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Faculdade de Direito
Mestrado em Direito
São Paulo
2015
DEBORAH FONSECA FERNANDES
MESTRADO EM DIREITO
São Paulo
2015
FERNANDES, Deborah Fonseca.
Os fundamentos da teoria do abuso do direito. / Deborah Fonseca Fernandes. –
São Paulo: PUC, 2015.
201p.; 29,7cm.
Orientadora: Odete Novais Carneiro Queiroz.
Trabalho de conclusão de curso (Dissertação de Mestrado) – Faculdade de Direito
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2015.
Banca Examinadora
O presente trabalho foi realizado com apoio do
CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico - Brasil
Processo nº 133443/2015-9
DEDICO este trabalho à minha mãe Andréa, pelo carinho incondicional, por
estar sempre ao meu lado e se entusiasmar com o meu entusiasmo. Por ser meu porto seguro e
maior conforto e por confiar em mim em todas as minhas escolhas.
Para o meu pai Paulo, por se interessar pelos assuntos do direito, mesmo não
sendo da área, e questionar cada termo não compreendido, por me apoiar e se orgulhar tanto
de mim e por ser o amor da minha vida.
Para a minha grande irmã Nathalia, quem me inspira segurança e ao mesmo
tempo mostra que arriscar pode tornar a obra – e a vida - mais interessante. Para ela que,
como caçula, sempre será preocupação e orgulho constantes.
Ao Fernando, por tudo!
E para toda minha família e amigos que estiveram comigo nessa interessante
jornada de muito aprendizado e constante crescimento, com momentos de grandes
descobertas e de muito trabalho, pois me ajudaram a manter a calma e a paciência necessárias.
AGRADEÇO ao Professor Adriano Ferriani por ter me auxiliado a conquistar
esse título ao ser meu professor de Direito Civil na Graduação da querida Pontifícia
Universidade Católica, além de ter me guiado para a concretização desse sonho.
À Professora Orientadora Odete Novais Carneiro Queiroz, por seu carinho e
paciência.
Agradeço, por fim, aos meus amigos que participaram dessa jornada e que
discutiram os assuntos comigo, tornando o tema ainda mais interessante e rico.
A lei há de ser honesta, justa, possível, natural,
conforme aos costumes pátrios, conveniente ao lugar
e ao tempo, necessária, útil e também clara, de modo
a não iludir pela obscuridade; escrita não para a
utilidade privada, mas para a utilidade comum dos
cidadãos.
ISIDORO DE SEVILHA
RESUMO
The purpose of this work is to present the elements that structure the theory of abuse of right
in the current Brazilian law from the analysis of the expressions contained in article 187
of the Civil Code of 2002, that is, what is Law and right, the object of abuse, good faith,
morality and the social and economic role of right, which are expressed limits imposed
by law. In addition, there are, briefly, the historical development of the theory, the doctrinal
currents on the subject and its design in Portuguese civil law. It sought through research
in national and foreign doctrines clarify the contents of vague terms used for
the characterization of the abuse of rights theory and the difficulties to accept it because
of the apparent conformation behavior with a subjective right prescribed by law. Through
the doctrinal and jurisprudential study presents the foundations of theory and its practical
importance for solving social disputes. Thus, it can be seen that the theory is not merely ideal,
but with relevance to be effective, in some cases, the only tool able to facilitate the restoration
of the legal relationship to that expected by law.
Keywords: Abuse. Good faith. Good manners. Right. Exercise. Economic and social function.
Foundations. Limits.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 13
1 NOÇÕES DE TEORIA GERAL DO DIREITO ................................................................... 15
1. 1 CONCEITO DE DIREITO ............................................................................................................. 15
1. 2 NORMAS JURÍDICAS .................................................................................................................. 19
1. 3 DIREITO, JUSTIÇA E MORAL .................................................................................................... 21
1. 4 MOMENTOS HISTÓRICOS .......................................................................................................... 29
1. 5 DA PREVISÃO AO EXERCÍCIO DE POSIÇÕES JURÍDICAS ........................................................... 32
1. 5. 1 DIREITO OBJETIVO ................................................................................................................... 33
1. 5. 2 DIREITO SUBJETIVO ................................................................................................................. 36
1. 5. 3 SITUAÇÕES E RELAÇÕES JURÍDICAS........................................................................................ 41
1. 6 FATOS JURÍDICOS ..................................................................................................................... 43
1. 6. 1 ALGUMAS CLASSIFICAÇÕES DOUTRINÁRIAS ........................................................................... 48
1. 6. 2 ATOS JURÍDICOS ....................................................................................................................... 51
1. 6. 3 NEGÓCIOS JURÍDICOS............................................................................................................... 53
1. 6. 4 ATOS LÍCITOS E ATOS ILÍCITOS ............................................................................................... 56
2 A TEORIA DO ABUSO DO DIREITO ................................................................................. 62
2. 1 NOMENCLATURA E UTILIDADE DA TEORIA .............................................................................. 63
2. 2 ESCORÇO HISTÓRICO ............................................................................................................... 69
2. 2. 1 DIREITO ROMANO..................................................................................................................... 70
2. 2. 2 DIREITO MEDIEVAL .................................................................................................................. 74
2. 2. 3 DIREITO MUÇULMANO ............................................................................................................. 75
2. 2. 4 DIREITO MODERNO E CONTEMPORÂNEO ................................................................................. 76
2. 2. 4. 1 FRANÇA ..................................................................................................................................... 77
2. 2. 4. 2 ALEMANHA ............................................................................................................................... 79
2. 2. 4. 3 GRÉCIA ..................................................................................................................................... 80
2. 2. 4. 4 ITÁLIA ....................................................................................................................................... 81
2. 2. 4. 5 BRASIL ...................................................................................................................................... 82
2. 3 O CONCEITO DE ABUSO DO DIREITO ........................................................................................ 84
2. 4 CORRENTES DOUTRINÁRIAS..................................................................................................... 89
2. 4. 1 CORRENTE SUBJETIVA ............................................................................................................. 90
2. 4. 2 CORRENTE OBJETIVA ............................................................................................................... 93
2. 4. 3 CORRENTE FINALISTA .............................................................................................................. 96
2. 4. 4 OUTRAS POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS .......................................................................................... 98
2. 5 NATUREZA JURÍDICA ................................................................................................................ 99
2. 5. 1 ATO ILÍCITO.............................................................................................................................. 99
2. 5. 1. 1 CASOS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE ....................................................................................... 102
2. 5. 2 ATO LÍCITO ............................................................................................................................. 109
2. 5. 3 ATO SUI GENERIS .................................................................................................................... 110
2. 6 FIGURAS AFINS........................................................................................................................ 112
2. 6. 1 ‘AEMULATIO’ ......................................................................................................................... 113
2. 6. 2 ‘VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM’.................................................................................. 113
2. 6. 3 ‘EXCEPTIO DOLI’ .................................................................................................................... 113
2. 6. 4 ‘SUPPRESSIO’, ‘SURRECTIO’ E ‘TU QUOQUE’ ........................................................................ 114
3 FUNDAMENTOS DA TEORIA DO ABUSO DO DIREITO ............................................. 115
3. 1 MUDANÇAS NO MÉTODO DE LEGISLAR E O PENSAMENTO SISTEMÁTICO.............................. 116
3. 2 PRINCÍPIOS ............................................................................................................................. 122
3. 3 CLÁUSULAS GERAIS ................................................................................................................ 129
3. 4 CONCEITOS INDETERMINADOS .............................................................................................. 132
3. 5 ETICIDADE, SOCIALIDADE E OPERABILIDADE E O ABUSO DO DIREITO ................................ 133
3. 6 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ COMO LIMITADOR AO EXERCÍCIO DE DIREITOS ............................... 138
3. 7 OS BONS COSTUMES COMO BALIZA AO EXERCÍCIO DOS DIREITOS ....................................... 150
3. 8 A FINALIDADE DO DIREITO: OS FINS SOCIAIS E ECONÔMICOS COMO LIMITADORES AO
EXERCÍCIO DOS DIREITOS ................................................................................................................................... 154
Isto não significa dizer que apenas a partir deste momento é que a teoria
do abuso do direito passou a existir. Como será visto, a doutrina aponta desde o Direito
Romano traços das ideias que constituem a teoria, mas a sua reflexão científica ocorreu
no século XIX e a partir de então foi objeto de estudo pelos doutrinadores, com a criação
de correntes divergentes.
13
A partir disso, o segundo capítulo exporá elementos gerais e introdutórios
sobre o direito civil, eis que, no Brasil, o artigo que positiva a teoria encontra-se no Código
Civil, no artigo 187.
Desta forma, optamos por apresentar neste trabalho a ordem das ideias de
forma a esclarecer a evolução do pensamento que culminará na sistematização teórica da
vedação ao abuso do direito.
Com estes elementos iniciais expostos, a própria teoria do abuso do direito será
apresentada e, como se verá, a compreensão dela, espera-se, será mais fácil e lógica.
1. 1 CONCEITO DE DIREITO
Por conta disso, relevante estudar o próprio conceito de direito, sua origem
e sua finalidade, que são os fundamentos que sustentam e desenvolvem todo o direito, como
destaca José Luiz Levy:
15
“Como toda criação humana, o direito não é uma obra perfeita e acabada, e
tampouco um fim em si mesmo: segue uma orientação e uma finalidade que,
em última análise, são as que estabelecem os seus próprios limites e o seu
alcance.”1
Infere-se, então, que o ser humano vive junto com os demais por ser
da sua natureza essa sociabilidade, bem como tratar-se de uma necessidade física, já que
a sobrevivência é mais bem alcançada quando em grupo.
1
LEVY, José Luiz. A vedação ao abuso de direito como princípio jurídico. São Paulo: Editora Quartier Latin,
2015. p. 29.
2
ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral. 13ª edição. Portugal: Coimbra, 2005. p. 14.
3
ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral. 13ª edição. Portugal: Coimbra, 2005. p. 14.
4
ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral. 13ª edição. Portugal: Coimbra, 2005. p. 23.
5
ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral. 13ª edição. Portugal: Coimbra, 2005. p. 24.
16
“Il concetto di diritto è legato indissolubilmente a quello di società. Fin dai
primi albori della storia noi troviamo gli uomini aggruppati in nuclei
gentilizi o territoriali, perseguenti uno scopo comune.”6
Esta ideia de elo entre o direito e a sociedade para explicar a origem do direito
existe igualmente na obra de Francisco Amaral:
6
FERRARA, Francesco. Trattato di diritto civile italiano. Itália, Roma: Athenaeum, 1921. p. 1.
7
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5ª edição. Rio de Janeiro, Renovar, 2003. p.3.
8
RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 2º volume. 2ª Tiragem. São Paulo: Max Limonad, 1952.
p. 51.
17
Essa relação cria a face dual do direito: buscar a proteção e aperfeiçoamento do indivíduo
porque membro da sociedade.
9
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral, v. 1. 9ª edição. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 19.
18
convivência de ambos. É impossível conceber que haja convívio, por mais
elementar e singelo, sem disciplina da liberdade que, physicamente, cada um
dos conviventes de absoluta e ilimitada”10.
1. 2 NORMAS JURÍDICAS
10
LACERDA. Paulo de. Manual do Codigo Civil Brasileiro: Introdução. 1ª Parte. Vol. 1. 2ª tiragem. Rio de
Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos editor, 1929. p. 4-5.
11
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. Tradução Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
p. 3.
12
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. Tradução Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
p. 4.
19
Uma vez que o direito se revela por meio de normas, e que por tais normas será
possível a investigação acerca da admissibilidade da teoria do abuso do direito, exporemos
pontualmente o conceito de normas jurídicas. A apresentação será restrita devido a extensão
da matéria que, devido as limitações de nossa pesquisa, não comporta, neste trabalho, um
aprofundamento mais extenso.
Indaga-se, com isto, a quem compete a produção das normas jurídicas, porque
elas tornam-se obrigatórias e como são aceitas pela sociedade. Não é suficiente que um sujeito
afirme ter criado norma jurídica para que seus pares a observem, o que demonstra a relevância
em se justificar a razão das normas jurídicas serem criadas e observadas com aderência social.
13
FERRARA, Francesco. Trattato di diritto civile italiano. Itália, Roma: Athenaeum, 1921. p. 2-3.
20
voluntades de los muchos se influyan recíprocamente, se unan y se eleven a
la categoría de poder que domina el todo(…).”14
Por ora é suficiente esse esclarecimento, eis que a teoria do abuso do direito
será objeto de críticas, dentre outros aspectos, em razão das divergentes posições doutrinárias
sobre o que pode ser considerado direito. Portanto, ainda que brevíssima a exposição acima, é
satisfatória para o objetivo: relembrar que já quanto o conceito de direitos existem questões
com soluções díspares.
“(...) uma sociedade é bem ordenada não apenas quando está planejada para
promover o bem de seus membros mas quando é também efetivamente
14
ENNECCERUS, Ludwig. Derecho Civil parte general. Vol. I e II. Espanha: Barcelona, Bosch Casa
Editorial, 1934. p. 121.
21
regulada por uma concepção pública de justiça. Isto é, trata-se de uma
sociedade na qual (1) todos aceitam e sabem que os outros aceitam os
mesmos princípios de justiça, e (2) as instituições sociais básicas geralmente
satisfazem, e geralmente se sabe que satisfazem, esses princípios”15.
15
RAWLS. John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 5
16
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 502-503.
17
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 2ª edição. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006. p. 525-529.
22
pelos juristas romanos, segundo a qual ela consiste em dar a cada um o que
lhe é devido.”18
Esta proposição assinala que a justiça está interligada a justa medida, o que
ocorre, ilustrativamente, se o pagamento é feito no valor contratado, no tempo e modo
ajustados etc. Além disso, a ideia de retribuição proporcional vincula a reação à extensão da
ação e fundamenta, por exemplo, as sanções.
Uma decorrência dessa primeira ideia de justiça é não fazer aos outros o que
não queremos que nos seja feito, pois que assim haverá equilíbrio entre ação e reação e cada
um receberá o que lhe é devido, já que, eu, no lugar do outro, recebendo o que ele recebe,
continuaria valorando a situação como justa.
Com isso, Fábio Konder Comparato expõe que Platão e Aristóteles concluíram
ser a justiça uma virtude inteiramente voltada aos outros19. Para o autor, porém, isto seria
exagerado, mas importante por ressaltar “a essência altruística da justiça, que o liberal
individualismo moderno procurou negar.”20.
Nesta visão, age com justiça aquele que cumpre na sociedade a sua função e
isto afasta o egoísmo para valorizar a vida em comunidade e a prosperidade de todos a partir
da mútua assistência, conforme suas habilidades. Ou seja, cada indivíduo deve, de acordo com
a sua possibilidade, redistribuir o que possui para que a justiça seja alcançada: o forte, por ser
18
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 2ª edição. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006. p. 525.
19
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 2ª edição. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006. p. 525
20
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 2ª edição. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006. p. 525
21
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 2ª edição. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006. p. 526-527.
22
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 2ª edição. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006. p. 527.
23
forte, deve usar sua força para proteger quem não a tem e, do mesmo modo, o rico, em razão
de sua riqueza, deve ajudar os pobres e etc.
O aspecto social aliado ao individual completa a ideia de justiça. Tanto que por
isso exige-se a realização de atos justos e a não realização de atos injustos, ou seja, uma ação
e uma omissão em conjuntos, um “fazer” ações justas e “não fazer” ações injustas.
Por fim, o último aspecto da justiça apresentado por Fábio Konder Comparato
é o da equidade, que “consiste na correção do que há de excessivamente genérico na norma
legal.”25. De acordo com as explicações do autor, como as normas são produzidas em caráter
geral para alcançar uma multiplicidade de situações, ocorre de um caso concreto exigir uma
interpretação mais sensível.
Esta visão da justiça se coaduna com a teoria do abuso do direito, que sustenta
ser contrário ao direito a mera interpretação literal de dispositivos legais e possui como
23
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 2ª edição. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006. p. 527
24
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 2ª edição. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006. p. 527.
25
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 2ª edição. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006. p. 528.
26
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 2ª edição. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006. p. 528.
24
essência a aplicação da justiça. Isto significa que, apesar de uma regra, um princípio, uma
norma jurídica etc., poder justificar um determinado comportamento injusto, os elementos da
justiça – que serão encontrados a partir de uma interpretação sistemática do ordenamento
jurídico – fornecerão os fundamentos para a repressão àquele ato.
E uma das justificativas para que a “justiça”, no campo do direito, não tenha
uma definição única é que cada ordenamento valora os fatos de modo diferente, para atender a
sua própria sociedade. Por conta disso que, enquanto há ordenamentos jurídicos que
consideram, por exemplo, justa a cobrança de determinados tributos, outros a consideram
injusta. Até no mesmo ordenamento surgem casos que revaloram o comportamento injusto
para justo, como ocorre, ilustrativamente, com a legítima defesa, em que se deixa de valorar a
lesão como um comportamento injusto e passa a enquadrá-lo como justo.
27
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª
edição. São Paulo: Atlas, 2008. p. 324-335.
25
O autor entende que é a justiça que fornece o “código doador de sentido” ao
direito28, ou seja, é a partir da compreensão do que é justo e injusto que há verdadeiro direito.
Sem justiça, não se conceberia a sobrevivência do ser humano, pois há o senso comum que
busca a igualdade, pilar da justiça.
Para ele, sob o ângulo formal, a justiça promove a igualdade, pois busca
atribuir a cada um o que lhe é devido. O ser humano é um animal racional, isto é, dotado de
razão, e com isso valoriza, no sentido de atribuir valor, sentimentos, fatos e etc.. Deste modo,
relaciona a justiça com a igualdade, pois a razão confere valor àquilo que é igual e, por
conseguinte, justo31.
O jogo de futebol tem onze jogadores de cada lado, dois goleiros e uma bola. É
possível estabelecer uma partida com vinte e cinco jogadores, quatro goleiros e duas bolas,
mas isso retira parte do sentido do jogo33.
28
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª
edição. São Paulo: Atlas, 2008. p. 327.
29
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª
edição. São Paulo: Atlas, 2008. p. 327.
30
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª
edição. São Paulo: Atlas, 2008. p. 328.
31
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª
edição. São Paulo: Atlas, 2008. p. 328.
32
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª
edição. São Paulo: Atlas, 2008. p. 330.
33
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª
edição. São Paulo: Atlas, 2008. p. 331.
26
Portanto, o que é justo ou injusto no aspecto material é modificável, mas a
compreensão diversificada pode balançar o sentido material de justiça. Contudo, em seu
aspecto formal, a justiça permanece.
Para outros, então, a diferença seria que a moral se ocupa com aspectos
subjetivos e o direito com aspectos objetivos. Assim, para a moral, a reprovação estaria
restrita ao consciente do sujeito, enquanto para o direito a reprovação do ato estaria
relacionada a aspectos externos: a obrigatoriedade no cumprimento dos deveres viria
objetivamente, por vias externas35.
34
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª
edição. São Paulo: Atlas, 2008. p. 332.
35
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª
edição. São Paulo: Atlas, 2008. p. 333.
27
ou a inaceitabilidade de que o estrito cumprimento da lei possa ser usado
como um meio para prejudicar alguém.”36
Nesse preceito há a relação entre direito e moral que é utilizada para impedir
que o exercício de direitos possa ser usado como escudo protetivo aos atos ilícitos. A
relevância do aspecto subjetivo para o direito ganha força, inclusive com a teoria do abuso do
direito, pois pode examinar a intenção do sujeito ao exercer abusivamente seu direito e repeli-
lo, por afastar-se do sentido do direito.
O direito contêm normas sobre o seu próprio reconhecimento, como pode ser
mudado e como deve ser aplicado, o que não há na moral. Assim, a justiça fornece o “código
doador de sentido” ao direito e o regula, mas não o constitui. Portanto, é possível existir
direito imoral, apesar de isso o tornar destituído de sentido, mas ainda juridicamente exigível.
“[...] los precedentes históricos nos han demostrado que la abertura por la
que ha penetrado en las legislaciones de todos los pueblos el principio del
36
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª
edição. São Paulo: Atlas, 2008. p. 332-333.
37
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª
edição. São Paulo: Atlas, 2008. p. 333-335.
28
abuso de los derechos, ha sido por la equidad, impregnada de lo racional y lo
justo.”38
1. 4 MOMENTOS HISTÓRICOS
38
BUSTAMANTE, Lino Rodriguez-Arias. El abuso del derecho (teoría de los actos antinormativos). Revista de
la Facultad de Derecho de México, Cidade do México, n. 16, dez. 1954. p. 11-12.
39
SOBOUL, Albert. A revolução francesa. 5ª edição. Tradução Rolando Roque da Silva. São Paulo: Difel,
1985. p. 30-35
29
propriedade é um direito absoluto40. Essa proteção burguesa, falsamente propagada como se
fosse um interesse de toda a sociedade, é analisada por Paulo André Anselmo Setti:
Se, por um lado, essa luta pelos direitos individuais refletia o sentimento
daquele momento e se apresentava como essencial para se contrapor aos abusos sofridos, de
outro lado passou a representar o egoísmo do ser humano e sua visão narcisista, como
Norberto Bobbio expõe:
40
Neste sentido, o artigo 544 do Código Civil francês dispõe nos seguintes termos: “La propriété est le droit de
jouir et disposer des choses de la manière la plus absolue, pourvu qu'on n'en fasse pas un usage prohibé par les
lois ou par les règlements.”
