Trata-se de recurso inominado manejado contra sentença de ID.
462537620, que julgou procedente o pedido inicial, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC, para reconhecer o direito da autora em receber o terço constitucional de férias sobre todo o período de férias, ou seja, 60 (sessenta) dias, em relação ao seu cargo efetivo, bem como para condenar o réu a pagar à autora a quantia de R$7.999,55, atualizada com juros de mora pela remuneração oficial da caderneta de poupança e correção monetária pelo IPCA-E (Tema 905, do STJ), para os valores anteriores à publicação da EC 113/2021, e corrigido de acordo com o art. 3° da EC n° 113/2021, para as verbas posteriores à Emenda. Prescreve o art. 30 da Instrução nº 1, de 11 de outubro de 2011 editada pelo Conselho de Supervisão e Gestão dos Juizados Especiais do Estado de Minas Gerais que: “Compete exclusivamente à Turma Recursal exercer o juízo de admissibilidade do recurso”, de modo que conheço do recurso como próprio, tempestivo e dispensado o preparo. O inconformismo do recorrente se prende, em essência, ao argumento de que a hipótese dos autos não se enquadra no Tema 1.241 do STF, aplicando-se ao caso o instituto do distinguishing, uma vez que a discussão procedida pelo STF ocorreu em face de lei editada já na vigência da Constituição de 1988 e da Lei n. 9.394, ao passo que, no caso em tela, ao contrário, o Estatuto do Magistério de Minas Gerais, além de ser anterior à Carta de 1988 e à LDB vigente, apenas trata como efetivas férias o primeiro período de 30 dias, que devem coincidir com as férias escolares, tendo os outros 30 dias natureza jurídica de recesso.
A recorrida insiste, desde a exordial, que é servidora pública do Estado de
Minas Gerais, detentor do cargo de magistério, e tem o seu regime jurídico- administrativo disciplinado no Estatuto do Pessoal do Magistério do Estado de Minas Gerais, contido na Lei Estadual nº 7.109/1977. Assevera que a supracitada legislação mineira garantiu-lhe o direito a gozar de sessenta dias de férias, tal qual como ocorre com as carreiras da Magistratura e do Ministério Público, sendo estas divididas em dois períodos de trinta dias. Salienta que conforme se pode verificar dos contracheques colacionados aos autos, o Estado de Minas Gerais somente procede ao pagamento do terço constitucional de férias uma única vez no ano, referentes somente ao que equivale a trinta dias, desconsiderando o fato de que a carreira do magistério detém o direito a gozar de sessenta dias de férias. O recorrente, por sua vez, em sede de contestação, defende que a Lei Estadual nº 7.109 é datada de 13 de outubro de 1977. Portanto, editada na vigência da Constituição anterior, em que não subsistia a previsão constitucional do terço adicional de férias, como já afirmado, e também na vigência da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixava as diretrizes e bases da educação nacional. Sustenta que chega-se à conclusão que aos profissionais do magistério, aplicam-se os trinta dias de férias, havendo outros trinta dias distribuídos em recessos, estabelecidos anualmente no calendário escolar, que esta conclusão já advém desde o ano de 1989, quando editado o Decreto Estadual 29.230, de 21 de fevereiro daquele ano. A recorrida pleiteiou na proemial a declaração do seu direito ao recebimento do terço constitucional, pelo período equivalente a sessenta dias, condenando o recorrente a proceder com o complemento do pagamento do terço constitucional de férias sobre o período de mais trinta dias por ano, relativos ao que se encontra vencido nos cinco anos anteriores a distribuição do feito, bem como a pagar, também, o referente a todas as complementações das parcelas do terço de férias que vencerem no curso da demanda, pretensões já reconhecidas pelo juízo a quo. Quanto ao terço constitucional das férias, a Carta Magna regulamenta em seu art. 7º, inciso XVII que: Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal. Por sua vez, o artigo 39 da Constituição Federal/88 garante que o inciso supramencionado é aplicável aos servidores públicos, vejamos: Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. § 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. O Estatuto do Pessoal do Magistério Público do Estado de Minas Gerais, Lei nº 7.109/77, traz em seu título VII, a regulamentação quanto as férias, assim dispondo em seu art. 129: Art. 129 - O ocupante de cargo do magistério gozará de férias anualmente: I - quando em exercício nas escolas, 60 (sessenta) dias, coincidentes com as férias escolares, sendo 30 (trinta) consecutivos e 30 (trinta) segundo o que dispuser o órgão próprio do Sistema; II - quando em exercício nos demais órgãos do Sistema, 25 (vinte e cinco) dias úteis, observada a escala organizada de acordo com a conveniência do serviço. Parágrafo único - Não é permitido acumular férias ou levar à sua conta qualquer