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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
(Medidas Executivas atípicas: a
interpretação do art. 139, inciso IV, do
CPC e suas cont...
Tatiane Andrade

Medidas Executivas Atípicas: a interpretação do art. 139, inciso IV, do CPC e suas controvérsias

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RDFG -Revist a de Direit o da Faculdade Guanambi v. 5, n. 2, julho-dezembro 2018 195 INT ERPR…
Tat iane Andrade

INT ERPRETAÇÃO DO ART IGO 139, IV, DO CPC NO MODELO CONST IT UCIONAL DE PROCESSO
Carlos Soares II, Revist a de Direit o da Faculdade Guanambi

T ECNOLOGIA A SERVIÇO DA EFET IVIDADE NA EXECUÇÃO PART E 1: UMA ALT ERNAT IVA AOS DILEMAS D…
Dierle Nunes, ProcNet - Rede Int ernacional de Pesquisa - Just iça Civil e Processo Cont emporâneo
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Direito

Tatiane Costa de Andrade

MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS: a interpretação do art. 139, inciso IV, do


CPC e suas controvérsias

Belo Horizonte
2020
Tatiane Costa de Andrade

MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS: a interpretação do art. 139, inciso IV, do


CPC e suas controvérsias

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Direito da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Dierle José Coelho Nunes

Área de concentração: Direito Processual

Belo Horizonte
2020
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Andrade, Tatiane Costa de


A553m Medidas executivas atípicas: a interpretação do art. 139, inciso IV, do CPC
e suas controvérsias / Tatiane Costa de Andrade. Belo Horizonte, 2020.
244 f.

Orientador: Dierle José Coelho Nunes


Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Direito

1. Brasil. Código de processo civil (2015). 2. Direito processual


constitucional. 3. Processo civil - jurisprudência - Brasil. 4. Subsidiariedade. 5.
Execução (processo civil) - Brasil. 6. Discricionariedade. 7. Poder judiciário -
Brasil. I. Nunes, Dierle José Coelho. II. Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 347.91
Ficha catalográfica elaborada por Elizângela Ribeiro de Azevedo - CRB 6/3393
Tatiane Costa de Andrade

MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS: a interpretação do art. 139, inciso IV, do


CPC e suas controvérsias

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Direito da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito.

Área de concentração: Direito Processual

Professor Dr. Dierle José Coelho Nunes (Orientador)

Professora Dra. Flaviane de Magalhães Barros (Banca Examinadora)

Professora Dra. Juliana Cordeiro de Faria (Banca Examinadora)

Professor Dr. Carlos Henrique Soares (Suplente)

Belo Horizonte, 12 de fevereiro de 2020.


Ao meu amado Edgard, pelo incentivo e carinho.
AGRADECIMENTOS

A gratidão sempre foi, para mim, o mais nobre dos sentimentos, pois quem o sente e o expressa
não espera nada em troca, apenas reconhece. É chegado o momento de agradecer.

Primeiramente, e, sempre, a Deus, por escutar minhas preces e ter me proporcionado saúde,
coragem e persistência para concluir o que comecei.

Ao meu amado esposo Edgard, por sempre acreditar em meu potencial, por viver os meus
sonhos junto comigo, pelas palavras de incentivo que me enchem de esperança e conforto em
qualquer circunstância da vida.

Aos meus pais, ao meu irmão e demais familiares que sempre me apoiam nas minhas difíceis
“empreitadas intelectuais”, pois me veem estudar, chorar, me ausentar, desabafar, comemorar
e estão sempre ali, na torcida pelo meu crescimento.

Às minhas queridas e amadas amigas, todas elas, sem exceção, que enchem a minha vida de
alegria, de boas risadas, liberam a minha ocitocina e renovam as minhas energias.

Ao querido e admirado Professor orientador Dierle Nunes, pelas riquíssimas aulas no PPGD,
por todo o conhecimento e materiais compartilhados, pela oportunidade de estágio de docência,
pela disponibilidade de sempre quando precisei de maior interlocução sobre o meu tema e pela
tranquilidade que nos transmite ao longo de todo curso. Sou grata também pelas suas dicas, por
me mostrar o quanto o conhecimento e capacidade de transmiti-lo de forma simples são
importantes para que nos tornemos profissionais de excelência. Sinto-me privilegiada por ter
sido sua orientanda. Muito obrigada.

Ao Professor Dr. Carlos Henrique Soares, o “Casein”, pelos riquíssimos debates que tivemos
ao longo da disciplina Fundamentos Constitucionais da Execução, no segundo semestre de
2018, que me levaram, inclusive, à escolha do tema deste trabalho. Se antes eu já era uma
apaixonada por execução, nossa interlocução reforçou esse sentimento e a vontade de estuda-
la em profundidade.

Aos demais professores do PPGD da PUC Minas, minha gratidão por terem contribuído para
que eu pudesse ampliar meus horizontes, por meio da leitura e debate de conteúdos com os
quais eu jamais imaginei que teria contato. Conviver com vocês foi uma experiência incrível.

A todos os colegas do PPGD que cursaram disciplinas comigo e presenciaram o meu desespero
no início do curso, por ter ingressado tão inexperiente e com pouca bagagem acadêmica. Vocês
não têm ideia do quanto me ajudaram com o relato de suas próprias experiências, com suas
dicas preciosas e com os inúmeros materiais compartilhados. Não citarei os nomes, porque a
lista seria imensa, mas quem conviveu comigo no PPGD se identificará nestas linhas.

A todos os funcionários do PPGD pelos valiosos serviços prestados, sem os quais não seria
possível avançar. Agradeço imensamente também à funcionária do setor de Normalização da
Biblioteca Padre Alberto Antoniazzi, Fabiana Marques, pelo indispensável apoio na formatação
deste trabalho.

Meu agradecimento especial ao Ministério Público do Trabalho (MPT), a quem faço na pessoa
dos Procuradores Adriana Augusta de Moura Souza e Helder Santos Amorim e dos servidores
da biblioteca, Micailovitch Ferreira e Regina de Carvalho. Sem o apoio dessa Instituição, nos
mais diversos aspectos, o curso de Mestrado seria para mim um apenas um sonho distante.
[...]
A jurisdição não é a manifestação de um poder sem disciplina jurídica Ao contrário,
quando o Estado é chamado a exercer a “função” jurisdicional ele age dentro de
uma estrutura normativa que regulamenta sua atividade. E essa estrutura normativa
está construída para comportar e garantir a participação dos destinatários do ato
imperativo do Estado na fase de sua formação. A jurisdição, estudada pelo Direito
Processual Civil, exerce-se nos limites do ordenamento jurídico, sob sua disciplina,
em uma estrutura normativa, em que os atos e as normas são conectadas em especial
forma de interdependência. (GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e
teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992. P.192-193).
RESUMO

Este estudo trata das controvérsias existentes em torno da interpretação e aplicação do art. 139,
inciso IV, do CPC/2015 no âmbito da execução processual civil. Essa norma inovou o
procedimento executivo ao possibilitar a aplicação de medidas executivas atípicas no âmbito
da execução das obrigações pecuniárias. A pesquisa busca investigar se a atipicidade se tornou
a regra geral da execução no Brasil; quais os parâmetros apontados pela doutrina e pela
jurisprudência para conferir limites à cláusula geral de efetivação em comento; se esses
parâmetros se mostram seguros para conter a discricionariedade judicial e se a execução se
tornou mais efetiva após o fortalecimento do uso da coerção. A metodologia utilizada foi a
revisão bibliográfica e a pesquisa jurisprudencial. A proposta de se trabalhar os aspectos
polêmicos do tema teve como motivação organizar os critérios sugeridos até então para a correta
aplicação do mencionado dispositivo legal, explorar as suas possibilidades de aplicação,
enfatizar o critério da subsidiariedade das medidas executivas atípicas e ofertar sugestões que
tragam efetividade à execução. Constatou-se que as ferramentas tecnológicas de investigação
patrimonial disponíveis não estão sendo utilizadas em sua plenitude pelo Poder Judiciário. Ao
final, sugeriu-se a criação de três novas plataformas que poderão agilizar as fases mais críticas
do procedimento executivo. Apostou-se no efetivo uso da tecnologia como importante aliada
na perseguição de patrimônio do executado.

Palavras-chave: Execução. Medidas atípicas. Limites. Subsidiariedade. Efetividade.


Patrimônio. Tecnologia.
ABSTRACT

This study deals with the controversies surrounding the interpretation and application of art.
139, item IV, of CPC / 2015 in the context of civil procedural enforcement. This norm innovated
the executive procedure by allowing the application of atypical executive measures in the
execution of pecuniary obligations. The research seeks to investigate whether atypicality has
become the general rule of execution in Brazil; what are the parameters pointed by the doctrine
and the jurisprudence to give limits to the general clause of effectiveness in comment; whether
these parameters are safe to contain judicial discretion and whether enforcement has become
more effective after strengthening the use of coercion. The methodology used was the
bibliographic review and jurisprudential research. The proposition to work on the controversial
aspects of the theme had the purpose of organizing the criteria suggested until now for the
correct application of the mentioned legal provision, to explore its possibilities of application,
to emphasize the subsidiarity criterion of atypical executive measures and to offer suggestions
that bring effectiveness for the executive procedure. It was found that the available
technological tools of patrimonial investigation are not being fully used by the Judiciary. In the
end, it was suggested the creation of three new platforms that could expedite the most critical
phases of the executive procedure. It was invested in the effective use of technology as an
important ally in the pursuit of the debtor’s assets.

Keywords: Execution. Atypical measures. Limits. Subsidiarity. Effectiveness. Patrimonial


investigation. Technology.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil


ARISP - Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo
Art. – Artigo
CCS - Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional
CDA – Certidão de Dívida Ativa
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CENSEC - Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados
CNB/CF - Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal
CNH – Carteira Nacional de Habilitação
CNIB - Central Nacional de Indisponibilidade de Bens
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas
COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras
CONFAZ - Conselho Nacional de Política Fazendária
CPC – Código de Processo Civil
CPC/2015 – Código de Processo Civil de 2015
CPF – Cadastro de Pessoas Físicas
CRI-MG - Central Eletrônica de Registro de Imóveis do Estado de Minas Gerais
CTB – Código de Trânsito Brasileiro
CTN – Código Tributário Nacional
CVM – Comissão de Valores Mobiliários
DECRED - Declaração de Operações com Cartões de Crédito
DIMOB – Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias
DIMOF – Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira
DIPJ – Declaração de Rendimentos da Pessoa Jurídica
DIRF - Declarações do Imposto do Renda Retido na Fonte
DIRPF - Declaração de Imposto sobrea a Renda da Pessoa Física
DMED – Declaração de Serviços Médicos
DOI – Declaração de Operações Imobiliárias
ECT - Escrituração Contábil Fiscal
ENFAM - Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados
FIPE - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
FMI – Fundo Monetário Internacional
FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis
IA – Inteligência Artificial
Infojud – Sistema de Informações ao Judiciário
ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação
ITR – Imposto Territorial Rural
LEF – Lei de Execução Fiscal
PGR – Procuradoria-Geral da República
RIF – Relatório de Inteligência Financeira
SACI - Sistema Integrado de Informações da Aviação Civil
SEI-C - Sistema Eletrônico de Intercâmbio do Coaf
SIMBA - Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias
SISCOMEX - Sistema Integrado de Comércio Exterior
SIGNO - Sistema de Informações e Gerenciamento Notarial
SPED – Sistema Público de Escrituração Digital
SREI - Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
SUSEP - Superintendência de Seguros Privados
TED - Transferência Eletrônica Disponível
TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
V.g. – Verbi gratia
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 25

2 O PROCESSO CONSTITUCIONAL .................................................................... 31


2.1 O Estado Liberal e o liberalismo processual ..................................................................... 32
2.2 O Estado de Bem-Estar Social e a socialização processual .............................................. 33
2.3 O processo sob o viés democrático: processo constitucional ou modelo constitucional de
processo................................................................................................................................. 39
2.4 A decisão correta à luz da Teoria da Integridade do Direito de Ronald Dworkin ........ 46

3 EXECUÇÃO EM PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA ........................................ 53


3.1 Execução no direito romano: da vingança pessoal à patrimonialidade .......................... 55
3.2 Execução no ordenamento jurídico brasileiro: da tipicidade à atipicidade dos meios
executivos. Tendência ao maior uso da coerção. ............................................................... 59

4 NOVOS RUMOS DA EXECUÇÃO APÓS A VIGÊNCIA DO ART. 139, IV, DO


CPC/2015................................................................................................................... 81
4.1 O procedimento executivo no CPC de 2015: algumas alterações .................................... 81
4.2 A novidade trazida pelo art. 139, IV, do CPC e o microssistema da atipicidade ........... 88
4.2.1. O direito fundamental a uma atividade jurisdicional efetiva e a flexibilização
procedimental ............................................................................................................. 99

5 CRITÉRIOS APONTADOS PELA DOUTRINA PARA CONFERIR LIMITES


À CLÁUSULA GERAL DO ART. 139, IV, DO CPC ......................................... 115
5.1 Subsidiariedade das medidas coercitivas ......................................................................... 125
5.2 Necessidade de contraditório e fundamentação adequada ............................................ 139
5.3 Adequabilidade das medidas coercitivas: desmistificando o “critério da
proporcionalidade” ............................................................................................................ 149
5.3.1 A ponderação de princípios na prática forense: abertura à discricionariedade..... 163
5.4 Síntese dos parâmetros doutrinários e conclusão parcial .............................................. 170
5.4.1 Proposta para aplicação adequada das medidas executivas atípicas à luz da Teoria
da Integridade do Direito ......................................................................................... 174

6 PRIMEIROS JULGADOS COLEGIADOS DO STJ SOBRE A MATÉRIA .. 179

7 LEVANDO O CRITÉRIO DA SUBSIDIARIEDADE A SÉRIO ...................... 185


7.1 Investigação patrimonial e as novas tecnologias ............................................................. 185
7.1.1 Bacen Jud ................................................................................................................. 189
7.1.2. Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional - CCS................................. 195
7.1.3 Infojud, Dossiê Integrado da Receita Federal e SPED............................................ 197
7.1.4 Renajud ..................................................................................................................... 202
7.1.5. Sistema Integrado de Informações da Aviação Civil – SACI................................... 204
7.1.6. Solicitação de informações ao COAF/UIF .............................................................. 204
7.1.7 Consulta sobre operações financeiras pelo SIMBA ................................................. 207
7.1.8 Consulta ao CENSEC e ao SREI .............................................................................. 209
7.1.9 Lançamento de indisponibilidade na CNIB ............................................................. 211
7.1.10 SerasaJud ................................................................................................................. 212
7.2 Sugestões de novas plataformas eletrônicas para agilizar o procedimento executivo . 212
7.2.1 Programa para oferta de memória de cálculo padrão ............................................ 213
7.2.2 Algoritmo para criação de um Sistema Nacional Integrado de Bens (SNIB) .......... 214
7.2.3. Plataforma unificada de leilões judiciais................................................................. 217
7.3 Conclusão parcial............................................................................................................... 218

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 221

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 229


25

1 INTRODUÇÃO

A Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, instituidora do Novo Código de Processo


Civil, embora de longe possa ser considerada salvação para os problemas do sistema
jurisdicional brasileiro, representa, sem dúvida, um avanço para o alcance de um processo
jurisdicional mais democrático, visto como garantia para efetivação de direitos fundamentais.
A nova legislação é fruto de um trabalho coletivo, elaborado por uma Comissão de
Juristas instaurada em 30.09.20091, formada por grandes estudiosos do direito processual, que
em 08.06.2010, entregou ao Senado Federal o Anteprojeto de Código de Processo Civil
(Anteprojeto n. 166/2010 convertido em Projeto de Lei do Senado n. 166/2010). A proposta
tramitou em um ambiente democrático de discussão e trouxe novas premissas para o direito
processual civil brasileiro, direcionadas, sobretudo, a promover a assimilação, pelo processo,
dos princípios da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a trazer mais coesão
ao sistema processual.2
É chegado o momento de abandonar antigas premissas publicistas, fruto do movimento
de socialização processual transcorrido ao longo do século XX, período em que se depositou
no protagonismo judicial as esperanças para os problemas sociais. É hora de se pensar um
processo jurisdicional equilibrado, constitucionalizado, comparticipativo e democrático, em
que tanto as partes quanto o juiz assumam suas responsabilidades, de forma que o processo
decisório siga pautado no efetivo contraditório, as decisões cheguem à resolução do mérito e
sejam rigorosamente fundamentadas, conferindo previsibilidade e segurança jurídica àquele
que busca a tutela jurisdicional.
Ocorre que, exatamente por ser fruto de um rico trabalho elaborado por muitas mãos,
era de se esperar que disposições inovadoras do novo Código suscitassem controvérsias em

1
A Comissão foi formada à época pelos juristas Adroaldo Furtado Fabrício, Bruno Dantas, Benedito Cerezzo
Pereira Filho, Elpídio Donizetti, Teresa Arruda Alvim Wambier, Humberto Theodoro Júnior, Paulo Cezar
Pinheiro Carneiro, Luiz Fux, Jansen Fialho de Almeida, José Miguel Garcia Medina, José Roberto dos Santos
Bedaque e Marcus Vinicius Furtado Coelho. (THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA,
Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2016. p. 44).
2
“Segundo a Exposição de Motivos do projeto, sua elaboração se orientou precipuamente ‘por cinco objetivos: 1)
estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições
para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à casa; 3) simplificar,
resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo
o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e 5) finalmente, sendo talvez este último
objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados, antes, imprimir maior grau de
organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão”. (THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle;
BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 3. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 44).
26

torno de sua interpretação, abrindo, assim, um leque de novas possibilidades de pesquisa para
os estudiosos do direito processual.
Nesse contexto, o trabalho que ora se apresenta irá tratar das chamadas medidas
executivas atípicas, com ênfase na interpretação do artigo 139, inciso IV, do CPC de 2015,
inserido no Capítulo I do Título IV, intitulado “Dos poderes e deveres e da responsabilidade do
juiz”.3 O dispositivo é referenciado pela literatura jurídica especializada como cláusula geral
de efetivação e, desde o primeiro ano de vigência da Lei nº 13.105/2015, vem sendo objeto de
polêmicos debates entre os processualistas, na tentativa de estabelecer quais os limites para a
aplicação dessa cláusula jurídica tão genérica.
Certo é que a indeterminação de conteúdo do referido dispositivo legal foi motivo de
comemoração pela maior parte da doutrina e da magistratura nacional, que viu com bons olhos
a suposta extensão da atipicidade das medidas executivas às obrigações pecuniárias, por
considerar que isso trouxe isonomia e completude ao procedimento executivo. Tem se
entendido que a possibilidade de se imporem medidas coercitivas ao devedor recalcitrante de
obrigação pecuniária é a solução que faltava para exterminar de uma vez por todas a cultura do
“ganhou, mas não levou”, conferindo efetividade à tutela jurisdicional.
Com base nesse entendimento, já no ano de 2016, começaram a ser noticiadas decisões
judiciais proferidas em primeiro grau, determinando a aplicação de medidas restritivas de
direito à parte executada, tais como suspensão de sua Carteira Nacional de Habilitação – CNH,
apreensão de seu passaporte e bloqueio de seus cartões de crédito, dentre outras tantas que serão
mencionadas ao longo desta dissertação, para instigar o devedor a efetuar o pagamento da
dívida ou apresentar bens disponíveis para penhora e expropriação.
Em um primeiro momento, a maioria dessas medidas foram anuladas em segundo grau
de jurisdição, pela concessão de habeas corpus, procedência em mandado de segurança ou
provimento de agravo de instrumento. A nulidade das decisões pelos tribunais, na maioria dos
casos, encontrou-se pautada na deficiência da fundamentação da decisão pelo juiz de primeiro
grau, na ausência de comprovação de que houve o esgotamento das medidas executivas típicas
e, principalmente, na desproporcionalidade das medidas deferidas. Em razão disso, doutrina e
jurisprudência começaram a se debruçar na construção de parâmetros mínimos que possam

3
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
[...]
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para
assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestações pecuniárias;
27

orientar a determinação de medidas atípicas com base no art. 139, inciso IV, do CPC, para
possibilitar o controle da decisão pelo jurisdicionado, afastando-se possíveis arbitrariedades.
Nesta pesquisa, buscou-se estudar quais foram os parâmetros comuns apontados pela
doutrina e pela jurisprudência, até o momento, para conferir limites à aplicação da cláusula
geral do art. 139, inciso IV, do CPC, no caso concreto. Procurou-se, com isso, encontrar
respostas para os seguintes problemas: a) o artigo 139, IV, do CPC transformou a atipicidade
em regra geral do sistema executivo brasileiro? b) os parâmetros apontados em doutrina e
jurisprudência são seguros para afastar a discricionariedade do julgador e permitir o controle
da decisão pelo seu destinatário no panorama de um processo jurisdicional democrático? b) a
valorização da coerção pelo sistema processual brasileiro ao longo das reformas processuais
realizadas tornou a execução mais efetiva?
A investigação concentrou a maior parte de seus esforços na aplicação das medidas
executivas atípicas no trato das obrigações pecuniárias fundadas em título executivo judicial ou
extrajudicial. Embora se tenha abordado a questão também no âmbito da execução das
obrigações específicas, não se desenvolveu um estudo aprofundado nesse aspecto, por não se
tratar de novidade trazida pelo CPC de 2015. O estudo também não abordou com profundidade
a temática no âmbito das execuções de prestações alimentícias, da tutela provisória e da
execução de decisões em processos envolvendo litigância de interesse público, limitando-se a
mencionar superficialmente a aplicabilidade do art. 139, inciso IV, nesses aspectos. Não houve
qualquer abordagem da questão na seara do direito processual penal.
No tocante à organização do trabalho, o capítulo 2 tratará do Processo Constitucional,
entendido em sua concepção de garantia de efetivação de direitos fundamentais. Far-se-á uma
breve retomada das características do processo jurisdicional nos principais paradigmas de
Estado que a sociedade ocidental experimentou até a chegada ao Estado Democrático de Direito
ainda em construção. Objetiva-se com isso elucidar quais são as premissas de um processo
jurisdicional que se pretende verdadeiramente democrático e apto a legitimar as decisões do
Estado, extirpando as arbitrariedades. Ainda nesse capítulo, apresentaremos o marco teórico
desta pesquisa, qual seja, a Teoria da Integridade do Direito proposta por Ronald Dworkin,
jurista que concentrou seus estudos exatamente em torno da preocupação com a legitimidade
das decisões no Estado Democrático de Direito, tal como aqui se busca.
O capítulo 3 tratará propriamente do que se entende por execução numa perspectiva
democrática de processo. Será apresentada uma breve retrospectiva histórica acerca da
execução forçada no direito romano e de como se deu a humanização do procedimento ao longo
dos anos, culminando no que se conhece hoje por princípio da patrimonialidade da execução.
28

Após, dar-se-á início ao estudo do procedimento executivo no sistema jurídico brasileiro, com
enfoque na passagem da tipicidade para a atipicidade dos meios executivos, operada pelas
reformas processuais ocorridas na vigência do CPC de 1973. Chama-se atenção para a tendência
que ora se assiste no direito brasileiro, muito por influência do direito estrangeiro, ao maior uso
da coerção como forma de forçar o cumprimento das decisões judiciais.
O capítulo 4 discorrerá sobre as alterações promovidas pelo CPC de 2015 no
procedimento executivo como um todo. Dar-se-á especial enfoque à suposta e aclamada
mudança no panorama da atipicidade das medidas executivas a partir da redação do art. 139,
inciso IV, do CPC, que estendeu a possibilidade de aplicação de medidas coercitivas atípicas
também às execuções de obrigações pecuniárias, o que, anteriormente, somente era permitido
em relação à execução das obrigações específicas (de fazer, não fazer e entregar coisa). Intenta-
se demonstrar quais as construções teóricas ou ideológicas se encontram por trás da redação
desse dispositivo.
O capítulo 5 apresentará um estudo sobre os critérios mais comumente apontados pela
doutrina, até o presente, para conferir limites à cláusula geral do art. 139, IV, do CPC. Busca-
se investigar se há consenso doutrinário acerca de parâmetros mínimos a serem adotados e se
estes têm se mostrado seguros para o propósito de afastar possíveis arbitrariedades decorrentes
da aplicação do dispositivo legal em comento, de caráter indeterminado. Ao final do capítulo,
apresenta-se uma síntese do Estado da Arte, bem como nosso posicionamento sobre a temática.
O capítulo 6 contemplará a análise da jurisprudência do STJ sobre o assunto. O objetivo
é investigar se a Corte, até o presente momento, vem adotando, em seus julgados, os mesmos
critérios apontados pela doutrina para conferir limites à interpretação e aplicação do art. 139,
IV, do CPC. Intenta-se verificar, desta vez, se o discurso jurisprudencial tem avançado e
contribuído para trazer maior segurança em relação à matéria.
O capítulo 7 tratará especificamente sobre o critério da subsidiariedade ou da
excepcionalidade das medidas coercitivas atípicas na execução das obrigações pecuniárias. Será
feito um apanhado sobre as ferramentas tecnológicas que estão hoje ao alcance do Poder
Judiciário para realização de pesquisa patrimonial do executado. Busca-se analisar se estas
ferramentas estão sendo plenamente utilizadas em juízo, com todos os seus recursos, antes que
se considerem esgotadas as tentativas de localização de bens do devedor para que se possa
adotar medidas atípicas de coerção. Ao final, serão apresentadas três sugestões de programas a
serem pensados e desenvolvidos, mediante o uso de tecnologias, para agilizar etapas críticas do
procedimento executivo.
29

O capítulo 8 reunirá nossas considerações finais sobre o tema exposto, sem qualquer
pretensão de esgotamento. Deixa-se aqui a certeza de que o objeto desta pesquisa vem sendo
discutido há muitos anos pela doutrina processualista e, após a sua absorção pelo CPC de 2015,
a discussão precisa ser melhor amadurecida, com o necessário distanciamento dos estudiosos,
deixando-se de lado o entusiasmo e as paixões que desperta, em prol da racionalidade que a
matéria exige.
31

2 O PROCESSO CONSTITUCIONAL

Antes de se adentrar propriamente ao objetivo desta pesquisa para dissertar sobre as


consequências da interpretação e aplicação do art. 139, IV, do CPC no procedimento executivo,
é de suma importância que se estabeleçam as bases teóricas que irão sustentar o trabalho. Como
se trata de um estudo voltado para o direito processual, mostra-se relevante, primeiro,
deixarmos bem fixada qual a concepção de processo de que estaremos tratando e qual a teoria
processual que o subsidia.
Além disso, o modo como se estrutura o sistema jurídico de um País é diretamente
influenciado pelo paradigma4 de Estado presente em dado contexto da história. Isso significa
que o direito processual absorve as características do tipo de organização estatal que se está a
vivenciar em determinado período.5 Por essa razão, é conveniente também que façamos uma
breve incursão pelos mais conhecidos paradigmas estatais de que se tem notícia, quais sejam o
do Estado Liberal e o do Estado de Bem-Estar Social,6 com vistas a verificar quais as
ressonâncias que trouxeram para o direito processual.
Feito isso, o ambiente estará devidamente preparado para o estudo do procedimento
executivo na perspectiva de processo que, a nosso ver, melhor contribui para a consolidação do
Estado Democrático de Direito, levando em conta o marco teórico adotado por este trabalho,
qual seja a integridade do direito proposta por Ronald Dworkin, sobre o qual se discorre na
última seção deste capítulo.

4
Explica Marcelo Cattoni de Oliveira que o termo “paradigma” foi concebido no âmbito da discussão
epistemológica, pela primeira vez, por Thomas Kunh, na obra “A estrutura das revoluções científicas”, e foi
conceituado como “realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo fornecem
problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, Thomas S. A
estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1994.
Apud CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Processo Constitucional. 2.ed. Belo Horizonte:
Pergamum, 2013. p. 36-37). Esse conceito foi posteriormente ampliado por Habermas no campo das ciências
sociais e, consequentemente, para o âmbito do Direito, que passou a significar as “visões exemplares de uma
comunidade jurídica” acerca de “como direitos e princípios constitucionais devem ser concebidos e
implementados para que cumpram naquele dado contexto as funções normativamente atribuídas a eles.”
(HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre a facticidade e a validade. Trad. Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 154-155). Ainda de acordo com Marcelo Cattoni de
Oliveira, as compreensões jurídicas paradigmáticas de uma época representam uma espécie de pano de fundo
(backgroud) que confere uma determinada perspectiva às práticas de fazer e de aplicar o direito em uma
comunidade jurídica, reduzindo a complexidade da interpretação jurídica (CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo
Andrade. Processo Constitucional. 2.ed. Belo Horizonte: Pergamum, 2013. p. 156-158).
5
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012.p. 68-70.
6 HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia. Cadernos da escola do legislativo. Belo
Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, n. 3. p. 107-121, jan./jul.1995.
32

2.1 O Estado Liberal e o liberalismo processual

O Estado Liberal tem suas raízes fundadas no século XVIII, consolidando-se com a
Revolução Francesa de 1789, que representou o basta dado pela classe burguesa enriquecida
aos comandos de uma monarquia absolutista repleta de privilégios, que intervinha em seus
planos econômicos e constituía um entrave ao livre desenvolvimento de suas atividades
comerciais. Ansiavam os burgueses por um Estado mínimo, garantidor da ordem, com suas
funções restritas e bem divididas, o que favoreceu o surgimento do constitucionalismo e da
conhecida teoria da separação de poderes7-8.
Nessa quadra histórica, três legislações importantes foram editadas na França, a saber:
o Código Civil de 1804, o Código de Processo Civil de 1806 e a Lei de Organização Judiciária
de 1810, todas de cunho eminentemente patrimonialista.9 A função legislativa era a que tinha
mais destaque e importância, pois representava os interesses da burguesia por meio da edição
de leis mantenedoras das regras de mercado que melhor convinham àquele grupo de poder
emergente. A função executiva, de seu turno, deveria apenas garantir a manutenção da ordem
no Estado, sem promover interferências na autonomia privada.
No tocante à função jurisdicional, o enfraquecimento do Estado se projetava na figura
passiva do juiz, cujo papel se limitava a aplicar a lei ao caso concreto, por meio de simples
subsunção, razão pela qual se diz que, nesse tempo, o juiz era a boca da lei. Não havia margens
para interpretações que fossem além do estrito texto legal.10
O processo, por sua vez, observava uma estrutura rígida, escrita e bastante formal. Era
iniciado e movido pelas partes, predominando, no caso, o princípio dispositivo. Servia
unicamente como instrumento privado de resolução de controvérsias. O juiz atuava com
imparcialidade e julgava unicamente com base nos escritos que tinha em mãos, pois não tinha
contato com as partes, testemunhas ou peritos. Por essa razão, os estudiosos comparam o

7
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 278-
280.
8
Existe consenso entre os publicistas da modernidade no sentido de que a teoria da separação ou tripartição de
poderes formulada originariamente por Montesquieu teve sua essência convenientemente deturpada pelos seus
intérpretes da época, levando ao errôneo entendimento de que os órgãos legislativo, executivo e judiciário devem
ser rigidamente separados. Ao contrário disso, consta na obra de Montesquieu que o poder do Estado é uno e o
que se dividem são suas funções, para que não haja abusos no exercício do poder. Desse modo, as funções se
harmonizam entre si, promovendo o necessário equilíbrio. (BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo
Constitucional e Estado Democrático de Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p.17-26).
9
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 72.
10
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 77.
33

processo liberal a uma espécie de duelo entre as partes, pois saía vencedora aquela que tivesse
uma melhor representação, ou seja, cujo advogado fosse mais hábil no manejo das provas e da
própria técnica procedimental. Em meio a esse contexto, o contraditório era visto como
bilateralidade de audiência, reduzido a um dizer e contradizer nos autos.11
Diante de tais características, é de se deduzir que o acesso à jurisdição não era um direito
fundamental, extensível a todos do povo, mas restrito a uma classe abastada que detinha
condições econômicas para contratar o patrocínio de um advogado. A própria função
jurisdicional servia apenas como um locus adequado para que a classe detentora do poder
econômico discutisse seus contratos, solucionando as controvérsias que contrariavam seus
interesses.12
As transformações sociais que se seguiram, sobretudo a partir do surgimento da
industrialização, ao longo do século XIX, resultaram no acirramento da luta de classes, numa
cruel exploração do proletariado e no crescimento das injustiças sociais, sem que o Estado nada
pudesse fazer pela população menos favorecida. Em meio a isso, despontam os primeiros
movimentos socialistas e o Estado Liberal começa a dar mostras de sua ruína, estando prestes
a ceder espaço para um novo paradigma.13

2.2 O Estado de Bem-Estar Social e a socialização processual

A situação de penúria da classe operária se agravou durante a I Guerra Mundial, que


deixou muitos países devastados, aumentando a massa de desempregados e de excluídos. O
mundo inteiro já se dava conta, à época, da necessidade de intervenção estatal e de criação de
programas sociais que amenizassem as desigualdades para que as economias voltassem a
prosperar. Na Alemanha, aprovou-se, em 1919, a Constituição de Weimar, consagradora de
direitos sociais, que, ao lado da Constituição Mexicana de 1917, representou um verdadeiro
marco para os movimentos constitucionalistas que se seguiram ao longo do século XX.14
Paralelamente a isso, o desespero do proletariado e o caos social trazido pela guerra fez
insurgir na Alemanha o partido nazista, com ideais promissores de reestabelecimento da ordem
e da prosperidade social para um povo descrente. Os Estados Unidos, de seu turno, elegem

11
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 73-77.
12
NUNES, Dierle; TEIXEIRA Ludmila. Acesso á Justiça Democrático. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p.20-24.
13
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 281.
14
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 281-
282.
34

Franklin Roosevelt em 1932, que apresentou ao povo um plano de governo de caráter


intervencionista, batizado como “New Deal”, com propostas de vultoso investimento em obras
de infraestrutura, para aumento da oferta de empregos, e de controle de preços.15
Assistia-se, pois, o Estado liberal (Estado-polícia), marcado pela prevalência da
autonomia da vontade, cedendo espaço ao Estado social (Estado de serviço), com propostas de
intervenção em todas as esferas da vida das pessoas, por meio de políticas públicas ambiciosas.
Isso foi ainda mais estimulado após a II Guerra Mundial, pois ficou a cargo do Estado socorrer
as emergências da própria guerra e reestruturar as cidades, a ordem social e o próprio mercado
financeiro após o seu término.16
Voltando ao direito processual, já no final do século XIX, começam a surgir pensadores
que criticam a lógica liberal e defendem o intervencionismo estatal, sobretudo no campo
jurídico. Figura importante nesse contexto foi a do austríaco Anton Menger, que acreditava que
o Estado deveria promover justiça social por meio do exercício da jurisdição. Conforme explica
Dierle Nunes17, Menger defendia a importância de uma reestruturação legislativa do
ordenamento jurídico da época para reforçar o papel do juiz.
Menger acreditava que o juiz não deveria ser imparcial, ao contrário, deveria assumir a
representação da classe mais pobre no processo, compensando as diferenças sociais existentes
entre os sujeitos processuais. Ao juiz deveria ser atribuído o papel de educador dos cidadãos,
auxiliando-os na defesa de seus direitos. Essas ideias, suscitadas por Menger no campo
doutrinário, foram colocadas em prática na Áustria, pelo jurista Franz Klein, aluno de Menger,
que fora Ministro da Justiça e editou, em 1895, a primeira legislação socializadora do império
austro-húngaro, qual seja, a Ordenança Processual Civil (ÖZPO).18
Concomitantemente, na Alemanha, o estudo do direito processual ganhava autonomia e
cientificidade, a partir das contribuições teóricas de Oskar Bülow, em sua clássica obra “Teoria
das Exceções e dos Pressupostos Processuais”.19 A obra ficou conhecida por enaltecer a
importância da separação entre o direito material e o direito processual e por conceituar o

15
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 281-
282.
16
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 281-
285.
17
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 79-80.
18
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 81.
19
BÜLOW, Oskar Von. Teoria das exceções e dos pressupostos processuais. 2.ed. Tradução e notas de Ricardo
Rodrigues Gama. Campinas: LZN, 2005.
35

processo como relação jurídica de direito público que se desenvolve entre as partes e o juiz.
Para Bülow, uma das partes do processo se subordina juridicamente à outra e ambas se
subordinam ao juiz, que é o protagonista desta relação.20 O processo, nessa perspectiva, é visto
como instrumento da jurisdição, que se personifica na pessoa do próprio juiz, possibilitando a
este a criação do direito conforme suas convicções.21
A legislação implantada por Klein e a propagação da teoria relacionista de Bülow deram
ensejo à concepção socializadora de processo, em que o modelo adversarial de atuação das
partes, típico do liberalismo processual, dá lugar à defesa do protagonismo judicial. Esse quadro
repercutiu nas legislações processuais de outros países, sobretudo os europeus, que sofreram
reformas ao longo do Século XX para adaptar seus ordenamentos ao modelo publicista.22
No Brasil, essa concepção se projetou no Código de Processo Civil de 1939, editado
durante o Estado Novo do governo de Getúlio Vargas, em que se reforçou o papel do magistrado
na condução do processo. Todavia, conforme bem explica Nunes, a prática processual brasileira
continuou impregnada por características do modelo liberal, o que se verifica, por exemplo,
pela relutância, entre nós, na adoção da técnica da oralidade, uma das premissas do publicismo
processual.23
A partir de 1970 o movimento de socialização processual ganhou ainda mais ênfase e
voltou suas preocupações para o contorno de problemas apresentados por diversos sistemas
jurídicos existentes pelo mundo. Para mapear esses problemas e oferecer posteriores soluções,
o jurista italiano Mauro Cappelletti idealizou o “Projeto Florença de Acesso à Justiça”, com
patrocínio da Fundação Ford e do Conselho Nacional de Pesquisa da Itália. O trabalho se iniciou
em 1973 e consistiu em uma pesquisa envolvendo 23 países, representados por seus renomados
juristas, que responderam a um questionário a respeito do funcionamento de seu sistema
processual e apontaram possíveis soluções para as mazelas descritas.24
O projeto teve seus resultados publicados em 1978, por meio de um relatório de quatro
volumes que, para além de expor o resultado das investigações feitas sobre o sistema processual

20
AGUIAR, Cynara Silde Mesquita Veloso de; COSTA, Fabrício Veiga; SOUZA, Maria Inês Rodrigues;
TEIXEIRA, Welington Luzia. Processo, Ação e jurisdição em Oskar von Bülow. In: LEAL, Rosemiro Pereira
(coord.). Estudos continuados de teoria do processo. Porto Alegre: Síntese, 2005. v. VI. p. 15-51.
21
CORDEIRO LEAL, André. A instrumentalidade do processo em crise. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008.
p. 60.
22
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 88-98.
23
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 98.
24
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 115-116.
36

dos países envolvidos, propunha soluções e estratégias para resolução dos impasses
encontrados, as quais foram denominadas de “ondas renovatórias”.25 A cada onda foram
apresentadas etapas a serem vencidas para que a atividade jurisdicional sofresse um
aprimoramento legislativo, de modo a atender às premissas de acesso à justiças do Estado de
Bem-Estar Social, ainda que, à época, este já se encontrasse em crise.26
Os resultados do referido Projeto de Acesso à Justiça influenciaram as reformas
processuais não só dos países participantes como de diversos outros. No Brasil, destaca-se a
introdução, em sua legislação, de institutos como o da antecipação de tutela, bem como a
criação dos juizados especiais, com vistas a uma maior celeridade e eficiência nos
procedimentos. Em âmbito doutrinário, ganhou notoriedade a obra “A Instrumentalidade do
Processo”,27 de Cândido Rangel Dinamarco, cuja primeira edição foi publicada em 1987.
Esse autor, seguindo a lógica do austríaco Franz Klein, defende o protagonismo do
magistrado, a quem atribui sensibilidade e habilidades diferenciadas para promover o alcance
de escopos metajurídicos do processo, visto por ele como mero instrumento da jurisdição, nos
moldes da teoria relacionista de Bülow. Sob essa ótica, pressupõe-se que a sociedade é uma
comunidade homogênea, que compartilha dos mesmos valores e ideais de vida boa28, e que o
juiz, braço do Estado pela jurisdição, é o ser mais habilitado a concretizar tais valores,
promovendo a justiça e a pacificação social.
Entretanto, conforme bem aponta Nunes, o Brasil não vivenciou o Estado de Bem-Estar
Social em sua plenitude, como os países desenvolvidos, sobretudo os da Europa ocidental,

25
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998.
26
“Além das já constantes defesas de procedimentos orais (fruto, ainda, do modelo de Klein) (CAPPELLETTI
GARTH, 1978, v. I, p. 55) e do aumento da ingerência do juiz no processo, o movimento idealizava ondas de
reforma: a primeira, vocacionada à assistência jurídica integral e gratuita (CAPPELLETTI GARTH, 1978, v. I,
p. 22-34); b) a segunda, a assegurar uma tutela efetiva dos interesses difusos ou coletivos, para a proteção do
consumidor e do meio ambiente (CAPPELLETTI GARTH, 1978, v. I, p. 33-48); c) a terceira, à simplificação
dos procedimentos e à utilização de formas privadas ou informais de solução de conflitos (CAPPELLETTI
GARTH, 1978, v. I, p. 33-48)” (NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das
reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 115).
27
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.
28
Essa concepção que associa direitos a valores não se sustenta no Estado Democrático de Direito, sobretudo
diante da percepção de que vivemos em uma sociedade plural, em que prevalece a diversidade de ideais. Por
essa razão, a Constituição não deve, segundo Habermas, ser encarada como uma ordem concreta de valores, ou
corre-se o risco de os direitos fundamentais ficarem à mercê das crenças subjetivistas do grupo político que
estiver no poder. Por essa razão, os direitos fundamentais devem ser entendidos como normas de caráter cogente.
Restando estes estabelecidos pela comunidade política, através do discurso, e garantidos, o indivíduo é livre para
estabelecer seus próprios valores. (HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia. Cadernos
da escola do legislativo. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, n. 3. p. 107-121,
jan./jul.1995. p. 112-114).
37

muito menos a socialização processual propriamente dita.29 Com exceção de sua adesão ao
protagonismo judicial, o processo civil brasileiro permaneceu com suas características
predominantemente liberais e experimentou, a partir do final da década de 1980, reflexos de
imposições de ordem neoliberal, oriundas de instituições como Banco Mundial e FMI. Essas
instituições, sobretudo a partir do chamado Consenso de Washington,30 pressionaram
sobremaneira diversos países, especialmente os da América Latina, a realizarem reformas em
seus sistemas jurídicos para torná-los mais céleres, eficientes e menos interventivos na ordem
econômica e financeira.31
Em dívida com tais instituições financeiras internacionais, os países latino-americanos
foram submetidos ao que Ugo Mattei e Laura Nader32 consideram como uma nova espécie de
colonialismo, através do desmantelamento e da imposta reestruturação de sua economia e,
sobretudo, do seu sistema jurídico, para que todo o aparato estatal se tornasse propício à
absorção das regras do mercado internacional e favorável à expansão do capitalismo.33
A criação de técnicas de julgamento de ações repetitivas, a introdução de meios
alternativos de resolução de conflitos e o insistente incentivo à conciliação são exemplos de
medidas adotadas na legislação processual brasileira para atender às determinações das
instituições fomentadoras do neoliberalismo.34 Assiste-se também, nesse panorama, a
propagação do discurso em prol da flexibilização procedimental, amparado na falaciosa ideia
de que o formalismo processual representa um entrave à satisfação do direito material do

29
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 155-156.-
30
O Consenso de Washington consistiu em um pacote de medidas elaboradas por economistas de instituições
financeiras situadas na cidade de Washington, como o Banco Mundial, o FMI e do Departamento do Tesouro
dos Estados Unidos com escopo de traçar diretrizes de ajustes estruturais a serem impostas aos países
subdesenvolvidos que se encontravam em dívida com essas instituições. (NUNES, Dierle. Processo
jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2012. p 157;
FREITAS, Helena Patrícia. Eficiência da jurisdição: necessidade de sua (des)construção para efetivação do
modelo constitucional de processo. Belo Horizonte: D’Plácido, 2019.p.53).
31
“Ademais, o modelo defendido deveria assegurar: a) uma uniformidade decisional que não levaria em
consideração as peculiaridades do caso concreto, mas asseguraria alta produtividade decisória, de modo a
assegurar critérios de excelência e de eficiência requeridos pelo mercado financeiro; e/ou b) a defesa da máxima
sumarização da cognição que esvaziaria, de modo inconstitucional, a importância do contraditório e da estrutura
comparticipativa processual que garantem procedimentos de cognição plena para o acertamento dos direitos.”
(NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 159).
32
MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. Tradução de Jefferson Luiz
Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
33
MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. Tradução de Jefferson Luiz
Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2013.p.90-99.
34
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 159
38

jurisdicionado, assunto a ser tratado com mais detalhamento em tópico posterior, por apresentar
direta correlação com a temática deste trabalho.
Diante desse quadro, é possível de se afirmar que o sistema processual brasileiro
experimentou, a partir da década de noventa, um cenário de contradições, pois, ao mesmo tempo
em que as legislações reformistas tentavam encampar premissas do movimento de socialização
processual, rumo à concretização do acesso à justiça e à construção de um Estado Democrático
de Direito, na prática, as instituições seguem, desde o Consenso de Washington, um paradigma
neoliberal, pautado na celeridade, redução de custos, padronização decisória e busca da
eficiência. Não é por outra razão que Nunes afirma que aqui o que se delineou foi uma
“perspectiva pseudo-social”.35
Assim como o paradigma liberal de Estado, o Estado de Bem-Estar Social também caiu
em descrédito, sobretudo por ter resultado no fortalecimento de Estados totalitários, violadores
de direitos fundamentais de seu povo. O legado de horror deixado pela Segunda Guerra Mundial
favoreceu a insurgência de um movimento de releitura do constitucionalismo pelo mundo e da
tentativa dos países ocidentais de construir um Estado Democrático de Direito, que tenha seu
poder legitimado pelo povo, que se submeta ele próprio ao ordenamento jurídico e que respeite
a liberdade e os direitos fundamentais de seu povo.36
Como consequência, a pauta de debate na ordem jurídica passou a ser a democratização
do processo, permeada pela preocupação com a legitimidade das decisões e com a necessidade
de contenção dos abusos do Estado. Os sistemas jurídicos passaram, então, pelo que se
convencionou chamar de “constitucionalização do direito”37, fenômeno a partir do qual os
diplomas legais começaram a ser interpretados a partir das disposições constitucionais. Esse
novo contexto nos leva à compreensão do modelo constitucional de processo, do qual passamos
a tratar no tópico seguinte.

35
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 175.
36
BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito. 3. ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2015. p. 57-83.
37
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo tardio do direito
constitucional no Brasil). In: SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. (coords). A
constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen juris,
2007. p. 203-249.
39

2.3 O processo sob o viés democrático: processo constitucional ou modelo constitucional


de processo

Conforme se apontou, os horrores experimentados pela humanidade no período da


Segunda Guerra Mundial desencadearam uma preocupação geral dos sistemas jurídicos com a
legitimidade dos provimentos decisórios estatais. Observou-se que transferir ao juiz a
responsabilidade de corrigir as desigualdades sociais, atribuindo-lhe um papel salvacionista foi
um tremendo equívoco, pois retirou-se dos indivíduos a possibilidade de exercer qualquer tipo
de influência nos processos de tomada de decisão.
O processo jurisdicional, nessa perspectiva de total ausência de debate entre os sujeitos
processuais, não passa de mero instrumento para que o julgador apenas justifique e legitime
suas pré-convicções, formadas não com espeque no ordenamento jurídico, mas com base em
sua própria consciência, levando em conta a sua percepção individualizada de mundo, bem
como os escopos metajurídicos (políticos, econômicos ou sociais) existentes por trás da decisão
que pretenda proferir. Trata-se, portanto, de mais um mecanismo de dominação da sociedade.38
Some-se a isso o fato de que, em meio ao contexto do neoliberalismo processual, em
que se prima pela exacerbada busca pela eficiência, o cidadão foi perdendo a sua subjetividade,
transformando-se em mero dado estatístico para a medida da produtividade do sistema
jurisdicional. Chegou-se a um ponto em que a qualidade dos julgamentos pouco importa,
contanto que as metas de redução de acervos sigam cumpridas. Os órgãos jurisdicionais se
mostram muito mais predispostos a julgar teses jurídicas do que os próprios casos que lhes
chegam a conhecimento.39
As discussões surgidas após o término da Segunda Guerra Mundial, envolvendo
questões constitucionais, levaram à percepção de que os direitos fundamentais estampados nas
constituições não têm eficácia se não houver também a previsão, na própria Constituição, de
garantias processuais que assegurem a implementação desses direitos. É nesse contexto,
portanto, que o processo começa a assimilar um caráter democrático e a assumir a feição de
garantia de implementação de direitos fundamentais.
Nessa trajetória, merece destaque as contribuições trazidas pelo jurista italiano Elio
Fazzalari à ciência processual, cujos estudos foram propagados no Brasil pelo professor mineiro

38
WEBER, Max. Os três tipos puros de dominação legítima. In: COHN, Gabriel (org). Max Weber: sociologia.
7.ed. São Paulo: Ática, 2004. p. 128-141.
39
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 210.
40

Aroldo Plínio Gonçalves, por meio da clássica obra “Técnica Processual e Teoria do
Processo”.40
Fazzalari se notabilizou entre nós por realizar a distinção entre procedimento e processo,
através do instituto do contraditório. De acordo com o processualista italiano, o procedimento
deve ser visto como gênero e consiste na atividade preparatória de todo e qualquer provimento
estatal, que se desenvolve por meio de uma estrutura técnico-normativa cujos atos ocorrem em
sequência. Noutro giro, quando esta estrutura normativa prevê a participação dos destinatários
do provimento, o que se tem é processo e não mais mero procedimento. Por isso se diz que,
para Fazzalari, processo é espécie do gênero procedimento, ou seja, é o procedimento realizado
em contraditório.41
Não é demais lembrar que Fazzalari, ao expor a sua teoria processual, diferenciando o
processo de procedimento por meio do instituto do contraditório, não o fez a partir de uma
reflexão pautada em aspectos constitucionais, mas tão somente em elementos de técnica
processual. Até mesmo porque, àquele tempo (década de sessenta), o contraditório não era tido,
ainda, como uma garantia constitucional plena.42 Esse dado, a nosso ver, enobrece ainda mais
o trabalho desse autor, que, antes mesmo do fortalecimento do movimento constitucionalista
no século XX, representou, ainda que despretensiosamente, uma visão precursora de um
processo jurisdicional democrático (processo-garantia).
Conforme bem explica Aroldo Plínio Gonçalves, a teoria fazzalariana desbanca de vez
a teoria relacionista de Bülow, na medida em que deixa clara incompatibilidade existente entre

40
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992.
41
“Os processualistas têm sempre dificuldade, por causa da imponência do fenômeno (a trave no próprio olho...),
de definir o “processo” (esquema da disciplina de sua competência) e permaneceram ligados, ainda durante
alguns decênios do século passado, ao velho e inadequado clichê pandectístico da “relação jurídica processual”.
E quando, finalmente, mudaram o conceito de “procedimento”, oferecido pelos publicistas, não colheram nem
aprofundaram, no seu âmbito, um conceito completo de “processo”. [...] Existe, em resumo, o “processo”,
quando em uma ou mais fases do iter de formação de um ato é contemplada a participação não só – e obviamente
– do seu autor, mas também dos destinatários dos seus efeitos, em contraditório, de modo que eles possam
desenvolver atividades que o autor do ato deve determinar, e cujos resultados ele pode desatender, mas não
ignorar. A referência à estrutura dialética como ratio distinguendi permite superar anteriores tentativas de definir
o “processo” como aquele conceito segundo o qual existe processo onde exista, em ato ou em potência, um
conflito de interesses, e aquele segundo o qual existe processo toda vez que participe da formação do ato um
sujeito portador de um interesse distinto daquele interesse do autor do ato nos quais os interesses e as possíveis
combinações são dados metajurídicos. O conflito de interesses (ou o modo de valorar um interesse) poderá
constituir a razão pela qual a norma faz com que se desenvolva uma atividade mediante processo, mas no
máximo se pode falar de processo enquanto se constatem ex positivo iure, a estrutura e o desenvolvimento
dialético acima ilustrado. Na ausência de tal estrutura, é vão indagar acerca de um atual ou eventual conflito de
interesses: onde é ausente o contraditório – isto é, onde inexista a possibilidade, prevista pela norma, de que ele
se realize – não existe processo.”(FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Tradução da 8ª edição
por Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006. p.111; 120-121).
42
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos.14.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
p. 139-140.
41

participação das partes em simétrica paridade no procedimento (contraditório) e qualquer


vínculo de subordinação jurídica entre elas.43 Em outras palavras, não há como conceber que,
em um ambiente processual em que o provimento final é construído de forma dialética, uma
parte se imponha subjetivamente sobre outra. Também não mais se sustenta a ideia de que,
nesse espaço dialético, o juiz ainda seja o protagonista, pois o foco foi transferido ao diálogo
endoprocessual.
Com a insurgência dos movimentos constitucionalistas da segunda metade do século
XX, as constituições foram deixando de ser meros documentos de organização do Estado e de
distribuição de competências, passando os constitucionalistas a abandonar a noção de que a
natureza dos comandos constitucionais é meramente programática. As constituições foram
elevadas à condição de verdadeiras cartas de direitos e garantias fundamentais, com força
normativa e de aplicação imediata pelo Estado e pelos particulares. Os sistemas jurídicos
passaram, então, pelo que se convencionou chamar de “constitucionalização do direito”,
fenômeno que levou os diversos diplomas legais a serem interpretados a partir das disposições
constitucionais.
Como consequência dessa tendência constitucionalizante, o processo passa a ser
estudado como garantia de efetivação de direitos fundamentais. A própria jurisdição deixa de
ser vista unicamente como uma das funções do Estado, alcançando a alcunha de direito
fundamental, o que, na Constituição brasileira de 1988, por exemplo, fica claro pela leitura de
seu art. 5º, inciso XXXV.44
Essa interface entre Processo e Constituição já vinha sendo apontada na América Latina,
desde 1945, pelo processualista Eduardo J. Couture, cujas ideias foram mais tarde
sistematizadas e difundidas pelo jurista mexicano Hector Fix-Zamudio, a partir de 1956.45 Os
trabalhos de Hector Fix-Zamudio foram estudados com profundidade no Brasil pelo professor
José Alfredo de Oliveira Baracho, que muito se dedicou ao estudo comparado da jurisdição
constitucional.46 De acordo com Baracho, “o Processo Constitucional não é apenas um direito
instrumental, mas uma metodologia de garantia dos direitos fundamentais. Suas instituições
estruturais (jurisdição, ação e processo) remetem-nos à efetivação dos direitos essenciais.”.47

43
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992. p. 132.
44
Art. 5º, XXXV, da CF: A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
45
PAOLINELLI, Camila Mattos. O que é Processo Constitucional? Revista Eletrônica do Curso de Direito –
PUC Minas Serro – n. 13 – jan./julho 2016.
46
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro, Forense, 1984.
47
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Revista do Tribunal Regional do Trabalho
da 3ª Região. vol. 55/56, p. 56-68. Belo Horizonte. Jun.1995 - jul. 1997.
42

Isso implicou a percepção de que todo e qualquer provimento decisório concebido pelo
Estado, seja ele legislativo, executivo ou jurisdicional, deve ser construído democraticamente,
ancorado nos direitos fundamentais, a partir de um modelo procedimental que garanta aos
destinatários da decisão a oportunidade de contraditório, ampla defesa, isonomia, em direção a
uma decisão final fundamentada. Trata-se, portanto, do surgimento do que se convencionou
chamar de processo constitucional ou “modelo constitucional de processo”, nas palavras de
Italo Andolina e Giuseppe Vignera.48
A Constituição brasileira de 1988 assimilou o modelo constitucional de processo, ao
enumerar em seu texto um amplo rol de princípios e garantias processuais, a exemplo dos que
se seguem: inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV), Juízo natural (art. 5º, XXXVII),
legalidade e anterioridade da lei penal (art. 5º, XXXIX), devido processo legal (art. 5º, LIV),
contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV), princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII),
fundamentação das decisões (art. 93, IX), duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII),
habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, habeas data e ação popular (art.
5º, LXVIII, LXIX, LXXI, LXXII e LXXIII).
Nessa perspectiva, as premissas já difundidas por Elio Fazzalari sobre a construção
dialógica dos provimentos estatais, mediante o exercício do contraditório pelos destinatários de
tais provimentos, tornam-se agora mais relevantes e deixam ainda mais evidente que a visão de
processo como instrumento da jurisdição é por demais simplista e merece ser descartada.49 Se
jurisdição é direito fundamental (art. 5º, XXXV, CF) e processo é garantia, então o processo
somente pode ser enxergado como mecanismo que confere legitimidade à jurisdição e não como
um mero instrumento a seu serviço.50
Nessa mesma linha de raciocínio, é preciso perceber que não há mais lugar para
protagonismos dentro do processo. Faz-se necessário colocar em tensão as premissas do
liberalismo processual e da socialização processual, para que se reconheça a importância da
participação isonômica de todos os sujeitos processuais na construção dos provimentos
estatais.51 Fala-se, pois, em policentrismo e comparticipação no processo, ou seja, as partes
participam democraticamente do iter procedimental, dialogam, exercem seus ônus e faculdades

48
ANDOLINA, Ítalo; VIGNERA, Giuseppe. I fondamenti constitucionali della giustizia civile: il modelo
constitucionale del processo civile italiano. 2. ed. Torino: G. Giappichelli Editore, 1997. p. 9-11.
49
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992.p.170-
171.
50
BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito. 3.ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2015.p.85-95.
51
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 223-224.
43

processuais e o Estado-juiz decide, levando em conta os argumentos postos em debate e as


normas do ordenamento jurídico.
Entretanto, tudo isso somente é possível mediante uma releitura do instituto do
contraditório. Fazzalari, ao tempo em que formulou sua teoria do processo como procedimento
em contraditório, já havia dado um passo importante ao consignar que o contraditório não
poderia se reduzir à mera bilateralidade de audiência, significando, para além disso, a efetiva
participação das partes em simétrica paridade de armas.52
Conforme ensina Nunes, amparado em doutrina germânica, após a constitucionalização
das garantias processuais, o contraditório passou a ser analisado sob outro prisma, qual seja
como garantia de influência no desenvolvimento e no resultado do processo.53 Sob esse aspecto,
o juiz deve levar em conta os argumentos trazidos pelas partes, manifestando-se sobre eles e
demonstrando de que forma tais argumentos tiveram relevância para o provimento final, que
deve ser proferido sem trazer nenhuma surpresa para seus destinatários ao final. Garantia de
influência e não surpresa são, pois, as máximas que sustentam o instituto do contraditório na
atualidade.54
Observe-se que, sob esse enfoque, o processo constitucional consiste em “estrutura
garantística de aplicação e viabilização do exercício de direitos fundamentais”55 e, ao mesmo
tempo, garantia de controle das decisões do Estado pelos cidadãos, de forma a possibilitar a
acountability.56 É pelo processo que o cidadão tem a possibilidade de controlar o Estado na

52
“Tal estrutura [contraditório] consiste na participação dos destinatários dos efeitos do ato final em sua fase
preparatória; na simétrica paridade das suas posições; na mútua implicação das suas atividades (destinadas,
respectivamente, a promover e impedir a emanação do provimento); na relevância das mesmas para o autor do
provimento; de modo que cada contraditor possa exercitar um conjunto – conspícuo ou modesto, não importa –
de escolhas, de reações, de controles, e deva sofrer os controles e as reações dos outros, e que o autor do ato
deva prestar contas dos resultados. Veja-se, por exemplo, a fase que precede a uma sentença civil de condenação
e na qual se recolhem os elementos com base nos quais o juiz deverá emanar tal sentença ou não: dela participam
os destinados a serem beneficiários da condenação e os que são destinados a submeter-se a ela, em contraditório
entre eles, isto é, desenvolvendo simétricas atividades entre eles, destinadas a fornecer ao juiz – que não poderá
abster-se – elementos a favor e contrários àquela emanação.” (FAZZALARI, Elio. Instituições de direito
processual. Tradução da 8ª edição por Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006. p. 119-120).
53
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 224-227.
54
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 224-227.
55
NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo, jurisdição e processualismo constitucional democrático na
América Latina: alguns apontamentos. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n.101,p.61-
96, jul/dez. 2010.p.88.
56
A noção de accountability tem sido desenvolvida pela literatura de forma abrangente e variada, a depender da
área de atuação em que o termo é empregado. Para os fins desta pesquisa, é suficiente que o consideremos como
sinônimo de “obrigação de prestar contas”. Acerca da visão do processo como mecanismo de controle do poder
decisório e accountability, confira-se: NUNES, Dierle; DELFINO, Lúcio. Do dever judicial de análise de todos
os argumentos (teses) suscitados no processo, a apreciação da prova e a accountability. In: LUCON, Paulo
44

tomada de decisões que irão afetar diretamente a sua vida e a sua liberdade, evitando abusos de
poder. Isso requer que a participação do cidadão se dê mediante a previsão legal de
procedimentos técnicos claros e bem definidos, que confiram previsibilidade aos sujeitos
envolvidos.
Por essa razão é que, como ensina Aroldo Plínio Gonçalves, os escopos do processo são
apenas jurídicos e não metajurídicos como insistia em afirmar Cândido Rangel Dinamarco.
Reconhecer que o processo tem escopos metajurídicos é deixá-lo a mercê de ideologias,
suprimindo o seu papel garantidor de efetivação direitos fundamentais. Por isso não se deve
confundir o direito material, este sim dotado de finalidades sociais, políticas ou econômicas
(escopos metajurídicos), com o processo.57
O CPC de 2015, se interpretado de forma sistemática, bem demonstra a aderência ao
modelo constitucional de processo como sua teoria de fundo (art. 1º do CPC)58, estabelecendo
as bases para um policentrismo processual, ao conciliar a existência de poderes diretivos e
gerenciais do magistrado (art. 139 do CPC) com o fortalecimento da autonomia privada das
partes (art. 190 do CPC)59, salientando em seus dispositivos o apreço ao contraditório dinâmico
(artigo 10 do CPC)60 e à fundamentação adequada da decisão pelo julgador (art. 489 do CPC).61-

Henrique dos Santos; FARIA, Juliana Cordeiro de; MARX NETO, Edgard Audomar; REZENDE, Ester Camila
Gomes Norato (organizadores). Processo Civil Contemporâneo: homenagem aos 80 anos do professor
Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense/Gen, 2018. p. 64-83.
57
“Toda a polêmica questão dos escopos metajurídicos do processo deságua no Direito material. É o Direito
material, construído ou reconstruído pelas partes em contraditório ao longo do procedimento, que é aplicado
pelo juiz ao caso concreto submetido à sua apreciação. Na atuação deste Direito material é que se atenderá a
“fins sociais” ou a “exigências do bem comum”, conforme o determina o art. 5º da Lei de Introdução ao Código
Civil (Decreto-Lei 4.657, de 04 de setembro de 1942). Nisto não há qualquer escopo metajurídico do processo,
mas aplicação, como critério de julgamento, do Direito material, que deverá regular a espécie. Não poderá,
porém, o juiz vagamente invocar “fins sociais” da lei ou “exigências do bem comum” sem uma precisa e
detalhada especificação de quais sejam estes “fins sociais” ou de qual seja o conteúdo daquilo a que chama de
“bem comum”. É claro, mais que claro, que o “contraditório” permitirá que as partes influam na construção ou
na reconstrução destes “fins sociais” ou destas “exigências do bem comum”, mas tudo com os olhos postos no
direito substantivo, e que irá reger a solução da lide. Dessarte, os escopos metajurídicos são eminentemente
jurídicos e, mais, pertinentes não a normas de processo, e sim a normas de Direito material (civil, administrativo,
do trabalho, tributário, comercial...). E, aqui, acaba o conflito!...” (GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica
processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992. p. 188).
58
Art. 1º. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas
fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições
deste Código.
59
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes
estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus
ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo,
recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em
que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
60
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não
se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de
ofício
61
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
45

62
. Além disso, o nosso diploma processual, em seus arts. 926 e 927, deixa expressa a
necessidade de que as decisões jurídicas proferidas pelas cortes jurisdicionais brasileiras
alcancem estabilidade, integridade e coerência.
O trabalho que ora se apresenta, que tratará da interpretação e aplicação do art. 139,
inciso IV, do CPC tem como objetivo trazer à baila uma reflexão que contribua para a
concretude da perspectiva teórica do processualismo constitucional democrático sobre a qual
nos debruçamos nestas breves linhas. Para tanto, parte-se da concepção de que o procedimento
executivo necessita também ser lido e interpretado em consonância com as diretrizes
constitucionais, haja vista que ele integra a atividade jurisdicional e, conforme já se apontou, a
jurisdição encontra a sua legitimidade no processo constitucionalizado.
Sob esse viés interpretativo, a execução será aqui tratada como “atividade normativa de
prática de atos executivos previstos em lei”63 e constitui, ao mesmo tempo, um direito e uma
garantia do jurisdicionado de que ele somente será privado de seus bens e de seus direitos pelo
Estado com base em uma decisão jurídica legítima, correta e vinculada a um devido processo
legal.

