Você está na página 1de 20

Rafael Simonetti Bueno da Silva

Graduado pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).


Participou de curso de aperfeiçoamento em Direito Penal e
Processual Penal na Universidade de Göttingen/Alemanha e do
I Seminário Hispano‐Brasileiro de Direito Processual Penal na
Universidade Complutense de Madrid.
Promotor de Justiça do estado de Goiás
com atribuição na área de combate à corrupção e no Tribunal do Júri.

O TRATAMENTO DA PROVA NO ÂMBITO DO


PROCESSO PENAL MODERNO

PROOF TREATMENT WITHIN THE MODERN CRIMINAL PROCESS

EL TRATAMIENTO DE LAS EVIDENCIAS EN EL MODERNO PROCESO PENAL

35

Resumo:
A Constituição Federal de 1988 vedou as provas obtidas por meios ilícitos, entendendo‐se como tais,
aquelas obtidas de forma contrária ao direito, pouco importando se a violação concerne ao direito
material ou ao direito processual. Há que se observar, no entanto, que os direitos fundamentais
podem ser objeto de limitações, não sendo, portanto, absolutos, de modo que é necessário
reconhecer que há várias situações em que será impossível a conciliação dos interesses em jogo, pois
a proteção de determinado direito fundamental fatalmente acarretará a violação de outro bem
jurídico igualmente protegido pela Constituição Federal. É justamente neste ponto que se ingressa
na análise do princípio da proporcionalidade e das suas consequências jurídicas.

Palavras‐chave:
Constituição Federal, direitos fundamentais, princípio da proporcionalidade.

RAFAEL SIMONETTI BUENO DA SILVA


Abstract:
The Brazilian Constitution of 1988 prohibited evidence obtained by illicit means, namely, that
obtained against the law, regardless of whether the violation concerns material or procedural law.
It should be noted, however, that fundamental rights may be subject to limitations, and are
therefore not absolute, thus making it necessary to recognize several situations in which it will be
impossible to reconcile the interests at stake, since the protection of a certain fundamental right it
will inevitably result in the violation of another legal asset equally protected by the Federal
Constitution. Precisely at this point that we begin to analyze the principle of proportionality and its
legal consequences.

Keywords:
Federal Constitution, fundamental rights, principle of proportionality.

Resumen:
La Constitución Federal de 1988 prohíbe las evidencias obtenidas por medios ilícitos, las cuales se
obtuvieron en contra de la ley, independiente si la violación se refiere a la ley material o procesal.
Cabe señalar que los derechos fundamentales pueden estar sujetos a limitaciones y, por lo tanto, no
son absolutos, y que es necesario reconocer que hay varias situaciones en las que será imposible
conciliar los intereses en juego, ya que la protección de un cierto derecho fundamental
inevitablemente resultará en la violación de otro activo legal igualmente protegido por la
Constitución Federal. En este punto se empieza el análisis del principio de proporcionalidad y sus
consecuencias legales.

Palabras clave:
Constitución Federal, derechos fundamentales, principio de proporcionalidad.
36

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS


INTRODUÇÃO

Quando se está diante de um modelo constitucional democrático como o vigente no Brasil, o


direito à prova revela‐se como um direito fundamental do cidadão, essencial à conformação do direito
ao processo justo e não arbitrário.

Nesse modelo constitucional,

a prova vincula‐se à verdade e à certeza, que se ligam à realidade, todas voltadas, entretanto, à
convicção de seres humanos. O universo no qual estão inseridos tais juízos do espírito ou
valorações sensíveis da mente humana precisa ser analisado tal como ele pode ser e não como
efetivamente é. (NUCCI, 2015, p. 18)

Há que se distinguir, neste ponto, os conceitos de verdade e certeza, inserindo‐ se o primeiro


na conformidade da noção ideológica com a realidade, cuja crença na percepção desta conformidade
é a certeza. Com esse raciocínio, certeza e verdade nem sempre coincidem, pois, como leciona Carrara
(1944, p. 291, tradução nossa), “a certeza está em nós; a verdade está nos fatos”.

Por outro lado, a existência de uma distinção entre dois tipos de verdade – a material, objetiva,
real etc. e a formal, subjetiva, processual, judicial etc. – exige uma releitura interpretativa, sob pena de
se buscar uma falsa saída para o dilema, nos moldes do que já era apresentado por Francesco Carnelutti,
na década de 1940. A noção de verdade formal, para o autor italiano,

não é mais do que uma metáfora, sem dúvidas; em realidade, é fácil observar que a verdade
não pode ser senão uma, de forma que a verdade formal ou jurídica ou coincide com a verdade
material, e não é mais que verdade, ou diverge dessa, e não é mais do que uma não verdade 37
[...]. (CARNELUTTI, 1947, p. 29‐30, tradução nossa)

O que se propõe, portanto, no âmbito processual, é construir, no espírito do magistrado, uma


escolha provável e fundamentada de que a verdade corresponde aos fatos alegados pela parte,
formando a sua convicção por meio da análise das provas. Porém, há que se reconhecer uma utopia na
busca da verdade absoluta, pois nos dizeres de Vladimir Aras (2001),

o que importa observar é que nunca será possível reconstruir inteiramente o iter criminis,
porquanto por parte dele se processa no mundo subjetivo, na mente do delinquente, sendo
inalcançável pelo julgador e pelo Ministério Público, mesmo diante da confissão.

Há que se trabalhar, de fato, com o conceito de probabilidade, haja vista, repita‐ se, a
impossibilidade de um conceito de verdade absoluta. Como bem leciona Aury Lopes Jr. (2011, p. 520),

o juiz “elege” versões (entre os elementos fáticos apresentados) e até o significado (justo) da
norma. Esse “eleger” é inerente ao “sentire” por parte do julgador e se expressa na valoração
da prova (crença) e na própria axiologia, incluindo a carga ideológica, que faz da norma (penal
ou processual penal) aplicável ao caso.

Dallagnol (2015, p. 266‐267) acrescenta:

Quando se fala de verdade no processo (processual, relativa, jurídica, material etc.) não está se
tratando de verdade. Quando se trata de certeza, também não se está tratando quer da
incapacidade de duvidar, quer de infalibilidade. O que existe é, sim, uma escolha ou adoção da
hipótese mais provável como aquilo que (supostamente) aconteceu, num passo de fé.

RAFAEL SIMONETTI BUENO DA SILVA


Desse modo, no âmbito do contexto probatório do processo penal, há que se ter a devida
cautela ao tratar de conceitos como “verdade” ou “certeza”, pois há o risco de se vincular tais
expressões a uma segurança jurídica inexistente, no sentido de que somente a verdade real e a certeza
probatória podem trazer a exata sensação de realização de justiça no caso concreto.

O que se quer demonstrar, neste ponto, é que se deve trabalhar com uma escolha razoável,
adotando‐se, dentro de um determinado contexto processual, uma hipótese provável, que consiga
identificar a dinâmica dos fatos. Em outras palavras,

a adoção do standard de prova acima da dúvida razoável traduz o alto grau de probabilidade
necessário a produzir a certeza pessoal (convicção) que se exige para fins de condenação no
processo penal (guilty beyond a reasonable doubt), afinal, havendo provas suficientes do fato
criminoso praticado – e não, frise‐se, prova plena, cabal ou absoluta –, deve o acusado ser
condenado. (REIS, 2018)

Avançando nesse contexto, para se chegar à formação de uma prova para além de uma dúvida
razoável – beyond a/any reasonable doubt –, faz‐se necessário o rigoroso cumprimento das regras
constitucionais vigentes, afastando‐se qualquer abuso que viole as garantias fundamentais do indivíduo,
com destaque especial às garantias do contraditório e da ampla defesa. Neste ponto, é imperioso
destacar o ensinamento de Muñoz Conde (2007, p. 115), segundo o qual, no processo penal, a busca da
verdade está limitada pelo devido respeito às garantias que têm incluso o caráter de direitos humanos
reconhecidos como tais em todos os textos constitucionais e leis processuais.

