210-211.
69
Neste sentido, é significativa a opinião de WARAT: “A dogmática jurídica permite a
legitimação do poder no direito, garante o seu funcionamento, sempre irrestrito, com a ficção de
um limite racional. Garante uma fantasia de segurança jurídica para um poder ambivalentemente
limitado e irrestrito”. Vide ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica:
do controle da violência à violência do controle penal. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2.003, p. 311. No dizer de CLÉVE, “O grande mérito de autores como WARAT é
compreender a dogmática pelo que ela é e não pelo que ela deseja ser”. O constitucionalista
adverte, contudo, que “A dogmática, enquanto saber, não pode ser desdenhada como reles
atividade ideológica, pré-científica ou míope; ao contrário, deve ser compreendida tanto em sua
funcionalidade como em sua materialidade histórica”. CLÈVE, Clemerson Mérlin. O direito e os
direitos: elementos para uma crítica do direito contemporâneo. 2ª ed. SP: Max Limonad, 2.001, p.
66. Ainda a respeito do tema, vide ZAFFARONI, Raúl Eugênio; PIERANGELI, José Henrique.
Manual de direito penal, p. 173, criticando as teorias que resumem toda a dogmática a um
conjunto de ideologias, concluindo que “A dogmática é uma condição necessária da segurança
jurídica, mas seria terrivelmente ingênuo crer que é suficiente”.
33

respeito:

“Bentham ilustra esta idiotia profissional contando em uma nota uma divertida
anedota: encontrava-me presente no Tribunal do Rei, na sala de Westminster,
quando o célebre Wilkes, depois de haver-se subtraído algum tempo à sentença que
esperava, apresentou-se de improviso para recebê-la. Não é possível descrever o
quanto desorientou e confundiu os juízes essa inesperada aparição. As
formalidades haviam querido que aquele comparecesse não por sua conta, senão
acompanhado do sheriff. Ao faltar esta formalidade, o embaraço da justiça deu vida
a uma farsa. Por fim foi dito: senhor, quero crer, realmente, que o senhor está aqui
presente, dado que o senhor o diz e os meus olhos o vêem; mas não existe nenhum
precedente de que o Tribunal, em caso semelhante, tenha considerado que se
devesse confiar nos seus próprios olhos, por isto este Tribunal nada tem a dizer-lhe.
Quem fez este discurso? Um dos melhores gênios da Inglaterra. Mas para que serve
o gênio, quando está obscurecido por regras que impedem que os olhos vejam e
que os ouvidos ouçam?
Não menos extraordinária é a aventura contada por Voltaire de um certo sr. La
Pivardière, por cujo assassinato se havia promovido um processo contra sua
esposa, baseado em indícios fraquíssimos: um dia La Pivardière volta para a sua
casa e se apresenta aos juízes da província, que procediam por seu homicídio. Mas
os juízes não querem perder seu processo: sustentam que está morto, que é um
impostor por se declarar ainda com vida, que deve ser punido por tal mentira à
justiça, que seus procedimentos são mais críveis do que ele. Fizeram falta seus
bons dezoito meses de processo, antes que o pobre homem pudesse obter um
decreto declarando que ainda estava vivo”70.

O encarceramento do sujeito pelo dogma chega a ponto, destarte, de negar o


real, apenas por não se enquadrar na fórmula. Como o Leito de Procusto, às vezes
se pretende cortar fora o mundo, quanto àquilo que não se encaixa na moldura
dogmática.
Não se olvide, portanto, do risco de converter o magistrado em um autômato
aplicador de fórmulas, alheio ao conteúdo mínimo de Justiça das suas decisões.
Pois, no dizer de Nilo BATISTA,

“A dogmática indiretamente pode reafirmar certos mitos, que desempenham


relevantes funções ideológicas: o mito da sabedoria da lei (supor um legislador
racional e arguto, de cuja coerência, precisão, economia e previdência jamais
proviriam palavras inúteis ou dúbias, contradições, etc) que esconde a reificação da
lei; o mito da neutralidade da ciência (supor que a gramática, a historiografia
jurídica e a lógica formal abolem a consciência de classe), fundamental na
legitimação da ordem jurídica. Por certo, sua função ideológica mais importante é
afiançar a possibilidade de uma construção harmonizante das relações sociais
(representadas no jurídico), na qual todos os antagonismos são conciliáveis pela
ordem jurídica (José Eduardo Faria). Daí Lola Aniyar de Castro dizer que a
dogmática tradicional constitui uma filosofia da dominação. Efetivamente, o
dogma da completude do direito reforça o monopólio jurídico do estado moderno e

70
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal, p. 70.
34

impede a consideração de direitos concorrentes”71.


Mesmo porque, em muitos casos, a incessante busca de uma sistematização
tem origem em uma concepção centralizadora do Direito no Estado, reduzindo-o
ao Direito Positivado72. Aliena-se, do povo, a criação das normas que o regem.
Com efeito, não raro, a pretensão classificatória representará apenas uma
ideologia estatizante, com desprezo para os meios diluídos (não monopolizados)
de solução de conflitos.
Esta visão de um Direito Centralizado, racional, coeso, tem origem na
pressuposição de que o sistema é completo (não há lacuna jurídica73).

71
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 10ª ed. RJ: Revan, 2.005, p.
121.
72
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3ª ed. SP: Malheiros, 2.000,
especialmente em p. 18.
73
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. 4ª ed. SP: Atlas, 2.003, p. 218: “A concepção do ordenamento jurídico como sistema
dinâmico envolve, por fim, o problema de saber se este tem a propriedade peculiar de qualificar
normativamente todos os comportamentos possíveis ou, eventualmente, podem ocorrer condutas
para as quais o ordenamento não oferece qualificação (...) Nos quadros da dogmática analítica,
que elabora a sistematização do ordenamento, a questão é controvertida. Há autores que afirmam
ser a plenitude lógica dos ordenamentos uma ficção doutrinária, que permite ao jurista enfrentar
os problemas de decidibilidade com um máximo de segurança. Trata-se de uma ficção porque o
ordenamento de fato é reconhecimento como lacunoso (cf. Geny, 1.925:193). Há outros que
afirmam ser a incompletude uma ficção prática, que permite ao juiz criar direito quando o
ordenamento que, por princípio, é completo, parece-lhe insatisfatório no caso em questão (Kelsen,
1960:35). A questão das lacunas tem dois aspectos. Um refere-se a sua configuração sistemática,
ou seja, à discussão do cabimento das lacunas no sistema. É o problema da completude. Outro
refere-se à questão de, admitida a incompletude (de fato ou como ficção), dizer como devem ser
preenchidas as lacunas. É o problema da integração do direito pelo juiz. Desse problema vamos
falar quando abordarmos a dogmática hermenêutica”. Conclui FERRAZ JÚNIOR, em p. 222 da
obra que “O sistema não é completo, porque a ordem normativa é também um critério de
avaliação deôntica de comportamentos possíveis, sendo assim suscetível de transformações. Isso
parece dar ao conjunto das normas certa consistência à medida que, como o demonstra o teorema
de Gödel, a completude somente ocorre num sistema contraditório e o preço da consistência é a
incompletude do sistema. Um sistema formal é incompleto quando, a partir dos axiomas e das
regras de inferência do sistema, é impossível demonstrar uma proposição passível de formulação
no sistema, sendo igualmente impossível demonstrar sua negação. Não há, pois, indícios que
possam dizer se a proposição é logicamente verdadeira ou falsa”. Carlos COSSIO, mencionado
por Arnaldo VASCONCELOS, sustenta que toda conduta se submete ao critério devida/facultada
(VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica, p. 38). Ainda a respeito deste tema,
confira-se interessante passagem da obra de Claus ROXIN, ao cuidar do “espaço fora do direito”:
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 567-568: “De ahí se sigue para la dogmática jurídico penal
que hay que reconocer la existencia de un espacio fuera del Derecho situado previamente a los
tipos. Así por ejemplo, siguiendo una extendida opinión, es posible asignar el suicidio, como algo
no prohibido ni permitido, al espacio fuera del Derecho y extraer de ahí consecuencias jurídicas
para el supuesto de salvación en contra de la voluntad del afectado”. Leia-se KAUFMANN,
Arthur. Filosofía del derecho, p. 408, em que elucida que “Espacio libre de derecho no significa
jurídicamente no regulado, sino jurídicamente no valorado (…) Muy por el contrario, en el
espacio libre del derecho se trata de acciones relevantes y reguladas jurídicamente, que pese a
ello no pueden ser valoradas, pertinentemente, ni en cuanto conformes a derecho, ni en tanto
antijurídicas”. Vê-se, enfim, que o tema tangencia a conhecida disputa entre aqueles que
vislumbram as regras jurídicas como normas de valoração e aqueles que as têm apenas como
normas de imposição. Confira-se com ENGISH, Kart. Introdução ao pensamento jurídico, p. 48:
“Na medida em que as normas de valoração adquirem a força de manifestações de vontade e,
35

Também colabora para esta concepção, o dogma do Legislador-racional. Ou


seja, na pressuposição de que a Lei é fruto da razão; de que representa um
instrumento de efetivação do bem comum e que, por isso, o mais simples dos
homens conseguiria alcançar o seu conteúdo (mesmo a desconhecendo), bastando
seguir a sua razão.
Aliás, mesmo postulados pós-positivistas podem contribuir para uma visão
forte do Estado. Basta ter em mente o Juiz-Hércules, da alegoria dworkiniana74.
Supõe-se, enfim, que sempre é possível encontrar a resposta correta para cada
caso.
Até o momento, foi visto que cabe à dogmática o papel de racionalizar a
atuação Estatal. Este é a sua função democrática. Também foi enfatizado que, não
obstante isso, em muitos casos a dogmática atua na vertente oposta, concebendo
um Direito alheio ao homem, seu único destinatário.
Muitos crêem que não é o confronto entre a Lei e os fatos - sob uma
específica e transparente percepção valorativa - que legitima o Direito.
Tais construções teóricas julgam que a validade do Direito está em si
mesmo, em um discurso auto-referido (autopoiético)75, para o qual – no dizer de
Nilo BATISTA - as premissas sequer são questionadas.
Não se pergunta, por exemplo, quem realmente cria o Direito, ou se todos os
indivíduos são por ele beneficiados em uma mesma medida.

portanto, de ordens e comandos, é que elas se transformam em normas jurídicas”. Consulte-se


VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 5ª ed. SP: Malheiros, 2.002, p. 45-70 e
DALBORA, Jose Luiz Guzman. La actividad libre de valoración jurídica y el sistema de las causas
de justificación en el Derecho penal in: DIAS, Jorge de Figueiredo et al. El penalista liberal, p.
441-455. Por fim, muito ilustrativa a manifestação de Ferreira da CUNHA, ao afirmar que o
fundamental, para KAUFMANN, é a distinção entre o permitido e o desejado. Nem toda conduta
permitida seria valorada positivamente pelo direito. Aliás, poderia ocorrer inclusive uma valoração
negativa, conquanto insuficiente para gerar reprovação penal. Confira-se em CUNHA, Maria da
Conceição Ferreira da. Constituição e crime. Uma perspectiva da criminalização e da
descriminalização. Porto: Universidade Católica Portuguesa Editora, 1.995, p. 397-401.
74
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. SP: Martins
Fontes, 1.999, p. 271-317. Logo, como elucida Graziero CELLA, em certo sentido DWORKIN
também é positivista, por reconhecer que, para cada situação concreta, há apenas um único direito.
A respeito do tema, confira-se CELLA, José Renato Gaziero. Legalidade e discricionariedade: o
debate entre Hart e Dworkin. Por fim, leia-se KAUFFMAN, Arthur. Filosofía del Derecho, p.
157: “Si fuese posible descubrir el derecho de manera puramente deductiva, para cada pregunta
habría, de hecho, siempre sólo una respuesta correcta. Pero esto no es posible, pues no
disponemos de la fuerza hercúlea sugerida por DWORKIN. Por lo menos en las ciencias
normativas no se puede proceder tan sólo con base en la deducción, como ya se ha insistido
varias veces”.
75
TEUBNER, Günther. O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1.993. Não se pode perder de vista, contudo, LUHMANN, Niklas. Sociologia do
direito. Tradução de Gustavo Bayer. RJ: Edições Tempo Brasileiro, 1.983, especialmente em p.
225-228, em que LUHMANN trata da positivação do direito.
36

E, sendo assim, uma dogmática construída nestes moldes desconsidera que,


em países de modernidade tardia76, a maioria representativa tem se convertido em
uma minoria representada77. Daí que a Lei, em tais casos, não pode ser enaltecida
como sendo o verdadeiro fator de legitimação do Direito.
Ademais, esta mesma Lei tem sido constantemente o produto de uma visão
utilitarista do Direito. Cria, destarte, expectativas sociais antes inexistentes. Ao
mesmo tempo, a Lei frustra aquelas expectativas concretas, endereçadas a um
Estado Messiânico.
De igual modo, a Lei também decorre, em inúmeras outras hipóteses, de
uma votação apressada, casuística, descomprometida. A presunção de um
Legislador-racional – que justificava a aplicação do esforço de consciência
kantiano – está cada vez mais distante da realidade.
Enfim, muitos são os trabalhos dogmáticos em que sequer se suscita o tema
da legitimidade jus filosófica.
Arthur KAUFMANN78 tem absoluta razão ao afirmar que a suposição de
que as decisões judiciais correspondam a silogismos perfeitos (confronto entre
norma e fato) é uma grande falácia. Esta teoria – fundada na suposição de um
Legislador Racional e de um Juízo neutro – não resiste ao mais simples lançar de
olhos sobre a práxis jurisprudencial.

76
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Tradução de Raul Fiker. SP: Unesp,
1.991, p. 25 e ss. Confira-se, por fim, STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise.
Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria dos
advogados, 2.005, p. 25.
77
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do
direito. 2ª ed. RJ: Forense, 2.004, p. 185, com remissão a Luiz Werneck VIANNA: “Se a
judicialização da política significar a delegação da vontade do soberano a um corpo
especializado de peritos na interpretação do Direito e a substituição de um Estado benfeitor por
uma justiça providencial e de moldes assistencialistas, não será propícia à formação de homens
livres e nem à construção de uma democracia de cidadãos ativos. Contudo, a mobilização de uma
sociedade para a defesa dos seus interesses e direitos, em um contexto institucional em que
maiorias efetivas da população são reduzidas, por uma estranha alquimia eleitoral, em minorias
parlamentares, não se pode desconhecer os recursos que lhe são disponíveis a fim de conquistar
uma democracia de cidadãos”.
78
KAUFMANN, Arthur. Filosofía del derecho, p. 136-195, especialmente em p. 163, ao indicar
que o grande problema da interpretação jurídica reside na constatação de que a) dá-se sempre
mediante analogias, mesmo quando o intérprete não tem consciência disto; b) o problema está na
decisão a respeito do ponto de comparação, vale dizer, a escolha (o que é decisão; sentimento; não
é pura lógica) do fator de confronto entre uma coisa e outra: “La determinación del punto de
comparación se basa no tanto en uno conocimiento racional sino, en buena parte en una decisión
y, por lo tanto, en uno ejercício de poder, lo que en la mayoría de los casos ocurre, incluso, sin
que medie reflexión”. Confira-se ainda com HASSEMER, Winfried. Introdução aos
fundamentos do direito penal. Tradução de Pablo Rodrigo Aflen da Silva. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 2.005, p. 357.
37

Interpretar é estabelecer analogias79. A Lei é imprecisa, porquanto é


linguagem. O pensamento foge das palavras. Corporificá-lo de forma exata;
transmitir o que se pensa, realmente é uma arte para iniciados.
Quais são os dogmas da prática penal? Esta é a questão central.
Tanto é assim que tanto a dogmática quanto o direito penal foram alvejados
por inúmeras críticas, vindas a partir da Criminologia de Reação Social (portanto,
críticas externas80). A bibliografia é rica em exemplos.
Fica o registro das significativas obras de RUSCHE/KIRCHHEIMER81;
FOUCAULT82; BARATTA83. Figueiredo DIAS/Costa ANDRADE84;

79
Também neste sentido, vide FERRAJOLI: “A interpretação da lei, como hoje pacificamente se
admite, nunca é uma atividade exclusivamente recognitiva, mas é sempre fruto de uma escolha
prática a respeito de hipóteses interpretativas alternativas. Esta escolha, mais ou menos opinativa
segundo o grau de indeterminação da previsão legal, se esgota inevitavelmente no exercício de um
poder de indicação ou qualificação jurídica dos fatos julgados”. FERRAJOLI, Luigi. Direito e
razão, p. 33. Aliás, este tema redundaria no retorno à polêmica entre objetivistas e subjetivistas
referida por ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico, p. 170. Enquanto os
subjetivistas buscam recuperar a vontade histórica do legislador (tal como a descoberta da intenção
dos founding fathers americanos), os objetivistas buscam uma vontade distinta daquela que lhe deu
origem. Depois de promulgado o texto de Lei, a norma insere-se em um sistema vivo, dinâmico,
podendo ‘crescer para além de si’ (a expressão é de Karl ENGISH, Obra cit., p. 173).
80
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência
à violência do controle penal. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.003, p. 156 e
ss.
81
RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2ª ed. Tradução, revisão
técnica e nota introdutória de Gizlene Neder, RJ: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2.004,
especialmente em p. 282: “O sistema penal de uma dada sociedade não é um fenômeno social, e
compartilha suas aspirações e seus defeitos. A taxa de criminalidade pode de fato ser influenciada
somente se a sociedade está numa posição de oferecer a seus membros um certo grau de
segurança e de garantir um nível de vida razoável (...) A futilidade da punição severa e o
tratamento cruel podem ser testados mais de mil vezes, mas enquanto a sociedade não estiver apta
a resolver seus problemas sociais, a repressão, o caminho aparentemente mais fácil, será sem bem
aceita. Ela possibilita a ilusão de segurança encobrindo os sintomas da doença social com um
sistema legal e julgamentos de valor moral. Há um paradoxo no fato de que o progresso do
conhecimento humano tornou o problema do tratamento penal mais compreensível e mais perto de
uma solução, enquanto a questão de uma revisão fundamental na política penal parece estar hoje
mais longe do que nunca, por causa de sua dependência funcional em uma dada ordem social”.
82
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete.
Petrópolis: Vozes, 1.987. Em p. 249, leia-se: “O efeito mais importante talvez do sistema
carcerário e de sua extensão bem além da prisão legal é que ele consegue tornar natural e
legítimo o poder de punir, baixar pelo menos o limite de tolerância à penalidade. Tende a apagar
o que possa haver de exorbitante no exercício do castigo, fazendo funcionar um em relação ao
outro os dois registros, em que se divide: um, legal, da justiça, outro extralegal, da disciplina.
Com efeito, a grande continuidade do sistema carcerário por um lado e outro da lei e suas
sentenças dá uma espécie de caução legal aos mecanismos disciplinares, às decisões e às sanções
que estes utilizam”. Logo, para FOUCAULT a repressão penal não é o exercício mais importante
do Poder. Antes, a questão enfocada é o poder disciplinar: o panóptico (The Works of Jeremy
BENTHAM, ed. Bowring, t. IV, p. 172-173, aludidos por FOUCAULT, Obra citada, ilustração
seguinte à p. 32): deve-se saber que ‘o controle está lá’ e que, a qualquer momento, a vigilância é
possível!
83
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal: introdução à
sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3ª ed. RJ: Editora Revan:
Instituto Carioca de Criminologia, 2.002. Confira-se especialmente em p. 221 “A função natural
38

ZAFFARONI85; BATISTA86; Añyar de CASTRO87;


TAYLOR/YOUNG/QUINEY88; Pereira de ANDRADE89 e Cirino dos
SANTOS90.
Diante deste breve apanhado, fica a constatação de que há uma complexa
discussão jus-filosófica, subjacente à elaboração de qualquer estudo dogmático.

do sistema penal é conservar e reproduzir a realidade social existente. Uma política de


transformação desta realidade, uma estratégia alternativa baseada na afirmação de valores e
garantias constitucionais, um projeto político alternativo e autônomo dos setores populares, não
pode, todavia, considerar o direito penal como uma frente avançada, como um instrumento
propulsor”. Consultem-se também as páginas 41-48 (capítulo II da obra) em que BARATTA
conceitua a ‘ideologia da defesa social’, de fundamental importância para a compreensão das
crenças subjacentes ao manejo dos conceitos do Direito Criminal (bem jurídico; confronto
sociedade versus indivíduo; legalidade; igualdade, etc.). Ainda neste sentido, consulte-se o artigo
El Sistema Penal a examen crítico. Una propuesta metodológica y transdisciplinar que se
fundamenta en otra antropologia y valores más acordes con una comprensión eficiente de una
singular creatividad abierta siempre a Porvenir y Novedad. Una criminología o filosofía y
sociología del Derecho Penal in: BARATTA, Giorgio et al. Revista Anthropos. Huellas del
conocimiento. Barcelona: Anthropos Editorial, 2.004, vol. 204, p. 03-22. Tenha-se em conta
também o conjunto de artigos editados na obra de ANDRADE, Vera Regina Pereira de et al.
Verso e reverso do controle penal: (des)aprisionando a sociedade da cultura punitiva.
Florianópolis; Fundação Boiteux, 2.002.
84
FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; COSTA ANDRADE, Manuel da. Criminologia. O homem
delinqüente e a sociedade criminógena. 2ª reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 1.997, p. 243-
358.
85
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do
sistema penal. Tradução de Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. RJ: Revan,
1.991. Atente-se especialmente para as páginas 26-27, depois de constatar que a cifra negra da
cominação penal formalizada é avassaladora, sustenta ZAFFARONI que “Diante da absurda
suposição – não desejada por ninguém – de criminalizar reiteradamente toda a população, torna-
se óbvio que o sistema penal está estruturalmente montado para que a legalidade processual não
opere e, sim, para que exerça seu poder com altíssimo grau de arbitrariedade seletiva dirigida,
naturalmente, aos setores vulneráveis. Esta seleção é o produto de um exercício de poder que se
encontra igualmente em mãos dos órgãos executivos, de modo que também no sistema penal
formal a incidência seletiva dos órgãos legislativos e judicial é mínima. Os órgãos legislativos,
inflacionando as tipificações, não fazem mais do que aumentar o arbítrio seletivo dos órgãos
executivos do sistema penal e seus pretextos para o exercício de um maior poder controlador”.
Também neste sentido, confira-se esta mesma obra, em páginas 247-281 (em que examina
brevemente as categorias do conceito de delito) e também ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al.
Direito penal brasileiro: primeiro volume. Teoria Geral do Direito Penal. 2ª ed. RJ: Revan,
2.003, p. 46-51.
86
BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos. Violência, justiça, segurança pública e direitos humanos
no Brasil de hoje. RJ: Revan, 1.990, p. 35-46.
87
CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da libertação. Tradução de Sylvia Moretzsohn, RJ:
Revan: ICC, 2.005, p. 133-144.
88
YOUNG, Jock et al. Criminologia crítica. Traduzido por Juarez Cirino dos Santos e Sérgio
Tancredo. RJ: Edições Graal, 1.980, especialmente em p. 221-249 (texto de Richard QUINEY, O
controle do crime na sociedade capitalista: uma filosofia crítica da ordem legal). Ainda sobre
QUINEY, leia-se ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas pedidas, p. 57-58.
89
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência
à violência do controle penal. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.003, p. 182-
229.
90
SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia radical. 2ª ed. Curitiba: ICPC: Lumen Juris,
2.003, p. 61-86. Confira-se ainda SANTOS, Juarez Cirino dos. As raízes do crime. Um estudo
sobre as estruturas e as instituições da violência. RJ: Ed. Forense, 1.984, p. 124-168. Por fim, do
mesmo autor, leia-se o recente Direito Penal. Parte geral. Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2.006, p.
698-701.
39

Não se tem qualquer pretensão a formular uma resposta a tais objeções,


lançadas desde a Criminologia não consensualista. Isto demandaria um estudo à
parte, com efeito.
Aqui, apenas ficam registrados, para denotar que este mesmo tema – o erro
no Direito Penal – pode também dar causa a uma discussão extremamente
interessante, a partir da função criminológica do postulado da culpabilidade.
Retome-se, porém, a pergunta lançada ao início dessa seção. Concebe-se
algum futuro para a dogmática penal?
Nilo BATISTA oferece a primeira resposta:

“A dogmática pode libertar-se destas acusações se lograr, como preconizava


Fragoso, superar o esquema apresentado pelo tecnicismo jurídico, que tende à
compreensão e justificação do direito penal vigente. A construção de conceitos
dogmáticos deve incorporar os dados da realidade (Zaffaroni) e a constatação de
seus efeitos sociais concretos. Não se quer uma crítica a posteriori, fora da
dogmática, como Rocco. A incorporação à dogmática penal das finalidades
político-criminais transforma-a de um sistema fechado em um sistema aberto,
ensina Bustos, e assim em permanente renovação e criação”91.

ROXIN também defende que a dogmática poderá assumir um escopo


democrático, com abertura para a pauta valorativa constitucional:

“Fica claro que o caminho correto só pode ser deixar as decisões valorativas
político-criminais introduzirem-se no sistema do direito penal, de tal forma que a
fundamentação legal, a clareza e a previsibilidade, as interações harmônicas e as
conseqüências detalhadas deste sistema não fiquem a dever nada à versão formal-
positivista de proveniência lisztiniana. Submissão ao direito e adequação a fins
político-criminais (kriminalpolitische Zweckmäβigkeit) não pode contradizer-se,
mas deve ser unidas em uma síntese, da mesma forma que Estado de Direito e
Estado Social não são opostos inconciliáveis, mas compõem uma unidade dialética:
uma ordem jurídica sem justiça social não é um Estado de Direito material, e
tampouco pode utilizar-se da denominação Estado Social um Estado planejador e
providencialista que não acolha as garantias de liberdade do Estado de Direito”92.

91
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 10ª ed. RJ: Revan, 2.005, p.
122. Em sentido bastante próximo, confira-se também ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A
ilusão de segurança jurídica, p. 118/124 a respeito das funções declaradas da dogmática penal.
92
ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Tradução de Luís Greco. RJ:
Renovar, 2.002, p. 20. Aliás, prossegue ROXIN: “A unidade sistemática entre política criminal e
direito penal, que no meu entender também deve ser realizada na construção da teoria do delito, é
somente o cumprimento de uma tarefa que é colocada a todas as esferas de nossa ordem jurídica.
Até agora, porém, não foram feitas tentativas globais nesse sentido na dogmática da parte geral.
A estrutura do crime, cujo modelo standard da doutrina e da jurisprudência encontramos com
diversas variações nos diferentes autores, parece muito mais um conglomerado de vários estilos
de época”. ROXIN, Claus. Obra citada, p. 22. Ainda neste sentido, criticando o posicionamento
relativista de Hellmuth MAYER, manifesta-se ROXIN na obra Derecho Penal. Parte General,
tomo I, p. 216-217. Vide, por fim, DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito
penal revisitadas. SP: RT, 1.999, p. 34-40.
40

Já para MUÑOZ CONDE,

“No se puede hacer del sistema de la teoría del delito la aspiración máxima y casi
única de la Ciencia del Derecho Penal, pero también que no se puede prescindir
completamente de él dejando la interpretación y aplicación del Derecho Penal en
manos del azar y la arbitrariedad. En la medida en que el sistema de la Teoría del
Delito constituye un riquísimo caudal ordenador de los criterios y argumentaciones
que se pueden utilizar en la decisión y solución de los casos jurídico-penales, será
para el penalista un instrumento indispensable para el estudio, interpretación y
crítica del Derecho Penal”93.

Com efeito, “No momento atual, não podemos abrir mão da dogmática
jurídico-penal, porque, como assinala Gimbernat ORDEIG em seu festejado
trabalho, temos que conviver com o direito penal. Transformá-la numa dogmática
aberta é o desafio que o penalista brasileiro tem, hoje, diante de si”94.
Demonstrada a importância da dogmática penal, pode-se partir para um
segundo problema: qual é a função do Direito Penal em um Estado que se quer
Democrático de Direito?
Este é o assunto do próximo tópico.

1.2
Propósitos reconhecidos ao Direito Penal:

O conteúdo extraído das leis penais está intimamente conectado à percepção

93
MUÑOZ CONDE, Francisco; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria geral do delito. SP:
Saraiva, 2.000, p. 12.
94
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 10ª ed. RJ: Revan, 2.005, p.
122. Esta função garantista da dogmática penal também é examinada, com a precisão de sempre,
por CIRINO DOS SANTOS: “Fazer dogmática penal como critério de racionalidade do sistema
punitivo, significa assumir o ponto de vista do poder repressivo do Estado no processo de
criminalização de marginalizados do mercado de trabalho e da pobreza social, em geral. Ao
contrário, fazer dogmática penal como sistema de garantias do indivíduo em face do poder
punitivo do Estado, no sentido de conjunto de conceitos capazes de excluir ou de reduzir o poder
de intervenção do Estado na esfera da liberdade individual – e, portanto, capazes de impedir ou
de amenizar o sofrimento humano produzido pela desigualdade e pela seletividade do sistema
penal -, constitui tarefa científica de grande significado democrático nas sociedades
contemporâneas”. SANTOS, Juarez Cirino. Teoria da pena: fundamentos políticos e aplicação
judicial. Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2.005, p. 38. Por fim, leia-se STRECK, Lenio Luiz.
Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito, p. 287-288, em que,
remetendo-se a José LAMEGO, sustenta que “Nas situações da vida há similitude, mas não
identidade, pelo qual os traços caracterizadores da situação particular não podem ser deixados
de fora em virtude do caráter abstrato da pauta geral”.
41

ideológica da relação entre indivíduo e grupo social95. Cumpre definir o que pode
ser legitimamente exigido do sujeito pelo grupo, e vice versa.
Alguns discursos são marcados por um individualismo exacerbado,
enquanto que outros – em viés oposto - defendem a cabal capitulação do indivíduo
aos interesses de conservação da agremiação política (as expectativas sociais é
que devem subsistir)96. É o confronto entre hobbesianos e rousseaunianos.
Como já foi mencionado acima, é fato que – sob as vestes de uma aparência
silogística (pretensamente matemática - modus barbara97) -, remanescerá sempre
uma determinada opção axiológica.
Sabe-se, com efeito, que o imperativo “Se ocorre A, logo B” (silogismo) não
é suficiente para enquadrar a totalidade do fenômeno jurídico. O Direito depende
de opções morais, tanto aquelas feitas pelos legisladores, quanto àquelas outras,

95
Ao tratar sobre o conteúdo material do princípio da culpabilidade, Figueiredo DIAS adverte que
a questão fundamental é “Reduzir a tensão entre o sentido supra-individual e o sentido individual
que penetram qualquer conceito de culpa, entre a exigência de valores objectivos, advinda da
ordenação normativa (de que o homem participa, mas que o transcende) a que pertence, e a
irrenunciável imposição de que seja avaliado segundo critérios individualizados e subjetivos (...)
esta tensão dialética conduz a uma crise latente que ameaça furtar-lhe o fundamento como direito
penal de culpa: uma hiperacentuação de momentos supra-individuais e objectivos na culpa levará o
direito penal a transformar-se em entidade ideal e metafísica que, divorciada do concreto indivíduo
que age, perde toda a legitimidade ética para pessoalmente censurar e lhe aplicar uma pena em
nome da culpa; pelo contrário, a hiperacentuação no conceito de momentos subjetivos e empíricos
conduzirá o direito penal à fronteira das medidas terapêuticas individualizadas que se propõem a
cumprir um processo, não de reparação, mas de restituição puramente causal”. DIAS, Jorge de
Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 177-178.
96
O grande problema está na exata delimitação do que seja um bem jurídico digno de tutela penal.
Este detalhamento é indispensável para que esta categoria possa efetivamente cumprir o papel de
vincular o legislador a uma determinada pauta de valores, hauridos diretamente da Constituição.
Sob um viés antropocêntrico, ainda atormenta a dogmática alemã a delimitação precisa do bem
jurídico tutelado no âmbito da criminalização dos maus tratos aos animais. Confira-se
SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la ciencia
jurídico-penal alemán, pp. 12-15, a respeito da contraposição entre as preocupações com a
geração futura e o individualismo liberal. Leiam-se também as seguintes obras: SOUZA, Paulo
Vinicius Sporlender de. Bem jurídico-penal e engenharia genética humana. Contributo para a
compreensão dos bens jurídicos supra-individuais. SP: RT, 2.004, especialmente em p. 42-110;
FERNÁNDEZ, Gonzalo D. Bien jurídico y sistema del delito. Un ensayo de fundamentación
dogmática. Buenos Aires: IBdef: Julio César Faira Editor, 2.004, especialmente em p. 97-118;
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte geral, p. 14; GOMES, Luiz Flávio. Princípio
da ofensividade no direito penal. SP: RT, 2.002, especialmente em p. 80-84. FERRAJOLI,
Luigi. Direito e razão, p. 379-384. Com fundamentais indicações bibliográficas, DIAS, Jorge de
Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 85, nota de rodapé nº
53. Para Günther JAKOBS, nem todo objeto de regulação de uma norma pode ser tido como bem
jurídico, mas apenas aquelas ‘unidades funcionais’, que devem cumprir alguma função para a
sociedade ou para o indivíduo. Leia-se JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 52.
97
O chamado ‘modus barbara’ é elucidado por Arthur KAUFFMANN como segue: “El silogismo
lógico – usualmente de dos premisas se deduce una conclusión – se caracteriza con marcas de
nombres que siempre tienen tres sílabas, a cuyas vocales recurre (…) El modus barbara tiene
entonces la forma: Todos los M son P; Todos los S son M; Todos los S son P”. KAUFFMANN,
Arthur. Filosofía del derecho, p. 55, nota 16. Vide, ainda, na mesma obra, p. 140-173.
42

implícitas, feitas pelo Juiz ao longo do trabalho de reconhecer/construir a norma a


partir do texto da Lei.
Por sinal, mesmo os intérpretes estão constantemente reconstruindo a
norma, reafirmando ou – de acordo com o caso – modificando a valoração
primária feita pelo Legislador. Cuida-se da sociedade aberta de intérpretes, de que
fala Peter HÄBERLE:

“Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este
contexto é, indireta ou, até mesmo, diretamente, um intérprete desta norma. O
destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor
tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes
jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da
interpretação da Constituição” 98.

Esse excerto da obra de HÄBERLE é fundamental para o presente trabalho,


porque reafirma que o Direito não se exaure na sua aplicação oficializada, pelos
Tribunais. O Estado não monopoliza o Direito.
Ao contrário, as regras somente se convertem em Direito Vivo (Eugen
ERLICH) diante da percepção valorativa diluída na sociedade.
Afinal de contas, muitos dos problemas surgidos na questão do erro se
devem a uma indevida distância entre o Direito Oficial e aquele outro, espraiado
no dia-a-dia.
Também se enfatiza, conquanto brevemente, que – em muitos casos – a falta

98
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição.
Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2.002, p. 15.
Não se pode aceitar, portanto, o argumento de Assis TOLEDO, fundada em MEZGER, de que
“Não obstante, não pode satisfazer-nos a fórmula de Von Liszt, pois não é possível falar de uma
subsunção por parte do agente, a quem se concebe como profano, sem conhecimentos jurídicos. O
erro de subsunção é, com efeito, uma das modalidades de ignorantia legis que reputamos
inescusável”. TOLEDO, Francisco de Assis. O erro no direito penal. SP: Saraiva, 1.977, p. 124.
É fato que TOLEDO reconhece relevância à falha subsuntiva, quando a mesma se converter em
erro de proibição (p. 124). De qualquer forma, a importância do excerto é demonstrar que
constamente se reduz o Direito às decisões dos “iniciados”. Ora, ainda que não se possa
condicionar a responsabilização criminal ao efetivo conhecimento da proibição legal da conduta –
como quer Haro OTTO – também não se pode olvidar que os indivíduos vivem as normas éticas,
ainda que não escrevam tratados sobre isto. Ora, o Direito não pode ser reduzido às decisões dos
Tribunais. Além de se olvidar que mesmo entre os juízes não há consenso; que muitas vezes a
vontade do legislador não é reconhecida como a vontade objetivada na Lei (frente a um suposto
sistema jurídico racional e pleno de sentido); e que, em muitos casos, várias soluções valorativas
se mostram igualmente legítimas – sobremodo em uma sociedade pluralista e sob um Estado laico
-, é evidente que os sujeitos vivem o Direito, criando e alterando preceitos jurídicos, mesmo
quando não se cuida de um direito costumeiro. Enfim, o erro de subsunção deve redundar em uma
atenuação da reprovação da conduta, notadamente quanto aos tipos penais indutores (em que falta
uma antecedente sintonia ética com as opções valorativas da população).
43

de consenso entre os juristas se deve, antes de tudo, a uma diversidade de


premissas axiológicas99: para que serve o Direito? Qual o tipo de Direito que se
almeja?
Dito de outro modo, ainda que as pessoas estivessem de acordo quanto ao
sentido das palavras (ou seja, não houvesse falhas de comunicação), é fato que –
ainda assim – quanto a muitos temas, não haveria como obter uma “verdade”
jurídica100.
Diante de uma mesma Constituição, e com o compromisso de coerência
com as premissas, dificilmente se conseguiria obter um consenso entre aqueles
que defendem e aqueles que condenam a prática da eutanásia101.

99
A respeito da vinculação entre direito e moral, vide os recentes aportes de ALEXY, Robert. El
concepto y la validez del derecho. 2ª ed. Tradução de Jorge M. Seña. Barcelona: Gedisa, 2.004,
especialmente em p. 13-17 e 159-177. ALEXY sustenta que “El problema central de la polémica
acerca del concepto de derecho es la relación entre derecho y moral. A pesar de una discusión de
más de dos mil años, siguen existiendo dos posiciones básicas: la positivista y la no positivista”
(obra citada, p. 13. Aliás, em sentido oposto, dizendo que a questão é irrelevante, leia-se
VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 5ª ed. SP: Malheiros, p. 20; concordando
com ALEXY, leia-se DWORKIN, Ronald. O império do direito, p. 46, ao tratar do positivismo
jurídico enquanto teoria semântica. Advirta-se, porém, que o positivismo referido por DWORKIN
aproxima-se mais do chamado realismo sueco, que reduzia o direito aos fatos). Como elucida
ALEXY, os positivistas defendem a autonomia do Direito frente à moral. Vale dizer, o Direito
seria como que uma roupagem, passível de receber qualquer conteúdo. Por outro lado, os não
positivistas defendem um laço mais estreito de dependência do próprio conceito de Direito a certas
opções morais vigentes em um determinado contexto. Cada uma das posições admite graduação
(positivista extremado, moderado). Trata ALEXY ao longo da obra do chamado apotegma de
Gustav RADBRUCH (uma norma extremamente injusta é Direito?), chegando à conclusão de que
é defensável a resposta negativa: um preceito demasiadamente injusto sequer deveria ser tido
como jurídico. O tema é extremamente relevante, conforme se vê, influenciando a decisão a ser
proferida nos chamados casos difíceis (aplicação retroativa da lei penal, no caso de Nuremberg ou
ao caso dos atiradores do muro de Berlim, p.ex.). Vide ainda, com trabalho fundado no exame
tópico, DIMOULIS. Dimitri. O caso dos denunciantes invejosos. Introdução prática às relações
entre direito, moral e justiça. Com a tradução do texto de Lon L. Fuller. SP: RT, 2.003. Também a
respeito deste confronto entre positivistas e não positivistas, confira-se a obra de BACHOF, Otto.
Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução e nota prévia de José Manuel M. Cardoso
da Costa, Almedina, 1.994, especialmente em p. 30 (entendimentos contrários ao controle judicial
da validade da própria Constituição) e também em p. 45-48 (entendimento favorável ao
afastamento de normas materialmente ‘inconstitucionais’, i.e., injustas, se confrontadas com um
viés jusnaturalista). Ainda que o tema seja perigoso (porquanto, de boa intenção, muito mal já foi
feito. Pode-se esvaziar a força normativa da Constituição!, ao questionar a sua própria validade), é
fato que o referido debate teve maior relevância em países cujas constituições admitiam a
apartheid, a xenofobia, etc. No caso brasileiro, adotou-se uma Constituição extremamente pródiga
em direitos, que clamam apenas por efetividade, razão pela qual a discussão, aqui, é antes como
fazer cumprir a Constituição do que, propriamente, investigar se há normas constitucionais
impertinentes e desconexas com um sentimento de Justiça.
100
Conceitos como o da vida e da morte, p.ex., ainda que possam ser regulados pelo Direito, estão
intimamente associados às crenças subjetivas mais profundas. Sempre que se cuida da origem da
vida (p.ex.: utilização de embriões para pesquisas) e na sua extinção (eutanásia, p.ex.), o debate
tende à metafísica religiosa, porquanto referidos conceitos não podem ser monopolizados pelo
discurso jurídico.
101
Aqui se pode fazer referência ao que Ronald DWORKIN denomina de integridade do Direito,
conceito chave na sua teoria hermenêutica. Não sendo, contudo, o caso de descer em maiores
44

Em tais circunstâncias, uma premissa deôntica (moral/valorativa) – no caso,


o Direito à Vida – depende, a rigor, muito mais de pressupostos metafísicos do
que, propriamente, jurídicos. Basta pensar, por exemplo, que para alguns a vida
seria indisponível (como que tomada em empréstimo). Para outros, a sociedade (e
o Estado) não poderiam obrigar nenhum indivíduo a viver contra a sua vontade102.
Também por isto – permitir o debate da premissa – convém deixar
explícitos os valores103 que dão causa a este trabalho.
A que propósitos se presta o Direito Penal104?
Qual é o seu papel, em uma sociedade que se quer democrática, nesses

detalhamentos – por exigir um estudo à parte – é fato que a exigência de integridade, em uma
comunidade de princípios, “Pressupõe que cada pessoa é tão digna quanto qualquer outra, que
cada uma deve ser tratada com o mesmo interesse, de acordo com uma concepção coerente do
que isto significa”. (DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz
Camargo, São Paulo: Martins Fontes, 1.999, p. 257). Portanto, este postulado é indissociável de
uma comunidade pluralista, com diversas concepções de moral e de religião o que, sem sombra de
dúvidas, dificulta a obtenção de consensos em temas áridos como os da eutanásia e do aborto.
Exige-se, porém, uma investigação mais profunda a respeito dos limites do princípio da tolerância,
como acena Arthur KAUFMANN: “La tolerancia no es ilimitada, ella no es soportar a cualquier
precio. Que las leyes válidas tienen que seguirse, que la infracción del derecho, con mayor razón
el delito, no pueden ser soportados, que no se puede sostener la inhumanidad, se entiende por sí
mismo (…) La tolerancia tine su raíz en la idea de la libertad, y donde el intolerante no pone en
peligro la libertad garantizada en la Constitución, no hay, como lo dice John RAWLS, ningún
fundamento para negarle a él la libertad”. Conclui o filósofo que apenas o homem tolerante
consegue conduzir-se adequadamente frente à complexidade da vida, mas que não se pode ser
tolerante com tudo (p.ex., com a escravidão; pedofilia; desigualdade social dantesca, etc.). Leia-se
KAUFMANN, Arthur. Filosofía del derecho, p. 567-568 e 576.
102
Anote-se, entretanto, que não se está defendendo no presente trabalho a adoção irrestrita de um
absoluto relativismo ético e jurídico, caso se entenda por relativismo uma indevida liberdade de
atribuir qualquer sentido ao texto de lei, ou de se adotar concepções moralistas agressivas à
dignidade dos demais indivíduos. Todavia, registre-se com GRONDIN, na referência de Lenio
STRECK, que “Jamais existiu um relativismo para a hermenêutica; são, antes os adversários da
hermenêutica que conjuram o fantasma do relativismo, porque suspeitam existir na hermenêutica
uma concepção de verdade, a qual não corresponde às suas expectativas fundamentalistas”
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, p. 315.
103
"É uma das maiores singularidades da história do nosso pensamento (...) que os homens, desde
que se conhecem, tenham punido crimes e que, no entanto, desde que se conhecem, disputem entre
si acerca do fim para que o fazem”, EXNER apud RODRIGUES, Anabela Miranda. A
determinação da medida da pena privativa de liberdade. Os critérios da culpa e da prevenção.
Coimbra: Coimbra Editora, 1.995, p. 152. Anote-se, contudo, que a frase - tal como se encontra -
além de partir de um indemonstrável ‘sempre foi assim’, parece simplesmente legitimar a
aplicação da pena independentemente de qualquer critério. Aliás, tanto quanto se pergunta ‘por
que se pune?’ também se pergunta ‘o que é o direito?’, o que demonstra que o Direito, tanto
quanto a filosofia, é uma área do conhecimento em que a premissa jamais é superada, estando
constantemente sendo posta à prova e demandando constantes justificações. Jamais um estudioso
do Direito deve deixar de ler os compêndios de introdução ao Estudo do Direito, visto que é um
conhecimento que jamais se exaure.
104
A pergunta é fundamental. Como quer DWORKIN, “Uma interpretação é, por natureza, o
relato de um propósito; ela propõe uma forma de ver o que é interpretado – uma prática social ou
uma tradição, tanto quanto um texto ou uma pintura – como se este fosse o produto de uma
decisão de perseguir um conjunto de temas, visões ou objetivos, uma direção em vez de outra.
Essa estrutura é necessária a uma interpretação mesmo quando o material a ser interpretado é
uma prática social, mesmo quando não existe nenhum autor real cuja mente possa ser
investigada”. Confira-se em DWORKIN, Ronald. Império do direito, p. 71.
45

conturbados tempos105?
Não são questões fáceis. Ainda assim, aqui não se tentará esmiuçar as
teorias da retribuição e prevenção geral e especial106 e as respectivas críticas107.
Cuida-se, ao contrário, de um exame mais restrito, tanto quanto permita o
confronto entre as principais opções axiológicas subjacentes ao Direito Penal.
Atente-se, primeiramente, para a concepção de Günther JAKOBS, para
quem
“La pena tiene una función que debe surtir efectos finalmente en el nivel en el que
tiene lugar la interacción social, y que no se agota en el nivel en significar algo: la
pena debe proteger las condiciones de tal interacción y tiene, por tanto, una función
preventiva”108.

Logo, para o autor a pena se justifica por ser um mecanismo de garantia da


própria reverência estatal109.
JAKOBS não indica qualquer função vinculada às opções políticas
fundamentais da sociedade. Ao contrário, vincula a sanção apenas à proteção da
segurança jurídica (garante a aplicação da Lei, qualquer que seja esta).
Essa concepção parece olvidar que o Estado e o Direito não radicam
validade em si110. Enquanto constructos culturais, tanto um quanto outro devem

105
BECK, Ulrich. Risk society: towards a new modernity. Sage Publications: Great Britain,
1.992.
106
Um estudo bastante detalhado a respeito das várias teorias justificadoras da imposição da
sanção penal pode ser encontrado na obra de RODRIGUES, Anabela Miranda. A determinação
da medida da pena privativa de liberdade. Os critérios da culpa e da prevenção. Coimbra:
Coimbra Editora, 1.995, especialmente em p. 317-384, em que a autora estabelece um rico
confronto entre a teoria de ROXIN e a de JAKOBS. Vide também MIR PUIG, Santiago. Derecho
penal. Parte general. 7ª ed. Buenos Aires: Julio César Faira Editor (Editorial IB de F), 2.004, p.
83-109 e, por fim, FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 210-236.
107
CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime. RJ: Forense, 1.998. Leia-se também
CHRISTIE, Nils. Una sensata cantidad de delito. Tradução de Cecília Espeleta y Juan Iosa.
Buenos Aires: Editores del Puerto, 2.004, p. 51-78, em que trata do delito como valor de uso.
108
JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 18.
109
A reafirmação da norma por meio da sanção – além do evidente lastro hegeliano - aproxima-se
da concepção psicanalítica da pena na linha propugnada por Theodor REIK e Hugo STAUB, ao
vislumbrarem na sanção a reafirmação do tabu: “O mau exemplo do delinqüente age de modo
sedutor sobre os próprios impulsos reprimidos e aumenta sua pressão. Por isso, o ego tem
necessidade de reforçar o próprio superego, e somente pode obter este reforço das pessoas reais
que incorporam a autoridade, as quais são o modelo do superego. Se o ego pode demonstrar aos
impulsos que também as autoridades mundanas dão razão ao superego, então ele pode se
defender do assalto dos impulsos. Mas se as autoridades mundanas desautorizam o superego,
deixando fugir o delinqüente, então não existe mais nenhuma ajuda contra o assalta das
tendências anti-sociais. O impulso para a punição é, pois, uma reação defensiva do ego contra os
próprios impulsos, com a finalidade da sua repressão (...) A exigência de punir os delinqüente é,
simultaneamente, uma demonstração dirigida para dentro, para desencorajar os impulsos: o que
nós proibimos ao delinqüente, vós também podeis renunciar”. STAUB apud BARATTA,
Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal, p. 52-53.
110
Elucida FERRAJOLI, “O garantismo, num sentido filosófico-político, consiste essencialmente
46

necessariamente encontrar uma razão no homem, medida de todas as coisas


(Protágoras111).
Tal teoria recusa, ao aplicador da Lei, um controle substancial da Lei
aplicada. Cuida-se de uma justificação meramente formalista para a pena. E, por
isto mesmo, nela cabe qualquer conteúdo.
Pune-se para que não se desrespeitem as regras. Contudo, o porquê de se
protegerem referidas normas é totalmente esquecido. A justificativa dá amparo
tanto ao Direito Penal liberal; ao social-democrata; ao escravocrata quanto ao
nazista112.
Diz ainda JAKOBS que

“La protección tiene lugar reafirmando al que confía en la norma en su confianza.


La reafirmación no tiene por contenido el que posteriormente no vaya nadie más a
infringir la norma, porque la pena haga desistir a los delincuentes potenciales, ni
menos aún se trata de cualquier pronóstico especialmente referido al
comportamiento futuro del autor. Destinatarios de la norma no son primariamente
algunas personas en cuanto autores potenciales, sino todos, dado que nadie puede
pasar sin interacciones sociales y dado que por eso todos debe saber lo que de ellas
pueden esperar. En esta medida la pena tiene lugar para ejercitar en la confianza
hacia la norma. Además, la pena grava al comportamiento infractor de la norma
con consecuencias costosas, aumentando la probabilidad de que ese
comportamiento se aprenda en general a considerarlo como una alternativa de
comportamiento a no tener en cuenta. En esa medida la pena se despliega para
ejercitar en la fidelidad al Derecho.
Al menos, sin embargo, mediante la pena se aprende la conexión de
comportamiento y deber de asumir los costes, aun cuando la norma se haya
infringido a pesar del que se ha aprendido; en esta medida se trata de ejercitar en la
aceptación de las consecuencias. Los tres efectos mencionados cabe resumirlos
como ejercicio en el reconocimiento de la norma. Dado que tal ejercicio debe tener

nesta fundamentação heteropoiética do Direito (...) consiste, de um lado, na negação de um valor


intrínseco do direito somente porque vigente, e do poder somente porque efetivo, e no primado
axiológico relativamente a eles do ponto de vista ético-político ou externo, virtualmente orientado
à sua crítica e transformação; e, por outro, na concessão utilitarista e instrumental do Estado,
finalizado apenas à satisfação das expectativas ou direitos fundamentais”. FERRAJOLI, Luigi.
Direito e razão: teoria do garantismo penal. SP: RT, 2.002, p. 708-709.
111
Confira-se COMPARATO, Fábio Konder. Ética. Direito, moral e religião no mundo moderno.
SP: Companhia das Letras, 2.006, p. 93. Como elucida COMPARATO, a citação literal é “O
homem é a medida de todas as coisas; das que são pelo que são e das que não são pelo que não
são”, informando que o aparente relativismo ético que pode derivar da afirmação foi objeto de
severa crítica de Aristóteles (vide nota 8, em p. 93 da mencionada obra). Observe-se também que,
na atualidade, a máxima deve ser submetida à crítica epistemológica segundo a qual a humanidade
não pode ser entendida pelo constante contraste com a natureza. Antes, deve-se buscar
compreender o humano justamente de forma holística, vale dizer, tendo em conta a sua interação
com o meio e também o próprio ambiente, em si considerado.
112
Tornando-se, portanto, suscetível às críticas formuladas contra as teorias formalistas do
fenômeno jurídico. Leia-se VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica, p. 25:
“Repele-se, por temerária ao regime democrático, toda teoria que conceba a norma jurídica como
mera forma desprovida de conteúdo, a exemplo daquela que foi patrocinada com invulgar sucesso
por Hans KELSEN. Direito sem conteúdo é Direito para qualquer conteúdo”.
47

lugar en relación con todos y cada uno, en el modelo descrito de la función de la


punición estatal se trata de prevención general mediante el ejercicio en el
reconocimiento del a norma”113.
Entendimento distinto é esposado por JESCHECK e WEIGEND, como
segue:

“El Derecho penal cumple, por un lado, la misión de proteger a la sociedad


mediante el castigo de transgresiones del Derecho que ya han tenido lugar; posee,
por ello, una naturaleza represiva. Pero, por otro, cumple asimismo la misión de
prevenir infracciones cuya comisión se teme en un futuro; posee también, pues, una
naturaleza preventiva. Sin embargo, la función represiva y preventiva del Derecho
pena no son opuestas, sino que deben ser entendidas de modo unitario: el Derecho
penal, a través de la amenaza, imposición y ejecución de penas justas, tiene como
finalidad evitar la comisión de futuras infracciones del Derecho (prevención
mediante represión)”114.

113
JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 18. Vê-se, portanto, que a justificativa da imposição da
pena, em JAKOBS é auto-referida. Melhor dizendo, é como se a necessidade da eficácia da Lei
(qualquer que fosse esta) bastasse para justificar a imposição da pena. A teoria assim esboçada se
presta a justificar qualquer sistema, porquanto é despida de um exame de conteúdo. Daí o elevado
risco que provoca quando adotada sem maiores cuidados, até mesmo porque pode recair na
reificação do ser humano, violando postulados básicos da filosofia ética moderna (ademais, no
caso brasileiro, também ao disposto no art. 1º, inc. III, CF/88). Por outro lado, é interessante ter em
conta que o marco teórico da obra de JAKOBS é, diretamente, NIKLAS LUHMANN (Sociologia
do direito. Tradução de Gustavo Bayer, RJ: Edições Tempo Brasileiro, 1.983) e, de forma
indireta, é MATURANA/VARELA, que conceberam a idéia de sistema para a biologia. E, nessa
medida, cuida-se de um sistema associado com certo ‘biologicismo’, inerente às concepções de
estado autoritário (tanto quanto à metáfora de que a sociedade é um corpo, com cabeça, tronco e
membros, tão cara à nobreza medieval). A respeito do tema, confira-se a introdução da obra de
TEUBNER, Günther. O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1.993.
114
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 04. Vê-se
que a referida definição está carregada da ideologia da defesa social, reconduzida por Alessandro
BARATTA aos seguintes postulados: a) princípio da legitimidade – a aplicação da pena por parte
do Estado é a verbalização da vontade da sociedade, que reage contra o criminoso; b) princípio do
bem e do mal – a sociedade é presumida como pacata e organizada. O desvio criminal é o mal
(maniqueísmo); c) princípio da culpabilidade – o delito é expressão de uma má vontade (contrária
aos valores dos homens de bem); e) princípio da finalidade ou da prevenção – a pena não está
destinada (ou não apenas está destinada) à expiação da culpa. Busca impedir novos delitos; f)
princípio da igualdade – a Lei penal é presumida como igual para todos. Não se questionam os
interesses dos elaboradores da lei; g) princípio do interesse social e do delito natural – há um
conteúdo penal mínimo constante na maioria dos códigos das nações civilizadas. Portanto, este
núcleo essencial corresponde à defesa dos fundamentos básicos da convivência em sociedade.
Alessandro BARATTA busca desnudar a referida ideologia, ao argumento de que o discurso penal
oficializado corresponde a uma prática perversa, mediante a qual os grupos sociais desfavorecidos
são estigmatizados (conceito de vulnerabilidade em ZAFFARONI, Em busca das penas
perdidas, p. 270). Confira-se com BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao
direito penal, p. 41-42 e também em p. 162. ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGIELI, José
Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte geral. SP: RT, 1.997, p. 96. De forma
detalhada, confira-se em ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Primeiro
volume: Teoria Geral do Direito Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2.003, p. 516-518. O tema
ainda é abordado de forma bastante didática por CASTILHO, Ela Wiecko V.de. “Criminologia
crítica e a crítica do Direito Penal econômico” in: Verso e reverso do controle penal:
(des)aprisionando a sociedade da cultura punitiva. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2.002, p.
61-71 e ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica, p. 135-138; 179-
181 e 176-284.
48

Segundo os autores, o Direito Penal está destinado a proteger bens jurídicos.


Assim, tem por função garantir os valores que são imprescindíveis para a
convivência das pessoas em comunidade.
A pretensão à validez do bem jurídico115 é um conceito tipicamente
hegeliano116. Para HEGEL, o crime era considerado como a antítese da Lei. A
sentença seria, desse modo, a reafirmação da Lei, ao negar o crime.
JESCHECK e WEIGEND não indicam, porém, quais devem ser estes
valores fundamentais, dignos da proteção penal. Qualquer interesse, nos quadros
atuais, tem sido elevado à condição de bem jurídico fundamental.
Teme-se, por conseguinte, que a referência acima possa redundar
tautológica. O Direito Penal protege bens jurídicos. Entretanto, o que são bens
jurídicos? Ora, aquilo que o Direito protege...
Frente a esta necessidade de controle, é fato que o Direito Penal não pode
constituir os bens jurídicos que ele protege. Essa valoração tem que lhe ser
anterior, extraída do substrato social; da constituição; dos demais ramos do
Direito.
Soma-se a isto também a constatação de que, atualmente, em face de
Constituições Analíticas e Dirigentes – e de um Estado em constante busca de
legitimação – o Direito Penal passa por uma considerável expansão. Daí, portanto,
a necessidade de maiores cautelas ao se definirem quais são, realmente, os bens
jurídicos que lhe cabe tutelar117.

115
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 08.
116
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. 7ª ed. rev. Tradução de Paulo
Menezes e Karl Heing Efken. Petrópolis: Vozes, 2.002 e HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich.
Princípios da filosofia do direito. Tradução de Orlando Vitorino. SP: Martins Fontes, 1.997,
especialmente em p. 24 e 83-93. Diz HEGEL que “O sofrimento (Verletzung) que se impõe ao
criminoso não é apenas justo em si (an sich) – (..) ele é também um direito do próprio criminoso
(sondern sie ist auch ein Recht an den Verbrecher selbst), ele está já implicado na sua vontade
existente, no seu acto (d.i., in seinem daseien den Willen, in seiner Handlung gesetz)”. Confira-se
em Anabela Miranda. A determinação da medida da pena privativa de liberdade, p. 167.
Anote-se, por sinal, que o próprio Günther JAKOBS reconhece a proximidade da teoria da
prevenção geral positiva, por ele esposada, e a teoria de HEGEL (pena como reafirmação da
norma). JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 22-23.
117
Aliás, anote-se, por exemplo, que a noção de bem jurídico pode estimular uma ‘inflação
legiferante’ na área penal, com esmaecimento do postulado da ultima ratio. Confira-se, p.ex., com
a obra FELDES, Luciano. Tutela penal de interesses difusos e crimes do colarinho branco. Por
uma relegitimação da atuação do Ministério Público. Uma investigação à luz dos valores
constitucionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.002, p. 41-47. Atente-se ainda para
a complexa questão a respeito da imposição de tipificação penal, veiculada em inúmeras
constituições (a nossa entre elas). Vide CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da. Constituição e
crime. Uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universidade Católica
Portuguesa Editora, 1.995, especialmente em p. 219-319. Confira-se mais de perto a p. 301, em
49

Por sinal, a função inicialmente concebida para a categoria dos “bens


jurídicos” gradualmente vai sendo perdida na história. BACIGALUPO118 não vê
mais, portanto, qualquer utilidade nesta limitação.
O tema é relevante119. Tangencia de perto a questão da legitimidade da
atuação penal para tutela de interesses difusos (direitos do consumidor; meio
ambiente; dever tributário, etc.)120, fonte inesgotável de tipos penais técnicos
(indutores), suscetíveis mais facilmente de erros de proibição.

que a autora menciona a dificuldade de se estabelecer uma hierarquia de valores constitucionais,


sobremodo em sociedades pluralistas e complexas como as atuais. Ainda sobre o tema, leia-se
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais, p. 57-100. Como reconhece LUISI, a nossa
Constituição foi ‘farta’ quanto à propulsão de um direito penal assecuratório de bens supra-
individuais. Confira-se em p. 58 da obra. Por fim, leia-se MÜSSIG, Bernd. Desmaterialización
del bien jurídico y de la política criminal. Tradução de Manuel Cancio Meliá e Enrique
Peñaranda Ramos. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2.001.
118
“La teoría del bien jurídico – sin embargo – no tiene en sí misma las posibilidades de limitar el
uso del derecho penal sólo a la protección de bienes jurídicos. En todo caso, en la medida en la que
prácticamente todo interés, toda finalidad o cualquier función del sistema social se puede
considerar un bien jurídico, la capacidad limitadora del concepto de bien jurídico es, en verdad,
nula. Más aún, las limitaciones del ius puniendi no surgen de la reducción del concepto de delito a
la protección de bienes jurídicos en el sentido de la teoría expuesta, sino de los valores superiores
del ordenamiento jurídico que establece el art. 1º de la CE: la dignidad de la persona, los derechos
inviolables que le son inherentes y el libre desarrollo de la personalidad”. BACIGALUPO,
Enrique. Derecho penal. Parte general. 2ª ed. ren. ampl. Buenos Aires: Hammurabi, 1.999, p. 44.
Anote-se, porém, que: a) a dignidade da pessoa humana não deixa de ser um bem jurídico, aliás, o
maior bem jurídico em um Estado secularizado; democrático, em que o indivíduo valida o Estado
(e não o contrário); b) por outro, a categoria “bem jurídico” permite confrontar as penas e exigir
coerência do Estado, vedando cominações arbitrárias, desproporcionais à gravidade da lesão e da
importância do bem jurídico tutelado; c) tenha-se em conta que o bem jurídico exerce fundamental
importância no âmbito da interpretação dos tipos penais e d) por fim, é fato que o conhecido
postulado da proibição da punição de bagatela (insignificância) somente adquire sentido diante do
conceito de bem jurídico penal. A respeito do tema, confira-se ainda a obra de MIR PUIG,
Santiago. Derecho penal. Parte general. 7ª ed. Buenos Aires: Julio César Faira Editor (Editorial IB
de F), 2.004, p. 169. Desse modo, a categoria ‘bem jurídico’ ainda cumpre um papel de relevo para
um Direito Penal Democrático.
119
Bastante crítico a respeito, vide BARATTA, Alessandro. Funções instrumentais e simbólicas
do Direito Penal. Lineamentos de uma Teoria do Bem Jurídico in: Revista Brasileira de Ciências
Criminais. SP: ano 2, número 05, 1.994.
120
Aliás, é imprescindível uma oportuna submissão dos bens jurídicos tutelados penalmente à
crítica constitucional, com uma revisão da hierarquia valorativa. Basta ter em conta que,
atualmente, a sanção cominada à agressão da honra objetiva (calúnia, pena de 06 meses a 02 anos,
art. 138 CPB) é inferior à pena do furto (01 a 04 anos, art. 155), o que é retrato de uma sociedade
patrimonialista. Agridem-se, nessa via, postulados constitucionais que erigem a dignidade humana
acima dos objetos apropriáveis. Por outro lado, é bastante oportuna a lição de BARATTA:
“Baluartes erguidos pelo pensamento penal liberal para limitar a atividade punitiva do Estado
frente ao indivíduo: o princípio do delito como lesão a bens jurídicos e o princípio de
culpabilidade, parecem cair definitivamente e são substituídos por elementos de uma teoria
sistêmica, na qual o indivíduo deixa de ser o centro e o fim da sociedade e do direito, para se
converter em um subsistema físico-psíquico (G. Jakobs), ao qual o direito valoriza na medida em
que desempenhe um papel funcional em relação à totalidade do sistema social”. BARATTA apud
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica, p. 165, o que denota que a
vinculação a bens jurídicos ‘suscetíveis de delimitação’ é um instrumento para contenção do
arbítrio estatal, tanto na fase da criminalização primária (elaboração dos tipos penais) quanto na
secundária (‘processamento’ criminal).
50

Este Direito Penal pode ser chamado de programático. Corresponde, no


fundo, a uma tentativa de alteração de costumes sociais por meio da ameaça da
pena. Ao invés de corresponder às percepções valorativas que estejam
previamente diluídas no corpo social, este novo Direito corresponde à valoração
eleita pelo Estado, a ser oportunamente imposta à sociedade.
Atente-se também para o conceito formulado por Claus ROXIN.
Ao contrário do que ocorre com JAKOBS, na obra do Professor de Munique
encontra-se uma fundamentação substantiva para o Direito Penal. Permite-se,
dessa forma, um controle material das normas penais, submetidas à pauta de
valores democraticamente eleitos.
Aqui, o Direito Penal já não é concebido como mero protetor da fidelidade
às normas. Antes, se lhe atribui a função de tutelar, de modo subsidiário, apenas
os bens jurídicos fundamentais121.
Com efeito, o Direito e o Estado são invenções do homem. É o Estado que
se legitima a partir do indivíduo, jamais o contrário (art. 1º, inc. III, CF/88).
Não basta dizer que a sanção deve garantir as expectativas normativas.
Conquanto, sob o prisma formal, isto possa ser aceito, convém perquirir o porquê
de tais expectativas, a que fins se prestam; a que interesses servem.
Depois de traçar o histórico das teorias122 e de anatematizar a corrente
expiatória, Claus ROXIN conclui que

“La teoría penal aquí defendida se puede resumir, pues, como sigue: la pena sirve a
los fines de prevención especial y general. Se limita en su magnitud por la medida
de la culpabilidad, pero se puede quedar por debajo de este límite en tanto lo hagan
necesario exigencias preventivoespeciales y a ello no se opongan las exigencias

121
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 81. Interessante anotar, com René DOTTI, que o Direito
Penal não está apenas destinado a proteger bens jurídicos ofendidos pelo autor do fato típico. Ao
contrário, o Direito Penal, enquanto magna carta do delinqüente, também protege o próprio autor
do fato típico, mediante as garantias da legalidade, anterioridade, tipicidade estrita, etc. DOTTI,
René Ariel. Curso de direito penal. Parte geral. RJ: Forense, 2.005, p. 03.
122
Um exame bastante objetivo a respeito das teorias da pena (i.e., das funções declaradas da
pena) e também a respeito das diversas críticas formuladas por parte das correntes agnósticas e
também materialistas (dialético marxistas) pode ser encontrada na obra SANTOS, Juarez Cirino.
Teoria da pena: fundamentos políticos e aplicação judicial. Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2.005,
especialmente em p. 03-38. Bastante interessante a conclusão do autor: “A pena criminal significa
retribuição equivalente do crime nas sociedades capitalistas – fundadas no valor de troca medido
pelo fator tempo (a) de trabalho social necessário, na economia e, por isso, (b) de liberdade
pessoal suprimida, no Direito -, que não pode ser justificada pelas teorias preventivas isoladas ou
unificadas da pena criminal, como valores de uso atribuídos à retribuição equivalente da pena
criminal” (Obra Citada, p. 38). Leia-se também SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA
JÚNIOR, Alceu. Teoria da pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de
ciência criminal. SP: RT, 2.002, p. 124-148.
51

mínimas preventivogenerales. Una concepción así no tiene en modo alguno un


significado predominantemente teórico, sino que, aparte de lo ya expuesto, tiene
también muchas e importantes consecuencias jurídicas”.123

Também neste sentido, é lapidar a construção de Santiago MIR PUIG, como


segue:
“El Derecho penal de un tal Estado [Democrático de Direito] habrá de asumir
varias funciones, correlativas a los distintos aspectos que en él se combinan. En
cuanto Derecho penal de un Estado social, deberá legitimarse como sistema de
protección efectiva de los ciudadanos, lo que le atribuye la misión de prevención en
la medida – y sólo en la medida – de lo necesario para aquella protección. Ello ya
constituye un límite de la prevención. Pero en cuanto Derecho penal de un Estado
democrático de Derecho, deberá someter la prevención penal a otra serie de límites,
en parte herederos de la tradición liberal del Estado de Derecho y en parte
reforzados por la necesidad de llenar de contenido democrático el Derecho Penal.
Importará, entonces, no sólo la eficacia de la prevención (principio de la máxima
utilidad posible), sino también limitar al máximo sus costos (principio del mínimo
sufrimiento necesario) de forma que resulte menos gravosa la protección que
ofrece el Derecho penal del Estado social y democrático de Derecho que la que
supondrían otros medios de control social ilimitados (como la venganza privada o
pública) o desprovistos de garantías (como actuaciones policiales incontroladas,
condenas sin proceso legal adecuado, medidas preventivas antedelictuales), o que
otras formas de Derecho penal autoritario”124.

No presente trabalho, esposa-se integralmente a concepção de que Direito


Penal deve ter por propósito tutelar bens jurídicos. Sequer todos os bens jurídicos,
mas tão-somente aqueles valores extremamente importantes para a Comunidade
Política125.
Em outras palavras, o Direito Penal deve estar orientado à tutela daqueles
bens jurídicos guarnecidos constitucionalmente (e dentre estes, apenas alguns!).
É sabido que a referida categoria (bens jurídicos) não tem se prestado para
este papel de contenção/controle substancial das normas penais, o que é
lastimável126.

123
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 103. Anote-se que a teoria da prevenção geral está intimamente
associada à chamada teoria da coação psicológica desenvolvida por Anselm von FEUERBACH,
segundo a qual o desprazer advindo da sanção deveria ser sempre superior à satisfação promovida
pelo ilícito.
124
MIR PUIG, Santiago. Derecho penal. Parte general. 7ª ed. Buenos Aires: Julio César Faira
Editor (Editorial IB de F), 2.004, p. 104-105.
125
Também neste sentido, confira-se a obra de SANCHEZ RIOS, Rodrigo. O crime fiscal.
Reflexões sobre o crime fiscal no direito brasileiro (lei 8.137 de 27 de dezembro de 1.990) e no
direito estrangeiro, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1.998, p. 38-39.
126
Conforme constou em nota anterior, em que pese a relativa imprecisão do conceito de ‘bem
jurídico digno de tutela penal’ e, por isto mesmo, uma redução das expectativas liberais que foram
direcionadas a este instituto, é fato que – quando menos – se presta a facilitar a interpretação dos
tipos penais; a coibir o bis in idem, e, por fim, a garantir a aplicação do princípio da insignificância
penal, por reduzida lesividade da conduta.
52

Contudo, tampouco se pode olvidar que – ainda assim – o conceito se presta


a excluir ex ante algumas tipificações lastreadas em opções meramente
metafísicas ou moralistas. Não se pode, por exemplo, condenar penalmente o
homossexualismo, o que violentaria o pluralismo reconhecido
constitucionalmente. Também impede a tipificação penal de condutas
exclusivamente autolesivas (a lesão não passa da pessoa do autor).
Ademais, o conceito de bem jurídico - também denominado, em muitos
casos, de objetividade jurídica – revela-se de uma importância fundamental para a
interpretação e para a elaboração dos textos de Lei.
Em um Estado Democrático de Direito não se pode reconhecer ao
legislador127 uma total liberdade para a criação de tipos penais. Antes, há valores
que são contra majoritários, não encontrando legitimidade tão-somente
procedimental.
É o que ocorre com o Direito Penal, máxima manifestação de violência do
Estado contra o indivíduo. Por isso mesmo, indispensavelmente condicionado por
uma série de princípios.
É fácil defender, nos quadros de um constitucionalismo emancipatório, a
invalidade de uma Lei que viesse a criar o dano culposo no Brasil, convertendo
qualquer acidente de trânsito em crime.
Conquanto o patrimônio seja um bem jurídico garantido
constitucionalmente, a ponderação entre a liberdade indispensável ao tráfico
jurídico (assunção de riscos) e a necessidade de proteção penal do direito de
propriedade, não autorizaria um tipo de dano imprudente, em tais casos.
Para JAKOBS, uma norma como esta poderia ser legitimada frente ao
sistema, desde que demonstrada a necessidade de redução da
contingência/reafirmação das expectativas normativas.
Sob a ótica de ROXIN, no entanto, uma norma como esta seria

127
Defende-se que a democracia é muito mais que a decisão da maioria. Vale dizer, o postulado da
maioria não legitima todas as opções políticas. Ao contrário, democracia é o que a maioria que
vence faz com a minoria que perde. Importa dizer: demanda um exame de conteúdo das opções
políticas adotadas, com respeito a um conjunto mínimo de direitos fundamentais (verdadeiramente
efetivados). No Brasil, isto fica muito evidente com a vedação da supressão de garantias
individuais, mesmo que sob o voto de 90% de toda a população, em consulta direta (cláusula
pétrea, art. 60, §4º, CF/88). Portanto, reconheceu sabiamente o Constituinte que, na temática de
direitos fundamentais, o procedimento (a forma) da adoção de decisões não é o mais importante.
Deve-se guarnecer um conteúdo jurídico mínimo, intimamente associado ao reconhecimento da
dignidade presente no ser humano, apenas e tão-somente por ser humano.
53

indefensável, porquanto se exige a necessidade de pena para proteção de bens


jurídicos carentes de tutela criminal, observado sempre o postulado da ultima
ratio, logo o que falta na referida hipótese.
Destarte, ainda que o conceito de bem jurídico mereça uma maior
lapidação128, ele se constitui, por certo, em um valioso instrumento de
interpretação e também de limitação do poder punitivo estatal.
Afinal, sem a referência a esta categoria, a noção de insignificância penal
perderia praticamente o seu sentido atual.
Anote-se, nesta quadra, que o Direito Penal não tutela apenas os bens
jurídicos dos atingidos pelas condutas lesivas. Ao contrário, também restringe a
atuação estatal, na medida em que tutela bens jurídicos do próprio acusado. Basta
lembrar, por exemplo, que a prática da tortura, da fraude processual e falso
testemunho são crimes; sem mencionar que as exigências para a cominação de
penas são feitas justamente para proteger o sujeito contra o arbítrio estatal.
O Direito Penal tem a função de proteger, enfim, - de forma subsidiária e
fragmentada -, apenas os bens jurídicos fundamentais para a vida em sociedade,
ao mesmo tempo em que também protege o indivíduo submetido aos rigores da
persecução penal. Eis a função do Direito Penal, aqui reconhecida.
Assim, somente se concebe a intervenção penal caso os demais instrumentos
estatais houverem falhado. Isso decorre justamente da racionalidade reconhecida
ao Estado, enquanto constructo ético.
O Estado - enquanto vértice da Comunidade Política129 - deve atuar de

128
O que gera a necessidade urgente de revisão dos nossos códigos e leis esparsas, submetendo-se
os vários tipos penais a uma hierarquização de bens jurídicos, adequada às pautas constitucionais.
Então, nesta quadra dos tempos, não se pode admitir que a sanção cominada à calúnia seja inferior
à do furto simples, como mencionado em nota anterior. Também se deve discutir a
constitucionalidade de inúmeros dispositivos legais que apenas tutelam uma concepção moralista
específica (sem respaldo em uma constituição pluralista como a brasileira). A conclusão de
URBANO MARTÍNEZ corrobora esta afirmação: “El derecho penal será legítimo cuando su
configuración en la instancia legislativa se haga de acuerdo con el programa penal de la
Constitución; cuando los fallos de constitucionalidad de los Tribunales Constitucionales
garanticen solo la vigencia de aquella normatividad penal que sea coherente con ese programa
penal; cuando los administradores de justicia ejerzan sus competencias desarrollando los fines y
las funciones trazadas para el derecho (…)”. URBANO MARTÍNEZ, José Joaquín. Legitimidad
del derecho penal. Equilibrio entre fines, funciones y consecuencias. Bogotá: Universidad
Externado de Colombia, 2.001, p. 152.
129
Embora - em muitos casos - a atuação do Estado inclusive contradiga os interesses da maioria
dos indivíduos administrados. Anote-se, por oportuno, que não se pode perder de vista que todos
os entes coletivos (Estado; Sociedade; Empresa; Biblioteca, etc.) são ficções, porquanto não
existem no mundo em si. Portanto, deve-se sempre ter o cuidado de não se reconhecer ao Estado
interesses próprios, como se realmente dispusesse de direitos. Daí que a expressão ius puniendi,
ainda que seja consagrada na doutrina especializada, é bastante imprecisa. Ao contrário, o Estado
54

modo a produzir o menor dano aos indivíduos que o compõem. Logo,


naturalmente, a sanção penal deve ser concebida como último caminho, somente
quando os demais instrumentos falharem.
Há uma crença demasiada no poder da tipificação penal para impedir
condutas tidas como lesivas a interesses relevantes.
Esta presunção olvida a considerável cifra negra existente130.
Por outro lado, certamente a considerável maioria das condutas adequadas à
Lei, assim o são por conta da introjeção normativa131 (educação, socialização,
inclusão social, v.g.) do que por medo da sanção.
Contudo, nos tempos atuais, o Estado tipifica penalmente determinada
conduta, sem que isso venha acompanhado de medidas executivas – vale dizer, de
redistribuição de renda; criação de oportunidades para os grupos vulneráveis;
amplo acesso a serviços públicos eficientes, etc.
Uma mera cominação da pena, em tais casos, não deixa de retratar um afã
utilitarista e, ao mesmo tempo, simbólico. Utilitarista, por supor que o Direito
Penal seja um instrumento hábil, por si, à alteração da realidade social. Simbólico,
pois o discurso penal passa a substituir a efetiva prestação de serviços públicos
que justificam a concepção do Estado de Bem Estar Social.
Caminha-se para um Estado Centauro, na feliz definição de Loïq
WACQUANC. Com um discurso humanizado, mas corpo de cavalo.
Ora, se há este risco, o direito penal não deveria ficar adstrito apenas aos
bens jurídicos liberais? Não deveria se abster de tutelar bens difusos?
A resposta é negativa.
Desde que a intervenção penal respeite o princípio da ultima ratio, será
legítima a proteção penal do futuro (expressão empregada por ROXIN132).
A respeito deste tema, seguem algumas observações.
Em texto publicado originalmente em 1.995, Bernd SCHÜNEMANN

não tem o Direito de Punir. Antes, tem o dever de aplicar a Lei, desde que a referida lei se mostre
útil para as pessoas (todas as pessoas, e não apenas grupos privilegiados, repita-se).
130
A chamada cifra negra, objeto de estudos de Edwin SUTHERLAND, revela que existe um
mundo do direito formalizado e também uma realidade em que as regras do convívio social
passam totalmente a largo da codificação jurídica.
131
A respeito da internalização normativa, leia-se HART, Herbert L.A. O conceito de direito. 3ª
ed. Tradução de A. Ribeiro Mendes, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2.001, especialmente
em p. 114. Confira-se com o opositor de HART, Ronald DWORKIN. Levando os direitos a
sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 23-125.
132
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 60-61.
55

argumentou que a concepção clássica133 do direito penal (postulada pela Escola de


Frankfurt) deve ser superada.
SCHÜNEMANN argumenta, para tanto, que o denominado Direito Penal
Clássico comumente vem associado aos postulados iluministas, desenvolvidos a
partir de BECCARIA.
Porém, passou despercebido à Escola de Frankfurt – que se insurge contra a
tutela penal do meio ambiente, por exemplo – que o contratualismo monista-
individualista que dá fundamento teórico àquele Direito Penal restrito aos bens
individuais não se sustenta.
Com efeito,

“Parece evidente que no puede limitarse la participación en el contrato social, y con


ello los derechos y las obligaciones que de éste derivan, a los individuos que viven
en un determinado momento, pues de lo contrario, con cada muerte y con cada
nacimiento, habría de concluirse un nuevo contrato social. Además, podría
legitimarse el genocidio o la reducción a la esclavitud de una población que viva
fuera de las fronteras del Estado, o incluso de la siguiente generación – es decir,
una especie de matanza de Belén permanente – precisamente a través del contrato
social.
La idea en su conjunto sólo puede llevarse a la práctica de modo coherente si se
concibe como parte del contrato a toda la humanidad, esto es, incluyendo también
las generaciones futuras”134.

