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Capítulo 2

A INICIATIVA INSTRUTÓRIA DOS


JUÍZES NOS CRIMES CONTRA A
ORDEM ECONÔMICA

Eduardo Emanoel Da" 'Agnol de Souza'

Sumário; 1 lntrodllç'ôo: 2 A verdade como razôo de ser da im'estiga-


çôo processual penal; 3 lntençi5es políticas do discurso qlle
torna a verdade o centro da investigaç'ão processual penal;
4 O papel investigativo dos juizes nos crimes cOlllra a ordem
econômica em 11m Estado Democrático de Direito: 4.1 Por 11m
estatuto ontolágico que h:l'e em conta as limitw;aes inerentes
ao ato de conhecer: 4:; Por 11m estatllto político jillldado em
valores de 11m Estado Democrático de Direito: 5 CO/lcfusi5es;
() Re/érências.

Ncste artigo pretende-se okn:cer uma abordagem capaz de acla-


rar as dificuldades teóricas que tradiciona/mcnte cnvolvem a questão da
iniciativa probatória dos juí/,l'S 110 PlllCl'SSO penal, especialmcnte nos
crimes contra a ordem C'Clllltllllica, I'ara '''''lI. pn:tcnde-se superar o dis-
curso hermético que cll"o/n: li Il'lIta ;llr;1\ I~"dl' lima análise que distingue
e considera isoladamcnle do,,, ;",pl'llm qlll' I'lIvol"ClIl o espaço de produ-
ção de provas dos mag:islrado" "1'~LllllllI Illlloll'I!U~'Oque explica os po-
tenciais e os limites do ato di' 1'1111111"111 I' 111'~lalllto político que define