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e
o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou
a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada
pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem
demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a
existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
§ 2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada,
enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam
a conclusão.
§ 3o A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade
com o princípio da boa-fé.
62
THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 98.
63
SALES, Ana Flávia; TAVARES Fernando Horta; ALVARENGA, Ricardo Machado. Pressupostos processuais
e condições da ação executiva: uma proposição fundamentada na garantia constitucionalizada do acesso ao
direito. Revista Direitos Fundamentais & Justiça, Porto Alegre, vol. 5, n. 14. p. 244-268, jan./mar. 2011.p.255.
46

2.4. A decisão correta à luz da Teoria da Integridade do Direito de Ronald Dworkin

Bem fixada a concepção de processo que será adotada ao longo desta pesquisa, qual
seja, processo como garantia de efetivação de direitos fundamentais, necessário pontuar qual o
marco teórico irá subsidiar as reflexões a serem feitas em torno da interpretação e aplicação do
art. 139, inciso IV, do CPC a que nos propusemos desenvolver.
Nos tópicos que antecederam, procurou-se demonstrar o quanto as concepções inerentes
a cada um dos paradigmas de Estado foram capazes de influenciar na compreensão do Direito
e na formação dos sistemas processuais dos diversos países nas respectivas quadras da história.
Feita uma retrospectiva das características do paradigma liberal e do paradigma social,
comentou-se sobre a superação destes, dando lugar ao que hoje se denomina Estado
Democrático de Direito. É, pois, sob o enfoque deste último marco que faremos nossas
considerações.
Conforme se apontou, os horrores experimentados pela humanidade ao longo do século
XX, sobretudo no contexto da Segunda Guerra, fez com que a comunidade jurídica voltasse os
olhos para a necessidade de proteção e concretização de direitos fundamentais a partir de suas
constituições. Essa necessidade trouxe uma mudança de percepção acerca do próprio conceito
de Direito, na medida em que se via cair por terra a tese positivista de separação entre o Direito
e a Moral.64 Isso porque o Direito, entendido em perspectiva kelseniana como um conjunto de
regras hierarquizadas, não era capaz de oferecer respostas satisfatórias para situações jurídicas
complexas, ou para os chamados “casos difíceis” que emanam da realidade dos fatos.65
A partir de 1960, o jurista e filósofo norte-americano Ronald Dworkin se notabilizou
através da publicação de textos que expressaram suas críticas ao Positivismo e ao Realismo
Jurídico66 e sua insistente preocupação com a legitimidade das decisões jurídicas e o combate

64
Reflexo do positivismo científico do século XIX, o Positivismo Jurídico consistiu em um movimento de
pensamento ou corrente filosófica que procurou estudar o fenômeno jurídico de forma isolada, separando-o de
teorias metafísicas, naturalistas, sociológicas, dentre outras, com vistas a conferir-lhe um caráter científico. Esse
intento foi alcançado através da obra “Teoria Pura do Direito”, escrita em 1934 pelo jurista e filósofo austríaco
Hans Kelsen, que se notabilizou por conferir autonomia ao fenômeno jurídico, propondo uma análise estrutural
de seu objeto e concebendo o Direito como um conjunto de normas hierarquizadas (BITTAR, Eduardo C.B.
ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2019.p.427-443).
65
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Processo Constitucional. 2.ed. Belo Horizonte: Pergamum,
2013. p.23-50.
66
O Realismo Jurídico constitui uma corrente de pensamento que enfoca o estudo do Direito sob o ponto de vista
das práticas reais vigentes em sociedade. O movimento possui diversas vertentes, dentre as quais se destacam o
realismo jurídico norte-americano, para quem “a realidade consiste naquilo que os juízes decidem”, e o realismo
jurídico escandinavo, para quem “a realidade consiste naquilo que existe de fato como realidade psicossocial”
(BITTAR, Eduardo C.B. ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 14. ed. São Paulo:
Atlas, 2019. p.444-452).
47

à discricionariedade no Estado Democrático de Direito. Dworkin, partindo da premissa de que


o Direito é um fenômeno interpretativo,67-68 desenvolveu a sua Teoria da Integridade do Direito
e sistematizou uma teoria acerca dos princípios jurídicos, conferindo-lhes caráter deontológico
ao concebê-los como padrões normativos. Sob a perspectiva de Dworkin, os princípios passam
a compor o ordenamento jurídico na qualidade de normas, juntamente com as regras e as
diretrizes políticas.69
De acordo com Dworkin, a diferença entre princípios e regras é de natureza lógica, a
depender da orientação que oferecem para a solução do caso concreto. Segundo o autor, “as
regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada”, ou seja, ou uma regra se aplica a uma dada
situação fática ou não é válida ali. Os princípios, de seu turno, são padrões jurídicos que
apresentam uma dimensão de peso ou importância e constituirão os argumentos que irão
direcionar a solução dos casos difíceis.70 Quando há um conflito de princípios, o juiz deve,
portanto, analisar a força relativa de cada um e aplicar o que for mais adequado ao caso
concreto.71
Dworkin apresenta, ainda, a distinção entre princípios e diretrizes políticas, nos
seguintes termos:
Denomino “política” aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser
alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da
comunidade (...). Denomino “princípio” um padrão que deve ser observado, não
porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social
considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma
outra dimensão da moralidade.72

67
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 2.ed. São Paulo: Martins
Fontes,2007. p.109.
68
Os estudos de Dworkin transcorreram já no contexto do que ficou conhecido como “giro linguístico”, quando
estudos sobre a linguagem demonstraram que esta não é um simples meio que liga os sujeitos aos objetos, mas
sim condição de possibilidade do próprio pensamento e de existência dos objetos (tudo existe a partir da
linguagem). “Como consequência, o Direito pressupõe que sua construção e sua aplicação devem se dar a partir
de uma prática argumentativa. Sendo assim, o sentido de determinada norma jurídica nunca poderá ser fixado a
priori, quer pelo próprio legislador, quer pela doutrina como pensavam positivistas como Kensen ou Hart, mas
somente em determinada situação concreta de aplicação”. (THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle;
BAHIA, Alexandre Melo Franco; PERON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 3. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2016.p.341).
69
THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.p. 58-62.
70
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p.39.
71
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p.42.
72
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p.36.
48

Segundo o jurista norte-americano, quando se está diante de um caso difícil em que não
há regra específica a discipliná-lo, o julgador deve decidir com base em argumento de princípio
e não de política, porque, em uma democracia, os juízes não foram eleitos pelo povo para criar
leis, o que é função do Poder Legislativo. Além disso, quando, porventura, os juízes criam uma
lei e aplicam-na ao caso que estão julgando, prejudicam a parte perdedora, porque aplicam a lei
de forma retroativa a um fato que ocorreu antes de sua criação.73
Uma das maiores críticas de Dworkin ao Positivismo Jurídico se traduz exatamente na
inexistência de argumentos de princípio para resolução dos casos difíceis no âmbito daquele
modelo de pensamento. Nesse caso, quando não existem regras claras que possibilitem a
subsunção do fato à norma, o juiz fica autorizado a lançar mão da “discricionariedade em
sentido forte”, ou seja, desvinculada de quaisquer padrões derivados da autoridade da lei.74
Restava ao juiz, nesse cenário, decidir conforme sua consciência e o seu senso de justiça. Esse
modelo é incompatível com as premissas do Estado Democrático de Direito.
Rechaçando essa abertura à discricionariedade, Dworkin travou, na década de 1960, um
célebre debate com o filósofo positivista Hebert Hart, em que critica as teses por este expostas
na obra “O Conceito de Direito”75, por considerá-la “a mais influente versão contemporânea do
positivismo”.76-77
No âmbito desse debate, Dworkin reforça a sua teoria de que o Direito deve ser visto
como integridade, tanto em sua dimensão legislativa quanto jurisdicional. No âmbito
legislativo, tal significa que “os legisladores tentem tornar o conjunto de leis moralmente
coerente” e, em âmbito jurisdicional, “que a lei seja vista como coerente nesse sentido”.78
Segundo Dworkin:

A integridade torna-se um ideal político quando exigimos o mesmo do Estado ou da


comunidade considerados como agentes morais, quando insistimos em que o Estado
aja segundo um conjunto único e coerente de princípios mesmo quando seus cidadãos
estão divididos quanto à natureza exata dos princípios de justiça e equidade corretos.79

73
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p.132-135.
74
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p.36.p.50-63.
75
HART, Hebert. L. A. O Conceito de Direito. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
76
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p.XI.
77
Para uma explicação detalhada acerca do debate entre Hart e Dworkin confira-se: MOTTA, Francisco José
Borges. Ronald Dworkin e a Decisão Jurídica. 2.ed. Salvador: Juspodium, 2018.p.113-142.
78
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 2.ed. São Paulo: Martins
Fontes,2007. p. 213.
79
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 2.ed. São Paulo: Martins
Fontes,2007. P.202.
49

Disso se extrai que a integridade política tal como apresentada por Dworkin leva à noção
de igualdade no sentido de que o Estado deve governar conforme um conjunto de princípios
aplicáveis a todos. Essa noção de integridade leva Dworkin a defender que, em que pese o
Direito ser um fenômeno interpretativo, é possível chegar a uma resposta correta nos casos
difíceis, sem apelar para a discricionariedade. E chegar a essa resposta é um compromisso
moral80 do julgador para com a sociedade.81 Em síntese:

Para combater o quadro positivista, Dworkin parte de dois raciocínios paralelos (mas
que se complementam ao final):
(1) de que não pode existir tal discricionariedade, e para fazer tal afirmação ele
necessariamente deverá afirmar que todo aquele responsável por uma decisão jurídica
(seja o legislador, seja o magistrado, seja um administrador público) deve se
comprometer moralmente para com a sociedade em não poupar esforço para buscar
a melhor decisão para aquela situação (isso significa afirmar que, ao invés de haver
múltiplas possibilidades de decisão, ainda que entre elas haja racionalidade –
construção com alguma coerência – há apenas “uma única decisão correta” para
aquele caso em especial); e
(2) de que além das regras jurídicas, o Ordenamento Jurídico deve apresentar outras
espécies de normas, capazes de impedir por completo a existência de uma lacuna e,
assim, conseguir definir naquele caso sub judice a existência de um direito para
alguma das partes envolvidas.82

A fim de elucidar o seu raciocínio acerca de como se alcança a resposta correta,


Dworkin, no decorrer de suas obras, faz uso de duas importantes metáforas, quais sejam, a do
juiz Hércules e a do direito como um romance em cadeia.
O juiz Hércules é uma alegoria contrafática de um suposto juiz-filósofo imaginário
criado por Dworkin com vistas a demonstrar como deve ser o comportamento dos magistrados
ao julgar casos difíceis em uma sociedade democrática. Trata-se de “um jurista de capacidade,
sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas” (...) “que aceita as principais regras não
controversas que constituem e regem o direito em sua jurisdição”.83 Hércules terá, então, de
reconstruir a história institucional existente sobre a matéria tratada no caso que a ele se
apresenta. Para tanto, deve verificar o que diz a legislação e a Constituição e analisar “qual o

80
Moralidade no sentido de “dever do direito em garantir a dignidade humana e o respeito aos mesmos direitos e
liberdades subjetivas”. (PEDRON, Flávio Quinaud. A superação da tese do livre convencimento motivado do
magistrado em face do dever de busca pela resposta correta na Teoria do Direito como Integridade de Ronald
Dworkin. Revista Direito Sem Fronteiras, Foz do Iguaçu.v.1, n.2, p.55-70, jul/dez de 2017.p.66.).
81
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,
2000.p.175-216.
82
THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.p. 71-72.
83
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p.165.
50

sistema de princípios foi estabelecido” em torno daquele tema, elaborando uma “teoria
constitucional”.84 Deverá o sábio juiz, ainda, analisar os argumentos das partes envolvidas e
verificar como os outros juízes decidiram no passado casos semelhantes, levando em conta a
força gravitacional dos precedentes, tomando-os como ponto de partida para as considerações
a serem postas no caso concreto que se está a julgar.85
Em um segundo momento, o reconhecimento da importância da reconstrução da história
institucional do Direito levou Dworkin a comparar o processo de tomada de decisões com a
construção de um romance literário, ao que se denominou “metáfora do romance em cadeia”.
Para tanto, Dworkin criou a suposição de que um grupo de romancistas será contratado para
escrever um romance literário, ficando cada um responsável pela escrita de um capítulo, cuja
ordem será determinada na sorte, através do jogo de dados. Terminada a redação do primeiro
capítulo, o primeiro romancista o envia ao segundo, que deverá dar continuidade à história,
enviando então os dois primeiros capítulos ao terceiro autor e, assim, sucessivamente até que
se chegue ao último capítulo da obra. Nas palavras de Dworkin:

Ora, cada romancista, a não ser o primeiro, tem a dupla responsabilidade de interpretar
e criar, pois precisa ler tudo o que foi feito antes para estabelecer, no sentido
interpretativista, o que é o romance criado até então. Deve decidir como os
personagens são “realmente”, que motivos os orientam, qual é o tema ou o propósito
do romance em desenvolvimento, até que ponto algum recurso ou figura literária,
consciente ou inconscientemente usado, contribui para estes, e se deve ser ampliado,
refinado aparado ou rejeitado para impelir o romance em uma direção e não em
outra.86

De acordo com Dworkin, esse exercício literário serve para ilustrar como os juízes do
Common Law devem decidir os casos difíceis. Isso porque, nessa tradição, em geral, não há lei
específica para regular cada situação concreta, devendo o juiz descortinar as regras e os
princípios de Direito subjacentes aos casos semelhantes que foram decididos no passado, a fim
de chegar à resposta correta.87 Dworkin, nesse aspecto, conclui que:

Ao decidir o novo caso, cada juiz deve considerar-se como parceiro de um complexo
empreendimento em cadeia, do qual essas inúmeras decisões, estruturas, convenções

84
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p.164-203.
85
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p.164-203.
86
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,
2000.p. 234-237.
87
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,
2000.p. 237-238.
51

e práticas são a história; é seu trabalho continuar essa história no futuro por meio do
que ele faz agora. Ele deve interpretar o que aconteceu antes porque tem a
responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não partir de
alguma nova direção. Portanto, deve determinar, segundo seu próprio julgamento, o
motivo das decisões anteriores, qual realmente é, tomado como um todo, o propósito
ou o tema da prática até então.88

A temática subjacente a esta dissertação não deixa dúvidas de que, mesmo dispondo de
um complexo arcabouço de leis para regular inúmeras situações jurídicas existentes nas diversas
searas do Direito, os sistemas jurídicos pertencentes à tradição do Civil Law também se
encontram suscetíveis ao aparecimento dos casos difíceis. Não raro, nossos magistrados se
deparam com a ausência de lei para direcionar a solução de determinados casos, juízos de
adequabilidade de princípios jurídicos ou vagueza de cláusulas gerais que levam a um impasse
no ato de decidir.
Por essa razão, as preocupações suscitadas por Dworkin com a legitimidade das decisões
e as propostas por ele apresentadas para se chegar a uma resposta correta são plenamente
aplicáveis entre nós.89Prova disso é que o CPC de 2015, em seu art. 926 houve por bem
estabelecer que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra
e coerente”, estampando, a nosso ver, uma adesão ao pensamento dworkiniano.90
Nessa perspectiva, a teoria dworkiniana nos servirá de auxílio à busca de soluções para
o problema da interpretação do art. 139, inciso IV, do CPC, na medida em que nos conduz a
entender o ordenamento jurídico como um sistema coerente de normas, cuja completude
dispensa que se apele para a discricionariedade do julgador. Isso implica dizer, logo de plano,
que medidas executivas atípicas somente podem ser extraídas do ordenamento, respeitando-se
a sua cadeia interpretativa, e em construção participada das partes.
Adota-se, portanto, a Teoria da Integridade de Ronald Dworkin como marco teórico
desta pesquisa, tomando-se como certa a hipótese de que é possível interpretar o art. 139, IV,
do CPC à luz dessa teoria e, desse modo, encontrar, no âmbito da história institucional do
procedimento executivo, e sob as bases de um processo jurisdicional constitucional e
democrático, a melhor resposta para a interpretação e aplicação da mencionada cláusula geral.

88
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,
2000.p.237-238.
89
Referendando esse entendimento, confira-se PEDRON, Flávio Quinaud. A superação da tese do livre
convencimento motivado do magistrado em face do dever de busca pela resposta correta na Teoria do Direito
como Integridade de Ronald Dworkin. Revista Direito Sem Fronteiras, Foz do Iguaçu.v.1, n.2,p.55-70,jul/dez
de 2017.p.63.
90
BAHIA, Alexandre Melo Franco; NUNES, Dierle; PEDRON, Flávio Quinaud. Precedentes no Novo CPC: é
possível uma decisão correta? Justificando, 8.jul.2015.
53

3 EXECUÇÃO EM PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA

Neste capítulo, pretende-se tecer algumas considerações gerais sobre o procedimento


executivo brasileiro, para que se possa alcançar uma percepção acerca do contexto que levou o
legislador à redação do art. 139, IV, do CPC de 2015. Não obstante o referido artigo não se
aplique tão somente à atividade executiva, é no âmbito desta, como se verá, que ele encontra
maior expressividade e repercussão.
Referir-se-á, a todo momento, ao procedimento executivo em contraposição ao
procedimento cognitivo, em homenagem à estrutura apresentada pelo CPC de 2015. Todavia,
por vezes, apenas para que se evitem repetições de palavras ao longo do texto, é possível que
nos refiramos ao procedimento executivo também como “processo de execução”.
Conforme dito outrora, o CPC de 2015 foi construído pelo trabalho de muitas mãos, em
meio a um contexto de Estado Democrático de Direito, ao contrário do Código revogado, de
1973, editado no contexto da ditadura militar. Naquela quadra histórica, toda a autoridade
jurisdicional se concentrava nas mãos do julgador, realidade construída a partir das ressonâncias
do modelo de socialização processual a que fizemos referência no item 2.2 do capítulo
antecedente, experimentada pelo Brasil a partir do Código de Processo Civil de 1939.
Considerando, então, que o pano de fundo do CPC de 2015 é completamente distinto daquele
que embasou o de 1973, não subsistem razões para que a atividade executiva siga sendo
percebida sob a mesma ótica da legislação superada.
Isso significa que os atos executivos do Estado-juiz também se sujeitam ao devido
processo legal e aos ditames constitucionais e que não cabe mais falar em subordinação do
devedor ao credor. Ainda que o exequente se mostre em posição de vantagem frente às
normas,91 por estar de posse de um título executivo, o executado tem a seu favor um
procedimento legal previamente definido, que lhe garante previsibilidade, e o exercício do
contraditório dinâmico, quanto àquilo que é passível de ser discutido na fase executiva.92
Faz-se necessário reconhecer que o vínculo obrigacional existente entre credor e
devedor, relação regida pelo direito material, não se estende ao âmbito do processo. Este,
mesmo que em fase executiva, constitui o espaço discursivo em que as partes poderão debater
o litígio, de forma comparticipada, tendo ambas a possibilidade de influenciar a tomada de

91
VIEIRA, Luciano Henrik Silveira. O processo de execução no estado democrático de direito. 2.ed. rev. e
ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p.81.
92
NUNES, Dierle. O princípio do contraditório. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo,
v. 5, n. 29, v. 5, p. 73-85, mai-jun/2004.
54

decisões jurídicas executivas. A propósito, a necessidade de um processo jurisdicional


democrático se mostra ainda mais evidente no campo de execução, porque é nesse momento
que o Estado poderá invadir o patrimônio jurídico do indivíduo, para tentar levar a satisfação
do direito àquele que o teve reconhecido no título.
Em tais condições, o direito à execução deve ser encarado como consectário do direito
constitucional incondicionado de ação (art. 5º, XXXV, da CF), e, por isso, o seu exercício
somente é legítimo a partir do processo, por meio do respeito ao bloco de garantias que integram
o devido processo legal (contraditório, isonomia, ampla defesa). Nesses termos, o executado,
mesmo estando diante de um título executivo que o desfavorece, tem direito a experimentar
uma execução idônea, pautada na legalidade, na previsibilidade dos procedimentos e que lhe
possibilite se defender em simétrica paridade de armas em relação ao exequente.93
Em que pese o CPC de 2015 tenha mantido , em seu art. 797, redação no sentido de que
a execução se realiza no interesse do exequente, o que se mostra, a nosso ver, contrário à
premissa democrática perquirida pelo Novo Código, sobretudo levando em conta a redação de
seus arts. 1º, 6º e 7º, mostra-se imprescindível que esses dispositivos sejam lidos sempre em
conjunto, de modo que a execução possa ser reinterpretada para que se enquadre no contexto
democrático proposto pela Constituição de 1988, “de sorte a permitir, a um só tempo, garantir
a efetividade processual, o adimplemento da obrigação e a garantia da dignidade da pessoa
humana”.94
Essa visão da execução sob o panorama democrático traz consigo tanto a necessidade
de reinterpretação do sistema executivo para extirpar toda possível forma de arbitrariedade e
discricionariedade por parte do Estado-jurisdição95, quanto a necessidade de conferir respeito
ao histórico institucional de formação do procedimento executivo brasileiro, tomando o cuidado
para não desregulamentá-lo a pretexto do alcance da eficiência a qualquer custo (neoliberalismo
processual). Do contrário, corre-se o risco de se implementar um Estado de exceção,
retrocedendo ao tempo em que execução representava uma forma de vingança contra o devedor,
conforme se passa a demonstrar no ponto que se segue.

93
VIEIRA, Luciano Henrik Silveira. O processo de execução no estado democrático de direito. 2.ed. rev. e
ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p.86-87.
94
SOARES, Carlos Henrique; BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Manual elementar de processo civil. 3.ed.
Belo Horizonte: Del Rey, 2014.p.639.
95
DURO, Cristiano. Execução e democracia: a tutela executiva no processo constitucional. Salvador: Juspodium,
2018.
55

3.1 Execução no direito romano: da vingança pessoal à patrimonialidade

Tivemos oportunidade de nos debruçar, em outro ensaio96, sobre o que se optou por
denominar de “humanização da execução civil”, ao se tratar da trajetória do procedimento
executivo desde o direito romano primitivo até o momento da assunção do monopólio da
jurisdição pelo Estado, o que se passa a retomar, rapidamente, por se tratar de temática
importante para a linearidade da exposição do presente estudo.
Explica-nos Edson Prata97 que os romanos foram os primeiros povos a sistematizar o
Direito no mundo, a partir da redação da Lei das XII Tábuas, em 450 a.C. Graças aos
compêndios escritos pelo jurista e professor Gaio, no século II d. C, foi possível se ter acesso
ao funcionamento do sistema jurídico romano de então. Com base neles, os historiadores do
Direito dividiram o direito romano em três períodos, a saber: a) Legis Actiones (ações da lei -
754 - fundação de Roma até 149 a.C); b) Per formulas (formulário - 149 a.C a 342 d.C); e c)
Cognitio Extraordinaria (cognição extraordinária - 342 d.C, em diante).
Ainda de acordo com Edson Prata, o conteúdo da Lei das XII Tábuas é amplo e
diversificado. A matéria que trata sobre direito processual foi posta nas tábuas I, II e III. Para
os fins deste trabalho, chama atenção o conteúdo da Tábua III, precisamente quanto às leis nºs
4 a 9, que tratam da execução de dívidas, cujo procedimento ora se passa a transcrever:

Lei nº 4 – “AQUELE QUE CONFESSA DÍVIDA PERANTE O MAGISTRADO OU


É CONDENADO, TERÁ TRINTA (30) DIAS PARA PAGAR.”
Lei nº 5 – “ESGOTADOS OS TRINTA DIAS, E NÃO TENDO PAGO, QUE SEJA
AGARRADO E LEVADO À PRESENÇA DO MAGISTRADO”.
Lei nº 6 – “SE NÃO PAGA E NINGUÉM SE APRESENTA COMO FIADOR, QUE
O DEVEDOR SEJA LEVADO PELO SEU CREDOR E AMARRADO PELO
PESCOÇO E PÉS COM CADEIAS COM PESO ATÉ O MÁXIMO DE 15 LIBRAS;
MENOS, SE ASSIM O QUISER O CREDOR.”
Lei nº 7 – “O DEVEDOR PRESO VIVERÁ À SUA CUSTA, SE QUISER; SE NÃO
QUISER, O CREDOR QUE O MANTÉM PRESO DAR-LHE-Á POR DIA UMA
LIBRA DE PÃO OU MAIS A SEU CRITÉRIO”.
Lei nº 8 – “SE NÃO HÁ CONCILIAÇÃO, QUE O DEVEDOR FIQUE PRESO POR
60 DIAS, DURANTE OS QUAIS SERÁ CONCUZIDO EM 3 DIAS DE FEIRA AO
“COMITIUM”, ONDE SE PROCLAMARÁ, EM ALTAS VOZES, O VALOR DA
DÍVIDA.”
Lei nº 9 – “SE SÃO MUITOS OS CREDORES, É PERMITIDO, DEPOIS DO 3º DIA
DE FEIRA, DIVIDIR O CORPO DO DEVEDOR EM TANTOS PEDAÇÕS
QUANTOS SEJAM OS CREDORES, NÃO IMPORTORTANDO CORTAR MAIS

96
SOARES, Carlos Henrique; ANDRADE, Tatiane Costa de. Interpretação do artigo 139, IV, do CPC no modelo
constitucional de Processo. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, BA, v. 5, n.2, p. 195-225,
jul./dez.2018.
97
PRATA, Edson. História do Processo Civil e sua Projeção no Direito Moderno. Rio de Janeiro: Forense,
1987. p. 52-53.
56

OU MENOS; SE OS CREDORES PREFERIREM, PODERERÃO VENDER O


DEVEDOR A UM ESTRANGEIRO, ALÉM DO TIBRE.”98

Durante os períodos das Legis Actiones e Per formulas, o sistema processual foi todo
privado, atribuindo-se às próprias partes o ônus de resolver os conflitos e realizar a justiça, ou,
conforme se viu pelas leis acima transcritas, de realizar a vingança contra a parte adversa.
Nesses dois períodos, o procedimento ocorria em duas fases, uma perante um
representante do Estado99, denominado pretor, e outra perante um árbitro particular (iudex),
escolhido pelas próprias partes. As ações da lei eram divididas em declaratórias e executivas.
Nesse contexto, se o devedor era condenado pelo árbitro a pagar certa quantia ou confessava a
dívida, tinha ele, de acordo com a Lei nº 4 da Tábua III, trinta dias para realizar o pagamento,
sob pena de ser conduzido novamente à presença do árbitro, pelas mãos do credor (manus
iniectio esto).
Tinha início, portanto, o procedimento da manus injectio, uma das ações da lei, de
natureza executiva, conduzida pelo próprio credor. Era, pois, uma ação privada e de caráter
penal, porquanto permitia ao credor impor cárcere privado e castigos físicos ao devedor,
podendo chegar até mesmo ao esquartejamento e distribuição de partes do corpo do executado
entre os diversos credores existentes, caso não aparecesse nenhum fiador (vindex) para saldar a
dívida em seu nome.100
Conta-se que a manus injectio coexistiu com a actio pignoris capio, uma outra ação
executiva do período das ações da lei, aplicada, geralmente, para obrigações de caráter público
ou de cunho religioso, a exemplo de sacrifícios. Por meio da actio pignoris capio, o credor se
apossava de bens do devedor para, posteriormente, após obter sentença favorável, vendê-los
por intermédio do árbitro.101
Por volta de 326 a.C, editou-se a Lex Poetelia Papira, que proibiu o encarceramento, a
aplicação de castigos físicos vexatórios, a venda e a morte do devedor. Por essa razão, diz-se
que a referida lei representa o marco da humanização da execução forçada, operando a
substituição gradual da execução pessoal pela execução patrimonial.102
Nesse momento, o direito processual romano já se encontrava na fase per forumulas,
tendo a manus injectio, ação executiva, sido substituída pela actio iudicati, de natureza

98
PRATA, Edson. História do Processo Civil e sua Projeção no Direito Moderno. Rio de Janeiro: Forense,
1987. p. 58-59.
99
Entenda-se Estado como poder regente à época, haja vista que, naquele tempo, os Estados Nacionais, na forma
como conhecemos hoje, não haviam ainda se formado.
100
GRECO, Leonardo. O processo de execução. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.v.1.p.11-13.
101
PRATA, Edson. História do Processo Civil e sua Projeção no Direito Moderno. Rio de Janeiro: Forense,
1987. p. 65.
102
GRECO, Leonardo. O processo de execução. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.v.1.p.14-15.
57

cognitiva. Assim, após o devedor confessar a dívida ou o magistrado (iudex) proferir a sentença
condenatória, caso o devedor não pagasse o valor devido em trinta dias (tempus iudicati), o
credor levava novamente o caso ao pretor, que fixava uma fórmula e a enviava ao iudex para
julgamento, por meio de nova sentença condenatória, agora sim, com força executiva. Após
todo esse iter procedimental cognitivo, iniciava-se o procedimento de venda dos bens do
devedor, pelo procedimento da bonorum venditio.103
Conforme ponderam José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo,104 ainda que
a actio iudicati tenha representado um abrandamento da execução pessoal sobre o devedor,
consistia também em procedimento muito rigoroso, porque, por meio dele, o devedor perdia
todos os seus bens e não só aqueles suficientes para saldar a dívida. Esse cenário somente veio
a se alterar no transcorrer do século II a.C, com a criação do instituto da bonorum distractio,
por meio do qual eram levados a hasta pública bens do devedor suficientes para pagar seus
credores, sendo-lhe restituídos os bens remanescentes.
O período clássico do direito processual romano, portanto, foi marcado pela
coexistência entre a execução pessoal e a execução patrimonial. Não se condenava, à época,
ninguém a obrigações de fazer (execução in natura), situação que passou a ocorrer a partir do
período da cognitio extraordinaria, quando a jurisdição se tornou monopólio do Estado e o
processo passou a se desenvolver em uma única fase. Nessa quadra histórica, a actio iudicati
sobreviveu, com modificações importantes, que a tornaram ainda mais humanizada, tais como
concessão e maior prazo ao devedor para pagar, extinção do risco de condenação em dobro para
o fiador, restrição das hipóteses de prisão do devedor e cumprimento da prisão em cárcere
público.105
Mais tarde, com a invasão do império romano pelos bárbaros (568 d.C), o direito dos
povos germânicos predominou por toda a Europa. No tocante à execução, é possível dizer que
houve certo retrocesso em relação à humanização conquistada com a actio iudicati romana,
porque entre os povos bárbaros ainda era possível o uso da violência contra o devedor, o cárcere

103
“Era uma execução universal e coletiva instaurada em benefício de todos os credores do devedor, embora
consequente da falta de pagamento de uma só dívida. Todos os bens do devedor eram arrecadados por
autorização do magistrado, ficando inicialmente sob a guarda do credor-exequente (missio in possessionem), até
que se escoasse certo prazo, dentro do qual se aguardava o pagamento espontâneo do crédito do exequente. Em
seguida, os credores, por maioria, nomeavam um administrador, o curator bonorum. Posteriormente eram os
bens em conjunto levados à hasta púbica, sendo arrematados por aquele que oferecesse aos credores porcentagem
maior de pagamento dos seus créditos. (...). O réu continuava devedor pelo saldo dos créditos não liquidado pelo
bonorum emptor. Se viesse a adquirir novos bens, podia sofrer por esse saldo nova bonorum venditio.”.
(GRECO, Leonardo. O processo de execução. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.v.1.p.18-19).
104
TUCCI, José Rogério Cruz; AZEVEDO, Luiz Carlos. Lições de História do Processo Civil Romano. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.p.135.
105
GRECO, Leonardo. O processo de execução. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.v.1.p.23.
58

privado e a escravização do executado. O retrocesso só não foi maior porque os germanos


adotaram o “princípio da personalidade do direito”, segundo o qual cada pessoa deve ser regida
pelo direito de sua própria raça.106 Isso permitiu que os povos vencidos continuassem a aplicar
o direito romano.
A mistura entre os povos e as relações comerciais estabelecidas entre eles favoreceu a
fusão do sistema jurídico romano com o germânico, o que se consolidou com o suporte
científico dos estudos desenvolvidos na primeira Universidade de Direito do mundo, em
Bolonha, no século XI. Teve origem, portanto, o direito romano-germânico, que trouxe novos
contornos para a execução, colocando de vez um basta nas medidas executivas pessoais e
violentas do sistema bárbaro.
Essa incursão no direito romanístico é importante para que se perceba como a
patrimonialidade foi ganhando prevalência na execução ao longo dos séculos, em detrimento
da execução sobre a pessoa do devedor, a ponto de se incorporar em nosso ordenamento jurídico
processual na forma de princípio informativo da execução. A doutrina brasileira costuma se
referir a ele também como princípio da responsabilidade patrimonial ou como princípio da
realidade da execução.107 Seja qual for a nomenclatura utilizada, o conteúdo da
patrimonialidade se traduz na ideia de que a execução recai sobre o patrimônio do devedor e
não sobre sua pessoa. Essa premissa constou da redação do art. 591 do CPC de 1973108 e se
repetiu no art. 789 do CPC de 2015.109
Em razão da coexistência, no sistema processual brasileiro, de medidas executivas sub-
rogatórias e coercitivas, assunto a ser desenvolvido no próximo tópico deste trabalho, a
literatura jurídica moderna tem admitido a ocorrência de uma certa mitigação do princípio da
patrimonialidade, sobretudo em face da necessidade de se conferir maior eficiência ao
procedimento executivo. Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e
Rafael Alexandria de Oliveira, por exemplo, advogam que a responsabilidade executiva
assume, hodiernamente, caráter misto, por comportar tanto a coerção pessoal do devedor quanto
a constrição direta de seu patrimônio.110

106
PRATA, Edson. História do Processo Civil e sua Projeção no Direito Moderno. Rio de Janeiro: Forense,
1987. p. 83.
107
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 108-109; THEODORO
JÚNIOR, Humberto. Processo de Execução. São Paulo: Leud, 2004. p. 60-61.
108
Art. 591 do CPC e 1973: O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens
presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.
109
Art. 789 do CPC de 2015: O devedor responde com todos os seus bens, presentes e futuros para o cumprimento
de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.
110
“A responsabilidade executiva parece assumir, atualmente, caráter híbrido, comportando coerção pessoal e
sujeição patrimonial: i) a coerção pessoal incide sobre a vontade do devedor, admitindo o uso de medidas
coercitivas, de execução indireta, para forçá-lo a cumprir a obrigação com seu próprio comportamento (ex: arts.
59

De fato, conforme se desnudará adiante, a utilização de técnicas de coerção do devedor


tem se tornado uma tendência em nosso sistema processual, desde a década de noventa,
recaindo sobre as obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa e, posteriormente, com o
advento do CPC de 2015, também sobre as obrigações de pagar quantia certa. Todavia, tal como
já fizemos em outra sede,111 convém chamar atenção, uma vez mais, para o perigo de se
transformar medidas coercitivas em medidas punitivas contra a pessoa do devedor,
retrocedendo o procedimento executivo brasileiro às premissas do direito romano clássico e do
direito dos povos bárbaros, em que a execução parecia representar muito mais uma vingança
do credor do que uma real tentativa de recebimento do crédito.
A seguir, será apresentado um retrospecto sobre o panorama do procedimento executivo
brasileiro, com ênfase na passagem da tipicidade à atipicidade dos meios executivos e na
assimilação da coerção como técnica executiva pelo ordenamento jurídico pátrio. Para tanto,
será feita uma breve referência às medidas coercitivas no direito estrangeiro, com escopo de
investigar os ideais que levaram à construção da redação do art. 139, IV, do atual CPC.

3.2 Execução no ordenamento jurídico brasileiro: da tipicidade à atipicidade dos meios


executivos. Tendência ao maior uso da coerção.

A literatura jurídica especializada mostra-se bastante diversificada ao apresentar o


conceito de execução. Carnelutti associava a execução a sanção, por entender que ela é
necessária quando o devedor não satisfaz espontaneamente a obrigação consubstanciada no
título executivo, o que autoriza o Estado a utilizar a força e a coação para realizar o Direito.112
Enrico Tulio Liebman, seguindo esse mesmo raciocínio, enxergava a execução como atividade
dos órgãos jurisdicionais para fazer valer a sanção, tendo afirmado que “execução civil é aquela
que tem por finalidade conseguir por meio do processo, e sem o concurso da vontade do
obrigado, o resultado prático a que tendia a regra jurídica que não foi obedecida.”113

139, IV, 523, § 1º, 536, §1º, e 538, § 3º, todos do CPC); ii) descumprida a obrigação, e não sendo
possível/adequado o uso de técnica de coerção pessoal, tem-se a sujeição patrimonial, que recairá sobre os bens
do devedor ou de terceiro responsável –que responderão pela própria prestação in natura (ex: dar coisa ou
entregar quantia) ou por perdas e danos.” (DIDIER JR. Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula
Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução. 8.ed. Salvador:
Juspodium, 2018, v5. p. 72).
111
SOARES, Carlos Henrique; ANDRADE, Tatiane Costa de. Interpretação do artigo 139, IV, do CPC no modelo
constitucional de Processo. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, BA, v. 5, n.2, p. 195-225,
jul./dez.2018.
112
CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil: introdução e função do processo civil.
Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. São Paulo: Classic Book, 2000. v.1. p. 288.
113
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. 2.ed. São Paulo, Saraiva, 1963.p.4.
60

Marcelo Lima Guerra define por tutela executiva aquela que se destina a propiciar ao
credor de obrigação fixada em título executivo “um resultado prático idêntico, ou o mais
equivalente possível, ao que lhe adviria do cumprimento espontâneo dessa mesma obrigação,
pelo respectivo devedor.”114
Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria
de Oliveira afirmam que “executar é satisfazer uma prestação devida”,115 podendo a execução
ser espontânea, se o devedor cumpre voluntariamente a prestação, ou forçada, se o cumprimento
da obrigação é obtido através da prática de atividades executivas pelo Estado. Marcos Youji
Minami, de seu turno, conceitua execução como “realização, mediante um procedimento
devido, previsto em lei ou, em determinados casos, estabelecido pelo magistrado ou pelas
partes, de uma prestação consubstanciada em título executivo.”116
Dentre estes conceitos apresentados, descartamos, para os fins deste trabalho, apenas o
conceito de execução como sanção, pois, na perspectiva democrática que ora se adota, execução
é atividade do Estado que também pressupõe processo enquanto procedimento em
contraditório. Uma vez fixado que processo é garantia de realização de direitos fundamentais e
mecanismos de controle do exercício do poder pelo Estado, o procedimento executivo, a nosso
ver, deve ser visto como corolário do exercício do direito incondicionado de ação, que se realiza
pelo processo.
Enxergar a execução como sanção causa, a nosso ver, a falsa impressão de que o Estado
tem poder de adentrar à esfera jurídica das pessoas, para impor-lhes um mal como consequência
do inadimplemento da obrigação, ideia diametralmente oposta ao que aqui se apregoa. Em uma
concepção democrática, o procedimento executivo, pautado no devido processo legal
constitucionalizado existe para retirar o arbítrio do Estado, limitando seus poderes para que a
incursão na esfera jurídica dos sujeitos processuais, sobretudo em seu patrimônio, se dê de
forma dialógica, transparente e sem excessos, com a finalidade de proporcionar o cumprimento
da obrigação pactuada e a satisfação integral do direito reconhecido e não de punir pessoas pela
prática de ato ilícito, esse sim o verdadeiro papel da sanção, seja ela civil ou penal.117
Ademais, há que se considerar que, conforme já mencionado, a partir da segunda metade
do século XX, sobretudo com o avanço dos movimentos em torno da constitucionalização do

114
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.17.
115
DIDIER JR. Fredie et al. Curso de direito processual civil: execução. 8.ed. Salvador: Juspodium, 2018, v5.
p. 47.
116
MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.
Salvador: Juspodium, 2019. p.120.
117
Não estamos aqui considerando a ideia de sanção na forma de prêmio (sanção premial).
61

direito, opera-se uma mudança nos próprios perfis da litigiosidade, que deixa de se restringir ao
caráter estritamente individual como nos moldes liberais. O Poder Judiciário passa a lidar com
questões coletivas, com pleitos que giram em torno de interesses metaindividuais ou demandas
de interesse público e até mesmo com a implementação de políticas públicas, situações que,
requerem, inclusive, uma execução diferenciada, comparticipativa (negociada), conforme se
verá oportunamente. Nesse cenário, não há como sustentar um conceito de execução enquanto
sanção do Estado, pois do contrário, não haveria possibilidade de se realizarem negócios
processuais na fase executiva.118
Ultrapassada a questão da conceituação, é imperioso frisar que no ordenamento jurídico
brasileiro a prestação da tutela executiva foi confiada aos órgãos jurisdicionais, exatamente por
conta da mencionada interferência na ordem jurídica do devedor, situação que, de acordo com
a Constituição de 1988, requer a prévia submissão a um devido processo legal (art. 5º, LIV,
CF).119 Essa ideia de execução como jurisdição era defendida por Chiovenda, para quem a
jurisdição é “função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por
meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de
outros órgãos públicos.”120
O objetivo da tutela executiva, portanto, é proporcionar a satisfação do direito subjetivo
do credor, consubstanciado no título executivo, quando o devedor não o faz de maneira
espontânea. Para tanto, o órgão jurisdicional dispõe de dois tipos de medidas ou técnicas
executivas a serem empregadas no caso concreto, quais sejam: as medidas sub-rogatórias e as
medidas coercitivas.
Entende-se por medidas sub-rogatórias as atividades do órgão jurisdicional que
consistem em substituir a vontade do devedor para promover a satisfação do direito do credor,
proporcionando-lhe uma tutela específica ou um resultado equivalente, sem a necessidade de
cooperação da parte executada. Tal significa que o órgão jurisdicional irá, por ele próprio,
realizar atividades práticas de intervenção na esfera jurídica do devedor, situação que também
se convencionou chamar de execução direta.

118
DIDIER, Jr. Fredie; CABRAL, Antônio do Passo. Negócios jurídicos processuais atípicos e execução. Revista
de Processo, v. 275, p. 193-228, jan.2018.
119
Há países em que a atividade executiva fica total ou parcialmente a cargo de órgãos administrativos, a exemplo
da Suécia, França, Estados Unidos e Portugal. Para um maior aprofundamento sobre a sistemática executiva em
países europeus, recomenda-se a leitura de RIBEIRO, Flávia Pereira. Desjudicialização da Execução Civil.
2012. 287 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.p.75-143.
120
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Tradução de Paolo Capitanio. Campinas:
Bookseller, 1998.v.2. p. 8.
62

As medidas coercitivas, de seu turno, traduzem-se por atividades de coerção aplicadas


pelo Estado-juiz com a finalidade de instigar o devedor a adotar algum comportamento. Trata-
se, pois, de uma pressão psicológica direcionada ao executado para que ele colabore com a
execução. Quando se aplicam tais medidas, configura-se o que se chama de execução
indireta.121
De acordo com Araken de Assis, os meios sub-rogatórios podem ser divididos em três
classes, a saber: a) de transformação (consiste em coagir a parte a cumprir obrigações de fazer
fungíveis, por meio da transferência da execução a um terceiro, às expensas do devedor); b) de
desapossamento (consiste na localização e retirada do bem da posse do executado, para entrega
ao exequente); e c) expropriação (penhora e venda de bens do executado para satisfação do
crédito). Os meios coercitivos, de seu turno, dividem-se em: a) coerção pessoal (incide sobre a
liberdade do executado, tal como a prisão civil) e b) coerção patrimonial (incide sobre os bens
patrimoniais do executado, a exemplo das multas).122
A expropriação, por sua vez, considerando a classificação apresentada pelo CPC de
2015, pode ocorrer de quatro maneiras, a saber: a) desconto, no caso das obrigações alimentares,
operando-se através de reserva de parcela da remuneração mensal do devedor para saldar o
crédito; b) adjudicação, quando o credor aceita receber o próprio bem penhorado em vez do
valor em dinheiro; c) alienação por iniciativa particular do exequente, em que este, após
autorização do juízo, encarrega-se de vender o bem penhorado a terceiros; d) alienação por
leilão judicial, em que o Estado irá leiloar o bem e repassar o valor da arrematação ao exequente
para satisfação do crédito; e e) apropriação de frutos e rendimentos de empresas ou outros bens
do executado para satisfação do crédito exequendo.123
Conforme o escólio de Marcelo Lima Guerra, o sistema jurídico executivo de um país
pode ser típico, “quando as providências que o compõem são tipificadas em lei”, atípico,
“quando as providências que o integram são determinadas pelo juiz”, e misto, “quando é
constituído por providências típicas (predeterminadas na lei) e atípicas (determinadas pelo juiz,
caso a caso).”124-125

121
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 28.
122
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 140-148.
123
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p.39.
124
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.29.
125
Nesse aspecto, Marcos Youji Minami aponta que a questão da tipicidade pode também ser trabalhada sobre
outro paradigma, levando em conta a possibilidade de haver tipos fechados e tipos abertos. Assim, quando se
considera que a tipicidade pode se apresentar de forma aberta, significa dizer que um determinado meio
executivo pode ser típico mesmo se for realizado mediante um procedimento não previsto em lei. Nesse caso, o
que o intérprete tem de analisar é se a media obedece a parâmetros internos do tipo, a partir da análise do caso
63

O ordenamento jurídico brasileiro, de tradição romano-germânica, assimilando as


premissas do paradigma de Estado liberal, optou por estabelecer, na legislação processual,
procedimentos executivos distintos, com expressas medidas de sub-rogação, a depender do tipo
de obrigação a ser executada (obrigação de pagar, dar, fazer, não fazer e de entregar coisa). A
propósito, a tipicidade dos meios executivos era um dos pilares do direito liberal com vistas a
proporcionar garantia de liberdade aos indivíduos e segurança jurídica, o que se dava,
sobretudo, mediante rigorosa limitação dos poderes dos juízes.126
Até a reforma do CPC de 1973 ocorrida em 1994, com a promulgação da Lei 8.952, de
13 de dezembro de 1994, o sistema executivo brasileiro foi integralmente típico, ou seja, todos
os procedimentos se encontravam descritos na lei, não havendo possibilidade de que o juiz
adotasse outras medidas em conformidade com cada caso concreto. Não havia, portanto,
cláusulas gerais executivas.
As medidas coercitivas também eram tipificadas e consistiam somente em aplicação de
multa diária, para forçar o cumprimento de obrigações de fazer e de não fazer, e prisão civil do
devedor quando se tratava de execução de quantia certa referente a prestação alimentícia. De
acordo com Marcelo Lima Guerra, o fato de haver, à época, reduzido número de medidas
coercitivas previstas no CPC de 1973 demonstra que a legislação brasileira encarava tais
medidas como excepcionais, adotando uma clara preferência pelas medidas executivas sub-
rogatórias.127
Como lembra Marcus Vinícius Motter Borges, a possibilidade de o magistrado fazer uso
de medidas não previstas em lei ocorria tão-somente no processo cautelar, com fulcro no art.798
do CPC de 1973128, que dispunha sobre o que era comumente chamado de “medidas cautelares
inominadas” e conferia ao juiz um poder geral de cautela. Segundo o referido autor, esse dado
demonstra que, mesmo em sua redação original, o CPC revogado já contemplava traços de
atipicidade.129

concreto. (MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas
atípicas. Salvador: Juspodium, 2019. p. 168)
126
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros
para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019. p. 43-
47.
127
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. P.30.
128
Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro,
poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que
uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.
129
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p. 56-57.
64

Reitere-se que, até a reforma do CPC de 1973 operada pela Lei 8.952/94, o direito
brasileiro, sobretudo o civilista, ainda era bastante influenciado pelas ideias francesas. Na
França, até o início do século XIX, não se admitia a aplicação de medidas de coerção contra a
pessoa do devedor, pois a liberdade era o bem jurídico mais caro para aquela sociedade recém
desvinculada de um regime feudal opressor.
Por isso, obrigações de fazer ou não fazer descumpridas deveriam ser resolvidas em
perdas e danos, em respeito à autonomia da vontade do devedor. Intentava-se evitar que se
exercesse violência física contra o devedor. Vigorava o brocardo romano nemo potest cogi ad
factum (ninguém pode ser coagido a fazer). Essa era a regra constante do art. 1.142 do Código
Civil francês130 e que teve ressonância nas codificações de países do mundo inteiro ao longo do
século XIX.
Tal como explica Marcus Vinícius Motter Borges, até o início do século XX,
doutrinadores italianos como Francesco Carnelutti, Enrico Tullio Liebman, Gian Antonio
Micheli e Salvatore Satta, influenciados pelo direito positivo liberal francês e presos ao referido
brocardo latino sobre a incoercibilidade da vontade do devedor, sequer consideravam as
medidas de coerção como autêntica forma de execução, haja vista que, por dependerem da
colaboração do devedor, afastavam-se do conceito de execução forçada.131
Esse cenário se modificou na França, nos primeiros anos do século XIX, a partir da
criação do instituto da astreinte pela jurisprudência da época, que consistia na aplicação de
multa pecuniária contra o devedor como forma de medida coercitiva, de natureza diversa da
indenização por perdas e danos, com vistas a forçá-lo a cumprir obrigações de fazer infungíveis.
Foi disciplinada pelo legislador francês em 1972 e aprimorada em 1991 pela Lei 91-650, tendo
exercido influência na legislação processual de diversos países, dentre eles o Brasil, conforme
se apontará nas próximas linhas.132
No final da década de oitenta, o jurista italiano Michelle Taruffo traçou um perfil
comparatístico da execução em alguns ordenamentos jurídicos, apontando a solução
encontrada, até aquele momento, pelos países por ele analisados, para conferir efetividade à
execução das obrigações de fazer infungíveis. O jurista demonstrava já àquele tempo grande
preocupação com o sistema executivo italiano, que ainda era arraigado na tipicidade das

130
“Toute obligation de faire ou de ne pas faire se résout en domages et interêts, en cas d’inexécution de la part du
débiteur.”. Tradução livre: “Toda obrigação de fazer ou de não fazer se resolve em perdas e danos, em caso de
inadimplemento pelo devedor.”.
131
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p102-103.
132
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.108-134.
65

medidas executivas e na excepcionalidade das hipóteses de execução indireta, o que tornava


inefetiva, segundo ele, a execução dos chamados “novos direitos”. O mesmo ocorria, segundo
Taruffo, com o sistema processual da Espanha e dos países da América Latina em geral.133
Ainda de acordo com Taruffo, encontravam-se mais evoluídos em termos de efetividade
de obrigações de fazer infungíveis o sistema francês, dada a generalização das astreintes,134 e
os ordenamentos integrantes do sistema common law, que conferem amplos poderes
discricionários às suas cortes, para aplicar medidas executivas específicas a depender das
particularidades de cada caso concreto. Esses ordenamentos se utilizam do instituto do contempt
of court.
Em linhas gerais, de acordo com os estudos de Marcelo Lima Guerra, o contempto of
court é instituto complexo e significa desprezo à corte, ou desacato ao tribunal, contra o qual
existe um poder de punir, qual seja, o contempt power. Não se sabe ao certo qual o exato
fundamento jurídico do contempt power, mas cogita-se tratar de um poder inerente ao Poder
Judiciário, ou seja, um poder implícito que o confere mecanismos de combater o desrespeito às
suas ordens específicas, denominadas de injunctions.135
Concebe-se que a própria natureza do Poder Judiciário confere aos juízes poderes
instrumentais para adotar todas as medidas necessárias para fazer cumprir suas ordens ou para
punir aqueles que negaram a autoridade de suas decisões. A prisão civil, nessa sistemática, é
uma das possibilidades, além da multa e do sequestro de bens.136
Dentre uma série de outras classificações possíveis, diz-se que o contempt of court se
divide em criminal contempt, quando o agente, diretamente com seus atos, causa obstáculos à
regular atuação do Poder Judiciário, e o civil contempt, quando o agente desobedece a ordens
judiciais, dando ensejo a medidas de execução indireta pelo Poder Judiciário. No caso, medidas
desferidas contra o criminal court têm caráter punitivo, enquanto as direcionadas ao civil court
têm caráter coercitivo.137

133
TARUFFO, Michelle. A atuação executiva dos direitos: perfis comparatísticos. Tradução de Teresa Celina de
Arruda Alvim Pinto. Revista de Processo. São Paulo: RT, 1990, n. 59, p.72-97. p. 89.
134
Nesse ponto, plausível a observação de Marcus Vinícius Motter Borges no sentido de que “se em determinado
momento histórico o ordenamento francês positivou a incoercibilidade da vontade do devedor, em outro,
compreendendo e vivenciando os efeitos colaterais nocivos desse entendimento, superou-o por construção
jurisprudencial e, posteriormente, também na seara normativa”. (BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas
coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São
Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p.122).
135
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 70-108.
136
ZARONI, Bruno Marzullo. Contemp of Court, execução indireta e participação de terceiros no sistema Anglo-
Americano. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2014, n. 235. p. 121-147. Set/2014.
137
ZARONI, Bruno Marzullo. Contemp of Court, execução indireta e participação de terceiros no sistema Anglo-
Americano. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2014, n. 235. p. 121-147. Set/2014.
66

Tanto Marcelo Lima Guerra quanto Bruno Marzullo Zaroni enfatizam que os sistemas
jurídicos que trabalham com o contempt of court admitem situações em que as medidas
coercitivas ou punitivas dele decorrentes podem ser aplicadas também a terceiros que
desacatam o Poder Judiciário.138
A despeito da influência supostamente exercida pelo contempt of court nas reformas do
ordenamento processual brasileiro, há que se ter cuidado ao se interpretar o referido instituto
estrangeiro como uma espécie de “carta branca” ao Poder Judiciário para fazer cumprir suas
decisões a qualquer custo, pois essa não é exatamente a realidade que se apresenta nem mesmo
nos países que adotam o common law.
Em consulta à legislação da Nova Zelândia, por exemplo, país cujo sistema jurídico
pertence à família do common law e que adota o contempt of court, o que se verifica é uma
tendência em torno de uma crescente tipificação das condutas a serem adotadas pelos juízes e
pelos tribunais no processo de execução de suas ordens. É o que se verifica, por exemplo, da
leitura do District Court Act 2016139 e do Contempt Of Court Act 2019.140
O District Court Act 2016, publicado em 17 de outubro de 2016, em sua seção 163, por
exemplo, trata especificamente do desrespeito ao processo de execução. O comando legal
determina que, após esgotados todos os demais métodos previstos para a execução da sentença,
sem que se tenha obtido êxito, e, desde que demonstrado que o devedor possui meios suficientes
para pagar a dívida, o tribunal pode, mediante requerimento do credor, adotar as seguintes
medidas: a) ordenar que o devedor da sentença faça um trabalho comunitário, não superior a
200 horas, a critério do Tribunal; b) impor qualquer uma das ordens mencionadas nas seções
133 (apreensão de bens, penhora de salário), 136 (recuperação de terras) ou 137 (entrega de
bens móveis, detenção por período não superior a 3 meses ou aplicação de multa) ou executar
qualquer uma das ações mencionadas na seção 153, item 2 (emitir qualquer mandado ou
intimação, determinar o parcelamento da dívida, suspender processos, combinar outras ordens
previstas nesta lei).141

138
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 93; ZARONI, Bruno
Marzullo. Contemp of Court, execução indireta e participação de terceiros no sistema Anglo-Americano.
Revista de Processo. São Paulo: RT, 2014, n. 235. p. 121-147. Set/2014.
139
District Court Act 2016. 2016 No 49. 17 October 2016. Disponível em:
http://www.legislation.govt.nz/act/public/2016/0049/latest/DLM6942204.html?search=qs_act_District+Court+A
ct+2016_resel_25_h&p=1 Acesso em: 17 fev. 2020.
140
. Contempt of Court Act 2019. 2019 No 44. 26 August 2019. Disponível em:
http://www.legislation.govt.nz/act/public/2019/0044/latest/LMS24753.html Acesso em: 17 fev. 2020.
141
No original:
“163 Contempt of enforcement proceedings
(1) No order may be made under subsection (3) unless any of the circumstances described in subsection (2) apply
and the court is satisfied beyond reasonable doubt that—
67

A seção 212 do District Court Act 2016 trata do desprezo ao Tribunal propriamente dito,
ou seja, do Contempt of Court, e enuncia que qualquer pessoa que insulta intencionalmente um
oficial judiciário, secretário, jurado ou testemunha ou interrompe os procedimentos no tribunal
ou desobedece às suas ordens em audiência sujeita-se à prisão por um período não superior a 3
meses ou à incidência de multa.142
Posteriormente, o Contempt Of Court Act 2019, publicado em 26 de agosto de 2019,
reformou o procedimento do Contempt Of Court no sistema jurídico da Nova Zelândia,
detalhando sua sistemática e elucidando o que se consideram comportamentos perturbadores
tanto em processos da esfera cível quanto criminal, determinando quais sanções recaem contra
quem adota os referidos comportamentos. Assim, tem-se, por exemplo, que alguém que
divulgue deliberações do júri está submetido à prisão por período não superior a 3 meses ou
multa de dez mil dólares; o indivíduo que publica declaração falsa sobre um juiz ou tribunal,
comprometendo a credibilidade do Poder Judiciário, se submete a uma pena de prisão não
superior a 6 meses ou multa não superior a 25 mil dólares.143

(a) the judgment debtor has sufficient means to pay the judgment debt but refuses to do so; and
(b) all other methods of enforcing the judgment have been considered or tried and are inappropriate or have been
unsuccessful.
(2) The circumstances referred to in subsection (1) are as follows:
(a) a financial statement has been filed in court:
(b) the court has been provided with information about the judgment debtor’s means for satisfying the judgment
debt under section 147:
(c) a hearing under section 148 or a financial assessment hearing has taken place.
(3) The court may, on the application of a judgment creditor, do either or both of the following:
(a) order the judgment debtor to do community work, not exceeding 200 hours, as the court thinks fit:
(b) impose any of the orders referred to in section 133, 136, or 137, or do any of the things referred to in section
153(2).”
[…]
(http://www.legislation.govt.nz/act/public/2016/0049/latest/DLM6942204.html?search=qs_act_District+Court+
Act+2016_resel_25_h&p=1 Acesso em: 17 fev. 2020)
142
No original:
“212 Contempt of court
(1) This section applies if any person—
(a) wilfully insults a judicial officer, Registrar, officer of the court, juror, or witness during his or her sitting or
attendance in court or in going to or returning from the court; or
(b) wilfully interrupts the proceedings of a court or otherwise misbehaves in court; or
(c) wilfully and without lawful excuse disobeys any order or direction of the court in the course of the hearing of
any proceedings.
(2) If this section applies,
(a) any constable or officer of the court, with or without the assistance of any other person, may, by order of a
judicial officer, take the person into custody and detain him or her until the rising of the court; and
(b) a judicial officer may, if he or she thinks fit, sentence the person to—
(i) imprisonment for a period not exceeding 3 months; or
(ii) a fine not exceeding $1,000 for each offence.
(3) Nothing in this section limits or affects any power or authority of the court to punish any person for contempt
of court in any case to which this section does not apply.”
(http://www.legislation.govt.nz/act/public/2016/0049/latest/DLM6942204.html?search=qs_act_District+Court+
Act+2016_resel_25_h&p=1 Acesso em: 17 fev. 2020)
143
Disponível em:
68

Observa-se, pois, na atualidade, ao menos por parte da Nova Zelândia, uma nítida
tentativa de regular o contempt of court, trazendo previsibilidade e transparência ao sistema,
ainda que a adoção de medidas que levem ao efetivo cumprimento das ordens judiciais seja
considerado um poder inerente à função jurisdicional.
No ordenamento jurídico alemão, de seu turno, o sistema executivo, a exemplo do que
ocorre no Brasil, é amplamente tipificado, contemplando medidas executivas delimitadas pela
legislação, a depender do tipo de obrigação que se está a executar. A execução indireta é
prevista no campo das obrigações de fazer infungíveis e de obrigações de não fazer e contempla
tão-somente as medidas coercitivas de multa e de prisão, não havendo espaço para outras a
serem fixadas a critério do juiz. 144
Marcus Vinícius Motter Borges, com base em lições de Sergio Chiarloni, pondera que
a doutrina e a magistratura alemã tenderam a dar mais ênfase à aplicação de multa pecuniária
como medida de coerção, reservando a prisão para casos específicos como prestação de contas,
exibição de documentos, transmissão de informações societárias aos sócios de pessoas
jurídicas, dentre outras.145
Todavia, Marcus Vinícius Motter Borges explica que o Código de Processo Civil
Alemão (zivilprozessordnung – ZPO) foi alterado pela Lei Federal de 22.07.2009, vigente a
partir de 01.01.2013, para possibilitar que haja medida de coerção também no âmbito executivo
das obrigações pecuniárias. Inseriu-se na parte 1 do livro 8 da ZPO, que trata da execução, os
§§ 802a a 802l. O § 802f dispõe sobre procedimento em que o oficial de justiça fixa prazo de
duas semanas para que o devedor pague o débito e, caso isso não ocorra, novo prazo é fixado
para que o executado apresente informações sobre seu patrimônio e seus ativos financeiros.
Deixando o devedor, injustificadamente, de prestar essas informações, poderá ser inscrito em
lista do respectivo tribunal (§§ 802f,3; 882) ou preso, após requerimento do exequente, nos
termos do § 802g do ZPO. A prisão se estende até a apresentação das informações pelo devedor
(§ 802i, 2), até o limite de seis meses (§ 802j, 1).146

http://www.legislation.govt.nz/act/public/2019/0044/latest/LMS24753.html Acesso em: 17 fev. 2020.


144
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p. 130-134.
145
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p.133.
146
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p.136.
69

Essa breve digressão sobre a execução indireta no direito estrangeiro147 demonstra,


portanto, como os ordenamentos jurídicos foram evoluindo no sentido de absorver a coerção
como importante instrumento de efetividade da execução das decisões judiciais.
No Brasil, o Código Civil de 1916 adotava a preferência pela tutela específica somente
quanto às obrigações fungíveis de dar, fazer e não fazer, quando previu, em seu art. 881, que
“se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do
devedor, havendo recusa ou mora deste, ou pedir indenização por perdas e danos.”. Todavia,
em relação às obrigações infungíveis, não se cogitava na possibilidade de uso de medidas
coercitivas para incentivo do cumprimento da tutela específica, pois o mesmo Código Civil
revogado era claro ao estabelecer, em seu art. 880, que “incorre também na obrigação de
indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele
exequível.”
O CPC de 1939, de seu turno, dispunha em seu art. 1.005 que “Se o ato só puder ser
executado pelo devedor, o juiz ordenará, a requerimento do exequente, que o devedor o execute,
dentro do prazo que fixar, sob cominação pecuniária, que não exceda o valor da prestação”.
Essa multa, entretanto, sobretudo por se limitar ao valor da prestação, não era vista pela grande
parte da doutrina como medida coercitiva, mas, sim, como uma espécie de antecipação das
perdas e danos.148
Foi a partir da edição da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública)149, e, sobretudo, a
partir da edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.069/90), que o ordenamento
jurídico brasileiro passou a adotar uma preferência pela obtenção da tutela específica quando o
que está em debate é a execução de obrigações infungíveis, ou seja, que têm por conteúdo uma
prestação de fazer, não fazer ou entregar coisa diversa de dinheiro. Nesse caso, tenta-se,
primeiramente, que o devedor satisfaça a obrigação específica e, apenas subsidiariamente,
apela-se para tutela ressarcitória, ou seja, para a busca do equivalente prático ou do
ressarcimento em dinheiro (perdas e danos).

147
Para um maior aprofundamento sobre sistemas de coerção em outros países além dos que ora se mencionou,
confira-se OLIVEIRA NETO, Olavo de. O Poder Geral de Coerção. São Paulo: Thomson Reuters Brasil,
2019. p.175-217.
148
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p.139.
149
Art. 11 da Lei 7.347/85: Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de
execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente
de requerimento do autor.
70

A preferência pela tutela específica restou inequívoca no art. 84 do Código de Defesa


do Consumidor (CDC),150 que, em seu § 1º, condicionou a conversão da obrigação em perdas
e danos ao requerimento do autor nesse sentido ou à impossibilidade de realização da tutela
específica ou obtenção do resultado prático correspondente.
O CDC, portanto, apresentou-se como legislação vanguardista no sistema jurídico
brasileiro, pois trouxe inovações tanto em relação à tutela específica das obrigações quanto em
relação à adoção de medidas coercitivas para incentivar o cumprimento da obrigação pelo
próprio devedor. Por isso, a redação do art. 84 do CDC foi mais tarde incorporada ao direito
processual brasileiro, no art. 461 do CPC de 1973, com redação dada pela Lei nº 8.952/94.151
A partir disso, a doutrina brasileira, com base em estudos de direito estrangeiro, foi se
dando conta de que os meios sub-rogatórios de execução, alicerçados na legislação processual,
não se mostravam suficientes para garantir a satisfação de obrigações de conteúdo complexo,
sobretudo no que toca a obrigações de fazer e não fazer. Percebeu-se que a legislação não
consegue acompanhar as corriqueiras mudanças sociais, que acabam por implicar o surgimento
de novos direitos, os quais demandam técnicas específicas para sua satisfação, porquanto não
têm conteúdo patrimonial ou não são passíveis de ter sua violação convertida em mero
ressarcimento.

150
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento.
§ 1º A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível
a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§2º A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil).
§3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é
lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.
§4º O juiz poderá, na hipótese do § 3º o na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do
autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§5º Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as
medidas necessárias tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra,
impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.
151
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação, ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento.
§1º A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer u se impossível a tutela específica
ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).
§3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é
lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar
poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente
de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o
cumprimento do preceito.
§5º Para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de
ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas
e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.
71

Nesse cenário, o § 5º do art. 461 do CPC de 1973, com redação dada pela Lei
8.952/1994, acabou por representar, segundo Marcelo Lima Guerra, o marco da introdução da
atipicidade das medidas executivas no sistema processual brasileiro, ao permitir que o
magistrado, de ofício ou a requerimento da parte, determinasse as medidas necessárias para a
satisfação da tutela específica ou equivalente no tocante a obrigações de fazer e não fazer, tendo
em vista as peculiaridades do caso concreto.152 A astreinte, enquanto técnica de coerção, foi
contemplada pela reforma de 1994 nos arts. 461, §4º, e 645 do CPC de 1973, possibilitando a
coerção patrimonial também no caso das obrigações fundadas em título executivo
extrajudicial.153
Naquele momento, ao se perceber que a reforma do CPC de 1973 propiciou um
considerável aumento dos poderes de atuação do juiz na execução, a doutrina processualista
imediatamente passou a se preocupar com a fixação de limites para a imposição de medidas
executivas atípicas, de forma a impedir que houvesse arbitrariedade por parte do magistrado no
processo.154 Não se ignorava que a busca pela efetividade da execução poderia, a partir de então,
colidir com direitos fundamentais do devedor, vindo a ofendê-lo em sua dignidade.
À época, reconheceu-se que o ônus argumentativo do juiz se tornou maior, pois, na
fundamentação da decisão ele teria necessariamente de demonstrar o cabimento e a adequação
da medida coercitiva eleita à luz das premissas da teoria dos direitos fundamentais. Isso
significa que, no caso de colisão entre dois direitos fundamentais, o magistrado deveria buscar,

152
“[...]Antes das alterações ora analisadas, o CPC seguia de perto o modelo germânico, na disciplina dos meios
executivos, caracterizando-se como um sistema típico de tutela executiva, onde esses meios são taxativamente
elencados na lei. Agora, com a atribuição de poderes indeterminados ao juiz, para em caráter complementar e
subsidiário à legislação vigente, fixar os meios executivos mais adequados à situação concreta, o direito
brasileiro passa a constituir-se em um sistema misto de tutela executiva ou seja, um sistema onde convivem
meios executivos típicos com aqueles que podem, atipicamente, ser determinados pelo juiz” (GUERRA,
Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.64).
153
Art. 645. Na execução de obrigação e fazer ou não fazer, fundada em título extrajudicial, o juiz, ao despachar
a inicial, fixará multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida.
154
“Com efeito, o uso arbitrário de poderes conferidos ao juiz é algo sempre vedado pelo ordenamento jurídico.
Daí porque interprestar o § 5º do art. 461 do CPC como norma de encerramento, que confere poderes
indeterminados ao juiz para, em caráter complementar à lei, fixar meios executivos (sub-rogatórios e coercitivos)
mais adequados à situação concreta, não significa, de forma alguma, sustentar que esse mesmo dispositivo legal
autorize o juiz a agir sem restrições. Por isso mesmo – e principalmente pela inevitável possibilidade fática de
que se faça um mau uso desses poderes – urge que a doutrina forneça os critérios que permitam um exercício
racional e objetivo dos poderes indeterminados do juiz na aplicação de medidas coercitivas.” (GUERRA,
Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.166). Nesse sentido, confira-se
também TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer: e sua extensão aos deveres
de entrega de coisa (CPC, Arts. 461 e 461-A; CDC, Art. 84). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 376-
399.
72

no caso concreto, a solução que garantisse a proteção de ambos, na maior medida possível, sem
causar o sacrifício total de um ou outro direito fundamental.155
Partindo do pressuposto de que direitos fundamentais são princípios, Marcelo Lima
Guerra apontou a necessidade de se aplicar a “regra da proporcionalidade” para realizar a
concordância prática entre direitos fundamentais em conflito. O autor, influenciado pela teoria
da argumentação proposta por Robert Alexy,156 entendia que, ao assim proceder, estaria
conferindo uma interpretação constitucional à execução indireta. Sob essa ótica, caberia ao
magistrado, ao aplicar medidas coercitivas, compatibilizar, no caso concreto, dois “valores”:
efetividade da tutela jurisdicional e direitos fundamentais do devedor necessários à proteção de
sua dignidade. Para tanto, segundo Marcelo Lima Guerra, deveria o julgador se ater aos
seguintes subprincípios, ou, “testes de correção” decorrentes da máxima da proporcionalidade:

a) segundo o princípio da adequação, exige-se que haja a real possibilidade de que


o uso de medida coercitiva leve ao cumprimento específico. Em outras palavras,
a medida coercitiva é adequada, quando for capaz de proporcionar o atingimento
da sua finalidade própria, a saber: a de exercer suficiente pressão sobre a vontade
do devedor, de modo a induzi-lo a cumprir a prestação devida.
b) em razão do princípio da exigibilidade, a medida coercitiva deve ser aplicada
dentro do estritamente necessário para a consecução de seu fim, devendo-se
sempre optar por medida da qual possa resultar menos prejuízo ao devedor.
c) a proporcionalidade em sentido estrito, por sua vez, impõe ao juiz que leve em
consideração a possibilidade de a medida implicar, concretamente, uma limitação
excessiva a direito fundamental do devedor (ou de terceiros) e faça um
sopesamento das vantagens decorrentes da aplicação da medida e daquelas que
podem advir da sua não aplicação. Dito de outra forma, devem ser sopesados os
benefícios e prejuízos decorrentes de se privilegiar o princípio da efetividade,
com o uso de medidas coercitivas, com aqueles derivados da preferência pela
garantia da esfera jurídica da pessoa do devedor, ao serem elas denegadas. Deve-
se, portanto, buscar a solução que melhor atenda a todos os valores em conflito
quer para decidir sobre o cabimento, quer sobre a escolha da medida.157

155
Conforme ensina de Robert Alexy a teoria dos direitos fundamentais encontra-se intimamente relacionada à
teoria dos princípios, porque, segundo o referido autor, os direitos fundamentais, que não são absolutos, têm
natureza de princípios. Isso leva à conclusão de que os direitos fundamentais também trabalham com a máxima
da proporcionalidade e com suas três submáximas (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito). Nessa perspectiva, no caso de uma eventual colisão entre direitos fundamentais, deve ser aplicada a
técnica da ponderação, por meio da fórmula do sopesamento. Nas palavras do autor, “quanto maior é o grau de
não realização ou restrição de um princípio, maior deve ser a importância da realização do outro.” (ALEXY,
Robert. Principais elementos de uma teoria da dupla natureza do direito. Revista de Direito Administrativo,
Rio de Janeiro, v. 253, p. 9-30, jan.2010. p. 26.
156
A teoria de Alexy será abordada adiante, no ponto em que se apresenta o critério da proporcionalidade proposto
pela doutrina como limite para a cláusula geral do art. 139, IV, do CPC. Na oportunidade, teceremos nossas
críticas a essa sistemática de aplicação da proporcionalidade, refutando essa ideia de que o juiz deve fazer um
juízo de equidade ou ponderação em relação aos princípios em conflito no caso concreto, o que vai de encontro
à Teoria da Integridade eleita como marco teórico desta pesquisa.
157
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.176.
73

Seguindo essa mesma lógica de raciocínio, Luiz Guilherme Marinoni já


ponderava, ao tempo da vigência do CPC revogado, que o controle do poder executivo
tem início através da aplicação da regra da proporcionalidade, mas isso não afasta, como
complemento, a adequada justificação da decisão por parte do magistrado. 158
A maior parte da doutrina processualista desse período demonstrava uma
tendência em atribuir caráter subsidiário aos meios coercitivos em relação aos meios
sub-rogatórios, ou seja, advogava que medidas coercitivas somente deveriam ser
empregadas, em caso de obrigações fungíveis, após esgotadas as possibilidades pela via
sub-rogatória, ou seja, sem necessidade de cooperação do devedor.159
Marcelo Lima Guerra, amparado em lições de Michele Taruffo, discordava desse
entendimento, por entender que a aplicação imediata de meios coercitivos, mesmo em
se tratando de obrigações fungíveis, poderia, em determinados casos, mostrar-se mais
eficiente e menos dispendiosa.
Para ilustrar seu pensamento, o autor cita como exemplo a hipótese em que se
determina o cumprimento da obrigação de fazer por um terceiro (art. 634 do CPC de
1973 e art. 817 do CPC de 2015).160 De acordo com o renomado jurista, trata-se de
procedimento complexo, demorado e que acarreta grande sacrifício financeiro ao
credor, pois é ele quem tem de adiantar as despesas da execução por terceiro, para,
posteriormente, pedir o ressarcimento ao devedor. Por isso, em homenagem à
efetividade da execução, Marcelo Lima Guerra, já na década de noventa, defendia a

158
“A ampliação do poder de execução do juiz, ocorrida para dar maior efetividade à tutela dos direitos, possui
como contrapartida, a necessidade de que o controle da atividade executiva seja feita pela regra hermenêutica
da proporcionalidade e pelo seu indispensável complemento, a justificação judicial. Em outros termos: pelo fato
de o juiz ter o poder para a determinação da melhor maneira de efetivação da tutela, exige-se dele, por
consequência, a justificação das suas escolhas. Nesse sentido, se pode dizer que a justificativa é a outra face do
incremento do poder do juiz.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Controle do poder executivo do juiz. Revista de
Processo, São Paulo, v.30, n. 127, p. 54-74. set. 2005.).
159
Marcelo Lima Guerra citava como aderentes a esse pensamento Moacyr Amaral Santos, Barbosa Moreira,
Ernane Fidélis dos Santos e Amílcar de Castro (GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1999. p.180-181).
160
Art. 634 do CPC de 1973. Se o fato puder ser prestado por terceiro, é lícito ao juiz, a requerimento do exeqüente,
decidir que aquele o realize à custa do executado.
Parágrafo único. O exeqüente adiantará as quantias previstas na proposta que, ouvidas as partes, o juiz houver
aprovado.
Art. 817 do CPC de 2015. Se a obrigação puder ser satisfeita por terceiro, é lícito ao juiz autorizar, a requerimento
do exequente, que aquele a satisfaça à custa do executado.Parágrafo único. O exequente adiantará as quantias
previstas na proposta que, ouvidas as partes, o juiz houver aprovado.
74

possibilidade de uso de medidas coercitivas a priori, observando-se as peculiaridades


do caso concreto.161
Mais tarde, por meio da Lei 10.444, de 7 de maio de 2002, novas e importantes
alterações foram introduzidas no CPC de 1973. O § 5º do art. 461 foi modificado para
inserir, dentre as medidas necessárias para efetivação da tutela específica, a “imposição
de multa por tempo de atraso”. Introduziu-se naquele Código o art. 461-A, abrindo-se
a possibilidade de busca pela tutela específica, por meio de aplicação de medidas
coercitivas, também no caso de obrigação que tenha por objeto a entrega de coisa.
Incluiu-se também o § 3º ao art. 273, de modo a permitir que a efetivação da tutela
antecipada também se valesse das medidas de efetivação previstas no art. 461.
O Código Civil de 2002, ao contrário, não acompanhou essa evolução, mantendo
a lógica do art. 880 do Código Civil revogado no art. 247 da novel legislação civilista,
ao dispor que “Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar
a prestação a ele só imposta, ou só por ele exequível”.
De todo modo, pode-se dizer que a adesão à atipicidade dos meios executivos no
sistema processual brasileiro se tornou quase completa, faltando apenas estendê-la à
obrigação de pagar quantia certa, o que somente veio a ocorrer com a edição do CPC de
2015, conforme se abordará adiante.
A não extensão das medidas coercitivas ditas atípicas à execução das obrigações
pecuniárias incomodava sobremaneira doutrinadores mais vanguardistas como Marcelo
Lima Guerra, que não via razões para se conferir tratamento privilegiado aos credores
de obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa em detrimento de credores de
obrigações de pagar.
De acordo com o jurista, esse pensamento, além de desconsiderar o direito
fundamental à tutela executiva, violava o princípio constitucional da isonomia. Por essa
razão, defendia a adoção dos poderes conferidos ao juiz no § 5º do art. 461 do CPC de
1973 “a toda e qualquer situação de tutela executiva, independentemente da natureza
do crédito a ser satisfeito in executivis.”162 (destaque do autor). O autor apostava,
sobretudo, que a possibilidade de aplicação de multa diária na execução por quantia
certa seria medida bastante eficaz como complemento da expropriação forçada.

