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A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DOS BANCOS DE DADOS DE PERFIS

GENÉTICOS

1. Introdução

O presente artigo compreendeu as discussões levantadas em torno da Lei 12.654, que


instituiu a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal e como consequência
para condenados por crimes hediondos e com natureza de violência grave, alterando as Leis nºs
12.037, de 1º de outubro de 2009 (Lei de Identificação Criminal), e 7.210, de 11 de julho de
1984 (Lei de Execução Penal).
O tema, que teve reconhecida sua repercussão geral, tramita no Supremo Tribunal
Federal no recurso extraordinário n° 926.974, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, no qual
verifica-se a constitucionalidade da referida lei, contando com a participação de diversas
entidades na qualidade de Amicus Curiae, que manifestaram memoriais auxiliando ao
julgamento da matéria.
Através da pesquisa à legislação, às doutrinas e ao processo, foi possível identificar a
linha de entendimento quanto à constitucionalidade da referida lei, bem como firmar um
confronto dos princípios constitucionais e direitos fundamentais que pudessem refletir sobre os
rumos que os bancos de dados de perfis genéticos poderão e já estão ganhando dentro do
processo investigatório e punitivo.

2. Lei 12.654 e suas alterações

A Lei 12.654, de 28 de maio de 2012, alterou a Lei nº 12.037/09 - que dispõe sobre a
identificação criminal do civilmente identificado -, e também a Lei nº 7.210 – Lei de Execução
Penal, para prever a coleta do perfil genético como forma de identificação criminal, e dar outras
providências
É imperioso destacar que a alteração da lei dispõe sobre duas situações diferentes. A
primeira consiste na identificação criminal, necessária para investigados em qualquer tipo de
crime, em situações especificadas pela lei. Já a segunda situação consiste nos condenados por
crimes dolosos com grave violência contra a pessoa ou por hediondos, como medida a mais na
execução da pena, de forma automática.
Todo indivíduo deve ser identificado pelo Estado, trata-se, pois, de uma ação obrigatória
em qualquer situação, a identificação civil. A lei dispõe sobre as principais formas de
identificação, quais sejam a carteira de identidade; carteira de trabalho; carteira profissional;
passaporte; carteira de identificação funcional. Tal obrigatoriedade se demonstra pelo art. 68 da
Lei de Contravenções Penais, segundo o qual recusar à autoridade, quando por esta,
justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria
identidade, estado, profissão, domicílio e residência, gera a pena de multa, até prisão simples
caso haja declarações inverídicas cobre sua identificação. Outro momento em que se impõe a
identificação obrigatória consiste nos interrogatórios, cuja primeira pergunta, equivalente a sua
identificação, é indispensável, podendo até ser coercitivamente levado para isso, conforme os
artigos 187, § 1º, e 260, ambos do CPP.
A identificação criminal, por sua vez, corresponde àqueles casos em que o investigado/
acusado não tenha como se identificar civilmente, ou tal forma não seja suficiente ou adequada,
além dos casos previstos pela lei, como dispõe 0 art. 5º, LVIII, da Constituição Federal, dentre
as quais o art. 3°, inciso IV, a identificação criminal for essencial às investigações policiais,
segundo despacho da autoridade judiciária competente (...)(medida cautelar probatória). A lei
ganhou um novo dispositivo, art. 5°-A, que afirmou a coleta dos dados genéticos nos mesmos
moldes do inciso IV, mediante decisão judicial, que não revelem traços somáticos, e o posterior
armazenamento em bancos de dados, com a possibilidade de excluí-los após prazo
determinado1.
A execução penal se difere da identificação criminal, porquanto o indivíduo já tenha
sido identificado durante a investigação – e não tenha precisado se identificar criminalmente 2.
O art. 9°-A incluído pela lei, disciplina que, de maneira automática, serão recolhidos os DNAs
daqueles condenados pelos crimes especificados, por técnica indolor e adequada, ou seja, por
meio de intervenções não invasivas, assegurando a intimidade e a integridade do apenado, estes,
no entanto, não têm previsão legal para sua exclusão.
O Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos
(RIBPG), são regulamentados pelo Decreto 7.950/2013, administrado por perito criminal
federal habilitado e com experiência comprovada, sob a coordenação do Instituto Nacional de
Criminalística (INC), da Polícia Federal. Estes bancos também são utilizados para encontrar
pessoas desaparecidas. Segundo relatório de maio de 2018, elaborado pela RIBPG, existem
10.439 perfis genéticos armazenados, entre vestígios e indivíduos identificados criminalmente