Bacharel em Direito pela 1 anil.!." I, ,k 1111' .1•• 01. I 1I111'''i1 111)( J. do ('I'l1lm l:nivcrsitá-
rio CUlitlba (Ullicuritiha) \11"11.1.1 •• ,,"1'"' 110, 1,.1,.1 '1II\q",dmk d,' ("lIl11hra Portugal.
quais dl:Vl:ll1scr as l'un\'ú~'s do juiz no processo penal. A partir de um busca por essa verdade é uma busca pelo conhecimento do que realmente
trabalho dl: dcsl'ollslnJ\'ao analil ica das formulações corriqueiras, preten- aconteceu em um momento passado, parece evident~ suporAqu~ela ~e,va ser
de-se sugerir caminhos para a ~'onstrução de um estatuto ontológico cal- considerada superior e independente de qualquer clrcunstan:la p~htlca ou
ca,do em uma teoria do wllhc(imcnto consistente e um estatuto político razão objetável. Esse significado da expressão "~erdade", dlssemmado no
almhado com valores de um Estado Democrático de Direito, senso comum, continna o ideário de uma mode1TIldadeamparada na cren~a
em uma razão que pretende fundar-se sobre ela mesma e "sobre um conceito
de verdade que mio é apreendido em termos econômicos ou po/íticos'..4.
A segunda razão vem de uma caracteristica própria ao discurs~ jurí-
dico que é a de tentar se distanciar do discurso polítICO.Em certo se~~ldo,_a
A grande maioria das discussões cstabelecidas no Brasil a respei- juridicização de um objeto do discu~so pol.ítico representa sua establ~zaç~o
to do espaço de iniciativa instmtória dos juízes no processo penal funda a como valor sobre o qual não se penmte abnr uma margem de concessoes t~o
autorização desses podercs na necessidade de se descobrir a verdade so- ampla quanto seria se ele estivesse na csfera d~ político., A pretensão do dIS-
bre o fato investigado, Isso porque se considera que a importância dos curso político vitorioso é de se converter em 1c1, n~ m~dlda em que essa c~n-
bens jurídicos tutelados em esfera penal, a gravidade das condutas delituo- versão representa a obrigatoriedade de sua observancl3, sob pena de sançao.
sas c as sérias implicações das penas que podem ser infligidas tomam Essa primazia do discurso jurídico é notável quando se conSIdera .q~e. as
necessária a descoberta inequívoca da verdade, seja para fazer justiça discussões travadas entre juristas brasileiros a respeito do espaço de 11l1ClatIva
contra o autor do crime, com uma pretensa proteção da vítima ou da socie- instrutória do juiz no processo penal partem da prescrição ~cfinida .p~lo
dade, seja para evitar punições apressadas que podem ser consideradas art. 156 do Código de Processo Penal', quase como se esse 10sse o U11lCO
injustas, com intento de salvaguardar o acusado contra um exercício in- ponto de partida possível. Isso se toma especialm~nt: ,notório ao se observar
devido do poder de punir do Estado, Essa verdade buscada no processo que a jurispmdência brasileira e a produção dO~ltnnana sobre o assunto ten-
penal é tradicionalmente definida como "real" ou "material", em oposi- dem, de modo geral, apenas a comentar esse artIgo,
ção à verdade "processual" ou "fonnal" do processo civi\2. Assim, o hennetismo do discurso jurídico encobre dois aspectos
, ?
.discurso processual penal assim est@elecido assume uma aparên- fundamentais para a compreensão das razões que fundam o espaço de
iniciativa instrutória dos juizes em esfera criminal. Um deles é o estatuto
CIahennetlca quando se considera que foi introduzido na legislação brasileira
há cerca de 70 anos, com o decreto do Código de Processo Penal de 1941 ontológico, ou seja, o modo como é compreendida a capacidade humana
(CPP), e que continua prcservado em sua esscncia nos dias de hoje. Forjado de conhecer, considerando especialmente as limitações do ato de conhe-
durante o Estado Novo, com jusli1icativa oticial apresentada na Exposição de cer processual, que é atado a uma série de ~egras fixa~as ant~s da investi-
MotIvos desse Código pelo então Ministro de Justiça Francisco Campos, ele gação; o outro, é o estatuto po.lítiC.I~,ou seja, as cons}deraç~e~ de ord.el~l
passou insensivelmente pelas significativas mUltenças políticas que o Brasil política que fundamentam ou ,lustlflcam os poderes probatonos dos JU~-
vivenciou. Podem ser apontadas pelo menos duas razões para essa aparente zes. Desses dois aspectos l:xtraem-se duas perguntas que devem ser res-
dissociação do discurso processual penal de seu contexto político. pondidas satistàtoriamcnte para tomar o discurso processual coerente.
Uma, é voltada a estabelecer um cstatuto ontológico mínimo para as prá-
A primeira, é de que a ideia de verdade constrói-se no imaginário
processual penal como algo que não admite concessões a contingcncias his-
tóricas. Para o discurso jurídico modemo, a verdade representa a correspon- lógica com a realidade" (1\11\1 ATI;STA, Niêola Framarino Dei. A lógica das pro-
vas em matéria criminal (, \.'d ('all1pll1as Bookscller, 2005, p. 25.) E para Julio
dência entre um enunciado e a realidade das coisas3. Nesse contexto, se a Maier, autor êontempor:ineo. a I \.'1 da dI.' \.' a "1"'I'/leio ~e ~'oncordância elllre () pensa-
men/o e o (lNe/o pe/lsado" 011 "li , "I"'·"'II/<lI.ío il!t'ologlca correta de uma ~'eahdade
onlológica", (traduçào lil "l') (' li' 11 H. I"lio J)"rt','hll prol'csal penal argentlOo, Bue-
DIAS, Jorge de Figueiredo. Uircilo processual penal. Coimbra: Coimbra. 1974.
p.IX7-PlS. nos Aires: Hammurabi. I'IX" I I. I h. I' <'1.,' I
TOURAINE, Alain. llO! nll\1I 1'1Ir1I1U\.t1ll1l p,ua '''Il1Jlreender o mundo de hoje. Pe-
Essa noçào pode ser identiticada no discurso do direito processual penal pelo menos
desde o século XIX. e contlllua presente na atualidade. como podem indicar, a título Irópolis: Vozes, 2HO/>. p :0;'"
As duas redações pelas '1";1\', ,',',,' ,li 1"." 1',"""" "tll'"utram-se nas notas 11 e 12, a
de exemplo. as forll1ulal;ôl's de dOIS autores: para Nicola Framarino Dei Malatesta,
que escreveu no século XIX. a "I"'ldade, e/11geral, (; a (,o/l/iJl'l/lidade da /loçào iJeo- seguir.
ticas processuais: "a verdade pode ser buscada no processo penal!". A minar a extensão das lesões possíveis pode fazer com que nos crimes
outra, se volta ao estatuto político que define as práticas probatórias no contra a ordem econômica haja abandono de garantias processuais
processo: "a verdade deve ser buscada no processo penal!". para que se assegure a produção de resulta~os nas in.ves~igaçõ.es: De
Respostas coesas a essas perguntas são especialmcnte importan- todo modo, diante das demandas contemporancas da Justiça cnmma\'
tes na atualidade, ao se observar forte tensão em favor da flexibilização para que se possa definir com clareza para qual dos lados o processo
de garantias penais e processuais penais nas chamadas sociedades pós- penal deve tender (flexibilizar ou garantir), é necessário que seja es-
-industriais/}, em razão da emergência do risco "de procedencia humana truturado um estatuto político coerente com os valores que se pretende
como fenômeno social estrutura!"7. O direito penal material tem dado realizar através do processo.
prova disso em seus novos desafios no que concernc à delimitação dos A questão que se coloca neste trabalho, portanto, é a de como
bens jurídico-penais e no que diz respeito à responsabilidade em cri- pensar a atuação instrutória dos magistrados de modo a considerar .as
mes de maior complexidade, como é o caso dos crimes contra a ordem novas demandas da criminalidade econômica, sem que se esbarre na VlO-
econômicax. No que toca ao processo penal, essas questões têm impor- lação de garantias. Para isso. pretende-se discutir os estatutos ontológic(~s
tância reflexa, visto que as dificuldades de se investigar e de se res- (ponto 2) e os estatutos políticos (ponto J) que se colocam CO~lO ~oml-
ponsabilizar o verdadeiro autor do fato punível tornam-se mais com- nantes na prática brasileira. para que, a partIr de uma earactenzaçao da
plexas. Há maiores dificuldades de se buscar provas nus crimes contra discussão atual, seta oferecido um ponto de partida mínimo capaz de
a ordem econômica porque vários desses crimes são resultados de coibir a conversão 'de incoerências no discurso processual em espaço de
práticas financeiras que exigem conhecimento técnico altamente espe- tlexibilização de garantias processuais na esfera dos crimes contra a or-
cializado, tornando difícil sua descoberta. Isso quer dizer que "a di- dem econômica (ponto 4).
nâmica das condutas que possihilitam a prática desses crimes nào é
acompanhada no mesmo ritmo pelo sistema penal (ex. crimes ciherné-
ticos). Soma-se a isso a pouca capacitm;ào dos órgàos estatais no 2 A VERDADE COMO RAZt\O DE SER DA
combate dessaforma de criminalidade,,9. - INVESTlGAÇt\O PROCESSUAL PENAL
Assim como o direito penal,' o processo também pode tentar en-
contrar soluções aparentes na flcxibilizaç.ão de garantias do acusado. A Toda prática processual supõe de maneira explícita ou implícita
central idade que os riscos ocupam diante da impossibilidade de se detcr- um modo de perceber as potencialidades c os limites da capacidade d.e
conhecimento do ser humano, assim como as p.otencialidades de investI-
gação de um tàto passado no contexto processual. Costumciramentc, essa
Toma-se por base aqui uma proposta teúrica amplamcnte difundida nas pcsquisas
jurídico-pcnais contcmporüm:as, qlll' parlc da noçào de "socicdade do risco" dcscn-
percepção é tomada em um sentido implícito. Nos tribunais brasileiros e
volvida por Ulrich Rcck. (BITK, lllrich. ta sdaiedad dei riesgo mundial: en busca na maioria da doutrina, quando se diz que a busca proccssual é pautada
de Ia seguridad pcrdida. Barcclolla: I'aidús, 2008.) pela descoberta da verdade real. c por isso se confere poderes il~vestjgati-
SILVA SANCHFZ, JcsÍls-Maria. A l'xpansão do direito penal: aspectos da política vos amplos aos juízes a partir do art. 156 do CPP, pouco se dIZ sobre a
criminainas socicdalks pús Induslrlals. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 29.
exequibilidade dessa proposta. A incongmência mais evi-dente dessa inde-
Uma dclilli~';10 lapidar dessa Illodalidadc ddiliva é oferecida por Luiz Antonio Câma-
ra: "Os cri",I'.~ t/t' t·mJlrt·.~u """'/1/11('11I ('alcKoria diferenciada de inti'açiics jlc/wis.
finição é o fato de que, ao mesmo tempo em que se prima pela descoberta
marcwl" 11('/" '"/dl,)O <11/1'11 ./'.,/ill/<l (agell/es com alto poder aquisilivo). slIjeú;ào de uma verdade inconlroversa a respeito do passado, admite-se uma série
I'IISS;I'" d!!II.,o (lIIí" 0'.1/14"'/1'(/1.1" ,I,' \'i/illlas). e I'lIlneraçào de hens supra-individuais de limitações a ela alravl~s dc rcgras processuais. As presunções, por
1.. .1". (C ,\!\l\Ht\. 1111/ 1\1110111",l{ctlexôes acerca das medidas cautclares pessoais exemplo, demonstram qlle a pr;'ltil'ó1proccssual só está disposta a investi-
111" 1'11111''',,,".IIIU ,. "_'rlllil IlI1allú'lro nacional. 111: GEV AERD, Jair; TONIN, Marta
(I '1101' , HI •.••llu t'lIIl,n"lu'hll r cidudania: questõcs colllcmporüncas. Curitiba: Juruá,
gar a verdade até um ccrlo lill1íh:, ,\ proihição de provas .ilíeitas, por seu
~lJlJh I' .' li , I) 11.'111"11'1.1111.11\1.111.11 lJue interessa para o momento 0 a ordem eco- turno, demonstra que hú lil1l1ll'sil 1Il\"sligól\'ão que o legIslador não pre-
111111111;' (.1111••.•• 110,1,1 ("II'llhll~·.io da I{epúbliea Federativa do Hrasil). tende ver ultrapassados.
1'1 f( I '. I 111II ,.111,,' :\lIgu,hl, 7 diliculdades para se punir os crimes de colarinho
Para se compn:clllkl \1111111 11111,1 1I1\'lln0ncia dessa natureza pas-
!I,"",'u 111"1"'1111.'1 "111 1i1l1':,www.llovacriminologiaxom.bríl\rts.!ArtiguLer.asp'!id
'd'~" '~;\ ,\""'0"111 IfJIIII\.2010. sa despercebida - e lall1h('111".11.1 "'"1.11 Sll11l'IÚ ta é necessário saber se
há algum estatuto (Illtolúgil:o da prática processual penal brasileira na Quando se afirma na Exposição de Motivos que as provas podem
lei e nas decisões de trihullais para que seus limites possam ser explora- ser produzidas desse modo, na medida em que ao magistrado pareçam
dos. Para fins analitiws. agrupa-se a possibilidade de formação desse "úteis ao esclarecimento da verdade", isso quer dizer que Francisco Cam-
estatuto a partir de dois 11 ll\':leos. Um, que parte da ideia de que a verda- pos partiu da ideia de que a verdade pode. de fàto. ser alcançada de modo
de pode ser alcançada e outro, que considera que a verdade não pode ser inequívoco? Ou ele estava apenas querendo ressaltar que, independent~-
aJcançada no processo penal. Esses são núcleos irredutíveis, ou condi- mente de poder, ou não, ser a1cançada, a verdade deve ser b~lscada? ~ pn-
ções necessárias, de qualquer percepção implícita ou explícita sobre meira pergunta não pode ser respondida com clareza a partir do conjunto
como se pode ver a investigação processual. Quando se pretende ofere- da Exposição de Motivos. Não obstante. é certo que, se a resposta a ela
cer resposta à pergunta a respeito de ser a verdade um objetivo tangível, fosse positiva, seria patente a incongruência acima apontada sobre as limi-
um desses dois núcleos fará necessariamente parte dessa resposta. E o tações processuais relativas às presunções e à proibição de l)fovas ilícitas.
paràmetro de avaliação da coerência teórica de cada uma dessas pers- Já quanto à segunda pergunta, é certo que no trecho citado propugna-sc
pectivas passa pelo modo como elas respondem a outra pergunta: Por pela necessidade de se buscar a verdade. Portant?, vê-se desenhado com
que a verdade pode, ou não, ser atingida? clareza não um estatuto ontológico, mas um pnmelro e!cmelllo de um esta-
Da análise da legislação vigente sobre o espaço de iniciativa pro- tuto político que norteia as práticas processuais. Ele será analisado em maio-
batória do juiz encontram-se primeiros traços que apontam para a caracte- res detalhes na próxima seção.
rização de um estatuto ontológico dituso e pouco desenvolvido. Francisco Diante da impossibilidade de se definir um estatuto ontológico
Campos, na Exposição de Motivos do atual Código de Processo Penal, inequívoco a partir da legislação vigente: cabe o~servar de q~e modo os
afirmou que, além de conduzir e julgar uma ação penal, o juiz, com a tribunais interpretam os poderes probatónos da lei para que sejam encon-
