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, N.Cham 343.

1 A447pr
Autor: ALMEIDA, Joaquim Ca

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PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS
DO PROCESSO PENAL
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PRINCípIOS FUNDAMENTAIS
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I Q')7, Processualista de tendência uni.
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!lll!iC[;1 rio em várias disciplinas, as r,''''. II A contrariedade na instrucão criminal
<jUdIS. a seu ver,
O direito de defesa no inquérito policial
preellsiíO, pelos estudiosos e
\'s(mIZlntes, da óbvia unidade Inovações do Anteprojeto de Côdlqo do
«)1\1111ll objeto, a jurisdiçào. atividade Processo Penal
de todas as Justiças. e xprr-s
',()('~ sempre de um mesmo Poder
judiCiário, uno e inr indivel.

Preâmbulo de Mário Masagão

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[i]IJ
[DITORA
"[VISTA
TRIBUNAIS
DOI [i]IJ EDITORA
REVISTA DOS
TRIBUNAIS

I -P/I dI' 1~{)l\J'tn() L,UTl


SÃO PAULO - 1973

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N ola,s hil.l iogr;l ficas de rodapé,

Estlldo sobre a contrariedade na instrução criminal c o di-


reito de defesa no inquérito policial, no Brasil. Evolução tia
legislação processual penal, a partir do Império até o Anteprojeto
de Código do Processo Penal.

CDU 343.1 (81) Brasil - Processo penal


A Carlos Ângelo,
o meu filho.
Catalogação elaborada pelo Centro de Do-
cumentação Jurídica da Biblioteca Cen-
tral da Faculdade de Direito da USP
(Bibliotecária Renata CelJi).

'1

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A J. B. Viana de Moraes,
© desta edição da meu amigo.
EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA.
Rua Conde do Pinhal, 78
01501 - São Paulo, SP

Junho de 1973

mmJ
J!!l!I
Composto e impresso, nas oficinas da
EMPRESA GRÁFICA DA REVISTA DOS TRIBUNAIS S.A.,
Rua Conde de Sarzedas, 38, fone 33-4181, São Paulo, Brasil.

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~ ---~

••

SUMÁRIO

Preâmbulo XVII
Prefácio ......................................... XIX

PRIMEIRA PARTE

r INSTRUÇAO

CAPÍTULO
CRIMINAL

NOÇÕES

1. Instrução judiciária; atividade e resultado. 2. Ins-


trução no direito e instrução no fato. 3. Juiz instrutor.
4. Instrução judiciária criminal 3

CAPÍTULO II

DIVISÁO

5. Instrução imediata e instrução mediata. 6. Instru-


ção preliminar e instrução definitiva. 7. Instrução
preliminar; preparatória e preservadora da justiça contra
acusações infundadas 7

CAPÍTULO. rrr

FUNÇÕES

) 8. JUÍzo de acusação e pronúncia. 9. Semelhanças e


di ferenças entre juizo de acusação e juizo da causa.
10. Lição de Faustin Hélie. 11. Lições de Cesare Civoli
--_.-----....

VIII PRINCípIOS

e Luigi Lucchini.
FUNDAMENTAIS

12. Adversários
DO PROCESSO PENAL

do juízo de acusação.
I SUMÁIUO

CAPÍTULO II
IX

Parecer de Bernardino Alimena. 13. Opinião contrária de


Vincenzo Manzini, 14. Fundamento legal do juizo de FUNÇÕES
acusação. 15. Preservação da inocência contra acusações 37. Fundamento legal da pronúncia. 38. Sumário de
infundadas e do organismo judiciário contra o seu custo e culpa e autos ele corpo de delito. 39. Atos da formação
inutilidade. 16. Preparo. 17. Imediação. 18. Imediação da culpa. 40. Função preservaelora ela pronúncia .... 41
nos litígios. 19. Imediação nos litígios judiciários. Con-
centração processual. 20. Impossibilidade de plena con- CAPÍTULO nr
centração processual. 21. Casos dessa impossibilidade.
HISTÓRIA
22. Inadiabilidade e intransportabilidade de prova. 23. Es-
crita e oralidade. 24. Procedimento escrito e procedimento
SEÇÃO PRIMEIRA
oral. 25. Forma escrita do procedimento preparatório.
26. Determinação de preparo, pela oralidade. 27. Distin- Pronúncia e Sunuirio de culpa
ção entre instrução preliminar preparatória e atos pre- 41. Síntese introdutiva. 42. Roma. A inscrição e a in-
paratórios da audiência definitiva. 28. Distinção entre quisição. 43. Código Visigótico. Clamor do ofendido:
a função preparatória e a função preservadora da instru- apresentação Imediata do corpo de delito. Clamor público:
ção preliminar preparatória. 29. Prévia constituição de flagrante delito. 44. Processo canônico. Acusação, denún-
prova inadiável ou intransportável . 9 cia e inquisição. 45. Processo antigo. O conselho dos
homens bons: 46. Inquirições-devassas. 47. Juramento
e nomeação de testemunhas, nas denúncias e querelas.
PARTE SEGUNDA
48. Prisão preventiva do quereloso. 49. Ordenações
Afonsinas. 50. Ordenações Manuelinas, Promotor pú-
INSTRUÇÃO CRIMINAL NO BRASIL blico. 51. Ordenações Filipinas. Sumário de culpa.
52. A pronúncia. 53. A acusação e seus requisitos.
CAPÍTüLO I 54. Processo brasileiro. Pedro 1. 55. Constituição im-
perial -- '.' , __ " _ 45
NOÇÕES E DIVISÕES
SEÇÃO SEGUNDA
, 30. Inquérito policial e sumário de culpa. 31. Formação
y' do corpo cio delito e formação da culpa. 32. Corpo do Inquérito policial
delito e autoria, .33. Autoria e culpa. 34. Inseparabili- ...• 56. Polícia administrativa e policia judiciária. 57. J us-
chie e distinção entre corpo do delito e culpa: formação ti ficativa para as funções judiciais da polícia. 58. Liber-
da culpa. 35. Formação da culpa preliminar e formação dade de investigação. 59. Limitação dessa liberdade.
ela culpa definitiva. 36. Sentidos amplo e restrito ele forma- 60_ Inquérito policial. Antigüidade. 61. Intendente-
ção da culpa e de formação do corpo do delito 35 -gcral de polícia. 62. Delegados, comissários e cabos de
XI
x PRINclPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL SUMÁRIO

polícia. 63. J uízes de paz policiais. 64. Lei de 3 de


CAPÍTULO nr
dezembro de 184-1. Chefe de polícia. 65. Reação.
66. Distinção entre funções policiais e funções judiciárias. O PRINCíPIO DO CONTRADITÓRIO NO
Opinião de José de Alencar. 67. Opinião de Alencar PROCESSO PENAL
Araripe. 68. Opinião de Duarte de Azevedo. 69. Opi- 87. Administração e jurisdição. 88. Caracteres adminis-
nião de Teodoro Machado. 70. Lei n. 2.033 e Regulamen-
trativo e judiciário da ação penal. 89. A administraçflo
to n. 4.824, de 1871. Extinção de funções judiciais da
e a pena. 90. A administração e outros objetivos. 91.
polícia. 71. A extensão da circunscrição judiciária e o
Caráter administrativo da ação penal. 92. O indivíduo c
aparecimento do inquérito policial. 72. O inquérito po-
a justiça penal. 93. A parcialidade do indivíduo como
licial na formação da culpa. 73. Síntese e conclusão ... 59
fonte de justiça. 94-. A imparcialidade do Estado como
fonte de justiça. 95. Ilegitimidade da oposição contradittl-
PARTE TERCEIRA ria na ação penal. 96. Coincidência dos justos interesses
A CONTRARIEDADE NO PROCESSO PENAL do indivíduo com os justos interesses do Estado. 97. Irrc-
levância dos interesses estritamente individuais, no pro-
l'I cesso penal. 98. Garantia jurisdicional. Caráter judi-
CAPÍTULO I
, ciário do pr()c~dimento penal. 99. Carã:ter dúplicc da
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
justiça penal. To10mei. 100. Caráter dúp1ice da jus-
74-. Programa. 75. Lide e processo. 76. Ação e con- tiça penal. Manzini. 101. Princípio inquisitório e in-
trariedade. 77. O contraditório. 78. Citação, notificação, disponibilidade. 102. A verdade real e a inquisitorie-
intimaçâo. 79. Termo para contrariedade. 30. Ciência dade. Princípio inquisit6rio e princípio do contraditório.
extrajudicial. Contumácia. Expressão formal do contra- 103. O que é necessário para haver contraditório criminal.
ditório. 81. Contrariedade e contraditório 75 104. O que é dispensável. 105. Papel auxiliar da contra-
riedade criminal. Variações. 106. Variações da contra-
11.\
CAPÍTULO II
riedade nas diversas fases do procedimento .
PRINCíPIO DE OBlUGATORIEDADE
PARTE QUARTA
82. Poder dispositivo. O princípio de disponibilidade e o
A CONTRARIEDADE NA INSTRUÇÃO CRIM/N/II.
processo civil. O principio de indisponibilidade ou obri-
gatoriedade e o processo penal. 83. O princípio de obri-
CAPÍTULO I
gatoriedade e o direito penal. 84. Regras de aplicação
do principio de obrigatoriedade: a) oficialidade (autori- INSTRUÇÃO CONTRADITóRIA
tariedade, espontaneidade, inevitabilidade); h) legalidade
107. Contrariedade na instrução preparatória. Na ins-
(necessidade, irretratabiliclade). 85. Princípio de publici-
trução preservadora da justiça contra acusações infu\l<la·
dade e princípio de necessidade. 86. Princípios funda-
das. 108. Contrariedade de alegações e de provas. 109. Ale-
mentais do procedimento penal 85
SUM •••.
RIO xm
XII PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL
(' do sumário de culpa. Criação do recurso do não recebi-
gações. 110. Alegações na instrução preliminar e na II j('1110 da queixa ou denúncia. Alcance das inovações _.. 123
instrução definitiva. 111. Irre1evância das alegações no
processo penal. 112. Contrariedade na produção de SEÇÃO SEGUNDA
provas. 113. Contrariedade na inspeção de provas, no Leis da República
processo civil. 114. Iniciativa do juiz. 115. A instrução
criminal e a inspeção de provas contraditórias. 116. 139. Leis e Decretos estaduais de São Paulo. 140. Am-
Escolha de peritos, questionário de exames e vistorias, pliação das faculdades de contraditório. 141. A consoli-
perguntas e testemunhas. 117. Expressão característica dação das leis penais. 142. Direito processual vigente.
do contraditório na instrução criminal. 118. Resumo e 143. Instrução preparatória e contrariedade. 144. Instru-
..................................... 11.3 ,ã0 preservadora e contrariedade. 145. O contraditório
conclusões .,
na formação da culpa. 146. Função das provas de for-
CAPÍTULO II mação da culpa ern plenário 136
A CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA
SEÇÃO TERCEIRA
SEÇÃO PRIMEIRA O Projeto RAO, de Novo
Leis do Império Código de Processo Penal
119. Código de Processo Criminal de 1832. 120.
147. j uizado de instrução. 148_ O projeto. 149. Ex-
Classificaçâo : processo ordinário e processo policial ou
posição de motivos do Ministro da Justiça. 150. Parecer
de alçada. 121. Formação da culpa inquisitória. 122.
do Congresso Nacional de Direito Judiciário. 151. Opi-
Dispositivos sobre a formação da culpa. 123. Sobre a
nião inspiradora. 152. Críticas improcedentes ao sistema
remessa dos autos ao juiz de paz da cabeça do termo.
de processo em vigor. 153. Instrução na polícia. 154.
124. Sobre o júri de acusação. 125. Sobre recursos an-
Divisão da matéria no projeto. 155. Inovações termi-
teriores. 126. Sobre preparatórios da audiência de
nológicas. 156. Inovações principais. Redução da contra-
julgamento. 127. Sobre o júri de sentença. 128. Coe-
riedade na instrução. Amplificação de conteúdo e redução
rência do sistema. 129. O contraditório na formação da
(le efeitos. Risco de amplificação do inquérito policial.
culpa. 130. Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841.
Complicação da ação penal. 157. Conclusões · 144
Dispositivos sobre Iorrnação da culpa. 131. Inquisito-
riedade dos juizes municipais. 132. Inquisitoriedade do SEÇÃO QUARTA
juiz do júri. 133. Criação dos recursos da pronúncia ou
() Código do Processo Penal, de 1941 (Decreto-lei n. 3.689,
da impronúncia e dos despachos que julgam improcedente
o corpo de delito. 134. A principal inovação. 135. De- de 3 de outubro de 1941)
creto n. 707, de 9 de outubro de 1850. Inquisitoriedade 158. Continuação acerca das virtudes do Anteprojeto
e contrariedade. 136. A Lei n. 2.033 e o Decreto n. 4.824, Vicente Ráo. 159. Aspiração equívoca: a instrução con-
de 1871. Reação. 137. Ampliação das funções de Minis- traditória. Seu modelo. Motivos da lei francesa inspira-
tério Público. 138. Regulamentação do inquérito policial

2 I'. I~. P. P.
I
XIV PRINCÍPIOS FU"'DAME"'TAIS DO PROCESSOPENAL SUMÁRIO XV

dora, 160. Rejeição do juizado de instrução. Manuten- N 11.1 ITTI. 172. Compatibilidade do poder-dever inquisi-
ção do inquérito policial. 161. Supressão do monopólio ti V()com a contrariedade. 173. Prevalência do principio
postulatório e probatório do Ministério Público na ins- ,I:i verdade real sobre o principio da contrariedade: quan-
trução criminal. 162. Dispositivos do então novo Código to ;l acusação. 174. Idern : quanto à defesa. 175. Que
do Processo Penal, de 1941, sobre a instrução criminal: :.iglli fica imstruçiio crim.inal? Suas duas espécies: a provi-
Livro II (Dos processos em espécie), Título I (Do pro- sória, ou preliminar. e a definitiva. A instrução criminal
cesso comum), Capítulo I (Da instrução criminal), arts. preliminar, extrajudicial ou inquérito policial, em processos
394 e segs. até 405, inclusive. 163. Idem: Capítulo II comuns e em processos especiais; a judicial, ou sumário
(Do processo dos crimes de competência do f úri), Seção de culpa, peculiar aos processos de competência do Júri.
I (Da pronúncia, da impronúncia e da absolvição sumá- 176. Autoridade competente para julgar a instrução cri-
ria), arts. 406 e segs. até 416, inclusive 160 minal preliminar, extrajudicial, é sempre a judiciária:
SEÇÃOQUINTA juizo de admissibilidade (recebimento ou não da denúncia
ou queixa) e juízo de acusação (pronúncia ou impronún-
A Iniciatioa da Reforma dos Códigos,
da). Idem, quanto, à instrução criminal definitiva: con-
no Governo fânio Quadros
denação ou absolvição. 177. Sistema inquisitivo, sem ou
164. O Anteprojeto Hélio Tornaqhi. 165. Seus dispo- com cooperação do contraditório. 178. A contrariedade
sitivos sobre instrução criminal: Do procedimento ordiná- na instrução criminal, exigida pela Constituição. 179. Os
rio, arts. 544 e segs. até 564, inclusive. 166. Idem. Do juizes ele paz e o sumária de culpa: no regime do Código
procedimento sumário, arts. 565 e segs. até 571, inclusive. do Processo Criminal, de 1832. 180. Os delegados de
167. Idem: Do procedimento sumaríssimo, arts. 572 e segs. Polícia e os subdelegados de Polícia, e o sumário de
até 575, inclusive. 168. Idem: Do procedimento bi{ási- culPa no regime da Lei n. 261, de .3 de dezembro de 1841.
co, 1. l.a Fase. Da instrução liminar. 169. Idem: idem, Pródromos do futuro inquérito policial. 181. Os juízes
2. 2.a Fase: a) Da acusação-libelo; b) Da defesa-contra- de direito e os juízes municipais e o sumário de culpa, no
riedade, arts. 590 e segs. até 615, inclusive 169 regime da Lei n. 2.033, de 1871. Remanesceram, como atri-
huições dos delegados e subdelegados de Polícia, aqueles
PARTE QUINTA que, clesde então, passaram a integrar o instituto do in-
HA CONTRARIEDADE NO quérito policial. denominação criada pelo regulamento n.
INQUÉRITO POLICIAL? 4.824, do mesmo ano. 182. Finalidade do sumário de
culpa: pronúncia ou impronúncia. Finalidade do inqué-
CAPÍTULO I
rito policial; admissibilidade, ou não, da denúncia ou quei-
o DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL, xa. 183. A supressão do sumário de culpo: e pronúncia
RESULTANTE DA SUPRESSÃO DA PRONúNCIA NO nos processos de competência do juiz singular e no regime
JUiZO SINGULAR de 1937 - Sua inconstitucionalidade. 184. Reforço, no
170. O contraditório dispositivo (no civil) e o contradi- inquérito policial, de seu caráter instrutório, como conse-
tório indispositivo (no penal). 171. A lição de CAR- qüência daquela supressão do sumário de culpa e pro-
", --~~~~
XVI

núncw,.
PRINCÍPIOS FUNDAMENTA"

185. Continuação.
00 PROCESSO PENAL

186. Continuação. 187.


I
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'I
Fundamento do direito de defesa no inquérito policial. I1
188. Sobre a investigação básica no inquérito policial
assenta a instrução criminal nele contida. 189. Exclusão
da defesa, na investigação. Sua indu são na instrução
criminal contida no inquérito policial. 190. Em direito
positivo. 191. Continuação. 192. A inquisitoriedade po- PREÂMBULO
licial não é incompatível com a possibilidade da defesa.
193. Reclamo de justiça a participação da defesa no in-
quérito policial, embora limitada . 187 Este livro não precisa de prefácio, senão o do próprio
Autor, que adiante se lê.
CAPÍTULO Il Não resisto, porém, à honraria que me é proporcionada
DECRETOS ESTADUAIS PAULISTAS. O ESTATUTO /,ela sua amizade, de figurar, com palavras introdutórias, nesta
DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, obra.
LEI N. 4.215, DE 27 DE ABRIL DE 1963. Sou admirador dos trabalhos do Prof. Joaquim Canuto
desde que, logo depois de formado, nos surpreendeu com. o seu
194. O Decrete n. 33.558, de I.? ele setembro de 1958 e fascinante « Cinema contra Cinema", ensaio coroado pela Aca-
o Decreto n. 34.334, de 26 de dezembro de 1958. O art. de 111 ia, Brasileira de Letras. A admiração cresceu ante os seus
89 da Lei n. 4.215; de 27 de abril de 1963 (Estatuto da
escritos posteriores, entre os quais os que, ora renumejados, se
Ordem dos Advogados do Brasil). 195. Comentários de
cristalizaram no presente volume.
ManoeI Pedro .Pimentel. 196. A orientação de Hélio
O concernente à a Contrariedade na; Instrução Criminal'>
Tornaghi. . . 219
serviu de objeto para a argüição que, como membro da comissão
examinadora, fiz ao Autor, quando, em 1937, visava à docência
PARTE SEXTA
livre, e, juntamente com ela, alcançou o grau de Doutor em Di-
INOVAÇÕES DO ANTEPROJETO DE CóDIGO reito. Já nessa dissertação brilhavam as qualidades fundamen-
DO PROCESSO PENAL tais que o caracterizam: a da sintese, com que consegue expor
singelamente questões com.plicadas, e a da profundeza, com que
CAPÍTULO ÚNICO as encara nos elementos essenciais, despindo-as de tudo quanto
é acessório e secundário. Principalmente os dois primeiros ca-
INOVAÇÕES DO ANTEPROJETO DE CóDIGO
pítulos da citada monografia são modelos de como se podem
DO PROCESSO PENAL - ANTEPROJETO DE
reduzir conceitos jurídicos à precisão da matemática.
LEI DE EXECUÇÕES PENAIS ·.··· 229
Igualmente notável é a dissertação ora intitulada U O direit,)
íNDICE ONOMÁSTICO 269
de defesa no inquérito policial". A distinção entre a polícia
administrativa e a polícia auxiliar do Poder Judiciário, acen~


o,
__ ••• _-------------,.,..----' ' '--, -r-: ~,--,-,--,c,' __
~

XVIII PRDlCÍPIOS FUNDAMENT A>S DO PROCESSO PENAL 1


tuada através de dois critérios diferenciais, e o estudo do assun-
to na doutrina e na legislação brasileira, incluem-se entre as
melhores páginas da bibliografia nacional.
A última parte do livro, dedicado ao Anteprojeto de Có-
digo do Processo Penal mostra a acuidade e a moderação com Prefácio
que o Autor aponta defeitos do texto examinado, mostrando as
conseqüências que deles podem derivar, como o que importa e'm
exagero do papel atribuUo ao Ministério Público, a vinculaçãv 1. Os modernos processualistas já recusam adesão a de-
rigorosa do juiz aos termos da acusação, a abolição do proce- caídos preconceitos adversos à inquisitividade judiciária. Re-
dimento ex officio, e outros. conhecem, de regra, nas relações jurídicas de interesse público,
Os ensinamentos contidos no presente volume são fruto de total ou mesmo parcial, a específica raiz de correspondente
longo estudo do Direita Judiciário Penal pátria e comparado, e indec1inabilidade do processo jurisdicional. A esta, no Juízo
da intensa experiência do Autor, como membro do Ministério penal, se vinculam, desde a formal notícia da infração, tanto
Público, seu representante no Conselho Penitenciário do Estado, o juiz, e, antes do juiz, a autoridade policial, quanto os parti-
Procurador-Geral da República, Secretário de Estado, Delegado cipes do contraditório, isto é, acusador - público ou particular
do Brasil à Assembléia das Nações Unidas, membro da Comis- e acusado.
são de Segurança da Organização dos Estados Americanos, in-
A luz de proveitosos resultados de sábias reflexões dos
tegrante de numerosos conclaues científicos internacionais,
doutos, dentre os quais se destaca a majestosa figura de
professor e advogado militante. CARNELUTTI, assenta-se, hoje, outrossim, a idéia de funcional
E claramente se percebe que esse continuador das tradições compatibilidade entre, por um lado, o contraditório (como que
de uma f.amília de juristas ilustres, ao cabo de mais de trinta recessivo no processo penal), afeto às partes, e garantia sobre-
anos de magistério, depois de exaustiva perquisição de teorias tudo de plenitude de defesa, e, por outro lado, °
poder-dever
que, sobre temas fttndamentais do Direito Judiciário, dividem inquisitivo (dominante no processo penal), afeto ao juiz, e
os tratadistas, volta o espírito para a sabedoria e o bom-senso garantia de prevalecência da chamada verdade material, ou
dos nossos velhos Mestres, como Pereira e Souza, Ramalho, objetiva, 'Sobre a verdade chamada formal ou subjetiva. Recí-
João Mendes Júnior e outros. proca conjugação se articula, pois, entre a contrariedade, direi-
MÁRIO MASAGÃo to e atividade processual das partes, e a jurisdição, poder-dever
e atividade processual do juiz, para satisfação comum do esco-
po processual.
Falar de sistema inquisitório, 'Sistema acusatório e sistema
misto, deixou, por certo, de exprimir polêmica fértil. Antigas
críticas históricas, assestadas sobre sucessivas etapas de evo-
lução das instituições judiciárias penais, reduzem-se a pouco
mais do que estéreis disquisições acadêmicas. Tisnado, muitas
~--~....--------------------------------~~---- 1
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\

PREFAcIO XXI
xx PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

vezes, por emotiva aversão - difundida em certos círculos S. Assim como - por outro lado - os disputantes de
às repercussões canônicas (inquisição eclesiástica) de originá- satisfação a interesse impessoal (como é o interesse penal, tu-
rias fontes romanas, o debate termina sempre por focalizar, no telado - qual se ostenta - por norma conseqüentemente de
máximo. meras lembranças de alguns pormenores, situados no direito objetivo público) não dispõem do direito subjetivo
tempo, outrora, e no espaço, em determinados países. SUTIsti- questionado, porque direito de cada um e de todos, assim tam-
tuem-no discussões sobre a precisa medida, qualitativa e quan- bém não dispõem eles dos interesses processuais, de acusar e
titativa, da cooperação, em procedimento conjunto, do magis- de defender, os quais assomam regidos - quanto ao respectivo
trado inquisitivo (mais sua polícia judiciária), responsável pelo impulso - e marcados - quanto ao respectivo conteúdo -
exercícío espontâneo da jurisdição penal, e dos sujeitos da pelo poder-dever de espontaneidade jurisdicional.
contrariedade acusatória, co-responsáveis no exercício da ação 6. Influíram, mais do que hoje, na sistematização posi-
penal. tiva do processo penal brasileiro, reminiscências lusas dos pris-
2. No estágio atual de progresso do direito positivo bra- cos tempos reinicolas, encharcadas - às vezes de modo in-
sileiro, ao impulso do ainda corrente clamor de reformas, ins- coerente - de inspirações romanas, g-ern:ânicas. canônicas, c
talado em 1930, acelerado em 1934 e 1937, retomado em 1946. de sugestões foraleiras.
em 1961 e em 1964, e agora reativado, desde 1967, o sistema Ao advento da desagregação constitucionalista do império
de nosso processo penal, embora com hesitações, procura português, marcada - na América - pela separação política
melhor demarcação dos lindes em que se jungem a tarefa It do Brasil, em 1822, nossa primeira Constituição, de 1824, ado-
atuante do juiz e a tarefa atuante das partes, acusador e tou. sob influência de padrões ingleses, algumas inovações,
acusado. ao passo que. outrossim, nossas primeiras leis processuais penais,
3. Há porém a fixar, com rigor, os conceitos de contra- e judiciárias aboliram antiquíssimos institutos. como, por
ditório dispositivo, que assegura a prevalecência da verdade "das exemplo, o das devassas (inquirições ordinárias, 'Sem prelimi-
partes", de regra, no juízo cível, e o contraditório indispositivo, nar indicação de autoria, ou indícios) e o das querelas (inqui-
que assegura a prevalecência da verdade "do juiz", no juízo rições sumárias - sumários da querela - com preliminar in-
penal. Ao sabor de necessárias clareações é que se deve con- dicação de autoria, ou indícios). Ambas, por muitos séculos,
templar a tendência de nossas. aludidas reformas, e, especial- haviam cumprido, no procedimento penal das velhas Ordena-
mente, de inovações no regime da chamada "instrução criminal". ções, a mesma missão, de "instrução criminal" (denominação
francesa), cabente, hoje, a nossos "inquéritos policiais" e a
4. Deve-se, antes de tudo, atender a preliminar distinção.
nossos "sumários de culpa", ou "sumários da pronúncia".
Assim como - por um lado - os disputantes de satisfa-
7. A monografia, no presente livro, intitulada O direito
ção a interesse pessoal (tutelado - qual se revela - por nor-
mas conseqüentemente de direito objetivo privado) dispõem do de defesa no inquérito policial, que ora se acresce à dissertação
direito subjetivo questionado, civil ou comercial, principalmente, A contrariedade na instrução criminal (com a qual concorremos,
assim também dispõem eles, em conjunto, dos interesses pro- em novembro de 1937, à conquista de livre-docência, na disci-
cessuais de agir e de contestar, que regem o impulso e marcam plina "Direito Judiciário Penal"), 'serve ao propósito de mos-
o conteúdo das operações jurisdicionais. trar como, à altura de 1871, ressurgiram, de certo modo, as
J
--- -- ----_. __ ._-~---"
.. ,-._-" --------
~

XXII PRINCÍPIOS

forma judiciária".
FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

abolidas deuassas, sob novo nome, por exigência da então "re-


O escopo do "inquérito policial", formal,
r
, PREFÁCIO

f('J"lllinactosem lei e mediante ordem escrita da autoridade com-


pet ente. Ninguém poderá 'Ser conservado em prisão sem culpa
XXIII

novo instituto, traduziu a necessidade da presença estatal em formada, senão pela autoridade competente, em virtude de lei
distritos espraiados em amplíssimo território de enormes muni- (. na forma por ela regulada; a instrução criminal será contra-
cípios e de colossais comarcas, para, com presteza, atender ela às ditória, asseguradas, antes e depois da formação da culpa, as
providências urgentes de verificação, [ixação e conservação de necessárias garantias de defesa. n
elementos de convicção, sobre ocorrência penal concreta e sua 9. Na tangente da fórmula constitucional genérica de
autoria, e - mormente em caso de flagrante - de coação 1934, de que (art. 113, n. 26) : "A lei assegurará aos acusados
processual. Quando fossem grandes as distâncias, de povoações ampla defesa, com todos os meios e recursos essenciais a ela",
afastadas da sede do J uízo, não poderiam ser tomadas, desde o espírito derr.ocrático do eminente jurista, Ministro da Justiça,
logo tais providências, in loco, pela autoridade então competente Prof. VICENTE RÁo, cuidara de enchê-Ia. mediante seu ante-
para a formação da culpa (juiz municipal ou juiz de direito) e, projeto de código do processo penal (cujos principais aspectos
nessa conjuntura para imediatamente tomá-Ias. emergiram, vêm expostos na Seção Terceira do § 3.° do Capítulo Segundo,
como auxiliares, da Justiça, os delegados e subdelegados de denominado A contrariedade na formação da culpa, da disser-
Polícia. tação A contrariedade na instrução criminal';", da melhor ga-
U

8. A dissertação serviu e serve ao propósito de mostrar rantia do pleno contraditório, que então lhe parecia estar na
como, no século atual, e década dos anos 30, haviam ecoado instituição do juizado de instrução. Era opinião do mestre ilus-
repetidos clamores, avessos à pura inquisitividade do inquérito tre (como explicitamente enunciada em sua exposição de mo-
policial e do sumário de culp«, e reclamos de aplicação do con- tivos, precedente ao projeto) que o juizado de instrução "se-
traditório à "instrução criminal" e, principalmente, ao sumária para, efetivamente, a investigação da formação do processo";
de culpo: Demonstra-o, paradoxalmente, a inovação constitu- reconduz a Polícia à função que lhe é peculiar; "e restitui à
cional, Iiberalíssirna, inscrita no art. 122, n. I, última parte, da Justiça a plenitude de sua real competência".
Carta fascistoide de 1937: "a instrução criminal será contradi-
10. Nossa crítica ao Anteprojeto Vicente Ráo no final
tória, assequradas, antes e depois da formação da culpa, as ne··
da monografia, consigna então nossas conclusões: "Não supri-
cessarias garantias de defesa". Os textos constitucionais an-
me o inquérito policial; não institui o juizado de instrução, que
teriores careciam de semelhante declaração explícita de direito
já existe; não institui o contraditório na instrução, mas, ao
e garantia. Nos de 1891 figurara, apenas, § 16 do art. 72, a
contrário, alarga a ação inquisitória do juiz."
de que: "A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os
meios e recursos essenciais a esta." Nos de 1946, § 25, última O entendimento hoje dessas nossas conclusões de ontem
parte, do art. 141, ressurgiria, em lacónica redação, a inovação depende porém de sua correlação, pelo leitor atento, com o res-
liberal de 1937, assim: "A instrução criminal será contraditó- tante do contexto, nas páginas em que elas representam ponto
. "
na. final. E outro não era, nem é, senão, o seguinte: o Projeto
A fórmula total, de 1937, n. 11 do art. 122, fora: "A Vicente Ráo não 'Suprimia as investigações policiais; não ins-
exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetivar-se tituía o juizado de instrução, visto como este vinha sendo, de
senão depois de pronunciado o indiciado, salvo os casos de- longa data, no direito brasileiro, o do sumário de culpa; e,
1

XXIV PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSOPENAL PREFÁCIO xxv

alargando o poder-dever inquisitivo do juiz, tornava indispo- I<'ssalva final, estranhas, como estas se patenteiam, ao assunto,
sitiva a contrariedade, na causa. ura especificamente focalizado, da contrariedade na instrução
11. Afirmamos, hoje, sem mudança de opinião, 1.0) que .-r i 111 inal.
não se pode nem se deve suprimir as funções de investigação 13. Completam a presente edição, para atualização de seus
propriamente ditas, que são, no inquérito policial, as anteriores,
.issuntos, os comentários e as indicações que elaboramos, per-
principalmente, ao indiciamento do suspeito, visto como - obvia-
íunctórias, concernentes ao contraditório: a) no ainda vigente
mente - ninguém há de ser indiciado autor de infração penal
('/)(ligo do Processo Penal (Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outu-
sem prévia apuração, convincente, da autoria e do fato qualifi-
hro de 1941), b) nas intenções do Presidente JÂNTO QUADROS,
cado crime ou contravenção; 2.°) que, entretanto, já se pode
d(· seu preclaro Ministro da Justiça, Dr. OSCAR PEDROSOHORTA_
e já se deve transferir hoje para um juizado da instrução cri-
(' do saudoso mestre, Prof. ALBERTOMONIZ DA ROCHA BARROS,
minal (isto é, para juízes criminais), como propugnado por
primeiro coordenador da reforma de códigos, que ainda pros-
VICENTE RÁo, nas comarcas cujas condições sócio-econômicas
segue, c) no Anteprojeto TORNAGHI, de Código do Processo
o permitirem, as funções posteriores ao indiciamento visto
Penal.
como, uma vez provadas a infração e sua autoria, a predomi-
nante atividade estatal, que se segue, deixa de ser a de investi- Inserem-se nelas, outrossim, para integrar o tratamento
gação policial propriamente dita, passando a exprimir, por sua do tema, o texto exato do meu artigo O direito de defesa no
própria natureza, instrução criminal. Exsurge o diálogo inqui- inquérito policial resultante da supressão da pronúncia no [uiso
sitivo entre o Estado, que aponta determinado fato, como ato singular, na Parte Quinta, sob a denominação de Há contrarie-
ilícito penal, ° suspeito, como seu autor, para que o assim indi- dade no inquérito policial?, bem como, em seu exato teor, minha
ciado defenda, por enquanto, o interesse próprio - em instru- conferência, como apêndice, denominada Das inovações do An-
ção criminal preliminar - de livrar-se dos efeitos processuais teprojeto de Código do Processo Penal.
penais da indiciação; 3.°) que a plenitude do contraditório na Advirta-se que A Contrariedade na Instrução Criminal fo-
instrução criminal definitiva há de permanecer invio- caliza, em suas críticas, o procedimento de formação da culpa
Iável, como indeclinável garantia de defesa, mas sem lhe cor- das leis imperiais, ainda vigentes em São Paulo, quando foi
responder poder dispositivo sobre o pleno exercício do poder- publicada. Só serão bem entendidas se, antes do mais que nela
-dever inquisitivo do juiz, derivado, que este é, do caráter im-- se contém, forem lidos os necessários esclarecimentos constan-
pessoal, geral, do interesse punitivo e, por conseqüência, do tes de seus números 119 e seguintes, até 146.
interesse processual penal. Impõem-se frisar, enfim, a carência de originalidade, em
12. Advirta-se preliminarmente que a Constituição de 24 quase todos os tópicos deste livro, e, especialmente, nos de ca-
de janeiro de 1967, art. 150, § 16, e a Emenda n. 1, de 1%9, art. ráter histórico, reprodução de ensinamentos de venerandos mes-
153, § 16, vigorante, dedicam ao tema o enunciado: «A instrução tres. Foi preciosa ajuda - em 1937 - ao candidato à livre-
criminal será contraditória, observada a lei anterior quanto ao -docência (ao sermos argüidos por SOARES DE MELO e No)'::
crime e à pena, salvo quando agravar a situação do réu." Gri- AZEVEDO,penalistas, GABRIEL DE REZENDE, processualista civil,
fa-se no dispositivo, sua parte inicial, para se lhe conferir o MÁRIO MASAGÃO,administrativista, e RAPHAEL CORRÊA SAM-
conveniente relevo, em confronto com sua parte restante, e a PATO,processualista penal) e ainda o poderá ser, também, aos
-,

XXVI PRINCÍPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL

nossos alunos de Direito Judiciário Penal e de Direito J udiciá-


rio Civil, em seus estudos e em seus exames.
Avulta, nas páginas que seguem, a genialidade de JOÃo
MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR, constante e fecundo inspirador.
À sua memória prestamos humilde homenagem, de modesto dis-
cípulo, que, com isso, segue terno conselho do último argüente,
naquele melancólico concurso, conselho ditado em final sopro Parte primeira
de vida, de velho professor que, siderado em momento solene,
ali, na "Sala João Mendes J únior", abandonava sua cátedra
para que, em 1939, seu predileto aluno a conquistasse.
INSTRUCAO CRIMINAL
:.

o AUTOR
Capítulo I

Noções

1. Instrução judiciária: atividade e resultado. 2. Instrução


no direito e instrução no fato. 3. Juiz instrutor. 4. Instru-
ção judiciária criminal.

1. Instruir consiste em dar conhecimento.

I k'nominam-se instrução tanto a atividade de instruir


'111:1nto seu resultado.

I nstruçâo judiciária é a instrução do juiz.

2. O juiz deve ser instruido nas premissas maior e menor


do silogismo a que se reduz sua função, isto é: a) no
dir •.ito ; c b) no fato.

Não pode julgar, efetivamente, quem não conhece a lei;


unpossivcl se torna raciocinar na ignorância da proposição
maior, que é o princípio jurídico aplicável.
Também não pode julgar o magistrado que desconhece o
('a~() ocorrente, isto é, a premissa menor. E perdura a razão:
() [uu:« que deve emitir depende das duas afirmações. 1

1.
Teoricamente - afirma FRANCESCO CARNELUTTI, Lecioni di
djríllo proccssuale ciuile, CEDAM, Pádua, 1933, vol, IIl, 355 - o juiz
p"deria decidir sem [ul qtir , isto é, segundo o capricho ou a sorte. Estes
nào são modos, porém, hoje considerados idôneos para gerar o tipo de
.k-risao que é a sentença justa. Prática e juridicamente contudo, o juiz
dCClde julgalldo. A decisão se forma looicamente, isto é, à guisa de

I'. F. J'. P.
4 PRINcfPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INSTRUÇÃO CRIMINAL - NOÇÕES 5

a) A eficácia do ensino jurídico propiciado r de diplomas, f:llra SI', por assim dizer, uma instrução espontânea popular, es-
a seriedade dos concursos de títulos e provas para ingresso na 1'l.ll:I<lalivre e naturalmente à semelhança das vibrações físicas.
carreira da magistratura determinam a instrução do juiz sobre
o direito, que se opera, em particular, pelo estudo constante da Mas o juiz nem sempre é o instrutor. Se é, invariável-
doutrina, das leis e da praxe forense e, em cada caso, segundo mente, o sujeito do resultado da instrução e, assim, um
as regras da hermenêutica. "wi10 <Ia instrução, não lhe cabe muitas vezes, a atividade de
ru-.t rui r e, por isto mesmo, neste sentido, não é o sujeito da
b) O juiz deve ser instruído sobre o fato. "".11111:;10.
No juizo criminal, o fato é o crime. I':stinmlado pela notícia do crime e quando lhe caiba agir
Como todos os fatos, o crime exerce ação física e psíquica 11I vl'sligatoriamente, o juiz se investe nas funções de instrutor:
em derredor. Nem tudo isso quer o delinqüente, senão certo IH'Tisa o dito desordenado das testemunhas, selecionando-as
resultado. O restante corre por conta das contingências natu- .u lrr-dr-, e verifica o sentido dos vestígios materiais do fato
rais: os vestígios acaso gravados, como sinais da infração, na d,·litlloso.
matéria bruta ou animada e as impressões que ela causa nos Admitem-se como colaboradores, nessa obra de instrução
homens. iudicial. o ofendido e o indiciado, o promotor público e qual-
'1"(,), do povo, a polícia, sendo que a atividade auxiliar destes
Tais vestígios e impressões dão conhecimento do crime a
outros homens. Nem sempre pode o críminoso impedir que
haja indícios ostensivos ou que testemunhas, impe1idas pelo ""1:1111.10 a qualidade da vítima e conforme a maior ou menor ferocidade,
oOlI";",ia,extravagância ou habilidade, que o próprio crime revela e tendo
sensacíonal, instruam outras pessoas e que, dessa forma, corra "li' vista o valor das suas conseqüências e da repercussão. Por um lado,
a notícia do crime até chegar ao conhecimento do juiz. Z Afi- ,,,,,".\'('-se a consciência pública; por outro, põe-se em movimento a
11I,.I;<;apenal.
juizo, Constitui-se mediante um silogismo, cujas premissas maior e menor .. I)a reprovação moral para com o malfeitor e da piedade pela vítima
são, respectivamente, a norma jurídica ou de eqüidade e as circunstâncias prossegue o ilustre criminalista -- nasce também um sentimento atá-
de fato do li tigio. v 11<I de vingança, não só no próprio ofendido e nos seus parentes e
A aplicação das leis é sempre um juízo prático, isto é, um juizo- .II"il:OS, mas ainda no público, especialmente quando o fato é muito atroz
cujos termos são um caso ocorrcntc e a lei que com ele tem determinações- r- horrível c a vítima digna de saudade, de modo que contra o delinqüente
comuns. .,p'"lhado em flagrante, a multidão sente-se também arrastada aos pro-
Por isso mesmo é que o Código de Processo Civil e Comercial do 1'''.1", violentos e à prática de atos de força brutal, para fazer "justiça
Estado de São Paulo reza: "A sentença ... deverá conter ... os funda- Illllllaria" .
mentos da decisão, de fato e de direito" (art. 333, n. lU). .• E quando a torrente da emoção pública se torna menos tumultuosa,
2. Os pressupostos processuais (iniziativa dei p. m., Ia legittima CO$- I, '1Ila vulto uma preocupação espiritual pela procura das causas, onde
titueione del giudic!!, l'intervento... dell'imputato) - ensina VINCENZO nl'lil'ar como aquele homem pôde querer cometer aquele crime, em que
MANZINI, Trattato di Diriito Processuale Penale Italiano, UTET, Turim, '<lndiç()cs físicas ou psíquicas da sua pessoa e qual a cumplicidade do
1932, vol. IV, pág. 3 - pressupõem, por sua vez, um elemento mera- .uuliivntc familiar e social. Preocupação esta de indagação psicológica e
mente material ou material-formal, indispensável para a sua consideração 'o, ,,-i:l1, que alcança a consciência pública, a qual sente a iminência do
prática. É o fato jurídico da notícia do crime, que, expresso na denúncia, plllhlt:lIla da maior ou menor temibilidade desse delinqüente e dos meios
queixa, requisição, representação etc., determina, tão-só pela própria na- .1I"'"lIados para defender de semelhantes ataques as condições de existên-
tureza material, a atividade do órgão competente para promover a cons- ria social.
tituição da relação processual. "Ao contrário, a indagação quanto aos elementos e à definição
A notícia do crime - escreve ENRlCO FERRI, Princípios de Direito trrnicamcnte jurídica de ação criminosa confia-se apenas à experiência e
Criminal, tradução de LllIZ DE LEMOS D'ÜLIVEIRA, Livraria Acadêmica, ;,11 saber de alguns especialistas (magistrados, funcionários de polícia,
São Paulo, 1931, pág. 1 - determina sempre no ambiente social uma .11Ivligados, professores etc.} _.. ainda quando não sejam mais atraídos
dupla corrente de emoções e de ações, em graus e limites diversos, dos "das discussões acerca das condições pessoais e de ambiente, que ocasio-
lugares mais vizinhos aos mais longínquos, nas diferentes classes sociais, uar.uu o crime".
i
6 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

é suscetível. em certos casos, em determinadas medidas e sob


formas adequadas e oportunas, de se transformar em atividade
principal, com sacrifício das funções investigatórias do juiz.

4. Como quer que seja, podemos do exposto deduzir: ins-


trução judiciária criminal é, em amplo sentido, toda a Capítulo II
atividade reueladora do fato incriminado ao conhecimento
do juiz.

Divisão

5. Instrução imediata e instrução mediata. 6. Instrução


preliminar e instrução definitiva. 7. Instrução preliminar:
preparatória e preservadora da justiça contra acusações in-
fundadas.

~. I':fetivamente, O destinatário processual dos atos de 1115-


t rnção é o juiz.

I kpcndendo, o juizo, do conhecimento da integralidade do


t Illlrrido, exige que o julgador seja colocado em condições de
t 1/'111 i ficar-se de todos os dados da verdade.

I'nele a instrução criminal, contudo, ser imediata ou


nicd uüa,
() contato direto do julgador com os litigantes, quando fa-
1:1111. para ouvir-lhes os pedidos e razões de viva voz; a inspe-
l,dO ocular ou direta dos vestígios permanentes ou duradouros
<I:1S ocorrências; o exame oral dos testemunhos são atos de
1I1strU(IlO imediata.
:-';C os pedidos e razões das partes, os vestígios e sinais dos
f;ilns, os depoimentos e declarações chegam ao conhecimento
I li I j uiz por meio de petições ou requerimentos escritos, laudos,
.uuos c termos que o magistrado deve ler ou ouvir ler, para
inteirar-se da verdade, efetiva-se então a instrução mediata.

fi. A instrução mediata pressupõe um procedimento escrito


anterior, de preparo dos respectivos elementos. É o pro-
8 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

cedimento da chamada instrução preparatória ou instrução pre-


liminar. 1 A esta se referem os autores, a lei e a jurisprudên-
cia, quando falam, pura e simplesmente, de instrução criminal.

Duas funções pode ter a instrução preliminar: não só essa


de preparar os elementos media tos da instrução definitiva, mas
Capitulo lU
também a de assentar bases para um prévio juízo da acusação,
isto é, decisão sobre a legitimidade de se acusar eventualmente
alguém. Encarada em relação a cada um desses fins, é prepa- Funções
ratôria propriamente dita ou preseruadora da justiça contra
imputações infundadas.

7. Divide-se, pois, a instrução judiciária, do ponto-de-vista


da constituição da prova criminal, em: a) instrução preliminar 8. J uízo de acusação e pronúncia. 9. Semelhanças e dife-
ou simplesmente "instrução"; e b) instrução definitiva. renças entre juizo de acusação e juizo da causa. 10. Lição
de FAUSTlN HÉLlE. 11. Lições de CESARE OVOL! e LUIGI
E a "instrução preliminar " - funcionalmente - pode ser LUCCHINI. 12. Adversários do juízo de acusação. Parecer de
contemplada como: a) preparatória,' e h) preseruadora. BERNARDINOALIMENA. 13. Opinião contrária de VINCENZO
MANZINI. 14. Fundamento legal do juízo de acusação. 15.
Examinaremos, em primeiro lugar, a função preventiva do Preservação da inocência contra acusações infundadas e do
juízo de acusação e, assim, da instrução preliminar em que se organismo judiciário contra o seu custo e inutilidade. 16.
Preparo. 17. Imediação. 18. Imediação nos litígios. 19.
baseia, exame êsse que reputamos necessário ao bom entendi- Imediação nos litígios judiciários. Concentração processual.
mento do assunto desta dissertação. 20. Impossibilidade de plena concentração processual. 2I.
Casos dessa impossibílidade. 22. Inadiabilidade e intranspor-
tabilidade de prova. 23. Escrita e oralidade. 24. Procedi-
1. I nsiruçiio criminal - ensina o V ocabulaire de Droit de CAMILLE
mento escrito e procedimento oral. 25. Forma escrita do
SOUFFLIER,2.a ed., 1926, Paris - é o processo penal. A palavra designa procedimento preparatório. 26. Determinação de preparo,
igualmente todas as formalidades necessárias para se por uma causa em pela oralidade. 27. Distinção entre instrução preliminar
estado de ser julgada. Instrução definitiva é a oral e pública. Instrução preparatória e atos preparatórios da audiência definitiva.
preparatória é a que tem por objeto a coligenda das provas. 28. Distinção entre a função preparatória e a função pre-
- Instrução é o conjunto dos atos e formalidades necessárias para servadora da instrução preliminar preparatória. 29. Prévia
e1ucidar uma causa e pô-Ia em estado de ser julgada. Distingue-se, em constituição de prova inadiável ou intransportáveI.
matéria penal, a Instrução definitiva, muitas vezes denominada instrução
em audiência, da instrução prepa'ratória ou preliminar, que precede à mise
en jugement.
Seção primeira
- FAUSTIN HÉLIE, 1raiié de l'instruction criminelle, Paris, 1853,
voI. V, págs. 4 a 14, após assinalar que uma das matérias mais impor- FUNÇÃO PRESERV ADORA DA JUSTIÇA CONTRA
tantes e de mais difícil estudo de seu tratado é o "processo escrito que
ACUSAÇÕES INFUNDADAS
precede o processo oral", distingue a instrução preliminar (prealable),
que se faz antes da audiência e que reúne os elementos da mise ell
accusation, da instrução definitiva, que se faz na audiência e que fornece
ao juiz os elementos do julgamento. A distinção _ para o autor _ H. Que é juízo de acusação?
deriva da natureza das coisas. Separa duas séries de atos e de formali-
dades que não têm o mesmo caráter nem o mesmo fim, dois procedi. (~ uma operação jurisdicional diversa do juízo da causa.
mentos diferentes em seu princípio e em suas formas. '-;(' este consiste em dizer de um ato que é passível de pena, o

fi
" I BfBLIOTECA DA U. C. M. a-'
10 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INSTRUÇÃO CRIMINAL - FUNÇÕES 11

juízo de acusação se destina - corr:o já dissemos - a previa- Vivas permanecem, por exemplo, as explicações de'
mente decidir-se, no caso, da legitimidade de um procedimento I' \IISTIN HÉLIE:2
penal.
"A instrução prévia é, em geral, o inquérito judiciário des-
Assentando sobre elementos probatórios comuns aos do 1111:Ic!o a descobrir todas as circunstâncias, reunir todos os do-
futuro e possível julgamento criminal propriamente dito que é '1IIII<'I1tOSe provocar todas as medidas conservatórias necessá-
o luízo (definitivo) da causa, o juízo (preliminar) de acusação, II:I~;,quer à segurança dos fatos incriminados, quer à seguran-
adrede emitido, não lhe esgota nem lhe diminui, todavia, o con .. ',:1 da ação da justiça."
teúdo. Não determina o fundamento condenatório ou abso-
Entendia o grande mestre francês que a lei de ouvir um
lutório, mas apenas o fundamento acusatório.
.uusaclo e de fazer e perfazer seu processo antes de julgá-lo é
Reconheçamos, desde logo na pronúncia o nosso juIzo de l,·i ('111toda parte. A justiça cumpre seu dever graças à ins-
acusação, 1 1111,,)0preliminar, atingindo apenas os fatos qualificados crimes
!H'i.I lei; se faz luzir aos olhos do culpado a certeza da pena,
9. Esses dois tipos de julgamento têm, por certo, a mesma l'l,'snva o inocente até contra injustas prevenções; e funciona
estrutura lógica. Suas premissas são a lei e um fato :,('111atraso e precipitação, As queixas e denúncias podem ser
concreto, Têm a mesma complexidade: são juízos de direito, \ .-ri ficadas antes de julgadas procedentes e as imputações teme-
isto é, de aplicação da lei e dependem de juízos de fato. 1:'1rias e levianas não vingam. A instrução preliminar é uma
"instituição indispensável à justiça penal". Seu primeiro be-
Mas enquanto a lei que o juízo de acusação aplica exprime
ur-I icio é proteger o inculpado",
ó{ Dá à defesa a faculdade de
o direito de acusar, o juízo da causa declara o direito de punir.
dissipar as suspeitas, de combater os indícios, de explicar os
E ao passo que o juízo de acusação recai sobre as (pretensas)
Iatos e de destruir a prevenção no nascedouro; propicia-lhe
provas de acusação, em si mesmas, o juízo da causa aplica a lei
meios de desvendar prontamente a mentira e de evitar a escan-
ao fato do (pretenso) crime ou da (pretensa) contravenção.
d:tJIlsa publicidade do julgamento. Todas as pesquisas, inves-
Decide-se, pois, no primeiro caso, que a prova acusatória é rea-
Ii!~ações, testemunhos e diligências são submetidas a sério exame
lidade e, no segundo caso, que a infração é igualmente realida-
I':lra, de antemão, se rejeitar tudo o que não gera graves pre-
de, E, afinal, concretiza-se o direito de acusar e, mais tarde,
slllIções. E assim se forma o processo preparatório, como base
o direito de punir, por aplicação da lei.
do juizo de primeiro grau.
Há uma base probatória comum a esses dois juízos, pro-
"Uma das mais fortes garantias de defesa - prossegue o
duzida na instrução preliminar e, mais tarde, reproduzida na
citado autor - é, com efeito, a jurisdição invocada em primeiro
instrução definitiva. Mas se a instrução definitiva prova ou
exame do apurado na instrução prévia, para decidir ... s'il y a
não prova que há crime ou contravenção, a instrução prelimi- liru d':v donner suite, s'il y a lieu soit d'annuler Ia p oursuite,
nar prova ou não prova que há base acusatória. soit de décreter Eaccusation," Tal jurisdição, organizada como
[or, tenha as formas que tiver, "soit Ia chambre ou le jury d'ac-
10. Não tem sido outra a lição dos mestres a respeito. Re- cusation ", 3 é complemento do processo preparatório que apre-
~
velam eles compreensão exata desse fim preventivo da
instrução preliminar e do juízo de acusação. 2. FAUSTIN HÉLIE, Traiié de l'instructiow criminelle, Paris, 1853,
vol. V, págs. ;) a 17.
.3. O júri de acusação, instituto do direito inglês, existiu no nosso
1. Muitas vezes, despachos de não recebimento de queixo ou denún-
sistema processual por dispositivo do Código do Processo Criminal do
cia ou de improccdh1cia do corpo do delito, tolhendo a ação do queixoso, ~ lmpcrio, de 18.32 (arts. 242 a 253), mas foi abolido pela Lei n. 261, de
denunciante ou requerente, funcionam também como verdadeiros juizos .! de dezembro de 1841 (arts. 47 a 5.3). Igualmente, vivera. na França
de acusação 110 nosso sistema de processo penal, porque significam repulsa poucos anos, em virtude das leis revolucionárias de 16 e de 29 de setembro
liminar da acusação, à vista da insuficiência de elementos capazes de, de 1791 (arts. 20 e segs.) e do Código de .3 brumário do ano IV (arts.
por provas ou sérios indícios, Justificá-Ia. 226 a 230). Contra o instituto reagira o Código de 1808, que suprimiu a
12 i'RINCÍPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL INSTRUÇÃOCRIMINAL - FUNÇÕES 13

cia e de que tira todas as conseqüências legais, firmando todos Assim CESARE CIVOLI se manifesta: 4
0S elementos de decisão, todas as presunções, todos os motivos.
Se assim protegem o inculpado contra as imputações te- "A instrução formal (nome dado pela lei italiana à instru-
merárias, caluniosas ou infundadas, é para a justiça um meio preliminar, judicial) faz depender
1;;"lO a sujeição a julgamento,
de caracterização precisa dos fatos e da moralidade das ações. daquele contra o qual é instaurada, de uma decisão judicial
Quantas hesitações e incertezas não surgiriam, se os fatos .ux-rca da suficiência ou insuficiência de indícios de criminali-
fossem considerados, pela primeira vez, já no julgamento! O dadc ... "
procedimento oral não poderia marchar com segurança através
das alegações contraditórias das partes. Produzir-se-iam pro- E LurGI LUCCHINI: 5
vas, sem dúvida. Tomar-se-iam' testemunhos e seriam apre-
sentados autos, termos, certidões. Mas quem atestaria a mora- "Só é admissivel j uízo preliminar acerca do fundamento
Iidade dos depoentes e a fé que merecessem? Quem garantiria da imputação e da prévia apreciação das provas a fim de se
a autenticidade dos indícios e das presunções contraditórias e evitarem, nos casos mais graves, acusações precipitadas e teme-
ainda não averiguadas ou a inexistência de outras testemunhas rárias. Tal é, no processo inglês, o juizo de acusação, confia-
e de outras provas? Como se asseguraria o juiz de que a infor- do a um magistrado popular (great jury) ," Assinala, afinal,
mação fora completa e de que ele poderia adotá-Ia sem temor dentre os fins da instrução preliminar, o de "estabelecer se é
e ansiedade? caso de mandar a julgamento o imputado".
"Enfim - conclui FAUSTIN HÉLIE - o procedimento
12. Há, todavia entre os processualistas, muitos inimigos do
oral tem por principal apoio o procedimento escrito: este é que
juízo di? acusação. BERNARDINO ALIMENA é um deles.
designa àquele os elementos básicos, depois de apreciar-Ihes o
a despeito de considerar, em curioso conceito comparativo, que
caráter e a forma; afasta as testemunhas parasitas, os documen-
() juJ.zo de acusação marca o momento "in cui tutti i materiali
tos estranhos à causa, tudo o que pode atrapalhar sua mar-
isrruttori si transformano nel sangue, che poi dà vita al g-iudi-
cha, tudo o que não vai diretamente ao fim. Prepara, em suma,
/io definitivo". Diz o notável jurista italiano não ser necessá-
o terreno da discussão, cujos termos fixa, traçando-lhe limites.
rio" discorrere moIto, per combattere vittoriosamente il giudizio
Quão extensos e confusos não seriam os debates, quanta hesi-
tação no deliberar se não houvesse antes esse trabalho prepa- d'accusa "."
ratório! Impotentes seriam na apreciação de fatos complica- Louvando-se em obras de F. W. MAITLAND,7 STUBBS,8
dos e obscuros, de traços incertos e apagados pelo correr dos KTNGHORN,9 pretende ALIMENA que o instituto tenha origem
anos, cuja restauração só pode ser feita eu: pacientes e silen- na Inglaterra, cujas antigas leis estabeleciam que ninguém pu-
ciosas pesquisas de instrução." desse sofrer a afronta de um julgamento penal enquanto não

4. CESARE CIVOLI, 1vIanual e di procedura penale italiana, Fratelli


11. Também os processualistas italianos têm dado especial Boeca, Turim, 1921, pág. 192.
relevo a essa função da instrução preliminar, em muitos 5. LUIGI LUCCHINI, Elementl di procedura penale, G. Barbera, Flo-
procedimentos, de prevenir a justiça contra acusações infun- rença, 1895, pág. 290.
dadas. 6. BERNARDINO ALIMENA, Studi di procedura penale, Fratelli Bocca,
Turim, 1906, pág. 262.
7. F. 'vV. MAITLAND, Thc criminal liability o/ the Hundred, in The
ingerência popular nos juizos de acusação, criando a câmara de acusação,
Lon» Magazine and Reoieur, 4.a série, VII, citado por ALIMENA na obra
e a câmara de conselho. Esta desapareceu, mais tarde, por dispositivo da
referida, pág. 262.
lei de 17 de julho de 1856, que concentrou nas mãos do juiz instrutor,
8. STUBTlS, Constitutional History oi England, vol. I, c. IX, Londres,
com outras funções, todas as que haviam cabido à câmara de conselho.
1880. citado por ALIMENA na obra referida, pág. 262.
BERNARDINO ALIMENA, Studi di Pro cedura Penale, FrateIli Bocca, Turim,
9. KINGHORN, The growth of lhe grand jury system, in The La'lJI
1906, II giudizio d'accusa, pág, 249; FERNANDO EMYGDIO DA SILVA, 111-
vesttgação criminal, Lisboa, 1909, pág. 213. Mturacine and Review, 4.a série, VI, citado por ALlMENA na obra refe-
rida, pág. 263.
14 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INSTRUÇÃO CRIMINAL - FUNÇÕES 1j

fosse suficientemente fundada a acusação, segundo o parecer do A abolição desse j uízo traria a vantagem de, responsabili-
povo da comunidade, responsável - como sabemos - pelos /;llIdo unicamente o mcnistério público pelas acusações, infundir
crimes cometidos em seu território, pela sua descoberta e pela II()S promotores mais amor e maior cuidado aos interesses da
prisão dos culpados. 10 O alargamento dos territórios das co- iust ica.
munidades, dificultando a consulta popular, transformou-a, mais "A favor do iuieo de acusação se tem repetido, em todos
tarde, na instituição dos furados de acusaçiia.v) que, antes de ,'s ions, que seria um grande mal se o inocente fosse submetido
serem juízes, foram simples testemunhas. mlll precipitação ou, o que é pior, com temeridade a um jul-
Esse motivo mesmo da origem do instituto provaria a inu- .::a mento público... Mas respondem vitoriosarr:ente BORSANI e
tilidade do juízo de acusação nos tempos atuais, em que existe ('ASORATI,12 rião se percebe que, se o réu vai a julgamento, já
o ministério público para perseguição de todos os criminosos. I «-rcleu bastante tempo e, se é impronunciado, quase nada lhe va-
Naquelas remotas eras °
julgamento prévio representava, con- k- a publicidade da reparação, sabido como é, que a desestirna
tudo, um estímulo e um freio: a testemunha prestava depoi- pública não surge do julgamento mas da simples imputação do
mento estimulada pelo fato de saber que com isso movia a ação ni'lle a alguém". 13
penal para diante; e as acusações infundadas e malignas não Constitui, mais, o juízo de acusação um perigo para o
vingavam porque dependiam da opinião pública. Mas, muda- imputado, que se sujeita a julgamento sob forte presunção de
dos os tempos, o juízo de acusação - continua ALIMENA - rulpabilidade, resultante da força de uma sentença; e represen-
contradiz o instituto do ministério público, criando embaraços e I a, além disso, grande mal coletivo pela lentidão que imprime
desconfianças à sua ação de justiça. Diminui as responsabili- ;10 procedimento, sendo capaz de causar nos juízes a perda da
dades pelas acusações infundadas, pois o promotor não as pesa consciência da repressão, É que, sobretudo num país meridio-
porque o juiz, segundo sabe, provavelmente as pesará antes de lIal como a Itália - alega o autor - a demora e o sentimen-
as admitir; e o juiz não as pesa porque, sendo o promotor pú- l alisruo apagam as recordações do alarma do crime e determi-
blico órgão da justiça, provavelmente já as pesou antes de agir. liam facilmente rasgos indesejáveis de brandura,
Nenhum valor enfim merece o 8rgumento de HÉLIE de que
10. Sob Eduardo I, na Inglaterra, o clamor público em caso de ;1 absolvição pública, revelando uma acusação infundada, acar-
flagrante delito foi regulamentado pelo segundo Estatuto de Westminster, reta o descrédito da justiça; porque, demonstrado, pelos fatos,
como direito e dever de todos os súditos, assim obrigados a perseguir os 'llIe nunca deixarão de existir absolvições, muito menos des-
culpados aos gritos, hue and cry. moralizadora para G Estado será a impressão pública ele um
Quem punha a mão sobre um eriminoso não podia deixá-I o fugir c engano do acusador do que a de um erro judiciário. 14
devia entregá-Io ao sherif], EMILE E. SEITZ, Les principes directeurs
de Ia procedure criminelle de l' Angleterre, Rousseau, Paris, 1938, pág, 105.
11. Na Inglaterra, as primeiras aparições de uma justiça penal, que, 12. BORSAr-il e CA50RATI, II codice dt procedura. penole italiano
superando a primitiva expressão de vindita privada, permitiu a magistra- romnientaro, Milão, 1878, vol. III, § 848, citado por ALIMEr-iA,na obra
tura popular e precisamente a intervenção dos vizinhos no julgamento, referida, pág. 268.
remontam aos primeiros anos da história dos povos anglo-saxões. Essa 13, BERr-iARDINO ALIMENA, Studi di procedura penale, Fratelli Bocca,
participação se exprimia, nas épocas mais remotas, como testemunho, Turim, 1906, pág, 268.
acusação e julgamento, indistintamente. Só no decurso de longos séculos, 14. BERNARDINOALIMENA, Studi di procetlura pencle, Fratelli Bocca,
a função testemunhal veio a separar-se nitidamente da função de juiz. Turim, 1906, págs, 335 a 337.
Com efeito, só pelos tempos de Eduardo III (1327, 1377) se pode ter a Pensa como AUMENA ° Prof. NoÉ AZEVEDOquando expende os
prova certa dessa separação, precisada nos Estatutos. seguintes conceitos: "Prevaleceu o argumento de que no sistema do
Substituídos os vizinhos por um número determinado de jurados e Código do Processo de 1832, ainda hoje em vigor no Estado de São
caindo em desuso a praxe de cometer a quatro cavaleiros, escolhidos pelo !'aulo, a ação criminal propriamente dita começa depois da pronúncia,
shertf], a nomeação dos juízes populares, Um Estatuto daquele soberano, com a apresentação do libelo... Mas isso não passa de uma ficção,
dando ao .sherij] a faculdade de nomeação direta, prescreveu que os inteiramente contrária à realidade dos fatos. Toda a instrução dos pro-
jurados seriam indicados dentre as pessoas mais idôneas e mais dignas (Ia. cessos criminais se faz durante o chamado sumário de culpe; As garan-
confiança pública, SALVATOI<E CICALA, La giuria e il nuouo Stato, Soe. tias da liberdade indi'l:idual em face das novas tendências penais, Ed.
Istituto Editoriale Scienti íico, Milão, 1929, pág. 13. Revista dos' Tribunais, São Paulo, 1936, pág. 170.
16 PRINcíPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL INSTRUÇÃOCRIMINAL - FUNÇÕES 17

Concluindo, BERNARDINO ALIMENA revela. todavia, que 1I1'.lificativaf> ou dirimentes.V para que os imputados possam
não deseja propriamente sejam abolidos os juízos de acusação ',1'1 acusados, a lei italiana por exemplo, estabelece que nin-
e as instruções preventivas, mas apenas preconiza constituam ':11<"11\ deve ser 'Submetido a julgamento se ficar previan:ente
estas e aqueles tarefa do ministério público ou, pelo menos, re- \,., j r irado na instrução "qualsiasi motivo che per il diritto pe-
dundem numa simples investigação de cujos préstimos seja 1I,a1(' «scluda Ia punibilità.". 18

juiz tão-só o acusador.