161
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. P.181-183. Nesse
mesmo sentido, confira-se também GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor
na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. P. 40-43.
162
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003. p. 151-152.
75

À época, muito se discutiu também se haveria possibilidade de se fazer uso dos


mecanismos previstos no § 5º do art. 461 do CPC de 1973 também no processo
autônomo de execução, baseado em título executivo extrajudicial. Cássio Scarpinella
Bueno, por exemplo, sempre voltado a uma interpretação pautada no que ele
denominava de “modelo constitucional do processo civil”, defendia com veemência que
os mecanismos voltados ao alcance da tutela específica ou do resultado prático
equivalente deveriam, sim, ser estendidos aos casos em que a execução de obrigações
de fazer ou de não fazer fossem fundadas em título executivo extrajudicial.163
A astreinte, de seu turno, ganhou mais força em nosso direito processual a partir
da reforma de 2002, vindo a ser contemplada pelos arts. 287, 461, § 5º, 461-A, §3º, 621,
parágrafo único, e 644 do CPC de 1973.164 Seguramente, é possível afirmar que a
astreinte foi, a partir de então, o meio de coerção mais utilizado para exercer pressão no
executado em relação às obrigações de fazer e não fazer, até o término de vigência do
CPC de 1973.
Posteriormente, o procedimento executivo previsto no CPC de 1973 sofreu nova
reforma, com a edição das Leis 11.232/2005 e 11.382/2006. Extinguiu-se então o
chamado processo de execução de sentença, criando-se a fase executiva do
cumprimento de sentença, no bojo do próprio processo de conhecimento, regida pelos
arts. 475-I a 475-R do CPC de 1973.
Nesse vértice, o art. 475-J do CPC revogado trouxe a possibilidade de aplicação
de medida coercitiva patrimonial na execução de obrigação pecuniária, qual seja,
incidência de multa de 10% sobre o valor executado em caso de não pagamento
espontâneo do executado após o término do prazo de 15 dias. O art. 475-R, de seu turno,

163
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva.
São Paulo: Saraiva, 2009. p. 442.
164
Art. 287. Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum ato, tolerar alguma atividade,
prestar ato ou entregar coisa, poderá requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da
sentença ou da decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4o, e 461-A).
Art.461,§ 5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz,
de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de
atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade
nociva, se necessário com requisição de força policial.
Art. 461-A,§ 3º. Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1o a 6o do art. 461.
Art. 621. O devedor de obrigação de entrega de coisa certa, constante de título executivo extrajudicial, será citado
para, dentro de 10 (dez) dias, satisfazer a obrigação ou, seguro o juízo (art. 737, II), apresentar embargos.
Parágrafo único. O juiz, ao despachar a inicial, poderá fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação,
ficando o respectivo valor sujeito a alteração, caso se revele insuficiente ou excessivo.
Art. 644. A sentença relativa a obrigação de fazer ou não fazer cumpre-se de acordo com o art. 461, observando-
se, subsidiariamente, o disposto neste Capítulo.
76

dispôs expressamente que as regras previstas para execução de títulos extrajudiciais se


aplicam ao cumprimento de sentença.
Em relação à Lei 11.382/2006, as seguintes modificações foram promovidas na
execução de obrigações pecuniárias: o art. 615-A trouxe a possibilidade de o exequente
averbar certidão comprobatória do ajuizamento da execução em registro de imóveis, de
veículos ou outros bens sujeitos a penhora, para se precaver de possível fraude à
execução; o art. 647, inciso II, trouxe a possibilidade de alienação por iniciativa
particular como hipótese de expropriação de bens; o art. 652-A determinou que o juiz
fixe os honorários a serem pagos pelo advogado logo ao despachar a inicial; e o art. 655-
A possibilitou expressamente a penhora eletrônica de ativos financeiros do executado
que estejam depositados em instituições financeiras, tipificando procedimento que a
jurisprudência já vinha admitindo.
Realizado esse percurso normativo do procedimento executivo ao longo da
vigência do CPC de 1973, parcela majoritária da doutrina chegou à conclusão de que o
nosso sistema processual já vinha adotando um sistema misto de medidas executivas,
porquanto previu meios executivos típicos e atípicos de coerção e de sub-rogação.
Adotava-se a atipicidade como regra no tocante à execução de obrigações de fazer ou
de não fazer calcadas em títulos executivos judiciais, enquanto, nas demais hipóteses, a
execução deveria seguir as regras típicas previstas no Código revogado.165
Ao contrário de Marcelo Lima Guerra e de outros doutrinadores que seguiram
em defesa da atipicidade dos meios executivos a partir das reformas do CPC de 1973,
aponta-se Araken de Assis como renomado jurista que manteve postura conservadora

165
“Para as obrigações de fazer ou de não fazer previstas em títulos judiciais, ante a redação expressa do artigo
461 do CPC/1973, a atipicidade era a regra. Assim, poderia o magistrado, diante da necessidade de efetivação
da medida, optar pela utilização de meios executórios sub-rogatórios ou coercitivos não previstos em lei, sem
ter que, para isso, tentar antes utilizar os típicos. Já, no caso de títulos extrajudiciais, a regra, em razão do artigo
645, consistia na aplicação da coerção patrimonial, por meio de multa por dia de atraso para o cumprimento da
obrigação, não obstante a possibilidade de satisfação da obrigação por terceiro ou a conversão em perdas e danos
(transformação) previstas no artigo 633, bem como a transformação em obrigações infungíveis, nos termos do
artigo 638. Nas obrigações de entrega de coisa com base em título judicial, pela redação literal do artigo 461-A,
§ 2º, a regra consistia na utilização do meio executório de sub-rogação por desapossamento e, caso não fosse
obtida a satisfação da tutela pretendida, com espeque no § 3º do mesmo artigo, estava aberta a via subsidiária da
utilização da atipicidade prevista no artigo 461. Para os títulos extrajudiciais, a regra, em razão do artigo 621,
parágrafo único, consistia na aplicação da coerção patrimonial, por meio de multa por dia de atraso para o
cumprimento da obrigação, cumulada com o meio de desapossamento previsto no artigo 625. Para as obrigações
de pagar – em razão da ausência completa de norma específica ou de cláusula geral que permitisse a utilização
de meios coercitivos atípicos (a simples analogia com os artigos 461 e 461-A não era suficiente) -, seriam
aplicados apenas os meios sub-rogatórios típicos, no caso a expropriação, seja para o cumprimento da sentença,
seja para a execução de títulos extrajudiciais. Afora isso, também caberia a coerção típica patrimonial,
consubstanciada na multa de 10% prevista no artigo 475-J.” (BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas
coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015.
São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019. p. 64-65).
77

em defesa da tipicidade das medidas executórias. Nas palavras do próprio autor, “a ideia
da relativa atipicidade, defendida com base no art. 461, § 5º [do CPC de 1973], esbarra
na falta de exemplos convincentes e nos valores da CF/1988.”166 O autor, ao repudiar a
ideia de predominância da atipicidade, se apoia na redação do art. LIV da CF, que veda
expressamente que qualquer pessoa seja privada de seus bens ou de sua liberdade sem
que antes seja submetida ao devido processo legal.
Este trabalho, em grande medida, se alinha a esse pensamento conservador, de
Araken de Assis, sobretudo considerando o marco teórico escolhido, voltado para o
processo jurisdicional democrático, à luz do modelo constitucional de processo. Embora
o foco da pesquisa não seja, digamos, travar uma batalha contra a atipicidade dos meios
executivos, pretende-se demonstrar que o aumento de poderes do juiz na execução, por
meio de cláusulas genéricas, ao contrário do que se vem defendendo,167 não representa,
necessariamente, a melhor solução para o problema da efetividade do procedimento
executivo.
Ao contrário, quanto mais se privilegia, na legislação processual, a ampliação
dos limites para a discricionariedade, mais aberrações se veem nas decisões judiciais,
maiores se tornam as violações de direitos fundamentais dos sujeitos processuais e de
terceiros e maior número de recursos chegam aos tribunais. A previsibilidade, a
segurança jurídica e a fiscalidade, razões de existir do processo constitucionalizado,
acabam por ceder espaço à arbitrariedade e à incerteza.
Fato é que, ao tempo da vigência do CPC de 1973, após as reformas que, segundo
esmagadora maioria da doutrina, introduziram a atipicidade das medidas executivas no
sistema processual brasileiro, não se teve notícias acerca de recorrentes decisões
judiciais alarmantes, restritivas de direitos fundamentais com base no § 5º do art. 461
do CPC revogado.
Ao que parece, mesmo cientes de que as medidas coercitivas suscitadas pelo
referido dispositivo tinham caráter meramente exemplificativo, os magistrados a elas se
restringiram, não se tendo demonstrado tanta criatividade no tocante à imposição de
medidas coercitivas para forçar a execução de obrigações de fazer, não fazer e entregar
coisa. Mesmo porque, houve uma forte aposta no instituto da astreinte, incorporado ao

166
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 140.
167
Luiz Guilherme Marinoni, ao defender que o acesso à justiça somente se efetiva quando há tutela jurisdicional
efetiva, defende o afastamento do princípio da tipicidade em prol da consagração do princípio da concentração
dos poderes de execução do juiz. (MARINONI, Luiz Guilherme. Controle do poder executivo do juiz. Revista
de Processo, São Paulo, v.30, n. 127, p. 54-74, set. 2005).
78

CPC de 1973 a partir da reforma operada em 1994, em detrimento de outras possíveis


medidas atípicas, em relação às obrigações de fazer e não fazer.
É possível dizer que por aqui também houve uma ampliação do campo de
aplicação da astreinte, tal como ocorreu na França segundo aponta Michelle Taruffo,
passando ela a ter caráter genérico, podendo ser aplicada “todas as vezes que se tratar
de assegurar a atuação coativa de uma obrigação consagrada num pronunciamento
judicial.”168
Luiz Guilherme Marinoni, por exemplo, defendia com veemência que o uso da
multa não se restringia às hipóteses de execução de obrigações infungíveis, podendo
incidir até mesmo nos casos em que coubesse a execução direta, haja vista que a multa
poderia consistir em um meio menos dispendioso para o autor. O jurista cita como
exemplo situação hipotética em que o objeto da obrigação consiste na entrega de uma
máquina de grande porte, cuja despesa com sua busca, transporte e apreensão seria
muito alta. Em um caso como esse, Marinoni advogava que a multa seria o meio mais
eficaz para a proteção do direito do exequente.169
Ou seja, até o fim da vigência do CPC de 1973, no tocante à execução de
obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, a jurisdição brasileira seguiu
compatibilizando as medidas típicas sugeridas no § 5º do art. 461 do antigo código, com
a imposição de multa quando a prestação se refere a um fazer ou não fazer, tanto em
ações individuais quanto nas ações coletivas.170 Em razão disso, as controvérsias
judiciais se mostravam mais comuns em torno do valor das multas aplicadas e não
propriamente em torno da medida executiva escolhida.
Marcus Vinícius Motter Borges acrescenta que, na prática forense, como a
redação dos arts. 273 e 461, § 3º, do CPC de 1973 possibilitou a obtenção da antecipação
dos efeitos da tutela no processo, o que ocorreu foi que a cláusula geral do art. 461
ganhou muito mais notoriedade na fase cognitiva do que propriamente na fase executiva.

168
TARUFFO, Michelle. A atuação executiva dos direitos: perfis comparatísticos. Tradução de Teresa Celina de
Arruda Alvim Pinto. Revista de Processo. São Paulo: RT, 1990, n. 59. p. 84-85.
169
MARINONI, Luiz Guilherme. Controle do poder executivo do juiz. Revista de Processo, São Paulo, v.30, n.
127, p. 54-74, set. 2005.
170
VITORELLI, Edilson. Atipicidade dos meios de execução no processo coletivo: em busca de resultados sociais
significativos. In: In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI,
Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 821-854. (Grandes Temas do
Novo CPC, 11).
79

Assim, efetivada a liminar, não sobrava, ao final, obrigação inadimplida para ser
executada.171
A execução das obrigações de pagar quantia, de seu turno, fundadas em título
executivo judicial, ficava adstrita à penhora de bens, com manifesta preferência por
dinheiro, a teor do que disciplinava o antigo art. 655, I, do CPC de 1973,172 com redação
dada pela Lei 11.382 de 2006.
No tocante ao cumprimento de sentença, houve importante inovação no campo
da execução das obrigações pecuniárias, com a inclusão do art. 475-J pela Lei
11.232/2005,173 que previu a incidência de 10% de multa caso o devedor não efetuasse
o pagamento do débito no prazo de 15 dias. Assistiu-se à inserção de mais uma medida
típica de coerção no ordenamento processual, desta vez na seara das obrigações
pecuniárias, de natureza patrimonial, para além da prisão civil do devedor no caso das
obrigações de pagar de natureza alimentícia.
Essa multa coercitiva de 10% nada tinha a ver com as astreintes previstas nos
arts. 461 e 645 do CPC de 1973, porquanto era limitada a 10% do valor da obrigação e
não poderia sofrer alteração ao longo do tempo, a critério do magistrado. Funcionava
mais como um alerta ao devedor no sentido de que a ausência de pagamento espontâneo
no prazo legal geraria um considerável aumento do custo da execução.
Em que pese essas inúmeras alterações do procedimento executivo ocorridas na
vigência do CPC de 1973, sempre com o intuito de trazer maior efetividade ao sistema,
não há dúvidas de que, ainda assim, permaneceu uma clara distinção no tratamento
executivo dado às obrigações específicas e as obrigações de pagar, bem como entre a
execução de títulos judiciais e extrajudiciais.
Esse cenário somente veio a se transformar a partir da vigência do CPC de 2015,
sobretudo em virtude da redação de seu art. 139, IV, de cuja interpretação e aplicação
cuida esta pesquisa, levando em conta, repita-se, os contornos do que optamos por
chamar de execução em perspectiva democrática. Esse dispositivo, conforme se
demostrará, não se encontra localizado na parte da legislação que trata de execução, mas

171
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p.94-95.
172
Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;
173
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue
no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a
requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora
e avaliação.
[...]
80

parece ter representado, digamos, a maior novidade do novo Código em termos de


procedimento executivo. Fato é que vem sendo objeto de controvérsias em âmbito
doutrinário e jurisprudencial devido ao seu caráter de norma geral.
81

4 NOVOS RUMOS DA EXECUÇÃO APÓS A VIGÊNCIA DO ART. 139, IV, DO


CPC/2015

4.1 O procedimento executivo no CPC de 2015: algumas alterações

Em termos de estrutura dogmática do procedimento executivo, a Lei


13.105/2015, que instituiu o novo CPC, não inovou em relação ao antigo código, cujos
procedimentos haviam sofrido suas maiores alterações a partir das leis 11.232/2005 e
11.382/2006, conforme se demonstrou no capítulo antecedente.
O CPC de 2015 manteve a diferenciação procedimental a depender do tipo de
título que se está a executar. Tratando-se de título executivo judicial, a execução será
feita por meio da fase de cumprimento de sentença, prevista no Título II do Livro I,
Parte Especial do Código, conforme a disciplina dos arts. 513 a 538. Em se tratando de
título executivo extrajudicial, a execução de dá pelo chamado processo autônomo de
execução, previsto no Livro II da Parte Especial, conforme a disciplina dos arts. 771 a
925 do CPC.174
Em relação ao conteúdo procedimental, significativas modificações ocorreram.
Novas técnicas típicas de execução indireta foram inseridas no sistema processual, a
saber: a possibilidade de protesto da decisão judicial transitada em julgado e inadimplida
pelo devedor (art. 517 do CPC)175 e a possibilidade de o credor requerer a inclusão do
nome do executado em cadastros de inadimplentes (art. 782, § 3º, do CPC).176 Essas
medidas, embora já existissem no ordenamento jurídico, foram positivadas pelo CPC de

174
Conforme elucida Marcus Vinícius Motter Borges, os procedimentos executivos no CPC de 2015 podem ser
sistematizados do seguinte modo: “a) procedimento para títulos executivos extrajudiciais com obrigação de
pagar (artigos 824 a 920); b) procedimento para títulos executivos judiciais com obrigação de pagar, com base
em decisão definitiva (artigos 523 a 527) ou em decisão provisória (artigos 520 a 522); c) procedimento para
títulos extrajudiciais com obrigação de entrega de coisa, que pode ser certa (artigos 806 a 810) ou incerta (artigos
811 a 813); d) procedimento para títulos judiciais com obrigação de entrega de coisa, que pode ser certa ou
incerta (art. 538); e) procedimento para títulos extrajudiciais com obrigação de fazer fungível (artigos 817 a 820)
ou infungível (art. 821) e de não fazer (artigos 822 e 823); f) procedimento para títulos judiciais com obrigação
de fazer fungível ou infungível e de não fazer (artigos 536 e 537); g) procedimentos especiais executivos, os
quais possuem meios executórios exclusivos ou diferenciados (por exemplo: execução de alimentos e execução
contra a Fazenda Pública). (BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções
pecuniárias: parâmetros para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista
dos Tribunais, 2019.p.42.)
175
Art. 517. A decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de
transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 523.
§ 1º Para efetivar o protesto, incumbe ao exequente apresentar certidão de teor da decisão.
[...]
176
Art. 782, §3º: A requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros
de inadimplentes.
82

2015 e são de extrema relevância no contexto da execução, porquanto afetam


diretamente o crédito do devedor no mercado financeiro, forçando-o a pagar seus
débitos.
O protesto de títulos e documentos é disciplinado pela Lei 9.492, de 10 de
setembro de 1997. Em seu art. 1º, a legislação o conceitua como “ato formal e solene
pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em
títulos e outros documentos de dívida”. Trata-se de instituto próprio do direito
cambiário, voltado a constituir prova da inadimplência ou da falta de devolução ou
aceite de títulos de crédito, conferindo maior segurança jurídica e confiabilidade à
circulação desses títulos.
Conforme bem explicam Gustavo Henrique Trajano de Azevedo e Lucas Buril
de Macêdo, a eficiência do protesto como meio de prova e de cobrança de dívidas no
direito cambiário fez com que o instituto se expandisse para outras áreas do direito,
tornando-se útil, por exemplo, como ato interruptivo da prescrição (art. 202, II, do
CC/2002), constituição da mora na alienação fiduciária de bens móveis (Decreto-lei
911/1969) e caracterização do estado falimentar (art. 94, I, da Lei 11.101/2005).177
O protesto ganhou maior notoriedade sobretudo porque o art. 29 da Lei
9.492/1997, com redação conferida pela Lei 9.841/99, determinou que os cartórios
forneçam às entidades representativas da indústria e do comércio, ou às entidades de
proteção ao crédito, certidão diária dos protestos efetuados e cancelados. Dessa forma,
confere-se publicidade à inadimplência de pessoas físicas ou jurídicas que por ventura
tenham tido algum título ou documento protestado, manchando sua reputação no
mercado financeiro e obstaculizando a concessão de crédito aos maus pagadores.178
Após certo tempo, a jurisprudência, a partir da interpretação do termo “outros
documentos de dívida”, constante do art. 1º da Lei 9.492/97, passou a compreender que
não só títulos de crédito poderiam ser levados a protesto, mas quaisquer documentos
que informem existência de dívida referente a obrigação pecuniária, certa, líquida e

177
AZEVEDO, Gustavo Henrique Trajano de; MACÊDO, Lucas Buril de. Protesto de decisão judicial. Revista
de Processo. São Paulo: RT, v. 244, p. 323-344, jun/2015. p. 323.
178
“Em suma, visualizamos três funções atuais do ato de protesto: (1) a função probatória, uma vez que comprova
o descumprimento de alguma obrigação certificada em título de crédito ou algum documento de dívida; (2) a
função conservatória do direito do credor, em virtude de determinados efeitos jurídicos, a exemplo da
interrupção da prescrição e da constituição em mora do devedor; e (3) a função informativa, pois “informa aos
demais integrantes de uma relação cambial a inadimplência de um obrigado e também informa ao mercado de
crédito em geral sobre a recalcitrância de um devedor.” (AZEVEDO, Gustavo Henrique Trajano de; MACÊDO,
Lucas Buril de. Protesto de decisão judicial. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 244, p. 323-344, jun/2015.
p.324).
83

exigível.179 Por essa razão, antes mesmo do advento do CPC de 2015, já era possível o
protesto de decisão judicial transitada em julgado.
Ainda assim, a inclusão de previsão expressa nesse sentido no novo Código
representou um enorme ganho, pois afastou possíveis questionamentos sobre a
possibilidade de protesto de decisão judicial transitada em julgado (art. 517 do CPC),
inovou ao permitir a determinação do protesto de ofício pelo magistrado em caso de
cumprimento provisório de prestação alimentícia (art. 528, § 1º, do CPC) e acabou por
constituir um incentivo ao uso dessa eficiente técnica de coerção indireta.
Perseguindo o mesmo objetivo que se busca pela via do protesto, o art. 782 do
CPC, por meio de seus parágrafos 3º e 4º, possibilita que, a requerimento do exequente,
o juiz determine a inclusão do nome da parte executada em cadastros de inadimplentes.
Essa inclusão é, atualmente, requerida por meio eletrônico, através do sistema
Serasajud,180 sem necessidade de expedição de ofícios em papel, o que agiliza o
procedimento, trazendo ainda maior efetividade à medida.
Sobretudo em um país em que grande parte das pessoas, ou não possui
patrimônio algum, ou, se possui, consegue ocultá-lo com facilidade, atacar o crédito é
uma forma eficaz de compelir o adimplemento de obrigações pecuniárias. Isso porque
é notório o fato de que a maior parte da população brasileira necessita de crédito, a fim
de que possa sustentar o velho hábito que possui de realizar o pagamento de suas
compras de forma parcelada,181ou mesmo para dar impulso a qualquer atividade
econômica que intente desenvolver.182
Por isso, tais medidas coercitivas, uma vez transportadas para o sistema
processual e consolidadas no CPC de 2015, demonstram a lucidez do legislador ao
perceber a importância de se pensarem novas formas de trazer efetividade ao sistema

179
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial 750.805/RS. Recurso Especial. Protesto
de sentença condenatória transitada em julgado. Possibilidade. Exigência de que represente obrigação pecuniária
líquida, certa e exigível. Recorrente: Mecânica Caxias Ltda. Recorrido: Lucarely Peças Automotivas e fixação
Ltda. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros, 14 de fevereiro de 2008. Brasília, 2009. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200500808450&dt_publicacao=16/06/2009
Aceso em: 28 ago. 2019.
180
Informações sobre o sistema Serasajud podem ser obtidas através da página do CNJ na internet, disponível em
< http://www.cnj.jus.br/sistemas/serasajud> Acesso em: 8 abr. 2019.
181
Pesquisa divulgada pelo SPC Brasil em 12/9/2018 revela que “crediário e cartão de crédito foram as
modalidades que mais negativaram usuários” entre setembro de 2017 e setembro de 2018. Os dados da pesquisa
se encontram disponíveis em < https://www.spcbrasil.org.br/pesquisas/pesquisa/5219 > Acesso em: 8 abr. 2019.
Outra pesquisa divulgada em 7/1/2015, também pelo SPC Brasil, revela que “a maioria dos brasileiros usa o
crédito para realizar compras imediatistas”. Disponível em
<https://www.spcbrasil.org.br/pesquisas/pesquisa/923> Acesso em: 8 abr. 2019.
182
BARRETO FILHO, Oscar. O crédito no direito. Revista da Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo,
São Paulo, v. 57, p. 204-2017, jan. 1962.
84

executivo, que vão além da tradicional busca patrimonial em nome do devedor, sem, no
entanto, surpreendê-lo, porquanto se encontram previstas em lei e ofertam
previsibilidade aos jurisdicionados acerca do que poderão sofrer caso optem pela
inadimplência.
Ressalte-se, por oportuno, o entendimento de Leonardo Greco, no sentido de que
toda e qualquer medida coercitiva, ainda que prevista em lei, como no caso das
astreintes, do protesto e da inclusão do nome do executado em cadastro de
inadimplentes, deve ser aplicada em caráter excepcional e, em qualquer caso, deve ser
submetida a um juízo de proporcionalidade a ser feito pelo magistrado no caso concreto,
a fim de que se verifique se a medida de fato passa pelos testes da necessidade,
adequação e conexão instrumental específica entre o meio e o resultado que se pretende
alcançar.
O autor pondera que, quanto ao protesto e a negativação, especificamente, dizem
respeito a medidas que não atingem somente o patrimônio do executado, como também
a sua honra, reputação e o seu crédito no mercado financeiro, bens jurídicos que
interferem diretamente no exercício regular do direito ao trabalho ou ao desempenho de
atividade lícita pelo devedor. Daí a importância de uma criteriosa verificação pelo órgão
jurisdicional da ocorrência dos pressupostos que justifiquem a determinação dessas
medidas.183-184
Esse entendimento, todavia, não conta com a nossa adesão. A redação do § 3º do
art. 782 do CPC, embora contenha a expressão “o juiz pode determinar a inclusão”, não
significa abertura para a discricionariedade do julgador quanto à escolha se determina
ou não a inclusão do nome do devedor nos cadastros de restrição ao crédito após
requerimento do credor e ante a ausência de pagamento espontâneo.
Como bem pontua Marcus Vinícius Motter Borges, eventual ponderação a ser
feita pelo juiz, nesse caso, diz respeito apenas quanto ao momento de realizar tal
providência caso não haja o pagamento do débito em três dias: se antes ou após a análise

183
GRECO, Leonardo. Coações indiretas na execução pecuniária. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral);
MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador:
Juspodium, 2018, p. 395-420. (Grandes Temas do Novo CPC, 11)..
184
Assim como Leonardo Greco, Cassio Scarpinella Bueno, ao tratar do princípio da tipicidade dos atos
executivos, pondera que, ainda quando a lei traz expressamente os meios executivos a serem empregados, o
magistrado, considerando o modelo constitucional de processo, deve “aplicar o processo de filtragem
constitucional para, diante de cada caso concreto, verificar a plena compatibilidade entre os meios típicos,
desejados em abstrato pelo legislador, e sua aptidão concreta (sua adequação) para atingir os fins que justificam
e impõem a prestação da tutela jurisdicional executiva, isso é, os meios.” (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso
sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 23).
85

dos argumentos postos nos embargos à execução.185 Isso porque a própria legislação
apresenta, no § 4º do art. 782186, as hipóteses para que o devedor afaste o suposto
desconforto que lhe venha a ser causado com a negativação de seu nome: basta que
pague ou pelo menos garanta o juízo e a inscrição será imediatamente cancelada. No
caso do protesto da sentença judicial, a opção é mesmo pagar, porque dúvidas não
restam quanto à certeza da dívida, pois já terá transcorrido todo um processo de
conhecimento a demonstrá-la.
Não obstante, nada impede, e é até desejável, que o magistrado, antes de efetivar
essas medidas, advirta o devedor sobre possibilidade de incidência delas, configurando
uma espécie de ameaça, seja no bojo da intimação para o cumprimento de sentença, que
antecede o protesto, seja no corpo da citação do devedor, em processo autônomo de
execução, para que realize o pagamento em três dias, no caso da negativação nos
cadastros de inadimplentes.187
Com efeito, tal como enfatizado por Leonardo Greco, as medidas coercitivas de
protesto e negativação acabam mesmo por restringir um direito da personalidade do
devedor, na medida em que atacam diretamente a sua honra objetiva, ou seja, a sua
reputação perante a sociedade. Por essa razão, não são medidas passíveis de aplicação
em sede de execução provisória (art. 517, caput, e art. 782, § 5º, do CPC).188
Entretanto, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade ou abuso de direito,
na previsão dessas medidas coercitivas típicas, porque os direitos fundamentais não são
absolutos, a restrição ao direito da personalidade ocorre após aplicação de medidas
previstas em lei e com estrito respeito ao devido processo legal.
Além da inserção do protesto e da negativação, outras modificações pontuais
ocorreram no procedimento executivo com o advento do CPC de 2015, as quais não
serão objeto de grandes debates neste trabalho, para que não se perca de vista o seu
principal foco, qual seja, a discussão em torno do art. 139, IV, do CPC. Desse modo,
apenas para que não passem despercebidas, pedimos permissão ao leitor para que se
transcrevam alguns trechos da obra de Luciano Henrik Silveira Vieira, em que o autor
bem aponta, de forma sucinta, as demais alterações empreendidas pela novel legislação:

185
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p.163.
186
Art. 782, § 4º. A inscrição será cancelada imediatamente se for efetuado o pagamento, se for garantida a
execução ou se a execução for extinta por qualquer outro motivo.
187
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p.166.
188
Art. 782, § 5º. O disposto nos §§ 3º e 4º aplica-se à execução definitiva de título judicial.
86

Depois, vemos que, em qualquer procedimento executivo, poderá o órgão


jurisdicional determinar que terceiros indicados pelo exequente forneçam
informações relacionadas ao objeto da execução, inclusive aportando documentos aos
autos (art. 772, III).
Permite ainda o atual Código que o portador do título extrajudicial, mesmo sendo-lhe
franqueado promover diretamente a execução, optar pelo procedimento cognitivo, a
fim de obter uma sentença de mérito que trate daquela relação jurídica, ou seja, obter
um titulo executivo judicial (art. 785).
Ao dar início à instauração do procedimento executivo, o exequente deverá instruir
seu requerimento ou petição com demonstrativo atualizado do débito (que deverá
conter: o índice de correção monetária adotado, a taxa de juros aplicada, os termos
inicial e final de incidência do índice de correção monetária e da taxa de juros
utilizados, a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso, e a especificação
de desconto obrigatório realizado) e, sempre que possível, indicar os bens do
executado passíveis de penhora, a fim de simplificar o ato de apreensão judicial de
bens (arts. 524 e 798, I, “b” e II, “c”, e seus parágrafo único).
Alterou-se, ou, pelo menos, definiu-se a regra do ônus da demonstração de ofensa ao
princípio da menor onerosidade da execução. Com a clara finalidade de conferir
celeridade à execução e coibir condutas meramente procrastinatórias, o legislador
transferiu para o executado o ônus de demonstrar a ofensa, pois deverá também indicar
meios mais eficazes e menos gravosos para si, sob pena de manutenção dos atos
executivos por ele discutidos (art. 805, parágrafo único).
Percebem-se também vantagens no atual Código com relação à efetivação da penhora,
que tem se mostrado como o gargalo das execuções. O sistema sofreu melhorias
quanto à penhora das quotas ou das ações das sociedades personificadas (art. 861),
bem como quanto à penhora de empresa, de outros estabelecimentos e de semoventes
(arts. 862 a 865), de percentual de faturamento de empresa (art. 866) e de frutos e
rendimentos de coisa móvel ou imóvel (arts. 867 a 869).
Outra novidade foi a eliminação do termo praça, como espécie de alienação judicial
de bem penhorado, quando se tratava de bem imóvel. No atual sistema, o termo leilão
serve para designar a alienação judicial tanto de bem móvel como de bem imóvel (arts.
879, 881, 883 e 886).
Por derradeiro quanto ao ponto, releva registrar a sistematização advinda do Código
quanto à prescrição intercorrente (art. 921, III e seus parágrafos). Caso não sejam
encontrados bens penhoráveis do executado, tanto nas execuções de título judicial
quanto nas de título extrajudicial, o processo será suspenso por um ano, prazo no qual
a prescrição ficará igualmente suspensa. Findo esse prazo, sem localização de bens
penhoráveis, os autos da execução ficarão arquivados provisoriamente (podendo o
exequente desarquivá-los a qualquer momento, se forem encontrados bens) e
começará a fluir a contagem do prazo de prescrição intercorrente. Ultimado o prazo
prescricional da respectiva modalidade obrigacional, o juízo oportunizará
manifestação por ambas as partes e, posteriormente, poderá/deverá reconhecer a
prescrição e extinguir o processo (arts. 921, § 5º, 924, V e 925).189

Em um primeiro momento, ao se realizar um comparativo entre as normas que informam


todo o procedimento executivo no CPC de 1973 e no CPC de 2015 (arts. 513 a 538 e 771 a
925), percebe-se que, não obstante tenha havido alterações pontuais, conforme se demonstrou,

189
VIEIRA, Luciano Henrik Silveira. O processo de execução no estado democrático de direito. 2.ed. rev. e
ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 124-125. Sobre as inovações trazidas pelo NCPC no tocante ao
procedimento executivo, consulte-se também BRÊTAS, Ronaldo C. Dias; SOARES, Carlos Henrique;
BRÊTAS, Suzana Oliveira Marques; DIAS, Renato José Barbosa; BRÊTAS, Yvonne Mól. Estudo sistemático
do NCPC: com as alterações introduzidas pela Lei nº 13.256, de 4/2/2016. 2.ed. Belo Horizonte, D’Plácido,
2016. p. 211-214.
87

o panorama da tipicidade e da atipicidade, nos termos em que se debateu no capítulo 3, item


3.2, parece não ter sido alterado.
O conteúdo do art. 461, § 5º, do Código revogado foi transportado para o art. 536, § 1º,
do CPC de 2015,190mantendo-se a autorizada atipicidade em relação às medidas executivas que
poderão ser determinadas no cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de
obrigação de fazer ou não fazer.191 O mesmo irá se aplicar ao cumprimento de sentença para
entrega de coisa, por força do que dispõe o § 3º do art. 538 do CPC de 2015.192 Ainda no
cumprimento de sentença, a medida coercitiva típica antigamente prevista no art. 475-J do CPC
revogado foi transposta para o art. 523, § 1º, do CPC de 2015. Assim, na execução contra
devedor solvente fundada em título executivo judicial, o executado terá um acréscimo de dez
por cento no valor da condenação, caso não realize o adimplemento em quinze dias.
Em relação ao crédito inscrito em título executivo extrajudicial, a legislação processual
foi silente quanto à multa coercitiva, o que, segundo Edilton Meireles, abre a possibilidade de
fixação com base no art. 139, IV, do CPC. O autor não descarta também, nesse caso, a
possibilidade de aplicação de outras medidas, a exemplo da aplicação de juros progressivos. 193
Além disso, não pairam mais dúvidas de que as medidas de apoio previstas no § 1º do
art. 536 do CPC, direcionadas para a fase de cumprimento de sentença, podem ser aplicadas à
execução autônoma de prestação de fazer, não fazer e entregar coisa distinta de dinheiro
fundada em título executivo extrajudicial, porquanto o parágrafo único do art. 771 do CPC de
2015 assim o diz expressamente.194
Levando-se em conta o que foi observado, não se detectam alterações no panorama da
execução caso a leitura fique restrita aos dispositivos do CPC que informam o procedimento
executivo propriamente dito (arts. 513 a 538 e 771 a 925). A ausência de novidades cai por terra
apenas quando se promove uma leitura sistemática de todo o CPC, e se percebe que a legislação

190
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
poderá de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado
prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
§1º. Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a
busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva,
podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.[...]
191
Conforme já apontado no capítulo 2, item 2.2, Araken de Assis sempre se posicionou contrariamente à defesa
da atipicidade das medidas executivas, por considerá-la inconstitucional, tendo em vista o que dispõe o art. 5º,
LIV, da Constituição Federal. Nesse sentido, confira-se ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro: parte geral:
institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, v.2, p. 936-937.
192
Art. 538, §3º. Aplicam-se ao procedimento previsto neste artigo, no que couber, as disposições sobre o
cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer.
193
MEIRELES, Edilton. Cooperação judicial e poderes do juiz na execução. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral);
MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador:
Juspodium, 2018, p. 521-547. (Grandes Temas do Novo CPC, 11).
194
Art. 771, parágrafo único. Aplicam-se subsidiariamente à execução as disposições do Livro I da Parte Especial.
88

ora vigente, por meio de suas cláusulas gerais, notadamente a do art. 139, inciso IV, parece ter
ampliado as margens para a atipicidade das medidas executivas, ao estender a possibilidade de
aplicação de medidas coercitivas também às ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
Não foi outra a razão pela qual essa consistente novidade do CPC em relação à matéria ganhou
da doutrina a nomenclatura de “revolução silenciosa da execução por quantia”.195

4.2 A novidade trazida pelo art. 139, IV, do CPC e o microssistema da atipicidade

A mais significativa alteração promovida pela Lei 13.105/2015 no que diz respeito à
tutela executiva foi, como se apontou, inserida no art. 139, inciso IV, do CPC, localizado no
Livro III – Dos Sujeitos do Processo, Título IV – Do juiz e dos Auxiliares da Justiça, Capítulo
I - Dos poderes, dos deveres e da responsabilidade do juiz. Assim dispõe o referido artigo legal:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,


incumbindo-lhe:
[...]
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-
rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas
ações que tenham por objeto prestação pecuniária. 196

A topografia do dispositivo demonstra, de plano, que o seu conteúdo não se restringe ao


procedimento executivo propriamente dito, podendo o juiz se valer de medidas coercitivas para
assegurar o cumprimento de qualquer ordem judicial, em qualquer fase procedimental, haja
vista o modelo sincrético adotado pelo CPC.197 Por essa razão, como bem aponta Daniel

195
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A revolução silenciosa da execução por quantia. Revista Jota.
24.08.2015.
196
Em 26.03.2014, a Câmara dos Deputados, na qualidade de casa revisora, encaminhou ao Senado Federal
emenda ao projeto do Novo CPC – PLS 166/2010, em forma de substitutivo. Nesse substitutivo, a redação do
art. 139, inciso IV, havia tomado a seguinte configuração:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
[...]
IV - determinar, de ofício ou a requerimento, todas as medidas coercitivas ou sub-rogatórias necessárias para
assegurar a efetivação da decisão judicial e a obtenção da tutela do direito.
Ocorre que, de volta à casa iniciadora, Senado Federal, este rejeitou as propostas de modificação feitas pela
Câmara dos Deputados no tocante ao art. 139, inciso IV, restando mantida, portanto, a redação original contida
no anteprojeto. (BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias:
parâmetros para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais,
2019. p. 69-70).
197
Entende-se por sincretismo processual a tendência em se congregar atividades processuais de natureza diversa
em um mesmo processo. O CPC de 1973, através de reformas legislativas ocorridas a partir da década de 1990,
já havia consolidado essa tendência, tendo reunido as atividades de cognição e execução. (DIDIER JR. Fredie;
CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil: execução. 8.ed. Salvador: Juspodium, 2018, v. 5.p.48-49).
89

Amorim Assumpção Neves, a ordem judicial a que o dispositivo faz menção não é
necessariamente aquela que decorre do título executivo, mas, sim, a decisão do juiz que
determina ao executado o cumprimento de sua obrigação.198
No que se refere à terminologia empregada na redação do art. 139, IV, do CPC,
tendemos a concordar com Marcos Youji Minami no sentido de que houve impropriedade
técnica do legislador ao fazer referência a medidas “indutivas, coercitivas, mandamentais ou
sub-rogatórias”. Do modo como colocado pela legislação, parecem existir quatro técnicas
executivas passíveis de serem empregadas pelo magistrado, quando, em verdade, existem
apenas duas, a saber: medidas coercitivas, que englobam as indutivas e formam o que se chama
de execução indireta, e medidas sub-rogatórias, que se referem à execução direta.
Mandamentais, de seu turno, são os efeitos das ordens judiciais, não se tratando de técnica
executiva propriamente dita.199
Quanto à tutela executiva, o dispositivo de fato representa a revolução da execução das
obrigações pecuniárias, que, até então, eram as únicas em que não se admitia o emprego de
medidas coercitivas, em que pese o apelo da doutrina mais vanguardista desde o início dos anos
dois mil, tal como se viu no capítulo 3, item 3.2. Com o advento do CPC de 2015, a execução
de obrigações de pagar quantia também passou a ser objeto de aplicação de medidas coercitivas
atípicas, completando a generalização da atipicidade no sistema processual executivo, embora,
no caso das obrigações pecuniárias, conforme se demonstrará, a atipicidade não seja a regra.
Nessa toada, outra questão que se coloca é se as medidas necessárias a que se refere o
art. 139, IV, do CPC podem ser empregadas também para a satisfação de obrigações
consubstanciadas em títulos executivos extrajudiciais. A doutrina diverge em relação a isso,
mas é possível identificar uma tendência majoritária à aceitação dessa hipótese.

198
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de
pagar quantia certa – art. 139, IV, do novo CPC. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji
(coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 627-
666. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 628-629.
199
MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.
Salvador: Juspodium, 2019. p. 147-153. Nesse mesmo sentido confira-se BORGES, Marcus Vinícius Motter.
Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para a aplicação do art. 139, IV, do
CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019. p. 72-73. Adotando posicionamento
diverso, no sentido de que as medidas que consubstanciam o núcleo da norma do art. 139, IV, do CPC não devem
ser tidas como sinônimas, confira-se: MAZZEI, Rodrigo Reis; ROSADO, Marcelo da Rocha. A cláusula geral
de efetivação e as medidas indutivas no CPC/15. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos
Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p.
497-520. (Grandes Temas do Novo CPC, 11).
90

Marcos Youji Minami defende que o dispositivo legal em comento, ao ser inserido na
parte geral do CPC, teve como finalidade ampliar a atipicidade a todo tipo de prestação, em
qualquer tipo de procedimento, o que, segundo o jurista, não exclui execuções fundadas em
títulos executivos extrajudiciais.200
Nessa mesma linha, posicionam-se Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha,
Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira201, ao afirmarem que o art. 139, IV, do CPC
aplica-se a qualquer atividade executiva, baseada em título executivo judicial ou extrajudicial.
Os autores fazem alusão ao enunciado 48 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento
de Magistrados – ENFAM, e ao enunciado 12 do Fórum Permanente de Processualistas Civis -
FPPC, que reforçam essa interpretação conferida à norma em apreço, senão vejamos:

Enunciado 48 da ENFAM: O art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de


efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento
de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no
processo de execução baseado em títulos extrajudiciais.202

Enunciado 12 do FPPC: Art. 139, IV; Art. 537; Art. 550; Art. 787. A aplicação das
medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no
cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas
medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com
observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art.
489, § 1º, I e II (Grupo: Execução)203

Em sentido contrário é o entendimento de Araken de Assis, segundo o qual a regra se


aplica tão somente ao cumprimento de sentença, haja vista que, conforme explica o jurista, o
Livro II da Parte Especial do CPC não trata de poderes executivos indeterminados, fazendo
referência apenas à aplicação subsidiária do art. 536, § 1º, em virtude da redação do art. 771 do
CPC.204 Posicionam-se também contrariamente ao cabimento das medidas coercitivas atípicas

200
MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.
Salvador: Juspodium, 2019. p. 192-193.
201
DIDIER JR. Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria
de. Curso de direito processual civil: execução. 8.ed. Salvador: Juspodium, 2018, v.5. p. 107.
202
SEMINÁRIO O PODER JUDICIÁRIO E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: enunciados aprovados.
Brasília, 2015. Disponível em: https://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-
VERS%c3%83O-DEFINITIVA-.pdf Acesso em: 28 ago. 2019.
203
DIDIER Jr., Fred (coord.); BUENO, Cássio Scarpinella (coord.); BASTOS, Antonio Adonias (coord.). Carta
de Salvador – II Encontro de Jovens Processualistas do IBDP. Revista de Processo, ano 39, n. 227, p. 435-452,
jan.2014.
204
ASSIS, Araken de. Cabimento e adequação dos meios executórios “atípicos”. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.-
geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas.
Salvador: Juspodium, 2018, p. 111-133. (Grandes Temas do Novo CPC, 11).
91

em obrigações de pagar baseadas em título executivo extrajudicial Luiz Guilherme Marinoni,


Daniel Mitidiero, Sérgio Cruz Arenhart e Eduardo Talamini.205
A nosso ver, em que pese a norma faça expressa menção ao termo “ordem judicial”, não
se deve excluir de sua aplicação a execução pautada em título executivo extrajudicial, porque,
conforme já abordamos, essa ordem não se refere necessariamente à ordem constante do título
executivo, mas às ordens judiciais genéricas, que determinam o cumprimento de obrigação.
Some-se a isso o fato de que, por tudo o que se expôs até aqui, ao longo das reformas
legislativas implementadas no sistema processual brasileiro, o que se viu foi uma forte
tendência em se ampliar a atipicidade dos meios executivos para abarcar todo tipo de prestação
obrigacional, sem distinção. A ideia é, na maior medida possível, tentar trazer efetividade ao
direito fundamental à tutela executiva, em todas as suas nuances, propiciando a real satisfação
do direito, consubstanciado em qualquer espécie de título executivo.
Além disso, há que se considerar que, mesmo o processo autônomo de execução sendo
embasado em um documento que não foi emitido pelo órgão jurisdicional, haverá ordens
judiciais a serem cumpridas ao longo do procedimento instaurado, para que se possa buscar a
realização concreta do direito inscrito no título. Não há razões, portanto, para que se exclua
desse procedimento o comando do art. 139, IV, situado na Parte Geral do CPC.206
Em complemento, Marcus Vinícius Motter Borges lembra que, quando se trata de
obrigações pecuniárias, tanto no cumprimento de sentença, quanto na execução de título
extrajudicial, o objetivo da coerção por meio de medidas restritivas de direito é o adimplemento
ou a efetivação da expropriação, o que rechaça qualquer justificativa para distinção entre os
títulos executivos.207

205
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz. Novo Curso de Processo
Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. v.2. p. 783;
TALAMINI, Eduardo. Poder geral de adoção de medidas executivas e sua incidência nas diferentes modalidades
de execução. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo
(coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 27-57. (Grandes Temas do Novo CPC,
11). p. 37.
206
Eduardo Talamini se contrapõe a esse entendimento, ao argumento de que, quando está diante de um título
executivo extrajudicial, o juiz apenas autoriza a execução, não havendo, nesse caso, ordem de cumprimento.
Segundo esse autor, aquele que visa obter um comando direto contra a parte adversa deve buscar o processo de
conhecimento para obter sentença com eficácia prevista no art. 497 do CPC. (TALAMINI, Eduardo. Poder geral
de adoção de medidas executivas e sua incidência nas diferentes modalidades de execução. In: DIDIER Jr.,
Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas
Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 27-57. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p.38; TALAMINI,
Eduardo. Poder geral de adoção de medidas coercitivas e sub-rogatórias nas diferentes espécies de execução. In:
NUNES, Dierle; COSTA, Fabrício Veiga; GOMES, Magno Federici (Orgs). Processo Coletivo,
Desenvolvimento Sustentável e Tutela Diferenciada dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Editora Fi,
2019. p. 321-377).
207
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p.225.
92

Dito isso, denota-se que o art. 139, IV, em conjunto com o art. 297, caput208, e 536, §
1º, do CPC, formam o microssistema da atipicidade no âmbito da sistemática processual. Todos
eles consistem, conforme explicam Fred Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno
Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, em “cláusulas gerais processuais executivas”. De acordo
com esses autores, cláusula geral é “uma espécie de texto normativo, cujo antecedente (hipótese
fática) é composto por termos vagos e o consequente (efeito jurídico) é indeterminado. Ainda
conforme os referidos juristas, as cláusulas gerais são importantes para que se possa adequar o
procedimento às peculiaridades do caso concreto. 209
Nunes, com base no escólio de Franz Klein, aponta que as cláusulas gerais têm sua
origem na técnica legislativa adotada no âmbito da elaboração das leis que promoveram as
reformas processuais implantadas no fim do século XIX e início do século XX com vistas
transformar o processo em instrumento de pacificação social.210 Quanto mais conceitos
jurídicos indeterminados houvesse nos textos legais, maior a possibilidade de escolhas pelo
juiz, de acordo com suas convicções e valores. Esse era o espírito do publicismo.
Judith Martins Costa explica que as cláusulas gerais “conformam o meio
legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de
princípios valorativos (...), de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de
comportamento (...).”.211 Ainda segundo a autora, embora as cláusulas gerais tragam
mobilidade ao sistema jurídico, não têm pretensão de dar respostas prévias a todos os
problemas, pois estas são paulatinamente construídas pela jurisprudência.212
Marcus Vinicius Motter Borges, sintetizando as lições de Judith Martins Costa elenca
as três principais funções das cláusulas gerais na atividade jurisdicional do Estado, a saber: a)
permitir a criação de normas gerais pelo juiz no caso concreto; b) garantir flexibilidade ao
sistema jurídico, para que o ordenamento possa contemplar novas demandas; e c) possibilitar a
integração de todo o sistema jurídico, por meio de uma interpretação sistemática do

208
Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.
Parágrafo único. A efetivação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da
sentença, no que couber.
209
DIDIER JR. Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria
de. Curso de direito processual civil: execução. 8.ed. Salvador: Juspodium, 2018, v. 5. p. 104.
210
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p.84-85.
211
COSTA, Judith H. Martins. O direito privado como um “sistema em construção” – As cláusulas gerais no
projeto do Código Civil Brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 35, n. 139, p. 5-22, jul/set.
1998. p. 6-7.
212
COSTA, Judith H. Martins. O direito privado como um “sistema em construção” – As cláusulas gerais no
projeto do Código Civil Brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 35, n. 139, p. 5-22, jul/set.
1998. p.8.
93

ordenamento, suprindo possíveis lacunas, com suporte também na doutrina e na


jurisprudência.213
Lenio Streck é talvez um dos maiores críticos das cláusulas gerais. O jurista considera
absolutamente antidemocrático confiar ao juiz a liberalidade de preencher o conceito dessas
cláusulas, sobretudo mediante o uso da “ponderação” de princípios, que, segundo Streck,
remete a um juízo de valor a ser feito pelo decisor, com base em escolhas fundadas em critérios
metajurídicos.
De acordo com o jurista, delegar ao juiz a tarefa de resolver o problema da textura aberta
das cláusulas gerais implica um retrocesso ao positivismo jurídico, que via na
discricionariedade do magistrado a solução para a resolução dos casos difíceis.214 Sob essa
ótica, “qualquer tribunal ou a própria doutrina poderiam “construir” princípios que
substituíssem ou derrogassem até mesmo dispositivos constitucionais, o que convenhamos, é
um passo atrás em relação ao grau de autonomia que o direito deve ter no Estado Democrático
de Direito”.215
Este trabalho adere ao raciocínio de Lenio Streck e rechaça também a ideia propagada
no sentido de que as cláusulas gerais devem ter seus conceitos preenchidos pelo juiz com base
em um critério de ponderação. Isso porque, conforme se debaterá adiante, essa tese implica uma
análise de custo/benefício a ser feita pelo decisor e leva ao enfraquecimento do caráter
normativo dos princípios, dos direitos fundamentais e da própria Constituição, abrindo espaço
para a discricionariedade e para a corrupção.
Nesse passo, a discussão que ora se inicia diz respeito aos limites a serem conferidos a
essas cláusulas gerais, de modo a frear a discricionariedade judicial e a impedir a predominância
do arbítrio, hipóteses que, seguramente, comprometem a integridade e a segurança jurídica do
ordenamento jurídico.
A propósito, a preocupação com a segurança jurídica frente à abertura interpretativa
promovida pelas cláusulas gerais do ordenamento jurídico é uma constante não só na esfera
judicial, como também na área administrativa e de controle do Estado. Esse fato motivou,
inclusive, à promoção de recentes alterações na Lei de Introdução às Normas do Direito

213
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros
para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.
p.85.
214
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas.6.ed.São Paulo:
Saraiva, 2017.Ebook.p.256-261; STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência?
6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017.p.53-54.
215
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas.6.ed.São Paulo:
Saraiva, 2017.Ebook.p.258.
94

Brasileiro – LINDB - pela Lei 13.655, de 25 de abril de 2018,216 dentre as quais se destaca a
redação dos arts. 20 e 21 da LINDB, que ora se transcrevem:

Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base
em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas
da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida
imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa,
inclusive em face das possíveis alternativas.
Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar
a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar
de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o
caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e
equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos
atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais
ou excessivos.217

Esses artigos foram regulamentados pelo Decreto nº 9.830, de 10 de junho de 2019218,


que apresenta diretrizes acerca de como deve ser a motivação das decisões em esfera judicial e
administrativa. Destaca-se, por oportuno, a redação dos arts. 2º e 3º do referido Decreto:

Motivação e decisão
Art. 2º A decisão será motivada com a contextualização dos fatos, quando cabível, e
com a indicação dos fundamentos de mérito e jurídicos.
§ 1º A motivação da decisão conterá os seus fundamentos e apresentará a congruência
entre as normas e os fatos que a embasaram, de forma argumentativa.
§ 2º A motivação indicará as normas, a interpretação jurídica, a jurisprudência ou a
doutrina que a embasaram.
§ 3º A motivação poderá ser constituída por declaração de concordância com o
conteúdo de notas técnicas, pareceres, informações, decisões ou propostas que
precederam a decisão.
Motivação e decisão baseadas em valores jurídicos abstratos
Art. 3º A decisão que se basear exclusivamente em valores jurídicos abstratos
observará o disposto no art. 2º e as consequências práticas da decisão.
§ 1º Para fins do disposto neste Decreto, consideram-se valores jurídicos abstratos
aqueles previstos em normas jurídicas com alto grau de indeterminação e abstração.
§ 2º Na indicação das consequências práticas da decisão, o decisor apresentará apenas
aquelas consequências práticas que, no exercício diligente de sua atuação, consiga
vislumbrar diante dos fatos e fundamentos de mérito e jurídicos.

216
BRASIL. Lei nº 1.655, de 25 de abril de 2018. Inclui no Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criaçãoe na
aplicação do direito público. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 26 abr. 2018.
217
BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
Diário Oficial da União: 9 set. 1942.
218
BRASIL. Decreto nº 9.830, de 10 de junho de 2019. Regulamenta o disposto nos art. 20 ao 30 do Decreto-Lei
nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, que institui a Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro. Diário
Oficial da União: Brasília, DF, 11 jun. 2019.
95

§ 3º A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta,


inclusive consideradas as possíveis alternativas e observados os critérios de
adequação, proporcionalidade e de razoabilidade.219

Percebe-se que a legislação busca tornar mais rigorosa a fundamentação das decisões
proferidas pelos agentes públicos em âmbito administrativo e judicial, sobretudo quando
embasadas em normas de conteúdo abstrato. Impõe-se que os decisores não só contextualizem
os fatos, indicando os fundamentos fáticos e jurídicos que motivaram a decisão e embasando-a
em normas, doutrina ou jurisprudência, como também indiquem as possíveis consequências
práticas que poderão advir da decisão.
Embora o § 3º do art. 3º do mencionado regulamento fale em aplicação do “postulado
da proporcionalidade”, o que, conforme se demonstrará adiante, pressupõe um grau de
subjetivismo daquele que profere a decisão, há uma sinalização de que o decisor deverá
considerar as “possíveis alternativas” viáveis no caso concreto, o que, a nosso ver, já aumenta
o seu ônus argumentativo, conferindo-lhe maior responsabilidade ao fundamentar a decisão.
Segundo Marcus Vinícius Motter Borges, o primeiro limite que se apresenta às cláusulas
gerais é a legalidade, ou seja, “diante da presença, no ordenamento, de normatização expressa
ou indiretamente aplicável, o julgador deve preferir a sua aplicação para a solução do caso
concreto.”.220 Essa é a linha de raciocínio adotada nesta pesquisa.
O segundo parâmetro limitador, na visão desse mesmo autor, decorre da Constituição
Federal e da própria legislação processual, qual seja, o dever de fundamentação da decisão. O
julgador atrai para si o ônus de demonstrar substancialmente que a aplicação da cláusula geral
é a melhor opção para a garantir a proteção do direito material ameaçado.
Por fim, o terceiro limite apontado por Borges diz respeito ao “resultado do cotejo entre
as consequências do uso da cláusula geral e as peculiaridades do caso concreto”, por meio da
aplicação da “regra da proporcionalidade”, que será objeto de nossas críticas.221
Desde a aprovação da lei 13.105/2015, a doutrina tem se dedicado a fixar os parâmetros
para que se viabilize a aplicação do art. 139, IV, do CPC, em consonância com as disposições
constitucionais.

219
BRASIL. Decreto nº 9.830, de 10 de junho de 2019. Regulamenta o disposto nos art. 20 ao 30 do Decreto-Lei
nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, que institui a Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro. Diário
Oficial da União: Brasília, DF, 11 jun. 2019.
220
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros
para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.
p.85.
221
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019. p.87-88.
96

Perceba-se que nos colocamos agora diante da mesma discussão que fora outrora
travada por força de reforma ao CPC de 1973, quando nele se introduziu o § 5º do art. 461, com
redação dada pela Lei 8.952/1994, conforme se expôs no capítulo 3, item 3.2 deste ensaio. Foi
quando se introduziu a atipicidade das medidas executivas no sistema processual brasileiro,
gerando entre os estudiosos inquietação em relação à necessidade de se fixarem limites para a
imposição de medidas executivas ditas inominadas.
Tal como se demonstrou, a solução encontrada à época pela literatura jurídica, muito
influenciada pela teoria da argumentação de Robert Alexy, apontava para a necessidade de se
aplicar a “regra da proporcionalidade” para realizar a concordância prática entre direitos
fundamentais em conflito.222 Acreditava-se que, desse modo, se poderia conferir uma
interpretação constitucional à execução indireta. Porém, como se pôde concluir anteriormente,
ao tempo da vigência do antigo Código, a preferência se deu pela adoção das medidas típicas
exemplificadas do art. 461 e, sobretudo, pela aplicação de multas. Não se teve notícias de
decisões inusitadas e discricionárias com base na aplicação daquele dispositivo legal.
Situação diversa é a que vem ocorrendo no contexto de aplicação do art. 139, IV, do
CPC de 2015. Logo no início de sua vigência, ganhou notoriedade decisão judicial proferida
em 25/8/2016 pelo Juízo da 2ª Vara Cível do Foro Regional XI – Pinheiros, na Comarca de São
Paulo, no processo judicial nº 4001386-13.2013.8.26.0011.223 Trata-se de execução de título
extrajudicial, em que o juízo da execução atendeu a requerimento formulado pelo exequente e
determinou, simultaneamente, a suspensão da CNH do executado, a apreensão de seu
passaporte e o cancelamento de seus cartões de crédito, até o pagamento da dívida.224
A magistrada fundamentou sua decisão nas possibilidades conferidas pela redação
genérica do art. 139, IV, do CPC, consignando que a medida escolhida deverá ser
“proporcional”, sem que ofenda os princípios e garantias assegurados na Constituição, o que se
demonstra por meio da transcrição do seguinte trecho:

222
Nossa crítica a esse raciocínio será apresentada adiante, no ponto que tratará especificamente do critério da
proporcionalidade proposto pela doutrina para conferência de limites ao art. 139, IV, do CPC.
223
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça (Comarca São Paulo). Decisão interlocutória processo nº 4001386-
13.2013.8.26.0011. 2ª Vara Cível do Foro Regional XI – Pinheiros. Juíza Andrea Ferraz Musa. Data da decisão:
25/8/2016.
224
Essa decisão foi comentada em diversos estudos sobre o tema, a exemplo do artigo de SILVA, Bruno Campos,
SOUZA, Diego Crevelin de; ROCHA, Jorge Bheron. Medidas indutivas inominadas: o cuidado com o fator
shylockiano do art. 139, IV, CPC. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e
TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 705-713.
(Grandes Temas do Novo CPC, 11).
97

[...]
A medida escolhida, todavia, deverá ser proporcional, devendo ser observada a regra
da menor onerosidade ao devedor (art. 805 do Código de Processo Civil). Por fim,
necessário observar que a medida eleita não poderá ofender os direitos e garantias
assegurados na Constituição Federal. Por exemplo, inadmissível será a prisão civil por
dívida.
Todavia, a gama de possibilidades que surgem, a fim de garantir a efetividade da
execução são inúmeras, podendo garantir que execuções não se protelem no tempo,
nem que os devedores usem do próprio processo para evitar o pagamento da dívida.
[...]
O caso tratado nos autos se insere dentre as hipóteses em que é cabível a aplicação do
art. 139, inciso IV, do Código de Processo Civil. Isso porque o processo tramita desde
2013 sem que qualquer valor tenha sido pago ao exequente. Todas as medidas
executivas cabíveis foram tomadas, sendo que o executado não paga a dívida, não
indica bens à penhora, não faz proposta de acordo e sequer cumpre de forma adequada
as ordens judiciais, frustrando a execução.
Se o executado não tem como solver a presente dívida, também não recursos (sic) para
viagens internacionais, ou para manter um veículo, ou mesmo manter um cartão de
crédito. Se, porém, mantiver tais atividades, poderá quitar a dívida, razão pela qual a
medida coercitiva poderá se mostrar efetiva.
Assim, como medida coercitiva objetivando a efetivação da presente execução, defiro
o pedido formulado pelo exequente, e suspendo a Carteira Nacional de Habilitação do
executado Milton Antônio Salerno, determinando, ainda, a apreensão de seu
passaporte, até o pagamento da presente dívida.225

Em seguida, a decisão foi suspensa quanto à apreensão de passaporte e CNH, por força
da concessão de liminar no habeas corpus nº 2183713-85.2016.8.26.0000,226 impetrado pelo
executado. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por maioria, ao conceder a liminar,
entendeu que as medidas executivas aplicadas são desproporcionais, e que, além de não
alcançarem necessariamente a efetividade pretendida, violam a dignidade do devedor,
porquanto restringem a sua liberdade de locomoção.
Entretanto, a decisão proferida no referido habeas corpus, à época, não foi unânime.
Houve um voto divergente, que deliberou pela denegação da ordem, embasado no mesmo
postulado da proporcionalidade, utilizado como critério nas duas decisões anteriormente
referidas, senão vejamos pela transcrição de parte do teor do voto divergente:

[...]
Para tanto, memorável a noção de que a medida em comento tem caráter excepcional
e encontra limites no plano da proporcionalidade, como sustenta o ilustrado
Magistrado paulista Fernando da Fonseca Gajardoni [...]. E, para análise da
proporcionalidade, a ponderação deve observar os três passos apontados pela
doutrina: a necessidade, a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito.

225
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça (Comarca São Paulo). Decisão interlocutória processo nº 4001386-
13.2013.8.26.0011. 2ª Vara Cível do Foro Regional XI – Pinheiros. Juíza Andrea Ferraz Musa. Data da decisão:
25/8/2016.
226
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Processo HC 2183713-85.2016.8.26.0000. 30ª Câmara de Direito Privado.
Relator: Desembargador Marcos Ramos. Data de julgamento: 29/03/2017.
98

Com base nas lições do Tribunal Constitucional Alemão, o subprincípio da adequação


depende da aferição se as medidas são aptas a atingir os objetivos pretendidos; pela
necessidade, avalia-se a existência de outros meios “igualmente eficaz na consecução
dos objetivos pretendidos”, e a proporcionalidade em sentido estrito assume o
“controle de sintonia fina” entre os meios e fins (ibidem). Os pedidos da exequente,
portanto, devem ser avaliados sob tal enfoque – oportunidade em que tenho
justificáveis.
Vejamos, a dívida contraída há muito vem sendo protelada pelo executado, esgotados
os demais meios adequados de lhe compelir ao pagamento. A necessidade, portanto,
está bem delineada já que a frustração dos meios ordinários implica na adoção das
medidas atípicas do artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil. No mesmo
sentido, a cassação da Carteira Nacional de Habilitação e do passaporte denotam
adequação, inequívoca a eficácia para a consecução do objetivo do dispositivo legal.
Do exposto, nota-se que estamos diante de devedor contumaz, com diversos processos
distribuídos, conforme cópias juntadas aos autos. O fato dele não poder dirigir, em
absoluto retira o direito de ir e vir de alguém, pois ele pode se locomover, apenas não
dirigindo o próprio carro. E, quanto à apreensão do passaporte, o objetivo é evitar
novos gastos, com viagens ao exterior, já que o executado está muitíssimo endividado .
Conclusivamente, pelo meu voto, DENEGO a ordem.227

A partir desse quadro, a polêmica restou instaurada em torno da temática em comento.


Vasta produção bibliográfica começou a surgir sobre a matéria, debruçando-se a literatura
especializada na fixação de limites para a determinação das medidas coercitivas atípicas
embasadas na redação do art. 139, IV, do CPC. Aliás, antes mesmo da vigência do novo CPC,
parcela da doutrina já antevia a possibilidade de haver abusos cometidos pelos órgãos
jurisdicionais, pautados na cláusula geral do referido dispositivo, razão pela qual já se falava,
inclusive, na possibilidade de controle da decisão pela via do agravo de instrumento.228
Não se pretende, neste trabalho, retomar toda a discussão doutrinária ofertada a partir
de então, o que já foi feito com esmero por Marcos Youji Minami em sua obra de referência
sobre o tema, que muito nos auxiliou no desenvolvimento das ideias aqui expostas.229
Na presente pesquisa, far-se-á alusão tão-somente às principais sugestões apontadas pela
doutrina, de forma geral, para traçar os parâmetros para a aplicação do art. 139, IV, do CPC,
bem como a algumas decisões jurisprudenciais que julgamos mais relevantes sobre a matéria
proferidas até o momento. Ao final, registraremos nossa impressão em relação aos critérios

227
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Processo HC 2183713-85.2016.8.26.0000. 30ª Câmara de Direito Privado.
Relator: Desembargador Marcos Ramos. Data de julgamento: 29/03/2017. Declaração de voto assinada pela
Desembargadora Maria Lúcia Pizzotti, disponibilizada em 6/4/2017.
228
“Evidentemente, o eventual uso de medidas indutivas/coercitivas para assegurar o cumprimento de ordem
judicial que reconheça e imponha o cumprimento de obrigação de qualquer natureza, estará sujeito a controle
por agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único, CPC/2015). Afinal, a capacidade de a interpretação
extensiva do dispositivo trazer resultados positivos para a causa da efetividade da execução é igualmente
proporcional à possibilidade de que sejam excedidos os limites do razoável, com a prática de verdadeiros abusos
judiciais contra inadimplentes.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A revolução silenciosa da execução por
quantia. Revista Jota. 24.08.2015.
229
MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.
Salvador: Juspodium, 2019.
99

sugeridos, bem como ofertaremos nossa própria contribuição em torno do assunto, sempre com
a intenção de contribuir para o alcance da efetividade do sistema executivo, sem desrespeito a
direitos fundamentais e à dignidade dos sujeitos processuais.

