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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PROCESSUAL

LEONARDO MORORÓ CARVALHO

PRECEDENTE JUDICIAL COMO PARÂMETRO ARGUMENTATIVO: COMO AS


INOVAÇÕES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 COLABORAM PARA A
APLICAÇÃO DOS PRECEDENTES?

FORTALEZA
2017
LEONARDO MORORÓ CARVALHO

PRECEDENTE JUDICIAL COMO PARÂMETRO ARGUMENTATIVO: COMO AS I-


NOVAÇÕES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 COLABORAM PARA A
APLICAÇÃO DOS PRECEDENTES?

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Faculdade de Direito da Universidade Federal
do Ceará, como requisito parcial à obtenção do
Título de Bacharel em Direito. Área de con-
centração: Direito Processual Civil.

Orientador: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado


Segundo

FORTALEZA
2017
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Universitária
Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

C325p Carvalho, Leonardo Mororó.


Precedente judicial como parâmetro argumentativo : como as inovações do Código de Processo Civil
de 2015 colaboram para a aplicação dos precedentes? / Leonardo Mororó Carvalho. – 2017.
180 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito,


Curso de Direito, Fortaleza, 2017.
Orientação: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo.

1. Precedente Judicial. 2. Código de Processo Civil. 3. Fundamentação da Decisão Judicial. 4. Interpretação


Judicial. 5. Argumentação Jurídica. I. Título.
CDD 340
LEONARDO MORORÓ CARVALHO

PRECEDENTE JUDICIAL COMO PARÂMETRO ARGUMENTATIVO: COMO AS I-


NOVAÇÕES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 COLABORAM PARA A
APLICAÇÃO DOS PRECEDENTES?

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Faculdade de Direito da Universidade Federal
do Ceará, como requisito parcial à obtenção do
Título de Bacharel em Direito. Área de con-
centração: Direito Processual Civil.

Orientador: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado


Segundo

Aprovado em: / / .

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo (Orientador)


Universidade Federal do Ceará (UFC)

Prof. Dr. Juraci Mourão Lopes Filho


Centro Universitário Christus (Unichristus)

Profª. Msc. Janaína Soares Noleto Castelo Branco


Universidade Federal do Ceará (UFC)
AGRADECIMENTOS

Não posso começar se não for agradecendo a Deus, bom Pai que me protege, ao
meu Senhor Jesus Cristo, salvador da minha vida, e ao Espírito Santo, amigo e companheiro
diário. Meus agradecimentos não ficaram nisso, fugindo do que observo em outros trabalhos,
pois este trabalho e todos as pessoas posteriormente mencionadas decorrem da existência e
atuação dos três acima.
Ao meu Deus, agradeço por ser bondoso e sempre traçar o melhor para mim (ape-
sar de eu nem sempre fazer o que devo). Ao meu senhor Jesus, pelo maior ato de amor da
história da humanidade, a morte por nós pecadores. Por fim, ao Espírito Santo, sou grato pela
presença, que desejo diariamente, e pelas elucidações que me são dadas.
Em complemento, muitos precisam ser lembrados aqui por auxiliarem direta ou
indiretamente na composição desse estudo.
De início, aqueles que contribuíram de forma direta para que alcançasse o resulta-
do apresentado.
Ao meu orientador, professor doutor Hugo de Brito Machado Segundo, pessoa a
qual já nutria admiração por ser um excelente autor na área jurídica, além de um admirável
professor; um exemplo na forma simples e, ao mesmo tempo, completa que expõem seus en-
sinamentos. Apesar de não ter tido a oportunidade de ser aluno seu na graduação, tive a possi-
bilidade de ter um contato mais próximo nesse momento de fim de curso, o que só fez aumen-
tou minha admiração, pois sempre foi muito atencioso e gentil com minha pessoa, além de
realizar uma orientação dedicada, com muito zelo para enaltecer a minha produção.
Ao professor doutor Juraci Mourão Lopes Filho que, primeiramente, conheci por
meio do seu excelente livro sobre precedentes, que acabou por se tornar uma das obras mais
valiosas (se não, a mais) para a concepção do que escrevi. Depois ainda tive o prazer de parti-
cipar de suas aulas da turma de Teoria dos Precedentes no mestrado do Centro Universitário
Christus, o que só colaborou pelo apreço que sinto por sua pessoa e adicionou grandiosamen-
te, por meio das discussões com participantes da cadeira, o produto final desse trabalho.
À professora, em vias de ser doutora, Janaína Soares Noleto Castelo Branco. Com
certeza, a principal responsável pelo meu interesse inicial pelo ramo do direito processual
civil, porque frutificou, por meio das aulas de Teoria Geral do Processo, a vontade desse alu-
no de conhecer a matéria e que, ainda, tive a oportunidade de ter mais duas disciplinas como
seu aluno (recursos e tutelas provisórias/procedimentos especiais). Ademais, iniciou minha
orientação nesse estudo (bem como em outros), auxiliando com materiais de estudos e conse-
lhos valiosos, somente não chegando ao fim porque teve que se licenciar para elaborar sua
tese que, tenho certeza, será um estudo de referência.
Por fim, mas não menos importante, ao amigo Jefferson de Queiroz Gomes, que
realizou atenciosa revisão de cada palavra constante nesse trabalho e que auxiliou na elucida-
ção de várias dúvidas.
Além desses, tenho que falar de tantos outros.
Primeiramente, minha mãe Carmem, que é a pessoa que me levou aos caminhos
de Cristo e que reflete muito do amor de Deus, sendo, com certeza, a mulher mais forte que já
conheci. Também agradeço à minha irmã Juliana, que apesar dos percalços da vida, segue
firme como um milagre de Deus e a quem tenho muito amor. Ao meu pai Rinaldo, não posso
deixar de mencionar os conselhos dados durante todo meu período universitário e o apoio que
me deu, mesmo os mais simples, como ir comigo a primeira vez até a minha faculdade.
À minha namorada Karina, que me acompanhou durante quase todo o meu tempo
na graduação como uma verdadeira companheira, tenho muitos motivos para ser grato e espe-
ro que Deus sempre ilumine a sua vida e o nosso caminhar.
Também aos meus colegas de graduação. Primeiro começo por meu amigo/irmão
Daniel. Sou grato porque Deus lhe colocou na minha vida com propósito de me trazer para
mais perto dEle, pois eu andava afastado dos caminhos. Além disso, agradeço por ter sido
sempre presente, seja para dar conselhos sobre problemas sérios, seja para compartilhar mo-
mentos de muita alegria.
Ao João, um homem que tive o prazer de ver crescer durante a faculdade por meio
do agir de Deus, que muito me ensinou durante todo esse período e que ainda me ensina. A-
gradeço por todos os momentos de alegria que tivemos.
Ao Saulo, uma das pessoas de melhor coração que já conheci, não posso deixar de
falar o quanto você foi um companheiro nessa jornada e que espero que nossos caminhos
permitam que continuemos próximos.
Ao Gabriel, o Harry, o “NP”, pessoa que tenho certeza que Deus tem algo de mui-
to grande guardado e que tive excelentes momentos juntos. Ao Wilson, sempre me surpreen-
dendo com seu jeito diferente, mas mantendo a camaradagem e a cumplicidade comigo. Ao
Jefferson, com certeza uma das pessoas mais peculiares que já conheci, mas que é extrema-
mente legal e que agradeço, novamente, por todo apoio dado nesse trabalho. Ao Cunha, um
rapaz incrível, que me fez rir várias vezes, que admiro pelo empenho que dedica em tudo que
faz. Ao Pedro, que se revelou um dançarino e que guardo bons momentos, principalmente, o
dia que conheceu minha mãe (sei que ela é muito engraçada mesmo).
À Carol, amiga que fui muito próximo e que tenho um carinho especial, que Deus
sempre esteja olhando seu caminhar e que possamos ter muitas conversas tomando milk-
shake.
A partir de agora tenho medo de esquecer alguém, mas tentarei lembrar do máxi-
mo.
Aos meus chefes de estágio, Giovana de Melo Araújo, Walker Teixeira Dedê e
Pachêco, Alex Feitosa de Oliveira e Márcia Maria Sousa e Silva, agradeço os ensinamentos, a
compreensão, as conversas e os conselhos.
Aos meus companheiros de estágio na DPE e MPE que tive ótimos momentos,
também sou grato.
Às pessoas da DPU, estágio que passei quase dois anos, que gosto tanto que fui
durante minhas férias, não poderei falar nomes porque são mais de trinta pessoas queridas e
não quero cometer a injustiça de esquecer nenhum, mas tenho por todos um carinho especial e
quero que saibam o quanto gosto individualmente de cada.
Aos colegas das aulas do mestrado na Unichristus que fomentaram tantas refle-
xões sobre diversos assuntos abordados nesse trabalho.
À Lara Dourado, José Maria, Leonardo Negreiros, Thúlio Mesquita, Isabelly Cys-
ne e Marcus Vinícius que colaboraram com auxílio direto para desenvolvimento desse traba-
lho, passando valiosas/ajuda informações.
Ao NudiJus e à SONU, grupos de extensão que participei, colaborando muito para
meu amadurecimento e também para o acúmulo de conhecimentos diversos.
À professora Raquel Coelho, pelo aprendizado obtido durante a monitoria da ca-
deira de Constitucional II. Também ao Joshua, à Desirée e à Sabrina que acabei tendo contado
mais próximo devido a monitoria.
Aos demais professores da UFC, em especial aos professores Raul Carneiro Ne-
pomuceno, Glauco Barreira Magalhães Filho e Carlos César Sousa Cintra que colaboram com
meu desenvolvimento nessa monografia, mesmo que indiretamente. Também ao professor e
defensor público federal Filippe Augusto dos Santos Nascimento, pois tenho grande admira-
ção pela pessoa e pelo profissional que é. Ainda, ao professor William Paiva Marques Júnior
pelo seu desempenho extraordinário a frente da Coordenação do Curso, algo que merece mui-
tas congratulações.
Por fim, aos meus colegas de sala e também do restante da faculdade, bem como
os servidores e demais pessoas que tive contato, como Caio e Chuchu, que sabem o porquê
que estão incluídos nesse momento de agradecimento.
“Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas
transformem-se pela renovação da sua mente,
para que sejam capazes de experimentar e
comprovar a boa, agradável e perfeita vontade
de Deus.” Romanos, 12:2
RESUMO

O Código de Processo Civil de 2015 propõe um maior apreço aos precedentes judiciais por
uma série de dispositivos e este trabalho examina como devem ser compreendidas essas ino-
vações da legislação processual dentro do cenário jurídico nacional. A realidade é que o Judi-
ciário vive um momento de muita importância no cenário conturbado que está imerso o Bra-
sil. Exige-se decisões complexas e com grande repercussão sobre a sociedade. Apesar disso,
muitos problemas recaem sobre a prática jurisdicional. Corrupção, muitos processos e poucos
juízes, cultura recursal, protelação processual, jurisprudências defensivas, demora no julga-
mento das causas, ausência de padronização racional dos entendimentos, entre tantos outros
problemas acabam maculando uma prestação judicial em tempo razoável, que seja efetiva e
justa. O Código de Processo Civil de 2015 surge, exatamente, para diminuir alguns desses
problemas. Um dos meios escolhidos é o prestígio aos precedentes judiciais, como forma de
garantir segurança, celeridade e uma melhor decisão judicial. Apesar disso, a comunidade
jurídica brasileira não está acostumada com um uso que consiga consagrar esses objetivos
almejados pela lei. Diante disso, analisa-se nesse estudo como a forma como a legislação pro-
cessual de 2015 colabora com o aprimoramento do uso dos precedentes. Para tanto, inicia-se
com uma exposição sobre as principais tradições jurídicas (civil law e common law), desta-
cando-se que elas são meros reflexos de históricos de características comuns de um conjunto
de sistemas jurídicos e que, atualmente, estão em um processo de modificação e aproximação.
Além disso, apresenta-se como os precedentes passaram a ser importantes dentro de outros
ordenamentos, com foco no fato da vinculação deles ser algo que ocorreu na visão dos juízes
e não na mudança da lei. Apresenta-se os erros no atual cenário brasileiro ao usar precedentes,
evidenciando equívocos na forma como se tomam a jurisprudência, a súmula e a ementa. Es-
clarece-se que o principal defeito é tentar resolver a divergência de entendimentos com uma
percepção impositiva do precedente, adotando-o como o fim das discussões. Explica-se que,
na verdade, os precedentes são decisões judiciais que servem de parâmetro para o futuro e que
são utilizadas por meio de um diálogo do que foi feito e do que será decidido, realçando-se a
importância do raciocínio jurídico elaborado como forma de construir um Direito coerente,
íntegro e justo. Sobre essas premissas, conclui-se que a nova legislação poderá acrescentar
caso sejam aceitos que os precedentes auxiliam na resolução, mas não encerram os problemas
do Direito.
Palavras-chave: Precedente Judicial. Código de Processo Civil de 2015. Fundamentação da
Decisão Judicial. Interpretação Judicial. Argumentação Jurídica.
ABSTRACT

The Civil Procedure Code of 2015 proposes a greater appreciation for judicial precedents
throug a number of provisions, and this paper examines how such innovations of procedural
law should be understood within the national legal framework. The reality is that the Judiciary
lives a moment of great importance in the troubled scenario in which Brazil is immersed. It
requires complex decisions with great repercussion on society. Despite this, many problems
fall on the jurisdictional practice. Corruption, many processes and few judges, recursal cul-
ture, procedural deferral, defensive jurisprudence, delays in judgment of the causes, lack of
rational standardization of understandings, among many other problems end up stamping out
a fair and effective judicial delivery. The Civil Procedure Code of 2015 arrives, exactly, to
diminish some of these problems. One of the chosen means is the prestige to judicial prece-
dents, as a way to guarantee security, celerity and a better judicial decision. In spite of this,
the Brazilian legal community is not accustomed to a use of precedents that is able to conse-
crate these goals sought by the law. Given this, it is analyzed in this study how the processual
legislation of 2015 collaborates with the improvement of the use of precedents. To do so, it
begins with an exposition on the main legal traditions (civil law and common law), emphasiz-
ing that they are mere reflections of historical characteristics common to a set of legal systems
and that, currently, are in a process of modification and approximation. In addition, it is pre-
sented how the precedents became important within other jurisdictions, focusing on the fact
that their connection was something that occurred in the view of the judges and not in the
change of the law. We present the errors in the current Brazilian scenario by using precedents,
evidencing misunderstandings in the way the jurisprudence, the summary and the table are
taken. It is clarified that the main defect is to try to solve the divergence of understandings
with a taxative perception of the precedent, adopting it like the end of the discussions. It is
explained that, in fact, precedents are judicial decisions that serve as parameters for the future
and are used through a dialogue of what was done with what will be decided, emphasizing the
importance of the legal reasoning elaborated as a way to build coherent, upright and just Law.
On these premises, it is concluded that the new legislation may be added if it is accepted that
precedents assist in the resolution, but do not close the problems of Law.

Keywords: Judicial Precedent. Civil Procedure Code of 2015. Opinion. Judicial Interpreta-
tion. Legal Argumentation.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AgInt: Agravo Interno

AG: Agravo

ARE: Agravo Regimental

Art.: Artigo

CC: Código Civil

CF: Constituição Federal

CP: Código Penal

CPC: Código de Processo Civil

DJe: Diário de Justiça Eletrônico

IAC: Incidente de Assunção de Competência

Inq: Inquérito

IRDR: Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas

RE: Recurso Extraordinário

REsp: Recurso Especial

STJ: Superior Tribunal de Justiça

STF: Supremo Tribunal Federal

SUS: Sistema Único de Saúde

TJ: Tribunal de Justiça


SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12

2 QUESTÕES PRÉVIAS: MODELOS JURÍDICOS CLÁSSICOS, ATUAL ESTÁGIO


INTERATIVO E A NECESSIDADE DE APROXIMAÇÃO DO BRASIL AOS
PRECEDENTES..................................................................................................................... 15

2.1 A tradição do civil law e do common law: origens e principais diferenças ............... 15

2.2 A doutrina do precedente judicial e o stare decisis: do respeito sistemático às


decisões anteriores à rígida vinculação aos precedentes ................................................. 27

2.3 Aproximação entre o civil law e o common law e a importância do precedente


judicial para o sistema jurídico brasileiro ........................................................................ 35

3 O PRECEDENTE JUDICIAL E SEUS PRINCIPAIS ASPECTOS ............................... 44

3.1 Afinal, o que é precedente judicial?............................................................................. 44

3.2 Evitando confusões sobre precedentes judiciais ......................................................... 48

3.3 A ratio decidendi como parte principal do precedente ............................................... 57

3.4 Classificação dos precedentes ...................................................................................... 77

4 ATUAL ESTÁGIO DE UTILIZAÇÃO DOS PRECEDENTES NO BRASIL:


PRINCIPAIS INSTITUTOS E OS EQUÍVOCOS NO USO DESTES .............................. 89

4.1 Jurisprudência .............................................................................................................. 90

4.2 Súmula ........................................................................................................................... 94

4.3 Ementa ......................................................................................................................... 103

5 APLICAÇÃO DOS PRECEDENTES E OS CONTRIBUTOS DO NOVO CPC:


ANÁLISE CRÍTICA SOBRE AS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS ................................. 110

5.1 O art. 926 do CPC e a exigência de estabilidade, integridade e coerência: o fim da


jurisprudência lotérica? ................................................................................................... 110

5.2 Entendimento sobre a vinculação do precedente e os incisos do art. 927 do CPC:


solução ou problema? ....................................................................................................... 121

5.3 Fundamentação como a pedra base do uso de precedentes: os fatores


hermenêuticos e argumentativos no trabalho dos juízes, a relevância do contraditório
na formação/utilização dos precedentes e a variação da força destes dentro do sistema
............................................................................................................................................ 138

5.4 Técnicas clássicas do common law e o art. 489, § 1º, VI do CPC: distinguishing,
overruling e situações intermediárias .............................................................................. 148

5.5 A necessidade de publicação da decisão para uma cultura de precedente: o § 5º do


art. 927 do CPC ................................................................................................................. 158

5.6 A razoável duração do processo e o uso de precedentes .......................................... 159

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 161

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 170


12

1 INTRODUÇÃO

Vivemos em um país onde a importância do Judiciário é elevada cada vez mais.


Instabilidade política, crises econômicas, dificuldades na concretização de direitos individuais
e sociais, sensação de inoperabilidade dos serviços públicos, entre outros fatores, fazem com
que a população veja no Judiciário uma salvação de todos os males.
A dificuldade desse pensamento é que este Poder também está sobrecarregado de
problemas. Além de questões ligadas a corrupção de alguns membros, aparecem, entre outros:
(1) a quantidade demasiada de processos sobre poucos julgadores, o que gera demora nos
julgamentos; (2) cultura recursal; (3) protelação processual por parte de certos advogados; (4)
jurisprudências defensivas de certas Cortes; (5) ausência da prática de condenação por
litigância de má-fé; (6) oneração do bem da vida objeto do processo devido ao longo período
para satisfação do provimento; (7) má distribuição de recursos, inclusive de recursos humanos
(pessoas); (8) falta de maquinário, estrutura ou pessoas para viabilizar a prestação
jurisdicional em tempo razoável; (9) trabalho letárgico de alguns magistrados e auxiliares da
Justiça no exercício funcional.
Esses são alguns dos problemas percebidos no trabalho jurisdicional que acabam
maculando, por vezes, uma prestação que conceda o direito a quem é devido e em tempo hábil
para que possa usufruir daquilo concedido.
Nesse cenário conturbado, emerge uma legislação que tenta auxiliar na melhoria
do Judiciário: a Lei n° 13.105/15. Várias mudanças são percebidas nesta legislação se
comparada com a anterior. De início, é apresentado um rol de “normas fundamentais”,
tentando combater certas práticas recorrentes no dia a dia do Judiciário. De destaque, tem-se
as seguintes inovações: a exigência de uma visão cooperativa do processo (art. 6º) em prol de
uma solução integral do mérito com efetividade (art. 4º); um combate a decisões arbitrárias
(art. 10) e sem uma visão colaborativa do processo, no qual as partes devem estar capacitadas
a, no mínimo, causar uma influência no julgador (arts. 7º e 9º); um incentivo aos acordos
judiciais e extrajudiciais (art. 3º); a confrontação de atividades advocatícias temerárias ao
interesse da Justiça e dos jurisdicionados (art. 5º). A novidade mencionada nesses dispositivos
não é algo estranho às exigências que os estudiosos já faziam. O problema é – sempre – a
concretização disto.
Dessa forma, a nova lei já mostra, logo no início, uma tentativa de mudança. Em
continuação, durante todas as suas disposições são visualizadas mudanças, preferencialmente
para tornar os julgamentos mais rápidos, como a improcedência liminar do pedido (art. 332),
13

as tutelas provisórias (arts. 294 a 311) - com destaque para a de evidência -, o aumento de
incumbências ao relator, possibilitando o julgamento monocrático em mais situações (art.
932). Do mesmo modo, querendo-se uma diminuição do tempo de duração dos processos, é
estabelecido um rol de situações que permitem o agravo de instrumento (art. 1.015), além de
técnicas de julgamento de processos com grande repetição nos Tribunais (art. 928). Ainda há
preocupação com uma maior estabilidade e previsibilidade dos provimentos judiciais,
exigindo-se dos juízes e tribunais que observem os entendimentos mais consolidados (art.
927) e que uniformizem suas interpretações (art. 926). Não sendo de menor importância e
como forma de contrabalancear essa celeridade almejada, a Lei prevê exigências quanto à
fundamentação (art. 489).
Em meio a isso surge uma aclamação, por parte dos estudiosos, da figura dos
precedentes judiciais. Os reflexos legais disso são percebidos nas mencionadas previsões
legais. Muitos veem no precedente esse meio para agilizar o julgamento e manter uma
segurança jurídica. Fala-se, também, de técnicas de outros países que adotam os precedentes
judiciais como vinculantes e da importância de seguirmos também.
Apesar disso, questiona-se: como as inovações do Código de Processo Civil de
2015 podem colaborar para a utilização dos precedentes? Esta é a pergunta central em torno
da qual é desenvolvida a pesquisa.
A partir disso é que se pautam os objetivos. O principal ponto é saber como as
normas da nova legislação devem ser tomadas para efetivamente contribuírem para uma
aplicação dos precedentes judiciais no sistema pátrio. Os outros objetivos que serão
desvelados para a compreensão correta do principal são: (1) mostrar como as tradições
jurídicas do common law e do civil law influem na prática jurídica de cada Estado, bem como
explicar o que é, e como surgiu, a vinculação forte aos precedentes e, ainda, se há alguma
influência atual da globalização sobre uma interligação dos sistemas jurídicos; (2) conceituar
precedentes judiciais, elucidar o que eles não seriam, explicar o que é importante neles para
sua aplicação resolutiva de casos futuros e quais diferenças podem ser percebidas entre os
tipos de precedentes; (3) averiguar os meios mais comuns de aplicação dos precedentes no
Brasil e eventuais prejuízos que existam neles, correlacionando ao modo de uso em outros
sistemas jurídicos.
Em decorrência disto, opta-se pela seguinte estruturação: de início, no capítulo 2,
serão abordados o surgimento e as características do modelo jurídico a que o Brasil pertence
(civil law), bem como o dos países que, normalmente, atribuem uma maior importância aos
precedentes. Além disso, serão expostas as linhas gerais de surgimento, dentro desses últimos
14

países, da vinculação ao conteúdo das decisões anteriores. Por último serão explicados os
motivos que podem ocasionar uma mescla entre as tradições jurídicas clássicas.
No capítulo 3 será apresentada a conceituação proposta por este autor com fins de
evidenciar quais pontos são os principais no precedente judicial, como também serão
contrapostas algumas afirmações que, costumeiramente, são relacionadas a estes. Nesse
capítulo também se dedicará uma vasta explicação sobre o que é mais importante no uso dos
precedentes, afastando entendimentos que podem empobrecer sua importância para o Direito.
Por último, classificar-se-á esses com base em diferenças específicas entre sistemas jurídicos,
como também dentro de um mesmo sistema.
O capítulo de número 4 será destinado a evidenciar os meios de utilização dos
precedentes mais recorrentes pelos juristas brasileiros, quais sejam, jurisprudência, súmula e
ementa, com foco em problemas que estes podem apresentar, a partir das noções expostas no
capítulo anterior.
O último capítulo é aquele em que se encontrará uma análise detalhada dos
principais dispositivos da Lei nº 13.105/15 que possam auxiliar numa mudança da cultura
jurídica pátria. Por isso, serão vislumbrados minuciosamente os arts. 926, 927 e 489, § 1º com
o intuito de, ao fim da análise, perceber-se claramente qual a visão necessária sobre a nova
legislação para que os precedentes possam, efetivamente, contribuir para o sistema jurídico
brasileiro.
15

2 QUESTÕES PRÉVIAS: MODELOS JURÍDICOS CLÁSSICOS, ATUAL ESTÁGIO


INTERATIVO E A NECESSIDADE DE APROXIMAÇÃO DO BRASIL AOS
PRECEDENTES

A análise sobre os modelos jurídicos do common law e do civil law é algo


considerado desnecessário por parte dos estudiosos. Apesar disso, acredita-se que há dois
fatores importantes que justificam esse tópico prévio.
O primeiro é que no Brasil, pela cultura do apego à lei, muitos juristas têm
dificuldades de compreender como os precedentes judiciais podem contribuir de fato para o
sistema jurídico, pois não compreendem como estes surgiram e se tornaram vinculantes na
tradição jurídica do common law. O segundo é evidenciar que as tradições jurídicas, tanto do
civil law quanto do common law, não impossibilitam um intercâmbio de institutos, os quais
podem auxiliar na melhoria do sistema jurídico nacional, não só sobre uma visão dogmática,
mas, também, sobre a percepção teórica.
São questões prévias, pois precisam ser desmistificadas aos juristas brasileiros
para que sejam possíveis compreender o objetivo principal deste estudo. Dessa forma,
indispensável compreender cada uma das famílias (civil e common law), bem como o que é
stare decisis e como se deu sua formação, além de como está ocorrendo o processo de
aproximação entre as tradições jurídicas que modificam a forma do jurista brasileiro de pensar
o direito, o que deve continuar após a imersão da Lei nº 13.105/15 – o novo Código de
Processo Civil.

2.1 A tradição do civil law e do common law: origens e principais diferenças

De início, coloca-se o seguinte: o Brasil é, normalmente, afirmado como um país


de sistema de civil law1. Isto significa que o sistema jurídico pátrio dá um valor normativo

1
Por todos, cita-se: PUGLIESE, William. Precedentes e a civil law brasileira. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016, p. 16. E-Book. ISBN 978-85-203-6982-1. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de.
Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual do brasileiro: os precedentes
dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p. 44. SOUZA, Marcelo Alves Dias de.
Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006, p. 39. ZANETI JR, Hermes, PEREIRA,
Carlos Frederico Bastos. POR QUE O PODER JUDICIÁRIO NÃO LEGISLA NO MODELO DE
PRECEDENTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015? Revista de Processo, v. 257, p. 371-388,
2016, p. 374.
16

muito robusto à lei escrita, pautando-se no primado da legalidade2 como forma de garantia de
isonomia de tratamento.
Apesar disso, a diferenciação entre sistemas de tradição do civil law e de tradição
do common law já não é algo tão fácil de perceber, porquanto os ordenamentos jurídicos
produzem influências um nos outros, algo decorrente da intensidade da globalização no seu
estágio atual3.
Dessa forma, explicitar, de forma sucinta, a origem e o significado dessas distintas
tradições (civil law e commom law) é essencial para o entendimento geral do que é o
precedente e, principalmente, de sua utilização dentro de um sistema jurídico. Isso porque,
como explica William Pugliese4, não só no Brasil, mas também em diversos outros locais, os
estudiosos do Direito realizam tal distinção e utilizam a importância dada aos precedentes
judiciais como principal fator de diferenciação entre os sistemas.
Cabe anotar, inicialmente, algo válido para ambas as famílias5. Suas
características são consequências das necessidades comuns observadas em cada sociedade, de
forma que, ao tentar solucionar estes problemas, os sistemas jurídicos de cada Estado acabam
apresentando respostas próximas, como será detalhado. Em outras palavras, “os grandes
sistemas Civil law e Common law não são produtos de uma elaboração doutrinária, nem
teórica, mas sim [...], dos ‘aprinchos da história’”6 (grifos no original).
Nesse contexto, é oportuno mencionar que o que existem são tradições7, das quais

2
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 2.
Maurício Ramires diz que a visão do Brasil da lei (no sentido de produção legislativa de normas) como núcleo
central do sistema jurídico vai além de uma constatação histórica sobre a pertença à tradição romano-germânica,
pois “trata-se, antes, de uma leitura da Constituição Federal, que, no inciso II do seu artigo 5º, estabeleceu que
‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’”. RAMIRES, Maurício.
Crítica à aplicação de precedentes no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 61.
3
Com pensamento similar, Sérgio Porto ao dizer que “hodiernamente, em face da globalização [...] observa-se
um diálogo mais intenso entre as famílias romano-germânicas e a da common law, onde uma recebe influência
direta da outra”. PORTO, Sérgio Gilberto. Sobre a common law, civil law e o precedente judicial. Estudos de
Direito Processual Civil em homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p. 8. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/sergio%20porto-formatado.pdf>.
Acesso em: 10 nov. 2017.
4
O mencionado autor utiliza o exemplo da França como local onde se realiza tal diferenciação de forma clara.
PUGLIESE, William. op. cit. p. 15. Sobre o uso de precedentes no direito francês ler: TROPER, Michel;
GRZEGORCZYK, Christophe. Precedent in France. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S.;
GOODHART, Arthur L. Interpreting precedents: a comparative study. Great Britain: Aushgate Publishing
Limited, 1997, p. 103-140.
5
Alguns autores também utilizam o termo “família”, tomando-se como exemplo Jaldemiro Rodrigues de Ataíde
Júnior, expressão que no meu entender é similar à tradição. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit.
p. 20-21.
6
DANTAS, Ivo. Novo direito constitucional comparado. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 145 apud ATAÍDE
JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 24.
7
Além dessas duas famosas tradições, pode-se destacar outras. John Henry Merryman coloca entre as grandes
tradições jurídicas, junto com a tradição do direito civil (civil law) e do direito comum anglo-saxão (common
17

fazem parte diversos sistemas8, conforme explica Hermes Zaneti Jr.:


Adota-se aqui a denominação “tradição” proposta por Merryman em substituição à
denominação “sistema”, proposta por René David. Essa atitude impõe-se para evitar
a confusão entre os modelos apresentados e os sistemas jurídicos internos, bem
como para facilitar a aproximação das linhas mestras dos diversos sistemas
nacionais.
Tradição é entendida aqui justamente como uma comunhão peculiar que permite
falar de sistemas jurídicos muito diversos entre si (como o da França e o da
Alemanha) como pertencentes ao mesmo grupo. Tradição, portanto, não se refere a
um conjunto de regras de direito [...], servindo mais para identificar um conjunto de
atitudes fundamentais, profundamente arraigadas, historicamente condicionadas,
sobre a natureza do direito, sobre o papel na sociedade e no corpo político, sobre as
operações adequadas de um sistema legal, sobre a forma que se faz ou se deveria
fazer, aplicar, estudar, realizar e ensinar o direito.9 (grifos no original)

Ao mencionar Merryman, o autor faz menção ao fato deste enunciar que “a


tradição jurídica relaciona o sistema jurídico com a cultura da qual este é uma expressão
parcial. Coloca o sistema jurídico dentro da esfera cultural”10, ou seja, tanto o civil law quanto
o common law expressam culturas jurídicas que são as bases de diversos sistemas, auxiliando,
inclusive, na compreensão destes.
Assim, a tradição não deve e nem pode servir como limitadora a avanços em um
sistema jurídico, posto que a sociedade contemporânea se vê em confronto com diversos
desafios inusitados em tempos pretéritos, não podendo o Direito ficar limitado a
características de um certo modelo jurídico.

law), o direito socialista, o qual teria surgido a partir da Revolução Socialista, pois anteriormente o Império
Russo tinha como tradição o direito civil. MERRYMAN, John Henry. La tradición jurídica romano-canónica.
Tradução de Carlos Sierra. México: Fondo de Cultura Económica, 1971, p. 18. Já Rene David e Mario Losano
destacam outras tradições como a muçulmana, a indiana e a do extremo-oriente (Ásia Oriental). DAVID, René.
Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 2. ed. Lisboa: Meridiano,
1978, p. 469-598. LOSANO, Mario G. Os grandes sistemas jurídicos: introdução aos sistemas jurídicos
europeus e extra-europeus. Tradução de Marcela Varejão. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 399-542.
8
Segundo Merryman, um sistema jurídico “é um corpo operacional de instituições, procedimentos e normas
jurídicas. Nesse sentido, existe um sistema jurídico federal e cinquenta sistemas jurídicos estaduais nos Estados
Unidos; outros sistemas jurídicos distintos em cada nação estrangeira e, inclusive, sistemas jurídicos diferentes
em organizações como a Comunidade Econômica Europeia e as Nações Unidas. Em um mundo organizado em
estados soberanos e organizações internacionais podem haver tantos sistemas jurídicos quanto existam estados e
organizações estatais”. No original: “es un cuerpo operativo de instituciones, procedimientos y normas jurídicas.
En este sentido existen un sistema jurídico federal y cincuenta sistemas jurídicos estatales en los Estados
Unidos; otros sistemas legales distintas en cada nación extranjera e incluso otros sistemas legales distintos en
organizaciones tales como la Comunidad Económica Europea y las Naciones Unidas. En un mundo organizado
en estados soberanos y en organizaciones de estados puede haber tantos sistemas jurídicos cuantos estados y
organizaciones de estados existan”. MERRYMAN, John Henry. op. cit. p. 13.
9
ZANETI JR, Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente
vinculantes. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 31. No mesmo sentido: STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD,
Georges. O que é isto - o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2015, p. 20-21.
10
Em tradução livre: “la tradición jurídica relaciona el sistema jurídico con la cultura de la cual es una
expresión parcial. Coloca al sistema jurídico dentro del ámbito cultural”. MERRYMAN, John Henry. op. cit. p.
15.
18

Passa-se a expor um pouco da formação de cada tradição. De início, cabe ressaltar


que não é possível determinar um momento exato para o surgimento da tradição do civil law
por duas razões:
[...] primeiramente, depende do preenchimento conceitual do que é civil law,
levando ou não em conta fatores como a contribuição do direito canônico ou
germânico, fatores estes que alteram a data de sua formação; mais importante, parte
do pressuposto de uma tradição ‘pronta’ ou ‘já formada’, o que é um erro, uma vez
que a ideia de civil law serve para representação de vários sistemas jurídicos, que
estão em constante transformação.11

Apesar disso, tenta-se sintetizar as principais causas de sua formação. O civil law
advém da tradição romana12, sendo mencionado, costumeiramente, que a sua origem
embrionária recai no Corpus Juris Civilis13. Esse documento foi uma compilação dos diversos
textos jurídicos existentes na época14 realizada pelo imperador Justiniano com dois intuitos
principais: o primeiro foi fortificar o direito romano, pois o considerava decadente em
decorrência da numerosa quantidade de textos contraditórios existentes15, enquanto o segundo
é decorrência da última afirmação, já que o imperador almejava uma maior certeza no
entendimento do Direito16, de modo a evitar trabalhos interpretativos por parte dos
aplicadores deste. Dessa última situação surge algo marcante para o civil law: dogma “que o
juiz somente aplica a lei, sem interpretá-la”17.

11
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 31.
12
Lucas Buril de Macêdo destaca que dois termos são utilizados como sinônimos de tradição do civil law:
tradição romano-germânica e tradição romano-canônica. Apesar disso, destaca diferenças entre eles
mencionando que o “termo civil law remete ao Corpus Iuris Civilis, publicado entre 529 e 534 (sic) referindo-se
basicamente à experiência românica; os outros dois nomes pressupõem outros dados históricos, especificamente
a influência do direito germânico do usus modernus, que se consolida por voltar do século XVI, e da ordem
jurídica pré-canônica e do direito canônico [...], que muito influenciaram o direito europeu já no século XI e
especialmente no XII.”. MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil.
Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 29. Somente a título de curiosidade, o termo usus modernus remete a um
momento da história da ciência do direito na Europa, principalmente dos estudos na Alemanha, no qual esta
teoria permitiu uma discussão sobre os fundamentos de validade do Corpus Iuris e, por consequência, a
formação de instituições jurídicas apartadas daquelas típicas dos textos romanos. WIEACKER, Franz. História
do Direito Privado Moderno. Tradução de A. M. Botelho Hespanha. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980,
p. 226-229.
13
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 29. PUGLIESE, William. op. cit. p. 18.
14
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e
common law. Revista de processo. v. 172, p. 121, 2009. p. 2 da versão digital. Disponível em:
<http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/estabilidade_e_adaptabilidade_como_objetivos_do_direito_civil.pdf
>. Acesso em: 21 mai. 2017.
15
MERRYMAN, John Henry. La tradición jurídica romano-canónica. Tradução de Carlos Sierra. México:
Fondo de Cultura Económica, 1971, p. 23-24.
16
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 30.
17
PUGLIESE, William. op. cit. p. 18.
19

Após o término do Império Romano, o direito na Europa passa por um momento


de aplicação mista do direito romano e dos costumes próprios dos povos bárbaros18, somente
retornando a preocupação por um estudo unificado de leis por volta do século XII, através das
universidades recém criadas19, nas quais são elaboradas glosas, isto é, interpretações sobre o
texto – principalmente sobre Corpus Juris Civilis – para que o juiz aplique corretamente o
Direito20, formando o jus commune – direito comum europeu21.
Apesar disso, o momento que mais se identifica como formador das principais
características atribuídas ao que se diz civil law é aquele no qual sobreveio com a Revolução
Francesa22:
Parece que este é o momento em que se percebe de maneira mais nítida a origem real
da estrutura do sistema de civil law. Esta passagem do poder do monarca para a
Nação foi simbolizada pela Revolução Francesa, ambiente no qual nasceu a base do
estilo de raciocínio jurídico dos sistemas de civil law. 23

Com o processo de formação dos Estados-Nação europeus a partir,


principalmente, do século XV, emergiu o absolutismo monárquico como forma de garantir o
poder unificado e fortalecer a nação24. Essa grande concentração de poder, somada a uma

18
Sobre esse momento de “mescla” no direito, Merryman menciona: “Con la caída del Imperio Romano el
Corpus Juris Civilis cayó en desuso. Los invasores aplicaron a los habitantes de la península italiana versiones
del derecho civil romano que eran más burdas y menos refinadas. Los invasores también llevaron consigo sus
propias costumbres. [...] Con el correr de los siglos esta mezcla produjo lo que los europeos llaman todavía un
derecho romano "vulgarizado" o "barbarizado" y que aún tiene interés primordial para los historiadores del
derecho”. Numa tradução livre: “Com a queda do Império Romano o Corpus Juris Civilis caiu em desuso. Os
invasores aplicaram aos habitantes da península italiana as versões do direito civil romana que eram mais cruas e
menos refinadas. Os invasores também levaram consigo seus próprios costumes. [...] Ao longo dos séculos, esta
mistura produziu o que os europeus ainda chamam de direito romano "vulgarizado" ou "barbarizado" e ainda tem
interesse primordial para os historiadores do direito”. MERRYMAN, John Henry. op. cit. p. 25-26.
19
DAVID, René. op. cit. p. 61.
20
Lucas Buril de Macêdo, inclusive, informa que alguns apontam que a origem da tradição do civil law estaria
vinculada com o surgimento das universidades. MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito
processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 33.
21
Sobre o jus commune, Merryman explica que: “De este modo, el derecho civil romano y las obras de los
Glosadores y de los Comentadores llegaron a ser la base de un derecho común europeo que los historiadores del
derecho llaman actualmente jus commune. Existía un cuerpo común de leyes, una manera común de escribir
acerca del derecho, un lenguaje legal común y un método de enseñanza y de estudio también comunes”. Em
tradução livre: “Deste modo, o direito civil romano e as obras dos Glosadores e dos Comentadores tornaram-se a
base de um direito europeu comum que os historiadores do direito chamam atualmente de jus commune. Existia
um corpo comum de leis, uma maneira comum de escrever sobre o direito, uma linguagem jurídica comum e um
método comum de ensino e estudo”. MERRYMAN, John Henry. op. cit. p. 27.
22
Alguns dos autores que destacam isso: ZANETI JR, Hermes, PEREIRA, Carlos Frederico Bastos. op. cit. p.
373. MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 2.
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 24.
23
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. op.cit. p. 3.
24
MERRYMAN, John Henry. op. cit. p. 28.
20

ordem econômica de caráter feudal, ocasionava severos reflexos na ordem jurídica e na


atuação dos juízes25.
Neste contexto, Merryman destaca que houve um certo abandono do direito
comum europeu e criação de direitos nacionais próprios de cada nação 26. Ademais, nesse
período, os cargos judiciários eram considerados verdadeiras propriedades 27. Os juízes
atuavam, em sua grande maioria, para manter o status quo, não existindo uma distinção entre
a aplicação e a criação da lei28.
Assim, após a Revolução Francesa, os seus instituidores objetivaram uma divisão
de poderes rígida – principalmente, entre o legislativo e judiciário – com base nos estudos de
Montesquieu, bem como foi dada grande importância à lei escrita com fundamento em
Rousseau, pois esta representaria a vontade do povo29.
Nesta separação, caberia ao Legislativo codificar o Direito da forma mais
completa possível, enquanto os juízes somente o aplicariam por mera subsunção 30, em uma
tendência formalista-interpretativa (“a ideia de que a lei possui uma vontade concreta passível
de declaração”)31, sem atitude interpretativa expansiva, ou seja, sem a necessidade de
“pensar” o direito, sendo a “bouche de la loi” - a boca da lei32.
Nesse contexto se firma a tradição do civil law, a qual se manifesta em países da
Europa Continental e, via de regra, também naqueles colonizados por estes 33, sendo
caracterizado, tradicionalmente, por uma forte importância ao primado da lei – normalmente,
externada em códigos –, bem como por uma afirmação de que o juiz declara o direito, e não o
cria34, pois isto cabe ao legislador. Por decorrência disso é correto afirmar que, mesmo nos

25
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 22.
26
MERRYMAN, John Henry. op. cit. p. 28.
27
Ibidem, p. 37.
28
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 22-23. Aqui se destaca uma posição criativa do juiz
francês, vista de forma diferente do juiz inglês – como ficará melhor detalhado posteriormente –, pois na França
o juiz trabalhava nas regalias dadas pelo poder vigente, prejudicando, muitas vezes, a grande massa
populacional, o que explica, pelo menos como um dos motivos, a repugnância futura no sistema francês a ideia
de criação do direito por meio do trabalho jurisprudencial.
29
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 28.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. op.cit. p. 3.
30
Marinoni conclui que “Assim, conferiu-se o poder de criar o direito apenas ao Legislativo. A prestação judicial
deveria se restringir à mera declaração da lei”. MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as
jurisdições de civil law e de common law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da
Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 29.
31
ZANETI JR, Hermes, PEREIRA, Carlos Frederico Bastos. op. cit. p. 376.
32
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. op. cit. p. 3.
33
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 19.
34
Ibidem, p. 30.
21

tempos atuais no qual é aceita a importância da produção jurisprudencial 35 – conforme será


detalhado no prosseguimento deste estudo –, a jurisprudência e, por consequência o
precedente, é utilizada, na maioria das vezes, de forma atrelada a previsão normativa
legislativa, o que não significa algo ruim por si só36.
Por fim, relembra-se que o civil law é manifesto em Estados com sistemas
jurídicos complexos e diferenciados, os quais são ligados por algumas semelhanças – algo que
difere da tradição do commom law37, que em sua origem tinha a Inglaterra como única
representante, somente tendo uma diferenciação de sistemas a partir da utilização do common
law pelos Estados Unidos38.
Se a exposição histórica e a apresentação do que é o civil law é importante para
compreender o pensar jurídico brasileiro, explicar um pouco do histórico do common law e
relatar seus elementos é fundamental para compreender o uso dos precedentes dentro do
Judiciário.
Antes de iniciar o estudo, menciona-se que o termo common law é utilizado pela
doutrina de forma diversa39. Para fins do presente estudo, utiliza-se no sentido de família que
se contrapõe ao civil law.
Dessa forma, continuando a exposição, primeiro deve se destacar, como dito, que
o common law surge na Inglaterra40. Seus traços iniciais são vistos a partir da conquista da

35
Nesse sentido, Taruffo e Torre ressaltam que na Itália – país de tradição civil law e com modelo jurisprudência
semelhante ao do Brasil – “na prática das decisões judiciais, o uso de precedentes agora é certamente importante.
As últimas décadas viu-se uma grande expansão no uso de precedentes e agora eles são empregados como uma
das principais bases das decisões judiciais. [...] Não há dúvida de que os precedentes são, de longe, o ‘material de
justificação’ mais importante usado nas decisões judiciais”. No original: “In the practice of judicial opinions, the
use of precedents is now certainly major. The last decades have seen a great expansion in the use of precedents,
and they are now employed as one of the main bases of every judicial decision. [...] There is no doubt that
precedents are now by far the most important justificatory material used in judicial opinions”. TARUFFO,
Michele; TORRE, Massimo La. Precedent in Italy. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S.;
GOODHART, Arthur L. Interpreting precedents: a comparative study. Great Britain: Aushgate Publishing
Limited, 1997, p. 152.
36
Lenio Streck e Georges Abboud que nos sistemas “partidários” do civil law há uma prevalência do trabalho
normativo legislado, assim “apenas é possível aferir-se a importância da jurisprudência se levarmos em conta sua
relação com a lei”, o que, ressalta-se, não é algo maléfico por si só. O precedente pode – e na realidade é sua
principal função – ser usado como uma forma de se saber como é possível interpretar o Direito no caso concreto.
O problema reside se se acreditar que o juiz não exerce um trabalho hermenêutico. STRECK, Lenio Luiz;
ABBOUD, Georges. op. cit. p. 36.
37
MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 49.
38
Destaca-se que o common law, se entendido como direito composto por costumes, somente é parcela do atual
Direito inglês, bem como do Direito norte-americano. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais
no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 126-127.
39
Para saber mais sobre os diversos sentidos atribuídos ao common law, ver: SOUZA, Marcelo Alves Dias
de.op. cit. p. 39-40. MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 52-53.
40
SOUZA, Marcelo Alves Dias de.op. cit. p. 57. Segundo René David, o common law não é o direito do Reino
Unido ou da Grã-Bretanha, mas, sim, e somente, o direito da Inglaterra e do País de Gales. DAVID, René. op.
cit. p. 329.
22

região pelos Normandos em 106641, o que ocasionou modificações sociais e políticas,


acarretando, de tal forma, uma crise de insegurança jurídica, pois “o direito costumeiro inglês
manteve-se juntamente com o direito feudal recém-trazido do continente”42.
Depois disso, o common law passa por um processo de construção contínuo e
gradual43. René David destaca quatro momentos na história do direito inglês:
O primeiro, é o período anglo-saxônico, anterior à conquista normanda de 1066. O
segundo, é o período de formação do common law, que vai de 1066 ao advento da
dinastia dos Tudors (1485), no qual se desenvolve, em substituição aos costumes
locais, um sistema de direito novo, comum a todo o reino. O terceiro, é o período de
rivalidade com a equity, que vai de 1485 a 1832, sendo marcado pelo
desenvolvimento, ao lado do common law, de um sistema complementar, e as vezes
rival, que se manifesta nas “regras de equidade”. O quarto, é o período moderno, que
começa em 1832 e continua até os dias de hoje, no qual o common law teve que
observar um desenvolvimento sem precedentes da lei [...]. 44

Destaca-se algo muito importante. Diferente do que ocorreu no restante da


Europa, não houve na Inglaterra uma aceitação predominante45 do direito romano como um
direito comum para afastar os inseguros direitos locais e regionais (jus commune), isso
porque, nesse local ocorreu um processo natural de formação de um direito costumeiro
aplicável a toda o reino, por meio da atuação dos tribunais46-47. O juiz tinha o papel de
identificar as práticas sociais da comunidade para utilizar nos casos. Assim, formou-se o
common law como o direito costumeiro dos tribunais, ou seja:
“[...] os juízes que, com suas sentenças, acabaram criando o Common Law. Esse é,
portanto, um direito consuetudinário, mas num sentido especial: o costume que é

41
MERRYMAN, John Henry. op. cit. p. 17. LOSANO, Mario G. op. cit. p. 324. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro
Rodrigues de. op. cit. p. 24. MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 46. PUGLIESE, William. op. cit. p. 24.
42
Para entender mais sobre essas modificações ver: MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o
direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 46-48.
43
Para ver todo o histórico do surgimento do common law: DAVID, René. op. cit. p. 330-352.
44
DAVID, René. op. cit. p. 331.
45
Usa-se a palavra “predominante”, pois, conforme explicam Streck e Abboud, não é pela simples utilização do
direito romano que o civil law e o common law são diferenciados. Na verdade, existe uma gradação na aceitação
do direito romano em cada uma das tradições. Na origem, os países de direito escrito consideravam seus
costumes como iura propria, isto é, direito especiais, contudo com aplicação subsidiária, enquanto que, no
direito consuetudinário, o direito romano é que era visto com este aspecto subsidiário, numa perspectiva de ratio
scripta (como um “argumento escrito” numa tradução literal). STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. op.
cit. p. 22-23.
46
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 51-52. DAVID, René. op. cit. p. 334. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a
justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 4. Mario G. Losano coloca a
seguinte explicação para a não aceitação do direito romano no sistema inglês: “a unidade jurídica, a centralização
judiciária e a homogeneidade da classe forense explicam por que o direito romano não foi adotado na Grã-
Bretanha, mesmo sendo favorecido pelas dinastias dos Tudor e dos Stuart. Enquanto na Alemanha a divisão em
pequenos Estados tornava indispensável aceitar o direito romano como mínimo denominador comum jurídico, a
Grã-Bretanha já possuía o seu direito comum”. LOSANO, Mario G. op. cit. p. 327.
47
A partir da concepção que o common law surge nos tribunais, Souza destaca a importância de conhecer a
organização judicial da Inglaterra e dos Estados Unidos, o que pode ser visto de forma detalhada nos capítulos 6
e 7 do seu livro, respectivamente. SOUZA, Marcelo Alves Dias de. op. cit. p. 57-102.
23

fonte desse direito não nasce do comportamento popular, e sim do comportamento


dos juízes”48 (grifos no original).

A principal característica desse direito reside no chamado case law, ou seja, um


“direito de casos” – traduzindo-se a grosso modo.
Muito importante para entender essa tradição que deu origem ao uso mais fiel dos
precedentes é compreender a equity. Esse sistema existiu em paralelo aos tribunais de
common law, sendo uma tentativa do rei de centralizar o poder49. Nesse contexto, apesar de
não ser tão abrupta como a que aconteceu na França, há uma importante revolução para
entender o common law. Trata-se da Revolução Gloriosa de 1688, a qual, todavia, “jamais
teve a pretensão de criar um novo direito, de anular os poderes dos juízes e subjugá-los ao
Legislativo”50. Tal revolução, na verdade “pautou-se pela afirmação do common law contra o
rei, e seus princípios davam ao Judiciário condição para controlar os atos legislativos, já que o
parlamento [...] também se encontrava submetido ao commom law”51.
Ademais, diferente da França, onde o Judiciário foi visto como um escudo de
proteção do absolutismo e daqueles que queriam manter esse regime52, na Inglaterra não
houve sensação de desconfiança, pois “na Inglaterra, o juiz esteve ao lado do parlamento na
luta contra o arbítrio do monarca, preocupando-se com a tutela dos direitos e das liberdades
do cidadão”53.
Assim, no common law há uma maior importância para a função desempenhada
pelo juiz na construção do direito54, pois entende-se que a decisão judicial, a partir dos casos
apresentados, constituem uma fonte de grande relevância para solução de casos futuros55.

48
LOSANO, Mario G. op. cit. p. 325.
49
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo.
2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 38.
50
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 28.
51
Idem.
52
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo.
2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 34.
53
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 18.
Lucas Buril de Macêdo falando sobre a figura do Judiciário historicamente no common law diz “os juízes
acabam sendo vistos como heróis culturais [...] o Judiciário é uma das instituições mais respeitadas e, nas
vicissitudes históricas, manteve-se ao lado das reivindicações populares ou em posição neutra”. MACÊDO,
Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 55.
54
No common law existiram discussões sobre o juiz declarar ou construir o direito, conforme sintetizado: “A
teoria meramente declaratória do common law consistia na afirmação de que juízes não criavam direito, mas tão
somente descobriam e declaravam o common law. Esta doutrina foi alvo de ácidas críticas proferidas por Jeremy
Bentham e John Austin [...] Desde então, a teoria positivista do Common Law adotou uma teoria constitutiva da
jurisdição, segundo a noção de que juízes efetivamente criam direito através dos precedentes judiciais e a eles
estão submetidos, o denominado law making-authority”. ZANETI JR, Hermes, PEREIRA, Carlos Frederico
Bastos. op. cit. p. 374. Quanto a contribuição dos positivas para a noção que os juízes se sentem submetidos ao
direito por eles criados – isto é, o stare decisis –, Neil Duxbury expõe que, apesar de Betham e Austin realmente
24

A afirmação anterior, contudo, não torna correto o pensamento de que não existe
importância às leis. Os Estados Unidos, por exemplo, apesar de integrantes da tradição anglo-
saxônica, têm uma intensa produção legislativa e os tribunais devem aplicar a lei 56, o que
também é algo comum na Inglaterra atual57. Lopes Filho vai além, aclarando que a tradição
inglesa, apesar de focada na atividade do juiz, nunca negou importância à produção normativa
do parlamento, ressalvando que esta tem uma função diferente se comparada com os países de
tradição de direito legislado58. Portanto, nos países da família do common law há também
observância das leis. Assim, a principal diferenciação recai sobre a liberdade do ato de julgar:
No common law, não é permitido ao magistrado negar-se a cumprir a lei. O que
ocorre é que essa tradição jurídica é mais aberta e flexível quanto a essa questão,
justamente em virtude da posição e da função exercida pela lei que, além de não ser
considerada a principal forma de manifestação e desenvolvimento do próprio direito,
atua de forma mais restrita, respeitando a terminologia jurídica e as divisões
tradicionais das matérias.59 (grifos no original)

Com a explanação sobre o surgimento e um pouco do que é cada sistema, passa-se


a relatar algumas características normalmente atribuídas a estes, aproveitando para
desmistificar algumas afirmações comuns na seara jurídica.
A primeira correlaciona-se com a função do juiz, sendo preciso uma análise mais
detalhada. A questão seria a criação do direito por meio da atividade jurisdicional. No direito

criticarem a concepção de um juiz como “boca da lei”, não foi, segundo opina o mencionado autor, pelo
positivismo clássico que os precedentes judiciais passaram a ter uma autoridade que exigia que fossem
observados em casos futuros, até porque “[...] o positivismo clássico não tinha o aparato conceitual para explicar
como um precedente poderia ser considerado vinculativo para os futuros julgadores” ou, no original, “classical
positivism lacked the conceptual apparatus to explain how a precedent might be considered binding on future
decision-makers”. DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge
University Press, 2008, p. 37-40.
55
DAVID, René. op. cit. p. 386. Sobre as fontes no direito inglês Teresa Wambier, ao mencionar Rupert Cross e
J. W. Harris, esclarece que “hoje, o direito inglês é composto de dois elementos principais: common law
(incluindo a equity) e lei escrita. É importantíssimo salientar que o sistema de precedentes vinculantes se aplica,
no common law, mesmo quando o juiz decide com base na lei”. CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in
English Law. 4. ed. Clarendon Law Series. Oxford: Clarendon, 1991, p. 5 apud WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim. op. cit. p. 5.
56
Marinoni afirma: “A suposição de que, nos Estados Unidos, a produção legislativa do direito é baixa, o que
impõe a sua criação pelos juízes, não só é falsa, como produz enganos em termos de direito comparado. É
provável que um estado típico dos Estados Unidos tenha tanta legislação quanto um país europeu ou latino-
americano, a qual obviamente deve ser aplicada e interpretada pelos juízes. Note-se, portanto, que, ainda que se
possa admitir que o common law, na sua origem inglesa, era complementado pelo Legislativo, ou que a atuação
do Legislativo era aí pouco intensa, a existência de lei não se opõe ao common law [...]”. MARINONI, Luiz
Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a necessidade de respeito
aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 19.
57
PUGLIESE, William. op. cit. p. 27.
58
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo.
2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 33.
59
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. op. cit. p. 38.
25

inglês ficou consagrada a expressão judge-make law60, isto é, o juiz faz o direito, o que se
contrapõe ao civil law, no qual o juiz seria la bouche de la loi61, somente declarando o direito.
Essa relação entre as tradições e as teorias constitutivas ou declaratórias do direito
nunca foi estanque62. Desse modo, no decorrer dos séculos ambas as tradições chegaram a
mudar a percepção da função do juiz como mero declarador ou, de modo oposto, criador do
direito, isto é, os países, por exemplo, de tradição do common law já acreditaram em um juiz
como um “revelador” dos costumes – “oráculo do direito”63. Assim, somente é correto
entender que o common law tem a marca da criatividade e o civil law da declaração se
compreendido que se trata de um recorte sobre um período que marcou a percepção atual
sobre a função histórica dos juízes nessas tradições.
Além disso, atualmente a doutrina vem falando que nenhuma das duas concepções
é aplicável de forma plena em nenhum sistema jurídico, independentemente de ser de
common law ou de civil law. A razão disso reside nos seguintes fatos: (1) o sistema de
controle constitucional que emergiu no civil law e possibilita ao juiz controlar a aplicação da
lei a partir de uma análise constitucional64; (2) a criação no common law não se dá de forma
arbitrária, pelo contrário, em diversos casos o juiz está atrelado a precedentes anteriores,
necessitando afastá-los para poder “criar” o direito, além do que, normalmente, o juiz terá que
observar normas legislativas preexistentes no sistema65; e (3) os juízes, mesmo do civil law,
quando diante de cláusulas abertas e conceitos jurídicos indeterminados têm nítida
necessidade de realizar uma interpretação e uma argumentação mais abrangente para alcançar
o significado das normas contidas naqueles conceitos e cláusulas66.

60
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 27. Jeremy Bentham, jurista inglês do século XVII e
XIX, por exemplo, acreditava que o case law era um grande equívoco, pois permitir ao juiz criar o direito
significaria uma concessão de um direito arbitrário. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. op. cit. p. 73.
61
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 39.
62
SOARES, Guido Fernando Silva. Estudos de Direito Comparado (I) - O que é a "Common Law", em
particular, a dos EUA. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 92, 1997, p. 182.
63
Thomas da Rosa de Bustamante, bem como Juraci Mourão Lopes Filho utilizam a palavra “oráculo” para
explicar que no direito inglês os juízes evidenciavam os costumes por meio das suas decisões, isto é, não seria
uma criação do direito, mas uma descoberta deste. Apesar disso, o juiz na Inglaterra, mesmo nesse período tinha
grande valia na concepção do que era o direito. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. op. cit. p. 48-50. LOPES
FILHO, Juraci Mourão. op. cit. p. 33.
64
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 21.
65
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor, 1993, p. 25-26.
66
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 50.
26

Situação correlata é a relacionada às fontes do direito. A visão diferenciada sobre


a atuação jurisdicional e legislativa nessas tradições culturais tem como uma das suas
consequências a delimitação das fontes do direito.
Fonte do direito é o local no qual é possível encontrar uma norma para reger uma
situação, ou seja, é o lugar onde o aplicador do direito encontra o substrato jurídico para
solucionar um problema67. No Brasil, normalmente, a principal fonte é a lei, considerada
como principal dentro do ordenamento pátrio, o que é a regra no civil law68. Já no common
law, há uma maior importância para os precedentes judiciais. Ataíde Júnior, entretanto,
destaca uma modificação nessas percepções, com foco maior a partir da segunda guerra.
Países de tradição common law estão legislando com maior vigor e país de civil law passam a
dar maior importância a atividade dos tribunais, pois veem como uma possível alternativa
para crises jurídicas que passam69. Ademais, será destacado no tópico 2.1 e 2.3 uma visão de
precedente como parâmetro interpretativo para uma futura decisão, o qual tem seu substrato
principal encontrado nas razões do julgado, o que deixa essa questão das fontes menos
relevante, pois ele pode ser uma fonte mesmo em países mais apegados a norma legislada.
Há uma questão que ainda é mencionada como diferenciadora, mas, na atualidade,
não é tão díspar. Trata-se da codificação. Marinoni posiciona-se da seguinte forma:
Não se pense que o civil law é caracterizada pelos Códigos e pela tentativa de
completude da legislação, enquanto o common law tem uma característica
exatamente contrária. O common law também tem intensa produção legislativa e
vários Códigos. O que realmente varia do civil law para o common law é o
significado que se atribui aos Códigos e à função que o juiz exerce ao considerá-los.
No common law, os Códigos não têm a pretensão de fechar os espaços para o juiz
pensar; [...]. Nunca se pensou em negar ao juiz do common law o poder de
interpretar a lei. De modo que, se alguma diferença há, no que diz respeito aos
Códigos, entre o civil law e o common law, tal distinção está no valor ou na
ideologia subjacente à ideia de Código.70

67
FERRAZ JUNIOR, Tercio Ferreira. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São
Paulo: Atlas, 2003, p. 227. Cândido Rangel Dinamarco informa que as “fontes formais do direito são os canais
pelos quais as normas vêm ao mundo jurídico, oriundas da vontade do ente capaz de ditá-las e impô-las ou exigir
sua observância”. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo:
Malheiros, 2001, v. 1, p. 70.
68
Streck e Abboud aclaram que o Brasil tomou a atividade jurisprudencial de forma tão desordenada que,
atualmente, não há uma percepção que ainda somos um país de tradição civil law. Fundamentam sua
irresignação ao explicar que um sistema jurídico dessa tradição deveria utilizar das jurisprudências numa relação
com a lei, não podendo, por exemplo, realizar um “drible hermenêutico” na legislação quando está fosse de
dicção clara, exigindo-se um mínimo de respeito aos limites semânticos. STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD,
Georges. op. cit. p. 36-37.
69
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 41.
70
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 30.
27

Somente um equívoco há de ser destacado deste trecho. Marinoni não evidencia


que, no passado, a tentativa codificadora dos países de civil law foi intensa71, algo não
percebido na Inglaterra até pouco tempo, por exemplo. Nesse aspecto, Caenegem destaca a
importância da codificação na diferença histórica entre as tradições ao manifestar que “para os
juristas que estão fora das terras anglo-saxãs, a tradição Common Law é quase
incompreensível – Bentham falou de sua ‘incognoscibilidade’ – porque não há códigos que o
englobam [...]”72.
Assim, a codificação deixou de ser algo de notória diferenciação entre os países
dessas tradições somente na atualidade. De toda forma, a importância que se dava ao código
como instrumento de clareza e simplicidade para, utopicamente, na visão clássica do civil law,
retirar atividades interpretativas do juiz73, já é algo superado.
Por tudo, atualmente é dito que há uma nítida aproximação entre essas famílias74,
existindo um certo desuso na diferenciação clássica. O sistema brasileiro não se afasta disso,
porquanto há uma série de fatores que estão aproximando o nosso ordenamento jurídico de
traços do common law – apesar de ser equivocado mencionar que mudamos nossa tradição ou
algo semelhante75. Optou-se, todavia, por tratar mais detalhadamente sobre essa aproximação
no tópico 2.3.

