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Fortaleza – Ceará
2021
ANDRESSA BORGES MONTEIRO PIRES
Fortaleza – Ceará
2021
Ficha catalográfica da obra elaborada pelo autor através do programa de
geração automática da Biblioteca Central da Universidade de Fortaleza
BANCA EXAMINADORA:
O momento de agradecer sempre é uma parte especial do trabalho, pois é nele que posso
dedicar um pequeno espaço para retribuir todo o carinho e toda a dedicação que foram
destinados a mim durante esta jornada de mestrado. O caminho não foi fácil, mas sem o suporte,
o auxílio e o carinho de todos vocês ele teria sido bem mais difícil.
Agradeço a Deus, pois foi quem me permitiu alcançar todos os meus sonhos e objetivos
até hoje. Na trajetória do meu mestrado Ele esteve ao meu lado nas dificuldades e nas maiores
conquistas, e não poderia ser diferente neste momento. Todos os dias eu me esforço e me dedico
para que Ele possa prover.
Ao meu irmão, que, desde a graduação, realiza trabalho impecável em revisar todos os
meus textos. Quero deixar expressa toda a minha gratidão pela dedicação e pelo esmero, bem
como pelo companheirismo durante toda essa jornada. Você é meu companheiro de vida e de
profissão. Tenho muito orgulho e me espelho em ti.
Aos meus pais, Almir e Andrea, por serem os maiores incentivadores dos meus estudos.
Papai jamais mediu esforços para me dar tudo o que pudesse no que se refere à educação.
Costuma dizer que é a única coisa que jamais poderão tirar de mim e que nada irá me faltar
nesse aspecto. Mamãe, já nem sei o que dizer, pois todas as vezes que tive dúvidas ou que não
soube se era esse o percurso, foi nas suas palavras que encontrei refúgio.
Aos meus avós e, em especial, ao meu avô, Orcetti, que, a frente de seu tempo, superou
diversos obstáculos para fazer mestrado em Economia nos Estados Unidos. Suas conversas e
histórias sempre me instigam a procurar e querer mais no universo da academia. Esse sonho é
nosso, e hoje você tem uma neta mestre em Direito Constitucional nas Relações Privadas.
À minha orientadora, Uinie Caminha, pelas conversas, pelos conselhos, pelas aulas e
pelas oportunidades conferidas. Espero que nossos caminhos ainda se cruzem e que possamos
fazer a diferença no universo do Direito Societário. Você é referência no País no que se refere
ao Direito Empresarial, e é uma honra poder sempre aprender com você. Obrigada por ter
aceito, desde a graduação, o convite para esta orientação, parceria que deu certo.
Aos professores Abimael Carvalho e Lívia Ximenes, pois foi em suas aulas e com os seus
provocamentos no Escritório de Práticas Empresariais (EPE) que encontrei o tema de pesquisa
e me apaixonei, mais uma vez, pela academia. Sou grata pela parceria de vida, de profissão e
de trajetória.
Aos membros da banca, Leonardo Netto Parentoni, Henrique Cunha Barbosa e Rômulo
Guilherme Leitão, que contribuíram para a minha formação acadêmica e acompanham meu
trabalho desde a qualificação para me auxiliar a lapidá-lo e torná-lo cada vez melhor.
Aos meus amigos, família que escolhi. Não tenho como citar e agradecer a todos, mas
“Futebol Feminino OAB/CE”, “Furões”, “Amigos da Lei” e “Ex-amigas”, sou uma felizarda
por ter tido a oportunidade de conhecê-los e por contar com a parceria forte de vocês.
Agradecimento especial a Marcus Jiwago, que, de todas as maneiras, buscou me auxiliar nesta
empreitada da dissertação e reta final do mestrado.
A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a pessoa que sou hoje. Sou
a soma de todas as experiências e de tudo que já vivi e me sinto extremamente grata por todos
os caminhos que cruzei, pois me fizeram chegar até aqui. A vida é uma eterna aventura, e nós
não estamos sozinhos nela.
“Sic parvis magna”.
(Sir Francis Drake).
RESUMO
O objetivo geral do trabalho é analisar a viabilidade jurídica para a emissão de debêntures por
sociedades limitadas no Brasil. Na escolha da estrutura jurídica que irá reger a atividade
empresarial, costuma-se optar pelas sociedades limitadas por elas limitarem a responsabilidade
dos sócios, ao passo que prescindem de investimentos vultosos para a sua estrutura e conferem
mais liberdade para que os integrantes conduzam suas atividades, o que se adequa a qualquer
tamanho de empreendimento. Ao revés, esse modelo conta com restritas opções de
financiamento societário, dificultando acesso a investimentos fora do sistema financeiro
tradicional. Em relação à estrutura e ao formato das sociedades limitadas, a maior parte é de
Micro e Pequenas Empresas (MPEs), que desempenham um relevante papel na Economia, de
promoção de empregos e suplantação de crises, por exemplo, mas que contam com as maiores
dificuldades de obtenção de crédito. Essa tensão foi alastrada ainda mais em decorrência da
crise sanitária e pandêmica decorrente do SARS-COV-2 (novo coronavírus), de maneira que a
oferta de crédito no mercado bancário tradicional não é suficiente e urge a promoção de novas
medidas. A análise dos instrumentos de financiamento tradicionais e alternativos viáveis às
empresas, em compasso com o estudo comparado deles em países como a Inglaterra, os Estados
Unidos, a Itália, a França e Portugal, é de patente relevância para avaliar o caminho a ser
percorrido pelo Brasil. A metodologia utilizada é documental e bibliográfica quanto à fonte,
qualitativa no que se refere à natureza do método, exploratória em relação aos fins e com viés
puro e aplicado para a utilização dos resultados. Em sede de resultados, não foram encontradas,
na teoria, barreiras histórias, legislativas ou regulatórias para a emissão de debêntures privadas
ou públicas com esforços restritos por sociedades limitadas. Ainda assim, no que se refere à
prática, há entraves para essa modalidade de financiamento societário, especialmente relativas
à cultura do País e aos custos para uma distribuição pública. Por fim, veja-se que não se defende
que as debêntures sejam o único meio para o financiamento das sociedades limitadas, mas
apenas uma alternativa viável, que é de conhecimento dos investidores e que possui
características que podem facilitar o desenvolvimento das sociedades empresárias. É certo que
há uma tendência de aproximação das sociedades limitadas e das sociedades anônimas,
especialmente as fechadas e as anônimas simplificadas (SAS), mas todas podem coexistir e
receber novas modalidades de financiamento sem prejuízo das demais, com vias a se adequar a
diferentes tipos de negócios. Eis uma nova esperança para as sociedades limitadas.
The objective of the present paper is to analyze the legal viability for limited liability companies
to issue debentures in Brazil. When choosing the corporate form for the entrepreneurial activity,
the usual preference is for limited liability companies, once it limits the liability of its members,
not to mention that it does without great investments for its structure and that it gives them
freedom to conduct their business, which suits any corporate size. On the other hand, limited
liability companies have fewer financing options, which hinders access to investments outside
the traditional financing system. Regarding limited liability companies’ structure and form, the
most is from small business, which plays a significant role in the Economy, but also are less
likely for raising capital. The problem only got bigger with the sanitary pandemic SARS-COV-
2 (coronavirus) crisis, what shows that the capital offered by traditional banking market is not
enough and that new measures are necessary. The analysis of traditional financing instruments
that are viable for companies to raise capital demands the comparative study in countries such
as England, United States, Italy, France and Portugal to evaluate the path to be taken by Brazil.
The methodology used is documental and bibliographical regarding sources, qualitative in what
concerns the nature of the method, exploratory in relation to the means and with a pure and
applied bias for the use of results. In terms of results, there were not found, in theory, any
historical, legal or regulatory barriers for public or private issuing of debentures by limited
liability companies. Even so, in practice, there are some obstacles for that corporate finance
instrument, especially regarding Brazil’s culture and the costs of issuing debentures publicly.
Finally, the proposition isn’t that debentures are the only means for limited liability companies
to raise capital, but only that they are a viable option, known by the investors and which holds
features that can make corporate development easier. It is certain that there is a tendency for
limited liability companies and corporations to get closer, especially private and simplified
joint-stock companies, but they can all coexist and receive new types of financing without
harming the other ones, to suit all kinds of businesses. Behold a new hope for limited liability
companies.
EU União Europeia
LP Limited Partnership
ME Microempresa
UK Reino Unido
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15
1.4.3 Crowdfunding.............................................................................................. 59
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 128
INTRODUÇÃO
A codificação privada tipifica cinco roupagens distintas que podem ser escolhidas para
reger a atividade empresária. A constituição de uma sociedade, portanto, pode adotar as formas
de sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade em comandita por
ações, sociedade limitada ou sociedade anônima. Merecem destaque as duas últimas, pois, em
situações ordinárias, não há confusão entre o patrimônio dos integrantes e o da sociedade
constituída, e a responsabilidade deles é limitada ao valor de suas quotas quando integralizado
o capital social ou ao preço de emissão de suas ações, respectivamente.
Dentre elas, ainda, a mais eleita é a sociedade limitada, pois confere mais liberdade aos
sócios para disciplinarem matérias contratuais, ao passo que não requer investimentos vultosos
para a manutenção de sua estrutura. Pequenos, médios e grandes empreendimentos se adequam
a esse modelo, mas aos dois primeiros há tanto dificuldade na obtenção de crédito quanto
restritas modalidades de financiamento e ao último, opções limitadas para captação de recursos.
utilizar o lucro retido ou aumentar o capital social. A captação por dívida, a seu turno, pode ser
acessada via mercado bancário, mercado de capitais ou instrumentos alternativos de
financiamento. A escolha da estrutura de capital demanda a análise de uma série de fatores, mas
se destaca o fato de que a captação por dívida costuma ser menos dispendiosa para as sociedades
empresárias.
O cenário de incertezas é, ainda, um fator que induz esse setor do mercado financeiro a
ser menos acessado, pois o risco da inadimplência dos negócios aumenta o custo repassado aos
devedores. Em 2020, com a pandemia instaurada pelo SARS-COV-2 (novo coronavírus), a
título exemplificativo, grande parte de pequenos negócios não obteve acesso ao mercado
bancário, ainda que com a criação de linhas específicas para suplantar a crise.
O mercado de capitais, por outro lado, conta com instrumentos desenvolvidos e que, por
conta da desintermediação por instituições financeiras na operação, conferem o crédito de uma
maneira menos dispendiosa. Acontece que o mercado de capitais costumeiramente está ligado
à captação pública e à bolsa de valores, de maneira que se estaria fazendo referência apenas às
sociedades por ações. Os instrumentos desse setor, ao contrário, podem ser acessados nele de
maneira restrita, com uma distribuição pública com esforços restritos, ou alheios a ele, de
maneira privada. Nesses casos, notas promissórias e debêntures são alternativas ao mercado de
crédito.
proteção e retornos mais elevados para o capital dispendido. O problema é que hoje apenas as
notas promissórias podem ser emitidas por sociedades limitadas, as quais não é facultada a
emissão de debêntures.
Parte-se da hipótese de que não há qualquer entrave, teórico ou prático, para que as
limitadas possam emitir debêntures. Em sede de trabalho monográfico, a pesquisadora
averiguou a (im)possibilidade de as sociedades emitirem debêntures e sustentou que a
governança corporativa seria uma importante ferramenta para viabilizar o financiamento
daquelas sociedades. É premente, contudo, um estudo comparativo das debêntures com outros
instrumentos de financiamento, bem como de experiências estrangeiras e da estrutura societária,
para que se possa analisar se o caminho pretendido é, de fato, uma solução.
18
O desenvolvimento do trabalho perpassa por três capítulos que versam sobre o cenário
atual do financiamento das empresas no Brasil, a experiência societária estrangeira com as
sociedades limitadas e as modalidades de financiamento e a viabilidade jurídica da emissão de
debêntures por sociedades limitadas. Em diversos momentos, utiliza-se de títulos da franquia
Star Wars1 para conferir um tom poético ao trabalho e aproximar o leitor de um tema com
tamanha complexidade. Uma nova esperança2, por exemplo, representa uma crença de que,
ultrapassando as limitações atuais, as limitadas possam vencer as barreiras atualmente impostas
a ela.
1
A franquia Star Wars é composta por diversos filmes e spin-offs criadas por George Lucas. O primeiro filme data
de 1977 e a cronologia se utiliza de um calendário ficcional do próprio universo de Star Wars.
2
Uma nova esperança é o título do primeiro filme lançado, mas que corresponde ao quarto episódio da saga
homônima de Star Wars.
19
Star Wars3, visto que ocorrem em uma galáxia fictícia, a fim de verificar a proximidade e
plausibilidade da hipótese que ora se defende. O cenário atual, o posicionamento das Juntas
Comerciais dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, os entraves jurídicos, as barreiras
práticas e a proximidade das limitadas às anônimas, especialmente as fechadas e as anônimas
simplificadas, são os pontos para que se responda se há viabilidade jurídica para a emissão de
debêntures por sociedades limitadas.
3
Do original, os filmes começam com a frase “a long time ago in a galaxy far, far away...”.
20
Ao abordar o financiamento das empresas4, uma série de questões vem à tona, como qual
é a finalidade do crédito, quais são as opções disponíveis para os diferentes arranjos societários,
e quais são as taxas disponíveis em mercado. Ainda, questiona-se sobre a regulação das
modalidades de financiamento, se todas as sociedades empresárias têm acesso a elas e quais
seriam os custos para a manutenção da estrutura societária, incluindo os regulatórios.
A finalidade do crédito pode ser, por exemplo, para capital de giro, compra de máquinas
e equipamentos, reforma ou ampliação do negócio, compra de mercadorias para revenda,
refinanciamento de dívida e desenvolvimento de novo produto. No universo dos pequenos
negócios, o maior destaque de financiamento via empréstimo é para o capital de giro, ocupando
espaço de 52% (cinquenta e dois por cento) dentre as opções mencionadas no ano de 2019
(SEBRAE, 2019, p. 22). Os grandes empreendimentos, a seu turno, destinam os recursos de
diferentes maneiras a depender da modalidade de financiamento. A utilização das ações é feita,
em sua maioria, para a aquisição de ativos (37,4%), e a das debêntures ao refinanciamento de
passivo (35%) e ao capital de giro (30,2%) (ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
4
O fenômeno jurídico da empresa apresenta uma série de perfis que se pode extrair do fenômeno econômico dela,
como subjetivo, funcional, patrimonial e objetivo. A utilização do termo empresa sob uma perspectiva subjetiva
aparece como uma troca do todo pela parte, a referenciando como sinônimo de empresário, aquele que exerce a
empresa. Do ponto de vista funcional, vê-se a empresa como a atividade empresarial, aquilo a que o empresário
vai dirigir a produção ou circulação. O perfil patrimonial da empresa compreende que há uma separação entre o
patrimônio pessoal do empresário e da atividade empresária. O patrimônio da empresa é formado por uma série
de relações entre ela e terceiros, de modo que adquire um valor em si, diferente do patrimônio do empresário,
constituindo uma entidade dinâmica, o estabelecimento empresarial. Sob o perfil objetivo, por sua vez, empresa
compreende tudo aquilo a que o empresário se vale para exercer sua atividade (ASQUINI, 1996, p. 113-120). O
Código Civil de 2002, em seu artigo 966 utiliza empresa como a “atividade econômica organizada para a produção
ou a circulação de bens ou de serviços”, e empresário é aquele que a exerce. Ainda assim, por conta do perfil
poliédrico da empresa, ela é utilizada de diferentes formas no ordenamento jurídico brasileiro, cabendo um esforço
jurídico para extrair o seu fenômeno econômico.
21
Acontece que a oferta de crédito aos pequenos negócios não é suficiente, e parte
considerável dos empreendimentos é encerrado devido a altas taxas de financiamento,
concentração bancária e falta de opções de financiamento que melhor se adequem. A maior
dificuldade na obtenção de empréstimos bancários são as taxas de juros muito altas,
especialmente no que se refere às microempresas (ME) e às empresas de pequeno porte (EPP)
(SEBRAE, 2019, p. 19).
5
A recuperação do crédito para as empresas é lenta e cara e a resposta das instituições financeiras ao risco foi
extremamente conservadora para mitigar o risco oriundo das incertezas (ZANONI; MOREIRA, 2020, p.63-64).
6
Em 2019 a concentração bancária sofreu uma leve queda, acarretando aumento da competição e diminuição dos
custos de crédito (BACEN, 2019, p. 133).
22
É de se notar que o aumento da concentração bancária pode ter efeito direto no spread
bancário. Estudo realizado em 2019 acerca do custo do crédito e da atividade econômica no
Brasil revela que a maior concentração, além de aumentar o spread, reduz a quantidade de
crédito. Por outro lado, uma diminuição no spread, que pode ser implementada a partir de uma
maior competitividade, enseja um aumento no Produto Interno Bruno (PIB) do País
(JOAQUIM; DOORNIK; ORNELAS, 2019, p. 23-24).
O crédito concedido às pessoas jurídicas, de acordo com dados de 2019, foi de R$ 1,8
trilhão. Desse valor, 62% (sessenta e dois por cento) foi destinado às empresas de grande porte,
23,5% (vinte e três vírgula cinco por cento) às de médio porte, 10,3% (dez vírgula três por
cento) às de pequeno porte e 4,2% (quatro vírgula dois por cento) às micro empresas. Ainda
assim, o valor concedido às MPEs constituiu uma expansão, dada a redução da taxa Selic e o
alongamento dos prazos para empréstimo (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2019, p. 25-26).
No que se refere à quantidade de contratos e ao valor emprestado, até 8 (oito) de julho de 2020,
haviam sido concedidos 216.883 (duzentos e dezesseis mil oitocentos e oitenta e três) contratos
e contratados mais de 12 (doze) milhões para pequenas empresas (BRASIL, 2020d).
7
O mercado de capitais normalmente está ligado à captação pública de recursos. Durante a exposição do presente
trabalho, porém, ele vai estar ligado não só àquela ideia, mas também à noção de captação sem intermediação de
instituições financeiras para a obtenção de recursos, em oposição ao mercado de crédito. A emissão privada de
debêntures, por exemplo, não confere acesso ao mercado de capitais propriamente dito, nem requer a
intermediação de instituições financeiras para financiar as sociedades empresárias.
23
responsabilidade de seus integrantes quando a atividade é conduzida sem que haja confusão
patrimonial ou desvio de finalidade8.
8
Nos casos em que há confusão patrimonial ou desvio de finalidade o Direito Civil permite que haja uma
desconsideração da personalidade jurídica e os bens pessoais dos sócios ou dos administradores podem ser
chamados a responder por eventuais dívidas da empresa, pois se considera que houve um abuso da personalidade
jurídica (BRASIL, 2002).
24
O lucro retido é utilizado pela própria sociedade como uma medida de utilização de
capital próprio, assim como a alienação da participação societária. O empréstimo bancário e a
emissão de títulos de dívida, por sua vez, são classificados como capital de terceiros e
normalmente integram o passivo empresarial9. Dentre essas modalidades de financiamento, a
primeira delas não requer que a sociedade vá ao mercado tradicional10, pois o valor já está em
caixa. Para as demais modalidades, entretanto, requer-se o acesso ao mercado financeiro,
notadamente o mercado bancário e o mercado de capitais. Os instrumentos alternativos de
financiamento, a seu turno, são alheios ao mercado tradicional.
9
Há títulos de dívida que, por conta de feição híbrida, podem não ser contabilizados como passivo empresarial.
Os instrumentos híbridos apresentam características de capital próprio, que não tem prazo e não obriga a prestações
periódicas, e de capital de terceiros, que normalmente possuem prestações periódicas e são emitidos por prazo
determinado. Apresentam vantagem para a sociedade pois em determinadas condições são eleitos como capital
próprio e podem, por exemplo, facilitar a obtenção de crédito junto a instituições financeiras, pois o risco de
inadimplemento é menor. Dentre eles, pode-se destacar como exemplo as tracking stocks, as debêntures
conversíveis e as debêntures perpétuas. Estes, contudo, não são automaticamente enquadrados na categoria de
instrumentos híbridos, então deve haver uma análise detida nas suas características específicas (OLIVEIRA, 2015,
edição eletrônica).
10
O comércio surgiu como um meio de expandir as economias e trocar algo que se tinha em excesso pelo que não
se tinha. O comércio, por sua vez, conta com uma série de custos de transação, despesas que normalmente não
surgiriam caso os agentes tivessem acesso as mesmas informações de uma maneira paritária. Acontece que não há
como excluir esses custos de transação, mas apenas tentar minimizá-lo com a criação dos mercados. Os mercados
podem ser definidos como os ambientes virtuais em que os indivíduos realizam suas trocas, tornando mais fácil
toda a operação (COASE, 2016, p. 8). Com o tempo, os mercados foram se desenvolvendo e se especializando, de
modo que se criou o mercado financeiro para as transações em dinheiro que, depois, se especializou em outros
quatro, mercado monetário, mercado de câmbio, mercado bancário e mercado de capitais. Esses segmentos do
mercado financeiro são organizados para que sejam prestados o maior número de informações a fim de reduzir os
custos, a exemplo das bolsas de valores, parte integrante do mercado de capitais (COMISSÃO DE VALORES
MOBILIÁRIOS, 2019, p. 30).
11
É premente destacar que as instituições financeiras não podem se descapitalizar e emprestar tudo aquilo que lhe
foi depositado, uma vez que este crédito possui risco. Em 1929, em Nova York, houve um caos desordenado
iniciado por uma crise bancária, posto que a bolsa de valores quebrou e, como muitos bancos investiam e
emprestavam o dinheiro depositado, muitas pessoas perderam todas as suas economias, houve o rompimento da
bolha financeira (FARIA, 2016, p. 66). Após esse período, houve alguns episódios de regulamentação e
desregulamentação para que se chegasse no modelo atual de setores bancários e limitação à descapitalização.
25
Como não há intermediação financeira, dá-se a possibilidade de uma redução nos custos
empresariais e uma implementação nos ganhos dos investidores, ao mesmo tempo em que são
diminuídos os riscos das instituições financeiras, que agora são diluídos entre todos os
26
investidores. O mercado de capitais não prescinde de agente financeiro, mas ele não mais capta
os recursos em nome próprio para repassar a terceiro, pois passa a apenas auxiliar a venda dos
títulos. Há ganhos por parte do agente financeiro, pois ele custodia toda a operação, emite
documentos e viabiliza toda a operação12, mas não mais decorrente do spread, e sim pela
comissão em decorrência da distribuição dos valores mobiliários (VEIGA; OIOLI, 2013, p.
630-631).
12
A atuação dos agentes financeiros no mercado de capitais lhes proporciona ganhos em quantias menores, mas
lhes reduz o risco da operação.
13
Os instrumentos híbridos de financiamento não se confundem com a feição híbrida dos títulos de dívida. Aqueles
são relacionados ao tipo de rendimento que é conferido aos investidores, se fixo, variável ou híbrido, que ora
confere renda fixa, ora variável, a depender da carteira do FII, por exemplo.
27
R$ 184.692 (cento e oitenta e quatro mil seiscentos e noventa e dois) milhões em debêntures e
R$ 90.016 (noventa mil e dezesseis) milhões em ações. O começo de 2020, de janeiro a maio,
registrou a captação de R$ 38.773 (trinta e oito mil setecentos e setenta e três) milhões e R$
31.526 (trinta e um mil quinhentos e vinte e seis) milhões em debêntures e ações,
respectivamente. No que se refere a número de operações, em 2019 se registrou 372 (trezentas
e setenta e duas) referentes a debêntures, 340 (trezentas e quarenta) de CRI, 333 (trezentas e
trinta e três) de FIDC e 42 de ações, sendo 37 (trinta e sete) delas follow-ons. Em 2020 o
número, até maio, é de 116 (cento e dezesseis) operações de debêntures, 95 (noventa e cinco)
de CRI, 101 (cento e uma) de FIDC e 10 (dez) de ações (ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
O mercado de capitais, apesar de contar com inúmeras benesses e ser fundamental para o
próprio desenvolvimento do País, hoje é restrito às sociedades por ações. As sociedades
limitadas, que contam com estrutura menos dispendiosa e, por vezes, mais plástica, tem
dificuldades de acessar esse mercado. Acontece que a maior parte das sociedades empresárias
no Brasil são de sociedades limitadas, e a rigor elas podem sim acessar esse mercado, a
depender da forma de acesso e quais os valores mobiliários de que se estaria tratando, como é
possível analisar no terceiro capítulo (VEIGA; OIOLI, 2013, p. 645).
14
Veja-se que aqui está se destacando a escolha pela estruturação de capital, mas por diversas vezes não há muitas
opções de financiamento para as sociedades empresárias, de modo que a própria construção de uma estrutura de
capital se torna dificultosa.
15
As sociedades empresárias podem, eventualmente, enfrentar crises, que podem ser reversíveis ou não. Quando
se antevê alguma possibilidade de auxílio para a preservação da empresa, o instrumento para auxiliá-las é a
28
os dividendos não reduzem a base de cálculo do imposto de renda sobre a contribuição social e
nem sempre são recebidos pelos investidores16. Ainda assim, em primeiro lugar costumam ser
escolhidas fontes internas de financiamento próprio, seguida de fontes externas de capital de
terceiros e, por fim, fontes externas de capital próprio (ROSMAN; FERNANDES, 2016, p.
249).
Determinar o custo e a escolha do capital próprio (cost of equity) depende de uma série
de variáveis, mas ele estabelece, basicamente, o interesse de ganho dos sócios ou acionistas da
empresa. Tratando de sociedades com diminuto número de integrantes, uma das possibilidades
para estimar o retorno que faça sentido para os sócios é questioná-los sobre tal valor,
considerando os riscos da atividade. Em sociedades empresárias com um número maior de
integrantes, tal retorno pode ser mais complicado, posto que as expectativas de ganho são muito
diversificadas.
O cálculo estimado pode ser feito por uma série de modelos, como Capital Asset Pricing
Model (CAPM), Arbitrage Pricing Theory (APT), three-factor model of fama and french e
Carhart four-factor model. O modelo mais utilizado em finanças corporativas é o CAPM, uma
vez que os demais modelos não apresentam um ganho tão significativo na estimativa do custo
do capital, ao passo que elevam a complexidade do cálculo (BROTHERSON; EADES;
HARRIS; HIGGINS, 2013, p. 4).
recuperação judicial e, quando não se verifica qualquer possibilidade, tem-se a falência (SCALZILLI; SPINELLI;
TELLECHEA, 2016, p. 31). A Lei 11.101, que disciplina a Recuperação Judicial e a Falência no Brasil, ao
classificar os créditos em seu artigo 83 aloca em último lugar o crédito dos sócios e dos administradores, de modo
que muitas vezes estes não recebem qualquer valor, pois não há patrimônio suficiente para satisfazer todos os
credores.
16
Determinados regimes fiscais induzem ao endividamento, de maneira que, quando há mais incidência de
impostos, também há incentivo para a alavancagem financeira e a redução da base de cálculo do imposto de renda
sobre a contribuição social da empresa (OLIVEIRA, 2015, edição eletrônica).
29
A escolha por instrumentos de dívida, por sua vez, perpassa cinco pontos, a saber: a quem
pedir, qual prazo dedicar, estipulação de cláusulas restritivas, oferecimento de garantias e
estabelecimento de prioridades entre os instrumentos. Cada uma dessas escolhas deve ser
pontualmente pensada para avaliar o risco e calcular o custo efetivo da dívida (OLIVEIRA,
2015, edição eletrônica).
O uso do capital de terceiros costuma servir menos risco às empresas, uma vez que o
fraciona. Quando se faz uso de capital próprio, o risco da aplicação é maior, e os retornos mais
incertos, enquanto os retornos costumam ser fixos ou atrelados a indexadores no caso de capital
de terceiros (ASSAF NETO, 2014, p. 465). Além disso, a utilização de instrumentos de dívida
permite a redução da base de cálculo para o Imposto sobre a Renda (IR).
Na prática, é necessário assumir premissas para que se calcule o custo da dívida de cada
instrumento de financiamento. É possível mensurar o custo da dívida de uma empresa por meio
de seus dados históricos, mas para analisar a emissão de novos instrumentos, deve-se partir do
rating, que é a medida de risco do crédito, avaliada por empresas especialistas que consideram,
além de outras coisas, as garantias oferecidas, o risco do País e a capacidade de a empresa pagar
o valor ofertado (ASSAF NETO, 2014, p. 466).
O real benefício do financiamento por meio de dívida deve assumir que as empresas estão
pagando impostos sobre o lucro todos os anos, pois o benefício fiscal ocorre sobre o que é pago
do lucro. Há uma direta relação desse benefício com o Earnings Before Interest, Taxes,
Depreciation and Amortization (EBITDA), pois se a empresa não tiver ganhos sujeitos ao
pagamento de impostos, muito provavelmente não valha a pena estruturar o seu capital por meio
de dívida. O benefício fiscal da dívida é diverso em cada tipo de negócio e talvez possa ser
inexistente (BERK; DEMARZO, 2017, p. 567-573).
passível de taxação é maior do que o que se paga em taxas. Ainda assim, a maior parte das
firmas não utiliza mais do que 50% em margem do lucro para o financiamento por meio de
dívida (BERK; DEMARZO, 2017, p. 583).
A estrutura de capital, dessa maneira, vai depender de fatores como o risco empresarial,
o tratamento fiscal favorecido, os custos de insolvência, os custos de agência, a flexibilidade
financeira, a dimensão da empresa, o estilo da administração a taxa de crescimento e as
condições de mercado (OLIVEIRA, 2015, edição eletrônica). O mais relevante dessas
imperfeições são os impostos, de maneira que uma boa estrutura de capital com dívida permite
benefícios fiscais para diminuir o que é pago deles. Por outro lado, os ganhos também devem
ser protegidos, não se deve adotar uma estruturação de capital apenas com dívida (BERK;
DEMARZO, 2017, p. 617).
Para uma melhor compreensão desses instrumentos é necessária uma análise detida sobre
cada um deles, suas especificidades e atratividade para a empresa e para o investidor. A
utilização de cada um dos instrumentos que são analisados possui um objetivo específico, e
deve-se atentar para a finalidade do crédito para a sociedade empresária.
o que dispõe o artigo 586 do Código Civil brasileiro. Com a realização desse contrato o
mutuário, ou devedor, fica obrigado a restituir tudo aquilo que recebeu em coisas de mesmos
gêneros, qualidade e quantidade ao mutuante, ou credor em prazo de vencimento determinado
acrescido de juros (BRASIL, 2002).
As taxas anuais de juros para o crédito bancário são bastante variadas, e em agosto de
2019 alçavam patamar de 18,89% (dezoito vírgula oitenta e nove por cento) para os recursos
livres à PJ, 9,78% (nove vírgula setenta e oito por cento) para financiamento imobiliário de PJ
e 8,80% (oito vírgula oitenta por cento) para os recursos oriundos do BNDES. Apesar de as
taxas superarem a dos títulos corporativos, essa modalidade de financiamento ainda é preferida
por empresas de alguns setores (ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
17
Do ponto de vista teórico e legislativo, o empréstimo bancário, de fato, está disponível para todos os
empreendimentos, mas as condições que são ofertadas em relação ao prazo e aos juros fazem que ele perca essa
caracterização e se torne inviável.
32
esse tipo de contrato é normalmente realizado a curto prazo, com vencimento abaixo de doze
meses (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2019, p. 25).
18
Destaque-se que não há a previsão expressa de mútuo conversível na legislação brasileira, mas este vem sendo
fartamente utilizado, especialmente em contratos com startups.
19
No que se refere às sociedades limitadas, veja-se que elas também podem permitir que novo sócio ingresse na
sociedade e este valor seja recebido como ágio, registrado diretamente como reserva de capital. Como assim o é,
ele só poderia ser integrado para efeitos de apuração do lucro real se houvesse expressa previsão nesse sentido
pela lei tributária, pois o ágio pago na subscrição de quotas não compõe lucro líquido contábil, o que não ocorre.
Nesse sentido, não deveria ser tributado o ágio pago na subscrição de quotas em sociedades limitadas. Ainda assim,
os contratos de mútuo conversível costumam conter cláusula de transformação societária, posto que a interpretação
da Administração Fazendária é no sentido de tributar esse ágio e as sociedades empresárias preferem evitar essa
discussão administrativa e judicial (FAJERSZTAJN; SANTOS, 2013, p. 481-482).
20
Nas situações em que se caracteriza uma obrigação híbrida, ou seja, que congrega elementos de capital próprio
e de capital de terceiros, esse capital pode ser eleito como capital próprio (OLIVEIRA, 2015, edição eletrônica).
21
O mútuo conversível, como contrato cível em geral, é permitido a todas as modalidades societárias.
33
1.3.2 Ações
O capital de uma sociedade empresária corresponde ao valor dos bens que os sócios ou
acionistas transferem à sociedade, podendo eles ser de qualquer espécie desde que passíveis de
avaliação pecuniária22. Esse capital pode pertencer integralmente a um indivíduo23 ou pode ser
fracionado em quotas ou em ações24. Diante de uma sociedade limitada, o capital é dividido em
quotas sociais, e em uma sociedade anônima ele se divide em ações.
As ações devem ser compreendidas como unidades do capital social e aqueles que lhes
detém, alçam a categoria de acionistas, detentores de uma parcela da propriedade social.
Acontece que os acionistas podem ter interesses diversos sobre participar do dia a dia de gestão
da empresa ou apenas tê-la em portifólio para investimento, e normalmente o tem, razão pela
qual as ações podem conferir diferentes direitos e vantagens a seus detentores.
22
É importante destacar que o capital social da empresa é temporariamente imutável, pois demanda uma alteração
no contrato ou no estatuto social para que ocorra. O patrimônio da sociedade, por sua vez, que representa o conjunto
de bens, pode ser alterado, uma vez que os bens podem se valorizar e a sociedade pode ampliar os seus lucros
(BORBA, 2019, edição eletrônica).
23
O ordenamento jurídico brasileiro, com a alteração realizada no Código Civil pela Lei da Liberdade Econômica,
facultou a possibilidade de constituição de sociedade limitada unipessoal (BRASIL, 2019d).
24
De acordo com a Lei 6.385/76, Lei que dispõe sobre o Mercado de Capitais, as ações são classificadas como
valores mobiliários e se sujeitam àquela Lei (BRASIL, 1976a).
25
O artigo 17 da Lei de Sociedades por Ações, alterado pela Lei Nº 10.303, de 2001, bem como o artigo 18,
destacam que as vantagens das ações preferenciais podem consistir em vantagens políticas, prioridade na
distribuição dos dividendos, sejam eles fixos ou mínimos, prioridade no reembolso de capital ou ambas as
benesses. Essas ações preferenciais podem ser negociadas por diversas formas e conter ambas as benesses ou
nenhuma delas, mas para a participação delas no mercado de valores mobiliários deve haver uma vantagem mínima
dentre as estabelecidas no parágrafo primeiro do artigo 17. O dividendo fixo é limitado ao valor estabelecido, mas
o dividendo mínimo apenas possui este como um valor referencial (BRASIL, 1976b).
26
As ações preferenciais, por conferirem algum tipo de vantagem aos seus detentores, podem lhe retirar o direito
a voto. As companhias podem emitir ações preferenciais por uma série de motivos, desde a atratividade aos
acionistas investidores em relação a distribuição de dividendos a necessidade de captação de capital social sem a
perda do controle societário. Acontece que a legislação impõe limitação para a emissão de ações preferenciais sem
direito a voto, que originalmente era na razão de 2/3 (dois terços) do total de ações emitidas e, com a alteração
dada pela Lei Nº 10.303, de 2001, restou em 50% (cinquenta por cento) (BRASIL, 1976b).
34
amortizada pela sociedade27, caso em que é pago ao acionista tudo aquilo que lhe seria devido
em eventual liquidação da sociedade empresária28 (BORBA, 2019, edição eletrônica).
As ações podem ser utilizadas como uma modalidade de investimento social por meio de
capital próprio em que os acionistas colocam mais dinheiro na empresa e aumentam o seu
patrimônio ou admitem novos integrantes na atividade, sejam eles preferenciais30 ou ordinários.
O investimento social por meio de ações apenas pode ser efetivado por sociedades anônimas e
sociedades em comandita por ações, uma vez que as demais não têm acesso a toda extensão do
mercado de capitais e seu capital social é dividido em quotas.
27
A amortização das ações acontece quando a sociedade distribui aos acionistas o que lhes seria pago em eventual
caso de liquidação da sociedade. Tal hipótese pode ocorrer com ou sem a redução do capital social, bem como ser
total ou parcial. Quando a amortização for parcial, a escolha das ações deverá ser feita mediante sorteio, conforme
artigo 44 da LSA (BRASIL, 1976b).
28
A liquidação da sociedade empresária é uma das categorias da dissolução societária, que também engloba a
dissolução sticto sensu e a extinção. A fase da liquidação compreende outras duas etapas, uma primeira que apenas
indica o estado de liquidação, condição em que a sociedade se transmuda após incorrer em uma das causas de
dissolução sticto sensu, e uma segunda, que faz referência ao procedimento próprio de liquidação para findar todo
o passivo social e distribuir o remanescente (PENTEADO, 1995, p. 29-31). A amortização das ações com
pagamento do valor que seria devido ao acionista em eventual liquidação da sociedade empresária corresponde à
segunda etapa de liquidação mencionada.
29
O capital social e o número de ações são elementos que devem estar presente no estatuto social, e, para a
modificação em seus valores ou quantidades, deve-se realizar uma alteração formal no instrumento. Quando não
é declarado o valor nominal não é necessário que se faça essa alteração nas situações em que o valor das ações
muda ou quando algum outro bem passa a integrar o acervo da empresa.
30
Merece destaque, nesse momento, as tracking stocks ou ações setorizadas que podem ser tratadas como
modalidades de ações preferenciais em que o valor e os dividendos estão vinculados aos resultados de ativos
específicos da empresa e não a ela. Veja-se que consiste em opção de financiamento societário a ser conferida às
empresas para agregar as modalidades que elas já possuem, além de ser alternativa que fortalece o mercado
primário de ações (BARBOSA, 2018, p. 15 e 18)
35
investimento em logística, redução do passivo ou outras, inclusive. Quando as ações vão ser
ofertadas em mercado, independentemente do tipo de distribuição feita, vai ser estipulado um
preço a elas que, nesse momento, é denominado de preço de emissão. Quando o preço de
emissão da ação supera o seu valor nominal, o excedente vai servir para reserva de capital,
constituindo o ágio31 (BORBA, 2019, edição eletrônica).
31
Ressalte-se que o lucro obtido pela sociedade a título de ágio na emissão de ações para formação de reserva de
capital não é computável para lucro real das importâncias, de modo que não vai ser pago o imposto de renda sobre
esse ganho de capital, nos termos do artigo 38 do Decreto Lei 1.598/77 (BRASIL, 1977).
32
Nesse caso, não há acesso ao mercado de capitais, mas há uma operação que não é intermediada por instituição
financeira.
33
Para que os investidores possam tomar decisões não viciadas, devem ter acesso a todo tipo de informação sobre
a empresa de maneira transparente e clara em relação aos aspectos societários, trabalhistas, contratuais, ambientais,
regulatórios e quaisquer outros que se façam necessários, de maneira que é premente uma diligência legal para
36
A ICVM 476 (2009a), por sua vez, seguindo a experiência norte americana
(SALDANHA; MALUF, 2017) regula e permite que algumas operações sejam realizadas com
menores esforços de distribuição, sob a condição de apenas se destinarem a investidores
profissionais34. Esses menores esforços se consubstanciam na procura de, no máximo, 75
investidores, e na subscrição de, no máximo, 50 investidores, ambos profissionais. Por conta
disso, se dispensa o registro na CVM e a exigência do prospecto, o que diminui os custos da
operação e o tempo mínimo para a emissão. Apesar disso, em 2019, com a emissão do novo
Código de Ofertas Públicas da ANBIMA, decidiu-se por requisitar o memorando de ações e
um sumário de debêntures quando forem estes os valores mobiliários distribuídos sob a égide
da ICVM 476 (ANBIMA, 2019a, p. 17).
Os motivos para realizar uma oferta pública de ações, seja ela inicial ou subsequente são
variados, mas englobam, dentre outros, acesso ao mercado de capitais para melhores
modalidades de financiamento, otimização da estrutura de capital para balancear dívida e
equity, criar referencial para avaliação da empresa e oferecer liquidez para os investidores. São
objetivos da oferta pública, também, a profissionalização da gestão e a opção para remuneração
dos funcionários, mas estas são específicas da Inicial Public Offering (IPO).
averiguar todos os detalhes da operação societária com relação aqueles pontos e descrevê-los (PEREIRA;
CAVALCANTI, 2014, p. 138). Os processos de due dilligence vão ser de extrema importância para a preparação
do prospecto e dos demais documentos para o registro da operação, bem como para evitar responsabilização dos
integrantes do grupo responsável pela oferta (PwC, 2015, p. 39).
34
Os investidores profissionais são classificados pela CVM como aqueles que detêm certa experiência no mercado
e, por isso, podem tomar melhores decisões de investimento mesmo com a falta do prospecto ou do memorando.
Dessa maneira, foram eleitos para essa categoria “I - as instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco
Central do Brasil; II - companhias seguradoras e sociedades de capitalização; III - entidades abertas e fechadas de
previdência complementar; IV - pessoas naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor
superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de
investidor profissional mediante termo próprio, de acordo com o Anexo 9-A; V - fundos de investimento; VI -
clubes de investimento, desde que tenham a carteira gerida por administrador de carteira de valores mobiliários
autorizado pela CVM; VII - agentes autônomos de investimento, administradores de carteira, analistas e
consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios; VIII - investidores
não residentes” (BRASIL, 2013b, p. 8).
35
No inglês, a terminologia utilizada é underwritter ou bookrunner, que é o banco responsável pelo processo de
IPO. Uma série de fatores contribuem para que seja escolhido o banco responsável por esse tipo de procedimento
para o qual uma empresa vai se submeter, dentre eles a expertise da área, o valuation que o banco realiza da
sociedade empresária, o suporte de marketing, a cobertura de research e outros que dependem do próprio processo
de IPO.
37
Antes de começar o processo, a sociedade empresária primeiro cogita o IPO, faz pesquisas
com diversos underwritters, avalia o valuation da empresa e os níveis de governança. Quando
se decide por realizar o procedimento, é escolhido o coordenador da oferta e os demais
integrantes do grupo responsável pelo projeto e marcada a kick off meeting. Na ocasião, são
apresentadas as diretrizes e o cronograma desejado da oferta e avaliados os procedimentos
internos de auditoria, de gestão e controle (PEREIRA; CAVALCANTI, 2014, p. 136).
36
O prazo vai depender muito do estágio de governança e da consistência da empresa. Se, por exemplo, nunca
tiverem sido auditadas as demonstrações financeiras, é bem provável que o tempo para o IPO seja de, pelo menos,
três anos, uma vez que as entidades regulatórias exigem três anos daquelas (B3, 2019). Além disso, é possível que
a sociedade empresária não seja constituída sob a modalidade de sociedade por ações, de maneira que será
premente uma transformação societária e uma série de outras alterações estratégicas (CHIMENTI; SILVA;
OLIVEIRA, 2014, p. 26).
37
Vale destacar que, quando é feita uma distribuição pública com esforços restritos, ou seja, uma distribuição
destinada a investidores que detêm uma certa experiência no mercado e com a subscrição de, no máximo, cinquenta
deles, é dispensado o registro na CVM, conforme artigo sexto da instrução 476 (BRASIL, 2009a).
38
Uma das motivações para esse período sem que sejam divulgadas informações acerca do emissor é evitar o uso
indevido de informações privilegiadas, tratado como crime na legislação brasileira desde 2001, após a alteração
legislativa na Lei que disciplina o Mercado de Capitais, que incluiu o artigo 27-D (BRASIL, 2001).
38
Após a determinação do preço das ações, são feitos o fechamento e o anúncio da oferta
em mercado. Quando a ação é lançada em mercado, ainda não está definido o seu preço de
mercado, pois há um período de estabilização em que é permitida uma atuação dos bookrunners
para auxiliar e evitar uma grande flutuação nos preços40.
39
Com a pandemia instaurada pelo SARS-COV-2 em 2020, alguns roadshows começaram a adotar a modalidade
virtual para que não houvesse paralisação nos processos de IPO ou follow-on. Em algumas empresas, inclusive,
todas as reuniões relativas ao processo de IPO foram virtuais (GOLDSTEIN, 2020, p. 20).
40
É possível que sejam acordadas algumas cláusulas com os bookrunners que irão funcionar como garantia para
a empresa emissora. Dentre elas tem-se a garantia firme de colocação, a garantia de liquidação e os melhores
esforços. Na primeira os bancos garantem a venda, na segunda garante-se a liquidação das ações que foram
subscritas e na terceira não é garantido qualquer tipo de performance, mas que serão empenhados os melhores
esforços para a realização da operação. O prospecto, dessa maneira, deve conter cláusulas que possibilitem que os
underwriters comprem lote adicional de ações em até 15% (quinze por cento) do preço da oferta ou façam uma
sobrealocação da oferta em até 20% (vinte por cento) com base na demanda, cláusulas que são denominadas,
respectivamente, de greenshoe option e hot issue (PINHEIRO, 2014, p. 15).
39
Após o IPO a empresa já tem suas ações negociadas em mercado e conta com uma série
de exigências das agências reguladoras periodicamente. O follow-on, ou a oferta subsequente
de ações, também é uma forma de captação de recursos via mercado de capitais com a utilização
de capital próprio pelas sociedades empresárias e conta com as mesmas fases do IPO, mas, pelo
fato de a empresa já adotar uma série práticas de governança e já operar em mercado,
normalmente ele tem um prazo menor do que o IPO. A emissão de dívida, por sua vez, segue a
mesma linha do IPO, com o detalhe de que necessita da avaliação da empresa por uma agência
de rating.
Em 2019 foram captados R$ 35.067 (trinta e cinco mil e sessenta e sete) milhões por meio
da ICVM 400 e R$ 54.949 (cinquenta e quatro mil novecentos e quarenta e nove) milhões via
ICVM 476. Esse aporte foi adquirido em 10 e 32 operações, respectivamente. A maior parte
delas foi de emissões primárias, mas também houve distribuição secundária de ações com
volume significativo. Em 2020, até o mês de maio, já foram realizadas 6 (seis) operações via
ICVM 400 e 4 (quatro) via ICVM 476, que levantaram R$ 26.332 (vinte e seis mil trezentos e
trinta e dois) milhões e R$ 5.245 (cinco mil duzentos e quarenta e cinco) milhões,
respectivamente (ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
Dentre as empresas que negociaram suas ações em mercado na B3 (Brasil, Bolsa, Balcão),
bolsa de valores brasileira, a maior parte adota o nível de governança do novo mercado, seguido
pelos níveis um e dois41. Em 2019 foram registradas 37 (trinta e sete) operações com nível de
governança novo mercado, 3 (três) nível dois e 2 (duas) nível um. Até maio de 2020 haviam
sido registradas 9 (nove) novo mercado e 1 (uma) de nível dois (ANBIMA, 2020a, edição
eletrônica).
41
Esse assunto é abordado mais adiante, mas se pode adiantar que, para facilitar o ingresso de novas sociedades
na bolsa de valores, foram criados segmentos de listagem com níveis distintos de governança, diminuindo o
encargo para manter a estrutura societária.
40
era dos fundos de investimento, com 50,5% (cinquenta vírgula cinco por cento) (ANBIMA,
2020a, edição eletrônica).
Podem ser feitas, ainda, uma distribuição pública com esforços restritos ou uma privada
de ações. Naquela, algumas das exigências são dispensadas para que o processo seja menos
dispendioso, enquanto são impostas algumas condições, como os destinatários da oferta, por se
requerer mais experiência em mercado. Estas são feitas sem se enquadrar em nenhumas das
situações de distribuição pública, pois não buscam por investidores em geral, mas pessoas
específicas para integrarem o quadro societário. A modalidade privada de distribuição de ações
é interessante para que se adquira o capital inicialmente desejado, sem os entraves burocráticos
e dispendiosos de uma distribuição pública e sem o ingresso de terceiros estranhos ao quadro
societário.
As ações são uma excelente modalidade de financiamento por meio de capital próprio,
em que a sociedade adquire o crédito que necessita no mercado de capitais. Essa modalidade
de financiamento, porém, é restrita às sociedades por ações, não se estendendo a MPEs. O custo
dessa modalidade é calculado por meio de modelos que estipulam o custo do capital próprio,
como o CAPM.
1.3.3 Debêntures
As debêntures são uma modalidade de captação de recursos por dívida que as empresas
podem lançar mão para financiar as suas atividades de longo prazo com capital de terceiros.
Nos termos da Lei que dispõe sobre o Mercado de Capitais, as debêntures são classificadas
como valores mobiliários (BRASIL, 1976a) e conferem ao titular um direito de crédito contra
a sociedade (BRASIL, 1976b). É, por conseguinte, modalidade de dívida para a sociedade
empresária e de investimento para aqueles que as adquirem, os debenturistas.
que os de títulos públicos, como o tesouro direto42, uma vez que elas sequer são sujeitas à Lei
de Usura, Decreto-Lei nº 26.626/33 (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2006, p. 9-10).
O apetite para o público investidor é patente, uma vez que pode alocar os seus riscos e
contar com rendimentos ainda mais elevados. Em abril de 2021, passado mais de um ano da
pandemia instaurada pelo SARS-COV-2 (novo coronavírus), as debêntures representaram
61,3% (sessenta e um vírgula três por cento) das emissões domésticas, com destinação,
principalmente para capital de giro e refinanciamento do passivo, alçando um patamar de 44,6%
(quarenta e quatro vírgula seis por cento) em volume. Saliente-se que os maiores subscritores
das debêntures, com 46,9% (quarenta e seis vírgula nove por cento), de janeiro a abril, foram
os intermediários e demais participantes ligados à oferta, seguidos pelos fundos de
investimento, com 30,2% (trinta vírgula dois por cento) do volume captado (ANBIMA, 2021,
edição eletrônica).
Destaque-se que essa procura pelas debêntures se deu, além de outros motivos, pela
restrição do crédito no mercado bancário, que não tem como financiar as atividades e assumir
todo o risco depois de mais de um ano de pandemia, com maiores incertezas estruturais. Outro
ponto que merece destaque é a redução dos custos das operações no mercado de capitais com a
possibilidade de realização de processos de captação de recursos de maneira virtual
(GOLDSTEIN, 2020, p. 20).
A utilização das debêntures pode tomar variadas formas e servir para uma série de
necessidades da empresa, como o financiamento do capital de giro, investimento em
infraestrutura, investimento imobilizado, investimento em participação societária, recompra de
debêntures emitidas anteriormente, refinanciamento de passivo e outras de necessidade do
negócio. Há certa prevalência na utilização destes instrumentos para capital de giro e
refinanciamento de passivo, e de janeiro a maio de 2020 eles representaram 42,7% (quarenta e
42
Há três fatores que contribuem para a escolha de um investimento: o risco, a liquidez e a rentabilidade. É pouco
provável que se encontre, por exemplo, alta rentabilidade atrelada a alta liquidez e baixo risco. Costumeiramente
maior rentabilidade está ligada a maior risco e menor liquidez. Os ativos mais seguros no mercado, emitidos pelo
Governo, costumam conferir baixa rentabilidade. Veja-se que em 2020, com a pandemia causada pela
disseminação do coronavírus e a restrição da circulação de pessoas, os governos foram forçados a tomar medidas
de incentivo em relação às políticas monetária, fiscal e creditícia. Uma das medidas implementadas em política
monetária foi a diminuição das taxas de juros. No Brasil, a SELIC foi reduzida para 2,0% (dois por cento) para
incentivar a economia, tendo em vista a conferência de crédito a um valor mais baixo. Os investimentos feitos com
esse nível de segurança, portanto, conferem um retorno muito baixo aos investidores, que migram para outros
instrumentos. As debêntures são um instrumento de investimento que oferece um retorno maior do que aqueles,
por conferirem risco maior e liquidez menor.
42
dois virgula sete por cento) e 18,3% (dezoito virgula três por cento), respectivamente
(ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
Apesar das similitudes, o mútuo não entrega todas as benesses inerentes às debêntures
para os investidores, para as sociedades empresárias e para o mercado. Do ponto de vista dos
investidores, eles ficam mais protegidos com as debêntures, tendo em vista a assembleia de
debenturistas já contar com uma série de prerrogativas dispostas em Lei e maior dificuldade
para reconhecimento de vínculo societário nos casos de contrato de mútuo, bem como
costumeiramente recebem retornos maiores. As sociedades empresárias, a seu turno, podem
escolher as condições do título e estipular juros remuneratórios sem necessidade de observar os
limites legais43, o que lhes permite apresentar promessas de retorno mais atrativas que títulos
públicos, por exemplo44. Além disso, para o mercado é mais interessante a emissão de
debêntures uma vez que maior circulação desses títulos pode, inclusive, promover uma maior
liquidez no mercado secundário de dívida e auxiliar no desenvolvimento do mercado de
capitais, quando se estiver falando de emissão pública, por exemplo.
43
Nos contratos de mútuo que se destinam a fins econômicos, por exemplo, os juros remuneratórios são limitados
à taxa do artigo 406 do Código Civil, consoante disposto no artigo 591 do mesmo diploma (BRASIL, 2002). As
debêntures, a seu turno, como resultam do interesse da emitente em angariar recursos e do investidor em adquirir
melhores remunerações para seus ativos, não se sujeitam às limitações do Código Civil ou da Lei de Usura,
Decreto-Lei nº 26.626/33. Impor tal limitações às debêntures macularia o sistema de captação de recursos e de
valores mobiliários (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2006, p. 9-10).
44
Os juros remuneratórios previstos nas debêntures, que representam a remuneração do título em detrimento do
empréstimo feito à sociedade empresária, apesar de, em última análise, caber à esta, são estipulados em razão do
risco, do perfil do negócio, do tamanho e da solidez da empresa, por exemplo. Em alguns casos, é possível que
essas taxas fiquem mais altas do que as taxas legais por conta das condições do título, o que é legal e cabível por
se tratar de instrumento unilateral de dívida (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2006, p. 10).
43
de valores mobiliários, mas também não há uma distinção estrutural e específica entre eles, de
modo que qualquer destes pode ser considerado como aquele (LUCCA, 1999, p. 91). Verifica-
se que, isoladamente, cada debênture pode ser compreendida como um título de crédito contra
a sociedade, mas nem sempre contém os requisitos dos títulos de crédito (BORBA, 2005, p.
17). Deve-se, inclusive, ter cautela ao classificá-las dessa maneira, pois foi um dos argumentos
levantados para impedir a sua disponibilidade às sociedades limitadas pela Junta Comercial do
Estado do Rio de Janeiro, tendo em vista a rigidez do sistema de títulos de crédito (RIO DE
JANEIRO, 2012, p. 1).
Diferente das ações, que representam uma parcela do capital social e fazem parte do
patrimônio líquido da companhia, as debêntures são títulos de dívida, que compõe o passivo
empresarial exigível. A debênture é classificada, sob a perspectiva do credor, como um
investimento de renda fixa45, mas é facultado ao emissor assegurar juros variáveis, inclusive
combinando taxas diversas, ou conceder participação no lucro da companhia. O valor da
debênture, costumeiramente, é expresso em moeda nacional e pode conter cláusula de correção
monetária (BRASIL, 1976b).
No Brasil, as duas leis base para o tratamento das debêntures são a Lei do Mercado de
Capitais e a Lei das Sociedades por Ações, de modo que se faz premente explorar o seu
conteúdo. No que tange a esse valor mobiliário, cada empresa pode efetuar mais de uma
emissão de debêntures e dividi-las em séries46 para finalidades diversas, devendo se observar
que as debentures da mesma série conferem os mesmos direitos a todos os debenturistas
(BRASIL, 1976b).
45
A renda fixa, diferentemente da renda variável, confere retornos previsíveis para os investidores. Esse tipo de
investimento pode já conferir uma taxa de juros determinada ou atrelar a rentabilidade a algum índice econômico,
mas, ainda assim, já se tem o percentual de rendimento em cada um dos indicadores.
46
Em uma mesma emissão podem existir condições diversas para as debêntures, mas cada série deve conceder
iguais direitos e deveres aos debenturistas. É possível, assim, em uma única emissão, requisitar capital para
diversos objetivos da empresa e, por conseguinte, lhes atribuir condições diversas.
44
Cada cédula de debênture vai conter um prazo para o vencimento da obrigação 47. O
período médio do ativo é na faixa de cinco a seis anos, tendo se estabelecido em, 5,9 (cinco
virgula nove) anos em 2018, 6,4 (seis vírgula quatro) anos em 2019 e em 2020, até maio, 5,6
(cinco vírgula seis) anos (ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
47
O artigo 55, § 4º, da Lei 6.404/76 permite a emissão de debêntures permanentes (BORBA, 2019, edição
eletrônica), que apenas vencem nos casos de inadimplência, de dissolução societária ou algum outro previsto no
título (BRASIL, 1976b). Nesse caso, a remuneração ocorre com o adimplemento de certas condições previamente
estipuladas.
45
porque costuma ser menos dispendiosa, uma vez que há o fracionamento do risco (OLIVEIRA,
2015, edição eletrônica).
Essa modalidade de título é interessante também para os investidores que não querem se
sujeitar ao mercado acionário, mas vislumbram ganhos de capital (BORBA, 2005, p. 219).
Como a opção pela conversibilidade é dos debenturistas e as condições da conversão já estão
na escritura de emissão, pode-se ostentar elevados ganhos de capital com a conversão de suas
debêntures em ações.
Na prática, de 2018 até maio de 2020 a prevalência se deu pelas debêntures quirografárias,
ou debêntures emitidas sem garantia, e pelas quirografárias com garantia adicional, seguidas
pela garantia real e real com garantia adicional. No começo de 2020 a proporção era de 56,7%
(cinquenta e seis virgula sete por cento) do volume das debêntures sendo emitido sem garantia
(ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
48
O custo do capital, seja ele capital próprio ou capital de terceiros, vai ter alteração em função do risco. O CAPM,
modelo mais eficiente para o estabelecimento do custo de capital próprio, analisa exatamente o risco e o custo da
dívida vai ser em função dos ratings de crédito, que também levam em consideração o risco.
46
de debêntures, de modo que a sociedade pode, inclusive, superar o valor do seu capital social
em dívidas. A redação original da Lei 6.404/76, Lei das Sociedades por Ações, contava com
uma imposição para que não se ultrapassasse o capital social ou que apenas se excedesse a uma
quantia específica para dar uma garantia às debêntures49, mas tal limite foi revogado pela Lei
nº 12.431, de 2011 (BRASIL, 1976b).
Veja-se que criação diverge de emissão, pois enquanto a criação se refere ao ato
constitutivo deliberado em assembleia geral ou no conselho de administração, a emissão é
momento posterior para a colocação dos títulos (AMARAL, 2014, p. 68), que pode ser na
modalidade pública ou na modalidade privada, assim como as ações. A ata da assembleia que
aprovar pela emissão das debêntures deve ser arquivada na Junta Comercial de cada estado para
que sejam analisadas as formalidades e publicada para fins de publicidade. Para que as
debêntures sejam consubstanciadas, ou seja, passem a existir no mundo jurídico, deve-se ter a
assinatura da escritura de emissão, com a assinatura de todos os interessados, e esta deverá ser
registrada na Junta Comercial, bem como na Comissão de Valores Mobiliários, nos casos de
distribuição pública (BORBA, 2005, p. 98-102).
A emissão, no que concerne a colocação dos títulos, é que pode ser pública ou privada. A
emissão privada, como já adiantado no tratamento das ações, é promovida de maneira direta
pelas sociedades emitentes e pelas pessoas físicas ou jurídicas interessadas em adquirir o título,
que não podem se socorrer de processos públicos para ofertá-las aos investidores. A emissão
pública, a seu turno, como envolve investidores institucionais, mas também investidores
individuais, deve se sujeitar às condições da Comissão de Valores Mobiliários no que concerne,
principalmente, à divulgação de informações (BORBA, 2005, p. 111-112)
49
A limitação existente em relação aos títulos de dívida serve para garantir a solvência da sociedade empresária.
Acaso sejam emitidas dívidas que superem o seu PL, a insolvência vira um cenário possível. Acontece que a
empresa pode entrar em crise não apenas em virtude de dívidas maiores do que o PL e essa limitação não faz
sentido quando se pode antever um retorno de projeto muito maior do que o valor do investimento inicial.
47
maio, registrou 116 (cento e dezesseis) operações ICVM 476 e nenhuma ICVM 400 (ANBIMA,
2020a, edição eletrônica).
O custo das debêntures para as empresas, assim como o de outros instrumentos de dívida,
é formado pela taxa básica de juros e algo a mais, o spread. Deve-se conferir uma remuneração
superior à taxa de referência para que o título de dívida seja atrativo, e esse valor a mais decorre,
principalmente, do rating do crédito, seu risco de inadimplência. Além disso, o custo, de
maneira geral, pode depender do prazo de vencimento e da dívida (HUA SHENG; SAITO,
2005, p. 194).
A taxa das debêntures varia de acordo com o indexador que ela se atrela. Em novembro
de 2019 a taxa da debênture atrelada a % (porcentagem) do CDI tinha uma taxa de 6,22 (seis
vírgula vinte e dois), enquanto a CDI + spread indicava 6,42 (seis vírgula quarenta e dois),
IPCA + spread 6,84 (seis vírgula oitenta e quatro) e agregada 656 (seis vírgula cinquenta e
seis). A taxa nominal agregada geral foi de 6,56 (seis vírgula cinquenta e seis) e a CDI-Pré
(720) de 5,28 (cinco vírgula vinte e oito) (CENTRO DE ESTUDOS DE MERCADO DE
CAPITAIS, 2019b, edição eletrônica).
também é influenciada pelo rating em 7,91 (sete vírgula noventa e um), 7,55 (sete vírgula
cinquenta e cinco) e 7,45 (sete vírgula quarenta e cinco), respectivamente a “A”, “AA” e
“AAA” (CENTRO DE ESTUDOS DE MERCADO DE CAPITAIS, 2019b, edição eletrônica).
Esse título de dívida pode ser subscrito por pessoas físicas ou por pessoas jurídicas, como
destacado, podendo estes se revestirem de fundos de investimento, investidores estrangeiros,
demais investidores institucionais ou intermediários e participantes da oferta, e aqueles, quando
diante de uma ICVM 476, somente podem ser os que tem certa experiência no mercado. De
janeiro a maio de 2020 não houve nenhuma emissão de debêntures via ICVM 400, e a maior
parte dos adquirentes em volume foram os intermediários e demais participantes da oferta, com
87% (oitenta e sete por cento) desse valor. Em 2018 e 2019, houve uma certa equivalência no
que tange aos volumes para os fundos de investimento e os intermediários da oferta, tomando
ambos na faixa de 40% (quarenta por cento) dela (ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
Para conceder liquidez nos títulos privados é premente uma boa estrutura do mercado
secundário, pois poucos ativos não estimulam o seu desenvolvimento. A liquidez desse
mercado será melhor quanto mais pessoas negociarem os seus ativos, e estas apenas o fazem
quando há boas condições e atratividade para novas posições que lhes remunerem melhor
(ALMEIDA; BAZILIO, 2015, p. 185). Dificuldade na precificação, transparência e altos custos
também refletem na liquidez (ALMEIDA; BAZILIO, 2015, p. 203).
Único de Negócios ANBIMA (REUNE) e com essas informações é que a ANBIMA pode fazer
os seus relatórios.
No caso de emissão privada de debêntures, ressalte-se que elas guardam semelhanças com
os contratos de mútuo, ainda que estes sejam apenas uma fração do todo. A pactuação de um
instrumento privado de debêntures está entre as matérias reguladas pela legislação cível e
empresarial em geral, caso em que deve imperar a autonomia da vontade. Esse instrumento,
assim como as ações, pode ser utilizado para que não haja submissão aos processos demorados,
burocráticos e dispendiosos de uma distribuição pública.
No caso de emissões privadas, não há que se falar em utilização de meios públicos para
divulgação consoante ICVM 400, a não ser para dar publicidade aos integrantes da sociedade
para que possam, eventualmente, exercer o seu direito de preferência. Além disso, não há a
obrigatoriedade de um agente fiduciário atuar em nome dos debenturistas, a contrario sensu do
que dispõe o artigo 61 da Lei das Sociedades por Ações. Na prática, utiliza-se essa figura nas
emissões privadas quando houver um número elevado de debenturistas e dispensa-se quando o
número é diminuto (BORBA, 2005, p. 161-162).
Os juros das notas promissórias podem ser indexados da mesma forma que os demais
títulos, em uma porcentagem do CDI, CDI + spread ou outros. Em 2019, a prevalência era para
a utilização do CDI como indexador, com 75,1% (setenta e cinco vírgula um por cento) do
volume das notas promissórias atreladas a ele, seguido de 21,0% (vinte e um por cento) atrelado
ao CDI + spread. Em 2020, por sua vez, assim como as debêntures, por conta da pandemia do
coronavírus, da redução da taxa Selic e da regulação de algumas taxas, até maio do ano em
comento, 98,6% (noventa e oito vírgula seis por cento) do volume das notas promissórias tinha
sido emitido atrelado ao CDI + spread (ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
A maior parte das notas promissórias em 2019 foi emitida por prazo superior a 366
(trezentos e sessenta e seis) dias, com 64,7% (sessenta e quatro vírgula sete por cento), seguido
de 25,4% (vinte e cinco vírgula quatro por cento) entre 181 (cento e oitenta e um) e 365
(trezentos e sessenta e cinco) dias. Em 2020, até maio, a proporção se manteve semelhante, com
46,2% (quarenta e seis vírgula dois por cento) e 47,2% (quarenta e sete vírgula dois por cento),
respectivamente (ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
51
No que se refere aos emissores de notas promissórias, o maior número de operações entre
2014 e 2019 era das empresas de capital fechado, anônimas fechadas e limitadas. Em 2019,
68,8% (sessenta e oito vírgula oito por cento) das emissões eram das fechadas, das quais 56,3%
(cinquenta e seis vírgula três por cento) são anônimas fechadas e 43,8% (quarenta e três vírgula
oito por cento) limitadas. Em 2020, por sua vez, até maio a maior proporção recaiu sobre as
sociedades anônimas de capital aberto, com 58,2% (cinquenta e oito vírgula dois por cento) das
emissões. Dentre as empresas fechadas, as anônimas se destacaram com 78,3% (setenta e oito
vírgula três por cento) (ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
A possibilidade de emissão de notas promissórias por sociedades limitadas via ICVM 476
apenas demonstra que não há qualquer limitação para que as limitadas possam utilizar o
Mercado de Capitais. A estrutura das sociedades limitadas não tem que ser alterada, e há
instrumentos adequados já estruturalmente prontos. Deve-se expandir os meios de
financiamento das sociedades limitadas, especialmente das MPEs.
A criação da letra financeira se deu logo após a crise de 2008, como uma forma de
conceder crédito de médio e longo prazo para instituições financeiras e oferecer liquidez para
elas (FERREIRA, 2013, p. 67-68). Acontece que em número de operações é o instrumento de
financiamento menos utilizado, até pelo menor número de emissores, terminando o ano de 2019
com apenas 21 (vinte e uma operações) e nenhuma em 2020 até o mês de maio. O volume
captado, por sua vez, é relevante, e em 2019 arrecadou R$ 9.975 (nove mil novecentos e setenta
e cinco) milhões via ICVM 476 (ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
Os fundos imobiliários possuem a pretensão de garantir uma renda mensal aos seus
quotistas, como um aluguel em detrimento do que investiu. Acontece que se os imóveis não
estiverem locados, a rentabilidade do FII diminui. Ainda, os FIIs são monoproduto, ou seja,
apenas um FII pode ser detentor de determinado imóvel ou ativo com lastro em direito de
propriedade (ANBIMA, 2014, p. 18).
No que se refere à participação dos FIIs no mercado de capitais, foram registradas 187
(cento e oitenta e sete) operações em 2019 e 74 (setenta e quatro) em 2020, até o mês de maio.
A captação dessas operações foi de R$ 41.146 (quarenta e um mil cento e quarenta e seis)
milhões e R$ 15.038 (quinze mil e trinta e oito) milhões até maio de 2020. A maior parte dos
subscritores desse valor mobiliário é de pessoas físicas, com percentual de 54,6% (cinquenta e
50
A maior parte dos subscritores de CRIs são fundos imobiliários. Em 2019, considerando as emissões ICVM 400
e ICVM 476, os fundos de investimento adquiririam 56,3% (cinquenta e seis vírgula três por cento) do volume de
CRIs, e, em 2020, até o quinto mês do ano, representavam 63,4% (sessenta e três vírgula quatro por cento) do
volume das emissões desse ativo (ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
53
quatro vírgula seis por cento) em 2019 e 44,1% (quarenta e quatro vírgula um por cento) nos
primeiros cinco meses de 2020 (ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
1.3.7 Securitização
O termo securitização pode estar atrelado a uma série de entendimentos, como contrato
de seguro, alongamento de dívida rural e mecanismo de acesso ao mercado de capitais
(ROQUE, 2014, p. 18-21). A definição utilizada no presente trabalho é a última mencionada,
vez se considera a securitização como uma forma de transformar fluxo de caixa em valores
mobiliários aptos a negociação no mercado de capitais (LIMA NETO, 2007, p. 15).
51
A securitização pode ser utilizada como antecipação do fluxo de caixa intermediado por uma securitizadora até
mesmo para a recuperação de empresas viáveis (RODRIGUES, 2005, edição eletrônica).
52
A definição de crédito imobiliário não é delimitada pela legislação, e é sobre ele que recai o CRI. Dessa maneira,
pode-se compreender o crédito imobiliário como quaisquer daqueles oriundos de um negócio jurídico imobiliário,
ou seja, bens imóveis e seus consectários de propriedade (WAISBERG, 2013, edição eletrônica).
54
Os CRAs são bastante semelhantes aos CRIs, uma vez que são títulos de crédito
nominativo e de livre negociação, que representam uma promessa de pagamento e são obtidos
por meio de um processo de securitização de direitos creditórios oriundos do agronegócio
(BRASIL, 2004). São classificados, no que tange aos investimentos, como ativos de renda fixa.
Em 2019, o número de operações de CRAs foi bem inferior ao de CRIs, com apenas 88
(oitenta e oito operações). Em 2020, até maio, o número de operações era de 18 (dezoito). Esse
número de operações foi responsável por captar R$ 12.549 (doze mil quinhentos e quarenta e
nove) milhões em 2019 e R$ 2.839 (dois mil oitocentos e trinta e nove) milhões nos primeiros
cinco meses de 2020 (ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
Os FIDC funcionam como fundos de investimento (FI) que destinam a maior parcela dos
seus recursos para os direitos creditórios, que, por sua vez, são aqueles representativos de
crédito. Os FIDC podem ser constituídos na modalidade de fundos abertos ou fundos fechados,
que possibilitam ou limitam o resgate das quotas a um prazo determinado (BRASIL, 2001).
53
As startups envolvem tecnologia e inovação, mas podem atuar em diversos segmentos, como educação, saúde
e investimentos.
54
Sistema tributário de tratamento diferenciado e favorecido a Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte
(EPP). O enquadramento da sociedade no simples nacional confere uma série de facilidades no pagamento dos
tributos e custos mais baixos em comparação com o lucro real e com o lucro presumido. Nos termos do artigo 3º,
§ 4º, X, as sociedades por ações não podem ser beneficiárias do Simples Nacional (BRASIL, 2006).
56
Para empresas com as características das startups, o mercado de crédito se torna quase
inviável, pois é insuficiente e proibitivo. Como elas são costumeiramente pequenas55 e sem
padrões de contabilidade, a assimetria de informações faz que as taxas de juros praticadas pelos
bancos seja extremamente alta, os prazos sejam menores56 e o volume seja inferior ao
demandado (CAMINHA; COELHO, 2020, edição eletrônica).
55
Nem sempre as startups são pequenas, até porque podem passar por diversos estágios de desenvolvimento e
ainda assim serem caracterizadas dessa forma, como o estágio embrionário, o estágio inicial, o estágio de expansão
e o estágio avançado.
56
Como não há controle sobre a transparência das informações, a instituição financeira não sabe se vai recuperar
o crédito nas condições estipuladas. Como nesse ramo do mercado financeiro o risco fica com as instituições, a
maneira que elas encontram para se resguardar é elevando as taxas de juros e diminuindo os prazos da operação.
57
O mercado de capitais, embora comporte algumas exceções, como as notas promissórias, é, em grande maioria,
acessado apenas por Sociedades por Ações.
58
Esse é o entendimento atual em sede das Juntas Comerciais. Com o presente trabalho, todavia, mostra-se que
não há impeditivo histórico, legal ou regulatório para referida emissão.
59
Para o significado de desenvolvimento, não há um consenso, pois se pode estudá-lo sob diversas feições (SILVA;
NELSON; SILVA, 2018, p. 44-45), sejam elas econômicas ou socioambientais, sejam como liberdade,
constituindo essa a mais atual e mais consoante com a ordem internacional. Essa feição do desenvolvimento como
57
nacional60.
O venture capital ocorre em estágios ainda iniciais da atividade empresarial, mas que já
contam com certa estrutura. O venture capital e os fundos de venture capital ajudam as
pequenas empresas a adquirir altos valores sem depender do marcado financeiro tradicional,
além de contar com a expertise daquele que investe (CAMINHA; COELHO, 2020, edição
eletrônica).
liberdade, portanto, deve ser dissecada e vista sob seus diversos desdobramentos. Nesse sentido, remonta-se à ideia
básica de que só há falar em desenvolvimento quando se garantem as liberdades básicas para que os indivíduos
tenham capacidade, que lhes sejam removidas as principais fontes de privação de liberdade (SEN, 2010, p. 16).
60
A garantia do desenvolvimento nacional é um dos objetivos da República Federativa do Brasil, conforme o
artigo 3º, II, da Constituição Federal.
61
Periodicamente o SEBRAE realiza estudo acerca da taxa de sobrevivência das empresas com até dois anos, a
fim de estabelecer bases quantitativas e qualitativas para estudo. O estudo conta, inclusive, com algumas das
motivações pelas quais se verificam os índices de sobrevivência. O certo é que os dados da última pesquisa,
realizada em 2016, indicam que a taxa de sobrevivência aumentou de 52,4% (cinquenta e dois vírgula quatro por
cento) em 2008 para 76,6% (setenta e seis vírgula seis por cento) em 2012. Diversos fatores contribuíram para
essa melhora, como a expansão do MEI, mas a taxa ainda não é suficiente (SEBRAE, 2016, p. 58). Ainda há
muitas empresas que são extintas nesse período inicial de dois anos.
62
Os investimentos de private equity costumam ser realizados por meio de fundos até por conta da quantia que é
investida.
58
Veja-se que o modelo funciona tendo em vista que os investidores, a fim de mitigar o
risco, ativamente participam da gestão da empresa, enquanto esta recebe o aporte financeiro e
o know-how daquele. Acontece que os recursos oriundos de private equity e de venture capital
são escassos e não atingem os primeiros estágios da atividade empresarial, de maneira que é
necessária a busca por outros instrumentos de financiamento.
Nesse diapasão, surgiu a figura do investidor-anjo, aquele que possui elevado patrimônio
e anseia por investir capital próprio em empresas em estágio inicial, normalmente na sua área
de expertise, seu tempo e sua expertise (MASON, 2006, p. 261). Os investidores-anjo podem
atuar sozinhos ou em conjunto com outros dessa categoria, a fim de agregar valor. Pode-se
dividir os investidores-anjo, a propósito, em anjos individuais, rede de anjos e super anjos
(HASS, 2016, p. 15-16).
O aporte dos seus investimentos pode se dar por meio de contratos como o mútuo
conversível, uma vez que injetam capital em troca de um percentual da participação societária
ansiando por retornos maiores. Em caso de fracasso do investimento, por sua vez, podem optar
por não realizar a conversão e requerer o capital inicial e um retorno em juros. Essa última
opção não é o foco do investidor-anjo, tendo em vista que seu principal objetivo é aplicar sua
expertise e escalar o negócio. Afinal de contas, os investidores-anjo são pessoas físicas que
congregam uma soma relevante de capital.
Essa modalidade de investimento poderia ser realizada via crowdfunding, a fim de reduzir
os encargos e evitar, por exemplo, processo independente de auditoria e due diligence.
63
Os investidores de venture capital e de private equity, quando operacionalizam o processo via capital de
terceiros, anseiam pelo sucesso da operação e pelo crescimento exponencial. Ainda assim, o fato de o
gerenciamento passar para terceira pessoa alheia ao negócio pode não ser tão eficiente, no que diz respeito ao
auxílio prestado e à experiência de mercado.
59
Costumeiramente, porém, é descartada essa opção, uma vez que o anseio do investidor é pela
aplicação de uma quantia maior do que a permitida pelo equity crowdfunding via Instrução
Normativa 588 da Comissão de Valores Mobiliários (ICVM 588), como se vê no próximo
tópico. Além disso, investidores dessa categoria preferem realizar processos independentes de
due diligence, em contraponto àqueles feitos pelas plataformas digitais, e adentrar na gestão do
negócio (CAMINHA; COELHO, 2020, edição eletrônica).
1.4.3 Crowdfunding
64
Gatekeeper, do inglês, em tradução literal, seria o guardião dos portões. Nesse caso, as plataformas digitais vão
operar para proteger a relação entre os investidores e os beneficiários. São elas que vão, por exemplo, fiscalizar o
cumprimento das exigências por parte dos beneficiários e o entendimento dos investidores sobre a assunção de
risco que estão incorrendo ao aceitar financiar as atividades. Para que as plataformas digitais assumam essa função,
elas devem realizar, pelo menos, um processo satisfatório de due diligence e monitorar os beneficiários da oferta
(CAMINHA; COELHO, 2020, edição eletrônica).
60
Por sua vez, o crowdfunding por equity, ou equity crowdfunding, como é mais conhecido,
é mais utilizado, em virtude de possuir regulação pela Comissão de Valores Mobiliários. No
caso em referência, o investidor, além do recebimento do valor com juros, pode optar por
converter o que investiu em participação societária, dadas condições estabelecidas no contrato.
Os contratos representativos da obrigação entre os integrantes, nessa modalidade, normalmente
são convertible notes ou mútuos conversíveis67 (TERRA, 2018, p. 1145).
No Brasil, até 2017 não havia qualquer regulação específica sobre o crowdfunding, o que
65
Destaca-se que essas são algumas das possibilidades de operação do crowdfunding, mas as partes podem pactuar
outras formas, dada a liberdade contratual inerente ao Direito Privado.
66
A contraprestação que pode ser oferecida pelos beneficiários ou cobrada pelos investidores, nesse caso, é a de
finalização de um projeto ou verificação da correta alocação do capital.
67
No caso de contratos de equity crowdfunding efetivada sobre a feição de mútuo conversível, quando são
implementadas algumas condições suspensivas, os investidores podem se tornar sócios ou acionistas, se assim
desejarem (CAMINHA; COELHO, 2020, edição eletrônica).
61
veio a ocorrer com a edição da Lei 13.488, de 2017, permitindo o financiamento coletivo na
seara eleitoral, e da Instrução 588 da Comissão de Valores Mobiliários (ICVM 588). Nos termos
da ICVM 588, sociedades empresárias de pequeno porte68 podem captar recursos69 por meio de
ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários em plataformas eletrônicas de
investimento participativo (BRASIL, 2019f).
O crowdfunding é, com certeza, uma excelente alternativa para aquelas sociedades que,
no mercado financeiro tradicional, não teriam oportunidade de obtenção de crédito ou, pelo
menos, forma de complementar aquele crédito (HEMER, 2011, p. 2-3). Acontece que, ao passo
que as sociedades crescem, esse modelo não é suficiente, uma vez que, no Brasil, apenas
sociedades empresárias de pequeno porte podem se beneficiar desse instituto, sem falar da
limitação no valor que pode ser captado, em R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).
68
Para a ICVM 588, sociedades de pequeno porte são aquelas que possuem a receita bruta anual de até R$
10.000.000,00 (dez milhões de reais) e que não são emissoras de valores mobiliários registradas na CVM
(BRASIL, 2019f).
69
Há uma limitação, conforme o artigo 3º da ICVM 588, para captação não superior a R$ 5.000.000,00 (cinco
milhões de reais) e prazo de captação não superior a 180 (cento e oitenta) dias (BRASIL, 2019f).
62
participa apenas de maneira indireta, como agente do mercado, o que não quer dizer que ela
não faça parte da operação.
No Brasil, como apontado, a constituição de uma sociedade empresária pode se dar com
a implementação de cinco roupagens diferentes, a saber: sociedade em nome coletivo,
sociedade em comandita simples, sociedade em comandita por ações, sociedade limitada e
70
As taxas anuais de juros que se referem ao mercado de crédito, como recursos livres para pessoa jurídica,
financiamento imobiliário para pessoa jurídica e as linhas do BNDES, são mais elevadas do que as taxas de
debêntures (ANBIMA, 2020a, edição eletrônica) e de notas promissórias, por exemplo.
71
O capital próprio é limitado, não vai estar sempre disponível (MINGONE, 2016, p. 53), e até 2020 não era
permitida a estipulação de quotas preferenciais em sociedades limitadas. Dessa maneira, o aumento de capital
social com o ingresso de novos sócios diluía a participação dos demais integrantes. Com a edição da Instrução
Normativa 81 do Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), agora se admite o presente
instrumento (BRASIL, 2020b).
72
Ressalte-se que aqui apenas se está dando destaque para os tipos societários mais utilizados no Brasil.
63
sociedade anônima. A prevalência se dá pelas duas últimas pelo fato de elas limitarem a
responsabilidade de seus integrantes, sejam eles sócios ou acionistas.
A escolha pelo tipo societário é livre para a sociedade empresária, mas nem sempre
cabível. As sociedades anônimas, por exemplo, costumam-se adequar melhor aos médios e
grandes empreendimentos, pois além de terem aspectos burocráticos mais elevados, elas
imprimem mais custos para sua própria manutenção, notadamente em razão do regime de
publicações75. A escolha por este tipo societário ocorre, a seu turno, notadamente pela ampla
disponibilidade dos meios de financiamento76.
A maior parte dos custos das sociedades por ações são referentes às de capital aberto, uma
vez que é premente uma maior estrutura de governança corporativa, com todos os seus
consectários, órgãos societários, auditoria independente e publicações com maior frequência.
Além desses, devem ser considerados os custos de listagem na B3, os custos anuais e o custo
da taxa de fiscalização, que, em 2019, eram respectivamente R$ 64.989 (sessenta e quatro mil
73
A liberdade contratual nas sociedades limitadas se fazia mais presente durante a vigência do Decreto 3.708/1919.
Existia pouca regulamentação, e a maior parte dos detalhes da operação era delineada pelos próprios sócios, como
os quóruns para as assembleias e para a tomada de decisões. Embora o Código Civil também elucide a liberdade
entre as partes nas sociedades limitadas, ele enrijeceu o seu regramento com regras rígidas e sem qualquer tipo de
justificativa para tanto (CAMINHA, 2019, p. 606-607).
74
Há discussões doutrinárias no sentido de qual a disposição que será aplicada no caso de retirada imotivada dos
sócios, mas se sabe que aplicar as disposições das sociedades simples que permitem a saída e obrigam ao
pagamento dos haveres em um curto período pode acarretar um enorme prejuízo à sociedade.
75
Vale ressaltar que as sociedades limitadas de grande porte são sujeitas ao regime das sociedades por ações no
que se refere à escrituração e à elaboração de demonstrações financeiras, bem como são obrigadas a realizar
auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários, nos termos da Lei nº 11.638/07,
mas isso não inclui a publicação dessas demonstrações financeiras (BERGER, 2013, p. 452-453).
76
As sociedades por ações contam amplamente com todos os meios de capitalização disponíveis no mercado de
crédito e no mercado de capitais (MINGONE, 2016, p. 53).
64
novecentos e oitenta e nove reais), R$ 40.959 (quarenta mil novecentos e cinquenta e nove
reais) e RS 12.692 (doze mil seiscentos e noventa e dois reais) (PWC, 2019).
Em abril de 2019, por sua vez, com a edição da Lei 13.818, foi alterado o artigo 294 da
LSA para conferir um regime simplificado de publicidade dos atos societários para que as
sociedades anônimas de capital fechado sejam dispensadas da publicação de alguns
documentos, desde que tenha o patrimônio líquido de até R$ 10.000.000,00 (dez milhões de
reais) (BRASIL, 1976b). Em 2012, o custo com publicações foi de R$ 77,5 (setenta e sete
vírgula cinco) milhões para as empresas abertas (EID JUNIOR, 2012, p. 7). As limitadas não
possuem todos esses gastos. Devem arcar com os custos fiscais e administrativos para a sua
abertura, mas os demais gastos com publicação dependem do tamanho da empresa.
As notas promissórias podem e devem ser utilizadas pelas sociedades limitadas, mas não
se deve restringir o financiamento a essa via. É plenamente viável que as sociedades limitadas
possam emitir debêntures. As debêntures, como destacado, são uma modalidade de
77
O Mapa de Empresas disponibilizado em abril de 2020, com a pretensão de fornecer informações sobre diversas
questões envolvendo as empresas, como procedimento para registro e tempo médio de abertura de cada tipo
societário, mostra que a maior parte das empresas já constituídas no Brasil é de sociedades limitadas. Considerando
todos os tipos societários e ano de abertura, foram constituídas 4.107.179 (quatro milhões, cento e sete mil cento
e setenta e nove) sociedades limitadas e 163.086 (cento sessenta e três mil e oitenta e seis) sociedades por ações
(BRASIL, 2020c).
65
financiamento via capital de terceiros considerada como de renda fixa, e podem ser emitidas na
modalidade pública, via ICVM 400 e ICVM 476, e na modalidade privada.
78
O Projeto de Lei do Senado (PLS) 11/2018, de autoria da Comissão do Congresso Nacional, visa a uma alteração
no Código Civil para aperfeiçoar o tratamento das sociedades limitadas, possibilitando a emissão de debêntures.
79
O PL 6.322-B/2013 trata de maneira específica acerca da emissão de debêntures por sociedades limitadas
alterando a Lei das Sociedades por Ações.
80
O PL 1.572/2011 e o Projeto de Lei do Senado (PLS) 487/2013 visam a instituir novo Código Comercial e, em
suas disposições, ambos albergam a possibilidade de emissão de debêntures por sociedades limitadas.
66
A escolha dos cinco países que seguem se deu em decorrência do surgimento das
debêntures na Inglaterra e do desenvolvimento de mercado específico que se adequa as
pequenas empresas. Estados Unidos foi escolhido em decorrência de ter o mercado de capitais
mais desenvolvido do mundo e os demais países, Itália, França e Portugal, por sua vez, devem
ser abordados em virtude da influência dessa legislação no ordenamento jurídico brasileiro e da
possibilidade de emissão de títulos de dívida semelhantes às debêntures por sociedades
limitadas.
2.1 Inglaterra
A princípio, vale ressaltar que o Direito europeu em geral é divido entre países que
adotam o sistema de civil law e o sistema de common law81. A Inglaterra é um país que adota o
sistema de common law, o que significa que a maior parte do seu regramento é baseada em
casos específicos. Nos sistemas de common law, o estudo das sociedades empresárias, que no
Direito brasileiro corresponde ao Direito Societário, é denominado de Corporate Law.
81
O sistema de common law surgiu no século XII, na Inglaterra, em decorrência das decisões das jurisdições reais.
É, portanto, um sistema judiciário. Acontece que o sistema de common law não resume à Inglaterra, que hoje
também adota statues law, e estas possuem importância fundamental. Vale ressaltar que os países que adotam o
common law, como Inglaterra, Estados Unidos e Canadá, sofreram pouca influência direta do Direito romano e do
Direito medieval. Os sistemas romanistas, ou civil law systems, em oposição ao common law, por sua vez, são
aqueles que sofreram larga influência do Direito romano. A maior parte dos países europeus adota o sistema da
civil law (GILISSEN, 2001, p. 20, 207 e 208).
82
A Inglaterra faz parte do Reino Unido (UK), que é uma união política entre ela, Escócia, País de Gales e Irlanda
do Norte. O Reino Unido é visto como um Estado soberano e adota um sistema parlamentar e monárquico. Até
janeiro de 2020, esse Estado soberano fazia parte da União Europeia (EU), de modo que quaisquer atos legislativos
oriundos desta eram aplicados àquele. Acontece que desde 31 de janeiro de 2020 o Reino Unido não faz mais parte
do bloco econômico formado pela maior parte dos países europeus. Isso não significa, por outro lado, que toda a
legislação atinente à EU deixou de ser aplicada ao UK. Veja-se que nos termos de saída entre eles foram negociadas
algumas disposições, inclusive a de que todos os atos legislativos que importassem ao UK até 31 de dezembro de
2020 seriam a ele incorporados como leis locais (LEGISLATION.GOV.UK, 2019).
69
83
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral,
agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho [...] (BRASIL, 1988).
84
O Brasil e os Estados Unidos são estados que adotam o federalismo, mas modelos diferentes dele. Nos Estados
Unidos, vigorava o sistema de confederações, em que cada confederação era independente da outra. Para a
formação do estado federado, dessa maneira, foi premente que se preservasse a autonomia de cada unidade
territorial. O federalismo americano, dessa maneira, combina elementos de soberania estadual da confederação e
governo unitário da consolidação (JARDIM, 1984, p. 60)
85
“Part 1 – General Introductory Provisions. [...] 3 Limited and unlimited companies (1) A company is a “limited
company” if the liability of its members is limited by its constitution. It may be limited by shares or limited by
guarantee. (2) If their liability is limited to the amount, if any, unpaid on the shares held by them, the company is
“limited by shares”. (3) If their liability is limited to such amount as the members undertake to contribute to the
assets of the company in the event of its being wound up, the company is “limited by guarantee”. (4) If there is no
limit on the liability of its members, the company is an “unlimited company”.” (LEGISLATION.GOV.UK, 2006).
86
“Part 1 – General Introductory Provisions. [...] 4 Private and public companies. (1) A “private company” is
any company that is not a public company. (2) A “public company” is a company limited by shares or limited by
guarantee and having a share capital – (a) whose certificate of incorporation states that it is a public company,
and (b) in relation to which the requirements of this Act, or the former Companies Acts, as to registration or re-
registration as a public company have been complied with on or after the relevant date […]
(LEGISLATION.GOV.UK, 2006).
70
O mercado inglês foi desenvolvido dessa forma para que pudesse agregar
empreendimentos de todos os tipos e lhes conferir acesso aos benefícios de se listar na bolsa,
mas nem sempre funcionou dessa forma. Inicialmente ele operava apenas com um segmento, o
principal, mas no final da década de 60 (1960) a Inglaterra pôde perceber uma queda na listagem
de empresas na LSE87, em decorrência do ambiente econômico para os pequenos negócios88 e
dos custos, que compreendem os requisitos formais e os ônus impostos às companhias, diretos
e indiretos, que, muitas vezes, não superavam os benefícios 89. Dessa maneira, apenas
sociedades de grande porte e aptas a suportar os encargos aceitavam as condições impostas
(VERSIANI, 2020, p. 153).
À época ainda existia a possibilidade de os valores mobiliários das empresas que não
estavam listadas serem por elas transacionados, por meio da Rule 163(2)90. As transações entre
empresas não listadas passaram a ocorrer em grande quantidade, o que destacou a necessidade
de o mercado atender ao interesse dos pequenos negócios. Acontece que, como não havia
fiscalização dos entes regulatórios, não eram divulgados documentos informativos sobre os
negócios, de modo que a especulação sobre os títulos poderia sair do controle. Para sanear esse
impasse, foi criado o Unlisted Securities Market (USM)91, substituído em 1995 pelo AIM, que
possui status de Multilateral Trading Facilities (MTF) (BANK OF ENGLAND, 1983, p. 227).
O AIM hoje é referência em termos de mercado de acesso, pois comporta condições bem
distintas para que as pequenas e médias empresas possam desfrutar os benefícios da listagem
87
Durante a década de 1960, havia a listagem de, aproximadamente, 50 (cinquenta) empresas por ano. Entre os
anos de 1974 e 1979, porém, a listagem caiu para menos da metade disso (BANK OF ENGLAND, 1983, p. 227).
88
Além do cenário de incertezas, como requisito de listagem as empresas tinham que ceder, pelo menos, 25%
(vinte e cinco por cento) de suas quotas para o público em geral (BANK OF ENGLAND, 1983, p. 227).
89
Dentre os benefícios de listagem na bolsa de valores, pode-se destacar a possibilidade de levantar capital para
expansão empresária, a redução dos custos e de alguns débitos em detrimento de taxas menores do que as de capital
próprio ou financiamento bancário, a existência de mecanismos de fácil retirada dos shareholders e a conferência
de maior visibilidade e credibilidade à empresa. Dentre os ônus, sobressaem-se os custos diretos e indiretos
(MENDONZA, 2008, p. 276-277).
90
Nessas situações, não havia qualquer tipo de relação entre as empresas e os mercados de capitais. Embora
houvesse a necessidade de aprovar a operação, rapidamente essas situações eram solucionadas (BANK OF
ENGLAND, 2008, p. 228).
91
A tentativa era de criar um mercado alternativo para que as empresas pudessem se listar a custos menores, em
detrimento de exigências mais brandas, ao passo que desfrutavam os benefícios inerentes ao acesso ao mercado.
A ideia inglesa foi de reduzir algumas exigências, o que iria reduzir os custos, bem como dispensar certas
exigências legais que não se adequam à realidade das pequenas e médias empresas.
71
na bolsa92. Veja-se que, para que uma empresa opere no mercado principal, deve se registrar na
London Stock Exchange (LSE) e na Finantial Conduct Authority (FCA), equivalentes ao
registro na B3 e na CVM, respectivamente. Assim como no Brasil, de toda forma, esses custos
de registro são extremamente elevados93.
O registro no AIM, a seu turno, somente é feito perante a LSE. A estrutura desse segmento
de mercado é altamente simplificada para que comporte as melhores condições para o ingresso
das pequenas e médias companhias. Apesar da exigência de algumas condições, como a
alteração do tipo societário94, caso se trate de empresa privada, ou a manutenção de manuais
para cumprir normas de governança corporativa, elas não são rígidas e ainda podem ser
dispensadas, a depender do caso95 (VERSIANI, 2020, p. 158-159).
92
Dentre as razões que as empresas enumeram para acessar o mercado de capitais via AIM, são destacados o
ambiente regulatório antenado às necessidades das pequenas e médias empresas, o acesso a uma base consistente
de investidores, a diversidade dos setores de atuação, o suporte efetivo às empresas e a conferência de visibilidade
para os shareholders e os stakeholders (LONDON STOCK EXANGE, 2010, p. 8).
93
Os custos no Brasil inerentes à listagem na B3 e na CVM, especialmente ICVM 400, ICVM 476 e ICVM 480,
são dissecados de maneira mais esmiuçada na sessão 3.4.
94
É necessário que a empresa altere o tipo societário e se torne uma empresa pública caso deseje fazer ofertas
públicas de valores mobiliários.
95
Em realidade, a dispensa é a necessidade de aderir a menos normas de governança. As companhias listadas no
mercado primário da LSE devem respeito ao UK corporate governance code, enquanto às empresas listadas no
AIM é recomendado que sigam o quoted companies alliance guidelines, que é menos prescritivo e ainda se mostra
similar àquele (LONDON STOCK EXANGE, 2010, p. 20).
96
Apesar de o prospecto de que trata a legislação brasileira ser diferente daquele do UK, ambos se baseiam no
mesmo ideal para divulgação de informações mínimas da companhia. Por mais que os custos sejam diferentes, as
empresas passam pelos mesmos processos para adquiri-los.
72
As empresas que buscam o AIM podem ser as pequenas e as médias, mas ele também
está aberto para listagem de grandes empresas. A escolha do segmento de listagem na LSE
depende das transições pretendidas, se maiores ou menores, que são particulares a cada negócio.
A estrutura dele, por sua vez, montada para atrair empresas que ainda não atingiram totalmente
o seu ciclo de crescimento, faz que os seus ativos tenham baixa liquidez. Os lucros a curto prazo
são relativamente pequenos, então os investidores experientes aportam uma quantia razoável
de seu capital, de maneira que não há frequentemente negociação de suas ações. Para compensar
o dispêndio de capital, os investidores agem a longo prazo (MENDOZA, 2008, p. 298).
2.1.3 Debêntures
No Direito Societário inglês, assim como nos demais países do UK, as debêntures são
abordadas no Companies Act de 2006, em sua parte 19 (dezenove), como adiantado. No UK,
seguindo esse regramento, as debêntures são gênero das quais debenture stock, bonds e
quaisquer outros instrumentos securitizados são espécies97. As debêntures, assim, são
documentos emitidos pelas empresas, que reconhecem créditos contra si, ainda que não
contenha garantia.
Na Inglaterra, assim, as debêntures stock são aquelas que podem ser negociadas na bolsa
de valores, enquanto os bonds equivalem às debêntures que são negociadas por um valor fixo
e pré-determinado. No Brasil apenas há uma debênture, que possui natureza jurídica de valor
mobiliário.
Ainda que o Direito Societário brasileiro e a Corporate Law inglesa sejam distintas, com
diferentes tipos societários e diferentes concepções acerca das debêntures, veja-se que os
modelos equivalentes de sociedade limitada e MPEs têm acesso mais fácil ao financiamento98.
Uma das alternativas inauguradas pela Inglaterra foi a criação do AIM, que confere acesso de
97
“Part 19 – Debentures. General provisions. 738 Meaning of “debenture”. In the Companies Acts “debenture”
includes debenture stock, bonds and any other securities of a company, whether or not constituting a charge on
the assets of the company” (LEGISLATION.GOV.UK, 2006).
98
A legislação societária dos países ao redor do mundo é bastante distinta, mas a maior parte deles possui
sociedades anônimas e sociedades limitadas. As private companies do UK equivalem às sociedades limitadas
brasileiras (KRAAKMAN; ARMOUR; DAVIES; ENRIQUES; HANSMANN; HERTIG; HOPT; KANDA;
PARGENDLER; RINGE; ROCK, 2017, p. 15).
73
Saliente-se que no Brasil, para ingressar nesses segmentos da bolsa, é necessário que a
empresa se constitua sob a modalidade de sociedade por ações. Enquanto isso, na Inglaterra,
apesar de as empresas privadas serem proibidas de realizar ofertas públicas, nos termos do
Companies Act de 2006, em sua parte 20 (vinte)100, não é necessária a alteração do tipo
societário para as ofertas privadas. Além disso, caso as empresas optem por alterar o tipo
societário e realizar ofertas públicas, o encargo sobre elas é substancialmente mais baixo.
99
Hoje esse segmento da LSE apresenta importância fundamental no financiamento de pequenas e médias
empresas e é referência mundial em termos de mercado de acesso. Destaca-se que, desde que foi instituído, em
1995, até 2010, ele já tinha conferido acesso a mais de 3.100 (três mil e cem) empresas e auxiliado na captação de
£ 67 billion (sessenta e sete bilhões de libras) (LONDON STOCK EXANGE, 2010, p. 4).
100
“Part 20 – Private and public companies. Chapter 1 – Prohibition of public offers by private companies. 755
Prohibition of public offers by private company (1)A private company limited by shares or limited by guarantee
and having a share capital must not – (a) offer to the public any securities of the company, or (b)allot or agree to
allot any securities of the company with a view to their being offered to the public. […] In this Chapter “securities”
means shares or debentures” (LEGISLATION.GOV.UK, 2006).
74
Esse modelo cria um verdadeiro market for corporations, em que os Estados entram em
uma corrida para criar normas que mais atraiam as sociedades empresárias em vias a receber os
valores atinentes às taxas pagas por elas102. O Estado que hoje mais obtém sucesso em atrair as
empresas para o seu território é Delaware, que além de uma legislação extremamente atual,
objetiva, sistematizada e favorável às empresas, conta com um judiciário altamente
especializado em litígios empresariais e é referência jurisprudencial nessa matéria
(PARENTONI; GONTIJO, 2016, p. 244 e 247).
101
Dentre as matérias que são abordadas na legislação federal norte-americana, destaca-se a falência, a
concorrência e a emissão de valores mobiliários.
102
“Corporation codes can be viewed as products, whose producers are states and whose consumers are
corporations” (ROMANO, 1993, p. 6).
75
Além disso, a legislature de Delaware, ou seja, corpo de pessoas responsáveis por aprovar
as leis estaduais é altamente qualificada e atenta sobre a importância da lei para o local. Há uma
constante busca por tratamento balanceado e inovação com estabilidade, sem regredir os
avanços. A edição e a atualização dos documentos legais para a regência das sociedades,
inclusive, contam com a contribuição dos advogados membros da Delaware Bar Association,
que revisam as suas clausulas em vistas a um tratamento balanceado entre as sociedades
(BLACK JUNIOR, 2007, p. 4)
Outro ponto de extrema relevância para que Delaware seja escolhido como o estado para
as companhias se registrarem é o seu judiciário. Há um sistema altamente desenvolvido em
precedentes que, por conta da experiência na matéria, é referência para as cortes estaduais em
todo o país. Os magistrados, além disso, são altamente especializados em Direito Societário e
proferem decisões em período relativamente curto (BLACK JUNIOR, 2007, p. 5, 7 e 8).
103
Há uma discussão acerca das vantagens e das desvantagens do sistema norte-americano para tratar de questões
atinentes ao Direito Societário. A uniformização da lei, por óbvio, diminui os custos de transação e permite que a
empresa escolha qualquer estado para se constituir, mas o desenvolvimento e a atualização das leis é um ponto
extremante favorável para o modelo atual.
104
“A uniform act is one that seeks to establish the same law on a subject among the various jurisdictions. An act
is designated as a “Uniform” Act if there is substantial reason to anticipate enactment in a large number of
jurisdictions, and uniformity of the provisions of the act among the various jurisdictions is a principal objective”
(UNIFORM LAW COMMISION, 2020).
76
Ressalte-se que nos Estados Unidos, para constituir uma sociedade empresária que limite
a responsabilidade de seus agentes, normalmente são adotadas as formas de business
corporations ou de Limited Liability Companies (LLC). O enfoque sobre as sociedades
limitadas se dá em razão da matéria do presente trabalho, de modo que são avaliadas a tratativa
das leis uniformes nessa matéria sem, contudo, desprezar a importâncias das business
corporations105. Como há ampla diferença entre o tratamento dos estados e das leis uniformes,
hoje estas são quase integralmente desconsideradas (PARENTONI, GONTIJO, 2016, p. 245-
246), mas se acredita que continuarão crescendo no país e que a regra será a uniformização
dessa legislação (PARENTONI, 2019, p. 74).
Assim como no Brasil, a LLC é o tipo societário mais eleito pelas empresas de menor
porte, dentre os formatos disponíveis. Como exemplo das diferenças da LLC e das sociedades
limitadas, destaca-se a liberdade das partes, uma vez que nos EUA ela é bem maior em
detrimento de um menor número de exigências obrigatórias. Os requisitos mínimos dispostos
nos certificados de organização societária contêm poucas informações, a fim de preservá-las,
ao passo que o contrato social brasileiro exige uma quantia mínima razoável de cláusulas106
(PARENTONI, 2019, p. 79-80).
105
Nos Estados Unidos, existem outros tipos societários, como as partnerships, a Limited Partnership (LP), a
Limited Liability Partnership (LLP) e a Limited Liability Limited Partnership (LLLP), mas por conta da
importância das sociedades anônimas, que seriam o equivalente às corporations do Direito norte-americano, e do
paralelo que se faz com elas por causa das formas de capitalização, optou-se por citar apenas o último formato no
corpo do texto.
106
De acordo com o artigo 997 do Código Civil, são cláusulas obrigatórias nos contratos sociais de empresas no
Brasil: “(...) I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma
ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II - denominação, objeto, sede e prazo da
sociedade; III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens,
suscetíveis de avaliação pecuniária; IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; V - as
prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; VI - as pessoas naturais incumbidas da
administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;
VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais. Parágrafo único. É ineficaz em
relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato” (BRASIL, 2002).
77
No Brasil as normas são obrigatórias, e, ainda que vigente a autonomia das partes como
consectário da liberdade contratual, as partes não podem dispor de certas matérias. Nos EUA,
por sua vez, tanto os estados que se regem pelas RULLCA quanto Delaware, por exemplo,
prezam pela maior autonomia entre as partes (PARENTONI, 2019, p. 81).
Apesar das diferenças que foram elencadas entre as sociedades limitadas brasileiras e
norte-americanas, o núcleo e o objetivo permanecem o mesmo: facilitar a entrada de novos
negócios e conferir uma mais liberdade para as partes, preservando a separação patrimonial
entre as pessoas físicas que a constituem e a pessoa jurídica que está sendo formada. O sistema
norte-americano, por sua vez, permite a emissão de alguns securities pelas LLC.
A alternativa utilizada foi a criação das Securities Acts de 1933 e 1934, a primeira
referente aos securities e a segunda, à entidade responsável por administrar esse sistema. Elas
têm como fundamentos a divulgação de informações mínimas, para que os investidores possam
107
A tratativa das LLC foi inaugurada nos Estados Unidos apenas em 1977, em Wyoming, e o último estado a
criar um estatuto que a permitisse foi o Havaí, em 1997 (BERK; DEMARZO, 2017, p. 37).
108
Da crise, veio a depressão, pois em 1933 o mercado perdeu um terço do seu valor. Foi com essa crise
internacional que a partir de 1932 e 1933 começaram a ser propostas medidas para combatê-la.
78
optar por alocar ou não o seu capital: a responsabilização em casos de fraude e a regulação dos
agentes que atuam no mercado109. No primeiro momento, a administração dos securities era
feita pela Federal Trade Commission (FTC). O problema é que a FTC já tinha uma série de
funções relativas à legislação antitruste, razão pela qual foi criada a Securities Exchange
Commission (SEC) (AGRIZZI, 1989, p. 28-29).
A SEC corresponde à CVM brasileira, de modo que lhe cabem funções legislativas,
administrativas e judiciárias, notadamente para regular, registrar e fiscalizar as transações que
envolvem valores mobiliários, no intuito de proteger os investidores e manter a bolsa em um
alto nível de eficiência110. Cabe à SEC, portanto, regular, fiscalizar e reprimir as operações e as
empresas da New York Stock Exchange (NYSE), da NASDAQ Stock Market e da Chicago Board
Options Exchange (CBOE).
109
“An act to provide full and fair disclosure of the character of securities sold in interstate and foreign commerce
and through the mails, and to prevent frauds in the sale thereof, and for other purposes” (US SECURITIES AND
EXCHANGE COMMISSION, 2019a).
110
O intuito da SEC é “(…) provide for the regulation of securities exchanges and of over-the-counter markets
operating in interstate and foreign commerce and through the mails, to prevent inequitable and unfair practices
on such exchanges and markets, and for other purposes” (US SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION,
2019b).
111
Na definição dos securities, tem-se: “(...) TITLE I – DEFINITIONS SEC. 2. [77b] (a) DEFINITIONS – When
used in this title, unless the context otherwise requires – (1) The term ‘‘security’’ means any note, stock, treasury
stock, security future, security-based swap, bond, debenture, evidence of indebtedness, certificate of interest or
participation in any profit-sharing agreement, collateral-trust certificate, preorganization certificate or
subscription, transferable share, investment contract, voting-trust certificate, certificate of deposit for a security,
fractional undivided interest in oil, gas, or other mineral rights, any put, call, straddle, option, or privilege on any
security, certificate of deposit, or group or index of securities (including any interest therein or based on the value
thereof), or any put, call, straddle, option, or privilege entered into on a national securities exchange relating to
foreign currency, or, in general, any interest or instrument commonly known as a ‘‘security’’, or any certificate
of interest or participation in, temporary or interim certificate for, receipt for, guarantee of, or warrant or right
to subscribe to or purchase, any of the foregoing” (US SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION, 2019a).
112
Em 1939 foi editado o Trust Indenture Act, que tem como finalidade “(…) provide for the regulation of the sale
of certain securities in interstate and foreign commerce and through the mails, and the regulation of the trust
indentures under which the same are issued, and for other purposes” (US SECURITIES AND EXCHANGE
COMMISSION, 2019c).
79
Act de 1933. Antes de registrar a oferta, ademais, é necessário que as empresas se registrem
também perante aquela comissão. Para esse registro, a seu turno, é preciso que a empresa
elabore um documento contendo diversas informações relevantes acerca de si própria, o
prospectus, similar ao prospecto brasileiro (LANGVARDT; BARNES; PRENKERT;
MCCRORY; PERRY, 2018, p. 1233). Ressalte-se que a dualidade de registros perante a
entidade reguladora também existe no Brasil.
Sendo assim, em 2012 foi editado o Jumpstart Our Business Startups Act (JOBS Act),
para abrir novas oportunidades de trabalho e melhorar o desenvolvimento econômico do país
por meio da conferência de acesso ao mercado de capitais pelas emerging growth companies113
(US SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION, 2012). Veja-se que o JOBS Act não
restringe o mercado para as emerging growth companies, de maneira que até as empresas
públicas podem ser classificadas como tal. No Brasil, por outro lado, as sociedades anônimas
não podem ser classificadas como MPEs e desfrutar dos benefícios fiscais inerentes a essa
escolha. Essa disposição, contudo, apenas impede o desenvolvimento de sociedades anônimas
fechadas de menor porte e faz que as sociedades limitadas tenham receio em alterar sua estrutura
societária, uma vez que os benefícios não são tão consideráveis.
De uma maneira geral, o JOBS Act permite o acesso ao mercado de capitais de uma
maneira mais simples e com menos encargos às emerging growth companies. Para isso, ele
reduziu uma série de exigências e encargos daquelas empresas para que elas pudessem se tornar
113
São classificadas como emerging growth companies ou empresas em crescimento aquelas que obtiveram receita
bruta igual ou inferior a $ 1.000.000.000,00 (um bilhão de dólares). “TITLE I—REOPENING AMERICAN
CAPITAL MARKETS TO EMERGING GROWTH COMPANIES – SEC. 101. DEFINITIONS. (…) (19) The term
‘emerging growth company’ means an issuer that had total annual gross revenues of less than $1,000,000,000 (as
such amount is indexed for inflation every 5 years by the Commission to reflect the change in the Consumer Price
Index for All Urban Consumers published by the Bureau of Labor Statistics, setting the threshold to the nearest
1,000,000) during its most recently completed fiscal year (…)” (US SECURITIES AND EXCHANGE
COMMISSION, 2012).
80
públicas114, realizar ofertas no mercado, ainda que privadas, ou financiar os seus projetos via
crowdfunding.
As ofertas privadas, seguindo a Rule 506 podem ser feitas apenas a investidores
qualificados117, e não é possível a transação deles por um prazo de 6 (seis) meses, mas não há
limite de capital a ser levantado. Além disso, que as obrigações de disclousure são diferentes
quando o emitente for uma empresa pública e quando for uma empresa privada. No último caso,
pode ser dispensada de divulgar os últimos balaços auditados (LANGVARDT; BARNES;
PRENKERT; MCCRORY; PERRY, 2018, p. 1238).
114
Dentre as medidas para que as empresas possam abrir o seu capital e negociar ações na bolsa, o JOBS Act
dispensou as empresas de algumas obrigações referentes à transparência que lhes poderia onerar em demasia, como
a sessão 404 do Sarbanes-Oxley Act de 2002. “SEC. 102. DISCLOSURE OBLIGATIONS. (…) (b) FINANCIAL
DISCLOSURES AND ACCOUNTING PRONOUNCEMENTS – (…) ‘‘(2) TREATMENT OF EMERGING
GROWTH COMPANIES – An emerging growth company – “ (A) need not present more than 2 years of audited
financial statements in order for the registration statement of such emerging growth company with respect to an
initial public offering of its common equity securities to be effective, and in any other registration statement to be
filed with the Commission, an emerging growth company need not present selected financial data in accordance
with section 229.301 of title 17, Code of Federal Regulations, for any period prior to the earliest audited period
presented in connection with its initial public offering; and “(B) may not be required to comply with any new or
revised financial accounting standard until such date that a company that is not an issuer (as defined under section
2(a) of the Sarbanes-Oxley Act of 2002 (15 U.S.C. 7201(a))) is required to comply with such new or revised
accounting standard, if such standard applies to companies that are not issuers” (US SECURITIES AND
EXCHANGE COMMISSION, 2012).
115
“EXEMPTED TRANSACTIONS – SEC. 4. [77d] (a) The provisions of section 5 shall not apply (…) (2)
transactions by an issuer not involving any public offering” (US SECURITIES AND EXCHANGE
COMMISSION, 2019a).
116
“§230.506 Exemption for limited offers and sales without regard to dollar amount of offering – (a) Exemption.
Offers and sales of securities by an issuer that satisfy the conditions in paragraph (b) or (c) of this section shall
be deemed to be transactions not involving any public offering within the meaning of section 4(a)(2) of the Act”
(US SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION, 2021).
117
Os investidores qualificados são aqueles que detêm experiência no mercado, que pode se dar pela sua natureza,
como os bancos, ou pela renda, nos casos das pessoas naturais que possuem mais de $ 1.000.000,00 (um milhão
de dólares.
81
50.000.000,00 (cinquenta milhões de dólares)118. A exceção dois, Rule 504, permite que as
empresas privadas emitam até $ 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares) com prazo igual ou
inferior a doze meses119. É permitida a realização de esforços, mas quando as empresas o
fizerem, apenas podem destiná-lo aos investidores qualificados. Quando não houver esforços,
a oferta pode ser destinada ao público em geral.
Por fim, a Reg A disciplina a emissão de valores mobiliários para empresas privadas em
até $ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de dólares) no período de um ano. Não há restrições
quanto ao tipo de investidor ou limitações de revenda dos ativos, mas há algumas condições. A
oferta pode ser destinada ao público em geral e a investidores qualificados, bem como buscar
até 20 (vinte) ou 50 (cinquenta) milhões de dólares, e cada uma dessas decisões vai importar
no nível de exigências dispensadas às emitentes120 (US SECURITIES AND EXCHANGE
COMMISSION, 2020).
2.2.3 Debêntures
118
“§230.504 Exemption for limited offerings and sales of securities not exceeding $5,000,000 – (a) Exemption.
Offers and sales of securities that satisfy the conditions in paragraph (b) of this §230.504 (…) (2) The aggregate
offering price for an offering of securities under this §230.504, as defined in §230.501(c), shall not exceed
$5,000,000, less the aggregate offering price for all securities sold within the twelve months before the start of
and during the offering of securities under this §230.504 or in violation of section 5(a) of the Securities Act” (US
SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION, 2021).
119
“§230.504 – Exemption for limited offerings and sales of securities not exceeding $5,000,000. (…) (2) The
aggregate offering price for an offering of securities under this §230.504, as defined in §230.501(c), shall not
exceed $5,000,000, less the aggregate offering price for all securities sold within the twelve months before the
start of and during the offering of securities under this §230.504 or in violation of section 5(a) of the Securities
Act” (US SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION, 2021).
120
Nos termos da Reg A, há duas modalidades de ofertas, as tier 1 e as tier 2.
82
instrumentos de dívida de longo prazo, entre 10 (dez) e 30 (trinta), anos que não possuem
garantias e cujas características são estipuladas na escritura de emissão ou debenture
indenture121 (LANGVARDT; BARNES; PRENKERT; MCCRORY; PERRY, 2018, p. 1147.
Nessas condições são elencados os direitos dos debenturistas e podem ser estipulados covenants
nas modalidades afirmativa, negativa ou contábil, cláusulas restritivas impostas à sociedade
para que as condições ofertadas aos investidores permaneçam, como uma limitação referente
ao endividamento da empresa (KONRAHT; SOARES, 2020, p. 184)
As notes, por fim, são instrumentos de curto prazo para emissão de dívida, raramente
excedendo 5 (cinco) anos. Elas podem ser emitidas com ou sem garantias, bem como é possível
estipular cláusula de conversibilidade em ativos da empresa. Destaque-se que se o título for
conversível o direito de convertê-la pertence ao titular do note agreement, similar às debenture
indentures e bond indentures (LANGVARDT; BARNES; PRENKERT; MCCRORY; PERRY,
2018, p. 1147).
As debêntures brasileiras, pelo que se pode notar, congregam características desses três
instrumentos de dívida. Conferem ao seu titular um direito de crédito contra a sociedade, e há
a necessidade de intermediação das operações entre as empresas e os debenturistas por um
agente fiduciário, nos termos da Lei das Sociedades por Ações. Além disso, existe a
possibilidade de emissão de debêntures com ou sem garantias. No que se refere ao prazo, a
média brasileira é de vencimento das debêntures é de 5,5 (cinco vírgula cinco) anos, segundo
dados de 2019, e 5,6 (cinco vírgula seis) anos, segundo dados de 2020, até maio (ANBIMA,
2020a).
121
As indentures são divididas em duas partes: a primeira é relativa às obrigações da empresa e a segunda, atinente
aos direitos dos credores. No caso das debentures e dos bonds, como há a necessidade de um intermediário
financeiro, o agente fiduciário, a segunda parte das indentures também regula a relação formada entre eles e os
credores do título da dívida (AMARAL, 2016, p. 38).
83
Há, em realidade, enormes facilidades para que as empresas se tornem públicas, como a
diminuição dos encargos e das exigências de disclousure, e desfrutem os benefícios de listagem,
sem falar das opções para que pequenas e médias empresas possam se capitalizar via mercado
de capitais sem alterar o tipo societário, emitindo títulos de dívida, por exemplo, e assim obter
financiamento a custo inferior.
Uma das vias que serve tanto para promover o desenvolvimento do País quanto para
conferir mais liberdade econômica às partes em matéria de Direito Societário é a que se propõe
no presente trabalho. Veja-se que a emissão de debêntures por sociedades limitadas representa
uma alternativa para que as empresas possam financiar suas atividades, e, no caso da emissão
privada de debêntures, isso apenas reflete o princípio da autonomia da vontade. A conferência
de mais, maiores e diversas fontes pode ser um dos fatores pontuais para sanar o gap de
financiamento e conferir mais chances para o desenvolvimento das empresas.
122
Seja ele em sua feição econômica, seja na feição de liberdade.
123
Para algumas medidas que podem ser implementadas, especialmente no que se refere à Lei das Sociedades por
Ações, ver tópico 3.5.
84
De toda forma, Itália, França e Portugal são países que não podem ser deixados de lado
no tratamento da matéria. Veja-se que a disciplina do Direito Comercial no Brasil teve início
com a chegada da família real portuguesa em 1808. O tratamento comercial foi inaugurado por
um regramento português e apenas depois foi editado o primeiro Código Comercial. Além
disso, como o Brasil foi colônia desse país, há forte influência dele na matéria.
2.3.1 Itália
O Diritto Societário é o ramo do Direito Privado italiano que se destina ao estudo das
124
Apesar de hoje o Código Civil disciplinar a matéria civil e comercial, há propostas legislativas para a criação
de um Código Comercial, que além do que já é disposto naquele, irá incorporar uma série de questões que são
discutidas em leis extravagantes. Um exemplo é o Projeto de Lei do Senado 487/2013.
125
“Titolo V - Delle società – Capo I – Disposizioni generali – Articolo 2247 – Con il contratto di società due o
più persone conferiscono beni o servizi per l'esercizio in comune di un'attività economica allo scopo di dividerne
gli utili [2082, 2253 e 2949]” (BROCARDI, 2020).
85
Para a consecução das suas atividades, as empresas precisam financiá-la, seja com capital
próprio ou com capital de terceiros. O financiamento das atividades negociais na Itália via
capital de terceiros ocorria desde os seus primórdios, mas como um negócio diferente de um
contrato de mútuo, pois à época era proibido. A disciplina das obrigações de uma maneira mais
específica, porém, somente foi se dar com a codificação. Hoje a codificação privada italiana
opta pela sua unificação, de modo que disciplina as matérias civis em geral e as comerciais
(AMARAL, 2016, p. 41 e 43).
126
“SEZIONE VII – Delle obbligazioni – Articolo 2410 – Se la legge o lo statuto non dispongono diversamente,
l'emissione di obbligazioni è deliberata dagli amministratori. In ogni caso la deliberazione di emissione deve
risultare da verbale redatto da notaio ed è depositata ed iscritta a norma dell'articolo 2436.” (BROCARDI, 2020).
127
Veja-se que apenas a sociedade empresária responde pelas dívidas sociais: “Titolo V – Delle società – Capo
VII – Della società a responsabilità limitata – Articolo 2462 – Nella società a responsabilità limitata [2250, 2498,
2500, 2500 ter, 2500 sexies, 2500 octies] per le obbligazioni sociali risponde soltanto la società con il suo
patrimonio [2325, 2513, 2514, 2546, 2614]. In caso di insolvenza della società, per le obbligazioni sociali sorte
nel periodo in cui l'intera partecipazione è appartenuta ad una sola persona, questa risponde illimitatamente
quando i conferimenti non siano stati effettuati secondo quanto previsto dall'articolo 2464, o fin quando non sia
stata attuata la pubblicità prescritta dall'articolo 2470 […]” (BROCARDI, 2020).
86
empresária.
O artigo 2483 do Código Civil italiano, assim, foi modificado para permitir a emissão de
titoli di débito pelas sociedades limitadas. A nomenclatura utilizada para elas foi diferente, mas
os títulos de débito equivalem à obbligazioni. Dessa maneira, se houver expressa previsão no
ato constitutivo societário, é possível a emissão dos títulos de dívida, desde que seja deliberada
pela maioria dos sócios. Destaca-se que os títulos de débito apenas podem ser subscritos por
investidores profissionais128.
128
“Sezione V – Delle modificazioni dell'atto costitutivo – Articolo 2483 – Se l'atto costitutivo lo prevede, la società
può emettere titoli di debito. In tal caso l'atto costitutivo attribuisce la relativa competenza ai soci o agli
amministratori determinando gli eventuali limiti, le modalità e le maggioranze necessarie per la decisione. I titoli
emessi ai sensi del precedente comma possono essere sottoscritti soltanto da investitori professionali soggetti a
vigilanza prudenziale a norma delle leggi speciali. In caso di successiva circolazione dei titoli di debito, chi li
trasferisce risponde della solvenza della società nei confronti degli acquirenti che non siano investitori
professionali ovvero soci della società medesima. La decisione di emissione dei titoli prevede le condizioni del
prestito e le modalità del rimborso ed è iscritta a cura degli amministratori presso il registro delle imprese. Può
altresì prevedere che, previo consenso della maggioranza dei possessori dei titoli, la società possa modificare tali
condizioni e modalità. [...]” (BROCARDI, 2020).
87
2.3.2 França
O Droit des Sociétés, ramo do Direito na França destinado ao estudo das sociedades,
possui influência direita no Direito Societário brasileiro129. Naquele ordenamento, que possui
evidente tradição de civil law, as normas societárias são disciplinadas do Code Civil, no Code
de Commerce, no Code des Societès e em leis específicas, como o Code Monétaire et Financier.
129
Foi por conta da influência francesa que o Código Comercial brasileiro primeiro adotou a teoria dos atos de
comércio (FORGIONI, 2009, p. 41). Veja-se que no Direito brasileiro, o Direito Empresarial hoje adota a teoria
da empresa, nos termos do artigo 966 do Código Civil (BRASIL, 2002), seguindo a tradição italiana, mas no
Direito francês adota-se a teoria dos atos de comércio, que podem ser definidos como: “Titre ier: De l'acte de
commerce. Article L110-1 – La loi répute actes de commerce: 1° Tout achat de biens meubles pour les revendre,
soit en nature, soit après les avoir travaillés et mis en oeuvre; 2° Tout achat de biens immeubles aux fins de les
revendre, à moins que l'acquéreur n'ait agi en vue d'édifier un ou plusieurs bâtiments et de les vendre en bloc ou
par locaux; 3° Toutes opérations d'intermédiaire pour l'achat, la souscription ou la vente d'immeubles, de fonds
de commerce, d'actions ou parts de sociétés immobilières; 4° Toute entreprise de location de meubles; 5° Toute
entreprise de manufactures, de commission, de transport par terre ou par eau; 6° Toute entreprise de fournitures,
d'agence, bureaux d'affaires, établissements de ventes à l'encan, de spectacles publics; 7° Toute opération de
change, banque, courtage, activité d'émission et de gestion de monnaie électronique et tout service de paiement;
8° Toutes les opérations de banques publiques; 9° Toutes obligations entre négociants, marchands et banquiers;
10° Entre toutes personnes, les lettres de change” (RÉPUBLIQUE FRANÇAISE, 2020a). São assim classificadas
as operações que envolvem os valores mobiliários.
130
Após a edição da Lei da Liberdade Econômica, não há a necessidade de pluralidade de sócios para a constituição
de sociedade limitada no Brasil (BRASIL, 2019d).
131
As missões da AMF para o mercado francês são: “L'Autorité des marchés financiers, autorité publique
indépendante, veille à la protection de l'épargne investie dans les instruments financiers, les unités mentionnées
à l'article L. 229-7 du code de l'environnement et les actifs mentionnés au II de l'article L. 421-1 du présent code
donnant lieu à une offre au public ou à une admission aux négociations sur un marché réglementé et dans tous
88
Acontece que desde 2004, com as alterações introduzidas no Code de Commerce, o artigo
L. 223-11134 foi modificado, para permitir a emissão de obrigações nominativas desde que a
SARL atenda a determinados requisitos. Dentre esses requisitos, pode-se destacar que a oferta
deve ser privada e destinada a investidores qualificados e que as disposições aplicáveis a elas
são as das sociedades por ações. Deve ainda haver uma assembleia para decidir os detalhes do
título, bem como balanços financeiros auditados dos últimos três anos.
autres placements offerts au public. Elle veille également à l'information des investisseurs et au bon
fonctionnement des marchés d'instruments financiers, d'unités mentionnées à l'article L. 229-7 du code de
l'environnement et d'actifs mentionnés au II de l'article L. 421-1 du présent code. Elle apporte son concours à la
régulation de ces marchés aux échelons européen et international. Elle veille à la qualité de l'information fournie
par les sociétés de gestion pour la gestion de placements collectifs sur leur stratégie d'investissement et leur
gestion des risques liés aux effets du changement climatique. [...] Elle veille également à ce que les entreprises
soumises à son contrôle mettent en œuvre les moyens adaptés pour se conformer aux codes de conduite
homologués mentionnés à l'article L. 611-3-1” (RÉPUBLIQUE FRANÇAISE, 2020b).
132
Os instrumentos de capital são aqueles que conferem acesso à empresa ou que conferem direito de voto,
conforme o artigo L212-1-A (RÉPUBLIQUE FRANÇAISE, 2020b).
133
No Direito francês, os instrumentos de dívida emitidos pelas sociedades empresárias possuem natureza de
títulos de crédito. O próprio conceito de valores mobiliários brasileiros é decorrente do francês, e por conta disso
a primeira tratativa deles foi como título de crédito (FERNANDEZ, 2016, p. 22)
134
“Article L223-11 – Une société à responsabilité limitée, ayant désigné un commissaire aux comptes et dont les
comptes des trois derniers exercices de douze mois ont été régulièrement approuvés par les associés, peut émettre
des obligations nominatives à condition qu'elle ne procède pas à une offre au public de ces obligations ou qu'elle
procède à une offre mentionnée au 1° de l'article L. 411-2 du code monétaire et financier [...]” (RÉPUBLIQUE
FRANÇAISE, 2020a).
89
2.3.3 Portugal
A disciplina das obrigações no Direito português hoje é feita no Código das Sociedades
Comerciais, de 1986, e no Código de Valores Mobiliários, de 1999. Nesse ordenamento
jurídico, elas são utilizadas como instrumento de financiamento das sociedades comerciais e
não estão ligadas a nenhum tipo societário específico também. Não há restrições quanto às
modalidades de títulos para financiamento societário135 ou espécie de distribuição, pública ou
privada (AMARAL, 2016, p. 48-49).
135
Os valores mobiliários em Portugal são: “Artigo 1.º Valores mobiliários – São valores mobiliários, além de
outros que a lei como tal qualifique: a) As acções; b) As obrigações; c) Os títulos de participação; d) As unidades
de participação em instituições de investimento colectivo; e) Os warrants autónomos; f) Os direitos destacados dos
valores mobiliários referidos nas alíneas a) a d), desde que o destaque abranja toda a emissão ou série ou esteja
previsto no acto de emissão. g) Outros documentos representativos de situações jurídicas homogéneas, desde que
sejam susceptíveis de transmissão em mercado” (REPÚBLICA PORTUGUESA, 2020b). O conceito português de
valores mobiliários abrange instrumentos típicos e atípicos (LOEFFLER, 2016, p. 24).
136
“Artigo 276.º (Valor nominal do capital e das acções) [...] 5 - O montante mínimo do capital social é de 50 000”
(REPÚBLICA PORTUGUESA, 2020a).
90
Não há menção expressa quanto ao termo debêntures no Direito português, mas elas se
assemelham às obrigações, que são valores mobiliários, títulos de crédito e títulos de dívida. A
disciplina das obrigações é feita na parte relativa às sociedades anónimas, no artigo 348 do no
Código das Sociedades Comerciais138. Veja-se que não há limitações para a criação de novos
valores mobiliários ou mesmo restrições quanto aos tipos societários emissores nesse diploma.
No que que se refere à emissão de obrigações em sociedades por quotas, primeiro elas
eram regidas pelo artigo 50.º da Lei de 11 de abril de 1901. O Código das Sociedades
Comerciais, Decreto-Lei n.º 262/86, ao entrar em vigor, por sua vez, revogou aquele diploma,
de maneira que foi premente a edição do Decreto-Lei 160/87, atendendo o significativo número
de sociedades constituídas sob essa roupagem. Assim, observando as disposições legais
relativas às sociedades anónimas, é possível que as sociedades por quotas emitam obrigações
(MINISTÉRIO DE FINANÇAS, 1987, p. 1347-1348).
137
“Artigo 273.º (Número de accionistas) 1 - A sociedade anónima não pode ser constituída por um número de
sócios inferior a cinco, salvo quando a lei o dispense” (REPÚBLICA PORTUGUESA, 2020a).
138
“Artigo 348.º Emissão de obrigações 1 - As sociedades anónimas podem emitir valores mobiliários que, numa
mesma emissão, conferem direitos de crédito iguais e que se denominam obrigações. 2 - Só podem emitir
obrigações as sociedades cujo contrato esteja definitivamente registado há mais de um ano, salvo se: [...] 4 - As
obrigações não podem ser emitidas antes de o capital estar inteiramente liberado ou de, pelo menos, estarem
colocados em mora todos os accionistas que não hajam liberado oportunamente as suas acções”. (REPÚBLICA
PORTUGUESA, 2020a).
91
As sociedades limitadas são o tipo societário mais utilizado no Brasil (BRASIL, 2020c),
notadamente em razão de o seu ato constitutivo conferir maior liberdade para as partes
moldarem seus negócios da maneira que lhes pareça mais adequada, imprimir menores custos
para a sua manutenção e contar com regime simplificado de divulgação de informações, fato
de extrema relevância para as startups, por exemplo. O acesso delas ao crédito, no mercado
financeiro e no mercado de capitais, é restrito139, e quando se discutem os instrumentos
alternativos de financiamento algumas ponderações devem ser feitas quanto ao momento do
empreendimento140.
139
As limitadas possuem amplo acesso teórico ao mercado bancário, ainda que na prática isso não se efetive. No
que se refere ao mercado de capitais, elas podem fazer uso de notas promissórias, nos termos da ICVM 566
(BRASIL, 2015).
140
A modalidade de financiamento adotada pelas limitadas em regra está ligada aos estágios de desenvolvimento.
Enquanto ainda resta em estágios embrionários, o financiamento ocorre por family, friends and fools ou
empréstimos bancários, e quando passa a barreira da sobrevivência pode começar a aportar investidores-anjo ou
modalidades de crowdfunding. Em estágios de maior sucesso, há procura por instrumentos de venture capital e
private equity, e ao decolar tem-se a necessidade de alterar a estrutura societária para obter acesso ao mercado de
capitais e a todas as modalidades de financiamento disponíveis no País, uma vez que pequenas e médias empresas
92
De uma maneira geral, é possível que as sociedades limitadas aumentem o seu capital
social, reinvistam o lucro retido em suas operações, realizem empréstimo bancário, emitam
notas promissórias ou busquem fontes como private equity, venture capital e investidores anjo
ou realizem um processo de equity crowdfunding. Ainda assim, grande parte delas não tem
acesso ao tão esperado crédito141.
Os instrumentos de renda fixa foram responsáveis, de 2014 a 2018, por 84% (oitenta e
quatro por cento) do volume das captações, enquanto apenas 10% (dez por cento) foi captado
por meio de ações. Ainda assim, a proporção entre a utilização do mercado de dívida e o Produto
Interno Bruto (PIB) do país apenas restava em 39% (trinta e nove por cento), aquém da média
de 171% (cento e setenta e um por cento) dos países desenvolvidos 142, com dados de 2014
(COMISSÃO DE VALORES MIBILIÁRIOS, 2019, p. 18 e 21).
trezentos e trinta e um) via ICVM 476 em 2018. Em 2019, via ICVM 400, as emissões
registraram R$ 14.717 (quatorze mil setecentos e dezessete) e via ICVM 476 foi de R$ 169.974
(cento e sessenta e nove mil novecentos e setenta e quatro). Não houve captações via ICVM
400 até maio de 2020, enquanto as ICVM 476 captaram R$ 38.773 (trinta e oito mil setecentos
e setenta e três) (ANBIMA, 2020a, edição eletrônica).
143
Ressalte-se que as debêntures não se sujeitam à Lei de Usura (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2006),
como abordado no primeiro capítulo, de modo que o retorno pode superar essa limitação legal.
94
Um dos supostos motivos para hoje impedir a emissão privada das debêntures é a
repetição descabida do posicionamento das Juntas Comerciais do Rio de Janeiro (RIO DE
JANEIRO, 2012, p. 1-6) e de São Paulo (BRASIL, 2012b, p. 6). Alegando, dentre outras coisas,
a ausência de previsão legal, as Juntas Comerciais emitiram parecer desfavorável para o
arquivamento de ata da assembleia das sociedades limitadas que haviam deliberado nesse
sentido. Ambos os pareceres datam de 2012, mas ainda é esse o posicionamento que se mantém
em sede das Juntas Comerciais.
Na tentativa de modificar essa situação, há três Projetos de Lei (PL) e dois Projetos de
Lei do Senado (PLS) em trâmite no Congresso Nacional para disciplinar a emissão de
debêntures por sociedades limitadas, o PL 1.572/2011, o PL 6.322-B/2013, o PLS 487/2013, o
PLS 11/2018 e o PL 3.324/2020. Apesar da diferença na tratativa de alguns deles, todos
possuem o mesmo objetivo quanto à faculdade de emissão de debêntures por limitadas, ainda
que o abordem de maneira diferenciada, como elucidado anteriormente. Já foi possível explorar
o estado dos Projetos de Lei (PIRES, 2018, p. 62), mas é necessário revisitá-los, uma vez que
tiveram andamento.
95
A alteração na Lei das Sociedades por Ações, proposta pelo PL 6.322-B/2013147, é feita
introduzindo um parágrafo único no artigo 52 daquela lei com a seguinte redação: “Semelhante
faculdade é garantida à sociedade limitada, desde que observadas, no que couberem, as
disposições deste Capítulo e a regulação aplicável” (BRASIL, 2013a). Em sua justificativa,
mencionou-se que a restrição das debêntures às sociedades anônimas impede que a maior parte
do mercado tenha acesso a elas. Veja-se que não há qualquer menção ao tipo de distribuição, e,
como também não são especificadas outras condições, depreende-se que o regramento das
sociedades anônimas será utilizado em sua completude no que lhe for cabível.
144
De autoria do Deputado Vicente Cândido, do Partido dos Trabalhadores (PT), o PL 1.572/2011 trata de instituir
novo Código Comercial que se destina a organizar e explorar a empresa no âmbito do Direito Privado e alterar
diversas leis no tocante a esse assunto, como o Código Civil e a Lei de Recuperação Judicial e Falências. Em
janeiro de 2019, o presente Projeto de Lei foi arquivado na Câmara dos Deputados (BRASIL, 2011).
145
Projeto de Lei do Senado 487/2013, de autoria do senador Renan Calheiros, do Movimento Democrático
Brasileiro (MDB), visa a reformar o Código Comercial para que ele seja dividido em três partes, quais sejam:
geral, especial e complementar. O último andamento dele foi em sua comissão temporária, para que a relatora
emitisse relatório em 17 de dezembro de 2019 (BRASIL, 2013c).
146
O Projeto de Lei do Senado 11/2018, de autoria da Comissão do Congresso Nacional, tem por finalidade a
alteração no tratamento da sociedade limitada de modo a aperfeiçoá-lo, permitindo a sociedade limitada
unipessoal, a emissão de debêntures por limitadas, a possibilidade de quotas preferenciais e a instituição do
conselho de administração por meio de reforma no próprio Código Civil de 2002. O PLS foi retirado da 38ª reunião
ordinária do Senado, que teria ocorrido no dia 7 de agosto de 2019, mas em maio do mesmo ano o último relatório
foi exarado pelo Senador Antonio Anastasia favorável ao projeto (BRASIL, 2018). Destaque-se que algumas das
matérias referentes a esse Projeto de Lei, como a sociedade limitada unipessoal, foram incorporadas na Lei da
Liberdade Econômica (BRASIL, 2019d), e a possibilidade de quotas preferenciais, na Instrução Normativa nº 81
do DREI (BRASIL, 2020a).
147
Trata especificamente da emissão de debêntures por sociedades limitadas ao alterar a Lei das Sociedades por
Ações. De autoria do deputado Carlos Bezerra, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o PL
foi desarquivado em fevereiro de 2019 (BRASIL, 2013a).
96
148
Art. 1.055-A. A sociedade limitada poderá emitir debêntures, que conferirão aos seus titulares direito de crédito
contra ela, nas condições constantes da escritura de emissão e, se houver, do certificado. §1º Aplicam-se às
debêntures emitidas por sociedade limitada as disposições constantes nos arts. 52 a 74 da Lei nº 6.404 de 15 de
dezembro de 1976, que forem compatíveis com o regime jurídico da sociedade emissora. §2º As debêntures
poderão ser convertidas ou permutadas em quotas da própria sociedade, não se aplicando ao aumento de capital
derivado da conversão das debêntures o direito de preferência previsto no § 1º do art. 1.081. § 3º Os sócios terão
direito de preferência para subscrever as debêntures conversíveis ou permutáveis em quotas da própria sociedade,
respeitando-se a proporção de participação de cada sócio no capital social. § 4º A sociedade limitada que emitir
debêntures deverá possuir os seguintes livros: I – de Registro de Debêntures Nominativas; e II - de Transferência
de Debêntures Nominativas. § 5 A sociedade limitada que emitir debêntures deverá elaborar as demonstrações
financeiras em conformidade com as normas aplicáveis às companhias fechadas. § 6 A oferta pública de debêntures
por sociedade limitada será regulamentada pela Comissão de Valores Mobiliários. § 7º A inscrição da escritura de
emissão e o registro dos livros, previstos no § 4º do art. 1.055-A, nas Juntas Comerciais, serão regulamentados
pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização,
Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia (BRASIL, 2020e).
149
Acredita-se que esse caso trata de uma distribuição pública com esforços restritos que contemple melhores
condições para as limitadas, uma vez que a distribuição ao público em geral demandaria alterações muito maiores.
150
Embora seja desnecessária do ponto de vista sistêmico e da legislação privada, uma alteração legislativa poderia
implementar essa disposição com maior facilidade.
97
O procurador destacou que apenas há previsão sobre a emissão das debêntures para as
sociedades por ações e que, diante da ausência de previsão específica no âmbito das sociedades
limitadas, a ata de assembleia da sociedade que deliberou sobre a emissão de debêntures 151 não
poderia ser arquivada pela JUCESP, posicionamento que foi acompanhado por alguns dos
vogais presentes da sessão plenária. Houve manifestação contrária por parte de um dos vogais
suplentes, questionando a validade da referida disposição em relação às partes envolvidas, mas
não foi o posicionamento que vingou (BRASIL, 2012b, p. 6).
151
A sociedade limitada poderia ter deliberado em assembleia por uma emissão privada ou por uma emissão
pública, ainda que com esforços restritos, mas não se pode precisar qual foi o caso. A ata sessão ordinária publicada
pela JUCESP não mencionou o número do processo, tampouco o nome da sociedade limitada, de modo que não
foi possível localizar o parecer do Dr. Nelson Lopes de Oliveira Ferreira Junior, nem a ata da assembleia para
visualizar os pormenores societários.
98
O parecer base para a decisão foi de autoria de Gustavo Tavares Borba, então procurador
regional da JUCERJA e, sinteticamente, concluiu pela impossibilidade de arquivamento da ata
de assembleia geral. Referido parecer foi elaborado em virtude de pedido de reconsideração da
decisão, já desfavorável, oriunda do julgador Dilson da Silva, que se baseou no artigo 52 da Lei
das Sociedades por Ações152 para destacar a exclusividade das debêntures às sociedades
anônimas e em comandita por ações (RIO DE JANEIRO, 2012, p. 1 e 6).
No que se refere à posição doutrinária, o parecer menciona que para tratar da emissão de
debêntures por sociedades limitadas, os autores brasileiros são praticamente unânimes no
sentido de não a autorizar. São colacionados alguns doutrinadores no parecer, inclusive com a
menção de que existem pensamentos contrários e que sustentam a emissão pública com esforços
restritos em menção à ICVM 476 (RIO DE JANEIRO, 2012, p. 5)
152
“Art. 52. A companhia poderá emitir debêntures que conferirão aos seus titulares direito de crédito contra ela,
nas condições constantes da escritura de emissão e, se houver, do certificado” (BRASIL, 1976b).
99
Por fim, o procurador regional destaca que a CVM não permitiu, ainda que com a edição
da ICVM 476, a emissão de debêntures públicas com esforços restritos pelas sociedades
limitadas. A edição da referida instrução, segundo o procurador, apenas conferiu uma
possibilidade às sociedades anônimas fechadas para emissão sem registro da empresa na
autarquia153. Além disso, sequer a previsão da aplicabilidade supletiva da LSA no contrato
social ensejaria permissivo às limitadas, vez que há incompatibilidade por natureza entre os
institutos (RIO DE JANEIRO, 2012, p. 6).
153
Rememore-se que na distribuição pública com esforços restritos é prescindível o registro da empresa na
autarquia, mas a oferta ainda precisa ser registrada.
154
A liberdade individual do ser humano lhe confere capacidade de escolha e oportunidade de pactuar com outros,
o que reverbera na liberdade contratual. A autonomia da vontade é um dos princípios oriundos da liberdade
contratual e estipula a autonomia para as partes sem a interferência estatal. É certo que essa autonomia não é
absoluta, pois é passível de abusos e situações em que o Poder Público vai ser instado a se manifestar, mas a regra
e a presunção é de que é livre o avençado entre as partes (MAILLART; SANCHES, 2011, p. 11)
155
Nas relações privadas há ampla liberdade para contratar, mas se deve também atentar para a dicotomia entre
contratos existenciais e contratos de lucro. Os contratos empresariais são de intuito eminentemente lucrativo, e as
partes possuem autonomia para estipular as condições específicas do negócio, de modo que deve imperar a sua
obrigatoriedade e a sua vinculação (LUPION, 2014, p. 407 e 420).
100
oposição legal, as limitadas podem, conforme suas necessidades, deliberar pela emissão privada
de debêntures156. Dessa maneira, para a emissão privada não é necessária qualquer alteração
legislativa ou permissivo das entidades regulatórias, apenas competiria às Juntas Comerciais o
arquivamento da ata de assembleia para dar publicidade e conferir efetividade à deliberação.
O posicionamento das Juntas Comerciais, por sua vez, também não parece estar pautado
na legislação. Veja-se que, conforme a Lei 8.934/1994, cabe a esse órgão do Governo, dentre
outras funcionalidades, examinar o cumprimento das formalidades legais em todos os atos,
documentos ou instrumentos que forem apresentados para o arquivamento (BRASIL, 1994), o
que não lhe confere legitimidade para emitir juízo de valor sobre a natureza das sociedades.
Uma vez que se trata de ramo do Direito Privado e não há contrariedade à lei, deve imperar a
autonomia da vontade, de modo que as atas das assembleias da JUCESP e da JUCERJA
deveriam ter sido arquivadas.
156
Uma simples interpretação da legislação privada em consonância com os seus princípios proporciona esse
entendimento, mas não é isso que se aplica.
157
A emissão de notas promissórias pelas sociedades limitadas independe da feição adotada pelo negócio, seja
contratual, seja institucional.
158
As debêntures possuem natureza de valores mobiliários, não de títulos de crédito, conforme já foi discutido em
sessão anterior.
101
A Lei 13.874, promulgada em 2019, ficou conhecida como Lei da Liberdade Econômica
(LLE) por instituir a Declaração dos Direitos da Liberdade Econômica, estabelecer garantias
de livre mercado e alterar uma série de dispositivos para adequá-los a essa realidade (BRASIL,
2019d). Referida legislação efetiva os ditames constitucionais acerca da ordem econômica e
financeira no que se refere à livre iniciativa.
Dentre os princípios que norteiam a LLE, confere-se destaque aos incisos I e III, a
liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas e a intervenção subsidiária
e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas (BRASIL, 2019d). Veja-
se que são princípios decorrentes da própria lógica do Direito Privado, de liberdade individual
e autonomia das partes.
Para exercício efetivo da liberdade econômica que não há no País, foi necessário declarar,
expressamente, alguns direitos, como a LLE o fez em seu artigo 3º. O inciso VIII, por exemplo,
foi preciso ao enumerar como direito de toda pessoa “ter a garantia de que os negócios jurídicos
empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a
aplicar todas as regras de Direito Empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado,
exceto normas de ordem pública” (BRASIL, 2019d).
A disposição mencionada no inciso VIII da Lei 13.874/2019 faz valer os preceitos gerais
do direito contratual e declara que, inclusive, prevalece o que foi pactuado de maneira paritária
frente às regras de Direito Empresarial, desde que não extrapole normas de ordem pública.
Dessa maneira, cabe às partes ajustar o que melhor aprouver ao seu negócio, inclusive a emissão
159
O Brasil, no que se refere a índices de liberdade econômica, ocupa posições muito baixas em relação a outros
países. No index of economic freedom, índice da Heritage Foundation, o Brasil ocupa a posição mundial 144, ou
seja, há 143 países que possuem melhores condições de liberdade econômica, o que denota que no País
normalmente não se é livre. Para demonstrar de maneira ainda mais precisa, nas américas, dentre os 32 países, o
Brasil ocupa a posição 25 em liberdade econômica (THE HERITAGE FOUNDATION, 2020, p. 150).
102
As decisões dos órgãos do Governo não podem ser desmedidas, pois acarretam
consequências para aqueles a que se referem. Não se pode impor um limite que não esteja
disposto na lei e sequer emanar decisões que possam aumentar os custos de transação. No caso
das decisões da JUCESP e da JUCERJA, ao utilizar a LLE como filtro hermenêutico, pode-se
enquadrar o ato como abuso regulatório.
Ainda que a intenção fosse louvável, a exposição de motivos da MP 881, nos seus pontos
20 e 21, indicou que essa proposta se origina da insuficiência das sociedades limitadas de
instrumentos como um regime informacional adequado aos investidores. Dessa maneira, a
alternativa que a MP buscava era a migração das limitadas para o regime das sociedades
anônimas, a fim de captarem recursos (BRASIL, 2019b, p. 5).
Acontece que já havia transações com características de dívida em série desde a Idade
Média, situação em que os indivíduos contribuíam para o financiamento dos empreendimentos
do Estado na República de Gênova e, em contraprestação, eram beneficiados com o não
aumento dos impostos. O Estado, por sua vez, começou a se endividar em proporções maiores
e, impossibilitado de criar novos impostos para que o direito de não os pagar fosse vendido aos
particulares, constituiu um débito consolidado e permanente. Foi assim que, no século XIII,
surgiu a primeira reunião de credores, que hoje é a assembleia de debenturistas (AMARAL,
2014, p. 6-7).
O mercado de negociação do título, por sua vez, se expandiu no século XIX. Observe-se
que a legislação, que era rígida, foi flexibilizada em virtude da necessidade de expansão da
atividade industrial. Na Inglaterra e na França o registro é de que as debêntures foram utilizadas
para o financiamento da construção das estradas de ferro, enquanto nos Estados Unidos grandes
companhias as utilizaram para captar recursos para os seus investimentos (MOLINA, 2019, p.
15).
bancário não eram tão fáceis quanto nos dias de hoje160, de modo que se teve nas debêntures
uma alternativa razoável para a capitalização (MOLINA, 2019, p. 16). Historicamente, veja-se,
as debêntures não foram criadas como um mecanismo de financiamento das sociedades
anônimas, mas como mecanismos de financiamento em geral, sem qualquer apontamento sobre
o tipo societário.
No que se refere à legislação brasileira que trata das debêntures, tem-se que, com essa
denominação, elas apenas surgiram em 1882, com a regulamentação da Lei nº 3.150. Além
desta, houve a previsão no Decreto nº 1.641/1890, no Decreto nº 434/1891, no Decreto nº 169-
A/1980, no Decreto nº 370/1890 e no Decreto nº 177-A/1893. Este foi o que especificamente
abordou a emissão de debêntures ou as obrigações ao portador161. Merece destaque, também, o
Decreto-Lei nº 781/1938, pois foi quando se reconheceu o agente fiduciário e a comunhão dos
debenturistas (AMARAL, 2014, p. 13-15).
O histórico local do mercado de debêntures se iniciou, portanto, em 1882, mas até 1965
o regramento era rígido e limitava o volume de captação aos títulos da companhia. Em 1965,
com a edição da Lei do Mercado de Capitais, foram estabelecidas novas condições para as
debêntures. Acontece que apenas em 1976, com a edição das Leis 6.385 e 6.474, foi que houve
as principais inovações na legislação, ainda que com limitadas. Em 1994, por sua vez, devido
à estabilização da economia e do Plano Real, o mercado de debêntures começou a se
desenvolver mais no Brasil (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DO
MERCADO ABERTO, 1998, p. 12, 15 e 17).
A disciplina das debêntures no País durante muito tempo foi regulada por leis especiais
que não tinham qualquer ligação com um tipo societário específico. Portanto, as sociedades
limitas, ou sociedades por quotas de responsabilidade limitada, que foram introduzidas no
ordenamento jurídico brasileiro em 1919, com o Decreto 3.708, utilizando aquelas leis e seus
160
É certo que a obtenção de financiamento bancário para algumas empresas, especialmente as menores, ainda é
difícil e que isso apenas piora com a pandemia decorrente do COVID-19 (SEBRAE, 2019c), mas aqui está sendo
discutido o entrave no que se refere à oferta. Não havia linhas de crédito diversas, prazos diferenciados e capital
abundante (MOLINA, 2019, p. 15).
161
Sob a égide do Decreto nº 177-A/1893, o termo debêntures era sinônimo de obrigações ao portador.
105
regramentos, que conferiam amplos poderes aos seus integrantes, poderiam se valer das
debêntures para se capitalizar por meio de capital de terceiros sem qualquer entrave
legislativo162.
A previsão e a regulamentação desse título corporativo, por sua vez, não estão restritas à
LSA163, demandando um estudo sistêmico desse instituto, mas, ainda assim, não se verifica
nenhuma limitação na legislação atual concernente ao seu emissor. Pode-se imaginar que havia
exclusividade na emissão de valores mobiliários por conta da redação original do artigo
segundo da Lei do Mercado de Capitais, que previa a possibilidade de criação de outros valores
mobiliários pelas sociedades anônimas (BRASIL, 1976a), mas ainda que se pensasse dessa
maneira o presente dispositivo foi atualizado em 2001 pelas Leis 10.198 e 10.103, de maneira
que hoje, do ponto de vista legislativo, não há qualquer entrave legal (PIRES, 2018, p. 56).
162
O posicionamento doutrinário, seja ele favorável ou contrário, existe desde a época em referência, mas o fato é
que do ponto de vista apenas legislativo, não havia qualquer limitação. Em sentido contrário, Teixeira (1956, p.
94) afirma que não havia compatibilidade das sociedades por quotas de responsabilidade limitada com as
debêntures, uma vez que elas não eram referenciadas nas leis.
163
A própria Lei 6.474/76 já sofreu diversas alterações por leis posteriores e há diversas resoluções do Conselho
Monetário Nacional e Instruções Normativas da Comissão de Valores Mobiliários para disciplinar as debêntures
de maneira mais específica e congruente com o mercado.
164
Essa disposição foi reiterada na Lei da Liberdade Econômica como um dos direitos da declarados para efetivar
a liberdade econômica, conforme o artigo 3º, VIII: “ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais
paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito
empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública” (BRASIL, 2019d).
106
devem ser registradas na Comissão de Valores Mobiliários, sejam elas abertas ou fechadas, e
precisam se organizar como prediz a legislação.
Na realidade, não se trata de merecer a fiscalização, pois no Direito Privado não há que
se falar em intervenção estatal sem que haja descumprimento da Lei, mas da existência de uma
justificativa razoável166. No caso das sociedades limitadas, que normalmente constituem
pequenos e médios negócios, a mesma justificativa não subsiste, de maneira que elas não são
fiscalizadas diretamente por nenhum órgão do Governo. As Juntas Comerciais, a quem incumbe
arquivar os atos societários para lhes conferir publicidade e eficácia perante terceiros (BRASIL,
1994), não fiscalizam esse tipo societário, tampouco podem fazer juízo de valor sobre o que foi
acordado pelos sócios no exercício de sua autonomia privada.
165
Uma das análises feitas com relação à economia de um país é a sua bolsa de valores. No caso do Brasil, tem-se
a B3, que, quando está em alta, significa que as sociedades anônimas de capital aberto aqui listadas estão sendo
valorizadas.
166
A publicidade inerente às sociedades anônimas, assim, é justificável, mas não da forma como ela é realizada
hoje (VEIGA; OIOLI, 2012, p. 629).
107
Dessa maneira, é evidente que, do ponto de vista teórico, não há qualquer entrave
regulatório para que as sociedades limitadas possam utilizar as debêntures privadas ou públicas
com esforços restritos, especialmente no caso daquelas. Em realidade, não há qualquer
impedimento jurídico para as limitadas usarem as debêntures como forma de se capitalizarem.
Resta crer que é uma questão cultural, que há uma ameaça inexistente, invisível.
A distribuição das debêntures na modalidade privada não envolve entraves efetivos, uma
vez que cabe às partes negociarem as suas condições no pleno exercício de sua autonomia da
167
Destaca-se que as debêntures são instrumentos para captação de dívida em série que conferem a seu titular um
direito de crédito contra a sociedade. Se não lhes for retirada essa condição, há preservação desse instrumento.
Deve-se atentar, por exemplo, para questões como conversibilidade das debêntures e formas de pagamento de
juros, de vencimento e de amortização.
168
Ao editar a ICVM 476, em 2009, a Comissão de Valores Mobiliários destacou que o referido tipo de distribuição
poderia ser feito independentemente do tipo societário do emissor (COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS,
2009).
108
vontade e dessa liberdade contratual. A tramitação dos Projetos de Lei que disciplinam a
emissão de debêntures de maneira privada é apenas uma tentativa de superar a limitação cultural
brasileira, verdadeira situação em que se está dispondo de algo que é evidentemente possível169,
mas que, na prática, se proíbe.
O custo para a emissão das debêntures de maneira privada tende a ser, normalmente170,
mais baixo do que nas ofertas públicas, uma vez que são dispensadas uma série de exigências
legais. Acontece que apesar de referidos documentos não serem obrigatórios, as emissoras terão
que apresentar as propostas e as justificativas aos seus investidores e futuros debenturistas e, de
maneira razoável, apresentar os maiores detalhes da oferta, para que lhes seja interessante
efetivar o investimento. Nesse caso, o custo efetivo da operação se torna variado, pois ainda
que não seja utilizada a ICVM 400 ou a ICVM 476, pela obrigatoriedade de prestação de
informações ao público em geral, em alguns casos as emissoras optam pela elaboração de
documentos mencionados nelas, quando, por exemplo, se tratar de uma operação sigilosa ou
houver restrição dos investidores ou do tamanho da oferta.
Assim como qualquer outro meio de financiamento, seja ele tradicional ou alternativo, as
distribuições públicas de valores mobiliários imprimem uma série de custos referentes à
listagem na bolsa de valores, à oferta e ao emissor171 quando se quer ter acesso à totalidade
desse segmento. Segundo a PricewaterhouseCoopers, ou PwC (2019), os custos de listagem na
B3, bolsa de valores brasileira, é de R$ 64.989,00 (sessenta e quatro mil novecentos e oitenta e
nove reais). Apesar de facilmente mitigados em uma oferta grande, custos como esses podem
afetar empresas de porte pequeno e médio172.
169
Como abordado na sessão anterior, não há qualquer impeditivo histórico, legislativo ou regulatório para a
emissão de debêntures por sociedades limitadas.
170
Ainda que haja a dispensa do registro da oferta e da emissão, algumas empresas optam por elaborar os mesmos
documentos da oferta e utilizar intermediários financeiros a fim de atrair os potenciais investidores, o que lhes
confere um custo proporcional.
171
As sociedades anônimas abertas devem suportar todos esses custos. As sociedades anônimas fechadas e as
sociedades limitadas, ao contrário, são dispensadas de alguns deles.
172
O custo da oferta é inversamente proporcional ao seu volume. Em ofertas maiores, o custo tende a ser menor,
109
A inscrição como emissor de valores mobiliários, por sua vez, imprime uma série de
custos, primeiro para que a sociedade se adeque ao regramento das sociedades anônimas, caso
não o seja. Para isso, é necessário que a sociedade suporte todos os custos necessários para a
manutenção da estrutura societária, inclusive os de governança corporativa173. Como mostra a
primeira sessão desta dissertação, algumas das despesas de estrutura societária são os custos
anuais e o custo da taxa de fiscalização, que segundo a PwC (2019) são de R$ 40.959,00
(quarenta mil novecentos e cinquenta e nove reais) e RS 12.692,00 (doze mil seiscentos e
noventa e dois reais), sem considerar os custos com publicações174. Dentre esses valores, veja-
se que não está incluído o custo do efetivo do registro na CVM.
A ICVM 480, ademais, requer uma série de documentos para a instrução do pedido de
registro da sociedade, conforme o anexo 3 da instrução (2009b). Veja-se que é necessário, por
exemplo, a elaboração de demonstrações financeiras referentes aos três exercícios sociais que
antecedem o pedido e de formulário de referência, documento que contém as principais
informações da sociedade empresária e do setor de atuação com fatores de risco e
gerenciamento interno, dados que podem interessar os shareholders e os stakeholders
ao passo que as ofertas menores tem um custo maior. A média é de 4 (quatro) a 6 (seis) por cento, mas esses índices
podem flutuar a depender das condições (MATTOS FILHO; PRADO; DUTRA; SANTOS, 2020a).
173
A B3 possui uma série de segmentos de listagem, como o novo mercado, o nível 1, o nível 2, o Bovespa mais
e o Bovespa mais nível 2. Todos eles requerem o cumprimento de padrões de governança corporativa, mas alguns
são mais brandos do que outros. Os padrões, destaca-se, são além das exigências já requeridas pela Lei das
Sociedades por Ações, a fim de que a sociedade tenha uma melhor relação com os seus shareholders e
stakeholders. Para isso, são adotados, por exemplo, a transparência, a prestação de contas confiável e o tratamento
igualitário entre os sócios ou acionistas (PIRES, 2018, p. 34). O novo mercado é o que requer os maiores níveis
de governança corporativa, servindo para as maiores empresas e que pretendem realizar as maiores ofertas
públicas, enquanto o Bovespa mais e o Bovespa mais nível dois são segmentos de acesso ao mercado de capitais
para que a sociedade possa, gradativamente, se preparar para adotar os demais padrões de governança enquanto
usufrui os benefícios de ser constituída como sociedade por ações (DELOITTE; B3, 2020, p. 27).
174
As publicações devem ser feitas, especialmente no que se refere a fatos relevantes sobre a empresa, mas a forma
como se realiza hoje, em jornais escritos e de grande circulação, oneram em demasia essa operação. Se a intenção
é apenas a de dar publicidade aos demonstrativos, por exemplo, bastaria uma publicação em meio virtual no sítio
da empresa.
110
(VERSIANI, 2020, p. 117). As primeiras devem seguir padrões contábeis seguros, e o segundo
importa um desafio para a sociedade que não possui níveis mínimos de governança e estrutura
societária bem delimitada, acarretando investimento elevado.
As distribuições públicas, a seu turno, seguem as ICVM 400 e ICVM 476. A primeira,
como é uma oferta destinada ao público em geral175, importa em um maior cuidado por parte
do Estado, por meio de sua autarquia responsável, a CVM (2003). Dessa maneira, os níveis de
disclouse devem ser bastante elevados, pois não há qualquer requisito de expertise técnica para
adquirir um valor mobiliário publicamente distribuído176. As condições, sejam elas favoráveis
ou desfavoráveis, ainda que com retornos maiores, devem estar bem explicitadas.
175
São classificados como atos de distribuições ao público em geral, nos termos do artigo 3° da ICVM 400 (2003):
I - a utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios, destinados ao público,
por qualquer meio ou forma; II - a procura, no todo ou em parte, de subscritores ou adquirentes indeterminados
para os valores mobiliários, mesmo que realizada através de comunicações padronizadas endereçadas a
destinatários individualmente identificados, por meio de empregados, representantes, agentes ou quaisquer pessoas
naturais ou jurídicas, integrantes ou não do sistema de distribuição de valores mobiliários, ou, ainda, se em
desconformidade com o previsto nesta Instrução, a consulta sobre a viabilidade da oferta ou a coleta de intenções
de investimento junto a subscritores ou adquirentes indeterminados; III - a negociação feita em loja, escritório ou
estabelecimento aberto ao público destinada, no todo ou em parte, a subscritores ou adquirentes indeterminados;
ou IV - a utilização de publicidade, oral ou escrita, cartas, anúncios, avisos, especialmente através de meios de
comunicação de massa ou eletrônicos (páginas ou documentos na rede mundial ou outras redes abertas de
computadores e correio eletrônico), entendendo-se como tal qualquer forma de comunicação dirigida ao público
em geral com o fim de promover, diretamente ou através de terceiros que atuem por conta do ofertante ou da
emissora, a subscrição ou alienação de valores mobiliários.
176
Pessoas físicas sem qualquer experiência pretérita com a seara de investimentos podem investir em ofertas
públicas. A facilidade de acesso direto, por meio de aplicativos e plataformas de investimento, cresce a cada dia,
e 2019 encerrou com mais de um milhão de investidores, em comparação com os 456.000 (quatrocentos e
cinquenta e seis mil) em 2007 (MATTOS FILHO; PRADO; DUTRA; SANTOS, 2020b).
111
O que é dispendido em uma oferta pública muitas vezes é irrelevante ou suprimido por
conta dos benefícios de gestão e organização na sociedade empresária em que são
implementados, especialmente no caso das maiores (MATTOS FILHO; PRADO; DUTRA;
SANTOS, 2020a). Acontece que esse efeito apenas ocorre quando se está diante de empresas
de grande porte que podem arcar com essas despesas. Sociedades menores, as pequenas e as
médias, sequer teriam a oportunidade de realizar uma distribuição pública, caso lhes fosse
permitido.
A média dos custos das ações via ICVM 400 é de 4% (quatro por cento) e 6% (seis por
cento), de maneira que em IPOs as comissões representam 3,6% (três vírgula seis por cento),
as taxas, 0,31% (zero vírgula trinta e um por cento), e os advogados e auditores, 0,64% (zero
vírgula sessenta e quatro por cento). Nas ofertas subsequentes, as comissões, taxas e advogados
ou auditores representam, respectivamente, 2,13% (dois vírgula treze por cento), 0,13% (zero
vírgula treze por cento) e 0,51% (zero vírgula cinquenta e um por cento) (MATTOS FILHO;
PRADO; DUTRA; SANTOS, 2020a).
dos artigos 2º e 3º, de maneira que se destinam a investidores profissionais com a procura de,
no máximo, 75 (setenta e cinco) deles com a subscrição até de 50 (cinquenta) (2009a).
Destaca-se, também, a rigidez imposta à negociação dos títulos emitidos via ICVM 476
e a formação do mercado secundário, conforme os artigos 13 a 15 (2009a). Sabe-se que a
liquidez das debêntures178, por exemplo, não é tão difundida quanto a das ações e que, na
verdade, a liquidez do mercado de dívida em geral é menor, fato que também limita o acesso
de sociedades de menor e médio porte no mercado de capitais. Uma das formas de mensurar a
liquidez é a quantidade de negócios diários do papel, mas fatores como custos de transação
urgência, profundidade, alcance e resiliência também devem ser considerados. Verificando a
negociação diária das debêntures entre janeiro de 2017 e maio de 2018, a média foi de 0,4 (zero
vírgula quatro) operações por dia por título (COMISSÃO DE VALORES MIBILIÁRIOS,
2019, p. 39 e 40).
Além dos custos e das questões regulatórias para a emissão de debêntures por sociedades
limitadas, outras questões também podem vir à tona, como a necessidade de manutenção de
uma estrutura de governança corporativa e a possibilidade de emissão de certos tipos de
debêntures, como as conversíveis. Veja-se que não há qualquer exigência para que as
177
Os custos com os intermediários da oferta são os mais elevados, uma vez que são responsáveis, dentre outros
aspectos, pela colocação, pela coordenação, pela garantia de liquidação e pelo incentivo dos valores mobiliários
(DELOITTE; B3, 2020, p. 15).
178
As debêntures são utilizadas como exemplo, pois são um instrumento que poderia ser utilizado pelas sociedades
limitadas em uma eventual distribuição pública com esforços restritos.
113
No que se refere aos tipos de debêntures que poderão ser emitidos por sociedades
limitadas, aborda-se as debêntures simples e as debêntures conversíveis. As debêntures simples
não comportam maiores discussões, pois são instrumentos tradicionais de captação de recursos
por dívida. O imbróglio surge quando se está diante de debêntures conversíveis, pois o
investidor poderia optar por convertê-la em participação societária e, assim, fazer parte do dia
a dia empresarial e da tomada de decisões.
Todas essas questões, se não bem pensadas e negociadas, poderiam colocar em risco o
negócio das sociedades limitadas, mas desde que bem explicitadas, não parece haver maiores
179
O termo governança corporativa muitas leva a crer que se está referindo a sociedades anônimas, por conta da
legislação norte americana e das grandes corporações. Dessa maneira, um de seus sinônimos e suas possibilidades
de uso é governança de empresas. Acontece que, pela difusão do termo, optou-se por utilizar o primeiro.
114
Do exposto, percebe-se que há uma vedação para a emissão pública de debêntures por
sociedades limitadas, uma vez que requer o registro da sociedade como anônima e uma série de
barreiras práticas para a distribuição privada e pública com esforços restritos de debêntures.
Acontece que os entraves práticos são, na maioria, relativos aos custos da emissão, o que não
impede que uma sociedade limitada de maior porte utilize de qualquer delas ou que uma menor
opte por suportá-los.
A opção pela manutenção da estrutura societária pode se dar por uma série de razões que
apenas cabe aos integrantes da atividade, como os custos para a manutenção da estrutura
societária, a intenção de permanecer com o controle da administração e da propriedade e o
regime informacional com alto grau de disclosure nas sociedades anônimas, por exemplo.
Ainda assim, a eles não podem ser impostas quaisquer barreiras para a emissão de debêntures
privadas ou públicas com esforços restritos. Se a sociedade limitada conseguir arcar com os
custos inerentes à emissão de debêntures, não lhes pode ser negada essa faculdade.
180
O interesse societário para emissão de debêntures conversíveis pode ser variado, inclusive oriundo de interesse
dos investidores. A conversibilidade das debêntures é uma das situações que mitiga o risco no investimento, uma
vez que os debenturistas podem vir a se tornarem quotistas. Dessa maneira, o custo de emissão e os juros
remuneratórios pagos serão menores.
115
que flutue entre os dois tipos societários, para que os benefícios das duas sejam utilizados. As
sociedades limitadas de grande porte estão cada vez mais próximas das sociedades anônimas
fechadas, de modo que há uma tendência para a criação de um regime híbrido181 no Brasil.
O regime conferido pela codificação civil às sociedades limitadas confere maior liberdade
aos seus sócios para dispor como a atividade será exercida da melhor maneira que lhes
interessar, inclusive com a possibilidade de ser elaborado acordo de sócios em separado 182 e
menores custos para sua manutenção. O regramento das sociedades limitadas seria ideal, se não
contasse com limitações que, por vezes, impedem a sociedade de ter um crescimento em escala.
Essas barreiras, em sua maioria, estão ligadas à falta de opções razoáveis de financiamento em
alguns estágios de seu desenvolvimento, mas também há limitações organizacionais, como
quóruns complexos e desarrazoados de deliberação, impossibilidade de alocação de alguns
direitos políticos e o regime básico que lhes regula derivar das sociedades simples183.
181
Esse regime híbrido não significa, necessariamente, a criação de um novo tipo societário, mas da flexibilização
das regras para as sociedades limitadas e para as sociedades por ações, de maneira que seja possível usufruir
benesses dos dois formatos.
182
O acordo de sócios é um negócio jurídico celebrado entre os integrantes da atividade empresária. Esse pacto
pode ter motivações distintas, para prever, por exemplo, disposições acerca da gestão da sociedade, proteção aos
sócios minoritários e prevenção de conflitos societários por meio de disposições de entendimento mútuo. Tais
previsões podem promover efeitos unilaterais, bilaterais ou plurilaterais, a depender do que for disposto, e são
plenamente viáveis nas sociedades limitadas. Eles podem estar sujeitos a algumas regras do artigo 118 da Lei
6.404/76, referente ao acordo de acionistas, mas as partes podem livremente pactuar o que melhor se adequar ao
seu negócio, desde que não contrarie a Lei (KUGLER, 2012, p. 272-275). Esse tipo de estratégia é interessante
para registrar pontos negociais estratégicos que muitas vezes só interessam aos sócios. As informações contidas
nos acordos entre os sócios muito facilmente poderiam caber no contrato social, mas por conta do regime de
publicidade desses atos, que são disponibilizados a terceiros nas Juntas Comerciais (BRASIL, 1994), fica a cargo
dos sócios a melhor estratégia para utilizá-los ou não.
183
O Código Civil de 2002 optou por estabelecer um regime de sociedades simples e estruturar os demais tipos
societários a partir dele. Inclusive, diversos dispositivos atinentes às sociedades limitadas fazem referência a
disposições das sociedades simples (PITTA, 2013a, p. 517) o que pode causar confusão em assuntos como retirada
imotivada de sócio, por exemplo.
184
A Lei 6.385/76 (BRASIL, 1976a) disciplina o rol dos valores mobiliários em seu artigo 2º. Dentre os que estão
nela dispostos, as sociedades limitadas podem, por exemplo, emitir notas promissórias, nos termos da ICVM 566
(BRASIL, 2015). Veja-se que às limitadas é conferido acesso ao mercado de capitais, mas a forma como ele é
conferido é que não parece ser suficiente.
116
185
A plenitude de acesso ao mercado de capitais apenas é disponibilizada às sociedades anônimas abertas.
Inclusive, o acesso irrestrito apenas ocorre quando são adotados altos padrões de governança corporativa e a
empresa é listada no segmento de novo mercado na B3.
186
As sociedades anônimas devem manter assembleia, diretoria, conselho de administração e conselho fiscal. As
fechadas poderão, a seu turno, não manter em funcionamento o conselho fiscal, que somente será instalado a
pedido de seus acionistas (BRASIL, 1976b).
187
Além dos valores de registro na CVM, a sociedade anônima aberta deve arcar com R$ 67.179,48 (sessenta e
sete mil cento e setenta e nove reais e quarenta e oito centavos) para se listar na B3 e, caso queira se registrar como
emissor de valores mobiliários ou registrar a oferta de valores mobiliários, deve pensar nos custos inerentes às
ICVM 400, ICVM 476 e ICVM 480, que são bem elevados (DELOITE; B3, 2020, p. 31).
117
entrada na bolsa, de acesso ao mercado, e contam com especificações distintas, exigências mais
brandas, desconto na taxa de listagem e possibilidade de adiamento da oferta pública inicial de
ações por até sete anos, por exemplo (B3, 2020).
O mercado de acesso brasileiro, que é composto por Bovespa mais e Bovespa mais nível
dois, contudo, não é bem desenvolvido e possui poucas empresas listadas188. Além das regras
de funcionamento desses segmentos, esse mercado não é bem desenvolvido no País, tendo em
vista a excessiva intervenção estatal no Direito Societário, por meio da Lei das Sociedades por
Ações e das instruções normativas da Comissão de Valores Mobiliários, motivo pelo qual há
propostas de revisão dele inspiradas no AIM (VERSIANI, 2020, p. 39).