Prossegue SCHÜNEMANN, com a incisiva provocação:

“¿Cómo va a justificarse la ulterior persecución intensa de la criminalidad


aventurera y de miseria, si se cierran los ojos frente a las necesidades de la
persecución efectiva de la criminalidad organizada moderna, al generar de este

133
“Esta teoría sólo debe reconocer como bien jurídico un interés humano necesitado de
protección jurídico-penal, de modo que pasarían claramente a un primer plano los bienes jurídicos
individuales; la protección de los bienes jurídicos universales remanentes se llevaría a cabo tan
sólo en interés mediato de os individuos afectados, por lo que estos bienes deberían acomodarse a
la función de la protección de individuos y ser delimitados con base en esa misma función”.
SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la ciencia
jurídico-penal alemán. Tradução de Manuel Cancio Meliá. Bogotá: Universidad Externado da
Colombia, 1.998, p. 18.
134
SCHÜNEMANN, Bernd. Obra citada, p. 20. Na seqüência, o autor sustenta que “Como,
además, no hay razón alguna para que sea de mejor condición una generación frente a las demás,
cabe deducir como segunda norma básica que existe un derecho de todas las generaciones a una
parte relativamente igual de los recursos naturales, de lo que a su vez puede inferirse la existencia
y la preservación de un medio ambiente propicio a la vida y en el que ésta pueda desarrollarse en
condiciones favorables como el bien jurídico que ocupa el segundo lugar en la jerarquía de valores
después de la existencia y de la preservación de la especie homo sapiens”. (obra citada, p. 21).
Aliás, SCHÜNEMANN critica o ideário burguês/proprietário inerente a esta concepção restritiva
dos bens jurídicos suscetíveis da tutela penal: “Llevando la cuestión a sus últimas consecuencias,
se impone la valoración de que esta teoría tiene en mayor consideración a la más absurda apetencia
del individuo egoísta que a las condiciones de vida de las generaciones futuras” (obra cit., p. 22).
56

modo una presión desigual en la persecución, en perjuicio de aquellas formas de


criminalidad que en el fondo son menos graves?”135.

Não há dúvidas de que esse posicionamento está imbuído da chamada


‘ideologia da defesa social’, já referida em notas anteriores. Vê-se no Direito
Penal um instrumento hábil a efetivamente proteger a sociedade, o que - a partir
da Criminologia Radical – sabe-se não ser exatamente assim.
Mesmo consciente disso, tampouco se pode olvidar que – sem esta
intervenção – aí sim, todo o sistema deva ser desde logo abandonado, por cabal
incoerência interna, relegando a intervenção penal apenas para os conflitos
interindividuais.
Não se pode admitir, por exemplo, que apenas os crimes assemelhados à
lesão corporal; homicídio e seqüestro sejam tidos como violentos; como se um
crime de peculato, envolvendo milhões em recursos públicos (que deveriam ser
destinados à melhoria de vida dos administrados) também não o fosse. Aliás,
violência muito mais grave, por ser o reflexo da cabal inoperância dos serviços
públicos e a constante apropriação egoística do que deveria ser público.
Todavia, anote-se que apenas quanto a estes últimos seria viável a
substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, no âmbito do
Direito nacional (art. 44, CPB).
Ao eleger os valores dignos da tutela penal, o legislador não pode perder a
visão holística da vida em comunidade.
Não lhe é dado adotar um discurso manifestamente disparatado frente aos
fins propostos para a pena. Com que lógica um determinado Parlamento poderia
impor a pena criminal para quem furtasse, mas, ao mesmo tempo, decidisse pela
cabal impunidade daquele que sonega o pagamento dos tributos? Qual a diferença
entre uma conduta e outra?
Ou se admite a cabal abolição do sistema - o que soa contrafático na atual
quadra dos tempos -, ou se deve caminhar para uma eleição razoável de bens
passíveis da tutela penal, de modo a garantir, quando menos, alguma coerência

135
SCHÜNEMANN, Bernd. Obra citada, p. 37. A respeito de tema tão candente, confira-se ainda
a opinião de PÉRES DEL VALLE, em obra coordenada por BACIGALUPO, ao tratar da
imposição de criminalização veiculada no artigo 45.3 da CE. Vide PÉRES DEL VALLE, Carlos.
Introducción al derecho penal económico in: Derecho penal económico. Buenos Aires:
Hammurabi, 2.000, p. 29-52, especialmente em p. 42. Confira-se também CUNHA, Maria da
Conceição Ferreira da. Constituição e crime. Uma perspectiva da criminalização e da
descriminalização. Porto: Universidade Católica Portuguesa Editora, 1.995, p. 288 e ss.
57

intra-sistemática136.
A observância desse dever de coerência na eleição dos valores dignos da
tutela penal é o mínimo que se exige do legislador, até mesmo para que os
indivíduos possam distinguir, em cada caso, o que provavelmente está sancionado
do que não está.
Ademais, como foi esclarecido por Figueiredo DIAS137, caminha-se para a
superação daquela epistemologia calcada na razão instrumental calculadora.
Deve-se ultrapassar, enfim, o paradigma da relação homem/objeto, notadamente
diante de uma natureza cada vez mais esgotada, frente ao afã destrutivo humano.
Aquele enfoque (razão instrumental) está imbuído do pressuposto de que a
história é retilínea (há um futuro melhor; o passado jamais retorna). Assim, o
tempo não é cíclico. Antes, ainda se concebe o tempo como a espera messiânica,
como bem elucidado por Ramón CAPELLA138.
A subordinação da natureza pelo homem está vaticinada, de resto, por
preceito bíblico139. Com a razão instrumental calculadora, presume-se uma

136
Pode-se dizer que as críticas formuladas pela criminologia radical são ‘extra-sistemáticas’,
porquanto formuladas ‘do lado de fora’ da dogmática. Por outro lado, admitindo-se, por ora, o
conceito de sistema normativo, é cabível uma revisão interna da própria estrutura dogmática. Desta
forma - ainda que não se aceite o postulado abolicionista (defendido por Louk HULSMANN e
Nils CHRISTIE, p.ex.), porquanto totalmente contrafático - podem-se submeter as ‘objetividades
jurídicas’ do sistema penal a uma revisão pela própria dogmática, com observância de uma
hierarquia axiológica fundada na Constituição. Ainda quanto à escolha constitucional de bens
jurídicos passíveis da tutela penal, confira-se DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais
do direito penal revisitadas. SP: RT, 1.999, p. 65-77.
137
DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal. Coimbra: Coimbra Editora,
2.001, p. 161-162.
138
Anote-se que as culturas imbuídas da concepção cíclica do tempo estão geralmente fundadas na
tradição. Aqui, o tempo é medido pela repetição: tempo das chuvas; dos ventos; das colheitas, etc.
A história é algo cíclico. A Natureza acaba sendo sacralizada. O homem se sente como parte de
um todo, mas não o senhor da história. Para o tempo linear, “Na concepção judaico, teocrática, do
mundo, o tempo é essencialmente tempo de espera do Messias. Espera-se o cumprimento da
promessa de Deus ao povo eleito, à linhagem favorita. Esse acontecimento, que se situa em um
futuro indeterminado, que escapa totalmente à vontade dos seres humanos, dilata o círculo e o
converte em linha. Nada que se repita é comparável ao Acontecimento: único, esperado,
irrepetível. No interior desta concepção de mundo não cabe senão a espera. O tempo da espera é
um tempo vazio, pois seu sentido está precisamente na espera. As coisas da antropologia se
subordinam às coisas da teologia. A espera vazia é, sem embargo, sagrada: pois em qualquer dos
seus instantes pode aparecer o Messias como Redentor, dotando de sentido o vazio tempo de
espera, e como vencedor do Mal, cujo triunfo atual – no mundo da caída, da culpa – carece de
valor porque se considera efêmero. É o absoluto encantamento do mundo”. CAPELLA enfatiza
que o ‘Time is money’ é a versão moderna (agnóstica) desta versão linear. O novo Messias é o
progresso; o presente somente vale como prospecto do futuro. A natureza é um acessório
necessário, mas não é o todo (este é o Homem). CAPELLA, Juan Ramón. Cidadãos Servos.
Tradução de Leio Rosa de Andrade e Têmis Correira Soares, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Editor, 1.998, p. 19-23.
139
Leia-se Gênesis, capítulo I, versículo 28: “Então Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e
multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu
58

subjetividade universalizada - ou melhor, descontextualizada – enquanto que a


História é entendida como uma evolução linear rumo ao progresso absoluto (o fim
da História).
Citando Anselmo BORGES, o professor Figueiredo DIAS argumenta que –
por mais que não possam ser olvidados os vários benefícios surgidos com o
progresso científico, filho querido da razão instrumental – tampouco se pode
fechar os olhos para os enormes riscos provocados pelo afã destrutivo humano,
fruto daqueles postulados epistemológicos:

“Extremamente poderosa no domínio dos meios, a razão instrumental é de uma


penúria extrema na ordem e no reino dos fins humanos. Por isso aquela superação
implica pôr fim à cegueira ontológica em que radica a já longa tentativa de
substituir o transcendental ontológico pelo transcendental gnoseológico, como
meio de domínio do mundo pela tecnociência. Como implica reconhecer em
definitivo, não importa em que domínio do pensamento ou da ciência, a
impossibilidade da cisão absoluta entre sujeito e objecto com que se quis animar o
projecto da objectivação total e da plena transparência do persar o ser”.140.

Diante desses novos riscos, que põem em xeque a própria possibilidade de


vida no planeta, não há lógica que autorize a omissão do Estado nesta temática.
Cumpre que haja a proteção do futuro.
Afinal, não há como justificar que a tutela do Direito Penal fique adstrita
apenas às condutas lesivas a interesses meramente intersubjetivos, cujos titulares
estão previamente delimitados; sendo suscetíveis de identificação. Aqui, o Direito

e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra”.


140
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 163. Em sentido semelhante, confira-se SANTOS,
Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência. Para um
novo senso comum. A ciência, o direito e a política na transição paradigmática. 3ª ed. São Paulo:
Cortez, 2.001, p. 81-82.: “A ciência moderna consagrou o homem enquanto sujeito epistêmico,
mas expulsou-o enquanto sujeito empírico. Esta duplicidade está graficamente representada na
epígrafe à Crítica à razão pura de Kant: de nobis sib silemus. Por outras palavras, no mais
eloqüente tratado sobre subjetividade produzido pela modernidade ocidental nada se dirá sobre
nós próprios enquanto seres humanos vivos, empíricos e concretos. Um conhecimento objetivo e
rigoroso não pode tolerar a interferência de particularidades humanas e de percepções
axiológicas. Foi nesta base que se construiu a distinção dicotômica sujeito/objeto”. Aliás, para
Souza SANTOS, a distinção entre sujeito e objeto viabiliza a constante separação entre o humano
e o não humano; vale dizer, centrando todo o interesse exclusivamente naquilo que toca mais de
perto interesses egoísticos imediatos de uma determinada geração de indivíduos. Daí concluir que
“No paradigma emergente, o caráter autobiográfico do conhecimento-emancipação é plenamente
assumido: um conhecimento compreensivo e íntimo que não nos separe e antes nos uma
pessoalmente ao que estudamos. Não se trata do espanto medieval perante uma realidade hostil
possuída do sopro da divindade, mas antes da prudência perante um mundo que, apesar de
domesticado, nos mostra cada dia a precariedade do sentido da nossa vida, por mais segura que
esta esteja quanto à sobrevivência, sendo certo que para a esmagadora maioria da população
mundial não o está”. (SANTOS, Boaventura de Souza. Obra citada, p. 84).
59

Criminal pode ceder espaço para outras formas de conciliação, na linha


propugnada por Dirk FABRICIUS141.
Ao contrário, diante da exigência da uma pauta valorativa que atribua
coerência ao Direito Penal, impõe-se a sua utilização nesta área de direitos difusos
(meio ambiente, sobretudo).
Reconhece-se, portanto, legitimidade para a atuação penal na tutela de bens
difusos.
Contudo, registre-se uma pequena ressalva. Ainda aqui, a referida
intervenção somente se justifica se houver respeito ao postulado da ultima ratio,
que inspira um Estado Democrático de Direito.
Não se admite que o Direito Penal possa ser erigido, desde logo, como a
alternativa ideal, como a prima ratio, o que violentaria inúmeros postulados
democráticos142. Ademais - repita-se -, isso implicaria, no mais das vezes, em

141
FABRICIUS, Dirk. Culpabilidade e seus fundamentos empíricos. Tradução de Juarez
Tavares e Frederico Figueiredo. Curitiba: Juruá, 2.006, p. 36: “O reconhecimento do injusto e de
sua produção dá chance a um contato com o ofendido, ou com seus parentes sobreviventes. Desse
modo, uma reparação do dano pode ser negociada dentro do relacionamento pessoal: uma
compensação justa – que no mais das vezes é simbólica, talvez para repelir a aparência de que
nada aconteceu”. A solução, já aplicada para delitos de menor potencial ofensivo, no âmbito dos
Juizados Especiais Criminais, revela-se um oportuno instrumento de redução do direito penal. A
respeito do tema, recomenda-se também a leitura do interessante artigo de Julio MAIER, com a
seguinte conclusão: “No es tan interesante afirmar o conocer si la reparación se puede constituir
em uma tercera via del derecho penal. Basta sostener que ella resulta uma alternativa racional
para la solución de conflictos sociales y que puede rendir frutos tanto en el Derecho penal como
en el Derecho procesal penal. Entre esos frutos, ella se cuenta como alternativa de reemplazo de
la reacción penal estatal, esto es, ya no como tercera vía, sino, antes bien, como cambio de vía,
para sustituir la pena o resolver el conflicto con ahorro de esfuerzo estatal en la persecución
penal. Si así no funciona en el caso concreto, la reparación puede, todavía, rendir frutos al media
la pena, puesto que, dentro de la pena merecida según la medida de la culpabilidad del autor, su
acción voluntaria a favor de la víctima verifica una menor necesidad preventiva de la pena. Por
último, también durante la ejecución de la pena resulta importante la reparación, no sólo para no
dificultarla, cuando ése es el caso, sino, además, para abonarla al proceso final de
individualización de la pena que se cumple durante la ejecución, conforme a los criterios
preventivos que operante en él”. MAIER, Julio B. J. ¿Es la reparación una tercera vía del Derecho
penal? in: DIAS, Jorge de Figueiredo. El penalista liberal, p. 229-230.
142
Confira-se ainda o entendimento de SILVA SÁNCHEZ: “Pode-se afirmar que certamente
existe, como mencionado no princípio, um espaço de expansão razoável do Direito Penal. O
espaço da expansão razoável do Direito Penal da pena de prisão é dado pela existência de condutas
que, por si sós, lesionam ou põem em perigo real um bem individual; eventualmente, cabe admitir
o mesmo a propósito de bens supra-individuais, sempre que efetivamente lesionados ou colocados
sob perigo real pela conduta do sujeito em concreto. Nesse âmbito, ademais, a razoabilidade da
expansão requereria plena salvaguarda de todos os critérios clássicos de imputação e princípios de
garantia. Paralelamente a isso, pode-se admitir resignadamente a expansão – já produzida – do
Direito Penal até os ilícitos de acumulação ou perigo presumido, isto é, a condutas distanciadas da
criação de um perigo real para bens individuais (e inclusive supra-individuais, desde que
concebidos com um mínimo rigor). Mas a admissão da razoabilidade dessa segunda expansão, que
aparece acompanhada dos traços de flexibilização reiteradamente aludidos, exigiria
inevitavelmente que os referidos ilícitos não recebessem pena de prisão. Na medida em que essa
exigência não vem sendo respeitada pelos ordenamentos jurídicos de diversos países, até o
60

negativa do Estado quanto à prestação de serviços públicos relevantes143, sob o


apanágio de que o problema social já estaria sendo resolvido mediante a
cominação abstrata de pena e a eleição de alguns ‘bodes expiatórios144’ para
servirem de exemplo.
Este entendimento é compartilhado por Claus ROXIN,

“Pero debe reflexionarse sobre el hecho de que para el mantenimiento de la vida en


nuestro planeta los tipos penales referidos al futuro sólo podrán realizar una
pequeña aportación. En este campo, junto con convenios internacionales y trabajo
informativo para cambiar las mentalidades, tendrá que entrar en juego el
instrumental de política social de todo el ordenamiento jurídico. Es decir que,
aunque nos viéramos forzados a ir aquí y allá más lejos de la protección de bienes
jurídicos concretos ya a proteger jurídicopenalmente contextos de la vida mediante
normas de conducta relativas al futuro, seguiría siendo válido en esa medida el
principio de subsidiariedad (nm. 28 ss.)”145.

momento, a expansão do Direito Penal carece, em minha opinião, da requerida razoabilidade


político-jurídica”. SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal: aspectos da
política criminal nas sociedades pós-industriais. Tradução de Luiz Otávio de Oliveira Rocha. SP:
RT, 2.002, p. 147.
143
A respeito do caráter de ultima ratio da intervenção penal, confira-se MIR PUIG. Santiago.
Derecho penal, p. 127: “Para proteger los intereses sociales el Estado debe agotar los medios
menos lesivos que el Derecho penal antes de acudir a éste, que en este sentido debe constituir un
arma subsidiaria, una ultima ratio. Deberá preferirse ante todo la utilización de medios
desprovistos del carácter de sanción, como una adecuada Política social. Seguirán a continuación
las sanciones no penales: así, civiles (por ejemplo: impugnabilidad y nulidad de negocios jurídicos,
repetición por enriquecimiento injusto, reparación de daños y perjuicios) y administrativas (multas,
sanciones disciplinarias, privación de concesiones, etc.). Sólo cuando ninguno de los medios
anteriores sea suficiente estará legitimado el recurso de la pena o de la medida de seguridad.
Importa destacarlo especialmente frente a la tendencia que el Estado social tiene a una excesiva
intervención y a una fácil huida al Derecho penal. Pero también el Estado social puede conseguirlo
se hace uso de sus numerosas posibilidades de intervención distintas a la prohibición bajo sanción
- ¡técnica ésta característica del Estado liberal clásico!”
144
A expressão é empregada por ZAFFARONI. Confira-se em ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al.
Direito penal brasileiro. Teoria do direito penal, Rio de Janeiro: Revan, 2.003, p. 55. Também se
encontra na obra RODRIGUES, Anabela Miranda. A determinação da pena privativa de
liberdade, p. 439, com alusão ao emprego da locução por Alessandro BARATTA.
145
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 62. Também neste sentido, expondo o entendimento de
ROXIN, confira-se SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. Bem jurídico-penal e engenharia
genética humana, p. 128-129. Em sentido oposto, FELDENS, Luciano. Tutela penal de
interesses difusos e crimes do colarinho branco. Por uma relegitimação da atuação do
Ministério Público, p. 41-47. FELDENS argumenta, com lastro em BAJO FERNÁNDES e Silvina
BACIGALUPO, que “A subsidiariedade que informa o Direito Penal, no que respeita à
delinqüência econômica, encontra seus limites de um lado no fracasso das medidas extrapenais e,
de outro, no fato de que medidas penais provocam um dano menor à liberdade do sistema
econômico do que outras atividades de prevenção” (obra citada, p. 46). Portanto, segundo o
autor, nesta temática o direito penal poderia ser manejado como prima ratio. O argumento não se
sustenta quando se tem em conta: a) a intervenção penal é a mais gravosa forma de intromissão da
Comunidade Política na esfera individual, razão pela qual sempre deve ser manejada com
redobrada cautela; b) não está demonstrado que os demais mecanismos de intervenção estatal não
protejam suficientemente as relações econômicas. Não há uma necessidade de se socorrer, ab
initio, da tutela penal sem que antes o Estado lance mão dos demais mecanismos que a própria
Constituição colocou ao seu alcance, para a tutela dos interesses macroeconômicos; c) a tipificação
penal adotada como primeira forma de “solução de problemas” corresponde a um utilitarismo
61

Conclui-se, enfim, que a tutela penal dos interesses difusos será válida desde
que não se viole o postulado da ultima ratio.
Por outro lado, esta vinculação do direito penal à garantia dos bens jurídicos
fundamentais impõe uma espécie de contabilização, a fim de que isto não se
converta em um discurso oco.
Dito em outras palavras: deve-se submeter periodicamente todo o sistema
normativo e também as agências de criminalização a um controle de resultados146
- na medida em que isto seja possível – de modo a constatar se realmente a
imposição abstrata da pena e a sua cominação in concreto está redundando em
proteção daqueles valores primordiais da vida em comum147.
A concepção do Direito Penal como um mal necessário deve poder
demonstrar esta sua necessidade. Afinal, nada impede que, gradualmente, outros
mecanismos de solução dos conflitos sejam cogitados (sobretudo a reparação, que
para inúmeros delitos imprudentes se revela um instrumento suficiente para a

penal de viés nitidamente simbólico, porquanto pode revelar a cabal ausência da prestação de
serviços públicos e de efetivo exercício do poder de polícia. Pode gerar a falsa impressão de que o
Estado está atuando na área econômica, por ter estabelecido a cominação penal, sem que, no
entanto, isso venha acompanhado de um sério papel de orientação e efetivo controle administrativo
das atividades. Reafirma-se, enfim, que mesmo nesta sensível área da proteção de interesses supra-
individuais, o Estado somente pode se socorrer da cominação penal como derradeiro meio de
tutela.
146
CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da. Constituição e crime, p. 263-269. A autora adota
uma solução de compromisso, advogando a tese de que “Uma solução equilibrada seria a de
reconhecer ao Tribunal Constitucional poderes para controlar a necessidade penal nos casos
(porventura muito raros) em que a criminalização fosse claramente desnecessária – em casos de
flagrante inexistência de carência da tutela penal – quer por a pena ser manifestamente
inadequada (nomeadamente quando tivesse até efeitos criminógenos ou causasse outro tipo de
desvantagens sem qualquer compensação nalguma eficácia), quer por existirem outros meios
claramente suficientes (geralmente quando tal acontece a pena apresentar-se-á também
inadequada). Quer dizer, em casos de flagrante desnecessidade de pena”.
147
Atente-se, porém, para a concepção de Bernd SCHÜNEMANN, vinculando-se expressamente
ao pensamento tópico, para quem “A concretização da fórmula da ultima ratio deve ocorrer não
através de tais abordagens globalizantes e simplificadoras, mas por meio da construção de grupos
de casos, que partam do bem jurídico protegido, levem em conta os caminhos que conduzem à sua
lesão em determinado contexto histórico-social, bem como os recursos para a sua proteção,
desdobrando assim a necessidade de proteção do bem jurídico numa análise tridimensional. Esta
necessidade de proteção deve, por outro lado, ser contraposta à perda de liberdade de ação, para
se determinar o alcance adequado da proibição penal. o resultado deste raciocínio pode,
primeiramente, ser formulado por meio de máximas político-criminais, sobre as quais os espaços
de discricionariedade do legislador devem ser então projetados, que lhe têm de ser concedidos no
âmbito do reexame constitucional do poder legislativo pelo poder judiciário. Os limites a estes
espaços de discricionariedade marcarão, assim, a barreira insuperável da política criminal do
Estado de Direito”. SCHÜNEMANN, Bernd. O direito penal é a ultima ratio da proteção de bens
jurídicos! – Sobre os limites invioláveis do direito penal em um Estado de Direito Liberal in:
Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, número 53,
março-abril de 2.005, p. 09-37.
62

preservação do bem jurídico).


Atente-se para a lição de Luigi FERRAJOLI a respeito do caráter
fragmentário do Direito Penal:

“O princípio da utilidade penal, tal como foi formulado por Grócio, Hobbes,
Pufendorf, Thomasius, Beccaria e, mais extensamente, por Bentham, é idôneo para
justificar a limitação da esfera das proibições penais – em coerência com a função
preventiva da pena como precautio laesionum – apenas às ações reprováveis por
seus efeitos lesivos a terceiros. A lei penal tem o dever de prevenir os mais graves
custos individuais e sociais representados por estes efeitos lesivos e somente eles
148
podem justificar o custo das penas e proibições” .

Também nesta linha, confira-se ainda Santiago MIR PUIG, para quem

“Si el derecho penal de un Estado social se legitima sólo en cuanto protege a la


sociedad, perderá su justificación si su intervención se demuestra inútil, por ser
incapaz de servir para evitar delitos. El principio de necesidad conduce, pues, a la
exigencia de utilidad. Esto plantea por de pronto la cuestión de si realmente el
Derecho penal sirve para evitar delitos (…) la eficacia de la pena no debe medirse
sobre la base de los que ya han delinquido. Precisamente en éstos el hecho de haber
delinquido demuestra inevitablemente que para ellos la pena ha resultado ineficaz.
La eficacia de la pena no puede valorarse por esos fracasos, sino por sus posibles
éxitos, y éstos han de buscarse entre los que no han delinquido y acaso lo hubieran
hecho de no concurrir la amenaza de la pena”149.

O autor espanhol conclui, portanto, que


“Cuando se demuestra que una determinada reacción penal es inútil para cumplir
su objetivo protector, deberá desaparecer, aunque sea para dejar lugar a otra
reacción penal más leve. Así, por ejemplo, estudios importantes han demostrado
que la supresión de la pena demuestre no ha determinado un aumento en los delitos
a que se señalaba; ello confirma que debe bastar una pena bastar una pena
inferior”150.

O texto é repleto de razão.


Ora, considerando que a imposição da pena é escorada no argumento da sua
imprescindibilidade, deve-se primeiramente estabelecer de forma transparente
quais são realmente estes valores, a fim de ser permitir o controle popular (art. 1º,
parágrafo único, Constituição Federal).
Isto também permitiria, em tese, a aferição do respeito, pela Lei, ao
pluralismo valorativo inerente a uma sociedade democrática, balizada pelo

148
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 372.
149
MIR PUIG, Santiago. Derecho penal, p. 126.
150
MIR PUIG, Santigo. Obra citada, p. 126.
63

princípio da tolerância151. Ao mesmo tempo, caberia uma avaliação da graduação


das sanções frente à hierarquia axiológica152 dos tipos.
Por fim, deve-se conferir - nos limites técnicos disponíveis - se, na prática, a
tutela penal redunda no efeito que a justifica: a melhoria do convívio social153.
Pode-se concluir, ao final deste tópico, que:
i. O discurso oficial da justificação da pena é passível de críticas extra-
sistemáticas, ao se descortinar que – ao lado das finalidades oficiais, manifestas,
da imposição penal – também há interesses ocultos154, intimamente relacionados
com a preservação do modo capitalista de produção e, neste passo, à apropriação
privada dos frutos da divisão do trabalho, conforme elucidado por RUSCHE e
KIRCHHEIMER155.
ii. Porém, de igual modo, não se pode olvidar que a abolição integral do

151
KAUFMANN, Arthur. Filosofía del derecho, p. 516-528, especialmente em p. 518 em que se
lê: “No se puede ser demócrata (y tolerante) sin a lo menos un poco de relativismo”. Aliás, em p.
417, sustenta o saudoso KAUFMANN que “Para la realización del modelo no prohibido-no
permitido se requiere tan solo un pequeño detalle: tolerancia. En primer lugar y, ante todo,
tolerancia frente a la mujer embarazada, a la que no se puede tildar por decidir de manera
diferente a lo que un mismo crea correcto. Pero también es necesaria la tolerancia frente al niño
concebido y no nacido, que tiene un derecho a la vida. Finalmente, se debe ejercer, así mismo,
tolerancia frente a los partidarios y a los enemigos del aborto. Jamás se podrán colocar todos en
forma satisfactoria bajo una misma postura. Pero actuar responsablemente significa que todos
estos puntos de vista han de ser tenidos en cuenta seriamente para la decisión”. Aliás, revela-se
bastante interessante estabelecer um confronto com o questionamento de CLÈVE: quem tem medo
do plural? Confira-se em CLÉVE, Clemerson Mèrlin. O direito e os direitos: elementos para uma
crítica do direito contemporâneo. 2ª ed. SP: Max Limonad, 2.001, p. 172. Por fim, vide
FERRAJOLI: “Não se pode nem se deve pedir mais do direito penal. O princípio axiológico da
separação entre direito e moral, na primeira das três acepções do parágrafo 15.3 veta, por sua
vez, a proibição de condutas meramente imorais e ou de estados de ânimo pervertidos, hostis ou,
inclusive, perigosos. E impõe, para uma maior tutela da liberdade pessoal de consciência e de
autonomia e relatividade moral, a tolerância jurídica de toda atitude ou conduta não lesiva a
terceiros”. (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 372).
152
LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. SP: RT, 2.000, p.
658-689.
153
Não se olvida, por certo – como adverte ZAFFARONI - que a sociedade convive
‘naturalmente’ com condutas tipificadas e que sequer chegam à formalização processual. É a
chamada cifra negra, que revela que o crime não é uma doença que atinge o corpo social,
conforme querem teóricos organicistas (e, portanto, com tendências fascistas). Confira-se
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas, p. 26. Sobre o organicismo, vide
ZAFFARONI, Eugênico Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal, p. 282-
284. Deve-se, de qualquer forma, aferir se realmente a cominação abstrata de pena tem algum
efeito redutor das condutas indesejadas pelo legislador penal. Somente assim se colocará a
desnudo o discurso oficial atrelado à prevenção geral positiva. A respeito do tema (confirmação
empírica), leia-se HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal.
tradução de Pablo Rodrigo Aflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2.005, p.
426-428; DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. A racionalidade das leis penais. Teoria e prática.
Tradução de Luiz Régis Prado, SP: RT, 2.005, p. 66-69.
154
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal. Introdução à
sociologia do direito penal, p. 162, item “b”.
155
RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2ª ed. Tradução, revisão
técnica e nota introdutória de Gizlene Neder, RJ: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2.004.
64

sistema penal se revela contrafático. Daí que a opção mais democrática é a


construção de uma dogmática penal que reduza o arbítrio das agências de
criminalização primária (parlamento) e secundária (órgãos de aplicação da lei
penal);
iii. Nesse passo, a atribuição de propósitos ao Direito Penal é fundamental
para a interpretação e limitação dos seus institutos. Devem-se explicitar as razões
que efetivamente explicam o uso da sanção criminal;
iv. No fundo, a questão retratará sempre as opções ideológicas do intérprete
a respeito da relação indivíduo e grupo social. Importa dizer: exige uma
investigação daquilo que pode, jurídica e filosoficamente, ser exigido do
indivíduo pelo grupo social;
v. Para a corrente funcionalista luhmanniana/hegeliana156 - na linha de
Günther JAKOBS - cabe ao Direito Penal afiançar a idoneidade das expectativas
jurídicas; reduzindo a contingência do mundo. Pressupõe que a segurança jurídica
seja um valor em si, dado que não demonstra maior preocupação com o conteúdo
efetivo da proibição. A atribuição de propósito à pena acaba por se revelar
formalista, como que uma roupagem, suscetível de ser aplicada em qualquer
sistema jurídico;
vi. Para a corrente funcionalista - na linha de Claus ROXIN - cabe ao
Direito Penal proteger bens jurídicos vitais para a vida em comunidade. Desse
modo, resgata para a dogmática um exame de conteúdo das tipificações penais.
Ainda que se admita a tutela criminal de bens jurídicos difusos, tais como o meio
ambiente, confiança nas relações de consumo, etc., o Direito Penal não pode ser
utilizado como prima ratio, porquanto se faz necessário o esgotamento dos outros
mecanismos estatais de intervenção na realidade social;
vii. O presente trabalho filia-se a uma concepção roxiniana, dado que
somente se pode admitir a intervenção penal para a tutela de valores fundamentais
à vida em coletividade. A prevenção geral positiva (segurança das expectativas
normativas) não pode ser admitida como a função primordial do direito penal, já

156
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. 3ª ed. Tradução de
Orlando Vitorino. São Paulo: Martins Fontes, 1.997, p. 87: “Como evento que é, a violação do
direito enquanto direito possui, sem dúvida, uma existência positiva exterior, mas contém a
negação. A manifestação desta negatividade é a negação desta violação que entra por sua vez na
existência real; a realidade do direito reside na sua necessidade ao reconciliar-se ela consigo
mesma mediante a supressão da violação do direito”. Logo, como sabido, para HEGEL, a pena é
a reafirmação do direito, enquanto síntese decorrente da sua violação.
65

que se filia a um Direito Penal do Dever, descomprometido com a autonomia


individual e com o pluralismo político que marcam uma sociedade democrática.
De outro tanto, no Brasil, referido pressuposto agride ao art. 1º, inc. III, da
Constituição, que erige o indivíduo como fundamento do Estado, e não o
contrário.
viii. Por fim, defende-se ainda que o Direito Penal deva ser submetido a um
controle crítico periódico, quanto aos interesses tutelados. O discurso oficial – que
ampara a cominação da pena – deve ser fiscalizado detidamente por toda a
Comunidade Política, conferindo-se se, realmente, a tipificação criminal tem
surtido algum reflexo na ‘evitação’ de condutas tidas como lesivas. Somente
assim, atribuir-se-á um mínimo de coerência interna para a dogmática penal.
Esclarecidos os valores orientadores deste estudo, pode-se avançar
examinando, ainda que superficialmente, o postulado da legalidade penal.

1.3
Legalidade penal e secularização do Estado:

Conforme enfatiza Rodrigo Sánchez RIOS, a questão da legalidade penal


está intimamente associada à noção de Estado de Direito, demandando uma
incursão tanto sob a sua ótica formal quanto material157.
Quanto à ótica formal, o Estado de Direito é aquele dotado de Leis
expressamente estabelecidas, fornecendo elementos de segurança jurídica. No
plano material, o princípio indica a configuração interna do Estado “para
corresponder-se na maior medida possível com a figura de um Estado Justo”158,
o que pressupõe também a análise da legitimidade e do conteúdo da Lei.
Com efeito, o princípio da legalidade tutela tanto a segurança jurídica dos
indivíduos quanto também é uma imposição da democracia representativa,

157
RIOS, Rodrigo Sánchez. Reflexões sobre o princípio da legalidade no direito penal e o Estado
Democrático de Direito in: Revista dos Tribunais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
volume 847, maio de 2.006, p. 407-418. A respeito do tema, consulte-se também ALMEIDA,
André Vinícius de. O erro no direito penal econômico. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Editor, 2.005, p. 22-40. DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. RJ: Forense,
2.005, p. 221. “Em um Estado Democrático de Direito, a lei é a regra jurídica escrita, instituída
pelo legislador, no cumprimento de um mandato outorgado pela comunidade de cidadãos”.
158
Hans-Heinrich JESCHECK apud RIOS, Rodrigo Sánchez. Obra citada, p. 408.
66

fundada no reconhecimento de que o titular do Poder é o povo. Comumente,


porém, tem predominado o exame da legalidade sob o prisma da segurança
jurídica.
Há muita controvérsia a respeito da revisão histórica do postulado. Para
alguns o princípio da legalidade já seria reconhecido entre os romanos, enquanto
que outros estudiosos enfatizam a sua vinculação à Magna Carta. Por fim,
sustenta-se que a legalidade tenha suas raízes diretamente na Revolução Francesa.
De fato, MANZINI supõe que o postulado já vigorava no Direito
Romano159; Nelson HUNGRIA localiza a origem do postulado na Magna Carta
imposta a João Sem Terra no ano de 1.215160, ao que JESCHECK-WEIGEND
argumentam que esta última teria cuidado muito mais de uma garantia processual
(juiz natural) do que material (reserva de lei para criação de crime)161.
Hans JESCHECK e Thomas WEIGEND defendem que o surgimento da
legalidade estaria relacionado ao contratualismo iluminista, ao deslocar a
justificativa do exercício do poder de Deus para os indivíduos. Indicam o Código
Francês de 1.810, art. 4º, como a consagração definitiva do postulado.
Frederico MARQUES afirma, por seu turno, que a garantia já se encontrava
formulada no direito medieval ibérico162, enquanto que Claus ROXIN sustenta
que o postulado teria surgido com as constituições de Virgínia e Maryland, em
1.776163.
Não há maior relevo em se precisar o ano do surgimento da garantia da

159
“Poena non irrogatur, nis i quae quaquelege vel que alio jure specialiter hic delicto imposita
est”, constante do Digesto. Conf. LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais, p. 18.
160
“Nullus liber homo expiatur vel imprisioned, nisi per legale judicium purium suorim vel per
legem terrae”. Vide LUISI, Luiz. Obra citada, p. 18.
161
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 140. Anote-
se que, em p. 28, os autores associam o postulado da legalidade ao princípio do Estado de Direito.
ROXIN aponta ainda como fundamentos do postulado da legalidade: a) a separação de poderes – o
Parlamento constitui, na sua multiplicidade, a efetiva representação do povo, com a missão de
elaborar projetos de lei; b) teoria da coação psicológica/prevenção geral – os destinatários da
proibição devem poder conhecê-la com exatidão e c) princípio da culpabilidade – somente se pode
falar em culpabilidade se o autor conhecida ou teve a oportunidade de conhecer o caráter proibido
da sua conduta. ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 145-147.
162
LUISI, Luiz. Obra citada, p. 19. Consulte-se também TOLEDO, Francisco de Assis.
Princípios básicos de direito penal: de acordo com a Lei n. 7.209, de 11-7-1984 e com a
Constituição Federal de 1.988. 5ª ed. SP: Saraiva, 1.994, p. 21-49.
163
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 142. Aliás, anote-se que uma enunciação mais detalhada a
respeito do histórico da adoção do postulado da legalidade, no Direito Brasileiro, pode ser
encontrada na obra ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Direito penal brasileiro I, p. 202, que pode
ser resumida como segue: Constituição de 1.824, art. 179, inc. XI; Constituição de 1.937, art.
1322, item 13; Constituição 1.967, art. 151, §16; Constituição de 1.946, art. 141, §27 e
Constituição de 1.988, art. 5º, inc. XXXIX.
67

legalidade. É inegável, de qualquer modo, que coube a contratualismo iluminista


conferir-lhe contornos próximos aos que assume, hoje em dia.
Sem necessidade de maior explanação a respeito, pode-se ficar apenas com
a leitura de alguns excertos da obra de BECCARIA, para que o argumento se
confirme:

“As vantagens da sociedade devem ser igualmente repartidas entre todos os seus
membros. No entanto, entre os homens reunidos, nota-se a tendência contínua de
acumular no menor número os privilégios, o poder e a felicidade, para só deixar à
maioria miséria e fraqueza.
Só com boas leis podem impedir-se tais abusos. Mas, de ordinário, os homens
abandonam a leis provisórias e à prudência do momento o cuidado de regular os
negócios mais importantes, quando não os confiam à discrição daqueles mesmos
cujo interesse é oporem-se às melhores instituições e às leis mais sábias“164.

Fundamentado em uma concepção hobbesiana de um suposto contrato


original165, BECCARIA conclui que

“Só as leis podem fixar as penas de cada delito e que o direito de fazer leis penais
não pode residir senão na pessoa do legislador, que representa toda a sociedade
unida por um contrato social.
Ora, o magistrado, que também faz parte da sociedade, não pode com justiça
infligir a outro membro dessa sociedade uma pena que não seja estatuída pela lei;
e, no momento em que o juiz é mais severo do que a lei, ele é injusto, pois
acrescenta um castigo novo ao que já está determinado. Segue-se que nenhum
magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público, aumentar a pena
pronunciada contra o crime de um cidadão.
A segunda conseqüência é que o soberano, que representa a própria sociedade, só
pode fazer leis gerais, às quais todos devem submeter-se; não lhe compete, porém,
julgar se alguém violou essas leis.
Com efeito, no caso de um delito, há duas partes: o soberano, que afirma que o
contrato social foi violado, e o acusado, que nega essa violação. É preciso, pois,

164
BONESANA, Cesare. Dos delitos e das penas. Disponível na internet via WWW.URL:
<http://www.dhnet.org.br/dados/livros/memoria/mundo/beccaria.html>. Acesso em 10 de julho de
2006.
165
É bastante freqüente, como sabido, a contraposição entre HOBBES e ROSSEAU. Enquanto
HOBBES vislumbra, na essência do homem (um indemonstrável estado da natureza) um viés
negativo, animalesco (lobo do próprio homem) a ser freado pela sociedade (que identifica com o
Estado), ROSSEAU entende que é, ao contrário, a sociedade que deturpa o homem,
contaminando-o com vícios que, antes de ser socializado, não existiriam. No dizer de
FERRAJOLI, o conceito de uma ‘sociedade má’ é enantiomorfo à visão de um ‘poder bom’, e
vice-versa. Vale dizer, o argumento de que um ‘presumido estado da natureza humana’ (anterior a
qualquer sociedade) seria o de ‘lobo do próprio homem’ corresponde a uma ideologia de que a
Ordem (o Poder; o Estado; a Força) qualquer que venha a ser esta – i.e., ainda que violente seus
cidadãos – é um bem em si, dado que, caso não existisse, ainda seria pior para os indivíduos. Vê-
se, portanto, que se cuida de uma aporia de justificação do status quo e, como tal, revela-se
inadmissível, frente ao postulado de que o Estado deve se justificar permanentemente mediante a
prestação de efetivos serviços públicos para a totalidade dos indivíduos que o compõem, inerente
ao reconhecimento e consagração jus filosófica de direitos fundamentais insuscetíveis de
derrogação. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 709.
68

que haja entre ambos um terceiro que decida a contestação. Esse terceiro é o
magistrado, cujas sentenças devem ser sem apelo e que deve simplesmente
pronunciar se há um delito ou se não há.
Em terceiro lugar, mesmo que a atrocidade das mesmas não fosse reprovada pela
filosofia, mãe das virtudes benéficas e, por essa razão, esclarecida, que prefere
governar homens felizes e livres a dominar covardemente um rebanho de tímidos
escravos; mesmo que os castigos cruéis não se opusessem diretamente ao bem
público e ao fim que se lhes atribui - o de impedir os crimes - bastará provar que
essa crueldade é inútil, para que se deva considerá-la como odiosa, revoltante,
contrária a toda justiça e à própria natureza do contrato social”166.

Causa certo espanto que no distante ano de 1.764 – em que foi publicada a
obra ‘Dos delitos e das penas’ – já se tivesse uma percepção tão clara das coisas.
Logo, frente a um suposto contrato original, a justificativa do exercício do
poder é sumariamente deslocada. Já não pode ficar enfeixada nas razões do
Estado, ou em uma pretensa delegação divina de poderes. O Direito Penal
tampouco pode se prestar a fins metafísicos167.
Surgia o Estado Utilitário. Em outras palavras, um Estado que deve ser útil,
sob pena de não ser legítimo. O problema é que este utilitarismo - como recorda
Luigi FERRAJOLI - tanto pode dar origem a um modelo penal garantista, quanto
pode suscitar tecnologias penais autoritárias, tais como a da prevenção geral e da
defesa social168.
É interessante ter em conta que o postulado da legalidade estrita – melhor
elucidado adiante – tem fundamentais conseqüências para a caracterização de uma
específica epistemologia penal, determinando os contornos da relação entre o
Estado e o indivíduo.
Luigi FERRAJOLI elucida que, sob o manto da legalidade, deve-se
reconhecer que o delito é um conceito atribuído169 (e não uma característica pré-
existente no indivíduo, meramente reconhecida pela Lei).
A tipificação penal é um ato de poder, de decisão. Não é um ato de
reconhecimento/cognição. Daí que a Lei não pode estar vinculada a uma pretensa

166
BONESANA, Cesare. Obra citada, acesso em 10 de julho de 2006.
167
Em sentido bastante próximo, confira-se ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 144-145. Para
JAKOBS, o postulado da legalidade - enquanto proteção de objetividade - tem contornos inclusive
superiores ao conceito de Estado de Direito (ao contrário do que ROXIN sustenta em p. 28 da
obra e BACIGALUPO menciona na obra Derecho penal, p. 107). JAKOBS argumenta que, do
postulado da democracia, não se pode extrair diretamente a vedação da retroatividade das leis.
JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 80.
168
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. SP: RT, 2.002, p. 29.
169
No dizer de BARATTA, o crime é um bem social negativo distribuído de forma seletiva. Leia-
se BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal. Introdução à
sociologia do direito penal, p. 143; 162 e 217.
69

ontologia delitiva.
De fato,

“O convencionalismo penal, tal como resulta do princípio da legalidade estrita, na


determinação abstrata do que é punível. Este princípio exige duas condições: o
caráter formal ou legal do critério de definição do desvio e o caráter empírico ou
fático das hipóteses de desvio legalmente definidas.
O desvio punível, segundo a primeira condição, não é o que, por características
intrínsecas ou ontológicas, é reconhecido em cada ocasião como imoral, como
naturalmente anormal, como socialmente lesivo ou coisa semelhante. É aquele
formalmente indicado pela lei como pressuposto necessário para a aplicação de
uma pena, segundo a clássica fórmula nulla poena et nullum crimen sine lege.
Por outra parte, conforme a segunda condição, a definição legal do desvio deve ser
produzida não com referência a figuras subjetivas de status ou de autor, mas
somente a figuras empíricas e objetivas de comportamento, segundo a outra
máxima clássica: nulla poena sine crimine e sine culpa“170.

Enfim, a legalidade penal não se coaduna com a pretensão de se formular


um conceito apriorístico de delito (GARÓFALO) ou de autor (LOMBROSO).
Com efeito, diz Luigi FERRAJOLI que

“O cognitivismo jurisdicional (veritas, non autorictas facit judicium) pressupõe,


em suma, necessariamente o voluntarismo legislativo (auctoritas, non veritas facit
legem), enquanto o pretendido cognitivismo normativo (veritas, non auctoritas
facit legem) comporta de fato o mais completo voluntarismo judicial (auctoritas,
non veritas facit judicium)”171.

Um conceito legislativo de delito natural corresponderá ao mais execrável


arbítrio judicial, o mais odioso direito penal do autor. Uma legalidade como esta –
adotada, por exemplo, na Rússia - coloca em xeque o Estado Democrático de
Direito, fundado no reconhecimento da dignidade de cada ser humano, pelo tão
simples fato de ser, justamente, humano e, como tal, sujeito às paixões; aos
desatinos e a tudo quanto, enfim, o distancia dos animais e dos deuses172.

170
FERRAJOLI, Luigi. Obra citada, p. 30.
171
FERRAJOLI, Luigi. Obra citada, p. 38. Também neste sentido, citando o autor italiano, vide
ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito penal econômico. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 2.005, p. 35.
172
FERRAJOLI, Luigi. Obra citada, p. 30: “O juiz não pode qualificar como delitos todos (ou
somente) os fenômenos que considere imorais ou, em todo caso, merecedores de sanção, mas
apenas (e todos) os que, independentemente da sua valoração, venham formalmente designados
pela Lei como pressupostos de uma pena”. Anote-se, porém, que – na temática dos elementos
normativos do tipo – comumente o legislador tem transferido para o Juiz a valoração do conceito.
Melhor dizendo, atribui ao magistrado, p.ex., a conceituação do que seria uma mulher honesta,
para os fins do art. 215, na redação original do CPB. Ao fazê-lo, o magistrado não pode olvidar,
contudo, do conceito que está veiculado na própria Comunidade para a expressão (registre-se que
o vocábulo ‘mulher honesta’ foi - mais do que tarde - expurgado do Código Penal). Confira-se
70

FERRAJOLI enfatiza, portanto, que o princípio da legalidade é muito mais


amplo do que a mera descrição da conduta delituosa na Lei. Antes, deve ser
entendida como um instrumento de garantia individual173, do acusado ou dos
potenciais acusados. Para tanto, elabora um útil decálogo174, cuja observância é
indispensável (muito embora não seja suficiente) para a obtenção de um
verdadeiro Estado de Direito.
Nulla poena sine crimine;
Nullum crimen sine lege;
Nulla lex (poenalis) sine necessitate;
Nulla necessitas sine injuria;
Nulla injuria sine actione;
Nulla actio sine culpa;
Nulla culpa sine judicio;
Nullum judicium sine acusatione;
Nulla accusatio sine probatione e
Nulla probatio sine defensione.

Perceba-se que o decálogo dá ênfase apenas à segurança jurídica. Como já


foi mencionado acima, este princípio também deve corresponder à idéia – inerente
à democracia – de que a tipificação penal está, com efeito, sendo empreendida
pelos efetivos representantes do povo, para tanto eleitos.
Sabe-se, porém, que – em uma democracia meramente delegativa175 - a

também DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal, p. 231.


173
Reitere-se que o Direito Penal deve, a um só tempo, (i) tutelar os bens jurídicos fundamentais
da coletividade, mediante a inibição de condutas lesivas e (ii) garantir os direitos do acusado,
porquanto somente aquelas lesões que atendam rigorosos requisitos impostos pelo Sistema
Garantista poderão ser suscetíveis da reprimenda penal. No caso, está sendo enfatizado este
segundo aspecto.
174
FERRAJOLI, Luigi. Obra citada, p. 74-75.
175
Tenha-se em conta, por sinal, que a questão é candente, dado que a legalidade é severamente
abalada em uma democracia meramente delegativa como a brasileira, na expressão de Guilherme
O’DONNEL, citado por Lenio STRECK: “Referia-se a um novo tipo/modelo de democracia – a
democracia delegativa, que se fundamenta em uma premissa básica: quem ganha a eleição
presidencial é autorizado a governar o país como lhe parecer conveniente, e, na medida em que
as relações de poder existentes permitam, até o final do seu mandato. O presidente é, assim, a
encarnação da nação, o principal fiador do interesse maior da nação, que cabe a ele definir. O
que ele faz no governo não precisa guardar nenhuma semelhança com o que ele disse ou
prometeu durante a campanha eleitoral – afinal, ele foi autorizado a governar como achar
conveniente. E, como essa figura paternal precisa cuidar do conjunto da nação, é quase óbvio que
a sua sustentação não pode advir de um partido (...) os candidatos presidenciais vitoriosos nas
democracias delegativas se apresentam como estando acima de todas as partes, isto é, os partidos
políticos e dos interesses organizados. (...) Desta forma, vaticinava o cientista político, outras
instituições (Congresso e Judiciário) passam a ser incômodos que acompanham as vantagens
internas e internacionais de um presidente democraticamente eleito. A idéia de obrigatoriedade de
prestar conta (accountability) a essas instituições, ou a outras organizações privadas ou
semiprivadas aparece como um impedimento desnecessário à plena autoridade que o presidente
recebeu a delegação de exercer. Depois das eleições, espera-se que os eleitores/delegantes
retornem à condição de expectadores passivos, mas quem sabe animados, do que o presidente
faz...”. Leia-se STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova
71

representatividade popular, em muitos casos, não passa de um dogma, frente à


cabal distância existente entre o povo e os seus mandatários.
Algo mais deve ser dito quanto à legalidade-segurança jurídica176.
Com efeito, José CANOTILHO177 sintetiza que, para atender este postulado,
exige-se do texto de Lei, “(1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência
dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida
a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus
actos”178.
Ou melhor,

“O indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus actos ou às decisões
públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas
alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos
deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam aos efeitos jurídicos
previstos e prescritos no ordenamento jurídico. As refracções mais importantes do
princípio da segurança jurídica são as seguintes: (1) relativamente a actos
normativos – proibição de normas retroactivas restritivas de direitos ou interesses
juridicamente protegidos; (2) relativamente a actos jurisdicionais – inalterabilidade
do caso julgado; (3) em relação a actos da administração – tendencial estabilidade
dos casos decididos através de actos administrativos constitutivos de direitos”179.

O postulado da legalidade impõe ao Estado, destarte, a elaboração de leis


claras; passíveis de serem efetivamente compreendidas pelos seus destinatários,
fator seguro de redução da possibilidade de erros de proibição. Ao mesmo tempo,

crítica do direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2.004, p. 26-27. Deve-se buscar a construção de
uma democracia participativa, conceituada na obra MIRANDA, Jorge. Manual de direito
constitucional, p. 390-392.
176
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 22. A respeito do tema,
leia-se também: ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 147-174; MIR PUIG, Santiago. Derecho
penal, p. 114-125; JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal,
p. 140-152; BACIGALUPO, Enrique. Justicia penal y derechos fundamentales. Madri: Marcial
Pons, 2.001, p. 31-46; BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 103-167 e 186-193; DOTTI,
René Ariel. Curso de direito penal, p. 219-294; ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Direito penal
brasileiro, p. 200-224; ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de
direito penal brasileiro, p. 174-177; SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, 19-23 e 47-55;
TOZZINI, Carlos A. El principio de legalidad in: DIAS, Jorge de Figueiredo. El penalista liberal,
p. 257-271; FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 301-309; SILVA, Pablo Rodrigo Alflen da.
Leis penais em branco e o direito penal do risco: aspectos críticos e fundamentais. RJ: Lumen
Juris, 2.004, p. 105-113 e, por fim, DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. A racionalidade das leis penais,
p. 155.
177
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 4ª ed. Coimbra: Almedina, 2.000,
p. 255. A respeito da contingência normativa, é fundamental atentar para LUHMANN, Niklas.
Sociologia do direito I. Tradução de Gustavo Bayer, RJ: Edições Tempo Brasileiro, 1.983, p. 45-
66. Por fim, leia-se também MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, p. 327 e ss.
178
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Obra citada, p. 256.
179
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Obra citada, p. 256.
72

não se pode reconhecer ao Estado o direito à contradição.


Com efeito, não se deve exigir que os indivíduos desconfiem, a todo tempo,
que o Estado venha a se contestar, contradizendo-se frente ao que anteriormente
afirmara. Isto teria o indesejado efeito de romper lentamente os laços de
solidariedade; de confiança mútua que mantém as pessoas unidas sob o signo de
Nação, com indesejável aumento da contingência jurídica.
Vê-se, desse modo, que a legalidade, enquanto garantia de segurança
jurídica, obriga o Estado a respeitar as expectativas que ele próprio criou180, com a
sua conduta anterior, frente aos administrados.
Os resultados jurídicos das ações individuais devem ser calculáveis181, como
diz CANOTILHO. Ou melhor, a Lei deve reconhecer, aos indivíduos, a chance da
evitação da conduta182, diante do conhecimento da sua proibição.

180
CANOTILHO menciona que a jurisprudência constitucional lusitana tem articulado o princípio
da segurança jurídica e da confiança do cidadão a partir do conceito de Estado de Direito: “Assim,
por ex., no Parecer nº 14/82 da Comissão Constitucional afirma-se que o princípio do Estado de
Direito democrático garante seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas
suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da
comunidade na tutela jurídica”. CANOTILHO, Obra citada, p. 260.
181
Ainda com fulcro na lição do constitucionalista português, tenha-se em conta que a segurança
jurídica deve se traduzir em “calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos
jurídicos dos atos normativos (...) Sob o ponto de vista do cidadão, não existe um direito à
manutenção da jurisprudência dos tribunais, mas sempre se coloca a questão de saber se e como a
protecção da confiança pode estar condicionada pela uniformidade, ou, pelo menos, estabilidade,
na orientação dos tribunais. É uma dimensão irredutível da função jurisdicional a obrigação de os
juízes decidirem, nos termos da lei, segundo a sua convicção e responsabilidade”. CANOTILHO.
Obra citada, p. 263-264. No caso do Direito Nacional deve-se ter em conta, no entanto, que a
Constituição quer um Judiciário que possa se tornar previsível, quando menos no que toca à
interpretação da Lei Federal. A tanto acorre a constatação de que, no art. 105, inc. III, atribuiu ao
Superior Tribunal de Justiça a função de uniformizar o entendimento da legislação federal.
Ademais, é fato que se deve discutir a existência de um direito a tratamento isonômico e impessoal
perante os Tribunais, de modo que a eventual modificação da jurisprudência não decorra jamais de
algum casuísmo injustificado. No que toca à igualdade perante os tribunais, leia-se MIRANDA,
Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV. 3ª ed. rev. atual. Coimbra: Coimbra Editora,
2.000, p. 271-275.
182
A legalidade penal está intimamente associada à noção de culpabilidade (o que, aliás, já é
sabido desde a teoria da coação psicológica de FEUERBACH). Somente se admite a tipificação
passível de ser observada. Não se pode proibir a mulher grávida de parir; de morrer ou, tampouco,
obrigá-la a parar a chuva. Afinal, ad impossibilia nemo tenetur. Tais hipóteses, verdadeiramente
absurdas, não são, porém, menos monstruosas do que aquela outra, de se pretender impor penas a
fatos que, à época do seu cometimento, eram lícitos. Ao contrário, a “normalização” da conduta
impõe que se respeite ao sujeito a escolha de atender o comando da norma ou não. Caso esta
liberdade não exista, não será uma verdadeira hipótese de incidência, por faltar o caráter
hipotético. Antes, será uma mera declaração de efeitos. Indicar, no tipo, um substrato fático que já
havia sido consumado na data da Lei, como hipótese de incidência de uma sanção penal decorre,
geralmente, de uma confusão entre Direito e Moral. A Lei pretende ser sentença, em suma. É fato
que, como elucida Robert ALEXY (com base na inquirição de Gustav RADBRUCH), uma lei
extremamente injusta, ofensiva a direitos fundamentais universalmente consagrados, sequer poderá
ser tida como jurídica. Portanto, é fato que, realmente, a imposição de pena aos oficiais nazistas
não deixa de encontrar boa fundamentação jurídica. Contudo, note-se que referida solução não
pode ser ampliada. O Direito não pode ser confundido com moralismos. A aplicação da pena deve
73

O princípio da legalidade impõe-se, desse modo, tanto no momento anterior


à edição da norma, quanto à sua aplicação, devendo se converter em uma regra de
conduta estatal, balizada sempre pelo respeito aos seus administrados.
A exegese dos textos de Lei deve respeitar, tanto quanto possível, o sentido
trivial183 dos termos ali empregados, de modo a não surpreender – com uma
ampliação da cominação penal – aqueles que vivem a norma, no dia-a-dia.
De fato, atente-se para a lição de Cirino dos SANTOS, “leis penais
indefinidas ou obscuras favorecem interpretações judiciais idiossincráticas e
impedem ou dificultam o conhecimento da proibição, favorecendo a aplicação de
penas com lesão do princípio da culpabilidade”184.
Ora, se realmente a legalidade é indispensável para que haja segurança
jurídica, não menos certo que também deve ser o produto de um Estado
Democrático185. Deve haver efetiva sintonia entre as opções políticas e as
valorações da população (art. 1º, parágrafo único, CF).
A legalidade, enquanto garantia de democracia,

pressupor uma liberdade (ainda que indemonstrável) de opção entre praticar a conduta ou omiti-la,
frente às exigências da norma jurídica. A Lei não pode ter a pretensão - como elucida FERRAJOLI
– de meramente declarar, como crime, um conceito supostamente pré-existente. Do mesmo modo,
não é dado utilizar como causa da imposição/agravamento da sanção eventos já consumados, sob
pena de grassar indevido arbítrio, fenecendo garantias duramente conquistadas e convertendo a
Legalidade em apenas um rótulo, vazio de sentido. A respeito desta relação entre legalidade e
culpabilidade, confira-se com BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 106 e DIAS, Jorge de
Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 59.
183
JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 99-103: “El aplicador de la ley no puede nunca
aumentar el nivel de generalización de los elementos positivos del tipo delictivo, es decir, llegar a
ser más general, ampliando así el ámbito de aplicación. Esta prohibición de generalización – la
doctrina dominante lo denomina (impropiamente) prohibición de la analogía – rige también
cuando del sistema de la ley se deduce claramente que la redacción de la ley es demasiado
estrecha, pues el principio de legalidad no impide tanto la punición sin razón fundada como la
punición sin ley. Ejemplo: En el sistema de la protección de la propiedad se abre una laguna no
justificable, pues la apropiación de una cosa sin sustracción (no es robo) y sin posesión del autor
(no es apropiación indebida) no constituye infracción penal. El principio de legalidad prohíbe
colmar esa laguna, lo que podría efectuarse, p.ej., interpretando la posesión en la apropiación
indebida generalizándola hasta tal punto que tuviera posesión todo autor que no sustraiga”
184
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 23.
185
“Não basta enumerar, definir, explicitar, assegurar só por si direitos fundamentais; é necessário
que a organização do poder político e toda a organização constitucional estejam orientadas para a
sua garantia e a sua promoção. Assim como não basta afirmar o princípio democrático e procurar a
coincidência entre a vontade política do Estado e a vontade popular em qualquer momento; é
necessário estabelecer um quadro institucional em que esta vontade se forme em liberdade e em
que cada cidadão tenha a segurança da previsibilidade do futuro”. MIRANDA, Jorge. Manual de
direito constitucional, p. 195-196. Logo, para o constitucionalista português, somente se pode
falar em Estado de Direito quanto há efetivos mecanismos de tutela dos direitos fundamentais. Por
outro lado, democracia é mais do que o respeito ao ‘postulado da maioria’. Antes, implica também
em decisões contra majoritárias, desde que orientadas ao respeito de direitos individuais (neste
sentido, vide a menção a Ronald DWORKIN por Jorge MIRANDA em p. 212 da obra
mencionada).
74

“Assenta nos seguintes postulados: (1) exercício jurídico, constitucionalmente


autorizado, de funções de domínio, feito em nome do povo, por órgãos de
soberania do Estado; (2) derivação direta ou indireta da legitimação de domínio do
princípio da soberania popular; (3) exercício do poder com vista a prosseguir os
fins ou interesses do povo”186.

Deve-se registrar que a legitimidade não se obtém tão-somente com o


respeito ao postulado da maioria (a maioria decide, a minoria acata). Antes,

“A representação democrática, constitucionalmente conformada, não se reduz,


porém, a uma mera delegação da vontade do povo. A força (legitimidade e
legitimação) do órgão representativo assenta também no conteúdo dos seus actos,
pois só quando os cidadãos (povo), para além das suas diferenças e concepções
políticas, se podem reencontrar nos actos dos representantes em virtude do
conteúdo justo destes actos, é possível afirmar a existência e a realização de uma
representação democrática material”187.

Desse modo, não se pode ter a ilusão de supor que, ante a simples realização
de eleições diretas, um determinado país já possa ser qualificado como
democrático. Ao revés, há que se perquirir se realmente os representantes estão
adotando decisões em benefício efetivo do povo, e não de meros grupos de
interesses deslocados do todo social.
O tema é de extremo relevo para a problemática do erro, porquanto, em
muitos casos, a falta de compreensão do desvalor jurídico de determinados
eventos decorre justamente da distância entre o legislador e os demais indivíduos,
em evidente agressão ao postulado de uma democracia material.
Atualmente, muitas normas são projetadas, com total desprezo às
percepções valorativas dos seus destinatários. Sancionam-se condutas que não
eram qualificadas, até então, de forma negativa pela moral comum. E isto tem
sido causa, conforme sabido, de uma considerável dificuldade de tratamento do
erro no caso dos tipos eticamente neutros.
Com efeito, quanto maior for a falta de diálogo entre os operadores oficiais
do Direito (legisladores, juízes e advogados) e aqueles que realmente vivem a
norma, os seus destinatários188, tanto maior será a freqüência em que haverá de

186
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional, p. 291.
187
Idem, ibidem.
188
KAUFMANN, Armin. Teoria de las normas. Fundamentos de la dogmática penal moderna.
Tradução de Enrique Bacigalupo e Ernesto Garzón Valdés. Buenos Aires: Ediciones Depalma,
1.977, p. 161-212, especialmente em p. 175: “¿Quién es destinatario de la norma (abstrata)? La
75

erros de proibição.
Por fim, não se pode olvidar do caráter laico189 do Estado.
Ora, a pena, na sua origem, correspondia a uma concepção nitidamente
religiosa. Relacionava-se aos ideais metafísicos de reposição; de reconciliação
com as divindades ofendidas, etc.
Ainda hoje, por sinal, a expiação da ofensa encontra-se entranhada na
percepção generalizada que os indivíduos possuem a respeito da sanção penal.
Todavia, como explicita Miranda RODRIGUES,

“Quando o direito perde a legitimidade de índole teocrática ou metafísica que


tradicionalmente trazia consigo – designadamente o direito penal, que se
transforma em direito secularizado e humanizado -, é o próprio problema da sua
legitimidade enquanto problema que surge, e que tem de ser respondido por
referência às coisas do mundo e dos homens. A ruptura com a transcendência
teológica e metafísica trouxe consigo a legitimação imanente, assente nos valores
da racionalidade e da eficácia”190.

O direito ainda não se libertou, porém, das concepções expiatórias. Basta


atentar para o problema do livre arbítrio, que ainda povoa muitos manuais de

respuesta, como lo hemos visto, sólo puede ser: destinatarios de la norma son todos. En este
sentido, la respuesta de Thon y Bierling y otros es formalmente correcta. Pero, ao contrario, es
falsa la consecuencia que de allí se extrae en el sentido de que todo destinatario de la norma es al
mismo tiempo el obligado por ella, o sea que puede ser obligado por ella. ¿Quién es en concreto
obligado por la norma? La respuesta de Binding en el sentido de que sólo el capaz de acción es
concretamente obligado, es correcta en su dirección. El presupuesto c material de la concreción
del a norma en un deber concreto será todavía objeto d la presente investigación”. Conclui Armin
KAUFMANN, portanto, que há normas especiais que apenas obrigam determinados indivíduos,
ocupantes de certos papéis sociais específicos (p.ex., o funcionário público). Confira-se ainda
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 130-
135. Ao que interessa a este trabalho, atente-se para a p. 131, em que argumenta DIAS, citando
PETROCELLI, que “O direito ou é ou não é comando: se o é, para o ser e agir como tal deve ser
conhecido. Se se aceita a idéia do direito como comando, não se pode refutar nem iludir a
necessidade lógica do conhecimento do comando”. O autor lusitano argumenta que a conclusão
não pode ser aceita, dado que somente seria culpável um descumprimento consciente da norma,
por mais relapso que tenha sido o autor (tendo este contribuído para a sua própria ignorância, por
exemplo). Em sentido oposto, vide Haro OTTO, segundo a referência de Juarez Cirino dos
SANTOS: “A teoria moderna, representada por OTTO, apresenta a punibilidade do fato como
objeto do conhecimento do injusto, ou seja, consciência do injusto significa conhecimento da
punibilidade do comportamento através de uma norma penal positiva, embora não exija
conhecimento preciso dos parágrafos de lei infringidos”. Confira-se SANTOS, Juarez Cirino dos.
A moderna teoria do fato punível. 4ª ed. Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2.005, p. 228.
189
Um exame bastante crítico pode ser encontrado na obra ZAFFARONI, Eugênio Raúl;
PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte geral. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1.997, p. 245 e ss. Leia-se ainda DOTTI, René Ariel. Curso de
direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2.005, p. 131-132 e COSTA, José Francisco de
Faria. O perigo em direito penal. Contributo para a sua fundamentação e compreensão
dogmáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 2.000, especialmente em p. 49-53.
190
RODRIGUES, Anabela Miranda. A determinação da medida da pena privativa de
liberdade. Os critérios da culpa e da prevenção. Coimbra: Coimbra Editora, 1.995, p. 219.
76

direito, em que pese ser também uma categoria metafísica, relacionada a uma
especial visão religiosa de mundo.
Tenha-se em conta, aliás, a pertinente síntese de Salo de CARVALHO:

"O discurso jurídico-penal do iluminismo foi estruturado sob a égide da


secularização e da tolerância. A negação do fundamento teológico (moral
eclesiástica) do direito, principalmente nos critérios de interpretação e imputação
dos desvios puníveis, obteve como conseqüência a radical substituição da
concepção ontológica do crime (mala in se) para a noção garantista em que o crime
passa a ser a descrição legal da conduta, criminoso é aquela pessoa que violou
livremente (capacidade, conhecimento e vontade) o contrato social, e a pena
representa o limite retributivo de intervenção do Estado na liberdade do
191
indivíduo" .

Em síntese deste tópico, conclui-se que:


i. O Estado Democrático de Direito impõe um conjunto de procedimentos
burocráticos para que se possa validamente restringir a direitos e prerrogativas
individuais (devido processo formal; legalidade enquanto postulado de segurança
jurídica). Também exige, igualmente, o respeito a um mínimo ético, fundado na
proteção de certos interesses indeclináveis, tais como: a proteção da vida; o
respeito à dignidade humana e correspondente igualdade e liberdade, ainda que tal
proteção se dê de forma contramajoritária. Afinal, democracia é muito mais do
que o respeito à decisão da maioria. Antes, impõe o exame do conteúdo da
decisão tomada frente àqueles sem voz para tanto;
ii. Comumente, o postulado da legalidade tem sido estudado, na temática
penal, apenas sob o enfoque formal, i.e., enquanto proteção contra incertezas
jurídicas. Deve-se ter em conta, porém, que também é cabível um enfoque
material, relacionado à origem do Poder Estatal. Desde que o Abade SIEYÉS
editou o panfleto “Qu’est-ce le tiers Etate?” é reconhecido que o titular do poder
político é o povo e, como tal, apenas em seu nome pode ser exercido (art. 1º,
parágrafo único, CPB);
iii. Cabe ao Congresso, portanto, a primazia na elaboração das normas
penais, com efetiva sintonia das percepções valorativas da Comunidade Política.
Melhor dizendo, deve haver o ingente esforço de converter o dogma da
representatividade política (haurida do simples resultado das urnas) em realidade.
Logo, há a imprescindível necessidade de controle das tipificações penais, seja por

191
CARVALHO, Salo de. Reincidência e antecedentes criminais: abordagem crítica desde o
marco garantista in: Revista de estudos criminais n.º 1, 2001, p.110.
77

meio do Poder Judiciário (ações diretas de inconstitucionalidade/descumprimento


de preceito fundamental), ou mediante aprimoramento dos instrumentos de
atuação direta do povo, o que não se admite que seja exceção em um regime
verdadeiramente democrático192.
iv. A distância entre os legisladores e aplicadores da Lei e os administrados
é motivo para incremento na possibilidade de erros de proibição, sobremodo
frente a tipos penais alheios à percepção valorativa da população.
Firmados estes pressupostos, pode-se passar ao exame da questão do erro,
como segue.

192
Sem mencionar a urgente necessidade de se adotarem, no Brasil, instrumentos jurídicos
semelhantes ao recall, i.e., a retirada do mandato parlamentar sempre que a atuação do
congressista implicar em fraude aos compromissos assumidos, sobremodo frente à eventual
desvinculação partidária.
2
Subjetivação do injusto e erro

Com a consagração do Finalismo Penal – no caso brasileiro, com a Lei


7.209, de 1.984193 – operou-se a segmentação do exame dos elementos anímicos
do agente em dois níveis. A investigação da vontade do autor ficou reservada ao
juízo de tipicidade, enquanto que a aferição da autocensura do agente ficou
reservada ao exame da sua culpabilidade.
Frente a um conceito tripartido do crime, a efetiva capacidade de autocrítica
do autor - naquele específico contexto fático - é aferida somente depois de ter sido
constatado que o seu conteúdo de vontade fora suficiente ao legalmente exigido
para que a sua conduta viesse a ser qualificada como ilícita.
Esta distribuição estratificada não corresponde necessariamente, contudo, a
uma seqüência real entre os vários níveis da intelecção humana194.
Mesmo se podendo cogitar da correspondência entre a vontade e a
autocensura, respectivamente, ao id e ao superego freudianos, é fato que, na
ocorrência típica, a subjetividade do agente é uma só.
Afinal, não há provas de que as pessoas avaliem, por primeiro, a conduta
planejada para somente depois decidir realizá-las. Tampouco há provas de que
ocorra o contrário: que o sujeito, premido pela compulsão e pelo desejo, realize os
atos da vida para, somente depois, impelido pela culpa – ante a frustração e a
reação social – raciocinar sobre o que fez.
Cuida-se de um raciocínio indutivo. Como tal, sabidamente não permite
qualquer conclusão exata a respeito da seqüência havida entre a volição e a
apreciação valorativa; entre a vontade e os freios inibitórios, tudo a depender de

193
Consagração legislativa dado que, enquanto referência teórica, o finalismo já fora esposado na
fundamental obra MESTIERI, João. Teoria elementar do direito penal: Parte geral. Rio de
Janeiro: J. Mestieri, 1.970.
194
A respeito da estrutura estratificada da personalidade leia-se JESCHECK, Hans-Heinrich;
WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 445-446. Confira-se também TAVARES,
Juarez. Teorias do delito, p. 75, em que alude à distinção entre o estrato profundo (o instinto de
autoconservação; impulsos); o estrato do Eu (regula e dirige os impulsos, conforme o sentido e
valor); o estrato intermediário da personalidade (desempenha a função de reservatório das decisões
anteriores, convertidas em posições internas inconscientes, configuradoras do caráter, vale dizer,
envolvendo uma auto-referência subjetiva). Por fim, leia-se WELZEL, Hans. Derecho penal
alemán, p. 204 (aspecto caracterológico).
79

cada subjetividade e de cada situação concreta.


