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TOMO 1
COORDENAÇÃO DO TOMO 1
Celso Fernandes Campilongo
Alvaro de Azevedo Gonzaga
André Luiz Freire
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUC-SP
TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO
DIRETOR
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
Pedro Paulo Teixeira Manus
DE SÃO PAULO
DIRETOR ADJUNTO
FACULDADE DE DIREITO Vidal Serrano Nunes Júnior
CONSELHO EDITORIAL
1.Direito - Enciclopédia. I. Capilongo, Celso Fernandes. II. Gonzaga, Álvaro. III. Freire, André
Luiz. IV. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
1
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUC-SP
TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO
INTRODUÇÃO
SUMÁRIO
Introdução ......................................................................................................................... 2
Referências ..................................................................................................................... 15
2
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUC-SP
TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO
O Código de Processo Civil de 2015 estabelece que decisões judiciais são nulas,
por ausência de fundamentação, caso se limitem “a invocar precedente ou enunciado de
súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob
julgamento se ajusta àqueles fundamentos” ou se deixarem de “seguir enunciado de
súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência
de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.1 Essa disposição
legal já teria por si só o potencial de consolidar uma tendência que foi reforçada ao longo
do “novo” Código2 e que também já estava presente em outros institutos jurídicos do
nosso ordenamento jurídico:3 a incorporação da lógica dos precedentes judiciais para o
sistema brasileiro de litígio.
De certo modo, a lógica de precedentes sempre esteve presente no sistema
jurídico brasileiro, assim como em qualquer outro sistema jurídico que valorize a
isonomia. A lógica de precedentes é antes de mais nada decidir em termos analógicos, ou
seja, é tratar igualmente casos que sejam semelhantes de maneira relevante.4
Há quem considere que precedentes judiciais somente tem espaço nos sistemas
de common law mas nunca nos de civil law, mas creio que essa é uma postura equivocada.
Certamente há diferenças relevantes nos sistemas de common law e de civil law, mas isso
não reflete necessariamente sobre a lógica de precedentes. Um estudo empírico
comparativo encabeçado por Neil Maccormick e Robert Summers no final da década de
90 indicou de maneira bastante abrangente que precedentes são profundamente relevantes
em sistemas de civil law.5
A ideia de que há um abismo entre os modelos de orientação jurídica calcada em
regras e em precedentes já havia sido atacada conceitualmente décadas antes por H. L. A.
Hart, no clássico O Conceito de Direito. Hart contrariou o senso comum prevalente no
mundo anglo-saxão da época ao indicar que há uma porção bastante razoável de
objetividade na orientação por precedentes e que há um amplo espaço de indeterminação
1
Art. 489, §1º, V e VI, do NCPC, respectivamente.
2
Mais notoriamente, é o caso da instituição do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
3
É o caso, por exemplo, do instituto da Súmula Vinculante ou da Repercussão Geral
4
BIX, Brian. Jurisprudence: theory and context. p.156.
5
MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. Interpreting precedents.
3
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TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO
nas regras jurídicas6 e, com isso, estabelecer que os dois modelos de orientação jurídica
se equivalem em termos de potencial para a objetividade e incerteza.
Contudo, há sim diferenças relevantes no processo interpretativo de precedentes
e de regras. Se essas diferenças não forem respeitadas, o tratamento de decisões judiciais
se reduz a uma forma extremamente empobrecida de precedentes judiciais: uma coleção
de posicionamentos. Os problemas dessa versão empobrecida da lógica de precedentes
ficarão evidentes ao longo deste artigo, mas eu gostaria de indicar desde já que o sistema
de precedentes vai muito além do acompanhamento e compilação da parte dispositiva das
decisões judiciais. Em outros termos, há muito mais do que saber se determinada conduta
foi considerada legal ou ilegal por um tribunal, nem tampouco se determinada norma foi
considerada constitucional ou inconstitucional. É claro que isso é relevante para diversas
outras tarefas do jurista, mas para operar na lógica de precedentes isso não basta.
A operacionalização plena de um sistema e de uma lógica de precedentes
depende crucialmente da noção de ratio decidendi. Nas palavras de MacCormick:
“Sem um entendimento teórico dos precedentes e de conceitos-chave como o
de ratio decidendi, não podemos de fato implementar nenhuma doutrina
jurídica do precedente. Como sempre, a questão não é se devemos ter ou não
uma teoria; a questão é apenas se devemos ter uma teoria articulada, bem
pensada e, de preferência, correta, ou se podemos ficar contentes com uma
teoria implícita, inarticulada e provavelmente incorreta. ”7
A exploração e aprofundamento da noção ratio decidendi será justamente o
objeto da próxima seção.