I ~l Idéia clara dessa finalidade da instrução preliminar re-
13. VINCENZO MANZINI repele implicitamente essa restrição, sulta, assim, da lição dos grandes processualistas e da
quando afirma: 1,·~:isJação: preservar a inocência contra as acusações infunda-
.1;1'; (' o organismo judiciário contra o custo e a inutilidade em
"Se fosse somente preparo de acusação a instrução preli- '1'11' «stas redundariam,
minar constituiria atividade própria do ministério público. Mas,
ao contrário, tem por finalidade recolher e tomar em conside- 17. () art. 20 da Lei n. 2.033, de 20 de setembro de 1871, rezava:
f )., casos de que trata o art. 10 do Código Criminal são só do conheci-
ração a defesa do imputado e instituir juízo sobre a questão
"10'"1,, (' decisão do juiz formador da culpa, com apelação ex officio para
de ser ou não ser caso de mandá-lo a julgamento." ,I I("'açào, quando a decisão fôr definitiva."
"As normas concernentes ao instituto da instrução... têm I':sse art. 10 do Código Criminal dizia: "Não se julgarão crimi-
",,',11': § 1.0. Os menores de 14 anos; § 2.°. Os loucos de todo gênero,
não só um fim de garantia individual, como também o escopo ·,,11 vo M' tiverem lúcidos intervalos e neles cometerem o crime; § 3.°. Os
de evitar debates inúteis e de preparar material válido para os 'li'" rornctcrern crimes violentados por força ou medo irresistíveis; § 4.°.
debates necessários." 15 f h 'fll<' cometerem crimes casualmente no exercício ou prática de qualquer
,fio Iirito, feito com atenção ordinária." O dispositivo cor responde ao do
.u I .? do Código Penal de 1890.
14. Redunda, pois, o [wieo de acusação em licença para acu- () it'gislador estadual de São Paulo, todavia" declarou expressamente,
sar, dada pelo juiz ao acusador, à vista da relação pro- " •• I lendo n. 123, de 10 de novembro de 1892 (art. 124, n. I, i), na Lei
" I .ldO C, de 30 de dezembro de 1918 (art. 5,°) e no Decreto n. 3.015,
batória existente entre o fato incriminado e os elementos da
.I" ,~ode janeiro de 1919 (art. 21), a competência dos juízes de direito
instrução. 1',11 a vouhccerern, nos despachos de pronúncia, das dirimentes do art. 27
,. d"" justificativas dos arts. 32 e 35 do mesmo Código.
Não basta, contudo, que haja entre o fato incriminado e
IK. As sentenças de non. doversi procedere, isto é, que julgam irn-
os elementos coligidos uma relação probatória qualquer. 1" •• ,\'ssav('is as acusações, correspondem aos nossos despachos de impro-
11 preciso que esta relação seja tal que legitime a acusação. ,,,,,,, ia. Podem fundar-se em qualquer motivo que exclua a punibilidade
d" uuliciado c também sobre motivos meramente processuais. São mo-
Essa legitimidade varia de país para país. Se no Brasil t t v••, «xcludcntes da punibilidade (art. 378 do Código de Processo de
bastam prova plena da existência de um crime, indícios veemen- I 'HO): a) insubsistência do fato, ou perchê il fatto non sussiste ou
1',", hll l'imputato non ha connnesso il fatto (art. 378); b) inesistêncio
tes de autoria 16 e menos graves ainda da inexistência de certas .I,' "Hll", ou perchê si tralta di persona tlon imputabile (arts. 85 a 97 do
( ,'"lif,O Penal) ou perch« si tratta di p ersona non p unibile ; c) estinção
15. VINCENZO MANZINI, Traitato di diritto processuale penale, .I" rrime ; d) perdão judicial. São motivos de direito processual; a)
UTET, Turim, 1932, 4.° vol., págs. 147 e 149. fllI('ro/,onibilidade ou imorosscquibilidade da ação penal, ou perchê l'asione
1"'lw/I' non curebbe potuto essere iniziata ou perchê l'asione penale non
16. Estas eram as expressões do Código do Processo Criminal, de I",) rsscre proseguita; b) insufhiência de provas; c) autoria do crime
1832, art. 144, ainda em vigor: "Se pela inquirição das testemunhas, umornda,
interrogatório ao indiciado delinqüente, ou informações a que tiver pro-
Segundo o projeto do Código de Processo de 1930, as sentenças
cedido, o juiz se convencer da existência do delito, e de quem seja o , ,.fnidas, denominadas di proscioqlimento, se distinguiam em sentenças
delinqüente, declarará por seu despacho nos autos que julga procedente dI' 11"'1 doversi procedere e de assolueione, O texto definitivo, contudo,
a queixa, ou denúncia, e obrigado o delinqüente à prisão nos casos em unificou as duas espécies sob o nome de sentenças de non doversi pro-
que esta tem lugar, e sempre a livramento." c ctlcr «, reservando o de absolvição para as sentenças che prosciolçono
18 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INSTRUÇÃO CRIMINAL - FUNÇÕES 19

o mal causado pela ação penal deixada ao arbítrio dos ~lavidas que foram tais medidas cíveis, criminais ou pro-
acusadores seria, nos casos de absolvição, uma injustiça. Bens I (··.~,jl;tiscomo pouco eficazes ou de óbvia inconveniência, por
materiais e morais, fama, honra, dignidade, teriam sofrido "llIsidcrarem males consumados e não males pendentes, ou por
danos irreparáveis e exclusivamente causados pela faculdade .,,;II-rdarem, muitas vezes, maior mal do que o combatido, foi
discricionária da calúnia, da mentira, da leviandade, da extor- '('IIIi'rc lembrada e adotada outra cautela mais oportuna nos
são, docilmente servidas pelo trabalho penoso, inútil aos pró- tu u.os de acusação e na instrução preliminar preventiva.
prios fins, do poder público.
Cautelas defensivas contra esses abusos são as cominações
de direito civil 19 e de direito penal 20 destinadas ao ressarci- Seção segunda
mento dos danos e à punição dos autores de queixas e denún-
cias improcedentes, culposas ou dolosas, Outras garantias de FUNÇÃO PRE,PARATÓRIA
análoga finalidade registra a história do processo.ê!

per determinati motivi in seguito a giudizio, isto é, para as sentenças 1[,. Passemos, após termos explicado a função preseroadora
absolutórias proferidas em julgamento definitivo e não em grau de ins- da instrução preliminar, a determinar os motivos de sua
trução. VINCENZO MANZJNI, TraUato di diritto processuole penale,
UTET, Turim, 1932, págs, 196 a 207. [IIIIÇ;tOpropriamente preparatória.
19. "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
Desdobremos, pouco a pouco, essa determinação.
imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a
reparar o dano" (art. 159 do Código Civil). 17. Deve o juiz conhecer todos os dados da questão para
"A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do bem julgá-la e as partes devem exprimi-Ia de forma que
dano que delas resulte ao ofendido. Parágrafo único. Se este não puder
provar prejuízo material, pagar-lhe-à o ofensor o dobro da multa no ~'('ja bem entendida.
grau máximo da pena criminal respectiva" (art. 1. 547). Entendem-se os homens, naturalmente, na imediação. A
"Consideram-se ofensivas da liberdade pessoal... 11. A prisão por ~)roxi1l1ic\ade é condição da correspondência de idéias e imagens,
queixa ou denúncia falsa ou de má-fé" (art.1.551). vr-ncida apenas pelo engenho artístico, criador da documentaçiio
"A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no paga- ('1\1 suas mais variadas formas -- escrita, desenho, pintura, es-
mento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e no de uma soma rult u rn, fotografia, cinematografia -- e da transmissão à dis-
calculada nos termos do parágrafo único do art. 1.547" (art. 1.550). t ánci« - telefônica, telegráfica, radiofônica, radiográfica ou de
"Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de t(·kvisão.
outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se tiver mais de
um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação" A imediação dá rapidez ao trato habitual do homem com
(art. 1.518). sells semelhantes, à manifestação direta dos desejos, das
20. Dispõe o art. 264 da Consolidação das Leis Penais; "Dar queixa .muências e das negativas, às prontas reiterações e motivações
ou denúncia contra alguém, imputando-lhe, falsa ou dolosamente, fatos dI' propósitos, à instantânea percepção global dos objetos ou das
que, se fossem verdadeiros, constituiriam crime e sujeitariam seu auto!' solicitações exteriores ; facilita a compreensão, as análises e as
à ação criminal; Pena - a do crime imputado."
sínteses dos fenômenos; estimula as indagações urgentes, favo-
21. A história de Roma registra que a absolvição do acusado acar-
retava sanção contra o acusador que agira infundada, temerária ou recendo a vivacidade dos juizos e dos raciocínios.
caluniosamente. No Império, as cautelas e formalidades de acusação As conversas banais de todo dia, as negociações do comér-
foram até ao rigor da detenção preventiva do acusador, o que inspirou, cio e da indústria, os atos da vida material ou econômica, as
mais tarde, o legislador lusitano de 1385, tempo de D. João I, no deter- discussões, as relações profissionais e hierárquicas, as manifes-
minar, expressamente, para o caso de querela maliciosa; "prendam logo
o quereloso e nem o soltem atee que venha o desernbargo de appellaçorn " . tações da arte, da ciência, da religião e da política, quase tudo,
Nomeação liminar de testemunhas, caução, juramento, constituem enfim, que a existência social comporta, se realiza, por natu-
-outros tantos cuidados da justiça contra as investidas da calúnia e da reza, na imediação entre os homens e se impossibilita ou difi-
leviandade acusadoras culta no afastamento do espaço e do tempo.
II

P. I', r. P.
I BJI!ILIOTEC", DA U. C. M. a-'
a
INSTRUÇÃO CRIMINAL - FUNÇÕES
21
PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL
20
As explicaçÕes reclamadas pelos desejos, pedidos e ordens
18. Não buscam outro caminho os litígios: também seguem iunl expressos ou mal entendidos requerem-se e dão-se em cur-
a regra natural. Ferem-se melhor na imediação. t()s instantes, quando os interlocutores se defrontam. Compli-
call1-se e exigem novos dispêndios de tempo e de trabalho, se
Próximo do adversário é que o lutador pode atingi-Io por a (listància que os separa depende, como sempre acontece, de
palavras ou por atos, contrariá-Io ou contradizê-Io, golpeá-Io transportes, ou documentação.
ou rebater os golpes, reduzi-Io à inatividade, obter a vitória, Devem as partes também conhecer de perto os meios de
que é o objetivo próximo de todas as contendas. 1 .rovas para melhor os compreenderem e, assim, aprestarem-se a
O pacificador também age melhor na imediação da luta. ('sgotar-Ihes o conteúdo probatório. A inspeção ocular dos ves-
Para compreendê-Ia e calcular, de acordo com o interesse de- tígios ou mesmo dos caracteres sensíveis do fato e a inquirição
terminante de sua intervenção, o sentido que a esta deva dar, oral das testemunhas permitem exame detido das mais variadas
o árbitro necessita de ver, ouvir, sentir a verdade de perto. notas, comparações de urgência e oportunas, confrontos inadiá-
Ao lado dos litigantes, percebendo-Ihes os ditos e o comporta·· vcis, acurada pesquisa e interpretação de minúcias e aspectos
mento, se assenhoreia dos motivos e termos da questão, das dos sinais ostentados pela matéria das coisas, reperguntas e
razões e das forças opostas. J unto deles, estimula ou faz c:lreações n09 depoimentos e declarações ambíguas ou incomple-
gerar o desânimo, por palavras e por atos, em ambos ou em tas, contraditórias ou imperfeitas. Tais exames, comparações,
qualquer dos dois, ao impulso do arbitramento, cujos propó- confrontos, pesquisas, explicações ficam, desde logo, no ato
sitos, por sua vez, os lutadores logo compreendem e comparam da produção, ao alcance dos três agentes do procedimento,
com os da respectiva ação ou reação no cálculo do objetivo e autor, réu, juiz. Isso poupa as suas energias e as semanas ou
da força do árbitro no conilito. meses que teriam de gastar se estivessem, não na imediação,
mas afastados do tempo e lugar da produção probatória.
19. As questões judiciárias são litígios. Tudo quanto a A distância, em suma, dificulta a luta judiciária; e a ime-
estes concerne se aplica perfeitamente à situação que no díaçào, ao contrário, beneficia a justiça. Autor, réu e juiz,
procedimento criminal devem ocupar, no espaço e no tempo, li- concentrando as próprias atividades no tempo e no lugar da
tigantes e juiz. discussão e do julgamento da causa, melhor servem à economia
Autor e réu melhor se entendem na imediação do que à processual, e, com menor esforço e maior garantia, realizam
distância; e melhor entendem o juiz presente do que o juiz os próprios objetivos.
ausente. 20. Forçoso é, porém, reconhecer que o ideal da imediação
O juiz também melhor os compreende vendo-os, ouvin- nem sempre se consegue, na prática, sem sacrifício da
do-os, sentindo-os litigar, do que tendo notícias do conflito. pureza da regra. Exceções consagra a vida judiciária, que se
A ação recíproca, da parte à parte ou das partes ao juiz, aj ustam melhor aos reclamos da justiça do que à aplicação ri-
se opera com a simplicidade das discussões e exposições verbais, gorosa do princípio. Não é mesmo difícil reconhecê-Ias. Bas-
rápidas, vivas, em que a contrariedade dos desejos e a oposição tante a análise das espécies de meios de prova, para se com-
imediata das provas dão aspecto global e concentrado à questão, preender como nem tudo quanto concerne ao processo de uma
em todos os seus elementos, possibilitando prontos revides e causa pode ser feito consecutivamente e num mesmo lugar.
soluções. Há meios de prova preconstituídos e meios de prova não
Os contendores que falam ao adversário ou ao juiz aquilo preconstituídos. A denominação dá idéia do critério diferen-
que querem despendem menor esforço do que os que escrevem cial: uns se constituem antes do litígio e outros durante o lití-
ou mandam dizer; também possibilitam imediata e fácil com- gio. Escrituras são exemplos de uns; exames, vistorias, depoi-
preensão de seus desejos, porque o adversário e o juiz, que ou- mentos freqüentem ente indiciam os outros. Lavram-se adrede
vem, despendem menor esforço, por sua vez, do que os que lêem documentos para que eventualmente possam valer em juizo ; é
1111rl·('('I)('111
notícias.
22 INSTRUÇÃO CRIMINAL - FUNÇÕES 23
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

uma preconstituição de prova. Promovem-se exames em /\s testemunhas geralmente podem ser ouvidas na concen-
pessoas, animais ou coisas, tomam-se testemunhos e declarações, 11:h;;-W processual. Exige, porém, a natureza da prova pessoal
como episódios, de regra, de um litígio atual: é uma constitui- "hscrvància de certas cautelas contra a malícia, a falibilidade
ção de prova. das expressões individuais, fontes de erros, enganos, contra-
Os meios de prova preconstituídos são disponíveis para os di'Jles, capazes de comprometer a obra da justiça.
seus portadores, que os exibem à solicitação do próprio inte- Testemunho se "controla" sobretudo por testemunho e, por
resse, onde, quando, como e a quem lhes convenha. A simples isto mesmo, raramente é singular.
apresentação basta para que o leitor os inspecione, sem outras
operações preliminares. Os documentos públicos, levados ao 1/ Da comparação dos depoimentos, uns com os outros, é que
tempo e ao lugar da concentração dos agentes e atos proces- melhor se deduz a realidade do ocorrido e se identificam erros,
suais, dispensam as partes e o juiz de esforços maiores do que ('qtlívocos, fantasias e mentiras. Para isto é preciso, muitas
os de simples inspeção e avaliação, como bases do julgamento: V('I'CS, que os litigantes possam de antemão conhecer o objetivo
o esforço de constituição está pré-realizada e o transporte do do testemunho e a pessoa depoente, a tempo e na medida ne-
escrito quase nada custa. ('('ss{tria ao preparo de contraprova.
Os meios de prova não preconstituídos exigem, porém, o
Outras vezes, as pessoas invocadas para depor se acham
esforço de sua constituição judicial, para que possam valer.
11:1impossibilidade, de fato ou por lei, de se locomoverem. São,
Pertença esse esforço às partes ou ao juiz, nem sempre é sus-
I'"r exemplo, enfermos, militares, certos funcionários públicos,
cetível de eficácia na concentração dos agentes e atos pro-
cessuais, (',1111domicílio ou residência forçada distante do foro da causa.
;\ produção da prova testemunhal, nesse caso, se desconcentra
r,'htivamente a tais depoimentos. E o mesmo acontece quan-
21. A inspeção direta, pelo julgador, dos vestígios probató- ,I,) a enfermidade não permite à testemunha a espera da data
rios encontradiços em coisas móveis e de fácil transporte
d(' jmar.1
pode realizar-se em concentração processual sem obstáculos in-
superáveis. À medida, porém, que o transporte se dificulta, as De toda a digressão exemplificativa até aqui feita se de-
22,
vantagem; de economia processual dessa inspeção direta vão
duz que a inadiabilidade e a intransportabilidade da pro-
decrescendo até se anularem na impossibilidade de transporte
.lucâo de prova podem ser devidas: a) ao material probatório;
natural ou artificial, trate-se de objetos pesados, de imóveis ou
I)) ao instrumental probatório; c) ao pessoal probatório.
de livros irremovíveis por lei, ou de distâncias ou caminhos
invencíveis.
Deduz-se também que depende consideravelmente das dis-
O mesmo se verifica quando, embora de fácil transporte,
1:'l11ciase meios de comunicações; e, portanto, dos característicos
os obj etos vistoriados só revelam seus caracteres probatórios
através de operações custosamente realizáveis ou de todo irrea-
lizáveis na audiência concentrada; o enfermo ou o cadáver que 1. Os arts. 90 e 91 do Código de Processo Criminal, de 1832,
devam ser examinados pelo juiz ou pelas partes, o material que dispõem:
deva ser submetido a experiências de laboratório, ou escrito que " Se o delinqüente Iór julgado em um lugar, e tiver em outro alguma
deva ser ampliado fotograficamente ou submetido a processos i<'stl'munha que não possa comparecer, poderá pedir que seja inquirida
nesse lugar, citada a parte contrária, ou o promotor, para assistir a
técnicos complicados requerem atos cuja prática deve sujeitar-
inquirição. "
-se às circunstâncias de tempo e de lugar apropriadas.
"Se alguma testemunha houver de ausentar-se, ou por sua avançada
IPode dar-se também que os peritos, auxiliares do juiz e idade, ou por seu estado valetudinário houver receio que ao tempo da
das partes, não se possam locon:over o que é mais raro. prova já não exista, poderá também, citados os mencionados no artigo
Seus serviços se prestam, nesse caso, apenas à distância e me- antecedente, ser inquirida a requerimento da parte interessada, a quem
diante escrito. ser;) entregue o depoimento para dele usar, quando e como lhe convier."
25
24 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INSTRUÇÃO CRIMINAL - FUNÇÕES

geográficos da circunscrição judiciária, sobretudo de sua ex- I"rdaele e ao serviço ela justiça, pelos grandeS sacrifícios que
tensão. 2 ',11:1produção em audiência representaria. Conduz, também, ao
Exames e vistorias irrealizáveis em audiência, quer pela :d:I"g-amento das possibilidades de recursos, à multiplicação de
intransportahilidade do material, quer pela dos instrumentos ou ::r:l1lS jurisdicionais, desde que já pela escritura se tornam dis-
dos técnicos das operações periciais; testemunhos ou outras pro- 11('lIsáveis reiterações de procedimentos e repetições de traba-
vas de surpresa cujos ditos ou revelações não poderiam ser, justa lhos. 3
ou injustamente, contraditados sem adiamentos processuais; À concentração processual,
cujo característico é a irnedia-
depoentes privados de viajar por mal físico ou outra causa ad- ,';t') geral dos agentes e atos processuais, expressos na oralidad.J
missível; t-udo são motivos da existência de uma fase prepa- das relações entre pessoas e na inspeção direta quanto às rela-
ratória no procedimento criminal, destinada à constituição das "'-,('s destas com as: coisas,4 dá ..se comurnente a denominaçã,)
provas não preconstituídas incapazes ele se constituírem na !~('l1érica de oralidade; e à regra que a ela preside a de princípio
imediação. di' oralidade.
Praeparo significa preaparelhar, predispor, preordenar,
3. JoÃo MEl'DES JÚNIOR assinala, dentre as mais importantes modi-
preconstituir. Processo preparatório é exatamente o processo fir:t<;õcs do último per íodo do processo romano, ter a instrução passado
anterior ao definitivo e no qual se preconstituem elementos , ser escrita. Sob a Reoública. fora ela inteiramente oral. e as provas
destinados a valer no debate da causa. Fundado na impossibi- n:1I11 coligidas e produzidas pela primeira vez por ocasião dos debates 11:1
lidade ou inconveniência econômico-processual da sua constitui- <:('ssflo de julgamento; todos os atos eram públicos e os julzamentos das
i nrisdições criminais, quase todos populares, não comportavam qualnuer
câo na concomitância das alegações e provas definitivas, possi-
,.,.visã0; não havia. pois. necessidade de autenticar por escrito :1 rezulari-
bilita-se na arte gráfica que, pela documentação, o integra no <I;"lc de Ir.rmas. Substituídos. porém, os judias [urat! por juizes ne+-
processo definitivo. "':lI1cntes, incumbida ao juiz a direcão dos atos da instrução. a restriç;lo
E assim as distâncias e as demoras obrigam os homens a do debate oral na coanitio extraordinaria, a deliberacão secreta, tudo isso
foi impondo (1 uso dos processos verbais, isso é, dos mttos da pYnrrssa.
fixar por escrito as sensações e idéias para que, no ato de ava-
l\ instrução dirigida pelo juiz - e mesmo os atos preliminares dos ,íltil11ils
liá-Ias, possa o ausente conhecê-Ias e a memória, falha como é, tcnttios _ trouxeram a necessidade de brorar as provas colig-idas; os
não tenha de responsabilizar-se pela fidelidade das recordações. i"tenog-atórios do acusadc e das testemunhas foram reproduzidos nos
.mros aPlld arfa olldiul1tur: as diligências foram narradas pelos scrib«: .
23. A grafia é usada, pois, como meio de integrar no pro- ...,111 a descrição das pessoas, coisas e fatos no tempo e no lugar. Por
cesso elementos que, sem ela, faltariam à elucidação da «utro lado, a ampliação da faculdade de apelar. trazendo a freqüente
oportunidade da relcção e reuisào dos processos e sentenças, teve como
2. O ideal assinalado pela doutrina a uma boa organização judi- c011s('qüência a necessidade de fazer constar por escrito o cumprimento
ciária, no que respeita à circunscrição judiciária, consiste em deverem ser .lns formas do processo.
constituídos os órgãos do Poder Judiciário de maneira a serem preenchi- Os scrib<e se multiplicaram nas secretarias e chancelarias dos trib:r-
das as seguintes condições; 1.") que a ação da justiça possa se manifestar nais e os processos verbais, autos, termos e assentadas, foram sendo
e fazer efetiva em toda a extensão territorial do Estado; 2.a) que a formulados; a escrita tornou-se um elemento de instrução que, paralisado
justiça sei a facilmente acessível a todos, sem morosidade c delongas, sem mais tarde pelas invasões dos bárbaros e pelas desordens da época feudal,
grandes ônus de dispêndios e de viagens e sem o sacrifício da perda de recuperou no século XIII, sob a influência do direito canônico, o seu
tempo para os que a ela precisam de recorrer. 'lSO 110 foro. sendo afinal, no século XV, consagrada na legislação e na
"Daí a indeclinável necessidade da divisão territorial do Estado em prática forense de todos os povos. O processo criminal brasileiro, Rio,
circunscriçóes, pelas quais tenham de ser distribuídas as jurisdições, con- 1920, vol. I, pág. 45.
Íorme as instâncias e as alçadas." MANUEL AURELIANO DE GUSMÃO, 4. A oral idade caracteriza-se nas suas linhas mestras por cinco
Processo ctuil e comercial, Livraria Acadêmica, São Paulo, 1926, pág. 71. elementos: 1.0) a predominância da palavra falada; 2.°) a imediatidade
- Em relação à divisão tcrr'itor ial, perante a doutrina dois são os da relação do Juiz com as partes e com os meios produtores da certeza;
princípios que a legitimam; 1.0) a necessidade de tornar o Poder Judiciá- 3.0) a identidade física do órgão judicante em todo o decorrer da lide;
rio operativo em todo o território; 2.") colocar as autoridades judiciárias 4.") a concentração da causa no tempo; 5.°) a irrecorribilidade das inter-
ao alcance das partes, de sorte a não forçá-Ias a viagens dispendiosas e a locutórias.
grande perda de tempo, o que equivaleria a negar-Ihes justiça. JOÃci "A maior rapidez e facilidade de entender-se reciprocamente, a sele-
MENDES ]ÚNIOR, Direito Judicuirio Brasileiro, Rio, 1918, págs. 73 e 74' çfw que a. defesa falada opera naturfll111ente 110S argumentos e razôes,

~- _ :aIii •••• _ •••••. -


27
INSTRUÇÃO CRIMINAL - FUNÇÕES
26 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

Os procedimentos preparatórios, destinados à valia futura


24. Quer em tal sentido lato, quer no sentido estrito de qua- e eventual, são sempre, com relacâo à causa definitiva proce-
lidade da expressão falada, a oralidade não se opõe pro- dimentos escritos,6 embora não lhes faltem, quase sempre, a
cessualmente à escrita. como parece à pr imeiru consideração. A imediação, a ora1ídade, a inspeção direta judiciais no momento
escrita é meio - o mais importante, pois não o único - de e no lugar da constituição das provas.
documentação, suscetível de conservar, além de atos orais, atos
de inspeção direta, e a que se recorre, por isso mesmo, para in- 25. O processo penal é predominantemente oral e concen-
tegrar na causa elementos que, sem eles, não poderiam senão trado em audiência. Nisso reside uma de suas maiores
rara e custosamente servir aos fins processuais.
ções ou apelações e os meios de reprodução da palavra são difíceis. Nos
pleitos de uma civilização mais avançada, a escrita tem sempre uma parte.
A diferença entre brocedimento oral e procedimento escrito Todo processo moderno é, portanto, misio ; e será oral ou escrito
também é relativa e acidental. O mesmo procedimento pode segundo a importância que nele se dê à oralidade e à escritura, e sobre-
ser escrito e oral: oral pela concentração dos agentes e atos da tudo segundo o modo de ser da oralidade" GruSEPPECHIOVENDA, Derecho
causa e do juizo ; e escrito pela documentação de tais atos capaz procesal civil, Madri, vaI. 11, pág. 129.
6. «Depois do desenvolvimento da arte de escrever, veio a palavra
de servir a fins eventuais da causa, no mesmo ou em outro escrita servir, não para substituir, mas para representar a palavra falada.
grau de jurisdição. 5 Antigamente, os atos forenses deveriam sempre ser concluídos oralmente
c publicamente, ou, ao menos, diante de um certo número de testemunhas;
mesmo agora, nas ,fórmulas, conservam-se expressões que significam
salientando a eficácia das boas e a inanidade das más, a impressão de
quem escuta, explicam a importância que os debates têm nas relações prévia conclusão oral, da qual, aliás, muitos atos essencialmente depen-
dcm, Entretanto. quer reproduzindo palavras faladas, quer referindo a
públicas e privadas da vida moderna (CHIOVENDA).
"Quanto ao segundo requisito, a imcdiatidode, está intimamente li- intenção dos agentes, quer determinando o moviment0, a forma escrita é
gado à oralidade, porque só no procedimento oral pode ser plena e: a forma extrínseca do foro, mesmo quando apenas indica a produção da
eficazmente aplicado. forma oral, nos casos em que não reproduz as palavras."
" . .. a palavra era a principal representação dos atos jurídicos e
"O terceiro elemento, identidade da pessoa física do órgão judicante.
é um corolário dos primeiros. Sua vantagem é manifesta. Só quando o dos judiciais, até que o direito canànico, pela Decretal Quoniam contra,
julgador assiste por si ao desenvolvimento e instrução da causa é que ,1c Inocêncio IIl, em 1216 (tít. de probat.), determinou que todos os
lhe é possível ter uma impressão direta e pessoal para conhecer do pleito atos do processo, quer os da causa, quer os do juízo, passassem a ser
escritos por uma pessoa pública, ou por duas pessoas idàneas. Os es-
e proferir a sentença.
"O elemento chamado da concentração da causa é porventura o crivães passaram então a escrever não só os termos do movimento, como
os atos da causa e do juízo, tais como petições, libelo, contrariedade,
principal característico do procedimento oral e o que tem mais influência
na abreviação da lide, a tal ponto que, no dizer dos autores, falar de réplica, tréplica, depoimentos. alegações, despachos, sentenças, reprodu-
zindo as palavras, exprimindo o mesmo pensamento, ou textualmente,
ora/idade equivale a falar de concentração. Consiste em apertar o feito
em um período breve, reduzindo-o a uma só audiência ou a poucas audiên- conforme a natureza do ato: as fórmulas atuais conservam expressões
cias a curtos intervalos. Quanto mais próximos da decisão do juiz são tais como diz, disse, foi dito, que rememoram essa reprodução. Mas,
os movimentos processuais, tanto menor é o perigo do desaparecimento posteriormente, com o desenvolvimento da arte de escrever, os atos da
causa, tais como petições, libelo, contrariedade, réplica, tréplica e alega-
das impressões pessoais e dos fatos que a memória registra.
"O último requisito, a irrecorribiluiade das interlocutórias, tende por ções, passaram a ser escritos pelas partes, ou por seus procuradores e
igual a assegurar a atuação dos primeiros, impedindo que os julgamentos advogados; os despachos e sentenças passaram a ser escritos pelos juizes
(a Novela 45 do Imperador Leão, no século IX, é que determinou que
se dilatem, concentrando a causa e abreviando o tempo para sua decisão.
No que náo há nenhum sacrifício da justiça, porque se por um lado se os 'J uízes dessem as sentenças por escrito e as assinassem) ; os termos do
continuar dos feitos e os termos prejudiciais, assim como as audiências,
obsta a que as demandas se retardem com incidentes, por outro se am-
assentadas, depoimentos e autos de diligências, pelos escrivães; os outros
param os direitos dos pleiteantes, permitindo que os ditos incidentes
sejam apreciados como o julgamento de substância (FRANCISCOMORATll, atos e fés de diligências, pelos respectivos oficiais."
"Nossos praxistas assim classificavam a forma do processo: 1.0)
O procedimento oral, discurso pronunciado no Congresso Nacional de
Direito Judiciário, no Rio, e publicado na Revista da Faculdade de Direito processo simplesmente verbal: limitava-se o escrivão a fazer em seu
de São Pau/o. maio-agosto de 1936, vol. XXXII, fasc. lI, pág. 289). proiocolo um assento de como o juiz ouviu as partes sobre o fato e
condenou ou absolveu; e a extrair 'mandado para execução (Ord. L. 1.,
5. "Hoje, o processo não pode ser puramente oral ou escrito. Ex-
tít. 65, §§ 7.0, 23 e 73). 2.0) processo verbal por escrito: o escrivão
clusivamente oral só pode ser um processo primitivo, quando os pleitos e
os meios de prova são singelos, simples, e não se admitem as impugna
28 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INSTRUÇÃO CRIMINAL - FUNÇÕES 29

garantias ele justiça, na opinião quase unânime da doutrina, da riências e operações de laboratório, verificações psiquiátricas,
lei e da jurisprudência. 7 seleção cios testemunhos para a sua fiscalização prévia, longo
rol de medidas preventivas e meios de prova exigem que haja
N em tudo, entretanto, que o integra pode ser feito na au- um procedimento preparatório, capaz de servir, pela redução
diência final. Exames no lugar do crime, vistorias em imóveis de tudo a escrito, aos fins principais do debate e julgamento
e apreensão dos objetos e instrumentos da agressão, levantamen- decisivo da causa e suscetível de permitir o aproveitamento da-
to do cadáver, exumações e autópsias, exames médicos, expe- queles importantes elementos de convicção, sem sacrifício do
princípio da oralidade.
escrevia, também, tudo quanto as partes ou procuradores dissessem, in-
clusive razões finais; havia autuação e já se iniciara a transcrição no 26. Assim se verifica como e porque é a oralidade, com seus
protocolo das audiências. 3.0) processo simplesmente escrito: lavrado em requisitos de imeeliação e concentração processuais, de
requerimentos, articulados. alegações. assentadas, autos; em termos. fés.
contrajés, certidões, mandados, provisões, aluarás, ordens, cartas; trans- identidade física do julgador, singular ou colegial. que deter-
crição no protocolo das audiências; despachos e sentenças". mina o procedimento criminal preparatório. Determinação
"O procedimento oral. mesmo levado ao seu extremo rigor, não Janto mais premente quanto mais impossíveis e difíceis forem
exclui as peças escritas ... " os meios de transporte e comunicação entre os lugares de cri-
" . .. na prática, todo procedimento é misto de oral e escrito, sendo me e os do exercício do julgamento.
que no procedimento oral predomina a palavra falada em pública audiên-
cia, e no procedimento escrito predomina a palavra tal como é reprodu-
zida 011 referida nos autos." Jo.~o MENDES JÚNIOR, Direito Judiciário À oralidade convém, pois. certo preparo da causa. A con-
brasileiro, Rio, 1918, págs. 301 a 308. veniência se torna necessidade na razão direta da amplitude
7. Embora escrevendo sobre processo civil, TOMÁS JOFRÉ. Provecio elas circunscrições judiciárias. das dificuldades ele transporte,
de codiqo de procedimiento ci'i!il, Buenos Aires, 1926, pág. 9, fez conside- da natureza dos meios de prova ou do caráter das operações
rações aplicáveis, de certa maneira, ao processo penal: "Con resper+o
técnicas de que dependam estes para valer. 8
a Ia oralidad, Ias venta] as dei j uicio oral sobre el escrito han sido evi-
denciadas por Ia prática de todas Ias naciones; y es por eso que 10 A instrução criminal da causa se realiza na concentração
hemos aceptado, cornbinándolo, asimismo, en su justa proporción, con Ia ela audiência de julgamento. Tudo quanto antes acontece e
escritura. EI predominio dei proceclimiento escrito propende a que se
fica documentado em autos para servir a seus fins é seu pre-
piei' da Ia noción de 10 real y a que se trabe una armazón artificiosa y
falsa, olvidando que sólo los pluebos que han vivido Ia oralidad son aptos I'oro: pode este ter procedimento anterior ou posterior ao juizo
para apreciar sus ventajas, dei mismo modo que sólo quien ha estado de acusação e, então, ser atividade de instrução preliminar ou
enfermo sabe apreciar Ia salud." de simples preparo ela audiência.
"I1 signi Iicato dei principio dell'oralità - ensina MANZINI, Tratiato
d~ diritto pro cessuole pcnalc, UTET, Turim, 1932, vol. 111, págs, 8 e 9 27 . É oportuno, assim, salientar que o preparo de provas
- in contraposto ai principio deIlo scritto, e precisamente questo: il para a audiência não se encerra com a pronúncia do
giudice e tenuto a [ondare Ia propria decisione (e consequentemcnt c
enche l' euentuale motiuucionc i sopra íl nuiteriole di fatto esposto oral-
mente nel processo, di guisa che non puà qiouarsi di alcun. elemento 8. Para tornar possível a concentração da causa em audiência, são
percepito soltanto mediante esame d'scno scrito," exigidos certos atos ele preparo da discussão - citação, troca das dedu-
"Ll principio dell'oralitã exige soltanto clie l'atto sorqa e si compio ções pelas partes - constituidores, se o juiz intervém, de um verdadeiro
oralmente dinanci all'Autorifà giudiziaria che per prima deve usorlo ai procedimento preparatório, preliminar aos debates. O processo, então,
fini dei procedimento." entendido como atividade combinada do juiz. e partes, cinde-se em duas
E afinal: "Ognuno comprende come il procedimento orale sia quello fases, preparatória e definitiva. Segundo tais reflexões, a conveniência
che meglio risponde agli scopi dei processo penale, especialmente ai fine desse procedimento preparatório pode ser admitida quando a natureza do
dell'accertamento de lia verità reale. L'orale e cosa viva, sentita, pene- litígio seja tal que o exija. Entra em campo, aqui, o argumento da
trante; 10 scritto e cosa morta, riflessa, sbiadita. li primo e facilmente assunçào das provas (assuncione dellc prove), quando convenha combinar
controllabile e sindacabile, trasparente, immediato; il secondo espesso a troca das deduções com a inspeção das provas irrealizável durante (]
di fficilmerite controllabile, muto, media to. Senza contare che I' oralità discussão. FRANCESCO CARNELUTTf, Lezioni di diritto processuale ciuile,
giova ãnche alla speditezza dei procedimento." f:EDAM, Pádua , 1933, vol. III, págs. 192 e 193,
30 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INSTRUÇÃO CRIMINAL - FUNÇÕES 31

juizo de acusação mas continua em todas as diligências e me- Certos depoimentos, por exemplo, que a concentração pro-
didas prévias do julgamento destinadas a instruir mediatarnen- cessual admitiria prestados na audiência, podem acidentalmente
te o juiz da causa, singular ou coletivo. 9 representar preparo de prova e, nesse caráter, dispensar sua re-
produção no procedimento definitivo da causa. 10
28. Estabelecemos que a função preparatória da instrução
Entre nós, os autos ele corpo de delito, nos inquéritos po-
preliminar se determina pela necessidade de produção,
liciais que servem de base aos processos de alçada, isto é,
antes e fora da audiência, de provas dificilmente realizáveis no
àqueles que não têm prévia formação da culpa, representam
tempo e no local de concentração do processo.
simples atos de preparo. Nos processos ordinários, que exigem
Vimos, mais, que a função preventiva decorre da necessi- nróvia formação da culpa, esses mesmos autos se destinam tanto
;10 preparo quanto ao juizo de acusação, quer praticados pela
dade de fundamentar um juizo de acusação, isto é, um julgamen-
to prévio dos elementos acusatórios, quer para garantia da ino- Policia, quer praticados pelo juiz. 11 E isso porque servirão de
cência contra a leviandade ou calúnia, quer para garantia do base tanto para a decisão da causa como para a pronúncia.
organismo jurisdicional contra os dispêndios inúteis e injustos Os depoimentos do inquérito policial não se consideram
de tempo e de trabalho. atos de preparo judicial, mas atos preparatórios extrajudiciais,
Embora distintas, as duas funções de instrução preliminar ou meramente informativos. 12 Os depoimentos de formação da
não vivem, na prática, necessariamente separadas. Ao contrá- culpa não são, porém, apenas atos de prevenção, mas também
rio, quase sempre se confundem, tornando-se, não raro, traba- atos de preparo, quando, lidos na audiência final, neles tam-
lho sutil de análise distingui-Ias num mesmo procedimento. I>C'111 se funda a sentença e não só nos depoimentos orais.
Assim é que os atos judiciais ou equiparados de instrução
preliminar, exigidos pela concentração e oralidade do processo 10. É, de regra, vedada, sob a pena de nulidade, pelo Código de
definitivo, servem de base, também, para os juizos de acusa- Processo Criminal italiano, a leitura de depoimentos da instrução preli-
ção. E, vice-versa, os atos que o juízo de acusação solicita, minar na audiência definitiva de julgamento da causa, exceto: se as
podem servir, ao mesmo tempo, de satisfação àquela exigência partes consentem com a precisa antecedência para notificação (art. 462,
I ); se a testemunha, na instrução oral, contraria ou contradiz seu próprio
da oralidadee concentração processuais. A duplicidade e re-
.k-poimento escrito, ou quando é necessário ajudar a memória do depoente
petição de diligências, apenas por causa dos diferentes motivos (art. 462, 2.e); se a testemunha morreu antes da instrução definitiva,
determinantes, seriam supérfluas e, portanto, contrárias à eco- ou se ausentou do Reino, ou se tornou, por qualquer maneira, incapaz de
nomia e à justiça. <h-por (art. 462, 3.0); se o depoimento foi tomado no estrangeiro, por
meio de rogatória (art. 462, 4.0) ; e noutros casos de menor importância.

9. O Código de Processo Criminal de 1832 dedicava toda a seção 11. Importante é a distinção entre preparo judicial e preparo extra-
primeira do capítulo I do seu titulo IV aos" preparatórios da acusação" judicial,
(arts. 228 a 234); toda a seção seaunda, aos U preparatórios para a O preparo é judicial quando realizado com observância de todas as
[ormacão do l.0 conselho de jurados (arts. 235 e 236); e muitos .los garantias j urisdicionais. Sintetiza-se no seguinte: há de ser precedido
arts. seguintes, às diligências de preparo da audiência definitiva (237 a por juiz que, na produção da prova, garanta respeito aos requisitos legais
292). O mesmo se pode dizer dos capítulos VIII e IX da lei n. 261 de
de sua validade.
3 de dezembro de 1841 (arts. 51 a 55) e, especialmente, do seu art. 25,
n. 3. O regulamento n. 120. de 31 de janeiro de 1842, foi explícito, 12. O preparo é extraiudicial, quando realizado por particulares ou
cuidando no capítulo XI de suas disposições criminais" dos preparatórios por funcionários administrativos antes ou depois de ingressarem em juizo,
da acusação" (arts. 318 a 358). Dispositivos atinentes à espécie contêm mas fora do processo; destina-se a garantir maior rendimento nos es-
as leis e decretos posteriores. O projeto do novo Código do Processo forços judiciais. Vive nas diligências policiais ou de ministério público
Penal dedica ao preparo da audiência seus arts. 141 a 151, sendo de simplesmente investigadoras ou de informação.
notar que este último se refere expressamente a diligências de instrução
Existe também o preparo equiparado a judicial. É aquele que, embora
definitiva.
Nenhum desses atos e diligências, embora constituinclo preparo, ex- presidido por autoridade não judiciária, tem valor j urisdicional por força
prime instrução preparatória propriameute dita. de lei. Razões sobretudo de ordem econômico-processual impõem e ex-
32 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

29. Tem função preparatória, pois, toda atividade processual


preconstituidora de provas para julgamento da causa em
audiência, por determinação da inadiabilidade e intransportabili-
dade, para o tempo e lugar do juízo, de material, de instrumen-
tal ou de pessoal probatório.

Tal procedimento tanto é anterior como posterior ao juízo


de acusação. Parte segunda
Ocorre, porém, freqüentemente, por acidente de economia
processual, que, por um lado, os elementos meramente preven-
tivos da instrução do juizo de acusação servem por escrito,
isto é, sem reiteração oral, de instrução mediata no juizo da INSTRUÇÃO CRIMINAL NO BRASIL
causa; e que, por outro lado, quase todo o preparo da causa
se faz, de regra, nos atos da instrução preliminar. Por isso
são usadas como sinônimos as denominações instrução prelimi-
nar e instrução preparatória.

plicam a desclassificação. Exemplo dela está nas atribuições policiais de


formação do corpo do delito judicialmente válida entre nós. Exames,
vistorias, avaliações são atos cuja reiteração também deveria processar-se
em juizo, se não bastassem os respectivos autos e termos cio inquérito
policial.
Capítulo I

Noções e divisões

30. Inquérito policial e sumário de culpa. 31. Formação do


corpo do delito e formação da culpa. 32. Corpo do delito
e autoria. 33. Autoria e culpa. 34. Inseparabilidade e dis-
tinção entre corpo do delito e culpa: formação da culpa.
35. Formação da culpa preliminar e formação da culpa
definitiva. 36. Sentidos amplo e restrito de formação da
culpa e de formação do corpo do delito.

30. N O processo brasileiro, a instrução criminal, que está


em atos do inquérito policial e em atos do sumário de
culpa, é também preservadora (da inocência e da justiça) con-
I ra acusações infundadas e preparatória (dos meios de prova).
Preseruadora, quando os seus atos servem à fundamenta-
ção da pronúncia - que é um juízo de acusação - e prepa-
ratória, enquanto seus atos servem, por escrito, à instrução de-
finitiva. .
Examinaremos, pois, os atos da formação da culpa e os atos
do inquérito policial em sua dúplice função, isto é, como fun-
damento da pronúncia e como preparo escrito da instrução
definitiva.

31. O crime compõe-se de dois elementos: o material e o


moral. Um é sensível, corpóreo; e o outro, intangível,
incorpóreo. Tudo quanto se pode ver, ouvir, tocar, sentir em
;..>:cral,e atribuível ao delito, antes, na pendência ou depois de
sua execução, é o seu corpo, o corpo do delito. A intenção do
agente ao infringir um preceito da lei penal é inatingível pelos
sentidos dos observadores. Pode ser deduzida, entretanto, pela

P. 1-:-, 1'. P.
36 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INSTRUÇÃO CRIMINAL NO BRAS1L 37

inteligência dos dados sensíveis do evento, do corpo do delito : os dados sensíveis do fato a se apurar, reconstituir-lhe a mate-
é a culpa, no sentido lato, a responsabilidade criminal, que se rialidade. Tudo quanto na ação penal, represente meio de che-
classifica em dolo e culpa, no sentido estrito. gar a esse fim é ato de formação do corpo de delito, em senti-
Instruir o juiz sobre o crime é, por provas, formar o corpo do amplo.
do delito e [armar a culpa. A materialidade do crime abrange todos os seus aspectos
A ação penal consiste, mesmo, em formar o corpo do delito sensíveis; não só os que dizem respeito às causas material, for-
e a culpa, em reconstituir o fato criminoso ante os sentidos e mal e final da infração, como também os relativos à causa efi-
a inteligência do julgador, a fim de que este emita seu juizo, ciente, ao seu autor. Se os vestígios que o juiz conhece direta
declarando as determinações comuns ao evento e à previsão ou indiretamente formam todo o corpo do delito, este também
legal. revela a autoria, embora considerada apenas na sua objetivida-
de. Assim, vale a pena acentuar, desde já, que a formação do
32. A materialidade do crime vislumbrável nos atos exte- corpo do delito, tendo por intuito reconstituir toda a sua mate-
riores de preparação e de execução é, de regra, atingível rialidade, tem por escopo, também, posto que implicitamente,
pelo conhecimento do juiz apenas por via indireta, pelo teste- a identificação do agente da infração.
munho das pessoas que a eles assistiram: é o resíduo deixado
na mente humana pelo delito, em correlação oposta aos sinais 33. A criminal idade da infração reside, porém, no elemento
físicos ou químicos gravados, permanente ou duradouramente, subj etivo. É dado interior, cujo conhecimento pelo
na matéria dos seres, como vestígios da infração atingíveis por JUIZ é de necessidade indeclinável para o julgamento. Por
via direta 1 do conhecimento do juiz. Constituem, respectiva- isso, o magistrado não se detém na superfície sensível do even-
mente, base das vulgarizadas distinções entre vestígios perma- to, e penetra-lhe o fundo, em busca de sua tendência psicológi-
nentes dos atos criminosos e entre corpo de delito indireto 2 e ca. Essa a obra da formação da culpa, em sentido lato.
corpo de delito direto. Por isso, atos de formação do corpo de delito constituem
Convém salientar, desde logo, que o característico da for- atos de formação da culpa, se considerarmos que, no processo
mação do corpo de delito não está na natureza dos meios penal, tudo se destina exatamente à prova da responsabilidade
probatórios empregados, mas na natureza do fim, que se lhe criminal, da culpa-lata. Cogitar da intenção que moveu o
assinala de, coligindo e reunindo. direta ou indiretamente, todos agente - caso fortuito, dolo, culpa-estrita, preterintencionali-
dade e suas circunstâncias qualificadoras - é encarar a instru-
1. "O corpo de delito direto é aquele de fato permanente, que deixa ção sob o ponto-de-vista da formação da culpa, objetivo prin-
vestígios como é o delito de homicídio. E por esta razão devem os cipal, que tem a instrução, de dar conhecimento do crime ao
juízes formar o corpo do delito por vista, e atos, nos corpos mortos,
fazendo neles vistoria das feridas, e lugar delas, o tempo em que sucedeu julgador.
a morte, eo lugar, o dia, mes, ano e hora'; c tanto que, ainda depois do
corpo ser sepultado, se pode nele fazer vistoria, para saber o modo se foi 34. Formação do corpo de delito e formação da culpa são,
violenta a morte." pois, em sentido lato, aspecto de uma só coisa: formação
Este corpo de delito direto se deduz da Ord. L. V, tit. 117, § 1.0, do delito na consciência do juiz. Se considerarmos os elementos
nas palavras seguintes: •.E bem assim se pode e deve receber querela instrutores sob o ponto-de-vista objetivo, cuidamos de [ormação
à pessoa, que for ferida, se mostrar feridas abertas, e ensangüentadas,
do corpo do delito; se os levarmos em conta, porém, sob o
ou pisaduras, e nódoas inchadas, e negras, quer diga que foi de propósito,
quer em rixa; e não as mostrando, não lhe será recebida." ponto-de-vista subjetivo da responsabilidade criminal, cuida-
2. "O corpo de delito indireto presuntiuo é aquele que vem à no-> mos de [ormação da culp«.
tícia do julgador por fama e conjecturas, dando-se pessoa certo, como se Por isso, designa nosso direito a instrução criminal pelo
deduz da Ord. L. L, tít. 65, § 31, ucrbis : "E isso mesmo vindo à nome de formação da culpa. E, detivamente, instrução crimi-
notícia dos j uÍzes." E assim se diz que a fama pública de morte, não
aparecendo o que se dic, faz presunção que foi 1110rto." JOÃo 1vIENDES nal é toda a atividade formadora da culpa na consciência do
JÚNIOR, O processo criminal brasileiro, vol. Il , pág, 16. julgador.

li
i
PRINcíPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL
INSTRUÇÃOCRIMINAL NO BRASIL 39
38

No sentido amplo - podemos dizer - há formação da


35. À divisão da instrução criminal em definitiva e prelimi- culpa na instrução definitiva da causa; e na instrução prepara-
nar, corresponde, também, a da formação da culpa em tória, como antecipação, que é, da instrução definitiva. No
formação da culpa definitiva e formação da culpa preliminar. sentido restrito, técnico, porém, só a instrução preventiva, re-
Distinguem-se, outrossim, na formação da culpa preliminar, clamada pela pronúncia, é formação da culpa.
por sua vez, suas funções probatória e preventiva. Quanto ao corpo do delito:
Se a função preparatória deixa ver na formação da culpa " ... na reconstituição do fato criminoso em todas as suas
preliminar algo da instrução definitiva, por se destinar a servir fases, tanto quanto possível, em todos os seus elementos sensí-
na audiência de julgamento da causa, a função preventiva dá à veis, quer relativos à causa eficiente principal ou instrumental,
mesma formação da culpa caráter autônomo como fundamento quer relativos à causa material - na recomposição desses ele-
do juizo de acusação expresso na pronúncia. mentos, quer relativos aos meios, quer relativos ao fim: nisso
consiste a [armação do corpo do delito". 4
36. Quanto à formação da culpa, dizia JOÃo MENDES Jú- É seu sentido amplo.
NIOR:
O sentido restrito. técnico, dá-se exclusivamente à produ-
"No sentido amplo, formação da culpa tem lugar em todos ção dos meios de prova especialmente destinados a estabelecer
os processos criminais; mas, no sentido restrito e técnico, for- a existência do crime e sua natureza, abstraindo-se a culpa lata
mação da culpa só tem lugar nos processos dos crimes em que do agente.
o réu se livra preso ou afiançado; isto é, nos processos. em que
Esses meios constituem os chamados autos de corpo de
é necessária a pronúncia." 3
delito.
3. Este duplo sentido foi assinalado por ocasião de ser discutido o
proj eto de lei n. 2.033, de 20 de setembro de 1871, pelo Ministro da
Justiça Sayão Lobato (depois, Visconde de Niterói), que, conquanto
usasse da locução equívoca "crimes comuns ", assim manifestou a dis-
tinção: "Formação da culpa é qualquer informação legalmente suficiente
para determinar culpa sujeita à acusação criminal. O processo policial,
nesse sentido, envolve formação de culpa; não pode deixar de ter essa
natureza substancial a todo o processo criminal. Mas, a formação da
culpa nos crimes comuns tem uma ordem pautada na lei, que se distingue
da formação da culpa nos crimes policiais; e, por isso, quando se quer
especialmente tratar da formação da culpa com aquela ordem de processo
em que cabe pronúncia, se diz "formação da culpa nos crimes comuns".
JOÃo MENDES JGNIOR, O processo criminal brasileiro, Rio, 1920, V0!. lI,
pág, 217.
O mestre RAMAI.HO,nos seus Elementos de Processo Criminal, assim
define: "Formação da culpa é o processo que precede a acusação cri-
minal, por meio do qual o juiz competente conhece da existência, natureza
e circunstâncias do delito, e quem seja o delinqüente".
JosÉ ANTÔNIO PIMENTA BUENO descreve: "A informação, instru-
ção ou formação da culpa é a parte preliminar do processo criminal
ordinário, a série de atos autorizados pela lei por meio dos quais o juiz
competente investiga, colige todos os esclarecimentos. examina e conclui
que o crime existe ou não, e no caso afirmativo quem é o indivíduo como
autor dele ou como cúmplice. É uma parte indispensável e como tal
reconhecida por todas as legislações com mais ou menos modi ficações ".
Apontamentos sobre o processo criminal brasileiro, J. Ribeiro dos Santos, 4. JoÃo MENDES ]ÚNIOR, O processo criminal brasileiro, Rio, 1920,
Rio, 1922, pág. 93. vol, lI, pág. 10.
Capítulo 11

Funções

37. Fundamento legal da pronúncia. 38. Sumário de culpa


e autos de corpo de delito. 39. Atos da formação da culpa.
40. Função preservadora da pronúncia.

37. Variam no tempo e no espaço, segundo o critério dos


legisladores, a quantidade e a qualidade da prova bastan-
te para fundamentar um juizo de acusação. Simples suspeitas
ou suspeitas veementes, um princípio ele prova ou prova plena,
a convicção integral do julgador acerca do crime ou da respon-
sabilidade criminal de seu autor, podem autorizar, respectiva-
mente, a pronúncia judicial dos termos da acusação. A tra-
dição do direito português, fundada na maior facilidade de pro-
var o fato do que a autoria e o aspecto moral do crime, exigiu,
como nosso direito exige, maior quantidade de prova do corpo
do delito do que da autoria e culpa lata de seu autor, para
base da pronúncia, que é um juízo de acusação.
"Corpo de delito - diz PEREIRAE SOUZA- é a existência
de um crime que se manifesta de maneira que se não pode du-
vidar de que ele fosse cometido."
"Pronúncia é a sentença do juiz, que declara o réu suspeito
do delito ... " 1
Dispõe o Código de Processo Criminal de 1832:
"Se pela inquirição das testemunhas, interrogatório ao in-
diciado delinqüente, ou informações, a que tiver procedido, o
juiz se convencer da existência do delito e de quem seja o de-
linqüente, declarará por seu despacho nos autos que julga pro-

I. JOAQUIM JOSÉ CAETANO PEHElRA E SOUZA, Primeiras linhas sobre


o processo criminal, Impressão Régia, Lisboa, 1831, págs. 48 e 56.
42 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INSTRUÇÃO CRIMINAL NO BRASIL 43

cedente a queixa ou denúncia, e obrigado o delinqüente à prisão, poentes, que se equipare às antigas devassas; 2, nem tão redu-
nos casos em que esta tem lugar, e sempre a livramento" (art. zida, que desminta seus fins; e, por isso, determina que se ou-
144) . çam testemunhas em certo prazo e em número limitado, no
"Quando o juiz não obtenha Pleno conhecimento do delito, mínimo e no rnáximo.ê
ou indícius ueementes de quem seja o delinqüente, declarará por Qualificam-se, por tuelo isso e com razão, como autos do
seu despacho nos autos que não julga procedente a queixa ou corpo de delito, especialmente os que se lavram acerca da ma-
denúncia" (art, 145). terialidade do evento ou os que pouco indicam da autoria ou
De tais dispositivos, vigentes entre nós, deduz-se que a ins- culpa lata cio agente, e sumário de culpa a inquirição necessária
trução preliminar, enquanto preventiva, deve provar plenamen- à coligenda de veementes indícios de quem seja o autor do cri-
te o corpo do delito e determinar ao menos por veementes indi- me.
cios a autoria e a culpa. Baseia-se a pronúncia na formação 39. O Decreto n. 4.824, de 22 de novembro de 1871, atri-
do corpo de delito, e na determinação da autoria, no mínimo buiu à formação da culpa preliminar os atos seguintes:
por indícios consideráveis. Eis, a formação da culpa. Porque 1.0) o inquérito policial, como instrumento da queixa, da
deve ser entendida, no art. 145, a locução "de quem seja o de- denúncia ou do procedimento ex officio;
linqüente" tanto no sentido da sua objetividade - que, a nosso 2.0) o auto de corpo de delito, em separado, se já não es-
ver, é alguma coisa do corpo de delito - quanto no sentido de tiver nas diligências do inquérito policial;
sua subjetividade, culpa estrita ou dolo imputável ao autor da 3.°) o auto de perguntas ao queixoso ou denunciante, se o
infração. juiz julgar necessário;
4.°) a fé de citação, quando o crime for inafiançável;
38. Os meios de prova coligidos no tipo de instrução exigide 5.°) o auto de qualificação, logo que o réu compareça em
pela pronúncia são, à vista elo exposto, os suscetíveis de juizo ;
convencer o juiz de que houve um crime de determinada natu- 6.°) o termo da alegação da incompetência do juízo;
reza legal e imputável, por veementes indícios, a determinado 7.0) a inquirição das testemunhas numerárias e referidas:
indivíduo. 8.0) o interrogatório do réu;
Tais meios de prova influem, de regra, por sua espécie, no 9.°) a defesa:
pendor natural de uns para melhor provar o corpo do delito 10.°) a sentença de pronúncia ou não pronúncia."
do que a autoria ou a culpa lata, a ponto de, muitas vezes, con- Tratar ela pr01iúncia, do chamado sumário de culpa e do
siderados sob o ponto-de-vista da formação da imputabilidade inquérito policial é referir-se a todos esses atos, que se contêm
ou responsabilidade criminais, nada adiantarem ao esclareci- nos tres institutos.
mento do juiz. São esses, por exemplo, os exames e vistorias
40. A pronúncia é um juizo ele acusação. E o processo su-
dos resultados, dos objetos e dos lugares do crime, que rara-
mente indicam quem seja o delinqüente. mário da formação da culpo; aliado a certas peças do

À vista disso, acontece que, provada com facilidade por .. ; 2. Vide nota 10 da pág. 52.
esses meios a existência do crime, urge proceder a novas dili- 3. O Código de Processo Criminal do Império, de 1832, estabeleceu
o número mínimo de duas e o máximo de cinco testemunhas para serem
gências, quase sempre inquirição de testemunhas, para com ouvidas no sumário de culpa (art. 140). Posteriormente, a Lei n. 261,
êxito, formar-se a culpa pela aquisição dos indícios veementes de :) de dezembro de 1842, elevou esse número a cinco no mínimo e a
exigidos por lei. Em face ela dificuldade de formar a culpa ou oito no máximo, além das referidas ou informantes, salvo nos casos de
da dificuldade da prova da autoria por outra forma, o Código ação exclusivamente privada, em que deveriam ser inquiridas de duas a
cinco numerárias (art. 48). O projeto do novo Código de Processo do
de Processo prescreve a necessidade dos depoimentos. lVIas rráo Brasil não consagra qualquer limitação correspondente.
quer a inquirição tão longa, pelo tempo e pelo número de de- 4. JOÃo MENDES JÚNIOR, O processo criminal brasileiro, Rio, 1920,
vol, VII, págs. 219 e 220.
44 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL
••

inquérito policial, é sobretudo um tipo de instrução preliminar,


preservadora contra acusações infundadas.
Há uma conceituação corrente do que seja "sumário de
culpa" ou "formação da culpa" e, ao lado dela, sua conceitua-
ção técnica. Um trabalho científico não pode, evidentemente,
ater-se às noções vulgares, que, embora aceitáveis à primeira
Capítulo m
vista, não compreendam, como elementos dos conceitos, os prin-
cípios e razões das coisas.
A formação da culoa seria, consoante tais noções, uma fase
da ação penal, na qual o juiz busca e o acusador fornece a
História
prova plena do crime e os indícios veementes da autoria impu-
tada a alguém. A pronúncia assinala-lhe o fim, a partir do
que novo período se instaura até o julgamento. A função, quer Seção primeira
da pronúncia, quer de sua instrução, seria preparar o processo
para os debates e sentença final e determinar a obrigatoriedade PRONÚNCIA E SUMARIO DE CULPA
de se afiançarem ou serem presos os culpados.
O todo da ação constituiria, assim, uma graduação de car-
gas contra o indiciado e seu processo obedeceria, não ao prin-
cípio da concentração oral, mas ao da paulatina fluência, atra-
vés dos dias e semanas do preparo escrito, de um trabalho mo-
roso de fixação das provas definitivas.
Por certo, não é destituída de valor essa concepção corren-
t
\
41. Síntese introdutiva. 42. Roma. A inscrição e a inquisição.
43. Código Visigótico, Clamor do ofendido: apresentação
imediata do corpo de delito. Clamor público: flagrante
delito. 44. Processo canônico. Acusação, denúncia e inquisi-
ção. 45. Processo antigo. O conselho dos homens bons.
46. Inquirições-devassas. 47. Juramento e nomeação de tes-
te. Mas, incompleta, toma efeitos e conseqüências acidentais temunhas, nas denúncias e querelas. 48. Prisão preventiva do
da instituição como seus traços essenciais. quereloso. 49. Ordenações Afonsinas. 50. Ordenações Manuc-
Na sua conceituação técnica, a pronúncia é, antes de mais tinas. Promotor público. 51. Ordenações Filipinas. Sumário
nada, um juizo de acusação e a formação da culpa um tipo de de culpa. 52. A pronúncia. 53. A acusação e seus requisitos.
instrução preventiva. 54. Processo brasileiro. PEDROr. 55. Constituição imperial.
Não visa essencialmente a pronúncia, nem tem por efeito
acidental, a resolver alguma coisa da causa propriamente dita. 41. Bem melhor se compreenderá a natureza desses institu-
Esta permanece íntegra e, na sua totalidade, pendente; os jul- tos pátrios da pronúncia e da formação da culpa (inqué-
gadores da causa principal não sofrem, com o despacho de pro-
rito policial e sumário de culPa) no estudo de sua evolução
núncia, quaisquer limitações de competência; a existência do
histórica. Sintetizá-la-emos envidando esforços para sermos
crime e da autoria deve ser, em sua amplitude, reexaminada em
suficientemente claros.
face de todos os elementos probatórios, sem que a decisão an-
terior acerca da existência do crime e dos indícios veementes É possível que, às vezes, sejamos levados a tratar de as-
de autoria prejudique o julgamento da ação penal. suntos que pareçam estranhos ao fim puramente elucidativo de
Diz a pronúncia, apenas, que, apreciadas judicialmente as nossa exposição. Dominou-nos, porém, a preocupação de in-
provas com que pretende o acusador ou o queixoso sustentar a fundir no leitor certa impressão de conjunto, pelo que tivemos
acusação, este pode acusar. necessidade de estabelecer ligações entre uns e outros fatos, uns
E assim se explica porque só após a pronúncia o réu é e outros institutos, passagens estas, à primeira vista, aparente-
acusado. mente dispensáveis. Elas esclarecem, porém, as narrativas e,
l
46 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INSTRUÇÃO CRIMINAL NO BRASIL 47

nessa função, são bastantes úteis, estando aí o motivo por que do inquérito policial de hoje, ao influxo das contingências de
não as desprezamos. ~ alargamento das fronteiras da circunscrição judiciária de for-
'I~

.~ mação da culpa.
Nosso direito nasceu das instituições lusitanas, cujas raÍzes ",
se prendem aos primeiros tempos da monarquia portuguesa.
42. Em Roma, a licença para acusar dependia do denuncian-
Antes fora o domínio romano soterrado pela invasão bárbara C',
te não ser magistrado, mulher, caluniador julgado como
sobretudo, visigótica, que imprimira notas características do di-
tal e indigente, do caráter delituoso do fato argüido contra o
reito germânico à vida jurídica de Espanha. Depois, no correr denunciado e de ter a imputação vários subscritores, cautelas
dos séculos, a dúplice influência do direito canônico e do direi- essas que precediam à inscrição do libelo, baseada na nominis
to romano, revigorado no mundo ocidental, começou a incidir delaiio, fórmula declaratória do nome do acusado, do crime e
sobre os institutos processuais, alterando-lhes os contornos, mo- das questões do processo. Era, depois, o acusador investido de
dificando-lhes a índole e ernprestando-lhes novos traços à estru- uma comissão - lcgem - para proceder às investigações: di-
tura. Foi um longo período durante o qual predominaram as rigia-se aos lugares necessários, apreendia documentos, notifi-
lutas entre as justiças do rei, do povo, dos senhores feudais e cava e inquiria testemunhas sob fiscalização permitida ao acusa-
da Igreja, culminando na unificação, cujos reflexos estritamente do, que podia interrogá-Ias e contraditá-las. Era a inquisitio:)
processuais assinalam o fundamento das principais instituições Julgado o réu, a absolvição acarretava sanção contra o
vigentes no Brasil em matéria criminal. Se a pureza das fon-
acusador que agira temerária ou ailuniostunenie.
tes foi algumas vezes violada pela ação plástica do virulento
liberalismo do século passado, instituições que o gênio da
história manipulara voltaram à tona, com novos nomes, de- 1. FAUSTIN HÉLIE, Traité de linstruc tion criminclle, Paris, 1835,
pois de submergidas pejas bombásticas proclamações legislativas vol. I.
do primeiro império: a devassa, por exemplo, tornou à vida,
VINCENZO MANZINI, Tratta!o di diritto processuale pcnale, UTET,
como uma necessidade, no inquérito policial; e, agora, passados
Turim, 1931, vol. I, pág. 2, explica que a cognitio foi a forma processual
muitos e muitos anos, os autores do atual projeto de Código mais antiga. Atribuía na origem, amplos poderes discricionários ao ma-
de Processo do Brasil pretendem. de certa maneira, completar gistrado na pesquisa da verdade criminal.
a restauração, dando-lhe caráter judicial e denominando-a, co-
Mais tarde, conservando embora o iuiz tais poderes, concedeu-se aos
mo lá fora, de instrução criminal ... condenados, desde que fossem homens e cidadãos, a faculdade de requerer
ao povo a anulação da sentença. Tal provocatio compelia o magistrado,
E, assim, foram as instituições resistindo às vicissitudes que decidira mediante a illquisitio, a apresentar ao povo os elementos
políticas para chegar até nossos dias como um exemplo de sa- necessários para uma espécie de revisão da causa. Nisto consistia pre-
cisamente o procedimento chamado da anquisiiio (citação, termo para
bedoria dos séculos, que os legisladores devem respeitar.
comparecimento, defesa etc.).
Assinalem-se, sobretudo, nessa evolução histórica, que re- Já nos últimos séculos da República, tal garantia se afigurava insu-
lataremos, a permanência indefectível da inquisitoriedade no ficiente, sobretudo para as mulheres e os não cidadãos, pelo que surgiu
a accusaiio, marcando profunda inovação no direito processual romano.
procedimento penal, ao menos nos casos de crimes mais graves; O Estado passou a ser representado por um só órgão, o juiz, limitado à
o zelo pela inocência contra as acusações infundadas, no come- função jurisdicional escrita; e a ação penal passou a ser promovida por
timento ao juiz do dever de pronúncia dos termos acusatórios, um representante voluntário da roletividade, o acusador. "Si suppli in
à vista da verdade real deuassada ou inquirida, e não apenas do tal modo all'mcuria dei magistrati, fornendo un mezzo di soddisfazione
vendicativa a coloro che direttamente o indircttamente erano stati lesi dai
arbítrio do denunciante ou quereloso; a necessidade de preparo reato, e apprestando altresi ai cittadini ambiziosi un campo di prepara-
das provas intransportáveis e inadiáveis, possibilitado pela vul- zione e di esibizione, nel quale potevano perfezionarsi nell'arte del decla-
garização da escrita e, por último, assinale-se o aparecimento mare in pubblico, prender pratica del diritto e mostrare agli clettori la
loro attitudine per le cariche pubblichc."
48 PRINCÍPIOS l'UNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL
T
!
INSTRUÇÃO CRIMINAL NO BRASIL 49

No Império, o rigor foi até a detenção preventiva do


acusador} que redundou, com o tempo, no receio de delatar
e, por isto mesmo, para que não prevalecesse a decorrente im-
punidade, na freqüência do procedimento criminal espontâneo
Ir ma;S um dispensava de regra, nos primeiros tempos, melhores
provas e, no outro, ° juiz procedia esquadrinhando a verdade
por meio de testemunhas e instrumentos - per esquissa - ou
decidia pelo combate judiciário ou juízos de Deus.6

,
das autoridades, sobretudo em casos graves e repetidos. Foi, Foi com o desenvolvimento da forma escrita, no tempo de
assim, que se organizou uma polícia oficial fortemente centrali-" D. DINIZ) que os clamores principiaram a ser autenticados pelos
zada, C0111 funções cada vez mais judiciárias, enquanto o espí- autos de querela ou, simplesmente, querelas,
rito policial do povo foi desaparecendo.
aquele que pleiteava uma pretensão infundada e injusta e vencido aquele
43. O Código Visigótico dispensou a inscriptio nos casos de de cujo lado estavam o direito e a razão.
pequena gravidade e, além destes, nos de apresentação Tendo sido suprimido por S. Luiz, na França, em 1270, foi o combate
imediata do corpo do delito ou de flagrante delito, prescrevendo- Judiciário muitas vezes anatematizado pelos papas e, afinal, como as
-lhes o processo sumário denominado, na prática, de rancuroso, ordalias, completamente abolido. MANUEL AURELIANO DE GUSMÃO, Pro-
isto é, fundado no clamor p úblico ou no clamor do ofendido 3 i cesso civil e comercial, Livraria Acadêmica, São Paulo, 1924, voI. II,
págs. 22 a 27.
e base do procedimento ex officio e do combate judiciário. 4 ~
k S. Clamor ou quterimônia assinala a origem da querela ou, como a
Esse principio da acusação por clamor, quer do ofendido, denominamos hoj e, da queixa.
quer do povo, dominou sempre em Portugal, onde a ação era 6. "Sob a denominação de ordâlias, também chamadas julgamentoj

li
ou juizos de D eus, inc1 uiam-se certas provas, rudes, penosas e muitas de
proposta cunt rancura ou sine rancura. Diferiam os processos caráter mortal, a que eram submetidos os acusados ou os litigantes e da.
em que um se iniciava, e o outro não, por clamor ou qucerimo- quais deviam estes, por graças ou intervenção divina, sair com vida, in-
cólumes, ou ilesos no caso de serem inocentes, ou de terem de seu lado
o bom direito. Encontra-se o regime das ordálias em quase todos os
Promovida a ação, o JUIZ era obrigado a tocá-Ia, mesmo se o acusa- povos antigos ela Ásia e ela África, e por larguíssimos tempos vigorou
dor terqitiers iua, e decidi-ta, VINCENZO MANZINI, Trattato di diritto ele no mundo, tendo atravessado muitos séculos e penetrado na Europa,
processual» penale, UTET, Turim, 1931, págs. 2 e 3. em cuj os países foi geralmente praticado até fins do século XI."
" Havia diversas espécies de ordálias: as principais eram as seguimes:
Já em Atenas, se o réu era absolvido, os mesmos juizes, logo em I.") a prova das bebidas amargas; 2.a) a do veneno; 3.a) a do rogo;
seguida à decisão, examinavam a coneluta elo acusador: se este tinha por 4.a) a da água; s.a) a da cruz; ó.") a das serpentes; 7.a) a do cadáver."
si a quinta parte dos j uízes, a acusação era considerada fundada; se não
"A prova pelo fogo, por exemplo, realizava-se por diversos modos:
tinha, era havida por temerária, multado o acusador, por isto, em mil
ou fazendo-se o acusado tocar C0111 a língua um ferro quente, ou obri-
elrácmas, com interdição do direito ele acusar; para a acusação julgada
gando-o a conduzir uma barra de ierro em braza na distância de nove
caluniosa, mais graves ainda eram as penas, FAUSTIN HÉLIE, Traité de
l'instruction criniinclle , Paris, 1853, vol. r. passos, ou então a caminhar, com os pés nus, sobre nove ou doze barras
de ferro incandescentes, sem se queimar."
2. Vide nota 4, pág. 22. ••A prova d'água fria realizava-se atando-se a mão direita com o pé
3. A ação cum rancura se verificava no flagrante delito: o acusa- esquerelo do acusado, era este atirado na água; se sobrenadasse, seria
dor apresentando em juizo o corpo do delito, gritava e repetia: Cavaleiros havido como criminoso; se, ao contrário, fosse ao fundo, seria conside-
e peões; ou, mais tarde, depois da fundação da monarquia: U Aqui d' El rado inocente."
Rei!", JosÉ VERÍSSIMO ÁLVARES DA SILVA, Memória sobre a forma dos ••A prova do cadáver consistia em colocar-se o corpo da vitima
juizos nos primeiros tempos da monarquia por tuqucsa, diante do acusado; se do cadáver novamente começava a correr sangue,
o acusado era havido como verdadeiro autor do homicídio."
4. O combate judl:cicú'io "foi introduzido, segundo em geral dizem
VINCENZO MANZINI afirma que não se deve considerar os juízos de
os escritores, como um corretivo aos repetidos abusos cometidos contra
a santidade do juramento ... " Deus como meio de prova, mas como uma devolução a Deus da decisão
da controvérsia. Constituíram um costume primitivo, transportado pelos
"Existiu em quase todos os países da antigüidade
e vigorou na Europa durante
e da idade média
todo o período de feudalismo." "Fundava-
bárbaros para a Itália e denominado ordel (tedesco moderno; Urtheil =
decisão). Caíram, logo, em descrédito as ordálias ao influxo do cristia-
-se na crença de que Deus, sendo infinitamente justo, não permitiria que nismo e a Igreja as proibiu. Trattoto di diritto processuale penalc,
da luta ou do combate travado entre os dois litigantes saísse vencedor UTEI', Turim, 1931, vol. I, pág, 7.
T1
I

51
so PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL
.~
INSTRUÇÃO CRIMINAL NO BRASIL

;1
44. Na justiça eclesiástica, Inocêncio III firmou, no século r Os bispos serviam-se da inquisitio, a princípio, nas pesqui-
IIl, o princípio: "tribus modis procedi potest: per ac- sas contra os clérigos, em casos que pediam segredo de instru-
cusationem, per denuntiationem, per inquisitionem",? ção. Publicavam, porém, afinal os nomes e os ditos das teste-
munhas, o que só mais tarde, por mais cômodo e mais rápido,
A denúncia era um meio de acusar sem inscrição: foi o
foi suprimido. Esse processo se estendeu, porém, com o tem-
refúgio dos fracos contra a prepotência, vinganças e pressões. 8
po, aos crimes de heresia e, ainda depois, a outros crimes, como
A inquirição procedia-se espontaneamente: foi, a princípio, a usura, a simonia, até ser geralmente adotado pela jurisdição
um meio de reformar os costumes do clero. Tinha lugar "riul- eclesiástica.
10 acusante, vel judicialiter denuntiante"; era investigação do
crime ou, nos primeiros tempos, de qualquer insinuação clamo- Como a Igreja absorvia o julgamento dos delitos que di-
sa. Especial, instituía-se por ocasião de crime determinado; ge- reta ou indiretamente podiam afetar a fé religiosa, muitos eram,
ral, para verificar os facínoras de uma província; e mista, quan- além dos próprios, os crimes comuns à sua competência e à se-
do, estabeleci da a existência de um assassínio, o juiz procurava cular competência, uma das quais prevalecia pela prevenção.
descobrir seu autor, ou quando buscava conhecer os anteceden- Isso deu margem a muitas lutas de jurisdição e dúvidas pro-
tes de determinada pessoa." cessuais, porque, ao passo que a forma eclesiástica era a inquisi-
tória, com denúncia e inquérito secreto, o procedimento devia
7. Decretais, de Inocéncio III, V., tít. I, capo XXI e capo XXX. sempre, nos casos de crimes comuns, seguir a ordem legítima
8. As denúncias anônimas ou, por qualquer forma, secretas (fonte
de calúnias e falsidades), admitiam-se - diz VINCENZO MANZINI,
estabelecida para o juízo secular: a pronúncia deveria ser pre-
referindo-se ao processo inquisitôrio italiano - na ilusão de facilitar a cedida da devassa, da querela ou da denúncia com sumário de
descoberta de crimes, e culpados. Divulgou-se, a propô sito, o costume de testemunhas, nos termos da Ordenação, L. V., tít. 117, § 2.°,
se aprestarem meios adequados ao recebimento de tais denúncias, estabe- e outros e do Alvará de 20 de outubro de 1763, § 2.0.
lecendo-se em determinados lugares, caixas ou frestras curiosas, como
bocche dei [cone, bocche delta verità. "Già nel 1284, a Pistoia, il Breve
4S, Desde a fundação da monarquia portuguesa, o concelho
della Comunità dei pistori (II, 125) paria "de una cassa lignea fienda
et tenenda pro denuntiationibus et querelis in secreto mittendjs ". Nel dos homens bons, eleitos pelo povo, era o juiz 10ca1. Mas
Palazzo Ducale di Venezia sono ancora visibili bocche della verità dcsti- os Ricos Homens ou Senhores, os condes, alcaides e outras
nate a quell ufficio" Trattato di diritto proc cssual e pencle , UTET, autoridades vinham se arrogando, a cada passo, o poder de
Turim, 1931, vol. I, págs, 34 e 35. julgar. As incertezas e injustiças eram tais que, nas primeiras
Qualquer caixa de correio ou telefone público faz hoje as vezes
dessas curiosidades medievais ... Cortes Gerais, de 1211, fora necessário decretar o estabeleci-
9. "Deste direito das Decretais foi adotada a devassa para o nosso mento de juizes permanentes e eleitos, sendo esta uma das
foro, onde era desconhecida, igualmente que no dos romanos, no princípio obrigações que D. Afonso III expressamente jurou antes de
da monarquia. Posto que os magistrados maiores, como os corregedores tomar conta do governo. O processo, embora variadissimo se-
e adelontados, eram incumbidos de expurgar as províncias de homens
facinorosos, e a esse f irn eram muitas vezes mandadas alçadas de justiça,
gundo o lugar, era tão singelo como as leis: tudo se pleiteava
isso respeitava aos crimes manifestos, e notórios, e não se assemelhava de plano e verbalmente e os, concelhos dos homens bons deci-
às devassas, em que se indaga de crimes ocultos, ou de agressores ainda
não descobertos." JOAQUIM JosÉ CAETANOPEREIRAE SOUZA, Primeiras delito de que só era incerto o agressor. Umas e outras podiam ser
linhas sobre o processo criminal, Impressão Régia, Lisboa, 1831, pág. 18, tiradas apenas nos casos expressamente determinados na lei, sob pena de
nota 44. nulidade. Esses casos estão enumerados por PEREIRA E SOUZA na obra
O processo inquisitório - segundo VINCENZO MANZINI, Trottato di citada, de págs. 18 a 23.
diritio processuale italiano, UTET, Turim, 1931, pág. 33 - se dividia
em dois estádios: inquisição geral (" accertamento deI fatto e riccrca de! As devassas, sendo inquirições feitas sem citação da parte, não eram
reo) e inQuisição especial "chc si inizia va quando in base alie precedenti consideradas inquisiçõcs juàiciais, para efeito de julgamento, sem que as
ricerche, o alia scoperta in f1agranza, una determinata persona rimaneva testemunhas fossem reperguntadas ou que o réu assinasse termo de aio
indizrata come colpevole d'un reato". haver por judiciais, salvo revelia.
Assim, também, as devassas foram gerais e especiais. As gerais se
tiravam sobre delitos incertos. As especiais supunham a existência do

6 - P. F. P. P.
52 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INSTRUç.ÃO CRIMINAL N'Ü BRASIL S3

diam segundo os usos e forais 1'0 ou o bom-senso. Desde o nos crimes mais graves, enumerados, "os juizes, quando 'Ouverem
século XII, porém, estendendo os reis, cada vez mais, os casos querelas juradas e testemunhas nomeadas, ou os juízes ouve-
de ação nova sujeitos à sua justiça, invadiam a competência rem outra 'informaçom aos ditos feitos per inquiriçom, ou per
dos juizes territoriais, dos senhores e dos eclesiásticos. Além outra guisa qual devem", quando as partes querelarem, e elas,
de D. Afonso lII, foram D. Diniz e D. Afonso IV os que ini- ou a quem esses feitos pertencerem, "nom quizerem accusar",
ciaram esse movimento de unificação judiciária e processual. "esses juizes devem filhar esses feitos polIa Justiça e segui-Ios".
Era ao influxo do direito romano, alargando o poder e prerro- A esquissa ou inquérito foi-se tornando, assim, forma ordi-
gativas da autoridade real, que tal se processava.l ' Mas quan- nária de instrução dos processos criminais: as testemunhas dei-
to ao processo criminal, ao contrário do acontecido com o pro- xaram de ser ouvidas na audiência ou no conselho dos senho-
cesso civil, o direito canônico foi marcando predomínio, quer res, mas passaram a depor perante comissários delegados para
pela escritura, quer pela inquirição. iSSO.12
O inquérito pn1Priamente dito formava-se na presença do
46. Afonso IV, promulgando a Lei de 2 de dezembro de acusado, dispensada, porém, na devassa. Foi a inquirição-de-
1325, traçando as normas das inquirições-devassas, esta- vassa que, favorecendo os progressos do processo secreto e o
beleceu: "e fazede-o todo escrever na inquiriçom". procedimento das justiças, constituiu, depois, o instrumento de
N outras leis, determinou que ninguém fosse admitido a todo procedimento ex officio. E a denúncia, introduzida desde
demandar outro por inj úria sem dar fiadores do julgado; que a jurisprudência dos forais, fez também cessar a intervenção
do argüente no processo da instrução, concentrada, assim, in-
10. Forais eram leis particulares e variadas que regiam cada um dos teiramente nas mãos do juiz.
pequenos distritos ou conselhos do reino, sob outorga não só dos reis,
mas também dos senhores ou donatários de terras. Leis criminais, civis
e militares, e todas as outras posturas municipais se confundiam nesses 47. Contra isso reclamaram os povos nas Cortes Gerais
numerosos e pequenos códigos, escritos, quase sempre, em latim bárbaro d'Elvas, no século XIV, e o rei D. Pedra I, atendendo a
M. A. COELHODA ROCHA,Ensaio sobre a história do governo e da le- reclamação, ordenou que "as nossas Justiças nom enqueiram
gis!ação de Portugal, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1887, pág, 75. devassamente per denunciações nem querelIas, salvo se forem
11. Portugal, separando-se do reino de Leon em 1139, continuara de feitos de mortes ou de outros erros mui graves, per fazer
observando além dos forais, a legislação visigótica, isto é, o Fuero Jusço,
com as alterações do Fuero Real, a Lei del Estillo, o Fuero de Leon e
graça e merecee ao nosso povo; e em razom daquelIes que de-
outras. Os sucessores de D. Afonso Henriques haviam introduzido mo- rem as querellas, dem-nas que sejam juradas, e nomeadas as
dificações exigidas pelas circunstâncias, ao influxo do direito canônico, testemunhas" .
cuja importância crescera com a publicação das Decretais de Graciano
nos fins do século XII. Mas, em 1250, D. Fernando IrI, o Santo, em-
preendera uma reforma da legislação espanhola, que seu filho D. Afonso 48. D. João I, em 1358, promulgou uma lei restritiva das
V, o Sábio, completara, produzindo o código das Siete Partidas, em 1260. prisões preventivas, dando nela nova forma ao processo
Esse código, que teve força de lei em Portugal, assinalara, ao con- criminal das querelas. Determinou que os tabeliães escreves-
trário do Fuero I usqo, a adoção completa do direito romano do Corpus sem exatamente as razões do querelado, sob pena de perda de
Iuris.
ofício e prisão; que este jurasse e nomeasse testemunhas, em
No fim do século XIII e começo do XIV lavrava na Europa esse
entusiasmo, ou antes, esse furor pelo direito romano. D. Diniz aumentou determinados casos criminais mais graves, ou, noutros casos,
ainda o empenho pela propagação do Corpus Iuris ; e, para poupar aos fizesse "certa prova, ou estado, ou certa inquirição", que os
portugueses o incômodo e despesas de viagem, bem custosas naquelas juizes prosseguissem nos, feitos abandonados e, caso verificas-
eras, fundou a Universidade de Lisboa (1289) que depois passou para
Coimbra (1308) ordenando o ensino do mencionado direito e para esse
fim mandou vir professores das mais acreditadas Escolas - CÂNDIDO 12. Isso mostra como a escrita torna possível o desdobramento de
MENDESDE ALMEIDA,Código Filipino , Rio, 1870, Introdução, págs. XIII graus jurisdicionais e procedimentos preparatórios, fenômeno este que já
a XIX. tivemos, páginas atrás, ocasião de salientar.
~-