2.2 A doutrina do precedente judicial e o stare decisis: do respeito sistemático às decisões


anteriores à rígida vinculação aos precedentes

71
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 34. WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. Tradução de A. M. Botelho Hespanha. 2. ed.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980, p. 365-395.
72
CAENEGEM, Raoul C. Van. The birth of the english common law. 2. ed. Cambridge: Cambridge University
Press, 1988, p. 85.
73
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 36-37.
74
Ibidem, p. 74-75. William Pugliese assevera que “tamanha é a influência de países como os Estados Unidos,
França e Alemanha, que a aproximação e a comunicação entre as duas tradições jurídicas não deveriam ser vista
como um fenômeno indesejado nem impossível. Todas as esferas de conhecimento humano têm se desenvolvido
rapidamente em função da possibilidade de diálogo entre os países e, naturalmente, seria impossível deixar o
Direito à margem deste processo”. PUGLIESE, William. Precedentes e a civil law brasileira. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 17. E-Book. ISBN 978-85-203-6982-1.
75
Alguns autores defendem que o sistema brasileiro está em um patamar específico. Nesse sentido, Hermes
Zaneti Jr., por exemplo, acredita que no Brasil há um sistema híbrido. ZANETI JR, Hermes. O valor vinculante
dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes. 2. ed. Salvador: JusPODIVM,
2016, p. 30. Ravi Peixoto fala em um brazilian law por causa da “adoção do modelo de controle constitucional
norte-americano e a forma de pensar e o direito infraconstitucional, fortemente influenciados pelo civil law”.
PEIXOTO, Ravi. Superação do Precedente e Segurança Jurídica. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 121.
28

Após apresentar os aspectos mais relevantes das clássicas tradições do civil law e
do common law, demonstrando-se que suas diferenças apareceram a partir de tentativas de
soluções em certos problemas históricos – normalmente, com intuito de dar maior segurança
ao direito76 –, passa-se a explicar o que significa a doutrina dos precedentes judiciais e,
também, uma outra expressão bastante mencionada, qual seja, stare decisis.
Previamente, cumpre salientar que não há um grande rigor pelos estudiosos
nessas nomenclaturas, ou seja, é possível encontrar denominações diferentes e até alguns que
não diferenciam um do termo do outro. Por exemplo, Streck e Abboud diferenciam a doutrina
dos precedentes do stare decisis. Já Bustamante nomeia, respectivamente, de doutrina do
precedente vinculante simpliciter e de doutrina do precedente absolutely binding77. O jurista
inglês Neil Duxbury trata de forma similar os termos78.
Assim, no tópico, ao se apresentar a evolução da doutrina dos precedentes na
Inglaterra, opta-se por, em certos momentos, utilizar uma diferenciação entre doutrina dos
precedentes e o stare decisis, com intuito de evidenciar momentos diferentes na consolidação
da doutrina do precedente judicial na Inglaterra – utilizando-se o termo na sua forma mais
ampla, a qual engloba os dois momentos79.
Há quem diferencie ainda o termo stare decisis de uma doutrina do stare decisis.
Não se observa aqui uma diferença significativa, contudo explica-se qual seria a distinção. O
termo stare decisis et non quieta movere, em si, significa “deixe-se a decisão firmada e não
altere-se as coisas que foram assim dispostas, ou, ainda, ficar com o que foi decidido e não
mover o que está em repouso”80, isto é, “representa a tarefa de decidir uma questão de direito
de modo uniforme em casos materialmente idênticos”81. Do mesmo modo, Neil Duxbury diz:
[...] o argumento clássico do common law de que os precedentes estabelecidos pelos
tribunais não meramente reivindicam a atenção, mas, de fato, vinculam outros
tribunais. Esta é a doutrina do stare decisis - ou seja, decisões judiciais anteriores
devem ser seguidas quando os mesmos pontos surgem novamente em litígios.82

76
Lucas Buril de Macêdo explica que “a tradição ocidental - tanto o common law como o civil law - preocupava-
se em ampliar a objetividade, sistematicidade e coerência, em uma busca por segurança jurídica”. MACÊDO,
Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 67.
77
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras
jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 83.
78
DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p.
35-37.
79
Idem.
80
PORTO, Sérgio Gilberto. Sobre a common law, civil law e o precedente judicial. Estudos de Direito
Processual Civil em homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p. 8. Disponível em: < http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/sergio%20porto-formatado.pdf>.
Acesso em: 10 nov. 2017.
81
Idem.
82
No original: “[...] the classic common law argument that precedents set by courts do not merely claim the
attention of, but actually bind, other courts. This is the doctrine of stare decisis – i.e., earlier judicial decisions
must be followed when the same points arise again in litigation”. DUXBURY, Neil. op. cit. p. 12.
29

Assim, o termo stare decisis corresponde à ideia que os fundamentos firmados


em uma decisão sejam seguidos pelos demais juízes quando presentes situações faticamente
próximas. Já a doctrine of stare decisis83 teria como significado uma noção mais técnica,
denotando a própria concepção de que os juízes estão vinculados ao que foi decidido no
passado84. Por isso, os precedentes teriam força vinculante (binding force).
Adiciona-se algumas outras informações sobre a doutrina dos precedentes.
Primeiro, que todo e qualquer sistema jurídico tem como premissa o tratamento igual a casos
que denotam grande similaridade, contudo a forma como essa doutrina foi constituída no
common law a diferencia – há obrigatoriedade de observar o precedente formado
anteriormente85. Neil Duxbury esclarece a questão mencionado:
Embora seja um erro pensar que os tribunais em jurisdições de civil law nunca
seguem precedentes, é justo dizer que stare decisis é muito mais algo do common
law – e de fato [...] a doutrina moderna do common law e os juristas continentais
tendem a pensar em precedentes como argumento persuasivo e não como autoridade
legal.86

Na mesma ordem de ideias, Neil MacCormick observa:


Além disso, em alguns Estados é abertamente reconhecido que as decisões dos
tribunais, em particular os tribunais superiores na hierarquia dos recursos,
constituem precedentes que outros tribunais devem seguir, exceto em circunstâncias
excepcionais, formando regras para a conduta das pessoas em geral, não apenas dos
tribunais. Em outros Estados, os precedentes são considerados como tendo apenas
autoridade para o caso particular, embora tenham também um tipo de valor exemplar
na orientação da interpretação da lei em futuros casos semelhantes. Seja
formalmente reconhecido ou não, o precedente pode, portanto, ser uma fonte de
regras e princípios e de abordagens de interpretação que se somam a um conjunto de

83
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. op. cit. p. 41. RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de
precedentes no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 65. Guido Soares acredita que
a melhor tradução para doctrine of stare decisis ou doctrine of precedents seria “regra do precedente”. SOARES,
Guido Fernando Silva. Estudos de Direito Comparado (I) - O que é a “Common Law”, em particular, a dos
EUA. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 92, 1997, p. 182.
84
Duxbury adverte que a força vinculante do precedente tem “[...] ‘through constant and often unthinking
repetition, become a kind of sacramental phrase which contains a large element of fiction’.” ou, traduzido para o
português, “[...] ‘através de uma repetição constante e muitas vezes não pensativa, tornam-se uma espécie de
frase sacramental que contém um grande elemento de ficção’.” DUXBURY, Neil. op. cit. p. 13.
85
ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. Precedente judicial no novo Código de
Processo Civil: tensão entre segurança e dinâmica do direito. Curitiba: Juruá, 2015, p. 24-25. Maurício Ramires
posiciona-se no sentido da existência somente de precedentes meramente persuasivos nos países de origem do
civil law. RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no Direito Brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2010, p. 67. Arthur L. Goodhart expressa que é a doutrina do precedente judicial que
evidencia a diferença entre o método jurídico inglês e o continental-europeu. GOODHART, Arthur L. Precedent
in English and Continental Law - An Inaugural Lecture Before the University of Oxford. Londres: Stevens and
Sons, 1934, p. 10-12 apud BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. op. cit. p.75.
86
No original: “Although it would be a mistake to think that courts in civil-law jurisdictions never follow
precedents, it is fair to say that stare decisis is very much a common-law – and indeed [...] a modern common-
law – doctrine and that continental lawyers tend to think of precedent as persuasive argument rather than as
legal authority.”. DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge University
Press, 2008, p. 12-13.
30

‘jurisprudência’ que corre paralelamente às leis estabelecidas nos estatutos


promulgados. Os vários estados que pertencem à tradição do direito comum
herdaram dos tempos pré-modernos um corpo de leis originalmente fundamentado
em costumes, mas hoje em dia tem sua fonte mais autorizada em precedentes
judiciais dos tribunais superiores [...]87

Além do mais, como já dito e percebido no fim da citação anterior, o common law
não se confunde com os termos explicados, isto é, ele existiu bem antes do sistema jurídico
inglês e do norte-americano atribuírem força vinculante aos seus precedentes88. Isso, porque,
como já dito, o common law, no início, diferenciou-se pela importância dada aos costumes
judiciais.
Uma percepção histórica é necessária para entender a evolução no respeito às
decisões anteriores, pois o stare decisis foi formado a partir da prática judicial89. Neste
aspecto, Bustamante elucida que “o juiz inglês não roga para si a legitimidade de livremente
dispor do common law”, o que destaca um respeito ao passado por parte dos magistrados,
decorrendo da própria formação do sistema jurídico inglês.
Apresenta-se, assim, de forma sucinta, um pouco sobre a formação da doutrina do
stare decisis. Destaca-se, de imediato, que a história de como surge o stare decisis e o porquê
do enrijecimento da observância aos precedentes não é algo unânime na doutrina. O que se
deve ter em mente é que os tribunais foram considerando, no transcorrer do tempo, cada vez
mais suas decisões anteriores até concretizar-se a mencionada doutrina90.
Bem no início, mesmo antes de uma teoria formada sobre os próprios precedentes
judiciais, os precedentes eram utilizados num aspecto persuasivo dentro do sistema jurídico

87
Tradução livre: “Moreover, in some states it is openly acknowledged that decisions by the courts, particularly
the higher courts in the hierarchy of appeals, constitute precedents that other courts are bound to follow except
in exceptional circumstances, hence forming rules for the conduct of persons in general, not only the courts. In
other states, precedents are considered to have authority only for the particular case, though also having a kind
of exemplary value in guiding interpretation of the law in future similar cases. Whether formally recognized or
not, precedent can thus be a source of rules and principles and of approaches to interpretation that add up to a
body of ‘case law’ running parallel to the laws laid down in enacted statutes. The various states that belong to
the common law tradition have inherited from premodern times a body of law originally grounded in custom but
nowadays having its most authoritative source in judicial precedents of the higher courts […]”.
MACCORMICK, Neil. Institutions of law: an essay in legal theory. Oxford: Oxford University Press, 2007, p.
41-42.
88
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 17.
DUXBURY, Neil. op. cit. p. 34.
89
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo.
2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 114.
90
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 61. René David aponta que o direito inglês sempre foi essencialmente jurisprudencial e a “obrigação de
recorrer às regras que foram estabelecidas pelos juízes (stare decisis), de respeitar os precedentes judiciais, é o
correlato lógico dum sistema de direito jurisprudencial. Contudo, [...] só depois da primeira metade do século
XIX é que a regra do precedente (rule of precedent) [...] rigorosamente se estabeleceu”. DAVID, René. op. cit.
396.
31

do common law. O que se objetivava à época era “que o Judiciário aplicasse o mesmo
posicionamento antes adotado, em nome da segurança jurídica, da estabilidade e da
previsibilidade do direito”91. Além disso, o uso de decisões anteriores acabava por clarificar
os costumes que regulavam as problemáticas jurídicas92. Sendo meramente persuasivo, a lide
poderia ser resolvida sem aplicação da razão contida num precedente anterior e, mais
importante, sem uma clara menção ao porquê não se utilizou o precedente93.
Em torno do século XVII, emerge o que Lenio Streck e Georges Abboud
identificam como doutrina dos precedentes. Em suma, a partir da influência de Robert Boyle
sobre a filosofia do direito de Matthew Hale, este passa a defender uma teoria na qual a
verificação de validade do Direito deveria ser feita pelos membros da comunidade – no caso a
comunidade jurídica – por meio de um trabalho de repetição e averiguação prática, isto é, “a
tradicional doutrina do precedente tratou a aplicação repetida do Judiciário para casos
análogos suspensos anteriormente como a melhor prova de sua validade provável”94.
Dessa forma, Coke, Hale, Selden e outros sustentam algo que já existia na prática,
contudo ainda não era dito de forma clara: os precedentes devem ser vistos como fontes
imediatas do direito. Assim, eles propuseram a elevação dos precedentes ao patamar da
legislação e da equidade. Isto é, a doutrina dos precedentes seria uma “evolução histórica da
filosofia do common law”, confirmando a importância da história e da casuística para os
juristas ingleses95.
Com o transcorrer do tempo, os tribunais ingleses passaram a unificar as decisões
em Year Books (anuários) e, posteriormente, em Law Reports96, o que contribuiu fortemente
para o stare decisis, por garantir maior publicidade e acesso mais fácil as decisões
anteriores97.

91
ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 26.
92
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 61.
93
ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 26. Duxbury ressalta que nesse
período medieval tinham mera força argumentativa, isto é, não serviam como fundamento da decisão, somente
auxiliando a alcançar este. DUXBURY, Neil. op. cit. p. 32-33.
94
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. op. cit. p. 45.
95
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. op. cit. p. 40-45.
96
ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 26-27. Sobre a importância e
utilização dos Law Reports, tanto no sistema inglês quanto no norte-americano, ver: SOUZA, Marcelo Alves
Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006, p. 103-122. Nessa acepção,
menciona-se Losano, o qual destaca a importância dos Law Reports, ao dizer que “para o jurista de Common
Law, esses instrumentos de trabalho têm a mesma importância dos códigos para o jurista europeu continental”.
LOSANO, Mario G. op. cit. p. 339.
97
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo.
2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 89.
32

Além disso, o processo de formação da doutrina dos precedentes tem como fator
crucial a fundamentação por escrito das decisões, porque, primeiro, a utilização de um
fundamento anterior para a resolução de um caso semelhante posterior gerava uma economia
argumentativa98 e, segundo, permitia uma maior racionalidade no ato dos futuros julgadores e
advogados na percepção do que foi utilizado como uma razão da decisão99.
Nos anos de 1862 a 1900 foi solidificado a regra dos precedentes (rule of
precedents) e sua força vinculativa (binding)100, tendo como marco principal o ano de 1898,
quando a House of Lords (mais alta instância inglesa) estabeleceu que “os juízes deveriam,
ainda que discordassem, seguir os precedentes emanados de sua própria jurisdição e dos
tribunais superiores”101.
Essa postura visava uma maior segurança jurídica, limitando à criação
jurisprudencial do direito, assim “o Judiciário deveria administrar o direito, jus dicere, e não
legislar, jus facere ou jus dare”102, isto é, esse foi o modo como os ingleses aproximarem-se
mais do legislativo103. Desse modo, quando consagrado o stare decisis acabou por ser “uma
forma de eliminar a flexibilidade e incerteza típicas do costume”104, o que seria uma
consequência da visão negativa que os positivistas jurídicos do século XIX, principalmente de
Bentham e Austin, tinham sobre a visão de precedente como uma das fontes do direito – eles
colocavam na norma legislada a esperança de segurança jurídica que tanto desejavam105.
Nesse esteio, o stare decisis do século XIX funcionou como um “degrau a acima”
na observância aos julgados anteriores, uma versão mais rígida do que já existia. Apesar disso,
os próprios ingleses106 notaram os problemas de uma observância rigorosa às decisões
anteriores e em 1966 foi editado o Practice Statement, o qual permitiu uma maior

98
LOPES FILHO, Juraci Mourão. op. cit. p. 88.
99
LOPES FILHO, Juraci Mourão. op. cit. p. 89. DUXBURY, Neil. op. cit. p. 57.
100
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 17.
101
MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 63.
102
Ibidem, p. 66.
103
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 48.
104
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 67.
105
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. op. cit. p. 89-90. Menciona-se que Duxbury vê com mal olhos a
atribuição, comumente realizada, que foi em decorrência do positivismo jurídico que se formou o stare decisis.
Para ver a crítica: DUXBURY, Neil. op. cit. p. 37-48.
106
Segundo Romão e Pinto, os precedentes nos Estados Unidos sempre foram utilizados com maior flexibilidade
do que na Inglaterra, então os casos de superação de precedentes são mais corriqueiros. ROMÃO, Pablo Freire;
PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 33-34.
33

flexibilidade na observância das decisões pretéritas, garantindo a dinâmica necessária para a


evolução do pensamento jurídico107.
Um ponto muito importante e que deve ficar claro para qualquer um que estude
precedentes é que tanto nos EUA quanto na Inglaterra os juízes se sentem compelidos a
seguirem precedentes por respeitar o que já foi produzido, isto é, a ideia de vinculação dos
precedentes surgiu e é mantida por uma percepção do Judiciário que isto é importante para o
sistema jurídico – essa ideia será melhor desenvolvida no tópico 5.2.
Antes do término do tópico, destaca-se a postura de Duxbury sobre o porquê de se
seguir precedentes. O autor evidencia que não é só um motivo que torna os precedentes
vinculantes, constatando, portanto, vários. Passemos a enumerar quais os motivos
encontrados108.
Inicialmente ele apresenta o argumento que os precedentes poderiam ser seguidos
por evidenciarem aos juízes de casos futuros que há uma boa razão anterior já evidenciada – e
Duxbury acredita que seja um bom motivo109. Apesar disso, o próprio autor diz que tal
argumento não justifica o porquê que os precedentes são considerados vinculantes, pois pode-
se considerar a decisão vinculante independente dos motivos desta, além de que o juiz pode
usar os fundamentos anteriores sem considerar, todavia, como vinculantes. Esse é o primeiro
dos motivos “consequencialistas”, ou seja, que tentam explicar o motivo de se usar
precedentes a partir de sua consequência. Os outros são: (1) deixar de seguir um precedente
pode ser dispendioso para o juiz – argumento muito fraco, o qual assumiria uma postura
confortável ou até preguiçosa por parte do julgador; (2) os juízes sabem que a não aplicação
de um precedente pode conduzir a uma reforma pelo tribunal futuro, o que reflete que a
própria cultura judicial e conhecimento do processo podem conduzir os magistrados a
observar precedentes; (3) seguindo os precedentes os juízes teriam mais prestígio com os
demais juízes, inclusive para eventuais situações nas quais deixassem de seguir um precedente

107
ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 30. Marcelo de Souza destaca que
mesmo após essa possibilidade de modificação dos precedentes, a House of Lords tem se utilizado de forma
moderada desta faculdade. SOUZA, Marcelo Alves Dias de. op. cit. p. 63-65. Ademais, Juraci Mourão Lopes
Filho relembra que a House of Lords foi substituída em 2005 pela nova Corte Constitucional, o que pode
acarretar (ou não) numa maior utilização dessa liberdade. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes
judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. Salvador: JusPODIVM, 2014, p. 108.
108
Para uma leitura mais completa ver o capítulo 5 da obra The Natury and Authory of Precedents. DUXBURY,
Neil. op. cit. p. 150-183.
109
“None of these provisos should detract from the fact that precedents are vectors for reason, and are often
followed because decision-makers believe that a problem can be satisfactorily resolved by reinvoking the reason
for an earlier decision instead of working through the problem afresh”. Numa tradução livre: “Nenhuma dessas
condições deve diminuir o fato de que os precedentes são vetores por razões e são frequentemente seguidos,
porque os julgadores acreditam que um problema pode ser resolvido satisfatoriamente ao reincidir o motivo de
uma decisão anterior em vez de resolver o problema de novo”. DUXBURY, Neil. op. cit. p. 152.
34

– o autor diz que há um equívoco, pois acima da vaidade, os juízes superam um precedente
com base na justiça da decisão e, além do mais, os juízes quando seguem os precedentes, em
geral, acreditam que esses são frutos de “hard-won judicial wisdom”110; (4) o uso de
precedentes sedimenta um entendimento, isto é, gera estabilidade e acarreta um selo de
“aprovação implícita” para o próximo julgador, em resumo, conduz a uma certeza e
previsibilidade – Duxbury explica que o stare decisis somente confere uma certeza parcial, a
qual torna-se um “guia” para quem quer saber como uma decisão provavelmente será tomada,
contudo o stare decisis permite um grau de liberdade considerável por meio das técnicas
reconhecidas no sistema do common law; (5) a regra de impedimento, isto é, a concepção que
os juízes estariam obrigados com base na confiança do litigante que o tribunal observará os
precedentes – Duxbury explica que o jurisdicionado somente tem essa expectativa porque o
tribunal já adotou a teoria do precedente, mas ressalta a importância desse argumento para que
o tribunal, tendo assumido uma postura de observar os precedentes, não prejudique aquele que
tinha legítima expectativa de aplicação (menciona a técnica da prospective overruling111).
Ademais, o autor apresenta dois argumentos deontológicos. O primeiro é que se
deve respeitar os precedentes por serem decisões passadas (concepção tradicionalista). O
principal defensor seria Anthony Kronman, o qual explica que “o passado merece ser
respeitado apenas porque é o passado – não, é claro, sem crítica ou incondicionalmente, mas
por sua própria causa”112. Um dos problemas que Duxbury enxerga é que mesmo respeitando
o passado isso não faz com que o julgador tenha de aplicá-lo no presente – “Podemos
respeitar e admirar as realizações de nossos antepassados [...] sem sentirmos nenhuma
obrigação de seguir seus passos”113. O segundo motivo é a igualdade ou a justiça formal. O
autor também apresenta críticas sobre esse motivo, estabelecendo, por exemplo, que o fato de
se ter julgado de uma forma não deve obrigar a julgar da mesma forma somente pelos casos
serem iguais se o julgador no caso posterior considerou que tomou uma decisão incorreta. O
autor conclui:
O valor da doutrina do precedente reside na sua capacidade de comprometer os
julgadores no curso de ação, mas, simultaneamente, também em criar restrições e
permitir um certo grau de discrição. Uma teoria capaz de demonstrar que os juízes

110
Seria a ideia de um trabalho duro para a formação de um precedente. DUXBURY, Neil. op. cit. p. 157.
111
Como será explicado no tópico 5.4, o prospective overruling é a situação de superação de um entendimento
com manutenção do raciocínio anterior para aqueles que já tenham ingressados no Judiciário com a legítima
expectativa de obter um certo provimento.
112
No original: “the past deserves to be respected merely because it is the past – not, of course, uncritically or
unconditionally, but for its own sake nonetheless”. KRONMAN, Anthony T. Precedent and Tradition. Yale
Law Journal, p. 1029-1068, 1990 apud DUXBURY, Neil. op. cit. p. 168-169.
113
No original: “We may respect and admire the accomplishments of our ancestors [...] without feeling any
obligation to follow in their footsteps”. DUXBURY, Neil. op. cit. p. 169-170.
35

nunca podem justificar uma recusa em seguir precedente apoiada na doutrina do


stare decisis seria inadequada ao common law. Para o common law, ela – a doutrina
do stare decisis – requer uma presunção forte, mas refutável, de que as decisões
anteriores são seguidas. Exige que os eventos passados sejam respeitados como
guias para a ação atual, mas não na medida em que os juízes devem manter atitudes
desatualizadas e o compromisso de repetir os erros dos antecessores.114

Com isso, nota-se que não é correto pensar que uma observância de decisões
anteriores deva significar uma preterição da busca de justiça, pelo contrário, esse respeito aos
precedentes deve sempre está de acordo com a melhor prestação jurisdicional possível, o que
pode significar a não aplicação da razão constante na decisão anterior. Ademais, não há
problema algum em pensar numa doutrina dos precedentes dentro de um país de origem civil
law. Isso por três motivos: (1) a doutrina dos precedentes não é algo vinculado ao common
law, pois este existiu muito tempo sem aquele, como demonstrado; (2) não significa que um
sistema que aceite o precedente como vinculativo o coloque como fonte principal115, servindo,
na realidade – e assim será defendido nesse trabalho – como um padrão interpretativo e
argumentativo para o futuro; e (3) o stare decisis – no sentido amplo – significa que os
membros do Judiciário estão vinculados aos seus pronunciamentos, devendo observar aquilo
já feito e aplicar aos casos futuros, salvo quando tiver argumentos novos que expliquem que
uma mudança é melhor para uma compreensão sistêmica e justa do Direito.

2.3 Aproximação entre o civil law e o common law e a importância do precedente judicial
para o sistema jurídico brasileiro

Após explicar como surgiu a doutrina do precedente judicial e do stare decisis e


que ela não é “umbilicalmente” atrelada ao common law, passa-se a analisar algumas
situações que a doutrina costuma destacar como mitigadoras de diferenças entre as famílias

114
“The value of the doctrine of precedent rests in its capacity to commit decision-makers to a course of action
but in its capacity simultaneously to create constraint and allow a degree of discretion. A theory capable of
demonstrating that judges can never justifiably refuse to follow precedent would support the doctrine of stare
decisis ill-suited to the common law. For the common law requires an unassailable but strong rebuttable
presumption that earlier decisions are followed. It requires that past events be respected as guides for present
action, but not to the extent that judges must maintain outdated attitudes and a commitment to repeating their
predecessors' mistakes”. DUXBURY, Neil. op. cit. p. 183.
115
Guido Fernando Silva Soares, por exemplo, explica que “embora seja o ‘case law’ a principal fonte do direito,
pode ele ser modificado pela lei escrita, que, nos EUA, lhe é hierarquicamente superior; diz-se então que um
‘case’ foi ‘reversed by statute’. É inexato dizer-se que na ‘Common Law’ os juízes não aplicam um ‘Statute Law’
[...]”. SOARES, Guido Fernando Silva. Estudos de Direito Comparado (I) - O que é a "Common Law", em
particular, a dos EUA. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 92, 1997, p. 181.
36

jurídicas do civil law e do common law e, ainda, alguns pontos que conduzem o Brasil à
inequívoca situação de ter que adotar uma postura de respeito aos precedentes judiciais.
Antes, destaquemos uma importante reflexão realizada por Streck e Abboud: não
há uma tradição, em si, melhor que outra. Os autores afirmam que é possível considerar que
um dado sistema jurídico de uma nação pode ser melhor que o de outra, mas ao analisarem o
aspecto hermenêutico na construção jurisprudencial explicam que:
[...] a correção da interpretação independe do sistema jurídico adotado – common
law ou civil law. Em ambos os sistemas, é possível que o juiz adote uma postura
estritamente positivista e discricionária. Nos dois, o juiz, se não realizar uma
atualização hermenêutica de seu paradigma decisório, poderá afirmar que a
interpretação do direito consiste em atividade para desvelar a vontade do Legislador,
do Patriarca, da lei, do precedente etc. Em síntese, argumentar por lei ou por
precedente não assegura, por si só, uma resposta hermeneuticamente autêntica. 116

Superada tal questão, começa-se explicando a “convergência” entre os sistemas


jurídicos do civil law e do common law num panorama amplo, para então tratar sobre a
postura do Brasil frente à observância dos precedentes.
Dessa forma, o primeiro ponto de destaque é o constitucionalismo, ou melhor, o
neoconstitucionalismo117. A partir desse momento, há uma modificação sobre o papel da
Constituição dentro de um ordenamento jurídico, pois esta passa a ter força normativa e a
resguardar os valores mais caros da sociedade, sendo o seio de proteção a direitos
fundamentais, muito deles sendo enunciados na forma de princípios118. Essa mudança na
visão do sistema, colocando a Constituição no cume deste, fez com que “a lei não mais vale
por si, porém depende da sua adequação aos direitos fundamentais”119, isto é, o trabalho
jurisdicional passa a ser no sentido de garantir direitos fundamentais e não mais somente
declarar a vontade da lei120.
A alteração relaciona-se com a diminuição da importância dada à lei dentro do
civil law, pois o juiz passa a ter que realizar um esforço interpretativo pouco comum até então
nos sistemas dessa tradição. Resume-se: o juiz tem sua função interpretativa mais

116
Aclarasse que os autores tomam a palavra “sistema” como similar de tradição, de forma diferente do presente
autor, conforme explicou-se no início do trabalho. STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. op. cit. p. 94.
117
Romão e Pinto resumem as principais características do neoconstitucionalismo: “1) reconhecer força
normativa à Constituição e aos princípios jurídicos; 2) expandir a jurisdição constitucional; 3) desenvolver uma
nova dogmática na interpretação e aplicação do direito, marcada pela valoração dos princípios e pela
ponderação; 4) aproximação do direito da moral e da ética, incluindo a filosofia nas discussões jurídicas; 5)
irradiar normas e valores para todos os ramos do direito [...]”. ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis
Girão de Castro. op. cit. p. 68-69.
118
MERRYMAN, John Henry. op. cit. p. 72. MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as
jurisdições de civil law e de common law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da
Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 38. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 44.
119
MARINONI, Luiz Guilherme. op. cit. p. 38.
120
MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 75.
37

evidenciada, pois os textos da Constituição abrangem situações mais complexas, exigindo um


maior trabalho hermenêutico em prol da coesão do sistema jurídico121. Quanto a essa
afirmação é preciso apontar que os princípios não podem ser vistos como um componente
“liberatório” da interpretação do Direito e, por consequência, da decisão judicial, isto é, os
princípios não podem ser utilizados como válvulas de escape para realização de “dribles
hermenêuticos”122.
O Judiciário passou também a exercer o controle da lei por meio da
compatibilidade com a Constituição, o que tem conduzido os tribunais a se utilizarem de
técnicas como exemplos da interpretação conforme a Constituição, da declaração parcial de
inconstitucionalidade sem redução do texto e, ainda, da supressão de ausência legislativa em
matéria relacionadas a direitos constitucionais (no Brasil, utiliza-se o mandado de injunção
para tal fim)123.
Este é o segundo ponto que teria aproximado as tradições. Jaldemiro Rodrigues de
Ataíde Júnior e Patrícia Perrone Campos Mello destacam que o controle difuso e,
principalmente, o controle concentrado124 permitem aos magistrados tomar decisões que
vincularam outros órgãos do Judiciário, pois se não fosse assim, haveria o inconveniente de
órgãos aplicando leis que outros declararam inconstitucionais125. Ressalva-se, todavia, que a
vinculação é do conteúdo da decisão em controle de constitucionalidade e não dos
precedentes dela decorrentes, como será visto no tópico 5.2.
Quanto à aproximação do civil law ao common law por ocorrência do
neoconstitucionalismo, vale mencionar a crítica feita por Juraci Mourão Lopes Filho, com a
qual se concorda perfeitamente. Este afirma que há uma mitigação entre as diferenças
tradicionais dos países com sistemas de common law e de civil law, pois:
há, inegavelmente, um intenso intercâmbio dos dois sistemas, não porque o
estrangeiro esteja mais apto a lidar com o constitucionalismo moderno, e sim porque
ambos estão a experimentar o mesmo fenômeno inédito, sendo a troca algo

121
Há uma ampliação na exigência de integridade no Direito, isto é uma coesão das normas que compõem o
sistema jurídico, conforme será explicado no tópico 5.1.
122
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 547.
123
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 44.
124
Mauro Cappelletti explica a diferença entre essas formas de controle ao dizer que “o ‘sistema difuso’, isto é,
aquele em que o poder de controle pertence a todos os órgãos judiciários de um dado ordenamento jurídico, que
o exercitam incidentalmente, na ocasião da decisão das causas de sua competência; e [...] o ‘sistema
concentrado’, em que o poder de controle se concentra, ao contrário, em um único órgão judiciário”.
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução
de Amido Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Fabris, 1984, p. 67.
125
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 47-48. MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes
e vinculação. Instrumentos do Stare Decisis e Prática Constitucional Brasileira. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, v. 241, p. 177-178, jul. 2005. ISSN 2238-5177. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43370/44673>. Acesso em: 20 jul. 2017.
38

indispensável para se constituir o referencial teórico apropriado ao Estado


constitucional126.

O autor acredita, contudo, que há um erro – e realmente há – em entender que a


imposição legal de observância aos precedentes judiciais faz com que nosso sistema esteja
convergindo para uma aproximação ao common law127.
Ao fim, todavia, corrobora com o mencionado nesse tópico, ao dizer que é vital
que haja uma formação de algo próprio no Brasil, no qual os institutos estrangeiros venham a
agregar um “novo raciocínio jurídico” e não suprir aquilo que existe para, simplesmente,
colocar algo de outro local, que também está em remodelação, no lugar128.
Outro ponto, já mencionado ao fim do tópico 2.1, é a utilização de cláusulas
gerais e conceitos indeterminados. Ataíde Júnior, utilizando-se das lições de Hart, explica
muito bem a importância da técnica legislativa de regras mais abertas ao dizer que:
[...] o direito, embora deva oferecer regras claras, através das quais o cidadão possa
pautar sua conduta, deve também deixar abertas, para solução posterior, as questões
que só podem ser adequadamente resolvidas quando surgirem os casos concretos não
antecipados129.

Deixa-se uma ressalva: não se pode tornar esse alargamento uma regra ordinária,
isto é, somente devem ser estabelecidas cláusulas gerais e conceitos indeterminados quando
forem estritamente necessários para possibilitar um melhor desempenho do juiz.
De toda forma, o Judiciário deve estar ainda mais atento à importância do diálogo
por meio dos precedentes quando se depara com situações em que o texto da norma é
composto por palavras que tem uma maior ambiguidade. A necessidade disso é porque os
precedentes permitem que os julgadores estabeleçam o que os conceitos e as cláusulas
representam em cada caso, auxiliando, assim, na manutenção da coerência lógica e de um
tratamento – minimamente – uniforme e isonômico130.
Além disso, há ainda quem fale na importância das demandas em massa131, das
causas coletivas e do impacto do Estado Social132 (Welfare State133), os quais acabam por

126
LOPES FILHO, Juraci Mourão. op. cit. p. 112.
127
Ibidem, p. 106.
128
Ibidem, p. 113.
129
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 54.
130
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 52.
131
ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 138-148. O novo Código de
Processo Civil, inclusive, prevê o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976 ao 987), o que fez
com que a doutrina criasse um microssistema processual de demandas repetitivas, incluindo esse incidente e os
recursos especiais e extraordinários repetitivos (enunciado nº 345 do Fórum Permanente de Processualistas
Civis).
132
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 49-52 e 59-62.
39

asseverar o aumento da produção legislativa e a importância da atuação jurisdicional,


exigindo-se do Judiciário em uma prestação uniforme e igualitária.
Esse último aspecto acaba por revelar um fenômeno muito interessante. Os países
de tradição do common law estão a legislar muito mais e os de tradição do civil law passam a
ver na atuação jurisprudencial por meio dos precedentes como algo de poderoso valor para
alcançar um sistema mais coeso134. René David, por exemplo, ao tratar da “mãe” do common
law diz que:
Na Inglaterra de hoje, a lei e os regulamentos (delegated legislation, subordinate
legislation) já não podem ser consideradas como tendo uma função secundária. A
sua função é, com efeito, igual à que essas fontes do direito desempenham no
135
continente europeu.

O mesmo ocorre com os países de tradição do civil law, os quais dão importância
bem mais abrangente aos precedentes judiciais, principalmente quanto às matérias
constitucionais136.
Em relação ao Brasil, para evitar repetições desnecessárias, afirma-se que as
considerações anteriores são válidas. Não obstante, dedica-se agora um pouco de esforço para
demonstrar que algumas das circunstâncias anteriores e outras mais acabam por evidenciar
que o Brasil precisa de uma aproximação aos precedentes judiciais.
Já há nos últimos anos, principalmente a partir da década de 90 137, um intenso
processo legislativo de aproximação para um maior respeito aos precedentes. Apesar disso, é
preciso mencionar que os precedentes devem ser vistos nos moldes brasileiros, ou seja, é
preciso considerar as circunstâncias do sistema local, pois:
[...] o direito como produto da cultura não pode simplesmente receber a construção
realizada por outra cultura; é importante que haja uma adequação do conceito,
técnica ou instituto importado às particularidades do sistema jurídico receptor138.

Apresenta-se pontos importantes para que o leitor se situe sobre a importância dos
precedentes judiciais dentro do ordenamento jurídico e das atividades jurisdicionais do Brasil.

133
Quanto ao Estado Social é importante destacar que a sua grande contribuição para uma aproximação reside no
fato do aumento de direitos sociais garantidos pelo Estado e, por consequência, um maior ajuizamento de
demandas com intuito de ver concretizado tais direitos. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 54.
134
MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 76-81.
135
DAVID, René. op. cit. 385. “Chega-se a falar, em termos quantitativos, que há mais leis nos Estados Unidos
do que em outros países de tradição romano-germânica. A prevalência da lei sobre a jurisprudência é pacífica nos
sistemas de common law, atualmente”. MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 78.
136
Lucas Buril de Macêdo apresenta interessante estudo realizado em países de origem civil law, no qual os
juristas denotam que, atualmente, os precedentes judiciais são vistos como parte elementar dos sistemas jurídicos
desses países. MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 81.
137
ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 93.
138
MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 70.
40

O primeiro motivo que se pode destacar é a jurisprudência lotérica139. Essa é a


situação na qual o julgador, ou não mantém um padrão em relação a outros julgados seus, ou
não dialoga com as decisões de tribunais superiores140. Não se defende, como será explicado
posteriormente quando for analisada a forma de aplicação dos precedentes, que os juízes e
tribunais não possam modificar sua forma de pensar (tópicos 5.2, 5.3 e 5.4). Não obstante, se
o magistrado já firmou um entendimento, não é possível que deixe de aplicá-lo sem
demonstrar fundamentos para isto.
Também a estrutura de controle de constitucionalidade brasileira é considerada
como fator importante para uma observância dos precedentes judiciais. No Brasil há um
sistema misto de controle de constitucionalidade141, isto significa que tanto há uma corte
dedicada à análise da compatibilidade constitucional das leis (o Supremo Tribunal Federal),
como também qualquer juiz pode, no caso concreto, averiguar se há observância da lei aos
preceitos constitucionais. São duas situações diversas: na primeira, o STF tomará decisão que
terá efeitos vinculantes e eficácia contra todos, conforme o art. 102, § 2º da CF/88, assim a
observância decorre expressamente da previsão constitucional; já no controle difuso, a
doutrina demonstra-se preocupada com ausência de um entendimento similar ao previsto na
Constituição.
Dessa forma, surgem aqueles que defendem uma objetivação do recurso
extraordinário, para que esse passe a ter as mesmas consequências do controle concentrado 142.
O consectário lógico disso seria a formação de uma cultura de precedentes, principalmente
quando se trate de matérias constitucionais, pois, conforme expressam Romão e Pinto143, “não
se pode tolerar que a interpretação constitucional conferida pelo STF, em controle difuso, seja
contrariada por órgão jurisdicional hierarquicamente inferior”.
Há uma verdadeira confusão no pensamento de quem defende a objetivação
pensando que está alcançando um sistema de precedentes vinculantes. Primeiro porque o
controle de constitucionalidade e a sua eficácia erga omnes da decisão não se confunde com o
efeito vinculante dos precedentes, pois no primeiro a vinculação recai sobre o dispositivo,
enquanto no segundo está precedente nas razões do julgado. Ademais, de nada vale uma
vinculação horizontal – os juízes de hierarquia inferiores estarem obrigados a observar a
decisão – se o próprio Supremo não tem zelo na observância dos seus próprios julgados

139
PEIXOTO, Ravi. op. cit. 124.
140
CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. Revista dos Tribunais, v. 786, n. 90, p. 111, 2001.
141
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 105.
142
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 107. MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais
e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 462-466.
143
ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 84.
41

(vinculação vertical). Outra questão alude à própria função do STF. Os tribunais


constitucionais em muitos países europeus e também nos EUA ficam incumbidos de
demandas de grande relevância constitucional. No Brasil, em teoria, esta também seria a
atribuição do Supremo (e a repercussão geral denota isso), no entanto, a prática revela uma
quantidade assombrosa de demandas, muito em conta da extensão de competências previstas e
do pouco critério do próprio Tribunal em determinar o que é uma causa de repercussão geral –
acaba que a repercussão geral é a “vontade de julgar” um certo caso. Por isso tudo, uma
vinculação ao dispositivo de decisões não corresponde ao mesmo que vinculação aos
precedentes e não parece ser a melhor resposta ao problema jurídico brasileiro.
Continuando. Já foi dito que o neoconstitucionalismo, a normatividade de
princípios, a ampliação da consagração de direitos fundamentais e, ainda, o aumento de
demandas de massa e a necessidade do Estado garantir certos direitos são elementos que
acabam por aproximar as famílias. Apesar disso, quando se adentra o olhar para o atual
cenário político e jurisdicional brasileiro esses mencionados motivos tornam-se mais latentes.
Na atualidade é notável um aumento crescente na quantidade de processos,
principalmente com relação às políticas públicas. Matérias como saúde 144 vêm causando
grandes divergências na seara jurídica, pois apesar da imprescindível análise dos problemas,
não há uma sistematicidade quanto à concessão ou não dos pedidos. Além disso, os juízes
estão se utilizando princípios para decisões desses casos como se eles fossem uma formula
144
Em 28 de setembro de 2016, o Ministro Luís Roberto Barroso proferiu votos nos REs 566471 e 657718, os
quais tratam, respectivamente, sobre o fornecimento de medicamentos de alto custo não contidos na lista do SUS
e de daqueles não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nos votos o ministro tenta
estabelecer alguns parâmetros para a concessão de medicamentos : “O Estado não pode ser obrigado por decisão
judicial a fornecer medicamento não incorporado pelo SUS, independentemente de custo, salvo hipóteses
excepcionais, em que preenchidos cinco requisitos: (i) a incapacidade financeira de arcar com o custo
correspondente; (ii) a demonstração de que a não incorporação do medicamento não resultou de decisão expressa
dos órgãos competentes; (iii) a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; (iv) a comprovação
de eficácia do medicamento pleiteado à luz da medicina baseada em evidências; e (v) a propositura da demanda
necessariamente em face da União, que é a entidade estatal competente para a incorporação de novos
medicamentos ao sistema. Ademais, deve-se observar um parâmetro procedimental: a realização de diálogo
interinstitucional entre o Poder Judiciário e entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde tanto para
aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, quanto, no caso de deferimento judicial do
fármaco, para determinar que os órgãos competentes avaliem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do
SUS” e, ainda, “O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais, sem eficácia e
segurança comprovadas, em nenhuma hipótese. Já em relação a medicamentos não registrados na Anvisa, mas
com comprovação de eficácia e segurança, o Estado somente pode ser obrigado a fornecê-los na hipótese de
irrazoável mora da agência em apreciar o pedido de registro (prazo superior a 365 dias), quando preenchidos três
requisitos: 1) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil; 2) a existência de registro do
medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e 3) a inexistência de substituto terapêutico com
registro no Brasil”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Recurso Extraordinário (RE) 566471/RN.
Recorrente: Estado do Rio Grande do Norte. Recorrido: Carmelita Anunciada de Souza. Relator: Min. Marco
Aurélio. Tribunal Pleno. Não julgado até o momento que este estudo foi finalizado. BRASIL. Supremo Tribunal
Federal (STF). Recurso Extraordinário (RE) 657718/MG. Recorrente: Alcirene de Oliveira. Recorrido: Estado de
Minas Gerais. Relator: Min. Marco Aurélio. Tribunal Pleno. Não julgado até o momento que este estudo foi
finalizado.
42

mágica para argumentar em qualquer sentido., o que é preocupante para um sistema que
busque ser seguro e justo. Lenio Streck denomina esse uso indiscriminado de
“panprincipiologismo”145 e comenta que:
Sem qualquer possibilidade taxonômica acerca da matéria, esses enunciados
(assertóricos) cumprem a função de para-regras. Com eles, qualquer resposta pode
ser correta. Aliás, sempre haverá um enunciado desse jaez aplicável ao “caso
concreto”, que acaba sendo “construído” a partir de grau zero de significado. 146

Desse modo, a pouca preocupação de um trabalho jurisdicional conjunto acaba em


uma “[...] exacerbada divergência jurisprudencial, que revela a incoerência do sistema e trai as
expectativas normativas dos jurisdicionados [...]”147. A partir disso, revela-se essencial um
olhar para os precedentes judiciais como instrumentos de diálogo institucional, pois
permitiriam uma análise construtiva de certos parâmetros decisórios e uma melhor
interpretação/aplicação dos princípios.
Pelas circunstâncias acima mencionadas, e ainda outras148, o Brasil passou a
legislar no sentido de “forçar” uma maior obediência do Judiciário às decisões por eles
proferidas anteriormente. Mesmo assim:
[...] a vinculação formal dos precedentes é tão somente o primeiro passo. Apenas
com a aculturação do operador do direito brasileiro com uma cuidadosa análise das
circunstancias fática do precedente invocado e não a mera conclusão do julgado é
que haverá efetivamente o desenvolvimento de uma teoria dos precedentes no Brasil.
A adoção da obrigatoriedade da vinculação de precedentes sem o seu adequado
tratamento apenas traz o pior dos cenários possíveis: uma vinculação dos
precedentes com a contínua ignorância das circunstâncias fáticas necessárias para a
interpretação dos precedentes.
[...]
Muito embora se perceba o aumento da produção de obras e artigos sobre o tema, ele
ainda é uma grande novidade para a maioria dos operadores. A própria cultura do
Poder Judiciário, mesmo reconhecendo que decidir não é a simples relevação da
vontade da lei, precisa mudar para reconhecer a necessidade de argumentar
racionalmente, de forma a permitir a universabilidade dessas decisões 149. (sic)

Em outras palavras: não basta a lei impor uma visão que os precedentes são
importantes, precisa-se que os juristas passem a tratar este de forma séria, extraindo seus

145
Streck explica no capítulo 12, tópico 5, subtópico 5.1 o que é o panprincipiologismo, elucidando que o termo
remete a um fenômeno semelhante ao ideal de “completude” dos positivistas do século XIX: “na ‘ausência’ de
‘leis apropriadas’ (a aferição desse nível de adequação é feita, evidentemente, pelo protagonismo judicial), o
intérprete ‘deve’ lançar mão dessa ampla principiologia, sendo que, na falta de um ‘princípio’ aplicável, o
próprio intérprete pode criá-lo. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria
discursivas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 545.
146
Ibidem. p. 546.
147
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 138.
148
A própria constatação pelos estudiosos brasileiros que o papel do juiz é mais do que aplicar a lei “nua e crua”
é uma evidência que a observância dos precedentes judiciais é precisa, sob pena de termos juízes “legislando”
sem o menor parâmetro. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo
brasileiro contemporâneo. Salvador: JusPODIVM, 2014, p. 27.
149
PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 123 e 126.
43

benefícios para um melhor entendimento do Direito. A partir de agora até o fim do estudo,
desenvolve-se análise sobre os principais aspectos que podem contribuir para o
aprimoramento no uso dos precedentes no Brasil.
44

3 O PRECEDENTE JUDICIAL E SEUS PRINCIPAIS ASPECTOS

Após tratar dos sistemas jurídicos do civil law e do common law, bem como
explicar como surgiu e o que é a doutrina dos precedentes e, ainda, como ela é importante
para o cenário atual de desenvolvimento jurídico do Brasil, passa-se a adentrar na análise do
que é um precedente judicial.
Assim, o primeiro objetivo é delimitar um bom conceito de precedente judicial.
Depois disso, realiza-se diferenciações sobre pontos que normalmente causam dúvidas
quando se trata de precedente. Por fim, analisa-se os principais elementos dos precedentes –
com destaque para a ratio decidendi – e suas classificações.

3.1 Afinal, o que é precedente judicial?

Definir um conceito de precedente judicial não é tarefa fácil. Para tanto,


apresentam-se diversos conceitos que facilitam o entendimento do leitor, para então colocar
uma definição que preze pela simplicidade e completude. Adverte-se que a escolha de juristas
brasileiros se dá em face de uma intenção deste trabalho de demonstrar a forma que os
precedentes são utilizados no Brasil para, assim, analisar como a nova legislação poderá
auxiliar na melhoria (ou não) da utilização deles. Apesar disso, serão feitas comparações com
estudos estrangeiros em busca da compreensão mais eficaz da matéria.
Comecemos com Didier, Braga e Oliveira, os quais definem precedente como “a
decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como
diretriz para o julgamento posterior de casos análogos”150.
Já Ravi Peixoto define:
É a decisão de um caso singular apta a, pelo menos, influenciar o julgamento de um
caso posterior. Do precedente, isto é, a partir da cuidadosa leitura do inteiro teor da
decisão (relatório, fundamentação e dispositivo) pode haver a extração da ratio
decidendi e do obiter dictum para que se possa extrair seu significado e a amplitude
do que foi efetivamente decidido.151

Para Ataíde Júnior:

150
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual
Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. Salvador: JusPODIVM, 2015, v. 2, p. 441.
151
PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 127.
45

o precedente constitui-se numa decisão judicial, considerada em relação de


anterioridade a outras, cujo núcleo essencial, extraível por indução, tende a servir
como premissa para julgamentos posteriores de casos análogos” 152.

Luiz Guilherme Marinoni destaca os precedentes judiciais da seguinte forma:


Os precedentes judiciais, como entendemos neste trabalho, consistem no resultado
da densificação de normas estabelecidas a partir da compreensão de um caso e suas
circunstâncias fáticas e jurídicas. No momento da aplicação, deste caso-precedente,
analisado no caso-atual, se extrai a ratio decidendi ou holding como o core do
precedente. Trata-se, portanto, da solução jurídica explicitada argumentativamente
pelo intérprete a partir da unidade fático-jurídica do caso-precedente (material facts
e a solução jurídica dada para o caso) com o caso-atual.153

De grande importância também é a conceituação proposta por Juraci Mourão


Lopes Filho:
Precedente, portanto, é uma resposta institucional a um caso (justamente por ser uma
decisão), dada por meio de uma applicatio, que tenha causado um ganho de sentido
para as prescrições jurídicas envolvidas (legais ou constitucionais), seja mediante a
obtenção de novos sentidos, seja pela escolha de um sentido específico em
detrimento de outros ou ainda avançando sobre questões não aprioristicamente
tratadas em textos legislativos ou constitucionais. Essa resposta é identificada em
função não só dos elementos de fato (abstratos ou concretos) e de direito (em suas
mútuas influências) considerados no julgamento e obtidos da análise da motivação
apresentada, mas também dos elementos amplos que atuaram no jogo de-e-para do
círculo hermenêutico e que integram as razões subjacentes do julgamento. Essa
resposta comporá a tradição institucional do Judiciário merecendo consideração no
futuro, inclusive por tribunais superiores, pois mesmo escalões mais elevados não
podem ignorar os outros elos do sistema em rede que formam. Sua utilidade na
ordem jurídica é, adicionalmente, funcional, pois elide o desenvolvimento de outras
decisões a partir de um grau zero, evitando subjetivismos, economizando tempo e
garantindo uma igualdade de tratamento entre casos substancialmente iguais 154.

Georges Abboud e Lenio Luiz Streck tem uma das propostas mais importante por
aclarar a dupla faceta inerente no conceito de precedentes:
O precedente, assim, terá dois níveis de análise: em um primeiro momento, o
precedente é uma decisão de um Tribunal com aptidão a ser reproduzida-seguida
pelos tribunais inferiores, entretanto, sua condição de precedente dependerá de ele
ser efetivamente seguido na resolução de casos análogos-similares. Ou seja, não há
uma distinção estrutural entre uma decisão isolada e as demais decisões que lhe
devem “obediência hermenêutica”.155

152
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 442.
153
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes (Treat Like Cases Alike) e o novo Código de Processo Civil:
Universalização e vinculação horizontal como critérios de racionalidade e a negação da "jurisprudência
persuasiva" como base para uma teoria e dogmática dos precedentes no brasil. Revista de processo. v. 235, p.
239-349, 2014, p. 5 da versão digital. Disponível em:
<https://www.academia.edu/16753510/Precedentes_Treat_Like_Cases_Alike_e_o_novo_C%C3%B3digo_de_Pr
ocesso_Civil._Universaliza%C3%A7%C3%A3o_e_vincula%C3%A7%C3%A3o_horizontal_como_crit%C3%A
9rios_de_racionalidade_e_a_nega%C3%A7%C3%A3o_da_jurisprud%C3%AAncia_persuasiva_como_base_par
a_uma_teoria_e_dogm%C3%A1tica_dos_precedentes_no_Brasil>. Acesso em: 25 jul. 2017.
154
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 275.
155
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto - o precedente judicial e as súmulas vinculantes?
3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 46.
46

A partir disso, não há ainda como apresentar um conceito de precedentes, pois é


preciso explicar que esta definição se dá sobre o conceito mais abrangente de precedente,
tomando-se como parâmetro a própria decisão judicial.
Essa afirmativa somente faz sentido quando se compreende que parte da doutrina
estabelece o conceito a partir da essência do precedente, isto é, a parte que realmente é
aplicada no caso futuro, que é a ratio decidendi (como será visto no tópico 2.3). Esse seria o
sentido estrito de precedente judicial, no qual há identificação entre ele e a ratio decidendi156.
Ravi Peixoto sintetiza muito bem essa questão:
Um primeiro sentido faz referência a todo o ato decisório [...]. Nesse aspecto, o
precedente é texto, é fonte do direito. A partir dele e das decisões posteriores é que
será formada a norma geral. Nesse aspecto denominado de próprio, ele atuará como
referência para as decisões posteriores, servindo de ponto de partida para a resolução
de casos concretos semelhantes. [...]. Um segundo aspecto, denominado de
impróprio157, refere-se à ratio decidendi, ou seja, a norma jurídica a ser extraída da
decisão158.

Após isto, apresenta-se pontos chaves para formar um conceito de precedente


judicial (lato sensu). O primeiro, e que deve estar sempre em evidência, é que o precedente
judicial é uma decisão judicial159. Isso significa que o precedente nasce a partir de situações
concretas, nas quais os fatos ganham um maior relevo – por mais que (se) possa visualizar
precedentes formados em demandas eminentemente sobre questões de direito, como as ações
de controle de constitucionalidade.
Somado a isto, relevante se mostra a proposição apresentada por Streck e Abboud,

156
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 442.
157
Importante mencionar que a escolha de ser considerado como próprio o sentido mais amplo e impróprio
aquele no qual a ideia de precedente é identificada como a razão de decidir é algo que não é padronizado.
Observe que, por exemplo, Michele Taruffo ao tratar do tema diz “é considerado como precedente em sentido
próprio, isto é, aquela parte da sentença à qual se faz referência por dela derivar a regra de julgamento para o
caso sucessivo” ou, no original, “determinazione di ciò che si considera come precedente in senso proprio, ossia
quella parte della sentenza alla quale si fa riferimento per derivarne la regola di giudizio per il caso
successivo”. TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. 2014, p. 5. Disponível em:
<http://civilistica.com/wp-content/uploads/2015/02/Taruffo-trad.-civilistica.com-a.3.n.2.2014.pdf>. Acesso em:
23 jul. 2017. TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. 2007, p. 4. Disponível em:
<http://civilistica.com/wp-content/uploads/2015/03/Taruffo-civilistica.com-a.3.n.2.2014.pdf>. Acesso em: 23 jul.
2017.
158
PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 128.
159
“A precedent is a past event – in law the event is nearly always a decision – which serves as a guide for
present action” ou, em tradução livre, “Um precedente é um evento passado – no direito o evento é quase sempre
uma decisão – que serve como um guia para a ação atual” . DUXBURY, Neil. The nature and authority of
precedent. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 1. “Precedents are prior decisions that function as
models for later decisions”. Tradução livre: “Os precedentes são decisões anteriores que funcionam como
modelos para decisões posteriores”. MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. Introduction. In:
MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L. Interpreting precedents: a
comparative study. Great Britain: Aushgate Publishing Limited, 1997, p. 1.
47

pois denota algo de fundamental importância: o precedente só passa a ser considerado como
de fato um “precedente” – isto é, aquilo que precede – quando utilizado no futuro. Dessa
forma, o precedente tem um duplo estágio: o primeiro é aquele no qual ele emerge dentro de
uma decisão prévia, ganhando “corpo”, ou seja, é criado como uma decisão judicial com
potencialidade para resolução de outros casos; o segundo refere-se à utilização num futuro
caso, no qual será observado aquilo que foi determinante como fator(es) para alcançar a
resposta anterior.
Essa ideia (duplo momento na percepção do precedente, a qual será detalhada em
tópicos futuros) é fundamental para compreensão dos precedentes na forma utilizada neste
estudo, pois ressalta uma dinamicidade inerente aos precedentes. Como será exposto durante
o restante do estudo, apesar de o precedente ser uma decisão, ele não é utilizado de uma forma
estanque. Quando o julgador (um juiz ou um tribunal) firma uma decisão, sua principal
preocupação é tentar dar uma regulação jurídica para um caso que lhe foi apresentado. Os
outros julgadores quando deparados com situações que guardam uma similitude com aquela
anterior, devem observar a decisão anterior, pois já foi construído um raciocínio jurídico sobre
o caso. Apesar disso, cabe, precipuamente, aos julgadores futuros estabelecerem os pontos de
relevância na decisão anterior, numa relação hermenêutica com o texto desta decisão, ou seja,
haverá um “diálogo”160 entre o que foi produzido anteriormente e aquilo que o juiz se depara
nos casos futuros – novos fatos e novos argumentos.
Ao elaborar seu conceito, Ravi Peixoto evidencia algo importante, que é a
necessidade de o precedente ser, ao menos, influente para casos futuros161. Apesar do autor

160
No mesmo sentido: LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo
brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 273-274. Raimo Siltala explica que a força
vinculante do precedente somente pode ser vista se analisada a partir de, pelo menos, dois casos diferentes: “The
resulting binding force of a precedent is brought into effect by the mutual coeffort of the two or more courts
involved, i.e. the prior court or courts and the subsequent court. There will be at least two cases involved, the
previous case, or a set of such cases, and the subsequent case with its new facts to be ruled upon”. No trecho
também é destacado que seria preciso duas cortes distintas, pois o autor está visualizando a situação tradicional
e mais comum de vinculação dos precedentes, que é aquela que se dá entre uma corte de superior posição na
hierarquia do Judiciário que profere uma decisão que deverá ter sua razão de decidir utilizada futuramente por
uma corte ou juiz de menor hierarquia, contudo, é perfeitamente possível pensar em uma vinculação daquele
que proferiu a decisão a casos futuros, ou seja, o mais importante é a relação dialética entre uma decisão já
produzida e outra em elaboração. SILTALA, Raimo. A theory of precedent: from analytical positivism to a
post-analytical philosophy of law. Hart Publishing: Oxford, 2000, p. 65.
161
Tanto que Alexy e Dreier, ao conceituar precedentes, já destacam que é pressuposta algum grau de vinculação
dessa decisão as futuras, contudo não há uma “predefinição” necessária ou, ainda, um alto grau de vinculação,
bastando que seja relevante - de qualquer forma - para o futuro, isto é, deve servir como parâmetro. Veja nas
palavras dos autores: “Precedent' (Prajudiz) is usually taken to mean any prior decision possibly relevant to a
present case to be decided. The notion presupposes some kind of bindingness, but its use in legal discourse does
not imply anything definitive about the nature or the strength of that bindingness. Also it is not necessary that the
deciding court expressly adopt or formulate a decision to guide future decision making in order to talk about it as
a precedent. Being relevant for any future decision is sufficient”. ALEXY, Robert; DREIER, Ralf. Precedent in
48

colocar o atributo dentro do seu conceito de precedente para – provavelmente – enaltecer a


diferença entre precedentes vinculantes e precedentes persuasivos, ele se torna importante
para destacar que somente deve ser considerado precedente a decisão que acrescenta algo de
novo162. O que se quer se destacar é que a decisão em um caso posterior que use o raciocínio
exarado em outra decisão como fundamento não está criando um novo precedente. Apesar
disso, não é de todo incorreto falar que existem vários precedentes no mesmo sentido. Essa
frase estabelece, com mais precisão, que existe uma linha de decisões que mantiveram um
mesmo raciocínio jurídico. Essa linha de decisões é importante para firmar um precedente
dentro de um sistema jurídico.
Dito isso, pode-se definir precedente judicial como uma decisão judicial que, ao
analisar os fatos e o direito, por um processo interpretativo, e dar uma resposta para o caso por
meio de uma argumentação que contenha algo de novo na interação entres as normas jurídicas
e os fatos163, passa a ser útil como parâmetro racional de resposta a outros casos que com ele
se assemelhem, cabendo aos juízes, em casos posteriores, determinar as razões jurídicas
(padrão normativo) exaradas na decisão paradigma, através de um trato dialogal
(hermenêutico), para que possam, fundamentalmente, aplicar como justificativa para sua
decisão. Ou, de forma resumida: decisão judicial que responde um caso de modo a acrescentar
algo de novo na interpretação/aplicação do direito e que se torna parâmetro para que decisões
de casos futuros tentem alcançar a resposta correta por meio de um processo racional de
diálogo entre o passado e o presente.

