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PRINCÍPIOS DAS CIÊNCIAS

MÓDULO 1: CRIMINAIS

TEMA 1 – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS


EXPLÍCITOS I
Aula I – Dignidade da Pessoa Humana

TEXTO

Com previsão expressa no art. 1º, III, da Constituição Federal, a Dignidade da


Pessoa Humana é um princípio regente, de valor pré-constituinte e hierarquia

supraconstitucional, sustentáculo da efetividade das propostas do Estado


Democrático de Direito, cuja missão é a preservação do ser humano, garantindo-

lhe não só o mínimo existencial, mas conferindo-lhe autoestima.

Possui duas dimensões:

a) Objetiva - referente ao mínimo existencial, indispensável para atender as


necessidades básicas (saúde, segurança, educação, alimentação, transporte,
moradia e etc.)

b) Subjetiva - relativa a liberdade individual de formação da personalidade,


garantindo o respeito de suas escolhas e convicções particulares, inerentes a
autoestima do sujeito.

Se por um lado o Estado deve garantir o mínimo necessário para a sobrevivência


do indivíduo, de outro, deve assegurar o livre desenvolvimento das atividades e
vontades pelo cidadão.

ASPECTOS CRIMINAIS

É certo que a prática de qualquer infração penal sempre ofende, de algum


modo, a dignidade humana, uma vez afetados direitos e garantias

fundamentais (como vida, integridade física, honra, intimidade, liberdade e etc.)

Certas infrações, contudo, evidenciam com maior profundidade o


mandamento de respeito ao ser humano como tal, primando pela
sensibilidade, humanidade e bondade. É o caso do crime de tortura, que trata

de um constrangimento específico, em face da dignidade da pessoa humana,


delito intolerável, cuja gravidade tem reflexo nas particulares sanções

cominadas.

No mesmo bojo está inserido o crime de racismo, em vista da discriminação de


determinados grupos sociais e sua consequente segregação, em detrimento de

valores fraternos, éticos e altruístas.

Denota-se que, em verdade, o objetivo perseguido pelo Direito é a convivência


harmônica entre os seres humanos, primando-se pela manutenção da paz

pública.

INCIDÊNCIA QUANTO AO INFRATOR

Nem se olvide que, não só a vítima, mas também o autor de determinada


infração penal goza dos direitos indispensáveis à preservação da dignidade da
pessoa humana, uma vez inerente à sua própria natureza de ser humano.

Com efeito, não se pode admitir que a sociedade excomungue seus próprios
membros, ainda quando autores de erros trágicos, pois, nestes casos, há
regulamentação específica, prevendo a imposição de sanção adequada,

proporcional ao mal causado e justaposta ao transgressor.

Destarte, resta indefensável admitir o recolhimento de seres humanos em


ambientes inóspitos, insalubres, promíscuos e indignos, sob o pálido pretexto

de que tal medida seja razoável à punição do infrator, quando escorada em


nítido intento vingativa.
Enquanto titular exclusivo do ius puniendi, deve o Estado garantir condições
dignas para que o sentenciado arque com seu castigo, à luz do disposto pelo

art. 5º, XLVII, da Constituição Federal. De certo, não cabe ao Estado inverter os
papéis e passar a infringir as normas, imprimindo demasiado e desnecessário

sofrimento àqueles que estiverem sob sua tutela, mesmo quando autores de
infrações penais.

Em síntese, em nenhum cenário admite-se o abuso, o exagero e a desumanidade,


pois sendo agressores ou agredidos, todos os seres humanos merecem
tratamento digno.

ASPECTOS DO PROCESSO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A presunção de inocência é corolário da dignidade da pessoa humana,


impondo que não se pode considerar culpado alguém desprovido de
condenação definitiva.

As garantias de defesa constitucionalmente asseguradas têm como


fundamento a preservação da dignidade daquele que responde à uma ação
penal, permitindo-lhe produzir todas as provas que entender necessárias para

refutar as acusações formuladas que, de per si, não o tornam, automaticamente,


um criminoso.

Como cediço, ao Estado incumbe o ônus de provar a culpa do acusado, cuja


inocência é preservada até a superveniência de édito condenatório definitivo.

Por outro lado, a depender da situação concreta, pode o acusado sofrer a


coerção de sua liberdade, quando assim respaldada em elementos concretos e
idôneos ao preenchimento dos requisitos previstos no art. 312 do Código de

Processo Penal.
Nenhum direito é absoluto, comportando tolhimento, ainda que parcial,
quando em conflito com outros. Portanto, se o fato de ser processado não faz

do acusado culpado, também não o permite fugir e frustrar a aplicação da lei


penal.

Destarte, no processo penal busca-se enaltecer o ser humano, resguardando a


segurança pública na exata proporção da necessidade.

LEITURA COMPLEMENTAR

A recente decisão da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça que, por

maioria de votos concedeu o adicional de 25% do benefício pago pelo INSS a


todos os aposentados que comprovem a necessidade de assistência e auxílio

de outra pessoa, vem a ser a interpretação judicial mais condizente com o texto
constitucional que apregoa, dentre outros princípios e fundamentos, a

dignidade da pessoa humana.

Pedra basilar que é do texto constitucional, pinçada da Declaração Universal

dos Direitos do Homem, homologada pela Resolução da Assembleia Universal


das Nações Unidas, a referida dignidade, de conteúdo filosófico até, por

perscrutar as necessidades impostas pela vida, fez-se presente no julgamento


e de uma só tacada alcançou todos aqueles que, embora não sejam

considerados legalmente inválidos, fazem jus ao plus diferenciador do


benefício.