O autor italiano Luigi Ferrajoli (2006, p. 38) acrescenta:

38 É evidente que esta pretendida “verdade substancial”, ao ser perseguida fora de regras e
controles e, sobretudo, de uma exata predeterminação empírica das hipóteses de indagação,
degenera em juízo de valor, amplamente arbitrário de fato, assim como o cognitivismo ético
sobre o qual se baseia o substancialismo penal resulta inevitavelmente solidário com uma
concepção autoritária e irracionalista do processo penal.

Há que se atentar, ainda, para a observância estrita dos direitos fundamentais, pois a
Constituição Federal assinala, em seu art. 5º, inciso LVI, que “são inadmissíveis, no processo, as provas
obtidas por meios ilícitos” (BRASIL, 1988).

A PROVA ILEGAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS NO PROCESSO PENAL

A Constituição vedou as provas obtidas por meios ilícitos, entendendo‐se como tais aquelas
obtidas de forma contrária ao direito, pouco importando se a violação concerne ao direito material ou
ao direito processual.

Em sintonia com o dispositivo constitucional, o art. 157 do Código de Processo Penal (CPP)
complementa que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais” (BRASIL, 1941).

O ensinamento das normas acima transcritas impede que o seu aplicador se afaste da
observância dos direitos e das garantias fundamentais, com exigência de que “o processo só pode fazer‐
se dentro de uma escrupulosa regra moral, que rege a atividade do juiz e das partes” (GRINOVER;
FERNANDES; GOMES FILHO, 2009, p. 121). Deveras, seria de todo contraditório que, em um processo
criminal, destinado à apuração da prática de um ilícito penal, o próprio Estado se valesse de métodos

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS


violadores de direitos, comprometendo a legitimidade de todo o sistema punitivo, pois ele mesmo
estaria se utilizando do ilícito penal (GOMES FILHO, 1997, p. 99).

Sob esse aspecto, apesar de a Constituição vigente prever expressamente a inadmissibilidade


da utilização no processo de provas obtidas por meios ilícitos, conforme frisado acima, não consta no
texto constitucional qualquer conceito de prova ilícita, tampouco regramento legal acerca das
consequências de sua utilização no processo.

Dessa forma, a partir da proposta teórica de Pietro Nuvolone (1966, p. 442‐475)1, há que se fazer
uma distinção para conceituar prova ilegal e distinguir as provas obtidas por meios ilícitos daquelas
obtidas por meios ilegítimos:

Nesse prisma, a prova será considerada ilegal sempre que sua obtenção se der por meio de
violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, de natureza material ou
processual. Prova obtida por meios ilegais deve funcionar como gênero, do qual são espécies
as provas obtidas por meios ilícitos e as provas obtidas por meios ilegítimos. (LIMA, 2016, p. 609)

Prossegue o professor Renato Brasileiro de Lima (2016, p. 609):

A prova será considerada ilícita quando for obtida através da violação de regra de direito material
(penal ou constitucional). Portanto, quando houver a obtenção de prova em detrimento de
direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos, independentemente do processo, a
prova será considerada ilícita. [...]. Exemplificando, se determinado indivíduo for constrangido
a confessar a prática do delito mediante tortura ou maus‐tratos, tem‐se que a prova aí obtida
será considerada ilícita, pois violado o disposto no art. 5º, inciso III, da Constituição Federal.
[...] 39
De seu turno, a prova será considerada ilegítima quando obtida mediante violação à norma de
direito processual. A título de exemplo, suponha‐se que, ao ouvir determinada testemunha, o
magistrado se esqueça de compromissá‐la. Assim o fazendo, incorreu em violação à regra do
art. 203 do CPP, dispositivo este que obriga o juiz a compromissar a testemunha. Em outro
exemplo, no curso de audiência una de instrução e julgamento, o magistrado pede à vítima que
realize o reconhecimento do acusado. A vítima, então, olhando para trás, aponta o acusado
como o suposto autor do delito, o que fica registrado na ata de audiência. Como se vê, tal
reconhecimento foi feito ao arrepio do art. 226 do CPP, que traça o procedimento a ser
observado na hipótese de reconhecimento de pessoas e coisas. Em ambas as situações, temos
exemplos de provas obtidas por meios ilegítimos, porquanto colhidas com violação à regra de
direito processual.

Ainda, há doutrinadores que apontam a existência da prova obtida por meios ilícitos e ilegítimos,
simultaneamente. Tal situação ocorre quando a prova é obtida mediante violação simultânea à norma
de direito material e processual. A título de exemplo, podemos citar uma busca e apreensão domiciliar
cumprida por uma autoridade policial, independentemente de prévia autorização judicial, tampouco
situação de flagrante delito. Nessa hipótese, haverá violação de norma material, na medida em que a
conduta é prevista como crime de abuso de autoridade, assim como infringência da norma processual
que prevê os requisitos para a realização de busca e apreensão domiciliares (CPP, arts. 240 a 250, c/c
art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal) (BRASIL, 1941, 1988; LIMA, 2016, p. 610).

1 Conferir Grinover (1982, p. 67): “Para evitar confusões terminológicas e conceituais, utilizaremos a linguagem de Nuvolone: a prova será ilegal
toda vez que caracterizar violação das normas legais ou os princípios gerais do ordenamento; de natureza processual, a prova (rectius, o meio
de prova) será ilegítima (ou ilegitimamente produzida); quando, pelo contrário, a proibição for de natureza material, a prova será ilícita (rectius
à fonte de prova será ilicitamente colhida)”.

RAFAEL SIMONETTI BUENO DA SILVA


E quais são as consequências do descumprimento de normas que acarretam o reconhecimento de
ilegalidade ou ilegitimidade de uma determinada prova produzida?

É necessário que se faça a devida distinção: se tratar‐se de uma prova ilícita, a Constituição
Federal (art. 5º, inciso LVI) e o CPP (art. 157) reconhecem como sanção processual a inadmissibilidade
dessa prova (BRASIL, 1941, 1988). Não se está tratando de nulidade da prova, mas de sua não aceitação
nos autos do processo. E, se mesmo assim, uma prova ilícita for juntada aos autos do processo, surge o
direito de exclusão. Nesse ponto, cumpre observar o previsto no § 3º do art. 157 do CPP, que dispõe:
“preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por
decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente” (BRASIL, 1941).

Complementando o raciocínio posto, caso a ilicitude da prova seja reconhecida apenas em grau
recursal, tendo favorecido a defesa, a matéria somente poderá ser examinada em recurso de apelação
interposto pela acusação (veda‐se, como sabido, a possibilidade de reformatio in pejus). De outra via, se
a prova ilícita favoreceu a acusação, não haverá necessidade de se decretar a nulidade da sentença,
desde que, suprimida a prova ilícita, decorra a absolvição do acusado. Nessa situação, o tribunal deverá
determinar o desentranhamento da prova ilícita (art. 157, § 3º do CPP) e desconsiderá‐la em seu
julgamento (BRASIL, 1941). No entanto, se, mesmo com a supressão da prova ilícita, houver elementos
que permitam a condenação, a melhor solução será a decretação de nulidade da sentença pelo tribunal
para que outra seja proferida (GOMES FILHO, 1997, p. 168).

