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PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL

1. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito,


conforme inciso III do art. 1º da Constituição brasileira, já que o ser humano é o fim que se almeja
na República e, dessa forma, o Estado existe para o bem das pessoas. Por ser a raiz de outros direitos
fundamentais, exerce várias funções.
Constitui um princípio e um direito fundamental, está presente como cláusula pétrea no art.
60 § 4º, IV, e como fundamento do Estado brasileiro no art. 1º, inciso III, conquanto não esteja no
rol do art. 5º, a dignidade da pessoa humana possui a natureza de princípio fundamental, pois é
certo que a Constituição brasileira possui direitos fundamentais espalhados por outros
dispositivos (COSTA NETO, 2014).
Como direito fundamental, permite reivindicações concretas, direitos subjetivos, enquan- to
princípio, além de fundamentar pretensões subjetivas e concretas, constitui uma garantia para
toda a sociedade e representa um vetor de interpretação de todo o ordenamento jurídico,
exercendo função interpretativa em todos os ramos do direito.
Na qualidade de princípio-limite, a dignidade da pessoa humana constitui uma barreira
contra modelos totalitários de Estado “e contra experiências históricas de aniquilação exis-
tencial do ser humano e negadoras da dignidade da pessoa humana (escravatura, inquisição,
nazismo, estalinismo, polpotismo, genocídios étnicos)” (CANOTILHO; MOREIRA, 2007, p.
198). Segundo José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira (2007, p.199), a dignidade hu-
mana constitui um “princípio antrópico ou personicêntrico”, que, portanto, possui relação di- reta
com outros direitos fundamentais, presentes no próprio texto da Constituição, como o direito
à vida, integridade física e psíquica, personalidade, liberdade e igualdade.
Por outro lado, não é unânime entre os pensadores do Direito Penal a ideia segundo a qual a
dignidade da pessoa possui natureza de princípio penal. Guilherme de Souza Nucci afirma “que
a dignidade da pessoa humana é uma meta a ser atingida pelo Estado e sociedade bra- sileira, nada
tendo a ver com um princípio penal específico” (NUCCI, 2012, p. 46).
Com amostragem de decisões do STF, João Costa Neto afirma que existe um uso
abusivo do princípio da dignidade da pessoa humana pela Corte, que tem fomentado
demandas com a sua justificativa, com uma indefinição generalizada quanto ao seu
conteúdo, revelando uma trivialização do conceito e do conteúdo de dignidade humana,
tornando-a uma cláusula am- bígua, vaga e abrangente (COSTA NETO, 2014).
O princípio da dignidade da pessoa humana forma o alicerce de todos os demais princí-
pios penais, atuando em diversos momentos, que garante ao ser humano a não violação com
penas desumanas, cruéis e atrozes, bem como constitui baliza para a construção de bens jurídicos
penais específicos, conforme capítulo dos crimes contra a dignidade sexual, termi- nologia que
substituiu os crimes contra os costumes, incluída no Código Penal brasileiro pela Lei n. 12.015,
de 7 de agosto de 2009.

1.1. USO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


NA JURISPRUDÊNCIA DO STF E DO STJ

Na jurisprudência penal e processual penal do Supremo Tribunal Federal, a dignidade da


pessoa humana é utilizada, a título de ilustração, em matéria de execução provisória da pena
(IMPORTANTE: mudou novamente o entendimento no ano de 2019, para não admitir a execu-
ção provisória da pena após a confirmação da condenação em 2º Grau.); para fundamentar a
liberdade provisória em casos de negação legislativa literal, como, por exemplo, no caso do art. 44
da Lei n. 11.343, de 2006; bem como para relaxar prisão cautelar de duração excessiva; no processo

1
de dosimetria da pena, de fixação do regime inicial de cumprimento de pena; e, ainda, na execução
penal, para conceder regime aberto domiciliar em caso de paciente com doença grave e fora das
hipóteses previstas no art. 117 da LEP.
Conforme visto anteriormente, a dignidade da pessoa humana constitui um princípio usa-
do pelo STF com vários significados e com diferentes potencialidades, como fundamento para
revogar prisão cautelar, para examinar execução provisória da pena, para flexibilizar re- gimes
de cumprimento de pena.
A dignidade da pessoa humana não deve ser vulgarizada na fundamentação das decisões, mas
o seu uso deve ser subsidiário, pois constitui um direito fundamental de liberdade geral que
deve conceder passagem para outros direitos fundamentais especiais. Todavia, não é isso o
que se observa no dia a dia do Supremo Tribunal Federal, onde a dignidade da pessoa humana
tem sido utilizada com ambiguidade e imprevisibilidade quanto ao seu conteúdo.
No que concerne à relação entre o princípio da dignidade da pessoa humana, merece des-
tacar algumas posições do STF e do STJ, que podem ser cobradas em concursos.

1.2. USO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA


HUMANA PELO STF E O E O ART. 25 DA LCP (DECRETO-LEI N.
3.688, DE 1941)

O princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da isonomia foram utilizados no RE


583523 para afastar a tipicidade da conduta prevista no art. 25 da Lei de Contravenções Penais
(Decreto-Lei n. 3.688, de 1941), quando o STF não reconheceu a sua recepção pelo ordenamento
jurídico brasileiro e fixou tese.

Art. 25 do Decreto-Lei n. 3.688 (LCP):

Ter alguém em seu poder, depois de condenado, por crime de furto ou roubo, ou enquanto
sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas
ou alte- radas ou instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não
prove destinação legítima: Pena – prisão simples, de dois meses a um ano, e multa de duzentos mil
réis a dois contos de réis”: BRASIL. Decreto-Lei n. 3.688, 3 de outubro de 1941. Lei de
Contravenções Penais

STF “RE 583523 –

O art. 25 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-lei n. 3.688/1941) não foi recepcio-


nado pela Constituição de 1988, por violar os princípios da dignidade da pessoa humana (CF,
art. 1º, III) e da isonomia (CF, art. 5º, caput e I). Obs: Redação da tese aprovada nos termos
do item 2 da Ata da 12ª Sessão Administrativa do STF, realizada em 09/12/2015”. BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário 583.523/RS. Recurso
extraordinário. Constitucional. Direito Penal. Contravenção penal. 2. Posse não justificada de
instrumento de emprego usual na prática de furto (artigo 25 do Decreto - Lei n. 3.688/1941).
Réu condenado em definitivo por diversos crimes de furto. Alegação de que o tipo não
teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Argui- ção de ofensa aos
princípios da isonomia e da presunção de inocência. 3. Aplicação da sistemática da
repercussão geral – tema 113, por maioria de votos em 24.10.2008, rel. Ministro Cezar Peluso.
[...] 6. Reconhecimento de violação aos princípios da digni- dade da pessoa humana e da
isonomia, previstos nos artigos 1º, inciso III; e 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal. Não
recepção do artigo 25 do Decreto-Lei n. 3.688/41 pela Constituição Federal de 1988. 7. Recurso
extraordinário conhecido e provido para absolver o recorrente nos termos do artigo 386, inciso

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III, do Código de Processo Penal. RECTE.: Ronildo Souza Moreira. RECDO.: Ministério
Público do Estado do Rio Grande do Sul. Relator Ministro Gilmar Mendes.
Julgado em 03/10/2003.

Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=69
97511>.
Acesso em: 11 jan. 2018.

Ressalte-se que o fato estava prescrito, mas o relator resolveu enfrentar o mérito poren
tender que seria mais benéfico ao acusado. No caso concreto, o recorrente havia sido conde-
nado pela prática da conduta prevista no art. 25 da LCP, depois de condenado anteriormente
pelo delito de furto qualificado.
A Defensoria Pública pleiteou a não recepção do art. 25 da LCP por violar o princípio
da isonomia, ao tratar de forma desigual as pessoas pelo seu passado, e ao princípio da
ofensividade do Direito Penal, pois a posse do instrumento em si, no caso, chave falsa ou
alterada ou instrumento comumente usado na prática de furto, não ofende qualquer bem
jurídico. O MPF, em parecer, aduziu que o recurso deveria ser conhecido, mas não provido,
uma vez que se tratava de infração penal de perigo abstrato.
Para alicerçar a possibilidade do controle de constitucionalidade no caso em apreço,
o relator, ao iniciar o fundamento do voto, fez uso do princípio da proporcionalidade com a
construção doutrinária alemã sobre o dever do Estado de proibir determinada conduta, de
proteger o indivíduo contra os ataques de terceiros e de evitar riscos. Explicou que os direitos
fundamentais não podem ser vistos apenas como proibição do excesso, mas também como
proibição da proteção insuficiente ou imperativos de tutela. Em seguida afirmou que os man- dados
constitucionais de criminalização também exercem o papel de limitar a atividade do legislador,
além de impor a existência de um sistema de proteção por meio de normas penais.
Deixou claro, mais uma vez, que a criação de infração penal de perigo abstrato não
constitui, por si só, um comportamento inconstitucional do legislador, uma vez que, muitas
vezes, acaba sendo a melhor alternativa para a proteção de bens jurídico-penais
supraindividuais ou de caráter coletivo.
Com relação ao art. 25 da LCP, afirmou que se tratava de infração penal de mera
conduta, que almeja a proteção futura do bem jurídico patrimônio. Mas ressaltou que o
legislador esti- pulou uma qualidade do sujeito ativo, ou seja, ser conhecido como vadio ou
mendigo. E frisou que, nesse aspecto, não se pode punir o sujeito pelo que ele é, pois isso
caracterizaria um Direito Penal do autor.
Sustentou que a lei tratou de maneira desigual as pessoas pela sua condição
econômica de vadio ou de mendigo ou depois de ter sido condenado por furto ou roubo,
ou enquanto sujeito a liberdade vigiada, afrontando os princípios da dignidade da pessoa
humana e da iso- nomia previstos nos arts.1º, inciso III, e 5º caput, inciso I, da Constituição
Federal. Ressaltou, para a terceira hipótese, de sujeitos condenados, que a reincidência não
pode funcionar como elementar da infração penal.
É certo que alguns dispositivos da LCP merecem exame relativo à recepção por parte do
STF, não somente o art. 25, objeto da análise. A título de ilustração, os arts.59 e 60 da LCP
sempre possuíram dificuldade de conformação com a ordem constitucional. Quanto ao art. 60, que
punia a mendicância, o problema foi resolvido com a sua revogação promovida pelo Legislador.
Restou o art. 59, que pune a vadiagem de pessoa que não possui recursos financeiros.

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1.3.USO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA E A TORTURA NOS CHAMADOS CASOS DE BOMBA-
RELÓGIO

Um tema ainda em discussão na doutrina diz respeito ao uso da tortura nos


chamados casos de bomba-relógio.

EXEMPLO: uma bomba irá explodir no centro de uma grande cidade por volta do
meio-dia (São, Londres, Paris). A polícia identifica e prende o terrorista, mas ele já
instalou a bomba e quer apontar o local onde se encontra o explosivo. Pode haver
tortura neste caso para salvar (tentar) a vida de milhares de pessoas?

Em primeiro lugar, não há resposta exata para a questão. O tema é objeto de celeuma
na doutrina. Há parte da doutrina que trabalha com a hipótese de estado de necessidade, há
ou- tros que trabalham com a regra dos custos, com colisão de deveres e, ainda, com a regra
da decadência.
Segundo o Luíz Greco, sem concordar com as referidas posições, as regras da
decadência e dos custos significam o seguinte:
Regra da decadência: “Quais as regras que se encontram implícitas nas justificações
da exceção à proibição da tortura acima mencionadas? Se, apesar de a tortura violar a
dignidade humana, é per- mitido torturar porque, nos casos de bomba relógio, o candidato à tortura
provocou de maneira res- ponsável a situação, acabou-se por propor implicitamente uma regra
de seguinte teor: a dignidade é algo que se pode perder em razão de um comportamento
prévio (“regra da decadência”). Quem se comporta mal perde, por causa de seu mau
comportamento, a pretensão de não ser torturado e de que a sua dignidade seja respeitada”.
[...]
Regra dos custos: “O segundo aspecto favorável à tortura nos casos de bombas relógio
é o que se reporta à dimensão do dano esperado. Pois bem, se isso é relevante para permitir
que se viole a dignidade humana, então se está aceitando implicitamente a seguinte regra:
a dignidade é algo que apenas se tem de respeitar na medida em que os custos desse
respeito não ultrapassem um determinado limite (“regra dos custos”).”. (GRECO, 2009,
p.241-245).