Pode-se dizer que a decisão adotou a nova postura jurisdicional, desatrelada


daquela em que o magistrado, além de ser escravo da lei, limitava-se a
pronunciar a vontade do legislador, como sentenciava Montesquieu. Trata-se,
na realidade, de uma decisão norteada pelo mais sensato espírito humano e
com os olhos abertos para a realidade social. Sob esse prisma passa a ser
criadora e constitutiva, não de um novo direito, mas sim de um já existente e

devidamente ajustado agora à realidade social. É a diferença entre Direito e lei,


tão bem filtrada por Peixinho: Portanto, quando é estabelecida a distinção entre

Direito e a lei, com a preferência pelo primeiro, há que se compreender que a


ordem jurídica é constituída de valores e princípios e que a lei é apenas um dos

componentes integradores da decisão judicial1.

É a demonstração de uma racionalidade prática e ponderação jurídica voltadas


para uma decisão que vem revestida de um viés político, pois o Poder

Judiciário, com certa frequência, transita por esta área. A esse respeito, Barroso
pondera: Pois bem: em razão desse conjunto de fatores – constitucionalização,
aumento da demanda por justiça e ascensão institucional do Judiciário-,
verificou-se no Brasil uma expressiva judicialização de questões políticas e

sociais, que passaram a ter nos tribunais a sua instância decisória final2.

E é importante observar que, embora a decisão tenha sido proferida no âmbito


de recurso repetitivo, tem alcance difuso, abrangendo uma enorme gama de

pessoas beneficiadas e que, até então, embora fossem reconhecidas suas


necessidades, nenhum dispositivo tutelava direito de tamanha importância

social. Nota-se no decisum claramente a visão antropocêntrica em que se busca


o homem como o destinatário exclusivo de um determinado benefício que irá

proporcionar a ele melhores condições para desenvolver seu projeto de vida,

na ampla conceituação da dignidade que lhe é conferida constitucionalmente,


observando sempre que a saúde é um direito e não um favor prestado pelo

Estado.

Para a íntegra do texto, segue link abaixo:


Dignidade da pessoa humana e o STJ
LEGISLAÇÃO

Constituição Federal
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático


de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

Código Processo Penal – CPP (Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941)

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública,
da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente
de autoria.

Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de

descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas


cautelares (art. 282, § 4o).

JURISPRUDÊNCIA

PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO.


REQUERIMENTO DE ADIAMENTO INDEFERIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA.

OCORRÊNCIA. RÉU ACOMETIDO DE NEOPLASIA MALIGNA DA PELVE RENAL.


DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RECURSO PROVIDO. 1. Configura-se cerceamento

de defesa na hipótese em que o juízo indefere pedido de adiamento da audiência de


oitiva das testemunhas da acusação, por impossibilidade de comparecimento do réu,

não obstante tenha a defesa juntado atestado médico, datado do dia anterior, no
sentido de que ele deveria permanecer afastado de suas atividades, por estar

acometido de neoplasia maligna da pelve renal (CID C65.0), situação que, à toda
evidência, reveste-se de considerável gravidade. 2. A situação exposta feriu a
dignidade do acusado, na medida em que se descumpriu o mandamento
constitucional de respeito e proteção ao direito fundamental à saúde. 3. Recurso

provido para anular a audiência de oitiva das testemunhas da acusação, realizada no


dia 5 de fevereiro de 2014, a fim de que outra se realize com a possibilidade de

participação do acusado.

(STJ - RHC: 49180 MG 2014/0153510-0, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS

MOURA, Data de Julgamento: 07/05/2015, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação:


DJe 15/05/2015)
Aula II – Devido Processo Legal

TEXTO

Com previsão expressa no art. 5º, LIV, da Constituição Federal, ao lado da


Dignidade da Pessoa Humana, o Devido Processo Legal é um princípio regente,
de valor pré-constituinte e hierarquia supraconstitucional, igualmente

sustentáculo da efetividade das propostas do Estado Democrático de Direito,


garantindo que a prestação jurisdicional somente se concretize mediante o

respeito de regras instrumentais previamente estabelecidas, distante das quais


ninguém poderá sofrer sanção penal. Em outras palavras, o devido processo

legal exige respeito aos mecanismos procedimentais fixados, somente em


razão dos quais o Estado pode conferir a cada um o que merece.

Depreende-se, pois, que o Devido Processo Legal possui dois aspectos:

a) Substantivo - voltado ao direito penal material, assegurando respeito a


legalidade, a anterioridade, a irretroatividade, a proporcionalidade, a
individualização, a vedação contra dupla punição e todos os demais;

b) Procedimental - de ordem processual penal, referente aos instrumentos


necessários à formação da culpa, tendo como corolários a ampla defesa, a
contraditório, o juiz natural, e todos os outros princípios processuais penais.

Com efeito, denota-se que o devido processo legal é sustentáculo para todos
os demais princípios norteadores penais e processuais penais, reclamando sua
observância e fiel cumprimento, como instrumentos de garantia da prestação
jurisdicional.

Por fim, acerca da terminologia empregada, é certo que o devido processo


legal deve ser observado por todos os ramos do direito processual e, em se

tratando da seara penal, inexiste motivos para se conferir designação distinta1,


porquanto obviamente voltada ao processo penal.

ASPECTOS CRIMINAIS

Sob o viés substancial, o devido processo penal impõe o respeito ao princípio


da legalidade, assegurando que ninguém responda por algo desprovido de
previsão legal, ainda garantindo que a tipificação das condutas seja

compreensível por todo o cidadão, como forma de orientar seus


comportamentos futuros dentro da licitude, sem margem para arbitrariedades

e autoritarismos pelo Estado, imperativos consubstanciados através da


taxatividade, anterioridade e irretroatividade da lei penal.

