Você está na página 1de 15

CONSELHO EDITORIAL: Luiz Antonio Câmara

AdelEITasse José Auguslo Delgado Fábio André Guaragni


Alessandra GaHi Jose Renato Gaziero Cella
Coordenadores
Ana Paula Gularte Liberato Jose Renato Martins
Antonio Cartos Efing Luis Alexandre Carta Winter
Cartyle Popp Luiz Antonio Câmara
Claudia Maria Barbosa Marcos Wachowicz
Eduardo Biacchi Gomes Melissa Folmann
Elizabeth Accioly Néfi Cordeiro
Francisco Carlos Duarte Paulo Gomes Pimentel Júnior
Gonçalo N. C. S. de MeIo Bandeira Paulo Nalin
Helena de Toledo Coelho Gonçalves Rainer Czajkowski
Ivo Dantas Roberto Catalano Botelho Ferraz
James Marins
Jane Lúcia Wilhelm Berwanger
Roland Hasson
Silma Mendes Berti CRIMES CONTRA A
João Bosco Lee
José Antonio Savaris
Vladimir Passos de Freitas
"-
ORDEM ECONOMICA
Av. Munhoz da RoC'ilil. 1-1.\ .Imevé h",e: (41 i 400'J-Y)OO
Fax: (4111~5~-1.' I1 (TP: XO.010-475 C"rírioa I'<,rana Brasil
Escritóriu: .·\v. da Repilolie". n q'nl" I050·IXX Lisooa Portugal
Loja: Rua (ie"eral To/Tes. I.no LOjas 15 e 1h ('enlro COlllereial
A Icxandn:: K noplholz l.uiz Antonio Câmara
[)'OUfO .:j 100·0'Jh Vila Nova de (iala!p(iTto Porlugal
Bruna ,\malllzzi Maria Francisca dos Santos '\cl'il)ly
Eduardo Emanoel Dall'.\gllol de SOlva Marion Bach
Fábio !\ndré (iuaragni Sl;rt!io Fcrnando Fcrrl::lra dI:: l.ima
Fl::rnando Buzzá Machado Syhio Lourenço da Sil\Tira Filho
Câmara, Luiz Antonio (coord.), (juillll::rmc Olivcira dI' .\lIdralk Vanl::ssa Roberta do Rocio Souza

CI72 Crimes contra a ordem econômica: teA+'ls atuais de


processo e direito penal.í Luiz Antonio Câmara, Fábio
André Guaragni (coords.).i Curitiba: Juruá. 201 I.
312p.
I. Crimes. 2. Direito processual. I. Guaragni, Fábio
André (coord.). 11. Título.

COO 347.06(22. ed.)


G017 COU 347.7

Vlslle nossos sites na internet: www.jurua.com.bre www.editorialjurua.com ( 111 II 1I>.r


e-mail: editora@jurua.com.br
111111;\ I dll •• ,;\
'()II
Capítulo 8 - SOCIEDADE PÓS-I\IODERNA, INSECURAN(A E DI-
REITO PENAL

Capítulo 9 - NANOTECNOLOCIA, SOCIEDADE DE RISCO E DI-


REITO PENAL
Capítulo 1

Capítulo 10-A CRIAÇAo DE VARAS CRIMINAIS POR RESOUi-


ÇÕES NA JUSTiÇA FEnERAL: CRíTICAS A PARTIR CONSIDERAÇÕES SOBRE A FALTA DE
00 PRINcíPIO DO JUIZ NATLRAL JUSTA CAUSA NAS DENÚNCIAS
GENÉRICAS DE CRIl"IES ECONÔl"lICOS
Capítulo 11 -QUEBRA DE SIGILO FISCAL - QUESTÕES ACER-
CA DA IlICOTOMI.\ ENTRE O INTERESSE PRI\'A-
DO E O INTERESSE PÚBLICO NA CONTEMPORA- A '('xo//dre KIlI Jp/hol:: I

NEII>ADE

Sumário: / ///Irodu(au: 2 A expans(;o da crilllinalidodc e{'o//ámica e


.1'1'11.1'
rejle.'ws legais: 3 () processo llenal CIJII.I'liIUciona/: 4 ;1.1'
cIJ//di(rJes da a~'(;IJ e ajusla C(//I.I'a: 5 Acusa(iiu gellérit'(/ nos
c,.ill/es eco//lilllico.l': 5./ A po.I.I'ihilidaJe ahso/ula de denlÍn-
cia gCIl,;rica: 5.2 A pus.l'ihilidade r('lalil'a de dc//lÍl7cia gCI7(;-
rica: 5.3 A Ji.ltin\'(;o el7lr(' de//lÍl7cia geral c denlÍncia gell{;,.i-
ca: 5.4 .4 illlpus.l'ihi/idad(' de d('l/Iíl7cia gellài('a: {) CIJI7.1'ide-
1"U\'rJnjil7ais, 7 Re/Í'rellcias.

o advento da glohali/:lI,:ào importou o surgimcnto de novas


formas e modalidades dclitivas, dcstacando-se os crimes econômicos.
Tal constataçào acarreta :1 lTl'Sl'cll1l' persecuçào penal de administra-
dores. gestorcs e propnct;'lrill'-. de l'lllprcsas, Por outro lado. vige no
Brasil um processo pCIl:t1 l';\( Li \ l'l ma j'-. lklllocrútico e garan(ista, ca 1-
eado em direitos e gar:ll1tl:l" 11)(llIldl);llS illlrallsponíveis, Deste embate
surge a problcmútic<l ;q)rl'''l'lll;l<l.l ,'I" Ijlll', ;111argumento de ditíeulda-
de probatória nos crime" 11'''111.1.", li" ',,'111d;IS empresas, tem-se admi-

Mcstrando cm Dircll" 111'1" .",,1 I "I"I,JlJI,I' 1".d''',''11 dc Procc,so Pcnal no


Centro tJnivcrsit:nio l 'lIIl!lh.1 I lI), 111 tli/ll \,1\ ·jl'_ld.,
tido o oferecillll'Il111 lI.- dl'IIIIII,'I;rs ~l'n0rieas, sem a necessana indivi- mimic(J c a escolha do proccsm pcna! constitucional como base para a
dualizaçãn de Clllldlllas d,,;. ;ll'IIS:ldos, Dentre as correntes doutrinárias persecução penal no Brasil.
e jurisprudenciais sllhll' 1I .I"~,lIIl1tl,arig.ura-se correta aquela que repele Com efeito, da confrontação de tais verdades surge o problema
tal modalidade aeusatúrt;l, IllllS '!llla os sobreditos princípios constitu- apresentado: de um lado, tem-se o aUlllento da preocuraçã~ com a repri-
cionais e faz iniciar ;IIJltl IlL'Il;1!SL'm II prcelH:himento de uma de suas menda penal da criminalidadc econômica; de outro, observa-se um pro-
condições, qual seja, a justa l'allsa. cesso preocupado com a efclivaçào das garantias constitucionais, como (l

contraditório c a ampla defesa (CF, art. 5", LV). A eonscquência da hala-


lha entre o direito pena! incriminador c o processo penal .!!.11l"<f//IlJor l; ti
surgimento de questões como a que se pretende discutir.
Vê-se. neste contexto, que a acusaçào genérica cm L'lillll"" "",)I'
Nas primeiras páginas de seu imortal O processo. Kafka ( I R83- tários re!atil'i:::a o postulado da necess<Íria individllali/;I\';'I" ,,," ,,,,,,1111.1
-1924) já estabeleceu as regras do procedimento ao qual seria submetido nas denúncias fórl1luladas pelo Ministério Púhlico. II qll;1! 11"111".1 .11.'
o personagem Josef K: postura em razào da excepcional idade do direilo 11L'Il;d1""111"1111'", .1.1
dificuldade em verificar a autona nesta modalid:lLk L'l1I1I1I1"\,1
- Sôo disse o hOlllemjullto àjalle!a, lltirmu!o o liI'/'(}solve ulI1amesi- A questão está longc de s~r pacífica: l; possi,l'! l'\II;III '111.""" ,d
Ilha enquanto se e/guia. -, O sellhor nào tem perll1issâo para sair. () se- rentes doutrinárias e jurisprndenclals, tmbs l'onl ;lI!:-,llllll'III,," ,)11111",,,1,"
nhor t'stú detido. a respeito do tcma: a) a primcira, permitc, dc lúrm:1 :lhsollll;1. ;1 dl'IIlllIll;,
/' o lflll!parece di.\'se K.- Alas por qui!:' - perguntou ell1ãu, genérica nos crimes sociclúrios; h; a sc.!!.undo, adlllile a alIIS;I\,'" 1"'11,'11
:vao jimlO.\' inculllhidos de di:::I!-!o.VÚpara o seu quarto (' espere () ca, desde quc fundada cm ck~ment~s mdici~írios míninllls dl' ;11111111;1:;111
procedimento (/caha de ser iniciado e u s('nhor /icarú sabe lido de tudo terceira, entende que a SOllll;ao esta na dlstl11t;ão entre dClllí"I/'/ .c:t'''t'l/ít/
/10 devido tell1pt/ ' e denúncia f!.era! e c/) a quarta. refuta veementementc qualquer po~~lhtll-
da de de de~úncia sem individualizaçào pormenorizada das nllldutas de
Esta inusitada situaçào jurídica, na l]uarÜ dúvida e o desconheci- eada sócio.
mento da acusação impedem qualquer possibilidade de defesa por parte Neste artigo, assim. ohjetiva-se realizar o estudo e a discussão
do acusado. tomou a expressào "kafkaniano" sinônimo a "illcomum", dos referidos posícionamcnlOs bem como, assentar aquele que, sob a
"absurdo" e "fora da realidade". ótica legal e constitucional, parece ser o mais adequado para a alual situa-
Contudo, muitos dos acusados por crimes econômicos no Brasil ção jurídica do Brasil.
sofrem da mesma apreensào que o personagern-.do mestre da literatura
universal. São aqueles que têm contra si acusações por delitos graves,
mas sequer sabem a razão pêla qual são denunciados já que, muitas ve- 2 A EXPANS:\O DA CRI!\lINALIDADE ECONÔMICA E
zes, seu "erime" é figurar em um ato constitutivo de determinada pessoa SEUS REFLEXOS LEGAIS
juridica ou ser gerente de uma instituição financeira.
Este é o pano defimdo do que se pretende aqui diseorrer: é ne- A sociedade pós-industrial é "global", Tal expressão -- surgida no
cessário ahordar, de maneira crítica, a denúncia genérica nos dclitos con- início da década de ~{(),nas grandes universidades americanas como Har-
tra a ordem econômica, os quais cslào cada vez mais presentes na teoria e varei, Columbia c SlanfÍJrd ,lranstlmnoll-se em conceito mundial através
na prática dos processos criminais brasileiros. da imprensa econômica de línSua inglesa e, em pouquíssimo tempo, pro-
Para a discussão, l; Ill'l'cssúrio desde logo o estabelecimento de liferou de forma surpreendcnle . Atualmente, o termo "globalização,,-l nilo
dois paradigmas, sólidos c iITc,'crsívcis: a expan.,l1o do direito pena! eco-
CIIFSNAIS. Franl; ••io; ,\ I1ll1l1diali"I\':in li" "apilal S:i" Pau"': Xamã. 199ú, p. :':1.
Vive-se, atualmente," '111,11'1;1 ,'1"'''''1/.1.1''1'' Ithlt'lri:1d" ci,ili7a~'ã(1,i\ primó-
I'llil., li"

ra. surgiu COI11 a expans;-,,'dI' 11111"'"'' 1<"111.111"