Por outro lado, também não se pode esquecer de que muitos atos são
realizados ao abrigo do sistema simpático/parassimpático, sem pensamentos
reflexivos. São automáticos, pura e simplesmente. É o que ocorre, por exemplo,
com a condução de um veículo; com o ato de andar; com inúmeros movimentos
submetidos a uma rotina.
De qualquer modo, não há como avançar muito mais em quaisquer
considerações de índole psicológica, por mais que algumas destas questões
possam voltar a ser referidas mais adiante, sobretudo quanto ao “pensamento
material”, concebido por SCHMIDHÄUSER.
Ao que interessa mais de perto a este estudo, considere-se que o Finalismo
exige, para a consumação típica dolosa, que tenha havido uma vontade atualizada,
no momento do fato.
Não basta que - depois de consumado o evento sem uma prévia deliberação
neste sentido -, venha o agente a gostar do resultado, aceitando-o como seu.
O dolo deve co-existir, portanto, com a prática da conduta típica, consoante
entendimento predominante na doutrina195.
Não se exige, porém, uma consciência atualizada da ilicitude.
Ao contrário do que ocorre com o dolo, o Finalismo se contenta com a tão
simples capacidade de autocensura jurídica, no momento do fato. Afinal, basta
uma consciência potencial da ilicitude. Para o Finalismo, importa muito mais
investigar as causas que impediram o indivíduo de atingir aquele conhecimento (o
desvalor jurídico do comportamento).
Como diz Günther JAKOBS, “no campo do desconhecimento do injusto,
conforme o Direito penal alemão, o mero fato do desconhecimento não exonera

195
Quanto ao chamado dolo geral, observe-se que, neste caso, “El autor cree haber consumado el
delito cuando en realidad el resultado sólo se produce por una acción posterior, con la cual buscaba
encubrir el hecho. Ejemplo: para encubrir el hecho, el autor arroja la víctima al agua, creyéndola
muerta, pero ésta sólo allí encuentra su muerte. El problema consiste en determinar: si hay
acciones distintas, con dos dolos diferentes; luego, si hay un homicidio doloso que sólo ha llegado
al grado de tentativa, seguido del acto de ocultar a la víctima presuntamente muerta, en lo que no
habría, a lo sumo, más que un homicidio culposo. O si hay un acontecer unitario de la acción
(homicidio encubierto) que quedaría abarcado, aun en su segunda parte, por el dolo de homicidio.
Esto último parece más acertado: cuando la voluntad está dirigida a matar en forma encubierta, el
hecho de ocultar la víctima es sólo un acto parcial, no independiente de la acción en su conjunto.
En suma, hay homicidio doloso consumado. Sólo cuando la resolución de eliminar el cuerpo de la
víctima es adoptada con posterioridad a la presunta muerte, habría tentativa de homicidio en
concurso real con delito de homicidio culposo”. WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 108-
109.
80

por si mesmo, senão que o critério decisivo está nas razões desse
desconhecimento (§17, inciso 2º, StGB)”196.
No juízo de culpabilidade, comumente se avalia a atenção dispensada a uma
presumida “função de apelo197” do substrato típico. Supõe-se que determinados
fatos já obrigam a mente humana a cogitar da sua ilicitude, devendo, portanto,
abster-se de agir, sem antes pesquisar/auto-informar-se.
Quando se trata de delitos “mala en se” – vale dizer, tipificações penais
correspondentes ao mínimo ético diluído socialmente – a ausência de
compreensão do caráter injusto da conduta pode ser atribuída a uma falta de
esforço de consciência kantiano. Mediante simples reflexão, o indivíduo poderia
atingir o reconhecimento da ilicitude do comportamento.
Em outros inúmeros fatos típicos, no entanto, somente com a remissão ao
descumprimento de um especial dever de informação, é que se consegue
responsabilizar o indivíduo pela conduta lesiva realizada. Teme-se, nesta quadra,
por um retorno à culpabilidade por condução de vida, visto que o atendimento
àquela obrigação de se auto-informar demanda a conferência de condutas
anteriores àquela consumada no recorte típico.
Por outro lado, notadamente diante de tipos eticamente neutros – categoria
empregada por MAIWALD e Figueiredo DIAS – não se consegue vislumbrar
alguma diferença substancial entre aquele dever de informação que está na base
dos delitos imprudentes, daquele outro, que irá caracterizar os crimes dolosos.
Daí que o tema ganha especial relevo, frente a uma tipicidade penal
enriquecida em complexidade, desde a sua concepção originária por BELING198.
Desde Max Ernst MAYER199, consagrou-se o entendimento de que a
tipicidade não é um recorte exclusivamente descritivo das possibilidades
fenomênicas. Ao contrário, o tipo também veicula elementos valorativos,

196
JAKOBS, Günther. A autoria mediata com instrumentos que atuam por erro como problema de
imputação objetiva in: Revista ibero-americana de ciências penais. Porto Alegre: CEIP, ano 3,
número 7, setembro/dezembro de 2.002, p. 79. Leia-se também neste sentido BACIGALUPO,
Enrique. La evitabilidad o vencibilidad del error de prohibición in: Revista brasileira de ciências
criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 4, número 14, abril-junho de 1.996,
especialmente em p. 29-30.
197
Declinada por ROXIN como ‘função de chamada de atenção do dolo típico’. ROXIN, Claus.
Derecho penal, p. 584. Vide também DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da
ilicitude em direito penal, p. 230 e ss.
198
BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. Rio de Janeiro: Forense, 2.003, p. 51-56.
199
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 86. WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p.
90. LUISI, Luiz. O tipo penal, a teoria finalista e a nova legislação penal. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 1.987, p. 17-18.
81

dependentes, portanto, de uma adequação de sentimentos; de uma carga


axiológica – seja do aplicador da Lei, seja do autor. A exigência de especiais
elementos do agir (delitos de tendência e de intenção) torna ainda mais elaborado
o juízo de tipicidade.
Prova maior disto é a ubiquação, no tipo penal, de elementos de desvalor
global do fato, que antecipam para o exame da tipicidade o juízo da própria
ilicitude da conduta. Consoante leciona Claus ROXIN,

“No obstante, la adscripción al tipo de todas las circunstancias que fundamentan la


reprobabilidad pone de relieve una peculiaridad que distingue el criterio de la
reprobabilidad de otros elementos del tipo: se trata de un elemento de valoración
global del hecho, en cuanto que la reprobabilidad de la acción coactiva del autor no
sólo designa el injusto típico, sino simultáneamente también el concreto injusto de
las coacciones del caso particular. Así, pues, el que coacciona a otro de modo
reprobable no sólo actúa típicamente, sino eo ipso también antijurídicamente en el
sentido del §240. y ya no queda espacio para causas de justificación, pues se
alguien coacciona a otro amparado por una autorización legal para la coacción, o
por legítima defensa o por un estado de necesidad justificante, ya no obra de modo
reprobable y por ello tampoco típicamente”200.

Como reconhece o professor de Munique201, a referida categoria (elementos


de desvalor global do fato; ou elementos de dever jurídico, na dicção de
WELZEL) acaba dando peso à corrente que vislumbra no tipo a ratio essendi da
ilicitude.
Disto não se pode concluir, porém, que um juízo de tipicidade autônomo
frente ao juízo de ilicitude tenha perdido a sua razão político-criminal. Apenas
indica que há uma relativa liberdade para que o legislador altere esta estrutura de
três níveis (tipicidade/ilicitude/culpabilidade).
Por outro lado, sabe-se que – com Hans WELZEL – a divisão da tipicidade
em dois subtipos (tipo objetivo/tipo subjetivo) encontra-se consolidada. Ainda que
o tipo subjetivo tenha ficado reservado aos delitos comissivos dolosos, é fato que
também poderia abranger os delitos imprudentes, desde que destacado que a
intenção, em tais casos, não estará endereçada a resultados típicos.
Mesmo nos delitos imprudentes se deve aferir qual o conteúdo da vontade
do autor, em busca da delimitação do específico dever de cautela inerente àquele

200
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 299.
201
Idem, p. 300. Leia-se também BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 322.
82

plano lícito, que restou empreendido pelo agente com falha na sua execução202.
No âmbito dos crimes materiais, tem ganhado destaque a imputação objetiva
– expressão mais atual do Funcionalismo Sistêmico – a racionalizar com maior
coerência os vários requisitos para a imputação do resultado, alterando
gravemente o tipo objetivo.
De certo modo, apenas se realça que a atribuição do resultado ao sujeito
depende sempre de juízos valorativos, sobrepostos à constatação dos liames
etiológicos entre a conduta do autor e o resultado típico (no caso dos delitos
materiais, de resultado).
Por sinal, este juízo valorativo já era empreendido, há algum tempo, no
âmbito dos delitos omissivos impróprios, em que não há verdadeiro nexo causal
físico. A imputação decorre, antes, de uma obrigação jurídica de evitar o
resultado.
Tais considerações são lançadas apenas com o intuito de demonstrar a
complexidade que o conceito analítico de delito tem atingido, nesta quadra dos
tempos.
Afinal, nos quadros de um Direito Penal do Fato, muitas são as inquietações
surgidas da combinação de uma ilicitude subjetivada203 com uma culpabilidade
condicionada à efetiva capacidade de autocensura do agente, no exato momento
da ocorrência típica.
Como conjugar uma culpabilidade – aqui entendida como limite, e não
como fundamento da pena204 - com a exigência de uma consciência meramente

202
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro. Parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1.997, p. 517-519. A respeito da
questão leia-se também SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 191-193 e D´AVILA,
Fábio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2.001, p. 99-103. Negando terminantemente a existência de um tipo subjetivo, leia-se
BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 201-202.
203
FRISCH, Wolfgang et al. El error en el derecho penal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.999, p. 24-
31.
204
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 792-793 e 798; SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p.
280-282. Como elucida Cirino dos SANTOS, em p. 280: “Hoje, a tese da culpabilidade como
fundamento da pena foi substituída pela tese da culpabilidade como limitação do poder de punir,
com a troca de uma função metafísica da legitimação da punição por uma função política de
garantia da liberdade individual. Como se pode observar, essa substituição não representa
simples variação terminológica, mas verdadeira mudança de sinal do conceito de culpabilidade,
com conseqüências político-criminais relevantes: a culpabilidade como fundamento da pena
legitima o poder do Estado contra o indivíduo; a culpabilidade como limitação da pena garante a
liberdade do cidadão contra o poder do Estado, porque se não existe a culpabilidade não pode
existir pena, nem pode existir qualquer intervenção estatal com fins exclusivamente preventivos”.
Em outras palavras, admite-se culpabilidade sem pena. Nunca, porém, pena sem culpabilidade!
83

potencial da ilicitude?
Diante de um modelo altamente complexo, o tema do erro ganha uma
dificuldade extra. A solução a ser dispensada ao erro em Direito Penal exige uma
tomada de postura frente às inúmeras categorias do delito.
É deveras pertinente, portanto, a observação de Arthur KAUFMANN, ao
indicar que

“Em nenhum outro campo se entrechocam tão violentamente os antagonismos, em


nenhum outro é tão cerrada a discussão e se encontram as frentes tão consolidadas.
Há muito tempo já se passou a uma guerra de posições. Cada uma mantém a sua,
mas não se atreve a conquistar a dos adversários. Os argumentos já foram, de
vários lados, esgrimidos um sem-número de vezes, toda a gente os conhece, mas
ninguém se deixa, por eles dissuadir da sua opinião”205.

Ora, a dogmática penal contemporânea encontra-se em uma zona de


confluência de diversos aportes epistemológicos.
Com efeito, os pressupostos construtivo-sistemáticos se vêm gradualmente
substituídos pela explicitação de opções valorativas206, antecedentes à definição
das categorias jurídico-penais (tal como ocorre com o Funcionalismo Roxiniano).
E isto amplia ainda mais o dissenso de opiniões.
Feito este breve apanhado, convém passar para uma rápida análise histórica.

2.1
Breve exame da evolução dogmática:

Uma breve retrospectiva histórica revela-se interessante para a compreensão


do atual estado da doutrina penal a respeito do erro207, tema que há séculos vem
ocupando a mente de filósofos e juristas.
Noticia Figueiredo DIAS que a primeira tentativa de categorização do

205
KAUFMANN, Arthur apud DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da
ilicitude em direito penal, p. 02, em nota de rodapé.
206
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 138. CONDE, Francisco Muñoz. El error en
derecho penal, p. 75.
207
O exame da evolução histórica do tratamento do erro comumente atribui maior destaque ao
engano a respeito da ilicitude da conduta, dado que – como menciona MUNHOZ NETTO - “O
desconhecimento da ilicitude por equivocada representação dos fatos, sempre foi mais pacífica a
admissão da sua eficácia, sendo, pois dispensável analisar a respectiva evolução”. MUNHOZ
NETTO, Alcides. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal, p. 23.
84

equívoco penal coincidiu com a distinção entre o erro de fato e o erro de direito208.
Segundo a regra de PAULO, “regula est iuris quidem ignorantiam cuique nocere,
facti vero ignorantiam non nocere (D. 22, 6, 9)”209.
Em outras palavras, para os romanos, o erro de direito prejudicava o autor
(vale dizer, não exoneraria ou atenuaria a pena), enquanto que a conduta
provocada pela ignorância dos fatos podia ser desculpada.
Muitos romanistas extraíram, da referida máxima, a conclusão de que, para
o Direito Romano, o erro de direito fosse sempre inescusável. Isso não pode ser
aceito.
Como adverte DIAS210, esse entendimento restou abalado com os estudos de
Karl BINDING, para que, na Roma antiga, o conhecimento da norma violada
seria um requisito do dolus malus. Daí a ilação de que, faltando tal conhecimento
(scientia), tanto o error iuris quanto o erro facti excluiriam “a imputação do
comportamento ao errante a título de dolo”211.
O caráter pretensamente absoluto da irrelevância do erro de direito
tampouco foi aceita por Alcides MUNHOZ NETTO, para quem

“À acuidade jurídica dos romanos não poderia passar despercebida a questão, com
todas as suas implicações sobre o conteúdo da vontade delituosa. Desde a lei das
XII tábuas, emprestavam eles relevo ao nexo subjetivo que deve existir, entre o
autor e o fato punível.
Sobre a matéria não se construiu, porém, um sistema. Neste particular, como em
tantos outros, o que os romanos fizeram não foi dar regras gerais, senão resolver
casos particulares, em decisões a que os comentaristas e escritores vieram a dar
força e valor de verdadeiros princípios absolutos. Certamente, é por isto que
existem tantas disputas entre os estudiosos, a respeito do tratamento, em Roma, da
ignorância da antijuridicidade em matéria penal”212.

Por seu turno, Figueiredo DIAS lança sérias dúvidas quanto ao caráter
absoluto da fórmula pauliana, ao argumento de que serviria muito mais como um
critério processual, fundado em uma presunção – de qualquer modo, suscetível de
exceções – de que o erro sobre as normas seria mais censurável que o erro a
respeito dos fatos.
É fato que a crítica de BINDING acaba enfraquecida quando se percebe que
208
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 28.
209
PAULO apud DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 28.
210
Idem, p. 30.
211
Idem, ibidem.
212
NETTO, Alcides Munhoz. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal, p. 24-25. Em
sentido semelhante, leia-se TOLEDO, Francisco de Assis. O erro no direito penal, p. 32-33.
85

tentou transportar, para a Roma antiga, um conceito de dolus malus presente na


dogmática do seu tempo213 , com o que não se pode concordar.
Ainda assim, os esforços do jurista alemão acabaram frutificando em um
progressivo reconhecimento de que o critério da irrelevância do erro de direito
comportava exceções, mesmo na Roma Antiga.
Com efeito, sabe-se, hoje em dia, que o erro valorativo das mulheres; das
crianças; dos rústicos e dos soldados (critério intuito personae)214 era motivo para
a atenuação da pena. Frente a uma presunção de menoridade – se confrontados
com os cidadãos plenos da Roma Antiga – tais indivíduos acabam recebendo um
tratamento mais brando.
Também se reconhece que os romanos faziam a distinção entre os chamados
crimes naturais (crimina naturaliter proba, também declinado como mala in se215)
e os crimes conjunturais, ou de mera criação política (crimina mala prohibita),
sendo que – quanto a estes últimos – a regra pauliana também era suavizada216.
Diante desse quadro, conclui Figueiredo DIAS que a irrelevância do erro de
direito em Roma deveria ser compreendida como uma fórmula geral, suscetível,
todavia, de soluções diversas em determinados casos concretos.

213
O que, sabidamente, não pode ser aceito, já que os romanos não possuíam um conceito de
legalidade semelhante ao formulado sob o iluminismo penal.
214
Referindo-se à SAVIGNY, argumenta MUNHOZ NETTO que, no direito romano, “O dolo
seria um fato, cuja existência ficaria excluída por qualquer espécie de erro. Contudo, prevalecia a
seguinte distinção: se o agente conhecia a lei penal, mas por erro de direito, enganava-se sobre a
qualidade punível do seu ato, excluía-se o dolo; não assim no que se referisse ao conhecimento da
lei penal, requerido e pressuposto em todos e cuja falta não anula o dolo nem a punibilidade. Deste
rigor seriam excetuadas apenas certas classes de pessoas às quais, em geral, se perdoava também a
ignorância da lei; tais eram os menores, as mulheres, os rústicos e os militares. Mesmo estas
classes, porém, só seriam excetuadas relativamente àquelas leis penais que possuíssem natureza
positiva (iuris civilis) e não quanto às que se revelassem ao sentimento jurídico natural de cada um
(iuris gentium)”. Confira-se MUNHOZ NETTO, Alcides. A ignorância da antijuridicidade em
matéria penal, p. 25.
215
De qualquer forma, atente-se para a pertinente crítica de Barbara WOOTON, para quem “os
mala in se eram, simplesmente, mala prohibita há mais tempo”. Consulte-se BELEZA, Tereza
Pizarro; PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. O regime geral do erro e as normas penais em
branco. Ubi lex distinguit. Coimbra: Almedina, 2.001, p. 26-27.
216
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 34 e também p. 39. Em nota de rodapé da página
34, DIAS menciona a crítica positivista de MOMMSEN, que sustenta que a distinção entre crimes
naturais e crimes de mera criação política seria irrelevante, dado que não é a natureza, mas sim o
Estado, que, ao penalizar, cria o crime. De qualquer modo – por mais que não se possa admitir um
conceito pré-legislativo de crime (vale dizer, um conceito vinculado ao Direito Natural e, como tal,
legitimado desde o início dos tempos), é fato que a classificação tem o mérito de evidenciar que há
delitos intimamente associados a um conteúdo mínimo ético, inerente ao reconhecimento da
dignidade humana (crimes que atingem diretamente os direitos fundamentais) e aqueles outros
tantos que apenas se prestam indiretamente a tutelar tais valores, cumprindo antes ‘garantir’
interesses secundários, funcionalizados, da agremiação política (por exemplo, os crimes contra o
Sistema Financeiro Nacional).
86

Em outras palavras, “o erro de direito é irrelevante, não por ser de direito,


mas por ser censurável”217. Caso, na situação concreta, referida censurabilidade
estivesse reduzida, fatalmente o erro de direito – de irrelevante – ter-se-ia se
convertido em decisivo.
Observe-se também que, para os romanos, o desconhecimento do Direito era
muito mais reprovável a desatenção com os fatos. Aqui já se vê diluída uma
presunção de infidelidade do homem ao Direito, dado que é dever de todo cidadão
informar-se a respeito das regras da sua comunidade política218.
Alude BAR - na precisa remissão de María BARREALES - que “Si la
invocación del error de Derecho fuera una causa de exculpación, en tal caso el
Estado premiaría el desconocimiento de la ley y la indiferencia frente al
ordenamiento jurídico” 219.
Também é dever de todo cidadão atuar sem indolência, a fim de não causar
prejuízos a terceiros. No fundo, tanto a obrigação de introjeção normativa, quanto
a obrigação agir com atenção podem ser reconduzidas ao neminen laedere220.
Temia-se (e teme-se ainda hoje) que a atribuição de um grau maior de
relevância à ignorância da ilicitude pudesse comprometer a própria eficácia do
direito221, razão pela qual a categoria da infidelidade ao Direito222 ainda é a força

217
Idem, p. 35.
218
Idem, p. 57: “A idéia praticamente mais importante neste contexto é a de que o princípio nada
mais exprimiria do que a obrigação geral de conhecimento das exigências jurídicas, com a
conseqüente responsabilidade individual pelo não-cumprimento da obrigação”. O jurista adverte,
porém, que “desta forma o princípio perde o seu caráter absoluto e abstrato, tendo logo que ser
essencialmente limitado pela concreta possibilidade de o agente cumprir a obrigação: ad
impossibilia nemo tenetur”. (DIAS, Obra citada, p. 58).
219
BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación. Valencia: Tirant lo
Blanch, 2.004, p. 59.
220
“Se bien error de tipo y error de prohibición son distinguibles conceptualmente, no existirían
motivos fundados que justificasen un trato tan diferenciado entre quien obra en error de tipo y
quien lo hace en error de prohibición como el impuesto por el §17 do SfGB. En especial si se tiene
en cuenta que, en ambos casos, el sujeto no rechaza conscientemente las exigencias del
ordenamiento jurídico, cosa que le diferencia del autor doloso. Por otra parte, tampoco parece que
un error de prohibición sea más fácilmente evitable que un error sobre el supuesto de hecho típico,
ni que el autor que obra en aquel estado sea más peligroso que el autor imprudente, razones que
hubiesen podido explicar el distinto trato”. FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 46.
221
Como leciona ROXIN, “Es incompatible con la función del Derecho como ordenamiento
objetivo el que la teoría del dolo ponga la vigencia de las normas jurídicas ampliamente a
disposición de sus destinatarios; basta sólo con no tomar consciencia de un tipo para quedar a
salvo de su amenaza de pena. Entonces ya no se castiga lo que o legislador conmina con pena, sino
lo que el particular considera prohibido”. ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 864-865. O problema
todo está no fato de que: i. sabe-se que a norma não se confunde com o texto de Lei. Somente há
norma depois da interpretação; ii. há interpretações oficiais (órgãos Estatais com a função de
aplicar o Direito) e interpretações não oficiais (aqueles que vivem a norma); iii. portanto, a
argumentação de Claus ROXIN deve ser aferida sob as luzes de um constitucionalismo
emancipatório – da sociedade aberta dos intérpretes – em que a legitimidade do Direito não esteja
87

motriz da maioria das construções teóricas neste terreno.


Aliás, o melhor seria dizer: infidelidade ao dever ético de conhecer o
Direito223, uma vez que - nesse particular -, mostra-se muito interessante a lição de
BACIGALUPO:

“La teoría que entiende la evitabilidad como infracción de un deber requiere


afirmar la existencia de un deber general de conocer el derecho. Pero, este camino
parece no tener salida en una teoría de las normas, pues de esta manera, el
problema se volverá a plantear respecto del conocimiento de este deber de conocer
el derecho y ello requeriría entonces otro nuevo deber de conocer el derecho, y así
ad infinitud”

Em sentido semelhante, anote-se a opinião de David FELIP I SABORIT, ao


tratar sobre o disposto no art. 5º do código penal italiano de 1.930:

“Se intento presentar el art. 5º CP it. como un supuesto de responsabilidad por el


incumplimiento de un deber cívico de conocer la norma penal, de tal manera que
dicho incumplimiento permitiese que el simple dolo de la situación de hecho fuera
fundamento suficiente del juicio de culpabilidad. Pero, en tal caso, la absoluta
irrelevancia del error iuris comportaba que se estuviese estableciendo un deber
bajo de la presunción de que siempre se puede cumplir, con lo que se reanuda el
círculo vicioso”224.

Encerrada esta breve interrupção, sabe-se que, durante a Idade Média,


discutiu-se muito sobre a eficácia atenuante do erro incidente sobre o Direito
Natural.
A importância do tema adveio, em certa medida, da releitura cristã das obras
de Platão e Aristóteles (respectivamente, por Santo Agostinho e Santo Tomás de

associada apenas à autoridade, mas sim, aos resultados que efetivamente sejam produzidos pelas
suas regras. A questão está muito mais em precisar com que fundamentos a interpretação oficial
necessariamente é melhor do que a do indivíduo (além da questão da autoridade). No fundo, os
erros de valoração individual decorrem: i. de uma distância entre as valorações dos centros de
decisão estatais e aquelas empreendidas pela população; ii. da pretensão de se mudar costumes a
partir da Lei; iii. da falta de um melhor sistema de ensino e de introjeção de valores – que, distante
de um mero adestramento – permita a cada cidadão tomar consciência dos seus direitos e deveres.
222
BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación. Valencia: Tirant lo
blanch, 2.004, p. 197-198 e 246-248. A autora parte do argumento de que a infidelidade ao direito
apenas ocorre naqueles casos em que o autor conhece o contexto fático em que se encontra, mas
valora de forma equivocada a sua conduta. Supõe-se, portanto, que a categoria da “infidelidade ao
direito” corresponderia apenas à interpretação equivocada das normas. Porquanto, aqui, não
haveria uma intenção de violar as normas (desconhecê-las já é descumpri-las!). A ilusão a respeito
dos fatos – que igualmente implica em erro valorativo, por certo – não poderia ser enquadrada
neste conceito.
223
BACIGALUPO, Enrique. La evitabilidad o vencibilidad del error de prohibición in: Revista
brasileira de ciências criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 4, número 14,
abril-junho de 1.996, p. 30.
224
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 62.
88

Aquino).
O jus naturalismo pressupõe a existência de regras anteriores à conformação
social do homem; de preceitos insuscetíveis de violação por parte do Estado e
indisponíveis, por natureza. Cuida-se, por sinal, de um conceito implícito na obra
de Sófocles (Antígona225), encontrando um revigoramento a partir da Idade
Média, com o racionalismo de Hugo GRÓCIO226. Sob a versão cristã, o Direito
Natural foi identificado como sendo a Lei de Deus, escrita no coração dos homens
(o decálogo mosaico, em síntese).
Por sinal, em certa medida, a distinção entre crimes naturais (um mal em si,
porquanto agressivo das regras da natureza) e crimes conjunturais/formais/de
mera eleição política (mal eleito) já estava presente em Aristóteles, conforme
enuncia Figueiredo DIAS227. O estagirita distinguia a ignorância das universalia
(regras gerais da moralidade) da ignorância das singularia. Apenas o erro sobre
estas últimas poderia ser desculpado.
Esta categorização igualmente está presente em Immanuel KANT, na
medida em que os seus imperativos coincidem com este mínimo ético da vida em
comum228.
Aliás, muitos acusam o filósofo de Konigsberg justamente de ter aplicado os
postulados pietistas (religião sob cujos valores o filósofo fora educado), à

225
Anote-se que, em certa medida, Antígona encontra um paralelo em Sócrates. Ambos são
irresistivelmente levados à ação pelos postulados maiores de suas crenças (ainda que estas sejam,
evidentemente, diferentes entre si: Antígona representa a crença na religião privada, contrária à
religião pública de Creonte. Sócrates representa o racionalismo, a fé (!) na razão). Há, em ambos
os casos, uma exortação – uma máxima de agir (imperativo kantiano) que os leva a uma
determinada conduta ética.
226
Confira-se em VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno.
Apresentação de Stéphane Rials. Tradução de Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2.005,
p. 630-674. Para GRÓCIO havia um direito natural, inerente à natureza própria do homem. Anote-
se, contudo, que um conceito idealista de direito natural – ainda que tenha a virtude de restringir a
competência legiferante estatal – pode ter um conceito simétrico de crime natural, o que, como
sabido, geralmente tende a ser um conceito legitimador da intervenção estatal e, como tal,
agressivo destas mesmas prerrogativas individuais. Aliás, a preocupação maior de GARÓFALO
foi justamente a de definir um crime natural, como sendo a violação aos sentimentos de probidade
e piedade de uma dada comunidade.
227
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 107 -108. Em sentido oposto ao do texto,
MUNHOZ NETTO argumenta que “Quanto à ignorância da ilicitude, Aristóteles considerava
inadimissível a escusa dela decorrente. Não obstante reputasse contrário à natureza das coisas o
conhecimento geral das leis, entendia que a ignorância não poderia ser eficazmente invocada, já
que traduziria uma culpa, ante o dever e a possibilidade de conhecê-las”. MUNHOZ NETTO,
Alcides. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal, p. 24.
228
A respeito do tema, leia-se SCHNEEWIND, J.B. A invenção da autonomia. Uma história da
filosofia moral moderna. Tradução de Magda França Lopes. São Leopoldo: Editora Unisinos,
2.005, p. 589 e ss.
89

elaboração da Metafísica dos Costumes229.


CÍCERO defendia um conceito semelhante, ao sustentar que cada pessoa
carregaria consigo princípios inatos da virtude, de modo que eventual equívoco
seria exclusivamente da sua responsabilidade230 (inatismo moral).
Comumente, diante de tal pressuposto – isto é, de se cuidar de uma Lei
“gravada no coração dos homens” (Santo Agostinho) – não havia como desculpar
o engano a respeito do desvalor das condutas “mala em se”, ontologicamente
nefastas. Melhor dizendo, não era reconhecido qualquer efeito atenuante ao erro
incidente sobre as proibições do decálogo judaico (desrespeito a Deus e, destarte,
à autoridade dos seus representantes na Terra; desrespeito à sociedade e, como tal,
respeito à hierarquia inerente ao status quo; respeito a si mesmo e, assim,
cominação de pena ainda que a lesão fosse exclusivamente individual).
A questão está no exame da presunção de que o erro sobre este direito
natural – por incidir sobre as regras morais mais basilares da vida em comum –
não poderia ser desculpado. Isto porque, a rigor, quando menos corresponderia a
uma censurável falta de atenção do homem aos apelos da sua alma.
Figueiredo DIAS argumenta, contudo, que esta tese da total irrelevância do
erro sobre o direito natural não é correta231. Havia um núcleo de regras que –
conquanto atreladas à noção de direito natural – podiam ser alvo de erros passíveis
de desculpa232. Tomás de Aquino sustentou, por seu turno, que os preceitos
somente vinculam o homem na medida em que são conhecidos.
Registre-se, porém, que – mesmo para Tomás de Aquino - as questões
relacionadas ao direito natural da fé, dos deveres de estado e da lei moral seriam
insuscetíveis de qualquer desculpa, por violarem um dever maior, que é o de
conhecer o seu próprio dever.
Por mais que esta solução proposta pelo Doutor da Igreja não tenha
significado um cabal reconhecimento da relevância do erro de proibição sobre o

229
Uma crítica aos postulados de Immanuel KANT pode ser lida em KELSEN, Hans. O problema
da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2.003.
230
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 106.
231
Idem, p.108.
232
Como menciona BARREALES, “En el derecho intermedio se admite eficacia eximente al error
de hecho, siempre y cuando reúna una serie de requisitos; en relación con el error de Derecho si se
trata del Derecho natural o el divino, no se admite eficacia eximente al error padecido por el
sujeto. Cuando se trata de leys de policía se admite la eficacia del error de Derecho y se hacen las
mismas excepciones que se reconocieran en el Derecho romano”. BARREALES, María A.
Trapero. El error en las causas de justificación. Valencia: Tirant lo Blanch, 2.004, p. 49.
90

núcleo básico das regras do convívio social – agrupadas sob o signo de um direito
natural – é indiscutível que a mencionada proposta deslocou o exame para a
responsabilidade do próprio homem, em conhecer o dever jurídico, superando a
tese do inatismo.
Daí que veio a encontrar forte oposição no jansenismo, fundado pelo
holandês Cornélio Jansenio.
Jansenio defendia que todo erro incidente sobre o direito natural (mesmo
sobre aqueles elementos não integrantes do rol tomista: fé; lei moral e deveres de
estado) seria indesculpável, por ser um pecado mortal, ainda quanto totalmente
invencível233, proposição refutada pela Congregação do Santo Ofício sob
Alexandre VIII.
Subjacente a esta disputa estava, a rigor, o entendimento de que apenas
Deus poderia julgar o homem, e que, diante de uma visão otimista do humano,
apenas a vontade de transformação, de redenção, pode salvar.
Tal como na parábola bíblica dos talentos234, o critério do julgamento não
seria a índole herdada, antes, o que foi feito a partir do próprio caráter.
Empreendida de forma rigorosa por Figueiredo DIAS, a referida
investigação histórica sobre a ignorância do direito natural mostra que -
subjacente ao problema do desconhecimento/equívoco a respeito da valoração
jurídica das condutas humanas – encontra-se a presunção de que as regras básicas
do convívio social foram (deviam ter sido) suficientemente introjetadas na psique
individual (desde que o sujeito não se inscreva naquele círculo restrito de pessoas
presumidas como inimputáveis).
Em muitos casos, se continua a adotar, portanto, uma tese inatista
(Cícero/Jansenio/Santo Agostinho), mesmo quando se encontra sob a roupagem

233
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 110.
234
Evangelho segundo Mateus, 25, versículos 14:18. “Pois como será o homem que, ausentando-
se do país chamou os seus servos e lhes confiou seus bens. A um deu cinco talentos, a outro dois e
a outro um, a cada um segundo a sua própria capacidade; e então partiu. O que recebera cinco
talentos saiu imediatamente a negociar com eles e ganhou outros cinco. Do mesmo modo o que
recebera dois, ganhou outros dois. Mas o que recebera um, saindo, abriu uma cova e escondeu o
dinheiro do seu senhor (...) Chegando, por fim, o que recebera um talento, disse: Senhor, sabendo
que és homem severo, que ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste, receoso,
escondi na terra o teu talento; aqui o que é teu. Respondeu-se, porém, o senhor: Servo mau e
negligente, sabias que ceifo onde não semeei e ajunto onde espalhei? Cumpra, portanto, que
entregasses o meu dinheiro aos banqueiros; e eu, ao voltar, receberia com juros o que é meu. Tirai-
lhe, pois, o talento e daí-o a quem tem dez. porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em
abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. E o servo inútil, lançai-o para fora,
nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes”.
91

de disponibilidade ao apelo normativo.


Com efeito, é instigante que esta tese da cabal irrelevância do erro incidente
sobre delitos pretensamente naturais (ontológicos, pré-jurídicos, indisponíveis)
tenha se mantido por longo período, mesmo sob um Estado secularizado e
positivista.
Observa DIÁS, aliás,

“Que esta tese [a do conhecimento inato] tenha podido persistir mesmo numa
época em que a fundamentação natural dos conteúdos jurídico-positivos era, se não
necessariamente negada, ao menos profundamente desvalorizada, é coisa que só se
explica por ela ser no fundo escorada por uma certa concepção material de culpa,
antes que por qualquer particular perspectiva sobre o direito natural e a sua
cognoscibilidade”235.

Ainda se aplica consideravelmente a tese da “hostilidade ao direito”, já que


apenas um infiel – alguém totalmente despreocupado com as regras do convívio
social – incorreria em um erro tão grave.
Não se pode aceitar, sob tal ótica, que o sujeito suponha que matar não seja
crime. Somente alguém inimputável para chegar a uma conclusão desta.
Quanto ao período medieval, há dissenso entre os doutrinadores a respeito
dos efeitos que eram reconhecidos ao erro de direito. Para ENGELMANN236 tal
erro excluiria o dolo, enquanto que LIEPMANN sustentou que tal erro apenas
consistiria em um fator de atenuação da pena.
Apesar de o Codex Legum Visigothorum documenta português ter previsto a
irrelevância do erro de direito, Figueiredo DIAS argumenta que essa solução não
tardou a ser contestada pela doutrina, citando, neste sentido, as obras de
FARINACIO; Cardoso do AMARAL e Agostinho BARBOSA:

“Tudo a confirmar-nos que também no direito português deste período a regra


pauliana não era tomada, no seu teor literal, como fundamento e critério de
delimitação apriorística do problema da falta da consciência da ilicitude, mas na
sua perspectiva resultante da sua conexão com a censurabilidade ou
incensurabilidade do erro, que assim constituía verdadeiramente o seu
fundamento”237.

Por sinal, mesmo sob os influxos iluministas, continuou-se a invocar a

235
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 117, explicitou-se.
236
Idem, p. 37-38.
237
Idem, p. 42.
92

máxima pauliana, no sentido de ser irrelevante o erro de direito, conforme se


infere do código penal português de 1.852 (art. 12) e do código Zanardelli italiano
(art. 44).
Lentamente foi-se consolidando, contudo, o reconhecimento do caráter
atenuador do erro de direito. Diga-se de passagem, que a teoria da coação
psicológica de Paul Johann Anselm von FEUERBACH mostrou-se decisiva a
respeito.
Para FEUERBACH, a pena tinha a função garantir a confiança da população
no direito238 (tese hoje acolhida por Günther JAKOBS). Era indispensável que a
população conhecesse as penas aplicadas a cada crime, para que pudesse ser
contra motivada.
De qualquer modo, ainda hoje esta distinção romana, entre erros de fato e
erros de direito, continua a servir de baliza para vários casos concretos, inclusive
quanto ao erro incidente sobre elementos de desvalor global do fato, como se verá
mais adiante.
Tenha-se novamente em conta, porém, que – sob esta categorização –
encontra-se o pressuposto ideológico de que o desconhecimento indolente da
norma é muito mais reprovável do que a falta de atenção quanto aos fatos. O
sujeito que deixa de se informar a respeito das leis da sua comunidade mereceria
uma censura mais grave do que aquele outro indivíduo, que atua de forma
descuidada, sem controle das suas ações.
Ambos os deveres podem ser submetidos a uma mesma moldura: o simples
neminen laedere.
Ora, esta distinção entre erro de fato e erro de direito foi utilizada durante
aproximados 50 anos pelo Reichgericht (Tribunal do Império Alemão)239, ainda
sob os pressupostos cientificistas que dividiam o mundo em elementos subjetivos
e objetivos.

238
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 91. BARREALES, María A. Trapero. El error en las
causas de justificación, p. 92: “La tesis de FEUERBACH deriva de su teoría de la coacción
psicológica: parte este autor de la teoría de la prevención general; el sujeto debe haber conocido la
ley penal, la punibilidad de su hecho; con este conocimiento la fuerza psíquica puede determinarle
a la renuncia a la comisión del hecho. Al revés, no se le puede hacer ningún reproche cuando
debido al desconocimientote la ley penal no hubiera sido eficaz este motivo par evitar al hecho”.
Contudo, como a autora menciona, Arthur KAUFMANN pôs em relevo que o próprio
FEUERBACH renunciou à sua tese radical, ao presumir que – ciente da ilicitude da conduta – o
agente também teria conhecimento da sua punibilidade.
239
BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación, p. 58 e ss.
93

Diante do disposto no §59.1 do Código Penal Alemão, então vigente, os


Tribunais chegavam à conclusão de que – por não haver menção ao conhecimento
efetivo das normas jurídicas – o erro de direito penal seria impertinente.
E, aqui, certamente incorria em soluções inaceitáveis, porquanto se obrigava
a reconhecer como erro irrelevante o desconhecimento do caráter alheio da coisa,
no furto240, por mais que se cuidasse de um indiscutível fator de redução da
reprovabilidade da conduta, reconhecida como “fiel ao Direito”.
Talvez motivado pela constatação das nefastas conseqüências jurídico-
penais da distinção absoluta entre o empírico e o valorativo, os tribunais
começaram a suavizar a premissa da total irrelevância do erro de direito.
Passaram a tratar o erro sobre o direito extrapenal como se fora erro de
241
fato . Novamente, como quer Figueiredo DIAS, a questão é muito mais da
aferição da censurabilidade do equívoco do autor do que, propriamente, da adoção
de uma fórmula a priori.
Desse modo, o Reichgericht reconhecia relevância aos erros incidentes
sobre normas não penais (por exemplo, erro incidente sobre o caráter alheio da
coisa, fixado a partir de normas de direito civil). Nesse caso, havia a exclusão do
dolo, com a cominação imprudente caso o tipo respectivo fosse previsto em Lei.
Para Figueiredo DIAS, a distinção – conquanto fosse totalmente falha em
suas premissas – tinha o mérito de permitir certa maleabilidade na solução dos
casos, frente aos critérios ‘substanciais’ que moviam o Tribunal242.

240
FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 32.
241
Critério que tem sido revigorado por parte da dogmática alemã contemporânea. ROXIN
menciona, por exemplo, as obras de KUHLEN e PUPPE, com proposta neste sentido. ROXIN,
Claus. Derecho penal, p. 469 e 471. Segue o entendimento de Ingeborg PUPPE: “De lo anterior
deriva la justificación básica de una de las más discutidas tesis de la teoría del error, de acuerdo
con la cual un error de derecho es un error de tipo o, en su caso, un error de tipo al revés, cuando
se refiere a reglas jurídicas que han sido establecidas fuera de la ley penal, y un error de
subsunción o inverso de subsunción - irrelevantes ambos – cuando se refiere a reglas jurídicas de
la ley penal misma”. Confira-se em FRISCH, Wolfgang et al. El error en el derecho penal, p.
101. Leia-se também esta mesma obra em p. 76, em que FRISCH também defende a distinção feita
pelo Reichgericht (direito penal/extrapenal).
242
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude, p. 51, em que sustenta
que referida distinção foi mantida pelo Reichgericht por mais de 50 anos, lastreado muito mais em
uma questão de eqüidade do que de lógica. Em p. 53, sustenta o autor, com inteiro acerto, que “A
dicotomia aparecerá então, a plena luz, como aquilo que na realidade prática sempre se olvidou:
um posterius, que não um prius, relativamente ao conteúdo, à autonomia e à extensão materiais do
problema da falta da consciência da ilicitude”. Em sentido semelhante, BARREALES, María A.
Trapero. El error en las causas de justificación, p. 60, sabe-se que “Sus decisiones oscilaban en
la clasificación como error de Derecho penal o extrapenal atendiendo a razones de justicia
material”. Anote-se, ainda segundo a autora espanhola, que esta distinção entre o erro de fato e o
erro de direito continua sendo relevante, frente ao seu emprego na apreciação dos erros incidentes
94

Atente-se, contudo, para as pertinentes observações de David FELIP I


SABORIT a respeito:

“Las principales objeciones que se formularon contra el planteamiento del RG iban


en la línea de la impracticabilidad de la distinción entre errores de Derecho penal y
extrapenal, puesto que ambas valoraciones están presentes en cualquier elemento
del tipo – de forma parecida a la imposibilidad de mantener elementos normativos
y elementos estrictamente fácticos. Por otra parte, incluso en el caso que fuera
posible efectuar una distinción nítida, las consecuencias de la distinción eran, a
menudo, absurdas: el hecho de que un elemento estuviera regulado en una norma
penal o extrapenal, especialmente en el denominado Derecho penal accesorio, es
algo, a menudo, puramente accidental”243.

Cuidava-se, enfim, de uma presunção totalmente alheia aos postulados


axiológicos do Estado de Direito, fundado na mera situação topográfica do
preceito (código penal; código civil). Podia-se recair em total arbítrio, pela falta
de uma prévia delimitação entre o que se poderia entender como sendo norma de
direito penal e extrapenal.
Registre-se que – de forma implícita – acaba se resgatando a distinção
romana entre crimes naturais e crimes de mera criação legislativa. Ou melhor,
entre os crimes mala en se e o crimes mala qui prohibita.
Portanto, os Tribunais primeiramente decidiam se o erro incidia sobre
proibições que, presumidamente, todos deviam conhecer (proibição do homicídio;
do estupro; da lesão corporal), situado no chamado núcleo básico do Direito Penal
das nações civilizadas, daqueles outros erros, incidentes sobre inovações
valorativas, inacessíveis ao homem não versado em Leis.
Referido critério foi manejado até a fundamental sentença proferida pelo
Bundesgerichthof em 18 de março de 1.952244.
María Trapero BARREALES – autora que se vincula à teoria dos elementos
negativos do tipo – empreende um rigoroso enquadramento das críticas
formuladas contra o critério adotado pelo Reichgericht245. A professora espanhola
argumenta que “esta teoría no puede sostenerse desde el momento en que se

sobre elementos normativos do tipo (BARREALES, Obra citada, p. 63).


243
FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 32.
244
Referências a respeito da mencionada decisão podem ser encontradas na obra ESER, Albin;
BURKHARDT, Björn. Derecho penal. Cuestiones fundamentales de la teoría del delito sobre la
base de casos de sentencias. Tradução de Silvina Bacigalupo e Manuel Cancio Meliá. Madri:
Editorial Colex, 1.995, p. 285-317. Segundo JESCHECK-WEIGEND, a aludida sentença é um
marco na história recente do direito penal alemão. Leia-se JESCHECK, Hans-Heinrich;
WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 486.
245
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 65-78, ressalva não constante do texto.
95

reconoce la distinción entre el error de tipo y el error de prohibición [surgida


com o finalismo] y se comprueba que estos dos conceptos no se pueden equiparar
a la antigua distinción entre el error de hecho y el error de Derecho”246.
Sobremodo frente aos elementos normativos, veiculados na descrição típica,
em que pese sejam necessariamente valorativos (não empíricos). Ademais, acusa a
distinção do Tribunal de ser “arbitraria, insegura, cuestionable y contradictoria
según los casos que se plantean ante el tribunal o el autor que se analice, ya que
no hay ningún principio clasificatorio de los particulares errores como
pertenecientes al Derecho penal o al Derecho extrapenal”247.
Repita-se que esta flexibilidade jurisprudencial correspondia, no fundo, a
um decisionismo incompatível com a noção de Estado de Direito. Afinal de
contas, tudo indica que tais categorias somente eram aplicadas depois de a decisão
já ter sido tomada. Apenas serviam para justificar a sentença, e não para,
efetivamente, indicar um método calculável de tratamento do erro de direito.
Ademais, como se sabe atualmente, o pressuposto teórico da total
irrelevância do erro incidente sobre normas do Direito Penal não pode ser aceito,
frente ao princípio da culpabilidade.
Soa indispensável, quando menos, a atenuação da sanção penal diante de um
erro invencível sobre tais preceitos. Ao não reconhecer esta necessidade, o
Reichgericht também violava o postulado da isonomia, por dosar uma mesma
pena para sujeitos cujos freios inibitórios eram distintos.
Prosseguindo com esta breve sinopse da dogmática alemã248, convém
transcrever o antigo §59.1 do RStGB (Strafgesetzbuch für das Deutsche Reich –
Código Penal do Império Alemão, de 1.871):

“Si alguien, en la comisión de una acción punible, no conoce la existencia de las


circunstancias de hecho que pertenecen al tipo legal o que elevan la punibilidad, no

246
Idem, p. 66.
247
Idem, p. 68.
248
FELIP I SABORIT, David. Error juris. El conocimiento de la antijuridicidad y el artículo 14
del código penal, p. 27-97. Leia-se também BARREALES, María A. Trapero. El error en las
causas de justificación, p. 48-357; ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito
penal econômico, p. 53-76. De forma sintética, SANCINETTI, Marcelo A. Casos de derecho
penal. Parte general. Tomo II. Teoría del hecho punible, delito doloso de comisión. Tipicidad –
antijuridicidad – culpabilidad – punibilidad. 3ª ed. rev. ampl. Buenos Aires: Hammurabi, 2.005, p.
95-102. No âmbito da doutrina brasileira, vide GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de
proibição, p. 42-190; BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição, p. 49-
79; NETTO, Alcides Munhoz. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal, p. 24-58.
96

le serán imputadas estas circunstancias”249.

No dizer de David FELIP I SABORIT, não havia maiores discussões quanto


ao tratamento dispensado ao erro sobre o substrato fático equivalente àquele
descrito no tipo legal. A esse respeito, a exclusão do dolo era aceita pela doutrina.
Polemizava-se muito a respeito da solução a ser dispensada à ignorância/má
compreensão dos substratos equivalentes aos demais elementos (por exemplo,
erro sobre os elementos valorativos do tipo e a falta da consciência da ilicitude),
dado que quase não havia tipos imprudentes.
Daí que as ilações da teoria estrita do dolo - vinculadas a uma concepção
valorada da vontade (concebida muito mais como a vontade de praticar o crime250,
do que a intenção de praticar o fato) - geravam um grande déficit de punibilidade,
encontrando evidentes óbices na jurisprudência251.
Ademais, cuidando-se de uma teoria vinculada ao modelo causal-naturalista,
veiculava um juízo insuficiente da imputação jurídica, concebida como a
objetivação de uma má vontade no resultado. Melhor dizendo, as críticas

“Son las generales dirigidas a la consideración del dolo y la imprudencia como


formas o elementos da culpabilidad y a la inclusión en el dolo de la consciencia
actual de la antijuridicidad. Por tanto el rechazo de esta teoría se debe a su
incompatibilidad con la regulación legal del error y con la no admisión de la
concepción sobre la teoría del delito en la que se apoya esta tesis”252.

Dito de outro modo, da imputação necessariamente se seguia a


responsabilização, confundindo os dois conceitos.

249
FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 28.
250
Anote-se, por sinal, que o emprego da expressão dolo, no âmbito do direito civil brasileiro,
ainda está imbuído desta carga pejorativa. Neste sentido, vide os artigos 145 a 150 da Lei 10.406,
de 10 a janeiro de 2.002.
251
Por mais que tais déficits de punibilidade sejam inerentes à forma de atuação das agências de
criminalização, frente às conhecidas cifras negras, desvendadas por SUTHERLAND. Conf.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas, p. 26-28. Por outro lado, soa
bastante interessante a observação de TAVARES, para quem “Pode-se dizer que a introdução da
consciência atual do injusto como elemento do dolo representa, por um lado, uma virtude, a de
amenizar o rigorismo do error juris nocet, por outro, contudo, vê-se nela uma postura injusta, pois
só reconhece validade ao erro de proibição ocorrido em atuação dolosa, e não na conduta
culposa. Neste último caso, a regra da irrelevância do erro de proibição (aqui, erro de direito)
teria aplicação integral, o que, evidentemente, constitui um contra-senso, já porque, sem a menor
dúvida, a culpabilidade culposa é quantitativa e qualitativamente menor do que a culpabilidade
dolosa”. Leia-se em TAVARES, Juarez. Teorias do delito, p. 35.
252
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 128.
97

Para a teoria estrita do dolo – defendida por Karl BINDING253,


LIEPMANN254 e, mais recentemente, por SCHMIDHÄUSER255 -, tanto o erro
fático quanto o erro valorativo implicavam na exclusão da tipicidade dolosa,
permitindo a responsabilização a título de imprudência, desde que se cuidasse de
erro vencível e o tipo imprudente fosse previsto em Lei.
Não havia, com efeito, diferença entre o exame judicial da vontade do autor
e o exame da sua autocensura (freios inibitórios exigidos para aquele específico
contexto fático).
Daí que se propugnava por uma solução homogênea, tornando praticamente
irrelevante a distinção entre erro jurídico ou fático, dado que ambos surtiriam uma
só conseqüência: a exclusão da imputação (rectius, da responsabilização) dolosa.
Como sintetiza SABORIT, para esta concepção “la conciencia del injusto
no se presenta como un tercer elemento junto al conocimiento y la voluntad
respecto al hecho, sino que se funde con los primeros formando un todo
inescindible”256.
Figueiredo DIAS observa que, no entender de BINDING, a ilicitude estaria
entranhada no tipo.
Desse modo, partindo da premissa de que o dolo deveria abranger o tipo,
integralmente, o jurista alemão concluiu que a consciência da ilicitude deveria ser
examinada na mesma fase do exame da intenção do agente.
Confira-se:

“Nem verdadeiramente haverá razão para se distinguir um erro sobre a factualidade


típica e um erro sobre a ilicitude, por isso que a ilicitude é afinal elemento do tipo:
todo o erro relevante em direito penal, no qual cabe o erro sobre a ilicitude, é
fundamentalmente unitário e deve estar submetido ao mesmo regime. Mas mesmo
quando se queira conservar uma qualquer distinção entre a ilicitude e os restantes
elementos típicos, ela será apenas formal e não poderá implicar uma diferença de

253
Uma exposição crítica da teoria das normas de BINDING pode ser lida na obra KAUFMANN,
Armin. Teoria de las normas. Fundamentos de la dogmática penal moderna. Tradução de Enrique
Bacigalupo e Ernesto Garzón Valdés. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1.977, especialmente em
p. 217-232. Leia-se também ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 863: “La teoría del dolo, cuya
fundamentación más impresionante la dio por primera vez Binding, contempla la esencia del
delito en la rebelión consciente del sujeto contra la norma y en consecuencia sólo aprecia
culpabilidad dolosa cuando el sujeto actuó con conciencia de la antijuridicidad. Convierte por
tanto al a conciencia de la antijuridicidad en un presupuesto del dolo (e ahí el nombre teoría del
dolo)”.
254
Conf. BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 81, que também inclui, nesta corrente,
Kohler; Niethammer; Beling; Sauer e Bergenroth.
255
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 864.
256
FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 29.
98

regime e tratamento no que ao erro toca”257.

Não se cuida de uma disputa apenas terminológica. O que se discute é a


definição dos elementos anímicos - presentes no autor no momento da conduta -
indispensáveis para a aplicação da pena criminal.
Neste particular, a teoria estrita do dolo é a que impõe maiores requisitos ao
Estado-Juiz258.
Essa corrente exige uma consciência atual (no momento do comportamento
típico) de se estar violando uma regra jurídica, por mais que fosse dispensável a
referência, na mente do sujeito dos artigos de lei violados.
A teoria estrita do dolo comportaria graduações a respeito do tipo de
compreensão do injusto necessária para o dolo: conhecimento da punibilidade;
conhecimento da proibição jurídica; conhecimento da imoralidade da conduta;
conhecimento da danosidade social, etc259. De qualquer sorte, a despeito da
discussão a respeito do alcance da compreensão da ilicitude, é fato que, havendo
erro, não poderia subsistir a tipicidade dolosa.

257
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 151.
Observa o professor lusitano, porém, que – ainda que se admitisse que a ilicitude devesse ser tida
como componente do tipo legal (o que a doutrina contemporânea em peso refuta) – é fato que isto
não torna a solução imaginada por BINDING a única admissível. Seria, destarte, uma solução
possível, mas não necessária. Isto porque, segundo defende Figueiredo DIAS, não há vinculação
entre o arquétipo construtivo-sistemático do conceito de delito e as soluções a serem dispensadas
ao erro. O fato de um determinado elemento ser componente do tipo de ilícito por si só não torna o
conhecimento deste objeto imprescindível para o dolo. No dizer do autor, “Mesmo que a ilicitude
se considere elemento constitutivo do tipo, nada pode impedir a priori que se trate de um elemento
especial com incidência particular em matéria do erro; também dentro do tipo se distinguem, v.g.,
os elementos normativos dos descritivos, assinalando-se em regra à distinção influência sobre as
exigências e requisitos de relevância do erro; e não falta sequer quem considere certas condições
objectivas de punibilidade como elementos do tipo, sem deixar por isso de reputar o erro sobre
aquelas como absolutamente irrelevante. A circunstância de um certo elemento pertencer ao tipo
não pode, portanto, tornar inevitável a conclusão de que a sua não-representação pelo agente
exclui o dolo – até mesmo porque, como já mostramos (supra, §4, IV), o tipo de ilícito aqui em
causa não tem também de ser tipo de erro”. Em fl. 154, argumenta Figueiredo DIAS que “o modo
como se concebe as relações entre tipo e ilicitude é impotente para delimitar aprioristicamente o
âmbito da falta da consciência da ilicitude, também o é para determina a sua forma de
relevância”. A respeito desta dissociação entre o tipo de erro e o tipo sistemático, leia-se também
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 62-64.
258
Sendo um suporte adequado a um minimalismo penal, por exemplo.
259
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 90-91. Citando o monumental trabalho de
Arthur KAUFMANN (Unrechtsbewuβtsein), argumenta que, entre as várias formas de se conceber
a compreensão da ilicitude, há “O conocimiento de la prohibición, conocimiento de la dañosidad
social, consciencia del injusto, tesis que hace depender la definición de la conciencia de la
antijuridicidad de los delitos que vengan em cuestión, distinguiendo en este sentido entre
conocimiento del significado material de la antijuridicidad, conocimiento del significado formal
de la antijuridicidad y la irrelevancia del conocimiento del injusto, posibilidad de la consciencia
del injusto, exigencia de la posibilidad de la contrariedad ao deber o donosidad social”. (Obra, p.
90).
99

A mencionada teoria acabou não encontrando aplicação jurisprudencial dos


seus postulados, por redundar em uma grande lacuna de punibilidade, diante do
caráter absolutamente excepcional da tipificação imprudente.
Ademais, Hans WELZEL acusou a Teoria estrita do dolo de desconsiderar
que a direção final é um elemento componente da própria ação e, como tal,
deveria ser examinado no juízo de tipicidade260.
Afinal, há condutas que – conquanto negligentes – são acompanhadas de um
conhecimento da ilicitude. É o caso do motorista que sabe que não deve conduzir
a mais de 60 km. no ambiente urbano, mas, ainda assim, ultrapassa tal limite, e
vem a causar um indesejado acidente fatal261.
Acusava-se a teoria estrita de gerar uma subjetivação demasiada da
responsabilização penal. Com o Finalismo, esta subjetivação é deslocada para a

260
Ainda assim, Hans WELZEL lança o juízo sobre a autocensura do agente para a culpabilidade,
ainda que – certamente – a direção final (base pré-jurídica, segundo o pai do finalismo) esteja
intimamente associado às representações valorativas que guiaram a escolha dos fins. Desde os
pressupostos metodológicos do finalismo, não se pode excluir, assim, um dolo valorado, desde que
situado na descrição típica e não na culpabilidade (como pretendia a teoria psicológica da
culpabilidade). Como argumenta Muñoz CONDE, “La distinción entre tipicidad y antijuridicidad
obliga a distinguir entre el conocimiento de los elementos que pertenecen a la tipicidad y el
conocimiento de los elementos que pertenecen a la antijuridicidad; el dolo que abarca el
conocimiento de los elementos típicos es un dolo natural y no tiene nada que ver con el
conocimiento de la antijuridicidad que se sitúa en un plano sistemático distinto y con una función
político-criminal distinta”. CONDE apud BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 97.
O autor adverte, contudo, que não se deve buscar uma diferença ontológica entre estes dois tipos
de conhecimento, dado que a existência de elementos normativos no tipo penal não autoriza a
conclusão de que o dolo seria meramente percepção empírica.
261
“El conocimiento de la antijuridicidad no es elementos del dolo, pues el error de prohibición
excluye la existencia de la imprudencia, y sin embargo podemos encontrarnos con conductas
imprudentes realizadas con conocimiento de la antijuridicidad”. BARREALES, Obra citada, p.
97. De qualquer forma, não se pode olvidar que, subjacente à construção sistemática, há opções
valorativas, porquanto o conceito de dolo e de imprudência – ainda que possa ser reconduzido a
uma diferença empiricamente constatável (entre buscar o resultado ou causá-lo por erro na
execução de uma outra intenção) – não tem que necessariamente determinar a solução jurídica.
Portanto, da possibilidade de uma conduta imprudente dotada de consciência da ilicitude não se
pode extrair a absoluta necessidade de que não se possa ter um dolus malus. Vê-se, por exemplo,
que este pré-juízo sistemático – como se o conceito jurídico de dolo e imprudência fossem
ontológicos – está presente na seguinte afirmação da autora: “No es justo objetivamente que el
error de prohibición excluya el dolo, en estos casos la conducta descripta en el tipo se realiza con
conocimiento de los elementos que la constituyen; su error afecta a la antijuridicidad de la
conducta realizada de modo consciente, este error no puede convertir una conducta
originariamente dolosa en imprudente”. BARREALES, Obra citada, p. 100. Registre-se, ademais,
que a previsão bem mais restrita de tipos imprudentes e a grande diferença de penas, conquanto
sejam juridicamente necessárias, não deixam, por isto mesmo, de corresponder a uma opção
valorativa do legislador. É plenamente possível – muito embora não seja defensável – um sistema
normativo em que a culpa seja numerus apertus tanto quanto a participação; ou que as penas dos
crimes imprudentes tenham a mesma expressão do crime doloso. Em tal caso, a pretensa distinção
ontológica teria perdido qualquer interesse. O que se deve enfatizar, em suma, é que tais
discussões partem de pressupostos normativos conjunturais, temporais, e que, por isso, não se deve
buscar uma natureza das coisas nesta temática, o que, em parte, parece reconhecido pela própria
autora em nota de rodapé, p. 110.
100

licitude.
No fundo, teoria estrita do dolo garantia que a autocensura do agente viesse
a predominar sobre a censura jurídica (externa) da coletividade, como se cada
indivíduo fosse o núcleo gravitacional de todas as regras jurídicas que lhe fossem
aplicadas.

“Esto significa que el juicio objetivo de la antijuridicidad en el sentido de conducta


prohibida de manera general, frente a todos, es substituido por el juicio subjetivo
de la antijuridicidad en el sentido de la valoración negativa y consiguiente
prohibición que el sujeto concreto haya realizado de su conducta; si falta esta
262
valoración negativa, el hecho no será antijurídico” .

Por outro lado, havia certa tendência dos Tribunais Alemães à aplicação da
parêmia “versari in re ilicita”, segundo a qual o agente se tornava responsável
pelas conseqüências dos seus atos ilícitos, mesmo aqueles resultados fortuitos e
incontroláveis263.
Ao agir em desacordo com o Direito – deixando de se informar a respeito
das suas proibições, por exemplo – o indivíduo deveria assumir todos os
resultados lesivos produzidos, mesmo quando fossem por ele indesejados. Se ele
não sabia que fazia algo indevido, a rigor, o problema ainda estava em um
imemorável comportamento censurável: o descumprimento do dever de conhecer
as regras jurídicas que lhe eram aplicáveis.
Tendia-se, enfim, para uma evidente responsabilidade penal objetiva264.
Ao que interessa no momento, isto apenas significa que os postulados da
teoria estrita do dolo não chegaram a encontrar uma efetiva aplicação
jurisprudencial265. Temia-se a criação de consideráveis lacunas de punibilidade,
frente ao caráter excepcional do tipo imprudente266.

262
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 106. Guarda-se ressalva, porém, à parte final
do texto. Não se cuida de uma questão de ilicitude. A falta de dolo, para a teoria estrita, era causa
de exclusão da culpabilidade, persistindo a valoração negativa do resultado frente a todo o direito
(mantinha-se a antijuridicidade). Portanto, poderia suscitar o problema da legítima defesa contra a
conduta cometida em erro, porquanto era tida como ilícita, também dando caso à responsabilização
civil fundada em atos ilícitos (responsabilidade subjetiva).
263
Ou melhor, “Qui in re illicita versatur tenetur etiam por casu”. Vide MIR PUIG, Santiago.
Derecho penal, p. 135 e 325. COSTA, José Francisco de Faria. O perigo em direito penal, p.
544. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 307-309
264
Que ainda subsiste em determinadas áreas, como a discutida a actio libera in causa.
265
MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el derecho penal tributario.
Tradução de Marcelo A. Sancinetti, Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.997, p. 29.
266
Advirta-se, por sinal, que este caráter excepcional do tipo imprudente tem especial relevo no
âmbito dos delitos econômicos. Claus ROXIN sustenta, contudo, que “La importancia práctica de
los delitos imprudentes ha aumentado bruscamente con la creciente tecnificación y los peligros
101

Dizia-se que – sob os postulados da teoria estrita - a eficácia do Direito fica


dependente da capacidade real de autocensura do agente, no mais das vezes alheia
aos critérios da censura externa (empreendida pelos tribunais).
Motivado por estas insuficiências político-criminais da teoria estrita,
cogitou-se da criação de uma cláusula de extensão do tipo culposo267 (semelhante
ao que existe, no Brasil, para os crimes omissivos; para a tentativa e para a
participação), bem como, a quebra do rigor teórico exigido para o dolus malus
(vale dizer, uma flexibilização da exigência do conhecimento atual da ilicitude, no
momento da conduta típica).
Quanto à primeira ‘válvula de escape’ – vale dizer, a tentativa de se superar
o caráter excepcional do tipo culposo – foi o projeto elaborado em 1.936 pelo
Ministro da Justiça GÜRTNER268. Como elucida FELIP I SABORIT,
“Según este proyecto, los supuestos de imprudencia de Derecho, caso de no estar
tipificada la correspondiente modalidad imprudente del delito en cuestión, serían
castigados con penas de hasta dos años de prisión, si bien las mismas nunca
podrían ser más graves que las previstas para la comisión dolosa”269.

A proposta não foi aceita, por mais que tenha sido formulada em pleno

suscitados por ella (sobre todo en el tráfico automovilístico, pero también en la empresa y el
hogar); cerca de la mitad de todos los delitos son delitos imprudentes)”.
267
Anote-se, aliás, que a Espanha admitia uma tipificação genérica da conduta imprudente antes da
reforma de 1.995, conforme noticia MIR PUIG, Santiago. Derecho penal, p. 286: “Así, el anterior
art. 565, I decía: el que por imprudencia temeraria ejecutare un hecho que si mediare dolo
constituiría delito, será castigado con la pena de prisión menor”. Observa o autor, contudo, que
“No era éste el criterio más extendido en Derecho comparado, ni el preferido por la doctrina
española actual. Suele considerarse más adecuada a los principios de legalidad y de ultima ratio
del derecho penal la técnica de incriminación limitada (numerus clausus) de un número
determinado de delitos culposos que la ley prevea en cada caso tras las correspondientes figuras
dolosas (aí se recogía ya en el Proyecto CP 1980)”. Aliás, uma intrigante questão reside em saber
qual é a diferença entre os crimes culposos (que, reconhecidamente, não devem admitir uma
cláusula de extensão, que torne a tipicidade numerus apertus) e os demais tipos “abertos” previstos
na parte geral (conceitos como o de tentativa, participação e também da imputação nos crimes
omissivos impróprios). A rigor, parece haver certo consenso de que – ao se exigir, nos demais
casos, a intenção do agente direcionada ao resultado típico (o que não ocorre, por óbvio, no crime
imprudente) – seria ‘menor’ a restrição ao postulado da determinação da lei penal. Todavia,
certamente esta é uma questão para ser objeto de maiores reflexões.
268
FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 36. Vide também WELZEL, Hans. Derecho penal
alemán, p. 225. Por seu turno, Figueiredo DIAS faz alusão ao Assento de 1.963, no âmbito do
Direito Português, que “Reputava a negligência punível em relação a todos os crimes”, superado
a partir de 1.967. Confira-se com DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da
ilicitude em direito penal, p. 322, em nota de rodapé. Vide também a nota anterior, a respeito da
situação do direito espanhol, antes da reforma de 1.995. Quanto ao direito espanhol (art. 12 do
código: “Las acciones u omisiones imprudendentes solo se castigarán cuando expresamente lo
disponga la Ley”), vide BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria
geral do delito, p. 192. A respeito do mencionado projeto, leia-se também os comentários à
sentença do Bundesgerichthof, de 1.952 em ESER, Albin; BURKHARDT, Björn. Derecho penal,
p. 292. BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación, p. 118.
269
FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 36.
102

nazismo e que encontrasse arrimo, portanto, na concepção autoritária da época.


Caso houvesse sido acolhida uma proposição deste naipe, restaria
severamente atingida a segurança jurídica da vida em comum, na exata medida em
que as relações sociais impõem, constantemente, a assunção de riscos que poderão
– ainda que lastimados pelo autor – redundar em resultados lesivos.
Com o pretendido fim do caráter extravagante do tipo culposo (no Brasil,
art. 18, parágrafo único, código penal), haveria uma cabal inversão da distribuição
do custo do risco social, por exigir um dever de cautela verdadeiramente
incompatível com a modernidade. Felizmente, o projeto foi arquivado.
A segunda alternativa, isto é, a flexibilização do conceito de dolo, proposta
por Edmund MEZGER – cuja filiação ao nacional-socialismo foi objeto de
recente livro de MUÑOZ CONDE270 - a exigência de uma compreensão
atualizada (no momento da conduta típica) da ilicitude foi substituída pela
categoria da hostilidade ao direito, correspondente à sua afirmação de que

“La culpabilidad jurídicopenal del autor no es solo culpabilidad por el hecho


aislado, sino también su total culpabilidad por la conducción de su vida, que le ha
hecho degenerar”271.

MEZGER272 estava preocupado, a rigor, com a falta de consciência do


ilícito, no momento do fato, causada justamente pela habitualidade do crime.
Argumentava que, em tais hipóteses, exigir uma efetiva consciência da ilicitude,
para o reconhecimento do dolo, seria o mesmo que garantir a total impunidade
daqueles que colocaram a si mesmos em situação de ignorância da Lei.
Temia-se que, com a Teoria Estrita do Dolo, toda a exigibilidade do
ordenamento jurídico viesse a ficar dependente das opções valorativas individuais.
Sobretudo quando se cuidasse - no dizer de Edmund MEZGER - de pessoas
embrutecidas, torpes, totalmente avessas ao cumprimento das regras do convívio
social.
Vê-se que se cuida, a rigor, de um resgate – sob uma roupagem mais

270
MUÑOZ CONDE, Francisco. Edmund Mezger e o direito penal do seu tempo. Estudos
sobre o direito penal no nacional-socialismo. 4ª ed. São Paulo: Editora Lumen Juris, 2.005.
271
Edmund MEZGER apud ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 180. JESCHECK, Hans-Heinrich;
WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 58 e 453.
272
Na Espanha, foi o posicionamento de FERRER SAMA e JIMÉNEZ DE ASÚA.
103

refinada – da teoria Lombrosiana, a classificar os sujeitos conforme a pretensa


essência: entre aqueles fiéis ao direito – à época de MEZGER, provável que os
oficiais da Gestapo ingressassem neste grupo – e todos aqueles outros que, por
estarem marginalizados poderiam se ver rotulados como inimigos273. Cuidava-se
de um primeiro direito penal do inimigo, reservando para os “infiéis” um
tratamento jurídico mais severo!
Logo, para a teoria limitada do dolo, a exigência de um conhecimento atual
(no momento da conduta) da ilicitude/imoralidade ou danosidade social da
conduta foi substituída pela exigência de um conhecimento meramente potencial,
dado que – em muitos casos – presumia-se a indiferença ao direito274.
Para SCHRÖDER, os casos de cegueira jurídica estariam atrelados a uma
reprovação da falta de sentimentos no autor275. Confira-se a opinião de
BARREALES:
“Pero la construcción de la ceguera jurídica ha sido duramente criticada pues
supone una ficción: en los casos de enemistad u hostilidad hacia al derecho el
sujeto realmente ha actuado faltándole la conciencia actual de la antijuridicidad,
por tanto, no ha cometido la infracción dolosa respectiva, pero sin embargo ha de
ser juzgado como autor de un delito doloso porque estamos en presencia de la
vulneración de un precepto que supone un enfrentamiento con el sano sentimiento
popular. Esto significa que se excluye el dolo en primer lugar por el error sobre la
prohibición de la conducta; tal error se debe a una conducta imprudente y
altamente descuidada del sujeto, esta imprudencia de Derecho hace que reaparezca
la pena del delito doloso”276.

273
A categorização do Direito entre os amigos e os inimigos – que recebeu aportes de Carl
SCHMITT, p.ex. – é extremamente nefasta para o pensamento democrático, porquanto admite
uma separação maniqueísta entre as pessoas, violando o postulado básico da Justiça: a igualdade.
Julga-se o sujeito por ser quem é! Não se perguntando se, de algum modo, todos os demais
indivíduos também não contribuíram para que o agente tivesse a percepção valorativa que possui
(i.e., não se maneja a co-culpabilidade). Aliás, a História é pródiga em exemplos em que tais
categorias foram associadas aos outsiders, aos estrangeiros. A respeito do tema, leia-se
HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro. Estudos de teoria política. Tradução de George
Sperber, Paulo Astor Soethe e Milton Camargo Mota, São Paulo: Edições Loyola, 2.002, p. 263 e
ss.
274
Conceito (indiferença) ainda manejado por JAKOBS: “Não existe relação rígida entre o fato
psíquico da falta de conhecimento atual e a atenuação da pena. Ao contrário, se o desconhecimento
se fundamenta em um desinteresse em conhecer, sem que esse desinteresse por sua vez pudesse
explicar-se mediante uma razão que se deva valorar como favorável ao ordenamento jurídico,
mantém-se a pena completa”. JAKOBS, Günther. Fundamentos do direito penal. Tradução de
André Luís Callegari; colaboração de Lúcia Kalil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2.003, p. 25.
275
SCHRÖDER apud BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 130. Leia-se também
PORTO, Teresa Manso. Desconocimiento de la norma y responsabilidad penal. Bogotá:
Universidad Externado de Colombia, 1.999, p. 58. A obra de Teresa PORTO está amparada nos
postulados funcionalistas desenvolvidos por JAKOBS. Portanto, atribui um peso considerável para
a questão da prevenção geral positiva.
276
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 133.
104

Trata-se, sem dúvida, de uma teoria que calca todo o peso na veneração do
Estado. Ao lançar ao autor a pecha de inimigo do Direito, desconsidera que há
uma íntima correlação entre a Justiça do próprio Direito com a Justiça da
Sociedade que o aplica. Em outras palavras, reprova o indivíduo por ser quem é.
Ilustrativa, a respeito, a crítica de ZAFFARONI e PIERANGELI,

“O sujeito de maus hábitos os terá adquirido por freqüentar tabernas e prostíbulos;


esta conduta é claramente atípica, mas quando a ele se reprova sua condução de
vida, que desemboca num homicídio, estaremos reprovando sua conduta anterior
de freqüentar tabernas e prostíbulos, isto é, a reprovação da conduta de vida é a
reprovação de condutas anteriores atípicas, que o juiz considera contrárias à ética
(quando na realidade podem ser contrários a seus próprios valores subjetivos). A
culpabilidade pela conduta de vida é o mais claro expediente para burlar a vigência
absoluta do princípio da reserva e estender a culpabilidade em função de uma actio
immoral in causa, por meio da qual se pode chegar a reprovar os atos mais íntimos
do indivíduo. Poucos conceitos podem ser mais destrutivos para uma sã concepção
do direito penal”277.

Tenha-se em conta também - ainda que de relance - a indispensável


necessidade de se relacionar o conceito de “hostilidade ao Direito” à complexa
questão do direito à resistência278, reconhecido – mesmo que de forma limitada –
nos países de uma verdadeira democracia pluralista (no fundo, o direito de ser
diferente), sem que, com isto, tenha que ficar submetido a um tratamento jurídico
mais severo.
Não obstante isso, muitas das categorias manejadas por Edmund MEZGER
ainda sobrevivem na dogmática contemporânea.
A tão citada “valoração paralela na esfera do profano” continua a vaticinar
as soluções dogmáticas e jurisprudenciais reconhecidas ao chamado erro de
subsunção, objeto de crítica de Ingborg PUPPE279, em que pese a partir de
pressupostos metodológicos bastante específicos (a teoria da linguagem de
CARNAP).
Desse modo, buscou-se (com o conceito da valoração paralela) facilitar a
responsabilização do agente naquelas hipóteses em que o tipo legal veicula
elementos normativos. Em outras palavras, conceitos cuja significação exata, em
muitos casos, sequer é acessível aos juristas.