1
Alteração prevista pelo art. 7°-A, incluída pela lei n° 13.964/19
2
Nos casos em que o sujeito passou pela identificação criminal na investigação e foi condenado, respalda-se
pelo inciso II do art. 7°-A, incluído pela lei m° 13.964/19, que determina o prazo para a exclusão dos perfis
genéticos, mediante o requerimento, após decorridos 20 (vinte) anos do cumprimento da pena
e 2.703 dados relacionados a pessoas desaparecidas. Foram auxiliadas 561 investigações e
houve 511 coincidências confirmadas.3
Porém, a coleta compulsória e a utilização dos bancos de dados geram algumas
discussões em torno dos direitos fundamentais garantidos aos apenados e investigados. Para
tanto, certos princípios constitucionais são levantados para o debate, apresentados no tópico
seguinte.

3. Princípios Constitucionais envolvidos

Decerto, o debate encara alguns dos princípios constitucionais dispostos na Constituição


de 1988, que afirmam as garantias que todo indivíduo, sendo ele preso ou em liberdade, é
detentor. Em primeiro lugar, o art. 1° , inciso III, que nomeia a dignidade da pessoa humana
como fundamento de um Estado Democrático de Direito. André Ramos Tavares4 afirma não
ser fácil a tarefa de conceituar a dignidade da pessoa humana, utilizando-se das palavras de
Werner Maihofer para expressar tal princípio como a “afirmação positiva do pleno
desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo”, pressupondo “o reconhecimento da
total autodisponibilidade, sem interferências ou impedimentos externos, das possíveis atuações
próprias de cada homem; de outro, a autodeterminação”. Nesse sentido, relaciona-se à
dignidade, os direitos atinentes a sua personalidade, sua capacidade para decidir sobre si
mesmo, livre de impedimentos externos e internos. A grande dificuldade dessa caracterização
se encontra no fato de que não se cuida de aspectos mais ou menos específicos da existência
humana, mas sim um “todo” que identifica o ser humano como tal.
Todavia, é certo de que tal direito à autodeterminação e ao pleno desenvolvimento de
sua personalidade entram, inevitavelmente, em um limite imposto pelo regramento jurídico.
Conquanto o indivíduo tenha sua liberdade garantida pela dignidade humana, é dever do Estado
promover a segurança pública, preservando a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do
patrimônio, sendo, portanto direitos inter-relacionados que constituem parte do manto protetivo
essencial ao indivíduo.
Em razão disso, quando um indivíduo descumpre tais preceitos, tem seus direitos
restringidos, dentre eles a própria liberdade e autodeterminação. Por isso, o princípio da