Do mesmo modo, ilide a responsabilidade penal objetiva, a padronização das


penas e a dupla punição pelo mesmo fato, exigindo a efetiva demonstração da
presença de dolo ou culpa pelo acusado, somente mediante a qual restará

justificada a aplicação da sanção penal, respectiva ao mal perpetrado, inclusive


de forma direcionada à pessoa do infrator, respeitando, portanto, a

culpabilidade, a proporcionalidade e a individualização da pena.

ASPECTOS PROCESSUAIS

Sob o prisma procedimental, o devido processo penal se revela através das


diversas garantias conferidas ao acusado, durante a persecução penal, para que

desempenha sua defesa, diante de um juízo imparcial, contemplando,

1Nesse sentido Rogério Lauria Tucci opta por denominar como Devido Processo Penal (Direitos e
Garantias Individuais no processo penal brasileiro, 3 ed, São Paulo:RT, 2009, p.57-64)
portanto, o contraditório, a ampla defesa, a publicidade, o juiz natural e
imparcial.

O mesmo se observa durante a execução penal, onde o Judiciário segue


gerindo o cumprimento da reprimenda pelo sentenciado, ao qual são
garantidos todos os mecanismos de defesa.

Por certo, a execução penal integra a atividade jurisdicional, cabendo ao


magistrado fiscalizar e conduzir a concretização da pretensão punitiva,
permitindo ao executado formular pedidos ou defender-se em procedimento

disciplinar.

LEITURA COMPLEMENTAR

O conceito de devido processo legal aparentemente anda um pouco esquecido entre

nós nos últimos tempos. Cuida-se de uma das mais importantes garantias para defesa
dos direitos e liberdades das pessoas, configurando um dos pilares do

constitucionalismo moderno.

Tem origem na Magna Carta, de 1215, através da qual o rei João Sem Terra, da

Inglaterra, foi obrigado a assegurar certas imunidades processuais aos seus súditos.

O parágrafo 39 desse importante documento, ainda hoje em vigor, estabelece que

"nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado de seus bens, ou
colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado [...] senão mediante

um julgamento regular de seus pares ou em harmonia com a lei do país".

Tais prerrogativas foram sistematicamente reconfirmadas pelos monarcas

subsequentes, sendo a expressão, "lei do país", substituída pela locução "devido


processo legal", em 1354, no Estatuto de Westminster.
Com isso, os direitos das pessoas passaram a ser assegurados não mais pela mera
aplicação da lei, mas por meio da instauração de um processo levado a efeito segundo

a lei.

De lá para cá, essa franquia incorporou-se às Cartas políticas da maioria das nações

democráticas, constando do artigo 5º, LIV, de nossa Constituição, com o seguinte teor:
"Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal."

Para a íntegra do texto, segue link abaixo:


Conceito de devido processo legal anda esquecido nos últimos tempos

LEGISLAÇÃO
Constituição Federal

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

JURISPRUDÊNCIA

PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROCESSO PENAL. BENS APREENDIDOS.

ALIENAÇÃO ANTECIPADA. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. PRESUNÇÃO DE NÃO


CULPABILIDADE. DIREITO DE PROPRIEDADE. DEVIDO PROCESSO LEGAL. AGRAVO

REGIMENTAL. 1. Decisão assentada no princípio da não culpabilidade (art. 5º, LVII, da


Constituição Federal, razão por que se concedeu a segurança para evitar venda

antecipada de bens apreendidos em processo penal destinado a apurar a prática de


tráfico ilícito de entorpecentes. 2. Acórdão que preserva também a eficácia do direito

de propriedade, garantido pelo art. 5º, XXII, da Constituição Federal. 3. Aresto que
afirma a observância do devido processo legal, inserido na Carta Política (art. 5º, LIV),

a determinar, em qualquer processo, sejam assegurados o contraditório e a ampla


defesa (art. 5º, LV, da Constituição Federal). 4. O fundamento da decisão recorrida,
conforme afirmado na decisão agravada, tem evidente índole constitucional. 5.
Agravo regimental a que se nega provimento.

(STJ - AgRg no REsp: 1079930 GO 2008/0173030-6, Relator: Ministro CELSO LIMONGI

(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Data de Julgamento: 18/11/2010, T6 -


SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/12/2010).

BIBLIOGRAFIA

NUCCI, Guilherme de Souza, Princípios Constitucionais Penais e Processuais


Penais. 4. ed. Rio de janeiro: Forense, 2015 – págs. 62 a 65;

NUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado. 15. ed.


Rio de Janeiro: Forense, 2016 – nota 1 do art. 1º;

NUCCI, Guilherme de Souza, Curso de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense,


2017. Vol. 1, págs. 68 a 70.
Aula III – Legalidade

TEXTO

Com previsão expressa no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, a Legalidade


é um princípio delimitador, que estabelece as margens para a atuação do

Estado Democrático de Direito, garantindo inexistir infração ou sanção


desprovidas de previsão legal.

A missão deste princípio é restringir a intervenção do Estado em face da vida


privada do sujeito, impondo limites ao exercício do poder punitivo, cujas balizas
são adstritas às normas legais.

