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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE

JUSTIÇA DE SÃO PAULO.

RAFAEL MIRANDA BIANCHI, advogado, brasileiro, solteiro, inscrito na


OAB/SP sob nº 333.513, com escritório na Rua Dr. Raul da Rocha Medeiros, 1822, Centro,
Monte Alto – SP, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos
artigos 5º, inciso LXVIII, bem como nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal,
impetrar ordem de

HABEAS CORPUS
com pedido liminar

em favor de KAUE HENRIQUE SATYRO DE SOUZA, brasileiro, serviços gerais, inscrito no RG


40.431.731/SP, residente e domiciliado na Rua Monteiro Lobato, 254, Monte Alto - SP,
figurando como autoridade coatora a MM. Juiza de Direito da Terceira Vara Criminal da
Comarca de Monte Alto - SP, pelos motivos a seguir expostos.
DOS FATOS

O paciente foi denunciado por incurso nos artigos 35 e 33, caput, c.c. artigo 40, VI,
todos da Lei nº 11.343/06, sob o fundamento de que durante perícia realizada no aparelho
celular do denunciado Gustavo da Silva Ramos, os investigadores e polícia encontraram, no
"WhatsApp" conversas sobre a divisão de tarefas para a comercialização de drogas entre
ambos, onde combinavam quanto cada um venderia de drogas, bem como acertavam a
"padronização da embalagem".

Ao ser interrogado, o paciente negou a prática dos crimes descritos na denúncia,


afirmando que não mantem contato com o corréu Gustavo, apenas o conheceu quando ambos
estavam internados na Fundação Casa.

Em relação ao menor envolvido, a saber, Alan Vinicius Serra Soares, o denunciado


afirma que desconhece quem seja.

Em síntese, são os fatos.

Nos depoimentos pessoais dos Policiais Militares, os mesmos não conseguiram


afirmar que conheciam da associação entre os corréus. Ato continuo, asseguraram que entre
o réu Gustavo e o menor apreendido, esta associação era de conhecimento geral dos
membros da Policia Militar.

No depoimento do corréu, o mesmo afirmou categoricamente que o denunciado


(KAUE) não participa, não participou e muito menos conversou sobre a traficância de
entorpecentes.

Ao término da audiência de instrução, em seus memoriais o Ministério Público


pleiteou a condenação dos denunciados.
Ao final do procedimento fora prolatada a sentença que considerou o paciente
culpado, com pena de 09 (anos) e 04 (quatro meses) meses de reclusão, com regime inicial
fechado, decretando a prisão preventiva.

Em que pese o indiscutível saber jurídico do Ilustre Magistrado a quo, a respeitável


sentença prolatada não merece prevalecer, conforme será demonstrado a seguir.

DA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

O MM. Juiz de primeira instância decidiu decretar prisão preventiva sem, contudo,
elencar elementos concretos que fundamentem a decisão. Apenas aduz genericamente à
gravidade em abstrato do crime, pois “fomenta a prática de outros delitos e atormenta a
sociedade”. Sob tal manto, decretou a prisão preventiva para garantia da ordem pública, para
conveniência da instrução processual e para assegurar a aplicação da lei penal

No que concerne à garantia da ordem pública, sabe-se que está voltada para a
proteção de interesses estranhos ao processo. A expressão “ordem pública” é vaga, de
conteúdo indeterminado. Realmente, a ausência de um referencial semântico seguro para a
“garantia da ordem pública”, coloca em risco a liberdade individual. A jurisprudência tem se
valido das mais diversas situações, todas elas reconduzíveis à garantia da ordem pública:
“gravidade do crime”, “comoção social”, “periculosidade do réu”, “perversão do crime”,
“insensibilidade moral do acusado”, “credibilidade da justiça”, “clamor público”, “repercussão
na mídia”, “preservação da integridade física do indiciado”... Tudo cabe na prisão para garantia
da ordem pública.

