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Controle de constitucionalidade do efeito


colateral de lei por meio de decisão
intermédia reconstrutiva

ANDRÉ RAMOS TAVARES


Doutor e Mestre em Direito (PUC-SP). Professor Titular da Faculdade de Direito (USP).

Artigo recebido em 7/7/2020 e aprovado em 21/4/2021.

SUMÁRIO: 1 Introdução • 2 Os efeitos ilegítimos de medidas estatais, prima facie, legítimas: a


constitucionalidade de leis não segue a aceitação de todos efeitos supostamente seus • 3 A decisão
intermediária como solução constitucionalmente adequada no processo constitucional objetivo
• 4 ADPF: um específico e abrangente modelo de decisão • 5 Conclusão • 6 Referências.

RESUMO: A produção de efeitos das leis e dos atos normativos, via de regra, não
se resume aos efeitos diretos, pretendidos e conhecidos, devendo abranger os
eventuais efeitos espúrios, aqui denominados como colaterais. Esses efeitos são
decorrentes, em muitas situações, das aplicações privadas indevidas das leis, geradas
no seio das relações privadas em geral. A pesquisa sustenta que esses elementos
e contextos devem ser objeto de análise pela Justiça Constitucional. Adota-se, na
pesquisa, o método de revisão bibliográfica nacional e estrangeira, bem como os
métodos dedutivo e indutivo. Conclui-se, ainda, que o modelo de decisão da Justiça
Constitucional mais adequado para abordar e solucionar essa problemática é a
decisão intermédia, com perfil reconstrutivo da norma. O texto sustenta, por fim, que
a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental — ADPF se mostra como
a ação mais adequada, no Brasil, para realizar esse controle no âmbito do chamado
processo constitucional objetivo.

PALAVRAS-CHAVE: Controle de Constitucionalidade das Leis • Efeito Colateral


• Decisão Constitucional • Decisão Intermédia • Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental.

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Control de constitucionalidad del efecto colateral de la ley por medio de la decisión


intermedia reconstructiva

CONTENIDO: 1 Introducción • 2 Los efectos ilegítimos de medidas estatales, prima facie,


legítimas: la constitucionalidad de leyes no sigue la aceptación de todos los efectos
supuestamente suyos • 3 La decisión intermedia como solución constitucionalmente adecuada
en el proceso constitucional objetivo • 4 ADPF: un específico y comprensivo modelo de decisión
• 5 Conclusión • 6 Referencias.

RESUMEN: La producción de efectos de las leyes y de los actos normativos, como


regla, no se resume a los efectos directos, previstos y conocidos, necesitando
abarcar los eventuales efectos espurios, aquí llamados colaterales. Esos efectos
son derivados, en muchas situaciones, de las aplicaciones privadas indebidas de las
leyes, generadas en el seno de las relaciones privadas en general. La investigación
sostiene que esos elementos y contextos deben ser objeto de análisis por la Justicia
Constitucional Concentrada. Se adopta, en la pesquisa, el método de revisión
bibliográfica nacional y extranjera, así como los métodos deductivo e inductivo.
Se concluye, todavía, que el modelo de decisión de la Justicia Constitucional más
adecuado para acercar y solucionar esa problemática es la decisión intermedia, con
perfil reconstructivo de la norma. El texto concluye, por fin, que la ADPF se muestra
como la acción más adecuada para se hacer, en Brasil, ese control en el ámbito de
denominado proceso constitucional objetivo.

PALABRAS CLAVE: Control de Constitucionalidad de las Leyes • Efecto Colateral


• Decisión Constitucional Decisión Intermedia • Arguición de Incumplimiento de
Precepto Fundamental.

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Judicial review of law side effect by reconstructive intermediate decision


CONTENTS: 1 Introduction • 2 The unlawful effects of, prima facie, legitime state measures: the
constitutionality of laws does not follow acceptance of all the effects • 3 The intermediate decision
as a constitutional and proper solution in the kelsenian constitutional model of court • 4 ADPF: a
specific and complete model of decision • 5 Conclusion • 6 References.

ABSTRACT: The production of effects of laws and normative acts in general is


not limited to direct effects, intended and known, but should cover any spurious
effects, referred to herein as side effects. These effects derive, in many situations,
from improper private enforcement of laws generated within private relations in
general. The research holds that these elements and contexts should be analyzed
by Constitutional Justice in the objective control of constitutionality. The national
and foreign bibliographic review method is adopted, as well as the deductive and
inductive methods. It is further reasoned that the most appropriate Constitutional
Justice decision model for addressing and solving this problem is the intermediate
decision, with a reconstructive profile of the norm. Finally, the text argues that the
ADPF appears to be the most appropriate judicial instrument to carry out this control
within the so-called objective constitutional process.

KEYWORDS: Constitutionality Control of Laws • Side Effect • Constitutional Decision


• Interim Decision • Allegation of Breach of Fundamental Precept.

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1 Introdução

A nalisa-se, neste estudo, a produção espúria de efeitos das Leis, que são
denominados, aqui, de efeitos colaterais, no sentido de não serem pretendidos
e estarem alheios à teleologia inerente às normas que são, eventualmente, objeto
de controle de constitucionalidade. Os efeitos colaterais de leis constitucionais são,
portanto, o objeto deste artigo, ao qual se adiciona o melhor modelo de decisão
jurisdicional para enfrentar essas situações.
O pressuposto desta análise é, pois, o da lei legitimamente editada (ou de outro
ato normativo primário), quer dizer, dentro do campo de ação, prima facie, determinado
ao Poder Público, seja ao legislador seja aos Chefes do Executivo, com o diferencial
de que, mesmo nesses termos, não se pode concluir que essas leis chancelem os
efeitos delas decorrentes, necessariamente, em todas as suas ocorrências concretas.
Todas as hipóteses de incidência e produção de efeitos hão de ser avaliadas,
sob esse ponto de vista, de maneira singular, de forma a contemplarem-se as
particularidades produzidas em concreto a partir de uma nova legislação ou de ato
normativo em geral.
Tampouco se pode estatuir, abstratamente, que nunca haverá alguém sofrendo
prejuízos por conta de leis consideradas constitucionais, ou que estes eventuais
prejuízos, ainda que reconhecidos, devam ser considerados como legítimos, como uma
consequência natural ou controlada, só por conta da constitucionalidade geral da Lei;
pelo contrário: leis podem ser constitucionais, causar prejuízos severos a determinados
segmentos sociais e, ilegitimamente, beneficiar ou privilegiar outros tantos segmentos
econômicos. E todo esse quadro pode ocorrer até mesmo dentro de um contexto,
prima facie, de cumprimento estrito das leis, quer dizer, sem que se possa falar
automaticamente em práticas ilícitas ou desonestas por parte de quem experimente
algum benefício indevido ou fixado, posteriormente, como tendo sido arbitrário.
Esse é o espaço de complexidades endereçado pelo presente estudo, que
procura combater as ideias e teses mais simplificadoras, ambas identificadas
como o problema de pesquisa, que tendem a atrelar constitucionalidade da lei à
constitucionalidade plena e da totalidade de seus efeitos ou de suas consequências
e execuções práticas.
Algumas leis, especialmente aquelas que promovem mudanças profundas, radicais
e desestruturantes em segmentos há longo tempo acomodados ou consolidados,
apresentam-se como potencialmente portadoras de privilégios indevidos ou efeitos
não pretendidos, ante a ampla inovação promovida e a incapacidade de se alcançarem,