54 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INSTRUÇÃO CRIMINAL NO BRASIL 55

sem ser maliciosa a querela, apelassem, depois de prenderem termo para a defesa ou, como diziam os canonistas, "ad alle-
o quereloso, e não o soltassem senão desembargada a apelação.P gandum quidquid vult ne condemnetur, et ad omnes suas defen-
49. As Ordenações Afonsinas, concluídas e publicadas em siones faciendas't.l"
1446, embora impressas muito depois, 14 admitiram não No Liv. I, tít. 23, § 10, determinavam as aludidas Orde-
só o meio de acusação do direito romano e as querelas, pro- nações aos juizes das terras que se algum homem fosse assas-
vindas dos antigos costumes, mas também as inquirições-devas- sinado, ou se houvesse um grande furto, roubo, ou outro mau
sas do direito canônico, predominante no processo criminal por feito estranho, na vila ou no termo, fossem logo inquirir com
envolver pecado. Mantiveram-se os tres modos: a acusação, um tabelião sem suspeita e que não mandassem fazer a inqui-
que se inscrevia pelo auto de querela,' a denúncia, que se não rição pelos tabeliães, "mais per sy a filhem, ou cada um per sy
inscrevia, meio de delação secreta e da súplica dos fracos; e a a filhe"; "e tanto que a inquiriçom for tirada, enviem a Nós
inquirição, de regra ex officio. o trelado çarrado e seellado dos SeeUos dos Concelhos, e com
Citava-se o réu após lavrado o auto de querela ou feita a sinal de TabeIlião". Em cada concelho havia uma arca em que
denúncia, com as formalidades do juramento e de nomeação de eram guardadas essas inquirições, com duas chaves, uma em
duas ou três testemunhas. Mas, nos casos de inquirição, ele só poder do juiz e outra do tabelião. "E mandem logo os nomes
era citado após ouvidas as testemunhas. destes que acham que culpados som, ao Corregedor, pera o
No interrogatório, podia negar ou confessar o crime e exi- Corregedor saber quem som, ca pela ventura pela Comarca, per
gir que as testemunhas se tornassem judiciais, 15 isto é, que onde andar. poderá achar, e poer em recado."
fossem reperguntadas pelo juiz em sua presença: era a recollec- Tanto os tabeliães como os juizes deviam fazer o quereloso
tio ou recolaiia e a conjrontatio, Dava-se-lhe, em seguida jurar que "mão dá maliciosamente a querela, porque é verdade
e assim o entende a provar" e, em seguida, lavrar o auto, es-
13. Vide nota 21 da página 18. tando aí sempre presentes as testemunhas para isso chamadas,
14. O domínio visigótico dera vigência, em Portugal, ao Breviário
que ouvissem "em como lhes dão a querela jurada e as teste-
Alariciano ou Aniani até o reinado de Chindaswindo, em 652, quando
aparecera o Fuero Lusqo, que vigorou durante muitos séculos. As Leis das munhas nomeadas". E se oquereloso não quisesse jurar, nem
Siete Partidas, substituíram este código em 1260, reinado de D. Afonso V, nomear testemunhas, não seria recebida a querela, salvo, quan-
o Sábio, e vigoraram até 1446 ou 1447, ano do aparecimento das Ordena- to às testemunhas, se jurasse não se lembrar quais eram, nem
ções Afonsinas, sob Afonso V. "Considerada a época em que foi promul-
gado o Código Aj onsino este trabalho é um verdadeiro monumento. E é
os nomes delas.
para lastimar que não fosse logo dado a estampa, distando tão pouco a sua
publicação da época em que a arte divinal da imprensa fora descoberta, 50. Quando, em 1521, foram promulgadas as Ordenações
ou, em 1450, quando Guttenberg e seus sócios conseguiram pela primeira Manuelinas, já as ações não se iniciavam por clamores,
vez imprimir uma obra inteira. Este código não foi impresso senão em mas por querelas [uradas, ou denúncias, ou inqtúrições devassas.
1792, durando como lei - apenas o espaço de 65 a 70 anos, quando foi
promulgado o Código Manuelino. Tornou-se, portanto, um documento A escrita estava muito espalhada e os tabeliâes, inquiridores e
pouco conhecido no país e inteiramente ignorado no resto da Europa." outros oficiais de justiça eram auxiliares da jurisdição real.
CÂNDIDOMENDESDE ALMEIDA,Código Filipino, Rio, 1870, Introdução, Apareceu então o cargo de promotor público. E, ao contrário
págs. XX e XXI. do que vinha sucedendo, começaram a predominar as formas
15. "As testemunhas inquiridas no sumário - ensinava PEREIRAE
SOUZA - fazem-se judiciais sendo reperguntadas, ou havendo-as a parte canomcas.
por legítimas. assinando termo do seu consentimento nos autos." Este Determinaram-se melhor os casos de ação criminal e, dentre
termo vulgarmente se chamava termo de judiciais. A lei de 6 de dezembro outras prescrições, ficou estabelecida, para recebimento de
de 1612 mandava fosse dado aos réus prazo para pleitearem as reper-
guntas, sob cominação de serem as testemunhas havidas por judiciais. A
qualquer querela, a necessidade de juramento do quereloso e a
mesma lei estabelecia que as testemunhas ausentes ou falecidas ao tempo abonação de uma testemunha conhecida.
da prova, mas já ouvidas na inquirição, fossem consideradas judiciais.
Primeiras linhas sobre o processo criminal, Impressão Régia, Lisboa, 16. A marcha dos atos e a série dos atos do processo afonsino estão
1831, págs. 146 e 147 e nota 380. prescritas na Ord. Af. L. I, tit, VII, §§ 4.°, 5.° e 6.0•
'~"", .. -

INSTRUÇÃO CRIMINAL NO BRASIL 57


S6 PRINCípIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

51. JosÉ VERÍSSIMO ÁLVARES DA SILVA observou que, ao instrumento do procedimento oficial do juiz, seguida da inqui-
tempo de D. Manuel, logo 'que alguém dava querela, o rição judicial das testemunhas, isto é, de sua repergunta e con-
julgador prendia o querelado, exceto nos casos de crimes e in- frontação em presença do réu, e, afinal, da pronúncia.18
frações ele menor gravidade, que exigiam, além da querela, uma A pronúncia 'baseava-se no corpo de delito e nos indícios.
prova sumária das argüições dada no prazo de vinte dias. A A confissão, os instrumentos, as testemunhas e os tormentos 1"
exceção - segundo esse autor - se tornou regra, depois das serviam de base para o julgamento.
Ordenações Filipinas, de 1603, devido a uma mutilação do có-
18. "Pronúncia é a sentença do juiz que declara o réu suspeito do
digo manuelino empreendida pelos filipistas. E, assim, todas delito que faz obj eto (LI devassa ou da querela contra ele dada, e o pne
as querelas, para obrigarem à prisão, ficaram dependentes do no número dos culpados " - ensinava JosÉ JOAQUIM CAETANO PEREIRA
sumário conhecimento de três ou quatro testemunhasP E SOUZA, Primeiras linhas sobre o processo criminal, Impressão Régia,
Lisboa, 1831, pág. 56.
"De dois modos - prossegue, na nota 139 da obra citada - pode
Outra lei posterior, contudo, a da Reformação da Justiça, fazer-se a pronúncia: ou obrigando o réu a prisão e livramento; ou
de 1613, estabeleceu que, para os delitos puníveis com a morte obrigando-o somente a que se livre como seguro.
natural, podia o indiciado ser preso sem culpa formada "com a "Aquela primeira forma de pronúncia tem lugar nos delitos de que
pode seguir-se pena corporal, donde resulta o justo receio da fugida do
declaração que. dentro em oito dias (sendo caso de devassa),
réu.
serão obrigados a tirá-Ia, e não se provando pela culpa dos "A segunda forma de pronúncia tem lugar:
presos den-tro do dito termo, serão logo soltos sem appellacão "I. quando o queixoso não provou a querela dentro dos vinte dias,
nem aggravo, que o impida, ficando-Ihes seu direito reservado ou não provou tanto por que o réu deva ser preso;
contra a pessôa que injustamente os fez prender, para lhe pe- "II. no caso de estupro, em que o réu, prestada caução, se livra
como seguro (posto que a dita caução deve prestar-se da cadeia) ;
direm as perdas e damnos: e sendo caso de querela, a parte
" II T. nos delitos leves. 'de que não pode seguir-se pena corporal, ou
querelará e dará prova dentro do dito termo, porque se mostre
aflitiva:
tanto que baste para haver de ser preso, e não provando será "IV. quando alguém, que foi livre por sentença com a Justiça, é
!ogo solto na Iórma que fica dita". depois acusado pela parte que não fora citada, servindo-lhe a sentença
ele carta de scquro:"
19. Os tormentos eram perguntas judiciais feitas ao réu de crimes
52. E assim a nominis delaiio do processo romano, isto é, graves a fim de compeli-Ia a dizer a verdade por meio de tratos do corpo
a fórmula peta qual o acusador nomeava o acusado, qua- ou torturas. Tendo deixado de existir durante muitos séculos, os tor-
lificava o crime e estabelecia as questões do processo, foi pouco mentos, que haviam vigorado entre os romanos e os visigodos. entraram
3. pouco ficando a cargo do juiz, até se transformar na pronun- de novo no século XIV na prática judiciária. Dizia uma lei de D. João
tiatio ou sentença de pronúncia sobre a devassa ou sobre a que- I: "O j ulgador deve ser bem avisado que nunca condene ninguém que
haja confessado no tormento, a menos que ratifique sua confissão em
rela, pela qual o iuiz declarava o nome do réu, o crime e o modo j uizo ; o qual juizo se deve fazer em lugar, que seja alongado donde foi
do livramento. Essa pronuntiatio de reo capiendo, a que se re- metido a tormento, em tal guisa que o preso não veja ao tempo da
fere a Ord. Fil. Liv., V, tít. 117, § 12, 'Sujeitava, nos termos dos ratificação o lugar do tormento; e ainda se deve fazer a ratificação
§§ 18 e 19, o querelado à acusação e principiara a ser posta depois do tormento por alguns dias, em tal guisa que o dito preso já
não tenha dor do tormento que houve, porque em outra guisa presume o
em prática pelas Ordenações Manuelinas. direito que, com dor e medo do tormento que houve, o qual ainda dura
em ele, receiando a repetição, ratificará a dita confissão, ainda que
53. A acusação ficou dependendo: a) nos crimes particula- verdadeira não sej a. "
res: 1. da querela; 2. da inquirição sumária; 3. do corpo Teriam desaparecido os tormentos '!
de delito; 4. da pronúnria.b) nos crimes públicos: 1. da querela M. PIACENTrNI, L'istruuõrio cosidettc di terzo grado negli Stati
ou da denúncia; da caução das custas, emenda e satisfação; Uni ti dell'Amenca del Nord, in La Giustiza Penale, Roma, 1934, vol. XL
da 4.a série, Parte quarta, Cols. 153 e 159, dá" de certa maneira, interes-
do corpo de delito; e da pronúncia; 2. ou da devassa, como sante resposta a tal questão. Lnstrutária de terceiro grau (of the third
degree) é expressão usada, nos Estados Unidos, pela linguagem vulgar,
17. É a origem <10 nosso atual sumiÍrio de culpa; em sentido depreciativo, pata designar qualquer sistema de coligenda de
________
..::_
===--c----~=~-~=~=~_~_~ ____..
•.~------------------------------------------------ ......

58 PRINCíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INSTRUÇÃO CRIMINAL NO BRASIL 59

54. Mais tarde, a 23 de maio de 1821, o Príncipe Regente 55. Pouco tempo depois, as Cortes Gerais Extraordinárias
D. Pedro expediu, no Brasil, importante decreto, que e Constituintes da Nação Portuguesa, atendendo a que
bem refletia as doutrinas da época. O fundador da nossa na- as devassas gerais eram tão "opressivas aos povos como con-
cionalidade, considerando, segundo declarava na exposição de trárias aos sãos princípios da Jurisprudência Criminal", decre-
motivos, que alguns governadores, juizes criminais e magistra- taram-lhes, a 12 de novembro de 1821, a extinção, substituin-
dos, violando o "sagrado depósito da jurisdição que se lhes do-as por querela do interessado ou por denúncia de qualquer
confiou" mandavam prender por mero arbítrio e antes de culpa do povo.
formada, pretextando denúncias em segredo, suspeitas veementes D. Pedro, a 18 de junho de 1822, criou no Brasil o júri
e "outros motivos horrorosos à humanidade, para impunemente para os delitos de imprensa. E o Aviso de 28 de agosto man-
conservar em masmorras, vergados com o peso de ferros, ho- dou que os juízes do crime se regulassem, na formação da
mens que se congregaram por bens que lhes oferecera a insti- culpa e na prisão antes da culpa formada, pelas bases da cons-
tuição das sociedades civis", determinou pela maneira mais efi- tituição portuguesa e pelas leis que esta mandava interinamente
caz a rigorosa observância da legislação vigente. E, amplian- observar. Os mesmos princípios manteve a Assembléia Geral
do-a, ordenou que daí em diante ninguém fosse preso sem Constituinte e Legislativa do Império do Brasil.
ordem escrita do juiz competente, salvo flagrante delito, e que A Constituição imperial estatuia: "Nas causas-crimes as
nenhum juiz desse tal ordem sem. preceder culpa formada por inquirições de testemunhas e todos os mais atos do processo,
inquirição sumária de três testemunhas, duas das quais con- depois da pronúncia, serão publicados desde já" (art. 159).
testes. Determinou mais que, presos os pronunciados, se lhes No art. 179, 8.0: "Ninguém poderá ser preso sem culpa
fizesse imediata e sucessivamente o processo, dentro de qua- formada, exceto nos casos declarados na lei"; e 10: "À exce-
renta e oito horas, principiando-se sempre pela confrontação dos ção de flagrante delito, a prisão não pode ser executada se não
réus com as testemunhas e ficando abertas e públicas todas as por ordem escrita da autoridade legítima. Se esta for arbitrá-
provas desde então para facilitar os meios de defesa. ria, o juiz que a deu, e quem a tiver requerido, serão punidos
com as penas que a lei determinar".
provas por meios violentos. Tais meios, cuja severidade varia, classi-
ricam-se desde os que se consideram lícitos até os mais reprováveis.
Entre tais meios, figuram, por exemplo - prossegue o autor - o
uso da violência, em geral, ou a simples ameaça; o interrogatório pro-
longado por horas e dias, sem cessar, para, pelo cansaço" compelir o Seção segunda
indiciado à confissão'; sujeição do indiciado a pão e água, ou encerrá-lo
numa cela escura e fria, por vários dias, até que se decida a confessar; INQUÉRITO POLICIAL
requestá-lo, em seguida, após privações várias, com promessa de alimen-
tos, bebidas e cigarros; despertá-Ia, em meio de sono, e de improviso,
para recomeçar o interrogatório; atar-lhe mãos e pés; estorricar-lhe a
pele com cigarro aceso; suieitá-Io, por muito tempo, a ter acesa, diante 56. Polícia administrativa e polícia judiciária. 57.
dos olhos, uma forte lâmpada elétrica, para fatigar-lhe a vista e quase Justificativa para as funções judiciais da polícia. 58.
cegá-I o ; pisar-lhe o estômago ou o peito; prolongar abusivamente a Liberdade de investigação. 59. Limitação dessa liberdade.
prisão preventiva. 60. Inquérito policial. Antigüidade. 61. Intendente-geral de
"Che differenza vi e tra questa tortura moderna e quella antica? E policia. 62. Delegados, comissários e cabos de polícia. 63.
doloroso constatare che questi sistema si vanno introducendo in tutti i juizes de paz policiais. 64. Lei de 3 de dezembro de 1841.
paesi dei mondo, dove I'abitudine alia violenza lasciata dalla guerra 110n Chefe de polícia. 65. Reação. 66. Distinção entre fun-
ia sentire piú alcuna ripugnanza per questa ed altre forme di illegalità. ções policiais e funções judiciárias. Opinião de JosÉ DE
"Ed e perció, da angurarsi - conclui - che, non solo nell' America ALENCAR. 67. Opinião de ALENCAR ARARIPE. 68. Opinião
dei Nord, ma anche altrove, cessino quelle forme di tortura moderna che de DUARTEDE AZEVEDO.69. Opinião de TEODOROMACHADO.
vanno sotto iI nome di Tlnrd deqree, e che sia gli agenti di polizia che i 70. Lei 11.2.033 e Regulamento 11.4.824, de 1871. Extinção
giudici istruttori si affidino, per l'interrogatorio degli imputati, delle de funções judiciais da polícia. 71. A extensão da circuns-
persone sospette e dei testimoni, piu alia loro intelligenza ed agli ausili crição judiciária e o aparecimento do inquérito policial. 72.
della scienza che a sistemi di ai tri ternpi, caratteristici di una civiltà O inquérito policial na formação da culpa. 73. Síntese e
inferiori alia nostra." conclusão.
60 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESS.O PENAL INSTRUÇÃO CRIMINAL NO BRASIL 61

56. As autoridades policiais são meramente administrativas. órgãos de investigação e de ação judiciário-penal. A ação, quer
A economia do funcionalismo pode, porém, autorizar que do juiz, quer do funcionário, especializado ou não, desse mi-
Ihes sejam cometidas certas atribuições jurisdicionais, exerci- nistério público, seria tão impossível sem a investigaçilo préuia
das menos em caráter de função própria e permanente do que da verdade e dos meios de prová-Ia em juízo quanto é, igual-
de auxílio ao órgão judiciário e anterior ao tempo ou distante mente, impossível ao advogado do autor de uma demanda cível
do lugar em que este exerce sua atividade. movê-Ia em juizo sem, antes, assenhorear-se dos dados do litígio
e dos meios de prova produtíveis judicialmente em favor de seu
A discriminação da polícia em dois ramos - polícia admi-
nistrativa e polícia judiciária - faz-se sob dois critérios dife- constituinte.
Se a investigação é uma necessidade de pesquisa da ver dn-
rentes, de que decorrem duas conceituações de polícia judiciária.
de real e dos meios de poder prová-Ia em juizo, não menos
a) O primeiro critério baseia-se na distinção entre fun- necessária parece a liberdade discricionária de investigação, sem
ções preventivas e funções repressivas. As primeiras são pu- a qual essa função ele polícia seria mutilada, contrariaria sua
ramente administrativas. As segundas são de polícia judiciária, própria natureza. O homem investiga a verdade procurando
porque se exercem, sempre, tendo em vista auxiliar a justiça. na matéria os sinais físicos ou químicos dos fenômenos e na
A polícia administrativa age antes das infrações para evitá-Ias. memória de seus semelhantes os resíduos mentais dos aconte-
A polícia judiciária opera depois das infrações para investigar cimentos. Privar a investigação de um ou de alguns processos
a verdade e, a respeito, prestar informações à justiça. naturais de consultar a matéria ou a mente acerca da realidade
b ) O segundo critério funda-se na diferença de efeitos ocorrida, é mutilá-Ia e, por isso mesmo, mutilar a verdade in-
judiciais das funções policiais. O valor meramente informativo vestigável.
indica um ato simplesmente policial de polícia administrativa.
59. À vista dessas considerações, de procedência irrecnsável,
O valor de prova judicial assinala um ato judiciário da polícia,
uma função de polícia judiciária. Sob esse ponto-de-vista, a parece-nos perigosa, em virtude da extensão em que pode
polícia administrativa apenas informa a justiça; e a polícia ju- ser entendida, a afirmação de que escapam à competência inves-
diciária proua. tigatória. por exemplo. as inquirições de testemunhas ou o in-
terrogatório dos suspeitos. O perigo cessa, porém, completada
57. Polícia judiciária é, pois, em correlação oposta à polícia a assertiva: escapam à competência investigatória as inquirições
preventiva, a polícia repressiva, auxiliar do Poder J udi- de testemunhas ou o interrogatório dos suspeitos que não se
destinem. exclusioamenie, à funçilo infonl1ativa. O aditamento
ciário; e, em correlação oposta à polícia que auxilia por in for-
mações, a polícia que prepara provas judiciais. torna, entretanto, supérflua a af irmacào porque não só depoi-
mentos e interrogatórios, mas também a produção de quaisquer
A condcnacâo freqüente da chamada polícia judiciária di- meios. de prova, são alheios à competência policial pura. que
rige-se menos à polícia auxiliar inforrnadora do que à polícia investiga apenas para informar e não para provar. O contrário
preparadora de provas judiciais. como usurpadora, inconstitu- é exceção, justi ficável à medida das exigências econômicas, mas
cionalmente. de Iuncôes jurisdicionais. O certo, porém. é que que não infirrna o princípio da natureza elas funções policiais.
a desclassificação dessa s funções para atividades policiais res-
Todos os gêneros e espécies de meios de prova podem ser
ponde, sempre, a um imperativo de ordem econômica, que é
objeto de investigação. E devem ser sempre que necessários à
quase uma justificativa satisfatória.
descoberta da verdade. A limitação da liberdade investigatória
só é admissível quando a discrição e arbítrio policiais possam
58. A polícia é uma necessidade da justiça penal.
representar uma injusta lesão a direitos individuais e suas ga-
Se o crime lesa 2. sociedade, mais do que ofende o indiví-
rantias. Por isso, cerceia-se, mui justamente, a liberdade de
duo; se a pena interessa mais à ordem pública do que satisfaz
investigação, quando, por exemplo, envolva invasões domicilia-
o interesse privado; a justiça penal busca atiuamente a ver-
res, buscas e apreensões forçadas, detenções prolongadas, me-
dade criminal. Os órgãos dessa atiuidode são, por isso mesmo.
T
INSTRUÇÃO CRIMINAL NO BRASIL 63
62 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

que os Senhores Reis meus predecessores promulgaram em 12


didas essas cujo caráter jurisdicional não pode ser posto em
de março de 1603, em 30 de dezembro de 1645, em 25 de março
dúvida.
de 1742, para regularem a polícia da Corte e cidade de Lisboa,
dividindo-a por diferentes bairros, distribuindo por eles os mi-
60. O inquérito policial contém, assim, atos de investigação
nistros e oficiais que lhe pareceram competentes, e dando-Ihes
variados. A pesquisa da verdade e dos meios de pro-
as instruções mais sábias e mais. úteis para coibirem e acaute-
vá-Ia eventualmente em juizo foi objetivo claro que o legisla-
larem os insultos e mortes violentas, com que a tranqüilidade
dor lhe reconheceu, sem limitações que transcendem sua própria
pública era perturbada pelos vadios e facinorosos, sem que, con-
natureza de investigação probatória em relação a certos gêneros
tudo, se pudesse até agora conseguir os úteis e desejados fins
de meios de prova. Tais, por exemplo, os de formação do
a que se aplicavam os meios das sobreditas leis, por não haver
corpo do delito. um magistrado distinto que privativamente empregasse toda a
Seu nome - inquérito policial - é criação do Decreto n. sua aplicação, atividade e zelo a esta importantíssima matéria,
4.824, de 22 de novembro de 1871. Suas funções, porém, que e aplicando todo o cuidado em evitar, desde os seus princípios
são da natureza do processo criminal, existem de longa data e causas, os danos que se pretenderam acautelar em benefício
e especializaram-se com a aplicação efetiva do princípio da se- público".
paração da polícia e da judicatura. "Sucedendo assim nesta Corte o mesmo que, com o refe-
rido motivo havia sucedido em todas as outras da Europa que,
61. Na velha legislação portuguesa, logo que as autoridades por muitos séculos, acumulando as repetidas leis. e editos que
locais deixaram de acumular as funções civis e militares, foram publicados em benefício da Polícia e paz pública, sem
isto é, logo que o Alcaide-mor deixou de ser juiz e que os AI·· haverem sortido o procurado efeito, enquanto a jurisdição con-
caides pequenos tiveram suas. atribuições definidas, já aparece tenciosa e política andaram acumuladas e confundidas em um
bem determinado o princípio da separação da polícia e da ju- só magistrado, até que, sobre o desengano de tantas experiên-
dicatura. cias, vieram nestes últimos tempos a separar e distinguir as
Mais tarde, caindo pouco a pouco a instituição dos Alcai sobreditas [urisdicões com o sucesso de colherem logo delas os
des pequenos, substituídos estes, em muitas das suas funções, pretendidos' fruto~ da paz e do sossego público."
não só pelos quadrilheiros, como pelos juízes ordinários, muitas Esse Alvará, como o que se lhe seguiu, de 15 de janeiro de
atribuições policiais, concentradas nas mãos dos corregedores 1870, acerca das funções do Intendente Geral de Polícia, não
de comarcas tanto atribuições judiciárias como as administra- definiu precisamente a linha de separação entre a polícia judi-
tivas, ficaram, em geral, os juízes criminais acumulando tam- ciária e a polícia administrativa. .
bém as funções policiais.
O Alvará de 25 de junho de 1760, que criou o lugar de 62. D. João VI criou, em 1808, o lugar de I ntendenie Geral
Intendente Geral de Polícia, manifestou expressamente a inten- da Polícia da Corte e Estado do Brasil, que era um
ção de separar as duas classes de função "entre si tão incompa- desembargador do Paço, com um delegado em cada província.
tíveis que cada uma delas pela sua vastidão se faz inacessível Uma Portaria de 4 de novembro de 1825 estabeleceu co-
às forças de um só magistrado". Confundiu-as, porém, de missários de polícia na província do Rio de Janeiro e nas de-
modo diferente: antes do alvará, os corregedores, os ouvidores, mais em que fosse conveniente, escolhidos entre pessoas de
os juízes de fora e os juízes ordinários acumulavam as funções reconhecida honra, probidade e patriotismo, e obrigadas a servir,
policiais e judiciárias; depois do alvará, o Intendente Geral da ao menos, durante um ano, salvo incompatibilidades de função
Polícia acumulou funções judiciárias às policiais. pública. Fiscalizavam o cumprimento das ordens e editais su-
A exposição de motivos desse ato tem certo interesse: periores, davam ou requisitavam providências para prevenir
"Havendo resultado, da união de ambas em uma só pessoa, os delitos e cuidavam do mais que competisse à polícia, auxi-
a falta de observância de tantas e tão santas leis, como são as liados, para maior facilidade de serviço, por cabos de polícia.
,~
64 PRINcIPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INSTRUÇÃO CRIMINAL NO BRASIL 65

Destes recebiam partes de todos os acontecimentos nos respec- 66. JosÉ DE ALENCAR, Ministro da Justiça, afirmava, em
tivos distritos, remetendo-as aos j uizes territoriais, incumbidos sessão de 24 de agosto de 1869, que a distinção era fácil:
do procedimento judicial, se fosse caso; e, sempre, ao Inten- há um critério - dizia - "tudo quanto não é o julgan:ento e
dente, em épocas razoáveis. suas premissas, em outros termos, o processo, pertence à admi-
nistração, entra na alçada policial".
63. Foi a Lei de 13 de outubro de 1827, criadora dos jui- Mas, no correr de seu discurso, explicando a distinção, o
zados de paz em cada uma das freguesias e capelas orador deformava o critério: "Tudo quanto não é o julgamen-
curadas do Império, que concentrou as atribuições policiais, quer to e suas premissas pertence à administracão " - principiara
preventivas, quer repressivas, informativas e probatórias, nas por afirmar. O que deveria significar a incompetência da po-
mãos dos juizes de paz, o que foi mantido pelo Código de Pro- lícia para, por quaisquer de seus atos de investigacâo, lavrar
cesso Criminal, de 29 de novembro de 1823. autos ou termos do processo judicial, que pudessem servir de
premissas ao .iulg.amento. Entretanto, tal não reconhecia e mo-
64. A Lei n. 261, de ;) de dezembro de 1841, que reagiu dificava a distinção, em seguida, nela incluindo um elemento
contra os excessos regionalistas do momento, limitou as puramente cronológico como linha de separação entre as fun-
atribuições elos juizes ele paz à custódia dos ébrios, à repressão ções policiais e judiciárias: desde que o crime é denunciado,
dos vadios, mendigos, turbulentos e meretrizes escandalosas, à desde que há uma acusação, começa a ação da justiça, que ou
destruição elos qui lombos, aos termos ele bem viver e segurança, restitui o réu à sociedade pela absolvição, ou o devolve à polí-
ao auto do corpo de delito e à prisão elos pronunciados e com- cia para cumprimento da pena.
posição de contendas e danos. Criou no município da Corte
Desse discurso se destacam perfeitamente os dois critérios
e em caela província um Chefe de Polícia e respectivos delega-
diferenciais: um - que nos parece mais aceitável - nega à poli-
dos e subdelcqados necessários, nomeados pelo Imperador e
cia o poder de dar premissas ao julgamento, e cornina-lhe a
pelos presidentes, incumbidos das restantes atribuições. ~eu
função de, investigando, prestar informações sobre a verdade e
Regulamento, n. 120, de 31 de janeiro de 1842, referiu-se a sobre os meios de prová-Ia, a quem tenha competência de for-
polícia Judiciária, especificando-lhe as funções: proceder a corpo
mar aquelas premissas; outro, dá à polícia, com as atribuições
ele delito; prender os pronunciados : conceder mandados de
informativas, o poder de preparar premissas para o julgamento,
busca e apreensão; julgar os crimes chamados de alçada. A
desde que ainda não haja denúncia, desde que ainda não haja
formação da culpa cujo processo também foi atribuído à polícia,
acusação.
cumulativamente com os juizes municipais, inseriu-se nos textos
reservados à "jurisdição e autoridade criminal", subtraído ao rol Esse segundo critério carece de fundamento científico. A
das funções chamadas de polícia judiciária. polícia, mesmo após a intervenção da justiça no trato da causa,
não deve. cessar de agir no desempenho das mesmas funções que
lhe são próprias - investigar para informar -; e se, então, na-
65. Esse regime - como se vê - tripartia o papel da polí-
da pode dar à justiça senão informações, isso era antes o que,
cia, que era autoridade judiciária, de polícia administra- desde a prática do crime, vinha fazendo. Mesmo as desclassifi-
tiva e de polícia judiciária: os Chefes de Polícia, seus delegados
cações condenadas pela doutrina do primeiro critério, expressas,
e subdelegados tinham todas as atribuições policiais e, dentre por exemplo, na sua competência para lavrar os autos do corpo
as jurisdicionais, a de formar a culpa aos delinqüentes. Du- do delito, não desaparecem pelo fato de estar o réu já denuncia-
rante cerca de trinta anos o Brasil viveu esse estado de coisas, do, sendo estes válidos desde que admitidos pelo juiz sumariante
não sem protestos c projetos legislativos de reforma, que culmi- e juntos ao processo. A intervenção da autoridade judicial, de
naram na Lei n. 2.033, de 20 de setembro de 1871, após as qualquer gênero, assinala, apenas, dois períodos da atividade
discussões qne, nas duas casas do parlamento imperial, suscitou, policial, cuja linha divisória nada representa, aliás, na distinção
sobretudo, a questão da diferença das funções policiais e judi- entre polícia judiciária e polícia administrativa, nem coincide
ciárias, da separação da polícia e da judicatura.
•••
66 PRINcíPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL INSTRUÇ1\OCRIMINAL NO BRASIL 67

com quaisquer dos atos designadores dos períodos do procedi- mas a indagar, a investigar, uma instrução que começa quando
mento jurisdicional: a atividade apenas espontânea e a ativida- o delito foi cometido e que acaba logo que a judicatura pro-
de também. subordinada separadas pelo ato, de qualquer gênero, cede.
de intervenção do juiz. "Acontece muitas vezes que estas funções estão reunidas.
Assim, o juiz de instrução em França, que é um dos membros
67. Essa imprecisão no entendimento e escolha do critério do tribunal civil, é ao mesmo tempo oficial da polícia judiciária
diferencial muito contribuiu para que o Deputado ALEN- e um dos mais importantes. Entretanto, não há país nenhum
CAR ARARIPE dissesse, em 27 de agosto de 1869: onde a polícia seja mais separada da judicatura do que em
"Sabemos que a linha divisória entre a polícia e a judica- França; mas lá não se dão as atribuições de judicatura a fun-
tura não é uma coisa tão definida e assinalada pela ciência que cionários policiais, dão-se atribuições de polícia a funcionários
não possa suscitar dúvidas e questões: a experiência o tem mos- judiciais.
trado". "Não é isto a mesma coisa. Compreende-se que, tendo o
Mais: juiz de formar a culpa, há de procurar meios de informação
" ... nem todos definem pelo mesmo modo o que sejam para uma decisão justa; mas como não as pode, muitas vezes,
atribuições judiciárias e atribuições policiais, havendo a respeito obter senão por indagações próprias da polícia, recorre a elas
de algumas delas tal dúvida que aquilo que, para uns, é função por um dever de ofício, vindo assim as atribuições dos juízes,
policial, para outros é função judiciária. Por exemplo: a for- em matéria de sumário de culpa, e por ventura em matéria de
mação da culpa, muitos entendem, é função policial e da mes- julgamento, a compreender em sua esfera, por mais vasta, as
ma forma sucede com a prisão preventiva ... " funções de polícia judiciária. E, assim, se não há inconveniente
E a 11 de agosto de 1870: em que a autoridade judiciária obre como autoridade policial,
grande inconveniente há em que o funcionário da polícia se
"O critério da separação entre a justiça e a polícia é o se-
revista do caráter de julgador.
guinte: uma colhe provas e a outra julga. Embora escritores
franceses tenham estabelecido várias subdivisões em relação a "A polícia judiciária, investigando os delitos, coligindo
esta matéria, a única doutrina que chega a um resultado prá- provas, preparando a ação da justiça, é sem dúvida suplemen-
tico é a que acabei de mencionar. Ora, a formação da culpa tar da justiça; e deve, por esta razão, estar sujeita a certas
é um processo em que não há julgamento; autoridade forma- formas tutelares e protetoras. Mas, se depois do corpo do de-
dora da culpa reúne provas e nada mais; ali o réu não institui lito, depois das indagações policiais, trata-se de instituir um
defesa, apenas alega ou junta provas que lhe sejam favoráveis, exame com testemunhas em número certo, cujo depoimento
tudo é preparatório, o que aliás é da índole da polícia. A for- influi no julgamento, com a qualificação, interrogatório e de-
mação da culpa é, pois, ato da esfera das atribuições policiais, fesa do réu, estas funções da formação da culpa são natural-
mente judiciárias." -
exceto a pronúncia."
69. "O projeto - asseverou THEODORO MACHADO em
68. DUARTE DE AZEVEDO,porém, objetou, na mesma sessão,
sessão de 13 do agosto de 1870 - estabeleceu a linha
que, se as autoridades policiais continuassem com o di-
divisória na pronúncia. Nisto há demasiado escrúpulo, porque
reito de formar a culpa, salvo a pronúncia, a reforma era de- a pronúncia, não sendo, como não é, uma sentença na significa-
ficiente; que os atos da formação da culpa são atos de judica- ção jurídica do termo, pode competir à polícia. Na formação
tura, e não de polícia, estando o sumário para a pronúncia como da culpa não há controvérsia ou discussão sobre a qual deva
os termos de uma causa cível para a sentença. A indagação haver julgamento, não há necessidade de provas, bastam indí-
policial, primeiro período do procedimento, é um meio prepa- cios para a pronúncia, e, finalmente, o despacho da improce-
ratório - disse ele -- e auxiliar da justiça; é uma instrução pre- dência não obsta que se instaure novo processo, não põe fim
paratória, que se reduz não a estatuir, não a apreciar os fatos, a, causa. "

7 - P. F. P. P.
~,'f

PRINcíPIOS l'UNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL


INSTRUÇÃO CRIMINAL N'Ü BRASIL 69
68

70. Após discussões no Senado, porém, foi aprovada a ex- diciárias aos distritos policiais, essa atribuição gerou abusos que
tinção integral da competência das autoridades policiais o governo, no Aviso de 30 de abril de 1855, pôs em foco:
para processar a formação da culpa e pronúncia, reduzidas "1.0) Que, por maior que seja a solicitude e zelo da au-
suas atribuições, quanto ao que ora interessa apreciar, às de toridade no descobrimento e punição dos criminosos, deve
proceder, nos crimes comuns, a diligências para descobrimento sempre a autoridade guiar-se pelas disposições de lei, cuja vio-
dos fatos delituosos e suas circunstâncias, auxiliando assim a lação não pode ser justificada sob pretexto algum.
formação da culpa. O Regulamento n. 120, de 31 de janeiro "2.0) Que uma informação geral, prévia ou preparatória,
de 1842, precisara o caráter dessas diligências, como atos de além de ocasionar um processo duplicado, que retarda a forma-
simples ministério, na formação do corpo do delito, na prisão ção da culpa, a qual deve terminar em tempo breve, faria com
em flagrante, na fiança, na execução do mandado da prisão que fosse inquirido um número arbitrário de testemunhas.'
preventiva, nas buscas e apreensões. "Entretanto, diz JOÃo ;(3.°) Que isso vai de encontro ao art. 266 do Regulamen-
MENDES JÚNIOR, devemos reconhecer que, como simples auxi- to n. 120, ele 31 de janeiro de 1842, que fixa o número elas
liares da justiça, as autoridades policiais não podem deixar de testemunhas que podem ser inquiridas."
ser incumbidas de atos de puro ministério, atos de ministério e
O fenômeno fundava-se no pretexto da dificuldade na in-
ao mesmo tempo decisórios, e atos decisórios desclassificados.
dagação das provas. A Lei n. 2.033, de 20 de setembro de
A prisão em flagrante delito e o corpo de delito, com as buscas 1871, alargando a circunscrição territorial do juiz da formação
e apreensões a ele ligadas, assim como com as informações pró- da culpa, que situou na sede da comarca ou do termo, maior jus-
ximas e urgentes - são atos de ministério; a prisão preven- tificativa daria ao pretexto, por ser óbvio, evidente, claro, que
tiva, as fianças e as buscas e apreensões estranhas ao corpo de as diligências urgentes e próximas ao cometimento do delito não
delito ou feitas em tempo e lugar não próximos do delito, são podem esperar que compareça o juiz distante; se, sabiamente,
atos decisórios que não podem deixar de ser sujeitos não só à seus elaboradores não cuidassem de, reconhecendo a necessidade
requisição, como, nos casos urgentes, à exclusiva responsabili- da livre investigação policial, declarar-lhe a legitimidade, prefe-
dade das autoridades policiais; os atos do processo dos crimes rindo regulamentá-Ia a proscrevê-Ia. Disso nasceu o inquérito
menos graves e mais freqüentes não podem deixar de ser, ao policial.
menos no estado atual da nossa organização judiciária e das
nossas condições territoriais, desclassificados da jurisdição ju- 72. Os atos de investigação constituem o chamado inquérito
dicial para a competência policial." policial; e constituiam, antes do Decreto n. 4.824, de 22
de novembro de 1871, atribuições policiais, sem denominação
71. A lei de 3 de dezembro de 1841, art. 4.°, § 9.° e o Re- peculiar.ê
gulamento n. 120, de 31 de janeiro de 1842, art. 58, § Que representam eles na formação da culpa?
13, determinavam, entre as atribuições das autoridades policiais, V árias distinções exige a resposta.
a de "remeter, quando julgarem conveniente, todos os dados, A primeira classifica os atos do inquérito em atos pura-
provas e esclarecimentos que houverem obtido sobre um delito mente policiais e atos de valor judicial, determinados pelas ci-
com uma exposição do caso e suas circunstâncias, aos juizes tadas desclassificações.
competentes a fim de formarem a culpa". Tinham, então, com-
petência para a formação da culpa, as autoridades policiais e 1. Assinala-se, nisso, a preocupação de impedir ° reaparecimento
juízes municipais. Qualquer dessas autoridades, porém, mesmo das devassas, cuj a abolição era considerada urna conquista liberal.
incompetente, deveria, pelo dispositivo citado, realizar, quando 2. O projeto elo novo Código de Processo Criminal brasileiro
julgasse necessário, um verdadeiro inquérito policial para re- anuncia a supressão do nome inquérito policial e promete restaurar a
meter à competente ou ao juiz municipal, para o procedimento designação imprecisa de diligêncius policiais para os atos de investigação.
Trata-se do chamado Projeto VICENTE: RÁo.
preliminar. E, apesar de serem limitadas as circunscrições ju-
INSTRUÇÃO CRIMINAL NO BRASIL 71
70 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

culpa e o sumário dela faz parte. A história esclareceu-nos o


Aqueles são os de mera informação prestável ao sujeito
caráter desses institutos, sobretudo da pronúncia como prévio
ativo da ação judicial e não constituem sequer preparo judicial."
julgamento da acusação; e, afinal, explicou quando, como e
Admitidos como preparatórios, deve entender-se que são apenas
porque surgiu, como parte da instrução preliminar, o inquérito
para orientar o acusador ou o inquisidor na produção das pro-
vas, mas não que constituem prova escrita válida em juízo da policial.
causa ou em juízo de acusação. Nada mais resta dizer sobre a instrução criminal para
que possamos, à vontade, abordar a terceira parte da disserta-
Os atos de valor judicial, porém, são, ao contrário, atos ção.
de instrução preliminar, quer considerados em relação ao fim
preventivo do juízo de acusação, quer em relação ao fim de
preparo da instrução definitiva; e, no regime vigente entre nós,
são apenas os representados pelos autos de corpo de delito,
direto ou indireto, realizados pelos delegados e subdelegados,
porque os depoimentos prestados em inquérito policial não têm,
tecnicamente, valor judicial, embora, no regime do princípio da
verdade real, possam ser fonte de convicção do juiz."
A segunda distinção procede da diferença existente entre
instrução definitiva, instrução preparatória e instrução preven-
tiva. Os atos-de-valor-judicial do inquérito policial são, con-
soante o juízo que devam sustentar - juízo de acusação ou
juízo da causa - atos da instrução preventiva ou atos de pre-
paro da instrução definitiva; ou ainda, simplesmente, atos de
instrução preventiva e atos de instrução preparatória.

73. Sintetizemos o que ficou afirmado nas primeiras partes


de nossa dissertação.
Fixando as noções de instrução criminal e formação da
culpa, demonstramos que constituem denominações diferentes do
mesmo instituto processual: a instrução criminal, sendo toda a
atividade reveladora da verdade criminal ao conhecimento cio
juiz é, por isto mesmo, toda atividade formadora da culpa na
consciência do julgador.
Logramos, também, dividir, osb o mesmo critério, a ins-
trução ou formação da culpa, em definitiva e preliminar. Pu-
semos em foco suas funções preventivas e preparatórias e
mostramos porque corpo do delito é elemento da formação da

3. Vide notas 11 e 12 da pág. 31.


4. Idem.
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Capítulo I

Princípio do contraditório

74. Programa. 75. Lide e processo. 76. Ação e contrariedade.


77. O contraditório. 78. Citação, notificação, intimação. 79.
Termo para contrariedade. 80. Ciência extrajudicial. Contu-
mácia. Expressão formal do contraditório. 81. Contrariedade
e contraditório.

74. Fiel a roteiro que nos impusemos, vamos, agora, estu-


dar o fenômeno processual da contrariedade. Logo ao
tratarmos o assunto, realizaremos necessária incursão nos do-o
mínios do processo civil, em que a oposição de interesses e de
vontades de réu e autor constituem a força motriz da ação
judiciária.
Estabelecidos a função e os meios de funcionamento dessa
contrariedade nas relações processuais de caráter privado, mos-
traremos como se aplica o mesmo princípio do contraditório às
dúvidas criminais que constituem objeto material do processo
crime.
Teremos, então, verificado que no procedimento penal 11;)0
há "partes", nem "contrariedade", senão formais, pela exigên-
cia do predomínio, que se deve dar, à verdade histórica, in-
quirida pelo juiz, sobre a verdade debatida por meio de alega-
ções e provas do autor e do acusado. Afirmaremos o caráter
auxiliar e acessório dessa contrariedade puramente formal, con-
cluindo por assentar que ela deve ter, no procedimento-crime,
expressões peculiares, capazes de garantir à justiça o rendimen-
to da ação das "partes" na descoberta da infração, sem sacri-
fício' porém, da realidade criminal.
PRINcíPIO DO CONTRADITÓRIO 77
76 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAl.

teresse di cui si esige Ia prevalenza", ou, noutros termos, "a afir-


Até chegarmos a tal asserto, havemos de tocar, embora de
mação da conformidade da pretenção com o direito objetivo".
passagem, variados assuntos elementares ou conexos, com
oportunidade de cuidar: 1) dos princípios fundamentais do pro- Assim C01110 a intenção e a contrariedade são coisas que os
cesso criminal; 2) dos caracteres administrativo e jurisdicional titulares dos interesses fazem e não apenas o que querem, as
da ação crime; 3) da inquisitoriedade do juiz penal. razões não consistem em acreditar na conformidade de uma ou
de outra com o direito objetivo, mas 110 afirmar, isto é, alegar
Da compatibilidade de aplicação contemporânea, ao mesmo
procedimento, do princípio inquisitório e do princípio do con- e provar esse acordo.
traditório, deduziremos enfim, a conclusão que há de servir de E assim se exprime, em suma, a lide: alegar e provar razões
base as questões da última parte da dissertação. de fato e de direito da intenção e da contestação.
A lide, já o vimos, não é, porém, só o conflito de interes-
75. Realizemos, antes de mais nada, com a máxima cautela ses. Não é, também, convém salientar, apenas a expressão
e atentamente, um trabalho, por assim dizer, de disseca- atualizada das razões de direito e de fato da intenção e da con-
<,ão anatômica do fenômeno processual. Auxiliar-nos-á o in- trariedade. Mas ela se conforma dos dois elementos, o confli-
signe mestre italiano FRANCESCO CARNELUTTI, cujos ensina- to de interesses e a açiio das vontades.
mentos tentamos adiante reproduzi r.! Mas em que consiste essa ação;' Eis uma pergunta que
Se nos pusermos a observar o que acontece diante do juiz, deve ter pronta resposta.
veri ficaremos, antes ele mais nada, duas pessoas que litigam:
uma delas exige a tutela de um interesse e a outra, a negação 76. O juiz, para conhecer o litígio, precisa avizinhar-se dele
dessa tutela. Vemos, pois, a lide no processo, tal como veria- ou vice-versa. Essa obra de aproximação não cabe ao
mos a doença na cura. magistrado, que é, exclusivamente, árqiio de juí::w.. mas ao
A distinção entre lide e processo ressalta claríssima desde órgão agente "quell'organo che avvicina il giuclice al fatto", o
logo: o processo não é a lide, mas reprodue a lide, representa-a sujeito da ação. Desnecessárias parecem muitas reflexões para
diante do juiz; e a lide não é o processo, mas está no processo. compreender como e porque o diretamente interessado na ques-
O processo é o continente e a lide é o conteúdo. tão seja o melhor Iautor desse trabalho. "É addirittura intuitivo
che, mentre il disinteresse e requisito necessário per deculere,
A lide é uma espécie do gênero conflito de interesses, ca-
l'interesse e requisito eccellente pcr dowumdare'í ?
racterizada, especificamente, pela ativa posição contrária das
partes. Uma afirma sua intenção ("pretesa", "esigenza e Por essa razão intuitiva, atribuem-se determinados pode-
'Suhordinazione di un interesse altrui a un interesse proprio" e res à parte, destinados a provocar a atividade do juiz; consti-
outra. a contestação ("resistenza alla pretesa", "rifiuto della tuem o direito de ação ou, mais brevemente. a ação.
'Subordinazione clcll'interesse proprio all'interesse fatto valere Não a uma parte, mas a cada uma das partes, cabe o poder
con Ia pretesa "}. de ação. Sua bilateralidade é condição de sua utilidade. O ele-
Quer a intenção, quer a contestação, constituem atos das mento contraditório garante o serviço que ao processo ela
partes, coisas que os titulares fazem e não apenas o que eles presta.
querem. A parte age estimulada pelo próprio interesse e, assim,
Arma com a qual operam tanto a intenção quanto a con- não pode ser uma boa mediadora: trata, naturalmente, de ocul-
testação encontramo-Ia naquilo que também nós, como certos tar fatos que lhe sejam ou pareçam desfavoráveis e de inventar
processualistas estrangeiros, podemos denominar razão: é a
2. FRANCESCO CARNELUTTI, Lezioni di diritto processuale civile,
"affermazione della tutela, che l'ordine giuridico concede all'in- CEDAM, Pádua, 1933, vol. l I, págs. 148 c segs. e 154 e 155. Sistema
di diritto processuelc civil e, CEDAM, Pádua, 1936, vo1. I, págs. 400 e
1. FRANCESCO CARNELUTTI, Sistema dei diritto processwale ciuile, segs.
CEDAM, Pádua, 1936, vo1. I, pág s 341, 345. 348 c 351.
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11,

PRINcíPIO DO CONTRADITÓRIO 79
78 PRINclPJOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

outros que a possam beneficiar, procurando, em suma, sacrifi- Poderíamos ser mais minuciosos no desdobramento de
qualquer dessas três espécies principais de atividade das partes
car a verdade.
no processo, e ajuntar mesmo à enumeração outros atos menos
O remédio está na ação da parte contrária, cujo interesse importantes. Correríamos o risco, contudo, de divagações inú-
está em jozo. Embora esta, por sua vez, trate de esconder e teis. Basta-nos, aqui, saber que a contrariedade se exprime
simular fatos à feição da própria conveniência, a contrariedade principalmente nos pedidos, nas demonstrações (ou instrução)
corrige os excessos ou deficiências do adversário.
e nas impugnações das partes.
Se - para exprimir com simplicidade - cada um dos liti-
gantes leva a processo apenas os fatos que o beneficiam e assim, 77 . O contraditório representa, pois, o complemento e o
pode-se dizer, uma metade do litígio, ambos levam ao processo corretivo da ação de parte. Cada um dos contendores
o litígio inteiro, porque os fatos favoráveis a um prejudicam age no processo tendo em vista o próprio interesse: a ação com-
o outro. binada dos dois serve à justa composição da líde.
Contrariedade e contraditoriedade constituem espécies do Esse fenômeno constitui "I'anirna del mecanismo proce:'l-
gênero lógico oposição, que é afirmação e negação do mesmo suale": "si pua rappresentare come Ia componente di due forze
predicado em relação ao mesmo sujeito. antagonistiche: ciascuna delle due forze in lite diverge dalla
Equivalem-se processualmente aquelas duas expressões - forza chc tende alla qiusta conip osisione della Iite, ma con questa
contrariedade ou contradiioriedade -- para designarem afirma- coincide Ia loro risultante "."
ção e negação da mesma tutela jurídica em relação ao mesmo Quem quer que reflita ~ segundo o mestre - acerca desse
interesse, ou, noutros termos, a afirmação e a negação "da con- Importante e delicado instituto percebe os defeitos, o custo e o
formidade da pretensão C0111 o direito obj etivo". rendimento da ação da parte. A parte é o órgão mais pronto,
Formalmente, já o vimos, a contrariedade se exprime em mais imediato, para a transmissão do fato ao juiz: esse o ren-
atos. Que foz o autor ou réu no processo? dimento. Mas é também o órgão mais perigoso: esse o custo,
O perigo não se elide senão por meio do contraditório, que de ..
Consideração superficial o revela: pedem, As partes for- pura a ação de cada uma das partes de demasias e superfluida-
mularn pedidos, que constituem, na contraposição, o elemento des, permitindo ao juiz separar os elementos úteis dos elementos
fundamental da contrariedade. inúteis ou danosos acaso encontráveis no acervo de fatos apre-
Elementos do pedido são a proposição e a conclusão. For- sentados pelo autor ou pelo réu. "Il contradittorio e il Ionda-
ma-se a proposição: da premissa do pretenso direito objetivo mento dell'istituto vigente del processo civile."
formal - a lei - e da premissa do pretenso direito objetivo
material - o fato (com seu efeito jurídico derivado) ; e dessas 78. Estabelecido, em traços gerais, em que consiste a contra-
premissas decorre a conclusão. riedade, conhecida sua natureza e posta em merecido des-
Depois de pedir, a parte demonstra: a) criticando a lei; taque a importância de seu escopo, entremos em pormenores,
b) criticando o fato; c) definindo legalmente o fato. A de- que mais nos avizinhem de seu funcionamento. Traternos. pois,
de sua expressão formal, que é o instituto do contraditório.
monstração constitui por assim dizer, um "segundo ato" da
contrariedade: é a instrução.
A primeira nota processual do contraditório, podemos
Pedido e demonstração do autor contrapostos a pedido e
identificá-h na ciência, que a cada litigante deve ser dada, dos
demonstração do réu, eis o mínimo processual de contrariedade.
atos praticados pelo contendor. Estimulado pela notícia desses
O "terceiro ato" da contrariedade apontamo-lo, como os
mestres, na impugnação dos atos do juizo, A eventualidade, se 3. FRAN'~ESCO CARNELUTTI, Lezioni di diritto processuale civile,
não a probabilidade de injustiça ou de ilegalidade dos despachos CEDAM, Pádua, 1933, vo1. II, pág, 155.
e sentenças, explicam a espécie.
.,r

80 PRINClPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL PRlNcíPIO DO CONTRADITÓRIO 81

atos é que, conhecendo-os, o interessado em contrariá-Ios pode despachos, nem lavra sentenças, de cujo teor não mande cienti-
efetivar essa contrariedade. Quando os ignore, é flagrante a ficar as partes. Dessa forma é que pode a contrariedade efe-
impossibilidade de contrariá-h, a tempo de lhes tolher os efeitos. tivar-se, ficando as partes, no correr do feito, a par ele todos
São meios, entre nós, de dar ciência às partes da prática os seus atos e termos.
dos vários atos processuais, a citação, a notificação, de certa Citação, notificação. intimação, desempenham, no processo,
maneira," e a intimação. Deles a contrariedade recebe decisivo segundo comparação pitoresca do magistral Prof. CARNELUTTI,
estímulo e deles, não raro. depende, como de condições indis- "il compito che in un congegno meccanico appartiene alle c. d.
pensáveis para existir de fato e de direito. trasmissioni; essa stabilisce una completa trama di fili, i quali
Como poderia, C0111 efeito, revi dar os traiçoeiros golpes do vanno e vengono da una parte all'altra, senza i quali non si
autor o réu que os ignorasse, por não ter sido citado para ver- riuscirebbe a tessere il contraditoriot'.>
se processar? Forçosamente devemos concluir do exposto uma regra
Quào injustas não seriam as conseqüências da pena de con- prática indiscutível: sempre que encontramos prescrita pela lei,
fesso imposta à parte que devendo prestar um depoimento pes- a necessidade de citação, notificação, intimação, a ambas as
soal deixasse ele fazê-lo por não ter sido cientificada do tempo partes, relativamente a qualquer ato processual, defrontamo-
e do lugar designados pelo juiz e em que teria praticado esse ato nos com uma aplicação do princípio do contraditório.
se conhecesse a designação!
79. Convém observar, desde logo, que, sendo a citação, a
Imaginem-se, também, O~ danos que sofreriam os litigan-
tes quando decaíssem dos prazos para recursos, apenas por não notificação, sob certo aspecto, ou a intimação meios de
terem sido intimados dos despachos que impugnariam se conhe- estimular a contrariedade, hão de estar subordinadas a certos
requisitos de validade, cuja inobservância implicaria a impresta-
cessem!
bilidade da notícia que dos atos a contrariar devesse ter qual-
Irrisório direito ele contrariedade seria esse poder de agir
quer dos litigantes. A notícia tardia é um forte exemplo de
aos sobressaltos, ao sabor de mil surpresas ou à custa de uma imprcstabilidade. E, assim, autor e réu, quando citados, noti-
permanente e penosa vigilância de todos os membros da comu-
nhão social sobre seus semelhantes, em guarda contra as pos- ficados ou intimados. devem sê-lo a tempo de poderem con-
síveis ações judiciárias que de todos os lados ameaçariam sur- trariar os efeitos do ato de que então recebem notícia. Esse
gir. Fiscalização teórica constituiria esse esforço, incapaz de termo para contrariedade - segunda nota formal do contradi-
conter os efeitos elos processos misteriosos e levados a termo tório - varia com a diversidade de natureza dos atos proces-
sem conhecimento dos principais interessados em contrariá-Ios, suais contrariáveis. Mas constitui um complemento necessá-
rio dos institutos da citação, notificação e intimação, para que
A necessidade ele citação, de notificação e de intimação possam estas ser havidas como expressão prática do princípio
das partes é, assim, salientemo-lo bem, a primeira nota concre- contraditório.
ta de procedimento contraditório. Graças a elas, o autor não
Seguindo o rumo de nossa explanação, volvamos à regra
pode mover a ação sem que o réu desta tenha notícia; o réu
não pode reagir sem que de sua contestação o autor tenha ciên- prática acima enunciada, de reconhecimento do fenômeno da
cia; nenhuma alegação faz, nenhuma prova produz qualquer contrariedade nos atos judiciais, para completá-Ia com o seguin-
dos litigantes sem CJue o adversário as conheça; e o juiz não te adendo: a citação, notificação e intimação devem determinar,
examina pedidos ignorados por um dos contendores e não dá todavia, em seguida, a fluência de um prazo para contrariar.

4. Nota desta edição. A notificação, em nossa terminologia, ex- 5. FRANCESCO CARNELUTTI, Lczioni di diritto processuale ciuile,
prime coação processual. Mas da ordem, que constitui seu objeto, o
notificando é sempre intimado. CEDAM, Pádna, 1933, vol. lI, pág. 157.
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82 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL PRINcíPIO DO CONTRADITÓRIO 83

80. É preciso, ainda, antes de prosseguirmos acentuar que se corrente, cuja força emprega para mover máquinas das fábri-
a citação, notificação e intimação são meios de funciona- cas, disciplina-lhe a atividade como o engenheiro corrige o
mento do contraditório. não constituem os únicos meios. A con- curso da correnteza por meios artificiais, ora diminuindo a in-
trariedade é ação bilateral das partes. Desde que esta possa ser clinação, ora aumentando o salto, represando-a aqui, aceleran-
do-lhe o ímpeto acolá, a fim de que possa dispor de toda a for-
identificada em determinado procedimento, temos de reconhe-
ça no melhor lugar e na melhor ocasião." 6
cer, neste caso, que o princípio funcionou e não devemos consi-
derar mais se houve ou não houve citação, notificação ou inti-
mação dos litigantes. A contrariedade pressupõe, necessaria-
mente, que a parte que contrariou teve, a tempo, ciência dos
atos contrariáveis do aludido procedimento. E isso basta. Uma
vez que as partes têm ciência dos atos processuais, tanto que
efetivamente os contrariam, pouco importa saber se da prática
desses atos foram avisadas judicial ou extra judicialmente. A
falta de citação, de notificação e de intimação supre-se pela
demonstração de que, apesar da irregularidade, o interessado em
recebê-Ias teve, embora por outros meios, conhecimento opor-
tuno da notícia que elas deveriam dar.
Assim também, se a contrariedade não se efetiva apesar
de estimulada por qualquer daqueles três avisos judiciais, não
c1eixa de haver aplicação elo principio do contraditório à prática
elo ato a que eles se referem. É como se a contrariedade tivesse
agido, expressão virtual de contrariedade, mas efetiva manifes-
tação do instituto do contraditório. O essencial ao processo é
que as partes sejam postas em condições de se contrariarem,
6. De que modo se infundem tais formas aos atos de contrariedade?
Disciplinando-a sobretudo pelo instituto dos riscos processuais. Fun-
81. O contraditório é, pois, em resumo, ciência bilateral dos cionam estes como estímulo e como freio à ação das partes derivada da
atos e termos processuais e possibilidade de conirariá-lo s. força motriz, que os interesses em conilito geram. A isto já tivemos,
A contrariedade é ação das partes. Tem suas raízes na- páginas atrás, oportunidade de nos referir. Tais estímulo e contra-
-estímulo se obtêm - com a atribuição aos dois interessados de certas
turais no conflito de interesses e se manifesta processualmente desvantagens, como conseqüência da inércia, preguiça, precipitação, ou
na representação desse conflito diante do juiz. morosidade que manifestem nos respectivos pedidos, demonstrações. irn-
pugnações e mais atos de contrariedade. Visam a determinar, assim, o
É por isso que os processualistas vêem na oposição de inte- ônus e a responsabilidade processual.
resses a força motriz do procedimento, força que, disciplinada Constituem ônus os termos dos pedidos, das demonstrações, das im-
pelo juiz, para que funcione do melhor modo possível, conduz pugnacões, enquanto se dispõe, como regra processual, que um certo
resultado útil não possam autor e réu conseguir senão mediante certa
à consecução do escopo processual. atividade, determinada no lugar e no tempo.
CARNELUTTI, o grande civilista italiano, afeito às compa- Constituem responsabilidade processual todas as despesas do processo,
rações curiosas, que tanta graça e clareza dão a suas magnífi- enquanto se dispõe como regra que por seu custo sej a responsável a
parte 'vencida (FRANCESCO C~RKELUTTI, Lezioni di diritto proccssuale
cas lições, afirma, com as devidas ressalvas, que: "O legislador ciui!e, CEDAM, Pádua, 1933, vol, l I, págs. 312 e segs.; c Sistema dct
trata o mteresse em demanda como o engenheiro trata a água diritto proccssuale ciuilc, CEDAM, Padua, 1936, vol, I, págs. 408 e segs.).

8 - P. F, r. P.
"" 'f

Capítulo II

Princípio de obrigatoriedade

82. Poder dispositivo. O princípio de disponibilidade e o


processo civil. O princípio de indisponibilidade ou obrigato-
ricdade e C> processo penal. 83. O princípio de obrigatorie-
dade e o direito penal. 84. Regras de aplicação do princípio
de obrigatoriedade: a) oficialidade (autoritariedade, espon-
taneidade, inevitabilidade) ; b) legalidade (necessidade, irre-
tratabilidade ): 85. Princípio de publicidade e princípio de
necessidade. 86. Princípios fundamentais do procedimento
penal.

82. Os. contrastes de interesses privados dependem, por na-


tureza, da vontade dos particulares interessados. Estes
podem, por transação explícita ou implícita, dispor do confli-
to, até mesmo à anulação.
O poder público, cujo interesse no conflito é resolvê-Io
para realizar a paz jurídica de que depende a sociedade para
viver e progredir, desmentiria essa sua finalidade precípua se
pretendesse restaurar, sobre o acordo parcial ou total elos par-
ticulares interessados, a luta dirimida, e só para, afinal, dirimi-
-Ia pela força pública. O juiz, que é pacificador, não eleve fun-
cionar onde a paz se restaurou pelas vontaeles elos contra-inte-
ressados.
Essa faculdade, que têm os particulares, ele representar o
conflito ele interesses em juizo da maneira que lhes convêm -
inteiro, incompleto e até simulado e por colusão - corresponele
ao poder que, na viela jurídica extrajudicial, sobre os próprios
direitos exercem seus titulares ele usá-Ios ou não usá-Ios.
Chama-se poder dispositivo.
PRINCÍPIO DE OBRIGATORIEDADE 87
86 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL
essencial, mas como obrigação funcional de realizar um dos
Não o possuem, porém, os que agem como órgãos de pro- fins essenciais de sua própria constituição, que é a manutenção
moção do interesse de outrem: não podem transigir, nem re- e reintegração da ordem jurídica. Disso decorre - segundo
nunciar; e, por isso mesmo, não têm, em juizo, qualquer poder o citado mestre - o princípio da indisponibilidade do referido
dispositivo, sobre os dados da questão. São tutores de meno- poder-dever: os órgãos de ação do Estado dele não podem dis-
res, curadores de interditos, representantes sem poderes espe- por: a renúncia, condicionada ou não, ao poder de pretender a
ciais; e, também, os funcionários incumbidos da repressão da punição e de realizá-Ia eventualmente, é inadmissível, salvo
clelinqüência. disposição expressa de lei.
Se o principio de dispom:bilidade - com efeito - domina
em matéria cível, prevalece no foro criminal o princípio de indis- 84. O princípio de indisponibilidade ou obrigatoriedade se
p.onibilidade. exprime segundo MANZINI, em duas regras de aplicação:
a) a regra da oficialidade (autoritariedade; iniciativa ex
83. Não pode existir em processo criminal o mesmo poder officio; inevitabilidade) ; e b) a regra da legalidade (necessi-
dispositivo elas partes, embora expresso em contradito- dade; irretratabilidade) do procedimento penal.
riedade, porque o interesse coletivo é um interesse de outrem
e não do autor e do réu da ação penal. O crime é uma lesão O enunciado da regra da oficialidade é este:
irreparável ao interesse coletivo, reconhecida como tal pela Desde que a função penal é, por índole, eminentemente es-
proibição 1egis1ativa de sua prática. A cominação de uma pena tatal, a pretensão p1fnitiva (pretesa punitiva) do Estado deri-
é uma ameaça tida por necessária e cuja seriedade precisa, por uante do crime (reato) deve fazer-se valer por um órgão públi.
isso mesmo, ser posta em foco pela efetividade da sanção. Ou
a pena é necessariamente reclamada pelo crime, para satisfação
1
l
co, e este deve agir por iniciativa própria, sem necessidade de
qualquer estímulo exterior para adim.plemento de seu dever
do interesse social - e deve ser inflexivelmente aplicada pela funcional.
ação obrigatória do poder público - ou pode ser discricionaria-
O procedimento deve, pois, ser obra da autoridade; iniciar-
mente evitada pela transação dos particulares ou funcionários
-seex officio; e assegurar-se contra todo obstáculo ilegítimo.
do Estado, e, então, não se justifica a cominação legislativa. O
São três sub-regras, por assim dizer, em que se divide a regra
princípio dispositivo seria, no processo criminal, a negação elo
da oficialidade: 1) regra da autoritoriedade ; 2) regra do proce-
direito criminal. dimento rx officio; 3) regra de inevitabilid'ade do procedimento.
Do fundamento do processo penal é, ao revés, o princípio
da. obJigatoriedade, porque o Estado não tem, apenas, o direito 1) Aautoritariedade é o princípio em virtude do qual o
de punir, mas, sobretudo, o dever de punir. Seus funcionários órgão da ação (isto é, encarregado de provocar a atividade ju-
devem agir. A ação penal é um dever de ministério público e risdicional) deve ser sempre um funcionário do Estado encarre-
não simples direito. gado desse ministério público. A função pode ser exclusiva:
"11 compito funzionale dello Stato, di provvedere alla rea- promotores de [usiiça, promotores públicos, órgãos do Minis-
tério Público; e inclusiva: quando cometida a membros da Ma-
lizza'bilità della pretesa punitiva nascente da reato - afirma
MANZINI _ in vista del qua1e e predisposto il processo penale, gistratura judiciária, Poder Legis1ativo ou a funcionários pú-
costituisce contemporaneamente un potere e un dovere dello blicos não especializados e mesmo a particulares, como múnus
Stato medesimo." 1 público.
Os interesses tutelados pelas normas penais são, sempre, 2) O procedimento ex officia é uma regra de esponta-
eminentemente públicos, sociais; sua atuação impõe-se ao Estado neidade inerente ao exercício da função administrativa penal,
não como simples faculdade de consecução de um escopo nâo e, portanto, daquele ministério público; independe de provoca-
ção, qualquer que seja seu órgão competente, promotor ou juiz,
1. VINCENZ(, MANZINI, Trattato. di diritto processuale penale, funcionário público ou qualquer do povo.
UTET, Turim, 1931, vol. I, pág. 202.
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL PRINCÍPIO DE OBRIGATORIEDADE 89
88

Há exceções nos direitos de queixa privada, de perdão do dos seus inferiores hierárquicos. Ao contrário, deve policiar-
ofendido, de representação necessária do ofendido e de autori- -lhes a atividade, para que não sejam desidiosos desrespeitadores
zação superior ou das câmaras legislativas. Explicam-se por da lei e para que, culposa ou dolosamente, não causem irrepará-
motivos de ordem histórica, de utilidade social, de proteção ao veis danos à justiça penal.
decoro das famílias, de caráter político, e outros. 2) A regra de irretrtüabilidade, como a denominação ade-
quada tão bem explica, exprime uma extensão da necessidade
3) A terceira sub-regra, ineuitabilidad.e do procedimento.
a todos os atos do procedimento penal, Assim como o órgão
é aquela que recusa à vontade dos particulares ofendidos e à
do Ministério Público está sujeito exclusivamente à lei, para
vontade dos funcionários públicos qualquer poder dispositivo
dar início à própria ação, subordinado é também tão-somente
sobre a promoção da ação penal. Àqueles, esta não pertence;
a lei, no desenvolvimento de sua atividade processual.
e os funcionários aos quais ela compete têm-na, não como um
direito, mas como um dever do ofício. 85. ALBERTO DOMENICO TOLOMEI2 estudando os princípios
O eminente professor italiano atribui à reqra da legalidade fundamentais do processo penal, compendia todos afinal
ou indiscricionalidade os seguintes termos: em: a) princípio de publicidade, que considera o titular
É no cumprimento de absoluto e inderrogável dever fun- do direito de ação; b ) princípio de necessidade, que considera
cional que, verificadas concretamente as condições da lei, o o exercício do direito de ação.
órgão público competente deve fazer valer a pretensão punitiva Para esse autor, "giova tener presente che in proposito le
do Estado deriuante do crime. enunciazioni e le distinzioni fatte nella dottrina sono svariatis-
Desdobra MANZINI essa regra em duas outras: 1) regra sime". Antes de mais nada, a terminologia é diversa e singu-
da necessidade; 2) regra da ir:retratabilidade. larmente apta a gerar confusões: mesmas palavras significam
conceitos diversos.
1) Em virtude do primeiro princípio, o Ministério Pú-
Assim - diz ele - os termos publicidade e oficialidade
blico fica, no desempenho de suas funções, diretamente subor-
são usados com ambígua promiscuidade, ou para representar o
dinado à lei penal, compelido a agir contra todos aqueles que
primeiro aquilo ;l que melhor se aclapta o segundo, ou para ter
infrinjam seus preceitos e sem que possa levar em conta quais-
uma significação inteiramente inadequada. Outros escritores
quer considerações de oportunidade ou conveniência. Funcio-
vêem princípios distintos onde não existe senão aplicação, de
na, em suma, "in esecuzione di un assoluto precetto di legge,
um ou outro dos dois enunciados, a institutos e momentos di íe-
escludente ogni discrezionalità".
rentes do procedimento penal, criando, com isso, noções frag--
É também essa a regra que subtrai os funcionários do Mi- mentárias e dificultando aquela visão de conjunto necessária
nistério Público à subordinação hierárquica sempre que os su- para bem sé' conhecer o direito processual.
periores, expedindo ordens, determinem providências ou medidas
É preciso não confundir - explica TOLOMEI - a publici-
contrárias à lei. Estas não têm, nesse caso, valor algum e não
dade com a oficialidade da ação penal; publicidade é estátua-
merecem acatamento. Só um ato legislativo pode impedir a
lidade; "il princípio della statualità dei processo penale nei
atuação legal do órgão do Ministério Público.
tempi moderni e segnatamente ad opera de lia dottrina tedesca
Os representantes do poder punitivo do Estado não depen- neI classico periodo del processo ri formato (che 10 designô
dem, para agir ou para deixar de agir, das ordens ou determi- con frase pericolosamente ambígua Offizialitiitsprinzip) non piu
nações, de qualquer gênero, de seus superiores hierárquicos, si contesta e si discute".
que só o são na esfera estritamente funcional. Devem obediên-
Oficialidade não é publicidade da ação, mas publicidade de
cia apenas à lei e, no interpretá-Ia, são livres de quaisquer
exercício da ação.
orientações estranhas a seu sincero modo de entendê-Ia.
Isso não significa que a autoridade superior do Ministério 2. ALBERTO DOMENICO TOLOMEJ, I principi [ondamentali del processo
Público nenhuma influência possa ter sobre a conduta geral pcnale, CEDAM; Pádua, 1931, págs, 16 e segs,
90 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL PRINCÍPIO DE OBRIGATORIEDADE 91

Quanto ao princíPio de necessidade: dicional, que obrigatoriamente deve seguir a ação penal, diz
"No campo do direito civil, o titular da ação é livre: a) respeito a outro fenômeno, o de ser o direito de punir um di-
de promover ou não a ação; b) de dar ao procedimento - reito de coação indireta e não um direito de coação direta.
fora certas limitações - o curso e desenvolvimento que mais Nessa questão dos princípios fundamentais do processo
lhe convenha, e até de renunciar a seu ulterior exercício e de criminal, como em muitos outros assuntos jurídicos, o melhor
conseguir, com isso, uma decisão jurisdicional porventura di- é evitar as ingratidões da terminologia, procurando substituir
versa da que teria propiciado a completa e adequada adoção dos denominações por noções claras dos fenômenos e institutos.
meios garantidos pela lei para o acertamento da verdade de Tentemos, valendo-nos das lições daqueles autores, resu-
fato. mir essas noções:
No campo do direito penal o titular da ação (o Estado) é
a) A ação penal é, sempre, ação pública. Mesmo a ação
vinculado: a) a promover sempre a ação - salvo as limitações
privada, cuja denominação é imprópria, é uma ação pública,
auto-impostas e relativas ao chamado direito de querela - e a
porque o interesse que ela objetiva, a pena, é sempre um inte-
conduzi-Ia até o pronunciamento jurisdicional; b ) a conduzir
resse público - aliás sua única justificativa - eis o princípio
a ação de modo que esta contenha, em relação aos seus pressu-
de publicidade+
postos de fato, o acertamento da chamada verdade real (fora
as dificuldades ou desvios impostos pela natureza aos juizos b ) A ação penal, sendo de interesse público, é, não um
humanos); confiado inteiramente ao órgão jurisdicional sem direito, mas um dever da administração: eis o princípio da abri-
que nela tenham poder discricionário o titular da ação (rem gatoriedade.
in judicium deducens i e aquele contra o qual esta se exerce
c) O exercício do direito e dever de ação, direito e dever
iis contra miem deduciiur ),
de ordem pública, cabe sempre a funcionário público, mesmo
"O princípio de indisponibilidade ou necessidade do pro- quando nisso se tenha, pelo fato de agir, transmuclado qualquer
cesso penal, expresso através dessas proposições, decompõe-se, pessoa do povo ou um promotor ad hoc: é o princípio da auto-
portanto, em dois outros, que podem respectivamente ser desig- ridade ou da oficialidade.
nados como os da obrigatoriedade e da objetioidade do processo."
d ) A administração tem como característico próprio a
Dois sentidos, por sua vez, dá TOLOMEI ao princípio da discricionalidade ; mas a ação penal não se subordina a essa
obrigatoriedade: enquanto é vedado ao Estado renunciar à atua- regra, é uma necessidade sempre que ocorram, em concreto,
ção jurisdicional e enquanto o Estado não pode agir, em pro- certas condições de fato previstas pela lei; os funcionários do
cesso penal, senão por via jurisdicional. Embora reconheça a ministério penal agem, não porque, em cada caso, calculem qual
ambigüidade das designações. chama-os, "per comodo di espo- seja o interesse público singular de imposição da pena, mas
sizioni e senza attardarci in vane disquisizioni nominalistische", porque a lei os manda agir. É o princípio da legalidade no
de leqalulade (a ação surge ex lege) e ineuitabilidad.e (nullc, promoverem (necessidade) e no moverem (irretratabilidade) o
pcena sine judicio). procedimento penal.
TOLOMEI liga, assim, as idéias de legalidade e de inevita-
e) A espontaneidade deve ser observada pelo agente do
bilidaâe às de "atuação jurisdicional" e "de via jurisdicional".
procedimento penal porque, desde que por lei e não por deter-
86. Parece-nos que obriçatoriedade, indiscricionolidade, in- minaçáo superior ou cálculo de oportunidade lhe compete a
disponibilidade, legalidade, necessidade são coisas com-
3; Não se deve confundir, pois, a publicidade, que denota o caráter
patíveis tanto com a intervenção quanto com a não intervenção público da ação penal, com a "publicidade ,. antitética do segredo de pro-
do Poder Judiciário no trato das questões penais. A via juris- cedimento.
92 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

ação penal, esta deve ser consequencia da simples notícia do


crime: é o princípio do procedimento ex officio.4
f) A administração não pode, como noutros ramos de
sua atividade, desenvolver-se, em matéria penal, por coação di-
reta sobre os imputados. Considerações relevantes determi-
nam-lhe agir por via jurisdicional: é o princípio da jurisdicio- Capítulo Ill
nalidade do procedimento penal.
Desse princípio trata o capítulo seguinte.

o princípio do contraditório
no processo penal

',I
87. Administração e jurisdição. 88. Caracteres administra-
tivo e judiciário da ação penal. 89. A administração e a
pena. 90. A administração e outros objetivos. 91. Caráter
administrativo da ação penal. 92. O indivíduo e a justiça
penal. 93. A parcialidade do indivíduo como fonte de jus-
"
tiça. 94. A imparcialidade do Estado como fonte de IJustiça.
95. Ilegitimidade da oposição contraditória na ação penal.
()6. Coincidência dos justos interesses do indivíduo com os
justos interesses do Estado. 97. I rrelevância dos interesses
estritamente individuais, no processo penaL 98. Garantia
jurisdicional. Caráter judiciário do procedimento penal. 99.
Caráter dúplice da justiça penal. TOLOMEI. 100. Caráter
dúplice de justiça penal. MANZINI. 101. Princípio inquisi-
tório e indisponibilidade. 102. A verdade real e a inquisito-
riedade. Princípio inquisitório e princípio do contraditório.
103, O que é necessário para haver contraditório criminal.
104. O que é dispensável. 105. Papel auxiliar da contrarie-
dade criminal. Variações. 106. Variações da contrariedade
nas diversas fases do procedimento.