3
MACORIM, Priscila. A utilização do Banco de Dados de Perfis Genéticos na Precursão Criminal: uma
abordagem sobre os direitos de personalidade e o princípio da não autoincriminação. Revista Brasileira de
Ciências Policiais, Brasília, v. 9, n. 1, p. 91-108, jan/jun 2018.
4 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo. Saraiva, 2020, p. 454
dignidade humana não pode ser pautado no simples ato de “agir conforme seu bem querer”,
mas sim levando-se em consideração o ordenamento jurídico, pois nenhum direito é absoluto e
o seu limite se encontra regulamentado pela lei. Extrai-se disso, a função social da pena, qual
seja, a ressocialização do indivíduo, pela qual consiga reestabelecer sua liberdade e a
capacidade de agir conforme sua autonomia.5 A dignidade humana está presente em outros
aspectos independentemente da liberdade do indivíduo, apenas pela simples condição de ser
humano, como a integridade física, moral, psíquica e o respeito a sua livre manifestação.
Em suma, pode-se afirmar que os direitos fundamentais decorrem da dignidade da
pessoa humana e são limitados por ela, ou seja, ela atua como uma barreira contra a atividade
restritiva dos direitos fundamentais, mas, sempre, em proporção com o ordenamento e as regras
impostas à coletividade. A própria pena de privação da liberdade demonstra que restrições aos
direitos fundamentais devem ceder ao bem da coletividade e ao interesse público.
Em seguida, avançando pelos dispositivos da Carta Magna, o art. 5° da Constituição
adquire especial atenção no debate, tendo vários de seus incisos levantados como possíveis
óbices à constitucionalidade dos bancos de dados de perfis genéticos. Inicia-se pela afirmação
de que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante – inciso
III -, estabelecendo uma conexão direta com o princípio da dignidade humana. Por conseguinte,
tem-se a proteção dos sujeitos encarcerados, pelo inciso XLIX, através do respeito à integridade
física e moral, além da proteção ao devido processo legal, enunciada pelo inciso LVI que veda
a obtenção de provas obtidas por meios ilícitos.
Os dispositivos supracitados são objetos da análise da Lei 12.654, no entanto, desataca-
se para essa, dois princípios centrais ao processo penal e à punibilidade estatal do investigado,
são eles o princípio da não autoincriminação e o princípio da presunção de inocência, que serão
mais bem explicados a seguir.
O princípio da não autoincriminação (nemo tenetur ipsum accusare), inerente à ampla
defesa e diretamente ligado, também, ao princípio da presunção de inocência, assegura ao
investigado o direito de não produzir prova contra si mesmo, isto é, não poder ser compelido a
testemunhar contra si mesmo, “direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem a
declarar-se culpado”6.

5
“Ao mesmo tempo que com a execução da pena se cumprem os objetivos de prevenção geral, isto é, de
intimidação, com a pena privativa de liberdade busca-se a chamada ressocialização do delinquente”.
(BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal - v. 1: parte geral (arts. 1 a 120). 24. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2018, p. 355)
6
Artigo 8°, n. 2, letra g 7 , da Convenção Americana de Direitos Humanos
Em outras palavras, é direito do acusado não colaborar para a investigação – cooperação
na produção de provas – na qual configure como suspeito, e assim, não poderá ser obrigado a
isso, razão pela qual quando houver ilegal constrangimento, a confissão ou prova assim obtida
será ilícita e arbitrária a eventual prisão. Todavia, o art. 5°, LXIII, da Constituição, enuncia
apenas uma parte desse direito, conhecido como o direito ao silêncio, pois, de fato, existem
diversas outras formas de não se autoincriminar, que não seja apenas pelo testemunho. É um
caráter negativo, significa que o dispositivo versa sobre um “não fazer”, consumando-se em
uma omissão.7
As principais implicações desse princípio no processo penal consistem, nas palavras do
professor Paulo Queiroz, em:

1) o direito ao silêncio, preso ou solto o investigado, 2) a necessidade de ser


previamente informado dessa garantia; 3) privilégio de não prestar juramento ou
compromisso de dizer a verdade; 4)o direito de se recusar a entregar documentos e de
praticar qualquer comportamento ativo que o incrimine; 5) a recusa de participar de
reconhecimento, acareação ou reprodução simulada dos fatos; (...) 8)o direito de não
se submeter ao teste de alcoolemia (exame do bafômetro) nos delitos de trânsito; (...)
12)a ilegalidade de toda prisão fundada na recusa de colaborar com a investigação;
13)apesar do direito ao silêncio, o investigado ou acusado tem o dever de se identificar
pelos meios legais, revelando nome e apelidos etc; 14) a legalidade das provas não
invasivas, isto é, que não ofendam a integridade física do suspeito ou que não
dependam de ação do indivíduo, com ou sem sua anuência, a exemplo de inspeções
ou verificações corporais e coleta de material orgânico por ele descartado 8

No âmbito da coleta de material biológico para obtenção do perfil genético existem


alguns questionamento quanto à possibilidade de ferir o princípio da autoincriminação,
porquanto o indivíduo seja obrigado a fornecer mesmo que contra sua vontade. Tendo em vista
os elementos supramencionados pelo professor Paulo Queiroz, é possível depreender algumas
relações com a coleta compulsória.
Em primeiro lugar, bem como já exposto, todos da população estão sujeitos à
identificação civil, pela Lei 12.037 que são estabelecidas as formas que tal identificação pode
ser realizada. Conquanto seja efetivada a identificação civil, existem alguns casos em que não
se mostra suficiente, previsto na Constituição que “o civilmente identificado não será submetido
a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei” (art. 5° LVIII). Nesse sentido, os

