Você está na página 1de 7

5012221-80.2023.8.13.

0261 – 60 dias de férias

Trata-se de recurso inominado manejado contra sentença de ID.


462537620, que julgou procedente o pedido inicial, com resolução do mérito, nos
termos do artigo 487, I, do CPC, para reconhecer o direito da autora em receber o
terço constitucional de férias sobre todo o período de férias, ou seja, 60 (sessenta)
dias, em relação ao seu cargo efetivo, bem como para condenar o réu a pagar à
autora a quantia de R$7.999,55, atualizada com juros de mora pela remuneração
oficial da caderneta de poupança e correção monetária pelo IPCA-E (Tema 905, do
STJ), para os valores anteriores à publicação da EC 113/2021, e corrigido de acordo
com o art. 3° da EC n° 113/2021, para as verbas posteriores à Emenda.
Prescreve o art. 30 da Instrução nº 1, de 11 de outubro de 2011 editada pelo
Conselho de Supervisão e Gestão dos Juizados Especiais do Estado de Minas Gerais
que: “Compete exclusivamente à Turma Recursal exercer o juízo de admissibilidade
do recurso”, de modo que conheço do recurso como próprio, tempestivo e
dispensado o preparo.
O inconformismo do recorrente se prende, em essência, ao argumento de que a
hipótese dos autos não se enquadra no Tema 1.241 do STF, aplicando-se ao caso o
instituto do distinguishing, uma vez que a discussão procedida pelo STF ocorreu em
face de lei editada já na vigência da Constituição de 1988 e da Lei n. 9.394, ao
passo que, no caso em tela, ao contrário, o Estatuto do Magistério de Minas Gerais,
além de ser anterior à Carta de 1988 e à LDB vigente, apenas trata como efetivas
férias o primeiro período de 30 dias, que devem coincidir com as férias escolares,
tendo os outros 30 dias natureza jurídica de recesso.