87. Abramos, agora, um parêntese para estabelecer os ca-


racteres específicos das funções administrativas e das
f unções jurisdicionais.
A ação do Estado quando efetiva a pena é, no fundo.
i administrativa. Ao poder administrativo incumbe promover o
:1 interesse geral. Seus funcionários são os órgãos de exercício
cios direitos-deveres do Estado, na prática quer de simples atos
4. Observe-se que, aqui, não se trata de procedimento e% afficia do lícitos, juridicamente irrelevantes, quer de atos furídicos, que
Juiz, mas de procedimento C~· aificia do poder público por qualquer de
rriam. transformam, modificam, alteram, extinguem direitos.
seus órgãos competentes;
:-~ ..•.•...--"

94 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

Os indivíduos - em correlação oposta - têm por natu-


J o CONTRADITÓRIO NO PROCESSO PENAL

um direito, (direitos constitucional e internacional públicos),


95

reza, esse poder administrativo dos direitos privados, porque o Estado defende seus direitos-deveres por ação direta da força
são pessoas naturais; não necessitam como o Estado, que é
uma pessoa artificial, de funcionários que, como órgãos de " ,)
pública e não necessita de pedi-Ia a outrem para desempenho
das próprias funções: o direito de legislar, de administrar, de
exercício de direitos, os representem; e, na prática de atos líci- julgar, e todos os sub-ramos, não têm garantia judiciária mas
tos e de atos jurídicos, agem diretamente. garantia puramente administrativa; não há ações judiciárias des-
tinadas a assegurar ao Estado o exercício de seus direitos e de-
A ordem. jurídica está 110 exercício, por funcionários pú-
veres na iminência de lesão ou após a lesão; nestes casos, os
blicos e pelos indivíduos, dos direitos respectivamente públicos
funcionários competentes agem, de regra, por coação direta.
e privados, dentro das respectivas esferas legais.
Os indivíduos, porém, necessitam da garantia judiciária
Essa comparação analógica dá bem a idéia, também, do para que seus chamados direitos não sejam ilusórios. A justi-
contrário: a desordem está na ameaça de lesão ou na lesão dos
direitos de uns e de outros. Caracteriza-se pelo conflito de indivíduo despende para satisfação privativa de suas necessidades e a
interesses que, por isso mesmo, o Estado tem o direito e o de- atividade que ele, exercendo, desenvolve em benefício coletivo.
ver de evitar e de, ocorrido, resolver.' Convém observar que as coisas. individualmente, não são sempre, de
maneira alternativa, de interesse privado ou de interesse coletivo, mas
São direitos aquelas faculdades de agir. do Estado ou do podem satisfazer imediatamente a um só homem e mediatamente ao grupo
indivíduo, sob garantia da força pública. Fora aqueles direitos ou vice-versa.
logicamente preconstitucionais do Estado e que se garantem Deve-se acentuar também que, se há bens onde está a virtude de
satisfação a necessidades humanas, há males na atividade que priva o
pela força coletiva originária mais como um fato do que como
homem dessa satisfação. E que exercê-Ia pode ser um bem imediato e
um mal mediato e vice-vcrsa ; um mal do indivíduo e um bem coletivo
1. Os bens interessam ao homem. O homem tem interesse nos bens. e vice-versa,
O interesse é uma relação entre necessidade do homem e um quid apto a Por isso o legislador quando traça os limites da atividade do indiví-
satisfazê-Ia. duo para realização do interesse privado e para realização do interesse
Há interesse individual e interesse coletivo. Quando uma coisa, por público considera não só os benefícios mas também os malef ícios prová-
sua natureza, é capaz de satisfazer a necessidade de um homem sem que, veis das coisas.
pela mesma virtude, satisfaça a necessidade de outro ou de outros, trata- Dentre tais malefícios, avulta exatamente essa faculdade que têm as
-se de um bem de interesse individual. Quando é incapaz de beneficiar coisas de ser concorrentemente bem de um ou uns e mal de outro ou
um sem beneficiar também outro ou outros homens, tem o caráter de outros. É o conflito de interesses: dá-se entre um interesse mediato e
bem de interesse coletivo. um interesse imediato; entre o interesse privado de um homem e o inte-
O fenômeno do interesse coletivo decorre da natureza das coisas resse privado de outro homem; entre um interesse privado e um interesse
relativamente à natureza dos homens, e consiste na impossibilidade na- coletivo. É um contraste que, como o fenômeno do interesse coletivo,
tural, que elas tenham, de atualizar virtudes apenas em benefício de um decorre da natureza das coisas relativamente à natureza dos homens, e
só homem. Buscá-Ias é, sempre, servir a si e, implicitamente, a outro ou consiste na impossibilidade, que elas tenham, de atualizar apenas bene-
a outros. Quem promove um seu interesse contido numa dessas coisas, fícios.
funciona, involuntária ou voluntariamente, pouco importa, como órgão de O fenômeno do interesse coletivo agrupa os homens para se servirem
realização do interesse de' outrem. mutuamente uns dos outros. A conjunção de atividade redunda, por assim
dizer, nao numa soma. mas numa multiplicação de força.
Esse fenômeno é a força centrípeta da grupalização dos homens. O fenômeno do conilito de interesses desagrupa os homens. A dis-
Cada indivíduo, no desenvolvimento da própria atividade, serve aos demais junção priva-os do benefício da cooperação multiplicativa para anular-lhes
quando, muitas vezes, apenas cuida da própria felicidade. E isso é um os esforços na luta. É um mal coletivo.
bem, que interessa ao homem em geral: a sociedade é exatamente esse
A solução do conflito de interesses é, pois, uma necessidade social.
muito da atividade dos indivíduos que não beneficia apenas a seus agentes
Se é certo que, sempre, tende a produzir-se, porque o destino natural das
mas também ao grupo. contrariedades e contradições é resolverem-se pela força unilateral ou
A discriminação dos bens em bens de interesse privado e bens de bilateral, tão' só a força coletiva - o poder público - pode dar garantia
interesse coletivo deduz-se da natureza das coisas. O legislador quando de durabilidade à paz restabelecida. Disso decorre o direito e o dever de
a proclama' traça, em linhas gerais, distinção entre a atividade que o Estado de resolução dos conftitos de interesses.
.....
..-~-~~-.:...:;.-"' _------------
96 PRINCÍPIOS FuNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL o CONTRADITÓRIO NO PROCESSO PENAL 97

ça de seus interesses nem sempre coincide com suas forças na- .los que servem de fundamento às decisões e despachos judi-
turais, físicas, psíquicas, morais, econômicas. Bani-Ias é realizar ciários,
a obra do direito, substituindo o império da força irracional pelo f 'l Não se afirme, também, que o órgão da imparcialidade ju-
da força racional, vista posta nos supremos interesses da justiça. rídica é o Poder Judiciário e que isso basta para que a justiça
Uma força maior, então se levanta, para, como complemento da aplicação da pena deva ser apreciada pelos juizes e não pelos
necessário à ação puramente individual e natural do sujeito do administradores. Tal seria fundar o arbítrio do Poder Execu-
direito, dar-lhe eficácia contra todo e qualquer ilegítimo obstá- tivo e admitir que este pudesse, juridicamente, ser injusto.
culo: é a ação judiciária.
Monopólio da justiça não cabe à magistratura! É obriga-
U Poder Judiciário empresta a força pública a quem proo«
ção de todos os homens o respeito aos direitos alheios; e, com
o próprio direito, para o fim de garantir-lhe o exercício. Só
maior motivo, impõe-se a quaisquer representantes do poder
os indivíduos e pessoas jurídicas, no Estado uno, necessitam
público agir com justiça.
de pedir emprestada a força pública: o Estado, possuindo-a,
não faz, quando necessário, senão usá-Ia. Por isso, o Poder Reconhece-o explícita e merecidamente a denominação
Judiciário é apontado como o órgão incumbido da tutela dos dada, por certas de nossas leis, ao representante do Ministério
direitos individuais; ao lado do indivíduo que, por natureza, é o Público, de "promotor ele Justiça", para indicar-lhe que sua
órgão natural da promoção desses direitos. [unção é realizar não só o interesse público da pena mas também
O Poder Executivo público não necessita de tutela, porque () da justa liberdade elo imputado.
tem força bastante para fazer valer o próprio direito, quando,
devendo realizar o interesse público, se lhe anteponha uma re- 89. À administração compete julgar, em cada caso concreto,
sistência. do interesse público ele agir. A pena, que é um mal, en-
carada C0l110 castigo, justifica-se tão-somente em função do
Necessita, porém, o indivíduo da tutela do Poder Judiciá-
interesse social que represente. Encarada como um bem, a re-
rio sempre que, no exercício de um direito, a força natural, generação, a educação, a cura do delinqüente, é função do Es-
poder executivo individual, não lhe baste ou não possa ser usa- tado, justificável exclusivamente pelo interesse social que ex-
da na remoção de obstáculos opostos por outros indivíduos ou prima, porque não seria honesto o poder público preferir, nos
pelo Estado. benefícios que distribui, determinados indivíduos a outros, tan-
to mais, quanto no caso da prática de um crime, este seria o
88. Aplicados esses princípios à ação penal, deles claramente título da preferência ...
se deduz o caráter administrativo do processo criminal,
À administração compete, também, julgado o caso concreto
anterior, por assim dizer, a seu caráter jurisdicional.
como realização de crime previsto em lei, aplicar coativamente
A pena justa é um interesse coletivo e isso deveria bastar a punição, efetivar a pena.
para que coubesse ao Poder Executivo realizá-Ia.
N em se diga que, condicionada a realização da pena à apu- 90. Quando a administração segrega um demente ou isola
ração da verdade e, portanto, a um j uizo sobre a aplicação da um enfermo de mal contagioso, assim procede após estar
i.
lei ao caso concreto, deva, por isso, intervir o Poder Judiciário. provada a realidade da moléstia contra cujos efeitos previne o
Não. Este não possui o monopólio dos juízos nas funções do interesse coletivo. Os funcionários do serviço sanitário, à vista
Estado. O juizo é uma operação natural do homem e não dos resultados positivos das observações médicas, realizam o
pode, como tal, ser negada a nenhuma atividade humana, privada bem público daquela segregação ou daquele isolamento, dando
ou pública, salvo os fenômenos da vida vegetativa ou sensitiva. procedimento apenas àquelas formalidades burocráticas inter-
A atividade de legislar e a atividade de administrar com nas e por meio das quais o Estado se garante contra erros, en-
inteligência pressupõem julgamento da mesma natureza lógica ganos e malícias.
98 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL o CONTRADITÓRIO NO PIWCESSO PENAL 99

o poder público não consulta o demente ou seu represen- 92. A ação penal, todavia, tem formas jurisdicionais. Estas
tante civil, nem o contagiante, acerca da realidade de seus males representam uma conveniência e, não raro, uma neces-
e, muito menos, acerca da conveniência ou inconveniência, para sidade de justiça, fundada na conveniência e na necessidade de
a coletividade, da efetivação das medidas preventivas. iutervenção dos indiciados delinqüentes no procedimento penal.
O suspeito de loucura ou o hanseniano não vêem o fato É verdade
que o Estado, procurando punir os culpados, e
indagado pela administração C0111 maior clareza do que os fun- 1 ;lO-SÓ os culpados, não visa senão a realizar justiça, sem obje-
cionários técnicos especializados e, ainda quando pudessem ver t ivos predeterminados entre as duas possíveis expressões con-
melhor, seriam quase sempre reveladores parciaIíssimos da ver- t rárias dessa justiça.
dade e perturbadores da obra administrativa urgente. Teriam Não é menos verdade, porém, que uma das expressões
interesse em conservar a própria liberdade e, para isso, defor- dessa justiça - a proclamação da inocência - é, antes de ser
mariam o fato, incapazes de compreender ou de desejar a satis- interesse de todos, interesse de um, o indivíduo indicado delin-
fação do interesse coletivo. qíiente.

Quando os técnicos ouvem a palavra desses contra-inte- Ora, por mais que se pretendesse justificar com a impar-
cialidade do Estado a suficiência da ação administrativa na obra
ressados, não o fazem à guisa de outorga de defesa, mas para
de justiça penal, este fenômeno da natureza não poderia ser
realizar observações ou experiências médicas, reputadas neces-
.lesprczado : o homem é uma pessoa, tem personalidade natural.
sárias para a administração se assegurar da verdade e de que
será justa a prevenção. O único juiz dessa justiça é o poder 93. (Privar o indivíduo humano de agir pessoalmente na pro-
administrativo, na complexidade de seu funcionalismo compe- moção dos próprios interesses, usando de inteligência, de
tente. vontade, dos próprios sentidos, dos próprios músculos - que
são seus órgãos naturais - sob a alegação de que tais interes-
91. Ora, assim sendo, porque deve o Estado, ao resolver a ses, sendo comuns a outros homens, devem ser defendidos ex-
causa criminal, pedir a cooperação e a opinião do indi- clusivamente por estes, porque são em maior número, seria
ciado delinqüente? contrariar violentamente a natureza das coisas!
A administração é a promotora do bem público. A pena
f.. de interesse coletivo: à administração cabe realizá-Ia. o interesse
coletivo à vida ou à liberdade do indivíduo, que
Sendo o Estado o supremo artífice da justiça humana é, os órgãos do Ministério Público implicitamente defendem
como tal, realizador de justiça: interessa-lhe a pena, pois, en- quando promovem justiça penal, e tão-só justiça penal, não
quanto justa. absorve o interesse que o indivíduo tem de viver e ser livre. O
legislador que, adotando teoria contrária, pretendesse negar a
A ação administrativa deveria bastar, assim, na esfera es-
ação defensiva do indivíduo no procedimento penal, teria pro-
tritamente penal também para a defesa dos justos interesses da
clamado o absurdo do cancelamento, pelo Estado, de atributos
inocência. A verdade criminal não tem duas faces; apurada
que o homem possui porque é homem e não como membro da
por quem, no exercício de uma função pública, busca justiça,
sociedade.
ou é favorável ou é desfavorável ao indiciado; não pode ser
as duas coisas a um tempo. E o suspeito de criminalidade não Privar o homem, outrossim, da mesma ação defensiva ape-
possui melhores recursos do que o organismo administrativo nas por causa da possibilidade de, sendo sempre interessado em
para a descoberta da verdade,nem, se os possuisse, agiria de- viver e ser livre, tumultuar o procedimento penal, seria, igual-
sinteressadamente: ninguém. por natureza, coopera com since- mente, violentar a natureza das coisas. Se o indivíduo não
ridade na realização do próprio mal; sua intervenção, sendo colabora sinceramente na realização do próprio mal - concluta
supérflua ou tumultuária, seria desnecessária, senão inconve- que seria absurdo exigir clele - não se segue daí que se deva
niente. ou que que se possa afastá-lo ela promoção e tutela do próprio

y -~ 1'. F. P. P.
100 PRINciPIOS FUNDAMENTAIS D'O PROCESSO PENAL
o C'ONTRADITÓRIO N'O PROCESS'O PENAL 101

bem, quando identificável com 'Obem comum. A'O Estado cabe,


')6. Essa opinião assenta em considerações de ordem polí-
apenas, à vista das inconveniências da parcialidade, evitá-Ias,
tica. Desdobra-se no seguinte argumento: a função de
mas nunca suprimir a parcialidade, que pode constituir, em
i ustiça penal põe nas mãos dos govemos um instrumento de
muitos casos, uma fonte natural de justiça.
compressão das liberdades dos indivíduos, não só pelas conse-
qüências condenatórias, como, já no procedimento, pelas me-
94. Acentuemos que a imparcialidade é a posição desinte- didas preventivas a que sujeita 'Os imputados, Estes nâo te-
ressada do espírito entre duas soluções contrárias. Mas riam meios de evitá-Ias, quando, obra ele erro, facciosismo, des-
a imparcialidade do Estado é qualificada: 'O poder público se I.otismo, tirania, maldade, nâo lhes fossem dadas garantias de
propõe adotar a solução de justiça e, portanto, legitimar, por defesa. São garantias não de defesa do interesse estritamente
assim dizer, uma das duas parcialidades. É certo, pois, que I)('l1al, mas dos direitos individuais contra os possíveis abusos de
uma das parcialidades. no procedimento penal, será enfim 'O poder.
característico da ação executiva do preceito de lei. Assim, po-
Sem pretender negar circunstâncias de cuja realidade so-
dendo coincidir 'Ocaráter desse ato de justiça com 'O da ativida-
Iiretudo a história tem oferecido abundantes e irrespondíveis
de de que o indiciado é capaz 'O Estado deve tão-só, disciplinar demonstrações, estamos com aqueles que vêem nessa teoria uma
e não suprimir a ação defensiva dos indivíduos. confusão dos meios com o escopo processual. Os erros, os en-
Se a parcialidade pode ser muitas vezes um meio de rea- ganos, a maldade, a incultura e as falhas de inteligência são,
Iizaçâo de justiça penal - por verificar-se, enfim, a razão ju- na realidade, fontes inesg'Otáveis de injustiça. Mas se o Esta-
rídica do pretenso criminoso - é do interesse mesmo do Esta- do cria, contra esses obstáculos, remédios processuais para de-
do, como natural estímulo à atividade do funcionalismo, buscar fesa dos indivíduos contra o arbítrio dos funcionários, assim
na melhor fonte de iniciativa humana - 'O interesse do indi- procede, não p'Orque vise a compor semelhantes litígios, mas por-
víduo - um grande meio de realização de justiça pública. que, evitando 'O erro e a discrição, realiza pura e simplesmente
justiça penal.
9S. Nã'O se legitima. assim, no procedimento penal, a'O ad-
97. É certo que interesses privados podem, no funcionamen-
mitir-se a intervenção do réu, a sua oposição ati~!a. ou
to da justiça penal, colidir com o interesse coletivo : ou 'O
contrariedade à ação da justiça pública, mas tão-só sua justa
indiciado, na defesa de sua vida e ele sua liberdade é contra a
atuação defensiva natural, exercício auxiliar cooperativo do justiça penal; ou o funcionário, na defesa de seu patrimônio, de
Ministério Público e não de uma prerrogativa de interesse pu- seu posto, ele seu capricho, de seu 'Orgulho, de sua prepotência,
ramente privado contra o interesse coletivo. investe contra a mesma justiça penal; ou indiciado e funcioná-
A contrariedade de interesses que, muitas vezes, a doutri- rio litigam indiferentes ambos ao direito, e, portanto, ainda
na procura ver c legitimar na relação de processo penal é anti- contra a justiça penal.
jurídica. Exprime, por um lado, a possibilidade de os funcio- Supremo realizador de justiça, o Estado trata de garantir-
nários da administração assumirem corno próprio o interesse -se contra tais desvios, sem legitimar processualmente qualquer
da pena, ao serviço da ignorância, da maldade, do despotismo; daqueles interesses privados, que são imorais. E se, tutelando
e, por outro lado, a necessidade de defesa do "inocente" con- 'O interesse público, cria garantias que representam também
!j
tra tais "abusos de poder". promoção de interesses privados, isto não autoriza a que se con-
Seria encarar na ação penal não a questão da criminalida- fira aos direitos individuais no processo penal qualquer predo-
de, em que a pretensa ofendida é a sociedade e o pretenso minio sobre 'O direito penal de punir ou nela pltnir conforme a
justiça.
ofensor é o réu, mas a relação política em que o pretenso le-
viano, 'O pretenso perverso, 'O pretenso déspota é o administra-
98. Uma vez justificada a intervenção do indivíduo no pro-
dor e a pretensa vítima é 'O indiciado!
cedimento penal, forçoso é convir em que deve ser tute-
102 PRINcíPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL o CONTRADITÓRIONO PROCESSOPENAL 103

lada pela garantia jurisdicional, para que não seja ilusória e dimento penal, a contribuição do réu à obra administrativa de
ineficaz. Já vimos que os direitos dos indivíduos só valem realização de justiça.
como tais porque ao Poder Judiciário incumbe, depois de de-
monstrados, emprestar a força pública a seus titulares, para 99. A boa doutrina tem afirmado: "A opinião de que o
ser usada na remoção dos obstáculos opostos ilegitimamente direito penal. não contendo senão ordens dirigidas aos
pelos contra-interessados. E, assim também, para que o réu cidadãos, cria somente direitos subj etivos a favor do Estado e
defenda efetivamente o interesse público e o interesse privado, nenhuma pretensão juridicamente tutelada concede aos cidadãos
concordes, de justiça penal e liberdade, necessário se torna que é, certamente, errada. O Estado tem direito de punir apenas
sua ação seja judiciária. nos casos e modos expressamente determinados pelo direito
Salientemos, assim, que a intervenção jurisdicional não sig- objetivo. Desse limite surge, pois, por conversão, o direito
nifica, como poderia parecer aos menos avisados, maior con- subjetivo dos cidadãos: direito subjetivo de liberdade,que é
fiança no espírito de justiça dos funcionários do Poder J udiciá- implicitamente tutelado pela mesma norma de direito penal e
rio do que nos do Poder Executivo, mas maior confiança na explicitamente por outras normas jurídicas (direito constitu-
capacidade natural de defesa própria que têm os indivíduos do cional) e que consiste na pretensão de não ser punido fora dos
casos expressamente previstos em normas emanadas dos órgãos
que na dos terceiros interessados.
competentes. Do conflito desses dois interesses subjetivos que
Se a função, por um lado, impõe a juizes e a órgãos da têm, de um lado, como conteúdo, o interesse do Estado à tutela
administração indistintamente o dever de justiça, são homens, da ordem jurídica e a coexistência social e, de outro, o interesse
por outro lado, cujos defeitos e qualidades, sobretudo 110S mes- 2l liberdade e à integridade pessoal e patrimonial, surge no
mos lugar e país ou região, se equivalem. São pessoas, por Estado livre a jurisdição penal. "2
isto mesmo, capazes de fazer o bem e o mal sem discriminação
O autor - ALBERTO DOMENICO TOLOMEI - conclui que,
de cargos.
por exceção ao princípio geral da executoriedade das pretensões
Essa maior confiança nos juízes do que nos administrado- administrativas. a punitiva não pode atuar senão pelos trâmites
res não se justificaria nem mesmo em face da vitaliciedade, ina- judiciários. Firmando a impossibilidade de determinar-se a
movibilidade e irredutibilidade de vencimentos da magistratura, tutela do interesse J>unitivo do Estado em face ela liberdade dos
porque, enquanto para a obra da justa defesa do indivíduo já cidadãos por voluntário reconhecimento dos interessados, a sa-
essas garantias bastam menos do que as qualidades intelectuais tisfação daquele interesse esbarra sempre no obstáculo ela in-
e morais, que não constituem privilégios dos magistrados, a certeza do caso concreto. O Estado não aplica. a pena por via
j extensão das mesmas garantias aos promotores de justiça bas- administrativa e como parte que promove à força seu interesse
taria para que não se explicasse mais a forma judiciária do e sem reservar ao cidadão, que com isso se acreelite lesado,
I procedimento penal.
f( qualquer ação especial para se defender.
A especial presunção de honestidade em favor dos juízes Essa faculdade, que importaria no reconhecimento a favor
seria indecorosa para o Estado pelo desnivelamento moral a que, do Estado ele uma presunção de justiça, poderia, é certo, tutelar
I,
"
por lei, sujeitaria o funcionalismo. A via jurisdicional institui, mais eficaz e prontamente o interesse público.
'rIjo. não nos juízes, mas no indiciado, o melhor defensor de um dos
Mas a (/ importância que no Estado moderno tem a liber-
dois pontos-ele-vista de justiça. Não está nas garantias pessoais
dade do cidadão, a garantia absoluta, que a este se tem querido
do juiz, mas nas garantias processuais, o melhor meio de defesa
conceder, de ele não se sujeitar à pena fora dos casos expressa--
da inocência.
mente contem-plados, a conseqiienie exclusão de toda discricio-
É o fato de poder e dever o réu intervir na ação penal de nulidade no exercício dessa função, tornaram necessário e pos-
maneira eficaz para a justiça que dá ao procedimento o caráter
jurisdicional. O juiz, enquanto juiz, funciona exclusivamente 2. ALBERTo DOMENICO TOLOMEI, I principi iondumentali del processo
porque o réu é chamado a se defender e representa, no proce- {>l'I1alc, CEDAM, Pádua, 1931, págs. 80 e segs.
104 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL
,":1 ,
o CONTRADITÓRIONO PROCESSOPENAL 105

siuel unI sistema diuerso" .. " o Estado, impondo-se uma espé- As razões mesmas que justificam a obrigatoriedade e Z1l-
cie de proibição de autodeiesa penal, quer justificar perante
um órgão especial, o juiz do crime, o fundamento de fato e de
direito da pretensão punitiva do cidadão acusado e provocar, a
respeito, o pronunciamento jurisdicional para com este confor-
t~
..ã;
disponibilidtule da ação penal sugerem, por sua vez, aquilo que
esse autor chama (senza soverchia pretesa di coglierne con asso-
luta precisione terminologica il contenuto)
processo .
de objetividade do

mar a própria conduta". Trata-se ela independência do processo em face da vontade


~ dos sujeitos da relação jurídico-penal em causa, isto é, do impu-
~~
100. MANZINI é, também, claro: 3 "o poder punitivo do Es- J!) tado e do órgão do Ministério Público. Manifesta-se ela em
i:
tado) derivado de violação de norma jurídica penal, não ~; maior amplitude de poderes do juiz, que não encontram limites
pode ser exercitado sem um acertamento e uma declaração ju-
dicial, que consintam, no caso concreto, na punição. A senten-
j• na ação e reação das partes, especialmente quanto à investiga-
I' ção da verdade objetiva: é o domínio do princíPio inquisitório,
ça de condenação do juiz não constitui, mas declara o poder I! denominação que mais vale pela tradição do que pelo que re-
punitivo concreto do Estado". "Este, enquanto por um lado presenta. Chama-o TOWMEI de princípio de objetividade.
confia a um órgão especializado (Ministério Público) a função I
Oportuno parece novo confronto com o. que ocorre no pro-
de fazer valer a pretensão punitiva, fundada na lei, desde que
cesso civil.
um preceito penal seja violado; atribui, por outro lado, em ga-
rantia dos particulares, a órgão diverso (juiz), a função de A atividade do juiz cifra-se: na posição da norma jurídica
acertar no caso concreto todas as condições postas pela lei para
punibilidade do transgressor."
"Para promover, assegurar e disciplinar essa intervenção
decisiva da jurisdição penal, essa garantia de justiça e de li-
j
'"
(questão de direito, Rechtsjraçev
fato (questão de fato, Thatfrage).
e na posição da situação de
Para a posição da norma
jurídica, a atividade do juiz não é diversa no processo civil e no
penal. Mas quando 'Se trata da posição da situação de fato, apa-
berdade, reconhecida pelo Estado, mediante a auiolimitação dos recem as diferença". No processo civil, típico ou normal, o juiz
próprios poderes soberanos, para tutela dos interesses indivi- atem-se não à realidade, mas à afirmação das partes. A afirma-
duais, e para regular e garantir a execução dos julgados, existe ção unilateral é condição necessária e a bilateral, isto é, o acordo
um particular corpo de normas jurídicas (imperativas, permis- das partes, é condição suficiente para a posição do fato na sen-
sivas, instrutoras), constitutivas do chamado direito penal for- tença: é uma equiualência judiciária ou processual do pressu-
mal, isto é, processo penal, ou direito processual penal, cuja posto da norma, em virtude da qual a ordem jurídica quer a
construção e exposição sistemática formam a ciência do direito realização da lei, mesmo se o fato por esta previsto não exista,
.1
processual penal." mas seja substituído pela sua fixação formal. O acertamento
da verdade no processo civil é para o juiz um resultado pura-
"GIi interessi di libertà e di incensuratezza dell'imputato
1 mente fortuito (ein gefalliges Resultat). Onde isso não vul-
- afirma MANZINI - sono riconosciuti e garantiti dalla legge.
nere interesses de terceiros, não há fraude processual, ou esta
L'accusato non e un mero oggeto deI processo) ma un soggeto,
carece de relevância jurídica, desde que não haja envolvido na
che vi esercita diritti propri e si giova di condizioni favorevoli
causa um interesse público, como acontece nas questões de
in base a norme di diritto obiettivo." estado civil."
101. Demonstrado o caráter judiciário da ação penal, encer- A verdade no processo civil, em contraposição à verdade
remos, aqui, nosso parêntese e, usando de explicação real, que se busca no foro criminal, é denominada formal, con-
oportuna, de TOLOMEI, completemos o rol das regras básicas do vencional, jurídica. E a regra do juiz deve ser: ne procedas
processo criminal, com a noção do princípio inquisitório. [udex e::r officio; ne eat [ude» ulira petita partium.

3. VINCENZÚ MANZINI, Trattato di diritto proccssuule penale, 4. ALBERTO Dal'vIENlCO TOLOMEI, 1 princip] [ondomcntali dei processo
UTET, Turim, 1931, vaI. I, págs. 68 e segs. e 72. pcnolc, CEDAM, Pádua, 1931, págs, 86 e segs.
106 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL o CONTRADITÓRIO NO PROCESSO PENAL 107

o mesmo não pode ser dito do processo penal. Neste, o mente formal que desenvolvem no procedimento e, assim, o
Estado, ao invés de ser estranho ao litígio, tem interesse pró- juiz é inquisitivo.
prio e unitário, a despeito da duplicidade de aspectos fundamen- Para obviar os inconvenientes de prováveis dúvidas, acen-
tais; o de punição do culpado, previsto pela norma penal, e o tuemos que o princípio inquisitório não exclui, com efeito, a
o de liberdade do inocente, afirmado sobretudo através de nor- atividade processual das "partes", mas tão-somente que seja
mas de direito constitucional e praticamente reconhecido pela vedado ao juiz suprir-lhe a falta. Não objetiva também confe-
forma jurisdicional imposta à função administrativa de atuação rir um monopólio ao juiz, mas apenas tolher o monopólio das
da pena. partes.s
Esses dois aspectos do mesmo interesse possibilitam duas E, ao revés, o princípio do contraditório não impede a ini-
aplicações da norma e, em acepção lata, um conflito; mas não ciativa do juiz. Não significa que, posto o imputado no mesmo
geram a lide propriamente dita; porque - segundo CARNELUTTI nível do Ministério Público, o juiz deva permanecer passiva-
_ há lide quando uma pessoa "pretende che il diritto tuteli mente assistindo ao debate. Exprime, antes, a conveniência de se
immediatamente il suo interesse in conflito con un interesse processarem todas as indagações judiciais ao influxo tanto das
dell'altra e questa contrasta Ia pretesa, o, pur non contrastan- razões jurídicas da acusação quanto das razões jurídicas da de-
doia, non vi soddisfa". Se assim é, vê-se, consideradas subje- fesa. Significa concurso do Ministério Público e do imputado
tivamente as partes contrastantes, que estas não existem no na realização de justiça penal.
i
processo penal e que o Estado, por sua vez, em face dos dois j
É esse concurso que tem a forma contraditôria, e não a
aspectos contrários de aplicabilidade da lei penal, não tem pre- 1 controvérsia jurídica, dúvida interna da justiça pública, cujas
ferências especiais e procura, apenas, 'Sob forma jurisdicional, "

~)
expressões contrárias não correspondem a interesses contrastan-
mas com atividade substancialmente administrativa, a justa tes dos sujeitos processuais e cuja solução jurídica constitui,
aplicação da norma. Os funcionários incumbidos desse ministé- desinteressadamente para todos os intervenientes na ação, o es-
rio público - à força do princípio de legalidade - e os im- copo do processo penal.
putados - à do princípio de inevitabilidade - não podem re- 11;
nunciar ao processo: nenhuma relevância, pois, é reconhecida .I,
i 103. Praticamente o princípio do contraditório se manifesta
às considerações subjetivas dos sujeitos que parecem personifi- 't na ação penal pela ciência tempestiva dada ao impu-
car os dois interesses contrastantes. 1
j'
'.:1
tado de todas as cargas judicialmente contra ele acumuláveis,
TOLOMEI conclui textualmente: "O Estado tem, pois, in- i Isso significa que c réu não deve ser processado sem citação e
J.
I teresse em que sejam praticados todos os atos de acertamento
relativos ao fundamento da pretensão punitiva, eu: qualquer sen- í sem termo para ccntrariedade.f

Desdobremos o enunciado.
tido e a favor de qualquer tese, afirmativa ou negativa desse
f fundamento; daí ao mesmo tempo, a) o caráter inquisitório do A verdade atingida pela justiça pública não pode e não
processo; b) a inadrnissibilidade conceitual de poderem limitar deve valer em juízo sem que haja oportunidade de defesa ao
a inquisição sujeitos que não podem dispor da relação de direito

t
indiciado, É preciso que seja o julgamento precedido de atos
substantivo." Nessa proposição compendia-se a afirmação de inequívocos de comunicação ao réu: de que vai ser acusado;
que o processo penal tende ao acertamento da verdade real, dos termos precisos dessa acusação; e de seus fundamentos de
"affermazione che in tanto ha contenuto e senso in quanto Ia fato (provas) e de direito. Necessário também é que essa co-
si richiami ai principio diverso se non antitetico ond'ê discipli- municação seja feita a tempo de possibilitar a contrariedade:
nato il processo civile". nisso está o prazo para conhecimento exato dos fundamentos

102. Eis tudo. O processo crime visa à revelação da verdade 5. F,~ANCESCO CARNELUTTI, Lczioni di diritto processuale ciuile,
real! Por isto as "partes" não podem modelar a rela- CEDAM, Pádua, 1933, vol. lI, págs, 355 e 356.
ção material de direito como resultante da contrariedade pura- 6. V. n. 78, pág. 203.
108 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL
""r-
O CONTRADITÓRIO NO PROCESSO PENAL 109
"

probatórios e legais da imputação e para a oposição da contra- realidade criminal, pode ser conferida às "partes" plena atua-
riedade e seus fundamentos de fato (provas) e de direito. ção processual.
É preciso, também, que efetivamente compareça e tome
N em por isso devemos Pensar que a outorga da faculdade
parte nos debates o réu. Isso mostra um característico diferen-
ele plena atuação a uma das partes eleva corresponder à con-
cial curioso do contraditório criminal: o acusado não pode, salvo
cessão da mesma faculdade à outra. Se o legislador, dadas as
as exceções da lei, ser julgado à revelia. Mais um índice aí
circunstâncias dos procedimentos penais, entender que apenas a
está de que seu concurso na obra de justiça penal não lhe per-
convocação do autor, ou a convocação do réu, é suscetível de
tence privativamente. Essa circunstância parece tanto mais
prestar auxílio à atividade judicial, ao passo que o adversário
clara quanto, ainda mesmo nas referidas exceções, a revelia di-
há de perturbar o movimento do processo, andará, por certo,
fere especificamente da que em situações análogas se verifica
muito bem determinando o afastamento temporário do contra-
no processo civil: o réu penal nunca perde o direito de defesa,
ditor cuja influência prematura pode ser danosa aos superiores
enquanto pende a causa de julgamento; e, por outro lado, há interesses da justiça.
obrigatoriedade de se lhe nomear defensor que o substitua em
todos os atos do contraditório.
106. E assim verificamos que, se o simples fato de ser neces-
sária a defesa judiciária do indiciado delinqüente é índi-
104. Uma vez que dissemos quanto seja necessário, em linhas
ce de observância do princípio do contraditório no procedimen-
gerais, para verificar-se o contraditório criminal, cuide-
to penal, a aplicação prática desse princípio ocorre apenas de
mos, agora, daquilo que é dispensável.
modo peculiar à espécie através da atribuição paulatina e gra-
É dispensável que autor ou réu sejam admitidos a pleitear duada de certos poderes ao autor e ao réu, que, sem sacrifício
a produção de provas ou a assistir a essa produção, quer para das razões de direito e de fato que estes queiram fazer valer,
a,,, 1
tomar parte nela, quer para conhecê-Ia desde logo. Essa des- preservem porém, o poder do juiz tutelar da verdade criminal.
necessidade pode perdurar até mesmo quando somente uma das Por causa dessa graduação de poderes é que, embora não
"partes" é admitida a ter qualquer daqueles comportamentos e se possa negar a contrariedade do procedimento penal em sua
a outra é afastada." generalidade, admissível se torna discutir a influência particular
Já vimos que, tendendo o processo ao acertamento da rea- do princípio do contraditório em determinados atos ou períodos
,: lidade criminal. o juiz é inquisidor e, quando pede a interven- processuais.
ção das partes, esta surge como um auxílio. Ora, sempre que Interessa-nos, sobretudo, quanto diga respeito à instrução
L~ esta intervenção se afigure, razoavelmente, em vez de ajuda, preliminar.
fi'
I" provável fonte de dúvidas, incertezas e hesitações judiciais,
i
~~ deve ser afastada. Não sendo impossível que pedido de consti-
tuição de prova, admissibilidade de comparecimento de parte
em inquirições, exames, vistorias, ou na indicação de peritos,
propositura de quesitos e perguntas, constituam obstáculos à
obra de indagação da verdade, o juiz pode e deve ter discricio-
nalidade no deferir e indeferir requerimentos de autor ou réu.

105. Somente numa fase do procedimento, na qual o juiz já


seguro da verdade, não tenha de temer a alteração da

7. Nota desta edição. A reprodução dos tópicos dos ns. 104, 105 e
106 não significa que, hoje, concordemos com eles.

.'
Capitulo I

Instrução contraditória

107. Contrariedade na instrução preparatória. Na instrução


preservadora da justiça, contra acusações infundadas. 108.
Contrariedade de alegações e de provas. 109. Alegações.
110. Alegações na instrução preliminar e na instrução defi-
nitiva. 111. Irrelevância das alegações no processo penal.
112. Contrariedade na produção de provas. 113. Contrarie-
dade na inspeção de provas, no processo civil. 114. Iniciativa
do juiz. 115. A instrução criminal e a inspeção de provas
contraditórias. 116. Escolha de peritos, questionário de exa-
mes e vistorias, perguntas e testemunhas. 117. Expressão
característica do contraditório na instrução criminal. 118.
Resumo e conclusões.

I:'
"I;

107. Vimos, no decorrer deste trabalho, que a instrução cri-


minal pode ser encarada como atioidode de instruir o
juiz acerca do crime e também C01110 resultado dessa atividade.
No primeiro sentido equivale a dar conhecimento e, no segundo
a conhecer.
Notamos, em seguida, que o destinatário da instrução é,
sempre, o juiz da causa, competente para o juízo de fato, quer
intervenham, quer não intervenham no procedimento outros ma-
gistrados. Com isso afirmamos, então, a infracionabilidade da
chamada instrução definitiva.
A instrução preliminar se mostrou necessária, quer como
preparo escrito da instrução oral, quer como procedimento autô-
nomo do juízo de acusação ou pronúncia.
Acabamos, agora, nos capítulos precedentes, de provar que,
110 procedimento criminal, a contrariedade é formal.
114 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INSTRUÇÃO CONTRADnÓlUA 115

Que, enquanto no processo civil, a contrariedade material 108. Que expressões práticas eleve ter, porém, a intervenção
esculpe a verdade formal, auxilia, no processo crime, a ativida- das partes na instrução preliminar?
de do juiz, reveladora da verdade real.
Instruir é alegar e prooar. Tanto a instrução definitiva
Devemos, daqui por diante, mostrar porque e como deva quanto a instrução preliminar consistem nisso mesmo: alegações
o princípio do contraditório reger o procedimento da instrução e provas. Se a instrução preparatória não escapa, pois, à regra
preliminar: a) preparatória; b) preventiva. porque é uma antecipação ela instrução definitiva, a instrução
a) A instrução preliminar preparatória é uma antecipa- preventiva é alegar e provar quanto baste para prevenir a j us-
ção escrita da instrução definitiva, devida à inadiabilidade e tiça contra acusações infundadas.
intransportabilidade de produção de certas provas na audiência A instrução judiciária é a instrução do juiz. Quando às
oral. partes ela seja facultada, estas alegam e provam ao magistrado
Deve ser puramente inquisitória ou também contraditória? tudo quanto possa influir no juizo.
A resposta é de extrema simplicidade. O juízo da causa e o juízo ele acusação, por isso mesmo
Se o juiz, no processo criminal, deve ser inquisitório para que são entidades de processo penal, não se fundam na alega-
garantia de indisponibilidade pelas "partes" dos dados da rea- ção e prova das partes, que constituem mero auxílio prestado
lidade, seria contra-senso privá-lo da iniciativa na produção à iniciativa do juiz. A instrução é, aí, obra do próprio juiz,
escrita de provas urgentes ou irrealizáveis no procedimento oral. embora não exclua necessariamente a atividade das partes.
Estaríamos diante do fenômeno da inquisitoriedade mutilada e. As alegações e provas do autor e do réu são, porém, ele-
portanto, da realidade parcial, da irrealidade. 111e11t08 auxiliares.
O juiz preparador é, assim, inquisitório. Tanto na instrução definitiva como na instrução preliminar,
Mas esta não é a questão proposta. consistem das nisto mesmo: alegações e provas auxiliares da
Pergunta-se se o autor e o réu também devem ter possibili- atividade elo juiz. Se na instrução preparatória se subordinam
dade de produção de provas preparatórias. à regra porque se trata de antecipação da instrução definitiva,
-i
-; na instrução preventiva exprimem um auxílio prestado onde,
Devem.
quanto, quando e COIF10 baste para prevenir a justiça contra
Uma vez que, embora supletivamente, podem as partes
acusações infundadas. Impõe-se, agora, realizarmos uma dis-
cooperar na instrução definitiva e que, embora por antecipação criminação prática dessas faculdades processuais das partes no
escrita, o preparo é parte ela instrução elefinitiva, a faculdade
processo criminal e que se exprimem em: a) alegações;
de prepará não lhes pode ser negada. b) provas.
b) A instrução preventiva serve de base ao juízo de acu-
sação, que, entre nós, é a pronúncia. 109. Que alegações elevem ser permitidas ao argüente e ao
A finalidade do juizo de acusação - já o sabemos - é argüido na instrução preliminar, preparatória ou pre-
preservar a inocência e a justiça pública contra as acusações ventiva?
infundadas. O meio está em o juiz prelibar as provas antes de É claro que elevem ser admitidas todas as alegações que
admiti-Ias acusatoriamente. O juízo de acusação prova as pro- tenham qualquer relação com o fato que se pretende descobrir.
vas previamente. Tais alegações não podem, porém, valer mais do que meras in-
Ora, se as provas que servem de base aos juízos da causa formações, que o instrutor tomará na devida conta para se
defluem da cooperação da inquisitoriedade judicial com a con- orientar melhor, talvez, no rumo das pesquisas.
trariedade das partes, nenhum inconveniente há em que, ao Seu caráter puramente informativo maior realce adquire
menos em teoria, essa cooperação, antecipando-se à instrução quando notamos que às alegações não cor responde o ônus de
definitiva, seja também a elaboradora do material instrutório prová-Ias, mas o dever de oficio judicial de esclarecê-Ias. Se
elos juizos de acusação. o cumprimento desse dever não é exigíve1 processualmente, o

10 - P. 1'. P. P.
116 PRINCÍPIOS .FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL Il'i"STRUÇÃO CONTRADITÓRIA 117

magistrad0<lue O desconhece revela parcialidade e, assim está Mas a interuençiio é restrita quando o juiz se sente obri-
sujeito a ser funcionalmente responsabilizado. Nesse sentido gado a deferir os requeridos, tão-somente pelas imposições da
podemos afirmar sem receio de erro que as declarações das responsabilidade funcional.
"partes ", escritas ou orais, da instrução preliminar, tem muito Imaginem-se os inconvenientes da plena intervenção das
maior valor do que as do autor ou réu no processo civil, onde partes na instrução preliminar. Os efeitos dos pedidos e as
nada valem afinal sem que os respectivos declarantes tenham demonstrações ernperrariam a marcha do procedimento; e os
promovido a competente prova, ao passo que, no processo penal, recursos, quer suspensivos, quer devolutivos, sujeitariam a ins-
as afirmações iniciais ou incidentes do Ministério Público ou as trução, no primeiro caso, aos caprichos do autor ou ao interesse
do indiciado, no correr das investigações, obrigam, sempre, o cio indiciado em paralisá-Ia para que os vestígios e impressões
instrutor a lhes apurar a verdade ou a falsidade procurando do crime se desvanecessem e, no segundo caso, ao risco de ser
solver todas as dúvidas que razoavelmente delas possam anulada pelo provimento da impugnação, quando já não fosse
decorrer. mais possível tornar a recolher e fixar as provas urgentes da
O instrutor deve, assim, ouvir tanto o eventual acusador verdade criminal.
quanto o eventual acusado, para que, no desenvolvimento de É o quanto basta para demonstrar o absurdo que constitui-
sua atividade inquisitória, possa fundar na verdade real tanto ria vincular o juiz, na instrução preliminar, à contrariedade das
as razões de um quanto as razões do outro. É uma obrigação partes, obrigando-o a restringir as investigações exclusivamente
funcional, que não cria, porém, processualmente, em cada caso, aos pontos por ela fixados. Seria um magistrado inativo diante
quaisquer faculdades dispositivas do conteúdo da instrução em do crime até que o autor se apresentasse - o que é admissivel,
favor do argüente ou do argüido. Não têm estes D direito de quando haja órgão de Ministério Público provocador da ação
exigir do juiz determinada conduta, mas apenas o de sugeri-Ia. judiciária - ou, ao menos, seria instrumento passivo da adrni-
Fica-lhes apenas o direito de promover a responsabilidade do nistraçào na coligenda de cargas acusatórias, enquanto o réu não
magistrado parcial que revele interesse em sacrificar a verdade aparecesse para opor seus pedidos e razões; e ainda depois de
assim instaurada a ação contraditória das partes, o juiz se
histórica à tese de defesa ou à tese de acusação.
transmudaria em mero pacificador de eventuais litígios entre
interesse puramente privado e interesse público de justiça penal
110. Ampla intervenção das partes pode ser admissivel na ins-
ou entre interesses exclusivamente privados. Veríamos a
trução deímitiva, sobretudo quando há antes uma instru-
questão penal conformada, desse modo, não pela verdade histó-
ção preventiva a garantir certo fundamento acusatório. Isso
rica, nem expressa numa dúvida interna ela justiça pública, mas
não prejudica a obra de descoberta e fixação da verdade.
entregue ao poder dispositivo do capricho ou do arbítrio do
Não se dá, porém, o mesmo na instrução preliminar, em funcionário acusador e dos interesses privados, manifestando-
que, muitas vezes, essa amplitude de intervenção, mormente do -se muna luta judiciária de meras pretensões contrárias de in-
indiciado, pode ser profundamente lesiva aos interesses da divíduos.
justiça .
Falamos em intervenção anipla e julgamos útil esclarecer 111. O litígio é, no processo civil, um fato que o juiz busca
o que pretendemos com isso significar. Intervenção amPla é conhecer diretamente na representação judiciária que dele
aquela que vincula o juiz de certa maneira à vontade das partes: fazem as partes. Estas são não apenas partes no processo,
desatendendo-as, elas têm, processualmente, recursos dos inde- isto é, partes formais, mas realmente litigantes, partes no con-
ferimentos; graças a estes, quando pedem, demonstram ou im- flito de interesses, partes na oposição de vontades, quer na sua
pugnam, o autor e o réu circunscrevem o poder do juiz; se um expressão forense, quer na sua expressão meramente jurídica.
dos litigantes, por exemplo, alega certo artigo no libelo ou na No processo criminal o litígio é anterior. O delinqüente
contrariedade, o juiz não pode exclui-lo das questões elemen- resolveu o conflito de interesses em que era parte, fazendo a
tares da causa. sua utilidade, o seu bem, à custa do sacrifício elo interesse alheio.
118 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSD PENAL INSTRUÇÃO CONTRADITÓRIA 119

Não surge disso uma pretensão do Estado à pena, mas uma gam e são absol vidos ; e onde vêem reconhecidas em seu favor
pretensão do Estado à justiça penal, que tanto pode estar na circunstâncias atenuantes não postuladas.
condenação do criminoso, se realmente o tiver sido, como na de-
claração da legitimidade de seu ato, se não tiver sido criminoso. 112. Grandes inconvenientes também ocorreriam se o premo-
O poder público não litiga com o indiciado. Seria imoral que tor público, o queixoso ou o indiciado, ou qualquer in-
o Estado se definisse antes de julgar da verdade criminal e, terveniente, pudessem pleitear livremente a produção de provas
assim. tivesse preferências por qualquer das atuações contrárias ou, durante as diligências de sua constituição, tivessem a fa-
da lei antes do ato decisivo de justiça. Imoral seria também culdade de lhes imprimir certos característicos, quer relativos
se permitisse a intervenção insincera dos indiciados delinqüen- ao materiai, quer ao instrumental, quer ao pessoal probatório.
tes que, em qualquer hipótese, pretendessem sempre a liberdade, Isso seria fonte de protelações, em tudo contrárias às condições
a legitimação injusta de seus crimes. de urgência reclamadas mesmo pela natureza da instrução pre-
Se o juizo cível se move estimulado por alguma coisa Cj\1e liminar. Quando da recusa de produção de uma prova coubes-
se está passando - o litígio atual - o juizo criminal, quer da se qualquer recurso à "parte" desatendida, o poder inquisitório
causa, quer da acusação, toma impulso na verdade histórica, do juiz seria teórico, porquanto este estaria, sempre, vinculado
anterior às "partes" meramente processuais. Estas, se podem ao arbítrio elos intervenientes pelo compreensível temor de ser
intervir, não têm a faculdade de fixar o ponto da demanda nem dado provimento às impugnações ele seus despachos e anulado
estão submetidas aos ônus correspondentes: ao contrário, seus todo o seu esforço, muitas vezes irremediavelmente para a
pedidos e contrapedidos tornam-se irrelevantes quando se afas- justiça.
tam da verdade judiciariamente apurada pela inquisitoriedade do Firmemos, pois, que a faculdade de produção de provas
magistrado. conferÍvel às "partes ,; na instrução preliminar é, de todo, incon-
li por isso que o corpo do delito precede, sempre, a acusa- ciliável C0111 a exigibilidade processual dessa produção e garan-
ção, .porque esta defIui dele muito mais, e da pronúncia, do que tida apenas pela responsabilidade funcional do juiz, que, dene-
do libelo formal. A contrariedade, a réplica e a tréplica não gando-a, age com parcialidade.
impedem que o júri ou o juiz absolva ou condene o réu por
Indaguemos, a seguir, que manifestação eleve ter a facul--
motivos não alegados pelas partes; nada representam de rele-
dade probatória do argüente e do argüido na instrução preli-
vante no processo criminal, senão uma forma de economia ca-
1111l1ar.
paz de facilitar ao Estado a obra da justiça, tanto do ponto-de-
-vista penal, quanto do ponto-de-vista político.
113. Assinala o esplêndido CARNELUTTI 1 que o princípio do
Se, por um lado, os pedidos do promotor ou do acusador
contraditório impõe, quanto à inspeção de provas, no
são irrelevantes e portamo nulos, sempre que se afastem da
cível, observância dos seguintes requisitos: a) que cada parte
pronúncia no libelo ou do corpo de delito na denúncia, quer
seja posta em grau de inspecionar a prova proposta pela outra;
para exagerar a gravidade da imputação, quer para minorar as
b) e de estimular o juiz à inspeção sempre que este não pro-
culpas do acusado; pOl" outro lado, as alegações de contrarieda-
ceda espontaneamente.
de apostas pelo réu carecem de relevância porque se o magis-
trado pode nelas ver lima coopera-ção quase sempre útil à for- Para isso, é preciso: I) que os litigantes sejam postos em
mação do juizo, a elas não fica adstrito. Pode a discordância grau de conhecer as condições de tempo e de lugar em que a
significar até mesmo a absolvição ou a impronúncia. prova será constituída : a) ou estatuindo-se que o juiz deter-
mine tais condições em audiência contraditória; b) ou que haja
Exemplos concretos disto sucedem no foro criminal, onde
a prévia citação, notificação ou intimação dos litigantes.
certos réus alegam legítima defesa e são absolvidos por negati-
va do fato, ou vice-versa ; onde sustentam a negativa cio fato
1. FRANCESCO CARNELutTr, L e:::iolIi di diritto processuale cioile,
e são absolvidos por perturbação dos sentidos; onde nada ale- CEDAM, Pádua, 1933, v61. Ll l, págs, 169 e segs. e 225 e segs.
120 PRINCíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL
INSTRUÇÃO CONTRADITÓRIA 121

2) que os litigantes tenham prazo dilatório, que lhes pos- juiz a fazer essa inspeção quando este não agir espontanea-
sibilite prepararem-se para contrariar a constituição da prova; mente.
Para que se dê esse awxilio, e tão-só quando, quanto, como
3) qlle os litigantes sejam cientif icados da natureza e da
e onde a intervenção das "partes" constitua auxílio, é preciso:
finalidade da prova que será produzida, mormente se se tratar
de prova testemunhal, a fim de que possam obter todos os 1) que sejam avisadas do tempo e do lugar da diligência;
dados necessários à avaliação da creclibilidade que mereçam os 2) com a exigida antecedência;
depoimentos; 3) reveladas a natureza e objetivo da prova, mormente
4) que os litigantes possam pessoalmente assistir à inspe- se testemunhal:
ção. Não se trata por um lado, de ato que reclame especial 4) permitindo-se a presença pessoal elo autor e elo indi-
cultura técnica, enquanto, por outro lado, se j usti fica a presença ciado;
das "partes" pelo conhecimento direto que têm da questão, maior 5) dando-se-lhes a faculdade de atrair a atenção do juiz
do que o do procurador j udicial. para determinados aspectos ou pontos da prova.
5) que, enfim, possam os litigantes chamar a atenção do Com muito maior razão perdura na instrução criminal a
juiz para determinados aspectos ou pontos da prova, sempre que iniciativa do juiz de: realizar de ofício quaisquer indagações
o juiz não o faça espontaneamente. Essa atividade das partes na inspeção da prova real, ou de prova pessoal, valendo-se de
é de singular relevo em matéria de testemunho. peritos ou de intérpretes e dispensando a presença elas partes
contumazes.
114. Após assim desdobrar o papel das "partes" na inspecão
das provas, CAR NELUTTT dá relevo à iniciativa que cabe 116. Verifica-se que se nem mesmo no processo civil as pro-
ao juiz cível: a) na inspeção de prova real (coisa móvel ou vas reais dependem essencialmente de louvação bilateral
imóvel) o juiz pode realizar de oficio todas as indagações que de peritos para que se caracterize a contrariedade, muito menos
repute necessárias ou úteis para obter perfeito conhecimento dos se deve exigir, ainda quando sob pretexto de aplicacâo do prin-
fatos da cansa; b) na inspeção de prova pessoal, o juiz pode cípio do contraditório, essa faculdade das "partes" em instru-
agir ele ofício nas perguntas, quanto mais convenha ao escla- ção criminal. A louvação ou a indicação de peritos pelo autor
recimento da situação; c) na inspeção de prova real, o juiz e pelo réu é, mesmo no processo civil, modo acidental de inves-
pode ordenar de ofício a assistência de peritos; d) na inspe- ti dura dos técnicos, que nunca deixam de ser órgãos meramen-
ção da prova, o juiz pode mesmo dispensar a presença das par- te auxiliares do juiz.
tes, sempre que, regularmente citadas, notificadas ou intimadas, Também a iniciativa na organização do questionário dos
não cornparecam ; e) e, enfim, o juiz pode e deve inspecionar exames e vistorias ou na posição de perguntas a testemunhas,
a prova, mesmo quando a parte requerente renuncie sua cons- sendo faculdade do juiz civel, é, com maior razão, prerrogativa
tituição, salvo quando a parte contrária concorde com essa re- do magistrado instrutor.
núncia.
É que não há, no crime, provas de defesa e provas de acu-
sação. Devem elas ser, sempre, provas da verdade. O ônus
115. Se aplicarmos esses mesmos requisitos e seus desdobra-
de produzi-las não é de qualquer das partes, que, se não tem
mentos, apontados por CARNELUTTI, ao processo penal, o poder de postular, não deve ser submetida aos resultados in-
veremos que sofrem, necessariamente, modificação imposta pela justos da falta da prova que lhe beneficiaria. Reconhecida essa
natureza dessa faculdade de intervir das partes criminais. falta pela justiça, esta não tem outro caminho a seguir senão
Teremos, então, que o principio do contraditório, na ins- saná-Ia ou corrigir o erro da decisão.
peção de provas, na instrução preliminar, impõe observância
dos seguintes requisitos: a) que cada parte seja posta em grau 117. Quando admitidas à produção de prova, as partes coope-
de auxiliar a inspeção judicial da prova; b) de estimular o ram na obra de solução da dúvida interna de justiça
122 I'RINCÍPIOS FUNDAMENTAIS no PROCESSO PENAL

penal. A extensão desses poderes do autor e do réu não deve


ir além do motivo utilitário que os justifica. Faculdade de
pleitear exames, vistorias, buscas, apreensões, avaliações, tes-
temunhos, declarações, faculdade de recursos contra atos do
juizo que impeçam o exercício dessa atividade probatória; ônus
instituídos contra a inércia das partes no uso dessas faculdades,
a decadência processual; tudo constitui fórmulas que, concedi- Capítulo II
das a acusador e acusado, o são menos no objetivo de lhe dar
parte num litígio ilegitimável do que no de aproveitar utilíssima
cooperação - a do interesse particular - na obra de realização
de justiça penal. A contrariedade
Onde não baste esse estímulo para consecução do objetivo na formação da culpa
primacial é o próprio juiz que, por exemplo, recorre ex officio
das irnpronúncias dos crimes de responsabilidade ou apela ex
officio das decisões do júri; ou é ainda o magistrado quem,
desprezando a indiferença da defesa, ou a inércia do Ministério Seção primeira
Público, completa a prova da verdade, para só a esta pedir as
raizes de sua decisão. LEIS DO IMPÉRIO
A contrariedade das partes "formais" tem, especialmente
na instrução preliminar, função cooperadora na obra da justiça
penal. É suprimento à atividade do juiz, admitida exclusiva. 119. Código de Processo Criminal de 1832. 120. Classi-
mente por considerações de ordem prática. ficação: processo ordinário e processo policial ou de alçada.
121. Formação da culpa inquisitória. 122. Dispositivos sobre
a formação da culpa. 123. Sobre a remessa dos autos ao juiz
118. Em suma: de paz da cabeça do termo. 124. Sobre o júri de acusação.
125. Sobre recursos anteriores. 126. Sobre preparatórios da
1) A atividade do juiz instrutor não deve excluir a ati- audiência de julgamento. 127. Sobre o júri de sentença. 128.
vidade instrutora das partes, que é, porém, meramente auxiliar. Coerência do sistema. 129. O contraditório na formação da
2) A atividade instrutora auxiliar das partes deve garan- culpa. 130. Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841. Dis-
positivos sobre formação da culpa. 131. Inquisitoricc\ade dos
tir-se pelo dever funcional do juiz de, na sua imparcialidade, juizes municipais. 132. Inquisitoriedade do juiz do júri. 133.
admiti-Ia sempre que necessária ou útil ao esclarecimento ela Criação dos recursos da pronúncia ou da impronúncia e dos
verdade criminal, e de repeli-Ia sempre que supérflua ou da- despachos que iulgam improcedente o corpo de delito. 134.
nosa a este interesse de justiça. A principal .inovação. 135. Decreto n. 707, de 9 de outubro
de 1850. Inquisitoricdade e contrariedade. 136. A Lei
3) Porque. como, quanto, quando e onde possam as par- 11. 2.033 e o Decreto n. 4.824, de 1871. Reação. 137. Am-
tes ou uma delas auxiliar a atividade instrutora do juiz. deve pliação das funções de Ministério Público. 138. Rcgul amen-
caber a este decidir, salvo as determinações expressas da lei. tação do inquérito policial e do sumário de culpa. Criação
do recurso do não recebimento da queixa ou denúncia,
4) Admitida essa atividade auxiliar, nela se exprime apli- Alcance das inovações.
cação do princípio do contraditório à instrução preliminar, pre-
paratória ou preventiva.
lI!). O legislador da monarquia subordinou, em 1832, o pro-
cesso criminal brasileiro sobretudo à regra da inquisito-
riedade.
Foram primeiras considerações dos elaboradores desse
nosso código os casos em que, praticada a infração e pelo sim-
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124 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL


CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 125

pIes tato do procedimento penal, deveriam seus indiciados auto-


" b) Também poderá livrar-se solto, nem mesmo será con-
res ou cúmplices ser presos ou obrigados a prestar fiança.
servado na prisão, se nela já estiver, quem prestar fiança idô-
A cogitação era, sem dúvida, de magna relevância e, como nea (art. 100).
problema, se impunha sob forma de uma interrogação que, uma
c) A prisão e a obrigação de prestar fiança dependem,
vez posta, qualquer leigo logo compreenderá: devem ou não
todavia, da formação da culpa (exceto nos casos de flagrante e
devem responder a processo presos (ou afiançados) os indiví- ~ prisão preventiva).
duos delinqüentes?
Têm variado, de país para país e de época para época, as 120. Classificaram-se, assim. os processos em dois grandes
respostas dadas pelas leis a essa interrogação. O permanente grupos:
conflito entre a autoridade e a liberdade levou legisladores à I - das ações que não comportam prisão. nem fiança;
extrema severidade ou a acentuada blandícia, ora em fortaleci- II - das ações que comportam: a) prisão ou fiança;
mento do poder público contra o c1esprestígio das leis penais, b ) apenas prisão.
ora em consideração à garantia das liberdades contra o arbítrio
Como a prisão ou obrigação de fiança ficaram dependendo
da opressão governamental. A despeito dessa oscilação, foi o
de formação da culpa. a classi ficação redundou, praticaruonte,
direito português sempre cauteloso no traçar as regras de jus- na seguinte:
tiça da prisão processual.
I - ações com prévia formação ela culpa. quando os cri-
.T á o constituinte
brasileiro, herdando, então o forte espí- mes fossem afiançáveis ou inafiançáveis;
rito jurídico das instituições lusitanas. resolvera o problema
II - ações sem prévia formação da culpa, nas infraçõrs
quando dele cogitaram os legisladores do código de processo. de que o réu devesse livrar-se solto.
Não fizeram estes, pois, senão partir das bases constitucionais.
Defluía, assim, o fundamento da obrigação, ou de prestar
Eram estas: fiança ou de prisão, da severidade da pena e, por isso mesmo,
da gravidade do crime. Estabelecidas a obrigação de prestar
1) ninguém poderá ser preso sem culpa formada fiança e a prisão como bases do critério instituidor da necessi-
(art. 179, n. VIII); dade ou desnecessidac1e de prévia formacão da culpa. ficou tam-
2) exceto nos casos declarados na lei (art. 179, n. VIII) ; bém este critério indiretamente assentado na graduação de se-
veridade das penas e, assim, na diversa gravidade das infrações.
3) ainda com culpa formada, ninguém será conduzido à Reservou-se para o processo com prévia formação da culpa
prisão ou nela conservado, estando já preso, se prestar fiança a denominação de processo ordinário, para distingui-Io do pro-
idônea, nos casos em que a lei a admite (art. 179. n. IX) ; cesso sem prévia formação da culpa e chamado processo de al-
çada ou processo policial.
4) e, em geral, nos crimes que não tiverem maior pena
do que a de seis meses de prisão ou desterro para fora da co-
121. Necessário nos parece, aqui, ressalvar o sentido que,
marca, poderá o réu livrar-se solto (art. 179, n. IX).
neste capítulo, vimos dando à locução formação da culpa.
Subordinados a tais princípios estavam, pois, os casos de Referimo-nos, por certo. a seu sentido restrito de formação da
prisão processual e de fiança prescritos quando o código adotou culpa preliminar, procedimento anterior à pronúncia, mas que
as regras seguintes: I
compreende não só o sumário de inquirição de testemunhas,
a) Nos crimes que não tiverem maior pena do que a de como também os atos do corpo do delito: abrange, antes de o
seis meses de prisão, ou desterro para fora da comarca, poderá I juiz declarar procedente ou improcedente a queixa ou denúncia
./ ou procedimento cx otficio, tudo quanto é feito para estabelecer
o réu livrar-se solto (art, 100),
,l a existência do crime e veementes indícios da autoria,
126 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NA FORMAÇ,\D DA CULPA 117
-I