II.I\IlI"'lIl(lade; a segunda. operou-se
tem um conceito ddillídll, plllklldo ser analisado sob o enfoque econômi- Com efeito, no inicio do século XXI e no auge da globalização
co, político, social c al~ nlL'Sllllljurídico. mundial, inicia-se um aprofundamento na verificação do direito penal
Seja qual for o úlIgulo dc anúlisc, é certo que este fenômeno trouxe econômico enquanto direito penal do inimigo 7. Neste sentido advertiu
consigo uma fumaça de inccrlcla e insegurança. Como é curial, a sensível José Carlos Tórtima quando asseverou que "Tão nefasta quanto a
mudança na economia, a dimilluiçilO das distâncias - fisicas e culturais idéia, herdada da criminologia positivista, do estereótipo do crimino-
- entre os povos e o exagerado desenvolvimento científico conduz a so pertencente às 'c/asses inleriores', é a inversão do preconceito, o
urna sociedade de riscu, na consagrada expressão de Ulrich Beck. De estigma às avessas, o incentivo e o aplauso a toda sorte de abuso ou
fato, o avanço tecnológico e sua imponderabilidade abalaram a desejada arbitrariedade dirigido aos outrora inatingíveis acusados de delilus
.... "H
segurança jUlidica e social. E, na busca por novos mecanismos de con- economlcus .
trole dos riscos, apela-se, no campo penal, a uma proliferação legislati- Os efeitos da mencionada estigmati:::ação podem ser analisados
va voltada à criminalização de novas condutas, todas relativas ao novo sob alguns enfoques. No plano legislativo, não apenas novas leis surgi-
cenário mundiais. ram em profusão, como é manifesta a desproporção das penas cominadas
É neste palco que surge a discussão da macrocriminalidade eco- aos delitos econômicos em comparação com os crimes eomuns9. No pla-
nômica, alicerçada na proteção de bens jurídicos supra individuais, tais no judiciário, aumentaram significativamente as ações penais relativas a
como os sistemas financeiro, tributário e consumerista. Assim é que, nas crimes econômicos. Em recente pesquisa. veriticou-se um sensível acrés-
últimas décadas, proliferaram leis e normas relativas ao direito penal cimo das condenações por crimes contra o Sistema Financeiro Nacional
econômico, assim denominado aquele ramo do direito penal que visa à (Lei 7.492/86), tanto nos Tribunais Regionais Federais como no Superior
proteção da economia e do mercado financeiro como um todo, quase Tribunal de Justiça'o.
sempre através da criação de novos tipos penais incriminadores6. No Bra- Para o presente estudo, é interessante notar um terceiro efeito, tão
sil, é de se mencionar, por exemplo, a Lei 7.492/86 (relativa aos crimes flagrante quanto os demais, mas de ordem processual. Para se punir o
contra o Sistema Financeiro Nacional); a Lei 8.078/90 (tipificando os inimigo, os fins justificam os meios. Esta forma de concepção tem, dentre
delitos contra o consumidor); a Lei 8. I37/90, (contra a ordem tributária); a outras características, a supressão de determinadas garantias processuais
Lei 8.666/93 (crimes em licitação); a Lei 9.613/3~ (abordando a lavagem do acusado. Os fenômenos da modemização e da globalização vêm amea-
de dinhóro) e a Lei 9.983100 (elencando os dclitàs previdenciários). çando, maciçamente, as clássicas garantias do processo penal'l. A inevi-
Tem-se, assim, uma relação de causa-efeito bastante nítida na so- tável globalização está trazendo consigo um desprezo às conquistas cons-
ciedade pós-industrial. Em razão da glohali::aç'âu advém a sociedade de titucionais, produzindo um direito penal e um processo penal na contra-
risco: desta, surge a prolileraç'ão de normas ineriminadorGs relativas a
crimes econômicos. E eis que surge o problema: a escolha de mais um SHIRAKI, Ariella Toyama A legitimidade do direito penal econômico como direito
inimigo do Estado, etiquelado e rotlllado nos mordes e na forma preconi- penal de perigo Uma <lnúlise Ú 111/dos princípios da Iesividade e da intervenção mí-
zada na célebre teoria de Gunther Jakobs. A alça de mira do Estado volta- nima. Revista Brasileira de Ci~ndas nimillllis, v. R3, p. 7-52.
-se ao criminoso de terno e gravata, ao sócio de uma empresa, ao gerente TORTlMA, Jose Carlos. Crinll's rllnlr:1 11 Sish'ma Financeiro Nacional (uma con-
tribuição ao estudo da Lei 7AI)2/11fl) ~. l'd Rio lk Janeiro: Lumen Juris. 2002. p. 4.
de uma instituição financeira e, até mesmo, à própria pessoa jurídica, nos
Nota-se. por exemplo. que. 110 Iha,il.\"II'·.I~'"· /1'i!>lIlos (/\rt. 1° da Lei 8.I.HIlJO
casos de crimes ambientais (Lei 9.605/98). reclusão. de 2 a 5 anos) é mais rl'Jlr"v;lVt'1 qm' prodll/ir le.\'fiescorporais de na//lrca
grave em outrem. Gerir /('11/0'1'<11';'/111,'11/" 111'111111\';'0 financeira (art. 4°, parágrafo úni-
co, da Lei 7.492/86 1'l'l·IIIS;·IO. dI' .' a X ,1111")(. lIIals j.:ravoso ljue cometer crimes co-
com a cxpan~o marítima c colonial a partir do século XV; a terceira. deu-se com a mo homicídio culposo, I'urlo e ,'sll"Ii ••II;II•• S:dla ;"" olhos, ainda. verificar que a pena
"Revolução Industrial" na Inglaterra, no século XVIII. NETO, Manoel Jorge e Silva. máxima do delito de g(',\I</" fi ,,11,1111, 11/,' (.111 ,I" da I ,., 7.492tX6 3 a 12 anos) é supe-
Globaliza<,;ãu e Direito Econômico. 11/. LEÃO. Adroaldo 1'1 alii. (Coords). Globaliza- rior ao teto do apenanll'l1l" d•• "',1111"" 1.11',',111101\'""", dl'l1H1nslram, estreme de dúvi·
ção e Direito. Rio de Janeiro: Forense, :!002, p. 154. das, a crise de I'alorcs da s••e 1"d'lIk I"'" 111' ,,1.'11'"
MACHADO, Marta Rodriguez de /\ssis. Sociedade do risco e Direito Penal: uma 10 MACHADO. Maira R••l!l;1 (11111<",1111,1'" ""0', 111",It,hllllais brasileiros. Revista
avaliação de novas tendéncias político-criminais. São Paulo: IBCCRIM, :!005. p. 200. Brasileira de Ciências nilllinai,. \ !/'. I' \S !X
CALLEGARI, André Luis. Direito Penal Econômico e lavagem de dinheiro: aspec- 11 MALAN. Diogo RlId!!l' 1'1••" ...·.•• ",'II,tI d•• 11111111)'" 1(1,,1,'11Brasileira de Ciências
tos criminológicos. Porto Alegre: I.ivraria do Advogado, 2003. p. 21. criminais. V. 59, p. 22\·2,1)
_2_2 ,_",,, __ . Alexandre Knopfholz

ll
m,ão da históri:l . I:, COlllo adVlTtc José de Faria Costa, na ciência penal t'
que a si/uação hrasileira de marcante con/radi~·uo. De um lado o /ex-
pos-glol>ahzaçao cahc 1I111estlldo e uma participação estatal racional e to constitucional com os valores acima mencionados: por 011/1'0 lado o
não emotiva, sob pena de "fJc/,\sarpor cima de princípios tão (undan;es Código de Processo Penal. com seus resquícios inquisitivos".
1
como a presunção de if/o(úlcia (..,)"1 , .

Não obstantc as louváveis reformas ocorridas no ano de 2008, é


lilto ~ue o Código dc Processo Penal ainda tcm facetas do sistema inqui-
~itivo 5. O Projeto de Lei 156, do Senado Federal, tenta, corajosamente,
ndcquar o procedimento criminal aos ditames e à essência da Constitui-
A expansão a qualquer custo do direito penal econômico encontra Çno da República. Contudo, tal qual malabaristas, ainda trabalhamos entre
resistência .no processo penal constitucional. Se é certo que o direito pe- um texto constitucional garantista e uma norma infraconstitucional auto-
nal atual vive uma expansào de normas incriminadoras, igualmente cor- ritária. E, infelizmente, como adverte Lenio Streck, "há um certojàscínio
reto a.t~rmar qu~ o direito processual penal caminha, cada vez mais, para /1('10 Direito Í1?(raconstitucional, a ponto de se 'adaptar' a Constítuição
U.fi vles. gar~n.t1.sta e acusatório, buscando afastar-se, por completo, do às leis ordinárias ... Enfim, continuamos a olhar o novo com os olhos do
,,16 .
slst~ma II1q~ls~tIvO. E, par~ tal intento, é inegável a necessidade de apli- I'L" Iho .
eaçao dos dIreItos e garantIas constitucionais, produzindo-sc, assim, uma É necessária uma análise constitucional dc todo o arcabouço de
v~rdad~ira constitucionalizaçào do processo penal, alicerçado em princi- regras processuais penais. A constitucionalização do processo penal é
pIOS taIS como a ampla defesa e o contraditório (CF, art. 5", LV). medida que se impõe urgentemente. Com efeito, "A ciência do processo
No Brasil, a situação é particularmente paradoxal. O Código penal brasileiro inicia o século XXI com pelo menos uma grande preten-
de Processo Penal brasileiro data de 1941, época do Estado Novo de seio de certeza: a de que m10 é mais possível empreender qualquer pes-
~et.úlio Vargas, c traz consigo uma earga de autoritarismo e inquisito- quisa dogmática apartada do referendal constitucionaf' I 7.
nalIdade, posto que baseado no ideário fàscista italiano. A Constitu i- Não se trata, apenas, de visualizar os ditames constitucionais co-
ç~o .Federal de 1988, por sua vez, tem em seu bojo uma redenção dos mo normas abstratas e genéricas. Trata-se, isto sim, de entendê-Ias como
dIreItos e garantias individuais, negados durai:lte décadas à população regras de aplicação efetiva e concreta. A normatividadc constitucional
brasileira. Lá, o acusado é ohjeto de uma persecução penal; aqui, fala- constitui-se em um compromisso com a efetividadc de suas nonnas Ix, as
-se em sl{jeito de direitos. Lá, o processo penal é o aparato instrumen- quais são superiores c supremas às demais, e não podem ser alteradas por
tul para a inevitável condenação, uma espécie de Fia crllcis do acusa- vias Icgislativas ordinárias 14.
do. Aqui, é um direito c uma garanlia do réu de se ver julgado de
forma mdependente, imparcial, justa e com obediência a todos os
I1 CHOLJKR, Fauzi Hassan. Processo penal à luz da constituição. Bauru: hlipm.
princípios processuais. 1)
1999, p. 16.
Neste sentido, Fauzi Hassan Choukr assevera: Ij Nestc sentido, dentre outros. cite-se CARVALHO, 1.. G. Grandinetli Castanho de.
Processo Penal e Constituição: princípios constitucionais do Processo Penal. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. I.: SCANDELARI, Gustavo Britta. Os atos jurisdicio-
o Código de Processo Penal teria sohrevivido a todos os textos anterio- nais penais e sua vinculação às garantias constitucionais. /11: COUTlNHO. Jacinto
res, sem emhargo de sua essência, att' a entrada em l'il<ordo atual tex/o Nelson de Miranda el alii. (Coords.). O novo Processo Penal à luz da Constituição:
constitucional, ji1/l0 de 11I11 longo processo de supe:'açào (ao //Ienos Análise crítica <!Q Projeto dc Lei 156/2009. do Senado Federal. Rio dc Janciro: Lumen
.forma!) (~aditadura. e que' culmil/ou COI/1 a Carta de 1988, riquíssima Juris, 20 IO. p. 177-1s'4.
em pnnc/{Jlos processuais e' orgwri:aç'uo judiciária e que adotou entre 16 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica
nós, de jórma explícita, () //I(u/do a('usatório. Pode-se, enl(/o, afirmar do Direito. Porto Alegre: I.ivraria do Advogado. 2002. p. 30-31.
17 OLIVEIRA, Eugenio Paedli de. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direi-
12 tos fundamentais. 2. ~d. Ri(l de Janeiro: I.umen Juris. 2009. p. I.
COUTINHO, Jacinto Nelson Lk Miranda. O pensamento economicista nu direito IK KELLER, Amo AmIdo. ,\ cxi:.:ihílidadl' dos direitos fundamentais sociais no esta-
13 c.riminal de hoje. Rev~sla Bra~i1c.ira de Ciências criminais, v. 32, p. 297-310 do democrático de direito. 1'01111 i\ll')' rI" Sl'rgio Antonio Fabris, 2007. p. 173.
FARIA COSTA. Jose de. () kl101l1l'nOda globahzação e o direito penal ecol1õmico. 19 LEAL. Mõnia Clarissa I kl1nig .\ (·ollslilnil •.ao "limo princípio: os limites da juris-
Revista Brasileira de Ciências lTimitmis, v. 34, p. 9-25. dição constitucional braxikir;1 11;1111"11 Mallok. 2()(U. p. 97.
Crimes Contra a Ordem Econômica