3.2 Evitando confusões sobre precedentes judiciais

Esse tópico é dedicado a dirimir algumas possíveis complicações existentes em


relação aos precedentes judiciais. Começa-se com a seguinte afirmação: todo sistema utiliza-
se dos precedentes judiciais de algum modo164. A diferença depende do grau de vinculação –

the Federal Republic of Germany. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur
L. Interpreting precedents: a comparative study. Great Britain: Aushgate Publishing Limited, 1997, p. 23.
162
DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge University Press, 2008,
p. 2. Por conta disso, acredita-se que o termo “precedente declaratório” carece de certa precisão. Para ver a
crítica a este termo, remete-se o leitor ao tópico 2.4.
163
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 336-338.
164
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 453. PEIXOTO,
Ravi. op. cit. p. 127. MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador:
JusPODIVM, 2015, p. 100. ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 37.
49

ou autoridade165 – que este tem para influenciar outra decisão judicial.


Dessa forma, nos países de origem vinculadas ao common law é comum tenham
uma observância mais forte, denominando-os de binding precedents (precedentes
vinculantes), enquanto no civil law haveria uma preponderância dos precedentes com força
persuasiva166 (essa classificação entre precedentes vinculativos e os persuasivos será
detalhada no tópico 3.4).
Apesar disso, alguns destacam uma modificação nessa questão, pois “os países de
civil law, pelo menos em sede de jurisdição constitucional, há algum tempo vêm produzindo
precedentes vinculante” (sic)167. Alguns autores rechaçam essa diferenciação, acreditando que
todo precedente é vinculante, como é o caso de Hermes Zaneti Jr168.
Outro ponto importante – que já foi destacado – é que nem toda decisão judicial é
considerada precedente em casos futuros. Romão e Pinto, por exemplo, explicam isso ao dizer
que “nem todo pronunciamento judicial possui característica essencial à construção de um
precedente, qual seja, o potencial de se arrimar como padrão de orientação dos jurisdicionados
e dos magistrados”169. A explicação disso é a que segue. Quando se produz uma decisão

165
Neil Duxbury explica que a ideia de autoridade faz referência a uma variação de vinculação – algo similar a
força gravitacional de Dworkin (explicada no tópico 3.3) –, pela qual, os precedentes permaneceram no sistema
por diversos fatores e não somente se apoiam numa ideia de validade decorrente de uma percepção hierárquica.
Em outras palavras, o precedente não teria sua força decorrente de uma norma superior que lhe validaria, mas
sim da própria aceitação dentro do sistema jurídico a partir da sua aplicação reiterada. DUXBURY, Neil. The
nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 23. No direito nacional é
uma expressão comum entre estudos sobre o tema, como exemplo: ASCENSÃO, José de Oliveira. Fontes do
direito no sistema do “common law”. Doutrinas Essenciais de Direito Civil, v. 1, p. 351-382, 2010. SOUZA,
Marcelo Alves Dias de. op. cit. p. 52.
166
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 101-102.
167
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 70. Para Marinoni, este é o caso do Brasil, pois
“especialmente em ordenamentos jurídicos mistos ou híbridos como o brasileiro, nos quais a tendência é a
autorização constitucional e legal para a vinculação aos precedentes, trata-se de repensar a separação de tarefas
entre legislador, juiz e doutrina, evitando-se a insegurança da atuação solipsista que gera contrastes irracionais.
Assim, a afirmação da vinculação aos precedentes deixa de ser contraditória ao princípio da legalidade.”.
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes (Treat Like Cases Alike) e o novo Código de Processo Civil:
Universalização e vinculação horizontal como critérios de racionalidade e a negação da "jurisprudência
persuasiva" como base para uma teoria e dogmática dos precedentes no brasil. Revista de processo. v. 235, p.
239-349, 2014. p. 3 da versão digital. Disponível em:
<https://www.academia.edu/16753510/Precedentes_Treat_Like_Cases_Alike_e_o_novo_C%C3%B3digo_de_Pr
ocesso_Civil._Universaliza%C3%A7%C3%A3o_e_vincula%C3%A7%C3%A3o_horizontal_como_crit%C3%A
9rios_de_racionalidade_e_a_nega%C3%A7%C3%A3o_da_jurisprud%C3%AAncia_persuasiva_como_base_par
a_uma_teoria_e_dogm%C3%A1tica_dos_precedentes_no_Brasil>. Acesso em: 25 jul. 2017.
168
O autor mencionado entende que somente é possível se referir a uma institucionalização dos precedentes
dentro do sistema jurídico positivo quando esses forem considerados verdadeiras fontes formais primárias,
extraindo-se normas para resolução de casos e que, se não utilizadas, representariam uma decisão inválida, a qual
poderia ser reformada posteriormente. Maiores explicações são dadas no tópico 3.4. ZANETI JR, Hermes. O
valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes. 2. ed. Salvador:
JusPODIVM, 2016, p. 323-324.
169
ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 36. Lucas Buril de Macêdo
também diz que nem toda decisão será precedente. Primeiro diz que nem toda questão apreciada pelo Judiciário
50

jurídica sobre um caso, está-se, em sentido amplo, procurando dentro do Direito, a partir de
um exercício hermenêutico sobre aquilo que compõe o sistema jurídico – normas em relações
entre si –, bem como nos elementos externos ao “mundo jurídico” – ou melhor, ao direito
positivado –, uma resposta. Esta deve alcançar os objetivos estabelecidos dentro do próprio
Direito e suficientes para torna-la, primeiramente, válida e, também, justa – ou correta, como
se preferir. Essa decisão acaba por revelar uma “opção”170 que o juiz tomou – que, adverte-se,
não pode ser discricionária, tanto que os precedentes já firmados servem como uma das
formas de controle ou parâmetro de avaliação dessa discricionariedade. Juraci Mourão Lopes
Filho, por exemplo, chama essa produção do juiz, na qual será possível perceber a razão que
permitirá chamar a decisão de precedente, de “ganho hermenêutico”171.
Dessa forma, caberá aos julgadores nos casos futuros que lhes forem submetidos
utilizar daquela opção hermenêutica para solucionar seus casos. Pode-se, desse modo,
imaginar, apesar de ser raro na prática, que uma solução sobre uma certa temática não seja
considerada fundamento em futuros julgados por ter sido construída em uma situação de
tamanha especificidade que não justifique o uso no futuro172. Ainda é sustentado por alguns
que quando uma decisão tem como razão de decidir (ratio decidendi) a norma legal, sem
acrescentar nenhum elemento criativo, não há motivos para “tomar o precedente como
referente para aplicações posteriores, que devem residir, com continuidade, na lei”173.
Não se concorda com esta afirmação, pois a opção hermenêutica nesse caso teria
se formado em torno da literalidade do texto, a qual, sim, constitui um trabalho hermenêutico,
exigindo uma argumentação para que a escolha persista como válida e correta. Para salvar
essa menção de certos autores, poder-se-ia levantar o seguinte: quando é aplicado somente a
“lei” – ou melhor, a norma legislativa –, num processo de silogismo bem simplificado, as
razões expressas no precedente acabam por ser de somenos importância que se torna possível

será novamente posta em sua análise. O autor adota uma situação de extrema excepcionalidade, na qual não
haverá, nunca mais, uma situação de similaridade tal que permita a aplicação da razão de decidir anteriormente
produzida. Apesar disso, pensando-se, por exemplo, numa declaração de inconstitucionalidade pelo STF em sede
de ação concentrada é possível vislumbrar um bom exemplo do que o autor queria dizer – apesar de manter o
leitor lembrado que, mesmo sendo declarado inconstitucional, é possível o Legislativo editar nova lei de
conteúdo equivalente, o que conduziria, provavelmente, salvo uma modificação na estrutura jurídica ou social
relevante, o Judiciário a se manifestar por aplicação do precedente firmado na decisão anterior (tópicos 5.2 e
5.4). A outra situação é a que Macêdo nomeia de precedente declaratório, a qual é tratada no tópico 3.4.
MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 90 e 324.
170
No mesmo sentido: “só se pode considerar como ratio decidendi a opção hermenêutica que, a despeito de ser
feita para um caso concreto, tenha aptidão para ser universalizada”. DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno;
OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 447-448.
171
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 275.
172
ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 36.
173
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 335.
51

falar na inexistência de um precedente, pois não seria utilizado no futuro. Veja que, quando se
diz que a decisão não é considerada precedente num caso posterior, está se referindo à
ausência de aplicação da sua ratio, pois, como será visto, é essa parte que efetivamente é
tomada como base para aplicação nos casos futuros (ver tópico 3.3). Dessa forma, não é que
não exista precedente judicial, mas este não servirá para resolução de casos futuros.
Dito isso, indaga-se: precedente só é precedente no futuro?174 Tomando-se a ideia
geral dos precedentes judiciais como decisão a ter seus motivos relevantes utilizados
futuramente, é possível defender que, sim. Somente haveria um precedente quando em outro
julgamento for extraída a ratio do julgado anterior e for aplicada ao caso175, até porque “não é
possível determinar, na decisão, como os juízes irão tomar e utilizar o precedente”176
futuramente.
Isso, entretanto, é somente uma das formas que se pode ver a figura do precedente
judicial177, ou seja, trata-se de uma das feições do precedente, pois como dito anteriormente, o
precedente é composto, necessariamente, de uma visão dual e continua. Ele começa com uma
decisão num caso concreto e estende-se para os demais casos por meio da avaliação dos
julgadores sobre aquela decisão anterior, num processo dialógico. Dessa forma, não é errado
pensar que, por si só, a decisão teria aptidão suficiente para, já de início, ser considerada um
precedente.

174
A pergunta é originalmente feita por Ravi Peixoto, assim para ver análise completa dele sobre o tema ver:
PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 128-131.
175
ABBOUD, Georges. Do genuíno precedente do stare decisis ao precedente brasileiro: os fatores histórico,
hermenêutico e democrático que os diferenciam. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, v. 2, n. 01, p.
62-69, 2016, p. 66-67.
176
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 166. No mesmo sentido, Michele Taruffo e Massimo La
Torre, ao tratarem da formação de um precedente no sistema jurídico italiano, destacam que “It may happen that
a court prepares a judgment with the aim of setting a precedent, but the intention of the court is unimportant
(even when setting a precedent is institutionally inherent in delivering a judgment, as in judgments of the Sezioni
Unite of the supreme court). In fact a judgment is a precedent only when it is considered as a precedent by the
judges deciding the following cases. Rather frequently, judgments delivered with the aim of influencing decisions
in future cases are rejected or set aside”. Em tradução livre: “Pode acontecer que um tribunal elabore um
julgamento com o objetivo de estabelecer um precedente, mas a intenção do tribunal não é importante (mesmo
quando estabelecer um precedente é institucionalmente inerente ao proferimento do julgamento, como em
julgamentos do Sezioni Unite da suprema corte). Na verdade, um julgamento é um precedente somente quando é
considerado como precedente pelos juízes que decidem os seguintes casos. Em vez disso, frequentemente os
julgamentos proferidos com o objetivo de influenciar decisões em casos futuros são rejeitados ou reservados”.
TARUFFO, Michele; TORRE, Massimo La. Precedent in Italy. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS,
Robert S.; GOODHART, Arthur L. Interpreting precedents: a comparative study. Great Britain: Aushgate
Publishing Limited, 1997, p. 151-152.
177
Lucas Buril de Macêdo explica que, normalmente, adota-se uma visão retrospectiva dos precedentes, isto é,
tomando o precedente como algo que deva ser observado no momento que o juiz está tomando uma decisão
posterior. Apesar disso, explicita que é possível ter uma visão prospectiva do precedente, no sentido que o
julgador já deve vislumbrar os efeitos que sua decisão acarretará sobre os futuros casos, prescrevendo a norma
futura. MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM,
2015, p. 93-94.
52

Nesse ponto, Ravi Peixoto, por exemplo, posiciona-se que o primeiro pensamento
seria uma visão romantizada do commow law, pois, na realidade, o precedente, decorrente do
stare decisis, já teria aptidão para ser considerado assim a partir da decisão-paradigma, não
dependendo de aceitação e de aplicação futura178. Ademais, menciona o entendimento de
Frederick Schauer. Este diz que o juiz, ao produzir uma decisão que será tida como
precedente, deve sempre pensar no porvir, estando comprometido com o futuro179. Advirta-se
que essa responsabilização com o efeito futuro do precedente não é pacífica na doutrina180,
pois, como mencionado, é mais comum o entendimento que a razão dos precedentes é
delimitada posteriormente, não ficando o juiz incumbido de delimitar na sua decisão aquilo
que entende por vital para futuros casos.
Para finalizar, compreende-se que haja importância na lição de Schauer, pois os
juízes devem estar atentos aquilo que produzem, preocupando-se corretamente com a
delimitação correta da tese firmada, sem deixarem de ter em mente “a correspondência a
proposições sociais, a evolução da tecnologia jurídica, o impacto econômico”181.
Mesmo assim, o comprometimento com a correta delimitação do direito no
julgado tem maior relação com a própria necessidade constitucional de fundamentação (art.
93, § 9º da CF/88) – agora também refletida no art. 489, § 1º do CPC/2015 – do que
necessariamente com uma preocupação com o futuro, pois “nós podemos, mas não
precisamos, tomar decisões com o futuro em mente; e os pensamentos sobre o futuro podem,
mas não precisam, restringir o que decidimos fazer”182, o que reflete que a maior importância
e preocupação que se deve ter é a de julgar aquilo que já se tem contato da melhor maneira

178
PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 129.
179
Para ver o texto original: SCHAUER, Frederick. Precedent. Stanford Law Review, p. 571-605, 1987. Versão
traduzida: SCHAUER, Frederick. Precedente. Tradução de Lucas Buril de Macêdo e André Duarte de Carvalho.
In: DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR, Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO,
Lucas Buril de (Orgs). Precedentes: Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Salvador: JusPODIVM, 2015, p.
51.
180
Marinoni, por exemplo, concorda com a importância dessa visão. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes
obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 89. Em sentido oposto, ver, por exemplo, o
seguinte estudo: LAMY, Eduardo de Avelar; LUIZ, Fernando Vieira. Contra o aspecto prospectivo do
precedente: uma crítica hermenêutica a Frederick Schauer. Revista de Processo. Revista de processo. v. 250, p.
383-402, dez/2015.
181
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 94.
182
Na versão original, com complemento, a íntegra da crítica do autor ao entendimento de Schauer: “Even with
this awareness, furthermore, it is not clear why conscientious decision-makers ‘are obliged’, as opposed to likely
or minded, to decide with an eye to the future. A decision-maker’s priorities might legitimately be in the present;
and even when there exists a strong feeling that the decision-maker has thought too little about the future, this is
insufficient in itself to establish that there has been a breach of obligation. We might, but we do not have to,
make decisions with the future in mind; and thoughts about the future might, but do not have to, constrain what
we decide to do”. DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge
University Press, 2008, p; 5.
53

possível.
Outra questão interessante é sobre a relação entre criação dos precedentes e
atuação das cortes superiores (detalhada no tópico 5.2). Via de regra, e aqui no Brasil parece
tomar o mesmo rumo por meio das inovações legislativas, os Tribunais de maior hierarquia
dentro do sistema acabam sendo os responsáveis por editar os pensamentos jurídicos que
serão tomados por vinculantes e adotados pelo corpo de magistrados locais. Não impressiona
essa situação, haja vista decorrer de uma questão lógica. Os juízes de uma instância menor
tomam como vinculantes os precedentes das instâncias superiores, pois se não os utilizarem
terão, muito provavelmente, suas decisões reformadas por desrespeito à ratio decidendi do
julgado anterior183.
Apesar disso, não é correto pensar que os julgados de Cortes de inferior hierarquia
não importem para as superiores. Isso por dois motivos: primeiro, porque são os tribunais
inferiores que julgam as demandas antes delas chegarem aos tribunais superiores e esses
julgamentos, principalmente quando da 1ª primeira instância, tem um maior contato com
provas, o que permite uma delimitação mais precisa do caso. Assim, nesse momento haverá
uma produção de teses jurídicas intensas que devem ser consideradas pelos tribunais
superiores – apesar de não vincularem –, até porque demonstram um amadurecimento do
caso, ou seja, serão as bases para os julgamentos futuros. Sintetizando:
As demandas devem seguir tramitação normal até atingir tribunais superiores,
ocasião em que as teses debatidas estão, em princípio, amadurecidas, eis que
examinadas por diversos juízes e tribunais. Participação de partes e esforço
individual de advogados e demais atores envolvidos contribuem decisivamente para
que a ratio decidendi firmada nos tribunais superiores seja, de fato, a mais adequada
às questões postas.184 (grifos no original)

Segundo ponto, reflete uma preocupação com a segurança jurídica e a legítima


expectativa dos jurisdicionados e advogados. Quando uma linha de julgados em instância
inferior acarretou relevante estabilidade social, não é correto pensar que o tribunal superior
poderá, sem nenhuma observância, desconsiderar o que já existe, posto que conduziria a uma
situação de tamanha quebra da expectativa que talvez fosse pior que a própria manutenção da
183
Na Inglaterra, por exemplo, Bankowski, MacCormick e Marshall destacam a forte vinculação existente entre
o precedente de um Tribunal Superior e o julgador de uma hierarquia menor, mencionando: “formal bindingness
in the sense that judgments not respecting precedent's bindingness are not lawful and subject to reversal on
appeal is found by virtue of court hierarchies. Each court is strictly bound to follow the precedents of the court
above”, ou seja, “vinculação formal no sentido de que os julgamentos que não respeitam a vinculação do
precedente não são legais e estão sujeitos a reversão em recurso é encontrada em virtude da hierarquia judicial.
Cada tribunal está estritamente obrigado a seguir os precedentes do tribunal acima”. BANKOWSKI, Zenon;
MACCORMICK, D. Neil; MARSHALL, Geoffrey. Precedent in the United Kingdom. In: MACCORMICK, D.
Neil; SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L. Interpreting precedents: a comparative study. Great
Britain: Aushgate Publishing Limited, 1997, p. 325.
184
ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 48.
54

linha dos julgados. Apesar disso, não se diz que este está vinculado, podendo modificar o
entendimento se apontar razões fortes para tanto185 e, talvez, utilizando-se de uma modulação
dos efeitos da modificação da ratio decidendi – situação prevista no art. 927, § 3º do CPC –
ou, ainda, uma mudança gradual do entendimento, se possível.
Ademais, reitera-se, para o leitor, que o precedente é formado em torno de uma
necessária argumentação jurídica advinda de uma opção hermenêutica realizada pelo
julgador186. Dessa forma, para que seja aplicado no futuro, conforme é melhor detalhado no
capítulo 5.3, precisa-se de uma análise mais profunda sobre a decisão anterior. Esse é outro
ponto que sustenta a afirmação que os precedentes não são somente de cima para baixo, mas
também têm sua certa força de baixo para cima. Sobre isso, muito interessante é o
entendimento de Juraci Mourão Lopes Filho:
O ponto de referência são os argumentos tecidos pelo juiz ou tribunal na
fundamentação da solução de cada uma das questões fáticas e jurídicas, com a inter-
relação própria verificada no caso, consoante são submetidas pelas partes. A
vinculação ao precedente se dá segundo a força hermenêutica, pelo que não se pode
falar de uma subordinação hierárquica. Não há dever funcional de reproduzir
acriticamente os precedentes. Todo juiz e tribunal desempenham funções próprias no
sistema, pois a applicatio que cada um exerce tem características próprias.187 (grifo
no original)

Desse trecho destaca-se, primeiro, a menção à inexistência de uma subordinação


entre precedentes. Essa afirmação somente faz sentido se entendido que o autor estava
comparando com as fontes legislativas. Explica-se. Uma norma, por exemplo, presente em
uma lei qualquer, é considerada inferior em termos de hierarquia sistêmica a uma norma da
Constituição e, por isso, precisa respeitar a norma prevista na Constituição, pois esta é seu
fundamento de validade no sistema188. Em relação aos precedentes, o fato de ser produzido
por tribunal de superior hierarquia não gera, invariavelmente, uma invalidação de precedentes
contrários de um tribunal inferior ou até de um juiz singular, pois os precedentes são mantidos
no sistema por diversos fatores que lhes dão força189. Não obstante, via de regra é preciso – e

185
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 114-115.
186
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 441-442.
187
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 271.
188
Esse pensamento comum dos juristas brasileiros é influência da visão de sistema jurídico de Hans Kelsen.
Apesar disso, há outras formas de visualizar o sistema jurídico. Para compreender essas visões sobre sistema
jurídico, ver: GRECO, Rodrigo Azevedo. Direito e Entropia. Fortaleza, 2015.
189
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 268-269. Juraci Lopes Filho fala que o precedente é
“erodido” do sistema, ou seja, desfaz-se aos poucos, em contraposição a um mero “abatimento”. Essa ideia de
erosão advém da lição de Dworkin sobre como os princípios perdem força no sistema jurídico. O autor diz que
“a continuidade de seu poder depende da manutenção dessa compreensão do que é apropriado. Se deixar de
55

comum – que haja uma adequação gradual para que o sistema respeite os precedentes de uma
forma vinculante e não meramente persuasiva.
O segundo ponto a ser destacado é a importância funcional dada a cada juiz, seja
qual for a hierarquia. Defender, como faz Schauer, que a vinculação dos precedentes significa
que “quando os tribunais são restringidos por precedentes, eles são obrigados a seguir um
precedente não só quando pensam estar correto, mesmo quando acham que está incorreto”190
pode gerar um perigo que deve ser evidenciado. Claramente, uma obediência normativa
formal aos precedentes, como defendida por Schauer, sendo entendida aqui como aquela na
qual a não utilização deste poderia levar uma decisão a ser considerada inválida191, exigiria
uma observância rígida deles. Apesar disso, quando é dito que os juízes, independente de
concordarem com a decisão, terão que aplicar a regra nela contida em casos futuros, traz-se à
tona uma diferenciação que é sagaz para salvaguardar uma aplicação dos precedentes dentro
de um sistema jurídico.
O julgador futuro realmente não deve deixar de aplicar, em regra, por uma mera
discordância, até porque, entre outros fatores, deve-se ter em mente a questão temporal
relacionada ao julgado: se ele não aplicar, muito provavelmente, o prejudicado obterá a tutela
jurisdicional em concordância com o entendimento firmado no precedente em algum grau de
recurso, contudo haverá uma lesão decorrente da demora, a qual, inclusive, pode fazer com
que a decisão não tenha mais utilidade.
Verificam-se, entretanto, situações que permitiriam uma mudança no
entendimento firmado. Dentre os casos, que serão apresentados no tópico 5.4 quando tratado

parecer injusto permitir que as pessoas se beneficiem de seus próprios delitos ou se deixar de parecer justo impor
encargos especiais sobre monopólios que fabricam máquinas potencialmente perigosas, esses princípios não
mais desempenharão um papel em novos casos, mesmo se eles não forem anulados ou revogados. (Na verdade,
não tem sentido falar de ‘anulação’ ou ‘revogação’ de princípios como estes. Quando entram em declínio, eles
sofrem uma erosão, eles não são torpedeados.)”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de
Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 64.
190
No original: “When courts are constrained by precedent, they are obliged to follow a precedent not only when
they think it correct, but even when they think it incorrect”. SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a
new introduction to legal reasoning. Cambridge: Harvard University Press, 2009, p. 41.
191
Aleksander Peczenik ao apresentar uma classificação dos precedentes de acordo com a vinculação propõe
que, dentre as visões que se pode ter sobre precedentes, a vinculação formal seria a mais rígida, pois nela um
julgamento que não respeitasse o precedente não seria legal e, portanto, estaria sujeito a reversão em grau
recursal. Dentro dessa vinculação, haveria os sistemas que tomariam como totalmente vinculante, sem nenhum
grau de modificação futura, o que parece-me algo sem condições – o sistema inglês da primeira metade do
século XX aproximou-se dessa rigidez – para um sistema que preze por valores outros além da segurança
jurídica – e, na visão do presente autor, um sistema seguro de nada vale se é mantido com base em injustiças
latentes. Haveria também sistemas nos quais os precedentes poderiam ser excepcionados em casos de enorme
peculiaridade que os justificasse a medida, o que parece ser o modelo proposto por Schauer. PECZENKI,
Aleksander. The Binding Force of Precedent. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S.;
GOODHART, Arthur L. Interpreting precedents: a comparative study. Great Britain: Aushgate Publishing
Limited, 1997, p. 463.
56

do overruling, é possível que um juiz de hierarquia inferior não aplique o precedente porque,
no caso que foi firmado o entendimento, não houve a discussão de um argumento que agora é
apresentado pela parte no novo processo192. Nesse caso, o juiz pode concluir que houve um
verdadeiro erro na decisão anterior e deixar de aplicar a ratio. Ademais, provavelmente, essa
decisão chegará ao tribunal que proferiu o precedente anterior e este poderá completar o seu
pronunciamento anterior. Aqui há uma amostra da importância de entender o trabalho dos
juízes de forma colaborativa ou dialogal193. Essa situação exposta é a que Juraci Mourão
Lopes Filho costuma chamar de desafio, isto é, “uma proposta de superação feita pelas cortes
aplicadoras ao tribunal emissor do precedente”194.
Uma outra situação apresentada seria a resistência generalizada dos aplicadores
posteriores a um entendimento firmado em uma decisão anterior. Estar-se-ia diante de uma
repulsa geral de um dado posicionamento, o que deve ser considerado pela corte superior. O
motivo é que isso evidência de forma latente que aquela razão de decidir possui algum fator
que não permite a aceitação, seja por uma questão relacionada a uma violação marcante do
direito posto, malferindo, por exemplo, a integridade deste195, seja relacionada a valores
sobrepostos, os quais são perceptíveis ao ser humano e que acabam por nortear e,
principalmente, gerar limites, não só ao direito posto, como também às relações entre os
homens, evidenciando, quando gritante, uma situação de injustiça.
Desse modo, o trecho transcrito do Schauer somente tem sentido se entendido
como uma limitação ao juiz de meramente dizer “não concordo, mesmo o tribunal já tendo
analisado o caso com base nos argumentos que apresento e nada de novo existindo no caso
que me deparo, pois, sendo livre para motivar, decidirei do jeito que acho melhor”. Trata-se
do caso de um juiz “teimoso”, ganhando ainda mais relevo se o entendimento tiver já uma
grande reverberação dentro do Judiciário e da comunidade jurídica como um todo. Ressalva-
se dessa desobservância, a situação já mencionada de não aceitação pelo conjunto dos
aplicadores constatarem algo que não pode ser mantido no sistema daquela forma.
O próprio Schauer, inclusive, diz que a autoridade vinculativa do precedente não

192
Nesse sentido, o enunciado 526 do FPPC: “O art. 489, §1º, IV, não obriga o órgão julgador a enfrentar os
fundamentos jurídicos deduzidos no processo e já enfrentados na formação da decisão paradigma, sendo
necessário demonstrar a correlação fática e jurídica entre o caso concreto e aquele já apreciado.”
193
No mesmo sentido, Juraci Mourão Lopes Filho chama de “relação dialética” essa “conversação” entre os
julgados e os julgadores, o que é decorrência da visão dual dos precedentes apresentada por mim quando
definido eles no tópico 3.1. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo
brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 442.
194
Ibidem. p. 230.
195
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 442.
57

significa uma observância desenfreada, dizendo que, como qualquer obrigação, está sofre
influxos externos que permitem que haja uma mudança196. Nesse sentido:
o caso anterior é um precedente vinculativo, mas aqui, ao contrário da situação
envolvendo precedentes verticais, na qual entendemos vinculativo para significar
não superável por qualquer outra consideração, a força vinculativa de stare decisis é
real mas decididamente não-absoluta.197

Por fim, antes de adentrar na análise do que é ratio decidendi e da sua


importância, é preciso esclarecer de modo simples a distinção de precedente judicial para os
conceitos de jurisprudência, súmula e ementa. O capítulo 4 será todo dedicado a análise
desses três institutos, mas para evitar que o leitor prossiga sem saber a distinção, já lhe é
apresentada de forma sucinta.
Jurisprudência expressa uma reiteração de julgados no mesmo sentido, enquanto a
súmula é um enunciado textual daquilo constante na jurisprudência e, por fim, a ementa é uma
exposição resumida de um julgado, normalmente, de órgão colegiado.

3.3 A ratio decidendi como parte principal do precedente

Neste tópico, tratar-se-á da ratio decidendi, ainda nomeada de holding198, razão de


decidir, motivos determinantes199 ou “núcleo do precedente”200, pois é a parte do precedente
que realmente será utilizado em casos futuros pelos julgadores.
De início, apresenta-se uma noção básica do que seria a razão de decidir. Esta
corresponderia aos fundamentos ou teses jurídicas que conduziram o magistrado, ao analisar o
caso concreto, à luz do direito, a tomar uma dada decisão e que, futuramente, poderão ser
utilizados em outro caso201. Dessa forma, trata-se da parte do precedente que o juiz aplicará

196
SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning. Cambridge: Harvard
University Press, 2009, p. 73.
197
No original: “The earlier case is a binding precedent, but here, unlike in the situation involving vertical
precedent, where we understand binding to mean nonoverridable by any other consideration, the binding force
of stare decisis is real but decidedly nonabsolute”. SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a new
introduction to legal reasoning. Cambridge: Harvard University Press, 2009, p. 76.
198
A diferença entre os termos ratio decidendi e holding é somente relativa à países, pois “são expressões
sinônimas, sendo que a primeira (ratio decidendi) é mais utilizada entre os ingleses; a segunda (holding), entre
os norte-americano. DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p.
443.
199
Macêdo explica que o STF e o STJ utilizam mais o vocábulo “motivos determinantes”. MACÊDO, Lucas
Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 309.
200
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. op. cit. p. 5.
201
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 443.
58

no caso posterior ao avaliar o precedente formado anteriormente. Essa definição, que goza de
precisão, será lapidada durante o capítulo.
Conceito entrelaçado ao de ratio decidendi é o obiter dicta (esta expressão
corresponde ao plural de obiter dictum202) que, a grosso modo, seriam entendimentos
dispensáveis. Essa diferenciação será melhor evidenciada posteriormente. Antes deve-se dar
um pouco mais de realce sobre algumas questões peculiares envolvendo a ratio.
Primeiramente, destaca-se a variedade enorme de compreensões sobre o que seria
a ratio decidendi, transcrevendo-se algumas concepções existentes:
1. A(s) regra(s) de Direito explicitamente declaradas pelo juiz como base de sua
decisão, isto é, a resposta explícita para a(s) questão(ões) de Direito do caso;
2. A(s) razão(ões) explicitamente dada(s) pelo juiz para a decisão, ou seja, a
explícita justificação para a(s) resposta(s) dada(s) à questão no caso;
3. A(s) regra(s) de Direito implícita(s) no arrazoado do juiz para justificar a
decisão, ou seja, a(s) resposta(s) implícita(s) à(s) questão(ões) de Direito do
caso;
4. A(s) razão(ões) implicitamente dada(s) pelo juiz para a decisão, ou seja, a
justificação implícita para a(s) resposta(s) dada(s) à questão do caso;
5. A(s) regra(s) de Direito na(s) qual(is) se fundamenta o caso ou é(são) citada(s)
pelo intérprete como vinculantes, ou seja, a(s) resposta(s) atribuída(s) à questão
de Direito do caso.203

Com isso, percebe-se que a tarefa a ser tratada aqui é bastante complexa e não se
tem intuito de chegar a uma resposta cabal, pois, na realidade, não é tão necessária. Explica-
se.
Raimo Siltala indica que existem vários modelos teóricos ou ideológicos de
precedentes. Essa variedade depende da forma como cada sistema jurídico – e também pode
ser utilizado pelos estudiosos – responde a 12 pontos propostos pelo autor que, ao serem
definidos, resultaram em modelos diversos. É algo similar a análise combinatória na
matemática, ou seja, um sistema pelo qual, a partir de cada combinação, encontra-se um
modelo específico.
Os 12 pontos são divididos em 4 áreas e são os seguintes:
1) Aspectos de definição
a) Critério de distinção de ratio decidendi e obiter dictum.
b) Ponto de referência na decisão.
c) Modo de vinculação do precedente.
d) Grau de abstratividade da norma jurisprudencial.
2) Aspectos semânticos
a) Estática sistêmica do precedente.
b) Dinâmica sistêmica do precedente.
c) Abertura/Fechamento argumentativo.

202
ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 52.
203
TWINING, William; MIERS, David. How to do Things with rules. Fifth edition. New York: Cambridge
University Press, 2010, p. 305 apud LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no
constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 178.
59

3) Aspectos pragmáticos
a) Fonte/efeito da ratio de um precedente.
b) Método de argumentação.
c) Critérios para não se utilizar um precedente.
4) Aspecto de justificação
a) Critério de justiça.
b) Embasamento teórico/ideológico.204

Apesar da apresentação, como já deve-se ter notado, não se optou por utilizar de
forma direta a ideia de Siltala – indiretamente, discute-se diversos aspectos neste estudo, isto
é, há uma abordagem não organizada desses pontos. O que se quis ressaltar com a explanação
é que existem mais de uma abordagem teórica para os precedentes e, se decidiu apresentar
isto somente aqui, porque a definição do que é ratio decidendi tem um grande papel na forma
como os precedentes são vistos em um sistema jurídico, até porque, como mencionado, a
razão de decidir é o que efetivamente se utiliza quando se aplica precedentes.
Dito isso, analisa-se uma dupla faceta que constitui a razão de decidir. São duas
perguntas correlatas e que quase se misturam: (1) o que será considerado para a futura decisão
e (2) de onde será retirado na decisão paradigma. Por que se diz que “quase se misturam”?
Simples: porque podem ser englobados em saber no que consiste o núcleo do precedente.
Opta-se por um primeiro momento de exposição sobre as principais correntes e um segundo,
no qual dedica-se a uma avaliação crítica destas.
Quanto ao local onde deve ser encontrada a ratio decidendi, foram estabelecidos
diversos métodos no direito de origem do common law205. Essa grandiosidade de métodos –

204
Esse trecho, na realidade, é da obra de Juraci Mourão Lopes Filho, autor que se utiliza de Siltala para
formular sua teoria sobre precedente. Para ver detalhadamente como cada ponto é visto na visão do autor:
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2.
ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 154-250. O trecho original de Siltala é o seguinte: “A. Definitional features:
(1) operative precedent-norm conception (2) point of reference (3) deontic mode (4) precedent-norm
individuation B. Systemic features: (5) argumentative closure (6) static systemic structure: degree of
systematicity in a set of precedents (7) dynamic systemic structure: binding force of the ratio of a case C.
Pragmatic features: (8) source/effect of a the ratio of a case (9) method of argumentation (10) techniques of
departure from a precedent D. Justificatory features: (11) criteria of justice (12) theoretical background
rationale”. Somente a título de ilustração, são essas as 6 ideologias dos precedentes definidas por Siltala: “(1)
judicial reference: (a) reference model (2) judicial legislation: (b) quasi-legislative model (c) binding reasons
model (3) judicial exegesis: (d) reconstructed rule model (e) material facts model (f) material reasons model (4)
judicial analogy: (g) model rule approach (h) paradigm case model (i) model reasons approach (5) systemic
construction of underlying reasons from a prior case (or a line of cases): (j) underlying reasons model (6)
judicial revaluation: (k) reinterpreted rule model (l) requalified facts model (m) revalued reasons model”.
SILTALA, Raimo. A theory of precedent: from analytical positivism to a post-analytical philosophy of law.
Hart Publishing: Oxford, 2000, p. 75-76.
205
Para ver detalhadamente sobre os métodos de identificação da ratio decidendi: MACÊDO, Lucas Buril de.
Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 311-317. DIDIER JR,
Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 446-450. LOPES FILHO, Juraci
Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador:
JusPODIVM, 2016, p. 167-177.
60

Karl Llewellyn, em estudo dedicado ao tema, identificou 64 formas de encontrar a ratio206 –


advém da dificuldade prática de delimitar diferenças entre a ratio decidendi e a obiter
dictum207.
A exposição sobre esses métodos é de menor importância no trabalho – apesar de
ser interessante – por dois motivos. O primeiro é que são muitos métodos propostos, sem que
exista um que se sobressaia. O outro é que a apresentação e a discussão relacionada a saber o
que é utilizado no precedente na futura decisão é muito mais produtiva. São quatro formas de
observar a ratio: regra; princípio; fatos substanciais e respostas; e razões208. Cada uma dessas
concepções identifica modelos sobre o que é o precedente e, assim, permite apresentar acertos
e erros, principalmente, para a prática brasileira. Mesmo assim, a exposição não objetiva
alcançar um esgotamento de argumentos a favor ou contra uma determinada identificação.
O primeiro modelo tratado é o mais comum entre os estudiosos brasileiros209, qual
seja, a ratio decidendi como uma regra extraída do texto da decisão anterior.
Antes, apresenta-se algumas considerações elaboradas por Schauer sobre regras,
porquanto são importantes para diferenciar o entendimento do que seja considerar a ratio
decidendi como regra ou como razão. Schauer trabalha, principalmente, sobre regras que ele
chama de imperativas prescritivas210. São elas as famosas regras nas quais há uma hipótese
descritiva e uma consequência prescritiva. Na hipótese são encontradas um número grande de

206
DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge University Press, 2008,
p. 69.
207
Duxbury, por exemplo, elenca seis motivos pelo qual é tão difícil identificar a ratio decidendi de um
precedente. Pode-se resumir da seguinte forma: 1) muitas vezes o conceito de ratio e dictum são muito próximos
e somente se encontram diferenças após vários casos, pois muitos juízes vão “lapidando” o que foi importante
para definir algo em um sentido; 2) haveria casos sem ratio decidendi, ilustrando uma situação que o raciocínio
vencedor foi composto por argumentos distintos e não seria possível dizer ao certo qual desses; 3) de modo
oposto, percebe-se casos com mais de uma ratio, o que dificulta saber, ao certo, qual serão vinculantes,
principalmente se algum esses se mostram mutuamente contrários entre si, pois “Where a majority of judges
agree as to the decision but disagree as to the correct grounds for the decision, extracting a ratio decidendi from
the case may be an arbitrary exercise” (se decidiu-se com base em A, B e C, mas B e C são contrário, como
compatibilizar?); 4) a quem cabe identificar a ratio: o tribunal emissor do precedente ou julgador que irá aplicá-
lo? 5) qual a definição de ratio decidendi? 6) onde procurar a ratio decidendi? Ibidem. p. 68-76.
208
Essa diferenciação é proposta por Raimo Siltala, ao tratar do ponto de referência do precedente. SILTALA,
Raimo. A theory of precedent: from analytical positivism to a post-analytical philosophy of law. Hart
Publishing: Oxford, 2000, p. 68-69. Para a elaboração dessas diferenças, também essenciais os seguintes estudos:
ALEXANDER, Larry A.; SHERWIN, Emily. Precedent. U San Diego Legal Studies Research Paper, n. 05-14.
Disponível em: https://ssrn.com/abstract=591666. Acesso em: 12 out. 2017. MAUÉS, Antonio Moreira. Jogando
com os precedentes: regras, analogias, princípios. Revista Direito GV, v. 8, n. 2, p. 587-623, 2012.
209
Por muitos, cita-se: ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 51.
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p.
318. PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 155. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a
justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 352. Apesar disso, muitos
destacam a importância de se observar os fundamentos da decisão para saber como o juiz chegou a este
pensamento.
210
MAUÉS, Antonio Moreira. Jogando com os precedentes: regras, analogias, princípios. Revista Direito GV,
v. 8, n. 2, 2012. p. 591
61

situações – uma generalização – que são escolhidas por uma certa justificativa (razão)211. O
mesmo pode ser dito do seguinte modo: “a norma define, dentre as múltiplas possibilidades
que se oferecem ao homem, os tipos de conduta desejáveis, ao considerar sua relevância para
a manutenção e progresso da vida social”212.
A partir disso, o autor destaca que a generalização se dá por meio de uma
probabilidade, ou seja, a regra tenta alcançar o máximo de casos possíveis que estejam sob o
motivo que lhe dá sustentação e que suportaram as consequências previstas213. Por ser uma
probabilidade, entretanto, a regra acaba por englobar situações que não deveriam estar
contidas, pois não seriam justificadas pelo motivo geral, bem como deixa de fora outras que
mereceriam o mesmo tratamento. Essas são características das regras que o autor nomeia
como, respectivamente, over e under-inclusive (são as experiências recalcitrantes214).
Tomando como exemplo a regra de “proibidos cachorros no restaurante”, a qual tem como
justificativa o fato desses aborrecem os clientes, ela é over quando engloba cachorros que não
causam perturbação e é under quando não proíbe outros animais que possam perturbar215.
Dessa forma, Schauer diz que é possível lidar com essas experiências
recalcitrantes de dois modos. O primeiro modelo, o da conversação, observa as razões de uma
forma mais clara, de forma que a hipótese será moldada a partir de situações particulares para
evitar a consequência sobre elas ou então está será estendida para situações não previstas. No
segundo, tais situações, normais para qualquer regra, são aceitas sem se procurar a razão,
modelo adotado por Schauer e nomeado de “modelo de entrincheiramento”216.
Qual a importância disso para os precedentes? É que se faz uma escolha entre uma
maior garantia de segurança e praticidade, considerando que a ratio é uma regra no segundo
modelo, então haverá situações overs e unders na sua aplicação, ou, então, considera-se como
razões e, por consequência, quando for aplicá-la haverá uma maior atenção aos motivos ou
justificativas que levaram àquela decisão, o que pode acarretar muitas não aplicações do
precedente, pois os casos têm particularidades que podem acabar por justificar a não
utilização.

211
Ibidem. p. 592-593.
212
VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da Norma Jurídica. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 20.
213
SCHAUER, Frederick. Las reglas en juego: un examen filosófico de la toma de decisiones basada en reglas
en el derecho y en la vida cotidiana. Traducción de Claudina Orunesu; Jorge L. Rodríguez. Madrid: Marcial
Pons, 2004, p. 87-88.
214
MAUÉS, Antonio Moreira. op. cit. p. 593-594.
215
SCHAUER, Frederick. Las reglas en juego: un examen filosófico de la toma de decisiones basada en reglas
en el derecho y en la vida cotidiana. Traducción Claudina Orunesu; Jorge L. Rodríguez. Madrid: Marcial Pons,
2004, p. 90-92.
216
MAUÉS, Antonio Moreira. op. cit. p. 595.
62

Assim, considerar que a ratio é uma regra retirada do julgado anterior significa
que haverá um processo de ampliação da regra contida na decisão para que se possa aplicar
posteriormente, havendo uma espécie de reconstrução da decisão anterior quando formada a
decisão posterior. Não é preciso, todavia, que a regra geral e abstrata esteja prevista
expressamente no julgado anterior, mas que seja possível alcançá-la pelos fatos, pelos
fundamentos e/ou pelo comando contido no dispositivo da decisão217. Dessa forma, a norma
prevista no julgado anterior será encontrada para que seja aplicada nos casos futuros em que
fatos de grande similaridade estejam presentes.
Nesse modelo, a autoridade do precedente será baseada em questões formais,
como a posição hierárquica do tribunal que enunciou o precedente, a segurança jurídica
(estabilidade), a proteção da confiança dos jurisdicionados e o tratamento igualitário dos
julgados (justiça formal), além disso, Alexander e Sherwin destacam que pode incentivar os
acordos privados e aumentar a crença de imparcialidade dos julgadores, pois as partes saberão
o que lhes espera com maior certeza218. Depreende-se uma restrição mais severa aos juízes,
pois observaram os precedentes de forma mais restrita.
Vale ressaltar, por fim, que mesmo Frederick Schauer, um dos maiores defensores
dessa concepção mais “presa” dos precedentes, explica que a obrigação de seguir o
precedente poderá ser excepcionada quando a razão que justificou a formação da regra for tão
forte que permita isto. Para tanto, o autor se utiliza de exemplos afora das decisões judiciais
para explicar sua posição. O primeiro caso é quando alguém marca um almoço com outra
pessoa e, assim, assume a obrigação – moral, no caso – de comparecer ao encontro no local e
hora marcados, mesmo que, por exemplo, alguém que interessa à pessoa a convide para sair
naquele mesmo horário. Se um parente próximo fica doente, todavia, a situação se modifica
em virtude de uma situação de excepcionalidade surgida, pois a obrigação do auxílio ao
parente é mais forte. Em seguida, apresenta o caso de um policial que não dá um bilhete de
multa por alta velocidade a um certo homem que está dirigindo daquele modo porque sua
esposa, que está grávida, precisa chegar urgentemente no hospital219.
Já quando se entende a ratio como composta pelas razões que justificam o
julgado, têm-se em mente uma concepção de autoridade substancial dos precedentes, pois o
que importa e vincularia é o acerto no julgado quanto à interpretação do ordenamento jurídico
e sua aplicação para solucionar um problema.

217
ALEXANDER, Larry A.; SHERWIN, Emily. op. cit. p. 20.
218
ALEXANDER, Larry A.; SHERWIN, Emily. op. cit. p. 8.
219
SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning. Cambridge: Harvard
University Press, 2009, p. 73.
63

O que se analisa é o “porquê” que os julgadores chegaram àquela resposta ao


analisarem o direito à luz dos fatos. Há um foco maior no raciocínio judicial elaborado e nas
argumentações apresentadas para saber se é possível aplicar o mesmo entendimento no futuro.
Alexander e Sherwin dizem que esta concepção de ratio seria de um raciocínio moral sobre os
precedentes, no qual os juízes posteriores realizaram um “all-things-considered”220, ou seja,
vão acabar por adentrar nos meandros do julgado e considerá-lo como certo a partir da análise
de suas justificações.
A visão de ratio como princípio é apresentada com base em Dworkin, pois quando
se fala em precedente como princípio quase sempre se remete a ele221. Adverte-se que, de
certo modo, uma visão de princípios assemelha-se, e pode até ser igual, ao que se escreveu
quanto ao modelo de razões. Isto, porque, como dito pelo próprio Dworkin:
Denomino “princípio” um padrão que deve ser observado, não porque vá promover
ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas
porque é uma exigência de justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da
moralidade.222

Há, na definição de princípio de Dworkin, um nítido entrelaçamento entre norma


e moral. Também se percebe está aproximação na passagem de Siltala, tomada com base em
Dworkin:
No caso dos princípios legais, por sua vez, o operador deôntico S significa não mais
do que uma relação de imputação deficiente ou fraca: “se p, então deve ser esse q, a
menos que existam razões compensatórias suficientemente fortes com relação a que
q que possam ser sopesadas no caso em questão”, ou “se p, então deve ser que mais
ou menos q, dependendo do impacto relativo de outras razões contrárias no caso em
questão”. Agora, o operador deôntico S não estabelece mais do que uma força
normativa fraca, deficiente ou aberta na relação entre um conjunto de fatos legais e
consequências legais: se certos fatos estiverem presentes, as consequências legais
prescritas devem ser aplicadas pelo juiz, embora sujeito a ser modificado por uma
alusão aberta a razões de fundo axiológico e/ou teleológico do direito [...]223

220
ALEXANDER, Larry A.; SHERWIN, Emily. op. cit. p. 5.
221
Exemplos disso são as seguintes obras: SILTALA, Raimo. op. cit. p. 58-60. DUXBURY, Neil. op. cit. p. 58-
62. ALEXANDER, Larry A.; SHERWIN, Emily. op. cit. p. 15-19. MAUÉS, Antonio Moreira. op. cit. p. 604-
610. RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010, p. 73-79.
222
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002, p. 36.
223
No original: “In the case of legal principles, in turn, the deontic operator S signifies no more than a deficient
or weak relation of imputation: “if p, then it ought to be that q, unless there are strong enough countervailing
reasons present with reference to which q may be outweighed in the case at hand”, or “if p, then it ought to be
that more-or-less q, depending on the relative impact of other countervailing reasons in the case at hand”. Now,
the deontic operator S lays down no more than a weak, deficient or open-ended normative ought in the relation
between a set of legal facts and legal consequences: if certain facts are present, then the prescribed legal
consequences ought to be enforced by the judge, although subject to being modified by an open-ended allusion to
such axiological and/or teleological background reasons of law [...]”. SILTALA, Raimo. A theory of precedent:
from analytical positivism to a post-analytical philosophy of law. Hart Publishing: Oxford, 2000, p. 42.
64

Mesmo assim, opta-se por apresentar a visão de Dworkin devido algumas


considerações que este faz e que são importantes para a aplicação de precedentes da forma
entendida neste trabalho. No Brasil é conhecida a distinção que Dworkin elaborou entre
princípios e regras:
A diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica. Os dois
conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação
jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da
orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados
os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que
ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a
decisão. [...] Mas não é assim que funcionam os princípios [...] Mesmo aqueles que
mais se assemelham a regras não apresentam consequências jurídicas que se seguem
automaticamente quando as condições são dadas. [...] Um princípio como “Nenhum
homem pode beneficiar-se de seus próprios delitos” não pretende [nem mesmo]
estabelecer condições que tomem sua aplicação necessária. Ao contrário, enuncia
uma razão que conduz o argumento em uma certa direção, mas [ainda assim]
necessita uma decisão particular. [...] Os princípios possuem uma dimensão que as
regras não têm - a dimensão do peso ou importância. Quando os princípios se
intercruzam (por exemplo, a política de proteção aos compradores de automóveis se
opõe aos princípios de liberdade de contrato), aquele que vai resolver o conflito tem
de levar em conta a força relativa de cada um. 224

A importância dessa explicação está nas considerações de Dworkin sobre como os


precedentes se dão no sistema jurídico. O autor nega que uma enunciação semelhante a uma
regra legislativa seja o melhor modo de se pensar no uso de precedentes, pois “na decisão
judicial [...] o argumento em favor de uma regra específica pode ser mais importante do que o
argumento extraído dessa regra para o caso particular”225 (grifos no original) – o que,
novamente faz com que se misture a ideia de ratio como princípio ou como razão.
Dessa forma, a influência do precedente, mais do que advinda de uma força de
promulgação – nos limites da decisão anterior226 –, será vista por uma força gravitacional.
Essa força justifica o porquê de um precedente poder ser utilizado para responder um caso
que, mesmo não contido na decisão anterior, guarda similitudes com fatos e argumentos
anteriores que permitam uma influência do precedente como forma de resposta jurídica do
caso227. O principal fundamento disto para Dworkin está no que ele chama de equidade, pela

224
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.
39-42.
225
Ibidem. p. 175.
226
Dworkin explica que se se tomasse os precedentes a partir de sua força de promulgação estar-se-ia limitando
“aos casos adicionais abarcados por alguns termos específicos do precedente”, o que acabaria por ser um
argumento de política. Para ver uma explicação sobre a tomada de decisões com base em argumentos de política.
Ibidem. p. 177-178.
227
No linguajar de Dworkin: “Um precedente é um relato de uma decisão política anterior; o próprio fato dessa
decisão, enquanto fragmento da história política, oferece alguma razão para se decidir outros casos de maneira
similar no futuro”. Ibidem. p. 176.
65

qual é preciso tratar os casos semelhantes de modo semelhante228. Por fim, pode-se resumir
que:
Caso se reconheça que um precedente específico se justifica por uma determinada
razão; caso tal razão também recomende um determinado resultado no caso em
juízo; caso a decisão anterior não tenha sido objeto de uma retratação ou, de algum
outro modo, não tenha sido vista como uma questão de arrependimento institucional,
então deve-se chegar a essa decisão no segundo caso.229

Por fim, a última percepção a ser apresentada é aquela de ratio como uma
conjugação de fatos e respostas no processo, sendo vitais que se apresente as ideias de autores
como Oliphant e Goodhart. O primeiro, conforme explica Bustamante, entende que “[...] o
que constitui um precedente é ‘o que as cortes tenham feito em resposta ao estímulo dos fatos
do caso concreto que se acha diante delas’; e, portanto, ‘não a fundamentação dada pelo
juiz’”230. Oliphant não visualizava importância no raciocínio desenvolvido pelo juiz, de modo
a negar que a ratio decidendi seja mais do que uma relação entre estímulos e respostas e, por
consequência, o importante é que os julgadores em casos futuros compreendam essa relação
havida no julgado anterior, tomando-o como experiência para aplicação em outros julgados, e
não como uma norma geral e abstrata231. Em resumo, o importante é o que foi decidido a
partir do que foi apresentado.
O método de Goodhart, por sua vez, é um dos mais relevantes na Inglaterra até os
dias atuais232. A elaboração do autor foi feita em 1930, num momento onde pouco se tentava
definir o que seria a ratio decidendi233. De início, explica-se que a preocupação do autor era
mostrar o porquê que uma decisão vinculava futuros julgamentos. O autor acreditava que “do
ponto de vista inglês, o motivo mais importante para seguir o precedente é que nos dá certeza
no direito”, ou seja, quando este elaborou sua noção de ratio decidendi, buscou uma
explicação para evidenciar o que o julgador observava na decisão anterior para lhe permitir
julgar com base no mesmo “princípio”234.

228
Idem.
229
Ibidem. p. 180.
230
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras
jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 260.
231
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006, p.
127-128.
232
DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge University Press, 2008,
p. 83.
233
GOODHART, Arthur L. Determining the ratio decidendi of a case. The Yale Law Journal, v. 40, n. 2, 1930,
p. 161.
234
Lopes Filho destaca que o autor também chama de princípio o que ele entende por ratio decidendi. LOPES
FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2. ed.
Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 167-177. No mesmo sentido explica: MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes
judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 314.
66

Primeiro ele identifica casos precedentes famosos, mas que não tinham razões
fortes que lhes desse subsídio. Exemplificando, ele cita um caso no qual um dos motivos do
julgamento foi a alegação por um dos juízes da Corte que a utilização de qualquer outra regra
para o caso seria “absurda”235 – o que, com certeza, por si só, não é uma fundamentação
idônea para validar a aplicação de qualquer norma legal. O autor também afasta a
possibilidade da ratio ser uma regra constante no julgado. A explicação disso seria que na
opinion236 nem sempre é anunciado algo que possa levar a uma regra geral237.
A partir de um aprimoramento da lição de Oliphant, Goodhart preconiza que a
importância está nos fatos materiais considerados pelos julgadores e nas conclusões advindas
disto238. O autor explica porque é importante observar os fatos materiais, pois “nosso sistema
de precedente torna-se sem sentido se dissermos que aceitamos sua conclusão, mas não a sua
visão dos fatos”239, isto é, são esses fatos que “autorizam a formulação do direito a ser
utilizado no futuro”240.
Para tanto, Goodhart diferencia fatos materiais dos imateriais, criando dez regras
para saber como o fato foi considerado na decisão. Um exemplo dessas regras seria a que se
todos os fatos foram mencionados sem realizar alguma distinção entre mais importantes ou
não, todos devem ser presumidos como materiais241. Importante ressaltar que Goodhart não
desconsiderava totalmente as razões do julgado, pois mencionava que estas poderiam servir
como auxílio na determinação do foi considerado fato material242.