De outro modo, quando se trata de provas ilegítimas, que são aquelas obtidas mediante violação
à norma de direito processual, tudo se resolve dentro do bojo processual, de acordo com as regras que
determinam as formas e as modalidades de produção da prova, com a sanção correspondente a cada
transgressão, que pode ser o reconhecimento de mera irregularidade, ou até mesmo uma nulidade,
40 absoluta ou relativa.

Avançando na análise da temática, é o momento de se questionar: ainda que entendido como


componente inafastável dos direitos e garantias fundamentais, o direito à prova pode ser considerado
como um direito absoluto?

Entendemos que não.

Sobre o tema, ressalta Paulo Gustavo Gonet Branco (2007, p. 230‐231):

os direitos fundamentais podem ser objeto de limitações, não sendo, pois, absolutos. [...] Até o
elementar direito à vida tem limitação explícita no inciso XLVII, a, do art. 5º, em que se contempla
a pena de morte em caso de guerra formalmente declarada.

A esse respeito, evidenciando a possibilidade de limitação dos direitos fundamentais, o Supremo


Tribunal Federal (STF) já decidiu que não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias
que se revistam de caráter absoluto,

mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio da


conveniência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos
órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que
respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. (BRASIL, 2000a., p. 20)

De acordo com Konrad Hesse (1998, p. 256):

A limitação de direitos fundamentais deve, por conseguinte, ser adequada para produzir a
proteção do bem jurídico, por cujo motivo ela é efetuada. Ela deve ser necessária para isso, o

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS


que não é o caso, quando um meio mais ameno bastaria. Ela deve, finalmente, ser proporcional
em sentido restrito, isto é, guardar relação adequada com o peso e o significado do direito
fundamental.

Porém, faz‐se necessário estar atento para que as proteções constitucionais não se tornem
frágeis sob o argumento de relativização constante de direitos fundamentais:

Afirmar que “não há direitos absolutos” e que “toda norma de direito fundamental é relativa,
passível de limitação” é extremamente perigoso, já que pode levar a uma ideia equivocada de
que as proteções constitucionais são frágeis e que podem ceder sempre que assim ditar o
“interesse público”, expressão vaga que, no final das contas, pode justificar quase tudo. [...].
Na verdade, quando a Constituição determina que “a casa é asilo inviolável do indivíduo” ou
então fala em “inviolabilidade do direito à vida” ou ainda que “é inviolável a liberdade de
consciência e de crença”, pode‐se dizer que, na grande maioria das vezes, a norma constitucional
prevalecerá, ou seja, será inflexível. A regra é a observância dos direitos fundamentais e não sua
restrição. [...]. Mesmo assim, não se pode negar que, em alguns casos, a limitação ao direito
fundamental será inevitável. O grande paradoxo é justamente este: apesar de serem os valores
mais importantes, ocupando o ponto mais alto da hierarquia jurídica, eles podem ser restringidos
caso o seu exercício possa ameaçar a coexistência de outros valores constitucionais. Se não
houvesse limites para o exercício dos direitos fundamentais, seria um verdadeiro caos. Imagine
se todos pudessem fazer o que quisessem mesmo que prejudicassem outras pessoas. Numa
situação assim, voltaríamos à lei do mais forte. Na verdade, a lei é, por essência, um instrumento
de limitação da liberdade e, ao mesmo tempo, um instrumento essencial para essa mesma
liberdade. Limitar direitos não é apenas plenamente possível como muitas vezes necessário.
(MARMELSTEIN, 2016, p. 376‐378)

Sobre o tema específico deste trabalho – provas no processo penal –, assinala o professor 41
Fernando Capez (2007, p. 36):

a proibição de provas obtidas por meios ilícitos é um princípio relativo, que, excepcionalmente,
pode ser violado sempre que estiver em jogo um interesse de maior relevância ou outro direito
fundamental com ele contrastante.

É preciso reconhecer que há várias situações em que será impossível a conciliação dos interesses
em jogo, pois a proteção de determinado direito fundamental fatalmente acarretará a violação de outro
bem jurídico igualmente protegido pela Constituição Federal.

A UTILIZAÇÃO DA PROVA ILEGAL E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO PROCESSO PENAL

É justamente neste ponto que se ingressa na análise do princípio da proporcionalidade,


originário da jurisprudência da Corte Constitucional alemã, e nas suas consequências jurídicas, pois, de
acordo com esse princípio, o objetivo da aplicação da regra da proporcionalidade, como o próprio nome
indica, é fazer com que nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões desproporcionais
(SILVA JÚNIOR, 2008, p. 24).

O princípio da proporcionalidade possui três vertentes ou subprincípios, quais sejam:

a) adequação e pertinência, que requer o seguinte questionamento: o meio escolhido foi


adequado e pertinente para atingir o resultado almejado? Analisa‐se a possibilidade de a medida levar à
realização da finalidade. Por meio do questionamento, examinamos se o meio é apto, útil, idôneo ou
apropriado para atingir ou promover o fim pretendido. A título de exemplo, digamos que a polícia, na
investigação de um crime de estupro, tenha pedido ao Poder Judiciário a quebra do sigilo bancário do
acusado para saber quanto ele tem em conta‐corrente. Em princípio, o juiz deverá indeferir a prova, pois

RAFAEL SIMONETTI BUENO DA SILVA


não há qualquer relação de meio e fim entre a elucidação do crime sexual e a restrição ao direito
fundamental em questão (privacidade financeira). O pedido não é proporcional, por ser inadequado
para os fins da investigação daquele crime. Por outro lado, se a polícia apresentar alguma justificativa
que demonstre que a quebra do sigilo será útil (adequada) à descoberta da verdade, o juiz poderá deferir
o pedido. Assim, se a movimentação financeira do acusado puder comprovar que ele fez um saque no
mesmo dia e no mesmo local do crime, a restrição ao direito fundamental ao sigilo será, em princípio,
possível no caso concreto. O importante é que exista uma relação de pertinência (meio e fim) capaz de
justificar a limitação ao direito (MARMELSTEIN, 2016, p. 382‐383).

b) necessidade, que requer o seguinte questionamento: o meio escolhido é o mais suave e ao


mesmo tempo suficiente para proteger a norma constitucional? O meio não será necessário se o objetivo
almejado puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele a um só tempo adequada e menos
onerosa. Assim, um meio será necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para
promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais, ou seja, o menos
gravoso. A título de exemplo, pode‐se citar decisão do STF no sentido de que o uso de algemas, na
condução de presos, embora, por si só, não constitua constrangimento ilegal, deve ser realizado de
forma proporcional, não abusiva, no intuito de não afetar desnecessariamente a integridade moral do
ser humano (MARMELSTEIN, 2016, p. 385).

c) proporcionalidade em sentido estrito (ponderação), que necessita do seguinte


questionamento: o benefício alcançado com a adoção da medida sacrificou direitos fundamentais mais
importantes (axiologicamente) do que os direitos que a medida buscou preservar? Em uma análise de
custo‐benefício, a medida trouxe mais vantagens ou mais desvantagens?

Para responder a essa pergunta, é necessário realizar um exercício de balanceamento ou de


42 ponderação, através do qual o jurista deverá levar em conta todos os interesses em jogo a fim
de encontrar uma solução constitucionalmente adequada, com base em argumentação
coerente, consistente e convincente. (MARMELSTEIN, 2016, p. 389)

Assim, para averiguar a proporcionalidade em sentido estrito, faz‐se necessária a utilização de


um método, denominado de “técnica da ponderação”, que consiste em um mecanismo essencial ao
equacionamento das colisões de normas constitucionais, pelo qual se busca alcançar um ponto ótimo
– eficácia ótima –, de forma que a restrição a cada um dos bens jurídicos de estatura constitucional
envolvidos seja a menor possível, na medida exata imprescindível à salvaguarda do bem jurídico
contraposto.

