Você está na página 1de 10

Justiça Federal da 1ª Região

PJe - Processo Judicial Eletrônico

24/05/2021

Número: 1046470-91.2020.4.01.3400
Classe: AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL
Órgão julgador: 21ª Vara Federal Cível da SJDF
Última distribuição : 19/08/2020
Valor da causa: R$ 500.000,00
Assuntos: Tratamento Médico-Hospitalar
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (AUTOR)
DEFENSORIA PUBLICA DO DISTRITO FEDERAL (AUTOR)
DISTRITO FEDERAL (REU)
UNIÃO FEDERAL (REU)
Ministério Público Federal (Procuradoria) (FISCAL DA LEI)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
54884 21/05/2021 17:05 Decisão Decisão
6008
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Distrito Federal
21ª Vara Federal Cível da SJDF

PROCESSO: 1046470-91.2020.4.01.3400

CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL (65)

POLO ATIVO: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO e outros

POLO PASSIVO: DISTRITO FEDERAL e outros

DECISÃO

1. Trata-se de ação civil pública ajuizada pela DEFENSORIA PÚBLICA DO


DISTRITO FEDERAL e pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO em face da UNIÃO e do
DISTRITO FEDERAL, por meio da qual objetivam, sem sede de tutela provisória de urgência,
que:

"(2.1) Seja emitida ordem judicial para impor ao Distrito Federal obrigação de fazer
consistente em apresentar em Juízo, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, cadastro
atualizado dos pacientes aguardando em lista de espera para o tratamento de
transplante de medula óssea – TMO alogênico, informando, inclusive, a data de
inserção na referida lista;

(2.2) Seja emitida ordem judicial para impor ao Distrito Federal e à União obrigação
de fazer consistente em, no prazo de 05 (cinco) dias, apresentar cronograma para a
retomada do atendimento dos 12 pacientes inseridos em lista que aguardam o
transplante de medula óssea (TMO) alogênico de forma a promover o início do
atendimento de todos no prazo máximo de 15 (quinze) dias, seja no Instituto de
Cardiologia do Distrito Federal, seja no Hospital Sírio Libanês ou, no caso de
impossibilidade, em qualquer hospital da rede particular do Distrito Federal às custas
dos Réus;

(2.3) a intimação pessoal do Secretário de Estado da Saúde do Distrito Federal e do

Assinado eletronicamente por: UMBERTO PAULINI - 21/05/2021 17:05:46 Num. 548846008 - Pág. 1
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=null
Número do documento: null
Ministro da Saúde para a tomada de todas as providências necessárias ao fiel
cumprimento da decisão judicial, sob pena de cominação de multa diária a ser
arbitrado por esse Juízo (art. 11, da Lei nº 7.347/85) para o caso de eventual
descumprimento de cada uma das determinações acima;”

Em suas razões as autoras afirmam que no âmbito do Distrito Federal é crescente o


número de pessoas com indicação médica para realização transplante de medula óssea (TMO)
na modalidade “alogênico” (tratamento em que a medula ou células tronco vêm de um doador
que é previamente selecionado e, normalmente, é identificado entre os familiares do paciente)
que não conseguem o aludido atendimento dentro de um prazo que atenda às suas
necessidades terapêuticas.

Informam que o transplante de medula óssea é indicado em casos de doenças “no


sangue como a anemia aplástica grave (que se caracteriza pela falta de produção de células do
sangue na medula óssea); mielodisplasias e em alguns tipos de leucemias (tipo de câncer que
compromete os leucócitos, afetando sua função e velocidade de crescimento)”.

Apontam que o Instituto de Cardiologia do Distrito Federal - ICDF é, atualmente, o


único hospital credenciado junto à Secretaria de Saúde do Distrito Federal que está habilitado a
realizar o transplante de medula óssea – TMO alogênico no âmbito do Distrito Federal, conforme
informações da SES/DF.

Alegam que a indisponibilidade do transplante no âmbito do DF se dá em razão da


interrupção do serviço prestado na rede SUS local, ainda no mês de janeiro de 2020, de modo
que os pacientes que já estavam incluídos no programa de tratamento do TMO alogênico,
ficaram sem previsão de atendimento e início da terapêutica pertinente.