41
LEMOS FILHO, Arnaldo (et al). Sociologia geral e do direito. 3ª edição. São Paulo: Alínea, 2008. p. 97.
42
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 99.
30
prejudicial e busca pelo equilíbrio é que deve pautar o direito. Traços disto podem ser
identificados mesmo em legislações de períodos eminentemente individualistas.
“Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o
próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem
por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o
gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela
lei.”43
Art. 11º. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais
preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,
imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos
termos previstos na lei.44
43
Disponível em <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-
cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-
do-ser humano-e-do-cidadao-1789.html >. Acesso em 29.10.2013. (Sublinhamos).
44
Disponível em <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-
cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-
do-ser humano-e-do-cidadao-1789.html >. Acesso em 29.10.2013.
31
O mau uso do direito viabilizou o acometimento de atrocidades durante as
Guerras Mundiais, quando leis imorais, injustas e maléficas foram promulgadas para autorizar
comportamentos que contrariam a essência e finalidade do direito45.
45
Sobre o assunto, confira ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.
46
Disponível em <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em
29.10.2013.
32
incompreensível dizer que há “abuso do direito”, pois o exercício de um direito é
incompatível com a ideia de fato contrário ao direito47.
Com isso, discutiu-se sobre os direitos, desde a sua previsão normativa até o
exercício, para se constatar sobre a possibilidade de se “abusar” de direitos.
1. 5. 1 DIREITO OBJETIVO
José Carlos Moreira Alves ensina que o direito objetivo possui duas
concepções: uma, tradicional e denominada “teoria normativa do direito”, que identifica o
direito objetivo como conjunto de normas gerais e abstratas impostas coativamente pelo
Estado; a segunda, conhecida por teoria institucional do direito, que não distingue a sociedade
do comando derivado dela. Para esta segunda teoria, onde houver uma instituição (sociedade)
existe direito, que se identifica com a própria sociedade49.
47
“Il ne faut donc pas être dupe des mots : le droit cesse où l´abus commence, et il ne peut pas y avoir « usage
abusif » d´un droit quelconque, par la raison irréfutable qu´un seul et même acte ne peut pas être tout à la fois
conforme au droit et contraire au droit”. PLANIOL, Marcel. Traite élémentaire de droit civil. Tomo 2. 8ª
edição. Paris: Librairie générale de droit et de jurisprudence, 1921. p. 281.
48
“(...) alors que, cependant, on se contente de jouer sur les mots en créant une confusion entre les deux
acceptions bien connues du mot droit, lequel se réfère tantôt à l´ensemble des règles sociales, à la juricité (...), et
tantôt à une prérogative déterminée (...)”. JOSSERAND, Louis. De l´esprit des droits et de leur relativite:
theorie dite de l´abus des droits. Paris: Dalloz, 1927. p. 333.
49
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 16ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 79.
33
O autor, porém, rejeita essa segunda corrente por entender, como Francesco
Ferrara50, que o direito é apenas uma das manifestações da sociedade, não se confundindo
com ela51.
Historicamente, ainda nas lições de José Carlos Moreira Alves, dos primeiros
documentos romanos constata-se a utilização do termo ius pelos juristas tanto para designar o
direito objetivo como o subjetivo, sem que houvesse uma conceituação clara, já que os
romanos não se interessavam pelas abstrações e entendiam o direito como a arte do bem e do
justo, servindo para a prática da justiça, com o que não distinguiam, então, teoria e prática52.
Emilio Betti esclarece que para os fenômenos naturais, por exemplo, a síntese é
automática55. Ocorre que no direito a síntese não é natural, automática, mas depende de um
50
FERRARA, Francesco. Trattato di diritto civile italiano. Itália, Roma: Athenaeum, 1921. p. 295-325.
51
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 16ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 80.
52
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 16ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 80-81.
53
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. V. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 53.
54
BETTI, Emílio. Teoria Geral do Negócio Jurídico. Tradução Fernando de Miranda. Coimbra: Coimbra
editora, 1969. p. 20 et seq.
55
BETTI, Teoria Geral do Negócio Jurídico. Tradução Fernando de Miranda. Coimbra: Coimbra editora,
1969. p. 24.
34
esforço intelectual. Isso ocorre quando há uma situação jurídica que, ao se enquadrar na
fattispecie, produzirá a nova situação jurídica (os efeitos jurídicos). Esses efeitos são a
resposta da ordem jurídica à situação.
Não é, como se pode observar, uma relação de causa e efeito, mas de resposta
da ordem jurídica às diferentes situações de fato. Nessa operação há a constituição,
modificação ou extinção de poderes e vínculos ou de qualificações e posições jurídicas.
Emilio Betti não fica alheio às normas jurídicas que são meramente
organizacionais, como as que estabelecem o número de membros de um tribunal, mas assume
que a maioria das normas jurídicas trata de relações jurídicas, a relação entre duas pessoas
estabelecida pelo direto objetivo e que confere poder a uma, ao passo que impõe a outra um
vínculo correspondente56.
Uma visão mais abrangente de direito objetivo é apresentada por Pedro Pais de
Vasconcelos, que o relaciona com a ordem normativa e também com a justiça:
56
BETTI, Teoria Geral do Negócio Jurídico. Tradução Fernando de Miranda. Coimbra: Coimbra editora,
1969. p. 25.
57
BETTI, Teoria Geral do Negócio Jurídico. Tradução Fernando de Miranda. Coimbra: Coimbra editora,
1969. p. 25.
58
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. v. 1. 44ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p.12.
35
“O direito objetivo corresponde à Ordem Jurídica globalmente entendida,
como uma ordem normativa do agir com justiça. É mais do que um
complexo de normas jurídicas, porque abrange outras realidades jurídicas
que não são normas. Numa perspectiva objetiva, o direito é sobretudo uma
ordem de agir que contém os critérios e as regras do agir justo numa dada
comunidade de pessoas.”59
1. 5. 2 DIREITO SUBJETIVO
Conforme exposto por Caio Mario da Silva Pereira62, Léon Duguit posicionou-
se contrário à própria existência de direitos subjetivos, como expusemos acima. Para ele não
seria concebível que ao indivíduo fossem conferidos poderes de comando para, em atenção a
sua vontade, dominar a vontade do subordinado. O que havia era apenas o direito objetivo,
que regula o comportamento humano e por isso é individual em sua aplicação, estando os
indivíduos em situações jurídicas.
Moacir Lobo de Costa63 faz uma apresentação mais pontual e destaca que
Duguit era empirista: observava os fatos e exclusivamente deles extraía os fenômenos
jurídicos. Era contrário a teoria do direito natural e buscava retirar do direito a metafísica. E
não eram apenas os direitos subjetivos que Duguit negava: o próprio Estado e a personalidade
jurídica dos grupos também não eram admitidas por esse cientista.
Desse mesmo modo como inadmitia a existência de um Estado, visto que para
tanto seria necessário admitir a soberania como poder jurídico, a conclusão de Duguit seria a
inexistência de direitos subjetivos, que exigiria aceitar que as pessoas possuem poderes para
exercer os direitos65.
Para ele, o raciocínio é que o poder é existente apenas nas mãos dos
governantes, que o exercerão conforme as normas de direito público. E são eles que têm o
poder, não o Estado, porque apenas os homens têm capacidade para o exercício dos direitos.
61
Essa compilação de ideias foi extraída da obra de ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 16ª edição.
Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 92 e 93.
62
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2008.p. 31-50.
63
COSTA, Moacir Lobo de. Três estudos sobre a doutrina de Duguit. São Paulo: Ícone, 1997.
Disponível em http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66172/68782. Acesso em 26.5.2015.
64
COSTA, Moacir Lobo de. Três estudos sobre a doutrina de Duguit. São Paulo: Ícone, 1997.
Disponível em http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66172/68782. Acesso em 26.5.2015. p. 490.
65
COSTA, Moacir Lobo de. Três estudos sobre a doutrina de Duguit. São Paulo: Ícone, 1997.
Disponível em http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66172/68782. Acesso em 26.5.2015. p. 499.
37
Inconcebível, portanto, dividir o direito em objetivo e subjetivo. O direito é
um: o direito objetivo, o conjunto de normas, formadas espontaneamente, anteriores e
superiores ao governo, impostas tanto aos governantes como aos governados.
O direito está relacionado, então, com uma ideia de dever. O direito objetivo,
que normatiza fatos, regula-os. Com isso, cria-se para os indivíduos que se encontram naquela
situação de fato, uma situação jurídica em face da lei. Vista sob o prisma subjetivo, a situação
jurídica implica na obrigação de contribuir para o progresso da solidariedade social.
A grande crítica feita a essa teoria refere-se ao não reconhecimento, pela ordem
jurídica, da vontade de algumas pessoas, como os absolutamente incapazes, que, ainda assim,
são detentores de direitos. Uma criança de doze anos, por exemplo, pode ser proprietária de
um imóvel (imagine-se que seu ascendente falece e lhe deixa um imóvel como herança; torna-
se, então, proprietária do bem) e terá direitos subjetivos exercitáveis em decorrência da
propriedade, entretanto, sua própria vontade não é admitida pelo ordenamento jurídico e os
exercícios dos direitos subjetivos é realizado por representantes.
Contra essa teoria, Ihering apresentou a teoria do interesse, por meio da qual o
direito subjetivo é tido como o interesse protegido pela ordem jurídica. Isto porque, a norma
jurídica é criada para atender finalidades e possibilitar a produção de utilidades, vantagens e
lucros, que são os interesses dos membros da sociedade. Esses interesses, portanto, são
relevantes para o direito e dele recebem proteção jurídica. Assim, o direito subjetivo é o
interesse juridicamente protegido70.
Como essa teoria também não ficou isenta de críticas, já que muitos interesses
não são protegidos pelo ordenamento jurídicos e há, por outro lado, interesses protegidos que
não se traduzem em direitos subjetivos, foi criada uma teoria mista, seguida por Georg
Jellinek, Saleilles, Ferrara, entre outros.
69
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 34.
70
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 34-35.
71
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 35-36.
39
A mescla de conceitos, porém, não afastou críticas, que, ao contrário, se
uniram contra a nova teoria mista.
72
VARELA, Antunes. Das obrigações em geral. v. 1. 10ª edição. Coimbra: Almedina, 2000. p. 53.
73
FERRARA, Francesco. Trattato di diritto civile italiano. Roma: Athenaeum, 1921. p. 1-45.
74
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito: teoria geral: ações e fatos jurídicos. v. 3. 3ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 10-11; 25-28; 32-33.
40
tradicional da teoria das fontes, que colocava o juiz no papel passivo de
mero aplicador do direito legislado.”75
“Há fatos, portanto, ainda que ligados diretamente à vida humana, que não
interessam à vida das relações e, nesse sentido, não interessam ao direito, e
não são jurídicos. Há ocorrências da vida humana que não compõem a
fenomenologia jurídica.”78
75
MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: ilicitude objetiva e limite ao exercício de prerrogativas jurídicas no
direito privado. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 33.
76
MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: ilicitude objetiva e limite ao exercício de prerrogativas jurídicas no
direito privado. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 34.
77
MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: ilicitude objetiva e limite ao exercício de prerrogativas jurídicas no
direito privado. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 35.
78
NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY Jr, Nelson. Instituições de direito civil. v. 1. t. 1. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2014. p. 328.
41
Consoantes ensinamentos de Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery
Junior79, dentre os fatos regulados pelo direito estão as relações jurídicas. Esta expressão,
contudo, não é dotada de sentido unívoco e é utilizada, em tradução de vernáculos
estrangeiros para o português, como sinônimo de os mais diversos conteúdos, o que prejudica
sua compreensão.
Segundo Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery Junior afirma-se que “as
relações jurídicas são somente as relações intersubjetivas” e “a situação jurídica subjetiva é a
posição que todo sujeito ocupa no contexto da relação jurídica.” 80.
79
NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY Jr, Nelson. Instituições de direito civil. v. 1. t. 1. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2014. p. 336 et seq.
80
NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY Jr, Nelson. Instituições de direito civil. v. 1. t. 1. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2014. p. 342.
81
NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY Jr, Nelson. Instituições de direito civil. v. 1. t. 1. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2014. p. 344.
82
RODOVALHO, Thiago. Abuso de direito e direitos subjetivos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2011. p. 46.
42
qualquer das partes da relação jurídica, inclusive aquela que tem deveres, faculdades ou
prerrogativas, como defende Heloísa Carpena:
1. 6 FATOS JURÍDICOS
Pense-se no ato de vestir-se ou na não realização desse ato: ficar em casa sem
roupa. A princípio, isso não causa impactos na relação do ser humano com outro indivíduo e
não é apto a produzir efeitos, portanto, não é tratado pelo direito.
83
CARPENA, Heloísa. O abuso do direito no código civil de 2002: relativização de direitos na ótica civil-
constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). O código civil na perspectiva civil constitucional: parte
geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 440.
43
1940, que prevê a sanção de detenção de três meses a um ano ou multa para aquele que
“praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”84.
84
Código Penal. Ato obsceno. Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
85
Código Civil. Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos,
pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação.
Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes.
86
Por todos, confira PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 1. Rio de Janeiro:
Forense, 2008. p. 475.
44
O nascimento do ser humano, por exemplo, é um acontecimento extremamente
relevante para o direito, já que é pelo ser humano e para ele que há direito e, portanto, é
transportado do mundo dos “simples fatos” para o dos “fatos jurídicos”. Com isso, por ser fato
jurídico, há possibilidade de concretização de certos efeitos jurídicos determinados pelo
ordenamento: se o indivíduo nascer morto os efeitos jurídicos desse fato são uns (como o
registro em livro próprio e alguns direitos, como o do sepultamento), mas se nascer vivo os
efeitos são outros (como a aquisição de personalidade).
Por isso que muitos doutrinadores conceituam fato jurídico como o fato que
produz efeitos jurídicos. É nesse sentido as lições de Caio Mario da Silva Pereira87,
Washington de Barros Monteiro88, Orlando Gomes89, entre outros, conforme trechos
elucidativos destacados abaixo:
87
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 457-
458.
88
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. V. 1 e 2. 44ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p.
216.
89
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 11ª edição atualizada por Humberto Theodoro Júnior. Rio de
Janeiro: Forense, 1995. p. 77.
90
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 458-
459.
91
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 8ª edição. São Paulo: Atlas, 2008. p. 319.
92
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. V. 1 e 2. 44ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p.
216.
45
Para esses autores fato jurídico não é só aquele que o direito elegeu para
regular, mas é aquele ao qual foi atribuído efeito jurídico: criará, modificará ou extinguirá
relações jurídicas ou posições jurídicas, além de poder substituí-las ou qualificá-las, como
também entende Milton Flávio de Almeida Camargo Lautenschläger:
“[...] existem fatos que produzem efeitos jurídicos, motivo pelo qual se
denominam fatos jurídicos. São eventos provenientes da natureza ou da
atividade humana em virtude dos quais se adquirem, resguardam,
transferem, modificam ou extinguem direitos.”93
José Abreu reforça essa tese ao dispor que “os fatos jurídicos se caracterizam,
exatamente, por esta circunstância de sua repercussão na órbita do direito, produzindo
efeitos jurídicos”96.
93
LAUTENSCHLÄGER, Milton Flávio de Almeida Camargo. Abuso do direito. São Paulo: Atlas, 2007. p. 3.
94
OERTMANN, Paul. Introducción al Derecho Civil. Tradução para o espanhol Luis Sancho Seral. Argentina:
Buenos Aires: Editorial Labor S.A., 1991. p. 173.
95
OERTMANN, Paul. Introducción al Derecho Civil. Tradução para o espanhol Luis Sancho Seral. Argentina:
Buenos Aires: Editorial Labor S.A., 1991. p. 174.
96
ABREU, José. O negócio jurídico e sua teoria geral. São Paulo: Saraiva, 1984. p.4.
46
Para os autores citados é claro que os efeitos jurídicos englobam o próprio
conceito de fato jurídico. Ocorre, entretanto, que não são todos os fatos jurídicos que gerarão
efeitos jurídicos. Assim como exemplificam Christiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald,
o testamento revogado em vida pelo testador é fato jurídico, mas não produz efeitos
jurídicos97.
Neste sentido, Clóvis do Couto e Silva argumenta que os fatos jurídicos tem a
potencialidade de produzir efeitos e admite, com isso, a existência de fatos jurídicos
ineficazes, consoante destacado:
É o que ocorre, por exemplo, nos negócios jurídicos com condição suspensiva,
como veremos adiante. São fatos jurídicos, cujos efeitos se verificarão futuramente e se
implementada a condição prevista. Não constatada a ocorrência da condição, não deixa o
negócio jurídico de ser fato jurídico. Ele não perde o status de ser relevante para o direito.
“Fato jurídico é o nome que se dá a todo fato do mundo real sobre o qual
incide a norma jurídica. Quando acontece, no mundo real, aquilo que estava
97
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. v.1. 12ª
edição. Bahia: Editora Juspodivm, 2014. p. 529.
98
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 66-67.
47
previsto na norma, esta cai sobre o fato, qualificando-o como jurídico; tem
ele, então, existência jurídica. A incidência da norma determina, como diz
Pontes de Miranda, sua entrada no mundo jurídico. O fato jurídico entra no
mundo jurídico para que aí produza efeitos jurídicos. Tem ele, portanto,
eficácia jurídica. Por isso mesmo, a maioria dos autores define o fato
jurídico como fato que produz efeitos no campo do direito (...). Em tese,
porém, o exame de qualquer fato jurídico deve ser feito em dois planos:
primeiramente, é preciso verificar se se reúnem os elementos de fato para
que ele exista (plano da existência); depois, posta a existência, verificar se
ele passa a produzir efeitos (plano da eficácia).”99
Emilio Betti, por exemplo, estabelece uma classificação dos fatos jurídicos
para correto enquadramento de cada matéria que será estudada. Para isso, inicialmente
estabelece duas formas de classificar os fatos jurídicos: de um lado (A) os fatos serão
organizados conforme sua própria natureza objetiva e, de outro lado (B) a organização
99
AZEVEDO, Antonio Junqueira. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. 4ª edição. 7ª tiragem. São
Paulo: Saraiva, 2002. p. 23-24.
48
dependerá de como os fatos são considerados e valorados pela ordem jurídica e qual a
relevância por ela atribuída ao comportamento humano100.
Outra subdivisão dos fatos jurídicos é: fato jurídico em sentido estrito e atos
jurídicos. Os fatos jurídicos (em sentido lato) é a definição geral de fatos jurídicos: qualquer
acontecimento capaz de produzir efeitos jurídicos. Considerá-los em sentido estrito é separar
apenas os fatos que ocorrem independentemente da vontade humana, como é a morte,
enquanto os atos jurídicos são os fatos jurídicos que dependem da vontade humana.
Por fim, eles classificam os fatos jurídicos como ato-fato, onde a vontade
humana é essencial para a existência do fato jurídico, mas irrelevante para a produção de
100
BETTI, Emílio. Interpretación de la ley e de los actos jurídicos. Tradução José Luis de los Mozos. Madrid:
Editorial Revista de Derecho Privado, 1967. p. 27-29.
101
BETTI, Emílio. Interpretación de la ley e de los actos jurídicos. Tradução José Luis de los Mozos. Madrid:
Editorial Revista de Derecho Privado, 1967. p. 29-34.
102
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. V.1.
12ª edição. Bahia: Editora Juspodivm, 2014. p. 529-531.
103
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. V.1.
12ª edição. Bahia: Editora Juspodivm, 2014. p. 529 et seq.
49
efeitos. Exemplo é a pintura de quadro por absolutamente incapaz. A obra é propriedade do
indivíduo, a despeito da inexistência de capacidade para adquiri-lo. Outro exemplo é a
descoberta de tesouro, onde a pessoa adquire a propriedade, a despeito da inexistência de
vontade para isso.
Orlando Gomes, por seu turno, faz a classificação da seguinte forma: 1º fatos
jurídicos versus fatos; 2º dentro dos fatos jurídicos: acontecimentos naturais versus ações
humanas; 3º dentro dos acontecimentos naturais: ordinários versus extraordinário; 4º dentro
das ações humana: atos jurídicos versus atos ilícitos104.
Com base nisso, para os efeitos desse trabalho e com vistas à simplificação,
adotamos a seguinte classificação dos fatos: o grupo mais amplo denominado “fatos”, nos
quais há “fatos ajurídicos” e “fatos jurídicos”. Nos fatos jurídicos temos os “acontecimentos
naturais” e os “comportamentos pessoais”. Nos comportamentos pessoais temos os “atos
jurídicos” e os “negócios jurídicos”.
104
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Atualização Humberto Theodoro Júnior. 11ª edição. Rio de
Janeiro: Forense, 1995. p. 82 et seq.
105
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Atualização Humberto Theodoro Júnior. 11ª edição. Rio de
Janeiro: Forense, 1995. p. 82 et seq.
50
Assim, temos que os fatos podem ser jurídicos, se houver relevância jurídica,
ou ajurídicos, se forem juridicamente irrelevantes. Serão acontecimentos naturais, se o fato
em análise é predominantemente oriundo da natureza (como o raio, o tsunami, o terremoto, a
morte natural, o nascimento, a morte, a plantação).