conversão do então projeto em lei, teria permissão para "ordenar, de ofi- trados vestígios de como uma tradição jurídica vê sua própria capacidade
. as provas que Ihe parecerem lftC/Sao
CIO, .. esc I'orcc/mel1to da ver dade ,,10 . de investigar. Porque, mesmo que esse estatuto ontológico não seja. for-
Essa formulação ampara o art. 156 desse Código, que autoriza o magis- mulado expressamente, os estatutos políticos estruturam-se a partIr de
trado a determinar a realização de diligências sempre que considerá-Ias impressões gerais a seu respeito. Para saber se algo deve ser buscado, ou
necessárias para o esclarecimento de dúvidas encontradas no curso do seja, para se definir um estatuto político coeso, é necessário qu~ prelimi-
processo 11. Sobre a redação desse artigo, é nc~ssário considerar a alte- °
narmente se considere se objeto da busca é tangível. se a realidade for-
ração pela qual ele passou com a Lei 11.690, de 2008, que ampliou esse nece condições à sua investigação.
poder probatório. Atualmente os juízes podem determinar a realização O Superior Tribunal de Justiça tem um entendimento pacificado a
dessas diligências não apenas no processo, mas também nas investigações respeito do que embasa a produção de provas. A sua forlllulação geral
·· (1
pre IImlllares -. afirma, como se pode extrair de um julgado publicado em 13.09.2005 e
'TI
relatado pelo Ministro Hélio Quagl ia Barbosa, que "0 magistrado. sob o
10 BRASIL. Dee.-lci 3.931 de 1941. Código Penal; Processo Penal e Constituição amparo do princípio da huscc/ da vcrdade real. pode tomar a iniciatim
Federal. 5. ed. Sào Paulo: Saraiva, 2009. p. 382. de determinar o prodl/çâo de 1""01'0 que entenda indispensável para a
11 A redação original tinha () seguinte conteúdo: "Art 156. A prova da alega~'ão incum- Jorma~'âo do seI/ COIl\'CI1('ÍII1Cllto"
I I. Ainda. na em.enta dO.H.aheas C(~r-
birá a quem a fizer; mas 11 juiz l'0dertí. no curso da ins/rl/(ào ou al1/es de proferir
scn/enç'a, de/et'lI/iuar. de oliâo. diligencias para dirimir dÚl'ida .whre ponto relevan-
pus 32.578, publicado em O I.OX.2006, com relatorIa da MlIlIStra Launta
le". (BRASIL. Dec.-Iei .l.óX9 de 1941. Disponível em: <http:iíwww.planalto.gov.br/ Vaz, aponta-se que,
ceivil!decreto-lei/deI.\6XI).htm···. Acesso em: 15 seI. 20 I O.)
J~ A no\"a redação 1,'111 o seguinte teor: "Art 156. A prol'a ela alegaçâo incl/mbirLÍ a l1ada illlpede q//e (1//(1\'/1 .//lí::/I ,·(lIIIII<·/<'I1/e. ('aso assim entenda. pro-
!fU"1I1<lliz("/". .\"<"//(/". 1'01":11I.I<leullado ao juiz de ofkio: I ordenar. mesmo al1/es de
ceda à oi/iva das ,11'/1/11/1 /"\/"/I///lII/'/,I'!altanles, da defesa e aClIsa-
illicillll,/ a a\,úll 1"'1/111. ,/ IlI"odu\'âll antecipada de prOl VI' considerados urgellle.\" e re-
1"\·'lIIft·l. ohl"I"I"<IIldll a lIt'n'ssitladc. adequação e proporcionalidade da medida; !l
d'·/'·/'JIIII/,/I'. 11" 1"//1'1" da im/rurâo. ou antes de proferir sell1en~'a.a realizaçâo de di- 13 BRASIL. Superior Trihllll.d .I" 111'.\1\.1 Il•.• 111"''' hp"-l'ial 174.290 da 6" Turma do
!tg"I/' /,,, 1"/1II "//"Imir dlil'ida ,mhre POli/O relel·allle'·. (BRASIL. Dec.-Iei 3.689 de Superior Tribunal d..- .111'11\.1 Ih.htll.l, I1I 1\ 11'1~(K)', IJisponívcl em: <ht~S:i!
1'1·11 111"l'tllll\l'! ,'111: . hllp:iiwww.planalto.gov.br/ccivil/deerctu-lci/deI3689.htm>. ww2.stj.jus.br!revislal'lelr""II.1 11.1.1",,,
'1'"1'1',11" 1·1'IXIKI.\.171125&dt_pubhcaeao=03; 101
A, •.•.," ,'111 I' wl. luto.) 2005> Aco:sso em: 25 11\:11 .'11111
çiio, li t('(lr ela Il(),uihilic!ac/e de iniciativa prohatória do juiz, exprt!s-
.(/ obtenção do alcance da verdade real, que sempre del'e prevalecer IlO
sa /10 art. 15f1, c/o ('/íeligo c/e Processo Penal, como ./órma de ohten-
processo penar. Ao afirmar possibilidade dessa obtcnção, permite-se
~'ào do a/c"nce da \'('n/"de r('al, que sempre deve prt!\'alecer no pro-
cesso pena/14. supor que a verdade cstá sendo considerada como um objetivo tangível.
Logo, parece formar-se uma ideia de que a verdade pode ser atingida.
Desse modo, caractcriza-se um daqueles núcleos irredutíveis a que se
Na mesma Corte, na ementa do acórdão do Habeas Corpus fez referência acima: na prática processual penal brasileira, de modo
111.215, publicado em 13,04.2009, com relatoria da Mina. Jane Silva, lê- majoritário, entende-se que a verdadc pode ser alcançada. Apús a idell-
se em um trecho que "razoável se mostra a dilação do término do pro- tificação desse núcleo, deve-se verificar sua coerência através do modo
cesso, pela natureza da persecutio criminis, para a perquirição da
como ele é justificado. Ou seja, outra pergunta - por que a verdade ptHk
verdade real e exercício tanto da ampla defesa quanto do contraditó- ser alcançada? - deve ser respondida satisfatoriamente para que l'SSl'
rio em caso de processos complexos"15. Há casos mais recentes que
núcleo de um possível estatuto ontológico não seja reduzido a Ulll;lpro
podem ser agrupados a partir da posição (repetida em diversos julga- posição puramente retórica.
dos) do Recurso Ordinário em Habeas COIPUS27.555, de relataria do
A resposta a essa nova questão não é encontrada no ST.I, o qlll'
Min. Geraldo Og Fernandes, publicado em 09,08.2010, cujo teor parcial
faz necessária uma análise tio modo como a doutrina trata o assulllo para
da ementa é o seguinte:
que sejam revelados argumentos espalhados na tradição proecssual penal
brasileira que amparam essa fonnulação, Ao tentar responder a essa per-
[.,.} Entretanto. ainda que se admita que a nova redação do art. 212 do gunta, a doutrina, quando pretende afirmar a excquibilidade da persecu-
Código de Processo Pt!nal tenha estahelecido uma ordem de inquirido-
ção da verdade, parece recair em uma confusão entre pelo quc a investi-
res de testemunhas. à luz de lima interpretaçiio sistemútica. (j nào ob-
servância dessa regra pode gerar. no múximo. nu/idade relativa. por se
gação deve primar e o quc, de fàto, a investigação pode atingir. Ou scja:
tratar de simples inversôo. dado que nãofiJi suprimida dojlliz a possi- caracteriza-se uma falta de limites nítidos entre estatuto ontológico (ser) e
hilidade de efetuar as suas perguntas. ainda que slIhsidiariamente. para estatuto político (dever ser).
() esclarecimento da verdade real, sendo certo que, aqui, () interesse O que ocorre é geralmente ver-se essa resposta fonnulada de mo-
protegido é exclusivo das parte.\·IÓ: do a sugerir que há possibilidades dc uma aprcensão integral do fato in-
vestigado. No entanto, essa réplica é desfcita quando os autores que a
Invoca-se, portanto, nesse tribunal, um prinCipIO da "verdade enunciam deparam-se com a necessidade de justificar limitações à busca
real" que tem tendência a considerar como núcleo de seu estatuto onto- da verdade. Como a doutrina, em geraL tende a reproduzir de modo apro-
lógico a possibilidade de se atingir a verdade. Essa afirmação não está ximado o disposto na lei, são oferecidos aqui apenas alguns exemplos
isenta de contestação, mas parece poder ser sustentada especialmente a entre processualistas penais consagrados. É o caso do pensamento de
partir do trecho da ementa acima citada d~,Mina. Laurita Vaz, quando Femando da Costa Tourinho Filho. Esse autor considera que o poder de
ela afinna que a prescrição do art. 156 é necessária "como forma de punir só pode ser exercido sobre quem realmente praticou uma conduta
delituosa e, por isso, o processo deve buscar a verdade real17• A grande
14 BRASIL. Superior Tribunal de JUSlI~U.Haheas CO/1J11S 32.578 da 5a Turma do Superior
razão para a necessidade da busca da verdade é a natureza pública do
Tribunal de Justiça. Brasilia, DF, OI.OIS.2006. Disponível em: <https:í/ww2,stj.jus.br/ interesse repressivo c as provas aparecem como tendo por finalidade con-
revistacletronicaJila.asp?regislro· 200.1023 161532&dt_publicacao=O1/08/2006>. Acesso fonnar as "a/irmaç(}es de .litto feita,\' no processo com a verdade objeti-
cm: 25 mar. 20 I O. va"IX. O pensamento de Vkente Greco Filho também esbarra na indefi.ni-
15 BR!\SI/ .. Superior Trihunul de Justi~u, Haheas cO/ll11s 111.215 da 6a Turma do Supe- ção referida com a afirmação til' que a vcrdade real justifica-se no proces-
rior Trihunal tle .Iusli\·;I, Brasilia. DF, 13.04.2009. Disponível cm: <https:llww2.stj.
jus, hrú'v Islal·kll,'nll'allla.asp'!rq~istro=20080 I579468&dt ..pubticacao= I 3í04/2009>. so penal "em virtude do il1/('/'I',\',\'I'
I1lÍhlil'o I1de envolvido: de um lado a
An'" •• l'llI I" "', ,.l1l10,
It, 11I<.'\SIl Sllp~'nlll Tnhunal til' .Justiça. Recurso Ordinário em Jlabcas COI1}US 27.555 17 TOURINHO FILHO, remando .1;1('osla l'rlll'l'~~1I I'l'nal: 27. cd, São Paulo: Saraiva,
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11111'\\\\11 ~'IIII\htiS< '( IN/~rvlcl!BuscaAcordaos'laction=l1lostrar&nul1l ..rcgistro=20 IX CINTRA. Antonio; (jRI~(I\'1R. ;\da, IJlN!\~Ii\IH'(), Cândido. Teoria geral do
100011111"",1.\,,11pllhlll'ara •• IIIJIOlSi2010:>.Accssoern: 15 se!. 2010. processo. 24, cd. Sàol'alJlo: \1.1111\'11
os. 'nnS I' \ 1·\
ne~:e.\'sic/l/l/t'.\11('1111 c/li I'i'/I/'('SSÚO penal e, de outro, o dil'eito de liberda-
de , Isso, para o ;1l,~loJ'. illlpúe a sua busca pelo juiz, independentemente apenas a um erro ou a um descuido lcgislativo. ,A am~l~tude de aplica-
do atuar das parles I , ção do art. 156 do Código de Processo Penal e propICia a uma an:p~a
gama de atuações judiciais. No Estado No,:,o. o ~ecurso a_uma neces~a:la
_ Desse rápid~) exame é possível extrair quc essa primeira for-
descoberta da verdade poderia ser convel1lente a repressao da oposlçao.
mul~çao, embora nau seja plenamente desenvolvida entre os autores
que configurava ameaça ao esforço de centra,lização d,a poder político tio
anahsa?os~ sugere equívul:US que não podem ser negligenciados, Exis-
Estado e fortalecimcnto do governo fedcral-'. EspeCialmente no que ,se
te t~ndencla a se comenta~ apenas porque a verdade deve ser buscada,
refere às tensões das elites locais nos estados, à penetraçào tio WIlIlIl1IS-
e na~ se ela o pode ser. E como se natureza pública do interesse re-
mo como projeto político no Brasil, através da AN~ e, do ComiHIc~'nSll-
preSSIVO, que to~a como gravemente ofensiva à organização social
viético, e do Integralismo como uma versão brasileIra das Imdclll'la'
uma conduta d~1J:uosa, pudesse converter seu teor valorativo em fun-
fascistas europeiasê2, A aprovação da Lei dc S~guran"a Nal'\lllla t l'lIt
dam~nto ontologlc~., A vO,nt~dc de punir, ou a demanda por aspectos
1935 e a criação do Tribunal de Segurança NaCional' , Sllgl'll'lll 1111 li",
contmgentes de pohtlca cnmlllal, converte-se na necessidade de busca
indícios de uma razão, acima de tudo, inquisitiva, quc plllil'I ta W ;lIl1pal.ll
~a verda~e. ~?~e-se ampla m~rg~~ de manobra, portanto, para uma
C se disfarçar na necessidade de encontrar uma vcrthk ljlll' '1'11;1 11111.-
l-o~tade mq~lsltlva, que tenta JustlÍlcar suas práticas através do recur-
so a expressao verdade. pendente de qualquer inclinação política. como o consolido!1 o ;1111,11 ( 11
digo de Processo Penal poucos anos depois,
?s perigos de~sa ~oncepção em desfavor de um direito processual Do mesmo modo. a amplitude da atuação prohalorra 11m IlIi/l'" 110
pe?al onentado ?as dlretnzes de um Estado Democrático de Direito são
processo penal na atualidade de um E~ta(k~~~mncr;ítin~ de din'llll apall'
eVldent~s, espeCIalmente n~s crimes contra a ordem econômica, quando
ce como possibilidade de um recurso 1I1qUISltl\'O t,1<l~
maus do, I'slado, na
se conSidera que. ~s .c?nheclmentos específicos que abrangem suas práti-
medida em quc permite ampltar seu pO,derde pun,lçao para aklll d:,ISp!'O:
cas e a ~alta de vlslblhdade que envolve suas modalidades delitivas levam
vas apresentadas pelo Ministério Públtco, Atraves do rC:'ursu I'ctortco a
a uma. dlticuld~de de apuração e julgamento deles por parte das instâncias
verdade, inclinações das mais diversas encontram um li,lIr~)prO/.:csslI:tl
formaiS, espeCialmente com a "diluiçào das responsabilidades em entre-
laçados hierárquicos,,2!). para serem realizadas, A repercussão midiática de casos Cnmll1alSque sao
elevados à condição de paradigmáticos dispõe, nesse ponto, de ,um meca-
. A partir ~e~sa configuração de um estâ'futo ontológico diluso se- nismo processual privilegiado, que não necessita ,do ~ndurecltnento da
dlmentado n~ pratica processual brasileira, passa-se a uma análise do legislação criminal ou de qualquer outro apclo !eglslatlvo. Isso po~que a
estatuto político dessa prática,
investigação de indicios pode continuar p~ra alc~ d~ que a aC.l\s,açaoe a
defesa pretendem apresentar, até que sejam satisfeitas as ,du.vldas dos
magistrados, Na história da doutrina processual penal braSileira. houve
3 INTENÇÕES POLÍTICAS DO DISCIfRSO QUE TORNA A juristas que tentaram dotar de sentido limitado a interprctaç~o do art. ,156
VERDADE O CENTRO DA INVESTIGAÇÃO do CPP, É o caso de José Frederico Marques que afinnou, amda na deca-
PROCESSUAL PENAL da de 50, que "nào há em nosso processo,jlliz penal inqllisitivo. Se a lei ()
autoriza a, ex ofjicio, investigar a verdade, cumpre lembrar (~lIe() faz
. • A partir da discussão estabelecida nos pontos anteriores, seria subsidiariamente,,24, No entanto, nào foi essa a orientação que vigorou; e
I~g~nuo supor que a indefinição do estatuto ontológico da prática bra-
Sileira, amparada em um consenso com bases nebulosas, corresponde 21 SKIDMORE, Thomas. Uma história do Brasil, São Paulo: Paz e Terra, 1998. p. ~64.
No mesmo sentido, FAUSTO. B\\ris. J1istória do Brasil. 1O. ed. São Paulo, USP,
2002. p. 333. e SKIDMORE. Thomas. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 7,
'9 el.!.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 19X2, p. 'i9-(,O,
GRECO,FILHO. Vicente. Manual de processo penal. (, ed. São Paulo: Saraiva.
)'>99. p. _16, 22 SKIDMORE. Thomas. Brasil.. .. ,i/., p. 41-42. e FAUSTO, Boris. História concisa
~{j
do Brasil. 2, ed, São Paulo: l !SI', I'NX. p, )l/4.
PER.I,~I~Â, Flá~!~ ~oula:t., ~s c.rimes I:collômicos na sociedade de risco. Revista
23 SKIDMORE. Thol1las. Brasil... (1/ • )1, ·I~.
RrasJl~lra de Clenclas Cnnunals, São Paulo: Revista dos TribUl1'lis 11 51 p 10'i
IJ 1,2004. p, 120-121. '." •. _- 24 MARQUES. José Fredericll. () .iílri IlU llin'ilo hrasileiro. São Paulo: Saraiva. 195'i.
p.40-41.
Eduardo Emanoel Oall'Agnol de Souza