A insulkiêllCl;I do 1'lIll'lldil1ll:l1to segundo o qual a Constituição Sem a pretensão de esgotar o tema, definem-se como condições
da Repüblica abarca apCII;I\ dlll'!lI/l'S a serem seguidas pelos dispositivos da ação, aquelcs elementos ou req~isitos que limitam o exercício do direi-
infraconstitucionais é 11111110 hl'lIl rl'1alaua por Jorge de Figueiredo Dias, to de ação em cada caso concreto-". Como esclarece José Antonio Paga-
quando assevera: neI1a Boschi, "sem essas trovas, denominadas condiçô(!s da açào, os
juízos e tribunais poderiam entào ser inundados de ações e processos
instrumentalizando pretensões esdníxulas e descabidas (...)"?.1.
Durante muito telllllo o III'I/,\'Illllt'lltojurídico tendeu a ver nas normas
constitucionais lllúr ill/c' 1111.\ '1111' ('olltinlUlm garantias ./imdamentais - Para aqueles que advogam uma unidade científica do processo, as
simples 'princípio,\' pl'iI,!!,fllcÍliclJ.\··,ll/('/'as directrizes dirigidos ao legis- condições da ação penal seriam as mesmas da ação de natureza civil
lador ordinário que es/e podia Ilki~'oar ti sua vontade (...) Hoje, porém, (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade ad causam e iJltCl'l'sSL' íil-
tende por quase toda a pal'/c I'('/'-se na Constituiçào verdadeiras nor- agir), apenas com algumas modificações .. ~ .possihilidwlc jlll·;,/'nl dtl
mas jurídicas que, meSll/O (,ol/Iendo lima reserva seguI/do a qllal o di-
pedido signi ficaria que o Estado tem ~OSslbllIdade, em h:Sl" ík- nlllcl ;1
reito que asseguram será llllllllic11J.wí 'nas condiçi5es determinadas pela
lei', proíbem à lei ordinária. soh pel/a de il/constitucionalidade material, condenação do réu, nào se tratando, aSSIm. de um mero juí/o lll- lípllllb
que contenha uma regulal1lenta~'ào elimil/adora do núcleo e.l'sel/cia! da- de24. A legitimidade ael causam - ativa e passiva - rclCl'l'-SL' Ú fll'\\\';I qlll'
quele direito20 pode promover a ação pen~1, bem c~omo àquela supostalllL'll1l' I'L'\J!0Il\;1\ l"
pelo delito em tese com~1Jdo. E, ftnalme~lte, o lI~tt'r('.\·sc d(' lI,!!ir l'slalla
relacionado com a necessIdade, a adequaçao e a utIlidade da a\,iio penal.
Portanto, são concretos, e nào utópicos, os direitos e garan-
Trata-se, assim, de uma visão unitarista do direito proccssual.
tias constitucionais. A dignidade da pessoa humana (art. 1°, I1t), a
que merece desde logo ser refutada, diante da inexistêncía de uma 1('0-
legalidade (art. 5°, lI), o juiz natural (art. 5°, XXXVII e LIlI), o ria geral de processo, a qual impõe, em ültim~ análise, institutos de
devido processo legal (art. 5°, LIV) o contraditório e a ampla defe- processo civil no campo processual penal, olVidando sua autonomia
sa (art. 5", LV) são princípios reais e efetivos a balizarem qualquer legal e científíca.
aplicação de normas infraconstitucionais, possuindo aplicação ime- Neste sentido, a 1ll0dellla doutrina traça severas criticas à utiliza-
diata, nos termos do parágrafo único do art:~:5° da Constituiçào fe- ção das mesmas condiçôcs da ação civil no âmbito penal. Aury Lopes
deral de 1988. Junior, por exemplo, observa: "0 prohlema está em que, na tentativa de
adequar ao processo penal, é fedta uma verdadeira ginástica de concei-
10.1',estendendo-os para além de seus limites semânticos. O resultado é
4 AS CONDiÇÕES DA AÇÃO E A JUSTA CAUSA lima desnaturaçtlo completa, que violenta ~ matriz conceitual, sem dar
lima resposta adequada ao processo penal"-- .
Ti
Ultrapassadas as premissas teórieas iniciais do presente estudo, é Para o referido autor, são condições da ação penal a prática de/à ..
possível avançar para a análise das condições da ação e, em especial, da to aparentemente criminoso (/imlUs comissi delictiJ, a punihilidade con-
justa causa. Trata-se de um eampo fértil para discussões já que, como creta, a legitimidade da parte e a justa callsa?!>. Tal concepçào asseme-
adverte Tourinho Filho, nunca houve um entendimento pacífico acerca do lha-se, em sua maior parte, àquela, sugerida por Jacinto Nelson de Mi-
assunto, o qual ainda carece de melhor sedimentação?'.
22 GRINOVER, A. P. As condições da açào penal: uma tentativa de revisão. São Pauto:
Bushatsky. 1977 p. 127.
23 BOSCHI, José Antônio r. Ação penal. 3. ed. Rio de Janeiro: ArDE. 2002. p. 94.
10 FlCjUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito processual penal. Coinlbra: Coimbra, 2004.
p.75. 24 Por exemplo: se a denúncia expôe um t~ltl1 de nítida legitima defesa, o juiz pode COR-
21 TOURIl\HO FILHO, Femando da ('osta. Processo Penal. 27. ed. São Paulo: Saraiva, c1uir ser () pedido juridicamente impossível. jú que não existe pretensão de punir quem
2005, p. 512. v. I. A discussào ~ tamanha que Denílson Feitoza. por exemplo, sequcr agiu licitamente.
enxerga as condições da a~'ào como categoria autônoma. e sim. como espécies de 2~ LOPES JLNIOR. Aury. Direito pron'ssual pl'nal e sua conformidade constitucio-
pressupostos processuais. FI 01 T()I. A , Denílson. Direito processual penal: teoria, crí- nal. 5. ed. Rio de JaneirP: I.l111ll'1I.Il1ris. 2010 I' I. p. 3'i3.
tica e pnixis. 6. ed. Nítcrúi: IllIpl·tlls, 2009. p. 233. 26 LOPES JUNIOR, Aury. [)irl'i til II 1'1Il'I'S\ 11a I 11l'11lIL. <,it. r· .152-367.
randa Coutinho, citado por Vladilllir Stasiak, em obra específica sobre o Neste sentido, justa causa nada mais é senào a demonstração dos
tema. Ele sugere COll1ocOIHIi\'lks a lil'icidade aparente - adequação do indícios de autoria e da materialidade de um tàto supostamente crimino-
tàto à norma, isto é, a desclI\';)u cuntida na denúncia deve estar prevista so. Ou seja: deve existir prova indubitávcl de um tàto hipoteticamente
num tipo penal, com todas as eklllentares~7 -; a punibilidade concreta - o delituoso, e ao menos indícios idôneos de sua autoria.
aparato jurisdieional SO/11entedeve se mobilizar diante de uma finalidade Aury Lopes Junior vai além, afirmando que dois sào os fatores a
razoávet, isto é, a possibilidade de se aplicar a sanção penal - a legitimi- serem considerados na análise da justa causa: nào apenas a já mCllc iOllada
dade ad causam e a justa Cll/I,\'ll~x. existência de indícios razoáveis de autoria e da materialidadc. mas
Penso, estreme de dúvidas, ser esta visão - dualista - a correta. lambém o controle processual do caróterfi'agmentório tia ill1<,{,I'('lIr1io
Não é possível, tecnicamente, entender a possibilidade jurídica do pedido penalH. Assim, segundo ele, é necessária uma causa de naturl'la Pl'llid
e o interesse de agir como condições da ação penal. Não se pode impor, a que possa justificar o imenso custo do processo c as di\ l:tsas 11l'II,IS
fórcep~, institutos do processo ciyil ao direito processual penal, como se processuais que ele contém. A aplicação do princípio da inslgHtlll.ll1t 1,1
'este fosse dependente daquele. E necessário atàstar, definitivamente, o seria, pOl1anto, o reconhecimento da ausência de jusla causa l'lIl .1"11'11111
. 'll
comptexo de Cmderela do processo penal- . nado caso pena I.
Por isso, afigura-se perfeito o posicionamento de Vladimir Stasiak Em complemento à posiçào do professor gaúcho, \ ak 11";',;11
que, analisando todas as concepções dualistas sob a ótica da realidade social, tar o posicionamento de Luiz Antonio C<imara, ao al"inll;1I qll\" ,I 111',1.1
reduz a duas as condições genéricas da ação: a legitimidade ad callsam e a causa possui duas feições: uma, positiva, e a olltra, I/('gll/ll"ll 1','1.,
justa causa30. É esta última que interessa ao presente estudo, eis que, como primeira - positiva - a justa causa se demonstra pela PIIl\;1 da IlIha
conceito jurídico indeterrninado, é comumente utilizado em várias acepções. ção penal e da autoria. A segunda - negativa fica l'\IIk'lIcl;lIla
Se é certo que existem doutrinadorcs que enxergam a justa quando não há causas que excluam a criminal idade da condula. A s-
causa como uma síntese das condições da ação~1 ou como o próprio sim, presentes situações que afastem a tipicidade, a ilicitutie ou a
interesse de agir na seara penal32, parece-nos correto analisá-Ia de culpabilidade, inexiste a justa causa como condição para () exercicio
forma avulsa, como uma condição atttônoma da ação penal. Segundo - pena l1'i
d a açao '-.
Pedro Henrique Demercian, a nova redaç~ dada ao art. 395 do Códi- A importância da sua análise como condição da ação é funda-
go de Processo Penal, pela Lei 11.719/08, demonstra a opção legislativa mental. O início da persecução penal em juizo sem uma causa justa im-
pela autonomia da justa causa como condição da açã03) porta em t1agrante abuso na acusação, já que submete alguém ao sofri-
mento de um processo criminal sem um substrato mínimo de conteúdo
17 Neste ponto parece residir a diferença entre os entendimentos de Aury Lopes lunior e para tanto.
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. A primeira condição da açào sugerida por Lopes
Junior prálica de/aIO aparel/lemell/e crimÍllO.wJ1'1é mais ampla do que a lipicidade São válidas as palavras de Waltcr Nuncs da Silva Junior:
aparenle sugerida por Coutinho, uma vez que n~o se limita à análise da tipicidade.
analisando igualmente as causas de exclusão de Ihcltude.
A imporlância da anúlise da justa causa como condiçav da açilo, de
1K STASIAK. Vladimir. As condições da ação penal: perspectiva crítica. Porto Alegre:
Séroio Antônio Fabris. 2004. p. 193.
maneira (/ ahortar a existência dI' um processo temerário. com conse-
19 Cit:mJo um breve artigo Ik Carncllllli. "('cl7cremo/a". AUlY Lllpes Junior infornla que
qiiellle comproml'timento desnecessário da imagem e da tranquili-dade
o processo penal. como a Cin,krcla. sempre foi preterido em relação à sua irmã pro- dI' uma pl'ssoa, rel'l'la o acato do dcvido destaque que IhefiJi conferido
cesso civil telldo de se cOlllclllar ,'111 utilizar as roupas velhas daquela. MaiS do que na !ei. como ./imna dI' rccomendar ao juiz, no momento da jeitura do
vestirllclltas usadas. lTam \,,'sl,'s produJ'idas para sua irmã (não para ela). LOPES JU- exame da peti(Jio inicia!. e.I/Jf:cia!atençào a esse aspecto]ú.
NIOR. Aury. Uirt'iICl prut·('ssuall'enal ...• cit .. p. 33
10 STi\SIi\ K.-\-'ladilnir. As rOluJj,·t"u.~s da ução penal .... cit .. p. 356.
11 Nt J('('1. (illilhl'llul' d,' Sou/a l\1:ltIual de processo penal e execução penal. 5. ed. 34 LOPES JUNIOR. I\Ury. Direito prucessual penal..., cil., p. 364.
Sólo I'alll<. R,'vlsla dos Trlhullals. :!()(JX. p. 195. 35 CÂMARA, Luiz Antonio. Prefúcio. /1/. STASIAK. Vladimir. As condições da ação
I.'111INI'IM, hli"'oll MOUV"lIol ('urso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva. penal: perspectiva critica. POMoAkgn:: Sérgio Antônio Fabris. 2004. p. 20.
.'009 p. I ~ll 36 SILVA JUNIOR, \Valter NIII1"Sda. I~l'furlllll '''pica do processo penal: il10vações
" I1I MII(( 1,\N, I','dlo 11"1111'1111' O regime jurídico do Ministério Público no pro- aos procedimentos ordin~'lIio l' slllll;irio. l'Ol\l o 110\'0 regime das provas e principais
,',·\\U 1"'lUd S.I" "'lU I•• Vnhalllll, 2009. p. 94. modificações do Júri. Rio ,h: .laI1'·lro. R"UIl\;I1, 200'). p. XX.
o jurista italiano e professor de direito penal E:onômic? .Vincen-
Musacchio, ao analisar a questão, esclarece as razoes da dificuldade
é a própria natureza do processo penal que leva à necessidade de dell1ol1\- "pontada:
trar li pla/lsihilidade do direito invocado, para evitar a lide temerária. ()
processo criminal represeI/ta, por si só, um dos maiores dramas para (/ En el amhito de Ia responsohifidad penal, se prodllcen prohlemas im-
pessoa humana; exige I/m sacrifício ingente dos direitos da persunalidade, portantes para Ia determinoción de Ia responsohilidad indil'idllai I'IIU/I-
e.~polialldo o indivíduo da intimidade e, .frequentemente, da dignidade du 1'1defito es cometido ell el contexto de una empresa por ias SI,!!,I/H'II-
mesma. Por isso é que UIl1mínimo de '~fillno de hom direito" há de exigir- tes características deI comportamiento: delegacÍfifl de lillll'Íollt'." tlil'i
se, para que se leve adiante o processo, at~;a solução da IideJ7. sión deI trahajo, cOl11plejización de los nexos ctll/wles, I,fllroli"tl./,i,·
,\'l!jeitos intervinientes, lodo es/o prodllce, en defll/i/il'o. 11110t!iWt'I'lclOlI
entre quienes actLÍan y qllienes re.\jJIl/1dcl1 penallllclI/c', 1'1I.ft,'11tI,'. I,', o,',
e/ peso de Ia respo/lSa!>iiidad 1'1/ /a jerarquia dc /11 or.'.!,IIIIC'll'/tI" (/I'\
ponsabi/idad dei titular de fa emprfiw) o ('1/ Ia !Jose de /0 11I1\/1111 (1,'1