6
HART, H. L. A. The concept of law. Chapter VII. Segundo Hart, a maior parte ad literatura sobre o tema
tendia a exagerar a indeterminação da orientação por precedentes e a previsibilidade e objetividade da
orientação por meio de regras.
7
MACCORMICK, Neil. Retórica e estado de direito. p. 194.
4
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Vale a pena pontuar que a Colômbia que possui uma cultura jurídica muito semelhante à brasileira e por
isso serve como uma excelente base de comparação.
9
MEDINA, Diego Eduardo López. El derecho de los jueces. pp. 216-218.
10
Cf. DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. p. 67.
11
São aqueles casos nos quais determinadas sentenças, votos ou acórdãos são considerados como
verdadeiras aulas.
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como critério de decisão. Essa noção geral pode dar ensejo a um tipo de equívoco que
precisa ser atacado desde logo. Não há uma correlação direta entre ratio decidendi e
argumentos jurídicos, bem como entre obiter dicta e argumentos “extra-jurídicos”. A
ratio de um precedente pode estar em considerações políticas, econômicas ou morais
conectadas a argumentos jurídicos. No mesmo sentido, há uma série de argumentos
jurídicos que podem ter apenas o papel de obiter dicta.12 Com isso, quero pontuar que
não há um tipo de argumento que será naturalmente (ipso facto) ratio ou obiter. A
identificação depende não da natureza ou tipo de argumento, mas do seu uso. Por
exemplo, se o argumento histórico der o fundamento crucial para a decisão, deverá ser
reconhecida como ratio.
Com essa distinção entre fundamentos essenciais (ratio decidendi) e
considerações incidentais (obter dicta) é possível compreender uma característica central
da lógica de precedentes: há vinculação apenas à ratio decidendi de um precedente, mas
nunca ao obiter dicta.13
Com isso, é possível alcançar um certo tipo de clareza relevante. Em uma lógica
de precedentes, há uma vinculação que vai além da parte dispositiva das decisões judiciais
e alcance parte da fundamentação. Entretanto, essa clareza se restringe ao âmbito teórico,
pois há pelos menos duas grandes dificuldades em aplicá-la na prática.
A primeira dificuldade diz respeito às decisões que possuem fundamentações
aparentemente insuficientes. Quando uma decisão apenas coleta uma série de argumentos
com menções genéricas a fatos ou à existência de um princípio, regra ou precedente sem
articular esses elementos perante o caso concreto. Nesse tipo de decisão, aparentemente
só há obiter dicta no texto e nenhuma ratio aparente. A segunda dificuldade surge de
decisões que utilizam uma ampla gama de argumentos, nos quais não há uma clareza tão
grande no que seja essencial ou não para a decisão.
Essas dificuldades despertaram um certo ceticismo em parte da doutrina, com a
suspeita de que a própria noção de ratio seria uma perda de tempo.14 Como bem sintetiza
12
Cf. DUXBURY, Neil. Op.cit.
13
BANKOWSKI, Zenon; MACCORMICK, Neil; MARSHALL, GEOFFREY. Precedent in the United
Kingdom. Neil MacCormick; Robert S. Summers (Eds.). Interpreting precedents. pp.336-337.
14
Essa crítica foi principalmente encampada por autores céticos do século XX que endossavam alguma
forma de realismo jurídico, como Oliver Wendell Holmes e Alf Ross. Para uma sistematização dessa crítica
vide DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. pp. 76-90.
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15
MACCORMICK, Neil. Retórica e estado de direito. p. 194.
16
MARSHALL, Geoffrey. What is binding in a precedent? Neil MacCormick; Robert S. Summers (Eds.).
Interpreting precedents. pp.503-517.
17
Idem. p.506. Friso que o texto original não possui essa nomenclatura e nem essa formulação.
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Em outros termos, me parece que a razão endossada estaria mais alinhada com um tipo de sociologismo
jurídico, a razão explícita com algumas formas de positivismo jurídico e a razão implícita com o pós-
positivismo de alguém como Ronald Dworkin.
19
Na próxima seção explorarei um pouco do significado dessa “vinculação argumentativa” que o
precedente traz, para indicar que isso não implica, necessariamente, impedimentos a processos de ruptura
ou mudança jurisprudencial.
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la, seja na Constituição, seja na legislação ordinária, cumpre que se lance mão
da integração analógica. ”20
Nesse caso, a ratio seria a da possibilidade da união estável homoafetiva porque
apesar de se tratarem de relações suficientemente distintas para fins de regime jurídico,
não há previsão expressa para regulá-la, sendo permitida a analogia com o regime
heterossexual, enquanto não surgir regulação específica. Com tal cenário, a identificação
desse trecho com ratio decidendi do caso daria abertura para, como precedente, inclusive
chancelar a constitucionalidade de lei expressamente proibisse no futuro o casamento ou
até mesmo a união homoafetiva.