Indicam que a situação que ora se apresenta não diz respeito à insuficiência na
prestação do serviço, mas, sim, à total paralisação da oferta do tratamento.

Relatam que, em 15 de janeiro de 2020, o Instituto de Cardiologia do Distrito


Federal (ICDF) interrompeu, sem maiores esclarecimentos, os Transplantes de Medula Óssea
(TMO) alogênicos, mantendo somente os TMO autólogos (medula óssea ou células tronco vêm
do próprio paciente).

Asseveram que já em 17 de janeiro de 2020, a Comissão de Acompanhamento do


Contrato (CAC-ICDF) questionou o Instituto de Cardiologia do Distrito Federal acerca da previsão
de atendimento de novos pacientes, bem como o prazo para atendimento dos pacientes já
avaliados, dentre outros questionamentos.

Em 18 de maio de 2020, a Gerente da Divisão de Hemoterapia (Agência


Transfusional TMO) do ICDF encaminhou o ofício 001/2020 à CET (Central Estadual de
Transplantes) para apontar uma série de exames e procedimentos realizados pelo ICDF na
condução de TMOs que não são passíveis de cobrança junto ao ente público. No documento, a
gerente responsável apontou a necessidade de exames e as dificuldades encontradas para obtê-
los de unidades do SUS - Hospital da Criança de Brasília (HCB) e Fundação Hemocentro de
Brasília (FHB). Esclareceu, ainda, que um procedimento essencial (o DLI) não pode ser objeto de
cobrança por não estar listado na Tabela SIGTAP (Tabela SUS) e que teria um custo muito alto
para substituição de equipamento utilizado para dar suporte aos transplantes. Em 20 de maio de
2020, a mesma Gerente da Divisão de Hemoterapia (Agência Transfusional TMO) do ICDF deu

Assinado eletronicamente por: UMBERTO PAULINI - 21/05/2021 17:05:46 Num. 548846008 - Pág. 2
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=null
Número do documento: null
notícia de uma extensa relação de exames a serem disponibilizados para dar continuidade aos
Transplantes de Medula Óssea no ICDF.

Alegam que a situação narrada aparentemente não encontrou solução, mas não
bastasse isso, houve despacho do ICDF informando para a SES/DF que o espaço físico da
Unidade de Transplante de Medula óssea do ICDF foi destinado para o isolamento de pacientes
acometidos pela COVID-19 e, por este motivo, não havia possibilidade de retomada dos
procedimentos de TMO alogênico.

Aduzem que, em suma, inicialmente a interrupção do serviço se deu por impasses


quanto à realização ou pagamento de procedimentos e exames acessórios à realização do TMO.
Posteriormente, a despeito dos problemas anteriores, novo óbice surgiu: a escolha por destinar o
espaço estruturado para realização do TMO para atendimento de pacientes com COVID. Assim,
conclui-se que, no momento, mesmo que fossem superadas as dificuldades quanto à
disponibilização ou custeio de exames e procedimentos essenciais à realização do TMO
alogênico, o serviço não poderia ser retomado no ICDF.

Asseveram que a partir destas informações, a Defensoria Pública oficiou a Central


Estadual de Transplantes (CET) e a Central de Regulação de Alta Complexidade (CERAC) para
informarem sobre a lista de espera de pacientes para a realização de transplante de medula
óssea (TMO) alogênico; quantos pacientes tiveram seus procedimentos agendados em outras
unidades da Federação; a previsão de atendimento àqueles que não tiveram seus procedimentos
de TMO alogênico agendado em outra unidade da Federação; bem como se existia previsão de
retomada do tratamento pelo ICDF e se já convênio com outro centro transplantador no âmbito
do Distrito Federal.

Indicam que, em resposta, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal apresentou,


em 25 de junho de 2020, a lista de 12 pacientes que estão à espera do referido tratamento.
Informou, ainda, acerca das dificuldades em encaminhar estes pacientes para o Tratamento Fora
do Domicílio – TFD, vez que a disponibilidade de vagas para consultas pré-transplante nas outras
unidades federativas está menor. Aduziu não ter informação sobre a retomada dos atendimentos
dos pacientes para TMO alogênico no ICDF, especialmente diante das incertezas causadas pela
pandemia da COVID-19.