277
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro, p. 612.
278
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 337, ao tratar da desobediência civil.
279
PUPPE, Ingborg et al. El error en el derecho penal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.999, p. 95-111.
105

No entender preciso de FELIP I SABORIT,

“En realidad en el trabajo de Mezger de 1.944 no se plantea simplemente una


excepción a la conciencia del injusto, sino una – imprecisa – revisión normativa de
la culpabilidad basada en el poder actuar de otro modo. Así, cuando se habla de
ceguera jurídica se hace referencia, en sentido amplio, a toda incapacidad de
conocer o actuar conforme a Derecho que responda a actitudes intelectuales y
emocionales incompatibles con esa visión popular sana del Derecho y del injusto,
siempre que no tenga como origen las causas de inimputabilidad legalmente
previstas; parece pues que, en estos supuestos de crimina odiosa, Mezger se
conforma con una capacidad general d actuar culpablemente con independencia de
la capacidad concreta presente en el hecho. Es más, se cuestiona incluso si la pena
debe responder exclusivamente a la medida de la culpabilidad – como capacidad
individual de poder actuar de otro modo -; mas bien debería expresar un
compromiso con otros principios como los de protección y seguridad de la
sociedad”280.

Frente a esta observação, não há como olvidar que as recentes formulações


de Ghünter JAKOBS – ao relativizar a culpabilidade frente à defesa dos
complexos funcionais281 - também aqui, encontram simetria com a proposta
mezgeriana, sendo suscetível às mesmas críticas.
Por outro lado, as teorias do dolo não proporcionavam uma solução
coerente, desde os seus postulados, para uma série de questões. A insuficiência
teórica tinha sua origem no conceito voluntarista de culpabilidade, ao conceber o
dolo como um elemento (como parte, portanto) do juízo da culpabilidade penal, o
que tornava o modelo truncado.
Dito de outro modo, o arquétipo concebido por LIZST/BELING não
explicava suficientemente a tipicidade imprudente, pelo qual o resultado é
imputado ao agente por um erro na execução de um plano lícito. A tipicidade
culposa pressupõe que não tenha havido a intenção de se produzir o resultado
lesivo. E, sendo assim, a ubiquação sistemática do dolo e da imprudência sob um
mesmo epíteto (a culpabilidade) mostrava-se falha.

280
FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 38.
281
JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 629 e ss. No dizer do autor, “O que se chama de
culpabilidade é um déficit de fidelidade ao ordenamento jurídico. 4. Culpabilidade material é a
falta de fidelidade perante normas legítimas. As normas não adquirem legitimidade porque os
sujeitos se vinculam diretamente a elas, se sim quando se atribui a uma pessoa que pretende
cumprir um rol de que faz parte o respeito da norma, especialmente o rol de cidadão, livre na
configuração do seu comportamento. O sinalagma dessa liberdade é a obrigação de manter
fidelidade ao ordenamento jurídico”. Confira-se em JAKOBS, Günther. Fundamentos do direito
penal. Tradução de André Luís Callegari; colaboração de Lúcia Kalil. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2.003, p. 43. Leia-se também FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 52.
106

Santiago MIR PUIG282 argumenta que se buscou aproximar a imprudência


consciente ao dolo.
Recorde-se que – no caso da culpa consciente – o autor representa a
possibilidade de lesão ao bem jurídico. Contudo, confia indevidamente na sua
capacidade de evitar o resultado283. Aqui, portanto, há previsão do resultado.
Todavia, ao mesmo tempo há uma expectativa infundada na sua evitação.
Por mais que haja o reconhecimento da situação fática – a percepção do
risco -, isso não autoriza a conclusão de que havia alguma espécie de aceitação do
resultado. Havendo esta anuência, a hipótese será de dolo eventual e não de culpa
consciente.
Enfim, o conceito de imprudência pressupõe que o agente tenha o propósito
de realizar uma conduta atípica. Apenas incorre em erro na execução, na medida
em que os resultados do seu comportamento se distanciam do seu plano. Caso este
erro de execução corresponda a um (objetivamente) previsível incremento do
risco permitido, o autor terá incorrido em um tipo imprudente.
Esta percepção da alta probabilidade de consumação do resultado lesivo não
é suficiente para converter a culpa consciente em um tipo intencional. O conteúdo
de vontade ali presente (justamente o de evitar o resultado, conquanto fundado em
certa indolência) não tem os mesmos contornos que o dolo.
Ainda segundo Santiago MIR PUIG,

“No bastan ni la previsibilidad ni la previsión de la lesión para que la imprudencia


exista: lo único decisivo es que se infrinja al deber de cuidado, el cual no obliga a
evitar toda conducta previsiblemente lesiva. Así, el tráfico rodado es una fuente
previsible de lesiones y, sin embargo, no se halla prohibido. En realidad,
prácticamente toda lesión es teóricamente previsible que pueda suceder; lo que
ocurre es que sólo tenemos deber de prever las lesiones con cuya posibilidad
normalmente contamos. La imprudencia no consiste, pues, en algo psicológico,
sino en algo normativo: la infracción de la norma de cuidado”284.

Por outro lado, esta concepção psicológica da culpabilidade – e, como tal,


meramente descritiva – não explicava suficientemente a inimputabilidade285, em
que não há pena, apesar de existir intenção do agente na produção do resultado.
Muitas outras foram as objeções lançadas à teoria causalista (e, por

282
MIR PUIG, Santiago. Derecho penal, p. 524-525.
283
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 188.
284
MIR PUIG, Santiago. Obra citada, p. 524.
285
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro, p. 606-607.
107

extensão, à concepção psicológica da culpabilidade), dando causa ao surgimento


do Finalismo de Hans WELZEL, que viria a revolucionar completamente a teoria
do fato punível.
De fato,

“Esse rompimento começaria paralelamente a ter início com a descoberta dos


elementos subjetivos do injusto, que acarretou como conseqüência a necessidade
de se reelaborar o conteúdo dos elementos estruturais do delito da primitiva
construção de Beling. Para Roxin, a distinção entre injusto e culpabilidade é
considerada com razão uma das perspectivas materiais mais importantes que nossa
ciência do direito penal logrou elaborar nos últimos cem anos. Ademais – continua
o mesmo autor – a discussão sobre a delimitação e o conteúdo de ambas as
categorias do delito ocasionou alguns resultados que hoje podem ser considerados
seguros, a saber: não se pode dividir limpidamente injusto e culpabilidade em o
externo e o interno, em elementos objetivos e subjetivos, como se fazia no sistema
clássico de Beling...
Operou-se, pois, uma fissura na rígida dicotomia, que até então servia de apoio à
estrutura clássica do crime: todo elemento externo-objetivo, na antijuridicidade, e
todo elemento interno-subjetivo, na culpabilidade”286.

Para Juarez TAVARES, a formulação de Hans WELZEL teve o mérito


indiscutível de provocar novas discussões, engrandecendo a dogmática do direito
penal. Conclui que

“Dogmaticamente, a colocação do dolo no tipo, que hoje é aceita até mesmo por
não-finalistas [alusão à Jescheck], trouxe enormes facilidades na construção do
delito. Primeiramente, equacionou o problema da separação assistemática dos
elementos subjetivos, que informam o ilícito, do dolo, para juntá-los num mesmo
bloco. Tudo o que é, assim, naturalisticamente subjetivo deve ser encarado da
mesma forma. Depois, pôde-se obter um melhor enquadramento técnico da
tentativa e do crime consumado, da autoria, da participação, do erro de tipo e do
erro de proibição, como também dosar-se adequadamente o caráter indiciário do
tipo com relação à antijuridicidade”287.

Com o finalismo, a dogmática encontrou um discurso convincente288 para


defender a relevância do erro de proibição, sem recair nas lacunas de punibilidade
geradas pela teoria estrita do dolo, e sem fazer uso das categorias estigmatizantes

286
TOLEDO, Francisco de Assis. O erro no direito penal, p. 14-15.
287
TAVARES, Juarez. Teorias do delito, p. 86. Apenas destaque-se que a afirmação de todos os
elementos subjetivos do ilícito deveriam ser tratados da mesma forma obviamente não compreende
o elemento subjetivo da autocensura, encartada pelo finalismo no exame da culpabilidade. Daí que
nem todos os elementos subjetivos do injusto são tratados igualmente. Vide também WELZEL,
Hans. Derecho penal alemán, p. 197-258.
288
Destaque-se, porém, que o tratamento do erro sob o Finalismo não é despido de dificuldades,
sobremodo quando incidente sobre elementos normativos do tipo e sobre os pressupostos fáticos
de uma causa de justificação. A respeito, leia-se BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p.
139.
108

de Edmund MEZGER.
Ademais, é fato que as teorias do dolo foram postas à prova durante os
julgamentos dos crimes do nazi-fascismo, sem um resultado político-criminal
satisfatório. Como enfatiza FELIP I SABORIT,

“En aquellos momentos mucha gente consideró insatisfactorio que, por ejemplo,
pudiera ser conceptuada como mero homicidio imprudente la conducta de quien
había ordenado, en cumplimiento de un mandato legal (la orden Keitel-Himmler-
Bormann), la ejecución de todos los civiles varones mayores de catorce años que se
encontrasen en una casa en la que, ante la inminente llegada del enemigo, se
hubiese izado una bandera blanca; por otra parte, para castigar los hechos como el
descrito como homicidios dolosos, el aparato sistemático de la teoría del dolo
parecía violentarse en exceso”289.

A proposta da teoria da culpabilidade resolvia de uma forma mais aceitável


o referido problema, admitindo uma atenuação da pena, sem a exclusão do caráter
doloso do comportamento do agente. Consolidava-se, enfim, o conceito de um
dolo natural290, desconexo da consciência da ilicitude (mantida esta no exame da
culpabilidade, referida no fato).
Surgia, com o Finalismo, a distinção entre o erro de tipo e o erro de
proibição. Enquanto o primeiro impedia o juízo de tipicidade dolosa - sem
prejuízo da cominação imprudente (desde que prevista em lei e o erro não fosse
desculpável), o erro de proibição mantinha o dolo, apenas atenuando a
reprovabilidade da conduta (reduzia a pena), salvo se o equívoco fosse escusável.
A partir de Hans WELZEL, o problema passou estar centralizado no exame
das razões que impediram a compreensão do desvalor da conduta, durante a
consumação do comportamento qualificado como crime pela Lei.

289
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 39.
290
O dolo acaba compreendendo certa valoração (dolus malus) no âmbito da teoria limitada da
culpabilidade, ao supor como imprudente a conduta de quem atua querendo o resultado, mas em
ilusão a respeito dos pressupostos fáticos de uma causa de justificação. Também há um dolo
valorado no âmbito do tratamento dos elementos normativos do tipo, a serem abrangidos pelo
conhecimento e vontade do autor. Esta questão é resolvida por Figueiredo DIAS a partir de um
ponto de vista bastante original, porquanto – refutando as premissas construtivo-sistemáticas e
vinculando-se a um conceito material de culpa de personalidade – submete o erro à distinção entre
erro de intelecção e erro de sentimento. Neste caso, o erro quanto ao substrato fático seria um
evidente erro intelectual, que impede a responsabilidade dolosa. Vide DIAS, Jorge de Figueiredo.
O problema da consciência da ilicitude no direito penal, p. 417-435. DIAS, Jorge de
Figueiredo. Direito penal, p. 505-507 (em que diferencia o erro da consciência psicológica do erro
da consciência ética / erro intelectual versus erro moral, lastreando-se em NOWAKOWSKI).
Adotando o referido critério de diferenciação, leia-se BELEZA, Tereza Pizarro; PINTO, Frederico
de Lacerda da Costa. O regime geral do erro e as normas penais em branco. Ubi lex distinguit.
Coimbra: Almedina, 2.001, p. 53 e ss.
109

Com efeito,

“Objeto del reproche de culpabilidad es la voluntad de acción antijurídica; ésta le


es reprochada al autor en la medida en que podía tener conciencia de la
antijuridicidad de la acción y ella podía convertirse en contramotivo determinante
del sentido. Al autor le resulta más fácil la posibilidad de autodeterminación
conforme a sentido cuando conoce positivamente la antijuridicidad, indiferente de
si esta conciencia es actual al momento de comisión del hecho o pueda actualizarse
de inmediato. Por eso, en este caso, el reproche de culpabilidad reviste el máximo
de gravedad. Más difícil le resulta al autor, cuando no conoce la antijuridicidad,
pero podía reconocerla con un poco más de cuidado. Si hubiera podido conocer lo
injusto de su hecho a través de un mayor esfuerzo de conciencia, consulta e otras
formas semejantes, le debe ser reprochado, aunque en medida menor en relación al
primero caso. El error de prohibición evitable atenúa la reprochabilidad y, por
consiguiente, la pena en la medida de su evitabilidad”291.

Da leitura deste trecho da obra de Hans WELZEL, constata-se a influência


de categorias aristotélicas (diferença entre ato / potência); a influência kantiana
(esforço de consciência) e também o dever de informação (consulta).
Registre-se, por oportuno, que – enquanto o chamado esforço de consciência
envolve um juízo de probabilidade relacionado diretamente ao exato momento da
conduta típica – o dever de informação poderá atingir momentos anteriores,
escapando, desse modo, do recorte fático empreendido pelo tipo.
Adverte Claus ROXIN que a referida solução soa adequada em uma grande
leva de casos, tais como o do pai que maltrata gravemente seus filhos ou daquele
que explora os demais com escorchante usura292. Contudo, ainda conforme o
autor,

“No caso dos preceptos penales menos conocidos, pertenecientes a menudo al


derecho penal accesorio y con un fundamento éticosocial menos patente, ya no es
sin más evidente que un sujeto que no era consciente del injusto, por la mera
evitabilidad de su error tenga que ser castigado conforme al §17 como criminal
doloso”.

A desnecessidade da aferição de uma efetiva autocensura do agente, no


momento da conduta (bastando a potencialidade), é defendida por Claus ROXIN
quanto àquelas hipóteses em que há uma evidente falha censurável do agente, na
introjeção valorativa (momento anterior à conduta, portanto).
A rigor, não se aceita que tal desconhecimento possa existir (e, na rara

291
WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 231.
292
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 211. O autor apresenta estes mesmos exemplos em p. 864.
110

hipótese de existir, que não seja por negligência grave por parte do autor). E,
sendo assim, ainda há resquícios da noção da infidelidade ao direito, que deu
causa à irrelevância do erro sobre o Direito Natural (inatismo), anteriormente
mencionado.
Diante de uma conduta que, a olhos vistos, seria intolerável sob qualquer
ponto de vista (homicídio, estupro, etc.), a primeira reação dos estudiosos é
justamente a de dificultar a exoneração da pena, em casos tais.
Qual é, porém, a medida para a evitabilidade do erro? É a história daquele
específico sujeito, lançado pela sorte (ou por si mesmo) para o referido contexto
fático em que consumou o comportamento típico? Ou, ao contrário, deve-se
confrontar o autor com um conceito abstrato de homem prudente, tal como
empreendido em outras searas do direito penal? E, sendo assim, não se corre o
risco de responsabilizar objetivamente aqueles que, no caso concreto, realmente
não tinham qualquer acesso à norma, por força da sua história de vida? Por acaso
uma exigência meramente atualizável (potencial) da ilicitude, não teria um viés
versarista293?
É certo que esta problemática questão da culpabilidade aflige ainda hoje os
penalistas, frente à impossibilidade de se provar (e também de se negar) a
liberdade do agir. A disputa entre os deterministas e os indeterministas está longe
do fim, como se verá mais adiante.
Tais questões influenciam, de qualquer modo, o tratamento do erro incidente
sobre normas penais desconexas com as opções valorativas da comunidade
(inexistindo, portanto, uma “função de apelo” na situação empírica, que leve o
sujeito a refletir sobre o provável desvalor da conduta).
Ora, como explica Hans WELZEL,

“A culpabilidade é a falta de autodeterminação conforme um fim – graças à qual a


pessoa pode dirigir sua vontade de acordo com a ordem jurídica da existência, a ela
confiada – ao realizar uma ação antijurídica. Essa falta pode ser um fracasso único

293
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 147.
Em nota de rodapé em p. 218 consta que “Arthur Kaufmann chega a afirmar muito exactamente
que melhor do que perguntar pela culpabilidade ou desculpabilidade do erro sobre a proibição
seria perguntar pelo critério através do qual se deve encontrar a culpa apesar do erro sobre a
proibição. Só deve lamentar-se que não aplique esta doutrina, que defende para a falta de
consciência da ilicitude formal (erro sobre a proibição), à verdadeira e própria falta de
consciência da ilicitude”. Melhor dizendo, a grande questão passa a ser: o que vaticina a
reprovação de uma conduta calcada em um erro vencível de proibição? A condução de vida? A
violação a um especial dever de informação? Leia-se ainda a mesma obra em p. 261.
111

do Eu-centro responsável da pessoa ou pode basear-se também, por outro lado, em


294
um estrato permanente da personalidade” .

Desse modo, “en la culpabilidad únicamente se valora la formación de esa


voluntad, que acaba siendo reprochada al sujeto en tanto que le era posible en su
situación concreta haber adoptado una resolución conforme al a norma”.295
Havendo erro de proibição vencível, a conduta do sujeito é reprovada, a um
só tempo, por ter lesado um bem jurídico digno de tutela penal e também por
decorrer de uma negligência valorativa (descuido na avaliação da própria
conduta).
Ainda que não seja imune às críticas, o modelo teórico inaugurado com
Hans WELZEL ampliou a concepção do fato punível, tornando-o muito mais
elaborado.
Complicou-se, contudo, a noção da ilicitude. O ilícito foi subjetivado.
Melhor dizendo, não bastava mais o conceito de BINDING, entendido como a
simples contraposição entre um resultado e a previsão normativa incrustada na
norma.
Ao contrário, demandava-se também a incursão na psique do agente, a fim
de aquilatar a sua motivação. Do mesmo modo que a moralidade kantiana296 -
vontade do dever - a legalidade assumiu, a partir de então, contornos
indissociáveis da esfera jurídica individual.

294
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal, p. 105.
295
FELIP I SABORI, David. Obra citada, p. 41. Anote-se que esta culpabilidade por formação da
vontade foi objeto de instigante exame por parte de Figueiredo DIAS, que defende uma teoria
complexa da culpabilidade, fundada na reprovação do caráter manifestado no fato (e que, como tal,
tende também para uma culpabilidade por condução de vida).
296
No dizer de Otfried HÖFFE, para Kant “Há três possibilidades de cumprir o dever moral.
Primeiro, pode-se cumprir o dever e, contudo, ao fim e ao cabo, ser determinado por um interesse
próprio; isto ocorre no comerciante, que, por receio de perder seus clientes, trata honestamente
mesmo clientes inexperientes. Segundo, pode-se agir conforme ao dever e ao mesmo tempo com
uma inclinação imediata pelo dever, por exemplo, ajudando por simpatia uma pessoa necessitada.
Finalmente, se pode reconhecer o dever puramente pelo dever. A vontade boa já não se verifica
onde se pratica o dever com base em quaisquer fundamentos determinantes; a moralidade
(Sittlichkeit) de uma pessoa não consiste na simples conformidade ao dever, que Kant chama de
legalidade. Pois a simples conformidade ao dever (correção moral) de uma ação depende de
fundamentos determinantes a partir dos quais se cumpre o dever, sendo portando condicionada e
não incondicionadamente boa. O critério (metaético) da moralidade, o ser-bom, ilimitado só se
cumpre lá onde o correto moral não é realizado a partir de nenhuma outra razão que pelo fato de
ele ser moralmente correto, lá, portanto, onde o próprio dever é querido e é, como tal, cumprido.
Só nestes casos Kant fala de moralidade (Moralität)”. Conclui HÖFFE, portanto, que, em Kant, “À
diferença da legalidade, a moralidade não pode ser constatada na ação mesma, mas somente em
seu fundamento determinante, no querer”. HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant. Tradução de
Christian Viktor Hamm e Valerio Rodhen. SP: Martins Fontes, 2.005, p. 194.
112

Não bastava a aferição da conduta externa, da alteração fenomênica,


porquanto um disparo tanto poderia ser uma tentativa de homicídio; um simples
equívoco do agente; um disparo para chamar a atenção dos demais a respeito de
um risco de incêndio, etc.
Nesta medida, era como se cada subjetividade fosse, ao mesmo tempo, um
estalão de medida da licitude do seu próprio agir.
Daí que, em parte, as críticas formuladas contra a subjetivação da
culpabilidade (teoria estrita do dolo) podem ser transpostas para a tipicidade do
Finalismo, com a distinção de que – enquanto se admite uma culpabilidade
exclusivamente penal – a legalidade normalmente é encarada como um conceito
unitário para todo o Ordenamento (o Direito Penal não poderia punir uma conduta
que o Direito Penal considera lícita, por exemplo).
Dito de outro modo, a partir de agora, a subjetivação da ilicitude –
provocada pelo Finalismo – surtiria repercussões inclusive para os demais ramos
do Direito.
Não se pode perder de vista, no entanto, que esta subjetivação jamais foi
exclusiva do Direito Penal. Afinal de contas, há muito que o Direito Civil – sob o
escólio de SAVIGNY – já exigia o animus para que se adquirisse a propriedade de
um determinado objeto. Melhor dizendo, também aqui, manifestações exteriores
aparentemente idênticas encontrariam conseqüências jurídicas bastante diversas,
tudo a depender da motivação do indivíduo.
A partir da Teoria Finalista da Ação, o erro deixou de ser uma questão
exclusiva da culpabilidade.
Com efeito, a teoria do dolo (sobretudo a teoria estrita) tinha o condão de
manter a qualificação de ilícita para uma conduta lesiva a um bem jurídico
tutelado. Era admissível a legítima defesa contra a conduta praticada em erro;
mantendo esta qualificação (ilicitude) para todos os demais ramos do Direito,
frente ao dogma da sua unidade e não contradição interna.
A teoria da culpabilidade dissecou a solução: excluiu o juízo de ilegalidade
(por excluir a tipicidade) diante de erros incidentes sobre o substrato
correspondente à previsão típica. Transferiu o custo para a vítima, gerando uma
redistribuição dos riscos da vida em coletividade, em suma.
O problema está na relação entre tipo e ilicitude, que ainda hoje dá ensejo a
profundas disputas dogmáticas.
113

Ora, a jurisprudência do Supremo Tribunal Alemão decidiu-se pela teoria da


culpabilidade, a partir da fundamental sentença de 18 de março de 1.952297.
Registre-se, por oportuno, que o Tribunal se aproximou da teoria limitada da
culpabilidade, por defender o tratamento do erro sobre os substratos fáticos de
uma causa de justificação como sendo erro de tipo298.
Na síntese feliz de FELIP I SABORIT,

“Previamente, se había descartado la teoría del dolo porque, pese a la ventaja que
comporta poder prescindir de la compleja distinción entre error de tipo y error de
prohibición, se juzgó inadecuado concebir el error de prohibición culpable como
una forma de imprudencia, tanto por las lagunas de punibilidad que ello origina,
como por la levedad de las penas previstas para los delitos imprudentes cuando
éstos están tipificados; además, se entendió que los efectos de una rígida
vinculación de la responsabilidad dolosa a una conciencia actual de la
antijuridicidad forzaba soluciones sólo sustentables por vía de la analogía. Por el
contrario, según el BGH, la teoría de la culpabilidad, fundada en la posibilidad de
conocer la antijuridicidad del hecho, superaba satisfactoriamente todos estos
obstáculos. Primeramente, porque la remisión al injusto doloso en caso de error de
prohibición culpable evita posibles lagunas. En segundo lugar, porque cuando la
falta de consciencia actual de la antijuridicidad es altamente reprochable, la pena
puede ser la misma o muy parecida a la correspondiente a los delitos cometidos con
pleno conocimiento de la prohibición. Y, finalmente, porque el juicio de reproche
por la realización de un delito doloso es el que mejor se ajusta a los casos de error
de prohibición culpable, supuestos en los que, a pesar de todo, existe una voluntad
consciente dirigida a la realización del tipo”299.

A teoria da culpabilidade veio a ser consagrada em definitivo no direito


germânico com a modificação do código penal, em 1.975, veiculando o §17 ao
StGB: “se, ao cometer o fato, falta ao autor a compreensão de estar realizando
um injusto, atua sem culpabilidade se não podia evitar este erro. Se o autor podia
evitar o erro, a pena pode atenuar-se conforme o §49, p. 1”.
A teoria do dolo, ainda que sob novos contornos, continuou a encontrar
adeptos na doutrina, sob o argumento de que o referido §17 seria inconstitucional.
A rigor, o que se discutia era a razão pela qual a negligência jurídica deveria ser
tratada de modo mais severo do que a negligência fática.
SCHMIDHÄUSER criticava, na teoria da culpabilidade, o pressuposto de
que bastaria uma consciência meramente potencial da ilicitude para a
responsabilização do indivíduo, frente ao princípio da culpabilidade. A tanto

297
Expertos da decisão e comentários podem ser lidos em ESER, Albin; BURKHARDT, Björn.
Derecho penal, p. 285-317.
298
FELIP I SABORIT, David. Obra citada, p. 44.
299
Idem, ibidem.
114

corroborava o caráter facultativo300 da atenuação da pena, em caso de erro


vencível.
Argumentava-se que a solução do Bundesgerichthof ensejava uma
dosimetria da pena idêntica tanto ao sujeito que atuou com plena consciência do
ilícito quanto àquele outro cuja conduta originou-se de uma censurável ilusão a
respeito da validade do agir.
Se por um lado a teoria da culpabilidade é passível de críticas (sobremodo
quanto ao caráter meramente facultativo da redução de pena, no direito penal
alemão301), por outro não se pode sustentar que apenas o pressuposto da teoria do
dolo (dolo concebido como a vontade de violar a Lei) seria adequada ao princípio
nulla poena sine culpa.
Na verdade, a censura feita ao comportamento do agente – no caso da
existência de erro vencível – dá-se de forma indireta.
Afinal de contas, primeiramente se reprova a própria falta de consciência do
injusto, em face do dever ético da introjeção valorativa das regras do convívio
social. No caso dos tipos que veiculam cominações eticamente neutras, o
desconhecimento é imputável a uma violação ao dever de informação, subjacente
às atividades reguladas. E, sendo assim, não se mostra tão fácil distinguir a
natureza deste dever de informação – cujo descumprimento permite a manutenção
do dolo – e aquele outro dever geral de cautela, cuja inobservância enseja
responsabilização a título de imprudência.
De qualquer modo, somente depois de aferido se a falta de consciência da
ilicitude é, em si, censurável, é que se pode reprovar a conduta típica realizada
pelo autor.
Discussões surgem a respeito do limite de avaliação da falta de consciência
da ilicitude, em si considerada. Afinal de contas, a reprovação (erro vencível de
proibição) se dá por conta de uma prévia reprovação do descumprimento não
proposital do dever de conhecer o direito.

300
Defendendo o caráter facultativo da atenuação, leia-se BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error,
p. 151-152.
301
A aplicação de uma mesma pena tanto para (a) o indivíduo que praticou uma conduta típica
plenamente consciente da sua ilicitude quanto para (b) aquele outro que apenas deixou
negligentemente de se informar a respeito das regras jurídicas ainda é reflexo de uma doutrina
versarista (versari in re ilicita), dado que responsabiliza o agente por resultados advindos de uma
negligência anterior, ainda que distante no tempo. Ao agir de forma ilícita, assume todas as
conseqüências – ainda que fortuitas – daí advindas! Em sentido próximo ao aqui sustentado,
confira-se BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 120.
115

Referida censura – calcada em momentos prévios ao recorte típico – estaria


em conformidade com um Direito Penal do Fato, avesso ao exame da condução da
vida do agente? Como se verá mais adiante, ROXIN indica bons argumentos para
que a manutenção desse sistema escalonado da censura penal.
Retomando a questão em exame, é fato que a tese da teoria da culpabilidade
– atrelada a uma reprovação autônoma da falta de autocensura do agente – não
pode ser tida como inconstitucional, desde os postulados defendidos pela teoria do
dolo302.
Sabe-se, ademais, que a valoração do Direito Penal ainda está calcada no
desvalor da intenção do agente, muito mais do que no desvalor dos resultados
advindos da sua conduta. Soa agressivo que o sujeito voluntariamente viole a Lei
válida, sabendo que a descumpre, porque tal conduta indica certo desprezo pelos
demais indivíduos. Daí que construções como a do dolus malus (má intenção do
autor), não podem ser simplesmente olvidadas.
Mesmo tendo sido adotadas as premissas metodológicas e conceituais de
Hans WELZEL, não tardaram as controvérsias a respeito da solução a ser
dispensada ao erro incidente sobre o substrato empírico de uma causa de
justificação.
A teoria extremada da culpabilidade (defendia pelo próprio WELZEL e por
BACIGALUPO, dentre outros) mantém-se coerente com o conceito de um dolo
natural (mera vontade do fato típico), adotando um tratamento unitário a respeito
do erro sobre os pressupostos das causas de exclusão da ilicitude.
A mencionada teoria qualifica tais erros – tanto sobre os pressupostos
fáticos quanto os normativos – como erro de proibição. Sendo censurável o
equívoco, continua a haver a imputação dolosa, com mera atenuação da pena.

“Todo error sobre las causas de justificación ha de recibir el mismo tratamiento,


tanto el error directo sobre los presupuestos objetivos de la causa de justificación,

302
ESER-BURKHARDT mencionam que há uma opinião minoritária (LANGER e
SCHMIDHÄUSER) que sustenta que apenas os postulados defendidos pela Teoria do Dolo
poderiam ser admitidos, a partir do princípio nullun crime sine culpa. Logo, a Teoria da
Culpabilidade seria inconstitucional. Porém, para os mencionados autores o referido entendimento
é insustentável, porquanto o princípio da culpabilidade não exclui nenhuma das duas teorias (a
esse respeito, fazem referência ao entendimento de KUHLEN). “Se respecta la exigencia de
culpabilidad teniendo el autor – y esto también es presupuesto de la teoría de la culpabilidad – la
posibilidad de conocer el carácter antijurídico del hecho y siendo posible atenuar la pena en caso
de concurrir un error de prohibición evitable”. Consulte-se ESER, Albin; BURKHARDT, Björn.
Derecho penal, p. 306.
116

como el error directo sobre la existencia de una causa de justificación no


reconocida por el ordenamiento, como el error directo sobre el alcance o los límites
de la causa de justificación reconocida por el ordenamiento; en todos estamos en
presencia de un error de prohibición: si el error es vencible, se castigará por el
delito doloso si bien podrá ser atenuada la pena en la medida en que esté atenuada
la culpabilidad do sujeto; si el error del sujeto se califica de invencible se excluirá
la culpabilidad por el delito doloso realizado”303.

Enfim, para a teoria estrita304 da culpabilidade, o dolo exige tão-somente o


conhecimento dos elementos objetivos do tipo (tipicidade objetiva). Enganos
incidentes sobre o contexto fático que possam influenciar a motivação de sentido
do autor devem ser tratados como erro de proibição.
Cabe, aqui, uma pequena interrupção.
Toda norma é, necessariamente, norma interpretada305. Todavia, antes de se
escolher qual norma será aplicada – entre todas as inúmeras possíveis – é
indispensável uma interpretação prévia dos fatos (a pré-compreensão), a partir da
qual se reconhece que é uma apódase de uma determinada norma e não de outra.
Dito de outro modo, a autocrítica subjetiva pressupõe uma interpretação do
Direito tanto quanto dos fatos. No fundo, há um confronto entre a representação
que o agente faz da sua própria atividade (aquilo que pensa estar fazendo) com a
representação da avaliação jurídica – o que julga ser a censura externa - do que
pensa estar fazendo (como válido ou inválido sob o ponto de vista jurídico).
Logo, a possibilidade de erro é praticamente infindável.
A representação fática pode estar equivocada. O agente executa algo distinto
daquilo que julga estar fazendo. Pega a caneta do colega, supondo ser a sua;
mantém relações sexuais com uma adolescente, tomando-a por maior de idade;
mata alguém sob a ilusão de estar atirando em um espantalho, etc.
Igualmente pode se equivocar quanto à valoração da sua própria conduta.
Isto pode ocorrer por escolher mal a norma incidente naquele caso, por atender de
modo incorreto à função de apelo veiculada nos fatos (certos fatos
automaticamente reportam o indivíduo a normas específicas). Também pode
interpretar incorretamente o Direito, supondo que a proibição não exista ou que,

303
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 140.
304
Explica ROXIN que “Esta doctrina lleva la denominación de teoría estricta de la culpabilidad
porque contempla todos los errores conducentes a la suposición de una conducta conforme a
Derecho, en tanto no se refieran a elementos del tipo de delito conforme al §16 I, sin excepción
(estrictamente) como problemas de culpabilidad”. ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 582.
305
HÄBERLE, Meter. Hermenêutica constitucional, p. 13-14.
117

apesar de existir, lhe seria inaplicável (por ser inconstitucional; ou por seu caso
ser uma exceção, etc.).
Em ambas as hipóteses, o importante é destacar que o homem não se
relaciona com o mundo tal qual ele é (noumenico); vincula-se ao mundo tal como
ele se lhe apresenta, condicionado pela sua razão (KANT), e também pelas suas
idiossincrasias e complexidades individuais (FREUD).
Aliás, em feliz excerto, resume Arthur KAUFMANN que

“De ahí se explica que se haya caracterizado la lenguaje precisamente como


constituyente de la realidad. A través del medio del lenguaje se apodera el hombre
del mundo y se apodera de su próximo, a través del lenguaje ejerce poder, y cuando
esto sucede en forma que contradice la naturaleza, con el fin de encubrir los
pensamientos en lugar de compartirlos, cunado debe comunicar sólo una sugestión
calculada de antemano, cuando a través de regulación del lenguaje o de la censura
de las noticias se manipula la opinión, entonces la lenguaje se torna en un vulgar
proxeneta del poder. Pero, por sobre todo, el hombre a través del lenguaje se
apodera también de si mismo, se construye su mundo, y de la misma manera que
ningún hombre habla y piensa el mismo lenguaje, ninguno tiene exactamente el
mismo mundo que otro. A través de la lenguaje, dice Oksaar, el hombre se
construye sy concepción de la realidad que lo rodea, y cita de paso un frase muy
atinada de Kart Graus: El mundo se filtra a través del tamiz de las palabras. En el
mismo sentido se ha hablado del mundo devenido a partir de la palabra
(Gewortetsein der Welt)”306.

Superada esta breve interrupção, vê-se que o tratamento do erro sobre o


substrato fático de uma causa de justificação dividiu a Teoria da Culpabilidade.
Frente ao conceito de dolo neutro, despido da consciência da ilicitude
(vontade de realizar a conduta típica, o que não é o mesmo que a vontade de
realizar um crime), não se pode negar que o sujeito que age em erro permissivo
atua com a intenção de consumar o resultado típico.
Ao supor, por exemplo, que está sendo injustamente agredido pelo seu
vizinho que o jurara de morte, o agente quer lesionar. Contudo, assim age, sob o
engano de estar em uma situação que autorizaria a legítima defesa.
No erro de tipo permissivo indesculpável, há desvalor do resultado (não é, a
rigor, um resultado tolerado pela ordem jurídica. Antes, é uma lesão ilícita).
Entretanto, no âmbito da reprovação da sua conduta, deve-se aferir se também há
desvalor da ação e, em caso positivo, de que tipo.
Cuidando-se de um erro censurável (avaliação desleixada dos fatos),

306
KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho. 2ª ed. Tradução de Villar Borda e Ana María
Montoya. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2.002, p. 227-228.
118

também haverá desvalor da conduta.


Embora haja dolo, não se cuida, propriamente, de um equívoco incidente
sobre a norma, em si considerada (interpretação incorreta do direito), mas sim, de
um erro sobre a subsunção. Importa dizer: um erro no confronto entre fato e
direito (com erro na interpretação dos fatos).
Sob certo aspecto, a maioria dos erros de tipo também é, reflexamente, um
erro de proibição. Quando o sujeito se equivoca a respeito do “substrato fático
correspondente ao tipo objetivo”, ao mesmo tempo julga que a sua conduta é
válida, seja porque representa efetivamente que a conduta que pensa estar
praticando não violaria a Lei, seja porque sequer cogita da sua valoração (sequer
pensa no assunto).
Como enfatiza Enrique BACIGALUPO, “quien no sabe o que hace no
puede comprender si ello es o no contrario al Derecho”307.
É possível, evidentemente, supor que o indivíduo incorra em um erro de
tipo, cogitando, simultaneamente, da sua ilicitude por outra norma penal. O sujeito
mantém relações sexuais com uma menor de 14 anos, supondo-a com 16 – na
crença de que está praticando um delito de sedução quando, na verdade, incorreu
em estupro presumido.
A questão não surtirá maiores conseqüências, porém, para o exame ora
empreendido.
Na linha de Figueiredo DIAS, poder-se-ia sustentar que é um erro
intelectual (cognição dos fatos), muito mais do que sentimental (valoração ética
da conduta). O problema está em aferir se esta diferenciação (cognição versus
sentimento) pode ser validamente utilizada como critério de tratamento do erro no
direito penal.
ZUGALDÍA argumenta que a teoria estrita da culpabilidade permite uma
solução mais adequada do erro de tipo permissivo, dado que confere maior
liberdade na aplicação da pena308, cumprindo melhor a função preventiva.
A teoria limitada da culpabilidade sustenta, por seu turno, que o erro de
apreciação do substrato empírico de uma causa de justificação implica na exclusão
da tipicidade dolosa, apenas sendo possível a imprudente, desde que se cuide de
um erro vencível e haja previsão legal da cominação culposa.

307
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 116.
308
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 144.
119

“Solo es correcta la teoría restringida de la culpabilidad” – diz Claus


ROXIN – “y la idea políticocriminal en el fondo sencilla que la sostiene no
debería perderse mediante complicadas construcciones”309.
O jurista argumenta, na seqüência, que

“Quien supone circunstancias cuya concurrencia justificaría el hecho actúa en


razón de una finalidad que es completamente compatible con las normas del
Derecho. Lo que pretende es jurídicamente intachable no sólo según su opinión
subjetiva – no decisiva -, sino también según el jurídico del legislador. Si a tal
sujeto se le reprocha un delito doloso o incluso – como hace la teoría estricta de la
culpabilidad – se le somete al marco penal establecido para delincuentes dolosos,
se borra la diferencia básica entre dolo e imprudencia. Actúa dolosamente quien se
decide por una conducta que está prohibida por el ordenamiento jurídico (aun
cundo no conozca esa prohibición). A quien sin embargo se guía por
representaciones que también en un enjuiciamiento objetivo se dirigen a algo
jurídicamente permitido y produce un resultado indeseado por falta de atención y
cuidado, le es aplicable el reproche de la imprudencia. Así sucede en el error sobre
los presupuestos objetivos o materiales de una causa de justificación, que en
consecuencia hay que equiparar a un error de tipo del §16”310.

Citando Günther JAKOBS, o professor de Munique enfatiza que não há


razões político-criminais que justifiquem a imputação dolosa nessa hipótese311.
Afinal, se no caso dos danos imprudentes, basta a responsabilização civil, não se
vê motivos para que, no erro sobre o substrato empírico de uma causa de
justificação, deva-se sancionar o agente a título de dolo.
Tais argumentos são, efetivamente, bastante incisivos.
De qualquer sorte, fica evidente – pelo excerto acima – que ainda há
resquícios de um dolus malus. Afinal, o dolo do finalismo é concebido com a
vontade de praticar a conduta (que, coincidentemente, é descrita em um tipo
penal). O sujeito não precisa ter conhecimento dessa descrição típica para que haja
dolo, dado que a consciência da ilicitude é tema afeito à censurabilidade do agir.

309
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 583. Crítica interessante é formulada, contudo, por Muñoz
CONDE, para quem a teoria, ao castigar um fato doloso como se fora imprudente, “Presenta los
mismos inconvenientes que la teoría del dolo, pero ninguna de sus ventajas. La persona que
dispara en la oscuridad contra quien considera erróneamente su agresor actúa dolosamente, sabe
que puede matarla y quiere o admite esa posibilidad. Castigar con la pena del homicidio
imprudente, en caso de que el error sea vencible, es volver a la teoría del dolo, es decir, es negar
que en este caso exista dolo y con ello cuestionar la diferenciación, exigida pela teoría de la
culpabilidad, entre dolo y conocimiento de la antijuridicidad, que, sin embargo, sigue
manteniendo en los casos de error sobre la existencia o los limites de una causa de justificación”.
CONDE, Francisco Muñoz. El error en derecho penal, p. 42. Anote-se também que
BACIGALUPO defende a teoria estrita da culpabilidade. BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error,
p.101; BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 409-410.
310
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 583-584.
311
Idem, p. 585.
120

O problema todo está nessa segmentação forçada dos elementos anímicos


em vontade (querer/consentir) e valoração (sentimento/compreensão/autocrítica)
em estratos estanques.
A conduta humana – se pode ser tida como final (estrutura lógico-objetiva
do finalismo) – certamente o é por força das representações de sentido inerentes à
escolha de tais finalidades. A finalidade não é um objeto neutro, despido de
valoração.
O pré-juízo formulado pelo Finalismo – ao conceber um tipo subjetivado,
mas, ao mesmo tempo, abandonar a consciência do injusto no exame da
culpabilidade – acaba gerando estas disputas, verdadeiramente infindáveis, a partir
dos seus pressupostos.
Caso ainda se busque uma construção sistemática que permita compreender
esta solução (erro de tipo permissivo como conduta não dolosa, apesar de haver
vontade direcionada ao resultado típico), pode-se partir para a teoria dos
elementos negativos do tipo312. Para tanto, porém, deve-se abrir mão de um dolo
neutro, enquanto mera vontade do fato.
Com efeito - ao se buscar na teoria dos elementos negativos do tipo -, uma
solução de tal naipe (erro sobre o substrato fático de uma causa de justificação
como erro de tipo), exige-se que o dolo também deva abranger a inexistência de
causas de justificação.
ROXIN reconhece, por sinal, que “el dolo de injusto que es necesario según
la teoría restringida de la culpabilidad aquí sostenida abarca por tanto más que
el dolo típico del §16.1. Pertenece al mismo el conocimiento de las circunstancias
del tipo legal (§16 I) y además la no suposición de circunstancias

312
A respeito da teoria dos elementos negativos do tipo, Juarez Cirino dos SANTOS argumenta
que não há, rigorosamente, qualquer objeção mais concreta para a sua utilização. Confira-se
“Como esclarecimento complementar, a sugestiva teoria das características negativas do tipo -
contra a qual, na verdade, não existe nenhum argumento sério – resolve o problema do erro sobre
a situação justificante do mesmo modo que a teoria limitada da culpabilidade, mas com
fundamentos diferentes: considera os componentes do tipo penal como elementos positivos e as
justificações como elementos negativos do tipo de injusto e, por conseqüência, define o erro sobre
a situação justificante como erro de tipo, excludente do dolo – e, por extensão, do tipo de injusto -,
se inevitável, admitindo imprudência, se evitável”. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p.
301. Também neste sentido, confira-se ROXIN, Claus. Derecho penal, 586-587. Por fim, uma
defesa bastante enfática da teoria dos elementos negativos é feita por María Trapero
BARREALES, que refuta as dezesseis principais críticas lançadas contra a teoria dos elementos
negativos do tipo. Confira-se em BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de
justificación, p. 223-277.
121

justificantes”313.
Há uma recuperação de um dolo valorado, ainda que em sentido simétrico
ao anterior (que compreendia a existência efetiva de um desvalor jurídico da
conduta).
O dolo não é mais afastado pela falta de uma consciência atual do injusto.
Ao contrário, é afastado justamente por haver a representação de fatos que – se
realmente existentes – qualificariam o comportamento como lícito.
No dizer de Claus ROXIN, Armin KAUFMANN argumenta que – na
natureza das coisas – as pessoas, ao empreenderem aos seus planos (direção final),
não representam a ausência de substratos fáticos justificantes.
Contudo, ainda segundo o professor,

“Pero se trata de un intento inidóneo de refutación. Pues del mismo modo que el
injusto objetivamente requiere, junto a la realización del tipo, sólo la ausencia de
causas de justificación, también el dolo de injusto presupone, junto al conocimiento
de las circunstancias del hecho, sólo la ausencia de suposiciones justificantes.
Prescindiendo de ello, el autor conoce perfectamente también, en forma de
coconsciencia no reflexiva que surge de la situación y es por completo suficiente
para la apreciación del de dolo (cfr. §12, nm. 12), la ausencia de circunstancias
justificantes: quien a mala idea p.ej. planea dar una paliza a otro o destruir una cosa
ajena desde luego ejecuta el hecho con representación de que va a agredir sin causa
justificante”314.

É certo que se poder contra-argumentar que o juízo de tipicidade pode, de


fato, compreender a ausência das causas de ilicitude, dado que é um exame feito a
posteriori pelos órgãos de persecução penal.
O dolo é um conceito intimamente relacionado ao conteúdo de vontade
empiricamente aferível na conduta do indivíduo. E, neste passo, realmente soa
fictício supor que as pessoas, em suas atividades, normalmente pensem na
ausência de substrato fático justificante. A questão normalmente sequer se põe.
Ainda assim, é certo que um dolo compreensivo da ausência de substrato
justificante somente pode ser concebido como um conceito normativo totalmente
autônomo a qualquer base empírica.
Essa discussão não é, entretanto, o mote maior deste tópico, sendo
oportunamente retomada, ao se tratar da teoria dos elementos negativos do tipo.
Cumpre, por fim, apenas mencionar – atendo-se à síntese precisa de

313
Idem, p. 586.
314
Idem, p. 586.
122

SABORIT – que o Código Penal Italiano de 1.930 dispunha, no seu artigo 50, que
ninguém pode invocar como escusa a ignorância da Lei Penal. Já o art. 47
preconizava que “el error sobre una ley distinta a la penal excluye la punibilidad
cuando ocasiona un error sobre el hecho que constituye el delito”.
Logo, em um primeiro exame, pode ficar a impressão de que tais preceitos
estavam em sintonia com o critério distintivo fixado pelo Reichgericht, visto
acima. Com efeito, a legislação italiana positivou a equiparação entre o erro
incidente sobre normas não penais e o erro fático.
Deve-se ter em conta, porém, que as cortes italianas não adotavam o mesmo
critério do Tribunal Alemão, quanto à identificação de uma lei extrapenal. Ao
contrário do Reichgericht, que adotava um entendimento flexível (quanto ao que,
justamente, foi severamente criticado), na Itália entendeu-se que todo preceito de
lei aludido em uma lei penal deveria ser tratado como se fosse penal.
O erro incidente sobre normas referidas em Leis penais não poderia ser
equiparado ao erro de fato e, assim, não teria qualquer condão abonatório.
Criticava-se tal opção hermenêutica, visto que – desse modo – acabava-se
por negar qualquer efeito prático para o disposto no art. 47, do código Rocco de
1.930.
Nas palavras de FELIP I SABORIT,

“La jurisprudencia italiana maneja un concepto de ley penal y, por consiguiente, de


errores irrelevantes, muy amplio. Así, a efectos de error, norma penal no sería sólo
la que preceptúa la punibilidad de un determinado hecho, sino que la mayoría de
leyes extrapenales, a partir del momento en que son invocadas, expresa o
implícitamente, por la ley penal, mediante alguno de sus elementos, pasan a
integrar el supuesto de hecho prohibido, pierden su autonomía y asumen el carácter
de ley penal en sentido del art. 5º CP it”315.

Daí que, sob tal entendimento, as leis extrapenais podem ser objeto de um
erro eximente. Todavia, tais leis simplesmente não existiam!
A dogmática penal, escorada na doutrina da boa fé,

“Gracias a la cual se aceptaba la falta de conciencia de la ilicitud como causa de


exclusión de la culpabilidad. Ahora bien, esta buena fe no derivaba de la simple
ignorancia de la ilicitud del hecho, sino que debía existir, por parte del autor, un
convencimiento racional de la licitud fundado en que, previamente, se hubiese

315
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 58 e 142.
123

realizado una actividad positiva para ajustar su conducta al ordenamiento”316.

A boa-fé não era concebida, portanto, como regra geral (a simples ausência
de má-fé). Ao contrário, exigia-se um esforço de informação, de forma que o
próprio Estado houvesse contribuído para o engano do agente.
Destarte, referido critério somente teria o condão atenuante naqueles casos
em que o indivíduo atuasse em erro provocado pelo próprio Estado, tais como
diante de uma licença irregularmente concedida (sem que tenha contribuído para o
defeito do ato); ou diante de uma alteração repentina na jurisprudência que
passasse a considerar como ilícita uma conduta anteriormente reputada atípica.
Assim, antes da fundamental sentença da Suprema Corte Italiana, de 25 de
março de 1.975, praticamente vigorava absoluta a máxima error iuris nocet.
A partir de 1.975, contudo, restou consolidado o entendimento de que o
princípio da culpabilidade impede a responsabilização criminal por condutas
insuscetíveis de controle por parte do agente. Vale dizer, o art. 5º do código penal
italiano – na medida em que não excepcionava o erro de direito invencível –
revelava-se inconstitucional. A Corte Italiana apenas reconheceu o caráter
obrigatório da exoneração da pena, quando se cuidasse de um erro de direito
invencível.
Quando houvesse negligência do autor – por lhe ser possível, no caso, ter
atingido aquela compreensão normativa – a conduta continuaria censurável. Vê-
se, portanto, que o Tribunal Constitucional não reconheceu qualquer
obrigatoriedade da atenuação da pena quando se cuidasse de erro de proibição
vencível.
Acolhia-se, enfim, a equiparação entre uma consciência meramente eventual
(potencial/hipotética) e o conhecimento real da ilicitude, por mais que a primeira
ainda esteja atrelada a certo conteúdo versarista, como visto anteriormente. A
censura da ação típica sob julgamento era obtida por meio indireto, isto é, por
meio da censura do comportamento anterior do agente, por não ter se deixado
conduzir pelo Direito; por não ter se informado melhor quanto aos riscos da sua
atividade (sobremodo quanto às profissões reguladas), etc.
Frente a um direito penal simbólico e programático de interesses – vale
dizer, manejado como substituto de inúmeras políticas públicas do Estado

316
Idem, p. 60.
124

Promessa – é evidente que a falta de sintonia entre o legislador e as opções ético-


sociais da população contribui sobremaneira para que tais erros de valoração
ocorram. E, em casos tais, a imposição de um irrestrito dever de informação pode
ter os mesmos efeitos de uma ampla cláusula de irrelevância do erro de direito,
podendo recair também em uma culpabilidade por condução de vida.

“Esta cognoscibilidad objetiva se asegura mediante una adecuada correspondencia


entre las normas penales y las valoraciones ético-sociales, cuando aquéllas se
dirigen a amplios segmentos de la población, y mediante una correcta técnica de
incriminación, cuando se trata de delitos de pura creación legislativa, normalmente
de aplicación a sectores más reducidos y en los que es posible aumentar los
estándares de diligencia. Sin apenas detalles, se mencionan la absoluta obscuridad
de los textos legislativos y las situaciones de caos interpretativo como casos que
existe una imposibilidad objetiva por incumplimiento del principio de
reconocibilidad de las leys penales, en cuyo caso no sería legítimo castigar”317.

Quanto ao tratamento do erro no direito espanhol, observe-se que não havia


norma expressa a respeito até o ano de 1.983318. Não havia menção ao erro de
direito, nem tampouco ao erro fático.
Relutava-se em reconhecer efeitos abonatórios ao erro de direito, frente ao
disposto no art. 2º do código civil (redação anterior a 1.974), que dispunha que a
ignorância das leis não escusa o seu descumprimento. Dorado MONTEIRO
defendeu, entretanto, o critério propugnado pela Teoria Estrita do Dolo319,
notadamente diante da cláusula geral de tipificação imprudente, prevista no art.
565 do código penal espanhol.

“Art. 565. El que por imprudencia temeraria ejecutar un hecho que, si mediare
malicia, constituiría delito, será castigado con la pena de prisión menor”.

Desse modo, a teoria estrita do dolo não geraria, na Espanha da época,


lacunas de punibilidade semelhantes àqueles temidas na Alemanha. Ademais,
encontrava o apoio legislativo – frente a uma definição de dolo valorado (malícia,
art. 565 referido).
Frente à consolidação do modelo finalista, porém, adveio a nova
regulamentação penal de 1.983, com a qual veio a lume o seguinte artigo:

317
FELIP I SABORIT, Felip. Obra citada, p. 66.
318
Idem, p. 76. Registre-se que JIMENEZ DE ASÚA foi destacado defensor da teoria estrita do
dolo, porquanto defendia que o erro de proibição deveria redundar na imputação imprudente (o
erro sempre excluiria o dolo).
319
Idem, p. 78.
125

“El error invencible sobre un elemento esencial integrante de la infracción penal o


que agrave la pena, excluye la responsabilidad criminal o la agravación en su caso.

Si el error a que se refiere el párrafo anterior fuere vencible, atendidas las


circunstancias del hecho y las personales del autor, la infracción será castigada en
su caso, como culposa.

La creencia errónea e invencible de estar obrando lícitamente excluye la


responsabilidad criminal. Si el error fuere vencible se observará lo dispuesto en el
artículo 66”

Acolheu-se, então, o critério de distinção empreendido pelo finalismo320,


razão pela qual o erro de proibição vencível não afasta o dolo.
A partir de 1.995, com o novo Código Penal Espanhol, o artigo 6º
anteriormente mencionado foi substituído pelo art. 14, com a seguinte redação:

“El error invencible sobre un hecho constitutivo de la infracción penal excluye la


responsabilidad criminal. Si el error, atendidas las circunstancias del hecho y las
personales del autor, fuera vencible, la infracción será castigada, en su caso, como
imprudente.

El error sobre un hecho que cualifique la infracción o sobre una circunstancia


agravante, impedirá su apreciación.

El error invencible sobre la ilicitud del hecho constitutivo de la infracción penal


excluye la responsabilidad criminal. Si el error fuera vencible, se aplicará la pena
inferior en uno o dos grados”.

A maior conquista foi, todavia, a previsão do caráter excepcional da


tipicidade culposa (art. 12). Com isto, os critérios já anteriormente esposados
(reforma de 1.983) passaram a redundar em um tratamento muito mais severo do
erro de proibição, já que o erro de tipo – ainda que vencível – poderia redundar
mais facilmente em exoneração total da pena.

320
“Hay que reconocer que la teoría de la culpabilidad (y la estructura finalista del delito, que no
el finalismo) ha experimentado un impresionante auge en España a caballo de la reforma”. FELIP
I SABORIT, David. Obra citada, p. 85.
126

2.2
‘Pré-juízos’ ontológicos versus funcionalização:

No dizer de Arthur KAUFMANN, as estruturas lógico-objetivas baseiam-se

“Na versão lógica e gnoseológica da fenomenologia. A versão da teoria dos


valores, cujo primeiro adepto é Max Scheler (1874-1928) mostrou-se mais eficaz.
Esta inspirou, principalmente, Hans Welzel (1.904-1977) e o seu aluno Günther
Stratenwerth (n. 1.924)”321.

Prossegue KAUFMANN, informando que “de acordo com o seu


ensinamento, todo o direito é perpassado por estruturas lógico-objetivas – por
exemplo, as estruturas da ação humana, do dolo, da relação autor-participante –
que vinculam a regulamentação legal, quando se regulam acções, etc.”322
Cerezo MIR, em anotação à obra O Novo Sistema Jurídico-Penal, de
WELZEL, explica que as “estruturas lógico-objetivas (sachlogische Strukturen)
são estruturas da matéria de regulação destacadas pela lógica concreta
(Sachlogick), que se orienta diretamente na realidade, objeto do
323
conhecimento” .
Cuida-se, destarte, de um pressuposto epistemológico bastante próximo da
chamada “Natureza das Coisas” (Natur der Sache), de que foi adepto Gustav
RADBRUCH. Significa, em síntese, que o legislador não possui plena liberdade
para a conformação do conceito de delito. Antes, deve observar determinados
elementos ontológicos, pré-existentes e ínsitos à essência do ser humano.
Para Hans WELZEL, a autodeterminação humana pelo sentido é um
elemento apriorístico, insuscetível de deturpação ou desconsideração pela Lei
penal. Como menciona Claus ROXIN,

“La teoría final de la acción se basa filosóficamente en teorías ontológico-


fenomenológicas, que intentaban poner de relieve determinadas leyes estructurales
del ser humano y convertirlas en el fundamento de las ciencias que se ocupan del

321
KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried. Introdução à filosofia do direito e à teoria
do direito contemporâneas, p. 130-131. Tenha-se em conta que, segundo Vera Regina Pereira de
Andrade, o próprio BINDING pode ser considerado como filiado a este postulado epistemológico.
Leia-se ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica, p. 92.
322
Idem, Ibidem.
323
MIR, José Cerezo em comentário à obra WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal:
uma introdução à doutrina da ação finalista. Tradução, prefácio e notas de Luiz Régis Prado. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.001, p. 14.
127

hombre”324.

Anote-se, por sinal, que a obra Derecho penal alemán, de Hans WELZEL, já
inicia, na primeira parte, com o conceito de ação sem uma prévia menção às
estruturas lógico-objetivas. Alguns comentários do próprio criador da teoria
finalista da ação podem ser lidos no prólogo da obra O novo sistema jurídico-
penal, em que – com a pretensão de desvencilhar-se da obra de Nicolai
HARTMANN325 - argumenta:

“O ordenamento jurídico determina por si mesmo quais elementos ontológicos quer


valorar e lhes vincular conseqüências jurídicas. Mas não pode modificá-los (os
elementos em si), se os configura nos tipos. Pode designá-los através de palavras,
assinalar seus caracteres, mas eles próprios constituem o elemento individual
material, que é a base de toda valoração jurídica possível. Os tipos podem apenas
referida esse material ontológico, previamente dado, descrevê-lo lingüística e
conceitualmente, mas o conteúdo dos reflexos lingüísticos e conceituais só pode ser
manifestado mediante uma profunda compreensão da estrutura essencial,
ontológica, do elemento material em si mesmo. Daí se conclui, para a metodologia,
que a Ciência do Direito Penal deve partir sempre, sem dúvida, do tipo..., mas deve
em seguida transcendê-lo e descer à esfera ontológica, previamente dada, para
compreender o conteúdo das definições e para (...) compreender também
corretamente as valorações jurídicas”326.

No que tange diretamente às estruturas lógico-objetivas, aduz WELZEL que

“Pertencem a esse lugar e, especialmente, à afirmação de que o Direito Penal está


vinculado à estrutura final da ação, necessito apenas referir-me a um fato
conhecido por todos: do mesmo modo que o Direito não pode ordenar às mulheres
que acelerem a gestação e que aos seis meses dêem à luz crianças saudáveis, não

324
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 201. Leia-se também ANDRADE, Vera Regina Pereira de.
A ilusão de segurança jurídica, p. 148: “Para Welzel, existem no mundo objetividades lógicas ou
estruturas lógico-objetivas, representadas por certos dados ontológicos fundamentais e que
assinalam, por isto, limites muito precisos ao Legislador e à Ciência penal. de modo que é
necessário ao primeiro, ao normar ações, e à segunda, ao interpretar seu objeto, respeitar aquela
estrutura pré-jurídica, derivada da natureza das coisas, (que ninguém e nenhum poder no mundo
pode modificar) sob pena de, desconsiderando-a, legislar um Direito ineficaz, falso, contraditório e
não objetivo ou deixar a aplicação do Direito Penal abandonada ao arbítrio, no caso da Ciência
Penal”.
325
Questão, aliás, já suscitada na obra Derecho penal alemán: “Concluyendo, una observación
personal: cuando yo en el año 1.935 tomé de Nicolai Hartmann no la cuestión (que era mucho más
antigua), pero sí el nombre de finalidad para caracterizar la acción como un acontecimiento
dirigido y encauzado voluntariamente, no imaginé que con esta nominación iban unidas muchas
falsas interpretaciones. Entretanto se ha elaborado en la Cibernética una designación mucho más
ajustada a la peculiaridad determinante de la acción, esto es, su dirección y encauzamiento. Quizá
a la teoría final de la acción se le habrían ahorrado muchas falsas interpretaciones como teoría de
la acción, en cuanto acontecimiento (cibernético) dirigido o encauzado por la voluntad”. Confira-
se WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Parte general. 11ª ed. Tradução de Juan Bustos
Ramírez e Sergio Yáñez Pérez. Santiago del Chile: Editoria Jurídica de Chile, 1.976, p. 58.
326
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal, p. 14-15.
128

pode proibir-lhes que sofram abortos. Pode exigir-lhes, ao contrário, que se


comportem de modo que não se produza nenhum aborto e pode proibir-lhes que
provoquem abortos. As normas do Direito Penal não podem ordenar ou proibir
meros processos causais, mas apenas atos dirigidos finalisticamente
(consequentemente, ações) ou a omissão de tais atos. Desse fato – a meu ver
dificilmente discutível – deriva-se tudo o mais por si mesmo. O substrato da
regulação do Direito é completamente desconhecido, se se considera primeiro a
ação como um processo causal e só depois (na culpabilidade) se acrescenta a
vontade, quando esta última pode ser apenas um fenômeno subjetivo
acompanhante, um reflexo, mas já não pode ser um fator configurante da ação”327.

Também calha ao caso ater-se à síntese de ZAFFARONI e PIERANGELI, a


respeito:

“A teoria pode ser sintetizada da seguinte maneira: a) O objeto desvalorado não é


criado pela desvaloração, mas é anterior a ela, ou melhor, existe com
independência dela. O direito, enquanto desvalora uma conduta, não a cria: a
conduta existe independentemente do desvalor jurídico; b) A valoração deve
respeitar a estrutura do ente que valor, posto que o desconhecimento desta estrutura
fará com que a valoração recaia sobre um objeto diferente ou no vazio: se
valoramos os cisnes como belos, mas aos valorá-los dizemos que têm as
características dos porcos, estaremos valorando estes como belos e não os cisnes;
c) Estruturas lógico-objetivas são, pois, as que vinculam o legislador ao ser do que
ele desvalora, que está relacionado com ele, mas que não pode ser alterado; d) O
que acontece quando o legislador desconhece uma estrutura lógico-objetiva? Na
generalidade dos casos, a legislação será imperfeita, fragmentária, com lacunas,
mas nem por isto será inválida, porque a valoração continua sendo tal, embora
recaia sobre um objeto diferente; e) Há algum caso em que este desconhecimento
invalida a norma? Isto acontece quando o legislador desconhece a norma que o
vincula ao homem como pessoa, ou seja, como ente responsável. É uma antiga
afirmação kantiana a de não se pode considerar submetido ao dever ser aquele que
não é capaz de autodeterminação”328.

Vê-se que o pressuposto metodológico adotado por Hans WELZEL implica


na investigação de substratos ontológicos, inerentes à coisa em si (noumenica), e –
como tal – insuscetíveis de deformação/modificação pelo Direito.
O problema está, porém, muito mais em aferir: a) em que medida tais
pressupostos ontológicos podem ser efetivamente apreendidos pela razão humana
– questão que se vincula à complexa discussão a respeito da efetiva capacidade de
conhecimento da coisa em si; b) em que medida se pode extrair o dever-ser do ser.
Melhor dizendo, de que modo tais estruturas pré-normativas influenciam ou

327
Idem, p. 15-16. O texto é repetido por Assis Toledo, ao tratar do conceito de ação final.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a lei 7.209, de
11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1.988. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1.994, p. 96.
328
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro, p. 349.
129

condicionam a valoração jurídica.


É fato que, em certo sentido, o Direito cria realidades. Dito de outro modo,
há uma relativa liberdade para a elaboração de ficções jurídicas, do que é exemplo
o conceito de pessoa jurídica (o Estado é a mais importante delas); o conceito de
patrimônio e de coisa (afinal de contas, energia elétrica é coisa para o Direito
Penal?); a noção da capacidade civil (porque 18 e não 21 anos?); conceito de
servidor público para o direito penal, etc. Daí que a discussão mais relevante – e
por isso mesmo, mais difícil – é a de precisar qual seria exatamente esta liberdade,
esta capacidade de disposição legislativa da realidade noumenica, para, a partir
dos signos jurídicos se vincular às abstrações.
Não haveria o risco, tal como no passado de triste memória, de o Direito
recusar a personalidade de determinados indivíduos, negando-lhe a qualidade de
sujeitos (do que é de lamentável memória a escravidão e o holocausto, sob o signo
dos sujeitos supérfluos de que fala Hannah ARENDT329?)
O exemplo mais destacado (desta pretensão de uma desvinculação dos fatos
em si) é o conceito de culpabilidade de Günther JAKOBS, absolutamente alheio a
qualquer aferição empírica, de qualquer elemento de psique do sujeito.
Não obstante esse risco – nascido da desvinculação do Direito a quaisquer
pressupostos inalteráveis – é certo que as estruturas ontológicas, condicionantes
do jurídico, encontram-se superadas enquanto fundamento do Direito Penal, dado
que
“Finalmente, hay que contradecir también a la teoría de la acción en su tesis más
efectiva, a saber: en la pretensión de poder deducir de su concepción ontológica de
la acción soluciones jurídicas concretas a los problemas. Dicho intento no sólo
fracasa por la vieja perspectiva kantiana de que del ser no se puede derivar un
deber ser, sino que además es una tentativa inidónea, porque la finalidad, en cuanto
entre en el tipo, ya no es un dato puramente óptico, sino un concepto valorativo,
cuyo contenido es esencialmente configurado por las finalidades del ordenamiento
jurídico”330.

329
ARENDT, Hanna. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1.989, p. 300 e ss. Também neste sentido LAFER, Celso. A reconstrução
dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia
das Letras, 1.988, p. 103 e ss.
330
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 243. Atente-se, por sinal, ao caráter seletivo do descritor
(i.e., da hipótese de incidência normativa ou do tipo penal), como elucida Lourival VILANOVA:
“Os conceitos, quer normativos, quer empírico-naturais ou empírico-sociais, são seletores de
propriedades. Nem tudo do real tem acolhida no universo das proposições. No campo do direito,
especialmente, a hipótese apesar de sua descritividade, é qualificadora normativa do fático. O
fato se torna fato jurídico porque ingressa no universo do direito através da porta aberta que é a
hipótese. E o que determina quais propriedades entram, quais não entram, é o ato-de-valoração
que preside à feitura da hipótese da norma. Sociologicamente, não há fatos puros: todo fato social
130

Logo, por mais que se reconheça às estruturas lógico-objetivas/natureza das


coisas a virtude de restringir a intervenção punitiva estatal331 - sobremodo uma
vez que limita a pretensão ficcional do Estado, cuida-se de um pressuposto
metodológico evidentemente superado.
Sendo assim, a dogmática penal é lançada para uma zona de incertezas, na
exata medida em que as ponderações axiológicas nem sempre são suficientemente
claras, sobretudo em um Estado em constante crise de democracia.
Logo, “se debe partir de la tesis de que un moderno sistema del derecho
penal ha de estar estructurado teleológicamente, o sea construido atendiendo a
finalidades valorativas”332.
Uma vez mais: se não se aceitam mais as estruturas pré-jurídicas, seria
válido, por exemplo, dispensar a imputação da conferência de elementos
psíquicos? Seria válido, por outro lado, tipificar criminalmente a conduta
imputada às pessoas jurídicas? Qual é, enfim, o âmbito de criação das ficções
jurídicas na temática do direito penal?
Com o Funcionalismo, vê-se que o fundamental é descortinar os valores
políticos subjacentes às escolhas legislativas.
Dito de outra forma, é fato que as restrições advindas dos conceitos pré-
jurídicos (ontológicos) defendidos por Hans WELZEL são plenamente obtidos a
partir do conceito do Estado de Direito, como, por sinal, há muito já elucidava
Gimbernat ORDEIG333.

é relacional e toda relação social, além de causal, é normativa. Não há, como observa LEGAZ y
LACAMBRA, desde o ponto de vista filosófico que repercute no ponto de vista empírico-científico,
não há realidade social para, depois, virem as normas. A realidade social é, constitutivamente,
realidade normada. É social porque implanta valores através de normas normativas dos usos e
costumes, da moral, de direito, etc.” VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de
direito positivo. Prefácio de Geraldo Ataliba e apresentação de Paulo de Barros Carvalho. São
Paulo: Max Limonad, 1.997, p. 89.
331
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Obra citada, p. 350. Consulte-se
também FRISCH, Wolfgang. Comportamiento típico e imputación del resultado. Tradução por
Joaquín Cuello Contreras e José Luis Serrano Gonzáles de Murillo. Madri: Marcial Pons Ediciones
Jurídicas y Sociales, 2.004, p. 59-60, quanto à importância da ubiquação sistemática dos elementos
típicos.
332
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 217.
333
GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. O futuro do direito penal: (tem algum futuro a
dogmática-jurídico penal?), p. 10 e ss. Crítico a respeito, vide ROXIN, Claus. Problemas
básicos del derecho penal. Tradução e notas de Diego-Manuel Luzón Pena. Madri: Réus, 1.976,
p. 95: “Si un concepto ontológico de acción se entiende de modo que sólo abarque el control de
un acontecimiento material y libre de valor, entonces dicho concepto no tiene ninguna utilidad: no
es idéntico ao dolo, no proporciona ningún dato para la teoría del error y tampoco se puede
deducir nada de él en otros terrenos. Pero si se incluye la dimensión del sentido en el concepto de
acción, éste pierde su carácter previo, se convierte en un producto jurídico-normativo por
131

O Estado de Direito seria a nova estrutura-ontológica, ao final das contas. E,


dessa forma, o problema passa a ser, justamente, a delimitação das exigências
impostas por este conceito.
Adotando-se aqui as premissas roxinianas, é justamente por se cuidar de um
Estado de Direito, que o legislador não pode criar ficções que impliquem em total
violação aos postulados garantistas concebidos já sob o Iluminismo e que, em
contrapartida, exigem determinados elementos ‘em si’; certos requisitos subjetivos
intrínsecos e insuscetíveis de presunção por parte do legislador.
Não que se cuide de uma imposição da natureza das coisas (Natur der
Sache).
Antes, é uma limitação do próprio Estado de Direito, o de agir com
parcimônia na elaboração de ficções jurídicas que possam acarretar severas
violações ao mínimo ético que lhe cabe tutelar. Abstrair, p.ex., do juízo de censura
penal a aferição de um substrato anímico teria o condão de lançar por terra todas
as conquistas democráticas conquistadas a muito custo nesta área.
Nesse sentido, é que tem professado Claus ROXIN, ao tratar do conteúdo da
culpabilidade.
Feita essa breve digressão metodológica, há que se passar a uma
consideração mais genérica sobre a teoria dos elementos negativos do tipo. Na
seqüência, algumas observações serão feitas, em busca de resposta às seguintes
questões:
a) Qual a espécie e qual a profundidade do conhecimento exigido para se
considerar uma conduta como dolosa?
b) Qual a espécie e também qual a profundidade da autocensura do agente,
para que o seu comportamento possa ser censurado pelo Estado?

2.3
Elementos negativos do tipo:

A tipicidade subjetivada encontra-se consolidada dogmática e

excellence y ya no tiene tampoco ninguna utilidad: luego entonces es posible desarrollas las
teorías del dolo y de la participación exactamente igual – e incluso mejor – desligándolas
totalmente del concepto de acción y partiendo de los contenidos de sentido propios de las
mismas”.
132

normativamente nos ordenamentos jurídicos de tradição romano-germânica.


Registre-se também que, neste particular, os recentes aportes funcionalistas
não têm modificado, essencialmente, o tipo subjetivo, conquanto tragam
consideráveis alterações para a tipicidade objetiva334.
Não é o caso, certamente, de formular considerações mais profundas, neste
momento, sobre a evolução do juízo de tipicidade, nem tampouco sobre os
inúmeros debates a que deu causa. Uma pretensão deste naipe seria incompatível
com o objeto da presente dissertação.
Convém enfatizar, contudo, a atual complexidade de que se reveste a
categoria dogmática da tipicidade penal, para, logo na seqüência, formular
algumas reflexões sobre o erro incidente sobre os elementos normativos ali
veiculados, com especial destaque para o equívoco a respeito dos elementos do
desvalor global do fato.
Em primeiro lugar, tenha-se em conta que a tipicidade – desde que
realmente compreendida como uma tipicidade fechada - é uma exigência inerente
ao Estado de Direito. Cuida-se de um salutar mecanismo de proteção do indivíduo
contra a potestade estatal, ao delimitar, com critérios seguros, a matéria de
proibição.
Como elucida WELZEL,

“Ya que el ordenamiento jurídico quiere sancionar con pena las conductas
intolerables para la vida en comunidad, podría hacerlo mediante una disposición
suprema, muy general: el que se comporte de un modo gravemente contrario a la
comunidad será castigado en la medida de su culpabilidad con una pena permitida.
Podría formularse, también, de un modo más moderno: El que infrinja
culpablemente los principios fundamentales del orden social democrático, o
socialista, o comunista, será castigado… Una disposición penal tan general como
ésta comprende, desde luego, toda conducta punibles imaginable, pero
precisamente por su carácter general no permite reconocer qué conducta en
particular debe estar prohibida”335.