Esse procedimento de [armação da culpa. foi, no regime do (le serem possíveis até mesmo pronúncias (antes da confirma-
código do processo, submetido ao princípio inquisitório. O que (';-LO) sem identificação do culpado, o que seria inexplicável se
significa; instrução do juiz não só como resultado mas também devesse prevalecer aquela necessidade (arts. 329 e 247).
como atividade de se instruir atribuída ao próprio juiz, sem Podia, é certo, o réu ser preso em flagrante ou preventiva-
dependência da atividade das partes, nem n:eS1110do promotor mente (arts. 131 e 175), isto é, antes da formação da culpa ou
público. na sua pendência. N esses casos, estando o delinqüente preso
ow afiançado, assistia a inquirição das testemunhas, podendo
122. Consultemos a lei imperial. Lá verificamos essa inde- ser interrogado pelo juiz e contestar as testemunhas sem as in-
pendência do juiz em face do queixoso ou do denun- terromper (art. 142).
ciante, sob quádruplo aspecto: a) no iniciar a formação do Também é verdade que, residindo 110 distrito de paz, de
corpo do delito; b) no formar o corpo do delito; c) no iniciar maneira que pudesse ser conduzido à presença C\O juiz a tempo
a sumária inquirição ele testemunhas; d) no realizá-Ia.
de assistir ú deposição. podia igualmente ser interrogado e con-
Com efeito, dispunha o código que o juiz de paz proce- testar os testemunhos (art. 142).
desse a auto de corpo de delito e formasse a culpa dos delin- E assim o réu, preso, afiançado ou residente nas proximi-
qüentes (art. 12, § 4.0) ; e que agisse sempre, quer a requeri- dades do lugar da formação da culpa era levado à presença do
mento da parte, quer de iniciativa própria, exceto nos crimes juiz, mas não citado. Podia, se quisesse, requerer então que as
de ação exclusivamente privada (arts. 138 e 139). A inquiri- testemunhas inquiridas na sua ausência fossem reperguntadas
ção das testemunhas do sumário deveria ele proceder, ainda que na sua presença. Mas o juiz só o deferiria sendo possiuel (art.
não houvesse denunciante (art, 141), mandando chamá-Ias de (7) sem sacrifício dos objetivos e do caráter urgente da ins-
ofício (art, 84), para que depusessem sobre a existência do cri- trução.
me e de quem fosse o delinqüente (art. 140).
Presente o réu. o juiz deveria mandar ler todas as peças
Tratava-se, com se vê, de rápido procedimento acautelató- comprobatórias de seu crime. para interrogá-Io. E, afinal, se
rio das provas principais dos delitos, e no qual a urgência era a pela inquirição das testemunhas, interrogatório cio incliciado de-
principal preocupação. O juiz de paz não dependia do promo- linqüente, ou informações a que tivesse procedido, o juiz de paz
tor público para agir no cumprimento daquelas obrigações ele se convencesse da existência do delito e de quem fosse o seu
lei, tanto mais quanto não havendo um representante do Minis- autor, declararia por seu despacho nos autos a procedência ela
tério Público em cada distrito de paz, mas tão-só no que fosse imputação, e obrigado G delinqüente à prisão, nos casos legais.
sede de termo, a dependência não seria praticável sem freqüen- Toda essa atividade do juiz, como vemos, era, de certa
tes danos para a justiça penal (arts. 4.0 e 5.0). forma, discricionária. Se ao promotor público incumbia dar
Também do indiciado não dependia o juiz de paz para denúncia, se qualquer pessoa cio povo podia, outrossim, denun-
formar o corpo do delito ou para instaurar a sumária inquiri- ciar, se o ofendido podia apresentar sua queixa, esses atos -
ção de testemunhas. Não há um só artigo que afirme a neces- denúncia e queixa - representavam com relação ao sumário
de culpa meros impulsos ao funcionamento inquisitório do juiz,
sidade de citação 1 do suspeito; e a isso acresce a circunstância
quando a espontaneidade não se tivesse revelado. A discrição
1. Quando se discutia o projeto da lei sobre os crimes de responsa- civilizadas e livres. segundo coisa que tenho lido. Na Inglaterra. forma-
bilidade dos ministros e secretários de Estado, os mesmos parlamentares -se a culpa sem audiência do culpado."
que haviam de discutir e aprovar o texto definitivo do Código de Processo A mesma afirmativa era de TEIXErRA DE GOUVEIA: "Nenhum ci-
Criminal não punham em dúvida a desnecessidade de citação do réu para dadão, senhores, é ouvido sobre a denúncia antes de pronunciado, e só
a formação da culpa, Assim, dizia BERNARDOPEREIRADE VASCONCELLOS, depois que se trata da acusação c cio livramento é que se lhe dá vista
na sessão de 15 de julho de 1826. na Câmara dos Deputados: "O hon- para dizer em sua defesa t' apresentar as provas que tiver. A respeito
rado membro pensa que para haver pronúncia sempre é necessária a dos ministros de Estado é que aqui se quis fazer esta exceção à regra
audiência do réu. f ss« não acontece entre nós, nem entre as nações mais geral ", Anais da Câmara dos Deputados, ano de 1826.
~~~~--= ... ~~",,-,,.=--,,z----

128 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL


CONTRARIEDADE NA FORMAÇi\O DA CULPA 12()

do juiz era tal que de seus despachos a pedidos das "partes"


Deferido o juramento aos jurados, o juiz lhes entregava os
nos atos de formacào da culpa, não cabia recurso algum.
processos para, na sala secreta, serem em conjunto devidamente
Em suma, o Código de Processo não estabeleceu fórmulas examinados exclusivamente pelos juizes de fato.
substanciais da formação da culpa, mas tão-só fórmulas subs-
tanciais do processo principal. Assim é que nunca se anulava a Posta a votos, após o exame de cada caso, a questão: "Há
formação da culpa propriamente dita, embora se anulassem de- neste processo su ficiente esclarecimento sobre o crime e seu
ci sões tanto do júri ele acusação quanto cio júri de sentença por autor ?", o júri decidia declarando ter achado ou não "matéria
para acusação".
cansa de irregularidades da formação da culpa. Competia, po-
rém, ao juiz elo júri sanar essas falhas quando os autos bai- Se a decisão fosse, porém, negativa, só então os jurados
xassem da superior instância, determinando as necessárias dili- convocavam, para a ratificação do processo na sala secreta, o
gên('ias para a l:>r;itica válida tão-só do ato irregular (arts. 301~ queixoso, ou denunciante, ou promotor público, o réu, e as tes-
302 c 309). temunhas, uma por uma, sujeitando-se todas essas pessoas a
llOVO exame (art. 245). Não podiam, então, ser admitidas
123. O juiz do júri não era o juiz de paz. Declarada a pro- novas testemunhas além elas do sumário, salvo quando não
cedência da imputação, este deveria remeter o processo, viesse designado o autor do crime, destinando-se, pois, o com-
com os presos, para o juiz de paz da cabeça do termo, tendo o plemento de prova à elucidação dessa circunstância (art. 247).
cuidado ele, ao mesmo tempo, mandar espontaneamente notifi- A ratificação - oportunidade para se corrigirem as irre-
car as testemunhas já ouvidas, para comparecerem na próxima gularidades ela formação ela culpa, quer espontaneamente, quer
reunião de jurados sob as penas de desobediência e de serem por determinação do tribunal superior que tivesse dado provi-
concluzidas debaixo de vara ao juramento (art. 231). Mas era mento a qualquer apelação fundada nessas irregularidades -
o juiz de direito quem presidia o júri nos diferentes termos da podia compreender, também, ordem dos jurados para que se
própria comarca. realizassem buscas, prisões. notificações, suspendendo-se o se-
Esse segundo magistrado procedia, antes ele mais nada, ao guimento da causa até que, se essenciais, as diligências fossem
sorteio regular dos sessenta jurados flue deveriam servir na satisfeitas (art. 249).
sessão. É hom termos a atenção voltada para a circunstância de
Os jurados, a' testemunhas e os réus recebiam dos juizes nenhum poder dispositivo, quer como faculdade de pedir, quer
de paz dos distritos em que residissem as necessárias notifica- como faculdade de alegar, quer C01110 faculdade ou ônus de
ções (art. 237). Afixavam-se editais também para o mesmo prova, ser processualmente dado tanto aos indiciados quanto
fim e para que a designacão ele dia, lugar e hora da reunião aos eventuais acusadores, até o momento ela confirmação da
fosse também do conhecimento dos acusadores. pronúncia ou da impronúncia (por via de recurso voluntário
O juiz de paz da cabeça do termo, tendo reunido todos os interposto da decisão elo juiz de paz para o júri de acusação).
seus processos aos enviados pelos outros juizes de paz, compa-
recia à sessão elo júri para apresentar aos jurados sorteados _ 125. Das sentenças proferidas pelo júri de acusação podiam
em número de vinte e três - os autos competentes, à vista dos o indiciado ou queixoso, o denunciante ou, na falta des-
quais o escrivão procedia imediatamente à chamada dos réus tes, o promotor público apelar para a Relação. Tal recurso
presos, dos afiançados, cios acusadores, ou autores, e das teste- fundamentava-se, porém, exclusivamente na inobservância de
munhas noti Iicadas (arts, 235 a 241). formalidades processuais (art. 301). Provido, formava-se novo
processo na sessão subseqüente, com outros jurados.
124. Realizava-se, após, a "conferência" dos jurados. Esse Observemos que, na ocorrência de irregularidades de for-
primeiro júri era destinado apenas a confirmar ou re- mação da culpa, a nulidade era da "conferência" do júri de
formar a pronúncia ou impronúncia do réu, que era o despacho acusação, J)or não ter este, ao ratificar o processo, determinado
formador da culpa. as diligências reputadas essenciais para a correção da falha.
130 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PIWCESSO PENAL
CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 131

126. Só depois de tudo isso, as partes podiam entrar em con- do juiz de paz e do júri de acusação. Depois de confirmada a
trariedade, conservando a autoridade judiciária a inqui- pronúncia, admitida a intervenção das partes, constituía mero
sitorieeladc no desempenho de suas funções. Com efeito, apre- auxílio cios interessados ao júri, e não vínculo imposto à ampla
sentados o libelo e a contrariedade, ou simplesmente o libelo, liberdade dos jurados no fundarem o próprio juízo tão-só nos
nenhum recurso tinham autor ou réu contra a inadmissibilidade dados da verdade criminal.
de produção de prova, quer antes, quer durante o julgamento,
inadmissibilidade expressa em decisão dos jurados, por maio- 129. Qual era - perguntar-se-à - a função do queixoso ou
ria ele votos, que julgasse inadiável a acusação. É que, para a do denunciante na formação da culpa?
declaração de não ser possível ultimar-se a acusação na mesma Era primeira função da queixa ou da denúncia dar impulso
sessão, o juiz de direito propunha o quesito aos jurados e o que à atividade do juiz de paz que espontaneamente não houvesse
fosse decidido pela maioria de votos dos membros presentes agido, e auxiliá-Ia.
seria observado (art. 256) : era sem dúvida o arbítrio do júri Constituía dever do queixoso, para que pudesse usar do di-
no permitir ou não o adiamento, decidindo. da necessidade ou reito acusatório, e 11m dever funcional do promotor público, de
inutilidade da prova pleiteada pelas partes. fiscalizar a atividade do juiz de paz .
O juiz de direito, antes do julgamento propriamente dito, O juiz de paz não ficava, contudo, vinculado aos pedidos
era, pois, incumbido de zelar pela observância das formalidades de diligências do denunciante ou do queixoso (exceto nos casos
substanciais do procedimento. Não tinha iniciativa quanto a em que não coubesse denúncia), podendo e devendo ouvir tes-
provas, que pertencia originariamente aos jurados e, como uma temunhas acerca da verdade, fossem ou não as elo rol inicial,
faculdade de auxílio à obra de descoberta da verdade, às partes. considerado meramente informativo.
Contudo, o júri sempre conservava a faculdade privativa de
decidir da necessidade ou conveniência dos testemunhos, das 130. A Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841, e seu Regula-
vistorias, dos exames, para que não tivessem objetivos prote- mento n. 120, de 31 de janeiro de 1842, poucas altera-
latórios. Era, assim, juiz de fato para fundamento da sentença, ções trouxeram ao regime inquisitório do Código de Processo.
mas também juiz da organização do processo. Suas inovações foram sobretudo de organização judiciária e
política do país, tendentes a garantir a força do poder nacional
127. Na reunião elo júri de sentença, interrogado o réu e lido contra as exageradas prerrogativas dos elementos regionais.
o processo, eram proferidas a acusação, defesa, réplica e O procedimento de instrução preliminar - formação da
tréplica. Necessária era a presença de todas as testemunhas da culpa (corpo do delito e sumário da pronúncia) - passou a
formação da culpa para que pudessem ser oralmente ouvidas, ser da competência de delegados e subdelegados, do chefe de
se requerido. Podiam as partes inquirir então, além das teste. polícia (escolhido sempre dentre desernbargadores e juizes de
munhas que houvessem arrolado, mais duas. especialmente com direito), inclusive a faculdade de pronunciarem, com recurso
relação a certos pontos ou para provar contra quaisquer de- ex officio para o juiz municipal, que sustentava ou revogava
poentes qualidades que os constituíssem indignos de fé (arts. o despacho (arts. 2.°, 4.°, § 1.0, 17, § 3.°). Esse magistrado
259 a 266). também podia formar a culpa e pronunciar originariamente
Antes de votarem as questões decisivas, como ainda hoje (art. 211, § 2.°, do Regulamento n. 120). Os juizes de paz
se observa, podiam os jurados fazer as observações que julgas- conservaram a missão que já tinham de proceder a corpo de
sem convenientes, pedir reinquirições e votar qualquer ponto delito (art. 65, § 6.°, do Regulamento n. 120).
particular do fato, reputado importante. Os despachos de pronúncia ou impronúncia proferidos
pelos chefes de polícia ou pelos juízes municipais produziam
128. Como se vê, era coerentíssimo o sistema do nosso Códi- desde logo seus efeitos independentemente de ratificação (art.
go de Processo. Dominava-o o principio de inquisito- 287 do Regulamento n. 120). Ta! não acontecia com os lavra-
riedade da jurisdição criminal. A formação da culpa era obra dos pelos delegados e subde1egados, que ficavam dependentes

11 - P. F. P. P.
132 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL
CONTRARIEDADE NA FORMAÇXO DA CULPA 133

de sustentação ou revogação dos juizes municipais, que, assim, às partes recurso voluntário dos despachos do juiz do júri sobre
substituíram, nas respectivas funções, o júri de acusação. Este a organização do processo e quaisquer diligências precisas (art.
foi suprimido.
~38, n. 10).
131. Ao receberem dos delegados. e subdelegados os processos Como vimos, o Código de Processo não permitia, antes da
de formação da culpa, os juizes municipais deviam exa- pronúncia pelo júri de acusação, que o queixoso, o denunciante
miná-Ios para indagar da preterição de formalidades legais, ou ou o indiciado requeresse quaisquer medidas ou diligências
de faltas que prejudicassem o esclarecimento da verdade do fato modiíicadoras do resultado instrutório da formação da culpa.
e de suas circunstâncias. Podiam, então, para correção das in- Depois da pronúncia, impunha às partes certos prazos para
suficiências ou desvios encontrados, proceder de ofício ou a apresentação do libelo e da contrariedade, a fim de se ultimar
requerimento da parte a todas as diligências que julgassem pre- imediatamente a acusação e - o que é mais importante - su-
cisas para ratificação do processado, para sanar nulidades, e bordinava qualquer adiamento da causa a consulta e permissão
para elucidar a verdade (arts. 290, 291 e 292). dos jurados, que decidiam, assim, da necessidade ou dispensa-
hilidade das diligências pleiteadas pelo acusador ou réu. O
132. Também a inquisitoriedade que, pelo Código de Pro- que quer dizer que quando o autor ou o réu requeriam, antes
cesso, caracterizara a função dos jurados até o momento do júri, ao juiz de direito, a realização, por exemplo, de uma
da reunião final, transmitiu-se ao juiz do júri, que devia "pro- vistoria, de um exame, da notificação de determinadas testemu-
ceder ou mandar proceder ex officio ... a todas as diligências nhas, e o magistrado deixava de atender a um ou a outro, o
necessárias, ou para sanar nulidade, ou para mais amplo conhe- requerente deveria, formado o conselho de sentença, dirigir aos
cimento da verdade. e circunstâncias", que pudessem influir no .i urados o necessário pedido de adiamento, fundado na demons-
julgamento. Apenas nos crimes em que não tivesse lugar a tração, que desse, de serem indispensáveis para o esclarecimen-
acusação por parte da justiça não o podia fazer senão a reque- to da causa as diligências pleiteadas. O que o júri decidisse
rimento da parte C art, 25, § 3.°, da Lei n. 261 e arts. 200, § prevaleceria.
2.°, e 354 do Regulamento n. 120).
A inovação da Lei n. 261 consistiu praticamente, contudo,
133. Modi ficou-se o critério dos articulados do libelo e do em subtrair os aludidos ineleferimentos e determinações do juiz
questionário para votação do júri. Mas, alérr: dessa altera- do júri, acerca da organização do processo e de quaisquer dili-
ção e do aumento 110 número das testemunhas do sumário C de gências, à apreciação dos jurados, para dá-Ia ao tribunal sU12e-
duas para cinco 110 mínimo e de cinco para oito no máximo), rior, que era a Relação.
convém assinalar, sobretudo, circunstância de haver a Lei n. 261
Ora, a tendência ela jurisprudência foi interpretar o laco-
limitado: a) o arbítrio da autoridade formadora do corpo de
nismo do legislador da maneira mais amplificadora da contra-
delito, pela criação do recurso da decisão que declara improce-
dente o corpo de delito (art. 438, 11. 2); e b) o arbítrio do riedade das partes, em detrimento da inquisitoriedade. E os
juiz ratificador da pronúncia ou, impronúncia, que era antes o tribunais, em lugar de darem provimento a esses recursos tão-só
júri de acusação (de cuja decisão só cabia apelação fundada quando demonstrada a necessidade da prova requerida, têm con-
em nulidade de forma), pela instituição do recurso dos despa- siderado o juiz do júri mero agente da vontade do acusador e
chos dessa natureza dos juízes municipais e chefe de polícia cio réu e sujeito a deferir-Ihes sempre as pretensões, desde que
(art. 438, ns. 3 e 4, do Regulamento n. 120, e Lei n. 261, art. manifestadas nos prazos legais. Isso tanto mais grave se afi-
69, § 3.°). gura quando corresponde, por exemplo, à outorga, ao acusador,
cio arbítrio no requerer a realização de diligências perpetuado-
134. A principal inovação, porém, que interessa ao assunto ras da prisão dos réus e, por isso mesmo, capazes de graves
de que estamos tratando, está, a nosso ver, na circuns- abusos, perfeitamente defensáveis à luz de tal jurisprudência.
tância de à Lei 11. 261 e seu Regulamento n. 120 haverem dado
-"'1

134 PRINciPIaS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAl.


CONTRARIEDADF. NA FORMAÇÃO DA CULPA 135

ocerto é que, por isso, desde então, passou a predominar curso necessário para os juizes de direito, e, tratando-se do
o elemento contraditório no nosso procedimento de instrução caso acima figurado, os juizes de direito. Pertenceria a uns e
definitiva. a outros a pronúncia dos culpados nos crimes comuns (art. 4.0).
Alargando-se, elo distrito policial para o termo, a circuns-
135. O Decreto n. 707, de 9 de outubro de 1850, que insti- crição judiciária da formação da culpa, foi necessário, e o legis-
tuiu o julgamento por juiz singular em substituição do lador o determinou, cometerem-se às autoridades policiais as
julgamento pelo júri em certos delitos, cometeu, nesses casos, atribuições que redundaram no inquérito policial (arts. 10 da
a formação da culpa e pronúncia privativamente aos juizes mu- Lei n. 2.033,38 e 45 do Decreto n. 4.824), mantidos os juízes
nicipais, com recurso ex oificio para o juiz de direito, sem de paz também na competência para o corpo do delito.
efeito suspensivo.
137. Uma elas principais inovações da reforma e passível de
Da impronúncia de réus de crimes inafiançáveis, porém, o
interesse neste estudo, foi estabelecer a obrigação fun-
recurso tinha efeito suspensivo.
cional ela denúncia do promotor público dentro de certo prazo,
Se o réu estivesse preso ou afiançado, seria intimado da
mediante a cominação de uma pena.
pronúncia e, dentro de cinco dias improrrogáveis, poderia juntar
as razões e documentos que julgasse necessários. A parte con- Para isso, foi providenciado pela lei que em cada termo
trária, neste caso, teria o mesmo prazo para fim idêntico. nouvesse 11m representante do Ministério IPúblico (arts. 1.0,
§§ 7.° e 8.°, da Lei n. 2.033 e 20 a 24 do Decreto n. 4.824).
Recebencio o processo enviado pelo juiz municipal, o juiz
O promotor ou adjunto competente seria multado na quantia
de direito, se nele achasse preteriçào de formalidades essenciais
ile 20$000 a 100$000, salvo justificativa da falta, se não apre-
ou faltas que pre nuiicassem o esclarecimento da verdade, devia
sentasse a queixa (nos crimes de ação privada, em que fossem
ordenar todas as diligências necessárias para supri-Ias, direta-
miseráveis os ofendidos) ou denúncia: 1.0) no caso de fla-
mente ou por intermédio do juiz municipal (art. 3.°).
grante, se afiançado o réu, dentro de trinta dias do crime e, se
Passada em julgado a sustentação da pronúncia ou a re- estivesse preso. de cinco dias; 2.°) nos outros casos, dentro de
vogação da impronúncia, o juiz de direito mandava dar vista cinco dias do recebimento do inquérito ou de se tornar notório
dos autos ao promotor público para ser oferecido o libelo na
o crime.
primeira audiência, admitindo-se a parte acusadora a adir ou Não foi abolido o procedimento ex offici.o, que só podia,
declarar o libelo. As partes podiam no julgamento apresentar porém. ter lugar após transcorridos aqueles prazos.
mais três testemunhas, além das do libelo e contrariedade. O
Alargou-se, assim, a esfera de ação do promotor público.
juiz, porém, não estava inibido de ouvir novamente algumas
Ficou este obrigado a assistir a todos os julgamentos do júri,
das testemunhas do sumário (Aviso de 16 de novembro de
inclusive àqueles em que houvesse acusação particular, para
1857).
dizer de fato e de direito sobre o processo. Tratando-se de
136. Foram a Lei n. 2.033, de 20 de setembro de 1871, e o crimes de ação pública, embora promovidos por acusação par-
Decreto n. 4.824, de 22 de novembro do mesmo ano, ticular, deveria o promotor promover todos os termos da acusa-
que transformaram a feição do sumário de culpa. Represen- ção e interpor qualquer recurso, que no caso coubesse, quer na
taram uma reação de liberalismo contra as disposições da lei formação da culpa, quer no julgamento.
de 3 de dezembro e seu primeiro ato foi determinar que, nas
Capitais que fossem sede de Relação e nas comarcas de um 138. Criou-se, mais, a faculdade de o juiz poder conhecer,
só termo a elas ligadas por tão fácil comunicação que no mes- por ocasião de dar despacho de pronúncia ou impronún-
mo dia se pudesse ir e voltar, a jurisdição de primeira instância cia, dos casos do art. 10 do Código Criminal (art. 20).
passasse a ser exclusivamente exerci da pelos juizes de direito. Discriminaram-se as formalidades do inquérito policial
O termo ficou sendo a circunscrição judiciária da formação da (arts. 38 a 45 do Regulamento n. 4.824) e do sumário de
cuipa: seus magistrados foram os juizes municipais, com re- culpa (arts. 49 a 54 do mesmo Regulamento). Determinou-se
136 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 137

que O juiz não recebesse as queixas ou denúncias que não con- Os direitos contraditórios das partes foram, porém, aos
tivessem os requisitos legais e, para o caso de seu não recebi- poucos, sendo tidos corno tão indiscutíveis que, em 1906, a Lei
mento, criou-se o recurso voluntário da parte (arts. 17, § 2.0, estadual n. 1.057 estabelecia: "só poderá ser adiado o julga-
da Lei n. 2.033 e 50 do citado Regulamento). Afirmou-se que o mento para a próxima sessão do júri pelo não comparecimento
juiz não tem arbítrio para recusar às partes quaisquer perguntas das testemunhas de acusação quando assim o requerer o pró-
às testemunhas, exceto se não tiverem relação alguma com a prio réu". E mais: "se as testemunhas não tiverem sido inti-
exposição feita na queixa ou denúncia, devendo, porém ficar madas, sê-Io-ão por edital fixado à porta da casa das sessões
consignadas no termo da inquirição a pergunta da parte e a re- do júri e publicado pela imprensa local, onde a houver, com
cusa do juiz (art. 52 elo Regulamento). Firmou-se, também, antecedência nunca menor de dez dias da instalação do júri,
o processo da exceção ele incompetência do juiz sumariante e a mesmo que a intimação pessoal, quando requerida, não se rea-
faculdade, como um direito, ele o acusado juntar no interrogató- lize".
rio quaisquer documentos ou justificações, processadas em
Mais tarde, o decreto mais importante foi o de n. 3.015,
outro juizo, dentro de três clias improrrogáveis (art. 53 cio
Regulamento) . de 20 de janeiro de 1919, que regulamentou a Lei n. 1.680-C,
de 30 de dezembro de 1918.
Criando o recurso do não recebimento da queixa ou de-
Seu art. 10 dizia: "O não comparecimento de testemu-
núncia, a reforma não vinculou o juiz, a nosso ver, às provas
testemunhais pleiteadas no rol do denunciante ou queixoso, mas, nhas que já tenham deposto na formação da culpa não será
tão-somente, subordinou-o a não iniciar o sumário de culpa motivo de adiamento do julgamento."
antes de esgotado o prazo legal do promotor ou queixoso. Rezava o art. 11: "f: permitido ao réu arrolar testemu-
Tais novos dispositivos vieram, sobretudo, criar estímulos nhas de defesa em número não excedente de 8, dentro do prazo
à atividade das partes no sumário de culpa e regulamentá-la. legal a ele concedido para contrariar o libelo, independentemen-
Mas - é necessário salientar - não reduziram a inquisitorieda- te ele oferecer contrariedade. Parágrafo único: Mesmo depois
de do juiz à passividüde que muitas vezes a doutrina e os ele preparado o processo, poderá o réu oferecer quaisquer justi-
tribunais têm atribuído aos magistrados penais. ficações e documentos e arrolar testemunhas a bem da sua de-
fesa, até o dia elo julgamento."
O art. 12 permitia a dissolução do conselho sempre que o
júri, consultado sobre se podia proferir decisão sobre a causa,
Seção segunda
decidisse não se achar devidamente provada ou esclareci da uma
questão prejudicial, devendo o juiz mandar proceder "às ne-
LEIS DA REPÚBLICA cessárias diligências para a averiguação e esclarecimento do fato
sobre que versa o mesmo quesito, a fim de ser o processo sub-
139. Leis e Decretos estaduais de São Paulo. 140. Ampliação metido a julgamento em outra sessão".
das faculdades de contraditório. 141. A consolidação das leis
O art. 21 clava competência aos juizes de direito para co-
penais. 142. Direito Processual vigente. 143. Instrução pre-
paratória e contrariedade. 144. Instrução preservadora e nhecerem, nos despachos de pronúncia, das justificativas dos
contrariedade. 145. O contraditório na formação da culpa. arts. 32 e 35 do Código Penal, podendo ser renovada a alegação
146. Função das provas de formação da culpa em plenário. como matéria de defesa no plenário. Outorgava, também, dez
dias para Q réu "produzir as provas que julgar convenientes à
sua defesa, desde que se funde em qualquer das dirimentes men-
139. O Decreto estadual paulista n. 123, de 1892, que regula- cionadas no art. 27 do Código Penal, ou nas justificativas dos
mentou as Leis n. 18 e 80, tratou sobretudo da organiza- arts. 32 e 35 do mesmo Código".
ção judiciária, nada inovando no concernente ao processo dos
atos judiciais. A Lei n. 1. 849, de 29 de dezembro de 1921, dispôs que o
preparo do processo para o júri vale por um ano (art. 13).
138 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 139

140. E assim vieram as leis do Estado de São Paulo dando § 1.0 Por queixa da parte ofendida ou de quem tiver qua-
às partes cada vez maiores faculdades de disposição do lidade para representá-Ia.
conteúdo do processo penal. A Lei n. 2.062-A, de 17 de set em- § 2.° Por denúncia de qualquer pessoa: a) nos crimes
bro de 1925, que estabeleceu regras de competência para o jul- políticos e nos de responsabilidade dos funcionários federais;
gamento por juiz singular, firmou, no parágrafo único do art. b) nos crimes de que trata .o art. 278; c) nos crimes de que
~.0, que "na audiência... não se procederá à inquirição das tratam os arts. 342, § 2.0, e 346; d) nos crimes ele que tratam
testemunhas se as partes nisso convierem, assinando termo de os arts. 165 a 178.
desistência". Tal correspondeu, mais ou menos, ao seguinte: § 3.0 Por denúncia cIo Ministério Público, em todos os
o julgador tem de decidir pelos escritos da formação da culpa, crimes e contravenções. (Há exceções.)
se assim o entenderem o acusador e o acusado! § 4.° Mediante procedimento ex officio nos crimes ina-
O Decreto n. 4.784, de 1.0 de dezembro de 1930, pôs em fiançáveis quando não for apresentada a denúncia nos prazos
destaque os poderes do acusador e do acusado proclamando: da lei.
"O julgamento dos processos só será adiado: § 5.° A ação pública será iniciada sob representação do
"I - Quando o réu, com quinze dias de antecedência, o ofendido se o furto se der entre parentes e afins até o quarto
requerer, ainda que sem, declaração de motivo." grau civil, não compreendidos na disposição elo art. 335.
N esse caso, "não se concederá novo adiamento fundado
no mesmo dispositivo". 142. A situação atual é a seguinte:
Seguem-se outros motivos de adiamento. E, no § 7.°, afir-
A denúncia e a queixa são meios de provocar o procedi-
ma o decreto: "Em qualquer hipótese (de não adiamento), se o
mento do juiz, de determinar a intervenção do magistrado na
réu for condenado e apelar, o tribunal de justiça poderá anular o
obra principiada pela autoridade policial.
julgamento, se ficar plenamente provado que a defesa foi grave-
Dever funcional do promotor público, a denúncia não é,
mente prejudicada sem culpa do réu."
porém, uma peça essencial nos processos dos, crimes inafian-
Considerado esse dispositivo em relação aos direitos de
çáveis, Nestes, pode e deve o juiz formador ela culpa proce-
prova das partes e se quisermos dar às palavras e expressões
der ele ofício. Mas se se tratar de crime afiançável, o processo
o valor que elas. realmente têm, significa: deve o tribunal su-
é nulo na falta da denúncia ou da queixa.
perior, no julgamento da apelação de defesa que argúa grave
A queixa é uma faculdade da parte. surborelinada à con-
prejuízo, examinar o mérito da causa como único meio de
dição resolutiva do oferecimento da denúncia ou da instaura-
saber se a prova que o réu não produziu porque não obteve o
ção ex officio do sumário de culpa. Sem ela, não pode, porém,
adiamento era ou não era necessária ao esclarecimento da ver-
o particular exercer direitos de acusação, mas apenas auxiliar
dade ! É o certo.
a ação da justiça.
O art. 34 reza: "As testemunhas que se acharem fora
Nos casos de ação pública, ainda que não haja denúncia, o
da com arca serão inquiridas mediante carta precatória, se o re-
promotor público pode apresentar seu rol de testemunhas ao juiz
querer a parte que as houver arrolado."
instaurador do procedimento cx officio ou que recebeu a queixa;
Dispõe afinal o art. 35: "As testemunhas cujos depoimen-
e, ainda que haja denúncia, o juiz não tem obrigação de ouvir
tos constarem dos autos, só serão intimadas para depor perante
as testemunhas indicadas pelo promotor, mas apenas a de pro-
o júri ou no lugar onde estiverem (art. 34), se alguma das partes
ceder à formação ela culpa. ouvindo testemunhas em número
o requerer com a necessária antecedência."
legal, que bastem para fundamentar a pronúncia, exceto nos
Quanto ao mais, prevalecem, relativamente ao ponto-de- casos de ação exclusivamente privada.
-vista da inquisitoriedade judicial, as disposições antes vigentes
Devendo, depois da pronúncia, o acusador apresentar seu
entre nós.
libelo nos prazos legais, podem, ele e o réu, mesmo que este
141. A Consolidação das Leis ,Penais, art, 407, registra: não tenha apresentado contrariedade, requerer todas as diligên-
Haverá lugar a ação penal: cias reputadas necessárias para o esclarecimento da verdade. O
140 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAI~ CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 141

juiz pode e deve, por sua vez, deferir ou indeferir tais pedidos que se resuma em formação do corpo do delito direto ou indi-
e determinar de ofício, também, todas as notificações e diligên- reto, exames e vistorias, buscas, apreensões, avaliações; e que
cias segundo o que repwte indispenstiueis para a justiça do jul- compete exclusivamente ao juiz enquanto tenha sua expressão,
gamento, embora não pleiteadas pelas partes. O júri, na oca- por economia processual, nas inquirições do sumário ele culpa.
sião dos debates, pode também reputar necessária a produção As inquirições, constantes do inquérito policial, ou poste-
de certas diligências e pleiteá-Ias. riores à queixa ou denúncia, levadas a efeito pela Polícia, não
No nosso procedimento penal, pedidos e provas das partes, passam de meras informações e esclarecimentos ao Ministério
isto é, do promotor público ou queixoso, do acusador ou acu- Público ou ao juiz surnariantc, para que estes possam bem agir;
sado, são, de regra, irrelevantes. O juiz não está vinculado nada, porém, representam de instrução judicial.
senão à verdade real, tanto no que possa aproveitar a acusação, Durante a instrução preparatória - enquanto realizada
quanto 110 que possa ser favorável à defesa. pelo delegado de Polícia ou enquanto realizada pelo juiz - as
Vinculados à verdade real estão também o réu e o autor, partes têm apenas, a faculdade de sugerir providências para
que não têm arbítrio em fixar os termos da questão. produção de provas, Tanto o promotor público, C0l110 os par-
O acusador não tem poder dispositivo sobre os artigos do ticulares, podem pleitear certos exames e vistorias, buscas e
libelo, porque não tem a faculdade de livremente postulá-Ios: apreensões, ou produção de certos atos ele corpo de delito direto
está sujeito ao corpo do delito ou à pronúncia judicial dos ter- ou indireto: mas não têm o direito, no terreno do mero prepa-
mos acusatóríos, de acordo com os quais deve formular o seu ro, de exigir sequer despachos para seus requerimentos e
pedido. pedidos.
A contrariedade do réu, por sua vez, também carece de rele- O promotor tem, entretanto, no inquérito policial - fora
vância processual. O que pede a defesa deve ser examinado dos atos de preparo equivalente a judicial - a qualidade de
pelo juiz ou pelo júri. Mas nem este, nem aquele, ficam im- chefe da investigação, embora em concorrência C0111 o juiz for-
pedidos de lavrar absolvições fundadas em motivos diferentes mador da culpa, porque, como denunciante e mais tarde como
dos. alegados pela defesa, cujo papel, como o do acusador, é, na acusador, é respectivamente um dos destinatários - o outro é
contrariedade penal, meramente auxiliar da obra da justiça. o juiz que procede e:r officio a quaisquer atos de formação da
Outrossim, as provas pleiteadas tanto pelo acusador como culpa - da obra informativa policial. É nessa qualidade de
,:~~-
pelo acusado, em abono das respectivas peças postulatórias, es- chefe da investigação que o promotor público pode exigir fun-
critas ou verbais, consideram-se meramente auxiliares da ação cionalmente das autoridades policiais cumprimento de suas re-
inquisitória do juiz ou do júri. São consideradas pela nossa quisições, antes e durante o procedimento judicial.
lei, um direito das partes, apenas se necessárias ou úteis à
descoberta da verdade. 144. A instrução preliminar na sua função preservadora da
Esse direito é admitido sobretudo, em fase de instrução de- inocência contra as acusações infundadas afiançáveis ou
finitiva, após a entrega ao réu de cópia do libelo e documentos inafiançáveis - que é o procedimento de formação da culpa
legais. (atos de inquérito policial e sumário de culpa) - constitui,
Reconhecem, contudo, nossas leis que uma intervenção por assim dizer, causa autônoma. Nesta causa, os meios de
muito ampla das partes na instrução preliminar seria danosa prova são, efetivamente, os atos da instrução preparatória e a
aos interesses da justiça, porque, ao inverso de auxílio, consti- preconstituiçâo, em sumária inquirição, de certo número de de-
tuiria desserviço à obra inquisitória da Polícia e do juiz. poimentos - três a cinco, nos casos exclusivamente privados,
ou cinco a oito, fora as informações, nos demais. Tais ele-
143. À autoridade policial ou à autoridade judiciária compe- mentos são examinados não como provas criminais, mas como
te, entre nós, a instrução preliminar de função prepara- provas de que há prouas : funcionam como fato julgando, como
tória. objeto do juizo de acusação que é a pronúncia; como material
Trata-se do procedimento escrito que, por desclassificação, que o acusado!", antes de acusar, deve, em benefício do impu-
a Polícia deve realizar enquanto não intervenha o juiz, desde tado, submeter à apreciação do juiz.
142 PRINclPIOS l'UNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL
CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 143

o rol de testemunhas ele sumário de culpa não representa quando este procede ex officio a quaisquer atos de formação
uma faculdade unilateral de prova, mas tão-só um objeto do da culpa; não é instituída em seu benefício, mas em favor do
juízo que se está formando acerca de bastarem ou não basta-o imputado, para evitar que seja injusta e infundadamente
rem os elementos da instrução para sustentáculo de uma acusa- acusado.
ção, C01110 prova plena ela existência do crime, indícios veemen- O denunciado tem, por outro lado, o poder de, igualmente,
tes da autoria e inexistência de prova plena de certas justi fica- indicar ao juiz quaisquer elementos probatórios. E, se este
tivas e dirimentes. não fica adstrito aos seus requerimentos, nenhuma disposição
145. A instrução preservadora não é, pois, como muitas vezes legal também existe que vincule o magistrado à indicação de
se tem afirmado, uma instrução sem contraditório. Pro- provas contida na queixa ou denúncia.
cedimento autônomo, destinado à formação do juizo sobre pro-
vas da verdade, comporta uma contrariedade acerca da questão: 146. Impõe-se uma consideração de suma importância.
as provas jJl'ovam ou as provas não prooaw: o crime e, ao menos A natureza dessa instrução preservadora da inocência con-
por veementes indícios, a autoria? tra acusações infundadas dá-lhe, relativamente à causa principal,
É bem de ver que, sendo o réu admitido a afirmar a res- um caráter autônomo que só não possuem suas provas realiza-
posta que lhe pareça favorável e sustentar a justiça de sua im- das como preparo necessário da instrução definitiva.
pronúncia ou absolvição, principalmente aí está o elemento do Apenas as provas periciais - que são irrealizáveis na
contraditório 11a formação da culpa. audiência - e as buscas, apreensões, avaliações, têm esse caráter
A possível intervenção das partes na formação do corpo preparatório necessário. As inquirições previstas pelos arts. 90
do delito: a citação inicial do querelado ou denunciado, exigida e 91 do Código de Processo Criminal, relativas a testemunhas
pela jurisprudência; a faculdade de fazer perguntas às teste- que não podem ser ouvidas em audiência, têm igualmente tal
munhas, dada às partes pela lei (art. 52 do Decreto n. 4.824, caráter preparatório; pode o interessado produzi-Ias, desde que
de 1871) ; a faculdade expressa do queixoso e do denunciante tenha assumido a qualidade de acusador ou acusado; antes da
e a do indiciado, embora não expressa, de indicarem testemu- pronúncia elas não se justificam senão pleiteadas pelo imputa-
nhas e outros meios de instrução ao juiz formador da culpa do ou denunciado, para valerem onde, quando e como lhe
constituem apenas providências de economia processual. que fa- convier.
cilitam a contrariedade, mas de que esta não depende para Aquele caráter autônomo da instrução preservadora da ino-
existir. A formação ela culpa é contraditória pelo simples fato cência, isto é, da formação da culpa, deveria impedir, porém,
de não se proferir um despacho ele pronúncia ou de impronún- que fossem seus depoimentos ele sumário usados como provas
cia sem que o indiciado tenha oportunidade de se defender e escritas e por meio ele leitura na instrução definitiva, salvo mo-
sem que o denunciante, queixoso ou promotor público possam tivo justificado. Essa verdade, entretanto, a jurisprudência e,
sustentar o fundamento da acusação. ultimamente, até a lei têm olvidado, pela dispensa da efetiva
A situação de igualdade entre acusação e defesa é, sempre, notificação das testemunhas de sumário de culpa para que de-
mantida. Antes da licença para acusar - isto é, antes da pro- ponham ele viva voz na sessão ele julgamento singular ou pelo
núncia - o réu não tem direito de preparo; mas o acusador júri. Demonstra-o um exame da legislação pátria sobre o as-
também não o tem. A iniciativa de preparo das provas perten- sunto e sua evolução.
ce ao delegado e ao juiz. Explica-se que a lei eXIJa a leitura dos depoimentos de
O promotor tem o dever de acusar os culpados. Mas, antes, sumário de culpa em audiência concentrada, mas para possibi-
deve facilitar ao juiz prova plena do crime, indícios veementes litar aos juizes e partes um meio de fiscalização efetiva dos
de autoria e demonstração da inexistência de prova plena de depoimentos orais. Não se justifica essa leitura, todavia, C01110
certas dirimentes e justificativas. meio de convicção, senão quando fique provado terem-se cum-
Essa indicação de elementos probatórios não é seu direito, prido em vão todas as diligências necessárias para o compare-
mas seu dever. que, não cumprido, passa para as mãos do juiz cimento da testemunha faltosa. Fora disso, a nulidade elo jul-
144 PRINcíPIOS FliNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 145

gamento deveria ser absoluta, por violação injustificável do 147. Tem-se discutido, e muito, se convém organizar-se no
princípio de oralidade. Brasil o juizado de instrução. O que isto seja pouca
Pelo mesmo motivo e em virtude do mesmo princípio, de- gente sabe, embora divulgada a opinião de que se trata de algu-
veriam ser vedadas as justificações processadas para valerem ma coisa nova, nunca dantes existente em nosso país, remédio
na sessão de julgamento. Nossa lei só as admitia, antes da para inúmeros males do processo criminal vigente, garantia da
República, quando destinadas à defesa em interrogatório do efetividade da ação acusatória e, ao mesmo tempo, dos legítimos
sumário. Quanto a outras inquirições estranhas ao procedi- interesses individuais de defesa; uma espécie de corretivo aos
mento principal, determinava seus casos excepcionais nos arts. inevitáveis abusos policiais que, pelos exageros e arbitrarieda-
90 e 91 do Código de Processo Criminal. des investigatórias e informativas, maior embaraço do que au-
É que justificações produzidas para valerem em plenário xílio trazem à Justiça, sacri ficando o procedimento pela des-
violam também o princípio de oralidade, que constitui urna das confiança que imprimem às demais provas, gerando contradi-
maiores garantias de justiça criminal. O golpe vibrado contra ções, repetições enfadonhas e supérfluas de diligências, tumulto,
a coerêncía do nosso sistema processual pelas leis que as admi- impunidade, injustiças.
tiram, seria menos sério se, sempre, à juntada de tais justifica-
Essa idéia vulgarizada vê, no instituto, a magistratura po-
ções aos atos da ação penal correspondesse a obrigatoriedade licial, o juiz que investiga, que desempenha o atual papel das
de as respectivas testemunhas comparecerem, sob as penas da
autoridades policiais, sem o poder discricionário administrativo,
lei, à audiência definitiva.
gerador de violências, e capaz de, pela pronta intervenção, sim-
Mas, ao contrário, a inovação, consagrando aliás o que a plificar o procedimento na dispensa das reiterações judiciais de
jurisprudência proclamava, não só deixou de impor essa obriga- provas, já judicialmente colhidas na origem.
toriedade, como também, em outro dispositivo, estabeleceu que
"as testemunhas cujos depoimentos constarem dos autos só Há um pouco de verdade em tal opinião vacilante e impre-
serão intimadas para depor perante o júri ou no lugar onde cisa. Mas a imprecisão não constitui seu único defeito. Ela
estiverem se alguma das partes o requerer com a necessária reflete, além disso, quase nada do que, segundo vimos, repre-
antecedência". Foi o sacrifício decisivo da oralidade no pro- senta, realmente, em face da doutrina e da lei, o instituto do
cedimento penal deixada ao arbítrio das partes e funcionários juizado de instrução.
da justiça em geral, cuja tendência é a de observar a regra do
mínimo esforço, 148. Mal remoto constituía esse parecer antes da vigência elo
regime constitucional de 1934. A disposição deterrni-
Seção terceira nadora da feitura do nosso novo Código de Processo Criminal
excitou, porém, os interesses intelectuais dos colaboradores ele
ocasião, menos eivados de amor aos princípios científicos fun-
o PROJETO RAO, DE NOVO CóDIGO DE
damentais do que imbuídos daqueles conceitos vulgares, com
PROCESSO PENAL suas imprecisões e erros.
O perigo de tais influências maléficas redobrou por oca-
147. ]uizado de instrução. 148. O projeto. 149. Exposição de
motivos do Ministro da Justiça. 150. Parecer do Congresso sião de compor-se o projeto governamental, que anunciava re-
Nacional de Direito Judiciário. 151. Opinião inspiradora. formas importantes e inovações moelificadoras sensíveis dos
152. Críticas improcedentes ao sistema de processo em vigor. contornos do nosso direito judiciário criminal, e, dentre elas
153. Instrução na polícia. 154. Divisão da matéria no projeto. a instituição do j uizado ele instrução. Seus efeitos, mesmo en-
155. Inovações terminológicas. 156. Inovações principais.
Redução da contrariedade na instrução. Amplificação de tre os doutos, não especializados no ramo, apareceram em ma-
conteúdo e redução de efeitos. Risco de amplificação do nifestaçôes concretas sob forma de sugestões, alvitres, artigos
inquérito policial. Complicação da ação penal. 157. Con- e entrevistas ele imprensa, confundindo e prejudicando a obra
clusões. de coerência que deve ser uma codificação. Contra eles, o prazo
-:1

146 PRINCipIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 147

irrisório constitucional para elaboração do projeto tornou a co- "Acumulado esse n::aterial, com ele se amalgama o "pro-
missão respectiva quase irnpotente.! cesso" propriamente dito. Mas em que consiste o "processo"?
Consiste, em última análise, na reprodução dos depoimentos,
149. A exposição ele motivos dirigi ela ao Sr. Presielente da circunstâncias indiciárias, declarações, exames e vistorias já
República pelo então Ministro da Justiça, por ocasião constantes dos autos do inquérito. Chama-se a isso, por sua
de encaminhar o projeto a exame e votação do Legislativo, res- vez, "formação da culpa", que vem a ser a procura, pelo pro-
sente-se, em muitos de seus tópicos, daquelas influências. deno- motor e pelo juiz sumariante, da ratificação do inquérito, isto
tando que chegaram a atingir o plano oficial elaborado. é, da peça formada fora do juízo e sem a maior garantia, quer
para o acusado, quer para a ordem social.
"Dão feitio peculiar ao projeto estas inovacões principais:
disse o Prof , VrcENTE RÁo: "Pior ainda: ressalvadas algumas exceções, não se admite,
nessa fase processual, a prova direta da defesa perante o juiz
"suprime o inquérito policial e, em conseqüência, institui o formador ela culpa, em contraditório regular, como no processo
juizado ele instrução;
cível. E por que no ventre do processo não se visa a apurar a
"regula a produção da prova en» contraditório regular pe- verdade, mas provar a cuipa do réu, a este outro caminho não
rante o juiz processante, conferindo as mais seguras garantias sobra a não ser o elas justificações processadas em juizo diverso.
de defesa; Quebra-se, destarte, a unidade do processo, cai-se, isto é, no
"simplif ioi a ação penal, que uniformiza quanto possível." abuso oposto dos depoimentos graciosos, quando não no dos
exames por peritos amigos."
Mais adiante:
E continua:
"Uma inspeção, por mais ligeira que seja, das leis do pro-
cesso penal vigentes, revela, desde logo, a par de um lastimável "Insisto em dizer que duplo prejuízo provoca semelhante
atraso, uma evidente inadaptação às condições atuais de nossa estado de coisas: para a sociedade e para o acusado.
viela social. Diga-se a verdade por inteiro e com coragem: à "A sociedade não recebe proteção suficiente contra os ele.
apuração da responsabilidade criminal não se procede, hoje mentos dissolventes, que operam em seu próprio seio, pois que,
ainda, em juizo, mas perante a Polícia. Esta, ao invés de se nos mo1cIes processuais vigentes, fugir pelas malhas de um pro-
limitar às funções ele investigações e de manutenção da ordem, cesso penal não é tarefa invencível a qualquer delinqüente ha-
forma o conteúdo do processo e, antecipando-se às autorida- bilmente patrocinado.
des judiciárias. pratica atos inequivocamente processuais, tais, "Pondere-se bem no seguinte: as declarações e depoimen-
por exemplo, as declarações do acusado e os depoimentos das tos produzidos perante a Polícia, em princípio não têm o valor
testemunhas, que toma por escrito. É ao que se chama "inqué- legal de prova. Pois bem. Quando o acusado e as testemunhas
rito", ou seja, a peça donde o Ministério Público, raramente são ouvidos de novo em juízo, longo tempo já decorreu da prá-
colaborador de sua feitura, extra! os elementos para a denúncia, tica do crime, longo tempo que sempre produz uma alteração
escolhe a dedo o rol elas testemunhas de acusação e colhe a in- da verdade, ora obtida pelos interessados, ora provocada, em
dicação das demais provas, inicialmente constituídas, todas elas, boa-fé, pelo próprio tempo ou pela interpretação que no ânimo
pelo espírito obliterado que a prática do ofício determina. da da testemunha se forma, sob a influência do noticiário, dos co-
autoridade policial respectiva. mentários, da imaginação, enfim, do feitio psíquico de cada
qual - o que tudo torna a repetição das provas, inclusive o
1. "Tanto vale dizer que o projeto elaborado, discutido, impresso e novo exame dos vestígios do crime, desaconselhável, sob qual-
revisto em oito meses, não deverá ser havido por obra definitiva, se não quer aspecto que seja.
como eshoço fundamental, destinado a receber, dos legisladores, a última
demão do aperfeiçoamento." Ex posiçiio de motivos do Sr. Ministro da
"O acusado, por sua vez, obrigado a se socorrer de meios
Justiça, Prof. VrCENTE RAo, ao Sr. Presidente da República, apresen- de defesa naturalmente aleatórios, corre com maior perigo o
tando o projeto, Rio, Imprensa Nacional, 1935, pág. IV. risco elas surpresas judiciárias.

12 - P. F. P. P.
148 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL
CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 149

"Para evitar os males expostos, o projeto, fiel aos princí-


do fato criminoso, que o Jll1Z instrutor veja o acusado prestar
pios fundamentais que o ditaram, procura atender a um inte-
suas declarações, as testemunhas seu depoimento, os peritos,
resse legítimo e outro, isto é, ao da sociedade e ao do acusado,
(Iuando possível, seu laudo. A presença e assistência de um
harmonizando-os, fundindo-os num interesse só que é o do res-
j uiz único à produção de todas essas provas permite a esta
peito à lei. Estabelece normas mais severas, mais seguras para
autoridade avaliar as condições peculiares de cada testemunho,
evitar a impunidade do crime mas também faculta ao criminoso,
as circunstâncias que cercam cada exame, por forma a, de uma
ou a quem é reputado tal, meios honestos, cercados de igual
coisa e outra, poder inferir novos indícios, novas diretrizes nas
segurança, para a produção de sua defesa.
investigações, se não, como quase sempre acontece, a necessi-
"Separa, efetivamente, a investigação da formação do pro-
dade de novos interrogatórios e de diligências complementares.
cesso. Reconduz a Polícia à função que lhe é peculiar e resti-
"O JUIZ que preside a uma justificação de defesa ignora
tui à Justiça a plenitude de sua real competência."
a situação do processo principal em cujo ventre a justificação
Depois de exposta a solução dada ao mal - o sistema do
vai ser anexada e. assim. não podendo colaborar no esclareci-
juizado de instrução adotado pelo projeto - observa:
mento do fato criminoso, deixa a mais ampla liberdade ao jus-
"Retira-se à Polícia, por essa forma, a função que não é
tificante. O juiz formador da culpa, por sua vez, ao conhecer
sua, de interrogar o acusado, tomar o depoimento de testemu-
a peça assim produzida, desconhece o valor real que possa ter
nhas, enfim, colher provas sem valor legal: conserva-se-lhe. como elemento de convicção.
porém, a função investigadora, que lhe é inerente, posta em har-
"Falso conceito da liberdade de defesa é esse, que ainda
monia e legalizada pela co-participação do juiz, sem o que o
inspira a maioria das nossas leis processuais, no crime."
resultado das diligências não pode nem deve ter valor proba-
tório. "
150. A final emitiu opinião o Congresso Nacional de Direito
Quanto ao processo da instrução: Judiciário, acerca da matéria. Seu relato r, o Dr.
MÁRIO DE BULHÕES PEDREIRA, escreveu:
"Os atos de instrução ou formação do processo são de
alcance decisivo na repressão dos delitos. "Pergunta-se: Deve ser instituído, em nosso país, o juiza-
do de instrução?
"Deles não decorre apenas a apuração da autoria, co-auto-
"É o tema central que se impõe desde logo ao estudo do
ria, ou cumplicidade, mas, ainda, a qualificação legal do fato
delituoso. Congresso e sobre o qual versará o nosso parecer.
"Não vacilamos em manifestar nosso apoio franco e deci-
"Neles se encontram os elementos sobre os quais se ins-
dido à adoção entre nós do juizado de instrução que, segundo
taura o debate das partes e se baseia a decisão do juiz no jul-
se nos afigura. consulta necessidades imperiosas do direito cri-
gamento, com a conseqüente punição dos criminosos.
minal contemporâneo.
"Deve, assim sendo, a instrução apresentar suas peças
"Todo sistema processual há de ser modelado pelo princí-
componentes perfeitamente articuladas, homogêneas, para que
pio inspirador da lei substantiva. O projeto de Código Crimi-
delas se possa inferir, em boa lógica jurídica, uma conclusão
válida. nal 11. 118-A, de 1935. ora em estudo na Câmara dos Deputa-
elos, de acentuado cunho antropológico, procura realizar, 110S
"Não é admissível, pois, qualquer quebra de unidade do
limites do possível e do razoável, a individualização das sanções
juizo perante o qual se produz a prova, seja de defesa, seja de
penais. N ele a personalidade do criminoso polariza a ação
acusação.
repressiva, governa, domina e orienta a sua aplicação. Ao juiz,
"Para que o processo se considere instruído e em condi- para conceituar a periculosidade, a tendência a delinqüir do
ções de ser remetido a julgamento, não basta, à autoridade ins- acusado, compelindo-o à necessidade de conhecer todo o conjun-
trutora, juntar peças produzidas em juizos diferentes, nem ler to de suas condições individuais, investe de funções de uma
declarações, depoimentos e laudos proferidos sem sua assistência. relevância e de uma dignidade não alcançadas pelos métodos
É de máxima importância, ao contrário, para a apuração legal vigentes, que dele apenas exigem a técnica da aplicação dosi-
.~~-, " .. ~, ..

150 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 151

métrica da pena. Como realizar a ação pesquisadora da natu- Seria admissível, sem quebra do sistema, no momento em
reza do crime, da categoria do delinqüente, da motivação do que mais próximo se encontram da ocorrência, quando palpi-
ato que praticou, do seu comportamento antes, durante e de- tantes os elementos do fato, afastá-Io da ação investigadora,
pois do crime, senão pelo processo criminal, e, neste, a não ser ocultando-lhe à visão direta e omitindo-lhe à análise pronta os
no momento da instrução? melhores fatores de observação?
"Bem é de ver que não poderiam satisfazer a tais exigên- "Eis porque consideramos o juizado de instrução condição
cias e peça fria do inquérito policial, ou o formalismo estéril mesma da eficiência do novo mecanismo processual entrosado
do atual sumário de culpa, que, integrando o processo criminal no seu sistema como peça central, sem a qual não seria possível
na parte informativa sobre o fato e o seu autor quando não a ação desses dois grandes princípios que lhe presidem a sis-
exprimem versões antagônicas, retratam aspectos deficientes e temática e representam para nós, a sua maior significação na
deformados da realidade. O juizado de instrução, com a ação ordem científica: a) todas as provas devem ser produzidas no
direta do juiz criminal na formação da prova, provocando-a, processo, perante o respectivo juiz; b) ao juiz assiste a mais
dirigindo-a, organizando-a, criará as possibilidades para o exer- ampla faculdade de promover a formação da prova."
cício da função judicante, traçada no projeto da lei criminal Sobre o testemunho, feitas as costumadas considerações
substantiva, inconciliável corr:: as leis processuais em vigor." acerca de seu valor psicológico, declara:
Depois: "As contingências da vida social são de natureza a se em-
prestar à prova testemunhal um dos maiores elementos - às
"O juizado de instrução não é uma idéia nova entre nós.
vezes o único - para o conhecimento da verdade. Duas regras
Representa, ao revés, antiga aspiração de quantos, sem opiniões
devem presidir, antes de tudo, à sua formação: a) que se rea-
preconcebidas, testemunham a completa falência do sistema
lize perante o juiz do processo; b) que seja produzida o mais
atual, que, na duplicidade de formação da prova, investe a Po-
lícia, com o inquérito, da função apuradora da verdade, e ao prontamente possível.
juiz, no sumário, conforme o papel estático de assistente inerte "Realiza-se o juizado de instrução."
da destruição dos elementos apurados.
"Duplicidade de formação da prova, que desserve à econo- Considera, ainda, o autor, a ação desgastadora exercida
mia processual, enfraquece a ação repressiva e não obedece a pelo tempo e outros fatores na memória das testemunhas, para
nenhum critério político, nem individual, nem social; perde a disso deduzir:
defesa coletiva e não lucram as garantias individuais." "São considerações que mostram a necessidade de se atri-
Explicando uma das razões que reclamam a inovação, o buir ao juiz, e não à Polícia, a função inquiridora na formação
relator do parecer, após distinguir os dois sistemas probatórios, da prova testemunhal, permitindo-lhe que a exerça o mais pró-
o da prova legal e o da prova moral, afirma: ximo possível do acontecimento, quando ainda recente o mate-
"N as legislações que perfilharam o regime da prova mo- rial mnemônico adquirido pelas testemunhas, sem que tenha
ral, como, por exemplo, na italiana, o juiz pode e deve, sempre sido trabalhada por todas as causas de erro provocadas pelo
que lhe não satisfaça a prova aduzida pelas partes, providen .. tempo ou por ele facilitadas. A tudo isso melhor atende o
ciar outras que aclarem o fato dúbio e que, ao seu entender, se juizado de instrução."
apresentar com visos de realmente verdadeiro. Em casos de
Adiante, sintetizando:
deficiência de prova, pois, o juiz deve provê-Ia, isto é, promo-
ver a necessária para completar a existente, retificar a que for "A tendência atual de todas as reformas penais, inclusive
produzida pela parte, em uma palavra, chamar a si, em home- o projeto brasileiro, de cuja comissão elaboradora tivemos a
nagem à verdade real e efetiva, o ônus dessa prova. honra de fazer parte, é no sentido da necessidade de adaptar,
"Essa, uma das grandes inovações do projeto, digna de individualizando, o tratamento penal à pessoa do delinqüente.
todos os encômios: ao juiz que vai pronunciar-se sobre o fato, Paralelamente, essa nova concepção criminológica importará
abrem-se-lhe todas as possibilidades de investigação da verdade. numa transformação essencial, tanto no que concerne ao espi-
152 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCES90 PENAL CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 153

rito da prova e ao seu objeto, como também quanto à organi- ({Aquela tem por fim pesquisar, apurar, constatar a reali-
zação judiciária. O objeto da prova supera a simples convic- dade do delito, colhendo as provas demonstrativas da responsa-
ção moral. Requer-se uma intervenção técnica tão completa l.ilidade do agente; esta tem por finalidade pleitear a sua puni-
como possível das condições materiais do crime e da atividade (:ão pelo sofrimento da pena merecida."
manifestada pelo agente, mas sobretudo uma identificação se-
gura da personalidade do autor e da sua história. A demons- 152. Todas essas idéias, mal concordantes umas com as ou-
tração científica substitui a convicção íntima. O aparelho de tras' representando críticas, raramente justificáveis, ao
instrução torna-se mais complexo, sempre na dependência dos »istema processual vigente em nosso país, traçando inovações,
órgãos técnicos. E a unidade da direção entregue ao juiz é alegando motivos para as reformas, proclamando-lhes as vir-
condição essencial ao seu funcionamento." tudes e conseqüências benéficas, denunciam um geral desacor-
(10 acerca da natureza, dos fins, do organismo e do funciona-
E, afinal, por conclusão:
l nento da instrução criminal.
"A criação do juizado de instrução, suprimindo o inqué-
Não é verdade científica que, como quer um dos mais de-
rito policial, consulta os interesses da defesa social, fortalece as
cisivos inspiradores do projeto do novo Código de Processo, a
garantias individuais e melhor atende à função do juiz no di-
instrução criminal, que se distingue da ação penal propriamen-
reito criminal moderno."
te dita, tenha por fim pesquisar apurar, "constatar" a realidade
do delito, colhendo as provas demonstrativas da responsabili-
151. Tais considerações, emhora diversas das do governo,
dade do agente. Isso é objetivo genérico do processo criminal.
quanto aos pretensos motivos da instituição do sistema
Nem é certo também que "o titular do juízo de instrução, justa-
do juizado de instrução projetado, diferem, também, dos con-
mente por ser juiz" deva ter competência para julgamentos de-
ceitos antes, a propósito, expendidos pelo Ministro BENTO DE
finitivos, pois mesmo seni essa competência não deixará neces-
FARIA, quando formulara sugestões com "os indicativos do pro-
seriamente de ser juiz.
cesso penal a ser adotado no país":
"Apuradas no juiz de instrução - dissera o jurista magis- É impreciso, ainda, asseverar que a prisão dos pronuncia-
trado - a existência do crime e a responsabilidade pela sua dos se deve hoje à pronúncia, sabido como deve ser, que esta
prática, será o processo remetido ao juízo superior competente lhes vale para que não sejam, antes, presos e processados por
para o seu julgamento. simples imputações. Por isto mesmo, não pode ser considerada
"Suprimo, por inútil, a formalidade escusada da pronúncia. "inútil" e "escusada formalidade".
O acusado é ou não é culpado; deve ou não ser punido. Não O princípio de imediatidade, que os autores italianos cha-
se justifica, pois, seja hoje recolhido à prisão por simples pre- mam de "principio dell'imediatezza" invocado pelo inteligente
sunções, para ser, necessariamente, absolvido amanhã por falta e culto relator do parecer do Congresso de Direito Judiciário,
de provas. como regra que os modernos Códigos de Processo Criminal
"O sistema que alvitro mais respeita a liberdade, com a devem perfilhar, não seria, como quer aquele advogado, motivo
vantagem de permitir a apuração da culpa com maior amplitude para a criação do novo tipo de juizado de instrução prévia, por-
e garantia, reduzindo o seu tempo em proveito do próprio que este, instituído e em funcionamento, não poria as provas
acusado. " do crime e do caráter do criminoso em melhor e maior proxi-
"0 titular do juízo de instrução, justamente por ser juiz, midade dos [ulqiulores definitivos do que o faz o sistema atual.
há de ter função judicante, A ele deve competir o julgamento
dos pequenos delitos, das contravenções e das infrações regula- 153. Menos aceitáveis ainda são as afirmações de que hoje
mentares, com recurso para o juiz superior." toda a instrução dos processos criminais se faz durante o
"Distingo a instrução criminal da ação penal, em sentido chamado "sumário de culpa", porque teria caído em desuso a
restrito. fase contraditória iniciada com a contestação do libelo e porque
154 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 155
no plenário nenhuma prova pode ser produzida a não ser a ciais da Polícia, mas, apenas, denomina o inquérito de <, diligên-
reinquirição das testemunhas que já depuseram no sumário. cias policiais", reduzindo teoricamente a respectiva autoridade
A doutrina, a lei, a jurisprudência, a praxe e os fatos de- a fazer exames, vistorias, 'buscas, apreensões, avaliações, e a
monstram o contrário: a instrução se faz em plenário; e, se a "conduzir à presença do juiz as pessoas cuja audiência seja
contrariedade ao iibelo não é usada com freqüência, não caiu em útil à averiguação da verdade". Praticamente, porém, terá essa
desuso e a faculdade de o acusado pleitear qualquer gênero de autoridade de ouvir as testemunhas, porque não poderá adivi-
prova independe dessa contrariedade escrita e se conserva em nhar-Ihes a ciência que tenham dos fatos interessantes à eluci-
igualdade de condições com a do acusador, até quando este a dação da verdade; e, verbalmente ou por escrito extra processual,
perde. prestará ao juiz, a esse respeito, as necessárias informações, tal
É avançar demais, igualmente, dizer que "a apuração da como hoje é função dos depoimentos de inquérito policial.
responsabilidade criminal não se procede, hoje ainda, em juízo, O mais que ao juiz de instrução passa a competir é sub-
mas perante a 'Polícia"; e que "esta, ao invés de se limitar às traído, não às atuais atribuições administrativas ou policiais,
funções de investigação e de manutenção da ordem, forma o mas apenas às funções que o julgador definitivo da causa no
conteúdo do processo, e, antecipando-se às autoridades judiciá- regime vigente desempenha durante a instrução definitiva.
rias, pratica atos inequivocamente processuais, tais, por exem- Os atos policiais têm hoje, e terão pelo projeto, três fun-
plo, as declarações do acusado e o depoimento das testemunhas, ções: a) de informação, nas declarações, depoimentos e rela-
que toma por escrito".
tórios, que hoje existem e que continuarão a existir, embora
Objetando, também, desta vez, é preciso afirmar que se sem a regulamentação denominada "inquérito policia]", que lhe
dá, de fato, exatamente o contrário: os depoimentos do inqué- deu o Decreto n. 4.824; b) de instrução preparatória, nos ele-
rito não aiicerçam qualquer decisão judiciária defensável, em- mentos de valor judicial para o julgamento definitivo: autos
bora constituam um fato do processo: como fato processual, a de corpo de delito, de exames, vistorias, avaliações, etc.; c) de
doutrina, a lei e a jurisprudência dão-lhe o valor que as cir- instrução preventiva, nos mesmos elementos enquanto valiosos
cunstâncias especialíssimas de sua produção possam sugerir, to- para o juízo de acusação, que é a pronúncia, e será a remessa
mando sempre em conta aquilo que o Ministro da Justiça do processo a julgamento.
chama de "espírito obliterado, que a prática do ofício determi-
na, da autoridade policial"; e assim a apuração da responsabi- 154. O projeto do Código do Processo Penal se compõe de
lidade criminal não se procede na Polícia, nem de direito, nem
uma introdução, vinte e quatro títulos e um rol comple-
de fato.
mentar de disposições transitórias.
Tomar declarações do indiciado, redigi-Ias, escrever depoi- São fixados, na introdução, os assuntos de que o Código
mentos não são atos inequivocamente de jurisdição. Se-lo-iam
tratará (art. I.") e as regras de eficácia da lei processual no es-
se, cercada a sua produção de juízos provisórios ou definitivos
paço e no tempo (arts. 2.° a 8.°) e de interpretação (arts. 9.°
sobre requisitos externos e internos para sua validade judicial, e 10).
deles dependesse a decisão da causa. Se atos inequivocamente
Referem-se os títulos às partes e seus representantes (I),
processuais pratica a Polícia atualmente não são esses que su-
citação e requisição (lI), prisão (I II ), crimes de que o réu
gerem a reforma, mas, ao contrário, os que a reforma sabia-
se livra solto ou sob fiança (IV), competência (V), instrução
mente conserva, como os de "proceder, sem demora, às diligên-
criminal (VI), ação penal e ação civil (VII), processos prepa-
cias necessárias para conservação dos vestígios do crime", ou
ratórios, preventivos e incidentes (VIII), prova (IX), julga-
"praticarem as diligências, requisitadas ou não (pelo juiz de
mentos em primeira instância (X), sentença e seus efeitos (XI),
instrução), necessárias à descoberta dos crimes e de todas as
julgamento pelo júri (XII), processos especiais (XIII), re-
circunstâncias que possam influir na sua classificação".
cursos (XIV), processo e julgamento em segunda instância
O sistema do projeto, ao contrário do que anuncia o go- (XV), execução (XVI), perempção e extinção da ação penal
verno, não suprime o inquérito policial, nem as funções judi- e da condenação (XVII), cooperação interestadual (XVIII),
156 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 157

cooperação internacional (XIX), atos processuais (XX), pra- trio, da conveniência de subordinar, em cada caso, o destino da
zos (XXI), nulidades (XXII), custas (XXIII) e audiências queixa ou denúncia repudiada à apreciação judicial de segunda
(XXIV). instância.
b) pela extensão, a todos os casos de ação pública, do
155. São principais inovações do projeto, de caráter termino- dever de o juiz iniciar de ofício a instrução (art. 104).
lógico, as que consistem em denominar:
c) pela supressão do recurso de pronúncia (encerramento
I - a denúncia do promotor público, requerimento (art. da instrução, remessa do processo a jtdgamento) e instituição
99) ou comumicaçiio (arts. 100, 391); a denúncia de qualquer do recurso de impronúncia (arquivamento) ex officio e neces-
do povo, representação (arts. 99, 103, 391) ; e a queixa, pedido sário.
(arts. 99, 103, 391).
d) pela supressão da necessidade de citação do indiciado
II - a formação da culpa (inquérito policial e sumano /10 início ou durante a instrução, embora deva o juiz, sendo
de culpa}, instrução criminal,' pronúncia e impronúncia, res- possível: interrogá-lo imediatamente (art. 112) e em qualquer
pectivamente, remessa do processo ao juízo competente (art. estado do processo, sempre que se torne necessário esclarecer
138) e arquivamento (art. 139). qualquer circunstância (art. 114); e facultar-lhe, então, quais-
III - a fiança, caução (arts. 53 a 78); e o estado pro- quer declarações ou oferta de documento de defesa (art. 113).
cessual de soltura do réu, liberdade provisória com ou sem e) pela faculdade, conferido ao juiz, de excluir, sempre
caução (art. 53). que .Julgue conveniente, a intervenção do indiciado das diligên-
IV - o plenário crime, ação penal (arts. 141 a 151). cias em geral ou em particular (art. 124) e de indeferir sem
!'cdidos de prova, que pareçam supérfluos ou protelatórios (art.
V - o inquérito policial, diligências, requisitadas ou não,
'.~' 127 e parágrafo único).
necessárias à descoberta dos crimes e de todas as circunstâncias
que possam 'influir na sua classificação (arts. 132 a 136). f) pela inexistência de quaisquer recursos de tais inâe]c-
rimentos, tanto aos pedidos de urna parte quanto de outra (art.
128).
156. São principais inovações, dentre as que mais interessam
II - amplificaçao de conteúdo e redução de efeitos da
à matéria desta dissertação, as seguintes:
pronúncia (remessa do processo a julgamento), da impronúncia
I - redução do contraditório a suas expressões mais sim- (arquivamento) e da formação da culpti (instrução);
ples, com implícita ampliação das prerrogativas inquisitoriais:
a) pelo dispositivo
que afirma: "a instrução tem por
a) pela instituição do recur so necessário do juiz do pró- fim verificar a existência
de crimes ou contravenções e estabe-
prio despacho que recusa recebimento à queixa (pedido) ou k-ccr a prova da responsabilidade dos seus agentes" em lugar
denúncia (requerimento, comunicação ou representação) (art. .los veementes indícios que hoje bastam para a pronúncia (art.
391, letra "c"). A Lei n. 2.033, de 1871, criara esse recurso 'IH).
corno meio de limitar a discrição do juiz formador da culpa;
b) pelo dispositivo que reza: "Quando na instrução nada
mas propiciara,com ele, aos denunciantes e queixosos, um
I" houver apurado, o juiz ordenará o seu arquivarr:ento (art.
meio voluntário de subordinar o arbítrio do magistrado à fisca- 139) ; de modo a se admitir que quando algo se houver apurado,
Iização do tribunal superior. O projeto, subtraindo o recurso " juiz não poderá ordenar o arquivamento. O projeto não dis-
.à vontade da parte, reconhece que esta não dispõe, a seu arbi-
158 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 159

põe acerca do comportamento que, nesta última hipótese, aliás Podemos, agora, sintetizar as conclusões.
a mais freqüente, deva ter o magistrado que sem prova da res- 1 . A instrução preparatória existe por força da oralidade
ponsabilidade não pode encerrar a instrução e que por ter apu- elo procedimento penal e da inadiabilidade para o momento, ou
rado algo não poderá determinar seu arquivamento. intransportahilidade para o lugar da audiência definitiva, de
c) pela supressão do número máximo das testemunhas certos meios de prova. Tem por fim valer no julgamento da
i causa e, para ISso, se serve da documentação. É, nesse sentido,
d o sumário de culpa (instrução); l
11111 procedimento escrito.
d)

1 -
pela supressão dos efeitos da pronúncia:

ser o réu sujeito à prisão ou fiança (títulos III e IV) ;


,1 2) Cabe ao juiz a instrução preparatória. É também fa-
culdade judicial da Polícia, que, assim, existe por desclassifi-
cação e se justifica por motivos de ordem econômica. Sem
299,
2 -
n.
ser
TI).
seu nome lançado no rol dos culpados (art. f
1:- que sejam limitadas a pequenas extensões territoriais as cir-
cunscrições judiciárias, tais motivos não permitem, pelas
H I - risco de ampliação do inquérito policial (diligências, compensações bem menores para a justiça do que os sacrifícios
requisitadas ou não), pela supressão do regulamento que hoje para os cofres públicos, a proximidade do juiz, no lugar das
limita a prática de seus atos. Essa ampliação é evitável apenas in frações.
onde e quando o juiz instrutor resida tão próximo do lugar do 3. A instrução preventiva procede-se com o fim de, antes
crime que possa, desde logo, absorver a necessária ação policial. da acusação, fundamentar um juízo sobre sua legitimidade, que
Essa proximidade, porém, parece-nos, dada a extensão terri- é a pronúncia. Não serve ao escopo da causa principal, senão
torial de nosso país e mesmo nas regiões mais populosas, que por motivo secundário de ordem econômica e em caráter suple-
há de ser rara, devido ao elevado custo das circunscrições judi- I~.
mentar. É o processo sumário da formação da culpa.
ciárias de área suficientemente pequena para bem servir às fi- 4. O procedimento da formação da culpa, preliminar aos
nalidades do projeto. processos dos crimes afiançáveis e inafiançáveis, consiste numa
IV - risco de comblicaçiio da ação penal, em conseqüên-- inspeção de provas futura e eventualmente acusatórias, para
cia da possível amplificação prática do sumário de culpa (ins- instauração de juizo acerca da consistência de tais provas como
trução) e do inquérito policial (diligências, requisitadas ou não ),. sustentáculo da acusação. Essa exibição é um dever e não um
direito do acusador; é estabelecida, não para servir aos fins da