: ~rguI~ent~ ~ refo.rçado ao se, co~siderar. a ex~ansão do espaço de José Frederico Marques, por exemplo, em seu Tratado de Direi-
lçao plObatona do JUIZ para o amblto das mvestlgações preliminares, Processual Penal, ao tratar dos poderes instrutórios conferidos aos
l a Lei 11.690/08.
através do CPP de 1941, faz comentário dctalhado do artigo 156 e
Antes de tratar dos problemas que envolvem esse mecanismo Illllicnta que ele trata de poderes ordinatórios instrutórios do juiz, visto
:essual nos crimes contra a ordem econômica, cabe definir se há um que tem repcrcussão apenas no curso do processo e que tem por objetivo
tuto .pol.ítico dominante na prática processual penal brasileira que realizar diligências necessárias à descoberta da verdade2x, Esse artigo do
a da IdeHlde que a verdade deve ser buscada. Na doutrina há tendên- t~ódigo apresenta, também, na obra de Frederico Marques, relação com
de ,s~ estabelecer uma orientação geral sobre as razões que tomam poderes ordinatórios de disciplina, que se referem à determinação de dili-
;s~a~l~a busca da verdade, à exceção dos autores críticos em relação à ,ências que visam "ordenar e inspecionar a atividade das partes, oes1i11111-
IU,lb.lhdadedesse projeto, ou seja, dos autores que negam o estatuto fUI/do-a. quando deficiente, e reprimindo-a quando excessiva"-'1, Esse
IIOg1cOque coloca a verdade no centro do processo penal. Destes uulor salienta a ligação da redação do art. 156 com poderes ordinatórios
res esta análise se ocupará no próximo ponto. de impulsão, que são atribuídos em função do dever do juiz de conduzir o
De todo modo, na maior parte dos textos dos juristas que se de- processo até que atinja suas finalidades, com economia de tempo e res-
am sobre o assunto, a formulação que autoriza poderes instrutórios pdto aos interesses das partes'O, Não obstante p,erce~a-se no texto de
; ser sintetizada na seguinte asserção de Jorge Moras Mom: "(1 110//1- Frcderico Marques um objelivo de comentar as dISpOSIções do texto do
mesma da matéria própria do processo penal arrasta consigo per- Código de Processo Penal, no trecho analisado acima pode-se perceber
'enlemente a ordem pública, extremo pelo qual a açcio que promove, l1ueos comentários funcionam como simples contirmação do texto da lei:
il!"sÜ~I:~le ~on~':uié'plÍ/~f~cae ? /orna ~o.là/o inves/igado) necessário,' n ele não se opõem e, pelo contrário, confirmam-no implicitamente, atra-
.ga/O/to e mduipomver ,AssnTI, considera-se que a verdade tem uma vés do uso de uma classificação dos tipos de atos que têm repercussão
prtância transcendental na investigação, ou seja, não pode ser uma interna ao processo,
ade ad hoc o,u uma "verdade fictícia", construida apenas através do Caso semelhante é o de Hélio Tomaghi, que, em sua obra Curso
6
do das partes- , Além disso, equivale à, formulação de Ada Pellegrini de Processo Penal, anuncia que a finalidade principal da prova no proces-
over, quando ela afirma que o "poder-dever do juiz de esclarec;r os so é de "formar a convicção do juiz", "no concernente aos .fàtos tal qual
:,aproximando-se do maior grau possível (Te certeza" tem por missão eles se passaram", visto que ela seria uma reconstrução históriea·1l, Para
f/icar com jus/iça, E isso somente acontecerá se o provimento juris- isso, afirma o autor, "o juiz procura colher a prova de tudo quanto possa
inalfin;, o resultado da incidência da norma sobre/àtos e/etil'amente levar a conhecer os .fátos reais. verdadeiros"'}, E alega que o papel do
ridos"-', As posições de Tourinho Filho e Greco Filho, acima expos- magistrado no exercício dessa atividade não se restringe apenas a conlrolar
;omam-se a esses entendimentos quando situam a busca da verdade as alegações do acusador e do acusado 11" I sso mostra que entre Junstas
" de
) balizadora do interesse público manifestei na investigação criminal, inclinações nitidamente democráticas o modo de fundamentar o espaço de
deve tratar de dois extremos: a liberdade do acusado e a repressão iniciativa instnttória dos magistrados nào guarda uma grande dissociação
31 c?mo n,ec~ssidade da sociedade, Além deles, outros processualis- do modo como a questão foi tratada na Exposição de Motivos do CPP.
, enals brasileIros consagrados aproximam-se dessa fonnulação. Assim, é possível formular uma ('slmtllra geral do discurso pro-

