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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

PAULO RENATO CAVALCANTI DE OLIVEIRA

TRÊS PERSPECTIVAS SOBRE O HABEAS CORPUS: A DOUTRINA CLÁSSICA;


A DOUTRINA MODERNA E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL NOS ANOS DE 2012, 2013 E 2014

Rio de Janeiro
2016
PAULO RENATO CAVALCANTI DE OLIVEIRA

TRÊS PERSPECTIVAS SOBRE O HABEAS CORPUS: A DOUTRINA CLÁSSICA; A


DOUTRINA MODERNA E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL NOS ANOS DE 2012, 2013 E 2014

Dissertação apresentada à Universidade Estácio de


Sá, como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Direito

ORIETADOR: Professor Doutor Marcello Raposo Ciotota


CO-ORIENTADORA: Professora Doutora Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva

Rio de Janeiro
2016
DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho primeiramente a


Deus, e a minha mãe Therezinha de
Jesus Cavalcanti de Oliveira, pessoas
sem as quais nada nessa vida teria sido
possível realizar.
AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Profº Doutor Marcelo Raposo Ciotola, pela paciência na


leitura e correção do texto, bem como pelo auxílio dado quanto a metodologia, e pela
indicação do rumo a seguir na elaboração da dissertação, pelos aconselhamentos e
indicação de autores, cuja leitura tiveram grande relevância e muito enriqueceram o
trabalho.
A minha co-orientadora, Profª Doutora Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva
pelo incentivo e pelos ensinamentos relativos à forma e modo de pesquisa, e pela excelente
sugestão do título e estrutura da dissertação.
Ao Professor Doutor Lenio Streck a quem devo o primeiro esboço dos capítulos
da dissertação, que com muita paciência e boa vontade, sugeriu uma organização ainda que
não sido observada no todo, pelo menos parte do trabalho teve inspiração naquelas
sugestões primevas.
Ao Profº Doutor Saulo Bichara Mendonça por aceitar participar da banca, e
pelo envio de material, que em muito contribuiu para formar o pensamento que norteou a
pesquisa realizada.
Ao meu pai Renato Sergio Nogueira de Oliveira, pelo auxílio na leitura e
correção de todo o texto da dissertação, chamando atenção de eventuais descontinuidades
de pensamento.
Ao Grupo de Pesquisa Núcleo de Estudos em Direito, Cidadania, Processo e
Discurso (NEDCPD-PPGD/UNESA-RJ), lugar onde por meio da socialização e troca de
ideias, as noções de como se elaborar uma pesquisa em Direito começaram a se formar.
Aos Colegas Evandro Pereira Guimarães Ferreira Gomes e Eugeniusz Costa
Lopes da Cruz pelo incentivo e auxílio dado quando do momento da seleção para
ingresso no Mestrado, uma série de dúvidas e incerteza permeavam meus pensamentos.
RESUMO

Essa dissertação buscou verificar a relevância da ação de habeas corpus para o


ordenamento jurídico brasileiro ao longo da história do Brasil, bem como a sua inter-
relação com os eventos políticos que se sucederam. Para tanto, foi buscar no pensamento de
juristas como Rui Barbosa, Pedro Lessa, Pontes de Miranda, Hélio Tornaghi, Magalhaes
Noronha, Heleno Claudio Fragoso, dentre outros que se dedicaram às letras jurídicas no
curso do século XX, a forma pela o instituto era compreendido na doutrina clássica.
Posteriormente o trabalho procurou fazer uma incursão profunda no instituto do habeas
corpus nos dias de hoje, afim de compreender os seus contornos técnicos, para, por meio da
diversidade com relação ao pensamento clássico, tentar entender a sua real aplicabilidade e
eficácia prática. Por fim, a dissertação penetra na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, por meio de uma análise estatística, quantitativa e qualitativa das decisões
publicada nas compilações de informativos de jurisprudência nos anos de 2012, 2013 e
2014, com o intuito de aferir, por meio de uma análise semiolinguística do discurso, a
compatibilidade de jurisprudência defensiva refratária aos habeas corpus substitutivos de
recurso, com o princípio do efetivo acesso à justiça e o Estado Democrático de Direito.
Sem perder de vista a tradição libertária da função jurisdicional brasileira, a dissertação
procurou desenvolver uma análise crítica da decisão proferida pelo Ministro Marco Aurélio
Mello no HC 109956 em 07 de agosto de 2012. A compilação de dados estatísticos teve
como base os anos de 2012, 2013 e 2014, exatamente porque a decisão do Ministro Marco
Aurélio Mello representou um divisor de águas, no que tange o habeas corpus substitutivo.

Palavras-chave: Habeas corpus. Pensamento clássico. Pensamento moderno. Jurisprudência


do Supremo Tribunal Federal. Princípio do acesso à justiça. Estado Democrático de Direito.
ABSTRACT

This dissertation aims to evaluate the relevance of habeas corpus action to the Brazilian
legal system throughout the history of Brazil, and its interrelation with the political events
that followed. To that end, we look at the thought of lawyers such as Rui Barbosa, Pedro
Lessa, Miranda Bridges, Hélio Tornaghi, Magalhaes Noronha, Heleno Claudio Fragoso,
among others who have dedicated themselves to legal letters in the course of the twentieth
century, the way in the institute was understood in the classical doctrine. Later work sought
to make a deep incursion into habeas corpus Institute today, in order to understand its
technical contours, for, through the diversity of the classical thought, try to understand their
real applicability and practical effectiveness. Finally, the dissertation penetrates the
jurisprudence of the Supreme Court, by a statistical, quantitative and qualitative analysis of
the decisions published in the jurisprudence of informational compilations of the years
2012, 2013 and 2014, in order to assess through one semiolinguistics discourse analysis,
refractory defensive jurisprudence compatibility to habeas corpus substitute feature, with
the principle of effective access to justice and the democratic rule of law. Without losing
sight of the libertarian tradition of the Brazilian judicial function, the dissertation sought to
develop a critical analysis of the decision by Minister Marco Aurélio Mello in HC 109,956
on August 07, 2012. The compilation of statistical data was based on the years 2012, 2013
and 2014, precisely because the decision of Minister Marco Aurélio Mello was a
watershed, with respect habeas corpus substitute.

Keywords: Habeas corpus. Classical thought. Modern thought. Decisions by the Supreme
Court. Principle of access to justice. Democratic state.
SUMÁRIO

Capítulo I- Introdução ------------------------------------------------------------------------ 1

Capitulo II - O pensamento Clássico

1- Breve Histórico ----------------------------------------------------------------------------- 5

2 - O habeas Corpus no Brasil --------------------------------------------------------------- 7

Capítulo III – O pensamento moderno: uma perspectiva doutrinária

1 – Legitimidade ativa ----------------------------------------------------------------------- 44

2 – O paciente --------------------------------------------------------------------------------- 46

3 – Autoridade coatora ----------------------------------------------------------------------- 49

4 – Natureza jurídica do habeas corpus------------------------------------------------- 50

5 – Espécies de habeas corpus ------------------------------------------------------------- 53

6 – Competência para julgar o habeas corpus ------------------------------------------ 56

7 – Cabimento da ação ----------------------------------------------------------------------- 58

8 – Procedimento em Juízo ------------------------------------------------------------------ 77

9 – Fungibilidade entre a ação de habeas corpus e a revisão criminal ----------------- 80

10 – Competência recursal ------------------------------------------------------------------ 82

11 – O habeas corpus substitutivo --------------------------------------------------------- 85

Capítulo IV – A jurisprudência no Supremo Tribunal Federal nos anos de 2012, 2013 e


20014

1 – Levantamento estatístico --------------------------------------------------------------- 90

2 – A jurisprudência defensiva e o habeas corpus ------------------------------------- 95

3 – A liberdade de ir e vir e os mecanismos de filtragem ----------------------------- 108


Capítulo V – Conclusão ------------------------------------------------------------------------ 112

Referências bibliográficas --------------------------------------------------------------------- 117


1

O HABEAS CORPUS

Capítulo I – INTRODUÇÃO

No Brasil, desde o tempo do Império, salvo em períodos em que ocorreram


governos autoritários, sempre houve a tradição de, em respeito ao direito de livre
locomoção, aceitar a utilização da ação de habeas corpus em substituição dos recursos
previstos em lei. Na praxe processual esse tipo de mecanismo tornou-se cristalizado, como
uma forma célere e eficaz, para proteger as pessoas de arbitrariedades praticadas pelo
Estado, possibilitando o controle judicial dos atos praticados pelos agentes do Estado.
O Supremo Tribunal Federal, no mês de agosto de 2012, mudou o seu
posicionamento jurisprudencial com relação aos habeas corpus substitutivos de recurso
ordinário, a partir da decisão do Ministro Marco Aurélio Mello no HC 109956, passando a
não mais conhecer dessa modalidade de ação, criando uma jurisprudência defensiva, com a
única finalidade de evitar uma sobrecarga de trabalho. No entanto, em alguns casos
considerados urgentes, os Ministros promovem a concessão da ordem de ofício.
A mudança do posicionamento jurisprudencial na Corte Constitucional
brasileira provocou, pelo menos para mim, uma série de indagações, a respeito dos
motivos, gerando uma especial curiosidade frente ao princípio do acesso à justiça,
especialmente em razão da tradição libertária que o Poder Judiciário brasileiro sempre
ostentou, aceitando como válida a via do habeas corpus substitutivo.
O presente trabalho objetiva analisar a ação de habeas corpus no Brasil, para:
tentar entender os motivos que levaram os Ministros do Supremo Tribunal Federal a adotar
um posicionamento tão refratário com relação aos habeas corpus substitutivos de recurso
verificar eventuais inconsistências no pensamento desenvolvido pelos Ministros; bem como
eventuais efeitos prejudiciais à liberdade de ir e vir para as pessoas no território brasileiro.
A dissertação foi desenvolvida em cinco capítulos, sendo o primeiro a
introdução e o último a conclusão. Nos três capítulos intermediários, onde efetivamente as
2

ideias são desenvolvidas, buscou-se fazer uma análise detalhada do instituto do habeas
corpus no Brasil, por meio de um método dedutivo e comparativo, onde o instituto foi
observado não só pelo ponto de vista histórico, mas também pelo ponto de vista técnico
jurídico, não deixando, no entanto, de fazer uma análise jurisprudencial das decisões acerca
do habeas corpus substitutivo, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal,
tendo sido utilizado também, como instrumento, o método estatístico quantitativo.
O capítulo dois buscou desenvolver um estudo histórico do instituto do habeas
corpus para tentar compreender a variação que a ação sofreu ao longo da história política
brasileira, objetivando constatar como o instituto evoluiu, verificando também as eventuais
alterações ocorridas por conta das crises políticas que se desenvolveram no cenário
nacional. A importância desse capítulo, que dialoga com a obra clássica de Pontes de
Miranda – História e Prática do Habeas Corpus, é possibilitar uma visão ampla da ação de
habeas corpus, bem como o pensamento clássico dos juristas brasileiros. Permite observar,
também, como era o tratamento dado ao habeas corpus ante as diversas correntes
ideológicas que estiveram no comando do Poder Executivo, e como a liberdade de
locomoção foi tratada ao longo da história do Brasil. O próprio conceito de liberdade sofreu
alterações ao longo da história, em razão das peculiaridades sociais de cada época, assim
como o direito de liberdade, igualmente a ação de habeas corpus, seu principal recurso de
defesa, experimentou variações ao longo do tempo.
O habeas corpus, em sendo uma ação ou um recurso, conforme o pensamento
de alguns doutrinadores, possibilita, por meio do seu estudo histórico, observar toda a
evolução teórica doutrinária que permeou o estudo jurídico clássico no Brasil, passando,
desde uma legitimidade ativa restrita, por questões ligadas à cidadania, pela discussão
relativa à amplitude do direito de liberdade possível de ser resguardado pela via do habeas
corpus, até chegar aos contornos que o instituto apresenta nos dias de hoje.
O capítulo três faz uma análise do pensamento moderno a respeito da ação de
habeas corpus, com suas peculiaridades técnicas após a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. O trabalho buscou na doutrina moderna, explorar as
divergências doutrinárias a respeito do instituto, a fim de melhor poder compreende-lo na
atualidade, bem como observar os pensamentos predominantes, para delinear o atual
3

conceito do direito de liberdade, as possibilidades da sua proteção pela via judicial, bem
como a forma pela qual a ação de habeas corpus se insere nesse contexto.
A compreensão do pensamento moderno a respeito do habeas corpus permite
fazer uma comparação com o pensamento clássico, possibilitando, dessa maneira, um
melhor entendimento do instituto. Observando-se os seus contornos atuais, em confronto
com a sua sistemática do passado, é possível, não por meio da similaridade, mas pela
diferença, entender a real finalidade, amplitude e eficácia que o habeas corpus efetivamente
tem ou deveria ter nos dias de hoje. Além disso, por meio do estudo comparado, é possível
também compreender mais profundamente as mudanças ocorridas no seio da sociedade,
suas peculiaridades e evolução, bem como os seus reflexos no pensamento jurídico
brasileiro. Não há meio melhor para se compreender o presente, que não seja o de se
conhecer o passado.
No quarto capítulo do trabalho foi realizada uma análise estatística
jurisprudencial das decisões proferidas em ações de habeas corpus no Supremo Tribunal
Federal nos anos de 2012, 2013 e 2014. Os dados foram extraídos da compilação de
informativos do site do Supremo Tribunal Federal. Cumpre ressaltar que nessas
compilações de informativos não estão descritos todos os habeas corpus decididos no ano
pela Corte Constitucional brasileira, mas eles trazem uma amostragem considerável, que
permite uma observação geral das ações decidida Supremo Tribunal Federal, em
determinado período de tempo, possibilitando a obtenção de dados interessantes, que
viabilizam uma observação ampla, para se chegar a conclusões quantitativas e qualitativas
quanto às decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal, pelo menos no que diz respeito
ao período de tempo relativo à coleta de dados.
O capítulo quatro do trabalho dialoga, principalmente, com parte da obra de
Patrick Charaudeau, com o livro de Eugeniusz Cruz e com o pensamento de Lênio Streck.
O primeiro autor foi utilizado na análise semiolinguística da decisão de 2012, proferida
pelo Ministro Marco Aurélio Mello no paradigmático HC 109956, marco inaugural da
mudança de posicionamento jurisprudencial no Supremo Tribunal Federal, onde procurou-
se observar o dito e o não dito na decisão, para fazer uma análise do conteúdo do discurso
utilizado na fundamentação em comparação com o sistema adotado no estado democrático
de direito. O segundo autor trouxe como contribuição à ideia da existência de resquícios
4

autoritários no estado democrático de direito, demonstrando que, apesar da Constituição da


República Federativa do Brasil de 1988 inaugurar um novo ordenamento jurídico, fundado
em valores democráticos, antigas práticas autoritárias, continuaram a existir, conforme é
possível se observar em diversos episódios ocorridos após a promulgação da carta
constitucional de 1988. O terceiro autor contribuiu na fundamentação da necessidade dos
juízes decidirem com base nos princípios constitucionais e não conforme o livre
convencimento das suas consciências, além de ter servido de base para o desenvolvimento
da reflexão quantos à necessidade da existência de mecanismos de filtragem processual
eficazes para garantir o direito de ir e vir das pessoas nas diversas instâncias do Poder
Judiciário.
O desconforto causado pela mudança de posicionamento jurisprudencial no
Supremo Tribunal Federal, com relação ao habeas corpus substitutivo, provocou uma série
de questionamentos, instigando a realização da pesquisa desenvolvida nesse trabalho. Para
tentar solucionar esses questionamentos, um amplo estudo do habeas corpus, enquanto
instituto jurídico, foi elaborado, procurando compreender sua real finalidade e eficácia,
desde as suas raízes históricas, para entender no que consiste o direito de liberdade, qual a
sua importância para os valores democráticos, e como o Estado se posiciona na defesa
desse direito.
O problema central da pesquisa girou em torno das seguintes questões: O não
conhecimento do habeas corpus substitutivo de recurso ordinário viola de alguma maneira o
princípio do acesso à justiça? A criação de uma jurisprudência defensiva no âmbito do
Supremo Tribunal Federal, somente para evitar uma sobrecarga de trabalho, encontra
consonância com os valores do estado democrático de direito? Haveria alguma forma eficaz
de assegurar a liberdade de locomoção das pessoas no território Brasileiro, sem provocar
uma sobrecarga nos tribunais superiores?
5

Capitulo II – O PENSAMENTO CLÁSSICO

1 BREVE HISTÓRICO

O Direito Romano lançou as bases jurídicas para a construção do Direito


ocidental. Nele não havia uma ação denominada Habeas Corpus, porém, alguns autores,
como por exemplo Thiago Botino do Amaral1, vislumbram uma existência implícita do
chamado Remédio Heróico no interdictum de homine libero exhibendo, cuja finalidade, em
Roma, era permitir a qualquer cidadão reclamar a exibição do homem livre detido
ilegalmente.
Os interditos eram institutos do direito pré-clássico ou pré-justiniano, que
podiam ser utilizados para por fim a conflitos entre cidadãos. Na Roma antiga, os
Interditos ou Interdicta consistiam em ordens dadas pelo pretor, fundadas no seu poder de
império. Uma das partes litigantes solicitava o interdito ao pretor, que o concedia ou não 2.
Os interditos eram classificados em: proibitórios, restituitórios e exibitórios. O interdito
proibitório apresentava a finalidade de garantir uma obrigação de não fazer, o restituitório,
uma obrigação de dar, e o interdito exibitório uma obrigação de fazer, mais
especificamente, a obrigação de exibir alguma coisa, ou alguém, ao magistrado.
O interdictum de homine libero exhibendo apresentava, no direito romano,
características de procedimento civil, e não penal. Ele tinha a finalidade específica de
garantir a posse, colocando em liberdade um homem livre detido por outro, sem justo
motivo, ou para fazer apresentar o escravo de uma pessoa detido indevidamente por outra
pessoa.
O Habeas Corpus como instituto utilizado para garantir o direito de liberdade
contra os abusos estatais, talvez, pela natureza de Direito Civil, que apresentava o
interdictum de homine libero exhibendo, para a maioria dos autores, tem sua origem não em

1
AMARAL. Thiago Botino. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Editora Revista dos Tribunais. 2001
2
CRETELLA JUNIOR. José. Curso de Direito Romano, 20ª edição, Editora Forense. 1996
6

Roma, mas por volta de 1.215, na Magna Carta Libertatum, imposta pelo clero e pelos
barões à João I, Rei da Inglaterra.
Na Inglaterra, no período da idade média, o rei João I, denominado
João Sem Terra, em razão de não ter sido contemplado com terras, deixadas por seu pai, o
rei Henrique II. acostumado com as facilidades da vida na corte, passou a adotar um
comportamento extremamente despótico, cobrando impostos escorchantes e efetuando uma
série de prisões arbitrárias. Os barões 3, proprietários de terra à época, e o Clero impuseram
à João Sem Terra a chamada Magna Carta Libertatum para coibir os abusos praticados.
Nela fizeram inserir uma ação para garantir o direito de liberdade. Os efeitos da Magna
Carta Libertatum, no entanto, tiveram pouca duração, tendo em vista que foi revogada pelo
rei João I, em agosto de 1.215. É bem verdade que, em 1216, subiu ao trono, o rei Henrique
III, filho de João Sem Terra, fazendo restabelecer a Maga Carta Libertatum, porém as
violações arbitrárias ao direito de liberdade continuaram.
No Século XVII a ambição de liberdade do povo inglês 4 retoma força, no
reinado de Carlos I, tendo inicio com a Petiton of Rigths. No ano de 1679, já no reinado de
Carlos II, fez-se inserir o interdictum de homine libero exhibendo, para garantir o direito de
liberdade das pessoas acusadas de crime. No ano de 1816, o Habeas Corpus Act foi
ampliado, para garantir o direito de liberdade das pessoas, também, contra prisões ilegais
por parte do Estado, e, inclusive, contra atos de particulares
Da Inglaterra a ação de habeas corpus foi levada pelos colonos para os Estados
Unidos da América. É verdade que na Constituição americana, bem como em suas
emendas, não há menção expressa ao writ, o texto tutela, de forma aberta, o direito de

3
Os barões, ao contrário do que se pode imaginar, não representavam a nobreza da época, mas eram os
cavaleiros, que acompanharam o rei Ricardo I, mais conhecido, como Ricardo Coração de Leão, irmão mais
velho do rei João I, às Cruzadas na Terra Santa. Eles receberam, como recompensa, terras isentas de
impostos, chamadas Baronias, daí decorre o nome barão.
4
Os ingleses sempre foram muito ciosos da liberdade física. Pensam mesmo que os atentados à vida, e à
propriedade são menos perigosos e prejudiciais ao bem geral do que a menor violência ou coação à liberdade
física do indivíduo. Matar um cidadão, confiscar seus bens ou destruí-los, sem acusação, sem processo,
sempre seria ato de insigne despotismo; mas a notoriedade do delito levaria ao seio de todo o povo o grito de
alarma contra a tirania iminente. Dir-se-á que o mesmo acontece nos constrangimentos no ir e vir?
Absolutamente não. A encarceração de uma pessoa, argumentam eles, é arma menos pública. É violência,
secreta, ignorada, invisível, portanto, mais grave e mais perigosa do que qualquer outra.
7

liberdade na 5ª emenda5 ao utilizar a palavra liberty, porém, na prática, ele sempre foi
utilizado em terras americanas, com base no direito costumeiro trazido da Inglaterra.
O habeas corpus a partir de suas origens remotas difundiu-se para quase todas
as legislações ocidentais, devido à importância essencial que o direito de ir e vir tem para as
pessoas, que segundo a concepção clássica seria um direito natural do homem, inerente à
sua condição, ou seja, ser livre para ir e vir por toda a parte.
Apesar de não haver acordo quanto à origem do habeas corpus 6, o certo é que a
luta do homem pelo direito de livre locomoção perde-se retroativamente na linha da história
da humanidade.

2 O HABEAS CORPUS NO BRASIL

No Brasil, enquanto colônia, não existia o habeas corpus, propriamente dito.


Utilizava-se nas Ordenações Do Reino de Portugal ( Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) do
Interdito de Homine Libero Exhiendo, para garantir o direito de Liberdade.
O habeas corpus – Remédio Heroico - foi introduzido no ordenamento
jurídico brasileiro em 1832, no Código de Processo Criminal, tendo ingressado, como
norma constitucional expressa, na Constituição Republicana de 1891.
A Constituição Política do Império do Brazil de 1824 não fazia menção ao
habeas corpus, porém, no art. 179, inciso 8º, estabelecia que: “Ninguém poderá ser preso
sem culpa formada, exceto nos casos declarados em lei; e nestes, dentro de vinte e quatro
5
Amendment V. No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a
presentment or indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the Militia,
when in actual service in time of War or public danger; nor shall any person be subject for the same offence to
be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against
himself, nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be
taken for public use, without just compensation.Consulta feita em 09/09/2015, disponível em
http://www.archives.gov/exhibits/charters/bill_of_rights_transcript.html#text
6
Aury Lopes Junior no seu livro Direito Processual Penal, entende que o antecedente histórico do habeas
corpus estaria no Direito espanhol, com o recurso de manifestación de personas do Reino de Aragão, datado
de 1428 a 1592, cuja finalidade era permitir que o detido fosse transferido do cárcere, para um regime similar
ao da liberdade provisória atual, e para prevenir ou reprimir as prisões ilegais cometidas por qualquer
autoridade.
8

horas, contadas da entrada na prisão, sendo em cidades, vilas ou outras povoações próximas
aos lugares da residência do juiz, e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável que a
lei marcará atenta a extensão do território, o juiz por uma nota por ele assinada fará constar
ao réu o motivo da prisão, o nome do seu acusador e o das testemunhas, havendo-as.7”
O deputado José de Alencar, em 1870, no entanto, dizia: “...alguns pensam que
o habeas-corpus data do Código do Processo (1832); minha opinião é contrária. Entendo
que, embora caiba aos autores do Código do Processo a glória de terem compreendido e
tratado de desenvolver o pensamento constitucional, o habeas-corpus está incluído, está
implícito na Constituição, quando ela decretou a independência dos poderes e quando deu
ao Poder Judiciário o direito exclusivo de conhecer de tudo quanto entende a
inviolabilidade penal”8
Pontes de Miranda analisando o direito de liberdade em terras brasileiras, vê no
Decreto nº 23 de maio de 1821, referendado pelo Conde dos Arcos, logo após a partida de
Don João VI para Portugal, o primeiro marco histórico das liberdades no Brasil, sendo por
ele denominada de “nossa Magna Carta”. Nessa época havia a ação de desconstrangimento,
aplicável como meio para se formular o pedido de soltura, das pessoas presas de forma
ilegal.
O habeas corpus que, no entanto, recebeu a sua primeira regulamentação legal
na Lei 29 de 29 de novembro de 1832, representou uma reação liberal, ainda no tempo da
Regência9. A necessidade da sua regulamentação tem crucial importância, em que pese os
argumentos do deputado José de Alencar 10 e da existência da ação de desconstrangimento,
7
O texto do art. 189, inciso 8º da constituição do império que data de 1824, atualmente, mantém-se quase
intacto no Código de Processo Penal. O art. 306, com redação dada pela lei 11.449 de 15 de janeiro de 2007
que, curiosamente, foi apontada como uma evolução legislativa, inseriu, no parágrafo primeiro, o prazo de
vinte e quatro horas para a comunicação da prisão ao juiz, e no parágrafo segundo a entrega, no mesmo prazo,
da nota de culpa informando ao preso os motivos da prisão, o nome do condutor e das testemunhas. Haja vista
que, no texto original do Código de Processo Penal de 1941, não havia prazo para a comunicação da prisão
8
De MIRANDA. Pontes. História e Prática do Habeas Corpus (Direito Constitucional e processual
comparado). Tomo I. 7ª edição Editor Borsoi, 1972
9
Período de Regência, ou Regencial compreende o decênio entre 1831 e 1841, ele se inicia com a abdicação
de Dom Pedro I, imperador até então, em favor de seu filho Pedro de Alcantara, que contava 6 anos de idade,
esse período se encerra com o golpe da maioridade, quando Dom Pedro II, ainda com 15 anos, assume o
trono. Diz-se golpe da maioridade, porque a Constituição estabelecia que a assunção ao trono só poderia se
dar ao príncipe com 18 anos completos. O período Regencial é composto por quatro regência: Provisória
Trina, Permanente trina, Uma do Padre Feijó, Uma de Araújo Lima.
10
José Martinano de Alencar nasceu em 1º de maio de 1829, no município de Messejana, no Estado do Ceará,
a família transferiu-se para o Rio de Janeiro, que à época era a capital do Império do Brasil. Formou-se na
Faculdade de Direito do Estado de São Paulo, Foi Deputado Estadual no Estado do Ceará, no ano de 1860,
9

porque, onde não há uma regulamentação do procedimento de habeas corpus, não tem
como haver garantia segura e eficaz para a liberdade de ir e vir.
No entender de Pontes de Miranda11 a fonte do habeas corpus, conforme foi
concebido no Código de Processo Criminal do Império, é o “ Habeas Corpus Acts” de 1679
e 1816. Representava para o ordenamento jurídico brasileiro, uma evolução enorme, no
sentido de garantir o direito de permanecer, de andar, de ir de um lado a outro 12 conforme
se referia Pontes de Miranda13, entretanto, a utilização do habeas corpus estava limitada aos
brasileiro, homens, não abrangia os estrangeiros, nem as mulheres, porque o texto legal
conferia legitimidade ativa aos cidadão, ou seja, pessoa no exercício dos direitos políticos,
conforme pode-se observar do artigo 340 da Lei nº 29 de 1932

“ Art. 340. Todo o cidadão que entender, que elle ou outrem soffre uma prisão
ou constrangimento illegal, em sua liberdade, tem direito de pedir uma ordem de - Habeas-
Corpus - em seu favor”

A questão relativa aos estrangeiros foi solucionada pela Lei nº 2.033 de 20 de


setembro de 1871 quando estabeleceu no artigo 18, § 8 que: “Não é vedado ao estrangeiro
requerer para si ordem de habeas corpus”
O problema relativo às mulheres, contudo, revelou-se um pouco mais delicado,
porque estas só passaram a ter direito ao voto de forma ampla, e, portanto, a condição de
cidadãs em 1932. Pela intepretação literal do Código de Processo Criminal do Império, a
mulher não poderia defender sua liberdade por meio do habeas corpus, na medida em que
se encontrava excluída da legitimidade ativa, não podendo, dessa maneira, impetrar o
habeas corpus, nem para si, nem para outrem. A doutrina da época, no entanto, de cunho
liberal, defendia a possibilidade da mulher impetrar ordem de habeas corpus, desde que o
fizesse para defender a si ou a seu marido.

tornou-se Ministro da Justiça no ano de 1868, tendo permanecido no cargo até 1870. Escritor profícuo, foi
autor de diversos livros, tais como: Cinco Minutos, O Guarani, Lucíola, Iracema, O Tronco do Ipê, etc.
Morreu no Rio de Janeiro em 12 de dezembro de 1877.
11
Idem item 8. Página 133
12
Ius manendi, ambulandi, eundi, ultro citroque
13
Helio Tornaghi, no seu livro Curso de Processo Penal, critica a expressão normalmente utilizada por Pontes
de Miranda. Afirma o autor: “Há quem fale em liberdade de ir, ficar e vir, mas quem é livre de ir, é livre de
não ir, isto é, de ficar. Ser livre é poder fazer ou não fazer. Não há pois, necessidade de referência expressa ao
ficar.
10

A questão dos direitos de gênero, especialmente das mulheres ainda hoje


merece uma especial atenção, porém, à época do Código Criminal de 1832, a situação das
mulheres na sociedade apresentava uma maior complexidade.
No Brasil do século XIX, a mulher era um ser submisso ao pátrio poder ou ao
poder do marido,. Ela era classificada como um sujeito incapaz do ponto de vista jurídico.
Suas atividades, via de regra, deveriam se circunscrever aos limites do lar e aos afazeres
domésticos, cuidando do pai, enquanto solteira, da prole e do marido após o casamento. As
mulheres não podiam praticar livremente os atos da vida civil. Não podiam votar. O pai e o
marido estavam autorizados a castigar moderadamente a mulher que descumprisse suas
obrigações, inclusive de natureza sexual, como nos casos dos deveres matrimoniais.
Mateus Rodrigues de Oliveira Michelon e Carlos Daniel Rodrigues de Oliveira,
no artigo Cidadania das mulheres, imigrantes e o direito dos escravos no século XI 14, citam
Lafayete Rodriges Pereira, um importante jurista da época, cujas palavras refletem, de
forma clara, a condição da mulher ao tempo do Código de Processo Criminal de 1832.

o marido tinha o direito de exigir obediência de sua mulher. Estava obrigada a


moldar seus sentimentos aos dele em tudo o que fosse “honesto e justo”. Diante a lei, a mulher
estava permanentemente num estado de menoridade.

É bem verdade que havia exceções, mulheres que se dedicavam ao trabalho fora
do lar, como por exemplo as escravas, as amas de leite, as empregadas domésticas, e
também no comércio e na indústria, via de regra na condição de serviçais, havia, ainda,
mulheres cultas, com formação liberal, que lutavam por seus direitos 15, porém, essa
condição não representava a regra geral da sociedade brasileira do século XIX.
Não é objeto, nem pretensão deste trabalho esgotar a análise da condição das
mulheres no Brasil ao tempo da Constituição de 1824 e do Código de Processo Criminal de
1832, entretanto, torna-se importante fazer uma breve exposição, para permitir entender a
legitimidade das mulheres nos casos do habeas corpus, e, até porque não, para permitir
uma reflexão atual do que representava ser mulher naquele tempo.
14
Apud.Consultado em 20/09/1015, disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/cidadania-das-
mulheres-imigrantes-e-os-direitos-dos-escravos-no-s%C3%A9culo-xix
15
A luta das mulheres pelo direito à cidadania, cumpre ressaltar, tem inicio na Inglaterra, no ano de 1897 com
a União Nacional pelo Sulfrágio Feminino fundada por Millicent Fawcett. A Nova Zelandia foi o primeiro
país a garantir o direito de votos à mulheres no ano de 1893. No Brasil a luta feminina pelo direito ao voto
tem precedentes em 1927, com Celina Guimarães Viana e com Mietta Santiago, que no ano de 1928
conquistou o direito de votar, por meio de uma Mandado de Segurança
11

O voto no Brasil, da Constituição de 1824, era censitário, somente os homens,


maiores de 25 anos, salvo se fossem casados ou oficiais militares, e os maiores de 21 anos
Bachareis formados ou clérigos de ordem sacra, desde que possuíssem renda líquida anual
de pelo menos duzentos mil reis por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego 16 é que
estariam aptos para votar ou serem eleitos. Dessa maneira a maior parte da população
brasileira ficava excluída da vida política brasileira. A Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil de 189117 melhorou um pouco a situação, acabando com o voto
censitário, e incluindo mais pessoas com capacidade política, ativa e passiva, porém, em
nada melhorou a situação das mulheres, que somente no ano de 1932 conquistaram o
direito ao voto.

16
 A Cosntituição de 1824 estabelecia a capacidade política nos artigos 92, 93 e 94.Art. 92. São excluidos de
votar nas Assembléas Parochiaes I. Os menores de vinte e cinco annos, nos quaes se não comprehendem os
casados, e Officiaes Militares, que forem maiores de vinte e um annos, os Bachares Formados, e Clerigos de
Ordens Sacras.II. Os filhos familias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem Officios
publicos.III. Os criados de servir, em cuja classe não entram os Guarda livros, e primeiros caixeiros das casas
de commercio, os Criados da Casa Imperial, que não forem de galão branco, e os administradores das
fazendas ruraes, e fabricas IV. Os Religiosos, e quaesquer, que vivam em Communidade claustral. V. Os que
não tiverem de renda liquida annual cem mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou Empregos. Art.
94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros dos Conselhos de Provincia
todos, os que podem votar na Assembléa Parochial. Exceptuam-se. Os que não tiverem de renda liquida
annual duzentos mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou emprego.II. Os Libertos.III. Os
criminosos pronunciados em queréla, ou devassa.