334
Anote-se que o Funcionalismo permite uma maior clareza na compreensão do juízo de
imputação, ao sobrepor à exigência de um efetivo nexo de causa e efeito (para os crimes
comissivos) requisitos de índole valorativa: incremento indevido do risco; consumação deste risco
no resultado; análise do âmbito de proteção da norma, etc. Registre-se, por oportuno, que – no
âmbito dos crimes omissivos impróprios (comissivos por omissão), a imputação é exclusivamente
normativa, dado que não há, evidentemente, nexo etiológico. A respeito do tema, consulte-se
ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Tradução e introdução de
Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2.002. Leia-se também FRISCH, Wolfgang.
Comportamiento típico e imputación del resultado, p. 45-104.
335
WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 74.
133

Para realizar esta função político-criminal, concebe-se que o tipo deva


pormenorizar, com a maior objetividade possível, a conduta proibida. Vale dizer,
não deveria ficar contingenciado às opções valorativas do intérprete336.
Segundo a concepção de BELING, o tipo (Tatbestand) deveria veicular
apenas os elementos objetivos da conduta. Todos os elementos valorativos e
anímicos seriam aferidos no exame da culpabilidade337, como se fossem a própria
culpabilidade (que aqui, ainda não tinha o caráter de censura).
Dito de outro modo, impôs-se uma radical separação entre tipo e a ilicitude:
“La sola comprobación de que se há cumplido un tipo por si misma no es gravosa
para nadie. Las investigaciones sobre la tipicidad se mantienen em um terreno
estrictamente neutral”338.
É fato, no entanto, que o referido intento, de separar, ao máximo possível,
(i) o objeto de proibição em face (ii) do juízo de proibição do objeto, não resistiu
às investigações posteriores.
É que, estando o Direito Penal calcado no desvalor da intenção339,
manifestações exteriores idênticas haverão de ter tratamento jurídico distinto, tudo
a depender da motivação do agente, o que não podia ser recusado nem mesmo
pelo causalismo.
A partir dos estudos de FISCHER, HEGLER, MAYER e MEZGER, restou

336
O que, sabidamente, não ocorre, dado que interpretar é atribuir propósitos. Não há uma
hermenêutica inexoravelmente fiel ao texto interpretado, porquanto, nesta exata medida, intervém
a subjetividade do intérprete. O importante é que esta carga axiológica seja devidamente filtrada
pela sociedade, em cujo nome todo poder deve ser exercido. Para tanto, os vetores hermenêuticos
devem ser confrontados rigidamente com a hierarquia valorativa constitucional, remanescendo,
ainda assim, certo espaço de ambigüidade, em que a disputa política terá maior influência. A
respeito deste caráter relativo da interpretação, confira-se KAUFMANN, Arthur. Filosofía del
Derecho, p. 138-168 e, especialmente (a respeito do modelo de subsunção), p. 173-196. Leia-se
também STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, 2.005, p. 310-319; DIAS,
Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 333: “Se dão
constantemente casos relativamente aos quais não é possível predizer, com um mínimo aceitável
de segurança, o sentido de qualquer decisão judicial futura sobre a licitude ou ilicitude de certa
conduta; como inegável é fazerem os tribunais a cada passo valorações que não estão
inteiramente de acordo ou estão mesmo em aberta divergência ou contradição com outras que
foram consideradas como cabendo de direito à mesma questão”.
337
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 279. Vide também SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito
penal, p. 104.
338
BELING apud ROXIN, Claus. Obra citada, p. 279.
339
No caso brasileiro, este predomínio do desvalor da intenção fica evidente com a leitura do art.
20, §3º, do Código Penal Brasileiro: “O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado
não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão
as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime”. Não obstante, é certo que a falta do
resultado almejado pode implicar em uma pena atenuada desde logo, como na tentativa (a intenção
é a mesma do crime consumado), ou a total exoneração de pena, apesar de haver dolo e
culpabilidade (crime impossível).
134

evidenciada a existência de elementos anímicos, incrustados na descrição típica


(ou seja, examinados antes do juízo de culpabilidade).
Somente assim se conseguia explicar a exigência de uma especial intenção,
no caso da legítima defesa (matar para se defender). O exame da tipicidade
também carecia do exame destes elementos psíquicos no caso dos delitos de
intenção (crimes sexuais, v.g.) e na apropriação de bens alheios (que exigem o
animus de ter a coisa para si).
Com o conceito de uma ação final – ontologicamente confundida com um
plano, direcionamento a um propósito – esta noção da tipicidade subjetiva impôs-
se em definitivo na Dogmática Penal, permitindo a compreensão de inúmeros
casos, maltratados pela Teoria Causalista.
Mesmo diante do reconhecimento da existência de elementos valorativos,
incrustados na descrição típica, é fato que o exame da tipicidade e o exame da
ilicitude continuaram a ser feitos de forma seqüencial (autônoma). Em outras
palavras, se admitia que uma conduta pudesse ser típica sem ser ilícita, porquanto
os conceitos não se confundiam.
Nascia, porém, o importante debate a respeito da função deste primeiro
nível (tipicidade) que - em si mesmo - não tem o condão de gerar alguma
conseqüência jurídica material imediata, por mais que – no Ordenamento Jurídico
Brasileiro – já seja suficiente para a instauração de um inquérito policial.
Para Max Ernst MAYER, o tipo seria apenas um indício da ilicitude.
Indicaria uma alta probabilidade de a conduta ser desvalorada pelo Ordenamento
Jurídico e nada mais que isto. Ou seja, o tipo seria a ratio cognoscendi da
ilicitude340.
No entender de MAYER, os elementos normativos do tipo teriam, contudo,
uma dupla função. Ao mesmo tempo em que deveriam ser abarcados pelo dolo
(sendo, portanto, elementos componentes do tipo), também antecipariam o
reconhecimento da ilicitude do fato. Daí que, em tais casos, a tipicidade se
converteria em verdadeira ratio essendi da ilicitude341, meio que confundindo os
dois estratos do conceito analítico do delito.

340
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 281. A respeito do tema, leia-se também WELZEL, Hans.
Derecho penal alemán, p. 90.
341
Idem, ibidem. Noticia ROXIN que, para Erik WOLF, inclusive categorias tidas como
absolutamente descritivas (por exemplo, ser humano), seriam, a rigor, valorativas, em âmbitos
especiais, o que, hoje, se impõe quanto à discussão a respeito da proteção penal das células tronco.
O embrião já seria um “alguém”, para fins do art. 121 do código penal?
135

Na conclusão de Edmund MEZGER,

“El acto de creación legislativa del tipo contiene directamente la declaración de


antijuridicidad, la fundamentación del injusto como injusto especialmente
tipificado. El legislador crea al formar el tipo la antijuridicidad específica: la
tipicidad de acción no es en manera alguna mera ratio cognoscendi, sino auténtica
ratio essendi de la (especial) antijuridicidad; convierte la acción en acción
antijurídica, aunque es cierto que no por sí sola, sino sólo en unión con la falta de
causas concretas de exclusión del injusto”.342

Alguém que tenha praticado uma conduta idêntica àquela descrita no tipo
legal, já teria, somente por isto, incorrido em ilicitude?
Para examinar o caráter ilícito de um dado comportamento, o Estado-Juiz
precisa fazer um exame dúplice. Primeiramente, deve aferir a subsunção exata
entre o recorte fático (a representação dos eventos ocorridos, segundo a prova do
processo) com o recorte típico (interpretação da norma incriminadora, presente na
lei). Reconhecida a tipicidade, impõe-se o exame quanto à presença de exceções
em que aquele agir estaria amparado pelo Direito.
Somente diante da ausência de tais motivos autorizadores da conduta é que
se poderia qualificá-la como ilícita.
Porém, com MERKEL, surgia a teoria dos elementos negativos do tipo343.
Supunha-se que cada tipo legal conteria, de forma implícita, a exceção, de modo
que, a proibição do homicídio fosse concebida da seguinte forma: é proibido
matar alguém, exceto em casos de legítima defesa; estado de necessidade; estrito
cumprimento do dever legal e obediência à ordem não manifestamente ilícita.
De certo modo, pode-se dizer que esta teoria adota um conceito de tipo
coincidente com o da norma de proibição, a ser aplicada ao caso.
Com efeito, caso se identifique o tipo com a norma de proibição, não haverá

342
MEZGER apud ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 282.
343
Defendida, entre outros autores alemães, por SCHRÖDER; MEZGER e SAUER. Uma variante
da teoria dos elementos negativos pode ser encontrada em GALLAS, conforma referência de
WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 81 e WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-
penal, p. 56, em que o autor sustenta que GALLAS, “Diferentemente de SAUER e MEZGER, não
concebe as causas de justificação como circunstâncias negativas do tipo, mas defende a tipicidade
de uma conduta ainda quando ocorra uma causa de justificação. Não admite, porém, que o tipo
seja a descrição material da conduta proibida (a matéria de proibição) e que seja, com essa
função, o terceiro elemento do delito, junto à antijuridicidade e a culpabilidade. Todo elemento
integrante do conteúdo do injusto seria, pelo contrário, elemento do tipo independentemente de se,
e até que ponto, o legislador tenha descrito materialmente o conteúdo da proibição. A medida da
diferenciação, própria do Estado de direito, seria apenas um princípio formal, que não pode ser
decisivo para a significação material do tipo”.
136

como fugir das conclusões defendidas pela teoria dos elementos negativos:
quando há motivos para a justificação da conduta, obviamente não remanesce
qualquer proibição, frente ao postulado da não contradição do Direito344.
Na hipótese, contudo, de se entender o tipo como sendo algo distinto da
norma de proibição – como sendo a mera descrição de uma conduta, que tanto
pode estar proibida quanto não - é fato que se pode perfeitamente seguir
admitindo uma teoria tripartida do delito, em que a tipicidade e a ilicitude sejam
aferidas em momentos distintos.
Mesmo neste caso se deve reconhecer que este tratamento em momentos
distintos corresponderá apenas a uma opção política, e não a uma imposição da
lógica345.
Anote-se, em primeiro lugar, que os textos de lei, na temática penal,
comumente indicam apenas a conduta proibida, sem que mencionem
expressamente os functores deônticos “proibido, obrigatório ou autorizado”. Dito
de outro modo, o art. 121 do código penal dispõe que: matar alguém – pena de 06
a 20 anos.
Disto, BINDING extraiu a conclusão de que o autor cumpre a Lei; mas
viola a norma ali subjacente.
A norma de proibição veicula, de forma implícita, a autorização da mesma
conduta, naqueles casos específicos em que, partindo de um conflito entre
interesses legítimos, o Ordenamento reconhece o direito à prática de um agir
típico. Em outras palavras, a norma de proibição é mais restrita do que o tipo.

“Com a categoria do ilícito se quer traduzir o específico sentido de desvalor


jurídico-penal que atinge um concreto comportamento humano numa concreta
situação, atentas, portanto todas as condições reais de que ele se reveste ou em que
tem lugar. Por outras palavras, é a qualificação de uma conduta concreta como
penalmente ilícita que significa que ela é, de uma perspectiva tanto objetiva quanto
subjetiva, desconforme com o ordenamento jurídico-penal e que este lhe liga, por
conseguinte, um juízo negativo de valor (de desvalor). A função que a categoria da
ilicitude cumpre no sistema do facto punível é, em suma, definir – não em abstrato,
mas em concreto, isto é, relativamente a singulares comportamentos – o âmbito do
penalmente proibido e dá-lo a conhecer aos destinatários potenciais das suas
normas, motivando por esta forma tais destinatários a comportamentos de acordo
com o ordenamento jurídico-penal. Só a partir daqui ganha o tipo o seu verdadeiro

344
WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 77: “La antijuridicidad, como una mera
contradicción entre la realización del tipo y las exigencias del Derecho, es una y la misma para
todos los sectores de lo Derecho”.
345
Nada impede, com efeito, que o legislador disponha que: Matar alguém, exceto nos casos dos
artigos tais, punição de tanto a tanto.
137

significado”346.

Repita-se que a mera descrição presente no tipo - tal como normalmente é


empreendida347 - ainda não qualifica qualquer conduta como ilícita.
Este exame de ilicitude demanda uma efetiva incursão no caso concreto, a
fim de que, frente aos interesses em conflito, se examine se há realmente um agir
desautorizado348.
Em um sistema submetido à tipicidade fechada, vê-se que a qualificação
jurídica de uma conduta em agressiva ou conforme ao Direito dependerá sempre
de uma interpretação dos textos de Lei (obtenção da norma) e também da
interpretação dos fatos (recorte empírico do que interessará ao caso).
Esta interpretação (dos fatos e do Direito) é feita tanto pelos indivíduos – ao
vivenciarem a norma – quanto pelo Estado-Juiz, ao reconstruir, sob holofotes
jurídicos, um específico sucesso fático.
Esta anotação é importante, por indicar que, a rigor, não existe uma
diferença tão significativa assim, entre o equívoco fático e o jurídico. Não há
como aplicar normas, sem interpretar fatos.
Superada esta interrupção, observe-se que María BARREALES formula
uma rigorosa defesa da teoria dos elementos negativos do tipo349. Busca, no
fundo, encontrar uma justificativa construtivo-sistemática para a solução
dispensada pela teoria limitada da culpabilidade.
Recorde-se que, para a mencionada teoria limitada (adotada por Claus
ROXIN, por exemplo), o erro incidente sobre o substrato fático de uma causa de
justificação deve ser tratado como um erro de tipo, apesar de haver dolo quanto ao
resultado350.

346
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte geral. Tomo I. Questões fundamentais. A
doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra editora, 2.004, p. 252-253.
347
Nada impede, aliás, que o tipo veicule expressões que – de antemão – qualifiquem a conduta
como ilícita. Melhor dizendo, há tipos em que a ilicitude é antecipada frente a expressões como
‘sem a autorização do órgão respectivo’; injustamente, indevidamente, etc. Isto ocorre com os
chamados elementos de desvalor global do fato.
348
Notadamente quanto ao conflito de interesses de igual dimensão, Arthur KAUFMANN tem
defendido o que chama de espaço vazio de Direito, em que a conduta não seria valorada pelo
Ordenamento Jurídico. Para o autor, não seria correto, portanto, dizer que há um direito à
realização da conduta típica em estado de necessidade. Antes, apenas não isto seria proibido,
coisas que distingue. É fato, porém, que – partindo de pressupostos positivistas de completude do
Sistema – tudo quanto não fosse proibido seria facultado (coincidindo a faculdade com a noção de
direito, com o que KAUFMANN discorda). KAUFMANN, Arthur. Filosofia del derecho, p. 212.
349
BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación, p. 223-276.
350
Registre-se, por oportuno, que é de extremo relevo a constatação, por parte de Figueiredo
138

BARREALES sustenta, com efeito, que

“Los presupuestos con los que se describen las causas de justificación pertenecen al
concepto de tipo, y en este concepto no se incluye la valoración jurídica del a
conducta realizada bajo estos presupuestos como no antijurídica o permitida. El
tipo implica siempre la antijuridicidad, porque sólo estamos en presencia de un tipo
penal completo cuando no concurren las causas de justificación, y por esta razón ha
de denominarse tipo global de injusto. En el tipo han de diferenciarse dos partes: la
parte positiva que contiene los elementos definidos de forma positiva en cada uno
de los tipos penales de la parte especial (generalmente se definen de modo expreso,
pero algunos se deducen del sentido y finalidad de la norma) y una parte negativa,
la ausencia de causas de justificación (y de atipicidad penal). La parte negativa del
tipo va generalmente sobreentendida en los tipos de la parte especial, aunque en
algunas ocasiones se incluyen en algunos tipos de manera expresa en la descripción
legal”351.

Conclui-se, da leitura do excerto acima, que se estabelece uma sinonímia


entre o conceito do tipo penal (tipo de injusto global) e a norma de proibição. O
tipo global de injusto é a norma de proibição identificada para o caso (ainda que,
para a obtenção desta norma tenha sido necessária a interpretação de vários textos
de Lei).
Nada impede, por sinal, que esta confluência entre as categorias seja
formulada, embora haja bons argumentos de política criminal (de conveniência,
portanto), para a adoção de uma teoria tripartida, como se verá mais adiante.
Por mais que não se trate de enfrentar todas as questões diretamente
relacionadas à vinculação à teoria dos elementos negativos do tipo, convém
apenas enfatizar que – diante de uma teoria constitucionalista do delito352 – cada
vez com maior freqüência a referida construção sistemática tem sido evocada para

DIAS, que de tal teoria não decorre, necessariamente, a solução propugnada pela Corrente
Limitada da Culpabilidade. Isto porque não há obrigatoriedade lógica de que o dolo deva
compreender também o substrato empírico de uma causa de justificação. Melhor dizendo, o
problema está no fato de que a construção sistemática não impõe o conteúdo a ser reconhecido
como objeto do dolo, nada impedindo que este seja restringido (como, de fato, já ocorre, dado que
o dolo não abrange todos os elementos típicos). Confira-se DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra
citada, p. 145-154. Anote-se que esta vinculação construtivo-sistemática foi reconhecida, contudo,
por Luzón PEÑA para quem “O tipo es la descripción legal, expresa o tácita, de todos los
elementos, objetivos y subjetivos, positivos y negativos, que fundamentan la prohibición penal de
la conducta y la distinguen de otras figuras típicas; constituye la materia de prohibición. Estamos
en presencia de un tipo de injusto, ya que la conducta típica será al mismo tiempo un injusto, un
hecho antijurídico. Y el dolo, como elemento subjetivo del tipo de injusto, ha de abarcar todos los
elementos del tipo en sentido amplio; hay que conocer tanto los elementos del tipo indiciario,
como la ausencia de elementos objetivos de las causas de justificación”. LUZON PEÑA apud
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 230.
351
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 224.
352
SILVESTRONI, Mariano H. Teoria constitucional del delito. Buenos Aires: Editores del
Puerto, 2.004, p. 145-166.
139

a solução de questões pontuais da teoria do fato punível.


Basta atentar, por exemplo, para o postulado da insignificância que,
reconhecidamente, exclui o próprio juízo de tipicidade penal. Afinal de contas,
não se vê inquéritos processuais para investigação da conduta da mãe que fura a
orelha da filha para colocação dos brincos. Igualmente não se autoriza a
instauração de inquéritos para persecução de descaminhos que tenham implicado
em sonegação de valores reduzidos aos cofres públicos.
Somente se explica tal solução, a partir de um modelo estratificado de
delito, frente à suposição de que a lesão ao bem jurídico compõe o próprio juízo
de tipicidade.
Em outras palavras, o tipo objetivo - além de descrever a conduta
indesejada, como regra geral, pelo Ordenamento Jurídico - também compreende a
lesão significativa dos bens jurídicos353 graduáveis (melhor dizendo, bens
jurídicos que admitem um juízo de intensidade da lesão).
Para que uma conduta seja típica, deve ser significativamente lesiva ao bem
jurídico protegido pela norma.
Dito em outras palavras, tanto quanto já desenvolvido significativamente
pela teoria da imputação objetiva do resultado – ao demandar, no juízo de
tipicidade, um complexo exame valorativo – há que se aferir, sem sombra de
dúvidas, se houve agressão significativa ao bem jurídico tutelado pelo preceito, a
fim de que se possa qualificar a conduta como típica (que obriga, no Brasil, a
instauração de um inquérito policial).
Sendo assim, é evidente que um elemento da ilicitude (a lesão) estará
sempre incrustado na própria descrição típica, dando significativa razão aos
defensores de uma teoria bipartida do delito.
É fato que Hans WELZEL opunha-se à teoria dos elementos negativos, ao
argumento de que “con ello se produce este círculo vicioso: la tipicidad puede ser

353
No dizer de Juarez Cirino dos SANTOS, “O resultado nos crimes de imprudência é, para a
opinião dominante, elemento do tipo de injusto”. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p.
178. O que deve ser enfatizado, contudo, é que a lesão a um bem jurídico relevante é elemento
componente de qualquer juízo de tipicidade, frente ao postulado constitucional de que somente há
crime frente à intolerável ofensa a um valor digno de tutela. Assim, se a lesão for insignificante –
qualquer que seja a espécie do delito – inexorável será a exclusão da própria tipicidade, ao invés
de a questão ser examinada apenas por época do juízo de valoração em lícito ou ilícito
(antijuridicidade). É certo, outrossim, que há determinados bens jurídicos cuja lesão é insuscetível
de graduação. Desse modo, a falsificação de uma moeda de dez reais é tão agressiva ao monopólio
estatal quanto a falsificação de uma nota de cem reais.
140

afirmada sólo después de la constatación de la antijuridicidad, y la


antijuridicidad sólo puede ser determinada después de la constatación de la
tipicidad”354.
Dito de outro modo, o tipo deixaria de ser o gênero, a abarcar tanto as
condutas típico-ilícitas quanto as típico-justificadas.
Não se pode olvidar, porém, que a noção de tipicidade não corresponde a
algum elemento pré-jurídico, nem tampouco, se impõe enquanto categoria
logicamente necessária da noção do Direito.
Enquanto a classificação das condutas em lícitas ou ilícitas releva-se
indispensável para qualquer sistema jurídico fundado na Lei; a tipicidade – na
condição de elemento autônomo da noção da ilicitude – somente corresponde a
uma opção valorativa, frente à capacidade de aprimoramento da compreensão e do
julgamento dos casos concretos. Nada obriga, no entanto, que haja este exame
autônomo.
Daí que o fato de haver confusão entre tipicidade e ilicitude não se revela
suficiente para que a mencionada corrente seja, de plano, afastada. Ademais, esta
confusão é justamente o que busca a Teoria dos Elementos Negativos.
Ademais, a noção de elementos implícitos já se encontra presente no trato
da participação e da tentativa, apenas cominados ante a regra de extensão prevista
na parte geral (no caso do Código Penal Brasileiro, artigos 14 e 29). Importa
dizer: a tipicidade da forma tentada do homicídio não está verbalizada de forma
expressa no art. 121 do código penal brasileiro. Somente é obtida com a referência
mediata ao art. 14.
Para os adeptos da teoria dos elementos negativos do tipo, a distinção
deveria ser empreendida entre o tipo global (descrição cabal de uma conduta que,
no contexto concreto, tenha violado a norma de proibição) e a censura jurídica do
agir (culpabilidade).
Conforme alude BARREALES, “para los defensores de esta teoría el tipo
no es valorativamente neutro, ni tampoco es mero indicio de la antijuridicidad,
sino que es un tipo global de injusto, contiene todos los elementos que

354
WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 81. Também neste sentido, leia-se WELZEL, Hans.
O novo sistema jurídico penal, p. 55. LUISI, Luiz. O tipo penal, a teoria finalista e a nova
legislação penal, p. 43-60.
141

fundamentan la desvaloración y prohibición definitiva de la conducta”355.


Parte-se, portanto, de um conceito de tipo global de injusto, mais amplo do
que a do tipo indiciário (que conteria os elementos positivos da descrição típica –
a regra geral – suscetível de exceção no caso concreto).
Com efeito,

“El concepto de la teoría del tipo global de injusto. Cuando concurre el tipo
indiciario, se han cumplido todos los elementos del tipo positivo, el ordenamiento
jurídico puede considerar que, en determinadas circunstancias, y concurriendo
determinados presupuestos, tal indicio no se eleva a definitivo si el hecho realizado
está amparado por una causa de justificación. Y puede suceder que la causa de
justificación esté formada por varios presupuestos, algunos de ellos esenciales
tienes la virtualidad de disminuir en cierta medida el grado de injusto realizado por
el autor, lo que significa que si bien no se excluye el tipo global de injusto, este sí
se encuentra diminuido”356.

A autora espanhola enfatiza, igualmente, que

“Existen elementos del tipo (indiciario) configurados de manera negativa, y tales


elementos no se diferencian de las causas de justificación consideradas como
circunstancias negativas del tipo; la única diferencia es que los elementos del tipo
(indiciario) configurados de modo negativo niegan un elemento particular del tipo,
las causas de justificación niegan el tipo global”.

Já foi mencionado que a pretensão da autora é, acima de tudo, encontrar um


fundamento construtivo-sistemático para a solução dispensada ao erro de tipo
permissivo, partindo da teoria limitada da culpabilidade. A partir de uma teoria
tripartida e de um dolo como vontade do resultado típico, não se encontra uma
explicação para a referida corrente.
Por outro lado, a Teoria Limitada da Culpabilidade acaba reconhecendo –
no engano a respeito de um contexto fático de uma suposta legítima defesa (que,
na verdade, não existe) – um motivo para ter como lícita a conduta, sempre que
não houver um tipo culposo previsto na Lei.
Há uma subjetivação do injusto ainda maior que a da Teoria Estrita da
Culpabilidade, em suma. Isso provoca, certamente, uma redistribuição dos custos
da vida em comunidade357.

355
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 239.
356
Idem, p. 249.
357
“Esta subjetivización del injusto se produce a través de una valoración objetiva interpersonal, es
decir, sólo se admite como error invencible sobre la situación objetiva de justificación (que supone
apreciar al caso fortuito como causa de justificación) aquel que es objetivamente invencible, el
142

A teoria limitada da culpabilidade358 impõe à vítima do erro o ônus de


suportar a lesão, por ela não provocada, dado que – para todos os efeitos – a
conduta será tida como lícita, caso não haja a previsão do tipo imprudente
respectivo.
Diz WELZEL que isto ensejaria lançar, em um mesmo estrato da teoria do
delito, a morte típica-lícita (justificada) de um ser humano e a de uma mosca359.
Observe-se, porém, que o Direito já trata ambos os eventos de uma mesma forma,
dado que ambos geram as mesmas conseqüências jurídicas materiais (ou seja,
nenhuma sanção).
Logo, repita-se: nada impede que uma opção legislativa como esta viesse a
ser feita – ainda que não seja desejável, como se verá mais adiante.
Mesmo sob um conceito tripartido de ilícito, a teoria limitada da
culpabilidade encontra plenas justificativas teóricas, enfim, desde que sejam
aceitos os postulados funcionalistas.
Vale dizer, desde que se tome em consideração, para tratamento dos casos, a
necessidade preventiva de pena, e a autonomia da solução frente aos pré-juízos
construtivo-sistemáticos.
A solução cogitada pela teoria dos elementos negativos do tipo implica
necessariamente na adoção de um dolo valorado, frente ao pressuposto de que
deve compreender a ausência de uma causa de justificação: como o indivíduo que
tem o conhecimento e a vontade do fato (quer matar) também devesse ter o
conhecimento de que não está sendo injustamente atacado, naquele momento.
Isto já foi mencionado no tópico anterior.
O problema todo dessa construção reside no fato de que não é o que
comumente ocorre. No mais das vezes, a ausência de um substrato justificante não
é sequer cogitada pelo autor de um fato típico. É exceção, enfim, que isto ocorra.
A teoria dos elementos negativos do tipo estaria convertendo a exceção em

error que el hombre medio ideal colocado en la situación del autor, con los conocimientos de este
y empleando toda la Diligencia de este y empleando toda la diligencia objetiva debida hubiera
igualmente sufrido”. BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 255.
358
BACIGALUPO posiciona-se a favor da Teoria Estrita da Culpabilidade, enfatizando que
subsiste o dolo, em tais casos. Confira-se BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 101.
359
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal, p. 63: “A doutrina dos elementos negativos
do tipo ignora a significação independente dos preceitos permissivos (das autorizações do Direito).
A concorrência da legítima defesa tem para ela a mesma significação que a falta do tipo: a ação de
matar alguém em legítima defesa equivale juridicamente a ação de matar uma mosca”.
143

regra, conforme crítica atribuída à Armin KAUFMANN360.


Ademais, o juízo de tipicidade361 demandaria uma contraposição “isolada”
entre a interpretação dos fatos e a interpretação da norma presente em uma
específica previsão de Lei.
O exame da licitude da conduta seria, ao contrário, muito mais amplo, visto
que exigiria ponderações a respeito da integralidade do Direito. É o que explicam
JESCHECK-WEIGEND:

“Para ser exactos, la denominación de las contranormas como proposiciones


permisivas sólo es comprensibles desde la óptica del Derecho penal. El verdadero
significado de las causas de justificación resulta ser bastante más amplio; son
proposiciones jurídicas de carácter autónomo que primordialmente no justifican
algo prohibido, sino que deben servir a sus propios y amplios fines como, por
ejemplo, a la protección del Derecho frente al injusto (legítima defensa), a la
materialización del juicio penal (ejecución de la pena), al aseguramiento de la
capacidad personal de disposición sobre el cuerpo (consentimiento) o al derecho
fundamental a la libertad de expresión (salvaguardia de intereses legítimos). Nos
encontramos ante una concurrencia de normas autónomas en la que la causa de
justificación tiene preferencia frente a la norma prohibición por contener una
regulación especial de la situación concreta”362.

Com efeito, a aferição da ilicitude não leva em conta apenas a incidência de


algumas normas. Antes, demanda o equacionamento entre verdadeiros conflitos
valorativos.
Porém, o tipo em si é uma invenção do legislador que poderia, tanto por
isto, alterar os seus pressupostos. Dito de outro modo, as considerações acima não
impedem a adoção de uma teoria dos elementos negativos do tipo – desde que a
própria noção de tipo fosse alterada.
Contudo, tais asserções tampouco tornam a referida teoria obrigatória. Há
argumentos legítimos para ambos os posicionamentos.
Ademais, María BARREALES contra-argumenta, com lastro em
RUDOLPHI, que a crítica de KAUFMANN363 é desacertada, porquanto não há

360
Confira-se em BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 266: “El dolo se define en
parte como conocimiento y voluntad de realización del tipo (positivo) y en parte como
desconocimiento, en su referencia al tipo negativa o a la ausencia de las causas de justificación (y
de atipicidad penal)”.
361
Advirta-se que, no texto acima, está sendo referido o tipo positivo do injusto, e não o tipo
global (teoria dos elementos negativos). Apenas quanto ao primeiro se pode dizer que é uma
subsunção isolada, como segue afirmado no texto.
362
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p.346.
363
Conversão da exceção (preocupação com o substrato fático de uma justificante) em regra. O
dolo não abrange, normalmente, a ausência de base empírica justificante. Simplesmente
144

necessidade para o dolo que, normalmente, o indivíduo formule esta


representação, bastando, ao contrário, a sua ignorância.

“El dolo, el conocimiento y voluntad del hecho, consiste en la comprensión de la


situación concreta en la que en los casos normales no concurre la causa de
justificación, por tanto, la falta de legítima defensa es parte del dolo do autor. El
sujeto se representa una situación en la que no se contiene nada de estas
364
circunstancias negativas y esto basta para el dolo” .

Estabelece-se, desse modo, uma diferença entre o (i) dolo do tipo positivo
(mero conhecimento e vontade da conduta típica realizada) e aquele (ii) dolo do
tipo positivo justificado (conhecimento e vontade da conduta típica, acrescido da
suposição de um contexto fático justificante). Neste último caso, caminha-se para
um dolo mais amplo que o tradicional, tendendo para uma espécie de dolus malus.
Os adeptos da teoria dos elementos negativos se vêm forçados a formular
exigências distintas para o conceito de dolo, caso se trate da suposição de uma
causa de justificação: imaginar que se está em um contexto de legítima defesa, por
exemplo.
Não há qualquer vedação para que uma classificação distinta entre diversas
espécies de dolos seja feita. Afinal de contas, o dolo já é classificado tendo em
conta uma diferença de volição, como se infere da distinção do dolo direto de
primeiro grau e o dolo eventual.
O que impede que haja uma diferenciação entre um dolo limitado a
substrato do tipo positivo e aquele outro, que apenas ocorre em casos raros de
suposição de uma base empírica justificante?
Bastaria empreender a um novo conceito de dolo – o que, de resto, pode ser
feito – tomando em conta a amplitude do conhecimento exigido. Nada impede,
reitere-se, que uma classificação como esta seja feita.
Daí não prosperar, neste particular, a asserção de Arthur KAUFMANN,
para quem na “Teoría de los elementos negativos del tipo se observa un error:
bajo el aspecto de elementos negativos del tipo toma el de elementos positivos con
contenido negativo; se cambia la ausencia de una circunstancia por la
circunstancia de una ausencia”365.

compreende o conhecimento e a vontade da conduta típica.


364
BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 266.
365
KAUFMANN, Arthur apud BARREALES, María A. Trapero. Obra citada, p. 267. Vide
também nota em p. 185 da referida obra.
145

Deve-se perguntar, entretanto, se há realmente necessidade de uma teoria


complicada como esta. Afinal de contas, até o momento, a teoria tripartida já não
está solucionando adequadamente a grande maioria dos casos?
Qual é, enfim, a necessidade de se racionalizar – a partir de pressupostos
construtivo-sistemáticos – a solução dispensada pela Teoria Limitada da
Culpabilidade?
Aqui se defende uma resposta negativa a esta questão.
Por mais que a construção da teoria dos elementos negativos do tipo guarde
coerência lógica e não agrida qualquer postulado da Teoria Geral do Direito, é
evidente que se mostra totalmente desnecessária para explicar a solução adotada
pela Teoria Estrita da Culpabilidade, a partir de um método funcionalista.
Somente se concebe que a referida construção venha a ser obrigatória, caso
se esteja vinculado às estruturas lógico-materiais. Em tal hipótese, com efeito, um
conceito de dolo como vontade do fato típico não permitiria, salvo nos quadros de
uma teoria dos elementos negativos do tipo, tratar o erro sobre o substrato fático
de uma causa justificante como sendo erro de tipo.
Concorda-se com Claus ROXIN quando afirma que esta construção teórica
– ainda que seja coerente – é totalmente supérflua, nos quadros atuais da
Dogmática Penal.
Como também enfatiza ROXIN, o conceito tripartido de crime cumpre um
melhor papel no enquadramento dogmático das condutas interessantes para o
direito penal.
Anote-se, por exemplo, que a existência de tipos incriminadores se presta à
indicação das regras gerais de conduta a serem observadas por todos os
indivíduos. Serve para os fins de prevenção geral positiva.
É fato que as leis são empreendidas de forma genérica, cumprindo que – no
caso concreto – os eventuais conflitos normativos sejam solucionados em face do
postulado da ponderação de interesses.
A respeito do tema, leia-se a lição de JESCHECK-WEIGEND:

“Ciertamente existen normas en las que a través de la decisión previa de conflictos


valorativos están limitadas desde un primer momento, de modo que ya en el nivel
de la tipicidad determinados hechos caen fuera del ámbito del a norma. Piénsese,
por ejemplo, en las disposiciones que con carácter general dejan fuera de la esfera
de prohibición a grupos concretos de personas o también a determinadas acciones
146

(…).
Otra cosa sucede, sin embargo, con las causas de justificación. Éstas no descansan
sobre excepciones generales de la norma, sino que para solución de situaciones
sociales conflictivas requieren ponderaciones de tipo valorativo en el caso
concreto, sobre cuya base el interés en la conservación sin menoscabo alguno del
bien jurídico protegido debe ceder, bajo ciertas circunstancias, frente a otro
igualmente reconocido por el Ordenamiento jurídico. Estas ponderaciones, nada
sencillas, que se realizan dentro de los límites de la necesidad y proporcionalidad,
no contienen una restricción general de la prohibición común sino que con su
contenido valorativo y de un modo independiente de los elementos del tipo. De ahí
que deban distinguirse de los elementos del tipo. El problema de la concurrencia
inherente a la relación entre el tipo y las causas de justificación no puede
armonizarse artificialmente acogiendo a estas últimas en los tipos con un designio
366
negativo” .

A categoria dogmática chamada de tipicidade também é, destarte, um


conceito genérico, que se presta a indiciar uma série de condutas que – sob um
prisma abstrato – são reputadas, ex ante, como indevidas. Daí a sua concretização
(redução da sua generalidade) reduzir este caráter classificatório da ciência do
Direito.
Nas palavras de Claus ROXIN,

“Así pues, entre la negación de la realización del tipo y la negación de la


antijuridicidad existen diferencias, tanto de contenido, como desde el punto de
vista del principio de legalidad, en el aspecto estructural y en atención a las
consecuencias jurídicas, diferencias que quedan niveladas si desde la perspectiva
del delito bipartido se considera como atípica toda conducta justificada”367.

Neste sentido, oportuna a lição de Figueiredo DIAS:

366
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal. Parte general.
5ª ed. atual. e ampl. Tradução de Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Colmares, 2.002, p. 267-
268.
367
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 287. Na síntese feliz do professor de München, “Esta
opinion se ve ciertamente relativizada, pero no contradicha, si se tiene en cuenta que en algunos
preceptos penales casi no se pueden separar tipo e injusto (cfr. nm.17). Las razones pueden ser
diversas y siguen ncesitando una elaboración monográfica. A veces el tipo delictivo está
configurado de al manera que no es asequible a intereses contrapuestos relevantes (p.ej., la
violación). A veces sólo se puede formar un tipo delictivo incluyendo el injusto, ya sea porque lo
exijan razones lingüísticas (p.ej. el abuso de llamadas de emergencia, ya que su uso ordenado no
da lugar a ningún tipo delictivo), ya sea porque se protege derechos cuya lesión no es posible sin
afirmar que hay injusto. Y otras veces también sucede que el legislador, por falta de habilidad, no
ha sido capaz de describir un tipo o clase de delito y, sin dar el rodeo del tipo, ha destacado
directamente el injusto, como sucede en las coacciones (ver al respecto con más detalles nm. 43
ss.). Pero de todo ello sólo hay que sacar la conclusión de que, cuando no pueden entrar en juego
derecho de intromisión, carece de importancia el elemento valorativo destinado a ello. Y en los
casos más frecuentes en que un tipo delictivo sólo se crea incluyendo las causas de justificación,
hay que considerar ya en el tipo las peculiaridades sistemáticas de las mismas. En tales casos la
unidad del tipo total de injusto cubre las diferencias sistemáticas, pero no las suprime”. Confira-se
em ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 288-289. Vide também JESCHECK, Hans-Heinrich;
WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 268.
147

“Estruturalmente, porém, estas entidades apresentam-se como diversas, na precisa


medida em que só os tipos incriminadores são portadores do bem jurídico
protegido, por isso mesmo delimitando o ilícito por forma concreta e positiva,
enquanto os tipos justificadores são em princípio estranhos à ordem legal dos bens
jurídicos e delimitam assim o ilícito por forma geral e negativa. É verdade que
tanto uns como outros se destinam a circunscrever o condicionalismo sob o qual a
lesão de um bem jurídico é em definitivo ilícita; mas enquanto a esta função se
liga, nos tipos incriminadores, a de descrever ou indicar o bem jurídico de que se
368
trata, é ela por regra estranha aos tipos justificadores” .

Conquanto a separação entre tipo e ilicitude resulte a cada dia mais difícil
(notadamente diante do postulado da ofensividade, como excludente do próprio
tipo), é certo que a segmentação destas duas categorias continua sendo útil, a fim
de explicar com maior clareza a grande maioria das condutas proibidas.
Registre-se uma vez mais que, mesmo que ROXIN não se vincule a uma
teoria dos elementos negativos do tipo, isto não implica em qualquer prejuízo
teórico para a adoção da teoria limitada da culpabilidade, a partir de argumentos
de índole funcional (vale dizer, interesses relacionados à desnecessidade de
prevenção geral ou especial, em tais casos)369.
De modo semelhante, aqui também não se adota a teoria dos elementos
normativos do tipo, por mais que, nos termos acima, se reconheçam vários
argumentos a seu favor370.
A adoção de uma teoria estratificada em três níveis é a que melhor se presta
para racionalizar o julgamento dos casos, sob a ótica de um Estado Democrático
de Direito.

368
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 254. Anote-se, por oportuno, que o professor
lusitano sustenta que ambas as categorias (tipo incriminador e tipo justificante) devem ser
compreendidas de forma imbricada, funcionalizada. Argumenta que em um “sistema teleológico-
funcional da douctrina do crime, não há lugar a uma construção que separe, em categorias
autónomas, a tipicidade e a ilicitude. Categoria sistemática, com autonomia conferida por uma
teleologia e uma função específicas, é só a categoria do ilícito-típico ou do tipo de ilícito: tipos
incriminadores e tipos justificadores são apenas instrumentos conceituais que servem, hoc sensu
sem autonomia recíproca e de forma dependente, a realização da intencionalidade e da teleologia
próprias daquela categoria constitutiva”. Em sentido bastante próximo, vide ROXIN, Claus.
Derecho penal, p. 288-289.
369
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 583-584 e 791-793.
370
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 301 e SANTOS, Juarez Cirino. Teoria do fato
punível, p. 227, argumentando não haver nenhum argumento sério contra a aludida teoria. Em
sentido oposto, bastante crítico GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição, p. 84-85,
em que alega que a teoria “peca” por a) fundir em uma só fase valorativa o tipo e a ilicitude; b)
nega autonomia dos tipos permissivos frente aos incriminadores; c) o dolo não compreende a
ausência de todas as causas de justificação; d) impede a distinção valorativa entre uma conduta
atípica e outra típica, mas justificada.
148

2.4
Elementos descritivos, normativos e de desvalor global do fato:

Encontra-se superado o pressuposto metodológico que interpretava o mundo


a partir de uma classificação entre elementos objetivos e elementos anímicos.
Tal postulado tinha origem em certo cientificismo positivista, a vislumbrar
na neutralidade do intérprete uma condição indispensável para a verdade do
resultado. Assim, enquanto os elementos objetivos poderiam ser submetidos à
prova empírica; os subjetivos somente comportariam um exame por inferência.
Hoje se sabe que esta pretensão é infrutífera. Seja porque o homem não
atinge a coisa em si371 (mesmo a pretensa objetividade do empírico é falsa); seja
porque signos despidos de valor praticamente não existem, dado que – enquanto
conceitos – estão sujeitos às inúmeras condicionantes do pensamento humano.
Quando muito, se pode falar em elementos predominantemente372 objetivos
e aqueles outros, predominantemente valorativos.
Não é outro o entendimento de ZAFFARONI e PIERANGELI,

“O tipo é predominantemente descritivo, porque os elementos descritivos são os


mais importantes para individualizar uma conduta e, dentre eles, o verbo tem
especial significação, pois é precisamente a palavra que gramaticalmente serve
para conotar uma ação.
Não obstante, os tipos, às vezes, não são absolutamente descritivos, porque
ocasionalmente recorrem a conceitos que remetem ou são sustentados por um juízo
valorativos jurídico ou ético. Quando o art. 125 do CP refere-se à mulher, não é
necessária qualquer valoração, porque este conceito é descritivo. Mas, quando o
art. 213 do CP refere-se a mulher honesta, é um conceito que, obrigatoriamente,
tem de se estabelecer de conformidade com a ética social. O art. 155 do CP define
o furto como subtrair coisa alheia móvel, o que torna necessário estabelecer, de
conformidade com os artigos 592 et seq. do código civil, a condição alheia da

371
Para tanto, basta uma breve referência a Immanuel KANT, para quem a coisa em si é
inatingível. O homem se relaciona com o mundo apenas sob o filtro da razão. Confira-se com
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 3ª ed. tradução de Manuela Pinto dos Santos e
Alexandre Fradique Morujão. Introdução e notas de Alexandre Fradique Morujão. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1.994, p. 36-87.
372
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 306: “Ahora bien, en la definición usual de elementos
descriptivos y normativos apenas se presentan circunstancia puramente descriptivas o normativas,
pues incluso elementos a primera vista descriptivos, como sustraer o edificio, en los casos dudosos
deben interpretarse conforme al fin de protección del correspondiente precepto legal y por tanto
conforme a criterios normativos; así vimos ya que incluso conceptos como ser humano o cosa no
se pueden precisar sin ayuda de valoraciones jurídicas”.O autor também enfatiza que sequer os
elementos normativos podem ser tomados como sendo exclusivamente valorativos, dado que têm
um substrato descritivo.
149

coisa.
Enquanto os elementos descritivos são os que predominam nos tipos, a esses outros
que neles aparece eventualmente denomina-se elementos normativos do tipo”373.

Não há empeços, por sinal, de que o conceito de mulher, acima aludido por
ZAFFARONI-PIERANGELI, também seja tido como valorativo. Basta atentar
para o fato de que, em muitas situações da vida, referido conceito não se confunde
com a noção de ser humano do sexo feminino. Pode denotar, por exemplo, uma
pessoa do sexo feminino maior do que 18 anos, em contraposição ao termo
adolescente, absorvendo o termo ‘mulher adulta’.
Daí que, com efeito, a interpretação demandará sempre um exame de
contexto, holístico, em face de vários pressupostos implícitos (ideologias;
ressentimentos, meta-regras, traumas, v.g.). O contexto evoca o sentido da
palavra, por mais que - como elucida Arthur KAUFMANN - tudo seja, em
essência, analogia374.
Para Figueiredo DIAS,

“Dizem-se descritivos os elementos que são apreensíveis através de uma actividade


sensorial, isto é, os elementos que referem aquelas realidades materiais que fazem
parte do mundo exterior e por isso podem ser conhecidas, captadas de forma
imediata, sem necessidade de uma valoração”375.

Já os normativos

“São aqueles que só podem ser representados e pensados sob a lógica


pressuposição de uma norma ou de um valor, sejam especialmente jurídicos ou

373
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro, p. 446. No dizer de ROXIN, “El tipo es por tanto una figura totalmente normativa, in
inseparable entramado estructural donde se entrelazan elementos de valor y elementos del ser”.
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 282.
374
Repita-se, uma vez mais, que, para KAUFMANN, os únicos conceitos verdadeiramente
precisos sãos os números (desde que admitida a base do sistema: binário; decimal, etc.). Confira-se
com KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 121: “La analogía implica em si misma sin
duda notables peligros, pues sus limites son difíciles de demarcar. Para obtener conclusiones
analógicas correctas se requieren conocimientos teorético-lingüísticos (ver adelante, pp. 246 e
ss). Visto así, mucho habla a favor de aferrarse a la idea de que la aplicación del derecho no sería
nada distinto a una subsunción. Esto se puede oír en la praxis jurídica cunado uno se mantiene en
los linderos de la subsunción. Eso, sin embargo, son es lo que se hace en todas las partes. Sobre
la interpretación extensiva, objetivo-teleológica, y particularmente sobre el posible sentido literal
se va hacia una extensión de la ley, que en nada está a la zaga de la analogía. El posible sentido
literal no es nada diferente de la analogía, sólo que con otro nombre, lo cual engaña al aplicador
del derecho en que no se trata de analogía prohibida para el derecho penal. La caracterización de
un bloqueo pasivo, dirigido a exhortar a la paz, como utilización reprobable de la violencia, o del
ácido clorhídrico como un arma (ver adelante pp. 152 y ss.), e colocarse en medio de un analogía
prohibida”. Também neste sentido, leiam-se as páginas 56 e 158.
375
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 272.
150

simplesmente culturais, legais ou supralegais, determinados ou a determinar;


elementos que assim não são sensorialmente perceptíveis, mas só podem ser
espiritualmente compreensíveis ou avaliáveis”376.

Também neste sentido, é a opinião de JESCHECK-WEIGEND:

“Los objetos del mundo real son los más fácilmente reconocibles por el autor al ser
inmediatamente accesibles a la percepción (persona, animal, hombre, mujer,
edificio, barco, puente, corriente de agua). En los elementos descriptivos del tipo
(vid. supra §26 IV 1), que presuponen un conocimiento espiritual, debe haber sido
entendido su significado natural (por ejemplo, dañar en el §303). En los elementos
normativos del tipo (vid. supra §26 IV 2) se requiere el pleno conocimiento de su
significado (vgr. cosa mueble ajena en el §271 [al respecto, OLG Cell. NDs. Rpfl.
1985, p. 148]; documento público en el §271; peligro común o necesidad en el
§323 c; lo mismo rige para el los elementos del autor como funcionario público,
§§11 I num. 2, 331 ss, o juez, §§ 11, I núm. 3, 336]”.377

Tenta-se, desse modo, estabelecer uma distinção entre a (i) intelecção e o


(ii) sentimento. Enquanto a intelecção (cognição) estaria relacionada mais
diretamente com a percepção sensorial (visualização; audição, v.g.)378; a
compreensão valorativa envolveria a atribuição de qualidades morais (bom; mau;
saudável, v.g.).
Menciona Claus ROXIN que

“La delimitación y división entre elementos descriptivos y normativos son muy


discutidas en las cuestiones concretas. Tradicionalmente se entiende por elementos
descriptivos aquellos que reproducen determinados datos o procesos corporales o
anímicos y que son verificados de modo cognoscitivo (cognitivo) por el juez. En
cambio, son normativos todos los elementos cuya concurrencia presupone una
valoración; así p.ej. conceptos como edificio (§306) o substraer (§242) son
descriptivos, mientras que términos como injuria (§185) o ajeno (§§242, 246 ó
303) son normativos. En los elementos normativos se pueden hacer ulteriores
distinciones, sobre todo entre elementos con valoración jurídica (ajeno, §242,
funcionario en el ejercicio de su cargo, §§331 ss., documento público, §§348) y
elementos con valoración cultural (acciones sexuales de cierta relevancia, §184 c.).

376
Idem, p. 272-273. Leia-se também TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal, p. 188-190;
BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 122-123
e JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 349.
377
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 316. Vide
também MIR PUIG, Santiago. Derecho penal, p. 235-236.
378
BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal. Parte general. 2ª ed. ren. ampl. Buenos Aires:
Hammurabi, 1.999, p. 226-227: “Elementos descriptivos son aquellos que el autor puede conocer y
comprender predominantemente a través de sus sentidos; puede verlos, tocarlos, oírlos, etcétera.
Ejemplo de elementos descriptivos es cosa mueble en el delito de hurto (art. 234, cód. penal).
Elementos normativos son aquellos en los que predomina una valoración y que, por lo tanto, no
pueden ser percibidos ´solo mediante los sentidos. Por ejemplo, puros conceptos jurídicos, como el
de documento art. 390 y ss. Código Penal)”. Também neste sentido, leia-se WELZEL, Hans.
Derecho penal alemán, p. 78-83.
151

También se puede diferenciar según que un concepto le deje al aplicador del


Derecho un margen de valoración especialmente amplio y está necesitado de
complementación valorativa (p.ej. las buenas costumbres en el §§226 a., reprobable
en el §§240, II), o que las valoraciones le vengan preestablecidas totalmente o en
gran medida al juez (conceptos valorativamente plenos), como p.ej., ocurre en el
concepto de amenidad, referido a la regulación civil de la propiedad. Y por
supuesto que aún se pueden hacer otras distinciones conceptuales según las
necesidades del correspondiente contexto argumentativo”379.

Registre-se, por oportuno, que esta discriminação entre a intelecção


(conhecimento) e o sentimento (valoração) veio a ser empregada por Figueiredo
DIAS como critério distintivo entre os erros excludentes da tipicidade dolosa e
aqueles outros que meramente atenuam a pena, se vencíveis380.
Em sentido diverso, DARNSTÄDT argumenta que os elementos descritivos
se referem a fatos naturais enquanto que os elementos jurídicos demandariam o
exame de propriedades atribuídas socialmente.
Confira-se:

379
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 306. Vide também DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito
penal, p. 174; 273-278 e 336-338. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 108.
380
Confira-se com DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em
direito penal, p. 328-378. Atente-se, especialmente, para o seguinte excerto: “A solução do
problema da censurabilidade da falta de consciência da ilicitude pressupõe a correcta
delimitação do âmbito desta falta perante o do erro intelectual ou falta de conhecimento
necessário à orientação da consciência-ética para o problema da ilicitude”. (Obra citada, p.
328). Posteriormente, sustenta que: “O procedimento da jurisprudência alemã traduzir-se-ia em
cindir o erro sobre a proibição em duas categorias: a das hipóteses em que tal erro configura
ainda um puro erro intelectual e onde, sob a capa do critério da tensão da consciência-ética,
averigua realmente da sua censurabilidade segundo o critério da violação de um dever de
cuidado, informação ou esclarecimento; e a das hipóteses em que tal erro configura uma
verdadeira falta de consciência da ilicitude, onde a censurabilidade é desde logo deduzida da
mera existência do dolo-de-facto”. Anote-se, por oportuno, que a referida solução está
intimamente associada à concepção que Figueiredo DIAS desenvolve a respeito da culpabilidade
material, enquanto culpa pela formação da personalidade (demonstrada no ato) e que tende,
portanto, para uma culpabilidade por condução de vida. Desse modo, a construção de Figueiredo
DIAS - conquanto seja indiscutivelmente digna de um debate muito mais detido, ante a sua riqueza
– encontra-se indissoluvelmente ligada a uma noção de infidelidade ao direito e, como tal, também
se aproxima de MEZGER. A respeito, leia-se também a mesma obra, p. 392-415, quanto ao erro
incidente sobre as proibições legais (crimes mala qui prohibita / tipos eticamente neutros, etc.), em
que o conteúdo da proibição é muito mais um problema de cognição do que de valoração. Na
síntese do próprio autor, “Perante uma conduta axiologicamente neutra, se o agente desconhece a
proibição legal e em conseqüência disso não alcança a consciência da ilicitude, fica este erro a
dever-se ainda a uma falta de ciência, que não a um engano da sua consciência; esta, a
consciência-ética, não é chamada a debate de forma esclarecida, não se exprime na conduta
realizada e não pode ser atingida pelo juízo de censura da culpa. Por outro lado, o que o
desconhecimento da proibição legal de uma conduta axiologicamente neutra põe em causa não é
ainda a falta de destrinça entre o lícito e o ilícito, mas a falta de um pressuposto indispensável
daquela; não é ainda o problema da consciência da ilicitude, mas do conhecimento necessário
para que ela se alcance”. (Obra citada, p. 400). Portanto, quanto aos tipos eticamente neutros, o
professor DIAS acaba aproximando-se da solução propugnada por Haro OTTO, conforme noticia
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 302-303.
152

“Darnstädt distingue entre elementos descriptivos y normativos del tipo designando


en el primer caso hechos naturales y en el segundo hechos institucionales. Los
hechos naturales pueden describirse completamente por referencia a estados o
propiedades físicas o psíquicas, mientras que los hechos institucionales poseen al
menos una propiedad atribuida socialmente (como la relevancia probatoria en el
documento)”381.

A dificuldade inerente a esta distinção reside justamente na constatação de


que praticamente não há elementos imunes à atribuição de sentido social. Melhor
dizendo, inclusive as coisas manejadas comumente pelo homem (faca; casa; livro)
dependem de uma atribuição de sentido social, razão pela qual poderiam ser
tomados – de forma equivocada - como elementos normativos do tipo.
Deve-se ficar com Karl ENGISH, para quem os elementos normativos são
aqueles que “solo pueden ser representados y concebidos bajo el presupuesto
lógica de una norma”382.
Esse é o critério que melhor permite distinguir os elementos meramente
descritivos daqueles outros, verdadeiramente normativos, atrelados a uma noção
direta ou reflexa de um dever ser.
Anote-se, por oportuno, que o emprego exagerado de tais elementos
predominantemente normativos acaba por reduzir a eficácia garantista da
tipicidade penal. Isto porque submete a aferição do conteúdo do injusto à
percepção valorativa do magistrado, muitas vezes distante da valoração do
indivíduo.
Por um lado, por ensejar uma tipicidade aberta - absolutamente censurável
sob o prisma da segurança jurídica - postulado básico de um Estado contido por
uma noção de finalidade (Estado enquanto instrumento da efetivação de direitos
individuais).
No dizer de Mariano SILVESTRONI,

“Estamos en presencia de un tipo penal abierto, cuando la descripción efectuada en


el tipo no es suficientemente precisa y deja un margen significativo para la

381
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 468. Leia-se também PUPPE, Ingeborg. El error en el
derecho penal, p. 104, citando DARNSTÄDT: os fatos institucionais “Son, en contraposición con
los hechos naturales, aquellos hechos que se refieren a una cualidad de un objeto existente en
virtud de una institución social”.
382
ENGISH, Karl apud ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 307. Do mesmo modo, JAKOBS,
Günther. Derecho penal, p. 352, argumentando que o conceito de ‘maus tratos’ (§223, StGB)
apenas pode ser compreendido frente às regras usuais do trato social. Aliás, atente-se para o fato
de que a conceituação de JAKOBS é ainda mais ampla, porquanto alega que “Todos los elementos
están delimitados pela norma”. (Obra, p. 350).
153

interpretación acerca de cuáles conductas quedan atrapadas en él. En realidad, todo


tipo puede ser calificado como abierto por dejar un margen para la interpretación,
por lo que parecería que estamos en presencia de una cuestión de grados: hay tipos
383
más cerrados y otros más abiertos” .

Para a WELZEL, nos tipos abertos

“Falta um critério objetivo para completar o tipo, como, por exemplo, a coação do
art. 240 (...). A antijuridicidade deve ser constatada aqui pelo juiz por meio de um
juízo de valor independente, o que dá lugar a uma grande incerteza acerca do que
esteja proibido”384.

Diante de um tipo excessivamente aberto, para SILVESTRONI, “a la vez,


se produce una clara violación del principio de legalidad, porque en el tipo
abierto no es la ley la que crea el delito sino la voluntad posterior del juez que lo
cierra al momento de la sentencia”385.
Embora não haja lei alguma que seja imune à interpretação – já que não há
leitura neutra da Lei – não se pode aceitar a existência de textos normativos
excessivamente carregados de expressões ambíguas, carentes de uma
complementação moral, como se o Legislativo estivesse transferindo
(indevidamente) ao Judiciário o indelegável poder de tipificação penal.
Nesta quadra, os elementos normativos do tipo devem ser utilizados com
parcimônia, por mais que possam se prestar a outros fins político-criminais (como
o de elaborar uma lei abrangente, reconhecendo ao tempo o ônus de consolidar o
seu conteúdo social).
Por outro lado, um tipo repleto de elementos axiológicos (ético-culturais)
pode dar causa a uma superposição de valorações, sob o pressuposto de que a
sensibilidade do servidor público seja, necessariamente, superior à do indivíduo.
Dito de outro modo, que a censura externa, empreendida pelo Estado, seja
necessariamente superior àquela outra, realizada pelo indivíduo (autocensura), a
partir de um ponto de vista exclusivamente formalista (vale dizer, fundado apenas
na autoridade daquele que está interpretando).
Nesse passo, agridem-se postulados pluralistas386, reconhecidos a partir da

383
SILVESTRONI, Mariano H. Teoria constitucional del delito, p. 142-143. Em sentido
semelhante, confira-se ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 298-299.
384
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal, p. 65. DOTTI, René Ariel. Curso de direito
penal, p. 312. BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 105.
385
Idem, p. 143.
386
Em sentido próximo ao afirmado, leia-se ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 866. Para
154

compreensão de uma sociedade aberta de intérpretes, concebida a partir de Peter


HÄBERLE, e já referida acima.
Não há fundamentos de legitimidade material (conteúdo) que autorizem a
conclusão de que a concepção de mulher honesta387 formulada pelo Estado-Juiz,
deva ser necessariamente, melhor do que aquela outra, empreendida pelo
indivíduo.
Deve-se buscar – a todo custo – que o conteúdo semântico do termo
corresponda àquele que é compreendido pela maioria da população388, o que,
ainda assim, não afasta o problema básico, que lhe é subjacente: o conflito entre
os valores da Comunidade (representada no Estado, com o qual não se identifica)
e os valores individuais, com predomínio daqueles.
Em uma sociedade fundada na tolerância (não se olvidando, por certo, que
tal tolerância também tem seus limites389), a valoração do indivíduo não pode ser

Figueiredo DIAS, contudo, a censura penal não exige que o indivíduo tenha introjetado, como seu,
o valor ético-jurídico consubstanciado na norma. Basta que tenha o conhecimento de que uma
conduta tal e qual seria agressiva à referida ponderação social. Melhor dizendo, “A consciência da
ilicitude requerida pela culpa não exige um re-conhecimento pelo agente do dever que a
sociedade lhe impõe, ou sequer a sua valoração como dever, mas basta-se com o seu puro e
simples conhecimento, independentemente da posição do agente perante ele; por isso pode ser
punido o próprio criminoso por convicção que, conhecendo a antijuridicidade formal do facto,
conhece também (embora não re-conheça) a sua ilicitude material do ponto de vista da ordenação
social existente”. Confira-se em DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da
ilicitude em direito penal, p. 209.
387
Convém registrar, por oportuno, que o art. 215 do código penal brasileiro foi alterado, em boa
hora, pela Lei nº 11.106, de 28 de março de 2.005, com a exclusão da mencionada expressão que
veiculava um inegável preconceito, sobremodo porque expressão simétrica (homem honesto) não
foi veiculada, com esta acepção, no código penal.
388
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 139: “En
estos casos fronterizos de reserva de Ley en los que el legislador se remite a criterios imprecisos y
extrajuridicos, la exigencia de vinculación del juez a la ley sólo puede ser salvaguardada si la
valoración puede ser realizada de conformidad con los conceptos axiológicos de la colectividad
(vid., por ejemplo, la cuestión acerca de la impunidad de los duelos estudiantiles BGH 4, 24 [32]),
y si el contenido de los conceptos jurídicos indeterminados, como ocurre con el §240 II, pueden
ser concretados por medio de la interpretación”. Em sentido semelhante, ROXIN, Claus. Derecho
penal, p. 170-173 e 302 e BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 227-229, em que sustenta
que “El juez, aplicando estos criterios, debería motivar su valoración mediante uma expresa
referencia a norma socilaes (no jurídicas), a critérios ético-sociales o standards de comportamiento
reconocidos socialmente”. ADRIASOLA, Gabriel. Juez, Legislador y principio e taxatividad en la
construcción del tipo penal in: El penalista liberal, p. 1.063-1.076.
389
Quanto aos limites do postulado da tolerância, confira-se com KAUFMANN, Arthur. Filosofía
del Derecho, p. 570-582. O importante é ter em conta que a tolerância está fundada no
reconhecimento da igualdade e, portanto, também na igual liberdade. E, sendo assim, delitos de
autolesão (lesão exclusiva do próprio autor) não podem ser, obviamente, alvo de censura penal,
por mais que venham, eventualmente, a ofender a percepção ética dos demais (sendo que esta
percepção, em um Estado verdadeiramente laico, não pode ser alvo, em si mesma, de proteção
penal). Dito de outro modo, se o indivíduo decide consumir estupefacientes em sua residência, não
expondo ninguém mais ao risco, isto não pode ser alvo de censura penal (o que, sabidamente, não
tem sido respeitado). É fato que se pode argumentar que, com o consumo, estar-se-á estimulando o
comércio dos entorpecentes, que pode ser prejudicial a terceiros. Caso realmente se demonstre esta
155

olvidada, pura e simplesmente.


O respeito às opções axiológicas das minorias assume, enfim, um relevo
fundamental, com importantes implicações para a valoração ética subjacente à
elaboração e à aplicação das leis penais.
Diante de algumas normas penais meramente metafísicas (que tutelam uma
moral monolítica), a categoria da inimizade ao direito pode implicar em
desrespeito ao postulado da tolerância. O problema está no fato de o ‘infiel’ não
comungar da valoração coletiva:

“Puede suceder que si el autor parte de una concepción jurídica incompatible con el
sano sentimiento popular, en tal caso lo que esté en tela de juicio no es la propia
conciencia sobre la valoración jurídica de su comportamiento, sino que esta
concepción jurídica sobre su comportamiento puede reflejar problemas de
inimputabilidad o bien al contrario, puede tratarse de un ejemplo del autor por
convicción y, en tal caso, no existe tal error de prohibición, porque el sujeto sí tiene
conciencia de que su comportamiento está prohibido, lo único que sucede es que él
no participa de la valoración jurídica que impera en la comunidad en que vive”390.

Em que pese não ser cabível, neste trabalho, uma maior digressão a respeito
do assunto – porquanto extrapola os objetivos deste ensaio -, é fato que deve ficar
apenas anotada a reserva contra a desmesurada transferência valorativa por parte

conexão – notadamente frente à possibilidade de venda de drogas para menores – certamente que a
argumentação anterior deverá ser revista. O importante é muito mais enfatizar a relevância deste
princípio, de ser tolerante com o diferente, com o outro, reconhecendo nele um igual. Porém,
justamente por isto, não se pode ser tolerante com a pedofilia, com a escravidão, com o abuso e
todas as outras práticas que, de um modo geral, acabam violentando a liberdade do próximo e,
como tal, sendo intolerantes. Não há tolerância passível com a intolerância (compreendida esta
como violação do postulado básico da igualdade), motivo pelo quais certas práticas
verdadeiramente não podem ser admitidas, nem mesmo em uma sociedade que se quer pluralista e
sem preconceitos. A título de exemplo, é evidente que a prostituição não pode ser considerada
delito, porquanto a disposição do próprio corpo é intimamente associada à noção de igual
liberdade. Considerando que todos os “clientes” da prostituta sejam pessoas maiores de idade,
autônomas, não há qualquer fundamento constitucional que autorize a sua repressão e, portanto,
também a repressão daqueles que, sem violência, administrem tais atividades. Contudo, caso esta
atividade venha a atingir/ser ofertada a menores de idade, ou pessoas de outro modo ainda não
tenham uma plena autonomia de vontade (por ser presumida a carência de um ulterior
desenvolvimento), isto certamente deverá ser alvo de persecução administrativa ou penal, a fim de
que não se viole – sob o apanágio da tolerância – a liberdade dos demais. É evidente – e isto não se
desconhece – que o problema não é tão simples, porquanto demanda uma reflexão mais detida a
respeito de quais percepções exclusivamente éticas podem dar causa a uma tipificação penal.
Sabe-se que o homossexualismo não pode ser considerado crime em um país laico, ainda que se
possa sustentar (o que não está sendo aceito aqui, frise-se) que ofende a percepção ética da maioria
da população. Já os maus-tratos aos animais, conquanto também esteja fundado apenas em um
conteúdo ético (partindo-se de uma premissa antropocêntrica, segundo a qual os animais não são
titulares de direitos) dá base a uma intervenção penal legítima, a partir do pressuposto de que,
facilmente, encontra amparo constitucional. A respeito do tema, leia-se ainda ZAFFARONI,
Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 467-468.
390
BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación, p. 133.
156

dos Legisladores em favor dos Juízes.


Enquanto representantes diretos do povo, escolhidos nas urnas, os
congressistas têm melhores condições de representar, quanto à questão valorativa,
as opções axiológicas diluídas entre a população. Sabe-se que, infelizmente, nem
sempre isto ocorre, na exata medida em que a própria legitimidade representativa
possa ser questionada (uma maioria representativa que se converte em uma
minoria representada, no dizer de VIANNA391).
De qualquer modo, é certo que não cabe ao Congresso delegar a função
valorativa primária, inerente à definição do conteúdo do injusto.
Cumprida esta interrupção, retoma-se a classificação dos elementos do tipo
objetivo.
Também se mostra oportuna a conceituação dos elementos do desvalor
global do fato. Ou, como querem alguns autores, dos elementos do dever jurídico
(WELZEL); elementos especiais da ilicitude
(DIAS392/JAKOBS393/BITENCOURT394).
Segundo a opinião de Figueiredo DIAS,

“O relevo dogmático dos tipos abertos em sede de relações entre ilicitude e


tipicidade, bem como em matéria de erro de falta de consciência do ilícito é
indiscutível. A sua consideração dogmática teve como efeito (e ainda aqui o
pioneirismo pertence a Welzel) chamar a atenção para a existência de elementos
típicos que, possuindo embora uma base fática individualizável, todavia se revelam
simultaneamente configurados como juízos de valor gerais ou elementos
valorativos globais; e que nessa medida possuem um cunho de tal modo
extremamente normativo que praticamente arrastam consigo um juízo de valor
global sobre a ilicitude da conduta. Com um exemplo paradigmático desta situação
depara-se no art. 154 – 3/a, segundo o qual não será punível a acção descrita no nº
1 (coacção) se a utilização do meio para atingir o fim visado não for censurável: a
valoração como censurável da utilização do meio serviria assim para complementar
a matéria de proibição descrita no tipo objectivo de ilícito da coacção”395.

JESCHECK-WEIGEND lecionam, por seu turno, que

“La investigación desarrollada por la teoría de los tipos abiertos ha conducido, no

391
VIANNA, Luiz Werneck apud STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica:
uma nova crítica do direito, p. 185.
392
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 80 e
472.
393
JAKOBS, Günther. Derecho penal, p. 198.
394
BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição, p. 99. BITENCOURT,
Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 410.
395
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 274-275.
157

obstante, a un importante descubrimiento. Existen elementos de valoración global a


los que, por ejemplo, pertenece la reprochabilidad de la utilización del violencia del
§240, II. La clasificación de tales elementos es difícil puesto que como
componentes del tipo son fuertemente completados con una valoración jurídica
pero, de otro lado, al tipo (§240 I) le faltan sus contornos como tipo de injusto sin
la valoración global negativa de la reprochabilidade. La solución sólo puede residir
en que las circunstancias fácticas que hacen aparecer al comportamiento del autor
como reprochable pertenezcan al tipo, pero que su valoración como medida de su
crecida reprochabilidad se emprenda en la fase de la antijuridicidad. De este modo
también se solucionan adecuadamente las cuestiones surgidas en torno al error”396.

Conclui Claus ROXIN397 que - quando o legislador emprega tais expressões


de desvalor global do fato - acaba antecipando já para a quadra da tipicidade o
exame da ilicitude da conduta. Não há como se cuidar de uma conduta típica e
justificada, em suma. Ou é típica e - como tal - também é ilícita; ou sequer é
típica398.
Na lição de Figueiredo DIAS,

“Casos há em que o legislador, ao definir o conteúdo da proibição, não descreve


elementos objectivos do comportamento, mas utiliza fórmulas gerais de valor
(momentos especiais da ilicitude ou características do dever jurídico) ou, de todo o
modo, atribui tacitamente ao juiz a função de preencher os vazios da norma
proibitiva (tipos abertos). Ora da própria concepção do tipo como descrição da
matéria proibida resulta que ele não poderá estender-se a tais pressupostos, sem
que, por outro lado, estes devam ser concebidos como causas justificativas; e assim
se terá dado, ao menos nestes casos, autonomia material à valoração da
ilicitude”399.

396
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 265. Vê-se
que, no âmbito do tratamento do erro sobre os elementos de desvalor global do fato, há uma
inevitável tendência de se equiparar o erro de fato como sendo erro de tipo, enquanto que o erro
sobre a norma corresponderá ao erro de proibição, a fim de se solucionar o caso concreto.
397
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 299: “No obstante, la adscripción al tipo de todas las
circunstancias que fundamentan la reprobabilidad pone de relieve una peculiaridad que distingue
el criterio de la reprobabilidad de otros elementos del tipo: se trata de un elemento de valoración
global del hecho, en cuanto que la reprobabilidad de la acción coactiva del autor no sólo designa el
injusto típico, sino simultáneamente también el concreto injusto de las coacciones del caso
particular. Así, pues, el que coacciona a otro de modo reprobable no sólo actúa típicamente, sino
eo ipso también antijurídicamente en el sentido del §240; y ya no queda espacio para causas de
justificación, pues si alguien coacciona a otro amparado por una autorización legal para la
coacción, o por legítima defensa o por un estado de necesidad justificante, ya no obra de modo
reprobable y por ello tampoco típicamente”.
398
WELZEL diz que “No puedo imaginarme ningún caso en el cual, a un autor que tenga el dolo
de la defraudación tributaria, es decir, que conozca la pretensión tributaria concreta, y quiera
evadir esta pretensión, pueda faltarle conciencia del ilícito”. WELZEL apud MAIWALD,
Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el derecho penal tributario. Tradução de Marcelo
A. Sancinetti, Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.997, p. 48.
399
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 80.
Para o autor, em tais casos, há uma confusão entre tipo e ilicitude, com prejuízo da função
meramente indiciário do juízo de tipicidade penal.
158

Enfim, no âmbito dos chamados elementos de valoração global do fato, há


uma indissociável confusão entre o exame de enquadramento típico
(contraposição entre o recorte da realidade e a descrição veiculada na Lei) e o
juízo de ilicitude (contraposição entre a conduta típica e o Ordenamento Jurídico,
considerado globalmente).
Pode-se passar ao exame do aparente conflito entre a oponibilidade objetiva
do direito e o princípio da culpabilidade, no tópico subseqüente.

2.5
Oponibilidade objetiva do Direito e o error iuris nocet:

O problema do erro é, essencialmente, o problema da culpa penal. Na feliz


observação de Figueiredo DIAS,

“Não é dicotomia que comanda, conceitualmente e a priori, o problema da falta de


consciência da ilicitude, mas sim este problema, no concreto sentido que assume no
contexto da culpa jurídico-penal, que comanda a dicotomia e o princípio normativo
que ela contém, no sentido de os considerar ou não aplicáveis”400.

O erro de tipo não deixa de ser, reflexamente, um erro de proibição401. Ao se


equivocar sobre o substrato correspondente à descrição típica, impede-se
automaticamente que o autor seja atingido por qualquer ‘função de apelo
normativo’402. Não terá, portanto, qualquer razão para se preocupar com o efetivo
desvalor da conduta, se sequer sabe o que faz.
Todavia, considerando-se que o erro de tipo é mais benéfico ao autor, deve
sempre ser examinado (e, sendo o caso, reconhecido) antes de qualquer aferição
do erro de proibição403.
Em um Direito fundado na responsabilização objetiva – totalmente avesso
ao exame da psique individual – a questão do equívoco não adquire qualquer
relevo. Daí o tema estar condicionado pelas opções axiológicas mais arraigadas,
quanto à relação indivíduo-grupo social.

400
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude, p. 52.
401
Idem, p. 264 e 281.
402
MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el derecho penal tributario.
Tradução de Marcelo A. Sancinetti, Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.997, p. 41.
403
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 153.
159

Diante de um Estado que se quer Democrático (e, como tal, funcionalizado


pelos direitos fundamentais), instaura-se um freqüente conflito entre (i) a
aspiração de eficácia objetiva do direito e (ii) a pretensão individual de não ser
responsabilizado senão por comportamentos efetivamente suscetíveis de serem
evitados.
Dito de outro modo, a Lei deve ser passível de cumprimento pelo indivíduo,
sob pena de configuração de um Estado Fascista, com a reificação do homem.
Sintetiza FELIP I SABORIT que

“La absoluta inexcusabilidad de la ignorancia del carácter prohibido de la conducta


podía explicarse, desde una perspectiva básicamente político-criminal, como un
sacrificio de los intereses individuales (los del sujeto que era condenado pese a la
ignorancia inevitable del carácter ilícito de su conducta) en beneficio de intereses
colectivos y estatales”404.

O reconhecimento da oponibilidade erga omnes da Lei405 deu origem ao


postulado de que o erro de direito prejudica: ‘error iuris nocet’ ou, ainda, ‘nemo
legem ignorare censetur’.
Para Vicente RAÓ,
“Diz muito bem De Ruggiero que a obrigação de se submeter às leis independe de
seu conhecimento, por ser uma exigência suprema do ordenamento jurídico que
todos as cumpram e, também, porque esta obrigação deriva de um preceito positivo
e absoluto, o qual, ainda que não expresso, sempre e necessariamente se contém em
todas as legislações”406.

“Compreende-se que assim tenha de ser” – diz Soares MARTÍNES – “de

404
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 62.
405
Ao menos em teoria. Sabe-se que, na prática, o Direito Penal acaba atingindo apenas os grupos
marginalizados da sociedade (vulneráveis, segundo a dicção de ZAFFARONI).
406
RAÓ, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2.005, p. 381. No dizer de TOLEDO, “Dispensamo-nos de reproduzir os inúmeros
argumentos existentes sobre a necessidade e a natureza jurídica do princípio ignorantia legis
nemine excusat, pois parece-nos indiscutível, conclusivamente, dever-se admitir a sua utilidade,
visto como tal princípio sempre constituiu e constitui um dogma que repousa sobre imprescindível
exigência de ordem prática para a validade do ordenamento jurídico. Um ordenamento jurídico
não pode com efeito subsistir a não ser na medida em que as leis sejam obrigatórias quando
promulgadas. E esta obrigatoriedade deve operar-se de modo concomitante, geral, em relação a
todos, não sendo pensável que, dentro de um mesmo Estado, as leis possam ter validade em
relação a uns e não em relação a outros que eventualmente a ignorem”. TOLEDO, Francisco de
Assis. O erro no direito penal, p. 80. Também neste sentido, MONCADA argumenta que “A
necessidade social de que a lei impere igualmente sobre todos, sem se tomarem em consideração
as circunstâncias subjectivas, de conhecimento ou desconhecimento, do espírito dos cidadãos.
Isto, em nome dum interesse público e para que os interesses da coletividade não venham a achar-
se à mercê de incertezas, mas possam ser regulados uniformemente ao mesmo tempo em todo o
território do Estado”. MONCADA, Cabral de apud DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da
consciência da ilicitude em direito penal, p. 60.
160

outro modo, dificilmente alguém seria responsabilizado pelas ilicitudes


cometidas, desde que fosse admissível sustentar que as cometera por
desconhecimento das normas que lhe vedavam a conduta havida”407.
Enquanto limite entre os anseios individuais e as necessidades impostas pelo
viver junto, o Direito pré-existe ao sujeito. Ao nascer, o indivíduo já se depara
com um estado de coisas que lhe é anterior e que praticamente não conseguirá
alterar sozinho.
Mesmo o sujeito não o aceitando, o Direito continuará a existir, enquanto
houver um mínimo de reconhecimento social.
Segundo Hans KELSEN,

“A eficácia é, nesta medida, condição da vigência, visto ao estabelecimento de uma


norma se ter de seguir a sua eficácia para que ela não perca a sua vigência. É de
notar, no entanto, que, por eficácia de uma norma jurídica que liga a uma
determinada conduta, como condição, uma sanção como conseqüência – e, assim,
qualifica como delito a conduta que condiciona a sanção -, se deve entender não só
o fato de esta norma ser aplicada pelos órgãos jurídicos, especialmente pelos
tribunais – isto é, o fato de a sanção, num caso concreto, ser ordenada e aplicada –
mas também o fato de esta norma ser respeitada pelos indivíduos subordinados à
ordem jurídica – isto é, o fato de ser adotada a conduta pela qual se evita a
sanção”408.

Dito de outro modo, “o desrespeito, ou o desconhecimento persistente,


continuado, generalizado, de uma norma, obrigará a tê-la por ineficaz”409.
Sob esta ótica, o Direito é essencialmente subjetivo. Sem mentes que o
representem, ele simplesmente não existe.
A aplicação do direito tem, contudo, uma pretensão objetivada. Busca-se
desvencilhar de cada indivíduo considerado isoladamente, para assentar-se sobre o
conjunto indefinido de subjetividades.
A norma independe da anuência de cada indivíduo particularizado, para que
se lhe faça oponível. Lei não é contrato. Logo, a sua fonte de legitimidade
independente da concordância de cada subjetividade atingida pelos seus ditames.