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abstratamente falando, no campo das ideias, todas as variantes que a realidade


concreta pode acabar por nos fornecer. O legislador, invariavelmente, acaba falando
menos do que deveria, em face das surpresas concretas praticamente inevitáveis.
Esses efeitos são, pois, denominados, para fins deste estudo, de efeitos colaterais.
E o objetivo do presente estudo é exatamente o de endereçar esse tema sob o
recorte do controle de constitucionalidade das leis. A expressão efeitos colaterais
é já conhecida da doutrina especializada, sendo especialmente utilizada para
abordar os efeitos não pretendidos das decisões de uma Corte Constitucional
ou Corte Suprema com funções de Justiça Constitucional1. A hipótese é a de ser
imprescindível considerar os efeitos concretos em geral, não apenas por causa de
uma colateralidade, geralmente advinda da inovatividade exacerbada de certo texto
legal, mas também por força da essencialidade do tema eventualmente veiculado
por alguma dessas leis, como aqueles com inequívoca função social (YOUNG, 2012).
É nesse ponto que as distinções e o cuidado redobrado devem guiar o raciocínio, a
recomendar fortemente que nos afastemos de soluções que nos ofereçam apenas
simplificações que se revelam quase sempre inadequadas ou maliciosas.
Essas situações de essencialidade são intensificadas em sua sensibilidade pelo
histórico processo de concentração de riqueza existente no Brasil, um país com uma
das piores relações em termos de distribuição de renda nas mãos de uma circunscrita
e diminuta parcela da sociedade, que ainda se ressente em considerar que a maioria
de suas leis não guardaria pertinência com esse tema ou com a realidade escaldante
de uma sociedade em ebulição.
Realmente as leis consideradas e reconhecidamente constitucionais, ainda
assim, podem causar efeitos, muitos dos quais produtores ou caracterizadores de
prejuízos (indevidos), que, ademais, podem ser segmentados, quer dizer, atingir
parcelas diminutas ou específicas da sociedade. Esse entendimento acerca de
leis reputadamente constitucionais, mas danosas a segmentos específicos, foi
sedimentado, universalmente falando, a partir de leis que proibiram determinadas
atividades econômicas, como a produção de certas bebidas alcoólicas ou do tabaco,
pelos particulares. Apesar de terem sido consideradas constitucionais e terem sido
mantidas íntegras, geraram ressarcimento pelos prejuízos causados a determinados
segmentos empresariais.
Em hipóteses que se consideram centrais para o presente escopo, o ponto
essencial não está em saber se a lei, em sua normatividade estrita, é compatível com

1 Sobre os efeitos das sentenças na Justiça Constitucional, cf. Carlos Blanco de Morais (2009, p. 24).

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a Constituição. O que importa é saber, v.g., de um indevido aproveitamento dos efeitos


possíveis e prováveis, desejáveis ou não previstos, seja por quem for, de maneira a
causar prejuízos ou danos a terceiros, sob o escudo de aplicação de lei reputada, em
seus efeitos imediatos e diretos, como sendo inequivocamente constitucional.
Assim, fatos relevantes para o processo objetivo que se formem com vistas à
análise de certas leis são também e especialmente os que carreiem informações
sobre eventual rompimento de um equilíbrio ou linearidade pressuposta na Lei, por
ações privadas, tanto não cogitadas inicialmente como incontroláveis por parte das
autoridades públicas, supostamente realizadas por cumprimento da lei. O controle
dos fatos (SILGUEIRO ESTAGNAN, 1997) há de ser inevitável em sede de Justiça
Constitucional Concentrada.
Assim, embora possam ser plenamente legítimas as leis sob controle de
constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal – STF ou no Poder Judiciário em
geral, em sua normatividade imediata, esse perfil não imuniza erros tópicos e nem
mesmo eventuais inconstitucionalidades parciais consistentes na suposta realização
empírica das leis.
O pressuposto da constitucionalidade das leis não permite, naquilo que
interessa a este estudo, que ignoremos os efeitos colaterais, como seria o caso de um
desequilíbrio do ônus econômico distribuído, na prática, a partir de uma nova lei, mas
que não eram nem pretendidos nem tutelados juridicamente pelos atos normativos.
Será preciso reconhecer a conexão dos efeitos assim produzidos com a entrada em
vigor de uma nova lei e asseverar que são efeitos espúrios para, a seguir, assumir a
responsabilidade, também inovadora, de declarar sua inconstitucionalidade.
Para levar a efeito essa proposta, a pesquisa adota o método da exploração literária,
nacional e estrangeira, e da crítica jurisprudencial, por meio de uma abordagem
concretista do Direito (MÜLLER, 2000), a partir de uma concepção culturalista, com
análise direta de casos concretos e métodos indutivo e dedutivo. Faz-se, ainda, revisão
crítica de aplicação insuficiente de Lei, especificamente quanto a dispositivo da Lei da
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF.