A problematização ora apresentada pode ser analisada sob a ponsabilidad de los representantes) .
ótica do direito penal e aos olhos do processo penal. Neste estudo, o
limite será a análise processual, inexistindo qualquer pretensão de A dificuldade é tamanha que há aqueles que -- lal como Ol'llITl' l'tll
abordar aspectos de direito material, como a autoria e a participação relação aos crimes ambicntais (Lei 9 .605í98) - sustc.ntam a rn.:sihitid;~dl'
nos crimes eeonômieosJx. de responsabilização da pessoa jurídica no caso de cnmes economlcos .
De qualquer modo, a origem do problema é a mesma: a dificul- O obstáculo apontado - somado à expansão, repressào e con-
dade na identificação da autoria nos crimes ecollômicosJ9. Corno é sabi- trole do direito penal econômi.co - ~ermitiu que, ,no~ últim,o~ anos,
do, tais modalidades delitivas são, em sua esmagadora maioria, cometidas iniciasse uma prática que persIste ate hOJc: a dcnuncla gcnenca nos
no âmbito de uma pessoa jurídica. E a própria estrutura organizacional, a delitos societários.
descentralização na tomada de decisões ~ a divisão de funções entre os A problemática da questão é resumida na lição de Renato Martins
integrantes da soeiedade impedem uma fáeil definição dos autores dos
delitos cometidos no seio de uma empresa. .
De fato, "(. ..) Ia empresa aetual supone una estruetura que, con
arreglo a Ias características de su organi::aciólI, conllel'o dificulta/es a Ia presario. Buenos Aires: B. de •... Editorial, 2010, p. 827. Tra?ução li\Te: "(. ..) a em-
hora de Ia determinaeiún de Ias re.\jwllsahílídades, justamente a ellenta presa alual SllpÕClima esll'lllura que. em ra::iio das caraclens!lc(/s de sua orga~lI::a-
-I I . J' ,,-10
aI' anonlfna/o aI' SIlS II1tegrantes . çào, dificlllta elllando da r/etel'lnína('âo de respOlI.lahtlltlades. juSlomenle em ra::ao do
anonimalo de seus integrantes". .
41 MUSACCHIO, Vincenzo. Derecho penal eeonomico. eriminalidad organizada y
37 GRINOVER, A. P. As condições da ação penal..., cit., p. 127. Não obstante o correto Union Europea. Re\'ista Brasileira de Ciências criminais, v. 60, p. 221. Tradução
posieionamento da ilustre professora 4uanto à necessidade de indícios mínimos para a livn:: "No âmhi/o da re"jJonsohilidode penal. existem prohlemas relcl'em/es para a de-
pcrsecução penal, a utilizaçào dc tl'nnos como "lidc" c "fumo de bom direito" remon- /erminaçiio da responsahilidade indÍl'iduol quando o delito é camc1ido no c~ntexto de
tam à visão do processo civil. môo peta qual tais refcrenciais devem ser afastados da lima empresa pc/as seguintes coracleríslicas de comportamento:. delegaçao de ./un-
seara penal, e substituídos por aç<ioJwnal e justa causa, respectivamente. çàes, dÍl'isiio do tl'llhall1o. complexidade das nexos cause.J/s.plur~lidade de sUJellos m-
3X Sobre o assunto. é esclarccl.'dora a II\ào dl~Cartos GÓlnez-Jara Diéz. ResponsabiJidad ten'enienles. I1Ido isso produ::. d.'linilil'amel11e, uma dlssocwçao entre qllem atlla e
penal de Ios direetivos de ell1prl'sa l'll \'irtlld de su dominio de Ia organización'l AIgunas qllem responde penalmellle, podoulo recair o peso da responsahilidade na hierarqUia
consideraciones eriticas. Re\'j\ta nnl\ileira de Ciências criminais, v. 68, p. 141-181. A da organi::açiio (resptJl1.whilidClCkdo lilulor da em/llYw) 011 na Iwse da mesma Ires-
4uestão da autoria nos ernllC' l'l'Oillllllil'OSé igualmcnte objeto de análise em inúmeros
artigos de recentissima ohra dl'l!llllllna,la Uerecho Penal Empresario, coordenada por pO/1Sahilidade dos reprcsetll.lll1n·" ."
Mario H. Laporta e NíClll;i, 1>.tblillll'l (BUCIlOSAires: B. de F. Editorial. 2010). 42 PEREIRA. Flavia Ciolllart. (), nilll\." 1'l'lIIlCllllieosna soclcdade de riSco. ReVista
39 FRANCO, Albcr!o Silva. (ilohatl/a\·.ill e criminalidadc dos podcrosos. Revista Brasi- Brasileira de Ciências crimin;li,. \ ~ I. p. tO:'·1 J I e CALDAS. Luís Filipe. Territó-
leira de Ciências crimill'li" \ \ I, li I02-13ó. rio e espaço cm direito penal L'COII"I11Il'ONllVO' lcma, c ~o\'~)s aZl.mutcs. In: FARIA
COSTA. José de (C\lord.). Tema, 11"lIin'itu p"IIHI "CUllomlCO. Cllunbra: COImbra.
40 CICCIARO. Jllan Fstd';1II t l·~'ltl!l!al'iúl! pasiva en Ia persona juridiea!: de Ia dogmá-
tiea ai procesl1 pcn;d. 11/ t\l'( 11<1.'\, Mario H. el a/ii (Coorels.). Derecho Penal Em- 2005 p. ó5-145.
De U11/lado, predomina a preocupaçào com a pllnihilidade dos cri- (I/lese verijica -- Fiade regra - quando houver participay'âo di/i/sa ou mlll-
mes praticados na intimidade das empresas, CO/1/a repressão à ('ri- tili.íria.Nesse caso. neio elucidando a peça injimnativa a participaçeio de
minalidade econômica: de outro, verijica-se uma prf!ocupaçâo l/1(/is cada um no crime cO/1/etidoe niio logrando ela. com o pedido de diligên-
acentuada COI/1 a efictÍcia das garantias constitucionais. elll especial cias. ostentar o devido esc!arecimellfo. olltra solllção não há senào admitir
C011/os princípios da ampla delesa. do contraditório e do devido o ojerecimento da exordial CO/1/impllta\'iio genérica. Isso porque a açào
processo legar3. . penal não deve .ficar pre;lIdicada. no aguardo do cumprimenta do lapso
prescricional, pela impossibWdade de elucidaçào da atllaçào de cada par-
ticipe. Nâo cahe exigir. de outra parte. proceda o representallte do !IfillÍs/(;-
A questão não é simples, já que a própria expressão "denúncia rio Público confimne lhe ~ impossível (ad imp(}.~sibilial1emo te1letlll'/ 011
genérica" é abstrata e de dil1cil conceituação, como observa Andreas que, para lima deseriçiio da .forma pela qual despontou (/ CI)-(IlI!ori" "11
cumplicidade, dê asas à imaginaçào. em detrimellto de seu prcsl~l.!.io(' ('111
Eiscle quando diz que "o conceito de imputação genérica. Oli a adjetiva-
.fi-clllcodivórcio - porjàlta de lastro injórmativo - com os C!c'III/'lIlm1'tI1'I/'li
çào de seu instrumento (denúncia), pertence à categoria designada como dos na peça em qlle apóia slIa delllíncitt6
conceitosjurídicus vagos,,44.
De qualquer sorte, é possível elenear, com base na doutrina e na
jurisprudência, quatro posicionamentos a respeito do tema.
Este entendimento foi predominante no Superior Trihullallk
e no Supremo Tribunal Federal4x na década de 90. A parlir 110 ;ltlO
UÇIl'17
,"t~
2tlOO houve uma diminuição desta tendência, existindo Ilolícia de poucos
Julgados admitindo, de fonna absoluta, a denúncia genérica nos mHles
4lJ
*4x:ietários •
A primeira corrente entende ser perfeitamente possível a de- Por todos, vale referir o Recurso em Haheas Corpus 2862/SC
núncia genérica nos crimes societários. Segundo este entendimento, em (ReI. Min, Pedro Acioli), segundo o qual,
razão da já apontada dificuldade de individualizar as condutas de sócios
de pessoas jurídicas, não pode existir limitação da acusação, já que cabe- Nestes crimes, não é sempre que o Alinis({'rio PlÍhlico dispàe, no Ii-
ria à instrução criminal em juízo a análise detalhada das circunstâncias do miar da a~'âo penal, de elementos prohatórios (/1Ie lhe permitam dis-
crime, Para esta orientação, posicionamento contrário violaria flagrante- criminar a parricifl(/~'iio qlle cado sócio lel'e no delilo sl/cierÚrio.
mente o princípio da obrigatoriedade. --:
•. Nem por isso estará impedido de oti'recer denlÍncia contra todos os
Em consonância com tal postura, vale a advertência de Jorge responsáveis pelajirma. Constitui condição impossível de sa exig i-
Sampaio, ex-presidente de Portugal, em colóquio realizado na Faculdade
de Direito de Coimbra, em 1999, quanto ao "... prohlema de el'itar que I. PEDROSO. Fernandu de Almeida. Processo Penal. O direito de defesa: repercussão,
garantias processuais inadeLIlIudus redundem. na prática, em meros me- amplitude e limites. 3. ed. São Paulo: Revista dos Trihunais, 200 I. p. 12R.
canismos de salvaguarda dos mais ricos. dos mais poderosos ou dos mais i1 Veja-se, por exemplo: RlfC 90úíRJ (Rei. Min. João Cândido, DJU 18.02.1991); RHC
háheis em eles/avor da rea!i:arclo c!a justiça e,""consequememente, dos 1961/RJ (ReI. Min. Adhemar Maeiel. RSTJ 42iX4); RI/C 2862iSC (ReI. Min. Pedro
Aeioli, RSTJ 65/157); RflC 3.129/SP (ReI. l\1in. Anselmo Santiago, RSTJ (31103);
direitosjíll7e1amcfltais ele olltms cic!adcJos,,45.
RHC 4.117/SP (ReI. Min Edson Vidigal. DJU 06.02.1995); RHC 4251/SP (ReI. Min.
Fcrnando de Almeida Pl:droso, neste ponto, é enfático ao dispor: Jesus Costa Lima, D.lU OÚ03.1995); RHC 4.828iSP. (ReI. Min. Cid Flaquer SC<lrIO-
zini, DJU 09.10.1995): RHC 5.701/RS (ReI. Min. Fernando Gonçalves, DJU
03.03.1997); HC 4.72I!RJ (Rd. Min. William Patterson, DJU 28.04.1997): RHC
NII /'m/II/tll, /I{'/II \l'1I//I/'(' d/'VI(II/tapossível conhecer. desde logo, na aher- 6.889/SP (ReI. Min. Ansdmo Santiago, DJU IlJ 1219(7) e RHC fd77iSP (ReI. \1in.
tlll'il dll (/\";11 1'/'1/111, (/11111//\,1/0 especílica de cada co-autor ou partícípe, o Cid Flaquer Scarlczzini. DJl' I 'iOlJ.199X).
,1M Contlra-se. exempliticativ<lmenle. o IIC' 73.4 IlJíRJ (Rei. Min. limar Galvão, DJU
Ii PN i\ II ", 1(~·f1••hl
fv1utlfll' ,,\(Ou\a-:àu 2cnérica em crimes societários. Belo Horizon- 26.04.1996) c o flC 73.903;1'(.' (Rl" Min. Fram:isl'll Rezek, DJU 25.04.1997).
Il' 11"1 Il.'\. /11011 I' S" ~~ No STJ: HC 12666íPE (Rei. Mill. "amihon ('arvalhido, DJU 25.06.2(01); IlC
11 1'I~f-11 \Itlltl'il~. l\ dt~lnllh'I.1~~ncrica e os crinles contra a ordem tributária. Boletinl 3 I 294!PR (ReI. \lin. "amilton (·arl'alllldo. D.lt J 09.10.2006); HC 27225íSC (Rei.
{lu IU\III1I111 "1'11'11&'11'0 dt' ('i~m'ias Criminais, n. 7X. São Paulo: maioil999. Min. Paulo Gallotti. D.ll 1-l.OX:Of)t.) No STI'· 11(' RIX28/RS (ReI. Min. Morcira
1- \i\~II' \1. J, Jt'Il{" «) I)Ul;llp lO ti Jusliça. In: FAR1A COSTA. José de (Coord.). Pers- Alves, j. em 10.09.2002 ); I f(' X.:'..'·lhltl (Hl'l ~Iin. Fllen Gracie. j. em 15.10.20(2);
I"'''"'u li••dlr!'lI11 nlllllldo do século XXI. Coimbra: Coimbra. 1999. p. 190. HC 8629~íSP (Rei. \1in. (iilnl:n !\l"lltb. 1l'ln 27 Oll.200'i).
da o pIeI/o (,ol/h, '<'III/l 'I/lo tias deliheraç'ôes tomadas na privacidade É de se criticar a duvidosa expressão "mais ou menos genérica",
dos órgãos de adll/illl.\·lr(/~'Úo. que conduz à insegurança jurídica inviável em sede de defesa das garantias
fundamentais. Daí por que Adauto Suannes assevera:
Tem-se, assim, que este primeiro enfoque privilegia a atuação esta-
tal para a reprimenda dos crimes econômicos, deixando em segundo plano Se a Constituição Federal assegura aos acusados o direito a uma (kfe-
a preocupação processual e a obediência aos brocardos da ampla de./esa e sa ampla, como entender que isso seja ladeado com a utilização de evi-
do contraditório. Com tal orientação, é possivcl vislumbrar a ocorrência de dentes sofismas? De fi1to, ou algo é amplo ou é restrito. Uma mesa é
uma ação penal desprovida de justa callsa, eis que é possível uma ação larga ou é estreita. O contrário de mesa larga nào é, até onde o bom
penal contra alguém pelo simples fato de compor o quadro socictário de senso permite afirmar, mesa inexistcnte. Logo, () contrário de defesa
ampla é delesa restrita, reduzida, parca, escassa. Se a Constituü;ào Fe-
uma empresa, ainda que inexistam indícios mínimos de autoria e material i-
deral exige que a defesa seja ampla, pena de nulidade, tem-se que- a
dade de um erime ocorrido no interior da pessoa jurídica.
menos que se revoguem os dicionários - uma defesa escassa, parca, re-
duzida, restrita, deverá levar à nulidade do processo~3.