Com isso, ficará muito claro o contraste com a possibilidade de extração da ratio
decidendi como razão implícita. Ao ler a íntegra do voto do relator, é possível identificar
trecho mais adiante no qual se afirma que tal união estável “(...) embora não esteja
expressamente prevista no art. 226, precisa ter a sua existência reconhecida pelo Direito,
tendo em conta a ocorrência de uma lacuna legal que impede que o Estado, exercendo o
indeclinável papel de protetor dos grupos minoritários (...)”.21 Com a leitura sobre esse e
demais trechos indicados acima, apesar do que afirma explicitamente o Ministro, há uma
tensão em seu voto. Isso porque indica que o Estado tem um dever “indeclinável” de
proteção de grupos minoritários e, além disso, não fornece nenhuma razão para distinguir
a união estável heterossexual da homoafetiva. Pelo contrário, indica que as mesmas
partilham de identidade em termos de vínculo, publicidade e duração. Esses são
justamente os elementos constitutivos do regime jurídico da união estável.
Sob a concepção de razão implícita o jurista pode identificar que a ratio da ADI
4.277, a despeito do que dizem os ministros, é que inexistindo diferença nos elementos
constitutivos de uma dada relação jurídica, o Estado não pode legitimamente excluir
grupos minoritários de seu exercício e que, no caso, a identidade de gênero não traz
diferença relevante para a situação de união estável.
Sob essa hipótese, o precedente estabelecido na ADI 4.277 vincula os ministros a
discutirem com base nesses pressupostos, ou seja, identificando se há diferença nos
elementos constitutivos do casamento por pessoas com a mesma identidade de gênero.
Isso vincula os ministros a discutir se proliferação ou aceitação social são elementos
20
ADI 4.277, Min. Rel. Carlos Ayres Britto, D.J. 05.05.2011, p. 714.
21
Idem. p. 719.
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constitutivos desse regime jurídico, por exemplo. Além disso, daria uma resposta de
inconstitucionalidade a leis que visem proibir a união estável homoafetiva.
A despeito de qual seja a sua leitura a respeito da ADI 4.277, este exercício
apresenta a inegável liberdade do intérprete na identificação da ratio decidendi de uma
decisão judicial. No caso de razões explícitas a liberdade reside na identificação de trecho
relevante, enquanto nas razões implícitas o jurista possui a liberdade de articular os
elementos de fundo da decisão, ainda que em tensão com seu conteúdo explícito.
Com isso, há uma clara tensão de valores a respeito de qual concepção seguir. A
concepção de razões explícitas parece endossar a previsibilidade própria dos métodos de
interpretação literal e histórica, enquanto a concepção de razões implícitas parece
favorecer o valor de justiça e equidade, próprios dos métodos de interpretação sistemática
e teleológica.
Na próxima sessão exploro porque, ao contrário do que pode dizer o senso
comum, a lógica de precedentes privilegia mais os valores de justiça e a equidade do que
o valor de previsibilidade, endossando a lógica de razões implícitas.
22
MACCORMICK, Neil. Retórica e estado de direito.
23
DWORKIN, Ronald. Law’s empire.
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3.1. Distinguir
24
ALEXY, Robert; DREIER, Ralf. Precedent in the Federal Republic of Germany. Neil MacCormick;
Robert S. Summers (Eds.). Interpreting precedents, p. 30.
25
DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. p. 113. Tradução livre.
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factual. Nesse sentido, em um sentido estrito do termo, a distinção não é uma forma de
desrespeito (departure) ao precedente.26
Por exemplo, em 2016 o Supremo Tribunal Federal inovou ao criar a
possibilidade de suspenção de mandato parlamentar.27 Na ocasião, o tribunal declarou
que o então-Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha foi afastado do cargo
de maneira inusitada. Ao fazer isso, apesar da particularidade do caso, o tribunal criou
uma ratio, ainda que implícita, de que em casos como o de Cunha é autorizada a
suspensão do mandato.28 Mas afinal, o que é um caso como o de Cunha? Bem, é
justamente esse o trabalho do jurista, a quem cabe encontrar a ratio. Por exemplo, basta
ser réu? É preciso ser investigado na Comissão de Ética parlamentar? Deve existir risco
à investigação penal em razão de como a pessoa se comporta no exercício da função
pública? Ao reconstruir a ratio (muito provavelmente implícita) é que se terá a base para
se afirmar quais casos devem ser tratados da mesma maneira ou distinguir os que não
atendem aos requisitos para o afastamento.
O exercício da distinção é sofisticado porque exige uma reconstrução narrativa
tanto do precedente quanto do caso concreto sobre o qual se discute. Deve haver um
amplo esforço de reconstrução dos fatos relevantes para então designar o regime jurídico
e os precedentes aplicáveis.