A recorrida insiste, desde a exordial, que é servidora pública do Estado de


Minas Gerais, detentor do cargo de magistério, e tem o seu regime jurídico-
administrativo disciplinado no Estatuto do Pessoal do Magistério do Estado de
Minas Gerais, contido na Lei Estadual nº 7.109/1977.
Assevera que a supracitada legislação mineira garantiu-lhe o direito a gozar
de sessenta dias de férias, tal qual como ocorre com as carreiras da
Magistratura e do Ministério Público, sendo estas divididas em dois períodos
de trinta dias.
Salienta que conforme se pode verificar dos contracheques colacionados aos
autos, o Estado de Minas Gerais somente procede ao pagamento do terço
constitucional de férias uma única vez no ano, referentes somente ao que
equivale a trinta dias, desconsiderando o fato de que a carreira do magistério
detém o direito a gozar de sessenta dias de férias.
O recorrente, por sua vez, em sede de contestação, defende que a Lei
Estadual nº 7.109 é datada de 13 de outubro de 1977. Portanto, editada na
vigência da Constituição anterior, em que não subsistia a previsão
constitucional do terço adicional de férias, como já afirmado, e também na
vigência da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixava as diretrizes e
bases da educação nacional.
Sustenta que chega-se à conclusão que aos profissionais do magistério,
aplicam-se os trinta dias de férias, havendo outros trinta dias distribuídos em
recessos, estabelecidos anualmente no calendário escolar, que esta conclusão
já advém desde o ano de 1989, quando editado o Decreto Estadual 29.230,
de 21 de fevereiro daquele ano.
A recorrida pleiteiou na proemial a declaração do seu direito ao recebimento
do terço constitucional, pelo período equivalente a sessenta dias, condenando
o recorrente a proceder com o complemento do pagamento do terço
constitucional de férias sobre o período de mais trinta dias por ano, relativos
ao que se encontra vencido nos cinco anos anteriores a distribuição do feito,
bem como a pagar, também, o referente a todas as complementações das
parcelas do terço de férias que vencerem no curso da demanda, pretensões
já reconhecidas pelo juízo a quo.
Quanto ao terço constitucional das férias, a Carta Magna regulamenta em seu
art. 7º, inciso XVII que:
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais
do que o salário normal.
Por sua vez, o artigo 39 da Constituição Federal/88 garante que o inciso
supramencionado é aplicável aos servidores públicos, vejamos:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no
âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para
os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações
públicas.
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art.
7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX,
podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a
natureza do cargo o exigir.
O Estatuto do Pessoal do Magistério Público do Estado de Minas Gerais, Lei
nº 7.109/77, traz em seu título VII, a regulamentação quanto as férias, assim
dispondo em seu art. 129:
Art. 129 - O ocupante de cargo do magistério gozará de férias anualmente:
I - quando em exercício nas escolas, 60 (sessenta) dias, coincidentes com as
férias escolares, sendo 30 (trinta) consecutivos e 30 (trinta) segundo o que
dispuser o órgão próprio do Sistema;
II - quando em exercício nos demais órgãos do Sistema, 25 (vinte e cinco)
dias úteis, observada a escala organizada de acordo com a conveniência do
serviço.
Parágrafo único - Não é permitido acumular férias ou levar à sua conta
qualquer falta ao trabalho.
Extrai-se do supramencionado dispositivo que o servidor que ocupa cargo de
magistério terá direito ao gozo de 60 (sessenta) dias de férias.
Isso posto, à luz de tais normativos, não obstante o esforço argumentativo
do recorrente, invocando uma suposta não recepção do artigo 129 da Lei nº
7.109/77 pela nova ordem constitucional advinda com a Constituição de
1988, saliento que não me é desconhecido que as legislações que não se
coadunassem com a vontade do Poder Constituinte Originário seriam
automaticamente revogadas.
Contudo, como o Estatuto ainda vige até hoje, sem a supressão de tal artigo,
é possível afirmar que houve o fenômeno da recepção implícita, sobrelevando