1. 6. 2 ATOS JURÍDICOS
“Nos atos em sentido estrito, qualquer que seja a vontade, os efeitos serão
somente aqueles determinados pela lei. Assim, só para dar relevo a esse
particular, diz-se que os efeitos derivam ex lege.”106
106
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 73.
51
Nesse sentido, identificamos caso ocorrido no Rio Grande do Sul, onde a juíza
de paz, ao celebrar o casamento civil entre duas pessoas, pronunciou palavras ofensivas e foi
condenada, diante da configuração do abuso do direito.
Como no caso apresentado, é possível que o juiz de paz, que deve se ater às
formalidades da lei para celebração do casamento, exceda-se em seu comportamento e
extrapole os limites conferidos pela lei para o exercício de sua posição jurídica e com isso se
configure o abuso do direito.
107
“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS.
CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO CIVIL. ABUSO DE DIREITO POR PARTE DA JUÍZA DE PAZ.
DISCURSO OFENSIVO. ATO ILÍCITO. CONFIGURAÇÃO. DANO MORAL. DEVER DE
INDENIZAR. Evidenciado nos autos que a requerida se excedeu no exercício da função de juíza de paz na qual
estava investida, realizando discurso em que criticava abertamente a cerimônia e os noivos, em tom ofensivo,
resta configurado o ato ilícito. Diante da submissão dos autores a evidente constrangimento, resta configurado o
dano moral, o qual se presume, conforme as mais elementares regras da experiência comum, prescindindo de
prova quanto ao prejuízo concreto. Condenação mantida.” Tribunal de Justiça de Rio Grande do Sul. 10ª Câmara
Cível. Apelação nº 0025181-08.2014.8.21.7000. Relator Desembargador. Paulo Roberto Lessa Franz. Julgado
em 29.5.2014.
52
1. 6. 3 NEGÓCIOS JURÍDICOS
A vontade assume nos negócios jurídicos uma função central e destacada pela
doutrina e viabiliza aos participantes atuarem dentro de uma margem mais elástica, optarem
por incluir ou afastar certas situações, fixarem os momentos para início ou término do
negociado etc. Por conta disso que Clóvis do Couto e Silva expõe que:
108
MIRANDA, Teoria geral do negócio jurídico. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2009. p. 14-15.
109
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 72.
110
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 73.
53
“[...] no negócio jurídico, manifesta-se o valor plasmador da vontade, como
em nenhum outro ato, de modo que, embora não se faça necessária a vontade
de produzir efeitos para a sua existência, esses efeitos, via de regra,
equiparam-se e comensuram-se à vontade negocial. Ademais, faculta-se às
partes determinarem, na forma que lhes aprouver, o conteúdo do ato; aporem
condições, termos etc.”111
111
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 73.
112
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 11ª edição atualizada por Humberto Theodoro Júnior. Rio de
Janeiro: Forense, 1995.
54
garantia, eram hipotecadas as futuras unidades a serem construídas e registrado o direito real
concedido à instituição financeira na matrícula do imóvel.
Por outro lado, porém, a defesa das instituições financeiras era no sentido de
inexistência de relação jurídica com os compromissários compradores e que as hipotecas lhes
foram concedidas licitamente, obedecidas todas as formalidades da lei. Portanto, o direito real
deveria prevalecer.
Isso porque, uma vez conhecedora da situação jurídica que envolve a relação
que instituiu a garantia, a boa-fé deixa de ser respeitada ao querer limitar a sua
responsabilidade a simples relação firmada entre si e a construtora.
113
Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma.Recurso Especial nº 187.940-SP. Relator Ministro Ruy Rosado de
Aguiar. Julgado em 11.2.1999. Publicado em 25.10.1999.
55
Portanto, em uma primeira análise superficial poderia se crer que o
comportamento é lícito: não haveria responsabilidade da instituição ao não liberar o gravame,
já que o pagamento da dívida pela sua devedora (construtora) não foi realizado.
Com isto, constata-se que o abuso do direito não está limitado a certa categoria
jurídica, desde que haja comportamento humano. A análise deve partir da colocação do fato
jurídico dentro da situação jurídica que lhe originou e verificar a posição jurídica dos
envolvidos. Após, é visto o comportamento humano para o exercício de sua posição jurídica a
fim de se constatar se desse exercício houve abuso.
Adianta-se que concordamos com a posição que insere o abuso do direito como
ilícito, apesar do ato ocorrer em situações de aparente licitude, como será explorado na seção
a respeito da natureza jurídica do abuso do direito.
E isto é comum tanto para o ilícito civil como para o ilícito penal. Para o
aplicador do direito ou o estudioso bastaria analisar se o tema é tratado na esfera penal ou na
esfera civil para identificar a modalidade do ilícito.
Sobre esse aspecto, Francisco Clementino de San Tiago Dantas enfatiza que o
ilícito civil é diferente de nulidade. As nulidades são constatadas dentro do plano da validade
e referem-se aos requisitos que não foram obedecidos118. Para ilustrar, a validade de um
contrato depende da declaração de vontade livre de vícios; se viciada, haverá invalidade
(falar-se-á em nulidade se houver simulação ou anulabilidade se houver dolo, por exemplo).
A questão para Francisco Clementino de San Tiago Dantas, porém, não estava
nessa desnecessária diferenciação, mas em compreender o que configura o ato ilícito. Para
ele, portanto, três eram os elementos: comportamento, violação de dever e ocorrência de dano.
Aí sim haveria ilícito122:
118
SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino. Programa de Direito Civil. Aulas proferidas na Faculdade
Nacional de Direito. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. p. 347.
119
SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino. Programa de Direito Civil. Aulas proferidas na Faculdade
Nacional de Direito. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. p. 348.
120
SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino. Programa de Direito Civil. Aulas proferidas na Faculdade
Nacional de Direito. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. p. 348-350.
121
SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino. Programa de Direito Civil. Aulas proferidas na Faculdade
Nacional de Direito. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. p. 350.
122
SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino. Programa de Direito Civil. Aulas proferidas na Faculdade
Nacional de Direito. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. p. 352.
58
imposto por, mas este conceito provisório, que fornece uma ideia do que é o
ato ilícito comparado com o ato jurídico e comparada com os outros fatos
que repercutem no direito, já precisa ser mais definido nos seus elementos
essenciais, quando se trata de lhe dar um lugar na dogmática.”123
Se a pessoa comete ato ilícito é porque violou um dever jurídico, que era a
obrigação primária, e com isso deve indenizar a vítima, que é um dever secundário: a
responsabilização.
123
SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino. Programa de Direito Civil. Aulas proferidas na Faculdade
Nacional de Direito. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. p. 352.
124
SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino. Programa de Direito Civil. Aulas proferidas na Faculdade
Nacional de Direito. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. p. 356.
125
Em suas palavras: “(...) O efeito do ato ilícito pode ser resumido numa só frase: de todo ato ilícito resulta uma
responsabilidade do agente para com aquele que sofre o dano.” SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino.
Programa de Direito Civil. Aulas proferidas na Faculdade Nacional de Direito. 2ª tiragem. Rio de Janeiro:
Editora Rio, 1979. p. 358.
126
SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino. Programa de Direito Civil. Aulas proferidas na Faculdade
Nacional de Direito. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. p. 359.
59
Para Fernando Pessoa Jorge127 é antijurídico tudo aquilo que não deve ser, em
oposição ao jurídico, que é o “dever ser”. Trata-se de uma reação desfavorável da ordem
jurídica em função da violação do dever jurídico.
127
JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil.
Portugal, Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, 1972. p. 61-64.
128
JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil.
Portugal, Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, 1972. p. 64-65.
129
JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil.
Portugal, Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, 1972. p. 68.
130
ENNECCERUS, Ludwig. Derecho Civil parte general. v. 1. Espanha: Barcelona, Bosch Casa Editorial,
1934. p. 420-421.
60
O segundo é a violação ao ordenamento jurídico, que pode se dar pela
contrariedade à lei, aos bons costumes ou pela violação de direitos subjetivos ou “interesses”,
que são protegidos pelo ordenamento, ainda que não configurem um direito subjetivo, como
estabelece o § 823 do Código Civil alemão131.
Na legislação pátria, o Código Civil de 2002 dispõe nos artigos 186 e 187
sobre os atos ilícitos, sendo o primeiro a regra geral (típica) de ilícito, que é o ato violador de
direito, enquanto o segundo é regra diferente (atípica) e que caracteriza como ilícito o abuso
do direito.
131
Em tradução livre: §823 (1) Aquele que, intencionalmente ou por negligência, ilegalmente causa prejuízos à
vida, ao corpo, à saúde, à liberdade, à propriedade ou outro direito de outra pessoa deverá compensar a outra
parte pelos prejuízos a que der causa. (2) O mesmo ocorre para aquele que violar normas que protegem a esfera
da outra pessoa. Ainda que a norma possa ser violada sem culpa, apenas quando ela houver é que haverá o dever
de reparar.
132
ENNECCERUS, Ludwig. Derecho Civil parte general. v. 1. Espanha: Barcelona, Bosch Casa Editorial,
1934. p. 421-422.
133
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2008.p. 654.
134
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. v. 1. 44ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p.
348.
135
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito: teoria geral: ações e fatos jurídicos. v. 2. 3ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 21.
61
2 A TEORIA DO ABUSO DO DIREITO
136
LEVY, José Luiz. A vedação ao abuso de direito como princípio jurídico. São Paulo: Editora Quartier
Latin, 2015. p. 29.
62
2. 1 NOMENCLATURA E UTILIDADE DA TEORIA
Por conta disso, a teoria do abuso do direito sofreu críticas em função de seu
nome. Para Marcel Planiol não seria admissível o “abuso do direito”: ou haveria direito ou
não haveria e se não houvesse o fato seria ilícito138. O autor entende que a teoria do abuso do
direito seria desnecessária, pois, o que é por ela chamado de “abuso do direito” é chamado
pelos demais de “ilícito”.
Isto porque, o autor não discorda de que há situações nas quais o sujeito
comporta-se de forma contrária ao direito, apesar de alegar estar exercendo um direito. Ocorre
que esse seu comportamento é ilícito, nos termos da teoria clássica da ilicitude e, então, o
abuso do direito é uma teoria sem utilidade – já que seu objeto está incluído na teoria da
ilicitude – e confusa, por dar a entender que, no “abuso” do direito haveria direito, quando não
o há139.
Dizer que há “abuso do direito” transmitiria a ideia de que haveria direito e que
ele fora abusado. Mas o direito não pode ser abusado. Se exercido fora dos limites legais não
se está tratando de direito, não há direito. Sua utilização geraria decisões imprecisas,
desestruturadas e sem fundamento, por não se saber se estamos ou não no campo do direito.
Nas palavras de Planiol:
137
KURY, Adriano da Gama. Minidicionário Gama Kury da língua portuguesa. São Paulo: FTD, 2002. p.
17.
138
PLANIOL, Marcel. Traite élémentaire de droit civil. Tomo 2. 8ª edição. Paris: Librairie générale de droit et
de jurisprudence, 1921. p. 280-285.
139
PLANIOL, Marcel. Traite élémentaire de droit civil. Tomo 2. 8ª edição. Paris: Librairie générale de droit et
de jurisprudence, 1921. p. 280-285.
63
“(...) sa formule usage abusif des droits est une logomachie, car si j´use de
mon droit, mon acte est licite; et quand il est illicite, c´est que je dépasse
mon droit et que j´agis sans droit, injuria, comme disait la loi Aquilia.”140
140
PLANIOL, Marcel. Traite élémentaire de droit civil. Tomo 2. 8ª edição. Paris: Librairie générale de droit et
de jurisprudence, 1921. p. 281. Em tradução livre: a fórmula “abuso do direito” é uma batalha de palavras. Se eu
uso do meu direito, o ato é lícito; é ilícito se eu ultrapassar o meu direito, porque já estarei mais agindo com
direito, mas com injuria, como já dizia a Lei Aquília.
141
RESCIGNO, Pietro. L´abus del diritto. Itália, Bologna: Società editrice il Mulino, 1998. p.13. (grifamos).
142
AMERICANO, Jorge. Do abuso do direito no exercício da demanda. São Paulo: Casa Vanorden, 1923. p.
5.
143
ROTONDI, Mario. L`abuso di diritto: aemulatio. Padova: CEDAM, 1979. p. 17.
64
termo pode representar diferentes realidades: o abuso de poder, de autoridade e etc. indicam
que havia, em algum momento, legalidade no comportamento, que seria a regra, mas,
excepcionalmente, pelo uso inadequado, verificou-se o abuso:
“(...) abuso di potere, dei ministri del culto, d`autorità, e simili, indica
qualche cosa come il servirsi ad uno scopo illegittimo di un diritto
legalmente appartenente al titolare, di modo che l`abuso, como eccezione,
pressupone, come regola, la possibilità di un uso legale (...)”.144
Em outros casos, contudo, ainda nas lições de Mario Rotondi, o termo abuso é
usado com outro sentido, como no “abuso da inexperiência”, pois aqui não se admite que em
algum momento teria havido legalidade no ato:
“(...) ma quando si parla della inesperienza o delle passioni dei minori, non è
chi non veda che la voce non possa esser presa nel significato chiarito più
sopra, como se vi potesse essere un uso lecito delle passioni o della
inesperienza (...)”145
144
ROTONDI, Mario. L`abuso di diritto: aemulatio. Padova: CEDAM, 1979. p. 17.
145
ROTONDI, Mario. L`abuso di diritto: aemulatio. Padova: CEDAM, 1979. p. 17.
146
ROTONDI, Mario. L`abuso di diritto: aemulatio. Padova: CEDAM, 1979. p. 17. Nas palavras do autor:
“Questa digressione che può sembrare pedanteria di purista era pur necessaria per chiarire in qual senso intendasi
usare la parola abuso parlando apputno di abuso di diritto.”
147
ROTONDI, Mario. L`abuso di diritto: aemulatio. Padova: CEDAM, 1979. p. 17. Nas palavras do autor: “un
uso cattivo, riprovevole o riprovato, illegittimo o ritenuto tale, di un diritto da parte di chi ne è titolare.”
65
é exposto ao crivo dos princípios sociais que atualmente norteiam nosso
sistema jurídico.”148
148
LAUTENSCHLÄGER, Milton Flávio de Almeida Camargo. Abuso do direito. São Paulo: Atlas, 2007. p.
25.
149
MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito. Atualizador José da Silva Pacheco. 3ª edição.
Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 26-27.
150
WARAT, Luis Alberto. Abuso del derecho y lagunas de la ley. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1969. p. 36-
37.
151
WARAT, Luis Alberto. Abuso del derecho y lagunas de la ley. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1969. p. 37.
Adiante, o autor enfatiza a inadmissibilidade de direitos absolutos. A ordem normativa é composta por regras
que limitam as condutas humanas, demarca o campo de atuação e, então, incabível a previsão de um direito
absoluto. “Lo absolutamente permitido y ló absolutamente prohibido, escapan así de su campo denotativo”. p.
38.
66
Não bastasse isso, Marcel Planiol também criticara a utilidade da teoria, se seu
objeto já é contemplado pela teoria da ilicitude. Jorge Americano, por seu turno, pondera que
a clássica teoria da ilicitude se baseia em elementos diferentes dos existentes no abuso do
direito. Para a tradicional corrente, a ilicitude decorre de um comportamento contrário ao
direito, enquanto o abuso do direito se configura se há aparente exercício de um direito:
“Si, por um lado, a noção do direito exclúe a idéa do abuso, porque o abuso
desnatura o direito e faz com que deixe de o ser, por outro lado não há
contestar a realidade dos factos, que verifica, numa série de actos illicitos um
falso assento em direito, diversamente do acto illicito, genericamente
considerado, em que se não invoca nenhum assento em direito.”152
152
AMERICANO, Jorge. Do abuso do direito no exercício da demanda. São Paulo: Casa Vanorden, 1923. p.
6.
153
AMERICANO, Jorge. Do abuso do direito no exercício da demanda. São Paulo: Casa Vanorden, 1923. p.8.
154
ROTONDI, Mario. L`abuso di diritto: aemulatio. Padova: CEDAM, 1979. p. 14.
67
social155 e alheio à ciência jurídica, para a qual não competiria reprimir fatos jurídico que
firam a “consciência coletiva”. A crítica de Paulo de Araujo Campos ao entendimento de
Mario Rotondi é formulada nos seguintes termos:
155
CAMPOS, Paulo de Araujo. Abuso do direito. 1982. 120f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) –
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 44.
156
CAMPOS, Paulo de Araujo. Abuso do direito. 1982. 120f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) –
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 45.
157
SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino. Programa de Direito Civil. Aulas proferidas na Faculdade
Nacional de Direito. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. p. 363.
158
SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino. Programa de Direito Civil. Aulas proferidas na Faculdade
Nacional de Direito. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. p. 366.
68
“Todas as situações jurídicas, que se conceituam como direito subjetivo, são
reconhecidas e protegidas pela norma, tendo em vista uma finalidade, que se
poderá chamar, a finalidade econômica e social do direito. Todas as vezes
em que o direito é exercido, segundo estas finalidades, está dentro de seus
quadros teleológicos. Acontece, porém, que o titular de um direito, em vez
de exercê-lo no sentido destas finalidades, o faz no sentido de finalidade
contrária, contrastando, expressamente, com a finalidade para a qual o
direito foi instituído. Tem-se, então, o exercício antissocial do direito e este
exercício antissocial é que se conceitua como abuso do direito.”159
Luis Alberto Warat160 afirma que a utilidade da teoria deve ser levada em conta
para a sua análise e ser fundamento para superação das críticas ao seu rótulo. É que a teoria
foi pensada e repensada pela doutrina e jurisprudência com entusiasmo, mas insuficientes, na
visão de Warat, para “determinar la institución” ou para “precisar el término dentro del
vocabulario jurídico, tal como se ha pretendido.”161.
2. 2 ESCORÇO HISTÓRICO
159
SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino. Programa de Direito Civil. Aulas proferidas na Faculdade
Nacional de Direito. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. p. 372.
160
WARAT, Luis Alberto. Abuso del derecho y lagunas de la ley. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1969. p. 11.
161
WARAT, Luis Alberto. Abuso del derecho y lagunas de la ley. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1969. p. 11.
69
2. 2. 1 DIREITO ROMANO
E para reforçar sua posição, Thiago Rodovalho ainda destaca trecho do Corpus
Iuris Civilis, qual seja, nas Institutas de Gaio, I, 53, onde se verifica uma proibição de
162
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Tratado de direito civil português. 3ª edição. Coimbra:
Editora Almedina, 2005. v. 1. t. 3. p. 249-264.
163
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Editora Almedina,
2013. p. 672.
164
RODOVALHO, Thiago. Abuso de direito e direitos subjetivos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2011. p. 91.
166
RODOVALHO, Thiago. Abuso de direito e direitos subjetivos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2011. p. 91.
70
excessos: o dono de escravos não podia mais castigá-los exageradamente e sem causa e isto
porque, a despeito do direito do dono em relação ao escravo, tal direito não poderia ser mal
empregado167.
167
RODOVALHO, Thiago. Abuso de direito e direitos subjetivos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2011. p. 92-93.
168
LAUTENSCHLÄGER, Milton Flávio de Almeida Camargo. Abuso do direito. São Paulo: Atlas, 2007. p.
27-28.
169
CORREA, Alexandre Augusto de Castro. Notas sobre o abuso dos direitos em direito romano clássico.
Revista Justitia, São Paulo , v. 36, n. 87, p. 211-220, out./dez. 1974.
170
CORREA, Alexandre Augusto de Castro. Notas sobre o abuso dos direitos em direito romano clássico.
Revista Justitia, São Paulo , v. 36, n. 87, out./dez. 1974. p. 211.
71
“Por esta razão, à míngua de sólidos princípios gerais estabelecidos sobre o
abuso do direito, percebe-se que o instituto encontrou amparo na elaboração
pretoriana, haja vista que os pretores romanos, não estando rigorosamente
vinculados à obediência estrita da lei, poderiam, diante do caso concreto,
perceber a necessidade de repressão a abusos, amoldando os direitos
subjetivos às necessidades da vida real pela invocação do princípio da
equidade.”171
171
FERREIRA, Keila Pacheco. Abuso do direito nas relações obrigacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
p. 16.
172
AMERICANO, Jorge. Do abuso do direito no exercício da demanda. São Paulo: Casa Vanorden, 1923. p.
15.
173
MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito. Atualizador José da Silva Pacheco. 3ª edição.
Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 11.
Nesta passagem, ao citar lições de Cornil, Pedro Baptista Martins coloca o entendimento daquele doutrinador
sobre a possibilidade de Gaio ter formulado a teoria geral do abuso do direito ao reprimir a má utilização dos
direitos.
72
Em contrapartida, Inácio de Carvalho Neto relembra que os romanos buscavam
soluções práticas, e não teóricas, para as situações, o que impediria a teorização acerca do
abuso do direito, sem que isso signifique na impossibilidade da aplicação prática de decisões
que reprimam comportamentos contrários à função social do direito ou à boa-fé, por exemplo,
que são fundamentos da teoria174.
“No pude hablarse así del Abuso del derecho en la legislación romana, pues
no contiene una determinación fija de los derechos subjetivo, ya que el
derecho pretoriano los amoldaba a las necesidades de la vida real mediante
la invocación del fecundo principio de la equidad.”175
174
CARVALHO NETO, Inacio de. Abuso do direito. 6ª edição. Curitiba: Juruá, 2015. p. 25.