235
GOODHART, Arthur L. Determining the ratio decidendi of a case. The Yale Law Journal, v. 40, n. 2, 1930,
p. 162.
236
Opinion é algo similar a um acórdão do Brasil, ou seja, é o corpo escrito no qual se vê a decisão judicial na
Inglaterra, sendo mostrando os fatos, em regra, de forma bastante detalhada, as questões jurídicas a partir daquilo
apresentado pelas partes e, ao fim, o resultado. O estilo de decisão inglês é discursivo e não dedutivo, por isso
não se visualizam, por exemplo, decisões do tipo “se o fato A existiu, aplicasse o direito X”. Difere dos Law
Reports, instrumento que é semelhante aos informativos dos tribunais brasileiros, sendo as formas de se publicar
as decisões - são periódicos para publicação de julgados. Sobre como são elaboradas as opinions e os law
reports, ver: BANKOWSKI, Zenon; MACCORMICK, D. Neil; MARSHALL, Geoffrey. Precedent in the United
Kingdom. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L. Interpreting
precedents: a comparative study. Great Britain: Aushgate Publishing Limited, 1997, p. 318-323.
237
GOODHART, Arthur L. op. cit. p. 166.
238
GOODHART, Arthur L. op. cit. p. 169.
239
Trecho no original: “Our system of precedent becomes meaningless if we say that we will accept his
conclusion but not his view of the facts.”. Idem.
240
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 170.
241
Os dez pontos podem ser encontrados em: GOODHART, Arthur L. op. cit. p. 182-183. Marcelo de Souza
traduz de forma muito clara para o português. SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à
súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006, p. 130-131.
242
DUXBURY, Neil. op. cit. p. 82-83. O trecho para a afirmação é o seguinte: “It is obvious from the above
cases that it is essential to determine what facts have been held to be immaterial, for the principle of a case
depends as much on exclusion as it does on inclusion. It is under these circumstances that the reasons given by
the judge in his opinion, or his statement of the rule of law which he is following, are of peculiar importance, for
they may furnish us with a guide for determining which facts he considered material and which immaterial. His
67

Assim, considerar os fatos materiais como importantes significaria que os fatos


não apreendidos como importantes para a decisão poderiam nem existir que isso não
modificaria a conclusão dada em casos futuros. Como exemplo, imagine um caso com três
fatos presentes (A, B e C). Caso o juiz valore como crucial para sua decisão X os fatos A e C,
colocando o B como de menor importância, isso significa que, em futuros casos, as decisões
devem considerar como vinculantes a resposta X enunciada no precedente se existirem os
fatos A e C, bem como se presentes os fatos A, B e C. De forma oposta, não haverá
vinculação, por exemplo, se os fatos do caso futuro são A e B ou, ainda, A, C e D, pois um
fato material foi alterado ou outro fato novo foi adicionado243.
Um ponto de destaque sobre esses autores: eles são adeptos da corrente realista
que fez muito sucesso no início do século XX244. A importância disso reside no fato dos
realistas serem positivistas que acreditavam em um direito vivo, um direito dos tribunais. O
importante é que a regra jurídica fosse válida formalmente dentro do sistema, para tanto o juiz
poderia exercer um trabalho criativo na elaboração da decisão para escolher como aplicar o
direito ao caso. Exatamente por isso que os autores não dão tanta importância para razão,
afinal de contas os juízes são livres, cabendo somente, por respeito à segurança jurídica –
como já destacado –, que os juízes vejam o que os outros consideravam fatos importantes para
aquela decisão anterior e mantenham a mesma resposta em casos futuros.
Aqui no Brasil a visão de Goodhart não é seguida diretamente. Apesar disso,
vários autores destacarem a importância da identificação dos fatos materiais considerados
pelo juiz que elaborou o precedente245.

reason may be incorrect and his statement of the law too wide, but they will indicate to us on what facts he
reached his conclusion”. GOODHART, Arthur L. op. cit. p. 175-176.
243
GOODHART, Arthur L. op. cit. p. 178-80.
244
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 313.
245
Como exemplos: MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador:
JusPODIVM, 2015, p. 322. PEIXOTO, Ravi. Superação do Precedente e Segurança Jurídica. 2. ed. Salvador:
JusPODIVM, 2016, p. 142. SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante.
Curitiba: Juruá, 2006, p. 136-137. ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. Precedente
judicial no novo Código de Processo Civil: tensão entre segurança e dinâmica do direito. Curitiba: Juruá, 2015,
p. 38. A situação de Romão e Pinto é peculiar. Os autores ao conceituarem precedente tomam como base a
concepção de fatos materiais: “decisão judicial que atribui consequência específica a um conjunto detalhado de
fatos, passando, então, a ser considerado como fonte normativa para decisão de caso subsequente envolvendo
fatos substanciais semelhantes sob jurisdição do mesmo tribunal ou de juízo inferior na hierarquia judicial”.
Apesar disso, em outros trechos, os autores dão destaque maior para a regra que se retira do precedente. Veja-se:
“A função jurisdicional não cria apenas norma jurídica individual e concreta destinada à solução do caso
concreto, mas origina também uma norma de caráter geral, decorrente da interpretação dos fatos envolvidos na
causa e da sua adequação ao direito positivo, que se desprende da lide específica e se projeta para outras
situações semelhantes àquela que foi primeiramente constituída. Esta última acepção, que se encontra dentro do
precedente judicial (ratio decidendi), é o que justifica a compreensão do precedente como fonte do direito”. Com
68

Expostas as visões que se tem sobre o que é a ratio e, destarte, como ela é
considerada num julgado futuro, passa-se a estabelecer uma análise crítica sobre cada uma
com intuito de formular uma concepção de holding aplicável no cenário nacional,
evidenciando, desde logo, em que local do julgado anterior esta deve ser procurada.246
De início se destaca algo não dito até o momento: a definição do que é regra e do
que é princípio é algo de muita divergência na doutrina247, o que, por óbvio, gera reflexos em
sede jurisprudencial e, portanto, para própria noção de precedentes. Mesmo assim,
estabelecem-se alguns parâmetros para chegar à proposta sobre o que é a ratio do precedente.
De início, vale lembrar que a norma jurídica é resultado de uma valoração de
fatos248. Desse modo, “o conteúdo normativo de qualquer norma – quer regra, quer princípio –
depende de possibilidades normativas e fáticas a serem verificadas no processo mesmo de
aplicação”249, ou melhor ainda:
a base da norma é o fato, sem dúvida, mas o fato axiologicamente dimensionado.
Essa apreciação, que se dá quando do surgimento da norma, renova-se todas as vezes
que ela é aplicada: os fatos e os valores originais são trazidos à compatibilização
com os fatos e os valores do momento presente. 250

Sendo assim, duas consequências podem ser notadas. A primeira é que qualquer

isso, após a apresentação das diversas formas de se tomar a ratio, parece que os autores ou tentam mesclar os
entendimentos ou não dão muita importância para as diferenças.
246
De grande valia os contributos realizados por Juraci Mourão Lopes Filho e Thomas da Rosa de Bustamante
sobre como compreender a ratio decidendi. Os autores partem de bases filosóficas e teóricas bem diferentes.
Bustamante utiliza, principalmente, as ideias de Habermas e Alexy, enquanto Lopes Filho toma como base
Gadamer e Dworkin. O primeiro tem como objetivo principal de seu estudo “construir uma teoria procedimental
da argumentação jurídica com precedentes judiciais, com vistas a atender às demanda de racionalidade das
decisões judiciais que aplicam precedentes como elemento de justificação jurídica”. Já o segundo busca
demonstrar que “o valor primordial dos pronunciamentos jurisdicionais não é fixar ou eleger significados, mas
sim reinserir continuamente em sucessivos jogos de aplicação/interpretação os significados apurados a fim de
obter novos resultados mais adaptados à realidade”. Para entender compreender a proposta de cada um:
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. op. cit. p. 190-217. LOPES FILHO, Juraci Mourão. op. cit. p. 257-275 e
339-352.
247
As obras de Humberto Ávila, Marcelo Neves e Virgílio Afonso da Silva são exemplos de como as
divergências entre princípios e regras são afloradas em sede doutrinária. ÁVILA, Humberto. Teoria dos
princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. NEVES,
Marcelo. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema
jurídico. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e
equívocos acerca de uma distinção. Revista latino-americana de estudos constitucionais, v. 1, p. 607-630,
2003.
248
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. O direito e sua ciência: uma introdução à epistemologia jurídica.
São Paulo: Malheiros, 2016, p. 63.
249
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15. ed. São
Paulo: Malheiros, 2014, p. 61.
250
Em completo, Arnaldo Vasconcelos explica o porquê disso: “Todo preceito normativo decorre, pois, de
avaliação e de opção, envolvendo julgamento de dupla ordem: a utilidade do fato para a manutenção e progresso
da vida social e a necessidade de sua regulamentação jurídica, a fim de que harmoniosamente penetre no quadro
do ordenamento jurídico. Só desse modo se preservarão os valores essenciais da ordem e da justiça,
imprescindíveis à convivência que se pretende garantir e aperfeiçoar”. VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da
Norma Jurídica. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 18.
69

norma é dotada de razões que justificam sua existência251. Dessa forma, no momento que o
intérprete está analisando como aplicar uma norma-regra, há uma mensuração das razões que
fundamentam a própria regra, bem como uma averiguação de outras razões contidas em
outras normas. Claro que isso não torna a regra igual ao princípio, pois, caso fosse assim, não
haveria motivos para uma diferenciação.
Pode-se dizer, sem pretensões de definitividade na explicação, que regras têm
consequências jurídicas mais delimitadas e, por isso:
apesar de exigirem um processo argumentativo envolvendo um entrechoque de
razões para definir o sentido da sua descrição normativa e o seu âmbito de aplicação,
[...] não podem ser simplesmente afastadas ou superadas.252

Dessa forma, exige-se, por exemplo, uma demonstração, no caso concreto, que a
hipótese da regra não está tendo relação com a finalidade contida nela de forma mais
afrontosa253. Já os princípios estabelecem um “estado de coisas” que permitem um
entendimento do que se busca no momento de concretização deste 254. Acredita-se que esse
maior grau de abstração do princípio advém de um valor axiológico mais preponderante do
que nas regras, ou seja, princípios quando pensados tendem a uma previsão mais ampla que
uma regra, pois visam finalidades mais abrangentes na regulação da sociedade, enunciando
valores de modo mais evidente255. Em decorrência disso, estes estão mais comumente em
processo de confrontação, já que muitas situações parecem compatibilizar valores opostos e,

251
Humberto Ávila explica muito bem que a aplicação de qualquer norma – e, na verdade, pode-se dizer “o
entendimento”, pois o ato de aplicar depende do ato de interpretar e, portanto, entender – depende de conexões
valorativas com as demais normas do ordenamento e de um processo discursivo e argumentativo de avaliação
das razões e contrarrazões para determinar seu conteúdo. ÁVILA, Humberto. op. cit. p. 160
252
ÁVILA, Humberto. op. cit. p. 72. Dworkin, por exemplo, falando sobre a não utilização de uma regra diz:
“[...] não é qualquer princípio que pode ser invocado para justificar a mudança; caso contrário, nenhuma regra
estaria a salvo. É preciso que existam alguns princípios com importância e outros sem importância e é preciso
que existam alguns princípios mais importantes que outros. Esse critério não pode depender das preferências
pessoais do juiz, selecionadas em meio a um mar de padrões extrajurídicos respeitáveis, cada um deles podendo
ser, em princípio, elegível. Se fosse assim, não poderíamos afirmar a obrigatoriedade de regra alguma.”.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 60.
253
Ávila faz uma proposta de como se deve realizar a superação da regra com a qual não se concorda em
plenitude, mas que tem diversos pontos interessantes. Para ver a ideia: ÁVILA, Humberto. op. cit. p. 141-147.
254
ÁVILA, Humberto. op. cit. p. 70. No mesmo sentido, Marcelo Neves ao falar de princípios: “Ocorre que a
relação entre antecedente (hipótese normativa do fato) e consequente (hipótese normativa do efeito jurídico) é
flexível, importando uma "causalidade jurídica" incompleta”. O autor, todavia, apresenta divergência a postura
de Humberto Ávila, pois não acredita numa aplicação “direta” dos princípios: “Apenas à luz do princípio,
enquanto princípio, não se consegue observar e determinar diretamente a relação entre o fato jurídico e sua
eficácia jurídica concreta. Nesse sentido, pode-se dizer que os princípios prima facie contam apenas com a
hipótese normativa ampla. Só no desenvolvimento do processo concretizador delimita-se, à luz de regra, a
hipótese normativa, possibilitando a transformação do suporte fático (concreto) em fato jurídico irradiador de
efeitos jurídicos concretos”. NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais
como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013, p. 123-124.
255
Marcelo Neves diz que os princípios “De certa maneira, eles sempre apontam para algo que já existiria fora
do sistema jurídico (valores, princípios morais, interesses gerais etc)”. NEVES, Marcelo. op. cit. p. 128.
70

nesse ponto, há sentido na ideia de ponderação e mandados de otimização de Alexy256. Apesar


disso, ressalta-se a existência de uma inter-relação entre princípios e regras, pois “a aplicação
de regras também depende da conjunta interpretação dos princípios que a elas digam respeito
[...]” e “[...] os princípios normalmente requerem a complementação de regras para serem
aplicadas”.257
Por conta da explicação, parece que as rationes decidendi podem ser expressas no
formato de regras, como também na forma de princípios. Seriam percebidas como regras
quando a hipótese e a consequência estivessem mais bem delimitas e como princípios quando
a decisão estipulasse uma situação de maior enunciação de valores. Tudo isso, entretanto,
dependerá das razões do julgado.
O outro ponto a se destacar é relacionado com o entendimento que tanto regras
quanto princípios somente são entendidos em um processo interpretativo. Quando se pensa
em uma norma, necessariamente haverá um texto para com o qual será preciso “conversar”.
Norma e texto não se confundem, porém mantêm íntima relação, pois este acaba por
proporcionar restrições semânticas à compreensão daquela. Não é possível, portanto, sustentar
que as regras serão compreendidas e aplicadas nas situações fáticas por mero procedimento
lógico-formal258.
Além disso, há uma relação da norma com os fatos, como também das normas
entre si, devido a estas pertencerem a um sistema que tenta manter uma coerência, o que
colabora para evidenciar que o fato da ratio decidendi ser considerada uma regra não afasta
sua compreensão/aplicação, impreterivelmente, hermenêutica.

256
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista latino-
americana de estudos constitucionais, v. 1, 2003, p. 610-611. Ávila propõe exigências que devem ser vistas na
fundamentação de decisões que usem princípios: “(i) a razão de utilização de determinados princípios em
detrimentos de outros; (ii) os critérios empregados para definir o peso e a prevalência de um princípio sobre
outro e a relação existente entre esses critérios; (iii) o procedimento e o método que serviram de avaliação e
comprovação do grau de promoção de um princípio e o grau de restrição de outro; (iv) a comensurabilidade dos
princípios cotejados e o métodos utilizado para fundamentar essa comparabilidade; (v) quais os fatos do caso que
foram considerados relevantes para a ponderação e com base em que critérios eles foram jurídicamente
avaliados.”. ÁVILA, Humberto. op. cit. p. 148-149.
257
ÁVILA, Humberto. op. cit. p. 70. Sobre esta questão de relacionamento, Marcelo Neves nega que exista uma
distinção de aplicação, como se fosse possível aplicar somente um princípio, propondo uma relação de
circularidade, pois “Os princípios constitucionais servem ao balizamento, construção, desenvolvimento,
enfraquecimento e fortalecimento de regras, assim como, eventualmente, para restrição e ampliação de seu
conteúdo. Em suma, pode-se dizer, com o devido cuidado, que eles atuam como razão ou fundamento de regras,
inclusive de regras constitucionais, nas controvérsias jurídicas complexas. Mas as regras são condições de
aplicação dos princípios na solução de casos constitucionais.”. NEVES, Marcelo. op. cit. p. 135.
258
Bustamante, citando Alexy e Dreier, evidencia que somente seria possível uma construção puramente
dedutiva para o significado de uma norma se os sujeitos da relação jurídica não discordassem sobre quais normas
deveriam ser aplicadas, como elas serão interpretadas e quais os fatos a decisão trata. BUSTAMANTE, Thomas
da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo:
Noeses, 2012, p. 345-347.
71

Outras questões devem ser destacadas em relação às propostas apresentadas


anteriormente. Primeiro que é preciso diferenciar uma norma surgida em âmbito legislativo,
daquela que pode surgir de uma decisão judicial.
Observe que o ser humano é capaz de abstrair e, assim, representar o futuro259.
Exatamente isto ocorre quando um legislador elabora uma lei. Há uma tentativa de prever o
máximo de situações possíveis no texto legal para daí serem percebidas as normas que vão
regular as mais diversas situações da vida. De modo oposto, quando um magistrado decide, o
seu trabalho não é abstrato, com olhos para um futuro no qual ele tem que regular diversas
situações, mas, na realidade:
Gustavo Zagrebelsky muito bem escreve que a jurisdição deve ser posta a serviço de
dois padrões: a lei e a realidade. [...] Ao julgar, o juiz se depara com situações reais e
concretas, muitas vezes, com características próprias ignoradas em uma abordagem
padronizada da questão que possivelmente foi referência para a edição da lei. Ele
não julga a sociedade como um todo, levando em conta a cultura geral, ele julga,
normalmente, apenas uma determinada fatia dessa realidade social. [...] essa
priorização do processo judicial a elementos concretos ocasiona que eles sejam os
determinantes para a complementação e para o aperfeiçoamento do Direito
legislativo. O precedente, portanto, será o mediador entre a lei e a realidade .Já é
lugar comum se afirmar que a jurisdição não mais se limita a “dizer o direito” (juris
diction), já que o juiz, em alguma medida, “cria” norma. Não a norma individual e
concreta de Kelsen que se situava no dispositivo do julgado e era fruto de um ato de
vontade, nem uma norma legislativa voltada para fatos futuros segundo perspectiva
política geral, mas a norma utilizada no fundamento da decisão e fruto da
experiência hermenêutica própria do caso submetido a julgamento. Entretanto, essa
norma não pode ser compreendida isoladamente, não pode ser desprendida do
restante da decisão. Ela não possui autonomia nesse sentido, pois não pode ser
desprendida desse contexto de enunciação, sob pena de transformação a posteriori
do juiz em legislador.260

Por isso, a ratio não pode ser compreendida como algo que já nasce para regular,
ou melhor, que tem sua aptidão natural para tanto independente de outros fatores. O que
justifica a sua utilização é que, o trabalho interpretativo do juiz realizado frente aos fatos,
numa análise do ordenamento jurídico e dos argumentos das partes, para adotar uma decisão,

259
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Fundamentos do Direito. São Paulo: Atlas, 2010, p. 10.
260
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Precedente e norma: usam-se precedentes judiciais como se aplicam normas
legislativas?. Revista Opinião Jurídica, v. 10, n. 14, p. 231-252, 2012, p. 240-241. Em complemento, Neil
Duxbury diz “When, for example, a judge interprets a statute in the process of reaching a decision, the ratio is
what the judge believes to be the best interpretation of the statute”, ou seja, “Quando, por exemplo, um juiz
interpreta um código no processo de encontrar a decisão, a razão é o que o juiz acredita ser a melhor
interpretação da lei”. DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge
University Press, 2008, p. 77-78. Ainda sobre a necessidade de interpretação, Didier, Braga e Oliveira destacam
a ratio como “os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem
a qual a decisão não teria sido proferida como foi”. DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA,
Rafael Alexandria de. op. cit. p. 443. Nos dizeres de Marinoni: “a razão de decidir, numa primeira perspectiva, é
a tese jurídica ou a interpretação da norma consagrada na decisão”. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes
obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 162. Ravi Peixoto, apesar de tratar o precedente
como texto do qual se extrai uma norma, equiparando a lei, destaca, corretamente, que o precedente “surge após
a interpretação do texto normativo, diminuindo sua vagueza”. PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 156.
72

mostra uma percepção do Direito que os juízes no caso posterior devem observar. Há uma
racionalização necessária do Direito e esta fundamenta o uso dos precedentes, ou seja, “o
precedente enriquece o sistema jurídico por agregar sentido em razão das situações que
julgam”261.
Em casos futuros, juristas se utilizam das razões jurídicas, não de forma pré-
determinada ou pronta e acabada, mas, sim, por um processo de argumentação racional262,
pois o Direito é assim, não é algo que já “nasce” de forma clara. Ao contrário, é exigido um
processo hermenêutico que permita a sua compreensão, até porque:
uma série de fatores atuam para que se atribuam determinados sentidos às realidades
interpretadas, os quais são considerados corretos até que se constate o contrário.
Vale dizer, de maneira falibilista.263 (grifos no original).

Após esta explicação, não se pode concordar coma percepção de Frederick


Schauer sobre a ratio como uma regra que tente afastar as razões do julgado. Apesar disso,
não se afasta toda a lição de Schauer. A proposta do autor norte-americano tem importância, já
que é inevitável um processo de abstração para a formação de linhas básicas para aplicação
dos precedentes, ou seja, os juristas têm que trabalhar com uma lógica mínima do tipo “sendo
um caso X e pelos motivos A, B e C, chega-se ao resultado 1”. Nesse contexto, ressalta-se,
novamente, a existência do necessário procedimento interpretativo, pois assim como uma lei,
o precedente é um texto que carece de interpretação 264. Lucas Buril de Macêdo, o qual
defende que a ratio decidendi seria uma regra, destaca um caso no direito brasileiro para
servir de exemplo265. Trata-se do caso de embargos de declaração com efeitos infringentes e a
necessidade de intimação para contra-arrazoar o recurso, o que é uma criação
jurisprudencial266. A regra retira do precedente é clara: “quando houver embargos de
declaração contra a decisão que possam a modificá-la e trazer prejuízo ao recorrido, deve-se
oportunizar a apresentação de contrarrazões no prazo similar ao de oposição dos embargos”.
Mesmo assim, não há como o uso de precedentes se afastar completamente das

261
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 276.
262
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras
jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 264.
263
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. O direito e sua ciência: uma introdução à epistemologia jurídica.
São Paulo: Malheiros, 2016, p. 70.
264
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 318.
265
Ibidem, p. 325-326.
266
Atualmente, após a edição do Código de Processo Civil de 2015, consta na lei um dispositivo que exige a
intimação quando existir possibilidade de modificação da decisão pelo acolhimento dos embargos. Confira o teor
do art. 1.023, § 2º do CPC/15: “O juiz intimará o embargado para, querendo, manifestar-se, no prazo de 5 (cinco)
dias, sobre os embargos opostos, caso seu eventual acolhimento implique a modificação da decisão embargada”.
73

razões jurídicas que são vistas em uma regra ou em um princípio (a depender do caso-
paradigma267). Essas razões têm um peso variante a depender das situações consideradas ou,
como dito por Juraci Mourão Lopes Filho, “ao se considerar o precedente uma resposta, ele se
vincula às perguntas e às indagações formuladas no processo de origem e àquelas suscitadas
no novo caso”268. Nesse aspecto, a concepção de fatos e resultados ganha sua importância,
tanto que o próprio Goodhart acentua que “um divórcio entre a conclusão e os fatos
relevantes, tendo a conclusão se baseado neles é ilógico e conduz a resultados arbitrários e
infundados”269.
Então os juristas permanecerão num ponto de total relativismo, pois sempre terá
que se observar a razão da norma? De modo algum. Ao contrário e, na verdade, é esse
processo argumentativo dialético entre o passado e o presente – o não começar do “grau
zero”270, o romance em cadeia de Dworkin271 – que permite que, aos poucos, haja uma
aproximação daquilo que é correto. Essa correção se relaciona com o modo que se deve
entender o ordenamento jurídico, a partir da compreensão da interação entre as normas, mas
também se relaciona com a conjugação das normas aos fatos da vida e o modo que se devem
entender/utilizar estas normas para tentar resolver os lítigios no momento da decisão judicial.
Os precedentes permitem esse raciocínio jurídico contínuo, que respondem às
exigências atuais de julgamento (precisa-se julgar os casos da melhor maneira possível no
momento), como também viabilizam, juntamente com outros fatores, o desenvolvimento do
direito para algo mais justo e acertado272.
Assim, a ratio decidendi é uma proposição dotada de normatividade (regra ou
princípio), contida nas razões do julgado, as quais advém dos argumentos existentes na

267
Dworkin evidência: “De fato, os juizes freqüentemente divergem não apenas sobre o modo de interpretar uma
regra ou um princípio, mas também sobre a questão de saber se a regra ou o princípio que um juiz cita deve,
inclusive, chegar a ser reconhecida como sendo uma regra ou um princípio. Em alguns casos, tanto a maioria
quanto as opiniões dissidentes reconhecem os mesmos casos anteriores como relevantes, mas não chegam a um
acordo sobre qual regra ou princípio se deve entender como tendo sido estabelecida por esses precedentes.”. (sic)
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.
175.
268
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 275-276.
269
No original: “A divorce of the conclusion from the material facts on which that conclusion is based is
illogical, and must lead to arbitrary and unsound results”. GOODHART, Arthur L. op. cit. p. 169.
270
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010, p. 77.
271
DWORKIN, Ronald. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes,
1999, p. 275-286.
272
Machado Segundo explica muito bem essa relação entre a busca da verdade e as necessidades de decisões: “A
busca pela certeza a respeito da verdade das nossas crenças, que é interminável, deve ser conciliada com a
necessidade prática de se tomarem decisões baseadas nelas, nas mais variadas órbitas da vida humana”.
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. O direito e sua ciência: uma introdução à epistemologia jurídica. São
Paulo: Malheiros, 2016, p. 73-74.
74

fundamentação da decisão precedente e que são fruto de uma interpretação das normas
jurídicas já existentes, compreendidas – as razões – à partir dos fatos substanciais da demanda
e das respostas dadas no caso e que, por fim, serão utilizadas para resolução de outros casos a
partir de um exercício hermenêutico sobre a decisão anterior e sobre os fatos do novo caso
com um necessário trabalho argumentativo que permita evidenciar a justificação para sua
utilização.
Consequência disso, afirma-se que a ratio decidendi deve ser procurada,
preferencialmente, nos fundamentos firmados na decisão, pois “o verdadeiro valor do
precedente [...] não está na parte dispositiva da decisão, mas na essência das razões
apresentadas para justificá-la”273. Utiliza-se o termo “preferencialmente” para denotar que não
será somente na fundamentação. O juízo terá que observar a relação entre fatos anteriores e a
resposta já proferida e os fatos atuais e as respostas a serem dadas. Assim, há importância em
saber: “a) as circunstâncias fáticas relevantes relatadas; b) a interpretação dada aos preceitos
normativos naquele contexto; c) e a conclusão a que se chega”274.
Desse modo, os motivos determinantes são obtidos ao se analisar a decisão
judicial como um todo, recaindo numa análise conjunta dos seus elementos, ou seja, relatório,
fundamentação e dispositivo. Essa análise sobre toda a decisão é importante para saber se o
caso paradigma é semelhante o suficiente com o caso a ser julgado275.
Retornando a diferença entre ratio e obiter, pode-se dizer que a gratis dicta276 ou
os argumentos de passagem277 são as colocações ou opiniões jurídicas adicionais, paralelas e
dispensáveis para a fundamentação e conclusão da decisão do caso específico, bem como
“aquelas manifestações sobre questão que não é objeto da causa, que é hipoteticamente ali
considerada, ou, ainda, sobre questão irrelevante”278. Romão e Pinto, exemplificando casos
que constituem obiter dicta, trazem um interessante rol de forma organizada:
1) argumentos laterais ou de reforço aos fundamentos substanciais; 2) pontos que,
apesar de debatidos, não são objeto da decisão; 3) estruturas argumentativas erguidas
com base em situações hipotéticas; 4) julgamentos extra ou ultra petita; 5) votos

273
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
186.
274
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 447.
275
PEIXOTO, Ravi. Superação do Precedente e Segurança Jurídica. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p.
128.
276
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. op. cit. p. 5 da versão digital.
277
MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 308.
278
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 444-445. O
enunciado 318 do Fórum Permanente de Processualistas Civil explana que “Os fundamentos prescindíveis para o
alcance do resultado fixado no dispositivo da decisão (obiter dicta), ainda que nela presentes, não possuem efeito
de precedente vinculante”.
75

vencidos; 6) opiniões jurídicas de passagem e com caráter doutrinário; 7) impressões


pessoais que não influenciam no deslinde do feito.279

Dito isso, a importância de identificar dentro de uma decisão o que é ratio do que
é dictum reside no seguinte aspecto: os argumentos que são considerados rationes decidendi
tem íntima relação com a resposta que foi dada no processo e, destarte, ao que foi
questionado, enquanto os argumentos de pouca relevância para a resposta ou ligados a
questões paralelas serão obiter dicta. Imagine se alguém questiona qual roupa fica melhor
para o casamento, uma vermelha ou uma preta. Os argumentos para explicar, por exemplo,
porque a preta fica melhor serão as "rationes" do caso, enquanto eventual argumento sobre o
porquê a cor vermelha é bonita e lembra o "amor", mas que não fizeram a diferença para a
resposta dada serão "dicta". Os primeiros argumentos são aqueles que o julgador futuro
observará280. A obiter dictum terá relevância para outros casos que se trate, por exemplo, se a
cor vermelha é bonita ou não. Além disso:
O obiter dictum pode sinalizar uma futura orientação do tribunal, por exemplo. Além
disso, o voto vencido em um julgamento colegiado (exemplo de obiter dictum, como
dito) tem a sua relevância para que se aplique a técnica de julgamento da apelação,
do agravo de instrumento contra decisão de mérito e da ação rescisória, cujo
resultado não seja unânime, na forma do art. 942 do CPC, bem como tem eficácia
persuasiva para uma tentativa futura de superação do precedente. 281

Ademais, em muitos casos é difícil diferenciar qual parte foi fundamental e qual
teve menos importante para a decisão. Em decorrência disso é que Bustamante propõe
mitigação dessas diferenças, devendo-se tomar tudo como rationes decidendi, havendo
somente uma gradação na vinculação.282
No RE 635.659/SP pode-se perceber um obiter dictum. O julgamento tem como
fundo a discussão sobre a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei nº 11.343/2006, dispositivo
que estabelece a criminalização da conduta de portar drogas para o uso pessoal283. Até agora
foram proferidos três votos (Ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes e Luís Roberto
Barroso). No voto do Ministro Luís Roberto Barroso há uma proposta de como diferenciar o

279
ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 53.
280
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006, p. 125.
281
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 445-446.
282
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e aplicação de regras
jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 275-277.
283
“Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I -
advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de
comparecimento a programa ou curso educativo.”
76

porte para consumo daquele direcionado ao tráfico284, o que nitidamente não é uma razão para
a constitucionalidade ou não do dispositivo em comento e, por isso, pode ser compreendida
como dictum para alguns, pois seria exemplo de ponto que não é objeto da decisão.
Realizada a distinção entre os mencionados conceitos, passa-se a responder a
seguinte pergunta: quem deve delimitar a ratio decidendi?
Quando se pergunta quem deve delimitar ou encontrar a ratio, está se
questionando se é o próprio tribunal que produziu a decisão que vai determinar o que deve ser
observado ou se cabe aos julgadores que virão decidir qual parte é vinculante. Raimo Siltala
destaca que há três possibilidades e que elas geram diferenças quanto ao binding force do
precedente:
o tribunal anterior pode ter todo esse poder discricionário; o tribunal subseqüente
pode ter ampla discrição quanto à definição da ratio do caso; ou o efeito normativo
de um caso pode ser produzido por um co-esforço mais ou menos equilibrado dos
dois tribunais.285

Sobre isso, Juraci Mourão Lopes Filho é bastante rígido, negando ao juiz a
possibilidade de, na própria decisão, fixar aquilo que acredita que seja o núcleo do precedente,
afirmando que “não é um ato de vontade da corte emissora. É uma elaboração pretoriana que
se aperfeiçoa a posteriori, por decisões seguintes, que extraem a ratio decidendi do caso. Por
isso, é comum haver mutação da ratio [...] ao longo do tempo”286 (grifos no original).
Em sentido oposto, há quem reconheça importância abundante para o Tribunal
que proferiu a decisão original, como exemplo de Frederick Schauer:
Somente ao declarar o que está fazendo, o tribunal permite que os tribunais
subsequentes realmente confiem (e obedeçam) na ratio, pois sem a declaração, o
holding poderia ser quase qualquer coisa. Mas com essa determinação, e com a
nossa compreensão do papel central que essa determinação desempenha na
configuração do holding feito pelo tribunal, a ideia da ratio, torna-se muito menos

284
A proposta é a que segue: “Minha preferência pessoal, neste momento, seria pela fixação do critério
quantitativo em 40 gramas. Porém, em busca do consenso ou, pelo menos, do apoio da maioria do Tribunal,
estou propondo 25 gramas, como possível denominador comum das diferentes posições. Cabe deixar claro que o
que se está estabelecendo é uma presunção de que quem esteja portando até 25 gramas de maconha é usuário e
não traficante. Presunção que pode ser afastada pelo juiz, à luz dos elementos do caso concreto. Portanto, poderá
o juiz, fundamentadamente, entender que se trata de traficante, a despeito da quantidade ser menor, bem como de
que se trata de usuário, a despeito da quantidade ser maior. Nessa hipótese, seu ônus argumentativo se torna mais
acentuado”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Recurso Extraordinário (RE) 635659/SP. Recorrente:
Francisco Benedito de Souza. Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo. Relator: Min. Gilmar
Mendes. Tribunal Pleno. Não julgado até o momento que este estudo foi finalizado. Voto disponível em:
<https://www.conjur.com.br/dl/leia-anotacoes-ministro-barroso-voto.pdf>. Acesso em: 19 out. 2017.
285
No original: “the prior court may have all such discretion; the subsequent, constrained court may have wide
discretion as to the definition of the ratio of a case; or the normative effect of a case may be produced by a more
or less balanced co-effort of the two courts”. SILTALA, Raimo. A theory of precedent: from analytical
positivism to a post-analytical philosophy of law. Hart Publishing: Oxford, 2000, p. 72.
286
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 167.
77

misteriosa.287

Apesar disso, o mais correto é conjugar a importância do julgado base com os


posteriores. Primeiro, conforme Raimo Siltala, “se o tribunal subsequente tiver total discrição,
a doutrina formal do stare decisis é, naturalmente, não reconhecida nesse sistema legal”288.
Desse modo, percebe-se que o mais preciso é dar uma importância coordenada na
identificação da ratio decidendi ou das rationes decidendi. Tal posicionamento garante, ao
mesmo tempo, a observância dos argumentos da decisão anterior que auxiliaram na formação
da ratio289, resguardando a coerência do sistema jurídico, mas também não descuida da
necessária evolução dos precedentes a partir da análise posterior dos fundamentos da decisão
originária.

3.4 Classificação dos precedentes

Quando se levanta um tópico de classificação, o intuito primordial é facilitar o


entendimento do leitor sob alguma diferença existente. No presente estudo, além de uma
questão comum nos trabalhos acadêmicos sobre precedentes, entende-se que as classificações
são importantes, pois denotam efeitos e características diferentes nos precedentes ou no modo
como estes são vistos no sistema jurisdicional de cada nação.
Assim, três são os critérios utilizados para diferenciar os precedentes: 1) qual o
grau de vinculação do precedente para que seja observado futuramente, que é de principal
destaque aqui; 2) quem deve observar futuramente; e 3) a capacidade de criar uma nova
norma no sistema.
Quando se trata de autoridade dos precedentes, distingue-se aqueles considerados
vinculantes (obrigatórios) dos meramente persuasivos. Como já mencionado anteriormente,
todos os sistemas jurídicos utilizam-se dos precedentes judiciais, variando somente a força

287
No original: “Only by stating its holding does the court allow subsequent courts actually to rely on (and obey)
its holding, for without the statement, the holding could be almost anything at all. But with such a statement, and
with our understanding of the central role that such a statement plays in marking the court’s holding, the idea of
a holding, just like the idea of a ratio decidendi, becomes much less mysterious.”. SCHAUER, Frederick.
Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning. Cambridge: Harvard University Press, 2009, p.
55.
288
No original: “If the subsequent court has total discretion, the formal doctrine of stare decisis is of course not
recognised in that legal system”. SILTALA, Raimo. op. cit. p. 72.
289
PEIXOTO, Ravi. Superação do Precedente e Segurança Jurídica. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p.
157.
78

(importância) destes para os julgadores nos casos subsequentes290. Neil MacCormick e Robert
Summers explicam isto ao mencionar que os precedentes podem ser visto de duas formas:
Primeiro, quando um jurista – juiz, advogado ou acadêmico – contempla um
problema legal e inquire se há algum precedente sobre esse problema, o que será
produzido para escrutínio, caso a inquirição seja bem-sucedido, é um registro de uma
decisão ou decisões anteriores do mesmo sistema legal que solucionou, bem ou mal,
o mesmo ou, pelo menos, um problema similar. Assim, um membro do sistema
observa a atividade de outro membro quando do desempenho de uma das tarefas
centrais de um sistema jurídico: a tarefa de resolução de problemas, de decisão de
casos. Em segundo lugar, pode haver observância no sentido mais forte de
conformidade; O último julgador não toma apenas nota de uma solução anterior, mas
pode observá-la como um modelo para a solução do problema atual, e pode fazê-lo
com o argumento de que a observância presente de decisões passadas em casos
semelhantes é o direito ou, mesmo, o curso obrigatório a seguir. 291

Pode-se diferir precedentes vinculantes dos precedentes persuasivos de uma forma


bem simples. A distinção se faz com suporte na obrigatoriedade do precedente ser observado,
ou não, no momento da decisão, podendo o julgador na segunda espécie de precedente julgar
de forma diferente sem, necessariamente, demonstrar a diferença do caso-atual com o caso-
precedente ou a superação dos motivos constantes no precedente.
Nos países de tradição de civil law, como é o caso do Brasil, é comum que os
precedentes sejam vistos como persuasivos292 e, ademais, normalmente somente se tem um
maior apreço na observância persuasiva da razão de decidir constante no precedente quando
ele forma uma jurisprudência – conjunto reiterado de decisões num mesmo sentido293. Isso
significa que “o precedente não é, portanto, formalmente vinculativo, mas é fato que os

290
ASCENSÃO, José de Oliveira. Fontes do direito no sistema do “common law”. Doutrinas Essenciais de
Direito Civil, v. 1, p. 351-382, 2010, p. 8 da versão digital.
291
No original: “First, when a lawyer - judge, practitioner or legal scholar - contemplates a legal problem and
inquires whether there is any precedent about this problem, what will be produced for scrutiny, should the
inquiry succeed, is a record of a prior decision or decisions from the same legal system that solved, well or ill,
the same or at least a similar problem. Thus one member of the system observes another member's activity in one
of the central tasks of a legal system, the problem-solving, case-deciding task. Second, there may be observance
in the stronger sense of compliance; the later decision maker does not merely take note of an earlier solution,
but may comply with it as a guiding model for solution of the present problem, and may do so on the ground that
present observance of past rulings in like cases is the right or even the obligatory course to follow.”
MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. Introduction. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS,
Robert S.; GOODHART, Arthur L. Interpreting precedents: a comparative study. Great Britain: Aushgate
Publishing Limited, 1997, p. 1.
292
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006, p. 54.
Conforme explica Raimo Siltala, “in civil law systems, precedents with persuasive normative impact are, of
course, the main rule, and strictly binding, mandatory precedents are a somewhat rare exception thereto”. Em
tradução livre: “nos sistemas de direito civil os precedentes com impacto normativo persuasivo são, é claro, a
regra principal e os estritamente vinculativos - os precedentes obrigatórios - são uma rara exceção”. SILTALA,
Raimo. A theory of precedent: from analytical positivism to a post-analytical philosophy of law. Hart
Publishing: Oxford, 2000, p. 66.
293
Michele Taruffo, jurista italiano, destaca a grande utilização da jurisprudência nos países do civil law e alguns
equívocos decorrentes disso. TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. 2014, p. 3-6. Disponível em:
<http://civilistica.com/wp-content/uploads/2015/02/Taruffo-trad.-civilistica.com-a.3.n.2.2014.pdf>. Acesso em:
23 Jul. 2017.
79

precedentes são regularmente seguidos pelos tribunais”294.


Dessa forma, no Brasil e em outros países o precedente “serve como argumento
para a tomada de decisão em determinado sentido, entretanto não a vincula no sentido
apontado”295 (grifos no original), ou seja, a ratio decidendi do precedente é utilizada como
fator argumentativo de força, mas não é visto como equívoco a não mensuração por parte do
juiz sobre a aplicação do precedente no caso. Resumindo, se o juiz decidiu seguir é porque
estava convencido que era a melhor resposta ao caso296, não se sentiu obrigado a aplicá-lo por
decorrência do sistema jurídico, mas somente do seu intuito de julgar o caso da melhor
maneira.
Já no caso de ser considerado como precedente obrigatório, o juiz tem o dever de
observar aquele precedente anterior297. Em outros termos, a resposta contida nele é uma
solução que não pode deixar de ser observada, pois o raciocínio jurídico firmado na decisão
anterior faz com que o outro julgador, no mínimo, considere aquela decisão para aplicá-la ou
explicar os motivos que permitem a não aplicação.
Apesar da explicação mais simplória, o grau de vinculação dos precedentes varia
entre os sistemas e, também, dentro dos sistemas. Este ponto deve ser aclarado. Por exemplo,
no Brasil, alguns autores298 diferenciam, a partir da lição de Victoria Iturralde Sesma299,
precedentes absolutamente vinculantes dos relativamente vinculantes. De forma ainda mais
complexa, Aleksander Peczenik elabora uma grande variação de vinculações sobre os
precedentes300.

294
No original: “[...] precedent is not thus formally binding, yet it is a fact that precedents are regularly followed
by the courts”. PECZENKI, Aleksander. The Binding Force of Precedent. In: MACCORMICK, D. Neil;
SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L. Interpreting precedents: a comparative study. Great Britain:
Aushgate Publishing Limited, 1997, p. 461.
295
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 102.
296
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. op. cit. p. 53.
297
MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 102.
298
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 99. SOUZA, Marcelo Alves Dias de. op. cit. p. 54-55.
299
A obra que utilizam é: SESMA, Victoria Iturralde. El precedente en el common law. Madrid: Civitas, 1995.
300
A título ilustrativo, coloca-se o trecho que o autor explica as diferenças: “We may usefully differentiate
bindingness, force, further support, and illustrativeness or other value of a precedent as follows: (1) Formal
bindingness: a judgment not respecting a precedent's bindingness is not lawful and so is subject to reversal on
appeal. Distinguish (a) formal bindingness not subject to overruling: (i) 'Strictly binding' - must be applied in
every case; (ii) defeasibly binding - must be applied in every case unless exceptions apply (exceptions may be
well defined or not); (b) formal bindingness (with or without exceptions) that is subject to overruling or
modification. (2) Not formally binding but having force: a judgment not respecting a precedent's force, though
lawful, is subject to criticism on this ground, and may be subject to reversal on this ground. Distinguish (a)
defeasible force - should be applied unless exceptions come into play (exceptions may or may not be well
defined); (b) outweighable force - should be applied unless countervailing reasons apply. (3) Not formally
binding and not having force (as defined in 2) but providing further support: a judgment lacking this is still
lawful and may still be justified, but not as well justified as it would be if the precedent were invoked, for
example, to show that the decision being reached harmonizes with the precedent. (4) Mere illustrativeness or
80

Sobre isto, destaca-se a ideia de precedentes absolutamente vinculantes. Essa


concepção faz com que o juiz, percebendo que o caso posterior tem fatos similares ao caso
precedente, deva aplicar o precedente obrigatoriamente, independente de outros fatores.301
Bustamante destaca que “já não se pode mais encontrar em qualquer sistema
jurídico razoavelmente desenvolvido precedentes formalmente vinculante e ‘nunca sujeitos ao
overruling’”302 e isto tem um motivo muito claro. Uma concepção desse tipo de precedentes
acarreta enrijecimento danoso do direito, tornando-o não dialético – não é possível pensar em
juízes como meras máquinas reprodutoras de precedentes, pois são seres pensantes.
Ademais, como mencionado, dentro de um mesmo sistema jurídico é possível
encontrar precedentes com forças diferentes. Peczenik destaca diversos fatores capazes de
determinar ou, no mínimo, influenciar o grau de vinculação (comportamento normativo) dos
precedentes:
a A posição hierárquica do tribunal.
b Se a decisão é meramente de uma turma ou do plenário.
c A reputação do tribunal ou do juiz que escreve o voto vencedor.
d Mudanças no contexto político, econômico ou social desde a decisão anterior.
e Solidez dos argumentos na fundamentação da decisão.
f A idade do precedente.
g A presença ou ausência de dissidência.
h O ramo do direito envolvido [...].
i Se o precedente representa uma tendência.
j Como o precedente é aceito nos escritos acadêmicos.
k Os efeitos da mudança legal em áreas relacionadas.303

Com isso, as decisões proferidas dentro de um sistema podem ter sua autoridade
de precedente variando, por exemplo, a depender do tribunal que a proferiu, bem como dentro
do mesmo tribunal a depender se a votação foi apertada ou foi unânime e, ainda, das razões
enunciadas nos votos terem uma uniformidade ou não.
Em resumo, os precedentes não têm uma força pré-determinada e advinda de um

other value”. PECZENIK, Aleksander. The Binding Force of Precedent. op. cit. 463. Para ver em português:
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras
jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 299-300.
301
Esse pensamento foi o existente, por exemplo, no sistema inglês durante quase um século, restringindo, os
tribunais, a observarem fielmente o que já foi dito, não podendo mudar seu entendimento, o que ficou conhecido
stare decisis. Para ver sobre a vinculação mais forte na história do sistema inglês, dirigir-se ao tópico 2.2.
302
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras
jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 300. O mesmo autor propõe uma classificação da força de
observância a partir da lição de Peczenik e Aarnio sobre os tipos de fontes no direito. Para ver: ibidem. p. 282-
302.
303
No original: “a The hierarchical rank of the court. b Whether the decision is merely of a panel or by a full
bench. c The reputation of the court or of the judge writing the opinion. d Changes in the political, economic or
social background since the prior decision. e Soundness of the supporting arguments in the opinion. f The age of
the precedent. g The presence or absence of dissent. h The branch of law involved [...]. i Whether the precedent
represents a trend. j How well the precedent is accepted in academic writings. k The effects of legal change in
related areas”. PECZENIK, Aleksander. The Binding Force of Precedent. op. cit. 477-478.
81

único ponto. A sua recepção dentro do ordenamento se dá por uma estrutura de


entrelaçamento com outros pontos, pois “quanto mais apoios (conexões) um precedente
angaria na rede sistêmica, mais força ele terá”304.
Por fim, ressalva a posição de Hermes Zaneti Jr., para quem qualquer precedente é
de observância obrigatória305, negando, assim, a existência do que a doutrina menciona como
“precedentes persuasivos”, pois:
quando um tribunal estabelece uma regra de direito aplicável a certos conjuntos de
fatos considerados relevantes do ponto de vista jurídico, tal regra deverá ser seguida
e aplicada em todos os casos futuros em que se identifiquem fatos ou circunstâncias
similares.306

O autor propõe uma vinculação em três graus. O primeiro deles é preenchido


pelos precedentes normativos vinculantes, os quais exigem uma argumentação racional no
processo de interpretação/aplicação do direito, sem que exista lei estabelecendo que é
necessário seguir esse precedente, ou seja, os precedentes têm uma presunção a seu favor, a
qual somente poderá ser afastada por um procedimento argumentativo. O segundo grau seria
dos precedentes normativos formalmente vinculantes (de iure), situação que existe se a lei
estabelece uma obrigação de observar precedentes, conduzindo a um ônus argumentativo para
a distinção e a superação previsto em lei, isto é, a diferença reside somente na obrigatoriedade
formal de considerar os precedentes. No último nível estão os precedentes normativos
formalmente vinculantes fortes (de iure)307.
Quatro considerações devem ser feitas. A primeira é sobre o termo “formalmente”.
Países como EUA e Inglaterra consideram seus precedentes formalmente vinculantes não
porque previstos em lei, mas porque vistos como uma fonte do direito para tomada de
decisões que, se não observados, permitem a revisão do julgado. Peczenik estabelece de
forma clara, dentro de sua classificação da vinculação dos precedentes, que ser formalmente
vinculante significa que “um julgamento que não respeite a vinculação de um precedente não
é legal e, portanto, está sujeito a reversão em recurso”308. Não é posto em momento algum a
exigência de lei, mas somente que o sistema jurídico trate o precedente dessa forma.

304
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 314.
305
No mesmo sentido, considerando a vinculatividade como sendo inerente ao conceito de precedente:
MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p.
90.
306
ZANETI JR, Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente
vinculantes. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 307-311.
307
Ibidem. p. 325-326.
308
PECZENIK, Aleksander. The Binding Force of Precedent. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert
S.; GOODHART, Arthur L. Interpreting precedents: a comparative study. Great Britain: Aushgate Publishing
Limited, 1997, p. 463.
82

A segunda é que o uso do nome “jurisprudência persuasiva”. Como será visto no


tópico 4.1 não se confunde precedente com jurisprudência, sendo esta última um conjunto de
decisões que refletem uma mesma ratio decidendi. O uso desse termo gera uma confusão
desnecessária, além do que, dá a entender que sistemas de vinculação persuasivas não
consideram uma só decisão. Questiona-se: como se forma uma jurisprudência se a ratio de
uma decisão isolada não começar a ser utilizada futuramente? A jurisprudência surge do nada?
Essa nomenclatura mais complica do que esclarece.
Terceiro ponto é que, dentro da classificação de Zaneti Jr., temos a situação que o
art. 927 do Código de Processo Civil quer formar no Brasil, pelo menos aparentemente. A lei
coloca um rol de decisão que têm que ser observadas, ou seja, a vinculação seria normativa e
formal – nos termos do autor mencionado, já explicada as ressalvas ao termo formal –, com
ressalva das súmulas vinculantes e as decisões em controle concentrado que seriam
encaixados no terceiro grau309.
Por fim, a primeira classificação é aquela que este trabalho pensa ser a melhor
para o sistema jurídico brasileiro. Os precedentes geram um constrangimento argumentativo
que exigiriam dos juízes um esforço na fundamentação para explicar a não utilização.
Seguindo a explanação, destaca-se o segundo critério, no qual os precedentes são
diferenciados entre os com efeitos horizontais e os com efeito vertical. Na vinculação
horizontal o próprio Tribunal que produziu o entendimento terá que observá-lo novamente. Já
na vertical, a relação se dá com os demais magistrados, os quais passam a ter o dever de
observar a razão do julgado proferido por uma corte de maior hierarquia dentro do sistema
jurídico310.
Alguns pontos de relevo na doutrina sobre essa distinção são destacados. Primeiro
que, na verdade, um mesmo precedente pode ter eficácia horizontal e vertical, isto é, o
tribunal que o produziu o observará, bem como os juízes de hierarquia judiciária menor.
Além disso, o porquê se seguem precedentes nesses tipos de vinculação é
interessante. Para tanto, cita-se Frederick Schauer, autor que expõe motivos que fomentam
uma vinculação aos precedentes nas formas vertical e horizontal:
Com relação ao precedente vertical, as justificativas para a restrição por precedente
são bastante óbvias. Assim como as crianças devem obedecer a seus pais, mesmo

309
ZANETI JR, Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente
vinculantes. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 317.
310
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
95. MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM,
2015, p. 104. TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. 2014, p. 9. Disponível em:
<http://civilistica.com/wp-content/uploads/2015/02/Taruffo-trad.-civilistica.com-a.3.n.2.2014.pdf>. Acesso em:
04 ago. 2017.
83

quando discordam, como se espera que os soldados sigam as ordens dos sargentos,
mesmo que eles acreditem erradas, como os católicos devem seguir os ditames do
papa, mesmo que eles pensem que esses ditames estão errados e como espera-se que
os funcionários sigam as instruções de seus supervisores, os juízes dos tribunais
inferiores devem seguir as "instruções" desses tribunais acima deles no que os
militares chamam de "cadeia de comando". [...] Quando nos voltamos para o
precedente horizontal, no entanto, os argumentos a seu favor são menos óbvios. [...]
Do ponto de vista daqueles que estão sujeitos a restrições do direito, os ganhos de
pequenas melhorias no direito raramente são suficientes para superar as perdas que
advém por serem incapazes de confiar em regras legais e precedentes imperfeitos.
Do ponto de vista do tribunal constrangido, o stare decisis traz as vantagens da
eficiência cognitiva e decisional. Nenhum de nós tem a capacidade de manter todas
as questões abertas para considerações simultâneas e dificilmente poderíamos
trabalhar se todas as nossas decisões fossem constantemente questionadas.311

O trecho denota algo muito importante sobre vinculação dos precedentes. É


possível que a observância de um precedente se dê com base em um respeito a uma ordem
hierárquica para salvaguardar a segurança jurídica se, e somente se, estivermos com olhar
voltado para a observância dos precedentes por instâncias inferiores, ou seja, a vinculação
vertical. Simplificando, pode-se sustentar – apesar de não parecer o único e nem o melhor
motivo – uma vinculação vertical por aspectos formais, como a hierarquia do tribunal, do
modo como dito por Schauer. Dessa forma, o tribunal maior “manda” e de menor grau na
hierarquia “obedece”, ou no linguajar popular, “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
Quanto à vinculação horizontal, esta não seria sustentada em um viés formalista-
hierárquico. Para Schauer, a justificativa estaria na estabilidade e na impossibilidade de
trabalhar se tivesse que rever a todo momento a razão do precedente, justificativa de ordem
pragmática. Marinoni acrescenta a coerência da ordem jurídica e a igualdade como
fundamentos312. Por fim, ainda é possível acrescentar que “a força do precedente judicial
depende, em larga escala, da qualidade da argumentação desenvolvida pelo juiz na

311
No original: “With respect to vertical precedent, the justifications for precedential constraint are fairly
obvious. Just as children are expected to obey their parents even when they disagree, as privates are expected to
follow even those orders from sergeants they believe wrong, as Catholics are expected to follow the dictates of
the pope even if they think those dictates mistaken, and as employees are expected to follow the instructions of
their supervisors, lower court judges are expected to follow the “instructions” of those courts above them in
what the military calls the “chain of command.” [...] When we turn to horizontal precedent, however, the
arguments in its favor are less obvious. [...] From the perspective of those who are subject to law’s constraints,
the gains from marginal improvements in the law are rarely sufficient to outweigh the losses that would come
from being unable to rely even on imperfect legal rules and imperfect precedents. From the perspective of the
constrained court, stare decisis brings the advantages of cognitive and decisional efficiency. None of us has the
ability to keep every issue open for consideration simultaneously, and we could scarcely function if all of our
decisions were constantly up for grabs”. SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a new introduction to
legal reasoning. Cambridge: Harvard University Press, 2009, p. 41-43.
312
Marinoni sustenta que as turmas podem divergir sobre uma temática até que haja pacificação no plenário. A
partir disso, o autor explica que “não há qualquer dúvida que após definida a questão pela Seção – diante de
embargos de divergência – as Turmas não podem decidir de modo contrário, a não ser que presentes os
pressupostos para a revogação de precedente”. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 95.
84

justificação da decisão”313, o que denota um aspecto argumentativo na vinculação, ou seja, os


juízes de mesma hierarquia estão “presos” pelo ônus argumentativo formado pela decisão
anterior.
Outra questão se relaciona ao precedente vertical produzido por um juiz grau
hierárquico inferior e observado por um julgador de um tribunal superior. Este precedente
somente é recebido a título persuasivo pela Corte que está acima dele314. Apesar disso, há uma
grande significância nisso, como já mensurado anteriormente neste trabalho:
as decisões inferiores “importam” [...] Os tribunais superiores não julgam a partir do
zero. Na medida em que se admite que os precedentes servem de orientação jurídica
à população, devem as instâncias recursais reconhecer e considerar a orientação
jurídica já emprestada judicialmente.315

Esse trecho destaca algo relevante para os estudiosos brasileiros: um sistema de


precedentes não é originado com um trabalho somente das cortes “maiores” do sistema, pelo
contrário, respeita e vê no trabalho conjunto do Judiciário a forma de alcançar a melhor
prestação jurisdicional e aplicação mais democrática do direito. O efeito persuasivo do
precedente da corte menor para a maior pode, ainda, ocasionar modificações na aplicação de
um precedente anterior da corte maior, conforme será explicado no tópico sobre aplicação dos
precedentes.
Somente a título de informação, menciona-se também a existência do efeito
horizontal relacionado ao precedente produzido por uma corte de hierarquia paralela a outra,
os quais têm uma importância similar aos precedentes de juízes inferiores em relação aos de
hierarquia superior316.
Ademais, ressalta-se uma informação que já foi dada, mas ainda não sobre a visão
da vinculação. Atualmente é percebida uma mitigação da força horizontal dos precedentes317.

313
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras
jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 353.
314
Sobre o assunto, Neil Durxbury destaca que “os juízes de tribunais superiores no common law podem, por
vezes, considerar persuasivos os precedentes dos tribunais inferiores, mas eles não se consideram obrigados a
segui-los da maneira que os juízes de cortes menores geralmente se sentem obrigados a seguir os precedentes das
altas cortes”, ou no original “common-law judges in higher courts may sometimes consider the precedents of
lower courts persuasive, but they will not consider themselves constrained to follow them in the way that lower-
court judges usually feel obliged to follow higher-court precedents”. DUXBURY, Neil. The nature and
authority of precedent. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 62.
315
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 115.
316
ASCENSÃO, José de Oliveira. Fontes do direito no sistema do “common law”. Doutrinas Essenciais de
Direito Civil, v. 1, p. 351-382, 2010, p. 9 da versão digital.
317
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
95. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 89. ZANETI JR, Hermes. O valor vinculante dos
precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016,
85

Isso faz sentido quando se pensa no direito inglês, o qual, por longo período, fez perdurar uma
observância deveras rígida do precedente enunciado num órgão prolator deste – algo que tem
relação com a noção inicial de stare decisis nesse sistema. Nos EUA, de modo oposto, sempre
houve uma maior flexibilidade quando estes se mostrassem injustos ou inadequados 318. Dessa
forma, o que se quer destacar ao mencionar isso é que a utilização de precedentes garante aos
tribunais a possibilidade de tratar o direito com uma dinamicidade adequada, sem, todavia,
moldá-lo a partir dos arbítrios dos juízes319.
Por fim, não se pode deixar de lado a explicação relativa aos precedentes
interpretativos (declarativos) e aos criativos. Das classificações, esta é a que mais apresenta
problemas.
As palavras dão a entender que no primeiro tipo de precedentes somente é
analisado algo que já existe, e no segundo se cria algo novo no sistema normativo. Há uma
clara confusão ou, ao menos, uma categorização pouco útil. O Direito é compreendido como
um conjunto ordenado de normas jurídicas que visam disciplinar as diversas interações que
permeiam a vida humana320. Cada ordenamento prevê – na realidade, tenta – as repostas para
os problemas que alcançam o ser humano.
Uma decisão judicial é a forma institucionalizada de responder a questionamentos
quando o Judiciário é provocado por alguém, refletindo uma externalização de um trabalho
interpretativo realizado por um juiz, ou um conjunto deles, para dizer qual seria a melhor
solução jurídica de um caso. Para tanto, o juiz vai recorrer ao Direito para obter essa solução.
O seu trabalho, todavia, não será uma mera aplicação de um texto, pois o Direito não é só um
texto legislado – ou texto de uma decisão –, mas, sim, é decorrência do entendimento da
norma a partir dele321.

p. 315. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro


contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 115.
318
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006, p. 149.
ASCENSÃO, José de Oliveira. Fontes do direito no sistema do “common law”. Doutrinas Essenciais de
Direito Civil, v. 1, p. 351-382, 2010, p. 5 da versão digital.
319
Essa afirmação sobre a não utilização arbitrária dessa capacidade de corrigir o precedente antigo é explicado
por José de Oliveira Ascensão, o qual utiliza os EUA como exemplo: “Com isto, a valia do precedente sobre o
próprio tribunal passou a integrar-se na segunda categoria acima referida: vincula, exceto se se apresentar uma
boa razão em contrário. Todavia, não podemos supor que isto signifique que a valia do precedente seja pequena:
pelo contrário, ela é extremamente grande. O próprio sistema americano, que dissemos já que é mais sensível
que o inglês às necessidades históricas da evolução, é disto testemunha, pois as mudanças de orientação são raras
e têm de ser cuidadosamente fundadas”. ASCENSÃO, José de Oliveira. op. cit. p. 9 da versão digital.
320
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Fundamentos do Direito. São Paulo: Atlas, 2010, p. 10.
321
Esse entendimento é percebido por Lenio Streck, apesar de o apresentar de um modo pouco extremado, pois
“o texto só será compreendido na sua norma, e a norma só será compreendida a partir do seu texto. E não há
textos ‘sem coisas’”. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias
discursivas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 346. De forma mais moderada está o pensamento de Humberto
Ávila, para quem “normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da
86

Dessa forma em momento algum o juiz – ou qualquer intérprete – só aplicará o


que existe ou, pelo contrário, criará algo novo do “zero”. O que sempre há é um trabalho
hermenêutico sobre uma realidade. Dessa forma, a classificação é uma incongruência com o
que ocorre na prática. Mesmo quando não existir uma prescrição específica para um caso, o
juiz vai julgar com base no ordenamento, procurando em princípios – sejam os previstos de
forma expressa, sejam aqueles que regem qualquer conjunto de normas – à resposta para o
caso concreto, já que “os princípios estabelecem um estado de coisas que deve ser promovido
sem descrever, diretamente, qual o comportamento devido”322 (grifos no original), de outro
modo, por princípios é possível alcançar uma resposta, mesmo que não seja expressa de
início.
Após esta explicação, acredita-se que tal distinção perde grande parte do seu
relevo, apesar disso remanescem alguns pontos a serem destacados. Por exemplo, o fato de
um país ter precedentes que predominantemente manifestam interpretações da lei não gera
nenhum prejuízo sobre a importância dos precedentes dentro desse sistema. Primeiro pela
explicação já realizada acima. Além disso, atribuir aos precedentes somente a criação de uma
norma é algo já ultrapassado, tanto que o jurista português José de Oliveira Ascensão destaca
que “efetivamente, se considerarmos a situação, quer no Reino Unido quer nos Estados
Unidos da América, verificamos que hoje o domínio coberto pelas leis está em permanente
expansão, à custa daquele que é deixado ao Direito comum”323. Com isto, destaca-se que,
atualmente, com a intensa produção legislativa, a maioria dos precedentes tem caráter
“interpretativo”, mesmo em países que antigamente tinham uma alta produção normativa dos
tribunais. Assim, “a profusão de leis não exclui a necessidade de um sistema de
precedentes”324.

interpretação sistemática de textos normativos”. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à
aplicação dos princípios jurídicos. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 50.
322
ÁVILA, Humberto. op. cit. p. 70. Nesse ínterim cita-se Ronald Dworkin para quem “o juiz continua tendo o
dever, mesmo nos casos difíceis, de descobrir quais são os direitos das partes”. DWORKIN, Ronald. Levando os
direitos a sério. tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 127.
323
ASCENSÃO, José de Oliveira. op. cit. p. 11 da versão digital.
324
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 19.
Marinoni destaca que no sistema jurisdicional brasileiro só são cabíveis os precedentes interpretativos ao dizer
que “a circunstância de o precedente, no direito brasileiro, ter natureza interpretativa não lhe retira a dignidade e
a importância operacional, bem como a sua notável relevância em face da igualdade, da segurança jurídica e da
otimização da administração da justiça”. Observe que Marinoni adere a essa classificação sem observar as falhas
nela. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
186.
87

Para concluir, menciona a postura de alguns autores 325 que utilizam essa
classificação para diferenciar precedentes que “somente” observam a lei ou repetem algo
contido anteriormente em outro precedente (declaratórios), aqueles que realizam um trabalho
de ampliação ou restrição da norma legal ou jurisprudencial (especificadores) e, por último, os
precedentes que contêm normas criadas a partir de princípios jurídicos (criativos).
Essa diferenciação é bastante problemática. Explica-se por partes. Na primeira das
situações – somente “aplicar” uma norma legislativa – há um trabalho hermenêutico, qual
seja, a opção por uma interpretação literal como suficiente para a resposta ao caso e a
adequação desta norma com as demais existentes no sistema jurídico. Para exemplificar,
apresenta-se o caso State v. Rasabout326.
Nesse caso, Andy Rasabout disparou doze tiros contra a casa de uma gangue rival.
Decorrente disso, o réu foi condenado por cada disparo, pois a legislação de Utah considera
crime “discharge any kind of dangerous weapon or firearm”, ou seja, é crime descarregar
arma de fogo. Apesar disso, no momento de firmar a pena, considerou-se um só crime devido
a ocorrência dos tiros ter se dado em um mesmo evento temporal. Em sede recursal, contudo,
o Tribunal de Apelação de Utah (Utah Court of Appeals) reformou a decisão para considerar
que cada disparo era um crime distinto. O entendimento foi mantido pelo Supremo Tribunal
de Utah (Utah Supreme Court) sendo alegado que o termo “discharge” deveria ser
compreendido como disparar um único tiro e, para tanto, foi investigado a estrutura da
palavra, o sentido no dicionário e o uso no senso comum. O resultado foi que a raiz da palavra
era relacionada com a quantidade de pólvora usada em um só tiro, bem como que no
dicionário era utilizado como “disparar”. Além disso, um dos juízes apresentou uma razão
divergente para chegar ao mesmo resultado – o que, nesse caso, constitui uma obiter dictum –,
utilizando do corpus de linguagem, ferramenta que apresenta, de forma estatística, quantas
vezes se utiliza cada palavra, a partir da análise de uma quantidade gigantesca de textos, todos
armazenados em um só local327. O motivo para o juiz utilizar dessa ferramenta foi que no
dicionário o termo “discharge” era utilizado tanto para um só tiro, como para o ato de
descarregar toda a munição contida na arma e, conforme precedente da própria Corte,
havendo dualidade de significados, deveria-se optar pelo sentido mais usual da palavra, o que
justificou a procura do termo em um banco de textos. O resultado também foi que o

325
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 300-302. PEIXOTO, Ravi. Superação do Precedente e Segurança Jurídica. 2. ed. Salvador: JusPODIVM,
2016, p. 134-137.
326
Disponível em: <http://harvardlawreview.org/wp-content/uploads/2016/03/1468-1475-Online.pdf>. Acesso
em: 15 Out. 2017.
327
Para ver como funciona essa ferramenta: <https://corpus.byu.edu/coca/>. Acesso em: 15 Out. 2017.
88

significado mais comum era de “disparar”.


O intuito desse exemplo é demonstrar que, mesmo a “aplicação” da lei de modo
literal, exige interpretações. No caso específico, quando o Tribunal optou por uma
interpretação de cunho, predominantemente, gramatical, deve-se retirar um precedente do
julgado, de forma que discharge é o ato de disparar, e não de descarregar, sendo que, cada
tiro, configura um ato típico distinto e, por isso, punível separadamente, além de que havendo
dúvida sobre o sentido da palavra, preferencialmente, deve-se buscar o entendimento no
dicionário, bem como aquele usualmente tido no senso comum.
Ademais, ainda no primeiro tipo de precedente, quando se está utilizando as
mesmas razões de um julgado anterior, o mais correto é pensar numa construção de uma linha
de decisões sobre um mesmo precedente, ou seja, utiliza-se uma mesma ratio em vários casos.
Por fim, como já explicado, o ato de julgar é essencialmente interpretativo, sendo de pouca
valia a distinção proposta pelos autores.
89

4 ATUAL ESTÁGIO DE UTILIZAÇÃO DOS PRECEDENTES NO BRASIL:


PRINCIPAIS INSTITUTOS E OS EQUÍVOCOS NO USO DESTES

O atual cenário jurídico brasileiro é inegavelmente atrelado a uma prática


jurisprudencial328, mesmo que a observância se dê de um modo bastante desordenado329. Esse
cenário é comum em países da tradição do civil law, mesmo com as mudanças que a
globalização e a troca de conhecimentos trazem aos sistemas jurídicos330. Esse uso
desorganizado é observado em vários países:
Nesses sistemas, a relativa alta frequência de referências a precedentes é de alguma
forma contrabalanceada pelo fato de que os precedentes são citados superficialmente
e usados apenas como suporte aquilo já dito, quase sem a devida atenção ao seu
conteúdo específico. O uso de precedentes quase nunca é justificado por argumentos
posteriores e sua relevância e utilidade são assumidas de forma obscura. 331

Sendo assim, apresenta-se o que já existe de mais comum no uso de precedentes


no sistema pátrio com base em três institutos: jurisprudência, súmula e ementa. De forma
deveras sucinta, a jurisprudência expressa uma reiteração de julgados no mesmo sentido,
enquanto a súmula é um enunciado textual que tenta resumir, ou melhor, condensar o
conteúdo constante na jurisprudência e, por fim, a ementa é uma exposição resumida de um
julgado, normalmente, de órgão colegiada. Assim, por exemplo, de um precedente pode ser
formada uma jurisprudência se, aos casos futuros, for mantida a continuada aplicação do

328
No mesmo sentido: “a pesquisa e o uso do precedente jurisprudencial tornaram-se, hoje, as ferramentas
quotidianas do jurista [...]”. TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. 2014, p. 2. Disponível em:
<http://civilistica.com/wp-content/uploads/2015/02/Taruffo-trad.-civilistica.com-a.3.n.2.2014.pdf>. Acesso em:
21 Out. 2017.
329
Maurício Ramires traz informação no mesmo sentido, acrescentando que “[...] a invocação de precedentes, no
Brasil, tem seguido uma lógica de aleatoriedade que é estranha a qualquer sistema de case law que se conheça, e
em especial ao inglês e ao norte-americano. Sequer os rudimentos da teoria dos precedentes, destilada durante
séculos nos países que têm essa tradição, são conhecidos por aqui. O resultado é um ecletismo improvisado entre
duas tradições diversas, sem que haja uma real interlocução entre elas.”. RAMIRES, Maurício. Crítica à
aplicação de precedentes no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 31.
330
Um bom exemplo de influências externas sobre a prática jurídica brasileira são os acordos de colaboração
premiadas (comuns em outros países, mais facilmente lembrado nos EUA) firmados na “Operação Lava Jato”, os
quais, apesar de previstos na Lei 12.850/13, tiveram seu uso incentivado fortemente durante as investigações e
ações relacionadas a esta operação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Para entender um pouco
mais sobre o uso desse instituto ver: ALMEIDA, Jonas Reggiori; DE OLIVEIRA FILHO, Enio Walcácer. A
evolução da colaboração premiada na Legislação Nacional e no Direito Comparado. Vertentes do Direito, [S.l.],
v. 4, n. 1, p. 22-41, jun. 2017. ISSN 2359-0106. Disponível em: <https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/
index.php/direito/article/view/2917>. Acesso em: 21 out. 2017. BOTTINO, Thiago. Colaboração premiada e
incentivos à cooperação no processo penal: uma análise crítica dos acordos firmados na “Operação Lava Jato”.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 2016, p. 11-21, 2016.
331
No original: “In these systems, the relatively high frequency of references to precedents is somehow
counterbalanced by the fact that precedents are quickly quoted and used merely as supporting materials, almost
without due attention to their specific content. The use of precedents is almost never justified by ad hoc
arguments, and their relevancy and usefulness are tacitly assumed.”. TARUFFO, Michele. Institutional Factors
Influencing Precedents. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L.
Interpreting precedents: a comparative study. Great Britain: Aushgate Publishing Limited, 1997, p. 455.
90

mesmo entendimento e disto pode surgir uma súmula.


Além disso, há algo que deve ser esclarecido antes mesmo da análise individual
de cada instituto: nenhum desses mencionados “modos” de usar precedentes é ruim por si só,
bem como não possuem a aptidão inversa, isto é, alcançar a plenitude de correção do uso dos
precedentes. As explicações, já mencionadas, de como o precedente deva ser observado para
casos futuros (ver tópicos 3.1 a 3.3) revelam que não se pode ter uma visão mecânica do uso
dele, de forma que esse possa ser encaixado dentro de uma fórmula fechada e, “pronto”, todos
os problemas relacionados a sua aplicação estão resolvidos. Não há “lâmpada mágica”. Não
se pode simplificar a um mero “use o texto da súmula e decida” ou a um “já há jurisprudência
pacífica, não há mais nada a discutir”. O precedente funciona como um vetor
argumentativo332, ou seja, é parâmetro que precisa de interpretação para ser compreendido e
de argumentação para ser usado.

4.1 Jurisprudência

No Brasil a jurisprudência tem um grande relevo. Os advogados, promotores,


defensores, procuradores e juízes – resumindo-se, todos – tentam encontrar na jurisprudência
o suporte para suas alegações. O problema é a forma como isso se dá em certas ocasiões.
Antes de se tratar desse ponto, define-se o que é a jurisprudência.
A palavra jurisprudência é plurívoca. Entre esses significados, identifica-se: (1)
ciência do direito como ramo do conhecimento; (2) direito aplicado em concreto pela
atividade dos juristas; (3) aglomerado de decisões dos tribunais; e (4) conjunto de decisões
num mesmo sentido333. As últimas duas são as que se relacionam mais de perto com os
precedentes. Apesar disso, o melhor sentido é o último, já que traz avanços à prática jurídica
ao visualizar o uso da jurisprudência como fator influenciador nas decisões judiciais334. Por

332
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 268.
333
Para ver os múltiplos sentidos da palavra jurisprudência: MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e
o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 108. ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis
Girão de Castro. Precedente judicial no novo Código de Processo Civil: tensão entre segurança e dinâmica do
direito. Curitiba: Juruá, 2015, p. 39. CIMARDI, Cláudia Aparecida. A jurisprudência uniforme e os
precedentes no Novo Código de Processo Civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 85-86.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sistema brasileiro de precedentes: natureza, eficácia e operabilidade. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, E-Book. ISBN 978-85-203-6793-3.
334
De forma interessante informa Daniel Mitidiero que a origem da concepção de precedentes como uma
sucessão harmônica de decisões dos tribunais que revela um entendimento do direito é de origem francesa.
MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 2. ed. São Paulo: RT, 2017, p. 70. O fato curioso
91

que o outro pouco agrega no contexto da prática jurisdicional? Explica-se.


As decisões judiciais sobre um mesmo assunto que tenham respostas similares
acabam por formar uma jurisprudência, isto é, quando se tem uma mesma ratio decidendi
percebida em várias decisões isso permite afirmar uma fortificação do precedente dentro do
sistema jurídico, o que constitui uma jurisprudência.
Adotar jurisprudência como um conjunto de decisões sobre o mesmo tema sem
observar a ratio decidendi não adiciona nenhum elemento qualitativo, mas meramente
quantitativo. Cláudia Cimardi, por exemplo, adota o conceito mais amplo, identificando
jurisprudência como o “conjunto de decisões judiciais, resultantes de julgamentos de casos
concretos que apresentam o mesmo problema, independentemente de haver conformidade
entre seus conteúdos [...]”. A autora explica que “tal posição se justifica já que procuramos
pesquisar as técnicas de uniformização da jurisprudência [...]”.335.
O problema dessa concepção é que parece estabelecer que a jurisprudência pode
ser uma “bagunça”, a qual terá que ser pacificada para ter serventia. Não é que esteja
totalmente equivocado esse anseio por uniformidade, pelo contrário, ele é importante sim.
Não é correto, entretanto, o afastamento ou mesmo a diminuição da relevância dos percalços
até a uniformização. Estes percalços têm importância para o melhor entendimento sobre a
jurisprudência. Em outras palavras, deve-se tentar extrair o máximo de aprendizado das
divergências para que a resposta final seja realmente forte.
Não se faz, como Taruffo, a diferenciação com suporte majoritário na
característica quantitativa (precedente é uma decisão, jurisprudência é um conjunto)336,
inserindo-se, com efeito, um elemento qualitativo, qual seja, a informação dada pela
jurisprudência ao revelar a intensidade vinculativa que um certo precedente conseguiu no

dessa informação está na forma como os franceses utilizam precedentes. Nesse país não se usa precedentes de
forma explícita, apesar de eles terem uma importância na interpretação da lei, até porque na França a ideia é que
a lei é descoberta pelo magistrado, sem que este tenha qualquer papel criativo sobre o direito, o que faz com que
a ideia de jurisprudência revele uma estabilidade do direito e, por isso, talvez este instituto tenha alguma
importância lá. TARUFFO, Michele. Institutional Factors Influencing Precedents. In: MACCORMICK, D. Neil;
SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L. Interpreting precedents: a comparative study. Great Britain:
Aushgate Publishing Limited, 1997, p. 456. Para entender melhor a aplicação dos precedentes na França:
TROPER, Michel; GRZEGORCZYK, Christophe. Precedent in France. Ibidem. p. 103-140.
335
CIMARDI, Cláudia Aparecida. op. cit. p. 86.
336
O autor apresenta diferenças outras, como a forma de que os fatos são percebidos em cada decisão e a
necessidade de citação de várias decisões no caso da jurisprudência - tomando como parâmetro a prática na Itália
-, mas mesmo assim a diferença quantitativa é significante para o autor italiano: “Há, antes de tudo, uma
distinção de caráter – por assim dizer – quantitativo. Quando se fala do precedente, faz-se geralmente referência
a uma decisão relativa a um caso particular, enquanto quando se fala da jurisprudência faz-se, normalmente,
referência a uma pluralidade frequentemente muito ampla de decisões relativas a vários e diversos casos
concretos.”. TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. 2014, p. 3. Disponível em:
<http://civilistica.com/wp-content/uploads/2015/02/Taruffo-trad.-civilistica.com-a.3.n.2.2014.pdf>. Acesso em:
22 out. 2017.
92

sistema. Em outros termos, “a jurisprudência surge somente após o amadurecimento dos


embates argumentativos travados nos processos judiciais com a consequente ‘resposta’
apresentada pelos tribunais”337. Essa percepção tem importância.
O Direito não é algo adotado (nos diversos sistemas distintos) e entendido (dentro
de um mesmo sistema) de forma pacífica e unânime. Qualquer um que queira isso de forma
imediata vai acabar por defender uma postura impositiva. É necessário, claro, que se chegue a
uma certa estabilidade, pois é preciso alcançar a melhor posição sobre cada assunto, mas isso
exige uma interação dialógica, construtiva e gradual. Quando se diz que a jurisprudência é um
mero conjunto de decisões independente do conteúdo, coloca-se todos os precedentes dentro
de uma mesma “caixa”. De forma oposta, a existência de divergências em sede
jurisprudencial é algo natural e devem ser consideradas não somente como algo ruim que
deve ser uniformizado, mas também como algo que revela outra posição que precisa de
discussão, o que não pode ser menosprezado.
Por haver possibilidades de jurisprudências com posições antagônicas338, ou de
um precedente em sentido contrário à jurisprudência dominante339, surge a questão de qual é o
problema da jurisprudência. Este não se localiza na ausência de uniformidade por si só. Na
realidade, os prejuízos do mal uso da jurisprudência são notados em duas situações distintas.
A primeira é quando existem linhas de precedentes diferentes, por exemplo, entre
turmas do mesmo tribunal, e estas não tentam refutar o entendimento oposto, além de,
principalmente, os casos de não adequação dos julgadores de um tribunal após a
uniformização realizada pelo pleno ou por um órgão especial daquele mesmo tribunal.
Observe que são situações diferentes. No primeiro momento havia divergência de
entendimentos, o que é comum e até necessário para um aprimoramento do Direito, enquanto
depois o julgador não observa o pronunciamento da maioria do seu tribunal, em uma atitude
que invariavelmente ofende: (1) a igualdade de tratamento, já que os jurisdicionados que
tiverem seus processos nas “mãos” desse julgador terão um julgamento diferente
simplesmente pela pessoa do magistrado não aceitar a posição majoritária; (2) a razoável
duração do processo, pois suas demandas somente alcançarão o resultado regularmente
esperado quando interpostos recursos a esta decisão; (3) a expectativa legítima do

337
CIMARDI, Cláudia Aparecida. op. cit. p. 87.
338
Por isso que é visto na prática a menção aos adjetivos “majoritária”, “dominante”, “minoritária” para
qualificar a ideia de jurisprudência. PEIXOTO, Ravi. Superação do Precedente e Segurança Jurídica. 2. ed.
Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 138.
339
ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. Precedente judicial no novo Código de
Processo Civil: tensão entre segurança e dinâmica do direito. Curitiba: Juruá, 2015, p. 39. MACÊDO, Lucas
Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 108.
93

jurisdicionado de um provimento judicial; e (4) a produção democrática da decisão judicial,


que é um dos intuitos do trabalho de um tribunal na forma colegiada. Essa exigência de
respeito pode ser aclarada quando assimilado que:
[...] a forma possível de fazer com que o direito que é aproxime-se daquilo que as
pessoas por ele disciplinadas consideram que ele deve ser é permitindo a elas que
participem do processo de sua elaboração. A forma de fazê-lo é através do regime
democrático até porque “os argumentos aceitos pela maioria são, via de regra, muito
mais convincentes”.340

Essa compreensão é muito importante no Judiciário, visto que sua legitimidade


não se dá diretamente pela escolha popular, então o respeito mínimo à produção do próprio
tribunal torna-se algo essencial.
O segundo ponto problemático é o oposto, revelando-se na prática argumentativa
simplista do “já é jurisprudência pacífica, então não há o que se discutir”. Não há contradição
com o que se apresentou. O transtorno que uma atitude dessa causa é gravíssimo pelos
seguintes motivos: (1) ignora-se o surgimento de novos fatores que influenciam na ratio
decidendi, como mudanças sociais, decisões judiciais novas que tornam contraditórios os
entendimentos, novas leis; (2) diminui a importância do precedente, pois passa a ser um fator
de força meramente formal (“segue-se porque existe”), enfraquecendo a busca por uma
prestação melhor somente para alcançar uma prestação mais segura; (3) pode gerar decisões
divergente entre tribunais, pois cada um poderá usar esse “argumento de autoridade” de ter
sua jurisprudência pronta, o que é criticado pelos motivos expostos anteriormente no caso do
julgador que não observa uma produção por “não querer”.
Quanto a esse último ponto é preciso esclarecer que não se defende que os
tribunais não possam discordar um dos outros, todavia eles não podem deixar de observar
uma decisão de um tribunal superior que poderá reformar sua decisão, pelo simples
argumento de ter sua própria jurisprudência, pois ofenderiam a igualdade, a razoável duração
do processo, a legítima expectativa, entre outros pontos.
Há outro problema que, todavia, não está ligado a uma má percepção da função da
jurisprudência, mas, sim, ao falseamento de uma jurisprudência. É comum encontrar nas
peças processuais dos juristas pátrios menções a “conforme jurisprudência do tribunal tal”,
sendo que somente colaciona-se uma ou duas ementas e algumas vezes são os únicos
precedentes naquele sentido entre, por exemplo, trinta julgados. Por óbvio que o jurista pode
utilizar esse entendimento hermenêutico para demonstrar que o seu pensamento já foi feito no
mesmo tribunal, ou em um tribunal superior. O problema reside, precisamente, em não

340
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Fundamentos do Direito. São Paulo: Atlas, 2010, p. 137.
94

explicar o porquê que esses precedentes apresentados devem prevalecer frente, por exemplo, à
jurisprudência dominante. É uma fórmula de tentar distorcer o passado. Isso pouco adiciona
ao argumento lançado pelos advogados, haja vista que os magistrados, em regra, sabem o
entendimento que é majoritário no seu tribunal e nos superiores.
Por tudo, a jurisprudência tem como principal fator a possibilidade de revelar uma
estabilização do precedente (serve como uma constatação). De modo mais detalhado, a
jurisprudência, como pluralidade de decisões, demonstra que a ratio decidendi até então
formada em um julgado foi bem recebida no meio jurídico, gozando de prestígio
argumentativo que faz com que sua força se dissemine no tempo de forma mais prolongada
enquanto não surgirem outros fatores para alterá-la.

4.2 Súmula

Ao tratar de súmulas, talvez se esteja analisando um dos institutos do direito


brasileiro que mais aparece como um “salvador do Judiciário”. Do mesmo modo que se fez ao
falar de jurisprudência, começa-se conceituando súmula, antes de adentrar na sua utilização.
Via de regra, pode-se dizer que a súmula é um enunciado elaborado por um
Tribunal, por meio de um ato administrativo341, que representa a jurisprudência dominante,
isto é, representa um entendimento que esteja pacificado – pelo menos naquela Corte – ou em
vias de ser. Com outras palavras, a súmula:
[...] é apenas uma tentativa de enunciação destacada da ratio decidendi do
entendimento de um determinado tribunal, sendo, basicamente, uma forma de
facilitar a identificação pelos demais julgadores da jurisprudência dominante daquele
órgão jurisdicional sobre um determinado tema. 342

Em contraponto, apresenta-se a definição de Gustavo Marinho de Carvalho a qual


contém alguns problemas que serão revelados juntamente com a proposta de utilização das
súmulas (vinculantes ou não) que se considera mais interessante:
As súmulas (vinculantes ou não), como sabemos, nada mais são do que enunciados
normativos dotados de generalidade e abstração, extraídos de casos concretos,
emitidos pelos Tribunais brasileiros, com o propósito de uniformizar a interpretação
sobre determinado assunto, a partir de uma ou de reiteradas decisões. 343

341
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 128.
342
PEIXOTO, Ravi. Superação do Precedente e Segurança Jurídica. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p.
138-139.
343
CARVALHO, Gustavo Marinho de. Precedentes Administrativos no Direito Brasileiro. São Paulo:
Contracorrente, 2015, p. 107.
95

De início, é preciso deixar claro que a súmula deve tentar ser um reflexo de um
precedente que esteja reiterado em diversos julgados, o que é destacado no trecho transcrito
de Ravi Peixoto, ao dizer que na súmula tenta-se expressar de forma resumida a ratio
decidendi comum em diversos julgados.
Aqui há um primeiro problema na conceituação de Gustavo Carvalho, pois o autor
fala que a súmula poderia advir de uma só decisão. Apesar de na prática um tribunal poder
fazer isso, seria uma distorção do sentido de existirem súmulas344. Observe que mesmo o
Legislativo quando previu a Súmula Vinculante, por meio da Emenda Constitucional nº 45 de
2004, estabeleceu como um dos critérios a reiteração de decisões345. Ademais, conforme
explica Marcelo de Souza, a intenção histórica e inicial dos tribunais ao criarem súmulas era a
de facilitar seu trabalho a partir da enunciação dos entendimentos majoritários sobre uma
certa situação346. Por fim, estabelecer súmulas sem que estas manifestem um entendimento
majoritário é uma prática quase que legislativa do Judiciário, pois estará enunciando um texto
geral e abstrato sem que este esteja apoiado em razões proferidas anteriormente. Por tais
motivos que a elaboração de uma súmula decorrente de um único caso, como a súmula nº 539
do STF347, ou de poucas decisões, como a Súmula Vinculante nº 11348, tornam-se discutíveis

344
LOPES FILHO, por exemplo, diz que “as súmulas são tomadas como expressivas de entendimento bem
arraigado e pacificado, pois se pressupõem sumários da jurisprudência dominante de um tribunal e, portanto,
algo mais estável.”. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 129. No mesmo sentido: SOUZA, Marcelo Alves Dias
de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006, p. 253.
345
O art. 103-A tem a seguinte redação: “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação,
mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional,
aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais
órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.”
346
Gustavo Marinho de Carvalho explica que as súmulas surgirão com o STF em 1963 para desafogar o trabalho
dos juízes. CARVALHO, Gustavo Marinho de. Precedentes Administrativos no Direito Brasileiro. São Paulo:
Contracorrente, 2015, p. 107-108. Cláudia Cimardi evidencia que o “STF, por emenda de 28.08.1968 ao seu
Regimento Interno então vigente, instituiu a Súmula da Jurisprudência Predominante, um compêndio das teses
jurídicas uniformes de suas decisões”. CIMARDI, Cláudia Aparecida. op. cit. p. 300. Em complemento, Marcelo
de Souza, após expressar o mesmo motivo para o surgimento da súmula, acrescenta, como outros motivos, a
certeza do Direito dada pela súmula, a previsibilidade e a igualdade. SOUZA, Marcelo Alves Dias de. op. cit. p.
252-253.
347
O enunciado da súmula é o seguinte: “É constitucional a lei do Município que reduz o imposto predial urbano
sobre imóvel ocupado pela residência do proprietário, que não possua outro”. Sem adentrar no acerto do
entendimento, evidencia-se que o único caso julgado foi uma arguição de inconstitucionalidade (nº 674), na qual
se alegava uma violação formal ao art. 10, b do Estado da Guanabara. A decisão foi pela improcedência do
pedido. Ao ler o acórdão, entretanto, não há uma mínima menção aquilo mencionado na súmula, o que leva a
constatação de uma verdadeira atividade criativa do Judiciário nesse caso. Ressaltando esta incongruência: “É
curioso notar, contudo que o precedente que originou a súmula de que se cuida não se ocupou de tais questões.
Discutia-se, tão somente, aspecto formal, ligado à competência para iniciar o processo legislativo [...]”.
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Direito tributário nas súmulas do STF e do STJ. São Paulo: Atlas,
2010, p. 89.
96

(para não se dizer inconstitucionais).


Decorrente dessa última afirmação, há outra questão importante. As súmulas são
elaboradas pelas próprias cortes que emitem precedentes como antecipação do sentido que se
deve dar à ratio decidendi do precedente, isto é, estabelecem por meio da súmula a visão que
acreditam corretas sobre a ratio decidendi. Em resumo, súmulas demonstram visão prescritiva
da ratio decidendi, isto é, o próprio órgão já define como deve ser compreendida a razão do
julgado349.

348
Essa súmula trata do uso de algemas. Os quatro precedentes que constam com utilizados para o firmamento
da decisão são: 1) HC 91952 (Publicação: DJe nº 241 de 19/12/2008); 2) HC 89429 (Publicação: DJ de
02/02/2007); 3) HC 71195 (Publicação: DJ de 04/08/1995); e 4) RHC 56465 (Publicação: DJ de 06/10/1978). Os
dois últimos julgados, que são mais antigos, tratavam de nulidade dos julgados por de uso de algemas em
audiência e, no caso do HC de 1995, a nulidade era fundamentada numa possível influência negativa sobre o júri
devido a imagem do acusado algemado, o que conduziria a um estereótipo de que este é perigoso. Apesar disso,
foi dito que não havia mácula alguma, pois a utilização se deu para evitar que houvesse ameaça à integridade
física das testemunhas ou risco de fuga, cabendo ao juiz manter a ordem na audiência, em respeito à Justiça. Já o
habeas corpus de 2007 tinha caráter preventivo, alegando-se que o acusado não devia ter que se deslocar
algemado até o Superior Tribunal de Justiça onde participaria de uma audiência, bem como não devia
permanecer algemado quando estive no Tribunal por proteção a sua imagem perante a sociedade. Neste julgado,
mais expressamente é dito que somente se deve usar algemas em duas situações: “a) para impedir, prevenir ou
dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto
venha a ocorrer; b) para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si
mesmo” e, por isso, foi concedida a ordem para que somente se colocasse algemas se o paciente estivesse dentro
das situações mencionadas. No último julgado, também estava presente uma pessoa que fora submetida
algemada a audiência em um caso de julgamento por júri. É dito no julgado que “manter o acusado em
audiência, com algema, sem que demonstrada, ante práticas anteriores, a periculosidade, significa colocar a
defesa, antecipadamente, em patamar inferior, não bastasse a situação de todo degradante”. Após as discussões
(disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/SUV_11_12_13__
Debates.pdf>). O texto final da súmula foi o seguinte: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de
fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros,
justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da
autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do
Estado”. Apesar dos poucos julgados, ao que parece, a súmula retrata a principal lição explicitada, com algumas
ressalvas. Uma delas é o fato de todos os casos tratarem do uso de algemas em audiência e da súmula ser mais
expansiva, como se tivesse tratado do uso de forma ampla. Antes de explicar as demais ressalvas, é importante
mencionar a explicação de Hermes Zaneti Jr. ao dizer que as súmulas são a “externalização, em um enunciado,
da razão de decidir de vários (reiterados) precedentes (aqui não importa tanto que sejam muitos, no sentido de
variados, mas que sejam bem pensados, no sentido de solucionar bem o ‘problema’ posto, ou seja, formar uma
‘jurisprudência dominante’, uma convicção firme e também satisfatória do thema in decidendum, de forma a
vincular também a própria Corte nas decisões futuras).”. ZANETI JR, Hermes. O valor vinculante dos
precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016,
p. 187. Retornando as ressalvas, destaca-se que somente no julgado mais recente é que se tratou sobre uma
responsabilização penal, civil e administrativa daquele funcionário público que utiliza arbitrariamente as
algemas, dessa forma, não é possível dizer que havia uma jurisprudência dominante nesse ponto. Ademais, nos
casos de julgamentos do júri há divergência quanto a influência da algema sobre os jurados. No mais antigo não
se dá importância, preferindo sustentar que é permitido usar algemas se se tiver diante de uma situação de
possível perigo para terceiros. Já no último julgado há um maior relevo sobre a questão da algema influenciar.
Além do mais, o entendimento reflete uma interpretação quase gramatical do art. 474, § 3º do Código de
Processo Penal, o que estabelece: “não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que
permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das
testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”. Por fim, quanto à justificativa por escrito, está
questão somente surgiu nas discussões para elaboração do enunciado da súmula, o que poderia significar uma
certa extrapolação do Judiciário, que estaria atuando como legislador.
349
Marinoni, com base em Julius Stone, diferencia a ratio decidendi entre prescritiva e descritiva. Ele defende
que a ratio é definida pela Corte que cria o precedente e que, assim, prescreve a razão do julgado. Os julgadores
97

Ademais, também há uma certa visão prospectiva do precedente. Conforme


exposto nos tópicos 3.2 e 3.3, os precedentes podem ser formados com olhos para resolução
de casos futuros e não somente do que está sendo julgado, já sendo adiantado alguns debates
com a adoção dos argumentos que devem ser aceitos para aplicação futura (visão
prospectiva). De outro lado, é possível entender que num primeiro momento há preocupação
somente em decidir um caso e os demais juristas, no futuro, quando deparados com casos
similares, delimitarão o que foi mais importante na decisão anterior (visão retrospectiva). No
trabalho foi defendido que precipuamente caberá aos julgadores futuros trabalharem na
delimitação da ratio decidendi, funcionado o julgado anterior como uma pedra que deverá ser
lapidada, ou seja, o julgamento anterior dá limites que devem ser observados pelos futuros
intérpretes350. Ademais, o fato da corte se preocupar com as consequências do seu julgamento
é algo importante, mas não pode ser determinante para a decisão.
Nesse momento, a menção feita por Gustavo Carvalho sobre a generalização e a
abstração merece especial atenção. Ao dizer que é geral e abstrata, está se dando relevo ao
fato da súmula ser elaborada pelo tribunal como se ele estivesse pensando uma lei, isto é, ela
prevê um texto que estabelece uma regra de resolução para o futuro ou, ainda, “a súmula não
exsurge para resolver um caso, mas, sim, para resolver ‘todos os casos futuros’”351.
Essa visão, todavia, é danosa352. Não é possível dar à súmula um poderio de
resolução abstrata de casos, como se “tudo” já estivesse dito naquele verbete de forma a
esgotar todas as variáveis do futuro ou, como sintetiza Ravi Peixoto, como se tentasse uma
“abstrativização” que não condiz com a dinâmica dos precedentes353.
Essa visão “legalista” da súmula deturpa e enfraquece os precedentes que a
fundamentam. Mesmo a lei, com sua previsão geral e abstrata constante em um texto precisa
de interpretações, como seria possível retirar a compreensão hermenêutica e, principalmente,
contextual da súmula? A resposta é simples: não é possível. E o porquê disso é o fato das

futuros, no máximo, podem descrever o que já foi feito. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes
obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 167.
350
Ravi Peixoto sintetiza o pensamento adotado aqui ao dizer que “A delimitação da ratio decidendi será
realizada pelos julgados posteriores, atuando aquele julgado original como um parâmetro inicial do texto a ser
interpretado. PEIXOTO, Ravi. Superação do Precedente e Segurança Jurídica. 2. ed. Salvador: JusPODIVM,
2016, p. 163.
351
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto - o precedente judicial e as súmulas vinculantes?
3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 65.
352
Streck e Abboud, após apresentarem essa característica que julgam comum nas súmulas, apresentam severas
críticas a uma visão mecânica no uso das súmulas (que é exatamente a que toma precedente como algo similar a
um texto legal). Para entender as críticas dos autores: Ibidem, p. 64-90.
353
Sobre isso, o mencionado autor diz que “[...] para a aplicação dos precedentes, os fatos não podem ser
ignorados, situação que ocorreria pela autonomia interpretativa do texto da súmula”. PEIXOTO, Ravi.
Superação do Precedente e Segurança Jurídica. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 139.
98

súmulas advirem de situações concretas (casos anteriores que foram julgados), fazendo com
que haja uma imersão desse contexto para o devido entendimento do que aquele enunciado
representa354.
O raciocínio é uma sequência natural da já explicada diferença entre a norma
contida nos precedentes e a norma presente nas proposições legislativas. Como dito no tópico
3.3, o precedente surge a partir de situações concretas e a resposta existente no caso advém da
intenção de melhor solucionar aquilo que foi apresentado. O legislador, todavia, mesmo que
tenha uma situação que motivou o surgimento da lei355, trabalha tentando vislumbrar o
máximo de situações possíveis dentro da previsão legislada. Sendo a súmula decorrência da
jurisprudência majoritária e sendo esta formada pela utilização reiterada de um precedente em
várias decisões, a conclusão é que a súmula não pode destoar daquilo que lhe dá suporte, que
são os precedentes356. Nesse sentido, a Lei nº 13.105/15 afirma no art. 926, § 2º que “ao editar
enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes
que motivaram sua criação” e, ainda, o Fórum Permanente de Processualistas Civis destacou
por meio do enunciado nº 166 que “a aplicação dos enunciados das súmulas deve ser realizada
a partir dos precedentes que os formaram e dos que os aplicaram posteriormente”.
Outra questão a ser destaca é a seguinte: somente se utilizam súmulas porque os
precedentes não são vistos no Brasil como vinculantes, mas meramente persuasivos e, por
isso, somente é conferida relevância a entendimentos refletidos em uma jurisprudência

354
Hermes Zaneti Jr., apesar de realizar diferenciações quanto aos precedentes que não se concorda neste estudo
(conforme exposto no tópico 3.4), elucida corretamente que “a aplicação será obtida da razão de decidir, e não
só pelo enunciado da súmula, que serve apenas como guia e fórmula sintética, jamais como regra abstrata, até
porque, na sua formação, tem como premissa casos concretos, dos quais não se pode distanciar sem perder
substâncias” (grifos no original). ZANETI JR, Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos
precedentes normativos formalmente vinculantes. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 188.
355
Há diversas leis que surgem após casos midiáticos, numa verdadeira tarefa “simbólica” do legislador, o qual
tenta dar uma “resposta” a injustiça cometida, como o caso da Lei 12.737/2012 que tipifica crimes informáticos,
sendo decorrência dos vazamentos de fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann, bem como a Lei 8.930/1994
que alterou o rol de crimes hediondos para incluir - corretamente, ressalta-se - o homicídio qualificado, a qual
derivou do homicídio da também atriz Daniella Perez em 1992. Apesar disso, os frutos desse sentimentalismo na
feitura da lei podem ser graves. Não se critica a motivação sentimental em si dos legisladores, pois os
sentimentos compõem o homem e são cruciais para que continuemos vivendo em sociedade - é só pensar que são
muitas vezes são motivações sentimentais que fazem com que as pessoas ajudem outras e se importem com o
sofrimento alheio -. O que se evidencia aqui é que, por mais que de início o legislador seja motivado por algum
caso concreto, no momento em que as discussões são iniciadas para a confecção da lei é preciso realizar um
exercício de imaginação para sair somente daquele caso inicial e ir para outros, de forma que não se cometa
novas injustiças por má previsões legais que deixem de fora situações que, invariavelmente, deveriam receber o
mesmo tratamento, ou de modo mais popular, deve-se evitar que a lei se torne um “tiro no próprio pé”.
356
Em sentido semelhante: LADEIRA, Aline Hadad; BAHIA, Alexandre Melo Franco. O precedente judicial em
paralelo à súmula vinculante: pela (re) introdução da facticidade ao mundo jurídico. Revista de processo. v.
234, 2014, p. 277.
99

majoritária357. Discorda-se disto, visto que se acredita que da técnica sumular é possível tirar
proveitos mesmo se o Brasil passar a respeitar os precedentes de forma mais séria, ou melhor,
mesmo que lhes garantam o que a lei tenta impor: integridade, coerência e estabilidade.
Na realidade, o que a súmula faz é resumir aquela grande quantidade de julgados
de forma a facilitar o entendimento sobre a ratio decidendi das decisões que formam uma
linha de precedentes no mesmo sentido, ou melhor, representam a aceitação sistêmica do
precedente replicado358. Utilizando de uma analogia, pode-se pensar em uma súmula como
um trailer, enquanto a linha de precedentes formariam o filme.
Para compreender como as súmulas podem ter um espaço no sistema jurídico, é
preciso entender que o ser humano trabalha com simplificações. A clarificação para
compreender esse processo de simplificação humana é transcrita aqui:
Simplificar a realidade para tornar possível sua compreensão não é errado. Aliás, é
necessário, e mesmo inafastável, dadas as limitações da cognição humana [...].
Quando se alude à simplificação, e se apontam as deficiências que dela decorrem,
não se pretende afastá-la, o que seria impossível, mas a partir da constatação de
suas falhas, procurar de algum modo minimizá-las. [...] Há duas consequências
importantes no reconhecimento da maior abundância e complexidade do real,
diante da simplificada imagem que se faz dele. A primeira, subjacente ao próprio
raciocínio falibilista [...], diz respeito à provisoriedade e à incompletude do
conhecimento, que deve sempre manter-se aberto à crítica e à possibilidade de se
apontarem erros. A segunda, mais sutil, [...] consiste na constatação de que o todo é
maior do que a soma das partes, pelo que, [...] é preciso estudar também o todo, ou
as relações que se estabelecem entre as várias partes e o resultado delas
decorrentes, algo que o estudo departamentalizado de cada uma delas não
permite.359

O trecho não é direcionado aos precedentes e às súmulas, mas é perfeitamente


aplicável. De início, porque, como defendido aqui, a principal vantagem da súmula é a de
funcionar como uma espécie de “trailer” do precedente consolidado, ou seja, ela é uma
simplificação e, por ser assim, não pode ser compreendida como uma manifestação suficiente
para a melhor compreensão daquilo que ela retrata, ou seja, de certo modo “o ‘precedente’
não cabe na súmula” (grifos no original)360. Relembra-se que ao tratar do que seria a ratio
decidendi (tópico 3.3), explicou que até mesmo o precedente é, muitas vezes, simplificado

357
Nesse sentido: MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 113. ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis
Girão de Castro. Precedente judicial no novo Código de Processo Civil: tensão entre segurança e dinâmica do
direito. Curitiba: Juruá, 2015, p. 41.
358
Streck e Abboud, por exemplo, mesmo realizando uma série de considerações sobre problemas nas súmulas -
os autores tratam da súmula vinculante, mas acredita-se que as críticas acabam por ser estendidas, em grande
parte, para quaisquer súmulas -, dizem que estas podem auxiliar uma cultura jurídica de respeito a integridade do
direito, além delas servirem como uma espécie de “selo jurídico” de uma conquista hermenêutica. STRECK,
Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. op. cit. p. 72.
359
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. O direito e sua ciência: uma introdução à epistemologia jurídica.
São Paulo: Malheiros, 2016, p. 75.
360
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. op. cit. p. 85.
100

numa estrutura similar à de uma regra para facilitar seu manuseio, mas que isso não significa
que tal estrutura é suficiente para sua utilização, funcionando somente como uma forma de
aclarar os principais pontos a serem utilizados.
No trecho citado é dito que por ser uma simplificação é preciso que haja uma
imperiosa submissão do conhecimento à crítica, guardando as características de
provisoriedade e de incompletude. Assim deve-se ver os precedentes e, consequentemente, as
súmulas. Ambos não ficam congelados no tempo, submetendo-se, ao contrário, a novos
estímulos que fazem com que os juristas passem a realizar novas interpretações sobre o
ordenamento jurídico e os fatos concretos, ocasionando modificações nos entendimentos
antigos. Mesmo a súmula mantendo a sua estrutura textual intacta, o seu conteúdo será
alterado pelos precedentes vindouros361.
Conexo a isso há o fato de que sendo a súmula um “trailer” do “filme” que é o
conjunto de decisões que tratam a situação de forma similar, não há como entendê-la somente
com olhos em uma única decisão. No caso, é claro que o precedente original (aquele que
primeiro expõe um dado entendimento que será reproduzido por outros julgadores) tem uma
vital importância, mas algumas mudanças podem surgir com a avaliação de outros casos,
aprimorando-se a ratio, sem, contudo, distorcê-la ou superá-la. Por isso é importante a análise
de como está sendo utilizada a ratio decidendi no momento em que se julga.
Ressalva-se algo muito importante e que não se pode confundir: não é plausível,
principalmente no cenário do Judiciário nacional, exigir que os juízes analisem sempre todas
as decisões. O que se deseja é que a interpretação do texto da súmula não se dê de forma
descontextualizada com os precedentes que a formaram, bem como que exista uma contínua
observância de como os precedentes, ou mesmo a própria súmula, estão sendo utilizados nas
decisões atuais devido à dinâmica natural do Judiciário.
Por fim, antes de se apresentar um exemplo sobre como uma súmula pode ser
adotada, relembra-se que, como texto que é, as súmulas dependem de interpretação para seu
correto dimensionamento como uma resposta a casos futuros. Gustavo Marinho de Carvalho
diz que a redação de uma súmula deve ser “detalhada e precisa, para diminuir as discussões
acerca da interpretação e aplicação de determinada norma jurídica” 362 e, portanto, segundo o
autor, evitando-se que se corram os mesmos riscos que existem na aplicação da lei, “qual seja:

361
Do mesmo modo: “Muito embora o texto da súmula se mantenha o mesmo, o seu âmbito de aplicação pode
ser modificado com o passar do tempo, mediante a evolução do direito e dos julgados que a aplicam.”.
PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 139.
362
CARVALHO, Gustavo Marinho de. Precedentes Administrativos no Direito Brasileiro. São Paulo:
Contracorrente, 2015, p. 108.
101

interpretações destoantes”363. Ao mesmo tempo que há uma parte correta, esse entendimento
revela-se um tanto quanto equivocado.
De fato, deve-se tentar ser o mais preciso possível no aspecto linguístico,
evitando-se textos deveras ambíguos ou, ainda, atécnicos. Também é preciso que haja o
máximo de fidedignidade aos precedentes arcabouços do enunciado sumulado. Apesar disso,
não é possível acreditar que, diferentemente do enunciado legislativo, a súmula poderá ser
precisa ao ponto de elucubrar a perfeita enunciação por meio do texto, exaurindo as dúvidas
do intérprete. Na verdade, a mesma aptidão de ser claro que o texto legislativo tem, também
reside no texto da súmula, afinal se está trabalhando com as mesmas palavras de uma
língua364.
Talvez o “bônus” do texto da súmula é que ele tem um parâmetro mais claro, qual
seja, as decisões que lhe dão suporte, além do fato da súmula ter que “somente” – coloca-se
entre aspas, pois não é uma tarefa fácil – reproduzir a ratio decidendi anteriormente
elaborada. Mesmo assim, isso não elide as dificuldades de interpretação desse texto, pois,
quando confrontados com as situações posteriores, nem sempre será fácil para o intérprete
saber se é possível utilizar o mesmo raciocínio jurídico.
Para visualizar um pouco do que se disse até aqui, apresenta-se o caso da Súmula
nº 113 do Supremo Tribunal Federal365. Essa súmula tem a seguinte redação: “O imposto de
transmissão ‘causa mortis’ é calculado sobre o valor dos bens na data da avaliação”. Primeiro
se explica o contexto jurídico discutido.
O ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) é um imposto de
competência estadual, conforme previsto no art. 155, I da Constituição Federal, pelo qual se
tributa a transmissão, a qualquer título, de bens ou direitos sobre estes366. No caso específico
do evento morte como causa de transmissão, é sabido que esta ocorre no momento exato da

363
Ibidem. p. 109.
364
Sobre o entendimento de um texto e as dificuldades decorrentes, Streck e Abboud chegam a uma conclusão
que, apesar de ser um pouco apavorante, também tem uma relevância libertatória para aqueles que tentam
alcançar um método perfeito de compreensão dos sentidos textuais: “não teremos jamais um ‘método’ seguro
para aplicação de qualquer súmula ou lei.” (grifos no original). Apesar disso, os mesmos autores dizem que
“seguindo esse ‘mínimo é’ da súmula, cada futura aplicação terá que desvendar o DNA das aplicações anteriores
[...]”. Desse modo, pode-se dizer que o texto nos confere alguns “mínimos” para que consigamos realizar uma
interpretação que goze de certa aceitabilidade. STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. op. cit. p. 89.
365
O conhecimento deste caso, bem como o raciocínio apresentado é decorrência das lições aprendidas em sala
de aula pelo professor Carlos César Sousa Cintra da Universidade Federal do Ceará.
366
O Código Tributário Nacional, no art. 35, estabelece os fatos geradores do imposto ao dizer: “O imposto, de
competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato
gerador: I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou
por acessão física, como definidos na lei civil; II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre
imóveis, exceto os direitos reais de garantia; III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos
incisos I e II.”
102

morte (real ou presumida). Em outras palavras, a transmissão de bens e direitos se faz a partir
da morte, momento que se considera aberta a sucessão do de cujus. Essa é a disposição
contida no art. 1.784 do Código Civil de 2002 (“aberta a sucessão, a herança transmite-se,
desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”).
Com isso, aquele que recebe os bens terá que pagar o mencionado imposto,
contudo, apesar da transmissão já ter ocorrido de direito, é preciso uma procedimentalização
para cumprir a efetiva transmissão, a qual é feita por meio do processo de inventário. Tanto
que o art. 1.791, caput e parágrafo único do CC/02, expressam que “a herança defere-se como
um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros” e “até a partilha, o direito dos co-
herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas
normas relativas ao condomínio”. Isso denota que, num primeiro momento, existe uma
formação de um condomínio devido à união de direitos e deveres do morto (a herança), o que
forma o espólio – conjunto de ativos e passivos do de cujus que não tem personalidade
jurídica. Reiterando o explicado até aqui, reproduz-se o ensinamento de Hugo de Brito
Machado:
A morte opera automaticamente a transmissão da propriedade de todos os bens que a
pessoa natural possui. Seja por força da lei, simplesmente, seja por força de ato de
última vontade do autor da herança. A formalização dessa transmissão de
propriedade ordinariamente ocorre mediante o processo de inventário, e no âmbito
deste o imposto é lançado pela autoridade competente e pago pelos interessados.367

O problema surgia exatamente devido este lapso temporal para a formalização da


transmissão. O Supremo reconhecia que a transmissão se dava com a morte – veja pelo teor
da Súmula nº 112368 –, mas mesmo assim afirmou, à época, que o cálculo do imposto deveria
ser feito com base no valor apurado no momento da avaliação. Salienta-se que a avaliação é
realizada por laudo emitido pela Receita Estadual, ou pela Procuradoria Geral do Estado,
somente após a conclusão do inventário.
Decorrente do período entre a morte e a avaliação, constata-se oscilações nos
preços atribuídos aos bens (é só imaginar que existem inventários que perduram por 15, 20
anos), o que altera a base de cálculo do imposto e, como resultado, pode haver mudanças na
quantia devida ao Fisco Estadual. Pergunta-se: se a transmissão é realizada com a morte e o
imposto se concretiza com a efetiva transmissão, por que o STF estabeleceu esse
posicionamento? A resposta somente é entendida pelas razões dos julgados, percebidas no
contexto histórico inserido. Observe a seguinte ementa:

367
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 378.
368
O imposto de transmissão causa mortis é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão.
103

Não houve divergência com o verbete 113, da Súmula deste Colendo Tribunal. Este
verbete é anterior (1962) à lei de correção monetária (1964). Assim, o
inadimplemento do contribuinte, sem causa justa, depois do advento daquela, seria
apenada pela correção monetária, incidente sobre o valor do tributo não pago na data
exigida. A Súmula, com o seu verbete, corrigia distorção prejudicial ao fisco. Não se
corrigindo o débito, em virtude do processo inflacionário, não interessava ao
contribuinte pagar à Fazenda o que por lei lhe era exigido. Valeria mais especular
com o dinheiro até o último momento de satisfazer sua obrigação fiscal. Com o
advento da lei de correção monetária, essa distorção foi amplamente contornada,
pois, em qualquer tempo que o contribuinte comparecesse à repartição para pagar
qualquer tributo, este passou a ser exigido com o valor corrigido até a data. Dessarte,
'in casu', tanto importaria ao fisco que o imposto de transmissão 'causa mortis' fosse
pago sobre o valor venal do imóvel à data do óbito como muito tempo depois, já que
a correção monetária incidiria sobre o resultado da alíquota do tributo aplicada em
relação ao valor venal do imóvel. De sorte que não faria diferença, se o imposto se
calculasse tendo por base o valor da avaliação.369

Como se percebe, o motivo do entendimento se deu com um cenário de


inexistência de lei que previsse uma correção monetária. Após o surgimento da lei, perdeu
sentido o entendimento e, por isso, a súmula não tem mais aplicação, apesar de não está
formalmente revogada. Atualmente, o valor é aquele que o bem possuía no momento da morte
do proprietário, corrigido monetariamente até a data da avaliação.
Por derradeiro, o exemplo serviu para apresentar uma situação que, se tida como
uma regra legislativa (ou seja, por ser “vigente” deve ser aplicada), levaria a uma distorção da
razão de existência da súmula.
Por todo o exposto, conclui-se que, apesar de a súmula não ser o ponto cabal da
discussão de forma a garantir o término sobre divergências no Direito, ela emerge como um
instrumento de auxílio na utilização dos precedentes. Por elas há uma facilitação, em parte, do
trabalho dos juristas e, principalmente, servirá como fórmula reveladora da aceitação de um
precedente dentro do Judiciário, mostrando que ele é um parâmetro seguro para futuras
resoluções.

4.3 Ementa

O uso de ementas talvez seja o meio que mais se tenta, do modo brasileiro,
aproximar-se de um respeito às decisões anteriores. Muitas são as deficiências nesse uso,

369
RE 97530, Relator Ministro Alfredo Buzaid, Primeira Turma, julgamento em 15.10.1982, DJe de 19.11.1982.
No mesmo sentido: “A Súmula 113 (1962) é anterior à Lei da Correção Monetária (1964), pelo que o objetivo a
que ela visava, de evitar distorções prejudiciais ao Fisco, se encontra atendido com a aplicação da correção
monetária. É que, antes, não interessava ao contribuinte pagar à Fazenda, prontamente, o imposto que era
devido, mas com a correção monetária a distorção foi evitada” (RE 98589, Relator Ministro Aldir Passarinho,
Segunda Turma, julgamento em 23.9.1983, DJe de 11.11.1983)
104

conforme será explicado. Como nos tópicos anteriores, comecemos pela conceituação.
A ementa, de forma sintética, é um resumo de um julgado, no qual são relatados
os pontos que foram debatidos, o raciocínio utilizado e as resoluções dadas 370. Para
compreender a ementa é importante saber o motivo de sua existência. A origem da sua
utilização no Supremo Tribunal Federal, por volta dos anos de 1960, tinha relação com a
dificuldade de acesso às decisões e, por isso, a ementa do acórdão, sendo um resumo mais
organizado do julgado, facilitava a procura dos juristas371.
Com isso, percebe-se duas características da ementa: ela é um resumo e também é
feita de forma a catalogar as decisões de forma mais simples, viabilizando um acesso mais
rápido ao que foi decidido. Destarte, parcela do que foi dito sobre a súmula também vale para
a ementa.
Primeiro, ela é uma simplificação da realidade. Sendo assim, a produção da
ementa recai em dois problemas que qualquer pessoa que tente resumir terá, quais sejam, não
conseguirá explicar todo o raciocínio existente daquilo que tenta resumir, até porque o
propósito de um resumo é condensar as informações e, principalmente, quando a atividade de
resumir é feita por terceiro, já existe ato interpretativo, pois é delimitado aquilo que o
intérprete acredita mais importante, sendo o produto final sempre diferente do originário.
Essas duas situações têm reflexos na utilização das ementas. De início, porque se
a ementa for mal elaborada ou, pior, tentar “maquiar” as razões da decisão, invariavelmente se
utilizará no futuro de razões que não correspondem com a resposta dada. Conectado a isto
está o fato que, como articulado no tópico 3.3, as razões para serem bem compreendidas
devem sempre estar atreladas aos fatos substanciais (aqueles mais importantes para a
resolução, normalmente percebidos a partir das alegações das partes no decorrer do processo e
que o juiz se debruça ao analisar as provas) e as respostas dadas no processo (as quais
guardam conexão direta com os pedidos e as causas de pedir)372. Exatamente por esta

370
PEIXOTO, Ravi. op.cit. p. 140. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no
constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 129.
371
LUCCA, Rodrigo Ramina de. O Dever de Motivação das Decisões Judiciais: Estado de Direito, segurança
jurídica e teoria dos precedentes. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 312-313. RAMIRES, Maurício. Crítica
à aplicação de precedentes no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 49. Guimarães,
citando C.A. Atienza, sintetiza a função da ementa ao dizer: “A ementa deve facilitar o trabalho de pesquisa
quando da procura ou busca da informação, possibilitando, também, o conhecimento do assunto que está sendo
objeto de pronunciamento judicial, dando uma idéia geral do que o documento contém”. GUIMARÃES, José
Augusto Chaves. Elaboração de ementas jurisprudenciais: elementos jurídicos-metodológicos. Brasília:
Conselho da Justiça Federal, 2004, p. 60.
372
Mitidiero, por exemplo, evidencia a óbvia formação conjunta da decisão: “Os casos formam-se em juízo a
partir das manifestações de vontade e das declarações de conhecimento das partes. O autor tem o ônus de alegar
na petição inicial a sua causa de pedir (art. 319, III, do CPC) e o réu tem o ônus de alegar na contestação toda a
105

exigência é que se torna perigoso o uso de ementas diretamente.


O segundo ponto que foi dito nas súmulas e é aplicável aqui é a visão descritiva
da ratio decidendi, isto é, aquele que julga já estabelece quais os principais pontos do julgado,
o que conduziria a uma vinculação mais restrita ao enunciado. Alguns autores mencionam que
por meio da ementa se evidencia a ratio decidendi – o que também cabe de similar forma para
a súmula, para os que entendem assim373.
Explica-se os perigos de utilizar ementas de forma simplória e achar que é
equivalente a utilizar a fundamentação da decisão precedente. De início cabe transcrever o
seguinte trecho de autoria de Michele Taruffo:
Somente ocasionalmente, e em casos importantes, os são precedentes discutidos
minuciosamente. Em vez disso, a prática prevalecente na Itália, na Espanha, na
Noruega, na Suécia, na Alemanha, na Polônia e nos tribunais da Comunidade
Europeia parece ser apenas de citação de um precedente ou uma lista de precedentes
como material de reforço, sem considerá-los individual e analiticamente. Não
raramente, os precedentes são citados somente como meros exemplos, sem que se
desenvolva qualquer argumento real baseado neles. A decisão é apresentada como
implicitamente sustentada pela simples citação de precedentes, com fórmulas como
“no mesmo sentido ver também ...".374

A citação tem como objetivo demonstrar que, na realidade, não somente o Brasil,
mas outros países da tradição do civil law, utilizam-se dos precedentes por artifícios
parecidos, preferindo-se adotar a ementa (ou o equivalente estrangeiro375) como um texto do
qual é extraído, por um modelo exegético, a solução do caso 376. Em outras palavras, torna-se
suficiente a mera citação do caso pela crença que o texto de uma ementa “falaria” por si só,

sua defesa devidamente pormenorizada (arts. 336 e 341 do CPC)” (grifos no original). MITIDIERO, Daniel.
Precedentes: da persuasão à vinculação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 100.
373
Como exemplos: LUCCA, Rodrigo Ramina de. op. cit. p. 313. ZANETI JR, Hermes. Precedentes (treat like
cases alike) e o novo Código de Processo Civil; universalização e vinculação horizontal como critérios de
racionalidade e a negação da" jurisprudência persuasiva" como base para uma teoria e dogmática dos
precedentes no Brasil. Revista de Processo, vol. 235, p. 293-349, set. 2014, p. 18.
374
No original: “Only occasionally and in important cases are precedents thoroughly discussed. Instead, the
prevailing practice in Italy, Spain, Norway, Sweden, Germany, Poland and in EC courts seems to be one of
merely quoting a precedent or a list of precedents as supporting materials, without considering them individually
and analytically. Not infrequently, precedents are quoted just as examples without developing any real argument
based upon them. The decision is presented as implicitly supported by the bare quotation of precedents, with
formulas such as 'in the same sense see also…’”. TARUFFO, Michele. Institutional Factors Influencing
Precedents. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L. Interpreting
precedents: a comparative study. Great Britain: Aushgate Publishing Limited, 1997, p. 455.
375
Taruffo e Torre explicam que na Itália há um instituto que se assemelha a algo intermediário entre a súmula e
a ementa brasileira, pois tem uma forma de redação que lembra mais aquela, contudo é elaborada a partir de um
julgado como esta. Nos dizeres do autor italiano: “The massima is extracted from the opinion included in the
judgment; it concerns every general statement of law that may be found in the opinion”. Em tradução livre: “A
massima é extraída do dispositivo incluída no julgamento; Ele diz respeito a todas as declarações gerais de
direito que podem ser encontradas na decisão”. TARUFFO, Michele; TORRE, Massimo La. Precedent in Italy.
In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L. op. cit. p. 148.
376
PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 141.
106

como se o texto por si só tivesse um sentido inato que não tenha relação com o intérprete377.
Já tivemos a oportunidade de salientar no início deste trabalho (tópico 2.1) que
tanto o civil law como o common law são famílias jurídicas marcadas, cada uma, por serem
compostas por diversos sistemas jurídicos que possuem semelhantes características principais.
Apesar disso, a compreensão de como esses elementos uniformizantes surgiram nos sistemas
diversos, de modo a ser possível identificar traços os partilhados, somente é possível se visto
que tais elementos são respostas institucionais (jurídicas) sobre problemas comuns, os quais
foram respondidos a partir de contextos sociais com particularidades que afastam ou atraem as
mesmas soluções.
De modo mais simples, tanto países atualmente identificados como de uma
tradição continental (civil law) como aqueles de tradição insular (common law) somente são
reunidos em grupos semelhantes porque, decorrente de seus similares estímulos sociais,
desenvolveram um direito positivado sobre bases similares.
No caso do civil law, o apego à lei e a uma interpretação mais literalista, como
técnicas decorrentes do racionalismo iluminista, é fruto, em grande medida, de uma tentativa
de entraves aos arbítrios de uma comunidade de juízes apoiadores de uma minoria elitista.
Destarte, foi visto na lei a oportunidade de, por meio da representação popular majoritária,
alcançar padrões sociais mais corretos, os quais, para tanto, teriam que ser claros, evitando
dos juízes trabalhos hermenêuticos complexos que lhes permitissem fazer arbitrariedades e
subjetivismos378.
As consequências disso são sentidas ainda na atualidade. Os juristas, com a
intensificação de contatos com outras culturas jurídicas, estão realizando um grande
intercâmbio de ideias. Os brasileiros não fogem da regra e se aproximam de outras correntes
de pensamentos, como é o caso da doutrina dos precedentes judiciais. Ao se utilizar dessas
concepções estrangeiras, todavia, e naturalmente, são realizadas adaptações para a realidade
nacional de forma a tentar solucionar mais adequadamente os problemas aqui existentes.
Nisto não há problema algum, não é preciso incorporar “ipsis litteris” as teorias de outras
nações. Pode-se muito bem trabalhar com uma base extraída daquela e produzir algo inovador

377
Sobre essa relação sujeito-objeto, com base na filosofia hermenêutica de Gadamer, Streck explica que “ao
vislumbrar o texto, já há um ter-prévio, um ver-prévio e um pré-conceito [...]”. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e
consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 292. Apesar da
não aderência aos pensamentos de Gadamer, a explicação é importante para revelar que o texto é compreendido
a partir dos conhecimentos prévios do intérprete, ou seja, sempre haverá interpretação e está vai variar de acordo
com alguns limites que o sujeito tem.
378
Pela clareza, indica-se a leitura do seguinte trecho da obra de Juraci Mourão Lopes Filho: LOPES FILHO,
Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador:
JusPODIVM, 2016, p. 36-41.
107

que seja mais eficiente para as necessidades locais. O problema está em distorções tão ríspidas
que os elementos próprios que fomentaram a tentativa de internalização daquele pensamento
sejam todos dispersos em adaptações “desfiguralizantes”. A emenda em algumas situações
parece refletir isso se comparada com os precedentes.
Como dito, a ideia da emenda é facilitar o trabalho jurídico, dando um acesso
mais rápido e claro sobre o conteúdo principal da decisão. Os problemas da ementa estão
relacionados a sua criação, mas também são ligados a uma ordem prática ao serem aplicadas.
No primeiro momento, o problema reside na possibilidade de conflito entre o julgado e a
ementa que o deve refletir. Um exemplo é a enunciação do entendimento sobre o Direito de
modo totalmente desconectado aos fatos que levaram o juiz a adotar aquela decisão379. Além
disso, a ementa pode “conter tema que não fez sequer parte da ratio decidendi da decisão
invocada”380. O segundo momento é aquele construído em torno da aplicação dessa ementa.
Mesmo que seja muito bem elaborada – como ocorre em alguns casos – o perigo decorre
daquele que a deseja utilizar como uma norma clara extraída do texto que permite uma
aplicação simplista381.
Esse segundo ponto pode ser visto na utilização tanto daqueles que peticionam
quanto daqueles que julgam. Observe o que explica Mitidiero:
[...] Invocando precedente ou jurisprudência vinculante, autor e réu têm o ônus de
particularizar os casos invocados, mostrando analiticamente as semelhanças
relevantes, não bastando a simples transcrição de ementas ou trechos pinçados
aleatoriamente da fundamentação dos julgados. O mesmo vale obviamente para os
recursos. Sendo o processo uma comunidade de trabalho pautada pela colaboração,
pode o juiz inclusive determinar o esclarecimento e a indicação precisa das razões
pelas quais as partes invocam o precedente ou a jurisprudência vinculante (arts. 6.º,
7.º e 321 do CPC).382 (grifos no original)

A Lei nº 13.105/15, como será detalhado posteriormente, no art. 489, § 1º, V é


clara em dizer que não é fundamentada a decisão que “se limitar a invocar precedente ou
enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o

379
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010, p. 49-50.
380
PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 141.
381
Leonard Ziesemer Schmitz ao tratar das ementas entendidas como algo semelhantes aos precedentes nos
sistemas de stare decisis, isto é, como suficiente para resolução do caso, menciona o seguinte: “Acreditar, como
se tem acreditado no Brasil, que a ementa de decisão jurídica pode conter em si mesma as soluções para casos
futuros é, no mínimo, uma ingenuidade, pois isso equivale a dizer que o julgador poderia abrir mão do raciocínio
jurídico, utilizando o discurso previamente fabricado para justificar sua decisão”. SCHMITZ, Leonard Ziesemer.
Compreendendo os “precedentes” no Brasil: fundamentação de decisões com base em outras decisões. Revista
de Processo. v. 226, p. 349-382, 2013, p. 6 da versão digital. Disponível em: <
https://www.academia.edu/6569850/Compreendendo_os_precedentes_no_brasil_Fundamenta%C3%A7%C3%A
3o_de_decis%C3%B5es_com_base_em_outras_decis%C3%B5es>. Acesso em: 12 ago. 2017.
382
MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017,
p. 100.
108

caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos”, ou seja, não basta escrever na decisão
que “há expressa decisão de Corte superior em sentido contrário, por isso decido contra a
parte”383. É necessário explicitar o porquê que o raciocínio jurídico do julgado mencionado é
aplicável ao caso em julgamento por meio de um trabalho argumentativo, evidenciando a
relação com os fatos, pedidos e causa de pedir do caso anterior.
Sabe-se que há casos em que a percepção de contrariedade ao entendimento
pacificado é evidente. Muitas vezes são suscitados argumentos já enfrentados
384
anteriormente , não sendo apresentada nenhuma peculiaridade para explicar por que a causa
seria distinta ou por que é preciso superar o entendimento. O que se crítica é uma decisão
“afundamentada” que reflete um juiz “boca de ementa/súmula”.
Outro dispositivo do § 1º do art. 489 do CPC, enuncia que não é considerada
fundamentada a decisão que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo
capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”385. O que há aqui é a
exigência do contraditório substancial, o qual se manifesta no direito da parte poder influir na
convicção do julgador386. Nesse sentido, explica Didier Jr. que:
Não adianta permitir que a parte simplesmente participe do processo. [...] É
necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder
influenciar a decisão do órgão jurisdicional. Se não for conferida a possibilidade de a
parte influenciar a decisão do órgão jurisdicional - e isso é o poder de influência, de
interferir com argumentos, ideias, alegando fatos, a garantia do contraditório estará

383
Essa decisão genérica também poderia ser fulminada com base no mesmo artigo, em virtude do III, o qual
prescreve também que não é fundamentada a decisão que “invocar motivos que se prestariam a justificar
qualquer outra decisão”. Parece fácil perceber que a fórmula “já há entendimento nesse sentido e por isso decido
assim” serve para todos os casos que haja decisão em um dado sentido e, como o Brasil é prolífico em decisões
com razões oposta sobre um mesmo caso e que não dialogam entre si, há uma grande facilidade de fundamentar
no que se quer, ou como dito por Ramires, existem precedentes “[...] adaptáveis a todas as ‘necessidades’”.
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010, p. 45.
384
Como já exposto anteriormente, o Fórum Permanente de Processualistas Civis firmou o seguinte
entendimento no enunciado nº 524: “O art. 489, §1º, IV, não obriga o órgão julgador a enfrentar os fundamentos
jurídicos deduzidos no processo e já enfrentados na formação da decisão paradigma, sendo necessário
demonstrar a correlação fática e jurídica entre o caso concreto e aquele já apreciado”. Isso reflete que se a
situação sistêmica é a mesma não há como modificar a decisão, não sendo preciso rebater tal argumento.
Acrescenta-se que, na realidade, compreende-se que o julgador ainda terá que expor, mesmo que sucintamente,
as respostas contra aqueles argumentos da parte em prol do direito dessa sentir que houve alguma influência
sobre a percepção do magistrado sobre o caso.
385
Sobre o teor deste dispositivo, interessante o que diz Maurício Ramires (mesmo não estando tratando
explicitamente dessa exigência, pois seu livro é anterior ao CPC de 2015): “A aplicação desse ‘raciocínio
distorcido’ amiúde se dá da seguinte forma: o juiz escolhe ‘livremente’ (leia-se arbitrariamente) uma das
interpretações trazidas pelas partes, e a seguir a ‘confirma’ com uma rápida e simples busca em algum dos vários
repertórios eletrônicos de jurisprudência, selecionando julgados que convêm à tese (e que passam a constar da
decisão) e ignorando os que a infirmam (e que não são sequer mencionados).”. Essa escolha arbitrária é feita
com base em uma colheita de ementas “a favor” da tese. RAMIRES, Maurício. op. cit. p. 46.
386
No art. 369 do CPC/15 resta expresso, quanto a produção de provas, a importância da influência sobre a
decisão: “As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda
que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e
influir eficazmente na convicção do juiz.”.
109

ferida. É fundamental perceber isso: o contraditório não se efetiva apenas com a


ouvida da parte; exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de
influenciar no conteúdo da decisão.387 (sic)

Essa participação efetiva e que gera ao juiz, no mínimo, o dever de explicar


fundamentalmente por que não acatará uma alegação, reflete um processo com viés
democrático, pois as decisões judiciais devem “[...] ser construídas em conjunto com os
interessados no seu resultado; [...] para tanto, deve-se garantir a participação destes no
processo de resolução de questões que os atingem”388.
Apesar de tudo que foi explanado sobre as ementas, tem-se uma postura realista
ao entender que esta técnica ingressou no sistema jurídico brasileiro, de modo que uma
modificação no cenário para ocasionar o abandono no uso das ementas, se possível, será
muito distante. Portanto, para que não seja um elemento de discricionariedade, é preciso que:
(1) ao se elaborar a ementa se preocupe, ao máximo, em tentar explicar os argumentos
expostos pelas partes, o porquê alguns foram acolhidos e outros não, além de se destacar os
fatos litigiosos em questão, bem como os pedidos, para que ao fim possa expor a decisão; (2)
que essa explicação seja feita sem preocupação com o tamanho exato da ementa, ou seja,
tenta-se ser o mais sucinto possível com pensamento em ser o mais completo ao resumir; e (3)
se for utilizar ementas como parâmetro de julgamento, que se faça com observância das
peculiaridades do caso e com os argumentos apresentados, mostrando-se por que se julgará de
uma forma, e não de outra, mesmo que seja com base na ementa.

387
Didier Jr. chama essa possibilidade de influenciar de “dimensão substancial do contraditório”. DIDIER JR.,
Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de
conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPODIVM, 2015, v. 1, p. 79.
388
MOTTA, Francisco José Borges; RAMIRES, Maurício. O Novo Código de Processo Civil e a Decisão
Judicial Democrática: Como e Por Que Aplicar Aplicar os Precedentes com Coerência e Integridade? In:
STRECK, Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão (Orgs). Hermenêutica e
Jurisprudência No Novo Código de Processo Civil - Coerência e Integridade. São Paulo: Saraiva, 2017, p.
101. Nesse mesmo sentido é dito: “o princípio do contraditório é reflexo do princípio democrático na
estruturação do processo. Democracia é participação, e a participação no processo opera-se pela efetivação da
garantia do contraditório. O princípio do contraditório deve ser visto como exigência para o exercício
democrático de um poder.”. DIDIER JR., Fredie. op. cit. p. 78.
110

5 APLICAÇÃO DOS PRECEDENTES E OS CONTRIBUTOS DO NOVO CPC:


ANÁLISE CRÍTICA SOBRE AS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS

Já foi apresentado o conceito de precedente, bem como a ideia de ratio decidendi


como sendo a principal parte dele, como também as peculiaridades próprias dos precedentes e
suas diferentes formas de existirem no sistema jurídico a partir das classificações
apresentadas. Além disso, também se evidenciou como o Brasil utiliza os precedentes,
demonstrando alguns equívocos no uso de institutos semelhantes que enfraquecem um
sistema de precedentes normativos vinculantes. Chega-se, enfim, no momento de análise dos
diversos dispositivos legais da Lei nº 13.105/15, Código de Processo Civil. A escolha dos
dispositivos analisados com maiores afincos está intimamente relacionada com as
necessidades de mudanças na cultura brasileira de uso dos precedentes, como também com a
proposta dialogal, hermenêutica e argumentativa de precedentes que funda as bases desse
trabalho. Em resumo, a análise tenta demonstrar quais melhorias a nova lei pode proporcionar,
estabelecendo uma ligação entre a proposta de precedentes apresentada no capítulo 3 e os
problemas a pouco evidenciados.

5.1 O art. 926 do CPC e a exigência de estabilidade, integridade e coerência: o fim da


jurisprudência lotérica?

O dispositivo que deve ser a base do estudo do precedente no Brasil é o art. 926.
Este estabelece que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável,
íntegra e coerente”. Para a correta compreensão do que isso pode significar, tem que se ter em
mente que essa disposição é de autoria de Lenio Streck389. E por que isso é relevante?
Simples: Streck tomou como parâmetro a doutrina de Ronald Dworkin. Dado isso, neste
tópico será exposta um pouco do que o autor norte-americano propôs sobre coerência e,
principalmente, sobre integridade do Direito.
Apesar disso, ressalta-se que os resultados da proposta de Dworkin podem ser
obtidos por outros meios ou outros conceitos390, de forma que o mais importante não é utilizar

389
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto - o precedente judicial e as súmulas vinculantes?
3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 117.
390
Uma das maiores dificuldades de estudar Dworkin é o fato dele utilizar definições próprias para palavras já
utilizadas com outros significados, o que faz com que aquele que deseja entender mais intimamente o autor,
tenha que ler os livros dele e ainda autores que o explicam. Como exemplo dessa necessidade de entender
111

cabalmente os ensinamentos do mencionado autor, mas, sim, levar sua reflexão sobre Direito
a sério, de forma que haja mudanças nas formas conturbadas e degenerativas que se formam e
se utilizam os precedentes (e os institutos mencionados anteriormente).
De antemão, é preciso focar na menção inicial do dispositivo sobre o dever de
uniformizar a jurisprudência. O que está claro é um combate declarado às arbitrariedades
judiciais e aos provimentos desiguais a depender da turma, relator ou juiz que o processo for
distribuído.
O problema no uso dos precedentes, na realidade, perpassa por duas situações que
guardam contradição. De um lado, os juízes decidem sem observar aquilo que já foi feito (em
certos casos, a não observância é da razão prevista em decisão anterior do próprio juiz),
criando situações desiguais para demandas semelhantes, com problemas para os
jurisdicionados e para o entendimento sistêmico do Direito. Do outro lado estão os juízes que
veem precedentes como enunciados gerais que já resolveram os problemas, não somente do
caso julgado, mas também dos casos futuros, como se chegassem a um esgotamento das
questões a serem tratadas391.
Essas duas situações refletem, respectivamente, uma desintegração – ou
fragmentação – e uma hiperintegração do Direito392. No primeiro momento não é dada
importância à interpretação do Direito como um todo, analisando-o como se fosse feito de
partes isoladas, enquanto no segundo se quer analisar o Direito como se fosse um todo
unitário, esquecendo-se que é composto por partes que têm peculiaridades. De modo mais
simples pode-se dizer que as partes são ligadas para formar o todo, e o todo é composto por
diferentes partes393. Nesse momento se averígua o primeiro problema (“jurisprudência
lotérica”), deixando-se a hiperintegração para ser analisada no próximo tópico.
A utilização sem observância do precedente é algo muito danoso para o sistema
jurídico e, principalmente, para aquele que depende dele para ter seus direitos efetivados. As

conceitos próprio de Dworkin: MOTTA, Francisco José Borges. Ronald Dworkin e a construção de uma
teoria hermeneuticamente adequada da decisão judicial democrática. 291 f. Tese (Doutorado em Direito
Público) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2014. p. 17-94.
391
Em crítica a esse modo de ver precedentes: “o precedente não é uma regra abstrata, mas uma regra
intimamente ligada aos fatos que lhe deram origem, razão pela qual o conhecimento das razões da decisão é
imprescindível” SOARES, Guido Fernando Silva. Estudos de Direito Comparado (I) - O que é a "Common
Law", em particular, a dos EUA. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 92, 1997, p.
183.
392
A ideia de desintegração e hiperintegração é proposta por Laurence Tribe e Michael Dorf e são trabalhadas,
ligando-se a utilização dos precedentes, por Lopes Filho e Ramires, respectivamente, em: LOPES FILHO, Juraci
Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador:
JusPODIVM, 2016, p. 385-395. RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no Direito
Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 104-111.
393
TRIBE, Laurence; DORF, Michael. Hermenêutica Constitucional. Tradução de Amarílis de Souza Birchal.
Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 20.
112

jurisprudências aleatórias, que sofrem de uma certa bipolaridade argumentativa (julgadores


“mudam de ideia do nada”, sem exigências maiores do que a “liberdade de julgar”, como se o
Direito fosse composto somente pela mera vontade daquele que julga), estão cada vez mais
sendo rechaçadas. Um tratamento jurídico dos precedentes dessa forma revela uma nítida não
observância da percepção do direito como algo sistêmico, posto que se julga como se a
igualdade e a coerência - dentre outros princípios - fossem normas de “enfeite” no sistema
jurídico.
Exatamente nesse contexto que se explica o que Dworkin quer com a integridade
no Direito. De início, salienta-se que Dworkin não limita a integridade ao momento
jurisdicional do direito, dando importância a ela também na formação deste pelo legislador,
pois vê um elo forte entre o trabalho político que forma os preceitos legislativos,
principalmente a Constituição – instrumento que enuncia os principais valores da sociedade –,
e o trabalho dos juristas posteriormente como intérpretes do que já foi produzido.394
O que Dworkin quer é com a integridade é uma uniformidade de tratamento entre
as situações (isto é, uma coerência). Mas vai além, vê na integridade, a partir da análise do
plano jurídico-político, uma garantia de harmonização entre três virtudes políticas, quais
sejam, justiça (decisões que respeitem a dignidade de todos), equidade (participação adequada
de todos) e devido processo legal (procedimento prévio para aplicação de sanções) 395. Essas
devem coexistir com a integridade396, pois:
A integridade torna-se um ideal político quando exigimos o mesmo do Estado ou da

394
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,
1999, p. 213.
395
Em resumo, cada um dos termos tem o seguinte significado: “Em política, a eqüidade é uma questão de
encontrar os procedimentos políticos - métodos para eleger dirigentes e tornar suas decisões sensíveis ao
eleitorado - que distribuem o poder político da maneira adequada. Em termos gerais, [...] a (sic) procedimentos e
práticas que atribuem a todos os cidadãos mais ou menos a mesma influência sobre as decisões que os governam.
A justiça, pelo contrário, se preocupa com as decisões que as instituições políticas consagradas devem tomar,
tenham ou não sido escolhidas com eqüidade. Se aceitamos a justiça como uma virtude política, queremos que
nossos legisladores e outras autoridades distribuam recursos materiais e protejam as liberdades civis de modo a
garantir um resultado moralmente justificável. O devido processo legal adjetivo diz respeito a procedimentos
corretos para julgar se algum cidadão infringiu as leis estabelecidas pelos procedimentos políticos; se o
aceitarmos como virtude, queremos que os tribunais e instituições análogas usem procedimentos de prova, de
descoberta e de revisão que proporcionem um justo grau de exatidão, e que, por outro lado, tratem as pessoas
acusadas de violação como devem ser tratadas as pessoas em tal situação.” Ibidem, p. 200-201.
396
“A integridade da concepção de eqüidade de uma comunidade exige que os princípios políticos necessários
para justificar a suposta autoridade da legislatura sejam plenamente aplicados ao se decidir o que significa uma
lei por ela sancionada. A integridade da concepção de justiça de uma comunidade exige que os princípios morais
necessários para justificar a substância das decisões de seu legislativo sejam reconhecidos pelo resto do direito. A
integridade de sua concepção de devido processo legal adjetivo insiste em que sejam totalmente obedecidos os
procedimentos previstos nos julgamentos e que se consideram alcançar o correto equilíbrio entre exatidão e
eficiência na aplicação de algum aspecto do direito, levando-se em conta as diferenças de tipo e grau de danos
morais que impõe um falso veredito. Essas diferentes exigências justificam o compromisso com a coerência de
princípio valorizada por si mesma. Sugerem aquilo que sustentarei: que a integridade, mais que qualquer
superstição de elegância, é a vida do direito tal qual o conhecemos”. Ibidem, p. 203.
113

comunidade considerados como agentes morais, quando insistimos em que o Estado


aja segundo um conjunto único e coerente de princípios mesmo quando seus
cidadãos estão divididos quanto à natureza exata dos princípios de justiça e eqüidade
corretos.397

Explica-se com maiores detalhes. Em uma sociedade qualquer, para que as


pessoas vivam de modo a se respeitar a dignidade de cada um é preciso que todos estejam
aptos a influenciar nas decisões coletivas. Em outras palavras, quando se trata de questões que
repercutem na coletividade, as quais podem gerar situações de coerção estatal sobre
liberdades individuais, é necessária uma legitimação dessas situações, o que é possível se
existente uma participação democrática.398
Dworkin admite que há sempre questões morais na elaboração do Direito (este
seria um ramo da moralidade política)399, de forma que, quando se tomam decisões políticas,
estão sendo formados princípios próprios da comunidade (ou do Estado, haja vista que este
deve representar os interesses da sociedade).
A ideia é próxima a uma personificação da comunidade a partir da comunhão
plural de valores, pelos quais se constroem as bases fundamentais dela400. Em outras palavras,
é pressuposto “[...] que a comunidade pode adotar, expressar e ser fiel ou infiel a princípios
próprios, diferentes daqueles de quaisquer de seus dirigentes ou cidadãos enquanto
indivíduos”401 e que estes princípios as governam - e não somente regras402.
O que se pode extrair disso – e é verdadeiramente relevante – é que o autor norte-

397
Ibidem, p. 202.
398
MOTTA, Francisco José Borges; RAMIRES, Maurício. O Novo Código de Processo Civil e a Decisão
Judicial Democrática: Como e Por Que Aplicar os Precedentes com Coerência e Integridade? In: STRECK,
Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão (Orgs). Hermenêutica e Jurisprudência no
Novo Código de Processo Civil - Coerência e Integridade. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 88-93.
399
A moralidade em Dworkin deve ser percebida como regras que coordenam os seres humanos nas suas
relações, ou seja, é um parâmetro de como os seres humanos devem tratar uns aos outros. Destarte, a moralidade
política, seria aquela que define as regras de comportamento de uma comunidade política, sendo que tais regras
serão organizadas em um Direito e fundadas em certos princípios. MOTTA, Francisco José Borges; RAMIRES,
Maurício. O Novo Código de Processo Civil e a Decisão Judicial Democrática: Como e Por Que Aplicar os
Precedentes com Coerência e Integridade? In: STRECK, Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George
Salomão (Orgs). op. cit. p. 99. Francisco Motta explica que Dworkin adotou uma visão interpretativista do
Direito, em contraposição ao positivismo: “O positivismo declara a completa independência entre Direito e
Moral. O Direito depende, nesta visão, da aceitação (costume e práticas) de uma determinada comunidade. Se
essa comunidade produz uma regra que passe pelo teste proposto pela comunidade (por exemplo, pelo
procedimento legislativo), então desimporta se é justa ou injusta: em todo o caso, será considerada Direito. Já o
interpretativismo argumento que o Direito inclui não só regras específicas criadas conforme as práticas aceitas
pela sociedade, mas também abrange os princípios que fornecem a melhor justificativa moral dessas regras
positivadas. Há regras, assim, que jamais foram formalmente promulgadas, mas que por decorrerem destes
princípios, são igualmente vinculantes.”. MOTTA, Francisco José Borges. op. cit. p. 31-32.
400
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,
1999, p. 204.
401
Ibidem, p. 208.
402
Ibidem, p. 256-258.
114

americano tenta demonstrar que um ordenamento jurídico não reflete a concepção de justo de
um só indivíduo. Na verdade, há consideração desta juntamente a outras, num contexto onde
há diversas relações morais que acabam por formar os princípios regentes do Estado403. Isso,
pois, “se é preciso chegar a um meio-termo porque as pessoas estão divididas sobre a justiça,
o acordo deve ser externo, não interno; é preciso chegar a um acordo sobre o sistema de
justiça a ser adotado, em vez de um sistema de justiça fundado em concessões”.404
Nesse ponto, faz-se uma pequena reflexão. Realmente não se deve impor uma
justiça pessoal (aquilo que se acha justo) por meio do ordenamento jurídico. Dworkin vai
dizer que devido a diferenças de concepções morais dos indivíduos de uma sociedade, a
solução conciliatória – aquela fundada em concessões de partes antagônicas – não representa
a melhor forma de escolher405. A proposta dworkiana se dá a partir de um sistema de valores
compostos por todos e que se diferencia daqueles individuais. Pode-se chamar de “bem maior
almejado por uma coletividade”. De forma simplista, essa seria a integridade em Dworkin406.
O que há para acrescentar? Já não se tem o melhor modo de alcançarmos as soluções corretas
a partir da consideração da opinião de todos, tomando-se um parâmetro que visualize a justiça
e a equidade como propõe Dworkin? A resposta é sim, mas há um pouco mais a se deixar
claro.
Observe que o Direito positivado é fruto direto da produção humana (é uma figura

403
Sobre o assunto das variadas concepções de como viver bem, explica Dworkin: “Cada um de nós defende um
ponto de vista pessoal, ambições e compromissos próprios que temos liberdade de perseguir, livres das
reivindicações dos outros por igual atenção, interesse e recursos. Insistimos em uma esfera de soberania moral
individual dentro da qual cada um pode preferir os interesses da família e dos amigos, dedicando-se a projetos
egoístas, ainda que grandiosos. Qualquer concepção de justiça no comportamento pessoal, qualquer teoria sobre
o modo como a pessoa justa se comporta com relação aos outros, limitará essa esfera de soberania pessoal, mas
nenhuma concepção aceitável à maioria de nós será capaz de eliminá-la por inteiro.”. Ibidem. p. 211.
404
Ibidem. p. 217-218.
405
Ibidem. p. 216-223.
406
Dworkin explica: “uma sociedade política que aceita a integridade como virtude política se transforma, desse
modo, em uma forma especial de comunidade, especial num sentido que promove sua autoridade moral para
assumir e mobilizar monopólio de força coercitiva. Este não é o único argumento em favor da integridade, ou a
única conseqüência de reconhecê-la que poderia ser valorizada pelos cidadãos. A integridade protege contra a
parcialidade, a fraude ou outras formas de corrupção oficial, por exemplo.[...] A integridade expande e aprofunda
o papel que os cidadãos podem desempenhar individualmente para desenvolver as normas públicas de sua
comunidade [...]. Se as pessoas entendessem a legislação formal apenas como uma questão de soluções
negociadas para problemas específicos, sem nenhum compromisso subjacente com nenhuma concepção pública
mais fundamental de justiça, elas estabeleceriam uma nítida distinção entre dois tipos de embate com seus
concidadãos: os que pertencem à esfera de alguma decisão política do passado e os que lhe são extrínsecos. A
integridade, pelo contrário, insiste em que cada cidadão deve aceitar as exigências que lhe são feitas e pode fazer
exigências aos outros, que compartilham e ampliam a dimensão moral de quaisquer decisões políticas explícitas.
A integridade, portanto, promove a união da vida moral e política dos cidadãos: pede ao bom cidadão, ao decidir
como tratar seu vizinho quando os interesses de ambos entram em conflito, que interprete a organização comum
da justiça à qual estão comprometidos em virtude da cidadania. Ibidem. p. 228-230.
115

institucional407) e, devido à imperfeição humana, tem-se casos diversos na história de violação


ao ser humano com base nas normas postas. Todo sistema jurídico, sendo composto de
normas, funda-se em certos valores – como dito anteriormente, junto com as normas há
valores que a sustentam. Desse modo, o principal esteio de um ordenamento que busque
regular a vida humana de forma justa – e não somente previsível, por exemplo – é o de
“estabelecer uma proporção mediante a qual todos possam ser tratados igualmente como
homens”408. Isso, pois, “o direito foi criado para o homem, que é fim e não meio. O princípio
da dignidade da pessoa humana [...] é pressuposto do conceito de Direito e a fonte de todos os
direitos, particularmente dos direitos fundamentais”409. A dignidade humana é um valor
apreendido de forma parcial e construtiva como todos os valores são. Sabe-se, que pela
própria imperfeição do ser humano, ele é incapaz de refletir um tratamento totalmente digno a
todos por meio do Direito. Apesar disso, sempre se almeja um aprimoramento do Direito para
que se alcance cada vez mais os ditames superiores que devem guiar o homem e que
transcendem ao entendimento410. Então, o que se quer acrescentar à excelente percepção de
Dworkin é que as decisões humanas não são suficientes em si para afirmarmos que algo é
correto, pois um conjunto de humanos pode resolver realizar as maiores banalidades
possíveis. Precisamos de uma percepção – e aceitação – que algumas escolhas, mesmo que
democraticamente tomadas, vão se revelar incorretas, devendo-se, portanto, serem
abandonadas em prol da aproximação – impossível de alcançar na plenitude, mas almejada no
âmago humano – daquilo que se revela, aos poucos e continuamente, como uma prática
melhor para a vivência humana.
Retornando à integridade, em que momento ela se torna importante? Como dito,
ela é importante para que o legislador tente elaborar as leis de modo coerente para todos que
compõem a sociedade, refletindo os princípios desta, enquanto para os juízes é de vital
importância quando esses estiverem interpretando a lei, pois terão que decidir de modo a

407
John Searle faz a distinção entre um fato bruto e um fato institucional. Basicamente, o fato institucional é
aquele que decorre da criatividade humana (acordos intersubjetivos) realizada sobre um fato bruto, isto é,
pensando no dinheiro, por exemplo, a valoração sobre uma nota de papel constituiria um fato institucional.
SEARLE, John R. La construcción de la realidad social. Traducción de Antoni Doménech. Barcelona: Paidós,
1997, p. 21.
408
MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. 3. ed. Belo
Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 206.
409
Idem.
410
Nesse sentido: “embora o homem não compreenda a priori a totalidade dos preceitos da lei natural, é possível
progredir em conhecê-los à medida que se aprofunda na matéria”. PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge; MA-
CHADO, Lucas Silva. PRUDÊNCIA E RAZOABILIDADE NO CONHECIMENTO DOS DIREITOS NATU-
RAIS: A PROPOSTA DE JAVIER HERVADA. In: XXVI Encontro Nacional do CONPEDI, 26., 2017, Brasí-
lia. Filosofia do Direito, Florianópolis: CONPEDI, 2017, p. 34.
116

respeitar tais princípios.411


Atentemo-nos para a integridade como princípio norteador para o trabalho
jurisdicional. Dworkin parte da premissa que o trabalho dos juízes é uma interpretação
construtiva. Com isso ele quer dar ênfase ao fato de que o intérprete não tenta somente
alcançar o sentido original de quem elaborou o texto, mas também atribui sentidos de modo a
sempre tentar alcançar o melhor significado412. Nesse ponto que a integridade ganha relevo.
Para que um julgador consiga encontrar e aplicar os direitos ao caso concreto, ele
deve estar atendo aos princípios do ordenamento como um todo 413. Em outras palavras, os
juízes devem que tratar o “sistema de normas públicas como se este expressasse e respeitasse
um conjunto coerente de princípios e, com esse fim, que interpretem essas normas de modo a
descobrir normas implícitas entre e sob as normas explícitas”414. Veja que o que deve haver é
uma descoberta e não uma invenção415.
Dessa forma, o ideal de integridade permite que, por meio de argumentos de
princípios, os juízes consigam entender e aplicar o direito, não com base no que acredita ser
melhor, o que seria um ato discricionário416, mas, sim, com fundamento nas decisões políticas
tomadas no passado417 e entendendo o Direito como um conjunto sistêmico de valores
adotados e almejados para governar a sociedade.
Além do mais, para que realmente haja integridade é preciso que ela se dê com
parâmetro também na coerência. Dworkin pensa a coerência como a exigência de tratamento
isonômico para aqueles submetidos a situações similares418. Observe que a integridade vai

411
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,
1999, p. 203.
412
Dworkin utiliza da interpretação de uma obra de arte para explicar como se dá a interpretação do direito, pois
ambas (arte e direito como prática social) são criativas: “A interpretação das obras de arte e das práticas sociais,
como demonstrarei, na verdade, se preocupa essencialmente com o propósito, não com a causa. Mas os
propósitos que estão em jogo não são (fundamentalmente) os de algum autor, mas os do intérprete. Em linhas
gerais, a interpretação construtiva é uma questão de impor um propósito a um objeto ou prática, a fim de torná-lo
o melhor exemplo possível da forma ou do gênero aos quais se imagina que pertençam. Daí não se segue, mesmo
depois dessa breve exposição, que um intérprete possa fazer de uma prática ou de uma obra de arte qualquer
coisa que desejaria que fossem [...]”. Ibidem. p. 63-64.
413
Ibidem. p. 313-314.
414
Ibidem. p. 261.
415
MOTTA, Francisco José Borges; RAMIRES, Maurício. O Novo Código de Processo Civil e a Decisão
Judicial Democrática: Como e Por Que Aplicar os Precedentes com Coerência e Integridade? In: STRECK,
Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão (Orgs). op. cit. p. 101.
416
“A integridade exige que os juízes construam seus argumentos de forma integrada ao conjunto do direito,
constituindo uma garantia contra arbitrariedades interpretativas [...]” STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges.
O que é isto - o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015, p. 118.
417
MOTTA, Francisco José Borges; RAMIRES, Maurício. O Novo Código de Processo Civil e a Decisão
Judicial Democrática: Como e Por Que Aplicar os Precedentes com Coerência e Integridade? In: STRECK,
Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão (Orgs). op. cit. p. 94.
418
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. op. cit. p. 117-118.
117

além da coerência (ou igualdade), apesar de pressupor ela. Apresenta-se o seguinte exemplo
que elucida que não basta a mera igualdade (precisamos da justiça e da equidade ponderadas
pela integridade):
O primeiro problema é que não se garante tratamento igualitário, simplesmente, com
decisões linearmente iguais. [...] se eu tenho uma única tábua salvadora (sic), e dois
náufragos estão se afogando, a única maneira de dar tratamento linearmente
igualitário seria… deixar que os dois afundassem. Agora, se compreendermos o caso
e trabalharmos com princípios, encontraremos boas razões para deixar a tábua com
um ou com outro náufrago. 419

O que se observa é que a integridade exige mais que uma mera igualdade. É
preciso que se tratem igualmente as situações de acordo com princípios, de forma que haja
coerência no uso destes. Além do mais, esses princípios, num argumento por integridade,
devem refletir aquelas escolhas morais realizas no cenário político. Tanto que Dworkin diz
que a “integridade exige que as normas públicas da comunidade sejam criadas e vistas, na
medida do possível, de modo a expressar um sistema único e coerente de justiça e eqüidade na
correta proporção”420.
Apesar disso, como lidar com as divergências interpretativas sobre o que é
princípio e o que não é? Para responder, Dworkin propõe um modelo de juiz Hércules, o que
não será explicado devido à pouca conexão com o dispositivo em análise 421. De forma oposta,
a comparação do trabalho do juiz com uma estrutura de romances em cadeia tem importância
para a disciplina dos precedentes, como exposto anteriormente.
Um romancista em cadeia tem que continuar uma história, mantendo um elo com
os traços anteriores, mas acrescentando novidades ao enredo. Isto é, são contos
independentes, mas que devem, quando lidos, demonstrar algo para que o leitor saiba que
trata de uma continuidade422. Da mesma forma Dworkin propõe que se analise o trabalho dos
juízes.
Qualquer juiz terá que interpretar aquilo que lhe dá sustento para as decisões

419
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. op. cit. p. 16.
420
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,
1999, p. 264.
421
Sobre a figura do juiz Hércules, interessante a explicação de Machado Segundo: “[...] o ‘Juiz Hércules’ é uma
figura imaginada por Dworkin, que evidentemente não existe no mundo real. Trata-se de um juiz capaz de co-
nhecer todas as particularidades de um caso e todas as implicações, relações e argumentos pertinentes à situação
por ele julgada. Um juiz assim, para Dworkin, seria capaz de encontrar a solução correta para o caso que se lhe
apresentasse. A figura serve para mostrar que a solução correta existe, embora muitas vezes seja humanamente
impossível saber se ela foi alcançada.”. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. O direito e sua ciência: uma
introdução à epistemologia jurídica. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 74.
422
MOTTA, Francisco José Borges; RAMIRES, Maurício. O Novo Código de Processo Civil e a Decisão
Judicial Democrática: Como e Por Que Aplicar os Precedentes com Coerência e Integridade? In: STRECK,
Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão (Orgs). op. cit. p. 96.
118

futuras (legislação ou precedentes), e a interpretação que adotar deverá refletir uma fluidez
com aquilo já existe no todo. Apesar disso, o juiz terá elementos novos, decorrentes dos fatos
que fazem com que ele tenha que imaginar a melhor interpretação possível para resolver os
casos.
Nesse ponto, é óbvio que os juízes divergem nas interpretações do Direito e a
proposta de Dworkin não dá um método fechado para solucionar as divergências, mas se os
juízes pensarem que devem seguir a integridade423 (ou qualquer outro nome que se dê), o
ordenamento jurídico conseguirá se manter mais coeso. O que se deve ter em mente, no fim
das contas, é que suas interpretações devem prestigiar entendimentos sistêmicos, que guardem
aplicações igualitárias e que almejem uma justiça para o caso concreto. Dessa forma,
respondendo o questionamento do título do tópico, não será o fim de divergência entre
entendimentos dos juízes, mas, no mínimo, pode-se pensar em julgados que dialoguem entre
si e, assim, não haveria mais uma loteria a depender de vara ou de relator para o qual o
processo fosse distribuído, como se via outrora.
Desse modo, o art. 926 teria uma progressividade. Não basta que a jurisprudência
esteja estável, pois ela pode estar firmando um entendimento não igualitário. Sendo assim, ela
terá que ser coerente (utilizando a nomenclatura de Dworkin), mas isso também não é o
suficiente, como visto no exemplo apresentado acima. Então, por fim, ela procurará ser
sistêmica, alcançando um correto entendimento sobre as normas a serem aplicadas, isto é,
quais os limites que uma norma abarca analisando os casos concretos, quais os valores que ela
visa proteger, como se dá a sua relação com outras normas, entre outras situações. Isso tudo,
com intuito de que o Direito vigente consiga alcançar aquilo que dele se espera, sendo
aplicável de modo igualitário e fundamentado.
Observe que os processualistas civis vêm pensando de forma similar, conforme o
enunciado nº 456 do FPPC, o qual expõe que “uma das dimensões do dever de integridade
consiste em os tribunais decidirem em conformidade com a unidade do ordenamento

423
Pela última vez, coloca-se outra demonstração de Dworkin sobre o que é integridade no Direito, ao explicar
que o juiz “[...] deve fazer uma escolha entre as interpretações aceitáveis, perguntando-se qual delas apresenta
em sua melhor luz, do ponto de vista da moral política, a estrutura das instituições e decisões da comunidade -
suas normas públicas como um todo”. DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz
Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 306. Especificamente quanto a observação e formação dos
precedentes, explicam Motta e Ramires que: “[...] cada juiz, assumindo o seu papel de "um romancista na
corrente", deve ler o que os outros juízes fizeram no passado, não apenas para descobrir o que disseram, mas
para chegar a uma opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente, ou seja, como cada um deles
(também) formou uma opinião sobre o "romance coletivo" escrito até então; nesses termos, ao decidir o novo
caso, cada juiz deve considerar-se como parceiro de um complexo empreendimento em cadeia [...]”. (grifos no
original). MOTTA, Francisco José Borges; RAMIRES, Maurício. O Novo Código de Processo Civil e a Decisão
Judicial Democrática: Como e Por Que Aplicar os Precedentes com Coerência e Integridade? In: STRECK,
Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão (Orgs). op. cit. p. 96.
119

jurídico”.
Um reflexo do dever de manter estável a jurisprudência está enunciado no § 3º do
art. 927:
Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal
e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos,
pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança
jurídica.

A ideia do artigo é a seguinte. É preciso manter estável a jurisprudência, contudo


podem surgir motivos que revelam a necessidade de mudança no entendimento. Desse modo,
a estabilidade não é suficiente para manutenção do entendimento, pois, como visto, acima
disso está a necessidade de ser coerente e compreender corretamente o sistema, o qual, por
sua vez, sofre influxos variáveis (serão visto no tópico 5.3). Apesar disso, em prol dos
interesses daqueles que compõem a sociedade e serão afetados, bem como da segurança
jurídica, que é algo vital para qualquer sistema jurídico, poder-se-á modular os efeitos da
alteração para um momento futuro.
Por fim, apresenta-se um exemplo do dever de coerência e integridade, a partir do
julgamento do realizado pelo Supremo no habeas corpus 123.316/SE424. Antes faz-se uma
breve explicação do julgamento do STF que reconheceu incidentalmente a
inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º da Lei nº 8.072/90, o qual prevê o regime inicial
obrigatório de cumprimento de pena em condenações por crimes hediondos425.
Sem adentrar tanto na discussão, no julgado, seguindo a linha da declaração de
inconstitucionalidade do regime integralmente fechado426, o STF motivou a decisão, entre
outros fundamentos, na ofensa à garantia constitucional da individualização da pena (inciso
XLVI do art. 5º da CF/88) e também na necessidade de fundamentação necessária para o
regime inicial de pena (CP, arts. 33, § 3º e art. 59). O que mais interessa é o julgamento sobre
a mesma situação, qual seja, determinação do regime inicial obrigatoriamente fechado no caso
de o crime estar previsto na Lei nº 9455/97 (Lei de Tortura). De início, lembre-se que a tortura
424
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus (HC) 123316/SE. Pacientes: Isaac Santos
Menezes e Josimar de Araújo Pereira Junior. Impetrantes: Fabio Brito Fraga e Evânio José de Moura Santos.
Coator: Relatora do Resp nº 1.338.618 do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgado em
09/06/2015. DJe de 06/08/2015.
425
Alguns julgados nesse sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus (HC) 111840/ES.
Paciente: Edmar Lopes Feliciano. Impetrante: Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo. Coator: Superior
Tribunal de Justiça. Relator: Min. Dias Toffoli. Tribunal Pleno. Julgado em 27/06/2012. DJe de 17/12/2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus (HC) 119167/MG. Paciente: Fábio Barbosa Duarte.
Impetrante: Givanildo Gomes. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Relator Min. Dias Toffoli, Primeira Turma.
Julgamento em 26/11/2013. DJe de 16/12/2013.
426
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus (HC) 82959/SP. Paciente: Oseas de Campos
Impetrante: Oseas de Campos. Coatores: Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. Relator: Min. Marco Aurélio. Tribunal Pleno. Julgamento em 23/02/2006. DJe de 01/09/2006.
120

é constitucionalmente equiparada ao crime hediondo, merecendo o tratamento similar a


este427.
A Lei de Crimes Hediondos tem a redação da seguinte forma: “a pena por crime
previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”. Já a Lei de Tortura
prevê no art. 1º, § 7º que “o condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º,
iniciará o cumprimento da pena em regime fechado”. Como é percebido, os crimes em ambas
as leis são de mesma natureza e o texto prevê a mesma norma, qual seja, obrigatoriedade do
cumprimento em regime inicialmente fechado.
Mesmo já tendo dito que o regime inicial obrigatoriamente fere o art. 5º, XLVI da
CF/88 (previsão da individualização da pena), o relator, Min. Marco Aurélio, não encontrou
motivos para dizer que a disposição da Lei de Tortura era inconstitucional, somente
argumentando:
a sentença condenatória não merece reparo. A dosimetria e o regime inicial de
cumprimento de pena fixado atendem aos ditames legais. [...] A Constituição Federal
remete à lei e nesse campo tem-se opção política-normativa, inclusive considerada a
quadra vivenciada, a individualização da pena. A regra é que o regime de
cumprimento é observável em face das circunstâncias judiciais, isso a teor do
disposto no § 3º do artigo 33 do Código Penal. [...] Não cabe articular com a lei que
foi rotulada como "Lei dos Crimes Hediondos", porque a regência específica, a Lei
9.455/97 – que define os crimes de tortura e implementa outras providências [...] Foi
o que disse: como a Constituição Federal remete a regência da individualização da
pena ao legislador comum, este fez uma opção – para mim, válida –, ao prever que,
considerada a gravidade da tortura, a pena deve ser cumprida, ainda que fixada no
mínimo previsto para o tipo, sendo portanto as circunstâncias judiciais positivas,
inicialmente em regime fechado, ocorrendo posteriormente a progressão.

Há um absurdo na visualização deste julgado. (1) Realmente a CF/88 prevê que a


individualização da pena deve ser feita por lei, mas o STF, em mais de uma oportunidade, não
considerou isto por argumentar que a individualização exige que o julgador possa ver as
circunstâncias específicas do crime, da vítima, do réu, entre outras. Dessa forma, deveria
explicar o porquê este entendimento tão arraigado estaria sendo superado e não,
simplesmente, escrever “para mim, válida”. (2) O simples fato deles não terem declarado a
inconstitucionalidade do dispositivo no julgado anterior sobre o dispositivo da Lei nº 8.072/90
não impede que façam agora por dois motivos simples: (a) o STF é incumbido,
constitucionalmente, de preservar os ditames previstos na Constituição e (b) os precedentes
são aplicáveis pelas razões apostas no julgamento anterior! (3) A lei ser especial ou não é um
critério que serve para conflito de leis de mesma hierarquia, que não é o caso, pois estava-se

427
“Art. 5º [...] XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da
tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por
eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.
121

alegando ofensa a norma constitucional. (4) A gravidade do crime de tortura é similar aos
outros hediondos.
Por esses motivos, parece-me que tal julgamento é um bom exemplo do que
ocorre quando os precedentes não são utilizados em prol de uma coerência de tratamento e de
uma integridade do sistema.

5.2 Entendimento sobre a vinculação do precedente e os incisos do art. 927 do CPC:


solução ou problema?

Após a análise do art. 926, o qual guarda um viés principiológico, passa-se para o
exame do art. 927 e de seus incisos. Essa disposição pode ser entendida como a “cereja do
bolo” daqueles que veem uma aproximação da cultura brasileira, principalmente por
decorrência da edição de leis, a um maior respeito aos precedentes 428. Apesar disso, deve-se
fazer algumas considerações gerais sobre o dispositivo e outras específicas sobre cada inciso.
De início, destaca-se que, realmente, o sistema jurídico brasileiro vem em uma
considerável aproximação a um maior uso dos precedentes. Há, entretanto, grande perigo em
vislumbrar na lei o alcance de um sistema vinculativo. Esse é o primeiro ponto a ser aclarado.
No Brasil há um histórico de leis que estabelecem situações de maior vinculação a
decisões judiciais anteriores. Ataíde Júnior429, por exemplo, colaciona uma série de mudanças
na lei, anteriores ao CPC/2015, que evidenciam o fenômeno legislativo de tentativa de
aproximação à cultura de vinculação aos precedentes judiciais, podendo-se citar as seguintes:

428
Muitos autores acreditam que o Brasil está alcançado, por meio das mudanças legislativas, uma cultura de
respeito aos precedentes e, por isso, os incisos do art. 927 seriam a “cereja do bolo” ao instituir um elemento
vinculativos a certos institutos. Como exemplos de uma aproximação do Brasil da vinculação aos precedentes
por via legislativa: ZANETI JR, Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes
normativos formalmente vinculantes. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 357. DONIZETTI, Elpídio. A
FORÇA DOS PRECEDENTES NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Direito UNIFACS – Debate
Virtual, n. 175, 2015, p. 19. Disponível em: <http://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/3446/2472>.
Acesso em: 12 jul. 2017. LOURENÇO, Haroldo. Precedente Judicial como Fonte do Direito: algumas
considerações sob a ótica do Novo CPC. Revista Eletrônica Temas Atuais de Processo Civil, v. 1, n. 6, 2011,
p. 5. JESUS, Priscila Silva de. TEORIA DO PRECEDENTE JUDICIAL E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL. Direito UNIFACS – Debate Virtual, n. 170, 2014, p. 21. Disponível em:
<http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/3240>. Acesso em: 04 Nov. 2017. NUNES, Gustavo
Henrique Schneider. Precedentes judiciais vinculantes no novo Código de Processo Civil. Revista de processo.
v. 970, p. 77-108, 2016. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e
irretroatividade do direito no sistema processual do brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua
eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012. p. 142 e 150. CIMARDI, Cláudia Aparecida. A jurisprudência
uniforme e os precedentes no Novo Código de Processo Civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 318. PUGLIESE, William. Precedentes e a civil law brasileira. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016, p. 98. E-Book. ISBN 978-85-203-6982-1.
429
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 143-149.
122

1) permissão do relator de REsp e RE julgar monocraticamente quando o acórdão recorrido


contrariar a jurisprudência da Corte (art. 38, Lei nº 8.038/90); 2) efeitos vinculantes a decisão
da ação declaratória de constitucionalidade (EC 03/93); 3) julgamento pelo relator de recurso
que contrarie súmula ou jurisprudência dominante do STF e do STJ (art. 557 do CPC/73); 4)
julgamento pelo relator em caso de conflito de competência, quando houver jurisprudência
dominante do tribunal (art. 120, parágrafo único do CPC/73); 5) efeito vinculante da
declaração de constitucionalidade e inconstitucionalidade (art. 28, parágrafo único da Lei nº
9.868/99); 6) efeito vinculante na arguição de descumprimento de preceito fundamental (art.
10, § 3º da Lei nº 9.882/99); 7) súmula impeditiva de recurso (art. 518, § 1º do CPC/73); 8)
repercussão geral (EC 45/04); e 9) súmula vinculante (art. 103-A da CF/88).
O CPC/2015 não fugiu dessa aproximação e também enalteceu uma valoração ao
uso de precedentes nas decisões judiciais. Elpídio Donizetti430, por exemplo, ainda sob a ótica
do projeto de lei que viria a se tornar a Lei nº 13.105/15, estabelece uma série de dispositivos
legais que, na sua opinião, anunciavam uma mudança no patamar dos precedentes judiciais na
ordem jurídica brasileira, os quais refletem a importância destes nas seguintes situações: 1)
fundamentação dos atos judiciais (art. 489, § 1º); 2) uniformização da jurisprudência como
dever (art. 926); 3) observação das razões das decisões anteriores por parte dos membros do
Judiciário (art. 927); 4) alargamento da possibilidade de reclamação, permitindo sua utilização
também para que a decisão se adéque ao precedente em casos de IRDR; 5) por fim, a criação
dos incidentes de assunção de competência (IAC) e de resolução de demandas repetitivas
(IRDR), conforme consta, respectivamente, no art. 947 e nos arts. 976 à 987.
O perigo reside no fato de se acreditar que o Brasil está se aproximando de um
stare decisis somente pela mudança na legislação. Em outras palavras, não é certo comparar
esses instrumentos vinculativos derivados de determinação legal ao sistema de precedentes
vinculantes comum no commom law431. Primeiro, cita-se um autor que alavanca as medidas

430
DONIZETTI, Elpídio. A FORÇA DOS PRECEDENTES NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Direito UNIFACS – Debate Virtual, n. 175, 2015, p. 17. Disponível em: <http://revistas. unifacs.br/
index.php/redu/article/view/3446/2472>. Acesso em: 12 jul. 2017
431
Muitos autores afirmam isto direto ou indiretamente, evidenciando as diferenças entre as mudanças em leis
brasileiras que geram efeitos vinculantes e um sistema jurídico que adotou uma vinculação real aos precedentes,
em contraponto ao que ocorre com geralmente com as decisões brasileiras que servem como parâmetro
meramente persuasivo. Como exemplo: ABBOUD, Georges. Do genuíno precedente do stare decisis ao
precedente brasileiro: os fatores histórico, hermenêutico e democrático que os diferenciam. Revista de Direito
da Faculdade Guanambi, v. 2, n. 01, p. 62-69, 2016. Disponível em:<http://faculdadeguanambi.
edu.br/revistas/index.php/Revistadedireito/issue/view/4>. Acesso em: 12 Ago. 2017. SCHMITZ, Leonard
Ziesemer. Compreendendo os “precedentes” no Brasil: fundamentação de decisões com base em outras decisões.
Revista de processo. v. 226, p. 349-382, 2013. <https://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/
33327140/Repro_226_-_Leonard_Schmitz_-_fundamentacao_e_precedentes.pdf?AWSAccessKeyId=AKIAIWO
WYYGZ2Y53UL3A&Expires=1502541084&Signature=%2BeuWXiEtiREAWWhKZgyfJHnN9Kk%3D&
123

legislativas de vinculação a um grau de confirmação da mudança de patamar do sistema


brasileiro para o stare decisis:
A ideologia dos precedentes em um ordenamento jurídico depende, por sua vez, da
articulação entre dois fatores: a) a teoria das fontes prevalecentes; b) o papel que os
precedentes assumem na prática profissional dos juízes e advogados. O Brasil
apresentava até o advento do Código de Processo Civil de 2015 um modelo fraco de
precedentes judiciais. Muito embora em alguns casos houvesse vinculatividade (ex.:
súmulas vinculantes) não havia uma regra geral de stare decisis e a recepção do
modelo do stare decisis tinha sido até o presente momento apenas uma recepção
parcial e mitigada. [...] A teoria das fontes reconhecia aos precedentes um papel de
fontes secundárias e a prática judicial lhes emprestava o caráter de argumentos de
reforço, muitas vezes relevantes, mas não vinculantes em relação às decisões dos
casos-atuais.432

Posteriormente o autor complementa seu raciocínio ao escrever que “a ideologia


do CPC 2015 é claramente voltada para a vinculatividade formal das decisões e técnicas de
externalização das decisões elencadas nos incisos art. 927”. Ressalta, contudo, o dever dessa
vinculação estar atrelada às “exigências materiais de racionalidade decorrentes da
estabilidade, coerência e integridade das decisões (art. 926)”, além da necessidade de se
identificar os fundamentos determinantes da decisão precedente, seu ajuste ao caso atual e os
motivos para distinções ou superações, conforme explicita o art. 489, § 1º, V e VI.433
Hermes Zaneti Jr. (o autor citado) não está errado quando diz que a legislação
brasileira veio para modificar bastante o uso dos precedentes, acertando, também, quando
descreve a relevância do art. 926 e do § 1º do art. 489 para compreender os incisos do art.
927, além, ainda, de ser correta a afirmação que nos países que adotam precedentes de forma
mais séria, esses são vistos como uma fonte primária do Direito e que os juristas os tomam de
uma forma diferenciada. Ambas as considerações são acertadas (ressalta-se). Então qual o
problema? Esse reside em considerar que a mera entrada da lei em vigor transmuta
(metamorfoseia) uma cultura jurídica.
Conforme exposto durante todo o tópico 2.2, a doutrina dos precedentes judiciais
no sistema inglês adveio de processo lento e gradual434. Isso quer dizer que teremos que

response-content-disposition=inline%3B%20filename%3DCompreendendo_os_precedentes_no_brasil_F.pdf>.
Acesso em: 12 ago. 2017. LADEIRA, Aline Hadad; BAHIA, Alexandre Melo Franco. O precedente judicial em
paralelo à súmula vinculante: pela (re) introdução da facticidade ao mundo jurídico. Revista de processo. v. 234,
p. 275-301, 2014. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 303-305. MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da
persuasão à vinculação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 81-82.
432
ZANETI JR, Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente
vinculantes. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 357.
433
Ibidem. p. 362.
434
Georges Abboud expõe interessante histórico de forma bastante sintética: ABBOUD, Georges. Do genuíno
precedente do stare decisis ao precedente brasileiro: os fatores histórico, hermenêutico e democrático que os
124

passar pelo mesmo percurso? Claro que não. Apesar disso, ela – a doutrina dos precedentes
judiciais vinculantes – depende da aceitação pelos julgadores e não da simples imposição
legal435.
Frisa-se que o Brasil está passando por uma mudança na forma que observa os
precedentes. Tal constatação não se dá somente pelas mudanças legislativas, mas também pela
modificação na prática judicial que cada vez mais tenta utilizar (mesmo que muitas vezes de
forma equivocada e simplista436) os precedentes – e derivados, como ementa, jurisprudência e
súmula. Ademais, o estilo universitário de ensino e a produção acadêmica está cada vez mais
direcionada aquilo que vem sendo produzido pelos Tribunais, principalmente os superiores -
com enorme foco no STF, STJ e TST.
O que nos falta – não coloco somente os magistrados, mas todos aqueles que
trabalham diretamente com o Direito nacional – é uma observância mais espontânea das ratio
decidendi de julgados pretéritos437. Dessa constatação se parte para um outro problema: como
entender o art. 927 para fins de aplicação? Ou melhor, o que este artigo traz de importante
para os precedentes?
Primeiro, veja o que o art. 927 enuncia que:
Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em
controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula
vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de
resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e
especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal
em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais
estiverem vinculados.

A primeira observação importante é quanto à pluralidade ou reiteração de casos


que quase todas as situações acima exigem. Súmulas – vinculantes ou não –, decisões de RE’s
e REsp’s repetitivos, decisões em sede de IRDR e de IAC e orientação de plenários e órgãos
especiais dos tribunais são todas situações que manifestam uma decisão sobre situações que se
repetiram. O único inciso que não reflete isto é o primeiro, pois nele estão as decisões em

diferenciam. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, v. 2, n. 01, p. 62-69, 2016. Disponivel em:
<http://faculdadeguanambi.edu.br/revistas/index.php/Revistadedireito/issue/view/4>. Acesso em: 04 nov. 2017.
435
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 112.
436
Remete-se o leitor ao capítulo 3.
437
ABBOUD, Georges. Do genuíno precedente do stare decisis ao precedente brasileiro: os fatores histórico,
hermenêutico e democrático que os diferenciam. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, v. 2, n. 01, p.
62-69, 2016, p. 67.
125

controle concentrado de constitucionalidade, o que, pela natureza da ação, precisa de uma


única decisão para alcançar sua finalidade438.
O motivo desse foco em decisões sobre casos reiterados é simples. Países de
origem jurídica romana têm na atualidade o traço de considerarem muito mais importante um
conjunto de julgados que reverberam um mesmo entendimento439, tanto que o art. 926, no §
1º, deixa evidente que “na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento
interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência
dominante”. Além do mais, há uma clara tentativa de eleger como obrigatório aquilo que já
foi amplamente discutido no Judiciário, premiando-se, assim, os entendimentos que melhor
tenham sido aceitos pela comunidade jurídica440, enaltecendo a colaboração argumentativa
dos advogados e dos juízes em várias instâncias.
Apesar disso, caso realmente se deseje ampliar na prática jurídica o valor do
precedente como parâmetro hermenêutico do direito, precisa-se adotar a visão que o presente
rol é meramente exemplificativo441. Disso há três repercussões, as quais serão abordadas na
seguinte ordem: 1) não se pode pensar que somente os maiores tribunais na hierarquia
constitucional terão um papel vital na consolidação dos entendimentos jurídicos; 2) não é

438
As ações de controle de constitucionalidade ocorrem no cenário específico, no qual o Supremo Tribunal
Federal é provocado para analisar somente se, de modo abstrato, uma norma legal respeita às previsões
constitucionais. De todo modo, a própria Constituição Federal, no art. 102, § 2º, com previsão estabelecida pela
EC 45/04, prevê: “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas
de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e
efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”, ou seja, o conteúdo, quanto ao mérito, da decisão do STF,
repercute sobre todas as esferas do Judiciário e da Administração Pública.
439
Já se destacou isso em outros momentos com base na análise de Michele Taruffo sobre os precedentes em
diversos sistemas jurídicos. TARUFFO, Michele. Institutional Factors Influencing Precedents. In:
MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L. Interpreting precedents: a
comparative study. Great Britain: Aushgate Publishing Limited, 1997, p. 455.
440
Streck e Abboud explicam que o precedente “[...] contém um DNA de historicidade que somente surge se
houver adesão de seu entendimento pelas instâncias inferiores do judiciário”. Deve-se suscitar duas elucidações
para evitar errôneas compreensões do trecho. A primeira é que a decisão nasce como um potencial precedente, de
forma que, num sistema vinculativo, as Cortes e juízes terão que observá-la, mesmo que seja com intuito de não
utilizar como parâmetro hermenêutico de futuras decisões. A segunda é que se não for visto essa necessidade
dialogal das decisões, novamente se terá um sistema meramente persuasivo. STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD,
Georges. O que é isto - o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2015, p. 106.
441
Vários autores anunciam essa necessidade de entendimento: DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno;
OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações
probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. Salvador: Juspodivm, 2015,
vol. 2, p. 461. MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador:
JusPODIVM, 2015, p. 436. ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. Precedente
judicial no novo Código de Processo Civil: tensão entre segurança e dinâmica do direito. Curitiba: Juruá, 2015,
p. 123. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 300. MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à
vinculação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 91-92. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes
obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 288.
126

possível adotar este rol ou, ainda, qualquer vinculação dos precedentes como algo que
resolverá os problemas do Judiciário; 3) existem consequências, previstas na lei, do
precedente está nessa lista.
O primeiro ponto advém basicamente da menção elaborada por Marinoni e
Mitidiero. Ambos os autores criam uma distinção entre Cortes de Justiça ou de Apelação e
Cortes de Precedentes ou Supremas. Nas palavras de Mitidiero:
É preciso distinguir entre as funções das Cortes de Justiça – exercer controle
retrospectivo sobre as causas decididas em primeira instância e uniformizar a
jurisprudência – e as funções das Cortes de Precedentes – outorgar uma
interpretação retrospectiva e dar unidade ao direito442.

Em sentido semelhante explica Marinoni:


Lembre-se de que ao Judiciário podem ser reconhecidas duas funções básicas, a
resolução de conflitos (resolution of disputes) e o desenvolvimento do direito ou
enriquecimento das normas jurídicas (enrichment of the supply of legal rules). Cabe
aos juízes e tribunais de apelação a primeira tarefa, e às Cortes Supremas, a
segunda.443

A partir dessa diferenciação os autores sustentam que cabe somente ao STJ,


quanto a matérias federais, e ao STF, para questões constitucionais, uniformizar as
interpretações sobre o Direito e isso permitirá a formação dos precedentes. A função das
cortes abaixo é de revisar os julgados de primeiro grau e iniciarem os trabalhos interpretativos
para que os Tribunais Superiores finalizem o que deve ser a compreensão correta do
Direito444. Marinoni ressalta que esta uniformização é feita a partir das visualizações das
questões fáticas para que seja dito com entender as questões jurídicas445.

442
MITIDIERO, Daniel. op. cit. p. 75.
443
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
291.
444
Da obra de Marinoni é extraída a seguinte passagem: “Um tribunal de apelação não firma precedentes por
uma razão muito simples. Não é função sua atribuir sentido ao direito e dar-lhe desenvolvimento, mas resolver
os litígios. Os tribunais atuam de modo a revisar a “justiça” das sentenças de primeiro grau sem qualquer
restrição. Há, assim, dois juízos repetitivos sobre o litígio, devendo o tribunal estar atento aos fatos litigiosos e à
prova. Isso não quer dizer, como é óbvio, que os juízes e os tribunais não tenham que dedicar tempo e esforço
para dar interpretação aos textos legais. Os juízes e tribunais têm aí a importante missão de colaborar para o
amadurecimento da interpretação das leis e da solução das questões de direito. Se os juízes e tribunais não
podem negar o sentido atribuído ao direito pelas Cortes Supremas, cabe-lhes dar início à atividade interpretativa
do Poder Judiciário, fornecendo os primeiros exemplos de interpretação e de solução das questões de direito. A
função de resolver litígios deve dar aos tribunais a possibilidade de sedimentar os seus entendimentos sobre o
direito. Isso para que as Cortes Supremas possam resolver os impasses interpretativos a partir de interpretações
delineadas, ou seja, com base no ‘direito vivo’ de cada um dos tribunais.”. Idem.
445
Ibidem. p. 295. De modo diverso, Mitidiero dá pouquíssima importância aos fatos, mencionado que são mero
pretextos para a decisão: “Quando a corte está preordenada para tutela dos direitos mediante decisão justa, a
interpretação normativa é meio para obtenção do fim decisão de mérito justa e efetiva do caso. Do contrário,
quando está direcionada para tutela do direito mediante precedentes, o caso concreto é apenas um meio – um
verdadeiro “pretesto” – para formulação da adequada interpretação dos dispositivos nele envolvidos. E são
justamente essas diferentes direções que podem ser estabelecidas entre o caso e suas dimensões fático-
127

O que fica óbvio é que os autores desejam, acima de tudo, que os precedentes
sirvam como garantidores de segurança jurídica, previsibilidade, economia processual e
celeridade446, “de maneira que, formada uma cultura precedentalista nas Cortes Supremas,
não haverá como deixar de seguir os precedentes”447. Outra questão que aparece é que os
autores acabem por defender uma visão prescritiva das rationes decidendi, ou seja, a própria
Corte que enunciou o sentido interpretativo é que delimita como a razão do julgado deve ser
vista. Se não for assim, a proposta dos autores perde sentido, haja vista que suas ideias se
baseiam na função precípua do STF e do STJ em dizer o que é o Direito. Senão veja-se:
As Cortes de Precedentes – também conhecidas como Cortes Supremas – visam a
outorgar interpretação prospectiva e unidade do direito mediante a formação de
precedentes. [...] Devem atuar a fim de guiar as futuras decisões das Cortes de
Justiça, dos juízes a elas vinculados, da Administração Pública e o comportamento
de toda a sociedade civil. Vale dizer: devem atuar de forma prospectiva, outorgando
unidade ao direito mediante a sua adequada interpretação. 448

Observe-se que os autores não estão equivocados quanto à existência de função


diferenciada dessas Cortes, pois estas atividades de resolução em casos de divergências
interpretativas são previstas constitucionalmente449. Os equívocos residem em acreditarem
que somente se fazem precedentes nesses Tribunais, que os fatos são menos relevantes e, o
maior, que eles conseguem estabelecer a interpretação jurídica mais correta simplesmente por
sua função de modo que as normas jurídicas ficaram devidamente interpretadas para sua
futura aplicação. Este último engano será tratado no ponto 2 do roteiro mencionado logo
acima.
Importante reforçar algo já explicado no capítulo 3. Quando se conceituou
precedente, foi apresentado ao leitor a característica desse sempre ser uma decisão judicial.

normativas que justificam a divisão de tarefas entre as Cortes de Justiça e as Cortes de Precedentes. Tendo
diferentes funções, é natural que se valham igualmente de diferentes meios para bem desempenhá-las.” (sic)
(grifos no original). MITIDIERO, Daniel. p. 78.
446
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
291. MITIDIERO, Daniel. op. cit. p 75-77.
447
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
127.
448
MITIDIERO, Daniel. op. cit. p. 79. Marinoni faz uma ressalva que, mesmo devendo ser o guia, a decisão com
votos divergentes gera uma autoridade menor no precedente. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes
obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 295.
449
Dentre as várias competências do STF e do STJ estão, respectivamente, as que seguem e evidenciam a função
constitucional de uniformizar: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe: [...] II - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou
última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a
inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face
desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. [...] Art. 105. Compete ao Superior
Tribunal de Justiça: [...] III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos
Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão
recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; [...] c) der a lei federal interpretação
divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.”.
128

Não se restringiu a qual instância essa decisão deveria pertencer. Desse modo, até a decisão de
um juiz de 1º grau pode ser dita como precedente. Normalmente não é porque, como
explicado no tópico 3.4, ao se classificar os precedentes em vinculantes e persuasivos, foi dito
que a decisão de um juiz de menor hierarquia na estrutura do Judiciário somente é vista como
persuasiva. Assim, todas as decisões de juízes de 1º grau serão persuasivas para aqueles acima
dele. Há, não obstante, uma importância em pensar que essa decisão seria um precedente: o
próprio juiz que a proferiu teria que a seguir. Nesse caso é uma questão de exigência lógica,
tratamento igualitário e legítima expectativa do jurisdicionado, pois o juiz não pode alterar
aleatoriamente o que decidiu anteriormente, com exceção de estar se adequando a um
precedente acima dele ou demonstrando motivos para superar seu próprio entendimento.
Do mesmo modo, quando foi tratada a concepção de ratio decidendi, alertou-se
para necessidade de observância dos fatos que formaram a razão, do que é possível extrair
que: (1) os fatos são cruciais para o entendimento de como se chegou à norma jurídica a ser
utilizada no caso; (2) a existência de outros fatos ou de circunstância peculiares naqueles fatos
têm relevo na aplicação dos precedentes futuramente.
A segunda repercussão que vai se tratar tem ligação com o título do tópico, isto é,
o art. 927 vem para solucionar ou para ser um problema? Os precedentes, de modo algum,
solucionam, por si, os problemas do Direito, pois estes são maiores que uma simples
observância de decisões anteriores. Apesar disso, há grande importância neles para uma
melhor prestação jurídica, como já evidenciado até o momento e que ainda se demonstrará.
Ademais, se os precedentes forem vistos como um meio para o fechamento
interpretativo, isto é, uma tentativa de acabar, cabalmente, com as divergências
interpretativas, invariavelmente serão um problema. No tópico 4.1 nomeou-se essa pretensão
de hiperintegração do Direito (ver o todo sem notar as peculiaridades das partes que o
compõem).
Como exemplo dessa segunda situação, o seguinte trecho da obra de Luiz
Guilherme Marinoni:
Vendo a decisão como fruto do sistema judicial e não como mera prestação atribuída
a um juiz – singularmente considerado –, torna-se inevitável constatar que a
racionalidade da decisão está ancorada no sistema e não apenas no discurso do juiz
que a proferiu. Assim, por exemplo, não há racionalidade na decisão que atribui à lei
federal interpretação distinta da que lhe foi dada pelo órgão jurisdicional incumbido
pela Constituição Federal de zelar pela unidade do direito federal.450

O raciocínio inicial é correto, o problema é a exemplificação. O que Marinoni está


450
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
113.
129

defendendo é que, se o STJ já proferiu decisão dando uma interpretação da lei, não haveria
razão (observe que o autor usa o termo “racionalidade”) para outro tribunal de inferior
hierarquia discordar. Ao que parece o Superior Tribunal de Justiça poderia uniformizar a
interpretação de um modo geral que não haveria discordância por nenhum outro argumento
jurídico. Além do que, presume-se que os ministros que compõem a Corte conseguem realizar
um trabalho intelectual que esgotasse as interpretações possíveis.
Observe que não há menção à possibilidade deles terem deixado de discutir sobre
um argumento ou interpretação, até porque, como visto, o autor acredita que os julgadores e
advogados inferiores vão apresentar todas as interpretações possíveis para que o Tribunal
aponte qual é que deve prevalecer. Esse pensamento é sustentado em uma falácia.
Depois que um tribunal analisa uma demanda, surgirão outras para os julgadores
de inferior hierarquia. Se o caso for de similar facticidade e com mesmos argumentos é
evidente que a resposta a ser dada não deve ser diferente, por uma questão de lógica, afinal de
contas não há nada novo e a consequência de uma resposta diferente é que isso retornará ao
tribunal anterior que decidirá – ao menos, deve –, do mesmo modo.
Apesar disso, não se pode tratar a interpretação jurídica proferida em um caso
como algo completo para se entender tudo que um certo dispositivo ou conjunto deles
significa dentro do sistema. Nesse sentido, ao tratar sobre a compreensão humana, Machado
Segundo esclarece:
A complexidade do real faz [...] com que qualquer abordagem seja, necessariamente,
uma simplificação, que, nessa condição, de algum modo mutila a realidade para
permitir sua cognição pela limitada compreensão humana. Essa constatação,
contudo, não deve conduzir à desistência da empreitada cognitiva, tampouco à
quixotesca pretensão de compreender tudo, por toda as óticas e ao mesmo tempo.
Adequado talvez seja, tão somente, evitar o fechamento para que as múltiplas
abordagens de um mesmo fenômeno dialoguem e contribuam umas com as outras. 451

Isso cabe com perfeição aqui. Como já mencionado, o precedente serve como
parâmetro hermenêutico, mas ele surge envolto de certas perguntas que conduzem às
respostas452. Impossível dissociar isso e acreditar que um tribunal, como o STJ por exemplo,
sempre proferirá a decisão que exauriu o trabalho sobre uma norma federal dentro do
ordenamento jurídico. Em outro momento, Marinoni reforça sua posição de obediência rígida
ao entendimento das Cortes Superiores:

451
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. O direito e sua ciência: uma introdução à epistemologia jurídica.
São Paulo: Malheiros, 2016, p. 92.
452
Lopes Filho explica que o precedente gera “um ganho interpretativo fruto da análise dos enunciados
normativos ante questões, fatos, argumentos e contra-argumentos produzidos no processo”. LOPES FILHO,
Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador:
JusPODIVM, 2016, p. 338.
130

A justificação de determinada interpretação ou solução de questão jurídica, caso não


precise levar em conta o que já foi decidido, pouco significa em termos de garantia
de imparcialidade. Ora, se um juiz, Câmara ou Turma podem decidir casos iguais de
forma diferente ou atribuir significados diferentes a uma mesma norma, é evidente
que não há como garantir a imparcialidade.453

Deve-se deixar claro algo: os precedentes, acima de tudo, ao funcionarem como


parâmetros, auxiliam na formação coerente454 (ou íntegra, como diria Dworkin) do sistema
jurídico455. Os juízes, como seres humanos que são, entenderão as normas de formas
diferentes, pois a interpretação do texto não é algo “preto no branco”, mas um verdadeiro
“cinza” - ou seja, nebuloso - que precisa ser compreendido paulatinamente, sendo que o
trabalho conjunto das pessoas facilita uma aproximação reveladora daquilo mais correto456.
O próprio Marinoni explica posteriormente que “a consciência de que o
precedente guiará as decisões futuras confere ao juiz maior responsabilidade. Para evitar
injustiças futuras, o juiz deve refletir sobre as repercussões do precedente [...]” 457. Desse
modo, o que ele deseja destacar – ao menos, tem-se esperança que seja este o desejo dele – é
que precisa-se formar entendimentos uniformizados para uma maior segurança jurídica e
previsibilidade, o que é uma pretensão legítima, com a qual se concorda e que é necessária
para qualquer sistema jurídico.
O principal equívoco do autor está em pensar que esta responsabilidade somente
tenha sentido se vindo de cima para baixo. Na realidade, apesar de ser a orientação comum da
força do precedente – de cima para baixo –, o julgador superior também terá que observar os

453
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
131.
454
O termo “coerente” é utilizado na Teoria do Direito em vários sentidos. Didier Jr., Oliveira e Braga, por
exemplo, aos realizarem suas explicações sobre o que é coerência e integridade, adicionam a consistência. Nas
palavras dos autores: “O dever de coerência e o dever de integridade servem ao atingimento de um fim: a
jurisprudência há de ser consistente.”. DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias,
decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. Salvador: Juspodivm, 2015, vol. 2, p. 478.
455
“Afinal, a ciência pressupõe a possibilidade de a opinião dominante ser desafiada, e se sabe que a verdade só
é alcançada quando existe ampla liberdade, independência e tolerância para que isso ocorra”. MACHADO
SEGUNDO, Hugo de Brito. O direito e sua ciência: uma introdução à epistemologia jurídica. São Paulo:
Malheiros, 2016, p. 86.
456
Sobre a correção do direito, a partir da compreensão que este que escreve tem sobre a obtenção da justiça no
direito, cabe a seguinte menção: “O que se deslinda é que o direito positivo está condicionado ao caráter racional
de uma juridicidade natural que lhe serve de base. Entretanto, a razão humana, em geral, não define
inexoravelmente o que deve ser estabelecido em cada situação, apenas norteia um padrão a ser seguido.”, ou
seja, apesar da razão nos nortear para aquilo que é justo, ela o faz com estabelecimento de padrões que servem
de guia e não algo que seja definitivo atemporalmente e independente do local, pois a cognição humana sobre o
certo é limitada e somente é compreendida num decorrer contínuo e incessante pela verdade. PEREIRA
JÚNIOR, Antonio Jorge; MACHADO, Lucas Silva. PRUDÊNCIA E RAZOABILIDADE NO
CONHECIMENTO DOS DIREITOS NATURAIS: A PROPOSTA DE JAVIER HERVADA. In: XXVI Encontro
Nacional do CONPEDI, 26., 2017, Brasília. Filosofia do Direito, Florianópolis: CONPEDI, 2017, p. 32.
457
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
132.
131

precedentes inferiores. A justificativa é que o precedente é formado num processo dialético e,


também, utilizado num mesmo contexto dialético, isto é, as alegações apresentadas
anteriormente pelas partes e a fundamentação de decisões de magistrados de hierarquia
inferior podem servir para a elaboração do julgado futuro458. Reforça-se, ainda, que caberá
aos julgadores dos casos futuros decidirem como será utilizado o precedente e, ainda, como
este é recepcionado no sistema jurídico.
Nesse sentido, crucial a visão em rede da força do precedente – que será mais
detalhada no tópico 5.3 –, isto é, por ele ser um parâmetro (ou uma fonte, para utilizar um
termo mais técnico) para o futuro, caso seja afastado ou aceito pela comunidade jurídica, haja
ou não efeito backlash, mude-se o quadro social ou político, surjam novas leis conexas ou que
se distanciam dele, dentre outras situações, aquele precedente terá sua força alterada:
O precedente é moldado por outras decisões, independentemente do nível
hierárquico da corte que as produz, já que há uma interação mútua que não gira em
torno apenas da hierarquia. Um precedente é reforçado na medida em que ganha
apoio e interação com outros julgados posteriores no mesmo sentido, quando é
refletido na legislação e incorporado na prática administrativa. [...] Quanto mais
apoios (conexões) um precedente angaria na rede sistêmica, mais forte ele terá. Por
outro lado, na medida em que os julgados posteriores desafiam os precedentes [...] e
em que ele é criticado pela doutrina, ele perde elos sistêmicos, enfraquecendo-se até
se tornar irrelevante.459

Em resumo, a hierarquia é somente um dos fatores que influenciam a reprodução


ou não do precedente pelo Judiciário no futuro, não sendo determinante.460
Após essa explicação, pode-se questionar qual seria a importância do rol, pois ele
não sendo exaustivo e não cabendo somente às Cortes Superiores determinar os precedentes
no sistema jurídico, o que faria dessas situações diferentes das demais? Este é o último ponto
a ser tratado.
De início, merece crítica o enunciado do FPPC nº 170 que somente diz que “as
decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos
jurisdicionais a eles submetidos”. Isso em nada acrescenta. Explica-se o que realmente esses
incisos podem gerar de novidades.
A primeira já foi relatada anteriormente: eles destacam como sendo necessários a
observância das decisões que refletem, de algum modo, um maior amadurecimento no

458
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 353.
459
Ibidem. p. 314.
460
Para ver sobre os diversos fatores, formais ou materiais, que geram diferenciação no uso dos precedentes:
Ibidem. p. 419-449. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e
aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 302-368.
132

Judiciário de casos que têm múltiplos processos discutindo a mesma questão461.


Outro ponto que o leitor já deve se ter questionado é a importância do termo
“observar” presente no caput do art. 927. Pelas críticas até aqui já apontadas, percebe-se que o
termo não pode ser tomado como se estivesse se observando uma regra legislativa. Os
precedentes – e as situações do art. 927 precisam estar sob um olhar fundado nos precedentes
– têm sua força aferida de forma gravitacional, como propõe Dworkin, ou seja, eles serão
utilizados como se tivessem, mesmo, um campo gravitacional (atrativo). Em termos mais
simples, quanto mais elementos do caso anterior estiverem presentes, mais próxima a resposta
deste estará do raciocínio jurídico anterior.
Ao se explicar a ratio decidendi foi mencionado que ela se forma a partir das
razões ou, como se prefere nos tribunais brasileiros, motivos determinantes do julgado. Dessa
forma, ao se aplicar essas rationes decidendi o juiz terá que realizar, por meio da
fundamentação do julgado, a demonstração de que os argumentos do primeiro caso, que
refletem a opção hermenêutica, são também cabíveis no caso atual. Portanto, corretas as
conclusões de Lopes Filho sobre o entendimento do que significa “observar”:
Observar não significa que devam ser aplicados em toda ocasião sem haver razões
hermenêuticas para tanto [...]. Significa levar em conta, considerar, demonstrando,
em seguida, por que se reproduz ou não o mesmo entendimento.462

Dessa forma, o “observar” reflete o dever de autorreferência (explicado no tópico


5.3) que, em linhas gerais, reflete a necessidade de dialogar com as razões anteriormente
expostas, de modo a segui-las sempre, salvo quando apresentado fundamento que ainda não
tenha sido debatido, o que permitirá uma nova averiguação.
Quanto às peculiaridades, a primeira é a possibilidade de se utilizar da reclamação
prevista no art. 988, III e IV do CPC. Esse instrumento processual, que tem a natureza de ação
autônoma463, poderá ser utilizado para “garantir a observância de enunciado de súmula
vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de
constitucionalidade”, bem como para “garantir a observância de acórdão proferido em

461
“O fato é que a exacerbada divergência jurisprudencial, que revela a incoerência do sistema e trai as
expectativas normativas dos jurisdicionados, acarreta grande insegurança jurídica, desigualdade e instabilidade”.
Por este trecho percebe-se a qualidade de um entendimento estável e majoritário. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro
Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual do brasileiro: os
precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012. p. 138.
462
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 308.
463
Xavier demonstra as divergências quanto a natureza da reclamação, alcançando, como posição final, a de
ação. XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação Constitucional e Precedentes Judiciais: Contributo a um
olhar crítico sobre o Novo Código de Processo Civil (de acordo com a Lei 13.256/2016). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016, p. 76-81. No mesmo sentido, acreditando se tratar de uma ação: ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro
Rodrigues de. op. cit. p. 151-152.
133

julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de


competência”. Observe que, dentre os incisos do art. 927, somente é possível a utilização no
caso de decisão em controle concentrado de constitucionalidade (incisos I), súmula vinculante
(inciso II) e acórdão em IRDR e IAC (inciso III).
Há uma interpretação, realizada por Carlos Xavier, todavia, que sustenta a
possibilidade de reclamação contra decisão que deixa de aplicar as rationes decidendi dos
julgamentos de RE e REsp repetitivos. A explicação é que o §5º, II do art. 988 impede a
reclamação “proposta para garantir a observância [...] de acórdão proferido em julgamento de
recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias
ordinárias” (grifou-se). Decorrente dessa última ressalva, o autor explica que “[...] a
reclamação é possível na hipótese, apenas que não em face de decisão de juiz de primeiro
grau”, pois o Código somente “vedou o acesso per saltum ao STF e ao STJ, impossibilitando
que fosse ajuizada reclamação contra decisão de primeiro grau que contrariasse os seus
precedentes”464, o que é uma excelente interpretação da lei.
De todo modo, a utilização de reclamação no caso dos incisos III e IV, conforme
explica o próprio código no § 4º do art. 988, “compreendem a aplicação indevida da tese
jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam”. Em outros termos, usa-se da
reclamação quando acreditar que a decisão não reproduziu corretamente o entendimento dos
julgados e, por isso, ela é destinada ao tribunal que firmou o entendimento “desrespeitado”
(art. 988, § 1º). Importa ainda enaltecer que este instrumento somente pode ser utilizado
enquanto não transitada em julgado a decisão que não observou um entendimento firmado
anteriormente (art. 988, § 4º), por isso, caso seja ajuizada a reclamação é preciso que se
interponha recurso contra a decisão. Por fim, o efeito do julgamento procedente da
reclamação é a cassação da decisão anterior, com possibilidade de determinação de eventuais
medidas para a solução da controvérsia (art. 992).
A reclamação, vale salientar, não é instrumento necessário para que se considere
um precedente vinculante465. Na realidade, esse meio disponibilizado pela legislação
brasileira serve como mero reforço da força de precedentes firmados em certas situações, pois
permite que o tribunal que proferiu a decisão analise como o seu entendimento está sendo

464
XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. op. cit. p. 113-114. Ataíde Júnior vai além, propondo uma maior amplitude
na utilização da reclamação, com esteio, inclusive, em alguns julgados do STF “[...] a eficácia vinculante dos
precedentes assegura a todo aquele que se sinta prejudicado com a decisão per incuriam (que não observou o
precedente) o direito de propor reclamação perante a corte que produziu o precedente obrigatório”. ATAÍDE
JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 153.
465
XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. op. cit. p. 114. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais
no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 305.
134

compreendido pelos outros julgadores - percebe-se um aspecto prescritivo da legislação sobre


a razão de decidir, isto é, a corte produtora do precedente tem a possibilidade de definir o
modo como este deve ser visto. Em síntese, a reclamação permite que a corte emissora do
precedente possa delimitar melhor seu âmbito de aplicação, servido com forma de
aprimoramento do trabalho judicial466.
Outra questão interessante é que as situações do art. 927 ecoam sobre outros
dispositivos da lei como forma de promover uma maior celeridade. Esse ponto é tratado no
tópico 5.6.
Superada a análise geral do art. 927, dedica-se um pequeno espaço para clarificar
alguns pontos específicos sobre cada inciso.
Quanto às decisões em sede de controle concentrado de constitucionalidade,
precisa-se diferenciar a eficácia erga omnes da decisão (art. 102, § 2º da CF/88) da vinculação
do raciocínio jurídico exarado nas decisões (art. 927, I do CPC/15). Na primeira situação, o
que vincula é o próprio conteúdo decidido467, ou seja, se o STF decidiu que o dispositivo A da
Lei nº 1 é inconstitucional, não é possível que ninguém mais no Judiciário diga o contrário
sobre esse mesmo dispositivo. Já no segundo caso, a vinculação é estabelecida sobre as razões
para se decidir daquele modo468. Sendo assim, por exemplo, caso surja um dispositivo B na
Lei nº 5, e este tenha conteúdo similar ao já declarado inconstitucional dispositivo A, o
julgador estará obrigado a proferir decisão no mesmo sentido, salvo se apresentar algum
motivo relevante para exercer a superação ou distinção469.
O inciso II trata da súmula vinculante. Essa inovação legislativa da Emenda
Constitucional nº 45/04 implementou uma situação sui generis. As considerações feitas sobre
as súmulas em geral são válidas aqui, contudo se acrescenta mais duas.
Primeiro, a própria Constituição Federal (art. 103-A, § 1º) explica o porquê do
estabelecimento da súmula vinculante para um certo caso:
A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas

466
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 307.
467
“[...] a eficácia erga omnes almeja que a sentença de uma causa, que tenha de ser decida de modo uniforme,
seja observada por todas as pessoas afetadas [...]”. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 222.
468
O FPPC produziu o enunciado 186 no seguinte sentido: “Os fundamentos determinantes do julgamento de
ação de controle concentrado de constitucionalidade realizado pelo STF caracterizam a ratio decidendi do
precedente e possuem efeito vinculante para todos os órgãos jurisdicionais”. O texto poderia ter sido mais claro e
aproveitado para distinguir da eficácia erga omnes da coisa julgada.
469
Marinoni apresenta exemplo similar:”A ratio decidendi da decisão de inconstitucionalidade da lei municipal
X obviamente aplica-se à lei Y, de outro Município, cuja dicção é igual ou similar à da lei X, antes declarada
inconstitucional. O juiz ou tribunal que tem à sua frente a lei Y, ao tomar em conta a ratio decidendi da decisão
de inconstitucionalidade da lei X, deve deixar de aplicar a lei Y por inconstitucionalidade.”. MARINONI, Luiz
Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 286.
135

determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou
entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e
relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

Pelo texto normativo a ideia da súmula vinculante é dar um basta em divergências


interpretativas quando existirem múltiplos casos discutindo eles e uma grave insegurança
jurídica. Assim, o que se quer é que pela súmula vinculante haja o término das discussões
interpretativas.
Essa afirmação deve ser vista com duas grandes ressalvas. Primeiramente, por
mais que se admita que o STF tenha a última palavra – e é o que a Constituição brasileira
parece determinar – a súmula vinculante não será um dispositivo legislativo. De fato, haverá
um enunciado geral e abstrato que tenta resolver mais do que um mero caso 470. Apesar disso,
o trabalho judicial não é de criar normas gerais e abstratas e que passarão a ter vigência até
que se diga o contrário. Se fosse assim, ter-se-ia que rever o disposto no art. 2º471 e,
principalmente, no art. 60, § 4º, III472, ambos da CF/88, pois haveria uma verdadeira
modificação na Separação dos Poderes. Além do mais, esta súmula é um texto que, por si só,
não é capaz de resolver os casos futuros, dependendo de interpretação para sua utilização.
Streck e Abboud explicam muito bem este ponto:
[...] para que a súmula vinculante possa ter aplicação no deslinde das demandas sem
fulminar as particularidades de cada caso concreto, ela deve ser visualizada como
texto normativo que quando oposto ao caso concreto, soluciona-o, não mecânica, e,
sim, hermeneuticamente, respeitando de forma radical a coerência e integridade do
direito.473

Há que estar atento à previsão legal de possibilidade de modificação e supressão


da súmula vinculante, o que só ressalta que é preciso guardar uma visão construtiva do Direito
por meio delas, ou seja, quando se prevê uma súmula se fecham algumas discussões, mas
outras surgiram e o entendimento sumulado será posto em análise.
A segunda situação excepcional que a súmula vinculante traz é que ela gera uma
vinculação na Administração Pública. Aqui não se desenvolverá grandes considerações, mas
levanta-se alguns questionamentos pertinentes com o entendimento adotado sobre
precedentes.
Foi dito que a súmula é a representação da jurisprudência dominante sobre um
certo assunto, refletindo, por consequência, um precedente com força sistêmica. A súmula

470
No mesmo sentido: STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto - o precedente judicial e as
súmulas vinculantes? 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 65.
471
“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”.
472
“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] III - a separação dos Poderes”.
473
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. op. cit. p. 65.
136

vinculante segue a mesma lógica. Apesar disso, também foi evidenciado que para o correto
dimensionamento do precedente é preciso analisar os fatos e os argumentos jurídicos
apresentados e a fundamentação que conduziram as respostas dadas. Como compatibilizar
isso à prática administrativa tão afeita à literalidade textual? Sem querer propor reviravoltas
no modo da Administração Pública atuar (algumas mudanças, com certeza, são necessárias),
sustenta-se que o melhor modo, observada a realidade atual, é (1) exigir que as súmulas sejam
mais detalhadas e que permitam compreender melhor as razões dos julgados que lhes deram
origem e (2) que a Administração Pública se paute em outros princípios além da legalidade
em sentido estrito, como igualdade de tratamento dos administrados, eficiência, juridicidade,
proteção à confiança legítima, para que seja entendido o dever de observância aos
entendimentos majoritários dos tribunais, principalmente os do art. 927 do CPC474.
O próximo ponto é o inciso III, com foco no microssistema de solução de casos
repetitivos. Este é composto pelo Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR e
pelos Recursos Repetitivos do STF e do STJ475. O IRDR é novidade da Lei nº 13.105/15476
juntamente com o IAC (Incidente de Assunção de Competência). Já os RE e REsp repetitivos
já existiam na legislação anterior.
A principal questão relacionada ao julgamento nesses casos é que a corte, além de
proferir um julgamento capaz de solucionar os casos apresentados, tenta emitir um
entendimento capaz de regular todos os casos imagináveis. Transcreve-se o § 2º do art. 984,
bem como os incisos I e II do art. 985, ambos do CPC.
§ 2º O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados
concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.
Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:

474
Sobre o assunto, ver: MORORÓ, Leonardo. Precedentes Judiciais do art. 927 do novo CPC e a atuação da
Administração Pública: exame sobre a possibilidade jurídica de vinculação. In: CASTELO BRANCO, Janaina
Soares Noleto; PEREIRA, Lara Dourado Mapurunga. O processo nos tribunais e os meios de impugnação das
decisões judiciais no CPC de 2015: estudos em homenagem à professora Juliana Diniz. Fortaleza: AAJM.
Salienta-se que não é possível colocar todas as informações, pois a obra ainda está em processo de finalização.
HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por uma
implementação espontânea, integral e igualitária. 614 f. Tese (Doutorado em Direito do Estado) – Programa
de Pós Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 476-483. FREITAS, Juarez.
Respeito aos precedentes judiciais iterativos pela Administração Pública. Revista de Direito Administrativo,
Rio de Janeiro, v. 211, p. 119. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/47130>. Acesso em: 14 de mai. de 2017.
475
“O incidente de resolução de demandas repetitivas e o julgamento dos recursos extraordinários e especiais
repetitivos formam um microssistema de solução de casos repetitivos, cujas normas de regência se
complementam reciprocamente e devem ser interpretadas conjuntamente” (enunciado nº 345 do FPPC).
476
Georges Abboud e Marcos de Araújo Cavalcanti tem um estudo, no qual alegam uma suposta
inconstitucionalidade do IRDR: ABBOUD, Georges; CAVALCANTI, Marcos de Araújo. Inconstitucionalidades
do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório. Revista de Processo,
vol. 240, p. 221-242, fev. 2015. Disponível em: <http://www.bvr.com.br/abdpro/wp-
content/uploads/2016/03/Inconstitucionalidades-do-IRDR-e-riscos-ao-sistema-decisorio-.pdf>. Acesso em: 20
jul. 2017.
137

I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão


de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive
àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;
II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar
no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.

A ideia é uniformizar uma questão unicamente de direito477 e que esteja se


repetindo constantemente (arts. 976, I e II e 978, caput). Para tanto, permite-se a colheita do
maior número possível de informações478, com ampla divulgação para que se consiga o
máximo de pontos sobre o caso a ser julgado (arts. 979, caput e 983, caput).
De modo similar, o julgamento de recursos repetitivos do STF e STJ também
tendem a uniformizar uma questão de direito (art. 1.036, caput). Nesses julgamentos é clara a
necessidade de abrangência de argumentos, como forma de tentar esgotar o assunto e proferir
a decisão mais ampla e discutida possível (art. 1.036, § 6º). Decorrência disso, é preciso
buscar dois ou mais recursos para representarem a demanda a ser julgada (art. 1.036, §§ 1º, 4º
e 5º), funcionando estes como caso-piloto479 para firmar a tese a ser aplicada aos demais
casos. O art. 1.039 resume o objetivo desse tipo de julgado, ao explicitar que “decididos os
recursos afetados, os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando
sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada”.
Ademais, tanto no IRDR quanto no julgamento de recursos repetitivos há, a
suspensão dos demais casos similares, o que demonstra que este julgamento tem uma óbvia
ideia de formar um precedente bem fixo.
Essa técnica prospectiva de formação dos precedentes – o Tribunal vislumbra
situações futuras para tentar decidir o mais amplo possível, já refutando o máximo de
argumentos – é nitidamente uma forte opção do legislador como meio de diminuir a

477
Sobre o requisito de ser uma questão unicamente de direito para o uso do IRDR: “Não cabe, por exemplo, o
IRDR para definir se determinada construção foi vendida com vícios estruturais decorrentes de falha no projeto
ou na execução da obra, mas cabe para dizer se, ocorrendo esse fato, há ou não responsabilidade civil do
construtor pela reparação do dano daí decorrente. [...] É muito difícil a distinção entre questão de fato e questão
de direito. Toda questão de direito pressupõe a ocorrência de um fato. Pode-se, de todo modo, dizer que questão
de fato é aquela relacionada com a causa de pedir ou com a hipótese prevista no texto normativo, enquanto a
questão de direito é aquela relacionada com as consequências jurídicas de determinado fato ou com a aplicação
da hipótese de incidência prevista no texto normativo, com as tarefas de subsunção do fato (ou conjunto de fatos)
à norma ou de concretização do texto normativo.”. DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso
de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal
e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, vol.
3, p. 626-627.
478
“Para que se possa fixar uma tese jurídica a ser aplicada a casos futuros, é preciso que sejam examinados
todos os pontos de vista, com a possibilidade de análise do maior número possível de argumentos.”. Ibidem. p.
628.
479
Cunha e Didier Jr. dizem existir dois sistemas possíveis para julgamento de casos repetitivos: caso-piloto e
caso-modelo. Nas palavras dos autores: “No sistema da causa-piloto, o órgão jurisdicional seleciona um caso
para julgar, fixando a tese a ser seguida nos demais. Já na causa-modelo, instaura-se um incidente apenas para
fixar a tese a ser seguida, não havendo a escolha de uma causa a ser julgada”. Ibidem. p. 593-595.
138

morosidade do Judiciário e evitar contradição em julgados de casos que discutem questões de


direito semelhantes sobre certos fatos.
Acredito que possa ser muito proveitoso esse microssistema se: (1) a discussão for
a mais ampla possível, isto é, permita-se a máxima participação, como previsto em lei, e,
principalmente, leve-se em consideração todos os argumentos, refutando ou corroborando eles
e explicando fundamentadamente as razões porque se faz isto; (2) ao aplicar o caso sempre ter
em mente a similaridade, podendo-se distinguir para não aplicar a ratio decidendi firmada; (3)
entendido que nunca estará esgotada a discussão, de modo, que haverá novas divergências e,
exatamente por isso, o art. 986480 prevê a revisão da tese firmada no IRDR.
A última questão a ser tratada neste tópico é o inciso V do art. 927 (“a orientação
do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados”). Sob esse inciso, o que se
destaca é o fato deste precedente ser independente dos demais, mas, ao mesmo tempo, guardar
uma certa obediência de caráter lógico. Não é que haja uma hierarquia formal, mas há uma
exigência lógica de primeiro se observar, por exemplo, a tese em julgamento de recurso
extraordinário repetitivo e não a orientação de um TJ, por exemplo.

5.3 Fundamentação como a pedra base do uso de precedentes: os fatores hermenêuticos


e argumentativos no trabalho dos juízes, a relevância do contraditório na
formação/utilização dos precedentes e a variação da força destes dentro do sistema

Esse tópico é dedicado a uma apuração de como os juízes devem compreender os


precedentes na sua utilização futura, coadunando vários pontos já expostos anteriormente. A
base normativa que está sendo analisada é o art. 489, § 1º, V, o qual explicita:
Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória,
sentença ou acórdão, que: [...] se limitar a invocar precedente ou enunciado de
súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso
sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

Observe que a disposição legal não considerada fundamentada a mera invocação


do precedente sem que se demonstre que seus fundamentos (rationes decidendi) se
enquadram no caso julgado. Por que a lei faz essa afirmação? Simples, pois o trabalho dos
juízes (e o uso dos precedentes está dentro disso) precisa ser argumentativo e é,
invariavelmente, hermenêutico. É isso que passa-se a destacar.

480
“revisão da tese jurídica firmada no incidente far-se-á pelo mesmo tribunal, de ofício ou mediante
requerimento dos legitimados mencionados no art. 977, inciso III”.
139

O ato decisório é algo complexo. E não se está falando somente da decisão


judicial. O ser humano, por ser um ser dotado de racionalidade, quando exigido, tenta
externalizar sua decisão de forma a ser compreendida pelos outros. Isso não quer dizer que os
seres humanos decidam sempre de forma consciente e racional. Pelo contrário, há vários
fatores que influenciam na decisão481.
No campo do Direito isso passa a ser uma exigência para que este seja legítimo,
controlável e que possa colaborar para uma aproximação do mais justo482. A fundamentação é
ato necessário para qualquer decisão, pois nela serão observadas as razões que justificam a
opção do juiz483. Essa opção não decorre de um mero ato solipsista do julgador, necessitando,
portanto, que as razões sejam manifestas numa estrutura dialogal e por uma exposição
argumentativa. Nagibe de Melo Jorge Neto explica, primeiramente, que esse diálogo no
processo judicial é realizado internamente. As partes do processo, essencialmente juiz, autor e
réu484, estabelecem um diálogo de forma a controverter a análise dos fatos e a interpretação da
norma (na realidade, a compreensão das normas e dos fatos é sempre uma análise
hermenêutica) e alcançar a resposta jurídica em contraditório. Esse processo decisório
perpassa também por um diálogo externo, no qual o juiz “troca informações” com outros
juízes e tribunais (ponto em que é percebida a importância do precedente)485.
Ademais, interessante a lição exposta por MacCormick e sintetizada por Atienza.
O autor inglês explica que há uma diferença entre casos fáceis e casos difíceis 486. Para um
caso ser considerado difícil teria que se perceber um dos quatro problemas que este relata: (1)
de interpretação, (2) de pertinência, (3) de prova ou (4) de qualificação (ou fatos secundários).
O primeiro reside na interpretação da norma jurídica. MacCormick resume este
ponto ao dizer que “as normas podem ser ambíguas em determinados contextos e podem ser

481
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. O direito e sua ciência: uma introdução à epistemologia jurídica.
São Paulo: Malheiros, 2016, p. 89. JORGE NETO, Nagibe de Melo. Uma teoria da Decisão Judicial:
Fundamentação, Legitimidade e Justiça. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 168.
482
Jorge Neto explica que a decisão judicial deve ser fundamentada, legítima e justa. JORGE NETO, Nagibe de
Melo. Uma teoria da Decisão Judicial: Fundamentação, Legitimidade e Justiça. Salvador: JusPODIVM, 2017,
p. 259-302.
483
GUERRA, Marcelo Lima. Premissas para a construção de um léxico constitucional e epistemologicamente
adequado em matéria probatória. In: Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI. Fortaleza: CONPEDI,
2010, p. 7.745.
484
Diz-se que são “essencialmente” esses três atores porque, via de regra, são os mais influentes na tomada de
decisões, contudo, como é sabido, terceiros podem adentrar na relação processual e, destarte, influenciar na
resposta a ser dada, como é o caso do amicus curiae (atualmente, mencionado em diversos dispositivos do
código e com um capítulo próprio no Título III do Livro II do CPC/15).
485
JORGE NETO, Nagibe de Melo. op. cit. p. 163-164.
486
Os problemas que ocasionam casos difíceis são apresentados por MacCormick para explicar que a
justificação lógico-dedutiva do tipo “se p então q” não são suficientes. ATIENZA, Manuel. As razões do direito:
teoria da argumentação jurídica. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino 3.ed. São Paulo: Landy, 2003,
p. 123.
140

aplicadas de um modo ou de outro somente depois que a ambigüidade for resolvida” 487. Esta
posição é um tanto quanto questionável, mas serão apresentadas as críticas de forma conjunta
após a explicação de todos os quatro problemas.
No segundo, a dúvida reside sobre a existência de uma norma “pertinente” para a
resolução do caso, isto é, se efetivamente existe uma norma para regular o caso. A pertinência
é o problema de saber se “as alegações da autora são ‘pertinentes’ nos termos da lei com
relação à conclusão em busca da qual ela recorreu ao tribunal”. Em outros termos, “Existe
alguma razão nos termos da lei pela qual, se puderem ser provados os fatos que a autora alega,
deveria ser-lhe concedida a indenização objeto de sua ação?”488.
Deve-se ter em mente que o autor é inglês e, por isso, parte do ponto que nem
sempre no seu sistema jurídico haverá norma legislada para regular o caso, além do que ele
estava analisando a falácia de uma completude de um sistema que trabalhe com meras
deduções do tipo “se p então q”489. Expandindo este problema, pode-se afirmar que a
pertinência inclui a situação de pluralidade de normas invocadas pelas partes para tratar do
caso, gerando dúvida ao juiz sobre qual aplicar. Dessa forma, a pertinência pode ser num
aspecto “positivo” – apoderando-se do termo comumente utilizado para se referir a conflito de
competência –, refletindo uma dúvida sobre qual norma deve ser utilizada, ou “negativo”, no
que não é vislumbrada de imediato uma única norma para o caso.
Os últimos dois pontos são relativos aos fatos discutidos no processo. Em resumo,
o problema é aquele natural em qualquer processo, qual seja, como provar um fato e como se
considerar comprovado – e, claro, demonstrar isso490.
As situações problemáticas envolvendo a compreensão das normas e dos fatos

487
MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Tradução de Waldéa Barcellos. São
Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 86.
488
MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Tradução de Waldéa Barcellos. São
Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 88.
489
Tanto que ao apresentar o problema da pertinência o autor usa um caso famoso na Escócia, no qual uma
senhora discutia uma indenização contra uma empresa por ter ingerido a bebida produzida pela empresa e ter
encontrado no fundo do frasco os restos de uma lesma. Desse modo, o autor explica que “Nenhuma lei
estabelecida cobria (nem cobre) a responsabilidade civil para um dano semelhante; e na época em que seu
recurso foi do Supremo Tribunal da Escócia para a Câmara dos Lordes, não havia nenhum precedente vinculante
que decidisse a questão em termos conclusivos para um lado ou para o outro, embora (como veremos a seu
tempo) houvesse uma boa quantidade de precedentes suficientemente análogos para exercer influência
persuasiva de cada lado do caso”. Idem.
490
O autor explica o que ele entende por provar e, por consequência, sobre o que se funda seus questionamentos:
“‘Prova’ é algo que nos permite (a) considerar verdadeiras proposições sobre o presente; e (b) delas deduzir
proposições sobre o passado. A prova é admissível se (a) for pertinente para fazer uma inferência sobre uma
questão do caso ou relativa a um fato em questão no caso; e (b) não for excluída por alguma norma
fundamentada na suposição de que se trate de um tipo de prova que, se admitida, seria pouco confiável ou
injusta”. MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Tradução de Waldéa Barcellos.
São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 113.
141

existem em qualquer processo, pois é inata à cognição humana. A variação – e nesse ponto
podemos distinguir, apesar de não ser tão útil a diferenciação, casos difíceis dos fáceis491 – se
dá no grau de discussão existente no processo e na sociedade, jurídica ou geral. Em outras
palavras, a percepção sobre a veracidade dos fatos ou a clareza da norma depende do quanto
este fato ou esta norma estão sendo problematizadas dentro do contexto da percepção
humana. Por exemplo, a discussão sobre a norma que estabelece o aborto como há 30 anos era
bem menor do que é hoje, podendo-se dizer que mal existia. Nesse sentido seria possível falar
na clareza da interpretação da norma ou, no caso que serviu como exemplo, mais
propriamente, a clareza sobre sua validade ou até correção axiológica492 em comparação com
o ordenamento jurídico, pois, atualmente, a discussão está interligada a valores
constitucionalmente previstos.
Essa problematização decorre do próprio fato das normas terem valores ligados a
elas493, os quais acabam por influir na percepção delas, pois é natural a ocorrência de
modificações nos agrupamentos humanas e nos pensamentos dos indivíduos sobre a
percepção de quais valores são mais importantes. Além disso, e principalmente, essas
discussões decorrem do fato das normas serem expressas em enunciados linguísticos, isto é,
serem percebidas com auxílio da linguagem, a qual, por sua vez, é um conjunto de sentidos
elaborados pelo ser humano para identificação de fatos e para uma comunicação padronizada
sobre este494. Dessa forma:

491
Streck, por exemplo, sustenta a inadequação da distinção entre casos fáceis e difíceis. Ele sustenta que o easy
case é aquele que se encontra no nível do “universo não questionado” (um “pacote significante” proporcionado
pelo senso comum de um ser humano sobre as coisas do mundo), pois quando houver um “choque
hermenêutico”, isto é, algo que até então não era percebido pelo sujeito e que, a partir do momento que passa a
ser, faz com que ele questione seus pontos iniciais. Disso diz que “esse ‘choque hermenêutico’ faz o intérprete
estranhar o que lhe era familiar e, ao mesmo tempo, interpela-o para que torne familiar o que lhe surge como
estranho ([...] é quando um ‘hard case’ se transforma em um ‘easy case’, o que comprova a inadequação
hermenêutica de tal distinção). STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias
discursivas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 320-322. Apesar de compreender a crítica elaborada por Streck
não se concorda com o dispêndio dele pela a diferenciação. Na realidade, frente às limitações humanas no
alcance da verdade (o humano está em um processo constante de “vai e volta”, progressões e regressões, na
busca de se aproximar dessa verdade inalcançável - na realidade são várias verdades relacionadas às inúmeras
situações da vida, o que inclui a ordem jurídica -, mas que nos é latente e motiva-nos a modificarmos nossos
padrões para tentar alcançá-la, isto é, um esforço em tangencia-la) e a necessidade de aceitação de muitas
situações como - provisoriamente - verdadeiras para que possa-se viver, é possível identificar, num certo
momento e local, um casos como fácil ou como difícil, o que modifica o nível de exigência deliberativa sobre
eles. O juiz não estaria submetido a mesma exigência argumentativa num easy case como está num hard case e o
mero fato dele tentar tonar mais familiar não torna este um caso simples, o que somente se dará com o tempo e
uma “calmaria” nas discussões.
492
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. O direito e sua ciência: uma introdução à epistemologia jurídica.
São Paulo: Malheiros, 2016, p. 87-88.
493
“Através das normas, busca-se a realização de valores caros a quem as elabora ou, no caso da norma
costumeira, àqueles que de algum modo contribuem para sua formação”. Ibidem, p. 80.
494
Marcelo Guerra ao trazer o conceito de fatos institucionais faz compreender porque a linguagem é um desses
fatos: “[...] os fatos institucionais são aqueles que só podem ocorrer, só podem existir por causa de um sistema
142

a norma faz parte desse ‘sistema de coisas invisíveis que se manifesta visivelmente’
e está intrinsecamente relacionado à comunicação humana, de um modo geral, e em
particular à linguagem. Isso nos fornece uma pista muito importante: uma
compreensão mais rigorosa e adequada da norma jurídica não pode deixar de ser
buscada, em premissas adequadas acerca da linguagem e de como os sentidos são
expressos e compreendidos através dela. 495 (grifos no original)

A partir disso, poder-se-ia questionar qual a importância da exposição realizada


sobre os problemas identificados por MacCormick? É simples. Os problemas expostos são
naturais ao processo decisório, variando a depender do caso concreto, de modo que a
interpretação torna-se algo natural, e a argumentação, exposta na fundamentação, exigível
para que se perceba “(a) quais normas devem ser aplicadas ao caso concreto e (b) qual
interpretação deve ser dada às normas que se pretende aplicar ao caso concreto; e (c) quais
fatos são relevantes para a aplicação das normas pretendidas. e (d) se esses fatos devem ser
tidos como provados”496.
Mas, afinal, qual importância disso tudo para o precedente? Ela reside na
necessidade de olhar este como uma decisão judicial. Sendo decisão, o seu fator hermenêutico
e argumentativo se evidenciam. Com isso, pode-se explicar, de forma mais clara, o porquê
que se disse que a fundamentação era a “pedra base” do precedente.
De início, importante a constatação de, “[...] quando os juízes fundamentam as
decisões judiciais, eles pretendem oferecer razões capazes de justificar suas decisões com
base no Direito”497. Assim, já uma clarificação da importância da fundamentação, pois por
meio dela serão expostas as razões do julgado e, como foi apresentado no tópico 3.3, a parte
aplicável do precedente – ratio decidendi – está contida nas razões expostas e percebidas
futuramente pelos outros juristas.
Apesar disso, ainda há outras importâncias na fundamentação para o precedente.
Quando se forma uma decisão judicial, o julgador exerce, conjuntamente, um exercício de
decisão e de justificação desta. Nesse exercício, como já antecipado, muitos fatores
influenciam na tomada de uma decisão. A convicção perfilhada pelo juiz precisa ser motivada,
mas não de modo a exigir que o juiz meramente justifique o caminho interno que traçou e,
sim, que exponha razões que sustentem esta e que sejam capazes de gerar nos terceiros um

de regras, sistema esse que, normalmente, reconhecemos pelo nome ‘instituição’” (grifos no original). Para que
exista linguagem é preciso um sistema de regras sobre ela, o qual vai sendo remodelado constantemente.
GUERRA, Marcelo Lima. Fatos e instituições: um mundo feito de normas. Diálogo Jurídico, Ano IV, Nº 4,
2005, p. 47.
495
Ibidem, p. 52.
496
JORGE NETO, Nagibe de Melo. op. cit. p. 164.
497
Ibidem, p. 165.
143

caminho racional semelhante, com intuito de manter a coesão no Direito498. Nesse ponto
exsurge a face dialogal do precedente, pois a decisão quando motivada, além de ser uma
exigência legal e uma explicação para as partes que auxiliaram, pelo menos em tese, na
formação desta, também passa a ser argumento para futuras utilizações das mesmas razões.
Além do mais, também é percebida a feição de parâmetro que foi destacada sobre
os precedentes, pois:
[...] as razões jurídicas produzidas pelas partes em casos semelhantes servirão,
dentro da perspectiva do diálogo ou discurso externo e do uso dos precedentes, para
limitar a discricionariedade do julgador e estabelecer um padrão de racionalidade,
universalidade e coerência às decisões. As razões manifestadas por um juiz ou
tribunal irão limitar a discricionariedade judicial em matérias semelhantes, na
medida em que estabelecem uma carga argumentativa para as decisões futuras para o
mesmo órgão ou para o órgão inferior de jurisdição. 499

Nesse trecho há três situações a serem destacadas. As razões manifestadas não


podem ser entendidas no sentido de seguir exatamente o que foi escrito na decisão, mas, sim,
de forma a compreender a escolha hermenêutica desenvolvida. Ademais, esse
constrangimento argumentativo causado nos futuros julgadores é o que parte da doutrina está
mencionando como dever de autorreferência, o qual gera um ônus na utilização do
precedente. Esse é o fator argumentativo do precedente no momento da utilização500.
Decorrente deste dever, “o magistrado, ao formular sua decisão, precisa
considerar decisões anteriores que tratem do mesmo tema, [...] o Judiciário precisa tomar em
conta o ele mesmo já fez”501. Desse modo, autorreferência denota a situação dos magistrados
de observarem os precedentes existentes e, assim, considerarem para os seus casos, seja para
aplicá-los, seja para afastá-los, por exemplo, a partir da constatação que o caso submetido ao
juiz não é semelhante aos precedentes analisados. Como dito, a razão de decidir é encontrada
nos fundamentos da decisão, analisando-se também o relatório e o dispositivo para se alcançar
o raciocínio jurídico correto. Quando um juiz aplica a ratio de um precedente a um caso
futuro, ele o faz na parte da fundamentação da sua decisão.

498
Nagibe Jorge Neto escreve que “o oferecimento de razões não é apenas uma justificação para um único caso.
Os juízes ingressam em um discurso mais amplo que ultrapassa os limites do caso em julgamento, não se
esgotando nele”. JORGE NETO, Nagibe de Melo. op. cit. p. 166. Em sentido similar: MACHADO SEGUNDO,
Hugo de Brito. O direito e sua ciência: uma introdução à epistemologia jurídica. São Paulo: Malheiros, 2016, p.
99.
499
JORGE NETO, Nagibe de Melo. op. cit. p. 168.
500
Duxbury diz que o “Precedent, particularly accumulated precedent, can place a significant justificatory
burden on those minded to decide differently on the same facts” ou, traduzido para o português, “O precedente,
em particular o precedente com força acumulada, pode colocar uma significativa carga de justificação para
aqueles que estão inclinados a decidir de maneira diferente sobre os mesmos fatos”. DUXBURY, Neil. The
nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 165.
501
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 267.
144

Esta última frase reforça que a fundamentação é elementar, pois não só na


formação do precedente ela é crucial, mas também na sua utilização. Por isso, pode-se falar
que a autorreferência é um “dever específico de fundamentação”502.
O ponto final a se destacar no citado texto é a parte que se diz que a carga
somente é gerada para juízes da mesma ou inferior hierarquia. Isso é verdade em parte. De
fato, a ideia de vinculação é de cima para baixo, porém, como já explicado no tópico 3.2 e
5.2, há importância – menor, ressalta-se – na visualização dos precedentes que estão sendo
formados abaixo, principalmente se pensarmos que os precedentes auxiliam na coerência e
integridade do sistema jurídico503.
E qual o valor argumentativo para a formação do precedente? Ele se encontra na
estrutura em contraditório do processo. Antes de mais nada é preciso lembrar que esta divisão
entre formação e utilização do precedente não significa, de modo algum, que este “nasça
pronto” no sistema para ser aplicado. Ocorre sempre um processo colaborativo com as
alegações apresentadas pelas partes, então a formação vai se moldando constantemente a
partir da utilização, conforme se explica no tópico seguinte.
A estrutura em contraditório no processo é essencial. É por meio do contraditório
que primeiro a parte apresenta o caso, com sua percepção dos fatos e de como o Direito
deveria regular a situação, delimitando o trabalho do juiz por meio dos pedidos, enquanto o
demandado controverte a situação, pois evidencia pontos que diverge do autor, podendo,
inclusive, contrapor o pedido. Essa forma de formação do processo é exigência natural para
que o juiz possa compreender minimamente o que se passa na situação, bem como garante a
possibilidade da formação da convicção com base nos argumentos apresentados pelas partes.
Disso que decorre, por exemplo, a norma do art. 10 do CPC/15, a qual consagra
que “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a
respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate
de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”, isto é, o julgador deve preservar o
contraditório substancial, inclusive como forma de preservação de uma estrutura democrática
do processo. Nesse sentido, Motta e Ramires são enfáticos ao explicar que “não basta que a
decisão judicial esteja correta no seu resultado; a decisão deve, também, legitimar-se a partir

502
Ibidem, p. 268.
503
Ravi Peixoto expressa que “mesmo que o precedente possua apenas eficácia persuasiva, não será possível ao
magistrado simplesmente ignorar aquela fonte do direito”. PEIXOTO, Ravi. Superação do Precedente e
Segurança Jurídica. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 143.
145

da resposta aos argumentos dos interessados”504.


O contraditório permite uma certa legitimação da decisão judicial. A legitimação
seria possível com a fundamentação e esta advém de uma resposta aos argumentos das partes,
de modo que “só faz sentido falar em decisão adequadamente fundamentada, e mesmo em
correção da decisão, a partir das questões controvertidas e na medida da extensão dessas
questões”505, pois o magistrado não julga, em regra506, uma infinidade de situações abstratas,
mas, sim, situações palpáveis com delineamentos próprios.
Como o precedente é formado no ambiente processual, no qual há este
contraditório, torna-se inafastável a compreensão que, seja na sua formação (first
impression507), seja na sua aplicação, sempre haverá uma colaboração mútua das partes com o
magistrado. Tanto que Mitidiero equipara a necessidade da parte de demonstrar a relevância
do precedente ao dever de fundamentação do juiz, já que em ambos os casos há uma
exigência colaborativa da lei em prol de uma prestação jurisdicional racional e,
principalmente, que almeje uma correção substancial. O mencionado autor escreve que o
“ônus de alegação das partes é a simétrica contrapartida ao dever de fundamentação analítica
dos juízes, das Cortes de Justiça e das Cortes Supremas (arts. 93, IX, CF, e 489, § 1.º, V e VI,
do CPC)”508.
Cabe lembrar que o inciso V do § 1º do art. 489 (comentado a seguir) explica que
não é fundamentada a decisão que “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte [...]”, o que serve para evidenciar a necessidade de
contraditório substancial.
É bastante comum que o juiz, por exemplo, julgando procedente um pedido,
fundamente a sua decisão com base apenas, ou ao menos predominantemente, nos
argumentos e provas produzidos pelo autor. Isso, porém, não é correto. É
imprescindível que se indique também por que as alegações e provas trazidas pela
parte derrotada não lhe bastaram à formação do convencimento. Trata-se de
aplicação do princípio do contraditório, analisando sob a perspectiva substancial:
não basta que à parte seja dada a oportunidade de manifestar-se nos autos e de trazer
as provas cuja produção lhe incumbe; é necessário que essa sua manifestação, esses

504
MOTTA, Francisco José Borges; RAMIRES, Maurício. O Novo Código de Processo Civil e a Decisão
Judicial Democrática: Como e Por Que Aplicar os Precedentes com Coerência e Integridade? In: STRECK,
Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão (Orgs). op. cit. p. 101.
505
JORGE NETO, Nagibe de Melo. op. cit. p. 174.
506
Diz-se “em regra”, pois, por exemplo, no caso de julgamento de RE repetitivos, por exemplo, o STF deve
visualizar todos os argumentos possíveis para decidir.
507
Termo é utilizado para explicar o precedente que surge com algo novo no sistema, diferenciando de casos
futuros que decidam com base na mesma ratio, pois estes podem até modificar o precedente, ampliando ou
restringindo ele, mas não serão a “primeira impressão”. SUMMERS, Robert S. Precedent in the United States
(New York State). In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L. Interpreting
precedents: a comparative study. Great Britain: Aushgate Publishing Limited, 1997, p. 366.
508
MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017,
p. 100.
146

seus argumentos, as provas que produziu sejam efetivamente analisados e valorados


pelo magistrado. Além disso, o julgador deve expor na sua decisão os motivos por
que tais argumentos e provas não o convenceram. [...] Isso é importante até para que
a parte derrotada possa lançar mão dos meios de controle da decisão que lhe é
desfavorável.509

Por fim, explica-se a variação da força do precedente. Foi destacado (como será
visto no tópico 5.4) que este passa por uma lapidação natural a partir da análise das razões de
decidir sobre os novos fatos dos casos futuros, os quais contribuem com suas peculiaridades,
bem como pela apresentação de novos argumentos não vislumbrados, o que acaba por
modificar sua força sistêmica. Streck e Abboud explicam que o precedente é utilizado no
sistema jurídico (ou, ao menos, como deveria ser) a partir de “[...] uma espécie de depuração
histórico-hermenêutica de alguma decisão [...]”510. Também nesse sentido, Neil MacCormick
e Robert Summers destacam a progressividade no uso dos precedentes:
A elaboração do direito através do precedente é geralmente uma atividade mais lenta
e mais evolutiva, no qual, por um processo incremental, pequenos ajustes são feitos
caso a caso, geralmente nunca mais do que os necessários para resolver o problema
em cada caso, sempre corrigíveis por meio da prática, através da superação de erros
descobertos [...].511

Destarte, qual a relação entre o fato do precedente ser depurado no tempo e a


afirmação de que sua força oscila no sistema? Essa pergunta é respondida pela proposta de
Lopes Filho de uma visão dos precedentes em uma estrutura em rede.
O citado autor explica, corretamente, que o precedente representa um ganho
hermenêutico. Essa forma de visualizar o precedente significa que a decisão surge no sistema
e, caso adicione algo novo na relação entre o Direito e os fatos, servirá para utilização futura.
Apesar disso, como a decisão surge para responder um caso, quando estiver de frente para
uma nova situação os elementos serão diferentes. Por consequência, para utilizar os
precedentes será preciso observar como ele se aproxima ou não dos aspectos do novo caso e
se o raciocínio será o mesmo a partir dessas semelhanças512.

509
DIDIER JR., Fredie. Sobre a fundamentação da decisão judicial. 2007, p. 8. Disponível em: <
http://www.frediedidier.com.br/wp-content/uploads/2012/02/sobre-a-fundamentacao-da-decisao-judicial.pdf>.
Acesso em: 07 nov. 2017.
510
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto - o precedente judicial e as súmulas vinculantes?
3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 106.
511
Versão no original: “The elaboration of law through precedent is usually a slower, more evolutionary
business, in which by an incremental process small adjustments are made case by case, usually never more than
necessary for solving the problem in each case, always correctable in the light of experience through overruling
of discovered mistakes [...].”. MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. Introduction. In:
MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L. Interpreting precedents: a
comparative study. Great Britain: Aushgate Publishing Limited, 1997, p. 5.
512
LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 266-269.
147

Além disso, vários fatores oferecem uma maior ou menor força aos precedentes.
Como exemplo: (1) hierarquia na estrutura do Judiciário do tribunal que proferiu a decisão-
precedente; (2) tipo de processo (controle concentrado ou abstrato, casos repetitivos, incidente
de resolução de demandas repetitivas, etc); (3) a decisão tomada no plenário, seção, turma,
órgão especial ou de forma monocrática; (4) votação foi unânime ou não; (5) composição foi
alterada ou não; (6) outros precedentes sobre outras temáticas no mesmo sentido, inclusive
não judiciais; (7) existência de desafios; (8) postura da doutrina; (9) modificação legislativa a
favor, contra ou que, de algum modo, afete a interpretação feita 513; (10) modificações sociais,
econômicas e políticas; (11) aplicação contínua; (12) quantidade de distinções, ampliações ou
restrições realizadas; (13) ramo do Direito discutido; (14) antiguidade do precedente; (15)
profundidade na análise do caso e no nível da discussão e argumentação desenvolvida.514
Todos esses fatores acabam enfraquecendo ou fortalecendo o precedente dentro do
sistema. Decorrente dessa dupla situação, qual seja, utilização do precedente por uma análise
que considera elementos semelhantes para aplicação e os distintos para não uso e os múltiplos
fatores para saber qual a força do precedente, o citado autor diz que os precedentes existem
em rede, ou seja, quanto mais elos, mais forte ele será.
Opta-se por utilizar os exemplos de um banco de digitais e de uma presa (bicho)
numa teia para equiparar, respectivamente, com a força do precedente para um caso e a força
dele no sistema.
Quando a polícia encontra uma digital numa cena de um crime ela tentará achar
no seu banco de dados aquela que seja mais compatível. Desse modo, existem digitais no
banco quase que totalmente incompatíveis e outras muito próximas, até o momento que se
encontra uma quase igual. Também é possível que nenhuma digital fique nem perto de um
mínimo para levantar uma suspeita, de modo que aquela digital da cena do crime é nova. O
513
Um interessante caso de mudança na lei que fez com que um entendimento perdesse força é o da Súmula
Vinculante nº 9 e da Lei 12.433/11, a qual modificou a redação do art. 127 da Lei de Execução Penal. A redação
original era: “O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando o novo
período a partir da data da infração disciplinar”. O instituto da remição permite ao preso, em regime fechado ou
semiaberto, que trabalhar e/ou estudar, uma diminuição do tempo de pena. O STF firmou o seguinte
entendimento sobre o dispositivo: “O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi
recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58”
(grifo no original). O mencionado art. 58 limita a 30 dias o tempo para isolamento, suspensão e restrição de
direitos e, por isso, estava-se pleiteando que a perda por falta grave dos dias remidos fosse limitada a 30 dias. O
STF entendeu pela constitucionalidade e afastou essa interpretação, mencionando que a perda deveria ser de
todos os dias. Apesar disso, mudou-se o art. 127, o qual está com a seguinte redação: “Em caso de falta grave, o
juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a
contagem a partir da data da infração disciplinar”. Dessa forma, o entendimento da súmula agora pouco importa,
pois a Lei 7.210/84 prevê um novo parâmetro, qual seja, o limite de até 1/3 do tempo, devendo o juiz observar
a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo
de prisão para mensurar o quanto que será perdido.
514
Maioria dos exemplos são expostos por Juraci Mourão Lopes Filho. Ibidem. 416.
148

mesmo ocorre na relação de um caso para julgamento e dos vários precedentes existentes no
sistema. O julgador começará observando o que compõem aquele caso sub judice para depois
comparar com os outros já elaborados. Dessa forma, entre os vários caracteres que compõem
cada decisão, o caso atual terá alguns elementos compatíveis e outros não, de forma que
alguns precedentes serão incompatíveis e outros mais compatíveis ao caso. Pode ser que
nenhum seja nem minimamente compatível, o que quer dizer que essa nova “digital” vai
ingressar no “banco”, ou traduzindo, a decisão será um precedente novo.
Em relação à força do precedente no sistema podemos imaginar um bicho preso
numa teia. Quantos mais fios formam a teia, mais difícil para o bicho escapar. Para chegar
nesse nível de aprisionamento é preciso lançar os fios continuamente, até que se chegue nesse
grande emaranhado. O precedente é o bicho e os fatores citados acima são os fios. Além da
quantidade de fios, eles também podem ser mais grossos ou mais finos, de melhor ou pior
qualidade. Exemplificando. A antiguidade do precedente é um fio, mas ele pode ser “fino”
quando pouco utilizado e, devido a isso, tenha se tornado um pouco obsoleto. Pelo contrário,
ele pode ser “grosso” quando é algo que mesmo antigo ainda tem uma vivacidade dentro do
sistema.
Com isso, conclui-se que o juiz não está atravancado pela existência dos
precedentes, o que há, na verdade, é um imperioso diálogo no exercício da jurisdição515, o
qual deve garantir uma racionalidade no sistema516 e ser visto como um trabalho cooperativo,
isto é, os juízes - e as partes também - colaboram com a exposição de argumentos e contra-
argumentos que permitem a compreensão mais correta do direito517.

5.4 Técnicas clássicas do common law e o art. 489, § 1º, VI do CPC: distinguishing,
overruling e situações intermediárias

515
Ravi Peixoto escreve que esse dever de dialogar não gera uma submissão e, por isso, ele faz uma comparação
que o trabalho do juiz seria uma “espécie de liberdade condicionada”. PEIXOTO, Ravi.op. cit. p. 145.
516
Hermes Zaneti, nesta toada, afirma que “[...] o principal valor da teoria dos precedentes é conferir
racionalidade ao sistema”. ZANETI JR, Hermes. Precedentes (treat like cases alike) e o novo Código de
Processo Civil; universalização e vinculação horizontal como critérios de racionalidade e a negação da"
jurisprudência persuasiva" como base para uma teoria e dogmática dos precedentes no Brasil. Revista de
Processo, vol. 235, p. 293-349, set. 2014, p. 7-8.
517
Lopes Filho diz que há um “círculo hermenêutico”, no sentido que os juízes vão interpretando as normas
legislativas e formando precedentes e, depois, vão interpretar e reinterpretar esses, podendo conferir novas
significações. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 340.
149

“[...] não basta a simples menção do precedente para solucionar a controvérsia.


Este deve vir acompanhado da necessária justificação e contextualização no caso concreto”518.
“o juiz precisa interpretar essa história (os precedentes) para que possa escrever o capítulo
seguinte - que representa a sua própria decisão”519. “o precedente constitui-se em um critério
jurídico que serve como problematização e fundamentação para casos análogos” (grifo no
original)520.
As citações são um reforço ao que se explicou no tópico anterior, isto é,
precedentes não são vistos mecanicamente, mas, sim, e somente, sob uma perspectiva
hermenêutica e argumentativa.
Nesse momento, volta-se os olhos para as principais técnicas utilizadas nos
sistemas jurídicos já acostumados ao uso dos precedentes (EUA e Inglaterra), pois o art. 489,
§ 1º, VI do CPC considera não fundamentada a decisão que “deixar de seguir enunciado de
súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de
distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”, sendo as duas formas
básicas de não utilização do precedente: a distinção (distinguishing) e a superação
(overruling).
Comecemos pelo distinguishing. Primeiramente, destaca-se que esse termo pode
ser usado em dois sentidos521. O primeiro, menos usual, refere-se à comparação entre as
circunstâncias importantes do caso no qual foi formado o precedente e às circunstâncias do
caso presente, enquanto no segundo, que é o mais comum, tal terminologia é utilizada para se
referir ao resultado da comparação feita, quando esta é de distinção e, desse modo, de
inaplicabilidade da ratio decidendi522.
A distinção é importante porque garante que a solução dada para uma determinada
situação seja aplicada somente àquelas que guardem real proximidade (treat like cases
alike523). Essa análise das diferenciações relevantes entre os casos não é realizada somente

518
STRECK, Lenio Luiz. Da interpretação de textos à concretização de direitos. In: COPETTI, André; STRECK,
Lenio Luiz; ROCHA, Leonel Severo (Orgs.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica. São Paulo:
Livraria do Advogado, 2005. n. 2, p. 172 apud SCHMITZ, Leonard Ziesemer. op. cit. p. 6 da versão digital.
519
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 270.
520
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto - o precedente judicial e as súmulas vinculantes?
3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 71.
521
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 491. MACÊDO,
Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 356.
522
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 491.
523
Frederick Schauer destaca que “Among the most common justifications for treating precedent as relevant is
the argument from fairness, sometimes couched as an argument from justice. The argument is most commonly
expressed in terms of the simple structure, ‘Treat like cases alike’.” Em português: “Entre as justificações mais
comuns para o tratamento de precedentes como relevantes é o argumento de equidade, às vezes formulado como
150

com base na equivalência, ou não, entre os fatos substanciais, como vêm sendo dito por
alguns524. Ela vai além. É crucial uma análise desses fatos a partir das perguntas que estão
sendo elaboradas em cada caso, pois a decisão anterior foi proferida sobre um conjunto de
fatos e argumentos, de modo que “a pesquisa a respeito das situações para as quais as decisões
dos tribunais foram prolatadas”525 se torna substancial para a aplicação do precedente.
Lembre-se que a ratio decidendi, parte aplicável do precedente, encontra-se nas
razões do julgado anterior, os quais somente podem ser entendidos numa análise do conjunto
de situações que circundam o processo (fatos, argumentos, provas). Em resumo, não é que
esteja errado falar que no distinguishing há uma diferenciação entre fatos materiais dos
casos526, mas não se pode cair no equívoco de tentar observar os fatos apartados dos outros
elementos que envolvem a causa. Com essa explicação, apontam-se outras situações
interessantes envolvendo a distinção.
A primeira situação muito importante é compreender que a distinção é uma forma
de lapidação do precedente. Tanto que a não adoção do precedente por distinção não significa
que este esteja equivocado ou deva ser abandonado - não é uma afirmação que aquele
precedente é ruim -, mas que somente é inaplicável ao caso por ser incompatível com este527.
Além disso, ao se deparar com um novo caso, aquela razão do precedente firmada
a partir de certa situação poderá ser estendida a outra semelhante que não estava expressa
anteriormente (distinção ampliativa) ou, pelo contrário, poder-se-á restringir o âmbito de
incidência, pois o precedente não tinha vislumbrado uma particularidade no caso anterior
(distinção restritiva)528, o que permite uma prestação jurisdicional mais específica e acertada.

argumento da justiça. O argumento é mais comumente expresso em termos da estrutura simples, "Tratar igual
casos parecidos". SCHAUER, Frederick. Precedent. Stanford Law Review. vol. 39, p. 571, fev. 1987, p. 595.
Disponível em: <http://www.nonpublication.com/schauer.htm>. Acesso em: 07 ago. 2017.
524
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
231. Por exemplo, Schauer e, no Brasil, citando ele, Mitidiero falam na necessidade de relevant similarity entre
os casos, mas se dedicam precipuamente a análise somente dos fatos. SCHAUER, Frederick. Thinking like a
lawyer: a new introduction to legal reasoning. Cambridge: Harvard University Press, 2012, p. 45. MITIDIERO,
Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 99.
525
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010, p. 126. No mesmo sentido: LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no
constitucionalismo brasileiro contemporâneo. Salvador: JusPODIVM, 2014, p. 270.
526
Apesar de já se ter explicado o que são fatos materiais no tópico 2.3 ao se falar sobre Goodhart, esses são
aqueles principais para a decisão, de modo que “os fatos substanciais para a decisão não são fatos, em seu
sentido de um recorte dos acontecimentos concretos que foram analisados no processo, mas sim a descrição que
é feita dos fatos como relevantes para a tomada da decisão. É evidente que esse trabalho é realizado pelo juiz
subsequente, através da interpretação do precedente”. MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o
direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 345.
527
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
231. DUXBURY, Neil. op. cit. p. 114.
528
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
234.
151

Para explicar isto, prefere-se empregar três termos distintos: distinção


(distinguishing), alargamento (to widen) e estreitamento (to narrow)529.
O primeiro caso ocorre quando o julgador posterior diz que é inaplicável o
precedente ao caso atual porque há diferenças entre as situações, principalmente, com base em
fatos diferentes entre as causas530 – nesse ponto a diferença entre os fatos materiais é muito
importante – que faz com que aquele precedente não tenha sido feito para resolução desse
caso.
Já no segundo, mesmo o juiz notando que existem diferenças, ele percebe que o
raciocínio jurídico deve ser similar, pois, mesmo tendo peculiaridades, é preciso realizar uma
expansão da ratio decidendi para albergar esse novo caso531. O juiz, assim, está alargando o
precedente. No caso de ser um juiz de grau abaixo daquele que proferiu o entendimento
original, o Tribunal pode discordar dessa ampliação no recurso, explicando porque não seria
extensível e prolatando decisão com outras razões, isto é, faz a distinção (primeiro caso).
Finalmente, no terceiro ocorre uma restrição quando no caso posterior que,
aparentemente, seria aplicável a mesma razão de decidir, surgem elementos que justificam

529
MOTTA, Francisco José Borges; RAMIRES, Maurício. O Novo Código de Processo Civil e a Decisão
Judicial Democrática: Como e Por Que Aplicar os Precedentes com Coerência e Integridade? In: STRECK,
Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão (Orgs). op. cit. p. 106.
530
Um exemplo de distinguishing é percebido no julgamento do REsp 1562239/MS. Nesse julgado, a Terceira
Turma do STJ disse que não era possível relativizar a coisa julgada quando o reconhecimento do vínculo
parental tiver ocorrido, exclusivamente, pela recusa do investigado ou seus herdeiros em disponibilizarem
material genético para realização de exame de DNA. A distinção foi feita – como sempre será – com base nas
razões de outro entendimento e a relação com os fatos dele e os fatos do atual caso. O STJ tem posicionamento
que é possível relativizar a coisa julgada para alcançar realização de exame de DNA, com intuito de alcançar a
maior veracidade possível quanto a paternidade. Apesar disso, esse entendimento foi firmado a partir de casos
que o exame de DNA não foi feito, na época da ação de investigação da paternidade, por impossibilidade
tecnológica (AgInt no REsp 1417628/MG). Observe a diferença entre os casos. Nos casos que se firmou o
entendimento da relativização os filhos estavam almejando que, após a existência do exame de DNA, fosse
permitido a realização em prol de uma verdade real. No caso comentado, todavia, os herdeiros do suposto pai
negaram-se a entregar material genético para a realização do exame de DNA, aplicando-se a presunção iuris
tantum de paternidade (súmula nº 301 do STJ). Desse modo, os fatos substanciais são bastantes distintos e, por
isso, a ratio decidendi anterior não foi aplicada. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Especial
(REsp) 1562239/MS. Recorrente: I.K.Z e J.D.Z. Recorrido: M.M.D. Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino.
Terceira Turma. Julgamento em 09/05/2017. DJe de 16/05/2017. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Agravo Interno no Recurso Especial (AgInt no REsp) 1417628/MG. Agravante: J.C. das N. Agravado: K.R.F.
Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze. Terceira Turma. Julgamento em 28/03/2017. DJe de 06/04/2017.
531
Exemplo dessa expansão da ratio é percebida em alguns julgado do STF em relação a Súmula Vinculante nº
24. O teor da Súmula é o seguinte: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º,
incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. Esse posicionamento surgiu em
face da divergência sobre qual o momento da consumação dos crimes da Lei de crimes contra a ordem tributária.
O entendimento foi firmado nesse sentido, pois caberia ao Fisco explicitar se houve ou não uma fraude contra a
Fazenda. Dessa forma, caso não fosse lançado o crédito tributário de forma definitiva, não havia lesão ao Erário
e, portanto, não existiria crime. O STF estendeu o entendimento para o crime de sonegação de contribuição
previdenciária, previsto no art. 337-A do Código Penal. O entendimento foi firmado porque a contribuição tem
natureza tributária, então, do mesmo modo, precisa ser confirmada a lesão ao Fisco por meio do lançamento
definitivo do crédito tributário. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Inquérito 3102/MG (Inq). Autor:
Ministério Público Federal. Investigado: Newton Cardoso Relator: Min. Gilmar Mendes. Tribunal Pleno.
Julgamento em 25/04/2013. DJe de 19/09/2013.
152

uma modificação532. Assim, estar-se-ia restringindo os fatos alcançados por aquela resposta
por meio da evidenciação de uma exceção. Do mesmo modo, o tribunal que proferiu o
entendimento poderá discordar dessa redução e aplicar o mesmo raciocínio anterior. Veja que
a diferença para a distinção é bastante sutil e, até, um pouco insignificante, pois reside no fato
de na restrição o caso parecer caber no mesmo raciocínio, mas existirem peculiaridades não
percebidas; e na distinção a situação atual já não aparentava encaixar na anterior.
Na realidade, o mais importante é perceber que o precedente não nasce pronto
para responder todos os casos e essas situações servem para evidenciar isto. Assim, a
distinção – falando de modo a englobar os três casos – permite aos magistrados apontarem os
fatos e os argumentos que realmente foram importantes para que fosse alcançada uma certa
resposta jurídica533.
Decorrente do que foi dito até aqui é possível perceber outros pontos relevantes
sobre o distinguishing. Cabe notar, por exemplo, a impossibilidade de se exigir uma igualdade
dos fatos, pois, naturalmente, existiram diferenças, isto é, “não há sempre, e certamente não
tem que ser, uma combinação absolutamente perfeita entre um novo caso e o precedente”534.
Com isso, não é possível a realização de distinção com base na mera diferença fática, sendo
preciso apresentar motivos que expliquem por que o caso atual tem uma peculiaridade que
justifica a não utilização do precedente. Ademais, essa análise para aplicação do precedente
cabe a todo magistrado, tanto que o Fórum Permanente de Processualistas Civis estabeleceu o
enunciado de nº 174, o qual expressa que “a realização da distinção compete a qualquer órgão
jurisdicional, independentemente da origem do precedente invocado”.

532
Utilizando o entendimento da Súmula Vinculante nº 24, citado na nota de rodapé logo acima, o STF realizou
uma restrição do seu entendimento para explicar uma peculiaridade. Antes de explicar o caso, ressalta-se que
alguns autores chamam tal situação de overriding. Existira uma restrição na incidência de um precedente decor-
rente de uma decisão futura. Seria o caso de o Tribunal ter restringido parcialmente o precedente, não por acredi-
tar que ele continha um erro, mas, sim, para adequar sua abrangência. MARINONI, Luiz Guilherme. Preceden-
tes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 247. Voltando ao caso, o Supremo flexibili-
zou o entendimento, demonstrando que existia uma exceção, quando há embaraço à fiscalização tributária ou
diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal, permitindo o início da investigação crimi-
nal antes do lançamento definitivo. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Agravo Regimental no Recurso
Extraordinário com Agravo 936653/MG (ARE com AGr). Agravante: Drogavida Comercial de Drogas Ltda.
Agravado: Estado de Minas Gerais. Relator: Min. Roberto Barroso. Primeira Turma. Julgamento em 24/05/2016.
DJe de 14/06/2016.
533
Ravi Peixoto também menciona que as distinções são importantes na própria delimitação da ratio, pois os
julgadores posteriores realizam ajustes na aplicação dessa razão de decidir. PEIXOTO, Ravi. Superação do
Precedente e Segurança Jurídica. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 187 e 191.
534
No original: “There is not always, and there certainly does not have to be, an absolutely perfect match
between a new case for decision and any single precedent.”. MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S.
Introduction. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L. Interpreting
precedents: a comparative study. Great Britain: Aushgate Publishing Limited, 1997, p. 1.
153

Também é importante mencionar que distinções excessivas podem significar que


o caso foi feito numa situação muito particularizada ou, ainda, um “desafio”, se feito por
julgador de inferior hierarquia (técnica explicada posteriormente ao se falar da antecipatory
overruling) ou, no caso de ser feita pela mesma corte, pode ser indício de uma superação
futura535. Nessas situações, há quem diga que, quando as distinções são realizadas de forma a
abandonar os fundamentos jurídicos fixados na decisão anterior, mesmo que os casos
subsequentes tenham a mesma similaridade fática, haveria uma distinção inconsistente536.
Para compreender essa problemática é preciso falar sobre a superação.
Na superação (overruling) há um verdadeiro abandono do entendimento anterior
para casos similares. O magistrado julga sem utilizar-se de um determinado precedente por
demonstrar a superação do entendimento constante nele. A partir disso, o novo julgado
produzirá uma nova ratio decidendi537, sendo preciso, para tanto, que haja um diálogo
argumentativo por parte do magistrado com entendimento anterior para demonstrar a
perspicácia sistêmica da não permanência deste. Lembre-se que o precedente exaure uma
interpretação em uma dada situação, permitindo que as normas jurídicas sejam aplicáveis ao
caso. Não se pode, simplesmente, modificar entendimentos sem, ao menos, apresentar
argumentos que evidenciem o porquê que esta nova interpretação é mais adequada.
Salienta-se que o overruling é uma técnica utilizada pelo órgão jurisdicional que
estabeleceu o precedente538. Apesar de comum, não é correto falar que um órgão de superior
hierarquia na estrutura judiciária supera o entendimento de um órgão inferior539. Quem supera
algo é aquele que o fez. O tribunal acima produz entendimento discordante, que, muito
provavelmente, conduzirá o tribunal inferior a uma adequação por superação do seu
precedente anterior.
Ademais, não é correto a simples menção que ao julgar casos futuros que os juízes
terão que, “caso os casos sejam semelhantes, aplicar a ratio decidendi, mesmo que dela

535
PEIXOTO, Ravi. Superação do Precedente e Segurança Jurídica. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p.
192.
536
Lucas Buril de Macêdo acredita que tal prática é uma infringência a um sistema de respeito aos precedentes
judiciais vinculantes, pois estaria sendo feita uma “criação de uma diferenciação não plausível entre um
precedente e um caso posterior”. MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil.
Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 367. No mesmo sentido: PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 194-197. De modo
contrário, Luiz Guilherme Marinoni vê como uma técnica plausível de ser utilizada, para mais ver: MARINONI,
Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 249-251.
537
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015,
p. 389. DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 494. PEIXOTO,
Ravi. op. cit. p. 170.
538
MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 2. ed. São Paulo: RT, 2017, p. 104.
539
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no
sistema processual do brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 94.
154

discordem”540, pois, como dito pelo autor que acabou-se de citar:


[...] a regra extraída dos precedentes nunca está acabada, tem um caráter
permanentemente incompleto, que paulatinamente evolui em conjunto com as
demais modificações ocorridas no direito e na sociedade 541.

Isso é correto porque o overruling está imerso na dinamicidade inerente ao


exercício da jurisdição. Os juízes num sistema que prevê precedentes com força vinculante
estão atrelados, em regra, a uma observância destes. Apesar disso, como já explicado acima, a
observância e consequente aplicação do precedente é sempre feita de forma circunstanciada,
observando-se o caso (distinguishing) e a relação do precedente com o sistema jurídico e com
a busca de correção (overruling). Em resumo, “um precedente injusto ou irracional não
merece e nem deve ser seguido”542.
E quais motivos justificam uma superação? São muitos: mudanças sociais,
econômicas, tecnológicas543, políticas; antiguidade do entendimento544; surgimentos de outros
precedentes que contradizem o anterior545; injustiças na sua aplicação constatadas
posteriormente; novidades legislativas que alterem as normas sobre as quais o entendimento
foi firmado546 ou que gerem uma incompatibilidade entre o precedente e o ordenamento
quando observado de forma geral, entre outros547.
Agora é possível explicar a questão da distinção inconsistente, da antecipatory
overruling e do desafio. A primeira, como explica Macêdo, ocorre quando um julgador de
inferior hierarquia deixa de aplicar um precedente, mesmo os fatos substanciais sendo “[...]
idênticos aos do caso subsequente ou, ainda, as razões da construção do precedente
apresentam-se da mesma forma no caso em análise”, ou seja, “há, nas distinções

540
PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 130.
541
PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 165.
542
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e aplicação de regras
jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 368.
543
SUMMERS, Robert S. Precedent in the United States (New York State). In: MACCORMICK, D. Neil;
SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L. Interpreting precedents: a comparative study. Great Britain:
Aushgate Publishing Limited, 1997, p. 396.
544
O fato de um precedente ser antigo por ser algo que fortifique ele ou enfraqueça. O que determinará qual
situação vai triunfar é o quanto ele é arraigado no sistema, isto é, sua aceitação no mundo jurídico como um
todo. Nesse sentido: LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo
brasileiro contemporâneo. Salvador: JusPODIVM, 2014, p. 437.
545
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
253.
546
Enunciado nº 324 do FPPC: “Lei nova, incompatível com o precedente judicial, é fato que acarreta a não
aplicação do precedente por qualquer juiz ou tribunal [...]”.
547
Charles D. Cole menciona que “o precedente mudará progressivamente quando o legislador mudar a lei sobre
a qual o precedente se baseia, quando a evolução cultural do tempo o requerer, quando a filosofia judicial da
maioria da Corte, com autoridade para mudar o precedente aplicável, alterar ou revogar o precedente anterior, ou
quando a Corte recursal com autoridade para mudar o precedente determinar que cometeu um erro ao estabelecer
o precedente em questão”. COLE, Charles D. Precedente judicial - A experiência americana. Revista de
Processo. vol. 92, p. 71, out. 1998.
155

inconsistentes, a ocorrência da incidência da incidência da norma do precedente, todavia, o


tribunal nega-lhe aplicação”548. A segunda é técnica similar ao overruling, mas realizada por
órgãos inferiores ao que proferiu o precedente. Seria um caso em que a Corte que editou o
precedente começa a demonstrar uma inconsistência em casos futuros que poderá conduzir à
superação deste e, portanto, os órgãos abaixo deixam de aplicar o precedente, sinalizando a
modificação vindoura na jurisprudência549. Didier, Braga e Oliveira salientam que, todavia,
não é possível entender tal técnica como a não aplicação do precedente pelo magistrado por
mera discordância quanto ao mérito do precedente550. A última, proposta por Lopes Filho,
ocorre quando o julgador, não por mera discordância, e, sim, com base em argumentos novos
consegue expor uma opção hermenêutica diversa e, por consequência, não segue a ratio
decidendi.
O problema das duas primeiras técnicas reside na visão do precedente com uma
fonte da qual se extrai uma regra para o juiz aplicar por mero silogismo, isto é, se ocorreu p
então deve ser q. O precedente deve ser visto como um parâmetro racional que gera um ônus
argumentativo na sua utilização, revelando uma relação entre perguntas e resposta de um caso
com uma devida opção hermenêutica sobre a norma a ser utilizada ou, como dito por Juraci
Lopes Filho, o precedente importa por ser um ganho hermenêutico 551. A antecipatory é quase
que uma exigência de um trabalho de vidente, de forma que melhor seria somente dizer que o
precedente está perdendo força no sistema. As distinções inconsistentes podem ser vistas de
duas formas. Na primeira o juiz não aplicou simplesmente por não concordar, o que realmente
não é viável. Já na segunda o juiz apresenta um novo argumento (aqui os advogados das
partes são essenciais para a fomentação de novas formas de tratar o caso ainda não
analisadas), expondo razões novas, de forma que há um desafio – nos termos de Lopes Filho –
do entendimento anterior, cabendo à Corte acima analisar essa nova situação.

548
MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 367.
549
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 506.
550
Idem.
551
O autor explica que o ganho hermenêutico ocorre quando há: “(1) a obtenção de um novo sentido; (2) opção
por um específico sentido obtido em função das peculiaridades concretas observadas e que, até então, fugia a
uma interpretação realizada segundo a consideração de situações-padrão e comuns de aplicação; (3) avanço de
sentido não contidos aprioristicamente em um texto legislativo ou constitucional”. Somente quanto a terceira
forma de “ganho” é que há uma certa perplexidade. Como exposto no tópico 2.4, mesmo interpretações ligadas a
questões gramaticais, isto é, ligadas “aprioristicamente” ao texto são formas de revelar um ganho que deve ser
considerado. Ademais, uma busca de fidelidade aos limites textuais é fundamental, sob pena de termos juízes que
tenham intenção de legislar, de modo que a primeira interpretação deve sempre ser sobre questões literais e
gramaticais, ligadas a semântica e sintaxe, para somente depois adentrar em outras formas de visualização do
texto. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 276.
156

Sobre esse ponto, Ravi Peixoto destaca que para o juiz respeitar o precedente e
manifestar sua discordância deverá utilizar a técnica do disapprove precedent, o qual
possibilita ao juiz “no caso de discordância acerca do conteúdo do precedente, fundamentar
com base em seu entendimento, mas apontar que, devido à obrigatoriedade dos precedentes,
aplicará a ratio decidendi dos tribunais superiores”552.
Ambas (desafio ou disapprove) são formas de discordância. Apesar disso, prefere-
se a primeira, pois no disapprove há uma menor exigência do tribunal acima de analisar os
argumentos lançados para a discordância, o que diminui a relação dialogal que esse novo
precedente poderia ter. Na realidade, no disapprove, o julgador coloca uma mera obiter
dictum, mantendo o mesmo precedente. Com o desafio, o tribunal estará, invariavelmente,
atrelado às razões lançadas pelos argumentos do magistrado inferior. Além do que, no desafio
há uma valorização do trabalho intelectual do magistrado, afastando uma tendência de alguns
em transformar juízes de 1º instância em programas de computador que analisa o caso e aplica
o precedente, independente as razões.
Por fim, no novo CPC, o art. 927, §§ 2º e 4º, mencionam as formas necessárias
para que o Tribunal proceda com a superação de alguns entendimentos:
2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de
casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de
pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
[...]
§ 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese
adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de
fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança
jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

Observe que nos casos, devido a maior estabilidade que os precedentes gozam no
sistema, a lei manda ter uma maior atenção à segurança jurídica, proteção da confiança
legítima e isonomia de tratamento, possibilitando a participação popular nos procedimentos
específicos de modificação de súmula ou teses de casos repetitivos.
Uma forma de manter isso é expressa na doutrina estrangeira e pode ser adotada
aqui: o prospective overruling. Nessa técnica o tribunal modifica o entendimento, mas
preserva o anterior para as ações já iniciadas, variando em aplicar ou não o novo
entendimento ao caso julgado. Também seria possível colocar uma data para começar a
aplicar o novo entendimento.553

552
PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 190. No sentido de poder colocar sua divergência pessoal, o enunciado nº 172 do
FPPC, o qual diz que “a decisão que aplica precedentes, com a ressalva de entendimento do julgador, não é
contraditória”.
553
MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 419-420.
157

Ademais, há técnicas que ficam entre a distinção e a superação propriamente dita,


as quais menciona-se rapidamente. Uma delas é a signaling, pela qual o Tribunal sinaliza a
iminente revogação de um precedente, contudo deixa para o futuro tal retirada, pois permitiria
uma preparação para a modificação vindoura, estando, assim, ligada à ideia de segurança
jurídica e confiança legítima554.
Macêdo destaca que essa técnica somente deve ser utilizada para precedentes que
já demonstram um desgaste, pois, enquanto não modificado o entendimento, os
jurisdicionados podem ficar em situação de certa insegurança jurídica por não saberem ao
certo quando o entendimento anterior será abandonado555. Os processualistas pátrios, todavia,
veem importância nessa técnica, conforme expresso no enunciado nº 320 do FPPC, no qual se
diz que “os tribunais poderão sinalizar aos jurisdicionados sobre a possibilidade de mudança
de entendimento da corte, com a eventual superação ou a criação de exceções ao precedente
para casos futuros”. Ao que parece, na realidade, para que isto fosse utilizado seria preciso
uma grande alteração na cultura de uso de precedentes no Brasil. A ideia é expor um
pensamento de mudança futura e deixar que os juristas apurem justificativas a favor e contra
essa mudança. É quase uma avaliação de qualidade pela comunidade jurídica.
Há também a transformation, que muito se parece com a superação do precedente
– substancialmente é uma superação, pois o entendimento anterior deixa de prevalecer –,
tendo como diferença que na transformation o tribunal não menciona de forma clara que está
abandonando a ratio decidendi presente no precedente pretérito. Por isso, tal técnica parece
pouco útil, pois pode ocasionar dificuldades em saber o que, de fato, o tribunal prolator da
decisão está modificando, dentre outros problemas556. Na realidade parece mais uma confusão
da corte em mudar de entendimento de forma pouco explicativa.

554
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
238. Ravi Peixoto propõe que a sinalização seja utilizada no Brasil de forma diferente, pois para ele somente
seria possível realmente proteger a confiança dos jurisdicionados se na decisão fossem estabelecidos certos
parâmetros que, casos concretizados, causariam uma modificação no entendimento anterior. “Assim, os
jurisdicionados teriam o conhecimento de que, satisfeitas determinadas condições fáticas, aquela ratio decidendi
seria superação (sic), ao contrário do conceito tradicional, em que há apenas indicação de perda da
confiabilidade do precedente, sem que seja indicado em que momento e se haverá a superação”. PEIXOTO,
Ravi. op. cit. p. 203.
555
MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 411. Marinoni evidencia um lado positivo nessa técnica, qual seja, o
tribunal poderia modular melhor o efeito da futura overruling, tutelando interesse jurídicos relevantes na
sociedade. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, p. 242-243.
556
Lucas Buril de Macêdo critica essa prática, mencionando motivos para que não seja utilizada. Para mais, ver:
MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 368-372. Marinoni, apesar de esclarecer alguns pontos positivos que
Melvin Eisenberg destaca, também concorda que, o mais correto, é o tribunal utilizar-se do overruling e
mencionar, expressamente, a mudança que deseja realizar. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes
obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 244-246.
158

5.5 A necessidade de publicação da decisão para uma cultura de precedente: o § 5º do


art. 927 do CPC

Optou-se em por este tópico para dar evidência à importância da publicação da


decisão e, mais importante, para a publicação precisa desta. Explica-se.
Foi explicado no tópico 2.2 que somente com a publicação das decisões que o
sistema inglês passou a tratar os precedentes de forma vinculante, abandonando uma visão
deles como meros exemplos ou como demonstração de um costume judicial. Ademais,
quando se falou das ementas (tópico 4.3), destacou-se o problema na má confecção delas.
Quando isto ocorre, há uma verdadeira chance de uma perda do potencial do precedente
(principalmente pela prática brasileira de ver somente a ementa, e não a decisão). Esse é uma
resposta a certos casos por meio de uma interpretação do Direito. Se se expõe errado algum
desses elementos, provavelmente a utilização dele será deturpada, o que pode ter como
consequência
O § 5º do art. 927 do CPC é no seguinte sentido: “os tribunais darão publicidade a
seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os,
preferencialmente, na rede mundial de computadores”. Observe que não é dito ementa. O
dispositivo exige a publicação da decisão. Na atualidade, tribunais como o STF, o STJ e o
TST têm sistemas na rede mundial de computadores muito bem feitos, com diversos
mecanismos de procura, além de uma excelente divisão por assuntos557.
O problema de publicação não é algo incomum mesmo em países que usam
precedentes de forma mais precisa. Isso fica evidente quando Neil Duxbury, autor
contemporâneo, evidencia que no sistema inglês ainda se encontram problemas relacionados à
publicidade dos julgados:
Se devemos ter um direito proveniente de precedentes, argumentou Bentham, pelo
menos deve ser sistematicamente listado, pois, sem tais repertórios, o common law
não pode ser facilmente identificado e pode ser difícil, senão, impossível, saber se
um tribunal está confiando no precedente ou criando uma nova ofensa. No entanto,
mesmo uma vez que os repertórios sistemáticos se tornaram estabelecidos no Direito
Inglês, o perigo de precedentes surpresas [...] persistiram. Tais precedentes são um
perigo, não tanto para os juízes [...], mas, sim aos advogados, que poderiam ser
colocados em desvantagem considerável na sala do tribunal porque o advogado
opositor cita, com sucesso, como autoridade uma decisão que ele localizou na forma
de uma transcrição literal disponível apenas por ter uma permissão especial à

557
Um exemplo disso é o excelente site do Superior Tribunal de Justiça, o qual possui múltiplas alternativas de
pesquisa. Para ter acesso, ver: < http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Jurisprud%C3%AAncia/Pesquisas
>. Acesso em: 08 nov. 2017.
159

biblioteca privada de um tribunal. A disponibilidade de transcrições eletrônicas de


bases de dados legais diminuiu consideravelmente esse perigo [..].558

Desse modo, a correta publicação, com meios que facilitem a procura das
decisões, dividindo de acordo com a matéria, turma, entre outros critérios parece ser
imprescindível para aprimorar a utilização dos precedentes.

5.6 A razoável duração do processo e o uso de precedentes

Um dos motivos para apostar em precedentes aqui no Brasil é a visão que ele
pode conseguir uma maior celeridade nas decisões, pois gera uma economia argumentativa e,
ainda, serve como parâmetro seguro de entendimento de algum ponto do Direito sobre um
certo caso559.
Essa preocupação é legítima, pois a Constituição Federal prescreve como direito
fundamental a razoável duração do processo. Assim é expresso no art. 5º, LXXVIII: “a todos,
no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. No fim do dispositivo é expressa a
exigência de meios para tanto.
A legislação processual tenta utilizar os precedentes com força mais enraizada,
como aqueles contidos em súmulas, para alcançar isso. Por essa razão foi previsto: 1)
possibilidade de improcedência liminar do pedido sem oitiva do demandado (art. 332); 2)
concessão de tutela de evidência quando “as alegações de fato puderem ser comprovadas
apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em
súmula vinculante” (art. 311, II); 3) dispensa do reexame necessário de decisões contra a
Administração Pública direta (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e contra suas
autarquias ou fundações de direito público se a decisão estiver fundada em súmula de tribunal
558
No original: “If we must have judge-made law, Bentham argued, it ought at least to be systematically
reported, for, without such reporting, the common law cannot be easily identified and it may be difficult if not
impossible to tell if a court is relying on precedent or creating a new offence. Yet, even once systematic reporting
had become established in English law, the danger of surprise precedents [...] persisted. Such precedents are a
danger not so much to judges [...] as to barristers, who could be put at a considerable disadvantage in the
courtroom because opposing counsel successfully cites as authority a decision which he has located in the form
of a verbatim transcript available only by special permission from a court’s private library. The availability of
electronic transcripts from legal databases has lessened this danger considerably; [...]”. . DUXBURY, Neil. The
nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 5-6.
559
Tratando o precedente como instrumento para favorecimento da razoável duração do processo e/ou da
economia processual, entre outros: MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 138. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e
irretroatividade do direito no sistema processual do brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua
eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012. p. 142. MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito
processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 158-163.
160

superior, acórdão proferido em julgamento de recursos repetitivos do STF e do STJ,


entendimento firmado em IRDR e IAC e, por fim, e sem constar no rol do art. 927, orientação
consolidada do próprio ente da Administração Pública (art. 496, §4º); 4) poder do relator do
recurso negar provimento ou, após o prazo das contrarrazões, dar provimento quando a sua
decisão estiver de acordo com entendimento firmado em súmula ou acórdão em recurso
repetitivo do STF ou do STJ, além de entendimento firmado em IRDR e IAC e, ainda, súmula
do tribunal que o relator pertença (art. 932, IV e V).
Apesar disso, adverte do perigo do uso “embarreirante” dos precedentes, isto é,
como solução pronta. O problema não é utilizar os precedentes de forma a negar pedidos que
se fundem em casos similares, mas, sim, fazer isso indistintamente em prol de uma celeridade.
Não há celeridade por si. O tempo onera o direito e pode ser um maculador da decisão judicial
proveitosa. O que se quer é uma decisão correta que oferte o direito almejado num tempo que
permita seu usufruto. De nada basta uma decisão que se asperge pelo transcorrer dos anos do
processo. De oposto, não soa agradável uma ideia de prestação rápida a qualquer custo. O que
se quer não é celeridade; melhor dizendo, a quer, mas somente se estiver imbricada numa
decisão que se possa ter mais proximidade possível daquilo que é justo560.

560
Em outra oportunidade apresentei o uso dos precedentes, principalmente os do rol do art. 927, como
fundamento para a interposição de agravo de instrumento. Essa ideia não está intimamente relacionada com uma
busca de celeridade e, sim, com o uso como forma de aprimoramento jurisdicional. Para a devida compreensão,
expõe-se, de forma simples, o problema exposto outrora. Primeiro, imagine que alguém entra com uma petição
inicial no Judiciário e o seu pedido é contrário a um entendimento sumulado do STJ. Nesse caso, o art. 332, I do
CPC possibilita que, antes mesmo da citação do demandado, o juiz julgue o mérito de forma improcedente. Caso
o juiz não faça isso e cite o réu, caberá a este, em sede de contestação, apresentar a contrariedade da súmula e do
pedido do autor. Surge, então, após a réplica, o momento para o juiz julgar antecipadamente o mérito. Caso faça
o esperado e julgue improcedente o pedido, caberá ao autor a interposição de apelação, se ele decidiu todos os
pedidos, ou de agravo de instrumento, se ele decidiu parte deles. E se o juiz, ao contrário, explicitar que aquele
entendimento não é aplicável ao caso, distinguindo-o ou superando-o, é possível a interposição de agravo de
instrumento por parte do réu com base no art. 1.015, II do CPC? Esse é o ponto que interessa e que foi
desenvolvido em artigo de minha autoria que será publicado em breve: MORORÓ, Leonardo. A expressão
“mérito do processo” do art. 1.015, II do Novo CPC: a recorribilidade por Agravo de Instrumento da decisão que
não aplica precedentes judiciais formalmente vinculantes em momento de Julgamento Antecipado do Mérito. In:
CASTELO BRANCO, Janaina Soares Noleto; PEREIRA, Lara Dourado Mapurunga. O processo nos tribunais
e os meios de impugnação das decisões judiciais no CPC de 2015: estudos em homenagem à professora
Juliana Diniz. Fortaleza: AAJM. Salienta-se que não é possível colocar todas as informações, pois a obra ainda
está em processo de finalização.
161

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fim, trazem-se, de forma concatenada e contínua, as principais conclusões


obtidas nesse trabalho, tendo como ponto de partida os objetivos apresentados inicialmente:
1. Os modelos jurídicos clássicos (civil law e common law) representam somente
um conjunto de traços comuns identificáveis em diversos sistemas jurídicos. Essas
características são frutos de respostas institucionais similares, dentro de contextos sociais,
políticos e econômicos semelhantes, de forma que, tanto países considerados de civil law,
como aqueles considerados de common law, somente são enquadrados num mesmo grupo
porque têm certas semelhanças construídas no decorrer da história. Na realidade, enquadrar
um sistema dentro de uma tradição serve mais para compreender como ele chegou a seu
estado atual de desenvolvimento, haja vista que Estados com cenários culturais próximos
formam ordenamentos jurídicos parecidos, não sendo correto eleger como melhor uma
tradição por si só.
2. Apesar de se enquadrar um sistema dentro de uma família, isso não afasta a
contínua transformação nos contextos, de forma que as respostas institucionais vão se
moldando. Desse modo, sendo meros agrupamentos de vários sistemas jurídicos complexos,
compostos a partir da percepção de algumas características comuns na história, o fato de
pertencem a uma tradição jurídica limita, mas não impossibilita, que um sistema se
desenvolva, na atualidade, de forma diversa do que ocorria anteriormente.
3. O Brasil pertence ao civil law, que se caracteriza na história mais recente,
principalmente após a Revolução Francesa, como um Direito produzido pelo Poder
Legislativo e visto pelo Judiciário como algo que pouco dependia de interpretações para ser
compreendido. No presente, entretanto, afasta-se essa visão da não necessidade de
interpretação, aceitando a existência dela no trabalho dos magistrados.
4. Os países que mais utilizam os precedentes judiciais, EUA e Inglaterra, tiveram
uma construção do Direito com base na produção dos Tribunais, o que fez com que estes
entendessem o Direito não só com base no que a lei do Legislativo diz, mas também com o
que o Judiciário entende.
5. O uso do precedente e sua importância se deram de forma gradual nos sistemas
anglo-saxões. De início, eles serviam como exemplos ou, ainda, como manifestações de
costumes judiciais (common law). No século XVII surgem estudiosos defendendo que os
precedentes serviriam como forma de validar o Direito por meio de uma repetição. Esse uso
mais forte das decisões anteriores somente foi percebido com a existência de publicações
162

destas, garantindo-se o conhecimento e acesso aos que outros magistrados fizeram. O seu
estágio mais rígido, nomeado de stare decisis, no qual os Tribunais não modificam seus
próprios entendimentos, perdurou por somente um século. De todo modo, o que faz com que
nesses sistemas se observem precedente é uma cultura judicial, uma visão dos juristas que
devem respeitar o passado para tentar realizar a melhor justiça ao caso, existindo diversos
motivos para seguir precedentes.
6. A doutrina dos precedentes judiciais vinculativos não se confunde com common
law, formando-se posteriormente. Na atualidade, EUA e Inglaterra já não tem um Direito
baseado em costumes judiciais, produzindo uma grande quantidade de leis, o que, todavia,
não diminui a importância das decisões anteriores como parâmetros interpretativos e
argumentativos. Decorrente disto, é possível um Judiciário dentro de um sistema de tradição
de civil law, torna-se vinculado aos precedentes.
7. Vários fatores fomentaram modificações em traços comuns de sistemas
jurídicos diversos, diminuindo diferenças históricas entre sistemas de tradições diferentes, ou
seja, ocasionando uma aproximação entre eles. Com isso, percebe-se, nesse momento de
intensa globalização, uma troca de informações decorrentes: a) do neoconstitucionalismo,
com a sua consagração de direitos fundamentais na Constituição, dotando-a de força
normativa através, principalmente, da importância conferida aos princípios dentro do
ordenamento jurídico; b) da técnica legislativa de uso de cláusulas gerais e conceitos jurídicos
indeterminados, aumentando a necessidade de padronização interpretativa; c) do aumento de
demandas coletivas; d) do Estado Social, com exigência de posturas estatais positivas para
efetivação de direitos, sendo o Judiciário um local de procura para a concretização desses.
8. O Brasil passa por um processo primordialmente legislativo de fortificação da
importância dos precedentes, com intuito principal de combate à jurisprudência lotérica. O
Código de Processo Civil de 2015 segue essa linha. Apesar disso, mais importante é a
mudança na visão dos juristas pátrios de como ver e utilizar o raciocínio da decisão anterior.
9. Precedente judicial deve ser entendido como uma decisão judicial que produziu
uma resposta ao caso, a partir dos raciocínios jurídicos feitos sobre os fatos daquele caso e a
normas do Direito e que são exarados na forma de argumentos, expressando uma
interpretação sobre o Direito. Para a aplicação futura, é preciso estabelecer um diálogo entre o
caso-precedente e o caso-atual, compreendo o precedente como um parâmetro racional para
futuros casos.
10. Pontos importantes sobre precedentes judiciais: a) necessita-se de uma visão
dual sobre o precedente, porque, num primeiro momento, ele é uma decisão que resolve um
163

caso e que tem potencial de resolução de outros casos, porém, ele precisa ter suas razões
analisadas por julgadores em outros casos para realmente servir como resolução; b) qualquer
sistema jurídico utiliza precedentes como fonte de resposta, alternando a força destes dentro
do sistema; c) para ter serventia como parâmetro racional futuro a decisão judicial precisa ter
uma opção hermenêutica que revele algo de novo na relação hermenêutica entre o mundo
fático e o mundo jurídico; d) a utilização de um parâmetro anterior, todavia, tem importância,
pois d.1) fortifica essa opção dentro do sistema jurídico e d.2) aperfeiçoa o entendimento a
partir da interação com novos fatos e argumentos; e) não há subordinação hierárquica entre
precedentes de Cortes diferentes, de modo que é possível que haja divergência entre
entendimentos sendo esta importante para uma formação construtiva do Direito. Apesar disso,
naturalmente, a Corte de superior hierarquia dentro da estrutura do Judiciário possui, por uma
questão lógica, maior prestígio quanto aos seus precedentes; f) só é correta a frase que diz que
“os juízes devem aplicar precedentes, mesmo discordando deles” quando compreendida: f.1)
que o precedente tem suas razões apreendidas de forma dialogal (colaborativa) e que seu uso
depende de múltiplos fatores, de modo que é possível que o entendimento seja modificado
futuramente, inclusive por uma rejeição sistemática da comunidade jurídica devido a uma
ofensa ao ordenamento jurídico posto ou a valores sobrepostos; f.2) que a frase relaciona-se
ao juiz “teimoso”, ou seja, aquele que não apresenta argumentos novos, mas, mesmo assim,
quer discordar.
11. A ratio decidendi, parte aplicável do precedente, é percebida de vários modos
(evidenciou-se os 4 principais: regra; razões; princípios; fatos substanciais e resultados),
identificando modelos diferentes de precedentes.
12. Com base na visão do ponto 9, precisa-se, para entender a ratio, previamente,
ter em mente que: a) a parte mais importante está nas razões jurídicas expostas, pois o
precedente serve como parâmetro racional em busca da coesão do ordenamento e da prestação
jurídica mais justa possível; b) a distinção entre norma-regra e norma-princípio é complexa,
podendo, a depender do caso, a ratio decidendi ser vista como uma ou outra. O mais
importante é compreender que toda norma tem razões que a justificam e que precisam ser
interpretadas a partir do texto da decisão e dos fatos com os quais elas interagiram
anteriormente e interagem no presente; c) a norma do precedente é diversa da norma surgida a
partir da produção do Legislativo. Os legisladores têm a função de regular situações futuras e,
por isso, criam leis da forma mais abrangente possível, enquanto o magistrado regula o caso
concreto, a partir das peculiaridades dele e da interpretação do Direito para aquela situação.
Dessa forma, a ratio decidendi não nasce pronta, dependendo, no futuro, que os demais
164

julgadores observem as peculiaridades do seu caso e admitam, fundamentadamente,


analisando os argumentos anteriores e os apresentados no caso atual, aquela resposta contida
no precedente; d) o principal local para identificar a ratio é a fundamentação do julgado,
contudo não é possível fazê-la sem olhar para o relatório e o dispositivo.
13. A ratio decidendi é uma proposição dotada de normatividade (regra ou
princípio), contida nas razões do julgado, advindo dos argumentos existentes na
fundamentação da decisão precedente e que são fruto de uma interpretação das normas
jurídicas já existentes, compreendidas – as razões – a partir dos fatos substanciais da demanda
e das respostas dadas no caso e que, por fim, serão utilizadas para resolução de outros casos a
partir de um exercício hermenêutico sobre a decisão anterior e sobre os fatos do novo caso
com um necessário trabalho argumentativo que permita evidenciar a justificação para sua
utilização.
14. Os argumentos sem força, que somente foram postos de forma adicionais, são
conceituados como obiter dicta, não sendo vinculantes para resolução de casos futuros.
Apesar disso, a visão do que é crucial e do que é pouco relevante depende dos julgadores que
analisam a decisão posteriormente, então ratio e obiter não são facilmente identificáveis em
todos os casos, sendo importante aquilo que o julgador anterior fez, mas não limita ao ponto
dos posteriores não poderem compreender de forma diversa.
15. Os precedentes podem ser vistos como vinculantes ou como persuasivos. A
diferença básica é que naquele é obrigatório observar a decisão anterior, mesmo que seja para
explicar porque o seu raciocínio não será utilizado, enquanto neste somente se utiliza daquele
raciocínio se for interessante ao caso, mas não o vê como obrigatório na discussão. Existem
várias gradações na vinculação, acreditando-se que a melhor seja a que toma o precedente
como um constrangimento argumentativo que exige dos juízes um esforço na fundamentação
para explicar a não utilização dele.
16. A divisão de precedentes entre interpretativos/declarativos e criativos é pouco
útil. Isso, porque, em momento algum o juiz só repete algo que já existia ou, pelo contrário,
cria algo novo do “zero”. Na realidade, os precedentes sempre serão interpretativos das
normas já existentes na relação com os fatos.
17. O Brasil adota três formas principais de utilização dos precedentes:
jurisprudência, súmula e ementa. Nenhum desses “modos” de usar precedentes é ruim por si
só, mas também nenhum deles possuem a aptidão de alcançar a plenitude de correção no uso
dos precedentes.
18. Jurisprudência, como conjunto de julgados nos quais se percebem as mesmas
165

razões de decidir, tem importância de constatar a força do precedente. Dessa forma: a) as


divergências de entendimentos não são algo a ser rechaçado do Direito, sendo necessário um
diálogo e, após isto, a uniformização, prevalecendo a decisão majoritária e que garanta
tratamento igualitário; b) juízes de grau inferior ou, ainda, do mesmo grau, não podem
discordar sem apresentar argumentos novos que demonstrem a insubsistência do
entendimento firmado; c) a existência de jurisprudência dominante não impede que fatores
novos exijam sua revisão.
19. A súmula é uma tentativa de simplificação de uma jurisprudência dominante.
Apesar disso, ela não tem um poder de resolver abstratamente todos os casos futuros, como se
tudo tivesse sido pensado ao editar o enunciado. É preciso ver a súmula como um “trailer” de
um “filme” que é composto por um conjunto de decisões lineares, isto é, ela expõe uma ideia
do que é, mas de forma simples e incompleta. Desse modo, não é correto uma única decisão
formar uma súmula. Também, para a compreensão do que a súmula retrata é preciso olhar
aquilo que lhe deu sustentação, que são os precedentes. Além disso, após a sua edição,
surgiram novas discussões que fazem com que ela possa ser revista com o passar do tempo.
Por tudo, esse instrumento auxilia o trabalho dos juristas sem, contudo, por um ponto final nas
divergências sobre o Direito.
20. A ementa é um resumo do caso, numa tentativa de catalogação mais simples
das decisões judiciais, facilitando o entendimento da comunidade jurídica. Há problemas na
utilização direta da ementa como se fosse um precedente. Primeiro, a má elaboração dela, o
que é possível, pois a ementa é uma tentativa de explicar o que foi mais importante para a
decisão, simplificação que, por óbvio, nem sempre é bem feita. Segundo, compreendê-la
como um enunciado geral e abstrato que solucionou o caso. Se nem o precedente é visto
assim, como poderia a ementa ser? Desse modo, a ementa pode ser importante se: a)
elaborada com o máximo de atenção aos argumentos expostos pelas partes, bem como do
porquê alguns foram acolhidos e outros não, dos fatos litigiosos em questão, dos pedidos e,
por fim, da decisão; b) não houver preocupação com o tamanho dela, ou seja, deve-se ser o
mais sucinto possível dentro da necessidade de ser o mais completo ao resumir; e c) utilizada
como parâmetro de julgamento, com observância das peculiaridades do caso e com os
argumentos apresentados, mostrando-se por que se julgará de uma forma, e não de outra.
21. Duas situações ruins podem surgir quando se observam decisões anteriores. A
primeira é a não observância, pois está tratando o Direito como se não fosse um todo,
deixando de olhar para o passado e, assim, afastando a necessária coesão entre as partes que o
compõem. A segunda ocorre quando se faz o contrário, isto é, quando se adota uma visão do
166

precedente com elo que une todos os pontos e acaba com todos os problemas. Nesse caso, está
dando ao Direito um caráter de todo, sem, todavia, observar as peculiaridades das partes.
Esses dois problemas são, respectivamente, chamados de desintegração e de hiperintegração.
22. O art. 926 do CPC/15 exige a uniformização da jurisprudência, combatendo a
jurisprudência lotérica e, também, quer uma visão estável, coerente e íntegra do Direito. Um
olhar íntegro sobre o Direito significa, conforme explica Dworkin, trata-lo como uma unidade
sistêmica de princípios, que correspondem aos valores morais adotados pela comunidade
política, por meio de um procedimento democrático. Essa integridade faz com o juiz tenha
que considerar o que já foi feito e tente traçar um caminho linear, acrescentando melhorias a
interpretação, sempre com visão na descoberta daquele conjunto de valores adotados e
almejados para o governo daquela sociedade.
23. O art. 926 pode ser visto numa progressividade. Não basta que a
jurisprudência esteja estável, pois ela pode estar firmando um entendimento não igualitário.
Sendo assim, ela terá que ser coerente, que, conforme explica Dworkin, é uma exigência de
igualdade para aqueles na mesma situação. Isso também não é o suficiente, pois a
jurisprudência deve refletir um Direito íntegro. Dessa forma, procurará ser sistêmico,
alcançando um correto entendimento sobre as normas a serem aplicadas, isto é, quais os
limites que uma norma abarca analisando os casos concretos, quais os valores que ela visa
proteger, como se dá a sua relação com outras normas, entre outras situações. Além disso,
acrescenta-se que, não basta limitar-se ao Direito positivado, pois o ser humano está numa
constante busca pela revelação do que é necessário aprimorar, o que, apesar de parecer
impossível de alcançar na plenitude, deve ser um objetivo, de forma que todos possam ser
tratados de modo digno e que haja a melhor vivência humana.
24. Precedentes não são frutos somente de decisões de Tribunais Superiores.
Apesar de regularmente serem os mais fortes, não retiram a possibilidade de precedentes de
tribunais de menor hierarquia terem importância, pois: a) auxiliam na formação dos
entendimentos em instâncias superiores; b) manifestação desafios contra o raciocínio firmado
em decisões dos Tribunais acima; c) denotam uma estabilização do entendimento.
25. As razões existentes em uma decisão do Tribunal Superior não terminam todas
as discussões sobre o assunto. Novas situações, como argumentos não analisados, fatos
diferentes, modificação na lei, mudanças sociais, entre outras, podem fazer com que aquele
entendimento passe a não ser o mais adequado. A interpretação sempre restará passível de ser
submetida a novos questionamentos numa estrutura dialética.
26. O art. 927 não contém todos os precedentes que podem ter força vinculante.
167

No dispositivo são enaltecidos entendimentos que gozem de maior robustez no ordenamento,


dando-lhes instrumento próprio para garantir sua análise mais aprimorada (reclamação). O
termo “observar” constante no dispositivo denota a necessidade de aplicar o entendimento ou,
no mínimo, explicar, de modo fundamentado, por que não aplicará.
27. No inciso I do art. 927 não se pode confundir a vinculação para todos do
conteúdo da decisão (efeito erga omnes) da vinculação da razão de decidir. Por isso, o
primeiro efeito exige que todos considerem inconstitucional o dispositivo A da Lei nº 1
quando o STF declarar em controle concentrado, enquanto a vinculação aos precedentes exige
que, caso um dispositivo B da Lei nº 5 tenham conteúdo semelhante, ele também seja
declarado inconstitucional em observância a razão de decidir, salvo se surgir fundamento
novo que permita resposta diferente.
28. Os mecanismos componentes do microssistema de solução de casos
repetitivos (IRDR e RE e REsp repetitivos) são formas de tentar diminuir a morosidade do
Judiciário e evitar contradição de julgamentos que discutam as mesmas questões de direito, a
partir de decisões de poucos casos, mas com discussão que permite resolver muitos outros.
Para que sejam bem utilizados é preciso: a) a maior participação possível, para que sejam
expostos o máximo de argumentos para a formação da tese jurídica; b) a aplicação para
resolução de casos futuros deve estar atenta à similaridade fática; e c) a discussão pode ganhar
novos contornos futuramente.
29. A fundamentação é imprescindível para a formação e utilização do precedente,
pois por meio dela são externadas as razões do julgado. Essa fundamentação se debruça sobre
quatro problemas básicos: a) qual norma aplicar ao caso; b) como interpretar a norma; c) que
fatos são importantes para resolução; d) como considerar que estes fatos foram provados.
30. Há um dever de autorreferência ao precedente. Isso significa que existe uma
necessidade de explicar, argumentativamente, o porquê está se utilizando ou deixando de
utilizar um precedente a um caso.
31. O contraditório é essencial para a formação e “lapidação” posterior do
precedente. Este é uma decisão judicial e, como natural, é formada em uma estrutura de
contraditório entre as partes, as quais fomentam argumentos e teses com as quais os juízes
precisa dialogar para decidir (diálogo interno). Além do mais, posteriormente, quando for
aplicar a ratio decidendi da decisão anterior, o julgador estará inserido em uma nova relação
de contraditório, sendo preciso dialogar com a decisão anterior (diálogo externo) e com as
partes para aprimorar as razões passadas.
32. A força do precedente é variável, devido ao seu aspecto gravitacional, ou seja,
168

ele se aproxima de outros casos e servirá como resposta a depender de quantos elementos em
comum existam no momento da decisão-precedente e no momento da decisão-atual. Pode-se
comparar a força do precedente para um caso com uma digital que é comparada com outros
dentro de um banco de dados, ou seja, quanto mais características em comum, maior a chance
delas serem consideradas similares. Ademais, o precedente tem sua força dentro do sistema
variando por diversos fatores que se alteram no decorrer do tempo. A comparação feita é com
um bicho preso numa teia. Quantos mais fios forem postos em volta do bicho, mais forte será
a teia e, por isso, mais difícil de ser rasgada. O mesmo ocorre com o precedente, sendo o
bicho, e a fios da teia, sendo os fatores de força.
33. A distinção (distinguishing) é uma forma de aperfeiçoamento do precedente
judicial. Por ela, pode-se, comparando os fatos anteriores e atuais (que nunca serão iguais,
exigindo-se uma semelhança forte), bem como os argumentos e pedidos também anteriores e
atuais, deixar de aplicar um caso por ser diferente ou por ser uma exceção não percebida
anteriormente e, ainda, ampliar a ratio, aplicando a um caso que não foi pensando no
julgamento original.
34. A superação (overruling) é o abandono do entendimento anterior pelo julgador
(juiz, turma ou tribunal) que o emitiu. Para tanto, precisa-se apresentar fundamentação que
explique por que aquele entendimento não pode persistir dentro do sistema jurídico. O
overruling preserva a dinâmica inerente ao trabalho jurisdicional.
35. A existência de desafios, isto é, decisões de magistrados de menor hierarquia
dentro da estrutura do Judiciário, não ofende o sistema de precedentes vinculantes se
apresentados de forma argumentativa, permitindo um diálogo entre julgadores e o
aprimoramento da interpretação do Direito. As distinções inconsistentes e a antecipatory
overruling são técnicas presas a uma visão silogística de uso dos precedentes, atribuindo uma
força exclusivamente hierárquica a ratio decidendi.
36. O prospective overruling é uma tentativa de preservar uma expectativa
legítima formada sobre um entendimento que está sendo superado, modelando os efeitos
dessa transformação para um certo momento e sob certas condições.
37. A publicação das decisões é essencial para um sistema de precedentes,
devendo ser realizada sempre que possível na íntegra e, quando feito sob a forma de ementa,
deverá resguardar as exigências mencionadas no ponto 20. Além disso, deve-se procurar
organizar, no máximo, os sistemas de procura das decisões, realizando divisões e
agrupamentos que facilitem a procura sobre um assunto.
38. Os precedentes tiveram na legislação processual de 2015 uma forte tendência
169

de serem meios para garantir a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII da CF/88). Por
meio deles, principalmente aqueles contidos no art. 927, é possível: a) julgar improcedente
liminarmente um pedido, sem oitiva do demandado, quando contrário ao seu teor (art. 332); b)
conceder tutela de evidência quando “as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas
documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula
vinculante” (art. 311, II); c) dispensar o reexame necessário de decisões contra a
Administração Pública direta (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e contra suas
autarquias ou fundações de direito público quando estiver de acordo com as decisões do rol do
§ 4º do art. 496; d) negar provimento ou, após o prazo das contrarrazões, dar provimento, por
meio de decisão monocrática do relator, quando a sua decisão estiver de acordo com
entendimento das decisões do rol dos incisos IV e V do art. 932.
39. A celeridade não deve ser motivo único para se utilizar precedente, acima dela
está a necessidade provimentos judiciais corretos.
40. Por fim, apresenta-se aquilo de mais importante. O precedente tem que ser um
parâmetro para que os juízes possam pensar. Será um ponto inicial, já trazendo discussões
anteriores. Deve ser usado para melhorar o Direito. O importante é sempre tentar alcançar
aquilo mais correto dentro das limitações existentes. Pode ser que o precedente seja a melhor
resposta, porém é possível que exista outra melhor e que deve ser exposta. Porque, ao fim, é
aos poucos, com aprendizado individual trazido por cada pessoa, que poderemos nos
aproximar daquilo que é melhor para o ser humano.
170

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