que caso houvesse manifesta inconstitucionalidade, teria o Estado de Minas
Gerais ao seu alcance os instrumentos cabíveis para levar tal questionamento
a efeito.
Ademais, muito embora o recorrente alegue coisa diversa, é justamente pela
literalidade do art. 7º, inciso XVII da CF/88, que pode-se entender pela
possibilidade de recebimento do terço constitucional sobre o período
equivalente a totalidade de dias que o servidor estatutário teve direito a
férias.
Vê-se que a Constituição não limita em momento algum o terço
constitucional às férias concedidas de no máximo de trinta dias, de modo
que, inexistindo tal relativização, por meio da Interpretação Literal, tem-se
que tal acréscimo deverá ser calculado sobre todo o período de férias, ainda
que superior a trinta dias anuais.
Nesse sentido, eis a jurisprudência proferida Tribunal Pleno da Suprema Corte
de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, ADI 2964:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – MAGISTRADOS E MEMBROS
DO MINISTÉRIO PÚBLICO – ABONO DE FÉRIAS DE UM TERÇO (1/3) SOBRE
O SALÁRIO NORMAL – LEI 8.870/89 E LEI 8.874/89, DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. De ordinário, cumpre
lembrar que o Supremo Tribunal Federal já assentou sua posição em relação
ao objeto desta demanda ao julgar as Ações Originárias 527 e 623, de
relatoria do Min. Maurício Corrêa (DJ 3.3.2000), declarando a
inconstitucionalidade da expressão "mensal" contida nos arts. 1º e 2º da Lei
8.870/89, da expressão “mensal” contida nos arts. 1º e 2º da Lei 8.874/89,
bem como a inconstitucionalidade da expressão "vedada no caso de
acumulação de férias, a dupla percepção da vantagem", contida no art. 3º da
Lei 8.874/89, ambas do Estado do Rio Grande do Sul. 2. Como visto, o
Supremo entende que a limitação do adicional de férias anuais dos
membros da magistratura e do ministério público constitui flagrante
ofensa ao art. 7º, XVII, da Constituição Federal, que assegura aos
trabalhadores em geral férias anuais remuneradas com adicional
mínimo de um terço calculado sobre o salário normal. Desse modo,
se as férias forem de sessenta dias (dois períodos de trinta dias), o
adicional de um terço incidirá sobre o valor correspondente a dois
salários, pois, caso contrário, se o adicional incidisse apenas sobre
um período de trinta dias (salário mensal), as férias de sessenta
dias seriam remuneradas pela metade (um sexto), em flagrante
ofensa à Constituição Federal. 3. Ação julgada procedente para declarar
a inconstitucionalidade da expressão “mensal” contida nos arts. 1º e 2º da
Lei 8.870/89, da expressão “mensal” contida nos arts. 1º e 2º da Lei
8.874/89 e da expressão “vedada, em caso de acumulação de férias, a dupla
percepção da vantagem”, contida no art. 3º da Lei 8.874/89, ambas do
Estado do Rio Grande do Sul. (ADI 2964, Relator(a): GILMAR MENDES,
Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-167
DIVULG 31-07-2019 PUBLIC 01-08-2019) - Grifei e negritei.
Acrescento que o não reconhecimento da incidência do terço constitucional
em toda a extensão das férias, poderia até violar o Princípio da Legalidade
Estrita, previsto no caput do art. 37 da Magna Carta.
Tal princípio, sob os olhos do direito público, possui diferente caracterização
se comparado ao que rege o direito privado. Isso deve ao fato de que nas
relações nas quais não se visualiza o interesse público, se permite ao
particular fazer tudo que não seja proibido em lei, observando o art. 5º, II,
da CF/88. Ao passo que nas relações nas quais o interesse público se faz
presente, ou seja, regidas pelas regras de Direito Administrativo, só se é
permitido agir estritamente dentro do que a lei dispõe, em observância ao
art. 37, caput, da CF/88, mais corretamente chamado de estrita legalidade.
No que se refere à tentativa do recorrente em fazer um distinguishing do caso
posto nos autos com a questão jurídica discutida no Tema 1241, esclareço que não
me passa desapercebido que o leading case levado à apreciação do órgão de
convergência, trata-se de ação ajuizada em face do Município de Boa Viagem/CE,
no qual a parte, professora, pleiteava o abono constitucional de 1/3 de férias
proporcional sobre todo o período de 45 dias, período diverso dos autos.