175
WARAT, Luis Alberto. Abuso del derecho y lagunas de la ley. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1969. p. 42.
176
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Editora Almedina,
2013. p. 672-673.
73
2. 2. 2 DIREITO MEDIEVAL
177
Vale anotar que para Pedro Baptista Martins a origem dos atos emulativos estaria no direito romano e não só
no direito medieval. Cf. MARTINS, op. cit., p. 16-17.
178
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 20ª edição atualizada por Edvaldo Brito e Reginalda
Paranhos de Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 101
179
FERREIRA, Keila Pacheco. Abuso do direito nas relações obrigacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
p. 17.
180
CARVALHO NETO, Inácio. Abuso do direito. Curitiba: Juruá, 2005. p. 28.
181
MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: ilicitude objetiva e limite ao exercício de prerrogativas jurídicas no
direito privado. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 35.
74
necesario contra la voluntad omnímoda de su sistema normativo, reflejado
en el poder del monarca y en la existencia de ciertos derechos absolutos por
él reconocidos.”182
Apesar da elaboração da teoria dos atos emulativos, para Luis Alberto Warat o
período medieval não teria sido a época de desenvolvimento para a teoria do abuso do direito
porque legislativo e judiciário se fundiam em um único órgão – o soberano – que modificava
o sistema e ditava as normas como lhe aprouvesse183.
2. 2. 3 DIREITO MUÇULMANO
Luis Alberto Warat também discorda desse raciocínio por não vislumbrar
adequada a criação da teoria em um sistema que mescla direito, religião e moral, com o que
dificulta traçar os limites do jurídico e do metajurídico184.
182
WARAT, Luis Alberto. Abuso del derecho y lagunas de la ley. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1969. p. 43.
183
WARAT, Luis Alberto. Abuso del derecho y lagunas de la ley. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1969. p. 43.
184
WARAT, Luis Alberto. Abuso del derecho y lagunas de la ley. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1969. p. 46.
75
2. 2. 4 DIREITO MODERNO E CONTEMPORÂNEO
Fernando Augusto Cunha de Sá, assim como Luis Alberto Warat, defende a
criação da teoria já na era moderna, como resposta ao apego interpretativo literal à lei escrita e
as inconveniências práticas daí advindas:
Para Luis Alberto Warat, apenas com o advento das codificações tornou-se
fecundo o solo para fertilização da teoria do abuso do direito. Isto porque, os códigos
permitiram trazer para o campo do jurídico os aspectos metajurídicos convenientes e
expuseram os limites e regras interpretativas.
“La codificación del derecho civil que se inicia al comienzo del siglo XIX,
recién ha permitido la fijación de normas legales en textos escritos creando
así una ordenación legal totalmente desconectada en su estructura formal del
orden de coexistencia meta jurídico.”186
Adiante, Luis Alberto Warat afirma que o Código Civil francês, fruto de
revolução, exagerou no uso de termos como “direitos absolutos” e “ilimitados”, que teriam
mais apelo emotivo do que legal. Foi por conta da inclusão destes termos que surgiu a
necessidade de inserção de uma “técnica argumentativa” capaz de explicitar os limites dos
direitos “ilimitados”.
“El Código Civil francés es el primero que condensa en un texto legal las
aspiraciones de la revolución de 1789, que con el exagerado e intenso
impulso proprio de toda revolución entroniza en lo más alto los derechos
individuales, calificándolos como absolutos e ilimitados. La aplicación de
185
CUNHA DE SÁ, Fernando Augusto. Abuso do Direito. Lisboa: Almedina, 1973. p. 49-50.
186
WARAT, Luis Alberto. Abuso del derecho y lagunas de la ley. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1969. p. 48.
76
este Código es lo que obligó al órgano encargado de ello, a introducir la
figura del Abuso del Derecho como una técnica argumental apropiada para
atemperar la antisocial caracterización, guardando la apariencia de
legitimidad y de observancia fiel de la norma legal.”187
2. 2. 4. 1 FRANÇA
187
WARAT, Luis Alberto. Abuso del derecho y lagunas de la ley. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1969. p. 48.
188
Luis Alberto Warat traz em sua obra a tradução para o espanhol de tais dispositivos nos seguintes termos:
“Que aquel que ejerce su derecho aún dentro de sus limites propios, está obligado a reparar el perjuicio que de
allí provenga para otros, cuando resulta claramente de las circunstancias, que entre varios modos posibles de
ejercerlos se escoge intencionalmente aquel que causaba daño.” WARAT, Luis Alberto. Abuso del derecho y
lagunas de la ley. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1969. p. 49.
189
WARAT, Luis Alberto. Abuso del derecho y lagunas de la ley. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1969. p. 49
et seq.
190
Neste sentido:
“O Código Napoleão não compreende, no seu articulado, qualquer referência ao abuso do direito. [...] As
decisões judiciais que consagraram o abuso do direito não puderam, pois, basear-se em disposições legais.”
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Editora Almedina,
2013. p. 677-678.
77
O autor destaca as seguintes condenações: em 1808, do proprietário da fábrica
que causava evaporações desagradáveis; em 1820, do construtor de um forno que prejudicava
os vizinhos; em 1853, do proprietário que construiu uma falsa chaminé para obstruir a
iluminação do prédio vizinho; em 1854, do proprietário que bombeava água de seu rio para
reduzir o volume do vizinho; em 1913, do proprietário que construiu lanças em seu terreno
para danificar os dirigíveis de seu vizinho192.
2. 2. 4. 2 ALEMANHA
Esta dificuldade de se provar que o único objetivo do agente era lesionar fez o
dispositivo se tornar quase letra morta e por isso tentou-se combiná-lo com o § 826198, que
obriga o causador do dano provocado por violação aos bons costumes seja obrigado a repará-
lo.
195
CUNHA DE SÁ, Fernando Augusto. Abuso do Direito. Lisboa: Almedina, 1973. p. 52-53.
196
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Editora Almedina,
2013. p. 684.
197
LAUTENSCHLÄGER, Milton Flávio de Almeida Camargo. Abuso do direito. São Paulo: Atlas, 2007. p.
31.
198
Em tradução livre: É obrigado à reparação aquele que, contra os bons costumes, causa voluntariamente dano a
outrem.
79
Entretanto, o elemento doloso previsto no § 826, a solução exclusiva na
indenização – e não, por exemplo, no desfazimento do ato – e a remissão aos bons costumes
tornaram o preceito complexo, como assevera Antonio Manuel da Rocha e Menezes
Cordeiro199, e sem aderência jurisprudencial. Não foi, porém, de todo inútil: a aproximação do
abuso do direito com os bons costumes influenciou outras legislações, inclusive a portuguesa
e brasileira.
2. 2. 4. 3 GRÉCIA
199
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Editora Almedina,
2013. p. 685-687.
200
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Editora Almedina,
2013. p. 256.
201
MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito. Atualizador José da Silva Pacheco. 3ª edição.
Rio de Janeiro: Forense, 1997.p. 28.
80
Em sua obra, Thiago Rodovalho apresenta a posição de Eugenia Dacorina
acerca do instituto e o autor conclui:
2. 2. 4. 4 ITÁLIA
2. 2. 4. 5 BRASIL
205
ALPA, Guido. Come fare cosa com principi. In: ALPA, Guido et al (Org.). Casi scelti in tema di principi
generali. Padova: Cedam, 1993. p. 12. O Autor ainda destaca que na proposta das disposições preliminares ao
Código Civil constava no artigo 7º a vedação ao exercício de direitos contrariamente à função que tais direitos
possuem no ordenamento. Entretanto, a Comissão Parlamentar rejeitou o texto.
206
Art. 584. São proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar para o uso ordinário a água de poço ou
fonte alheia, a elas preexistente.
207
Art. 585. Não é permitido fazer escavações que tirem ao poço ou à fonte de outrem a água necessária. É,
porém, permitido faze-las, se apenas diminuírem o suprimento do poço ou da fonte do vizinho, e não forem mais
profundas que as deste, em relação ao nível do lençol d'água.
208
Art. 526 (vigente até 1919). A propriedade do sobre e do sub-solo abrange a do que lhe está superior e
inferior em toda altura e em toda a profundidade, úteis ao seu exercício, não podendo, todavia, o proprietário
impedir trabalhos, que sejam empreendidos a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse algum
em obsta-los.
Art. 526. A propriedade do sólo abrange a do que lhe está superior e inferior em toda a altura e em toda a
profundidade, uteis ao seu exercicio, não podendo, todavia, o proprietario oppor-se a trabalhos que sejam
emprehendidos a uma altura ou profundidade taes, que não tenha elle interesse algum em impedil-
os. (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 1919).
82
propriedade e os 460 e 461209, que, ao tratarem do pródigo, limitavam o exercício de seus
direitos com base no abuso210. Conclusivamente, Jorge Americano afirma:
Sobre este cenário, Heloísa Carpena ensina que o Código Civil de 1916 não foi
tão expresso quanto poderia ter sido para positivar a teoria:
Os marcos narrados pela autora são (i) a interpretação dada pelo Supremo
Tribunal Federal na década de 1950 sobre a lei de locações e a “emenda da mora”, quando a
209
Art. 460. O pródigo só incorrerá em interdição, havendo cônjuge, ou tendo ascendentes ou descendentes
legítimos, que a promovam.
Art. 461. Levantar-se-á a interdição, cessando a incapacidade, que a determinou, ou existindo mais os parentes
designados no artigo anterior.
Parágrafo único. Só o mesmo pródigo e as pessoas designadas no art. 460 poderão agir a nulidade dos atos do
interdito durante a interdição.
210
AMERICANO, Jorge. Do abuso do direito no exercício da demanda. São Paulo: Casa Vanorden, 1923. p.
18-21.
211
AMERICANO, Jorge. Do abuso do direito no exercício da demanda. São Paulo: Casa Vanorden, 1923. p.
21-22.
212
CARPENA, Heloísa. O abuso do direito no código civil de 2002: relativização de direitos na ótica civil-
constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). O código civil na perspectiva civil constitucional: parte
geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 431.
213
CARPENA, Heloísa. O abuso do direito no código civil de 2002: relativização de direitos na ótica civil-
constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). O código civil na perspectiva civil constitucional: parte
geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 432.
214
MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa fé. In: TEPEDINO,
Gustavo (Org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 57-95.
83
purgação da mora foi analisada para impedir abusos215, (ii) a Constituição Federal de 1988 e o
Código de Defesa do Consumidor de 1990, que inauguraram direitos e noções, como a
abusividade contratual216 e (iii) o Código Civil de 2002 e seu artigo 187, expressando a teoria
em termos objetivos217.
Como exposto, então, apenas com o advento do Código Civil de 2002 e seu
artigo 187 é que se sedimentou a inserção da teoria no ordenamento pátrio e sua positivação
sob o enfoque objetivo.
215
MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa fé. In: TEPEDINO,
Gustavo (Org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 64 et seq.
216
MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa fé. In: TEPEDINO,
Gustavo (Org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 66.
217
MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa fé. In: TEPEDINO,
Gustavo (Org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 68.
218
MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa fé. In: TEPEDINO,
Gustavo (Org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 69.
84
Os abusos cometidos em vários contextos pelos variados detentores do poder
(reis, senhores feudais, presidentes) culminaram na criação de um modelo de direito que se
prendesse à lei para evitar distorções interpretativas e assegurar a liberdade, especialmente em
relação à propriedade (França, 1804).
A boa-fé é o limite mais óbvio e mãe dos demais. Na legislação brasileira ficou
estabelecido de forma clara ao menos outros três: o fim social do direito, o fim econômico do
direito e os bons costumes.
219
NANNI, Giovanni Ettore. Abuso do direito. In: LOTUFO, Renan et al. (Coord). Teoria Geral do Direito
Civil. São Paulo: Atlas, 2008. p. 743.
85
Por conta disso que a evolução doutrinária tornou assente que o abuso do
direito não significa que apenas o titular de um direito poderá incidir nesta norma ao exercê-lo
incorretamente, fora dos limites legais. Qualquer posição jurídica pode ser exercida de modo
inadequado a configurar o “abuso do direito”, como no caso do juiz de paz que, ao celebrar o
casamento, faz discurso desvalorizando a cerimônia religiosa ocorrida anteriormente,
colocando os nubentes em situação embaraçosa e desconfortável perante suas testemunhas,
como retratamos anteriormente.
86
“E, dessa forma, não há como dissociá-lo [o abuso do direito] da estrutura
formal de ilicitude – que é assim estabelecida pelo Código Civil -, ainda que,
como a seguir exposto, distinta da ilicitude tradicional, pois não mais
subsiste apenas o conceito único do tema oriundo do clássico ato ilícito
extracontratual.”220
220
NANNI, Giovanni Ettore. Abuso do direito. In: LOTUFO, Renan et al. (Coord). Teoria Geral do Direito
Civil. São Paulo: Atlas, 2008. p. 747.
221
CARPENA, Heloísa. O abuso do direito no código civil de 2002: relativização de direitos na ótica civil-
constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). O código civil na perspectiva civil constitucional: parte
geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 427.
87
presentes, o que gerará responsabilidade civil, consoante assentado no Enunciado nº 37
firmado na Primeira Jornada de Direito Civil222.
Como salienta Daniel Boulos, o abuso do direito tem predileção e causa furor,
afinal, é a busca pela aplicação da justiça e da ética no direito, mas, ao mesmo tempo, não se
deve deixar de lado o fato de que limita liberdades previstas literalmente em lei, e das quais os
indivíduos pretendem usufruir amplamente:
Assim, se por um lado está a excitação trazida pelo tema, por outro há a
preocupação em se estabelecer com clareza seu conteúdo e âmbito de aplicação. Isto não
significa que a positivação é essencial para a aplicação e, como colocou Pedro Baptista
Martins, a teoria se extrai como consectário lógico do ordenamento:
222
Enunciado 37 – Art. 187. A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e
fundamenta-se somente no critério objetivo – finalístico.
223
BOULOS. Daniel M. Abuso do direito no novo Código Civil. São Paulo: Editora Método, 2006. p. 22.
224
MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito. Atualizador José da Silva Pacheco. 3ª edição.
Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 20.
88
“Pode-se então dizer que o abuso do direito é a má utilização de um direito
legítimo e reconhecido mas, porque praticado com excesso ou abuso, pelo
desbordamento do seu exercício, torna-sse ilegítimo, ingressando então no
campo da responsabilidade civil. Tome-se como exemplo o indivíduo que,
para defender a posse legítima de sua propriedade, usa de meios excessivos e
violentos, repelindo a invasão com força física e armas. Em síntese, o abuso
do direito traduz licitude no antecedente (direito adquirido ou assegurado) e
culpa no consequente (meio inadequado e abusivo de exercitar esse direito).
(...)”.
2. 4 CORRENTES DOUTRINÁRIAS
“As trevas que durante muito tempo envolveram a theoria do acto illicito
eram causadas pela falta de fixação de um critério seguro, que regulasse as
distincções feitas pelos escriptores.”226
Então, além das turbulências próprias da teoria pelos termos trazidos por ela,
há todo o emblema acerca de outros institutos que também a subsidiam. O resultado, como se
pode antever, é a variação de correntes, desde os que a refutam por completo por não
225
BOULOS. Daniel M. Abuso do direito no novo Código Civil. São Paulo: Editora Método, 2006. p. 21-24.
226
AMERICANO, Jorge. Do abuso do direito no exercício da demanda. São Paulo: Casa Vanorden, 1923. p.
25.
89
admitirem sequer a existência de direitos subjetivos, como Léon Duguit, até os que a veneram
demasiadamente e pretendem a máxima extensão na sua aplicação, conforme exporemos a
seguir.
2. 4. 1 CORRENTE SUBJETIVA
227
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas.
Revista da Ordem dos Advogados, Portugal, 2005, ano 65, vol. II, set.2005. Disponível em
<http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=45582&ida=%2045614>. Acesso em 20.5.2015.
p. 10.
228
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 20ª edição atualizada por Edvaldo Brito e Reginalda
Paranhos de Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 101
90
como abusivo o exercício de um direito com a intenção de causar prejuízo, apesar de os
limites do direito terem sido observados:
Outros doutrinadores, como Marcel Planiol, por seu turno, expunham a questão
como mero problema teórico, pois ou se estava agindo em conformidade com o direito, e não
haveria, portanto, ilícito, ou contrário ao direito, e, então, o fato seria ilícito.
233
CONDORELLI, Epifanio L. El abuso del derecho. La Plata: Platense, 1971. p. 20-21.
234
LAUTENSCHLÄGER, Milton Flávio de Almeida Camargo. Abuso do direito. São Paulo: Atlas, 2007. p.
37-38.
92
Nesta linha aparece o posicionamento de Jorge Americano, para quem é
suficiente à caracterização do abuso do direito se o comportamento do agente for contrário ao
standard de comportamentos exigíveis, isto é, se a atuação do sujeito for divergente do que é
social e juridicamente aceito:
“(...) é preferivel adoptar um criterio mixto, que analyse, por assim dizer,
objectivamente a intenção, isto, é, com os elementos que dá o estudo do
procedimento normal dos homens, conclúa pela anormalidade do
procedimento do agente quando se não conforme com essa média, e faça
decorrer dahi a obrigação de resarcir o damno.”235
2. 4. 2 CORRENTE OBJETIVA
Para Orlando Gomes, a corrente objetivista, por seu turno, se subdividiria entre
os que qualificam como abuso do direito o fato realizado sem legítimo interesse (critério
econômico) e os que admitem a aplicação da teoria se o direito não tiver sido exercido
conforme sua destinação econômica ou social (critério teleológico).
235
AMERICANO, Jorge. Do abuso do direito no exercício da demanda. São Paulo: Casa Vanorden, 1923. p.
29.
236
É, assim, que Epifanio Condorelli coloca: “(...) esta nueva forma de encarar la teoría surgió en Francia, como
una necesidad de encuadrar la figura del abuso de los derechos dentro de los cánones del derecho positivo
vigente (…)”. CONDORELLI, Epifanio L. El abuso del derecho. La Plata: Platense, 1971. p. 21.
93
No primeiro caso, consoante lições de Epifanio Condorelli237, estaria Saleilles,
com atenção às alterações que o posicionamento deste autor sofreu ao longo do tempo. Como
aponta o argentino, na primeira edição do livro do francês estava a diferenciação entre aquele
sujeito que exerce um direito subjetivo expressamente previsto em lei, daquele que usa de sua
liberdade, onde o abuso ocorreria sem que se violasse um direito, mas prejudicar outrem. Na
segunda edição é que veio a caracterização da teoria do abuso do direito como o exercício
anormal de um direito, contrário à sua destinação econômico-social, com reprovação pela
consciência pública e que ultrapassa o conteúdo do direito238. Quanto ao interesse que deve
ser realizado no exercício do direito, não basta qualquer motivação alegada pelo sujeito, mas a
sua correspondência com as realizações econômicas ou sociais que a lei busca salvaguardar:
“En definitiva, para determinar el abuso del derecho habría, no que saber
exactamente lo que ha querido aquél que lo cometió, sino rebuscar, según la
circunstancia del hecho, si el acto que cumplió es susceptible de procurar un
interés cualquiera del que la ley tenga por misión garantir la realización
pecuniaria o moral.”239
Por fim, pelo critério teleológico, preconizado por L. Campion, como expõe
Epifanio Condorelli, haveria dualidade de interesses: o do sujeito, que exercendo um direito
subjetivo causa prejuízo, e o da sociedade, cujo interesse é prejudicado por esse exercício. O
exercício antissocial de uma faculdade reconhecida por lei, nas palavras de Epifanio
Condorelli ao expor esse posicionamento doutrinário, que causa um dano ao interesse social
representa uma ruptura do equilíbrio de interesses a justificar a aplicação da teoria do abuso
do direito.
“En otros términos, se pone de resalto que la colisión entre el interés social
de la norma o derecho objetivo debe tener primacía frente al interés social
del derecho subjetivo.”240
237
CONDORELLI, Epifanio L. El abuso del derecho. La Plata: Platense, 1971. p. 22.
238
Percebemos aqui traços do que está no artigo 187 do Código Civil brasileiro de 2002, positivação da teoria do
abuso do direito. O “exercício anormal do direito” e “ultrapassar o seu conteúdo” se relacionam com o
“exercício manifestamente excessivo”, a contrariedade à “destinação econômico-social” liga-se à “função social
e econômica do direito”, a reprovação pela “consciência pública” conecta-se com os “bons costumes”.
239
CONDORELLI, Epifanio L. El abuso del derecho. La Plata: Platense, 1971. p. 23.
240
CONDORELLI, Epifanio L. El abuso del derecho. La Plata: Platense, 1971. p. 24.
94
Orlado Gomes não parece ser adepto à teoria, pois em nota de rodapé aponta
pelos “enormes perigos” que ela pode criar ao conferir ao juiz uma margem discricionária
grande para decidir se houve ou não afronta ao “fim legítimo” no exercício do direito.
Entretanto, ressalta tratar-se de um “conceito amortecedor” na medida em que alivia os
choques entre lei e realidade e ser importante sua absorção pelo sistema como ferramenta para
a repressão a abusos, sem que seu próprio uso represente um abuso:
Isto não foi suficiente para aquietar os opositores da teoria. É que, sendo a
função atual a que deve ser levada em conta, a discricionariedade atribuída ao julgador para
241
CONDORELLI, Epifanio L. El abuso del derecho. La Plata: Platense, 1971. p. 103.