2 Os efeitos ilegítimos de medidas estatais, prima facie, legítimas: a constitucionalidade


de leis não segue a aceitação de todos efeitos supostamente seus

Um dos pontos centrais no controle de constitucionalidade das leis, dos decretos


e dos atos normativos que sustento, aqui, é o de averiguar e certificar o surgimento
inesperado de efeito impróprio, ou colateral, ao lado dos efeitos próprios (pretendidos)

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das leis. Isso é particularmente impositivo nas leis, nas medidas provisórias e nos
decretos que implantam mudanças bruscas de paradigma, que pretendem alterar
substancialmente uma dada realidade, como leis que alteram regimes eleitorais,
regimes contratuais etc. A necessidade de realizar essa verificação volta-se, nesta
pesquisa, para o círculo estrito do controle de constitucionalidade abstrato, quando
este for provocado.
Trata-se de bem identificar a presença efetiva e concreta do efeito colateral, que
pode ter sido concretizado em um nível de extensão amplo, alcançando a grande
maioria daqueles que supostamente estariam sujeitos a essa concretização ou,
em nível mais restrito, como resultado não da colateralidade, mas, sim, da própria
deficiência em aplicação das leis em determinadas sociedades. Uma avaliação ampla
desse aspecto do tema requer que também se desenvolva, muito particularmente,
uma teoria da prova2 no âmbito do processo constitucional objetivo. Trata-se de referir,
neste estudo, a um recorte muito verticalizado no tema, quer dizer, a efeitos não
desejados pelos atos normativos, até porque se fossem desejados teriam o condão de
tornar de imediato inconstitucional o ato normativo que estivesse sendo analisado em
controle abstrato de constitucionalidade. Daí o motivo da expressão efeito colateral.
Mas essa divisão entre próprio e colateral é de difícil definição consensual e, por
vezes, ocorre em um âmbito sutil de diferença. Na realidade, também para esse tema
deve-se trabalhar com a necessidade de uma fonte oficial que certifique, a posteriori
– quer dizer, com base na realidade fenomênica – o que efetivamente foi produzido a
partir do comando normativo e o que foi produzido imaginando-se estar cumprindo
o comando normativo, mas que representava, em realidade, um desvio, um plus ou
um irrelevante em relação a esse comando. Ainda assim, com base na teoria das
aparências ou com base em entendimento geral comum, pode-se enquadrar este
último fenômeno como também decorrente da lei.
É possível antecipar que, por vezes, contribui decisivamente para ocorrência
desse efeito o modus operandi de alguns agentes privados econômicos envolvidos e
atingidos pelo novo ato normativo, agentes estes geralmente com poder de mando,
como instituições financeiras e grandes conglomerados. Isso, porém, não significa que
se deva reconhecer a má-fé desses agentes para podermos falar da hipótese aqui
analisada. Não há essa necessidade, como restará demonstrado ao longo deste estudo.
Mais especificamente falando, aceitar a constitucionalidade (pressuposto neste
trabalho) não gera, sempre e em todo o espectro analisado, a total indiferença

2 Assunto que não será objeto deste estudo. Sobre o tema, cf. Herani (2016).

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pelo que foi efetivamente gerado, na concretude fenomênica, pela imposição da


nova normatividade.
Assim, não se pode proceder a uma exclusão ante factum impedindo correções
pontuais, a cargo do Poder Judiciário, de efeitos colaterais indesejáveis e, mais do
que isso, inaceitáveis perante a Constituição brasileira. Por exemplo, em matéria de
política econômica, como adverte Albino de Souza (1994, p. 397), impõe-se avaliar a
aplicação das regras de maneira a impedir o arbítrio e a injustiça na sua aplicação.
Com isso, chega-se à compreensão mais apurada sobre o falso dilema
constitucionalidade de leis e inconstitucionalidade de alguns de seus efeitos (colaterais).

2.1 Evitando o trivial na declaração de inconstitucionalidade


O assunto deste estudo, a priori, permite ao STF trilhar uma perspectiva
conceitual bastante corrente e aceita como trivial, que desembocaria em uma
decisão de inconstitucionalidade parcial, na exata parte em que se realizaram
efeitos espúrios, os quais não poderiam ser ignorados mesmo em sede de controle
de constitucionalidade abstrato.
Ocorre que, na hipótese conceitual que se analisa, como se trata de efeito
não-explicitado na lei ou no ato normativo, sua inconstitucionalidade será sempre
pontual e não afetará exatamente a Lei em si. Ocorrerá uma inconstitucionalidade
sem redução de texto das normas, que permanecem íntegras, pelo período em que
vigorarem. Mas essa inconstitucionalidade sem redução de texto não ocorrerá para
eliminar uma hipótese de incidência existente na Lei, e sim para eliminar uma
específica realização prática, concreta, geralmente consensual (e não-técnica, nem
definitiva) baseada na Lei. Daí a diferença também ocorrente quanto ao conhecido
instituto da inconstitucionalidade, mas sem redução de texto, tradicionalmente
vocacionado a enfrentar hipóteses de incidência sabidas ou pretendidas pela e na lei.
Teríamos também a possibilidade de se reconhecer um caso especial
de interpretação conforme a Constituição, para que a declaração de
conformidade incida exatamente sobre a eficácia pretendida na Lei ou em seu
plano de incidência, e sobre os demais efeitos concretos potenciais, de maneira a
considerar desconforme e afastar expressamente, por meio da decisão, os efeitos
potenciais indesejados, decorrentes da interpretação concreta inadequada, que
tenham sido produzidos na concretude dos fatos.
Quando essa última for a opção do STF, será imprescindível a ela ter agregado
o efeito vinculante, no momento decisório, sob pena de ineficácia da própria decisão

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do STF e, com isso, indiretamente, ratificar-se um desvio fenomênico quanto aos


efeitos próprios e pretendidos das leis. Qualquer decisão que desconsidere os efeitos
próprios necessários, para o tópico consequências colaterais ocorridas, será uma decisão
imprestável desde o ponto de vista do mérito desse controle de constitucionalidade.
Também será imprescindível ao STF abordar o que se denominará de efeito
transformador dessa eventual declaração de “interpretação conforme”, nos termos em
que ficará adiante melhor explicitado.
Considerando esse último elemento, a opção deste estudo foi por adotar
e explicitar com mais acuidade o caminho da chamada decisão intermédia, e não
apenas propugnar pela simples e pura declaração de inconstitucionalidade parcial
sem redução de texto, até porque ainda que esta venha a ser adotada, terá de
transitar também pelos conceitos próprios da decisão intermédia.