O modelo instituído pelo Estado Democrático de Direito não define apenas a


forma de escolha de seus representantes, possuindo significado deveras

profundo, consoante o qual, ao sujeito tudo é permitido, desde que não seja
vedado. Em outras palavras, o cidadão tem ampla liberdade para exercer suas

vontades, expressar seus pensamentos e desenvolver seus gostos, dentre


outras tantas faculdades que lhe são disponíveis, desde que não configurem a

prática de ilícito.

Nesse passo, a Constituição Federal, em seu art. 22, inciso I, estabelece ser de
competência privativa da União legislar sobre matéria penal, tratando, portanto,

de atividade própria do Congresso Nacional a criação dos dispositivos penais.

Com efeito, denota-se que a Legalidade se subdivide em:

a) Ampla - voltada a todos os ramos do Direito, impondo que ninguém está


obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei1;

b) Estrita - também denominada Reserva Legal, refere-se à esfera penal,


preceituando que somente a lei, em sentido estrito (não abarcando portarias,

despachos, resoluções e outros atos normativos), pode criar crimes e cominar


penas, ou seja, somente a lei estrita, emanada pelo Poder Legislativo, pode

dispor sobre matéria penal.

Portanto, a legalidade impõe a necessidade de subsunção entre o fato concreto


e uma norma vigente no ordenamento jurídico, sem a qual não se pode conferir

uma sanção à conduta perpetrada. No campo penal, tal adequação é


denominada tipicidade que, em última análise, pode ser encarada como

instrumento de viabilização da legalidade.

Não obstante, em respeito a legalidade, exige-se a formulação de dispositivos


penais claros, pormenorizados, que propiciem a exata compreensão pelo

sujeito acerca do comportamento ali definido e sua respectiva sanção, o que se


alcança por intermédio da taxatividade.

LEGALIDADE COMO GARANTIA FUNDAMENTAL

Na seara penal, a legalidade confere contornos mais profundos, não se


contentando com a prévia existência de um dispositivo legal (garantia formal),
mas demandando que a previsão do comportamento seja específica,

justaposta, individualizada (garantia material).

1 Art. 5º, II da CF. Vale destacar, também, que a denominada mera legalidade trata de “norma dirigida aos
juízes, aos quais prescreve a aplicação das leis tais como são formuladas”, não devendo combiná-las.
Como cediço, em matéria penal, os tipos legais não devem ser imprecisos ou
genéricos, sob pena de ensejarem incertezas quanto a conduta ali descrita,

inclusive dando margem a discricionariedades em sua aplicação, uma vez


passível de interpretações indevidas. Ao revés, devem os tipos penais primar

pela constrição de seu alcance, ainda que providos de balizas interpretativas


(como ocorre com os elementos objetivos normativos, sujeitos ao juízo de

valoração pelo magistrado), evitando excessos ou desvios em sua aplicação.

Destarte, a existência de tipos penais excessivamente abertos poderia atender,


formalmente, a legalidade, porém, do ponto de vista material, impõe-se a

garantia de que os tipos sejam específicos, com alcance determinado, voltados


à comportamento certo e definido.

Não se confundir, no entanto, garantia formal e material com legalidade formal


e material.

LEGALIDADE FORMAL E MATERIAL

Sob o viés material, a legalidade diz respeito ao conceito material de crime, ou


seja, aquele entendido pela sociedade como comportamento merecedor se

censura, mediante a cominação de sanção penal. Por outro lado, a legalidade


formal decorre da concepção formal de crime, conferida pelo direito, definindo-

o como comportamento previsto em lei, que ofende bem jurídico tutelado,


passível se sofre a respectiva sanção penal cominada.

Por certo, a concepção formal de legalidade é mais segura, em detrimento da


concepção material, porquanto restrita aos exatos termos daquilo o que a lei

definir como crime.


LEITURA COMPLEMENTAR

No Direito Penal, o princípio da legalidade se manifesta pela locução nullum crimen


nulla poena sine previa lege, prevista no artigo 1º, do Código Penal brasileiro, segundo

o qual não há crime sem lei anterior que o defina, nem há pena sem prévia cominação
legal.

Além do status lege, o princípio também tem força constitucional.

Nesse sentido, a Constituição da República consagrou-o no art. 5º, inciso XXXIX, que
aduz "não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação

legal" (princípio da legalidade e princípio da anterioridade).

Portanto, trata-se de real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das


liberdades individuais.

Conforme o eminente doutrinador Luiz Régis Prado[1], o princípio da legalidade

também rege a medida de segurança, sob pena de comprometer, seriamente, direitos


e garantias individuais constitucionalmente assegurados.

Ademais, algumas regras se destacam na análise dos critérios a que se sujeita a


intervenção penal para que se respeito o princípio da legalidade em toda a sua

extensão.

Primeiramente a reserva legal estabelece a legalidade apresentando a fonte do direito


penal. Somente lei em sentido estrito pode legislar sobre matéria penal. O sentido de

tal restrição pode ser indicado por pelo menos duas justificativas: apenas os indivíduos
que representam os cidadãos, ou seja, que conduzem o Estado (parlamento) podem

restringir a liberdade, isto impede os juízes de criarem as normas. Outrossim, o


processo legislativo permite interferência e repercussão popular (teoricamente) na

elaboração da lei incriminadora.


Trata-se de legalidade em sentido estrito. Isso representa que apenas a lei como
espécie normativa específica pode dispor a esse respeito, não se admitindo que

nenhuma outra o faça, exceto por delegação expressa no caso das “leis penais em
branco”. Sobre estas, Frederico Marques ensina:

“Dentre as normas penais, existem leis incriminadoras que se denominam ‘leis

penais em branco’, porque determinam a sanctio juris, mas remetem a estatuição do


preceito a outra lei ou fonte formal do Direito. (...) Leis penais em branco, portanto,

são disposições penais cujo preceito é indeterminado quanto ao seu conteúdo, e nas

quais só se fixa com precisão à parte sancionadora”[2].