242
CONDORELLI, Epifanio L. El abuso del derecho. La Plata: Platense, 1971. p. 37-42.
243
Para complementar, Epifanio Condorelli coloca que “Además, la teoría del abuso del derecho insiste sobre
esta idea: que es necesario adaptar la jurisprudencia a los progresos sociales, al desarrollo de la solidaridad.”
CONDORELLI, Epifanio L. El abuso del derecho. La Plata: Platense, 1971. p. 25-26.
95
decidir se fora ou não cumprida a função daquele direito ganha uma margem grande e que
seria maléfica para o direito por implicar em insegurança.
2. 4. 3 CORRENTE FINALISTA
Cada direito subjetivo tem sua razão de ser, uma missão a cumprir e por isso
nem o próprio detentor do direito pode usá-lo mal, desvirtuá-lo. A sociedade que os elabora,
estando, portanto, subordinados a ela, e não o contrário (o direito subjetivo subordinar a
sociedade) e por isso não se pode admitir serem “absolutos”, mas sempre “relativos”246.
244
LEVADA, Claudio Antônio Soares. Anotações sobre o abuso de direito. Revista da Faculdade de Direito
Padre Anchieta. Jundiaí, SP, ano IV, n. 7, nov. 2003. p. 13-14.
245
CONDORELLI, Epifanio L. El abuso del derecho. La Plata: Platense, 1971. p. 26.
246
“[...] cada uno de ellos [derechos] tienen su razón de ser, su misión a cumplir; cada uno de ellos es dirigido
hacia su fin y no atañe al titular desviarlo del mismo; su télesis hállase fuera y por encima de ellos mismos, no
son, pues, absolutos, sino relativos.”. CONDORELLI, Epifanio L. El abuso del derecho. La Plata: Platense,
1971. p. 26.
96
Alguns critérios são elencados por Louis Josserand para fundamentar o
exercício dos direitos e identificar quando há abuso do direito; são eles, conforme exposição
de Milton Flávio de Almeida Camargo Lautenschläger:
Louis Josserand ainda diferencia os atos abusivos, dos excessivos e dos ilegais
e, na síntese de Epifanio Condorelli, as características trazidas por Louis Josserand para cada
um desses atos assim se definiriam:
“Los actos abusivos serían aquéllos que han sido cumplidos dentro de los
términos de la ley, conforme a la regla aplicable, pero con un espíritu que no
es el de la institución; en cambio los actos ilegales son incorrectos,
intrínsecamente, ultrapasando los límites objetivos de su derecho. Los actos
excesivos, por el contrario, no desconocen esos límites objetivos, sine que
observan los mismos pero causan un perjuicio a un tercero.”248
247
LAUTENSCHLÄGER, Milton Flávio de Almeida Camargo. Abuso do direito. São Paulo: Atlas, 2007. p.
41.
248
CONDORELLI, Epifanio L. El abuso del derecho. La Plata: Platense, 1971. p. 27.
249
LAUTENSCHLÄGER, Milton Flávio de Almeida Camargo. Abuso do direito. São Paulo: Atlas, 2007. p.
43.
250
LAUTENSCHLÄGER, Milton Flávio de Almeida Camargo. Abuso do direito. São Paulo: Atlas, 2007. p.
43.
97
2. 4. 4 OUTRAS POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS
Sob este ângulo, o enfoque a ser dado para o caso deveria ser no dano e sua
anormalidade sob o ponto de vista da equidade e por esta razão foi criticado. Conforme
argumenta Milton Flávio de Almeida Camargo Lautenschläger, “para efeito de caracterizar o
abuso do direito, mister é analisar o ato causador do dano e não o dano em si.” 252.
251
LAUTENSCHLÄGER, Milton Flávio de Almeida Camargo. Abuso do direito. São Paulo: Atlas, 2007. p.
40.
252
LAUTENSCHLÄGER, Milton Flávio de Almeida Camargo. Abuso do direito. São Paulo: Atlas, 2007. p.
41.
253
LAUTENSCHLÄGER, Milton Flávio de Almeida Camargo. Abuso do direito. São Paulo: Atlas, 2007. p.
45.
98
2. 5 NATUREZA JURÍDICA
2. 5. 1 ATO ILÍCITO
“(...) c`est seulement faire cette observation que tout acte abusif, par cela seu
qui`il est illicite, n`est pas l`exercice d`un droit, et que l`abus de droit ne
constitue pas une catégorie juridique distincte de l`acte illicte. (...)254
“(...) a categoria dos atos ilícitos não abrange apenas o ilícito jurídico, isto é,
o que decorre de uma violação imediata da lei. Por ilícito igualmente se
compreende, na técnica jurídica como no sentido lexicológico, o ato
contrário à moral, aos bons costumes e à ordem pública.”255
254
PLANIOL, Marcel. Traite élémentaire de droit civil. v. 2. 8ª edição. Paris: Librairie générale de droit et de
jurisprudence, 1921. p. 281.
255
MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito. Atualizador José da Silva Pacheco. 3ª edição.
Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 19.
99
“A consagração nesse contexto [de ato ilícito] é tão evidente que há pouca
ou nenhuma margem para discussões acerca da real natureza jurídica do
instituto, assim definida pelo próprio legislador. A verdade é que, no caso
concreto, ultrapassados os ‘limites lógicos formais’ ou os limites
‘axiológicos materiais’ da ordem jurídica, estar-se-á diante de um ato
ilícito.”256
A mistura dos institutos é tamanha que Heloísa Carpena, por exemplo, prefere
identificar o abuso do direito como um categoria autônoma para não correr o risco de que, ao
incluí-lo como ilícito, seja perquirida a culpa ou dolo para sua configuração:
256
LAUTENSCHLÄGER, Milton Flávio de Almeida Camargo. Abuso do direito. São Paulo: Atlas, 2007. p.
55.
257
MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: ilicitude objetiva e limite ao exercício de prerrogativas jurídicas no
direito privado. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 31.
258
MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa fé. In: TEPEDINO,
Gustavo (Org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 75.
100
“A concepção do abuso do direito como espécie de ato ilícito, permita-se
insistir, além de obscurecer seus contornos, caminha no sentido da
responsabilidade subjetiva, sendo a culpa elemento quase indissociável do
conceito de ilicitude. Trata-se de concepção absolutamente anacrônica, pois
a efetiva aplicação da teoria exige que a aferição de abusividade no exercício
de um direito seja objetiva, revelada no simples confronto entre o ato
praticado e os valores tutelados pelo ordenamento civil constitucional.” 259
Para nós o ilícito é ato tratado pelo direito e capaz de produzir efeitos jurídicos
– portanto, um fato jurídico –, mas a sua ocorrência traduz algo não querido para a
manutenção da harmonia social e do aperfeiçoamento humano.
Não nos parece que o ilícito “viole o ordenamento jurídico”, até porque o
ilícito é parte do ordenamento e só por isso que é possível compreendê-lo como jurídico.
Houve a sua valoração pela ordem jurídica para que ele pudesse deixar de ser mero fato e
passasse a ter relevância jurídica.
Seja como for, se as leis disciplinam os ilícitos para lhes cominar sanções,
então o ilícito está dentro do ordenamento jurídico e por isso não pode ser “contrário” a ele.
Contrário é o que é oposto, o que está fora e o ilícito não está fora do ordenamento jurídico.
259
CARPENA, Heloísa. O abuso do direito no código civil de 2002: relativização de direitos na ótica civil-
constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). O código civil na perspectiva civil constitucional: parte
geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 439.
101
Por conta das confusões entre os institutos é que, em nosso entendimento,
diverge a doutrina sobre a natureza jurídica do abuso do direito.
A legítima defesa é tratada no Código Penal em seu artigo 23, II. Assim como
na esfera civil, na penal haverá exclusão da ilicitude se o fato for praticado em legítima
defesa. A diferença é que pela doutrina penal há uma maior abrangência na compreensão
dessa causa de exclusão de ilicitude, pois abarca inclusive a legítima defesa putativa.
102
“Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos
meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou
de outrem.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
Por outro lado, para a configuração da legítima defesa deve haver o uso
moderado dos meios necessários para repelir a injusta agressão.
Contudo, há dois ângulos para analise desse fato jurídico: um é o que se refere
a conduta do sujeito em relação àqueles que violaram seu direito de propriedade. Houve uso
moderado dos meios para impedir a violação ao direito e, portanto, configurada a legítima
defesa não há ilicitude.
Por outro lado, ao agir com imperícia e atingir um terceiro, alheio a essa
relação, não há legítima defesa, que só existe em relação àqueles que violaram seu direito.
Quanto ao terceiro atingido há ilícito puro, pois jamais houve, em relação a ele, o exercício
261
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 9ª Câmara Cível. Relator Desembargador Leonel Pires Ohlweiler.
Apelação nº 70046278198. Julgado em 24.10.2012. Publicado em 26.10.2012.
104
regular de um direito, mas uma conduta voluntária, que, por imperícia, causou-lhe danos. Tal
situação se subsume ao artigo 186 do Código Civil, e não ao artigo 187, como entendeu o
órgão julgador.
Mais uma vez, entretanto, não há, propriamente, o abuso do direito, pelos
mesmos argumentos expostos acima. Ou há legítima defesa, que apenas se caracteriza pelo
uso moderado dos meios necessários para o exercício do direito de defesa, ou não há legítima
defesa, porque não foram usados os meios moderados, mas, não por isso, há abuso do direito.
262
Tribunal de Justiça de São Paulo. 8ª Câmara de Direito Privado. Relator Desembargador Luiz Ambra.
Apelação nº 9132737-96.2009.8.26.0000. Julgado em 9.5.2012.
105
Apesar de o abuso do direito se caracterizar pelo exercício irregular de um
direito, sua aplicação restringe-se aos casos que se subsumem à sua teoria: se há violação à
boa-fé, aos bons-costumes ou aos fins sociais e econômicos do direito.
Aí, sim, está configurado o abuso do direito, já que ele tem o direito de
propriedade e de privacidade e, ao exercê-los, poderia retirar a mulher de sua residência.
Excedendo, porém, os limites dos bons costumes para o exercício desse direito, cometeu ato
ilícito (abuso do direito).
Entretanto, pelo entendimento dos julgadores, teria havido abuso do direito por
exercício irregular do direito de legítima defesa.
Além da legítima defesa, outra causa que exclui a ilicitude do fato é o exercício
regular de um direito: trata-se, como claramente se extrai de seus termos, de uma conduta
realizada em conformidade com o que permite o direito.
106
Como na esfera do direito privado é permitido aquilo que não é proibido, o
bando de dados com inclusão de nomes de devedores inadimplentes para consulta por
credores é possível. A fundamentação legal está no artigo 43 do Código de Defesa do
Consumidor e na Lei 9.507/1997.
Ainda no exemplo dado, imagine o credor que, apesar de poder cobrar a dívida
de seu devedor, fixa uma gigante placa na porta do trabalho do devedor com a frase: “Fulano,
quando você pagará sua dívida atrasada?”.
107
Mais uma vez estamos diante de uma situação ampla, pois o que configura o
“indispensável”? As situações que se enquadram no dispositivo são aquelas em que, por
exemplo, o sujeito em uma rodovia para em um pedágio e observa que o caminhão atrás está
desgovernado. Para evitar a colisão, ultrapassa o pedágio, sem pagar e causando danos à
estrutura, mas com isso evita danos em sue veículo e às pessoas dentro dele. Não haverá
ilicitude em sua conduta, por aplicação do artigo 188, II do Código Civil de 2002.
Mas, assim como na legítima defesa, também não é possível falar em abuso do
direito nesta situação. Isto porque, para a caracterização do estado de necessidade devem estar
presentes os requisitos legais, que já limitam o exercício desse direito.
108
2. 5. 2 ATO LÍCITO
Epifanio Condorelli segue a corrente que inclui o fato abusivo entre os lícitos,
por considerar ilógico estar ele nos ilícitos. Isto porque, para o autor, é a licitude que norteará
o estudo do fato: a partir do exercício de um direito (lícito), há a realização do abuso, que
acarretará em uma sanção:
263
CONDORELLI , op. cit., p. 30-31.
264
CONDORELLI , op. cit., p. 31.
109
2. 5. 3 ATO SUI GENERIS
“[...] los actos ilegales o actos cumplidos sin derecho, son aquéllos que
obligan a su autor desde el momento que no actúa en nombre institucional ni
por consecuencia, ejerce un derecho, quedando pues, obligado por su acto
independientemente del perjuicio que pueda causar en derechos o
instituciones ajenas […]”266
O ato ilícito, por seu turno, seria aquele em que haveria violação a uma
267
obrigação e o ato excessivo seria realizado com fundamento em um direito, de acordo com
o seu espírito, mas, ainda assim, haveria responsabilidade do autor:
265
BUSTAMANTE, Lino Rodriguez-Arias. El abuso del derecho (teoría de los actos antinormativos). Revista
de la Facultad de Derecho de México, Cidade do México, n. 16, dez. 1954. p. 15-17.
266
BUSTAMANTE, Lino Rodriguez-Arias. El abuso del derecho (teoría de los actos antinormativos). Revista
de la Facultad de Derecho de México, Cidade do México, n. 16, dez. 1954. p. 15.
267
BUSTAMANTE, Lino Rodriguez-Arias. El abuso del derecho (teoría de los actos antinormativos). Revista
de la Facultad de Derecho de México, Cidade do México, n. 16, dez. 1954. p. 15.
268
BUSTAMANTE, Lino Rodriguez-Arias. El abuso del derecho (teoría de los actos antinormativos). Revista
de la Facultad de Derecho de México, Cidade do México, n. 16, dez. 1954. p. 15.
110
derecho, entendemos un actos intencionalmente dañoso, estaremos en
presencia de un acto ilícito, y, por último, si por abuso del derecho nos
figuramos el ejercicio de un derecho lícito en su origen y finalidad, pero sin
atenderse a los intereses ajenos o salvando reglas de prudencia […], estamos
ante un acto excesivo […]”269
269
BUSTAMANTE, Lino Rodriguez-Arias. El abuso del derecho (teoría de los actos antinormativos). Revista
de la Facultad de Derecho de México, Cidade do México, n. 16, dez. 1954. p. 16.
270
CARPENA, Heloísa. O abuso do direito no código civil de 2002: relativização de direitos na ótica civil-
constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). O código civil na perspectiva civil constitucional: parte
geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 426 - 427.
111
um descompasso entre a conduta [...] e a finalidade pela qual o ordenamento
garante ao titular este mesmo direito ou liberdade [...].”271
É certo que por este método exige-se mais do intérprete para aplicação da
teoria no sentido de que ele deverá, primeiro, preencher, com o caso concreto, o conteúdo
vago da norma e, em seguida, analisar sua aplicabilidade. Mas, os limites estão elencados: boa
fé, bons costumes e função social e econômica do direito.
Ainda assim, porém, Heloísa Carpena argumenta que o ilícito é apenas o ato
que viola um dever jurídico claramente fixado pelo legislador:
2. 6 FIGURAS AFINS
271
CARPENA, Heloísa. O abuso do direito no código civil de 2002: relativização de direitos na ótica civil-
constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). O código civil na perspectiva civil constitucional: parte
geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 430 - 431.
272
CARPENA, Heloísa. O abuso do direito no código civil de 2002: relativização de direitos na ótica civil-
constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). O código civil na perspectiva civil constitucional: parte
geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 430.
112
2. 6. 1 ‘AEMULATIO’
Os atos emulativos são aqueles realizados pelo sujeito sem que deles extraia
benefícios e os realize com o único propósito de prejudicar outra pessoa. É neste sentido que
Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro o conceitua: “Aemulatio é o exercício de um
direito, sem utilidade própria, com a intenção de prejudicar outrem.”273.
2. 6. 3 ‘EXCEPTIO DOLI’
A exceptio doli é o meio de defesa pelo qual o sujeito aponta o dolo em que
incorre a outra parte no exercício do direito subjetivo para repelir a pretensão. O exemplo
273
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Editora Almedina,
2013. p. 673-674.
274
GUERRA, Alexandre. Responsabilidade Civil por Abuso do Direito. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 34.
113
trazido por Alexandre Guerra é do empreiteiro que convence o dono da obra de que fez a
reparação necessária, sem o ter feito, e, depois, ao ser acionado, invoca o decurso do prazo
para afastar a obrigação275. O autor expõe essa teoria nos seguintes termos:
275
GUERRA, Alexandre. Responsabilidade Civil por Abuso do Direito. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 43.
276
GUERRA, Alexandre. Responsabilidade Civil por Abuso do Direito. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 42.
277
GUERRA, Alexandre. Responsabilidade Civil por Abuso do Direito. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 45.
278
GUERRA, Alexandre. Responsabilidade Civil por Abuso do Direito. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 49.
279
GUERRA, Alexandre. Responsabilidade Civil por Abuso do Direito. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 50.
114
3 FUNDAMENTOS DA TEORIA DO ABUSO DO DIREITO
115
E isto porque “boa-fé”, assim como “bons costumes” e “fim econômico e
social do direito” são conceitos jurídicos abertos, cuja interpretação se dá por meio de
métodos apropriados.
280
TUSA, Gabriele. Cláusulas gerais no Código Civil de 2002: reflexões acerca de sua aplicação. 2008. Tese
(Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 93-101.
116
A proposta era fechar o sistema e se utilizar exclusivamente dele para a solução
das controvérsias, o que tornaria o direito uma ciência mais precisa e séria, pois se saberiam
os resultados, independentemente de quem julgasse. A lei traria todas as respostas e o juiz
apenas daria voz a ela, como salienta António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro:
Mas essa busca pela previsibilidade, esperando que o direito fosse mesmo uma
ciência exata - ocorrido o fato x, o efeito jurídico deve ser y – como se fosse uma conta
matemática, mostrou sua inviabilidade. Impossível ao legislador prever exatamente os fatos e
determinar suas consequências sem possibilidade de mutações, exceto pelo advento de novas
leis.
Para desempenhar esse papel, ainda nas lições de Gabriele Tusa, surge a
cláusula geral como “criação legislativa que conta com conteúdo inexato, amplo, geral,
dotado de conceitos vagos e imprecisos (...)”282. É proposital que assim seja, que traga em seu
conteúdo palavras, expressões e frases “líquidas”, ao invés da dureza dos sistemas anteriores.
Além disso, essa aplicação fria e rígida causava injustiças que não encontravam
soluções adequadas. Aliás, é o que vemos exatamente em relação à teoria do abuso do direito.
Sem ela, a pessoa pode alegar o exercício de um determinado direito subjetivo para subsumir
281
CANARIS, Claus-Canaris. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Prefácio
e Tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Editora Fundação Calouste Gulbenkian, 5ª edição, 2012. p.
CI.
282
TUSA, Gabriele. Cláusulas gerais no Código Civil de 2002: reflexões acerca de sua aplicação. 2008. Tese
(Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 101.
117
com perfeição a sua conduta antissocial à lei e com isso se esquivar da responsabilidade civil
diante do rigor e da subsunção estática do fato à norma.
Como não é essa a intenção do direito, inserir na redação de suas leis termos
imprecisos é menos falta de técnica e mais aproximação com a realidade para a concretização
de sua finalidade.
Por isso que na França, local sede da Revolução contra o autoritarismo, a nova
política buscava atender aos anseios sociais e prever leis rígidas, estáticas e, portanto,
supostamente mais seguras, já que limitava o poder do aplicador.
Mas não é só. Mais do que isso, também é preciso assumir que as regras trazem
previsões fáticas de uma forma “fria”, estática e alheia às vicissitudes cotidianas. Portanto, é
118
preciso compreender o sistema, sua função, seus objetivos para que a aplicação da lei ao caso
concreto não seja mera “subsunção”, mas sim a análise dos fatores gerais e relacionados que
contribuem para a ocorrência daquele fato e, com isso, identificar a solução adequada.
283
MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.41.
284
CANARIS, Claus-Canaris. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Prefácio
e Tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Editora Fundação Calouste Gulbenkian, 5ª edição, 2012. p.
LXIV.
285
MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 42.
119
O sistema, então, é o método de organização e para a nossa ciência é o
“modelo de organização de certo ordenamento jurídico”, ainda nos dizeres da autora. Para a
compreensão total, ela ainda esclarece que as palavras sistema e ordenamento não são
sinônimos, pois enquanto aquela primeira, como vimos, é a relação de um conjunto de
componentes com conexões, esta é “o conjunto de normas que regulam a vida jurídica em
certo espaço territorial. O sistema exprime as ligações, nem sempre existentes, entre estas
normas”286.
É por meio do sistema que a Ciência Jurídica constata a unidade das regras que
compõe o Direito estudado. Por esta razão que Savigny, citado na obra de Claus-Wilhelm
Canaris, afirma que o sistema é “a concatenação interior que liga todos os institutos jurídicos
e as regras de Direito numa grande unidade” 287.
286
MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 43.
287
CANARIS, Claus-Canaris. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Prefácio
e Tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Editora Fundação Calouste Gulbenkian, 5ª edição, 2012. p.
10-11.
120
dominado por poucos e alcançáveis princípios, portanto um Direito ordenado
em sistema, do que por uma multiplicidade inabarcável de normas singulares
desconexas e em demasiado fácil contradição umas com as outras”288.