Todavia, levando em consideração a lógica aplicada pela Suprema Corte quando


firmou a tese (“O adicional de 1/3 (um terço) previsto no art. 7º, XVII da
Constituição Federal incide sobre a remuneração relativa a todo período de férias.”),
no sentido de que a própria interpretação literal do art. 7º XVII da Magna Carta é
claro ao dispor, sem qualquer limitação temporal, a incidência do terço
constitucional sobre o período correspondente às férias anuais, tal fato não abre
portas para discussão acerca do acerto ou não da legislação local ou regional,
sendo tal exame totalmente prescindível.

Pontuo, embora já tenha sido devidamente elucidado no voto, que como o


Estatuto ainda vige até hoje, sem a supressão de tal artigo, é possível afirmar que
houve o fenômeno da recepção implícita com a ordem constitucional de 1988,
sobrelevando que caso houvesse manifesta inconstitucionalidade, teria o Estado de
Minas Gerais ao seu alcance os instrumentos cabíveis para levar tal questionamento
a efeito, que não se atalham por qualquer outro meio.

Ademais, na contramão do que o recorrente sustenta, a Suprema Corte já decidiu


em sede da ADI 2964, de Relatoria Ministro Gilmar Mendes, publicada em
01.08.2019, exatamente na mesma linha do que restou decidido no acórdão, vê-se:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – MAGISTRADOS
E MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO – ABONO DE FÉRIAS
DE UM TERÇO (1/3) SOBRE O SALÁRIO NORMAL – LEI
8.870/89 E LEI 8.874/89, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
– AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. De ordinário, cumpre
lembrar que o Supremo Tribunal Federal já assentou sua
posição em relação ao objeto desta demanda ao julgar as
Ações Originárias 527 e 623, de relatoria do Min. Maurício
Corrêa (DJ 3.3.2000), declarando a inconstitucionalidade da
expressão "mensal" contida nos arts. 1º e 2º da Lei 8.870/89,
da expressão “mensal” contida nos arts. 1º e 2º da Lei
8.874/89, bem como a inconstitucionalidade da expressão
"vedada no caso de acumulação de férias, a dupla percepção
da vantagem", contida no art. 3º da Lei 8.874/89, ambas do
Estado do Rio Grande do Sul. 2. Como visto, o Supremo
entende que a limitação do adicional de férias anuais dos
membros da magistratura e do ministério público constitui
flagrante ofensa ao art. 7º, XVII, da Constituição Federal, que
assegura aos trabalhadores em geral férias anuais remuneradas
com adicional mínimo de um terço calculado sobre o salário
normal. Desse modo, se as férias forem de sessenta dias (dois
períodos de trinta dias), o adicional de um terço incidirá sobre o
valor correspondente a dois salários, pois, caso contrário, se o
adicional incidisse apenas sobre um período de trinta dias
(salário mensal), as férias de sessenta dias seriam remuneradas
pela metade (um sexto), em flagrante ofensa à Constituição
Federal. 3. Ação julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade da expressão “mensal” contida nos arts.
1º e 2º da Lei 8.870/89, da expressão “mensal” contida nos
arts. 1º e 2º da Lei 8.874/89 e da expressão “vedada, em caso
de acumulação de férias, a dupla percepção da vantagem”,
contida no art. 3º da Lei 8.874/89, ambas do Estado do Rio
Grande do Sul.
(ADI 2964, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno,
julgado em 09/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-167
DIVULG 31-07-2019 PUBLIC 01-08-2019)

Dessa forma, o entendimento firmado pela Suprema Corte em sede de


repercussão geral deve ser aplicado tanto aos servidores municipais, quanto aos
servidores estaduais, por simetria, destacando, inclusive, que o precedente acima
posto balizou o julgamento do Tema 1241, conforme o agravante pode constatar
em breve leitura a integralidade do voto no sítio eletrônico do STF, sendo
insubsistente os argumentos trazidos.
Ademais, o recorrido também não se desincumbiu de demonstrar nos autos
que o recorrente não faria jus à percepção de sessenta dias de férias, nos
moldes previstos na legislação regente, sendo, portanto, por todos os
motivos acima expostos, impositiva a manutenção da sentença vergastada.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao presente recurso, mantendo a
sentença hostilizada nos termos em que fora lançada.
Considerando o disposto no art. 85, §8º do NCPC, condeno o recorrente
Estado de Minas Gerais ao pagamento de honorários advocatícios, que arbitro
em 15% (quinze por cento) do valor atualizado da condenação. Isento de
custas nos termos da Lei Federal n. 9.289/96 c/c Lei Estadual-MG n.
14.939/03.
Formiga, 09 de fevereiro de 2024.

RECURSO INOMINADO. DIREITO À PERCEPÇÃO DO TERÇO


CONSTITUCIONAL. MAGISTÉRIO ESTADUAL. ABRANGÊNCIA. REFORMA DA
SENTENÇA. 1- À luz da legislação estadual vigente, sendo certo que o
servidor ocupante de cargo de magistério tem direito a sessenta dias de
férias, o terço constitucional deverá ser calculado sobre todo o período de
férias previsto na lei, ainda que superior a trinta dias. Provimento Negado.

Você também pode gostar