O tema não é pacífico e envolve o desafio de superar as vedações contidas em Tratados


Internacionais quanto à tortura, por constituir um crime de lesa humanidade, presente nos
ordenamentos da maioria dos países. Todavia, a cada dia, com o crescimento de atentados
terroristas, as mitigações ao uso da tortura se evidenciam, como EXEMPLO, o direito penal
do inimigo, já utilizado em algumas situações nos EUA e em países da Europa, para combater
grupos terroristas. Esse tema será aprofundado no capítulo sobre Temas de Política Criminal, não
será abordado aqui dentro dos princípios.
A legalidade penal, numa acepção formal, significa a exigência de lei em matéria penal,
que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, conforme
art. 5º, XXXIX, da CRFB e art. 1º do Código Penal brasileiro.
A legalidade material constitui um princípio indicativo da política criminal do Estado
De- mocrático de Direito que deve ser correlacionado com os demais princípios penais
constitucionais, que deve estar ligado aos valores constitucionais e aos tratados
internacionais de direitos humanos.
Sob a direção da legalidade material, na construção da ‘norma’ penal incriminadora,

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exi- ge-se a tipologia certa, taxativa e clara. Deve-se evitar a tipologia aberta e
indeterminada, o uso frequente de elementos normativos, bem como a tipificação constante
do perigo abs- trato, salvo em situações necessárias

Pode-se afirmar, desse modo, que a legalidade constitui uma garantia formal e material
no contexto de um Estado Democrático de Direito. Com outras palavras, a doutrina ainda afirma

EXEMPLO: tutela preventiva de bens jurídicos coletivos e supraindividuais,


como meio ambiente, a segurança pública.

que “o princípio da legalidade encerra quatro garantias fundamentais: garantia crimi- nal
(nullum crimen sine lege), garantia penal (nulla poena sine lege), garantia de execução e
garantia jurisdicional” (OLIVÉ; PAZ; OLIVEIRA; BRITO, 2011, p.84).
Diante disso, há vedação de criação de crimes pelos costumes, analogia, princípios, sú-
mulas vinculantes, súmulas, medida provisória, jurisprudência, medida provisória. Nesse
sen- tido, merece crítica a decisão do STF, que sob o argumento de racismo social, tipificou a ho-
mofobia (STF ADI 4.733 e o Mandado de Injunção 4.733- A).
O princípio da legalidade pode ser denominado de princípio dogmático e estruturante, está
previsto no texto constitucional e/ou leis infraconstitucionais, bem como em documen- tos
internacionais que, no caso brasileiro, foram ratificados. Não se pode, a título de ilustra- ção,
imaginar um Direito Penal democrático desprovido do princípio da legalidade penal com
todos os seus corolários advindos do período iluminista.

Segundo Busato, ao tratar do princípio da legalidade:

Estado de Direito está associado ao princípio da legalidade; o Estado Social


está associado à ne- cessidade de intervenção penal e, como tal, justificado pelo
princípio da intervenção mínima, vale dizer, pelo condicionamento de intervir
somente onde é necessário; e o Estado Democrático se identifica com o
princípio de culpabilidade, porquanto a ideia de pôr o estado a serviço da
defesa dos interesses do cidadão significa respeitá-lo individualmente e
limitar a intervenção Estatal à efetiva atuação culpável do sujeito.
(BUSATO,2013, p. 23).

Sobre outra perspectiva, Luigi Ferrajoli divide o princípio da legalidade em mera legalidade
(lata legalidade) e em legalidade em sentido estrito. Como mera legalidade, o princípio exige que
a definição da conduta penal e a especificação da pena estejam na lei. Por sua vez, como
legalidade estrita, compreende todas as demais garantias (nulla lex poenalis sine necessitate,
sine injuria, sine actione, sine culpa, sine judicio, sine accusatione, sine probatione, sine
defensio- ne). Observa-se desse modo duas estruturas distintas do mesmo princípio. No
primeiro caso, a lei é condicionante, trata-se da legalidade da forma e da fonte como
condições de existência e de vigência da norma que estabelece delito e pena, qualquer que
seja o seu conteúdo. No segundo caso, a legalidade, cercada pelas garantias, representa uma
condição de validade e de legitimidade das leis vigentes (FERRAJOLI, 2010).
Obs.: Segundo Nilo Batista, parece que o primeiro corpo de leis penais a incluir o princípio
da legalidade foi a codificação de D. José II da Áustria de 1787 (Josephina). Antes disso, o
art. 9º da Declaração da Virgínia de 1776 impedia a promulgação de leis maléficas com
efeito retroativo, o que se repetiu com a proibição de decreto de proscrição (lei retroativa) no
art. 9º, I, da Constituição americana de 07 de setembro de 1787. Em seguida, no ano de 1789,

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em França, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, no seu art. VIII, estabeleceu a
necessidade de anterioridade da lei penal. (BATISTA, 2007).
No Brasil, a primeira previsão do princípio da legalidade penal com o seu corolário reser- va
legal ocorreu na Constituição de 1824. Quando surgiu o princípio da legalidade penal no Brasil?
PROVA ORAL DO MPBA, PROMOTOR DE JUSTIÇA (2019). O Direito Penal brasileiro do século
XIX foi marcado pelo Código Criminal de 1830 e pelo Código Penal de 1890, enquanto, no
século XX, surgiu o Código Penal de 1940 e a Reforma da Parte Geral em 1984.

Na qualidade de princípio dogmático-estruturante, a legalidade está presente no art. 5º,


inciso XXXIX, da Constituição brasileira, bem como no art. 1º do Código Penal, como um prin- cípio
final, orientador do Direito Penal brasileiro, que alicerça as demais normas no seu tronco, que
dirige as normas penais do Código Penal, com sua parte geral repleta de conceitos dentro de um
sistema coeso, bem como os tipos da Parte Especial e da Legislação Especial.

1.4. LEGALIDADE E RESERVA LEGAL

Como corolário da legalidade, o princípio da reserva legal, que exige lei em sentido estrito,
é dogmático-estruturante, visto que orienta a formação dos preceitos primários e secundá-
rios das normas penais incriminadoras.
A legalidade, como princípio penal, é reforçada pela legalidade em sentido estrito, ou seja,
pelo princípio da reserva legal, o qual exige lei em sentido estrito na formação da norma incri-
minadora, afastando-se de qualquer outra espécie normativa.
Há necessidade de Lei da União (art. 22, I, da CRFB) em sentido estrito para tipificar
con- dutas criminosas. Prevalece que a previsão de delegação de determinadas matérias aos
Estados-membros, prevista no parágrafo único do referido art. 22 da CRFB, não alcança a
matéria penal.
Ressalte-se, contudo, que essa é uma interpretação doutrinária, não havendo vedação
literal no texto constitucional. Na doutrina do Direito Constitucional, o Pedro Lenza sustenta
a possibilidade de uma emenda constitucional alterar a repartição de competência, de modo
a permitir que Estado membro possa legislar sobre direito penal.
Dessa forma, a norma penal deve ser expressa como regra em Lei Ordinária, admitindo-
se a previsão de tipos em Lei Complementar, embora não seja sua matéria principal, bem
como em Tratado ratificado. Sobre a possibilidade de Tratado estipular tipo penal, há divergência
na doutrina, Luís Flávio Gomes (2003) admite, enquanto André Stefan (2017) não admite,
enten- de que o Tratado pode apenas trazer a orientação geral.
Sobre o tema, JURISPRUDÊNCIA o STJ recentemente decidiu sobre a necessidade de
legislação interna e sua relação com o Tratado em matéria de tipificação penal.

STJ- INFO 659. REsp 1.798.903-RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
Terceira Seção, por maioria, julgado em 25/09/2019, DJe 30/10/2019.

“TEMA: Crime contra a humanidade. Art. 7º do Estatuto de Roma. Tratado


internacional internalizado pelo Decreto n. 4.388/2002. Ausência de lei em sentido formal.
Princípio da Legalidade. Art. 5º, XXXIX, da CF. Ofensa.

É necessária a edição de lei em sentido formal para a tipificação do crime contra a huma- nidade
trazida pelo Estatuto de Roma, mesmo se cuidando de Tratado internalizado.

O conceito de crime contra a humanidade se encontra positivado no art. 7º do Esta-


tuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, o qual foi adotado em 17/07/1998, porém

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apenas passou a vigorar em 01/07/2002, quando conseguiu o quórum de 60 países
ratificando a convenção, sendo internalizado por meio do Decreto n. 4.388/2002. No
Brasil, no entanto, ainda não há lei que tipifique os crimes contra a humanidade, embora
esteja em tramitação o Projeto de Lei n. 4.038/2008, que “dispõe sobre o crime de geno- cídio,
define os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e os crimes contra a
administração da justiça do Tribunal Penal Internacional, institui normas processuais
específicas, dispõe sobre a cooperação com o Tribunal Penal Internacional, e dá outras
providências”.
Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar
no sentido de que não é possível utilizar tipo penal descrito em tratado internacional para
tipificar condutas internamente, sob pena de se violar o princípio da legalidade – art. 5º,
XXXIX, da CF/1988 segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena
sem prévia cominação legal” – art. 5º, XXXIX, da CF/1988.
Assim, tanto no Supremo Tribunal Federal como também no Superior Tribunal de
Justiça, não obstante a tendência em se admitir a configuração do crime antecedente de
organiza- ção criminosa – antes da entrada em vigor da Lei n. 12.850/2013 – para
configuração do crime de lavagem de dinheiro, em virtude da internalização da Convenção
de Palermo, por meio Decreto n. 5.015/2004, prevaleceu o entendimento no sentido de que
a defi- nição de organização criminosa contida na referida convenção não vale para
tipificar o art. 1º, inciso VII, da Lei n. 9.613/1998 – com redação anterior à Lei n.
12.683/2012.
De igual modo, não se mostra possível internalizar a tipificação do crime contra a
humani- dade trazida pelo Estatuto de Roma, mesmo se cuidando de Tratado internalizado
por meio do Decreto n. 4.388/2002, porquanto não há lei em sentido formal tipificando refe-
rida conduta”.
Portanto, dentro da atual ordem constitucional, a norma incriminadora não pode ser
apre- sentada com medida provisória, decreto, regulamento, resolução, portaria ou qualquer
outra espécie diversa da lei em sentido estrito.
Do mesmo modo, como corolário da legalidade, o princípio da reserva legal, que exige lei
em sentido estrito, é dogmático-estruturante, visto que orienta a formação dos preceitos
primários e secundários das normas penais incriminadoras.
A legalidade, como princípio penal, significa a exigência de lei, que pode ser vista de
forma imediata como qualquer instrumento legal em sentido amplo, mas a reserva legal
significa e exigência de lei em sentido estrito (lei ordinária, lei complementar ou Tratado
Internacional ratificado) para tipificar condutas. A norma incriminadora (que estabelece
conduta e pena) deve estar na lei em sentido estrito.

1.5.LEGALIDADE (RESERVA LEGAL) E NORMA PENAL


EM BRANCO

Há uma discussão sobre reserva legal e norma penal em branco heterogênea (em sentido
estrito ou própria), que é aquela que permite a remessa de complemento a fonte diversa da
lei (exemplo: art. 33 da Lei de Drogas, 11.343/2006, que remete a especificação de droga à
Portaria 344 da ANVISA).
Conquanto se admita a existência de normas penais em branco em sentido amplo
(homo- gênea) e em sentido estrito (heterogêneas), o referido princípio não permite o
complemento do preceito primário com núcleos diversos dos que constam nas elementares
do tipo, da mesma maneira impede a remessa de pena à fonte diversa da lei.
Parcela pequena da doutrina entende que a norma penal em branco heterogênea viola o
princípio da reserva legal, uma vez que o complemento feito por fonte diversa da. Todavia, este

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não é o melhor entendimento, uma vez que a reserva legal é apenas mitigada, sem pos- sibilidade
de remessa do núcleo do tipo penal.

1.6.LEGALIDADE (RESERVA LEGAL) E MEDIDA


PROVISÓRIA

A medida provisória, conforme narração do texto constitucional (art. 62, §1º, I, b, da CRFB),
não pode tratar de matéria penal. Entretanto, o STF e o STJ não se manifestaram contraria-
mente à possibilidade de medida provisória com conteúdo penal benéfico (exemplo:
medidas provisórias que prorrogaram o prazo para devolução da arma de fogo gerando
atipicidade temporária do art. 12 da Lei n. 10.826/2003).
Atualmente, a jurisprudência aceita as medidas provisórias com conteúdo benéfico. O
STF, antes da alteração promovida no art. 62 da CRFB pela Emenda 32, havia se
manifestado no seguinte sentido:
EMENTA: I. Medida provisória: sua inadmissibilidade em matéria penal – extraída
pela doutrina consensual – da interpretação sistemática da Constituição –, não compre-
ende a de normas penais benéficas, assim, as que abolem crimes ou lhes restringem o
alcance, extingam ou abrandem penas ou ampliam os casos de isenção de pena ou de
extinção de punibilidade.
II. Medida provisória: conversão em lei após sucessivas ree- dições, com cláusula
de “convalidação” dos efeitos produzidos anteriormente: alcance por esta de normas não
reproduzidas a partir de uma das sucessivas reedições.
III. MPr 1571-6/97, art. 7º, § 7º, reiterado na reedição subsequente (MPr 1571-7, art.
7º, § 6º), mas não reproduzido a partir da reedição seguinte (MPr 1571-8 /97): sua aplicação
aos fatos ocorridos na vigência das edições que o continham, por força da cláusula de “con-
validação” inserida na lei de conversão, com eficácia de decreto-legislativo. (RE 254.818,
Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 08/11/2000, DJ 19-12-
2002 PP-00081 EMENT VOL-02096-07 PP-01480 RTJ VOL-00184-01 PP-00301)

Pode-se concluir, de forma CRÍTICA, apesar da posição do STF, que o uso da medida
pro- visória em matéria penal, com ou sem conteúdo benéfico, contraria o art. 62 da CRFB e
viola a prerrogativa do Poder Legislativo de legislar sobre a matéria penal.