A análise sistemática, por si, já seria suficiente para repelir o exercício abusivo
de direitos, mas a positivação de forma expressa dá ainda maior guarida para o instituto e sua
aplicação se tornaria mais fácil e objetiva – o que, entretanto, como veremos, não sucede, em
razão da formação equivocada e apreensão incorreta do próprio instituto do “abuso do direito”
como dos demais pontos que o permeiam.
288
CANARIS, Claus-Canaris. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Prefácio
e Tradução de Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Editora Fundação Calouste Gulbenkian, 5ª edição, 2012. p.
22.
121
Utilizar princípios, cláusulas gerais e conceitos abertos é tornar o sistema mais eficiente, mais
abrangente e mais permanente. Por outro lado, também exige mais do operador, já que
precisará dominar mais campos do que se se limitasse a aplicação de regras categóricas.
Desta exposição extrai-se que as leis expressas, seus artigos, as regras dos
Códigos, não são as únicas que constituem o direito. Os princípios e as normas jurídicas
extraídas deste complexo assumem papel relevante e informador do sistema jurídico, a partir
dos quais ações devem ou não devem ser realizadas.
3. 2 PRINCÍPIOS
289
LOTUFO, Renan. Princípio e o novo Código Civil. In:PAULA, Fernanda Pessoa Chuahy de et al (Coord).
Direito das obrigações: reflexões no direito material e processual: obra em homenagem a Jones Figueirêdo
Alves. São Paulo: Método, 2012.
290
LARAIA, Ricardo Regis. Princípios: meio e fim. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Temas relevantes
do direito civil contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do Código Civil. São Paulo: Atlas, 2008. p. 137-
147.
123
Com isso, Ricardo Laraia explica que as regras estão no plano de concretude
acentuada, ou seja, é o meio mais concreto de aplicação dos valores. Os princípios, por seu
turno, estão no campo intermediário entre as regras e os valores. Importa observar que os
valores não exigem, necessariamente, um comportamento, uma ação, enquanto os princípios
impulsionam que os valores se tornem fatos, nos dizeres do autor. É dessa forma que ele
entende os princípios, as regras e os valores291.
291
LARAIA, Ricardo Regis. Princípios: meio e fim. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Temas relevantes
do direito civil contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do Código Civil. São Paulo: Atlas, 2008. p. 138-
139.
292
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª edição. São
Paulo: Malheiros, 2014. p. 65 et seq.
293
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª edição. São
Paulo: Malheiros, 2014. p. 65.
294
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª edição. São
Paulo: Malheiros, 2014. p. 55.
295
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª edição. São
Paulo: Malheiros, 2014. p. 55-56.
124
Nos dizeres de Humberto Ávila, Claus-Wilhelm Canaris entende que os
princípios “possuiriam um conteúdo axiológico explícito e careceriam, por isso, de regras
para sua concretização” e “receberiam seu conteúdo de sentido somente por meio de um
processo dialético de complementação e limitação” 296.
Neste sentido, ainda, Heloísa Carpena ensina que “os princípios contém os
valores que fundamentam o ordenamento, [...] representam verdadeiros ‘vetores de aplicação
da lei’, garantidores da unidade e coerência do sistema.” 298.
Cumpre salientar que para Humberto Ávila essas definições não são precisas.
Em não raras situações as regras são afastadas pelo julgador em atenção a peculiaridades do
caso em julgamento. Exemplifica o autor com diversos casos e, para ilustrar, destacamos um
em que houve a não aplicação da regra prevista no artigo 224 do Código Penal porque, a
296
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª edição. São
Paulo: Malheiros, 2014. p. 56.
297
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª edição. São
Paulo: Malheiros, 2014. p. 141.
298
CARPENA, Heloísa. O abuso do direito no código civil de 2002: relativização de direitos na ótica civil-
constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). O código civil na perspectiva civil constitucional: parte
geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 430 - 431.
299
Destacamos, por oportuno, o trecho a seguir que resume o entendimento de Alexy:
“Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades
jurídicas e reais existentes. Portanto, princípios são mandatos de otimização, caracterizados pelo fato de que
podem ser cumpridos em graus diferentes e que a medida devida de seu cumprimento não depende apenas das
possibilidades reais, mas também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos
princípios e regras opostos”. Trecho de Robert Alexy, 1994, citado por LOPES, José Reinaldo de Lima.
Princípios. In: PFEIFFER, Roberto A. et al (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de
2002. São Paulo: RT, 2005.
300
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª edição. São
Paulo: Malheiros, 2014. p. 57.
125
despeito de a vítima ser menor de 14 anos – o que configuraria a presunção de violência no
ato sexual – houve a concordância da menor e sua aparência física e mental induziram ser
maior de idade301.
Conota-se de sua obra que os princípios são mais abstratos que as regras e
estas, por sua vez, são mais rígidas, cabendo aplicação diversa apenas excepcionalmente304.
Claus-Wilhelm Canaris, por seu turno, salienta que o conteúdo dos princípios
depende de uma materialização e há complementação e combinação entre eles:
301
Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. habeas corpus nº 73.662-9-MG. Relator Ministro Marco Aurélio.
Julgado em 21.5.1996.
302
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª edição. São
Paulo: Malheiros, 2014. p. 67.
303
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald acentuam interessante posicionamento sobre o afastamento de
regras claras: “Em se tratando de uma regra válida – e, por conseguinte, compatível com a Constituição e com os
princípios inspiradores do próprio sistema – não se mostra razoável negar-lhe aplicação para promover a
interpretação casuística de princípios em um caso específico já previamente valorados pelo legislador.”.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. v.1. 12ª
edição. Bahia: Editora Juspodivm, 2014. p. 84. Mas, em seguida, esclarecem a existência de casos extremos
(extreme cases), onde, apesar de a regra ser válida, sua aplicação é afastada. Isto porque, a elaboração das regras
conta com uma finitude de informações e informações adicionais podem exigir uma solução diversa. Há
doutrinadores que chamam isso de “casos trágicos” (Manuel Atienza) porque não alcançam uma resposta correta
e a decisão ferirá o ordenamento jurídico, mas respeitará seus valores. p. 89-91.
304
É o que se extrai da leitura dos seguintes trechos da obra de Humberto Ávila:
“(...) no caso dos princípios o grau de abstração é maior relativamente à norma de comportamento a ser
determinada, já que eles não se vinculam abstratamente a uma situação específica (por exemplo, princípio
democrático, Estado de Direito); no caso das regras as consequências são de pronto verificáveis, ainda que
devam ser corroboradas por meio do ato de aplicação. (...)”.ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da
definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª edição. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 70
“(...) aquilo que caracteriza as regras é precisamente o seu grau de higidez, indicativo de um comportamento ou
de um âmbito de poder, que não pode ceder senão diante da excepcionalidade da situação e mediante o
preenchimento de requisitos formais e materiais.”. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à
aplicação dos princípios jurídicos. 15ª edição. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 72.
305
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito.
Prefácio e Tradução de António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro. 5ª edição. Lisboa: Editora Fundação
Calouste Gulbenkian, 2012. p. 88.
126
O autor ainda destaca o seguinte sobre o conflito entre os princípios:
“pertence à essência dos princípios gerais de Direito que eles entrem, com
frequência, em conflito entre si, sempre que tomados em cada um, apontem
soluções opostas. Deve-se, então, encontrar um compromisso, pelo qual se
destine, a cada princípio, um determinado âmbito de aplicação. Trata-se,
pois, aqui, da característica acima elaborada, da mútua limitação dos
princípios”306.
Por isso se diz que os princípios são “ponderados”, ao contrário das regras, que
ou são válidas ou inválidas para aquela situação. Os princípios não se excluem e se estiverem
em contradição em um caso concreto, haverá a ponderação de qual deverá alcançar maior
peso, com a utilização da técnica de decisão de ponderação de interesses, como argumentam
Cristiano de Farias e Nelson Rosenvald308.
306
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito.
Prefácio e Tradução de António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro. 5ª edição. Lisboa: Editora Fundação
Calouste Gulbenkian, 2012.p. 205.
307
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. v.1.
12ª edição. Bahia: Editora Juspodivm, 2014. p. 85.
308
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. v.1.
12ª edição. Bahia: Editora Juspodivm, 2014. p. 85.
309
MELO, Diogo Leonardo Machado de. Princípios do direito contratual: autonomia privada, relatividade, força
obrigatória, consensualismo. In: LOTUFO, Renan et al. (Coord.). Teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas,
2011. p. 70-71.
127
que a pena não deve ultrapassar a pessoa que cometeu o crime); (v) os princípios formam o
núcleo do sistema, são a base, trazem as disposições fundamentais, dão a tônica e
harmonia310; (vi) os princípios servem de baliza, enquanto as regras fixam os limites rígidos.
3. 3 CLÁUSULAS GERAIS
312
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito.
Prefácio e Tradução de António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro. 5ª edição. Lisboa: Editora Fundação
Calouste Gulbenkian, 2012.p. 142.
313
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em
lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem.
314
Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções
internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas
autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia,
costumes e equidade.
129
A cláusula geral tem a função de abrir o sistema e torná-lo mais dinâmico e por
isso pode apresentar um caráter mais criativo, se cria normas de alcance geral, ou mais
corretivo, se busca dar soluções mais adequadas, ou mesmo integrador, trazendo elementos de
conexão, como apresentado por Gabriele Tusa e sucintamente definido por Judith Martins-
Costa nos seguintes termos:
“A opção por esse método [de legislar por cláusulas gerais] exige, portanto,
parcimônia e prudência: parcimônia do legislador na elaboração de
enunciados abertos, e prudência do aplicador que deverá efetuar uma
especial e muito cuidadosa motivação da decisão, explicitando com
probidade e rigor os elementos fáticos determinantes do reenvio ao valor
plasmado na cláusula geral, a hierarquização dos interesses em jogo, os
fatores da verossimilhança entre a conduta concretamente seguida pelas
partes e o modelo ideal de conduta delineado na cláusula geral (...)”.316
Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos
previstos nas normas de consumo.
315
MARTINS-COSTA, Judith. Cláusulas gerais: um ensaio de qualificação. In: COSTA, José Augusto Fontoura
et al (Org.). Direito: teoria e experiência: estudos em homenagem a Eros Roberto Grau. t. 2. São Paulo:
Malheiros, 2013. p. 999.
316
MARTINS-COSTA, Judith. Cláusulas gerais: um ensaio de qualificação. In: COSTA, José Augusto Fontoura
et al (Org.). Direito: teoria e experiência: estudos em homenagem a Eros Roberto Grau. t. 2. São Paulo:
Malheiros, 2013. p. 1020.
130
da íris. São outros códigos utilizados para compor a senha e permitir o acesso à conta
bancária.
As cláusulas gerais funcionam dessa forma: são outras chaves de acesso para
aplicação das regras jurídicas, sem as quais poucas situações poderiam se subsumir
exatamente na norma rigidamente existente.
“(...) As cláusulas gerais, portanto, são uma técnica legislativa que consente
a concretização e especificação das múltiplas possibilidades de atuação de
um princípio, agindo contemporaneamente como critério de controle da
compatibilidade entre princípios e regras.”317
317
PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução Maria Cristina De Cicco. Rio
de Janeiro: Renovar, 2008. p. 240.
318
MARTINS-COSTA, Judith. Cláusulas gerais: um ensaio de qualificação. In: COSTA, José Augusto Fontoura
et al (Org.). Direito: teoria e experiência: estudos em homenagem a Eros Roberto Grau. t. 2. São Paulo:
Malheiros, 2013. p. 1016.
131
“As cláusulas gerais integrarão essa nova linguagem. São o símbolo da
mudança de um paradigma; o testemunho de que há uma crise e a tentativa
de dar-lhe resposta. São o instrumento com que se evitam tensões demasiado
fortes entre o sistema jurídico e os dados da realidade, pois elas permitem a
adequação da lei à realidade sem a intervenção do legislador. São ponto de
partida para criação e realização do Direito.”319
O artigo 187 do Código Civil brasileiro é, portanto, uma cláusula geral que
introduz a teoria do abuso do direito. Isto porque, apesar de elencar os elementos
caracterizadores do ato ilícito constituído pelo abuso do direito não apresenta de forma direta
e rígida as consequências pela configuração desse ilícito, com o que viabiliza ao intérprete a
busca no ordenamento da solução mais adequada. Além disso, os elementos caracterizadores
do ilícito têm seu conteúdo preenchido com a análise da situação fática concreta.
3. 4 CONCEITOS INDETERMINADOS
319
APARÍCIO, Márcia de Oliveira Ferreira. Cláusulas gerais: a incompletude satisfatória do sistema: In:
LOTUFO, Renan (Coord.). Sistema e tópica na interpretação do ordenamento. Barueri: Manole, 2006. p. 18.
132
responsabilidade civil, que pode acarretar em obrigação de não fazer (impedir a construção de
um muro, por exemplo), fixar indenização (como determinar o pagamento de danos morais
pelo ato abusivo realizado) etc.
O direito é composto não só por leis, mas influenciado pela política, sociologia,
medicina, natureza e tudo que reflete no ser humano. Diante das mutações que essas áreas
sofrem, não é aconselhável que o direito se prenda a conceitos imóveis, mas se valha dos
mecanismos necessários para manter-se vivo e atento à realidade que busca organizar.
O Código Civil francês, de 1804, foi o grande influenciador dos Códigos Civis
e serviu de base para a criação dos diplomas civis em outros países. Como a sua proposta era
a de tudo prever e vincular o juiz aos termos rígidos da lei, a interpretação ocorria de forma
mais direta e sem abertura para inovações ou criações.
Por conta disso, o direito passou a ser visto em fatias incomunicáveis. As leis
de direito civil eram compreendidas exclusivamente nesse âmbito, já as de direito público
visavam a outro campo de fatos e não havia comunicação entre os diversos ramos do direito.
133
Entretanto, as relações entre as pessoas se tornaram cada vez mais constantes,
dependentes e dinâmicas. A produção em massa de bens de consumo, a monopolização dos
meios de produção e a concentração de riquezas em poucas famílias exigiu uma inovação na
aplicação do direito a fim de impedir um colapso das relações e da qualidade de vida.
O direito passou a ser visto como uma unidade, sistemática e coerente. Sua
interpretação não deveria ser isolada, para cada ramo do direito, mas em conjunto e de acordo
com os valores máximos da sociedade.
É nesse contexto que a Constituição deixa de ser vista como mera “carta” que
organiza o Estado e suas funções e assume o papel de lei maior que direciona as relações entre
o Estado e os cidadãos e entre os próprios cidadãos, instituindo balizas econômicas para frear
o espírito egoísta e individualista reinantes.
Não há receio em se afirmar que o ser humano é, agora, visto como parte e não
como todo. A sociedade precisa dos indivíduos para existir e estes daquela. A natureza, os
animais, a flora precisam ser protegidos. A vida é vista de uma forma mais global.
320
Sobre esse ponto, Roberto Senise destaca o seguinte: “O terceiro ideário do revolucionário francês, o da
fraternidade, somente contou com a sua aplicabilidade efetivamente reclamada com o estabelecimento das
teorias do solidarismo francês do século XIX, como reação aos efeitos socioeconômicos decorrentes da
Revolução Industrial”. LISBOA, Roberto Senise. Confiança contratual. São Paulo: Atlas, 2012. p. 113.
134
não mais como objeto do direito, e é digno, deve ser tratado com dignidade, em que situação
se encontrar (como empregador ou como empregado, como cidadão livre ou como preso,
como ser humano ou mulher, enfim, independentemente de qualquer situação, é ser humano, é
pessoa e é digno de tratamento respeitável).
Para nós, a teoria do abuso do direito é reflexo dessa visão solidária: ao vedar
que os sujeitos exerçam seus direitos de forma contrária à boa-fé, aos bons costumes e aos
fins econômico e social do direito, temos uma clara positivação na lei civil do princípio
constitucional da solidariedade, pois impede excessos tendo em vista os interesses da
coletividade, e não exclusivamente do indivíduo.l
321
NANNI, Giovanni Ettore. O dever de cooperação nas relações obrigacionais à luz do princípio constitucional
da solidariedade. In: LOTUFO, Renan et al. (Coord.). Temas Relevantes do direito civil contemporâneo:
reflexões sobre os 5 anos do Código Civil. São Paulo: Atlas, 2008. p. 298. Em suas palavras: “O princípio da
socialidade significa a prevalência do “sentido social”, dos valores coletivos sobre os individuais, com destaque
do valor fundamental da pessoa humana.”.
135
A socialidade indica que os direitos da personalidade, os bens individuais
intangíveis, devem conviver harmonicamente com o aspecto social do ser humano e a
proteção ao bem comum. É a partir dela que se desenvolve a ideia de cooperação entre as
pessoas (inclusive jurídicas) e que se justifica a proteção aos fins sociais do direito. Ou seja, o
direito não existe apenas para o indivíduo, para a proteção dos bens individuais, de seu
patrimônio, mas para a coletividade, para o aperfeiçoamento do ser humano como integrante
da sociedade. O direito tem como finalidade (fim) a manutenção da sociedade (social), onde o
ser humano se desenvolverá.
322
NANNI, Giovanni Ettore. O dever de cooperação nas relações obrigacionais à luz do princípio constitucional
da solidariedade. In: LOTUFO, Renan et al. (Coord.). Temas Relevantes do direito civil contemporâneo:
reflexões sobre os 5 anos do Código Civil. São Paulo: Atlas, 2008. p. 297-298.
323
LISBOA, Roberto Senise. Confiança contratual. São Paulo: Atlas, 2012. p. 111.
136
Nicola Abbagnano esclarece a existência de duas vertentes sobre a Ética. A
tradicional, ética do fim, estuda para qual fim a conduta humana deve ser orientada e quais os
meios para alcançar tal fim. Meios e fins são deduzidos da natureza humana e por isso os
adeptos dessa vertente estudam a natureza, a substância e a essência dos homens.
Nela, bem é o que seria a realidade perfeita e por isso dizem que “o bem é a
felicidade”, ou seja, o fim da conduta humana é a felicidade.
Ainda, a eticidade para Hegel, definida por Abbagnano, se traduz nos seguintes
termos:
324
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. 6ª
edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. p. 442-451.
325
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. 6ª
edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. p. 451.
326
LISBOA, Roberto Senise. Confiança contratual. São Paulo: Atlas, 2012. p. 104.
137
limite genérico, aplicável em qualquer situação, ao exercício dos direitos, visa-se trazer ao
direito o conteúdo da ética e melhorar as relações humanas.
Por fim, o princípio da operabilidade ou concretude faz com que o direito seja
aplicado a pessoas concretas e não a partir de ideais inverificáveis, além de promover a
execução prática de suas disposições a fim de efetivar o direito e não torná-lo inviável.
É tal princípio que dará vida a teoria do abuso do direito e impedirá que a
cláusula geral fique no Código Civil como letra morta. Uma vez caracterizado como ilícito, o
exercício irregular do direito será concretamente reprimido pela ordem jurídico e a solução
adequada deve ser encontrada pelo juiz a fim de efetivar a norma jurídica.
Desta exposição se conclui que o exercício dos direitos está restrito a diversos
limites e, ainda que não fosse positivada a teoria do abuso do direito no artigo 187 do Código
Civil, a possibilidade de repressão a essas condutas abusivas decorreria dos princípios acima,
extraídos do ordenamento jurídico em diversos pontos.
327
CORDEIRO, Antonio Manual da Rocha e Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Editora Almedina,
2013. p. 53 et seq.
138
interpretação dada confere com a que era utilizada na época, qual o contexto histórico real e
as situações político-econômico-religiosa-jurídicas.
A fides-sacra é vista na Lei das XII Tábuas em passagem que aplica sanção
religiosa ao patrão que defraudasse a fides do cliente (8, 21), mas não há, entretanto,
esclarecimento acerca de seu conteúdo.
Entretanto, José Luis de Los Mozos salienta, ainda que não haja ligação entre a
boa-fé e o culto à Deusa Fides, o provável aspecto religioso da fides na antiguidade:
Portanto, enquanto na relação interna a fides era caracterizada por uma situação
de desigualdade entre as partes, na externa há, inicialmente, paridade. Progressivamente,
entretanto, António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro destaca que os papeis se
inverteram: as relações internas foram ficando mais equilibradas, enquanto nas externas Roma
buscava se impor aos estados conquistados, como resume o autor no seguinte trecho:
332
CORDEIRO, Antonio Manual da Rocha e Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Editora Almedina,
2013. p. 59 et seq.
333
CORDEIRO, Antonio Manual da Rocha e Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Editora Almedina,
2013. p. 68.
140
seu sentido. Havia uma divergência entre a utilização coloquial e jurídica e Roma não se
interessava por formulações abstratas, o que seria necessário para a construção de uma teoria
geral.
334
MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 215.
141
conotada à má fé e que também se manifesta pela crença justificada na
aparência de certa situação ou realidade jurídica.”335
A boa-fé objetiva, por seu turno, é uma regra de comportamento, traz critérios
para o agir conforme certo padrão de honestidade. Neste sentido, o artigo 422 da lei civil
brasileira dispõe que a boa-fé deve estar presente nas relações contratuais.
Pedro Pais de Vasconcelos afirma que a boa-fé objetiva e subjetiva não são
realidades diversas ou visões opostas:
É por isso que Claudia Marques vislumbra ser a boa-fé objetiva fonte de ao
menos três novas funções: é nela que se baseiam os deveres anexos, é por ela que se
reclassificam atos abusivos como ilícitos e é por meio dela que se interpreta adequadamente
os comportamentos337.