Nesse caso a norma complementar decorre diretamente da lei, que em última instância
lhe dá o suporte jurídico.

No Direito Penal o dogma da completude do Positivismo jurídico dos séculos XVIII e

XIX ainda se mostra visível, vez que não se admitem lacunas quanto à configuração de
tipos criminais (criminalização) ou no que concerne à descrição das condutas que os

caracterizam (tipicidade). Não há vazios desse tipo nem mesmo nas referidas “leis
penais em branco”, pois o conteúdo nelas ausente é preenchido por outra lei ou fonte

formal do próprio sistema. Inexistente a previsão legal, o juiz não questiona se falta lei
ou direito: conclui inexoravelmente que não há crime.

O raciocínio, portanto, é positivista, de simples subsunção: uma vez que o fato


corresponda à hipótese descrita em lei, há crime a ser sancionado; do contrário, o

comportamento não tem implicação na ordem jurídica.

Claro que não se excluem lacunas axiológicas, antinomias e falhas do sistema e, por
conseguinte, a necessidade de interpretação e de integração. Porém, é remota a

possibilidade de aplicação do artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro,


o qual prevê que na omissão da lei o juiz deve decidir conforme a analogia, os costumes

e os princípios gerais de Direito. Como explica Frederico Marques:


“(...) esse preceito, ao incidir sobre o Direito Penal, encontra de início o princípio de
reserva que proíbe qualquer incriminação sem prévia definição da lei. Donde concluir-

se que a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito não


podem criar novas figuras delituosas, nem tampouco penas ou sanções jurídicas:

nesse terreno, o Direito Penal não apresenta lacunas porque tudo aquilo
que não for ilícito punível em conseqüência de previsão legal explícita deve ser

considerado como ato penalmente lícito”[3].

Para a íntegra do texto, segue link abaixo:


O Princípio da Legalidade no Direito Penal

LEGISLAÇÃO
Constituição Federal
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático


de Direito e tem como fundamentos:

(...)
III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
legal;

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:


I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico,
espacial e do trabalho;

JURISPRUDÊNCIA

DIREITO PENAL - PROCESSO PENAL - ARTIGO 273, § 1º-B, INCISO I e V, DO CÓDIGO


PENAL - A NORMA PENAL SUPOSTAMENTE INFRIGIDA PERMANECE VÁLIDA EM SUA

INTEGRALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO - ANALOGIA COM A PENA DE

TRÁFICO - NULIDADE DA SENTENÇA. 1 - O Magistrado reconheceu autoria,


materialidade e dolo, condenou o réu pela prática do delito previsto no art. 273, §

1ºB, I e V do Código Penal, mas tomou como base a pena mínima de 5 (cinco) anos
prevista para o delito de Tráfico de Drogas, conforme o art. 33 da Lei n.º 11.343/2006,

argüindo que a pena mínima de 10 (dez) anos de reclusão, estabelecida pelo


legislador, referente ao delito de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de

produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, previsto no art. 273 do Código


Penal, fere os princípios da humanidade e da proporcionalidade. 2 - Não é possível

utilizar o preceito secundário de outra norma penal para corrigir suposta


desproporcionalidade do legislador, pois tal procedimento fere o princípio da estrita
legalidade previsto no art. 5º XXXIX da Carta Magna e no art. 2º do Código Penal,
resultando em sentença nula, já que se utiliza pena diversa da prevista em lei,

convertendo o Judiciário em legislador positivo. 3 - Não pode Juiz atuar como


legislador positivo, por mais excepcional que seja o caso e por mais razoável que seja

a analogia feita. A lei não deixou lacunas a serem supridas pelo julgador. Se o
Magistrado se convenceu da desproporcionalidade do critério adotado pelo

legislador no preceito secundário da norma penal ao fixar da pena por ferir o princípio
da isonomia e razoabilidade das leis deve declarar, incidentalmente, a

inconstitucionalidade preceito normativo contrastante com a Constituição, deixando


de aplicá-lo ao caso concreto e, por conseguinte, absolver o réu, mas não escolher a

pena de outro delito contra a saúde pública. 4 - De ofício, anulada a r. sentença e


julgada prejudicada a apelação. Determinado o retorno dos autos à primeira instância,
para que outra decisão seja proferida, observando o princípio da estrita legalidade

previsto no art. 5º XXXIX da Carta Magna e no art. 2º do Código Penal. (Grifo nosso).

(TRF-3 - ACR: 3940 MS 2009.60.02.003940-4, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL


JOSÉ LUNARDELLI, Data de Julgamento: 17/05/2011, PRIMEIRA TURMA).

BIBLIOGRAFIA

NUCCI, Guilherme de Souza, Princípios Constitucionais Penais e Processuais


Penais. 4. ed. Rio de janeiro: Forense, 2015 – págs. 81 a 107 e 167 a 170;

NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado. 16. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2016 – nota 1-F, 4, 4-A, 5 e 8 do art. 1º;

NUCCI, Guilherme de Souza, Curso de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense,


2017. Vol. 1, págs. 70 a 72.
Aula IV – Anterioridade

TEXTO

Com previsão expressa contigua ao Princípio da Legalidade, no art. 5º, XXXIX,


da Constituição Federal, a Anterioridade estabelece que as leis incriminadoras

só podem ser aplicadas para fatos póstumos, portanto praticados após o início
de sua vigência.