17
Art 69 –“ São cidadãos brasileiros:1º) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não, residindo
este a serviço de sua nação ;2º) os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país
estrangeiro, se estabelecerem domicílio na República; 3º) os filhos de pai brasileiro, que estiver em outro país
ao serviço da República, embora nela não venham domiciliar-se; 4º) os estrangeiros, que achando-se no
Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a
Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem; 5º) os estrangeiros que possuírem bens
imóveis no Brasil e forem casados com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto que residam no
Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade; 6º) os estrangeiros por outro modo
naturalizados. Art 70 - São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei. § 1º -
Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou para as dos Estados: 1º) os mendigos; 2º) os
analfabetos; 3º) as praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior;”
12

A utilização do termo cidadão no artigo 340 do Código Criminal do Império


acarretava sérias complicações, pois retirava a legitimidade ativa para uma série de pessoas,
que ficavam vulneráveis a todo tipo de arbitrariedades por ilegalidade ou abuso de poder,
não podendo se socorrer do amparo estatal para garantir suas liberdades, especialmente a
relativa ao direito de ir e vir.
O estrangeiro homem, curiosamente, teve a sua legitimidade ativa para o
habeas corpus reconhecida no ano de 1871, mas as mulheres brasileiras continuaram
invisíveis aos olhos da lei, submetidas a uma condição submissa, dependendo de
interpretações doutrinárias e jurisprudenciais que, eventualmente, reconhecessem para elas
a possibilidade de impetrar habeas corpus, e mais, só poderiam fazer para defender a si ou
ao marido. Resta, porém, uma dúvida; em uma sociedade cuja visão era de uma mulher
reclusa e limitada aos afazeres do lar, poderiam as mulheres se utilizar da proteção estatal,
via habeas corpus, para livrarem-se dos grilhões de um pai ou de um marido que as
impedissem de livremente se locomover fora do lar?
Certamente não, até poderiam ser beneficiadas por uma ordem de habeas
corpus, desde que mantivessem a condição de submissão, pois dependeriam da
benevolência de algum homem para impetrar a ação em seu favor.
O Código de Processo Criminal do Império, se por um lado restringiu a
legitimidade ativa para a propositura da ação de habeas corpus, por outro lado, não
estabeleceu recurso para a decisão em sede de habeas corpus, ela era definitiva e
irrecorrível. No ano de 1841, contudo, ocorreu uma mudança legislativa, prevendo a
existência de um recurso de ofício, da decisão concessiva da ordem.
Até o ano de 1871 só havia previsão legal da utilização do habeas corpus para
prisão ilegal, pois só era considerado como constrangimento o cerceamento da liberdade
pela prisão. A Lei 2.033 introduz no Brasil o que hoje é denominado habeas corpus
preventivo. O habeas corpus, nesse contexto, passou a resguardar as pessoas não só do
efetivo cerceamento da liberdade física de ir e vir, como também das ameaças a esse
direito, quando no artigo 18, §1º estabeleceu: “Tem lugar o pedido de habeas-corpus
quando o impetrante não tenha chegado a sofrer o constrangimento corporal, mas se veja
dele ameaçado”
13

No ano de 1889 aconteceu a proclamação da república no Campo de Santana,


na cidade do Rio de Janeiro. Foi liderada pelo Marechal Manuel Deodoro da Fonseca 18
que, não muito seguro do que estava fazendo, comandou as tropas que depuseram o
imperador Pedro II. O Marechal Deodoro da Fonseca era amigo pessoal do imperador e
tinha ideias monarquistas. Até hoje muito se discute se a República no Brasil foi fruto da
vontade popular19, ou se seria mais um dos golpes militares que tanto permearam a história
política brasileira. Seja como for, fato é que a República se instalou de forma definitiva,
inicialmente regulamentada pelo Decreto nº 1 de 15 de novembro de 1889. No ano de 1891
foi promulgada a primeira Constituição republicana no Brasil – Constituição da República
dos Estados Unidos do Brasil de 1891.
Até a constituição de 1934 não havia no Brasil outra ação destinada a tutelar
direitos constitucionais: tal fato fez surgir uma grande discussão, tendo como protagonistas

18
Manuel Deodoro da Fonseca Nasceu em 5 de agosto de 1827 na Vila de Alagoas da Lagoa do Sul No ano
de 1843 matriculou-se no Colégio Militar do Rio de Janeiro, e ingressou na carreira militar, como tenente no
ano de 1848. Tendo participado de diversas campanhas, inclusive da Guerra do Paraguai. Em 15 de novembro
de 1889 proclamou a República no Brasil, tendo se tornado o primeiro presidente a exercer o cargo. Morreu
no município de Barra Mansa no ano de 1892.
19
Aristides Lobo, no dia 15 de novembro de 1889, publicou no Diário Popular uma matéria, intitulada Cartas
do Rio, e ao se referir à proclamação da República, escreveu: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito,
surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada. Era um
fenômeno digno de ver-se. O entusiasmo veio depois, veio mesmo lentamente, quebrando o enleio dos
espíritos.” Consulta feita em 17/09/2015, disponível em:
http://www.franklinmartins.com.br/estacao_historia_artigo.php?titulo=o-povo-assistiu-aquilo-bestializado-
artigo-de-aristides-lobo-1889
14

principais Pedro Lessa20 e Rui Barbosa21, sobre o alcance da utilização do chamado


Remédio Heróico. Surgiu, então, a chamada Teoria Brasileira do Habeas Corpus.
O Art. 72, § 22 da Constituição de 1891 possuía um texto aberto, permitindo
uma ampla possibilidade de interpretação.

Dar-se-á o Habeas Corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em eminente perigo de
sofrer violência, ou coação por ilegalidade, ou abuso de poder.

Devido à inexistência de outros remédios constitucionais céleres, sob a égide da


Constituição de 1891, ocorreu que o habeas corpus passou a ser utilizado para finalidades
outras, não restritas ao cerceamento de liberdade por questões penais, tais como: para
garantir a posse de políticos eleitos, para garantir o exercício de funções públicas, ou o
exercício de atividades profissionais privadas. O cerne da discussão era a necessidade da
existência de direito líquido e certo.

20
Pedro Augusto Lessa nasceu em 25 de setembro de 1859 na cidade do Serro, província de Minas Gerais, e
faleceu na cidade do Rio de Janeiro em 25 de julho de 1921. Recebeu o Grau de Bacharel pela Faculdade de
Direito do Estado de São Paulo no ano de 1883. Iniciou a vida pública nomeado para o cargo de secretário da
Relação em São Paulo, no ano de 1885. No ano de 1888 prestou concurso e foi aprovado, com a melhor
classificação, tendo sido nomeado como Lente Substituto da Faculdade de Direito do Estado de São Paulo no
ano de 1891, no mesmo ano foi nomeado chefe da polícia do Estado de São Paulo e, posteriormente, eleito
Deputado para o Congresso Constituinte do Estado de São Paulo. Abandonou a vida política e passou a
dedicar-se à advocacia e ao Magistério, tendo dado nova orientação para o estudo de Filosofia do Direito no
Brasil. Em 20 de novembro de 1907 foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal federal, pelo presidente
Afonso Pena. Foi também, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Brasileira
de Letras. Consulta feita em 01/10/2015, disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinistro.asp?periodo=stf&id=113
21
Rui Barbosa nasceu na cidade de Salvador, Bahia, em 5 de novembro de 1849 e faleceu na cidade de
Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro em 1º março de 1923. Iniciou o curso de Direito na Faculdade de
Direito da cidade de Recife, no ano de 1866, tendo se graduado Bacharel em Direito do Largo de São
Francisco na cidade de São Paulo. A transferência deu-se porque Rui Barbosa, enquanto estudante na
Faculdade de Direito de Recife participou da associação acadêmica abolicionista, ato que gerou sério
desentendimento com um professor. Ingressou no Parlamento do império no ano de 1878, não tendo
conseguido se reeleger, passou a escrever em jornais, tornando-se redator chefe do Diário de Notícias.
Durante o primeiro governo republicano do marechal Deodoro da Fonseca, Rui Barbosa foi Ministro da
Fazenda, tendo prestado importante auxílio na elaboração da Constituição de 1891, foi, também, o principal
responsável pela crise do encilhamento, estopim para grave crise econômica na Primeira República. O
principal motivo desta foi a emissão descontrolada de moeda pelo governo e ações sem lastro pelas empresas
criadas nesse período, que provocou alta inflação e especulação financeira . Em 1893 assumiu a direção do
Jornal do Brasil, onde fazia forte oposição ao governo do Marechal Floriano Peixoto, No ano de 1985 foi
eleito para o Senado, porém, em razão do Movimento Revolta da Armada, mesmo não tendo ele participação
direta, foi obrigado a exilar-se na Inglaterra. Volta do exílio, ainda no ano de 1985 e luta pela anistia do
punidos pelo Presidente Floriano Peixoto. No ano de 1907, durante o governo de Afonso Pena, Rui Barbosa
foi nomeado para representar o Brasil da Conferência de Haia, tendo recebido o epíteto de “A Agia de Haia”.
Candidatou-se à Presidência da República no ano de 1909, tendo sido derrotado pelo Marechal Hermes da
Fonseca. Foi membro e presidente da Academia Brasileira de Letras.
15

Rui Barbosa e outros, como menciona Pontes de Miranda, 22 interpretaram o


texto constitucional no sentido de ampliar a aplicação do Remédio Heroico para situações
de natureza não penal, ou seja, para proteger todo e qualquer direito, e não exigindo a
liquidez e certeza do direito, eles defendiam a possibilidade da discussão de mérito em sede
de habeas corpus, conforme se observa no discurso proferido por Rui Barbosa em 22 de
janeiro de 1915:

cabendo competência ao tribunal, ainda artificialmente, quando questões políticas


se revestirem de forma judicial é do mesmo modo competente para conhecer, em tais casos, o
habeas-corpus.

Na verdade, o advogado e senador Rui Barbosa fazia uma interpretação do


termo liberdade de forma ampla, como faziam, os franceses na Declaração dos Direitos do
Homen do Cidadão de 1789.
Na França não havia, na época da Revolução Francesa, uma distinção clara dos
diversos tipos de liberdade, como ocorria na Inglaterra, em que se diferenciavam as
liberdades, de locomoção, de propriedade, de pensamento. Para os franceses de 1789, assim
como na Constituição Americana de 1787, o termo liberdade aparece de forma abstrata, e
aberta, incluindo todos os tipos de liberdade existentes.
Rui Barbosa também concebia o conceito de liberdade de forma aberta,
conforme se observa de outro trecho do seu discurso de 22 de janeiro de 1915:

A questão resolve-se pela evidência literal dos textos. Se a


Constituição de 1891 pretendesse manter no Brasil com os mesmos limites
dessa garantia durante o Império, a Constituição teria procedido em relação ao
habeas-corpus como precedeu relativamente à instituição do júri. A respeito do
júri diz formalmente o texto constitucional: “É mantida a instituição do júri.”
Procedeu assim a Constituição de 1891? Não. Foi mais além. Definiu-o,
enunciando que se daria o habeas-corpus sempre que alguém sofresse ou se
achasse em iminente perigo de sofrer violência ou coação, por ilegalidade, ou
abuso de poder. Não falou em prisão, nem em constrangimento corporal. Não
se aludiu a liberdade física, nem se deixa vislumbrar, sequer sob a nitidez das
palavras, ideia de preferência, de restrição, de demarcamento. Falou-se em
geral, amplamente, indeterminadamente, absolutamente, em coação e violência;
de modo que, onde quer que surja, onde quer que se manifeste a violência ou a
22
Idem item 7
16

coação, por um desses meios, aí está estabelecido o caso constitucional do


habeas-corpus.

Dessa maneira, para Rui Barbosa, o habeas corpus teria cabimento para tutelar
todo e qualquer direito de liberdade, e não só a liberdade de locomoção. Ao poder
judiciário cabia proteger qualquer direito de liberdade, sempre que demandado via ação de
habeas corpus, analisando o mérito de forma ampla, como seria feito em toda e qualquer
ação, não se exigindo a pretérita liquidez e certeza do direito.
Pedro Lessa, enquanto Ministro do STF, discordava em parte da posição
adotada por Rui Barbosa. Ele fazia uma distinção entre o Habeas Corpus destinado a coibir
prisões ilegais de natureza penal, daquele destinado a tutelar outros direitos, neste último
caso o direito deveria ser juridicamente indiscutível, ou seja, líquido e certo, além de estar
de alguma forma interligado com o direito de locomoção. Nesse sentido manifestou-se da
seguinte forma:

Ainda que não haja prisão nem ameaça de prisão, autoriza o uso do
habeas-corpus. Sempre que o indivíduo precise da liberdade física para exercer
qualquer direito, devemos garantir essa liberdade contra as violências já feitas
ou apenas receadas, mas envolver no processo do habeas-corpus questão acêrca
de um direito qualquer que se pretende exercer, mas que é contestado com
razões que devam ser apreciadas com as garantias processuais, ou um direito
qualquer que só pode ser examinado e garantido por outro tribunal, ou por outra
autoridade, ou por outra corporação, é ofender princípios inconcussos e
correntes de direito pátrio. Não está confia à discrição, ao arbítrio dos juízes, a
aplicação dos recursos judiciais, ao ponto de poder aplica-los a hipóteses
completamente diversas para que foram criados e consagrados pelas leis

Pedro Lessa e Rui Barbosa divergiam com relação à amplitude de aplicação do


habeas corpus. Rui Barbosa defendia o direito de liberdade de forma ampla, conforme
concebido pelos franceses do século XVIII, ele entendia que o “Remédio Heroico” não
deveria encontrar limites, podendo tutelar qualquer espécie de liberdade, além, das
relacionadas com o direito de ir e vir, além disso, se fosse necessário, admitia a dilação
probatória para o julgamento do mérito da causa, em sede de habeas corpus. Pedro Lessa,
por sua vez, aceitava a utilização do habeas corpus para tutelar outras liberdades, desde que
envolvesse o direito de ir e vir. Além disso, exigia certeza e liquidez do direito como
condição para a utilização do habeas corpus.
17

O pensamento de Rui Barbosa; quanto à amplitude do habeas corpus, restou


vencido tanto na doutrina, como na jurisprudência. Pontes de Miranda, Helio Tornaghi,
Magalhães Noronha, e, por fim, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal adotaram
um entendimento mais restrito, quanto a amplitude e os requisitos para a utilização do writ.
Pontes de Miranda refutava completamente a posição defendida por Rui
Barbosa, era o seu entendimento mais próximo da posição defendida por Pedro Lessa, na
medida em que que Pontes de Miranda concebia o habeas corpus como um remédio para
tutelar apenas o direito de ir, ficar e vir, sendo necessária a existência de direito líquido e
certo. Entendia ele que não caberia dilação probatória na ação de habeas corpus, conforme
se pode perceber de seus escritos: “Só nos sofismas desabusados a trica e o subjetivismo
impertinentes podem ver nas expressões “liberdade pessoal”, protegida pelo habeas-
corpus, outro significado mais amplo que o de liberdade física”
Pontes de Miranda em diversas passagens do seu livro História e Prática do
Habeas-Corpus, demonstra completa divergência com o pensamento liberal defendido por
Rui Barbosa:

Escrevemos na 1ª edição, divergindo das decisões do Supremo Tribunal, a


opinião do Senador Rui Barbos, a quem mais deve o nosso direito constitucional, S Exª. Define
a liberdade qual a entenderam os franceses e a entendem ainda hoje quantos não escaparam à
grande inundação libertária do fim do século XVIII [...] Como se vê a doutrina é liberalíssima,
mas, na prática, excluído, como foi, o requisito de liquidez, os seus efeitos poderiam ser
anárquicos , uma vez que nem todo país frui da serenidade moral do grande jurista que a
pregou. Assim, conta a opinião extrema da interpretação extrapolante ficamos nós

Direito líquido pode ser definido como aquele que pode ser demonstrado de
plano, ou seja, de forma imediata, mediante prova pré-constituída, sem a necessidade de
dilação probatória. Trata-se de direito manifesto na sua existência, delimitado na sua
extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração 23, ou seja, a prova da existência
do direito deve acompanhar a petição, sob pena de indeferimento pelo juiz.
O termo direito líquido e certo causa certa polemica entre os doutrinadores, pois
há o entendimento de que o direito sempre seria líquido e certo, os fatos é que poderiam ter
ou não essa característica, tendo em vista que o direito está previsto na lei, não havendo
dúvidas sobre ele, salvo discussões relativas a eventual inconstitucionalidade da lei, porém,

23
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011
18

ao entrar em vigor, em princípio, o direito é válido, o que faz dele líquido e certo. Os fatos
por vezes podem apresentar-se claramente protegidos pela lei, outras vezes necessitam uma
certa dilação de provas para demonstrar o perfeito amparo legal.
Rui Barbosa, tendo como base o entendimento amplo do alcance do habeas
corpus, defendia que ele sempre seria a via adequada para proteger toda e qualquer espécie
de liberdade, que de algum modo estivesse ameaçada ou violada, e que o Poder Judiciário
não poderia se furtar a apreciar qualquer provocação que envolvesse os direitos de
liberdade, em razão da especial relevância desse bem para toda a sociedade, ainda que fosse
necessária uma análise mais aprofundada de provas, para que o juiz pudesse julgar o mérito
Pedro Lessa e Pontes de Miranda divergiam do pensamento de Rui Barbosa.
Eles entendiam que o habeas corpus, pela sua própria natureza consistia em um remédio
que objetivava proteger liberdades em que o direito de ir e vir estivesse de alguma forma
ameaçado ou violado, sendo, portanto, imprescindível com a celeridade. A produção de
provas no curso do processo de habeas corpus seria, por conseguinte, incompatível com a
celeridade necessária, razão pela qual as provas deveriam, obrigatoriamente, acompanhar a
petição inicial. Para que o juiz pudesse decidir de plano sobre o mérito do habeas corpus.
Rui Barbosa, não via nenhum óbice na ocorrência de dilação probatória em
sede de habeas corpus, pois as liberdades sempre seriam meritórias da análise do Poder
Judiciário. Pedro Lessa e Pontes de Miranda sustentavam que as liberdades, especialmente
a de ir e vir, poderiam, em determinadas situações, exigir uma dilação probatória para
serem demonstradas adequadamente, porém, nesses casos, ela deveria ser protegida pela via
das ações ordinárias, em que o juiz iria poder dispor de tempo para formar a sua convicção.
O habeas corpus teria cabimento exclusivamente para situações urgentes, em que a tutela
jurisdicional necessitasse ser célere, sob pena de pleno perecimento do direito de livre
locomoção, para tanto, a prova pré-constituída se faz condição essencial à petição inicial da
ação de habeas corpus a qual necessita trazer consigo os elementos de prova capazes de não
só demonstrar que o direito tem aplicação à situação fática apresentada, mas também a
urgência da intervenção judicial, para proteger a liberdade ambulatorial.
Pontes de Miranda entendia que a liquidez, ao invés de ser fim, seria o ponto de
partida do habeas corpus, uma controvérsia que não poderia por ele ser dirimida. Esta
necessariamente deveria ser objeto de procedimento comum, porque o habeas corpus não se
19

presta para tutelar um direito, mas sim assegurar o possuidor de um direito, livrando-o de
coação ou violência à liberdade de ir, ficar e vir, praticados com ilegalidade ou abuso de
poder. A posição defendida por Pedro Lessa e Pontes de Miranda foi seguidas pelo
entendimento de diversos outros autores de Direito Processual Penal, que ao filiarem-se a
corrente restritiva, aproximam o pensamento da posição adotada pelos ingleses, acabando
por refutar o pensamento de Rui Barbosa, mais próximo do entendimento adotado pelos
franceses.
Magalhães Noronha,24 ao tratar do habeas corpus no seu livro Curso de Direito
Processual Penal, faz citação direta a Pontes de Miranda, se filiando ao seu posicionamento
quanto à amplitude do “Remédio Heróico”. A respeito escreveu 25: “Em nosso próprio
país, procurou ampliar-se a extensão do habeas corpus, levando-a a tutelar direitos
outros que não o jus libertatis, mas o Código não se filiou a essa corrente, como se vê
do art. 64726.”
O professor Magalhães Noronha, apesar de mencionar expressamente filiação à
posição de Pontes de Miranda, ele escreveu o seu livro em um momento muito posterior ao
da discussão que ensejou a chamada Teoria Brasileira do Habeas Corpus, a fundamentação
dada pelo autor cita o artigo 647 do Código de Processo Penal, cuja elaboração data de
1941, portanto, com uma diferença aproximadamente de trinta anos. À época dos debates
travados entre Rui Barbosa e Pedro Lessa ainda estava em vigor o Código de Processo
Criminal de 1832, cuja regulamentação do habeas corpus encontrava-se nos artigos 340 a
355. Em que pese o irretocável saber jurídico do professor Magalhães Noronha, não há
como fazer uma fundamentação confiável de questões pretéritas, com argumentos de
legislação futura, pelo simples fato de não refletir com exatidão a situação jurídica da

24
Edgar Magalhães Noronha nasceu em Batatais, em 10 de janeiro de 1906, tendo falecido no ano de 1982.
Formou-se pela Faculdade de Direito do Estado de São Paulo no ano de 1931. Ingressou no Ministério
Público do Estado de São Paulo em 23 de setembro de 1931, onde exerceu o cargo de Procurador Geral de
Justiça do Estado de são Paulo, em substituição. Aposentou-se do Ministério Público no ano de 1961. Foi
professor de Direito Penal Militar no Curso de Formação e Aperfeiçoamento de Oficiais da Força Pública e
professor de Direito Penal nas Faculdades de Direito da Universidade Mackenzie e de Sorocaba, é autor de
manuais de direito penal e de processo penal. Há notícias de que suas obras completas encontram-se, também,
na biblioteca da Universidade de Harvard. Consulta feita em 01/10/2015. Disponível em:
http://www.revistajustitia.com.br/revistas/z0x2xw.pdf
25
NORONHA. E. Magalhães, 1906-1982. Curso de direito processual penal. 27ª edição. Atualizada por
Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha – São Paulo. Saraiva, 1999
26
Artigo 647 do CPP. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer
violência ou coação ilegal, na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar
20

época. Na verdade, o Código de Processo Penal de 1941 é herdeiro direto 27 da chamada


Teoria Brasileira do Habeas Corpus, elaborado, exatamente, para dirimir a controvérsia
existente.
Helio Tornaghi28 se posicionou pela interpretação restritiva; no seu livro Curso
de Processo Penal. O autor apresenta uma abordagem histórica do instituto do habeas
corpus, mencionando a interpretação ampla e, ao final. demonstra o seu entendimento:

Esse texto foi interpretado de maneira amplíssima e, talvez por faltar um remédio
como o mandado de segurança, os tribunais repararam por meio de habeas corpus os atentados
atuais e iminentes contra a liberdade em qualquer de suas formas. A corrente que sustentava ser
o habeas corpus remédio apenas contra a violação da liberdade de ir e vir, ficou vencida por
aquela outra, que arrimando-se no caráter evolutivo do Direito designava o habeas corpus das
peias de sua contextura original. E invocando os dizeres da Constituição, sustentava ser ele
remédio contra qualquer” violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder”.
O entendimento correto acabaria por triunfar: o habeas corpus é remédio contra
qualquer violência, ilegalidade ou abuso de poder que fira algum direito desde que atinja o de
locomoção29....

O professor Hélio Tornaghi faz a interpretação consoante às regras da época;


não menciona expressamente Pontes de Miranda, nem Rui Barbosa, mas dá a entender que
o seu posicionamento filia-se à corrente de pensamento menos ampliativa, que realmente
acabou por triunfar, tanto na doutrina como na jurisprudência, especialmente no Supremo
Tribunal Federal

27
Pontes de Miranda no seu livro História e Prática do Habeas Corpus, Tomo I, página 233 esclarece a
situação: “Devido à corrente interpretativa que Rui Barbosa e outros juristas pretendiam fazer vitoriosa, com
habeas-corpus políticos, travou-se a luta entre os que abstraiam de qualquer fim que se ligasse ao direito de ir,
ficar e vir, acentuando que qualquer exame de direito-fim, excluiria o habeas-corpus, e os que entendiam que
a justiça não podia deixar de examinar o caso que se lhe submetesse. A tese reacionária e a antítese liberal
fizeram explodir a mais memorável contenda jurídica constitucional do Brasil. Mais: da América Latina.
Muito devemos nós, Brasileiros, em nossa cultura jurídica, a esse choque do primeiro quartel do século. Foi
experiência in vivo, em torno de simples conceitos: liberdades no plural; liberdade pessoal, liberdade física,
direito-condição, direito-fim. Sem aquelas discussões não teríamos, mais tarde, a técnica legislativa
constitucional de que se valeram os constituintes de 1934 e de 1946. Não teríamos resistido à rasoura
mediocrizante, libertícia , de outros momentos.” – grifo nosso.
28
Helio Tornaghi nasceu em 1915 e faleceu na cidade do Rio de janeiro em 2004. Foi professor catedrático da
Faculdade Nacional de Direito, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, tendo conquistado a cátedra no
ano de 1945, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Faculdade Brasileira de Ciências
Jurídicas. Foi autor do anteprojeto do Código de Processo Penal, encomendado pelo governo brasileiro em
1962. Cumpre ressaltar que o referido código nunca entrou em vigor, e autor de diversos livros de Processo
Penal e Direito Penal.
29
TORNAGHI. Hélio, 1915 – 2004. Curso de processo penal, 9ª edição. São Paulo Editora Saraiva 1995
21

A Suprema Corte do Brasil, diante do texto do art. 72,§ 22 da Constituição de


189130, adotou o entendimento de que o Habeas Corpus não se restringia para garantir o
direito de liberdade nos casos de prisão ilegal, tendo cabimento também para garantir
outros direitos, desde que o direito de ir e vir estivesse de alguma forma relacionado. Nas
duas primeiras décadas do século XX o habeas corpus foi utilizado para diversas
finalidades31, entre elas, para garantir a posse em cargos públicos e mandatos eletivos.
No dia 24 de janeiro de 1920 o Supremo Tribunal Federal concedeu ordem de
habeas corpus em favor dos pacientes Ermidio Braz dos Santos e Luiz Fabriz para que
esses exercessem as funções de vereador no município de Guarará, Estado de Minas
Gerais.32 Na verdade admitia-se, de um modo geral, a utilização do habeas corpus para
garantir o exercício de mandados eletivos, quando a pessoa regularmente diplomado pela
autoridade competente encontrava algum obstáculo para tomar posse ou adentrar à casa
legislativa. Cumpre ressaltar, no entanto, que nessa época ainda não havia Justiça Eleitoral,
razão pela qual a análise dos habeas corpus em casos eleitorais ficava a cargo da Justiça
Federal e do Supremo Tribunal Federal.
Não só vereadores se valeram do “Remédio Heroico”, como também membros
de assembleias estaduais, governadores, etc. Como exemplo clássico tem-se o HC 3.137 33,
de 1912 cujo relator foi o Ministro Epitácio Pessoa, no qual Rui Barbosa e Mhetodio
Coelho impetraram o habeas corpus em favor de diversos políticos do Estado da Bahia. O
problema tem inicio quando da renúncia do Governador do Estado. O segundo substituto
legal assume o governo, tendo em vista que o primeiro substituto encontrava-se impedido.
Assim que assumiu o governo, o segundo substituto expede decreto convocando

30
O Artigo 72 caput da Constituição de 1891 estabelecia: “A Constituição assegura a brasileiros e a
estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual
e á propriedade, nos termos seguintes”. O parágrafo 22 tratava especificamente do habeas corpus, da seguinte
forma “Dar-se-ha o habeas-corpus sempre que o individuo soffrer ou se achar em imminente perigo de sofrer
violencia, ou coacção, por illegalidade, ou abuso de poder.”. Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1824-1899/constituicao-35081-24-fevereiro-1891-532699-
publicacaooriginal-15017-pl.html. Consulta feita em 29/11/2015
31
Para uma maior compreensão da utilização do habeas corpus no Brasil, é interessante a consulta da página
do Supremo Tribunal Federal, relativa aos julgamentos históricos. Nem todos foram utilizados neste trabalho,
porque fugiria por demasiado ao seu objeto. A página dos julgamentos históricos do Supremo Tribunal
Federal está disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?
servico=sobreStfConhecaStfJulgamentoHistorico&pagina=principal
32
Idem item 8
33
Inteiro teor da decisão proferida no HC 3.137 disponível em :
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sobreStfConhecaStfJulgamentoHistorico/anexo/HC3137.pdf. Consulta feita
em 08/10/2015
22

Assembleia Geral que deveria se reunir na cidade de Jequié, porque não havia condições de
segurança na capital. Uma parte dos congressistas insurge-se contra o decreto e obtém
ordem do juiz federal para reunirem-se em local próprio. A partir desse momento uma forte
dissidência se inicia entre dois grupos de congressistas. O Juiz Federal requisita, ao então
Presidente da República Marechal Hermes da Fonseca, o envio de tropas federais, no que
foi atendido. O Governador em exercício, se recusou a retirar as forças locais, fato que
provocou intenso bombardeio na cidade, provocando a destruição de alguns prédios
públicos. O Governador, sob coação, renuncia e refugia-se em um consulado. 34 O Supremo
Tribunal Federal, por maioria, decidiu por declarar prejudicado o habeas corpus35
O Marechal Hermes da Fonseca termina o seu mandado no ano de 1914,
política do café com leite continua sustentando a República Velha, tendo como presidentes
Venceslau Brás, Rodrigues Alves, que veio a falecer antes de tomar posse, assumindo o
cargo Delfim Moreira que era o vice-presidente eleito. Epitácio Pessoa sucede Delfim
Moreira, e no ano de 1922 é eleito Artur Bernardes como presidente do Brasil.
Nos anos de 1922 a 1924 ocorreram uma série de rebeliões e conspirações
armadas, elas ocorreram em diversos Estados e refletiam o descontentamento de jovens
oficiais das forças armadas. Na verdade, o descontentamento dos jovens oficiais das Forças
Armadas com a política das oligarquias que dominavam o governo no Brasil teve inicio no
ano de 1920, eles defendiam reformas na estrutura do poder, tais como: o voto secreto e o
fim do voto de cabresto36. Foi o denominado movimento tenentista que refletia o
enfraquecimento da política desenvolvida pela República Velha. O movimento eclode com
maior força no ano de 1922, na cidade do Rio de Janeiro, com a chamada Revolta dos 18 do
Forte, cujo objetivo era depor o então presidente eleito, Artur Bernardes. Depois desta
outras rebeliões ocorreram em São Paulo e no Rio Grande do Sul. No ano de 1925 percorria
o interior do Brasil a Coluna de Luiz Carlos Prestes. Essa atmosfera de revolta teve uma
consequência direta sobre o habeas corpus, que até então era utilizado de forma ampla,
34
Consulta feita em 08/10/2015, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?
servico=sobreStfConhecaStfJulgamentoHistorico&pagina=hc3137
35
Decidiram por não conhecer do HC 3.137 os Ministros H. do Espírito Santo, P. Epitácio Pessoa, relator
Godofredo Cunha Oliveira Figueiredo M. Espínola Leoni Ramos, votam vencidos pela concessão da ordem
os Ministros Pedro Lessa, Canuto Saraiva, Amaro Cavalcanti, Manuel Murtinho e Oliveira Ribeiro
36
Voto de cabresto era um sistema de controle político. No Brasil, no inicio do século XX, o voto era aberto e
os eleitores eram pressionados, pelos “coronéis”, oligarquia agrária, a votarem nos candidatos apoiados por
eles. Os “coronéis” faziam a fiscalização dos votos por meio de seus “jagunços”, ou seja, pessoas armadas
que prestam serviço paramilitar, intimidando e coagindo as pessoas, nesse caso, a votar.
23

para assegurar todos os direitos, que de alguma forma envolvessem o direito de locomoção,
como direitos políticos, a posse em cargos públicos etc.
O debate a respeito da amplitude do habeas corpus perdurou até a revisão
constitucional de 1925 e 1926. A Emenda Constitucional nº 3 de setembro de 1926 alterou
o texto do artigo 72, § 22 da Carta Constitucional de 1891 37, especificando que o habeas
corpus só teria cabimento para proteger o direito de locomoção. Porém, nem mesmo a
alteração feita no artigo 72,§ 22 da carta constitucional de 1891 foi capaz de afastar a
utilização do habeas corpus para questões políticas. Somente com a inserção do parágrafo
5º no artigo 60 da Constituição de 1891,38 por Emenda Constitucional, em 3 de setembro de
1926, ficou afastado qualquer recurso ao Poder Judiciário das questões políticas.
Prevaleceu o triunfo dos antiliberais cuja inspiração vinha das ditaduras europeias, que
causou imensa angústia no cenário político brasileiro, parecia que todas as portas
encontravam-se fechadas, inviabilizando a defesa contra os arbítrios do Poder Executivo.
O Presidente da República, Artur Bernardes39, como forma de manter as
prerrogativas do governo e da oligarquia agrária do Brasil, para enfrentar as rebeliões que
eclodiam por toda parte no território nacional, decretou estado de sítio, que perdurou por
todo o seu mandato, essa foi a razão da necessidade de restringir os recursos judiciais,
inclusive a ação de habeas corpus, a fim de fazer prevalecer os atos do Poder Executivo,
excluindo qualquer forma de controle por parte do Poder Judiciário. Não havia remédio
capaz de evitar as arbitrariedades e as ilegalidades. Toda sorte de abuso do poder se
legitimou.
No ano de 1926, ainda em pleno estado de sitio, como um resto de luz no meio
das trevas, surge o projeto de Gudesteu Pires criando o Mandado de Segurança 40, para
37
Artigo 72, § 22 da Constituição de 1891, com alteração da emenda constitucional nº 3. Dar-se-ha o habeas-
corpus sempre que alguém soffrer ou se achar em imminente perigo de soffrer violencia por meio de prisão
ou constrangimento illegal em sua liberdade de locomoção
38
Artigo 60, §5º da Constituição de 1891.  Nenhum recurso judiciario é permittido, para a justiça federal ou
local, contra a intervenção nos Estados, a declaração do estado de sitio e a verificação de poderes, o
reconhecimento, a posse, a legitimidade e a perda de mandato dos membros do Poder Legislativo ou
Executivo, federal ou estadual; assim como, na vigencia do estado de sitio, não poderão os tribunaes conhecer
dos actos praticados em virtude delle pelo Poder Legislativo ou Executivo. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm. Consulta deita em 12/10/2015
39
Artur da Silva Bernardes nasceu em viçosa em 8 de agosto de 1875, formou-se na Faculdade Livre de
Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Iniciou a carreira política como vereador, no ano de 1906,
foi deputado eleito pelo Estado de Minas Gerais por duas vezes 1909 a 1910 e 1915 a 1917. Foi presidente do
Estado de Minas gerais nos anos de 1918 a 1922, e veio a tornar-se o 12º Presidente da República do Brasil,
eleito em 1º março de 1922 com 466.877 votos
40
Idem item 8
24

permitir a defesa de liberdades outras distintas das de locomoção, que, em razão das
alterações na Carta Constitucional, ficaram desprotegidas por completo. O projeto por
razões óbvias não logrou êxito, diante do recrudecimento das práticas antiliberais.
O ano de 1930 encerra a chamada República Velha. O mundo nessa época
passou por uma séria crise econômica, em grande parte impulsionada pela quebra da Bolsa
de Nova Iorque. O Brasil, que neste período tinha uma economia basicamente agrária,
fundada, eminentemente, na exportação do café, era o sustentáculo da denominada política
do café com leite, base da então República Velha; esta alternava o centro do poder
executivo federal entre Minas e São Paulo, mas, no entanto, já se encontrava bastante
desgastada.
Washington Luís41 foi eleito presidente do Brasil, em 1º de março de 1926 e, no
inicio de 1929, quando do fim do seu mandato, indicou para concorrer às eleições, como
seu sucessor, Júlio Prestes42 que recebeu o apoio de 17 estados da federação, porém, os
Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba negaram apoio ao candidato
indicado pela presidência da república. Realizadas as eleições, Júlio Prestes foi eleito tendo
perdido as eleições o então candidato Getúlio Vargas. A oposição indignada com a vitória
do candidato governista, alega fraude nas eleições. No dia 03 de outubro de 1930 tem inicio
a revolução no Rio Grande do Sul, recebendo adesões de militares nos Estado do Paraná,
Minas Gerais e Paraíba. Em 24 de novembro de 1930, o presidente Washington Luís é
deposto e Júlio Prestes impedido de tomar posse, tendo sido exilado para a Europa, até
1934.
No dia 24 de novembro de 1930, assume o poder uma junta militar composta
pelo General Augusto Tasso Fragoso, pelo Almirante José Isaías de Noronha e pelo

41
Washington Luís Pereira de Sousa nasceu em 26 de outubro de 1869, no município de Macaé, no Estado do
Rio de Janeiro. Estudou como aluno interno no Colégio Pedro II, e formou-se pela Faculdade de Direito do
Estado de São Paulo, no ano de 1891. Foi nomeado Promotor Público no município de Barra Mansa, tendo
renunciado para seguir a carreira da advocacia, na cidade de Batatais. Iniciou a carreira política como
vereador no 1897, elegendo-se posteriormente Deputado Estadual, nos anos de 1904 a 1905 e 1912 a 1913.
Foi eleito Prefeito da cidade de São Paulo 1914 a 1919, tendo chegado a presidência do estado, onde
permaneceu de 1920 a 1924. No ano de 1926 tornou-se o 13º Presidente da República eleito. Morreu na
cidade de São Paulo em 4 de agosto de 1957.
42
Júlio Prestes de Albuquerque nasceu a cidade de Itapetininga em 15 de março de 1882. Formou-se pela
Faculdade de Direito do Estado de São Paulo no ano de 1906. Foi Deputado Federal por duas vezes, 1924 a
1926 e 1927 a 1929. No Ano de 1927 deixa a Câmara dos deputados, para assumir a Presidência do Estado de
São Paulo. Foi eleito Presidente da República no ano de 1929 com 1.091.709 votos, porém, não pode tomar
posse em razão do Golpe Militar de 1930, ficou exilado na Europa até 1934, quando então retornou ao Brasil.
Faleceu na cidade de São Paulo em 9 de fevereiro de 1946.
25