Ponderam que ainda que houvesse condições de encaminhar pacientes para outras
unidades da Federação, o contexto da Pandemia da COVID-19 aponta que seria uma enorme
insensatez promover o deslocamento de pacientes imunossuprimidos pelo território nacional.

Defendem que diante das dificuldades da realização do tratamento TMO alogênico


em outras unidades federadas, e da contraindicação dessa inserção dos pacientes no TFD –
tratamento fora do domicílio –, os pacientes estão correndo risco de vida.

Arrematam apontando que no Distrito Federal, além do ICDF, estão também


credenciados pelo Sistema Nacional de Transplantes a realizar o TMO alogênico os seguintes
hospitais: Hospital Brasília, Hospital Sírio Libanês e o Hospital DF Star, os quais foram oficiados
pela Defensoria Pública, tendo apenas o Hospital Sírio Libanês informado que dispõe de
estrutura para atender até 3 (três) pacientes por mês e apresentou o custo estimado por paciente
para viabilizar o tratamento TMO alogênico.

Foi determinada a oitiva prévia da parte ré, ocasião em que o DF informou que, dos

Assinado eletronicamente por: UMBERTO PAULINI - 21/05/2021 17:05:46 Num. 548846008 - Pág. 3
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=null
Número do documento: null
12 pacientes em lista de espera, 8 já estavam recebendo o pertinente tratamento via TFD, 2 se
encontravam em fase de encaminhamento para TFD e 2 outros não possuíam, no momento,
indicação clínica para a realização do transplante, bem como que já estavam sendo adotadas
providências administrativas para o retorno da realização dos transplantes no DF.

Nesse cenário, foi proferida decisão determinando que as autoras se manifestassem


sobre a informação prestada e informassem se ainda possuíam interesse no prosseguimento da
ação (id 333794871).

As requerentes informaram ainda subsistir interesse no prosseguimento da ação,


haja vista que na resposta de ofício encaminhado à Defensoria Pública do Distrito Federal, na
data de 25/10/2020, foi verificado que ainda havia pacientes aguardando agendamento de
consulta ou até mesmo encaminhamento ao TFD e que desde o ajuizamento da demanda mais
quatro pacientes passaram a necessitar de TMO alogênico, sendo que somente um deles possui
consulta agendada para 01/12/2020 em São José do Rio Preto, além da incerteza sobre a
retomada dos atendimentos para o transplante de medula óssea.

Em razão da natureza e objeto da ação, foi determinada a realização de audiência


de conciliação, bem como a citação das rés.

Contestação apresentada pela União (id 439345855).

Contestação apresentada pelo Distrito Federal (id 460022471).

Réplica coligida aos autos (id 495723977).

Audiência realizada na data de 19 de maio de 2021. Restou frustrada a tentativa de


conciliação, motivo pelo qual os autos foram conclusos para análise do pleito liminar.

É o relatório. Decido.

2. Compulsando atentamente os documentos juntados aos autos, verifico, em


análise perfunctória, que existem elementos suficientes para o deferimento parcial da
liminar pleiteada.

Preliminarmente consigno que, conforme jurisprudência dominante, há solidariedade


entre os entes federativos (inclusive União e Distrito Federal) no que tange à obrigação de
assegurar o direito constitucional à saúde.

Assim, ambos os réus ostentam legitimidade passiva para a presente causa, não
havendo falar em responsabilidade exclusiva ou prioritária de qualquer um deles pelo
cumprimento das obrigações indicadas na peça vestibular.

O direito à saúde está previsto, entre outros diplomas, na Declaração Universal dos
Direitos do Homem (artigo 25º, n.º 1) e na Constituição Federal (artigos 6º e 196).

Qualifica-se, portanto, como direito humano e direito fundamental.