4.2.1. O direito fundamental a uma atividade jurisdicional efetiva e a flexibilização


procedimental

Antes, porém, de se passar à análise dos parâmetros sugeridos pela literatura jurídica
para uma melhor aplicação do art. 139, IV, do CPC, faz-se necessário perquirir sobre as razões
que levaram à redação do dispositivo, descortinando qual a teoria, ou mesmo ideologia, está
por trás dessa cláusula geral.
Inicialmente, recorde-se que, como dito alhures, já no final da década de oitenta
Michelle Taruffo, ao apresentar um comparativo entre os sistemas processuais de alguns países,
demonstrava grande preocupação com a efetividade do sistema executivo italiano, ainda muito
voltado ao uso dos mecanismos executivos típicos de execução direta, sem levar em conta o
surgimento do que denominou de “novos direitos”.230 O autor alertava, todavia, que esse não
era um problema restrito ao ordenamento jurídico italiano, pois se fazia presente também no
ordenamento de outros países europeus e, sobretudo, nos da América Latina, de tradição
jurídica romano-germânica.
O referido jurista, em seu relatório comparatístico, concluiu ser mais eficiente, nesse
aspecto, o modelo executivo desenvolvido pelo sistema common law, em que se concedia uma
maior discricionariedade às cortes para escolher o instrumento executivo que se mostrasse mais
adequado ao caso concreto. Isso porque, nesse sistema, há muito já se demonstrava grande
preocupação com os litígios complexos que ultrapassavam a esfera individual dos sujeitos
processuais, configurando a chamada litigância de interesse público ou institucional litigation.
Esse modelo jurisdicional de interesse público teve suas bases fixadas a partir do
precedente Brawn vs. Board of Education of Topeka, de 1954, em que a Suprema Corte norte-
americana, por meio de decisão emblemática, superou o precedente Plessy vs. Ferguson, de
1886, que permitia a segregação racial nos EUA, desde que garantida a igualdade de tratamento
entre as pessoas. A Suprema Corte, então, reconheceu a inconstitucionalidade da então

230
TARUFFO, Michelle. A atuação executiva dos direitos: perfis comparatísticos. Tradução de Teresa Celina de
Arruda Alvim Pinto. Revista de Processo. São Paulo: RT, 1990, n. 59. p. 72-97.
100

prevalecente concepção “separados, mas iguais” e determinou a dessegregação racial nas


escolas públicas norte-americanas.231
Ocorre que a ordem de dessegregação, ditada pela Suprema Corte em 1954, encontrou
grande resistência, sobretudo em Estados do Sul do país, que mantiveram a separação racial.
Esse fato levou a Suprema Corte a reforçar o precedente, por meio da decisão conhecida como
Brawn vs. Board of Education II, em 1955, na qual a Corte acabou, desta vez, por determinar
diversas medidas concretas que deveriam ser cumpridas (injunctions) para se efetivar a
dessegregação, tais como reformas de prédios, contratação de profissionais especializados,
dentre outras. A decisão fixou, ainda, penalidades em caso de descumprimento da ordem.232
A partir de então, difundiu-se a noção de que os meios executivos tradicionais,
sobretudo os sub-rogatórios, não se mostram suficientes para a satisfação da tutela executiva,
sobretudo quando se trata de execução de políticas públicas, que envolve bastante
complexidade. Por essa razão, formou-se a convicção de que devem ser atribuídos ao juiz
“poderes indeterminados para a fixação dos meios executivos (sub-rogatórios e coercitivos)
mais adequados ao conteúdo do direito a ser satisfeito.”.233
Essa ideia foi reforçada na segunda metade do século XX, sobretudo na década de
setenta, após a conclusão do relatório resultante do “Projeto Florença de Acesso à Justiça”,
idealizado pelo jurista Mauro Cappelletti, tal como relatado no item 2.2 do trabalho.
Isso porque, no auge do movimento em prol da socialização processual, a doutrina,
influenciada pela reforma processual de Klein, na Áustria, e pelos influxos da terceira onda
renovatória de acesso à justiça proposta no relatório do Projeto Florença, passou a defender a
necessidade de se promover a eficiência processual, por meio da implementação de reformas
processuais, simplificação de procedimentos, eliminação do formalismo e busca de meios
alternativos para resolução de conflitos (Aternative Dispute Resolutions – ADRs).
O Brasil, reitere-se, embora não tenha vivenciado, em sua prática social e processual, as
ressonâncias do Estado de Bem-Estar Social, assimilou os impactos do neoliberalismo234 a

231
MORATO, Luciana Cecília. Implementação comparticipada de medidas estruturantes na litigância de
interesse público. 2019. 155f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019.
232
MORATO, Luciana Cecília. Implementação comparticipada de medidas estruturantes na litigância de
interesse público. 2019. 155f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019. p. 33.
233
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003. p.122.
234
Nas palavras de Helena Freitas, “a ideologia político-econômica-neoliberal constrói-se a partir de um discurso
que assegura benefícios para o mercado, para a elite dominadora, a partir de uma desregulamentação, que almeja
implementação da liberdade mercadológica. No viés neoliberal, é o mercado, portanto, que dita as regras, em
nome de um suposto desenvolvimento político-econômico [...]. A eficiência mostra-se compatível com esse
101

partir de 1980, com sua adesão ao pacote de medidas impostas pelo Banco Mundial, pelo FMI
e pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, por ocasião do Consenso de Washington,
com vistas a implementar políticas voltadas ao atendimento dos interesses da economia de
mercado.235
Esse fato refletiu nas reformas processuais subsequentes, porque o documento então
firmado pelo Brasil perante o Banco Mundial236 continha a exigência de que os países da
América Latina então compromissados realizassem modificações em seus sistemas jurídicos,
sobretudo na estrutura do Poder Judiciário, para torná-lo mais “eficiente”, trazendo maior
celeridade e previsibilidade à resolução dos conflitos, favorecendo a lógica da produtividade e
facilitando as transações financeiras. Conforme explica Dierle Nunes, esse novo modelo
jurisdicional deveria assegurar:

a) uma uniformidade decisional que não levaria em consideração as peculiaridades do


caso concreto, mas asseguraria alta produtividade decisória, de modo a assegurar
critérios de excelência e de eficiência requeridos pelo mercado financeiro; e/ou b) a
defesa da máxima sumarização da cognição que esvaziaria, de modo inconstitucional,
a importância do contraditório e da estrutura comparticipativa processual que
garantem procedimentos de cognição plena para o acertamento dos direitos.237

Com isso, o processo acabou, naquele momento, perdendo de vista a sua possível função
garantidora de direitos fundamentais e de controle do poder decisório, assumindo de fato um
papel de instrumento da jurisdição, que, por sua vez, se tornou instrumento útil ao mercado
financeiro. Não é por outra razão que Ugo Mattei e Laura Nader afirmam que “o Poder
Judiciário pode tornar-se instrumento de opressão quando se submete ao poder político, a tal
ponto que renuncia a sua função de proteger direitos.”238

discurso, pois sua base conceitual é econômica, com a busca da maximização a riqueza, a partir do maior
aproveitamento da relação custo-benefício.” (FREITAS, Helena Patrícia. Eficiência da jurisdição: necessidade
de sua (des)construção para efetivação do modelo constitucional de processo. Belo Horizonte: D’Plácido, 2019.
p. 37-38)
235
“A partir da década de 1990, os governos Collor e Fernando Henrique Cardoso colocaram em curso boa parcela
das medidas do Consenso de Washington, entre elas, uma ampla privatização dos serviços públicos, contra a
qual o Poder Judiciário não exerceu grandes controles (...). Reforçou-se, em nosso país, o discurso neoliberal do
fundamentalismo do livre mercado.” NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica
das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 158).
236
Referimo-nos ao documento técnico nº 319, denominado “O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe:
elementos para reforma”, datado de 1996. (DAKOLIAS, Maria. O setor Judiciário na América Latina e no
Caribe: elementos para reforma. Tradução de Sandro Eduardo Sardá. Washington, D.C: Banco Mundial, 1996)
237
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 159.
238
MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. Tradução de Jefferson Luiz
Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2013.p.247.
102

A propósito, em sua obra “Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal.”, 239 Ugo
Mattei e Laura Nader demonstram como a ideologia neoliberal se propagou e se fortaleceu
exatamente porque teve o apoio do próprio Estado de Direito dos países-alvo. Sem que se
dessem conta, esses países, ao permitirem a moldagem de suas estruturas jurídicas em
consonância com os padrões e os anseios neoliberais, acabaram por facilitar o processo de
pilhagem a que foram submetidos, ou seja, à apropriação de seus bens por meio da fraude
perpetrada pelas economias dominantes.
Paralelamente, neste mesmo cenário, o Brasil se via imerso nos ideais da nova
Constituição, promulgada em 1988, que elevou o Estado Democrático de Direito à condição de
princípio fundamental. Ao mesmo tempo em que se entregava nos braços da ideologia
neoliberal, o País precisava encontrar um modo de efetivar os direitos fundamentais inscritos
na sua nova Carta constitucional, os quais, de acordo com seu art. 5º, §1º, têm eficácia imediata.
Vislumbrava-se nada mais do que um emaranhado de contradições.240
Dez anos mais tarde, a eficiência foi inserida no texto constitucional como princípio
expresso da Administração Pública, a partir da promulgação da Emenda Constitucional 19/98,
conhecida como “reforma administrativa”, impondo à Administração Pública em geral que
desenvolvesse uma gestão estratégica voltada para o cumprimento de metas e obtenção de
resultados, com otimização de gastos públicos e desburocratização da máquina
administrativa.241
Esse panorama favoreceu a construção do teor das legislações processuais reformistas
implementadas no sistema processual brasileiro a partir dos anos dois mil, sempre voltadas a
trazer eficiência ao sistema, por meio da redução do formalismo, alcance da celeridade, maior
adequação do procedimento aos casos concretos e introdução de técnicas de padronização
decisória.
Em 2004, a Constituição recebeu a EC 45/04, conhecida como “reforma do Judiciário”,
que colocou a eficiência como meta da jurisdição.242 A razoável duração do processo alcançou

239
MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. Tradução de Jefferson Luiz
Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
240
“Desse modo, as medidas governamentais tiveram que adequar a leitura que se fazia do Texto da Constituição
de 1988, recém-promulgada, de modo a impedir que os direitos nela assegurados, v.g. a proibição de juros
superiores a 12% ao ano, impedissem o fortalecimento e o agigantamento do sistema financeiro, que já
governava o sistema político.” (NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das
reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2012. p. 158).
241
FREITAS, Helena Patrícia. Eficiência da jurisdição: necessidade de sua (des)construção para efetivação do
modelo constitucional de processo. Belo Horizonte: D’Plácido, 2019. p.112-115.
242
FREITAS, Helena Patrícia. Eficiência da jurisdição: necessidade de sua (des)construção para efetivação do
modelo constitucional de processo. Belo Horizonte: D’Plácido, 2019. p.115-120.
103

status de direito fundamental com a introdução do inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição.243


A partir disso, foram surgindo mecanismos processuais voltados à concretude dessa meta, tais
como edição de súmulas vinculantes, criação de técnicas de filtragem para barrar a subida de
recursos aos Tribunais Superiores, bem como ampliação dos poderes do relator nos recursos.
Preparava-se ainda mais o palco para a consolidação do modelo neoliberal. Soma-se a
isso a aposta feita no aumento do protagonismo dos magistrados, por meio da introdução de
mais e mais cláusulas gerais ao sistema processual, relegando ao julgador o papel de corrigir as
mazelas sociais, quando, em verdade, representa mais uma marionete da política neoliberal
adotada.
Retomou-se na doutrina brasileira da época o antigo discurso publicista voltado para a
existência de escopos metajurídicos do processo e da jurisdição.244 De acordo com os
defensores dessa concepção, o sistema processual deve ser visto sob um ângulo externo, que
vai além da esfera jurídica, ou seja, o processo deve absorver os valores sociais e políticos da
nação, para que possa alcançar como resultado a pacificação social.245
Sob esse viés, conforme já se apontou outrora, o processo é visto como instrumento da
jurisdição, que propicia ao julgador, dotado de sabedoria, sensibilidade e discricionariedade,
promover o equilíbrio nas relações sociais, já que ele é virtuoso o bastante para saber o que é
bom para a sociedade. Isso implica dizer que o processo se submete a toda uma carga
axiológica, que retira dele o seu aspecto eminentemente jurídico.
A partir dos resultados apresentados no relatório do Projeto Florença, juristas brasileiros
adeptos à socialização processual246 propagaram a ideia de que o processo deve se aproximar
ao máximo do direito material, não podendo constituir um fim em si mesmo. Por isso, passaram
a defender veementemente o fim do formalismo excessivo247, mediante a eliminação de

243
Art. 5º, XXVIII, da CF: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
244
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1987.
245
FERNANDES, Bernardo Gonçalves; PEDRON, Flávio Quinaud. O Poder Judiciário e(m) crise. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 57.
246
Citam-se a título de exemplo Cândido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe, Humberto Theodoro Júnior e Luiz
Guilherme Marinoni.
247
Conforme explica Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, o termo “formalismo” se refere tradicionalmente à forma
em sentido amplo, ou seja, à totalidade formal do processo, o que inclui a delimitação dos poderes, faculdades
e deveres dos sujeitos processuais, a ordenação do procedimento e a organização do processo como um todo.
Não se trata, portanto, de algo negativo, ao contrário, o formalismo é necessário. O jurista, ao se referir ao
formalismo em sentido pejorativo, ou seja, em situações em que o apego excessivo à forma acaba prejudicando
a finalidade do processo, optou por adotar o termo “formalismo excessivo”. Nas palavras do mencionado autor:
“O formalismo processual contém, portanto, a própria ideia do processo como organização da desordem,
emprestando previsibilidade a todo o procedimento. Se o processo não obedecesse a uma ordem determinada,
cada ato devendo ser praticado a seu devido tempo e lugar, fácil entender que o litígio desembocaria numa
disputa desordenada, sem limites ou garantias para as partes, prevalecendo ou podendo prevalecer a
104

entraves processuais impeditivos do amplo acesso à justiça, propondo modificações na estrutura


do processo, sobretudo com vistas a trazer maior efetividade e celeridade ao iter procedimental,
com diminuição de custos.
Destacam-se, nesse ponto, os trabalhos do jurista paranaense Luiz Guilherme Marinoni,
que se debruçou a uma ferrenha crítica ao procedimento ordinário clássico, elegendo-o como
um dos principais obstáculos ao efetivo acesso à justiça, porquanto embasado na ideologia
liberal, mais preocupada com a tutela ressarcitória do que com a tutela específica dos direitos.
Desejoso de romper com esse modelo, Marinoni se dedicou ao estudo das tutelas diferenciadas,
da tutela preventiva (inibitória) e dos meios alternativos de resolução de conflitos.248
O referido autor muito se destaca também por superestimar os poderes do juiz e das
cortes superiores, como órgãos aptos a conferir a melhor interpretação às regras processuais,
em conformidade com os preceitos da Constituição e com os “escopos socais do processo”.
Apresenta-se como um dos maiores entusiastas da criação de normas processuais abertas e da
supressão de omissões legislativas pelo magistrado, por acreditar que estas se traduzem na
melhor forma de se chegar à satisfação do direito material, haja vista que permitem a
individualização das necessidades de cada caso em concreto. Nas palavras de Marinoni:

A obrigação de compreender as normas processuais a partir do direito fundamental à


tutela jurisdicional e, assim, considerando as várias necessidades de direito
substancial, dá ao juiz o poder-dever de encontrar a técnica processual idônea à
proteção (ou à tutela) do direito material.
O encontro da técnica processual adequada exige a interpretação da norma processual
de acordo com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, e também, para se
evitar a declaração de sua inconstitucionalidade, o seu tratamento através das técnicas
de interpretação conforme e da declaração parcial de nulidade sem redução de texto.
[...]
Por outro lado, o legislador está consciente, hoje, de que deve dar aos jurisdicionados
e ao juiz maior poder para a utilização do processo. É por isso que institui normas
processuais abertas (como a do art. 461 do CPC), ou seja, normas que oferecem um
leque de instrumentos processuais, dando ao cidadão o poder de construir o modelo
processual adequado e ao juiz o poder de utilizar a técnica processual idônea à tutela
da situação concreta.
[...]
Além disso, as necessidades do caso concreto podem reclamar técnica processual não
prevista em lei, quando o juiz poderá suprir a omissão obstaculizadora da realização

arbitrariedade e a parcialidade do órgão judicial ou a chicana do adversário. Não se trata, porém, apenas de
ordenar, mas também de disciplinar o poder do juiz, e, nessa perspectiva, o formalismo processual atua como
garantia de liberdade contra o arbítrio dos órgãos que exercem o poder do Estado. Pondere-se, dentro dessa
linha, que a realização do procedimento deixada ao simples querer do juiz, de acordo com as necessidades do
caso concreto, acarretaria a possibilidade de desequilíbrio entre o poder judicial e o direito das partes. E dessa
maneira poderia fazer até periclitar a igual realização do direito material, na medida em que a discrição do órgão
judicial, quanto ao procedimento e o exercício da atividade jurisdicional, implicaria o risco de conduzir a
decisões diversas sobre a mesma espécie de situação fática material, impedindo uma uniforme realização do
direito.”. (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1997. p.
6-8).
248
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2000.
105

do direito fundamental à tutela jurisdicional, mediante o que se pode denominar de


técnica de controle da inconstitucionalidade por omissão.
É fácil perceber que, em todas essas situações, a lei processual é pensada segundo as
necessidades de direito material particularizadas no caso concreto. A compreensão do
processo à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional requer a percepção da
natureza instrumental da norma processual, isto é, de que ela deve permitir ao juiz
encontrar uma técnica processual idônea à tutela das necessidades do caso
conflitivo.249

De acordo com Marinoni, o controle das decisões judiciais, nesses casos, deve ser feito
a partir da aplicação da regra da proporcionalidade, considerando as sub-regras da adequação e
da necessidade, bem como pela justificativa por parte do juiz quanto ao raciocínio decisório
aplicado. São essas possibilidades de controle que, segundo o jurista, conferem legitimidade e
racionalidade à decisão, afastando-a do arbítrio.250
Bernardo Gonçalves Fernandes e Flávio Quinaud Pedron, em obra cuja perspectiva
muito se alinha ao ponto de vista adotado na presente pesquisa, criticam o posicionamento de
Marinoni, ao argumento de que se encontra muito alinhado à ideologia do Estado de Bem-Estar
Social e à jurisprudência dos valores, cujas bases remontam à teoria axiológica de Robert Alexy.
Nas palavras desses dois autores:

Nunca é demais lembrar que a teoria axiológica, ora criticada, busca fugir da
discricionariedade, mas acaba por se afundar ainda mais na mesma. Isso ocorre na
medida em que, se as normas são tratadas como valores, elas viram questões de
preferências (o que é preferível ao invés do que seja devido), ficando atreladas a uma
racionalidade meramente INSTRUMENTAL. Portanto, a fundamentação das
decisões judiciais pautada em argumentos jurídico-normativos (com vistas a um
“acesso à justiça” qualitativo) cai por terra, já que questões políticas (ou éticas, ou
morais ou pragmáticas) podem sobrepor-se a questões jurídicas, no momento de
aplicação do direito.251

Em sentido contrário, Bernardo Gonçalves Fernandes e Flávio Quinaud Pedron


constroem fundamentos para um acesso à justiça em sentido qualitativo, compatível com uma
Teoria da Constituição e uma Teoria Geral do Processo e em harmonia com o paradigma do
Estado Democrático de Direito. Para tanto, advertem sobre os perigos da busca pela efetividade
do processo a qualquer custo, a partir de recorrentes reformas do sistema processual, porquanto
podem estas acabar suprimindo garantias fundamentais dos sujeitos processuais a troco de
celeridade, em patente retrocesso.

249
MARINONI, Luiz Guilherme. A legitimidade da atuação do juiz a partir do direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva. Revista da Escola Nacional de Magistratura, v. 1, n. 1, abr. 2006. p. 69-71.
250
MARINONI, Luiz Guilherme. A legitimidade da atuação do juiz a partir do direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva. Revista da Escola acional de Magistratura, v. 1, n. 1, abr. 2006.p. 74-75.
251
FERNANDES, Bernardo Gonçalves; PEDRON, Flávio Quinaud. O Poder Judiciário e(m) crise. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 168.
106

Fincando seu marco teórico no pensamento de Ronald Dworkin e Jürgen Habermas,


Bernardo Fernandes e Flávio Pedron rechaçam qualquer tipo de reforço ao protagonismo do
Estado-juiz no âmbito do processo, mostrando-se adeptos a uma noção de soberania difusa, na
qual o Estado é apenas um dentre os diversos atores sociais. Com Habermas, tratam a questão
do acesso à justiça sob uma ótica procedimental, compreendendo que o efetivo acesso à justiça
qualitativo e a legitimidade das decisões só podem ser alcançados se forem assegurados a todos
os partícipes do discurso processual iguais garantias e liberdades subjetivas de participação no
decorrer do procedimento.252
Sob essa ótica, os autores alertam para o fato de que a postura adotada por Cândido
Rangel Dinamarco, Marinoni, e por outros processualistas de renome no Brasil que militam em
prol do favorecimento à discricionariedade e à criatividade do juiz, bem como da equiparação
das normas a valores, acaba por retirar a legitimidade das decisões, tornando-as cada vez mais
utilitaristas, retira a carga deontológica das normas e favorece a panaceia jurídica através da
livre interpretação.
Esse cenário, segundo eles, nada tem a ver com o Estado Democrático de Direito, que
pressupõe ampla participação dos destinatários na construção das decisões que os afetam. Isso
porque, no âmbito de uma sociedade plural, em que as pessoas pensam e agem de modo distinto,
é impossível que um juiz possa, sozinho, identificar o que é melhor para as pessoas.
O apelo à eficiência do processo teve considerável expressão no final do século XX,
sobretudo porque se encontrava em voga toda uma discussão em torno da necessidade, como já
dito, de conferir plena eficácia aos direitos fundamentais. Ultrapassando uma dimensão
meramente subjetiva desses direitos, no sentido de faculdades e poderes conferidos aos seus
titulares, ganhou enfoque a percepção sobre a dimensão objetiva dos direitos fundamentais,
consistente em prestações positivas pelo Estado253, a fim de possibilitar que os cidadãos de fato
desfrutem dos direitos e das garantias assegurados pelas normas.
Sob esse viés, o olhar se voltou em grande medida para a atuação dos órgãos
jurisdicionais, ou seja, para a forma como estruturam os procedimentos para propiciar a
concretude dos direitos fundamentais pelo povo. Subsiste a noção de que a ordem jurídica é una
e de que a Constituição impõe sua força normativa tanto na esfera pública quanto na esfera

252
FERNANDES, Bernardo Gonçalves; PEDRON, Flávio Quinaud. O Poder Judiciário e(m) crise. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008.
253
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 523-542.
107

privada. Os direitos fundamentais, nessa linha de raciocínio, necessitam de proteção tanto em


relação a possíveis ameaças do Estado quanto dos agentes privados.254
A partir de tais premissas, os processualistas passaram a considerar que houve um
encontro entre a teoria processual e a teoria dos direitos fundamentais, levando em conta,
principalmente, o estabelecimento das garantias processuais pela Constituição,
consubstanciadas na cláusula do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), dotada de conteúdo
complexo (garantia do contraditório e da ampla defesa, do acesso à jurisdição e de sua
inafastabilidade, fundamentação das decisões, direito ao advogado, processo sem dilações
indevidas). A doutrina passou a extrair desta cláusula o que se poderia denominar, dentre outras
terminologias, de “direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva”.255
De acordo com Marcelo Lima Guerra, passou-se a compreender que da cláusula do
devido processo legal decorre um “direito fundamental à tutela executiva”, o que implica a
exigência de um sistema completo de tutela jurisdicional executiva, apto a entregar a rápida e
integral satisfação do direito consubstanciado no título executivo. Nas palavras do referido
autor, isso significa que:

a) o juiz tem o poder-dever de interpretar as normas relativas aos meios executivos


de forma a extrair delas um significado que assegure a maior proteção e efetividade
ao direito fundamental à tutela executiva;
b) o juiz tem o poder-dever de deixar de aplicar normas que imponham uma
restrição a um meio executivo, sempre que tal restrição – a qual melhor caracteriza-
se, insista-se, uma restrição ao direito fundamental à tutela executiva – não for
justificável pela proteção devida a outro direito fundamental, que venha a prevalecer,
no caso concreto, sobre o direito fundamental à tutela executiva;
c) o juiz tem o poder-dever de adotar os meios executivos que se revelem
necessários à prestação integral de tutela executiva, mesmo que não previstos em lei,
e ainda que expressamente vedados em lei, desde que observados os limites impostos
por eventuais direitos fundamentais colidentes àquele relativo aos meios
executivos.256

254
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno da
vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Boletim Científico Escola Superior do Ministério
Público da União. Brasília, v. 4, n. 16.p.193-259, jul.2005.
255
“Entre os valores processuais que integram o vasto conteúdo do direito fundamental ao processo devido está
aquele que costuma ser enunciado pela famosa fórmula cunhada por Chiovenda, segundo a qual “o processo
deve dar à parte vitoriosa tudo aquilo e exatamente aquilo...”. Tal exigência tem recebido as mais diversas
denominações, nas últimas décadas, tendo sido chamada, entre os processualistas de: “garantia da efetividade
do processo”, “princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional”, “garantia (ou princípio) do direito de
ação”, “garantia do acesso à justiça” e “garantia de acesso à ordem jurídica justa”, enquanto os
constitucionalistas preferem as expressões “direito (fundamental) à tutela efetiva”, “direito ao processo devido”
e “direito fundamental de acesso aos tribunais” (GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção
do credor na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 101).
256
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003. p.103-104.
108

Ainda segundo esse autor, quando os meios executivos previstos em lei são insuficientes
para proporcionar a satisfação do direito do credor, tem-se uma ausência de prestação da tutela
jurisdicional, na medida em que houve uma clara violação do direito fundamental à tutela
executiva.
Por essa razão, já no final da década de noventa e início dos anos dois mil, como vimos,
Marcelo Lima Guerra levantou a bandeira de que a Constituição autoriza o juiz a adotar todos
os meios executivos necessários e adequados, mesmo não previstos em lei, para garantir a
integral prestação da tutela executiva, qualquer que seja a modalidade de obrigação a ser
tutelada pela via do procedimento executivo (fazer, não fazer, entregar ou dar coisa, ou pagar
quantia).257
Reforçando essa ideia na quadra histórica atual, Marcos Youji Minami acrescenta sua
posição no sentido de que, da mesma forma como o Estado-juiz não pode deixar de proferir
julgamento nas demandas que lhe são submetidas (vedação ao non liquet), não pode também
deixar de efetivar a prestação consubstanciada no título executivo, o que o autor denomina de
“vedação ao non factibile”.
Minami alerta que, quando se está diante de determinadas circunstâncias concretas em
que a legislação não traz o procedimento executivo a ser utilizado, ou, quando o que foi
tipificado na legislação não é apto a sanar o inadimplemento, o uso dos meios atípicos configura
a melhor solução a ser adotada.258
Na esteira desse pensamento, portanto, reforçado pelos ideais neoliberais, assiste-se hoje
a um fortalecimento da ideia de flexibilização de procedimentos jurisdicionais, com base em
novos estudos sobre o formalismo processual, voltada a conferir maior dinamicidade aos
procedimentos, tornando-os menos rígidos para melhor adaptá-los ao direito material em
debate. Isso se dá principalmente, conforme já tivemos oportunidade de apontar, por meio da
crescente utilização de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados na legislação
processual, propiciando uma maior abertura interpretativa das normas pelos sujeitos
processuais.259

257
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003. p.104-105.
258
MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.
Salvador: Juspodium, 2019. p. 127-137.
259
OLIVEIRA, Paulo Mendes de. Segurança jurídica e processo: da rigidez à flexibilização processual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 163-164.
109

Conforme explica Paulo Mendes de Oliveira, o formalismo processual passou também


por três fases nos estudos da doutrina brasileira, tendo sido encarado sob pontos de vista
distintos a depender do contexto em que situado.
A primeira fase foi, segundo esse autor, marcada por estudos mais conservadores de
Galeano Lacerda, José Roberto dos Santos Bedaque e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, os
quais defendiam a flexibilização do processo pela via legislativa. A segunda fase foi marcada
por estudos que acrescentaram a necessidade de se conferir maiores poderes ao juiz para
comandar e adaptar o processo às pretensões propostas, afastando a insegurança jurídica por
meio da abertura do contraditório. Incluem-se dentre os autores dessa segunda fase Cândido
Rangel Dinamarco, Fernando Gajardoni e Paulo Eduardo Alves da Silva. A terceira fase é a
que hoje vivenciamos, em que a flexibilização procedimental pode ser propiciada tanto pelo
gerenciamento do juiz, quanto pela convenção das partes, em constante cooperação. Filiam-se
a essa perspectiva autores como Paulo Mendes de Oliveira e Antônio do Passo Cabral.260
Fernando da Fonseca Gajardoni se apresenta como grande entusiasta do ideal de
flexibilização procedimental, tendo, em 2008, publicado obra específica sobre o assunto.261 O
autor, assumindo seu lugar de fala, na condição de juiz de direito, defende o aumento dos
poderes do juiz para manejar o rito procedimental a seu critério, em conformidade com as
exigências do caso concreto.
De acordo com esse jurista, isso deve ser promovido com ampla participação dos
sujeitos processuais, mediante instauração do contraditório útil e motivação da decisão pelo
magistrado, bem como mediante a possibilidade de manejo de recurso para as instâncias
superiores, o que seria suficiente para coibir o arbítrio judicial e garantir a previsibilidade e
segurança jurídica ao jurisdicionado, promovendo a aceleração do processo.
Gajardoni se socorre do direito estrangeiro para demonstrar que os sistemas processuais
inseridos nas tradições do common law e do civil law não permanecem isolados, ao contrário,
se influenciam reciprocamente. Essa influência mútua tem sido, segundo ele, responsável pelo
fato de que, com o passar dos anos, o julgador, longe de ser visto como um simples condutor
de um procedimento rígido, pautado estritamente na lei ou na vontade das partes, vem se

260
OLIVEIRA, Paulo Mendes de. Segurança jurídica e processo: da rigidez à flexibilização processual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 181-182.
261
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização Procedimental: um novo enfoque para o estudo do
procedimento em matéria processual. São Paulo: Atlas, 2008.
110

transformando em um gerenciador do processo (case manegement), com poderes para melhor


adaptá-lo às circunstâncias da causa.262
Essa tendência à postura de um juiz gestor foi incorporada tanto pelos ordenamentos
jurídicos europeus mais avançados quanto pelo processo norte-americano, em que pese seu
caráter adversarial, em que as partes têm maior expressividade na condução do processo e na
produção da prova.263-264
Gajardoni acrescenta que as últimas reformas processuais brasileiras no tocante ao
aspecto da flexibilização procedimental foram, em grande medida, influenciadas , à época, pela
reforma do código de processo civil português, promovida em 1995 pelo Decreto-lei n. 329-A,
de dezembro de 1995, em que foram introduzidos naquele sistema processual os princípios da
adequação formal, em seu art. 265º-A e da cooperação, em seu art. 266º, como corolário do
princípio do contraditório.265
Pelo princípio da adequação formal, o código processual português autorizava que o
juiz, de ofício ou mediante concordância das partes, adaptasse o procedimento para se adequar
às suas especificidades. O princípio da cooperação, de seu turno, impunha que as partes,
mandatários e juízes cooperassem entre si, na busca da justa solução do litígio.266
Com a reforma do CPC português pela Lei 41, de 26 de junho de 2013, o princípio da
cooperação ganhou status de princípio fundamental do processo civil português, figurando em
seu art. 7º,267 enquanto a adequação formal ganhou correspondência no art. 547º e se encontra

262
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização Procedimental: um novo enfoque para o estudo do
procedimento em matéria processual. São Paulo: Atlas, 2008.p. 111-112.
263
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização Procedimental: um novo enfoque para o estudo do
procedimento em matéria processual. São Paulo: Atlas, 2008. p. 107-132.
264
Sobre o papel do juiz no processo alemão, indica-se a leitura de BAUR, Fritz. O papel ativo do juiz. Revista
de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 7, n. 27, julh/set. 1982.
265
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização Procedimental: um novo enfoque para o estudo do
procedimento em matéria processual. São Paulo: Atlas, 2008.p. 111-112; 107-132; 124-125.
266
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, a cooperação implica quatro importantes deveres a serem observados
pelo órgão jurisdicional, a saber: a) dever de esclarecimento: o tribunal deve esclarecer às partes suas dúvidas
referentes a alegações, pedidos ou posições do juízo; b) dever de prevenção: o julgador tem o dever de alertar as
partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências em seus pedidos, para que sejam sanados e não impeçam a
realização dos objetivos pretendidos; c) dever de consultar as partes: o órgão jurisdicional deve comunicar
previamente os litigantes sobres matérias a serem conhecidas de ofício ou sobre interpretação não suscitada pelas
partes, para que possam se manifestar e não sejam surpreendidas; d) dever de auxiliar as partes: necessidade de
colaboração entre o juízo e os litigantes na remoção de obstáculos na obtenção e informações ou documentos
necessários para a solução da controvérsia. (SOUZA, Miguel Teixeira de. Estudos sobre o novo processo civil.
2.ed. Lisboa: Lex, 1997. p. 65).
267
Isabella Fonseca Alves alerta para o fato de que, ainda que o princípio da cooperação processual tenha sido
introduzido no CPC de 2015 por alguma influência do Código de Processo Civil português, o instituto deve ser
compreendido de forma distinta nos dois ordenamentos. De acordo com a referida autora, o sistema processual
português confere à cooperação um caráter mais inquisitorial, impregnado de resquícios da fase da socialização
processual, voltada para a figura do juiz, que exerce papel bastante ativo, podendo até mesmo sugerir às partes
modificações em suas peças processuais. O CPC brasileiro de 2015, de seu turno adota um modelo cooperativo
111

intimamente relacionado, segundo Miguel Dinis Pestana Serra,268 ao “Dever de Gestão


Processual” atribuído ao juiz pelo art. 6º do atual código processual português, que assim
dispõe:
Art. 6º. Dever de Gestão Processual
1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei
às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere,
promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da
ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes,
adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa
composição do litígio em prazo razoável.
2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos
processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à
regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado
pelas partes, convidando estas a praticá-lo.269

O CPC brasileiro de 2015, de seu turno, acabou por assimilar os fundamentos dos
movimentos reformistas dos países europeus, em especial do ordenamento português, ao
mencionar expressamente a necessidade da cooperação processual e ao reforçar a possibilidade
de adequação procedimental por meio de novas técnicas de flexibilização.
Mencione-se, por exemplo, a redução do número de procedimentos especiais e a
conferência de maior maleabilidade ao procedimento comum, o que se denota da redação do
art. 327, § 2º, do CPC,270 que admite a cumulação de pedidos em um único processo, podendo
o procedimento comum, a depender do caso, assimilar técnicas de procedimentos especiais,
dispensando a necessidade de que o autor ajuíze mais de um processo judicial para veicular
cada uma de suas pretensões.271
A legislação brasileira, entretanto, avançou em relação à portuguesa, ao permitir que a
flexibilização procedimental seja feita não só pelo juiz, gestor do processo a partir das diretrizes

baseado na comparticipação das partes, em que não deve haver protagonismo judicial (ALVES, Isabella
Fonseca. A Cooperação Processual no Código de Processo Civil. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. P. 53-76).
268
SERRA, Miguel Pestana. O dever de gestão processual no Código de Processo Civil de 2013. Revista da
Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto, v. 5, n. 5, 2015.
269
Disponível em < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1959&tabela=leis&so_miolo=>
Acesso em: 17 mai. 2019.
270
Art. 327. É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre
eles não haja conexão.
§ 1º São requisitos de admissibilidade da cumulação que:
I - os pedidos sejam compatíveis entre si;
II - seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;
III - seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.
§ 2º Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor
empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas
nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis
com as disposições sobre o procedimento comum.
[...]
271
DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; CABRAL, Antônio do Passo. Por uma nova teoria dos
procedimentos especiais: dos procedimentos às técnicas. Salvador: Juspodium, 2018.p. 69-74.
112

do art. 139 do CPC, mas também por convenção das partes, de maneira atípica, na forma do art.
190 do atual Código.272 Tal significa que as partes também podem, de comum acordo, alterar
regras do procedimento para melhor adaptá-lo às suas pretensões, garantindo com isso maior
agilidade na conclusão do processo.
A correta compreensão do art. 190 do CPC, que deve ser lido em conjunto com o art. 6º
do Código, o qual estabelece a obrigação de cooperação entre os sujeitos processuais, é de
extrema importância para o entendimento acerca de como o sistema processual brasileiro teve
suas premissas alteradas, para propiciar o equilíbrio de forças entre os sujeitos processuais,
mesclando o que havia de melhor tanto na fase do liberalismo processual, quanto na fase do
publicismo. Essa é a ideia que deve se manter presente ao longo de todo este trabalho, na
tentativa de se chegar próximo a uma correta interpretação e aplicação do art. 139, IV, do CPC.
A partir dos pressupostos teóricos expostos até aqui, é possível perceber que a redação
do art. 139, IV, do CPC de 2015 se deu numa tentativa contundente de se garantir a máxima
eficiência da prestação jurisdicional, com o fim de evitar que o jurisdicionado tenha seu direito
declarado e não consiga satisfazê-lo ao final. A propósito, da leitura da “Exposição de Motivos”
do CPC, deparamo-nos, já nas primeiras linhas, com as seguintes considerações:

Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a


realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados,
não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de
Direito.
Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer
de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura
ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do
processo.273

O resultado dessa percepção restou estampado na redação do art. 4º do atual Código,


segundo a qual “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito,
incluída a atividade satisfativa”, bem como na redação do art. 8º, em que se consagrou
expressamente a eficiência como um dos escopos a ser perseguido pelo magistrado ao aplicar
o ordenamento jurídico.

272
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente
capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os
seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo,
recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em
que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
273
SENADO FEDERAL. Código de processo civil e normas correlatas. 7.ed. Brasília: Senado Federal,
Coordenação de Edições Técnicas, 2015. p. 24. Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/512422/001041135.pdf> Acesso em: 29 abr. 2019.
113

Do conteúdo do art. 4º irradiam diversas outras regras com escopo de incentivar o


julgamento do mérito da demanda a saber: possibilidade de sanar vícios nos recursos (art. 932,
parágrafo único), imposição de desconsideração de vício formal de recurso destinado ao STF e
ao STJ (art. 1.029, § 3º), concessão de prazo para correção de eventuais defeitos (arts. 317 e
352), concessão de prazo para emenda à inicial (art. 321), possibilidade de substituição de parte
ilegítima no processo (art. 338), concessão de prazo para regularizar o preparo (art. 1.007) ou
para sanar vício de representação processual (art. 76) e julgamento de mérito para o demandado
(art. 488).
Ao lado de todo esse regramento, o art. 139, IV, do CPC, que confere amplos poderes
ao juiz para “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-
rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial (...)” figura, talvez,
como a opção mais ousada do novo Código para perseguir a efetividade da tutela jurisdicional.
Em vista de tudo o que se apresentou, a referida cláusula geral pode, portanto, ser também
enxergada como importante técnica de flexibilização procedimental colocada pelo legislador à
disposição do juiz.
Resta-nos a partir de agora verificar se, nos termos em que vem sendo interpretado e
aplicado pelos órgãos jurisdicionais, esse dispositivo legal tem mesmo contribuído para a
concretude do direito fundamental à tutela executiva, sem prejuízo da preservação de direitos
fundamentais dos demais sujeitos processuais envolvidos ou se constitui mais um técnica de
flexibilização de conteúdo utilitarista, voltado ao alcance de uma eficiência apenas quantitativa,
sob uma ótica neoliberal, preocupada em reduzir o acervo de processos no Poder Judiciário a
qualquer custo.
Isso porque, a efetividade a ser alcançada, nos termos em que menciona o trecho da
exposição de motivos acima transcrito, não é capaz de limitar uma interpretação
constitucionalmente adequada da norma. Os meios executivos a serem empregados para que se
chegue à satisfação do direito devem, necessariamente, estar em compatibilidade com a
Constituição.
Deve-se perquirir, pois, se essa opção legislativa, enquanto cláusula geral, da forma
como vem sendo entendida e concretizada está em consonância com o modelo constitucional
de processo, com a atual premissa de equilíbrio e cooperação do CPC, com o escopo de se
conferir integridade e coerência às decisões e com os preceitos em que se funda o Estado
Democrático de Direito.
115

5 CRITÉRIOS APONTADOS PELA DOUTRINA PARA CONFERIR LIMITES À


CLÁUSULA GERAL DO ART. 139, IV, DO CPC

Conforme já sinalizado, a redação do art. 139, IV, do CPC pode ser considerada uma
das maiores novidades do novo Código em termos de execução, em que pese estar o dispositivo
situado no capítulo que trata dos poderes, deveres e responsabilidades do juiz. Isso porque,
como vimos, o art. 139, IV, estendeu a atipicidade das medidas executivas também às
obrigações de pagar quantia, conferindo relativa isonomia no trato do procedimento executivo,
na linha do que já vinham defendendo autores como Marcelo Lima Guerra e Luiz Guilherme
Marinoni.
À exceção de Araken de Assis e Guilherme Pupe da Nóbrega, para quem a (relativa)
atipicidade conferida pelo art. 139, IV, do CPC é inconstitucional, porque, segundo esses
juristas, infringe a cláusula do devido processo legal prevista no art. 5º, LIV, da Constituição,274
a esmagadora maioria dos processualistas comemorou a inserção desse dispositivo no CPC.
Fernando Gajardoni, como dito, chegou a se referir a ele como “a revolução silenciosa da
execução por quantia”.275
A constitucionalidade do inciso IV do art. 139 do CPC foi, inclusive, objeto de Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.941), ainda pendente de julgamento pelo STF, proposta
em 11 de maio de 2018 pelo Partido dos Trabalhadores (ADI 5.941), que pleiteou a declaração
de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art. 139, inciso IV, dos arts. 297, 390,
parágrafo único, 400, parágrafo único, 403, parágrafo único, 536, caput e § 1º, e 773 do CPC.
Pleiteou-se a declaração de inconstitucionalidade parcial desses dispositivos legais com
vistas a rechaçar como medidas coercitivas, indutivas ou sub-rogatórias deles decorrentes a
apreensão de CNH, suspensão do direito de dirigir, apreensão de passaporte, proibição de
participação em concurso público e proibição de participação em licitações públicas. Sustenta-
se que essas medidas violam o art. 5º, II e XV, 37, I e XXI, 173, § 3º, e 175 da Constituição.276

274
ASSIS, Araken de. Cabimento e adequação dos meios executórios “atípicos”. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.-
geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas.
Salvador: Juspodium, 2018, p. 111-133. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). Guilherme Pupe da Nóbrega
chegou a suscitar, em uma primeira análise sobre o tema, possível inconstitucionalidade do art. 139, IV, do
CPC, sem redução de texto, para rechaçar medidas coercitivas como a apreensão de passaporte, a suspensão do
direito de dirigir e a vedação à participação em concurso público ou licitação pública, ao fundamento de violação
dos arts. 1º, IV, 5º, XV e LIV, 37, I, 173, § 3º, III, e 175, da Constituição (NÓBREGA, Guilherme Pupe.
Reflexões sobre a atipicidade das técnicas executivas e o artigo 139, IV, do CPC de 2015. Migalhas. 11.08.2016.
275
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A revolução silenciosa da execução por quantia. Revista Jota.
24.08.2015.
276
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 5.941, Rel. Ministro Luis Fux. Disponível em:
116

Guilherme Pupe da Nóbrega figura como um dos advogados assinantes da petição inicial da
ADI.277
Os principais argumentos expostos na petição inicial da referida ADI podem ser assim
sintetizados: a) a apreensão de passaporte e a suspensão da CNH atingem o núcleo essencial do
direito fundamental à liberdade de locomoção inserta no art. 5º, inciso XV, da Constituição; b)
essas medidas violam a dignidade da pessoa (art. 1º, inciso III, da CF); c) implicam retrocesso
social, pois desconsideram o princípio da responsabilidade patrimonial; d) a proibição de
participação em concurso público como medida atípica viola o artigo 37, inciso I, da CF, que
prevê o livre acesso a cargos públicos a todos aqueles que preencham os requisitos legais; e)
consequentemente, tal proibição viola também os princípios da isonomia, da eficiência, bem
como fere a democracia, limitando o acesso a cargos públicos com base em parâmetro que não
guarda nenhuma relação com a aptidão para o desempenho de atividades no âmbito da
Administração Pública; f) a vedação de participação em licitação como medida atípica viola o
princípio da legalidade (art. 5º, II; art. 173, § 3º, e art. 175 da CF), porque impõe restrição não
prevista na Lei 8.666/1993, cujo rol de sanções é taxativo; g) todas essas medidas apontadas
ferem o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), favorecendo o arbítrio do julgador.278
Edilson Vitorelli, embora não chegue a considerar inconstitucional o art. 139, inciso IV,
do CPC, alerta para o fato de que “em toda a centena de dispositivos que regula o cumprimento
de sentença ou a execução de título extrajudicial relativa a obrigações de pagar, não há uma
única palavra capaz de afiançar ou reforçar a ideia de que a intenção da norma do art. 139, IV,
fosse permitir medidas executivas atípicas nesse contexto.”279 O referido jurista, embora
entenda que há, em verdade, um grande esforço interpretativo da doutrina no sentido de impor
esse entendimento, reconhece que o posicionamento desse dispositivo legal na Parte Geral do
atual Código propicia um novo horizonte hermenêutico para a execução de pagar, bem como
para as execuções de tutelas coletivas.280

< http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5458217> Acesso em: 24 jul. 2019.


277
Marcos Youji Minami, em sua obra de referência sobre a temática em comento, tece severas críticas aos
argumentos expostos pelo autor da ADI 5941, considerando-os simplistas e, sobretudo por conferirem, segundo
Minami, somenos importância ao direito fundamental à tutela do credor. (MINAMI, Marcos Youji. Da vedação
ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas. Salvador: Juspodium, 2019.p. 286-292).
278
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 5.941, Rel. Ministro Luis Fux. Disponível em:
< http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5458217> Acesso em: 24 jul. 2019.
279
VITORELLI, Edilson. Atipicidade dos meios de execução no processo coletivo: em busca de resultados sociais
significativos. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo
(coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 821-854. (Grandes Temas do Novo
CPC, 11). p.825.
280
VITORELLI, Edilson. Atipicidade dos meios de execução no processo coletivo: em busca de resultados sociais
significativos. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo
117

Pontue-se que a matéria suscita maiores controvérsias no tocante à aplicação do art. 139,
IV, em relação às execuções de obrigações pecuniárias. Quanto às execuções específicas, ou
seja, referentes a obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, não há tantos questionamentos,
pois, à exceção de Araken de Assis,281 a doutrina entende que a atipicidade das execuções
específicas já era um fato consolidado na vigência do CPC de 1973, tendo apenas ganhado um
reforço a partir da inserção do art. 139, IV, na parte geral do atual Código.282
Em meio a esse cenário, os juristas passaram a debater sobre possíveis medidas
executivas que poderão decorrer da aplicação do art. 139, inciso IV, com ênfase nas execuções
pecuniárias, e, principalmente, sobre quais os limites de sua aplicação. Passaremos a partir de
agora a sintetizar e a comentar alguns dos mais recentes apontamentos doutrinários a respeito
do assunto, sem pretensão de esgotar o referencial teórico, pois esse começou a proliferar já
durante o período de vacatio legis do CPC e foi se avolumando consideravelmente desde sua
entrada em vigor.283
O objetivo deste trabalho é, primeiramente, ponderar se a atipicidade sugerida pelo art.
139, inciso IV, do CPC, extensível às obrigações pecuniárias, conduz à interpretação de que a
atipicidade agora é a regra geral da execução. Em seguida, busca-se indagar se as principais e
mais recorrentes sugestões doutrinárias feitas até o momento têm sido suficientes para conferir
o pretenso limite às medidas executivas atípicas. Por fim, intenta-se refletir se a valorização do
poder geral de coerção pelo sistema processual brasileiro ao longo das reformas processuais
realizadas vem tornando a execução mais efetiva. Essas reflexões, reitere-se, serão feitas
sempre à luz da Teoria da Integridade do Direito, marco teórico desta pesquisa.
Ao final, buscaremos ofertar algumas propostas de ordem prática para diminuir o nível
de insegurança jurídica gerado pelas incertezas em torno do art. 139, IV, do CPC,
proporcionando de fato maior efetividade ao procedimento executivo.
De acordo com Marcos Youji Minami, a primeira e mais importante manifestação
coletiva em torno dos critérios de aplicação da atipicidade das medidas executivas surgiu no

(coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 821-854. (Grandes Temas do Novo
CPC, 11).p.825-827.
281
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 140.
282
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros
para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.
p.78.
283
A análise das manifestações doutrinárias em torno da temática que ora se apresenta foi realizada de forma
bastante densa e sistematizada por Marcos Youji Minami em obra específica sobre o assunto, a saber: MINAMI,
Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas. Salvador:
Juspodium, 2019. p. 194-258.
118

FPPC, por força do encontro ocorrido em Salvador/BA, nos dias 8 e 9 de novembro de 2013.284
Dentre os 105 enunciados aprovados pelos participantes no evento, destaca-se o enunciado
número 12, formulado pelo grupo de trabalho responsável pelo estudo sobre a execução, cuja
redação já transcrevemos no item 4.2 deste trabalho, mas pedimos licença para repeti-la para
facilitar o acompanhamento do leitor:

12. Art. 139, IV; Art. 537; Art. 550; Art. 787. A aplicação das medidas atípicas sub-
rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença
ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas
de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda
que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II (Grupo: Execução)285

Marcos Youji Minami sintetizou as diretrizes compreendidas nesse enunciado nos


seguintes pontos:
a) A atipicidade dos meios executivos é ampla, aplicando-se nas execuções de
quaisquer espécies de prestações, independentemente do tipo de título
executivo que a tenha originado;
b) A aplicação da atipicidade dos meios executivos é subsidiária, ou seja,
apenas deve ocorrer quando os meios tipicamente previstos, uma vez
tentados, não tenham mostrado resultado;
c) O contraditório deve ser observado ainda que diferido;
d) A decisão que determinar medidas executivas atípicas deve ser motivada286
à luz do art. 489, § 1º, I e II.287

Faz-se importante destacar que, ao tempo da redação desse enunciado, o texto do CPC
de 2015 encontrava-se ainda em discussão na Câmara dos Deputados, razão pela qual não havia,

284
Não pretendemos adentrar ao debate sobre a legitimidade ou ilegitimidade dos enunciados do FPPC. Nosso
objetivo com a citação de enunciados desse Fórum é tão-somente enriquecer a discussão sobre a temática aqui
proposta, sem fazer juízo de valor em relação à dinâmica como são construídos nem sobre se devem ou não ser
utilizados como diretrizes interpretativas das normas do CPC.
285
DIDIER Jr., Fred (coord.); BUENO, Cássio Scarpinella (coord.); BASTOS, Antonio Adonias (coord.). Carta de
Salvador – II Encontro de Jovens Processualistas do IBDP. Revista de Processo, ano 39, n. 227, p. 435-452,
jan.2014.
286
Ressalte-se aqui nossa discordância com o uso do termo “motivada” empregado por Minami, por entendermos
que a ideia de motivação restou superada no CPC de 2015, adequado a um modelo constitucional de processo.
Isso porque o ato de motivar implica que o juiz apenas expõe as razões de seu convencimento pessoal, sem se
preocupar em mostrar à comunidade por que e de que modo chegou àquele atendimento. “Fundamentar”, ao
contrário, implica demonstrar, de forma dialógica em relação aos argumentos apresentados pelas partes, o
raciocínio empregado para se chegar a tal ou qual convencimento. A fundamentação se destina a possibilitar o
controle da decisão pela comunidade, enquanto a motivação se presta a justificar o convencimento pessoal do
juiz. Para aprofundamento na temática, sugerem-se as seguintes leituras: NUNES, Dierle; DELFINO, Lúcio. Do
dever judicial de análise de todos os argumentos (teses) suscitados no processo, a apreciação da prova e a
accountability. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; FARIA, Juliana Cordeiro de; MARX NETO, Edgard
Audomar; REZENDE, Ester Camila Gomes Norato (organizadores). Processo Civil Contemporâneo:
homenagem aos 80 anos do professor Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense/Gen, 2018. p. 64-83;
PEDRON, Flávio Quinaud. A superação da tese do livre convencimento motivado do magistrado em face do
dever de busca pela resposta correta na Teoria do Direito como Integridade de Ronald Dworkin. Revista Direito
Sem Fronteiras, Foz do Iguaçu.v.1, n.2, p.55-70, jul/dez de 2017.
287
MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.
Salvador: Juspodium, 2019.p.203-204.
119

à época, possibilidade de se testar a recepção dessas diretrizes no contexto prático das decisões
judiciais. Com a aprovação da Lei 13.105/2015, o enunciado em comento se manteve íntegro
ante a redação definitiva do art. 139, IV, tornando-se, pode-se dizer, ponto de partida para as
especulações doutrinárias sobre o tema e subsídio para orientar as decisões judiciais a serem
proferidas na vigência do novo Código.
A discussão acerca da interpretação e aplicação do art. 139, IV, somente se tornou mais
acirrada após a entrada em vigor da novel legislação processual, quando começaram a surgir
decisões judiciais intrigantes proferidas com base nesse dispositivo, a exemplo da que fizemos
alusão no tópico 4.2 deste trabalho, proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível do Foro Regional XI
– Pinheiros, na Comarca de São Paulo.288
Apenas para relembrar, nesse referido processo, que versa sobre execução de título
executivo extrajudicial, o Juízo da execução acolheu requerimento do exequente e determinou,
de uma só vez, a suspensão de CNH, apreensão de passaporte e cancelamento de cartões de
crédito do executado até o pagamento da dívida. A decisão gerou grande burburinho entre os
processualistas, talvez por ter sido a pioneira no manejo do art. 139, IV, do CPC de maneira
mais ousada, determinando, a um só tempo, três medidas coercitivas atípicas com vistas a
efetivar o cumprimento de obrigação de ordem pecuniária. A chamada “revolução silenciosa
da execução por quantia”, a que se referiu Fernando Gajardoni, começou, pois, a dar mostras
dos fins a que veio.
A partir de então, diversos requerimentos de aplicação de medidas executivas atípicas,
das mais variadas, foram chegando ao Poder Judiciário,289 e inspirando a doutrina a

288
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça (Comarca São Paulo). Decisão interlocutória processo nº 4001386-
13.2013.8.26.0011. 2ª Vara Cível do Foro Regional XI – Pinheiros. Juíza Andrea Ferraz Musa. Data da decisão:
25/8/2016.
289
A título de exemplo, citem-se as seguintes decisões: RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Processo –
AI0028027-90.2017.8.21.7000. Relatora: Ana Beatriz Iser. 15ª Câmara Cível. Data de julgamento: 12/4/2017:
o exequente fez requerimento em cumprimento de sentença, postulando a suspensão do website da empresa
devedora, até que esta efetivasse o pagamento da quantia devida. O Juízo de Primeira instância indeferiu o
pedido, por entender que a medida é desarrazoada e viola o art. 8º do CPC. O exequente interpôs agravo de
instrumento contra a referida decisão, que foi desprovido pelo TJRS. A Corte estadual entendeu tratar-se de
medida atípica desarrazoada, incapaz de servir como coerção do devedor para o pagamento do débito, além de
haver, em seu entendimento, medidas típicas mais adequadas a tal finalidade; SÃO PAULO, Tribunal de Justiça.
Processo – AI2073928-57.2017.8.26.0000. Relator: Carlos Alberto Garbi. 10ª Câmara de Direito Privado. Data
de julgamento: 19/9/2017: em primeira instância o magistrado determinou, com base no art. 139, IV, do CPC, a
suspensão do CNPJ da empresa devedora, bem como do CPF de seus sócios. Os executados agravaram e o TJSP,
confirmando a tutela de urgência deferida, deu provimento ao agravo, ao fundamento de que a medida executiva
imposta se mostra excessivamente gravosa, pois impedirá o exercício de diversos atos da vida civil pelas pessoas
físicas, sem que tenha havido procedimento de desconsideração da personalidade jurídica, bem como
inviabilizará o próprio exercício da atividade empresarial da pessoa jurídica, de modo que não pode ser utilizado
como meio coercitivo para o pagamento de quantia; SÃO PAULO, Tribunal de Justiça. Processo – AI2203131-
72.2017.8.26.0000. Relator: Afonso Bráz. 17ª Câmara Cível de Direito Privado. Data de julgamento:
11/12/2017: o juízo de 1º grau deferiu os seguintes requerimentos feitos pela instituição bancária exequente nos
120

exemplificar as medidas executivas que poderiam ser solicitadas, bem como a fornecer
parâmetros a serem seguidos como forma de limite dessas medidas.
Tal como enfatizado por Minami, são inúmeras as perspectivas de análise adotadas nos
diversos trabalhos escritos sobre o tema até o momento.290 Eduardo Talamini, ao analisar a
produção doutrinária sobre o assunto, chegou à seguinte conclusão acerca do posicionamento
dos diversos autores:

Há autores:
-que negam peremptoriamente a incidência de medias atípicas;
-que, ainda que sem estabelecer uma negativa absoluta, rejeitam haver elementos que
autorizem atribuir ao art. 139, IV, um papel que possa interferir significativamente
sobre o procedimento tipificado para a execução por quantia certa;
-que defendem incidência bastante limitada do art. 139, IV, na execução por quantia
certa – destinando-a a casos em que haja indícios de ocultação ou blindagem
patrimonial, obstrução da justiça pelo devedor ou violação a deveres processuais de
colaboração com o juízo executivo;
-que sustentam, ainda que em termos mais genéricos do que os referidos no item
anterior, a “excepcionalidade” da medida ou, de modo mais brando, a sua
“subsidiariedade”;
-que se ocupam em estabelecer ressalvas e limites de incidência da regra
fundamentalmente em relação ao Poder Público devedor;
-que se ocupam em estabelecer ressalvas gerais concernentes à necessidade de
respeito à proporcionalidade e de correlação entre a medida executiva atípica e a
decisão que se deve cumprir (muitos indicando a impossibilidade de que a medida
tenha caráter “pessoal”) e, consequentemente, o precípuo caráter não punitivo da
medida.
Se alguma convergência há, ela reside no último aspecto acima ressaltado.
Praticamente todos os autores aludem, à parte outros pressupostos ou restrições, à
necessidade de consideração da proporcionalidade e razoabilidade da medida e da sua
eficiência para o resultado da execução. 291

autos da execução: a) efetivação de bloqueio de eventuais cartões de crédito de propriedade do sócio da empresa
executada; b) expedição de ofício para a SUSEP e CVM, a fim de se obterem informações sobre a existência de
aplicações financeiras, fundos de previdência privada ou investimentos em ações em nome dele. O Tribunal deu
parcial provimento ao apelo, apenas para suspender a ordem de bloqueio dos cartões de crédito do executado,
ao fundamento de que tal medida não garante nenhum resultado prático que leve ao pagamento do débito
exequendo. Por outro lado, deferiu o pedido de ofício à SUSEP e a CVM, por considerar medida útil, haja vista
que a tentativa de bloqueio de dinheiro pela via do sistema Bacen Jud restou frustrada, porque a quantia
bloqueada é irrisória, bem como restaram esgotadas as tentativas de encontrar bens penhoráveis do executado.
SÃO PAULO, Tribunal de Justiça. Processo AI2209664-47.2017.8.26.0000. Relator: Gomes Varjão. 34ª
Câmara Cível de Direito Privado. Data de julgamento: 14/11/2017: o Juízo de origem, em cumprimento de
sentença prolatada em ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais, indeferiu pedido dos
exequentes de penhora de 30% sobre a arrecadação mensal do condomínio, bem como pedido de isenção de
contribuição condominial. O Tribunal deu parcial provimento ao agravo para deferir o pedido de penhora da
arrecadação mensal do faturamento do condomínio, limitado ao valor de 10%, ao fundamento de que o processo
já tramita há anos, de modo que os condôminos tiveram tempo suficiente para organizar o orçamento do
condomínio para adimplemento do valor devido.
290
MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.
Salvador: Juspodium, 2019.p. 207.
291
TALAMINI, Eduardo. Poder geral de adoção de medidas coercitivas e sub-rogatórias nas diferentes espécies
de execução. In: NUNES, Dierle; COSTA, Fabrício Veiga; GOMES, Magno Federici (Orgs). Processo
Coletivo, Desenvolvimento Sustentável e Tutela Diferenciada dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre:
Editora Fi, 2019. p. 347-348.
121

É possível extrair do conjunto dos textos alguns parâmetros em comum, que, de tanto
se repetirem ao longo das abordagens dos estudiosos, acabaram por refletir nas decisões
judiciais, sobretudo na jurisprudência do STJ, como se demonstrará adiante.
Antes, porém, de adentramos ao estudo dos parâmetros gerais extraídos dos textos
doutrinários, oportuno citarmos alguns exemplos de medidas executivas atípicas ventiladas nos
diversos escritos, sobre o tema, a saber: suspensão da CNH, apreensão de passaporte, suspensão
de CPF ou de CNPJ, cancelamento de cartão de crédito, bloqueio de página na internet, privação
do sono, restrição de utilização de áreas comuns do condomínio, aplicação de juros
progressivos, intervenção judicial na empresa, aviso de débito em redes sociais e no site do
devedor,292 vedação de participação em concursos públicos ou em licitações,293proibição de
frequentar estádios e outros ambientes de lazer,294 arresto noturno, prisão civil,295 dentre outras
possíveis, a depender da criatividade do exequente ou do magistrado.
Não se pretende, neste trabalho, comentar cada uma dessas medidas, exatamente porque,
por serem atípicas, não se esgotam nessas possibilidades, havendo uma série de outras que se
poderia pensar, a depender da situação do caso concreto.296-297 A ideia aqui é trabalhar a questão
em sua generalidade, investigando se a cláusula do art. 139, IV, permite essa abertura irrestrita.

292
CARREIRA, Guilherme Sarri; ABREU, Vinicius Caldas. Dos poderes do juiz na execução por quantia certa:
da utilização das medidas inominadas. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.)
e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 241-273.
(Grandes Temas do Novo CPC, 11).
293
NÓBREGA, Guilherme Pupe. Reflexões sobre a atipicidade das técnicas executivas e o artigo 139, IV, do CPC
de 2015. Migalhas. 11.08.2016.
294
CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O art. 139, IV, do CPC e os instrumentos de defesa do executado. In:
DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas
Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 855-872. (Grandes Temas do Novo CPC, 11).
295
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O Poder Geral de Coerção. São Paulo: Thomson Reuters Brasil,
2019.p.266;278.
296
Algumas dessas medidas foram analisadas detalhadamente por Guilherme Sarri Carreira e Vinicius Caldas da
Gama Abreu no seguinte artigo: CARREIRA, Guilherme Sarri; ABREU, Vinicius Caldas. Dos poderes do juiz
na execução por quantia certa: da utilização das medidas inominadas. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral);
MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador:
Juspodium, 2018, p. 241-273. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). Uma análise pontual de várias dessas medidas
foi feita também por Olavo de Oliveira Neto, em obra específica sobre o tema, a saber: OLIVEIRA NETO,
Olavo de. O Poder Geral de Coerção. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 263-311.
297
Luiz Henrique Volpe Camargo afirma ser possível proibir o executado: “a) de ter acesso a linhas de telefone
fixo, móvel e a internet; b) de abrir e/ou utilizar contas-correntes, aplicações, poupança e cartões de crédito; c)
de adquirir qualquer tipo de automóvel, mediante o bloqueio de transferência no Detran; d) de realizar viagens
de lazer por qualquer companhia aérea; de frequentar ambientes de consumo, como shopping centers; f) de
frequentar restaurantes de luxo; g) frequentar cinemas, estádios, teatros e casas de shows, porque dizem respeito
ao lazer e, por isso mesmo, o desfruto do executado não pode ser privilegiado em detrimento do cumprimento
da obrigação objeto da execução. Além disso, também, sempre tendo presente a realidade do caso concreto e a
recalcitrância do executado, é possível: a) cominar-lhe a comprovação de frequência de curso sobre
administração financeira e apresentar em juízo o relatório de aulas e o certificado de conclusão, como forma de
proporcionar a formação necessária a bem gerir suas finanças e, com isso, quitar o débito objeto da execução;
b) impor àquele que ostentar padrão de vida incompatível com a permanência da situação de inadimplemento a
incidência de juros progressivos sobre o saldo devedor, com o incremento de mais 1% a cada semestre de
122

É importante frisar que, considerando todos os textos consultados, mostrou-se unânime


entre os autores o entendimento de que a aplicação de medidas atípicas tais como as acima
referidas, quando se trata de obrigação pecuniária, somente será possível em relação ao devedor
recalcitrante, ou seja, aquele que tem condições de pagar, mas não paga porque não quer.
Trata-se do executado que oculta patrimônio, não coopera com o Juízo da execução, e
continua a levar uma vida social requintada, vestindo roupas caras, dirigindo bons carros,
frequentando bons restaurantes, realizando viagens internacionais de lazer, sem qualquer pudor.
Marcelo Abelha se refere a esse tipo como “devedor cafajeste”,298 enquanto Guilherme Carreira
e Vinicius Abreu o denominam de “devedor ostentação”.299
Em relação ao devedor que, inequivocamente, não dispõe de recursos patrimoniais para
adimplir o seu débito, a doutrina converge quanto ao entendimento de que contra ele não cabem
medidas coercitivas atípicas, pois o exercício de pressão psicológica, nesse caso, não muda a
realidade das coisas, vindo a figurar como punição e não como coerção do devedor. Quando se
está diante desse tipo de devedor, esgotada a tentativa de penhora de bens, o que resta é a
suspensão do processo, dando-se início, posteriormente, à contagem do prazo prescricional
intercorrente (art. 921, III, e parágrafos, do CPC).300

inadimplência, até que o devedor ofereça bens para garantia do juízo; c) impor-lhe o dever de, mensalmente,
prestar contas do destino de sua receita de salário ou do faturamento de pessoa jurídica, de forma a constatado o
desperdício ou a utilização com itens supérfluos, realizar subsequentemente o bloqueio mensal de parte desta
receita, caso em eu o processo teria de passar a tramitar em segredo de justiça; d) impor a intervenção na
atividade empresarial, mediante a nomeação de um interventor, como forma de identificar receitas e bens
passíveis de serem destinados à quitação do débito, caso em que, também, o processo teria de passar a tramitar
em segredo de justiça; e) bloquear parte (v.g. 30%) vencimentos, subsídios, os soldos os salários, as
remunerações, relativizando a impenhorabilidade prevista no inc. IV do art. 833; f) bloquear parte (v.g. 30%) de
repasses realizados pela União, Estados ou Municípios para hospitais quando o crédito for inerente a bens ou
serviços de custeio da unidade, relativizando a impenhorabilidade prevista no inc. IX do art. 833; g) bloquear
parte (v.g. 30%) dos recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, relativizando a
impenhorabilidade prevista no inc. XI do art. 833.” (CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O art. 139, IV, do CPC
e os instrumentos de defesa do executado. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji
(coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 855-
872. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 858-861.
298
RODRIGUES, Marcelo Abelha. O que fazer quando o executado é um cafajeste? Apreensão de passaporte? Da
carteira de motorista? In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI,
Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 75-92. (Grandes Temas do
Novo CPC, 11).
299
CARREIRA, Guilherme Sarri; ABREU, Vinicius Caldas. Dos poderes do juiz na execução por quantia certa:
da utilização das medidas inominadas. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.)
e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 241-273.
(Grandes Temas do Novo CPC, 11).
300
Art. 921, III. Suspende-se a execução: III – quando o executado não possuir bens penhoráveis.
§ 1º Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá
a prescrição.
§ 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano sem que seja localizado o executado ou que sejam encontrados bens
penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§ 3º Os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens
penhoráveis.
123

Não há dúvidas de que essa realidade nos causa um certo espanto, pois leva-nos a
enxergar o Estado como um ente impotente, incapaz de honrar com sua promessa de conferir
efetividade à tutela jurisdicional, deixando-nos como única alternativa aceitar as coisas como
são.
Ao discorrer sobre esse fato, Marcelo Abelha pondera que, independentemente do
caráter do devedor (cafajeste ou não) a suspensão do processo em decorrência da não
localização de bens do executado representa presunção absoluta de insolvência deste, tal como
dispunha o art. 750, I, do CPC revogado.301 Nessa hipótese, o jurista sugere que seja então
declarada a insolvência do devedor, para que a ele se apliquem as sanções que decorrem da
insolvência civil, a saber: perda do direito de administrar os seus bens (art. 752 do CPC/73)302
e de deles dispor, bem como impossibilidade de praticar atos da vida civil. Isso implicaria,
segundo Marcelo Abelha, grande incômodo ao executado, na medida em que o deixará
impossibilitado de manter conta em banco, de habilitar cartões de crédito, firmar contratos,
dentre outras atividades.303-304 Essa sugestão, todavia, nos parece equivocada.
O procedimento especial da execução por quantia certa contra devedor insolvente,
embora não tenha sido repetido de forma detalhada no novo CPC, não deixou de existir. O que
ocorreu foi que o legislador optou por deixar a sua regulamentação a cargo de lei ordinária
específica a ser oportunamente editada pelo Congresso Nacional. Certo é que, de acordo com o
que informa o art. 1.052 do CPC de 2015, as execuções contra devedor insolvente, em curso ou
que venham a ser iniciadas, permanecem regidas pelos arts. 748 a 786-A do CPC de 1973, até
que sobrevenha a lei específica sobre o assunto.
A utilidade desse procedimento, entretanto, é tão-somente possibilitar que, diante da
existência de mais de um credor e, ante a insuficiência de bens penhoráveis do devedor para
saldar todas as suas dívidas, seja aberto um concurso de credores, de forma que o patrimônio

§ 4º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição
intercorrente.
§ 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição
de que trata o § 4º e extinguir o processo.
301
Art. 750 do CPC de 1973: Presume-se a insolvência quando:
I – o devedor não possuir outros bens livres e desembaraçados para nomear à penhora.
II – forem arrestados bens do devedor, com fundamento no art. 813, I, II e III.
302
Art. 752 do CPC de 1973: Declarada a insolvência, o devedor perde o direito de administrar os seus bens e de
dispor deles, até a liquidação total da massa.
303
RODRIGUES, Marcelo Abelha. O que fazer quando o executado é um cafajeste? Apreensão de passaporte? Da
carteira de motorista? In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI,
Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 75-92. (Grandes Temas do
Novo CPC, 11). p.90.
304
Sobre a hipótese de utilizar a insolvência civil como forma de coerção do devedor confira-se também
ULLMANN, Teófilo Caldarte. A insolvência civil como ferramenta para o credor. Âmbito Jurídico, Rio
Grande, XIII, n. 72, jan. 2010.
124

disponível existente seja inteiramente constrito e as execuções singulares sejam reunidas em


um mesmo juízo, evitando-se o favorecimento de alguns credores em detrimento de outros.
Trata-se de procedimento semelhante ao que ocorre na falência de pessoa jurídica.
Observe-se que essa execução concursal só tem sentido, portanto, se houver algum
patrimônio penhorável, do contrário, nenhum benefício trará aos credores. Isso porque,
conforme o escólio do Professor Humberto Theodoro Jr., os principais efeitos da declaração de
insolvência são os seguintes:

a) desapossamento de todos os bens do devedor;


b) inibição geral do seu poder de gerir o patrimônio e dispor dele;
c) avocação e execuções singulares;
d) suspensão das execuções individuais;
e) exigibilidade imediata dos créditos não vencidos;
f) impenhorabilidade, por credores individuais, dos bens sujeitos ao concurso;
g) suspensão dos juros dos créditos sem garantia real;
h) perda das preferências oriundas de penhora;
i) manutenção das preferências oriundas de garantias reais e privilégios legais;
j) restrições à capacidade do insolvente no plano material;
k) perda da capacidade processual;
l) liquidação geral de todo patrimônio do devedor, para satisfação conjunta de
todos os seus credores;
m) subsistência do direito de ação, fora do concurso, do credor contra o
coobrigado do insolvente;
n) extinção final das obrigações do devedor anteriores à declaração.305

Ao contrário do que, entusiasmadamente, sugere Marcelo Abelha, a insolvência não


acarreta a perda total da capacidade civil do devedor. Ele fica apenas impossibilitado de
administrar os seus bens presentes e futuros, enquanto existirem as obrigações, bem como de
ser parte ativa ou passiva em demandas judiciais que tiverem esses bens como objeto, pois a
defesa dos interesses relativos aos bens desapossados, em juízo ou fora dele, fica a cargo do
administrador da massa. Todas as consequências, portanto, voltam-se à preservação do
patrimônio sujeito à execução concursal, não vindo a atingir a pessoa do devedor em outros
aspectos.
É por essa razão, a nosso ver, que o procedimento da insolvência foi pouco utilizado no
Brasil mesmo na vigência do CPC de 1973. Trata-se de procedimento demorado e dispendioso,
porque implica a nomeação de um administrador para a massa de bens, além do que somente
vai ter alguma utilidade, repita-se, se de fato houver bens penhoráveis. Logo, não produzirá
nenhum efeito prático nos casos em que o magistrado já identificou que o devedor não possui
patrimônio algum ou mesmo nos casos em que o devedor ostenta ter uma vida sofisticada, mas

305
THEODORO JÚNIOR, Humberto. A insolvência civil: execução por quantia certa contra devedor insolvente.
4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.p. 203.
125

não há nada em seu nome. Nessa última hipótese, como tudo o que o devedor tem, geralmente,
está em nome de terceiros, ou “laranjas”, de nada adiantará decretar a sua insolvência, pois, na
prática, já não é ele quem administra seus bens.
A impossibilidade de firmar contratos ou habilitar cartões de crédito, por exemplo, são
consequências que podem advir do protesto da decisão judicial transitada em julgado (art. 517
do CPC) e da inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes (art. 782, § 3º, do
CPC). A finalidade destes institutos é exatamente dar publicidade à condição de devedor,
prevenindo a sociedade no sentido de que contratar com aquela pessoa pode ser arriscado. São,
a nosso ver, medidas coercitivas típicas mais eficazes e mais baratas contra o devedor, pois
atacam diretamente aquilo que a maioria dos cidadãos brasileiros mais ambiciona: o crédito.
Entendemos, pois, que a declaração de insolvência do devedor não deve ser encarada como
medida coercitiva eficiente para trazer efetividade à execução pecuniária.
Voltemos, pois, ao art. 139, IV, do CPC de 2015. Vejamos, então, quais são as sugestões
doutrinárias mais recorrentes para que se confiram limites às chamadas medidas executivas
atípicas que podem ser determinadas com base nesse dispositivo legal.

