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PÓS-GRADUAÇÃO EM PRÁTICA PENAL AVANÇADA

DISCIPLINA: PENAL – TEORIA GERAL

Professora: Patrícia Vanzolini

Aula 1 - Tema: Tipicidade Objetiva

NOÇÕES GERAIS

Olá, caríssimo(a) cidadão(ã), aluno(a)! Como está? Esperamos que esteja bem!

Seja bem-vindo(a) à primeira aula do módulo Penal – Teoria Geral da pós-


graduação em Prática Penal Avançada.

Esta primeira aula tratará da tipicidade objetiva.

Quando concluir esta aula você terá uma noção geral de como ocorre a tipicidade
objetiva no Direito Penal Brasileiro e estará apto a aprofundar o tema nas demais
aulas que teremos!

Bons estudos!

Para estudarmos o tema, a princípio é importante termos claros alguns conceitos-


base, como conduta, resultado e nexo de causalidade. Conduta é a base sobre a
qual recai os atributos “típica”, “antijurídica” e “culpável”, podendo ser comissiva
ou omissiva. Resultado, conforme a Teoria Finalista, é a alteração do mundo real,
que decorre da conduta, mas independe dela. Enquanto o nexo de causalidade se
traduz na imputação do resultado àquele que praticou a ação. (JUNQUEIRA;
VANZOLINI, 2020, p. 205; 243; 251).
Com a Teoria Finalista que se preocupou em acrescentar um elemento subjetivo
ao nexo de causalidade, qual seja o dolo e a culpa, surgiu também a Teoria da
Imputação Objetiva onde verificou-se que a imputação do tipo objetivo não
encerrava-se no nexo causal, mas que deveriam ser considerados conjuntamente
outros critérios, que serão abordados na aula.

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CURIOSIDADES | DISCUSSÕES ATUAIS | ELEMENTOS PERIFÉRICOS

Tipicidade material, aborto e anencefalia


(...)
8. A ausência do bem jurídico protegido, e logo, da tipicidade material, na
interrupção da gestação do anencéfalo.
Daí se faz necessária análise, no caso em apreço, a respeito do modo pelo qual a
conduta possa atentar contra bem jurídico penalmente protegido.
A respeito, convém citar a inolvidável lição de Heleno Cláudio Fragoso [48]:
Objeto substancial do crime é aquilo que a ação delituosa atinge; é o
conteúdo material ou realístico da norma penal. Para que se chegue a
conhecer essa realidade que a ação incriminada atinge, é indispensável,
sem dúvida, partir de um exame do sentido da ordem jurídica em geral,
e da ordem jurídico-penal em particular. Parece inegável que o
legislador, ao ameaçar com a imposição de pena certa conduta, ou seja,
ao estabelecer uma proibição ou um comando, visa determinar nos
destinatários da norma um comportamento oposto àquele que
incrimina. Como já se disse, com grande propriedade, o preceito
jurídico não visa pôr à prova a obediência dos súditos, mas evitar o que
é proibido ou conseguir o que é imposto. A norma jurídica é apenas
meio para determinado fim, que, a juízo do legislador, constitui um
bem ou interesse da coletividade. Se determinada ação ou omissão é
punível, é porque corresponde a um desvalor da vida social,
constituindo um fato que leva ou expõe a perigo interesses importantes
da vida coletiva, cuja tutela supõe-se exigir a ameaça da pena
criminal….

Da lição de Fragoso deflui que não basta pensar na expressão formal da norma.
Não basta pensar na proibição que ela encerra como algo cogente e ao mesmo
tempo indiscutível. É necessário perscrutar a respeito dos valores que estão por
trás da norma, no bem jurídico protegido e na capacidade da norma em expressar
esta proteção. É importante situar o bem jurídico como razão de ser da norma,
como “um valor da vida humana que o direito reconhece, e a cuja preservação é
disposta a norma jurídica” [49].
Ora, seguindo essa linha de raciocínio, tem-se que o aborto – possível prática ilícita
que decorreria da conduta não autorizada de interrupção da gravidez -, tem por
objetividade jurídica a proteção da vida do feto.
Na hipótese em apreço trata-se da gestação de um feto anencéfalo, ou seja, sem
cérebro. Trata-se de um ser destituído de qualquer possibilidade de vida extra-
uterina, consoante a unânime opinião da ciência médica, justamente pela falta de
atividade cerebral. A ausência de atividade cerebral é considerada, para fins