3 A decisão intermediária como solução constitucionalmente adequada no


processo constitucional objetivo

Uma procedência na chamada jurisdição constitucional, via de regra, mas não


necessariamente, é considerada como sendo a decisão que acolhe o resultado da
inconstitucionalidade, até porque a declaração de constitucionalidade não faz parte
da prática processual constitucional mundial. A decisão intermediária, porém, tem sido
admitida e adotada, desde há algum tempo, tanto pela doutrina, como pelas cortes
constitucionais ao redor do mundo, especialmente a partir da Corte Constitucional
italiana3, sempre que se deseja enfrentar uma realidade altamente complexa no
enfrentamento das normas inconstitucionais. É assim que a decisão intermédia surge
como uma posição intercalar no espectro do controle de constitucionalidade. Desde
sua criação original, significou uma maneira de evitarem-se os excessos (indesejáveis)
das chamadas sentenças4 puras, assim consideradas as decisões de acolhimento ou
rejeição. Evita-se, sobretudo, o antigo entendimento dicotômico, sedimentado no Brasil
com as lições de clássicos constitucionalistas norte-americanos, como Willoughby e
T. Cooley, a partir de Ruy Barbosa, de que ou a norma é constitucional e, assim, plena
em seus efeitos, ou é inconstitucional, com o que se seguiria o dogma da nulidade das

3 Os primeiros casos considerados pela doutrina italiana abalizada são os das Senteze n. 8, de 1956,
e n. 26, de 1961 (leis de segurança pública), e as Sentenze n. 11 e 52, de 1965 (direito de defesa e o
Código de Processo Penal).

4 Utilizarei neste estudo o termo sentença em sentido amplo, referido geralmente a acórdãos do STF, mas
também, eventualmente, aplicável a decisões monocráticas.

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leis inconstitucionais5, independentemente de qualquer outra consideração. porém,


mesmo no Direito norte-americano, passou-se a admitir certos temperamentos ao
reconhecimento do regime de nulidade ab initio absoluta para a inconstitucionalidade,
especialmente a partir da Grande Depressão6. Nesse sentido, fala-se amplamente
em decisões manipulativas, intermédias, limitativas e modificativas, muitas vezes com
emprego desses termos de maneira não consensual e até em exacerbada divergência.
Em realidade, com Joaquín Brage Camazano (2015, p. 373), podemos falar de
“um arsenal de sentenças atípicas”, que é o exato ponto que nos interessa neste estudo,
de maneira a demonstrar – e não impor – caminhos viáveis e seguros para a decisão,
aportando à discussão caminhos que sejam plenamente adequados à realidade que
se torne conhecida e, nesses termos, seja inerente ao julgamento.
Dentro desse contexto intermediário, fala-se tanto em modelação dos efeitos
temporais da norma sub judice, como também em modulação do sentido7, sendo
certo que, em ambos os casos, o texto da norma sindicada é mantido íntegro
no Ordenamento Jurídico, quer dizer, não é expelido pela decisão da Justiça
Constitucional. Via de regra, a decisão intermédia é categoria que tem servido com
muita frequência para a modulação dos efeitos temporais da sentença, descrita
como primeira hipótese de decisão intermediária. Essa primeira hipótese de uso
visa a evitar agressões sistemáticas e massivas à segurança jurídica, que ocorreriam
com a declaração retroativa da inconstitucionalidade de uma lei, especialmente
quando esse reconhecimento surge após anos e anos de cumprimento e aplicação
(muitas vezes de boa-fé) da lei.
Na segunda hipótese já levantada, de uma modulação de sentido, indubitavelmente
menos difundida e estudada pela literatura nacional, ocorre uma específica (nova)
estruturação da norma propriamente dita, em operação realizada por parte da
Justiça Constitucional, o que significa, como veremos, em reconhecer abertamente
que se trata de uma decisão com efeitos transformadores. Essas decisões têm vocação
transformadora porque provocam, direta ou indiretamente, efeitos jurídicos aos
atos normativos sindicados (MORAIS, p. 18-21). Essa modulação de sentido das
leis apresenta, assim, um tipo de redução que não se confunde com a conhecida

5 Contrariamente à conhecida teoria de Kelsen (1992, p. 161).

6 Como assim ficou conhecida a crise econômica que colapsou o sistema financeiro americano em 1929.

7 Sobre o tema, cf. Morais (2009, p. 17). Não tratarei aqui, porém, das hipóteses de omissão inconstitucional,
por fugirem ao escopo deste estudo específico.

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declaração de inconstitucionalidade parcial, que fulmina parte da norma sindicada,


mas mantém íntegra outra parte.
A modulação de sentido interessa exatamente para as situações de efeitos
colaterais a serem combatidos, pois por meio dela se pode reduzir (eliminando)
algumas operações concretas supostamente baseadas no enunciado da norma, com a
eliminação dos respectivos efeitos concretos inconstitucionais ocorridos a partir da
execução das leis, especialmente por agentes econômicos privados, mas sempre com o
pressupostos conceitual de que se estará lidando com efeitos perversos e não previstos
por essas leis (são os efeitos colaterais, que demandaram a intermediação de algum
ator social, em posição de destaque a lhe permitir fazer emergir referidos efeitos).
O caminho intermediário material (não meramente temporal, portanto) parece
ainda mais relevante caso se considere inapropriada a mera inconstitucionalidade
parcial (mesmo sem redução de texto) de algumas normas objeto de controle abstrato
da constitucionalidade, em face de desvios fenomênicos em relação ao conteúdo legal.
Na técnica que se está propugnando aqui, mais rigorosamente falando, o que se
impõe é um redutor dos efeitos produzidos, mas não previstos na Lei eventualmente
em cotejo, o que significa, tecnicamente, uma modulação material de efeitos práticos
(não dos efeitos temporais nem de uma eficácia normativa abstrata). Ainda assim, o
assunto deve ser tratado no âmbito do controle de constitucionalidade, de maneira
a impedir que este se transforme em um controle parcial, fraco, insuficiente e sem
funcionalidade para a sociedade.
Aliás, se houver uma realidade inequivocamente derivada da Lei em análise
e que precise ser alterada (transformada), parece fortemente desejável que se
considere uma decisão intermediária, especialmente se essa decisão ocorrer no
âmbito de uma declaração de constitucionalidade do objeto central ou direto da lei.
Insisto em um ponto que pode gerar dificuldades ou ruídos: pode-se admitir
como certo que, em sua quase totalidade, referidas modalidades de decisões
são de inconstitucionalidade com algum tipo de redutor em sua formatação,
ou seja, uma inconstitucionalidade parcial qualitativa, como é tratada mais
correntemente pela Doutrina.
O que se propugna, porém, é ir para além dos termos em que essa categoria vem
sendo compreendida,e isso basicamente por dois motivos principais: i) a especificidade
brasileira da existência das decisões declaratórias de constitucionalidade (e não