O princípio da harmonização ou concordância prática preconiza uma interpretação que veda o


prejuízo integral de um princípio em detrimento de outro princípio de natureza constitucional. Trata‐se
de uma tentativa de reequilibrar os valores conflitantes antes de se discutir qual bem ou valor há de ser
sacrificado.

Para José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p. 1.188):

Reduzido ao seu núcleo essencial, o princípio da concordância prática impõe a coordenação e


combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação
aos outros. O campo de eleição do princípio da concordância prática tem sido até agora o dos
direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e
bens jurídicos constitucionalmente protegidos). Subjacente a este princípio está a ideia do igual
valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de hierarquia) que impede, como solução,
o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e
condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática
entre estes bens.

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS


No entanto, reconhece‐se a existência de inúmeras situações em que será impossível a
harmonização, o equilíbrio e a compensação dos interesses que estão sendo objeto de análise, pois a
proteção de determinado direito fundamental necessariamente acarretará a violação de outro bem
jurídico igualmente protegido pela Constituição Federal.

Diante dessas situações em que o princípio da harmonização se mostra incapaz de equilibrar


os interesses em jogo, surge a necessidade de sopesamento ou ponderação propriamente dita.

Nesse sentido, são as palavras de George Marmelstein (2016, p. 400):

De fato, apesar de não existir, do ponto de vista estritamente normativo, hierarquia entre os
direitos fundamentais, já que todos estão no mesmo plano jurídico‐constitucional (princípio da
unidade da Constituição), parece inquestionável, sob o aspecto ético/valorativo, a existência de
diferentes níveis de importância dos direitos previstos constitucionalmente. Certamente, alguns
direitos “valem” mais do que outros, sobretudo diante de conflitos que podem surgir em casos
concretos, podendo, nesse aspecto, falar‐se em hierarquia axiológica entre as normas
constitucionais, incluindo‐se aí, obviamente, os direitos fundamentais.

Considerando o explanado acerca do princípio da proporcionalidade e de suas vertentes,


questiona‐se: é possível a utilização da prova ilegal no processo penal?

Aqui, há que se fazer duas distinções importantes: primeiro, tem‐se que diferenciar a utilização
da prova ilícita e da prova ilegítima. E, segundo, tem‐se que diferenciar a utilização de referidas provas
em favor do réu e em favor da sociedade.

Desse modo, é possível a utilização de uma prova ilícita em favor do réu (favor rei) ou em favor 43
da sociedade (pro societate)?

Apesar de a Constituição Federal proibir expressamente a utilização das provas obtidas por
meios ilícitos, a doutrina e a jurisprudência majoritárias vêm considerando possível a utilização das provas
ilícitas em favor do réu, quando se tratar da única forma de absolvê‐lo ou de comprovar um fato
importante à sua defesa. Neste ponto, utiliza‐se justamente a aplicação do princípio da
proporcionalidade, partindo‐se da premissa de que nenhum direito constitucional possui valor absoluto,
sendo necessário fazer o sopesamento dos direitos envolvidos para se verificar qual deve prevalecer e
qual deve ceder.

Alguns autores defendem, nessa hipótese, a aplicação da teoria da exclusão da ilicitude, doutrina
capitaneada pelo mestre Afrânio Silva Jardim, e sustentada na medida em que a conduta do réu é
amparada pelo direito e, portanto, não pode ser chamada de ilícita. Assim, o réu estaria, quando da
obtenção (ilícita) da prova, acobertado pelas excludentes da legítima defesa ou do estado de
necessidade, conforme o caso, arredando‐se, por conseguinte, a ilicitude da conduta, além de eventual
inexigibilidade de conduta diversa, com a consequente exclusão da culpabilidade, afastando‐se, em
quaisquer das hipóteses, a ilicitude da própria prova, e tornando‐se, desse modo, legítimo o seu uso no
processo. A título de exemplo, cita‐se a hipótese da conduta do réu que intercepta ligação telefônica,
sem ordem judicial, com o escopo de demonstrar sua inocência, agindo de acordo com o direito, em
verdadeiro estado de necessidade justificante2.

Nessa linha, segundo Pacelli Oliveira (2009, p. 291),

2 Nesse sentido, ver Lopes Jr. (2016, p. 412) e Rangel (2018, p. 505).

RAFAEL SIMONETTI BUENO DA SILVA


quando a obtenção da prova é feita pelo próprio interessado (o acusado), ou mesmo por outra
pessoa que tenha conhecimento da situação de necessidade, o caso será de exclusão da ilicitude,
presente, pois, uma dessas causas de justificação: o estado de necessidade. Mas mesmo quando
a prova for obtida por terceiros sem o conhecimento da necessidade, ou mesmo sem a
existência da necessidade (porque ainda não iniciada a persecução penal, por exemplo), ela
poderá ser validamente aproveitada no processo, em favor do acusado, ainda que ilícita a sua
obtenção. E assim é porque o seu não‐aproveitamento, fundado na ilicitude, ou seja, com a
finalidade de proteção do direito, constituiria um insuperável paradoxo: a condenação de quem
se sabe e se julga inocente, pela qualidade probatória da prova obtida ilicitamente, seria, sob
quaisquer aspectos, uma violação abominável ao Direito, ainda que justificada pela finalidade
originária de sua proteção (do Direito).

Ainda, são relevantes os ensinamentos de Fabiana Lemes Zamalloa do Prado (2006, p. 209),
promotora de Justiça no estado de Goiás:

a razão primordial de se admitir a prova ilícita pro reo, invocando‐se o princípio da


proporcionalidade, não reside no fato de ser o direito de defesa um direito assegurado de forma
prioritária constitucionalmente ou ser o processo penal informado pelo princípio do favor rei,
mas no fato de que, nessa hipótese, estão em jogo dois direitos constitucionalmente protegidos,
quais sejam o direito eventualmente violado na produção da prova e o direito de liberdade do
acusado, em risco de lesão, diante da possibilidade de uma condenação indevida. É a existência
de uma colisão real entre interesses igualmente protegidos pela Constituição que autoriza a
invocação do princípio da proporcionalidade, em matéria de prova ilícita pro reo.

Dessa forma, não se verifica impedimento na aplicação do princípio da proporcionalidade e de


suas vertentes em benefício do réu, a fim de que seja prolatada uma decisão que atenda aos princípios
44 da harmonização e do sopesamento/ponderação, evitando o imensurável prejuízo que a eventual
condenação de um inocente traria ao indivíduo e ao sistema jurídico em geral.

Sob outro aspecto, analisa‐se a possibilidade de utilizar, no processo penal, a prova ilícita pro
societate, o que gera intensa controvérsia doutrinária e jurisprudencial. Há que se fazer algumas
observações que se apresentam relevantes.

O primeiro aspecto a se ponderar é que o princípio da proporcionalidade, considerado em suas


três dimensões – adequação; necessidade, vedação de excesso ou insuficiência; e proporcionalidade,
em sentido estrito –, tem a função de restringir determinado direito fundamental, não somente
analisando se a medida é razoável, mas, também, fazendo com que nenhuma restrição a direitos
fundamentais tome dimensões desproporcionais.