157. Se nos afastamos um pouco, na crítica ao projeto de acusação, mas para acautelar a justiça contra acusações infun-
Código do Processo Penal, do assunto que vínhamos exa- dadas, caluniosas e temerárias.
minando, Iizemo-lo por não ser possível a compreensão exata 5. O procedimento da formação da culpa é, necessaria-
de certas reformas e institutos sem o exame de conjunto do mente, contraditório: o réu é notificado, com a necessária an-
sistema em que estes e aqueles se inserem. tecedência, para, em situação de igualdade com o denunciante
ou queixoso, apresentar livremente sua defesa.
Já havíamos tido, antes, a mesma conduta, ao traçarmos
as linhas mestras, e suas evoluções, do processo brasileiro. 6. O projeto do novo Código de Processo:

Nosso objetivo, porém, foi tão-só mostrar, como mostra- não suprime o inquérito policial, que não pode ser supri-
mido;
mos, as expressões práticas do princípio do contraditório no
nosso sistema de instrução criminal. Temos para conosco ha- não institui o j uizado de instrução, que já existe;
vermos conseguido atingir o escopo, embora com esforços ex- não institui o contraditório na instrução, mas, ao contrário,
tenuantes de reduzido vigor de inteligência. alarga a ação inquisitória do juiz.
160 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL CONTRARIEDADENA FORMAÇÃODA CULPA 161

transcrevemos (pág .... ): "Il principio inquisitorio non es-


Seção quarta «lude affatto che Ia parte possa svolgere nel processo deterrni-
nato attività, ma solo che, se Ia parte 110n le svolge, sia vietato al
gil1dice di supplirvi ; non mira dunque a conferire un mono-
o CóDIGO DO PROCESSO PENAL, DE
polio al giudice, ma solo a togliere il monopolio alla parte"
1941 (DECRETO-LEI N. 3.689, (Lezioni di diritio processuale civile, vol. 2.0, CEDAM, Casa
DE 3 DE OUTUBRO DE 1941) .• Editrice Dott. Antonio Milani, Pádua, 1933, págs. 355 e 356).

159. Transcrevamos, entre parêntesis, os tópicos seguintes,


158. Continuação. acerca das virtudes do Anteprojeto Vicente
que, naquela dissertação (Ação penal. Análises e Con-
Ráo. 159 Aspiração equívoca: a instrução contraditória.
Seu modelo. Motivos da lei francesa inspiradora. 160. Re- frontos), focalizaram a origem histórica da contrariedade na
jeição do juizado de instrução. Manutenção do inquérito instruçâo criminal.
policial. 161. Supressão do monopólio postulatório e proba- "A preocupação de fazer de nossa formação da culpa ins-
tório do Ministério Público na instrução criminal. 162. Dis-
trução contraditória nasceu de falsos ou imprecisos conceitos
positivos do então novo Código do Processo Penal. de 1941,
sobre a instrução criminal: Livro II (Dos processos (,'1'>;. acerca da finalidade da pronúncia e seu sumário. Fertilizou-a,
espécies, Título I (Do processo comum), Capítulo I (Da sem dúvida, entretanto, o conspecto permanente das renovações
mstrução criminal), arts. 394 e segs, até 405, inclusive. 163. européias, em que vivem nossos homens, sequiosos de cultura
Idem: Capítulo II (Do processo dos crimes de competência e novidades. Desde 1897, ano de célebre lei modificadora do
do Júri), Seção I (Da pronúncia, da impronúncia e da Código de Instrução Criminal francês e denominada "Lei da
absolvição sumária), arts. 406 e segs. até 416, inclusive.
Instrução Contraditória", a inovação que realmente representava
lá uma conquista liberal, começou a atuar nos espíritos de nossos
158. Tivemos depois oportunidade de abordar melhor o as- estudiosos admiradores da civilização do velho mundo e for-
sunto, em nossa dissertação "para concurso à cátedra mou seu reflexo brasileiro, embora imotivado. Nossa forma-
de Direito Judiciário Penal da Faculdade de Direito da Uni- ciio da culpa, desde antes do Código de Processo Criminal,
versidade de São Paulo" (Ação Penal. Análises e Confrontos, continha garantias de defesa semelhantes às da inovação admi-
1938. Empresa Gráfica Revista dos Tribunais, São Paulo). rada, e não havia razão para que aspirássemos a transplantá-Ia
para nossas leis, que muito mais, nesse particular, continham e
E, então dissemos que a grande virtude daquele projeto
contêm. A instrução contraditória não era aqui uma aspiração,
"estava na precisa definição dos fenômenos contraditório e in-
mas um eco, um reflexo de aspiração alheia. Foi, pois, apli-
quisitório na instrução": "Se, por um lado, extinguia de vez
cada a alguma coisa, a que mais se adaptava: recaiu sobre a
o estranho monopólio do denunciante ou queixoso, criado pela
repulsa à pretensa exclusão da atividade do indiciado na for-
doutrina e jurisprudência pátrias" (como alhures já explicamos) mação da culpa, uma clamorosa injustiça. Exagerou-se o mal
" reafirmava, por outro lado, as prerrogativas inquisitoriais do <', com isso, valorizou-se o remédio: a contrariedade na forma-
juiz". O Projeto VrCENTE RÁo. com efeito, praticamente, ção da culpa.
buscava "realizar a conciliação, inscrita no sistema de nosso
"Para se ter uma idéia do contra-senso dessa imaginada
Código de Processo Criminal de 1832, aventada, aliás, por
aspiração, elevada hoje à categoria de principio constitucional,
FRANCESOOCARNELUTTI: o princípio inquisitório não exclui a
convém conhecer-se a obra da lei francesa de 10 de dezembro
atividade das partes; permite, apenas, ao juiz, suprir-lhe as
de 1897 e o motivo de sua elaboração.
faltas; não confere, também, um monopólio ao juiz, mas tolhe,
somente, o monopólio das partes". Ou seja, como, em nota, "Instituiu ela: a) interdição de concorrer o juiz de ins-
trução no julgamento dos processos por ele mesmo instituídos;
h) interrogatório imediato do réu presente por mandado de
* Desde aqui acrescentam-se as ocorrências posteriores a 1941.
PRINCÍPIOSFUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL CONTRARIEDADE
NA FORMAÇÃO
DA CULPA 163
162

comparecimento: e dentro de 24 horas da entrada na wuiison gurar, por uma boa vontade sempre crescente, e atividade
de depõt ou d'crrêt, no caso de mandat d'amener; c) direito sempre atenta, o funcionamento regular de seu mecanismo.
de defesa desde o princípio da informação prévia, garantia de "Como acabo de dizer, o legislador quis que, no limiar
livre exercício desse direito por princípios absolutamente novos mesmo da informação e durante todo o seu curso, o indiciado
e opostos aos da legislação anterior. possa ser assistido por um advogado que colabore na obra de
" Motivos da lei [rancesa inspirodora. A primeira circular sua defesa.
do Ministro da Justiça, v. M ILLIARD,de 10 de dezembro de "As medidas editadas com esse desígnio se prendem às
1897, bem demonstra os motivos da lei: "Diz-se, com razão, três ordens de idéias seguintes:
que os arts. 3, 7, 8, 9 e 10 constituem as diposições fundamen- 1.0) escolha e designação ex officio de um advogado;
tais e traçam as linhas mestras da lei. De fato, os artigos pro-
clamam o direito do indiciado de organizar sua defesa desde o 2.°) direito do advogado de assistir a certos atos da in-
começo da informação preliminar e garantem o livre exercício formação e de estar ao corrente do processo;
desse direito por meio de normas absolutamente novas e opos- 3.°) nova regulamentação da incomunicabilidade, suprida,
tas às da legislação anterior. Os autores desse Código de Ins- doravante, quanto ao advogado e restringida com relação a
trução Criminal consideraram o segredo de instrução indispen- outras pessoas."
sável à manifestação da verdade. Pensaram que o indiciado
devesse, até o encerramento da informação, ficar só, sem apoio
160. O Projeto VICENTE RÁo não se converteu em lei. O
nem advogado, em face do juiz encarregado de procurar ereu-
nOVG Código de Processo Penal, adotado pelo Decreto-
nir as provas de sua inocência ou culpabilidade.
-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941, resultou da inteligência
"Depois de muito tempo, espíritos adiantados assinalaram e cultura ue seus autores, VIEIRA BRAGA, NÍ~LSONHUNGRIA,
o vício capital desse sistema. Não obstante a inclinação de NARCELIODE QUETRÓS,R'OBERTOLIRA, FLORÊNCIODE ABREU
muitos magistrados em aplicar o princípio, na prática, rigoro- e CÂNDIDOMENDES DE ALMEIDA, sob 'O inspirado bafejo do
samente, poder-se-ia crer que os interesses do indiciado não então Ministro da Justiça, FRANCISCOCAMPOS,jurista de altís-
fossem sempre suficientemente salvaguardados. Os excessivos sima autoridade. Sobre o que ora nos preocupa, a Exposição
privilégios concedidos à acusação puderam gerar alguns abusos de Motivos deste, precedente ao projeto, cuidou de explicar as
e ser, por vezes, a causa de erros profundamente lamentáveis, razões que levaram a comissão a rejeitar o juizado de instru-
quase sempre difíceis de reparar e que, atingindo os indivíduos, ção. Transcrevamos.
perturbavam também a_ ordem social e ameaçavam a coletivi-
"Foi mantido o inquérito policial como processo preliminar
dade dos cidadãos. ou preparatório da ação penal, guardadas as suas características
"Por outro lado, dando ao maIo remédio necessário, era atuais. O ponderado exame da realidade brasileira, que não é
preciso enfraquecer e paralisar a repressão, em detrimento do apenas a dos centros urbanos, senão também a dos remotos
interesse geral. distritos das comarcas do interior, des.aconselha o repúdio do
sistema vigente."
"O problema era difícil de resolver, o que bastaria para
explicar porque a reforma há tanto desejada e esperada recebeu "O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar
tão tardiamente consagração legal. a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar
"Ardentes e numerosas discussões a precederam. Porém a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticá-
ela acaba de entrar no domínio legislativo; respeitoso e fiéis vel sob a condição de que as distâncias dentro do seu território
servidores da lei, devemos todos, quaisquer que tenham sido de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis. Para atuar
nossas opiniões no período da elaboração e discussão, aplicá-Ia proficuamente em comarcas extensas, e posto que deva ser ex-
lealmente e sem segundas intensões, e fazer esforços para asse- cluída a hipótese de criação de juizados de instrução em cada

13 - P. F. P. P.
164 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 165

sede do distrito, seria preciso que o juiz instrutor possuísse o- "O prazo da instrução criminal ou formação da culpa é
dom da ubiqüidade. De outro modo, não se compreende como ampliado (em cotejo com os estabelecidos atualmente) : estando
poderia presidir a todos os processos nos pontos diversos da () réu preso, será de 20 dias; estando o réu solto ou afiançado,
sua zona da jurisdição, a grande distância uns dos outros e da de 40 dias.
sede da comarca, demandando, muitas vezes, com os morosos "Nesses prazos, que começarão a correr da data do inter-
meios de condução ainda praticados na maior parte do nosso rogatório, ou da em que devera ter-se realizado, terminando
hinterland, vários dias de viagem. Seria imprescindível, na com a inquirição da última testemunha de acusação, não será
prática, a quebra do sistema: nas capitais e nas sedes de comar- computado o tempo de qualquer impedimento.
ca em geral, a imediata intervenção do juiz instrutor, ou a "O sistema de inquirição das testemunhas é o chamado
instrução única, nos distritos longínquos, a continuação do sis- presidencial, isto é, ao juiz que preside à formação da culpa
tema atual. Não cabe, aqui, discutir as proclamadas vantagens cabe privativamente fazer perguntas diretas à testemunha. As
do juízo de instrução. perguntas das partes serão feitas por intermédio do juiz, a
"Preliminarmente, a sua adoção entre nós, na atualidade, cuja censura ficarão sujeitas."
seria incompatível com o critério de unidade da lei processual.
Mesmo, porém, abstraída essa consideração, há em favor do E, mais:
inquérito policial, como instrução provisória antecedendo à pro- "Suprindo uma in j usti ficá vel omissão da atual legislação
positura da ação penal, um argumento dificilmente contestável: processual, o projeto autoriza que o acusado, no caso em que
é ele uma garantia contra apressados e errôneos juízos, forma- não caiba a prisão preventiva, seja forçadamente conduzido à
dos quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo presença da autoridade, quando, regularmente intimado para
crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto, ato que, sem ele, não possa realizar-se, deixa de comparecer
dos fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas. Por sem motivo justo. Presentemente. essa medida compulsória é
mais perspicaz e circunspecta, a autoridade que dirige a inves- aplicável sorr:ente à testemunha faltosa, enquanto ao réu é conce-
tigação inicial, quando ainda perdura o alarma provocado pelo- dido o privilégio de desobedecer à autoridade processante ainda
crime, está sujeita a equívocos ou falsos juízos a priori, ou a que a sua presença seja necessária para esclarecer ponto relevan-
sugestão tendenciosa. Não raro, é preciso voltar atrás, refazer te da acusação ou da defesa. Nenhum acusado. ainda que revel,
tudo para que a investigação se oriente no rumo certo, até en- será processado ou julgado sem defensor; mas a sua ausência
tão despercebido. Por que, então, abolir-se o inquérito preli- (salvo tratando-se de crime da competência do Tribunal do
minar ou instrução provisória, expondo-se a J ustiça criminal Júri) não suspenderá o julgamento, nem o prazo para recurso,
aos azares do deteiiuismo, às marchas e contramarchas de uma pois, de outro modo, estaria a lei criando uma prerrogativa em
instrução imediata e única? Pode ser mais expedito o sistema favor de réus foragidos, que, garantidos contra o julgamento
de unidade de instrução, mas o nosso sistema tradicional, com à revelia poderiam escapar, indefinidamente, à categoria de
o inquérito preparatório, assegura uma justiça menos aleatória. reincidentes. Se algum erro judiciário daí provier, poderá ser
mais prudente e serena." corrigido pela revisão ou por um decreto de graça. '.'

161. Tal novo Código do Processo Penal, de 1941 (que ainda 162. Os dispositivos que interessam ao assunto em foco são,
vigora, embora prestes a ser substituído por outro, no- no ainda vigente Código do Processo Penal de 1941, os
víssimo ), suprimiu o referido estranho monopólio probatório inseridos no Livro II (Dos processos em espécie), Título I
do Ministério Público, no processo da instrução criminal, que, (Do processo comum), Capítulo I (Da instrução criminal),
desde 1832, marcara - por consenso da jurisprudência - o arts. 394 e segs. até 405, inclusive. e Capítulo II (Do processo
perfil unilateral do velho sumário de culpa, chamado também dos crimes da competência do Júri), Seção I (Da pronúncia,
sumário da pronúncia. Transcrevamos, nesse particular, as da impronúncia; e da obsoloição sumária), arts. 406 e segs. até
observações de dita Exposição de Motivos. 416, inclusive. Transcrevamos:
166 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL
CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 167

Art. 402. Sempre que o juiz concluir a instrução fora do prazo,


Livro II ""lIsignará nos autos os motivos da demora.

DOS PROCESSOS EM ESPÉCIE Art. 403. A demora determinada por doença do réu ou do defensor,
'''I outro motivo de força maior, não será computada nos prazos fixados
IIIl art. 401. No caso de enfermidade do réu, o juiz poderá transportar-se
Título I
;10 local onde ele se encontrar, aí procedendo à instrução. No caso de
DO PROCESSO COMUM «nfcrmidade do defensor, será ele substituído, definitivamente, ou para o
"ú efeito do ato, na forma do art. 265, parágrafo único.
Capítulo I Art. 404. As partes poderão desistir do depoimento de qualquer das
testemunhas arroladas, ou deixar de arrolá-Ias, se considerarem suficientes
DA INSTRUÇÃO CRIMINAL
as provas que possam ser ou tenham sido produzidas, ressalvado o dis-
posto no art. 209.
Art. 394. O juiz, ao receber a queixa ou denúncia, designará dia e
Art. 405. Se as testemunhas de defesa não forem encontradas e o
hora para o interrogatório, ordenando a citação do réu e a notificação
acusado, dentro em três dias, não indicar outras em substituição, pros-
do Ministério Público e, se for caso, do querelante ou do assistente.
seguir-se-à nos demais termos do processo.
Art. 395. O réu ou seu defensor poderá, logo após o interrogatório
ou no prazo de três dias, oferecer alegações escritas e arrolar testemunhas. 163. Art. 406. Terminada a inquirição das testemunhas, mandará o
Art. 396. Apresentada ou não a defesa, proceder-se-à à inquirição juiz dar vista dos autos, para alegações, ao Ministério Público,
das testemunhas, devendo as da acusação ser ouvidas em primeiro lugar. pelo prazo de cinco dias, e, em seguida, por igual prazo, e em cartório,
ao defensor do réu.
Parágrafo único. Se c réu não comparecer, sem motivo justificado,
no dia e à hora designado", o prazo para defesa será concedido 00 § 1.°. Se houver querelante, terá este vista do processo, antes do
defensor nomeado pelo juiz. Ministério Público, por igual prazo, e havendo assistente, o prazo lhe
correrá conjuntamente com o do Ministério Público.
Art. 397. Se não for encontrada qualquer das testemunhas, o juiz
poderá deferir o pedido de substituição se esse pedido não tiver por fim § 2.°. Nenhum documento se juntará aos autos nesta fase do pro-
frustrar o disposto nos arts. 41, in fine, e 395. cesso.
Art. 398. Na instrução do processo serão inquiridas no máximo oito Art. 407. Decorridos os prazos de que trata o artigo anterior, os
testemunhas de acusação e até oito de defesa. autos serão enviados, dentro de 48 horas, ao Presidente do Tribunal do
Parágrafo único. Nesse número não se compreendem as que não Júri, que poderá ordenar as diligências necessárias para sanar qualquer
prestaram compromisso e as referidas. nulidade ou suprir falta que prej udique o esclarecimento da verdade in-
clusive inquirição de testemunhas (art. 209), e proferirá sentença, na
Art. 399. O Ministério Público ou o querelante, ao ser oferecida a
f arma dos artigos seguintes.
denúncia ou a queixa, e a defesa, no prazo do art. 395, poderão requerer
as diligências que julgarem convenientes. Art. 408. Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios
de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu
Art. 400. As partes poderão oferecer documentos em qualquer fase
convencimento.
do processo.
§ 1.0. Na sentença de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal
Art. 401. As testemunhas de acusação serão ouvidas dentro do prazo
em cuja sanção julgar incurso o réu, mandará lançar-lhe o nome no rol
de 20 dias, quando o réu estiver preso, e dentro de 40 dias, quando solto.
dos culpados, recornendá-lo-á na prisão em que se achar, ou expedirá as
Parágrafo único. Esses prazos começarão a correr depois de findo ordens necessárias para a sua captura.
otríduo da defesa prévia, ou, se tiver havido desistência, da data do
§ 2.°. Se o crime for afiançável, será, desde logo, arbitrado o valor
interroga tório ou do dia em que devera ter sido realizado.
da fiança, que constará do mandado de prisão.
""""""""I

CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 169


168 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

II _ pessoalmente ou ao defensor por ele constituído, se tiver preso


§ 3.°. O juiz não ficará adstrito à classificação do crime, feita na
queixa ou denúncia, embora fique o réu sujeito à pena mais grave, aten- t.ulo fiança antes ou depois da sentença;
dido' se tor caso, o disposto no art. 410 e seu parágrafo. III ~ ao defensor por ele constituído se, não tendo prestado fiança,
§ 4.°. Se dos autos constarem elementos de culpabilidade de outros expedido o mandado de prisão, não for encontrado e assim o certificar o
indivíduos não compreendidos na queixa ou na denúncia, o juiz, ao profe- oficial de justiça;
rir a decisão de pronúncia ou impronúncia, ordenará que os autos voltem IV - mediante edital, no caso do n. Il , se o réu e o defensor não
ao Ministério Público, para aditamento da peça inicial do processo e forem encontrados e assim o certificar o oficial de justiça;
demais diligências do sumário. V - mediante edital, no caso do 11. IIl, se o defensor que o réu
Art. 409. Se não se convencer da existência do crime ou de indício houver constituído também não for encontrado e assim o certificar o
suficiente de que seja o réu o seu autor, o juiz julgará improcedente a ()ficial de justiça;
denúncia ou a queixa. VI - mediante edital, sempre que o réu, não tendo constituído de-
Parágrafo único. Enquanto não extinta a punibilidade, poderá, em fensor, não for encontrado.
qualquer tempo, ser instaurado processo contra o réu, se houver novas § 1.0. O prazo do edital será de 30 dias.
provas. § 2.0. O prazo para recurso correrá após o término do fixado no
Art. 410. Quando o juiz se convencer, em discordância com a de- edital, salvo se antes for feita a intimação por qualquer das formas
núncia ou queixa, da existência de crime diverso dos referidos no art. 74, cstabelecidas neste artigo.
§ 1.0, e não Ior o competente para julgá-lo, remeterá o processo ao juiz Art. 416. Passada em julgado a sentença de pronúncia, que especi-
que o seja. Em qualquer caso, será reaberto ao acusado prazo para ficará todas as circunstâncias qualificativas do crime e somente poderá
defesa e indicação de testemunhas, prosseguindo-se, depois de encerrada ser alterada pela verificação superveniente de circunstância que modifique
a inquirição, de acordo com o art. 499 e segs. Não se admitirá, entre- a classificação do delito, o escrivão imediatamente dará vista dos autos
tanto, que sejam arroladas testemunhas já anteriormente ouvidas. ao orgão do Ministério Público, pelo prazo de cinco dias, para oferecer
Parágrafo único. Tendo o processo de ser remetido a outro juizo, o libelo acusatório.
à disposição deste passará o réu, se estiver preso.
Art. 411. O juiz absolverá desde logo o réu, quando se convencer
da existência de circunstância que exclua o crime ou isente de pena o Seção quinta
réu (arts. 17, 18, 19, 22 e 24, § 1.0, do Código Penal, recorrendo, de
ofício, de sua decisão. Este recurso terá efeito suspensivo e será sempre A INICIATIVA DA REFORMA DOS
para o Tribunal de Apelação.
CÓDIGOS, NO GOVERNO jÂNIO QUADROS
Art. 412. Nos Estados onde a lei não atribuir a pronúncia ao pre-
sidente do Júri, ao juiz competente caberá proceder na forma dos artigos 164. O Anteprojeto Hélio Tornaghi. 165. Seus dispositivos
anteriores. sobre instrução criminal: Do procedimento ordinário, arts,
Art. 413. O processo não prosseguirá até que o réu seja intimado 544 e segs. até 564, inclusive. 166. Idem: Do procedi-
mento sumáY1o, arts. 565 e segs, até 571, inclusive. 167.
da sentença de pronúncia. Idem: Do procedimento sumartssvmo, arts. 572 e segs, até
Parágrafo único. Se houver mais de um réu, somente em relação 575, inclusive. 168. Idem: Do procedimento bifásico, 1. 1."
ao que for intimado prosseguirá o feito. Fase: Da instrução liminar. 169. Idem: idem, 2. 2.a Fase:
a) Da acusação - Libelo; b) Da defesa - Contrariedade,
Art. 414. A intimação da sentença de pronúncia, se o crime for arts. 590 e segs. até 615, inclusive.
inafiançável, será sempre feita ao réu pessoalmente.
Art. 415. A intimação da sentença de pronúncia, se o crime for 164. No curto governo do Presidente JÂNIO QUADROS, sendo
afiançável, será feita ao réu: Ministro da Justiça o experiente advogado OSCAR PE-
I - pessoalmente, se estiver preso; DROSO HORTA, penalista exímio - e ardoroso democrata, foi,
l
170 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL CONTRARIEDADENA FORMAÇÃODA CULPA 171

por ambos, incumbido de compor o aspirado projeto - de no- Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias se
víssimo Código do Processo Penal - o eminente processualis- estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do in-
ta penal Prof , HÉLIO BASTOS TORNAGHI, o qual, entretanto, quérito à autoridade policial, contar-se-à o prazo do dia em que o órgão
só em 1963 apresentou os resultados de seus esforços. Im- do Ministério Público receber novamente os autos.
buído de manifesta preocupação de coerência doutrinária, em § LD• Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial,
todos os passos de seu didático trabalho, o autor buscou ser pre· o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á do dia em que tiver
ciso no tema que ora nos preocupa ao frisar, no art. 11, intitu- recebido as peças de informações. a representação ou a requisição.
lado Caráter inquisitorio, que "Durante o inquérito não são
permitidos atos de acusação ou de defesa, mas a autoridade po- § 2.°. Se o Ministério Público julgar necessários maiores esclareci-
derá atender a pedidos que visem à apuração objetiva do fato mentos e documentos complementares ou novos elementos de convicção,
ou da autoria"; bem como reiterou lineamentos da contrarie- deverá requisitá-los diretamente, de quaisquer autoridades ou funcionários
dade na instrução criminal, adotados já pelo legislador de 1941, que devam ou possam ministrá-los.
e ainda hoje válidos, fazendo-o nos arts. S44 e segs. até S64,
inclusive, combinados com os dispositivos da Seção lI, denomi- Queixa por procurador
nada Do Procedimento Bifásico, do Capítulo III (Do procedi-
mento nos casos de crime do/asa contraa vida), arts. S90 e segs. Art. 547. A queixa poderá ser dada por procurador com poderes
até 603, inclusive. Transcrevamos. especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do quere-
lado e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos
dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo
165. criminal.
Livro V

DOS VÁRIOS TIPOS DE PROCEDIMENTO Aditamento

Art, 548. A queixa poderá, em qualquer caso, ser aditada pelo Mi-
Título I
nistério Público no prazo de três dias, contado da data em que receber
DO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO os autos. Se o Ministério Público aditar a queixa, intervirá, daí por
diante, como parte secundária; se não o fizer, prosseguir-se-á sem a sua
Demanda intervenção a não ser como fiscal da lei.

Art. 544. O procedimento ordinário começa com a aceitação da


denúncia, nos crimes de ação pública, e com a da queixa nos de ação Réplica
privada. Art, 549. Ao lhe ser apresentada a denúncia ou a queixa e antes
de se pronunciar sobre sua aceitação ou rejeição, o juiz mandará citar o
Fundamento acusado para que replique à acusação em três dias.
Art. 545. A denúncia e a queixa podem basear-se nas conclusões Parágrafo único. A réplica versará exclusivamente sobre a existên-
do inquérito policial ou em qualquer outro elemento de convicção e serão era de qualquer das causas de rejeição previstas no art. 551.
instruídas com os documentos em que se fundarem, além da representa-
ção ou da requisição nos casos em que a lei penal as exigir.
Apresentação espontânea

Prazo Art, 550. A citação será dispensada se o acusado se apresentar es-


Art. 546. O prazo para oferecimento da denúncia, se o acusado pontaneamente. Nesse caso será lavrado termo de apresentação assinado
estiver preso, será de cinco dias contado da data em que o órgão do pelo juiz, pelo escrivão e pelo acusado.
172 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 173

Rejeição Número

Art. 551. A denúncia ou queixa será rejeitada: Art. 556. Na instrução do processo serão inquiridas no máximo
I - quando o fato nelas narrado não constituir crime em tese; oito testemunhas de acusação e até oito de defesa.
§ 1.0. Nesse número não se compreendem as que não prestam com-
II - quando, manifestamente, o fato não constituir crime na hipó-
promisso e as referidas.
tese (Código Penal, art. 2S);
lII - quando, evidentemente, estiver extinta a punibilidade; Substituição
IV - quando faltar pressuposto do processo ou condição da ação.
§ 2.0• Se não for encontrada qualquer das testemunhas, o juiz po-
Arquivamento derá deferir c pedido de substituição, se esse pedido não tiver por fim
frustrar o disposto nos arts. 89, n. V, e 554.
Art. 552. Se o Ministério Público entender que o auto de inquérito
ou as peças de informação não ministram os elementos mínimos neces- Art. 557. Se as testemunhas de defesa não forem encontradas e o
sários para o oferecimento da denúncia, pedirá ao juiz que os mande acusado, dentro em três dias, não indicar outras em substituição, pros-
arquivar. Se o juiz concordar com o pedido determinará o arquivamento; seguir-se-à nos demais termos do processo.
se dele discordar, remeterá o processo ao Procurador-Geral.
Diligências
§ I.". Se o Procurador-Geral entender que há elementos para a
ação penal, oferecerá ele próprio a denúncia ou designará outro órgão Art. 558. O Ministério Público ou o querelante, ao ser oferecida a
do Ministério Público para fazê-lo. denúncia ou a queixa e a defesa, no prazo do art. 554, poderão requerer
§ 2.°. No caso contrário o Procurador-Geral mandará arquivar o as diligências que julgarem convenientes.
processo.
Documentos
Aceitação e orouidências Art. 559. Ressalvados os casos em que haja proibição legal expressa,
Art. 553. O juiz, ao receber a queixa ou denúncia, designará dia e as partes poderão oferecer documentos em qualquer fase do processo.
hora para o interrogatório, ordenando a citação do acusado e a notifica-
ção do Ministério Público e, se for caso, do querelante. Prazo
Art. 560. As testemunhas da acusação serão ouvidas dentro do prazo
Defesa prévia de 20 dias, quando o acusado estiver preso, e de 40 dias, quando solto.
As da defesa serão ouvidas dentro do prazo de 20 dias se o acusado
Art. 554. O acusado ou seu defensor poderá, nos três dias seguintes
estiver preso e de 40 dias, quando solto.
ao interrogatório oferecer alegações escritas e arrolar testemunhas.
§ 1.0. Esses prazos começarão a correr: o das testemunhas da acusa-
Parágrafo único. Se o acusado não comparecer, sem motivo justi íi- ção, depois de findo o tríduo da defesa prévia, ou, se tiver havido desis-
cado, no dia e à hora designados, o prazo para defesa será concedido ao tência, desde a data do interrogatório ou, em caso de revelia, do dia em
defensor nomeado pelo juiz. que devera ter sido realizado; o das da defesa do dia em que terminar o
das da acusação.
T estemunhos § 2.0• Sempre que o juiz concluir a instrução fora do prazo, con-
Art, 555. Apresentada ou não a defesa prévia proceder-se-á à inqui- signará nos autos os motivos da demora.
rição das testemunhas, devendo as da acusação ser ouvidas em primeiro § 5.°. A demora determinada por doença do acusado ou do defensor,
lugar. ou outro motivo de força maior, não será computada nos prazos fixados
174 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 175

no art. 560; mas se o acusado estiver preso será posto em liberdade logo Conclusão para sentença
que decorridos aqueles lapsos de tempo. Art. 564. Findos os prazos do artigo anterior serão os autos ime-
§ 4.0• Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfer- diatamente conclusos, para sentença, ao juiz que, dentro em cinco dias,
midade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução poderá ordenar diligências para sanar qualquer nulidade ou suprir falta
criminal já não exista o juiz, podera de ofício ou a requerimento de que prejudique o esclarecimento da verdade.
qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento. Parágrafo único. O juiz poderá determinar que se proceda, nova-
mente, a interrogatório do réu ou a inquirição de testemunhas e do
E nf ernudade ofendido, se não houver presidido a, esses atos na instrução criminal.

No caso de enfermidade do acusado, o juiz poderá transportar-se ao


local onde ele se encontrar, aí procedendo à instrução. No caso de en- Título II
166.
fermidade do defensor, será ele substituído, definitivamente, ou para o só
efeito do ato, na forma do art. 80, §§ 6.0 e 7.0• DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS

Desistência Capítulo I

Art. 561. As partes poderão desistir do depoimento de qualquer das DO PROCEDIMENTO SUMARIO
testemunhas arroladas, ou deixar de arrolá-Ias, se considerarem suficien-
Instauração
tes as provas que possam ser ou tenham sido produzidas.
Art. 565. Nos casos de infração não punida, ainda que alternativa-
Diligências H
mente, com pena de reclusão, se não houver prisão em flagrante, o
processo será iniciado mediante portaria da autoridade policial ou do juiz,
Art. 562. Terminada a inquirição das testemunhas, as partes, .pri- de ofício ou a requerimento do Ministério Público.
meiramente o Ministério Público ou o querelante, dentro de 24 horas, e
depois sem interrupção dentro de igual prazo, o acusado, poderão re- Portaria
querer as diligências, cuja necessidade ou conveniência se origine de
Art, 566. Na portaria que der início ao processo, a autoridade po-
circunstâncias, ou de fatos apurados na instrução, subindo logo os autos licial ou o [uiz ordenará a citação do acusado, dentro em 48 horas, para
conclusos, para o juiz tomar conhecimento do que tiver sido pedido. se ver processar; determinará as buscas, apreensões, reconhecimentos,
exames e outras diligências necessárias e designará dia e hora para
Vista para alegações inquirição das testemunhas, em número de três no máximo, dentro dos
oito dias seguintes.
Art. 563. Esgotados aqueles prazos, sem requerimento de qualquer
das partes, ali concluídas as diligências requeridas e ordenadas, será aberta
Edital
vista dos autos, para alegações, sucessivamente, por cinco dias:
§ 1.0. Se o acusado se ocultar para evitar a citação, esta será feita
I - ao Ministério Público ou ao querelante;
por edital com o prazo de cinco dias.
II - ao assistente, se tiver sido constituído;
111 - ao defensor do acusado. Qualificação do acusado
0
§ 1. • Se forem dois ou mais os acusados, o prazo será comum. § 2.0. Se o acusado comparecer, será qualificado antes da inquirição
§ 2.0• O Ministério Público, nos processos por crime de ação pri- das testemunhas, devendo constar do termo de qualificação o local onde
vada ali nos processos por crime de ação pública iniciados por queixa será encontrado, dentro do território do juízo, para ser notificado ou
(ação privada subsidiária) terá vista dos autos depois do querelante. intimado.
176 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 177

Ausência do acusado Conclusão dos autos


0
§ 3. • Se o acusado não comparecer, as testemunhas serão ouvidas § 1.0. Se o juiz não se julgar habilitado a decidir, ordenará que os
em presença do defensor por ele constituído ou, se nenhum houver sido, autos lhe sejam imediatamente conclusos e no prazo de cinco dias dará
do que lhe for nomeado. a sentença.

Contraditório Transformação do jHlgamento em diligência

Art. 567. O processo será contraditório. ~ 2.°. Se entender necessária a realização de diligência, marcará
nova audiência para um dos cinco dias seguintes e determinara as pro-
Ministério Público; interrogatório vidências que o caso exigir.

Art. 568. Recebidos os autos da autoridade policial ou prosseguindo


no processo por ele próprio iniciado, o juiz ouvirá o Ministério Público
dentro em 24 horas e procederá ao interrogatório do acusado dentro em
167. Capítulo II
72 horas.

DO PROCEDIMENTO SUMARíSSIMO
Defesa
Flagrante
Art. 569. Logo após o interrogatório, poderá o acusado apresentar
defesa, arrolar testemunhas, até o máximo de três e requerer diligências. Art. 572. Nos casos de infração a que não for corninada, ainda que
alternativamente, pena de reclusão, havendo prisão em flagrante, será o
Ausência do acusado "I réu apresentado ao juiz competente, juntamente com as testemunhas do
fato.
Parágrafo único. O não comparecimento do acusado não impedirá o
defensor de praticar os atos previstos nesse artigo.
Julgamento

Saneamento; diltgências ete. Art. 573. O juiz ouvirá o conduzido e as testemunhas, que poderão
ser rcperguntadas pela acusação e pela defesa, e dará, em seguida, a
Art. 570. Nas 48 horas seguintes à apresentação da defesa, o juiz, palavra a uma e outra, por 10 minutos. Terminados os debates julgará
depois de sanadas as nulidades, mandará proceder às diligências indis- de plano.
pensáveis ao esclarecimento da verdade, requeri das ou não, e poderá
determinar sejam as testemunhas, que houverem deposto na Polícia, no- Defensor; curador
vamente ouvidas na audiência de julgamento, que marcará para um dos
§ 1.0. Se o réu o não tiver, ser-lhe-á dado defensor. Ao incapaz
oito dias seguintes, notificados o Ministério Público, o acusado, se não dar -se-á curador.
for revel, e seu defensor.
Auto
Audsência
§ 2.0• De tudo se lavrará um só auto.
Art. 571. Na audiência após a inquirição das testemunhas arroladas
pela defesa e se for o caso das que depuseram na Polícia será dada a Lmpossibiluiadc de apresentação
palavra sucessivamente ao acusador e ao defensor, pelo tempo de 20 mi- Art. 574. Se, por motivo de força maior, a apresentação não puder
nutos, para cada um, prorrogável por mais 10, a critério do juiz, que. ser imediata, caberá à autoridade policial lavrar o auto de prisão em
em seguida, proferirá a sentença, flagrante procedendo na forma dos arts. 463 a 4ó9 deste Código.
178 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL
CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 179

§ 1.0. A remessa dos autos ajuízo far-se-á em 48 horas, devendo a .tdmissibílidode da acusação
autoridade que presidir à lavratura do auto de prisão em 'flagrante apre-
Art. 592. Terminada
a inquirição das testemunhas, mandará o juiz
sentar ao acusado e notificar o condutor e as testemunhas da obrigação
dar vista dos autos, para alegações, ao Ministério Público, pelo prazo de
de comparecer em juízo no terceiro dia útil seguinte ao do flagrante,
cinco dias, e, em seguida, por igual prazo, e em cartório, ao defensor do
quando haverá lugar a audiência de julgamento.
" c usado, a fim de que falem sobre a admissibilidade da acusação.
§ 2.°. Se o acusado for posto em liberdade, na forma dos arts. 484 § 1.0. Se houver querelante, terá este vista do processo, antes do
e 485 áeste Código, será também notificado para comparecer à audiência Ministério Público, por igual prazo, e havendo assistente, o prazo lhe
de julgamento, sob pena de revelia e se for o caso de sofrer as sanções •.orrerá conjuntamente com o do Ministério Público.
previstas nos arts. 497, 498 e parágrafo do art. 485. § 2.~. Nenhum documento se juntará aos autos nesta fase do pro-
cesso.
Transformação do julgamento em diligência § 3.°. Decorridos os prazos de que trata o artigo anterior, os autos
serão enviados, dentro de 48 horas, ao Presidente do Tribunal do Júri,
Art. 575. Se o juiz julgar necessária qualquer períria ou ato proba-
que poderá ordenar as diligências necessárias para sanar qualquer nuli-
tório que não possa ser realizado imediatamente, transformará o julga-
dade ou suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade, inclusive
mento em diligência e marcará nova audiência para um dos cinco dias inquir-ição de testemunhas.
imediatos, quando todos os atos deverão estar praticados.
Da sentença sobre a admissihilidade :

Sentença

168. Seção II Art. 593. Se não houver o que sanar ou suprir, ou, no caso coa-
trário, depois de completadas as diligências o juiz pr rferirá a sentença
sobre a admissibilidade da acusação e necessidade de julgamento pele>
DO PROCEDIMENTO BIFASICO
Júri.

Procedimento bijâsico Pronúncia


Art. 590. O procedimento nos casos de crime doloso contra a vida Art. 594. Se da prova colhida resultar certeza de existência cio
dividir-se-à em duas fases: crime e, pelo menos, fundada suspeita de autoria, o juiz mandará ,)
I - a da instrução liminar, destinada a verificar a admissibilidade acusado a julgamento pelo Júri.
da acusação; Parágrafo único. Na sentença de pronúncia o juiz:
l-dará os motivos de seu convencimento;
II -- a da acusação, contrariedade, instrução e julgamento, destinada
II - indicará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o
a verificar a culpabilidade do acusado e a dar solução à, causa.
acusado ;
HI - especificará as circunstâncias qualificativas e as privilegiantes.
1. 1.a Fase

DA INSTRUÇAO LIMINAR inovação


Art. 595. A sentença de pronúncia aplica-se o disposto nos arts. 354
<.' 355.
Instrução
Art. 591. A instrução dos processos por crime doloso contra a vida Prisão
obedecerá ao disposto no capítulo sobre procedimento ordinário com as
Art. 596. A sentença de pronúncia acarreta a prisão provisória do
modificações referidas nos dispositivos que se seguem. acusado.

\4 ...- P. F. P. P.
180 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 181

Fiança IlIoJ1I1petênC1Gpor desclassificação

Parágrafo único. Se o crime for afiançável, será, desde logo, arbi- Art. 602. Quando o juiz se convencer, em discordância com a de-
trado o valor da fiança. núncia ou queixa, da existência de crime diverso dos referidos no pará-
nrafo único do ar t, 149 e não for o competente para julgá-lo, remeterá
Competência para a pronúncia () processo ao juiz que o for.
Art. .197. N os Estados onde a lei não atribuir a pronúncia ao Pre- § 1.°. N o caso deste artigo será reaberto ao acusado prazo para
sidente do Júri, ao juiz competente caberá proceder na forma dos artigos defesa e indicação de testemunhas, prosseguindo-se, depois de encerrada
anteriores. :\ inquirição, de acordo com os arts. 562 e segs. Não se admitirá, entre-
tanto, que sejam arroladas testemunhas já anteriormente ouvidas.
lntimaçâo
§ 2.°. Tendo o processo de ser remetido a outro juizo, à disposição
Art. 598. O processo não terá curso até que o acusado seja inti- deste passará o réu, se estiver preso.
mado da sentença de pronúncia.
Parágrafo único. Se houver mais de um acusado, somente em relação (o-autores da iniração
ao que for intimado prosseguirá o feito.
Art. 603. Se, após o recebimento da denúncia, forem colhidas provas
«ontra pessoas nela não incluídas, o juiz, ao proferir a sentença sobre a
Alteração da sentença de pronúncia
adrnissibilidade da acusação, ordenará que os autos voltem ao Ministério
Art. 599. Esgotado o prazo para interposição do recurso sem que
Público para aditamento da peça inicial do processo e promoverá as
nenhum tenha sido manifestado, ou confirmada a pronúncia pela superior
demais diligências necessárias.
instância, a sentença respectiva somente poderá ser alterada pela verifi-
cação superveniente de circunstância que modifique a classificação do
delito. 2. 2.a Fase

169. a) DA ACUSAÇÃO - LIBELO


Impronwncia
Art. 600. Se da prova colhida não resultar certeza de existência do
Vista ao Ministério Público
crime e pelo menos, fundada suspeita de autoria, o juiz dará a acusação
como inadmissível e não mandará o acusado a julgamento pelo Júri. Art. 604. Esgotado o prazo para manifestação de recurso contra a
pronúncia ou negado provimento ao que houver sido interposto, o escri-
Parágrafo único. A sentença de impronúncia basear-se-à nas provas
até então colhidas. Enquanto não extinta a punibilidade poderá o pro- vão, o mais breve possível, dará vista dos autos ao Ministério Público,
cesso ser reaberto se novas provas forem apresentadas. pelo prazo de cinco dias, para oferecer o libelo.

Art. 605. O libelo conterá:


Absolvição
Art. 601. O juiz absolverá desde logo o acusado: I ~ o nome e, se possível, a quali ficação do acusado;
l-quando se convencer da inexistência do fato; II - a exposição pormenorizada do fato criminoso, observado o que
II - quando, embora provado o fato, se convencer da não partici- consta da sentença de pronúncia;
pação do acusado; III - a indicação das circunstâncias qualificativas;
Il I - quando, embora provados o fato e a autoria, se convencer da IV - a indicação das circunstâncias agravantes quantitativas.
existência de circunstância que torne o fato lícito (Código Penal, art. 25).
1ndieidualidade
Parágrafo único. A ocorrência de circunstância que exclua a culpa-
bilidade não elimina a existência de crime que só pelo Júri pode ser Art. 606. Se forem vários os acusados, será apresentado um libelo
julgado. para cada qual.
CONTRARIEDADE NA FORMAÇÃO DA CULPA 183
182 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

Fedido de provas
Pedido de prova Art. 613. Ao oferecer a contrariedade, o defensor poderá apresentar
Art. 607. Com o libelo poderá o promotor apresentar o rol da~ ti rol de testemunhas que devam depor no plenário, até o máximo de
testemunhas que devam depor na audiência de instrução e julgamento, .iuco, juntar documentos e requerer diligências.
até o máximo de cinco, juntar documentos e requerer diligências.
integração e saneamento
Rejeição
Art. 614. Apresentada a contrariedade, o Presidente do Tribunal do
Art. 608. O juiz, mencionando a razão por que o faz, rejeitará o Júri poderá ordenar, de ofício, ou a requerimento de qualquer das partes,
libelo: diligências necessárias para esclarecer fato que interesse à decisão da
- que se afaste dos limites da pronúncia; causa ou para evitar ou sanar qualquer nulidade.
II - ou a que falte qualquer dos requisitos dos artigos anteriores. Parágrafo único. Quando a lei de organização judiciária local não
atribuir ao Presidente do Tribunal do Júri o preparo dos processos para
Devolução julgamento, o juiz competente remeter-lhe-à os processos preparados, até
Art. 609. Rejeitado o libelo, será ele devolvido ao Ministério PÚ- •.inco dias antes do sorteio dos 21 jurados que houverem de servir na
blico para que apresente outro, no prazo de 48 horas. ,ess;ão. Deverão também ser remetidos, após esse prazo, os que forem
"('mio preparados até o encerramento da sessão.
Importância do prazo
M arcação do dia para a audiência de instrução e julgamento
Art. 610. Se se findar o prazo legal, sem que seja oferecido o libelo,
o promotor incorrerá na multa de Cr$ 500,00, salvo se justificar a demora Art. 615. Estando pronto o processo, o Presidente do Tribunal do
por motivo de força maior, caso em que será concedida prorrogação de .I úri marcará dia para a audiência de instrução e julgamento e determina-
rá R notificação das partes, advogados, testemunhas, peritos, intérpretes.
48 horas. Esgotada a prorrogação, se não tiver sido apresentado o libelo
tradutores ou quaisquer outras pessoas que a ela devam estar presentes.
a multa será de Cr$ 2.000,00, e o fato será comunicado ao Procurador-
-Geral. Neste caso, será o libelo oferecido pelo substituto legal, ou, se
não houver, por promotor ad hoc.

Queixa
Art. 611. Se a ação houver sido intentada mediante queixa (ação
penal privada subsidiária), o acusador será notificado a apresentar o
libelo dentro de dois dias; se o não fizer, o juiz o haverá por lançado e
mandará os autos ao Ministério Público.

b) DA DEFESA - CONTRARIEDADE

V ista ao acusado
Art. 612. Recebido o libelo, o escrivão, dentro de três dias, entre-
gará ao acusado mediante recibo de seu punho ou de alguém a seu rogo,
a respectiva cópia com o rol de testemunhas, notificado o defensor para
que, no prazo de cinco dias, ofereça a contrariedade; se o acusado estiver
afiançado, o escrivão dará cópia ao defensor, exigindo recibo, que se.
juntará aos autos.
o
z
Capítulo I

o direito de defesa no inquérito policial,


resultante da supressão da pronúncia
no juízo singular *

170. o contraditório dispositivo (no civil) e o contraditório


indispositivo (no penal). 171. A lição de CARNELUTTI. 172.
Compatibilidade do poder-dever inquisitivo com a contrarie-
dade. 173. Prevalecência do princípio da verdade real sobre o
princípio da contrariedade: quanto à acusação. 174. Idem:
quanto à defesa. 175. Que significa instrução criminal? Suas
duas espécies: a provisória, ou preliminar, e a definitiva. A
instrução criminal preliminar, extrajudicial, ou inquérito po-
licial, em processos comuns e em processos especiais; a
judicial, ou sumário de culpa, peculiar aos processos de
competência do Júri. 176. Autoridade competente para julgar
a instrução criminal preliminar, extrajudicial, é sempre a
judiciária: juizo de admissibilidade (recebimento ou não da
denúncia ou queixa) e JUÍzo de acusação (pronúncia ou
impronúncia). Idem, quanto à instrução criminal definitiva:
condenação ou absolvição. 177. Sistema inquisitivo, sem ou
com cooperação do contraditório. 178. A contrariedade na
instrução criminal, exigida pela Constituição. 179. Os juizes
de paz e o sumário de culpa: no regime do Código do
Processo Criminal, de 1832. 180. Os delegados de Polícia e
os subdelegados de Polícia, e o sumário de culpo no regime
da Lei D. 261, de 3 de dezembro de 1841. Pródromos do

'" O texto deste capítulo constitui reprodução de artigo publicado em


O Estado de S. Paulo, durante o ano de 1957, a 19 de julho (itens 170 a
175), a 21 de julho (itens 176 a 178), a 11 de agosto (itens 179 a 182)
e a 18 de agosto (itens 183 a 193), e reproduzido, com incorreções, em
revistas de Direito e repertórios jurídicos.
188 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NO INQUÉRITO pOLICIAL 189

futuro inquérito policial. 181. Os juizes de direito e os juizes narram, "não pode ele fazer uso de tal ciência para julgar":
municipais e (, SU/Ilário de culpo; no regime da Lei n. 2.033, Quod nun est in actis non est de hoc mundo.
de 1871. Remanesceram, como atribuições dos delegados e
subdelegados de Polícia, aquelas que, desde então, passaram Às partes pertencem, então, com monopólio, os poderes de
a integrar o instituto do inquérito policial, denominação alegar e de provar, e são estimuladas a usá-Io mediante os ônus
criada pelo Regulamento n. 4.824, do mesmo ano. 182. Fi- de seu exercício, que convertem tais poderes em poderes-deve-
nalidade do sumário de culpa: pronúncia ou impronúncia.
Finalidade do inquérito policial: admissibilidade, ou não, da res processuais, porque exercidos sob estímulo de variadas san-
denúncia ou queixa. 183. A supressão do sumário de culpa ções processuais imponíveis à parte abstinente. Às partes
e pronúncia nos processos de competência do juiz singular cabem, assim, o ônus da postulação, da probação e, ainda, do
e no regime de 1937: sua inconstitucionalidade. 184. Re- impulso processual, e, afinal, dos recursos.
forço, no inquérito policial, de seu caráter instrutório, como
conseqüência daquela supressão do sumário de culpa e pro-
núncia. 185. Continuação. 186. Continuação. 187. Funda- 171 . Eis como - ressalta o mestre - "si attua nel processo
mento do direito de defesa no inquérito policial. 188. Sobre il principio dispositivo": "as partes, monopolizando a
a investigação básica, no inquérito policial assenta a instru- iniciativa, dispõem da formação do material de fato, sobre o
ção criminal nele contida. 189. Exclusão da defesa, na
qual o juiz decide".
investigação. Sua inclusão na instrução criminal contida no
inquérito policial. 190. Em direito positivo. 191. Continuação. Se, entretanto, "iniciativa é concedida ao juiz, isso advém
192. A inquisitoriedade policial não é incompatível com a por força do princípio inquisitivo". Tenha sempre presente, o
possibilidade de defesa. 193. Reclamo de justiça a participa-
estudioso - recomenda. ele _. "que o princípio dispositivo im-
ção da defesa no inquérito policial, embora limitada.
porta não só o poder mas também o ônus" da parte, ao passo
que "o princípio inquisitivo não exclui efetivamente que a parte
170. Os problemas da ciência processual demandam, para sa- possa desenvolver no processo determinadas atividades", mas,
tisfatória solução, em geral, invocação do significado de
sim, exclui "seja vedado ao juiz supri-Ia": não importa em
princípios fundamentais a que se acham tão vinculados, que
"conferir monopólio ao juiz", mas apenas em "tolher monopólio
resolvê-los sem atenção a estes, resulta em ingrata tarefa, fada-
à parte".
da a lastimável fracasso. Visto como assim é, não há possibi-
lidade de bem opinar sobre a necessidade ou a conveniência de 172 . N a verdade, o caráter inquisitivo do processo penal há
o indiciado participar da instrução criminal preliminar - quer de consistir - e, sem dúvida, consiste - não em que
instrução judicial, denominada sumário de culpa, quer instru-
necessariamente a autoridade monopolize poderes, mas em que
ção extrajudicial, chamada inquérito policial - sem que se in-
as partes não os monopolizem.
voque o influxo do princípio inquisitivo e do princípio do con-
traditório, com disponibilidade ou não, na regência da atividade Repugna à natureza do interesse penal - que é impessoal,
de todos os membros da comunhão social, e, ao mesmo tempo,
processual, e sem que seja ressaltada, nas notas do respectivo
significado, a da compatibilidade entre os dois princípios. Nin- pessoal interesse do eventual penado ou penando - que sua
realização através do processo, mediante a concretização do
guém melhor do que CARNELUTTI soube dizê-lo : o juiz é livre
das afirmações das partes "quando si tratta del se o deI come mando da lei, possa ficar à discrição da autoridade e, muito
menos, ao arbítrio dispositivo de particulares, como são qual-
esiste una norma di Diritto", mas "per Ia posizione deI fatto
quer pessoa do povo, o ofendido ou o ofensor.
il giudice e, invece, vincolato alia attività delle parti (iudex [u-
dicare debet iuxta alleqaia et probata). "Este princípio - Nessas considerações repousa a justificativa do poder-de-
prossegue o mestre - pode-se representar "falando de um po- ver inquisitivo do juiz da sentença penal, no curso da instrução
der de disposição". que se manifesta correlato à vedação "de definitiva.
utilização, no processo (na sentença) do conhecimento parti- A necessidade ou a conveniência de atribuir poder-dever
cular do juiz, para a formação do material de fato": mesmo inquisitivo à autoridade não colide, pois, como é óbvio, com a
se o juiz sabe que as coisas são diversas das que as partes lhe necessidade ou a conveniência de atribuir também poderes-de-
190 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NO INQUÉRITO pOLICIAL 191

veres processuais às partes, com maior ou menor intensidade, 201), inquirir testemunhas, "quando julgar necessário, além
ou processuais e funcionais ao Ministério Público, consoante das indicadas pelas partes" (art. 209); se "tiver notícia
razões de justiça penal ou de justiça processual penal aceitas da existência de documento relativo a ponto relevante", deter-
como tais pelo legislador de cada país. minar, de ofício, isto é, "independentemente do requerimento
Assim é que, no Brasil, o juiz criminal nunca perde seu de qualquer das partes", as providências cabíveis "para sua
poder-dever inquisitivo, perante os poderes-deveres processuais juntada aos autos, se possível" (art. 234); e, afinal, antes de
do acusador e do defensor, no processo da ação penal. decidir, "ordenar diligências para suprir falta que prejudique
A contrariedade das partes, na instrução definitiva, não é o esclarecimento da verdade" (art. 502) ;
dispositiva, em face do poder-dever inquisitivo do juiz dasen- c) o Juiz Presidente do Tribunal do Júri, ainda, tem o
tença condenatória ou absolutória. Uma vez que a este cabe dever, de, a qualquer tempo, "ordenar de ofício .... as dili-
certificar-se da verdade real, objetiva, exterior e anterior ao gências destinadas a suprir falta que prejudique o escla-
processo, a estrutura do contraditório processual penal submer- recimento da verdade" (art. 497, n. XI) ; e, especialmente, não
ge, por absorção, na atividade inquisitiva do magistrado, sem poderá marcar dia para o julgamento sem, antes disso, ordenar
que, com isso, deixe de existir. E, assim, a contrariedade opera "de ofício as diligências necessárias para esclarecer
sem que, por existir, monopolize as iniciativas processuais; e fato que interesse à decisão da causa" (art. 425); durante
não deixa de existir pelo fato de carecer de monopólio. a reunião do Júri, "se a verificação de qualquer fato, reco-
nhecida essencial para a decisão da causa, não puder ser rea-
Frisantes exemplos revelam em nossas leis a compatibilidade
lizada imediatamente, o juiz dissolverá o conselho, formulando
da espontaneidade judiciária com a plenitude de defesa con-
com as partes, desde logo, os quesitos para as diligências ne-
traditória.
cessá rias " (art. 477).
173. Com efeito, quanto à acusação: 174. Qm,nto à defesa:
a) o juiz singular é obrigado, antes da sentença, a cor- a) o juiz permanece constantemente vinculado às circuns-
rigir ou a fazer corrigir a postulação acusatória "em conse- tâncias absolutórias ou minoratórias de pena estabelecidas em
qüência de prova existente nos autos de circunstância elemen- lei - no Código Penal e no Código do Processo Penal -
tar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na sem se restringir àquela ou àquelas que o réu ou seu defensor,
queixa": "baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo ou ambos, com adequação ou inadequação, entenderam de
de oito dias, fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ou- argüir na "contrariedade" ao libelo ou à denúncia ou queixa,
vidas até três testemunhas" (art. 384); na possibilidade de ou, ainda, na defesa oral;
que isso "importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará b) o Presidente do Júri e os jurados podiam, expressa-
o processo, a fim de que o Ministério Público possa aditar a mente, consoante antigas leis do Júri, solicitar inclusão, no
denúncia ou a queixa" (parágrafo único do art. 384); salvo questionário, de quesitos de defesa não pleiteados pelo réu ou
nas ações privativas do ofendido; pelo seu defensor, mas, hoje, como quer que seja, o presidente
do Júri, pode e deve declarar o réu indefeso, para que os jura-
b) o juiz singular é obrigado a integrar a probação, ca- ~
bendo-lhe, "no curso da instrução, ou antes de proferir a sen-
., dos não permaneçam vinculados à contingência de respostas a
~
~
tença. determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida inadequado quesito de defesa, proposto pelo réu ou seu de-
sobre ponto relevante" (art. 156); "formar o corpo de delito, fensor, e possam, assim, mediante argüição mais adequada.
mediante exame pericial, bem como determinar quaisquer ou- proposta pelo defensor dativo, consultar melhor os reclamos da
tras perícias" (arts. 158 a 183) ; qualificar e interrogar o acusa- verdade real objetiva.
do (arts. 185 a 196); ouvir o ofendido, que "será qualificado 175. Instrução criminal é a atividade de informar-se a auto-
e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ridade sobre a infração, com todas as suas circunstân-
ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar" (art, eras, Dela depende a imposição da pena ou a aplicação da me-
192 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL C.oNTRARIEDADE NO INQUÉRIT.o POLICIAL 193

dida de segurança, em seus aspectos positivos (condenação) e o inquérito policial também exprime, por sua finalidade, ativi-
negativos (absolvição), e, então, se denomina instrução defi- dade de formação da culpa, visto como seus resultados objetivos
nitiva. Entretanto, dela depende, também, liminarmente, a su- é que servem de base à denúncia ou queixa.
jeição ou não do indiciado à acusação e, nesse caso, se chama A instrução criminal provisória ou preliminar, no Brasil,
instrução provisória ou preliminar .ou, ainda, curtamente, ins- distingue-se pois, em dois estágios, nos processos de compe-
trução criminal, em sentido estrito.
tência do Tribunal do Júri, um extrajudicial, que é o inquérito
Uma informação suficiente sobre o fato e a autoria expri- policial, e outro judicial, que é o sumário de culpa; e com-
me, pois, o motivo dessas duas atividades consecutivas, através preende, nos processos de competência do juiz singular, tão-só
das quais a autoridade se instrui acerca da verdade objetiva, o inquérito policial, inclusive o corpo de delito.
seja para aplicar a lei penal, absolvendo ou condenando, seja
para cumprir a lei processual penal, mesmo antes, admitindo ou 176. Instrução definitiva ou instrução provisória, preliminar,
não a acusação. seja judicial, seja extrajudicial, a autoridade competente
Na técnica do Direito brasileiro, essa atividade de instru- para apreciá-Ia é sempre a judiciária, quer para proferir sen-
ção criminal provisória ou preliminar denomina-se formação tença penal, quer para admitir ou não a acusação. Sujeito pas-
da culpa, isto é, formação da acusação, mediante apuração do sivo da instrução criminal, a autoridade seria também seu ex-
fato e da autoria. clusivo sujeito ativo, num sistema processual inquisitivo puro.
Convém não confundir [ormação da culpa com o processo Mas, num sistema processual contraditório puro, incompatível
da formação da culpa judicial, denominado sumário de culpa ou com o caráter público do interesse penal e do interesse proces-
sumário da pronúncia na tradição de nossa doutrina, legislação sual penal, o acusador e o acusado, na instrução criminal defi-
e jurisprudência. nitiva, o denunciante ou querelante e o denunciado ou querelado,
ou ainda o requerente e o requerido. na instrução criminal pro-
Com efeito, a formação da culpa, isto é, a apuração do visória, seriam seus exclusivos sujeitos ativos.
fato e da autoria, opera-se, atualmente, mediante sumário de
culpe apenas nos processos de competência do Tribunal do Júri. Ora, o processo da instrução criminal definitiva é cercado
Sustentar-se que, à vista dessa restrição, não há formação da das necessárias garantias jurisdicionais, como sejam, promover-
culpa nos processos de competência do juiz singular correspon- -se e mover-se no âmbito jurisdicional e desenvolver-se com
deria a aceitar que, nestes, a acusação poderia assentar no ar- participação das partes, em contrariedade, porquanto, por exi-
bítrio dispositivo do acusador, denunciante ou querelante, e que, "J. gência constitucional, ninguém pode ser condenado sem ser
portanto, o juiz, na apreciação do ato de acusação, expresso 7, ouvido: "é assegurada aos acusados plena defesa, com todos
pela denúncia ou queixa, deveria curvar-se mesmo à leviandade f os meios e recursos essenciais a ela" (§ 25 do art. 141 da
ou à calúnia manifestas, impedido de guiar-se - no recebê-Ia 1 Constituição). Essa participação do acusado, e de seu acusa-
ou no rejeitá-Ia - pelas justas imposições da verdade real, dor, num sistema processual contraditório puro, reduziria o
objetiva, anterior e exterior ao processo. juiz à inércia jurisdicional, incompatível com a índole publicis-
Não obstante a inexplicável estranheza de certos magistra- tica do processo penal. N o sistema misto, que, sendo o da
dos e de muitos promotores públicos, heresia jurídica é afir- maioria dos países civilizados, é também o brasileiro, a contra-
mar-se que o Ministério Público, quando oferece denúncia, e riedade das partes, como vimos acima, desenvolve-se sem res-
mesmo o particular ofendido, quando apresenta queixa, nas trições ao poder-dever inquisitivo do juiz. N a instrução cri-
ações públicas, não são mais obrigados a submeter à apreciação minal definitiva, a atividade contraditória, de acusador e de
do juiz "razões de presunção ou de convicção" (expressamente acusado, conjuga-se funcionalmente com a atividade inquisitiva
exigidas pelas leis e decretos anteriores ao vig-ente Código do do juiz ou, mesmo, do Tribunal do Júri. Satisfaz-se, assim,
Processo Penal), em relação à exposição dos fatos conti da na a plenitude de defesa, por obstados quaisquer efeitos processuais
inicial. O certo é que, como melhor se demonstrará adiante. I sem oportunidade de o réu contrariá-los, e mantém-se o devido
.1
I'J
CONTRARIEDADE
NO INQUÉRITO POLICIAL 195
194 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSOPENAL

ronto agir e de quando agir, em face do caso concreto que, con-


respeito, entretanto, ao poder-dever inquisitivo, em salvaguarda forme à lei, desencadeia necessariamente a atividade do Estado,
da verdade real. distribui-se ou não, em dado processo, por um ou mais órgãos
de autoridade, quer se chamem juizes ou tribunais criminais,
177 . A História nos ensina, pois, que a instrução criminal
juizes ou tribunais de instrução criminal, quer se denominem
quer definitiva, quer preliminar, depende ou pode de- promotores públicos ou delegados de Polícia.
pender de se descobrirem antes as circunstâncias da prática da
infração, encobertas, inclusive qual o seu autor ou quais os seus O impulso processual, como é óbvio, não se confunde com a
autores. Quando, outrora, se distinguiam as devassas em ge· direção processual. Assim é que, no processo civil, a fixação
reis e especiais, as gerais se tiravam "sobre delitos incertos", e dos contornos do litígio incumbe às partes na postulação e in-
as especiais" supunham a existência do delito de que só é incer- flige direção ou conteúdo ao comportamento do juiz. A inércia
to o agressor". "Provado o crime, e descoberto o seu autor, jurisdicional, em função dos ônus processuais das partes, mos-
segue-se então a pronúncia", isto é, "a sentença do juiz, que tra claramente que a instância não flui por impulso automático,
mas por irnpulso heteromático.*
declara o réu suspeito do delito que faz objeto da devassa, ou
da querela contra ele dada, e ° põe no número dos culpados", Ora, no processo penal das Ordenações do Reino, o "juiz
ensinava PEREIRA E SOUZA. ordináno" ou "juiz de fora", que era o juiz criminal, inquisi-
O direito público moderno, distingue, na atividade admi- tivo, não gozava de discrição funcional, nem às partes se con-
nistrativa, seu conteúdo obrigatório, vinculado às expressas de- cedia disponibilidade sobre a causa: estas não tinham o mono-
terminações da lei, de seu conteúdo discricionário, facultado à pólio do impulso processual, visto como o juiz, com querela ou
escolha do agente pelas indeterminações da lei: exprimem eles sem querela. de interesse público ou de interesse privado, tinha
a regência, nas atribuições funcionais, do princípio de legali- o dever de instaurar, de ofício, o processo preliminar da forma-
dade e do princípio da discrição administrativa. ção do corpo de delito e, mediante devassa, o processo liminar
ela formação de culpa, que produziam, através da pronúncia, a
O direito público moderno, ainda, no âmbito do direito ju-
obrigação concreta de defender-se o réu de acusação criminal.
diciário, distingue, também, na mesma proporção, por assim
dizer, na atividade dos agentes da causa, de um lado, em rela- As deuassas tiravam-se nos casos expressamente determi-
ção às autoridades estatais, seu conteúdo obrigatório, vinculado nados nas leis e consistiam, segundo definição de PEREIRA E
à lei, e seu conteúdo discricionário; e, de outro lado, seu con- SOUZA, em "informação do delito tomada por autoridade do juiz
teúdo dispositivo, facultado ao arbítrio dos interessados, embora para castigo dos delinqüentes e conservação do sossego público".
sob sanções estimuladoras e controladoras, estabelecidas ou per- Ta! era a preocupação do legislador reinol, de anular qual-
mitidas pela lei: exprimem a regência, no processo judiciário, quer discrição funcional do juiz, positiva ou negativa, que não
do princípio de legalidade, ou de indisponibilidade. e do princípio pertencia à sua escolha - do juiz - instaurá-Ias e deixar de
de disponibilidade. instaurá-Ias segundo os reclamos da verdade real, sobre o fato
Quando, em determinados momentos históricos e em de- e sobre a autoria.
terminados países, o legislador decide coartar o arbítrio dos in- Se o juiz processasse a devassa sem prévio corpo de delito,
teressados na movimentação do processo, tolhendo-lhes o ônus ou sem prévia denúncia, ou, na falta desta, sem preliminares
do impulso e da direção processual, impõe exclusiva ou inclusi- indícios de autoria, nula era a deuassai e, por via de conseqüên-
vamente a órgão de autoridade o dever de ofício de promover e cia, nulo era também o processo contraditório do livramento-
mover a atividade judiciária, e de lhe imprimir sentido, tudo na -crime, com acusação e defesa, que a ela se seguisse. Se, pro-
forma da lei. cedente o corpo de delito e oferecida denúncia, ou ocorrentes
O processo inquisitivo, quer do tipo canônico, quer do tipo legtimos indícios, o juiz permanecesse inerte, omisso, na instau-
atual, exprime, manifestamente, penetração do princípio de le-
galidade no comportamento do outrora juiz eclesiástico, e dos '" Alomático.
atuais juizes e tribunais criminais. A obrigação de agir, de

IS - P. F. P. P.
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NO INQUÉRITO POLICIAL 197
196

ração da devassa, incorria em responsabilidade disciplinar e' tr-rminaçâo do legislador, sem prejuízo de sua finalidade espe-
penal, conforme o grau de má-fé posto na falta. li fica, a de formar a culpa, dando à acusação bases objetivas.
A denúncia incumbia a qualquer do povo, correspondendo, A Constituição, entre nós, determina que a plenitude de
pois, àquilo que, no nosso Direito vigente, representa a "comu- defesa se assegure "desde a nota de culpa, que, assinada pela
nicação de crime" feita por qualquer pessoa: era a "declaração .uuoridade competente, com os nomes do acusador e das teste-
do crime público feita em juízo para se proceder contra o de- n.unhas, será entregue ao preso dentro em 24 horas"; e com-
linqüente por Ofício da Justiça". Exigia-se do denunciante, pk-ta : "a instrução criminal (isto é. a instrução criminal preli-
IIli nar ) será contraditória".
"por solenidade do ato, o juramento", mas o denunciante não
era obrigado a fazer prova do crime que denunciava. Essa Nada mais fez o legislador pátrio, nesse dispositivo fun-
obrigação pertenceria ao acusador, isto é, àquele que, querendo I l.unental, do que guardar fidelidade à tradição de nossas leis
acusar, a isso se habilitasse, nos casos admitidos, mediante que- imperiais.
rela, seguida do sumário da querela, uma sumária inquirição É certo que, no lembrado regime das Ordenações, a ins-
das testemunhas arroladas pelo querelante. Havia a querela 1 ruçâo criminal provisória, no processo ordinário, contida na
de interesse púbHco, que qualquer pessoa do povo podia dar, inquiriçiio devassa ou no sumário da querela, as quais serviam
como meio de constituir-se acusador, salvo nos casos de adul- d(' base à pronúncia, fora exclusivamente inquisitiva. Quando .
tério, de feridas ou nódoas de que não resultasse aleijão, ou rnntudo, o Código do Processo Criminal, suprimidas as deuassas
deformidade, e de cortamento de árvores frutíferas; e querela I' as querelas, substituiu-as pelo sumário de culpa. a instrução
de interesse particula.r, cabente ao ofendido. rriminal provisória ou preliminar, que este passou a exprimir,
instituiu-se com certa medida de defesa, através do disposto no
Podia proceder-se à querela e à devassa pelo mesmo cri-
.rrt. 142 do Código do 'Processo Criminal de 1832: "estando o
me, porque se entendia que o procedimento da Justiça não tirava
.k-linqúente preso ou afiançado, ou residindo no distrito, de
o direito do querelante, popular ou particular, mas, não devendo
maneira que possa ser conduzido à presença do juiz, assistirá
o réu ficar sujeito a dois livramentos pelo mesmo fato, incum-
;', inquirição das testemunhas, em cujo ato poderá ser interro-
bia a um dos juizes, quando fossem dois, avocar os autos do
1:;,<10 pelo juiz. e contestar as testemunhas sem as interromper".
segundo processo, para promover a unidade. ( ) juiz deveria mandar "ler ao réu - art. 98 - todas as peças
Tudo isso demonstra que, em confronto com a esponta- ""'Ilprobatórias do crime" e, dentre as perguntas, indagar "se
neidade obrigatória do juiz, desenvolvia-se a faculdade de im- 1<'111 fatos a alegar, ou provas que justifiquem, ou mostrem sua
pulso processual da parte. Mas - e isso convém focalizar .uocência ". "Toda a vez que o réu - art. 97 - levado à
a direção ou conteúdo do processo, impondo-se ao juiz inquisi- presença do juiz, requerer que as testemunhas inquiridas em
tivo, na devassa, superava o arbitrio da parte, usado na querela. :,11;', ausência sejam reperguntadas em sua presença, assim lhe
O processo não deixava de ser inquisitivo pela circunstância :;('rá deferido, sendo possível."
de o querelante ser titular da pretensão acusatória. O conteúdo
da acusação, deduzido por querelante popular ou por querelante 179. A instituição do sumário de culpa antes mesmo do Có-
particular, vinculava-se, sempre, aos resultados da devassa ou digo do Processo Criminal, preocupara os legisladores
do sumário da querela, decididos na pronúncia. Pronúncia era 1';'11 rios. "Os autos sumários da formação da culpa - dizia
"a sentença do juiz que declara o réu suspeito do delito que faz 11111 projeto apresentado à Câmara dos Deputados do Império,
objeto da devassa ou querela contra ele dada, e o põe no rol ;1 S de novembro de 1827 - feitos pelo juiz de paz nos seus
dos culpados". h.iirros, Oli ex officio, ou a requerimento de parte, serão as
únicas bases das acusações criminais'"; e terminava por decla-
178. O processo da instrução criminal provisória ou prelimi- 1;11' "abolidas as devassas, as. querelas e os sumários sem limi-
nar, porém, não deve, necessariamente, ser cercado de t;Il)O de tempo, como se nunca tivessem existido". A lei de lS
garantias iurisdicionais. Mas pode delas ser dotado, por de- ,I<- outubro, criando os juizados de paz, incumbira aos juizes
CONTRARIEDADE NO INQUÉRITO POLICIAL 199
198 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

crarn juridicamente relevantes, uma vez que, escritos seus de-


de paz, dentre outras atribuições, formar corpo de delito, e de,
poimentos, serviam esses de fundamento à pronúncia, conjuga-
indiciado o delinqüente, conduzi-Ia à sua presença, para inter- dos à previa formação do corpo de delito, direto ou indireto.
rogá-Ia à vista dos fatos existentes e das testemunhas, man- () Código do Processo Criminal, de 1832, estatuiu, pois, que
dando escrever o resultado no interrogatório; e, provado, com n.io se escreveriam mais os depoimentos de 30 testemunhas,
evidência, quem fosse o delinqüente, Iazê-lo prender, de acordo nem mesmo de todas as testemunhas, embora fossem inferio-
com a lei, remetendo-o imediatamente ao juiz criminal respec- res a 30, mas apenas - limitação quantitativa - "de duas até
tivo. A proposta de Código do Processo Criminal apresentada, cinco" que - limitação qualitativa - tivessem "notícia da
em sessão de 20 de maio de 1829, pelo Ministro da T ustiça, «xistência do delito e de quem seja o criminoso". O denun-
Lúcio Soares Teixeira Gouveia, em substituição a vários pro- ciante ou queixoso, consoante o disposto no art. 79, § 5.°, de-
jetos totais ou parciais pendentes de debates, continha, no art. veria nomear" todos os informantes e testemunhas"; e o juiz,
169, a regra seguinte: "por dois modos se legalizarão os delitos, .ut. 80, deveria ainda "fazer ao denunciante ou queixoso as
a saber: por devassa e por sumário". A devassa limitar-se-ia, 1 .erguntas que lhe parecerem necessárias para descobrir a ver-
consoante o art. 170 dessa proposta, aos crimes de morte e aos dade e inquirir, sobre elas, testemunhas", isto é, para poder
de pena capitai, ouvindo-se nele 30 testemunhas, fora as refe- selecionar, sem dúvida, aquelas "duas até cinco", únicas rele-
ridas; e, rezava o art. 172: "todos os mais crimes serão legali- vantes, porque, no imperativo do art. 140, deveriam, exclusi-
zados por sumários de três a oito testemunhas, à proporção do vamente, ter seus depoimentos tomados por termo (primeira
caso e da população do lugar". inovação}, perante o "rlelinqúente" p'feso ou afiançado, ou
residindo no distrito, de maneira que possa ser conduzido à
A criação do sumário de culpa, pelo Código do Processo presença do juiz, em cujo ato poderá ser interrogado pelo juiz,
Criminal, satisfez, assim, o propósito do legislador pátria, de que c contestar as testemunhas sem as, interromper" (segunda ino-
ele constituísse base da acusação criminal, e, mais do que isso, vação). "Toda a vez que o réu, levado à presença do juiz,
a única base da acusação criminal. requerer que as testemunhas inquiridas em sua ausência sejam
A instrução crvnunal (preliminar), pois, considerada como reperguntadas em sua presença, assim lhe será deferido, sendo
atividade de formação da culpa, isto é, de determinação da base possi vel" (art. 97).
da acusação criminal, ou melhor, o sumário de cuipa, no regime A sabedoria do legislador assentava no propósito de negar
de 1832, compreendeu as atribuições do juiz de paz, no respec- valor, para a pronúncia, a depoimentos colhidos sem as neces-
tivo distrito de paz, de formar auto de corpo de delito, direto sárias garantias de defesa, como a publicidade das inquirições
ou indireto, e tomar primeiras informações, para obter conhe- l' a participação do indiciado. A preocupação de Iimitá-los
cimento de quem fosse o delinqüente (art. 149), de modo a pelo número e pela eficácia, exprime a intenção de impedir