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apenas de inconstitucionalidade8), pouco conhecidas na literatura estrangeira; e


ii) uma segunda especificidade brasileira, que é a existência de uma ação objetiva
denominada ADPF, cujo regime expresso propicia um manejo bem mais acurado que
os clássicos instrumentos de jurisdição constitucional abstrata. Assim, este estudo
sustenta que se considere uma leitura mais ampla da modalidade conhecida como
decisão intermediária, aplicando-a à nossa realidade normativa, especialmente
considerando o contexto brasileiro inovador da jurisdição constitucional.
Nessa linha, falando em termos pragmáticos, entende-se que figura legítimo ao
Tribunal reconhecer a constitucionalidade e eliminar das suas normas certos efeitos
(colaterais) concretos já operados e reputados inconstitucionais9. É nesse sentido que se
afirma ser uma atividade construtiva do Tribunal (MORAIS, 2009).
Em realidade, o desenvolvimento dessas novas modelagens decisórias surge
também como “consequência do interesse crescente dos Tribunais Constitucionais
pelos efeitos colaterais das suas decisões”10 (MORAIS, 2009, p. 24), de maneira a evitar
que uma decisão meramente protocolar ou excessivamente formalista legitime
situações que não constituíram objeto da decisão da Corte, mas que acabariam
ficando indevidamente preservadas por ela.
Trata-se de evitar que o controle de constitucionalidade gere novas
inconstitucionalidades ou perpetue inconstitucionalidades concretas que deveriam
ter sido expressamente consideradas e corrigidas, apenas por se priorizar um
discurso e um julgamento supostamente neutros e assépticos, mas que, em verdade,
acabariam por significar apenas o distanciamento total entre a realidade e as
instituições oficiais do Estado.

3.1 O efeito reparador, reconstrutivo ou transformador na jurisdição constitucional


Carlos Blanco de Morais apresenta interessante observação, em lição que se retoma
em suas premissas e conclusões, porque deve haver seu aproveitamento integral
também na concepção construída neste estudo. Assinala o autor que, nesses casos de

8 Esse aspecto permanece como relevante, por mais que se queira sustentar tratar-se do reverso de uma
mesma moeda.

9 Refiro-me à eliminação de efeitos gerados no âmbito fático, e não de hipóteses normativas contidas
na Lei. Com isso, fica evidenciado que a hipótese que propugno há de ser diversa da técnica de
inconstitucionalidade parcial sem redução de texto.

10 Essa mesma percepção construtiva de normas está no voto do Min. Gilmar Mendes, na ADPF-QO 54,
já mencionado.

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decisões intermédias, também “se intenta eliminar certas onerações, inadmissíveis e


desproporcionadas, a direitos e garantias fundamentais” (MORAIS, 2009, p. 26).
Eis aí mais um dos fundamentos da decisão intermédia substancial. Esse tipo
de decisão oferece a medida mais rigorosa para a retificação constitucionalmente
conforme dos efeitos colaterais (ônus inadmissíveis e desproporcionais). É preciso
relembrar que estes efeitos colaterais são gerados de maneira arbitrária relativamente
ao escopo e à letra da norma editada.
É por isso que se costuma aceitar ou assinalar um efeito aditivo à sentença de
rejeição (no caso teríamos rejeição da inconstitucionalidade) que se estrutura nos
termos acima assinalados, quer dizer, com uma decisão com efeitos reparadores,
reconstitutivos, reconstrutivos ou transformadores. Não se trata de discutir a
eventual renovação que a Corte pode acabar promovendo em relação ao sistema
de precedentes (GRANATA, 2009).
Nestas decisões manipulativas que são abordadas aqui, o Tribunal
transforma a norma (ou seja, o texto interpretado) em objeto de sindicância de
constitucionalidade. Zagrebelsky e Marcenò falam, expressamente, que as técnicas
de decisão se denominam manipulativas para sublinhar “que o seu escopo é a
transformação, ao invés da eliminação da lei ou a sua interpretação conforme
a Constituição” (ZAGREBELSKY; MARCENÒ, 2009, p. 390), embora prefiram, na
atualidade, a expressão sentenças reconstrutivas.
Nesse sentido trabalhado pelos autores e pela doutrina, em um primeiro passo,
reconhece-se a inconstitucionalidade por ausência indevida de determinadas
hipóteses para, em um segundo passo e mantendo o texto, reconstruir a norma
com esse aditivo. Embora os autores se refiram, invariavelmente, aos casos de
omissão inconstitucional, entendo que há situações de não omissão que devem ser
consideradas análogas ou similares.
Os casos de efeitos colaterais representam casos em que o legislador falhou
nas suas prognoses ao deixar de contemplar a hipótese ocorrida na realidade, disso
resultando que, normativamente, não foi capaz de explicitar sua vedação expressa.
Não se deve confundir isso – é preciso insistir – com a omissão inconstitucional.
Trata-se apenas de explicitar e aplicar, de maneira mais ampla, algumas hipóteses
estruturais construídas para a jurisdição constitucional.

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3.2 Julgamento integral


O objetivo, aqui, não é o de propor um absurdo jurídico para tentar julgar casos
concretos em sede de controle dito abstrato. O que se tem é a imperatividade de
se avançar para além das decisões meramente formalistas, nos termos assinalados
acima, que poderiam gerar e efetivamente geram mais injustiça e insegurança e, até
mesmo, perpetuar, para sempre, uma específica (e concreta) inconstitucionalidade
verificada ou ocorrida.
Portanto, o tema dos efeitos concretos colaterais jamais poderia ser
simplesmente desconsiderado pelo argumento formalista de se estar perante um
processo objetivo, ou pelo argumento de se estar lidando com uma questão menor,
secundária ou vedada. É preciso sempre considerar a abertura do Direito de que
nos fala Häberle (2000), a necessidade de evitar recortes imaginários, que tentam
cercear uma realidade contundente. Direito é cultura e, nesse sentido, é inevitável
que ocorram efeitos inesperados, como os efeitos colaterais aqui abordados.
O Direito não é um fenômeno que se encerre nas letras das leis, por mais sofisticadas
e abrangentes que pretendam ser. Ele se desenvolve no dia a dia, no seu uso corrente,
na sua experimentação pela sociedade. Não cumpre a uma Corte Constitucional
(ou Suprema, com papel de constitucional) barrar a realidade gerada por dada lei,
por meio de uma negativa simplista de sua inexistência normativa.
Considere-se, especialmente, uma decisão de constitucionalidade que, sem maiores
preocupações com a realidade concreta e com seus efeitos concretos, mantenha-se
nos clássicos moldes e, assim, proclame a constitucionalidade ampla e irrestrita de
uma Lei com efeitos concretos produzidos de maneira colateral e inconstitucional.
Automaticamente isso significaria a preservação ad aeternum e com capacidade
vinculante em todas instâncias, dos efeitos colaterais constatados ou ocorridos,
com todas violações à Constituição e ao processo constitucional que uma decisão
como essa portaria em si mesma. Permaneceria um estado de incerteza no Poder
Judiciário, e o nível de utilidade ao sistema, desejável de uma decisão do STF, teria
ficado em um patamar muito baixo.
Outro ponto importante desse tipo de decisão é o de que o Tribunal realiza tal
reconstrução por meio do que o insigne constitucionalista italiano Roberto Romboli
denomina como imposições autoaplicativas, “a indicar o caráter imediato de seus
efeitos, que prescindem de qualquer sucessiva intervenção parlamentar” (MENDES,
2012, p. 1.272). Gilmar Mendes assim se expressa sobre essas ocorrências: “se trata