Em interessante artigo intitulado “Apontamentos sobre o princípio da proporcionalidade na


Alemanha e no Brasil: aplicações ao direito midiático”, a juíza de direito no estado de São Paulo Heliana
Maria Coutinho Hess, com a colaboração de Rodolfo Mazzini Silveira (2017, p. 279‐280), pontua que

a interpretação do princípio da proporcionalidade das normas e princípios, segundo Martin


Borowski, pode ser feita por meio de quatro principais modelos categóricos: interpretação literal
ou linguística, interpretação genética ou da vontade do legislador, interpretação sistemática e
interpretação objetiva. A primeira, literal, parte da descrição linguística dos termos, da análise
semântica e da literalidade da terminologia empregada na norma jurídica. A segunda, genética
ou subjetivo‐teleológica, parte da vontade embutida na norma pelo legislador primário e o fim
que pretenda alcançar com a disposição da regra positiva. A terceira, sistemática, possui
elementos que estão de acordo com o fim objetivo e outros subjetivos do bem jurídico tutelado;
esta também é a conjugação da interpretação semântica e material da norma, para produzir
coerência material dos princípios que se colidem. E, por último, a interpretação objetiva que se
prende ao objetivo da interpretação, na busca do sentido racional e jurídico da interpretação

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS


dos conceitos da norma. Para analisar o princípio da ponderação e as normas que colidem no
caso concreto, propõe o autor, e na mesma linha de raciocínio, Luis Virgílio Afonso da Silva e
Gilmar Ferreira Mendes, que sejam sopesadas e utilizadas as interpretações que são acima
descritas em conjunto com a interpretação estrutural da norma de direito fundamental, que
segue as regras da interpretação conforme a constituição. Analisa‐se o contexto fático e as
normas que podem ser aplicadas, se há regras especiais ou somente gerais e, se há um direito
subjetivo fundamental que está protegido por uma norma vinculante que melhor se adequa
pela interpretação axiológica e teleológica, no tempo e espaço, ao caso em julgamento.

Geralmente existem, portanto, pelo menos dois direitos a serem tutelados, reclamando a
adoção de um verdadeiro balanceamento de valores, com um prevalecendo sobre o outro, sendo que
é nessa operação que incide o princípio da proporcionalidade.

E, com exceção de situações bem extremadas (por exemplo, direito à vida versus direito ao
lazer), é muito difícil estabelecer, de antemão, qual o direito fundamental mais importante. Não se pode
dizer, por exemplo, que a liberdade de expressão vale menos do que o direito de intimidade ou vice‐
versa. Essa hierarquia será estabelecida sempre à luz do caso concreto, ou seja, serão as peculiares
circunstâncias de cada caso que fornecerão as bases argumentativas para descobrir qual direito
fundamental é, naquele contexto, mais importante do que o outro, através do exercício de ponderação
(MARMELSTEIN, 2016, p. 400).

Com fundamento nesse raciocínio, pode‐se afirmar que o direito à intimidade do réu deve
sempre prevalecer sobre valores supremos também preconizados pela Constituição Federal, como o
direito à vida e à segurança do cidadão?

Sobre o tema, pontua Fernando Capez (2007, p. 352): 45


Quando o conflito se estabelecer entre a garantia do sigilo e a necessidade de se tutelar a vida,
o patrimônio e a segurança, bens também protegidos por nossa Constituição, o juiz, utilizando
seu alto poder de discricionariedade, deve sopesar e avaliar os valores contrastantes envolvidos.
Suponhamos uma carta apreendida ilicitamente, que seria dirigida ao chefe de uma poderosa
rede de narcotráfico internacional, com extensas ramificações com o crime organizado. Seria
mais importante proteger o direito do preso ao sigilo de sua correspondência epistolar, do qual
se serve para planejar crimes, do que desbaratar uma poderosa rede de distribuição de drogas,
que ceifa milhões de vidas de crianças e jovens? Certamente não. Não seria possível invocar a
justificativa do estado de necessidade?

Em consonância com o argumento acima exposto, Antonio Scarance Fernandes (2012) aponta
caso concreto relativo à tentativa de fuga de presos considerados perigosos de estabelecimento
penitenciário, em que a correspondência dos presos foi violada sem prévia autorização judicial. Com a
violação da correspondência, foi descoberto o plano de fuga, bem como o objetivo de sequestrar um
juiz de direito quando todos estivessem reunidos em audiência em determinada comarca do estado de
São Paulo. A defesa contestou a admissibilidade da prova resultante de violação de correspondência
de preso sem prévia autorização judicial, tendo o STF concluído que a administração penitenciária, com
fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica,
pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único
da Lei nº 7.210/1984, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, posto
que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de
salvaguarda de práticas ilícitas (BRASIL, 1994; LIMA, 2016, p. 631‐632).

No caso narrado, estamos diante de dois direitos fundamentais contrapostos. De um lado, a


proteção ao sigilo de correspondência dos presos. De outro, a segurança do presídio e a vida do juiz de
direito. Aplicando‐se o princípio da proporcionalidade e de suas dimensões, deve o juiz sopesar qual

RAFAEL SIMONETTI BUENO DA SILVA


direito fundamental é, no caso concreto, mais importante do que o outro através de um verdadeiro
exercício de ponderação. Nos pareceu correta, portanto, a decisão da Suprema Corte.

Esse é o posicionamento, inclusive, do saudoso professor Barbosa Moreira (1996, p. 148),


segundo o qual o princípio da proporcionalidade também autoriza a utilização de prova ilícita em favor
da sociedade, por exemplo, nas hipóteses de criminalidade organizada, quando esta é superior à força
estatal, restabelecendo‐se, assim, com base no princípio da isonomia, a igualdade substancial na
persecução criminal.

Com o mesmo entendimento acerca da possibilidade de se aplicar, excepcionalmente, e diante


do caso concreto, o princípio da proporcionalidade em favor da sociedade, defende o professor
Norberto Avena (2016, p. 547):

Entendemos que, na atualidade, decorrendo a prática do crime, muitas vezes, da ação de


organizações altamente especializadas, não se pode radicalizar a incidência do princípio da
proporcionalidade a ponto de direcioná‐lo, unicamente, aos interesses do réu.

Assim, o princípio da proporcionalidade poderá ser utilizado em favor da sociedade quando


não colocar em risco a aplicabilidade potencial e finalística da própria norma da inadmissibilidade, ou
seja, quando a utilização da prova proibida não servir de estímulo à ilegalidade praticada pelo Estado.

No entanto, embora se defendam, no presente trabalho, a relatividade dos direitos


fundamentais e a necessidade de sopesamento dos valores constitucionais, considerando a existência
de diferentes níveis de importância desses direitos, tem‐se, a partir de uma leitura da jurisprudência dos
Tribunais Superiores, principalmente do STF, uma conclusão quanto à inadmissibilidade das provas ilícitas
46 pro societate com base no princípio da proporcionalidade. Nesse sentido:

prevalece o entendimento de que admitir‐se a possibilidade de o direito à prova prevalecer sobre


as liberdades públicas, indiscriminadamente, é criar um perigoso precedente em detrimento da
preservação de direitos e garantias individuais; não seria mais possível estabelecer‐se qualquer
vedação probatória, pois todas as provas, mesmo que ilícitas, poderiam ser admitidas no
processo, em prol da busca da verdade e do combate à criminalidade, tornando letra morta o
disposto no art. 5º, LXI, da Constituição Federal. (LIMA, 2016, p. 632)

Ressalta‐se, por oportuno, que não se defende a aplicação indiscriminada do princípio da


proporcionalidade a fim de tornar letra morta a previsão constitucional que veda, no processo, as provas
obtidas por meios ilícitos. A garantia fundamental da inadmissibilidade das provas ilícitas no processo
continua sendo a regra, afastando‐se a sua aplicação, com base no princípio da proporcionalidade, seja
em casos envolvendo provas ilícitas pro reo ou pro societate, em situações excepcionalíssimas, nas quais
será avaliado, repita‐se, qual das normas constitucionais em conflito deve preponderar diante do caso
concreto.