poder selecionar e inquirir "de duas até cinco testemunhas que que os males advindos de intermináveis trâmites prolongassem
tiverem notícia do delito e de quem seja o criminoso" (art. inutilmente as aflições do indiciado e os labores do juiz suma-
140). Instaurava-se quando "apresentada a queixa ou denún- riante.
cia" (art. 140); ou, "nos casos de denúncia, ainda que não Como quer que fosse, o sumário de culpa, quer iniciado
haja denunciante" (art. 141). por efeito de denúncia ou queixa, quer de ofício, pressupunha
A preocupação dos liberais dos primeiros tempos do Im- indagações anteriores e irregistradas: para proceeler "à inqui-
pério era a de, suprimindo as devassas e as querelas, banir do rição de duas até cinco testemunhas" que tivessem notícia da
rol das nossas instituições, não a instrução criminal (prelimi- existência elo delito e ele quem sej a o criminoso" (art. 140),
o juiz de paz devia entregar-se a pesquisas, às quais, por des-
nar), a qual, determinando as bases da acusação, forma a culpa
necessário, o legislador não fazia expressa referência; a sele-
ao delinqüente, mas o segredo da interminável inquirição de 30
ção das numerarias não se poderia operar, sem que a autori-
testemunhas e a denegação de qualquer prerrogativa de defesa
dade sumariante tomasse informações mais amplas, em fun-
nessa fase do processo criminal. As 30 testemunhas da deuassa
200 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NO INQUÉRITO pOLICIAL 201

ção do sumário de culpa, capazes de lhe permitir racional esco- CISOS se não apresentem revestidos de circunstâncias, extraor-
lha das testemunhas que devessem jurar. A tarefa de atender dinárias e tais que reclamem a atenção particular, e o conhe-
urgentemente às providências conseqüentes à notícia da infra- cimento do chefe de Polícia, e o emprego de meios amplos que
ção, já então existia. O registro escrito de seus resultados, tenha à sua disposição", remessa de "instruções que o mesmo
porém, é que recaía sobre os elementos de convicção necessá- chefe julgar conveniente dar, a indicação das testemunhas que
rios ou úteis, fixáveis mediante o processo da formação de souberew: do fato, e de todos os indícios q~~ese houverem des-
culpa. Este, escrito, e aquelas, não escritas e subjacentes, coberto, e ser acompanhada dos requerimentos, queixas e de-
constituíam atribuições da mesma autoridade. núncias que houverem" (art. 61).
O art. 16, para isso, providenciava: "Os chefes de Polí-
180. Em 1841, passou o sumário de culpa para a competência cia. ... para escrever os interrogatórios, provas e mais esclareci-
dos chefes de Polícia" em toda a província e na corte, e mentes, que houverem de remeter para a formação da culpa, aos
aos seus delegados nos seus respectivos distritos" (art. 4.°, § juizes competentes, na conformidade do § 9.° do art. 4.° da Lei
1.0, da lei de 3 de dezembro), bem como aos "subdelegados nos de 3 de dezembro de 1841, e do art. 61 do dito Regulamento,
seus distritos" (art. 5.°). Deveriam, além de proceder a auto servir-se-âo dos empregados de sua Secretaria; e para a dos
de corpo de delito, "formar a culpa aos delinqüentes", segundo negócios que pertencem à Polícia judiciária, enumerados no
o disposto no Código de Processo Criminal. Passaram, outros- art, 3.° do meS1110Regulamento, e dos criminais, servir-se-âo
sim, para os juízes municipais, em concorrência com essas auto- de qualquer dos escrivães que escrevem perante os juizes muni-
ridades policiais, a mesma, "de proceder a auto de corpo de cipais e subdelegados que julgarem conveniente. Em todos os
delito" e a de "formar a culpa aos delinqüentes"; e, para os casos, porém, estando fora da Capital e seu termo, poder-se-ão
juizes de direito das comarcas, a de "formar a culpa aos em- servir destes últimos." Aos juízes municipais, como autoridades
pregados não privilegiados, nos crimes de responsabilidade" policiais, o art. 64 dava as mesmas atribuições dos delegados de
(art. 25, inciso 1.0). Polícia. Os arts. 17 e 18 impunham aos delegados e subdele-
Ca:beria, por isso, daí por diante, e expressamente, àquelas gados as mesmas obrigações do art. 16.
autoridades policiais "remeter, quando julgarem conveniente, Como se pode perceber, através de tais dispositivos o legis-
todos os dados, provas e esclarecimentos" que houvessem lador pátrio começava, então, a determinar o registro dos resul-
." obtido sobre um delito, com uma exposição do caso e suas todos das indagações anteriores, como mero auxílio à autoridade
circunstâncias, aos juizes competentes, a fim de formarem a sumariante, prestado quando a primeira autoridade indagado-
culpa" (art. 4.°, § 9.°, primeira parte), isto é, aos juizes mu- ra não fosse ao mesmo tempo a competente para a formação
nicipais e aos juizes de direito. da culpa, e devesse, por isso, informar-se para informar, me-
O Regulamento n. 120, de 1842, repetindo, frisou que "a diante prouas e mais esclarecimentos que houverem de reme-
U

atribuição de proceder a corpo de delito, compreendida no § 4.° ter, para a formação da culoa, aos juízes competentes"
do art. 12 do Código de Processo Criminal" (art. 3.°, inciso
1.°), e a de "proceder a auto de corpo de delito e formar culpa" 181. Quando, em 1871, a atribuição de formação da culpa
(arts. 198, inciso 1.0, e 212, inciso 1.°), passavam para a com- passou para os juizes de direito e para os juizes munici-
petência do chefe de Polícia e dos delegados e subdelegados pais, por força da Lei n. 2.033 e do Regulamento n. 4.824, de-
(arts. 58 e 62). "Os chefes de Polícia as exercerão por si vendo ela ser exerci da na comarca, ao invés de no pequenino
mesmos e imediatamente" - dispunha o art. 59 - mas, apenas distrito de paz ou policial, o legislador sentiu necessidade de
e tão-só, "dentro do termo da Capital em que residirem". E ressalvar as atribuições para os delegados e subdelegados de
"nos outros" somente "quando neles se acharem", ou "por in- Polícia - dizia a Lei n. 2.033 - de "em seus distritos, pro-
termédio de seus delegados ou subdelegados". O art. 58, § 13, ceder às diligências necessárias para o descobrimento dos fatos
repetindo o art. 4.0, § 9.°, da lei, aludiu à referida "remessa", criminosos e suas circunstâncias": "transmitirão - dizia a lei
que deveriam eles fazer, todas as vezes - art. 61 - que esses _ aos promotores públicos com os autos de corpo de delito e
202 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NO INQUÉRITO POLICIAL 203

indicação das testemunhas mais idôneas, todos os esclarecimen- li;.;ir-se a autoridade "com toda a prontidão ao lugar do delito"
tos coligidos; e desta remessa ao mesmo tempo darão parte à ", ali, .•além do exame do fato criminoso e de todas as suas
autoridade competente para a tormação da culpa" (art. «ircunstâncias e descrições da localidade em que se deu", tra-
10, § 1.°). Lu-ia, "com cuidado, de investigar e coligir os indícios existen-
I ('S e apreender os instrumentos do crime e quaisquer objetos
E o Regulamento n. 4.824, no art. 38, pormenorizava:
"logo que por qualquer meio lhes chegue a notícia de se ter «ncontrados, lavrando-se de tudo auto assinado pela autoridade,
praticado algum crime comum, procederão em seus distritos às peritos e duas testemunhas:"; 2.°) interrogaria o delinqüente
diligências necessárias para verificação da existência do mesmo que tivesse sido preso em flagrante, e tomaria logo as declara-
crime, descobrimento de todas as suas circunstâncias e dos de- cões juradas elas pessoas ou escolta que o conduzissem e das
linqüentes". Essas diligências deveriam compreender, consoan- que tivessem presenciado o fato ou dele tivessem conhecimento;
te os di versos incisos do art. 39: H 1.°) o corpo de delito dire- .),'J) feito ou não o corpo de delito (quando não fosse caso),
to; 2.0) exames e buscas para apreensão de instrumentos e indagaria quais as testemunhas do crime e as faria vir a sua
documentos; 3.0) inquirição de testemunhas que houverem presença, inquirindo-as sob juramento, a respeito "do fato e
presenciado o fato criminoso ou tenham razão de sabê-lo ; 4.0) suas circunstâncias e de seus autores ou cúmplices", depoimen-
perguntas ao réu e ao ofendido. Em geral, tudo o que for tos esses que deveriam ser "na mesma ocasião" "escritos resu-
útil para esclarecimento do fato e das suas circunstâncias". midamente em um só termo, assinado pela autoridade, teste-
munhas e delinqüente, quando preso em flagrante"; 4.°) po-
Enquanto a autoridade judiciária não comparecesse, para derá dar busca com as formalidades legais para apreensão das
instaurar o processo da formação da culpa, dispunha o art. 41 :
armas e instrumentos do crime e de quaisquer objetos a ele
"deve a autoridade policial proceder ao inquérito acerca dos
referentes, e desta diligência se lavraria o auto competente"
crimes comuns de que tiver conhecimento próprio, cabendo a (§ 5.°); "terminadas as diligências e autuadas todas as peças,
ação pública, ou por denúncia, ou a requerimento da parte in- serão conclusas à autoridade que proferirá o seu despacho, no
teressada ou no caso de prisão em flagrante". Sobre os prazos qual, recapitulando o que for averiguado, ordenará que o inqué-
para apresentação de 'queixa ou denúncia, rezava a lei, no art. rito seja remetido, por intermédio do juiz municipal, ao pro-
15: que no caso de flagrante delito, se o réu tivesse prestado motor público, ou quem suas vezes fizer, e na mesma ocasião
fiança, a queixa ou denúncia seria apresentada "dentro de 30 indicará as testemunhas mais idôneas que porventura não te-
dias da perpetração do delito" (§ 1.°); se estivesse preso, den-
H
nham sido inquiridas"; da remessa "dará imediatamente parte
tro de cinco dias" (§ 2.°) ; não estando o réu preso, nem afian- circunstanciada ao juiz de direito da comarca"; nas comarcas
çado, "cinco dias", contados da data em que o promotor público especiais, "a remessa será por intermédio do juiz de direito
receber os esclarecimentos e provas do crime ou em que este se que tiver a jurisdição criminal do distrito, sem participação a
tornar notóTio (§ 3.°); que as autoridades competentes reme- outra autoridade" (§ 6.°); "todas as diligências relativas ao
terão aos promotores públicos ou seus adjuntos as prouas que inquérito policial serão feitas no prazo improrrogável de cinco
obtiverem sobre a existência de qualquer delito, a fim de que dias, C01n assistência do indiciado delinquenie, se estiver preso,
eles procedam na forma das leis (§ 4.°). podendo impugnar os depoimentos das testemunhas". Poderia
O Regulamento aludido, no art. 22, repetiu essas normas, também impugná-los nos crimes afiançâveis, se, afiançado, re-
tornando a falar de esclarecimentos c provas do crime. queresse "sua admissão aos termos do inquérito" (§ 7.0).
O inquérito policial consistia - segundo o art. 42 - "em Em suma: na inquirição-devassa, do regime das Ordena-
todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos cões, em que não se distinguiam das demais as meras indaga-
criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices"; ções preliminares, para seleção das testemunhas necessárias ou
e devia "ser reduzido a instrumento escrito, observando-se" o úteis à instrução preliminar, e todas se exprimiam pelos de-
seguinte: íar-se-ia "corpo de delito, uma vez que o crime" poimentos registrados nos autos, o indiciado não participava da
fosse dos que, por natureza, deixam vestígios, 1.°) deveria di- formação da culpa; no sumário de culpa do Código do Processo
204 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NO INQUÉRITO pOLICIAL 205

Criminal, de 1832 em que indagações anteriores irregistradas 183. Acontece que os legisladores republicanos, de alguns Có-
constituíram pressuposto da seleção das testemunhas numerá- digos do Processo Criminal ou Penal estaduais, desconhe-
rias, o indiciado, passando a participar da formação da culpa, ciam ou agiram como se desconhecessem a função processual
da pronúncia, qual seja, a de ser um juízo de acusação. Supri-
continuou alheio àquelas indagações; no regime instaurado pela
Reforma Judiciária de 1871, em que o inquérito policial se dis- ram-na nos processos de competência do juiz singular.
ciplinou em função auxiliar da formação da culoo. e com ante- Tivemos oportunidade de acentuar, no regime da Consti-
rioridade, a porticipaçiio do indicado, nele, foi determinada pe- tuição de 1937, que tal supressão se afigurava inconstitucional,
em face do preceito que tradicionalmente estabelecia ser con-
lo legislador pátrio. Os resultados escritos dessa atividade au-
dição de prisão processual e, portanto, da fiança, nos crimes
xiliar, é que, no seu conjunto, passaram a compor aquilo que
a fiançáveis, a formação da culpa, a pronúncia.
se denominou, desde então, inquérito policial. Não passaram
eles, entretanto, a excluir, mas, ao contrário, continuaram a Em rigor, ninguém poderia ser preso preventivamente se-
pressupor a existência de indagações anteriores - a investiga- não em processo em que houvesse pronúncia, porque só a for-
ção - em que nenhum papel ativo pode obviamente caber ao mação de sua culpa legalizaria a permanência de coação pro-
cessual, prisão ou fiança, durante a instrução definitiva. Assim
indiciado.
também ninguém poderia ser preso em flagrante senão em pro-
182. O inquérito policial, registro obrigatório da atividade po- cesso sumário de culpa, porque só a pronúncia legalizaria defi-
nitivamente esse mesmo estado de coação processual.
licial, para fixação de emergência dos dados da forma-
ção da culpa, não se criou, é certo, para servir de base de acusa- Já a Constituição do Império dissera: "Ninguém poderá
ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados na
ção criminal, visto como as denúncias e as queixas, que em
lei", isto é, que exista delito provado (corpo de delito) e
seus resultados assentavam, não exprimiam acusação criminal,
indícios suficientes da autoria (culpa, em sentido processual).
mesmo nos processos dos crimes de competência do juiz singu-
As exceções declaráveis na lei haviam sido, desde logo, referidas
lar, ao invés do Júri: isto é, mesmo nos dos crimes de responsa- pelo legislador constituinte: "À exceção do flagrante delito
bilidade dos funcionários públicos, desde 1841, e nos de alguns (que JOÃo MENDES, repetindo velhos conceitos, declara a rainha
crimes comuns, como bancarrota, contrabando, homicídios nas das prouas, e que demonstra, à evidência, o crime e a autoria),
fronteiras do Império etc., desde 1850. a prisão não pode ser executada senão por ordem escrita da
A pronúncia legalizava as acusações, quer nos processos de autoridade legítima." E acrescentara, a lei fundamental: "Se
competência do Júri, quer nos de competência do juiz singular, esta - a ordem do juiz - for arbitrária, o juiz que a deu e
desde que se tratasse de crimes inafiançáveis e afiançáveis. quem a tiver requerido serão punidos com as penas que a lei
Instauravam-se uns e outros mediante sumário de culpa, que determinar." Falava-se, pois, de ordem arbitrária; e a Cons-
servisse de base suficiente à acusação. O fato de acusação de- tituição mesma esclarecia que em tais casos, de flagrante delito
duzia-se, sob forma oral, na sessão do Júri ou na audiência de e de ordem do juiz, antes da culpa especificamente formada,
instrução definitiva e julgamento do juiz singular. O libelo ainda aí, "dentro de 24 horas ... e, nos lugares remotos, den-
era, como ainda é, antecipação escrita do ato de acusação, para tro em prazo razoável ... o juiz, por uma nota por ele assinada,
perfeição do contraditório. A instrução criminal preliminar fará constar ao réu o motivo da prisão, os nomes do seu acusa-
exprimia-se, sempre. pois, pelo sumário de culpa, visto como dor e os das testemunhas, havendo-as". Prisão arbitrária se-
era nos resultados deste que assentava a pronúncia como lega- ria __pois, aquela cujo motivo, patenteado ao réu na nota de culpa.
lização da acusação. As denúncias e as queixas não passavam, não fosse verdadeiro.
pois, em tais processos dos crimes mais graves, os inafiançáveis Por isso, o Código Criminal de 1830 viria a disciplinar a
e os afiançáveis, de propostas de acusação, por assim dizer. matéria: declararia crime contra a liberdade individual "orde-
suscetíveis de aprovação mediante pronúncia, ou de desaprova- denar a prisão de qualquer pessoa. .. antes de culpa formada,
ção, mediante impronúncia ou despronância, não sendo nos casos em que a lei o permite", bem como "mandar
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CONTRARIEDADE NO INQUÉRITO POLICIAL 207


206 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

qualquer juiz prender alguém fora dos casos permitidos nas em virtude de lei e na forma por ela regulada", o que equivalia
leis, ou mandar que depois de preso, esteja incomunicável além a dizer que, nos crimes inafiançáveis e afiançáveis, a conserva-
do tempo que a lei marcar (art. 181); bem como "não dar o ção do réu na prisão processual, oriunda de flagrante ou de
juiz ao preso, no prazo marcado na Constituição, a nota por decretação de prisão preventiva, tanto quanto de pronúncia, de-
ele assinada, que contenha o motivo da prisão e os nomes do penderia sempre de formação da culpa.
acusador e das testemunhas, havendo-as" (art. 182). Consi- Concluía o legislador constituinte outorgante: "a instrução
derou-se cárcere privado ser alguém "preso nas prisões públi- criminal será contraditória, asseguradas, antes e depois da [or-
cas por quem não tiver autoridade para o fazer", crime esse mação da culpa, as necessárias g.arantias de defesa"; não se
punível com prisão de 15 dias a três meses, "nunca, porém, por contentou em exprimir apenas que "a instrução criminal será
menos tempo do que o da prisão do ofendido" (arts. 189 e 190). contraditória". Achou prudente explicar também o que isso
"Demorar o juiz o processo do réu preso ou afiançado além deveria significar para o legislador ordinário. É o que fez ao
dos prazos legais - rezava o art. 181 - ou faltar aos atos do acrescentar, explicitamente, que as garantias de defesa haveriam
seu livramento", pena: "suspensão do emprego por um mês a de se respeitar mesmo antes de concluída 11I formação da culpa,
um ano, prisão por 15 dias a quatro meses, nunca, porém, por isto é, mesmo antes da pronúncia.
menos tempo que o da prisão do ofendido, mais a terça parte." O legislador constituinte não se referiu expressamente a
Quais foram esses prazos? "A formação da culpa não sumário de culpa. Preferiu chamar de instrução criminal à ati-
excederá o termo de oito dias, depois da entrada na prisão, ex- vidade que leva à completa formação da culpa. Poderia, à vista
ceto quando a afluência de negócios públicos, ou outra dificul- disso, ter suprimido o sumário de culpa, enquanto tal, dos pro-
dade insuperável obstar, fazendo-se contudo o mais breve que cessos de competência do juiz singular, como suprimiu, e até
for possível." Essa norma, contida no art. 148 do Código do mesmo dos outros processos, os de competência do Tribunal do
Processo Criminal, estabeleceu, pois, que a conservação do réu Júri, nos quais conservou o sumário de culpa. Mas deveria
na prisão, conseqüente ao flagrante ou à ordem do juiz, antes criar, nos processos dos crimes inafiançáveis e afiançáveis, em
da pronúncia, não poderia de regra durar mais de oito dias. O substituição, uma insirwção criminal preliminar, isto é, processo
juiz que excedesse tal prazo incorreria nas penas de crime contra prévio à denúncia ou à queixa, que culminasse em formação
a liberdade individual. da culpa, como base da acusação criminal nelas contida.
Isso revela que só a pronúncia legalizava as prisões pro- A supressão desarrazoacla da pronúncia, empreendida no
cessuais, não só a prisão dela resultante, mas também a prisão í Código do Processo Penal, em relação aos processos de com-
a ela anterior, fosse a conseqüente a flagrante, fosse a conse- ~ petência do juiz singular, ordinários ou sumários, salvo tratan-
qüente a decretação de prisão preventiva. L
do-se de infrações extra-afiançáveis, só não incorre em incons-
&
No n0SSO sistema tradicional, portanto, o caráter inafian- 'f titucionalidade se se admitir que houve deslocamento, para o
çável ou afiançáve1 da infração obrigava, por dispositivo cons- 11;;',
inquérito policial, das funções do suprimido sumário de culpa.
titucional, a que o legislador ordinário estabelecesse um sunui- ~ A acusação contida em denúncia ou queixa, a que não se
rio de culpa, como processo prévio à acusação. segue qualquer tipo de instrução criminal preliminar judicial,
f.~ depende de base, tanto quanto a acusação que se encerra em
184. A Constituição de 1937 foi explícita, repetindo de ma-
neira clara, o princípio fundamental da instrução preli- 1 libelo. Tal base indispensável não pode deixar de ser resultado,
t
minar originária da do Império: "À exceção do flagrante de- portanto, de operações anteriores à denúncia ou queixa. Se
lito, a prisão não poderá efetuar-se senão depois de pronúncia essas operações anteriores não são outras senão do inquérito
do indiciado, salvo os casos determinados em lei e mediante policial, este ganha, sem dúvida, funcionalmente, o caráter de
ordem escrita da autoridade competente." E - art. 122, in- instrução criminal (preliminar), porque - segundo a lingua-
ciso 11 - prosseguia: "Ninguém poderá ser conservado em gem dos legisladores de 1827 - constitui, já agora, ern tais
prisão sem culpa formada, senão pela autoridade competente, casos. de competência do juiz singular, a única base da acusação.
208 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NO INQUÉRITO POLICIAL 209

Nos processos de competência do Tribunal do Júri, o pro- Como vimos acentuando, foi a de 1937 que restabeleceu o
blema não apresenta gravidade. Neles, o sumário de culpa rea- respeito à nossa tradição: ninguém pode ser acusado de crime
liza, por assim dizer, uma obra de beneficiamento judiciário .I:rave, no Brasil, sem prévia formação de sua culpa, isto é, sem
dos resultados do inquérito policial. Estes, por si sós, não for- base objetiva de acusação.
necem, nem precisam fornecer, base à acusação, a não ser me-
diatamente, Afastar o indiciado de participar do inquérito 186. Como se portou, depois, a Constituição de 1946?
policial, aí, não significaria violação de garantias constitucio- A de 1934 estatuíra, no inciso 24 do art. 113, apenas e
nais de defesa. râo-só : "A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os
meios e recursos essenciais a ela." A de 1946, embora repe-
Entretanto, mesmo em tais casos, o legislador ordinário,
de 1841, de 1870 e de 1940, preferiu admitir essa liberal prer- lindo, no seu § 20 do art. 141, que: "Ninguém será preso se-
rogativa. nâo em flagrante delito, ou por ordem escrita da autoridade
competente, nos casos expressos em lei", proclamou que: "É
Afastar o indiciado, porém, de inquérito policial instaurado
.issegurada aos acusados plena defesa, com todos os meios e
para apurar infração inafiançável ou afiançável em processo
r-cursos essenciais a ela - é certo - desde a nota de culpa, que
no qual à denúncia ou queixa não se segue sumário de culpa,
.issinada pela autoridade competente, com os nomes do acusador
infringea norma constitucional vigente ao tempo da promulga-
,. das testemunhas, será entregue ao preso em 24 horas." Mas,
ção do Código do Processo Penal.
voltando à conquista liberal da Constituição de 1937, repetiu:
Tal dispositivo exigia, antes de mais nada, que as acusa- "A instrução criminal será contraditória."
ções por semelhantes crimes se fundamentassem em instrução A explicação de 1937, acerca de que por instrução contra-
criminal, onde ele aludia à pronúncia, à culpa formada. Acres- ditória se deve entender aquela que se cerca das necessárias
cia a essa exigência a de que a instrução criminal formadora garantias de defesa, era supérflua.
da culpa fosse contraditôria e, mais do que isso, cercada das O Poder Judiciário não há de, com acerto, interpretar a
"necessárias garantias de defesa". Em rigor, a instrução cri- omissão como significativa de que, nos processos criminais, não
minal preliminar, assim exigida pelo legislador constituinte, de- deva haver instrução criminal, ou de que a instrução criminal
veria ser judicial. Mas se o legislador ordinário, no suprimir 11.''tO .precise ser contraditória, quando não seja judicial.
o sumário de culp«, a fez extrajudicial, como é o inquérito po- Poder-se-ia admitir, apenas, que, já agora, no regime do
licial, daí não se pode nem se deve inferir que, além da primei- vigente Código do Processo Penal, não sendo judiciária, a ins-
ra inconstitucionalidade, consistente em ser policial o que de- trução criminal, mas administrativa, policial, há de ser, contudo,
veria ser judiciário, ainda ocorra uma segunda, a de o indiciado contraditória.
ser repelido da sua formação de culpa, como se nenhum legítimo Entenda-se, sempre, por instrução criminal, que a Cons-
interesse nela tivesse a resguardar. tituição refere, a instrução criminal preliminar. A lei não con-
1('111 cláusulas inúteis. A primeira parte do § 25 do art. 141
185. A Constituição de 1891 consignara: "Ninguém poderá da Constituição vigente, * no assegurar "aos acusados plena
ser conservado em prisão sem culpa formada, salvo as .k-fesa, com todos os meios e recursos essenciais. a ela", refe-
exceções especificadas em lei" (art. 72, § 14); a de 1934 in- re-se ao processo de instrução criminal definitiva e não ao da
tentara inovar - o que teria permitido a supressão da instrução preliminar. A segunda parte, para não encerrar uma repetição,
criminal preliminar - dispondo: "Ninguém será preso senão h;'l de referir-se - quando fala de instrução criminal - à ins-
em flagrante delito ou por ordem escrita da autoridade compe- t rução criminal preliminar.

tente, nos casos expressos em lei" (art. 113, inciso 21). Já


187. O inquérito policial, portanto, criou-se e existe, no siste-
não falava mais, a Constituição, de pronúncia, de formação da
ma de nosso Direito, em função de formação da culpa,
culpa, nem ainda de instrução criminal ; nem dizia mais que a
conservação do réu na prisão dependia desta ou daquelas. "' Constituição Federal de 1946.
210 l'RINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL
CONTRARIEDADE NO INQUÉRITO POLICIAL 211

isto é, da atividade de se coligirem elementos de convicção sus- quando não haja sumário de culpa. Nesse caráter, seus resul-
cetíveis de constituírem suficiente base àccusação criminal. tados constituem os únicos elementos de convicção disponíveis
Chama-se, entre nós, sumário de culpa a essa atividade para o juiz no ajuizar da admissibilidade da denúncia-acusação
preliminar, nos processos em que o legislador do Código do ou da queixa-acusação.
Processo Penal não o suprimiu.
N os demais processos, uma vez que é da índole do sistema 189. À autoridade policial incumbe "colher todas as provas
não se admitirem acusações sem liminar base objetiva, e não que servirem para o esclarecimento do fato e suas cir-
podendo o juiz, para apreciação dos fundamentos objetivos da cunstâncias": "colher" as provas é uma coisa; outra coisa é
denúncia ou queixa, encontrá-Ias senão nos resultados da ativi- prestar "esclarecimento" ao juiz ou, por intermédio deste, ao
dade da Polícia e corpo de delito, pertence ao inquérito policial. promotor publico, para a denúncia, mediante "as peças do in-
em tais casos, a mesma função legalizadora da acusação atri- quérito policial, num só processado, reduzidas a escrito ou da-
buída ao sumario de culp«. tilografadas", e acompanhadas de "minucioso relatório do que
tiver sido apurado" (arts. 5.0, n. III, 9.° e 10, § 1.0,. Código do
Em suma, converte-se aí o inquérito policial em instrução
Processo Penal ): Consiste a investigação, em procura daquilo
criminal, em virtude das mesmas razões pelas quais o sumário
que está oculto: a colheita das provas, não raro, depende de in-
de cuipa é instrução criminal.
vestigação.
188. Ser instrução criminal preliminar, contudo, não bastaria A informação, visto como "o inquérito policial acompa-
para obrigar o legislador pátrio, constituinte ou ordiná- nhará a denúncia ou queixa", propicia "base a uma ou outra"
rio, a outorgar ao inquérito policial formas tutelares da defesa. (art. 12), isto é, fornece os elementos de convicção "imprescin-
A instrução criminal, como se sabe, não precisa necessariamen- díveis ao oferecimento da denúncia" ou queixa (art. 16). O
te ser judicial nem contraditória, para que, em qualquer siste- inquérito policial, enquanto há de .propiciar "base para a de-
ma àe processo da ação penal, se possam considerar respeita- núncia", apresenta resultados negativos se seu desfecho revela
das plenamente as garantias de defesa. Uma vez que, para "falta de base para a denúncia" - e então é arquivado (art.
efeitos da sentença penal, a fundamentação definitiva seja ju- 18) ; bem corno pode vir a apresentar, depois, suficiente "base
dicial e contraditória, compreendendo meios e recursos essenciais para a denúncia" se a autoridade policial, arquivado o inqué-
à defesa, satisfeita plenamente esta se encontrará. rito, "proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver
notícia" (art. 18).
Entretanto, como já acentuamos de início, a Constituição e
Se, desde logo. os elementos de convicção "imprescindíveis
a lei ordinária podem conferir à instrução criminal uma certa
ao oferecimento da denúncia" constarem da informação policial
medida de judicialidade ou de contraditoriedade. Foi o que
- finalidade do inquérito - "o Ministério Público não poderá
sucedeu no Brasil como acima ficou demonstrado, mediante a
requerer a devolução do inquérito à autoridade policial": de-
criação e a manutenção do sumário de culpa, para substituir as
verá denunciar (art. 16).
devassas e as querelas.
A investigação - além de tudo - é operação que não se
Assim como razões de política processual penal levaram o
exaure com a remessa dos autos ao juiz ou ao Ministério Público,
legislador pátria a alargar as prerrogativas do denunciado ou
para denúncia ou queixa, ou arquivamento: "a autoridade poli-
querelado no sumário de culpa, levaram-no também a concedê-
cial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver
-Ias, em certa medida, ao indiciado, durante o inquérito policial,
notícia" (art. 18) a fim de "fornecer às autoridades judiciárias
sem que, num ou noutro caso, tivesse errado.
as informações necessárias à instrução e julgamento dos pro-
O inquérito policial, considerado como atividade de fixação cessos" (art. 13, n. I) e deverá "realizar as diligências requisi-
preparatória dos mesmos dados de sumário de culpa, onde este tadas pelo juiz ou pele Ministério Público (art. 13, n. II).
exista para judicializar as bases da acusação, converte-se em Tudo isso indica que quaisquer elementos de convicção
atividade de legalização mesma da acusação, porém, onde e pressupõem uma inuestiaação mais ou menos intensa, como da-

16 - P. F. P. P.
212 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NO INQUÉRITO POLICIAL 213

do antecedente à sua produção, tanto na Polícia quanto em 111'l'lltação" etc. E, o que mais importa, "será convidado a
Juízo, seja em grau de info.rmaçiio anterior a sumário de culj'uf, 111.\ ir.rr as provas da verdade de suas declarações". O ofendido,
seja em grau de instrução criminal preliminar, seja, a final, em 1111 °
seu representante legal, e indiciado - interessados que são,
grau de instrução criminal definitiva. "lljdiva e pessoalmente, nos resultados da atividade policial -
A in'l/f!stiyação produz resultados preprocessuais : o delega- 1)1)( lerão requerer qualquer diligência, que será realizada ou não,
do ou o subedelegado de Polícia, após sentir em si mesmo esses ,I juizo da autoridade".
resultados, é que, empreendendo o registro escrito deles, cria, Essa cláusula - "a juizo da autoridade" - deflui do
por assim dizer, os elementos informativos de convicção. !)I II ler-dever inquisitivo da autoridade policial. Como tal, não
O juiz sumariamente ou o juiz da causa, também de ofício, upresenta nenhuma restrição ao direito que tem estas pessoas
ou a requerimento das partes, empreende a produção das provas, ;1 que o delegado ou subdelegado, no uso de seu prudente crité-
que, antes, foram procuradas e achadas, direta ou indiretamen- ri." mas sob influxo das contingências da verdade real, não
te, por quem as requereu ou sugeriu. unnsforrne a discrição administrativa, na medida em que ela
c-x iste, em abuso de poder.
190. Feitas essas distinções, evidente se patenteia o absurdo Acresce que, em matéria de exame de corpo de delito, a
que seria advogados de defesa colados a detetives par- .nitoridade policial não pode escolher entre deferir ou indefe-
ticulares ou a investigadores. a serviço da Polícia, do Ministé- rir, a seu juizo, qualquer pedido do ineliciado. É obrigado a
rio Público ou do juiz, a espiarem as pesquisas sobre as infra- detcrminá-ia, em qualquer hipótese, nas infrações de vestígios
ções, seus autores e os elementos de convicção, anteriores, con- permanentes, é, portanto, também no caso em que o indiciado
temporâneos ou posteriores ao inquérito policial, ao sumário () pleiteie. Se!3e trata mesmo de qualquer outra perícia, "o
de culpa ou à instrução definitiva. juiz ou a autoridade policial" - diz o art. 184 ~ negará a di-
Errado, entretanto, igualmente se evidencia afirmar-se ligência apenas e tão-só "quando não for necessária ao esclare-
que a exteriorização do resultado das pesquisas, assestada cimento da verdade".
como carga contra o indiciado, no inquérito policial, para Quantc a documentos, "salvo os casos expressos em lei, as
estruturação dos alicerces objetivos da denúncia ou queixa, não partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do
reclame, ou" ao menos, não autorize o admitir-se participação do processo" (art. 231), e, portanto, durante o inquérito policial,
paciente nas operações informativas que pessoalmente hão de ou, ao menos, a propósito de formação de corpo de delito, vis-
atingi-lo, para mal ou para bem, pouco importa, mas diretamen- to como nenhum texto expresso o veda.
te na sua liberdade individual, arriscada a sofrer todos os cons-
trangimentos materiais e morais de um processo criminal.
192. Quem quer que seja indiciado, pois, em inquérito poli-
191_ Nosso vigente Código do Processo Penal manda a auto- cial, preso, conduzido, ou espontaneamente presente, tem
ridade policial, logo que tiver conhecimento da prática da direito a exigir que a autoridade o interrogue, forme o corpo
infração penal, dentre outras coisas, "ouvir o indiciado". Im- de delito, realize quaisquer perícias necessárias ao esclarecimen-
põe que o faça "com observância" do disposto, embora "no to da verdade, ouça o ofendido, inquira testemunhas por ele
que for aplicável", quanto ao interrogatório judicial. Leia-se, apontadas, desde que indispensáveis ou úteis à elucidação das
pois, o art. 185, para tal efeito, assim: "O indiciado que for circunstâncias do fato, j unte documentos nos autos, etc.
preso, ou comparecer, espontaneamente, ou em virtude de in- Tem direito, ainda, de participar elo exame de corpo de
timação, perante a autoridade policial, no curso de inquérito delito, bem como dos demais exames e, por certo, das inquiri-
policial, será qualificado e interrogado." Será interrogado, en- ções, no ato do registro dos, depoimentos nos autos do inqué-
tão, sobre - segundo a aplicabilidade do art. 188 - "as pro- rito policial.
vas contra ele já apuradas"; se tem o que alegar contra as Isso não significa que a Polícia não possa ou, até, não <leva
testemunhas já inquiridas ou por inquirir; "se verdadeira a oUVIr previamente tais ou outras testemunhas, em grau de pcs-
214 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL
CONTRARIEDADE NO INQUÉRITO POLICIAL

Desse alargamento acidental de área, para o exercício das


215
1
quísa, informalmente, sem participação do indiciado, desde que
funções do Ministério Público, é que deriva, no Brasil, o pre-
sem destinação judicial dos depoimentos. conceito de que a autoridade policial há de comportar-se como
servidor do Ministério Público ou do juiz futuros, quando os
193. A inquisitoriedade não é incompatível com o exercício
três servidores são é da lei, sob o signo do princípio da necessi-
do direito de defesa pelo indiciado durante o inquérito
dade do processo penal.
policial. Seu interesse, ali, consiste, ao menos, em demonstrar
que não deve ser denunciado. O delegado ou o subdelegado de Polícia investe-se em seus
deveres por força da lei, e não pelas determinações de juiz, de
A sanção às ofensas a seu direito de defesa, nesse mo-
promotor público, ou de superior hierárquico, cujas ordens,
mento, são de caráter disciplinar, e não de caráter processual.
requisições ou sugestões, de uns e de outros, só são exeqüíveis,
N em por isso entretanto, sua posição deixa de equiparar- positiva ou negativamente, durante o inquérito policial, na me-
-se aí à do Ministério Público. Mais do que isso! Em rigor, o dida das determinações legais, que vinculam solidariamente todas
promotor público, que, no Brasil, não pertence à ordem hierár- essas autoridades.
quica da Polícia judiciária, nada de essencial tem a fazer no A Constituição determinou que a instrução criminal fosse
inquérito policial. A autoridade policial, em seu caráter inqui- contraditória. O legislador ordinário apressou-se em cumprir,
sitivo, reúne em si própria todos OSi poderes-deveres de indaga- como lhe pareceu certo, o dispositivo fundamental: outorgou
ção da verdade, real, por força de lei, poderes-deveres que, mais aos denunciados e querelados, nos sumários de culpa a prerro-
tarde, em duas posições processuais diversificadas, hão de per- gativa de proporem testemunhas à inquirição, em igualdade de
tencer, no âmbito judiciário, ao promotor público, como acio- número com o denunciante ou querelante.
nador da iniciativa judiciária, e ao juiz, como realizador defi-
Não era preciso que o fizesse, conforme sustentamos em
nitivo da norma penal.
nossa A contrariedade na instrução criminal.
O Ministéno Público representa, pois, quando interfere Se não o tivesse feito, nem por isso teria deixado de ser
nos inquéritos policiais, uma duplicação acidental de órgãos do contraditório o sumário de culpa, como já o era, desde, sobre-
Estado, para a mesma finalidade, qual seja a da apuração das tudo, a legislação de 1870, onde e quando melhor se disciplinou
infrações e de suas circunstâncias. a intervenção do indiciado, como direito de participar da obra
Tanto assim é que o Código do Processo Penal, ao passo inquisitiva do juiz sumariamente, presente às inquirições, para
que reconhece o interesse pessoal do indiciado e do ofendido contestar as testemunhas, e oferecer conclusões antes do des-
nos rumos do inquérito, e lhe atribui relevância, omite qualquer pacho de pronúncia e impronúncia.
referência à participação do Ministério Público no curso dessa Tudo isso significa "contrariar", posto que seja contra-
atividade preliminar inquisitiva. riar o inquisidor, defender-se, em suma, ser ouvido.
A espontaneidade inquisitiva reage, por definição funcio- O mesmo legislador pátrio conservou, para os indiciados
nal, entretanto, a qualquer estímulo. Assim como o interesse no inquérito policial, essas prerrogativas, exatamente, em face
cívico de qualquer cidadão pode criar na autoridade policial a do poder-dever inquisitivo da autoridade policial.
contingência de cumprir sua obrigação funcional, no cumprimen- Representam, elas, pois, direito de defesa, que só a violência
to do poder-dever inquisitivo, o funcionário do Ministério PÚ-
pode suprimir.
blico pode ser compelido, pela disciplina de sua função, e em
A norma penal, realizável mediante o processo penal, não
razão de economia processual, mero acidente, quer por ato de
exprime apenas o direito de punir do Estado, mas principal-
superior, quer por decreto ou lei de organização, a cooperar na
mente o direito de o indivíduo não ser punido senão nas limi-
obra de apuração empreendida nas delegacias e subdelegacias de
tações que ela aduz ao poder de punir.
Polícia.
216 PRINCíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE N'0 INQUÉRITO P'0LICIAL 217

Asseverar que o indiciado nenhum interesse tem a defen- I <Tí vcis ou indeferíveis, tendo sempre em mente '0S superiores
der no inquérito policial é desconhecer que o delegado de Po- 111 Icresses ela lei.
lícia, tanto quanto o juiz criminal, subordinado ao princípio de Ao indiciado se há de negar o direito de intervir nas dili-
legalidade, é instrumento ela lei, obrigado a cumprir a norma !',l'llCias de "investigação", propriamente ditas, as quais, como
penal, em seu bifrontismo, tanto sob o aspecto do interesse de \,rdiminares, precedem o registro, no inquérito policial, de
punir, que é de todos os indivíduos impessoalmente considerados, (';[(\a elemento de convicção real, pessoal ou documental. Essa
quanto sob o aspecto do interesse de não punir, fora das lirni- i III ervenção não teria sentido, nerr; nas investigações que o in-
rações derivadas da norma penal. quérito policial pressupõe, nem - convém notar - nas inues-
O indiciado é o primeiro indivíduo pessoalmente interessado Iiyações, que, mesmo depois de instaurada a ação penal,
no cumprimento dos deveres policiais de descobrimento da ver- podem ou devem policialmente realizar-se, de ofício ou por
dade criminal, com todas as suas circunstâncias. solicitação do juiz ou do Ministério Público, paralelamente ao
O mesmo ocorre no processo da ação penal, em qualquer procedimento judicial.
de suas fases, no qual o denunciado ou querelado, ou o acusa- Mas, uma vez que o inq1iérilo policial se destina a servir
do, é o primeiro indivíduo pessoalmente interessado, também, na de base à denúncia. ou queixa, a servir de fundamento a U11~des-
realização da norma penal, conforme as solicitações da ver- pacho Judicial de que resulta pnra o indiciado o mal do processo,
dade. seria absolutamente contrário a qualquer senso ele justiça, e ao
Convém ponderar que, por isso mesmo, a relevância da sistema mesmo de nosso processo penal. afastá-lo, C01T]O se nada
atuação de defesa, no processo da ação penal, nunca transcen- tivesse ele a ver com sua própria liberdade.
de. anula ou reduz os deveres do juiz, concernente às. razões
legais de defesa, tenham ou não o réu e o advogado de defesa
argüido tais ou outras razões, no exercício de suas prerrogativas.
O que quer dizer que a defesa, no processo criminal, não
constitui encargo processual do réu, mas sempre direito de
cooperar na obra de convencimento do juiz.
Outorgar ao indiciado o direito de participar do descobri-
mento da verdade criminal, embora para fins, informativos. não
encerra nenhum absurdo.
.j
O que é preciso é evitar, tanto na instrução criminal, de- ';~1
finitiva ou preliminar, quanto no inquérito policial, que a co- ~
:;
,
operação da defesa perturbe o bom andamento ela causa ou o
esclarecimento dos fatos. E isto o poder inquisitivo do juiz,
bem como o do delegado de Polícia, têm meios de evitar.
O direito de defesa não importa necessariamente, pois, re-
lação ele contraried:icle entre um agente da pretensão punitiva,
a modo de titular do direito de ação, diverso da autoridade in-
quisitiva, e o sujeito passivo dessa pretensão. O delegado de
Polícia, no Brasil, que, em grau ele atividade informativa está
investido de autoridade inquisitiva, defronta-se com o indicia-
do, ao qual trata de ouvir, por dever legal, e ao qual trata de
comunicar, ao registrá-Ios, todos os resultados, paulatinamef,1te;
da atividade policial. e do qual recebe todas as solicitações' de
Capítulo II

Decretos estaduais paulistas. O Estatuto da


Ordem dos Advogados do Brasil, LI

Lei n. 4.215, de 27 de abril de 1963

194. o Decreto n. 33.558, de 1.0 de setembro de 1958, e o


Decreto n. 34.334, de 26 de dezembro de 1958. O art. 89
da Lei n. 4.215, de 27 de abril de 1963 (Estatuto da Ordem
dos Advogados do Brasil). 195. Comentários de MANOEL
PEDRO PIMENTEI •. 196. A orientação de HÉLIO TORNAGHI.

194. Foi provavelmente sob a influência das considerações


retro-expostas que o então C'rOvernador de São Paulo,
JÂNIO QUADROS, expediu o Decreto n. 33.558, de 1.0 de setembro
de 1958, que dispôs "sobre o exercício da advocacia nas repar-
tições policiais", continente dos seguintes dispositivos: "Art. 1.0.
Será facultado nas Delegacias de Polícia, aos advogados no
desempenho da profissão, o exame dos autos de inquéritos
policiais que não forem expressamente declarados s.igilosos, nos
termos do art. 14 do Código do Processo Penal"; "Art. 2.°. Ao
Advogado, acompanhado de cliente, que por motivo de sigilo
não for admitido a assistir o ato de inquérito, será oferecido
aguardar, em dependência condigna, o término da diligência";
"Art. 3.0. Este decreto entrará em vigor na data de sua publica-
ção"; e "Art. 4.0 Revogam-se as disposições em contrário."
Lamentemos que logo haja sobrevindo o Decreto n. 34.334,
de 26 de setembro do mesmo ano, a dispor: "Art. l ,". Fica
revogado o art. 1.0 do Decreto n. 33.558, de 1.0 de setembro
220 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL CONTRARIEDADE NO INQUÉRITO POLICIAL 221

de 1958"; e "Art. 2.°. Este decreto entrará em vigor na data 1':I1'a concluir apenas que o inquérito é uma realidade na atual
de sua publicação." '()lljuntura, e como tal deve ser examinado. Vamos por isso
A Lei n. 4.215, de 27 de abril de 1963, federal, Estatuto I, .rrnular alguns conceitos que poderão auxiliar os novos advo-

da Ordem dos Advogados do Brasil, entretanto, proclamou !:ados, pois é especialmente para estes que escrevemos.
dentre os "direitos do advogado", art. 89, inciso XV, o de "O inquérito policial existe. Este é o ponto de partida.
examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procura- l iaqui para a frente procuraremos demonstrar as razões da sua
ção, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, rx istência e o mecanismo do seu funcionamento. É claro que
ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar 11;10 pretendemos esgotar o assunto, que é cheio de dificuldades
apontamentos" . mesmo no aspecto prático, e transbordaria dos limites deste
I rabalho.
195. Tais ocorrências legis1ativas soube bem expô-Ias e co- "O inquérito policial, tal corno vem estabelecido no Código
mentá-Ias eminente magistrado e douto mestre de Direito do Processo Penal vigente, tem como objetivos aqueles que
Penal, Prof. MANOEL PEDRO PIMENTEL, em tópicos de claris- r oram 'esplendidamente resumidos na "Exposição de Motivos."
sirno estudo, assim: que acompanhou o projeto, convertido depois na atual lei adje-
"O inquérito policial __ Os estudiosos do Direito Processual
o
Iiva penal: "processo preliminar ou preparatório da ação penal".
Penal têm divergido quanto à necessidade e à utilidade do in- I<~,quanto à sua validade, apregoou a mensagem: "é ele uma
quérito policial. Pensam muitos que essa colheita de provas, tal
,To_
E,
,c;arantia contra apressados e errôneos juizos, formados quando
como feita entre nós, é defeituosa, parcial e enseja oportunidades ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes
para a fraude. Julgam inútil a tomada de depoimentos na fase que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas
policial do processo, porque as mesmas testemunhas deverão ser suas circunstâncias objetivas e subjetivas".
ouvidas em Juízo, sob o crivo do contraditório. Aconselham a "Os arts, 4.° a 23 do atual Código do Processo Penal
supressão do inquérito, que deveria ser reduzido à formação da estabelecem as regras pertinentes à elaboração do inquérito
prova pericial e à indicação das testemunhas. ouvidas pela autori- policial, "processo preliminar ou preparatório da ação penal".
dade policial, "Semterem os seus depoimentos reduzidos a termo, e que tem por fins específicos: a) o levantamento do local do
constando do relatório final do inquérito apenas um resumo do crime; b ) a apreensão dos instrumentos e de todos os objetos
que foi por elas informado. que tiverem relação com o crime; c) a colheita de provas. para
"Outros, porém, defendem intransigentemente o inquérito o esclarecimento do fato clelituoso e suas circunstâncias: d) o
tal como feito hoj e. Sustentam que a peça policial é sempre interrogatório do acusado, bem como a tomada das declarações
necessária, porque essencial à boa formação da prova, ajustando- da vítima, quando possível, e das testemunhas; e) o reconheci-
se mais à nossa indole. Acrescentam que a adoção do contradi- mento de pessoas e coisas, bem como as acareações necessárias;
tório desde os primeiros momentos do processo poderia tumultuar f) a realização do exame de corpo de delito e de outras perícias
a colheita das provas, forçando a autoridade policial a limitar o que se tizerem necessárias; g ) a identificação do acusado, bem
próprio campo de ação, jungida pelo interesse das partes. Por como a elaboração ele um boletim ele vida pregressa, para que
outro lado, se as testemunhas fossem ouvidas logo em seguida se forme uma idéia a respeito da sua personalidade.
à perpetração do delito, poderiam depor sob o calor de impres- "o. inquérito policial não é uma simples peça informativa,
sões não amacIurecidas e prestarem informes tendentes ao como sustentam alguns autores. Mais do que isso, é um processo
exagero, geraimente contra o réu, prejudicando a ação da preparatório, em que existe formação de prova, dispondo a
.T ustiça. autoridade policial de poderes para investigação. Não se trata,
"Esta polêmica não é nova e ainda hoje recrudesce, quando portanto, de um procedimento estático, em que o delegado de
se encontra em elaboração a reforma do Código do Processo polícia se limita a recolher os dados que eventualmente cheguem
Penal. Entretanto, tendo em vista as finalidades deste trabalho, ao seu conhecimento. Todavia, nãc obedece ao princípio do
vamos contornar o ãssunto, que é apaixonante e digno de estudo, contraditótio. A participação do advogado, segundo a norma
222 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRARIEDADE NO INQUÉRITO POLICIAL 223

processual pertinente. estaria limitada ao requerimento de dili- "A inovação não foi recebida pacificamente, obrigando o
gências que seriam ou não realizadas, a juízo da autoridade. Ao Conselho Seccional de São Paulo, da Ordem dos Advogados do
promotor de justiça seria conferida uma intromissão maior, Brasil, a tomar medidas enérgicas diante de representações
porque, enquanto que o art. 14 da lei adjetiva penal delimitava feitas por advogados militantes à Comissão de Prerrogativas
a participação do advogado nos termos já mencionados, o art. 13, daquele Conselho, conforme consta dos processos R-564 e R-565,
inciso lI. incumbia a autoridade policial de "realizar as diligên- de 23 de julho e 14 de agosto, ambos do ano de 1963, relatados
cias requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público". respectivamente pelos Conselheiros Henrique Vainer e Caetano
"Outorgava-se, assim, ao Ministério Público o poder de Estellita Pernet.
requisitar diligências, ao passo que ao advogado somente se lhe "Agora o respeito à lei federal obriga as autoridades poli-
permitia requerer providências, que seriam tomadas: ou não, a ciais, mesmo as mais restritivas, a permitirem que os advogados
juizo da autoridade. tenham participação mais ativa na fase policial do processo.
"Aumentando ainda mais o grau de participação do Minis- Pensamos que isso está certo, e que nenhum prejuízo poderá
tério Público nos atos do inquérito, as autoridades policiais advir para a Justiça, desde que o advogado compreenda também
estabeleceram a praxe de solicitar a designação de promotores a sua missão de verdadeiro colaborador nessa obra difícil a
de justiça para acompanharem as diligências policiais, nos casos cargo do Poder Judiciário. E se capacite, ainda, de que, embora
de maior repercussão na opinião pública. Conferiu-se, assim, seja um defensor do direito individual, a sua missão transcende
ao órgão acusador uma intervenção sistematicamente negada à do interesse particular e se projeta no social, que é prevalente,
defesa. porque a própria sociedade deve ter interesse em que não seja
"A rea,ção não se fez esperar. Pleitearam os advogados de condenado um inocente!'
São Paulo igualdade de tratamento, pelo menos: naqueles casos
196. O Anteprojeto HÉLIO TORNAGHI, então, 1963, prelecio-
em que o promotor de justiça era admitido corr.o coadjuvante
nava, no art. 8.°: "O inquérito policial é a apuração
da autoridade policial. Alguns delegados titulares concordaram
sumária de fato que configure infração penal e de sua autoria.
com a pretensão, enquanto que outros mantiveram a proibição
Não tem caráter instrutório e se destina, exclusivamente, a
de ingresso do advogado nos autos do inquérito. Por intermédio
ministrar elementos necessários a promover a ação penal" (o
dos seus órgãos de classe. os advogados trabalharam e conse-
grifo é nosso). Mas, aludindo expressamente ao caráter inqui-
guiram um decreto 'estadual regularr.entando a matéria, e que
sitório, na denominação do dispositivo, autoriza no art. 11:
permitia ao defensor acompanhar o constituinte, quando intimado
"Durante o inquérito não são permitidos atos de acusação e
a comparecer às repartições policiais, sem direito, entretanto, de
defesa, mas a autoridade poderá atender a pedidos que visem à
ingerir nos atos processuais. Permitia, outrossim nos inquéritos
apuração objetiva do fato e da autoria" (os grifos são nossos).
não declarados expressamente sigilosos, o acesso do defensor
E, aludindo, logo ao sigilo, cornplementa : "O inquérito será
aos autos, além de outras concessões: de rr.enor importância. sigiloso, mas .;1 autoridade poderá permitir que dele tome co-
"Esta lei, que tantos benefícios trouxe ao exercício ria nkecimento o procurador do indiciado, o qual deverá ser advo-
defesa, contribuindo para estreitar as relações entre advogados e gado, provisionado ou solicitado r ."
autoridades poiiciais, teve efêmera duração. Foi revoga da pouco A lição, porém, do art. 11, o próprio autor a desmente a)
tempo depois da sua promulgação. A situação voltou ao staiu no art. 545, b) no § 2.° elo art. 546, c) no parágrafo único do
quo ante até o advento do novo Estatuto da Ordem dos Advoga- art. 549, e, especialmente, d) no inciso II do art. 551 e no
dos do Brasil, Lei n. 4.215, de 27 de abril de 1963. Entre os art. 552. Com efeito: a) no art. 515, reconhece que" a denúncia
direitos conferidos ao advogado, o art. 89 franqueou a livre e a queixa" hão de alternativamente "!basear-se" ou nas con-
comunicação do advogado com o cliente preso e o seu livre clusões do inquérito policial", regrcl, ou "em qualquer outro
ingresso nas repartições policiais, para, inclusive, examinar autos elemento de convicção", exceção: devendo ser instruídas com
de flagrante e de inquérito. um ou outro desses ({documentos em que se fundarem") ou, às
224 PRINCípIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL CONTRAIUEDADE NO INQUÉRITO POLICIAL 225

vezes, em ambos, dispositivo que, portanto, considera o inquérito mcmmos necessários para o oferecimento da denúncia" ,. pedirá
policial elemcnh; de conoicção , com 'O caráter de documento então, ao juiz "que os mande arquivar" (Se o juiz concordar
(texto exato do art. 545: "A denúncia e a queixa podem com o pedido determinará o arquivamento; se dele discordar,
basear-se nas conclusões do inquérito policial ou em qualquer remeterá o processo ao Procurador-Geral." § 1.0. Se o Pro-
outro elemento de convicção e serão instruídas com os documen- curador-Geral entender que há elementos para a ação penal,
tos em que se fundarem, além da representação 'Ou da requisição oferecerá ele próprio a denúncia ou designará outro órgão do
nos casos em que a lei penal as exigir") ; b ) no § 2.° do art, 546, Ministério Público para fazê-Ia. § 2.°. No caso contrário o
torna a qualificar, ao inquérito policial, fonte de "esclarecimen., Procurador-Geral mandará arquivar o processo").
tos", coleção de "documentos" ou de "elementos de convicção"
(texto exato do § 2.° do art. 546: "Se 'O Ministério Público
julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos com-
plementares. ou novos elementos de convicção, deverá requisitá-
Ias, diretamente, de quaisquer autoridades ou funcionários que
devam nu possam l1~inistrá-Ios"); c) no parágrafo único do
art, 549, volta, implicitamente, ao tema, ao disciplinar que: "A
réplica versará exclusivamente sobre a existência de qualquer
das causas de rejeição previstas no art. 551" (texto exato elo
art. 549: "Ao lhe ser apresentada a denúncia ou a queixa e
antes de se pronunciar sobre sua aceitação ou rejeição, o juiz
mandará citar o acusado para que replique à acusação em três
dias. Parágrafo único. A réplica versará exclusivamente sobre
a existência de qualquer das causas de rejeição previstas no
art, 551") ; d) no inciso lI, especialmente, do art, 551, inclui
no rol dos motivos suficientes de rejeição da denúncia ou queixa
a crrcunstância de manifestamente "o fato não constituir crime
na hipótese (Código Penal, art. 25)", isto é, provadamente, nu
caso concreto, conforme lição de CÍCERO ( Tópicos, XXI), como
focalizada por JOÃo MENDES JÚNIOl<, no fim do capítulo I de
seu Direito Judiciário Brasileiro: (;Há dois gêneros de questões:
a questão indefinida e a questão definida. A questão indefinida
(ou genérica) é a que os gregos chamam tese e nós chamamos
proposição ,. a questão definida é a que os gregos chamam hipó-
tese e nós chamamos causa, quando é individuada por pessoas,
lugares, tempos, fatos e circunstâncias" (texto exato cIo art. 551:
"A denúncia será rejeitada: I - quando o fato nelas narrado
não constituir crime em tese: II - quando, manifestamente, o
fato não constituir crime na hipótese (Código Penal, art. 25) ;
III - quando, evidentemente, estiver extinta a punibilidade ;
IV - quando faltar pressuposto do processo ou condição da
ação"); e) no arfo 552, caput, primeira parte, alude à contin-
gência de "o Ministério Público entender que o autor ele inqué-
rito ou as peças de informação não ministram os elementos
C'd
.•...• O~
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CI)
Cf) ~z
~~
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Capítulo único

Inovações do Anteprojeto de Código


do Processo Penal.
Anteprojeto de lei de
Execuções Penais *

o monopólio da ação penal, atribuído pelo anteprojeto


ao Ministério Público, apresenta, na prática, evidente risco
de o processo penal subtrair-se à regência do princípio de
legalidade da acusação, para colocar-se na área perigosa da
discrição funcional do acusador público, sem qualquer con-
trole do juiz ou tribunal, coisa que infringe o caráter
publicístico de interesse penal e processual penal.

197. Várias são as inovações, proclamadas como tais na expo-


sição de motivos, incorporados no anteprojeto. Dentre
as mais importantes, a nosso ver, figuram - além da desloca-
ção da matéria. das execuções penais para um chamado "Código
das Execuções Penais" - as concernentes, segundo a termino-
logia oficial, à "pureza acusatória do procedimento", almejada
pelos inovadores, "grande preocupação do anteprojeto", "de

* Dissertação de abertura do Ciclo de Conferências, promovido pela


Universidade Mackenzie, publicadas nos "Arquivos do Ministério dn
Justiça", sob a proficiente direção de Leonardo Greco, e cooperação de
cultos redatores especializados, Aluísio José Teixeira Gavazzoni Silva,
Augusto Carlos Cunha Corrêa Pina e Jessé Torres Pereira júnior (Ano
XXIX, out./dez., 1970, n. 116). Trata-se do Anteprojeto José Frederico
Marques.
INOVAÇÕES NO ANTEPROJETO DO C P P 231
230 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

ele inquisitorialislLo". Na evolução do processo penal brasi-


suprimir, definitivamente, os resquícios de inquisitorialismo, loiro, íoi efetivamente o que sobrou da antiga iniciativa espon-
que, malgrado a adoção do sistema acusatório, ainda existiam tânea do juiz, mais ampla nos juízos das devassas (durante o
- diz a exposição de motivos - em nossa Justiça Criminal". período ultramarino), menos ampla rios juízos das formações
Tal objetivo pensa tê-Io alcançado o autor do anteprojeto, de culba (durante os períodos monárquicos e republicano ini-
concordes os demais membros da subcomissão revisora: a) cial), e conservada ainda - até 1940 - nos processos dos cri-
abolindo "o chamado procedimento ex .officio" (exp. 3), para mes inafiançáveis, e restrita, desde a vigência do ainda atual
se observar "linha ortodoxa de respeito ao postulado do nemo Código do Processo Penal, ao trato das contravenções, e, ulti-
iude» sine actore"; b) vinculando o juiz, rigorosamente, aos mamente, ao trato também de ditos processos de crimes culposos.
precisos. termos da acusação (exp. 8), para se atender, "sem 'b) Entretanto, o anteprojeto exagerou seu zelo pela "pu-
restrições", não só ao princípio do ne procedeu iudex ex officio, reza acusatória de procedimento": "o anteprojeto - segundo
como ainda ao da proibição do julgamento ultra petita. ponderação constante da exposição de motivos (exp. 6) - afas-
tou o juiz da notícia do crime, só admitindo como órgão encar-
198. Com efeito, quanto à primeira operação a), o art. 7.0 regado de receber a notitia criminis a autoridade policial e o
reza: "Não se admite procedimento criminal ex officio. Ministério Público". c. Se não cabe ao juiz movimentar inicial-
A relação processual penal, para constituir-se. depende sempre mente o processo, como acontecia nos casos do procedimento
de acusação do Ministério Público, nos casos de ação penal pú- ex officio, para que levar às autoridades judiciárias a comuni-
blica, ou de ofendido, quando 'Se tratar de ação penal privada" ; cação da prática da infração penal?"
quanto a segunda operação b), o art. 72 dispõe: "O juiz de- c) E mais: "Corolário dessa diretriz foi a supressão das
cidirá sobre a acusação constante da denúncia ou queixa, inclu- requisições para a abertura de inquérito policial, por autoridade
sive seus aditamentos, dentro dos limites da imputação", e o art. judiciária. A esta cabe, apenas. dar notícia de infração penal
417 restringe: "É defeso ao juiz condenar o réu por fatos es- ao Ministério Público (art. 249), titular do direito de propor
tranhos à acusação contida na queixa ou denúncia, ou no seu
a ação penal pública."
aditamento", combinado o cap-u; com a ressalva do respectivo d ) E ainda mais: confirmando a norma atual, de exclu-
parágrafo único: "Se o juiz reconhecer, após a ins- sividade ao Ministério Público para deliberar acerca de arqui-
trução, que deve alterar. em favor do réu, a imputação cons- vamento de inquérito policial. o anteprojeto retira a possibili-
tante da denúncia ou queixa, em virtude da prova relativa a
dade de certo controle judiciário, ainda existente, embora de
fato naquela não contido, baixará o processo a fim de que a mero caráter psicológico, sobre o exercício dessa exclusividade,
defesa, no prazo de oito dias. fale, e, se o quiser produza pro-
ao suprimir o atual despacho judicial de arquivan~ento, em pri-
va, podendo ser ouvidas até três testemunhas."
meira instância, e o ofício do juiz ao Procurador-Geral acerca
199. Quanto ao procedimento ex afficia, a exposição de 11':0- da respectiva denegaçã:o, e seus efeitos, consoante dispõe o
tivos explica: "O anteprojeto aboliu o chamado procedimento ainda vigente Código do Processo Penal.
ex afficia, que, além de não se casar com os princípios do sis- e) Por último, o absurdo dos absurdos: ao admitir, "em
tema acusatório, em nada contribuiu para a celeridade e eficiên- conseqüência, de modo expresso, a intervenção do Ministério
cia do procedimento penal, mas, ao reverso, vinha criando ulti- Público no inquérito policial (art. 263) ", o anteprojeto vai ao
rr:amente, depois que se estendeu a todos os delitos culposos, cúmulo de lhe outorgar a "faculdade de ordenar a prisão t em-
problemas vários em detrimento de boa aplicação da lei penal" poréria daindiciado".
(exp. 3). 200. Quanto à vinculação do juiz à postulação acusatória, a
a) É principalmente o procedimento ex officio (vigorante exposição de motivos explica (exp. 8): a) "A função do juiz
ainda nos processos das contravenções e - devido à recente penal, tanto como a do juiz civil, é a de exercer para fazer jus-
extensão - nos processos também de crimes culposos) aquilo tiça, dando a cada um o que é seu." b ) "A tutela penal deve
que os inovadores - ao que parece - consideram "resquícios
232 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL INOVAÇÕESNO ANTEPROJETODO C P P 233

ficar a cargo do Ministério Público, e a defesa do direito de li- ,J;,,; autoridades judiciárias é que nasceu a acusação pela Justiça,
berdacle ao acusado e seu patrono. Ao juiz cun:pre aplicar im- ", portanto, a instituição mesma do promotor público para re-
parcialmente a lei." c) "Atendeu-se por isso, no anteprojeto, sem r, .rço da inevita:bilidade do procedimento ex offieio (no sentido
restrições, não só ao princípio do ne procedas iudex ex officio, ti,. procedimento estatal automático), e não para imobilização
como ainda ao da proibição do julgamento ultra petita." d) "Daí ,JI) automatismo jurisdicional penal, como se pretende no tópico
as normas constantes dos arts, 71 e 72, bem como aquelas (atrás I (c); que, outrossim, a veclação do julgamento ultra petita não
mencionadas) dos arts, 7.° e 417." ,', incompatível com o automatismo jurisdicional, mas - no sis-
Preliminarmente, há que observar: a) que da identidade tema misto tradicional, que é o luso-brasileiro - com este se
de natureza das duas espécies de jurisdição, como assinalada concilia através do juizo de acusação, explícito ou implícito,
no tópico I (a), não se decluz, de modo algum, que, por isso, a l'\I1110 sempre se demonstrou, que assegura a conforn:idade da
tutela penal deva ser arrancada do órgão do Poder Judiciário, sentença com a postulaçâo acusatória.
ao qual ela especi ficamente cabe por sua própria natureza, em
qualquer lugar e em qualquer época, para "ficar a cargo do 201. Na história de nossas instituições processuaIS penaIS, a
Ministério Público", ao qual, pelo caráter específico mesmo das acusação pela Justiça; com efeito, surgiu há vários 'Sé-
próprias funções, incumbe apenas invocá-Ia, mediante acusação culos, para suprir a falta de acusação por ofendido-querelante
pela Justiça Pública; h) que a imparcialidade do juiz, assinala- (de interesse particular ou de interesse público) ou de acusa-
da no tópico 1 (b), por um lado, não exclui seu poder-dever de ção por popular-quere1ante (de interesse público), sendo caso
atingir a verdade real, isto é, não depende de inércia da juris- de devassa quando não tivesse havido querela, ou quando, ten-
dição, ao sabor de uma contrariedade ativa de partes, mas das do havido, o querelante tivesse sido lançado da acusação.
garantias processuais de defesa, no chamado sistema misto luso- A devassa era uma obrigatória e prévia "informação do
-brasileiro, e das garantias funcionais do Poder Judiciário vi- delito por autoridade do juiz - ensinava PEREIRA E Sotrzv
gentes em país civilizado (vitaliciedade, inamovibilidade e irre- (Primeiras Linhas sobre o Processo Criminal § XV) - para
dutibíliclade de vencimentos'), tanto quanto, por outro lado, a castigo dos delinqüentes, e observação do sossego público". Ti-
assunção, pelo Ministério Público, do poder-dever de acusar rava-se "nos casos expressamente determinados nas leis" §
pela Justiç;t, a qual o coloca, formalmente, num dos pólos da XVII), quando aconteciam (§ XIX).
contrariedade penal, não o dispensa da mesma imparcialidade A acusação pela Justiça - segundo as Ordenações do Li-
funcional (daí a conveniência de extensão, a seus representan- vro I, Título 15, e do Livro 5, Título 124, §§ 15 e 20 - incum-
tes, das mesmas garantias da magistratura), sob o influxo de bia ao promotor da justiça, "nas Casas da Suplicaçâo e do Porto,
rigorosa fidelidade à mesma verdade real, verificável, declará- e assim nas Correições", e ao tabelião ou escrivão do processo,
vel e fixável sempre pelo juiz; c) que o princípio ne procedo! "nas outras cidades, vilas e lugares". Consistia em oferecer
iudex ex o] jicio concerne apenas e tão-só às relações de direito libelo e arrolar nele as testemunhas.
de interesse pessoal, postas sub [udice no âmbito cível, e sobre as A devassa - da qual se originaria, bem mais tarde, em
quais as partes, porque pessoalmente interessadas, exercem 1870, de certa maneira, o atual inquérito policial brasileiro, for-
óbvia disponibilidade, extensiva aos respectivos processos judi- mal - consistia numa inquirição de trinta testemunhas (salvo
ciários e incompatível com o automatismo jurisdicional; ao poucas exceções de número menor), perguntadas, nos Conselhos,
passo que, no processo penal, as relações de direito, postas sub pelo juiz ordinário e1etivo (ou por juiz de fora nomeado pelo
judice refletem interesse impessoal de toda a comunidade, à Governo) se houvesse), ou pelo Corregedor, no exercício de
qual o Estado dá tutela penal; quanto a estas, portanto, a ne- correição em Conselho de sua cornarca (ou por Ouvidor, no
cessidade da atuação da lei penal, ao contrário, é incompatível, exercício de correição em terras de donatário).
isto 'Sim, C0111 o automatismo jurisdicional dominante no âmbito Instaurava-se ex aifieia a devassa sempre após ou prece-
cível, regido este que é pelo princípio ne procedat iudex e.r dendo "denúncia ou legítimos indícios", no dizer de PEREIRA E
offieio; que dessa necessidade do espontâneo ministério penal SOUZA, o qual definia: "A denúncia é a declaração do crime
234 PRINCÍPIOS FUNDAMF;NTAISDO PROCESSOPENAL INOVAÇÕESNO ANTEPROJETODO C PP 235

público feita em juizo para se proceder contra o delinqüente As querimônias ou clamores foram a origem das querelas,
por ofício da justiça", isto é, não só para se proceder inquisiti- i~(() é, segundo ensina o mestre paulista, das declarações feitas
vamente à devassa, com o obj etivo de apuração do fato (corpo ;10 juiz competente sobre algum fato criminoso, por interesse
de delito) e da autoria (indícios), mas também para afirmar o I .articular do declarante ou por interesse público, mas ficando o
poder-dever de acusação pública pelo ,promotor de justiça, ou d('C1arante na obrigação de provar o que declara; e, por isso, é
tabelião. ou escrivão do processo. que, "nos primeiros tempos, quando o declarante não podia
Embora assim refletisse na ordem do procedimento, e !"lar provar por testemunhas ou instrumento. tinha de 'Submeter-se à
antecipação, o interesse público de acusação indisponível (o que prova do combate judiciário". "Quando foram abolidos os
ocorria em grande número de infrações penais, e em seus cor- combates judiciários, houve necessidade de impor pena aos que
respondentes processos penais), a devassa não dependia para não provassem as suas querelas." A ação sine rancura, isto é,
instaurar-se, fosse mediante denúncia, fosse mediante legítimos sem clamor de flagrante delito, podia ser direta, quando, per
indícios, de o particular denunciante habilitar-se à eventual csquissa ou inquérito, o juiz procedia esquadrinhando a verda-
acusação. Era o querelante, se no caso houvesse querela, quem, de por meio de testemunhas e instrumentos, ou indireta, quan-
isso sim, se vinculava, previamente, à acusação, ao querelar, ou do a causa se decidia pelo combate judiciário ou por [uizo s de
o promotor de justiça, ou o tabelião, ou o escrivão do processo, Deus, ou ordálias (ferro quente, água quente etc.). Com o
quem, por força da lei processual. haveria de deduzi-Ia, como tempo prevaleceram as ações per csquissa, ou seja, "por inquiri-
dever de ofício, na falta de querela ou na defecção do quere- ção dos homens bons" perante o Conselho, oralmente e em pú-
lante lançado da acusação. blico. Ouvidas as testemunhas, as partes tinham o prazo de
um dia para virem com advogado; e, terminadas as alegações
202. Era mediante querela, com efeito, que qualquer pessoa
destes, o juiz pedia os votos do Conselho e, dados os votos,
se habilitava à eventual acusação, fosse querela de inte-
proferia a sentença. "Se havia apelação, como em regra devia
resse particular (só do ofendido. titular da reparação do dano)
haver, o juiz ia à Corte recontar a apelação." "Só com o de-
fosse querela de interesse púbüco (popular), j urando-a e pro-
senvolvimento da forma escrita, que se iniciou mais tarde, no
movendo, em vinte dias, inquirição de três ou quatro testemu-
tempo de D. Diniz, as querelas deixaram de ser clamores e prin-
nhas, nela desde logo arroladas e insubstituíveis. Tal inquirição
cipiaram a ser autenticadas pelos tabeliães, isto é, iniciaram-se
veio a denominar-se sumário da querela, e, de certa maneira,
daria origem ao ainda atual sumário de culpa brasileiro. os autos de querela".
Os doutos apontam, como origem das querelas, as anti-
203. Foi uma lei de 2 de dezembro de 1379 que disciplinou
qíiissimas quaerimonias dos séculos XI e XII, quando a ação
o processo das inquirições-devassas, estendendo-as, ou-
penal - relata JOÃo MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR - "era p'ro-
trossim, dos homicídios para outros crimes. Na Carta dirigi da
posta de dois modos, com gritaria ou sem ela; cum. rancura ou
a todas as Justiças dos Reinos, o monarca, seu editor, lembra:
sine rancura", "A ação curn rancura tinha lugar quando o réu
"Bem sabedes como per mim he mandado que em todos los
era apanhado em flagrante delito: o acusado trazia a juízo o
feitos de morte, que acontecer em vossos Julgados, filhades in-
corpo de delito e vinha clamando "Cavaleiros e Peões", grito
quirições devassas, tanto que essas mortes forem feitas, para se
que, depois da fundação da monarquia, foi substituído por este:
saber a verdade, per qualquer guisa que essas mortes forem
"Aqui d'El Rei" (!PEREIRA E SOUZA). "Os cavaleiros e peões
feitas, e nom desperecer justiça per algum passarnento de tem-
que não acudissem eram sujeitos, segundo alguns forais, a uma
po, que se poderia fazer"; e que, não sendo nem parecendo
multa, Admissivel exclusivamente era a ação ,penal cum rancura,
mortais, sendo casos de meras lesões, "nom filhades porém in-
segundo alguns forais. E em outros, como o de C9NSTANTIM
quirições devassas, como essas feridas forem dadas."
DE PANOIAS, tempo do Conde D. Henrique, figurava explícita
a exigência de testemunhas. Et rancuroso non zialeat sua quae- E adita: "E porque eu som certo que muitos morreram
rimonia sine tesiemonic bonorum hominum, isto é, ao rancoroso despois das feridas, que assy receberem, e nom pode saber per
não valha a qucrimô nia sem o testemunho de bons homens." mingua de tais inquirições; tenho por bem e mando-vos que,
236 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL I"JOVAÇÕESNO ANTEPROJETODO C P P 237

daqui em diante, se vos for querelado per algum homem, que Ilil .ilo Romano 110 Foro, que verdadeiramente foi no Reinado
a outrem feriu, e 3S feridas parecerem, que vades logo hu as ,I" Senhor Rei D. João I, foi o Processo Criminal recebendo
feridas forem dadas, e saibades, hy a verdade, pela guisa que o "",'a forma. Ao princípio ela era mais breve e simples, como
íariades, se esse ferido fosse morto, e esso mesmo ainda que ,lIllda se vê da Ordenação do Senhor Rei D. Afonso V, Livro
nom se venha querelar, se vós souberdes que alguns as si 'Som ... Título 4. Foram-se introduzindo depois outras solenidades,
feridos, porque pode seer que esses feridos, nom poderóm vir a ,1"<ll1zidas já do Direito Canônico, já da Jurispruduência dos
vós, sentindo-se mal das feridas, ou nom ousaróm per razorn .\ nstos ; e de tudo se formou o Título 124 do Livro 5 das
daquelles, que lhas derom." r irdenações atuais (Filipinas), que é o assento do Processo
Seguem-se as normas de procedimento: "E seede percebidos (viminal de que usamos." Mais adiante, ao tratar da devassa
de perguntar, quando essas inquirições filhardes, que pessoa he ( Capitulo 11), continua: "A Devassa era ignorada dos Roma-
o ferido; e outro sy o que o ferido; e por qual razom o ferio; III IS. Valia entre eles a regra sinc accusaiore -nemo condemnari
e qual foi o cometedor de dicto, ou de feito; e qual delles he !'u!cst (L 6, § 2.° D de niunerib, et honorib, Cicer. pro Rosc.
mais honrado; e se aviam divido ele linhagem, ou doutra ma- uwerin, 11. 56). Inocência III foi quem, no princípio do século
neira; e [asede-o todo escrever na inquiriçom:" \ ITI, introduziu o Processo Inquisitório - Capítulo 14, 16, 17,
E conclui: "E outro sy tenho por bem e mando, que estas .~1 de ticcusai, Deste direito das Decretais foi adotada a Devassa