dl----
il'adu~';io Iivl\~d~ ""/111I11"'''''':11 lIIisltla d: It~maleria propia dei proceso penal arras-
cessual penal a respeito do cspa<;o de inicialiva probatória do juiz que

I /.'/lns/.I:/I ",'/''''//11,'//1,'/111'111"", /lr~/en fJllhllCO, exlremo por el eualla aeción que 10 2H MARQUES, José Fredcri'll. Tralllllll lh' din'illI 1"'lIl'l'ssual penal. I. cd, São Paulo:
.j /,11I/1,.'".'", /Inl''''"/ r, (0//1 '//1'1' "'JII"'~ca y I~)100:,~acnnecesario, ohl(gl/Iorio c im/is- Saraiva. 19XO, p. 21 X.
,1/1"" 11\101\1,111111" 1< 1\,1111'1'. La InvestlgaclOn em el proceso penal: técnica dei 2Q MARQUES, José Frc<icríl'll Iral'lIl" lh' e1in'll" 11I'lIl'I'\S11111penaL .. cit., p. 220,
: "IIt>IIfIIlI'I1I11 11t1(~I1,j, 1\l1ô. ;\hclcdo-Pcrrot, 1998. p, 54,)
30 MARQUES, 19RO. p. 221.
i 111\1,'''111,1' f( 1\1011" IlIln\l'\Ii~ación em el proceso penal.... cil., p. 54. 31 TORNAGHI. Hélio. ("ur'lI e11'111'"'1'"'' 1"'11111I •.•1. S;lll Paulo: Saraiva. 19S0,
1IN( IV I 1<,i\dil l'dkll'lll1, !I il1iciativa instrulória do juiz no processo penal aeusa- p, 270-271.
'" 1("'1_ ••• Ih'lullrll'll di' ('iêllcias Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, 32 TORNAGHI, Hélio. ('ur'lI tio, (111111'.\11 1"'11111 ,1/ I' ,., I
} I P ! I I'), luli.," I 'l'N, p. 74,
33 TORJ\!lGI-Il, Hélio. ("un" di' 111'"'1'\\111"'11111 ,,/ I' "'1 I
Eduardo Emanoel Dall'Agnol de Souza