Este princípio é vital para a eficácia da Legalidade, garantindo prévia ciência


aos destinatários, quanto aos comportamentos definidos como ilícitos, bem
como a respectiva reprimenda a eles cominada, permitindo que, munidos
desse conhecimento, optem por infringir ou não a norma incriminadora.

Por certo, a missão da Anterioridade é conferir ao sujeito a proteção contra


abusos pelo Estado, assegurando que não se crie sanção especificamente
voltada a determinado comportamento pretérito.

Em verdade, restaria inócuo restringir a atuação do Estado aos casos


disciplinados em lei, se esta pudesse retroagir aos fatos já praticados, assim
ensejando a imposição de reprimenda, até então sequer prevista. Fosse assim,

estaríamos admitindo a vulnerabilidade do cidadão, uma vez sujeito a


incertezas e imprevisões quanto a proibição de seus atos.

1
Justamente para evitar tal disparate, segue-se a regra imposta pela
Anterioridade, segundo a qual a lei incriminadora tem alcance limitado,
compreendendo somente os fatos praticados após a sua concepção.

1 Em aula destacada, estudaremos a exceção quando tratarmos da extratividade da lei penal benéfica
Em última análise, depreende-se que a Anterioridade confere segurança
jurídica ao cidadão, impedindo que seja responsabilizado por algo

concretamente perpetrado, quando ainda não regulamentado.

ANTERIORIDADE EM RELAÇÃO A SANÇÃO

Repetindo o preceito constitucional, o art. 1º do Código Penal prevê, ao final,


que não há pena sem prévia cominação legal, garantindo não ser a
anterioridade característica exclusiva da previsão do comportamento típico,

mas também da cominação das reprimendas.

Nesse passo, a Anterioridade determina o dever de cientificar ao sujeito não


apenas o comportamento vedado pela norma, mas a respectiva resposta penal

conferida, em caso de descumprimento.

Ademais, impõe a fixação prévia dos limites mínimo e máximo das penas,
dispondo acerca da longevidade pela qual pode se estender a limitação da
liberdade do infrator, pelo Estado.

Como cediço, não pode o Estado cercear a liberdade do sentenciando por


prazo indeterminado, uma vez inadmissível a existência de título judicial penal
incerto. Em outras palavras, as sentenças condenatórias devem respeitar as

balizas legais, fixando reprimendas por tempo certo, assim determinadas de


acordo com a previsão anterior contida em lei.

Sob esse aspecto, diversas críticas são levantadas quanto a ausência de prazo
máximo de execução das medidas de segurança, uma vez extensíveis por
período indeterminado aos inimputáveis, embora conferidas em razão da
prática de determinada infração, para qual são previstos limites legais de
cerceamento pelo Estado.

Por fim, não só em relação aos limites temporais, mas também quanto as
espécies de sanções cominadas, a Anterioridade deve ser respeitada, não se
podendo estipular reprimenda distinta daquela (s) cominada (s) para a prática

delitiva.

Em síntese, acerca das sanções, igualmente a Anterioridade funciona como


vetor para a efetivação da Legalidade, restringindo a imposição das

reprimendas àquelas previamente cominadas aos tipos penais incriminadores.

LEITURA COMPLEMENTAR

1. O Direito Penal Simbólico – conceito e efeitos

O Direito Penal Simbólico é aquele que tem uma "fama" de ser rigoroso demais e por
esse motivo acaba sendo ineficaz na prática, por trazer meros símbolos de rigor

excessivo que, efetivamente, caem no vazio, diante de sua não aplicação efetiva,
justamente pelo fato de ser tão rigoroso. Hoje em dia, o Brasil passa por uma fase onde

leis penais de cunho simbólico são cada vez mais elaboradas pelo legislador
infraconstitucional. Essas leis de cunho simbólico, de acordo com a jurista Ada Pellegrini

Grinovver, trazem uma forte carga moral e emocional, revelando uma manifesta
intenção pelo Governo de manipulação da opinião pública, ou seja, tem o legislador

infundindo perante a sociedade uma falsa ideia de segurança.

Não se pode deixar de falar aqui sobre a teoria do Abolicionismo Penal que

desenvolveu-se principalmente na Europa, tendo como marca o seu posicionamento


extremo. O abolicionismo Penal revelou-se como o meio mais radical de enfrentar a
realidade do Direito Penal, tendo sua doutrina pregado a substituição do Direito Penal

por outras formas não punitivas de solução dos delitos praticados. A doutrina do
Abolicionismo penal preconiza que o Direito Penal, não é o único meio de repressão a

violência, pois que apenas impõe punição, conforme ensinamentos do Professor


Tourinho Filho.

Não se pode deixar passar que apesar do abolicionismo ter fracassado nos países onde

surgiu (Escandinavos e Holanda), sua grande contribuição é a humanização defendida

em face da falência do direito de punir do Estado, que se mostrou incompetente em


ressocializar o infrator e de lhe possibilitar um cumprimento de pena digno à sua

qualidade de ser humano.

Na realidade, o processo penal tem uma função garantista dada ao cidadão de que
todos os direitos previstos na Constituição lhe serão assegurados, pois de nada

adianta, v.g., assegurar-lhe o direito de ampla defesa como todos os meios e recursos
a ela inerentes (cf. art. 5º, LV) se a sanção penal lhe foi aplicada sem que pudesse se

defender dos fatos que lhe foram imputados; se sequer foi citado para responder a
acusação; ou, por último, se foi condenado por fato diverso do que constava na

denúncia ( ensinamentos de Claus ROXIN).

