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Punir ou não punir: o

dilema da semi-
imputabilidade
Publicado por Canal Ciências Criminais há 6 anos

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Por Iuris Trivium

A teoria do delito se configura como a gran-


de chave interpretativa para determinar se
uma conduta humana é ou não entendida
como crime. E para que uma ação seja as-
sim considerada, é preciso que sejam vis-
lumbrados nela três requisitos: a tipicidade,
a antijuridicidade e a culpabilidade.

E esses pressupostos são analisados de ma-


neira estratificada, sendo ponderados pro-
gressivamente. Ao se deparar com determi-
nada conduta, o jurista inicialmente verifica
se ela está tipificada como delito no ordena-
mento.

Em seguida, observa se a conduta praticada


está em descompasso com o direito, sendo
este o requisito da antijuridicidade; é nessa
hora que são pensadas as excludentes da
ilicitude, como a legítima defesa ou o estado
de necessidade, por exemplo.

E se o binômio inicial de tipicidade e antiju-


ridicidade restar preenchido, o eixo de aná-
lise passa então para a culpabilidade, que é
possivelmente o requisito mais complexo, e
que gera os mais acalorados debates doutri-
nários e jurisprudenciais.

A culpabilidade, como sabemos, é, além de


princípio e instituto limitador da pena, ele-
mento do delito.

De maneira que, para a própria afirmação


da existência do crime é necessário que, o
(a) agente da conduta considerada ilícita,
seja passível de reprovação pelo sistema pe-
nal. Daí autores como Paulo César Busato e
Vives Antón, tratarem, de acordo com a Te-
oria Significativa da Ação, a culpabilidade
como “pretensão de reprovação”.

Em poucas palavras, trata-se de reprovar


juridicamente o (a) autor (a) do fato que,
tendo a possibilidade de agir conforme o
direito, opta por agir de maneira contrária a
este.

Pois bem.

A imputabilidade, que é o que nos interessa


neste primeiro momento, faz parte da cul-
pabilidade como elemento de delito e diz
respeito a atribuir responsabilidade a al-
guém por alguma conduta socialmente re-
provada e, por isso, caracterizada como cri-
me ou contravenção penal, ou seja, é a pos-
sibilidade de se estabelecer um nexo causal
entre o (a) agente e a conduta por este (a)
praticada.

Os critérios para definir a imputabilidade


são vários, e vão desde dados biológicos
como a idade – requisito objetivo –, até
conceitos psíquicos, que tentam compreen-
der se à época do fato o (a) autor (a) era ca-
paz de se autodeterminar.

Em nosso Código Penal, o critério biológico


é definido pela menoridade, e o requisito
psicológico é disciplinado pelo desenvolvi-
mento mental completo ou retardado. Daí
que se extrai que o critério brasileiro de im-
putabilidade é o biopsicológico.

E a inimputabilidade, como sabemos, é


tema suficientemente polêmico. Não são
raras as vezes em que esbarramos em pesso-
as de caráter mais punitivista queixando-se
do nosso sistema criminal e, principalmen-
te, da maioridade penal.

Por influência da mídia e por puro sensacio-


nalismo, estes, erroneamente, entendem ser
a inimputabilidade penal sinônimo de im-
punidade. Bradam a redução da maioridade
penal, acreditando que isto resolveria a situ-
ação da criminalidade.

Enfim, voltemos.

São os art. 26 e 27 do Código Penal que cui-


dam do instituto jurídico da inimputabilida-
de, ao dispor:

Art. 26. É isento de pena o agente que, por


doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da
ação ou da omissão, inteiramente incapaz
de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendi-
mento. Art. 27. Os menores de 18 (dezoito)
anos são penalmente inimputáveis, ficando
sujeitos às normas estabelecidas na legisla-
ção especial.

O que estes dispositivos querem dizer é que


somente pode ser reprovada a conduta de
alguém que seja inteiramente capaz de com-
preender o que está fazendo e de orientar
sua conduta de acordo com esse entendi-
mento.

Até aí tudo bem.

O problema encontra-se no parágrafo único


do supracitado art. 26, que dispõe:

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida


de um a dois terços, se o agente, em virtude
de perturbação de saúde mental ou por de-
senvolvimento mental incompleto ou retar-
dado não era inteiramente capaz de enten-
der o caráter ilícito do fato ou de determi-
nar-se de acordo com esse entendimento.

A isto, a doutrina convencionou chamar de


“semi-imputabilidade”, que ocorre quando o
(a) agente não é inteiramente capaz de en-
tender o caráter ilícito do fato ou inteira-
mente capaz de orientar-se de acordo com
este entendimento.

Ou seja, o Código Penal imputa responsabi-


lidade penal no (a) agente, por acreditar que
este compreende, mais ou menos, aquilo
que está fazendo. Isto não soa estranho?
Ora, ou compreende-se o que se faz, ou não.
Ou o sujeito é imputável, passível de repro-
vação, ou não. Não parece haver um meio
termo.

E a maneira pela qual este “meio termo” é


auferido, é ainda mais problemática. Vez
que o critério é essencialmente psíquico, os
magistrados não possuem competência téc-
nica para determiná-lo, vendo-se amarrados
a pareceres e laudos médicos produzidos
por peritos, que acabam se tornando verda-
deiros juízes paralelos – aqueles tão temi-
dos por Foucault – e se apresentando como
instâncias de julgamento anexas.

Nesse sentido, o que se percebe é que a


semi-imputabilidade traz fissuras ao critério
da culpabilidade, tão caro ao direito penal,
ao relativizar algo que deveria ser absoluto:
ou o sujeito é responsável por uma conduta
delitiva, ou não.

Nas palavras do Professor Paulo César Bu-


sato, o que existe, em verdade, é a incapaci-
dade dos Tribunais de demonstrarem a im-
putabilidade.

Assinam este texto: Mariana Valentim e


Matheus Gugelmin

Fonte: Canal Ciências Criminais

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