7
QUEIROZ, Paulo. Princípio da não autoincriminação. 17 de março de 2017, disponível em:
https://www.pauloqueiroz.net/principio-da-nao-
autoincriminacao/#:~:text=O%20princ%C3%ADpio%20da%20n%C3%A3o%20autoincrimina%C3%A7%C3%
A3o,prova%20contra%20si%20mesmo1, acesso em: 14/04/2022
8
Ibidem.
tópicos levantados concernem no provável caráter invasivo de tal medida, em conjunto com a
posição ou não ativa pelo investigado para produção de uma prova contra si.
Segundo Augusto Silva Dias e Vânia Costa Ramos, a coleta de material genético
compulsória pode ferir a integridade do indivíduo – semelhante a uma tortura que obriga a
confissão do indivíduo. Para ele, a transformação do acusado em um objeto ou banco de prova
contraria a eficiência do processo penal embasado na dignidade da pessoa humana,

quer essa coisificação se traduza na extracção coactiva de declarações, como


acontece com a tortura, ou na recolha de ar expelido, de saliva, de sangue ou urina.
Todos são segmentos da corporeidade que formata a condição humana e constitui
o suporte biológico da unidade ética que cada pessoa é.9

Desta feita, tem-se pelas palavras do jurista que a coleta para fins de identificação –
visto que a identificação seja ela civil ou criminal é legalmente obrigatória – não pode ser
extraída diretamente do sujeito, pois violaria sua integridade física e incidiria na
autoincriminação, mas, em contrapartida, seria permitido que tal material fosse obtido por
outras vias que não dependam da ação do sujeito, a exemplo da apreensão de objetos usados
por ele que contenham seu DNA.
Entretanto, a discussão não cessa por aí, havendo diversos outros argumentos que são
alegados para justificar tal constitucionalidade ou não, mas, de fato, todos eles sob os princípios
acima mencionados, buscando justificar a aplicação da lei dentro da proporcionalidade, uma
vez que o choque de princípios exige que haja um sobrepeso entre adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito.

4. O recurso extraordinário e as manifestações Amicus curiae

A relevância do tema atingiu o Supremo Tribunal Federal ao ter sua repercussão geral
reconhecida, por unanimidade, pelo Plenário Virtual da Corte, sob a relatoria do Ministro
Gilmar Mendes, RE 926.974/MG. Em uma breve síntese do caso concreto, trata-se, na origem,
de Agravo em Execução Penal, interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais,
contra decisão do juízo de execuções penais que indeferiu o pedido ministerial de sujeição
obrigatória do apenado à identificação criminal, mediante coleta de seu material genético,
visando à criação de um banco de dados (art. 9º-A da Lei 7.210/84).