Para Mário Júlio de Almeida Costa, a boa-fé traz uma reflexão ética e depende
de “específica valoração jurisprudencial ético-jurídica para solução do caso concreto”338, ou
seja, o conteúdo da boa-fé não é pré-determinado, não se trata de um “molde” no qual o
335
MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa fé. In: TEPEDINO,
Gustavo (Org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 83.
336
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria geral do direito civil. 6ª edição. Coimbra: Editora Almedina, 2010.
p. 23.
337
MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 214-215.
338
COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações. 7ª edição. Coimbra: Almedina, 1999. p. 93.
142
comportamento se encaixa ou não. É diante do caso concreto que se faz a análise. Mas, não se
deve com isso concluir que aspectos subjetivos são levados em conta.
Com esse exemplo o que se quer elucidar é que a boa-fé objetiva é analisada
independentemente da boa-fé subjetiva, apesar de ambas poderem ser importantes para a
solução do caso. A boa-fé vista sob o prisma da objetividade implica em deveres a serem
observados para que a relação jurídica travada alcance o deslinde adequado. A boa-fé
subjetiva, por seu turno, parte para uma análise mais pessoal para constatar se o sujeito é
bondoso, ingênuo, ignorante ou aproveitador, esperto, malicioso.
Essa é uma das classificações da boa-fé. Vista sob o ângulo objetivo, a boa-fé
é, nas palavras de José Luis de Los Mozos, “ob-causante”, ou seja, deve se agir de boa-fé para
que o comportamento esteja adequado a regra de comportamento jurídica. Sob o ângulo
subjetivo, a boa-fé é “sub-legitimante” – ainda nas palavras de José Luis de Los Mozos -, que
significa que, se o sujeito tiver agido de boa-fé, acreditando não violar direito de outrem, os
143
efeitos jurídicos de seu comportamento podem legitimar efeitos jurídicos, como é o caso do
possuidor de boa-fé.
339
LOS MOZOS, José Luis de. El principio de la buena fe: sus aplicaciones prácticas en el Derecho Civil
Español. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1965. p. 15.
340
CORDEIRO, Antonio Manual da Rocha e Menezes. Tratado de direito civil português. v. 1. t. 1. 3ª edição.
Coimbra: Editora Almedina, 2005. p. 404.
341
DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade civil pós-contratual: no direito civil, no direito do
consumidor, no direito do trabalho e no direito ambiental. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 79.
144
artigo 4º da Lei de Introdução, que permite ao juiz se socorrer aos princípios gerais de direito
para decidir.
Vale apontar que a boa-fé prevista no Código Civil francês (1804) não teve
aplicação fecunda. Isto porque, a doutrina francesa estava dominada por um pensamento
positivista e em busca da máxima segurança jurídica, que, supostamente, seria oposta a
aplicação de princípios e cláusulas gerais por discricionariedade judicial.
Por conta deste cenário internacional que o Código Civil brasileiro de 1916
também relegou para segundo plano a questão da boa-fé e sua presença restringia-se ao
campo da subjetividade e em situações específicas, como no erro e no casamento putativo.
Daí, então, o Código Civil de 2002 não pode deixar de lado o assunto e foi
enfático ao tratar da boa-fé em todo o seu corpo.
A boa-fé tem ligação com valores éticos e, por serem valores, sofrem
modificações com o decorrer do tempo e de acordo com a sociedade que se analisa. A ética é
a ciência que estuda a moral e dela extrai os princípios gerais. Como a moral se modifica, a
ética também. Por isso que, se em um tempo era moralmente inaceitável que a mulher se
relacionasse sexualmente antes do casamento, hoje esse valor perdeu significado e a
sociedade não mais reprova – ao menos não com a força de séculos passados – tal
comportamento.
José Luis de Los Mozos defende, entretanto, como a ética deve penetrar o
direito sem que isso acarrete em uma invasão a outro campo da vida social343. Parece-nos que
a conclusão é no sentido de que os valores éticos juridicamente relevantes são todos aqueles
da sociedade, mas a fundamentação para sua utilização deve se curvar para o ordenamento
jurídico.
Esse novo valor ético, entretanto, deve encontrar um substrato jurídico para ser
apreendido na esfera do direito. É, então, a partir da interpretação sistemática que vemos a
constância de imposições legais para que se respeite o outro, para que haja igualdade de
tratamento entre as pessoas (por que, então, o amor entre pessoas de sexo oposto deveria ter
342
SLAWINSKI, Célia Barbosa Abreu. Contornos dogmáticos e eficácia da boa-fé objetiva: o princípio da
boa-fé no ordenamento jurídico brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002. p. 11.
343
LOS MOZOS, José Luis de. El principio de la buena fe: sus aplicaciones prácticas en el Derecho Civil
Español. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1965. p. 15 et seq.
146
tratamento diferente do amor entre pessoas do mesmo sexo?), para que a dignidade humana
seja o norte das relações, enfim, são incontáveis as normas jurídicas que possibilitam a
inserção desse “novo valor ético”.
Transpondo para a boa-fé, temos que seria contrário ao direito, por exemplo, o
comportamento de um sujeito que faz tratativas com outro para vender seu imóvel, mas, ao
descobrir a opção sexual do interessado comprador desiste de prosseguir com as tratativas e
firmar o negócio jurídico.
Invocar a boa-fé é relembrar que as pessoas devem se tratar com respeito, que
devem estar atentas, que devem cooperar. Mas, é a cada situação que os contornos assumirão
linhas expressas e claras.
Era assim que se baseava a máxima de que “no exercício de um direito não se
causa prejuízo”. Por outro lado, porém, também havia quem sustentasse que o “excesso de
147
justiça pode ser causa de injustiças” o que permitiu uma abertura para o julgamento
apropriado dos fatos.
344
JORDÃO, Eduardo Ferreira. Repensando a teoria do abuso do direito. Salvador: Juspodivm, 2006. p. 102-
111.
345
JORDÃO, Eduardo Ferreira. Repensando a teoria do abuso do direito. Salvador: Juspodivm, 2006. p. 105.
148
consciência jurídica coletiva; o fato contraria a função social do direito; há violação aos
limites internos do direito subjetivo; há contrariedade ao valor imanente do direito.
Ainda nas lições do autor, não há direito absoluto. Todos os direitos são
limitados pelo sistema, a partir de diversos reguladores, explícitos ou implícitos. Para ilustrar
seu entendimento, apresenta na obra interessante exemplo: se um ordenamento fosse
composto de duas regras: (i) é livre a manifestação de pensamento e (ii) não é permitida a
publicação de livros, óbvio que o direito a livre manifestação de pensamento não poderia ser
exercido ilimitadamente, pois há um limitador, logo em seguida, que é o de não se poder
publicar livros. Logo, por meio de livros não seria possível manifestar o pensamento.
Como o direito regula uma variedade de relações, suas normas são mais
complexas, o que gera uma interligação aprofundada e que exigem interpretações mais
cuidadosas. Seja como for, uma vez indiscutível a presença da boa-fé, torna-se ela o limitador
de quaisquer direitos.
É neste sentido também que Judith Martins-Costa expõe a relação entre a boa
fé e o abuso do direito:
346
JORDÃO, Eduardo Ferreira. Repensando a teoria do abuso do direito. Salvador: Juspodivm, 2006. p. 108.
149
“É, pois, a boa fé um bem jurídico cultural operativo, isto é, um valor dotado
de realizabilidade, isto significa dizer que, em cada ordenamento, a
confiança encontra particular e concreta eficácia jurídica como fundamento
de um conjunto de princípios e regras, entre os quais está justamente a boa fé
como baliza das situações de exercício jurídico inadmissível.”347
O costume é “aquilo que se estabelece como regra por força do hábito e tácito
consenso dos povos”348, conforme ensinamentos de Rosa Maria de Andrade Nery, que
acrescenta os seguintes aspectos para sua caracterização:
347
MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa fé. In: TEPEDINO,
Gustavo (Org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 85.
348
NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY Jr, Nelson. Instituições de direito civil. v. 1. t. 1. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2014. p. 238.
150
subjetivo, é a opinio iuris ac necessitatis, ou conhecimento da
obrigatoriedade jurídica da conduta praticada.”349
José de Oliveira Ascensão defende ser o costume uma das verdadeiras fontes
do direito “porque exprime diretamente a ordem da sociedade, sem necessitar da mediação de
nenhuma oráculo.”351 e se verifica quando há “uma prática social reiterada” e a “convicção de
obrigatoriedade”352:
“Em certa medida” porque, consoante lições de Andreas von Tuhr, os bons
costumes estão na ordem moral, que é mais ampla do que o direito, pois possui fundamentos e
349
NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY Jr, Nelson. Instituições de direito civil. v. 1. t. 1. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2014. p. 240.
350
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 388.
351
ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral. 13ª edição. Coimbra, 2005. p. 264.
352
ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral. 13ª edição. Coimbra, 2005. p. 265.
353
ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral. 13ª edição. Coimbra, 2005. p. 266.
354
TUHR, Andreas von. Derecho civil: teoría general del derecho civil alemán. v. 1. Tradução Tito Ravá.
Madrid: Marcial Pons, Ediciones jurídicas y sociales S.A., 1998. p. 38-40.
151
objetivos diferentes, mais alargados355. Nesta esfera há a preocupação também com os
sentimentos e o íntimo do sujeito, a fixação de seu móvel e a repressão por outros meios dos
comportamentos imorais.
355
TUHR, Andreas von. Derecho civil: teoría general del derecho civil alemán. v. 1. Tradução Tito Ravá.
Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A., 1998. p. 38.
356
TUHR, Andreas von. Derecho civil: teoría general del derecho civil alemán. v. 1. Tradução Tito Ravá.
Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A., 1998. p. 39.
357
NAVES, Lúcio Flávio de Vasconcellos. Abuso no exercício do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense,
1999. p. 7-10.
358
NAVES, Lúcio Flávio de Vasconcellos. Abuso no exercício do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense,
1999. p. 10.
359
SCHAPP, Jan. Introdução ao direito civil. Tradução Maria da Glória Lacerda Rurack e Klaus-Peter Rurack.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006. p. 319-330.
152
“La separación tajante entre el Derecho y la Moral, propugnada por Kant, ha
influido en los juristas de las épocas posteriores, hasta tal punto, que cuando
se plantearon el problema de los actos legales abusivos proclamaron, quizá
sin pretenderlo, los principios de moral social sobre los que siempre ha de
asentarse el orden jurídico.”360
360
BUSTAMANTE, Lino Rodriguez-Arias. El abuso del derecho (teoría de los actos antinormativos). Revista
de la Facultad de Derecho de México, Cidade do México, n. 16, dez. 1954. p. 11.
361
NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY Jr, Nelson. Instituições de direito civil. v. 1. t. 1. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2014. p. 240.
362
NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY Jr, Nelson. Instituições de direito civil. v. 1. t. 1. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2014. p. 240.
363
NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY Jr, Nelson. Instituições de direito civil. v. 1. t. 1. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2014. p. 241.
153
para o elemento intencional do agente, e mesmo da exclusividade desta
intenção, como condição para caracterização do ilícito, o que reduziu a
aplicabilidade prática das disposições dos §§ 226 e 826 [...]. a [normativa] de
maior desenvolvimento [...] será o § 138, cujo preceito não condiciona o
reconhecimento dos bons costumes a qualquer requisito adicional subjetivo,
para dar causa à nulidade do negócio jurídico.”364
Além da boa-fé e dos bons costumes, o artigo 187 do Código Civil traz, então,
a finalidade social e econômica do direito como o último limitador ao exercício dos direitos.
O fim do direito ganhou relevância para essa teoria como elemento justificador da
transmudação do ato aparentemente lícito em ilícito.
364
MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: ilicitude objetiva e limite ao exercício de prerrogativas jurídicas no
direito privado. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 31.
365
AMERICANO, Jorge. Do abuso do direito no exercício da demanda. São Paulo: Casa Vanorden, 1923. p.
46-47.
154
liberdade do indivíduo, cuja limitação é apenas a liberdade de outro indivíduo. Este caráter
individualista teria sido revisto mais tarde para reposicionar o direito e seu objetivo:
Passa-se para uma nova abordagem do direito: deixa ele de ser visto como
protetor exclusivo do indivíduo para ganhar relevo a sua roupagem social, isto é, a sua
importância e seus impactos no seio da sociedade, para onde é dirigido. Em crítica, Pedro
Martins salienta que a atividade jurisdicional é meio eficaz para que a finalidade do direito
seja alcançada apropriadamente:
Mais adiante em sua obra, Pedro Baptista Martins retoma esse pensamento para
consolidar o dever de se observar o fim do direito para o seu exercício. O caso apontado por
ele como paradigma sobre aplicação da teoria (Clemént-Bayard) foi fundamentado por
diversos argumentos e, em todos, se encontraria a finalidade da norma como elemento
essencial:
366
MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito. Atualizador José da Silva Pacheco. 3ª edição.
Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 4.
367
MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito. Atualizador José da Silva Pacheco. 3ª edição.
Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 4.
368
MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito. Atualizador José da Silva Pacheco. 3ª edição.
Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 7.
155
“(...) Os direitos subjetivos, reconhecidos pela lei, não constituem um fim
em si mesmos, nem são, por outro lado, um instrumento de gozo ou de
satisfação de apetites inferiores. Eles têm uma função eminentemente social,
que não pode ser esquecida pelo titular no momento em que procura extrair
deles rendimentos e utilidades.”369
Já para o fim social do direito é comum nos depararmos com a sua utilização
mais especificamente em relação ao fim social da propriedade, que é um direito específico.
Como a partir da Revolução Francesa e do Código francês a visão era de que a propriedade
fosse um direito absoluto, abusos foram cometidos e a necessidade de revisão desse
posicionamento se mostrou imperiosa.
369
MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito. Atualizador José da Silva Pacheco. 3ª edição.
Rio de Janeiro: Forense, 1997.p. 37.
370
DANZ, Erich. La interpretación de los negocios jurídicos: contratos, testamentos, etc.. Adaptada ao direito
espanhol por Francisco Bonet Ramon. 3ª edição. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1955. p. 103-
126.
156
para o indivíduo, mas para a sociedade e, por isso, que ao se adquirir a propriedade de
determinada coisa, certos comportamentos deveriam ser adotados a fim de que o interesse
social permanecesse satisfeito.
A função social do direito nada mais é do que essa visão amplificada. Não só o
direito de propriedade, como qualquer direito, deve ser exercido conforme sua função social,
isto é, de acordo com os interesses da sociedade. Existem deveres correlatos aos direitos
conferidos, ainda que isso não seja expresso na legislação. Um exemplo para ilustrar ocorre
na esfera trabalhista. O empregador tem o direito de contratar funcionários, mas existe o dever
de que uma quota seja preenchida por pessoas com deficiências. Isso é um reflexo do
interesse social envolvido na inclusão das pessoas no mercado de trabalho, na movimentação
econômica, no desenvolvimento do ser humano e na busca por uma convivência social cada
vez mais solidária. A função social do direito cria, então, deveres.
157
abusou de sua posição jurídica ao fazer a mencionada anotação, ferindo a função social e
econômica da decisão judicial que obrigou a reintegração371.
371
“RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ANOTAÇÃO
NA CTPS DA REINTEGRAÇÃO DA AUTORA. REFERÊNCIA A ACORDO JUDICIAL. A ressalva na
anotação em CTPS do reclamante de que a reintegração se deu em virtude de acordo judicial é considerada
desabonadora, para efeitos do artigo 29 , § 4º , da CLT , pois é fato notório a intolerância das empresas, embora
reprovável, em relação aos trabalhadores os quais já ousaram ajuizar reclamação trabalhista. A anotação
referente ao ajuizamento de reclamação trabalhista não constitui, em estrito senso, lista negra, mas não há negar
o efeito dissuasivo gerado na vida profissional do trabalhador, o qual poderá encontrar, potencialmente,
dificuldades de ser reinserido no mercado de trabalho. Deve-se atentar para o fato de que a CTPS registra toda a
vida profissional do empregado, mas apenas da vida profissional, não incluindo o exercício do direito de ação.
Anotações deliberadamente dissuasórias, como a que ocorreu no caso em concreto, podem prejudicar a obtenção
de novo emprego e implicar graves consequências de ordem social, moral e econômica para a vítima, o
suficiente para configurar ato ilícito, proscrito no artigo 186 do Código Civil . Ademais, ainda que não se
considerasse enquadrado no artigo 186 do Código Civil o ato praticado pela empresa, não há dúvida de a
anotação da propositura de ação judicial na CTPS da empregada configurar abuso de direito, porquanto, embora
houvesse determinação judicial para correção da função exercida, tal comando judicial não autorizou que a
empresa excedesse os limites impostos pelo seu fim econômico e social, além da boa-fé, inserindo
deliberadamente nos registros funcionais a pecha de litigante judicial. Ou seja, o ato em questão constituiria,
ainda assim, ato ilícito enquadrado no artigo 187 do Código Civil . Recurso de revista não conhecido.” Tribunal
Superior do Trabalho. 6ª Turma. Recurso de Revista nº 8508-54.2012.5.12.0001. Relator Ministro Augusto
César Leite de Carvalho. Publicado em 14.2.2014.
158
4 RESPONSABILIDADE CIVIL E O ABUSO DO DIREITO (ILÍCITO)
O responsável é aquele que responde, caso não haja o cumprimento. Pode ser a
própria pessoa devedora, ou outra, que assume o dever de por ela responder. É o caso do
fiador, na atualidade, que se responsabiliza pelo pagamento da dívida do afiançado.
159
4. 1 MOMENTOS HISTÓRICOS
“Mas se houver morte, então darás vida por vida, olho por olho, dente por
dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por
ferida, golpe por golpe.”
E em Levítico, 24.17-20:
Apesar de poder soar exagerada, a lei de talião é um moderador. Antes dela era
possível a repressão do dano sem proporção, como saciador da vingança privada, e, a partir
dela, estabelece-se que por um olho ferido, o olho do agressor será ferido: não o seu braço,
não a sua vida, mas apenas o seu olho.
Com isso, percebe-se que a lei de talião foi um importante avanço e significa
punir tal qual, de maneira igual ao dano causado. Mas essa metodologia pouco ajudava a
160
vítima. Sem um olho, de que lhe adiantaria ter o olho de seu agressor? Afora o sentimento de
vingança, o prejuízo permanecia existente.
Também por isso que a culpa não era elemento para a penalização: bastava que
o delito previsto fosse praticado pelo agente para que fosse aplicada a pena correlata. No
direito clássico, se o direito era tutelado pela iudicia stricti iuris haveria responsabilização do
sujeito apenas se realizasse um comportamento comissivo que acarretava no descumprimento
da obrigação.
372
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 16ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 579.
161
O exemplo dado por José Carlos Moreira Alves373 é o do devedor que deve
entregar ao credor um escravo e o mata. Esse comportamento comissivo gera o
inadimplemento da obrigação (hoje visto como ilícito civil e responsabilidade contratual) e o
devedor era responsabilizado. Mas, se por outro lado, o escravo estava doente e o devedor não
cuidava dele, não havia responsabilidade, pois a sua obrigação é de entregar o escravo e não
cuidar dele. Analisar a culpa, neste caso, dependia do fundo da obrigação.
4. 2 FINALIDADES
373
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 16ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 408.
374
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 16ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 409.
162
danos cuja apreciação econômica é menos relevante do que o contexto maior em que estão
envolvidos: a proteção ao ser humano e à natureza, como bens superiores ao dinheiro.
Logo, analisar o instituto com base na doutrina passada e tentar apenas adaptá-
la não é suficiente. Hoje há uma nova e inédita forma de enxergar as relações, ultrapassando o
aspecto econômico e além dos impactos entre homens, para atingir a natureza como
merecedora de cuidados e reparos pelos danos advindos das atividades humanas.
4. 3 CONCEITOS
No direito brasileiro vigente é o artigo 186 do Código Civil de 2002375 que traz
o tratamento desse tipo de responsabilidade. Sublinhe-se que o dispositivo está inserido no
título dos atos ilícitos e sugere tratar, então, da conceituação do ilícito, quando, na verdade,
conforme entendimento doutrinário, relaciona-se mais com o instituto da responsabilidade,
como se constata na exposição de Milton Flávio de Almeida Camargo Lautenschläger:
375
TÍTULO III Dos Atos Ilícitos Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
163
“[...] o artigo 186 do Código Civil brasileiro é o dispositivo legal básico que
disciplina a responsabilidade aquiliana. [...] Assim, para que a obrigação de
reparar se constitua, é indispensável: que haja uma ação ou omissão por
parte do agente; que ele seja causa do prejuízo experimentado pela vítima;
que tenha havido efetivamente um prejuízo; e que o agente tenha procedido
com dolo ou com culpa.”376
376
LAUTENSCHLÄGER, Milton Flávio de Almeida Camargo. Abuso do direito. São Paulo: Atlas, 2007. p. 5-
6.
164
4. 4 ELEMENTOS
O Código Civil francês de 1804 incluiu outros elementos em seu texto, a fim
de abandonar o critério de enumeração dos casos de responsabilização do direito romano.
Diferenciou a responsabilidade civil da penal e exigiu a presença da culpa.
O artigo 1.382 da lei civil francesa dispõe que a responsabilidade civil recai
apenas àquele que agiu com culpa.