5.1 Subsidiariedade das medidas coercitivas

Conforme já se abordou em linhas anteriores, a redação do art. 139, IV, chegou a ser
amplamente discutida pelo grupo responsável pelo estudo da execução no FPPC, realizado em
2013, dando ensejo ao enunciado 12 desse Fórum. Disso resultou um certo, mas não absoluto,
consenso, em doutrina e jurisprudência, no sentido de que as medidas executivas atípicas
somente devem ser utilizadas para compelir o devedor ao cumprimento de uma obrigação
pecuniária após esgotadas as medidas típicas sub-rogatórias previstas expressamente na
legislação processual (arts. 513 a 535 e 824 a 913).306

306
A título de exemplo de autores que advogam pela subsidiariedade das medidas executivas atípicas, confiram-
se os seguintes artigos em DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI,
Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018. (Grandes Temas do Novo CPC,
11): CARREIRA, Guilherme Sarri; ABREU, Vinicius Caldas. Dos poderes do juiz na execução por quantia
certa: da utilização das medidas inominadas. p. 241-273; DIDIER Jr., CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA,
Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Diretrizes para a concretização das cláusulas gerais executivas
dos arts. 139, IV, 297 e 536, § 1º, CPC. p. 307-347; EXPÓSITO, Gabriela; LEVITA, Sara Imbassahy. A
(im)possibilidade de suspensão de CNH como medida executiva atípica. p. 349-370; FERREIRA, Gabriela
Macedo. Poder geral de efetivação: em defesa da constitucionalidade da técnica de execução dos direitos do art.
139, IV do Código de Processo Civil. P. 371-394. GRECO, Leonardo. Coações indiretas na execução pecuniária.
p. 395-420. VIEIRA, Luciano Henrik Silveira. Atipicidade dos meios executivos: da discricionariedade à
violação de preceitos garantidores do Estado Democrático de Direito. p. 451-470. CABRAL, Trícia Navarro
Xavier. As novas tendências da atuação judicial. p. 609-625. NEVES, Daniel Amorim Assunpção. Medidas
126

Isso porque nenhum sentido haveria no fato de o legislador ter detalhado os


procedimentos executivos a serem seguidos para cada tipo de obrigação se esses puderem ser,
de plano, substituídos por medidas sem previsão legal. Deve restar amplamente demonstrado
que, pelo fato de o meio típico não ter sido suficiente, faz-se necessário lançar mão de outra
medida não prevista na legislação. Essa é a hipótese defendida por esta pesquisa como tentativa
de resposta ao primeiro problema apresentado. Defende-se, pois, a ideia de que o art. 139, IV,
do CPC, embora tenha estendido a atipicidade também às obrigações pecuniárias, não a
transformou em regra para esse tipo de obrigação.
Leonardo Greco, ao tratar da excepcionalidade das medidas de coerção na execução das
obrigações pecuniárias, pondera, de forma acertada, que, nessa espécie de execução, não se
pode falar, “de modo irrestrito, em atipicidade dos meios executórios, mas em relativa
atipicidade subsidiária e excepcional desses meios”.307
Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero se contrapõem a
essa ideia de subsidiariedade ao defenderem a aplicação direta das medidas atípicas em
situações urgentes, em que o procedimento típico, baseado na penhora e expropriação de bens,
acarretaria prejuízo à parte em razão da excessiva demora.308 Nesse aspecto, não é demais
retomar o que já se apontou alhures sobre o posicionamento desses juristas em prol da máxima
adequação procedimental com vistas à realização do direito material em cada caso concreto.
Para estes autores, deve-se optar de pronto pelo caminho “mais efetivo”, aquele que de fato leve
à satisfação do direito.
Sérgio Cruz Arenhart, em artigo de sua autoria sobre a matéria, defende que o art. 139,
IV, do CPC representa um comando que irá proporcionar a “ruptura do velho modo de pensar
a atuação executiva judicial.”309 De acordo com o jurista, não há que se falar em subsidiariedade
das medidas coercitivas, porque, na nova sistemática executiva que se apresenta, a própria
atipicidade autoriza que se deixe a cargo do juiz escolher qual técnica irá empregar no
cumprimento da sentença, ou seja, se adotará a expropriação patrimonial, que depende de
requerimento do exequente (art. 513, § 1º, do CPC), ou se optará de pronto pela técnica de

executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de pagar quantia certa – art. 139, IV, do novo CPC. p.
627-666. RODOVALHO, Thiago. O necessário diálogo entre doutrina e jurisprudência na concretização do
NCPC, art. 139, inc. IV (atipicidade dos meios executivos). p. 717-732.
307
GRECO, Leonardo. Coações indiretas na execução pecuniária. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral);
MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador:
Juspodium, 2018, p. 395-420. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 412.
308
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil:
tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. v.2. p. 693-697.
309
ARENHART, Sérgio Cruz. Tutela atípica de prestações pecuniárias. Por que ainda aceitar o “é ruim mas eu
gosto?”. Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB-PR, edição especial, ano 3, n. 1, maio
de 2018. Não paginado.
127

indução/coerção do obrigado, que, segundo Arenhart, pode ser aplicada de ofício pelo
magistrado quando este a considere mais eficaz no caso concreto.
Em idêntico sentido é a tese defendida por Olavo de Oliveira Neto, segundo a qual “a
tutela coercitiva deve ser aplicada pelo magistrado de forma autônoma e independente das
demais espécies de tutela, não sendo necessário aguardar a frustração da atividade executiva
em outras modalidades (...)”.310
Marcos Youji Minami, em que pese ser adepto à tese da excepcionalidade das medidas
coercitivas atípicas, adere ao posicionamento de Marinoni, Arenhart e Mitidiero sobre a
possibilidade de aplicação direta da coerção quando houver urgência, embora com fundamento
no art. 297 do CPC311 e não no art. 139, IV, por entender que a urgência do caso autoriza a
determinação direta de todas as medidas adequadas para a efetivação da tutela provisória,
quando preenchido os requisitos para sua concessão.312
Marcos Youji Minami se mostra também adepto à compreensão exposta por Fred Didier
Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, segundo
a qual as medidas executivas atípicas podem ser aplicadas de forma direta quando há convenção
processual entre as partes nesse sentido, situação que afasta a subsidiariedade em prol do
respeito à autonomia da vontade.313
Rafael Caselli Pereira, de seu turno, defende a possibilidade de aplicação direta de
medidas executivas atípicas no bojo da execução de prestação alimentícia, em detrimento da
prisão civil do executado, que seria medida mais gravosa. O autor entende que, nesse caso, o
juiz deve sopesar, no caso concreto, se uma medida atípica seria mais eficaz do que a prisão
civil requerida, uma vez que o art. 139, IV, do CPC nada dispõe sobre subsidiariedade das
medidas coercitivas e deve ser interpretado sistematicamente com os princípios e regras de todo
o ordenamento jurídico.314

310
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O Poder Geral de Coerção. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 243.
311
Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.
Parágrafo único. A efetivação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da
sentença, no que couber.
312
MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.
Salvador: Juspodium, 2019. p. 214-215.
313
MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.
Salvador: Juspodium, 2019. p. 212-213.
314
PEREIRA, Rafael Caselli. Execução de alimentos legítimos, indenizatórios e decorrentes de verba honorária
sucumbencial e contratual, sob a perspectiva da atipicidade dos meios executivos (art. 139, inciso IV –
CPC/2015) – uma proposta de sistematização. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji
(coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 275-
305. (Grandes Temas do Novo CPC, 11).
128

Este trabalho, pelo fato de conferir interpretação restritiva à cláusula geral do art. 139,
IV, do CPC, adere a este critério da subsidiariedade, por entender que a tipicidade é a regra no
procedimento executivo brasileiro, sendo a atipicidade exceção, sobretudo em obrigações
pecuniárias, mesmo na vigência do CPC de 2015. Isso porque, no contexto de um Estado
Democrático de Direito, o processo é que confere legitimidade à atividade jurisdicional. Se é
assim, o processo precisa trazer em seu bojo previsibilidade, o que somente se alcança por meio
da aplicação das normas jurídicas existentes e do diálogo em contraditório.
Por isso, permitir que medidas atípicas sejam diretamente aplicadas pelo magistrado,
em detrimento de todo o arcabouço legal existente, não nos parece condizente com o que se
entende por processo jurisdicional democrático, já que privilegia por demais a
discricionariedade do julgador. O uso de técnicas atípicas para coagir o devedor esbarra na
moldura do texto constitucional e na normatividade do próprio CPC de 2015. E como bem
pontuado por Edilson Vitorelli, ao qual nos referimos em linhas anteriores, o conjunto de
dispositivos que regula o cumprimento de sentença e a execução de título extrajudicial no CPC,
não permite inferir que a atipicidade seja a regra da execução de obrigações de pagar. 315 Dizer
que a atipicidade é a regra prevalecente no procedimento executivo brasileiro é desconsiderar
toda a história institucional que envolve a matéria, eliminando qualquer possibilidade de
integridade e coerência no Direito, nesse aspecto.
Esse entendimento, na prática da execução de obrigações pecuniárias, resulta na
seguinte trajetória processual: tratando-se de execução pecuniária com base em título judicial,
após requerimento do exequente, o executado deve ser intimado para pagar no prazo de 15 dias
(art. 523, caput, do CPC). É aconselhável que, na própria intimação, o magistrado já advirta o
devedor acerca das medidas típicas que lhe poderão ser aplicadas em caso de descumprimento
da ordem, a saber: protesto da sentença (art. 517 do CPC) e negativação de seu nome em
cadastros de inadimplentes (art. 782, §5º, do CPC). Não tendo efetuado o pagamento no prazo
legal, aplica-se a multa de 10% a que se refere o art. 523, § 1º, do CPC, que constitui medida
coercitiva patrimonial típica.
Se, ainda assim, não houver adimplemento, passa-se à aplicação das medidas sub-
rogatórias de expropriação tipificadas, antecedidas da penhora de bens. Somente após todo esse

315
VITORELLI, Edilson. Atipicidade dos meios de execução no processo coletivo: em busca de resultados sociais
significativos. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo
(coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 821-854. (Grandes Temas do Novo
CPC, 11). p. 825.
129

percurso e, tendo-se verificado que as medidas implementadas não foram suficientes para o
alcance da total satisfação da obrigação, autoriza-se a aplicação de meios coercitivos atípicos,
com base no art. 139, inciso IV, do CPC, mediante contraditório prévio e com fundamentação
jurídica consistente que permita o controle da decisão.
Se a execução pecuniária, no entanto, for calcada em título executivo extrajudicial, o
magistrado irá citar o devedor para pagar no prazo de 3 dias (art. 829 do CPC), já podendo,
inclusive, consignar, na citação, a ameaça de inscrição do nome do devedor em cadastros de
inadimplentes caso não se efetue o adimplemento (art. 782, § 3º, do CPC). Restando o crédito
inadimplido, passa-se à aplicação das medidas expropriatórias de bens (art. 824 do CPC). Em
último caso, na hipótese de nenhuma dessas medidas surtirem efeito, recorre-se à utilização de
medidas atípicas com base no art. 139, inciso IV, do CPC, mediante contraditório e com
fundamentação jurídica consistente.
Tal como adverte Marcus Vinícius Motter Borges, cabe ao credor demonstrar ao Juízo
que foi altamente diligente e que de fato esgotou todos os meios executórios típicos possíveis,
sejam os coercitivos, sejam os expropriatórios, e que nada surtiu efeito.316 Questão bastante
pertinente colocada por este autor é se seria suficiente que o credor se limite aos meios
tradicionais de pesquisa patrimonial, a exemplo da busca pelos sistemas Bacen Jud, Renajud e
pelos cartórios de registro de imóveis do País.317
Assim como Marcus Vinícius Motter Borges, entendemos que a resposta para esta
questão é negativa. Não basta, portanto, que o credor esgote a busca patrimonial pelos meios
de pesquisa tradicionais para, então, pedir que sejam aplicadas ao executado medidas
coercitivas não previstas na legislação processual. Tratando-se de execução de obrigação de
pagar, em que vigora o princípio da patrimonialidade, é preciso focar a execução na descoberta
de patrimônio, seguindo o seu rastro, por meio do uso das inúmeras ferramentas tecnológicas
disponíveis na atualidade, assunto a ser melhor desenvolvido adiante.
A pesquisa patrimonial requer tanto um maior empenho pela parte exequente em
investigar a trajetória financeira do executado, quanto uma maior cooperação por parte dos
magistrados em deferir os requerimentos de quebra do sigilo bancário e fiscal apresentados pelo
credor, com vistas a desnudar a blindagem do patrimônio do executado através das ferramentas
tecnológicas existentes, bem como de outros meios alternativos que possam ser vislumbrados.

316
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p.246.
317
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p.247-248.
130

Diante de tais considerações, contrapomo-nos veementemente ao posicionamento de


Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero quanto à desnecessidade
de aplicação subsidiária das medidas executivas atípicas. Se há, de fato, urgência e/ou perigo
no caso concreto, isso deve atrair, como ilustra Minami, a concessão de tutela provisória (art.
297 do CPC), revestida principalmente da característica da revogabilidade, e tendo em vista a
assunção da responsabilidade objetiva pelo exequente caso seja posteriormente revogada.
Lado outro, concordamos com a tese de Rafael Caselli sobre a possibilidade de substituir
a prisão civil do devedor de alimentos por outra medida executiva atípica, desde que haja,
contudo, expresso requerimento do exequente nesse sentido, bem como abertura do
contraditório prévio ao executado, de modo que se evite o efeito surpresa quanto à medida a ser
deferida em lugar da prisão.
Isso porque a prisão civil do devedor de alimentos é medida coercitiva típica prevista
no caput do art. 528 do CPC318 e depende de requerimento do exequente. O procedimento
especial da execução alimentícia, em seu art. 528, § 8º,319 inclusive, faculta ao exequente optar
pelo cumprimento de sentença desde logo, em detrimento da prisão. Seguindo essa lógica, a
substituição da prisão civil por medida atípica deve também, a nosso ver, ser feita mediante a
escolha do exequente, por requerimento expresso, não podendo ocorrer de forma oficiosa pelo
magistrado, situação em que este estaria infringindo a lei e comprometendo a integridade.
Adere-se também ao posicionamento de Marcos Youji Minami quanto à tese defendida
por Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de
Oliveira no sentido de que as partes podem convencionar acerca da aplicação direta de medidas
atípicas, sem necessidade de esgotamento dos meios sub-rogatórios e coercitivos previstos na
legislação. Isso porque, conforme bem lembram os referidos autores, a execução é, geralmente,
regida pela disponibilidade dos direitos (art. 775 do CPC), o que torna o ambiente favorável à
combinação entre a cláusula geral do art. 139, IV, do CPC com a cláusula geral de negociação
processual prevista no art. 190 do Código.320

318
Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão
interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado
pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-
lo.
319
Art. 528, § 8º. O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos
termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado,
e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente
levante mensalmente a importância da prestação.
320
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria
de. Diretrizes para a concretização das cláusulas gerais executivas dos arts. 139, IV, 297 e 536, § 1º, CPC. In:
DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas
Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 307-347. (Grandes Temas do Novo CPC, 11).
131

A propósito, a combinação entre a cláusula geral de efetivação do art. 139, IV, com a
cláusula geral de negociação processual prevista no art. 190 do CPC pode constituir a solução
mais adequada para se conferir efetividade às execuções, porque, juntas, permitem às partes
adaptar o procedimento executivo, antes ou depois de instaurado o processo, conferindo
previsibilidade ao litígio e evitando riscos, sobretudo neste momento de incertezas quanto aos
limites e possibilidades em torno do art. 139, IV, do CPC.321
Como bem apontam Fredie Didier Jr. e Antônio do Passo Cabral,322 negócios
processuais executivos realizados antes do ajuizamento do processo, ou seja, na fase contratual
podem reduzir consideravelmente os riscos de inadimplemento nos contratos, na medida em
que esses instrumentos podem versar, por exemplo, sobre uma futura penhora de bens,
modificação da ordem de penhora, dentre outras possibilidades.
Podem as partes convencionar, v.g., sobre a renúncia à impenhorabilidade do salário,
mesmo que este não exceda a 50 salários mínimos (art. 833, § 2º, do CPC). Afinal, assim como
há permissão legal para que um trabalhador, aposentado, pensionista ou servidor público
comprometa parte de sua renda com empréstimo consignado,323 através de desconto em folha,
não há o que impeça que se convencione que a margem consignável seja utilizada como
parâmetro para permitir que se penhore parte dos vencimentos do devedor para pagamento de
dívidas. É possível também que as partes convencionem sobre as próprias medidas executivas
atípicas que poderão ser aplicadas diretamente pelo magistrado no âmbito da execução,
afastando o critério da subsidiariedade, desde que não se trate de medidas ilícitas.324
Ademais, a negociação processual combinada com a utilização de técnicas atípicas de
execução poderá se mostrar bastante útil e profícua sobretudo em execuções complexas, como
as que decorrem das chamadas litigâncias de interesse público.
Humberto Theodoro Júnior, Dierle Nunes e Alexandre Melo Franco Bahia explicam que
o termo public interest aparece com muita evidência na literatura jurídica norte-americana.
Expressões como public interest law e public interest litigations são empregadas para se referir

321
STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle. Como interpretar o artigo 139, IV, do CPC Carta branca para o arbítrio?
Consultor Jurídico. 25.08.2016; DIDIER, Jr. Fredie; CABRAL, Antônio do Passo. Negócios jurídicos
processuais atípicos e execução. Revista de Processo, v. 275, p. 193-228, jan.2018.
322
DIDIER, Jr. Fredie; CABRAL, Antônio do Passo. Negócios jurídicos processuais atípicos e execução. Revista
de Processo, v. 275, p. 193-228, jan.2018.
323
Dá-se o nome de margem consignável ao percentual do vencimento definido em lei que pode ser utilizado por
um trabalhador, aposentado, pensionista ou servidor público para pagamento de empréstimos com desconto
automático em folha de pagamento. O assunto é disciplinado pela lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003,
alterada pela Lei nº 13.172, de 21 de outubro de 2015.
324
DIDIER, Jr. Fredie; CABRAL, Antônio do Passo. Negócios jurídicos processuais atípicos e execução. Revista
de Processo, v. 275, p. 193-228, jan.2018.
132

a interesses coletivos e de minorias. Nesse tipo de litigância, exige-se a implementação de


políticas públicas, expressas em leis ou decorrentes de princípios constitucionais.325
Não é difícil intuir que essa nova modalidade de litigância não deve receber o mesmo
tratamento dado aos litígios individuais, embora esse tenha sido o caminho escolhido pelo
sistema jurídico processual brasileiro até a atualidade. Os litígios de interesse público exigem
técnicas jurisdicionais e estrutura diferenciadas, capazes de garantir que os titulares desses
direitos tenham seus interesses verdadeiramente representados. Como os titulares desses novos
direitos são muitos e, não raro, impossíveis de serem individualizados, e, considerando ainda a
possibilidade de haver interesses conflitantes dentro de uma mesma classe de interessados,326 é
necessário que o processo contemple uma maior participação da sociedade, ampliando-se o
debate e o contraditório.
Em casos assim, tanto o mérito da controvérsia deve ser bem delineado, por meio da
contribuição dos diversos participantes, quanto a execução da decisão final precisa ser
construída de forma comparticipada entre os titulares dos direitos. É impensável deixar que o
conhecimento e a execução de decisões que digam respeito a políticas públicas transcorram de
forma centralizada no magistrado, sem que haja diálogo com os órgãos do Poder Público
competentes e planejamento estratégico acerca da forma de cumprimento das decisões. Além
disso, não faz sentido perpetuar uma estrutura em que ações coletivas sejam julgadas
juntamente com ações individuais, compartilhando da mesma quantidade de recursos humanos
e materiais e recebendo idêntica pontuação em termos de estatísticas judiciárias.327
Questões como judicialização da saúde, da educação e da segurança pública, portanto,
não podem ser discutidas no âmbito do modelo tradicional do processo. Trata-se de matérias
cujas decisões individuais proferidas pelos juízes impactam diretamente o orçamento público
e, consequentemente, a implementação de outras políticas públicas necessárias.
Como bem pondera Edilson Vitorelli, a cada vez que um juiz, isoladamente, defere uma
liminar determinando a concessão de vaga a uma criança em creche, ele contribui para a
superlotação das salas de aula, redução da qualidade do serviço, precarização do trabalho dos

325
THEODORO Jr. Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco. Litigância de interesse público
e execução comparticipada de políticas públicas. Revista de Processo. São Paulo: RT, ano 38, n. 224. p. 122-
154, out. 2013.p. 129.
326
VITORELLI, Edilson. Atipicidade dos meios de execução no processo coletivo: em busca de resultados sociais
significativos. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo
(coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 821-854. (Grandes Temas do Novo
CPC, 11). p. 835.
327
THEODORO Jr. Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco. Litigância de interesse público
e execução comparticipada de políticas públicas. Revista de Processo. São Paulo: RT, ano 38, n. 224. p. 122-
154, out. 2013.p. 132.
133

professores e prejuízo às demais crianças regularmente matriculadas. A decisão acaba, portanto,


segundo o referido autor, por “causar na comunidade impactada malefícios equivalentes
àqueles que se pretendia remediar”.328 O mesmo ocorre com a proliferação de liminares que
determinam o fornecimento de medicamentos de alto custo a determinadas pessoas, as quais
serão cumpridas mediante o sacrifício da compra de medicamentos básicos para uma série de
outros usuários do sistema público de saúde.
Por essa razão, o processo sob o enfoque da litigância de interesse público caracteriza-
se, sobretudo, por encarar o litígio sob uma perspectiva ampliada, vislumbrando suas
consequências para além do processo individualizado. Não há como, nesse cenário, vincular a
decisão aos pedidos que foram feitos na petição inicial, pois os pedidos deverão ser construídos
à medida em que as discussões vão avançando, por meio da realização de audiências públicas
com a presença de interessados, destinatários dos direitos tutelados, especialistas e gestores
públicos. Também não se mostram aplicáveis à litigância de interesse público noções
processuais como estabilização da demanda, preclusão e coisa julgada, já que a realidade social
não é estática.329
Se a construção da decisão, nos processos coletivos que envolvem esse tipo de litígio,
deve ganhar contornos que fogem aos padrões tradicionais do processo individual, mais ainda
essa ideia se aplica à execução de suas decisões. Não pode o juiz, nesse caso, agir como se
tivesse executando um título judicial qualquer. Também no momento processual da execução
os interessados e os gestores públicos devem se reunir e planejar a melhor forma de
cumprimento da decisão, realizando o que se chama de “execução negociada”, com a fixação
de um cronograma de atividades e implementação de medidas estruturantes, em substituição à
tradicional e ineficiente execução forçada.330 Há, ainda, necessidade de que os prazos
processuais não sejam vistos com a rigidez que se extrai do processo bilateral.
É nesse tipo de processo, portanto, que as cláusulas gerais de efetivação, prevista no art.
139, inciso IV, do CPC, e de negociação processual, prevista no art. 190 do CPC, mostram a
sua maior relevância. Afinal, a execução de políticas públicas não funciona simplesmente por

328
VITORELLI, Edilson. Atipicidade dos meios de execução no processo coletivo: em busca de resultados sociais
significativos. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo
(coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018. v. 11. Coleção Grandes Temas do Novo
CPC. p.835.
329
VITORELLI, Edilson. Atipicidade dos meios de execução no processo coletivo: em busca de resultados sociais
significativos. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo
(coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018. v. 11. Coleção Grandes Temas do Novo
CPC. p.837.
330
FONSECA, Eduardo José da Costa. A “execução negociada” de políticas públicas em Juízo. Revista de
Processo. São Paulo: RT, v. 37, n. 212, p. 25-56, out. 2012.
134

meio de mera aplicação de uma coerção ou de multa cominatória ao Poder Público para
cumprimento da decisão no prazo estipulado de forma solipsista pelo juiz. Há que se programar
as atividades a serem implementadas em etapas, conforme disponibilidade financeira do ente
competente, e de forma negociada entre os sujeitos do processo.
O juiz deve exercer, nesses casos, um papel de gerente (case management)331 e, em vez
de simplesmente deferir liminares contra a Administração Pública, de difícil ou impossível
cumprimento imediato, toma dimensão sistêmica dos impactos das decisões e acompanha toda
a evolução e efetividade de seu cumprimento negociado, podendo, inclusive, alterar as
condições para melhor adaptá-las à realidade, deixando para trás a arraigada prática de
“desvestir um santo para vestir outro”.
Nesse passo, adere-se às considerações de Lenio Streck e Dierle Nunes,332 no sentido
de que a cláusula geral do art. 139, IV, do CPC não deve ter a sua interpretação limitada a uma
perspectiva utilitarista, voltada apenas a resolver os problemas de efetividade de execuções
pecuniárias em processos tradicionais com bilateralidade de partes. Há que se explorar suas
potencialidades e interpretá-la em conjunto com a o art. 190 do CPC, para que se possa trazer
um novo horizonte para a execução de políticas públicas pelo Poder Judiciário, em constante
negociação com os demais poderes, de modo a trazer concretude aos direitos sociais
constitucionalmente garantidos.
A leitura conjunta dessas duas cláusulas permite ao Poder Judiciário colocar em prática
as premissas de um formalismo democrático, adaptando o processo coletivo às contingências
do caso concreto, mas não de forma autoritária, imposta pelo magistrado, mas de forma
negociada, comparticipada, a partir do amplo debate entre os sujeitos processuais. 333 Desse
modo, não há que se falar em insegurança jurídica e decisões surpresa, porque a flexibilização
procedimental, nessa hipótese, segue orientada pelos próprios sujeitos processuais, na busca
das respostas que a legislação processual não previu, sem perder de vista as garantias
constitucionais.
Avançando em torno do parâmetro da subsidiariedade, repele-se aqui a tese de Fredie
Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira no
sentido de que as medidas executivas atípicas podem ser utilizadas de modo direto contra o

331
FARIA, Guilherme Henrique Lage. Negócios Processuais no Modelo Constitucional de Processo. Salvador:
Juspodium, 2016. p. 170-171.
332
STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle. Como interpretar o artigo 139, IV, do CPC Carta branca para o arbítrio?
Consultor Jurídico. 25.08.2016.
333
Nesse sentido, confira-se MORATO, Luciana Cecília. Implementação comparticipada de medidas
estruturantes na litigância de interesse público. 2019. 155f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-
Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019. p. 122-130.
135

executado ou contra terceiro, na execução por quantia, com vistas a compelir o cumprimento
de deveres processuais.
Sem dúvidas, o descumprimento de ordens judiciais há muito vem sendo motivo de
preocupação nos diversos sistemas jurídicos do mundo, o que motivou, como se viu no tópico
4.2 deste trabalho, a criação do instituto da astreinte pelo sistema francês e sua irradiação pelos
diversos sistemas jurídicos do mundo, principalmente para o Brasil. Os países pertencentes à
tradição jurídica do common law, por sua vez, dispõem de um meio coercitivo específico
destinado a assegurar o cumprimento das ordens judiciais, qual seja, o instituto do contemp of
court, sobre o qual se discorreu brevemente na seção 4.2.
É bem possível que a redação aberta do art. 139, IV, do CPC tenha sido inspirada no
contempt of court da tradição do common law,334 tendo em vista que as alternativas adotadas
no Brasil para incentivar o cumprimento das ordens judiciais, quais sejam, aplicação de multa
por descumprimento e ameaça de responsabilização por crime de desobediência, não têm se
mostrado efetivas. Buscou-se, portanto, instaurar uma espécie de contemp power no
ordenamento processual brasileiro, ou seja, atribuir mais poderes aos magistrados para
adotarem medidas capazes de assegurar o cumprimento de suas ordens, mesmo quando se
estiver diante de uma prestação de natureza pecuniária.
Não nos parece possível, todavia, impor medidas executivas coercitivas atípicas a
terceiros que não participam do processo, pois isso viola o devido processo legal. Isso porque,
nessa situação, o terceiro recebe a ordem mandamental sem que lhe tenha sido dada
possibilidade de se defender, de argumentar acerca da impossibilidade de cumprimento ou
mesmo de influenciar na tomada da decisão. As medidas devem se restringir, portanto, às
pessoas cujos interesses possam ser, em alguma medida sacrificados, por conta da posição que
ocupam no processo.
Por outro lado, atos atentatórios à justiça podem também ser praticados por terceiros,
mas, nesse caso, devem ser sancionados por meio de punições tipificadas em lei, mediante
devido processo legal instaurado para essa finalidade específica, a exemplo de apuração de
crime de desobediência (art. 330 do CP) ou de prevaricação (art. 319 do CP), a depender do

334
“A origem das coações indiretas no direito moderno se encontra nos remédios da equity do direito inglês e
posteriormente norte-americano, principalmente nas injunctions. Como informa Neil Andrews, as cortes
modelaram a injunction para induzir as partes recalcitrantes a satisfazerem seus deveres legais. Os poderes do
contempto of court por quebra da injunction são severos: multa, prisão, apreensão de bens pessoais e sociais.
Um dos seus objetivos é assegurar que a justiça substancial seja alcançada sem ser perturbada por cínicas táticas
obstrutivas, como dissipação de bens, destruição de provas ou evasivas pessoais da jurisdição.” (GRECO,
Leonardo. Coações indiretas na execução pecuniária. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos
Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p.
395-420. (Grandes Temas do Novo CPC, 11).p. 396).
136

caso. Atente-se, inclusive, para o fato de que as sanções previstas nos parágrafos 1º e 2º do art.
77 do CPC,335 conforme a redação do caput desse dispositivo, devem ser aplicadas aos que, de
alguma forma, participam do processo (partes, procuradores, peritos, etc). O mesmo ocorre com
a punição prevista no parágrafo único do art. 774 do CPC, que se aplica tão-somente ao
executado. Essa foi a opção escolhida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Vejamos dois
exemplos emblemáticos que bem ilustram o perigo do entendimento a que ora nos contrapomos.
Em 16/12/2015, o Poder Judiciário do Estado de São Paulo determinou o bloqueio do
funcionamento do aplicativo WhatsApp em todo o território brasileiro, por um período de 48
horas, a partir de zero horas do dia 17/12/2015, o que foi prontamente cumprido pelas
operadoras de telefonia do País.336 A medida foi determinada pela 1ª Vara Criminal de São
Bernardo do Campo, no bojo de um processo criminal que tramita em segredo de justiça, no
qual três pessoas são investigadas por tráfico de drogas.
O fato se deu porque o Facebook, empresa administradora do aplicativo WhatsApp,
desacatou uma determinação judicial dada em julho de 2015, repetida em agosto daquele
mesmo ano, com cominação de astreintes, para que a empresa revelasse ao Juízo detalhes de

335
Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles
que de qualquer forma participem do processo:
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua
efetivação;
V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde
receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou
definitiva;
VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
§ 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua
conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.
§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz,
sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por
cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.
§ 3 o Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2º será inscrita como dívida ativa da
União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento
da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97 .
§ 4º A multa estabelecida no § 2º poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523,
§ 1º , e 536, § 1º .
§ 5º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2º poderá ser fixada em até 10
(dez) vezes o valor do salário-mínimo.
§ 6º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se
aplica o disposto nos §§ 2º a 5º, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão
de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.
§ 7º Reconhecida violação ao disposto no inciso VI, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior,
podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação do § 2º.
§ 8º O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar.
336
WHATSAPP bloqueado: operadoras são intimadas a barrar app no país por 48h. G1. São Paulo, 16 dez 2015.
Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/12/operadoras-sao-intimadas-bloquear-whatsapp-
no-brasil-por-48-horas.html Acesso em: 30 ago. 2019.
137

conversas feitas pelos investigados por meio do WhatsApp. Como a empresa se negou a
fornecer os dados das conversas, o Juízo aplicou-lhe a medida coercitiva de bloqueio do
aplicativo em todo o território nacional.337 A decisão foi suspensa pelo TJSP, por mandado de
segurança.338
O caso bem ilustra a hipótese de determinação de medida executiva atípica para
compelir o cumprimento de ordem judicial, dirigida contra terceiro que não participou do
processo criminal e que sofreu um prejuízo desproporcional, pois teve seus serviços bloqueados
em todo o território nacional, prejudicando não só a empresa prestadora, como todos os usuários
do aplicativo no Brasil, que nada têm a ver com o crime investigado e tiveram cerceada a sua
liberdade de comunicação.
Nessa situação, o bloqueio do serviço ocorreu, no fim das contas, como punição pela
negativa de apresentação dos dados ao Juízo criminal, situação que encontra previsão no art. 12
da Lei 12.965/2014, conhecida como marco regulatório da internet. Todavia, deveria a empresa
ter sido submetida a um devido processo legal específico para apuração de infrações, nos termos
dessa mencionada lei, a ser ainda objeto de regulamentação (art. 11, § 4º, da Lei
12.965/2014),339 o que não ocorreu.
Outro exemplo intrigante pode ser extraído de decisão judicial proferida pelo Juízo da
Vara Única da Comarca de Águas Belas, no Estado de Pernambuco, em que, com base no art.
139, inciso IV, do CPC, o magistrado determinou a suspensão de pagamento da remuneração
de comandantes da Polícia Militar do Estado de Pernambuco até que disponibilizem efetivo
policial suficiente para auxílio no cumprimento de ordem de reintegração de posse naquela
Comarca.340 Oportuno conferir trecho da referida decisão:

[...]
Na data de 20/03/2019, dia previsto e informado à polícia, o senhor oficial de justiça,
através de certidão de ID 42749288, certificou o seguinte:

Certifico eu, oficial de justiça abaixo assinado, que em cumprimento ao mandado de


reintegração de posse, Proc.000216-69.2017.8.17.2150 – ID:41185928, na data de hoje,
dia agendado para o efetivo cumprimento, compareceu a preposta da parte autora, a

337
TALAMINI, Eduardo. Medidas coercitivas e proporcionalidade: o caso WhatsApp. In: DIDIER Jr., Fredie
(Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas
Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 775-798. (Grandes Temas do Novo CPC, 11).
338
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 2271462-77.2015-8.26.0000, Rel. Des. Xavier
de Souza. Decisão monocrática proferida em 17.12.15. A consulta ao processo para acesso a maiores detalhes
não foi possível, por se tratar de processo que tramita em segredo de justiça.
339
TALAMINI, Eduardo. Medidas coercitivas e proporcionalidade: o caso WhatsApp. In: DIDIER Jr., Fredie
(Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas
Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 775-798. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 783.
340
VALENTE, FERNANDA. Juiz ameaça suspender salário da PM de Pernambuco por reintegração de posse.
Consultor Jurídico. 7.5.2019.
138

advogada Christianna Lúcia Godim Soares, OAB/CE 5.945, acompanhada de


seguranças e de 2 caminhões, contudo, não compareceu a Polícia Militar, em que
pese ter sido requisitada por este . Ainda assim, devido a advogada da parte autora
ter ventilado ao juízo a hipótese de que os réus desocupariam o local voluntariamente,
nos dirigimos até a denominada Fazenda Barra, novamente, conversamos com os
ocupantes do local, que eram aproximadamente umas 40 pessoas, mas eles afirmaram
que não sairiam voluntariamente, mesmo tendo sido alertados de que se trata de uma
decisão judicial e que se não for cumprida voluntariamente será cumprida com o uso da
força pública do estado. Não restando alternativa, devido à ausência da Polícia Militar,
devolvo o presente mandado requerendo auxílio de força pública numerosa, adequada
e preparada para ações desta natureza. O referido é verdade, dou fé. Águas Belas-PE,
20 de março de 2019. (sic)

Vê-se que há indisposição ao cumprimento da ordem judicial, basta observar o hiato


entre a data do deferimento do pedido e a comunicação de levantamento e informe de
execução pela Polícia Militar.
Diante desse quadro na faculdade do inc. IV, art. 139, CPC que autoriza ao Estado Juiz
“determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias
necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que
tenham por objeto prestação pecuniária” e autoriza uso de providências que assegurem
a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.
Assim, reitero todos os fundamentos já expendidos por este Juízo para deferimento
da reintegração de posse e aprazo o dia 05/06/2019, às 10h, para cumprimento da
reintegração de posse já deferida e reiterada nestes autos. Diligências e intimações
necessárias.
Caso a medida seja mais uma vez não cumprida em virtude da recalcitrância do apoio
para execução da medida deferida, determino a suspensão do pagamento do soldo e
todas as vantagens pecuniárias do Diretor de Planejamento Operacional da Polícia
Militar do Estado, assim como do Comandante do 9ºBPM e do Comandante Geral da
Polícia Militar de Pernambuco, até que disponibilizem apoio ao cumprimento da ordem
emitida por esse Juízo.
Comunique-se ao setor de Recursos Humanos da PM/PE para suspensão dos
pagamentos até ulterior deliberação, caso a PMPE não se faça presente no dia
05/06/2019.
Cumpra-se (destaques constam do original).341

Note-se que, no referido caso, a suposta coerção foi direcionada a policiais militares, ou
seja, terceiros que não figuram como parte nem participantes no processo judicial em que se
discute a reintegração de posse. Caso a suspensão do pagamento da remuneração dos policiais
venha a se efetivar,342 a decisão, a nosso ver, terá sido arbitrária, porquanto não houve um prévio
procedimento administrativo contra os referidos policiais, dando a eles a oportunidade de expor
as razões pelas quais restaram impossibilitados de dar cumprimento à ordem, o que viola do
devido processo legal.
Nesse caso, o que se percebe é uma nítida confusão entre coerção e punição por ato
atentatório à dignidade da justiça, o que pressupõe tipicidade e encontra-se embasada no art.
139, inciso III, do CPC, e não no inciso IV do mesmo artigo. Ademais, assim como, de acordo

341
PERNAMBUCO. Tribunal de Justiça. Decisão interlocutória Processo nº 00216-69.2017.8.17.2150. Vara
única de Águas Belas. Juiz: Lucas Tavares Coutinho.
342
A decisão foi proferida em 5 de maio de 2019 e a escrita deste tópico foi realizada em 29 de maio de 2019,
antes, portanto, da data agendada para a reintegração de posse (5/6/2019).
139

com o § 6º do art. 77 do CPC, o juiz não pode aplicar as sanções previstas nos §§ 2º a 5º do art.
77 aos advogados públicos ou privados e a membros da Defensoria Pública e do Ministério
Público, também não poderia, a nosso ver, aplicar sanções aos policiais militares, pois esses
profissionais também devem ter eventual responsabilidade disciplinar apurada pela
corregedoria institucional, cabendo ao juiz apenas oficiá-la para que tome as providências
cabíveis.
Por fim, ainda em relação ao critério da subsidiariedade, cumpre alertar que a doutrina
diverge acerca da possibilidade ou não de aplicação de medidas executivas atípicas de forma
subsidiária no caso de execução fundada em título executivo extrajudicial. Esse assunto já foi
por nós abordado no tópico 4.2 do trabalho. Limitamo-nos, pois, a repisar nosso entendimento
de que medidas atípicas podem ser também utilizadas em execuções pautadas em títulos
extrajudiciais, na hipótese em que os meios legais constantes dos arts. 806 a 823 do CPC se
mostrarem insuficientes.343 Qualquer incerteza quanto à fragilidade ou instabilidade de um
título executivo extrajudicial deve ser sanada pela abertura do contraditório dinâmico, evitando-
se, assim, qualquer prejuízo às partes. Esse é o assunto do próximo tópico.

5.2 Necessidade de contraditório e fundamentação adequada

Ao longo de todo o estudo realizado sobre a temática deste ensaio, não se detectou
relevantes controvérsias doutrinárias em torno da necessidade de fundamentação da decisão
que determina uma medida executiva de caráter atípico. Todos os autores consultados
concordam com o entendimento de que o magistrado deve fundamentar racionalmente as razões
pelas quais deferiu determinada medida coercitiva, pautado pelo dever imposto pelo art. 93,
inciso IX, da Constituição, combinado com as diretrizes do § 1º do art. 489 do CPC,344 em
cotejo com as circunstâncias do caso concreto em análise.

343
Adotando este mesmo posicionamento, confira-se ROQUE, Adre Vasconcelos. Em busca dos limites para os
meios executivos atípicos: até onde pode ir o art. 139, IV, do CPC/2015? In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral);
MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador:
Juspodium, 2018, p. 733-752. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 745; ZANETI Jr., Hermes. O controle
intersubjetivo da decisão que adota meios atípicos: segurança no procedimento e a partir do caso concreto. In:
DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas
Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 873-893. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 878.
344
Art. 489, § 1º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou
acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou
a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
140

Também não se verificou divergência quanto à necessidade de instauração do


contraditório no processo de aplicação de medidas não tipificadas na legislação, ainda que,
segundo alguns autores, essa garantia possa ser exercida pela parte em momento posterior ao
ato praticado pelo magistrado, a depender da urgência do caso. Nesse passo, a doutrina se faz
consciente de que contraditório e fundamentação da decisão representam garantias
inseparáveis, derivadas do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF) que, juntas, irão
proporcionar o controle da decisão judicial por seus destinatários, afastando o arbítrio e a
insegurança jurídica que possa advir da cláusula geral do art. 139, IV, do CPC. Por essa razão,
esses dois critérios serão abordados em uma mesma seção nesta pesquisa.
Conforme já pontuado no item 4.2 deste trabalho, não se adere aqui ao posicionamento
de Fredie Didier Jr. no sentido de que as cláusulas gerais “reforçam o poder criativo da atividade
jurisdicional”, com vistas à realização da justiça no caso concreto.345 A nosso ver, ainda que as
cláusulas gerais se utilizem de uma linguagem aberta em seu enunciado normativo, com vistas
a proporcionar uma maior adequabilidade procedimental para melhor apreciação da pretensão
levada ao órgão jurisdicional, esse fim não pode ser alcançado com base em criatividade do
julgador, mas com estrita observância das normas do ordenamento jurídico e do devido
processo legal, ou não estaremos diante de uma modelo constitucional de processo.
Em um passado não muito distante, ao enfrentar a recorrente afirmação de que a regra
do § 5º do art. 461 do CPC de 1973 conferia discricionariedade ao juiz, Eduardo Talamini
explicava que não se trata de admitir que o juiz exerça um juízo de conveniência e oportunidade
na escolha de medidas necessárias ao alcance da tutela específica ou do resultado prático
equivalente. Significa, segundo o jurista, que, a partir de um juízo de legalidade, dentre um
universo de possibilidades permitidas pelo ordenamento jurídico, o juiz pode escolher a
providência que, a seu ver, possa trazer maior efetividade ao caso concreto.346
Fábio Lima Quintas, ao tratar da aplicação de meios de coerção na execução de
obrigações pecuniárias, bem enfatiza que o poder geral de efetivação não pode se submeter à
criatividade das partes e dos magistrados. De acordo com esse jurista, o conteúdo semântico do

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada
pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem
demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a
existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
345
DIDIER, Jr. Cláusulas gerais processuais. Revista Opinião Jurídica. Fortaleza: Faculdade Christus, ano VIII,
n. 12, 2010. p. 118-130.
346
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer: e sua extensão aos deveres de
entrega de coisa (CPC, Arts. 461 e 461-A; CDC, Art. 84). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 387.
141

art. 139, inciso IV, do CPC deve ser extraído a partir do diálogo com outras normas, para que
se preserve a integridade e a coerência do sistema jurídico.347
Nessa mesma linha, filiamo-nos ao sóbrio posicionamento de Dierle Nunes e Lenio
Streck no sentido de que o art. 139, IV, do CPC não deve representar carta branca para o arbítrio
dos magistrados.348 O julgador não irá criar nada, sobretudo porque está inserido em uma
sistemática comparticipativa de processo, em que o magistrado e as partes formam uma
comunidade de trabalho, aberta ao diálogo e ao contraditório dinâmico, em um espaço onde
cada um possui ônus, responsabilidades e faculdades, sem protagonismos. Nesse cenário, toda
forma de discricionariedade deve ser afastada por meio da construção participada da decisão,
pela via do diálogo, tendo em conta a moldura do ordenamento jurídico, a fundamentação
racional da decisão pelo julgador e o direito constitucional ao recurso.
Conforme já se noticiou no Capítulo 3 desta pesquisa, o contraditório é garantia
marcante do processo em geral, seja em seu aspecto civil, penal ou administrativo e se estende
ao procedimento executivo, seara em que as partes deverão ter também oportunidade de exercer
influência nas decisões, livrando-se de possíveis surpresas.
Em termos práticos, isso significa que, ao conduzir o procedimento executivo, se o
magistrado verifica que as técnicas típicas colocadas pelo legislador para aquele determinado
tipo de obrigação que se está executando não foram suficientes para promover o adimplemento,
deve, com base no cotejo entre as normas constitucionais e as normas do próprio CPC de 2015
previstas para os demais tipos de obrigação, extrair outra medida executiva que possa a vir a
ser utilizada. A atipicidade, como bem aponta Luciano Henrik Silveira Vieira, consiste,
primeiro, na possibilidade de se fazer um intercâmbio entre as diversas técnicas executivas
previstas na legislação processual para os variados tipos de obrigação, conforme já autorizam
os arts. 513, caput, e 771, parágrafo único, do CPC.349-350

347
QUINTAS, Fábio Lima. É preciso equilibrar meios de coerção ao executar obrigações pecuniárias. Consultor
Jurídico. 18.02.2017.
348
STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle. Como interpretar o artigo 139, IV, do CPC Carta branca para o arbítrio?
Consultor Jurídico. 25.08.2016.
349
Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber
e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.
Art. 771. Este Livro regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial, e suas disposições
aplicam-se, também, no que couber, aos procedimentos especiais de execução, aos atos executivos realizados
no procedimento de cumprimento de sentença, bem como aos efeitos de atos ou fatos processuais a que a lei
atribuir força executiva.
Parágrafo único. Aplicam-se subsidiariamente à execução as disposições do Livro I da Parte Especial.
350
“Por derradeiro quanto ao ponto, é possível até mesmo indagar a correção do título aposto neste artigo também
nesta obra coletiva. Fazendo-se um teste de falseamento da expressão atipicidade dos meios executivos, torna-
se factível pelo menos discutir se realmente os meios executivos descritos no inciso IV do art. 139 são mesmo
atípicos. Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, o adjetivo atípico exprime aquilo “que
se afasta do normal, do característico; anômalo, incomum, raro”. Assim, se os meios executivos chamados de
142

Se, por outro lado, nenhuma das técnicas previstas na legislação se mostrou eficiente,
qualquer técnica inovadora de que se venha a cogitar deverá ser submetida ao amplo debate em
contraditório, até para que se verifique se a medida suscitada demandaria procedimento
administrativo ou judicial específico que afastaria a possibilidade de sua aplicação de modo
sumário e simplista na execução civil.351
É o que ocorre, por exemplo, com a suspensão do direito de dirigir, que figura como
penalidade prevista no art. 256 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) e, para ser
aplicada, requer a submissão do condutor a todo um procedimento administrativo prévio. Sendo
assim, é possível especular que, quando um magistrado ignora essa sistemática e determina a
suspensão da CNH de alguém porque essa pessoa se recusa a cumprir uma ordem judicial
qualquer, parece haver um impasse. Indaga-se se, ao agir desse modo, o magistrado não estaria
desconsiderando todo um arcabouço jurídico construído em torno de uma penalidade, e criando
uma regra nova ao querer transformá-la em medida coercitiva, como se partisse de um marco
zero interpretativo, violando o dever de manutenção da integridade do direito (art. 926 do CPC).
Daí se extrai a máxima importância da abertura prévia do contraditório, para que o
executado possa ser informado acerca de qual medida poderá ser adotada para constrangê-lo ao
cumprimento da obrigação, evitando-se surpresas. Antes, portanto, de deferir a medida
executiva atípica, o juiz deve conferir prazo ao obrigado, para que promova o adimplemento,

atípicos encontram-se definidos no mesmo Código de Processo Civil, só que em compartimento procedimental
distinto daqueles que contemplam os procedimentos executivos específicos de pagar quantia certa (meios
típicos), se o próprio legislador autoriza a aplicação subsidiária e completiva dos procedimentos (arts. 318,
parágrafo único, 513 e 771, parágrafo único) e se o Código tem de ser interpretado sistematicamente, a aplicação
das medidas não propriamente executivas previstas naquele inciso IV se constituirá realmente na adoção de uma
atipicidade normativa? Entendemos que não, pelo menos num primeiro raciocínio. Ora, se o meio executivo
estiver previsto no Código de Processo Civil, não será ele tecnicamente atípico, talvez topologicamente
deslocado, mas não anômalo ou raro. A não ser que se queira adotar meio executivo não previsto no código, o
que deve ser providência excepcional, mas até possível, tendo em vista que os róis dos artigos 139, inciso IV e
536, § 1º, que flexibilizam as técnicas executivas, apresentam-se exemplificativos e não taxativos. Mas, no caso
de adoção de técnica executiva não prevista de forma direta na legislação processual (media heterotópica), tal
como sói acontecer com a penhora de até trinta por cento da remuneração mensal do executado mesmo não se
tratando de crédito de natureza alimentar (contrariando o regramento contido no artigo 833, inciso IV, CPC),
mostra-se imprescindível a observância do devido processo legal, do dever de fundamentação e dos critérios
para a aceitação da aplicação da cláusula geral de atipicidade das formas executivas, tudo sob o crivo do
contraditório”. (VIEIRA, Luciano Henrik Silveira. Atipicidade dos meios executivos: da discricionariedade à
violação de preceitos garantidores do Estado Democrático de Direito. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral);
MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador:
Juspodium, 2018, p. 451-470. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 466-467).
351
“As garantias do contraditório e da justificação interna e externa têm a função de promover a unidade do
Direito, ao constranger o intérprete, vinculando-o, ao mesmo tempo, permitindo o controle intersubjetivo, ou
seja, o controle pelas partes (endoprocessual – interno) e o controle pela sociedade (extraprocessual – externo)”.
(ZANETI Jr., Hermes. O controle intersubjetivo da decisão que adota meios atípicos: segurança no procedimento
e a partir do caso concreto. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e
TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 873-893.
(Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 889.
143

sob pena de sofrer piora em sua situação jurídica por meio da aplicação da medida executiva
atípica a ser deferida.352
Essa é a oportunidade que o devedor terá para exercer sua influência sobre a decisão,
seja cumprindo prontamente a obrigação, seja demonstrando que a medida a ser imposta viola
o devido processo legal ou lhe trará prejuízos que ultrapassam o próprio objeto da execução,
momento em que deverá oferecer meios menos onerosos ou mesmo um plano de cumprimento
da obrigação.353-354
Tal como aponta Marcus Vinícius Motter Borges, é o contraditório prévio que irá
possibilitar que a medida coercitiva cumpra sua finalidade, pois permite ao devedor tomar
conhecimento da sanção que lhe poderá recair caso não cumpra a determinação judicial. Nas
palavras do próprio autor, “o fim almejado é o cumprimento da ordem, o meio utilizado é a
ameaça de piora”.355
O contraditório diferido ou sucessivo deve ser deixado para situações
excepcionalíssimas, em que a urgência da situação não permite esperar que o executado se
manifeste antes da oposição da medida executiva. São situações geralmente concernentes a
obrigações de fazer e não fazer, a exemplo de ações com pedido de liberação de medicamentos
de alto custo, exames médicos ou cirurgias, em que o risco de morte do exequente é iminente.
Trata-se, portanto, de situações em que restam presentes os requisitos constantes do art. 300 do

352
Seguindo esse mesmo raciocínio acerca da abertura do contraditório anterior à implementação da medida
executiva atípica, consulte-se LEMOS, Vinicius Silva. A concessão de medidas atípicas de efetividade de ordem
judicial e o necessário diálogo com as normas fundamentais do CPC/2015. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.-
geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas.
Salvador: Juspodium, 2018, p. 471-495. (Grandes Temas do Novo CPC, 11).
353
Nesse mesmo sentido, confira-se lição de Leonardo Greco: “Também, como garantia democrática, a concessão
dessas medidas deve submeter-se ao devido processo legal, como método de organização da busca do tratamento
equilibrado e igualitário dos interesses das partes em conflito na execução, o que significa que, salvo insuperável
urgência, devem ser antecedidas da intimação do executado para, em prazo razoável, cumprir a prestação devida
ou indicar os meios sub-rogatóros adequados ao seu cumprimento, com a advertência de que a sua omissão
poderá ter como consequência a aplicação de determinada ou determinadas coações indiretas, sobre as quais
deve ter, salvo comprovada urgência, concreta possibilidade de se pronunciar (art. 9º), para que lhe seja oferecida
a ampla oportunidade de questionar a verificação de todos os pressupostos acima indicados, em igualdade de
condições com o adversário. Caso a urgência imponha a adoção da medida sem a sua audiência prévia, o
contraditório lhe deverá ser assegurado logo após a sua concessão, devendo o juiz, em face das razões expostas,
reexaminar imediatamente a decisão concessiva.”. (GRECO, Leonardo. Coações indiretas na execução
pecuniária. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo
(coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 395-420. (Grandes Temas do Novo
CPC, 11). p. 415).
354
Dissertando a respeito de uma mudança de comportamento dos sujeitos processuais na execução, com
possibilidade de apresentação de um plano de cumprimento pelo devedor em audiência, em prol de uma
execução democrática e comparticipativa, confira-se DURO, Cristiano. Execução e Democracia: a tutela
executiva no Processo Constitucional. Salvador: Juspodium, 2018. P. 243-246.
355
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p. 265.
144

CPC.356 De acordo com Marcus Vinícius Motter Borges, em situações como esta, está-se diante
da aplicação do instituto da tutela provisória e não no campo da execução propriamente dita.357
Ainda no tocante ao contraditório, oportuno trazer à baila pertinente observação feita
por Marcus Vinícius Motter Borges acerca do momento adequado em que o magistrado deve
manejar as medidas coercitivas excepcionais. Segundo o autor, é indispensável que se proceda,
primeiro, à análise da defesa do executado, seja pela via dos embargos à execução ou em sede
de impugnação ao cumprimento de sentença. O juiz deve verificar, antes, a pertinência de
questões referentes aos pressupostos processuais da execução e de matéria de mérito capazes
de influenciar na própria continuidade do procedimento. Citem-se como exemplos alegações
de incompetência do juízo da execução, ilegitimidade do executado, falta ou nulidade da citação
do devedor no processo de conhecimento, inexequibilidade do título ou inexigibilidade da
obrigação, cumulação indevida de execuções, realização do pagamento, dentre outras. 358
Após essa cognição prévia é que o magistrado deverá passar à análise dos requisitos
mínimos necessários para o deferimento das medidas atípicas (existência de requerimento do
exequente, indícios de ocultação de patrimônio por parte do devedor, subsidiariedade da medida
atípica, adequabilidade), abrindo-se oportunidade de manifestação do executado acerca da
coerção que lhe será imposta.
Passando-se ao dever de fundamentação da decisão, não há dúvidas de que o ônus
argumentativo do magistrado é grande ao dar concretude à cláusula geral, pois ele atrai para si
o dever de demonstrar com muita clareza e racionalidade que a medida coercitiva por ele
deferida está em consonância com o ordenamento jurídico e com o devido processo legal, não
sendo mera criação arbitrária sua ou do exequente que a requereu. Além disso, deve demonstrar
por que a medida se mostra adequada àquele caso concreto e de que modo trará efetividade à
execução, assunto a ser tratado no próximo tópico, quando se discorrerá sobre o denominado
critério da adequabilidade.

356
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do
direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
357
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p. 272.
Também, por isso, Luiz Henrique Volpe Camargo destaca a sua discordância parcial em relação ao enunciado
12 do FPPC, no ponto e que faz menção à possibilidade de o contraditório ser realizado de forma postergada.
No entender do referido jurista, o contraditório deve ser sempre prévio quando se trata de deferimento de
medidas coercitivas atípicas com base no art. 139, IV, do CPC (CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O art. 139,
IV, do CPC e os instrumentos de defesa do executado. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos
Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p.
855-872. (Grandes Temas do Novo CPC, 11).
358
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p. 311-313.
145

A doutrina diverge, no entanto, acerca da possibilidade de o juiz aplicar, de ofício,


medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias.
Daniel Amorim Assumpção Neves defende essa possibilidade, com espeque no art. 2º
do CPC, segundo o qual o processo se desenvolve por impulso oficial. Aduz que, quando o
legislador quis exigir a necessidade de requerimento da parte para a prática de determinado ato
processual, ele o fez expressamente, tal como ocorre com o protesto de sentença transitada em
julgado (art. 517 do CPC), com a negativação do nome do devedor nos cadastros de
inadimplentes (art. 782, § 3º, do CPC) e com a prisão civil do devedor de alimentos (art. 528,
caput, do CPC). Sustenta que, pelo fato de o art. 139, inciso IV, estar localizado na parte que
trata dos poderes do juiz, não haveria sentido ao se condicionar a aplicação das medidas atípicas
a requerimento da parte.359
Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria
de Oliveira adotam esse mesmo entendimento. Destacam a importância de se diferenciar a
necessidade de adstrição do juiz ao pedido principal da parte da vinculação do magistrado às
medidas de efetivação requeridas. Afirmam que o magistrado pode, com base no caput do art.
497 do CPC, deferir medidas de apoio diversas das requeridas pelas partes, caso verifique que
serão mais eficientes para alcançar a satisfação da tutela pretendida.360
Marcus Vinícius Motter Borges se opõe a esse posicionamento e apresenta os seguintes
argumentos para justificar a necessidade de requerimento expresso da parte para que haja
aplicação de medidas coercitivas atípicas em obrigações de pagar: (i) as medidas coercitivas
atípicas têm caráter subsidiário nas execuções pecuniárias, o que implica a necessidade de que
o exequente demonstre ao juiz que esgotou as vias típicas e que estas foram ineficazes; ii) o
CPC, por meio dos arts. 513, § 1º, 798 e 799 confere um comportamento ativo ao credor na
execução, devendo este municiar o Juízo de documentos, informações e requerimentos que
impulsionem o procedimento executivo; iii) sendo ônus do exequente pedir expressamente o
meio executivo típico, incumbe-lhe pedir a aplicação subsidiária do meio atípico, podendo
cumular os pedidos; iv) o magistrado, mesmo na execução, encontra-se adstrito ao pedido
imediato da parte, por força do que dispõe o art. 141 do CPC; v) o caput do art. 536 do CPC

359
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de
pagar quantia certa – art. 139, IV, do novo CPC. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji
(coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 627-
666. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 663-665.
360
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria
de. Diretrizes para a concretização das cláusulas gerais executivas dos arts. 139, IV, 297 e 536, § 1º, CPC. In:
DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas
Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 307-347. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 325-327.
146

dispõe expressamente que o uso de medidas atípicas pode ocorrer de ofício ou a requerimento
na execução de obrigações específicas, enquanto os arts. 538, 523, 814, 806 e 824 não fazem
essa previsão na seara das execuções pecuniárias; vi) todas as coerções típicas previstas para as
execuções pecuniárias (multa, protesto e negativação) demandam iniciativa do exequente, o
que torna incoerente dispensar essa iniciativa no caso das coerções atípicas; vii) não se pode
equiparar o poder do juiz de aplicar coerções atípicas em execuções pecuniárias com os demais
poderes a que se refere o art. 139 do CPC, porque estes últimos tratam de regras do sistema
enquanto as coerções atípicas configuram excepcionalidades; e viii) caso se chegue à conclusão
de que a execução é injusta, hipótese prevista no art. 520, II, e 776 do CPC, e, tendo a aplicação
de medida coercitiva atípica de ofício agravado os danos sofridos pelo exequente, este não terá
contra quem pleitear a pretensão de ressarcimento.361
Esse conjunto de argumentos em prol da necessidade de requerimento do exequente
para aplicação de medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias nos parece mais
condizente, pois leva em conta uma interpretação sistemática do CPC, razão pela qual será a
postura adotada neste trabalho, embora com temperamentos.
A nosso ver, tendo o credor se desincumbido do ônus de demonstrar ao juízo que todas
as medidas típicas foram devidamente esgotadas e não alcançaram o êxito esperado e, restando
inequívoco que o devedor está ocultando voluntariamente o seu patrimônio, deverá o credor
requerer ao magistrado que dê início à aplicação das medidas atípicas, sempre mediante
abertura do contraditório prévio. Compreende-se aqui que, feito este primeiro requerimento, e,
verificando o juiz que a medida requerida não se mostrou eficaz, poderá ele determinar, de
ofício, a aplicação de outras medidas atípicas, desde que não se trate de providência para a qual
a lei exige provocação da parte.
Tal como se procedeu no tópico anterior, transcreve-se a seguir, a título de exemplo,
decisão proferida pela 4ª Vara Cível – Foro Central Cível – da Comarca de São Paulo, embasada
no art. 139, IV, do CPC, em que, ao que parece, o magistrado não logrou se desincumbir de seu
ônus argumentativo, deixando a fundamentação a desejar:

Vistos.
Considerando o disposto no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil, bem como
as diversas medidas até aqui aplicadas, sem sucesso, para satisfação do crédito
exequendo, proíbo o executado Francineto Luz de Aguiar (“Frank Aguiar”) de realizar
eventos artísticos sem expressa autorização do Juízo, bem como proíbo terceiros, a
quem seja dada ciência inequívoca desta decisão, de com aquele contratar a realização
de eventos artísticos, ou os intermediar, divulgar ou pagar por eles, sem expressa

361
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p. 248-262.
147

autorização do Juízo, sob pena de multa de R$ 50.000,00 por evento, sem prejuízo da
responsabilidade por crime de desobediência. Ficam, em consequência, indeferidos
os pedidos de ofícios às prefeituras indicadas a fls. 3726, competindo à parte credora
apresentar a presente decisão.
Determino, outrossim, ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD,
que não pague quaisquer valores relativos a direitos autorais dos coexecutados Frank
Aguiar Produções Artísticas Ltda e Francineto Luz de Aguiar (“Frank Aguiar”) sem
expressa autorização do juízo, devendo, ao contrário, depositá-los em conta judicial
vinculada ao processo, sob pena de pagar novamente (art. 312 do Código Civil) e de
multa a ser oportunamente arbitrada, sem prejuízo da responsabilidade por crime de
desobediência.
Para a cientificação de terceiros e para os efeitos desta decisão, serve cópia dela como
ofício.
Intime-se.
São Paulo, 14 de junho de 2019.362

Em que pese se tratar de uma ação judicial iniciada no ano de 2001, em que,
provavelmente, diversas medidas sub-rogatórias já tenham sido tentadas para promover a
satisfação do crédito, o magistrado autor da supracitada decisão não as listou, não fundamentou
por que a medida ora determinada poderá ser efetiva, não fixou um prazo de término de
aplicação da medida coercitiva nem demonstrou a adequação da medida adotada, bem como o
sopesamento dos impactos da decisão para as partes envolvidas.
Aliás, é de se perquirir se medida que limita o próprio exercício do trabalho pelo
executado passaria pelo crivo da adequabilidade. Fato é que a fundamentação de tal decisão
não atende os requisitos impostos pelo CPC.
Não é por outra razão que o CPC de 2015 aboliu de seu texto norma que dava azo à
invocação do princípio do livre convencimento motivado, para colocar no lugar dispositivo que
impõe a observância pelo julgador de se estabelecer um convencimento fundamentado. Para
tanto, o art. 371 do CPC de 2015, ao revogar o art. 131 do CPC de 1973, retirou do texto legal
o termo “livremente”, determinando ao julgador que aprecie as provas dos autos,
independentemente de quem a tenha produzido, indicando as razões de formação de seu
convencimento.363
Importante perceber que essa opção legislativa demonstra mais uma técnica constante
do CPC de 2015 para extirpar a discricionariedade do sistema processual e possibilitar um maior
controle das decisões pelos seus destinatários, o que é condizente com um processo jurisdicional

362
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Decisão interlocutória Processo n. 0114264-90.2001.8.26.0100. Juiz
Rodrigo Cesar Fernandes Marinho. Data da decisão: 14/6/2019.
363
Art. 131 do CPC de 1973: O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes
dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o
convencimento.
Art. 371 do CPC de 2015: O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que tiver
promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.
148

verdadeiramente democrático e que preza pela segurança jurídica.364 Nesse cenário, o


magistrado não mais está livre para escolher provas que confirmem e justifiquem o seu
convencimento pessoal, porquanto as provas são dirigidas não a ele, mas ao processo.
É dever do magistrado apreciar todo o conjunto das provas e dos fundamentos
levantados pelas partes, por meio de critérios racionais, com vistas demonstrar a toda
comunidade por que razão umas e outras provas não o convencem e por que uns e outros
fundamentos foram preteridos. Além disso, sua fundamentação deve se ater às teses que foram
amplamente discutidas pelas partes no processo, sendo vedado ao juiz decidir com base em
argumentos ou fatos acerca dos quais as partes não tiveram oportunidade de se manifestar.365
Adverte Leonardo Greco que a complexidade inerente às coações indiretas torna
imperioso que a verificação de todos os pressupostos para sua concessão esteja claramente
consignada na fundamentação, de modo a evitar que “o poder discricionário na sua aplicação e
na escolha dos meios se transforme em arbitrariedade”.366
Tendo em vista tudo o que depreendeu até agora dos textos estudados, a fundamentação
dos magistrados tem sido, ao lado do conteúdo das medidas atípicas, o maior problema
enfrentado quanto à legitimidade das decisões proferidas com fulcro no art. 139, IV, do CPC.
Conforme se abordará no próximo ponto, o entusiasmo dos órgãos jurisdicionais diante
da gama de possibilidades supostamente sugeridas a partir desse dispositivo legal tem levado
ao surgimento de decisões arbitrárias, ancoradas no denominado “critério da
proporcionalidade”, quando, em verdade, são tão desarrazoadas que acabam sendo reformadas
em segunda instância exatamente com base na desproporção da medida aplicada.
Diante dessas considerações, não há como aceitar de forma acrítica o entusiasmo
doutrinário em torno da crença de que o art. 139, IV, por ser cláusula geral de efetivação,
concede discricionariedade aos magistrados para criar medidas de coerção e solucionar as

364
A colocação de parâmetros detalhados no art. 489, § 1º, do CPC, acerca do que se considera uma decisão não
fundamentada e o próprio sistema de precedentes organizado a partir do art. 926 e seguintes do CPC de 2015
ilustram também técnicas do novo Código para conferir mais segurança jurídica, integridade e coerência ao
sistema processual.
365
NUNES, Dierle; DELFINO, Lúcio. Do dever judicial de análise de todos os argumentos (teses) suscitados no
processo, a apreciação da prova e a accountability. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; FARIA, Juliana
Cordeiro de; MARX NETO, Edgard Audomar; REZENDE, Ester Camila Gomes Norato (organizadores).
Processo Civil Contemporâneo: homenagem aos 80 anos do professor Humberto Theodoro Júnior. Rio de
Janeiro: Forense/Gen, 2018. p. 64-83. Confira-se também STRECK, Lenio Luiz. O que é isso – decido conforme
minha consciência? 6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017. p. 33-35. Conforme ressalta esse autor,
mesmo após a vigência do CPC de 2015 ainda há juristas que advogam a subsistência do livre convencimento
motivado, a exemplo de Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero e Sérgio Arenhart.
366
GRECO, Leonardo. Coações indiretas na execução pecuniária. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral);
MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador:
Juspodium, 2018, p. 395-420. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 417.
149

mazelas da execução. O dispositivo deve ser interpretado de forma sistemática, não podendo,
de modo algum, ser lido isoladamente, sem levar em conta as premissas consubstanciadas nos
arts. 8º, 9º, 10, 489, § 1º, inciso II, e § 2º, e 926 do CPC, em conjunto, obviamente, com as
normas constitucionais.

5.3 Adequabilidade das medidas coercitivas: desmistificando o “critério da


proporcionalidade”

Inicialmente, importante alertar que o critério da adequabilidade de que se tratará nesta


seção foi suscitado em todos os textos consultados sobre a matéria como “critério da
proporcionalidade”. A ampla maioria dos autores consultados,367 portanto, suscitou como
critério mínimo a necessidade de que o juiz aplique a “regra da proporcionalidade” ao se deferir
uma medida executiva atípica com fulcro no art. 139, IV, do CPC. Isso tem uma razão de ser e
precisa ser descortinada antes de se avançar no estudo do assunto propriamente dito.
A partir da segunda metade do século XX, quando inflamaram as discussões sobre a
constitucionalização do Direito e sobre a categorização dos princípios como normas jurídicas,
as preocupações da teoria do Direito se voltaram para uma tentativa de construção de uma
racionalidade decisória, diante da percepção de que as legislação não é capaz de prever todas
as hipóteses de aplicação.368 O centro dos debates passou a ser, à época, a distinção entre
princípios e regras e a resolução de possíveis colisões entre essas normas.
A distinção que mais se popularizou entre a comunidade jurídica brasileira foi, sem
dúvida, a apresentada por Robert Alexy em sua obra “Teoria dos Direitos Fundamentais”.369 É
preciso fazer menção a tal distinção, ainda que em breves linhas, para que se chegue ao
conhecimento do que vem a ser a máxima da proporcionalidade nos moldes em que proposto
por esse autor e encampada “à brasileira” na jurisprudência dos nossos tribunais.
De acordo com Alexy, os princípios são “mandamentos de otimização”, ou seja,
“normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das

367
Refere-se aqui aos autores consultados que se propuseram a enumerar critérios para a aplicação do art. 139,
IV, do CPC, com vistas a conferir limite a essa cláusula geral.