O que é importante entender na verdade é que os termos "simbólico", "símbolo",


"simbolismo" etc. são, inegavelmente, utilizados nas mais diversas áreas da produção

cultural do homem, freqüentemente sem que houvesse qualquer necessidade de uma


definição prévia, uma vez que se trata de expressões de significado bastante evidente,

ou seja, unívoco, partilhado de forma universal, em que pese algumas opiniões

divergentes.

Sobre o assunto ROXIN diz:

“Assim, portanto, haverá de ser entendida a expressão "direito penal simbólico", como
sendo o conjunto de normas penais elaboradas no clamor da opinião pública,
suscitadas geralmente na ocorrência de crimes violentos ou não, envolvendo pessoas
famosas no Brasil, com grande repercussão na mídia, dada a atenção para casos

determinados, específicos e escolhidos sob o critério exclusivo dos operadores da


comunicação, objetivando escamotear as causas históricas, sociais e políticas da

criminalidade, apresentando como única resposta para a segurança da sociedade a


criação de novos e mais rigorosos comandos normativos penais.”

É natural, desta forma que entre as principais necessidades e aspirações da sociedade

humana, erija-se a segurança jurídica como uma das mais importantes, pois sabe-se

que o convívio dos homens entre si gera sempre conflitos. Tais conflitos, como a própria
história já demonstrou, necessitam ser equacionados e solucionados, tendo o direito

como principal finalidade a dirimência dos conflitos existentes na sociedade, visando


dar garantia e segurança aos indivíduos, restabelecendo a ordem e mantendo o

equilíbrio social.

Daí porque não há pessoa, grupo social, entidade pública ou privada, que não tenha
necessidade de segurança, para atingir seus objetivos e até mesmo de sobreviver, pois

é certo que uma sociedade sem direito, sem normas, sem leis, não possui segurança e
corre grande risco. Alguns, contudo, pelo fato de ser quase unânime o reconhecimento

dessa necessidade, passaram a considerar a segurança como um dos objetivos


fundamentais da ordem social, relegando outros valores tão ou mais importantes para

segundo plano.

2. O Direito Penal Mínimo e o Intervencionismo Penal

O penalista e doutrinador Paulo Queiroz diz:

“Dizer que a intervenção do Direito Penal é mínima significa dizer que o Direito Penal

deve ser a 'ultima ratio, limitando e orientando o poder incriminador do Estado,


preconizando que a criminalização de uma conduta somente se justifica se constituir

um meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. O Direito Penal


somente deve atuar quando os demais ramos do Direito forem insuficientes para
proteger os bens jurídicos em conflito.”

Pelo Direito Penal Mínimo se outras formas de sanção ou controle social forem eficazes

e suficientes para a tutela dos bens jurídicos, a sua criminalização não é recomendável
conflitando com um Direito Penal simbólico que atualmente se insere no ordenamento

jurídico pátrio.

No atual contexto brasileiro, de um Estado Democrático de Direito, é difícil negar que

o Direito Penal mais coerente seja o chamado Direito Penal Mínimo. Ou seja, um Direito
Penal assentado nas máximas garantias constitucionais; sobretudo, nos princípios

basilares advindos, expressa ou implicitamente, da Carta Magna, tais como: o princípio


da dignidade da pessoa humana (base de todos os outros), o princípio da intervenção

mínima, princípio da ofensividade, princípio da insignificância, princípio da legalidade,


dentre tantos outros.

Assim, de acordo com Callegari, se faz necessária uma efetiva descriminalização de

certos tipos penais que realmente não afrontam bens jurídicos importantes. A
manutenção desses tipos incriminadores, de pouca relevância, só atrapalha a atividade

policial, que ao invés de estar atuando nos casos de real importância, perde seu tempo
com verdadeiras bagatelas; também, o exercício da Justiça Criminal, que se mantém
emperrada devido ao grande número de processos versando sobre questões
irrelevantes.

O renomado professor Callegari diz:

“Haja vista que o Direito Penal lida com o bem jurídica liberdade, um dos mais
importantes dentre todos, nada mais lógico do que esse ramo do Direito obrigar-se a

dispor das máximas garantias individuais. E mais, conhecendo o nosso sistema


carcerário, fica claro que só formalmente a atuação do Direito Penal restringe-se à

privação da liberdade. Na prática, a sua ação vai mais além, afetando, muitíssimas vezes,
outros bens jurídicos de extrema importância, como a vida, a integridade física e a
liberdade sexual, verbi gratia; uma vez que no atual sistema prisional são freqüentes as
ocorrências de homicídios, atentados violentos ao pudor, agressões e diversos outros

crimes entre os que ali convivem.”

Também, por esses mesmos motivos que já foram citados não podem
indubitavelmente fazer parte da tutela do Direito Penal as pequenas ofensas, devendo

ser observado ao máximo o seu caráter subsidiário . Estas pequenas infrações devem
passar a ser protegidas por outros ramos do Direito, menos gravosos, como o Direito

Administrativo, Direito Civil, dentre outros. No entanto, ao passo que haja a

implementação de um Direito Penal mínimo, não se pode descuidar de suas principais


missões. Entre estas, por exemplo, está uma das mais importantes, que é a de se conter

a vingança privada. Uma vez que o Estado passa a assumir o monopólio do castigo, o
que se espera é evitar-se a imposição desse castigo pelos particulares.