A LSA, nesse sentido, impõe a existência de quatro órgãos societários, ainda que o
conselho fiscal seja facultativo nas sociedades fechadas. Além disso, a própria lei estipula as
funções de cada um deles, sem possibilidade de disposição pelos acionistas. As sociedades
anônimas não podem, também, emitir ações preferenciais sem direito a voto além do quantum
permitido pela lei189, dispor sobre o voto plural ou definir classes distintas para as ações
ordinárias. A legislação também intervém no regime de distribuição de resultados quando, no
artigo 202 da LSA, impõe a distribuição de dividendos obrigatórios190 (VERSIANI, 2020, p.
140, 143 e 150).
188
Até janeiro de 2021, a B3 contava com 15 (quinze) empresas listadas no Bovespa Mais e apenas 2 (duas)
listadas no Bovespa mais nível 2 (B3, 2021).
189
Nos termos do § 2º do artigo 15, segue: “O número de ações preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a
restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% (cinqüenta por cento) do total das ações emitidas”
(BRASIL, 1976b). Quando da criação das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, ainda em 1919,
com o Decreto 3.708/1919, a possibilidade de quotas preferenciais com supressão do direito a voto eram
plenamente ajustáveis no regramento societário. Acontece que em 2002, com a promulgação do Código Civil, o
instituto das limitadas foi completamente engessado, suprimindo aquele permissivo (PARENTONI; MIRANDA,
2016, p. 728-729). Em 2020, enfim, o DREI editou a IN 81 (2020b), que permite a estipulação de quotas
preferenciais com supressão do direito de voto quando houver a previsão, no contrato social, da regência supletiva
da Lei das Sociedades por Ações nas limitadas, mas elas também devem respeito ao disposto no artigo 15 da LSA
(BRASIL, 2020b), ou seja, também contam com a aludida limitação.
190
O referido artigo dispõe, em seu caput, que: “Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório,
em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada
de acordo com as seguintes normas” (BRASIL, 1976b).
118
O regime informacional das sociedades anônimas prevê um alto grau de disclosure, com
muitas informações e em tempo relativamente curto. Essas exigências são razoáveis quando o
custo do emissor para produzi-las se mostra inferior aos custos dos investidores para obtê-las191.
Os custos podem ser diretos, quando decorrem da elaboração dos documentos obrigatórios e da
verificação dessas informações, ou indiretos, na situação em que não podem ser mensurados,
pois decorrem de divulgação de informações sensíveis que podem acarretar desvantagem
competitiva ou desincentivo à inovação (PITTA, 2013b, p. 147-148)
É por conta dessas disposições que VERSIANI (2020, p. 134) e PITTA (2013b, p. 148),
defendem que a LSA poderá ser flexibilizada para melhor se adequar às sociedades de pequeno
e médio porte192. A flexibilização das exigências legais e regulatórias constituem importantes
ferramentas para balanceamento dos custos e seguem a tendência dos mercados mais
desenvolvidos. Uma das modificações já implementadas pela legislação foi a alteração da
redação original do artigo 294 para permitir uma redução nas despesas de companhias fechadas
com patrimônio líquido até R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e até 20 (vinte) acionistas
(1976b).
Um outro importante ponto a ser mencionado acerca das sociedades por ações, e que
parece não conter nenhuma razoabilidade, é a impossibilidade de usufruírem o regime tributário
simplificado e favorecido da Lei Complementar 123/2006, nos termos do seu artigo 3º, § 4º,
X193 (BRASIL, 2006). Referido dispositivo impede que as sociedades anônimas sejam
enquadradas como microempresas e empresas de pequeno porte. Não há nenhum fundamento
jurídico que justifique a presente imposição. Inclusive, a experiência estrangeira do AIM e do
JOBS Act já demonstra que sociedades de maior porte podem ser classificadas como empresas
em crescimento.
É com vistas a essas limitações que foram propostas alterações na Lei das Sociedades por
Ações, a exemplo do Projeto de Lei 4.303/2012 (BRASIL, 2012a), para criar e disciplinar a
sociedade anônima simplificada (SAS); da Medida Provisória 881/2019 (BRASIL, 2019e) e do
Projeto de Lei 146/2019 (BRASIL, 2019a), o marco legal das startups. Todas essas iniciativas
191
Na maior parte das vezes, o custo do emissor é maior, de maneira que o regime informacional se mostra
desarrazoado.
192
Dentre as flexibilizações, são abordadas questões no tocante a alocação de direitos políticos e econômicos,
regime de destinação de resultados e estrutura decisória e administrativa (VERSIANI, 2020, p. 135).
193
Veja-se o que dispositivo elucida: “[...] § 4º Não poderá se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado
previsto nesta Lei Complementar, incluído o regime de que trata o art. 12 desta Lei Complementar, para nenhum
efeito legal, a pessoa jurídica: [...] X - constituída sob a forma de sociedade por ações” (BRASIL, 2006).
119
visam, de alguma maneira, a abrandar os custos para que empresas de pequeno e médio porte
possam se constituir como sociedades anônimas194.
O Projeto de Lei 146/2019, a seu turno, também propôs alteração na LSA via inclusão de
um artigo 294-A, mas com a seguinte redação: “É facultado à sociedade anônima, cuja receita
bruta anual esteja dentro dos limites estabelecidos na no art. 3º, da Lei Complementar nº 123,
de 14 de dezembro de 2006, constituir-se sob regime especial da sociedade anônima
simplificada (SAS) ou a ele aderir a qualquer tempo”. O presente PL foi aprovado na Câmara
dos Deputados em dezembro de 2020 e aguarda manifestações do Senado Federal (BRASIL,
2019a).
194
A implementação das sociedades anônimas simplificadas não constitui a criação de um novo tipo societário,
mas apenas do abrandamento de algumas normas para favorecer o ingresso de pequenos e médios negócios como
sociedades anônimas.
195
Uma das motivações para rejeitar essa iniciativa foi a conferência de poderes em demasia para que a Comissão
de Valores Mobiliários dispensasse as exigências legais, uma vez que tal prerrogativa deveria ficar a cargo do
legislador, ainda que a CVM pudesse emitir novos posicionamentos regulatórios.
196
Dentre as maiores inovações que o projeto abrange, destacam-se: (a) o regime de sociedade anônima
simplificada quando o patrimônio líquido da companhia for inferior a R$ 48.000.000,00 (quarenta e oito milhões
120
de reais); (b) a constituição de sociedade anônima unipessoal; (c) a possibilidade de voto à distância na assembleia
geral; (d) a composição simples ou plural da diretoria; (d) a remoção da restrição contida no artigo 3º, §4º, X, da
Lei Complementar 123/2006 (BRASIL, 2012b).
121
e médio porte não pode ter apenas uma via, e a conferência da possibilidade de capitalização
para as sociedades limitadas via emissão de debêntures não esbarra em nenhuma dessas outras
iniciativas.
Até aqui não se viu nenhuma limitação, como se disse, do ponto de vista histórico,
legislativo ou regulatório para que as sociedades limitadas possam emitir debêntures. Diversos
caminhos podem ser traçados, mas não se excluindo possibilidades convergentes, como a
simplificação do regime das Sociedades por Ações e a emissão de debêntures por sociedades
limitadas. Em verdade, o acesso ao mercado de capitais, ou aos instrumentos próprios do
mercado de capitais, ainda que sejam acessados fora desse ambiente, são fundamentais para o
desenvolvimento do País, independentemente do tipo societário que se esteja dele utilizando.
O regime jurídico das limitadas, portanto, apesar de conferir mais liberdade às sociedades
que assim se constituem, não o faz de maneira plena. Acontece que elas ainda são bastante
utilizadas em razão do baixo custo de manutenção, em contraponto às sociedades por ações,
que demandam custos elevados, desde a sua constituição até a inscrição como emissora de
valores mobiliários, a manutenção e as publicações, como já explicitado. Além disso, as
sociedades limitadas contam com uma liberdade muito maior no que diz respeito às normas de
disclosure, de maneira que não precisam divulgar todas as suas informações a terceiros
interessados, o que pode ser extremamente interessante quando se fala de startups, por exemplo.
Em casos como esse a divulgação da informação pode ter um custo indireto muito maior do que
o custo direto de divulgá-la.
122
Entre a teoria e a prática, por sua vez, verifica-se um gap: as sociedades mais utilizadas
no País ainda têm problema de acesso ao crédito. Dentre as alternativas há caminhos no sentido
de flexibilizar as normas das sociedades por ações para que as sociedades limitadas mais bem
desenvolvidas possam se transpor para esse regime e, assim, acessar o mercado de capitais.
Nesse sentido, ainda há esperança para as sociedades limitadas?
De fato, há inúmeras tentativas de solucionar o problema do crédito, mas como este ainda
enfrenta dificuldades, deve-se propor soluções mais palpáveis, especialmente à sociedade
limitada, que, além de contar com o regime mais simples para constituição que permite a
limitação da responsabilidade dos integrantes, é o tipo societário mais utilizado e que pode
englobar todos os estágios de desenvolvimento de uma atividade. Merecem destaque alterações
sensíveis que ainda devem ser feitas próprias a essa estrutura societária197, que estão sendo
objeto de debate no PLS 487/2013, o novo Código Comercial, para modernizar as sociedades
limitadas e lhes devolver o caráter eminentemente contratual (CAMINHA, 2019, p. 610-611).
O foco do presente trabalho, por sua vez, é lhes conceder uma nova esperança por meio da
emissão de debêntures.
Para que se confira a emissão de debêntures por sociedades limitadas, não seria necessária
nenhuma alteração legislativa ou mesmo regulatória, em se tratando de distribuição privada.
Acontece que, como mencionado no começo do presente capítulo, essa ausência de previsão
expressa fez que houvesse posicionamentos no sentido de coibir essa prática, especialmente
pelas Juntas Comerciais dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro198. Nesse sentido, é
possível que se altere esse entendimento por alguns caminhos.
A primeira forma de alterar o proibitivo hoje existente é com uma alteração legislativa
inserindo a possibilidade para que as sociedades limitadas possam emitir debêntures, como há
cinco iniciativas nesse sentido. Nesse caso, porém, o recomendável é que sejam prescritas as
normas atinentes às debêntures que serão aplicáveis a esse tipo societário. Apesar de prescindir
de qualquer norma, por se tratar, mais uma vez, de Direito Privado, ao fazê-lo, faz bem o
legislador explicitar quais os requisitos para que essa distribuição ocorra.
O certo é que não há uma distinção evidente entre o que seria uma distribuição pública
197
A sociedade limitada, frise-se, é o tipo societário mais utilizado no País, mas o regramento inerente a elas
previsto no Código Civil é extremamente engessado no que se refere a alocação de direitos políticos, aos quóruns
de deliberação, à estrutura organizacional e ao direito de retirada dos sócios, por exemplo.
198
Destaque-se que são posicionamentos completamente desmedidos, uma vez que não compete às Juntas
Comerciais ingressar na análise de mérito sobre o presente tema.
123
ou uma distribuição privada, mas se coloca nesse bojo aquelas em que não houve nenhum
esforço público, seja de divulgação ou de busca, por investidores, caso em que a própria
emissora busca as pessoas físicas ou jurídicas que podem ter interesse na aquisição do título
(BORBA, 2005, p. 112). No caso dessa modalidade de distribuição, diversas normas atinentes
às sociedades por ações podem a elas ser aplicadas. Nesse caso é que deve atentar o legislador,
pois se não forem insertas cláusulas específicas sobre a aplicação das normas das sociedades
anônimas para as sociedades limitadas, pode-se limitar a aplicação desse regramento apenas
àquelas que possuem a regência supletiva pela Lei das Sociedades por Ações, o que não é o
objetivo.
De toda maneira, veja-se que são compatíveis com esse regime as disposições gerais no
que concerne a classificação e espécies, emissões e séries, bem como vencimento, amortização
e resgate. Os tipos de juros que podem ser estabelecidos também estão em conformidade com
o regime das sociedades por ações e as disposições acerca da assembleia de debenturistas, pois
continuam as debêntures sendo classificadas como título de dívida em série em que os
investidores, no caso os debenturistas, possuem interesses em comum. Sobre isso, veja-se que
é prescindível a figura do agente fiduciário nessas ofertas, mas em caso de as partes optarem
por inseri-lo199, as disposições da LSA também lhe são compatíveis.
No que se refere à competência, por sua vez, a despeito de a sociedade anônima prever
uma competência privativa da assembleia geral extraordinária para deliberar sobre a emissão
ou a possibilidade de o conselho de administração realizá-la, nas sociedades limitadas deve-se
ter uma maior flexibilidade para não engessar ainda mais esse instituto. Dessa maneira, pode-
se deliberar por essa emissão nas assembleias ou mesmo em reuniões, a depender do número
199
Na prática a opção pela inserção ou não de um agente fiduciário nas ofertas privadas vai depender da quantidade
de debenturistas, uma vez que para poucos debenturistas não é necessário um agente para atuar em nome deles
para representar esses interesses em comum. Quando há muitos investidores, a seu turno, é até recomendável que
haja uma pessoa representando os seus interesses em comum.
124
de sócios e observando os quóruns, ainda que desmedidos, da própria codificação civil no que
se refere às limitadas.
O registro da assembleia ou da reunião que deliberar por essa emissão deve ser registrado
na Junta Comercial do estado em que a empresa for registrada, bem como a escritura de emissão
das debêntures, para conferir publicidade a ela e constituição de garantias, quando for o caso.
Veja-se que no caso de subscrição das debêntures não há direito de preferência para os sócios
a adquirem, a menos que sejam debêntures conversíveis em quotas, caso em que deve ser
conferido preferência aos sócios200 no momento da emissão e não da conversão (PITTA, 2013a,
p. 523).
Além disso, para que a sociedade limitada emita debêntures privadas, ela deve conter os
livros de registro de debêntures nominativas e de transferência de debêntures nominativas.
Como se trata de debêntures privadas, ainda, é vedada a sua negociação em mercados
regulamentados ou não. Findo o prazo das debêntures as disposições referentes à sua extinção
na LSA também são compatíveis com as sociedades limitadas, devendo elas manter as
anotações por um prazo de 5 (cinco) anos para evitar danos.
A outra forma de alterar o proibitivo hoje existente é por meio do Departamento Nacional
de Registro Empresarial e Integração (DREI). Veja-se que o posicionamento das Juntas
Comerciais não possui caráter vinculante e sequer era para se manter, uma vez que extrapolou
200
Como os sócios possuem preferência para participar do aumento de capital da sociedade na proporção de suas
quotas, nos termos do artigo 1.081, § 1º, do Código Civil, o direito de preferência para adquirir debêntures que
podem ser convertidas em quotas da sociedade e, consequentemente, reverberar em um aumento do capital social
é uma decorrência lógica do seu direito de preferência para adquirir debêntures que podem ser convertidas em
quotas (BRASIL, 2002).
201
Nesse caso as debêntures conversíveis em quotas apenas seriam viáveis em distribuições privadas. No caso das
distribuições públicas com esforços restritos ainda há vedação por parte da ICVM 476, uma vez que há necessidade
de registro da sociedade como anônima (PITTA, 2013a, p. 529).
125
os limites legais que a elas incumbe (BRASIL, 1994). Nesse sentido, o DREI, a quem as Juntas
Comerciais estão tecnicamente subordinadas, teria três opções, em primeiro lugar apenas emitir
nota circular com orientações para que as Juntas Comerciais possam arquivar as atas de
assembleias ou reuniões que deliberarem sobre a emissão de debêntures, alterar a Instrução
Normativa 81 para inserir a possibilidade de emissão de debêntures por limitadas ou mesmo
elaborar uma nova Instrução Normativa prevendo que as sociedades limitadas possam emitir
debêntures, assim como o fez quando disciplinou as quotas preferenciais nas sociedades
limitadas (BRASIL, 2020b).
Em relação à alteração da IN 81 veja-se que, no anexo IV, que trata do manual de registro
das sociedades limitadas, há a previsão de cláusulas facultativas, no tópico 5. O ponto 5,3, por
sua vez, aborda a regência supletiva da Lei das Sociedades por Ações para as sociedades
limitadas, que, inclusive foi o que inseriu a previsão das quotas preferenciais nesse tipo
societário no ponto 5.3.1. Assim como foi feita essa alteração, é possível revisitar essa IN para
inserir a possibilidade de emissão de debêntures como uma das cláusulas facultativas nas
limitadas (BRASIL, 2020b).
No que se refere às debêntures públicas distribuídas com esforços restritos para captação
de recursos, por sua vez, também não seria necessária nenhuma alteração na legislação ou
mesmo nas Instruções vigentes da Comissão de Valores Mobiliários. Como esse também não é
o entendimento que prevalece, devem ser oferecidos alguns apontamentos. O acesso das
sociedades limitadas ao mercado de capitais, a princípio, já é conferido, como se pode verificar
o caso das notas promissórias. Como as notas promissórias e as debêntures possuem natureza e
função semelhante parece até contraditório permitir a emissão de uma e não da outra (PITTA,
2013a, p. 528).
Quando houve a edição da ICVM 476, a intenção do regulador não foi a de coibir o acesso
a essas sociedades, mas sim de prestigiá-las, inclusive com consulta ao público (PITTA, 2013a,
p. 528). A flexibilização das normas para acesso ao mercado de capitais permitiu que o
regulador visse que os custos mais prejudicavam do que privilegiavam o desenvolvimento do
mercado (VEIGA; OIOLI, 2013, p. 643). Acontece que essa Instrução não teve o efeito que
pretendeu, pois diante do regramento imposto ela continua sendo extremamente dispendiosa
para as sociedades, de modo que, na prática, pode inviabilizar o acesso das sociedades ao
mercado de capitais.
126
Veja-se que essa nova instrução pode e deve considerar os custos direitos e indiretos do
regime de disclousure para essas sociedades. Pode conter restrições no que se refere ao público
da oferta, mas provavelmente mais brandas do que a ICVM 476, uma vez que esta impôs uma
série de gravames qualitativos e quantitativos para os investidores que não são razoáveis do
ponto de vista sistêmico e não existem no Direito Comparado, nos seus institutos semelhantes.
Diversos pontos previstos na ICVM 476, apontados no tópico 3.4, ademais, podem ser
dispensados nessa nova Instrução, como a divulgação de informações semelhantes ao
prospecto, para que o encargo seja menor para essas sociedades e a intermediação da operação
por integrante do sistema de valores mobiliários, que onera demais a oferta.
Pode, ainda, prever a Comissão de Valores Mobiliários uma forma específica para a
elaboração de demonstrações financeiras dessas sociedades, para que as informações sejam
divulgadas de maneira padronizada. Por fim, merece destaque a negociação desses valores em
mercados regulamentados, uma vez que não há que se proibir a negociação desses valores no
mercado secundário, nem por certos tipos de investidores, nem por prazos específicos202. A
intenção do regulador pode ter sido razoável para proteger os investidores, mas não justifica o
ônus que é o de menor liquidez desses papéis e menor crescimento para o mercado de capitais,
inibindo o próprio desenvolvimento nacional. O caminho para o desenvolvimento do País, com
pleno acesso aos meios de financiamento e formas de organização societária, é desburocratizar
o acesso ao capital (VEIGA; OIOLI, 2013, p. 662).
202
Nos termos da ICVM 476 deve-se aguardar um prazo de 90 (noventa) dias para negociar os valores mobiliários
emitidos nos moldes dessa instrução e somente investidores qualificados é que podem negociá-los nos mercados
de balcão organizado e não organizado (BRASIL, 2009a).
127
CONCLUSÃO
O mercado de capitais, por sua vez, é destinado à captação pública e está ligado
normalmente a grandes empreendimentos, mas seus instrumentos podem ser utilizados na
modalidade privada e podem ser distribuídos publicamente, com esforços restritos. Destaca-se
que há um gap de financiamento no País, pois em alguns estágios do negócio simplesmente não
há alternativas adequadas para o pleno desenvolvimento da atividade negocial.
Sendo assim, para estudar a situação societária brasileira foi imperioso analisar a
legislação estrangeira, especialmente de países como Inglaterra, Estados Unidos, Itália, França
e Portugal, para observar os caminhos que estão sendo percorridos a fim de solucionar seus
129
problemas, que já são conhecidos naqueles países. Veja-se que a análise do ecossistema
societário deles mostrou que há dificuldades semelhantes às brasileiras nessa seara de promoção
de desenvolvimento aos pequenos negócios. Iniciativas que visam a estimular o crescimento de
MPEs e de startups, reduzindo os ônus a elas impostos, sejam regulatórios, sejam de
disclousure, são fundamentais para o desenvolvimento das atividades, mas conferir acesso,
ainda que privado, para modalidades de funding já existentes e amplamente consolidadas, não
pode ser deixado de lado.
No Brasil, a seu turno, ainda que não haja qualquer impeditivo teórico (histórico,
legislativo ou regulatório), a cultura restritiva impera, e não há, na atualidade, permissivo para
que as limitadas emitam debêntures. O posicionamento atual emana de decisões em sede das
Juntas Comerciais dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, ambos de 2012. Acontece que as
decisões, caso passem pelo filtro da legislação atual, como a Lei da Liberdade Econômica, não
subsistem, pois não se pode emitir decisões que importem em ônus para as sociedades sem uma
justificativa razoável, ou que violem a autonomia da vontade, que ocupa posição de destaque
no Direito Privado.
Ainda assim, com vias a disciplinar a matéria e trazê-la de uma maneira mais direita e
simplificada, há cinco Projetos de Lei que abordam a emissão de debêntures por sociedades
limitadas. O mais recente, e mais completo, deles é o PL 3.324/2020, que conta com uma série
de disposições específicas inerentes a esse permissivo, enquanto outros apenas o indicavam. A
130
aprovação de qualquer desses Projetos de Lei, ressalte-se, traria enormes benefícios para as
limitadas, uma vez que elas enfim teriam uma nova esperança para o seu financiamento.
Contudo, o que se quer expressar é que nenhum deles é, de fato, necessário para que essa
faculdade seja concedida às limitadas.
A pesquisa realizada possui limitação em relação às fontes bibliográficas, já que não foi
possível o acesso a alguns livros e documentos jurídicos, em decorrência da crise sanitária e
pandêmica oriunda do SARS-COV-2 (novo coronavírus) e das barreiras físicas que emergiram.
Acredita-se, todavia, que os documentos, os livros, os artigos científicos e a legislação
indicados foram suficientes para a tratativa da matéria e para a construção da linha teórica
pretendida para conferir viés aplicado ao estudo.
Diante do objetivo geral da investigação, que foi analisar a viabilidade jurídica para a
emissão de debêntures por sociedades limitadas no ordenamento jurídico brasileiro, a conclusão
se deu pelo seu permissivo, pois não há entraves históricos, legislativos ou regulatórios para
essa emissão, nos casos da distribuição privada e da pública com esforços restritos, mas apenas
práticos. As debêntures surgiram como instrumentos de financiamento, não como instrumentos
de financiamento para as sociedades anônimas. No Brasil, a codificação privada não limita o
regramento das debêntures, e na seara regulatória não há nenhuma Instrução da CVM ou
Instrução Normativa do DREI que discipline impeditivo para elas. As barreiras práticas, a seu
turno, existem, mas estão ligadas principalmente aos custos inerentes a uma distribuição de
debêntures que requerem, por exemplo, elevado nível de disclousure, sejam elas púbicas com
esforços restritos, sejam elas privadas.
A hipótese inicial, de que não há qualquer entrave, teórico ou prático, para que as
limitadas possam emitir debêntures, dessa maneira, restou parcialmente confirmada. Não há
131
entraves teóricos, mas os práticos ainda existem, ainda que não constituam impeditivo.
Destaque-se que, apesar dos custos, se uma sociedade limitada deliberar pela emissão e pela
distribuição pública com esforços restritos de debêntures, aceitando suportar os ônus a ela
inerentes, por exemplo, essas barreiras deixam de existir. De toda forma, a limitação a essa
modalidade de distribuição se elucida com frequência, pois as sociedades limitadas são, em sua
maioria, pequenos e médios empreendimentos, de modo que aquela barreira se mostra real,
ainda que não deva justificar um impedimento categórico.
Deve-se, por fim, instigar estudos mais aprofundados sobre as sociedades anônimas
simplificadas e o seu regramento, pois nos ditames dispostos no Projeto de Lei em tramite no
Congresso Nacional, elas não constituem alternativas viáveis ao problema do crédito. Além
disso, estudos de caso na matéria de financiamento societário, com sociedades limitadas que
passaram por diversos estágios de evolução e sociedades anônimas de menor porte, parecem
contribuição importante para que os custos sejam bem desenhados, além de análise empírica
acerca do custo para financiamento de empresas via títulos de dívida em sociedades de menor
porte ou startups. O enfoque deverá ser dado para os entraves práticos e os custos que poderiam
facilmente ser dispensados, dado todo o ecossistema das finanças corporativas e o regime de
divulgação de informações.
132
REFERÊNCIAS
ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 17. ed. São Paulo: Saraiva educação, 2018.
ABRÃO, Nelson. Sociedades limitadas. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
ALMEIDA, Carolina Amaral de; BAZILIO, Juliana Kramer. Liquidez do mercado secundário
de debêntures: dinâmica recente, fatores determinantes e iniciativas. Revista do BNDES, Rio
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