9O direito à não auto-inculpação (nemo tenetur se ipsum accusare) no processo penal e contra-ordenacional
português. Coimbra: Coimbra editora, 2009, p. 31, apud QUEIROZ, Paulo. Princípio da não autoincriminação.
17 de março de 2017
Entretanto, a Col. 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por
unanimidade, deu provimento ao recurso, determinando a realização do procedimento de coleta
do material biológico para fins de identificação do perfil genético. Em ato contínuo, a defensoria
interpôs recurso extraordinário, registrado sob o n° 973.837, reiterando a tese de violação ao
princípio constitucional da não autoincriminação e ao art. 5º, inc. II, da CF/88.
Nesta senda, a Suprema Corte decidirá em última e definitiva instância se, de fato, o art.
9º-A da Lei 7.210/84, introduzido pela Lei 12.654/12, ao tornar obrigatória a coleta de material
biológico para a obtenção do perfil genético de condenados por crimes violentos ou por crimes
hediondos, incorreu em vício de constitucionalidade, por vulnerar direitos da personalidade e
infringir a prerrogativa de não se autoincriminar.
Para tanto, algumas entidades puderam se manifestar no curso do recurso, apresentando
os questionamentos a favor e contra à constitucionalidade. As principais entidades ora
analisadas para contrapor os argumentos, consistem na Academia Brasileira de Ciências
Forenses 10e na Associação Nacional dos Defensores Públicos11.
De início, cumpre estabelecer os princípios que, embora já citados, foram evidenciados
para a análise de proporcionalidade. O dever de segurança pública e combate à criminalidade
pelo Estado, obrigação constitucional de investigar, processar, punir e prevenir os crimes que
vulnerem os direitos fundamentais das vítimas. Por outro lado, tem-se os direitos fundamentais
dos apenados e investigados, sua dignidade humana e o respeito pela intimidade, presunção da
inocência e não autoincriminação.
No que concerne à autoincriminação, deve-se prevenir quaisquer coações físicas ou
morais que violem a sua dignidade para obtenção de informações que possam lhe causar
prejuízo. Um exame de sangue ou o teste do bafômetro, são plenamente sujeitos à recusa do
réu, pois exigem comportamento ativo e não podem ser alvo de coação forçada, o que não
ocorre nos casos do suabe bucal para a coleta do DNA, isso porque, a coleta do material genético
de maneira adequada não enseja uma posição ativa do réu, nem mesmo invasiva à sua
integridade física, a exemplo do reconhecimento de pessoas já aceito para investigações. .
Entretanto, segundo esse pensamento, a suposta coleta desse material seria equivalente
a qualquer outra forma de identificação criminal – como impressões digitais e fotografias -, que

10
Manifestação da Academia Brasileira de Ciencias Forenses sobre o Recurso Extraordinário nº
973.837/MG, Relator ministro Gilmar Mendes, Supremo Tribunal Federal Brasília, 20 de fevereiro de 2018,
disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4991018. Acesso em: 10/04/2022
11
Manifestação da Associação Nacional de Defensores Públicos sobre o Recurso Extraordinário nº
973.837/MG, Relator ministro Gilmar Mendes, Supremo Tribunal Federal, Brasília, 02 de março de 2018,
disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4991018. Acesso em: 10/04/2022
não se encaixa para os condenados, pois assim como afirma a defensoria, o teor da referida
legislação resta evidente que o diploma legal também possibilita o uso do padrão genético como
meio de prova. Nota-se, que se o condenado já foi identificado, não há motivos para sua
condenação gerar mais uma identificação, o que desfaz a prerrogativa levantada de que tudo
seria apenas para sua identificação – com força obrigatória como já exposto anteriormente.
Com base nisso, para os condenados, em verdade, seria um efeito extrapenal da
condenação, assim como a restrição da liberdade, ou seja, alguém que é condenado por crimes
hediondos ou violentos contra a pessoa, dá à sociedade o direito de limitar a disposição desse
indivíduo sobre seu material genético. Contudo, há de se notar que existe uma correlação entre
a identificação de já condenados e aquela determinada para investigados, utilizando-se de um
meio avançado para melhor efetuá-la – a tecnologia genética.
Em que pese essa correlação, não se pode olvidar que os condenados já foram
identificados, logo, não haveria mais aquela obrigação de se identificar – como nos casos de
interrogatórios etc. Além do mais, para a condição de investigado existe a presunção de
inocência, pela qual o juiz deve justificar em decisão fundamentada e sujeita à impugnação,
fato este que não ocorre ao condenado, sendo, claramente um efeito genérico da pena12, ou, até
mesmo, uma adição da pena.
Por isso, a legislação apresenta algumas lacunas e vaguezas quanto à disciplina dos
bancos de dados, contrariando o princípio da legalidade, no qual se exige clareza e
especificidade. Tal argumento foi utilizado pela defensoria, de maneira que a coleta
compulsória só não violaria a privacidade do indivíduo quando estivesse de acordo com a
legislação local, mas que a generalidade com que o referido diploma vem sendo tratado –
previsões abstratas, comparações entre a identificação criminal e a execução penal,
justificativas infundadas – estaria descumprindo os requisitos legais para sua
constitucionalidade.
Nesse sentido, a academia brasileira de ciencias forenses trouxe algumas alternativas a
serem complementadas à lei, para a realização da coleta obrigatória daqueles condenados, em
consonância com a legalidade. Em primeiro lugar, reforçando o comportamento não invasivo e
passivo, a colheita a força. Em segundo, admitiria a apreensão de objetos pessoais seus para a