General João de Deus Mena Barreto. A junta militar governou por 10 dias e, no dia 03 de
novembro de 1930, passou o poder para o chefe do Governo Provisório, Getúlio Vargas 43,
que governava por meio de decretos, todos com força de lei.
Os anos de 1930 a 1932 foram caracterizados pela prática de uma série de atos
autoritários, perpetrados por comissões secretas. A liberdade desaparecera e o habeas
corpus apesar de possuir previsão legal, na prática só era utilizado para casos em que não se
fazia necessário, garantia somente os restos de liberdade que restavam, diante da crise
política e jurídica que se instalara. As comissões secretas, formadas, em grande parte por
advogados, que se auto intitulavam liberais, na prática baixavam decretos caracterizados
como antiliberais e antidemocráticos, colocando por terra todos os princípios e direitos, que
asseguravam as liberdades democráticas existentes até então. O povo do Estado de São
Paulo, no ano de 1932, se revolta contra os atos autoritários e impulsionado pela
insatisfação da derrota do candidato paulista à presidência da república, bem como com a
restrição imposta pelo governo provisório, que impediu a posse do presidente do \estado,
atualmente chamado governador, promove a revolução constitucionalista. Apesar da
derrota das tropas de São Paulo, como consequência direta desse movimento, instala-se
uma assembleia nacional constituinte, e elabora a Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil de 1934, de contorno mais democrático.
O habeas corpus, com a Constituição de 1934, retoma a sua eficácia natural,
para proteger a liberdade de locomoção das pessoas. Há, no entanto, uma alteração com a
carta constitucional de 1934, a Justiça Eleitoral foi criada e passa ter a competência para
conhecer e julgar todas as demandas relacionadas a questões políticas, tirando da Justiça
Federal a competência para julgar os habeas corpus relacionados com posse e manutenção
de cargos eletivos.
A Teoria Brasileira do Habeas Corpus teve razão de ser até o advento da
Constituição de 1934, quando surgiu o Mandado de Segurança com a finalidade de tutelar
todos os direitos líquidos e certos que não estivessem relacionados ao direito de ir e vir. O
habeas corpus foi mantido para tutelar o direito de liberdade contra prisões ilegais, situação
43
Getúlio Dornelles Vargas nasceu na cidade de São Borja em 19 de abril de 1882. Ingressou nas Forças
Armadas como soldado no ano de 1898, permanecendo nas forças armadas até 1902, tendo dado baixa com o
posto de Sargento. Formou-se Pela faculdade Livre de Direito de Porto Alegre em 1907. Foi Deputado
Estadual nos anos de 1909, 1913 e 1917, e Deputado Federal nos anos de 1924 a 1926. No ano de 1930 torna-
se Chefe do Governo Provisório, permanecendo como chefe do Poder Executivo até 1945. Em 31 de janeiro
de 1951 foi eleito Presidente da República, permanecendo no cargo até a sua morte em 24 de agosto de 1954.
26

que, de certa forma, perdura até os dias atuais. Prevaleceu a corrente de pensamento
liderada por Pedro Lessa e defendida também por Pontes de Miranda. Restaram vencidos os
pensamentos mais autoritários, que afastavam por completo a eficácia prática do habeas
corpus, bem como o entendimento da eficácia ampla do “Remédio Heróico” defendido por
Rui Barbosa e outros. É o fim da chamada Teoria Brasileira de Habeas Corpus, as correntes
de pensamento existentes no Brasil do inicio do século XX se digladiaram, prevalecendo a
posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal. A discussão a respeito do habeas corpus
travada por Pedro Lessa e Rui Barbosa, porém, não foi estéril, deixou, como saldo, a
criação de mais uma ação constitucional para a tutela de liberdades no território brasileiro.
O mandado de segurança adquiriu existência constitucional no artigo 113, item
33 da Constituição de 1934,44 tinha a finalidade de assegurar direitos diversos, distintos do
direito ambulatorial, desde que possuísse, como características, a certeza e a
incontestabilidade. O mandado de segurança surge em 1934 sem possuir um procedimento
próprio, ele deveria observar as regras previstas para o procedimento do habeas corpus.
Somente no ano de 1951 a Lei 1533 regulamenta e estabelece um procedimento específico
para o mandado de segurança. A previsão constitucional de duas ações para tutelar as
liberdades em muito aprimorou o ordenamento jurídico brasileiro, demonstrando de modo
inequívoco a relevância que o direito de liberdade de um forma ampla representa para o
povo brasileiro.
O habeas corpus para questões políticas continuou a existir, porém, sob a égide
da Constituição de 1934, a competência passou da justiça federal para a então criada justiça
eleitoral, e o mandado de segurança passou a ser a ação adequada para proteger todos os
demais direitos líquidos e certos, que não fossem amparados pelo habeas corpus, ou seja,
que não envolvessem o direito de ir e vir de forma restrita.
As liberdades democráticas, bem como a Constituição de 1934, tiveram vida
curta. A carta constitucional de 1934 estabelecia em seu artigo 52 que o mandato do
Presidente da República seria de quatro anos, ficando vedada a reeleição, somente permitia

44
Artigo 113 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil: “ A Constituição assegura a brasileiros e a
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: item 33; Dar-se-á mandado de segurança para
defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou
ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a
pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes.” Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm. Consulta feita em: 08/11/2015
27

nova candidatura ao cargo após decorridos, no mínimo, quatro anos, após o término de
exercício da função.
No ano de 1937 os movimentos antidemocráticos, insatisfeitos com a virada
que a Constituição de 1934 dera no país, passaram a utilizar como forma de argumento o
alarma de uma possível revolução comunista no Brasil, impulsionada por uma série de
levantes que ocorreram no ano de 1935 no Rio de Janeiro e em Natal. No dia 30 de
setembro de 1937 foi divulgado o chamado Plano Cohen 45, cujo objetivo era forjar uma
ação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas para apoiar a tomada do poder pelos
comunistas da Aliança Nacional Libertadora – ANL.
Getúlio Vargas, que não intencionava deixar a presidência da república, se
valeu da situação de instabilidade criada e deu um golpe, instalando a ditadura do Estado
Novo, e outorgando a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, denominada
Constituição Polaca, porque elaborada por Francisco Campos, que teve como inspiração a
Constituição Polonesa de 1935.
A Carta Constitucional de 1937 estava longe de proteger a liberdade física e as
demais liberdades em geral. O artigo 122, inciso 16, previa a ação de habeas corpus como
meio adequado para proteger o direito de ir e vir das pessoas, quando violado, ou ameaçado
por violência ou ilegalidade, salvo em casos de transgressões disciplinares. Aparentemente,
ao tempo da ditadura do Estado Novo, pelo menos a liberdade física parecia protegida e
resguardada, podendo qualquer pessoa recorrer ao poder judiciário para salvaguardar o seu
direito de ir e vir, porém, a ação de habeas corpus, era, nesse tempo, apenas um texto
vazio, destituído de eficácia prática, um engodo, uma falácia. Porque essa mesma Carta
Constitucional, no artigo 170, excluía da apreciação do Poder Judiciário todos os atos
praticados pelo Estado durante o Estado de Guerra e o estado de emergência. O artigo 186
da Constituição de 1937 declara instalado o estado de emergência. Dessa maneira a
previsão do artigo 122, inciso 16 tornou-se letra morta, pois apesar de haver previsão
expressa do cabimento do habeas corpus, o Poder Judiciário não podia deles apreciar, em
razão do Estado de Emergência, conforme foi o entendimento de dois Ministros do

45
Plano Cohen era um suposto plano para transformar o Brasil em uma República Socialista. Ele foi
divulgado em 30 de setembro de 1937, pelo então chefe do Estado Maior das Forças Armadas, General Gois
Monteiro. Posteriormente descobriu-se que o chamado Plano Cohen, era uma farsa, houvera sido redigido
pelo então Capitão do Exército Olímpio Morão Filho.
28

Supremo Tribunal Federal.46Posteriormente, no dia 31 de agosto de 1942, o Presidente


Getúlio Vargas, fez expedir o Decreto nº 10352 revogando da Carta Constitucional de 1937
a previsão do habeas corpus.
Durante o Estado Novo, sob a vigência da Constituição Outorgada de 1937, o
Processo Penal Brasileiro passa por uma profunda transformação com a elaboração do
Código de Processo Penal, no ano de 1941, Código este que permanece em vigor até os dias
de hoje. O Código de Processo Penal de 1941 é chamado por alguns autores de Código
Rocco, em razão da inspiração dos seus autores, retirada do Código italiano de 1930,
elaborado na época em que Benedito Mussolini estava no poder. Não há como se olvidar da
origem autoritária do Código de Processo Penal de 1941, ele mantinha a estrutura
inquisitiva do processo, com a possibilidade, inclusive, do Juiz iniciar a ação penal,
especialmente nos casos de contravenção, conforme era possível se observar do artigo 531
do Código de Processo Penal, antes da reforma47 operada pela Lei 11.719 de 20 de junho de
2008.
O sistema inquisitivo apesar se sua característica secreta, e de não assegurar de
forma plena a defesa dos acusados, em razão da concentração nas mãos do julgador, as
funções de acusar e julgar, trouxe para o habeas corpus, curiosamente, uma vantagem,
representada pela possibilidade da concessão da ordem de ofício. No sistema acusatório
puro a função e acusar e de julgar inexoravelmente estão em pessoas diferentes, assim
sendo não seria concebível, que o juiz atuasse de ofício, porque em sendo o habeas corpus
uma ação, tal possibilidade ficaria afastada, exigindo-se pedido da parte interessada, porém,
a concessão de ofício da ordem de habeas corpus continua a existir até os dias de hoje,
quiçá, uma herança benéfica do sistema acusatório.
O Brasil, após a declaração de independência, em 1822, apesar de terem
ocorrido diversas alterações pontuais nas leis processuais penais, teve basicamente dois
códigos de processo penal com aplicação em todo território nacional, o Código de Processo
Criminal de 1832 e o Código de Processo Penal de 1941, leis nacionais 48, ressalva seja feita

46
Os Ministros Bento de Faria e Barros Barreto no habeas corpus 28.313 do Estado da Bahia defenderam a
exclusão geral da apreciação de habeas corpus em razão da decretação do Estado de Emergência.
47
Artigo 531 do Código de Processo Penal, antes da alteração realizada pela Lei 11.719/08: “ O processo das
contravenções terá forma sumária, iniciando-se pelo auto de prisão em flagrante ou mediante portaria
expedida pela autoridade policial ou pelo juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público.”
48
Lei nacional é aquela que se aplica para todos em todo o território brasileiro, difere de Lei Federal, que é a
utilizada para regulamentar entidades, bens e serviços da União.
29

para o período republicano anterior a 1941, em que alguns Estados da Federação


elaboraram Códigos de Processo Penal próprios, como é o caso dos Estados Rio de Janeiro,
Maranhão, Rio Grande do Sul, Amazonas, dentre outros49
O Código de Processo Penal de 1941, de qualquer forma, trouxe algumas
vantagens para a proteção do direito ambulatorial das pessoas, com relação ao que havia no
Código de Processo Criminal de 1832; este regulamentava a ação de habeas corpus em 16
artigos, enquanto que o Código de 1941 estabeleceu 21 artigos de regulamentação. A partir
de 1941, a legitimidade ativa passou a ser ampla, contemplando de forma clara as mulheres,
bem como todas as demais pessoas que estivessem no território brasileiro sem os entraves,
que durante o século XIX algumas pessoas sofreram para poder propor a ação de habeas
corpus por conta da questão da cidadania. Os estrangeiros, e até pessoas jurídicas puderam
se valer da ação de habeas corpus, quando no artigo 654 do Código de Processo Penal 1941
o legislador estabeleceu que “O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa,”
ampliando sobremaneira a legitimidade ativa para propor a ação de habeas corpus. Além
disso, ficou expresso a possibilidade da utilização do habeas corpus preventivo, e não
apenas o liberatório, como ocorria em 1832. As regras de fixação de competência ficaram
mais precisas no texto de 1941, e o mais relevante, diante da urgência da medida, ficou
estabelecida a previsão de prioridade de tramitação, conforme se observa do artigo 649 do
código de 1941.
A maior dificuldade que enfrentava a ação de habeas corpus não era a falta de
regulamentação, esta existia, tanto na carta Constitucional de 1937, até a sua revogação no
ano de 1942, como no Código de Processo Penal de 1941. A questão era superar as
dificuldades impostas pela ditadura do Estado Novo, que perdurou até 29 de outubro de
1945. Nesse período, de 1937 a 1945, apesar da regulamentação legal e constitucional, a
princípio, protegendo o direito de ir e vir das pessoas, inúmeras arbitrariedades e
ilegalidades foram perpetradas pelo Estado, de forma impune. O Poder Judiciário, apesar de
existente, tinha a sua atuação diminuída e mitigada, por conta da Carta Constitucional de
1937, que concentrava uma parcela maior de poder nas mãos do chefe Poder Executivo. O
habeas Corpus existia, bem como o Poder Judiciário, faltava, no entanto, eficácia plena,

49
Breves considerações sobre a história do processo penal e habeas corpus. Gisele Leite. Fonte: Artigo
publicado em 18 de outubro de 2015 na revista Âmbito Jurídico. Disponível em: http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7816, consulta feita em 18/10/2015
30

para que o “Remédio Heroico” pudesse enfrentar as arbitrariedades do Estado Novo50. Os


pedidos eram feitos, porém, invariavelmente, negados. Contra a força não há
argumentos.
O Estado Novo durou até outubro de 1945, quando Getúlio Vargas foi retirado
do poder pelas mesmas forças que o colocaram na chefia do Governo Provisório no ano de
1930, os militares. O governo autoritário de Getúlio Vargas perdurou por quinze anos,
apoiado em ideais antidemocráticos, populistas, e em parte pelo alarma causado pela
Segunda Guerra Mundial. Tratava-se de um período em que o mundo passava por um sério
conflito armado. O governo ditatorial de Getúlio Vargas, apesar de simpatizar com os
ideais totalitários e antidemocráticos, que prevaleciam em um dos lados do conflito, relutou
bastante em tomar partido na chamada segunda guerra mundial, onde de um lado estavam o
Japão, e os regimes nazista da Alemanha e fascista da Itália e do outro lado quase a
totalidade dos demais países do mundo. Ela se iniciou em 1939, e o governo de Getulio
Vargas, somente no ano de 1942, impulsionado pelo naufrágio de cinco navios mercantes
brasileiros, além de alguns barcos pesqueiros, supostamente vítimas de ataques perpetrados
por submarinos alemães, decidiu ceder e apoiar os países cujos ideais eram antitotalitários
É curioso notar que um único evento histórico, a Segunda Guerra Mundial, foi
ao mesmo tempo sustentáculo e pivô da queda do Estado Novo. Apesar de o governo
brasileiro, a partir de 1942, ter tentado se mostra aparentemente mais democrático,
promovendo uma série de reformas sociais, especialmente para a classe trabalhadora,
estabelecendo a Consolidação das Leis do Trabalho e a Justiça do Trabalho, não conseguiu
resistir aos ideais democráticos que tomaram força no país, depois de 194351, especialmente
com o fim da guerra e com o retorno dos brasileiros que nela lutaram para defender a
democracia contra o totalitarismo nazifacista. A situação do governo de Getúlio Vargas

50
Inúmeros são os casos relatados na literatura de barbáries praticadas no Brasil durante o período
compreendido entre 1937 e 1945, como, por exemplo, os descritos no livro Memórias do Cárcere do autor
Graciliano Ramos.
51
No ano de 1943 a União Nacional dos Estudantes promoveu uma serie de passeatas contra o nazi-fascismo.
Em Minas Gerais movimentos civis também se manifestaram contra o regime ditatorial brasileiro, no
chamado “Manifesto dos Mineiros”.
31

tornou-se insustentável, a despeito das inúmeras manobras 52 tentadas para manter-se no


poder.
No dia 29 de outubro de 1945 os militares e a oposição se unem e, por meio de
um golpe de Estado, retiram Getúlio Vargas do poder. Assume a presidência José
Linhares53, então Presidente do Supremo Tribunal Federal. As eleições presidenciais e para
a Assembleia Nacional Constituinte ocorreram em dezembro de 1945. Em 31 de janeiro de
1946 tomaram posse o Presidente da República, General Eurico Gaspar Dutra 54, eleito com
3.251.407 votos, representando 55,39% do eleitorado, e a Assembleia Nacional
Constituinte55 que era composta pelo PSD- Partido Social Democrático, com cerca de 54%
dos votos, pela UDN- União Democrática Nacional, com cerca de 26% dos votos, pelo
PTB- Partido Trabalhista Brasileiro eleito com cerca de 7,5% dos votos e pelo PCB-Partido
Comunista Brasileiro que obteve cerca de 5% dos votos56.
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 foi promulgada em 18 de
setembro de 1946, e publicada no Diário Oficial de 19 de setembro de 1946, promovendo o
retorno do estado democrático. O habeas corpus teve previsão expressa no artigo 141, § 23
52
No ano de 1944, no mês de fevereiro, o governo de Getúlio Vargas, tentando romper com o isolamento
político, baixou a Lei Constitucional nº 9 estabelecendo eleições para 90 dias após a sua entrada em vigor.
Além disso o Código Eleitoral cuja origem é de 1932, foi reeditado por Decreto, a denominada Lei
Agamenon, de 28 de maio de 1945, tendo em vista que a Constituição de 1937 extinguira o Código Eleitoral,
bem como a Justiça Eleitoral. As eleições para presidência da república e para o parlamento seriam realizadas
em 2 de dezembro de 1945 e Getúlio Vargas poderia concorrer à reeleição. Em maio de 1946 seriam
realizadas as eleições para os governos e assembleias estaduais.
53
José Linhares nasceu em Baturié, Estado do Cerará no dia 28 de janeiro de 1886, em 1903 matriculou-se na
faculdade de medicina, posteriormente abandonou os estudos de medicina, vindo a se matricular na Faculdade
de Direito de Recife formado em Direito no ano de 1908. Transferiu-se para o Distrito Federal onde prestou
concurso e foi classificado por duas vezes foi nomeado, em 19 de janeiro de 1913 Juiz da 2ª Pretoria
Criminal, transferido para a 7ª Pretoria Cível, veio atuar posteriormente na 1ª Vara Cível e 5ª Vara Criminal.
Em 30 de março de 1931 foi nomeado Desembargador no Distrito Federal – Rio de Janeiro. Após a
Revolução de 1930, em 16 de dezembro de 1937 ingressou como Ministro no Supremo Tribunal Federal.
Exerceu a presidência da república, convocado pelos militares em 30 de outubro de 1945, garantiu as eleições
e permaneceu no cargo até 31 de janeiro de 1946. Faleceu em caxambu em 26 de janeiro de 1957.
54
Eurico Gaspar Dutra nasceu em Cuiabá, Estado do Mato Grosso no dia 18 de maio de 1883. No ano de
1903ingressou na vida militar na Escola Preparatória e Tática do rio Pardo, no Rio Grande do Sul. Ele não
participou da Revolução de 1930, porém, em 1935 comandou a repressão à intentona comunista no Rio de
Janeiro, Natal e Recife. Foi nomeado por Getúlio Vargas Ministro da Guerra, em 5 de dezembro de 1936,
sendo um dos articuladores da participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial junto aos aliados Estados Unidos
da América, Inglaterra, Rússia, etc. no dia 31 de janeiro de 1946 foi eleito Presidente da República tendo
exercido regularmente o cargo até 31 de janeiro de 1951
55
Getúlio Vargas, apesar de ter sido deposto da chefia do Poder Executivo, foi eleito Senador por duas
legendas o PSD e o PTB, e participou da Assembleia Nacional Constituinte, como representante do Rio
Grande do Sul, tendo exercido a legislatura de 1946 a 1949. Fonte: FGVCPDOC disponível em:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/biografias/getulio_vargas Consulta feira em: 22/10/2015
56
Dados eleitorais obtidos no site do Tribunal Superior Eleitoral. Consulta feira em 22/10/2015. Disponível
em: http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/julgados-historicos/assembleia-constituinte-1946.
32

Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer


violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de
poder. Nas transgressões disciplinares, não cabe o habeas corpus. A Constituição de
1946, com relação ao habeas corpus, repete basicamente o texto das constituições
anteriores, porém, não traz as mesmas restrições imposta no artigo 122, inciso 16 da
Constituição de 1937, que afastava por completo a apreciação de certos atos pelo poder
judiciário. A regularidade democrática no Brasil fez com que a aplicação e eficácia do
habeas corpus voltasse a normalidade, tutelando de forma ordinária o direito de ir e vir das
pessoas naturais em geral, homens e mulheres, nacionais ou estrangeiros. As questões
políticas, que por vários anos permearam as discussões a respeito do habeas corpus, com a
atuação regular da Justiça Eleitoral, também deixaram de ter maior relevância, porém,
havia uma situação que ainda gerava uma certa dúvida e debate com relação à aplicação do
“Remédio Heroico”, tratava-se do sistema constitucional de crise, ou seja, a decretação de
Estado de Sitio, e restrições à direitos e garantias constitucionais.
A Constituição de 1946, no artigo 206 tratava da decretação do estado de sítio
que poderia ocorrer em caso de guerra externa ou em caso de comoção intestina grave, e a
Lei que decretasse o estado de sítio deveria especificar quais garantias constitucionais
permaneceriam em vigor, conforme o artigo 207 da carta constitucional de 1946.
O estado de sítio deveria ser decretado pelo Congresso Nacional,
excepcionalmente, o Chefe do Executivo poderia fazê-lo nos períodos de intervalo das
sessões legislativas, conforme se observa dos artigos 207 e 208 da Constituição de 1946. O
artigo 209 da Carta Constitucional de 1946 estabelecia, ainda, as medidas excepcionais que
poderiam ser tomadas pelo sistema constitucional de crises, na época as medidas cabíveis
seriam: obrigação de permanência em localidade determinada; detenção em edifício não
destinado a réus de crimes comuns; desterro57 para qualquer localidade, povoada e salubre,
do território nacional. A Constituição admitia, ainda, que o Presidente da República
adotasse outras medidas, tais como: a censura de correspondência ou de publicidade,
inclusive a de radiodifusão, cinema e teatro; a suspensão da liberdade de reunião, inclusive

57
Desterro e banimento ou exílio são situações distintas. A pena de banimento, que consiste em obrigar uma
pessoa a sair do pais, estava vedada no artigo 141, § 31 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de
1946. O desterro consistia no envio de uma pessoa para um determinado local no território nacional, diverso
do local de seu domicílio, contudo, a localidade para onde a pessoa seria levada em desterro, deveria ser
povoada e salubre.
33

a exercida no interior das associações; a busca e apreensão em domicílio; a suspensão do


exercício do cargo ou função a funcionário público ou empregado de autarquia, de entidade
de economia mista ou de empresa concessionária de serviço público; a intervenção nas
empresas de serviços públicos.
O estado de sítio integra o chamado sistema constitucional de crises, que
importa em um conjunto de normas constitucionais, norteadas pelos princípios da
necessidade e temporariedade, cuja finalidade é a manutenção e o restabelecimento da
normalidade constitucional. Na Constituição de 1946 as medidas excepcionais que
poderiam ser impostas pelo Estado, e que compunham o sistema constitucional de crises à
época, encontravam previsão no artigo 209. Uma série de direitos poderiam ser restringidos
ou suprimidos, por exceção, durante a vigência do estado de sítio, porém, o habeas corpus
não ficaria suspenso58, ele era um dos remédios constitucionais que serviriam exatamente
para controlar a legalidade dos atos praticados pelo Poder Executivo. As leis ordinárias até
poderiam ficar afastadas temporariamente durante o estado De sítio, porém, a observância
estrita das medidas previstas no artigo 209 da Constituição de 1946 se fazia obrigatória, e o
remédio hábil para promover o controle e a observância das regras constitucionais quanto
ao estado de sítio, não só as medidas restritivas, mas o próprio procedimento de decretação
do estado de sítio, bem como a regularidade das medidas excepcionais era o habeas corpus.
Era por meio dele que seria possível levar eventuais inconstitucionalidades e excessos na
execução das medidas para controle a apreciação do Poder Judiciário.
O presidente Eurico Gaspar Dutra governou até 31 de janeiro de 1951 e não
necessitou decretar ou pedir ao Congresso a decretação de estado de sítio. O mesmo
ocorreu com seu sucessor Getúlio Vargas eleito Presidente da República, pelo Partido
Trabalhista Brasileiro, com 3.849.040 votos representando um total de 48,73% dos votos.
Tomou posse em 31 de janeiro de 1951 e apesar de enfrentar uma séria crise política e
econômica, também não decretou nem pediu ao Congresso a decretação do estado de sítio.
No ano de 1955, mais precisamente no dia 25 de novembro, o então Presidente da
República Nereu Ramos59 decretou Estado de Sitio. Getúlio Vargas, que após ser deposto
58
Idem item 8
59
Nereu de Oliveira Ramos nasceu em Lages, Estado de Santa Catarina, em 3 de setembro de 1888. Formou-
se em Direito no ano de 1909 pela Faculdade de São Paulo, era filho de Vital Ramos, Governador de Santa
Catarina. Ingressou na vida política como Deputado Estadual no ano de 1910. Eleito Deputado Federal no ano
de 1930, sendo posteriormente Governador de Santa Catarina, e Senador. Assumiu a presidência da república
em 1º de novembro de 1955, após a o suicídio de Getúlio Vargas, e o afastamento do então Vice-Presidente
34

no ano de 1945 voltou a ser eleito Presidente da República em 1951, permanecendo na


chefia do Poder executivo até 1954 quando suicidou-se devido a uma série de instabilidades
políticas, econômicas, além de forte pressão exercida pelos militares. Em seu lugar assumiu
a Presidência da República o vice-presidente João Augusto Fernandes Café Filho60 que teve
um governo curto e bastante conturbado devido à crise político-econômica que se instalara
no Brasil. Em novembro de 1955, Café Filho foi afastado da presidência da república por
motivos de saúde, sendo sucedido no cargo por Carlos Coimbra da Luz, então presidente da
Câmara dos deputados, que permaneceu como chefe do executivo federal por 4 dias, de 8
de novembro de 1955 até 11 de novembro do mesmo ano, tendo sido afastado por um
movimento militar liderado pelo General Henrique Lott. Nereu de Oliveira Ramos então
primeiro presidente do Senado assume a presidência da república e, no dia 25 de novembro
de 1955, decreta o Estado de Sitio, pela Lei nº 2.654.
O artigo 2º, parágrafo único da Lei 2.654/55 estabelecia: “A suspensão do
habeas corpus restringe-se aos atos praticados por autoridades federais e a do mandado de
segurança aos emanados do Presidente da República, dos Ministros de Estado, do
Congresso Nacional e do executor do estado de sítio.” O chefe do executivo federal,
pressionado pelos militares, à época liderados pelo general Henrique Lott, então Ministro
da Guerra, ao decretar o estado de sítio, tentou fazer com que os atos praticados pelo Poder
Executivo, pelo Poder Legislativo, e do executor do estado de sítio ficassem imunes ao
controle judicial, suspendendo todas as ações que possibilitassem a efetivação de uma
tutela de urgência por parte do Poder judiciário. O Brasil, porém, vivia um período de
regularidade democrática e, por força do artigo 206 da Constituição de 1946 cabia ao
Congresso Nacional decretar o estado de sítio, e caso ele fosse decretado pelo Presidente da
República durante o intervalo das sessões legislativas, 0 Presidente do Senado deveria
convocar o Congresso Nacional para reunir-se num prazo de quinze dias, conforme
estabelecido no artigo 208 e seu parágrafo único da Carta Constitucional de 1946. Dessa

Café Filho. Permaneceu como chefe do executivo federal até 31 de janeiro de 1956, vindo a falecer em São
José dos Pinhais em 16 de junho de 1958.
60
João Augusto Fernandes Café Filho Nasceu na cidade de Natal, Estado do Rio Grande no Norte, em 3 de
fevereiro de 1899. Formou-se em Direito, mas atuou, principalmente, como jornalista. Ingressou na vida
política como Deputado Federal no ano de 1935, e compôs a chapa de Getúlio Vargas, como vice-presidente.
Por imposição do então Governador do Estado de São Paulo Ademar de Barros. Assumiu a presidência da
República, após o suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, tendo se afastado da presidência em 8
de novembro de 1955, por motivos de saúde. Faleceu no Rio de Janeiro em 20 de fevereiro de 1970.
35

maneira, o estado de sítio decretado no dia 25 de novembro de 1955, se submeteu ao


controle por parte do Poder Legislativo, conforme a determinação constitucional, e a
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados rejeitou a proposta e revogou
na íntegra o artigo 2º da Lei 2.654/55, mantendo, dessa maneira, intacto o controle
jurisdicional de todos os atos praticados durante a vigência do estado de sítio61.
As constituições consistem no instrumento que institui e fundamenta uma
ordem jurídica, ela pode ser democrática, caso traga em seu âmago o consenso do povo,
titular do poder constituinte originário, hipótese na qual será promulgada a carta
constitucional, com base na vontade do povo. Os regimes autoritários, na tentativa de
aparentar alguma legitimidade, por vezes se autolimitam, elaborando uma constituição,
porém, nela não há o consenso popular, razão pela qual não pode ser chamada de
constituição democrática. Consiste em uma mera regulamentação que o ditador impões,
outorgando uma carta constitucional, conforme ocorreu no ano de 1937, com a denominada
“Constituição Polaca” ou seja, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937. A
Carta Constitucional do Brasil de 1946 trazia o consenso popular, foi elaborada por uma
Assembleia Nacional Constituinte eleita livremente pelo povo. O Congresso Nacional, ao
afastar o artigo 2º da Lei nº 2.654/55, nada mais fez do que observar estritamente a ordem
constitucional, porque mesmo durante a aplicação dos sistemas constitucionais de crise a
Constituição não se suspende, não sendo lícito portanto que um dos poderes constituídos,
como por exemplo o Poder Legislativo ou o Poder Executivo, suspenda os dispositivos do
documento fundante, que lhe deu existência.
No ano de 1956, ainda na vigência do estado de sítio decretado em 1955, tomou
posse o Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, 62 que exerceu regularmente o seu
61
Idem item 8
62
Juscelino Kubitschek de Oliveira nasceu em Diamantina, Estado de Minas Gerais em 12 de setembro de
1902. Formou-se em medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais no ano de 1930, tendo ingressado
nos quadros Polícia Militar de Minas Gerais como médico no ano de 1931. No ano de 1932, durante a
Revolução Constitucionalista, foi convocado como médico, para atuar junto às tropas mineiras que
combatiam contra as tropas paulistas. No ano de 1933 entrou para a vida política como chefe de gabinete do
Governador de Minas Gerais, Benedito Valadares, nomeado por Getúlio Vargas para o cargo, após a morte do
então Governador Olegário Maciel. No ano de 1934 torna-se o Deputado Federal mais votado no Estado de
Minas Gerais, exercendo o cargo até o fechamento do Congresso em 10 de novembro de 1937. Em 940 ele é
nomeado prefeito de Belo Horizonte, pelo então Governador de Minas Gerais Benedito Valadares. Em 2 de
dezembro de 1945 foi eleito novamente Deputado Federal pelo Estado de Minas gerais, integrando a
Assembléia Nacional Constituinte, que elaborou a Constituição de 1946. No ano de 1951 assumiu o Governo
de Minas Gerais, e em 3 de outubro de 1955 elegeu-se Presidente da República, exercendo regularmente o
mandato até 31 de janeiro de 1961. No ano de 1964 foi acusado, pelos militares, de corrupção e apoio ao
movimento comunista, a partir de então passou por um exílio voluntário até março de 1967 quando voltou
36

mandato até 1961, quando foi sucedido pelo presidente eleito Jânio da Silva Quadros. Jânio
Quadros63, como presidente, tomou uma série de medidas controvertidas, dentre elas
algumas que desagradaram profundamente os militares e determinados segmentos
conservadores da sociedade brasileira.64Não há ao certo um consenso sobre os reais motivos
que levaram a renúncia do então presidente Jânio Quadros no dia 25 de agosto de 1961. Há
quem entenda ter sido uma tentativa de golpe, outros afirmam ter sido a pressão dos
militares e dos setores conservadores da sociedade, 65fato é que, com a renúncia do
Presidente da República, a situação política brasileira, tornou-se tensa e conflituosa, pois
quem deveria assumir o cargo era o então vice-presidente João Belchior Marques Goulart66.
No dia 8 de setembro de 1961 João Goulart toma posse como Presidente da
República, mas não antes de uma manobra política para retirar-lhe uma série de poderes.

definitivamente para o Brasil, unindo-se a Carlos Lacerda e João Goulart em uma frente ampla de oposição ao
governo militar. Faleceu em 22 de agosto de 1976, no município de Resende, em decorrência de um acidente
automobilístico.
63
Jânio da Silva Quadros nasceu no município de Campo Grande Estado do Mato Grosso, em 25 de janeiro de
1917. Formou-se pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo no ano de 1939, atuando como
advogado e professor de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. No ano de 1947 ingressa para a vida política elegendo-se suplente de Vereador no município de
São Paulo. Assumiu o mandato tendo exercido entre 1948 a 1950. Em 1951 tornou-se Deputado Estadual
permanecendo o cargo até 1953. Elegeu-se Prefeito do município de São Paulo no ano de 1953 e
posteriormente, Governador do estado de São Paulo no ano de 1955. Em 1958 elegeu-se Deputado federal
pelo Estado do Paraná, viajou para o exterior e não participou de nenhuma sessão do Congresso. Ao retornar
inicia os preparativos para a campanha presidencial, tendo sido eleito Presidente da República em 3 de
outubro de 1960. Tomou posse em 31 de janeiro de 1961, vindo a renunciar em 25 de agosto de 1961, teve os
direitos políticos cassado pelo regime militar em 10 de abril de 1964 e foi preso em julho de 1968 por fazer
uma série de declarações na imprensa. Recuperou os direitos políticos em 1974. No ano de 1986, com apoio
dos segmentos mais conservadores da sociedade Paulista elegeu-se Prefeito do Município de São Paulo, tendo
exercido o cargo até 1988. Jânio Quadros faleceu em São Paulo no dia 16 de fevereiro de 1992.
64
O Presidente Jânio Quadros reestabelecera relações diplomáticas com a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas e com a China, Logo em seguida, condenou a invasão da Baia dos Porcos pelos Estados Unidos da
América, e causou ainda mais constrangimento quando decidiu condecorar Ernesto Che Guevara com a
Ordem do Cruzeiro do Sul.
65
Não foi de autoria de Jânio Quadros, mas a imprensa brasileira da época publicou; “Forças ocultas levaram
à renúncia do Presidente.”
66
João Belchior Marques Goulart nasceu no município de São Borja, Estado do Rio Grande do Sul em 1º de
março de 1919. Formou-se na Faculdade de Direito de Porto Alegre no ano de 1939, porém, não exerceu a
advocacia. Retornou para sua cidade dedicando-se à pecuária, que era a fonte e sustento da sua família. Ele
ingressa na carreira política ingressando no PTB, em razão de um convite feito por Getúlio Vargas. Foi eleito
para Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul em 1946. No ano de 1941 tornou-se Deputado Federal
eleito pelo Rio Grande do Sul. Em 1953 Getúlio Vargas nomeia Joao Goulart Ministro do Trabalho, e no ano
de 1960 foi eleito vice-presidente na chapa liderada por Jânio Quadros, com a renúncia do presidente ele era o
sucessor imediato, nos termos da Constituição de 1946. No dia 8 de setembro de 18961 João Goulart assume
a presidência da república a despeito da forte resistência oposta pelos setores mais conservadores da
sociedade, porém, com os poderes reduzidos, pois no dias antes, em 2 de setembro de 1961 o Congresso
Nacional havia implantado o sistema parlamentarista de governo. Em março de 1964 foi deposto e teve os
seus direitos políticos cassado no dia 10 de abril. Faleceu no exílio no dia 6 de dezembro de 1976, no
município Mercedes Corrientes, na Argentina.
37