Embora, na prática, venham sendo utilizados tranquilamente tais fundamentos da


prisão preventiva, é correta a crítica do Ilustre Antonio Magalhães Gomes Filho (Presunção de
inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 69) no sentido de que a prisão para
garantia da ordem pública fere a garantia da legalidade estrita em termos de restrição da
liberdade.
E, explicitando seu ponto de vista, o professor (Presunção de inocência ..., p. 67-68)
explica que:

“À ordem pública relacionam-se todas aquelas finalidades do


encarceramento provisório que não se enquadram nas exigências de
caráter cautelar propriamente dita, mas constituem formas de privação de
liberdade adotadas como medidas de defesa social; fala-se, então, em
‘exemplaridade’, no sentido de imediata reação ao delito, que teria como
efeito satisfazer o sentimento de justiça da sociedade; ou, ainda, em
prevenção especial, assim entendida a necessidade de se evitar novos
crimes; uma primeira infração pode revelar que o acusado é
acentuadamente propenso a práticas delituosas ou, ainda, indicar a
possível ocorrência de outras, relacionadas à supressão de provas ou
dirigidas contra a própria pessoa do acusado. Parece evidente que nessas
situações a prisão não é um ‘instrumento a serviço do instrumento’, mas
uma antecipação da punição, ditada por razões de ordem substancial e que
pressupõe o reconhecimento da culpabilidade.”

No mesmo sentido, também merecendo transcrição, é o posicionamento de Odone


Sanguiné (Clamor público como fundamento da prisão preventiva, In: SHECAIRA, Sérgio
Salomão (Org.). Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva (Criminalista do
Século). São Paulo: Método, 2001, p. 258-259):

“Quando se argumenta com razões de exemplaridade, de eficácia da prisão


preventiva na luta contra a delinqüência e para restabelecer o sentimento
de confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico, aplacar o clamor
público criado pelo delito, etc., que evidentemente nada tem a ver com os
fins puramente cautelares e processuais que oficialmente se atribuem à
instituição, na realidade se introduzem elementos estranhos à natureza
cautelar e processual que oficialmente se atribuem à instituição,
questionáveis tanto desde o ponto de vista jurídico-constitucional como da
perspectiva político-criminal. Isso revela que a prisão preventiva cumpre
‘funções reais’ (preventivas gerais e especiais) de pena antecipada
incompatíveis com sua natureza.”

Em suma, quando se prende para “garantir a ordem pública” não se está buscando a
conservação de uma situação de fato necessária para assegurar a utilidade e a eficácia de um
futuro provimento condenatório. Ao contrário, o que se está buscando é a antecipação de
alguns efeitos práticos da condenação penal. No caso, privar-se o paciente de sua liberdade,
ainda que juridicamente tal situação não seja definitiva, mas provisória, é uma forma de tutela
antecipada, que propicia uma execução penal antecipada.

Justamente por isso, a doutrina, tem destacado que a prisão para garantia da ordem
pública não tem finalidade cautelar: José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual
Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1965, p. 49-50; Roberto Delmanto Jr., As Modalidades de Prisão
Provisória e seu Prazo de Duração. Rio de janeiro: Renovar, 1998, p. 156; Aury Lopes Jr.,
Introdução Crítica ao Processo Penal – Fundamentos da Instrumentalidade Garantista. 3 ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 208.

Por tudo isso, não se acredita que exista eventual necessidade de prisão preventiva
do paciente, para “garantia da ordem pública”, mormente identificando-a com a gravidade
abstrata do delito, por ser equiparável aos crimes hediondos.

Todavia, caso seja diverso o posicionamento deste Tribunal de Justiça, que adita, em
tese, a possibilidade de prisão preventiva para garantia da ordem pública, passa-se a
demonstrar a inocorrência do periculum libertatis, no presente caso, identificado com tal
requisito da prisão preventiva.
O único fundamento invocado seria, em tese, a gravidade do delito, que por
“fomentar a prática de outros delitos e atormentar a sociedade”, necessitaria da custódia
cautelar, para a garantia da ordem pública.
Há, implicitamente, em tal forma de pensar, a manutenção da prisão cautelar
obrigatória, como simples corolário a imputação penal, no caso o tráfico de drogas, tido de
tamanha gravidade por uma convicção pessoal do magistrado.

Desnecessário ressaltar que, tal modalidade de prisão que já existiu em nosso


sistema, na redação originária do art. 311 do Código de Processo Penal, em boa hora foi
revogada pela Lei n. 5.349, de 3 de novembro de 1967.