Neste sentido, ao tentar equilihrar a balança em que figuram, de


o segundo posicionamento continua a admitir a possibilidade de um lado, a reprimenda aos crimes econômicos e, de outro, as garantias
denúncia genérica, mas ex ige um liame subjetivo mínimo entre o sócio e processuais, a jurisprudência buscou exercer um papel pacificador. en-
o tàto criminoso, Em outras palavras: ao tempo em que se reconhece a contrando um meio-termo que, teoricamente, resolveria a questão,
dificuldade de individualizar condutas nos crimes econômicos, afàsta-se a Contudo, quer parecer que tal concepção afigura-se como Ulll
rcsponsabilização penal objetiva, exigindo, assim, um nexo de causalida- modelo movediço, que não fornece a tranquilidade c a segurança jurídica
de, ainda que indiciário, para a imputação do fato delituoso ao sócio. A necessárias nos feitos criminais. De tàto, a rclati\'i::Clçtio, mínillla quc
expressão - consagrada pela jurisprudência - é a da "denúncia mais ou seja, das garantias constitucionais constitui terreno fértil para ahusos,
menos genérica": . arbítrios, ou, no mínimo, uma discricionariedade que nào dcve existir em
preceitos garantidores da liherdade,
f. ..J em se tratando dI:'criml:'s societários, de di/h'i! individualização da Falar-se, assim, em denúncia "mais ou menos genérica", ou em
conduta de cada participante, admite-se a denlÍncia dI:'fiJrma mais ou desnecessidade de individualizaçào desde que aja um "liame subjL,tivlI
ml:'nos gl:'nérica, por illterpretaç'ôo pretoriana do art. 4/ do Código de mínimo" não resolve a questão, já que igualmente nesta eonccpçüo é
Processo Penal. uma vez que. nestes casos em que a autoria nem sem-
possível vislumbrar uma ação penal carecedora de justa causa.
pre se mostra escancarada, ajimlUça do hom direito deve ser ahranda-
da, dentro do contexto fático que dispi'j'IlJ Ministério Público no limiar
da ação penal. Entender diferente seria inviahilizar a acusação e tolher
a oportullidade de o dominus liris provar () que afega50.

A terceira corrente sobre o assunto é capitaneada por Eugenio


Esta orientação é a predominante no Superior Tribunal de Justiça
51 Pacclli de Oliveira, que tàz a distinção entre denúncia geral e denúncia
nos dias atuais , mas minoritária no Supremo Tribunal Federals2.