João Goulart sofria uma forte rejeição por parte das camadas mais conservadoras da
sociedade. No próprio Congresso Nacional alguns Deputados eram abertamente contra a
posse de João Goulart, para contemporizar a crise política que se instalara no Brasil, o
Congresso propôs a instalação de um sistema parlamentarista, por meio da Emenda
Constitucional nº 4 de 1961 que foi aprovada dias antes de João Goulart poder tomar posse,
no dia 2 de setembro de 1961. O Primeiro Ministro nomeado foi Tancredo Neves, 67 além
dele, mais duas pessoas exerceram o cargo de primeiro ministro entre setembro de 1961 e
1962, Francisco de Paula Brochado da Rocha68 e Hermes Lima69. A emenda constitucional
nº 4 de 196170, também chamada de Ato Institucional, por força do seu artigo 20,
estabelecia no artigo 25 a realização de um plebiscito que deveria ser realizado nove meses
antes do término do período presidencial, para, por meio de uma consulta popular, decidir
67
Tancredo Neves nasceu em São João Del Rei, Estado de Minas Gerais em 4 de março de 1910, formou-se
em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Ingressou na política em
1935 eleito vereador na cidade de São João Del Rei. No ano de 1937 foi preso, após o advento do Estado
novo, e teve seu mandado de vereador cassado. Voltou à advocacia, atuando como Promotor Público. Em
1947 foi eleito Deputado Estadual e em 1950 foi eleito Deputado Federal. Exerceu o cargo de Ministro da
Fazenda e Ministro da Justiça e Negócios Interiores, no governo de Getúlio Vargas, a partir de 1953. No ano
de 1954 foi eleito Deputado Federal, por mais uma vez. No ano de 1961 assumiu como Primeiro Ministro, na
solução dada para permitir a posse de João Goulart como Presidente da República. Foi deputado Federal entre
1963 a 1979. Governador de Minas Gerais entre 1983 e 1984. No segundo semestre de 1984 candidatou-se a
Presidente da República, vindo a ser eleito de forma indireta no ano de 1985. Faleceu em 21 de abril d 1985
sem exercer o cargo de Presidente da República
68
Francisco de Paula Brochado da Rocha nasceu na cidade de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul em
8 de agosto de 1910, ainda como estudante participou da Revolução d 1930. Formou-se na Faculdade de
Direito de Porto Alegre no ano de 1932, local onde mais tarde veio a lecionar Direito Constitucional, como
Professor Catedrático. Foi Procurador do município de Porto Alegre, e Deputado Estadual nos anos de 1947 a
1951. Exerceu o cargo de secretário de Estado no Governo de Leonel Brizola, no Rio Grande do Sul e
participou ativamente da Campanha da Legalidade, cuja finalidade era garantir a ordem constitucional e a
posse de João Goulart. Exerceu o cargo de Primeiro Ministro entre 12 de julho de 1962 e 18 de setembro de
1962. Faleceu na cidade de Porto Alegre, poucos dias após deixar de ser Primeiro Ministro, em 26 de
setembro de 1962.
69
Hermes Lima nasceu no município de Livramento do Brumado, no Estado da Bahia. Formou-se em Direito
no ano de 1924 pela Faculdade de Direito da Bahia, no mesmo ano elegeu-se Deputado Estadual. No ano de
1926 mudou-se para São Paulo tendo lecionado a disciplina de Direito Constitucional, como Livre Docente,
na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. No ano de 1935 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde
exerceu o cargo de Diretor da Faculdade de Direto do Distrito Federal, atual UFRJ e professor da disciplina
de Introdução à Ciência do Direito. Participou da Fundação da UDN – União Democrática Nacional, tendo se
elegido por essa legenda Deputado Federal Constituinte no ano de 1947. Participou ainda da fundação do
Partido Socialista Brasileiro em 1947, mas no ano de 1950 passou a integrar o Partido Trabalhista Brasileiro.
Com a crise provocada pela renúncia do Presidente Jânio Quadros, tornou-se Primeiro Ministro no período
compreendido entre 18 de setembro de 1962 e 24 de janeiro de 1963. Após o plebiscito pela volta do regime
presidencialista Hermes Lima tornou-se Ministro das Relações Exteriores no Governo do Presidente João
Goulart. Em 11 de julho de 1963 foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, em 16 de janeiro de
1969 foi aposentado com base no Ato Institucional nº 5. Faleceu na cidade do Rio de Janeiro em 10 de
outubro de 1978.
70
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/1960-1969/emendaconstitucional-4-2-
setembro-1961-349692-publicacaooriginal-1-pl.html. Consulta feita em 29/11/2015
38

sobre a manutenção do regime presidencialista. De acordo com a Emenda Constitucional nº


4 de 1961 o plebiscito deveria se realizar no ano de 1965. O presidente João Goulart, com o
apoio de setores da esquerda, inclusive nas forças armadas, conseguiu aprovar no
Congresso a Lei Complementar nº 2 de 16 de setembro de 1962 71 antecipando o plebiscito
para 6 de janeiro de 1963. Realizado o plebiscito o povo, com mais de 80% dos votos
decidiu pelo o retorno ao sistema presidencialista. No dia 23/01/1963 foi publicada a
Emenda Constitucional nº 672 revogando a Emenda nº 4 e restabelecendo o sistema
presidencialista no Brasil.
O presidente João Goulart ao retomar os plenos poderes como chefe do Poder
Executivo promoveu uma série de reformas, algumas delas, no entanto, desagradaram aos
setores mais conservadores da sociedade e, em especial, aos militares. No dia 31 de março
de 1964 inicia-se um golpe militar, que tem como ponto culminante 1 de abril de 1964 com
o Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli 73 declarando vago o cargo de
Presidente da República. No dia 11 de abril de 1964 o Congresso Nacional ratifica a
indicação do Ministro da guerra para tomar posse como Presidente da República, e no dia
15 de 1bril de 1964 toma posse o General Humberto de Alencar Castelo Branco 74 como
Presidente da República. Para dar legalidade ao Governo os militares modificaram a
Constituição de 1946 fazendo inserir 4 atos Institucionais. O Ato Institucional nº 4 confere
71
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/leicom/1960-1969/leicomplementar-2-16-setembro-
1962-541565-publicacaooriginal-46776-pl.html. Consulta realizada em 29/11/2015
72
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/1960-1969/emendaconstitucional-6-23-
janeiro-1963-363624-publicacaooriginal-1-pl.html. Consulta realizada em 29/11/2015
73
Pascoal Ranieri Mazzilli nasceu no município de Caconde, no Estado de São Paulo em 27 de abril de 1910.
Iniciou os estudos de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no ano de 1930 mas
formou-se pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, no ano de 1940. Participou da
Revolução de 1930 ao lado dos paulistas. Exerceu diversos cargos públicos, e elegeu-se Deputado Federal por
diversas vezes, tendo exercido o mandato de 1949 a 1966. Como Presidente da câmara dos Deputados
exerceu interinamente a presidência da república por duas vezes, de 25 de agosto a 8 de setembro de 1961,
entre a renúncia de Jânio Quadros e a posse de João Goulart e logo após ao Golpe de 1964, de 2 a 15 de abril
de 1964, quando entregou o cargo ao General Humberto Alencar Castelo Branco. Ranieri Mazzilli, como
presidente da Câmara dos Deputados foi o responsável por declarar vaga a presidência da república, durante o
governo de João Goulart. Faleceu em 21 de abril de 1975 no município de São Paulo.
74
Humberto de Alencar Castelo Branco nasceu em Fortaleza, Estado do Ceará em 20 de setembro de 1897.
Iniciou a carreira militar na Escola Militar do Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, tendo ingressado na Escola
Militar de Realengo no ano de 1918, participou, como tenente da Revolução de 1930, e foi chefe da seção de
operações da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial. No ano de 1963 foi nomeado pelo
presidente João Goulart Chefe do Estado Maior do Exército, sendo também um dos principais líderes do
Golpe militar de 1964. Assumiu a presidência da república eleito de forma indireta pelo Congresso Nacional
tomou posse em 15 de abril de 1954, seu mandato, deveria durar até 31 de janeiro de 1966, conforme
determinava a Constituição de 1946, ainda em vigor, porém, as eleições foram suspensas e seu mandato durou
até 15 de março de 1967. Faleceu em Fortaleza, no Estado do Ceará no dia 18 de julho de 1967, em um
acidente aéreo.
39

ao Congresso Nacional, já com os Congressistas da oposição afastados, a função de


Assembleia Nacional Constituinte. No dia 24 de janeiro de 1967 foi outorgada a
Constituição da República Federativa do Brasil, que entrou em vigor em 15 de março de
1967.
O artigo 150, § 2075 da Constituição de 1967 estabelecia de forma expressa o
habeas corpus no título IV, dentre os Direitos e Garantias Individuais, conforme já
estabelecia a Constituição de 1946. A Constituição de 1967 também regulamentava o
sistema constitucional de crises, prevendo a possibilidade da decretação do estado de sítio
pelo Presidente da República nos casos de grave perturbação da ordem, ou em casos de
guerra, conforme o artigo 152 da Constituição de 1967. O parágrafo segundo desse artigo
estabelecia as medidas excepcionais que poderiam ser tomadas. A Constituição de 1967, no
entanto, não afastava por completo a utilização do habeas corpus durante a vigência do
estado de sítio, conforme se observa do seu artigo 156: “A inobservância de qualquer das
prescrições relativas ao estado de sitio tornará ilegal a coação e permitirá ao paciente
recorrer ao Poder Judiciário.” Contudo, o regime autoritário ainda iria se aprofundar
enormemente nos anos de 1968 e 1969, com a edição de mais 13 Atos Institucionais. A
redução nas liberdades democráticas, refletiram diretamente na liberdade de ir e vir das
pessoas no território brasileiro, uma série de medidas extremas foram tomadas, o habeas
corpus, instrumento legal essencial, para garantir essa liberdade de ir e vir, apesar de conter
previsão expressa na Carta Constitucional de 1967, sofreu uma forte restrição da sua
aplicação, especialmente nos Atos Institucionais nº 5 e 6. O Ato Institucional nº 5 afastou
por completo a utilização do habeas corpus para determinados crimes, conforme se observa
do texto do artigo 10: “Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes
políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia
popular.” O Ato Institucional nº 6 acabou com a possibilidade de se levar ao Supremo
Tribunal Federal a análise de violações ao direito de ir e vir pela via do habeas corpus
substitutivo, que consistia em uma antiga tradição do ordenamento jurídico brasileiro,
limitando a análise dos habeas corpus impetrados nas instâncias ordinárias pela via do
75
Artigo 150 da Constituição de 1967.  A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: Parágrafo 20:  Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de
sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas
transgressões disciplinares não caberá habeas Corpus. Fonte:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm. Consulta feira e, 02¹11/2015
40

Recurso Ordinário, conforme se observa do artigo 114, II, a, cuja redação limitava a
competência do Supremo Tribunal Federal76.
Durante o período compreendido entre os anos de 1964 a 1978, os militares
procuraram afastar de toda forma o princípio da reserva da jurisdição, pelo qual nenhuma
lesão ou ameaça de lesão pode ser afastada da apreciação do Poder Judiciário.
Invariavelmente eles faziam inserir nas normas que editavam, para conferir aspecto de
legalidade ao Regime Militar, um artigo afastando os seus atos da apreciação do Poder
Judiciário, é o que se observa nos Atos Institucionais nº 1, artigo 4º; nº 2, artigo 19; nº 3,
artigo 6º; nº 5, artigo 11, nº 6, artigo 4º; nº 7, artigo 9º, nº 11, artigo 7º; nº 12, artigo 5º; nº
13, artigo 2º, nº 14, artigo 3º, nº 15, artigo 4º; nº 16, artigo 8º, e nº 17, artigo 4º. 77 Durante o
tempo que durou o Regime Militar, uma série de prisões ocorreram. A pena de banimento
tinha previsão constitucional, por no do Ato Institucional nº 13, e nenhum desses atos
poderiam ser objeto de julgamento pelo Poder Judiciário, nem pela via da ação ordinária,
nem por meio do habeas corpus, cujo cabimento estava afastado expressamente. O Poder
Judiciário existia, assim como o Poder Legislativo, mas apenas figurativamente, pois o
poder estava concentrado nas mãos do Poder Executivo, que governava com mão de ferro,
impune e sem nenhuma, ou quase nenhuma forma de controle. O Brasil, segundo a
Constituição vigente, a de 1967, era uma República Federativa, porém, os princípios
basilares nos quais as Repúblicas se fundamentam, como, por exemplo, divisão harmônica
dos Poderes, existiam somente no papel. 78 Qualquer análise, mesmo que superficial dos
Atos Institucionais baixados pelos governos militares, deixa óbvio que não havia uma
divisão harmônica e mutuo controle dos atos praticados pelas Funções do Estado. A
democracia também só existia no papel, o artigo 1º, § 1º da Constituição de 1967
estabelecia: “Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”. As eleições, porém,

76
"Art. 114 - Compete ao Supremo Tribunal Federal: II - julgar, em recurso ordinário: a) os habeas corpus
decididos, em única ou última instância, pelos Tribunais locais ou federais, quando denegatória a decisão, não
podendo o recurso ser substituído por pedido originário. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br//CCIVIL_03/AIT/ait-06-69.htm. Consulta feita em 02/11/2015

77
Fonte: http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-historica/atos-institucionais, consulta feita em
02/11/2015
78
Artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. São Poderes da União, independentes
e harmônicos, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Fonte:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm. Consulta feita em: 02/11/2015
41

não eram tão livres assim, a oposição estava presa ou encontrava-se no exílio. Foram anos
complicados para a democracia e para o Brasil, já então denominado não mais Estados
Unidos, mas República Federativa.
Heleno Cláudio Fragoso79 esclarece que, embora, a utilização do habeas corpus
contra atos praticados pelo Estado estivesse suspensa, por força do Ato Institucional nº 5,
os advogados insistiram na utilização do “Remédio Heroico”. Sabiam de antemão que a
ordem seria negada no mérito, porém, no entanto, ele consistia em um remédio eficaz para
poder se identificar o local onde uma pessoa encontrava-se detida. Nos obscuros anos do
Regime Militar, as pessoas eram presas sem ordem judicial e em estabelecimentos militares
ou similares. Os amigos e familiares nem sempre sabiam ao certo o paradeiro da pessoa
detida. Os advogados, nesses casos, impetravam um habeas corpus, porque o juiz ao
requisitar informações às autoridades do Estado, conseguia identifica o local da prisão80.
Os Atos Institucionais foram revogados com a promulgação da Emenda
Constitucional nº 11, que entrou em vigor em 31 de dezembro de 1978, elabora no governo
do então Presidente o General Ernesto Beckmann Geisel.81 Dentre outras medidas,
restaurou o habeas corpus. Os rigores do regime antidemocrático começavam a se esmaecer
e as portas para a abertura democrática começavam a se abrir. No ano de 1979, já no

79
Heleno Cláudio Fragoso nasceu no município de Nova Iguaçu, Estado do Rio de Janeiro, em 5 de fevereiro
de 1926. Formou-se pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro no ano de
1951. Foi advogado criminalista, tendo realizado a defesa de diversos presos políticos durante o Regime
Militar e professor de Direito Penal na Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante a década de 1960, até
ser afastado do cargo por ordem da Ditadura Militar. Posteriormente foi professor de Direito Penal na
Universidade Candido Mendes e na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Faleceu na cidade do Rio de
Janeiro em 18 de maio de 1985.
80
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Advocacia da liberdade: a defesa nos processos políticos. Rio de Janeiro
Editora Forense, 1984.
81
Ernesto Beckmann Geisel nasceu no município de Bento Gonçalves, no Estado do Rio Grande do Sul no
dia 03 de agosto de 1907. Iniciou a carreira militar em 1921 ao ingressar para o Colégio Militar de Porto
Alegre, formou-se na Escola Militar de Realengo em 1928. Participou de ações militares na Revolução de
1930 e 1932 tendo combatido a tropa de São Paulo. No ano de 1964 foi nomeado Chefe da Casa Militar pelo
presidente Castelo Branco, tendo sido nomeado em 1967 Ministro do Superior Tribunal Militar. Em 18 de
abril de 1978 foi lançado candidato à presidência da república pela ARENA – Aliança Renovadora Nacional,
vencendo em eleição indireta o outro candidato Ulysses Guimarães do MDB – Movimento Democrático
Brasileiro. No dia 15 de março de 1974 tomou posse como Presidente da República permanecendo no cargo
até 15 de março de 1979. Faleceu na cidade do Rio de Janeiro em 12 de setembro de 1996.
42

Governo do General João Figueiredo82 Foi sancionada a Lei de Anistia, Lei 6.683/79 e
aprovada a reforma política restabelecendo o pluralismo partidário.
As décadas de 60 de 70 do século XX foram anos de luta, em que parte da
sociedade brasileira mais uma vez resistiu aos avanços dos ideais antidemocráticas, muito
foram presos, outros foram exilados e até mortos. No ano de 1984 eclodiu o chamado
Movimento das “Diretas Já”, que defendia eleições diretas para Presidente da República. A
Emenda Constitucional do então Deputado Dante de Oliveira, 83 que propunha a realização
de eleições diretas para Presidente da República não obteve aprovação no Congresso,
Tendo se inicio, então, a campanha para eleição indireta à presidência da república. As
eleições foram vencias por Tancredo Neves, tendo como vice-presidente José Sarney84, este
com a morte de Tancredo Neves em 21 de abril de 1985, assume a presidência da república.

No ano de 1986, mais precisamente no mês de novembro foi realizada eleições


para formar a Assembleia Nacional Constituinte, que foi instalada em 1º de fevereiro de

82
João Baptista de Oliveira Figueiredo nasceu no município do Rio de Janeiro em 15 de janeiro de 1918, no
estão Distrito Federal, Iniciou a carreira militar no Colégio Militar de Porto Alegre, tendo se transferido
posteriormente para o Colégio Militar do Rio de Janeiro. Formou-se em 1937 na Escola Militar de Realengo.
Em 1961 trabalhou no Governo Jânio Quadros Integrando o Conselho de Segurança Nacional. Participou
ativamente do movimento que apoiou o Golpe de 1964. Venceu as eleições indiretas para presidência da
república pela ARENA, no dia 15 de outubro de 1978, vencendo o candidato do MDB, General Euler Bentes
Monteiro. Tomou posse no dia 15 de março de 1979, tendo permanecido no cargo até 15 de março de 1985.
Faleceu na cidade do Rio de Janeiro em 24 de dezembro de 1999.
83
Dante Martins de Oliveira nasceu no município de Cuiabá, Estado do Mato Grosso no dia 6 de fevereiro de
1952. Formou-se em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro no ano de 1976. Ele
integrou o MR-8 Movimento Revolucionário 8 de outubro, assim denominado para homenagear a morte de
Ernesto Che Guervara, morto nesse dia pelo exército boliviano no ano de 1967. Dante de Oliveira ingressou
na carreira política como Deputado Estadual pelo PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro, no
ano de 1978, quando apresentou em 1982 Emenda à Constituição propondo eleições diretas para a presidência
da república. Em 15 de novembro de 1985 foi eleito Prefeito de Cuiabá, em 1986 assumiu o Ministério da
Reforma e Desenvolvimento Agrário, no governo do Presidente José Sarney, exerceu, posteriormente os
cargos de Prefeito de Cuiabá, pela segunda vez, e Governador do Estado do Mato Grosso. Faleceu na cidade
de Cuiabá no dia 6 de julho de 2006.
84
José Sarney Nasceu em 24 de abril de 1930, no município de Pinheiro no Estado do Maranhão e foi
batizado com o nome José de Ribamar Ferreira de Araújo Costa. Formou-se em Direito pela Universidade
Federal do Maranhão no ano de 1953, tendo ingressado, como escritor para a Academia Maranhense de
Letras. Iniciou a carreira política filiando-se ao PSD, mas somente conseguiu a primeira eleição em 1955
como Deputado Estadual, transferiu-se para a UDN tendo conseguido se eleger Deputado Federal em 1958 e
em 1962. Foi Governador do Maranhão no ano de 1965. Com a extinção dos partidos políticos pelo Ato
Institucional nº 2, onde permaneceu por 20 anos, nesse período elegeu-se por duas vezes Senador. No ano de
1984 passou a integrar os quadros do PMDB e integrou a chapa com Tancredo Neves, com Vice-Presidente,
logrando se eleger de forma indireta. Assumiu interinamente a presidência da república em 15 de março de
1985 tendo em vista a impossibilidade do Presidente tomar posse por questões de saúde. Com a morte do
Presidente Tancredo Neves, José Sarney assume em 21 de abril de 1985 definitivamente a presidência da
república permanecendo no cargo até 15 de março de 1990, Após deixar a presidência da república foi eleito
Senador pelo PMDB do estado do Amapá nos anos de 1990, 1998 e 2006.
43

1987, ao final dos trabalhos foi promulgada a atual Constituição, a Constituição da


República Federativa do Brasil de 1988, de contornos democráticos, tendo como
fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político. A sociedade brasileira, mais uma vez,
após avanços e retrocessos, alternâncias de ideologias, retoma o caminho democrático,
abrindo espaço para uma série de conquistas no plano político e social. A Constituição de
1988 possibilitou que garantias individuais e coletivas alcançassem status de direitos
fundamentais ampliando o rol dos denominados novos direitos.85

O direito de liberdade passou a ser garantido de forma ampla, instituído como


direito e garantia fundamental, no artigo 5º da Carta Constitucional de 1988. A liberdade de
locomoção no território nacional, passa a ser assegurado, sem restrições em tempo de paz
no artigo 5º, inciso XV da Constituição de 1988, e o habeas corpus, enquanto ação
constitucional, retoma a sua amplitude e verdadeira vocação libertária, sinalizando, como
um farol que ilumina a estrada de valores democráticos que ele indelevelmente representa.

Não há que se olvidar da necessidade premente da existência de previsão da


ação de Habeas Corpus no texto constitucional, inclusive como cláusula pétrea, conforme
se observa das lições do Professor Alcino Pinto Falcão86

a garantia do habeas corpus tem um característico que a distingue das demais: é


bem antiga mas não envelhece. Continua sempre atual e os povos que a não possuem não são
livres, não gozam de liberdade individual, que fica dependente do Poder Executivo e não da
apreciação obrigatória, nos casos de prisão, por parte do juiz competente.

85
CATHARINA,Alexandre de Castro. Movimentos Sociais: e a construção dos precedentes judiciais.
Curitiba. Editora Juruá, 2015
86
FALCÃO, Alcino Pinto. Comentários à Constituição. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1990.
44

O preço da liberdade é a eterna vigilância, 87 A sociedade brasileira precisa estar


sempre atenta para que não retornem os ideais antidemocráticos, que por tantas vezes
permeou a história desse pais. Não deve e nem pode abrir mão dos direitos inerentes à
dignidade das pessoas, dentre eles, talvez, o mais relevante é o de poder livremente se
locomover, por onde bem aprouver, e para assegurar esse direito, o habeas corpus, criação
inglesa do século XIII, ainda é a arma mais eficaz.

CAPÍTULO III – O PENSAMENTO MODERNO: UMA PERSPECTIVA


DOUTRINÁRIA E LEGISLATIVA

Atualmente a ação de Habeas Corpus tem previsão no art. 5º, LXVIII da


Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88. “ Conceder-se-á
Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência, ou
coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.” Denominando-
se Habeas Corpus liberatório, para os casos de violência ao direito de ir e vir e preventivo,
nos casos em que há apenas ameaça ao direito ambulatorial de alguém.

87
"O preço da liberdade é a vigilância eterna." The price of freedom is eternal vigilance. The Jefferson
Bible - Página 12, Thomas Jefferson, Percival L. Everett. Akashic Books, 2004, ISBN 1888451629,
9781888451627 - 120 páginas
45

A regulamentação do Instituto encontra previsão legal no Capítulo X do Título


II, no livro III do Código de Processo Penal - CPP. O legislador do Código de 1941 inseriu,
infelizmente, o Habeas Corpus no capítulo dos recursos, apesar de poder se considerar o
Remédio Heróico com recurso lato senso, pois objetiva impugnar decisões, tecnicamente,
ele não é um recurso strito senso que pode ser conceituado como forma de revisão de uma
decisão dentro de um processo. No Habeas Corpus forma-se uma nova relação jurídica de
direito processual, consistindo, portanto em uma nova ação, ação autônoma de impugnação.
O direito de liberdade é o bem mais relevante que qualquer pessoa pode ter,
depois do direito à vida, nada podendo suplantá-lo, em razão disso, quis o legislador que
qualquer pessoa pudesse impetrar ordem de Habeas Corpus, não exigindo nenhuma
capacidade especial, conforme se observa do art. 654, caput do CPP. Assim sendo, o
Remédio Heroico possui natureza jurídica de ação penal popular, de índole constitucional.
Ação porque é um direito subjetivo público abstrato e autônomo das pessoas, penal, porque
utiliza como instrumento o Código de Processo Penal, e de índole constitucional, devido à
existência de previsão expressa no texto da carta constitucional.

1 Legitimidade ativa

A legitimidade para a propositura da ação de Habeas Corpus, é conferida a


qualquer pessoa natural ou jurídica, nacional ou estrangeira. Aquele que propõe a ação de
habeas corpus recebe a denominação de Impetrante.
Pessoa natural é o ser humano que ao nascer com vida 88, adquire direitos e
obrigações. Dentre os direitos está o direito de ação, podendo, portanto impetrar ordem de
Habeas Corpus.

88
A personalidade jurídica e a capacidade ordinária, para ser parte em uma ação em Juízo surge com o
nascimento com vida, conforme artigo 2º do Código Civil, porém, a lei protege os interesses daqueles que
estão em gestação.
46

Pessoa jurídica89 é um aglomerado de pessoas reunidas entre si, por interesses


diversos, que após a regular constituição, a lei confere direitos e obrigações.
Nacional é aquele que nasce vinculado a um determinado Estado, seja pelo
critério sanguíneo ou territorial90, bem como a pessoa que por vontade própria requer
naturalização.
Estrangeira são pessoas vinculadas a um Estado diferente do qual ela está
exercendo direitos ou obrigações.
Dessa maneira, pode-se dizer que a legitimidade para propor a ação de habeas
corpus, no Brasil, é ampla, e universalizante, porque qualquer indivíduo, sem qualquer
forma de distinção, quanto a raça, origem, sexo ou grau de instrução, até mesmo a própria
pessoa que tem o seu direito ambulatorial, ameaçado ou violado, pode provocar a atuação
da função jurisdicional do Estado, no intuito de restaurar a legalidade e o status libertatis.
No Brasil a legitimidade para propor a ação de habeas corpus não exige
nenhuma condição especial, como por exemplo capacidade postulatória91, qualquer pessoa
que estiver sofrendo, ou souber de que alguém está sofrendo uma ameaça, ou lesão no seu
direito de ir e vir, por ilegalidade ou abuso de poder, pode informar o fato ao Estado, para
que sejam adotadas medidas, a fim de restaurar de forma célere e eficaz o direito de
liberdade.
Duas são as finalidades da legitimidade ampla para a ação de habeas corpus,
por um lado objetiva garantir que as pessoas naturais possam viver livremente no território
brasileiro, por outro lado, possibilita controlar e coibir eventuais ilegalidades cometidas
contra o direito ambulatorial.

89
A natureza jurídica das pessoas jurídicas gera um certo conflito, existindo três posicionamentos básicos: o
da ficção jurídica na qual a pessoa jurídica consiste em uma criação artificial, produto da técnica jurídica, sem
uma existência social, possuindo somente existência ideal; A teoria orgânica ou da realidade objetiva confere
uma existência social às pessoas jurídicas, que possuiriam, um corpus cuja finalidade é administra e manter a
sociedade em contato com o mundo social e um animus consistente na vontade dos sócios em manterem-se
associados; e a teoria da realidade técnica que reconhece a realidade social das pessoas jurídicas, porém, a sua
personalidade decorre da técnica jurídica.
90
Dois critérios básicos são utilizados para determinar a nacionalidade de uma pessoa natural. O ius sanguinis
que leva em consideração a hereditariedade transmitida ao indivíduo por seus ancestrais, e o is soli no qual a
nacionalidade é atribuída em razão do lugar, ou seja, do território do pais onde a pessoa nasceu.
91
A capacidade postulatória é uma condição inerente à alguns profissionais do Direito, e consiste na aptidão
para peticionar ao poder judiciário, na defesa de direito próprio ou alheio, para tanto, via de regra, torna-se
necessário, além de formação específica, graduação na faculdade de Direito, a regular inscrição na Ordem dos
Advogados do Brasil.
47

Tamanha é a preocupação do Estado brasileiro com a liberdade de ir e vir, que


apesar do texto constitucional, art. 133 da CRFB/88 92 determinar que o advogado é
indispensável para a administração da justiça, excepcionalmente, no caso da ação de habeas
corpus essa exigência é dispensada, ampliando sobremaneira o acesso direto das pessoas à
função jurisdicional do estado.

2 O Paciente

O Paciente é qualquer pessoa natural, nacional ou estrangeira, que de alguma


maneira, venha a ter o seu direito ambulatorial ameaçado ou violado, por ilegalidade ou
abuso de poder, no território brasileiro. Não sendo admitida qualquer espécie de
discriminação quanto à nacionalidade ou convicções ideológicas, religiosas ou filosóficas.
O entendimento amplamente majoritário é de que somente as pessoas naturais
podem figurar como paciente na ação de Habeas Corpus, porque são elas as detentoras do
direito de livre locomoção.
Há, no entanto, uma espécie de Habeas Corpus cuja finalidade é fazer extinguir
uma ação penal.
O artigo 225, §3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a
lei 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas de condutas e atividade
lesivas ao meio ambiente, no artigo terceiro, trouxeram, para o ordenamento jurídico
brasileiro, a possibilidade de pessoa jurídica ser sujeito ativo de crime ambiental.
A questão sobre as pessoas jurídicas praticarem crime ambiental acarretou
grande discussão na doutrina e na jurisprudência, tendo em vista que, crime, pelo conceito
analítico, consiste em uma conduta humana voluntária, típica ilícita e culpável.
De um lado, os partidários da chamada teoria da ficção 93 jurídica de Saviny, na
qual as pessoas jurídicas são totalmente incapazes de manifestar vontade, razão pela qual,
societas delinquere non potest94. Dessa maneira, se as sociedades empresárias não são
capazes de emitir vontade, também não podem ter o dolo de praticar uma conduta. O tipo

92
Artigo 133 da Constituição da República Federativa do Brasil. O advogado é indispensável à administração
da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
93
Ver item 7
94
As sociedades não podem dar errado, ou seja delinquir.
48

doloso exige o preenchimento de dois elementos: o cognitivo, ou seja, saber o que se está
fazendo, e o volitivo,que é ter vontade de praticar a conduta.
Do outro lado há os partidários da teoria da realidade ou organicista de Otto
Gierke, onde as pessoas jurídicas, apesar de surgirem da affecio societatis, que representa a
livre manifestação dos sócios em constituí-la, possuem uma personalidade real e, com isso,
são capazes de ter vontade própria diversa da dos sócios que a constituíram, razão pela qual
admite-se que as pessoas jurídicas possam vir a praticar condutas consideradas crime,
enquanto tipificadas em lei penal.
O entendimento majoritário, tanto na dogmática, como na jurisprudência dos
Tribunais, é de que não há nenhum óbice para a aplicação do art. 225,§3º da Constituição
de 1988 e do artigo 3º da lei 9.605/98, e as pessoas jurídicas podem sim praticar crimes
ambientais.
A posição mais aceita é a de que as pessoas jurídicas poderão passar a integrar
o pólo passivo em processos penais. Diante dessa situação surge a questão, é possível se
utilizar da ação de Habeas Corpus para trancar um processo em que figure um pessoa
jurídica no pólo passivo da ação penal?
O Ministro Ricardo Lewandowski foi relator do HC 92.921-4/BA de 19 de
agosto de 2008, onde figurou, como impetrante e paciente, a sociedade empresária Cortume
Campelo S/A. Tratava-se de um Habeas Corpus substitutivo, de outro impetrado e
denegado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça.
O Ministro Relator se manifestou da seguinte forma:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. HABEAS CORPUS PARA


TUTELAR PESSOA JURÍDICA ACUSADA EM AÇÃO PENAL. ADMISSIBILIDADE.
INÉPCIA DA DENÚNCIA: INOCORRÊNCIA. DENÚNCIA QUE RELATOU a SUPOSTA
AÇÃO CRIMINOSA DOS AGENTES, EM VÍNCULO DIRETO COM A PESSOA
JURÍDICA CO-ACUSADA. CARACTERÍSTICA INTERESTADUAL DO RIO POLUÍDO
QUE NÃO AFASTA DE TODO A COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
ESTADUAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA.
EXCEPCIONALIDADE DA ORDEM DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM
DENEGADA.
I - Responsabilidade penal da pessoa jurídica, para ser aplicada, exige alargamento de alguns
conceitos tradicionalmente empregados na seara criminal, a exemplo da culpabilidade,
estendendo-se a elas também as medidas assecuratórias, como o habeas corpus.
49

II - Writ que deve ser havido como instrumento hábil para proteger pessoa jurídica contra
ilegalidades ou abuso de poder quando figurar como co-ré em ação penal que apura a prática de
delitos ambientais, para os quais é cominada pena privativa de liberdade.
III - Em crimes societários, a denúncia deve pormenorizar a ação dos denunciados no quanto
possível. Não impede a ampla defesa, entretanto, quando se evidencia o vínculo dos
denunciados com a ação da empresa denunciada.
IV - Ministério Público Estadual que também é competente para desencadear ação penal por
crime ambiental, mesmo no caso de curso d'água transfronteiriços.
V - Em crimes ambientais, o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta, com
conseqüente extinção de punibilidade, não pode servir de salvo-conduto para que o agente volte
a poluir.
VI - O trancamento de ação penal, por via de habeas corpus, é medida excepcional, que
somente pode ser concretizada quando o fato narrado evidentemente não constituir crime,
estiver extinta a punibilidade, for manifesta a ilegitimidade de parte ou faltar condição exigida
pela lei para o exercício da ação penal.
VII - Ordem denegada.