inquirições mesmas façades em todollos outros feitos, também para o nosso Foro, aonde era desconhecida, igualmente que no
ele furtos como se alguíis forçarem molheres, ou e!TI outros dos Romanos, no princípio ela Monarquia. Posto que os Ma-
feitos, de entenderdes merecerem pena nos corpos aquelles que l~istrados Maiores, C0l110 os Corregeclores e Adelantados, eram
os fazerem; unde al nom façades, sinom a vós me tornarei incumbidos de expurgar as Províncias dos homens facinorosos,
eu porem." (' a esse fim eram muitas vezes mandadas. Alçadas de Justiça,
Convém observar que as inquirições-deuassos visaram a isso respeitava aos crimes manifestos e notórios, e não se asse-
acautelar a paz pública - a paz do rei - contra a impunidade, melhava às Devassas, em que se indaga de crimes ocultos ou
decorrente do temor infundido nos titulares, do direito de que- de agressores não descobertos. Veja-se Coccej. disputat de eo
rela pelos poderosos locais. O exercício do direito de querela, (!1lOd justum est circo inquisitionem, e Thomas. Dissert, de
tanto de interesse particular, cabente ao ofendido,quanto de origine process inquisitor, § 53."
interesse público, cabente a qualquer pessoa, acarretava a obri-
gação de acusar. Em caso concreto, faltante a querela, faltante
205. MOMMSEN, porém, viria a ensinar -em matéria de ativi-
seria a acusação. Vieram a corrigir o impasse a devassa e a
dade judiciária romana - que havia duas formas fun-
acusaçiio pela .r ustiça, institutos do procedimento inquisitivo des-
damentais de procedimento: a relativa às demandas entre par-
tinados a suprir as duas faltas.
ticulares, cíveis, que 'Se resolviam mediante ajuízo arbitral, e a
204. Historiando, conta PEREIRA E SOUZA (ob. cit., nota 1 relativa às infrações penais, fundada na inquisiiio . Duas mo-
ao § 1), com efeito: "Nos primeiros tempos da Monarquia, an- dalidades assinalaram a evolução desse procedimento penal: a
dando unidos o Poder Militar e o Poder Civil, o Processo Cri- mais antiga da coqnitio, espontânea, e a posterior, ela accusatio,
minal tinha também uma forma Militar : nele tinha lugar o ou inculpação provocatória. Ao passo que, segundo o sistema
combate jiudiciá.rio". "Os A1caides .Mores, que então eram da cognitio, o magistrado se instruía arbitrariamente a si pró-
chamados Preteres, sentenciavam as causas com os J uízes e prio, a inculpação, no sistema da accusatio, constituía ônus do
os homens bons do Conselho. Os Tenentes, depois chamados particular acusador. "É impossível, frisa MOMMSEN, empreender
Sobre-J uizes, eram Oficiais Militares; e com tudo eles eram um estudo cientifico-expositivo ela cognição em sua forma pura"
os que conheciam das Causas das Pessoas poderosas. O Senhor (como fora a primitiva e C01110 veio a ser a restaurada, muito
Rei D. Diniz separou a Jurisdição Civil do Poder Militar, mas mais tarde, para os procedimento perante o imperador e seus
pouca mudança resultou daí ao Processo. Pela introdução do mandatários), porque sua essência consistiu na absoluta (ca-
238 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL 23Y
INOVAÇÕE'iNO ANTEPROJETODO CP P

rência de formalidades estabelecidas legalmente", ou, por


E, então, tanto a inquirição devassa quanto a do sumário da
outras palavras, no "arbítrio sem limites de órgão do imperiumn•
querela se resolviam em pronúncia ou impronúncia. "Provado
A evolução posterior trouxe a primeira limitação, pelos
() crime (corpo de delito) e descoberto o seu autor (indícios)
comícios, em razão da provoca tio ad populum. Isso bastou para
;;cgue-se a pronúncia". ensinava PEREIRA E SOUZA. E prosse-
que, corno repercussão, devendo o magistrado, além de dar a
~~uia: "Pronúncia é a sentença do juiz que declara o réu sus-
sentença s comunicá-Ia, bem como seus fundamentos, à assembléia t
'if peito do delito que faz objeto da devassa, ou da querela contra
dos cidadãos, para prova de culpabilidade do sentenciado, sur-
giu, corno complemento da arbitrária inquisição, "um procedi- Xi ele dada, e o põe no número dos culpados; "Não deve pro-
mento preparatório chamado inouisitio, no qual estavam fixa- i nunciar-se algum réu sem preceder cabal informação do seu
mente determinados a citação, os prazos, a autodefesa, ou a delito"; "Pode proceder-se à pronúncia logo da devassa resulta
defesa por meio de terceiro defensor". Na inquisitio - pon- prova suficiente para a prisão do réu. Se depois se provam
dera o mestre - o magistrado se convertia como que, essencial- ,
.'
L
outras culpas, estas acrescem às primeiras."
mente, em agente do Ministério Público. "Não pode caber dú- " Formada a culpa, preso ou seguro ou afiançado o réu, é
vida alguma de que, se o direito romano chegou a construir que se seguia o processo contraditório chamado "livramento-
L
em geral um procedimento penal regulado pela lei, as bases para -crime", de procedimento ordinário, contraditório, semelhante,
este procedimento lançou-as a anquisitio," em linhas gerais, ao procedimento ordinário cível. Ressalva-
Quem queira, pois, com reta intenção de testar a índole I vam-se os casos de procedil1:ento sumário, aplicáveis a certos
certos delitos leves ou a certos crimes graves, cujo conhecimento
do processo penal luso-brasileiro. e consultar as magníficas
lições de M01vIMSEN, ora invocadas, sobre a evolução - já ! e julgamento pertenciam às Relações. No processo ordinário
muitos séculos antes - do processo penal no sistema do direito
romano desde suas origens. verificará que, de início, o paciente
~I
":'
_ retomemos a exposição - deduzia-se a acusação mediante
libelo de parte (querelante) ou, na falta de parte (querelante),
de arbitrária coerção punitiva. permanecia entregue também a mediante libelo da Justiça, representada pelo promotor ou ta-
ilirr:.itado arbítrio do magistrado, quanto à abertura e ao curso belião 011 escrivão do processo. "E, nesta diferença, o processo
_ ponderava PEREIRA E SOUZA - pode dividir-se em acusató-
das indagações. Sobreveio. entretanto, a provocatio ad populum,
instauratória do poder popular de apreciação da arbitrária sen- rio ou inquisitório."
tença do magistrado em casos de grave punição, o que, com o 207. O sistema inquisit'ivo de procedimento, em ampla acep-
correr dos tempos, passou a obrigar, por conseguinte, seu pro- ção, subordina-se a vários princípios fundamentais, que,
lator a enunciar os fundamentos do julgado e a se regular por como elos da mesma corrente, se interligam, derivando uns dos
aquele processo básico. da chamada inquisitio, a fim de que outros, desde o primeiro, que é o princípio publicístico. São, em
pudesse ser proferido o veredito público com conhecimento de 'Seguida o de necessidade, o de oficialidade, o de oerdode real,
causa. Conta-se que, privados do arbítrio no uso da coercitio o de inquisiçiio no sentido estrito, e o de judiciariedade. compre-
(imperium 2, os magistrados passaram a negligenciar o desem- ensivo de três regras que o integram; a de convencimento es-
penho de suas funções inquisitivas, já que eram postos na de- tatal; a do contraditório, concernente a garantias internas de
pendência da aprovação popular. Para obviar os inconvenientes justiça, e a do Poder Judiciário, concernente às respectivas ga-
de seus descuidos, geradores de impunidades" é que surgiu a
rantias externas de justiça.
acusatio , como prerrogativa outorgada a qualquer cidadão, e, À luz dessas denominações, convencionais nos estudos ju-
especialmente, ao ofendido, de munido das provas, deduzir pe- rídicos pátrios, atribuem-se dois sentidos àquilo que se chama
rante o povo a imputação à margem ou não da inquisitio, e de,
inqui.;itorialisl1!O ou inquisitoriedclde ou inquisitividade.
assim, mover a ação penal. ,~ Sob um primeiro ponto-de-vista, largo e prestigiado pela
"I~
.. história, consiste o processo penal inquisitivo, precisamente, em
206. Coexistiram, séculos depois, as devassas com as querelas movimentar-se ele em razão da ação da Justiça (acusação pela
no sistema .i uridico reinol. Justiça, isto é, hoje, acusação pelo Ministério Público), que se
,....
·.1
. i
I
240 PRINCÍPIOS FUNDA!lIENTA1S DO PROCESSO PENAL I:\OVAÇÕES xo ANTEPROJETO DO C P P 241

denomina ação penal pública. A presença e atuação do promo- c) A denúncia ou a queixa, hoje, é apresentada ao )l11Z
tor público no procedim ento caracteriza, então a natureza inqui- da instrução preliminar, judicial (sumário de culpa), ou ao
sitiva. [uiz da instrução definitiva, judicial.
Sob um segundo ponto-de-vista, que lé atualmente o mais A denúncia e a querela, outrora, eram apresentadas ao juiz
difundido, embora impróprio. o processo penal inquisitivo con .. «ompetente para a instrução preliminar (formação do corpo
siste apenas em o juiz exercer jurisdição espontânea, não só d(· delito e formação da culpa mediante devassa ou sumário
quanto ao curso da atividade processual, mas também e princi- da querela), e não ao juiz competente para a instrução defini-
I i va (" livrarr.ento-crime") .
palmente 'quanto a seu início. O que caracteriza, nesse caso,
a natureza inquisitiva do procedimento é o chamado "procedi. A querela converteu-se em queixa (continuando o quei-
mento e.t- oftirio" do juiz, em contraste com a acusação, quer xoso a merecer, preferivelmente, o nome de querelante), mas
11;(0 perdeu o traço distintivo que a extrema da denúncia, isto
dedutívcl por particular (ofendido ou qualquer pessoa), quer
dedutível mesmo pelo órgão estatal cio Ministério Público. ,", a função ele habilitar-se à acusação particular o ofendido ou
'1IIem legalmente o represente. Nos casos de ação privativa do
208. Não se pode raciocinar à :base da natureza jurídica das "fendido, ou de quem legalmente o represente, a acusação era
atuais denúncia e queixa na apreciação da índole das an- «xclusivamente derivada da queixa.
tigas denúncia e querela, de que elas remotamente se originam, 209. N os casos de ação pública, a queixa, corno elemento
a) A denúncia, hoje, é uma proposta de acusação pública, prévio do direito de acusar, veio, com efeito, experimen-
se instauratórÍa de instrução preliminar, judicial (sumário de
tando várias transformações nessa sua função.
culpa), ou, desde logo, ato de acusação pública, se instauratória
de instrução definitiva judicial. Compete ao órgão do Ministé- a) No regime das Ordenações, o direito de acusar, fun-
rio Público, pois em função ele seu poder-dever de acusar. Não dado em querela, prevalecia prioritariarnente sobre o dever de
se confunde, enquanto tal, com a comunicação da notícia da a Justiça Pública acusar, uma vez que este dever de ofício de-
infração. pendia, par:< se exercer (pelo promotor de justiça, em superior
A denúncia, outrora, não cabia a órgão do Ministério PÚ- grau de jurisdição, ou - nos Conselhos - pelo tabelião ou
blico, mas a qualquer pessoa, fosse ou não o ofendido, e era, «scriváo do processo), de falta de querela ou de o querelante
apenas, cOllllmicação da notícia da infração, dada à autoridade ausente ser lançado da acusação.
competente para esta proceder à instrução preliminar (forma- b) N o regime do Código de Processo Criminal ele 1832
ção do coq::,o de delito e formação da culpa, mediante devassa). (já criados os cargos de promotor público local), o direito de
Não era proposta de acusação, e, muito menos, ato de acusação, acusar continuava vinculado ao exercício do direito de queixa,
nem acarretava, para o denunciante, qualquer compromisso de mas tão-só se a queixa se antecipasse à denúncia do promotor
acusar. público ou de qualquer do povo (arts. 72 e 73), ou a procedi-
b) A queixa, hoje, é uma proposta de acusação pelo ofen- mento e:.t: oftido do juiz (arts. 139, 140, 141 e 142). Estas
dido se instauratória de instrução preliminar, judicial (sumá- eram duas hipóteses de acusação pública, embora restrita aos
rio de culpa), ou, desde logo, ato de acusação pelo ofendido se crimes inafiançáveis, aos de responsabilidade em geral, aos "de
instauratória de instrução definitiva, judicial. Compete ao par- peculato, peita, concussão e suborno" em especial, aos "crimes
ticular, pois, em função da prerrogativa de acusar. públicos" C que, hoje, incluiríamos, principalmente, na classe
A querela, outrora, cabia a qualquer pessoa, que, ao ofe- dos crimes contra a segurança nacional, crimes políticos e cri-
recê-Ia, firmava precisamente um compromisso de acusar. Dis- mes eleitorais); aos crimes de resistência, e a todos os "crimes
tinguia-se em querela de interesse público, que não carreava ('111 que o delinqüente for preso em flagrante", bem como a
qualquer pretensão de reparação do dano causado pela infração, todos os crimes "contra o Imperador, a Imperatriz, ou algum
e querela de interesse particular, que à pretensão penal juntava (losPríncipes ou Princesas da imperial familia Regente ou Re-
tal pretensão civil, e, por isto, cabia exclusivamente ao ofendido. gência" (arts. 74, 75 e 76); sendo que, portanto (deixando-se
242 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL ..~ \ ,
.'

\
INOVAÇÕES NO ANTEPROJETO DO C P P 243

de lado as infrações pequel!as, extra-afiançáveis), o início da crimes clcc violação da propriedade literária e artística, nos cri-
formação da culpa e o direito de acusação, nos demais crimes mes eleitorais, segundo leis posteriores.
(isto é, nos crimes particulares afiançáveis), continuavam de- f) N o regime do atual Código do Processo Penal, nas
pendentes exclusivamente de queixa (arts. 139, 141 e 142, com- ações privativas do ofendido não cabe denúncia, visto como
binados com os arts. 238 e 37, §§ 1.0, 2.° e 3.°) e de o quere- vêm elas marcadas pela circunstância especial de que "somente
lante não abandonar a acusação (art. 221 combinado com o se procede mediante queixa"; nas ações públicas cabe queixa
art.241). supletiva da inércia do Ministério Público, quando este não
c) No regime da Lei n. 261, de 3 de dezerr.bro de 1841 oferece denúncia no prazo da lei: e cabe procedimento ex
(arts. 4.<>e §§ 25 c §~), e Regulamento n. 120, de 31 de ja- offiáo do juiz n051 processos das contravenções e, segundo lei
neiro de 1842 (arts. 198, § 1.°, 200 e §§, 211 e §§ 212 e §§, recente, nos de crimes culposos.
e 354) esse regime se conservou (Lei, arts. 47 e 48, e segs.; Re-
210. Ora, o anteprojeto suprime a queixa supletiva da inércia
gulamento, arts. 222, 256 e segs. até 261, 262 e segs. até 270,
do Ministério Público e, portanto, a figura do acusador
337, 338, 344, 349, 350, 351 e 355).
particular em caráter principal, nas ações públicas; e com isso
d) No regime da Lei n. 2.033, de 20 de setembro de (suprimido também o procedimento ex offieio) atinge seu es-
1871, e do Decreto n. 4.824, de 22 de novembro de 1871, o pro- copo de sempre sujeitar o início do processo, nelas, exclusiva-
cedimento ex offieio do juiz passou a ter caráter supletivo mente, à denúncia do Ministério Público, sob pretexto de que
"quando, esgotados os: prazos da lei", não fosse apresentada
este é o dominus litis.
queixa ou denúncia, salvo nos casos de flagrante delito nos Logo, ao contrário do que se afirma na exposição de mo-
então chamados "crimes policiais" e nos "de responsabilidade
tivos, o que se opera, no anteprojeto, não é uma redução do
(sendo competente a autoridade judiciária que os reconhece em histórico elemento inquisitorial em sentido próprio, mas seu
feitos e papéis submetidos regularmente ao seu exame jurisdi- manifesto reforço, mediante acréscimo de atribuições do Minis-
cional) ", exceções que comportavam procedimento ex offiei;) tério Público, bem como se suprimem, nas ações públicas, isso
do juiz sem tal caráter supletivo (Lei cit., art. 15 §§ 1.0 e 7.0,
sim, os resquícios da acusatoriedade, com a supressão da ação
e Decreto cit., art. 49, incisos 1.0 a 4.°).
privada subsidiária. e não "resquícios de inquisitorialismo "
e) No regime do Código Penal de 1890, "disposições (salvo tornando-se este em anti- histórico sentido impróprio).
gerais", ampliou-se a "todos os crimes e contravenções" (salvo
algumas exceções de queixa exclusiva) o dever de denúncia pelo 211. Aceitando, em certa medida, o ensinarnento de MANZINI
Ministério Público (art. 407, § 3.0). Restringiu-se aos crimes e outros processualistas, de que, na prática, à luz da his-
inafiançáveis o poder-dever de procedimento ex offieio pelo tória e da sociologia, nunca existiram os chamados tipos, de
juiz subsidiário apenas "quando não for apresentada a denún- procedimento acusatório e inquisitório, mas, sempre, o de pro-
cia no prazo da lei", (art. 407, § 4.0). E o dever de denúncia cedimento misto, com maior ou menor predominância de ele-
do Ministério Público, daí por diante, passou a concorrer, em mentos de um ou de outro tipo, conforme o país e conforme
igualdade de condições, com o direito de queixa "da parte ofen- a época, entendemos também que - como igualrr..ente pensa o
dida ou de quem tiver qualidade para representá-Ia (art. 407, grande processualista italiano - cada povo, por conseguinte,
§ 1.°), valendo, por prevenção, o exercício prioritário de uma tem seu próprio sistema de processo penal. Nessa ordern de
ou de outra para o início do sumário de culpa nos processos considerações é que se hão de estruturar, no Brasilr.nossos con-
ordinários, e para firmar-se a titularidade da eventual acusação ceitos a propósito de tipos luso-brasileiros de processo penal,
principal, ou para o exercício prioritário da ação penal, desde que se sucederam 110 curso da evolução de nossa instituições
logo, nos processos sumários. Manteve-se, depois, concorrên- judiciárias, e que ainda hoje se observam, a fim de que possa-
cia entre o Ministério Público e qualquer pessoa no exercício mos, en; nossos estudos, chegar a conclusões válidas.
da denúncia nos. crimes políticos, nos crimes de responsabilida- JoÁ'o MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR seguiu, sempre, tal mé-
de dos funcionários federais, nos crimes de lenocínio, em certos todo, no que foi exímio. E, na trilha desse método, é que sa-

13 1'. F. P. P.
244 PRINCÍPIOS FCNDAMENTAIS DO PROCESSO PEKAL 245
INOVAÇÕES NO ANTEFROJETO DO C P P

hemos que foi o direito eclesiástico, após longa solução de con- mada "acusação pela Justiça" - e não para reduzi-Ia e, muito
tinuidade, representada pelo hiato medieval, que restaurou o menos, para anulá-Ia; e) que, assim, não sendo discricionária
sistema inquisitivo romano com modificações, sendo a principal
a ação penal, mas dever legal de seu titular o Ministério Público
destas a criação do promotor público para assumir a acusação 11ão é "dono" da acusação pela Justiça, e sim seu servo, sob a
pela Justiça, na falta de acusador particular; e que, depois, in- ("gide da superior direção procedi mental do juiz da causa.
fluenciou o direito laico no mesmo sentido, retomando este o
fio de evolução das instituições jurídicas imperiais e misturan- 214. O anteprojeto, no afã de reduzir o juiz penal a uma
do-as, tanto quanto possível, com os resultados práticos da in- passi vidade semelhante à do juiz civel, atira-se despro-
fluência dos costumes germânicos. Em Portugal, essa tríp1ice positadamente contra o princípio da verdade real, nos arts. 417
influencia - aliás benéfica - identifica-se claramente nas nor- e 420, capui, a) proibindo "ao juiz condenar o réu por fatos
mas processuais penais inscritas nas Ordenações Filipinas, as estranhos à acusação contida na queixa ou denúncia, ou no seu
quais derr:onstram um sistema misto com marcante predomi- aditamento" (art. 417) ; b) impedindo-o, salvo em favor do réu
nância do caráter inquisitvoo, ídentifícado, sobretudo, através (parágra fo único), "de alterar a imputação ... constante da
do instituto da "acusação pela Justiça e da presença processual denúncia ou queixa, em virtude de prova relativa a fato na-
do promotor público. quela não contido"; c) determinando, tout court, que, "impro-
ccdente a acusação, o juiz absolverá o réu, ordenanclo a sua sol-
212. Tais antecedentes históricos demonstram que a entrega
(ma" (art. 420, capui>,
da acusação à Justiça Pública,no sistema luso-brasileiro,
Eis a justificação consignada na exposição de motivos (exp.
responde às exigências do princípio de inquisitoriedade.
A acusação mediante querela popular e a acusação mediante 11. 25). a) "O julgamento ultra petita está proibido taxativa
(' categoricamente (art. 417), 'Sob pena de nulidade da sentença,
querela do ofendido é que exprimiram influxo do principio de
acusatoriedade. nulidade essa passível de ser proclamada em habeas corpus (art.
l32, n. 11). Mas julgamento além do pedido, no processo penal,
Assim sendo, o reforço processual da posição e da atuação
l~ apenas aquele além da imputação, pelo que se permite, den-
do Ministério Público, mormente através da supressão da ação
t ro da regra do da mihi [actuni dabo tibi jus, a imposição de
penal popular e da ação penal do ofendido, subsidiária nos casos
pena maior que a cabível ao crime capitulado na acusação,
de ação pública, exprime, em princípio, não um golpe fatal em
quando não 'se alterarem os fatos ali mencionados ou descritos
pretensos "resquícios de inquisitorialismo " no nosso processo
(art. 418)." b ) "Foi mantic1a a norma do art. 384 do atual
penal, mas, ao contrário, conservada sujeição à estrutura e à
Código do Processo Penal, ou seja, a que admite a alteração
dinâmica inquisitiva. Tudo isso ligava-se ao direito romano.
in melius, pelo próprio juiz, da imputação descrita na acusação
213. Os mesmos antecedentes históricos demonstram a) que (art. 417, parágrafo único); mas não foi mantida a de seu
a necessidade do processo penal, em princípio, deriva do parágrafo único, por issogue, no anteprojeto, o aditamento da
caráter púbiíco (isto é, impessoal) do interesse indisponível tu- denúncia é ato espontâneo do órgão da acusação." c) "Ao re-
telado pela pena; 'J) que, por conseguinte, o processo penal, gular a sentença absolutória, o anteprojeto se limitou a dizer
visando à indispensável verificação, declaração e fixação dos que "improcedente a acusação, o juiz absolverá o réu" (art. 420,
termos da objetiva incidência da norrr:a penal, e da sua con- caput), pois as discriminações constantes do art. 384 do atual
creta eficácia legal, sujeita-se, sempre, às imposições da verda- Código do Processo Penal são inúteis e absolutamente desne-
de real, as quais só o procedimento inquisitivo é capaz de aten- cessárias, pressupondo até que o juiz não saiba quando deva
der; c) que tal vínculo, entre o procedimento e a verdade real, nbsol ver o acusado."
é imanente à jurisdição penal; d) que o Ministério Público 215. Com efeito; a) o art. 273 estatui que a ação penal pú-
originou-se e conserva-se em função do exercício do poder-de- blica "terá início por denúncia do Ministério Público", e
ver inquísitivo pelo juiz, e, portanto, para cooperar com a es- que esta indicará, dentre outros dados, "o fato e os fundamen
pontaneidade da jurisdição - mediante, especificamente, a cha- tos jurídicos da acusação, expostos com clareza e precisão, de
--I

246 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL INOVAÇÕES NO ANTEPROJETO DO C P P 247

modo que o réu possa preparar sua defesa" (n. V); b) e o ,/'u não tem o ônus de contrariar a acusação, mas apenas o
art. 277, que "a acusação contida na denúncia será aditada ,I,' requerer, no prazo da lei, as provas que pretende produzir."
pelo Ministério Público", quando (n, I), além de outras fina- I'al dispositivo demonstra, nos fatores das inovações, o propó-
lidades (ns. lI, III, IV e V), "se apurar, na instrução d.a "il{) de mostrar como, no processo penal, nenhum vínculo pos-
causa, a ocorrência de fato não contido na imputação e que t ulatório prende o juiz às alegações da defesa, a modo da vin-
configura crime mais grave"; c) e ainda (§ 1.0) manda, se culaçâo do juiz cíve1 às alegações da contestação cível; e isso
esse aditamento" for apresentado após a instrução (art. 414)", I" .rque o juiz penal permanece vinculado, quanto à defesa, não
que a defesa tenha vista por três dias, para contrariá-I o e in- :1 atos processuais (verdade formal), mas à realidade objetiva da
dicar as provas que deseja produzir"; e para arrolar - se «corrência concreta, exterior e anterior ao processo (verdade
quiser - até quatro testemunhas (§ 2.°). n-al ) .
Este o teor do art. 414: "Finda a instrução, o Ministério N esse particular, temos sempre oportunidade de frisar a
Público poderá pedir vista dos autos, por quarenta e oito horas 11< ISSOS alunos, no curso de bacharelado e no de especialização,
improrrogáveis, para aditar 011 modificar a denúncia. § 1.°. '111(' aquelas discriminações elo atual art. 386, quanto às hipó-
Deferido o pedido, os autos serão entregues imediatamente, ao t, ";('s de absolvição, não exprimem supérfluas e inadequadas
Ministério Público. § 2.°. Retomando os autos, com o adita- I"petições de razÕes absolutórias de direito penal, mas sim, de-
mento ou alteração da denúncia, proceder-se-à na forma pre- urminaçôes de direito processual penal, pormenorizadas a pro-
vista no § 1.0 do art. 277, ouvindo-se as testemunhas na au- I',',';ito de todas as operações psicológicas que ao juiz impõe
diência e realizando-se os debates segundo disposto no art. 409. :1 lei, urna por uma, no momento de julgar, abstração feita das
§ 3.°. Se o Ministério Público entender que não cabe adita- 1:1 ziles absolutórias argüidas pela defesa. E que estas carecem
rnento ou alteração da denúncia, clevolverá os autos a cartório, ,I" qualquer eficácia resrt:ritiva sobre seu poder-dever de julgar,
para que sejam conclusos ao juiz." 11:11 I a verdade processualmente postulada, mas a verdade ma-
Inialmente acontecida, conforme apurável em instrução criminal.
216. Em suma, uma desarrazoacla discrição do Ministério PÚ-
A norma criticada não prestigia, pois, de modo algum, a
blico se subtrai ao imediato controle judicial de sua lega-
:1 ventada idéia de que ao legislador, nela, parece pressupor "que
liclade. Transforma, com isso, a discrição em arbítrio do Ministé-
11 juiz não saiba quando deve absolver o acusado". O que está
rio Público. Esse arbítrio resolve-se em impunidade quando, im-
procedente a acusação oficial, por acaso falha, ou inadequada ;1 «rclcnado no art. 386, especificamente, é que, "desde que reco-
verdade real, e emhora patenteada a irregularidade ao juiz da nlicra" qualquer das razões legais de absolvição consignadas
instrução, é obrigado a absolver. Eis o flagrante contra-senso! IIIIS incisos I, II, Ifl, IV, V e VI, o juiz mencione "a causa
(da absolvição) na parte dispositiua" da sentença.
A necessidade da ação penal, que constitui a razão específica
mesma da existência e da função do Ministério Público, passa a Aliás, isso é indispensável, tanto no regime do atual Có-
ceder terreno ao arbítrio administrativo do acusador oficial sem dig-o cio Processo Penal quanto no regime do anteprojeto, à
peias, e a tornar, assim, contraproducentes, do ponto-de-vista da IIIZ, principalmente, do que, a propósito da ação civil de re-
fundamental obrigatoriedade do processo penal, ao influxo da I':lração do dano, está conservado no respectivo art. 806: "Não
verdade real, a existência e a função do próprio Ministério «l.stante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil
Público ... I" li lerá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente,
reconhecida a inexistência material do fato", bem como à luz
217. Acresce que improcedente se nos afigura a crítica feita
IIll'SmOdo que está disposto no art. 807, acerca dos efeitos cíveis
na exposição de motiuos às "discriminações constantes
d:IS absolvições fundadas" em legítima defesa, estado de necessi-
do art. 386 do atual Código Penal", como "inúteis e absoluta-
dade excludente do crime, exercício regular de direito, ou estrito
mente desnecessárias, pressupondo até que o juiz não saiba
«uniprimento de dever legal", conectaclo, tal dispositivo, que 'Seja,
quando deva absolver o acusado". Tal improcedência mais se
C0111 a regra do in dubio pro reo,
ostenta à luz da norma contida no art. 23 do anteproj eto: "O
248 PRINcíPIOS FLiNDAMENTAlS DO PROCESSO PENAL INOVAÇÕES NO ANTEPROJETO DO C P P 249

Com efeito, como poderá o juiz civel saber qual a extensão Conviria, sobretudo, solucionar a questão de se suprimirem a
dos efeitos cíveis de determinada sentença penal, se o juiz pe- eficácia cível da sentença penal - quando esta seja posterior
nal se fez indefinido quanto ao motivo da absolvição, ou seja, à sentença civil já proferida, sobre o mesmo fato, no juízo
não consignou se foi movido por convicção categórica da ino- civel - e, por via de conseqüência, em tal caso, a intervenção
cência do absolvido, ou por dúvida acerca da responsabilidade? da parte civil.
A norma do atual art. :186, portanto, não é inútil, mas in-
dispensável, ainda que possa talvez merecer melhor redação 220. O arquivamento do inquérito policial não deve ser sub-
traído ao controle do juiz ou tribunal. Melhor do que
para ser satisfatóriamente reintegrada no anteprojeto. Talvez
assim: "o juiz, ao absolver o réu, declarará, no dispositivo, não razões nossas para sustentar essa opinião, ostentam-na, por
exemplo, os argumentos de GAETANO FOSCHINI (Sistema dcl
só a causa legal da absolvição, mas também se a reconhece ca-
Diritto Processuale Penole, II, Giu ífrê, 1968, págs. 100 a 105) :
tegoricamente ou não, para os fins dos arts. 806 e 807".
"37. Il decreto di crchioiaeione (art. 74, III e IV, CPP) -
218. Não convém deixar, outrossim, na dependência do "que r .a ipotesi piú evidente di esplicazione dei principio di adegua-
dispuser a legislação de direito privado", os efeitos cíveis tezzae data proprio dal caso in cui, già in sede di istruzione
das excludentes penais arroladas no art. 807. O que pertence, preliminare, il sospetto suIla sussistenza di una responsabilità
nesse particular, ao âmbito do direito privado não são tais efei- penale svanisce e con cio stesso si rivela inutile ogni ulteriore
tos processuais de repercussão, mas os efeitos cíveis em si mes- evoluzione deI processo il quale cosi si esaurisce mediante
mos, ela ocorrência de cada uma das referidas excludentes pe- nrchiviazione. "
nais, C01110 causa geradora, positiva ou negativa, ou modifica- Questa possibilità e disciplinara dall'art. 74, III e IV,
tiva da relação de direito material civil. CPP,e bene tener presente che Ia originaria forrnulazione
di tale articolo (1931) e stata poi variata con DL 14 setternbre
219. Acertada a) é a supressão da chamada ação privada sub- 1944, n. 288, e che Ia variazione ha in parte peggiorato Ia nor-
sidiária, que hoje se admite, nos casos de ação pública, ma, suscitando numerosi problemi. Si puó dire che sono in
quando o Ministério Público não dá denúncia no prazo legal. díscussione tutti i punti relativi atla disciplina delI'archiviazione.
E b) a supressão deveria estender-se, logicamente, aos outros I principali 'Sono i seguenti : a) chi puó archiviare; b) quando
dois modos de intervenção do ofendido processual penal, isto si puô archiviare : c) natura del provvedimento; d ) suo con-
ê, modo de mero assistente processual penal e modo de mero tenuto; e) SilO limite prec1usivo; f) sua revocabilità,
apelante processual penal. Mas c), para completar-se a inova- "a) Chi puó archiviare. Poice trattasi di tina ipotesi di
ção, dever-se-ia instituir, em lugar do suprimido, a participa- conclusione della istruzione preliminare, pertanto Ia sua oppor"
ção do ofendido, claramente, a modo de parte civil (como, por tunità si presenta in via natural e a chie preposto ad essa;
exemplo, no direito italiano), em manifesto litisconsórcio C011-: quindi normalmente al PM e, por i procedimenti di sua cornpe-
o Ministério Público (e não como mero assistente), fundado tcnza, aI Pretere.
na óbvia conexão entre a ação penal e a ação civil, tratadas por "Ora, malgrado che l'archiviazione - essendo espressione
isto em unidade processual. della manifesta infondatezza della notitia criminislasci di per
Resumindo: não deve ser abolida a participação do ofen- se inalterato il principio di ohbligatorietà e di irretratabilità dell'-
dido, pura e simplesmente, mas transformada em liiisconsorcio azionc penale (art. 75 CPP); tuttavia e evidente Ia esigenza
civil. E, como cautelosa deve ser a disciplina processual penal pratica di garantirsi contro il pericolo che l'esercizio del potere
que há de reger essa intervenção da parte civil, para que não di archiviazione possa slittare, nel singolo caso e anche involon-
perturbe a satisfação do interesse público penal específico, con- tariamente, verso una forma di discrezionalità neIl'esercizio
viria que os ilustres autores do anteprojeto se inspirassem nas clell'azione penale. Come garanzia contra questo pericolo, che
lições do direito processual penal estrangeiro para encontrar (~ particolannente grave in regime di monopolio pubblico deU'
boas soluções aos intrincados problemas pertinentes ao assunto, accusa, I'archiviazione e attuata solo con il concorso consenzien-
250 PEINCÍPIOS FUNDAMEN'rAIS DO PROCESSOPENAL INOVAÇÕES NO ANTEPROJETO DO C P P 251

te tanto dell'ufficio dell accusa quanto dell'ufficio della decisio- "Manifesta infondatezza della notitia criminis significa
ne. Pertanto : palese inidoneità della stessa a nutrire il "sospetto" o i1 dubbio
"I -- nei procedimenti di competenza del Tribunale e dclla sulla esistenza di un fatto punibile, il quale sospetto o dubbio
Corte di Assise i1 decreto di archiviazione e richiesto dal Proc. solo puó dare vita al processo."
Rep. ed e enessi da GI, i1 quale se dissente dispone invece con
ordinanza Ia prosecusione del processo con l'istruzione formale ; 221. À luz ele tais lições, dadas por autorizados mestres, e à
"II - nei procedimenti di cornpetenza del Pretore il de- vista elo retro-exposto, concluímos:
creto di archiviazione é emesso daI Pretore, il quale deve pero a) O monopólio da ação penal, atribuído pelo anteprojeto
informare il Proc, Rep. che, se dissente, puô disporre invece ;10 Ministério Público, apresenta, na prática, evidente risco de o
che si proceda. processo penal subtrair-se à regência do princípio de legalidade
NeI primo caso 11 provvedimento di archiviazione e emesso da acusação, para colocar-se na área perigosa ela discrição fun-
SD iniziativa del ,PM, ma con il controlo del giudice; nel se- cional do acusador público, sem qualquer controle do juiz ou tri-
condo caso é emesso dal Pretore, cioê dal giudice, ma con il hunal, coisa que infringe o caráter publicístico do interesse
controllo del PM. I.cnal e processual penal.
"I! meccanisrno preveduto dall'arts. 74, IV, CGG, per la b ) O magistrado competente e o representante do Minis-
declaratoria di archiviazione da parte del pretore, há dato luogo I<'·rio Público são solidariamente responsáveis pela legalidade
a dubbi in oniine alIa sua legitimità costituzionale. Si é pros·· do procedimento penal desde as providências preliminares das
pettato, infatti, un contrasto ira Ia possibilita riconosciuta al i11 vestigaçôes e informações policiais, tanto sob o ponto-de-vista
procuratore della Reppub1ica di richiedere gli atti e dispare positivo (requisições à Polícia), quanto sob o ponto-de-vista
invece che si proceda e gli arts. 101-Il, 107-II, nonchê in ge- IIl'gativo (arquivamento ele inquérito policial), e guareladas as
nerale il titolo IV, sezione I, della parte II, Cost, La Corte respectivas posições processuais. O receptor ela notícia da in-
costituzronalc, peró, ha disatteso tal e assunto rilevando che f ração nunca pode deixar de 'Ser a autoridade processante, ju-
secando Ia norma denunciata i due organi operano non in ra- diciária ou, em caráter secundário - auxiliar, policial, mesmo
gione di un rapporto gerarchico ... ma nella esplicazionc di .juando a comunicação do crime, ou contravenção, seja veicula-
funzioni diverse, necessarie per il raggiungimento elei fini che da, como poder-dever ele seu ofício, pelo representante do Mi-
il processo persegue sento 7 dicembre 1964, n. 102, i11 RID e 11 istério Público, mas sem exclusividade.
PPen 1965, 184, con nota di SPAGNA Musso, Tutela costiiu- c) À abolição da ação penal subsidiária do ofenelido deve
zionale della orqanissacione del potere giudiziario e potere d.el ,orresponder a instituição, no nosso sistema processual penal,
Pro curaiore della Reppublica e:r art, 74, ultima parte CEP, V. da parte civil, 1itisconsorcial, abolindo-se também as figuras do
pure M. MASSA, Il c.d, conirollo del procura/ore della RepPtt- "assistente do Ministério Público" e elo apelante supletivo.
blica suf,archiviazione del pretere e Ia sua legittitnità costitueio- d) Precisamente para que não haja monopólio da ação
nale, ivi 1964, 606; MELE, Archiuiosione pretorile e legittim.ità I wnal en: mãos do Ministério Público, deve ser mantido o pro-
costitueionale del conirollo qerarchico, in GPen, 1965. ,('dimento ex officio do juiz, e estendido mesmo a todas as, in-
"b) L'archiviazione e possibile solo nei casi eli manifesta f rações, embora em caráter supletivo da inércia do Ministério
infrondatezza della notitui criminis. Cio era esplicitamente detto I'ú hlico, e também em caráter corretivo elas deformações da
nella forn:ulazione primitiva dell'art. 74, II CPP (1931), ma, verdade real contielas na acusação.
in forza elel principio di obbligatorietà dell'azione penale (art,
112 Cost.), eleve ritenersi anche attualmente, malgrado Ia inf e" 222. *
Ao submeter à apreciação do Ministro da Justiça, Prof.
lice nuova fonnulazione data alla normanel 1944. Infatti, nella ALFREDO BezAID, a 10 de junho ele 1970, o anteprojeto
carenza di contenuto della lettera norma vigente, Ia formula d,' Código do Processo Penal, já revisto, o coorelenador da
della manifesta infonelatezza della notiiia criminis e l'unica che * Os números 222 e seguintes, até 239, são dedicados, especifica-
rimane aelatta a rendere l'essenza dell'istituto. uu '1Itc, a criticar o propósito dos reformadores de excluir do novo Có-
'r
252 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL INOVAÇÕESNO ANTEPROJETODO C PP 253
Comissão de Estudos Legislativos, Prof. JosÉ CARLOSMORElRA Con: efeito, em agosto de 1933, o Diário Oficial da União
ALVES, que, nessa qualidade, participara da subcornissâo revi- publicara o anteprojeto do Código Penitenciário do Brasil, ou
sora (integrada pelo autor, pelo Prof. BENJAMIN MORAES Código das Execuções Criminais, elaborado pela 14.a Subco-
FILHO e pelo Prof. JosÉ SALGADOMARTINS), lembra que a missão Legislativa, composta do Prof. C\.NDIDO MENDES DE
longa esposiçiio de motivos redigida pelo autor, Prof. JosÉ ALMEIDA. presidente, do jurista JosÉ GABRIELDE LEMOS BRITO
FREDERICOMARQVES, ressalta "as principais inovações que se e do médico psiquiatra HEITOR PEREIRA CARRILHO, os quais, ao
fizeram ao sistema e aos princípios do Código do Processo Pe- final da respectiva exposição de motivos, rematavam: "vai tornar
nal em vigor ". "Conforme orientação esta:belecida por V. Exa.' possível realizar no Brasil o que ainda é uma aspiração em
- consigna, desde logo, o coordenador - "não foi incluída no outros países e apenas objeto de estudo em postulados de
anteprojeto a matéria relativa à execução penal, que será inse- Congressos Internacionais".
rida no Código das Execuções Penais, cujo anteprojeto está
Integravam-no 854 artigos, distribuídos por 25 Títulos,
em fase de revisão." E a exposição de motivos reitera haver
dedicados à execução das penas criminais (I); a seus órgãos
sido excluído "o processo executório, uma vez que dele cuidará
superiores (II); à organização antropológica, médica e psiquiá-
o Código das Execuções Penais, cujo anteprojeto está em ela-
trica (III); ao preparo técnico e científico do pessoal (IV);
boração".
ao funcionalismo, sua organização, seus direitos e deveres (V) ;
às circunscrições (VI); aos estabelecimentos penais (VII); ao
223. A inovação deslocativa resulta, historicamente, da hesi-
regime (VIII); ao trabalho penal (IX); à educação dos sen-
tante linha reformatória dos nossos sucessivos governan-
tenciados (X); a seus deveres e prerrogativas (XI); às pro-
tes quanto à natureza jurídica da execução penal e do processo
vidências para a execução das penas (XII); à suspensão
de execução penal sob dois aspectos: o ponto-ele-vista de
condicional (XIII) ; à soltura (XIV) ; ao livramento condicional
penalistas, preocupados com a chamada "autonomia do direito
(XV) ; às medidas de segurança (XVI); à graça (XVII); à
penitenciário", e o ponto-de-vista de processualistas, preocupa-
extinção da condenação (XVIII): à reabilitação (XIX); a
dos com a proporção da carga administrativa (imperiu1n) e da
recursos (XX); aos patronatos dos presos e dos liberados
carga judiciária (notio e iudicium), imanentes na atividade
(XXI) : ao cadastro penitenciário (XXII); ao museu criminal
executória, Marcam ambos as duas tendências confluentes, até
(XXIII); ao fundo penitenciário (XXIV), e a disposições
o ponto de se firmar ° eminente processualista pátrio. Prof , gerais (XXV).
ALFREDO BUZAID, no propósito separatista de remeter o tema
para um Código das Execuções Penais autônomo, continente de
225. Esse novo Código destinar-se-ia a ser observado em todo
normas de direito penitenciário tanto quanto de normas de
o Brasil, mediante "atuação direta e permanente dos
direito processual penal executivo.
Conselhos Penitenciários, compostos de três juristas, dois mé-
dicos e de representantes do Ministério Público Federal, Militar
224. O primeiro impulso foi de penalistas, O eminente Ro-
e Local", e com "fiscalização, porém, das autoridades judiciá-
BERTOLYRA pondera, em sua Justificação do anteprojeto
rias" e .•superintendência da Inspetoria Geral Penitenciária".
do Código da" Execuções Penais, de 1963: "Em matéria de
execução penal, nossa marcha independente foi preparada por 226. Sob o ponto-de-vista que mais ora nos interessa, que é o
inovações, como o Conselho Penitenciário (Decreto n. 16.665, dos deveres e prerrogativas dos sentenciados, merecem
de 6 de novembro de 1q24) e sistema progressivo próprio. "O especial atenção, ali, as normas concernentes à dignidade da
Brasil" - diz ele - "tornou-se pioneiro da triparticão dos pessoa do sentenciado: "Entende-se por sentenciado todo indi-
Códigos na sede penal.
víduo, de um e outro sexo, recolhido ou não a estabelecimentos
penais, em obediência a sentenças de juízes e tribunais passadas
digo, anteprojetado, toda a parte concernente à execução penal, para
inseri-Ia em anteproj etada Lei de Execuções Penais, em julgado, a fim de cumprir pena de acordo com o que pres-
crevem o Código Criminal e fl Código Penitenciária" (arr. 0586) ;
254 PRINCÍPIOSFUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL
·T··..·.··-- I'

INOVAÇÕESNO ANTEPROJETODO C P P 255

"Todo sentenciado, seja qual for a natureza de seu crime, será


tratado como um indivíduo que o Estado constrange à segrega-
ção ou à restrição de direitos, não só com o objetivo de res-
taurar-lhe as energias físicas e morais, como no de defesa da
'Sociedade" (art. 587); "Nenhum sentenciado pode ser cons-
I
-t
.:~~
T
228. Em 1951, o Dep. Carvalho Neto apresentou o projeto
636-A, sobre normas gerais do regime penitenciário,
projeto esse que recebeu redação final em 1952. O notável
penalista, Prof. OSCAR STEVENSON,vice-presidente da comissão
«laboradora de outro anteprojeto de Código Penitenciário, em
trangido a fazer ou deixar de fazer senão aquilo que lhe houver ,.,.i" 1957, conclui, na respectiva exposição de motivos, suas infor-
.:--;:
sido determinado por força das leis e dos regulamentos" (art. I t
mações históricas: "Data de quatro lustros ° empenho, entre
590); "Os sentenciados ficam submetidos às sanções discipli- nós, de erigir um Código Penitenciário, mas, especialmente, por
nares que este Código prescreve, não podendo os regulamentos força de dispositivo constitucional de 1946, art. 5.°, inciso XV,
dos estabelecimentos penais inscrever outras sob qualquer pre- alínea b, que "deferiu à União a competência de estabelecer as
texto, disfarce ou denominação que seja" (art. 603); "As 'I:
-"~ normas reitoras do regime penitenciário", e "aos Estados a
sanções disciplinares devem corresponder à gravidade e reitera- ,~-"
função supletiva de ocorrer, nesse particular, às peculiaridades
ção das infrações praticadas pelo sentenciado e, de acordo com
estas, serão consideradas de primeiro e de segundo 'grau"
'i locais", foi que ° Poder Legislativo, como exposto, principiou
a interessar-se mais vivamente pelo tema. Atendendo aos pre-
(art. 604) ; "Serão de primeiro grau as infrações leves, definidas
em vinte e dois números (art. 60S) ; "Serão de segundo grau
J cedentes aludidos e ao imperativo da Constituição, inspirado
pelo reclamo da consciência jurídica nacional, tomei a iniciativa
as que corresponderern às infrações mais graves", definidas em cujo fruto é o presente projeto".
dezessete números (art. 606): "As sanções disciplinares do E prossegue: "Desde o século XIX generalizou-se o em-
primeiro grau (em número de oito, permitidas pelo art. 609) prego da expressão ciência penitenciária. Sob tal enunciado se
serão aplicadas pelo diretor por proposta do chefe da disciplina; amalgamaram problemas criminológicos, controvérsias quanto :lS
as de segundo grau (em número de doze, permitidas pelo funções e formas preferíveis das medidas privativas da liber-
art. 610), pelo diretor, após deliberação da Comissão Penal ',ir
~ dade, teses referentes à execução penal, enfim, matérias hetero-
Disciplinar" (art. 611).
gêneas relacionadas, de qualquer modo, com o tema. penitenciário.
Essa pretendida ciência, não se fundando, senão parcialmente,
227. O caráter administrativo de toda essa atividade arredava, em dados positivos, à falta de uma ordenação precisa de normas
o mais possível, a interferência judiciária, embora seus legisladas, não poderia deixar de ser incerta e arbitrária, care-
órgãos agentes. singulares ou colegiados, operassem - como se cendo de valor dogmático e de aplicabilidade. A ciência do
lê - ao prevalecente influxo do principio da legalidade, prin- direito, salvo para o jus-filósofo, é e deve ser a ciência do direito
cipalmente em assuntos de disciplina, minguada a margem de positivo, erguida 'Sobre ele para servi-lo, e com ele identificada."
regência do princípio de discricionaridade, e proscrito qualquer A ciência penitenciária "só terá existência em função de
tipo de arbitrariedade, por ser considerada esta" crime de abuso um direito penitenciário, corporificado em conjunto orgânico de
de autoridade, incorrendo na cumplicidade o funcionário que prescrições normativas", o que" pressupõe, obviamente, o caráter
obedecer a ordens superiores no sentido de tal violação" (art. autônomo do direito penitenciário". Vive, este, entretanto,
616), inclusive quando cometida em "estabelecimentos penais fragmentário e defectivo, através de esparsas disposições legais,
militares" (arts. 403, 404, 405, 406, 407 e 408). decretos e regulamentos, como que relegado "a mero direito
Só em 25 de fevereiro de 1937, todavia, o Diário do Poder penal executivo", "subsídios oriundos dos direitos penal, pro-
Legisiativo da União divulgou o resultante projeto, o qual as cessual penal e administrativo", quando, entretanto, tem "esfera
ocorrências políticas supervenientes não permitiram prosperar e própria e específica finalidade, a ressocialização ", O direito
se converter em lei. Tornou-se desaconselhável, depois, sua penitenciário "penetra o conteúdo da pena e erige como principal
simples renovação, por desarmonia de suas normas com as do o escopo secundário desta, a recuperação quanto possível do
Código Penal e do Código do Processo 'Penal ainda hoje condenado"; "preside à organização do regime e do procedi-
vigentes. mento concernentes à execução individualizada das medidas
256 PRINcíPIOS FUNDAMENTAISDO pROCESSOPENAL INOVAÇÕESNO ANTEPROJETODO C P P 257

jurídicas privativas da liberdade: pena, medida de segurança e sem ordem legal, em estabelecimento penitenciário; recolhê-Ia a
prisão provisória." Difere, pois, do judiciário penal, "sistema estabelecimento inadequado: impor ou prolongar a pena ou a
de ritos pelo qual se disciplina a determinação em concreto dos prisão provisória sem causa legítima, e também a medida de
fatos previstos como delito, o pronunciamento valorativo destes segurança, quando inexistente ou cessada a periculosidade;
e as condições da interferência judicial na execução ordenada". valer-se de recolhido para mister de fâmulo ou outro de interesse
O direito penitenciário "realiza e desenvolve, em âmbito próprio, particular. E ainda, o providente dispositivo de que, afora os
determinadas imposições da sentença, cuja execução material lhe processados que tenham direito a prisão especial, ninguém
é o ponto de partida." poderá ser recolhido a não ser em estabelecimento penitenciário,
para cumprir pena privativa de liberdade."
229. Quanto a aspectos irr:portantes no referido anteprojeto de Entrementes, sobreveio a Lei n . .3.2'74, de 2 de outubro de
1957, releva o dasubmissão das autoridades - adminis- 1942, 'Sobre atribuições da Inspetoria Geral Penitenciária e
trativas e judiciárias - ao princípio da legalidade, como então normas gerais do regime penitenciário, em conforrr.idade com o
ponderava seu autor, OSCAR STEVENSON: "Ao demais, para que disposto no art. 5.0, n. XV, letra b da Constituição de 1946.
o direito penitenciário não sej a mera elocubração teórica des-
230. Entretanto, o Anteprojeto OSCAR STEVENSON malogrou
mentida pela realidade, imprescindível se torna que a lei ou o
ao influxo da inércia legislativa. De modo que a retro-
código respectivo implante o postulado da reserva legal. Não se
-apontada Justificação do anteprojeto de Código das Execuções
concebe regime penitenciário sem rigor de juridicidade e sem
Penais, de ROBERTO LYRA, seu autor, em 1963, começa por
demarcações para o arbítrio dos seus executores. Não basta
incisiva profissão de fé no tema que ora nos preocupa: "Ma-
criar em lei o sistema progressivo e do cumprimento das medidas
nifestei a V. Exa.", declara, desde logo, ROBERTO LYRA ao
de segurança defensiva. deixando à administração e aos: regula-
Ministro da Justiça, "minha inalterável repugnância por um
mentos internos amplitude descomedida de discricionarismo, O
Código Penitenciário. Não é questão de denominação, rr:as de
administrador do estabelecimento penitenciário e o próprio juiz
conteúdo. Combato tudo o que representa o intolerável anacro-
das execuções apenas devem ter o alveelrio que for conferielo
nismo. A penitência cabe à sociedade, O convicto do velho
por lei e nos limites nesta prefixados. No terreno penitenciário,
Direito passou a ser o juiz." E, mais adiante, explica: "Um
é essencial o princípio ela legalidade, ele sorte que o poder dis-
Código de Execuções Penais para um Brasil em transição não
cricionário, até mesmo para a competência regulamentadora, se
poderá ser c desdobramento específico da ordenação substantiva
exerça dentro ele divisas definidas e intransponiveis. O humano
e adjetiva, O·t sistema de ritos" (OSCAR STEVENSON), ressalva-
escopo do regime em referência é a garantia dos direitos indi-
das as exceções magnas, pertence ao processo penal. O diploma
viduais contra o arbítrio sem peias e os excessos de poder.
há de concentrar-se não no passado e no presente de urr: réu, de
Assim, por exemplo, as faltas disciplinares e as sanções cor-
um condenado, porém 110 futuro de um homem livre."
respondentes têm ele ser elencadas, de moelo taxativo, em normas
legislativas. Relegar a questão para regimentos ou decretos E esclarece: "Afastei-me, quer de um Direito Penal Exe-
regulamentares será formalizar direito penitenciário defectivo, cutivo misoneísta ou utópico, quer de um Direito Penal
sem o requisito impreterível da certeza. O Projeto não incide Executivo regulamentarista, senão regimentalista", para "inau-
nesse vício. Outorga à administração dos estabelecimentos o gurar uma cintura jurídica, atendendo aos melindres de um
arbítrio necessário para que ela se realize COI1: eficiência, mas diploma a ser colocado nas fronteiras institucionais entre a
lhe circunscreve a liberdade de atuação ao assinar-lhe obrigações União e os Estados, e entre o Poder Executivo e o Poder
peremptórias e ao vedar expedientes e práticas abusivas. Do Judiciário", e para dar "alma à execução". A sentença con-
que é defeso não se exime nem ao próprio juiz, cujo poder denatória criminal deve ser um ato de esperança fraterna, um
discricional, definido no direito substantivo e judiciário, é con- abraço de luz sobre um destino. Sua natureza sui generis há de
finado por deveres categóricos. Nessa conformidade os disposi- render os preconceitos diante de uma condenação que, a bem
tivos que proíbem recolher ou conservar qualquer indivíduo, dizer, não condena. E que importância humana e social terr: a
258 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL 259
INOVAÇÕES NO ANTEPROJETO DO C P P

indagação sobre se a sentença condenatória criminal constitui, os fins sem os meios, A jurisdicionalidade conduzirá à humani-
declara, determina, dispõe ou especi fica?" dade, à legalidade, à responsabilidade. O juiz será mesmo da
Para ROBERTOLYRA - uma vez que o "Poder Judiciário execução, que é, a bem dizer, a verdadeira ação penal em sentido
revê seus erros grosseiros de fato e de direito até depois da livre. Na execução, o Poder Judiciário terá poder executivo.
morte do condenado", que o Poder Legislativo extingue a Não se compreende a ausência ou a indiferença do juiz no único
condenação pela anistia, e que lhe põe termo o Presidente da momento real e concreto da jurisdição, na obra coroadora e
República pelo perdão - a execução há de trancar "as preven- Iinalística."
ções, as distâncias, as ocultações processuais, Terminado o
contraditório, que deve fazer o Estado vencedor com um homerr. 232. Passemos, agora, a considerações processualisticas.
por ele vencido e à sua mercê? Não se trata de simples conjun- A lei, molde abstrato ou forma da concreta relação de
tura técnica. O principal, num Código das Execuções Penais direito individuada objetiva, e o [tüo jurídico que ela sensibiliza
finalístico e transcendente, mais político do que jurídico, não é dão causa, conjugadamente, à obrigação em alguém, de fazer ou
a prestação de contas do condenado à Justiça, mas a responsa- deixar de fazer alguma coisa no interesse de outrem. Este
bilidade desta pelo futuro de um homem posto à sua disposição. hcneficiário da tutela legal do interesse, exercida assim pelo
Que fizeste de teu inr:ão?É o que perguntaria a consciência do L~stado, constitui um dos dois polos ou termos da relação jurí-
magistrado executor. Não há mais a quem acusar e condenar e dica, na qual ele se insere com a qualidade de titular do direito
gim a quem defender e guiar".
que a pressão estatal protege, assestada- que esta é - sobre
o coagido, o qual constitui O outro polo ou termo. Se se trata
231. Protesta, às tantas, ROBERTo LYRA: "Pela Constituição de interesse de cada membro da comunhão social, todos, um por
Federal. o juiz não pode aplicar pena, ainda pecuniária U111, sem privatividade, ostenta-se, em concreto, um interesse
ou acessória, 'que lei anterior não cominou, mas O'carcereiro (ou público, por ser, precisamente. um interesse i1npessoal, isto é, de
seu subalterno) cria, aplica e executa penas ou agrava-as cada um e de todos. O interesse, porém, que se identifica, em
extremamente: inuma homens em solitárias (prisão dentro da concreto, corno interesse pessoal, pertence, privativamente, a
prisão) ; condena-os à fome e à sede; priva-os de visita e cor- determinado titular exclusivo ou mesmo determinados titulares
respondência; confisca-lhes, indiretamente, o pecúlio e o salário; exclusivos. Tal distinção impõe-se, vestibularmente, no estudo
explora seu trabalho: isola-os em ilhas: concentra, em instantes elo princípio publicístico predominante no direito penal, em
de castigo, a perpetuidade da dor, da revolta e da vergonha. A lógica contraposição correlativa ao princípio privatístico, preva-
Constituição proíbe que a pena passe da pessoa de criminoso, lecente em direito civil.
Entretanto, a família dele, a maior das vítimas, sofre todas as
humilhações até a perdição e a miséria. O Poder Executivo, É que o fato jurídico gerador da relação jurídica penal
por meio do carcereiro e de seus subordinados, como que irroga primária, concreta, projetada pela regra de comportamento
penas, de plano e secretamente, ofendendo, mais do que os proibitiva, implícita -- ouexplicita - nO' preceito da norm·:.l
direitos constitucionais, os direitos humanos." penal primária, concerne ao ser humano enquanto tal. isto é, a
Em suma, principalmente "a autoridade administrativa 'sua existência e a sua essência, a saber, vida, incolumidade,
tornou-se praticamente irresponsável", sendo "mais influente a liberdade, honra, apropriabilidade, segurança. A inviolabilidade
mudança de um diretor do que a de um Código": o "rigor das, dessas prerrogativas a lei penal impõe a cada um dos membros
penas depende do carcereiro"! "Ele suspende a execução e libera da comunhão social, sem distinção de pessoas, porque considera
de fato. Seu arbítrio atua para o bem e o rr.al, para o nobre e o todos como que infratores potenciais do preceito protetivo. A
ignóbil. Favorece, prejudica, persegue contra a lei e a sentença." tutela penal de interesses fundamentais do ser humano impes-
soal, prerrogativas de cada um e de todos, exprime, assim,
E afinal: "O centro de gravidade do anteprojeto é o juiz
segurança pública geral. Manifesto fica, pois, o caráter público
re!ponsável pela execução (art. 19). Atualmente, atribuem-lhe
do direito penal.

1.') 1', r. r. P.
INOVAÇÕES NO ANTEPROJETO DO C P P 261
260 PRIKCÍFIOS FUNDAMENTAIS DO I'ROCESSO PENAL

e-xeqiiivel pelos órgãos públicos, tal execução em si não é juris-


A sanção penal ou pena, corninada pela norma penal secun-
dicâo : assim, não é jurisdição a execução da sentença penal"
dária (que HANS KELSEN entende ser a norma jurídica penal
(o grifo é nosso). "Quando, porém, se trata de uma vontade
autêntica), principia a ser mera possibilidade desde a vigência
de lei exeqiiível pela parte em causa, a jurisdição consiste na
da lei, recainte - corno é - sobre a relação jurídica penal
substituição, pela atividade material dos órgãos do Estado, da
secundária. É, pois, como mera possibilidade da coação estatal
atizlidadc devida, seja que a atividade pública tenha por fim
que a sanção penal então passa a operar por contato virtual -
ronstranger o obrigado a agir, seja que vise ao resultado da
como diz JOÃo MENDES JÚNIOR - se e, enquanto obedecido o
(llividade'J (o grifo é nosso). "Em qualquer caso, portanto, é
preceito. Da desohediência, ou infração penal, crime ou contra-
uma atividade pública exercido e111-lugar de outrem" (o grifo
venção, resulta, entretanto, o contato real da lei, produtor da
realidade da coação estatal, que, em potência, existe desde a é nosso).
perpetração do ilícito penal, e que, em ato, se corporifica preci- E tenta explicar: "É o que falta à administração. Adminis-
samente na imposição física da, pena, conteúdo da execução trar é uma atividade por si mesma imposta direta e imediata-
mente pela lei a órgãos públicos". CHIOVENDA insiste: "Em
ordenada.
Todo o exposto é dito à conta do propósito de mostrar, de outros termos, o juiz age atucndo a lei .. a administração age em
maneira decisiva, que a ação penal, em acepção do chamado conformidade com alei; o juiz considera a lei err; si mesma; o
direito substantivo ou "direito material", confunde-se com as administrador considera-a como norma de sua própria conduta.
operações [lsicas da execução penal, as quais - tratando-se de E ainda: "a administração é uma atividade primária ou
pena privativa de liberdade - nada mais são do que o efetivo originária; a jurisdição é uma. atividade secundária ou coorde-
cwm primcnto de reclusão, de detenção, em caso de crime, ou de nada." CHrovENDA entende I -- que o gênew próximo das duas
prisão sim-ples, em caso de contravenção. Antes de a ação penal atividades estatais - jurisdição e administração - pode com-
(enquanto execução) ser pena em alo, fisicamente, ou punição, portar, indistintamente, a) "garantias superiores da função"
é ela pena em f)otêt!cia, ou punibilidade, Em suma, a ação penal (como "independência do funcionário, formas processuais, di-
é punibilulade enquanto pena-em-potência, e punição enquanto reito de defesa, direito ao contraditório") ; b ) indiferentemente,
pena-em-ato. "natureza pública ou primada do interesse." tutelável pela juris-
Ora, a ação penal, já na acepção do chamado "direito adje- dição ou pela administração; c) sujeição aos termos legais, o
tivo", ou "direito formal", outra coisa é: consiste na atividadt' que lhes é comum, com vinculação absoluta (princípio de legali-
judiciária desenvolvida no respectivo processo pelo juiz e auxi- dade) ou corr; vinculação relativa (princípio de discricionarie-
liares, e pelos participantes da contrariedade acusatória, acusador dade ); pouco importa; d ) aplicação de sanções tanto no âmbito
e acusado, respectivos auxiliares, tanto no procedimento de juriselicional quanto no âmbito administrativo; e) atos de inte-
coçniçiio quanto no procedimento de execuçiio, Atividade desen- ligência e atos de vontade, quer nas funções específicas: do juiz,
volvida especificamente na fase de instrução (notio) e julga- quer nas funções específicas elo administrador, visto como o
mento (iudiciul1~), prossegue, com a mesma natureza lógica- agente estatal não judiciário também julga, "pois que não age a
psicológica de verificação de verdade, ao curso da fase de não ser com apoio num juízo", embora" sobre a própria ativi-
execução do julgado, a) para evitar excessos, e b) para resolver dade" (ao contrário do juiz, que" julga. da vontade da lei con-
incidentes, embora em direta função das operações cogentes cernente a ontrern") ; TI - que a diferença específica - entre
(imp.eriu.m) em que consiste a pena-em-ato, punição fluente. jurisdição e administração - s,e situa em que a atividade juris-
Sirvam tais argumentos e conceituações, de nossa lavra, dicional é sempre uma atividade de substituição de uma ativi-
para justificar as assertivas e comentários de mestres cuja dade alheia por uma atividade pública, tanto na cognição quanto
autoridade passamos a invocar para esclarecimento do assunto. na execução.
Lógica, formalmente, pois, é a conclusão de CHIOVENDA:
233. CHIOVENDA (Instituições ... , Saraiva, 2.a ed., 1969, vol. I,
"não é jurisdição a execução da sentença penal", visto como a
pág. 11), por exemplo, assevera: "E, quanto à atuação vontade concreta da lei, formulada na condenação penal, é "só
definitiva ela vontade verificada, se se trata de uma vontaele só
262 PRINCÍPIOS i'UNDAMENTAlS DO PROCESSO PENAL INOVAÇÕES NO ANTEPROJETO DO C P P 263

exeqiiivel pelos órgãos públicos", e "tal execução em si não é duas espécies ou em duas fases: processo penal [urisdicional e
jurisdição" . processo penal executiuo", Mas ressalva: "Não coincidem as
~ áreas de cognição e de execução", na medida em que, por um
234. Inobstante, porém, o merecido resrpeito que merecem as lado, à execução forçada de algumas sentenças penais (de con-
idéias de CHIOVENDA, a ora focalizada argumentação - denação a pena pecuniária ) serve o processo executivo civil, e,
no tema focalizado - ostenta premissas discutíveis. Dispenso- vice-versa, o processo executivo penal - no direito italiano -
-me de, nesta conferência, agitar impugnações que me obrigariam serve também à execução de algumas sentenças civis (de con-
a indicar - convicção minha - a missão de controle da legali- denação ao arresto" por dívidas).
(I Continua:" deve aqui ser
dade do comportamento geral (no desenvolvimento da atividade breve e energicamente lembrado que, no conjunto, o processo
jurídica de quaisquer pessoas, e no desenvolvimento da atividade penal não termina precisamente com a sentença irrevogável;
administrativa de pessoas jurídicas de direito público) como prossegue na fase executiva até o último ato necessário da
traço específico do caráter judiciário das peculiares atribuições operação punitiva (a tradução é livre), e, assim, chega até os
dos juizes e tribunais. Prefiro invocar palavras de autoridades últimos momentos do culpado condenado à morte, ou até o
outras para, ao menos, enfatizar a precariedade da noção do último instante elo cumprimento da pena privativa de liberdade".
enorme jurista peninsular. Quanto ao que ora principalmente nos interessa: "várias
razões. .. vêm retardando o reconhecimento do caráter indubi-
235. CARNELUTTI, quanto ao que interessa ao nosso tema, tavelmente processual da execução da pena corporal, e, por isso,
principia por distinguir, em relação antitética, de um o caráter indubitavelmente unitário do processo penal: "si puó
lado, penas que ele chama de forçadas, e, de outro lado, penas considerare come un residuo deUe difficoltà, che si sono opposte
que ele chama de obrigatórias. Estas são as que admitem sub- alia visione unitaria del processo penale, che Ia scienza dei diritto
missão espontânea pelo paciente. Então, ensina o magistral e processuale penale usi parlare di diritto p.enitenziario anziche
pitoresco professor italiano: "Ora Ia esecuzione penale non tanto schiettamente di diritto penale processuale esecuiiuo ; il vero e
e Ia attuazione forzata di qualunque pena, quanto di quelle pene, che il c. d. p eniteneiorio copre una zona del diritto processuale
alle quali, appunto perche Ia loro attuazione volontaria no e esecutivo, Ia qual e e certo Ia piu importante perche riguarda le
ammessa, ho dato altrove il nome di pene forzate in antitesi alle pene corporali (in antitesi con le pene patrimoniali)".
pena obbligatorie. Correlativamente Ia esecuzione civile serve non CARNEL UTTI termina por argüir, quanto à execução penal
tanto alia attuazione forzata della restituzione, quanto altresi comparada com a execução civil, a maior complexidade de
delle pene obbligatorie. Cioé tanto vero che Ia esecuzione della algumas de suas formas ou modalidades (penas restritivas da
pena pecuniaria si ia con le forme dei processo civile, salva Ia liberdade pessoal), cuja natureza, duração e finalidade cobrem
conversione della pena pecuniaria in pena corporale nella ipotesei a vida inteira do condenado e, suscitando problemas vários,
di esecuzione civile infruttuosa (art. 586 cod. pen.; art. 216 della exigem complicados instrumentos de atuação, inocorrentes na
tariffa penal e approvata con r. d. 23 dicenrbre 1965 n. 2.701), execução civil. E conclui: "Cio spiega quella tendenza separa-
onde SI puó parlare anche a questo risguardo di esecueione civile tistica della scienza dei diritto processuale penale esecutivo, che
in materia penale (vedi Ia rubrica dei titolo terzo del quarto ha il suo indice, denominazione di diritto penitenziario."
livro cod, proc. pen.) e vera esecuzione penale e soltanto quella,
con cui si traducono in atto le pene corporali (c. d. esecuzione 236. Entre a opinião de CHIOVENDA, inadmissível, de que "não
penit..;nz'Íaria), al qual proposito si rammenti che, secondo il é jurisdição a execução penal", e que, provavelmente,
nostro regime, anche Ia pena di morte 'e esclusivamente una pena tenha influenciado os autores do anteprojeto ora criticado, no
Iorzata." que tange à remoção das normas de processo de execução para
CARNELUTTI observa, adiante (Ststema del Diritto Proas- o prometido anteprojeto de Código das Execuções Penais, e a
suale Civile. CEDAM, Padova, voI. I, pág. 183), que "o pro- opinião de CARNELUTTI, in íensa ao separatismo de um Direito
cesso penal, como o processo civil, se distingue nitidamente em Processual Penal Executivo, invoquemos o sóbrio equilíbrio de
INOVAÇÕESNO ANTEPROJETODO C P P 265
264 PRIKCÍPIOS FUNDAMENTAISDO PROCESSOPENAL
do Estado ela força física, para traduzir em realidade o manda-
C\LAMANDREI. Para este (Instituciones de Derecho Pro ccsul mento declarado certo na decisão".
Ci7JÜ, DEPALMA, p(lS'S, 87 e 88'), o Estado vela, no sistema d;\
legalidade, pela observância do direito, Mediante os juizes, 237. JOÃo MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR (Direito Judiciário
confirma-se a si mesmo, "fazendo com que sua autoridade, di I Brasileiro, 2,a ed., 1918, Tipografia Batista de Souza,
empíreo das leis abstratas, desça ao nível das vicissitudes 1111- págs. 5SÓ e 557) observa: "No processo crin:inal, a execução
manas e intervenha, praticamente, conforme as leis, no compor já não tem forma contenciosa; conquanto 'Seja da competência
tamento dos cidadãos: o Estado, mediante a jurisdição, defendi' judicial, a execução criminal é uma função administrativa. Não
sua autoridade de leqislador", admitindo embargos, claro está que não há nova instância sobre
a acusação. Confira-se nossa obra - Processo Criminal Brasi-
A lição é a de que a função jurisdicional compreende, além
da aplicação da norma abstrata ao caso concreto - para emissão leiro, n, págs. 431 e segs., Eis o que diz a, remissão: "Aliás,
do mandamento individuado resultante - a atividade ulterior <1(' a execução elas sentenças criminais muito depende da disciplina
execução do julgado, tan:bém em caso ele necessidade, mediante dos estabelecimentos penitenciários, mais do campo da ciência
o "emprego ela força física. dirigida a modificar o mundo ex- ,t," ela administração e elo Direito Administrativo do que das fun-
terior e a fazê-Io corresponder à vontade da lei". "Pode parecer :f ções estritamente judiciárias. A fiscalização desses estabeleci-
mentos deve ser comum aos dois poderes; e o Ministério Público,
- ensina o mestre - que, elo ponto-de-vista. filosófico, exista
certa di ferença entre as duas atividades, qual seja: o juiz, para na fiscalização das, prisões, já não é simplesn:ente um órgão da
chegar à declaração de certeza. deve, sobretudo, exercer ativi- acusação, mas também um defensor do condenado contra os
dade de historiador e de lógico, deve mais conhecer do que excessos dos funcionários desses estabelecimentos, um vigilante
obrar, e o direito, cuja certeza declara, é, para ele, mais objeto advogado para que não haja qualquer excesso na execução.
de estudo do que regra ele obrar; ao passo que o executor deve, Missão eSJ?inhosa e difícil, entre a nímia condescendência e o
sobretudo, obrar, pondo em atuação os meios destinados a afir- inútil rigor, tanto os juizes como o Ministério Público devem
mar ° direito praticamente, inclusive mediante a força contra os pesar maduran:ente as conseqüências da fiscalização, não só em
relação aos direitos dos condenados como à responsabilidade e
renitentes. E, serr; embargo, tanto o conhecer do juiz quanto o
obrar do executor se reúnem por unidade de fim, de modo que aos deveres dos. funcionários administrativos."
o primeiro não é pura contemplação, mas sim preparação do 238. NICF.TOALCALÁ ZAMORAy CASTILLOe RI CARDOLEVENE,
segundo, e o segundo, vice-versa, sim, continuação do primeiro. HIJO (Derecho Procesal Penal, Editorial Guilhermo
O fim último ela jurisdição n:anifesta-se na observação prática Kraft Ltda. Buenos Aires, tomo I, págs. 28 e 29), "para dis-
do direito: o raciocínio cognitivo não exprime enunciaçâo ele
sipar vacilações a respeito da natureza processual da execução,
verdade teórica, mas um prático mandamento para ser obede- e de sua inclusão no conteúdo expositivo do Direito Processual",
cido. "
invocam ensinarnento ele \V ACH (Handbuch, págs. 8, 11 e 12),
A inobservância do mandamento significa "que a fase de a saber: se o iim do processo não é criar direitos (direito sub-
cognição não bastou para esgotar os fins da justiça, para a jetivo), mas proteger o Direito, esse fim se consegue "mediante
satisfação elos quais se faz necessário prossiga a atividade juris- a sentença e mediante as medidas de execução". Por certo, "a
dicional até a imposição, inclusive pela força, do respeito ao execução processual penal apresenta, neste sentido, certas maiores
direito que a simples declaração de certeza não logrou obter. dificuldades do que a processual civil". É que o penalista, na
Eu: suma, a chamada condenaçào não basta, por si só, para contempla.ção conjunta de duas atividades, a de processo penal
alcançar os fins da jurisdição, e há necessidade, para a efetiva e a do regime penitenciário. deixa, freqüentemente, de precisar
observância do direito, da ulterior atividade jurisdicional, da qual os limites dos dois âmbitos: "pero, en Iinea ele principio, el
a condenação. que contempla o futuro, se mostra, por assim escollo Sf' salva con sólo no confundir Ia ejecución procesal penal
dizer, o anúncio e a legitimação. A fim de que a sanção indi- y e1 cumplimiento de Ias penas o medidas de segur'ic1ad impuestas
viduada na decisão possa 'Ser praticamente projetada no mundo
eu Ias sentencias de condena".
sensível, é que se segue a execução [orçado; emprego por parte
266 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

Quanto à tentativa de se criar um direito executivo penal,


distinto do penal e do processual penal, "no ha logrado conquis-
tar adeptos, y de haber arraigado, tampouco seria una exclusi-
vidad de Ia es.íera penal, sino que con iguales o mayores titulos
caberia edificar un Derecho ejecutivo civil y un Dcrecho
ejecutivo administrativo, como ramas independientes de los
respectivos Derechos substantivos y procesales". Os dois
mestres de língua castelhana es.tão certos: uma coisa, efetiva-
mente, é a coerção estatal assecuratória do Direito (impcrium), íNDICE ONOMÁSTICO
representada por operações físicas de execução forçada _ tanto
no ân:hito penal como nos demais âmbitos - e outra coisa são
as operações lógico-psicológicas de controle de legalidade da
coerção estatal, ínsitas na atividade judiciária desenvolvida no
processo, para verificação, declaraçâo e fixação de verdades
(no tio e iudicium).

239. A atividade de imposição da força pública interessa ao


titular do direito reconhecido na sentença condenatória.
A atividade de conhecer verdades para julgá-Ias à luz do Direito,
eu lei em função dos respectivos, efeitos, interessa ao titular da
liberdade jurídica, proclamada na Constituição, de que ninguém
pode ser obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei. Os residuais elementos de caráter
jurisdiciomd que permanecem no processo da execução penal _
é nOSSa conclusão - explicam-se pela finalidade de acautelar-se
a Justiça C' o condenado não só contra os excessos de execução,
velando o juiz, assim, pelo exato cumprimento do julgado, mas
também julgando os jurídicos efeitos concretos das modificações
objetivas. denominadas incidentes de execução, que lhe cabe co-
nhecer. E clefinir-lhes os efeitos legais é operação cuja natureza
lógico-psicológica se distingue, claramente, da natureza física da
pena-en:-ato, que tanto interessa ao chamado direito peniten-
ciário.
T

" íNDICE ONOMÁSTICO

ALE}JCAR, José de (59, 65, 66)


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270 PRINcíPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL
T~
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272 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL

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~~.-~

,PRIHelpIOS FUHOAMEHTAIS
. I_O PROCESSO PENAL
i
J. CA\,<UTO MENDES DE ALMEIDA

Focalika esta obra a importância do contraditórib,


etioidade processual das partes, como requisito
indispensável, que é, ao válido exercicio da
jurisdição contenciose, manifestado através
da atividade processual do juiz ou tribunel.

Reúne; a propósito, três monografias: "A


contrariedade na instrução criminal", que
reaparece rigorosamente atualizada; "Há
contresiedede no inquérito policial?", oue
reproduz, corretamente, artigo publicado pela
imprensa sobre 'Ü direito de defesa na inoestiqeçêo
ctiminel inquisitioe: e "A contrariedade no
Antep*ojeto José Frederico Marques",
Aprof~nda~se o autor em mostrar quanto e
como 100peratiuamente se conjugam no processo;
sem incompatibilidades, a jurisdição (ação i
judiciária do juiz) com a etividede contreditoiie
das pa!rtes ("ação" [udiciéria de sutor e réu) J
e em que medida se distinquem o oontraditófip
disposãioo, prevalecente no foro cioel, e o ;,
contreditório indisposi,tivo, preeminente no 10rt
pm~1 I,
• i
As trê~ partes da obra deu o autor, ademais,
niio sq feição teórica, mas também prática, de
modo .~int$[,!sSf1.r"li~.,.~,,;~~ipu~il: tóâ?f'Pant~.
enfrer4arf!,~lorc:' e nas F aculâádes def Direito; 1,;;'
os prdf?len?Jâsi neles vers-ados. f
. ~Z"1 '.! I')'
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