falta ao trabalho. Extrai-se do supramencionado dispositivo que o servidor que ocupa cargo de magistério terá direito ao gozo de 60 (sessenta) dias de férias. Isso posto, à luz de tais normativos, não obstante o esforço argumentativo do recorrente, invocando uma suposta não recepção do artigo 129 da Lei nº 7.109/77 pela nova ordem constitucional advinda com a Constituição de 1988, saliento que não me é desconhecido que as legislações que não se coadunassem com a vontade do Poder Constituinte Originário seriam automaticamente revogadas. Contudo, como o Estatuto ainda vige até hoje, sem a supressão de tal artigo, é possível afirmar que houve o fenômeno da recepção implícita, sobrelevando que caso houvesse manifesta inconstitucionalidade, teria o Estado de Minas Gerais ao seu alcance os instrumentos cabíveis para levar tal questionamento a efeito. Ademais, muito embora o recorrente alegue coisa diversa, é justamente pela literalidade do art. 7º, inciso XVII da CF/88, que pode-se entender pela possibilidade de recebimento do terço constitucional sobre o período equivalente a totalidade de dias que o servidor estatutário teve direito a férias. Vê-se que a Constituição não limita em momento algum o terço constitucional às férias concedidas de no máximo de trinta dias, de modo que, inexistindo tal relativização, por meio da Interpretação Literal, tem-se que tal acréscimo deverá ser calculado sobre todo o período de férias, ainda que superior a trinta dias anuais. Nesse sentido, eis a jurisprudência proferida Tribunal Pleno da Suprema Corte de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, ADI 2964: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – MAGISTRADOS E MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO – ABONO DE FÉRIAS DE UM TERÇO (1/3) SOBRE O SALÁRIO NORMAL – LEI 8.870/89 E LEI 8.874/89, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. De ordinário, cumpre lembrar que o Supremo Tribunal Federal já assentou sua posição em relação ao objeto desta demanda ao julgar as Ações Originárias 527 e 623, de relatoria do Min. Maurício Corrêa (DJ 3.3.2000), declarando a inconstitucionalidade da expressão "mensal" contida nos arts. 1º e 2º da Lei 8.870/89, da expressão “mensal” contida nos arts. 1º e 2º da Lei 8.874/89, bem como a inconstitucionalidade da expressão "vedada no caso de acumulação de férias, a dupla percepção da vantagem", contida no art. 3º da Lei 8.874/89, ambas do Estado do Rio Grande do Sul. 2. Como visto, o Supremo entende que a limitação do adicional de férias anuais dos membros da magistratura e do ministério público constitui flagrante ofensa ao art. 7º, XVII, da Constituição Federal, que assegura aos trabalhadores em geral férias anuais remuneradas com adicional mínimo de um terço calculado sobre o salário normal. Desse modo, se as férias forem de sessenta dias (dois períodos de trinta dias), o adicional de um terço incidirá sobre o valor correspondente a dois salários, pois, caso contrário, se o adicional incidisse apenas sobre um período de trinta dias (salário mensal), as férias de sessenta dias seriam remuneradas pela metade (um sexto), em flagrante ofensa à Constituição Federal. 3. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “mensal” contida nos arts. 1º e 2º da Lei 8.870/89, da expressão “mensal” contida nos arts. 1º e 2º da Lei 8.874/89 e da expressão “vedada, em caso de acumulação de férias, a dupla percepção da vantagem”, contida no art. 3º da Lei 8.874/89, ambas do Estado do Rio Grande do Sul. (ADI 2964, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 31-07-2019 PUBLIC 01-08-2019) - Grifei e negritei. Acrescento que o não reconhecimento da incidência do terço constitucional em toda a extensão das férias, poderia até violar o Princípio da Legalidade Estrita, previsto no caput do art. 37 da Magna Carta. Tal princípio, sob os olhos do direito público, possui diferente caracterização se comparado ao que rege o direito privado. Isso deve ao fato de que nas relações nas quais não se visualiza o interesse público, se permite ao particular fazer tudo que não seja proibido em lei, observando o art. 5º, II, da CF/88. Ao passo que nas relações nas quais o interesse público se faz presente, ou seja, regidas pelas regras de Direito Administrativo, só se é permitido agir estritamente dentro do que a lei dispõe, em observância ao art. 37, caput, da CF/88, mais corretamente chamado de estrita legalidade. No que se refere à tentativa do recorrente em fazer um distinguishing do caso posto nos autos com a questão jurídica discutida no Tema 1241, esclareço que não me passa desapercebido que o leading case levado à apreciação do órgão de convergência, trata-se de ação ajuizada em face do Município de Boa Viagem/CE, no qual a parte, professora, pleiteava o abono constitucional de 1/3 de férias proporcional sobre todo o período de 45 dias, período diverso dos autos.