Veja‐se, a título de exemplo, um caso da Suprema Corte em que se inadmitiu o uso da prova
ilícita pro societate, com interpretação e aplicação literal do dispositivo constitucional que veda as provas
obtidas por meios ilícitos, envolvendo uma situação de pornografia infantil, quando uma pessoa,
sabendo que um homem fotografava e guardava material no qual apareciam crianças nuas e mantendo
relações sexuais, entrou em seu local de trabalho e subtraiu tais materiais:

PROVA ILÍCITA. MATERIAL FOTOGRÁFICO QUE COMPROVARIA A PRÁTICA DELITUOSA


(LEI Nº 8.069/90. ART. 241). FOTOS QUE FORAM FURTADAS DO CONSULTÓRIO
PROFISSIONAL DO RÉU E QUE, ENTREGUES À POLÍCIA PELO AUTOR DO FURTO, FORAM
UTILIZADAS CONTRA O ACUSADO, PARA INCRIMINÁ-LO. INADMISSIBILIDADE (CF, ART.
5º, LVI). [...] Qualifica‐se como prova ilícita o material fotográfico, que, embora alegadamente

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS


comprobatório de prática delituosa, foi furtado do interior de um cofre existente em consultório
odontológico pertencente ao réu, vindo a ser utilizado pelo Ministério Público, contra o acusado,
em sede de persecução penal, depois que o próprio autor do furto entregou à Polícia as fotos
incriminadoras que havia subtraído. No contexto do regime constitucional brasileiro, no qual
prevalece a inadmissibilidade processual das provas ilícitas, impõe‐se repelir, por juridicamente
ineficazes, quaisquer elementos de informação, sempre que a obtenção e/ou a produção dos
dados probatórios resultarem de transgressão, pelo Poder Público, do ordenamento positivo,
notadamente naquelas situações em que a ofensa atingir garantias e prerrogativas asseguradas
pela Carta Política (RTJ 163/682 ‐ RTJ 163/709), mesmo que se cuide de hipótese configuradora
de ilicitude por derivação (RTJ 155/508), ou, ainda que não se revele imputável aos agentes
estatais o gesto de desrespeito ao sistema normativo, vier ele a ser concretizado por ato de
mero particular. [...]. Cabe ter presente, ainda, que o princípio da proporcionalidade não pode
converter‐se em instrumento de frustração da norma constitucional que repudia a utilização,
no processo, de provas obtidas por meios ilícitos. Esse postulado, portanto, não deve ser
invocado indiscriminadamente, ainda mais quando se acharem expostos, a clara situação de
risco, direitos fundamentais assegurados pela Constituição, como ocorre na espécie ora em
exame, em que se decidiu, na esfera do Tribunal a quo, que a prova incriminadora dos ora
recorridos foi produzida, na causa penal, com ofensa às cláusulas constitucionais que tutelam a
inviolabilidade domiciliar e preservam a garantia da intimidade. (BRASIL, 2000b, p. 68)

Em outro trecho do julgado, destaca o ministro Celso de Mello:

Sob tal perspectiva, tenho como incensurável a advertência feita por ANTONIO MAGALHÃES
GOMES FILHO ("Proibição das Provas Ilícitas na Constituição de 1988", p. 249/266, in "Os 10 Anos
da Constituição Federal", coordenação de ALEXANDRE DE MORAES, 1999, Atlas): "Após dez
anos de vigência do texto constitucional, persistem as resistências doutrinárias e dos tribunais
à proibição categórica e absoluta do ingresso, no processo, das provas obtidas com violação do 47
direito material. Isso decorre, a nosso ver, em primeiro lugar, de uma equivocada compreensão
do princípio do livre convencimento do juiz, que não pode significar liberdade absoluta na
condução do procedimento probatório nem julgamento desvinculado de regras legais. Tal
princípio tem seu âmbito de operatividade restrito ao momento da valoração das provas, que
deve incidir sobre material constituído por elementos admissíveis e regularmente incorporados
ao processo. De outro lado, a preocupação em fornecer respostas prontas e eficazes às formas
mais graves de criminalidade tem igualmente levado à admissão de provas maculadas pela
ilicitude, sob a justificativa da proporcionalidade ou razoabilidade. Conquanto não se possa
descartar a necessidade de ponderação de interesses nos casos concretos, tal critério não pode
ser erigido à condição de regra capaz de tornar letra morta a disposição constitucional. Ademais,
certamente não será com o incentivo às práticas ilegais que se poderá alcançar resultado positivo
na repressão da criminalidade. (BRASIL, 2000b, p. 68)

O que se pretende demonstrar, repita‐se, não é que a aplicação do princípio da


proporcionalidade deva se tornar regra no ordenamento jurídico e servir de pretexto para todo e
qualquer caso que envolva a produção de uma prova ilícita no bojo de um processo criminal. O que se
defende, inclusive com supedâneo em abalizada doutrina sobre o tema, é que o
sopesamento/balanceamento das normas constitucionais seja feito pelo julgador levando em conta
todos os interesses em jogo, a fim de encontrar uma solução constitucionalmente adequada para o
caso concreto, sem se desviar, a um só instante, de um controle judicial legítimo e coerente.

Por tais razões que, respeitado o entendimento do eminente ministro Celso de Mello, se
discorda de seu posicionamento no julgado, pois, de um lado, se está diante de direitos fundamentais
do réu, quais sejam, a proteção constitucional de seu domicílio e de sua intimidade (art. 5º, inciso XI, da
Constituição Federal) e, de outro, tem‐se direitos fundamentais que visam a proteção de crianças e
adolescentes – que possuem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à educação, à dignidade,
ao respeito e à liberdade – além de colocá‐los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227, caput, da Constituição Federal).

RAFAEL SIMONETTI BUENO DA SILVA


O caso sob análise propõe o seguinte questionamento: em uma relação de custo‐benefício, a
medida adotada (decisão) trouxe mais vantagens ou mais desvantagens?

Não se pode concordar que os direitos do réu (proteção de seu domicílio e de sua intimidade)
possam prevalecer, não sendo sequer razoável ou proporcional – considerando que no choque
axiológico, o maior peso ou valor é o da proteção à criança ou adolescente – aceitar que o acusado na
sua defesa alegue a ilicitude da prova pelo furto ocorrido em seu estabelecimento profissional, ainda
mais quando se reconhece que tais fotos são incriminadoras e expõem graves crimes de abuso sexual
contra menores.

Imagine‐se, por exemplo, uma situação diametralmente oposta ao caso julgado pelo STF, em
que o furto do material fotográfico fosse realizado para servir de prova absolutória. Poderia ser afastada
a utilização desse material para negar a absolvição do réu, fazendo com que ele fosse eventualmente
privado de sua liberdade? Obviamente que não, pois se privilegia o direito fundamental à liberdade, não
se podendo, de antemão, afastar a aplicação do princípio da proporcionalidade, fazendo uma
interpretação literal do texto constitucional para vedar a utilização de provas ilícitas no processo penal.