368
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 6.ed. São Paulo:
Saraiva, 2017. p. 360. Ebook.
369
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008.
150

possibilidades jurídicas e fáticas existentes”.370 Prosseguindo em sua definição, o jurista e


filósofo alemão acrescenta que os princípios são “caracterizados por poderem ser satisfeitos em
graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das
possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.”371
Quanto às regras, Alexy as define como “normas que são sempre ou satisfeitas ou não
satisfeitas. Se uma regra vale, então deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais,
nem menos”.372 Ao fim, conclui que a distinção entre regras e princípios “é uma distinção
qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio.”373
Apresentadas as definições, Alexy passa a apresentar sua proposta de solução para os
casos de colisão entre as normas. Para o caso de colisão entre regras, o autor aponta que o
conflito deverá ser solucionado ou pela invalidade de uma das regras, que deve, então, ser
banida do Ordenamento Jurídico, ou pela introdução de uma cláusula de exceção que elimine
o conflito.374
Em relação à colisão de princípios, a solução deve ser dada por meio do sopesamento
entre os princípios em tensão, de forma que um dos princípios terá que ceder naquela situação
específica, sem que seja declarado inválido.375Desse raciocínio, Alexy extraiu a dedução de que
as regras, por serem válidas ou inválidas, contêm um mandamento definitivo, enquanto os
princípios, por serem realizáveis na maior medida possível, apresentam um mandamento apenas
prima facie.376
O sopesamento de princípios, para que estes possam ser otimizados, requer, segundo
Alexy, a aplicação da “máxima da proporcionalidade”, com suas três “máximas parciais”, a
saber: a adequação, a necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e a proporcionalidade
em sentido estrito (sopesamento propriamente dito).377 O autor explica que as máximas da
necessidade e da adequação decorrem da natureza dos princípios enquanto mandamentos de

370
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008.p.90.
371
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008.p.90.
372
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008.p.91.
373
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008.p.91.
374
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008.p.92.
375
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008. p.93.
376
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008. p.103-104.
377
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008. p.116-117.
151

otimização em face das possibilidades fáticas, enquanto a máxima da proporcionalidade em


sentido estrito decorre do fato de os princípios constituírem mandamentos de otimização em
face das possibilidades jurídicas.378
Virgílio Afonso da Silva explica que a máxima379 da proporcionalidade a que se refere
Alexy surgiu a partir do desenvolvimento da jurisprudência do Tribunal Constitucional
Alemão, com uma estrutura racionalmente definida, contendo sub-elementos independentes
(adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), cuja análise deve ser feita pelo
magistrado em ordem pré-definida, a saber: a análise da adequação precede a da necessidade,
que, por sua vez, precede a da proporcionalidade em sentido estrito.380
Pela máxima da adequação compreende-se avaliar se a medida contribui para fomentar
o objetivo pretendido.381Por necessidade entende-se avaliar se o objetivo perseguido pode ser
promovido, na mesma intensidade, por meio de outra medida menos gravosa, que limite em
menor medida o direito fundamental atingido.382 Por proporcionalidade em sentido estrito
compreende-se o “sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido
e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a
adoção da medida restritiva”.383
Essas ideias foram então assimiladas pela doutrina e pela jurisprudência brasileiras, que
passou a adotar a proporcionalidade como técnica de resolução de conflitos entre
princípios/direitos fundamentais, tal como se observou das lições de Marcelo Lima Guerra,
transcritas no item 3.2 deste trabalho, difundidas no final da década de 1990.384

378
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008. p.118.
379
Não se adentrará aqui na discussão a respeito da natureza jurídica da proporcionalidade, se é regra, princípio
ou postulado. Utilizaremos o termo “máxima” em homenagem a Alexy, sem juízo de valor acerca de sua
correção. Sobre o assunto, sugere-se a leitura de ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 16.ed. São Paulo:
Malheiros, 2015. p. 164.
380
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais 798(2002):23-50.p.30.
381
Conforme explica Virgílio Afonso da Silva, no Brasil, devido a uma falha de tradução do verbo alemão
“fordern”, o termo “adequação” passou a ser entendido no sentido de que “o meio deve ser considerado adequado
se for apto a alcançar o resultado pretendido”, quando o correto é “fomentar” e não “alcançar”. (SILVA, Virgílio
Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais 798(2002):23-50.p.36).
382
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais 798(2002):23-50.p.38.
383
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais 798(2002):23-50.p.39.
384
Ao tratar da aplicação das submáximas da proporcionalidade no contexto da execução, notadamente, na escolha
das medidas coercitivas a serem imposta contra o executado, Marcelo Lima Guerra apresenta a seguinte diretriz:
a medida coercitiva se mostrará adequada quando for capaz de proporcionar o fim almejado, ou seja, exercer
pressão sobre o devedor para induzi-lo ao adimplemento; será necessária, ou exigível, quando for menos onerosa,
resultando menos prejuízo ao executado em relação às demais possibilidades executivas; e será proporcional em
sentido estrito quando levar em conta a ponderação entre as vantagens a serem proporcionadas ao credor e as
restrições aos direitos fundamentais do devedor (GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção
do credor na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 127).
152

Ocorre que, como bem observa Virgílio Afonso da Silva, a proporcionalidade tem sido
frequentemente invocada na doutrina e na jurisprudência brasileira de forma retórica e
equivocada, como sinônimo de razoabilidade, sempre que se deseja afastar alguma conduta
considerada abusiva. Emprega-se o termo sem que se faça qualquer referência sobre o processo
racional de aplicação das submáximas da adequação, necessidade e proporcionalidade em
sentido estrito, em cotejo com o caso concreto.385
Humberto Ávila, de seu turno, em ensaio publicado em 2009 sobre o fenômeno do
neoconstitucionalismo, aponta que a ponderação vem sendo aceita no Brasil como um critério
geral de aplicação no ordenamento jurídico, sem quaisquer critérios intersubjetivamente
controláveis para sua aplicação, de modo que os princípios constitucionais passaram a ser
invocados nas decisões jurídicas mesmo quando existem regras infraconstitucionais vigentes e
compatíveis com a Constituição, aniquilando, portanto, a normatividade do Direito.386
Lenio Streck, no contexto de uma análise sobre a teoria do Direito a partir da
hermenêutica filosófica, tece rigorosas críticas à adoção da máxima da proporcionalidade no
Brasil, por considerá-la um retrocesso à discricionariedade do Positivismo Jurídico. Isso
porque, de acordo com a teoria da argumentação jurídica proposta por Alexy, os casos difíceis
são resolvidos a partir da ponderação de princípios, os quais são hierarquizados
axiologicamente, delegando-se ao decisor a tarefa de, sozinho, escolher qual o princípio que
tem maior peso. Nas palavras de Streck:

Portanto, nesse ponto há que se dar razão a Habermas e aos adeptos de sua teoria,
sobre as críticas ao “uso discricionário da ponderação” e à “ponderação
discricionária” (aliás, a própria ponderação passa a ser, por si só, instrumento para o
“livre exercício” da relação sujeito-objeto). Ponderação sempre leva a uma abstração
em face do caso, circunstância que “reabre” para o juiz a perspectiva de argumentação
sobre “o caráter fundamental ou não do Direito”, já reconhecido desde o início como
fundamental, e assim acaba tratando esses direitos como se fossem “valores
negociáveis”, com o que se perde a força normativa da Constituição, que é substituída
pelo “discurso adjudicador” da teoria da argumentação jurídica. 387

A propósito, o autor lamenta que a ponderação tenha sido institucionalizada no sistema


processual brasileiro por meio da redação do art. 489, § 2º, do CPC, dispositivo este que o
jurista considera inconstitucional. Segundo Streck, o CPC de 2015 apresenta contradições, pois,

385
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais 798(2002):23-50.p.30-34.
386
ÁVILA, Humberto. “NEOCONSTITUCIONALISMO”: entre a “ciência do direito” e o “direito da ciência”.
Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 17,
jan./fev./mar. 2009. Não paginado.
387
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 6.ed. São Paulo:
Saraiva, 2017. p. 273. Ebook.
153

ao mesmo tempo em que extirpou de sua redação o livre convencimento (art. 371 do CPC) e
privilegiou a coerência e a integridade das decisões jurídicas (art. 926 do CPC), inseriu a
ponderação como metodologia decisória, acolhendo a discricionariedade nesse aspecto.388
A despeito dessa procedente observação de Lenio Streck, há que se ter em conta que, de
acordo com a atual sistemática do art. 489, § 2º, do CPC, o magistrado terá necessariamente
que expor os critérios adotados na ponderação, o que, teoricamente, impõe que ele analise cada
uma das submáximas da proporcionalidade no caso concreto, evitando que se invoquem
princípios de modo vago ou que se refira à proporcionalidade como sinônimo de razoabilidade.
A questão, portanto, gira em torno de se entender os princípios como mandados de
otimização, pois isso implica sua aplicação de forma gradual e não de forma binária como
devem ser as normas deontológicas. Isso faz com que Alexy acabe, segundo os críticos de sua
teoria argumentativa, equiparando os princípios a valores, os quais admitem relativizações, a
partir de um juízo de preferência do intérprete.389 Nesses termos, tal como ressalta Marcelo
Cattoni, a ponderação de princípios como se fossem valores submete a aplicação das normas a
um cálculo utilitarista do tipo custo/benefício.390
Essa ideia é, portanto, contrária à exigência de Integridade no Direito, a qual se defende
no âmbito desta pesquisa. Na perspectiva da Integridade, tal como proposta por Ronald
Dworkin, os princípios são deontológicos (pressupõem um dever) e, por isso, não podem ser
enumerados previamente ao caso concreto nem hierarquizados, pois são todos independentes.
Em uma situação de concorrência, um princípio deverá ceder ao outro porque, bem analisadas
todas as normas legais e constitucionais vigentes e os precedentes que regem o caso em conflito,
em cotejo com as circunstâncias fáticas e com a argumentação desenvolvida pelas partes em
contraditório, haverá uma única possibilidade de resposta, que certamente será a mais
adequada.391

388
STRECK, Lenio Luiz. O que é isso – decido conforme minha consciência? 6.ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2017. p. 57.
389
GALUPPO, Marcelo Campos. Os princípios jurídicos no Estado Democrático de Direito: ensaio sobre o modo
de sua aplicação. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a.36, n. 143, p. 191-209, jul/set. 1999.p. 196-
197.
390
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Processo Constitucional. 2.ed. Belo Horizonte: Pergamum,
2013.p.128.
391
“Para Dworkin (2002), os princípios que concorrem para a solução de casos concretos, ao estabelecerem
exigências de justiça, imparcialidade, tratamento equânime e coerência, sendo compreendidos
deontologicamente (no que se diferem, inclusive, às políticas que estabelecem finalidades ou programas
coletivos de bem-estar), devem ser aplicados adequadamente aos casos concretos, considerando-se as
especificidades de cada caso. Já Alexy (2001) ao conceber os princípios como comandos otimizáveis, considera
que os princípios que concorrem para a solução de um caso devem ser aplicados em diferentes graus, segundo
as condições fáticas e jurídicas, mediante a utilização de “regras de prioridade” e do princípio da
proporcionalidade, a uma mesma decisão judicial, vista como um meio preferível, convincente ou ótimo para a
realização de uma pretensa ordem de valores, que estaria pressuposto à Constituição supostamente
154

Por essa razão, entendemos que a interpretação dos casos difíceis e das cláusulas gerais
não deve se submeter a um juízo de proporcionalidade, mas de adequabilidade, no sentido de
“reconstrução integrativa do Direito”.392 Restando, portanto, devidamente contextualiza a
questão, voltemos ao estudo dos critérios de aplicação do art. 139, IV, do CPC, objeto deste
capítulo. A análise da adequabilidade remete a uma análise acerca do conteúdo das medidas
atípicas.
É necessário que se perceba que o critério da adequabilidade a que nos referimos se
encontra intimamente interligado aos critérios de que se tratou anteriormente, quais sejam:
subsidiariedade das medidas executivas atípicas nas execuções de obrigações pecuniárias,
abertura do contraditório prévio e fundamentação racional da decisão. Não há possibilidade de
uma medida atípica ser considerada adequada, portanto, se não forem observados
primeiramente esses critérios.
Do mesmo modo, para aqueles que se filiam a uma teoria dos princípios como mandados
de otimização e aderem à adoção da máxima da proporcionalidade e suas submáximas da
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito,393 os critérios da
subsidiariedade, do contraditório e da fundamentação razoável devem preceder a qualquer outra
análise.394

compartilhados por todos os membros de uma sociedade política. (CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo
Andrade. Processo Constitucional. 2.ed. Belo Horizonte: Pergamum, 2013.p. 127-128).
392
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 6.ed. São Paulo:
Saraiva, 2017. p. 274. Ebook.
393
Apenas a título de exemplo, citem-se Marcos Youji Minami e Marcos Vinícius Motter Borges. Ao tratar da
submáxima da proporcionalidade em sentido estrito, Marcos Youji Minami faz o seguinte apontamento: “Pelo
exposto, é possível dizer que, no contexto da execução, os interesses em jogo devem considerar principalmente:
a) o prejuízo que a utilização de um meio executivo causará ao executado, se temporário ou permanente; b) o
prejuízo que a não utilização de um meio executivo causará ao exequente, se temporário ou permanente; c) os
direitos da personalidade do executado e o direito fundamental à tutela executiva do credor; d) os custos materiais
e humanos para o Estado tanto pela utilização quanto pela não utilização desse meio de efetivação e e) a proibição
de deixar de entregar a tutela ao requerente por não existir procedimento para isso ou porque os meios executivos
disponíveis mostraram-se insuficientes.” (MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma
introdução às medidas executivas atípicas. Salvador: Juspodium, 2019, p. 69).
394
Marcus Vinícius Motter Borges reconhece isso em diversas passagens da seção 6.1 de sua obra, em que trata
do postulado da proporcionalidade e suas submáximas. Citem-se, por exemplo os seguintes trechos que deixam
isso claro: “A questão da necessidade de contraditório prévio, enfrentada na Seção 5.4, também pode ser
analisada sob a ótica da máxima parcial da adequação. Vale lembrar que somente o contraditório prévio
consegue possibilitar a eficácia do meio coercitivo, uma vez que objetivo da coerção não é a aplicação a sanção,
mas sim a esperança de que o devedor – diante da ameaça de piora – pague o débito ou municie o juízo com
informações indispensáveis à eficácia da expropriação”; (...) “Então, pode-se concluir que a subsidiariedade das
medidas executivas atípicas nas execuções pecuniárias – investigada na Seção 5.2 – consiste em parâmetro
mínimo que pode ser enfrentada pelo magistrado, diante de um caso concreto, no exame da máxima parcial da
necessidade.” (BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias:
parâmetros para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais,
2019. P.330 e 334, respectivamente).
155

Em termos práticos, isso significa que de nada adianta verificar se determinada medida
atípica contribui para fomentar o objetivo pretendido na execução de uma obrigação pecuniária
(submáxima da adequação) se a legislação processual previu, prioritariamente, outras medidas
típicas sub-rogatórias e de coerção para se chegar a esse objetivo. Mesmo que, nesse caso, a
medida atípica sugerida venha a ser considerada mais efetiva e, portanto, “adequada” no sentido
da submáxima da proporcionalidade, não passa pelo crivo da adequabilidade, pois viola o
devido processo legal e desrespeita o critério da subsidiariedade.395
Além disso, havendo meios típicos a serem ainda tentados, desnecessário também passar
à etapa de análise da submáxima da necessidade (existência de meio menos gravoso), pois isso
já foi feito pelo legislador e a consequência jurídica da medida se encontra prevista em lei,
devendo esta ser estritamente observada. Esse entendimento decorre da leitura do art. 805 do
CPC, segundo o qual “quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz
mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.”. O dispositivo corresponde
ao art. 620 do CPC de 1973 e tem como escopo garantir que o direito do exequente seja satisfeito
conservando-se, todavia, a dignidade do devedor. Como bem ressalta Cristiano Duro:

Percebe-se que o próprio art. 139 exige sejam observadas as disposições do


CPC/2015, não havendo espaço para utilização de técnicas atípicas quando não existir
lacunas procedimentais. Não é o critério de efetividade condição de utilização destas
técnicas, não podendo se admitir que a simples existência de execução frustrada
possibilite ao juiz lançar mão dos poderes gerais para forçar o devedor a pagar a
dívida.396

Lado outro, se todos os meios típicos, sub-rogatórios e coercitivos, previstos em lei, já


foram efetivamente tentados e restaram infrutíferos para o alcance do pagamento ou indicação
de bens para penhora e, ao mesmo tempo, restar devidamente comprovado que o devedor possui
patrimônio disponível e se recusa a pagar, nessa situação, haverá espaço para a aplicação de
medidas atípicas com vistas a, se não propriamente alcançar o pagamento, ao menos a compelir
que o devedor cumpra a ordem judicial de indicação de bens à penhora, por força da autorização
dada pelo art. 139, IV, do CPC de 2015. A medida não apresentará, nessa situação, caráter
punitivo, porque a inexistência de bens é relativa.397

395
Ressalva-se aqui a situação de substituição da prisão civil do devedor de alimentos por outra medida menos
gravosa, caso haja requerimento do credor nesse sentido, conforme já expusemos em seção anterior. Ressalva-
se também a hipótese em que tenha havido negociação processual entre as partes, hipótese em que o critério da
subsidiariedade pode ser relevado.
396
DURO, Cristiano. Execução e democracia: a tutela executiva no processo constitucional. Salvador:
Juspodium, 2018.p.235.
397
No mesmo sentido: CARREIRA, Guilherme Sarri; ABREU, Vinicius Caldas. Dos poderes do juiz na execução
por quantia certa: da utilização das medidas inominadas. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI,
156

Nessa hipótese, quaisquer medidas atípicas deverão passar pelo juízo de adequabilidade,
lavando em conta toda a cadeia do Direito ou tradição jurídica existente sobre a matéria. E,
nesse caso, como não há regras definindo quais medidas poderão ser adotadas, somente a partir
da análise do caso e dos argumentos colocados e demonstrados pelas partes em contraditório,
o magistrado poderá avaliar se a medida requerida é compatível com a Constituição, se constitui
mesmo uma possibilidade de coerção para aquele devedor especificamente, hipótese em que a
medida não deverá estar descrita como sanção em outras leis do ordenamento, e se há
precedentes que por ventura corroboram a adoção da medida.
Passa-se, pois, à análise das discussões e das controvérsias doutrinárias acerca do
conteúdo das medidas executivas atípicas.
Existe concordância entre os processualistas no sentido de que as medidas coercitivas
não podem ser confundidas com medidas punitivas.398 Sendo coercitivas, devem ter caráter
temporário e finalidade única de exercer pressão no devedor para que ele cumpra a obrigação,
sem que represente uma retaliação ao executado por sua desobediência às ordens judiciais. As
medidas punitivas, de seu turno, consistem em sanção pela prática de algum ilícito e encontram-
se tipificadas na legislação, a exemplo de atos atentatórios à dignidade da justiça.
Tal como esclarece Marcos Youji Minami, a resposta do Estado à litigância de má-fé e
aos atos atentatórios à dignidade da justiça encontra-se tipificada no CPC (art. 77, § 2º, 81 e
774, parágrafo primeiro) e deve ser invocada pelo juiz por força do disposto no art. 139, III, do
CPC, ao passo que a pressão psicológica encontra espeque no art. 139, IV, do CPC. O autor
suscita também como critério diferenciador entre medidas coercitivas e punitivas o fato de que
as punitivas são inevitáveis, enquanto as coercitivas podem ser afastadas pelo executado,
bastando que ele realize a prestação devida.399
Isso significa que, por detrás de toda coerção, consistente em uma ameaça de piora na
situação jurídica do obrigado, existe uma sanção, a qual será aplicada somente caso o obrigado
opte pelo não cumprimento da obrigação ou da ordem judicial. Na sanção punitiva propriamente
dita, ao contrário, não há margem de escolhas ao infrator, pois a sanção tem como escopo puni-

Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium,
2018, p. 241-273. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p251.
398
A título de exemplo confiram-se: CARREIRA, Guilherme Sarri; ABREU, Vinicius Caldas. Dos poderes do
juiz na execução por quantia certa: da utilização das medidas inominadas. p. 241-273; GRECO, Leonardo.
Coações indiretas na execução pecuniária. p. 411-412; RODRIGUES, Marcelo Abelha. O que fazer quando o
executado é um cafajeste? Apreensão de passaporte? Da carteira de motorista? p. 85-88. In: DIDIER Jr., Fredie
(Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas
Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 395-420. (Grandes Temas do Novo CPC, 11).
399
MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.
Salvador: Juspodium, 2019. p. 153-158.
157

lo pela conduta ilícita que já fora praticada e não o coagir a tomar alguma iniciativa. A
propósito, deve-se ter em conta que, no caso das medidas coercitivas, o fim que se busca pode
ser alcançado mesmo após a aplicação da sanção de restrição de direitos, ainda que este não
seja o cenário ideal quando se aplica uma coerção.
Sob essa ótica, é de se reiterar que aplicar medidas de coerção contra devedor que não
dispõe de patrimônio algum é medida inconstitucional, de caráter punitivo, o que não se deve
admitir, sob pena de se violar o art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, segundo o qual
“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Por essa
razão, nas execuções pecuniárias, para que seja possível aplicar medidas coercitivas atípicas, é
imperioso que haja fortes indícios de que o devedor possui patrimônio e o está ocultando
voluntariamente.400
É ônus do credor demonstrar a existência desses indícios, por qualquer meio hábil, a
exemplo de apontamento de publicações do devedor em redes sociais, que demonstrem
ostentação de padrão de vida incompatível com a sua situação de insolvência; fotografias de
imóvel ou automóvel utilizado pelo devedor; publicação feita por empresa devedora
demonstrando o seu faturamento; demonstração de que houve negócio jurídico simulado para
“escapar” da execução, dentre outros. O que não é admissível, e tem ocorrido, é que o juiz parta
para o deferimento de medidas coercitivas não previstas na legislação tão-somente porque não
houve êxito na localização de bens do devedor através da consulta aos sistemas Bacen Jud e
Renajud, ainda que a execução já se arraste por muitos anos.
Na hipótese de o credor enfrentar dificuldades para perseguir os referidos indícios pelas
vias extrajudiciais, é conveniente que faça requerimentos ao Juízo da execução, para que este
promova a realização de consultas a sistemas conveniados com o Poder Judiciário, encaminhe
ofícios a instituições financeiras ou intime terceiros a prestar informações que digam respeito
ao executado.
A nosso ver, também não devem ser utilizadas como medidas coercitivas atípicas
aquelas que já se encontram descritas como penalidade em lei e que requerem procedimento
legal específico para sua aplicação. É o caso, por exemplo, da suspensão do direito de dirigir,
que constitui penalidade prevista tanto no Código de Trânsito (art. 261), quanto no Código
Penal (art. 47, III) e da proibição de contratar com o Poder Público, que encontra previsão nas

400
. GRECO, Leonardo. Coações indiretas na execução pecuniária. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral);
MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador:
Juspodium, 2018, p. 395-420. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p.414.
158

Leis 8.666/1993 e 8.429/1992.401 Isso porque, entendemos não haver possibilidade de o


magistrado, de forma discricionária, transformar pena, que requer tipicidade, em coerção, sob
risco, reitere-se, de se violar os preceitos constitucionais subjacentes no art. 5º, incisos XXXIX
e LIV, da Constituição.
Merece destaque a divergência entre os autores consultados no ponto em que trataram
do conteúdo das medidas executivas atípicas em execução de obrigações pecuniárias. Há
autores que entendem que as medidas coercitivas atípicas, para serem adequadas, devem
guardar estreita correlação com a obrigação objeto da execução. Mostram-se adeptos dessa
ideia, Alexandre Câmara, Araken de Assis, Leonardo Greco e Fernando Gajardoni. Os dois
primeiros autores, inclusive, defendem que, se o que se executa é uma obrigação de pagar, a
medida coercitiva deve ter caráter necessariamente patrimonial, não podendo recair sobre a
pessoa do devedor, à exceção da prisão civil por dívida alimentícia, que tem caráter
excepcionalíssimo e é autorizada pela Constituição.
Alexandre Câmara posiciona-se contrariamente a medidas impostas contra pessoas
físicas do tipo suspensão da inscrição do devedor no CPF, cancelamento de seus cartões de
crédito e suspensão da CNH, por entender que tais atos não recaem diretamente sobre o
patrimônio do executado e nenhuma efetividade proporcionam à execução pecuniária. O autor
aposta muito mais na utilidade do art. 139, IV, do CPC quando medidas executivas de caráter
patrimonial forem determinadas contra pessoas jurídicas, sobretudo aquelas de grande porte
econômico, a exemplo dos grandes bancos e empreiteiras. Nesses casos, sugere sejam
determinadas medidas que afetem diretamente os ganhos dessas empresas, tais como aumento
do valor da multa diária por descumprimento, aumento progressivo dos juros e dos honorários
advocatícios e proibição de participação em licitações, no caso específico das empreiteiras.402
Araken de Assis, em que pese rechaçar a possibilidade de criação, pelo juiz, de meio
executivo não previsto em lei, defende a existência de correlação instrumental entre os meios
executivos em geral e a obrigação exequenda. Esse jurista é, a nosso ver, o autor que mais se
mostra convicto e incisivo na defesa do princípio da patrimonialidade da execução pecuniária.

401
Corroboram com esse entendimento os autores CARREIRA, Guilherme Sarri; ABREU, Vinicius Caldas. Dos
poderes do juiz na execução por quantia certa: da utilização das medidas inominadas. In: DIDIER Jr., Fredie
(Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas
Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 241-273. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 258-259.

402
CÂMARA, Alexandre Freitas. O princípio da patrimonialidade da execução e os meios executivos atípicos:
lendo o art. 139, IV, do CPC. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e
TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 231-239.
(Grandes Temas do Novo CPC, 11).
159

Sem rodeios, afirma que a execução possui limites políticos intransponíveis, o que significa
que, se não há patrimônio ou um mínimo de cooperação do executado, não há como realizar o
crédito, não cabendo à jurisdição o papel de “erradicar esse mal” e “reformar a moralidade
social”.403
Leonardo Greco observa que a relação de instrumentalidade entre a coação indireta e a
prestação devida é tão necessária que o STF chegou a editar três importantes enunciados de
súmula, que, na visão do autor, emanam esse entendimento, a saber: Súmula 70 (“É
inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”),
Súmula 323 (“É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para
pagamento de tributos”) e Súmula 547 (“Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em
débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades
profissionais”).404
Por último, Fernando Gajardoni, ainda que se apresente como um dos autores mais
entusiasmados pelas novas possibilidades trazidas pelo art. 139, IV, do CPC à execução de
pagar, defende em seus exemplos a necessidade de correlação da medida executiva com a
obrigação, senão vejamos a partir de suas próprias palavras:

Ilustrativamente, não efetuado o pagamento de dívida oriunda de multas de trânsito,


e superados os expedientes tradicionais de adimplemento (penhora de dinheiro e
bens), seria lícito o estabelecimento da medida coercitiva/indutiva de suspensão do
direito de conduzir veículo automotor até pagamento do débito (inclusive com
apreensão da CNH do devedor); não efetuado pagamento de verbas salariais devidas
a funcionários da empresa, possível o estabelecimento de vedação à contratação de
novos funcionários até que seja saldada a dívida; não efetuado o pagamento de
financiamento bancário na forma e no prazo avençados, possível até que se tenha a
quitação, que se obstem novos financiamentos, ou mesmo a participação do devedor
em licitações (como de ordinário já acontece com pessoas jurídicas em débito
tributário com o Poder Público); etc.405

Daniel Amorim Assunção Neves se contrapõe à tese da necessidade de correlação entre


a espécie de obrigação inadimplida e a medida executiva indireta.406 Isso porque, segundo o

403
ASSIS, Araken de. Cabimento e adequação dos meios executórios “atípicos”. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.-
geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas.
Salvador: Juspodium, 2018. v. 11. Coleção Grandes Temas do Novo CPC. p. 112-113.
404
GRECO, Leonardo. Coações indiretas na execução pecuniária. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral);
MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador:
Juspodium, 2018, p. 395-420. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 409.
405
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A revolução silenciosa da execução por quantia. Revista Jota.
24.08.2015.
406
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de
pagar quantia certa – art. 139, IV, do novo CPC. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji
(coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 627-
666. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 633.
160

jurista, as medidas indiretas visam a pressionar psicologicamente o devedor ao cumprimento


voluntário da obrigação e não a atingir a satisfação da obrigação por si próprias. Sob essa lógica,
não haveria que se falar em violação do princípio da patrimonialidade quando são aplicadas às
execuções pecuniárias, porque, mesmo sendo coagido, o executado permanece na condição de
devedor e, ao se convencer a pagar, ele o fará com o seu patrimônio e não com seu próprio
corpo.
O autor pondera que entender de modo distinto seria aceitar que somente a execução de
obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa admite imposição de medidas coercitivas
restritivas de direitos fundamentais do executado, enquanto na obrigação de pagar isso é
vedado, o que, segundo ele, não faz sentido algum.
Daniel Amorim Assunção Neves acrescenta que o próprio CPC apresenta medidas
típicas de caráter pessoal, como o protesto de sentença e a inclusão do nome do executado em
cadastros de inadimplentes, as quais restringem direitos do executado, demonstrando, portanto,
a incoerência da tese da patrimonialidade das medidas coercitivas.407-408
Marcus Vinícius Motter Borges coaduna com esse raciocínio, sobretudo pelo fato de
nãos se exigir essa correlação no âmbito das obrigações específicas. Destaca que “a norma
nascida em oposição à antiga regra romana de pessoalidade sempre foi a da patrimonialidade
e não a da incoercibilidade”.409 A imposição da coerção, segundo esse autor, não muda o fato

407
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de
pagar quantia certa – art. 139, IV, do novo CPC. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji
(coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 627-
666. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 634-635.
408
Marcus Vinícius Motter Borges se contrapõe ao enquadramento do protesto e da negativação como medidas
coercitivas de caráter pessoal, por entender que só há coerção pessoal quando ocorre restrição no direito de
liberdade do devedor. O autor destaca a necessidade de se repensar a clássica divisão da execução indireta no
Brasil e propõe a seguinte sistematização dos meios coercitivos previstos no CPC de 2015: “(a) coerção
patrimonial, consubstanciada na aplicação de multa pecuniária para o cumprimento de obrigações específicas
(astreinte) ou de obrigações pecuniárias inadimplidas em cumprimento da sentença (multa de dez por cento); (b)
coerção por restrição de outros direitos (não patrimoniais) do executado, por meio da qual se promove a ameaça
de restrição de seus direitos para compeli-lo a satisfazer a obrigação. Dentro dessa última categoria, encaixam-
se: (i) a coerção do executado para satisfação do débito alimentar, sob pena de restrição do direito de liberdade,
consubstanciada na prisão civil (artigo 528, § 3º); (ii) a coerção do executado para pagar, no prazo de 15 dias
para os títulos judiciais ou no prazo de três para títulos extrajudiciais, sob pena de restrição de seus direitos de
personalidade, no viés da honra objetiva, mediante protesto (artigo 517) ou a inclusão nos cadastros de
inadimplentes (artigo 782, § 3º); e (iii) a coerção do executado para cumprir qualquer tipo de obrigação, inclusive
pecuniária, sob pena de aplicação de medidas coercitivas não tipificadas, que acarretarão a restrição de outros
direitos do devedor (art. 536, caput e § 1º, 538, § 3º, e 139, inciso IV, todos do CPC/2015).” (BORGES, Marcus
Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para a aplicação do art.
139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p. 176).
409
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p. 191; 277.
161

de que são os bens do devedor que respondem pela satisfação da obrigação e não o seu corpo
ou sua liberdade como ocorria ao tempo da manus injectio.
Marcos Youji Minami também rechaça a necessidade de que haja afinidade entre as
medidas coercitivas e a obrigação exequenda, contanto que a coação aplicada represente um
meio potencialmente eficaz para a realização do fim a que se busca. Para ilustrar, Minami cita
o exemplo de um devedor que, notoriamente, realiza frequentes viagens internacionais a lazer.
A proibição de realizar viagens internacionais seria, nesse caso, uma possibilidade de coerção
para pressionar esse devedor ao pagamento, ainda que não exista nenhuma relação entre o
deixar de viajar e o pagar. Segundo Minami, questões sobre a licitude e a eficácia prática dessa
medida devem ser resolvidos aplicando-se as máximas da proporcionalidade (necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito) no caso concreto.410Conclui o jurista que o grande
problema das medidas coercitivas pessoais, portanto, não é propriamente a sua possibilidade,
mas os seus limites.
Ainda segundo Minami, somente na análise do caso concreto é possível averiguar se
uma medida coercitiva é ou não devida/adequada. Nesse ponto, o autor desfere severas críticas
aos diversos juristas que condenam a priori o uso de medidas coercitivas como apreensão de
passaporte e suspensão de CNH, de forma abstrata, sem fazer um diagnóstico do caso concreto
em que as referidas medidas foram determinadas. Segundo o autor, essa análise em abstrato
impede que se proponham alternativas mais adequadas à solução do problema enfrentado.411
Este trabalho adere à tese de desnecessidade de correlação entre as medidas coercitivas
e o bem pretendido, por entender que o propósito da coerção no ordenamento jurídico é único,
qual seja, instigar o cumprimento da ordem judicial, não importando qual o tipo de obrigação
subjacente. Por isso, tanto na execução das obrigações específicas quanto na execução das
obrigações pecuniárias, o importante é que a coerção seja potencialmente eficaz para promover
o cumprimento da ordem e, com isso, possibilitar a satisfação da pretensão ou o cumprimento
da ordem judicial e desde que não encontre óbice na história institucional, ou seja, na cadeia do
Direito.412

410
MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.
Salvador: Juspodium, 2019. p. 61-66.
411
MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.
Salvador: Juspodium, 2019. p. 241-242.
412
Marcus Vinícius Motter Borges, nesse mesmo sentido, defende que a correlação entre a coerção e a obrigação
não é necessária, embora seja desejável. O autor pondera que, nas obrigações pecuniárias, em um primeiro
momento, o meio executivo (coercitivo) não terá correlação com a obrigação, mas, em um segundo momento,
essa afinidade ocorrerá, porquanto, cumprida a ordem, o meio sub-rogatório se efetiva e este sim possui
correlação com a pretensão que se quer satisfeita. (BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas
162

Essa cizânia se mostra bastante presente na jurisprudência dos tribunais. Marcus


Vinícius Motter Borges, após realizar ampla pesquisa jurisprudencial para subsídio à sua tese
de doutoramento sobre a presente temática, detectou haver, até o momento, uma forte tendência
dos tribunais a rechaçarem medidas coercitivas que não apresentam a referida correlação com
a obrigação pretendida. Citem-se, a título de exemplo, os seguintes julgados extraídos da
pesquisa feita pelo autor em referência: PARANÁ. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento
07095995720178070000, relator Desembargador Flavio Rostirola. Curitiba, j. 13.09.2017;
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 10024028773794006, relatora
Desembargadora Shirley Fenzi Bertão. Belo Horizonte, j. 06.12.2017; SÃO PAULO. Tribunal
de Justiça. Agravo de instrumento 2105730-10.2016.8.26.0000, relator(a): Teixeira Leite;
órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Araraquara – 2ª Vara
Cível. São Paulo, SP, j. 27.07.2016, Registro: 27.07.2016.413
Discute-se também se há possibilidade de cumulação das medidas atípicas. A doutrina,
uma vez mais, se divide.
Daniel Amorim Assumpção Neves defende que a análise acerca da possibilidade na
cumulação das medidas de coerção deve ser feita em cada caso concreto pelo juiz, que pode,
inclusive, a seu critério, aplicar as medidas de modo escalonado, ou seja, o magistrado já
determina, desde logo, os prazos a partir dos quais novas medidas serão aplicadas,
cumulativamente, caso o obrigado não realize o adimplemento ou não cumpra a ordem
judicial.414 Esse posicionamento é endossado por Marcus Vinícius Motter Borges, segundo o
qual o magistrado deve avaliar as possibilidades de êxito ao se cumular as medidas
coercitivas.415

atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo:
Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p. 281).
413
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p. 282-283.
414
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de
pagar quantia certa – art. 139, IV, do novo CPC. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji
(coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 627-
666. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p.660-661.
415
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p 295-296.
163

Thiago Rodovalho416 e André Vasconcelos Roque417 entendem que a cumulação das


medidas de coerção foge à razoabilidade, porque implica excesso por parte do órgão
jurisdicional, devendo, portanto, ser evitada.
Não se vislumbra, neste trabalho, empecilhos à cumulatividade das medidas coercitivas,
desde que respeitados os critérios anteriormente tratados, quais sejam, subsidiariedade, no caso
das obrigações pecuniárias, observância do contraditório e fundamentação substancial da
decisão, explicitando que as medidas são constitucionalmente adequadas, bem como as razões
pelas quais a cumulação se mostra necessária naquele caso.
De tudo o que se expôs, denota-se não haver consenso na literatura jurídica consultada
quanto a diversos aspectos sobre o conteúdo das medidas executivas atípicas. A maioria dos
autores, todavia, filiando-se à teoria da argumentação jurídica proposta por Alexy, aceita a
máxima da proporcionalidade como um critério mínimo capaz de conferir limites à atipicidade
no procedimento executivo. Esta não foi a tese adotada nesta dissertação, por entendermos que
admitir a ponderação de princípios leva-nos a tratá-los como valores, esvaziando o seu aspecto
deontológico e propiciando uma abertura à discricionariedade decisória.
Por essa razão, optou-se por adotar aqui o critério da adequabilidade, que se alinha ao
marco teórico eleito no trabalho, qual seja, a tese da Integridade do Direito e a busca por uma
resposta correta na aplicação dos princípios jurídicos, nos moldes em que defende Ronald
Dworkin. Sob esse aspecto, medidas atípicas na execução somente poderão ser adotadas se
observarem a integralidade do ordenamento jurídico e a história institucional. No caso das
obrigações pecuniárias, a adequabilidade pressupõe, ainda, a observância prévia dos critérios
da subsidiariedade, do contraditório e da fundamentação exaustiva da decisão.

5.3.1 A ponderação de princípios na prática forense: abertura à discricionariedade

A pesquisa de julgados realizada ao longo deste trabalho418 demonstrou que, em


diversos casos em que o juiz de primeiro grau defere medidas coercitivas não previstas em lei
contra a pessoa do devedor com fundamento em princípios como proporcionalidade ou

416
RODOVALHO, Thiago. O necessário diálogo entre doutrina e jurisprudência na concretização do NCPC, art.
139, inc. IV (atipicidade dos meios executivos). In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji
(coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 717-
732. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p.729.
417
ROQUE, Adre Vasconcelos. Em busca dos limites para os meios executivos atípicos: até onde pode ir o art.
139, IV, do CPC/2015? In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI,
Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 733-752. (Grandes Temas do
Novo CPC, 11). P.741-742.
418
A título de exemplo, confiram-se julgados enumerados no início do presente capítulo, na nota de rodapé n. 284.
164

razoabilidade, ou, ainda, em ponderação ou sopesamento de princípios, a decisão, por vezes, é


reformada em segundo grau, com base em fundamento que, não raro, invoca o mesmo princípio
contido na decisão revogada.
Conforme já se apontou no tópico 4.2 deste trabalho, isso ocorreu com a decisão
emblemática proferida em agosto de 2016 pelo Juízo da 2ª Vara Cível do Foro Regional XI –
Pinheiros, na Comarca de São Paulo, no processo judicial nº 4001386-13.2013.8.26.0011, cujo
teor transcrevemos na referida seção 4.2, e que acabou por motivar a intensificação dos debates
sobre as medidas coercitivas atípicas.419
Relembre-se que, nesse aludido processo, o Juízo a quo deferiu, a um só tempo, o pedido
do exequente de suspensão de CNH, apreensão de passaporte e bloqueio de cartões de crédito
do executado e a decisão foi revertida quanto às duas primeiras medidas em sede de habeas
corpus (habeas corpus nº 2183713-85.2016.8.26.0000), impetrado pelo executado.420 O
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por maioria, entendeu tratar-se de medidas
executivas desproporcionais, que, além de não alcançarem necessariamente a efetividade
pretendida, violavam a dignidade do devedor, porquanto restringiam a sua liberdade de
locomoção. Todavia, conforme se apontou, a concessão do habeas corpus se deu por maioria,
tendo o voto divergente consignado que as medidas adotadas foram, sim, adequadas e eficazes
para forçar o devedor a cumprir a obrigação pecuniária. A desembargadora Relatora, em sua
declaração de voto divergente, mencionou as máximas da proporcionalidade, explicando sua
aplicação ao caso.
A divergência apontada entre os decisores no âmbito desse caso concreto, portanto, não
deixa dúvidas de que a máxima da proporcionalidade, nos moldes em que suscitada por Alexy,
ainda que contenha critérios de aplicação prática a serem manejados em etapas pelo magistrado,
(adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) consiste em critério perigoso
de controle das decisões, pois não escapa à subjetividade dos julgadores ao realizar a
ponderação das normas em conflito.
Ainda para ilustrar, oportuno também trazermos à baila caso concreto apreciado no
âmbito da Justiça do Trabalho, em que o crédito exequendo tem caráter alimentar. Em fase de

419
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça (Comarca São Paulo). Decisão interlocutória processo nº 4001386-
13.2013.8.26.0011. 2ª Vara Cível do Foro Regional XI – Pinheiros. Juíza Andrea Ferraz Musa. Data da decisão:
25/8/2016.
420
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Processo HC 2183713-85.2016.8.26.0000. 30ª Câmara de Direito Privado.
Relator: Desembargador Marcos Ramos. Data de julgamento: 29/03/2017.
165

cumprimento de sentença, o Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Contagem-MG, ao apreciar


requerimento da parte exequente, deferiu o pedido de suspensão da CNH da executada, nos
seguintes termos:

Vistos os autos.
O novo Código Processo Civil conferiu ao magistrado ampla discricionariedade na
aplicação de medidas necessárias a assegurar o cumprimento da ordem judicial, desde
que, obviamente, pautadas nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade e
sempre garantindo os direitos fundamentais do cidadão.
Pois bem, a permissão de dirigir veículo automotor é, na verdade, uma autorização
dada ao cidadão para que, obedecidos os preceitos legais, possa conduzir veículos para
fins de locomoção. Não se confunde, portanto, com o direito de ir e vir, plenamente
garantido pela Constituição Federal.
Como se trata de uma prerrogativa do Estado, nada mais coerente do que suspender
esta concessão quando o cidadão deixa de cumprir a ordem deste mesmo Estado
(Estado-Juiz), prejudicando diretamente seus pares, deixando de adimplir suas
obrigações, e indiretamente, ao movimentar a máquina pública na busca deste
objetivo.
Desta forma, por estes fundamentos, aliados àqueles esposados em recente
jurisprudência do STJ e com base nos princípios da efetividade das decisões judiciais
e do resultado da execução, DEFIRO a medida requerida pelo exequente, para
determinar ao DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DE MINAS GERAIS que
proceda à SUSPENSÃO da Carteira Nacional de Habilitação da executada (...),
adotando as medidas legais, até ordem posterior e, ato contínuo, informe a este Juízo
o cumprimento da diligência no prazo de 30 dias.
Salienta-se que a medida não tem caráter punitivo, apenas coercitivo.
(...)
Indefiro os demais requerimentos do exequente.
A suspensão de passaporte da executada, por ser documento indispensável ao ingresso
em outros países e sua retenção importa em violação do direito de locomoção.
O cancelamento/suspensão de cartões de crédito das executadas é medida inócua à
satisfação do débito.
Dê-se ciência ao exequente.421

Os “princípios” da proporcionalidade e da razoabilidade foram, ao que se vê, vagamente


mencionados na decisão, sem maiores explicações acerca das submáximas da adequação e
necessidade da medida no caso concreto, sem exposição detalhada acerca do juízo de
ponderação que porventura se realizou, nos moldes em que determina o art. 489, § 2º, do CPC,
bem como sem nenhuma menção à aplicação do critério da subsidiariedade da medida adotada.
Não se avaliou, nesse caso concreto, qual seria a utilidade da medida coercitiva, tendo o
magistrado partido do pressuposto de que a suspensão de CNH é medida coercitiva eficiente
em qualquer situação.422 Essa suposição cai por terra, quando se reflete que o executado pode

421
MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo nº. 0010871-71.2015.5.03.0029. 1ª
Vara do Trabalho de Contagem. Juíza Patrícia Vieira Nunes de Carvalho. Data da decisão: 8/8/2018.
422
“Não se pode conceber que o órgão judiciário promova uma sequência de coerções, acompanhadas das
respectivas sanções, para tentar “adivinhar” – em uma espécie de jogo de tentativa e erro – qual a restrição de
direitos que efetivamente compelirá o executado ao adimplemento da obrigação. Isso é contraproducente para a
própria execução, desvirtua a função executiva da jurisdição, tende a ser desproporcional ao executado e ainda
confere natureza punitiva às medidas.” (BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas
166

não ter sequer licença para dirigir ou, mesmo que a tenha, pode ser que não possua automóvel
e não dirija veículos de terceiros. Perceba-se que, se tais situações são verificadas tão somente
após a determinação da medida coercitiva, ao fim e ao cabo, terá havido um desforço
desnecessário e ineficiente por parte do Estado-Juiz ao empregar esse tipo de coerção.423
Como as decisões interlocutórias no processo do trabalho são irrecorríveis, a executada
impetrou mandado de segurança contra a aludida decisão, tendo o Tribunal Regional do
Trabalho da Terceira Região concedido a segurança, sob os seguintes fundamentos, em síntese:
i) a medida executiva não pode constituir pena contra o devedor; ii) a apreensão da CNH nada
acrescenta à eficiência da execução; iii) a medida não guarda correlação com a pretensão de
recebimento de verbas trabalhistas; iv) a posse e o uso regular da CNH somente pode ser
obstada quando violados os preceitos da lei de trânsito, matéria que foge à competência da
Justiça do Trabalho; v) a suspensão da CNH e a apreensão do passaporte do devedor são
medidas que não observam a proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e
eficiência; vi) a medida imposta à impetrante implica limitação de direitos e garantias
constitucionais e legais; vii) o art. 3º da Lei 5.553, de 6/12/1968 considera contravenção penal
a retenção de documento de identidade por pessoas físicas e jurídicas, o que demonstra o
cuidado que o legislador atribuiu à validade e posse desses documentos por seu portador; viii)
O art 7º, parágrafo 7º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Súmula 25 do STF
prescrevem a garantia de que não haverá prisão por dívidas.424
No caso, o Tribunal Regional do Trabalho mineiro analisou a questão sob a ótica da
adequabilidade, tendo chegado à conclusão de que a medida executiva atípica adotada no caso
concreto, qual seja, suspensão da CNH da devedora, contraria o ordenamento jurídico brasileiro
e não encontra embasamento em julgados passados daquele Tribunal em casos semelhantes.
Ao longo da pesquisa também tivemos acesso a decisões em que o órgão jurisdicional,
ao apreciar o recurso do executado, manteve as medidas coercitivas atípicas determinadas pelo
Juízo a quo. Permita-se expor, como exemplo, situação ocorrida em fase de cumprimento de
sentença em que se executa multa por dano ambiental decorrente de ação civil pública movida

execuções pecuniárias: parâmetros para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson
Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p.293)
423
“Não são todas as pessoas, abstratamente consideradas, que se sentem ameaçadas com a restrição ao direito de
dirigir, de viajar ao exterior ou de usar cartões de crédito. No entanto, a adequação da aludida media poderá ser
verificada à luz do caso concreto, a partir da análise de informações trazidas pelo exequente e daquelas
averiguadas pelo próprio órgão judiciário, ou seja, é possível antever, por meio da realização de um juízo de
probabilidade, e não de certeza, o possível grau de eficácia da medida adotada.” (BORGES, Marcus Vinícius
Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para a aplicação do art. 139, IV,
do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p.332)
424
MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo nº. 0011819-95.2018.5.03.0000
(MS). Relator Desembargador Jales Valadão Cardoso. Acórdão publicado em 01/03/2019.
167

pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul em face de um ex-jogador de futebol
e de seu irmão.
No caso concreto, após instituída hipoteca judiciária sobre o imóvel descrito na petição
inicial e, tendo restado infrutífera a tentativa de bloqueio de dinheiro dos réus pelo sistema
Bacenjud, o Ministério Público requereu fosse deferida a medida de retenção dos passaportes e
das CNHs dos executados, o que foi indeferido em primeiro grau.425O Ministério Público
interpôs agravo de instrumento contra essa decisão, o qual foi julgado procedente pelo Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul.426 Contra a decisão proferida em agravo de instrumento, os
réus impetraram habeas corpus no STJ, cuja ordem foi denegada, sob os seguintes
fundamentos: i) os elementos do caso descortinam que os pacientes, pessoas públicas,
adotaram, ao longo da fase de conhecimento do processo e também na fase executiva,
comportamento desleal e evasivo, embaraçando a tramitação processual e deixando de cumprir
provimentos jurisdicionais, em conduta sintomática da ineficiência dos meios ordinários de
penhora e expropriação de bens; ii) a decisão que aplicou a restrição aos pacientes contou com
fundamentação adequada e analítica. Ademais, observou o contraditório. Ao final do processo
ponderativo, demonstrou a necessidade de restrição ao direito de ir e vir dos pacientes em favor
da tutela do meio ambiente.427
Do inteiro teor do acórdão do referido julgado do STJ, observa-se que, inicialmente, o
Relator apresentou um resumo das ocorrências do procedimento executivo, com vistas a
enfatizar o comportamento não cooperativo dos executados ao longo do iter procedimental.
Quanto às medidas executivas típicas adotadas, relatou-se que o imóvel sobre o qual recaem as
multas ambientais executadas já se encontra gravado por hipoteca judiciária e contém registros
de penhora referentes a dívidas tributárias, o Bacen Jud reportou quantia irrisória e não há
registro de outros bens em nome dos pacientes.

425
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Processo – 0006488-89.2012.8.21.0001.3ª Vara Cível do Foro
Central.
426
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Processo 0061369-58.2018.8.21.7000. Relator, Desembargador
Newton Luis Medeiros Fabrício. 1ª Câmara Cível. Decisão proferida em 31.10.2018.
427
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2. Turma). Habeas Corpus nº 478.963/RS. Ambiental. Processo Civil.
Cumprimento de Sentença. Indenização por dano ambiental. Medida coercitiva atípica em execução por quantia
certa. Restrição ao uso de passaporte. Injusta violação do direito fundamental de ir e vir. Não ocorrência. Decisão
adequadamente fundamentada. Observância do contraditório. Ponderação dos valores em colisão.
Preponderância, in concreto, do direito fundamental à tutela do meio ambiente. Denegação do habeas corpus.
Relator: Min. Francisco Falcão, 14 mai. 2019. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 21. mai. 2019.
Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201803024992&dt_publicacao=21/05/2019.
Acesso em: 31 ago. 2019.
168

Chamam a atenção os seguintes trechos da decisão em comento:

O comportamento processual até aqui adotado é claramente sintomático de que


a persistência no caminho executivo típico não alcançará sucesso, razão pela qual
existe justo motivo para o emprego de medida coercitiva atípica antes da
tentativa de outras providências previstas no CPC. Cuida-se de hipótese em que
o princípio da boa-fé objetiva "relativiza a exigência sistemática de esgotamento
da via típica".
Ademais, "houve respeito ao contraditório". Basta lembrar que a restrição ao trânsito
dos devedores foi aplicada em acórdão proferido em agravo de instrumento.
Interposto o recurso pelo Ministério Público, os executados, ora pacientes, foram
intimados para apresentarem contrarrazões, quando lhes foi dada a oportunidade de
demonstrar a inadequação da técnica processual postulada – e ao fim aplicada.
Por outro lado, "o acórdão dito coator goza de fundamentação densa e consistente".
Houve análise exaustiva e pormenorizada das circunstâncias do caso, seguida da
valoração dos direitos em oposição, com o final provimento do recurso ministerial.
Com efeito, ponderados os direitos fundamentais em colisão – direito à tutela
ambiental efetiva e direito a livremente ir e vir – segundo a máxima da
proporcionalidade, a tutela aos direitos ao meio ambiente sadio e ao processo
efetivo e probo realmente justifica a restrição a uma fração da liberdade de
locomoção dos pacientes, os quais continuam livres para transitar no território
nacional.
Entre promover o direito metaindividual ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado e preservar a plena liberdade de trânsito dos pacientes, é preciso
atribuir maior peso ao direito fundamental que exorbita o interesse particular
do indivíduo e se ocupa da preservação da sadia qualidade de vida de todos.
Até mesmo porque é conveniente registrar que os pacientes dispõem de patrimônio de
sobra para depositar o numerário devido nos autos do cumprimento de sentença e,
com isso, tornarem desnecessária a medida coercitiva pendente. Ou seja, a
persistência da restrição e a reticência na violação andam juntas.
Portanto, somadas (i) a conduta processualmente temerária dos pacientes, a dispensar
o prévio exaurimento das medidas executivas típicas, (ii) a consistente fundamentação
da decisão e a (iii) observância do contraditório prévio, conclui-se que não houve
constrangimento "ilegal" à liberdade de ir e vir dos pacientes. (destaques não constam
do original)428

Denota-se da fundamentação desse julgado do STJ que alguns dos parâmetros mínimos
sugeridos pela doutrina para conferir limites às medidas coercitivas foram levados em conta
pelo Relator ao proferir a decisão, a saber: subsidiariedade das medidas, abertura do
contraditório prévio, fundamentação da decisão e aplicação da regra da proporcionalidade de
acordo com os contornos do caso concreto.

428
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2. Turma). Habeas Corpus nº 478.963/RS. Ambiental. Processo Civil.
Cumprimento de Sentença. Indenização por dano ambiental. Medida coercitiva atípica em execução por quantia
certa. Restrição ao uso de passaporte. Injusta violação do direito fundamental de ir e vir. Não ocorrência. Decisão
adequadamente fundamentada. Observância do contraditório. Ponderação dos valores em colisão.
Preponderância, in concreto, do direito fundamental à tutela do meio ambiente. Denegação do habeas corpus.
Relator: Min. Francisco Falcão, 14 mai. 2019. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 21. mai. 2019.
Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201803024992&dt_publicacao=21/05/2019.
Acesso em: 31 ago. 2019.
169

Em contrapartida, observa-se que, ao final, ao aplicar a regra da proporcionalidade e


realizar a ponderação dos princípios colidentes, o STJ entendeu que a situação ora retratada
permite o afastamento do critério da subsidiariedade, autorizando-se a aplicação direta das
medidas coercitivas deferidas pelo tribunal de origem, sem necessidade de esgotamento dos
meios executivos típicos previstos na legislação processual. A ponderação resultou na
conclusão de que, mesmo havendo meios sub-rogatórios a serem ainda tentados, notadamente
quanto à expropriação do imóvel, estes não se mostrariam eficazes naquele caso, ante a ausência
de boa-fé objetiva dos réus na situação. Essa foi a razão pela qual o STJ entendeu que a
liberdade de locomoção dos réus deve ser parcialmente restringida, pois tem menor peso do que
a qualidade do meio ambiente no caso concreto.
A decisão do STJ foi impugnada pelos réus por meio do Recurso Ordinário em Habeas
Corpus nº 173.332/RS,429 com pedido de liminar, que se encontra pendente de julgamento no
STF. A liminar foi indeferida em 28 de agosto de 2019 pela Relatora, Ministra Rosa Weber,
que, em juízo de cognição sumária, entendeu não haver cerceio da liberdade de locomoção dos
recorrentes com a aplicação de medida coercitiva de apreensão de passaporte na esfera cível.
Nova decisão monocrática foi publicada em 10/10/2019, em que se noticia a realização de
acordo entre os pacientes e o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, dispondo
sobre o pagamento do débito e o cumprimento da obrigação de fazer determinada na sentença
da ação civil pública, com a contrapartida de liberação dos passaportes.430 Em 25/10/2019 o
recurso ordinário foi declarado prejudicado, extinguindo-se o feito sem resolução de mérito.
Os julgados ora comentados demonstram, portanto, que os parâmetros sugeridos pela
doutrina para conferir limites à aplicação do art. 139, IV, do CPC ainda não foram suficientes
para oferecer a segurança jurídica que se espera do sistema processual brasileiro, pois não são
objeto de consenso e podem apresentar relativizações decorrentes da aplicação da técnica da
ponderação de princípios. Diante desse quadro, a projeção que se vislumbra é de que medidas
atípicas que vêm sendo determinadas para impor o cumprimento de obrigações pecuniárias,
sobretudo em decisões interlocutórias que carecem de uma substanciosa fundamentação, serão
necessariamente sujeitas ao controle pela via recursal, congestionando ainda mais a máquina
judiciária.

429
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC nº 173.332. Decisão monocrática. Relatora: Min. Rosa Weber.
Disponível em:
http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5731981 Acesso em: 3 set. 2019.
430
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC nº 173.332. Decisão monocrática. Relatora: Min. Rosa Weber.
Disponível em:
http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15341431926&ext=.pdf Acesso em: 17 out. 2019.
170

Dada a discricionariedade envolvida, tem-se por certo que o número de recursos nos
tribunais contra decisões embasadas no art. 139, IV, do CPC tende a ter um expressivo aumento,
tornando duvidoso, portanto, que se alcance de fato uma melhoria na efetividade das execuções
em tempo razoável, ao contrário do que se esperava quando se comemorou a tal “revolução
silenciosa” da execução por quantia.

5.4 Síntese dos parâmetros doutrinários e conclusão parcial

Ao longo deste capítulo, buscou-se apresentar os critérios mais recorrentes sugeridos


pela doutrina ao tratar da conferência de limites à cláusula geral do art. 139, IV, do CPC.
Verificou-se que toda a literatura jurídica especializada baseou a análise partindo dos critérios
genéricos da subsidiariedade, necessidade de contraditório e fundamentação da decisão, e
aplicação da proporcionalidade. A partir desses critérios mais genéricos, os autores foram
apresentando desdobramentos, com vistas a traçar diretrizes, parâmetros ou “standards” para
exercício do controle sobre as técnicas executivas atípicas.
Considerando o grande número de obras e artigos que foram consultados para realização
desta pesquisa, optar-se-á por sintetizar os parâmetros apresentados por onze autores apenas,
os quais foram bastante referenciados ao longo deste trabalho, no intento de melhor organizar
os termos desta conclusão preliminar.
Marcos Youji Minami, em obra específica e aprofundada sobre a temática em
comento,431 defende que, se ao Poder Judiciário é vedado abster-se de julgar (non liquet), por
consequência, não lhe é permitido deixar de concretizar a prestação jurisdicional, o que o autor
denomina de non factibile. O jurista sugere, então, os seguintes “critérios mínimos para
aplicação da atipicidade executiva”: a) a atipicidade dos meios de efetivação deve ter caráter
subsidiário; b) as medidas atípicas podem ser aplicadas de ofício pelo juiz, desde que não
configurem meio ilícito nem haja exigência legal de requerimento da parte; c) deve-se aplicar
o postulado da proporcionalidade, seguindo as diretrizes impostas pelas submáximas da
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; d) não se exige correlação entre
a medida e a obrigação que se executa; e) a decisão que aplica medida atípica deve ser
fundamentada; f) a escolha da medida deve ser submetida ao contraditório, ainda que diferido;
g) a decisão será sempre recorrível; h) as medidas executivas atípicas se aplicam tanto às

431
MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.
Salvador: Juspodium, 2019.
171

execuções fundadas em títulos judiciais quanto extrajudiciais; i) medidas executivas atípicas


podem ser objeto de negócio jurídico processual; j) as medidas executivas somente são cabíveis
quando o destinatário da coerção puder realizar a prestação pretendida.
Fredie Didier Jr, Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria
de Oliveira, em extenso artigo sobre o tema432 apresentam 31 diretrizes ou standards que são
por eles consideradas ponto de partida para a concretização do princípio da atipicidade das
medidas executivas no Direito Processual Civil Brasileiro, Ainda que nem todas tenham sido
comentadas ao longo desta pesquisa, optou-se por transcrevê-las integralmente neste tópico, a
saber:
i) os arts. 139, IV, 297 e 536, § 1º do CPC são cláusulas gerais processuais executivas;
ii) os arts. 139, IV, 297 e 536, § 1º do CPC autorizam a fixação de medias atípicas de
coerção direta ou indireta, inclusive as sanções premiais; iii) a execução para
pagamento de quantia deve observar, primeiramente a tipicidade dos meios
executivos, sendo permitido, subsidiariamente, o uso de meios atípicos de execução,
com base no art. 139, VI, CPC; iv) a execução para a efetivação das prestações de
fazer, não fazer ou dar coisa distinta de dinheiro é, em princípio, atípica, por força do
art. 536, § 1º, CPC; v) a atipicidade executiva é técnica que serve à execução fundada
em título executivo judicial, provisória ou definitiva, ou fundada em título executivo
extrajudicial; vi) a tutela provisória será efetivada atipicamente na mesma medida em
que a tutela definitiva pode sê-lo; vii) a medida executiva pode ser dirigida ao
executado, a terceiro ou, em determinados casos, ao próprio exequente; viii) a medida
executiva escolhida pelo juiz deve ser adequada a que se atinja o resultado buscado
(critério da adequação); ix) a medida executiva escolhida pelo juiz deve causar a
menor restrição possível ao executado (critério da necessidade); x) a escolha da
medida executiva deve buscar a solução que mais bem atenda aos interesses em
conflito, ponderando-se as vantagens e as desvantagens que ela produz (critério da
proporcionalidade); xi) a escolha da medida executiva atípica deve ser devidamente
fundamentada; xii) na escolha da medida executiva atípica deve-se observar o
contraditório, ainda que diferido; xiii) o juiz não está adstrito ao pedido da parte na
escolha e imposição de medida executiva atípica, podendo agir até mesmo de ofício,
ressalvada, em todos os casos, a existência de negócio processual em sentido diverso;
xiv) é possível a alteração da medida executiva que se mostrou ineficaz ou que já não
é mais necessária, a requerimento da parte ou de ofício; xv) não pode o órgão julgador,
ex officio, determinar, como medida atípica, providência para a qual a lei, tipicamente,
exige provocação da parte; xvi) não pode o órgão julgador determinar, como medida
executiva atípica, medida executiva típica regulada pela lei de outro modo; xvii) não
se admite a fixação de multa como medida atípica para a efetivação e prestação
pecuniária, na execução para pagamento de quantia; xviii) as medidas executivas
atípicas podem ser utilizadas diretamente, e não subsidiariamente, na execução por
quantia, para forçar o executado ou o terceiro a cumprir os seus deveres processuais;
xix) admite-se a fixação de multa coercitiva, na execução por quantia, como medida
atípica, para forçar o executado ou o terceiro a cumprir os seus deveres processuais;
xx) admite-se, desde que observados certos parâmetros, a prisão civil como medida
atípica para a efetivação de direitos sem conteúdo patrimonial; xxi) não é possível a
utilização da prisão civil como medida executiva na execução por quantia, à exceção
da execução de alimentos; xxii) a medida atípica determinada não pode constituir, ela

432
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria
de. Diretrizes para a concretização das cláusulas gerais executivas dos arts. 139, IV, 297 e 536, § 1º, CPC. In:
DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas
Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 307-347. (Grandes Temas do Novo CPC, 11).
172

mesma, um ato ilícito; xxiii) os arts. 139, IV, e 536, §1º, CPC, formam a base
normativa para a execução atípica das decisões estruturais no Direito Processual Civil
brasileiro; xxiv) não se admite negócio processual que exclua as sanções decorrentes
da prática de ilícitos processuais; xxv) admitem-se renúncia do direito à multa e a
promessa de não executar o valor da multa; xxvi) admite-se negócio processual que
limite o uso de medidas executivas atípicas pelo órgão julgador; xxvii) admite-se
negócio processual em que se aceite, previamente, o uso de medidas executivas
atípicas como técnica principal (não subsidiária) de efetivação da decisão; xxviii)
admite-se negócio processual em que se aceite, previamente, o uso de determinadas
medidas executivas atípicas, que passam, por isso, a ser medidas típicas, de origem
negocial; xxix) admite-se execução negociada de decisão que determina a
implantação de política pública; xxx) admite-se a aplicação do princípio da atipicidade
das medidas executivas no processo penal (art. 3º, Código de Processo Penal); xxxi)
não se admite a aplicação do princípio da atipicidade das medidas executivas para a
efetivação da sentença penal condenatória que imponha prisão.433

Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, por entenderem
que o CPC de 2015 abraçou de vez a atipicidade no sistema executivo brasileiro, em relação a
todas as espécies de obrigações, entendem que as medidas executivas atípicas: a) não são
subsidiárias, podendo ser aplicadas diretamente pelo julgador quando este verifica que serão
mais eficientes a depender do caso concreto; b) podem ser aplicadas de ofício pelo juiz, sem
necessidade de requerimento da parte e c) não se aplicam às execuções de pagar pautadas em
títulos executivos extrajudiciais.434
Leonardo Greco, em artigo que versa sobre as coerções indiretas nas execuções
pecuniárias,435 aponta os seguintes parâmetros com vistas a conferir limites à aplicação das
referidas coerções e a compatibilizá-las com o ordenamento constitucional: a) excepcionalidade
das medidas de coerção, que devem ser aplicadas somente caso as medidas sub-rogatórias
legalmente previstas se mostrem ineficazes; b) aplicação da proporcionalidade, da
razoabilidade e da proibição do excesso; c) submissão das medidas ao devido processo legal,
sobretudo mediante abertura de contraditório prévio ao executado e a terceiros; d) existência de
conexão instrumental específica entre a medida e a pretensão que se busca satisfazer; e)
obrigatoriedade de fundamentação concreta e consistente por parte do magistrado; f)
possibilidade de cumulação das coações indiretas; g) possibilidade de estabelecer coações

433
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria
de. Diretrizes para a concretização das cláusulas gerais executivas dos arts. 139, IV, 297 e 536, § 1º, CPC. In:
DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas
Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 307-347. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 345-347.
434
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz. Novo curso de processo
civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.v.2.p.775-
783.
435
GRECO, Leonardo. Coações indiretas na execução pecuniária. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral);
MINAMI, Marcos Youji (coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador:
Juspodium, 2018, p. 395-420. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 395-420.
173

indiretas pela via da negociação processual, desde que submetida ao controle posterior do
magistrado.
Daniel Amorim Assumpção Neves, em artigo sobre a matéria,436 consigna
expressamente o seu repúdio à ideia de que seja dado tratamento executivo diferenciado entre
as obrigações específicas e as obrigações pecuniárias. Aponta os seguintes requisitos pra a
adoção das medidas coercitivas atípicas na execução por quantia certa: a) ineficácia do
procedimento típico da execução da obrigação de pagar quantia certa (subsidiariedade); b) a
medida não pode ter natureza sancionatória, devendo ser aplicada caso o devedor de fato tenha
patrimônio; c) devem ser aplicados os “princípios” da proporcionalidade e da razoabilidade,
levando em conta as peculiaridades do caso concreto; d) é desnecessária a existência de
correlação entre a medida aplicada e a espécie de obrigação inadimplida; e) pode haver
cumulação de medidas coercitivas, o que pode ser feito pelo juiz de modo escalonado; f) podem
as medidas executivas atípicas serem aplicadas sem provocação da parte; g) devem ser
precedidas de contraditório prévio, salvo se restar demonstrado o preenchimento dos requisitos
para concessão de tutela de urgência; h) a fundamentação da decisão que defere a medida deve
ser completa e exauriente.
Por fim, Marcus Vinícius Motter Borges, em obra específica e densa sobre medidas
coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias,437 que muito subsidiou o desenvolvimento desta
pesquisa, aponta os seguintes parâmetros mínimos para aplicação nas medidas coercitivas
atípicas no âmbito das execuções pecuniárias, os quais foram sintetizados pelo próprio autor
em suas conclusões:
a) a aplicação de medidas coercitivas atípicas em obrigações pecuniárias poderá
ocorrer em execuções lastreadas em títulos executivos extrajudiciais ou judiciais
(definitivo ou provisório); b) o magistrado, diante do caso concreto e sopesando as
circunstâncias fáticas e jurídicas da questão que lhe é posta, deverá promover a correta
e fundamentada análise dos postulados da proporcionalidade – pelas máximas parciais
da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito -, sem olvidar,
por óbvio, os postulados da razoabilidade e da proibição do excesso; c) a interpretação
e a aplicação do art. 139, inciso IV, do CPC/2015, por se tratar de cláusula geral
processual executiva, deverá adotar o método de concreção; d) objetivando a
manutenção da segurança jurídica - pelos vieses de cognoscibilidade, estabilidade e
calculabilidade -, o processo de construção do convencimento do magistrado acerca
da pertinência das medidas em apreço poderá perquirir a existência, naquele
determinado caso concreto, de parâmetros mínimos; e) entre esses parâmetros, a
aplicação subsidiária em relação aos meios típicos; o requerimento expresso do
exequente; o estabelecimento do contraditório prévio à aplicação da sanção; a

436
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de
pagar quantia certa – art. 139, IV, do novo CPC. In: DIDIER Jr., Fredie (Coord.- geral); MINAMI, Marcos Youji
(coord.) e TALAMINI, Eduardo (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018, p. 627-
666. (Grandes Temas do Novo CPC, 11). p. 627-666.
437
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.
174

existência de indícios ou provas de que o devedor possui patrimônio penhorável; a


anterior análise de alegações de defesa do executado acerca dos pressupostos da
relação processual, do mérito do direito envolvido na execução ou de justo motivo
para o não cumprimento da determinação judicial – podem ser equiparados a
requisitos de validade para a aplicação dessas medidas coercitivas atípicas; f) a
necessidade de customização da coerção à pessoa do executado objetivando o
atingimento dos fins almejados com a coerção pode ser equiparada a fator de eficácia
dessas medidas; g) a fundamentação substancial da decisão judicial que defere ou
indefere as medidas coercitivas em apreço, analisando os mencionados postulados e
identificando a presença ou ausência desses parâmetros mínimos, consiste (ao invés
de “equipara-se”) em requisito de validade; h) a correlação entre a media aplicada e a
natureza da obrigação inadimplida é desnecessária, apesar de desejável. 438

5.4.1 Proposta para aplicação adequada das medidas executivas atípicas à luz da Teoria da
Integridade do Direito

Ao longo de toda a exposição feita neste capítulo 5 sobre os critérios propostos pela
doutrina para interpretação e aplicação do art. 139, IV, do CPC, apresentou-se qual o
posicionamento adotado neste trabalho acerca de cada um dos parâmetros estudados, o que
agora se passa a sintetizar: a) medidas executivas atípicas em obrigações pecuniárias somente
podem ser aplicadas em caráter excepcional, após esgotados os meios típicos, diretos e
indiretos, trazidos pela legislação processual, consubstanciadas em título executivo judicial ou
extrajudicial; b) no caso das obrigações específicas, medidas atípicas podem ser diretamente
aplicadas, desde que não contrariem a legislação infraconstitucional e as normas constitucionais
e observem as decisões passadas sobre a matéria; c) no caso das execuções pecuniárias, não se
consideram esgotados os meios executivos típicos quando houve mera consulta pelo Juízo a
sistemas eletrônicos como Bacen Jud e Renajud, sendo absolutamente necessário o
esgotamento de todos os meios tecnológicos de investigação patrimonial acessíveis ao Juízo;
d) a aplicação das medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias exige requerimento
pelo exequente, que deve demonstrar, de forma inequívoca, que o executado possui patrimônio
e o oculta voluntariamente; e) o conteúdo da medida coercitiva deve ser avaliado no caso
concreto pelo magistrado, a partir dos argumentos trazidos pelas partes em contraditório,
verificando-se a adequabilidade da medida com o Ordenamento Jurídico e com os precedentes;
f) não devem ser utilizadas como medidas coercitivas atípicas aquelas que já se encontram
descritas como penalidade em lei e que requerem procedimento legal específico para sua
aplicação; g) a aplicação da coerção deve ser precedida de contraditório prévio, momento em