contemple um estatuto ontológico e um estatuto político. É necessano


eiro momento repensar seu estatuto ontológico. Em seguida, é cmcial
registrar que, conforme apresentado no ponto anterior, o estatuto 01110- eonciliá-lo com um estatuto político de um Estado Democrático de Direi-
lógico é pouco desenvolvido, por ser extraído da urgência das razões to que reconheça limitações à capacidade de conhecer e que tenha um
políticas que se costuma invocar. Assim, as tensões políticas que en- .compromisso efetivo com a dignidade do ser humano, Essa necessidade
volvem o processo é que acabam definindo as feições dele. Feita essa equivale à constatação de Winfried Hassemer de que, "com a obrigação
consideração, o conteúdo da estrutura geral pode ser traduzido do se-
,de buscar a verdade, o direito processual remete-se aos fundamentos do
guinte modo: os poderes probatórios do juiz devem ser amplos para teoria do conhecimento e do direito constituciona/,,35.
que ~e possa de~cobrir_a r~alidade do fato investigado, uma vez que a
graVIdade das Clrcunstanclas que envolvem o processo penal (o crime
que po?e ter .sido prati.cado e a pena que pode vir a ser aplicada) exige Por um Estatuto Ontológico que Leve em Conta as
que a ll1vesttgação seja tratada com a máxima seriedade de modo a Limitações Inerentes ao Ato de Conhecer
não serem cometidos erros, que teriam, necessariamente, implicações
perigosas (impunidade ou punição de inocentes). A detinição de um estatuto ontológico coerente passa, portanto.
Como já ficou sugerido neste texto, uma formulação genérica por uma análise calcada nas possibilidades teóricas do ato de conhecer. Jú
como essa - que ao mesmo tempo em que busca a verdade descuida-se foram demonstradas, no segundo ponto deste trabalho, inconsistências do
por completo em ser coerente com as possibilidades de alcançá-Ia - abre núcleo irredutível de um estatuto ontológico pautado em uma crença na
uma larga margem para atuações puramente inquisitivas, em tàvor dos possibilidade de apreensào integral da realidade das coisas. Cabe, neste
mais diversos propósitos contingentes de política criminal. E nesse con- momento, organizar as ohjeções a ele e reeolocar o problema da investi-
texto, as investigações acerca de crimes contra a ordem econômica são gação processual.
especialmente afetadas, em razão da funcionalização que a noçào de "pe- Hassemer, ao se referir à ingenuidade do discurso que compreen-
rigo", em detrimento da de "resultado", traz ao sistema penal como um de a verdade como correspondência entre pensamento e realidade, afirma
todo. Um exemplo importante do que se está a atirmar diz respeito à que
"magnitude da lesão causada" como pressuposto diferenciado para o de-
creto de prisão preventiva t~azido pela Lei 7,~2/86 e destinado a atingir Não existe nenhum oh;eto que, em todo caso, /llio esteja constituído
a criminalidade empresarial ,4. pelo conhecimento subjetivo, Os ohjetos do conhecimento estôo a
No próximo ponto, empreende-se um esforço de desconstrução I/ossa disposição apenas dentro do conhecer. e só se pode julgar a
dessa perspectiva para alinhar a investigação processual penal com valo- .fidelidade de sell ref7exo por meio do conhecimento dentro dos pro-
res de uma ordem constitucional democrática. cessos cognitivos. O fáto dI! que o conceito de lima coisa coincida
com essa coisa não é resultado de 11mprocedimento abstrato men.~u-
nível, senào um processl! no qual sujeito e objeto encontram-se im-
plicados reciprocamcl/te''''
4 O PAPEL INVESTIGATIVO DOS JUÍZES NOS CRIMES
C()NTI~A A OIU)EM ECONÔMICA EM UM ESTADO
DEI\I()('R/\TI('O 1)1<:IlIREITO 3~ Tradução livre de: "COII /a ohligo";,ill d,' 1>11.\'1'(/1' /a \'crdud. e/ derecho procesu/ se
remi/e a/os fill1damelltns de /(/ /<'IlI"i" de/ <'olllJ<'imiel1lo y de/ dcrecho constitucional".
(HASSEMER, Winfried. Crítk:l dl'! drrl'l'IUI pennl de hoy, Bogotá: Univcrsidad Exter-
Para ~Im' a Ilwh':'na seja rccstruturada, superando as inconsistên- nado de Colombia, 2002. p. 7~.)
cias leúri~'as lIpOllllldllS UI.:iIlW, de modo a trazer à tona perigos que sua 36 Tradução livre de: "No <'xi,'" IlIlIglÍlI olotl"1" 1/111', ,'li t"do 1'(/.\'0.no es/é coconstituido
por c/ cOllocimiento slIhjl"lil'" / ,,/o "/0/1"/,,, .lI'! (ollocimicllto csttÍlI li nllestl'U dispo-
rOl"lllllla\';\o dllsSll'l\ c IWl"IlIclica não percebeu, é necessário em um pri-
siciólI só/o del1lm de/ ("0110<'''', , ",10 ,,' "'lI'd,' I"~gol' /0 lide/idod de.l"lI rellejo por
medio dei cO/wcimiel1/o .1<'11/10 ,lI' to, "',', ,"'" ,oglllti"os, 1:'/ hecho de que el COtl-
c('pto de una cosa coillcido (01/ <,,/. ,"" lI<' '" ""'11//<1.10.1.· 1111 pl'occdimiento aps-
" ('\ 1\1,\ H", I 111/,\lIluni" /{cl1cxôcs acerca das medidas calltelares pessoais nos tl'lIC/O mensllrahle. sillo 1/11/""" , •• ,1/, I, 1/,1/ 'II/<'t<l " IIh;"11J .1'<'ellCllellll'an impli-
\ 111111'. 1"111111 11 ~1~tl'lllll flllancciro nacional. 111: GEV AFRD. Jair; TONIN. Marta Ctlllos recípmC(l/I1t'II1<'" (II,\S',I \11 I!, \\uilm't1 ('rilh'll dl'l dcrecho penal de
fi 1'11', UIlI'lIu l''''l''rul'lul c cidadania ...• cit,. p. 234 e ss. hoy ...• cit., p, 7H-79.)
Fsse tredll! apI\'Sl'lIla 1I1l1 primeiro elemento de refutaçào à poss 1- ção processual como um todo. Isso aparece quando se atri bui como
bilidade de plena de:-cobl:r1a dc lima verdade objetiva: o fato de que todo sposta à pergunta "por que a verdade pode ser atingida no processo
conhecimento é Illedü.do. ()II :-I..:;a:todo conhecimento só pode ser com- final?" a natureza pública dos interesses tutelados em esfera penal.
preendido a partir de pron:sslls çugnitivos, de estruturas de pensamento, isso se mostra um risco de transformar uma postura política, de cu-
que estào ligadas ao desen,olvimento biológico e social do sujeito cog- bho valorativo (portanto, um "dever ser"), em fundamento de um
noscente. Essa primeira oojeçüo pode ser calcada no pressuposto da tilo- !-lIcr". Tem-se, nesse caso, uma expressa incongruência lógica, qlll'
sofia kantiana que cstatui a impossibilidade de conhecimento da "coisa ".ode ser explicada a partir da Lei de Hume. Esse postulado lilosúlÍl'o
em si" (da rea~idade plena), uma vez que o mundo só pode ser percebido ostabelece a ideia de que um dever ser nào pode resultar de 11111 SI'I,
como fenômeno, ou seja, como resultado da interação entre os sentidos c lUisim como um ser não pode resultar de um dever ser. ()uandll Sl' n
a inteligibilidade. " ai de proposições prescritivas (a ordcm social deve ser Pll'sl'nad;.
Uma segunda razào é a de que os autores que sustentam a possi- contra o crime e a verdade destc deve ser averiguada) uma 1'11111111.1,.111
bilidade de alcançar a verdade não conseguem explicar satisfatoriamente descritiva (a verdade pode ser atingida) esbarra -se eHI IIll1a I d.l\ ,"li
uma possivel exequibilidade da investigação da verdade diante de pre- argumentativa que não pode ser explicada lX.
sunções, ficções e demais limitações que são inerentes à própria investi- Para o processo penal, o risco dessa convcrs:jll illlpcrl'l'pll\l'!
gação processual penal. Isso revela que não basta esperar de um processo de dever ser em ser é a autorizaçào de poderes prooatúrills a pallll lil-
a plena descoberta da verdade, capaz de solucionar todas controvérsias um dado prescritivo travestido de descrição da natureza da 1II\I'sI '!' d
sobre o ato de decidir judicialmente, visto que esse ato não é apenas atin- ..ção. A margem de distorções políticas, de concessões inquisillvas l'
gido por problemas de ordem puramente investigativa. Os valores leva- autoritárias é ampla sem um controle racional por meio de uma justlli-
dos em conta e os fins do procedimento são questões centrais que devem cação de um estatuto ontológico que realmente guarde correspond0n-
ser respondidas coerentemente durante o próprio andamento de um pro- eia com sua natureza. O conteúdo valorativo de qualquer razào polil i-
cesso. O filósofo belga Chaim Perelman retratou essa peculiaridade do ea não deve ser base para o estatuto ontológico; pelo contrário, deve
discurso jurídico e apontou para a mobil(dade das características da prova ser parcialmente composto por esse estatuto, uma vez que um dever
em direito conforme suas áreas específicas, .<?que já demonstra a impor- não pode ignorar circunstâncias do ser.
tância de se ter traçada com clareza a difereli'Ça entre um estatuto ontoló- Apresentadas essas refutações ao núcleo de um estatuto ontológi-
gico e um estatuto político: co baseado na possibilidade de descobrir a verdade, resta apenas um ou-
tro núcleo possível, o de que a verdade nâo pode ser descoberta. Embora
A primeira vista, as técnicas de prova em direito nada teriam de es- esse modo de perceber o ato de investigar não seja dominante entre os
pecijicamente jurídico: dependeriam de critérios científicos, das re- juristas brasileiros, há diversos autores que o d~senvolvem,. pr~ncipalmen-
gras de lógica, da experiência cO/lllllIl;Wo hom senso.' fIlas eletil'u- te a partir de duas perspectivas. Uma, que conSidera que a Idcla de verda-
mente. não é isso que ocorre: veremos que as técnicas de prova va- de real enquanto possihilidade deve ser substituída pela de verdade "for-
riam nâo só conjimne os sistemas jurídicos, mas até conforme as fi-
mal", "processual" ou até mesmo pela noção de "certeza", e, enquanto
nalidades próprias de cada ramo do direito: os meios de prova acei-
tos variam tamhém no tempo, segundo a preeminência concedida a
, Ie va Ior [ .. I P'.
este 011 aque 3M "Em todo sistema de moral '1//C at,; l10ic ell('olllrei. sempre lIotei que o autor seg//e
durante algl/m tempo °moelo com/IIII ele raciocinar, estabelecendo a exisléllcia de
DeI/S. ou (o::.endo ol>seITlI{',;es 11 rl',\p<'ito dos assl/l/los hllmanos, qllando. de repente.
lIma terceira objeção importante, já apontada neste trabalho, s//11Jreendo-me ao ver 'lI/C. em 1'1'::' ellIs (,(;/!I/Ias proposicionais I/sl/ais. como é e nã(J é,
mas que deve ser melhor desenvolvida, é a de que os autores que pro- não encontro limo só IJ/'IIposiçl;o '1//1' //1)(1csteja cOlleetada a outra por //m del'e ou
pugnam pela busca da verdade tentam converter suas razões políticas não del'e. Essa mUdlJlI\'1I ,; illlj>t'I'<'('I'tilâ, IJO/-à1l d" maior imporlância. Pois, ('omo
para iI investigação do juiz em estatuto ontológico da própria investi- esse del'e ou não del'e c.\III'('.\\<1 IIl11cl1/,)\'11 rc'llI{'l;o 011of/rmaçà{J. esta precisaria s('r
notada e explicaria: ao 111('.1'1110 tt'IIII'O,\('I'ÍII/l/'l'l'iso 'I"C se de.He lima ra::.ão para algo
'lI/e parece inteir"III('lItc ill("OI/""I>iI'''', OI/\t';CI, ,'omo ".1'.1'0lIova relação pode ser de-
l! PIJ{El.MAN~ Charm. A prova em direito. In: PERELMAN, Cha"lm. Ética e direito. dll::.ida de ol/tras illl";I"<IIl/c'I/'" ,IiI"It'lIt"''' (111/1\11'. DaviJ, Tratado da natureza
S.lo Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 592. humana. São Paulo: UNI'SI' li 111'1 ,'11'" (11"'1'1;11 do I'slado, 2000, p. 509)
meta, deve ser preservada, (~ o caso dos que admitem que a verdade nào de cel1eza ou similar, que se presta ao convencimento dos atores proces-
pode ser atingida mas deve wntinuar sendo um modelo limite ao qual suais. Parte-se da ideia de que a possibilidade de se atingir um juízo de
w
não se pode renunciar , A outra perspectiva é a de que a noçào de verda- certeza nào significa a aproximação, ou uma tentativa de aproximaçã~, da
de não serve como objetivo para o processo, sendo mais apropriado pen- v.crdade. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. tomando por base Ennque
sar na formação de um juizo de certeza ou similar, que se presta ao con- -Dussel manifesta o condicionamento de todo saber a um ponto de início
vencimento dos atores processuais. demon~trável, que pode ser simplesmente por ser de uso corriqueir~, em
A ideia de que, embora nào possa ser atingida, a verdade deve ser contraposição ao que é, que nã~ fica cireu~sc~t,o a um ponto d.e partl,d~, e
buscada apresenta vantagens em relação à anterior, porque admite limita- que se torna ineVItavelmente m,demo~s~r~vel . Em pers~eetJva !eonca,
ções ao ato de conhecer. A verdade, na maioria dos casos, continua a essa é uma objeção forte tanto a pOSSIbilidade de conheClmento I~tegral
aparecer como correspondência entre pensamento e realidade, entretanto, da verdade quanto à tentativa de se chegar a uma verdade apro~lmada.
na condição de juízo subjetivo, ela só pode ser percebida mediante apro- Em desfavor desta última possibilidade, não há como se aproximar de
ximações, e o maior grau de convicção que esse juízo apresenta é a eerte- algo que se admite inalcançável, uma vez que não há como fixar um ca-
za.40 A b usca rea I'Iza di'a pe o JUIZ
. no processo torna-se, nesse contexto, minho (critério ou método preciso) de aproximação.
uma busca por uma "verdade processual", suficiente para se extrair os A desorientação indissociávcl dos critérios em direção a um mo-
efeitos jurídicos a partir do fato passado. delo limite de verdade - por eles terem um necessário ponto de partida no
O problema mais significativo dcssa concepção é o de que a ad- ser humano e em sua linguagem, que não guarda nenhuma correspondên-
missão das limitações da percepçào não obsta, entre seus autores, um cia com as coisas nelas mesmas - desvela uma objeção forte à busca da
esforço no ideal de aproximação com a verdade como "coisa em si". Em- verdade, quando já se admite de antemão que ela não pode ser atingida. O
bora esse estatuto ontológico negue a descoberta da verdade, seu estatuto que resta é apenas uma impressão de certeza ou um "sentimento de assi-
político, em nome da gravidade das condutas delituosas, pretende forçar milação,,42, que serve ao convencimento de quem os percebe. Essa cons-
os sujeitos da investigação processual a investigar para além das próprias tatação pode sugeri.r lll:1a aproximaçã~lda ideia de cc:t~z~ c.om a de e~~-
possibilidades do ato de investigar. O desejo de corresponder às expecta- vencimento do audltóno ou das partes'. O espaço de 1I11CIatlvaprobatona
tivas desse tipo de investigação pretende ij,lrçá-Ia para além dos limites do do juiz no processo penal. nesse contexto, _d~ve ser circunscri~o a limites
possível. E na medida em que esse esforço revela-se impossível, também precisos, de modo a, de um lado, .ser ~ut~eICnte ao conve~1ell~ento das
se mostra perigoso. Impossível, porque se a verdade não pode ser apreen- partes envolvidas e, de outro, respeitar limites sobre os quals nao se quer
dida e todo o resultado de uma investigação é um juizo de convicção admitir transgressão.
formado por quem juntou as informações levadas ao processo, não existe Desse modo evita-se o risco sempre presente entre os autores
qualquer critério de mensuração de apro.ximação entre a verdade, como que alegam não ser a verdade alcançável, mas modelo I.imit~e, de em
modelo limite, e o resultado da investigaçâo. E esse esforço também se pontos cruciais de suas argumentações resvalarem em dlreça~ ~ uma
revela perigoso, porque assim como a crença na possibilidade de atingir a pretensa possibilidade de descoberta da verdade. Pao~o TOnIl11, por
verdade, ao justiticar seus atos em razões que extravasam as possibilida- exemplo, admite limitações ú possibilidade de cOnheCllTIento quando
des do conhecer, também pode permitir que uma simples vontade de pu- afirma que "se entende l/,/e seia illl/}()ssÍ\'e! para ()juiz atingir a \'erda-
nir possa superar valores essenciais a um Estado de Direito.
A outra perspectiva que parte do núcleo de que a verdade não po-
41 DUSSEL Enrique. Método panl 1I1ll11l1Iusulill lhl Iihertaç~o, São Paulo: L,oyola,
de ser atingida é a que afinn<l que essa noção não serve como objetivo
1986, p. 24-25-29. 041'/1<1 ('(lI ITINItI I, .1at'llll0 N,'I~on de Mlranda; I~troduç~o aos
para o processo, sendo mais apropriado pensar na formação de um juízo princípios do processo pl'nal hr:I,II"lIo Ih',·!,lll .11l IollClIldade de DIreIto da UFPR.
Curitiba, n. 30, p. 163-19X. I')I)S I' 1'/.' 1'1\
,-, 11I1~~1 h;lIalUh é u tll'lm:ipal excmplo, ao trazer para o processo penal a teoria semân- 42 NIETZSCHE. FrieJrich Ohr:" llU'IIIIIII"'I"' ! l'd S;\o l'al1lo: Abril Cultural. 1978.
li,',• .I,' 1l',dmk dI' i\lfrcll Tarski e continuar a se pautar pela busca da verdade como p.50.
IIluddu 11111I1,' da IlIvcslll:ll\'àu processual penal. (FERRAJOLL Luigi, Derecho y ra- 43 Perspectiva também l:xplllr;Ilb 1'''' I (11'1', 11( , "'IIV Inlrmhu;ão críHca ao proces~
"IR I« l'd Ml1.llId, Edilllfial Trotla, 2006, p. 46) so penal: fundamcnh" da 1I,'IIIIIIIl'lIlilli,I,,,,," ""1.11111"1""011. 4, cd. RIO de Janeiro.
111 MAII'IC lulHt U,'ret'hullrocesal penal argentino ..., ci/ .. p.562-563. Lumcn Juris, 2006. p. 2X2
,1bsuluta em jilllç'iio cia limi/aç:ãu da capacidade humana; o que c(m- .os direitos: "o direito do imputado de não estar obrigado a deda-