Na classificação tradicional de gerações de direitos fundamentais (ou dimensões,


conforme alguns preferem), o direito à saúde se enquadra como de segunda geração (ou

Assinado eletronicamente por: UMBERTO PAULINI - 21/05/2021 17:05:46 Num. 548846008 - Pág. 4
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=null
Número do documento: null
dimensão), na medida em que claramente outorga “ao indivíduo direitos a prestações sociais
estatais” (SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais).

A Constituição Federal de 1988 trata o direito à saúde como direito social (artigo
6º), sendo “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário
às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (artigo 196).

É verdade que a extensão do direito à saúde e do dever correspondente do Estado


comporta debates acalorados, especialmente diante do permanente conflito entre a reserva do
possível e o mínimo existencial.

Por isso, convém que cada caso seja apreciado de forma criteriosa, de modo a
assegurar o mínimo existencial em matéria de saúde das pessoas, atendendo à máxima
efetividade e eficácia desse direito e, naquilo em que for factível, com o menor
comprometimento da reserva do possível, numa atividade de ponderação difícil de se realizar
abstratamente.

Sobre a questão, já decidiu monocraticamente o eminente Desembargador Federal


JIRAIR ARAM MEGUERIAN:

[…] o princípio da reserva do possível deve ser relativizado em face do princípio


do mínimo existencial quando se trata do acesso à saúde, pois, citando o eminente
Ministro Celso de Mello, ao julgar prejudicada a ADPF nº 45, da qual foi relator, a
cláusula da reserva do possível não pode ser invocada pelo Estado com a finalidade
de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente
quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até
mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de
essencial fundamentalidade [...] 1 (AGRAVO 00046018820174010000,
DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, TRF1, 17/02/2017).

Ressalte-se, ainda, que não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa
vontade do administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão
controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação
dos Poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais,
pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente
fundamentais (AgRg no REsp 1.136.549/RS, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma,
julgado em 08.06.2010, DJe de 21.06.2010).

Nesse sentido, confira-se recente precedente do TRF da 1ª Região:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE


MEDICAMENTO. CUSTEIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA
PÚBLICA. POSSIBILIDADE. REQUISITOS PRESENTES. PRECEDENTES DO
STF. CONTRA-CAUTELA. RISCO DE VIDA. 1. Há demonstração do preenchimento
dos requisitos legais para concessão da antecipação dos efeitos da tutela na
hipótese em que se demonstra a impossibilidade de o hipossuficiente arcar com o
custo de medicamento de que necessita para se reabilitar ou para não se expor a
sério risco de agravamento do quadro de saúde. Precedente do STF. 2. A vedação
prevista no art. 1º, § 3º, da Lei 8.437/91, que se aplica às antecipações de tutela

Assinado eletronicamente por: UMBERTO PAULINI - 21/05/2021 17:05:46 Num. 548846008 - Pág. 5
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=null
Número do documento: null
contra a Fazenda Pública (Lei 9.494/97, art. 1º), não impede que seja concedida
liminar, se verificada a ocorrência dos pressupostos legais (CPC, art. 273), em
obséquio aos princípios da razoabilidade, do devido processo legal substantivo e da
efetividade da jurisdição. Precedente do STJ. 3. A União pode ser responsabilizada,
conjuntamente com o Estado-Membro, pelo custeio de medicamentos. Inteligência
do artigo 198, § 1º, da CF, que dispõe que "o sistema único de saúde será
financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridadesocial,
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes".
Precedentes do STJ. 4. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AG
2008.01.00.035820-9/DF – TRF/1ª Região – Sexta Turma – Rel. Maria Isabel Gallotti
Rodrigues – Juiz Federal Convocado Rodrigo Navarro de Oliveira – Julg. em
22/06/2009)

No caso, a realização de transplantes alogênicos se refere à prestação de saúde


incorporada pelo SUS, tratando-se, assim, de política pública instituída e densificada pelos
Poderes competentes, não havendo que se falar, por este motivo, em indevida violação do
princípio da separação de poderes.

Oportuno registrar que, no julgamento unânime da Suspensão de Tutela Antecipada


nº 175 (STA 175 AgR/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes), que serve de paradigma ao presente feito, o
Supremo Tribunal Federal (STF) definiu parâmetros para solução judicial de demandas
envolvendo o direito constitucional à saúde e assentou que a prestação de saúde inserta em
política pública confere ao administrado direito subjetivo ao seu usufruto.

Vejamos trecho do elucidativo posicionamento do Ministro Gilmar Mendes externado


naqueles autos e adotado pelo Tribunal:

“(...) o primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que
abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestação de
saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema
Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas
determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito
subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente. (...)”

Assim, a decisão judicial que impõe a corporificação de política pública se limita a


determinar que os demais poderes cumpram os compromissos por eles próprios assumidos, além
de efetivar direito subjetivo do administrado, tudo em observância ao princípio constitucional da
inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, CF/88).

Na espécie, a despeito da incorporação pelo SUS do tratamento de transplante


alogênico de medula óssea, tal serviço, por questões burocráticas – custeio e disponibilização
pelo SUS de procedimentos/exames prévios à realização do transplante alogênico – não vem
sendo minimamente disponibilizado no Distrito Federal.

E aqui vale registrar que a oferta da terapêutica apenas por meio de Tratamento
Fora do Domicílio, quando há nosocômio local com possibilidade para tanto (há informações nos
autos de que o Hospital Sírio Libanês teria disponibilidade de atender todos os pacientes com tal
demanda, por meio de convênio com o SUS, além disso há mais dois hospitais locais que
realizam o tratamento em tela, de modo poderiam, da mesma forma, serem iniciadas tratativas
com referidos nosocômios), não atende à necessidade dos pacientes locais: primeiro, porque
nem todos os pacientes podem se valer do TFD, seja por questões clínicas, seja porque não

Assinado eletronicamente por: UMBERTO PAULINI - 21/05/2021 17:05:46 Num. 548846008 - Pág. 6
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=null
Número do documento: null
possuem acompanhantes; segundo, porque é um contrassenso submeter pacientes
imunossuprimidos a deslocamentos, muitas vezes longínquos, em meio a uma pandemia, para
serem tratados.

Nesse contexto, oportuno destacar que não há notícia nos autos da existência de
uma programação, de atos preparatórios, ajustes ou mesmo do retorno da implementação efetiva
da prestação de saúde de transplante de medula óssea alogênico no Distrito Federal, deixando,
dessa forma, os pacientes que necessitam de tal serviço na localidade desassistidos.

Convém, ainda, destacar que o transplante alogênico é uma forma de tratamento


utilizada em pacientes com enfermidades graves, como, por exemplo, leucemias ou linfomas de
alto risco, tumores de alto risco, doenças do sistema imunológico, anemia falciforme, síndromes
de insuficiência da medula óssea, entre outros, doenças essas, cujo tempo, na maioria das
vezes, é fator determinante para cura ou não do paciente. E aqui, quando se fala em ausência de
cura, a consequência é o falecimento, pois, em regra, não são enfermidades em que o paciente
possui perspectiva sólida de sobrevida.

Dessa forma, deslocar os pacientes - quando é viável tal locomoção -, aguardar


longo período para que o atendimento seja realizado em outra unidade da federação (é isto que
se tem identificado na grande maioria dos casos – consultas agendadas para muitos meses à
frente) para, enfim, se chegar à realização do transplante alogênico, não se mostra, por nenhum
ângulo, razoável.

Registro, novamente, que não estamos diante de uma unidade da federação em


que o tratamento não é fornecido nem por meio do Sistema Único de Saúde, nem pela rede de
saúde complementar (cenário que impõe a adoção inevitável do TDF), mas sim do Distrito
Federal, onde há pelo menos três nosocômios de grande porte que realizam o tratamento objeto
desta ação.

Consigno, por fim, que não é possível afastar tal obrigação sob o fundamento de
reserva do possível, pois, na espécie, não restou demonstrada a absoluta impossibilidade de
seu atendimento. Primeiro, porque, tratando-se de política pública aprovada e suficientemente
densificada pelos Poderes competentes, deve ela ser cumprida, valendo-se o Poder Público de
todos os meios econômicos e financeiros disponíveis para efetivá-las (e.g.: remanejamento de
recursos, aumento da arrecadação, redução dos gastos públicos em áreas menos prioritárias
etc.). Segundo, porque, ainda que não haja hospitais públicos realizando o transplante alogênico,
poderão os réus adotar medidas para se valer da prestação de saúde da rede privada, mediante
os pagamentos/convênios respectivos. Terceiro, porque a utilização da rede privada para o
tratamento em comento poderá ocorrer mediante contratação regular pelas formas ordinárias ou,
a depender das circunstâncias, mediante requisição ou contratação com dispensa/inexigibilidade
de licitação, atendidos os correspondentes requisitos legais.

Assim, entendo que os réus devem ser compelidos a disponibilizar o tratamento de


transplante alogênico à população do Distrito Federal, a fim de concretizar a política pública de
saúde aprovada e densificada pelos Poderes competentes, sendo legal, razoável e proporcional
a imposição do cumprimento de tal obrigação, devendo-se apenas fixar prazo legítimo/justo para
a implementação da política pública, considerando as medidas a serem adotadas.

Destarte, com base no cenário fático probatório apresentando e na fundamentação

Assinado eletronicamente por: UMBERTO PAULINI - 21/05/2021 17:05:46 Num. 548846008 - Pág. 7
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=null
Número do documento: null
acima explanada, entendo presente o requisito da probabilidade do direito.

O perigo na demora, como já assinalado, é indiscutível, pois a ausência do


tratamento em tela coloca em grave risco a saúde e a vida de pacientes carentes de recursos, o
que tem sido constatado na rotina diária das Varas Federais especializadas em matéria de saúde
nesta Seção Judiciária.

A irreversibilidade da tutela de urgência não obsta seu deferimento no presente


caso, considerando estar em jogo o direito à saúde e também o próprio direito à vida da
população hipossuficiente do Distrito Federal.

Por outro lado, no tocante ao pedido de fornecimento do cadastro atualizado dos


pacientes aguardando em lista de espera para o transplante de medula óssea, observo que tal
informação foi prestada diversas vezes. Há registro de que esses dados foram encaminhados à
parte autora através de ofício requisitório, bem como juntados ao processo judicial.

Especificamente em relação a este ponto, não vislumbro interesse resistido ou


mesmo perigo na demora a justificar a concessão de liminar.

3. Por todo exposto, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de tutela provisória de


urgência, a fim de determinar aos réus que: (a) apresentem, no prazo máximo de 10 (dez) dias,
cronograma para a retomada do atendimento integral dos pacientes que aguardam transplante
de medula óssea (TMO) alogênico; (b) de forma a promover o (re)início da realização do
procedimento de transplante (TMO alogênico) dentro da própria circunscrição do Distrito Federal
no prazo máximo de 60 (sessenta) dias; (c) seja no Instituto de Cardiologia do Distrito Federal,
seja no Hospital Sírio Libanês ou, no caso de impossibilidade, em qualquer hospital da rede
particular do Distrito Federal.

Comino multa de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) por dia de atraso no
cumprimento desta decisão. Essa multa é cominada apenas ao Distrito Federal. Apesar da
solidariedade em relação à União, cabe principalmente àquele ente (GDF) adotar as medidas
necessárias à implementação (contratação) do serviço de transplante alogênico na rede de
saúde pública local.

Especifiquem a partes e o MPF as provas que pretendem produzir, no prazo de 15


(quinze) dias, justificando sua pertinência à solução da causa.

Intimações das partes, com urgência, via sistema. Tendo em vista a fixação de
multa, a intimação do GDF também deverá ocorrer através de mandado.

Verifico neste ato que não é possível a intimação via MINIPAC. À Secretaria para
eventual retificação de anotação e intimações.

Brasília-DF, data da assinatura eletrônica.

UMBERTO PAULINI

Assinado eletronicamente por: UMBERTO PAULINI - 21/05/2021 17:05:46 Num. 548846008 - Pág. 8
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=null
Número do documento: null
Juiz Federal em auxílio na 21ª Vara/SJDF

Assinado eletronicamente por: UMBERTO PAULINI - 21/05/2021 17:05:46 Num. 548846008 - Pág. 9
http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=null
Número do documento: null

Você também pode gostar