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de técnica unilateral de supressão da inconstitucionalidade dos atos normativos”


(MENDES, 2012, p. 1.272).
Isso, porém, não se confunde com o tão temido ativismo, pois como resultado
final dessa proposta temos uma norma mais precisa e objetiva, com reconhecimento
de âmbitos materiais eficaciais excluídos da constitucionalidade, porque caso
fossem inerentes à norma e dela incindíveis, teríamos uma norma plenamente
inconstitucional, revertendo-se o resultado da sindicância para uma improcedência
do pedido da ação direta de controle de constitucionalidade, com a declaração
irrestrita da inconstitucionalidade da lei.
A decisão do STF, portanto, não poderia depender de qualquer intermediação
normativa posterior, aspecto sempre relevante de se relembrar em uma cultura
perniciosa, mas muito difundida, de programaticidade calculada de certas decisões
constitucionais do constituinte.

4 ADPF: um específico e abrangente modelo de decisão


Como visto, o juízo de compatibilidade com a Constituição é necessário, mas
insuficiente para nos conduzir a um resultado completo em certas situações
inusitadas produzidas por leis constitucionais. Isso porque o mero e simples juízo de
compatibilidade vertical é incapaz de resolver todos os impasses e impactos, todas
as questões e todas dificuldades geradas por atos normativos os mais diversos, a
impactar sempre o âmbito da vida privada da sociedade.
É preciso – como procuro deixar demonstrado – avançar para além da questão
da mera compatibilidade vertical de atos normativos, a fim de solucionar as
mencionadas questões da vida concreta às quais remetem as normas em geral,
e fazê-lo não apenas em definitivo, mas também em caráter integral, quer dizer,
com referência às diversas realidades normativas envolvidas (processos judiciais
suspensos, acordos firmados, decisões judiciais contraditórias cumpridas ou
exauridas, inclusive em processos coletivos etc.).
Para alcançar esse último desiderato, a ADPF mostra-se como instrumento mais
arrojado que as anteriores11 ações diretas do controle objetivo das leis e dos atos
normativos. Temos, aí, inovação constitucional. A esse respeito basta uma leitura atenta
e comparativa do art. 10 da Lei, elaborada com a contribuição decisiva do Min. Gilmar
Mendes, na conhecida Comissão presidida pelo saudoso Professor Celso Bastos, que

11 Falo, aqui, em anteriores para me referir às ações já contempladas e utilizadas no sistema brasileiro,
previamente ao ano de 2000, quando foram aceitas as primeiras ADPFs.

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encetou esse novo instrumento, lançando as bases de seu uso avançado. O uso e
desenvolvimento dessa específica e inovadora ação constitucional é uma das fórmulas
capazes de albergar o modelo decisório intermédio que propugno neste trabalho.
O modelo do constitucionalismo brasileiro envolve um aspecto que, em algum
sentido, pode ser considerado revolucionário, e, ainda, transformador. Isso implica
relembrar a missão desenvolvimentista imposta juridicamente à sociedade e ao
Estado, superando um estágio meramente liberal baseado, economicamente, na
ausência do Estado e na supremacia do mercado.
O sistema de controle de constitucionalidade não pode ser desconectado dessa missão
constitucional. Inserido nas inovadoras linhas do constitucionalismo latino-americano,
que é historicamente inventivo em “controle de constitucionalidade, pois, em muitos casos
se antecipou a modelos tidos como fundantes no Direito europeu” (TAVARES, 2016, p. 43
e ss.), como também se pode dizer do sistema de controle por omissão no Brasil, que tem
suas características singulares e deve ser compreendido como tendente a instrumentalizar
esse papel social transformador do Estado.
Não se deve, pois, considerar a ADPF apenas como mais uma ação judicial, a
compor o horizonte do controle de constitucionalidade da Corte, como mais um
incremento da combativa jurisdição constitucional brasileira, sempre elucidada
pelos autores sob uma leitura de técnica estrita e formal. A inovação desse novo
combate via ADPF prende-se à configuração desse novo constitucionalismo brasileiro,
sobretudo na busca pelo Estado social e atento, determinado constitucionalmente.
No entanto, a singularidade desse modelo nacional de jurisdição constitucional
converge com a ampliação do papel da jurisdição no Brasil:

[...] o reconhecimento em grau constitucional desses direitos e a


incapacidade dos Poderes Executivo e Legislativo de implementá-los de
forma adequada têm gerado numerosas e repetitivas demandas ao Poder
Judiciário brasileiro. Essas questões tradicionalmente não integravam o
escopo de assuntos julgados pelo Poder Judiciário e sofreram, na passagem
do Estado liberal para o Social, forte resistência de todos setores, inclusive
de segmentos do próprio Poder Judiciário, quanto a assumir abertamente
essa responsabilidade pelo Estado social. (TAVARES, 2015b, p. 47).

Em realidade, porém, o Poder Judiciário não mais está voltado a apenas resolver
conflitos entre particulares, que considero como o clássico conflito surgido em
uma sociedade tradicionalmente composta por interesses menos divergentes e
claramente reconhecidos. O Poder Judiciário passa a ser também o garantidor último
da regularidade da Ordem Jurídica.