1.7. FUNÇÕES DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

São funções do princípio da legalidade: lei escripta; lei estricta; lei certa
(dimensão da taxatividade ou mandado de certeza. Veda-se, com isso, a edição de
normas penais vagas, imprecisas ou indeterminadas.); lei prévia (hoje tratado dentro do
princípio da anterioridade)
No que concerne à relação entre princípio da legalidade, merece destacar algumas
posições do STF, que podem ser cobradas no dia a dia forense.

1.8.USO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (RESERVA


LEGAL - TIPICIDADE) NA JURISPRUDÊNCIA DO STF NA
ANÁLISE DO ABORTO DE FETO ANENCÉFALO

O Supremo Tribunal Federal, com a ferramenta da interpretação conforme a Constituição,


fez uso do princípio da legalidade e da dignidade da pessoa humana para afastar a tipicidade penal
da conduta de aborto de feto anencéfalo, mas também utilizou um argumento dogmático, qual
seja, o pressuposto de atividade cerebral para a existência da vida previsto na Lei de

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Transplantes de Órgãos, conforme exarou o relator: “cumpre tomar de empréstimo o conceito
jurídico de morte cerebral previsto na Lei n. 9.434, de 1997, para concluir ser de todo impró-
prio falar em direito à vida intrauterina ou extrauterina do anencéfalo, o qual é um natimorto
cerebral” (STF, ADPF 54, 2012).
Anote-se que o Projeto de Lei do Senado n. 236, de 2012 (novo Código Penal), que tra- mita
no Senado Federal, estabelecia no seu texto a possibilidade de abortamento do feto anencéfalo.
Após a revisão Comissão Temporária da Reforma do Código Penal, no âmbito da Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) pelo Senado, foi mantido o texto com a nova modalidade
de abortamento, aprovado pela CCJ em 10 de dezembro do mesmo ano. Portanto, ao lado das
possibilidades de aborto existentes hoje, foi incluída a possibilidade no caso de feto anencéfalo, que
constitui uma iniciativa fomentada pela decisão do STF, proferi- da no bojo da ADPF 54.
Na decisão da ADPF 54, precedida de quatro sessões de audiência pública com entidades
representativas de diversos segmentos laicos e religiosos da sociedade brasileira, a Corte
afirmou a inconstitucionalidade da subsunção típica da interrupção da gravidez de feto anen- céfalo
às previsões dos arts. 124 e 126 do Código Penal.
A decisão da ADPF 54 não mencionou o art. 125, o qual poderá gerar dúvidas em casos
concretos de aborto não consentido de fetos anencéfalos. Em tais casos (exemplo: MARIA
PRATICOU ABORTO DE FETO ANENCÉFALO CONTRA A VONTA DE JOANA, GESTANTE),
parece que a adequação típica não poderá encontrar abrigo no art. 125, mas sim na soma
da pena do aborto com uma das modalidades de sanção da lesão qualificada descritas no
art. 129 do Código Penal, de acordo com a gravidade do resultado da conduta perpetrada
pelo agente. Essa seria uma solução pouco valorativa. Uma outra solução seria afirmar
que não houve aborto, porque o feto anencéfalo não possui vida, seja para efeito do aborto
do art. 126, seja para efeito do art. 124).
Por isso, tomando por empréstimo o dispositivo legal, para efeito de transplantes de
ór- gãos, previsto na Lei n. 9.434, de 1997, a conduta de abortamento de feto anencéfalo foi
considerada atípica. O uso do princípio da dignidade da pessoa humana, como um dos
argumentos, não parece que, no caso em apreço, tenha exercido a mesma força do
fundamento dogmático apoiado na Lei n. 9.434, de 1997, o qual pressupõe a atividade
cerebral para a exis- tência de vida humana, bem jurídico tutelado nas disposições dos arts.
121 a 128 do Código Penal.
Observa-se que a Corte poderia decidir a questão, de maneira exclusiva, com fundamento
dogmático, somente com o argumento de legalidade, reserva legal, tipicidade. Dito de outro modo,
o Supremo poderia afirmar a atipicidade do aborto de feto anencéfalo sob a perspecti- va de
que o conceito de vida humana, definido na legislação brasileira, pressupõe a atividade
cerebral. Dessa forma, a nidação faz surgir a vida humana intrauteriana que pode não se
aperfeiçoar caso não se desenvolva a atividade cerebral suficiente para uma vida humana
extrauterina, diante da previsão do art. 3º da Lei n. 9.434, de 1997.
No entanto, a Corte não abriu mão também de citar o princípio da dignidade da pessoa
humana, o qual tem sido utilizado como uma ferramenta capaz de solucionar variados proble-
mas do direito, não somente na seara penal, e, não raro, com deficit argumentativo.

2. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL

Convém observar, de início, que dogmatismo não é absoluto no modelo finalista ante
a possibilidade, por exemplo, de aplicação do princípio da adequação social. Conquanto o con-
ceito finalista de tipo seja a descrição legal da conduta proibida, Hans Welzel afirmou
ser contra a interpretação ao pé da letra e, ainda, que a adequação social afastaria o tipo de
ação.
Com isso, a análise da tipicidade não é unicamente formal no modelo finalista,

9
porquanto as ações conformadas socialmente podem ser interpretadas como atípicas,
conforme uma perspectiva material da tipicidade, mediante um juízo de valor do
intérprete, com o uso do princípio finalista da adequação social.

Luiz Regis Prado adverte que, na trajetória da concepção finalista, são constatadas
suces- sivas e malfadadas confusões que contribuem para o surgimento de conclusões
equivocadas e falsas. Sobre o finalismo, diz o autor que, para o bem da verdade científica,
convém advertir “que essa doutrina não é pura e unicamente ontológica, visto que não
deixa de considerar ainda que de forma mais tímida, o aspecto axiológico, normativo
(v.g. teoria da adequação social)” (PRADO, 2007, p.107).
São palavras do criador do finalismo:

Ações que se movem dentro do marco das ordens sociais, nunca estão compreendidas
dentro dos tipos de delito, nem ainda quando pudessem ser entendidas em um tipo
interpretado ao pé da letra; são as chamadas ações socialmente adequadas. Socialmente
adequadas são todas as atividades que se movem dentro do marco das ordens ético sociais
da vida social, estabelecidas por intermé- dio da história (WELZEL, 2003, p.106).

A doutrina aponta como exemplo: furar a orelha da criança para colocar brinco.
Na jurisprudência, percebe-se o reconhecimento do princípio da adequação social,
mas também se verifica que os julgados têm mitigado a sua aplicação, ou seja, busca-se
evitar a banalização do princípio para toda e qualquer situação.
STJ. (...) ADEQUAÇÃO SOCIAL. ATIVIDADE DE CAMELÔ. REGULAMENTAÇÃO
LEGAL. ACEITAÇÃO SOCIAL DO DESCAMINHO. INOCORRÊNCIA.
(...) 2. A existência de lei regulamentando a atividade dos camelôs não conduz ao reco-
nhecimento de que o descaminho é socialmente aceitável.
3. Ordem denegada.
(HC 45.153/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA,
julgado em 30/10/2007, DJ 26/11/2007 p. 248).
STJ [...]

I – O princípio da adequação social não pode ser usado como neutralizador, in genere,
da norma inserta no art. 234 do Código Penal.
II – Verificado, in casu, que a recorrente vendeu a duas crianças, revista com conteúdo
pornográfico, não há se falar em atipicidade da conduta afastando-se, por conseguinte, o
pretendido rancamento da ação penal.
Recurso desprovido. (RHC 15.093/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Rel. p/ Acórdão
Minis- tro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/03/2006, DJ 12/06/2006 p.
499).
STJ [...] 1. A Terceira Seção desta Corte Superior, no julgamento do Recurso Especial
Repetitivo n. 1.193.196/MG, pacificou o entendimento de que é formal e materialmente típica a
conduta descrita no art. 184, § 2º, do Código Penal, não havendo que se falar, portanto, no
princípio da adequação social ou no princípio da insignificância. [...] 5. Agravo regimental
desprovido. (AgRg no REsp 1767921/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO,
SEXTA TURMA, julgado em 06/12/2018, DJe 01/02/2019)

Adequação Social – a proibição no caso especificado na Súmula 502 do STJ:

Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto


no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas.

10
Adequação Social – a proibição no caso do art. 229 do CP:

STJ “RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 229 DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA


ADEQUAÇÃO SOCIAL. INAPLICABILIDADE. TIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA.

1. O princípio da adequação social é um vetor geral de hermenêutica segundo o qual,


dada a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal, se o tipo é um modelo de conduta
proibida, não se pode reputar como criminoso um comportamento socialmente aceito e tolerado pela
sociedade, ainda que formalmente subsumido a um tipo incrimi- nador.
2. A aplicação deste princípio no exame da tipicidade deve ser realizada em caráter
excepcional, porquanto ao legislador cabe precipuamente eleger aquelas condutas que serão
descriminalizadas.
3. A jurisprudência desta Corte Superior orienta-se no sentido de que eventual tolerân-
cia de parte da sociedade e de algumas autoridades públicas não implica a atipicidade material
da conduta de manter casa de prostituição, delito que, mesmo após as recentes alterações legislativas
promovidas pela Lei n. 12.015/2009, continuou a ser tipificada no artigo 229 do Código Penal.
4. De mais a mais, a manutenção de estabelecimento em que ocorra a exploração sexual
de outrem vai de encontro ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo incabível a conclusão
de que é um comportamento considerado correto por toda a sociedade.
5. Recurso especial provido para restabelecer a sentença condenatória, apenas
em rela- ção ao crime previsto no artigo 229 do Código Penal.

(REsp 1435872/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão


Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe
01/07/2014)”.

3. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Tem-se afirmado como origem remota do princípio da insignificância a máxima


contida no brocardo minima non curat pretor do direito romano (ACKEL FILHO, 1998). Essa
perspectiva de nascimento não parece a melhor, uma vez que a premissa se relacionava ao
direito priva- do, campo de maior desenvolvimento no direito romano, o qual estava distante
do alicerce da legalidade do Direito Penal, surgido no cenário das revoluções burguesas do
século XVIII (GOMES FILHO, 2009).
A origem próxima do princípio é verificada no século XX, no ambiente de severas dificulda-
des econômicas na Europa após a segunda guerra mundial, com o consequente aumento da
criminalidade de bagatela, expressão preferida dos alemães (Bagatelledelikte), que
fomentou o surgimento do princípio da insignificância vinculado inicialmente aos crimes
patrimoniais (GOMES FILHO, 2009).
Yuri Corrêa da Luz aponta que o princípio da insignificância faz parte de um movimento
funcionalista, alternativo à dogmática formal, que compreende a importância que teve o sis-
tema dogmático rígido para combater o arbítrio punitivo do Estado absolutista, mas que não
supre as exigências de uma sociedade complexa, como a atual, na qual o Direito Penal é visto
como a ultima ratio (LUZ, 2012).
A formulação teórica do referido princípio com a possibilidade de restringir o alcance da
tipicidade se deve a Claus Roxin no ano de 1964 (das Geringfügigkeitsprinzip). O ponto de
partida, utilizado pelo autor, consistiu no uso do princípio da insignificância para a definição
do injusto. Depois, com suporte na fragmentariedade do Direito Penal, o princípio da insigni-
ficância foi utilizado para afastar a tipicidade de outras condutas que ofendessem de forma
irrelevante o bem jurídico tutelado.