12
A doutrina penal distingue os efeitos genéricos dos específicos. Os primeiros são automáticos e não precisam
ser declarados na sentença. Os segundos, ao contrário, precisam ser motivadamente declarados na sentença e há
de existir um liame entre o efeito e o crime praticado - perda de cargo público para crimes cometidos por
funcionários públicos; incapacidade para o exercício do poder familiar em caso de crime cometido contra filhos;
inabilitação para dirigir veículo nos crimes de trânsito.
colheita do material genético. E por fim configuraria em falta grave 13a recusa dos condenados
– ou em falta média ou leve pela legislação estadual.
Outro ponto que a legislação deixa a desejar pelos argumentos, equivale à ausência de
especificações referentes à retenção e tratamento do DNA, pois seria necessário estabelecer até
que momento a retenção seria necessária e compatível com o direito fundamental, havendo tais
lacunas, o dispositivo torna-se inconstitucional por ausência de parâmetros legais bem
definidos. Mesmo o art. 7°-A estaria prolongando desnecessariamente o tempo de restrição ao
direito de intimidade de investigados, réus e condenados, sem uma justificativa adequada.
É certo de que a Lei 13.964 de 2019, trouxe modificações importantes no tocante à
exclusão dos perfis genéticos, estipulando a prerrogativa do detentor dos dados, o réu, requerer
a exclusão do seu perfil após decorridos 20 (vinte) anos do cumprimento da pena, nos casos em
que for condenado. A proposta analisaria a necessária retenção desses dados por todo esse
tempo e, mais ainda, o fato de que o mesmo não foi previsto para os casos inseridos no art. 9-
A da LEP, isto é, apenas investigados detém tal prerrogativa, enquanto os condenados teriam
seus dados guardados sem prazos para sua exclusão.
No segundo ponto, referente ao tratamento do DNA e regulamentação da base de dados,
já existe o decreto 7.950 de 12 de março de 2013, que regulamenta a administração dos bancos,
instituída pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e administrado por perito criminal
federal habilitado e com experiência comprovada em genética, designado pelo próprio
ministério. Dessa forma, não há o que se falar em “legislação incipiente” quanto a administração
desses bancos, já que o referido decreto traz, com especificidades, a regulamentação.
Antes de expor os questionamentos finais sobre a proporcionalidade da lei, cabe destacar
que a base de dados é fomentada pela parte não-codificante do DNA, sem qualquer traço pessoal
que revele a intimidade do indivíduo, não ferindo sua privacidade. Portanto, não são
informações sensíveis, como tentam alegar em alguns casos. Contudo, no momento da coleta
do material biológico, não se pode separar um DNA do outro, o que somente será feito
posteriormente, logo, a coleta possibilita, sempre, o acesso ao DNA codificante e, logo, àquelas
informações sensíveis.
Somado a isto, outra preocupação consiste na possibilidade de se realizar a comparação
do DNA de familiares para investigações, ensejando um efeito extrapenal para aqueles que
sequer foram condenados alguma vez. Para isso, faz-se preciso um estudo mais profundo da
chamada cadeia de custódia, no qual se encontra os meios mais corretos de tratar e reter um