20.03.200h): RHC 19.219/R.J (ReI. pi aeórdào Min. Arnaldo [steves Lima. DJll
~o STJ· REsp. 236.548iRJ Rei. Min. Gilson Dipp DJU 04.12.2000. Ih.06.100R); HC 65.46.tPR (RL'I". Min". Maria Thereza de Assis Moura. DJU
,I IlC 1l.831/MG (ReI. Min. Gilson Dipp, DJU II.OLJ.20()()); ({!:sp. 236.548/RJ 25.05.2(09); RHC 15.277/1\(' (Rei Min. Laurila Vazo dju OR.II.2004); HC
(ReI. :Ylin. Gilson Dipp, DJU 04.12.2000); flC 15X52!I{S (RL'1. Min. Edson Vi- 27215iSC {ReI. Min. Paulo (ialllltti, D.JU 14.0H.20(6); HC 65463/PR (Rcl". Mina.
diga I, DJU 13.08.2001); RHC 11611/SP (ReI. Min. Femando Cionl,:alves, DJU Maria Thereza de Assis Moma. DJI : ]5.05.2(09).
04.02.2002); HC 22587/CE {ReI. Min. Gilson Dipp. ()J1 J .1().OX.2004); REsp. 52 HC 92.246/DF {ReI. Min. ('arlos Ilritlll, j. em 11.11.20(8) e Inq. 2584 (ReI. Min.
412886!RS, (ReI. Min. Laurila Vazo DJU 15.09.20(3); !I(',lI1125/SP (ReI. Min. Cartos Brino. j. em 07.05.,O()l)I.
José Arnaldo da Fonseca. dju 12.0420(4); HC 332~]MS (Rl'l. Min. Paulo 53 SUI\NNES, Adauto. Os rUlldallll'lIlllS C:'lklls dll dcv'idll processo legal. 2. ed. São
Ciallo11i. DJU :W.09.2004l: RHC Ih.I73!SP (Rd 1\111\ I amita Vaz, DJU Paulo: Revista dos Trihull;IIS. ~OO·I I' t'l?
genérica. Para ele, se a peça acusatória imputa-se a todos os SOCIOS o A prevalecer cste entendimento, ter-se-ia duas situações distintas:
mesmo fato delituoso, ter-se-ia uma denúncia geral e, portanto, válida, já a primeira, entendendo como válida uma denúncia por sonegação fiscal,
que é claro o fàto de que se defende o acusado. Será genérica - e, portan- por exemplo, contra todos os sócios de determinada empresa, que não reco-
to, inepta - quando vários sào os fatos típicos c sócios da pessoa jurídica, lheu tributos em dctenninado período. A segunda, entendendo como inepta
sem se esclarecer qual a conduta de cada um. a peça acusatória, quando todos os sócios fossem denunciados pela mencio-
Confira-se: nada sonegação, bem como pela falsificação de um documento contábil, a
qual, com potencial idade lesiva autônoma, facilitou o crime tributário.
[. ..} quando o órgão da acusação imputa a todos, indistintamente, o Não obstante o esforço doutrinário da referida distinção, o pro-
mesmo falO delituoso, independentemente das funções exercidas por blema persiste. Em verdade, tal concepção não destoa, na essência, do
eles na empresa ou sociedade (e, assim, o poder de gerenciamento ou
de decisão sobre a matéria), a hipótese nelo será nunca de inépcia da
primeiro posicionamento referido, eis que delega para a fase instrutória a
inicial, desde que seja certo e induvidoso o .fáto a eles atrihuido. A verificação da autoria. Ncste sentido, ainda que se adote a distinçào teóri-
questão relativa à eletiva comprovação de terem etes agido da mesma ca sugeri da - entre denúncia geral e denúncia genérica - o ideal seria que
maneira é, como logo se percehe, matéria de prova, e não pressuposto ambas fossem consideradas ineptas eis que, igualmente, carecedoras de
de desenvolvimento válido e regular do processo. [. ..} A hipátese não justa causa.
seria de acusação genérica, mas geral. Acaso seja provado que um ou
outro jamais teriam exercido ljualql/er./illll,:ão de gerência ou adminis-
tração na sociedade, 01/ ljl/e cumpriam./ill1çúo sem qualquer poder de-
cisório, a solução será de ahsolviç'ôo, mas nunca de inépcia (. .. !Ques-
tão diversa poderá ocorrer lJl/ando a aCll.wçL1o,depois de narrar a exis-
Por todo o exposto, afigura-se correto o quarto posiciona-
tência de vários fátos típicos, ou mesmo de Fárias condlltas ljue contri-
huam 011 estão ahrangidas pelo núcleo de U/llIÍnico tipo penal, imputâ- mento, que conduz à absoluta impossibilidade de acusação genérica
Ias, genericamente, a lodos os integrantes da sociedade, sem que se nos delitos econômicos. Segundo essa orientação, tal modalidade de
possa saber, eletivamente, ljuem teria,agido de lal 01/ qllal maneira (...) denúncia importa em violação de princípios constitucionais e do di s-
A hipótese seria de inépcia da inicial, por alfsencia de especilicaçiio da posto no Pacto de San José da Costa Rica, já que nào ficam delimita-
medida da autoria Olf participação, por ítit'erleztl ljl/anto àrl'alizaç-iio dos os limites subjetivos das ações humanas. A individualização das
dos/átos'4
condutas deve sempre ocorrer, cahendo ú investigação preliminar efe-
Na jurisprudência, há julgados isolados - em ambos os tribunais tuar as diligências necessárias para tanto. Posicionamento contrário
superiores - entendendo ser essa a posição correta') e, na doutrina, este é importaria em inversão do ônus da prova no processo penal e violaria
igualmente o posicionamento de Mirabete: a garantia irrestrita da ampla dell:sa.
-n Assim, em primeiro lugar, ll'1ll-Sl' como equivocado o entendi-
Entretanto. pela prtJ/>ria natureza da conduta criminosa, cumo nos mento segundo o qual nào hú necessidade de individualização das condu-
crimes .wcietúrios, c/,, tll/toria coletiva ou mllltitl/dinários, mio se
tas pois caberá à instrução tal (areI:•. 1111/ ':I:'lvio Gomes adverte que
pode exigir ,/ue a dClllinria !li.H'rimine os atos específicos de cada
11m. lf(/\'cndo a c/,'scri\'úo única, mas homogenea, da condllta dos
agentes ({UI' ntill tenllalll praticado atos isolados e distintos, é de ser mio é possivel ("(J/II/)I'IISar tI,:/;,'1/ 11I1"',lligatríriocom t1 quebra de ga-
(I

recehit!a f', rantias fillldal11elltoil, / '.11"I1 \(' 1II\I',I~/llIn (/ eficácia do processo, nào
cmlstitl;i meio Fá/ic/o(/ 1//1'-/"" ti,' 1:./1.11/11/1,1 nel'/'mos sempre respeitar
o interesse púhlil"l' ri,' /'/1///\ ti" ,/,,' ,/..t,II'I. 11111.1IItl atividade persecutó-
ria mio é liciTOigllol'tI,.", 1,,,.tll/l,,,, ./" ",tll./l/o () ('(luilíhrio é impres-
'-I (li I\' 1'"11(\; I 'H~\~Il'O 1·,1\:1.'"111 d,,: ('urso de Processo Penal. 10. cd. Rio de Janeiro:
cindíve{'7.
I IIl1lm 11111'" ,'DO!; p I ~ I 1 ~·l,

No sll Hllc n 11IíSI'llh'l MIIl.Janc Silva, DJU 13.10.2008); HC 76.473/SP (ReI.


Mtll '.11\" '-.11,", 1111' 1~ 10 .'Do") e RHC 24.5 IS/DF (Rei. Min. Celso Limongi, DJ 57 GOMES, Luiz Flávio. A.II'.I, •.••.
·. 1"11""". ""1'''"111''11111,"1.' 1ll'lIalohjeliva e culpa-
1ft 11\ ,'ItO'II,' 1101 ~Il lI( '/!; !;·\(l.SI' (ReI. Min. Joaquim Barbosa, DI 25.09.2(09). bilidade nos crimes CllIlII,I ,\ ",.1.\11 1,.11111,111" lI",h'. I&1It_lh,It'1l d,' ('ifncias crimi-
!\I11l :\111 II 11111"I ••hhlllll. I'ru,'csso Penal. 18. ed. Sào Paulo: Atlas, 2006. p. 113. nais, v. 11, p. 246-247
Aliús, a adllllss:10 dI: lal possibilidade importa no reconhecimen- \lu Silva Junior('5. Este demonstra que a não obediência aos mencionados
to, pelo próprio htado, de sua indiciência investigatória e de sua incapa- l)rincípios e a aceitação da denúncia genérica imp0l1a em risco à justa
cidade diante da 11l0lkl'lla l'I'ill1illalidade5x. causa para a persecução penal:
Em segundo lugar, é I'l:diço que as garantias constitucionais pe-
nais são limitações ao eXl:rcício do jus puniendi, não apenas quanto à A denlÍncia bem elaborada, especificamenfl! em relação à imputação
aplicação da reprimenda penal, mas igualmente no que se refere à forma criminosa, que exige narratil'a fática pormenorizada e individual i-
mediante na qual se busca demonstrar a responsabilidade do acusad05Y.
zada, por mais paradoxal que sejo, é cOl1ditio sil1e qlla 11011paru o
exercício da delesa com jóros de efefividade, Isso é sobremaneira
Os princípios da legalidade, do contraditório, da ampla defesa, do importante par~; o acusado. Daí porque é de .timdamcntal importân-
devido processo legal e o corolário universal e constitucional da dignida- cia o exame criterioso da adequação da petição inicial aos requis i-
de da pessoa humana são intransponíveis. Contra eles não se pode transi- tos do art. 41 do CPP.
gir, seja qual for a foona de persecução penal ou o crime em discussào. Por Olltro lado, a exigência da jll.'iita callsa como c01uliçôo para o
exercício da ação penal é /Imo garantia muito cara, porqlle assc,'.!./I-
SaIo de Carvalho e Alexandre Wunderlich lecionam:
ra que nenhuma pessoa será constrangido, IlOl' IIwio dI' processo
criminal, quanto ao seu direito de liherdade e 1111'.1'1110 ti ",,1/1'0 " .i
É básico afirmarmos que no Estado Constitucional Democrático de Di- imagem, sem ter contra ela provas de que o/li/o ('/i'I;I'oll/('III(' (I,,,,
reito o indivíduo tem o direito público subjetiFo de responder à acusa- reu, assim como de indícios que, se IltlO (/I/tori :011I o ,'01/,111\. i,' ,I,'
ç'âo estatal com todas as garantias inerentes à sua dtjesa. O direito de sua culpa, justificam que ela seio apo/ltwla colllll 1/ 1,"slil"'1 "llf," ,/
de/esa ampla e a submissâo dos atos efónnulas processuais ao princí- dofato criminoso.
pio do contraditório ddo o norte ao processo penal constituciona/. Nes-
ta senda, o exercício da de.fesa, a partir da formulação de lIIna acusa-
çâo explíç-ita, é o corolário dos princípios da ampla defesa e do co/ltra- Apesar de poucos julgados na década de l)()"", (l SlIprl'IIHI II1
ditório. E possível sustentar, ainda, que as denlÍncias genéricas, .timda- bunal Federal vem consolidando, a partir do ano ~()()(), slIa 1l1Il~lIl.l,,I"
das em estruturas multitudinârias, indicam clara opção por modelos de para este exato sentido, isto é, pela impossibilidade ahsllllll.1 lk ,I.'
re"ponsabilidade penal objetiva, ao nã,o e.lpecijicar condutas, autorias núncias genéricas, sob pena de violação dos preL'eitns L'(ltlSllltllltl
e .tórmas de participação, postulando condenação simplesmente pelo nais67. Contudo, atualmente, este entendimento é minoritúrill 1111 SlIpl'
dano produzido(~l. .~~:
.. , Tfi'buna I dc J ustIça
' (,X .
nor
Vale referir o notável posicionamento do Min. Celso dc Mello,
Referendam tal orientação diversos autores pátrios, dentre os no julgamento do Habeas Corpus R4.5RO/SP (julgado em 2S,mL~009).
quais Fauzi Hassan Choukl', Luciano Feldcns e Andrei Zenkner Schmidt(,2, Extraem-se significativos trechos de seu longo c judicioso voto. acompa-
Aury Lopcs Junior63, Femando da Costa Tourinho Filho64 e Walter Nunes nhado à unani~~idade pela 2" Tunna do Supremo Tribunal Fecleral:
'Ti