11
Na obra sobre Política Criminal de 1970, após dizer que em 1964 apontou o princípio da
insignificância como um critério válido para definição geral do injusto, Claus Roxin sugeriu
um uso alargado do referido princípio:
Sob o ângulo do princípio nullum-crimen o oposto é o correto, a saber, uma interpretação
restritiva, que realize a função de Magna Carta e a ‘natureza fragmentária’ do Direito Penal,
que mantenha íntegro somente o campo de punibilidade indispensável para a proteção do
bem jurídico. Para tanto, são necessários princípios regulativos como a adequação social,
introduzida por Welzel, que não é elementar do tipo, mas certamente um auxílio de
interpretação para restringir formulações literais que também abranjam comportamentos
suportáveis. Aqui pertence igualmente o chamado prin- cípio da insignificância, que
permite excluir logo de plano lesões de bagatela da maioria dos tipos: maus-tratos são uma
lesão grave ao bem-estar corporal, e não qualquer lesão; da mesma forma, é libidinosa no
sentido do Código Penal só uma ação sexual de alguma relevância; e só uma vio- lenta
lesão à pretensão de respeito social será criminalmente injuriosa. Por violência não se pode
entender uma agressão mínima, mas somente a de certa intensidade, assim como uma
ameaça deve ser sensível, para adentrar no marco da criminalidade. Se reorganizássemos o
instrumentário de nossa interpretação dos tipos a partir destes princípios, daríamos uma
significativa contribui- ção para diminuir a criminalidade em nossos dias” (ROXIN,
2000. p. 47-48).
A aceitação doutrinária e jurisprudencial do princípio da insignificância só foi possível
em razão da compreensão de que a tipicidade penal não é meramente formal. Dito de outro
modo, a tipicidade é material e somente dessa maneira é possível pensar na existência do princípio
da insignificância. A tipicidade penal é a soma de tipicidade formal (conformação do fato
à letra da lei) com a tipicidade material (valoração da ofensa ao bem jurídico no caso
concreto).
O confronto axiológico (valorativo), no caso concreto, entre a conduta formalmente típica e o
grau da lesão jurídica é que permite inferir se há ou não necessidade de intervenção penal e,
portanto, se é possível aplicar o princípio da insignificância, com uma perspectiva valora- tiva da
tipicidade.
Esse princípio constitucional implícito, ligado à fragmentariedade do Direito Penal, deve ser
utilizado pelos operadores processuais no momento da promoção de arquivamento da
investigação, do não recebimento da ação penal e da absolvição, conquanto não esteja legis- lado
no modelo penal brasileiro.
Importa alertar que o fato de uma conduta constituir infração de menor potencial ofensivo não
significa necessário espaço para a aplicação do princípio da insignificância, pois a valoração
dessas infrações (lesão leve, injúria, ameaça etc.) já foi feita pelo legislador e cabe ao intérprete,
neste aspecto, respeitar a reserva legal
A análise que deve ser feita é sobre o grau e a intensidade da lesão produzida, não sobre
o tipo formal abstrato.
Na doutrina brasileira, não existe precisão sobre os limites do princípio da insignificân- cia.
Parcela doutrinária já defende uma amplitude maior na sua interpretação. Rogério Greco
sustenta a sua incidência “nos delitos de furto, dano, peculato, lesões corporais, consumo de
drogas etc.” (GRECO, 2008, p.86).
Paulo Queiroz, ao fazer uma correlação com o princípio da proporcionalidade, invoca
o princípio da insignificância “nos crimes violentos ou com grave ameaça à pessoa,
consuma- dos ou tentados, se não para absolver o réu, pelo menos para desclassificar a
infração penal, por exemplo, em crimes complexos, como o roubo (CP, art. 157)” (QUEIROZ, 2006,
p.52). Com isso, o referido autor sustenta a desclassificação, com suporte no princípio da
insignificância, do roubo de valor patrimonial ínfimo para o constrangimento ilegal. A
jurisprudência do STF e do STJ não aceita tal posição.
Atualmente, o princípio da insignificância é aplicado pelos Tribunais Superiores brasilei- ros

12
nas condutas formalmente típicas que causam danos de pouca importância, restringindo--se, como
regra, aos crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa. Esse ainda é o entendimento
majoritário.
3.1. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA
JURISPRUDÊNCIA DO STF E DO STJ

O exame do princípio da insignificância, na jurisprudência do Supremo Tribunal


Federal, demonstra que o Tribunal, ao longo dos últimos anos, desenvolveu uma série de
pressupostos objetivos: mínima ofensividade da conduta, reduzido grau de reprovabilidade
do com- portamento, nenhuma periculosidade social, inexpressividade da lesão jurídica
provocada; e subjetivos: análise de reincidência, maus antecedentes e habitualidade.

Obs.:Os pressupostos objetivos do princípio da insignificância são muito cobrados em


provas de concursos. Tais pressupostos foram pioneiramente fixados em decisão do ministro
Celso de Mello, quando do exame do HC 84.412:

Dermeval Farias

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Habeas Corpus 84.412-0/SP.


Prin- cípio da insignificância. Identificação dos vetores cuja presença legitima o reconheci-
mento desse postulado penal sem seu aspecto criminal. Consequente descaracteriza- ção da
tipicidade penal em seu aspecto material. Delito de furto. Condenação imposta a jovem
desempregado, com apenas 19 anos de idade. “Res furtiva” no valor de R$25,00
(equivalente a 9,6% do salário mínimo atualmente em vigor). Doutrina. Considerações em
torno da jurisprudência do STF. Pedido deferido. O princípio da insignificância qua- lifica-
se como fator de descaracterização material da tipicidade penal. Paciente: Bill Cleiton
Cristovão. Impetrante: Luiz Manoel Gome Junior. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Relator Ministro Celso de Mello Disponível em:<http://redir.stf.jus.br/pagina-
dorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79595>.Acesso em: 1º jul. 2018.

Considerando o vasto uso do princípio da insignificância para afastar a tipicidade penal


na jurisprudência do STF e do STJ, para efeito de concurso público, serão apresentadas deci- sões
que aplicaram o princípio da insignificância: para afastar a tipicidade penal do crime de
descaminho; para afastar o uso da reincidência como critério balizador do regime inicial de
cumprimento de penas; para afastar a tipicidade em crimes funcionais contra a Administra- ção
Pública; em crimes ambientais e outros.
Nas decisões a seguir, o STJ, da mesma forma do STF, exige os requisitos objetivos na
análise do princípio d insignificância e afirma que o criminoso habitual, salvo hipótese excep-
cional, não faz jus à solução do caso penal com a incidência do referido princípio.
STJ: [...]
1. Consoante entendimento da Suprema Corte, são requisitos para aplicação do
princí- pio da insignificância: a mínima ofensividade da conduta, a ausência de
periculosidade social na ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a
inexpressivi- dade da lesão jurídica provocada.
2. No caso dos autos, a instância ordinária concluiu que não houve reduzido grau
de reprovabilidade do comportamento e nem ausência de periculosidade social na ação, pois
se trata de agente reincidente, portador de maus antecedentes, inclusive com regis- tros da
prática de crimes contra o patrimônio.

13
Dermeval Farias

3. Esta Quinta Turma reconhece que o princípio da insignificância não tem


aplicabilidade em casos de reiteração da conduta delitiva, salvo excepcionalmente, quando as
instân- cias ordinárias entenderem ser tal medida recomendável, o que não ocorreu nos autos.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp 1398264/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA,
julgado em 26/03/2019, DJe 05/04/2019).

STJ- AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO.


REITERAÇÃO DELI- TIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.
INSURGÊNCIA DESPRO- VIDA.
1. Este Superior Tribunal de Justiça posiciona-se no sentido de que, para além
dos requisitos objetivos, o aspecto subjetivo, consubstanciado, sobretudo, na verificação da
reiteração criminosa do agente, caso reconhecida, impede a incidência do princípio da
insignificância, porquanto demonstra maior reprovabilidade de seu comportamento, cir-
cunstância suficiente e necessária a embasar a incidência do Direito Penal como forma de
coibir a reiteração delitiva.
2. É entendimento consolidado nesta Corte que, apesar de não configurar reincidência,
a existência de outras ações penais, inquéritos policiais em curso ou procedimentos
administrativos fiscais é suficiente para caracterizar a habitualidade delitiva e, conse-
quentemente, afastar a incidência do princípio da insignificância.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1592146/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA,
julgado em 20/10/2016, DJe 26/10/2016)

O princípio da insignificância, no que diz respeito ao crime de descaminho, pode ser apli-
cado ate o valor de R$20.000,00. Esse é o entendimento atual do STF e do STJ. Pacificação no
STJ: princípio da insignificância até R$20.000,00 no crime de descaminho. Ou seja, o STJ,
agora, decide de maneira idêntica ao STF nessa matéria. REsp 1112748/TO; REsp 1688878/
SP; REsp 1709029/MG. TEMA 157: “ [...] incide o princípio da insignificância aos crimes
tribu- tários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar
o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n.10.522/2002,
com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda”.

Dermeval Farias

Crítica quanto à incidência do princípio da insignificância no crime de descaminho: nes- se


caso, o Supremo Tribunal Federal (somente depois o STJ seguiu o mesmo entendimento)
passou a entender que, se a Fazenda Pública não executa débitos fiscais antes de ultrapassar
o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), não haverá crime de descaminho nas condutas de
sonegação de valor inferior a tal montante, uma vez que, se não há interesse fiscal, também
não haverá interesse penal, fazendo uso do princípio da insignificância para afastar a tipici-
dade material em tais situações.
Desse modo, para o Tribunal, o fundamento que orienta a avaliação da tipicidade
penal é aquele estabelecido como parâmetro para a atuação do Estado em matéria de
execução fiscal. Dito de outro modo, é o valor do tributo devido que orienta a avaliação da
tipicidade quando se trata do crime de descaminho.
Tal correlação feita pela Corte apresenta um desafio insuperável, no qual o ônus
argumen- tativo não parece devidamente preenchido, porquanto existe uma regra
infraconstitucional para a execução fiscal do débito, em razão da inviabilidade econômica

14
do processo, do seu custo para a Fazenda Pública. Dessa forma, o argumento utilizado pelo
Supremo, para aplicar a insignificância e excluir a tipicidade penal no crime de descaminho,
se ancora em uma regra destinada à execução fiscal, que em momento algum considerou
o aspecto penal.
O caso é inusitado porque revela que o Supremo fez uso analógico de um dispositivo
in- fraconstitucional, que regula a execução fiscal de débito, para excluir a tipicidade penal
com a ferramenta do princípio da insignificância, alcançando valores muito superiores ao
uso co- mum do referido princípio em outros crimes, como o de furto, a título de ilustração.
Diante disso, considerando que a Fazenda Pública não abre mão do valor, mas
apenas deixa, por ora, de ingressar com a ação de execução dos valores inferiores a vinte
mil reais, até que a taxa Selic ou outros débitos do devedor possibilitem a cobrança conjunta
do valor executável, a analogia foi equivocada.
Ao aplicar o princípio da insignificância em casos que envolvem o crime de
descaminho de valor não superior a vinte mil reais, o STF construiu uma solução não
prevista em lei, que extrapola os próprios limites apontados pelo próprio Tribunal no exame
das demais situações de incidência do postulado. Com outras palavras, nenhum outro crime
recebe a incidência do princípio da insignificância com valores tão altos na jurisprudência
do Supremo.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. HC 1.271.173/PR. Penal.
Habeas Corpus originário. Descaminho. Valor do tributo inferior a vinte mil reais. Princípio da
insignificância. Concessão da ordem. Habeas corpus deferido para restabelecer a decisão de
primeiro grau que não recebeu a denúncia. PACTE.: Rufino Pires. IMPTE.: Defensoria
Pública da União. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Marco Aurélio.
Ministro redator do acórdão Luís Roberto Barroso. Julgado em 21/03/2017.Disponíve-
lem:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12816266>.
Acesso em: 6 jan. 2018.

Com relação entre o princípio da insignificância e a reincidência, merece destacar ainda a


relação entre insignificância e reincidência feita pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal em
03 de agosto de 2015, quando do exame dos Habeas Corpus 123.108/MG, 123.734 e
123.533 com a fixação de tese, na qual se utilizou o princípio da insignificância e o princípio
da pro- porcionalidade. Trata-se de uma das principais decisões da Corte sobre o princípio
da insig- nificância.
O STF fixou tese no seguinte sentido: (i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da
causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto;
e
(ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a
aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento
seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral,
em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso
concreto, com base no princípio da proporcionalidade.
STF PLENO- DECISÃO DE 2015- FURTO, REINCIDÊNCIA, QUALIFICADORA.
Reincidência
paralisada para o efeito de agravamento do regime inicial. [...]
Ementa: PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO SIMPLES.
REINCI-DÊNCIA. 1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo
(“conglo-bante”), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta,
abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não
determi- nantes, devem ser considerados. 2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes
teses: (i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insigni- ficância
penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese de o juiz da causa