Todavia, levando em consideração a lógica aplicada pela Suprema Corte quando
firmou a tese (“O adicional de 1/3 (um terço) previsto no art. 7º, XVII da Constituição Federal incide sobre a remuneração relativa a todo período de férias.”), no sentido de que a própria interpretação literal do art. 7º XVII da Magna Carta é claro ao dispor, sem qualquer limitação temporal, a incidência do terço constitucional sobre o período correspondente às férias anuais, tal fato não abre portas para discussão acerca do acerto ou não da legislação local ou regional, sendo tal exame totalmente prescindível.
Pontuo, embora já tenha sido devidamente elucidado no voto, que como o
Estatuto ainda vige até hoje, sem a supressão de tal artigo, é possível afirmar que houve o fenômeno da recepção implícita com a ordem constitucional de 1988, sobrelevando que caso houvesse manifesta inconstitucionalidade, teria o Estado de Minas Gerais ao seu alcance os instrumentos cabíveis para levar tal questionamento a efeito, que não se atalham por qualquer outro meio.
Ademais, na contramão do que o recorrente sustenta, a Suprema Corte já decidiu
em sede da ADI 2964, de Relatoria Ministro Gilmar Mendes, publicada em 01.08.2019, exatamente na mesma linha do que restou decidido no acórdão, vê-se: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – MAGISTRADOS E MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO – ABONO DE FÉRIAS DE UM TERÇO (1/3) SOBRE O SALÁRIO NORMAL – LEI 8.870/89 E LEI 8.874/89, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. De ordinário, cumpre lembrar que o Supremo Tribunal Federal já assentou sua posição em relação ao objeto desta demanda ao julgar as Ações Originárias 527 e 623, de relatoria do Min. Maurício Corrêa (DJ 3.3.2000), declarando a inconstitucionalidade da expressão "mensal" contida nos arts. 1º e 2º da Lei 8.870/89, da expressão “mensal” contida nos arts. 1º e 2º da Lei 8.874/89, bem como a inconstitucionalidade da expressão "vedada no caso de acumulação de férias, a dupla percepção da vantagem", contida no art. 3º da Lei 8.874/89, ambas do Estado do Rio Grande do Sul. 2. Como visto, o Supremo entende que a limitação do adicional de férias anuais dos membros da magistratura e do ministério público constitui flagrante ofensa ao art. 7º, XVII, da Constituição Federal, que assegura aos trabalhadores em geral férias anuais remuneradas com adicional mínimo de um terço calculado sobre o salário normal. Desse modo, se as férias forem de sessenta dias (dois períodos de trinta dias), o adicional de um terço incidirá sobre o valor correspondente a dois salários, pois, caso contrário, se o adicional incidisse apenas sobre um período de trinta dias (salário mensal), as férias de sessenta dias seriam remuneradas pela metade (um sexto), em flagrante ofensa à Constituição Federal. 3. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “mensal” contida nos arts. 1º e 2º da Lei 8.870/89, da expressão “mensal” contida nos arts. 1º e 2º da Lei 8.874/89 e da expressão “vedada, em caso de acumulação de férias, a dupla percepção da vantagem”, contida no art. 3º da Lei 8.874/89, ambas do Estado do Rio Grande do Sul. (ADI 2964, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 31-07-2019 PUBLIC 01-08-2019)
Dessa forma, o entendimento firmado pela Suprema Corte em sede de
repercussão geral deve ser aplicado tanto aos servidores municipais, quanto aos servidores estaduais, por simetria, destacando, inclusive, que o precedente acima posto balizou o julgamento do Tema 1241, conforme o agravante pode constatar em breve leitura a integralidade do voto no sítio eletrônico do STF, sendo insubsistente os argumentos trazidos. Ademais, o recorrido também não se desincumbiu de demonstrar nos autos que o recorrente não faria jus à percepção de sessenta dias de férias, nos moldes previstos na legislação regente, sendo, portanto, por todos os motivos acima expostos, impositiva a manutenção da sentença vergastada. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao presente recurso, mantendo a sentença hostilizada nos termos em que fora lançada. Considerando o disposto no art. 85, §8º do NCPC, condeno o recorrente Estado de Minas Gerais ao pagamento de honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor atualizado da condenação. Isento de custas nos termos da Lei Federal n. 9.289/96 c/c Lei Estadual-MG n. 14.939/03. Formiga, 09 de fevereiro de 2024.
RECURSO INOMINADO. DIREITO À PERCEPÇÃO DO TERÇO
CONSTITUCIONAL. MAGISTÉRIO ESTADUAL. ABRANGÊNCIA. REFORMA DA SENTENÇA. 1- À luz da legislação estadual vigente, sendo certo que o servidor ocupante de cargo de magistério tem direito a sessenta dias de férias, o terço constitucional deverá ser calculado sobre todo o período de férias previsto na lei, ainda que superior a trinta dias. Provimento Negado.
Os engenheiros do caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições