O documento discute a coleta compulsória de material genético de investigados e condenados para fins de prova criminal. A coleta de investigados deve ser autorizada pela justiça e vinculada a um caso específico, enquanto a coleta de condenados por crimes graves é obrigatória e armazenada em banco de dados. O documento também analisa a compatibilidade dessas medidas com o direito de não autoincriminação.
O documento discute a coleta compulsória de material genético de investigados e condenados para fins de prova criminal. A coleta de investigados deve ser autorizada pela justiça e vinculada a um caso específico, enquanto a coleta de condenados por crimes graves é obrigatória e armazenada em banco de dados. O documento também analisa a compatibilidade dessas medidas com o direito de não autoincriminação.
O documento discute a coleta compulsória de material genético de investigados e condenados para fins de prova criminal. A coleta de investigados deve ser autorizada pela justiça e vinculada a um caso específico, enquanto a coleta de condenados por crimes graves é obrigatória e armazenada em banco de dados. O documento também analisa a compatibilidade dessas medidas com o direito de não autoincriminação.
moises.matusiak@cesuca.edu.br Direito Processual Penal CESUCA – 2022/2 Nemo tenetur se detegere “Situação complexa é o ranço histórico de tratar o imputado (seja ele réu ou mero suspeito, ainda na fase pré-processual) como mero “objeto” de provas, ou melhor, o “objeto” do qual deve ser extraída a “verdade” que funda o processo inquisitório. Com a superação dessa coisificação do réu e a assunção de seu status de sujeito de direito, funda-se o mais sagrado de todos os direitos: o direito de não produzir prova contra si mesmo (nada a temer por se deter – nemo tenetur se detegere).” (LOPES JR., 2018) (Sublinhei e grifei) Prova genética “As provas genéticas desempenham um papel fundamental na moderna investigação preliminar e podem ser decisivas no momento de definir ou excluir a autoria de um delito. Entretanto, sua eficácia está condicionada, em muitos casos, a uma comparação entre o material encontrado e aquele a ser proporcionado pelo suspeito.” (LOPES JR., 2018) (Sublinhei e grifei) “Embora a colheita dos caracteres genéticos do investigado não se destine apenas à produção de prova, pois, como já assinalado, a medida tem cunho identificador, o emprego da técnica denominada impressão genética permite concluir, com elevadíssimo índice de certeza, se fluídos corporais (sangue, esperma, saliva) ou tecidos (pele, cabelo) encontrados, por exemplo, na cena do crime ou no corpo da vítima são provenientes de determinada pessoa, de modo a oferecer relevante elemento de informação para as investigações e para o julgamento de processos criminais.” (REIS e GONÇALVES, 2016) (Grifei e sublinhei) Prova genética x Nemo tenetur se detegere
“Não existe problema quando as células corporais necessárias
para realizar, v.g., uma investigação genética encontram-se no próprio lugar dos fatos (mostras de sangue, cabelos, pelos etc.), no corpo ou vestes da vítima ou em outros objetos. Nesses casos, poderão ser recolhidas normalmente, utilizando os normais instrumentos jurídicos da investigação preliminar, como a busca e/ou apreensão domiciliar ou pessoal. [...] Portanto, não há problema em obter-se o material genético através de busca e apreensão de roupas, travesseiros, escova de cabelo e outros objetos do imputado que possam ser encontrados em sua residência.” (LOPES JR., 2018) (Grifei) “Da mesma forma, havendo o consentimento do suspeito, poderá ser realizada qualquer espécie de intervenção corporal, pois o conteúdo da autodefesa é disponível e, assim, renunciável.” (LOPES JR., 2018) (Sublinhei e grifei) “O problema está quando necessitamos obter as células corporais diretamente do organismo do sujeito passivo e este se recusa a fornecê-las. Se no processo civil o problema pode ser resolvido por meio da inversão da carga da prova e a presunção de veracidade das afirmações não contestadas, no processo penal a situação é muito mais complexa, pois existe um obstáculo insuperável: o direito de não fazer prova contra si mesmo, que decorre da presunção de inocência e do direito de defesa negativo (silêncio). (LOPES JR., 2018) (Sublinhei e grifei) “Parece-nos, contudo, que o privilégio contra a autoincriminação não pode ser invocado para obstar a adoção das iniciativas necessárias à correta identificação do acusado, tanto assim que pode ser conduzido coercitivamente para a identificação fotográfica e datiloscópica (art. 260 do CPP), além do que sujeita-se, em caso de mentira sobre seus dados qualitativos, às penas do crime de falsa identidade.” (REIS e GONÇALVES, 2016) (Grifei) Lei n. 12.654/2012 “No Brasil, a Lei n. 12.654/2012 prevê a coleta de material genético como forma de identificação criminal, alterando dois estatutos jurídicos distintos: a Lei n. 12.037/2009, que disciplina a identificação criminal e tem como campo de incidência a investigação preliminar, e, por outro lado, a Lei n. 7.210/84 (LEP), que regula a Execução Penal.” (LOPES JR., 2018) “A lei disciplina, como dito antes, duas situações distintas: a do investigado e a do apenado. A finalidade da coleta do material biológico será diferenciada: para o investigado, destina-se a servir de prova para um caso concreto e determinado (crime já ocorrido); já em relação ao apenado, a coleta se destina ao futuro, a alimentar banco de dados de perfis genéticos e servir de apuração para crimes que venham a ser praticados e cuja autoria seja desconhecida.” (LOPES JR., 2018) (Sublinhei e grifei) Lei n. 12.037/2009
“Dispõe sobre a identificação criminal do
civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal.” (Preâmbulo) “Art. 1º O civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nos casos previstos nesta Lei. [...]. Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando: [...]; IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa; [...]” (Lei n. 12.037/2009) (Sublinhei) “Art. 5º A identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação. Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.” ( Lei n. 12.037/2009) (Sublinhei e grifei) “Art. 5o-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal. § 1o As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos. § 2o Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial. § 3o As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.” (Lei n. 12.037/2009) (Sublinhei e grifei) “Art. 7º-A. A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) I - no caso de absolvição do acusado; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) II - no caso de condenação do acusado, mediante requerimento, após decorridos 20 (vinte) anos do cumprimento da pena. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)” Nota: A redação atual do artigo 7º-A, caput, e a inclusão dos incisos I e II, todos da Lei n. 12.037/2009, são decorrentes da Lei n. 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”. “Art. 7o-B. A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. ” (Lei n. 12.037/2009) “Sustentamos ainda a existência de uma vinculação causal (Princípio da Especialidade), ou seja, a prova genética somente poderá ser utilizada naquele caso penal e o material poderá ser utilizado até a prescrição (daquele crime).” (LOPES JR., 2018) (Grifei) “Outro aspecto relevante é que a lei, neste caso em que se tutela o interesse da investigação, não define um rol de crimes nos quais poderia ser feita a extração de material genético (ao contrário da situação jurídica do condenado, em que há uma definição taxativa dos crimes). Com isso, abre-se a possibilidade de que a intervenção ocorra em qualquer delito, desde que necessário para comprovação da autoria, exigindo por parte da autoridade judiciária suma cautela e estrita observância da proporcionalidade, especialmente no viés de necessidade e adequação.” (LOPES JR., 2018) (Sublinhei e grifei) Lei n. 7.210/1984 – Lei de Execução Penal (LEP) “Art. 9o-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.” (Lei n. 7.210/1984) (Sublinhei e grifei) Nota: O artigo 1º da Lei n. 8.072/1990 teve sua redação alterada pela Lei n. 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”, sendo atualizado, portanto, o rol dos chamados crimes hediondos. “Art. 9º-A [...]. § 1o A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. § 1º-A. A regulamentação deverá fazer constar garantias mínimas de proteção de dados genéticos, observando as melhores práticas da genética forense. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 2o A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético. § 3º Deve ser viabilizado ao titular de dados genéticos o acesso aos seus dados constantes nos bancos de perfis genéticos, bem como a todos os documentos da cadeia de custódia que gerou esse dado, de maneira que possa ser contraditado pela defesa. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 4º O condenado pelos crimes previstos no caput deste artigo que não tiver sido submetido à identificação do perfil genético por ocasião do ingresso no estabelecimento prisional deverá ser submetido ao procedimento durante o cumprimento da pena. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) [...]. § 8º Constitui falta grave a recusa do condenado em submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)” (Lei 7.210/1984) (Sublinhei e grifei) “Quanto à natureza do crime objeto da condenação, parece que o legislador partiu de uma absurda presunção de “periculosidade” de todos os autores de determinados tipos penais abstratos. Trata-se de inequívoca discriminação e estigmatização desses condenados. [...]. O que é “violência de natureza grave contra pessoa”? No mínimo crimes dolosos que resultem lesões graves, gravíssimas ou morte da vítima.” (LOPES JR., 2018) “Por fim, a lei não prevê por quanto tempo esses dados ficarão disponíveis neste caso. Andou mal o legislador, pois gera condições para um estigma de natureza perpétua.” (LOPES JR., 2018) (Sublinhei e grifei) Recurso Extraordinário (RE) 973837 A constitucionalidade da questão será objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal – STF. No RE 973837-MG, interposto por W.C.S., assistido pela Defensoria Pública de Minas Gerais, restou reconhecida pelo Plenário Virtual, por unanimidade, em 24/06/2016, a repercussão geral:
“Decisão pela existência de repercussão geral
PLENÁRIO VIRTUAL - RG
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão.
O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada.” (Site do Supremo Tribunal Federal) “Em sua manifestação, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, frisou que os limites dos poderes do Estado de colher material biológico de suspeitos ou condenados por crimes, traçar seu perfil genético, armazená-los em bancos de dados e fazer uso dessas informações são objeto de discussão nos diversos sistemas jurídicos. Ele citou casos julgados pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos segundo os quais as informações genéticas encontram proteção jurídica na inviolabilidade da vida privada. No caso brasileiro, explicou o ministro, a Lei 12.654/2012 introduziu a coleta de material biológico em duas situações: na identificação criminal e na execução penal por crimes violentos ou por crimes hediondos. Na primeira, a medida deve ser determinada pelo juiz, que avaliará se é essencial para as investigações, e os dados podem ser eliminados no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito cometido. Já os dados dos condenados devem ser coletados como consequência da condenação, sem previsão para a eliminação do perfil. Em ambos os casos, os perfis são armazenados em bancos de dados e podem ser usados para instruir investigações criminais e para identificação de pessoas desaparecidas. Por considerar a que a questão constitucional tem relevância jurídica e social, o relator se manifestou no sentido de reconhecer a existência de repercussão geral na matéria. A decisão do Plenário Virtual foi unânime.” (Site do Supremo Tribunal Federal) (Grifei e sublinhei) Superior Tribunal de Justiça - STJ PENAL E EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. COLETA DE MATERIAL GENÉTICO. PACIENTE CONDENADO POR CRIME COM VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA E CRIME HEDIONDO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo o art. 9º-A da Lei de Execução Penal, os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. 2. No caso em exame, o paciente cumpre pena pela prática dos crimes de homicídio qualificado (duas vezes), ocultação de cadáver, crueldade contra animais e posse irregular de arma de fogo de uso permitido, restando atendidos, assim, os requisitos legais estatuídos pelo dispositivo supracitado: condenação por crime com violência de natureza grave contra pessoa ou aqueles constantes do rol do art. 1º da Lei n. 8.072/1990. 3. Habeas corpus denegado. (HC 536.114/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 10/02/2020) (Grifei e sublinhei) Valor probatório da prova genética
Apesar de sua grande importância e eficácia, a
prova genética não é absoluta, legalmente não se sobrepõe às demais provas. “Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.” (Código de Processo Penal) (Sublinhei e grifei) “ Art. 182. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.” (Código de Processo Penal) (Grifei e sublinhei) “Destarte, duas lições são básicas: - nenhuma prova é absoluta ou terá, por força de lei, maior prestígio ou maior valor que as outras, logo, um exame de DNA que comprove a existência de material genético do réu no corpo da vítima não conduz, inexoravelmente, à sua condenação; - o juiz (ou os jurados) pode perfeitamente decidir contra o laudo, isto é, aceitá-lo ou rejeitá-lo no todo ou em parte (art. 182), pois vale o livre convencimento motivado e formado a partir do contexto probatório.” (LOPES JR., 2018) Referências LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018. REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Direito Processual Penal Esquematizado. Coordenador Pedro Lenza. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.