15
considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto,
em situações em que tal enquadramento seja cogitável, even- tual sanção privativa de liberdade
deverá ser fixada, como regra geral, em regime ini- cial aberto, paralisando-se a incidência do
art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. 3. No caso
concreto, a maioria entendeu por não aplicar o princípio da insignificância, reconhecendo,
porém, a necessidade de abrandar o regime inicial de cumprimento da pena. 4. Ordem
concedida de ofício, para alterar de semiaberto para aberto o regime inicial de cumprimento
da pena imposta ao paciente. (HC 123108, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal
Pleno, julgado em 03/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 29-01-2016
PUBLIC 01-02-2016)
A tese acolhida de que a reincidência por si só não afasta a insignificância, de que o
princípio da insignificância, não reconhecido em razão da reincidência, conduz à aplicação do
regime aberto domiciliar, paralisando, desse modo, o efeito da reincidência previsto nos arts. 32 e
33, § 2º do Código Penal, tem sido utilizada pelo STF.
Crítica quanto à relação, feita pelo STF, entre o princípio da insignificância e a
reincidência (A PARALIZAÇÃO DO EFEITO DA RECINCIDÊNCIA PELO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA): os argumentos consequencialistas, presentes nos votos dos Ministros
Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, nos Habeas Corpus 123.108/MG, 123.734 e
123.533, já mencionados, com relação ao estado do sistema carcerário brasileiro, para
possibilitar a mitigação do regime inicial com o uso do princípio da insignificância,
revelam uma ausência de preocupação dog- mática em construir soluções com respeito às
categorias da estrutura analítica do delito. Se a insignificância se esgota na atipicidade
material, superado esse filtro, não se sustenta o seu uso para tentar relativizar regras de
regime inicial, bem explicadas e catalogadas pelo Legis- lador, sob pena de desconstruir o
sistema penal, de o próprio STF está reescrevendo o Código Penal em uma matéria de
legalidade e de reserva legal.
Ademais, o argumento do Ministro Barroso, ao fazer uso do princípio da
proporcionalidade para modificar os efeitos da reincidência no regime inicial e na
substituição de pena privativa por restritivas, representa um grande risco à segurança
jurídica. Ora, o próprio STF já reco- nheceu os efeitos da reincidência como constitucionais
por repercussão geral. Agora, quis o relator desconstruir esse entendimento e, além disso,
esticar o uso do princípio da proporcio- nalidade para fazer controle de constitucionalidade
em dispositivos anteriores e posteriores à CRFB de 1988, tudo isso no exame dos referidos
Habeas Corpus.
Por outro lado, a preocupação político-criminal com a consequência da pena e o
atual estado do sistema carcerário brasileiro, constante nos votos dos Ministros Barroso e
Gilmar Mendes, de modo a construir uma solução funcional, sem prejuízo de afastar a
dogmática do Código Penal, em matéria de aplicação de pena, revela uma aproximação
com as ideias do funcionalismo teleológico, desenvolvido no primeiro capítulo da
presente pesquisa.
Com relação ao princípio da insignificância e o porte de drogas para consumo pessoal, a
jurisprudência do STF e do STJ não o aplicam. Contudo, há decisão casuística do STF do ano de
2012 que o aplicou:
STF INFO 655
“Porte de entorpecente e princípio da insignificância – Inq – 2131
Ao aplicar o princípio da insignificância, a 1ª Turma concedeu habeas corpus para
trancar procedimento penal instaurado contra o réu e invalidar todos os atos processuais,
desde a denúncia até a condenação, por ausência de tipicidade material da conduta imputada.
No caso, o paciente fora condenado, com fulcro no art. 28, caput, da Lei n. 11.343/2006, à
pena de 3 meses e 15 dias de prestação de serviços à comunidade por portar 0,6 g de
maconha. Destacou-se que a incidência do postulado da insignificância, de modo a tornar

16
a conduta atípica, exigiria o preenchimento concomitante dos seguintes requi- sitos:
mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação;
reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e inexpressividade da lesão jurídica
provocada. Consignou-se que o sistema jurídico exigiria considerar a relevan- tíssima
circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indiví- duo
somente se justificariam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas,
da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes fossem essenciais, notada-mente
naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se expusessem a dano, efetivo ou
potencial, impregnado de significativa lesividade. Deste modo, o direito penal não deveria
se ocupar de condutas que produzissem resultados cujo desvalor — por não importar em lesão
significativa a bens jurídicos relevantes — não representaria, por isso mesmo, expressivo
prejuízo, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social”.
HC 110475/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 14.2.2012. (HC-110475.

Sobre o princípio da insignificância e os crimes funcionais contra a administração, de


maneira geral, a orientação, tanto do STF quanto do STJ, sempre foi no sentido de não apli-
cação do princípio da insignificância, principalmente nos crimes funcionais, que são aqueles
cometidos por funcionários públicos contra a administração.

Essa ainda é a orientação da jurisprudência do STJ:

O fundamento utilizado indica que a moralidade administrativa, bem jurídico


tutelado nos crimes contra a administração pública, não pode ser valorada de forma
bagatelar, ou seja, não existe grau de ofensa ínfimo. Em uma conduta de corrupção
que envolva cem mil reais, assim como em uma que implique cinquenta reais, não há
insignificância, uma vez que a moralidade
administrativa é atingida em ambas as situações.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. AgRG no AREsp
1.075.872/SC. Penal e Processual Penal. Agravo Regimental no Agravo em Recurso
Especial. [...]. Delito funcional típico. [...]. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade.
[...]. IV – É pacífica a jurisprudência do princípio da insignificância ao crime de peculato e aos
demais delitos contra Administração Pública, pois o bem jurídico tutelado pelo tipo penal
incriminador é a moralidade administrativa, insuscetível de valoração econômica” (RHC n.
59.801/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 28/6/2016). V – Entender de modo
contrá- rio ao estabelecido pelo Tribunal a quo – no sentido de reconhecer a fração máxima
do arrependimento posterior-, como pretende o recorrente, demandaria, necessariamente, o
revolvimento do suporte fático-probatório delineado nos autos, o que é inviável nesta
instância. Agravo regimental desprovido. Agravante: Luciano José de Miranda.
Agravado: Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Relator Ministro Felix
Fischer Mendes. Julgado em 15/03/2018.
Todavia, o Supremo Tribunal Federal, em decisões da Segunda Turma, tem provocado
confusão e insegurança jurídica sobre o tema, ao afastar a tipicidade com fundamento no
princípio da insignificância, em um primeiro momento, em um caso que envolvia um pecula- to-
furto, relativo ao uso de bem público no interesse particular de um prefeito municipal, e, depois,
em outro caso de peculato-furto.
No primeiro fato referido no parágrafo anterior, a Segunda Turma do STF, no HC 107.370/
SP, aplicou o princípio da insignificância para afastar a tipicidade da conduta de um
funcio- nário público que, em razão da função, subtraiu luminárias e fios de cobre de

17
propriedade da administração, avaliados em R$130,00 (centro e trinta reais). Na
oportunidade, o relator, Ministro Gilmar Mendes, argumentou que o princípio da
insignificância possui conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção
mínima, de modo que não haveria re- levância típica no caso em apreço, diante das
circunstâncias de singeleza, miudeza e não habitualidade que circulavam o delito.

No segundo caso citado, no HC 104.286, julgado na Segunda Turma, no ano de 2011, o re-
lator, Ministro Gilmar Mendes, aplicou o princípio da insignificância para afastar a
tipicidade material de um fato correspondente ao uso de máquinas e caminhões, de
propriedade da pre- feitura de certo Município, na propriedade particular do respectivo
prefeito da cidade. O fato, sob o aspecto formal, se adequa ao art. 1º, inciso II, do Decreto Lei
n. 201, de 27 de fevereiro de 1967.
O relator argumentou no voto que era praxe da Prefeitura realizar o empréstimo de máqui-
nas aos munícipes, que não pagavam pelo serviço, apenas compravam combustível e paga-
vam os motoristas, sendo que o prefeito, no caso concreto, recolheu R$70,00 (setenta
reais) aos cofres do Município, com base na legislação do Município vizinho. Disse que
apenas aspectos de ordem objetiva deveriam ser utilizados no exame do princípio da
insignificância, de modo que a condição de prefeito do requerente não poderia sopesar contra
a incidência da bagatela.

Em suma, pelo exame dos julgados, STF tem flexibilizado o uso do princípio da insigni-
ficância em crime contra a administração pública, mas o STJ ainda resiste com argumentos mais
convincentes sobre a impossibilidade de valorar como bagatelar a ofensa à moralidade
administrativa.
Um ponto crítico desse modelo atual de casos concretos semelhantes, com soluções di-
ferentes, corresponde à insegurança da orientação de temas do Direito Penal para as demais
instâncias do Poder Judiciário. Observa-se ainda que os argumentos utilizados apresentam
contradição nos votos do mesmo relator, uma vez que, nos dois primeiros casos, houve en-
tendimento diverso sobre a análise ou não de pressuposto subjetivo no exame da insignifi-
cância. No primeiro caso, o relator mencionou a ausência de habitualidade como fator a ser
sopesado, enquanto, no segundo voto, afirmou que apenas fatores objetivos deveriam ser
considerados no exame do princípio da insignificância.
A forma como o STF tem aplicado o princípio da insignificância denota, de maneira
casu- ística, uma compreensão axiológica da estrutura do Direito Penal, na perspectiva de
princí- pios constitucionais penais como guia da política criminal do Estado, com uma
proximidade da visão funcionalista racional-teleológica do sistema penal. Todavia,
ressalta-se que não se verifica uma orientação com suporte no estudo de casos, nem a
existência de uma linha argumentativa vinculada aos limites estabelecidos pela própria
Corte, quando da constituição dos pressupostos objetivos e subjetivos do princípio da
insignificância.
Sobre o princípio da insignificância e os crimes contra a fé pública, ainda prevalece a não
incidência do princípio, uma vez que não há como mesurar o grau de ofensa ao bem jurídico
tutelado nos referidos delitos, qual seja, a confiança depositada na moeda e nos documentos
que o Estado confere valor para a vida em sociedade. Nesse sentido, têm decidido o STJ e o
STF.
STJ- PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
FALSIFICA- ÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. DOLO. VERIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA N.7 DO STJ. INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE AOS CRIMES CONTRA
A FÉ PÚBLICA.

18
AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. A análise sobre a ausência de dolo na conduta imputada ao agravante implica o


revolvimento do acervo fático-probatório dos autos – vedado, em recurso especial, pelo disposto
na Súmula n. 7 do STJ
2. O princípio da insig- nificância não é aplicado aos delitos cujo bem tutelado seja a fé
pública. Precedente.
3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 1131701/SP, Rel. Ministro
ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 02/05/2018).
STF- Habeas corpus.
2. Crime de falsificação de documento público (art. 311 do CPM). Atestado médico
apresentado para justificar ausência ao serviço.
3. Atipicidade da con- duta. Falsificação grosseira. Documento que iludiu a pessoa
responsável pelo setor de recebimento de dispensas médicas.
4. Princípio da insignificância. Não aplicação aos crimes contra a fé pública.
Precedentes do STF.
5. Ordem denegada. (HC 117638, Rela- tor(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma,
julgado em 11/03/2014, PROCESSO ELE- TRÔNICO DJe-062 DIVULG 27-03-2014 PUBLIC
28-03-2014).

STF- Ementa: Habeas Corpus substitutivo de agravo regimental cabível na origem.


Crime de moeda falsa. Inaplicabilidade do princípio da insignificância penal.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que “a impetração de habeas
corpus como subs- titutivo de agravo regimental inclusive noutra Corte representa medida
teratológica” (HC 115.659, Rel. Min. Luiz Fux). Precedentes.
2. Ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal já consolidaram o entendimento de que
é “inaplicável o princípio da insignificân- cia aos crimes de moeda falsa, em que objeto de tutela da
norma a fé pública e a credibi- lidade do sistema financeiro, não sendo determinante para a tipicidade
o valor posto em circulação” (HC 105.638, Rel. Min. Rosa Weber). Precedentes.
3. O pedido alternativo de desclassificação da conduta imputada ao paciente, além de
implicar um amplo revolvi- mento do conjunto fático-probatório dos autos, não foi
submetido às instâncias judi- cantes competentes. Logo, a imediata apreciação dessa
matéria, pelo Supremo Tribu- nal Federal, acarretaria uma indevida supressão de instâncias.
4. Habeas Corpus extinto sem resolução de mérito por inadequação da via processual.
(HC 108193, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 19/08/2014,
PROCESSO ELETRÔ- NICO DJe-186 DIVULG 24-09-2014 PUBLIC 25-09-2014).
Quanto ao casuísmo, percebe-se a existência de muitas decisões do STF e do STJ, com o uso
do princípio da insignificância e, em alguns momentos, com decisões contraditórias, ou seja, ora
defere, ora indefere o postulado.
O STF indeferiu o princípio da insignificância no porte de munição, conforme decisões a
seguir.