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jurídicos, o conceito legal de morte que ampara a possibilidade de iniciar-se o
procedimento de retirada dos órgãos de doadores.
Morte e vida são antônimos, tanto do ponto de vista natural quanto jurídico. Se a
falta de atividade cerebral representa morte, inclusive como conceito jurídico e se
morte é o contrário da vida, devemos concluir que não é possível proteger o bem
jurídica vida onde ela não existe. É por isso que ao disparar em um cadáver, o
agente comete o crime de vilipêndio de cadáver (contra o sentimento de respeito
aos mortos) e não um homicídio (atentado contra a vida).
Se não há qualquer possibilidade de se falar em atividade cerebral e, portanto, em
vida no quadro de anencefalia, não é possível pretender estender a proteção do
tipo penal a casos que tais. Diante desse quadro dramático, é correto pensar que
a conduta típica não encontra enquadramento no capítulo dos crimes contra a vida,
isto porque, o conceito médico de vida – e diga-se, outro parâmetro não pode ser
tomado – consiste na existência de atividade cerebral e não cardíaca.
Por lamentável que seja, não há o que preservar. A vida do feto é impossível, dada
a anencefalia, daí porque, sendo a vida inviável, a interrupção da gestação é
conduta que, a rigor, não atinge o bem jurídico visado pela norma penal, e, de
consequência, não havendo bem jurídico a ser protegido, da mesma forma, não
há tipicidade penal.
Cumpre destacar que dentro das finalidades a que se propõe o Direito penal – de
proteção seletiva de bens jurídicos -, não há porque fazer incidir a norma
incriminadora. Do ponto de vista penal, não há aflição do bem jurídico protegido,
do ponto de vista técnico, médico, não há vida assim compreendida, e do ponto de
vista social, antes de causar repulsa, a interrupção da gravidez, na espécie, é
compreensível e provoca a reflexão a respeito da mácula psicológica que
representa para os pais levarem a cabo uma gravidez como esta, com a certeza
de um final trágico. O Direito penal não pode trabalhar com o escopo de, pela
inflexibilidade, tornar-se cruel.
Aliás, como de regra, o direito culmina pela absorção das razões sociais em
constante e paulatina evolução. Temos assim que, uma vez já reconhecida
socialmente e tecnicamente, como circunstância que justifica a prática interruptiva
da concepção, resta ao direito, como concreção de um sistema de controle social
realmente coerente com as aspirações cidadãs, não mais que seguir esta mesma
orientação.
Fonte: BUSATO, Paulo César. Tipicidade material, aborto e anencefalia. Gen
Jurídico, 2016. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2016/05/12/tipicidade-
material-aborto-e-anencefalia/.

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REFERÊNCIAS

1 - DOUTRINA

Bibliografia Fundamental
JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI, Patrícia. Manual de direito penal – parte geral.
6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

Bibliografia Complementar
BRITO, Alexis Couto de. Imputação Objetiva: Crimes de Perigo e Direito Penal
Brasileiro. São Paulo: Editora Atlas, 2015.

GRECO, Luís. Um Panorama da Teoria da Imputação Objetiva. Rio de Janeiro:


Lumen Juris, 2007.

D’ÁVILA, Fábio Roberto. Crime Culposo e Teoria da Imputação Objetiva. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001.

2 - LEGISLAÇÃO

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado, 1988.

______. Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário


Oficial da União, Poder Legislativo, Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1940.

3. DECISÕES JUDICIAIS

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO. MORTE POR


AFOGAMENTO NA PISCINA. COMISSÃO DE FORMATURA. INÉPCIA DA DENÚNCIA.
ACUSAÇÃO GENÉRICA. AUSÊNCIA DE PREVISIBILIDADE, DE NEXO DE
CAUSALIDADE E DA CRIAÇÃO DE UM RISCO NÃO PERMITIDO. PRINCÍPIO DA
CONFIANÇA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
ORDEM CONCEDIDA.