5K LUVISETI, Márcia Mari~, Denúncia Genérica: a injustiticada minimizaçào das garan-


tias fundamentais. In: CAMARA. Llliz Antonio (Coord.). Crimes contra a ordem 65 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal .... cil., p. SX.
econômica e tutela de direitu~ fundamentais. Curitiba: Jllruá, 2{)09. fi. 290. /li> Por exemfllo. HC 73.590/SP (ReI. Min. Celso de Mello.j. em 06.0l{.1996).
j9 SILVA JUNIOR. Walter Nunes da. Curso de processo penal: teoria (constitucional) 67 ConfIra-se: HC 80.54lJ!SP (ReI. Min. Nelson Jobirn, j. em 20.03.2(01); HC
do proccsso penal. Rio de Janeiro: Renovar. 2008. fi. 287, 83.301/RS (Rcl. pl acórdào Min. Cezar Pduso, j. em 16.03.2004): RHC 85658!ES
60 CARVALHO, Saio de; WUNDERLlCH, Alexandre. Criminalidade Econômica e (ReI. Min. Cezar Peluso. j. em 21.06.2U(5); HC 86.879!SP (Rei. fll aeórdào Min.
Denúncia Genérica: Uma prática inquisitiva. 111: SONATa, Gilson (Org.). Garantias Gilmar Mendes, j. em 21.il2.2il(6); fie 84436/SP (ReI. Min. Cc\so de Mello. j. em
Constitucionais e Processu Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, fi. 207. 05.09.20(6); IIC 89.42H3.t\ (Rei. Min. Celso de Mello. j. em 11.09.200ó): HC
61 CHüUKR. Fauzi Hassan. Códi~o de Prucessu Penal. 3. eu. Rio de Janeiro: Lumen 93.683/ES (ReI. Min. Fros ('fali, j. em 26.02.10(8); HC 96.\OO/SP (ReI. Min.
Juris, 2009. Carmen Lucia. j. em 23.il6.2()09) e 11(' X45XO/SP (ReI. Min. Celso de Mello. j. em
62 FELDENS. Llleiano; SCHMIDT. Andrei Zcnkncr. Investigação criminal e ação 25.08200<)}.
penal. 2. ed. Porto Alegre: l.ivraria uo Advogado, 2007. fi. 112, 6~ Neste sentido: RHC 17.20<1/AM (ReI. Min. I\elio C)lIagiía Barbosa. DJU 10.n3.2008);
h~ LOPES JUNIOR, Aury. Ilireito processual penal. ... cit., p. 378. RIIl' 25844/SP (ReI. Min. NapoiI:;-1lINII""s Maia Filho. DJU 08.09.2(09); RHC
M TOURINHO FILHO. FernalHlo da Costa. Dp. cit., p. 389. 21.541/RS (ReI. Min, Felix I iSl'it"I. 1>11! OX 102(07).
Alexandre Knopfholz

~rocesso p{'lIal acusatório, Obrigação de o Ministério Público As acusações penais não se presumem provadas: O ônus da pro-
formular denúncia juridicamente apta. - O sistemu jurídico vi- va incumbe, exclusivamente, a quem acusa. - Nenhuma acusaçôu
g~n~e I~l:.Bra.,:" .. tel/c/o presente a natureza dialógica do processo penal penal se presume prol'ada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua
al usatOllO,hlJfe Impregnado. em sua e,·tmtura formal, de caráter essencial- inocência. Cahe, ao contrário, ao Ministério Público. comprovar, de
m~nte demoatÍtico- impôe, ao A1inistério Púhlico, notadamente no deno- forma inequívoca. para além de qualquer dúvida razoável, a culpa-
mma.do "re'!tl~societario". a obrigação de expor, na denúncia. de maneiru bilidade do acusado. Já mio mais prevalece, em nosso sistema de di-
preCisa, o,bjetiVll~ individuafizuda, a participação de cadu acusado nu su- reito positivo. a regra, que, em dado momento histórico do processo
posta praticu de!Jtuosa. - O ordenamento positivo brasileiro - cujos jim- político brasileiro (Estado Novo). criou. para o réu, com a falta de
da!n.entos repousam, dentre outrus expressivos vetores condiciunantes da pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o
atividade de pers.ecução estatal, no postulado essenciul do direito penal da acusado provar a sua própria inocência (Dec. -lei 88, de 20.12.1 CJ37.
culpa e ?o.prmCiplO constitucional do "due proce.\·s o/law" (com todus os art. 20, n. 5). Precedentes. - Pora o acusado exercer, em plenitude.
l:Of~sect~nosque dele res!tftam) - repudia as impwaçi5es criminais genéri- a garantia do contraditório, torna-se indispensável (/lie o órgtlo da
U1S e n~o tolera, porque meptas. as acusaçôes que não individualizam nem
aCllsaçâo descreva, de l1lodo preciso, os elementos estruturais (es-
especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denuncia-
sentialia delicti) que cOI1l/Jl'"n!m
o tipo penal. sob pena de se deml-
do. Precedentes.
ver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ell! mio inciâd de
* provar que é inocente. - Em maléria de responsahilidade penal. ntlo
A pessoa sob investigação penal tem o direito de não ser acusada se registra. no l/1odelo constitucional brasileiro. qualquer possihili-
com base ~m denúnci~ inepta. _. A denúncia deve conter a exposição dade de o Judiciário, por simples presunçâo ou com jimdllmenl0 elll
do fato delituoso, descnto em toda a sua essêllcia e narrado com todas meras suspeitas, reconlre('('r a culpa do réu. Os princípios democrú-
C:S s~as circunstâncias/imdamentais. Essa narral,:ão, ainda que sucinta, ticos que injórmam o sistema juridico nacional repelem qualquer
If~poe-se ao acusador como exigência derÍl'ada do postulado constitll- ato eslatal que transgrida () dogma de que não hm'erá culpa penal
(:lOnalque,assegura, au. réu. o exercício, em plenitude, do direito de de-
por presllllçâo nem responsahilidade criminal por mera suspeita
j~sa. De~un~'i,! que delJ:a de estabelecer a necessária vinculação da
(Onduta lf~dH:ld~lGlde cada agente aos eventos delituosus qualifica-se
como demmcll/ mepta. Precedentes. . Finalmente, destaca-se que a necessidade de individualização
* das condutas nos crimes econômicos é defendida igualmente em ou-
D~litos contra o Sistema Fi?anceíro Na.cio~al: Peça acusatória que tros países, Os juristas uruguaios Raul Cervini e Gabriel Adriasola
nao descreve, quan!o aos dlreto~es d~:'mstltulção financeira, qual- IIdentram a problemática ora proposta c caminham para esta última
qu~r conduta .es~eclfica q~e o.s \'Incule, concretamente, aos eventos
d~htuosos. Inepcla da denunCia. -- A mera invocação da (,()l1diçâode
corrente, asseverando que, quanto aos crimes soeietários, "[. ..) son, a
diretor ou deadmll1istra~or de illStituiçãofinanceira, sem a correspOfl- l1uestro juicio, de aplicociáll los crilerios de imputacilÍn tradicionoles
d~flte e objetiva descrlçao de dett'l'mll1ado comportamento típico que o dei Derecl10 penal, ya que como hemos expressado 1'1Derecho penal,
Vincule. concretamente, à prática criminosa. não constitui/àtor suficiente alln en estas cirClll1sfoncias de especial so/isficación, no puede sacri-
t1P~(~a legltl1~l~ratormulw;âo de aCl!s~lÇ.ã~ estatal ou a autorizar a pro- ficar Sl/S paradigmas sllstantil'os l' adjetivos clásicos por meras dili-
lal,ao. de deo eto JudiCIal condenalor/(). 0 A circunstânl'ia ohjetiva de
c:lgl~en!~lerl!ment~ exerc('/' cargo de direção ou de administração el1l eullades probafarias "r.".
mstitlllçao /lIlancelra 11110 sc /'('I'clo suficiente, só por si, para autorizar Tem-se, assim, que a busca pcla necessária justa callsa para a
qualquer preslll1('ão de culpa (int'xisleHte em nosso sistema jttrídico- ação penal nos crimes econômicos encontra guarida e segurança neste
-penal) e, men.0s ainda, pal'Cljusti/icur, como efeito derivado dessa par- último modelo apresentado. alin:n;ado cm princípios e garantias constitu-
tl~~ular9ualificaçao jormal, a mrrespondente persecuçôo criminal. --
Na~).eXiste, n~1ordenllllwnto positil'O brasileiro, ainda que se trate de
cionais, que repelem dcnúncias gcnl:rÍl:as a qualquer título e em todos os
praticas conflgurodoras d•. I//ocl"lldelinquência ou caracterizadoras de casos de persecução penal Clll.iuím
delinquência econ(;lIIiol. a po.uihilidade constitucional de incidência
da responsabfli~(Jde /h'l/li/ ohjctil'a. Prevalece, sempre. em sede crimi- h" CERVINI. Rau!; ADR IAS( li :\ (,;lhll\'1 1-:1th'n'dlll Ill'nal de Ia empresa desde una
nal. COl~I~) pr/llClplO dOl/llnoli/(' do sistema normativo, o dogma da res- visión garantista. Montl'\Hk" 1111",('''.aI I ;lIfa. ~I)()~.p. jjO. Tradução livre: "S<1o.
f.!0nsabJ!{(.Iade(,()III nJ!llo (lIII/lIInr crinren sine culpa), ahsolutamente em nossa opiniiio. de 0/'/'111\·';" 'li , ,,1.·"'" 11""" '''1ft/i, c/ti ÍlIII"lloçiio do direi/o pe-
ll1compatll'el com a \'('/l/,/ "ol/l'el1ção medieval do versar; in re i1/icita nal. jú 411e ('O/riO nt.Ís /<'1110\ (I 1"/"1-\\111/ ••. " I 'u.'II" 1'1'1101, "/(~,\·"'() nesfu'i circunstân-
banida do domínio do tlin'lto penal da clilpa. Precedentes. ' cias de sojislicoçiio ".'1",.·j,,/ """/,,,,/,. \.1.111".11 ,.'11' /,tll',,,ligmas suhslanlivos (' ad-
* jelivos clássicos por menl' .!'/1, /1/.1"./. \ 1""/','1." ,.,,"
Crimes Contra a Ordem Econômica

processuais 72, mesmo porque a não ob.ediência às formas e garanlia.s afeta


O próprio Ministério Público, já que, wualmente como fiscal da leI, deve

o cotidiano forense tem demonstrado que algumas denúncias, regular o bom andamento do processo' .
sobretudo quando se trata de criminalidade econômica, desprezam não Não se trata, em hipótese alguma, de defender a impunidade ou
apenas o elemento subjetivo da culpabilidade, mas igualmente, questões dificultar a ação estatal relativamente aos delitos econômicos. Trata-se,
objetivas, tais como a individualização das condutas a fim de se definir a sim, de erigir direitos e garantias fundamentais a patamares intocáveis por
participação material do acusado na prática delitiva 70. construções eficientistas e de ocasião. Com efeito,
Os defensores desta prática arvoram-se em argumentos que pas-
muitos incorrem no equívoco de supor que o approach garantista
sam desde a impossibilidade fática de se individualizar condutas nos cri- expressa unia opçâo pela impunidade. Em I't:rdade. o garantismo penal
mes cometidos no seio das pcssoas jurídicas, até a necessária reprimenda exige que o jus puniendi se e/di\'(' ohedientemente ao devido processo
penal relativamente à macrocriminalidade, que não pode ficar sem a ime- lega! e a todos os princípios (,ollstifl/cionais e legais dele decorrentes,
diata resposta estatal. Para tanto, sugerem uma vcrdadeira inversão pro- que veiculam os valores limdamentais do Estado Democrático de Dirt:Í-
4