STF- A Primeira Turma denegou a ordem em habeas corpus, no qual se pretendia o


reco- nhecimento da atipicidade material da conduta do paciente, caracterizada pelo porte
ilegal de munição de uso permitido (art. 14, caput, da Lei n. 10.863/2003). No caso, o
paciente foi condenado à pena de dois anos e dois meses de reclusão, em regime aberto, e
ao pagamento de 11 dias-multa, em razão do porte de projétil de arma de fogo. A pena
privativa foi substituída por duas restritivas de direito. A defesa alegava ser irrele- vante a
conduta praticada pelo paciente, bem como estarem presentes todos os requisi- tos exigidos
pela Corte para a incidência do princípio da bagatela. Destacava a existên- cia de
precedentes deste Tribunal, nos quais assentada a aplicabilidade desse princípio a delitos

19
de perigo abstrato (porte de drogas para consumo, desenvolvimento de ati- vidade
clandestina de telecomunicações, pesca irregular e moeda falsa, por exemplo). Apontava,
ademais, a desproporcionalidade entre a conduta do paciente e a reprimenda imposta. Para o
Colegiado, porém, a configuração da conduta tipificada no art. 14, caput, da Lei n.
10.826/2003 (“Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar,
ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar
arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autoriza- ção e em desacordo
com determinação legal ou regulamentar:”) não depende do tipo ou da quantidade da
munição portada pelo agente. HC 131771/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 18.10.2016. (HC-
131771).
STF [...]. 1. Os tipos penais de posse e de porte ilegal de arma de fogo, acessórios e
ou munição, de uso permitido, são formais e, a fortiori, de mera conduta e de perigo abstrato, razão
pela qual as características do seu objeto material são irrelevantes, porquanto independe
do quantum para ofender a segurança e incolumidade públicas, bem como a paz social,
bens jurídicos tutelados, sendo ainda despiciendo perquirir-se acerca da potencialidade
lesiva das armas e munições eventualmente apreendidas, de modo que, não cabe cogitar
quanto à aplicação do princípio da insignificância para fins de descaracterização da
lesividade material da conduta. Precedentes: HC 138.157 AgR, Primeira Turma, Rel. Min.
Roberto Barroso, DJe de 19/06/2017; RHC 128.281, Segunda Turma, Rel. Min. Teori
Zavascki, DJe de 26/08/2015; HC 120.214-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello,
DJe de 22/09/2015; RHC 117.566, Primeira Turma, minha relatoria, DJe de 16/10/2013; HC
110.792, Rel. minha relatoria, DJe de 07/10/2013.
2. O potencial ofensivo ou a quantidade de arma, munição ou acessório não são
passíveis de aferição na via estreita do habeas corpus, por demandar minucioso exame fático
e probatório ine- rente a meio processual diverso. Precedente: HC 148.269 AgR, Primeira
Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 06/03/2018.
3. Não se desconhece que há precedentes em sentido contrário oriundos do STJ. Ocorre
que o simples fato de haver dissenso jurispru- dencial entre os Tribunais Superiores quanto
ao ponto evidencia que a decisão atacada, tendo aderido a uma das duas correntes, não é
teratológica, porquanto concernente a entendimento de reconhecido respaldo jurídico.
4. In casu, o recorrente foi condenado à pena de 3 (três) anos de reclusão, bem como
ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, tendo sido a pena privativa de liberdade substituída
por restritivas de direitos, em razão da prática do crime tipificado no artigo 14 da Lei n.
10.826/03.
5. O habeas corpus não pode ser manejado como sucedâneo de recurso ou revisão
criminal.
6. Agravo regimen- tal desprovido. (RHC 158087 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX,
Primeira Turma, julgado em 28/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-219 DIVULG 11-10-
2018 PUBLIC 15-10- 2018).

Em sentido contrário, o STF deferiu o princípio da insignificância no porte de munição,


conforme decisão monocrática do ministro Celso de Mello, que, de ofício, no Habeas Cor- pus
149450, para absolver o acusado da prática de crime de posse ilegal de munição de uso restrito
(artigo 16 do Estatuto do Desarmamento). O relator aplicou ao caso o princípio da in- significância
por considerar que a posse de uma única munição, de festim, desacompanhada de arma de fogo,
não tem potencialidade lesiva. Do mesmo modo, o STF, no HC 154390, com alicerce no princípio da
insignificância, reconheceu a atipicidade da conduta praticado por um agente, que fora condenado
a 3 anos e 6 meses de reclusão, por ter sido flagrado na posse de uma munição de fuzil calibre 762.
STF- EMENTA Habeas corpus. Penal. Posse ilegal de munição de uso restrito. Artigo
16 da Lei n. 10.826/03. Condenação transitada em julgado. Impetração utilizada como
sucedâneo de revisão criminal. Possibilidade em hipóteses excepcionais, quando líqui- dos

20
e incontroversos os fatos postos à apreciação da Corte. Precedente da Segunda Turma.
Cognoscibilidade do habeas corpus. Pretendido reconhecimento do princípio da
insignificância. Possibilidade, à luz do caso concreto. Paciente que guardava em sua
residência uma única munição de fuzil (calibre 762). Ação que não tem o condão de gerar
perigo para a sociedade, de modo a contundir o bem jurídico tutelado pela norma penal
incriminadora. Precedentes. Atipicidade material da conduta reconhecida. Ordem
concedida.
1. A decisão que se pretende desconstituir transitou em julgado, sendo o writ, portanto,
manejado como sucedâneo de revisão criminal (v.g. RHC n. 110.513/ RJ, Segunda Turma,
Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 18/6/12).
2. Todavia, a Segunda Turma (RHC n. 146.327/RS, Relator o Ministro Gilmar
Mendes, julgado em 27/2/18) assentou, expressamente, a cognoscibilidade de habeas corpus
manejado em face de decisão já transitada em julgado em hipóteses excepcionais, desde que
líquidos e incontroversos os fatos postos à apreciação do Supremo Tribunal Federal.
3. O conhe- cimento da impetração bem se amolda ao julgado paradigma.
4. O paciente foi conde- nado pelo delito de posse de munição de uso restrito (art. 16 da
Lei n. 10.826/03), sendo apenado em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão em regime
fechado e ao paga- mento de 11 dias-multa.
5. Na linha de precedentes, o porte ilegal de arma ou munições é crime de perigo
abstrato, cuja consumação independente de demonstração de sua potencialidade lesiva.
6. A hipótese retratada autoriza a mitigação do referido entendi- mento, uma vez que a
conduta do paciente de manter em sua posse uma única muni- ção de fuzil (calibre 762),
recebida, segundo a sentença, de amigos que trabalharam no Exército, não tem o condão de
gerar perigo para a sociedade, de modo a contundir o bem jurídico tutelado pela norma penal
incriminadora.
7. É certo que a sentença condenató- ria reconheceu a reincidência do paciente. Porém,
bem apontou a Procuradoria-Geral da República que a questão “está pendente de análise em
sede de revisão criminal, porque, ao que parece, a condenação que gerou a reincidência
refere-se ao homônimo ‘José Luiz da Silva Gonçalves’.”
8. Não há, portanto, óbice à aplicação do princípio da insig- nificância na espécie,
sendo de rigor seu reconhecimento.
9. Ordem concedida para, em razão do princípio da insignificância, reconhecer a
atipicidade material da conduta imputada ao paciente. (HC 154390, Relator(a): Min. DIAS
TOFFOLI, Segunda Turma, jul- gado em 17/04/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-087
DIVULG 04-05-2018 PUBLIC 07-05-2018).

O STJ (5ª e 6ª Turmas) tem aplicado o princípio da insignificância em casos de posse ile- gal
de pequena quantidade munição, flexibilizando portando a tutela preventiva disposta na Lei
n. 10.826/2003, conforme se constata na decisão a seguir:
STJ – PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. POSSE DE
MUNIÇÕES. ART. 12 DA LEI N. 10.826/2003. AUSÊNCIA DE ARMA. IRRELEVÂNCIA.
CRIME DE PERIGO ABSTRATO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
POSSIBILIDADE. PEQUENA QUANTIDADE DE MUNIÇÃO. AUSÊNCIA DE ARTEFATO.
PRECEDENTES DO STF E DO STJ. POSSE DE PEQUENA QUANTIDADE DE MUNIÇÃO
DESACOMPANHADA DE ARMA. INEX- PRESSIVIDADE DA LESÃO. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou-se no sentido de que o crime de
posse ou porte irregular de munição de uso permitido, independentemente da quantidade, e ainda
que desacompanhada da respectiva arma de fogo, é delito de perigo abstrato, sendo punido antes
mesmo que represente qualquer lesão ou perigo concreto de lesão, não havendo que se falar
em atipicidade material da conduta (AgRg no RHC n. 86.862/SP, Relator Minis- tro FELIX

21
FISCHER, Quinta Turma, julgado em 20/2/2018, DJe 28/2/2018).
2. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, analisando as circunstâncias do caso concreto,
reconheceu ser possível aplicar o princípio da insignificância na hipótese de apreensão de quanti-
dade pequena de munição de uso permitido desacompanhada de arma de fogo, tendo concluído
pela total inexistência de perigo à incolumidade pública (RHC n. 143.449/MS, Rel. Ministro
RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe 9/10/2017; HC n. 154390, Rel. Min. DIAS
TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 17/4/2018, DJe 7/5/2018).
Nesse mesmo sentido, ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte Superior
passaram a reconhecer a atipicidade da conduta perpetrada por agente, pela incidência do
princípio da insignificância, diante da ausência de afetação do bem jurídico tutelado pela norma
penal incriminadora.
3. No presente caso, foram apreendidas 1 munição tipo cartucho, já deflagrado e vazio, marca
CBC, modelo auto, calibre 380, bem como 2 muni- ções tipo cartuchos intactos, marca CBC, modelo
s.p.l., calibre.38, desacompanhadas de dispositivo que possibilitasse o disparo do projétil. Assim,
reconhecida a inocorrên- cia de ofensa à incolumidade pública, deve ser afastada a tipicidade
material do fato, conquanto seja a conduta formalmente típica.4. Agravo regimental não
provido. (AgRg no REsp 1839290/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA,
julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019).

Sobre o princípio da insignificância em crime ambiental, a jurisprudência do STF e do STF,


desde que preenchidos os requisitos, tem permitido a sua aplicação, inclusive na modalidade de
delito cumulativo. Exemplo: pequena pesca em período de defeso.

STF- EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime ambiental. Pescador flagrado com doze camarões e
rede de pesca, em desacordo com a Portaria 84/02, do IBAMA. Art. 34, parágrafo único, II,
da Lei n. 9.605/98. Rei furtivae de valor insignificante. Periculosidade não conside- rável
do agente. Crime de bagatela. Caracterização. Aplicação do princípio da insigni- ficância.
Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Voto vencido.
Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas
circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do
comportamento. (HC 112563, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/
Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 21/08/2012, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-241 DIVULG 07-12-2012 PUBLIC 10-12-2012).
STJ- [...] 1. A aplicação do princípio da insignificância, causa excludente de
tipicidade material, admitida pela doutrina e pela jurisprudência em observância aos
postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Direito Penal, demanda o
exame do pre- enchimento de certos requisitos objetivos e subjetivos exigidos para o seu
reconheci- mento, traduzidos no reduzido valor do bem tutelado e na favorabilidade das
circunstân- cias em que foi cometido o fato criminoso e de suas consequências jurídicas e
sociais.
2. Esta Corte admite a aplicação do referido postulado aos crimes ambientais, desde
que a lesão seja irrelevante, a ponto de não afetar de maneira expressiva o equilíbrio ecológico,
hipótese caracterizada na espécie.

3. Na hipótese, em que o agravante foi flagrado mantendo em cativeiro 4 pássaros da


fauna silvestre, das espécimes tico-tico, papa-banana e coleiro, estão presentes os vetores de
conduta minimamente ofensiva, ausência de periculosidade do agente, redu- zido grau de
reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica inexpressiva, os quais autorizam a aplicação
do pleiteado princípio da insignificância, haja vista o vasto lastro probatório constituído nas
instâncias ordinárias.

22
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 519.696/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado
em 21/11/2019, DJe 28/11/2019).

3.2. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E PRINCÍPIO DA


IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO
O princípio da insignificância, chamado de bagatela própria, não se confunde com o prin-
cípio da irrelevância penal do fato, chamado de bagatela imprópria. O primeiro possibilita o
arquivamento ou o não recebimento da ação ou a absolvição penal nas imputações de fatos
bagatelares próprios, ou seja, os que não possuem tipicidade material, após desvalor da ação
ou do desvalor do resultado, em razão da ofensa mínima ao bem jurídico tutelado.
Enquanto isso, o princípio da irrelevância penal do fato não afasta a tipicidade material,
uma vez que o fato será típico (formal e materialmente), ilícito e culpável. Aqui, haverá a pos-
sibilidade de não se aplicar a pena ao final do processo, diante de dano não muito relevante ao bem
jurídico que foi reparado pelo agente e ante a inexistência de antecedentes penais (GO- MES;
GARCIA-PABLOS DE MOLINA, 2007). Há, portanto, uma valoração judicial na sentença e
conclusão pela desnecessidade de aplicação da pena.

O princípio da irrelevância penal do fato ainda não possui grande espaço na doutrina
e jurisprudência do Brasil, uma vez que envolve critérios mais axiológicos e menos
ontológicos, exigindo uma interpretação teleológica do Direito Penal com o rompimento de
dogmas posi- tivistas do causalismo clássico e de mitigação de conceitos finalistas.

PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE/LESIVIDADE

Se fosse possível a separação entre os princípios da ofensividade e o da lesividade,


po- deria se dizer que o primeiro constitui uma exigência de que a conduta criminosa ofenda
um bem jurídico relevante de forma concreta ou com perigo concreto de lesão. Enquanto o
se- gundo propõe que a lesão oriunda da conduta criminosa atinja um bem jurídico de
terceiro, não admitindo a punição da autolesão. Entretanto, grande parte da doutrina
compreende o princípio da lesividade como sinônimo de ofensividade.
Quanto ao princípio da lesividade, Luigi Ferrajoli (2010) ensina que foi difundido na
filo- sofia utilitarista da tradição iluminista, no sentido de que só se justifica a intervenção
penal diante de condutas que cause efeitos lesivos a terceiros. Acrescenta o autor que a
necessi- dade de uma lei penal se condiciona pela lesividade a terceiros dos fatos proibidos,
estabele- cendo, portanto, uma relação entre lesividade, necessidade e bem jurídico.
Importa compreender que a necessidade de lesão a bem jurídico de terceiro deve ser vista
não somente na perspectiva de um Direito Penal que tutela bens jurídicos individuais, como
vida, liberdade, patrimônio, mas que, do mesmo modo, se direciona à tutela de bens jurídicos
coletivos, como saúde pública, ordem econômica, moralidade administrativa, meio ambiente
e relações de consumo. Em todo caso, a atuação do Direito Penal deve ser equilibrada. Esse
tema será retomado no capítulo terceiro da pesquisa.
O princípio da ofensividade constitui um limite à atuação do legislador e do julgador na
me- dida em que impõe a necessidade de a conduta típica ser exteriorizada e causadora de
lesão ou perigo concreto de lesão a bem jurídico de terceiro. Por isso, os pensamentos, as
atitudes inter- nas e as ações não lesivas a bens jurídicos de terceiros não podem ser punidos
(BATISTA, 2007). Na doutrina, o tema ainda apresenta certa celeuma. Para uma primeira
corrente, não seria possível a tipificação de condutas que causam mero perigo abstrato. Para
outra corrente, é possível a referida tipificação, diante da necessidade, principalmente, de
tutela preventiva no cenário dos bens jurídicos penais coletivos e difusos.

23
Pierpaolo Cruz Bottini (2010) defende a possibilidade de tipificação de crimes de
perigo abstrato dentro de parâmetros estabelecidos pela dignidade da pessoa humana
Enquanto Paulo Queiroz (2011) defende a atipicidade de condutas com presunção de perigo,
apontando como exemplo o porte ilegal de arma de fogo desmuniciada. Essa posição não
encontra gua- rida na jurisprudência do STF e do STJ.
O STF já decidiu que a tipificação do perigo abstrato não é inconstitucional, uma vez
que o legislador pode fazer essa escolha, principalmente na tutela preventiva de bens
jurídicos penais coletivos:

STF – DECISÃO IMPORTANTE PARA O ESTUDO – Ofensividade/lesividade


A título de ilustração, já decidiu o STF: [...] A criação de crimes de perigo abstrato não
representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A
tipificação de condutas que geram perigo em abstrato, muitas vezes, acaba sendo a
melhor alternativa ou a medida mais eficaz para a proteção de bens jurídico-penais
supraindividuais ou de caráter coletivo, como, por exemplo, o meio ambiente, a saúde etc.
Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de deci- são,
definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de
determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um
direito penal preventivo. Apenas a atividade legislativa que, nessa hipótese, trans- borde os
limites da proporcionalidade, poderá ser tachada de inconstitucional.

LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA. Há, no contexto


empírico legiti-mador da veiculação da norma, aparente lesividade da conduta, porquanto se
tutela a segurança pública (art. 6º e 144, CF) e indiretamente a vida, a liberdade, a
integridade física e psíquica do indivíduo etc. Há inequívoco interesse público e social na
proscrição da conduta. É que a arma de fogo, diferentemente de outros objetos e artefatos
(faca, vidro etc.) tem, inerente à sua natureza, a característica da lesividade. A danosidade é
intrínseca ao objeto. A questão, portanto, de possíveis injustiças pontuais, de absoluta
ausência de significado lesivo deve ser aferida concretamente e não em linha diretiva de
ilegitimidade normativa.
ORDEM DENEGADA.(HC 104410, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda
Turma, julgado em 06/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-062 DIVULG 26-03-2012
PUBLIC 27-03-2012).

Por sua vez, o STJ já decidiu, na mesma linha do STF, sobre a possibilidade, em situações
excepcionais, de aplicação do princípio da insignificância em situações concretas de crimes
de perigo abstrato.

STJ – RECURSO ESPECIAL. POSSE ILEGAL DE MUNIÇÃO. CRIME DE PERIGO


ABSTRATO. PRINCÍPIO DA INSUGNIFICÂNCIA. PEQUENA QUANTIDADE MUNIÇÃO
DESACOMPANHADA DE ARMA DE FOGO

1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que “o crime de posse


ou porte irregular de munição de uso permitido, inde- pendentemente da quantidade, e ainda que
desacompanhada da respectiva arma de fogo, é delito de perigo abstrato, sendo punido antes
mesmo que represente qualquer lesão ou perigo concreto de lesão, não havendo que se falar em
atipicidade material da conduta”. (AgRg no RHC 86.862/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER,
QUINTA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 28/02/2018).
2. Esta Corte detém entendimento no sentido de que “o porte ilegal de munições confi- gura o
tipo penal descrito no art. 16, caput, da Lei n. 10.826/2003, crime de perigo abs- trato que presume
a ocorrência de dano à segurança pública e prescinde, para sua cara- terização, de resultado

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naturalístico à incolumidade física de outrem”. (HC 322.956/SP, Relator Ministro ROGERIO
SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2017, DJe 29/08/2017).
3. O Supremo Tribunal Federal, em recente julgado, analisando as circuns- tâncias do caso
concreto, reconheceu ser possível aplicar a bagatela na hipótese de apreensão de apenas uma
munição de uso permitido desacompanhada de arma de fogo, tendo concluído pela total inexistência
de perigo à incolumidade pública (RHC 143.449/ MS, Rel.Ministro RICARDO LEWANDOWSKI,
SEGUNDA Turma, DJe 9/10/2017).
4. Hipótese em que, embora formalmente típica, a conduta de possuir apenas duas munições
destituídas de potencialidade lesiva, desacompanhadas de armamento capaz de defla- grá-las, não
enseja perigo de lesão ou probabilidade de dano aos bens jurídicos tutela- dos, permitindo-se o
reconhecimento da atipicidade material da conduta.
5. Recurso desprovido. (REsp 1710320/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA
TURMA, julgado em 03/05/2018, DJe 09/05/2018).
É certo que a crescente tipificação de crimes de perigo abstrato decorre dos efeitos ge-
rados pelo desenvolvimento tecnológico e industrial, no contexto da globalização, que trou-
xeram novas relações de produção, de comunicação e de convivência na sociedade pós-mo-
derna, acompanhadas do surgimento de novos riscos, com novas formas de lesionar os bens
jurídicos individuais e coletivos, restando insuficiente o modelo penal de tutela posterior ao
resultado material da conduta (COSTA, 1992).
Nesse ambiente, no contexto brasileiro, surgiram discussões sobre a
constitucionalidade da tipificação do crime de perigo abstrato, as quais foram superadas pelo
STF, o qual já firmou em várias ocasiões, como se verá nos itens seguintes, que o
legislador pode sim tipificar o perigo abstrato para a tutela de bens supraindividuais, que
exigem tal recurso como forma de tutela preventiva, como se verifica, por exemplo, na tutela
penal do meio ambiente.
Nilo Batista (2007) propõe as seguintes funções decorrentes do princípio da lesividade
(ofensividade): a proibição da incriminação de uma atitude interna, como as ideias, convic-
ções, aspirações e desejos dos homens; a proibição da incriminação de uma conduta que não
exceda o âmbito do próprio autor; a proibição da incriminação de simples estados ou condi-
ções existenciais; a proibição da incriminação de condutas desviadas que não causem dano
ou perigo de dano a qualquer bem jurídico. Tais características já foram cobradas diversas vezes
em concursos públicos, como se verifica nas questões do lançadas a seguir.

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

O princípio da proporcionalidade surge no contexto das transformações culturais e


políti- cas ocorridas no cenário europeu do Século XVIII, ao lado de discussões em torno do
utilita- rismo (punições somente no caso de utilidade para a proteção da paz pública e das
finanças públicas) e da humanidade da sanção penal (desnecessidade de penas mais graves
quando não fossem úteis).
De início, o princípio foi utilizado como uma garantia negativa, com a função de
limitar o poder de punir do Estado, diante de um cenário de separação das infrações de ordem
religiosa e de ordem estatal, bem como na consolidação da pena privativa, como sanção
principal do Direito Penal, em substituição ao modelo dos suplícios.
Para Mariângela Gomes, o princípio da proporcionalidade penal deve ser analisado em
conjunto com os subprincípios da necessidade, idoneidade e proporcionalidade em sentido
estrito. De forma que o exame da proporcionalidade da norma penal acontece em dois pla-
nos: no primeiro, examina-se a necessidade da tipificação da conduta, se não há outro meio
eficaz de proteger o bem jurídico e se há uma relação entre meio e fim, no sentido de idonei-
dade da incriminação para prevenir a conduta tipificada; no segundo plano, quando do juízo
de proporcionalidade em sentido amplo, examina-se a relação entre a quantidade de pena e

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gravidade da infração (GOMES, 2003).
Ao tratar do princípio da proporcionalidade no contexto da jurisprudência penal alemã,
Ul- frid Neumann (2012) aponta que sua capacidade de rendimento tem sido pequena, por
envol- ver critérios valorativos, com uma diminuição da confiança da doutrina na sua
capacidade de limitar o Direito Penal. O referido autor aponta que a jurisprudência do Tribunal
Constitucional alemão, com o uso do princípio da proporcionalidade, tem mostrado um cartão
amarelo, mas não um cartão vermelho ao legislador, como ocorreu em um caso que envolvia
o manuseio de produtos de cannabis. Sugere o desenvolvimento de diferentes modelos
argumentativos de modo a tornar mais efetiva a aplicação do princípio da proporcionalidade
em concretos grupos de casos.
Sobre a decisão que envolvia a análise constitucional da Lei de Entorpecentes da
Ale- manha no que diz respeito à proibição de manuseio de produtos de cannabis, Lothar
Kuhlen explica que, na oportunidade, em 1994, o Tribunal Constitucional Federal alemão
decidiu que a proibição era compatível com a Constituição alemã, mas ressalvou a
possibilidade, com base no princípio da proporcionalidade, de não punição, no caso de
pequena quantidade, para consumo pessoal (KUHLEN, 2012).
No momento atual, no contexto brasileiro, o princípio constitucional implícito da propor-
cionalidade, observado pelo legislador, na produção das normas penais, e pelo operador do
Direito Penal, nas fases de acusação e de condenação, deveria se direcionar a um modelo de Direito
Penal de intervenção equilibrada, que se preocupa com a proibição do excesso e com a proibição da
tutela penal deficiente.
O princípio da proporcionalidade não foi contemplado de forma expressa no texto
cons- titucional, mas constitui um dos mais utilizados pelo STF, como recurso
argumentativo geral em matéria penal, tanto na interpretação da tipicidade quanto no exame
da pena e dos insti- tutos da execução penal, conforme se verá no exame das decisões nos
itens seguintes.
O STF já decidiu com o princípio da proporcionalidade para desconstruir elementares do
tipo e importar preceito secundário alheio na interpretação do crime de receptação qualifica-
da (depois mudou o entendimento e afirmou a constitucionalidade da qualificada); inovar e
buscar a permissão de uma nova forma de aborto não prevista em lei; delimitar a elementar
ato libidinoso para a caracterização do crime de estupro (por maioria, entendeu que o referido
princípio não poderia ser utilizado para desclassificar o beijo lascivo da conduta de estupro
para o crime de importunação sexual); fundamentar votos no sentido da descriminalização
de porte de determinado tipo de droga para consumo pessoal (decisão ainda pendente de um
resultado final); analisar e temperar institutos atinentes à dosimetria da pena; construir racio-
cínio positivo alusivo à nova causa suspensiva em matéria de prescrição.
Com relação ao aborto até a 12ª semana da gestação, numa relação com a tipicidade pe- nal,
o princípio da proporcionalidade foi utilizado pelo STF de forma bastante ousada, quan- do a
Primeira Turma, por maioria, examinou um pedido de revogação de prisão preventiva no
Habeas Corpus 124.306/RJ, de um acusado pela prática do crime de aborto de feto com gestação
não superior a 12 semanas. Na ocasião, após pedido de vista, o Relator para o acór- dão, Ministro
Luís Roberto Barroso, ampliou o debate para examinar a constitucionalidade da referida
tipificação penal e, ao final, considerou inconstitucional a proibição do aborto nessa situação.
Na decisão do Ministro Barroso, após citações de normas de alguns outros países que
permitem tal manobra abortiva, restou fundamentado, para a permissão do abortamento do
feto até a terceira semana da gestação: incompatibilidade da criminalização com os direitos
sexuais e reprodutivos da mulher, com a sua autonomia, com a sua integridade física e psíqui-
ca, com a equiparação de gênero; a criminalização atinge em maior medida mulheres pobres,
que por sua vez praticam automutilação, já que não têm acesso a médicos e clínicas privadas;
uso do princípio da proporcionalidade para afirmar a duvidosa adequação da norma para pro-
teger o bem jurídico (vida do nascituro), uma vez que não impede a realização de abortamen-