438
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p. 370-371.
175

que o magistrado deve analisar as matérias de defesa do executado, sobretudo no tocante aos
pressupostos processuais da execução, bem como as alegações do executado em relação à
medida coercitiva propriamente dita; h) não há necessidade de correlação entre a medida
coercitiva e a obrigação executada, desde que a medida seja adequada ao Ordenamento Jurídico;
i) pode haver substituição da medida eleita ou cumulação de medidas, sem que haja necessidade
de novo requerimento do executado, desde que oportunizado o contraditório; j) deve haver
fundamentação consistente e exauriente acerca da medida a ser deferida, devendo o magistrado
demonstrar a observância de todos os critérios de controle.
Intentou-se, portanto, sintetizar o que foi trazido pela doutrina sobre o assunto até o atual
contexto, com propósito de avaliar se as diretrizes que vêm sendo construídas para conferir
limites à aplicação de medidas coercitivas atípicas são suficientes para afastar possíveis
arbitrariedades na aplicação da cláusula geral do art. 139, IV, do CPC e proporcionar a
segurança jurídica e efetividade que se espera em um processo jurisdicional democrático.
Realizado, pois, o cotejo entre os critérios, parâmetros, diretrizes ou standards
apresentados pelos onze autores supramencionados, os quais se repetem nos trabalhos de
inúmeros outros juristas consultados, a conclusão que se chega é de que, em que pese todo o
esforço doutrinário, as diretrizes construídas até o momento ainda não ofertam a segurança
jurídica necessária. Conforme se verificou, há um grande dissenso entre os juristas na fixação
de critérios mínimos limitadores da referida cláusula geral de efetivação, o que deixa a questão
à mercê da discricionariedade e de um universo de incertezas.
Verificou-se que não há absoluto consenso sobre a subsidiariedade do uso das medidas
atípicas, nem sobre a necessidade de requerimento do exequente ao magistrado solicitando sua
aplicação e muito menos sobre a necessidade de correlação entre a medida coercitiva e a
prestação exequenda. Também não há convergência de entendimento quanto à possibilidade
de as medidas coercitivas serem aplicadas a terceiros que não participam do processo. Em
relação ao conteúdo dessas medidas, como se observou, a maior parte dos autores estudados
entende que a avaliação sobre sua razoabilidade deve ser realizada pelo magistrado, de acordo
com as especificidades do caso concreto, com base no postulado da proporcionalidade, e que
os equívocos na eventual ponderação feita pelo juiz devem ser corrigidos por meio da abertura
do contraditório e do direito ao recurso.
Ainda assim, parece haver um apelo geral da comunidade jurídica para que, em
homenagem à isonomia de tratamento entre as obrigações, o uso das medidas coercitivas
atípicas seja viabilizado também nas obrigações de pagar, pautando-se na crença de que a
176

pressão exercida sobre o obrigado, por diversos meios, pode se revelar mais eficaz do que o uso
dos métodos executivos típicos de expropriação patrimonial.
Ocorre que, até agora, não se teve notícia de nenhum estudo empírico que demonstre
que o uso das medidas executivas atípicas nas execuções de obrigações pecuniárias com base
no art. 139, IV, do CPC, desde o início da vigência desse novo código, tenha de fato contribuído
para o aumento da efetividade das execuções.
A propósito, ao se compararem os dados publicados pelo CNJ no Relatório Justiça em
Números439 dos anos de 2017, 2018 e 2019, no ponto denominado “Gargalos da execução”,
verifica-se que não houve sinais de mudanças significativas no impacto negativo gerado pela
fase de execução nos dados de litigiosidade do Poder Judiciário brasileiro de 2016 até 2018.
De acordo com o relatório de 2017 sobre o ano-base 2016, as execuções fiscais
representaram aproximadamente 38% do total de casos pendentes, apresentando um
congestionamento de 91% em 2016. Nos seguimentos da Justiça Estadual, Federal e do
Trabalho o impacto da execução foi de 53%, 49% e 42%, respectivamente, do acervo total de
cada ramo.440 A título de exemplo, a taxa de congestionamento da fase de execução em 1ª
instância nos Tribunais de Justiça de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, no ano de 2016,
foi de 74%, 87% e 94%, respectivamente.441
Segundo o relatório de 2018, referente ao ano-base 2017, as execuções fiscais
representaram aproximadamente 39% do total de casos pendentes, apresentando um
congestionamento de 92% em 2017. Nos seguimentos da Justiça Estadual, Federal e do
Trabalho o impacto da execução foi de 55%, 50% e 44%, respectivamente, do acervo total de
cada ramo..442 A título de exemplo, a taxa de congestionamento da fase de execução em 1ª

439
“Principal fonte das estatísticas oficiais do Poder Judiciário, anualmente, desde 2004, o Relatório Justiça em
Números divulga a realidade dos tribunais brasileiros, com muitos detalhamentos da estrutura e litigiosidade,
além dos indicadores e das análises essenciais para subsidiar a Gestão Judiciária brasileira” (CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/pesquisas-
judiciarias/justicaemnumeros/2016-10-21-13-13-04/pj-justica-em-numeros/relatorios Acesso em: 04 set. 2019.
440
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2017: ano-base 2016/Conselho Nacional de
Justiça – Brasília: CNJ, 2017.p. 109. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/12/b60a659e5d5cb79337945c1dd137496c.pdf Acesso em: 4
set. 2019.
441
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2017: ano-base 2016/Conselho Nacional de
Justiça – Brasília: CNJ, 2017.p. 112. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/12/b60a659e5d5cb79337945c1dd137496c.pdf Acesso em: 4
set. 2019.
442
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2018: ano-base 2017/Conselho Nacional de
Justiça – Brasília: CNJ, 2018.p. 121. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/09/8d9faee7812d35a58cee3d92d2df2f25.pdf Acesso em: 4
set. 2019.
177

instância nos Tribunais de Justiça de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, no ano de 2017,
foi de 77%, 89% e 94%, respectivamente.443
Por fim, o relatório de 2019, referente ao ano-base 2018, acusa que as execuções fiscais
representaram aproximadamente 39% do total de casos pendentes, com um congestionamento
de 90% em 2018. Nos seguimentos da Justiça Estadual, Federal e do Trabalho, o impacto da
execução foi de 55,6%, 51,7% e 49,7%, respectivamente, do acervo total de cada ramo. 444 A
título de exemplo, a taxa de congestionamento da fase de execução em 1ª instância nos
Tribunais de Justiça de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, no ano de 2018, foi de 75%,
87% e 92%, respectivamente.445
Observa-se desse comparativo que não houve melhora no cenário processual executivo
brasileiro, o que demonstra que, até o momento, o art. 139, IV, do CPC não propiciou a tal
“revolução silenciosa” da execução no Brasil. É possível que um dos principais fatores que
justifique essa realidade seja o grande índice de reforma das decisões que deferem medidas
coercitivas atípicas, tais como apreensão de passaporte e suspensão de CNH, nos tribunais, o
que foi possível visualizar nas diversas decisões judiciais a que se teve acesso ao longo do
desenvolvimento desta pesquisa.
Nessa perspectiva, a conclusão parcial a que se pôde chegar até aqui é de que a cláusula
geral de efetivação prevista no art. 139, IV, do CPC, ainda não teve seus limites bem
consolidados pela doutrina, porquanto o dissenso prevalece até mesmo no tocante ao que se
consideram critérios mínimos de interpretação e aplicação da referida cláusula geral, o que
ocasiona muita insegurança jurídica em relação à matéria. Em razão dessa ausência de consenso
da doutrina sobre o assunto, acredita-se que a própria jurisprudência do STJ esteja se mostrando
cautelosa na análise da questão, assunto que será objeto do próximo capítulo.
Toda essa polêmica não deve, contudo, esvaziar o conteúdo de sentido da cláusula de
efetivação em comento, pois esta, se interpretada em conformidade com a sistemática e as

443
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2018; ano-base 2017/Conselho Nacional de
Justiça – Brasília: CNJ, 2018.p. 124. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/09/8d9faee7812d35a58cee3d92d2df2f25.pdf Acesso em: 4
set. 2019.
444
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2019; ano-base 2018/Conselho Nacional de
Justiça – Brasília: CNJ, 2019.p. 126. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2019/08/4668014df24cf825e7187383564e71a3.pdf Acesso em: 4
set. 2019.
445
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2019; ano-base 2018/Conselho Nacional de
Justiça – Brasília: CNJ, 2019.p. 130. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2019/08/4668014df24cf825e7187383564e71a3.pdf Acesso em: 4
set. 2019.
178

premissas do CPC de 2015, tem grande utilidade para a execução das ações que versam sobre
litigâncias de interesse público, conforme se apontou na seção 5.1.
Por fim, é de se considerar que a tendência ao aumento do poder de coerção do
magistrado, ao mesmo tempo em que desperta o entusiasmo da doutrina ante a possibilidade de
tornar mais efetivo o cumprimento das ordens judiciais, levanta muitas polêmicas, sobretudo
no tocante à necessidade de preservação de direitos fundamentais das pessoas obrigadas. Diante
disso, é chegado o momento de questionar se, quando se trata de execução pecuniária, sobretudo
no atual contexto de surgimento de novas tecnologias, o uso da coerção atípica será, de fato, a
melhor alternativa para se alcançar o crédito exequendo, assunto a ser abordado no capítulo 7
desta pesquisa.
179

6 PRIMEIROS JULGADOS COLEGIADOS DO STJ SOBRE A MATÉRIA

Realizado o apanhado doutrinário acerca das controvérsias que envolvem a aplicação


do art. 139, IV, do CPC e comentados alguns exemplos de julgados em que o dispositivo foi
aplicado, oportuno agora averiguar qual o tratamento dispensado à matéria pelo STJ até o
momento.
Para tanto, foi realizada consulta ao sítio eletrônico oficial do STJ, adotando-se como
critério de pesquisa os seguintes parâmetros e combinações: a) 139, IV e medida$; b) “139, IV”
ou “139, inciso IV”; c) “139, IV” ou “139, inciso IV” e “medida$ coercitiva$”. Todos os
critérios retornaram resultados com acórdãos, decisões monocráticas e 1 informativo de
jurisprudência (Informativo nº 0631, publicado em 14/9/2018). Nenhum dos critérios trouxe
como resultado acórdãos proferidos sobre a sistemática de Recursos Repetitivos nem Incidentes
de Assunção de Competência. Também não foi reportada a existência de Súmulas sobre a
matéria.
Não havendo, portanto, até a presente data, precedente obrigatório do STJ que fixe os
critérios mínimos de aplicação da cláusula geral em comento, nos deteremos a decisões
colegiadas proferidas por turmas do STJ. Para tanto, optou-se por selecionar acórdãos que
melhor detalham os critérios a serem observados na concretude do art. 139, IV, do CPC, a fim
de verificar se já é possível vislumbrar certa uniformidade do STJ em relação às balizas que
devem ser observadas pelos magistrados ao deferir medidas atípicas de coerção.
Inicialmente, oportuno fazer referência ao RHC 97.876-SP,446 julgado pela Quarta
Turma do STJ, em 5/6/2018, cujo teor do voto foi objeto de comentário pelo Informativo nº
0631 do STJ.447 No caso, o habeas corpus foi impetrado contra decisão proferida pela 3ª Vara
Cível da Comarca de Sumaré/SP, que, nos autos da execução de título extrajudicial, deferiu
pedidos de suspensão do passaporte e da CNH do executado, porquanto este não pagou o valor
devido nem ofereceu bens à penhora. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de seu
turno, julgou extinto o processo, por considerar que o habeas corpus é via eleita inadequada

446
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4. Turma). Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 97.876/SP.
Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Execução de Título Extrajudicial. Medidas Coercitivas Atípicas.
CPC/2015. Interpretação consentânea com o ordenamento constitucional. Subsidiariedade, necessidade,
adequação e proporcionalidade. Retenção de passaporte. Coação ilegal. Concessão da ordem. Suspensão da
CNH. Não conhecimento. Relator: Min. Luis Felipe Salomão, 5 jun. 2018. Brasília: STJ. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201801040236&dt_publicacao=09/08/2018.
Acesso em: 8 ago. 2019.
447
Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=%22139%2C+IV%22+OU+%
22139%2C+INCISO+IV%22&operador=e&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em: 8 ago. 2019.
180

para levar ao Tribunal a irresignação do executado. O STJ, ao apreciar o recurso ordinário,


conheceu do apelo apenas no ponto que trata da suspensão de passaporte do executado,
reconhecendo que a medida enseja embaraço à liberdade de locomoção (art. 5º, XV, da CF),
sem que tenha havido demonstração de sua necessidade e utilidade no caso concreto. Além
disso, considerou-se que a decisão impugnada não observou o contraditório e carece de
fundamentação consistente. Quanto ao ponto que trata da suspensão da CNH, o recurso não foi
conhecido, ao fundamento de que a medida não implica restrição do direito de ir e vir, o que
inviabiliza o manejo do habeas corpus na espécie.
Chama a atenção no julgado, todavia, que o ministro relator, ao final do voto, fez questão
de ressaltar que o reconhecimento da ilegalidade da apreensão do passaporte, nesse caso, não
significa que a medida não possa ser adotada em outras situações, caso seja demonstrada, no
caso concreto, a adoção dos critérios da excepcionalidade da medida, oferta de contraditório,
fundamentação da decisão e aplicação da proporcionalidade. Depreende-se disso que houve
uma tentativa cautelosa do relator em apresentar os critérios mínimos a serem observados na
aplicação do art. 139, IV, do CPC, sem, contudo, esgotar as possibilidades de análise da matéria.
A Terceira Turma do STJ, ao apreciar o RHC 9906/SP,448 negou a concessão da ordem
no tocante ao ponto que versa sobre a suspensão da CNH do executado, por entender que,
inexistindo restrição ao direito de ir e vir nessa hipótese, incabível o manejo do habeas corpus,
devendo a irresignação da parte ser externada pela via do recurso próprio. Quanto ao ponto da
controvérsia que versa sobre a apreensão do passaporte do devedor, o remédio constitucional
foi conhecido, dado o entendimento de que a medida tem o potencial condão de ameaçar, direta
e imediatamente, o direito de ir e vir do paciente, porque lhe impede de se locomover para onde
queira ir. Do inteiro teor do voto da relatora, depreende-se a clara tentativa de expor critérios
mínimos que deverão orientar o magistrado ao aplicar medidas atípicas de coerção, a saber: a)
contraditório prévio; b) fundamentação consoante o art. 489, § 1º, I e II, do CPC); c) análise da
proporcionalidade e razoabilidade da medida no caso concreto, após o contraditório.

448
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 9906/SP.
Processual Civil. Recurso em Habeas Corpus. Cumprimento de Sentença. Medidas executivas atípicas.
Cabimento. Restrição do direito de dirigir. Suspensão da CNH. Liberdade de locomoção. Violação direta.
Inocorrência. Princípios da resolução integral do litígio, boa-fé processual e da cooperação. Arts. 4º, 5º e 6º do
CPC/15. Inovação do Novo CPC. Medidas executivas atípicas. Art. 139, IV, do CPC/15. Coerção indireta ao
pagamento. Possibilidade. Sanção. Princípio da patrimonialidade. Distinção. Contraditório prévio. Art. 9º do
CPC/15. Dever de fundamentação. Art. 489, § 1º, do CPC/15. Cooperação concreta. Dever. Violação. Princípio
da menor onerosidade. Art. 805, parágrafo único, do CPC/15. Ordem. Denegação. Relator: Min. Nancy
Andrighi, 13 nov. 2018. Brasília: STJ. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201801506719&dt_publicacao=20/11/2018.
Acesso em: 8 ago. 2019.
181

Restou claro o posicionamento da 3ª Turma, consubstanciado nesse julgado, sobre a


desnecessidade de esgotamento dos meios executórios típicos antes de se deferir medidas
executivas atípicas, ao fundamento de que “a coerção psicológica sobre o devedor agora é a
regra geral da execução civil, pelo que se pode enunciar que, na ordem do CPC/15, vige o
princípio da prevalência do cumprimento voluntário, ainda que não espontâneo da
obrigação.”449 Restou, pois, afastado o critério da subsidiariedade. Além disso, consignou-se
que medidas restritivas de direitos aplicadas contra o executado não ofendem o princípio da
patrimonialidade da execução, porque não há sub-rogação da medida na dívida pecuniária
inadimplida.
Ao fim, a matéria foi analisada pela 3ª Turma à luz dos princípios da cooperação e da
boa-fé objetiva. Entendeu-se que, naquele caso concreto, em que pese não ter havido abertura
de contraditório e fundamentação consistente na decisão que aplicou a medida de apreensão de
passaporte, o executado não apresentou meios menos onerosos e eficazes para o cumprimento
da obrigação exigida, o que, no entender da Corte, representa infringência dos
supramencionados princípios da cooperação e da boa-fé. Por essa razão, a ordem de habeas
corpus foi denegada na espécie.
Posteriormente, a mesma Terceira Turma, no julgamento do REsp. 1.782.418/RJ,450
também de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, consignou no acórdão que a possibilidade de
se adotarem meios executivos atípicos se condiciona à verificação, pelo juiz, dos seguintes
critérios: a) existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir a
obrigação a ele imposta; b) as medidas devem ser adotadas de modo subsidiário; c)
fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta; d) observância do
contraditório substancial; e d) observância do postulado da proporcionalidade.451
Observa-se que, nesse caso, contrariando o entendimento exposto no acórdão que julgou
o RHC 9906/SP, a subsidiariedade das medidas foi apontada como um dos critérios que
condicionam o deferimento de medidas executivas atípicas na sistemática do novo CPC. No
caso concreto, depreendeu-se do acórdão de origem que não houve localização de bens em

449
RHC nº 9906/SP, inteiro teor do acórdão, p. 20.
450
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (3.Turma). Recurso Especial 1.782.418/RJ. Recurso Especial. Ação de
compensação por dano moral e reparação por dano material. Cumprimento de sentença. Quantia Certa. Medidas
executivas atípicas. Art. 139, IV, do CPC/15. Cabimento. Delineamento de diretrizes a serem observadas para
sua aplicação. Recorrentes: João Morais de Oliveira e Elaine Chagas de Oliveira. Recorrido: Rafael Ferreira
Martins e Silva. Relatora: Min. Nancy Andrighi, 23 de abril de 2019. Brasília: STJ. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201803135957&dt_publicacao=26/04/2019.
Acesso em: 9 ago. 2019.
451
O julgado foi objeto de notícia veiculada no sítio oficial do STJ, em 30/5/2019, disponível em
http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Nao-e-possivel-adotar-meios-executivos-
atipicos-contra-devedor-sem-sinais-de-ocultacao-patrimonial.aspx. Acesso em: 9 ago. 2019.
182

nome do executado, após a realização de pesquisa nos sistemas Bacen Jud e Ranajud e que,
ainda assim, foi indeferido o pedido de adoção de medidas atípicas, ao fundamento de que a
responsabilidade do devedor deve recair sobre seu patrimônio e não sobre sua pessoa. Na
hipótese, o STJ entendeu que o processo deve retornar à origem, para que o Tribunal verifique
a existência dos pressupostos para concessão das medidas executivas atípicas.
Ao que parece, nesse acórdão, o STJ dá a entender que a simples pesquisa patrimonial
por meio dos sistemas Bacen Jud e Renajud é suficiente para demonstrar que houve o
esgotamento dos meios típicos de constrição patrimonial do devedor, posicionamento a ser
veementemente combatido no próximo capítulo deste trabalho.
Na mesma ocasião, ao julgar o REsp. 1.788.950/MT452, a Terceira Turma do STJ
assentou que, “para que seja adotada qualquer medida executiva atípica, portanto, deve o juiz
intimar previamente o executado para pagar o débito ou apresentar bens destinados a saldá-lo,
seguindo-se, como corolário, os atos de expropriação típicos”, sob pena de burla à sistemática
processual. A Corte frisou que a existência de indícios mínimos de que o executado possui bens
aptos à satisfação da dívida “é premissa que decorre como imperativo lógico, pois não haveria
razão apta a justificar a imposição de medidas de pressão na hipótese de restar provada a
inexistência de patrimônio hábil a cobrir o débito”.453
Resta, pois, acompanhar os próximos julgados a serem proferidos pela Terceira Turma,
a fim de se verificar se o critério da subsidiariedade das medidas atípicas irá prevalecer como
um critério forte, ou se seguirá sendo afastado quando a controvérsia é analisada à luz dos
princípios da cooperação e da boa-fé.
A Segunda Turma do STJ, por força do julgamento do HC 478.963/RS454, do qual já se
fez menção na seção 4.3.1 deste trabalho, demonstrou sua adesão aos seguintes limites
apontados pela doutrina ao se conferir concretude à cláusula geral do art. 139, IV, do CPC: a)

452
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial 1.788.950/MT. Recurso Especial.
Execução de título extrajudicial. Cheques. Violação de dispositivo constitucional. Descabimento. Medidas
executivas atípicas. Art. 139, IV, do CPC/2015. Cabimento. Delineamento de diretrizes a serem observadas para
sua aplicação. Recorrente: Ely Esteves Capistrano Martins. Recorrido: Fernando Emilio da Silva Bardi.
Relatora: Min. Nancy Andrigui, 23 de abril de 2019. Brasília: STJ. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201803438355&dt_publicacao=26/04/2019.
Acesso em: 9 ago. 2019.
453
REsp 1.788.950, inteiro teor do acórdão, p. 8-9.
454
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (2. Turma). Habeas Corpus nº 478.963/RS. Ambiental. Processo Civil.
Cumprimento de sentença. Indenização por dano ambiental. Medida coercitiva atípica em execução por quantia
certa. Restrição ao uso de passaporte. Injusta violação do direito fundamental de ir e vir. Não ocorrência. Decisão
adequadamente fundamentada. Observância do contraditório. Ponderação dos valores em colisão.
Preponderância, in concreto, do direito fundamental à tutela do meio ambiente. Denegação do habeas corpus.
Relator: Min. Francisco Falcão, 13 mai. 2019. Brasília: STJ. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201803024992&dt_publicacao=21/05/2019.
Acesso em: 8 ago. 2019.
183

subsidiariedade dos meios atípicos, com possibilidade de relativização à luz do princípio da


boa-fé objetiva; b) observância do contraditório prévio, exceto quando a medida puder se
frustrar; c) aplicação da proporcionalidade, por meio da ponderação de princípios conflitantes
e d) fundamentação adequada.
A Turma consignou, no entanto, que o critério da subsidiariedade pode ser relativizado
“quando o comportamento processual da parte, em qualquer das fases do processo, descortina
a sua propensão à deslealdade ou à desordem.”455 Concluiu, nesse aspecto, que, se a postura do
devedor no processo demonstrar que a aplicação de meios sub-rogatórios ou indutivos típicos
representará inócuo dispêndio de tempo e recursos por parte do Poder Judiciário, é possível
manejar de pronto as técnicas executivas indutivas ou sub-rogatórias atípicas.
A Primeira Turma do STJ, de seu turno, ao julgar o HC 453.870/PR,456 concedeu a
ordem de habeas corpus ao Prefeito do Município de Foz do Iguaçu-PR, para afastar as medidas
coercitivas determinadas contra sua pessoa por decisão do Tribunal de Justiça do Paraná em
Execução Fiscal, a saber: suspensão da CNH e apreensão de passaporte. A Turma entendeu que
as medidas foram excessivas, sobretudo porque a execução fiscal já se encontrava plenamente
garantida pela penhora de 30% dos vencimentos auferidos pelo réu, bem como pelos
rendimentos por ele obtidos na condição de sócio majoritário de uma empresa, os quais haviam
sido bloqueados.
O mais importante nesse julgado foi a consignação da Turma julgadora no sentido de
que essas medidas coercitivas de caráter pessoal não se mostram pertinentes no âmbito da

455
HC nº 478.963/RS, inteiro teor do acórdão, p. 9.
456
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (1.Turma). Habeas Corpus nº 453.870/PR. Constitucional. Habeas
corpus. Direitos e garantias fundamentais. Processual civil. Execução fiscal. Direito de locomoção, cuja proteção
é demandada no presente habeas corpus, com pedido de medida liminar. Acórdão do TC/PR condenatório ao
ora paciente à penalidade de reparação de dano ao erário, submetido à execução fiscal promovida pela Fazenda
do Município de Foz do Iguaçu/PR, no valor de R$ 24 mil. Medidas constrictivas determinadas pela Corte
Araucariana para garantir o débito, em ordem a inscrever o nome do devedor em cadastro de maus pagadores,
apreender passaporte e suspender carteira de habilitação. Contexto econômico que prestigia usos e costumes de
mercado nas execuções comuns, norteando a satisfação de créditos com alto risco de inadimplemento.
Reconhecimento de que não se aplica às execuções fiscais a lógica de mercado, sobretudo porque o Poder
Público já é dotado, pela Lei 6.830/1980, de altíssimos privilégios processuais, que não justificam o emprego de
adicionais medidas aflitivas frente à pessoa do executado. Ademais, constata-se a desproporção do ato apontado
como coator, pois o executivo fiscal já conta com a penhora de 30% dos vencimentos do réu. Parecer do MPF
pela concessão da ordem. habeas corpus concedido, de modo a determinar, como forma de preservar o direito
fundamental de ir e vir do paciente, a exclusão das medidas atípicas constantes do aresto do TJ/PR, apontado
como coator, quais sejam, (i) a suspensão da carteira nacional de habilitação, (ii) a apreensão do passaporte,
confirmando-se a liminar deferida. Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 25 jun. 2019. Brasília: STJ.
Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201801389620&dt_publicacao=15/08/2019
Acesso em: 30 set. 2019.
184

Execução Fiscal, regida pelo procedimento da Lei 6.830/1980,457 porque o Poder Público, nesse
caso, já se encontra bastante privilegiado processualmente. Prova disso é que, diferentemente
do que ocorre na execução comum, regida pelo CPC, a execução fiscal só pode ser embargada
mediante garantia do juízo, nos termos do art. 16, § 1º, da Lei de Execução Fiscal – LEF.
Além disso, rompendo a lógica de outros tantos julgados do STJ em que se denegou a
ordem de habeas corpus quanto à medida coercitiva de apreensão de CNH, esse julgado da
Primeira Turma concedeu a ordem também nesse aspecto, por entender, com base na
Convenção Americana de Direitos Humanos,458 que o direito de circulação deve ser
amplamente garantido à pessoa, por qualquer meio de sua escolha, pois é assim que se efetiva
o núcleo essencial do direito de ir e vir.
Os julgados ora comentados são suficientes para demonstrar que a matéria suscita
insegurança jurídica também no âmbito da jurisprudência do STJ. Embora a Corte pareça adotar
os critérios mínimos sugeridos pela doutrina para conferir limites às medidas executivas
atípicas, quais sejam, indícios de existência de patrimônio, subsidiariedade, contraditório,
fundamentação adequada e aplicação da proporcionalidade no caso concreto, os julgados
demonstram haver constante relativização na aplicação desses parâmetros.
A questão mais controvertida, até então, pelo que se apurou, gira em torno do critério
da subsidiariedade quando se trata de execução de obrigações pecuniárias. A uma, por conta do
perigo representado pelo entendimento do STJ no sentido de que a subsidiariedade pode ser
relativizada a depender do comportamento processual da parte. Ao assim entender, a Corte
parece dar um aval ao Poder Judiciário para que lance mão diretamente da coerção contra a
pessoa do executado, em vez de dispender tempo e recursos na tentativa de localização de bens
patrimoniais. Parte-se do pressuposto de que coagir é mais barato e mais eficiente. A duas, pelo
fato de não haver um critério mais preciso a elucidar quando se consideram esgotadas as
medidas executivas típicas, o que gera disparidade de tratamento da questão nos diversos
julgados. É sobre isso que se passará a debater no próximo capítulo.

457
BRASIL. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da
Fazenda Pública, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201801389620&dt_publicacao=15/08/2019
Acesso em: 03 set. 2019.
http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L6830.htm Acesso em: 03 set. 2019.
458
BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Brasília, DF: Presidência da República.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm Acesso em: 03 set. 2019.
185

7 LEVANDO O CRITÉRIO DA SUBSIDIARIEDADE A SÉRIO

7.1 Investigação patrimonial e as novas tecnologias

Tal como se demonstrou, doutrina e jurisprudência ainda oscilam ao tratar do critério


da subsidiariedade das medidas executivas atípicas quando se trata de execução de obrigação
pecuniária. O STJ ora o relativiza, ao entender que o devedor faltou com o dever de boa-fé e
cooperação, ora o exalta, orientando no sentido de que as medidas de coerção atípicas devem
ser aplicadas em caráter excepcional, após esgotadas as tentativas de localização de bens do
executado. Nesse caso, não há parâmetros que indiquem quais são as diligências necessárias a
serem adotadas e/ou pedidas pelo exequente ao juiz para que se possa considerar ter havido o
esgotamento das tentativas de constrição patrimonial do executado, o que se mostra
preocupante.
Como bem observa Marcus Vinícius Motter Borges, vive-se atualmente um momento
de grande informatização nas relações comerciais e de exposição das pessoas no universo
virtual, o que facilita a busca por informações patrimoniais dos devedores, para além das
estratégias tradicionais de pesquisa e constrição de bens. Por isso, segundo o autor, é preciso
que o exequente se valha de todos os meios tecnológicos lícitos disponíveis para a pesquisa
patrimonial, evitando que “o art. 139, inciso IV, do CPC/2015 sirva de “bengala” ao credor
inerte”.459
Com efeito, a sociedade experimenta, na atualidade, não só os avanços propiciados pela
engenharia computacional, como também as novidades trazidas pelo aperfeiçoamento da
tecnologia cunhada de Inteligência Artificial – IA.460 Trata-se, segundo Luis Álvarez Munárriz,
da ciência ou ramo especializado da informática “que tem como objetivo o desenvolvimento e
construção de máquinas capazes de imitar o comportamento inteligente das pessoas.”461

459
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p. 247-248.
460
A literatura especializada informa que os estudos sobre a inteligência artificial remontam à década de 1950, a
partir da publicação do artigo Computing Machinery and Intelligence, de Alan Turing. (MEDEIROS, Nathália
Roberta Fett Viana de. Uso da inteligência artificial no processo de tomada de decisões jurisdicionais: uma
análise sob a perspectiva da teoria normativa da comparticipação. 2019. 162 f. Dissertação (Mestrado). Programa
de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019. p. 39-
40).
461
ÁLVAREZ MUNÁRRIZ, Luis. Fundamentos de inteligência artificial. Universidade de Murcia, 1994, p. 19-
20.
186

Stuart Russell e Peter Norvig, de seu turno, definem a IA como “o estudo de agentes
que recebem percepções do ambiente e executam ações”. 462 Segundo esses autores, a
inteligência artificial vai muito além da busca pela compreensão do modo como os seres
humanos pensam, pois visa a construir entidades inteligentes ou agentes racionais, entendidos
como aqueles que fazem a coisa certa a partir do que sabem, no intuito de alcançar o melhor
resultado.463
A inteligência artificial encontra seu alicerce nos algoritmos, que, conforme Fernando
de Castro Velloso, consiste na “descrição das etapas de resolução de um problema ou a
indicação ordenada de uma sequência de ações bem definidas”. 464 Tal significa, grosso modo,
que, para que a máquina execute uma determinada tarefa, recebe inicialmente uma espécie de
comando, uma instrução sequenciada a ser executada. Porém, a exemplo do que ocorre com o
cérebro humano, as máquinas são capazes de aprender (machine learning) a utilizar os dados a
elas disponibilizados (big data), melhorando os algoritmos, a ponto de, por si próprias, alcançar
resultados que não foram imaginados por seus desenvolvedores.465
Sem maior aprofundamento sobre o assunto, o que foge à temática deste trabalho, o fato
é que a IA vem sendo introduzida nas diversas áreas do conhecimento humano, o que inclui o
Direito e, mais especificamente, o processo jurisdicional, sempre ávido pelo aumento da
eficiência, conforme se abordou na seção 4.2.1 deste trabalho. Assiste-se cada vez mais ao
surgimento de startups, conhecidas como Lawtechs ou Legaltechs, empresas especializadas no
desenvolvimento de softwares que utilizam a inteligência artificial para facilitar o trabalho dos
operadores do direito de modo geral.466
Por meio desses sistemas, é possível construir peças processuais de forma automática,
realizar triagem de processos, pesquisas jurisprudenciais mais direcionadas e precisas, bem
como realizar um juízo preditivo acerca de tendências decisórias dos magistrados, aumentando,
assim, o conhecimento acerca dos riscos de se propor ou não uma demanda ou a antecipação

462
RUSSEL, Stuart J.; NORVIG, Peter. Inteligência artificial. Tradução: Regina Célia Simille de Macedo. 3.ed.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. E-book.p.7.
463
RUSSEL, Stuart J.; NORVIG, Peter. Inteligência artificial. Tradução: Regina Célia Simille de Macedo. 3.ed.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. E-book.p.24-27.
464
VELLOSO, Fernando de Castro. Informática: conceitos básicos. 7ª ed. Ver. e atualizada. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004.p. 108.
465
MEDEIROS, Nathália Roberta Fett Viana de. Uso da inteligência artificial no processo de tomada de
decisões jurisdicionais: uma análise sob a perspectiva da teoria normativa da comparticipação. 2019. 162 f.
Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2019. p. 34-35.
466
GUERRA, Gustavo Rabay. A advocacia na era pós-digital. A invasão das lawtechs e o avanço exponencial das
novas tecnologias no setor de serviços legais. Disponível em: < https://www.linkedin.com/pulse/advocacia-na-
era-p%C3%B3s-digital-invas%C3%A3o-das-lawtechs-e-o-rabay-guerra> Acesso em: 13 ago. 2019.
187

do resultado de um recurso. Cogita-se, inclusive, na possibilidade de transferência da própria


função decisória para as máquinas.467
Os tribunais brasileiros, embora não o façam de modo padronizado, já estão
desenvolvendo suas próprias ferramentas tecnológicas para melhoria de seus serviços e de sua
produtividade. A título de exemplo, no mês de agosto de 2018, o STF anunciou que já se
encontra em funcionamento o seu classificador denominado “Victor”, desenvolvido em
parceria com a Universidade de Brasília (UnB), para a realização de quatro atividades, a saber:
conversão de imagens em textos no processo digital, separação do começo e do fim de um
documento, classificação das peças processuais mais utilizadas pelo STF e identificação dos
temas de repercussão geral de maior incidência.468-469
O CNJ, de seu turno, inaugurou, em fevereiro de 2019, o Laboratório de Inovação para
o PJe (Inova PJe), ambiente virtual designado para a realização de pesquisas sobre inovações
tecnológicas com vistas à melhoria da plataforma gestora de processos eletrônicos do Poder
Judiciário (PJe).470 Esse Laboratório dispõe de um Centro de Inteligência Artificial aplicada ao
PJe, que tem por finalidade desenvolver serviços inteligentes que auxiliem no aprimoramento
da referida plataforma, reduzindo o trabalho dos operadores e conferindo agilidade ao trâmite
das ações.
Diante desse cenário, conhecido como “virada tecnológica”,471 uma vez que as novas
tecnologias e os avanços da inteligência artificial têm surgido para otimizar o trabalho dos
profissionais do Direito, em suas diversas áreas de atuação, não há como excluir o procedimento
executivo desse contexto. Não há como imaginar que as únicas formas de investigar se o
executado possui bens e ativos financeiros a serem expropriados se restrinjam, ainda hoje, à

467
NUNES, Dierle; MARQUES, Ana Luiza Pinto Coelho. Inteligência artificial e direito processual: vieses
algorítmicos e os riscos de atribuição de função decisória às máquinas. Revista de Processo. São Paulo: RT,
2018
468
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ministra Cármen Lúcia anuncia início de funcionamento do Projeto
Victor, de inteligência artificial. 30 ago. 2018. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=388443 Acesso em: 13 ago. 2019.
469
Para consulta acerca de outras ferramentas de inteligência artificial desenvolvidas por outros tribunais
brasileiros, consulte-se MEDEIROS, Nathália Roberta Fett Viana de. Uso da inteligência artificial no processo
de tomada de decisões jurisdicionais: uma análise sob a perspectiva da teoria normativa da comparticipação.
2019. 162 f. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019. p. 58-67.
470
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Laboratório de Inovação concentra soluções tecnológicas voltadas ao
PJe. 25 fev. 2019. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/laboratorio-de-inovacao-concentra-solucoes-tecnologicas-voltadas-ao-pje/ Acesso em: 13
ago. 2019.
471
NUNES, Dierle. Processo civil, vieses cognitivos e tecnologia: alguns desafios. In: LUCON, Paulo Henrique
dos Santos (Coord.); OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Coord.). Panorama atual do Novo CPC. São Paulo:
empório do direito.com: Tirant lo Blanch, 2019. p. 79-97.
188

tradicional consulta cartorária e às plataformas eletrônicas Bacen Jud, Renajud e Infojud, sobre
as quais se discorrerá detalhadamente em seguida.
Definitivamente, não é esse o caso. Existem outras possibilidades tecnológicas há muito
disponíveis para acesso de magistrados e que deixam de ser utilizadas na prática forense, seja
por falta de pedido dos advogados, seja devido ao indeferimento dos requerimentos pelos juízes,
ou por ainda desconhecerem o funcionamento das referidas ferramentas, ou porque não
dispõem de recursos humanos suficiente nos gabinetes para operá-las com a habitualidade que
se espera.
É preciso descortinar a questão, sem rodeios, para que se entenda que a causa do fracasso
da execução no Brasil muito se deve à inércia dos advogados e à negligência do próprio Poder
Judiciário no trato da investigação patrimonial e da expropriação dos bens após localizados.472
Essa realidade precisa ser mudada, pois uma vez que a opção do ordenamento jurídico brasileiro
foi por manter o procedimento executivo a cargo da função jurisdicional do Estado,473 a
Jurisdição precisa conduzi-lo com persistência e de forma eficiente.
Por essa razão, adota-se neste trabalho o entendimento de que medidas coercitivas
atípicas, no âmbito da execução de obrigações pecuniárias, constituem a última opção a ser
deferida pelo Juízo, após a demonstração inequívoca de que tanto o exequente quanto o Poder
Judiciário foram diligentes na consulta a todas as ferramentas tecnológicas disponíveis de
investigação patrimonial. Defende-se, portanto, que o critério da subsidiariedade seja levado a
sério pelos tribunais brasileiros, que deverão explicitar quais medidas deverão ser deferidas e
adotadas pelos juízes para que se considerem de fato esgotados os métodos de perseguição de
patrimônio do devedor.
A partir disso, tanto a advocacia quanto os magistrados deverão assumir o ônus de
estudar e entender o funcionamento de cada ferramenta tecnológica disponível, e, à medida em

472
Esse fato levou, inclusive, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho a editar a Resolução CSJT GP nº 138,
de 24/6/2014, por meio da qual se determinou a criação de Núcleos de Pesquisa Patrimonial no âmbito dos
Tribunais Regionais do Trabalho de todo o país. Esses núcleos são responsáveis por promover identificação de
patrimônio de devedores contumazes e, dentre outras atividades, propor convênios e parcerias entre instituições
públicas para facilitar as execuções no âmbito das varas trabalhistas. De acordo com o art. 6º, § 3º, da referida
Resolução, os núcleos devem elaborar um manual atualizado contendo registro das técnicas de uso das
ferramentas e dos sistemas de pesquisa patrimonial, que deverá ficar disponível para acesso dos magistrados e
dos servidores, exatamente para que promovam a investigação patrimonial nas execuções sob sua jurisdição,
perseguindo efetividade nesses processos. A Resolução se encontra disponível em
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/39539/2014_res0138_csjt_rep01_compilado.pdf?sequ
ence=9&isAllowed=y. Acesso em: 15 ago. 2019.
473
Sobre uma proposta de desjudicialização da execução por quantia certa no Brasil, transferindo-se os atos
executivos ao encargo do tabelião de protesto ou notário, consulte-se RIBEIRO, Flávia Pereira.
Desjudicialização da Execução Civil. 2012. 287 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2012.
189

que o uso delas for se tornando mais rotineiro no âmbito jurisdicional, certamente, novas
propostas surgirão para aprimorá-las.474 O que não se pode aceitar é que, em meio a tantas
tecnologias que facilitam o cruzamento de dados e informações, atendendo principalmente aos
interesses do Fisco, os jurisdicionados permaneçam alheios às possibilidades que elas oferecem.
A seguir, serão abordadas, de modo sucinto, algumas das mais importantes ferramentas
que estão hoje à disposição dos magistrados e que necessitam ser exploradas em todas as suas
potencialidades antes de se chegar à conclusão de que a investigação patrimonial restou
infrutífera, dando margem ao uso da coerção do devedor.475

7.1.1 Bacen Jud

Consiste em um instrumento de comunicação eletrônica entre o Poder Judiciário e


instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central. Por meio desse sistema, os magistrados
protocolizam requisição de informações, ordens de bloqueio, desbloqueio e transferência de
valores bloqueados a serem transmitidos às instituições reguladas pelo Banco Central, evitando
a expedição de ofícios em papel. O Bacen Jud permite a localização de saldos existentes em
contas de depósito à vista (contas-correntes), de investimento e de poupança, depósitos a prazo,
aplicações financeiras em rendas fixa ou variável, fundos de investimento e demais ativos sob
a administração, custódia ou registro da titularidade pela instituição participante.476

474
A tentativa de aprimoramento das ferramentas de investigação patrimonial tem sido uma constante no Brasil,
sobretudo a partir da instituição da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro
(ENCCLA), em 2003, que consiste na reunião de mais de 90 entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, dos Ministérios Públicos e de associações que atuam na prevenção e combate à corrupção e à lavagem
de dinheiro. A ENCCLA é coordenada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e os órgãos participantes
se reúnem anualmente em plenária, para traçar ações e programas a serem implementados para consecução de
suas metas. “Destacam-se, dentre os resultados alcançados pela ENCCLA: o Programa Nacional de Capacitação
e Treinamento no Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (PNLD); a Rede Nacional de Laboratórios
contra Lavagem de Dinheiro (Rede-LAB); o Sistema de Movimentação Bancária (SIMBA); a iniciativa de
padronização do layout para quebra de sigilo bancário e a posterior criação do Cadastro Único de Correntistas
do Sistema Financeiro Nacional (CCS); a proposição legislativa que resultou na promulgação de leis
importantes para o país, tais como a Lei 12.683/12, que modernizou a nossa Lei de Lavagem de Dinheiro.”
Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/lavagem-de-dinheiro/enccla/enccla-1 Acesso em: 15
ago. 2019.
475
O estudo das respectivas ferramentas tecnológicas foi feito por esta autora a partir de consulta aos manuais
disponíveis nos sites das instituições criadoras, bem como do treinamento realizado pelo Exmo. Juiz do Trabalho
do TRT da 3ª Região, Marcos Vinícius Barroso, por força do evento “Colóquios Jurídicos: Técnicas de
movimentação financeira”, realizado no âmbito do Ministério Público do Trabalho, em 25/9/2018
(COLÓQUIOS JURÍDICOS: Técnicas de Movimentação Financeira. BARROSO, Marcos Vinícius
(palestrante). Anais eletrônicos [...]. Belo Horizonte: MPT, 2018).
476
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Regulamento Bacen Jud 2.0: aprovado na reunião do Grupo Gestor
realizada em 12 de dezembro de 2018. P. 1. Disponível em:
https://www.bcb.gov.br/content/acessoinformacao/Documents/bacenjud/regulamentos/Regulamento_Bacenjud_
vigente.pdf Acesso: 16 ago. 2019.
190

Após as 19 horas de cada dia, o Banco Central consolida as ordens de todo o país, gera
arquivos de remessa e os transmite às instituições participantes até as 23 horas e 30 minutos.
Nesse mesmo dia, as instituições recebem os arquivos com as ordens judiciais para
cumprimento no dia útil seguinte, até as 23 horas e 59 minutos. Os arquivos de resposta são
validados pelo Banco Central e transmitidos ao juízo emissor até as 8 horas da manhã do dia
útil bancário seguinte. Em relação às ordens de transferência dos valores por ventura
encontrados, não há prazo regulamentar para cumprimento.477
A consulta é feita pelos magistrados ou seus assessores/servidores por ele autorizados,
por meio de uma senha de acesso fornecida pelo Banco Central. O objetivo é verificar se há
ativos financeiros disponíveis pelo devedor nas instituições financeiras participantes. Consulta-
se a pessoa investigada pelo CPF ou CNPJ nos seus formatos padronizados (11 dígitos para o
CPF e 14 dígitos para o CNPJ). Também podem ser digitados apenas os 8 primeiros dígitos do
CNPJ, para que o sistema localize também as filiais da empresa matriz.
Na tela referente às “informações que deseja requisitar”, o magistrado ou servidor
deverá preencher os campos correspondentes ao objetivo da pesquisa que se deseja realizar, a
saber: saldo, endereço, relação de agências e contas, extratos e pesquisas de relacionamentos já
encerrados.478 O sistema permite que se especifique um valor limite para a pesquisa de saldos,
o tipo de relacionamento para os extratos (de contas correntes, contas de investimento; de contas
poupança, de investimentos e de outros ativos) e, ainda, o período a ser abrangido pela consulta
nos ícones de calendário.
É muito importante que o magistrado ou assessor/servidor autorizado preencha os
campos corretamente, para que o sistema de fato reporte as informações úteis à efetividade da
execução. Mencione-se, por exemplo, a importância de se marcar a opção “extrato de
investimentos e outros ativos” para que as instituições autorizadas a operar pela Comissão de
Valores Mobiliários (CVM) também respondam à ordem. Trata-se de instituições autorizadas
a operar no mercado de capitais, tais como as chamadas agências de custódia ou “depositário
central”, nos termos do art. 23 da Lei 12.810/2013. Essas instituições passaram a ter a

477
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Bacen Jud 2.0: Manual básico. Disponível em:
https://www.bcb.gov.br/content/acessoinformacao/Documents/bacenjud/manualbasico.pdf Acesso em: 16 ago.
2019.
478
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Bacen Jud 2.0: manual básico. p. 11. Disponível em
https://www.bcb.gov.br/content/acessoinformacao/Documents/bacenjud/manualbasico.pdf. Acesso em: 16 ago.
2019.
191

obrigatoriedade de participação no Bacen Jud a partir de 22 de janeiro de 2018, conforme o


Comunicado do Banco Central nº 31.506, de 21/12/2017.479
Ocorre que, até o momento, o envio dos extratos ao Juízo solicitante pelas instituições
fiscalizadas pela CVM ainda é feito por meio de ofício em papel, pelos Correios, e não pela
plataforma do Bacen Jud. Logo, se o Bacen Jud acusar relacionamento do devedor com alguma
instituição financeira ou de custódia, ainda que o valor reportado como existente em conta seja
ínfimo (R$0,01, por exemplo), o Juízo não deverá providenciar o imediato desbloqueio, pois
não se sabe quais os ativos financeiros são negociados pelo devedor por intermédio dessas
instituições. É preciso lembrar que o dinheiro de um investidor, geralmente, não permanece
depositado por muito tempo na instituição de custódia. Ele apenas passa por lá, por meio de
uma transferência eletrônica disponível (TED) oriunda de uma instituição financeira onde o
investidor mantém conta corrente, para que, após, seja destinado à compra de algum
investimento (tesouro direto, títulos de renda fixa, fundos multimercados, ações, etc), por
intermédio da agência de custódia. O ideal, portanto, é que o magistrado ou o servidor
autorizado aguarde a chegada do ofício ou, preferencialmente, entre em contato com a
instituição custodiante, por meio do item do menu “contatos de I. Financeira”, onde ficam
registrados os nomes e telefones dos representantes do Bacen Jud 2.0 nas instituições
participantes.480
Caso os ativos financeiros mantidos pelo executado tenham liquidez imediata, deve o
Juízo determinar a ordem de resgate à instituição de custódia que realiza a escrituração do
investimento. Caso se trate de valores mobiliários que não têm liquidez, como cotas de fundos
de investimentos fechados sem negociação em bolsa de valores, deve o magistrado realizar um
leilão judicial, com fulcro nos arts. 881 e seguintes do CPC. A própria CVM apresenta uma
sugestão de como o magistrado poderá proceder nesse caso, senão vejamos:

Da possibilidade de leilão de cotas de fundos ilíquidos

Alguns valores mobiliários não têm liquidez, ou seja, não contam com mecanismo
que permita transformá-los em dinheiro facilmente. É o caso, por exemplo, das cotas
de fundos de investimento fechados sem negociação em bolsa de valores.

Nesses casos, uma possibilidade para a monetização dos ativos é o leilão público,
conforme previsto no Código de Processo Civil. Esse leilão pode, caso o magistrado

479
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Comunicado nº 31.506, de 21 de dezembro de 2017: comunica às
instituições participantes alteração no sistema Bacen Jud 2.0. Disponível em:
https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Comunicado&numero=31506 Acesso em:
16 ago. 2019.
480
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Bacen Jud 2.0: manual básico. P. 20. Disponível em
https://www.bcb.gov.br/content/acessoinformacao/Documents/bacenjud/manualbasico.pdf. Acesso em: 16 ago.
2019.
192

encarregado da execução entenda conveniente, ser feito no ambiente da Bolsa de


Valores. Para tal, os procedimentos a seguir são:

1. O juízo deve selecionar uma instituição financeira participante da B3 à qual


determinará a realização do leilão. A escolha pode recair sobre a instituição que
bloqueou os bens ou pode ser selecionada uma da lista de participantes da B3,
disponível no site da Bolsa no link.[

2. A instituição selecionada deverá formalizar o pedido para operacionalização do


leilão, encaminhando à B3 uma carta de solicitação. Na carta de solicitação devem
estar dispostas as informações referentes ao ativo que será leiloado, bem como
quaisquer outros quesitos operacionais e obrigações referentes ao leilão. Em caso de
dúvida quanto a confecção da carta de solicitação a instituição selecionada pode entrar
em contato com o time da B3 para esclarecimentos.

3. A carta de solicitação recepcionada é enviada ao departamento jurídico da B3 para


análise. Na sequência, o leilão é agendado e divulgado pela B3 através de Ofício
Circular.

4. As informações do leilão também são informadas à CVM, que também


disponibiliza as informações da ocorrência do leilão às instituições financeiras.

5. O leilão acontece na data divulgada seguindo os procedimentos acordados. 481

É certo que o advogado mais diligente, quando formula o seu pedido para que seja
realizada ordem de bloqueio de ativos pelo Bacen Jud, deverá se preocupar em requerer ao
Juízo para que não efetue o desbloqueio de valores ínfimos encontrados antes de se averiguar
o que há por trás do relacionamento do devedor com a instituição indicada na resposta
reportada.
Também não se deve proceder ao imediato desbloqueio quando se verifica que os
valores eventualmente bloqueados se refiram a depósitos em caderneta(s) de poupança. Nos
termos do art. 854, § 3º, inciso I, do CPC, é ônus do executado comprovar que os valores
bloqueados são impenhoráveis. Por isso, pode o exequente pedir ao Juízo, por exemplo, que
determine ao executado que apresente extratos dos últimos 3 meses de suas contas-poupança.
Caso se comprove que toda a movimentação financeira do executado é feita pelas contas-
poupança, não há que se falar em impenhorabilidade nos termos do art. 833, X, do CPC, pois a
conta terá perdido a sua característica de poupança. O advogado experiente deve demonstrar
isso ao Juízo, de forma inequívoca, requerendo então a manutenção da penhora realizada.
Além disso, o Juízo deve se atentar para as “não respostas” das instituições financeiras
ao Sistema Bacen Jud, por meio da consulta ao item de menu “Não Respostas” do Bacen Jud,482

481
COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Orientações Sistema Bacen Jud. Disponível em
http://www.cvm.gov.br/menu/investidor/Orientacoes_Sistema_Bacen_Jud/Orientacoes_Bacen_Jud.html Aceso
em: 16 ago. 2019.
482
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Bacen Jud 2.0: manual básico. P. 19. Disponível em
https://www.bcb.gov.br/content/acessoinformacao/Documents/bacenjud/manualbasico.pdf. Acesso em: 16 ago.
2019.
193

para que possa reiterar a ordem, com ameaça de incidência de multa, se for o caso, às
instituições que não responderam à consulta ou não realizaram a transferência dos ativos. Em
geral, as cooperativas de crédito ainda se mostram mais arredias ao Bacen Jud, situação que já
ocorria quando não integravam o sistema e se recusavam a responder os ofícios encaminhados
em papel.483
É possível, todavia, que, mesmo diante desses cuidados a serem tomados pelo exequente
e pelo Juízo no manejo da ferramenta Bacen Jud, as ordens de bloqueio de ativos resultem
ineficazes. Isso ocorre porque a pesquisa de ativos é mantida pela instituição financeira
participante apenas ao longo do dia útil seguinte ao do recebimento da ordem, até o horário
limite para emissão de uma TED. Ao longo desse dia, portanto, a(s) conta(s) do executado
permanece(m) bloqueada(s) para movimentações com o saldo disponível (bloqueio intra day),
permitida, no entanto, a amortização de saldo de cheque especial, crédito rotativo, conta
garantida, dentre outras que impliquem limite de crédito. Passado esse dia útil sem que nada
tenha sido bloqueado ou, tendo havido apenas um bloqueio parcial da quantia disponível
devida, a movimentação da conta pelo executado pode ser feita normalmente, nada mais será
bloqueado, a não ser que o magistrado emita uma nova ordem, por meio de uma nova requisição
pelo Bacen Jud.484
É notório que essa sistemática é muito falha, pois deixa o exequente refém da sorte de
que, naquele único dia útil seguinte ao da emissão da ordem judicial pelo Bacen Jud, haja ativos
financeiros disponíveis nas contas do executado para o bloqueio. A probabilidade de êxito é,
sem dúvida, muito reduzida e torna inócuos os benefícios alcançados pela ferramenta. O ideal
é que as contas do executado permaneçam bloqueadas enquanto pender a execução, ou, ao
menos, por um período mínimo de 30 dias a contar da expedição da ordem, a fim de aumentar
a probabilidade de êxito na constrição financeira.

483
SICOOB. Juiz conseguirá bloquear recursos em cooperativas. Notícia disponível em:
http://www.sicoobcrediembrapa.com.br/index.php/21-conteudo/noticias-sicoob/374-juiz-conseguir-bloquear-
recursos-em-cooperativas. Acesso em: 16 ago. 2019.
484
Art. 13, § 4º: Cumprida a ordem judicial na forma do § 2º e não atingida a integralidade da penhora nela
pretendida, sendo assim necessária complementação (cumprimento parcial), a instituição financeira participante
deverá manter pesquisa de ativos do devedor durante todo o dia, até o horário limite para emissão de uma
Transferência Eletrônica Disponível – TED do dia útil seguinte à ordem judicial ou até a satisfação integral do
bloqueio, o que ocorrer primeiro. Neste período, permanecerão vedadas operações a débito (bloqueio intra day),
porém permitidas amortizações de saldo devedor de quaisquer limites de crédito (cheque especial, crédito
rotativo, conta garantida, etc). (BANCO CENTRAL DO BRASIL. Regulamento Bacen Jud 2.0: aprovado na
reunião do Grupo Gestor realizada em 12 de dezembro de 2018. p. 6. Disponível em:
https://www.bcb.gov.br/content/acessoinformacao/Documents/bacenjud/regulamentos/Regulamento_Bacenjud_
vigente.pdf Acesso: 16 ago. 2019.
194

Até que sobrevenha alteração da sistemática do Bacen Jud nesse aspecto, o ideal é que
o magistrado, a pedido do exequente, repita a pesquisa no sistema em diversas oportunidades
ao longo do mês. Mais adequado ainda é que o juiz oficie cada uma das instituições financeiras
com quem o executado possua relacionamento e determine o bloqueio das contas encontradas
até o término da execução ou, ao menos, por um prazo de 30 dias corridos, 485 com remessa de
extratos mensais das referidas contas ao juízo, sob pena de multa por descumprimento. A
ordem, nesse caso, não irá infringir a Recomendação nº 51 do CNJ, de 23/3/2015,486 porque,
segundo esta, a expedição de ofícios em papel deve ser evitada quando destinada ao Banco
Central, ao Departamento Nacional de Trânsito e à Receita Federal apenas, o que não inclui as
instituições participantes do Bacen Jud.
Outro ponto a merecer destaque diz respeito ao art. 36 da nova Lei nº 13.869, de 5 de
setembro de 2019, que dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade.487 O referido dispositivo
tipifica como crime de abuso de autoridade a conduta consistente em “Decretar, em processo
judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o
valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da
excessividade da media, deixar de corrigi-la”. Antes mesmo da entrada em vigor da nova
legislação, a comunidade jurídica já vem manifestando receio de que o novo tipo penal em
comento possa inibir os magistrados de conferir efetividade ao Bacen Jud, ante a possibilidade
de bloqueio de quantia excessiva por parte do sistema, hipótese que foge ao controle do órgão
jurisdicional.488 O desassossego, todavia, não se justifica.
Com efeito, o sistema Bacen Jud, embora permita ao magistrado preencher um campo
próprio informando o limite do valor a ser pesquisado, não possibilita ao órgão jurisdicional ter
controle acerca do resultado, haja vista que a ordem é emitida a todas as instituições financeiras
participantes, podendo, pois, haver bloqueio do referido limite preenchido em diversas contas,
superando, assim, o valor exequendo. Ocorre que a parte final do art. 36 da Lei em referência é
clara ao estabelecer que o crime de abuso de autoridade somente restará configurado caso tenha
sido demonstrado pela parte que a indisponibilidade foi excessiva e, ainda assim, o magistrado

485
Essa sugestão também pode ser encontrada em BRUSCHI, Gilberto Gomes. Recuperação de crédito. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 335.
486
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação nº 51, de 23/3/2015. Recomenda a utilização dos
Sistemas Bacen Jud, Renajud e Infojud e dá outras providências. Disponível em
http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2723 Acesso: 18 ago. 2019.
487
Publicada no DOU em 5.9.2019, devendo entrar em vigor 120 (cento e vinte) dias após a publicação oficial.
Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1791091&filename=Tramitacao-
PL+7596/2017 Acesso em: 15 out. 2019.
488
DUQUE, Felipe; DUQUE, João. Inefetividade do Bacen Jud vs art. 36 da Lei de Abuso de Autoridade: ameaça
à ferramenta que bloqueou R$40,5 bilhões no primeiro semestre de 2018. Revista Jota, 10 out. 2019.
195

não tenha realizado a correção da medida. O artigo 36 da Lei de Abuso de Autoridade deve,
pois, ser lido conjuntamente com art. 854, § 3º, do CPC que, repita-se, estabelece como ônus
do executado comprovar, no prazo de 5 (cinco) dias, que as quantias tornadas indisponíveis são
impenhoráveis ou excessivas.
Ademais, há que se atentar também para o que dispõe o art. 1º, § 1º, situado no Capítulo
1 da Lei de Abuso de Autoridade, que trata das disposições gerais dessa legislação. De acordo
com o dispositivo, as condutas descritas na referida lei somente irão configurar crime quanto
“praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si
mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”. Ora, diante de tais
condições, não há que se temer a imputação de crime quando o magistrado ou servidor, ao
realizarem a ordem ao Bacen Jud, agem no estrito cumprimento do dever legal, em obediência
estrita ao CPC.
Conforme se pode perceber, o Bacen Jud, embora possa ter trazido alguma contribuição
para a celeridade de procedimentos nas execuções, ainda possui entraves que dificultam a
efetividade da localização e constrição de ativos financeiros dos executados. Para que alcance
a sua máxima eficiência, o manejo da ferramenta requer atenção e proatividade dos magistrados
e/ou de seus servidores autorizados a utilizá-lo, tanto no preenchimento dos campos que levarão
ao melhor resultado da pesquisa, quanto na comunicação com as instituições financeiras
participantes, com vistas à tomada de medidas que de fato assegurem o êxito das buscas.
Os advogados, de seu turno, devem estar atentos a todos os passos e requerer a adoção
de medidas pontuais pelo juízo, evitando-se que se considerem esgotadas as tentativas de busca
patrimonial quando chega uma primeira resposta negativa do Bacen Jud, cuja pesquisa se
limitou a um único dia útil da vida financeira do devedor.

7.1.2. Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional - CCS

O Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS) foi constituído pela


Circular nº 3.347/2007, do Banco Central do Brasil.489 Trata-se de um sistema que registra a
relação de instituições financeiras e demais entidades autorizadas pelo Banco Central com as

489
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Circular nº 3.347, de 11 de abril de 2007. Dispõe sobre a constituição, no
Banco Central do Brasil, do Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS). Diário Oficial da
União: Brasília, 11 abr. 2007. Disponível em
https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadNormativo.asp?arquivo=/Lists/Normativos/Attachments
/48110/Circ_3347_v4_P.pdf Acesso em: 18 ago. 2019.
196

quais o cliente possui algum relacionamento. O sistema informa a data do início e de fim, se
for o caso, do relacionamento do cliente com a instituição participante, o tipo de vínculo
existente e identifica quem são os titulares ou representantes legais ou convencionais que se
vinculam àquele relacionamento.490
Devem preencher as informações no CCS os bancos múltiplos, os bancos de
investimento e as caixas econômicas. Instituições reguladas pela Superintendência de Seguros
Privados (SUSEP) não são obrigadas a prestar informações no CCS. É o CCS, portanto, que
fornece a base de dados do Bacen Jud, embora não contenha dados sobre valor, movimentação
financeira ou saldos de contas e aplicações.
A consulta é feita pelo magistrado ou servidor por ele autorizado, por meio da mesma
senha ou certificado digital utilizado para a consulta ao Bacen Jud. Preenche-se o CPF ou CNPJ
da pessoa pesquisada, número do processo e motivo da consulta.
É importante que o advogado diligente requeira ao juiz que a consulta ao CCS seja feita
na modalidade “detalhamento”, para que o sistema possa reportar tanto as instituições com as
quais o executado possua vínculo financeiro quanto informações acerca de quem são os
procuradores ou responsáveis pelos respectivos vínculos além do executado.
A depender do resultado, é possível constatar a existência de outras pessoas físicas ou
jurídicas que figuram como representantes ou procuradores das contas reportadas pelo sistema,
o que pode significar, por exemplo, que há sócios ocultos de determinada empresa que se
executa, cujos nomes não figuram no contrato social registrado na Junta Comercial respectiva,
podendo trazer indícios para um possível pedido de desconsideração da personalidade jurídica.
Por meio do CCS também é possível saber, por exemplo, quantas contas-poupança o
executado tem, bem como se a pessoa pesquisada possui relacionamentos com instituições
reguladas pela CVM, como agências de custódia, o que poderá indicar se se trata de um perfil
investidor, cujas aplicações devem ser perseguidas pelo exequente.
Ressalte-se, nesse ponto, a importância de os magistrados estarem atentos ao campo
“Dados do Bem/Direito/Valor (B/D/V)”, quando o resultado do CCS reportar a resposta
“outros”. É exatamente essa resposta que irá indicar que o executado possui relacionamentos
outros que não se resumem a instituições financeiras fiscalizadas pelo Banco Central. Deve-se
investigar quais são esses “outros” relacionamentos, pois, através deles, serão descobertos os

490
BANCO CENTRAL DO BRASIL. CCS – Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional: manual
do usuário. p. 1-2. Disponível em:
https://www.bcb.gov.br/content/acessoinformacao/Documents/ccs/ccs_manual.pdf Acesso: 18 ago. 2019.
197

ativos financeiros que não aparecem no Bacen Jud, tais como operações com cartões de crédito,
contas garantidas, financiamentos especiais, créditos de produtor rural, investimentos em renda
fixa e renda variável, dentre outros.
O CCS consiste, portanto, numa importante ferramenta de auxílio na pesquisa
patrimonial e que deve fazer parte da rotina dos juízos das execuções. Tanto no caso do CCS
quanto do Bacen Jud, a quebra do sigilo bancário, que não constitui direito absoluto, resta
autorizada expressamente pelo § 4º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de
2001.491

7.1.3 Infojud, Dossiê Integrado da Receita Federal e SPED

O Infojud – Sistema de Informações ao Judiciário - consiste no instrumento de


comunicação eletrônica entre o Poder Judiciário e a Receita Federal. Por meio dessa plataforma,
é possível que a Receita Federal atenda às solicitações do Poder Judiciário que antes eram feitas
por meio de ofícios em papel. O acesso eletrônico é feito pelos magistrados e servidores por
eles autorizados, no sítio da Receita Federal, por meio de Certificado Digital.492
Através do Infojud, o Poder Judiciário pode obter informações constantes de diversos
bancos de dados contendo informações sobre contribuintes, seja por meio de declarações
espontâneas ou por informações prestadas por pessoas obrigadas. É possível acessar dados
cadastrais de pessoas físicas e jurídicas, declarações de imposto de renda dessas pessoas,
informações sobre Imposto Territorial Rural (ITR), declaração de operações imobiliárias
(DOI), dentre outros.
Atualmente, não se exige que o exequente esgote as tentativas extrajudiciais de
localização de bens do devedor para que requeira ao Juízo a realização de consulta ao sistema
Infojud,493 exatamente porque esse sistema, juntamente com o Bacenjud e o Renajud, foi

491
BRASIL. Lei complementar n. 105, de 10 de janeiro de 2001. Dispõe sobre o sigilo das operações de
instituições financeiras e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp105.htm. Aceso em: 02 set. 2019.
492
RECEITA FEDERAL. Infojud: manual básico. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/images/programas/infojud/infojud_manual.pdf Acesso em: 18 ago. 2019.
493
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (2. Turma). Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº
1398071/RJ. Processual Civil. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial. Submissão à regra prevista no
enunciado administrativo 3/STJ. Administrativo. Execução Fiscal. Infojud. Desnecessidade de esgotamento das
buscas por bens do devedor. Agravante: Romar Acessórios de Modas Ltda. Agravado: Instituto Nacional de
Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Relator: Min. Mauro Campbell Marques. 12 de março de 2019. Brasília:
STJ. Disponível em:
198

colocado à disposição da parte exequente para agilizar a satisfação de seus créditos. No caso, o
sigilo fiscal não irá se aplicar ao Poder Judiciário, por força do que dispõe o art. 198, § 1º, inciso
I, do Código Tributário Nacional (CTN),494 incluído pela Lei Complementar 104, de 2001.
Embora possa haver omissão de bens e valores na Declaração de Imposto de Renda por
parte de pessoas físicas e jurídicas, o Infojud deve ser encarado como importante ferramenta de
pesquisa patrimonial, pois as tecnologias da Receita Federal para cruzamento de informações
estão cada vez mais apuradas. É de conhecimento geral o fato de que a Receita Federal, através
de seus sistemas informatizados, realiza o contraste das informações prestadas pelas pessoas
físicas e jurídicas e por diversas entidades, tais como Declaração de Operações Imobiliárias
(DOI) emitidas pelos cartórios de notas, Declarações do Imposto de Renda Retido na Fonte
(DIRF), Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias (DIMOB), Declaração de
Serviços Médicos (DMED), Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira
(DIMOF) e Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
O acesso à Declaração de Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) permite,
por exemplo, verificar se o executado possui cônjuge ou companheiro e, a depender do regime
de bens do casamento ou da união estável, mostra-se necessário investigar também a declaração
do cônjuge ou companheiro, pois pode haver bens adquiridos após a união que, mesmo
registrados em nome de um dos dois apenas, pertencem a ambos e podem ser objeto de penhora
e expropriação nas condições do art. 843 do CPC.495 É possível verificar também se o executado
recebeu lucros e dividendos de alguma empresa e pedir a venda de suas cotas societárias, através
de leilão judicial.
A Declaração de Rendimentos da Pessoa Jurídica (DIPJ), de seu turno, encontra-se na
base de dados do Infojud tão-somente até o ano calendário de 2013. A partir do ano calendário

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201802989004&dt_publicacao=15/03/2019
Acesso em: 18 ago. 2019.
494 Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública
ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do
sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:
I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;
II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada
a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de
investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.
495
Art. 843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do coproprietário ou do
cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem.
§ 1º É reservada ao coproprietário ou ao cônjuge não executado a preferência na arrematação o bem em igualdade
de condições.
§2º Não será levada a efeito expropriação por preço inferior ao da avaliação na qual o valor auferido seja incapaz
de garantir, ao coproprietário ou ao cônjuge alheio à execução, o correspondente à sua quota-parte calculado
sobre o valor da avaliação.
199

de 2014, a Escrituração Contábil Fiscal – ECT – das pessoas jurídicas passou a constar de
sistema próprio desenvolvido pela Receita Federal denominado Sistema Público de
Escrituração Digital (SPED).496 Logo, caso o executado seja pessoa jurídica, cabe ao exequente
requerer ao magistrado que oficie a receita solicitando a apresentação da ECT da empresa
referente ao ano calendário que se desejar, após 2014.
Se as informações constantes do Infojud, todavia, não forem suficientes para localização
de bens penhoráveis e ativos financeiros de propriedade do executado, ainda assim, o credor
não deve desanimar. O cruzamento das informações fiscais de determinado contribuinte pela
Receita Federal, através de suas inúmeras bases de dados, pode ser compilado em um
documento denominado de Dossiê Integrado, que contém informações sobre movimentações
fiscais do contribuinte, que não constam do Infojud.
É necessário, portanto, que o exequente peticione ao juiz da execução requerendo o
afastamento do sigilo fiscal do executado, com fundamento no art. 198, § 1º, do CTN, para que
o juiz, então, oficie a Receita Federal pedindo a disponibilização do Dossiê Integrado completo
do executado. Oportuno registrar que, como a informação não é acessível pelo Infojud, não há
que se falar em desrespeito à Recomendação nº 51 do CNJ, de 23/3/2015.497
Através do Dossiê Integrado, é possível ter acesso à DIMOF, cujas informações são
repassadas à Receita Federal, pelas próprias instituições financeiras com as quais o executado
tiver vínculo. Esse dado possibilita um dimensionamento sobre toda a movimentação financeira
anual do executado. Através da DIMOF é possível identificar, sobretudo, em qual instituição
financeira ocorre o maior volume de movimentações da pessoa física ou jurídica executada,
direcionando, inclusive, o pedido de bloqueio da conta via Bacen Jud.
Além disso, o Dossiê Integrado permite o acesso à Declaração de Operações com
Cartões de Crédito (DECRED) feitas pelo executado. Essa é, a nosso ver, uma das principais
utilidades do referido dossiê. Basta pensar que a maioria das empresas, hoje, recebe pagamentos
a crédito e que as administradoras de cartão são obrigadas a gerar a Decred, que é repassada à
Receita Federal. O magistrado pode, portanto, ter acesso à Decred da pessoa executada, o que
permite verificar a média mensal de seus recebíveis a crédito.
De posse dessa informação, o exequente poderá requerer ao juízo que determine a
expedição de ofício à administradora do cartão, para que retenha e deposite em juízo o valor da

496
Informação disponível em: http://sped.rfb.gov.br/pagina/show/1285 Acesso em; 21 ago. 2019.
497
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação nº 51, de 23/3/2015. Recomenda a utilização dos
Sistemas Bacen Jud, Renajud e Infojud e dá outras providências. Disponível em
http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2723 Acesso: 18 ago. 2019.
200

próxima fatura a ser repassada ao lojista, se for o caso.498 Caso a resposta da administradora do
cartão seja negativa ou informe a inexistência de fatura, o juiz poderá, ainda, determinar que a
administradora do cartão apresente um extrato da movimentação do estabelecimento vinculado
referente aos últimos seis meses anteriores à data da ordem judicial, sob pena de multa
cominatória.
Gilberto Gomes Bruschi informa que a jurisprudência diverge se a penhora dos
recebíveis de cartão de crédito ou débito consiste em penhora de dinheiro, de crédito ou de
faturamento sem necessidade de nomeação de administrador.499 Segundo o autor, em que pese
tal divergência, o importante é que a constrição judicial sobre esses recebíveis é possível e não
deve ser feita sobre a sua integralidade, sob pena de inviabilizar a própria atividade empresarial,
o que infringiria o princípio da menor onerosidade da execução.500 Sendo assim, é viável que o
magistrado defira a penhora de parcela dos recebíveis a crédito, mês a mês.
Conforme alertado por Marcus Vinícius Motter Borges, há casos em que, para burlar as
tentativas de penhora, as empresas constituem pessoas jurídicas distintas para receber seus
ativos, o que, caso constatado, merece atenção pelo exequente, para que pleiteie ao juízo a
configuração de grupo econômico entre as empresas, incluindo todas elas no polo passivo da
execução.501
É digno de nota também a possibilidade de que os recebimentos do executado ocorram
por meio das denominadas intermediadoras de pagamento, tais como PayPal, Pag Seguro,
Mercado Pago, Bcash, Moip, PayU, PayBras e Gerencia Net, para citar as oito mais
conhecidas.502 De acordo com os termos do Convênio ICMS 134/2016 do Conselho Nacional
de Política Fazendária (CONFAZ)503, essas empresas são obrigadas a fornecer informações ao
Fisco, referentes às transações com cartões de débito e crédito realizadas por pessoas jurídicas

498
A possibilidade de penhora de recebíveis de cartão de crédito ou débito também é defendida em BRUSCHI,
Gilberto Gomes. Recuperação de crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 346-348.
499
BRUSCHI, Gilberto Gomes. Recuperação de crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 346-348.
500
BRUSCHI, Gilberto Gomes. Recuperação de crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 348.
501
BORGES, Marcus Vinícius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para
a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2019.p.248.
502
8 intermediadores de pagamentos mais utilizados no e-commerce. WebiFácil,16 nov. 2015. Disponível em
https://webifacil.com.br/8-intermediadores-de-pagamentos-mais-utilizados-no-e-commerce/ Acesso em: 20 ago.
2019.
503
MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Confaz: Convênio ICMS 134, de 9 de dezembro de 2016. Dispõe sobre o
fornecimento de informações prestadas por instituições financeiras e de pagamento, integrantes ou não do
Sistema de Pagamentos Brasileiro - SPB, relativas às transações com cartões de débito, crédito, de loja (private
label) e demais instrumentos de pagamento eletrônicos, realizadas por pessoas jurídicas inscritas no Cadastro
Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ ou pessoas físicas inscritas no Cadastro de Pessoa Física - CPF, ainda que
não inscritas no cadastro de contribuintes do ICMS. Disponível em:
https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/2016/CV134_16. Acesso em: 20 ago. 2019.
201

ou físicas que utilizam seus serviços. Isso significa que estão também obrigadas a gerar a
Decred. De todo modo, caso isso não se verifique, não se descarta a possibilidade de o
magistrado oficiá-las, a pedido do exequente, para que prestem informações sobre o CPF ou
CNPJ do executado, no prazo a ser estabelecido pelo juízo da execução.
Outra possibilidade a ser vislumbrada através do Dossiê Integrado é a DIMOB referente
à pessoa executada. O dossiê acusará se houver recebimento de aluguéis pelo executado, cujo
contrato seja intermediado por alguma corretora imobiliária e desde que esta tenha feito a
devida declaração à Receita Federal. Pode ocorrer, por exemplo, de determinado imóvel se
encontrar registrado em nome de terceiro, embora os aluguéis sejam recebidos pelo executado,
o que constitui indícios de que o executado é o verdadeiro proprietário. A DIMOB informa
também se há construção/incorporação registrada em nome do executado.
O Dossiê integrado reporta também informações constantes do Sistema Integrado de
Comércio Exterior (SISCOMEX), que integra as atividades de registro, acompanhamento e
controle das operações de comércio exterior.504 O Sistema foi instituído pelo Decreto nº 660,
de 25 de setembro de 1992505 e comporta todo o processo administrativo referente ao trâmite
das exportações e das importações realizadas no País. Por meio da plataforma eletrônica
SISCOMEX, a Receita Federal toma conhecimento de quando uma determinada carga chegará
no Brasil ou sairá do País. Para fins de execução, essa informação poderá ser bastante relevante,
haja vista a possibilidade de previsão da data e local de penhora da carga exportada ou
importada pelo executado, para que possa ser oportunamente expropriada por leilão judicial.
Outras informações não constantes do Dossiê Integrado emitido pela Receita Federal
podem ser buscadas na base de dados da SPED, a exemplo, como já dito, da escrituração
contábil das empresas. Para tanto, basta que o exequente requeira ao magistrado que oficie a
Secretaria da Receita Federal solicitando as informações referentes ao módulo de escrituração
que se deseja acessar referente ao CNPJ fornecido (ECF, e-Financeira, NFS-e, etc).
Tome-se como exemplo a existência de uma execução contra uma determinada empresa
prestadora de serviços. A partir da resposta a um pedido do magistrado para que a Receita
Federal apresente a Nota Fiscal de Serviço Eletrônico (NFS-e) daquele CNPJ referente ao ano
de 2019, é possível saber quem são os tomadores de serviços daquela empresa, para que se
possa oficiá-los, determinando a retenção de créditos a serem a ela repassados.