Como já enfatizou, se argumenta pela não aplicação de um precedente a um caso
concreto, mas respeitando plenamente a sua autoridade. O enfrentramento contra o
precedente ocorre na situação de superação, que exploro a seguir.
3.2. Superar
26
SILTAIA, Raimo. A theory of precedent. p. 74
27
AC 4070, Min. Rel. Teori Zavascki, D.J. 05.05.2016.
28
No Estado Democrático de Direito o Judiciário não pode tomar decisões ad hoc, de modo que casos
novos ou excepcionais criam sempre novas regras.
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obrigações. 29
Há uma diversidade de argumentos para que permitem esse enfrentamento. Para
Summers e Eng, o precedente pode ser superado se for considerado uma forma
claramenente equivocada de interpretar uma determinada norma, ter se tornado
incompatível com uma nova legislação, se há claras evidências de que o Legislativo
desaprova o precedente ou se a autoridade do precedente vem sido minada ao longo do
tempo em decisões judiciais esparsas.30
Contudo, o processo de superar não pode ser uma simples discordância. A
superação exige um ônus argumentativo robusto para fundamentar que o valor da
mudança é maior do que o de manutenção da estabilidade da compreensão antiga. É
preciso que considerações sobre as expectativas legítimas da sociedade também sejam
enfrentadas.31 É por isso que a superação depende de algum argumento robusto sobre
vontade democrática, adequação do direito ou simplesmente de justiça. Nesse sentido, as
propostas de superação tendem a ter menos êxito em questões cujo valor está centrado na
previsibilidade, coordenação coletiva ou segurança jurídica.
Sendo assim, em uma lógica de precedentes o sistema judicial não fica
aprisionado pelo passado. Na verdade, ele permite que precedentes sejam enfrentados até
com mais clareza do que ocorre na tradição que visa modificar entendimentos
simplesmente ignorando-os ou colocando-os sob a pecha de minoritários ou obsoletos,
sem maiores justificações.
Com isso, o movimento de superação é o de mais fácil compreensão, mas
possivelmente o mais difícil de colocar em prática porque depende da construção de
argumentos que promovam a ruptura com a tradição, mas sem incorrer em voluntarismo
ou decisionismo; um risco que abordo na seção final deste artigo.
29
SILTAIA, Raimo. Op. cit., p. 73.
30
SUMMERS, Robert; ENG, Svein. Departures from Precedente. Neil MacCormick; Robert S. Summers
(Eds.). Interpreting precedents. p. 525.
31
DUXBURY, Neil. Op. cit., p. 119.
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transplantes e inovações institucionais e mais uma questão de cultura jurídica. Para que
precedentes e suas rationes tenham algum tipo de autoridade normativa é preciso que a
comunidade jurídica o trate dessa forma. A circularidade sobre esse ponto é apenas
aparente.
Como bem apontou John Searle, quando tratamos de fatos do mundo que existem
em uma dimensão muito mais social do que fática, como “dinheiro”, “excesso de
velocidade”, “fronteiras” e o “sistema métrico”, seu fundamento está em convenções
sociais.32 E não é diferente, pelo menos em certo nível, com o Direito. Sem que eu adentre
no debate metodológico sobre a natureza do direito, basta para meu argumento apontar
que só haverá a implementação de um sistema de precedentes no Brasil se os operadores
do sistema jurídico passarem a tratar decisões judiciais como precedentes.
Esse tratamento tem uma série de implicações que demandariam todo um novo
artigo,33 mas a principal delas e que fica clara ao longo dessa exposição sobre ratio
decidendi consistem em levar a vinculação argumentativa a sério. Tanto advogados e
juízes precisam reconhecer a dimensão obrigatória de precedentes mesmo que não exista
sanção para o descumprimento.34
Nesse sentido, a cultura de precedentes e sua insistência na gravidade e seriedade
dos limites argumentativos auxilia a promover limites reais à atividade jurisdicional para
que ela não redunde em arbítrio. Se queremos um sistema jurídico que reconheça os
limites da razão e que não seja mero exercício do poder, temos bons motivos para
endossar o fortalecimento da lógica de precedentes no país; algo que depende em larga
medida de um domínio dogmático da noção de ratio decidendi.
32
Cf. SEARLE, John R. The construction of social reality.
33
Muitas delas exploradas em VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Rev. direito GV [online]. 2008,
vol.4, n.2, pp.441-463.
34
A existência de obrigações jurídicas desvinculadas de sanções me parece um dos pontos da maior
contribuição de Hart ao debate contemporâneo. Cf. HART, H. L. A. Op.cit., capítulo V.
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