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tos de maneira clandestina no país; a possibilidade de substituir a tipificação, em tais casos,
por meios mais eficazes, como a educação sexual; a desproporcionalidade em sentido estrito
por gerar custos sociais, como mortes e problemas de saúde pública, superiores aos seus
benefícios; interpretação conforme para afastar a incidência dos arts. 124 e 126 do Código
Penal nos casos de interrupção voluntária da gestação realizada até o primeiro trimestre. Por
fim, a decisão afastou apenas a prisão preventiva no seu dispositivo.
Na oportunidade, o relator original, Ministro Marco Aurélio, examinou a questão
apenas na perspectiva da cautelar e, sob o ângulo processual dos requisitos da prisão
preventiva, não conheceu do HC, mas concedeu a ordem de ofício. O Ministro Edson Fachin
acompanhou a decisão do Ministro Marco Aurélio. Por sua vez, a Ministra Rosa Weber, em voto
escrito, juntado aos autos depois do julgamento, concedeu a ordem de ofício, nos termos do voto
do Relator, e, ainda, acompanhou a argumentação do Ministro Barroso, no sentido de conferir
interpretação conforme a Constituição dos arts. 124 e 126 do Código Penal, de modo a consi-
derar atípica a interrupção da gravidez efetivada no primeiro trimestre da gestação.
Vale registrar que o Código Penal só permite o aborto em caso de gestação com risco
de vida para a gestante e diante de gravidez resultante de estupro, ou seja, somente em
duas hipóteses. Ressalte-se que o estupro para gerar a gestação abortiva legal pode
decorrer de violência ou grave ameaça ou, ainda, ser cometido sem violência no caso de
estupro de vítima vulnerável, independente de seu consentimento, uma vez que a Lei Penal
apenas menciona gravidez decorrente de estupro, na segunda hipótese legal, para permitir o
aborto.
A outra possibilidade de abortamento, por atipicidade penal, ocorre na gestação de
feto anencéfalo, conforme decisão proferida na ADPF 54, considerado fato atípico, já
examinado quando da análise do princípio da legalidade e da dignidade da pessoa
humana.
De outro lado, a lei penal brasileira não permite o aborto de feto até a terceira semana
da gestação, como ocorre em alguns outros países. Uma Arguição de Descumprimento de
Pre- ceito Fundamental foi protocolada no STF (ADPF 442), distribuída à Ministra Rosa
Weber, com pedido de permissão do aborto em tal situação, mas ainda não houve um
posicionamento da Corte.
No Projeto de Lei do Senado n. 236 (novo Código Penal), apresentado no ano de 2012
pela comissão de juristas criada pelo Senado, havia também a possibilidade de
abortamento do feto até a terceira semana da gestação, desde que precedido de um parecer
médico ou psico- lógico sobre a gestante. Tal permissão foi retirada do texto após uma
revisão do projeto, no âmbito do Senado, realizada por outra comissão.
A decisão do STF no HC 124.306/RJ, malgrado ter sido proferida no âmbito da Primeira
Turma, com quatro ministros presentes, e não do Plenário, chama a atenção, no cotejo entre os
argumentos usados e a dogmática penal, por várias razões: no âmbito de um Habeas Cor- pus no
qual se questionava os fundamentos para a prisão preventiva; manifestação de ofício da Corte
quanto a matéria de Direito Penal não suscitada no âmbito do Habeas Corpus; ine- xistência de
deferência ao Legislador que debate a matéria nas discussões do projeto do novo Código Penal;
tentativa de mitigação do direito à vida do nascituro, que se encontra regulado por norma
infraconstitucional, que obedece a um mandado constitucional de criminalização para a proteção
da vida; tentativa de criação de uma regra restritiva do direito à vida, com uso de argumentação
principiológica sedimentada no princípio da proporcionalidade, em espaço já regulado pelo
legislador, numa clara ofensa a outro princípio denominado proibição da tutela penal
deficiente; ativismo penal voluntarioso e subjetivista em espaço de escolha do legislador, com
construção casuística de regra limitadora do direito à vida.
Novamente, a posição de abertura interpretativa com uma escolha de solução
subjetiva distante da dogmática, com argumentos consequencialistas, de roupagem
neoconstituciona- lista, presentes na fundamentação do voto do Ministro Barroso, se

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aproximam da linha pro- posta pelo funcionalismo penal teleológico, ao menos, na parte que
diz respeito aos princípios políticos criminais como guia da dogmática, levando em conta as
funções do Direito Penal, de proteção dos bens jurídicos principais, de prevenção positiva,
de análise da necessidade de pena, que integra, ao lado culpabilidade, o conceito de
responsabilidade.
Segundo José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, afirmam: o princípio da
proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três
subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado por princípio da idonei-
dade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio
adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou
bens constitucio- nalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado
princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas
previstas na lei devem revelar-se neces- sárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins
visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos,
liberdade e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que significa
que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa ‘justa medida’,
impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em
relação aos fins obtidos. CANOTILHO; MOREIRA; 2007, p. 393).

Importa ressaltar que o STF já reconheceu a dimensão da proporcionalidade na


vedação da tutela penal deficiente (garantismo positivo), conforme voto vista do Ministro
Gilmar Men- des no julgamento do RE 418 376.
Essa relação entre proporcionalidade e vedação da proteção penal deficiente apareceu
em 1975, na Alemanha:
proibição da proteção deficiente (Untermassverbot) Claus-Wilhelm Canaris. Sinônimo
de garantis- mo positivo
Leading case- Tribunal Constitucional Alemão que declarou em 25/02/1975 a
inconstitucionalida- de do 5.StRG de 18/06/74, que permitia aborto dependendo do tempo
da gestação, praticado por médico e com consentimento da gestante. Entendeu que se a vida
não for protegida por outros meios, o Estado deve preserva-la com o uso do direito penal. Tal
decisão também é utilizada para a afirmação dos mandados implícitos de criminalização.

PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DAS PENAS

A individualização da pena, princípio expresso no texto constitucional brasileiro, atua em


três momentos distintos, quais sejam: na criação da norma incriminadora com preceito pri-
mário e secundário; na dosimetria da pena quando da decisão condenatória penal; no cum-
primento da pena no processo de execução penal.
A Constituição da República Federativa do Brasil estabeleceu de forma exemplificativa no art.
5º, inciso XLVI, as espécies de sanções que poderão ser contempladas na norma penal
incriminadora, trazendo um rol exemplificativo. Entretanto, de outro lado, delimitou a atividade
do legislador art. 5º XLVII, ao especificar quais penas não poderão integrar o preceito secun- dário
das normas incriminadoras no direito penal brasileiro.
Na fase da dosimetria da pena, o julgador, com amparo nesse princípio, deve ficar atento
às regras e individualização da pena previstas no Código Penal, obedecendo o critério trifá-
sico contido nos arts.59 a 68 do Código Penal, com a orientação da teoria mista, reprovar e
prevenir, na medida da culpabilidade.
Essa é a principal função do princípio da individualização da pena, ou seja, garantir a pena
na medida da culpabilidade de cada pessoa condenada, “evitar a aplicação de penas padro-
nizadas, que pouco caso faria dos acusados, engessando o Judiciário e simplificando em
demasia o complexo processo de fixação da justa sanção penal” (NUCCI, 2013, p.222).

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Por último, na fase de execução da pena, a individualização consiste no cumprimento
da sanção com obediência aos preceitos da Lei de Execução Penal, contemplando a
finalidade nesta fase que é a ressocialização e reeducação do condenado, ou seja,
prevenção especial positiva (art. 1º da LEP); a classificação do condenado, o caráter
progressivo da execução; a disciplina e os benefícios, e os demais comandos da LEP (Lei
n. 7.210, de 1984).
A individualização da pena constitui um dos princípios mais utilizados pelo STF, tanto no
controle de constitucionalidade de leis penais, quanto na construção das decisões penais, ou
seja, na aplicação de penas restritivas de direito e privativa de liberdade, na fixação do regime
de cumprimento de pena, ou ainda na concretização da política criminal carcerária, para
estabelecer balizas que, em tese, deveriam ser construídas pelo Poder Legislativo e pelo
Poder Executivo.
Obs.: A individualização da pena tornou-se uma ferramenta utilizada contra o
Legislador, deixou de ter a sua atenção voltada para o processo de dosimetria da pena, para
se transformar em um argumento geral utilizado nas decisões do STF relativas à política
pública carcerária e, ainda, para afastar a constitucionalidade de leis recentes, aprovadas
pelo Congresso Nacional.
O STF tem fez uso do princípio individualização da pena: declarar a inconstitucionalidade
no regime integralmente fechado em crimes hediondos (HC 82959 de 2006); declarar a in-
constitucionalidade da vedação de substituição de pena privativa por restritivas de direitos
no tráfico de drogas, prevista no art. 44 da Lei n. 11.343/2006 (HC 97.256 de 2010); para
declarar a inconstitucionalidade do regime inicial fechado como opção automática para os
crimes he- diondos e equiparados, afirmando a necessidade de se utilizar o art. 33 do Código
Penal para a fixação de regime inicial de cumprimento de pena tanto nos crimes hediondos
quanto nos crimes não hediondos (HC 111.840. de 2012).

PRINCÍPIO DA LIMITAÇÃO DAS PENAS

Decorre de previsão expressa do texto constitucional, que delimita alguns tipos de


penas, que não poderão existir no Brasil, salvo a pena de morte no caso de guerra declarada.
Segundo o art. 5º XLVII da Constituição:
Não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84 XIX;
b) de caráter perpétuo
c) de trabalhos forçados
d) de banimento
e) cruéis

Acima de qualquer valor utilitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação
funda mental em relação à qualidade e quantidade da pena. É este o valor sobre os quais se
funda, irredutivelmente, o rechaço da pena de morte, das penas corporais, das penas infames
e, por outro lado, da prisão perpétua e das penas privativas de liberdade excessivamente
extensas.
Sobre a história das penas e suas teorias, o tema será tratado no capítulo sobre penas.
A pena de morte no Brasil é autorizada somente nos casos de guerra declarada,
sendo neste caso, executada por fuzilamento, conforme previsto no art. 56 do Código Penal
militar.
Em relação a pena de trabalhos forçados, a constituição quis proibir na verdade,
aquele trabalho que humilha o condenado pelas condições como é executado. Ressalta-se
que, con- forme a LEP (Lei n. 7.210), o trabalho é um direito e um dever do preso.

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A pena máxima era de 30 anos. Agora, com a Lei Anticrime, n. 13.964/2019, o
máximo de cumprimento da pena passou a ser 40 anos, conforme nova redação do art. 75
do Código Penal:
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior
a 40 (quarenta) anos.
§ 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja
superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo
deste artigo.
Ressalte-se que o STF tem usado o limite de 30 anos para a medida de segurança
(medida de segurança como gênero da sanção penal), embora o Código Penal fale em prazo
inde- terminado, no art. 97. O STJ faz uso, no caso de medida de segurança, do tempo
máximo de pena previsto no preceito secundário da conduta respectiva. Agora, diante da
nova redação do Código Penal, o STF deve adaptar a sua jurisprudência.

PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS

A deve respeitar o princípio da humanidade, ou seja, não deve atingir a constituição


psi- cológica do indivíduo, deve respeitar a sua saúde, não pode ser cruel, não pode haver
tortura. Ademais, o preso tem direito à alimentação, saúde e dignidade. Apenas a sua
liberdade foi restringida.
O princípio da humanidade das penas decorre do art. 5º III, XLVII, XLIX da CRFB.
Possui ainda base normativa internacional: Declaração Universal dos Direitos Humanos, art.
V (“Nin- guém será submetido à tortura nem a tratamentos ou punições cruéis, desumanos
ou de- gradantes”); Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, art. 10.1 (“Toda pessoa
privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e com respeito à dignidade
inerente à pessoa humana”), e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 5º, 2
(“Toda pes- soa privada da sua liberdade deve ser tratada com respeito devido à dignidade
inerente ao ser humano”.

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Dermeval Farias
Professor Dermeval Farias Gomes Filho. Promotor de Justiça do
Júri/Criminal no Distrito Federal (MPDFT). Doutorando em Direito Penal
pela PUC-SP. Mestre em Direito Penal pelo UNICEUB. Pós-graduado
em processo civil pela Universidade Federal de Santa Catarina. Ex
Conselheiro Nacional do Ministério Público (biênio 2017/2019).
Professor de Direito Penal em diversos cursos de preparação para
concursos da Magistratura e do Ministério Público e pós-graduações
desde o ano de 2006. Palestrante em Simpósios e Congressos. Leciona em cursos de
capacitação de direito penal do STF, STJ, TJDFT e MPDFT. Integra o grupo de pesquisa
em política criminal do UNICEUB/UNB. Autor de artigos e livros, com destaque para:
Dogmática Penal: Fundamento e limite à construção da jurisprudência penal no Supremo
tribunal Federal.

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