504
Informações disponíveis em: http://portal.siscomex.gov.br/conheca-o-portal/O_Portal_Siscomex Acesso em:
21 ago. 2019.
505
BRASIL. Decreto nº 660, de 25 de setembro de 1992. Institui o Sistema Integrado de Comércio Exterior –
SISCOMEX. Brasília, DF: Presidência da República, 1992. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0660.htm Acesso em: 02 set. 2019.
202

A SPED armazena, ainda, a e-Financeira das pessoas jurídicas obrigadas a adotá-la, nos
termos do art. 4º da Instrução Normativa RFB nº 1571/2015.506 Trata-se de um conjunto de
arquivos digitais referentes a cadastro, abertura, fechamento e auxiliares pelo módulo de
operações financeiras. São obrigadas a adotá-la: pessoas jurídicas autorizadas a comercializar
planos e benefícios de previdência complementar; a instituir e administrar Fundos de
Aposentadoria Programada Individual (Fapi); que tenham como atividade principal ou
acessória a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de
terceiros, incluídas operações de consórcio, em moeda nacional ou estrangeira, ou custódia de
valor de propriedade de terceiros; e sociedades seguradoras autorizadas a estruturar e
comercializar planos de seguros de pessoas.
Aquelas instituições que não prestam informações ao CCS e, por isso, não figuram nos
resultados do Bacen Jud, são obrigadas a adotar a e-financeira. É essa ferramenta, portanto, que
vai possibilitar ao Poder Judiciário e ao exequente saber se o executado contratou algum
consórcio, seguro, plano de previdência complementar ou se mantém cofre em alguma
instituição.
Não se pretende, aqui, abordar cada módulo de consulta disponível na plataforma SPED
da Receita Federal. Intentou-se tão-somente demonstrar que, além das informações constantes
do Infojud, a consulta a outras bases de dados da Receita pode ser feita por intermédio do juiz,
no âmbito do seu dever cooperativo de auxílio, após deferir a quebra do sigilo fiscal, mostrando-
se de grande valia para que o jurisdicionado consiga de fato a recuperação de seu crédito.

7.1.4 Renajud

O Renajud é uma ferramenta eletrônica criada pelo CNJ em 2008, para promover a
restrição judicial de veículos automotores, na base de dados do sistema RENAVAM. Interliga,
portanto, o Poder Judiciário ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran),507 tendo
suprimido a necessidade de encaminhamento de ofícios em papel como forma de comunicação
entre essas instituições.

506
RECEITA FEDERAL. Instrução Normativa RFB n. 1571, de 02 de julho de 2015. Dispõe sobre a
obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações financeiras de interesse da Secretaria da
Receita Federal do Brasil (RFB). Diário Oficial da União, de 03. Jul. 2015, seção 1, p. 32. Disponível em:
http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=65746 Acesso em: 22 ago.
2019.
507
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. RENAJUD: restrições judiciais sobre veículos automotores. Manual
versão 2.0. p. 7. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/images/programas/renajud/Manual.pdf Acesso em: 21 ago. 2019.
203

O acesso ao sistema é permitido aos magistrados e servidores por eles autorizados,


através de certificado digital. Podem ser lançados sobre os veículos encontrados os seguintes
tipos de restrições: a) transferência: impede o registro da mudança da propriedade do veículo;
b) licenciamento: impede o registro de mudança de propriedade e emissão de um novo
licenciamento do veículo; c) circulação: impede o registro de mudança de propriedade do
veículo, um novo licenciamento, a circulação e autoriza o recolhimento do bem em depósito;
e d) registro e penhora: permite o registro da penhora no sistema RENAVAM, contendo seus
principais dados, a saber: valor da avaliação, data da penhora, valor da execução e data da
atualização do valor da execução.508
Em que pese a utilidade da ferramenta, a prática forense ainda esbarra em alguns
percalços na realização da penhora de veículos. Não raro, o registro de penhora é lançado no
sistema, mas o bem permanece na posse do executado, ou pela dificuldade de sua localização
para apreensão ou pela própria dificuldade de mantê-lo em depósito judicial até a data do leilão.
Existe, portanto, uma inconsistência entre a plataforma eletrônica e a legislação processual,
pois, de acordo com o art. 839 do CPC de 2015,509 a penhora somente se realiza mediante a
apreensão e o depósito dos bens. Esse era também o teor do art. 664 do CPC de 1973.
Faz-se necessário que a norma seja inteiramente observada pelo juízo da execução, que
deve determinar ao executado que apresente o veículo para apreensão, sob pena de multa. Isso
porque, conforme a redação do art. 840, § 2º, do CPC o bem somente deverá ficar em poder do
executado quando for de difícil remoção ou quando houver anuência do exequente. O art. 840,
§ 1º, de seu turno, informa que, caso não haja depositário judicial, os bens ficarão em poder do
exequente.
Diante de tais considerações, de nada adiantará se o magistrado apenas se limitar a impor
as restrições no veículo via plataforma eletrônica, sem que determine o efetivo depósito do bem.
A dificuldade de designar depositário não deve constituir empecilho para sua apreensão, sob
pena de se frustrar a execução. Nesse caso, mostra-se conveniente que o magistrado intime o
exequente para que mantenha o bem sob sua custódia até o leilão, vindo a recair eventuais
despesas sobre o executado, acrescendo-se ao valor da execução. Nessa situação, há que atentar
o magistrado para a necessidade de se proceder ao imediato leilão do veículo, evitando-se a sua

508
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. RENAJUD: restrições judiciais sobre veículos automotores. Manual
versão 2.0. p. 15. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/images/programas/renajud/Manual.pdf Acesso em: 21 ago. 2019.
509
Art. 839. Considerar-se-á feita a penhora mediante a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um só auto
se as diligências forem concluídas no mesmo dia.
Parágrafo único. Havendo mais de uma penhora, serão lavrados autos individuais.
204

depreciação e o aumento de despesas com o depósito. Há que se privilegiar, nesse contexto, o


exercício da cooperação processual.
Se, de todo, não houve êxito na apreensão e depósito do veículo, deve-se partir para a
procura de outros bens disponíveis, pois a execução não se encontrará garantida, ainda que
permaneçam lançadas as restrições no veículo no sistema Renajud.

7.1.5. Sistema Integrado de Informações da Aviação Civil – SACI

O Sistema Integrado de Informações da Aviação Civil (SACI)510 é ferramenta de


consulta mantida pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e armazena informações
sobre aeronaves, seus proprietários, operadores, aeródromos e operações de voo relativos ao
espaço aéreo brasileiro. Por meio dessa ferramenta, é possível verificar se o executado possui
aeronave e qual a localização do bem.
O sítio da ANAC não apresenta informações a respeito de existência de convênio ou
termo de cooperação técnica entre a ANAC e o CNJ para acesso direto ao sistema eletrônico
pelos membros do Poder Judiciário. De todo modo, não há óbice para que o exequente requeira
ao juízo da execução que expeça ofício à ANAC, solicitando informações acerca da existência
de aeronaves em propriedade do exequente e sua localização.

7.1.6. Solicitação de informações ao COAF/UIF

Para além das ferramentas básicas de auxílio à execução noticiadas nas seções
antecedentes, o Poder Judiciário dispõe também da prerrogativa de solicitar informações ao
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Trata-se de órgão criado no âmbito
do Ministério da Fazenda, instituído pela Lei 9.613/1998511 e que atua na prevenção e combate
à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.
O órgão passou a se vincular ao Ministério da Economia, por força da alteração legal
promovida pela Medida Provisória nº 886/2019 e posteriormente ao Banco Central, por força

510
Disponível em:
https://sistemas.anac.gov.br/SACI/Login.asp?msg=Sess%E3o%20expirada Acesso em: 22 ago. 2019.
511
BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens,
direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o
Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da
República [2019]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9613.htm Acesso em: 02 set. 2019.
205

da Medida Provisória 893/2019, ocasião em que teve seu nome alterado para Unidade de
Inteligência Financeira - UIF. As competências do COAF se encontram definidas nos arts. 14
e 15 da referida Lei 9.613/98 e se desdobram em: i) receber, examinar e identificar as
ocorrências suspeitas de atividades ilícitas; ii) comunicar às autoridades competentes para a
instauração dos procedimentos cabíveis nas situações em que o Conselho concluir pela
existência, ou fundados indícios, de crimes de lavagem, ocultação de bens, direitos e valores ou
qualquer outro ilícito; iii) coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de
informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação
de bens, direitos e valores; iv) disciplinar e aplicar penas administrativas. O § 1º do art. 14 da
referida lei também atribui ao COAF a competência de regular os setores econômicos para os
quais não haja órgão regulador ou fiscalizador próprio, mencionados no art. 9º da Lei em
comento.512
Tanto magistrados quanto membros do Ministério Público podem se credenciar para ter
acesso ao intercâmbio de informações levantadas pelo COAF. O acesso deve ser feito pelo
membro credenciado por meio de acesso ao Sistema Eletrônico de Intercâmbio do Coaf – SEI-
C, no SisCoaf, mediante fornecimento de CPF, senha de acesso e certificado digital. Através
dessa plataforma, o membro requisita informações sobre a movimentação financeira da pessoa
física ou jurídica investigada ou processada, selecionando um intervalo de tempo em que deseja
que a busca seja efetuada e comunicando o tipo de procedimento que deu ensejo à solicitação
de pesquisa (inquérito civil, inquérito penal, ação civil pública, execução trabalhista, etc).
O Sistema retira informações de diversas bases de dados 513 e gera Relatórios de
Inteligência Financeira – RIF, os quais descortinam as operações financeiras realizadas pela
pessoa física ou jurídica pesquisada no período selecionado. As informações são tratadas por
analistas do Conselho. O próprio COAF insere no resultado outras pessoas que foram detectadas
por terem alguma relação com as operações praticadas pela pessoa pesquisada. O RIF é

512
MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf. Disponível em:
http://www.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/estrutura-organizacional/conselho-de-controle-de-
atividades-financeiras-coaf Acesso em: 21 ago. 2019.

513
As bases de dado utilizadas são: SisCoaf, Rede Infoseg, Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), Cadastro Nacional
de Pessoas Jurídicas (CNPJ), Declaração de Operações Imobiliárias (DOI), Sistema Integrado de Administração
de Recursos Humanos (Siape), Sistema de Informações Rurais (SIR), Cadastro Nacional de Informações Sociais
(CNIS), Cadastro Nacional de Empresas (CNE), Análise das Informações de Comércio Exterior (Alice Web),
Base de grandes devedores da União, Bases do TSE e Declaração de Porte de Valores (e-DPV). Disponível
em:https://www.fazenda.gov.br/assuntos/prevencao-lavagem-dinheiro/inteligencia-financeira#intercambio
Acesso em: 21 ago. 2019.
206

entregue ao membro solicitante no prazo de 24 horas, mas pode ser complementado


posteriormente pelo COAF.
O relatório especifica qual foi o valor movimentado pela pessoa pesquisada no período
requisitado, bem como apresenta informações adicionais acerca de operações detectadas pelos
analistas. Acusa, por exemplo, se a movimentação foi incompatível com o patrimônio, atividade
econômica, ocupação profissional e capacidade financeira da pessoa, se a movimentação foi
feita por intermédio de terceiros que não constam do contrato social da empresa, etc.
Mostra-se o caminho mais viável para identificar, por exemplo, se a pessoa física ou
jurídica está movimentando recursos por meio de fundos de previdências complementar nas
modalidades VGBL ou PGBL, visto que essas operações são feitas por instituições que não são
obrigadas a fornecer informações ao CCS e, por isso, não figuram no resultado do Bacen Jud.
De posse dessa informação, o exequente, demonstrando a existência de fraude, pode requerer
ao juízo da execução que determine a penhora do valor do fundo de previdência complementar
existente em nome do executado.
É por meio do relatório do COAF que se identifica também se os recebíveis do
executado estão sendo ocultados por meio de operações realizadas com empresa de fomento
mercantil, as chamadas empresas de “factoring”.
A propósito, um ligeiro estudo sobre os casos envolvendo lavagem de dinheiro
descobertos pelo COAF se mostra de grande valia para o conhecimento e o aprimoramento das
técnicas de investigação patrimonial a serem aplicadas pelo exequente e pelo Poder Judiciário
nas execuções civis. Esses casos se encontram reunidos em coletâneas editadas periodicamente
pelo COAF, disponíveis no sítio da instituição.514
É indiscutível, pois, a importância da utilização de mais essa ferramenta, antes de se
afirmar que restaram esgotadas as tentativas de localização de bens do executado. Nesse caso,
torna-se ônus do advogado, após realizadas todas as tentativas de localização através dos
tradicionais sistemas Renajud, Bacen Jud/CCS e Infojud, solicitar ao juízo da execução que
requeira informações ao COAF/UIF sobre as operações praticadas pela(s) pessoa(s) executadas,
com vistas à tentativa de descortinar a ocultação patrimonial.

514
COAF. Casos e Casos: coletânea de casos brasileiros de lavagem de dinheiro/Ministério da Fazenda, Conselho
de Controle de Atividades Financeiras – Brasília: COAF, 2016. Disponível em:
https://www.fazenda.gov.br/centrais-de-conteudos/publicacoes/casos-casos Acesso em: 21 ago. 2019.
207

7.1.7 Consulta sobre operações financeiras pelo SIMBA

O Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias (SIMBA) consiste em um


software gratuito desenvolvido no ano de 2007 pela Secretaria de Pesquisa e Análise da
Procuradoria Geral da República (PGR), que permite o tráfego de dados bancários entre
instituições financeiras e os órgãos públicos conveniados, mediante prévia autorização
judicial.515
Trata-se de uma plataforma eletrônica, por meio da qual o usuário requer ao Poder
Judiciário, de forma eletrônica, a quebra do sigilo bancário das pessoas investigadas ou
processadas. O próprio sistema organiza os dados de operações reportadas, de modo a facilitar
o armazenamento e o trato das informações obtidas.516 Para ter acesso à plataforma, o órgão
público deve firmar um Acordo de Cooperação Técnica com a PGR.
Através do SIMBA os órgãos de investigação ou fiscalização cooperados podem ter
acesso ao fluxo monetário efetuado pelas pessoas pesquisadas, quem são os creditantes,
depositantes, o perfil e constância das movimentações financeiras, tudo por meio de relatórios
parametrizados. As informações prestadas pelas instituições financeiras devem obedecer ao
leiaute estabelecido na Carta Circular nº 3454/2010517 do Banco Central, conforme orienta a
Instrução Normativa nº 03 do CNJ.518 A quebra do sigilo bancário feita pelo SIMBA é mais
detalhada do que a que é realizada com base na consulta ao CCS. O sistema, semanalmente,
expede um e-mail automático de cobrança dos relatórios solicitados às instituições financeiras
requisitadas.
É certo que o SIMBA não constitui ferramenta para simples busca de bens para
satisfazer execuções, pois se presta, na verdade, a conferir agilidade às investigações sobre
crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Nada impede, todavia, que o magistrado defira

515
STOPANOVSKI, Marcelo. Sistema de investigação de movimentações bancárias do MPF. Consultor
Jurídico. 14.10.2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-out-14/suporte-litigios-sistema-
investigacao-movimentacoes-bancarias-mpf Acesso em: 22 ago. 2019.
516
SECRETARIA DE PESQUISA E ANÁLISE DA PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA. SIMBA:
sistema de Investigação de Movimentações Bancárias. Disponível em:
http://www.tst.jus.br/documents/23101476/e7e7dd40-c0db-46b7-91b9-9bc0c13d647f Acesso em: 22 ago. 2019.
517
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Carta-circular nº 3.454, de 14 de junho de 2010. Divulga leiaute das
informações de que trata a Circular nº 3.290, de 5 de setembro de 2005. Diário Oficial da União, jun. 2010.
Disponível em:
https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadNormativo.asp?arquivo=/Lists/Normativos/Attachments
/49600/C_Circ_3454_v1_O.pdf Acesso em: 2 set. 2019.
518
CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. Instrução Normativa nº 03, de 09 de agosto de 2010.
Brasília: CNJ, 09 ago.2010. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/files/atos_administrativos/instruo-normativa-n3-09-08-2010-corregedoria.pdf Acesso em:
02 set. 2019.
208

eventual pedido de utilização do SIMBA pelo Poder Judiciário, para localizar bens do devedor
caso existam fortes indícios de fraude à execução. Na Justiça do Trabalho, por exemplo, após
a realização da cooperação técnica entre o TST e a PGR para utilização da plataforma pelos
órgãos da Justiça do Trabalho,519 o SIMBA passou a ser encarado como a “cereja do bolo” entre
as ferramentas disponíveis para localização de bens dos devedores e, consequentemente, para a
redução dos processos de execução pendentes.520
Na prática, ainda há certa relutância dos magistrados na utilização do SIMBA, mesmo
no âmbito da própria Justiça do Trabalho,521 seja por considerar que a quebra do sigilo bancário
é medida excepcional, seja pelo desconhecimento do modo de operar o sistema ou pela escassez
de recursos humanos necessários para fazê-lo em seus gabinetes. De toda forma, o exequente
não deve se acomodar. Esgotadas todas as potencialidades das demais ferramentas disponíveis
para localização patrimonial anteriormente suscitadas, e, demostrados os indícios de ocultação
patrimonial por parte do executado, deve insistir no requerimento para que a investigação
financeira seja realizada através do SIMBA. Afinal, mostra-se contraditório defender que o
devedor recalcitrante possa ter violado o seu direito de ir vir por meio da apreensão de seu
passaporte em decorrência da aplicação de uma medida coercitiva, mas não possa ter o seu
sigilo fiscal afastado pelas ferramentas disponíveis ao Poder Judiciário!

519
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL/BIBLIOTECA DIGITAL. Acordo de Cooperação Técnica entre o
Ministério Público Federal (MPF) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) [2014].
Disponível em:
http://bibliotecadigital.mpf.mp.br/bdmpf/handle/11549/7705 Acesso em: 22 ago. 2019.
520
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA TERCEIRA REGIÃO. NJ Especial: execução trabalhista
recorre a ferramentas tecnológicas para garantir efetividade da Justiça. 07.02.2017. Disponível em:
https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/importadas-2017/nj-especial-
execucao-trabalhista-recorre-a-ferramentas-tecnologicas-para-garantir-efetividade-da-justica-07-02-2017-06-
03-acs Acesso em: 22 ago. 2019.
521
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (3ª Região). Agravo de Petição nº 0011081-55.2015.5.03.0019.
Agravo de petição. Consulta pelo Sistema de Investigação de Movimentação Bancária (SIMBA) – consulta –
procedimento. Não há como se acolher o pedido de consulta pelo Sistema de Investigação de Movimentações
Bancárias – SIMBA vindicado, apenas, com o objetivo de localizar patrimônio do devedor, uma vez que tal
sistema deve ser utilizado em face da necessidade de apuração de fraudes em movimentações financeiras,
hipótese não caracterizada no caso concreto. Agravo de petição a que se nega provimento. Quarta Turma.
Relator: Convocado Eduardo Aurelio P. Ferri, 12 ago.2019. Belo Horizonte: Tribunal Regional do Trabalho da
Terceira Região [2019]. Disponível em:
https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=2419 Acesso em: 22 ago. 2019.
209

7.1.8 Consulta ao CENSEC e ao SREI

A Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (CENSEC)522 foi instituída


pelo Provimento CNJ nº 18, de 28 de agosto de 2012,523 cujo acesso se dá pelo Sistema de
Informações e Gerenciamento Notarial (SIGNO), desenvolvido e operado pelo Colégio
Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF).
Consiste na plataforma eletrônica que tem como escopo, nos termos do art. 1º do
referido Provimento: i) interligar as serventias extrajudiciais brasileiras que praticam atos
notariais, permitindo o intercâmbio de documentos eletrônicos e o tráfego de informações e
dados; ii) aprimorar tecnologias com a finalidade de viabilizar os serviços notariais em meio
eletrônico; iii) implantar em âmbito nacional um sistema de gerenciamento de banco de dados
para pesquisa; iv) incentivar o desenvolvimento tecnológico do sistema notarial brasileiro,
facilitando o acesso às informações, ressalvadas as hipóteses de acesso restrito no caso de sigilo
e v) possibilitar o acesso direto de órgãos do Poder Público a informações e dados
correspondentes ao serviço notarial.
Por meio dessa ferramenta, membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, bem
como órgãos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios podem ter acesso gratuito aos
módulos CESDI (Central de Escrituras de separações, divórcios e inventário) e CEP (Central
de Escrituras e Procurações) constantes da base de dados da CENSEC, conforme disciplina o
art. 18, § 2º, do Provimento CNJ nº 18.
A ferramenta tem grande utilidade na investigação patrimonial, na medida em que
permite verificar eventual mudança no estado civil das pessoas investigadas ou processadas,
que podem decorrer de manobra de evasão patrimonial. Permite também verificar a existência
de procuração pública ou privada em favor de terceiro não constante do quadro societário de
determinada empresa. Destaque-se, ainda, a possibilidade de se apurar a existência de escritura
pública de compra e venda de imóveis em nome da pessoa executada, ainda que não tenham
sido registrados no cartório de registro de imóveis correspondente.
O Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), de seu turno, foi instituído pela
Corregedoria Nacional de Justiça por meio do Provimento CNJ nº 47, de 19 de junho de

522
O sítio pode ser acessado pelo link https://censec.org.br/Censec/Home.aspx Acesso em: 23 ago. 2019.
523
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 18, de 28 de agosto de 2012. Dispõe sobre a
instituição e funcionamento da Centra Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados – CENSEC. Brasília:
CNJ, 28 ago. 2012. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/images/atos_normativos/provimento/provimento_18_28082012_17092014165430.pdf
Acesso em: 22 ago. 2019.
210

2015,524com o objetivo de facilitar o intercâmbio de informações entre os ofícios de registro de


imóveis, o Poder Judiciário, a Administração Pública e o público em geral.
O referido Provimento que criou o SREI determinou que cada Estado e o Distrito
Federal criasse a sua própria central de serviços eletrônicos compartilhados, mediante ato
normativo da Corregedoria Geral de Justiça local, observando um padrão único de requisitos
de documentos, conexão e funcionamento. Por meio do acesso à plataforma dessas centrais
locais, o Poder Judiciário, a Administração Pública e os cidadãos em geral poderão requisitar
serviços eletrônicos tais como pedido de certidões, visualização de matrícula de imóvel,
pesquisa de bens por CPF ou CNPJ, dentre outros.
No Estado de Minas Gerais foi criada a Central Eletrônica de Registro de Imóveis do
Estado de Minas Gerais (CRI-MG),525 por meio do Provimento nº 317/2016 da Corregedoria-
Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais. 526 O módulo “Ofício Eletrônico”, por exemplo,
constante da plataforma CRI-MG, possibilitará ao Poder Judiciário mineiro e a outros órgãos
conveniados requerer informações e certidões registrais aos serviços de registro de imóveis sem
que tenham de enviar ofícios em papel. Eventuais averbações de penhoras, arrestos, sequestros
e de outras ordens judiciais também poderão ser feitas eletronicamente pelo módulo “Mandado
Judicial Eletrônico” constante da plataforma CRI-MG.
Essas ferramentas eletrônicas, sem dúvida, representam um grande avanço para a
pesquisa patrimonial e necessitam ser mais bem exploradas pelos credores, antes mesmo do
início do procedimento executivo, bem como pelo Poder Judiciário na condução das execuções.
Elas são a prova de que a tecnologia se torna cada vez mais útil à promoção da efetividade no
processo, quando utilizada com transparência e cooperação.

524
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 47, de 19 de junho de 2015. Estabelece diretrizes
gerais para o sistema de registro eletrônico de imóveis. Brasília: CNJ, 19 jun. 2015. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/files/atos_administrativos/provimento-n47-18-06-2015-corregedoria.pdf Acesso em: 23
ago. 2019.
525
O sítio pode ser acessado pelo link: https://www.crimg.com.br/#/ Acesso em: 23 ago. 2019.
526
CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Provimento nº 317, de 29 de
fevereiro de 2016. Cria a Central Eletrônica de Registro de Imóveis do Estado de Minas Gerais – CRI-MG, para
operacionalização do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis – SREI, regulamentado pelo Provimento da
Corregedoria Nacional de Justiça nº 47, de 19 de junho de 2015, bem como acrescenta, altera e revoga
dispositivos do Provimento nº 260, de 18 de outubro de 2013, que codifica os atos normativos a Corregedoria-
Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais relativos aos serviços notariais e de registro. Belo Horizonte:
Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, 29 fev. 2016. Disponível em:
http://www8.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/cpr03172016.pdf Acesso em: 23 ago. 2019.
211

7.1.9 Lançamento de indisponibilidade na CNIB

A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) foi instituída pelo Provimento


nº 39/2014 da Corregedoria Nacional de Justiça,527 com o objetivo de permitir a comunicação
de indisponibilidade de bens imóveis em âmbito nacional, de forma não individualizada, pelas
autoridades judiciárias e administrativas. A instituição da CNIB veio em boa hora, sobretudo
dada a necessidade de se conferir eficácia ao art. 185-A do CTN.528 O domínio da CNIB é
desenvolvido, mantido e operado pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo
(ARISP), através de Acordo de Cooperação Técnica firmado com o CNJ.
A centralização da comunicação de indisponibilidades na plataforma CNIB, embora não
dispense que a autoridade oficiante comunique diretamente a indisponibilidade ao Oficial de
Registro de Imóveis em que um determinado imóvel específico e individualizado se encontre
registrado, agiliza o procedimento, de modo a evitar a dilapidação do patrimônio atingido, além
de permitir o rastreamento, em âmbito nacional, da propriedade de imóveis e de outros direitos
reais imobiliários.
Uma vez lançada a indisponibilidade eletrônica pela autoridade competente em relação
a determinado CPF ou CNPJ, é dever dos oficiais de registro de imóveis verificar, diariamente,
se a indisponibilidade lançada se refere a algum imóvel registrado em suas serventias,
procedendo à devida averbação na matrícula do imóvel específico, se for o caso. Conforme
determina o art. 8º do Provimento CNJ nº 39, os oficiais de registro ficam obrigados a consultar
a CNIB duas vezes ao dia, salvo se adotarem solução de comunicação com a CNIB via
webservice configurada para consulta em menor tempo, nos termos do parágrafo único do
mencionado dispositivo.
Os magistrados têm acesso ao cadastro geral das indisponibilidades tanto para consulta
quanto para lançamento de indisponibilidades. Além deles, membros do Ministério Público e

527
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 39, de 25 de julho de 2014. Dispõe sobre a
instituição e funcionamento da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, destinada a recepcionar
comunicações de indisponibilidade de bens imóveis não individualizados. Brasília: CNJ, 25 jul. 2014.
Disponível em:
https://indisponibilidade.org.br/downloads/provimento_39.pdf Acesso em: 23 ago. 2019.
528
Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora
no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e
direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem
registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras
do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a
ordem judicial.
212

servidores por eles autorizados podem solicitar credenciamento e habilitação no sistema como
usuário qualificado, mediante certificação digital, para fins de consulta às indisponibilidades.
A partir do ano de 2018, com a aprovação da Lei 13.606, de 9 de janeiro de 2018,
alterou-se a Lei 10.522, de 19 de julho de 2002, que dispõe sobre o cadastro informativo dos
créditos não quitados de órgãos e entidades federais, para permitir à Fazenda Pública averbar a
Certidão de Dívida Ativa (CDA) nos órgãos de registros de bens, tornando-os indisponíveis. A
comunicação dessa indisponibilidade pode, pois, ser feita pelo Fisco pela CNIB.
Perceba-se que, além de uma ferramenta importante para a execução, a CNIB acabou
por propiciar maior segurança jurídica para os cidadãos, nas transações imobiliárias. Isso
porque além dos registradores de imóveis, os notários, no momento de proceder à lavratura de
escrituras de compra e venda de imóveis devem realizar consulta à CNIB e informar ao
comprador sobre a existência de indisponibilidade lançada sobre o bem, alertando-o dos riscos
da transação, dada a impossibilidade de futura transferência do registro do bem caso a
indisponibilidade permaneça.

7.1.10 SerasaJud

O SerasaJud529 consiste na plataforma eletrônica criada para facilitar a tramitação de


ofícios entre os tribunais e a Serasa Experian, por meio da troca eletrônica de dados, em
substituição aos ofícios em papel.530 Uma vez realizado o cadastro no sistema e de posse de
certificado digital, os próprios magistrados e servidores designados poderão requisitar a
negativação do nome do devedor no Serasa (art. 782, § 3º, do CPC), pela via eletrônica.
A nova metodologia agilizou sobremaneira o procedimento da negativação, com vistas
ao alcance da efetividade que se espera da aplicação dessa medida coercitiva típica consolidada
pelo CPC de 2015.

7.2 Sugestões de novas plataformas eletrônicas para agilizar o procedimento executivo

Na seção antecedente, apresentamos quais são as principais ferramentas eletrônicas


disponíveis para acesso do Poder Judiciário para auxiliá-lo no processo de investigação

529
O sítio pode ser acessado pelo link https://www.serasaexperian.com.br/serasajud Acesso em: 23 ago. 2019.
530
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. SerasaJud. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/sistemas/serasajud
Acesso em: 23 ago. 2019.
213

patrimonial e condução das execuções. Demonstrou-se que o Poder Público como um todo já
dispõe de inúmeras bases de dados a favorecer o cruzamento de informações e,
consequentemente, a criação de novas plataformas tecnológicas direcionadas ao alcance de
informações específicas para um determinado setor de atuação. Partindo dessa percepção,
passamos agora a sugerir o desenvolvimento de três possíveis plataformas algorítmicas que,
caso implantadas, poderão contribuir para uma maior agilidade do fluxo processual da execução
pecuniária.531
Inicialmente, necessário resgatar a compreensão de que tanto o cumprimento de
sentença quanto a execução de título extrajudicial passam por três momentos críticos que
acabam por gerar o grande congestionamento do procedimento executivo, ocasionando os tais
“gargalos” a que se referem os relatórios anuais produzidos pelo CNJ, mencionados na seção
5.4 desta pesquisa. São eles: a) a discussão sobre os valores apresentados nos demonstrativos
de cálculo da parte exequente, que dão origem a impugnações ou embargos à execução com
fundamento em excesso; b) a procura de bens disponíveis para penhora e c) a expropriação dos
bens encontrados.
Esses momentos, a nosso ver, podem ser abreviados com base no uso da tecnologia, nos
moldes em que se passa a sugerir.

7.2.1 Programa para oferta de memória de cálculo padrão

A prática jurídica demonstra por si só que, raramente, há concordância entre credor e


devedor quanto à oferta dos cálculos da execução pela parte exequente. Os autos judiciais vão
e voltam muitas vezes para vista e manifestação das partes até que chegue o momento de
homologação da memória de cálculos pelo juízo da execução. Essa demora favorece aquele que
pretende dilapidar o patrimônio para se esquivar da penhora e expropriação de bens.
Diversas discussões já foram travadas em torno de critérios de cálculo, levando à
pacificação acerca de quais critérios são considerados legítimos e de quais são abusivos. Em
decorrência disso, vislumbra-se a possibilidade de que os tribunais programem um algoritmo
que oferte a memória de cálculo ao credor, mediante a informação sobre a proveniência da
obrigação e/ou características da condenação.

531
As sugestões apresentadas foram fruto da interlocução travada entre esta Mestranda e seu orientador, Dierle
Nunes, ao longo dos meses de fevereiro a junho de 2019.
214

Para tanto, o algoritmo deve ser treinado para lidar com diversas situações, levando em
consideração critérios normativos, a exemplo daqueles fornecidos pelo art. 524, caput, do
CPC532 e jurisprudenciais, a exemplo de matérias que tratam de índice de correção monetária
aplicável, início da incidência de juros de mora, possibilidade de capitalização de juros em
determinada modalidade de cobrança, dentre outros.
Espera-se, com isso, que se evitem discussões acerca de pontos já pacificados, trazendo
um mínimo de padronização e previsibilidade aos memoriais de cálculo, com economia de
tempo e orçamento. Somente cálculos mais complexos passarão pela secretaria contábil do
Juízo para conferência. Desse modo, as poucas hipóteses de impugnação restantes implicariam
um ônus argumentativo mais consistente para o devedor, que poderá, inclusive, ser penalizado
com multa se seus argumentos demonstrarem mero intuito procrastinatório.

7.2.2 Algoritmo para criação de um Sistema Nacional Integrado de Bens (SNIB)

A busca por bens disponíveis para penhora e expropriação constitui, como se sabe, um
dos maiores calvários de todo o iter procedimental em âmbito jurisdicional. Conforme se
apresentou em tópicos antecedentes, os avanços da tecnologia vêm favorecendo a criação de
importantes ferramentas que, por meio de cruzamento de informações constantes em distintas
bases de dados, podem levar à localização de bens do devedor. Ocorre que o manejo dessas
ferramentas exige conhecimento delas pelos advogados e treinamento contínuo dos magistrados
e servidores, para que possam de fato explorá-las em todas as suas possibilidades, o que
demanda tempo, recursos e persistência por parte de todos esses atores processuais.
O ideal seria que houvesse um sistema nacional integrado de bens que permitisse a
verificação, já no início da atividade executiva, do conjunto patrimonial do executado. Essa

532
Art. 524. O requerimento previsto no art. 523 será instruído com demonstrativo discriminado e atualizado do
crédito, devendo a petição conter:
I - o nome completo, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa
Jurídica do exequente e do executado, observado o disposto no art. 319, §§ 1º a 3º;
II - o índice de correção monetária adotado;
III - os juros aplicados e as respectivas taxas;
IV - o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados;
V - a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso;
VI - especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados;
VII - indicação dos bens passíveis de penhora, sempre que possível.
215

ideia já fora objeto do Projeto de Lei 5080/2009,533 de autoria do Poder Executivo, em


tramitação na Câmara dos Deputados, cujo art. 4º de sua redação original assim dispõe:

Art. 4º. Concluída a inscrição em dívida ativa, será realizada investigação patrimonial
dos devedores inscritos por parte da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da
Procuradoria-Geral Federal, da Procuradoria-Geral do Banco Central do Brasil e pelos
órgãos correspondentes dos Estados, Municípios e Distrito Federal, caso a referida
investigação patrimonial não tenha sido realizada com êxito quando da constituição
do crédito.
§ 1º Fica o Poder Executivo autorizado a instituir Sistema Nacional de Informações
Patrimoniais dos Contribuintes – SINPC, administrado pelo Ministério da Fazenda,
inclusive com base nas informações gerenciadas pela Secretaria da Receita Federal do
Brasil, organizando o acesso eletrônico às bases de informação patrimonial de
contribuintes, contemplando informações sobre o patrimônio, os rendimentos e os
endereços, entre outas.
§2º Os órgãos e entidades públicos e privados que por obrigação legal operem
cadastros, registros e controle de operações de bens e direitos deverão disponibilizar
para o SNIPC as informações que administrem.
§ 3º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, mediante convênio, poderão ter
acesso ao SNIPC, nos termos do inciso XXII do art. 37 da Constituição.
§ 4º O acesso ao SNIPC não desobriga o atendimento às informações adicionais
requisitadas em caráter geral ou particular aos Cartórios de Registro de Imóveis,
Detrans, Secretaria do Patrimônio da União, Capitania dos Portos, Juntas Comerciais,
Agência Nacional de Aviação Civil, Comissão de Valores Mobiliários, Bolsas de
Valores, Superintendência de Seguros Privados, Banco Central do BRASIL, câmaras
de Custódia e Liquidação, Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, bem como
qualquer outro órgão ou entidade que possua a finalidade de cadastro, registro e
controle de operações de bens e direitos.
§5º Os resultados da investigação patrimonial no âmbito do SNIPC serão
disponibilizados ao órgão responsável pela cobrança a dívida.
§ 6º Por intermédio do SNIPC poderão ser geridas as informações e as transmissões
das ordens recebidas do Poder Judiciário às pessoas e órgãos vinculados ao sistema.
§7º Ficam sujeitos às penalidades previstas na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de
19990, e no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, os
serventuários e auxiliares de justiça que não cumprirem as determinações transmitidas
pelos órgãos responsáveis pelo gerenciamento do SNIPC.534

Nota-se, portanto, que o Poder Executivo, há anos, vem demonstrando o intento de


reunir as informações constantes das inúmeras bases de dado da Receita Federal, para criar um
cadastro unificado de informações patrimoniais de contribuintes, a fim de possibilitar à Fazenda
Pública avaliar com mais facilidade as possibilidades de êxito das execuções fiscais ainda na
fase administrativa. Uma vez implantado este cadastro nacional, o Poder Judiciário, por
intermédio do CNJ, poderá firmar convênio para acesso ao sistema pelos órgãos jurisdicionais,

533
PODER EXECUTIVO. Projeto de Lei n. 5080/2017. Dispõe sobre a cobrança da dívida ativa da Fazenda
Pública e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 20 abr. 2009. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=431260 Acesso em: 26 ago. 2019.
534
PODER EXECUTIVO. Projeto de Lei n. 5080/2017. Dispõe sobre a cobrança da dívida ativa da Fazenda
Pública e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 20 abr. 2009. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=431260 Acesso em: 26 ago. 2019.
216

com vistas também a avaliar as chances de localização e penhora patrimonial nos demais tipos
de execução.
Em que pese a demora na tramitação do referido Projeto de Lei, a Procuradoria da
Fazenda Nacional desenvolveu um programa denominado “PGFN Analytics”, cuja implantação
teve início neste ano de 2019, que permite reunir informações patrimoniais dos devedores, a
partir de bancos de dados selecionados, traçando um perfil destes, com vistas a avaliar as
probabilidades de êxito no ajuizamento das execuções fiscais pela União Federal. O referido
sistema permite “identificar indícios de redução da atividade econômica, de dilapidação
patrimonial, de saída fraudulenta do quadro societário, de fraude à execução e de sucessão
empresarial.”535 Trata-se, segundo explica Hugo de Brito Machado, de um dos vários
“exemplos do que a administração tributária brasileira tem feito com o uso da inteligência
artificial (AI), tanto no plano federal como no de alguns estados e municípios, situando-se entre
os mais avançados do mundo.”536
Esses dados lançam novas luzes sobre a situação da execução e nos fazem indagar se o
Poder Judiciário, tal como procedeu a PGR com a implantação do sistema SIMBA, não deveria
desenvolver também um “sistema nacional integrado de bens”, plataforma para minerar dados
de bens de devedores, numa fase inaugural da execução ou cumprimento de sentença. O sistema
deverá utilizar como fonte os bancos de dados da Receita Federal e do Banco Central, reunindo
as mesmas informações que constam do dossiê integrado emitido pela Receita, bem como da
plataforma SPED em seus diversos módulos (e-financeira, NFe-s, etc.), dentre outras
possibilidades, nos moldes em que vem se construindo o “PGFN Analytics”.
Em um segundo momento, vislumbra-se, ainda, um treinamento de máquina (machine
learning) pautado nas regras de preferência de bens a serem penhorados (art. 835 do CPC), nas
normas de impenhorabilidade como as do art. 833 do CPC e bancos de dados de avaliação de
bens, a exemplo da conhecida “Tabela FIPE”, desenvolvida pela Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas – FIPE - para avaliação de veículos automotores. Em relação a bens
imóveis, há que se pensar no aprimoramento da base de dados disponível no SREI, para que se
agregue ao sistema um algoritmo que permita a avaliação automática dos imóveis, levando em
conta o valor do metro quadrado em cada região do País.

535
PROCURADORIA-GERAL DA FAZENA NACIONAL. PGFN em números 2019: dados 2018. Brasília:
PGFN, 2019. p. 15. Disponível em:
http://www.pgfn.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/pgfn-em-numeros-
2014/pgfn_em_numeros_2019.pdf Acesso em: 26 ago. 2019.
536
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Inteligência artificial e tributação: a que(m) os algoritmos devem
servir? Consultor Jurídico. 13 fev. 2019..
217

Tudo isso poderá culminar na geração de um relatório prévio de penhora, a servir de


base para a constrição dos bens localizados.

7.2.3. Plataforma unificada de leilões judiciais

Chega-se, pois, ao terceiro momento apontado como crítico do iter procedimental


executivo, qual seja, o da expropriação dos bens do devedor. É sabido que, feita a avaliação do
bem e, não tendo o exequente requerido a sua adjudicação, passa-se à tentativa de alienação,
seja por iniciativa particular do exequente, seja por leilão judicial (art. 879 do CPC).
Quanto ao leilão judicial, o CPC estabelece que este deverá ser feito por leiloeiro
público537, preferencialmente pela via eletrônica e, na sua impossibilidade, será presencial (art.
882 do CPC). A alienação judicial por meio eletrônico, na forma preconizada pelo art. 882, §
1º, do CPC é regulamentada, no âmbito do Poder Judiciário, pela Resolução do CNJ nº 236, de
13 de julho de 2016,538 que dita as normas gerais sobre o procedimento. De acordo com essa
Resolução, os leilões deverão ser realizados exclusivamente por leiloeiros credenciados perante
o órgão judiciário local, em conformidade com as regras a serem editadas por cada tribunal.539
Na prática, portanto, os bens penhorados ficam sob a custódia dos leiloeiros
credenciados pelo órgão jurisdicional local e designados, ou pelo exequente, ou pelo juízo da
execução. Cabe ao leiloeiro publicar o edital do respectivo leilão e adotar todas as providências
necessárias para a ampla divulgação da alienação, no portal eletrônico mantido pelo próprio
leiloeiro e em outros meios de divulgação, se for o caso. Os interessados participam do leilão
mediante cadastramento prévio e gratuito no portal eletrônico indicado no edital de cada leilão.
Despesas e custos relativos a desmontagem, remoção, transporte e transferência patrimonial
dos bens arrematados correm por conta do arrematante. Além disso, o leiloeiro recebe, do
arrematante, comissão estabelecida em lei ou arbitrada pelo juiz (art. 884, parágrafo único, do
CPC).

537
A profissão de leiloeiro é regulada pelo Decreto nº 21.981, de 19 de outubro de 1932.
538
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n. 236, de 13 de julho de 2016. Regulamenta, no âmbito
do Poder Judiciário, procedimentos relativos à alienação judicial por meio eletrônico, na forma preconizada pelo
art. 882, § 1º, do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015). Brasília: CNJ, 13 jul. 2016. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/files/atos_administrativos/resoluo-n236-13-07-2016-presidncia.pdf Acesso em: 26 ago.
2019.
539
No âmbito do Estado de Minas Gerais, por exemplo, o procedimento de alienação judicial presencial e
eletrônica é disciplinado pela Portaria Conjunta nº 772/PR/2018 do Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais (TJMG). Disponível em
https://www8.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/pc07722018.pdf Acesso em: 26 ago. 2019.
218

Ocorre, como se pode perceber, uma “terceirização” do leilão judicial, com vistas a
evitar que os custos do procedimento de alienação e a responsabilidade pela custódia dos bens
recaiam sobre o Poder Judiciário.
Nessa seara, o que se pode sugerir, inicialmente, é a implantação, pelo CNJ, de um
sistema informatizado e padronizado, a ser utilizado por cada Tribunal local, em seu portal
eletrônico na internet, que contenha um cadastro nacional de todos os leilões em andamento no
País, cujas informações deverão vir separadas por Estado da Federação e deverão ser
obrigatoriamente alimentadas pelos próprios leiloeiros, diariamente. O sistema funcionaria,
pois, como uma espécie de central única de leilões judiciais, contendo os links nos quais os
interessados poderão clicar para ter acesso ao portal do respectivo leiloeiro, bem como ao edital,
fotografias dos bens a serem alienados, dentre outras informações. Seria uma maneira de
conferir ampla e irrestrita publicidade aos leilões de bens em todo o País, de forma padronizada,
de modo a agilizar as alienações.

7.3 Conclusão parcial

A exposição feita nos capítulos 5 e 6 desta pesquisa culminou na conclusão de que, em


que pese o esforço da doutrina para conferir limites à interpretação do art. 139, IV, do CPC, a
aplicação da referida cláusula geral ainda tem gerado muitas controvérsias e questionamentos.
Como não poderia ser diferente, o dissenso da doutrina acerca do manejo de critérios mínimos
de aplicação desse dispositivo legal tem se refletido na jurisprudência dos tribunais locais, bem
como na do STJ. Há ainda notória insegurança jurídica em torno da temática.
Isso demonstra que o debate ainda não está maduro, não obstante o deslumbramento da
maioria dos juristas e profissionais do Direito com a cláusula geral em apreço. A vontade de
trazer efetividade à execução é tanta que gerou um apego à cláusula como tábua de salvação
para a inefetividade da prestação jurisdicional nesse aspecto. Essa postura utilitarista permitiu
que se fechassem os olhos para a própria condução que o Judiciário dá ao procedimento de
busca e expropriação de bens, não obstante as diversas e importantes ferramentas tecnológicas
existentes para tanto.
Este capítulo procurou exatamente descrever a utilidade das ferramentas mais
importantes de pesquisa patrimonial que estão ao alcance do Poder Judiciário na atualidade,
bem como apontar, superficialmente, sugestões para o desenvolvimento de novos sistemas, à
base de algoritmos que contribuam para reduzir o tempo despendido nos três momentos críticos
219

que precedem à satisfação do direito do credor, a saber: discussão sobre os cálculos, pesquisa
patrimonial e expropriação de bens.
A conclusão parcial a que se chega é de que os advogados precisam conhecer melhor as
ferramentas tecnológicas disponíveis, para requerer a sua correta utilização pelos magistrados,
assim como estes devem manejá-las sem hesitar, utilizando-se de todos os seus recursos e
possibilidades que levem ao desnudamento do patrimônio ocultado.
A subsidiariedade é, a nosso ver, o principal critério a ser levado a sério pela doutrina e
pela jurisprudência pátria ao deferir uma medida coercitiva atípica contra o devedor de
obrigação pecuniária e não se restringe à mera consulta tradicional aos sistemas Bacenjud e
Renajud. Ao contrário, conforme se pôde demonstrar, a corriqueira forma como esses sistemas
são consultados diariamente pelos magistrados não é capaz de trazer efetividade alguma à
execução, mais consistindo em um desserviço ao exequente.
Somente se pode falar em subsidiariedade quando todos os mecanismos de investigação
patrimonial descritos na seção 7.1 tenham sido pedidos pelo exequente e deferidos pelo
magistrado. O efetivo uso das ferramentas disponíveis, bem como a implantação de outras como
as que foram aqui sugeridas, ainda que de modo rudimentar, envolvem um interesse real de se
resolver os problemas da execução com responsabilidade e busca de resultados legítimos, tal
como os que se buscam nas investigações sobre lavagem de dinheiro no País.
As tecnologias estão cada vez mais avançadas e o cruzamento de informações cada vez
mais sofisticado. É preciso explorar ao máximo a interligação entre as bases de dados existentes,
tais como as da Receita Federal, do CCS, dentre outras tantas, a fim de acender novas luzes
nesse ambiente que traz tantos dissabores aos que buscam a completude da tutela jurisdicional.
Para além das ferramentas tecnológicas já existentes, há que se ter em mente as novas
possibilidades a serem alcançadas com o uso dos algoritmos, entendidos como uma forma de
resolver um problema de forma procedimental a partir de padrões e regras. São estes
desenvolvidos com uma finalidade específica e podem ser ensinados (machine learning) a partir
de determinados parâmetros. A partir de então, podem combinar como promover uma tarefa
automaticamente, que atenda a normas jurídicas devidamente transplantadas para suas análises.
O trabalho inicial de desenvolvimento desses algoritmos requer estudo e participação de uma
equipe multidisciplinar de programadores, juristas, contadores, dentre outros profissionais, a
depender do objetivo da ferramenta a ser desenvolvida.
Parece bem possível que o uso da tecnologia desponte como um fio de esperança para
combater a cultura do inadimplemento voluntário.
221

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escolha do título desta seção foi proposital. Preferiu-se o uso do termo “considerações
finais” em vez de “conclusão”, porque, nem de longe, se considera que este trabalho se encontra
concluído. Ele apenas representa um ponto de partida para subsidiar a infindável discussão
sobre o alcance de efetividade na execução civil no Brasil.
Há um notório consenso, referendado pelas estatísticas divulgadas anualmente pelo
CNJ, de que a execução é a fase responsável pelo maior índice de congestionamento de
processos no âmbito do Poder Judiciário brasileiro. Isso significa que, mesmo tendo seu direito
reconhecido em um título executivo, nem sempre o jurisdicionado alcança, ao final, a satisfação
de sua pretensão. Fala-se na existência, entre nós, de uma cultura do “ganha, mas não leva”, o
que retira a credibilidade da própria Jurisdição.
A busca incessante pela efetividade da tutela jurisdicional foi o que deu ensejo à redação
aberta do art. 139, IV, do CPC de 2015, cunhado de cláusula geral de efetivação. Esse
dispositivo, como se viu, embora localizado na Parte Geral do Código, que trata dos poderes,
deveres e responsabilidade do juiz, consignou que as execuções de obrigações pecuniárias
também poderão ser alvo da aplicação de medidas executivas atípicas com vistas a forçar o
cumprimento de ordem judicial.
A grande maioria da doutrina processualista ovacionou a inserção dessa cláusula no
sistema processual brasileiro, ressaltando sua aproximação com a sistemática do contempt of
court, presente na tradição jurídica do common law. Tal significa, em uma visão simplista por
parte desses juristas, que o Poder Judiciário é detentor de poderes implícitos que o permitem
utilizar de qualquer meio coercitivo para fazer com que suas ordens sejam obedecidas.
Com isso, a literatura jurídica especializada entendeu que o sistema executivo brasileiro
alcançou a sua completude e isonomia de procedimentos. Isso porque, na sistemática do CPC
de 1973, somente a execução de obrigações específicas (fazer, não fazer e entregar coisa)
possibilitava o emprego de medidas executivas atípicas, por força da redação do art. 461 do
Código revogado, cujo § 5º trazia exemplos, mas sem esgotar as possibilidades. O art. 139, IV,
do CPC de 2015, de seu turno, estendeu a atipicidade à execução das obrigações pecuniárias,
atendendo, de certa forma, aos anseios dos processualistas mais vanguardistas que, há anos,
reivindicavam essa mudança.
A partir de então, começaram a ganhar notoriedade julgados em que se aplicaram
medidas coercitivas ao executado, consistentes em restrição de direitos, com fundamento na
222

abertura interpretativa do art. 139, IV, do CPC. As mais recorrentes têm sido a suspensão da
CNH, apreensão do passaporte e bloqueio de cartões de créditos do devedor. Grande parte
dessas medidas têm sido revogadas em grau recursal, ou por serem consideradas
desproporcionais ou porque a decisão a quo teve fundamentação insuficiente.
Em vista disso, a preocupação dos estudiosos se voltou para a concretude da cláusula
geral do art. 139, IV, do CPC e para a fixação de parâmetros que confiram limites à sua
aplicação, de forma a evitar, ao mesmo tempo, a proliferação de decisões arbitrárias e o
esvaziamento do conteúdo da norma, considerada um sopro de esperança para a efetividade da
execução civil.
Esta pesquisa procurou investigar as manifestações doutrinárias existentes até o
momento em torno dessa temática, com vista a extrair os critérios mais comumente apontados
para aplicação do dispositivo em referência, bem como avaliar se estes encontram receptividade
na jurisprudência pátria.
Toda a investigação girou em torno dos seguintes questionamentos: a) o artigo 139, IV,
do CPC transformou a atipicidade em regra geral do sistema executivo brasileiro? b) os
parâmetros apontados em doutrina e jurisprudência são seguros para afastar a
discricionariedade do julgador e permitir o controle da decisão pelo seu destinatário no
panorama de um processo jurisdicional democrático? c) a valorização da coerção pelo sistema
processual brasileiro ao longo das reformas processuais realizadas tornou a execução mais
efetiva?
Ao longo de todo trabalho, procurou-se discutir o sentido do art. 139, inciso IV, do CPC,
sem perder de vista o marco teórico que alicerça a pesquisa, qual seja, a Teoria da Integridade
do Direito, proposta por Ronald Dworkin, jurista e filósofo norte-americano que, a nosso ver,
mais se preocupou em debater a problemática da legitimidade das decisões jurídicas no âmbito
do Estado Democrático de Direito. As lições desse autor embasaram, portanto, nossa tentativa
de se conferir a melhor interpretação possível ao art. 139, IV, do CPC, com vistas a extirpar a
carga de discricionariedade intrínseca às cláusulas gerais do Ordenamento Jurídico.
Partiu-se da premissa de que, ainda que se esteja diante de uma cláusula geral de
efetivação, sua concretude não pode ficar submetida unicamente à criatividade do magistrado,
porque o processo, enquanto garantia de direitos fundamentais, não admite protagonismo de
sujeitos nem discricionariedade decisória. Ao contrário, o processo, mesmo em sua fase
executiva, deve transcorrer de forma comparticipada e apresentar previsibilidade para viabilizar
o controle das decisões pelo jurisdicionado.
223

Também não se advogou pela inconstitucionalidade da cláusula geral em comento,


buscando compreendê-la em perspectiva sistêmica, por vislumbrar sua grande utilidade para a
solução dos conflitos decorrentes dos novos direitos que permeiam a sociedade contemporânea,
muito mais complexa do que outrora. Isso porque, esses novos direitos, dentre os quais se
encontram os difusos e os coletivos, acabaram por dar origem a novos tipos de litigância, de
forma a requerer respostas diferenciadas por parte da jurisdição, que nem sempre se encontram
na legislação posta.
Pontuou-se, portanto, que a cláusula geral do art. 139, IV, do CPC não deve ser lida e
interpretada de modo isolado, com o único intuito de solucionar o problema das execuções
pecuniárias nos litígios individuais. Quando conjugada com a cláusula geral de negociação
processual do art. 190 do CPC, ela poderá oferecer profícuas alternativas para uma execução
negociada no âmbito da chamada litigância de interesse público.
De toda a bibliografia consultada, verificou-se que, à exceção de Araken de Assis, todos
os autores concordam que a atipicidade constitui regra no procedimento executivo das
obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, por força da redação dos art. 536, § 1º, e 538,
§3º, do CPC de 2015, que acabou por repetir o teor dos arts. 461, § 5º, e 461-A do CPC de 1973.
Isso porque, a partir da redação do art. 84 do CDC, o sistema processual brasileiro
passou a dar grande ênfase à necessidade de concessão da tutela específica ao jurisdicionado,
abandonando a velha prática civilista de converter todas as obrigações inadimplidas em
indenização por perdas e danos. Nesse cenário, ciente de que não há como a legislação prever
todas as obrigações específicas que podem surgir a partir das inúmeras relações jurídicas
constituídas entre as pessoas, o ordenamento processual acabou por assimilar a atipicidade,
deixando que a medida executiva adequada seja pensada em cada caso concreto.
Ao longo da vigência do CPC de 1973, a doutrina se ocupou em apontar critérios para
conferir limites às medidas executivas atípicas a serem determinadas na execução as obrigações
específicas. Os critérios mais recorrentes foram a observância do contraditório, aplicação do
postulado da proporcionalidade, levando em conta as submáximas da adequação, necessidade
e proporcionalidade em sentido estrito, e fundamentação racional da decisão. Esse apelo à
proporcionalidade e à técnica da ponderação decorre da adesão de grande parte da doutrina
brasileira à teoria da argumentação proposta por Robert Alexy, que conceitua os princípios
como mandados de otimização a serem realizados na maior medida possível.
Sob essa perspectiva, o magistrado, ao aplicar medidas coercitivas para forçar o
cumprimento de obrigações específicas deveria compatibilizar, no caso concreto, dois valores:
efetividade da tutela jurisdicional e direitos fundamentais do devedor necessários à proteção de
224

sua dignidade. Sob a égide do CPC de 1973, a atipicidade executiva das obrigações específicas
acabou por não gerar tanta polêmica porque a forma de coerção mais utilizada foi, sem dúvida,
o uso das astreintes, que constitui medida executiva típica.
A questão agora volta à tona, a partir das discussões em torno do art. 139, IV, do CPC
e do fortalecimento da tendência à adoção da coerção para forçar o cumprimento de ordens
judiciais em geral, sobretudo após se ter percebido que o mero uso das astreintes tem se
mostrado pouco efetivo. Os parâmetros que já eram, pois, apontados para limitar a
arbitrariedade das decisões precisarão ser trabalhados caso a caso e fortalecidos na
jurisprudência.
Embora o foco da presente pesquisa não tenha sido a aplicação de medidas executivas
atípicas na execução das obrigações específicas, ousamos afirmar que, nesse caso, o
contraditório prévio e a fundamentação adequada da decisão consistem no binômio essencial
para afastar a discricionariedade dos magistrados ao fixarem o conteúdo de tais medidas.
Considerando que não há tipificação em lei das medidas a serem adotadas, a decisão deve
observar sua adequação à Constituição, de forma que eventual colisão de princípios que possa
surgir seja solucionada com base na argumentação empreendida entre as partes, dentro do
processo, levando em conta toda a cadeia do Direito. Rechaça-se, nesse ponto, qualquer
tentativa de se conferir ao “princípio da efetividade” um “peso maior” e a priori, haja vista que,
neste trabalho, não se adota a teoria argumentativa de Robert Alexy.
A maior polêmica se deu, em verdade, em torno da aplicabilidade do art. 139, IV, do
CPC no âmbito das execuções de obrigações pecuniárias, o que fez com que a pesquisa mais se
concentrasse nesse aspecto.
Verificou-se haver consenso na doutrina no sentido de que o art. 139, IV, do CPC
possibilitou a extensão da atipicidade das medidas executivas também às execuções que versam
sobre obrigações de pagar inscritas em título executivo judicial. Em vista disso, alguns autores
defendem que a atipicidade se tornou a regra geral da execução, em relação a todos os tipos de
prestação, entendimento que fora fortemente refutado neste trabalho.
Defendemos que a tipicidade continua sendo a regra nas execuções de obrigações
pecuniárias, sendo a atipicidade apenas subsidiária e condicionada a existência de patrimônio
do devedor. Isso porque o art. 139, IV, do CPC deve ser lido em conjunto com os dispositivos
que regulam o cumprimento de sentença ou a execução de título extrajudicial relativa a
obrigações de pagar, cuja leitura não possibilita extrair a predominância da atipicidade. Nessas
condições, é possível dizer que o art. 139, IV, do CPC permitiu tão somente uma relativa e
225

excepcional atipicidade no campo das obrigações de pagar. Respondido, pois, o primeiro


problema formulado nesta pesquisa.
Identificou-se também controvérsia doutrinária acerca da possibilidade de aplicação de
medidas executivas atípicas em execução de obrigações pecuniárias fundadas em título
executivo extrajudicial, tendo esta pesquisa chegado à convicção de que a atipicidade, nesse
caso, abarca também os títulos extrajudiciais.
Em que pese o dissenso, constatou-se que parte majoritária da doutrina apontou como
critérios básicos para a aplicação do art. 139, IV, do CPC nas execuções de obrigações
pecuniárias a subsidiariedade das medidas atípicas, necessidade de contraditório, aplicação da
máxima da proporcionalidade e fundamentação racional da decisão. Discorreu-se sobre cada
um desses critérios no capítulo 5.
Foram identificadas as divergências pontuais verificadas entre os juristas ao tratarem de
cada um dos referidos parâmetros. Realizou-se uma contextualização sobre a máxima da
proporcionalidade, com vistas a demonstrar como esse critério, por resultar em uma necessidade
de ponderação, acaba por representar um retrocesso à discricionariedade do julgador, tal como
ocorria ao tempo do Positivismo Jurídico. Concluiu-se, pois, que não se deve realizar um juízo
de proporcionalidade na interpretação jurídica, mas, sim, um juízo de adequabilidade,
observando-se a história institucional existente sobre a matéria em discussão.
Após realizado um apanhado geral acerca dos parâmetros doutrinários apresentados por
onze dos juristas mencionados ao longo da pesquisa, apresentamos, ao fim do capítulo 5, os
critérios que, em nosso entendimento, deverão necessariamente ser verificados pelo juízo ao
lidar com medidas executivas atípicas de modo geral, a saber: a) medidas executivas atípicas
em obrigações pecuniárias somente podem ser aplicadas em caráter excepcional, após
esgotados os meios típicos, diretos e indiretos, trazidos pela legislação processual,
consubstanciadas em título executivo judicial ou extrajudicial; b) no caso das obrigações
específicas, medidas atípicas podem ser diretamente aplicadas, desde que não contrariem a
legislação infraconstitucional e as normas constitucionais e observem as decisões passadas
sobre a matéria; c) no caso das execuções pecuniárias, não se consideram esgotados os meios
executivos típicos quando houve mera consulta pelo Juízo a sistemas eletrônicos como Bacen
Jud e Renajud, sendo absolutamente necessário o esgotamento de todos os meios tecnológicos
de investigação patrimonial acessíveis ao Juízo; d) a aplicação das medidas coercitivas atípicas
nas execuções pecuniárias exige requerimento pelo exequente, que deve demonstrar, de forma
inequívoca, que o executado possui patrimônio e o oculta voluntariamente; e) o conteúdo da
medida coercitiva deve ser avaliado no caso concreto pelo magistrado, a partir dos argumentos
226

trazidos pelas partes em contraditório, verificando-se a adequabilidade da medida com o


Ordenamento Jurídico e com os precedentes; f) não devem ser utilizadas como medidas
coercitivas atípicas aquelas que já se encontram descritas como penalidade em lei e que
requerem procedimento legal específico para sua aplicação; g) a aplicação da coerção deve ser
precedida de contraditório prévio, momento em que o magistrado deve analisar as matérias de
defesa do executado, sobretudo no tocante aos pressupostos processuais da execução, bem
como as alegações do executado em relação à medida coercitiva propriamente dita; h) não há
necessidade de correlação entre a medida coercitiva e a obrigação executada, desde que a
medida seja adequada ao Ordenamento Jurídico; i) pode haver substituição da medida eleita ou
cumulação de medidas, sem que haja necessidade de novo requerimento do executado, desde
que oportunizado o contraditório; j) deve haver fundamentação consistente e exauriente acerca
da medida a ser deferida, devendo o magistrado demonstrar a observância de todos os critérios
de controle.
Constatou-se, ao final, que a doutrina ainda se mostra cambiante em relação aos
parâmetros suscitados e que as controvérsias doutrinárias vêm se refletindo na jurisprudência
do STJ, gerando divergências de entendimentos nos julgados colegiados, conforme se
demonstrou no capítulo 6. A incerteza em torno da matéria ainda prevalece e causa bastante
insegurança jurídica, pois não se sabe ao certo até onde o Estado-juiz pode chegar quando
invade a esfera jurídica do cidadão.
Os exemplos de coerções pessoais suscitados ao longo da pesquisa não nos deixam
mentir. Parcela da doutrina não descarta nem mesmo a hipótese de prisão civil pelo
descumprimento de ordem judicial, a ser fundamentada no art. 139, IV, do CPC. A resposta ao
segundo problema formulado é, portanto, negativa, ou seja, os parâmetros apresentados, até o
momento, em doutrina e em jurisprudência, não se mostram seguros para afastar a
discricionariedade e permitir o controle da decisão por seus destinatários.
Por consequência, a resposta ao terceiro problema também se mostra negativa até o
presente, ou seja, diante das incertezas que ainda pairam em torno do assunto, a valorização da
coerção pelo sistema processual brasileiro, ao longo das reformas processuais realizadas, ainda
não deu mostras de que a execução se tornou mais eficiente. Empiricamente, conforme se
demonstrou na seção 5.4 deste trabalho, não foram constatadas alterações significativas nas
taxas de congestionamento na fase executiva entre os anos de 2016 a 2018, de acordo com os
dados constantes do relatório anual do CNJ.
Em relação a obrigações específicas, pode até ser que o uso do poder geral de coerção,
utilizado com limites nas disposições constitucionais e respeitados o contraditório e a
227

fundamentação exaustiva da decisão, possa vir a surtir efeitos positivos no futuro. Em relação
à execução de obrigações pecuniárias, por sua vez, essa perspectiva não nos seduz.
Isso porque, quando o que se persegue é o patrimônio daquele que o detém, mas o oculta
voluntariamente, não há evidências de que medidas coercitivas pessoais sejam eficientes para
fazer o dinheiro aparecer. A certeza de que medidas altamente restritivas de direitos
fundamentais serão revogadas em grau recursal acaba por alimentar no devedor a predisposição
em permanecer no inadimplemento.
Essa é a razão pela qual, neste trabalho, se defende que a aplicação de medidas
executivas atípicas na execução de prestações pecuniárias deve ser relegada a último caso, ou
seja, adotando-se o critério da subsidiariedade. Há que se privilegiar, primeiramente, o uso das
medidas coercitivas típicas de protesto do título executivo judicial, se for o caso, e de
negativação do nome do devedor nos cadastros de restrição ao crédito, bem como o uso de
medidas sub-rogatórias previstas em lei para busca e expropriação de bens.
A subsidiariedade, entretanto, precisa ser levada a sério, o que significa que não se deve
considerar esgotadas as tentativas de localização de bens do devedor após consulta simplória
aos sistemas Bacen Jud e Renajud. Tal como se demonstrou ao longo do capítulo 7 desta
pesquisa, o surgimento de novas tecnologias tem repercutido na seara do Direito e contribuído
para o desenvolvimento de outras ferramentas de auxílio aos juristas em diversos aspectos. É
impensável, portanto, que a execução civil permaneça alijada dessa realidade.
Procuramos demonstrar, no capítulo 7, que já existem diversas ferramentas acessíveis
ao Poder Judiciário para rastrear e localizar bens do devedor, a partir de bases de dados oriundas
da Receita Federal e do Banco Central do Brasil que, ou não vêm sendo utilizadas pelos
magistrados na condução das execuções, ou não são exploradas em todas as suas
potencialidades e complementadas por outras requisições que o juiz ainda pode fazer aos
mencionados órgãos. Nessa hipótese, mostra-se falacioso o fundamento de que restou
observado o critério da subsidiariedade quando a investigação patrimonial não foi feita em
profundidade.
Para elucidar, apresentou-se uma lista das ferramentas tecnológicas disponíveis na
atualidade aos órgãos do Poder Judiciário, com descrição de suas funcionalidades, bem como
propostas de requerimentos a serem feitos pelos advogados ao juízo da execução, com vistas a
instigar o órgão jurisdicional a esgotar as possibilidades de investigação patrimonial. Por fim,
apresentamos sugestão de três novos programas a serem pensados e desenvolvidos no âmbito
do Poder Judiciário, com base em algoritmos, para abreviar o trâmite da execução, a saber:
criação de um programa para oferta automática de memória de cálculo, desenvolvimento de um
228

algoritmo para criação de um sistema nacional integrado de bens e criação de uma plataforma
unificada de leilões judiciais a ser utilizada no âmbito dos tribunais.
O uso de medidas coercitivas draconianas para forçar o devedor a pagar pode nos causar
não uma sensação de evolução, mas de retrocesso às premissas do tempo da manus injectio, a
que fizemos referência na seção 3.1 desta pesquisa. É preciso que as energias ora canalizadas
na vingança contra o devedor recalcitrante sejam dispensadas no aprimoramento das
ferramentas tecnológicas de investigação patrimonial e na agilidade da expropriação dos bens,
o que requer conhecimento, persistência e boa vontade por parte do exequente e dos órgãos
jurisdicionais.
A aposta em métodos questionáveis de coerção é, sem dúvida, o caminho mais fácil e
mais barato para o Estado, mas transforma o processo civil em instrumento de vingança, em
contrariedade à sua pretensão democrática de se constituir garantia de direitos fundamentais.
229

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