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria dos votos,


deliberou, no julgamento da ação de habeas Corpus, em questão, pela exclusão da pessoa
jurídica, quer qualificada como impetrante, quer como paciente, vencido o Ministro
Relator. No mérito, por unanimidade, o Habeas Corpus foi indeferido.
Ainda que a maior parte da jurisprudência, tanto do Supremo Tribunal Federal,
bem como do Superior Tribunal de Justiça, não aceite, atualmente, a inserção das pessoas
jurídicas como pacientes em ações de Habeas Corpus, tendo uma vez que elas não exercem
o direito de locomoção. A posição adotada pelo Ministro Ricardo Lewandowski representa
um importante precedente. Demonstra a necessidade de se disponibilizar mecanismos
processuais hábeis à proteger as pessoas jurídicas, quando integrarem o pólo passivo de
uma ação penal, estando esta, eivada de manifesta ilegalidade.
As ilegalidades e os vícios processuais não podem prosperar sem a devida
correção, sob pena de restar violado o princípio constitucional do devido processo legal. O
processo penal, em si, acarreta às pessoas, tanto naturais como jurídicas um enorme
prejuízo, restringindo a prática de uma série de direitos, como por exemplo tomar posse em
cargos públicos e participar de licitações públicas.
Razão pela qual, ainda que não seja cabível a ação de Habeas Corpus para
extinguir uma ação penal proposta em face de pessoa jurídica por crime ambiental, é
necessária a existência de alguma medida de urgência hábil a corrigir a ilegalidade. Quiçá o
Mandado de segurança, tendo em vista que, à semelhança do Habeas Corpus também
admite a concessão de medida liminar, possibilitando assim, um controle antecipado dos
atos processuais.
50

3 Autoridade coatora

A legitimidade passiva é de quem lesiona ou ameaça o direito de locomoção de


alguém, por ilegalidade ou abuso de poder. Normalmente são agentes públicos, porém a
doutrina e a jurisprudência brasileira, admitem, também, particulares, pessoas naturais ou
jurídicas, não ligadas à administração pública, sendo todos que estejam nessa condição
denominados autoridade coatora.
O particular, como legitimado passivo, gera, por parte da doutrina, alguma
divergência. Alguns sustentam que faltaria interesse de agir ao legitimado ativo, quando a
pessoa que praticasse a ameaça ou a lesão ao direito ambulatorial de alguém fosse
particular, pois este, ao tomar tal atitude, pratica uma conduta humana voluntária, típica
ilícita e culpável, podendo, portanto, ser considerada crime, bastando comunicar o fato à
polícia para fazer cessar a coação ou a ilegalidade.
A maior parte dos autores, bem como a jurisprudência, tendem a aceitar a
utilização do Habeas Corpus contra ato de particular, sob o argumento de que o legislador
constituinte originário não restringiu, no art. 5º LXVII da CRFB/88, a sua utilização apenas
contra atos de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições
do poder público, conforme ocorre no Mandado de Segurança, art. 5º, LXIX da CRFB/88.
O exemplo clássico da utilização do Habeas Corpus contra ato de particular
ocorre quando alguém, acometido de alguma enfermidade, tem a necessidade de internação
em hospital particular, e este, após o pleno restabelecimento da pessoa, nega seu direito de
retorno para casa, enquanto não forem pagas as despesas médicas. A primeira posição
doutrinária sustenta que os familiares da pessoa retida no hospital deveria procurar a
polícia, para que esta restaure a liberdade da pessoa, tendo em vista que cercear a liberdade
de ir e vir de alguém, constitui crime de sequestro e cárcere privado, tipificado no artigo
148 do Código Penal. Porém, predomina o entendimento de que os familiares poderiam se
socorrer da função jurisdicional do Estado, impetrando um Habeas Corpus, a fim de
restaurar o satatus libertatis da pessoa internada.
51

A dogmática brasileira, conforme é possível observar, sempre deu, à ação de


habeas corpus uma interpretação ampla e abrangente, permitindo a propositura da ação
contra ato de autoridade pública, bem como de particular, por ser ela o remédio mais célere
e eficaz para garantir a liberdade de locomoção das pessoas naturais no território brasileiro.
Célere, porque as ações de Habeas Corpus, pelo menos no Brasil, permitem a concessão de
medida liminar e possuem preferência para entrar em pauta para julgamento. Eficaz, porque
não exige capacidade postulatória, ou seja, a ação pode ser apresentada à função
jurisdicional do Estado por qualquer pessoa, inclusive pelo próprio Paciente. Além disso, o
Habeas Corpus não exige o recolhimento de custas judiciais, representando, portanto, o
meio mais amplo e democrático para o acesso à justiça no Brasil, conforme defendido por
Mauro Cappelletti95

4 Natureza Jurídica do Habeas Corpus

O Habeas Corpus é uma ação autônoma de impugnação, conforme já


mencionado. É uma ação penal popular de natureza constitucional. No Código de Processo
Penal ela encontra-se inserida, indevidamente, no título dos recursos. Estes consistem na
revisão de uma decisão dentro da relação jurídica originária, a qual ensejou ao início do
processo, enquanto que o Habeas Corpus faz surgir uma nova relação jurídica,
configurando, portanto, uma ação autônoma.
A doutrina brasileira diverge quanto à classificação das ações no que diz
respeito à espécie de provimento jurisdicional, ou seja, a espécie de decisão proferida ao
final do procedimento. Alguns autores fazem uma classificação em três espécies, outros em
cinco espécies.
Alexandre de Freitas Câmara96 sustenta existirem três espécies de ações, quando
se trata de tutela jurisdicional, são elas: a) ação meramente declaratória, cujo provimento
final irá declarar a existência ou não de uma relação jurídica; b) ação constitutiva, onde o
provimento final fará constituir ou desconstituir uma relação jurídica e c) a ação

95
CAPPELLETTI Mauro e GARTH Bryant. Acesso à Justiça. Sergio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre.
Reimpressão 2002. “ A expressão acesso à justiça serve para determinar duas finalidades básicas do sistema
jurídico. Primeiro o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo ele deve produzir resultados que
seja individual e socialmente justos.”
96
CAMARA Alexandre de Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 6ª edição Editora Lumen Juiris, 2001
52

condenatória, na qual o provimento jurisdicional irá impor ao réu uma obrigação de dar,
fazer ou não fazer.
Autores, como Olvídio Baptista da Silva 97 e Pontes de Miranda98, tendo como
base as lições do jurista alemão Küttner, defendem uma classificação quinaria dos
provimentos jurisdicionais e, por conseguinte, das ações. A classificação quinaria, além das
já mencionadas ações declaratórias, constitutivas e condenatórias, insere, ainda, outras
duas: ações mandamentais, onde o juiz expede uma ordem a ser cumprida pelo demandado,
e as ações executivas lato senso, cuja sentença pode ser executada de plano, não exigindo
nenhum outro tipo de procedimento.
A doutrina processual penal utiliza mais comumente a classificação subjetiva
das ações penais, em que a diferenciação ocorre, basicamente, em função da legitimidade
ativa, havendo uma divisão em ações penais públicas e privadas.
Fernando da Costa Tourinho Filho99 menciona que no seu livro, citando José
Frederico Marques, que alguns autores, no Brasil, influenciados pela classificação adotada
no processo civil, a utilizam também para classificar as ações penais.
Não há um posicionamento único quanto à natureza do provimento
jurisdicional nas ações de Habeas Corpus. Dependendo da espécie de decisão, a natureza
jurídica pode ser declaratória ou constitutiva. 100, bem como há o entendimento de que se
trata de um provimento mandameltal.
O provimento terá natureza declaratória, quando a concessão da ordem em
Habeas Corpus for para excluir o indiciamento, ou trancar uma ação penal, reconhecendo
falta de justa causa, ou seja, falta de indícios de autoria, ou da prática de uma infração
penal, por outro lado, nas hipóteses em que ocorre a desconstituição de uma sentença
condenatória com transito em julgado, a natureza do provimento será constitutivo negativo,
ou desconstitutivo.
Cumpre ressaltar, no entanto, as ponderações feitas por Daniel Guimarães
Zveibil em seu artigo Considerações sober a “nova” vedação do habeas corpus substitutivo

97
DA SILVA,. Olvídio Baptista. Curso de Processo Civil, Vol I, 6ª edição. Também adotam a classificação
quinaria Ada Pellegrini Grinover, no livroTutela Jurisdicional nas Obrigações de fazer e Não fazer, e Kazuo
Watanabe no livro Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto.
98
MIRANDA Pontes. Comentários ao Código de Processo Civil de 1939. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1958
99
FILHO Fernando da Costa Tourinho Processo Penal 18ª edição, Vol. I. Editora Saraiva, 1997
100
RANGEL Paulo. Direito Processual Penal. 12ª edição. Editora Lumen Iuris, 2007
53

de recursos101. O autor aponta o que ele denomina de “Anomalias”, que estariam a dificultar
a harmonização do instituto do habeas corpus ao sistema das ações. Tais “anomalias
seriam: a possibilidade da utilização de um habeas corpus concomitantemente à via
recursal, recurso de apelação; a possibilidade do habeas corpus vencer a coisa julgada,
permitindo a interposição de mais de um habeas corpus pelo mesmo fundamento; a ampla
legitimidade ativa para a utilização do habeas corpus, etc.
Daniel Guimarães Zveibil meciona Helio Tornaghi como não se sentindo
totalmente à vontade para dar ao habeas corpus uma natureza de ação, e Pontes de Miranda,
que mesmo considerando o habeas corpus uma ação mandamental, deixa transparecer uma
certa ambivalência no seu posicionamento, porque, por vezes classifica o habeas corpus,
como tendo natureza de “remédio (processual) mandamental”102
O autor do artigo menciona o estudo do Professor José Ignácio Botelho de
Mesquista, sobre a natureza jurídica do mandado de segurança, e ajusta a natureza jurídica
do habeas corpus à tese desenvolvida para o mandado de segurança, conferindo-lhe
natureza político-administrativa afim de garantir-lhe a mais ampla eficácia, evitando com
que ele venha a se tornar inútil à defesa das liberdades, pela aplicação do sistema das ações,
que fatalmente poderá acarretar a redução do seu âmbito de atuação, conforme tem
ocorrido, pela vedação do habeas corpus substitutivo de recursos ordinário, bem como pela
aplicação da súmula 691 do Supremo Tribunal Federal103.
Daniel Guimarães Zveibil conclui seu pensamento destacando a necessidade de
retirar o habeas corpus do sistema das ações.

Quando afirmamos a natureza político-administrativa do habeas corpus, em


primeiro lugar não queremos dizer com tal afirmação que o habeas corpus deva ser instrumento
de manipulação partidária(...) O sentido preciso que pretendemos empregar a esta natureza
político-administrativa do habeas corpus é tão-só destacar que o remédio heroico não deve
pertencer ao sistema de ações, na medida em que há diversas situações em que os elementos e

101
ZVEIBIL. Daniel Guimarães. Considerações sobre a “nova”vedação do habeas corpus substitutivo de
recurso. Tribuna Virtual. Ibccrim. Ano 1, 3ª edição, abril de 2013. Consultado em 17/07/2015. Disponível em:
http://www.tribunavirtualibccrim.org.br/artigo/15-Consideracoes-sobre-a-%E2%80%9Cnova%E2%80%9D-
vedacao-do-habeas-corpus-substitutivo-de-recurso
102
Idem item 16
103
Súmula 691 do STF. Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado
contra decisão do relator, que em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.
54

categorias deste sistema implicam a diminuição drástica da efetividade do habeas corpus,


podendo até mesmo torna-lo completamente inútil.104

Apesar da brilhante tese combativa do autor, que além de Mestre em Direito, é


também Defensor Público no Estado de São Paulo, tentar por meio da alteração da natureza
jurídica do habeas corpus, manter-lhe a plena eficácia, cumpre reconhecer, que a maior
parte dos autores processualistas penais, dão ao habeas corpus a natureza de ação autônoma
de impugnação

5 Espécies de Habeas Corpus

O art 5º, LXVIII da CRFB/88 estabelece a possibilidade da utilização da ação


de Habeas Corpus para tutelar o direito ambulatorial das pessoas, quando houver lesão ou
ameaça de lesão. Daí surge a necessidade da existência de duas espécies básicas de Habeas
Corpus, a fim de realizar o comando estabelecido no texto da Constituição.
Habeas Corpus Preventivo. Ele tem a finalidade de resguardar a ameaça ao
direito de ir e vir das pessoas no território brasileiro, prevenindo a prática de ilegalidades ou
abuso de poder, com relação ao direito ambulatorial. A ordem de Habeas Corpus irá se
exteriorizar em um Salvo Conduto, que será entregue ao paciente. Caso ele venha a sofrer
qualquer ameaça de constrangimento ao seu direito de ir e vir, deverá apresentar, a quem o
faça, a tutela exarada pela função jurisdicional do estado.
Habeas Corpus Liberatório. É também chamado de Habeas Corpus repressivo,
por alguns autores105, a sua finalidade é restaurar a liberdade de ir e vir de alguém, nas
hipóteses em que já se consumou a violação. A ordem irá se exteriorizar em um alvará de
soltura, que deverá ser imediatamente cumprido pela autoridade coatora. Haja vista que no
Brasil, a regra é a liberdade, só cabendo o cerceamento desta em flagrante delito ou por
ordem escrita de autoridade judiciária, Art. 5º LXI da CRFB/88.

104
Idem item 16. Página 44
105
CAPEZ Fernando. Curso de Processo Penal. 19ª edição Editora Saraiva, 2012
55

O habeas corpus, via de regra, é uma medida de caráter individual, preservando


o direito ambulatorial de uma determinada pessoa natural que esteja com esse direito
ameaçado ou lesionado. A Constituição de 1988 não previu de forma expressa a
possibilidade da utilização do habeas corpus para promover a tutela coletiva, conforme
ocorre com o mandado de segurança coletivo, no Art. 5º, LXX da CRFB/88, ação popular,
Art. 5º, LXXIII da CRFB/88 e ação civil pública, Art. 129, III da CRFB/88.
Há, no entanto, posicionamento doutrinário favorável ao cabimento do habeas
corpus coletivo, apesar da omissão legislativa, devido inobservância por parte do Estado do
cumprimento de deveres mínimos relativo a dignidade das pessoas, especialmente, àquelas
que se encontram sob sua guarda, em estabelecimentos prisionais, ou têm seu direito
fundamental de locomoção ameaçado por arbitrariedades de agentes públicos
A tutela coletiva, promovida por meio das ações coletivas, tem por finalidade
garantir o acesso à justiça de um número maior de pessoas de forma mais eficaz, e com um
mínimo de atos, garantindo economia processual e segurança jurídica, na medida em que a
decisão judicial irá abranger o coletivo, não se perdendo amiúde em decisões isoladas, que
eventualmente podem apresentar contradições e colidências.
A doutrina processual civil classifica os interesses transindividuais ou
metaindividuais, ou seja, o interesse coletivo, basicamente em três espécies: interesses
difusos, nos quais um número indeterminado de pessoas, encontram-se interligadas por
uma mesma situação fática, são interesses indivisíveis que somente admitem uma fruição
coletiva, sendo, portanto indeterminado, como por exemplo o meio ambiente; interesses
coletivos que são indivisíveis, mas possuem destinatários determináveis, a lesão afeta um
grupo determinado de pessoas , ou uma classe de pessoas que mantém um vínculo comum,
por meio de uma mesma relação jurídica com a parte contrária, e por fim os interesses
individuais homogêneos, que apresentam uma certa divergência quanto a sua inclusão
dentre os interesses metaindividuais, porque consistem em interesses próprios de cada
pessoa, e portanto divisíveis, passíveis de tutela individual, mas que em razão do interesse
social podem ser tutelados coletivamente, com a finalidade específica de obter uma maior
efetividade na reparação do direito violado.
A tutela coletiva por meio do habeas corpus, apesar de pouco usual, não é
novidade no ordenamento jurídico brasileiro, na realidade, foi utilizada inicialmente no
56

tempo do império para tutelar o direito de liberdade de escravos livres106, mais


recentemente foi utilizado, na forma preventiva para garantir o direito de trabalho aos
flanelinhas107, o direito de ir e vir de crianças e adolescentes contra toque de recolher
imposto por juíza da Vara da Infância e Juventude108, e para garantir o direito à progressão
de regime de pessoas presas de forma inadequada 109, bem como, para garantir o direito de
manifestação em passeatas, esses são apenas alguns exemplos de possibilidade da aplicação
da tutela coletiva, pela via da ação de habeas corpus.
O entendimento sobre o cabimento ou não do habeas corpus coletivo, longe está
de ser pacífico, na realidade a jurisprudência tem se mostrado refratária a utilização do
heroico remédio para garantir interesses transindividuais no do âmbito penal 110, contudo, a
posição conservadora da jurisprudência nacional atualmente, com relação a tutela coletiva
por meio do habeas corpus, não condiz em nada condiz com a tradição libertária do
pensamento jurídico brasileiro, não contribuindo para compor alguns conflitos referentes ao
direito de ir e vir, conforme se observa do parecer dado por Geraldo Prado:

Sim. O habeas corpus coletivo é conhecido no direito brasileiro desde o Império.


A não determinação do coletivo beneficiário da proteção da liberdade de locomoção, a
depender das circunstâncias de cada caso, não constitui óbice ao exame do mérito no processo
de habeas corpus. O que é indispensável é a determinação da hipótese de ameaça ou violação à
liberdade de locomoção que em concreto guarde pertinência com o referido coletivo de
pessoas.111
A complexidade das relações sociais, bem como a heterogeneidade de
pensamentos existentes na modernidade, exige uma melhor reflexão quanto a utilização de
instrumentos jurídicos capazes de proteger não só o indivíduo, mas também, os grupos
sociais de forma efetiva, permitindo um acesso célere e eficaz à justiça, como forma de
mediar os conflitos inerentes às relações sociais complexas.
106
PRADO. Geraldo. Parecer sobre o Habeas Corpus Coletivo Impetrado a favor dos “flanelinha”. Consulta
em 16/07/2015. Disponível em: http://emporiododireito.jusbrasil.com.br/noticias/184035504/parecer-do-prof-
geraldo-prado-sobre-o-habeas-corpus-coletivo-impetrado-em-favor-dos-flanelinhas
107
Idem item 17
108
Notícias Ibccrim, consultado em 16/07/2015. Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/noticia/13834-
Habeas-Corpus-coletivos-contra-toque-de-recolher-de-crianas-e-adolescentes
109
Medida Cautelar no habeas corpus 119753 – São Paulo. Relator Min Luiz Fux. Consultado em 16/07/2015.
Disponível em: www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=180796851...
110
Jurisprudência JusBrasil, consulta feita em 17/07/2015. Disponível em:
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=HABEAS+CORPUS+COLETIVO
111
Idem item 17
57

6 Competência para julgar a ação de Habeas Corpus

A competência para o julgamento das ações de habeas corpus é determinada


com base na autoridade coatora. Seria o órgão jurisdicional com competência para julgar a
autoridade coatora, assim sendo, quando esta possuir foro privilegiado pela prerrogativa de
função deve se observar essa regra de fixação de competência no momento de propor a
ação.
Nas hipóteses em que a ameaça ou lesão ao direito de ir e vir for perpetrada por
autoridade policial, ou seja, delegado de polícia, ou particular, a competência para julgar o
Habeas Corpos será de um órgão jurisdicional de primeira instância da justiça comum
federal ou estadual. De outra forma, nas hipóteses em que a autoridade coatora possuir foro
privilegiado pela prerrogativa de função, este deve ser observado obrigatoriamente, sob
pena de nulidade por incompetência do Juízo.
Assim sendo, quando a ameaça de lesão ou lesão ao direito ambulatorial provir
de Juiz de primeira instância, a competência será do Tribunal de Justiça ou do Tribunal
Regional Federal, sendo este a autoridade coatora, a competência será do Superior Tribunal
de Justiça, Por fim, a competência será do Supremo Tribunal Federal, quando a coação for
praticada por Ministro de um dos Tribunais Superiores.
Há, contudo, uma questão conflituosa com relação à ação de habeas corpus,
trata-se da competência, nos Juizados Especiais Criminais.
Não há maiores problemas em se verificar a competência, quando a autoridade
coatora é o Juiz do Juizado, nessa situação, a competência para o julgamento do habeas
corpus é da Turma Recursal112 que é o órgão jurisdicional imediatamente superior, porém,
quando a autoridade coatora é a Tuma Recursal, surge uma certa obscuridade no que diz
respeito à competência para o julgamento do Habeas Copus.
Inicialmente o entendimento com relação à competência para o Julgamento de
habeas corpus contra decisão de Turma Recursal, indicava o Supremo Tribunal Federal,

112
Turma Recursal, é um órgão colegiado de segundo grau que analisa os recursos das decisões proferidas no
primeiro grau de jurisdição, conforme o artigo 82 da Lei 9.099/95. Ela é composta por três juízes de Juizados
Especiais Criminais, curiosamente, apesar da Turma Recursal exercer o segundo grau de jurisdição, ela
pertence a primeira instância do Tribunal.
58

como sendo o órgão com competência, tendo em vista que, em princípio, os Juizados
especiais, não estariam subordinados diretamente ao tribunal de Justiça.
Nesse sentido era o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que fez editar
o verbete da súmula 690 : “Compete ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas
corpus contra decisão de turma recursal dos juizados especiais criminais.”
No ano de 2006, no entanto, houve uma mudança no entendimento no Supremo
Tribunal, tendo sido cancelada a súmula 690, conforme é possível se observar, em diversos
julgamentos.

EMENTA: Habeas corpus: incompetência do Supremo Tribunal para conhecer originariamente


de habeas corpus no qual se imputa coação a Juiz de primeiro grau e a Promotor de Justiça que
oficia perante Juizado Especial Criminal (CF, art. 102, I, i). II. Habeas corpus: conforme o
entendimento firmado a partir do julgamento do HC 86.834 (Pl, 23.6.06, Marco Aurélio, Inf.,
437), que implicou o cancelamento da Súmula 690, compete ao Tribunal de Justiça julgar
habeas corpus contra ato de Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado.113

Dessa maneira, atualmente, apesar de ter sido controvertida a questão da


competência para o julgamento das ações de habeas corpus, em que fosse a Turma Recursal
a autoridade coatora, predomina o entendimento jurisprudencial, de que o órgão com
competência é o Tribunal de Justiça do Estado, ao qual a Turma Recursal pertence.

7 Cabimento da ação

O art. 648 do Código de Processo Penal estabelece, em seus incisos, as


hipóteses em que a ação de Habeas Corpus tem cabimento, considerando os atos como
sendo coação ilegal.
O primeiro inciso trata da falta de justa causa. A justa causa, no processo penal,
consiste na existência de indícios de autoria, e da prática de uma infração penal, ou seja, um
suporte probatório mínimo, para que um procedimento investigatórios, leia-se inquérito

HC 90905 AgR/SP. Ministro Relator Sepúlveda Pertence, primeira turma, 10/04/2007. Provimento negado
113

por decisão unânime. http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=


%28HC+86%2E834%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/qdq227u
59

policial, seja instaurado, ou uma ação penal seja proposta. É fundamental a existência de
justa causa. Sem ela o procedimento, seja administrativo investigatório, ou judicial
configura coação ilegal.
A falta de justa causa ensejará o pedido de arquivamento de um inquérito
policial114, na medida em que a referida ausência provocará a rejeição da petição inicial da
ação penal, Denúncia, nos casos de ação penal pública, Queixa-Crime, nos casos de ação
penal privada, conforme se observa do art. 395, III do Código de Processo Penal. Ora, se a
ausência de justa causa irá acarretar o não recebimento da petição inicial, não há porque o
Ministério Público oferecer a Denúncia, devendo, portanto, requer o arquivamento do
procedimento pré-processual, isto é, do Inquérito Policial.
A natureza jurídica da justa causa é uma questão um tanto tormentosa na
dogmática brasileira, não havendo um consenso entre os doutrinadores.
Inicialmente, à guisa de esclarecimento, para facilitar a compreensão, cumpre
elucidar o que representam as chamadas condições da ação, ou melhor as condições para o
legítimo exercício do direito de ação.
Ação é, antes de mais nada, um direito. O direito de invocar, do Estado, a
prestação jurisdicional. Diversas são as teorias sobre o direito de ação, porém, atualmente,
tende a prevalecer o entendimento da ação como um direito subjetivo público,abstrato e
autônomo. Em razão disso, como um direito em si não apresenta condições, o mais
adequado é denominar as condições como sendo para o exercício legítimo do direito de
ação ou requisitos do provimento final115
As condições para o legítimo exercício do direito de ação, segundo o
entendimento majoritário, trazido do Direito Processo Civil, dividem-se em condições
genéricas e específicas, estas no processo penal recebem a denominação de condição de
procedibilidade.
Genéricas são consideradas, como condição, a legitimidade, o interesse de agir,
e a possibilidade jurídica do pedido, segundo as lições de Enrico Tullio Liebman

114
LIMA Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal. 4ª edição Editora Lumen Iuris, 2009
115
Idem item 5
60

Parte legítima, ou seja a legitimidade ad causam, segundo Vicente Greco


Filho116, que cita Alfredo Buzaid seriam os sujeitos da relação jurídica de direito
processual:

Legitimidade. Refere-se às partes, sendo denominadas, também, legitimação para


agir ou na expressão latina legitimatio ad causam. A legitimidade, no dizer da Alfredo Buzaid,
conforme já referido(Cap. I, 8.2) é a pertinência subjetiva da ação, isto é, a regularidade do
poder de demandar de determinada pessoa sobre determinado objeto. A cada um de nós não é
permitido propor ações sobre todas as lides que ocorrem no mundo. Em regra, somente podem
demandar aqueles que forem sujeitos da relação jurídica de direito material trazida a juízo.

No processo penal, os interesses em conflito são o direito de punir do Estado, e


o direito de liberdade. Dessa maneira, o titular primeiro do direito material é o Estado,
sendo, portanto, o legitimado ativo que exercita o direito de ação por meio do Ministério
Publico nas ações penais públicas, e no caso das ações penais privadas. 117 O Estado, tendo
em vista a disponibilidade do bem jurídico tutelado, confere, via de regra, à vitima, seu
representante legal, nos casos de incapacidade para os atos da vida jurídica, ou sucessores,
cônjuge, ascendente, descendente e irmão, nos casos de morte ou declaração de ausência
por sentença, a legitimidade extraordinária, salvo nas ações penais privadas
personalíssimas, em que a legitimidade ad causam pertence somente ao ofendido.
Do outro lado, o titular do direito de liberdade e o suposto autor do delito,
sendo, dessa maneira, o legitimado passivo, tendo em vista que, normalmente, um processo
é composto por dois pólos, o ativo e o passivo.
É interessante ressaltar o cruzamento subjetivo que envolve o direito material e
o direito processual. O sujeito ativo do delito é o legitimado passivo do processo, enquanto
que o sujeito passivo formal ou material, do crime, é o legitimado ativo do processo.
O interesse de agir apresenta, como fundamento, o binômio necessidade-
utilidade. Necessidade da intervenção da função jurisdicional do Estado e utilidade jurídica.
A necessidade encontra íntima relação com o princípio nulla poena sine judicio.
Nas medida em que o ordenamento jurídico brasileiro, via de regra, repudia a autotutela
para solucionar as questões relacionadas ao direito penal, por esse motivo não há como se
FILHO Vicente Greco. Manual de Processo Penal 8ª edição. Editora saraiva, 2010
116

No anteprojeto do novo código de processo penal, não haverá mais a legitimidade extraordinária das ações
117

penais exclusivamente privada e personalíssima, subsistindo somente na ação penal privada subsidiária da
pública
61

sancionar a violação de um bem juridicamente tutelado pelo direito penal, que não seja por
meio da intervenção da função jurisdicional do estado. Qualquer tentativa de autotutela,
fora das hipóteses permitidas em lei, importará na prática de outro delito.
Utilidade, do ponto de vista técnico processual consiste na vantagem que o
provimento jurisdicional terá para legitimado.
A possibilidade jurídica do pedido no processo civil, é verificada quando a
pretensão exarada em juízo não encontra vedação expressa em lei. No processo penal, no
entanto, o pedido será juridicamente possível, quando atender à previsão em abstrato da
prática de uma conduta delituosa, tendo em vista que, consoante ao estabelecido no art 5º,
XXIX da CRFB/88: não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal.
Toda e qualquer ação, seja ela da jurisdição penal ou civil, deve observar as
condições genéricas para o legítimo exercício do direito de ação, ou requisitos do
provimento final.118 Algumas ações, além destas condições necessitam observar algumas
outras condições, chamadas específicas, que, no processo penal, são denominadas
condições de procedibilidade, como por exemplo a representação e a requisição do Ministro
da Justiça, nos crimes de ação penal pública condicionada.
Feitos esses esclarecimentos, torna-se possível retomar a questão da natureza
jurídica da justa causa, que, conforme já foi mencionado, provoca muita divergência entre
os doutrinadores do processo penal.
Frederico Marques119 e Vicente Greco Filho120 defendem que a justa causa
importa em uma condição genérica para o legítimo exercício do direito da ação penal,
estando incluída no interesse de agir, porque estaria dentro do chamado fumus boni iuris, ou
seja fumaça do bom direito, ou plausibilidade das alegações. Havendo ausência de suporte
probatório mínimo, a atuação da função jurisdicional do Estado seria desnecessária, pois o
provimento jurisdicional, dela decorrente, iria se configurar totalmente inútil. A
necessidade e a utilidade integram o binômio fundamental do interesse de agir, em assim
sendo, se a falta de suporte probatório mínimo torna inútil o provimento jurisdicional, não
há que se falar em interesse na provocação da função jurisdicional, por parte do legitimado.

118
Idem item 5
119
MARQUES José Frederico. Estudos de Direito Processual Penal. Editora Forense, 1960
120
Idem item 12
62

Ada Pellegrini Grinover121, assim como Frederico Marques e Vicente Greco


Filho, entende que a justa causa compõe o chamado fumus boni iuris, porém, ela diverge
dos dois outros autores, no que diz respeito à natureza jurídica da justa causa. Para Ada
Pellegrini, o fumus boni iuris seria uma questão de mérito. A sua ausência importaria na
improcedência do pedido por ausência de provas.
Afrânio Silva Jardim122 defende que, além das três condições genéricas, a justa
causa seria mais uma, ou seja, uma quarta condição genérica para o legítimo exercício do
direito de ação penal, conforme se observa do texto a seguir:

Para o regular exercício do direito de ação penal exige-se a legitimidade das


partes, o interesse de agir, a possibilidade jurídica do pedido e a justa causa (suporte probatório
mínimo que deve lastrear toda e qualquer acusação penal). São as chamadas condições da ação
que, na realidade, não são condições para a existência do direito de agir, mas condições para seu
regular exercício [.....] Como vimos três condições que classicamente se apresentam no
processo civil, acrescentamos uma quarta: a justa causa

Para Afrânio Silva Jardim se faz necessário demonstrar, antes de mais nada, que
a propositura da ação penal não é temerária, já que o simples fato de responder a uma ação
penal, traz uma série de constrangimentos para o legitimado passivo 123, atingindo sua
dignidade. Em razão disso, faz-se necessária a demonstração clara da existência de um
suporte mínimo probatório, consistente em indícios suficientes de autoria e provas da
existência de uma infração penal, para que uma ação possa ser proposta.
A grande maioria dos autores em processo penal aceita a utilização das
condições para o legítimo exercício do direito de ação, conforme preconizado no direito
processual civil, no entanto, essa aceitação não se apresenta de forma unânime, porque
Aury Lopes Junior124 entende ser inadequada para ser utilizada no processo, devendo este

121
GRINOVER Ada Pellegrini. As condições da ação penal: uma tentativa de revisão. Editora José
Bushatsky, 1977
122
JARDIM Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11ª edição Editora Forense, 2007
123
O simples fato de uma pessoa responder a uma ação penal, faz com que apareçam anotações tanto na sua
folha de antecedentes criminais, como no cartório de distribuição, apesar de, em princípio não configurar a
reincidência, que importa na prática de um novo crime, após o trânsito em julgado de uma sentença
condenatória por outro crime, nem maus antecedentes, porque estes exigem no mínimo que a pessoa tenha
sido condenada, ainda que antes do trânsito em julgado, a anotação da propositura da ação pode acarretar a
impossibilidade da pessoa participar de certames públicos, ou até interferir negativamente na realização de um
negócio jurídico.
124
JUNIOR Aury Lopes. Direito Processual Penal. 9ª edição. Editora Saraiva, 2012
63

buscar condições da ação próprias, mais adequadas à realidade processualística penal


brasileira.
É o que se pode inferir das críticas realizadas por Aury Lopes Junior:

Na verdade, o que se verifica é uma indevida expansão dos conceitos do processo


civil para (ilusoriamente) atender à especificidade do processo penal.
Em suma, o que se percebe claramente é a inadequação dessas categorias do
processo civil, cabendo-nos, então, encontrar dentro do próprio processo penal suas condições
da ação[....]125

Para Aury Lopes Junior, as condições para o legítimo exercício do direito de


ação, no processo penal, deveriam ser: prática de fato aparentemente criminoso (fumus boni
iuris), punibilidade concreta, legitimidade de parte e justa causa.
Aury Lopes Junior e Afrânio Silva Jardim discordam quanto a quase todos os
elementos que compõem os requisitos para o provimento final, porém ambos inserem a
justa causa como uma quarta condição, independente das demais, mas, as coincidências
param nesse ponto, porque, também com relação à compreensão do que seja justa causa,
Aury Lopes Junior diverge dos demais autores.
A justa causa, no entender de Aury Lopes, consiste em uma “condição de
garantia contra o uso abusivo do poder de acusar.” Ela está relacionada a dois fatores: a
existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade e a uma forma de controle do
caráter fragmentário da intervenção penal.
A existência de indícios razoáveis de autoria e de materialidade exige que a
acusação possua elementos probatórios mínimos, extraídos do inquérito policial, que
justifiquem o recebimento da petição inicial (denúncia126 ou queixa-crime127). A propositura
de uma ação penal representa sempre um grande constrangimento para a pessoa que integra
o pólo passivo da ação, assumindo a condição de réu. Assim sendo, caso os elementos
probatórios colhidos no inquérito policial não sejam suficientes, cabe ao juiz rejeitar a
acusação, sob pena de permitir a estigmatização social de uma pessoa.
Adverte ainda Aury Lopes Junior: não há que se confundir justa causa com o
fumus comissi delicti ou fumus boni iuris. Este representa a plausibilidade aparente da

125
Idem item 19
126
Denúncia, tecnicamente é a denominação dada para a petição inicial que deflagra a ação pena pública
127
Queixa-Crime é o nome da petição inicial que inicia a ação penal privada
64

alegação da prática de uma conduta típica, ilícita e culpável, enquanto que aquela recai
sobre a existência de elementos probatórios da autoria e da materialidade.
O outro fator que integraria a justa causa, proporcionando o controle do caráter
fragmentário da intervenção penal, está inter-relacionado com o princípio da
fragmentariedade que norteia o Direito Penal.
Cezar Roberto Bitencourt128 sustenta que: “a fragmentariedade do Direito Penal
é um corolário do princípio da intervenção mínima e da reserva legal.” Nesse sentido, o
Direito Penal deve tutelar somente os valores mais relevantes e imprescindíveis para a
sociedade, daí o caráter fragmentário do Direito Penal. Ele não deve tutelar todos os bens
existentes na sociedade, mas somente os de maior relevância. É exatamente desse
entendimento que emerge o princípio da insignificância ou bagatela, considerando atípicas
as condutas que lesionam bens disponíveis de pequeno valor.
Para Aury Lopes Junior, a justa causa vai além do suporte probatório mínimo
necessário para a propositura de uma ação penal, conforme defende a maior parte dos
autores que escrevem sobre direito processual penal, ela deve propiciar, também, a
filtragem do controle jurisdicional, para não permitir o dispêndio do grande custo que o
processo penal representa, quando a conduta praticada não observar o caráter fragmentário
do Direito Penal.
O inciso II do artigo 648 do Código de Processo Penal considera ilegal a coação
quando alguém ficar preso mais tempo do que a lei estabelece. No Brasil, a regra é a
liberdade, trata-se do bem maior que qualquer pessoa possui depois da própria vida. A
Constituição de 1988, no caput do artigo 5º, garante a todos esse direito, por esse motivo o
encarceramento das pessoas deve ocorrer apenas por exceção.
Dois são os gêneros de prisão. A prisão pena, que ocorre após o trânsito em
julgado da sentença penal condenatória, consistindo na sanção penal, e a prisão cautelar ou
provisória, cujo cabimento ocorre antes do trânsito em julgado da sentença penal
condenatória e tem a finalidade básica de garantir a eficácia de um procedimento penal.
A prisão pena, por consistir na sanção penal, deve observar o princípio da
reserva legal, estabelecido no artigo 5º, XXXIX da CRFB/88 e no artigo 1

128
BITENCORT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17ª edição Editora Saraiva, 2012
65

º do Código Penal: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena, sem
prévia cominação legal.”. O juiz, ao fixar a sanção penal, deve, dentre outros princípios,
observar, estritamente, os limites estabelecidos em abstrato, na lei penal.
Diante disso, a manutenção da prisão pena, além do tempo fixado na sentença,
consiste, sem dúvida, em constrangimento ilegal, tanto que provoca a responsabilização
civil do estado conforme prescrito no artigo 5º, LXXV da CRFB/88. “O Estado
indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do
tempo fixado na sentença.”
Três são os sistemas prisionais básicos. O sistema pensilvânico ou da Filadélfia,
também denominado de sistema celular, que data de 1790, no qual o condenado fica
recolhido em uma cela, não podendo trabalhar, nem ter contato com as demais pessoas,
esse sistema objetiva estimular o arrependimento do preso, pela leitura da Bíblia e pelo
isolamento para reflexão. As críticas a esse sistema foram grandes, porque além de ser
extremamente severo, impossibilitava a readaptação social do condenado. As críticas
efetuadas ao sistema da Filadélfia, fizeram surgir, por volta de 1818, o sistema Auburn, no
Estado de Nova York, menos rigoroso, do que o anterior, porque permitia o trabalho do
preso, durante o dia, inicialmente de forma individual, dentro da cela, e posteriormente, em
grupo, com um período de isolamento noturno. O terceiro, sistema, chamado de
progressivo, surgiu na Inglaterra, por volta do século XIX, ele estabelecia uma forma
progressiva de cumprimento da pena em três etapas, na primeira o condenado ficava
completamente isolado dos demais presos, cumprindo a reprimenda no interior de uma cela,
no segundo, permitia-se que o condenado já pudesse trabalhar, em conjunto com os demais
presos, iniciando a sua ressocialização, mas ainda havendo um período de recolhimento
noturno à cela, e por fim, na terceira etapa, era concedido ao condenado o livramento
condicional, para que ele pudesse se reinserir no seio da sociedade.
O procedimento adotado no Brasil, para a execução das prisões pena, tem
previsão na Lei 7.210/84, a chamada Lei de Execuções Penais - LEP. Trata-se de um
sistema progressivo e regressivo, não completamente idêntico ao sistema progressivo inglês
porque, apesar de prever três espécies de regime de cumprimento de pena, progredindo o
condenado de um regime mais gravoso, para regimes menos gravosos, estabelece, também,
a possibilidade de regressão de regime, nos casos de falta grave, além desse fato, o
66

livramento condicional, não representa, necessariamente, o último estágio do sistema de


cumprimento da pena.
No sistema brasileiro os regimes de cumprimento da pena são: o fechado, o
semi-aberto e o aberto, devendo o condenado iniciar no regime mais gravoso e progredir
para o menos gravoso, conforme o artigo 112 da Lei 7.210/84 129. Contudo, o artigo 5º,
XLVI da CRFB/88 estabeleceu o princípio da individualização das penas 130, assim, de
acordo com o comportamento do preso, eventualmente, ele poderá, ao invés de progredir,
vir a regredir de um regime mais benéfico, para um menos benéfico, de acordo com o seu
comportamento carcerário, conforme estabelecido no artigo 118 da Lei 7.210/84131.
O ordenamento jurídico brasileiro adotou, basicamente, três espécies de prisão
pena, ou seja, de pena privativa de liberdade: reclusão, detenção e prisão simples.
As penas de reclusão e detenção apresentam algumas diferenças, especialmente
no que diz respeito ao regime inicial para o cumprimento da pena. A pena de reclusão
poderá iniciar no regime fechado, no semi-aberto ou no aberto, enquanto que a pena de
detenção terá inicio nos regimes semi-aberto ou aberto, não cabendo o regime fechado.
A prisão simples tem cabimento somente para as contravenções penais e,
atualmente, raramente tem aplicabilidade, em razão das contravenções penais serem
consideradas infrações de menor potencial ofensivo, incidindo em todas as medidas
despenalizadoras da Lei 9.099/95, inclusive na possibilidade da substituição da prisão
simples por pena restritiva de direito. Em teoria, a prisão simples deveria ser cumprida,
inicialmente, no regime semi aberto ou aberto, sem rigor penitenciário, em estabelecimento
especial, devendo o condenado ficar separado dos demais presos condenados à reclusão ou
detenção, conforme artigo 6º do Decreto Lei 3.688/41.
O Brasil adotou, como sistema legislativo, a metodologia descritiva da conduta
delituosa, tipificando as condutas com elementos objetivos, subjetivos e, por vezes,
normativos em um preceito chamado primário, estabelecendo também a sanção penal,
129
A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva, com a transferência para o regime
menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no
regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento,
respeitadas as normas que vedam a progressão.
130
Artigo 5º, XLVI da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “ A lei regulará a
individualização das penas, e adotará dentre outras, as seguinte: a) privação ou restrição de liberdade; b) de
bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos”
131
A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para
qualquer dos regimes mais reigorosos.......
67

porém, esta fica discriminada na lei em um outro preceito denominado secundário ou


sancionatório .
As penas previstas são basicamente de três espécies: privativas de liberdade,
restritivas de direito e pecuniárias. O legislador adotou como metodologia, especialmente
com relação às penas privativas de liberdade, a previsão de um patamar mínimo e um
patamar máximo em abstrato, para cada conduta tipificada.
O juiz, ao condenar o acusado, deverá estabelecer a espécie de sanção penal,
para tanto, via de regra, ele utiliza o sistema trifásico, cuja criação é atribuída a Nelson
Hungria. Na primeira fase o juiz poderá aplicar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do
Código Penal - CP, sem poder ultrapassar os patamares máximo e mínimo. Na segunda fase
serão observadas as circunstâncias agravantes e atenuantes 132, ficando o juiz limitado pelos
patamares máximo e mínimo da pena cominada em abstrato. Na terceira fase o juiz fixará a
pena em concreto, observando as causas de aumento e de diminuição de pena 133, sendo
possível, nesta fase, o juiz ultrapassar os patamares da pena fixada em abstrato no tipo
penal.
Fixada a pena em concreto, havendo condenação por mais de uma infração
penal, será procedida a unificação das penas, com a soma de todas as condenações. O total
obtido servirá para o cálculo dos benefícios, tais como progressão de regime, e livramento
condicional.
Há um falso entendimento com relação à redação do artigo 75 do CP 134 no que
diz respeito ao prazo máximo de 30 anos. Por conta deste equívoco, há um entendimento
minoritário, de que todos os benefícios deveriam ser calculados tendo como base o prazo de
30 anos.
Na realidade, o tempo máximo de encarceramento é que, em princípio, não
poderia ultrapassar os 30 anos, porque, efetivamente, isso até pode acontecer, se o

132
A palavra circunstância, deriva do termo em latim circunstare cujo significado era estar em volta. Assim,
circunstâncias agravantes e atenuantes, são fatos que também compões a conduta delituosa, mas não encontra
previsão no tipo que descreve a conduta, elas se caracterizam na lei, por não haver uma previsão expressa da
quantidade de pena que será aumentada ou diminuída. Uma parte da doutrina menciona um quantum de 1/6
da pena, por analogia à regra da progressão de regime, outros mencionam o prudente arbítreo do juiz como
critério para aumentar ou diminuir a pena pelas circunstâncias.
133
Causas de aumento e diminuição de pena, são situações previstas na lei, que fazem aumentar ou diminuir a
pena atribuída para uma pessoa que pratica um delito, elas são caracterizadas por haver previsão expressa, na
lei, do percentual de aumento ou de diminuição.
134
O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos.
68

condenado vier a praticar algum delito após a unificação, pois o tempo de pena cumprido é
desconsiderado, fazendo-se uma nova unificação, assim sendo, é possível o condenado ficar
mais de 30 anos preso, conforme se observa do artigo 75,§ 2º do CP135
A Lei 7.210/84 estabelece os procedimentos que deverão ser utilizados, em
Juízo, para que o condenado tenha o direito à progressão de regime: livramento
condicional, e fim do cumprimento da pena reconhecido. Para tanto, o condenado, por meio
de um advogado, deverá fazer requerimento ao juiz da Vara de Execuções Penais. Nas
hipóteses de indeferimento do pedido, adequada seria a via recursal, por meio do recurso de
agravo, ou recursos para os tribunais superiores.
Há uma discussão com relação ao cabimento do Habeas Corpus, nessas
situações, em que tendo o condenado direito aos benefícios da Lei 7.210/84, o juiz indefere,
tendo em vista haver cerceamento do direito de ir e vir.
Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal não
têm admitido a utilização do Remédio Heróico, em substituição de recurso, admitindo,
somente, em casos de decisão teratológica a concessão da ordem de ofício.