407
MARTÍNEZ, Soares. Filosofia do direito. 2ª ed. rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1.995, p.
369. O filósofo lusitano ressalva, no entanto, que uma ficção de tal naipe somente é admissível
quanto àquelas normas básicas, “Facilmente comunicadas pelo ambiente familiar, ou por uma
preparação escolar mesmo elementar” (Obra, p. 370). MARTÍNEZ não aceita esta presunção
quanto às normas complexas, eticamente neutras dos dias atuais.
408
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. Tradução de João Baptista Machado, São
Paulo: Martins Fontes, 1.998, p. 12.
409
MARTÍNEZ, Soares. Obra citada, p. 365. Atente-se também para as páginas 259-260 em que
o autor trata do caráter intersubjetivo das normas jurídicas.
161

Em hipótese diversa, cada indivíduo seria o núcleo gravitacional de um


ordenamento jurídico, escolhendo quais normas cumprir. Com isto, estaria
aniquilada a noção mais singela de Direito, enquanto conjunto de regras exigíveis,
imperativas, convertendo-se em mero conselho.
Todavia, se é fato que a efetividade mínima do Ordenamento não depende
da aquiescência de cada pessoa isolada – mas, tão-somente, de um conjunto
expressivo de subjetividades – isto não significa que este mesmo Direito não
possa ser condicionado, em determinados casos, à aferição do potencial
conhecimento das normas, pelos indivíduos.
No dizer de VENEZIAN, citado por Maria Helena DINIZ,

“O princípio de que a lei, transcorrido o tempo da vacatio, é obrigatória para todos


os cidadãos, independentemente do conhecimento que tenha qualquer pessoa, deve
entender-se, unicamente, no sentido de que a ignorância da lei não pode ser alegada
para escusar a ignorância dela e fugir às suas conseqüências; mas o erro e a
ignorância do direito podem ser invocados, a par do erro de fato, quando se trata de
mostrar a existência de um pressuposto, do qual a própria lei faz depender a
admissão ou a exclusão de determinados efeitos jurídicos, isto é, quando a alegação
do erro se destina a tornar sem efeito atos em que foi ele que determinou a vontade,
ou a aproveitar os efeitos legais da boa fé”410.

Esse entendimento é compartilhado por Jorge Figueiredo DIAS, que


enfatiza que o postulado da ignorantia legis neminem excusat deve ser cingido à
questão da efetividade geral do direito, enquanto ordem carente de aquiescência
de cada um dos seus destinatários.
Coisa diversa é a possibilidade de se alegar – frente a um Direito Penal
limitado pelo princípio da culpabilidade – o desconhecimento da ilicitude da
conduta, para fins abonatórios.
Ainda conforme Figueiredo DIAS411, esta pretensão à oponibilidade geral
trouxe sérias conseqüências para a evolução de um direito penal de
responsabilidade subjetiva. Confira-se:

“Um princípio unicamente atinente aos fundamentos de validade do direito (ou da


lei) se transformou, indevidamente, em princípio normativo para a culpa e para a
falta de consciência da ilicitude e havia de impedir, durante muito tempo, a livre

410
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil interpretada. 7ª ed. atual. São Paulo:
Saraiva, 2.001, p. 90.
411
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 63-64.
162

explanação do conteúdo jurídico-penal do nosso problema”412.

Em sentido próximo, defende Alcides MUNHOZ NETTO que

“A diferença reside em que a ignorância da lei é o desconhecimento dos


dispositivos legislados, ao passo que a ignorância da antijuridicidade é o
desconhecimento de que a ação é contrária ao direito. Por ignorar a lei, pode o
autor desconhecer a classificação jurídica, a quantidade de pena, ou as condições
da sua aplicabilidade, possuindo, contudo, representação da ilicitude do
comportamento. Por ignorar a antijuridicidade, falta-lhe tal representação. As
situações são, destarte, distintas, como distinto é o conhecimento da lei e o
conhecimento do injusto”413.

Tendo-se em conta, enfim, que o dogma do conhecimento do direito não é


empeço para que, na temática penal, se imponha uma regulação diversa, há que se
retornar ao exame da questão da culpabilidade, que mais de perto interessa ao
tema, consoante segue no item adiante.

2.6
Algumas notas sobre a culpabilidade:

Adotam-se, neste trabalho, os argumentos formulados por ROXIN, a


respeito da culpabilidade (teoria da dirigibilidade normativa), com os influxos do
trabalho de Cirino dos SANTOS (postulado da alteridade).
A teoria de ROXIN veicula, a rigor, uma solução de compromisso, pois não
aceita (mas também não rechaça) os dogmas deterministas ou indeterministas do
agir humano.
Ora,

412
Idem, p. 64 e 134.
413
MUNHOZ NETTO, Alcides apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de
proibição. Uma análise comparativa. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.003, p. 85. Consulte-se o
saudoso jurista paranaense diretamente na obra MUNHOZ NETTO, Alcides. A ignorância da
antijuridicidade em matéria penal, p. 20. Deve-se tomar cuidado, porém, com a afirmação de
que o desconhecimento da lei não pode dar causa a um verdadeiro erro de proibição, notadamente
quanto àqueles crimes meramente conjunturais de que fala Figueiredo DIAS; ou melhor, delitos
referidos a um desvalor ainda não sedimentado na consciência coletiva e que, como tal, são mais
facilmente suscetíveis ao erro (visto que, em tais casos, somente se “alcança” o conteúdo da
norma, mediante um especial dever de informação). Incisivo, neste sentido, SANTOS, Juarez
Cirino dos. Direito Penal, p. 315-317 e SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria do fato punível, p.
239 e ss. A respeito do tema consulte-se, por fim, ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI,
José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 498.
163

“El sujeto actúa culpablemente cuando realiza un injusto jurídicopenal pese a que
(todavía) le podía alcanzar el efecto de llamada de atención de la norma en la
situación concreta y poseía una capacidad suficiente de autocontrol, de modo que
le era psíquicamente asequible una alternativa de conducta conforme al
Derecho”414.

O jurista concebe uma nova categoria do conceito estratificado de delito, a


que denomina de responsabilidade penal415. Além de conceber a culpabilidade
como limite (e não como fundamento) da pena, exige ainda um requisito
adicional: a necessidade de prevenção especial, no mais das vezes
automaticamente reconhecida, em decorrência da previsão típica.
Pode-se dizer – em apertado resumo – que Claus ROXIN viabiliza uma
distinção mais clara entre os requisitos da censura estatal e a censura em si
(caráter normativo da culpabilidade).
Com efeito, para que haja censura penal soa indispensável que: i. o sujeito
seja imputável (vale dizer, tenha capacidade genérica de previsão normativa e
adequação de condutas às normas); ii. tenha acesso aos conteúdos normativos
(melhor dizendo, lhe seja possível formular uma autocensura jurídica, no
momento da conduta típica) e iii. seja exigível um comportamento diverso
daquele efetivamente realizado.
Presentes tais requisitos e havendo necessidade da pena416, o indivíduo seria
efetivamente responsabilizado pela conduta típica realizada.
Logo, é possível que uma conduta culpável reste exonerada da pena. O
contrário é que jamais deve ser admitido: pena sem culpabilidade.
No dizer de professor de Munique,

“Según la opinión aquí defendida, la pena presupone siempre culpabilidad, de


modo que ninguna necesidad preventiva de penalización, por muy grande que sea,
puede justificar una sanción penal que contradiga el principio de culpabilidad. La
exigencia de reconocimiento de la necesidad preventiva como presupuesto
adicional de la punibilidad significa únicamente una ulterior protección ante la
intervención del Derecho penal, en cuanto que ya no sólo se limita lo
preventivamente admisible mediante el principio de culpabilidad, sino que también
se restringe la posibilidad de punición de la conducta culpable mediante la

414
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 792.
415
Quanto ao tema, consulte-se ROXIN, Claus. Culpabilidad y responsabilidad como categorías
sistemáticas jurídicopenales. In: _____ Problemas básicos del derecho penal. Tradução e notas
de Diego-Manuel Luzón Pena. Madri: Réus, 1.976, p. 200-225.
416
No Brasil a categoria sistemática da necessidade de pena não está prevista (nem tampouco,
salvo engano, pode ser extraída diretamente da Constituição ou da Lei).
164

exigencia de que la misma sea preventivamente imprescindible”417.

Neste texto não se cuidará, com muitos detalhes, do requisito da necessidade


preventiva de pena, enquanto requisito adicional imposto pela teoria roxiniana
para a responsabilização criminal. Trata-se, por certo, de uma decorrência dos
postulados funcionalistas empreendidos pelo autor (Direito Penal protetor de bens
jurídicos fundamentais, livre de pré-juízos ontológicos).
Quanto à conceituação da culpabilidade penal, cumpre um breve exame a
respeito das teorias psicológicas e normativas, já tangenciadas anteriormente, ao
se tratar da evolução das teorias do dolo rumo à teoria limitada da culpabilidade,
esta última, esposada por Claus ROXIN, e também aqui acolhida.
Em síntese, pode-se dizer que a teoria psicológica da culpabilidade decorre
dos postulados positivistas. Ou seja, da dissecação da conduta humana em dados
objetivos (manifestação exterior, perceptível sensorialmente) e subjetivos
(elementos anímicos, insuscetíveis de prova). A culpabilidade consistia
justamente nestes últimos. Não tinha, portanto, qualquer conteúdo de
censurabilidade.
Antes, correspondia a uma espécie de imputação subjetiva (ligação psíquica
entre o autor e a sua conduta). Representantes desta corrente foram, entre outros,
BURI; VON LISZT; RADBRUCH; KOHLRAUSCH418.
Muitos são os defeitos desta concepção, decorrentes do critério apriorístico
adotado para classificar os elementos do comportamento delitivo. Em primeiro
lugar, a imprudência ficava totalmente deslocada. Não se adequava com o juízo de
tipicidade (objetivo/empírico). Também não guardava conexão com o dolo,
porquanto – ao contrário deste – na imprudência falta justamente a
vontade/aceitação do resultado típico.
Ademais, como diz Luiz Flávio GOMES, a teoria não explicava
suficientemente a razão da exclusão da pena em determinados casos em que há
evidente vontade da produção do resultado. Exemplos: coação moral irresistível e
obediência hierárquica de ordem não manifestamente ilegal419.
O tipo pretensamente neutro de BELING não resistiu às pesquisas de Max
Ernst MAYER e outros, cujos estudos revelaram a presença de elementos

417
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 793.
418
Idem, p. 794.
419
GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição, p. 45.
165

subjetivos na descrição típica, o que deitava por terra o pressuposto metodológico


em que se fiava a teoria psicológica pura da culpabilidade.
A partir de FRANK, foi posto em relevo que a culpabilidade não poderia, de
modo algum, coincidir com a intenção do agente. Enfermos mentais também têm
intenção de produzir o resultado lesivo, conquanto não possam ser tidos como
culpáveis. Surgia a noção de reprovabilidade420 (teoria normativa da
culpabilidade).
O sistema de FRANK mantinha conexão com os pressupostos
teleológicos/neokantistas, com destaque para o caráter interpretativo da realidade
fenomênica, realizado pelo Direito421.
Com GOLDSCHMIDT, foi desenvolvida a noção de inexigibilidade de
outra conduta, ao se reconhecer que – em muitos casos – condutas contrárias ao
dever ainda assim deviam permanecer imunes à pena.
Este desenvolvimento teve em FREUDENTHAL um novo aporte, ao
afirmar que “si para la no comisión del delito hubiera sido necesario un grado de
capacidad de resistencia que normalmente no puede exigirse a nadie, falta con el
poder el reproche, y con el reproche la culpabilidad”422.
Ainda se mantinha, porém, o dolo e a culpa como elementos da
culpabilidade, o que submete esta concepção às mesmas críticas endereçadas à
teoria psicológica pura.
O conceito normativo foi aprimorado com Hans WELZEL, ao segmentar os
elementos anímicos em vontade e valoração. Enquanto nos tipos dolos a vontade
está endereçada exatamente ao resultado vedado na Lei; nos tipos imprudentes o
propósito está endereçado a um fim lícito, havendo erro na execução deste plano.
Em ambos os casos, a consciência da ilicitude do agir (autocensura do
agente, ainda que potencial) passa a ser um dos requisitos para a censura jurídica

420
Idem, p. 795. Tenha-se em conta que “Não haverá culpa onde não houver censurabilidade,
mesmo que o substrato psíquico do tipo requerido se mantenha. A culpa exige, para além da
comprovação cognitiva de um certo substrato psíquico, uma valoração pelo juiz daquele
substrato”. DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito
penal, p. 141.
421
“As modificações e novas propostas apresentadas pelo teleogismo mantêm essa mesma
colocação, apenas ajustando-a ou procurando ajustá-las às exigências do direito positivo. Nessa
tarefa não obtêm, contudo, inteiro sucesso diante dos crimes omissivos, na tentativa, no tratamento
do erro e no concurso de agentes, bem como nos crimes culposos”. TAVARES, Juarez. Teorias
do delito, p. 114.
422
Idem, p. 796. Leia-se ainda RODRIGUES, Cristiano. Teorias da culpabilidade. Rio de
Janeiro: Editora Lumen Juris, 2.004, p. 39.
166

(externa) da conduta típica empreendida pelo autor. Exigia-se, assim, a


imputabilidade; a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de um
comportamento diverso daquele realizado.
Logo, o substrato empírico dos requisitos da culpabilidade foi praticamente
esvaziado. Mesmo a consciência da ilicitude – suscetível de alguma espécie de
conferência empírico/psiquiátrica (como quer ROXIN) – cuida-se, muito mais, de
um conceito valorativo, porque demanda, justamente, a aferição daquele
conhecimento que era devido, e não foi atingido pelo autor (violação ao dever de
informação; falta de reflexão, sendo possível ao agente, etc.).
Como explica Figueiredo DIAS, fiando-se em Arthur KAUFMANN,

“Dentro de pressupostos que Kaufmann pôde crismar, com razão, de racionalismo


subjetivista – conduz a uma culpa como pura normatividade, como mero juízo de
censura encabeçado pelo juiz e desprendido de todos os elementos (subjetivos) do
substrato anímico e psicológico; pois a partir daqui seria irrecusável constituir a
consciência potencial da ilicitude uma exigência do juízo de censura e, de nenhuma
forma, um momento do substrato psicológico ao qual aquele juízo se dirige”423.

De empírico apenas restou a própria conduta típica e ilícita que - enquanto


nível antecedente - é justamente o alvo da reprovação penal (censura da conduta
típica e ilícita realizada).
Enfatiza Claus ROXIN que

“De la misma manera que se debe distinguir entre supuesto de hecho del injusto y
juicio de injusto y que el injusto representa el objeto de la valoración junto con su
predicado de valor, se debe diferenciar entre supuesto de hecho de la
responsabilidad y juicio de responsabilidad y concebir la acción responsable como
unidad de la valoración y lo valorado. Al supuesto de hecho de la responsabilidad
en sentido estricto pertenecen todas las circunstancias que más allá del injusto son
determinantes para la responsabilidad”424.

423
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 142.
O jurista lusitano argumenta que a teoria normativa é meramente formal, porquanto não evidencia
qual é o conteúdo material de culpa do qual parte. Lembre-se, contudo, que WELZEL empreendeu
a uma defesa da liberdade enquanto categoria, ao distinguir os níveis antropológico,
caracterológico e categorial. Afirmou o pai do finalismo que “Tampoco el derecho penal parte de
la tesis indeterminista de que la decisión delictiva proceda totalmente o en parte de la voluntad
libre y no del concurso de disposición y medio ambiente, sino del conocimiento antropológico de
que el hombre, como ser determinado a la auto responsabilidad está existencialmente en la
situación de configurar finalmente (conforme a sentido) la dependencia causal de los impulsos. La
culpabilidad no es un acto de libre autodeterminación, sino justamente la falta de determinación
de acuerdo a sentido en una sujeto responsable”. WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p.
210.
424
Idem, p. 797.
167

A noção de culpabilidade como censura da conduta típica diz muito


pouco425. Cuida-se de um conceito exclusivamente formal. Reprova-se a conduta
porque a Lei assim o quer. Nada indica, todavia, quanto a um critério material que
possa dar causa a esta reprovação. Afinal, por que motivos a Lei censura o
indivíduo por ter cometido o fato típico? Qual é o critério que permite diferenciar
entre as condutas ilícitas reprováveis e, aquelas outras, exoneradas da pena?
Há muito se busca uma resposta para tais provocações.
No fundo, o que se discute é a complexa questão da liberdade do agir
humano. Afinal, muitas escolhas são negadas ao homem, a começar pelo seu
nascimento. Também não controla, em absoluto, o seu próprio devir. Como é
possível a liberdade em um mundo causal?
Para George von WRIGHT, sucessor de WITTGENSTEIN em Cambridge,
a liberdade decorre de uma capacidade – reconhecida a todos os homens – de se
desembaraçar das paixões que o prendem ao mundo causal. Na síntese de Amparo
GÓMES,

“El individuo es, en buena medida, resultado social, pero tiene capacidad de decidir
y de obrar (podía haber actuado de otra forma, como ya señalo Moore); está ligado
a necesidades, pero no determinado por ellas. No es la autoridad absoluta sobre sus
preferencias y deseos, pero es capaz de auto evaluación reflexiva, acción y
proyecto. Son sujetos de responsabilidad y, por consiguiente, de moralidad,
dotados de racionalidad”426.

Do próprio von WRIGHT, colhe-se que

“La conducta humana – incluyendo los aspectos físicos de las acciones – también
puede ser estudiada como reacciones a estímulos (internos y externos). El ser
humano no es menos máquina de lo que lo son los animales. Antes bien se diría
que lo es más porque su maquinaria es más compleja, más desarrollada. No es por
425
Nesse sentido, de cabal importância a exposição de Figueiredo DIAS: “Diremos então que a
concepção da culpa como mera normatividade impõe, sem mais, a relevância da consciência
potencial da ilicitude? Do que fica dito já resulta que não. Culpa é censurabilidade. Mas o que é
censurável? Um acto no seu puro conteúdo externo-objetivo ou também na sua qualidade de
desvalor jurídico? Uma certa conformação da vontade do seu autor? A periculosidade deste? Uma
certa condução ou decisão da sua vida, uma defeituosa preparação ou formação da sua
personalidade? Um certo carácter ou formação da sua personalidade que no fato se exprimiu? E
depois: o que censurabilidade? O actuar-se contra o dever no pressuposto do poder agir de outra
maneira? Ou simplesmente um certo sentido objectivo do desvalor jurídico? Eis só algumas das
perguntas que de forma mais próxima condicionam a relevância ou irrelevância da consciência da
ilicitude como problema de culpa e às quais se não pode responder com o simples apelo a uma
concepção da culpa como pura normatividade ou censurabilidade”. Confira-se em DIAS, Jorge de
Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 143.
426
GÓMES, Amparo na introdução à obra WRIGHT, Georg Henrik von. Sobre la liberdad
humana. Tradução de Antonio Canales Serrano. Barcelona: Editora Paidós, 2.002, p. 45.
168

estar exento de la esclavitud de la ley natural que el ser humano es un agente libre.
Lo es porque podemos comprenderle de una manera, en tanto que persona, en la
que nosotros – o muchos de nosotros al menos – no podemos comprender al resto
427
de la creación” .

Em síntese, atente-se para as seguintes tentativas de fundamentação de um


culpa material428: a) poder atuar de outro modo; b) desaprovação da atitude
interna de lesar o bem jurídico tutelado; c) dever de responder por quem se é; d)
necessidade de prevenção geral e e) atuação contrária à dirigibilidade normativa.

2.6.1
Livre arbítrio:

Quanto à primeira justificação, anote-se o entendimento do


Bundesgerichthof (Tribunal Federal Alemão):

“La culpabilidad es reprochabilidad. Con el juicio de desvalor de la culpabilidad se


le reprocha al sujeto que no se haya comportado conforme al derecho, decidirse
pelo Derecho. La base interna del reproche de culpabilidad radica en que el ser
humano está revestido de autodeterminación moral libre, responsable y es capaz
por ello de decidirse por el Derecho y contra el injusto”429.

Sabe-se, no entando - como enfatiza SILVESTRONI - que a mencionada


liberdade é totalmente indemonstrável, “ya que es posible que todos los seres
humanos estemos condicionados para actuar de uno u otro modo y que la
decisión de cometer el delito esté determinada en todos o en la mayoría de los
casos”430.
A opinião é compartilhada por Figueiredo DIAS.
O professor lusitano argumenta que o problema está, primeiramente, em
comprovar a existência de uma vontade livre, incondicionada. Em segundo lugar,
também há a dificuldade de se diferenciar uma vontade livre de uma não livre431.
Sob o argumento de que nenhuma das ciências ditas naturais (empíricas)
conseguirá demonstrar a real liberdade humana, conclui Figueiredo DIAS que

“E assim nada mais restará que compreender o poder de agir de outro modo, a

427
WRIGHT, Georg Henrik von. Sobre la liberdad humana, p. 115.
428
ESER, Albin; BURKHARDT, Björn. Derecho penal, p. 298-302.
429
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 799.
430
SILVESTRONI, Mariano H. Teoría constitucional del delito, p. 331.
431
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 184.
169

capacidade de autodeterminação, como capacidade moral de toda a pessoa humana


que lhe advém qual puro postulado do próprio dever ser (tu podes, pois tu deves).
Só que isto não basta, como é evidente, para legitimar eticamente a culpa da
vontade: esta tem como pressuposto ou mesmo como conteúdo aquela capacidade
de autodeterminação, não basta que ela possa afirmar-se em geral, mas é precisão
que, como capacidade real de uma pessoa concreta em um certo momento, seja
comprovável na situação, fornecendo assim o critério prático para distinguir acções
livres de acções não livres, acções mais livres de acções menos livres.
Simplesmente também hoje reconhecemos que a afirmação de uma concreta
capacidade de autodeterminação em uma certa pessoa e em uma certa situação –
quando não seja contraditória com a própria idéia de liberdade – é absolutamente
432
inverificável e por ninguém poderá ser avançada de modo responsável” .

Adverte Claus ROXIN, por seu turno, que tanto o determinismo quanto o
indeterminismo são conceitos metafísicos, insuscetíveis de demonstração
empírica.
Do mesmo modo que não se pode afirmar que a formação da vontade
humana seja sempre livre; que sempre haja opção de agir de outro modo; do
mesmo modo não se pode recusar terminantemente esta liberdade. Ambos os
posicionamentos são impassíveis de prova.
Porém, como quer ROXIN – ainda que esta liberdade absoluta não possa ser
negada ou confirmada – é certo que não se presta como um fundamento válido
para o juízo de censura penal.
Isto porque não indica qualquer critério para a diferenciação entre uma
vontade livre e uma não livre433. Acaba redundando em um aspecto meramente
formal.
Por outro lado, o subterfúgio de substituir o autor real por um arquétipo (um
homem médio) acaba por negar a premissa de que se parte. O autor não é o homo
medius: “Desde una perspectiva indeterminista es imposible basar un reproche
moral contra una persona individual en capacidades que quizá otras personas
tengan, pero que precisamente le faltan al sujeto!”434.

432
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 187. Também impugnando o postulado do livre
arbítrio, leia-se GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. O futuro do direito penal: (tem algum futuro
a dogmática-jurídico penal?), p. 14 e ss.
433
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 799.
434
Idem, p. 799-800. Também neste sentido, DIAS: “O caminho para tal estará numa qualquer
abstração do concreto poder deste agente nesta situação; e na generalização correlativa para um
poder normal ou médio: para, segundo um padrão ainda subjectivado, o poder normal no homem
com as capacidades do agente, ou para, segundo um critério objectivado, o poder do homem
médio. Mas também assim não desaparecerão as aporias em que incorre o conceito de culpa
construído nesta base. Tomando como critério a generalização do poder individual do agente –
mesmo que ela se considere ainda compatível com a tese indeterminista – continuam a faltar todos
os padrões objectivos sociais necessários à valoração da culpa e permanecem irredutíveis as
170

Em síntese, o livre arbítrio não pode ser erigido em fundamento para o juízo
de censura penal, porquanto – além de ser inaferível - não viabiliza um critério
prático de distinção entre condutas culpáveis e não culpáveis.

2.6.2
Censura da atitude interna reprovável:

Melhor sorte não merece a segunda corrente aqui tratada, que entende a
culpabilidade como sendo a censura da atitude interna reprovável.
Cuida-se de teoria atribuída a GALLAS, WESSELS e
SCHMIDHÄUSER435 - mas que pode ser associada também à noção de boa
vontade436 kantiana – segundo a qual a culpabilidade teria por objeto uma atitude
interna do autor contrária ao bem jurídico tutelado. Estar-se-ia censurando o
menoscabo individual (a indiferença ou a aversão) aos valores tutelados pelo
Direito.
Para SCHMIDHÄUSER,

“La culpabilidad jurídico penal es el comportamiento espiritual lesivo de bienes


jurídicos… con ella se quiere decir que el sujeto también ha lesionado en su
comportamiento espiritual el bien jurídico lesionado por el comportamiento de su

antinomias entre a medida do poder individual (mesmo generalizado) e as exigências do dever


social (...) E faltará então explicar como é possível construir a culpa sobre um dever que já não
depende da vontade livre do agente, sem do mesmo passo fazer perder àquele conceito a sua
irrenunciável fundamentação ética”. DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 189.
435
GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição, p. 164. ROXIN, Claus. Derecho
penal, p.
436
O fundamento da moralidade para KANT está no cumprimento do dever pelo próprio dever.
Como diz o próprio KANT na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, “Ilimitadamente bom
é apenas uma vontade boa (...) Aquilo que é ilimitadamente bom não é de modo algum relativo,
mas simples ou absolutamente bom. Por isso a Sittlichkeit (moralidade) não pode designar a
aptidão funcional (técnica, estratégia, pragmática) de ações ou de objetos, estados, eventos e
capacidades para objetivos previamente dados, tampouco meramente a concordância com usos e
costumes ou com obrigações do direito de uma sociedade. Pois em todos estes casos o ser bom é
condicionado por pressupostos favoráveis ou circunstâncias. Mas o simplesmente bom é, a partir
do seu conceito, isento de toda condição limitante, portanto, incondicionado, ele é bom em si e
sem ulterior objetivo”. HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant, p. 191. Para KANT, o dever é a
moralidade na forma de um imperativo, somente explicável em face de seres cuja vontade não é,
naturalmente, boa (o homem, em suma). “Só se pode falar em dever onde há, ao lado de um
apetite racional, ainda impulsos concorrentes das inclinações naturais, onde há, ao lado de um
querer bom, ainda um querer ruim ou mau. Esta circunstância é o caso em todo ser racional que é
dependente também de fundamentos determinantes sensíveis. Tal ente racional sensível ou finito é
o homem”. Ou melhor, “O ser-bom ilimitado só se cumpre lá onde o correto moral não é
realizado a partir de nenhuma outra razão que pele fato de ele ser moralmente correto, lá,
portanto, onde o próprio dever é queiro e é como tal cumprido. Só nestes casos Kant fala de
Moralidade (Moralität). (...) À diferença da legalidade, a moralidade não pode ser constatada na
ação mesma, mas somente em seu fundamento determinante, no querer”. HÖFFE, Otfried. Obra
citada, p. 193-194.
171

voluntad, es decir…. Que o lo ha tomado en serio”437.

Por mais que o critério formulado por SCHMIDHÄUSER aproxime-se da


questão da dirigibilidade normativa, é fato que não permite justificar o juízo de
culpabilidade, dado que é de difícil justificativa a afirmação de que o sujeito não
teria levado a sério438 o bem jurídico naquelas específicas hipóteses em que, por
vários motivos, não lhe pode ser imputada a responsabilidade pela falta de
introjeção valorativa (educação deturpada, por exemplo); como tampouco explica
a razão pela qual determinados enfermos – por mais que estejam em contato
espiritual com os bens jurídicos lesados – devem ser considerados inimputáveis.

2.6.3
Dever de responder pelo próprio caráter:

Cuida-se de justificação com lastro filosófico em SCHOPENHAUER439 e


ARISTÓTELES440, e com vários adeptos na área penal, com destaque para
DOHNA; ENGISH e Figueiredo DIAS (culpabilidade pela personalidade
demonstrada no fato441).
Uma especial atenção deve ser atribuída para o entendimento deste último

437
SCHMIDHÄUSER apud ROXIN, Claus. Obra citada, p. 801. Observe-se que
SCHMIDHÄUSER defende a exigência de uma atualidade da consciência da ilicitude, no
momento do fato, por meio de um pensamento material (Sachdenken), “Cuja característica
essencial no que aqui importa estaria, por oposição ao pensamento pela fala, (Sprachdenken), na
rapidez com que actualiza um saber que se possui e que, embora não de forma reflectida, chega à
consciência de modo suficiente a fazê-la ponderar na decisão pela ação”, tema que se mostra
importante para a chamada co-consciência (ao se examinar um altar, já se imagina,
automaticamente, uma igreja, conforme exemplo de ROXIN). Confira-se a respeito com DIAS,
Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude no direito penal, p. 216. Referida
categoria poderia ser associada ao estranhamento heiddegariano (quebra da trama de sentido).
438
O que, ademais, aproximam os autores da nefasta categoria da hostilidade ao direito, como se
houvesse uma predisposição inata para agredir a Ordem Jurídica.
439
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 195,
em nota de rodapé.
440
Para ARISTÓTELES o desconhecimento das obrigações universais (identificados, no fundo,
com os crimes ‘naturais’ de GARÓFALO), teria sempre como causa uma maldade do caráter, na
sua qualidade anti-social ou, mais exatamente, na vida total do indivíduo despida de valores
altruístas. Leia-se DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 295 e p. 190, citando o seguinte
trecho da Ética a Nicômaco: “Não é por efeito da natureza nem contrariamente a ela que as
virtudes nos cabem; se temos a predisposição natural para adquiri-las, ela, na realidade, só se
actualiza através do hábito (...) Que nos tenhamos tornado aquilo que somos, é coisa de que nós
mesmos somos culpados, na medida em que nos deixamos chegar a tal; que sejamos injustos e
intemperantes é coisa de que nós mesmos somos culpados, porque repetidamente cometemos
injustiças ou porque passámos o tempo a embriagar-nos ou em actividades análogas. Pois as
ações que exercemos numa certa direcção fizeram de nós mesmos aquilo que somos”.
441
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 247-
248.
172

autor. Isto porque, partindo do seu conceito de culpabilidade, DIAS desenvolve


um critério bastante interessante para tratamento do erro na matéria penal
(diferença entre erro de cognição e erro moral, com lastro em NOWAKOWSKI).
DIAS, depois de demonstrar a autonomia do problema da consciência da
ilicitude frente aos “pré-juízos” construtivo-sistemáticos; de formular uma
rigorosa avaliação da evolução dogmática e de criticar os postulados
indeterministas (culpabilidade pela formação da vontade), defende
intransigentemente uma culpabilidade de personalidade.
Argumenta, para tanto, que “o fundamento da culpa e o seu critério se não
encontram na má utilização de qualquer poder agir de outra maneira, mas
verdadeiramente na violação de um dever de conformação da personalidade do
agente às exigências do direito”442.
O autor busca compreender, desse modo, as razões que tornam o
comportamento típico/ilícito como reprovável, bem como, por que razão se
poderia censurar esta mesma conduta quando faltasse aquela consciência da
ilicitude443 (faltou autocrítica ao agente de um fato penalmente típico e ilícito).
Ao mesmo tempo, parte de uma identificação entre a conduta dolosa e certa
malícia (aversão ao bem jurídico), enquanto que a imprudência poderia ser
compreendida materialmente como insensatez444.
Nas palavras do autor,

“Dolo e negligência devem (como a própria culpa a que pertencem ou com quem
se encontram fundamentalmente conexionados) receber a sua determinação da
posição ética, da atitude pessoal do agente perante o dever-ser jurídico-penal e,

442
Idem, p.193.
443
Idem, p. 248.
444
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 252, com lastro em STURM. Leia-se também a p.
279, em que argumenta que “O automobilista que, seguindo numa estrada em noite enevoada e
sentindo um embate um veículo, continua o seu caminho porque supôs tratar-se de uma pedra ou
de um animal – quando na realidade se tratava de uma criança que ficou gravemente ferida –
actua, relativamente ao facto tipicamente relevante (abandono do sinistrado), com falta de
conhecimento de um elemento típico, com uma falta ao nível da sua consciência psicológica que
impede a consciência-ética de se orientar esclarecidamente para o problema em causa (o do
abandono). Já, porém, o automobilista que se dá conta que embateu numa criança e, vendo-a
gravemente ferida, se não põe a questão do dever de a socorrer, ou se não julga juridicamente
obrigado a fazê-lo e assim (v.g., para se não atrasar no caminho ou não manchar de sangue os
estofos do seu carro) a abandona, possui ao nível da sua consciência psicológica todos os
elementos necessários para que a consciência ética se ponha e decida correctamente o problema do
desvalor em causa. Diremos nós, apesar disto, que o significado axiológico-normativo destas
condutas é o mesmo para a culpa?” Este tema também foi suscitado na obra DIAS, Jorge de
Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas, p. 391-305 (‘As duas espécies
de erro e a diferença de culpabilidade que entre elas intercede’).
173

com isto, do próprio cerne da personalidade ética”445.

Com efeito, para DIAS, pode-se falar em uma modalidade de culpa dolosa e
outra culposa, enquanto diferentes graus de manifestação do defeito da
personalidade ética. A culpa dolosa consiste na

“Expressão, documentada no facto, de uma atitude pessoal contrária ou indiferente


ao dever-ser jurídico-penal e culpa negligente a expressão, documentada no facto,
de uma atitude descuidada ou leviana em face das exigências daquele mesmo
dever-ser”446.

Para DIAS, não basta que o autor tenha consumado uma conduta típica e
ilícita com conhecimento e vontade do fato. Exige-se uma atitude de aversão aos
valores jurídicos que dão causa àquela proibição (“uma atitude pessoal de
contrariedade ou indiferença ao direito”447). Já na conduta imprudente, deve
haver uma manifestação de personalidade leviana, frente ao cuidado indispensável
à vida em comunidade.
Fica a ressalva, feita pelo próprio jurista, de que não seria qualquer desvalor
ético o objeto da censura penal, mas antes, exclusivamente aquele manifestado em
cada figura típica (razão pela qual aceita a tese da divisibilidade da consciência da
ilicitude448).
Disso tudo, Figueiredo DIAS extrai a conclusão de que – para a aferição de
uma consciência da ilicitude – basta que o agente tenha uma advertência dos
sentimentos, de que a sua conduta atinge valores jurídicos449. A falta do

445
Idem, p. 253.
446
Idem, p. 254.
447
Idem, p. 255.
448
Conforme a jurisprudência alemã, quem pratica um crime em concurso formal ou material com
outro delito, consciente, entretanto, apenas da ilicitude de um único tipo, não poderia alegar o erro
de proibição quanto ao outro. No exemplo referido por DIAS, segundo estes precedentes, o sujeito
que, sendo casado, mantém relações sexuais com a filha, não poderia alegar a falta de
compreensão da ilicitude do incesto, desde que tivesse a consciência do caráter injusto do
adultério. Figueiredo DIAS argumenta, com razão, que isto implica em uma verdadeira versari in
re illicita (O sujeito que age ilicitamente se torna responsável de todas as conseqüências daí
decorrentes, mesmo aquelas não controláveis pela sua psique), ou seja, responsabilidade objetiva,
pura e simples (ampliação da censura penal, sem uma correspondente motivação). Confira-se
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 261.
449
Idem, p. 257-258. Caso falte o dolo, todavia, por si só faltaria a culpa, “por certo que, com ter o
agente incorrido numa falta de representação da realização típica, não fica excluído que ele possa
possuir, em geral, uma má consciência-ética (que pode até existir quando a própria realização
típica acabou por não ter lugar); mas fica excluída a possibilidade de se por uma qualquer falta de
consciência-ética como fundamento da realização e nela documentada”. DIAS, Jorge de
Figueiredo. Obra citada, p. 265.
174

conhecimento da Lei não seria óbice para o juízo de censura penal, desde que a
valoração da lei guarde sintonia com uma valoração ética mais ampla.
Por outro lado, ainda segundo este critério, o agente pode até conhecer a lei
e, contudo, não possuir, no momento da conduta, a consciência ética a que se
refere o professor lusitano. Isto ocorre quando o autor se supõe em uma situação
de exceção ou, ao contrário, quando julga a norma inválida, perante todo
Ordenamento Jurídico.
Desse modo, parte para uma diferenciação entre uma culpa material dolosa e
a imprudente, como segue:

“Tudo o que fica em aberto, nas hipóteses de que agora curamos, é a censura
própria do tipo de culpa negligente. Também esta é, como vimos, culpa de
personalidade, também ela se liga a uma não correspondência da pessoa às
exigências do dever-ser jurídico-penal. Só que a atitude e a personalidade que aqui
se exprimem são qualitativamente diferentes das que fundamentam a culpa dolosa;
as duas possuem a mesma base – um defeito da personalidade ético-juridicamente
relevante -, mas cada uma delas resulta diferenciadamente, de forma imediata,
desta essência da culpa: além um atitude de contrariedade ou indiferença ao dever-
ser jurídico-penal ancorada em último termo numa deficiência da consciência-ética,
numa sua censurável posição perante os valores jurídico-penais; aqui, uma atitude
de leviandade ou descuido perante aquele dever-ser, que não implica uma
deficiência da consciência-ética, mas antes se liga imediatamente à não-prestação
de uma diligência devida e exigível”450.

Vê-se que, para Figueiredo DIAS, haveria uma diferença substancial entre a
culpabilidade dolosa e imprudente, relacionadas a duas atitudes de personalidades
manifestadas no ato.
Figueiredo DIAS colhe, deste conceito material de culpabilidade, uma
distinção entre o erro intelectivo (falta de conhecimento de um substrato para
orientação da consciência ética) e o erro valorativo ou de sentimento (no fundo,
um erro quanto à introjeção normativa).
Nas palavras do autor,

“De acordo com o aludido critério subjectivo, pode a falta ou o erro intelectual em
que se traduz a não-previsão e co-determinar a expressão no facto de uma
personalidade descuidada ou leviana perante o dever-ser jurídico penal, quando
fosse de esperar, de um homem dotado das forças intelectuais do agente, mas com
a personalidade ético-juridicamente relevante conformada com a que a ordem
jurídica supõe e exige, que este tivesse alcançado a devida previsão. Quando, pelo
contrário, também do homem portador de uma personalidade conformada com a

450
Idem, p. 266.
175

ordem jurídica não fosse de esperar o alcance da devida previsão, toda a culpa fica
excluída; pois o que então se exprime no facto e o fundamenta só pode ser uma
insuficiência ou diminuição da capacidade intelectual que não pertence aos
451
componentes ético-juridicamente relevantes da personalidade” .

Conquanto o critério distintivo proposto por Figueiredo DIAS seja de


extremo relevo – sobremodo ao viabilizar um tratamento mais completo do erro
incidente sobre os tipos eticamente neutros - é fato que não se pode aceitar o
fundamento de uma culpa de personalidade.
Em primeiro lugar, porquanto continua a haver a substituição do autor por
um arquétipo (homo medius), o que foi criticado pelo próprio Figueiredo DIAS ao
tratar da culpa pela formação da vontade.
Por outro lado, fica já nítido que a referida teoria tende a uma culpabilidade
por condução de vida. Vê no delito uma manifestação do ser do agente contra os
valores de probidade/piedade (como que recuperando GARÓFALO452), o que não
pode ser aceito, frente a postulados democráticos.
Confira-se, por exemplo, no seguinte excerto, em que o autor trata da falta
da consciência da ilicitude, “se lograr comprovar-se que tal falta ficou a dever-se,
directa e imediatamente, a uma qualidade desvaliosa e jurídico-penalmente
relevante da personalidade do agente, aquela deverá sem mais considerar-se
censurável”453.
A reprovação da culpabilidade deve estar endereçada à conduta, e não ao
agente, sob pena de regresso a um nefasto direito penal do autor, no qual o crime é
concebido como manifestação da essência do sujeito. Ao Estado não é dado
desqualificar o indivíduo, mas apenas os seus atos.
Além disso, se o crime é a manifestação de um defeito de personalidade, o
que impede o seu “aperfeiçoamento” mediante certo adestramento (ou
doutrinação)? Pode, por acaso, o Estado avocar-se a prerrogativa de melhorar o
indivíduo?
Certamente, uma pretensão de tal naipe esbarra no enaltecimento da
dignidade da pessoa humana à condição de fundamento do próprio Estado.
Na certeira crítica de ROXIN,

451
Idem, p. 268.
452
A respeito de GARÓFALO, leia-se MOLINA, Antonio García-Pablos de. Criminología. Una
introducción a sus fundamentos teóricos. 5ª ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2.005, p. 240-243.
453
Idem, p. 363.
176

“A tese segundo a qual todos devem responder pelo próprio caráter não deixa de
ser uma afirmativa interessante; ela não pode, entretanto, ocultar a ausência de
qualquer fundamentação definitiva. Uma reflexão mais sóbria trará argumentos
convincentes contra ela. Afinal, se existe total acordo a respeito de que anomalias
físicas (como uma corcunda, uma paralisia ou a cegueira) não podem ser
reprovadas àquele que as porta, então não se compreende o porquê de se dispensar
tratamento diverso a anomalias psíquicas. Isto vale independentemente de serem os
defeitos psíquicos inatos ou decorrentes de condições de socialização
desfavoráveis; pois, como diz a linguagem cotidiana, de modo bastante correto, a
pessoa portadora de tais faltas não é culpada disto”454.

Ainda, o argumento de DIAS não consegue elucidar as razões pelas quais


haveria casos de inimputabilidade. Afinal, frente à premissa adotada (defeito de
personalidade denotado no comportamento típico), também os esquizofrênicos
poderiam vir a ser responsabilizados.
Por mais que se deva reconhecer o hercúleo trabalho de fundamentação de
Figueiredo DIAS, a referida teoria não pode ser aceita como justificação de uma
culpabilidade material.

2.6.4
Teoria de Günther JAKOBS:

Cuida-se de um conceito atrelado à tutela da segurança jurídica, vale dizer,


da estabilidade das expectativas normativas da população, já examinada
anteriormente.
Mariano SILVESTRONI, em feliz passagem, denominou referida teoria
como sendo “la muerte de la culpabilidad”455.
Com efeito, para JAKOBS, a culpabilidade ocorre quando, na prática de um
fato ilícito, o agente demonstra um déficit de fidelidade à norma, atingindo a
expectativa normativa dos demais indivíduos. Para recomposição da norma –
adotando categorias de HEGEL; LUHMANN e também de FREUD (reafirmação
dos tabus) – o autor justifica a imposição da pena.
A teoria do JAKOBS, quanto aos aspectos aqui tratados, revela-se
excessivamente formalista, despreocupada com o exame do conteúdo das normas
tuteladas pela pena.

454
ROXIN, Claus. A culpabilidade e sua exclusão no direito penal in: Revista brasileira de
ciências criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 12, número 46, janeiro-
fevereiro de 2.004, p. 55.
455
SILVESTRONI, Mariano H. Teoría constitucional del delito, p. 328.
177

Consoante adverte ROXIN456, a vinculação absoluta da justificação da pena


com a prevenção geral implica na instrumentalização do homem, comprometendo
postulados consolidados nos imperativos categóricos kantianos.
Para SILVESTRONI, por mais que não se possa negar a coerência interna
da teoria de Günther JAKOBS,

“La teoría funcional de la culpabilidad constituye, a mi juicio, un retroceso del


concepto sobre sí mismo hacia su forma más primitiva. Inicialmente, la
culpabilidad era un dato objetivo (la vinculación subjetiva con el hecho relevada
por la ley penal) y carecía del sentido garantista y razonabilizador que le dio la
teoría normativa al introducir el juicio de reproche, cuya única función dogmática
concreta es la de negar el delito cuando falta la libertad. Con el ataque a la liberta y
su reemplazo por consideraciones preventivas (que dependen de la razón de
Estado) el concepto de culpabilidad vuelve hacia atrás, porque pierde su sentido de
garantía y su contenido limitador el poder estatal”457.

Segundo Claus ROXIN,

“A ello se añade que no poseemos un parámetro para establecer lo que es necesario


para la estabilización de la confianza en el ordenamiento y cuándo una
perturbación del orden puede ser asimilada de otra manera sin punición. Así se deja
al arbitrio del legislador o del juez y en una vacilante inseguridad lo que haya que
entender por culpabilidad. Finalmente se plantea la cuestión de si una concepción
del Derecho penal que intenta ser puramente preventivogeneral no destruye o
aminora desde un principio, precisamente por esa intención, su efecto preventivo.
Pues el que se divulgue entre la población que el si y el cómo de la pena no
depende de lo que un ha hecho con la actitud que sea, sino de lo que al juez le
parezca necesario para el restablecimiento de la confianza en el ordenamiento, y
que la culpabilidad se puede p.ej. negar cuando existan instituciones terapéuticas
adecuadas, pero afirmarse cuando falten, provocará intranquilidad y difícilmente
podrá estabilizar el sistema”458.

Conclui-se, enfim, que a teoria jakobsiana não pode ser erigida como
fundamento material da culpabilidade. Não indica qualquer critério concreto para
distinção entre um culpável de um não culpável.

2.6.5
Teoria da dirigibilidade normativa:

Cuida-se de uma proposta inicialmente empreendida por NOLL459, e aceita


– ainda que contornos pouco diversos – por LISZT e ALBRECHT. Enfatiza

456
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 806.
457
SILVESTRONI, Mariano H. Obra citada, p. 330.
458
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 806-807.
459
Confira-se com SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 282.
178

ROXIN que

“Ao direito penal não importam os conceitos de culpabilidade de outras disciplinas,


muito menos da metafísica. O juiz penal não exerce a magistratura como
representante da divindade, não se podendo permitir juízos éticos com mais caráter
vinculante do que possuem as concepções morais do cidadão normal, juridicamente
leigo”460.

Por sinal, ESER-BURKHARDT argumentam que

“En realidad, lo decisivo no es que el ordenamiento jurídico deba partir de una


imagen indeterminista del ser humano o no. Por el contrario, la cuestión se
circunscribe a establecer si en principio el ordenamiento jurídico debe ocupar la
posición del sujeto que actúa y convertir su consciencia de libertad en el
fundamento de culpabilidad y responsabilidad”461.

Seguindo essa premissa, ROXIN enfatiza também que a eliminação do azar


como fator de responsabilização penal e a correspondente superação de um direito
penal fundado apenas no resultado foram as maiores conquistas obtidas com o
princípio nulla poena sine culpa.
No dizer do professor de Munique, define-se como culpável a atuação
injusta em que pese a acessibilidade ao conteúdo da proibição462.
Ou melhor,

“Con ello se quiere decir que hay que afirmar la culpabilidad de un sujeto cunado
el mismo estaba disponible en el momento del hecho para la llamada de la norma
según su estado mental y anímico, cunado (aún) le eran psíquicamente asequibles
posibilidades de decisión por una conducta orientada conforme a la norma, cuando
la posibilidad (ya sea libre, ya sea determinada) psíquica de control que existe en el
adulto sano en la mayoría de las situaciones existía en el caso concreto”463.

Com efeito, para ROXIN, “A culpabilidade, para o direito penal, é a


realização do injusto apesar da idoneidade para ser destinatário de normas e da
capacidade de autodeterminação que daí deve decorrer”464.

460
ROXIN, Claus. A culpabilidade e sua exclusão no direito penal, p. 48.
461
ESER, Albin; BURKHARDT, Björn. Derecho penal, p. 301. Segundo mencionam os autores,
a resposta à pergunta acima formulada há de ser respondida obviamente com um ‘sim’ em letras
garrafais, porquanto qualquer outra opção redundaria em violência ao postulado constitucional da
dignidade da pessoa humana enquanto conteúdo ético em que se funda o Estado. Melhor dizendo,
é o Estado que se legitima a partir do indivíduo; jamais o contrário (o valor do indivíduo não poder
ser dimensionado a partir de outro elemento que não o simples fato de ele ser humano!).
462
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 807.
463
Idem, p. 807.
464
ROXIN, Claus. A culpabilidade e sua exclusão no direito penal, p. 52.
179

Por conseguinte – como exemplifica o autor – caso se parta da premissa que


ultrapassar um sinal vermelho é crime, e determinada pessoa espera,
impecavelmente, até que o sinal se torne verde; contudo, logo mais adiante, ela
ultrapassa o sinal vermelho, pode-se dizer que agiu culpavelmente.
Ao mesmo tempo, também argumenta que, caso uma específica pessoa -
com desenvolvimento mental incompleto - não consiga entender o código de
conduta subjacente à alteração da cor do semáforo, a sua conduta deverá ser
excluída desde logo de qualquer censura criminal465.
Também sustenta que – conquanto se possa vincular a motivação normativa
à teoria do livre arbítrio (agir de outro modo) – não são conceitos necessariamente
imbricados.
Com efeito,

“Se alguém realiza um ilícito típico, inexistindo dúvidas a respeito de sua


idoneidade para ser destinatário de normas, então dizemos que ele deveria e
poderia ter agido diversamente, sendo, assim, de declarar-se culpável. Somente,
porém, a capacidade para ser destinatário de normas é passível de verificação
empírica e, apesar das várias dificuldades, em princípio comprovável. Se alguém
está em condições de compreender a ilicitude de seu agir, e se, ou em que medida,
sua capacidade de autocontrole está reduzida ou prejudicada, tal pode ser
verificado através de métodos psicológicos ou psiquiátricos. Mesmo o leigo pode
verificar em si próprio a redução de sua orientação intelectual e de capacidade de
autodeterminação, sobrevinda após uma intensa bebedeira”466.

Ao contrário da capacidade de agir de acordo com as normas (acessibilidade


normativa), o poder agir de outro modo é indemonstrável.
Claus ROXIN adota uma premissa comum com Günther JAKOBS,
porquanto sustenta que “lo decisivo no es el poder actuar de otro modo, sino que
el legislador desde puntos de vista jurídicopenales quiera hacer responsable al
autor de su acción”467.
Enquanto Günther JAKOBS fia-se em um Estado de viés Hobbesiano,
465
Aqui fica a impressão de que a teoria de ROXIN serviria muito mais para explicar os casos em
que falta a culpabilidade do que, realmente, aqueles casos em que a mesma está presente.
Ademais, algumas outras críticas à concepção roxiana encontram-se abrangidas por aquelas
endereçadas por DIAS às teorias da motivação normativa, que aqui não serão examinadas com
maior profundidade, contudo. Confira-se em DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da
consciência da ilicitude em direito penal, p.219-236 e DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões
fundamentais do direito penal revisitadas, p. 233, em que argumenta que “No cometimento do
ilícito por um agente que detinha a capacidade para se determinar de acordo com a norma, caso
em que o poder de agir de outra maneira é simultaneamente pressuposto e conteúdo material da
culpabilidade”.
466
ROXIN, Claus. A culpabilidade e sua exclusão no direito penal, p. 58.
467
ROXIN, Claus. Problemas básicos del derecho penal, p. 210.
180

calcado na autoridade e em uma moral do dever (tendo o homem obediente como


arquétipo), pode-se dizer que Claus ROXIN fia-se em ROUSSEAU.
Em outras palavras, o professor de Munique não possui uma concepção
negativa do homem, que demande uma moral do dever.
Ao contrário, ROXIN não concebe um Estado como fim em si. Antes, como
instrumento da efetividade de direitos fundamentais, razão suficiente para que o
conteúdo das normas penais deva ser aferido. Daí que – conquanto seja
funcionalista, tanto quanto Günther JAKOBS – defende uma proposta compatível
com o Estado de Direito.
Na obra roxiniana há, porém, duas categorias que não podem ser
confundidas. A primeira é o conceito de culpabilidade. A segunda diz respeito à
questão da necessidade preventiva de pena, critério que – somado com o
reconhecimento da culpabilidade – irá justificar uma terceira categoria elaborada
pelo jurista (a responsabilidade).
Anote-se, por exemplo, que os casos mencionados por SILVEIRA468,
fiando-se em PARMA, dizem respeito muito mais à questão da necessidade de
pena do que, propriamente, do conceito de culpabilidade formulado por ROXIN.
Trata de hipóteses em que, com efeito, a falta de necessidade preventiva de pena
foi o fator decisivo para a exoneração da sanção.
No entanto, a diferenciação entre aqueles casos em – diante de sujeitos
adultos e sadios – se pode realmente delimitar a culpabilidade acaba sendo muito
mais difícil, por envolver a demonstração de uma normal capacidade de
motivação pela norma.
Neste particular, aponta-se aqui a dúvida se este conceito não estaria, por
acaso, reduzindo a culpabilidade à imputabilidade?
De qualquer modo, conclui-se que - com determinadas reservas - a solução
dispensada pelo mestre de Munique não é muito distinta daquela outra, professada
por Hans WELZEL469, não obstante esta última estar carregada de pressupostos

468
SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da. O fundamento da culpabilidade: a teoria da dirigibilidade
normativa de Claus Roxin in: Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais das
Faculdades do Brasil. Jan-junho de 2.003, p. 127-141.
469
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal, p. 98-104. Anote-se que WELZEL parte de
uma ontológica capacidade de escapar dos impulsos causais (tanto quanto, em certa medida, já
fizer KANT). Tenha-se em conta que – como, por sinal, já advertido por Vera ANDRADE, fiando-
se em MIR PUIG –“A doutrina final da ação não é a única manifestação da metodologia
finalista. É este um aspecto pouco estudado no qual é preciso insistir. Junto à finalidade da ação,
a concepção da essência da culpabilidade como reprovabilidade por ter podido o autor do injusto
181

ontológicos.
Em certo sentido, pode-se dizer que ROXIN desloca o problema. Deixa de
perquirir se há uma efetiva liberdade, que fundamente a reprovação da conduta
adotada, para – a partir de tais conceitos – vincular a culpabilidade a um dogma
social, verdadeira regra do jogo, tanto quanto o princípio jurídico da igualdade.
Afinal de contas, não se pode demonstrar que todos os indivíduos sejam
realmente iguais entre si (sabidamente, aliás, não o são). Contudo, é um
imperativo do Direito que todos sejam tratados como tais.
Todavia, esse reconhecimento do caráter normativo (‘regras do jogo’, como
diz ROXIN470) não resolve totalmente a questão.
Tanto quanto se pode falar em uma discriminação positiva – a fim de
realmente se obter uma igualdade de cidadãos (por exemplo, mediante ações
afirmativas) – a questão da culpabilidade penal é essencialmente pragmática, com
o que se afirma que dever permitir diferenciar, com critérios seguros (tanto quanto
possível) e justos, condutas culpáveis de não culpáveis.
Dito em outras palavras, por mais que se entenda que, entre todas as
concepções até aqui vistas, a de ROXIN é a mais adequada, é certo que ainda
restam muitas dúvidas quanto ao critério de diferenciação entre um culpável e
outro não culpável, a partir de um exame material – ou seja, de um exame que
desconsidere opções legislativas já formuladas, mas que, antes, busque indicar
uma verdadeira essência da culpabilidade.
Sem prejuízo da existência dessas dúvidas, é fato que a teoria de ROXIN é a
mais adequada – dentre todas as examinadas – para a garantia de direitos
fundamentais do homem, contra a potestade estatal.

atuar de outro modo (a célebre fórmula de Anders – handeln – Können) constitui o segundo pilar
da teoria do delito de WELZEL”. (ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança
jurídica, p. 150).
470
ROXIN, Claus. “A culpabilidade e sua exclusão no direito penal”, p. 59, o que não deixa de ser
uma solução kantiana. KANT reconhece a igualdade como um inexorável imperativo da formação
do Direito, concebido como “O conjunto das condições sob as quais o arbítrio de um pode ser
reunido com o arbítrio de outro segundo uma lei universal da liberdade”. Leia-se em HÖFFE,
Otfried. Immanuel Kant, p. 239. Leia-se também KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried.
Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas, p. 95-103. De modo
semelhante, pode-se dizer que ROXIN também considera a responsabilidade (e, como tal, a
culpabilidade) como a indispensável necessidade de se reconhecer como livres os homens
suscetíveis de se guiarem pelas normas.
182

2.6.6
Postulado da alteridade:

Cuida-se, por fim, de uma teoria que eleva o postulado da alteridade à


condição de base da responsabilidade criminal. Como quer Cirino dos SANTOS,

“Na verdade, o homem é responsável por suas ações porque vive em sociedade, um
lugar marcado pela presença do outro, em que o sujeito é, ao mesmo tempo, ego e
alter, de modo que a sobrevivência do ego só é possível pelo respeito ao alter e não
por causa do atributo da liberdade de vontade; o princípio da alteridade – e não a
presunção de liberdade – deve ser o fundamento material da responsabilidade
social e, portanto, de qualquer juízo de reprovação pessoal pelo comportamento
anti-social”471.

Muito instigantes as observações de Ramón CAPELLA a respeito da


alteridade. Confira-se:

“O discurso moral ilustrado é paradoxo já em suas mesmas origens: o é inclusive o


intento mais clássico de universalização laica da ética, naturalmente, o de Kant.
Encontramos em Kant o universal princípio, que aceitamos (embora não nos sirva
de muito para discernir e julgar moralmente a vida real), segundo o qual a
liberdade de cada um termina onde começa a dos demais. Como código de
conduta, parece justo; mas é paradoxal quando se examina o ponto de vista antes
mencionado, relativo às suas condições de realizabilidade.
Se sustentarmos eticamente este princípio, os outros aparecem como limites de
nossa própria liberdade. São como barreiras opostas à expansão que nos é possível
a cada um. Aceitar este princípio de ação é comprometer-se a respeitar uma linha
de contenção ante algo que materialmente podemos fazer. Sem embargo, as coisas
são examinadas sob um ponto de vista sociológico (não filosófico), os outros
desempenham a respeito de nossa liberdade uma função distinta da limitadora;
justamente a contrária. Para percebê-la é preciso perguntar-se pela gênese das
possibilidades materiais que estão aí, a nossa disposição, sob a forma do que
podemos fazer”472.

Ou melhor, ainda segundo CAPELLA, “nossas possibilidades de liberdade


estão em função das possibilidades de liberdades de todos, de modo que quem
abusa contra alguém, a todos prejudica”.
O outro não pode ser visto apenas como um limite; como uma barreira.
Antes, também reafirma o ego. Do respeito ao próximo depende, no fundo, o
respeito do Ego.
Como bem ilustra SANTOS, a alteridade não permite, contudo, a
responsabilização senão naquelas hipóteses em que estiverem presentes os

471
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 284.
472
CAPELLA, Juan Ramón. Cidadãos Servos, p. 36.
183

requisitos já indiciados pelo conceito formal da culpabilidade finalista, vale dizer:


i. Capacidade genérica de conhecimento das normas e de adequação da conduta;
ii. Conhecimento da proibição da conduta, na situação concreta e iii. Exigência
jurídica de, na situação concreta, houvesse agido de forma diversa.
Ainda segundo Cirino dos SANTOS,

“O estudo da culpabilidade consiste na pesquisa de defeitos na formação da


vontade antijurídica: a) na área da capacidade de vontade, a pesquisa dos defeitos
orgânicos ou funcionais do aparelho psíquico; b) na área do conhecimento do
injusto, a pesquisa das condições internas negativas do conhecimento real do que
faz, expressas no erro de proibição; c) na área da exigibilidade, a pesquisa das
condições externas negativas do poder de não fazer o que faz: as situações de
exculpação, determinantes de conflitos, pressões, perturbações, medos, etc.”473

Este enquadramento é significativo. Permite um exame panorâmico a


respeito dos vários elementos necessários para a responsabilização do homem,
enquanto categoria indispensável para a vida em coletividade. E, também nesta
medida, permite diferenciar entre o culpável e o não culpável, frente a postulados
de um Estado Democrático de Direito.

2.7
As espécies de dolo:

Sob certo aspecto, o erro de tipo é equacionado de uma forma mais simples
do que o erro de proibição.
A partir do Finalismo, a presença do dolo deixou de ser aferida no juízo de
culpabilidade. Passou a ser analisada já no exame da tipicidade/ilicitude da
conduta, como visto.
O erro de tipo ocorre justamente quando – diante de um comportamento
que, exteriormente, se enquadra em uma previsão incriminadora – falta o dolo da
realização desta mesma conduta. O agente não sabe o que realmente está fazendo.
Logo, a questão do erro está intimamente associada ao conceito do dolo, por
mais que – tanto quanto o erro de proibição – seja, em essência, um problema de
culpabilidade.

473
SANTOS, Juarez Cirino. Obra citada, p. 285.
184

Em outras palavras, o erro de tipo suscita questionamentos a respeito da


reprovação do descumprimento do dever de cuidado inerente à vida em
coletividade, esculpida no antigo neminen laedere. Cumpre aferir o grau de
censura quanto à execução falha de propósitos lícitos.
Em tais casos, o sujeito almeja uma finalidade objetivamente lícita (não vem
ao caso aferir se ele julga ser lícita ou não474). Porém, o comportamento
efetivamente realizado, sob o ponto de vista exterior, preenche a descrição de um
tipo objetivo de ilícito, faltando apenas as exigências anímicas (querer; tender;
aceitar o resultado, etc.), que caracterizam o dolo.
Advirta-se, nesse passo, que não se pode partir de pré-juízos sistemático-
construtivos, como advertem ROXIN; BACIGALUPO e DIAS, entre outros.
Salvo na hipótese de se aceitar uma jurisprudência de conceitos – há muito
criticável475 - é certo que o tipo de erro não deve coincidir, necessariamente, com
o tipo sistemático476.
Ao contrário, deve-se fazer uma opção valorativa (político-criminal) a
respeito de qual conteúdo deve ser abarcado pelo dolo para que se possa
reconhecer uma conduta como típica.
Claus ROXIN argumenta que

“El tipo a efectos de error no es necesariamente idéntico al tipo sistemático. Si,


como corresponde a la doctrina dominante hoy, se inordina sistemáticamente el
dolo típico, es decir el conocimiento y voluntad de todos los elementos del tipo
objetivo, dentro del propio tipo como parte subjetiva del mismo (nm.61),
difícilmente podrá el propio dolo ser objeto de un error de tipo. El mismo pertenece
ciertamente al tipo sistemático, pero no al tipo a efectos de error. Por otra parte, la
jurisprudencia y la doctrina mayoritaria consideran a los presupuestos materiales de
las causas de justificación como objetos del dolo, en cuanto que su suposición
errónea se califica como excluyente del dolo (para más detalles §§14, nm. 53 ss.);
pero mayoritariamente no se incluyen estos elementos de justificación en el tipo
sistemático, por lo que entonces resulta que el tipo a efectos de error abarca más

474
Desde logo, registre-se que é plenamente possível que o sujeito incorra em erro de tipo,
supondo, ainda assim, que pratica uma conduta ilícita (pode incorrer, por exemplo, em um delito
putativo). O sujeito destrói uma coisa que pensa ser sua, na tentativa de realizar fraude processual.
Ao final, descobre que a coisa não lhe pertencia e não guardava qualquer conexão com o processo.
A rigor, incorreu em equívoco sobre o caráter próprio da coisa, o que exclui a tipicidade do crime
de dano (art. 163, CPB), não obstante estivesse convicto de estar agindo ilicitamente. Daí se
conclui, igualmente, que não basta ao direito penal um desvalor da conduta. Exige-se, além disso,
um desvalor do resultado correspondente àquele proibido no tipo.
475
KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried. Introdução à filosofia do direito e à teoria do
direito contemporâneas, p. 167-170.
476
No âmbito do Direito Pátrio, isto significa uma leitura restritiva do Art. 20, do código penal: “O
erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por
crime culposo, se previsto em lei”.
185

elementos objetivos que el tipo en sentido sistemático”477.

Não se cuida aqui de um estudo mais profundo a respeito do dolo, tema que
tem sido revisitado pela doutrina especializada, do que é exemplo o estudo de
Ingeborg PUPPE478 e JESCHECK-WEIGEND, entre inúmeros outros.
Busca-se apenas delimitar quais devem ser o objeto e a profundidade do
conhecimento e da vontade do agente para que uma determinada conduta possa
ser tida como dolosa. Havendo uma falta daquele conhecimento, haverá o erro de
tipo, conceito simétrico ao dolo479.
Segundo Cirino dos SANTOS,

“O dolo, conforme um critério generalizado, é a vontade consciente de realizar um


crime, ou mais tecnicamente, o tipo objetivo de um crime, também definido como
saber e querer em relação às circunstâncias do fato do tipo legal. Assim, o dolo é
composto de um elemento intelectual (consciência, no sentido de representação
psíquica) e de um elemento volitivo (vontade, no sentido de decisão de agir) como
fatores formadores da ação típica dolosa”480.

Para o modelo causal-naturalista, conforme visto, a expressão dolo era


carregada com uma carga pejorativa. Dolo era muito mais que a vontade do fato;
era a vontade do crime. O indivíduo não queria subtrair coisa alheia (poderia até
mesmo estar fazendo isto sob estado de necessidade, como no furto famélico).
Para haver dolo, deveria querer praticar o furto.
Esta carga pejorativa da expressão ainda sobrevive no âmbito do Direito

477
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 278. Ainda neste sentido, vide p. 289 e 476.
478
PUPPE, Ingeborg. A distinção entre dolo e culpa. Tradução, introdução e notas por Luís
Greco. Barueri: Manole, 2.004. Tenha-se em conta, por sinal, da introdução de Luís GRECO (p.
XVII), que “O fato é que, ao contrário do que a doutrina brasileira ainda costuma pensar, a lei
não resolveu nada. Isso porque as palavras que a lei usa – assumir o risco da produção do
resultado – são ambíguas, podem ser compreendidas tanto no sentido de uma teoria meramente
cognitiva, que trabalha tão-só com a consciência de um perigo qualquer, como no sentido de uma
teoria da vontade, a qual pode ser a teoria da anuência, como também qualquer outra”. Anote-se
também que a autora trabalha a interessante categoria da cegueira diante dos fatos, frente à
indiferença perante o bem jurídico (cuida-se de categoria afeita a MEZGER e que, como visto,
parte da suposição de uma predisposição a uma infidelidade ao direito). Observe-se ainda uma
discussão mais complexa a respeito da dupla ubiquação sistemática do dolo, como se infere em
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 260. A respeito
da evolução dogmática do tipo subjetivo, confira-se o trabalho KÖSTER, Mariana Sacher de.
Evolución del tipo subjetivo. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1.998, p. 73-115.
479
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro, p. 493: “Dolo é querer a realização do tipo objetivo; quando não se sabe que se está
realizando um tipo objetivo, este querer não pode existir e, portanto, não há dolo: este é o erro de
tipo”.
480
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 132.
186

Civil Brasileiro, em que o dolo é conceituado como a vontade de enganar o outro


contratante.
Superado o causalismo, o dolo ganhou novos contornos. Atualmente, já não
é mais a vontade má (malícia). Antes é a vontade neutra do fato.
Daí o indivíduo não querer, a rigor, realizar o tipo de injusto. Para o dolo,
basta que o agente queira realizar uma conduta qualquer (sendo que, mesmo que
ele não saiba disto, referida conduta está simultaneamente coibida na Lei).
O melhor seria dizer que o dolo é a vontade de praticar uma conduta
correspondente à descrição típica, o que afasta de vez qualquer necessidade de
conhecimento do injusto, para o mencionado conceito.
Em outras palavras, dentre todos aqueles propósitos que motivaram a
conduta do sujeito, o Estado-Juiz virá qualificar como dolo apenas aquele
elemento anímico coincidente com a finalidade descrita como tal no tipo penal. A
qualificação é feita a posteriori, conseqüentemente.
Entre os vários elementos anímicos que movem a conduta não se pode
vislumbrar uma diferença substantiva entre o dolo; tendências; motivos especiais
de agir, etc., conquanto o tema seja, como sabido, bastante controverso.
Não há um dolo na natureza das coisas.
A rigor, o que há é uma escolha do legislador quanto aos elementos
psíquicos que serão relevantes para que uma dada conduta seja considerada ilícita.
No mais das vezes, leva-se em consideração um conteúdo sentimental do
autor frente ao bem jurídico tutelado. É o que permite diferenciar o dolo eventual
da imprudência consciente, como sabido.
Nem mesmo para o Finalismo o dolo é absolutamente neutro, pois não
envolve apenas volição, mas sim, aquiescência, descaso, etc., conteúdos
sentimentais aferíveis já na quadra da tipicidade.
A vontade de conduzir um veículo a mais de 200 km/h não é, normalmente,
enquadrada como dolo, ainda que seja - em si - uma finalidade (querer conduzir o
veículo em tal velocidade, mesmo que haja um outro fim subseqüente: querer a
admiração dos colegas; querer se suicidar; etc.). Caso, porém, essa mesma
vontade de conduzir o veículo indique um total descaso/indiferença/aquiescência
com a possibilidade de morte de alguma pessoa à beira da pista – por mais que
não seja a projeção de um plano anterior - haverá dolo eventual.
Esta íntima conexão entre dolo e bem jurídico será oportuna para a questão
187

do erro incidente sobre elementos normativos do tipo (valoração paralela na esfera


do leigo).
Atente-se para o conceito de JESCHECK-WEIGEND:

“De acuerdo con una definición inexacta aunque usual, el dolo significa conocer y
querer los elementos objetivos que pertenecen al tipo legal (...) Para ser exactos, la
voluntad que aspira a la consecución del resultado sólo es parte integrante de la
forma más frecuente del dolo: la intención (Absicht) (…) En el dolo directo y en el
eventual el autor no pretende alcanzar el resultado sino que, simplemente, sabe que
el mismo está vinculado de forma necesaria o posible con la acción desarrollada
voluntariamente. A causa de la diversidad de las modalidades del dolo aquí se
481
renuncia a una definición global del mismo” .

Os autores enfatizam que, em quaisquer das espécies de dolo, pode-se


divorciar um momento intelectual de outro volitivo. O intelectual é deduzido a
partir da previsão (no código alemão, §16) do erro de tipo, segundo o qual a falta
de conhecimento das circunstancias que pertençam ao tipo legal excluem o
dolo482.
É indispensável que haja intelecção do substrato empírico (ou valorativo, no
que toca aos elementos normativos do tipo483) correspondente à descrição típica,
para que se possa falar em dolo.
Nessa seqüência, convém transcrever a distinção entre dolo direto de
primeiro grau; dolo direto de segundo grau e dolo eventual. O dolo geral e o dolo
alternativo não terão maior relevo para a questão ora enfatizada.
Sem atentar para as inúmeras discussões cabíveis nesta quadra, pode-se
dizer, com ROXIN, que o dolo direto de primeiro grau (ou propósito) é a
persecução dirigida a um fim típico. Por sinal,

“Cada vez se impone también más la opinión de que la intención (o propósito) no


debe significar el motivo, la finalidad última del sujeto, sino que la intención típica
concurre aun cuando el resultado perseguido sirva para la consecución de ulteriores
fines de otra índole del sujeto. Así, existe ánimo o intención de lucro o
enriquecimiento antijurídico y por tanto también estafa, aun cuando al sujeto, en su

481
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 214.
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 415-417.
482
Também neste sentido, SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 133.
483
SANTOS, Juarez Cirino. Obra citada, p. 134, mencionando que, em tal caso, não se exige o
conhecimento do conceito jurídico equivalente, mas apenas uma valoração na esfera do leigo
(aproximada, portanto). Neste mesmo sentido, JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas.
Obra citada, p. 316. Referida questão (valoração paralela) pode suscitar inúmeras dúvidas, como
bem demonstra o estudo de PUPPE, na obra FRISCH, Wolfgang et al. El error en el derecho
penal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.999, p. 97 e ss.
188

producción de un perjuicio patrimonial mediante engaño y en su enriquecimiento,


no le importe en última instancia la ventaja patrimonial, sino p.ej. la satisfacción de
su ambición profesional (RGSt 27, 217) o la lucha contra el capitalismo. Por tanto
intencional es en todos los casos también aquello que se realiza de propósito como
484
medio para ulteriores fines” .

Esta opinião é compartilhada por JESCHECK-WEIGEND, para quem “la


intención significa que el autor persigue bien la acción típica, bien el resultado
presupuesto por el tipo o ambos a la vez. En la intención domina el factor volitivo
del dolo”485.
Cabe aqui uma ressalva importante.
Sob o aspecto construtivo-sistemático, um conceito de dolo como este não
permitiria a solução esposada pela Teoria Limitada da Culpabilidade, acolhida por
ROXIN.
Lembre-se que, para esta corrente, o erro sobre o substrato fático de uma
justificante seria causa de exclusão da própria tipicidade dolosa, em que pese
haver a) conhecimento do substrato fático correspondente ao tipo “positivo”
(saber que mata, por exemplo); b) vontade de realizar a conduta típica (quer
matar, ainda que sob suposta legítima defesa).
Partindo de um conceito de dolo como vontade direcionada ao resultado
típico, não haveria como explicar a solução da teoria limitada, salvo se adotada a
tese dos elementos negativos do tipo, como visto.
Diante dos postulados metodológicos funcionalistas486 (superação da Natur
der Sache), não há necessidade de se complicar o arquétipo de delito a tal ponto,
ao contrário do que querem os doutrinadores que concebem a dupla posição do
dolo (JESCHECK) ou que defendem a teoria dos elementos negativos do tipo
(MERKEL).
Para a compreensão do dolo direto de segundo grau, deve-se ter em conta –
com ROXIN – que o dolo pode abranger todas as conseqüências ou circunstâncias
cuja realização não é visada primordialmente, mas cuja ocorrência possa vir a ser
produzida pela ação planejada pelo sujeito, estando ele consciente de tais efeitos
reflexos.
484
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 418-419.
485
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 318.
486
Anote-se, contudo, que esta desvinculação das estruturas lógico-materiais - que deram causa ao
Finalismo - pode ser causa de aumento da contingência jurídica. Isto porque a coerência interna
entre os vários componentes do conceito analítico de crime é indispensável para a sua função
garantista.
189

Com efeito,

“O dolo direto de segundo grau compreende os meios de ação escolhidos para


realizar o fim e, de modo especial, os efeitos secundários representados como
certos ou necessários (ou as conseqüências e circunstâncias representadas com
certas ou necessárias, segundo ROXIN, ou a existência de circunstâncias e a
produção de outros resultados típicos considerados como certos ou prováveis,
conforme JESCHECK/WEIGEND) – independentemente de serem esses efeitos ou
resultados desejados ou indesejados pelo autor: os efeitos secundários
(conseqüências, circunstâncias ou resultados típicos) da ação reconhecidos como
certos ou necessários pelo autor são atribuíveis como dolo direto de 2º grau, ainda
que indesejados ou lamentados por este”487.

É o caso do sujeito que, querendo fraudar o contrato de seguro, decide por


fogo na casa, ciente (mas lamentando) da morte do inquilino idoso que lá reside, a
fim de não suscitar suspeitas. Embora que possa sentir (deplorar) este resultado, é
fato que este sentimento não impediu a sua vontade de atingir aquele fim visado
(fraudar o contrato de seguro), razão pela qual deve responder por uma conduta
dolosa488.
Ao que interessa no momento, cumpre ainda examinar o conceito de dolo
eventual. Para tanto, primeiramente advirta-se da existência de inúmeras teorias
formuladas para diferenciá-lo da imprudência consciente, tema deveras instigante,
que – apesar disso – escapa totalmente do objeto deste estudo.
O problema certamente está na delimitação de um estado de anímico
diferenciado apenas por uma carga de sentimentos (indiferença ou apreço pelo
bem jurídico), de difícil aferição em um específico caso concreto.