Por outro lado, a tentativa de ressuscitá-la, na Lei dos Crimes Hediondos, sob a
vedação de qualquer forma de liberdade provisória (art. 2º, inc. II) e, posteriormente, em
dispositivo semelhante constante da Lei n. 11.343/2006, art. 44, caput, foi frustrada, vez que
revogados tais artigos pela Lei n. 11.464, de 2 de março de 2007, posto que incompatíveis
com a presunção de inocência.

Não tem sido aceita a prisão decretada com base apenas na gravidade abstrata do
delito, mesmo quando se trate de crime hediondo ou, no caso, tráfico ilícito de entorpecente,
que se equipara a tais delitos por disposição legal. Nesse sentido: STF, HC n. 90.862/SP, 2ª T.,
Rel. Min. Eros Grau, j. em 27/04/07. v.u.; STF, HC n. 88.408/SP, 1.ª T. Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, j. em 22/09/06; STF, HC n. 87.041/PA, 1.ª T., Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 24/11/06
v.u.; STF, HC n. 81.126/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 08/03/02; STJ, RHC n. 11.755/RS, 6.ª T.,
Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 12/11/01. v.u.; STJ, HC n. 18.633/SP, 5.ª T., Rel. Min. José
Arnaldo da Fonseca, j. 08/04/02 v.u.

De qualquer forma, no presente caso, considerando concretamente o crime tal qual


teria sido praticado pelo paciente, em si e concretamente considerado, não se mostra de
gravidade elevada.
Com relação às demais situações que poderiam caracterizar o periculum liberatis,
para que não reste a menor dúvida sobre a desnecessidade da prisão do paciente, passa-se a
demonstrar a inocorrência das demais hipóteses legais que poderiam justificá-la.
Não há de se cogitar da prisão preventiva para garantia da ordem econômica. Com
efeito, refere-se tal fundamento apenas às hipóteses de delitos econômicos, crimes contra as
relações de consumo ou crimes contra o sistema financeiro nacional. À evidência, não se trata
da hipótese em exame, posto que a imputação que pesa sobre o paciente tem por objeto o
crime de trafico ilícito de drogas. Sob esse aspecto, desnecessárias maiores considerações.

No que concerne à prisão cautelar por conveniência da instrução criminal, expressão


de sentido por demais amplo, deve-se compreender somente os casos nos quais a instrução
criminal não se faria ou se deturparia sem a prisão cautelar. Como, v.g., são os casos em que o
acusado tenta subornar ou intimidar as testemunhas, procura fazer desaparecer os vestígios
do crime praticado, ou, de qualquer outra maneira concorre para impedir que o juiz colha as
provas necessárias à apuração correta dos fatos.

Por último, a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal visa evitar que diante
de uma possível fuga do Acusado, pelo temor da condenação, uma possível execução da
sanção penal pudesse ser frustrada. Busca garantir, assim, os fins do processo. Porém,
também não há nos autos nada, absolutamente nada, que evidencie que o paciente procure
evadir-se.

O status de inocência do paciente não permite a imposição de qualquer restrição à


sua liberdade, que não seja absolutamente necessária.

A prisão cautelar, como medida processual de restrição da liberdade de quem ainda


se presume inocente, e não pode ser equiparado aos condenados por sentença transitada em
julgado, não pode representar uma pena antecipada.
Lembre-se, por necessário, que após inúmeros julgados nesse sentido, o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, em 10 de maio de 2012, reconheceu, incidenter tantum, a
inconstitucionalidade da vedação da liberdade provisória no tráfico de drogas, em razão da
ofensa direta ao princípio da presunção de inocência.

Em suma, a nova lei se resume na observação do princípio da presunção da


inocência: simplesmente coloca o diploma processual penal em sintonia com a Constituição
Federal, no sentido de que a prisão processual apenas e tão-somente poderá ser decretada,
caso realmente não haja outro meio para garantir a satisfação da futura e eventual tutela
jurisdicional. Conforme a Carta Magna, a liberdade é a regra, e a prisão, a exceção.

Ante todo o exposto, ausentes os requisitos necessários à manutenção da custodia,


de rigor, requer a revogação da prisão preventiva decretada.

DA NULIDADE DO CUMPRIMENTO DO MANDADO DE PRISÃO

O paciente fora surpreendido pela ação policial dentro de sua residência, em uma
QUINTA-FEIRA, ÀS 22:20HRS, acordando-o, onde lhe fora dada voz de prisão.