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As questões envolvendo direitos sociais mudaram, nitidamente, o perfil, as


funções e as responsabilidades do Poder Judiciário no mundo atual. Por isso, muito
do que não caberia nos estritos limites tradicionais da jurisdição acabou por ser
arrebatado pela jurisdição em geral, até mesmo em instrumentos judiciais comuns.
Os conflitos socioeconômicos estarrecedores da periférica realidade brasileira
certamente serviram como elementos de pressão para essa expansão judicial, mas
o suporte desta expansão está ancorado, inequivocamente, na Constituição. Esta
ofereceu inovadores instrumentos jurídicos, seguindo uma trilha também adotada
por outros Estados na América Latina, dos quais o mais saliente é o da Colômbia.
Ainda o Ministro Gilmar Mendes realiza uma compreensão da ADPF a partir da
releitura das decisões clássicas de inconstitucionalidade, referindo-se justamente
às intermédias. E isso, para advertir que a utilização das sentenças manipulativas,
“manifesta-se de forma singular em cada sistema de jurisdição constitucional”
(MENDES, 2013, p. 1.273), o que constitui pressuposto da presente abordagem.
Insistindo nesse ponto, de grande alcance aqui, elabora construção que aproxima
esses dois grandes e complexos temas:

Interessante notar que a complexidade de nosso sistema de controle de


constitucionalidade emprestou linhas singulares ao fenômeno das decisões
manipulativas de efeitos aditivos. O STF pôde chegar ao resultado aditivo,
inovando o ordenamento jurídico, tanto por meio das ações do sistema
concentrado de controle, como nas ações diretas decididas com o uso de
interpretação conforme com efeitos aditivos [...]. (MENDES, 2013, p. 1.274).

Trata-se, portanto, neste ponto do estudo, de compreender o funcionamento


desse específico instrumento, a ADPF, não em termos de tentar alinhá-la a lições
tradicionais, amarrando-a a uma concepção que não é a da Constituição brasileira,
como as concepções em voga nos EUA no século XVIII e na Europa. A visão arrojada
dos novos instrumentos deve, ademais, agregar-se às categorias acima forjadas, de
maneira a podermos implantar um modelo cada vez mais sofisticado e acurado de
controle da constitucionalidade a serviço de todos.
De imediato, pode ser apresentada a seguinte dúvida: a ADPF haveria de ser
julgada, no uso das categorias acima (efeito colateral e decisão intermédia) procedente
ou improcedente? Se estivermos em uma decisão intermédia, a dúvida é plenamente
compreensível e realmente constitui um dos pontos de forte indagação nessa temática.
Zagrebelsky e Marcenò (2012, p. 382-383) falam, a propósito, da dupla pronúncia
para expressar os casos em que a norma X advinda do texto normativo é considerada

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André Ramos Tavares 335

constitucional, mas a norma X’ advinda do mesmo texto normativo é proclamada


inconstitucional. Ambas podem ser, segundo os autores, consideradas como
“[...] duas faces da mesma medalha, duas faces intercambiáveis no perseguir um mesmo
resultado: o escanteamento da prática aplicativa da norma considerada inconstitucional
e a utilização da lei exclusivamente na sua interpretação conforme a Constituição”
(ZAGREBELSKY, MARCENÒ, 2012, p. 382-383, tradução nossa).
Embora os autores estejam trabalhando com a hipótese de um texto que é
parcialmente inconstitucional (em uma de suas hipóteses normativas), a lição
é pedagógica para entender o desmembramento que aqui proponho fazer, cuja
essência é idêntica à da lição italiana.
Ademais, a opção entre uma decisão de procedência ou improcedência quanto
ao pedido de inconstitucionalidade tem variado em virtude da força jurídica
diversa atribuída a cada uma dessas categorias para cada ordenamento jurídico em
particular. Assim, é preciso saber o que ocorre no caso brasileiro. Em nosso sistema,
qualquer decisão em processo objetivo pode contar com o efeito vinculante em
todas as hipóteses, a distinção italiana por conta da sistemática própria do efeito
das decisões constitucionais, não é relevante no Brasil.
Há diversos fatores que comparecem para que não se promova o engessamento
inconsequente, por força de amarras a uma visão clássica superada em termos de
jurisdição constitucional, com efeitos deletérios para a sociedade.
Impõem-se, pois, efeitos mitigados na eventual proclamação judicial de
procedência, em relação aos clássicos efeitos, uma mitigação da eficácia material
da decisão, para abrir-se espaço ao reconhecimento de direitos contra certa
incidência ocorrida ou possibilitada.
A perspectiva dessa proposta está em sintonia com os avanços promovidos pela
Lei no 9.868/1999, especificamente em seu art. 10: “julgada a ação, far-se-á comunicação
às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se
as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental”.
Julgar procedente a ADPF permite – e no caso dos efeitos colaterais estará
mesmo a exigir – que se fixem a condições e o modo de aplicação do preceito
fundamental afetado.

4.1 Fixando as condições e o modo de aplicação da Constituição por meio da ADPF


Considera-se que a procedência da ADPF, a fim de declarar constitucional uma
determinada Lei ou alguns de seus dispositivos, deve fixar as condições de sua exata

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incidência nos inúmeros casos concretos eventualmente envolvidos12, especialmente


expressando a recusa à preservação dos efeitos espúrios ocorridos e constatados.
Como mencionado anteriormente, o art. 10 confere ampla margem de atuação
decisória em processo objetivo ao STF, permitindo que a decisão proferida se torne
afinada à realidade concreta e que seja muito precisa quanto aos efeitos pretendidos.
Como já ficou registrado doutrinariamente, a propósito desse dispositivo, in verbis:

[...] consoante determinação expressa do caput do art. 10 da L.A., no


julgamento da ação é preciso fixar as condições e o modo de interpretação
e de aplicação do preceito fundamental. Trata-se, aqui, não propriamente de
decorrência do pedido da arguição, mas de dever imposto aos julgadores.

Como já se pôde analisar anteriormente, na arguição de preceito fundamental


o pedido visa ao reconhecimento do respectivo descumprimento, com todas
as consequências daí derivadas. Diferentemente ocorre com o disposto no
art. 10, que se refere à própria interpretação do preceito constitucional
fundamental.

[...] a legislação apenas procurou deixar certo que, além do julgamento


do pedido, é preciso que o Tribunal expresse as condições e o modo de
interpretação e de aplicação do preceito fundamental em causa. Esta
manifestação há de inserir-se, igualmente, no decisum. (TAVARES, 2001,
p. 378-379, grifos do autor)13.

Há de se avançar para além de um decisum tradicional e minimalista, para


abranger as diversas facetas das leis cotejadas no STF, e indicar como deve
operar a referida constitucionalidade na extensão de seus efeitos, de maneira
a promover a justiça constitucional e impedir a petrificação de situações de
inconstitucionalidade colateral.
Aliás, em diversos julgamentos de arguições, a decisão do STF esteve
direcionada à realidade fenomênica, tratando, muitas vezes, de detalhes na
implantação ou defesa dos preceitos fundamentais. Na ADPF no 347, por exemplo,
o STF deixou de declarar a inconstitucionalidade para, mesmo reconhecendo um
estado de coisas inconstitucional, determinar outras providências, como indicam
também Dimoulis e Lunardi (2019, p. 2020), que escapam ao modelo decisório

12 Sem decidir, certamente, nenhum deles especificamente, pois aí teríamos subversão do papel objetivo
dessa peculiar jurisdição constitucional.