487
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 138-139. Vide também DIAS, Jorge de
Figueiredo. Direito penal, p. 351, em que emprega a expressão ‘conseqüência necessária,
inevitável, conquanto lateral’ em relação ao fim da conduta. Leia-se, por fim, ROXIN, Claus.
Obra citada, p. 423-424. Como menciona PUPPE, “O Reichgericht caracterizou o dolo eventual
várias vezes com a expressão que o autor quer o resultado na eventualidade de que ele ocorra (...)
Mais de um século depois, o BGH, no famoso caso da cinta de couro, no qual os autores não só
não almejaram, nem aprovaram, nem desejaram, nem eram indiferentes a seu respeito, mas
tinham manifestado uma vontade de evitá-lo, afirma o dolo com as palavras de Mittermeier: Pode
existir dolo eventual mesmo quando a ocorrência do resultado é algo indesejável para o autor.
Em sentido jurídico ele aprova o resultado quando age para atingir sua finalidade última,
sabendo que não poderá alcançar seu resultado de outra maneira, aceitando que sua ação
provoque o resultado em si indesejado, de maneira que o autor o quer, na eventualidade de que
ele ocorra”. PUPPE, Ingeborg. A distinção entre dolo e culpa, p. 30.
488
BITENCOURT explica que “O dolo direito em relação ao fim proposto e aos meios escolhidos
é classificado como de primeiro grau, e em relação aos efeitos colaterais, representados como
necessários, é classificado como de segundo grau. Como sustenta Juarez Cirino dos Santos, o fim
proposto e os meios escolhidos (porque necessários ou adequados à realização da finalidade) são
abrangidos, imediatamente, pela vontade consciente do agente: essa imediação os situa como
objetos do dolo direto”. BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição, p. 28.
190

De qualquer modo, para os fins presentes, pode-se passar ao largo deste


debate, centrando-se o exame do conceito de Cirino dos SANTOS, para quem “de
modo geral, o dolo eventual constitui decisão pela possível lesão do bem jurídico
protegido no tipo, e a imprudência consciente representa leviana confiança na
exclusão do resultado da lesão”489.
De qualquer sorte, ante a classificação acima, infere-se que a compreensão
do dolo – enquanto categoria dogmática – demanda um exame do alcance do
conhecimento; da vontade e também dos sentimentos do autor diretamente
relacionados com a conduta correspondente à descrição típica.
Isso se revela importante para o estudo do erro, porquanto, em muitos casos,
pode não haver um conhecimento total das circunstâncias fáticas, sem que isto
afaste o dolo.
Para SCHMIDHÄUSER, pode-se falar, por exemplo, em uma co-
consciência490 – uma remissão imediata que determinados objetos provocam no
homem. Cuida-se de uma categoria aproximada ao estranhamento heideggariano
(des-velamento do mundo).
Para JESCHECK-WEIGEND, “El dolo debe referirse a todos los elementos
del tipo objetivo”491.
Por outro lado, “El dolo, como base de la realización del plan, ha de
concurrir durante la acción ejecutiva, es decir, durante la propia ejecución. No
basta un dolos antecedens, es decir, un dolo previa a la ejecución, durante la fase

489
SANTOS, Juarez Cirino dos. Obra citada, p. 139. Anote-se, por sinal, o entendimento de
DIAS: “Todas as contas feitas, uma conclusão se torna infelizmente segura: a de que a distinção
entre dolo eventual e negligência consciente, como quer que seja levada a cabo, é tanto do ponto
de vista teórico, como ainda mais na aplicação prática, tão frágil e insegura que mal é capaz de
justificar – quer do ponto de vista político-criminal estrito, quer em perspectiva dogmática, quer,
globalmente, e muito especialmente, à luz do princípio da culpa – diferenças significativas (e por
vezes abissais) das molduras penais aplicáveis a um e outro caso (...) como, ainda menos, será
capaz de justificar que muitas vezes o delito doloso seja severamente punível, o negligente pura e
simplesmente não seja punível (v.g.aborto, art. 140º e 141º). Assim sendo, e tendo ademais em
consideração o facto de na sociedade do risco aumentarem significativamente as necessidades
político-criminais de tutela de uma imensidade de condutas que se situarão predominantemente no
âmbito do dolo eventual e da negligência consciente, parece justificado deixar aqui pelo menos a
questão de saber (apenas isto...) se à bipartição tipo de ilícito doloso/tipo de ilícito negligente, não
deverá no futuro vir a substituir-se uma tripartição: dolo/negligência/temeridade. Esta nova
categoria dogmática [temeridade] destinar-se-ia a incluir (dito a traço grosso) os casos tradicionais
de dolo eventual e de negligência consciente, ficando o âmbito do dolo restrito ao dolo directo e o
da negligência à negligência inconsciente”. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 359.
490
Leia-se, a respeito, em BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 322-323.
491
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 316.
Reconhecendo que os elementos normativos são objeto de erro de tipo, ZAFFARONI, Eugênio
Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 499.
191

preparatoria”492.
Todavia, “No es necesario que el dolo esté presente durante toda al a
acción ejecutiva. Basta que concurra en el momento en el que el sujeto se dispone
a la producción del resultado y abandona el controle del curso causal”493.
Superada essa questão relacionada ao conteúdo do dolo, pode-se passar ao
exame mais detido do erro de tipo, como segue.

492
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 453. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 150.
493
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 454.
3
Erro de tipo versus erro de proibição.

A diferenciação entre o erro de tipo e o erro de proibição é razoavelmente


singela em uma vasta gama de casos. Há, porém, inúmeras situações em que a
separação só se faz à custa de muito esforço.
Primeiramente, convém transcrever alguns conceitos, para que fique
sedimentada a noção do erro de tipo e do erro de proibição, em que pese a extensa
referência já empreendida em tópicos anteriores.
Considere-se, para tanto, a síntese de JESCHECK-WEIGEND,

“Existe error de tipo cuando el autor no conoce uno de los elementos a los que el
dolo debe extenderse según el tipo que corresponda. La consecuencia
verdaderamente obvia de un erro de esta naturaleza la expresa el §16: el autor actúa
sin dolo. La disposición es aplicable analógicamente a circunstancias que, aunque
en realidad no pertenecen al tipo, deben ser abarcadas por el dolo, como por
ejemplo con las circunstancias que agravan la pena en el marco de la determinación
de esta”.

Para Hans WELZEL, por sua vez, “Se excluye o dolo si el autor desconoce
o se encuentra en un error acerca de una circunstancia objetiva del hecho que
deba ser abarcada por el dolo y pertenezca al tipo legal”494.
Cristiano RODRIGUES opina também que o erro de tipo

“É aquele que recai sobre os elementos constitutivos do tipo penal, sejam eles
descritivos ou normativos, e conseqüentemente pelo fato de o autor errar quanto a
esses elementos objetivos essenciais à descrição típica lhe ficará afastado o
elemento subjetivo do tipo, ou seja, o dolo, já que o resultado não irá corresponder
à manifestação volitiva do autor, que age em erro”495.

Parte-se, agora, para o conceito de erro de proibição.


494
WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 112.
495
RODRIGUES, Cristiano. Teorias da culpabilidade. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,
2.004, p. 125. Leia-se também GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição, p. 119-
120; TOLEDO, Francisco de Assis. O erro no direito penal, p. 45-65; ACCIOLY NETO,
Francisco. “Alcides Munhoz Netto e o erro em matéria penal” in: KOSOVSKI, Ester et al. Ciência
penal. Coletânea de estudos em homenagem a Alcides Munhoz Netto. Curitiba: JM Editora,
1.999, p. 172-175 e 190; BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 102-107; PORTO, Teresa
Manso. Desconocimiento de la norma y responsabilidad penal, p. 48-49; BITENCOURT,
Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição, p. 96-97; BRANDÃO, Cláudio. Teoria
jurídica do crime, p. 195-196; ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito penal
econômico, p. 66 e ss. ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de
direito penal brasileiro, p. 493-508 e SILVESTRONI, Mariano H. Teoría Constitucional del
delito, p. 224-225.
193

Atente-se para a opinião do Professor de Munique:

“Concurre un error de prohibición cuando el sujeto, pese a conocer completamente


la situación o supuesto de hecho del injusto, no sabe que su actuación no está
permitida. P.ej. alguien graba en una cinta magnetofónica, sin que lo sepa su
interlocutor, la conversación telefónica que está manteniendo (§201); no se le pasa
por la cabeza la idea de que eso pueda estar prohibido”496.

Para JESCHECK-WEIGEND, “El error de prohibición es la equivocación


acerca de la antijuridicidad del hecho”497.
Os mencionados conceitos não são, substancialmente, distintos.
De um modo geral, e partindo da estrutura analítica do delito, pode-se dizer
que o erro de tipo corresponde à falta de dolo, enquanto que o erro de proibição
equivale à ausência da potencial consciência da ilicitude.
Contudo, até aí nada se disse.
Em inúmeros casos concretos, surge justamente a dúvida a respeito do grau
de conhecimento necessário ao dolo. Também não resta suficientemente claro
qual o conteúdo exigido para a consciência da ilicitude.
Logo, o problema é muito mais o de delimitar os critérios de diferenciação
entre erro de tipo e erro de proibição, tratando ainda da questão da vencibibilidade
em um e outro caso.

3.1
Seqüência do exame dos elementos psíquicos:

A teoria do dolo examinava todos os elementos anímicos do autor em uma


mesma fase. Isto era feito no juízo de culpabilidade, em que se perquiria se havia
conhecimento; vontade e consciência do injusto. Ausente qualquer uma destas
manifestações da psique humana, não haveria dolo, restando aferir a presença dos
requisitos para uma imputação a título de imprudência.
Referida teoria não tem mais relevo prático, não obstante alguns
doutrinadores defendam o seu resgate como critério de solução do erro incidente

496
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 861.
497
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 490.
194

no âmbito do Direito Penal Econômico, diante da hiperinflação legislativa


constatada neste setor. É este o caso de TIEDEMANN e LANGE, segundo
referência de André Vinícius de ALMEIDA498.
Superados os postulados da teoria do dolo, deve-se concentrar a atenção nos
critérios desenvolvidos pela Teoria da Culpabilidade.
Aqui se vê que a conferência dos elementos anímicos do autor é feita em
duas fases distintas.
Em um primeiro momento, o Estado-Juiz confere a presença de
conhecimento (momento intelectual); vontade; aquiescência ou descaso
relacionados à conduta típica (momento volitivo).
Recorde-se que a volição pode ser preenchida tanto pela presença de um
efetivo desejo do resultado (intenção) quanto pela sua aceitação (dolo eventual ou
dolo direto de segundo grau). Portanto, os referidos conteúdos sentimentais são
alternativos. Não há necessidade de que todos sejam reconhecidos, de forma
simultânea, para que haja dolo, frente à substancial diferença entre o propósito e o
dolo eventual, consoante foi visto no tópico anterior.
Não havendo dolo, passará o Juiz a aferir se estão presentes os requisitos
para a imputação imprudente. Entre outros, se há previsão legislativa da tipicidade
imprudente; se houve resultado; se o erro foi vencível; se houve incremento do
risco consumado no resultado, etc.
Pode-se, por conseguinte, fazer um aporte da teoria da imputação objetiva
para a conferência da efetiva existência de um crime imprudente. É que, afastado
o dolo, isto não impede que – desde então – o caso seja examinado em face de
todas as categorias que trabalham o delito de imprudência499.
Preenchido o dolo, e os demais requisitos para que se chegue ao exame da
culpabilidade, a consciência da ilicitude será conferida na seqüência.
Neste momento, deverá ser aferido se o autor chegou a ponderar, no
momento da conduta, a respeito da ilicitude do seu agir. Em outras palavras, deve-
se investigar se houve, por parte do agente, uma efetiva autocensura jurídica do
seu agir. Não é necessário, como se verá adiante, que saiba que a conduta é punida

498
ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito penal econômico. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 2.005, p. 85.
499
A respeito do tratamento do delito imprudente, leia-se TAVARES, Juarez. Direito penal da
negligência. Uma contribuição à teoria do crime culposo. 2ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2.003.
195

efetivamente pelo Direito Penal, sendo, contudo, indispensável que a reconheça


como contrária ao Ordenamento Jurídico.
Caso não tenha havido uma efetiva autocrítica por parte do autor, no
momento do fato, dever-se-á aferir – a partir de critérios valorativos – se lhe era
possível referida censura e o porquê ela não foi atingida. Também deverá ser
aferido se houve o descumprimento censurável de um especial dever de
informação.
Observa-se, assim, que quanto a este último elemento (dever de
informação), a censura da conduta típica exigirá uma prévia censura do
descumprimento do dever de informação respectivo, o que complica ainda mais o
juízo de responsabilização criminal, como se vê.

3.2
Critérios de distinção:

Frente ao enquadramento anterior, pode-se dizer que o tratamento do erro


irá variar conforme for o critério estabelecido para tanto. Segue uma tentativa de
clarificação.

3.2.1
Inutilidade da diferenciação – tratamento homogêneo:

Frise-se, primeiramente, a possibilidade teórica de se admitir a ausência de


qualquer classificação, tratando todos os erros de uma forma homogênea.
Um Direito Penal de Responsabilidade Objetiva (das Ordálias) não se
interessará, no fundo, pela questão do erro, porquanto a representação formulada
pelo autor lhe é desimportante.
Em vértice oposto, para a teoria estrita do dolo, qualquer erro – decorra de
falta de conhecimento ou de valoração, incida sobre o substrato típico ou sobre a
norma, etc. – em ambos os casos a solução será uma só: a exclusão do tipo doloso,
permitindo a imputação do delito imprudente, se previsto. Isto é, caso se trate de
um erro censurável (vencível). Em conseqüência, também aqui, o critério de
distinção entre as espécies de erro se mostra totalmente desnecessário.
196

3.2.2
Critério aplicado na teoria limitada do dolo:

Para a teoria limitada do dolo, contudo, já haverá interesse em distinguir


entre um erro normal (praticado pelos “fiéis” ao direito) daquele outro, praticado
pelos hostis, que tenham se predisposto a ignorar as normas de conduta. Será
relevante, para esta corrente, a distinção entre erros aceitos e erros rechaçados,
tomando como critério de diferenciação a conduta de vida do sujeito.

3.2.3
Critério aplicado pela teoria estrita da culpabilidade:

Para a teoria estrita da culpabilidade, como visto, haverá interesse em


distinguir entre um erro de tipo e um erro de proibição.
O erro de tipo é compreendido como a falha da representação do substrato
social que equivale à descrição do tipo objetivo. Pode atingir tanto o substrato
correspondente aos elementos descritivos (pessoas, objetos); quanto aquele
corresponde aos elementos normativos (significantes sociais; valorações ético-
culturais como a noção de documento; de tributo; etc.).
Nesse passo, o erro de proibição é concebido como a falta de percepção do
caráter injusto do agir. Esta falta de percepção pode decorrer (não havendo erro de
tipo) tanto do erro direto sobre as normas, quanto da suposição equivocada de um
substrato fático que, existindo, daria ensejo a uma justificante (erro de tipo
permissivo).

3.2.4
Critério aplicado pela teoria limitada da culpabilidade:

Para a teoria limitada, é cabível a diferença entre um erro de tipo e um erro


de proibição, tanto quanto na teoria estrita da culpabilidade. A diferença está no
fato de que o erro sobre o pressuposto fático de uma justificante deve ser tratado
como erro de tipo. Logo, excluindo a tipicidade dolosa.
Estes são, conseqüentemente, os critérios fundados em pressupostos
construtivo-sistemáticos, fundamentados no objeto do erro.
Segue, adiante, um breve exame da proposta classificatória de Figueiredo
DIAS.
197

3.2.5
Erro ao reverso – delito putativo e tentativa inidônea:

María BARREALES enfatiza que o inverso do erro de tipo seria uma


tentativa inidônea, distinção que também é empreendida por BRUNS; MIR
PUIG500 e JESCHECK-WEIGEND501.
O agente supõe estar subtraindo coisa alheia. Todavia, ela lhe pertence.
Haveria conatus (o resultado lesivo não foi consumado, contra a vontade do
autor)m por mais que insuficiente para qualquer sanção.
Por outro lado, o inverso de um erro de proibição seria um delito putativo. O
sujeito julga estar praticando um crime que, a rigor, não existe502.
O sujeito comete adultério503 crente de que está consumando um delito.
Confira-se com a síntese de KINDHÄUSER:

“El siguiente ámbito problemático de la teoría del error que será tratado tiene por
objeto la delimitación entre tentativa y delito putativo. Según la definición del §22
StGB, que por lo demás se corresponde con la aquí favorecida variante de la
verdad del objeto del dolo, el auto posee en la tentativa una representación que si
fuese acertada realizaría objetivamente el tipo de un delito. En cambio, en el delito
putativo el autor tiene una representación del o sucedido que aun cuando fuese
acertada no realizaría el tipo de una ley penal, porque no existe una ley en la que
pudiera subsumirse la situación fáctica representada por el autor. Un delito putativo
es irrelevante para el Derecho penal, porque una norma que no existe tampoco
precisa de una garantía para su vigencia”.504

Considerando que, no Brasil, tanto o delito putativo quanto a tentativa


inidônea505 não são passíveis de sanção, a distinção perde seu relevo prático. No

500
MIR PUIG, Santiago. Derecho penal, p. 274-275 e 356.
501
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 572 e 575.
502
BARREALES, María A. Trapero. El error en las causas de justificación, p. 603-607.
503
O adultério deixou de corresponder a uma descrição típica a partir da Lei nº 11.106, de 28 de
março de 2.005. Pode-se discutir, porém, se já antes disto não teria sido ab-rogado pelos costumes.
Deve-se perquirir, realmente, se – diante de postulados constitucionais que impõem o exame da
utilidade/necessidade do Direito Penal – é sustentável a tese de que o costume não ab-roga a
norma penal, quando o próprio Kelsen sustentou que, sem um mínimo de observância, a norma é
automaticamente invalidada. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. Tradução de João
Baptista Machado, São Paulo: Martins Fontes, 1.998, p. 12. Ademais, frente ao consagrado
princípio da lesividade (não há crime sem lesão significativa a um bem jurídico tutelado), sem
sombra de dúvida aquele dogma deve ser posto em dúvida.
504
KINDHÄUSER, Urs. Acerca de la distinción entre error de hecho y error de derecho in:
FRISCH, Wolfgang et al. El error en el derecho penal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.999.
505
O Código Penal Alemão tem uma previsão da tentativa de uma forma mais ampla do que o art.
14 do Código Penal Brasileiro. Confira-se com o §22 do Strafgesetzbuch: “Intenta un hecho penal
quien de acuerdo con su representación del hecho se dispone inmediatamente la realización del
198

entanto, permite indicar certa conexão entre a falta (supõe ser lícito o que não é) e
o excesso (supõe ser ilícito o que não é).

3.2.6
Erro intelectual versus erro moral:

O professor lusitano formula uma proposta distinta de classificação, a partir


do reconhecimento de dois níveis distintos de culpabilidade. Com lastro em
NOWAKOWSKI, o professor lusitano sustenta que

“Toda culpa radica essencialmente em uma falta de ligação da personalidade do


agente como um valor juridicamente protegido e, por aí, com a ordenação
axiológico-jurídica da comunidade, de modo a poder afirmar-se que, se tivesse
existido a requerida e justa ligação (digamos: a exigida fidelidade), o agente teria
omitido a acção respectiva em virtude do seu significado desvalioso. Tanto a culpa
de conduta realizada em erro sobre a factualidade com a da realizada sem
consciência da ilicitude se fundamentam em uma falta do conhecimento necessário
para alcançar a consciência da ilicitude, aqui directamente em uma falta do justo
sentimento do valor que fundamenta uma culpa mais pesada. Transpondo esta
concepção para o plano dogmático da teoria do erro importará assim colocar aí, em
vez das tradicionais, a nova dicotomia erro de conhecimento – erro de valoração e
operar com elas nos problemas discutidos”506.

Com efeito, para DIAS, o problema não comportaria a distinção entre erro
de tipo e erro de proibição. Tampouco teria como ser solucionado pela questão da
vencibilidade ou invencibilidade do erro507.
Antes seria um problema de (i) intelecção (conhecimento – consciência-
psicológica) ou de (ii) valoração (avaliação – consciência-ética). Em suma, cuida-
se de uma categorização em conhecimento e sentimento, bastante útil em
determinadas hipóteses508.

tipo”.
506
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 296-
297. Leia-se ainda DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 505-506.
507
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 331
e 332. A afirmação da imprestabilidade deste critério, por sinal, é atribuída a Eduardo CORREA:
“O critério da vencibilidade ou evitabilidade do erro não se compagina com o da censurabilidade
da falta de consciência da ilicitude”.
508
Tenha-se em conta, por exemplo, a interessante obra de Tereza Pizarro BELEZA e Frederico
Costa PINTO sobre o tratamento do erro incidente sobre o complemento das normas penais em
branco, fundamentado na distinção proposta por Figueiredo DIAS. Confira-se em BELEZA,
Tereza Pizarro; PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. O regime geral do erro e as normas
penais em branco. Ubi lex distinguit. Coimbra: Almedina, 2.001. Registre-se também que,
segundo os mencionados autores, a proposta de DIAS foi consagrada com o código penal lusitano
de 1.982. Também nesse sentido, leia-se DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais de
direito penal revisitadas, p. 283: “Acresce, por outra parte, que o tratamento concedido ao erro
199

O autor leva em conta, muito mais, a maneira como ocorre o erro do que,
propriamente, o seu objeto. A tanto contribui, é verdade, a constatação de que a
realidade empírica é incindível (no fundo, o ser humano não faz qualquer divisão
entre compreensão fática e valorativa. Tudo é atribuição de sentido).
Dito de outro modo, para DIAS mesmo uma Lei poderia ser alvo de um erro
intelectual (com efeitos semelhantes ao do erro de tipo), desde que se cuidasse de
um preceito despido de colorações éticas (eticamente neutros - erro sobre
proibições legais, na dicção do autor509), aproximando-se da solução mais ampla,
dispensada por Haro OTTO510.
Leia-se:

“A verdadeira falta de consciência do ilícito jurídico-penal é porventura menos


extensa que o âmbito do puro erro de valoração, tal como ele é definido por
Nowakowski; pois muitas valorações (não apenas, mas também preceitos jurídicos)
existem cujo resultado precisa de ser conhecido pelo agente para que a sua
consciência ética deva ter-se por suficientemente orientada para o problema do
desvalor do ilícito. Eis o que foi reconhecido por Gallas, que, após distinguir o
conhecimento do substrato de uma valoração do erro na valoração de um substrato,
defende que também este pode ter a sua verdadeira origem em uma mera falta de
conhecimento positivo, de ciência, antes que em uma falta de sentido axiológio, de
capacidade de valoração; só nesta última hipótese, todavia, ganhando a falta de
consciência do ilícito, como problema de culpa, autêntica autonomia face ao erro
sobre as circunstâncias do facto. Tanto no puro erro sobre o substrato,
efectivamente, como no erro de valoração devido a uma falta de conhecimento –
que conjuntamente conformam o que Gallas chama de erro intelectual – a censura
dirige-se a uma falta de conhecimento que o agente não obteve por violações de um
dever de atenção ou de informação. Diferentemente, na outra hipóteses -
conformadora do âmbito do que chama de erro moral -, a censura dirige-se à falta
ou ao embotamento do órgão de apreensão das decisões axiológicas da ordem
jurídica e, por conseguinte, antes que a uma falta de conhecimento, a uma cegueira
perante os valores do direito”511.

Destarte, frente à diferenciação feita por GALLAS, entre (i) o conhecimento


de um substrato de valoração, da (ii) valoração de um substrato, Figueiredo DIAS

pelo direito positivo português vigente – é dizer, pelo CP português de 1.982 – corresponde
integralmente não só às teses que sobre o ponto defendi nas minhas investigações anteriores sobre
o tema, como aquilo que eu continuo a pensar deverem ser a compreensão e as soluções cabidas à
problemática do erro em um sistema penal moderno”.
509
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 392-415.
510
OTTO, Haro apud SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 302: “Conhecimento do injusto,
no sentido de conhecimento da antijuridicidade, é conhecimento da punibilidade do
comportamento através de uma norma legal penal positiva” em que “não é necessário o
conhecimento preciso dos parágrafos da lei, ma o conhecimento de infringir uma prescrição legal”.
511
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 506-507.
200

busca superar a clássica distinção entre um erro de tipo (excludente do dolo) e o


erro de proibição (apenas atenuante da censura, se vencível).
Segundo a feliz síntese de PIZZARRO BELEZA e COSTA PINTO,

“O Código Penal acolheu ainda uma dicotomia relativamente ao erro, defendida


por Figueiredo Dias em 1.969, que distingue o erro consoante a sua natureza: a
ignorância ou a errada apreensão da realidade pode corresponder a um problema
cognitivo ou pode traduzir-se num problema valorativo. No primeiro caso, estamos
perante um erro de natureza intelectual ou meramente cognitivo (erro de
conhecimento ou erro intelectual); no segundo, estamos perante um problema de
natureza axiológica ou de valoração do agente sobre a realidade (erro de valoração
512
ou erro moral)” .

Como concluem os mencionados autores, o erro intelectual teria o condão


de excluir o dolo, enquanto que o erro moral corresponderá a um problema de
culpa, admitindo – em casos raros513 – a atenuação da pena.
O erro intelectual não coincide com o erro de tipo. Tampouco, o erro moral
corresponde, necessariamente, com o erro de proibição.
Cuidando-se de uma norma axiologicamente neutra514 – no exemplo de
Figueiredo DIAS, muitos crimes de perigo abstrato515 – o equívoco do agente
decorre, no mais das vezes, de uma cabal falta de conhecimento técnico. Aqui não
haveria a manifestação de um defeito da consciência-ética, que dá base à
dicotomia.

512
BELEZA, Tereza Pizarro; PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. O regime geral do erro e
as normas penais em branco, p. 22-23.
513
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 312.
Anote-se que, para dias, o verdadeiro erro moral (correspondente a um defeito da personalidade
ética do autor, manifestada no ato) não escusa jamais.
514
A expressão deve ser empregada sob reservas. A rigor, nada no mundo é neutro. Ainda mais
depois de estar verbalizado em Lei. O que se busca evidenciar, contudo, é que – em muitos tipos
penais – a tipificação penal pretende criar o desvalor social. A cominação da pena corresponderá a
uma pretensão planificadora da realidade social, por parte do Estado. E, sendo assim, referidos
dispositivos legais serão altamente técnicos, exigindo um especial dever de informação para que
possam ser efetivamente observados pelos seus destinatários.
515
Citando Arthur KAUFMANN, Dias argumenta que “Pode haver erros sobre a proibição não
censuráveis, naqueles casos em que o conhecimento do tipo não conduz eo ipso à consciência da
ilicitude por o tipo abstrair, em medida inadmissível, do ilícito material – como será o caso dos
delitos de perigo abstrato, dos tipos penais com condições objectivas de punibilibidade ou
daqueles cuja dignidade punitiva é discutível ou discutida (p.ex. inseminação artificial,
esterilização, interrupção da gravidez por indicação ética, homossexualismo simples, etc.). Mas
isto não significa que se trate de uma verdadeira falta de consciência da ilicitude não censurável,
mas somente de uma falta de conhecimento de circunstâncias (v.g., o perigo concreto, a condição
de punibilidade, o ponto de vista de valor a que o legislador se ligou, a posição que toma em uma
controvérsia moral, etc.) relevantes para o dolo – o que conduzirá a comprovar a censurabilidade à
face dos critérios da negligência. Quanto, porém, ao erro moral em que para nós e analisa a
autêntica falta de consciência da ilicitude, esse, diz-nos KAUFMANN, nunca desculpa”.
201

O desconhecimento da proibição/imposição legal, por ser extremamente


técnica (axiologicamente neutra) deveria ser tratado como erro intelectual,
excluindo o dolo. Ou seja, transporta para estes delitos a solução propugnada pela
Teoria do Dolo516, no que se aproxima das propostas de LANGE e TIEDMANN.
Por isso, como o próprio autor adverte517, o problema está muito em mais
em distinguir a autêntica falta de consciência da ilicitude em face do puro erro
intelectual.
Feito este brevíssimo resumo do pensamento do professor lusitano, pode-se
caminhar para uma avaliação.
Inicialmente, atente-se para o fato de que a construção desenvolvida pelo
penalista lusitano é de uma profundidade teórica significativa.
Na exata medida em que o Direito Penal está lastreado em um desvalor da
ação – ou seja, manifestações de conduta aparentemente idênticas recebem um
tratamento penal distinto – é certo que a ênfase no fenômeno psíquico
(cognição/compreensão) mostra-se bastante importante para o desenvolvimento da
dogmática neste campo.
Porém, disso decorrem inúmeros problemas de diferenciação pragmática.
Ao focalizar a forma do erro (ao invés do seu objeto), o critério de DIAS acaba
dando margem a muitas dúvidas, nos casos práticos específicos. Afinal de contas,
muitas questões são indissociáveis em cognição e valoração. Somente se conhece
se, ao mesmo tempo, se valora (a arte, por exemplo).
Importa dizer: a dificuldade está em distinguir o que é, em absoluto,
eticamente neutro518, porquanto – ao ser veiculado em Lei – fatalmente já ganha o
colorido da valoração jurídica.
Por vezes ocorre uma antecipação do Estado na apreciação do desvalor de
uma conduta. Tipifica ações que ainda não são socialmente reprovadas, dando
causa a erros de proibição.
A sua utilização pode redundar, por isso mesmo, em uma dificuldade de
tratamento de casos aparentemente iguais. Isto porque, sob referida dicotomia, é

516
É o que afirma o próprio autor. DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da
ilicitude em direito penal, p. 310.
517
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 307.
518
Expressão empregada por MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el
derecho penal tributario. Tradução de Marcelo A. Sancinetti, Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.997, p.
73 e ss. Corresponde, no fundo, a um Direito Penal utilitarista (“administrativizado”). Vale dizer,
garantidor de complexos funcionais, na dicção de BARATTA.
202

colocado o homem como julgamento. É a sua personalidade; o seu “ser assim”


que estará sendo avaliado. Logo, pode ser uma porta aberta para o arbítrio, pois,
como se poderia controlar a correta aplicação de um critério tão incerto?
Ademais, este fator disjuntivo (cognição/valoração) decorre, em certa
medida, da fundamentação de uma culpa de personalidade, referida no fato519.
A mencionada justificação da culpabilidade – tendente a um Direito Penal
do Autor (responder por quem se é) – se revela incompatível com o Estado de
Direito, legitimado pelo reconhecimento da dignidade humana.
Com efeito, frente à classificação de Figueiredo DIAS, a diferenciação entre
uma consciência plena e uma consciência meramente potencial da ilicitude não
adquire qualquer relevo, uma vez que – em ambas – haveria a denotação de um
específico defeito da consciência-ética individual, ante a falta de introjeção dos
valores vitais da sociedade.
Retorna-se, por essa via, à categoria da inimizade/hostilidade ao Direito,
desenvolvidas por Edmund MEZGER520, com paralelo na classificação
amigos/inimigos de Carl SCHMITT521 e JAKOBS522 (paralelismo que – destaque-
se – não se situa apenas no emprego da expressão. Antes, diz respeito à concepção
axiológica hobbesiana, subjacente às propostas).
Aliás, esta associação ao pensamento de MEZGER é referida pelo próprio
DIAS, como se infere do seguinte excerto:

“Nem é outra, acrescentaremos, a solução a que pode conduzir o ver-se na


hostilidade ao direito o verdadeiro signo distintivo da falta de consciência da
ilicitude. É evidente que nem todo o erro sobre a proibição se poderá sem mais
imputar à posição originariamente falsa sobre princípios do lícito e do ilícito em
que aquele conceito se traduz (...) Mas, dir-se-á por isto que, num caso como
noutro, teremos faltas de consciência da ilicitude não censuráveis? A conclusão não
é forçosa”523.

519
DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p. 247-248.
520
Vide, a respeito, BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 149.
521
“A distinção especificamente política a que podem reportar-se as ações e os motivos políticos é
a discriminação entre amigo e inimigo”. SCHMITT, Carl apud MACEDO JÚNIOR, Ronaldo
Porto. Carl Schmitt e a fundamentação do direito. São Paulo: Max Limonad, 2.001, p. 75
522
JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manual Cancio. Direito penal do inimigo. Noções e críticas.
Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli, Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2.005.
523
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 308.
O autor prossegue argumentando que a teoria de Edmund MEZGER também não teria o condão de
tratar a questão de uma forma exata, porquanto admite erros de proibição desculpáveis (sempre
que o erro não fosse imputável a uma infidelidade ao direito), enquanto que a verdadeira falta de
consciência da ilicitude (erro moral) nunca desculpa.
203

Apesar destas reservas, não há um verdadeiro comprometimento do


emprego da distinção proposta por Figueiredo DIAS como um critério auxiliar de
tratamento do erro. Será útil, por exemplo, para a questão do erro sobre as normas
penais em branco e para o complicado tema do erro sobre os elementos de dever
jurídico, que tanto atormentam a doutrina especializada.
Por outro lado, também convém anotar que - no caso brasileiro – a adoção
irrestrita deste critério (erro intelectual/erro moral) teria sérias dificuldades de se
sustentar, frente ao disposto nos artigos 20 e 21 do código penal, com a redação
veiculada a partir da Lei 7.209-84.
Retome-se a questão do erro de tipo, frente ao critério fixado pela Teoria
Finalista (quanto ao objeto do erro, e não a sua qualidade anímica).

3.3
Profundidade do conhecimento exigido para o dolo:

3.3.1
Observação inicial – o problema da representação:

A dicotomia de NOWAKOWSKI - substrato de uma valoração versus


valoração de um substrato – é bastante útil para os argumentos que seguem
adiante.
Ao se relacionar consigo e com o mundo, o ser humano está constantemente
formulando representações. O interessante é notar que a sua psique lidará
justamente com estas representações; com estes recortes significativos do mundo.
Afinal de contas, sabe-se desde KANT que a coisa em si (noumenica) é
inapreensível pela mente, tantos são os filtros impostos pela razão.
Uma afirmação deste fenômeno exigiria uma incursão mais profunda em
postulados de psicologia e filosofia, o que escapa dos limites deste estudo.
De qualquer modo, o problema do erro está na representação equivocada: o
erro sobre a apreensão existencial ou de sentido social de uma dada realidade.
Neste particular, Figueiredo DIAS está com a razão, já que é possível
distinguir a cognição (conhecimento e compreensão) da valoração (sentimento, de
predileção ou ojeriza).
204

O sujeito pode lidar, em sua mente, com a representação de um objeto sem


qualquer paralelo com aquele existente. O caçador atira supondo ser um
espantalho, depois vem a descobrir que era uma criança. Na sua mente, apenas
concebeu que fosse um espantalho.
Também pode se equivocar sobre os símbolos sociais; sobre conteúdos que
apenas adquirem algum sentido se tomados em face da sua finalidade. É o caso de
documento; de tributo; de moeda; de domicílio; etc.
Com efeito, o autor pode muito bem olhar para uma escritura de uma casa e
enxergar ali apenas papel e tinta, seja por distração (falta, a rigor, de visualização)
seja por falta de compreensão (nunca havia visto uma escritura antes).
Também pode tomar por existente uma escritura que, a rigor, não tem
qualquer essência, por faltar, por exemplo, a assinatura do cartorário.
Tais itens envolvem “conotações sócio-culturais”.
Conforme diz Enrique BACIGALUPO,

“En relación a estos elementos el conocimiento requerido por el dolo es, en


realidad, un acto de comprensión espiritual, es decir, no es factible a través de una
representación de autor obtenida por medio de sus sentidos, como ocurre con los
elementos descriptivos del tipo”524.

Deve ficar claro, quanto a estes últimos, que o sentido somente é


compreendido quando associado imediatamente (ainda que de forma implícita) a
uma utilidade social específica. Somente se entende o documento se, antes, sabe-
se que ele se presta a servir como prova de atos jurídicos. Somente se
compreenderá o testamento, se houver alguma pré-compreensão a respeito do
direito de herança, etc.
A representação adequada de um título público pressupõe uma compreensão
mínima da sua finalidade. O mesmo se dá com a de uma sentença.
Se o sujeito não sabe que o cheque poderá ser convertido em dinheiro ou
utilizado como meio liberatório de pagamento, por certo que – embora tenha
decorado todos os detalhes do papel do cheque – o cheque mesmo ele não sabe o
que é.
O problema todo está no fato de que, em vários casos, as conotações sociais
são muito ambíguas, compreendendo uma série muito grande de elementos.

524
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 160.
205

Noutras hipóteses, quando empregados em Lei, referidos termos podem


adquirir um sentido mais amplo do que aquele com que é empregado
normalmente, no dia-a-dia.
É o caso da expressão coisa.
O uso trivial dessa palavra não costuma abranger também o cachorro ou a
energia elétrica. A ação de esvaziar um pneu não é, comumente, abrangida pela
expressão destruir/dano, por mais que – etimologicamente – possam ser
empregadas.
Esta é uma limitação inerente à linguagem, contudo. As palavras podem
dizer muita coisa. Entretanto, talvez não consigam dizer justamente aquilo com
que se lhes empregam. Daí que a comunicação não deixa de ser uma espécie de
jogo de adivinhação.
E isto é de capital importância para o tema do erro.

3.3.2
Amplitude do conteúdo intelectual do dolo:

ROXIN questiona qual o grau do conhecimento necessário para que se


possa reconhecer uma determinada vontade como sendo dolo. Confira-se:

“Si por consiguiente concebimos el conocimiento de los elementos del tipo como
percepción de sus elementos descriptivos y comprensión de sus elementos
normativos, se suscita la ulterior cuestión de con cuánta precisión han de haber
aparecido estos elementos ante la mirada física o intelectual del sujeto para poder
hablar de un conocimiento y por tanto de actuación dolosa”525.

Afasta-se desde logo a exigência mais absurda de todas. A Lei não quer, por
certo, que o indivíduo formule subsunções exatas, como se vivesse confrontando
textos de Lei e a representação que faz dos fatos, a cada momento.
O indivíduo, ao decidir matar o seu vizinho, terá cometido um homicídio
mesmo que não tenha cogitado, de forma reflexiva em seu cérebro, que “José é
alguém. Logo, se eu matá-lo, estarei matando alguém”.
Dito em outras palavras, o sujeito não precisa mentalizar uma oração
idêntica àquela prevista na Lei. Exigi-lo seria um arrematado absurdo, que
inviabilizaria a aplicação de todas as normas penais existentes.

525
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 471.
206

Basta que o autor alcance um sentido idêntico àquele presente na Lei. Ou


seja, deve ser capaz de perceber que mata uma pessoa; um alguém; um ser
humano, etc. Ou, ainda, deve representar que está matando; mortificando;
retirando a vida.
Segundo menciona PUPPE526, ao descrever o tipo, o legislador proibiu
também todas as condutas ali representadas. Importa dizer: haverá dolo desde que
o autor possa compreender o significado da oração veiculada no tipo. Podia pensar
que o José não era um alguém (!). Ainda assim, isso será um mero erro de
subsunção (!), desde que o autor saiba que José era uma pessoa.
Obvio dizer: o que a Lei busca é evitar a conduta indicada pela linguagem.
Não exige que esta mesma linguagem seja reproduzida na mente do sujeito,
portanto.
Tanto por isso é que a doutrina especializada tem concluído pela
desnecessidade de pensamentos reflexivos527, meditados, a respeito do fato, para

526
PUPPE, Ingeborg in: FRISCH, Wolfgang et al. El error en el derecho penal, p. 95-98. Com
efeito, “Los hechos que según el §16 forman parte del tipo legal son descriptos por el tipo cuando
se introducen constantes en lugar de las variables de individuos, esta relación de pertenencia es
mucho más estrecha de lo que comúnmente se piensa”. Para a autora, portanto, o tipo do homicídio
veicularia algo como ‘sempre que A matar B, deverá sofrer uma sanção de tantos anos’. Vale
dizer, o tipo somente ganharia sentido quanto as variáveis (A, B) fossem substituídas por
pessoas/coisas reais. Também sustenta, neste rastro, que os tipos seriam orações L-equivalentes
(filosofia da linguagem – CARNAP). Daí que toda e qualquer oração, repleta de sentido, que fosse
sinônima daquela outra, seria o mesmo que o conhecimento do tipo. Em outras palavras, se o autor
não sabe o que é um documento – segundo conceito dogmático-doutrinário, veiculado nos manuais
jurídicos – isto não o impede de compreender, com orações L-equivalentes, o sentido da vedação
penal, dado que, se o indivíduo alega que não sabia que havia cometido uma falsidade documental,
o juiz deve seguir “preguntando al acusado acerca de qué es lo que había representado. Quizá le
pregunta: ¿Sabía usted que generaba la apariencia de que quien exponía la mercancía había
emitido una declaración de pensamiento, que en realidad no emitió, corporizándola
permanentemente? También esta pregunta probablemente se contestada negativamente por el
acusado que no tenga formación jurídica o comercial. Por lo tanto, el juez abandonará el nivel
abstracto de configuración conceptual jurídica y preguntará más concretamente, pero deberá tener
en cuenta que las oraciones por él ofrecidas como contenido de la representación del autor L-
impliquen la descripción típica del supuesto de hecho. Si el autor realmente padecía un error de
tipo, nunca confirmará una oración de este tipo, a no ser que se encuentre en el momento de
confirmar esa oración, a su vez, de nuevo en un error de subsunción (error conceptual). Por lo
tanto, el juez únicamente podrá interrumpir el diálogo con el acusado cuando esté seguro de que
coincide con el acusado en la utilización de los términos. Sin esa coincidencia, además, resulta
imposible toda comunicación entre juez y acusado acerca del contenido de las representaciones de
éste”. PUPPE, Ingeborg. Obra citada, p. 98-99. Este papel demiúrgico do Juiz, entre a linguagem
do réu e a da Lei, foi objeto de trabalho de Arthur KAUFMANN, conforme referido na obra
MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el derecho penal tributario, p. 41, em
nota de rodapé.
527
Sendo que aqui ganha relevo também o problema da co-consciência (pensamento material),
desenvolvido por SCHMIDHÄUSER. O referido autor, no dizer de ROXIN, tem aproveitado o
desenvolvimento da psicologia da linguagem para a questão do erro, ao trabalhar com uma
consciência lingüística material. “No es necesario por tanto que el sujeto piense en las
circunstancias del hecho con formulaciones lingüísticas (esta cosa es ajena; yo hurto de una
207

que haja dolo. Basta que a situação seja compreendida de forma equivalente
àquela proibição do legislador.
Para que haja dolo não basta, contudo, um conhecimento meramente
eventual528, ao contrário do que se reconhece para a consciência da ilicitude.
Com efeito, o conteúdo intelectual deve abarcar aquelas circunstâncias
cogitadas ‘materialmente’ (ou seja, pensamento não reflexivo; evocação de
sentido, tal como quando se escuta uma música ‘carregada’ de lembranças). Para
ROXIN,

“Quien en unos grandes almacenes se apodera de una cosa apetecida es consciente


de modo actual, sin ningún tipo de reflexión consciente, de su amenidad; y quien se
lleva un crucifijo del altar necesariamente tiene conciencia de hurtar de una iglesia
(§243 I, nº 4), porque el complejo mental iglesia está ligado de manera indisoluble
a la percepción del crucifijo y altar”529.

É fato que a referida categoria – de capital importância para o entendimento


da intelecção humana e, como tal, também da dirigibilidade normativa (vivem-se
fatos; e não subsunções normativas) – não pode ser utilizada como mecanismo de
burla da exigência de dolo.
Deve haver parcimônia no emprego de “co-consciência530” e “pensamento
material”531 (Sachdenken) como fundamentos da tipicidade subjetiva, sob pena de
se converter esta última em uma mera presunção.
Cumprida esta advertência, volta-se para o problema das ações

iglesia; ahora actúo como médico, etc.), sino que basta con que se percate de ellas de modo
material-conceptual (en el pensamiento material)”. Leia-se ROXIN, Claus. Derecho penal, p.
473. Ou seja, certos objetos – por estarem entrelaçados em uma teia de significados (Heidegger) –
geram percepções sensoriais/intelectuais com tão simples visualização. Um altar automaticamente
evoca uma igreja; o cemitério evoca a morte; etc. Leia-se também DIAS, Jorge de Figueiredo. O
problema da consciência da ilicitude em direito penal, p. 216. Crítico a respeito, DIAS
argumenta que – na grande maioria dos casos – faltando uma consciência clara ao agente, também
faltaria a co-consciência ou a consciência segundo o pensamento pela matéria.
528
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 472.
529
Idem, ibidem.
530
Desenvolvida por PLATZGUMMER, conforme BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal,
p.323.
531
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 99: “SCHMIDHÄUSER entiende que la conciencia
de la antijuridicidad es dudosa en los casos críticos mientras se la analice desde el punto de vista
del pensamiento dirigido a cosa a través del lenguaje (sprachgedanklich), pues no se piensa
siempre de la manera que se habla, sino que a menudo pensamos de una manera, de la que sólo
podemos pensar pero no hablar, es decir directamente en la cosa. La cosa misma la conocemos
mediante el lenguaje y su concepto, ya sí la hemos recibido para disponer de ella en nuestro
pensar, pero la tenemos actualmente en la conciencia sin lenguaje”.
208

automatizadas, de que fala o Professor de Munique532. Argumenta que se deve


aferir se o fim da ação está abarcado pela consciência do autor; se a conduta
automatizada de atirar é englobada pela finalidade de matar, obviamente não se
pode afastar o dolo.
Mas, se o automatismo (sistema simpático-parassimpático) resultar em uma
conseqüência não almejada – alheia ao plano – deve-se reconhecer a ausência de
dolo quanto à lesão. A este último respeito, confira-se o conhecido ‘caso da
mosca’, mencionado por Albin ESER e Björn BURKHARDT533, em que a
questão foi discutida a partir do próprio conceito de ação final.

3.3.3
Valoração paralela na esfera do profano:

Faz-se oportuna a análise da valoração paralela na esfera do profano (isto é,


do leigo), categoria desenvolvida inicialmente por MEZGER.
No dizer de Enrique BACIGALUPO,

“El error sobre los elementos normativos, pelo contrario, se da cuando el autor ha
carecido de una valoración que le haya permitido comprender el significado del
elemento correspondiente. En estos casos se habla del conocimiento paralelo en la
esfera del lego”534.

Com a síntese precisa do Professor de Munique,

“La comprensión intelectual que caracteriza el dolo típico en los elementos


normativos no significa una subsunción jurídica exacta en los conceptos empleados
pela ley, sino que basta con que el contenido de significado social del suceso
incriminado aludido (scil. el contenido) con esos conceptos se abra a la
comprensión del sujeto. Se habla entonces de una valoración paralela en la esfera
del profano”535.

No entender de JESCHECK-WEIGEND, para o conhecimento dos


elementos normativos do tipo,

“No es necesario que el autor conozca la definición jurídica del concepto


correspondiente (de lo contrario, sólo los juristas poderío actuar dolosamente), sino

532
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 476.
533
ESER, Albin; BURKHARDT, Björn. Derecho penal, p. 69-101.
534
BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 326.
535
ROXIN, Claus. Obra citada, p. 460. Contudo, como se verá mais adiante, ROXIN faz algumas
ressalvas quanto a tese de que o erro de subsunção seria sempre um erro de proibição.
209

que basta con que posea una idea de cuáles son los hechos a los que el legislador
quiso extender la protección de la norma penal. Con otras palabras, en relación con
los elementos normativos del tipo el dolo presupone que el autor vislumbra por si
mismo, a su propio nivel de comprensión, la valoración del legislador
materializada en el concepto correspondiente (valoración paralela en la esfera del
profano)”536.

Günther JAKOBS argumenta, por seu turno, que – desde BINDING e


MEZGER – sabe-se que o mero conhecimento de dados empíricos não é
suficiente para o preenchimento do dolo (papel e tinta juntos não implicam,
automaticamente, a representação do documento. Deve-se supor a sua finalidade
social).
Mas, “Tampoco es necesaria una subsunción en la ley de lo sucedido,
subsunción de la misma clase que la judicial”.
O sujeito não precisa saber o conceito jurídico de documento. Basta que
reconheça, no papel, a função social equivalente: a corporificação de uma
declaração de vontade. No exemplo do autor, quem lança cola sobre um relógio,
ciente de que, com isto, está desvalorizando o objeto, atua com dolo de dano,
ainda que suponha que a destruição exija uma alteração da coisa.
Frente a tais pressupostos, quem mata um cachorro alheio, supondo que não
se trata de uma coisa, em termos jurídicos, o dolo deverá ser reconhecido se, com
a conduta, o autor conseguir apreender que está lesionando o patrimônio alheio.
Ou, no exemplo de ROXIN537, reiterado por Cirino dos SANTOS538, o
consumidor que intencionalmente altera os traços deixados pelo garçom sobre a
mesa do bar, atingiu o conhecimento exigido pelo dolo, desde que – com isto –
tenha percebido que está alterando um conteúdo de uma declaração de
pensamento.
No entender de SANTOS, referida situação daria causa, quanto muito, a um
erro de subsunção, penalmente irrelevante. Esta também é a opinião de Enrique

536
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 316.
537
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 461. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 152-
153. Anote-se, por fim, com ZAFFARONI-PIERANGELI, que “Não obstante, tampouco com isto
conseguimos esclarecer sobre o que dever versar este conhecimento paralelo, que é o
conhecimento aproximado que tem o profano”. ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José
Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 624.
538
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal, p. 152. A esse respeito, leia-se também a sentença
proferida no caso da prevaricação do advogado (BGHSt 7, 261), referida na obra ESER, Albin;
BURKHARDT, Björn. Derecho penal, p. 335-349.
210

BACIGALUPO539.
Santiago MIR PUIG - ao tratar sobre a espécie de conhecimento dos
elementos normativos do tipo, para configuração do dolo - argumenta que a
expressão de MEZGER representa uma solução de compromisso com a teoria dos
conceitos complexos540 (que exigia o conhecimento da base fática dos elementos
normativos) e a exigência de uma exata percepção do termo jurídico.
Note-se que

“Puede resultar esclarecedor, a estos efectos, tener en cuenta la diferencia de


niveles de lenguaje existentes en la sociedad, y en particular la distinción de
lenguaje común y lenguaje jurídico especializado. Para el conocimiento de un
elemento normativo no es preciso que el sujeto se lo represente mediante el
término o términos técnicos que utiliza la ley, sino que basta que sea capaz de
expresarlo en términos del lenguaje común que traduzcan suficientemente su
significado a su nivel de profano. Arthur KAUFMANN, en una monografía de
1982, ha profundizado en la fórmula de MEZGER de la valoración paralela en la
esfera del profano y ha puesto de manifiesto que su aplicación supone una
comparación de la representación vulgar del profano, expresada a través del
lenguaje común, y el significado del lenguaje jurídico especializado de la ley,
comparación que ha de efectuar el juez, como mediador entre ambas esferas que en
definitiva ha de decidir, en un proceso de imputación, si existe la suficiente
correspondencia entre ambos niveles”541.

Portanto, em um primeiro exame, fica a impressão de que a doutrina


especializada está de acordo que, quanto aos referidos elementos normativos do
tipo, bastaria um conhecimento aproximado, não se exigindo identidade entre o
conceito jurídico e a representação mental do autor.
Têm surgido trabalhos, contudo, questionando a legitimidade jurídica desta
última afirmação, conforme se indica adiante.
Com efeito, discute-se até que ponto se pode prescindir de um dolo

539
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 161.
540
Como explica ROXIN, para a teoria dos elementos complexos “debería bastar para el dolo el
conocimiento de los elementos constitutivos de un concepto jurídico utilizado por la ley, sin ser
preciso que sea conocida su conjunción en el concepto (complejo). Pues p.ej. para el dolo de hurto
no basta con el conocimiento de las circunstancias de las que se deriva la amenidad de la cosa, sino
que el sujeto debe haber extraído de esas circunstancias también la consecuencia jurídica de que la
misma pertenece en todo o en parte a otro. Lo mismo rige para la pretensión fiscal y de alimentos
(nm. 91 s.). Hay sin embargo una parte de verdad en esa doctrina en el caso de los elementos de
valoración global del hecho divisible, en cuanto que en ellos el dolo debe abarcar solamente los
elementos descriptivos y normativos constitutivos del juicio de antijuridicidad, pero no el juicio de
antijuridicidad de ahí derivado como tal”. ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 465. Desta forma, em
parte, ROXIN recupera a teoria dos elementos complexo (FRANK) para o caso dos erros sobre
elementos de desvalor global do fato.
541
MIR PUIG, Santiago. El error en el código penal español de 1.995. Disponível na Internet via
WWW.URL:<http://www.revistacathedra.com/Downloads/ar00001.pdf.>. Acesso em 10 de julho
de 2.006.
211

compreensivo da integralidade do tipo objetivo do delito, com conhecimento


atualizado, na conduta, de todos os seus elementos542.
Observe-se, primeiramente, a opinião de ZAFFARONI-PIERANGELI. Os
professores argumentam que - em determinadas hipóteses - o erro de subsunção
terá eficácia atenuante, podendo caracterizar um erro de proibição. Confira-se:

“Sem embargo, pode haver casos em que este erro, sendo invencível, possibilite
apenas a compreensão de um injusto menor, como, por exemplo, quando existir
jurisprudência obrigatória para os tribunais inferiores na hipótese de uma pessoa
praticar um delito que a jurisprudência pacífica e remansosa considerava tipificada
no tipo básico, mas que, no dia seguinte, o considerar qualificado por modificar o
seu entendimento anterior. É óbvio que o sujeito, por mais que fosse a sua
diligência, não teria possibilidade de compreender outra juridicidade que não a
correspondente à magnitude do tipo básico. Neste caso, o erro de subsunção é
relevante, porque determina uma menor culpabilidade”543.

José Reãno PERSCHIERA, tratando do erro no código peruano, registra que

“Se ha destacado que la teoría de la valoración paralela en la esfera del lego


distorsiona las exigencias cognitivas del dolo, al requerir que el autor realice un
acto de valoración sobre los elementos típicos que refieren a derechos o relaciones
jurídicas, como si el autor fuese el legislador que tuviese que promulgar las normas
extrapenales, cuando en puridad sólo debe conocer los hechos jurídicos”544.

Logo, para o autor - conquanto tenha sido admitida pela doutrina majoritária
- referida categoria deve ser vista com reservas:

“Independientemente de la simpleza o complejidad de los derechos y relaciones


jurídicas contenidos en las normas penales, debe asumirse que el aspecto cognitivo
del dolo incluye determinados conocimientos jurídicos porque éstos son
presupuestos de que el autor pueda reconocer el injusto específico del hecho por él
realizado. En definitiva, los denominados elementos normativos del tipo describen
situaciones jurídicas que pueden enjuiciarse sin necesidad de una valoración del

542
“SCHLÜCHTER ha tratado de precisar algo más la clase de correspondencia que debe existir
entre el nivel del profano y el nivel técnico de la ley. A través de una ‘reducción teleológica’ del
objeto del dolo, esta autora llega a la conclusión de que sólo serán relevantes y generarán error de
tipo las desviaciones que supongan una falsa representación en el sujeto del significado lesivo de
la conducta para el bien jurídico (Schlüchter, Irrtum über normative Tatbestandsmerkmale im
Strafrecht)”. Consulte-se MIR PUIG, Santiago. El error en el código penal español de 1.995.
Disponible na Internet. http://www.revistacathedra.com/Downloads/ar00001.pdf. Acesso em 10 de
julho de 2.006. A respeito da compreensão da lesão do bem jurídico, leia-se BARREALES, María
A. Trapero. El error en las causas de justificación, p. 142.
543
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro, p. 650.
544
PERSCHIERA, José Leandro Reãno. El error de tipo en el código penal peruano. Disponível
na Internet via WWW.URL: <http://www.unifr.ch/derechopenal/anuario/03/Reano.pdf>, acesso
em 10 de julho de 2.006.
212

autor”545.

A conclusão de José PERSCHIERA adquire relevo especial no âmbito do


Direito Penal Acessório (cujo conteúdo é alheio ao núcleo liberal-clássico do
Direito Penal). Isto porque, em casos tais, com a redução das exigências para que
determinado conhecimento/vontade possa ser tido como dolo, pode redundar em
responsabilizações objetivas.
Aliás, este também é o entendimento de Claus ROXIN546.
O jurista sustenta que o erro incidente sobre aquele substrato
correspondente, no contexto do autor, aos elementos normativos do tipo também
poderá resultar na exclusão do dolo. Para tanto, bastará que o dolo não alcance o
‘sentido social’ daquela expressão jurídica.
Sabe-se que, em muitos dos tipos veiculados neste Direito Penal
Administrativizado, o conteúdo passa a largo da percepção leiga.
Em tais casos, seria incabível o meio termo patrocinado pela categoria da
valoração paralela.
Ou o indivíduo realmente conhece o conteúdo jurídico ou não conseguirá
atingir conhecimento algum. Nesta hipótese, demonstrado este caráter altamente
abstrato do termo (sem um referente apreensível socialmente) o autor deverá
responder apenas a título de imprudência, caso prevista a hipótese em lei.
Advirta-se também que no âmbito do Direito Penal econômico raramente há
tipificação imprudente, razão pela qual a exclusão do dolo redundaria, pura e
simplesmente, na atipicidade da conduta.
Destarte, frente a uma concepção funcionalizada do Delito – respeitante,
porém, de um Estado Democrático de Direito (funcionalismo roxiniano) – o que
se deve aferir é se este custo (lacuna de punibilidade) deve ser admitido ou se, na
hipótese contrária, não seria o caso de se criar tipos imprudentes em tal seara.
Uma opinião semelhante à de Reãno PERSCHIERA é sustentada por Célia
SUAY para quem – em certos casos específicos – o erro de
subsunção/compreensão dos elementos normativos do tipo, poderá ser causa de
um erro de tipo, excluindo o dolo.
SUAY argumenta, por exemplo, que o emprego pelos tribunais espanhóis

545
Idem, ibidem.
546
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 462-463.
213

das expressões “dano” e “destruição” estaria ampliando a percepção que tais


termos possuem na linguagem popular. Daí que – ainda que alguém consultasse o
código penal para compreender tais condutas – poderia incorrer em um evidente
erro, diante da distância entre o sentido oficializado e aquele outro, percebido pelo
povo.
Ao argumento de SUAY se pode acrescentar, ainda, que o compromisso
ético individual de conhecer as leis da sua comunidade não pode ser ampliado, a
ponto de tornar obrigatória a consulta aos advogados e às Cortes, antes de se
iniciar qualquer ação.
Ao contrário, a Lei é que deve ser aplicada com respeito ao sentido que
provoca aos seus destinatários, o que em muitos casos sabidamente não é
respeitado.
Pode-se associar a questão (o que, contudo, não poderá ser objeto de maior
aporte, neste estudo) ao candente problema da aplicação de um in dubio pro reo
como critério de hermenêutica, o que – em inúmeros casos – talvez devesse ser
cogitado.
Ao que tangencia mais diretamente a questão - retomando ao texto de
Santiago MIR PUIG - observa-se que

“Es comprensible la preocupación de Celia SUAY por tener en cuenta a favor del
sujeto las dificultades especiales que éste encuentra para conocer el sentido de
determinadas interpretaciones técnicas que se apartan del lenguaje común y,
también de algunos términos legales, demasiado vagos. Pero la vía que propone no
es compatible con el criterio de distinción generalmente aceptado, y que ella misma
acepta, entre el error de tipo y el error de prohibición. Si se admite, como hace
SUAY, que para el conocimiento de un elemento de la situación típica basta que se
advierta su significado social relacionado con la lesión del bien jurídico, no puede
afirmarse error de tipo si el sujeto capta dicho significado material, por mucho que
lo califique de otro modo que la interpretación usual de la ley. Ello es evidente en
el ejemplo del que deshincha un neumático de un vehículo. También sucederá
cuando el sujeto perciba que sus actos se valoran socialmente como obscenos,
aunque él no los juzgue del mismo modo. Cosa distinta es que alguna de estas
discrepancias en la calificación del hecho pueda verse como error de prohibición.
El sujeto que, siguiendo la opinión de un abogado desconocedor de la
interpretación dominante del § 303 del Código alemán que define los daños, cree
no incurrir en ellos ni en otra infracción cuando deshincha en Alemania las ruedas
de un vehículo ajeno, podría alegar error de prohibición: su conciencia de afectar al
bien jurídico de la propiedad ajena no obstaría a su creencia de que su conducta no
está prohibida”547.

547
MIR PUIG, Santiago. El error en el código penal español de 1.995. Disponible na Internet via
WWW.URL: <http://www.revistacathedra.com/Downloads/ar00001.
pdf>. Acesso em 10 de julho de 2.006.
214

Para Santiago MIR PUIG, destarte, a ausência de um conhecimento do


conceito jurídico não seria empecilho para o recolhimento do dolo, desde que o
autor esteja ciente de que agride a um bem jurídico tutelado (SCHLÜCHTER548).
Ainda segundo MIR PUIG, seria cabível a alegação de erro de proibição,
desde que demonstrado que não tinha a compreensão de que a sua conduta estava
proibida.
Se o autor – para efeitos de dolo – já tinha conhecimento de que lesava a um
bem jurídico, apenas em raríssimos casos uma alegação de falta de consciência da
ilicitude seria reconhecida judicialmente, frente às exigências normalmente
empreendidas para tanto. Ou seja, se o indivíduo tinha conhecimento de que
lesava a propriedade alheia, isto já seria indicativo da consciência de estar lesando
o Direito, globalmente considerado (não se exigindo que o indivíduo saiba que há
uma tipificação penal específica para a sua conduta – exceção feita a Haro
OTTO549).
Na grande maioria dos casos, negar a possibilidade de um erro de tipo,
quanto a tais elementos valorativos (presentes na descrição legal da conduta),
pode significar a terminante recusa de qualquer erro.
Santiago MIR PUIG argumenta que, na verdade, deveria ser questionado o

548
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 469. O autor enfatiza que o critério adotado por
SCHLÜCHTER permite resolver alguns problemas, mas não todos. Detalha que, com efeito, a tese
de que a compreensão dos elementos negativos do tipo pode ser restringida à compreensão da
lesividade do bem jurídico parece indicar um critério para solucionar aqueles casos em que é
possível ao sujeito conhecer o sentido (a função social) da categoria jurídica mencionada no tipo.
Não precisa saber o que é um documento. Basta que reconheça que, com o seu comportamento,
está fraudando uma manifestação de vontade registrada de algum modo para fazer prova
posteriormente. Contudo, ROXIN critica no entendimento da autora a falta de clareza a respeito do
tipo de conhecimento necessário, naqueles casos difíceis (mal resolvidos pela teoria da valoração
paralela), para que se possa aferir se o autor realmente tinha consciência de que estava lesando o
bem jurídico tutelado. A autora tampouco define o que seriam exatamente os fatores restritivos a
que alude, na sua classificação. Confira-se: “Pero, como los factores restrictivos de la protección
del bien jurídico también deben ser abarcados por ele conocimiento del sujeto y en el fondo todos
los elementos del tipo se refieren al bien jurídico protegido y a los limites de su protección,
Schlüchter se queda materialmente en la teoría de la valoración paralela. Esta teoría tampoco
aclara cómo de preciso ha de ser el conocimiento para que pueda ser considerado como
aprehensión del significado lesivo y de los factores restrictivos”
549
Em uma sociedade idealizada, provável que não houvesse crimes. Contudo, supondo-os
existentes, é fato que a teoria estrita do dolo seria a mais justa aplicação da Lei, por exigir o pleno
conhecimento da regra, para a censura da conduta. Ademais, em uma sociedade como esta,
provável que se caminhasse para uma democracia efetiva, em que a decisão vem do povo e para o
povo, o que eliminaria boa parte do problema. Contudo, a partir do momento em que a sociedade
não tem ainda este contorno, é fato que a teoria estrita do dolo carreia às vítimas todo o custo da
lesão, podendo estimular (sob o prisma de uma teoria preventiva geral) o descuido dos indivíduos
para com as normas jurídicas, indispensáveis para o convívio social.
215

próprio critério de distinção entre um erro de tipo e o erro de proibição.


Com efeito, a exigência de uma consciência meramente potencial da
ilicitude, característica do finalismo, resolve de forma adequada aqueles casos em
que a tipicidade penal corresponde a um conteúdo ético diluído pela Comunidade.
Já não o faz a contento, porém, no âmbito do Direito Penal “acessório”,

“Caracterizado por delitos creados por el legislador sin que ello haya penetrado en
la valoración social. Conocer el sentido social del hecho no supone aquí conocer su
significado jurídico. Ello explica, precisamente, que sea en este ámbito donde se
alzan más voces favorables a considerar necesario el conocimiento del significado
jurídico del hecho para el dolo típico, o que defienden aquí la igualdad de
tratamiento del error de tipo y del error de prohibición, según los postulados más
clásicos de la teoría del dolo. Pero –y esta es la consideración con la que quería
concluir esta reflexión– ¿no es ello incoherente?, ¿no sería más coherente exigir en
todo caso para el dolo, entendido como dolus malus, el conocimiento del
significado jurídico del hecho?”550

De fundamental relevo, por sinal, o arremate de MIR PUIG quanto ao tema,

“Esto no significa postular necesariamente un tratamiento idéntico para todos los


casos de error de tipo y de prohibición. La afirmación de que el conocimiento del
completo significado del hecho requiere la conciencia de su significado jurídico, es
compatible con la apreciación político-criminal de que acaso convenga estimular el
conocimiento del Derecho tratando con más rigor el error sobre el mismo que el
error sobre el significado social del hecho. Pero esta fundamentación
políticocriminal del problema tal vez permitiría flexibilizar la diferencia de
tratamiento indicada, de modo que hiciera posible excluir del trato de rigor del
error de prohibición a casos, como algunos de los contemplados por SUAY, en que
el desconocimiento del Derecho no está motivado por el desconocimiento de la
letra de la ley, sino por la ambigüedad de ésta o por su excesiva lejanía respecto a
su interpretación jurisprudencial” 551.

Logo, vê-se que a preocupação fundamental de Célia SUAY consiste em


tratar aqueles casos de erro incidentes sobre elementos normativos do tipo, mas
que, a rigor, decorrem diretamente do caráter altamente técnico da legislação,
distante da percepção lingüística e valorativa da população.
Parece, assim, assistir razão à Célia SUAY HERNANDEZ.
Em casos tais, a melhor solução é o reconhecimento de um erro de tipo,
excludente do dolo, desde que o autor não tenha conseguido atingir a
compreensão do significado social do tipo.
A esse respeito, esposa-se integralmente a conclusão de CONLLEDO,

550
Idem.
551
Idem.
216

referendado por ALMEIDA, como segue:

“É de se ver, ainda, que a doutrina majoritária na Espanha e na Alemanha sustenta,


em relação aos elementos normativos do tipo que o dolo deve abarcar algo mais do
que seus pressupostos fáticos; antes, deve atingir também o seu significado social
(Bedeutungskenntnis), sem que, porém, se mostre sob a forma de um conhecimento
exato. Assim, el error debido a una valoración paralela errónea - con un
desconocimiento del sentido del elemento – excluirá el dolo, mientras que si se
conoce el sentido, el posible error por una interpretación equivocada del término
legal será un error de subsunción irrelevante para el dolo y que, en su caso, podrá
lugar a un error de prohibición”552.

3.4
Objeto da compreensão do injusto:

Como indica FELIP I SABORIT, quando se afasta dos delitos mais comuns,
“raramente el sujeto tiene un conocimiento claro de los preceptos jurídicos que
atañen a su comportamiento y simplemente llega a un pronóstico sobre si puede
o no puede llevar a cabo un determinado comportamiento” 553.
A maioria das pessoas tem uma percepção vaga dos conceitos jurídicos.
Sabe, por exemplo, que matar é crime. Contudo, dificilmente saberá exatamente
que a apropriação de coisa achada é crime (art. 169, inc. III, CPC), frente ao
conhecido argumento de achado não seria “roubado”.
Qual a profundidade do reconhecimento do injusto necessária para o juízo
de culpabilidade? Basta que o indivíduo reconheça sua conduta como imoral? Ou
deve saber, ao contrário, de que faz algo ilícito? E, neste último caso, deveria
reconhecer que é proibido penalmente? Ou bastaria que soubesse que é proibido
pelo Direito Administrativo, por exemplo?
Não basta o conhecimento da imoralidade da ação, como bem enfatiza
Figueiredo DIAS:

“A requerida consciência do ilícito não equivale nem pode substituir-se pela


consciência – a que alude uma parte da doutrina – da imoralidade da acção. As
razões são várias e já conhecidas, pelo que não será indispensável insistir muito
nelas: a censura dirige-se à falta de consciência da norma jurídica (não decerto
como artigo de lei ou mesmo como proibição legal), não de normas pertencentes a

552
ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito penal econômico, p. 104.
553
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 109. Leia-se também p. 178-184.
217

outros ordenamentos. Por outro lado, já o sabemos também, a norma jurídico-penal


nem coincide, nem se fundamenta em uma qualquer norma moral, antes sim na
necessidade de proteção subsidiária de bens jurídico-penais. Não se nega, com isto
uma larga coincidência entre proposições morais e jurídico-penais, traduzidas,
alias, no conteúdo destas últimas como mínimo ético de que falava Jellinek (supra,
6º cap., §12); o que se nega é que seja função da norma jurídico –penal a tutela de
uma qualquer moral”554.

Entendimento contrário violentaria postulados pluralistas. Nem toda


conduta imoral (frente aos olhos da maioria da população) é, só por isto, proibida
penalmente. Ao bastar o reconhecimento da imoralidade, o Direito estaria
acrescentando um custo de penal a toda conduta que violentasse a moral coletiva.
Tal pressuposto agride o postulado da tolerância, já referido em tópico anterior.

“Además, las valoraciones sociales y morales son tan cambiantes en una sociedad
pluralista que el Derecho no puede exigir la orientación incondicional por ellas,
sino que por regla general sólo puede formular el reproche íntegro de la
culpabilidad cuando el sujeto desatiende conscientemente prohibiciones y
555
mandatos jurídicos” .

Em sentido semelhante, é o que assevera FELIP I SABORIT, ao mencionar


ser consenso que não basta, para a culpabilidade, que o agente sabia da
imoralidade da sua conduta ou que esta viola os postulados ético-sociais da
maioria das pessoas.

“Si bien es verdad que respecto a las conductas que integran el corazón del
Derecho penal criminal, los ciudadanos suelen identificar, incluso confundir, las
valoraciones de las normas ético-sociales fundamentales y las de las normas
jurídicas, ambos niveles no deben mezclarse”556.

Para JESCHECK-WEIGEND,

“El objeto de la consciencia de la ilicitud no es el conocimiento de la proposición


jurídica infringida o de la punibilidad del hecho (BGH, 15, 377 [382 ss]). Más bien
es suficiente con que el autor sepa que su comportamiento contradice las
exigencias del orden comunitario y que, por ello, está jurídicamente prohibido”557.

554
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 508.
555
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 866.
556
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 110. Portanto, no caso muitas vezes citado: se os
camponeses mantêm relações sexuais com uma enferma mental, reconhecendo a imoralidade disto,
contudo, sequer cogitando de que seja proibido pelo Direito, haverá erro de proibição, cumprindo
apenas aferir se era vencível ou não.
557
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 487.
218

Os autores sustentam, na seqüência, que basta o conhecimento da ilicitude


material da conduta; o conhecimento de que se agride a um bem jurídico digno da
tutela jurídica558.
Prefere-se, todavia, o entendimento roxiniano, exposto por Cirino dos
SANTOS:

“A teoria talvez predominante, representada por ROXIN, situa-se em posição


intermediária, sob o argumento de que conhecer a danosidade ou a imoralidade do
comportamento, segundo a teoria tradicional, seria insuficiente, e conhecer a
punibilidade do fato, conforme a teoria moderna [Haro OTTO] seria desnecessário:
o objeto da consciência do injusto seria a chamada antijuridicidade concreta, como
conhecimento da específica lesão do bem jurídico compreendido no tipo legal
respectivo, ou seja, o conhecimento da proibição concreta do tipo de injusto. Na
verdade, a teoria dominante se aproxima da teoria moderna, porque conhecer a
específica lesão do bem jurídico no tipo legal equivale ao conhecimento da
punibilidade do fato e, assim, a teoria tradicional aparece em posição isolada em
relação àquelas”559.

RODRIGUES também sintetiza este ponto de vista, nos termos que seguem:

“A posição mais moderna e adotada pela maioria da doutrina atualmente, a


chamada concepção intermediária, esclarece não ser suficiente o posicionamento
material, de conhecer somente a danosidade social, com base nas regras morais e
nos costumes, mas que também não é preciso se chegar ao extremo defendido pela
concepção formal, que exige um conhecimento específico e técnico a respeito da
prescrição penal a ser violada e de sua punibilidade, ou seja, da própria norma
penal, o que seria um exagero”560.

Anote-se que – conforme menciona ROXIN561 – a consciência da


danosidade social ou imoralidade da sua conduta pode ser um indício de um erro
vencível de proibição.
Porém, e se o indivíduo tomou consciência de que a sua conduta era ilegal
(ilícito administrativo, v.g.), mas não sabia que era crime?
Conclui-se que é dispensável que o agente saiba da punibilidade penal da
558
O conceito de ilicitude material é explicada por JESCHECK-WEIGEND com as seguintes
palavras “Una acción es antijurídica en um sentido material cuando se atiende al menoscabo del
bien jurídico protegido por la norma correspondiente”. JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND,
Thomas. Tratado de derecho penal, p. 250. Anote-se que o conceito proposto inicialmente por
von LISZT e que, nos quadros atuais da dogmática jurídica deve ser revisto. Isto porque, como
sabido, a falta de lesão significativa ao bem jurídico passou a ser um tema de tipicidade. Logo, não
poderia ser uma questão aferida somente no momento do juízo de ilicitude. É antecipado já para a
quadra da tipicidade objetiva.
559
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 303, explicitou-se.
560
RODRIGUES, Cristiano. Teorias da culpabilidade, p. 67.
561
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 866. Também neste sentido FELIP I SABORIT, David.
Error iuris, p.110-111.
219

conduta, bastando a compreensão do seu caráter ilícito (seja um ilícito civil,


administrativo, tributário, etc.)
Figueiredo DIAS enfatiza que nem sempre isso pode ser admitido. Segue o
seu exemplo:

“Há alguns anos atrás, um caso discutido nos tribunais fez porém que puséssemos
em questão esta unanimidade de pontos de vista. Resumidamente, um advogado foi
acusado de ter cometido um crime financeiro (relacionado com operações ilegais
com divisas), tendo todavia sido comprovado que actuou na convicção de que a
conduta não constituía um crime, mas uma contra-ordenação. O tribunal de 1ª
instância condenou o argüido a título de negligência, por ter considerado a conduta
abrangida no art. 16 (erro sobre as circunstâncias do facto), a instância do recurso
condenou o agente a título de dolo, por o ter considerado incurso no art. 17 (falta
censurável de consciência do ilícito): os dois tribunais, por conseguinte, reputaram
o erro relevante, afastando deste modo, de forma mais ou menos consciente, a
doutrina acima apontada como unânime”562.

O professor lusitano argumenta, portanto, que – em determinados casos –


não basta que o agente perceba uma qualificação negativa do Direito em respeito à
sua conduta, se esta qualidade for, em grau, muito distinta daquela empreendida
pelo Direito Penal.
Ou melhor, “Nesta linha, a convicção de que uma conduta configura um
ilícito civil, disciplinar ou contra-ordenacional não deverá valer, ao menos
forçosa e imediatamente, como a consciência do ilícito que releva para a culpa
jurídico penal”563.
Referido tema tangencia a questão do erro sobre os elementos eticamente
neutros, sendo objeto de exame mais adiante.
Mostra-se oportuno ainda fazer referência ao posicionamento de
BACIGALUPO, para quem não basta o conhecimento da ilicitude material da
conduta564. Exige-se que o sujeito perceba a ameaça penal, sua punibilidade
(portanto, aproxima-se da tese de Haro OTTO, já referida acima).