; que a busca tenha por base a prova, com respeito das garantias Ir: () direito da testemunha a não se aulo-ineriminar: (~direito a não
.J
:tamentms ,,,44M
, as, ao mesmo tempo, cal' em a fiIrmaçao ~ que parece lemunhar por razões de parentesco, proximidade socwl ou segredo
lar nebuloso seu argumento ao afirmar que "os princípios da orali- 'otissionaI"47, dentre diversos outros,
'e, da imediatez, do contraditório não possuem valor em si mesmos, , Nesse contexto, qualquer posicionamento sobre a iniciativa pr~-
es servem para alcançar a verdade do melhor modo ,,45. O reconhc- lória do juiz não pode ser apenas justificado por uma pretensa necessl-
iento da distância, ou verdadeira dissociação, entre o conhecimento lide de atingir a verdade. A autorização ou a supressão de~ses poderes
l1ano e a verdade, apresenta a possibilidade de um controle mais lisa a exigir uma argumentação mais consistente" Um fator Importante a
:ivo sobre usos abusivos dos poderes probatórios e pode evitar amál- r considerado neste ponto, por ser comumente II1vocado pelos prol'es-
las de argumentação importantes. ualistas, diz respeito à matriz processual que se utiliza cO,mo ponlo de
A partir da eonstatação de que o processo penal é um jogo retóri- punida no ~rocess? pe~~I.,~rata-se da discussão acerca do sistema al'lIsa-
que pretende formar o convencimento dos atores envolvidos, todo o ,ório e do Sistema mqulsltono,
o dos limites da investigação recai nos valores que se pretende ver Em um sistema processual penal que tem como ponto de partida a
lizados no processo, Portanto, o estatuto politico, que antes se encon- noção de um modelo inquisitório, pode haver ampla, ou até _irrestrita.
ra confundido o com estatuto ontológico, passa a exigir fundamenta- margem de intervenção probatória do ju!z pela razão de ~ue as IIguras do
s mais consistentes, ;'lCusador e do julgador podem confundir-se na do magIstrado, Dc Ol~tro
"lado, partindo de um modelo acusatório, latente na atual ordem constItu-
cional brasileira, que parte da necessidade de haver um processo ~en~1
Por um Estatuto Político Fundado em Valores de um Estado democrático para que seja possível o respeito a garantias de defesa l1~d~-
Democrático de Direito vidual em face do poder punitivo do Estado, a disc~ssão sobre as pos~lb~-
!idades da iniciativa probatória do juiz toma-se maiS complexa, A prmcI-
O reconhecimento da central idade dos valores que permeiam pio, pela separação entre os órgãos estata,is que exerce~ o, pap:l de acu-
práticas processuais permite uma percep.~o mais apurada das te n- sador e de julgador nesse modelo, havena uma forte II1clmaçao para se
lcias inquisitivas de uma pretensa possibilidade de alcance pleno da
suprimir completamente o po~er de il:iciativ~ de produç~o de prova,s ~o
dade, Assim, permite também um controle mais efetivo das práti-
juiz, pelo risco de se confundlr,os ~o~s'p,apels p:o~essuals em um ~o 01'-
processuais. Hassemer coloca a tônica desse estatuto no direito
gão, como acontece no sistema mqulsltono, Um JUIZcom poder dc mves-
lstitucional e considera-se aqui que esse ponto de partida é impor-
ligação poderia tomar-se acusador ou, defensor" abandonando ~ua p~o-
te ao relevar a dignidade dos envolvidos no processo, através de
pugnada posição original de ser exclUSivamente Julgador. ~' asSim, cna-
reitos de defesa frente aos interesses dà 'fnvestigaçclo no procedi-
nto pena f,46 , Consl'd era-se a ameaça que o processo pode represen- ria um sistema inquisitório potencial sobre um modelo teonca.m,ent~ a~~-
satório, Todavia, será que permitir a produção de prov,as pelo JUIZSignifI-
a todos os envolvidos, e não apenas ao acusado, e coloca-se entre
ca necessariamente cair em um sistema inquisitório? E necessário avali~r
algumas circunstâncias da prática para saber se a intervenção probatóna
Tradução livre de: "Si rilicl/c ('lIe sia impossible per il gim/ice accertare Ia 'verità corresponde a uma postura inquisitiva,
assoluta' a causa della /imilate==a delle capacità umane; quello che conta che e Assim, uma nova pergunta toma-se necessária: há cir~unst~nc,ias
l'accertamel1lo (JI've/lga i/l "ase a prove, /lei rispello delle garw!=ie ./iJl1damelllali",
(TONINI. Paolo. Lineamcnli di diritto processuale penale. 5. ed. Milano: Griuffré,
em que o juiz pode detcnninar a produção de provas sem que IS,SOSIgnIfi-
2007. p. 135.) que a assunção, por parte dele. de IIl11apostura de acusador? Ha pelo mc-
Tradll~'ão livre til': "i /I/';'/{'i/'i ddl'omlità. dell'immediatez=a e dei contraddillorio I/on
!lamlo \'alore ill ,\I' ,\1<'.1'.\1, ""/lI'i ,I'el'l'U/lO ad accerlare Ia verilà /lei mudo migliore".
(IUNINI. 1'01010, I.hICIIIIU·lIlidi diritlo processuale penale .... cil .• p. 135.) 47 ,1,- /10 ,'.1'/1/1'o"/i!!~/d() (/ declarar;
Tradução livre de "eI c!el'c'c/'" ,/.-/ /111/'/11"'/11 el del'e-
c!lo deltesligo a 1/0 1//lloil/,"'IIIIII""I" .-/ ,/,./,'"'''' 1/ 1/0 1(',\II!,car por !'a::olles deJ?Cl-
Tradll\'ilO ItVI\' lIe ",/n·,·,'h",1 clt' cll'fi!llsafrente aios il/lereses de Ia il1Vt!srigacián el1 eI
rel1lesco, proximidac! socil/I "I"",,"" /""/"1111/11/(' (IIi\SSEMER, Wmfncd. Critica
1"'/I'Ir', (I1i\SSEMER. Winfried, Crítica dei derecho penal de hoy .. "
/1/'11'.'.11110"11111
deI derecho penal de hu~' .. ,', . I' 7'1 l-ill )
"1. t' XII I
nos um tipo de eirl'UIISI:lIll'HIl'1lI que isso pode ser pensado: a intervenção ande contraste em relação à .legislação vigente. Elas têm sua exposição
probatória enquanto alo til' ddi:sa (cm casos em que a defesa mostra-se geral no art. 4° do Anteprojeto)! e gravitam em tomo da separação funcio-
negligente ou hú wnliss;)o por parte do réu, por exemplo), como defendi- nal entre os órgãos estatais de acusação e julgamento - característica
4S
da por Eugênio Pacelli til' ()\ivl'ira , Surge disso, o problema de definir o típica de um modelo processual de matriz acusatória.
real alcance do exercil'io dessa atuaçào; definição que só pode ser feita A primeira altcração, presente no próprio art. 4°, é dc que fica ve-
mediante a observação do caso concreto. dada ao juiz do proeesso qualquer atividade instmtória durante as investi-
Desse modo. uma resposta mais precisa à questão de saber se é gações preliminares. Essa medida representa uma significativa conslri,,"üo
possível haver iniciativa probatória do juiz só pode ser adequadamente do poder investigativo do juiz. A Segunda, diz respeito à produçüo de
respondida considerando as diliculdades das investigações concretas, as provas no curso do processo. O art. 162 do Anteprojeto estabelece, em
limitações impostas pelo ato de conhecer e os valores da ordem constitu- substituição ao vigente art. 156. que as provas devem ser propostas pdas
cional em vigor, a partir do modelo unificador adotado no procedimento partes, e o juiz só poderá esclarecer dúvidas sobre esse material probalú-
• - ';1
penal. Dentre a gama de princípios que devem ser respeitados, é necessá- riOposto antenormente--.
rio que sejam estabelecidas, mediante fundamentação e um trabalho de Deixa, portanto, de existir nessa nova proposta Icgislativa um po-
hermenêutica constitucional consistente, quais circunstâncias ensejam a der instmtório irrestrito ao juiz, mas não se tàla ainda de coibir por com-
intervenção probatória do magistrado. E esta deve ser controlada, consi- pleto sua capacidade de detcrminar a produção de provas, E, nesse sent i-
derando-se a linha tênue existente entre ela e o risco de um processo pe- do, parece ser possível admitir que não se abra mão de um recurso à cria-
nal permeado de arbitrariedades. . tividade do julgador, no que parece apropriada a consideração de Hélio
Nesse sentido, é importante notar que o projeto de lei de um novo Tomaghi segundo a qual, "é certo que o processo é atividade empírica,
CPP (PLS 156/2009) que foi votado em primeiro turno no Senado no dia nem sempre compatível com lima lógica .fôrmal e abstrata: a realidade
09.12.2010, parte explicitamente de uma matriz acusatória, o que mos- não tem lógica. Mas a[ el1lra a sabedoria do jlliz. aquilo que os romanos
tra uma ruptura com a matriz inquisitiva do Código atual. A sua Expo- chamavam prlldentia")3.
sição de Motivos, assinada pelo Min. Hamilton Carvalhido e por Eugê-
nio Pacelli de Oliveira, salienta que "a decisãtJ>::judicialhá de se Jimdar
em conhecimento - o mais amplo possível - de modo que v atv de jul-
gamento nào seja única e solitariamente um ato de autoridade,,4<J.Há
uma nítida prevalência da necessidade de cognição, em detrimento de Neste artigo pretendeu-se abordar a iniciativa probatória do juiz
um irrefreável poder de decisão judicial. Porém, a percepção dos pro- no processo penal, de modo a aclarar as dificuldades teóricas que permeiam
blemas que envolvem o ato de conhecer tem aqui uma formulação com- o assunto na tradição jurídica brasileira. Deu-se enfoque especial aos
pletamente distinta. Ti crimes contra a ordem econômica, por representarem eles uma modalida-
A expressão "verdade" deixa de ser utilizada como o limite má- de delitiva que coloca o processo penal em posição dramática: entre a
ximo da investigação, na medida em que a própria Exposiçào de Motivos necessidade de investigar eficientemente, correndo o risco de flexibilizar
suscita uma "consciência das limitações inerentes ao conhecimento hu-
mano" somada a uma "maturidade social na árdua tarefa do exercício do o
51 "Arf. 4°. processo penall('/"ú ""I'II'I//,{/ uel/sulúria. nos limites definidos neste Cúdi-
poder"so. Assim se justifica a necessidade de limitação dos poderes pro- go, vedada a iniciotÍl'a do jl/i:: lia lu.\"., de illl"l'stigll('ôo e a Sl/bs1;tllição da atllaçâo
proba/ório do órgào de oe/l\"<1ç<lo". (BRASIl.. Anteprojeto de Reforma do Código
batórios do juiz, e há, pelo menos, duas alterações que representam um de Processo Penal. Brasília: Senadu Federal, Sunsccrelaria de Edilfões Técnicas,
2009. p. 29.)
52 "Ar/. 162. As pl'O\'Gs serão l>r0l'''''''' 1"'/'/\ 1"11'1.'.1" Parúgrafo único. Será Il/Cldlado
4X OLIVEIRA, Eugenio Pacdli de. Curso de processo penal. 12. ed, Rio de Janeiro: aoj/li::, antes de prolérir li .\",-/11"1/\11. ",tilll'l""'" dlÍl'ldll ,Wlhrc a ,,,'0\'(1 pro,ái::ida. ob-
Lumen Juris. 2009, p. 311'-327. serl'Odo o disposto /10 arl. ·r·. (IIRASII AnH'llrn,jt'lll de Reforma do Código de
49 BRASIL. Anteprojeto de Reforma do Código de Processo Penal, Brasília: Senado Processo Penal. 2009, p. (,() )
Federal, Subsecrelaria de hliçi1cs Técnicas, 2009, p. 15. 53 TORNAGHI. Hélio. ('urso ti" 111"11I"'\\011"11"1 I ed. Siiu Paulo: Saraiva, 1980,
;0 BRASIL. Anteprojeto de l{cI'lIrll1l1do Código de Processo Penal. p. 16. p. 272.
mtias conquistadas pl'lo dlrl:lto penal de bens jurídicos individuais, e a sação e ao da defesa. Essa perspectiva não se mostra como a única
'essidade de preservar essas garantias, correndo risco de abrir margem sível, uma vez que a participação probatória do juiz significa uma
npunidade. Para tratar do 1\.'11101, prm;urou-se isolar dois fatores essen- ior fragilização de sua já de antemão frágil posição de imparcialidade,
s que corriqueiramente aparecem Ii.mllulados de forma pouco clara, o cssária para um julgamento que prime pela isenção. Nesse sentido, a
tem como consequêlll:ia a rl'du\üo do discurso processual penal a um strição total dos poderes probatários dos juízes figura-se, também,
;urso dissociado das circunst:indas de seu tempo. mo wna opção possível.
O primeiro desses fatores ~ o estatuto ontológico da prática pro- De todo modo, mesmo que não se possa oferecer uma posição de-
sua I penal. Demonstrou-se, nesse sentido, que há um estatuto ontoló- itiva, pretendeu-se reorganizar o modo como esses dois fatores (estatu-
=> difuso nas práticas processuais que atirma ser a verdade um objetivo ontológico e estatuto político) podem orientar a percepção do espaço
.gível da busca processual. Confonne demonstrado, ele recai em três iniciativa instrutória dos juízes no processo penal. A principal conlri-
:msistências fortes: ignora o tàto de que todo conhecimento é media- uição que se espera oferecer ao tema está na inversão do discurso qlll~
não consegue responder às suas próprias contradições quando há ne- siciona a verdade como centro da investigação processual penal. ÂII
sidade de justificar limitações ao ato de conhecer; e tende a ser des- vés de se buscar uma impossível verdade imutável do t~lto passado 1011
Isiderado diante das necessidades de investigação calcadas no interesse )mo ele teria ocorrido, sustenta-se a necessidade de se realizar valores
llico que envolve as circunstâncias do processo penal. Sustenta-se que IBscnciais a uma ordem política democrática na investigação pn>Cl'ssllal.
abre margem a atuações essencialmente inquisitivas, na medida em Assim, evita-se uma abertura a excessos inquisitivos e se possihilita IIIll
': propugna por amplos poderes probatórios aos juizes através de ill- ntrole mais efetivo do processo penal, de modo a preservar a dignidade
lsistências teóricas que não podem ser negligenciadas. 'umana no esforço de convencimento que o permeia.
I Com essa formulação, é refutada também a idcia de que o proces-
b penal pretende construir uma verdade formal ao passo em que se man-
ri I a verdade real como um modelo limite. Do mesmo modo, há uma
eção forte a essa construção: não há critérios de aproximação seguros
lm modelo limite que se admite de antemão ser inatingívcl. Assim, ECK, Ulrich. La sociedad dei riesgo mundial: cn busca de Ia scguridad perdida.
ieres probatórios irrestritos ao magistrado ~eriam representar um llreelona: Paidós. 2008.
orço injustificável em direção ao que sc reconhece impossível; o que ~RASIL. Anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal. Brasília: Senado
!cria se converter, novamente, em espaço de atuações não controlá- :Fcderal, Subsecretaria de Edições Técnicas. 2009.
s. A saída sugeri da neste texto está no reconhecimento da impossibili- 'CÂMARA. Luiz Antonio. Reflexões acerca das medidas caute\ares pessoais nos
"rimes eontm o sistema financeiro nacional. ln: UEV AERD, Jair; TONIN, Marta
le de se alcançar a vcrdade no processo e na renúncia de tê-Ia como (Orgs.). Direito empresarial e cidadania: questões contemporâneas. Curitiba: Juruá,
objetivo. O processo passa a ser visto como ~m jogo de convencimen- 2006.
jos atores envolvidos. Desse modo, os valorel'lque se quer ver realiza- CINTRA, Antonio; GRINOVER, Ada; D1NAMARCO, Cândido. Teoria geral do
; no processo assumem posição de centralidade. É a fixação das regras processo. 24. ed. Sào Paulo: Malheiros. 2008.
jogo que permitem um controlc efetivo sobre ele. :OUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios do processo
nal brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da lJFPR, Curitiba. n. 30, p. 163-
O segundo t~ltorconsiderado é o estatuto político da prática pro- 98,1998.
~sualpenal. Para definir o espaço de atuação do magistrado na produ- DIAS, Jorge de Figuciredo. Direito prol'essual penal. Coimbra: Coimbra, 1974.
) de provas é importante que os valores da ordem política em que o FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. 2. ed. Sào Paulo: USP. 1998.
lcesso penal se encontra sejam levados para o processo. Em um Estado . História do Brasil. I O. cd. S~-IOPaulo: USP, 2002.
mocrático de Direito é necessário que toda a construção processual IDRAJOLl, Luigi. Derecho )' [;11.1;11. X. l'd. Madrid: Editorial Trotta, 2006.
eja atenta à realização dos valores desse Estado. Portanto, é necessária ORECO FILHO, Vicente. Manual dl' prol'l'sSO penal. 6. cd. Sào Paulo: Saraiva,
la conciliação entre a necessidade de se investigar e a preservação da "999.
~nidade dos indivíduos envolvidos. O espaço de produção de provas do ORINOVER. Ada Pellegrini. l\ iJllciallva IlIslllI"·,ria do juiz no processo penal acusa-
"lório. Revista Brasileira de Cillnl'ias ('f'Ílllinllis S;)o Paulo: Revista dos Tribunais.
z deve ser restringido pdo menos a um espaço complementar ao da
n. 27, p. 71-79. jul./sel. 1999. p. 7·1
HASSEMER. Willrn~d ('rilil'1I 1M dt'rccho penal de hoy. Bogotá: UnivcrsidaJ
Extcmado de l'ololllhla, 2002
HUME, David. Inn'sti~lIçlies sobre o l'ntendimento humano e sobre os princípios
da moral. São Paulo: UNI:SI'. 200·1.
LOPES JR., Aury. Introdu"~1I crltkll 110 processo penal: fundamentos da instru-
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Capítulo 3
1989. l. 1, v. b.
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TOURAINE, Alain. Um no\'o paradigma: para compreender o Illundo de hoje.
Petrúpolis: Vozes, 2006. do, fundantes de um novo modo de forjarem-se as relações de confiança
TOURINIfO FILIIO. Fernando da CosIa. Processo Penal: v. I. 27. ed. São Paulo: no tecido social. Por fim, manejam-se as conexões entre os sistemas
Saraiva. 201J5. peritos e as funções (acrescentadas) do direito penal, bem como seu
espaço (aumentado) de atuação.