E o artigo 1.383 complementa que não só a culpa (em sentido amplo, ou seja, o
dolo), como também a negligência e a imprudência (modalidades da culpa em sentido estrito)
justificam a responsabilização do ofensor.
377
Em tradução livre: Qualquer ato do ser humano que cause dano a outrem obriga aquele que agiu com culpa a
repará-lo.
165
os praticados em estado de inconsciência, mas não os praticados por uma
criança ou um demente. [....]”378
378
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 38.
379
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 584 e 585.
380
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. t. I. 9ª edição. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 166-167
381
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009.p. 37-38.
166
E os autores concluíram que a culpa, em sentido amplo, abrange os conceitos
menores de culpa em sentido estrito e dolo. O dolo é a intenção deliberada do sujeito de
causar um prejuízo, de violar um direito e causar dano. Aquele que, de propósito, atira uma
pedra na janela do vizinho age com dolo.
167
Portanto, apenas quem tem capacidade pode praticar atos culposos. Como a
responsabilidade civil subjetiva exige o comportamento culposo e apenas o agente capaz pode
praticar ato culposo, então a responsabilidade subjetiva só recairia sobre os capazes:
Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por
ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de
meios suficientes.
Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser
equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que
dele dependem.
382
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009.p. 11.
168
porque o instituto da responsabilidade não está restrito à culpa e houve a eleição de uma
situação em que a responsabilidade recai sobre quem não age com culpa.
383
MELO, Diogo Machado de. Culpa extracontratual: uma visita, dez anos depois. In: LOTUFO, Renan et al.
(Coord.). Temas Relevantes do direito civil contemporâneo: reflexões sobre os 10 anos do Código Civil. São
Paulo: Atlas, 2012. p. 602.
169
Diogo Machado de Melo sintetiza essa evolução em dois parágrafos, a seguir
reproduzidos:
4. 4. 1. 1 IMPUTABILIDADE
384
MELO, Diogo Machado de. Culpa extracontratual: uma visita, dez anos depois. In: LOTUFO, Renan et al.
(Coord.). Temas Relevantes do direito civil contemporâneo: reflexões sobre os 10 anos do Código Civil. São
Paulo: Atlas, 2012. p. 602.
385
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 392.
170
Destacamos, por oportuno, nossa discordância em relação às posições
doutrinárias que configuram o ilícito apenas se o agente for imputável, capaz. A
imputabilidade diz respeito à responsabilidade civil e se o próprio causador do dano
responderá pelos prejuízos, mas não para a definição de ilícito.
O fato jurídico é ilícito porque contraria o direito, não porque o agente que o
praticou tinha capacidade e discernimento para compreender que sua conduta é contraria ao
direito. Esses elementos podem ser importantes para a configuração da responsabilidade civil,
para imputar ao agente o dever de responder pelos danos provenientes do ato ilícito, mas não
para caracterizar o próprio ato como lícito ou ilícito.
386
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 30.
171
“A exigência de um fato “voluntário” na base do dano exclui do âmbito da
responsabilidade civil os danos causados por forças da natureza, bem como
os praticados em estado de inconsciência, mas não os praticados por uma
criança ou um demente.”387
Tanto isto é verdade que o Código Civil de 2002 determina que os pais são
responsáveis pela reparação dos prejuízos causados pelos filhos menores, consoante artigo
932, inciso I388. Ora, antes de se responsabilizar é preciso que haja o ato causador do prejuízo,
mas, se o ato foi praticado por um incapaz e por isso não seria ilícito, como se falar em
responsabilidade dos pais?
O ato, apesar de praticado por incapaz, é ilícito. A doutrina nomeia esse ato
contrário ao direito praticado pelo incapaz como de “antijurídico”, inaugurando uma terceira
classe: o ato pode ser lícito, ilícito ou antijurídico389.
Desta forma, o ato praticado pelo incapaz classificado com “antijurídico” não
se subsumiria aos artigos 186 e seus relacionados do Código Civil de 2002, e não se poderia
falar em abuso do direito cometido por incapazes, com o que não concordamos.
Caio Mario da Silva Pereira, por seu turno, defende que o sentido de culpa
deve ser compreendido de forma ampla, “abrangente de toda espécie de comportamento
contrário a direito, seja intencional ou não, porém imputável por qualquer razão ao
causador do dano”390.
Ou seja, agir com culpa é agir contra o direito e essa ação pode ser proposital,
quando haverá dolo, ou não, quando haverá culpa em sentido estrito, e será imputável ao
causador do dano.
Como o incapaz não tem discernimento para a prática dos atos da vida civil, o
entendimento doutrinário é que não lhe deve ser imputado os atos por ele praticados, ainda
387
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 38.
388
Código Civil. Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que
estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
389
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 388-392.
390
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 658.
172
quando causem prejuízos, salvo raras exceções elencadas no texto legal, como é o caso da
responsabilidade subsidiária prevista no artigo 928 da lei civil391.
391
Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem
obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste
artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele
dependem.
392
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 30.
393
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 24.
394
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 27.
395
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 33.
173
Nesta linha, apresentamos algumas decisões judiciais que se coadunam com a
nossa posição:
4. 5 DANOS EXISTENCIAIS
E nem se pense que o assunto fora superado com a libertação dos escravos.
Não raro é televisionado casos no Brasil de pessoas escravizadas em fazendas, além de outras
situações, mais próximas e talvez menos óbvias, que continuam a tratar o ser humano como
coisa, como ocorre, por exemplo, em certas contratações com cláusulas que subordinam uma
das partes à posição de completa dependência da outra, sem liberdade para se desatrelar do
vínculo.
Mas, como dito, historicamente o foco do ser humano – talvez movido pelo
egoísmo, pela ganância e por outros valores negativos – é a propriedade, o aumento de suas
riquezas, a concentração de bens em seu poder. Assim, como o direito é criado por ele, foi
refletida na lei essa proteção jurídica a interesses patrimoniais.
A inclusão dos danos morais já significou uma gigante disputa doutrinária, que
com relutância conseguiu aceitar que não apenas de bens econômicos é composto o
patrimônio de uma pessoa, como também de bens intangíveis, superiores, como a honra, o
nome, a imagem.
175
Ou seja, era mais fácil para o operador do direito penalizar aqueles que
lesionavam o patrimônio (econômico, material), do que visualizar como possível a sanção à
lesões feitas ao próprio ser humano. Parecia que o que se podia proteger pelo direito era o
patrimônio do sujeito, mas não o próprio sujeito.
Ocorre, porém, que outros danos que atingem à pessoa humana são raramente
indenizados pelos Tribunais, muitas vezes sequer reconhecendo a possibilidade jurídica do
pedido, por serem ainda mais intangíveis.
398
A título de exemplo, apresentamos as ementas ou trechos de decisões abaixo:
“CIVIL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS.
(...). CORPO ESTRANHO DENTRO DE GARRAFA DE ÁGUA MINERAL. EXPOSIÇÃO DO
CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À SUA SAÚDE E SEGURANÇA. FATO DO
PRODUTO. EXISTÊNCIA DE DANO MORAL. VIOLAÇÃO DO DEVER DE NÃO ACARRETAR RISCOS
AO CONSUMIDOR. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 6º; 8º; 12 DO CDC. (...) 2. A aquisição de produto de
gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor ao risco concreto de lesão à
sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão completa de seu conteúdo, dá direito à compensação por
dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade
da pessoa humana. (...) 5. Agravo não provido.” Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Agravo Regimental no
Recurso Especial nº 1.454.255-PB. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 21.8.2014.
“APELAÇÃO - INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS E MATERIAIS - PRODUTO ALIMENTÍCIO -
CORPO ESTRANHO - UTILIZAÇÃO EVITADA A TEMPO - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO - EXCLUDENTE
DO DEVER INDENIZATÓRIO. - Há um aspecto comum entre responsabilidade subjetiva (regra geral) e
responsabilidade objetiva (exceção), qual seja a existência de um prejuízo. Assim, se não houve prova do efetivo
prejuízo causado ao apelante, que não teriam sequer ingerido o produto, não há responsabilidade que sustente o
almejado dever de indenizar.” Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 13ª Câmara Cível. Apelação nº 0716542-
94.2006.8.13.0134. Relator Desembargador Newton Teixeira Carvalho. Julgado em 3.4.2014.
“No presente caso, configurada a conduta ilícita da agravada, que negou injustificadamente a cobertura de
tratamento cirúrgico da agravante, mostra-se cabível a condenação daquela ao pagamento de indenização por
danos morais. Em face do exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC, dou provimento ao recurso especial,
para condenar a recorrida a pagar à recorrente o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), acrescido de correção
monetária, a partir desta data, e juros moratórios à taxa legal, a partir da citação, além de custas processuais e
honorários sucumbenciais, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.” Superior
Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Recurso Especial nº 1526116-SP. Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti. Julgado
em 18.5.2015.
“(...)Ocorre que a negativa de autorização de cobertura, em casos graves e urgentes, atinge a esfera subjetiva do
paciente que, já debilitado pela doença, vê sua situação agravada diante da injusta recusa, o que lhe ocasiona
aflição psicológica e angústia. (...)No presente caso, portanto, considerando os critérios para o arbitramento do
valor da condenação - gravidade do dano, capacidade econômica do ofensor e a função desestimulante para a
não reiteração do ilícito - tenho como razoável e proporcional a condenação da ré ao pagamento de R$ 5.000,00
(cinco mil reais), a título de indenização por danos morais.” Tribunal de Justiça de Distrito Federal e Territórios.
2ª Turma Cível. Apelação 0035903-73.2013.8.07.0001. Relatora Desembargadora Fátima Aguiar. Julgado em
30.7.2014.
176
Exemplos disso são os danos causados por bullyng, stalking, exigências
excessivas ao empregado, biológicos e existenciais.
Também existem os danos biológicos, que são aqueles que atingem a saúde da
pessoa em um aspecto menos nítido do que os danos físicos, como os desconhecidos efeitos
da radiação dos celulares.
Os danos existenciais, por seu turno, são aqueles que impossibilitam o sujeito
de completar seu projeto de vida por um comportamento advindo de outra pessoa. Aquele que
399
“Apelação Cível - Ação de Indenização por Danos Morais - sentença que julgou improcedentes os pedidos.
Inexistência de dano moral - ofensa à honra subjetiva não comprovada - mero dissabor entre adolescentes,
incapaz de gerar direito à reparação - Sentença Mantida. Diminuição dos honorários advocatícios - Possibilidade.
Recurso conhecido e parcialmente provido.” Tribunal de Justiça de Paraná. 8ª Câmara Cível. Apelação 1233372-
7. Relatora Desembargadora Maria Roseli Guiessmann. Julgado em 7.5.2015.
177
sofre um acidente de carro, vítima de um abalroamento causado por um motorista
embriagado, e que vem a perder os movimentos da perna, se tinha o projeto de ser um
bailarino, frequentando cursos para tanto, terá seu projeto interrompido e sofrerá uma lesão
intangível. A busca é pela indenização desse dano.
178
5 OUTRAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS PELO ABUSO DO DIREITO
400
MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa fé. In: TEPEDINO,
Gustavo (Org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 69.
180
contra os atos contrários ao direito – e não mais, necessariamente, os atos
danosos.”401
401
MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa fé. In: TEPEDINO,
Gustavo (Org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 74.
402
MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa fé. In: TEPEDINO,
Gustavo (Org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 77.
181
6 O ABUSO DO DIREITO EM PORTUGAL
403
No original: § 226. Die Ausübung eines Rechts ist unzulässig, wenn sie nur den Zweck haben kann, einem
anderen Schaden zuzufügen
404
No original: B. Inhalt der Rechtsverhältnisse I. Handeln nach Treu und Glauben 1 Jedermann hat in der
Ausübung seiner Rechte und in der Erfüllung seiner Pflichten nach Treu und Glauben zu handeln. 2 Der
offenbare Missbrauch eines Rechtes findet keinen Rechtsschutz.
405
No original: Ejercicio abusivo del derecho Artículo II.- La ley no ampara el ejercicio ni la omisión abusivos
de un derecho. Al demandar indemnización u otra pretensión, el interesado puede solicitar las medidas cautelares
apropiadas para evitar o suprimir provisionalmente el abuso."
406
No original: Τίτλος Αρθρου Κατάχρηση δικαιώµατος Λήµµατα ΚΑΤΑΧΡΗΣΗ ∆ΙΚΑΙΩΜΑΤΟΣ Κείµενο
Αρθρου ΚΕΦΑΛΑΙΟ ΕΝ∆ΕΚΑΤΟ ΑΣΚΗΣΗ ∆ΙΚΑΙΩΜΑΤΩΝ, ΑΥΤΟ∆ΙΚΙΑ, ΑΜΥΝΑ ΚΑΙ ΚΑΤΑΣΤΑΣΗ
ΑΝΑΓΚΗΣ Η άσκηση του δικαιώµατος απαγορεύεται αν υπερβαίνει προφανώς τα όρια που επιβάλλουν η καλή
πίστη ή τα χρηστά ήθη ή ο κοινωνικός ή οικονοµικός σκοπός του δικαιώµατος.
182
adoção das medidas judiciais ou administrativas que impeçam a persistência
do abuso407.
Argentina, Código Civil, Artigo 1.071. O exercício regular de um direito
próprio ou o cumprimento de uma obrigação legal não constitui ilícito. A lei
não ampara o exercício abusivo dos direitos. Se considerará tal o que
contrarie os fins que ele tem em vista ao reconhecê-lo ou o que exceda
manifestamente os limites impostos pela boa-fé, a moral e os bons
costumes408.
Paraguai, Código Civil (1986), Artigo 372. Os direitos devem ser exercidos
de boa-fé. O exercício abusivo dos direitos não está amparado por lei e
acarreta responsabilidade ao agente pelo prejuízo que cause, seja quando
haja intenção de prejudicar, seja sem vantagem própria, ou quando contrarie
os fins que a lei tinha em vista ao reconhecê-los. A presente disposição não
se aplica aos direitos que por sua natureza ou em virtude da lei podem ser
exercidos discricionariamente409.
Canadá, Código Civil de Quebec (1991), Artigo 6º. Todas as pessoas têm
que exercer seus direitos civil segundo as exigências da boa-fé. Artigo 7º. O
direito não pode ser exercido com fim de prejudicar outrem ou de maneira
excessiva e não razoável, que seja contra as exigências da boa-fé410.
Japão, Código Civil (1896 com modificações de 1947), Artigo 1.2. O
exercício dos direitos e o cumprimento das obrigações devem ser realizados
em conformidade com a boa-fé. Artigo 1.3. O abuso do direito não é
permitido411.
407
No original: Artículo 7 1. Los derechos deberán ejercitarse conforme a las exigencias de la buena fe.
2. La Ley no ampara el abuso del derecho o el ejercicio antisocial del mismo. Todo acto u omisión que por la
intención de su autor, por su objeto o por las circunstancias en que se realice sobrepase manifiestamente los
límites normales del ejercicio de un derecho, con daño para tercero, dará lugar a la correspondiente
indemnización y a la adopción de las medidas judiciales o administrativas que impidan la persistencia en el
abuso.
408
No original: Art. 1.071. El ejercicio regular de un derecho propio o el cumplimiento de una obligación legal
no puede constituir como ilícito ningún acto.
La ley no ampara el ejercicio abusivo de los derechos. Se considerará tal al que contraríe los fines que aquélla
tuvo en mira al reconocerlos o al que exceda los límites impuestos por la buena fe, la moral y las buenas
costumbres. (Artículo sustituido por art. 1° de la Ley N° 17.711 B.O. 26/4/1968. Vigencia: a partir del 1° de
julio de 1968.)
409
No original: Art.372.- Los derechos deben ser ejercidos de buena fe. El ejercicio abusivo de los derechos no
está amparado por la ley y compromete la responsabilidad del agente por el perjuicio que cause, sea cuando lo
ejerza con intención de dañar aunque sea sin ventaja propia, o cuando contradiga los fines que la ley tuvo en
mira al reconocerlos. La presente disposición no se aplica a los derechos que por su naturaleza o en virtud de la
ley pueden ejercerse discrecionalmente.
410
No original: 6. Toute personne est tenue d'exercer ses droits civils selon les exigences de la bonne
foi.7. Aucun droit ne peut être exercé en vue de nuire à autrui ou d'une manière excessive et déraisonnable,
allant ainsi à l'encontre des exigences de la bonne foi.
411
No 基本原則)第一条 私権は、公共の福祉に適合しなければならない。2
original: (
権利の行使及び義務の履行は、信義に従い誠実に行わなければならない。3
権利の濫用は、これを許さない。
183
“[...] O novo Código Civil reflete já a influência das correntes francamente
superadoras do positivismo jurídico, não só no regime de alguns dos
contratos em especial, mas também na aceitação explícita de algumas
soluções gerais de forte sentido inovador, entre as quais cumpre destacar as
seguintes: a) a consagração do princípio ético jurídico da boa fé em termos
de grande amplitude, de modo a abranger tanto a preparação e formação dos
contratos (art. 227), como o cumprimento da obrigação e o exercício do
direito correspondente (art. 762); b) a condenação explícita ao ‘abuso do
direito’, definido em termos de grande maleabilidades (art. 334). [...]”412
É o artigo 334 da lei civil portuguesa que dispõe sobre o abuso do direito e a
faz seguintes termos:
412
VARELA, Antunes. Das obrigações em geral. v. 1. 10ª edição. Coimbra: Almedina, 2000. p. 30-31.
413
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Tratado de direito civil português. v. 1. t. 3. 3ª edição.
Coimbra: Editora Almedina, 2005. p. 239-248.
414
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Tratado de direito civil português. v. 1. t. 3. 3ª edição.
Coimbra: Editora Almedina, 2005. p. 239.
184
inicialmente, aplicada sem base legal e para evitar decisões duvidosas dos juízes optara-se
pelo uso de termos enfáticos e exagerados.
Entretanto, para Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro isso não mais
se justifica e o apelo sentimental é mais prejudicial do que benéfico. Segundo o autor, em
oposição àquilo que é manifesto, temos aquilo que é oculto ou implícito. Como se agiria em
desacordo com a boa-fé implicitamente? Ou, como os bons costumes seriam desrespeitados
ocultamente? Ademais, o fim social e econômico do direito pode ser desrespeitado de forma
“não manifesta”.
Por outro lado, Giovanni Ettore Nanni, por exemplo, entende que o fato
abusivo deve mesmo ser manifestamente contrário ao direito, com o que também entende
Daniel Boulos. Para eles, deve ser patente, saltar aos olhos, não deixar dúvidas sobre a
incorreção do comportamento, pois seria inadequada a “intromissão no controle do exercício
dos direitos” de forma “tão cerrada”416. “Por conseguinte, o abuso deve ser relevante e não
415
CARPENA, Heloísa. O abuso do direito no código civil de 2002: relativização de direitos na ótica civil-
constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). O código civil na perspectiva civil constitucional: parte
geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 439.
416
NANNI, Giovanni Ettore. Abuso do direito. In: LOTUFO, Renan et al. (Coord). Teoria Geral do Direito
Civil. São Paulo: Atlas, 2008. p. 757.
185
insignificante, dotado de gravidade tamanha a alijar de efeitos o direito subjetivo que em tese
detinha o titular.”417.
417
NANNI, Giovanni Ettore. Abuso do direito. In: LOTUFO, Renan et al. (Coord). Teoria Geral do Direito
Civil. São Paulo: Atlas, 2008. p. 757.
418
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Editora Almedina,
2013. p. 241.
186
Por fim, o autor português ainda destaca que a expressão “direito” é usada em
sentido amplo e abarca quaisquer posições jurídicas, como já tivemos a oportunidade de
destacar. Assim, mesmo o dever pode comer abusos e sobre ele recair a teoria do abuso do
direito.
Por conta disso que o autor identifica apenas três casos que vislumbravam
desvios no exercício dos direitos: em 1928, quando o proprietário foi condenado a aumentar
sua chaminé para reduzir os distúrbios causados ao seu vizinho; em 1933 houve a condenação
do sujeito que construiu, em muro comum, uma sapata e calha que causavam infiltração no
vizinho e em 1951 condenou-se o senhorio que pediu ao arrendatário que sublocasse parte da
coisa a terceiro, mas depois moveu despejo por inexistência de pacto escrito autorizativo.
Para o autor, tais casos apenas revelam a busca pela aplicação da Justiça, sem a
preocupação científica em utilizar a teoria do abuso do direito.
419
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Editora Almedina,
2013. p. 247.
420
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas.
Revista da Ordem dos Advogados, Portugal, 2005, ano 65, vol. II, set.2005. Disponível em
<http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=45582&ida=%2045614>. Acesso em 20.5.2015.
p. 1.
188
CONCLUSÃO
Como exposto neste trabalho, ainda que sem toda a profundidade possível, é
importante a definição apropriada de direito, de justiça e de moral, especialmente para o
tratamento científico mais exato. Entretanto, há relação inseparável entre eles, que não pode
ser ignorada.
189
A configuração do abuso, no ordenamento brasileiro e de acordo com o artigo
187 do Código Civil de 2002, depende da verificação de comportamento que viole a boa fé,
os bons costumes ou os fins sociais e econômicos do direito.
190
REFERÊNCIAS
ABREU, José. O negócio jurídico e sua teoria geral. São Paulo: Saraiva, 1984.
ALPA, Guido. Come fare cosa com principi. In: ALPA, Guido et al. Casi scelti in tema di
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