13
Lei de Execução Penal, artigo 50, inciso VI
perfil genético, a fim de que não ocorram erros ou desvios de finalidade – porquanto tais desvios
já sejam penalizados pela lei, bastaria apenas fiscalizá-los. Reforça-se de que a pesquisa
parental é proibida pelas bases de dados para investigações - restrita apenas àqueles casos de
pessoas desaparecidas em que o DNA tenha sido doado voluntariamente.14
Em última síntese, a constitucionalidade das leis, como visto, dependem do exame da
proporcionalidade, segundo a qual a adequação consiste na relação de causalidade entre a
medida e o fim pretendido, a necessidade exige a intervenção mínima possível na esfera do
outro direito, e a proporcionalidade em sentido estrito significa a razoabilidade da restrição
imposta a um direito fundamental sobre o outro.
De acordo com a academia brasileira de ciencias forenses, a medida é adequada no que
se propõe, isto é, para elucidar os crimes, uma vez que detém uma alta porcentagem de acerto
empiricamente comprovada. Além disso, é necessária por não existir outros meios tão eficazes
quanto, que restrinjam menos direitos fundamentais. E, ao fim, é proporcional pois há um
sacrifício de direitos mínimo, invasão mínima, não prejudicando a autodeterminação e
resultando em benefícios à coletividade em proporção maior. Assim sendo, a ponderação de
bens jurídico-constitucionais não onerosa excessivamente para nenhum dos lados, não haverá
inconstitucionalidade. A lei não impõe qualquer ônus desproporcional ao investigado ou ao
condenado. E, por outro lado, pode contribuir enormemente para a segurança pública em geral.
A balança da ponderação, portanto, evidencia que a Lei nº 12.654/12 é claramente proporcional
e, consequentemente, constitucional.
Para a associação nacional dos defensores públicos, artigo 9º-A na Lei nº 7.210, viola,
frontalmente, a proibição de autoincriminação por não atender ao princípio da
proporcionalidade em seus três elementos. Primeiramente, não há adequação, pois se o
propósito for a identificação do réu, é evidente que o condenado já foi devidamente identificado.
Por outro lado, se o propósito for probatório, não prevê a necessidade da existência de outro
caso penal ou até mesmo de uma investigação nova, para que só assim possa recolher o DNA
com decisão fundamentada (para o curso da investigação), ou seja, apenas mais uma pena
excessiva ao condenado que o colocaria como suspeito em toda situação, ferindo sua presunção
de inocência para investigações futuras.

14Art. 8º do decreto 7.950 - O Banco Nacional de Perfis Genéticos poderá ser utilizado para a identificação de
pessoas desaparecidas. Parágrafo único. A comparação de amostras e perfis genéticos doados voluntariamente
por parentes consanguíneos de pessoas desaparecidas serão utilizadas exclusivamente para a identificação da
pessoa desaparecida, sendo vedado seu uso para outras finalidades.
A necessidade também se vê prejudicada, pois a medida é genérica e não tem como
pressuposto uma necessidade específica e concreta que a justifique. Além da clara
desproporcionalidade em sentido estrito, porque permite um alto grau de lesividade aos direitos
fundamentais de condenados por algumas espécies de crime que sequer são cometidas com
violência 15, sem qualquer resultado positivo para a segurança pública.

5. Conclusão

Por fim e ao cabo, a discussão em volta dos bancos de dados de perfis genéticos é
demasiadamente complexa e controversa. É certo de que a legislação vigente, com o passar dos
anos e as novas garantias constitucionais, precisa se adaptar aos avanços dos direitos
fundamentais, como a intimidade e proteção dos dados. Assim como os métodos de garantir a
redução da criminalidade e da segurança pública não podem ficar fora da modernização. Por
isso, o que se chama a atenção da comunidade de juristas e cientistas concerne à adaptação e
melhoria da lei, para além de uma constatação genérica ou sujeita a brechas que possam
realmente invadir os direitos daqueles que, em que pese sua condenação, são detentores da
dignidade humana.

6. Referências

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal - v. 1: parte geral (arts. 1 a 120). 24.
ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2018.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília,


5 de outubro de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 10 de abril
de 2022.

_______. Lei nº 7.210, de 11 de Julho de 1984. Institui a Lei de Execução


Penal. Brasília, DF. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acesso em: 10 de abril de 2022.

_______. Lei nº 12.654, de 28 de Maio de 2012. Planalto. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12654.htm> . Acesso em:
10 de abril de 2022.

_______. Lei nº 8.072, de 25 de Julho de 1990. Dispõe sobre os crimes

15
Exemplos de casos de crimes hediondos que não têm violência grave previstos na lei : artigo 1º, VII, da Lei nº
8072/1990; artigo 1º, VII-B, da Lei nº 8072/1990;
hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras
providências. Brasília, DF. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8072.htm> . Acesso em: 10 de abril de 2022.

_______. Lei nº 12.037, de 1º de Outubro de 2009. Planalto. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12037.htm> . Acesso em:
10 de abril de 2022.

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