cessual, delegando para a instrução em juizo a verificação de participação to. nomeadamente. o da dignidade da pessoa humana. Nada l1/ai/ .
dos denunciados.
Trata-se de grave equívoco. Ao assim proceder, o Ministério Com tal orientação, certamente inexistirão processos tais como
Público olvida o necessário preenchimento da justa causa, condição da Kafka imaginou, e Jose!" K. nào será nada além de um personagem da
ação penal de inegável importância e indispensável para a persecução obra de um maiores escritores que o mundo já conheceu.
penal em juizo. Suprime, outrossim, dos acusados, o seu direito inques-
tionável à ampla defesa, abalando inclusive a sua dignidade, amparada
constitucionalmente.
A submissão de alguém às agruras de um processo penal não po-
BINDER, A. M. O descumprimento das formas processuais - Eleml'nlus para
de ser banalizada ou operada sem quaisquer baJTeiras,inclusive processuais. uma crítica da teoria unitária das nulidades no processo penal. RIO de .tanl·1I0:
A pura e simples estigmatização de alguélR::como réu já acarreta inco- Lumen Juris, 2003.
mensuráveis prejuízos a quem quer que seja. Com efeito, BONFIM, E. M. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 200<).
BOSCHI, J. A. P. Ação Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: AIDE. 2002 .
. O devido prucesso legal: escudu de proteção 00 acusado e a prhis pletonana.
o atual panorama constitucional, que assenta-se //(/ dignidade da pes- Revista Brasileira de Ciências criminais, v. Si(
soa humana e na conseetária presunçào de inocência. mio se pode olvi- CALDAS, L. F. Territóriu e espaço em dircilo pClwl econômico -- Novos lemas e
dar que o recehimento de uma denúnci(l carreia para o acusado diver- novos azill1utcs. 11/: FARIA COSTA, José de (Coord.). Temas de direito penal
sas conseqüências, como. l'.g .. a estigmaMaçào social e juridica e o so- econômico. Coimbíd: Cuimbra Edilora, 2005.
ji-imento psíquico. (J constrangimento inerente à .I'ulJ/lliss·àoao exercício CALLEGARI, A. L. Direito penal Econômico e lavagem de dinheiro: aspectos
do poder e.\~~tal, o tormento da incerteza e as limitw,.ôes profissionais ----:---eriminológicos. Porto Alegre: Livraria do Advugado, 2003.
decorrentes . CÂMARA, Luiz Antonio. Prefácio. In: STASIAK. Vladimir. As condições da ação
penal: perspcdiva crítica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2004.
Na tensão entre eficiência e garantias do processo penal, correto
está o posicionamento segundo o qual, a verdadeira eficiência é aquela 72 GOMES, Mariângelü Gama de Magalhães. Devido processo legal e direito ao proce-
que também engloba o reconhecimento e a observância das garantias dimenlo adequado. Revista Brasileira de Ciências criminais, v. 55. p. 293-3 13.
73 BINDER, Alberto 1\-1. O desl'umllrimenll1 das formas processuais - Elementos
para uma crítica da teoria unit:íria das nulidades nll processo penal. Rio de Janeiro:
70 OLl \ IEIRA. Antônio Cláudio Mariz de. A responsabilidade nos crimes tributários e Lumen .Iuris, 2()(n. p. 112
financeiros In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Direito Penal Empresarial (tributário 74 BOSCHI, José Antonio Paganclla. () dl'\ldo prncesso legal: escudo de proteçào do
e das relações de consumo). São Paulo: Dialética, 1995. p. 29. acusado e a práxis pretoriana. 1~l'Vhla Hrllsill'ira de Ciências criminais. v. 58,
71 STJ AP 514 - ReI. Min. LlIi" Fux DJ 02.09.2010 p. 232-279.
ARV ALHO, L. G. ti. C dl:. I'rllcesso Penal e Constituição: princípios constitucio- MACHADO, M. R. de A. Sociedade do risco e ~~reito Pen~1: uma avaliação de
IIS do Processo Penal. RIO dl: Janl:lru: Lumen Juris. 2009. "uvas tendências político-criminais. São Paulo: 113.(( RIM. ?O?). ".' .'
ARVALHO, S. de; WUNDI'.RLlCII, A. Criminalidade Econômica e Denúncia MALAN, D. R. Processo Penal do Innlllgo. RC\'lsta BrasIleIra de (Ienclas cnml-
~~éric?: Uma prática inquisitiva. 111: BONATO, Gilson (Org.). Garantias Consti- IMb,v.59. ?
clonals e Processo Penal. RIO lll: Janeiro: Lumen Juris, 2002. MIRABETE. J. F. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atla~, _006.. ..
cRVINI, R.; ADRIASOLA, G. EI derecho penal de Ia empresa desde una visión MUSACCHIO, V. Derecho Penal EconómlCo, cnmlllahdad organIzada y Umon
Irantista. Montevideo: Julio César Faira, 2005. t;lIropca. Revista Brasileira de Ciêndas ~rim~nais. v. 60. __ ... , .
NETO, M. 1. e S. Globaliza\'ão e DIreIto ~conOlmw. In.· LEAO, A. t:'1 O/li. ICoords.).
~IESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.
rIOUKR. F. H. Processo penal à luz da constituição. Bauru: Edipro, 1999. ('tobalização e Direito. Rio de JaneIro: hHense, 2002.
NlJCCI, G. de S. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo:
__ o Código de Processo Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
ICCIARO, J. E. Legitimación pasiva en Ia persona juridical: de Ia dogmática aI Itcvista dos Tribunais. . .. . .
oceso penal. 111: LAPORT A, Mano H. et alii (Coords.). Derecho Penal empresa-
OLIVEIRA, A. C. M. de. A responsabilidade nos cnmc:, tf1b~taf1o,s ~ financeiros. !n:
ROCHA, Valdir de Oliveira. Direito Penal. EmpresarIal (tnbutarlo e das relaçoes
[). Bucnos Aires: fi. de F., 2010.
)~TtNHO, 1. N. de M. O pensamento economicista na direito criminal de hoje. de consumo). São Paulo: Dialética. 1995. .. .,
OLIVEIRA, E. P. de. Curso de Processo Penal. \0. ed. RIO de Janclro: Lumen .IUflS,
eVlsta Brasileira de Ciências criminais, v. 32. .
EMERCIAN, P. H. O regime jurídico do Ministério Público no p.rocesso penal 2008.
. Processo e Hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais. 2.
io Paulo: Verbatim, 2009.
IÉZ, C. G. J. Responsabilidad penal de los directivos de empresa en virtud de su cé.l.Rlo de Janeiro: Lumcn Juris. 2009. . _ .
PEDROSO, F. de A. Processo Penal. O direito de defesa: reperclIssao, amplttude e
llllmio de Ia organización'! Algunas consideraciones críticas. Revista Brasileira de
iências criminais, v. 6X. limites. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais: 2001.. , . .
PEREIRA, F. G. Os crimes econômicos na SOCiedade de nsco. ReVista BraSileIra de
SELE, A. A denúncia genérica e os crimes contra a ordem tributária. Boletim do
stituto Brasileiro de Ciências Criminais, n. 7X. São Paulo: maio/1999. Ciências criminais, v. 51. .
IlRATES, R. M. Acusação genériea em crimes societários. Bclll HOrizonte: Dei
\RIA COSTA, 1. de. O fenômeno da globalizaçào e o direito renal econômico.
evista Brasileira de Ciências criminais, v. 34. Rcy,2000. ' . .
SAMPA10, J. O Direito e a Justiça. 111: FARIA COS!A, Josede (I. oord.). Perspec-
:ITOZA, D. Direito Processual Penal: teoria, crítica e práxis. 6. ed. Niterói: Impe-
tivas do direito no início do século XX I. COllllbra: <. O1mbra hlltora, 1999 .
s,2009.
SCANDELARl, G. B. Os aIos jurisdicionais penais e sua v1l1culaçãn a~ garanllas
:LDENS. L.; SCHMIDT, A. Z. Investigação cr.iminal e ação penal. 2. ed. POrlo
constitucionais. In: COUT1NHO, Jacinto Nelson de Mlran.da l'I ti/li (I. oonls.} ()
legre: Livraria do Advogado. 2007.
novo Processo Penal à luz da Constituição: AnúlIse cnllca do PnlJCIO de 1,'1
GUEIREDO DIAS, 1. de. Direito Processual Penar~:Coimbra: Coimbra Editora,
156/2009. do Senado Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juns.20 10. ..
104.
SHIRAKI. A. T. A legitimidade do direito penal .econômlco como dlT<:I~(\pl:~lal ,k
~ANCO, A. S. Globalização e crirninalidade dos poderosos, Revista Brasileira de
perigo __ Uma análise à lu'/. .dos ~rill.cír~os da leslvldade e da mtenellçao l111nlllla.
iências criminais, v. 31.
Revista Brasileira de CiênCIas CflmmalS, v. 83. .. .
! )MES, L. F. Acusações gené:i~as, responsabilidadc penal objetiva c culpabilidade SILVA JUNIOR. W. N. da. Curso de processo penal: teona (constitucional) do
IS cnmes wntra a ordem tnbulana. Revista Brasileira de Ciências criminais, V. 11.
processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. . . . ,
)MES, M. G. de M. Devido pron:sso legal e direito1\(l procedimento adequado. . Reforma tópica do processo penal: ino:açôes aos rroccd~mentos ?rdll1a-
~vista Brasileira de Ciências criminais, v. 55
rio e sumário. com o novO regime das provas e pnnclpms modJlicaçoes do Jun. RIO
,RINOVER, A. P. As condiçõcs da ação penal: urna tentativa de revisão. São Pau-
!: Bushatsky, 1977. de Janeiro: Renovar, 2009. . .. . .
. ST ASIAK, V. As condições da ação penal: perspectiva cntlca. Ilorto Alegre: SergIo
,i, FKA, F. () proccsso. Sãll Palllll: Companhia das Letras. 200S.
:!:LLER, A. A. ;\ cxi~ihilidadc dos direitos fundamentais sociais no Estado Antônio Fabris, 2004. ' .
STRECK. L. L. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova cntlca do
:~moerático de l>irl'Íto. I'ortll Alegre: Sérgio Antônio Fabris. 2007.
Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
'AL. M. C. 11. A Constituiçào ~~omo princípio: os limites da jurisdição constituci- SUANNES, A. Os fundamentos éticos do devido processo legal. 2. cd. rev., atual.
ai brasileira. Barul'll. I\lallole, 21)1)).
e ampl. São Paulo: Revista dos Tribul~:1ÍS. 2004:. .' . .
!}PFS.tI IN1()1~. A. I)irl'ilo J>ro('cssual Penal e sua conformidade constitucional TORTIMA,1. C. Crillu's contra o Sistema F mancelro NaCIOnal (uma contribUI-
ed. Hio lI.' .101111'110 1111111'11 .Il11is, 2tJlO. .
ção ao estudo da Lei 7.492/l!6) 2. l·d. Hio de Janeiro: Lumen Juns: 2002.
JVISI' li, Mitrl'lil I\lm Ia IklHlIlcia Genérica: a injustiticada minimização das l!a- TOURINHO FILHO, F. d,1C. Prm'l·ssol·~-1Il11. 26. cd. São Paulo: Saralva, 2004. v. 1.
II1Ias 111I'1<1011111'111.11' /11 ('/\ 1\11\KA, Luiz Antonio (Coord.). Crimes contra a ~r-
'11I '-"11111)11I1\'1. l' l ••ft'l» cll' clircillls fundamentais. C uritiba: Juruá, 2009.
1\( '111\1)( I, M H (1111I1."Imallcciros nos tribunais brasileiros. Revista Brasileira
( h'II""I' l'I'lmhllll_., !ll

Você também pode gostar