Callegari ainda diz:

“Acontece que quando o Estado, através do Direito Penal, único ramo do ordenamento

jurídico competente para cuidar da cominação de penas, passa a descuidar-se desse


aspecto, dá lugar às crescentes investidas violentas por parte dos indivíduos na suposta

realização de justiça. Na atualidade, os inúmeros casos de linchamentos que vêm


acontecendo constantemente, assim como as incontáveis ações dos chamados grupos
de extermínio, demonstram que o Direito Penal atual não está, ao menos de forma
eficiente, cumprindo sua missão de contenção da violência privada.”

O sistema de execução penal brasileiro, e o mesmo ocorre a nível mundial, conserva


desde sua origem, a privação da liberdade como seu maior elemento estruturador. Ou

seja, na grande maioria dos casos não há pena sem que se leve em conta a privação da
liberdade De longa data pensadores, juristas, pessoas e instituições defensoras dos

direitos humanos alertam para o que hoje vemos acontecer, a falência da estrutura de
execução penal. A sociedade acaba pr ficar insegura e vítima constante da violência

urbana, assiste estarrecida às horríveis cenas protagonizadas pelos seus "algozes" que,
em cumprimento de pena, devem retornar, no final, ao seu convívio.
Quanto à alternatividade de penas, Callegari afirma:

“Desde muito assistimos sua aplicação e, nosso estado, mantendo a tradição de


vanguarda no panorama jurídico nacional, já as tem utilizado em larga escala,

proporcionando que muitos apenados, ao invés de superlotarem os presídios cumpram


suas penas em regime de liberdade, exercendo atividades laborais junto a empresas e

instituições integrantes ou não do governo.”

Quanto ao fato da descriminação, esta já tem merecido certa atenção e maior destaque

receberá, pelo ineditismo e pela incógnita que é. Excluir a criminalidade de condutas


implica em revisar o conceito de crime, de tal maneira que o que hoje é considerado

crime, amanhã, não o será. Que critérios devem ser utilizados para isso é o grande
questionamento do momento.

Para a íntegra do texto, segue link abaixo:

O Direito Penal simbólico, o Direito Penal mínimo e a concretização do garantismo

penal

LEGISLAÇÃO
Constituição Federal

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-

se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à


vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação

legal.

Código Processo Penal – CPP (Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941)

Art. 1o O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código,
ressalvados:
I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional;

II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de


Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do

Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade (Constituição, arts. 86, 89,
§ 2o, e 100);

III - os processos da competência da Justiça Militar;

IV - os processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122,


no 17);

V - os processos por crimes de imprensa. (Vide ADPF nº 130)

Parágrafo único. Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos referidos nos
nos. IV e V, quando as leis especiais que os regulam não dispuserem de modo diverso.

JURISPRUDÊNCIA

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. RECURSO MINISTERIAL. PROGRESSÃO DE REGIME.


FALTA GRAVE. REINÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PARA CONCESSÃO DO

BENEFÍCIO A CONTAR DA ÚLTIMA FALTA GRAVE. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS


COMETIDO ANTERIORMENTE À LEI 8072/90. PRÁTICA DE NOVO CRIME DE TRÁFICO,

AGORA NA VIGÊNCIA DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS. NÃO CONFIGURAÇÃO DA


REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA EM CRIME DE NATUREZA HEDIONDA. PRINCÍPÍO DA

ANTERIORIDADE DA LEI PENAL. POSSIBILIDADE, EM TESE, DE OBTENÇÃO DO


LIVRAMENTO CONDICIONAL, APÓS CUMPRIMENTO DE 2/3 DA PENA DA SEGUNDA

CONDENAÇÃO. 1. O condenado que cometer falta grave e estiver em regime fechado,


sem possibilidade de regredir para regime mais severo, hipótese em tela, ficará sujeito

ao efeito secundário de regressão, qual seja, à interrupção do tempo para fins de


progressão de regime, conforme interpretação dos artigos 112 e 118 da Lei de

Execucoes Penais. 2. Pretende o agravante que o agravado não mais possa se


beneficiar do livramento condicional com o cumprimento de 1/6 da pena, eis que
seria reincidente específico em delitos da mesma natureza, embora tenha somente o
2º delito sido cometido sob a égide da Lei 8072/90, na qual foram enumerados os

crimes hediondos e assemelhados, dentre eles, o tráfico ilícito de entorpecentes.


Aplicação do princípio da anterioridade da lei penal. 3. Verifica-se que, para efeito de

cálculo para aquisição do benefício do livramento condicional, tem-se que a


encampação do entendimento exposto em razões recursais resultaria,

inexoravelmente, em ilegalidade, na medida em que o 1º delito foi cometido


anteriormente à lei 8072/90, que enumerou os crimes hediondos e assemelhados,

dentre eles o tráfico ilícito de entorpecentes. Assim, a condenação no crime de tráfico


(2º delito) sob a égide deste diploma legal não faz do agravado reincidente específico

em crimes dessa natureza, conforme referido no art. 83, V, do CP, embora ostente ele
condição de reincidente específico, sem a qualificação da hediondez, face ao princípio
da anterioridade da lei penal. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.

(TJ-RJ - EP: 00082312620148190000 RJ 0008231-26.2014.8.19.0000, Relator: DES.

CLAUDIO TAVARES DE OLIVEIRA JUNIOR, Data de Julgamento: 26/03/2014, OITAVA


CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 28/03/2014 12:05).

BIBLIOGRAFIA

NUCCI, Guilherme de Souza, Princípios Constitucionais Penais e Processuais


Penais. 4. ed. Rio de janeiro: Forense, 2015 – págs. 118 a 119;

NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado. 16. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2016 – nota 1-F e 6 do art. 1º;

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