A prisão não merece prosperar, tendo em vista que fora baseada em entrada
estritamente ilegal.

Os policiais chegaram ao paciente, alegando estarem em uma “perseguição”, onde


este individuo DESCONHECIDO teria adentrado no imóvel, motivo pelo qual os militares
também invadiram a residência.

No quintal da residência, situado aos fundos, bateram na porta e foram atendidos


pela tia do paciente. Ato continuo, indagaram se a mesma teria notado alguma movimentação
suspeita, o que foi negado.
Posteriormente, os Policiais Militares perguntaram quem estava na casa e solicitando
a entrada, pedido que também fora denegado. Diante disto, usando de força, empurraram a
porta e lograram êxito em invadir a residência.

Claramente, não existia nenhuma perseguição.


Em se tratando de direitos e garantias fundamentais, não podemos nos contentar
com a mera lógica-formal como única ferramenta de interpretação.

Há que se buscar o espírito da garantia inscrita no artigo 5º, XI da Constituição


Federal: o que moveu o Constituinte quando estabeleceu referida garantia? Eis a questão, que
não pode ser respondida com base apenas na Velha Hermenêutica.

A transcendência das normas processuais garantidoras inseridas na CF, que foram


erigidas paralelamente ao constitucionalismo, em verdadeira interação entre processo e
Estado, não permite que nos contentemos em decifrar normas constitucionais apoiados num
único e vetusto viés interpretativo.

Ora, há que se considerar que os relatos policiais revelam a ilegalidade da busca


domiciliar conduzida na noite, sem qualquer respaldo legal, que importou em violação de
norma constitucional e processual, quais sejam: (I) ‘a casa é asilo inviolável do indivíduo,
ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante
delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial’
(Constituição Federal, art. 5o, inciso XI); (II) ‘quando a própria autoridade policial ou judiciária
não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de
mandado’ (Código de Processo Penal, art. 241).

A prisão da forma efetuada, ofendeu o disposto no art. 5º, inciso XI, da Constituição
Federal, pois se deu mediante violação de domicilio.
TAL AÇÃO, SE DEU MEDIANTE CONDUTA ARBITRÁRIA, ENTENDENDO-SE A
ARBITRARIEDADE EM SEU CONCEITO GRAMATICAL, COMO AVESSO À LEI, JÁ QUE OS AGENTES
INVADIRAM A RESIDÊNCIA EM PERÍODO NOTURNO.

Também é arbitrária a conduta no sentido jurídico, uma vez poder o agente público,
no caso o servidor público policial, pelo ato da prisão, agir apenas de modo discricionário,
sempre obedecendo os limites legais. NÃO FIZERAM. Foram ao local e invadiram a residência
do paciente.

Assim, e pela estrita particularidade do caso dos autos, de rigor o relaxamento da


prisão efetuada.

DOS PEDIDOS

Ante o exposto, apontada a ofensa à liberdade de locomoção do paciente, encontra-


se presente, in casu, o fumus boni iuris. No mesmo sentido, verifica-se a ocorrência do
periculum in mora, pois a liberdade do paciente, somente ao final, importará em inaceitável e
injusta manutenção de violação ao seu status libertatis. Presente, portanto, seus requisitos,
requer a concessão da medida liminar, para possibilitar que o paciente possa responder ao
processo em liberdade até decisão final transitada em julgado, devendo ser expedido o
competente alvará para imediata soltura do Paciente, com as devidas comunicações de praxe.

No mérito, requer o relaxamento da prisão pela evidente ilegalidade da referida


invasão ao domicilio, que ocorrera no período noturno e sem autorização de ingresso.
Subsidiariamente, requer a revogação da prisão preventiva, ante a ausência de seus requisitos.

Requer, outrossim, que as publicações sejam efetuadas exclusivamente em nome do


DR. RAFAEL MIRANDA BIANCHI, OAB/SP 333.513, para que fique constando das publicações
de intimação dos atos e termos do presente feito, sob pena da caracterização de nulidade.
Termos em que, pede deferimento.
Monte Alto, 06 de abril de 2016.

RAFAEL MIRANDA BIANCHI


OAB/SP 333.513

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