13 No caso do julgamento da ADPF-QO 54, a importância peculiar do art. 10 veio novamente ressaltada
pelo Min. Gilmar Mendes.

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clássico do processo objetivo, como foram, no caso dos mutirões, as providências


de ordem administrativa.
Mais ainda, no âmbito da ADPF no 519, portanto, uma ação rotineiramente
considerada como tendo caráter objetivo, o relator, Ministro Alexandre de
Moraes, proferiu medida cautelar para deferir a aplicação de multas a pessoas
concretas identificadas, não integrantes, originariamente, do processo objetivo,
nos seguintes termos:

[...] (iv.a) de R$ 100.00,00 (cem mil reais) por hora às entidades responsáveis,
por atos que culminem na indevida ocupação e interdição das vias públicas,
inclusive acostamentos, por descumprimento das ordens judiciais deferidas
nesta Arguição;

(iv.b) de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia, por atos que culminem na
indevida ocupação e interdição das vias públicas em questão, inclusive
acostamentos, a ser cobrada de cada manifestante que se recuse a retirar o
veículo que esteja obstruindo a via pública ou proprietário do veículo que
esteja obstruindo a via pública, por descumprimento das ordens judiciais
deferidas nesta Arguição. (BRASIL, 2018).

Todas essas medidas foram adotadas exatamente para fazer cumprir e respeitar
preceitos fundamentais da Constituição do Brasil. Nesse sentido e nessa ADPF, foram
aplicadas multas, diretamente, a mais de 151 pessoas jurídicas, essencialmente
empresas de transporte de carga, por terem continuado a obstruir o tráfego em rodovias
(a recente greve dos caminhoneiros), o que exigiu, em sede de ADPF, a identificação
real e pontual daqueles que permaneceram em estado de violação e transgressão.
Essas decisões, dentre outras, demonstram o nível de atenção ao qual chegou o
STF, especificamente dentro da abrangência e extensão decisória formatada na ADPF.

5 Conclusão
Teoricamente falando, é perfeitamente possível reconhecer o caráter
constitucional, cogente e com força imediata das leis em geral, sem que isso
seja impeditivo para avaliar como inválidos, inconstitucionais e merecedores de
correção determinados efeitos produzidos pela operacionalização concreta dessas
leis, especialmente quando a sua operacionalização ocorre pelos agentes privados,
a partir de interpretações ampliativas ou inadequadas das leis. Vale observar que
essas interpretações podem vir a ser rechaçadas expressamente pelo STF, que as
pode legitimamente certificar como inapropriadas e inadequadas, mas que, com isso,

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acabará por propiciar a formação de um espaço concreto que merecerá atenção,


consistente nas situações materialmente realizadas e operadas privadamente, mas
em contradição com as interpretações admitidas da Lei.
Essas situações são de grande complexidade, normativa e fática, mas seu
desconhecimento e a tentativa de evitá-las produzem complicações ainda mais
graves para a sociedade, afetando a própria legitimação das Cortes que abdicam desse
seu papel mais realista e menos formalista, quer dizer, Cortes menos atraídas por
pressupostos conceituais do século XVIII, até porque a invenção e o desenvolvimento
do controle abstrato são bem posteriores. Por isso as complexidades não podem
deixar de ser consideradas em um controle de constitucionalidade abstrato.
Trata-se de tema afeto também à inovação legislativa, embora esse enfoque
não constitua o cerne da preocupação desta pesquisa. É preciso considerar que leis
de mudança significativa, especialmente em paradigmas normativos, econômicos ou
sociais, apresentam uma tendência maior a produzir, na prática, efeitos colaterais,
quer dizer, realizações ou execuções indesejadas da Lei, que ampliam a necessidade
de conhecimento do campo de incidência dela para além de seus termos estritos.
Realizações que não podem ser reconduzidas à Lei, nem dela decorrem em sentido
estrito, ainda assim não podem escapar do controle de constitucionalidade abstrato
que se realize dessa específica legislação, sob pena de promover-se mais controvérsia
jurídica e judicial. Eventualmente novas injustiças e inconstitucionalidades podem
advir de uma decisão meramente protocolar do STF nesses casos diferenciados.
Ajusta-se perfeitamente para realizar esse propósito de um controle mais
atento, verticalizado e sofisticado, avaliando efeitos colaterais, a ADPF, considerando
seu perfil legalmente estabelecido, que ainda está a demandar uma maior atenção.
Acrescenta-se, para fins de realizar esse propósito, a chamada modulação de sentido,
proposta explicitada neste estudo.
A ADPF é ação sui generis no tocante ao seu espectro decisório, muito mais
expandido que o das demais ações do processo constitucional objetivo. No âmbito
das ADPFs, o STF tem se destacado em uma extensiva análise e em soluções
adequadas dos fatos e do contexto.
A modulação de sentido, com a formação de uma espécie de decisão
intermédia é solução que permite enfrentar os problemas constitucionais de
maneira realista e plena.
A Doutrina e a Justiça Constitucional sempre estiveram atentas ao tema dos efeitos
indesejados de medidas consideradas constitucionais, bem como à necessidade de,

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em face dessas circunstâncias, admitir-se a construção de normas de decisão muito


precisas, a solucionarem, em âmbito de processo constitucional objetivo, esses efeitos.
É o que ocorre na adoção das chamadas decisões intermédias, que promoverão
decisões reconstrutivas das situações fáticas, para alinhá-las à Constituição.
Adotar essa nova perspectiva permite que se possa falar em uma decisão integral
do STF em controle de constitucionalidade de leis e atos normativos em geral. Não
se trata, evidentemente, de propugnar que o STF, na função de Corte Constitucional,
realize também o julgamento de casos concretos envolvidos na aplicação das leis,
nem que se imiscua nas situações individuais, mas sim de evitar decisões formalistas
distantes de uma realidade sempre rica e multifacetada. Além disso, a proposta propicia
ao STF sinalizar, de maneira contundente e atenta para o restante do Poder Judiciário,
acerca do encaminhamento a ser dado a casos sub judice, que eventualmente venham a
questionar efeitos colaterais. Com isso, reduzem-se também os problemas de afetação
dos efeitos vinculantes, o congelamento inadequado de situações juridicamente
complexas não exploradas em decisões de controle e recorrência recursal indevida
no Poder Judiciário.

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Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 23 n. 130 Jun./Set. 2021 p. 318-340


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2021v23e130-2266

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