Promotor de Justiça, Doutor e M~slre l'm Direito das Relações Sociais (UFPR). Pro-
fessor de Direito Penal Econômico do Programa de Mestrado em Direito Empresarial
e Cidadania do Unicuritiba. Professor til' Ilirl'ilo Penal do Unicuritiba, Fempar, Esmac,
Cejur c LFG. Atualmente ('oordena a I'os,( iradllação em Oireito Criminal c Processo
Penal do Unicuritiba.
Luiz Antonio Câmara
.e José AuguslO Delgado Fábio André Guaragni
3aHi Jose Renato Gaziero Cella
Coordenadores
iularte Liberalo José Renato Martins
os Efing Luis Alexandre Carta Winler
) Luiz Anlonio Câmara
a Barbosa Marcos Wachowicz
cchi Gomes Me~ssa Folmann
cioly Néfi Cordeiro
lrlos Duarte Paulo Gomes Pimenlel Júnior
:. S. de Meio Bandeira Paulo Nalin
)Iedo Coelho Gonçalves Rainer Czajkowski
Roberto Calalano Bolelho Ferraz

_ee
s
Vilhelm Berwanger
Roland Hasson
Silma Mendes Berti
Vladimir Passos de Freilas
CRIMES CONTRA A 1\
Savaris

ORDEM ECONOMICA
I

Av. Muuhoz da Rodl'l. l·tI .1m "v," 1:011": (41) 400<)-.'900


l'ax: (411 .1252- U II (TI': ~0.1J.10--l75 Cllritiha Parau;) BraSil
Escritórill: ,·\v. da R~rúblil·~.n 'r··I)f' 11J50-1~~ Lisboa Portugal
Loja: Rua (j~lI~ral T"rr"s, 1.220 Lojas 15 ~ 16 C""tro Comercial
/\ lex.ltldre K nopthol7 l.ui7 Antonio Câmara
[)'Ouro -llIJO-O'J6 Vila Nova de (íawl\'irto Portugal
Bruna Amatllzzi Maria Franeise'l dos Santlls \\xillly
Eduardo Fmanoc\ Dali' .'\gllol dc ~ouza Marion l3aeh
Fábio i\ndrl' (illaragni Sl'ri!io Femando Ferreira de Lima
Fcmando BIJ77á fvlal'lwdp Syl\io Lourenço da Silveira Filho
Câmara, Luiz Anlonio (coord,), Cuilhcrllll? Olivcira dl' .\IIdradc Vallcssa Robena do Rocio Souza

Crimes contra a ordem econômica: te~s atuais de


processo e direilo penal.í Luiz Antonio Câmara, Fábio
André Guaragni (conrds.)./ Curiliba: Juruá. 2011.
312p.
I. Crimes. 2. Direito processual. I. Guaragni, Fábio
Anoré (coord.). 11. Título.

CDD 347.0h(22. ed.}


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