4
(...) 3. Por outro lado, narrando a denúncia que a vítima afogou-se em virtude da
ingestão de substâncias psicotrópicas, o que caracteriza uma autocolocação em
risco, excludente da responsabilidade criminal, ausente o nexo causal. 4. Ainda
que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta dos acusados
e a morte da vítima, à luz da teoria da imputação objetiva, necessária é a
demonstração da criação pelos agentes de uma situação de risco não permitido,
não-ocorrente, na hipótese, porquanto é inviável exigir de uma Comissão de
Formatura um rigor na fiscalização das substâncias ingeridas por todos os
participantes de uma festa. 5. Associada à teoria da imputação objetiva, sustenta
a doutrina que vigora o princípio da confiança, as pessoas se comportarão em
conformidade com o direito, o que não ocorreu in casu, pois a vítima veio a afogar-
se, segundo a denúncia, em virtude de ter ingerido substâncias psicotrópicas,
comportando-se, portanto, de forma contrária aos padrões esperados, afastando,
assim, a responsabilidade dos pacientes, diante da inexistência de previsibilidade
do resultado, acarretando a atipicidade da conduta. 6. Ordem concedida para
trancar a ação penal, por atipicidade da conduta, em razão da ausência de
previsibilidade, de nexo de causalidade e de criação de um risco não permitido, em
relação a todos os denunciados, por força do disposto no art. 580 do Código de
Processo Penal.”
STJ. 1ª Câmara Criminal. HC 46.525 - MT, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado
em 21/06/2006.

“E M E N T A – APELAÇÃO CRIMINAL MINISTERIAL – CONDENAÇÃO POR


HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR –
ABSOLVIÇÃO MANTIDA – TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA – AUTOCOLOCAÇÃO
DA VÍTIMA EM RISCO – RECURSO IMPROVIDO.
De acordo com a Teoria da Imputação Objetiva o resultado não pode ser imputado
ao agente quando decorrer da prática de um risco permitido. Assim, tratando-se
de hipótese de autocolocação em risco por pessoa maior e capaz, sendo o perigo
provocado pela própria vítima e proveniente de sua vontade, mesmo conhecendo
o risco existente em sua ação, há exclusão da imputação por parte do acusado.
Contra o parecer, recurso improvido.”
STJ. 2ª Câmara Criminal. AP 0011675-59.2014.8.12.0001-MS, Rel. Des. Ruy Celso
Barbosa Florence, julgado em 23/04/2019.

“EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA CONDUÇÃO DE


VEÍCULO AUTOMOTOR. CRIME DE CIRCULAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE.

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TIPICIDADE OBJETIVA. DÚVIDA. TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA.
AUTOCOLOCAÇÃO EM RISCO PELA VÍTIMA. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA.
INABILITAÇÃO DO RÉU. IRRELEVÂNCIA. RISCO NÃO PERMITIDO CRIADO NÃO
REALIZADO NO RESULTADO DANOSO.
1. Pela teoria da imputação objetiva, afasta-se a tipicidade objetiva da conduta em
casos de autocolocação em risco pela vítima, tais como a hipótese em que o
motorista, na condução de seu veículo, é surpreendido pela vítima que, de inopino,
se lança com sua bicicleta à frente do automóvel, militando em favor do acusado,
neste caso, ainda, o princípio da confiança. 2. Não se pode reconhecer a tipicidade
da conduta pelo fato de o motorista não ser habilitado ou estar em velocidade
acima da permitida se, no caso concreto, esse risco não permitido por ele criado
não tiver se realizado no resultado danoso, o qual teria se dado
independentemente dessa circunstância, pelo que, pela própria teoria da "conditio
sine qua non", tais fatores não podem ser tidos como causa do crime.”
TJ-MG. 7ª Câmara Criminal. AP 1.0474.12.002076-0/001-MG, Rel. Des. Marcílio
Eustáquio Santo, julgado em 06/02/2019.

AUTOAVALIAÇÃO
Após a leitura do Material Pré-Aula você deve acompanhar as 04 (quatro) vídeo
aulas teóricas ministradas pelo(s) professor(es) deste tema, de acordo com a
programação indicada no cronograma da disciplina.
Na sequência exercite a aprendizagem por meio do Caso Prático disponível no
ambiente aluno pós em atividade pós-aula. Para acessar o enunciado do caso
selecione a nomenclatura desta disciplina. A vídeo aula do Caso Prático será
liberada, somente após o envio do exercício realizado, para sua autocorreção.
Para finalizar a aprendizagem desta aula pratique a atividade autoinstrucional
disponível em atividade pós-aula. O gabarito será visualizado, conforme a
programação do cronograma da disciplina.

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