Ainda sobre a decisão proferida pelo STF, destaca o professor Eugênio Pacelli Oliveira (2017, p. 379‐380):

Trata‐se de decisão da Suprema Corte, no julgamento do RE nº 251.445/GO (DJU 3.8.2000),


Relator o eminente Min. Celso de Mello, que afirmou a ilicitude e a inadmissibilidade da prova,
em razão de ter sido obtida com violação do domicílio do suposto autor. O fato envolvia crimes
de natureza sexual contra menores (registro e manutenção de fotografias pornográficas).
Acreditamos que a Suprema Corte perdeu uma grande oportunidade de aplicação do critério
da proporcionalidade. É que a aplicação da norma da vedação das provas ilícitas naquele caso
48 não cumpriu qualquer um de seus propósitos finalísticos. Ora, se a mais relevante função
desempenhada pela garantia da inadmissibilidade da prova ilícita, para além de sua dimensão
ética, é servir como fator inibitório e intimidatório de práticas ilegais por parte dos órgãos
responsáveis pela produção da prova, constata‐se que, em nenhum momento, tal missão foi
cumprida. Ou, mais ainda, que, em nenhum momento, colocou‐se em risco o incremento das
atividades policiais abusivas. E assim nos parece porque quem produziu a prova não foi o Estado,
e, sim, um particular, que, à evidência, não se dedica a essa função (a de produtor de provas
para o processo penal). Pior: um dos autores da subtração da prova era uma das vítimas.
Constata‐se, com efeito, que o Estado não agiu com qualquer abuso de poder, ou com incentivo
à ação abusiva por parte do menor, ao receber a prova de um fato praticado com violação ao
direito. Nesse passo, cabem algumas considerações acerca de uma suposta impossibilidade de
se fazer distinções entre a prova ilícita produzida pelo Estado e aquela produzida pelo particular,
como se observa, por exemplo, em Marinoni e Arenhart [...], no âmbito do que se convencionou
denominar eficácia horizontal dos direitos fundamentais. A questão não se resolve pela
afirmação de que os direitos de personalidade devem ser respeitados tanto na relação entre
Estado e particulares quanto na relação entre particulares. É claro que devem. Todavia, como
reconhecem os mesmos autores, o critério de proporcionalidade reclama sua aplicação
exatamente onde haja tensão entre princípios constitucionais de mesma grandeza.

Há que se atentar, ainda, que a prova ilícita, em momento algum, foi produzida pelo Estado,
por meio de seus agentes. No caso, uma das próprias vítimas angariou a prova, apresentando‐a
posteriormente ao Ministério Público para formalizar a acusação:

Ora, se é possível, como de fato nos parece, sustentar que a norma da inadmissibilidade das
provas obtidas ilicitamente destina‐se prioritariamente (e não unicamente) ao Estado, no
processo penal, dado que este é o produtor da prova, mesmo nas ações penais privadas, não
há como negar que o referido princípio constitucional não perderia tanto em sua efetividade
quanto aquele (princípio) que garante a proteção dos direitos fundamentais, e cuja violação se
demonstraria por meio da prova ilicitamente obtida pelo particular. É de se ver, mais, que se a

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS


atuação do particular, na busca da prova, estivesse dirigida pelos agentes do Estado, tais
considerações não teriam cabimento, por óbvio. E também não se pode sustentar, por ora, no
contexto de nossa realidade atual, que os particulares estariam sendo incentivados a buscar a
prova, a qualquer custo, para com ela obterem a condenação de seu agressor. Se e quando isso
ocorrer, semelhante realidade também haverá de integrar o conjunto dos elementos que devem
ser considerados em quaisquer juízos de proporcionalidade. Não bastasse, não havia, como não
há, qualquer razão para que o autor da violação do domicílio não fosse (ou não seja ainda)
responsabilizado por seus atos. É claro que, tratando‐se de menor (como eram), as medidas
cabíveis serão aquelas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas o que importa
salientar é o não comprometimento da função investigatória estatal. Não por outra razão, o
Direito norte‐americano, exatamente a fonte de nossa vedação das provas ilícitas, aceita, sem
maiores problemas, a prova obtida ilicitamente por particulares. É o que se observa na doutrina
de Etxeberria Guridi [...] e de Gonzalez‐Cuellar Serrano [...]. O fundamento é o mesmo que
acabamos de expor: a norma da vedação da prova ilícita dirige‐se ao Estado, produtor da prova,
e não ao particular. De se ver, no particular, que a história do Supremo Tribunal Federal registra
um caso em que se deferiu a produção de exame de DNA na placenta da gestante, suposta
vítima de estupro nas dependências da Polícia Federal, recolhida sem a autorização desta, com
fundamento em uma necessária ponderação, entre valores constitucionais contrapostos,
admitindo, então, a aplicação da proporcionalidade na produção da prova (RCL nº 2.040/DF, Rel.
Min. Néri da Silveira, em 21.2.2002 – Informativo STF nº 257, 18 a 22 de fevereiro de 2002). Nesse
caso, inegavelmente, a Suprema Corte valeu‐se de critério de proporcionalidade para a aceitação
de prova não prevista em lei, portanto, inicialmente inadmissível. E mais: em favor da acusação.
De nossa parte, estamos de acordo com a aludida decisão, sobretudo e particularmente porque
a intervenção probatória não atingiu nem atingiria a integridade física da vítima. Cabível e
oportuno o juízo de proporcionalidade, para uma adequada aplicação do Direito. Como veremos
adiante, em determinadas circunstâncias (e uma delas é a previsão em lei), serão possíveis
algumas intervenções corporais na produção da prova, mesmo quando em desfavor do réu.
(OLIVEIRA, 2017, p. 380‐381) 49

Por fim, é importante destacar que o STF, posteriormente ao julgado acima, voltou a se
manifestar sobre o tema, no sentido de que, da explícita vedação da prova ilícita, sem distinções quanto
ao crime objeto do processo (Constituição Federal, art. 5º, inciso LVI), resulta a prevalência da garantia
nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: a
consequente impertinência de apelar‐se ao princípio da proporcionalidade – à luz de teorias estrangeiras
inadequadas à ordem constitucional brasileira – para sobrepor, à vedação constitucional da admissão
da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da
imputação (BRASIL, 2001).

Em novo julgado posterior, no entanto, o Pleno do Supremo decidiu:

Objeção de princípio – em relação à qual houve reserva de Ministros do Tribunal – à tese


aventada de que à garantia constitucional da admissibilidade da prova ilícita se possa opor, com
o fim de dar‐lhe prevalência em nome do princípio da proporcionalidade, o interesse público na
eficiência da repressão penal em geral ou, em particular, na de determinados crimes: é que, aí,
foi a Constituição mesma que ponderou os valores contrapostos e optou – em prejuízo, se
necessário da eficiência da persecução penal – pelos valores contrapostos e optou – em prejuízo,
se necessário da eficácia da persecução criminal – pelos valores fundamentais, da dignidade
humana, aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita: de qualquer sorte – salvo
em casos extremos de necessidade inadiável e incontornável – a ponderação de quaisquer
interesses constitucionais oponíveis à inviolabilidade do domicílio não compete a posteriori ao
juiz do processo em que se pretenda introduzir ou valorizar a prova obtida na invasão ilícita, mas
sim àquele a quem se incumbe autorizar previamente a diligência. (BRASIL, 2003, p. 108)

Nesse contexto, destaca o professor Renato Brasileiro de Lima (2016, p. 633):

RAFAEL SIMONETTI BUENO DA SILVA


Da leitura desse último julgado, percebe‐se que o Pleno do Supremo admitiu, ainda que
excepcionalmente, a possibilidade de o magistrado invocar o princípio da proporcionalidade. Apesar
de restar firmado que coube ao próprio constituinte proceder à ponderação de valores e, no caso,
escolher a prevalência da inaceitabilidade das provas obtidas por meios ilícitos, ressalvou‐se que
essa regra pode ser excepcionada em casos extremos de necessidade inadiável e incontornável.