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. FURTO QUALIFICADO TENTADO. RES


FURTIVA.VALOR SUPERIOR AO SALÁRIO MÍNIMO. RECONHECIMENTO DO
PRIVILÉGIO DOARTIGO 155, § 2°, DO CP. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL.

1. O Superior Tribunal de Justiça, na esteira do que vem decidindo


O Supremo Tribunal Federal, não admite que o remédio constitucional
seja utilizado em substituição ao recurso próprio (apelação, agravo
em execução, recurso especial), tampouco à revisão criminal,
ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade
do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do(a) paciente,
seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.136

O entendimento das cortes superiores em não conhecer as ações de habeas


corpus, quando exista recurso previsto em lei, pode ter como fundamento o estabelecido na
Lei 12.016/09, que regulamenta o mandado de segurança, cuja natureza jurídica, também é
de ação autônoma de impugnação.

135
Sobrevindo condenação por fato posterior ao inicio do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação,
desprezando-se, para esse fim o período de pena já cumprido.
136
Habeas Corpus 132422/SP. Ministro Relator Rogério Schietti Cruz. Sexta Turma, julgamento 18/06/2016.
Habeas Corpus não conhecido por unanimidade. http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?
tipo_visualizacao=null&livre=habeas+corpus+na+execu%E7%E3o+penal&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO
69

É bem verdade que em determinados casos os Tribunais concedem a ordem de


ofício, porém, há uma questão que merece maiores reflexões, porque o habeas corpus, ao
contrário dos recursos, não exige capacidade postulatória, nem o pagamento de custas
judiciais, facilitando sobremaneira o acesso à justiça das pessoas no território nacional
No que diz respeito à prisão cautelar, como ela ocorre antes do trânsito em
julgado da sentença penal condenatória, não há que se cogitar no cabimento de recurso, em
princípio, restando como única via processual adequada para corrigir eventuais
ilegalidades, com relação ao excesso de prazo da prisão, a ação de Habeas Corpus.
A prisão cautelar, enquanto gênero, comporta basicamente duas espécies, a
prisão temporária e a prisão preventiva, na medida em que a prisão em flagrante, após a sua
comunicação o juiz, este, dentre outras medidas, pode converter a prisão em flagrante em
prisão preventiva. A prisão por pronúncia, nada mais é do que uma prisão preventiva
decretada no momento da decisão de pronúncia ao final da primeira fase do procedimento
do Tribunal do Júri, assim como, ao prolatar a sentença, o juiz, caso estejam presentes os
pressupostos e requisitos da prisão preventiva, pode negar ao réu o direito de apelar em
liberdade.
Atualmente somente a prisão temporária, cuja finalidade é garantir a eficácia de
um inquérito policial, possui prazo estabelecido, de forma expressa, na lei. Cinco dias
prorrogáveis por mais cinco dias, como regra geral, art 2º da lei 7.960/89, trinta dias
prorrogáveis por mais trinta dias, nos casos de crimes hediondos e crimes equiparados a
hediondo, art 2º, § 4º da lei 8.72/90.
A prisão preventiva, ainda não tem o prazo previsto em lei. O anteprojeto do
CPP, que tramita no Congresso, irá estabelecer prazo para a prisão preventiva, mas, por ora,
este ainda não existe em lei A doutrina e a jurisprudência entendem que a prisão preventiva
deve ter uma duração razoável, necessária para garantir o procedimento, para tanto, o prazo
da prisão preventiva deve corresponder à soma dos prazos do procedimento que ela
objetiva preservar, não sendo lícito, portanto, uma delonga injustificada com sacrifício da
liberdade do acusado, até porque, todos, no território brasileiro, têm direito à duração
razoável do processo, conforme o artigo 5º, LXXVIII da CRFB/88.
Um Estado, que se pretende verdadeiramente democrático e de direito, não
pode deixar de se preocupar com o direito de liberdade das pessoas, (sob pena de abrir as
70

portas para a arbitrariedade e o autoritarismo), seja fazendo o controle da legalidade das


prisões de ofício, seja conferindo às pessoas o direito de acesso à justiça por meio das ações
judiciais.
O artigo 648, III do CPP, estabelece a possibilidade da utilização da ação de
Habeas Corpus, quando a coação for praticada por pessoa sem competência para fazê-lo.
O termo competência deve ser interpretado de forma ampla, e não apenas como o âmbito
onde um órgão jurisdicional exerce validamente a jurisdição do Estado. Claro, a coação
será ilegal, quando um órgão jurisdicional atuar fora do seu âmbito de competência,
permitindo a utilização do Habeas Corpus liberatório, quando a lesão ao direito de ir e vir já
estiver consumada, bem como o Habeas Corpus preventivo, quando a lesão estiver em vias
de ocorrer, como por exemplo, o Habeas Corpus para extinguir a ação penal.
É possível, também, que a coação ocorra na via administrativa, como é o caso
das prisões disciplinares. Questão do cabimento da ação de Habeas Corpus, para controlar
as prisões disciplinares, por vezes gera alguma dúvida, em razão do disposto no artigo
142,§2º da CRFB/88137.
O Brasil, no ano de 1988, promulgou uma constituição formal, escrita,
dogmática, rígida, analítica, dita liberal, conforme se observa do art. 3º inciso I da
CRFB/88138, no entanto, quando trata das faltas disciplinares de seus agentes, o legislador
constituinte originário parece ter esquecido dos valores fundamentais estabelecidos por ele
mesmo.
O art. 5º LXI da CRFB/88 estabeleceu a possibilidade de prisão disciplinar,
porém, o legislador constituinte originário, curiosamente, sem observar o direito das
pessoas contra o arbítrio na violação ao direito de liberdade, e até por que não dizer, o
princípio da dignidade da pessoa humana, fundamental, na forma do art. 1º III, da carta
constitucional de 1988, estabeleceu o não cabimento da utilização da ação de Habeas
Corpus, para o caso de prisões disciplinares, conforme se observa do art. 142, § 2º da
CRFB/88.
Há uma inegável contradição axiológica no texto constitucional. Por um lado os
representantes do povo, reunidos em assembleia geral constituinte, garantiram a dignidade

Artigo 142, § 2º da CRFB/88. “Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.”
137

O artigo 3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece o que constituem os


138

objetivos fundamentais da república, no inciso I prevê a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
71

da pessoa humana, art. 1º III da CRFB/ 88 e o direito de liberdade das pessoas, arts. 3º , I e
5º , caput, ambos da carta constitucional de 1988, por outro lado, deixaram a sorte dos
militares ao arbítrio dos seus superiores hierárquicos, no art. 142, § 2º da CRFB/88
A solução do conflito axiológico referente à prisões disciplinares seria
facilmente solucionado se no Brasil, se tivesse adotado a Teoria das Normas
Constitucionais Inconstitucionais, do professor Otto Bachof139.
O professor Otto Bachof sustentava, na sua teoria, a possibilidade de haver uma
norma elaborada pelo legislador constituinte originário que fosse tida como
inconstitucional. Para o professor Bachof, haveria uma hierarquia entre as normas
constitucionais, sendo os direitos e as garantias hierarquicamente superiores às demais
normas constitucionais.
Dessa maneira, se fosse possível adotar a Teoria das Normas Constitucionais
Inconstitucionais, a questão da vedação da utilização da ação de Habeas Corpus em caso de
prisão disciplinar seria simples, como o direito de liberdade, está no art. 5º da CRFB/88 e a
referida vedação no art. 142 do mesmo diploma constitucional, em sendo o primeiro um
direito e garantia constitucional, e o segundo não, bastaria que a Corte guardiã da
constituição declarasse, com efeitos erga omnes a inconstitucionalidade do art. 142, § 2º da
CRFB/88.
O Brasil adotou o princípio da cedência recíproca em que todas as normas
constitucionais, emanadas do poder constituinte originário possuem a mesma hierarquia,
não havendo norma constitucional inconstitucional.
Dessa maneira, a solução é harmonizar as normas, princípios e regras que
garantem a dignidade da pessoa humana e o direito de liberdade, com a vedação da
utilização do Habeas Corpus nas hipóteses de prisão disciplinar, a fim de evitar o arbítrio
despótico de alguns superiores hierárquicos.
A solução adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro para o conflito de
normas constitucionais é a utilização do chamado princípio da proporcionalidade ou, como
querem alguns autores, princípio da razoabilidade140.

139
BACHOF. Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Coimbra: Almedina, 1994.
140
O princípio da proporcionalidade, no direito alemão, decorre do princípio do estado democrático de direito,
e exige a observância de três requisitos, ou sub-princípios: necessidade, adequação e ponderação.
72

O princípio da proporcionalidade soluciona os conflitos de normas


constitucionais avaliando os valores das normas, diante de casos concretos, fazendo
preponderar uma norma e relativizando outra diante da situação fática e dos valores que
sejam mais relevantes para essa determinada situação.
Assim sendo, deve-se ponderar a vedação da utilização do Habeas Corpus nas
prisões disciplinares no art. 142,§ 2º da CRFB/88, em confronto com o direito
constitucional de liberdade das pessoas.
Conforme já exposto, o direito de liberdade é o bem mais relevante que
qualquer pessoa pode ter depois da própria vida. É bem verdade que a manutenção da
ordem e da disciplina nas corporações militares é essencial para a manutenção do próprio
Estado, no entanto, ponderando-se os valores, não há como se deixar de reconhecer a
preponderância do direito de liberdade com relação aos interesses intrínsecos do Estado.
A discussão com relação ao cabimento de Habeas Corpus para prisões
disciplinares no Brasil é antiga, já debatida desde o tempo de Pontes de Miranda.
A vida militar tem como fundamento básico a hierarquia e a disciplina, sendo o
poder disciplinar um ato discricionário do administrador público.
A administração pública possui basicamente duas espécies de atos, os
discricionários, que estando dentro do mérito administrativo encontram-se informados por
um juízo de conveniência e oportunidade do administrador público, e os vinculados, que
necessitam, obrigatoriamente observar os requisitos estabelecidos em lei.
Os atos administrativos, no entanto, possuem cinco elementos básicos para sua
validade: competência, finalidade forma motivo e objeto.
Competência – Melhor seria dizer atribuição, pois competência, tecnicamente é
o âmbito dentro do qual um órgão jurisdicional exerce validamente a jurisdição do Estado,
porém, para que os atos administrativo sejam válidos quem o pratica deve atuar dentro dos
limites legais estabelecidos como de sua atribuição.
Finalidade – A pratica de todo e qualquer ato tem sempre como objetivo a
consecução de uma finalidade. No caso dos atos administrativos, estes devem observar o
interesse público, sendo este a sua finalidade última.
73

Forma – Os atos administrativos devem observar uma forma prescrita ou não


defesa em lei, via de regra são escritos, eventualmente, poderão apresentar-se de forma
verbal, traduzindo comandos do administrador público.
Motivo – É a situação fática que deflagra a manifestação da administração
pública, para a prática do ato.
Objeto – É o objetivo imediato da vontade exteriorizada pelo ato, devendo
restringir-se à licitude e possibilidade.
O poder disciplinar, apesar de ser discricionário no âmbito do mérito
administrativo, deve observar, obrigatoriamente os elementos de validade dos atos
administrativos.
O debate doutrinário com relação à possibilidade da concessão de ordem de
Habeas Corpus nas prisões disciplinares passa inexoravelmente pela questão do âmbito de
atuação da função jurisdicional do Estado dentro da administração pública.
Alguns doutrinadores defendem a interpretação literal do art. 142§ 2º da
CRFB/88, sustentando o não cabimento do Habeas Corpus, porque, em sendo a hierarquia
e disciplina fundamentos básicos da vida militar, o Estado Juiz não poderia intervir, haja
vista estar dentro do mérito administrativo, ou seja, no âmbito do juízo de conveniência e
oportunidade do superior hierárquico. A intervenção da função jurisdicional do Estado
nessas hipóteses, importaria em quebra da hierarquia, causando um sério risco para a
organização e controle das forças militares, trazendo sérios riscos para o próprio Estado e
para a sociedade.
A maior parte da doutrina, no entanto, inspirada em Pontes de Miranda,
concorda com a primeira posição no sentido de estar o poder disciplinar dentro do mérito
administrativo, envolvendo um juízo de conveniência e oportunidade do administrador
público, superior hierárquico, no caso em análise. Concorda também que não é lícito à
função jurisdicional do Estado adentrar ao mérito administrativo, porém, é possível que
aos órgãos jurisdicionais controlem a legalidade dos atos administrativos por meio da
verificação do respeito ao seus elementos intrínsecos.
Dessa maneira seria lícita a concessão da ordem de Habeas Corpus nos casos
de prisão disciplinar, quando esta não observar os elementos de validade dos atos
administrativos. A doutrina elenca algumas hipóteses em que a ordem poderia ser deferida.
74

A primeira hipótese é quando a pessoa que determinar a prisão disciplinar não


possua atribuição hierárquica para tanto. Estaria inobservado o elemento competência.
Outra situação ocorre quando o fato punido não consistir em infração
disciplinar, pois haveria defeito quanto aos elementos finalidade e motivo do ato
administrativo disciplinar.
Além disso, cumpre ressaltar, os atos administrativos devem observar uma
forma que esteja de acordo com o ordenamento jurídico, sendo certo, que o art. 5º LV da
CRFB/88, garante aos litigantes em geral, seja em processo judicial ou administrativo, o
direito ao contraditório e à ampla defesa. Dessa maneira também caberia a concessão de
ordem de Habeas Corpus, se quando na prisão disciplinar não fosse dado ao subordinado
os direitos estabelecidos no Art. 5º LV da CRFB/88
O inciso IV do artigo 648 do CPP prevê o cabimento da ação de Habeas Corpus
quando o motivo que autorizou a coação houver terminado. Por certo, nenhum tipo de
coação ao direito de ir e vir pode existir validamente, sem uma causa autorizada em lei.
Dessa maneira, se existindo uma causa legal autorizadora do cerceamento da liberdade de
alguém, o desaparecimento dessa causa, torna o ato ilegal. A liberdade do indivíduo deveria
ter sido prontamente restabelecida. Caso não ocorra, será cabível a impetração de um
Habeas Corpus, para relaxar a prisão, diante da evidente ilegalidade, conforme se observa
do artigo 5º, LXV da CRFB/88.
O artigo 648, V do CPP, estabelece a possibilidade de se utilizar do Habeas
Corpus nas hipóteses de cabimento da liberdade provisória com fiança. No Brasil a regra é
a liberdade, consistindo a sua supressão uma exceção que só deve ocorrer quando houver
estrita necessidade. O artigo 5º, LXVI da CRFB/88 deixa claro que nas hipótese em que a
lei estabeleça a possibilidade da concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, a
pessoa não deverá ser levada à prisão.
Liberdade provisória, no ordenamento jurídico brasileiro, existe de duas
espécies, com e sem fiança, conforme é possível se observar tanto do texto da carta
constitucional de 1988, como do Código de Processo Penal. Ela é um sucedâneo da prisão
provisória, uma medida de contra cautela 141, ou, como sustentam alguns autores, uma

JUNIOR Aury Lopes. Direiro Processial Penal. 9ª edição Editora Saraiva, 2012, no mesmo sentido Paulo
141

Rangel
75

verdadeira medida cautelar142, cujo objetivo é permitir que o preso em flagrante, possa
responder ao processo em liberdade.
Atualmente, o artigo 310 do CPP, com redação dada pela lei 12.403/11, o juiz,
ao receber o auto de prisão em flagrante, deverá: relaxar a prisão, se ela for ilegal; converter
a prisão em flagrante em prisão preventiva, se não forem suficientes as medidas cautelares
diversas da prisão; ou conceder liberdade provisória, com ou sem fiança, nos casos de
legalidade da prisão em flagrante.
A liberdade provisória sem fiança conforme o artigo 321 do CPP, tem
cabimento nas hipóteses em que não estão presentes os pressupostos que autorizam a prisão
preventiva, ou seja o fumus boni iuris, ou fumus comissi delicti, consistente em indícios
suficientes de autoria e provas da existência de uma infração, penal, conforme o artig0 312
do CPP, parte final, e o periculim in mora ou periculum libertatis, que são a garantia da
ordem pública, a garantia da ordem econômica, a conveniência da instrução criminal, e para
assegurar a aplicação da lei pena, conforme artigo 312 do CPP primeira parte. Cabe
também a liberdade provisória sem fiança quando o juiz verificar que existem indícios de
ter o acusado agido acobertado por uma das excludentes da ilicitude, tendo em vista que,
nessas situações, a decretação da prisão preventiva encontra-se vedada por força do artigo
314 do CPP.
A fiança, para alguns autores, tem natureza jurídica de caução real 143, pois seria
uma garantia dada em espécie, além do que, essa é a denominação dada no artigo 330, §2º
do CPP. Porém, há o entendimento de que a sua natureza jurídica é de garantia real 144,
tendo em vista a possibilidade de se utilizar, além de dinheiro, pedras e metais preciosos,
títulos da dívida pública, bem como hipoteca inscrita em primeiro lugar, e imóveis,
conforme estabelece o artigo 330 do CPP
O cabimento da liberdade provisória com fiança, inicialmente se dá em sede de
Delegacia de Policia. A autoridade policial, ou seja, o delegado de polícia, pode arbitrar
fiança nos crimes com pena máxima em abstrato que não seja superior a quatro anos, de

142
OLIVEIRA, Eugenio Pacelli. Curso de Direito Processual Penal. 16ª edição Editora Atlas, 2012, no mesmo
sentido. Fernado Capez, Marcellus Polastri Lima
143
RANGEL. Paulo. Direito Processual Penal. 12ª edição Editora Lumen Iuris, 2007, no mesmo sentido Aury
Lopes Junior e Fernando capez
144
FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Manual de Processo Penal. 13ª edição Editora Saraiva, 2009
76

acordo com o artigo 322, caput, do CPP. Nas demais hipótese, a fiança somente pode ser
concedida por autoridade judiciária.
O Juiz de direito para arbitrar a fiança, deverá observar, a contrario senso, os
artigos 323 e 324 do CPP, na medida em que eles estabelecem as situações, em que a fiança
não poderá ser concedida.
No que diz respeito ao valor a ser dado em garantia, tanto o juiz como o
delegado de polícia, deverão observar o artigo 325 do CPP, se bem que o fator
preponderante será a condição econômica do preso, pois o valor arbitrado poderá ser
reduzido em até dois terços, aumentado em até mil vezes, cabendo, inclusive a isenção do
pagamento do valor arbitrado, nas hipóteses de hipossuficiência material, conforme o artigo
350 do CPP.
Assim sendo, todas as vezes que uma pessoa for presa, e a lei permitir o
arbitramento da fiança, esta deverá ser concedida. Caso não o seja, a prisão será tida como
coação ilegal, hábil a ser combatida pela via do remédio heróico.
No inciso VI do artigo 648 do CPP, está prevista a possibilidade da utilização
da ação de habeas Corpus, quando o processo for manifestamente nulo.
Nulidade é a sanção de ineficácia de um ato processual em razão da sua
atipicidade, isto representa dizer que, a realização de uma ato processual, com
inobservância do que está estabelecido em lei, poderá gerar a ausência de produção de
efeitos.
Os atos jurídicos, normalmente são analisados em três esferas, a da existência, a
da validade e da eficácia.
A existência está ligada a presença de elementos constitutivos mínimos, os
denominados pressupostos de existência do processo, que são: órgão jurisdicional, partes
que possam figurar no processo, e demanda.
A validade está relacionada com os pressupostos de desenvolvimento válido do
processo, consistente na competência e imparcialidade do órgão jurisdicional, capacidade
para ser parte, para estar em juízo, e capacidade postulatória, e por fim a regularidade e o
ineditismo da demanda.
A eficácia, por sua vez, está relacionada com a aptidão de um ato processual,
para produzir seu regulares feitos
77

A doutrina no terreno das nulidades, costuma fazer uma divisão entre nulidade
absoluta e nulidade relativa. A identificação, dessas duas espécies de nulidade, é questão
bastante espinhosa, que por vezes, provoca, uma série de divergências entre os autores.
Absoluta seria a nulidade em que o vício do ato processual recaísse sobre
norma de interesse público, violando norma de caráter constitucional.
Na nulidade relativa a atipicidade do ato processual, recai sobre normas
dispositivas de interesse da parte.
No processo penal vigora o princípio do “pás de nullitè sans grief”, porque via
de regra um ato não será declarado nulo, se não houver prejuízo. Na nulidade absoluta,
como a violação recai sobre norma de interesse público, normalmente de natureza
constitucional, o prejuízo pode ser presumido, por outro lado, nas nulidades relativas, como
prepondera o interesse das partes, o prejuízo necessita ser provado.
Cabe ao juiz reconhecer de ofício as nulidades absolutas, devendo as partes
alegarem tempestivamente as nulidades relativas. Provada ou presumida um procedimento
não pode prosseguir de forma válida, quando eivado de nulidade, caso isso ocorra o
ordenamento jurídico brasileiro, admite a utilização do Habeas Corpus, como remédio
eficaz, para fazer corrigir essas eventuais atipicidades dos atos processuais.
Por fim, O Código de Processo Penal, no artigo 648, inciso VII, admite o
cabimento da utilização do Habeas Corpus, quando a punibilidade estiver extinta. O artigos
107 do Código Penal, com redação dada pela Lei 7209/84, descreve exemplificativamente,
as causas extintivas da punibilidade. O rol não é taxativo, porque outras causas há na parte
geral do Código Penal, como por exemplo o perdão judicial nos crimes de homicídio e
lesões corporais culposas.
Na contingência da ocorrência de uma conduta voluntária, típica, ilícita e
culpável, surge para o Estado o direito de punir, ou seja, o is puniendi, após o cumprimento
do devido processo legal, provada a prática da infração penal, e sua autoria, têm-se como
conseqüência a aplicação de uma sanção penal, a pena. Contudo, ocorrendo uma das
situações, que ensejam a extinção da punibilidade, o que acaba, não é o direito de ação
propriamente dito, mas sim o direito do Estado em exercer o seu direito de punir.
Tal entendimento é possível de se observar da manifestação do Ministro
Francisco Campos, ao ser referir às causas extintivas da punibilidade, estabelecidas no
78

artigo 108, da antiga parte geral do Código Penal 145 “ O que se extingue, antes de tudo, nos
casos enumerados no artigo 108 do projeto, é o próprio direito de punir por parte do
Estado.”
Não mais existindo o direito de punir do estado, não há porque haver
persecução penal, nem tão pouco sanção penal, portanto, a manutenção de um processo
penal, a coação configurar-se-á ilegal, admitindo Habeas Corpus preventivo.

8 Procedimento em Juízo

Inicialmente cumpre mencionar que processo e procedimento, apesar de inter-


relacionados, são conceitos distintos. Processo consiste em uma relação jurídica que se
desenvolve por meio de um procedimento em contraditório. O procedimento, por sua vez, é
um conjunto de atos ordenados e encadeados visando, à uma finalidade, finalidade esta que
irá determinar a natureza jurídica do procedimento.

O Habeas Corpus, como toda e qualquer ação se inicia pela apresentação da


petição inicial, por inexigir capacidade postulatória, em princípio a petição inicial não
necessita de uma maior formalidade. Recentemente foi noticiado a propositura de uma ação
de Habeas Corpus, perante o Superior Tribunal de Justiça, redigido em lençol.

Nesta quarta-feira (21), o STJ (Superior Tribunal de Justiça) recebeu seu primeiro
habeas corpus escrito em um lençol. Redigido por um detento do Ceará, o documento foi
encaminhado à Corte pela ouvidora da OAB-CE, Wanha Rocha. Segundo o STJ, as peças
foram digitalizadas e passaram a tramitar como qualquer outro processo. 146

Normalmente, quando o Habeas Corpus é impetrado por advogado, como este


possui um conhecimento técnico jurídico, uma regularidade de forma é observada, apesar,
de não ser um requisito obrigatório.

145
Exposição de motivos do Código Penal de 1940.
146
Noticia veiculada no site http://jornal.jurid.com.br/materias/noticias/stj-recebe-pedido-habeas-corpus-
redigido-em-lencol
79

A petição de Habeas Corpus, quando apresentada observando a regularidade


formal, deve indicar o órgão jurisdicional a que será endereçada, o nome do impetrante, do
paciente e da autoridade coatora, os fatos e o pedido.
A petição inicial deverá trazer, também, os documentos que comprovam o fato
alegado, tendo em vista que o Habeas Corpus exige prova pré constituída, pois não se
admite dilação probatória, salvo quando os documentos estejam na posse de autoridade
pública, tendo em vista que o julgador irá requisitar informações da autoridade coatora,
conforme artigo 662 do CPP.
Distribuída a petição inicial ela será digitalizada, e processada por meio do
processo eletrônico.
Uma questão sui generis diz respeito à possibilidade da concessão de liminar
em Habeas Corpus, porque o Código de Processo Penal não faz previsão expressa. A
doutrina e a jurisprudência, amplamente majoritárias entendem ser perfeitamente possível a
concessão da medida liminar em sede de Habeas Corpus, utilizando pro analogia a lei de
mandado de segurança.
Fernando da Costa Tourinho Filho147, esclareceu o assunto, sempre de forma
muito elegante, como lhe é peculiar:

Uma das mais belas criações da nossa jurisprudência foi a da liminar em pedido
de Habeas Corpus, assegurando de maneira eficaz o direito de liberdade. No habeas corpus, que
recebeu o n. 41.296, em favor do Governador de Goiás, Mauro Borges, o relator, Sua
Excelência o Ministro Gonçalves de Oliveira, então Presidente do STF, como naquele dia não
havia sessão no Tribunal, concedeu liminar aduzindo: “Se no mandado de segurança pode o
Relator conceder liminar, até em casos de interessas patrimoniais, não se compreenderia que,
em casos em que está em jogo a liberdade individual, ou as liberdades públicas, a liminar no
habeas corpus preventivo, não pudesse ser concedida. Este é um dos primeiros, senão o
primeiro caso de liminar em habeas corpus.

Nada mais há, a não ser concordar plenamente com a magistral explicação do
professor Tourinho Filho.
Distribuída a ação, ela passa a tramitar com prioridade para julgamento,
conforme o artigo 664 do CPP.

147
FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Manual de Processo Penal. 9ª edição Editora Saraiva, 1997
80

O impetrante poderá fazer sustentação oral, porém, há um peculiaridade que


traz alguma dificuldade, é o fato de não haver intimação da data da sessão de julgamento,
por conta da urgência na prioridade de tramitação.
Há decisões anulando o julgamento de habeas corpus, nas hipóteses em que o
impetrante não tenha sido intimado, especialmente, quando há expresso requerimento para
a sustentação oral.

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DA AMPLA


DEFESA. ART. 5º, LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA. PEDIDO DA DEFESA PARA REALIZAR SUSTENTAÇÃO ORAL.
COMUNICAÇÃO DA DATA DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO
NORMATIVA. INFORMAÇÃO DISPONIBILIZADA APENAS NOS MEIOS
INFORMATIZADOS DAQUELA CORTE. NECESSIDADE DE QUE A CIENTIFICAÇÃO
COM ANTECEDÊNCIA MÍNIMA DE QUARENTA E OITO. EXIGÊNCIA QUE DECORRE
DO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

Os autores que defendem a exigência de intimação do impetrante, para a sessão


de julgamento a fim de permitir a sustentação oral, baseiam sua alegações nos princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa. O problema desse entendimento, está no
verbete as súmula 431 do STF “ É nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda
instância, sem previa intimação ou publicação da pauta, salvo em habeas corpus”
Ainda assim, apesar do entendimento sumulado pelo STF, há quem defenda a
necessidade da revisão da súmula148, a fim de assegurar o contraditório em sede de habeas
corpus, por meio da sustentação oral.
A ação de habeas corpus, com ou sem a concessão da medida liminar, será
julgada no mérito, podendo haver a concessão da ordem, com a confirmação da medida
liminar, se ele tiver sido concedida, ou a denegação da ordem, com eventual cassação da
medida liminar.

9 Fungibilidade entre aa ação de habeas corpus e a revisão criminal.

148
Idem item 25
81

Na doutrina é possível se encontra o entendimento de que haveria uma


fungibilidade149 entre as ações autônomas de impugnação de habeas corpus e de revisão
criminal, especialmente quando, após o trânsito em julgado, 150
o condenado estiver com a
sua liberdade cerceada, devido à possibilidade da obtenção da medida liminar em sede de
habeas corpus.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ admitia a fungibilidade
entre a ação de Habeas Corpus e a Revisão Criminal, porém, atualmente, essa mesma
jurisprudência, evoluiu, não mais admitindo a utilização do Habeas Corpus em substituição
da Revisão Criminal, entretanto, diante a especial relevância, que o direito de liberdade tem
para o ordenamento jurídico brasileiro, diante do estado democrático de direito, e do
princípio da dignidade da pessoa humana. Os Ministros do STJ convencionaram analisar as
alegações, e dependendo da situação, conceder a ordem de ofício.

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO


PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NÃO CONHECIMENTO. OFENSA
AOPRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INOCORRÊNCIA. CONTRABANDO DE
MERCADORIAFALSIFICADA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE
JUSTA CAUSA.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES.
AGRAVOREGIMENTAL IMPROVIDO.
I. Nos termos do art. 38 da Lei n. 8.038/1990, combinado com o art.
557, caput, do Código de Processo Civil, e, ainda, os arts. 3º, do
Código de Processo Penal, e 34, inciso XVIII, do Regimento Interno
deste Tribunal, é possível, em matéria criminal, que o Relator, por
meio de decisão monocrática, negue seguimento a recurso ou a pedido
manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em
confronto com súmula ou jurisprudência dominante da respectiva
Corteou Tribunal Superior. Precedentes.
II - Acompanhando o entendimento firmado pela 1ª Turma do Supremo
Tribunal Federal, nos autos do Habeas Corpus n. 109.956, de
relatoria do Excelentíssimo Ministro Marco Aurélio, a 5ª Turma
desteSuperior Tribunal de Justiça passou a adotar orientação no sentido
de não mais admitir o uso do writ como substitutivo de recurso
ordinário, previsto nos arts. 105, II, a, da Constituição da
República e 30 da Lei n. 8.038/1990, sob pena de frustrar a
celeridade e desvirtuar a essência desse instrumento
constitucional.
III - O entendimento desta Corte evoluiu para não mais se admitir o
manejo do habeas corpus em substituição ao recurso próprio, bem
assim como sucedâneo de revisão criminal. Precedentes.
IV - A despeito da impossibilidade de conhecimento do writ,
convencionou-se analisar as alegações apresentadas, de forma
149
No conceito jurídico, fungibilidade significa substituição, no caso de ações, seria a possibilidade de duas
ações substituírem-se mutuamente, alcançando, ao final, o mesmo resultado prático e jurídico.
150
Idem item 25
82

fundamentada, a fim de apreciar a necessidade de concessão da


ordem,de ofício151

O Supremo Tribunal Federal adotou o mesmo entendimento que o Superior


Tribunal de Justiça, no que diz respeito à possibilidade da fungibilidade entre as ações de
Habeas Corpus e Revisão Criminal, concedendo, entretanto a ordem de ofício, quando
houver manifesta ilegalidade.

Embargos de declaração no agravo regimental em habeas corpus. Impetração dirigida contra


condenação transitada em julgado em 2012. Inexistência dos pressupostos de embargabilidade.
Embargos desprovidos. 1. Os embargos de declaração não se prestam à rediscussão dos juízos
fáticos e dos entendimentos teóricos que hajam se formado no julgamento de mérito. 2. A não
admissão de habeas corpus impetrado em substituição à ação de revisão criminal está alinhada a
orientação de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal. 3. No caso, inexiste ilegalidade
flagrante capaz de justificar a ordem de ofício, tendo em vista que o enquadramento dos fatos à
norma penal decorreu da constatação de que a conduta dos agentes foi conscientemente dirigida
a atingir mais de um patrimônio. Não sendo possível ao Supremo Tribunal Federal substituir-se
às instâncias ordinárias para requalificar os fatos. Embargos de declaração desprovidos. 152

É dever do julgador controlar a legalidade das prisões, assim sendo, mesmo


com o entendimento atual nas cortes superiores, da não admissão da fungibilidade entre as
ações de Habeas Corpus e de Revisão Criminal, não há que se falar em prejuízo, tendo em
vista o entendimento majoritário, no sentido da possibilidade da concessão da ordem de
ofício.