562
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 509.
563
Idem, p. 510. O referido entendimento parece compartilhado por SILVA SANCHÉZ, conforme
mencionado por FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 118. Leia-se também a obra
BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 425 e ss. O Ministro da Suprema Corte Espanhola
tem enfatizado que o autor deve conhecer a desaprovação jurídico-penal da conduta.
564
Figueiredo DIAS argumenta que “O conhecimento do caráter punível da acção é de todo
irrelevante para a culpa e responsabilidade do agente constitui, depois da polêmica contra
FEUERBACH, logo decidida na primeira metade do século passado, uma das mais firmes e menos
discutidas aquisições do pensamento jurídico-penal”. O professor lusitano argumenta, contudo,
que quanto aos tipos penais eticamente neutros (técnicos), o conhecimento da proibição é uma
imposição do principio da culpabilidade. DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência
da ilicitude em direito penal, p. 317 e 392-415.
220

Para Enrique BACIGALUPO, os erros incidentes sobre as escusas


absolutórias deverão atenuar a culpabilidade565.
Segue, basicamente, um entendimento parecido FELIP I SABORIT, ao
enfatizar que a equiparação de sentido de todos os mandatos e proibições jurídicas
(qualquer que fosse o ramo do Direito do qual provenham) teria o efeito de tornar
penalmente arriscada qualquer conduta. O cidadão deveria “contar con la
posibilidad de una sanción penal siempre que detectase la existencia de una
prohibición”566.
Uma exigência como esta ainda estaria calcada em uma moral do Dever, e
não da autonomia. Assim, compreenderia uma exigência absoluta a qualquer
regra, e não apenas àqueles cânones fundamentais da vida em comum.
Ou, no dizer de FELIP I SABORIT, “Limitar la conciencia de la
antijuridicidad como requisito de la responsabilidad penal a la ilicitud general
del hecho obliga a mantener una sospecha permanente de punibilidad sin admitir
que pueda ser racionalmente disipada”567.
O autor conclui, por fim, que isto não geraria lacunas expressivas de
punibilidade, na exata medida em que o núcleo clássico do direito penal
geralmente é percebido pela população como sendo efetivamente punível.
Conquanto se esteja de acordo com praticamente todas as preocupações do
professor espanhol, referido entendimento não pode ser aqui vaticinado.
Afinal de contas – exceção feita aos tipos axiologicamente neutros568 – é
fato que o Direito Penal não veicula um ilícito próprio569. De qualquer modo,
diante do dogma da unidade do Ordenamento Jurídico, o Direito Penal apenas
tutela de forma mais forte valores igualmente relevantes para os demais “micro-
sistemas” jurídicos.
É certo que, sob uma ótica funcionalista (desvencilhada das estruturas

565
BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p.426.
566
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 127.
567
Idem, p. 128. Aliás, JESCHECK-WEIGEND mencionam um especial dever de auto-
informação quanto aos delitos previstos no Direito Penal Acessório. JESCHECK, Hans-Heinrich;
WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, 493-494.
568
O erro sobre tais tipos axiologicamente neutros será objeto de considerações logo adiante.
Desde logo, porém, recomenda-se a leitura da obra DIAS, Jorge de Figueiredo. Obra citada, p.
392 e ss., em que o autor desenvolve o problema, sob o amparo da diferenciação entre erro de
cognição ou de valoração.
569
Sabe-se que há bastante controvérsia a respeito do caráter constitutivo ou meramente ancilar do
direito penal. O tratamento deste importante tema escapa, porém, dos limites deste trabalho. Fica
aqui pressuposto, portanto, que o direito penal – frente ao seu caráter subsidiário – somente pode
tutelar valores que já sejam significativos sob o ângulo dos demais ramos do Direito.
221

lógico-materiais), poder-se-ia estabelecer este requisito para a censura. Nada


impede, com efeito, que o Legislador exija a consciência da punibilidade, para que
se possa censurar penalmente a conduta típica.
Contudo, isto não é político-criminalmente desejável, nesta quadra.
Aplicado coerentemente este postulado, praticamente todas as condutas deveriam
ser reconhecidas como em erro de proibição, dado que, ao destinatário da norma,
não é normalmente possível diferenciar entre uma proibição penal e uma
administrativa, por exemplo.
Mesmo que seja possível tornar mais rigoroso o requisito para a reprovação
da conduta, isto não parece adequado, no presente contexto sócio-cultural.

3.5
Acesso à consciência da ilicitude:

Caso o autor tenha formulado, no momento do comportamento típico, uma


autocensura jurídica (nos limites adiante mencionados) e, ainda assim, tenha
consumado o comportamento ilegal, haverá culpabilidade570 plena. Não há
maiores problemas em tais casos, além daqueles inerentes ao conteúdo material da
culpa, já mencionado em tópico anterior.
Havendo reconhecimento cabal do injusto, a culpabilidade será indiscutível.
As dúvidas surgem, todavia, quando falta tal conhecimento.
Nesse caso, com efeito, passa-se a examinar a reprovabilidade da própria
falta da consciência do injusto, em si considerada.
Caso tal falta seja desculpável, por não poder ser validamente atribuída ao
autor em um Direito Penal do Fato, o erro será tido como invencível
(escusável)571.
Havendo motivos para se exigir que o indivíduo houvesse atingido, naquele
específico momento da conduta, a referida compreensão da ilicitude, o erro será

570
Desde que sejam preenchidos os demais requisitos da culpabilidade, registre-se.
571
ESER, Albin; BURKHARDT, Björn. Derecho penal, p. 309: “El BGH argumenta: en todo
caso, la decisión acerca [acerca de la evitabilidad del error de prohibición] sólo puede ser tomada
con base en el talento, las facultades y los conocimientos que concurren precisamente en el sujeto
que actúa, de modo que el SchwurG en este caso estaba obligado a tomar en cuenta que el A es un
alto funcionario del Estado con formación humanista y jurídica y experiencia vital, que a través de
su importante posición conocía en profundidad los objetivos y planes de su partido”.
222

considerado vencível e, como tal, indesculpável.


Daí que a dificuldade está justamente em separar um caso do outro.
Observa Claus ROXIN, de forma precisa, que “en el error de prohibición la
culpabilidad consiste únicamente en la posibilidad de acceder al conocimiento
del injusto”572.
Para este exame interessam as seguintes categorias: a) o esforço de
consciência; b) função de apelo do substrato típico e c) o dever de informação.

3.5.1
Esforço de consciência:

Quanto à primeira categoria (o esforço de consciência), vislumbra-se certa


proximidade ao conceito de factum da razão para KANT.
Longe de se pretender resumir a riquíssima filosofia ética kantiana, pode-se
apenas tangenciar superficialmente este conceito fundamental.
O filósofo de Königsberg buscava fundamentar uma moral da autonomia,
em que a razão se desse a Suprema Lei. Enquanto, na crítica à razão pura, Kant
queria descobrir os limites externos impostos ao conhecimento do ser; na crítica à
razão prática e na Metafísica dos Costumes, ele busca desvencilhar a razão das
amarras impostas pelo mundo.
Para Immanuel KANT,

“A vontade não é nada de irracional, nenhuma força obscura desde a profundidade


oculta, mas algo racional (Racionales), a razão (Vernunft) com respeito à ação.
Pela vontade um ente dotado de razão como o homem distingue-se de simples
entes naturais como os animais, que agem somente segundo leis dadas
naturalmente, e não também segundo leis representadas. É verdade que às vezes
entendemos a expressão vontade mais amplamente e pensamentos todo impulso de
origem interna como de origem interna como diferente de uma coerção externa”573.

Logo, apenas a capacidade de agir segundo leis formuladas por sua própria

572
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 878.
573
HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant. Tradução de Christian Viktor Hamm e Valerio Rodhen.
São Paulo: Martins Fontes, 2.005, p. 188. REALE, Giovane; ANTISERI, Dario. História da
filosofia. 7ª ed. São Paulo: Paulus, 2º volume, 2.005, p. 910 e ss. Confira-se, por fim,
SCHNEEWIND, J.B. A invenção da autonomia. Uma história da filosofia moral moderna.
Tradução de Magda França Lopes. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2.005, p. 553-575.
223

razão pode ser considerada como vontade própria574. Buscando um imperativo


categório da moral, o filósofo chega à conclusão de que apenas pode ser uma
vontade boa. Vale dizer, a vontade de cumprir o dever pelo dever mesmo (e não
por força de uma inclinação pessoal, ou para atingir outros quaisquer interesses).
Não bastaria agir em conformidade com o dever, mas, antes, em conformidade
com a lei. Querendo, justamente, cumprir a lei.
O imperativo exorta o sujeito para uma dada ação (age!). Por exemplo,
nunca prometas o que sabes falso!
Ao que interessa mais de perto a este estudo, o factum da razão “não é a lei
da moralidade, a própria lei moral, mas a consciência da Lei moral”575.
Por sinal,

“Kant fala de um factum porque considera a consciência da lei moral como um


fato, como algo efetivo, não como algo fictício, meramente aceito. Trata-se, diz
Kant, do fato indiscutível (apoditicamente certo) de que existe uma consciência
moral, a consciência de uma obrigação incondicional. Mediante a consciência das
obrigações incondicionais anuncia-se a razão como incondicionalmente
legislante”576.

Para KANT, a possibilidade de se conhecer a Lei moral é inerente à própria


existência da razão. Não precisa ser demonstrada. Disso extrai que o indivíduo
pode, mediante esforço da consciência, e com regras de universalização, atingir o
conhecimento da Lei Moral.
Este é, em resumo muito grosseiro, o substrato filosófico que dá causa ao
esforço de consciência577. Vale dizer, a suposição de que o autor – tendo refletido
melhor sobre a sua conduta578 – poderia sozinho chegar à compreensão da
ilicitude do seu agir.

574
Idem, p. 189.
575
HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant, p. 223-224.
576
HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant, p. 224.
577
Cirino dos SANTOS, bastante crítico a respeito, enfatiza a insuficiência desta categoria
porquanto, na melhor das hipóteses, poderia dar a conhecer o conteúdo de regras morais, mas já
não permitiria a apreensão de sentido de qualificações jurídicas. Leia-se SANTOS, Juarez Cirino
dos. Direito penal, p. 308. Em sentido oposto, JESCHECK-WEIGEND, coerente a partir da
identificação do objeto do conhecimento com a moralidade (ignorantia crassa). Consulte-se
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 493.
578
RODRIGUES, Cristiano. Teorias da culpabilidade, p. 67: “De acordo com o posicionamento
intermediário, basta que se conheça a ilicitude concreta do ato praticado, ou seja, conhecer que o
fato está proibido, pois lesiona um bem jurídico protegido pela lei, sendo suficiente então que o
autor, por um esforço de consciência, tenha a capacidade de perceber o caráter injusto de seus
atos, independentemente de conhecimentos técnico−jurídicos, para se constatar a consciência da
ilicitude".
224

Sabe-se, portanto, que esta concepção kantiana está indissociavelmente


ligada a uma concepção universalista da razão. Há uma razão homogênea,
compartilhada por todos os seres racionais necessitados (porquanto condicionados
pelos sentidos).
Esta capacidade de reflexão funciona adequadamente quanto àquelas
questões morais introjetadas na psique individual, por força da socialização. É o
que ocorre com certos tabus (incesto); com a proteção à vida (homicídio) e da
sexualidade (estupro), etc., que são automaticamente reprovados por qualquer
indivíduo da cultura ocidental (judaico-cristã).
À guisa de conclusão, atente-se para Claus ROXIN,

“Sin embargo, esta idea no sirve de mucho, pues la conciencia puede llevar a quien
actúa, como mucho (y en el sujeto que actúa por motivos de conciencia ni siquiera
esto), al conocimiento de la inmoralidad de su conducta, que precisamente no es el
objeto de la conciencia de la antijuridicidad. El tener mala conciencia debería
suponer sin duda una incitación a seguir tratando de aclarar la conformidad a
Derecho de la propia conducta, de modo que en esa medida la exigencia de una
extensión de la conciencia puede tener sentido (sin perjuicio de la duda de si la
conciencia se puede extender a la voluntad). Pero la mayoría de los errores de
prohibición son de tal índole que la conciencia no puede contribuir para nada en su
evitación”579.

O esforço de consciência poderia fundamentar, quanto muito, a questão da


evitabilidade do erro, na medida em que impusesse uma necessidade de suspensão
do agir, para maior pesquisa ou reflexão. Em si mesma, porém, a consciência não
consegue adivinhar o conteúdo ilícito dos crimes, salvo quanto àqueles delitos
correspondentes ao mínimo ético diluído socialmente, já referido acima.

3.5.2
Função de apelo do substrato típico.

ROXIN denomina esta categoria de “função de chamada do tipo”580.


Atente-se para os dois contextos em que empregou a locução:

579
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 882. Claus ROXIN argumenta, por sinal, que – a ser
diferente – seria supérfluo o estudo do Direito (BAUMANN-WEBER).
580
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 584.
225

“Esta función de llamada de atención del dolo típico debería inducirle a un examen
especialmente cuidadoso del supuesto de hecho; si lo omitiera, entonces el injusto
de su conducta sería más grave que el de un error de tipo ordinario”581.

“El sujeto actúa culpablemente cuando realiza un injusto jurídicopenal pese a que
(todavía) le podía alcanzar el efecto de llamada de atención de la norma en la
situación concreta y poseía una capacidad suficiente de autocontrol, de modo que
le era psíquicamente asequible una alternativa de conducta conforme a
582
Derecho” .

Luiz Flávio GOMES, fiando-se em WESSELS, também emprega a


expressão “função de apelo e advertência do tipo”. Confira-se:

“Quem incide em erro de tipo ‘não sabe o que faz, porque, em conseqüência de seu
erro, não compreende o verdadeiro conteúdo de sentido no espaço jurídico social; o
decisivo é somente que o que atua em erro de tipo não seja alcançado pela função
de apelo e advertência do tipo. Em síntese, onde há erro de tipo essencial não há
dolo, onde há dolo não há erro de tipo essencial”583.

JESCHECK-WEIGEND584, ao tratarem da teoria dos elementos negativos


do tipo, enfatizam que haveria uma substancial diferença entre uma conduta
atípica e outra que – conquanto típica – é justificada. Argumentam, ao final, que
uma conduta típica já seria suficiente para exercer a função de chamada, de
fundamental importância para a prevenção geral.
Ou melhor,

“con ello se comprueba que el tipo es un grado jurídico-penal valorativo de


carácter autónomo que constituye para todos una señal de advertencia a través de
la cual se muestra por dónde caminan los limites de una norma prohibitiva
sancionada penalmente (función de llamada del tipo).

Logo, quem tenha conhecido a proibição anteriormente, ao se deparar com


um fato correspondente à proibição, será chamado à atenção. Será atingido pela
“noção do perigo” de estar realizando algo ilícito585.
Assim, o caráter fragmentário do Direito Penal iria permitir aos indivíduos
um cuidado maior quanto a determinados fatos específicos, com maior
581
Idem, ibidem.
582
Idem, p. 792.
583
GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição, p. 117-118.
584
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 268.
585
MAIWALD argumenta que a fundamentação da valoração paralela do profano “Podría residir
en la ponderación de que el conocimiento correcto de la significación le transmite al autor aquella
llamada que pretende la redacción del tipo, y que está dirigida a reflexionar sobre la existencia de
la prohibición de la acción”. Consulte-se MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo
en el derecho penal tributario, p. 41.
226

probabilidade de serem ilícitos.


A categoria não ajuda a resolver, contudo, aqueles casos em que justamente
não ocorreu esta advertência da psique; em que o indivíduo não teve qualquer
‘pré-compreensão’ do caráter ilícito do que fazia.

3.5.3
O dever de informação.

A presente categoria tanto pode ser examinada sob a base de uma conduta
imprudente586, quanto dolosa. E aqui está, provavelmente, a dificuldade de
distinção entre um caso e outro, frente a tipos penais axiologicamente neutros.
Deve-se perquirir se o indivíduo deixou de compreender o injusto por falta
de pesquisa. É certo que, sob o ponto de vista meramente lógico, qualquer erro
seria evitável. Segundo ROXIN, frente ao caráter fragmentário do Direito Penal,
sempre se poderia supor que o indivíduo, informando-se, teria reconhecido a
ilicitude do seu agir.
Por certo que o tema não comporta conjecturas tais. “Unas exigencias tan
exageradas entorpecerían la vida social y no se corresponden tampoco por lo
demás con los esfuerzos que la ley espera”587.
Portanto, se somente com esforços extremos teria conseguido compreender
a ilicitude do seu comportamento, deverá ser reconhecida a vencibilidade do erro
de proibição e exonerada a conduta.
Deve-se perquirir, entretanto, quando surge este especial dever de
informação. Seria, por acaso, necessário que o sujeito, a cada nova ação,
586
Por exemplo, “El cuidado necesario puede consistir, además, en el cumplimiento de deberes de
preparación e información antes de la ejecución de la acción peligrosa (cuidado como
cumplimiento de un deber de información). Aquí se trata de que el autor se procura a tiempo los
conocimientos, experiencias y capacidades sin los cuales la realización de la acción sería una
irresponsabilidad a causa del riesgo vinculado con ella”. JESCHECK, Hans-Heinrich;
WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 625. Também neste sentido, Claus ROXIN:
“De ello se deriva que en el error de prohibición la culpabilidad consiste únicamente en la
posibilidad de acceder al conocimiento del injusto, y no v.g., en la infracción, independiente de lo
anterior, de un deber de extender o poner en tensión la conciencia (hacer un esfuerzo de
conciencia)”. ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 878.
587
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 60. “Gracias a la cual se aceptaba la falta de
conciencia de la ilicitud como causa de exclusión de la culpabilidad. Ahora bien, esta buena fe no
derivaba de la simple ignorancia de la ilicitud del hecho, sino que debía existir, por parte del autor,
un convencimiento racional de la licitud fundado en que, previamente, se hubiese realizado una
actividad positiva para ajustar su conducta al ordenamiento”. Vale dizer, o erro somente seria
vencível se fosse imputável a um terceiro, responsável por ter convencido o autor da validade da
sua conduta.
227

consultasse um advogado para saber se pode ou não agir?


É evidente que imaginar um dever de informação deste nível implicaria em
retorno à Doutrina da Boa-Fé588, referida anteriormente.
O dever de informação será relevante para a censura penal naquelas
hipóteses em que há motivo para certificar-se. Isso ocorre em três grupos de casos,
na opinião de ROXIN ora esposada: a) quando o sujeito tem dúvidas sobre a
legalidade da sua conduta; b) quando o sujeito sabe que atua em um setor
especialmente regulado pelo Direito589 e c) quando o agente tem consciência de
que, com o seu comportamento, está causando prejuízo para a coletividade ou
para os particulares590.
Observe-se a feliz síntese de Cirino dos SANTOS a respeito:

“Um critério intermediário parece razoável: existiria motivo para exame da


juridicidade da ação das hipóteses (a) de dúvida sobre a sua juridicidade concreta;
(b) de consciência de atuação em área regida por normas especiais; (c) de
consciência da possibilidade de dano individual ou coletivo. Na hipótese de dúvida
sobre a juridicidade da ação, é suficiente para configurar erro evitável na hipótese
em áreas regidas por normas especiais (crimes contra o meio ambiente, o
consumidor, etc.), o erro de profissionais ou de empresários da área é,
normalmente, evitável, mas o erro do cidadão comum seria, normalmente,
inevitável; na hipótese da possibilidade de dano individual ou coletivo (por
exemplo, a consciência de que determinada ação na esfera negocial poderá
prejudicar número indeterminado de pessoas), qualquer lesão a normas sociais
elementares configura erro evitável”591.

Por fim, deve-se concordar com Claus ROXIN quando conclui que, quando
não há qualquer dos três motivos acima, não se pode falar em dever de
informação. Em casos tais, o erro será tido por escusável.
Isso acontece, segundo o professor de Munique, sobremodo no âmbito do
Direito Penal acessório, quando a lesividade de uma conduta não resta aferível
sem mais, e também quanto há normas penais muito específicas. Também quanto
às omissões, geralmente o erro será invencível, desde que não se cuide de deveres
elementares, gravados na psique individual, ao longo do processo de socialização.
Vê-se, enfim, que, quanto maior for o utilitarismo penal, tanto mais se exige
que os indivíduos se informem a respeito das normas, frequentemente

588
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 60.
589
Leia-se a este respeito, comparando o entendimento de RUDOLPHI ao de JAKOBS,
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 131.
590
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 885-887.
591
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 310.
228

desconhecidas por juízes e advogados.

3.5.4
Dever de informação e culpabilidade por condução de vida:

JESCHECK-WEIGEND enfatizam que, em um direito penal de autor, a


pena se associa de modo imediato à periculosidade do agente. Vincula-se, assim, a
uma culpabilidade por condução de vida592.
O exame a respeito da vencibilidade do erro de proibição demanda,
comumente, a censura de momentos prévios à conduta típica. Pode-se dizer, em
outras palavras, que o objeto de reprovação penal desborda daquele recorte feito
pelo tipo.
No caso de atividades especialmente reguladas, é reprovada a falta de
obtenção do conhecimento, ainda que tal violação tenha ocorrido anos antes do
resultado típico. A este respeito, registra Claus ROXIN que

“Quien omite informarse a tiempo sobre estos preceptos a menudo no tiene ya


posibilidad de repararlo en el momento de la comisión del hecho. Si se considera,
como resulta adecuado, vencibles tales errores de prohibición y se quiere penar al
593
sujeto, se ha de recurrir aquí por tanto a las anteriores omisiones” .

Não estaria havendo aí – neste exame ‘ultra típico’ – uma violência ao


princípio constitucional da culpabilidade? Não seria uma espécie de versari in re
illicita?
Claus ROXIN defende que não.
Para o autor, nestes casos o fundamento da censura não é a condução de
vida do sujeito. Antes, concretas infrações ao dever de cuidado inerente às
referidas cominações penais.
Ao contrário do que sustenta o professor de Munique, não há como negar o
fato de que – em tais hipóteses – estarão sob censura os comportamentos
anteriores inclusive à preparação do delito (‘ultratípicos’). Sendo assim, espelha
uma censura por condução de vida, da qual o Direito Penal ainda não se

592
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 58-59.
593
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 883.
229

desvencilhou totalmente594.
Isto não agride, contudo, o nulla poena sine culpa, desde que o exame deste
especial dever de informação seja feito com redobrada cautela, de modo a não
trazer para o julgamento penal a própria formação cultural; universitária e demais
escolhas que o indivíduo tenha feito e que, de modo reflexo, influenciam
certamente o resultado lesivo examinado.
Aliás, soa interessante notar que, em muitas hipóteses (sobretudo quanto aos
tipos eticamente neutros), este dever de informação guardará muitas semelhanças
com o dever geral de cautela595, gerando dúvidas quanto as razões que
fundamentam a considerável diferença de tratamentos entre a violação de um e
outro.
Esta questão não será aqui examinada, frente aos limites da presente
dissertação.

3.6
Erro sobre elementos de desvalor global do fato divisíveis:

Os elementos de desvalor global do fato ensejam a confusão entre o juízo da


tipicidade e o juízo da ilicitude596, como foi enfatizado nos tópicos anteriores.
Atente-se, por exemplo, para o art. 296, §1º, inc. III, do Código Penal
Brasileiro, com a redação veiculada pela Lei 9.983/2.000:

Art. 296 - Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:


I - selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de
Município;
II - selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou
sinal público de tabelião:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

594
Esta censura por condução de vida também pode ser constatada no caso do incremento da pena
por causa da reincidência criminal, prevista no art. 61, inc. I, do código penal brasileiro.
595
“Por tanto, cuando una paciente comunica al médico que tiene algo en el corazón, es
imprudente proceder a una anestesia general sin previo examen por un internista (BGHSt 21,59).
El médico que no está perfectamente al corriente del tratamiento de una dolencia debe informarse
en la literatura científica especializada (RGSt 64, 263 [269]; 67, 12 [23]). El testigo que ya no se
acuerda exactamente debe prepararse para su declaración (p.ej. de la mano de su documentación
escrita), para evitar manifestaciones falsas (RGSt 62, 1216 [129 e s])”. ROXIN, Claus. Derecho
penal, p. 1.010.
596
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 299-302 e 590.
230

§ 1º - Incorre nas mesmas penas:


(...)
III - quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou
quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da
Administração Pública.

Não é possível, em tais casos, um tipo justificado. Ou o uso é indevido e,


logo, é ilícito, ou sequer é típico.
Justamente por serem ambíguos, tais elementos podem ser alvo tanto de erro
de proibição quanto de erro de tipo597.
Para tanto, convém distinguir – como faz NOWAKOWSKI – entre o
substrato da valoração e a valoração do substrato. Ou melhor, entre os
pressupostos materiais da conduta e a sua valoração jurídica598.
No exemplo de ROXIN, quem ameaça outrem com a promessa de denunciar
um delito sexual para obter, com isto, o pagamento de uma dívida (contraída de
forma autônoma em relação ao ilícito sexual) torna-se responsável pelo crime do
§240 do Código Penal Alemão de 1.871, que segue descrito:

§ 240. Constreñimiento
(1) Quien constriña a una persona antijurídicamente con violencia o por medio de
amenaza con un mal considerable, a una acción, tolerancia u omisión, será
castigado con pena privativa de la libertad hasta tres años o con multa.
(2) El hecho es antijurídico cuando la utilización de la violencia o la amenaza del
mal para el fin perseguido se considere como reprochable.
(3) La tentativa es punible.
(4) En casos especialmente graves el castigo es pena privativa de la libertad de seis
meses hasta cinco años. Por regla general se presenta un caso especialmente grave
cuando el autor
1. constriña a otra persona a efectuar una acción sexual,
2. constriña a una embarazada a la interrupción del embarazo
3. abuse de sus competencias y de su posición como titula de un cargo

Atento ao inciso 2 do §240, há duas possibilidades. Caso o sujeito suponha

597
Desde que tais elementos sejam divisíveis, isto é, comportem a segmentação entre substrato da
valoração e a valoração em si, o que nem sempre ocorre. Segundo ROXIN, a pretensão tributária
seria um elemento de desvalor global do fato não divisível, podendo ser objeto exclusivamente de
um erro de tipo, frente ao caráter mais benéfico deste último. Para Muñoz CONDE, “O caráter
seqüencial das distintas categorias obriga a comprovar primeiro o problema do erro de tipo e
somente solucionado este se pode analisar o problema do erro de proibição”. Muñoz CONDE
apud BITENCOURT, César. Teoria peral do delito, p. 411. Contra, MAIWALD, Manfred.
Conocimiento del ilícito y dolo en el derecho penal tributario. Tradução de Marcelo A.
Sancinetti, Buenos Aires: Ad-Hoc, 1.997,
598
ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito penal econômico, p. 106-107.
231

que a sua conduta não é reprovável, terá incorrido em um erro de proibição. Em


tal hipótese, existe apenas equívoco na valoração da própria conduta (dado que o
termo ‘reprovável’ antecipa para o tipo a qualificação da ilicitude).
Porém, se o autor se engana sobre a existência de um fato que tornaria
aquela ameaça legítima (ou seja, não reprovável), será caso de um erro de tipo599.
O exemplo de JESCHECK-WEIGEND600 dissipa melhor as dúvidas. Com
base no mesmo §240, acima transcrito, os referidos autores explicam que se um
credor força o devedor a pagar a dívida sob a ameaça de denunciá-lo por
estelionato, crente (por equívoco) que realmente fora vítima de um golpe, haverá
erro de tipo.
Caso, entretanto, o credor ameace o devedor a pagar uma dívida sob a
ameaça de denunciá-lo por estelionato (sabendo que não houve estelionato), mas
na crença de que ele - enquanto credor - pode fazer uso de tais ‘truques’, aí haverá
erro de proibição.
Deve-se aplaudir a referida solução.
Por sinal, aplica-se a mesma lógica subjacente à Teoria Limitada da
Culpabilidade (trata o erro sobre o substrato fático da justificante como erro de
tipo, e o erro sobre a valoração do alcance da norma como erro de proibição).
A partir desta Teoria Limitada, se o agente supõe estar obrigado a praticar
determinado ato ordenado por um suposto superior hierárquico, haverá erro de
tipo se ele pensa que, realmente, referido sujeito lhe pode dar ordens (não
podendo). Contudo, se o erro disser respeito exclusivamente à valoração da
ordem, em si considerada, haverá erro de proibição.

599
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 464-463. Atente-se para a exposição de BACIGALUPO a
respeito da teoria dominante, com a qual – por sinal – ele não concorda: “La opinión hoy
dominante parte de que los especiales elementos de al antijuridicidad son todos los elementos que
directamente dan a conocer al autor su deber jurídico (...) Estos elementos se podrían designar
como circunstancias valoradoras totales, o incluyentes de la antijuridicidad, por lo que, junto a su
función descriptiva en el caso normal, agregan la valoración total del hecho que, de lo contrario,
estaría reservada al juicio sobre la antijuridicidad. En consecuencia, se dice, un error sobre estos
elementos no es siempre un error de tipo, ni siempre un error sobre la prohibición, sino que tan
pronto es lo uno como lo otro, según que se refiera a las circunstancias determinantes de lo ilícito
o, interpretando estos elementos correctamente, que se refiera sólo a la antijuridicidad de la
acción”. BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 156.
600
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 265.
232

3.7
Erro sobre elementos de desvalor global do fato indivisíveis:

O problema complica601 em face dos chamados elementos de desvalor


indivisíveis. São aqueles signos que exigem uma compreensão necessariamente
jurídica do termo, para que o próprio tipo possa ganhar sentido.
Conforme explica Claus ROXIN, “El dolo de quien – aunque sea debido a
consideraciones jurídicas erróneas – cree no deber impuesto alguno no abarca
siquiera al modo del profano aquel perjuicio al fisco que es propio del delito de
fraude fiscal”602.
Buján PÉREZ603 defende ponto de vista semelhante.
Por outro lado, Enrique BACIGALUPO e Manfred MAIWALD discordam
do professor de Munique604.
O primeiro, por argumentar que isso implica em uma distribuição
inaceitável dos custos da vida social605. Desse modo, embora o erro seja sobre o
substrato fático de valoração (e não sobre a valoração em si), deveria ser mantido
o dolo.

“No cabe duda que la posición minoritaria presupone una distribución más acertada
porque exige el autor un mayor cuidado frente a las consecuencias de su acción
respectos de otras personas o de los bienes jurídicos de otras personas”606.

601
CONDE, Francisco Muñoz. El error en derecho penal, p. 39: “Es casi imposible determinar si
el error sobre la existencia de la deuda tributaria en el delito fiscal es un error de tipo o un error de
prohibición, pues este elemento del delito en cuestión es, al mismo tiempo, que elemento
(normativo) del tipo, un elemento integrante de la antijuridicidad. Sino no hay deuda tributaria,
difícilmente se puede defraudar indebidamente al Erario Publico. De ahí que la polémica sobre el
tratamiento que merece este tipo de error sea inacabable y no haya encontrado todavía una
solución plenamente satisfactoria”.
602
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 464.
603
PEREZ, Carlos Martinez-Bujan. Derecho Penal económico. Parte general. Valencia: Tirant lo
Blanch, 1.998, p. 392.
604
Claus ROXIN argumenta que, “Sin embargo en los casos en los que, para comprender el
sentido social de la conducta, se ha de haber efectuado la valoración jurídica, tal valoración
pertenece también al dolo aun cuando sea prácticamente idéntica al juicio de la antijuridicidad”.
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 464.
605
BACIGALUPO, Enrique. Tipo y error, p. 159. Registre-se que o autor sustenta que não há
empecilhos lógicos para que a teoria dominante (defendida por ROXIN) seja aceita. Contudo, isto
não seria político criminalmente desejável. Segundo BACIGALUPO,“Un error sobre las
circunstancias de los elementos especiales de la antijuridicidad es siempre, a la vez, un error
sobre el deber o la autorización que se deriva de esas circunstancias: el abogado del ejemplo que
hemos propuesto, que no sabe de la contraposición de intereses, cree también no tener el deber de
abstenerse de intervenir”. Crítico a respeito da posição de BACIGALUPO, consulte-se CONDE,
Francisco Muñoz. El error en derecho penal, p. 75-76.
606
Idem, p. 160.
233

Esse ponto de vista acaba limitando a amplitude do dolo. Apesar de não


haver o conhecimento do substrato de valoração, o agente continuará incidindo no
tipo doloso, conforme o Ministro da Suprema Corte Espanhola.
Ademais, parece contradizer as exigências mais rigorosas que o autor faz
para o juízo de culpabilidade. BACIGALUPO defende que – para que a conduta
seja culpável – o autor deve ter a compreensão de que a conduta está proibida pelo
Direito Penal607.
Conclui-se que o mencionado autor formula maiores exigências para a
consciência da ilicitude do que para o dolo, o que contradiz os critérios
comumente adotados pela dogmática.
A questão da distribuição do custo social também não pode justificar a
solução encontrada. Não obstante se cuide, com efeito, de uma preocupação
salutar – sobremodo a partir dos postulados funcionalistas – tratar o erro sobre um
substrato fático de um elemento presente no tipo apenas causaria um agravamento
na punição.
Não há demonstração de que um erro deste gênero (isto é, incidente sobre o
substrato fático de um elemento de desvalor global) seja causa de prejuízos
sociais; de lesão significativa a bens jurídicos. Portanto, os mesmos argumentos
formulados por ROXIN para defender a teoria limitada da culpabilidade são
aplicáveis aqui.
Aliás, BACIGALUPO vincula-se à teoria estrita da culpabilidade, razão
pela qual trata o erro sobre o substrato de uma justificante como sendo erro de
proibição.
MAIWALD608 sustenta que o erro sobre a existência de uma dívida
tributária enseja um erro de proibição. Anote-se, por sinal, que o autor fia-se em

607
BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p.425-426.
608
Com inteira razão neste particular, MAIWALD argumenta que “La relevancia práctica de estas
opiniones diferentes seria proporcionalmente menor, para la punibilidad se hubiera un tipo de
evasión imprudente del tributo. Pues, entonces, aquel criterio que parte de un error de tipo, en caso
de afirmarse el desconocimiento imprudente del deber tributario, no llegaría, en todo caso, a la
impunidad, sino que se podría así y todo este tipo. Pero, en el derecho vigente, junto al tipo penal
de la defraudación tributaria dolosa, existe únicamente la infracción de la evasión tributaria por
ligereza (§378, AO), de modo que el ámbito del desconocimiento imprudente del deber tributario
queda impune según este criterio, e incluso se perseguirá ello como infracción, mientras que los
autores que admiten un error de prohibición llegarán en este ámbito a la punibilidad por
defraudación tributaria dolosa, y únicamente – según las circunstancias – reconocerán la
posibilidad de una atenuación de la pena”. MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo
en el derecho penal tributario, p. 23-24.
234

um texto do próprio ROXIN, que reconhece a modificação da sua opinião a


respeito do assunto609.
Manfred MAIWALD submete o problema a uma evolução histórica.
Primeiramente, noticia que o Reichgericht tratava o erro sobre as normas de
direito tributário como sendo erro de fato. Logo, o erro excluía o dolo, segundo a
concepção da época do Tribunal do Império.
Posteriormente, criou-se a categoria da deslealdade tributária, a partir do §
396, do Abgabeordnung (disciplina tributária). Exigia-se, assim, um elemento
anímico especial: a vontade de lesar o Fisco. “Significava que el mero no pagar
tributo, considerado en si mismo, todavia, no era uma defraudación
tributaria”610.
A doutrina desenvolveu, na seqüência, a teoria estrita do dolo, que não
chegou a lograr reconhecimento jurisprudencial. Com a regulamentação do §395 –
AO (Abgabeordnung), contudo, o referido critério ganhou status legal.
Menciona MAIWALD que “La razón para esta regulación fue la de que el
legislador, debito a lo inabarcable de las leyes tributarias, y a su difícil
comprensión, consideraba que no se podía exigir de todo hombre, sin más, su
conocimiento y acertada interpretación”611.
Com Hans WELZEL, o dolo passou a ser aferido com o juízo de tipicidade.
Por conseqüência, passou-se a discutir se o conteúdo intelectual exigido para o
dolo deveria abranger a efetiva existência de uma pretensão tributária estatal. Para
o pai do Finalismo, isso era indispensável. Tornou-se desnecessária a categoria da
deslealdade tributária, a partir dos pressupostos construtivo-sistemáticos da teoria
da culpabilidade.
Manfred MAIWALD612 reconhece que, quanto aos elementos tributários
presentes no tipo penal, é extremamente difícil a realização de uma valoração
paralela, visto que o elemento normativo vincula-se a um conceito jurídico muito
específico (por exemplo, o dever de pagar um imposto determinado). Ou seja, o
que ROXIN chama de indivisibilidade, indicada acima.
609
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 464, em nota de rodapé. Uma síntese do pensamento de
MAIWALD pode ser lida em ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito penal
econômico, p. 76-84. Consulte-se também MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo
en el derecho penal tributario, p. 37 e ss. Este último autor menciona a opinião de ROXIN em p.
50-51 da obra.
610
MAIWALD, Manfred. Obra citada, p. 27.
611
Idem, p. 31.
612
Idem, p. 44.
235

Para o autor, bastaria o conhecimento dos dados fáticos, o que revelaria um


conhecimento rudimentar da situação jurídica.
Segundo as palavras do próprio autor,

“Dado que el conocimiento de la pretensión tributaria existente transmite


simultáneamente la conciencia de que existiría el deber de pagar el impuesto, a este
conocimiento se vincula siempre también la total conciencia de lo ilícito, si no es
satisfecha la pretensión tributaria. A la inversa, la falta de conocimiento del deber
tributario es un error sobre el estar prohibido en su conjunto, y, con ello, un error
613
de prohibición en el sentido del §17, StGB” .

Não se pode aceitar esta conclusão.


Em primeiro, porquanto olvida que a remissão tributária, presente no tipo, é
essencialmente um mandato614. Dito de outro modo, o dever tributário exige uma
precisão de conhecimento bastante distinta daqueles casos em que basta uma
omissão de conduta vedada. Aqui, ao invés, impõe-se um facere, com data e
quantia determinadas, somente acessíveis ao que, de fato, conhecem a legislação.
Em segundo, a função de apelo do tipo não cumpre qualquer papel neste
âmbito. Do simples conhecimento dos fatos não surge qualquer pré-compreensão
a respeito de um dever qualquer.
Caso o sujeito já tenha recolhido tributo por aquele mesmo fato, poder-se-á
concluir pela eventual evitabilidade do erro (o que, ainda assim, não afasta a
lacuna, já que não há tipo imprudente).
Em terceiro, registre-se que é equivocado supor – e o próprio ROXIN
reconhece isto (revendo posição anterior615) – que a questão seja de compreensão
do desvalor da conduta. Não se cuida de supor que se faz algo lícito ou ilícito, na

613
Idem, p. 52.
614
Muñoz CONDE argumenta, a respeito, que a legislação comumente não respeita uma natural
necessidade de contrabalanço. Melhor dizendo, o Direito Penal Administrativizado tem aumentado
consideravelmente o risco de cominação penal, por atuar longe daquele mínimo ético introjetado
individualmente. A teoria da culpabilidade contribui para esta expansão do Direito Penal, dado que
apenas exige um conhecimento potencial da ilicitude. Portanto, o erro de proibição deveria ser
reconhecido com maior facilidade pelos tribunais, segundo pensa o autor. Enfatiza, contudo, que
“como demuestra la regulación del error en el Derecho vigente, el legislador es parco en
conceder excesiva relevancia al error de prohibición, quizá, entre otras cosas, porque tiene miedo
de debilitar con ello la vigencia objetiva de sus normas jurídicas, sobre todo en aquellos sectores,
como el tributario, en los que no está muy seguro de que los ciudadanos aceptan de buen grado la
vigencia de esas normas”. CONDE, Francisco Muñoz. El error en derecho penal, p. 102.
615
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 464. Comparar com MAIWALD, Manfred. Obra citada, p.
50-51. Quanto ao conteúdo do dolo exigido para o crime do art. 1º da Lei 8.137, de 1.990, leia-se
LOVATTO, Alécio Adão. Crimes tributários: aspectos criminais e processuais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.000, p. 68-69.
236

medida em que sequer o substrato de valoração foi percebido pelo sujeito


(dicotomia de NOWAKOWSKI).
Caso se adote a dicotomia de Figueiredo DIAS, a conclusão fica ainda mais
clara. Confira-se o que o professor lusitano escreve a respeito do erro sobre
proibições/cominações legais (normas técnicas, cognitivas, ao invés de
valorativas):

“Na esmagadora maioria dos casos, o elemento intelectual do dolo do tipo será
configurado através da exigência de conhecimento de todos os supostos do facto e
(nos limites referidos) do decurso do acontecimento. Excepcionalmente, porém, à
afirmação do dolo do tipo torna-se ainda indispensável que o agente tenha actuado
com o conhecimento da proibição legal. Isto sucede sempre que o tipo de ilícito
objectivo abarca condutas cuja relevância axiológica é tão pouco significativa que
o ilícito é primariamente constituído não só ou mesmo nem tanto pela matéria
proibida, quanto também pela proibição legal. Nestes casos, com efeito, seria
contrária à experiência e à realidade da vida a afirmação de que já o conhecimento
da factualidade típica e do decurso do acontecimento orientam suficientemente a
consciência ética do agente para o desvalor do ilícito. Não queremos com isto
afirmar que o relevo axiológico da conduta valha já como consciência do ilícito.
Queremos sim significar que a pequena ou insignificativa relevância axiológica da
acção faz com que o facto, no conjunto dos seus elementos, não suscite
imediatamente um problema de desvalor ligado aos seus elementos, não suscite um
problema de desvalor ligado ao dever-ser jurídico; e que portanto o substrato de
valoração da ilicitude não é aqui constituído apenas pela conduta como tal, antes
por esta acrescida de um elemento novo: a proibição legal. Por isso o
desconhecimento desta proibição impede o conhecimento total do substrato da
valoração e determina uma insuficiente orientação da consciência ética do agente
para o problema da ilicitude. Por isso, em suma, neste campo o conhecimento da
proibição é requerido para afirmação do dolo do tipo, sem que por isso ele deixe de
ser um dolo natural, um dolo do facto (complexo)”616.

A proposta de MAIWALD não prospera, enfim, diante dos argumentos até o


momento desenvolvidos.
Por oportuno, aproveitando a citação do pensamento de Figueiredo DIAS,

616
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal, p. 346-347. Confira-se, na mesma obra, p. 500-501
e 40. Consulte-se também DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude
em direito penal, p. 392-415, com especial atenção para a p. 403. Leia-se, por fim, DIAS, Jorge
de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas, p. 302: “é o critério
apontado que justifica que o erro sobre a proibição exclua o dolo relativamente a todos aqueles
crimes que tenham na sua base condutas axiologicamente, se não completamente neutrais (porque
então o comportamento não deveria ser qualificado pela lei como crime, mas sim e apenas como
contra-ordenação), em todo caso pouco relevantes e densificadas; isto é, crimes em que a conduta
é em definitivo ilícita em função da proteção subsidiária de um bem jurídico penal, mas em que
este não se encontra ainda nitidamente aceito como tal pela comunidade e pela sua consciência
dos valores, assumindo então aqui um certo relevo autônomo a injunção do legislador”. O texto é
de uma extrema percuciência. O critério de distinção, como visto anteriormente, pode ser
submetido a várias críticas, contudo. A maior delas está na dificuldade de se delimitar estes
elementos eticamente neutros (conceito indeterminado com ‘zonas cinzentas’ de aplicação).
237

convém recordar que o critério por ele empregado decorre do exame do tipo de
conhecimento falho (erro). Havendo falha da consciência-intelectual (cognitiva),
será afastado o dolo617. Ao contrário, se o erro for da consciência-ética, como
regra geral será censurável.
Ainda que não possa ser aceita a premissa deste raciocínio (culpabilidade de
personalidade), é evidente a sua riqueza para solucionar uma série de problemas
que se colocam perante o Finalismo, e que tem origem justamente na secção – de
qualquer sorte, arbitrária – entre a vontade (tipo) e a autocensura (culpabilidade).
Conquanto fosse, de fato, equivocado examinar o dolo apenas na fase da
culpabilidade, é fato que pelo menos havia um substrato anímico concentrado
(examinado conjuntamente). O Finalismo carregou o dolo para a tipicidade, mas
abonou a conferência da consciência da ilicitude (autocensura) na fase da
culpabilidade, o que gera os inúmeros problemas com os quais até hoje esta
corrente se depara.
Não se está defendendo aqui que a consciência do ilícito também deva ser
carregada para a tipicidade, como uma regra geral. Como se fosse o caso de criar
um ‘dolus malus’ situado na tipicidade.
Apenas está dito que isso já vem acontecendo – com um caráter excepcional
- sempre que há um elemento de desvalor global do fato indivisível, na dicção
roxiniana.
Apenas se enfatiza que o Legislador possui uma considerável liberdade para
burlar este sistema de três estratos, do conceito analítico de delito.
Basta o legislador lançar uma expressão de valoração global no tipo para
que várias conseqüências jurídicas tenham quer ser revistas.
Assim, Figueiredo DIAS está certo, quando afirma que a solução
construtivo-sistemática é meramente formal. Não há um maior exame de
substância, dado que o decisivo acaba sendo a maneira como o legislador decidiu
coibir determinada conduta.
Por vezes, sanções eticamente muito semelhantes encontrarão sentenças

617
No dizer de Hans WELZEL, por sinal, “El dolo y el conocimiento del injusto requieren
psicológicamente dos formas distintas de conciencia: aquél exige necesariamente la representación
o la percepción actual, en el momento del hecho; el segundo se conforma con un saber inactual”.
Confira-se WELZEL apud CONDE, Francisco Muñoz. El error en derecho penal, p. 50.
Portanto, o pai do finalismo também procurou uma distinção de natureza entre o dolo e a
autocensura. Ainda assim, o critério de distinção empregado pelo finalismo é o objeto do erro, e
não a espécie de conhecimento.
238

bastante diversas, tudo porque o Legislador decidiu lançar no tipo – para um dos
casos – uma conotação de ilicitude, soldando os dois elementos.
Provável que a pergunta mais importante a ser feita - por quem defende uma
dogmática vinculante ao juiz (e, como tal, garantista), como aqui se aceita -, é se a
dogmática também deve vincular o legislador. Qual é, enfim, a liberdade
reconhecida ao legislador penal em um Estado Democrático de Direito
(Constitucionalizado)?
A resposta não será sequer ensaiada, mesmo porque extrapola os limites
desta dissertação. Fica anotada, contudo, por ser fundamental para o pleno
desenvolvimento de uma dogmática de contenção do arbítrio.

3.8
Erro em face das leis penais em branco.

As leis penais em branco “se caracterizam pelo sentido genérico do


preceito que deve ser completado por outra disposição normativa (lei, decreto e
regulamento)”618.
O art. 203 do Código Penal Brasileiro é um bom exemplo, como segue:

Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação
do trabalho:
Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à
violência.

O problema, atualmente, é o abuso da tipificação aberta619 notadamente no


âmbito do Direito Penal Econômico. Há uma maior delegação valorativa620, já que

618
DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2.005, p.
225.
619
O conceito de tipos abertos pode ser encontrado em WELZEL, Hans. Derecho penal alemán,
p. 75: “No todos los tipos satisfacen este ideal de descripción exhaustiva o de tipos cerrados. Más
bien hay muchos en los cuales la ley describe sólo una parte de los caracteres del tipo, dejando al
juez la labor de completar la otra parte, al indicarle sólo el criterio con arreglo al cual ha de
emprender la tarea de completarlo. Estos tipos que necesitan ser completados o abiertos los
encontramos, sobre todo, en los delitos culposos (ver infra §18) y en los delitos impropios de
omisión”.
620
Este é a opinião de Gabriel ADRIASOLA, bastante crítico quanto ao abuso desta delegação e
constante violação ao princípio da taxatividade da lei penal. Consulte-se ADRIASOLA, Gabriel.
Juez, Legislador y principio e taxatividad en la construcción del tipo penal in: DIAS, Jorge de
Figueiredo. El penalista liberal. Controversias nacionales e internacionales en Derecho penal,
239

tais preceitos são recheados de elementos normativos do tipo; sem mencionar a


existência de um maior dever de informação (categoria trabalhada acima).
Na medida em que se caminha para um maior tecnicismo penal (a
Administrativização621 do Direito Penal), é comum o emprego de tipos eticamente
neutros; aqueles fundados em questões altamente complexas, e insuscetíveis de
serem adivinhadas (!) mediante simples reflexão622. Também aqui, a função de
apelo da norma não surte qualquer efeito.
Esse quadro se revela muito diferente do núcleo básico do Direito Penal.
Mesmo porque o dever de informação que está subjacente a esses tipos, em
muitos casos, não apresenta qualquer diferença do dever geral de cautela,
relacionado aos delitos imprudentes.
Para muitos juristas, o erro neste campo deveria observar um tratamento
jurídico peculiar. Esta questão foi muito bem equacionada por André Vinícius de
ALMEIDA623. Segundo este autor, a Lei deveria regular - de modo especializado -
o critério de solução dos erros, no âmbito do Direito Econômico.
Alguns autores têm sustentado também o retorno à teoria do dolo. Se viesse
a ser aceita esta tese pelo legislador brasileiro, qualquer erro implicaria a
impunidade do agente, porquanto não há, praticamente, delitos imprudentes no
âmbito do Direito Penal Econômico aqui vigente.
Uma outra solução tem sido cogitada, a partir da categoria da ‘indiferença
ética’, utilizada – com conseqüências distintas – tanto por Manfred MAIWALD
quanto por Figueiredo DIAS.
A discussão tangencia, enfim, a complicada discussão a respeito dos
métodos de trabalho no âmbito desse novo ramo do Direito Penal. Devem-se
aplicar, nesta área, os mesmos critérios a que se submete o núcleo básico,
esculpido na cultura ocidental há séculos?
Já foi mencionado anteriormente, que os tipos abertos – postos em evidência
por Hans WELZEL – acabam gerando graves problemas de legitimidade da

procesal penal y criminología. Buenos Aires: Hammurabi, 2.004. Leia-se ainda SILVA, Pablo
Rodrigo Aflen da. Leis penais em branco e o direito penal do risco, p. 100-113.
621
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. SP: RT, 2.002, p. 649-673.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Primeiro volume: Teoria Geral do
Direito Penal. 2ª ed. RJ: Revan, 2.003, p. 50; SALOMÃO, Heloisa Estellita. A tutela penal e as
obrigações tributárias na Constituição Federal. SP: RT, 2.001, p. 177.
622
Vide a pertinente crítica de Cirino dos SANTOS à categoria ‘reflexão’ como meio de se atingir
o conhecimento do injusto. Leia-se SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal, p. 309.
623
ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito penal econômico. 85-88.
240

interpretação. Para tanto, como foi observado (com fundamento em JESCHECK-


WEIGEND), o Juiz deve adotar o maior cuidado a fim de preservar o conteúdo
semântico com que os referidos termos são empregados no seu uso comum.
O problema todo é que, no âmbito do Direito Econômico, muitas destas
normas são altamente técnicas. Não admitem, enfim, um juízo vulgar. Ou o
sujeito conhece a proibição, ou, simplesmente, estará em constante erro. E, sendo
assim, a única solução plausível para a sua censura é a prévia reprovação do
descumprimento de um especial dever de informação.
Corre-se o risco de incidir em um Direito Penal do Autor, ofensivo ao
postulado constitucional da culpabilidade (concebida como limite, e não como
fundamento da pena).
Não há dúvidas de que isso pode ocorrer, uma vez que se desloca o olhar da
conduta típica para incidir sobre momentos muito distantes no tempo, envolvendo
– não raro – questões atinentes à própria formação intelectual do agente. Nunca é
demais repetir que o descumprimento de um dever de informação de conteúdo
praticamente idêntico sempre deu causa, no âmbito dos delitos nucleares, à
previsão imprudente.
O médico imperito não responde por dolo, por mais que o resultado seja
atribuído a uma especial falta de auto-informação.
Em sendo assim, realmente se deve cogitar da necessidade de se flexibilizar
a teoria da culpabilidade, neste campo. Aliás, seria muito mais fácil o legislador
simplesmente preconizar tipos imprudentes e passar a tratar o erro – de qualquer
espécie – de uma forma única.
Enrique BACIGALUPO624 atentou para esta circunstância, ao propor que o
objeto da consciência da ilicitude deveria abranger igualmente o reconhecimento
da proibição penal da conduta. Em parte, isto significaria um retorno à teoria do
dolo.
Além disso, pode-se resgatar a distinção entre delitos mala en se e delitos
mala qui prohibita. O erro sobre a proibição dos crimes do direito penal nuclear
são, no mais das vezes, censuráveis, pois a percepção ética (danosidade
social/ilicitude material, etc.) geralmente coincide com a cominação formal.
O problema surge especialmente no campo do Direito Penal acessório, cujas

624
BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal, p. 425-426.
241

normas – reflexo de um Estado Programático – não guardam qualquer sintonia


com as rotinas de vida dos seus destinatários.
É evidente que, em determinados âmbitos, deve haver um dever especial de
informação, diante dos riscos que provocam. Contudo, uma exigência rigorosa
pode ensejar a própria impossibilidade de qualquer erro vencível.
Superadas estas observações prévias, pode-se avançar diretamente ao
problema do erro sobre as leis em branco.
Claus ROXIN registra a dificuldade da delimitação do erro do tipo e erro de
proibição neste campo625. Menciona, para tanto, o §315 do Strafgesetzbuch:

§ 315. Intervenciones peligrosas en el tráfico ferroviario, marítimo o aéreo


(1) Quien perjudique la seguridad del tráfico ferroviario, teleférico, marítimo o
aéreo, en cuanto él
1. destruya, dañe u elimine instalaciones o medios de transporte,
2. prepare obstáculos
3. dé señales o indicaciones falsas o
4. ejecute una intervención similar e igual de peligrosa

Logo, o tipo demanda uma complementação normativa626. O descritor627


impõe uma consulta a outros textos normativos. No caso mencionado acima, com
a consulta à regulação do trânsito alemão.
Segundo ROXIN, em casos tais, um erro sobre a existência da norma
integradora ou a suposição de uma causa de justificação inexistente será erro de
proibição. O erro sobre as circunstâncias do fato da norma integradora exclui o
dolo.
Pizarro BELEZA e Costa PINTO628 defendem a solução dispensada por
Figueiredo DIAS, como sendo a regra geral. O erro sobre o complemento da lei
penal em branco seria um problema de conhecimento, de obtenção do substrato de

625
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 465.
626
Em sentido oposto, WARDA nega que a norma complementar deva ser tratada como um
elemento do tipo. Confira-se com MAIWALD, Manfred. Conocimiento del ilícito y dolo en el
derecho penal tributario, p. 39. Para SILVA, contudo, tais normas integram efetivamente o tipo.
Consulte-se SILVA, Pablo Rodrigo Aflen da. Leis penais em branco e o direito penal do risco,
p. 165. Também neste sentido, ALMEIDA, André Vinícius de. O erro de tipo no direito penal
econômico, p. 99.
627
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. Prefácio de
Geraldo Ataliba e apresentação de Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Max Limonad, 1.997, p.
88-90. Vide também KAUFMANN, Armin. Teoría de las normas. Fundamentos de la dogmática
penal moderna. Tradução de Enrique Bacigalupo e Ernesto Garzón Valdés. Buenos Aires:
Ediciones Depalma, 1.977, p. 87-96.
628
BELEZA, Tereza Pizarro; PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. O regime geral do erro e
as normas penais em branco, p. 53.
242

valoração (e não da valoração deste substrato). Portanto, para DIAS, o erro sobre
o complemento sempre excluiria o tipo doloso.
BELEZA e Costa PINTO argumentam, porém, que esta resposta para o
problema deve comportar exceções. De fato,

“A solução proposta parece-nos aceitável em alguns casos e inaplicável noutras


situações. Será aceitável quando se tratar verdadeiramente de um problema de
ignorância da norma por falta de informação, decorrente da técnica remissiva
usada. Não pode, contudo, ser aceite em toda a sua extensão, pois nem toda a
ignorância de normas penais em branco corresponde a um problema de
conhecimento que funciona como condição da consciência da ilicitude do agente. É
o que acontece, desde logo, com os casos em que o agente conhece a norma
sancionadora (e por isso sabe que a conduta é penalmente relevante) mas ignora o
conteúdo da norma complementar. Um caso como este não pode ser resolvido
como um problema de erro intelectual, pois o conhecimento da relevância penal da
conduta já existe, devendo-se o erro a um problema de falta de diligência na
obtenção da informação”629.

A referida exceção não se coaduna com o critério adotado por DIAS630, a


partir dos seus fundamentos. É que o autor lusitano não está preocupado com a
acessibilidade normativa, que dá causa a um exame de possibilidade de
informação.
Ao contrário, Figueiredo DIAS tenta destacar um conteúdo material atrelado
a um suposto defeito da personalidade-ética manifestada no ato. Certa aversão dos
valores ético-jurídicos (uma espécie de infidelidade ao Direito, como foi visto em
tópico anterior).
Para a dicotomia de Figueiredo DIAS, a violação a um dever geral de
cuidado (subjacente ao delito imprudente) não tem o condão de convertê-lo em
doloso, porquanto haveria uma diferença substancial entre estes dois níveis da
culpabilidade, tanto quanto a diferença entre malícia e desleixo.
Pizarro BELEZA-Costa PINTO mencionam o entendimento de Anabela
Miranda RODRIGUES, para quem o erro sobre as normas complementares não
excluiria o dolo631. É que a descrição típica já seria suficiente para exercer uma
função de apelo: obrigar o sujeito a pesquisar a existência e o conteúdo das

629
Idem, p. 54.
630
Os próprios professores Pizarro BELEZA e Costa PINTO advertem que estão empregando,
simultaneamente, o critério relacionado ao objeto do erro (Finalismo) com a proposta de DIAS, ao
argumento de que ambas os fatores de diferenciação foram empregados no art. 16 do Código Penal
Português de 1.982. Leia-se BELEZA, Tereza Pizarro; PINTO, Frederico de Lacerda da Costa.
Obra citada, p. 18-29 e 61.
631
Idem, p. 56.
243

normas integradoras.
Citando Günther JAKOBS, Pablo SILVA argumenta que em uma lei penal
em branco,

“Resulta extremamente difícil determinar o objeto do dolo, pois os tipos da norma


de complementação e a lei em branco reúnem-se em um tipo total, devendo-se
estender o dolo aos elementos pertencentes a este tipo total, porém não à existência
632
da lei em branco e da norma de complementação” .

Quanto à culpabilidade, SILVA sustenta que basta, em regra, a consciência


potencial da ilicitude. Anota, porém, que se deve assegurar ao autor uma efetiva
possibilidade de acesso à norma.
Isto porque, neste âmbito, os preceitos são extremamente complexos, com
regulamentos confusos. Daí que o complemento deve ser publicado no Diário
Oficial conjuntamente com o complemento.
Deve-se esposar a teoria roxiniana, porquanto a que melhor equaciona o erro
sobre as leis penais em branco.

632
SILVA, Pablo Rodrigo Aflen da. Leis penais em branco e o direito penal do risco, p. 151-152.
4
Conclusão.

O tema do erro é, certamente, uma das questões mais intrigantes de toda a


dogmática penal. A forma como é tratado pelos legisladores e pelos juízes serve
de bom termômetro para o grau de democracia de um determinado ordenamento
jurídico.
Com efeito, quanto maior for a relevância jurídica do erro, tanto maior será
a subjetivação do Direito Penal. Quanto maior esta subjetivação, tanto mais se
respeita o indivíduo, em toda a sua complexidade.
Ao longo do presente trabalho, tentou-se colocar em evidência que -
entranhado ao problema do erro - há um latente conflito entre a pretensão à
efetividade das normas penais e o indispensável respeito ao princípio da
culpabilidade, aqui compreendido como limite, e não como fundamento da
pena633.
Teme-se que as Leis Penais restem despidas de um mínimo de eficácia, a
partir do momento em que a sua aplicação venha a ficar condicionada à avaliação
individual. Logo, reconhecer uma exagerada aptidão atenuante ao erro, seria o
mesmo que rasgar o código penal, segundo o senso comum634.
A efetividade do Direito Penal é um valor reconhecido constitucionalmente.
Afinal de contas, a nossa Constituição foi pródiga em imposições de
criminalização635, como retrato de um Estado Promessa.
O Constituinte atribuiu ao Direito Penal a função de tutelar os bens jurídicos
fundamentais da vida em comum. Não se pode abrir mão de um grau mínimo de
eficiência das normas incriminadoras.
Isso não exonera a dogmática de colocar em evidência o que realmente se
espera do Direito Penal; quais as funções que lhe são reconhecidas em um Estado
que se quer Democrático e de Direito.
Muito menos desobriga os juristas de lançar um sorrateiro olhar para as
pessoas de ‘carne e osso’, a fim de perceber se este discurso oficial guarda alguma

633
Ou seja, admite-se culpabilidade sem pena. Mas, nunca, pena sem culpabilidade!
634
FELIP I SABORIT, David. Error iuris, p. 21.
635
CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da. Constituição e crime, p. 309 e ss.
245

coerência com a vida real.


Antes de se falar em efetividade do Direito Penal, cumpre revelar as funções
dissimuladas da pena, comumente distantes daquelas reconhecidas expressamente
nos manuais.
Acordando do sono dogmático, o jurista se surpreenderia com a constatação
de que o Direito Penal é concebido para ser ineficaz; não é oponível erga omnes,
visto que ainda atinge com maior força os mais fracos.
Categorias que há muito são conhecidas pela criminologia (cifra negra, por
exemplo) mostrariam que a pretensão à efetividade do Direito Penal pode ser,
como o tudo mais, apenas um discurso.
Portanto, a busca da efetividade penal não pode amparar, validamente, um
retorno ao Direito Penal Objetivo, fundado apenas no desvalor do resultado. Ao
contrário, convém que haja uma maior sintonia entre as opções do legislador e o
povo que ele representa. O problema do erro não deixa de ser um problema de
legitimidade da Lei.
Quanto maior for o grau de sintonia entre o legislador e o povo – do qual
todo poder legítimo emana636 -, tanto menor é a possibilidade de erros de
proibição desculpáveis. Mas, diante de normas absolutamente técnicas, é fato que
apenas sob um rigoroso dever de informação, o indivíduo conseguirá atingir a
compreensão valorativa.
É certo que a pretensão à efetividade do Direito Penal acaba se traduzindo
em categorias dogmáticas semelhantes à da ‘hostilidade ao Direito’. A alegação
de não ter compreendido a norma parece evocar, no espírito do juiz, a sensação de
que o acusado – justamente por apresentar tal desculpa – somente pode ser um
infiel; alguém despreocupado com as regras da comunidade em que vive. A
categoria carrega consigo uma implícita carga pejorativa.
Tem sido comum, por conseguinte, o tratamento mais gravoso do erro de
valoração (erro de direito/erro de proibição/erro moral637) em face do erro de
conhecimento (erro de fato/erro de tipo/erro intelectual). Esse tratamento mais
severo subsiste mesmo sob a égide do Finalismo, que – ao contrário do que ocorre

636
Art. 1º, parágrafo único, Constituição da República Federativa do Brasil.
637
Categoria de Figueiredo DIAS. Anote-se que os vários termos não são equivalentes. Têm em
comum, contudo, a predominância da questão valorativa sobre a cognitiva. São erros de avaliação,
ao invés de erros de apreensão intelectual. Enfim, correspondem à diferença entre o substrato de
valoração e a valoração do substrato (NOWAKOWSKI).
246

com o dolo – contenta-se com uma mera potencialidade de autocensura jurídica,


por parte do agente.
Em outras palavras, o próprio desconhecimento do direito já é presumido
como reprovável, demandando uma boa razão para que possa ser escusado.
Mencionou-se que - quanto ao núcleo básico do Direito Penal - as
cominações guardam equivalência com o mínimo ético diluído socialmente. No
fundo, os crimes mala en se correspondem ao decálogo mosaico, nos países de
cultura ocidental.
A valoração equivocada a respeito desse mínimo ético – desconhecer que é
proibido matar, por exemplo – é tão grave que evidenciará uma eventual
inimputabilidade do agente. Afinal, como regra geral, apenas alguém com
limitada capacidade de apreensão normativa, ou com déficit de socialização,
poderia desconhecer que matar é crime.
A dicotomia entre percepção fática e a compreensão valorativa - cogitada
para o Direito Penal Clássico - não pode ser transportada sem maiores ajustes para
o Direito Penal Acessório, fundado em tipos penais programáticos. Nesse campo,
o Direito Penal é utilizado como instrumento de planejamento social; tutela
‘complexos funcionais’638, cuja relevância valorativa ainda não foi totalmente
introjetada pela comunidade.
De fato, muitas prescrições penais não encontram suporte direto em uma
percepção ética espraiada socialmente. Assim, não se ativa uma ‘função de apelo’
que permita reconhecer como proibido determinado comportamento. O legislador
veda condutas que ainda não provocam repulsa no meio social.
A responsabilização penal exigirá – em tais circunstâncias – a reprovação do
descumprimento de um especial dever de informação. Portanto, o juízo de censura
da conduta típica demandará a repreensão de outras atitudes; daquelas mediante as
quais o dever de informação restou descumprido.
Ensaiou-se um tratamento holístico do tema do erro, o que acabou
implicando em sua brevidade. Ao mesmo tempo, os erros na execução também
foram desconsiderados ao longo desta dissertação (aberractio ictus; erro sobre a
pessoa, etc).

638
A expressão é de Alessandro BARATTA, conforme mencionado no texto de Juarez Cirino dos
SANTOS. Novas hipóteses de criminalização. Disponível na internet via WWW.URL:
<http://www.cirino.com.br/artigos/jcs/novas_hipoteses_criminalizacao.pdf> Acesso em 10 de
julho de 2006.
247

Buscou-se, primeiramente, enfatizar a potencialidade garantista da


dogmática penal. Somente se justifica sistematizar o Direito Penal, se disto
decorrer um maior controle do Estado. Aqui, foi ressaltado que o saber dogmático
não pode ficar enclausurado, alheio às críticas político-criminais e aos estudos da
criminologia.
Na seqüência, foi enfatizado que o tratamento do erro é condicionado pelas
opções axiológicas do intérprete, a respeito da função do Direito Penal. A
relevância do erro depende, em suma, de quais propósitos são atribuídos à pena
criminal.
Para tanto, a presente dissertação filiou-se à concepção funcionalista de
Claus ROXIN, pois somente se pode admitir um Direito Penal direcionado à
tutela subsidiária dos bens jurídicos fundamentais para a vida em comum. Logo,
um viés que permite um controle de conteúdo da tipificação criminal.
Reconheceu-se a legitimidade da intervenção penal para ‘proteção do
futuro’ (meio ambiente, por exemplo), com a ressalva de que – ainda nessa área –
a pena não pode assumir um papel de prima ratio. Igualmente, não pode ensejar
um discurso meramente simbólico, que dispense o Estado de interferir na
realidade por meio da prestação de serviços públicos efetivos.
Tratou-se também do princípio da legalidade. Destacou-se que,
frequentemente, na temática penal, se enfatiza apenas o aspecto da segurança
jurídica, sendo importante submeter o postulado ao crivo da legitimidade, por
vislumbrar no povo o titular exclusivo do poder de criminalização. Convém
examinar se a Lei realmente está em sintonia com as percepções ético-sociais
vigentes na comunidade política, sob pena de invalidade.
A legalidade penal está intimamente associada ao caráter laico do Estado,
razão pela qual o Direito Penal não pode assumir vestes expiatórias, metafísicas.
De outro modo, essa secularização se traduzirá no obrigatório respeito às minorias
e ao pluralismo político e axiológico, que marcam a sociedade atual. Isso deve ser
aferido sob o prisma (e os limites) do princípio da tolerância.
Em temas exclusivamente morais, o Estado não pode impor uma única
verdade. Deve respeitar também as opções valorativas individuais, notadamente
nos chamados ‘casos difíceis’ (eutanásia639, por exemplo).

639
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude no direito penal, p. 307.
248

Na seqüência, foi empreendida uma breve exposição da evolução histórica


do tratamento do erro, com especial atenção para a dogmática alemã, que mais
incisivamente influenciou o debate.
Evidenciou-se que já estão superadas as premissas metodológicas adotadas
pelo Finalismo. Realmente, sabe-se que as estruturas lógico-materiais não
estabelecem, de antemão, os contornos dos conceitos jurídicos. Seja por que –
como quer Immanuel KANT – ‘do ser, não se extrai um dever-ser’ – seja porque o
Direito constantemente cria ficções, cujo maior exemplo é a personalidade
jurídica.
Esse novo modelo teórico coloca em questão, todavia, o limite dessas
ficções. No dizer de ROXIN, o limite há de ser o Estado de Direito, razão pela
qual as categorias autopoiéticas de JAKOBS (o seu conceito de culpabilidade,
v.g.) não merecem prosperar, diante de um Estado fundado no respeito à
dignidade humana.
Foi dito que é o Estado de Direito – muito mais que qualquer pressuposto
‘pré-jurídico’ – que impõe ao juiz o dever de conferir a existência de um
específico substrato anímico na psique do autor, no exato momento da
consumação do comportamento típico.
Na seqüência, tratou-se da teoria dos elementos negativos do tipo. A
mencionada teoria corresponde ao esforço construtivo-sistemático para explicar a
Teoria Limitada da Culpabilidade, segundo a qual o erro sobre os pressupostos
materiais de uma causa de justificação impede o juízo de tipicidade dolosa.
Ficou demonstrado que – conquanto haja bons argumentos para a adoção da
mencionada teoria dos elementos negativos – isso acaba sendo supérfluo, dado
que a Teoria Limitada da Culpabilidade é justificada a partir de argumentos
político-criminais. Por conseguinte, adotando-se de uma epistemologia
funcionalista, é totalmente desnecessária a adoção da Teoria dos Elementos
Negativos do Tipo, que apenas complicaria ainda mais a estrutura estratificada do
delito.
Formulou-se um breve exame a respeito dos componentes do tipo objetivo,
com especial destaque para os elementos de desvalor global do fato. Constatou-se
que todos os elementos são, em certa medida, valorativos, razão pela qual somente
se poderia falar em elementos predominantemente descritivos, ou
predominantemente normativos.
249

A existência de elementos de desvalor global do fato (elemento do dever


jurídico, para Hans WELZEL) sinaliza a relativa liberdade que possui o legislador
para burlar o sistema de três níveis, impondo graves conseqüências na práxis.
O jurista tenta enquadrar a Lei na segmentação estratificada que a
dogmática produz; contudo, trabalha com o ‘material’ disponibilizado pelo
Legislador, muitas vezes totalmente avesso às categorias teóricas. Deve-se discutir
qual a vinculação do Parlamento ao conceito analítico do delito.
Tratou-se ainda da diferença entre a oponibilidade objetiva do Direito e a
relevância do erro de valoração. Ficou evidenciado que o postulado error iuris
nocet retrata o afã de ver aplicada a norma sobre todos os indivíduos.
Isso não impede que o próprio Direito condicione certas conseqüências
jurídicas à presença de um determinado estado psíquico no agente. É o que impõe
o Estado de Direito, fundado no reconhecimento da dignidade do homem,
empecilho máximo para a reificação dos sujeitos.
Buscou-se enfatizar o problema da culpabilidade material, sob a ótica das
principais teorias que versaram sobre o tema. O estabelecimento dos fundamentos
da culpabilidade enseja graves conseqüências na matéria do erro.
Caso se parta, por exemplo, de um indeterminismo absoluto, será muito
mais difícil o reconhecimento de qualquer erro desculpável, por se presumir que
sempre o indivíduo poderia ter agido de forma diversa.
De outro modo, um determinismo irrestrito pode retirar do homem a
margem de escolha, inerente à sua condição de responsável. Nesse caso, agride-se
o postulado da alteridade (indispensável para a vida em comum), tornando
absolutamente inaplicável a Lei Penal.
Defendeu-se, na dissertação, que a proposta mais coerente é a de Claus
ROXIN (dirigibilidade normativa), que pode – ainda assim – receber os influxos
da teoria da alteridade, reconhecida por Cirino dos SANTOS como fundamento da
responsabilização criminal.
Versou-se, ainda que brevemente, sobre as várias espécies do dolo, tema
conexo à questão do erro de tipo. Foi dito que, nem mesmo sob o Finalismo, o
dolo é uma categoria absolutamente neutra, dado que – nos casos limites – está
associado a uma noção de lesão ao bem jurídico, como elucidado por Ellen
SCHLÜCHTER.
Foram considerados os vários critérios existentes para distinguir o erro de
250

tipo do erro de proibição, partindo desde aquelas correntes que dispensam


qualquer diferenciação (teorias homogêneas: Direito Penal Objetivo e Teoria
Estrita do Dolo), até aquelas mais refinadas, que demandam uma diferenciação
entre erro de tipo e erro de proibição, ou entre o erro intelectual e o erro moral
(Figueiredo DIAS).
Seguiu-se um exame a respeito da profundidade do conhecimento exigido
pelo dolo, notadamente quanto aos elementos de conotação cultural. Mencionou-
se que, em muitos casos, a categoria da valoração paralela na esfera do profano
pode tender para uma responsabilização objetiva, sempre que o sentido do termo
não for apreensível sem um específico conhecimento jurídico.
Enfatizou-se que o objeto da consciência do injusto não é a imoralidade da
conduta. Contudo, tampouco se exige, na grande maioria dos casos, o
conhecimento da proibição penal da conduta. Como regra geral, o sujeito deve ter
a compreensão do desvalor jurídico do seu comportamento, não havendo
necessidade, porém, que saiba que é um ilícito penal.
Foram indicadas as principais categorias utilizadas para aferição da
evitabilidade do erro: o esforço de consciência kantiano, a questão da função de
apelo da norma e, por fim, o dever de informação.
Afirmou-se que o esforço de consciência apenas seria útil naqueles casos em
que a norma penal coincide com as valorações axiológicas diluídas na
comunidade política. Entretanto, somente sob uma grosseira presunção se poderia
dizer que o sujeito - mediante simples reflexão - poderia compreender que é crime
a conduta de deixar de comunicar ao Banco Central uma determinada operação.
Por seu turno, a função de apelo da norma corresponde à noção de que
certos fatos automaticamente evocam - na mente - uma preocupação especial
sobre a sua ilicitude. Contudo, de novo, não se obtém qualquer solução para os
casos em que o tipo penal é altamente técnico.
O dever de pesquisa é imposto naqueles casos especiais em que o sujeito
tem motivos para duvidar da licitude da sua conduta; quando atua em um setor
especialmente regulado ou, finalmente, quando sabe do risco de estar lesionando
terceiros ou a comunidade, conforme elucidado por Cirino dos SANTOS.
Constatou-se que, em muitas hipóteses, a exigência de um especial dever de
informação – a ser realizado em momentos ‘ultratípicos’ – pode corresponder a
uma culpabilidade por condução de vida. Isso impõe uma cautela maior dos
251

envolvidos, a fim de garantir a efetividade do nulla poena sine culpa, evitando


recair em uma fundamentação versarista.
Tratou-se sinteticamente tanto do erro sobre os elementos de desvalor global
do fato, quanto sobre as normas penais em branco, pondo em evidência que – no
âmbito dos preceitos altamente técnicos – deve-se, em respeito ao postulado da
culpabilidade, fiscalizar o efetivo conhecimento do tipo penal, para que haja
responsabilização criminal.
Aliás, como ficou assinalado, o problema está na distinção entre um dever
de informação altamente técnico, que subjaz à manutenção da tipicidade dolosa, e
aquele ‘dever geral de cautela’ que dá causa ao tipo imprudente.
O confronto entre estes dois deveres inerentes à vida em comum
demandaria, por certo, um aporte maior de reflexão sobre a própria razão de ser da
distinção entre a negligência iuris e a negligência fática, o que foi registrado
apenas a título de provocação.
Enfim, o tema do erro é extremamente instigante, por colocar em xeque as
próprias concepções que cada pessoa possui a respeito do Direito Penal; dos seus
contornos e dos seus limites.
Espera-se apenas ter retomado o debate, não mais que isso.
5
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