Ressaltando o posicionamento adotado pelo Supremo, Walter Nunes Silva Júnior (2008, p. 519)
afirma que:

cabe ao juiz, mesmo que remotamente, aplicar a teoria da proporcionalidade, e, assim, dar
validade à prova que, em princípio, devido à ilicitude de sua obtenção, não tem validade, desde
que a inobservância da regra formal que alberga direito fundamental tenha sido cometida em
caso de extrema necessidade inadiável e incontornável, situação que dever ser considerada
tendo em conta o caso concreto.

Por fim, encerrando o último tema deste trabalho, questiona‐se: quais são as consequências
do descumprimento de normas que acarretam o reconhecimento de ilegitimidade de uma determinada
prova produzida?

No que tange à utilização das provas ilegítimas pro reo e pro societate, destaca‐ se que não há
como dispensar às provas ilegítimas o mesmo tratamento destinado às provas ilícitas, pois, conforme
já analisado, provas ilegítimas são aquelas obtidas mediante violação à norma de direito processual, em
que tudo se revolve dentro do bojo do processo, de acordo com as regras que determinam as formas
e as modalidades de produção da prova, com a sanção correspondente a cada transgressão, que pode
ser o reconhecimento de mera irregularidade, ou até mesmo uma nulidade, absoluta ou relativa.
50
Nesse ponto, há que se fazer a necessária distinção, pois, em se tratando de nulidade absoluta,
não poderá a prova ser utilizada por qualquer das partes, nem mesmo a favor do réu, considerando‐se
a insanabilidade das nulidades absolutas.

Todavia, se a nulidadearguida possui natureza relativa, será preciso verificar o caso concreto. Assim:

a) Se a nulidade relativa for arguida em momento oportuno: nesta hipótese, declarada a


nulidade pelo juiz, não poderá a prova nulificada ser utilizada por nenhuma das partes no processo penal.

b) Se a nulidade relativa não for arguida no momento oportuno: neste caso, preclusa a
oportunidade de ser arguido o vício, poderá ser a prova utilizada tanto pela acusação como pela defesa
(AVENA, 2016, p. 580).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em sede de conclusão, o principal objetivo deste trabalho foi explanar acerca do tratamento
da prova no âmbito do processo penal moderno, destacando‐se conceitos relevantes, como verdade,
certeza e standard de prova.

Dentro do panorama constitucional e infraconstitucional que trata do tema, fez‐se uma


exposição detalhada sobre a previsão esculpida no art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal e no art.
157 do CPP (BRASIL, 1941, 1988), normas que vedam, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
Ambos os dispositivos denotam a intenção de um Estado democrático de direito amparado no princípio
da legalidade, no sentido de que não se admitirá que direitos e garantias fundamentais sejam violados
a pretexto de se buscar uma pseudoverdade real no processo penal.

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS


Por outro lado, para a proteção dos direitos e garantias fundamentais (individuais e coletivos),
há que se observar que os princípios elencados funcionam como guia na dinâmica e harmônica
configuração de todos os bens e valores protegidos constitucionalmente.

Não se pode, a pretexto de proteger os direitos fundamentais individuais dos cidadãos que se
veem investigados, processados e condenados, menosprezar outros direitos fundamentais, como a
vida e a segurança.

Assim, as normas penais e processuais penais devem estar em consonância com os postulados
da Constituição Federal, não podendo assentar‐se em interpretações literais de caráter absoluto, uma
vez que seus comandos se traduzem como dirigentes e ordenadores, o que necessariamente reclama
uma interpretação sistemática dos princípios, das regras e dos valores constitucionais que estão em
debate.

REFERÊNCIAS

ARAS, Vladimir. Princípios do processo penal. Jus navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, 2001. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/2416/principios‐do‐processo‐penal/1. Acesso em: 20 mar. 2020.

AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. 10. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2016.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A constituição e as provas ilicitamente obtidas. Revista de Processo,
São Paulo, v. 21, n. 84, p. 144‐155, 1996. 51
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet et al. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

BRASIL. Presidência da República. Decreto‐Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo


Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 13 out. 1941.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, n. 191‐A, 5 out. 1988.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Habeas Corpus 70.814/SP. Relator: Min. Celso de Mello, 1º
de março de 1994. Diário da Justiça, Brasília, DF, p. 16649, 24 jun. 1994.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Mandado de Segurança 23.452/RJ. Relator: Min. Celso de
Mello, 16 de setembro de 1999. Diário da Justiça, Brasília, DF, p. 20, 12 maio 2000a.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Recurso Extraordinário 251.445‐4/GO. Relator: Min. Celso
de Mello, 21 de junho de 2000. Diário da Justiça, Brasília, DF, p. 68, 3 ago. 2000b.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Habeas Corpus 80.949/RJ. Relator: Min. Sepúlveda
Pertence, 30 de outubro de 2001. Diário da Justiça, Brasília, DF, p. 26, 14 dez. 2001.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Habeas Corpus 79.512/RJ. Relator: Min. Sepúlveda Pertence,
16 de dezembro de 1999. Diário da Justiça, Brasília, DF, p. 108, 16 maio 2003.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

CARNELUTTI, Francesco. La prova civile. 2. ed. Roma: Edizioni dell’Ateneo, 1947.

RAFAEL SIMONETTI BUENO DA SILVA


CARRARA, Francesco. Programa del curso de derecho criminal dictado em la Real Universidad de Pisa.
Tradução: Sebastian Soler. Buenos Aires: Editorial Depalma, 1944.

DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. As lógicas das provas no processo: direta, indícios e presunções. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2015.

FERNANDES, Antonion Scarance. Processo Penal Constitucional. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

GOMES CANOTILHO. José Joaquim. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra:
Almedina, 2003.

GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades e processo penal: as interceptações telefônicas. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1982.

GRINOVER, Ada Pelegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As
nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

HESS, Heliana Maria Coutinho; SILVEIRA, Rodolfo Mazzini Apontamentos sobre o princípio da
proporcionalidade na Alemanha e no Brasil: aplicações ao direito midiático. In: DE PRETTO, Renato
Siqueira; KIM, Richard Pae; TERAOKA, Thiago Massao Cortizo (coord.). Interpretação constitucional no
Brasil. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2017. p. 271‐296. Disponível em http://www.tjsp.jus.br
52 /download/EPM/Publicacoes/ObrasJuridicas/ic11.pdf?d=6366760 94064686945. Acesso em: 20 mar. 2020.

HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris, 1998.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 4. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016.

LOPES JR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011.

LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 6. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Atlas, 2016.

MUÑOZ CONDE, Francisco. La búsqueda de la verdad en el proceso penal. 3 ed. Buenos Aires: Hammurabi, 2007.

NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

NUVOLONE, Pietro. Le prove vietate nel processo penale nei paesi di diritto latino. Revista di Diritto
Processuale, Padova, v. 21, p. 442‐475, 1966.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

PRADO, Fabiana Lemes Zamalloa do. A ponderação de interesses em matéria de prova no processo penal.
São Paulo: IBCCRIM, 2006.

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS


RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2018.

REIS, André Wagner Melgaço. Standard de prova além da dúvida razoável (proof beyond a reasonable
doubt). Consultor Jurídico, São Paulo, 14 ago. 2018. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018‐ago‐
14/andre‐melgaco‐reis‐standard‐prova‐alem‐ duvida‐razoavel. Acesso em: 20 mar. 2020.

SILVA JÚNIOR, Walter Nunes. Curso de direito processual penal: teoria (constitucional)
do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

53

RAFAEL SIMONETTI BUENO DA SILVA


54

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

Você também pode gostar