10 Competência Recursal

151
Agravo Regimental no Habeas Corpus, nº 2012/0035286-2. Ministra Relatora Regina Helena Costa.
Quinta Turma. Julgamento 18/06/2014. http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?
tipo_visualizacao=null&livre=revis%E3o+criminal+e+habeas+corpus&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO
152
Embargos de Declaração no Agravo Regimental No Habeas Corpus. Ministro Relator Roberto Barroso.
Primeira Turma. Julgamento 29/04/2014 http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?
s1=%28revis%E3o+criminal+e+habeas+corpus%29&pagina=2&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl
83

Os recursos podem ser conceituados, como sendo a revisão de uma decisão


dentro do próprio processo, ou seja, dentro da relação jurídica processual originária, que se
desenvolve por meio de um procedimento em contraditório.
Os recursos se diferenciam de uma ação autônoma de impugnação, porque, em
princípio, nesta se forma uma nova relação jurídica de direito processual.
No caso da ação de habeas corpus, o cabimento do recurso dependerá de uma
série de fatores, como por exemplo, o órgão que prolatou a decisão, a natureza dessa
decisão, se concessiva, ou denegatória.
A competência para o julgamento da ação de habeas corpus, conforme já
mencionado, irá variar conforme a autoridade coatora, e os recursos se diferenciarão de
acordo com o órgão jurisdicional que prolatar a decisão na ação de habeas corpus.
Inicialmente, cumpre mencionar, que as ações de habeas corpus, quando o juiz,
na decisão, concede a ordem, esta fica sujeita ao reexame necessário, conforme pode se
observar do artigo 574, I do CPP. O duplo grau de jurisdição obrigatório, ou reexame
necessário é chamado, por alguns, de forma tecnicamente equivocada, de recurso de ofício.
Um recurso não pode ser interposto de ofício pelo juiz, em primeiro lugar porque, no
sistema acusatório a jurisdição não se processa de ofício 153, em razão da necessária
separação entre as partes e o órgão julgador, devendo esse ser provocado, em razão do
princípio da inércia ou da iniciativa das partes.
Além do óbice de caráter principiológico, também, a interposição de um
recurso de ofício pelo juiz, o faria carecer de pressupostos recursais, que constituem os
requisitos mínimos de admissibilidade dos recursos.
Os pressupostos recursais podem ser divididos em dois gêneros, os subjetivos e
os objetivos.
Os subjetivos dizem respeito às partes que interpõem o recurso, verificando
legitimidade e interesse recursal.
Legitimado para utilizar a via recursal, em princípio são as pessoas que
integraram a relação jurídica de direito processual, em princípio, porque o artigo 598 do
CPP autoriza o réu, seu representante legal, nos casos de incapacidade, ou sucessores,
cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, nos casos de morte ou declaração de ausência
153
Jurisdictio ne procedat ex officio, consiste em um adágio latino, que enuncia a impossibilidade da função
jurisdicional do Estado ser provocada por atuação espontânea do julgador
84

por sentença, a interpor recurso, nas ações penais públicas, quando o Ministério Público
não o faça no prazo legal. O artigo do CPP menciona, “ ainda que não tenham se habilitado,
como assistente da acusação”, afirmação, que parece ser dispensável ou paradoxal, porque
se o réu tiver se habilitado como assistente da acusação, ele teria integrado a relação
jurídica de direito processual, e estaria, automaticamente legitimado para interpor o recurso.
O interesse recursal tem relação direta com a sucumbência, entendendo- se esta
como sendo a não obtenção no todo ou em parte da pretensão deduzida em juízo, ou seja,
tem interesse em recorrer todo aquele que, sendo legitimado, pode, por meio do recurso
obter uma situação jurídica mais vantajosa.
Os pressupostos objetivos apresentam relação, com o próprio recurso em si,
consistindo, em cabimento, adequação, tempestividade, regularidade formal, e inexistência
de fatos impeditivos ou extintivos.
O juiz que concede a ordem de habeas corpus, ainda que esteja integrando a
relação jurídica de direito processual, carece de interesse de agir, na medida, em que não há
que se falar em sucumbência para o juiz, dessa maneira, tratar o reexame necessário, como
sendo a interposição de um recurso de ofício, tecnicamente, representa um verdadeiro
absurdo.
O duplo grau de jurisdição ou reexame necessário, na verdade consiste em uma
condição de eficácia de uma decisão154, ao ser proferida, se adequadamente, observado os
pressupostos de existência de desenvolvimento válido do processo, a decisão tem existência
e validade, porém, necessita do reexame por um outro órgão jurisdicional, para que possa
ganhar efetividade prática, ou seja, eficácia.
Assim, sendo, os recursos de uma perspectiva técnica, serão sempre atos
voluntários, devendo a parte observar o órgão com competência para rever a decisão
proferida.
Quando o órgão que julgou a ação de habeas corpus, integrar a primeira
instância, seja a decisão concessiva ou denegatória, o recurso adequado, de acordo com o
artigo 581, X do CPP é o recurso em sentido estrito.
No caso de ser negado provimento no recurso em sentido estrito, se for por
maioria, ainda é cabível os embargos infringentes e de nulidade, conforme o artigo 609 do

154
FILHO Fernando da Costa. Processo Penal, 9ª edição, Volume 4. Editora Saraiva, 1997
85

CPP, não sendo essa a hipótese, resta, como única via processual os recursos especial para
o Superior Tribunal de Justiça ou o Recurso Extraordinário para o supremo Tribunal
Federal, porém, nos recursos para os tribunais superiores, há uma limitação, quanto a
matéria, que pode ser objeto de impugnação, pois não cabe mais a discussão de fato, sendo
possível somente discutir matéria de direito, violação do ordenamento jurídico, ou seja,
normas infraconstitucionais, no caso do recurso especial, e violação de normas
constitucionais, no recursos extraordinário.
Os chamados recursos extraordinários lato senso, que apresentam como
espécies o recurso especial e o recurso extraordinário, limitam enormemente o âmbito de
discussão da matéria, cuja origem era um habeas corpus, porque não mais será possível
haver apreciação de provas, e de fatos, além disso, os referidos recursos não apresentam
efeito suspensivo, que permitiria suspender a eficácia da decisão combatida na ação de
habeas corpus.
O recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, além da limitação
com relação à matéria objeto de impugnação, que restringe-se a violação da carta
constitucional, exige, também, como pressuposto de admissibilidade, a existência de
repercussão geral, ou seja, um interesse amplo da matéria apreciada.
A Constituição de 1988 prevê a possibilidade da utilização dos recursos
ordinários constitucionais, para impugnar decisões que negam a concessão de ordem em
habeas corpus, porém, o cabimento desses recursos também mostra-se restrito, porque o
recurso ordinário constitucional para o Superior Tribunal de Justiça, requer denegação da
ordem, eu única ou última instância proferida nos Tribunais de Justiça, ou nos Tribunais
Regionais Federais, conforme se observa do artigo 105, II, a da CRFB/88.
O recurso ordinário constitucional para o Supremo Tribunal Federal é mais
limitado ainda, tendo em vista, que só terá cabimento, quando a denegação da ordem em
ação de habeas corpus ocorrer em única instância no Superior Tribunal de Justiça,
conforme artigo 102,II, a da CRFB/88, deixando, portanto, de reexaminar, todas as
decisões denegatórias, proveniente de instâncias inferiores.
A via recursal, embora hábil para se fazer o reexame de decisões judiciais, ela
exige a observância de algumas formalidades, como por exemplo a necessidade de
86

capacidade postulatória, e do pagamento de custas recursais, incluindo, por por vezes o


porte de remessa e de retorno.
Dessa maneira, uma pessoa que tenha tido o seu direito de locomoção
ameaçado, ou violado, e que tenha utilizado a via da ação de habeas corpus inicialmente,
terá, obrigatoriamente, que contratar um advogado, e, além de ter que arcar com o custo dos
honorários advocatícios, terá também, de suportar o pagamento das custas recursais.
Há uma outra opção, nos casos de hiposuficiência material consistente em obter
o patrocínio da Defensoria Pública, órgão de reconhecida capacidade técnica, porém muito
sobrecarregado de trabalho, devido a enorme desigualdade sócio-econômica, que permeia a
sociedade brasileira.

11 O Habeas Corpus Substitutivo

O habeas corpus substitutivo recebe essa denominação, porque substitui um


outro impetrado anteriormente. Ele apresenta como fundamento a competência determinada
com base na autoridade coatora. Todas as vezes que um habeas corpus tem a ordem
denegada, transforma a pessoa que negou a ordem em autoridade coatora, abrindo caminho
para a propositura de nova ação de habeas corpus perante um novo órgão com competência.
É bem verdade, que para as decisões que negam a ordem em habeas corpus,
existem, recursos previstos em lei. O Recurso em Sentido Estrito, quando a ordem é
denegada, em primeiro grau, na primeira instância. O Recurso Ordinário Constitucional
para o Superior Tribunal de Justiça, quando a ordem não é concedida em primeiro ou
último grau de jurisdição na segunda instância, ou seja, nos Tribunais de Justiça, ou
Tribunais Regionais Federais.
A via recursal ordinária, apesar de existente, se encerra no Superior Tribunal de
Justiça, tendo em vista, que não cabe Recurso Ordinário Constitucional para O Supremo
Tribunal Federal, quando a ação de habeas corpus se origina na primeira instância ou nos
Tribunais de Justiça, ou Tribunais Regionais Federais, porque, conforme o artigo 102, II, a
da Constituição da República federativa do Brasil de 1988, só tem cabimento o Recurso
87

Ordinário para o Supremo Tribunal, nas hipóteses em que a ordem é denegada


originariamente no Superior Tribunal de Justiça.
A possibilidade da utilização da via da ação autônoma de impugnação, por
meio do habeas corpus substitutivo, ao invés da via recursal adequada, sempre foi aceita na
doutrina e na jurisprudência, desde o tempo do Brasil império, sem grandes dissenções de
pensamento. Consistia em um meio célere e eficaz de buscar a proteção do direito de
liberdade das pessoas naturais.
Até o ano de 2012, o Supremo Tribunal Federal admitia a utilização do
chamado habeas corpus substitutivo, a partir de 7 de agosto de 2012, no HC 109956, o
entendimento da corte mudou e passou a não mais admitir essa espécie de habeas corpus,
nas hipóteses em que haja previsão legal para a utilização da via recursal. O Superior
Tribunal de Justiça também adotou posição semelhante, não conhecendo dos habeas corpus
substitutivos, quando for cabível o Recurso Ordinário Constitucional ou o Recurso
Especial.

A mudança no posicionamento dos Tribunais Superiores se deu, em grande


parte, devido ao grande volume de processos, provocado pela utilização, recorrente, da via
da ação autônoma de impugnação, ou seja, pela utilização dos habeas corpus substitutivos.
Os tribunais superiores, em especial o Supremo Tribunal Federal, aparentemente mudou
seu posicionamento jurisprudencial, em razão de um excesso de trabalho, passando a
adotar, como forma de resguardo a chamada jurisprudência defensiva, obstando o acesso
das pessoas à prestação jurisdicional. No Supremo Tribunal a mudança de entendimento
teve inicio na primeira turma, conforme é possível se observar do volto do Ministro Marco
Aurélio Mello.

07/08/2012 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 109.956 PARANÁ

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Inicialmente, aponto a existência


de pronunciamento de Colegiado indeferindo a ordem. Consigno a óptica sobre a inadequação
do habeas corpus quando o caso sugere recurso ordinário constitucional.
A Carta Federal encerra como garantia maior essa ação nobre voltada a preservar a liberdade de
ir e vir do cidadão – o habeas corpus. Vale dizer, sofrendo alguém ou se achando ameaçado de
88

sofrer violência ou coação à liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, cabe
manusear o instrumental, fazendo-o no tocante à competência originária de órgão julgador.
Em época na qual não havia a sobrecarga de processos hoje notada – praticamente
inviabilizando, em tempo hábil, a jurisdição –, passou-se a admitir o denominado habeas
substitutivo do recurso ordinário constitucional previsto contra decisão judicial a implicar o
indeferimento da ordem. Com isso, atualmente, tanto o Supremo quanto o Superior Tribunal de
Justiça estão às voltas com um grande número de habeas corpus – este Tribunal recebeu, no
primeiro semestre de 2012, 2.181 habeas e 108 recursos ordinários e aquele, 16.372 habeas e
1.475 recursos ordinários. Raras exceções, não se trata de impetrações passíveis de serem
enquadradas como originárias, mas de medidas intentadas a partir de construção
jurisprudencial.
O Direito é orgânico e dinâmico e contém princípios, expressões e vocábulos com sentido
próprio. A definição do alcance da Carta da Republica há de fazer-se de forma integrativa, mas
também considerada a regra de hermenêutica e aplicação do Direito que é a sistemática. O
habeas corpus substitutivo do recurso ordinário, além de não estar abrangido pela garantia
constante do inciso LXVIII do artigo 5º do Diploma Maior, não existindo sequer previsão legal,
enfraquece este último documento, tornando o desnecessário no que, nos artigos 102, inciso II,
alínea a, e Supremo Tribunal Federal Voto-MIN.MARCOAURÉLIO155 (grifo nosso)

A posição adotada pela ampla maioria dos ministros da 1ª Turma do Supremo


Tribunal Federal, foi levada para análise em plenário no habeas corpus 113.198 Piauí cujo
relator e o Ministro Dias Toffoli, que persiste no entendimento quanto ao cabimento dos
habeas corpus substitutivos156. O entendimento adotado pela 1ª Turma do STF tem
provocado uma série de reações negativas na comunidade jurídica, com críticas veementes
e constantes, ao posicionamento refratário à utilização ampla do habeas corpus, como
remédio hábil a garantir o direito de liberdade das pessoas em todas as instâncias.

O uso da jurisprudência defensiva pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal


objetivando diminuir o excesso de trabalho, de certa forma restaura, uma situação que
existia no Brasil, durante o regime militar, 1964 a 1985, que, com a edição dos Ato
Institucional nº 5 de 13 de dezembro de 1968 e posteriormente com o Ato Institucional nº 6
de 1º de fevereiro de 1969, alteraram a Constituição de 1967 limitando a utilização do
habeas corpus no território nacional, e os poderes do Supremo Tribunal Federal, não
permitindo o conhecimento de habeas corpus substitutivos.

O Ato Institucional nº 5 fez uma profunda modificação no ordenamento


jurídico brasileiro, a fim de tentar tornar não legítimos, mas pelo menos legais, os atos
perpetrados pelo governo autoritário que se instalara. Dentre essas alterações tem-se a
supressão de garantias individuais, e a vedação da utilização de habeas corpus para a
pratica de determinados crimes, bem como o afastamento do controle jurisdicional de
155
Consulta feita em 27/07/2015. Disponível em: http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22379023/habeas-
corpus-hc-109956-pr-stf/inteiro-teor-110663951
156
Toffoli defende que Supremo aceite HC substitutivo. Direito a Liberdade. Conjur. 19 de dezembro de
2013. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-dez-19/toffoli-stf-nao-rejeitar-hc-substitutivo-devido-
sobrecarga, e http://s.conjur.com.br/dl/voto-toffoli-hc-substitutivo.pdf., e
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6873134 Consulta feita em
17/05/2015
89

qualquer ato praticado pela administração pública, que estivessem em consonância com o
referido Ato.

 Art. 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos,
contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.

         Art. 11 - Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de
acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos
efeitos.

         Art. 12 - O presente Ato Institucional entra em vigor nesta data, revogadas as
disposições em contrário.

         Brasília, 13 de dezembro de 1968; 147º da Independência e 80º da República.157

O Ato Institucional nº 6 ampliou as disposições do Ato Institucional nº 5 e


vedou a utilização do habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, prática libertária
comum no Brasil desde o tempo do império 158 conforme se observa do texto estabelecido
no art 114, II, a do referido Ato

 Art. 1º - Os dispositivos da Constituição de 24 de janeiro de 1967 adiante indicados, passam a


vigorar com a seguinte redação:

"Art. 113 - O Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da União e jurisdição em todo o
território nacional, compõe-se de 11 (onze) Ministros.

§ 1º - Os Ministros serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha


pelo Senado Federal, dentre brasileiros natos, maiores de trinta e cinco anos, de notável saber
jurídico e reputação ilibada.

§ 2º - Os Ministros serão, nos crimes de responsabilidade, processados e julgados pelo Senado


Federal."

"Art. 114 - Compete ao Supremo Tribunal Federal:

II - julgar, em recurso ordinário:


157
Texto Original extraído do Ato Institucional nº 5 de 13 de dezembro de 1968. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br//CCIVIL_03/AIT/ait-05-68.htm.
158
Lei nº 29 de novembro de 1832 – Código de Processo Criminal.  Art. 340. Todo o cidadão que entender,
que elle ou outrem soffre uma prisão ou constrangimento illegal, em sua liberdade, tem direito de pedir uma
ordem de - Habeas-Corpus - em seu favor [...] Art. 342. Qualquer Juiz de Direito, ou Juizes Municipaes, ou
Tribunal de Justiça dentro dos limites da sua jurisdicção, á vista de uma tal petição, tem obrigação de mandar,
e fazer passar dentro de duas horas a ordem de - Habeas-Corpus - salvo constando evidentemente, que a parte
nem póde obter fiança, nem por outra alguma maneira ser alliviada da prisão.[...] Consulta feita em
27/07/2015, disponível em : http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-29-11-1832.htm
90

a) os habeas corpus decididos, em única ou última instância, pelos Tribunais locais ou federais,
quando denegatória a decisão, não podendo o recurso ser substituído por pedido
originário;159(grifo nosso)

O cerceamento de eventuais Ações, como o habeas corpus, cuja a finalidade era


garantir o controle, por parte do poder judiciário, de atos que atingissem o direito de ir e vir,
durante o Regime Militar, bem como a redução do âmbito de atuação da função
jurisdicional do Estado, não causa estranheza devido à natureza autoritária dos governos
que se seguiram naquela época, porém, surpreendente é a Corte Constitucional, se impor
uma autolimitação, por entendimento jurisprudencial, em pleno vigor do Estado
Democrático de Direito, somente para evitar o excesso ou sobrecarga de trabalho.

É bem verdade que os Ministros do Supremo Tribunal Federal, quando


consideram grave a violação ao direito ambulatorial, apensar de não conhecerem do habeas
corpus, em razão do seu caráter substitutivo de recurso, concedem a ordem de ofício,
tutelando, dessa maneira, o direito de liberdade. Contudo, a solução dada por meio da
concessão da ordem de ofício, não garante a efetiva segurança jurídica que o direito de ir e
vir das pessoas necessita, tendo em vista que, nos casos de concessão de ofício, é realizada
a devida fundamentação, porém, quando o habeas corpus não é conhecido, e a ordem não é
concedida de ofício, a fundamentação restringe-se aos motivos do não conhecimento da
ação, não fazendo menção às razões pelas quais a ordem não foi concedida de ofício.

O não conhecimento do habeas corpus substitutivo, quando da não concessão


da ordem de ofício, deveria vir acompanhado de uma fundamentação exauriente e
esclarecedora dos motivos pelos quais o cerceamento ou a ameaça ao direito de liberdade
configura-se em consonância com o ordenamento jurídico. Tal fato não ocorre, permitindo
a sensação de insegurança jurídica no seio da sociedade.

Infelizmente, o posicionamento atual do Supremo Tribunal Federal, com


relação aos habeas corpus substitutivos, representa um perigoso retrocesso para as
garantias democráticas, especialmente, no que diz respeito ao livre acesso à justiça, célere e
eficaz, deixando, de certa maneira, ao desamparo o bem mais relevante que as pessoas
naturais possuem, depois da própria vida. Não há notícias, na história do Brasil, de tamanho
retrocesso, salvo, em épocas de regimes ditatoriais. Lamentável!

Texto original extraído do Ato Institucional nº 6 de 1º de fevereiro de 1969. Disponível em:


159

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-06-69.htm. Consulta feita em 17/05/2015


91

Capítulo IV - A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL


FEDERAL NOS ANOS DE 2012, 2013 E 2014

1 – Levantamento de dados estatístico

O ano de 2012, especialmente a partir do mês de agosto representou uma


grande mudança para a ação de habeas corpus, particilarmente os impetrados em
substituição a recursos.

Tomando como base os informativos de jurisprudência o Supremo Tribunal


Federal, mesmo sendo eles apenas um recorte, uma amostra de todas as ações decididas
pelo Supremo Tribunal Federal em um determinado ano, é possível ter uma ideia, do
volume de trabalho na Corte Constitucional durante esse período de tempo. Analisando os
dados absolutos, que englobam as competências penal, da justiça militar, da infância e
juventude, do direito constitucional, do direito eleitoral, etc, pode-se perceber que, no ano
de 2012, foram julgados 126 habeas corpus, no ano de 2013, primeiro ano após a mudança
efetivada pela aplicação da jurisprudência defensiva, foram decididos cerca de 99 habeas
corpus, e no ano de 2014 esse número caiu para 64160. Aparentemente, pelo menos nos anos
analisados, a jurisprudência defensiva teve o condão de reduzir consideravelmente o
número de ações de habeas corpus postas para julgamento.

160
Dados obtidos no site do Supremo Tribunal Federal. Consulta feita em 18/12/2015. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=publicacaoInformativoTema
92

Total de habeas decididos


126

99

64

2012 2013 2014 Categoria 4

Série 1 Série 2 Série 3

A observação dos dados estatísticos permite concluir, pelo menos com base nos
informativos de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal analisados que, do ano de
2012 para o ano de 2013 ocorreu uma redução de 21,42% nas decisões em ações de habeas
corpus no Supremo Tribunal Federal, e em 2014 constata-se uma redução de 35,35% em
relação ao ano de 2013 e de 49,21% em relação ao ano de 2012. Os dados estatísticos
demonstram, claramente, a queda vertiginosa do número de ações de habeas corpus
julgados no Supremo Tribunal Federal, nos anos de 2013 e 2014.

A análise dos dados estatísticos permite, também, diferenciar a carga de


trabalho por competência. No ano de 2012 os habeas corpus impetrados, tratando de
matéria de direito penal e processual penal foram 108, na competência da justiça militar 15,
2 tratando da matéria relativa à infância e juventude e 1 de direito constitucional, onde se
discutiu o direito à sustentação oral, em sede de Correição Parcial no âmbito do Superior
Tribunal Militar.

Sustentação oral em correição parcial e prerrogativa da DPU A 2ª Turma


concedeu parcialmente habeas corpus a fim de garantir à defesa o direito de apresentar razões
escritas e de realizar sustentação oral na ocasião do julgamento de correição parcial proposta,
no STM, em desfavor do paciente. No caso, o feito fora promovido naquele tribunal com o
objetivo de desconstituir sentença proferida por Conselho Permanente de Justiça, o qual julgara
93

extinta, sem resolução de mérito, ação penal em que o réu seria processado pela suposta prática
do crime de deserção. O pleito da Defensoria Pública da União — de que fosse intimada da data
da apreciação da correição parcial com a finalidade de proferir sustentação oral — fora
indeferido pelo tribunal a quo, mediante a justificativa de que o procedimento não teria sido
suscitado por nenhuma das partes do processo, mas sim pelo juiz-auditor corregedor. A
impetração sustentava ofensa ao contraditório e à ampla defesa e requeria que fosse: a)
concedida vista dos autos à instituição para apresentação de razões escritas, porquanto o feito
teria o intuito de desconstituir sentença favorável ao paciente; b) deferida a oportunidade de
defender oralmente suas razões quando do julgamento da correição em tela; e c) assegurado a
membro da DPU o exercício de sua prerrogativa legal de sentar-se no mesmo plano do
Ministério Público (Lei Complementar 80/94, art. 4º,§ 7º). Verificou-se que o direito de
sustentar oralmente nas correições parciais adviria do próprio regimento interno do órgão em
questão, pelo que deveria ter sido franqueado à defesa. Citou-se jurisprudência do STF segundo
a qual deveria ser atendido o pedido explícito da instituição de defender oralmente suas razões.
Com relação ao requerimento de sentar-se no mesmo plano do parquet, denegou-se a ordem.
Explicou-se que a matéria não poderia ser apreciada, porque não relativa ao risco aparente à
liberdade de locomoção, de modo a justificar sua arguição pela via estreita do writ. Precedente
citado: HC 112839/RJ (DJe de 17.9.2012). HC 112516/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski,
11.9.2012. (HC-112516)161

No ano de 2013 os habeas corpus decididos em matéria penal e processual


penal perfizeram um total de 87, na competência da Justiça Militar foram 10, além destes
teve 1 na competência da infância e Juventude, e 1 na competência da justiça eleitoral, onde
se discutiu deserção por falta de pagamento do valor devido pelas fotocópias para formação
do traslado no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral.

Ação penal pública e preparo. A deserção por falta de pagamento do valor devido
pelas fotocópias para formação do traslado, quando se trate de ação penal pública, traduz rigor
formal excessivo, por impossibilitar o exercício da ampla defesa. Com base nessa orientação, a
1ª Turma concedeu habeas corpus para afastar a deserção por ausência de preparo e determinar
que o Tribunal Superior Eleitoral julgue o recurso do paciente. No caso, o Tribunal Regional
Eleitoral o condenara pela prática do crime de transporte irregular de eleitores no dia eleição
(Lei 6.091/74, artigos 10 e 11, c/c o art. 302 do Código Eleitoral). A defesa interpusera recurso
especial e, ante a inadmissão, agravo de instrumento o qual fora desprovido por falta de
pagamento do valor devido a título de fotocópias para formação do traslado (Código Eleitoral,
art. 279, § 7º). Asseverou-se que haveria previsão legal no sentido de que a deserção se
configuraria apenas quando se tratasse de ação penal privada (CPP: “Art. 806 ... § 2º A falta do
pagamento das custas, nos prazos fixados em lei, ou marcados pelo juiz, importará renúncia à
diligência requerida ou deserção do recurso interposto”), e não de ação penal pública, como na
espécie. HC 116840/MT, rel. Min. Luiz Fux, 15.10.2013. (HC-116840)162
161
Dados obtidos no site do Supremo Tribunal Federal. Consulta feita em 18/12/2015. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoInformativoTema/anexo/
Compilacao_Informativo_mensal_2012_2.pdf
162
Dados obtidos no site do Supremo Tribunal Federal. Consulta feita em 18/12/2015. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoInformativoTema/anexo/
94

No ano de 2014, último ano em que foi feita a coleta de dados para este
trabalho, foi possível observar que de um total de 64 habeas corpus impetrados, 51 foram
na competência penal e processual penal, 8 na competência da justiça militar, 4 tratando de
matéria relativa à infância e juventude e 1 na competência do processo civil, onde foi
discutido questão de tempestividade em Agravo Regimental no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça:

Diário da Justiça eletrônico e disponibilização. A 1ª Turma denegou habeas


corpus em que se sustentava a tempestividade de agravo regimental interposto no STJ, ao
argumento de que aquela Corte teria antecipado o dies a quo do prazo recursal, o que afrontaria
a Lei 11.419/2006 (Art. 4º ... § 4º. Os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que
seguir ao considerado como data da publicação). A Turma asseverou que a expressão
disponibilização contida no § 3º do art. 4º da Lei 11.419/2006 (§ 3º. Considera-se como data da
publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da
Justiça eletrônico) indicaria a data em que o ato fora divulgado às partes no Diário da Justiça
eletrônico. Destacou que o sítio do STJ permitiria pesquisa pela data de publicação e pela data
de disponibilização. Apontou que a decisão questionada fora disponibilizada no DJe de
24.9.2013 e publicada em 25.9.2013 (terça-feira). Aduziu que o prazo recursal de cinco dias
começara a transcorrer em 26.9.2013 (quarta-feira) e cessara em 30.9.2013 (segunda-feira),
sendo o agravo protocolizado em 1º.10.2013 intempestivo. HC 120478/SP, rel. Min. Roberto
Barroso, 11.3.2014. (HC-120478)163

Compilacao_Informativo_mensal_2013.pdf
163
Dados obtidos no site do Supremo Tribunal Federal. Consulta feita em 18/12/2015. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoInformativoTema/anexo/
Compilacao_Informativo_mensal_2014.pdf
95

Número de habeas corpus por


competência

108

87

51

15
10 8
2 1 0 0 4
2012 1 0 1 0
2013 0 0 1
2014 Categoria 4

Dir. Penal Jus Militar Infa Infância


Dir Cosnt Eleitoral Proc. Civil

A análise dos dados estatísticos permite ainda perceber que a maior parte da
demanda de ações de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal se concentram na
matéria penal e processual penal. No ano de 2012 representou 87,71% dos habeas corpus
impetrados, tendo restado para a competência da justiça militar 11,90%, 1,58% para
questões relativas à infância e juventude e 0,79% para questão de direito constitucional. No
ano de 2013 a matéria penal e processual penal representou um 87,88% dos habeas corpus
decididos, tendo a competência da justiça militar ficado com 10,10% dos habeas corpus
decididos, a infância e juventude e a competência da justiça eleitoral, com 1,01% das
demandas. No ano de 2014, a análise observa que: 79,69% dos habeas corpus decididos no
Supremo Tribunal Federal trataram da matéria de direito penal e de direito processual
penal; a justiça militar foi responsável por 12,5% das demandas, a infância e juventude
96

6,25%, e o processo civil 1,56% do total de ações de habeas corpus decididos no Supremo
Tribunal Federal.

Diferenciando-se os habeas corpus, por competência, é possível se observar


uma diversidade de números ao longo dos anos analisados, sendo que a matéria de direito
penal e de direito processual penal apresentam especial preponderância com relação às
demais competências. Algumas exceções puderam ser observadas na utilização do habeas
corpus em matéria de direito constitucional, de direito eleitoral, e até em matéria de direito
processual civil, mas estes são exceções. Há ainda um número considerável de ação de
habeas corpus na competência da justiça militar e na competência da infância e juventude,
porém, nada que se compare com a utilização ordinária no direito penal.

O efeito da redução de ações de habeas corpus julgados no Supremo Tribunal


Federal, por conta da jurisprudência defensiva, atinge diretamente as pessoas comuns, ou
seja, aquelas que supostamente praticaram crimes, que, por vezes, são as que mais
necessitam da intervenção do Poder Judiciário. Além disso, essas decisões reverberam por
toda a sociedade, na medida em que podem ser utilizadas, como argumento de autoridade 164
para fundamentar outras decisões.

2 – A jurisprudência defensiva e o habeas corpus

Os posicionamentos adotados pelo Supremo Tribunal Federal possuem uma


grande relevância e repercussão no ordenamento jurídico brasileiro, servindo de base para a
interpretação jurisprudencial, em grande parte devido ao conteúdo político das decisões
proferidas pela suprema corte do Brasil.

Argumento de autoridade (ab autoritatem) - é o argumento que se vale da lição de uma pessoa conhecida,
164

um especialista em determinada área, ele serve para dar credibilidade a uma afirmação feita. As citações de
doutrina e jurisprudência são os exemplos claros de argumento de autoridade, elas tem a finalidade de
convencer o interlocutor de que a colocação feita é verdadeira.
97

O entendimento de que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal


tem um caráter político ocorre porque elas revelam uma capacidade de imposição coercitiva
da vontade do Estado Juiz. Nesse sentido está o pensamento de Rafael Mario Iorio Filho:

Em outras palavras, em um primeiro plano de compreensão, as decisões do


Supremo Tribunal Federal são políticas por sempre envolverem processos de escolha de
posicionamentos quanto à limitação ou atuação do poder do Estado.165

Rafael Mario Iorio Filho faz um estudo das decisões do Supremo Tribunal
Federal com relação à intervenção federal, utilizando como base a Teoria da Análise
Semiolinguística do Discurso de Patrick Charaudeau 166, que sustenta, resumidamente, para
o discurso político, a existência de um “contrato de comunicação” em que um indivíduo
ocupa a posição de locutor e o outro de receptor do discurso, ocorrendo uma interrelação
entre os agentes, que de certa forma esperam um determinado comportamento e
conhecimentos preexistentes, uns dos outros.

Fernanda Duarte e Rafael Mario Iorio Filho, ao analisarem a questão da


igualdade jurídica e a imunidade parlamentar, esclarecem a metodologia da análise do
discurso:

A metodologia proposta por Charaudeau situa-se na moldura da chamada Teoria


Semiolinguística do discurso, pois se alinha a uma tradição de estudo dos gêneros deliberativos
e da persuasão codificados pela retórica aristotélica. Parte-se de uma problemática da
organização geral dos discursos, fundamentando-se em um projeto de influência do EU sobre o
TU em uma situação dada , e para qual existe um contrato de comunicação implícito de
interação social. A perspectiva de Charaudeau associa os seguintes fatores: a) a análise da
situação – aborda os gêneros do discurso associados às práticas sociais, consideradas na
estrutura das forças simbólicas (habitus) estabelecidas e reproduzidas no campo de poder no
qual situa-se o estatuto de cada autor; b) o discurso performatizado – o discurso e o estatuto do
autor são reproduzidos consciente e/ou inconscientemente pelo locutor na enunciação do que é
dito; c) a semilolimguística – o texto produzido é resultado de processos em que os sujeitos
comunicantes se relacionam em ação de influência sobre o TU perpassando diversas finalidades
e situações comunicativas.167

165
IORIO FILHO. Rafael Mario. Uma questão da cidadania: O papel do Supremo Tribunal Federal na
intervenção federal. Editora CRV, Curitiba, 2014.
166
CHARAUDEAU. Patrick. O Discurso Político 2ª edição. tradução Fabiana Komesu e Dilson Ferreira da
Cruz. Editora Contexto, 1ª reimpressão. São Paulo. 2013.
167
DUARTE. Fernanda e IORIO FILHO. Rafael Mario. Artigo Supremo Tribunal Federal: uma proposta de
análise jurisprudencial- a igualdade jurídica e a imunidade parlamentar. Disponível em:
http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/fernanda_duarte.pdf. Consulta feita em
21/12/2015
98

Charaudeau correlaciona o discurso político com poder político, porque o


governo usa da palavra e do argumento de autoridade para convencer as pessoas da
validade de seus programas. Nesse sentido afirma o autor:

O governo da palavra não é tudo na política, mas a política não pode agir sem a
palavra: a palavra intervém no espaço de discussão para que seja definido o ideal dos fins e os
meios da ação política; a palavra intervém no espaço de ação para que sejam organizadas e
coordenadas a distribuição das tarefas e a promulgação das leis, regras e decisões de todas as
ordens; a palavra intervém no espaço de persuasão para que a instância política possa convencer
a instância cidadã dos fundamentos de seu programa.168

Patrick Charaudeau complementa seu raciocínio demonstrando que a palavra,


no discurso político, é utilizada como forma de dominação das pessoas na sociedade,
forçando-as à submissão, citando o entendimento de Max Weber o autor afirma:

Logo diz, de um lado Weber (para quem o poder político está diretamente ligado
à dominação e à violência, por meio do Estado que, tendo força de dominação, impõe sua
autoridade sob aparência de legalidade e obriga os homens a saberem-se dominados, portanto, a
submeterem-se.169

A repercussão das decisões do Supremo Tribunal Federal possuem uma


especial relevância porque, enquanto discurso político, a influência que o EU, representado
pelo Supremo Tribunal Federal exerce sobre o TU, representado pela sociedade em geral,
impondo a autoridade de seu discurso e das suas decisões, reverbera por toda a sociedade e,
em especial, no âmbito jurídico, habituado a usar essas decisões como argumento de
autoridade na interpretação das leis. Dessa maneira, quando é adotada uma jurisprudência
defensiva, na corte constitucional brasileira, esta traz consequências que atingem, de um
modo geral, direta ou indiretamente todas as pessoas, em especial, no caso da ação de
habeas corpus, particularmente, a questão se torna ainda mais preocupante, tendo em vista
que, em última análise, o que está sendo vulnerado é próprio direito de ir e vir de todas as
pessoas naturais no território brasileiro.

168
Idem item 160
169
Idem item 160
99

A jurisprudência defensiva não é causa, ela é uma consequência de um grande


número de decisões conflitantes, que, por sua vez, decorrem da subjetividade dos
julgadores na hora de tomarem suas decisões, fato que acaba provocando uma sobrecarga
de trabalho nos Tribunais Superiores. O artigo 155 do Código de Processo Penal estabelece
que os juízes irão formar a sua convicção pela livre apreciação das provas produzidas em
contraditório judicial. Estabelecendo, portanto, o sistema do livre convencimento motivado.
A consequência da adoção desse sistema é possibilitar, em algumas situações, o que Lênio
Streck denomina de solipsismo judicial170, ou seja, os juízes decidindo conforme a
consciência, sem observar, por vezes, os princípios constitucionais norteadores do Estado
Democrático de Direito.

O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, este


especialmente, por ser a corte constitucional, cuja competência principal deveria ser fazer o
controle de constitucionalidade, sofrem uma grande pressão em razão da enorme
proliferação de ações, em grande parte provocadas em razão da própria ineficiência do
Estado em apresentar soluções satisfatórias para as necessidades públicas. Aliado ao
aumento do número de ações judiciais, que corrobora para o aumento da demanda nos
tribunais superiores, as decisões judiciais díspares, fundadas não nos valores democráticos,
mas sim na subjetividade dos juízes.

Como defesa os tribunais passam a adotar estratégias objetivando diminuir, ou


restringir o número de demandas, a fim de viabilizar o próprio funcionamento eficaz do
tribunal, para suas competências ordinárias. Isso é feito, por meio da exigência de
prequestionamento, repercussão geral, e pela edição de súmulas vinculantes.

O prequestionamento é um pressuposto recursal objetivo, os recursos nos


tribunais superiores só são conhecidos se a matéria tiver sido discutida expressamente em
um tribunal estadual, ou em um tribunal federal. Ausente esse pressuposto o recurso não
será nem conhecido.

A repercussão geral é também um pressuposto recursal consiste na existência,


ou não, de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social, ou jurídico, que

STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – as garantias processuais penais?. 4ª edição. Editora Livraria do
170

Advogado. Porto Alegre. 2012


100

ultrapassem os interesses subjetivos das partes. Assim, a repercussão geral refere-se à


necessidade de que a matéria impugnada no recurso apresente a qualidade de fazer com que
parcela representativa de um determinado grupo de pessoas possa experimentar, ainda que
de forma indireta, a influência da decisão tomada no recurso.

A repercussão geral e o prequestionamento são dois pressupostos, ou requisitos


de admissibilidade recursal, que devem ser analisados em conjunto, porque a matéria
prequestionada será exatamente a matéria que será alvo da análise da repercussão geral.

Os dois requisitos de admissibilidade representam um importante instrumento


no desafogamento de recursos no Supremo Tribunal Federal, reduzindo as demandas
recursais em até 70%171, porém, o uso destes filtros deve ser feito com uma certa cautela. A
sua utilização deles deve observar padrões mínimos de coerência, não pode ter um caráter
universalizante nem tão pouco servir de instrumento para obstacular a análise de
determinadas matérias, afastando, por meio do argumento de autoridade, o direito do
jurisdicionado ao acesso de revisão da constitucionalidade de uma decisão proferida.

Outro valoroso mecanismo importante para reduzir as demandas recursais,


especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, são as súmulas vinculantes, estas
consistem em uma espécie de súmula de jurisprudência, de observância obrigatória, que
impedem os juízes, de instâncias inferiores, decidirem de maneira diferente do
entendimento pacificado no Supremo Tribunal Federal.

Até 7 de agosto de 2012, com a decisão do relator, Ministro Marco Aurélio


Melo, no HC 109956, era comum a utilização da via da ação autônoma de impugnação, por
meio do habeas corpus, que iam se substituindo, na medida em que a ordem ia sendo
negada, tornando o órgão jurisdicional autoridade coatora, até chegar ao Supremo Tribunal
Federal. Por certo, que devido a subjetividade dos julgadores, que utilizam a filosofia da
consciência para decidirem e, por vezes, com fundamentações inadequadas, os habeas
corpus substitutivos sobrecarregaram as pautas de julgamento dos tribunais superiores,
causando atraso no julgamento de outras ações e recursos, em razão da prioridade de
tramitação que caracteriza a ação de habeas corpus.
171
STRECK Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. 4ª edição. Editora Revista dos
Tribunais. São Paulo. 2014.
101

Os tribunais superiores, como forma de defesa, passaram a rejeitar as ações de


habeas corpus substitutivos, quando a lei estabelecesse, como adequada a via recursal, tal
determinação é clara no que diz respeito a ação de mandado de segurança. Por força do
artigo 5º, II da Lei 12016/ 09 172, porém, tal vedação não se repete para a ação de habeas
corpus no Código de Processo Penal, e a utilização subsidiária da Lei do Mandado de
Segurança, para restringir uma garantia constitucional, estaria contrariando frontalmente
toda a sistemática das garantias constitucionais, que admitem somente uma interpretação
ampliativa, jamais uma interpretação restritiva.

Até mesmo a utilização do princípio da proporcionalidade defendido por Robret


Alexy173 com base na jurisprudência e filosofia dos valores 174, torna duvidoso o
posicionamento adotado pelos tribunais superiores, especialmente, o Supremo Tribunal
Federal, até porque, o procedimento defendido por Alexy serve para resolver uma colisão
em abstrato de princípios constitucionais. A sua tese não envolve uma escolha direta 175. O
direito de liberdade, em sendo um bem de maior valor, consagrado em todos os Estados
verdadeiramente democráticos, a sobrecarga de trabalho, sem menosprezar a relevância das
demais ações de competência da Corte Constitucional brasileira, não seria um valor capaz
de superar o direito de liberdade, fazendo com que a proteção deste direito pudesse ser
relegado a um segundo plano, ou ao plano das vias recursais.

Os recursos, mesmo assegurando de certa forma o acesso à justiça, não o fazem


de maneira mais eficaz do que a ação de habeas corpus, na medida em que exigem o
pagamento de custas e o patrocínio de um advogado, tendo em vista que, nas vias recursais,
não se dispensa a capacidade postulatória.

172
Art. 5o  da Lei 12016/09: Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I - de ato do qual caiba
recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; II - de decisão judicial da qual
caiba recurso com efeito suspensivo; III - de decisão judicial transitada em julgado.
173
ALEXY,Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. 3ª edição. Editora Forense, Rio de Janeiro, 2013
174
A Jurisprudência dos valores surgiu na Alemanha, com a finalidade de equalizar a constituição outorgada
pelos aliados, no pós-guerra, 1949, com os valores do povo alemão. Decorre dessa situação a afirmação de
que, na Alemanha daquela época, a justiça poderia ser distinta da lei. Assim a jurisprudência dos valores seria
um mecanismo de abertura de uma legalidade extremamente fechada. (Lenio Streck: O que é isso – decido
conforme a minha consciência? Editora livraria do advogado. 2013 Páginas 20 e 21)
175
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto - decido conforme a minha consciência?. 4ª edição. Editora Livraria do
Advogado. Porto Alegre. 2013, páginas 53 e 54
102

No caso do Recurso Extraordinário, as restrições apresentam-se ainda de forma


mais gravosa, porque, além das exigências já mencionadas, a análise do mérito estará
sujeita ao prequestionamento e à presença de repercussão geral, dificultando ainda mais o
acesso direto à apreciação de eventuais ilegalidades que atinjam o direito de ir e vir de uma
pessoa, por parte do Supremo Tribunal Federal, possibilitando o prolongamento de
eventuais prisões, de forma inadequada, em detrimento da observância do princípio geral
do ordenamento jurídico brasileiro, que é a liberdade, estabelecida de forma expressa no
artigo V, incisos LXV e LXVI da Carta Constitucional de 1988.

Não há como se olvidar a necessidade intrínseca de tomar decisões na função


de julgar, contudo, tomar uma decisão, mesmo diante da dificuldade de um caso, não deve,
nem pode significar, escolher uma entre duas situações. O julgador deve desenvolver uma
atividade intelectual, utilizando, como base, as normas constitucionais, especialmente em
um Estado Democrático de Direito, para apresentar a resposta adequada para a situação
proposta,176 ou seja, a resposta constitucionalmente adequada.

Não é por meio de uma escolha simplista, de cercear a utilização do habeas


corpus substitutivo, que se soluciona a questão da sobrecarga nos tribunais superiores, é
preciso se buscar uma resposta adequada, que permita ao mesmo tempo tutelar o direito de
liberdade, sem inviabilizar os trabalhos nas cortes superiores. Torna-se, portanto, necessário
se encontra mecanismos adequados para a solução da questão, sem cercear o direito das
pessoas ao acesso à função jurisdicional do Estado, na defesa do seu direito de liberdade.

A decisão proferida pelo Ministro Marco Aurélio Mello no HC 109956 de 7 de


agosto de 2012, seguida por seus pares, traz à lembrança de triste época da história do
Brasil, em que as liberdades, bem como o acesso à justiça encontravam-se tolhidas por
forças antidemocráticas, não uma nem duas, mas pelo menos por três ou quatro vezes os
ideais democráticos do povo brasileiro foram cerceados, expurgados pelas mãos de ferro
dos que assumiram a chefia do Poder Executivo. A lembrança mais recente dessa espécie
de limitação remonta a 1968 e 1969, com a imposição dos Atos Institucionais número 5 e
número 6, que fizeram desaparecer qualquer pretensão de resguardo do direito de ir e vir
por meio da ação de habeas corpus.
176
DOWRKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. 3ª edição, Editora Martins Fontes, 2010
103

A circunstância do Supremo Tribunal Federal ter adotado como forma de


jurisprudência defensiva o não conhecimento de ações de habeas corpus substitutivos de
recurso, restaurando, de forma institucional, uma situação existente ao tempo da Ditadura
Militar iniciada em 1964, possibilita maiores reflexões. Eugeniusz Costa Lopes da Cruz, ao
desenvolver seu estudo da justiça de transição pós Regime Militar, observou com
perspicácia a existência do que chamou de resquícios de autoritarismo nas práticas do
governo em pleno Estado Democrático de Direito. O autor chegou a essa conclusão
analisando a forma de atuação de alguns chefes do Poder Executivo, pós Constituição de
1988, que, frente a situações de conflito de cunho civil, ao invés de se utilizarem da força
policial, recorreram ao uso Forças Armadas, como meio de reprimir manifestações que se
valiam de recursos democráticos, tais como greve, para externar uma insatisfação legítima.
Nesse sentido são as palavras do autor:

Assim surge o alerta sobre os efeitos antidemocráticos que as práticas dessas


categorias podem causar na estabilidade da cultura jurídica e política no Brasil. Sob esse
prisma, percebe-se que prática de atos típicos de tempos de exceção ainda estão presentes no
cotidiano do exercício do Poder estatal, especialmente nas ações relacionadas ao controle
social, com sua inegável tendência arbitrária, no decurso da utilização de auxílio militar em
situações que tipicamente deveria ser controladas por forças policiais, em uma coletividade em
processo de cicatrização das feridas causas pelo autoritarismo.177

Eugeniusz Cruz atribui a existência de um resquício autoritário na cultura


jurídica e política do Brasil pós Constituição de 1988, em razão da forma pela qual o poder
constituinte originário se instalou em 1987, ele não observou nenhuma das formas
tradicionais de ruptura:

Em que pese a Constituição de 1988 tenha avançado em muitos sentidos, como


no deslocamento do capítulo referente aos direitos fundamentais para a abertura do texto
fundante, o Brasil deixou de avançar em alguns aspectos, em decorrência do fato de seu regime
democrático ter sido pactuado entre a oposição consentida e o governo militar, não podendo,
portanto, ser compreendida na chave clássica das constituições que sucedem movimentos
revolucionários vitoriosos.178
177
CRUZ, Eugeniusz Costa Lopes da. Justiça de transição no Brasil: análise crítica da persecução penal dos
agentes do regime militar. Editora Juruá. Curitiba. 2015
178
Idem item 170
104

O estudo dos resquícios autoritários na justiça de transição do Brasil, traz


elementos de reflexão interessantes, quanto à utilização por parte do Supremo Tribunal
Federal, de uma jurisprudência defensiva, que se vale como instrumento, a vedação da ação
de habeas corpus substitutivo de recurso, à semelhança do que foi imposto pelos Atos
Institucionais número 5 e, em especial, pelo ato Institucional número 6. É bem verdade que
a situação fática atual apresenta-se completamente diferente da que existia durante o
Regime Militar. Não há mais uma limitação exógena operada pelo Poder Executivo, mas
autolimitação efetivada pelo Próprio Supremo Tribunal Federal, com a finalidade de reduzir
o volume de trabalho, permitindo uma atuação mais eficaz no âmbito da sua competência
originária. Contudo, é no mínimo curioso, como os métodos se assemelham.

Patrick Charaudeau, no Prólogo do seu livro Discurso Político, menciona o uso


das máscaras. As pessoas, após fazerem o “contrato de comunicação,” desenvolvem o ato
de linguagem, e a máscara, ao invés de servir para esconder ou dissimular, apresenta-se
como a própria identidade de um interlocutor com relação ao outro, na medida em que essa
identidade nada mais representa do que uma imagem construída. O autor afirma ainda que
o lugar por excelência da utilização das máscaras é o discurso político. “O discurso
político é, por excelência, o lugar de um jogo de máscaras. Toda palavra pronunciada
no campo político deve ser tomada ao mesmo tempo pelo que ela diz e não diz.” 179

Eugeniusz Cruz no seu livro analisa, a bem da verdade, somente a atuação do


Poder Executivo usando das Forças Armadas para conte greves, tais como a da Polícia
Federal no ano de 1994, dos petroleiros em 1995, e menciona, ainda, o uso do Exército no
ano de 2008 para dar proteção à construção de algumas casas no morro da Providência, na
cidade do Rio de Janeiro. O autor não menciona resquícios do autoritarismo em decisões do
Supremo Tribunal Federal, porém, as decisões deste possuem um caráter eminentemente
político, na medida em que objetivam submeter à vontade das pessoas no território
brasileiro, devendo ser analisada, portanto, pelo 0 que foi dito e pelo o que não foi dito.

179
Idem item 160
105

O Ministro Marco Aurélio Mello, no voto proferido no HC 109956, reconhece


o uso comum do habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, ao afirmar: “Em época
na qual não havia a sobrecarga de processos hoje notada – praticamente
inviabilizando, em tempo hábil, a jurisdição –, passou-se a admitir o denominado
habeas substitutivo do recurso ordinário constitucional previsto contra decisão
judicial a implicar o indeferimento da ordem”180. Porém, o Ministro, posteriormente, se
vale do argumento de autoridade para dar uma interpretação que, segundo suas palavras,
seria integrativa e sistêmica, definindo o alcance da Carta Constitucional. Conclui o Exmo.
Ministro: “O habeas corpus substitutivo do recurso ordinário, além de não estar
abrangido pela garantia constante do inciso LXVIII do artigo 5º do Diploma Maior,
não existindo sequer previsão legal, enfraquece este último documento, tornando o
desnecessário no que, nos artigos 102, inciso II, alínea a, e.” 181 Nas razões do voto foi
dito, de forma clara, que o uso do habeas corpus substitutivo de recurso ordinário sempre
foi prática recorrente e aceita no ordenamento jurídico brasileiro, não sendo, entretanto,
atualmente conhecido no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justiça, para evitar sobrecarga de trabalho. O que não foi dito é que a sua vedação ocorreu
somente em períodos de exceção, quando vigiam ideias antidemocráticas e autoritárias,
conforme se observa do texto do Ato Institucional nº 6: “"Art. 114 - Compete ao
Supremo Tribunal Federal: II - julgar, em recurso ordinário: a) os habeas corpus
decididos, em única ou última instância, pelos Tribunais locais ou federais, quando
denegatória a decisão, não podendo o recurso ser substituído por pedido
originário.”182 O texto da Carta Constitucional de 1988 no artigo 102, alínea a, que se
referiu o Ministro Marco Aurélio Melo, não veda expressamente o habeas corpus
substitutivo de recurso ordinário, conforme ocorria com a Carta constitucional de 1967,
após a alteração feita pelo Ato Institucional nº 6. O texto atual estabelece: “Art. 102.
Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,
cabendo-lhe: II - julgar, em recurso ordinário: a) o habeas corpus, o mandado de
segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos
Tribunais Superiores, se denegatória a decisão.”

180
Idem item 153
181
Idem item 153
182
Idem Item 157
106

A doutrina e na jurisprudência defendem que os direitos fundamentais, bem


como as normas garantidoras desses direitos, não admitem interpretação restritiva, somente
interpretação extensiva183, ora, o direito de locomoção no território nacional, bem como a
ação de habeas corpus, possuem previsão no artigo 5º da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, configurando, portanto, um direito fundamental. Cabe, no
entanto, refletir quanto interpretação dada pelo Ministro Marco Aurélio Mello, no HC
109956, seria o não dito um resquício autoritário no voto proferido, fazendo reviver um
texto constitucional ultrapassado?

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 veio para romper


com o ordenamento jurídico existente até então, ainda que não tenha ocorrido uma ruptura
revolucionaria, não há como negar o rompimento, ainda que consentindo, com os valores e
regras jurídicas impostos pelo regime autoritário imposto dos governos militares no Brasil.
Dessa maneira, parece absurda e contraditória a interpretação dada pelos Ministros do
Supremo Tribunal Federal para a questão do habeas corpus substitutivo, ressalva seja feita
ao Ministro Dias Toffoli184, que vem decidindo, vencido, pelo seu caimento. Ora, se o
legislador constituinte originário rompeu com as regras jurídicas estabelecidas na Carta
Constitucional de 1967, e esta trazia expresso no artigo 114, II, a o não cabimento da
utilização de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, o silêncio do legislador
constituinte originário de 1988, só pode ser interpretado, de modo coerente, como sendo um
silêncio eloquente no sentido de admitir a referida medida, buscar qualquer outro sentido
para o texto do artigo 102, II, a da carta Constitucional de 1988, seria promover uma
espécie de repristinação da norma estabelecida na Constituição de 1967, bem como os
valores autoritários existentes até então. Qualquer intepretação, seja ela sistêmica ou
integrativa, para ser coerente com a Constituição de 1988 deve observar, obrigatoriamente,

183
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª edição. Editora Saraiva. São
Paulo. 2009
184
Decisão: Após o voto do Ministro Dias Toffoli (Relator), conhecendo e denegando a ordem, e o voto do
Ministro Roberto Barroso, que não conhecia do habeas corpus, pediu vista dos autos o Ministro Teori
Zavascki. Ausentes, justificadamente, o Ministro Celso de Mello e, neste julgamento, o Ministro Marco
Aurélio. Falaram, pela Defensoria Pública da União, o Dr. João Alberto Simões Pires Franco, Defensor
Público, e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador-Geral da
República. Presidência do Ministro Joaquim Barbosa. Plenário. HC. 113.198. Ministro Relator Dias Toffoli.
19.12.2013. Consulta realizada em 22/01/2016. Disponíve:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?
numero=113198&classe=HC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M
107

os valores democráticos estabelecidos pelo poder constituinte originário de 1988. Em que


pese a autoridade interpretativa dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, me parece que
vedar a utilização do habeas corpus substitutivo, representa manter no ordenamento jurídico
um resquício autoritário existente na Constituição da República Federativa do Brasil de
1967.

Levando-se em conta as regras estabelecidas pelo poder constituinte originário


de 1988, cumpre ressaltar que o artigo 5º, II da Carta Constitucional de 1988 estabelece:
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” O
artigo 102, II, a da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, corroborado
pelas leis infraconstitucionais não veda a utilização do habeas corpus substitutivo, como
bem observou o Ministro Marco Aurélio Mello no voto proferido no HC 109956, assim
sendo, não há razão explícita no ordenamento jurídico que obste a utilização do habeas
corpus em substituição ao recurso ordinário. A interpretação dada, em que pese a
autoridade do senhor Ministro, vai de encontro a princípios basilares do processo penal.
Tais como o princípio do favor rei, e do acesso à justiça.

O princípio do favor rei estabelece que a interpretação das normas processuais


penais deve ser feita sempre da forma que possibilite o maior benefício para o réu, havendo
lacunas, com duas ou mais interpretações possíveis, a escolha do julgador deverá sempre
ser aquela que traga maior benefício para o acusado. Nesse sentido, esclarece Paulo Rangel:

O princípio do favor rei é a expressão máxima dentro de um Estado


Constitucionalmente Democrático, pois o operador do direito, deparando-se com uma norma
que traga interpretações antagônicas, deve optar pela que atenda ao jus libertatis do acusado.185

A Carta Constitucional de 1988 não vedou expressamente a utilização do


habeas corpus substitutivo, conforme ocorreu com a Constituição da República Federativa
do Brasil de 1967, optou o legislador constituinte originário por um silêncio eloquente no
artigo 102, II, a da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, silêncio este
que deve ser interpretado à luz do próprio texto constitucional, na medida em que uma
pessoa não está obrigada a deixar de fazer, ou seja, deixar de manejar a ação de habeas
185
Idem item 98
108

corpus em todas as instâncias, tendo em vista não existir expressa vedação legal. Além
disso, a regra interpretativa básica do processo penal, estabelece sempre a interpretação
mais benéfica para aquele que tem sua liberdade de ir e vir posta em risco pela ação do
estado, dessa maneira, diante do silêncio eloquente do legislador constituinte originário, no
que diz respeito ao habeas corpus substitutivo, a única intepretação cabível e coerente com
os valores democráticos estabelecidos pós Regime Militar seria pelo seu cabimento em toda
e qualquer instância.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 186 no seu artigo 5º,


XXXV, estabelece o princípio da inafastabilidade da jurisdição e fundamenta o princípio do
acesso à justiça no Brasil. É bem verdade que o termo acesso à justiça não se restringe
somente ao acesso das pessoas ao Poder Judiciário, envolve muito mais, abrangendo o
acesso a direitos socialmente justos. Mauro Cappelletti e Bryant Garth, no livro Acesso à
Justiça, fazem uma análise da evolução do acesso à justiça desde o estado liberal burguês
do século XVIII, no qual o acesso das pessoas era apenas formal, de um indivíduo propor
ou contestar uma ação, até o chamado “wefare state” ou estado social, no qual os direitos
meta ou transindividuais são preocupação e protegidos pelo Estado. Nesse sentido, os
autores na introdução do livro, se manifestaram:

A expressão “acesso à Justiça é reconhecidamente de difícil definição, mas serve


para determinar duas finalidades básica do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas
podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob o auspício do Estado. Primeiro, o
sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam
individual e socialmente justos......187

No caso do não conhecimento dos habeas corpus substitutivos, o que resta


prejudicado é acesso formal das pessoas ao Poder Judiciário, na medida em que ficam
impossibilitadas de utilizarem de mais um recurso em sentido lato, 188 na defesa da sua
186
Artigo 5º, XXXV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
187
Idem item 95
188
Recurso em sentido lato consiste em qualquer forma de defesa utilizada por uma pessoa para fazer valer o
seu direito, dessa maneira, resposta à acusação, alegações finais, habeas corpus e mandado de segurança
importariam em recurso. Recurso em sentido estrito consiste na revisão de uma decisão dentro da relação
109

liberdade de ir e vir. Os Ministros, a exceção do Ministro Dias Toffoli, optaram por criar
uma jurisprudência com o intuito de apenas reduzir a carga de trabalho, que além de trazer
de volta uma restrição existente em período de exceção, possibilita, eventualmente, a
manutenção de prisão irregular no pais. Na defesa de uma redução do volume de trabalho,
os Ministros deram as costas para o direito constitucional de ir e vir, estabelecido na Carta
Constitucional de 1988, sem maiores cuidados com os fundamentos alegados, na medida
em que fazem reviver, em pleno estado democrático de direito, regra existente no período
da Ditadura Militar. A situação mostra-se extremamente grave, pois não representa o
simples afastamento do princípio do acesso à justiça, envolve, também, um fundamento que
revive norma existente em um período autoritário da história do Brasil.

3 – A liberdade de ir e vir e os mecanismos de filtragem

A jurisprudência defensiva e o excesso de trabalho no Supremo Tribunal


Federal, como já foi dito, não são causa, mas sim consequência, de inúmeras decisões
conflitantes no âmbito das instâncias inferiores. A solução da sobrecarga de trabalho nos
Tribunais Superiores passa, inevitavelmente, por uma mudança de atitude nas instâncias
inferiores. Não é restringindo o acesso das pessoas aos Tribunais Superiores, em especial
ao Supremo Tribunal Federal, que o problema será solucionado, pelo contrário, tal atitude
só faz agravar as disparidades existentes nas instâncias inferiores e aumentar a insatisfação
das pessoas com a prestação dada pela função jurisdicional do Estado. A utilização de
novos modelos de solução de conflito, que sejam céleres e eficazes nas instâncias
inferiores, por si só já teriam o condão de promover uma redução da procura de soluções
nos Tribunais Superiores, reduzindo sobremaneira a carga de trabalho, não sendo, portanto,
necessário, a instituição de restrições via jurisprudência defensiva.

Os Código de Processo Civil e de Processo Penal trazem mecanismos de


filtragem, que possibilitam impedir a proliferação de demandas inócuas que acabarão por
sobrecarregar a pauta de julgamento nos tribunais.
jurídica originária, por essa acepção, somente apelação, embargos infringentes e de nulidade, embargos de
declaração seriam considerados recurso. Na verdade, o recurso em sentido estrito é uma espécie de recurso
em sentido lato, na medida em que também importa em uma forma de defesa.
110

No caso do processo penal, uma análise detalhada das Denúncias ou das


Queixas-Crime apresentadas, poderia ensejar a rejeição das mesmas, com base no artigo
395 do Código de Processo Penal189, evitando a movimentação de toda a máquina do Poder
Judiciário, de forma desnecessária, para ao final de todo um procedimento dispendioso e
desgastante, do ponto de vista psicológico, para o réu, se chegar a conclusão de que não
seria o caso da aplicação da lei penal. Nesse sentido é o entendimento do Professor Lenio
Streck190:

No campo do direito penal, há uma quantidade significativa de tipos penais que


não foram sequer recepcionados pela Constituição (as contravenções penais, por exemplo, são
incompatíveis com o princípio da secularização do direito, e da subsidiariedade). Como
decorrência quotidianamente pequenos delitos e querelas sem lesividade social são
desnecessariamente levados, aos milhares, através de recursos aos tribunais de segundo grau. A
aplicação do princípio da insignificância, por si só, eliminaria uma quantidade razoável de
processos e recursos criminais. A aplicação do princípio acusatório igualmente representaria
avanço significativo na efetividade do processo penal. Além disso, uma análise criteriosa
(garantista) das condições da ação, evitaria que um expressivo percentual de processos
criminais iniciasse. Tudo com a estrita obediência do art. 93, IX da Constituição.

A questão não poderia ter sido tratada de forma mais adequada. Na verdade, um
grande número de ações penais surgem todos os dias, já fadadas ao insucesso, sequer
deveriam ter sido iniciadas, se uma análise mais criteriosa tivesse sido realizada, dessa
maneira, a máquina do judiciário não teria sido movimentada, evitando-se, por conseguinte,
um acumulo de trabalho em todas as instâncias judiciárias.

Outros mecanismos de filtragem, que merecem uma especial atenção no direito


penal, são as medidas alternativas, como a conciliação, a transação penal e a suspensão
condicional do processo. A utilização adequada dessas medidas, certamente, produziria
uma enorme redução de pressão de trabalhos nos órgãos do segundo grau de jurisdição.

189
  Art. 395 do Código de Processo Penal.  A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for
manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou  III -
faltar justa causa para o exercício da ação penal. 

190
STRECK Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. 4ª edição. Editora Revista dos
Tribunais. São Paulo. 2014, página 937.
111

Além destes, no mês de fevereiro de 2015, o Conselho Nacional de Justiça, junto com o
Supremo Tribunal Federal, iniciou um programa no Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo para colocar em prática a chamada Audiência de Custódia, cuja finalidade é
possibilitar a apresentação de uma pessoa presa em flagrante, dentro do prazo de vinte
quatro horas, a juiz, para que este possa decidir sobre a manutenção ou não da prisão.

O Código de Processo Penal em vigor não prevê expressamente uma audiência


de custódia, está tem previsão no projeto para o novo Código de Processo Penal 191 que está
em tramitação no Congresso Nacional. O Código de Processo Penal atual menciona
somente a comunicação da prisão em flagrante a um juiz no prazo de vinte quatro horas,
devendo este decidir se relaxa a prisão, aplica uma medida cautelar diversa da prisão,
concede liberdade provisória ou converte a prisão em flagrante em prisão preventiva, desde
que observados os requisitos legais. Não há menção da realização de uma audiência.
Contudo, já existe no ordenamento jurídico brasileiro previsão expressa para apresentação
do preso em flagrante a um juiz. A previsão está na Convenção Interamericana para
Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, no artigo 7º, 5 do Decreto 678/92 192 e
no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, no artigo 9º, 3 do Decreto 592/92. 193
191
O artigo 306 do Projeto de Lei do Senado nº 554/2011 nos seus parágrafos estabelece: “parágrafo 1º 1º No
prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz
para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados
seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para
apurar eventual violação. § 2º Na audiência de custódia de que trata o parágrafo 1º, o Juiz ouvirá o Ministério
Público, que poderá, caso entenda necessária, requerer a prisão preventiva ou outra medida cautelar
alternativa à prisão, em seguida ouvirá o preso e, após manifestação da defesa técnica, decidirá
fundamentadamente, nos termos art. 310. § 3º A oitiva a que se refere parágrafo anterior será registrada em
autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente,
sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os
direitos assegurados ao preso e ao acusado. § 4º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada
do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela
autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas. § 5º A oitiva
do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de
Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas
previstos no parágrafo 3º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste
Código
192
Artigo 7º, 5 do Decreto 678/98. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à
presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser
julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua
liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.
193
Artigo 9º, 3 do Decreto 592/92.  Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá
ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções
judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de
pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada
a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e,
112

Não há dúvida de que um tratado ou convecção internacional, uma vez referendado pelo
Congresso, passa a integrar o ordenamento jurídico brasileiro, como norma de observância
obrigatória em todo território nacional.

A aplicação correta dos mecanismos de filtragem, seja com a rejeição da


Denúncia ou Queixa, evitando uma demanda fadada ao fracasso, seja por acordo entre as
partes, ou com audiências de custódia evitando um encarceramento desnecessário, tanto no
primeiro grau de jurisdição, como nos órgãos incumbidos de promoverem a revisão das
decisões, com certeza, tem o condão de promover a redução da carga de trabalho que irá
repercutir nos Tribunais Superiores, não se fazendo necessária a adoção de medidas
extremas, como a rejeição liminar de todos os habeas corpus substitutivos. Estes podem e
devem conviver com outras medidas, hábeis a permitir o efetivo acesso das pessoas à
justiça, bem como a eficaz proteção da liberdade de ir e vir do ser humano, sem exarcebar,
em demasia, a carga de trabalho do Poder Judiciário.

Capitulo V – CONCLUSÃO

A concepção de liberdade nunca foi unívoca ao longo dos tempos, variou de


acordo com as sociedades, porém, os homens, sempre zelaram e lutaram por ela de diversas
maneiras, inclusive, por meio da intervenção judicial do Estado, desde de o interdictum de
homine libero exhibendo, na Roma antiga, passando pela Magna Carta Libertatum, e pelo “
Habeas Corpus Acts.” A liberdade sempre representou o bem mais valioso que as pessoas
possuíam. Gerras foram travadas, muito sangue foi vertido para a sua manutenção. No
Brasil Colônia, apesar de inexistir uma ação de habeas corpus propriamente dita, como na
Inglaterra e nos Estados Unidos da América, e mesmo diante do sistema inquisitivo e
extremamente fechado das Ordenações do Reino, havia um recurso para a defesa da
liberdade física das pessoas, era o interdictum de homine libero exhibendo. Somente no

se necessário for, para a execução da sentença.


113

ano de 1832, por meio do Código de Processo Penal do Império, o Brasil passou a utilizar o
habeas corpus como meio para tutelar a liberdade, galgando status de norma constitucional
expressa, somente com o advento da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1891,
desde de então, até os dias de hoje, a ação de habeas corpus sempre passou a ter previsão
constitucional, ressalva seja feita ao período compreendido entre 1942 e 1946, em que por
força do Decreto 10.358 houve revogação da previsão constitucional, ficando a sua
regulamentação somente por conta o Código de Processo Penal

O conceito de liberdade no Brasil, assim como ocorria no mundo, também não


se mostrou pacífico. Alguns juristas, como Rui Barbosa e outros, defendiam um
entendimento amplo do conceito de liberdade, seguindo a concepção francesa: sustentavam
o cabimento da ação de habeas corpus para defender todo e qualquer direito de liberdade.
Em posição diametralmente oposta encontravam-se Pontes de Miranda e Pedro Lessa, para
os quais a ação de habeas corpus só teria cabimento para defender a liberdade de ir, estar e
vir, adotando, portanto, a concepção inglesa, que diferenciava as espécies de liberdade, e
restringiam o “Habeas Corpus Act” para a tutela da liberdade ambulatorial das pessoas. Rui
Barbosa, Pedro Lessa e Pontes de Miranda divergiam também quanto a amplitude da ação
de habeas corpus, aquele defendia uma eficácia ampla, admitindo uma cognição exauriente
do mérito do direito, via ação de habeas corpus, enquanto que estes, entendiam ser
necessária a existência de um direito líquido e certo para embasar um pedido de habeas
corpus. Ao final, Rui Barbosa, a despeito da clareza e do brilhantismo de suas ideias, restou
vencido na contenda. Foi a chamada Teoria Brasileira do Habeas Corpus que dominou o
cerne das discussões jurídicas, quanto ao habeas corpus, nas duas primeiras décadas do
século XX. Atualmente, o debate travado entre Rui Barbosa e Pedro Lessa pode até parecer
de somenos importância, porém, o seu legado perdura até hoje. A Teoria Brasileira do
Habeas Corpus deixou reflexos no ordenamento jurídico brasileiro, na medida em fixou, de
forma definitiva, a finalidade da ação de habeas corpus.

O habeas corpus teve o seu âmbito de incidência estabelecido ainda sob a égide
da Constituição de 1891 com a reforma de 1926, por meio da emenda nº 3, quando o
legislador constituinte derivado fixou a incidência da ação de habeas corpus somente para
proteger a liberdade de locomoção, a sua eficácia prática, contudo, estava longe de se
114

estabilizar. A história política do Brasil apresenta-se entrecortada, mesclando períodos


autoritários com períodos de regularidade democrática. Todas as vezes em que grupos com
ideais antidemocráticos assumiram o poder, o habeas corpus experimentou uma redução na
sua eficácia prática, tornando, por vezes, o texto constitucional relativo ao habeas corpus,
letra morta. Havia previsão da ação de habeas corpus, mas ela não poderia ser utilizada.
Assim ocorreu na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, que, inicialmente,
previu literalmente a ação de habeas corpus, mas vedou a sua utilização durante a vigência
de estado de emergência, sendo que o legislador Constituinte, por meio de uma manobra,
retirou a eficácia prática do habeas corpus, quando, ao final da Carta Constitucional de
1937, estabeleceu que ficava decretado estado de emergência, e por fim, promoveu a
própria revogação da previsão do texto constitucional. O mesmo se verificou na
Constituição de 1967, quando o Governo Militar, por meio do Ato Institucional nº 5, vedou
a utilização da ação de habeas corpus para determinados crimes, tais como: crimes
políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.

O estudo da ação de habeas corpus, ao longo da história do Brasil, indica que a


sua eficácia prática varia conforme os ideais que predominam no Poder Executivo. Ela
torna-se mais ampla durante os períodos de regularidade democrática. Já que os governos
autoritários costumam ser refratários a qualquer recurso que proteja a liberdade livre de
locomoção, a fim de poder preservar as ações do Estado, ainda que, por vezes, arbitrárias.
Dessa maneira, é possível se verificar que o habeas corpus pode ser utilizado como um
sinalizador, um farol, indicando o tipo de governo existente, na medida em que a sua
eficácia prática pode apontar a existência ou não de ideais que preservam a regularidade
democrática, ou que sendo à esta refratários, priorizem a mão de ferro do Estado. Em todos
os países verdadeiramente democráticos sempre há um meio judicial eficaz que tutela a
liberdade de ir e vir das pessoas. O Brasil não se mostra diferente, para nós o habeas corpus
é “Remédio Heroico,” que se levanta contra as arbitrariedades praticadas pelo Estado
contra a liberdade ambulatorial das pessoas, Daí surge a importância de se estar atento para
sua efetiva eficácia prática, se de fato pretende-se ter um Estado Democrático de Direito.

É bem verdade que em um Estado, cuja pretensão é de ser verdadeiramente


democrático, o acesso à justiça deve estar garantido da maneira mais ampla possível, e a via
115

da ação de habeas corpus não pode, nem deve ser, o único meio hábil para tutelar a
liberdade de locomoção sob pena de, por existir um único caminho, tornar inviável uma
tutela eficaz do direito de liberdade. Outros mecanismos necessitam e devem ser
disponibilizados para que as pessoas possam buscar no Poder Judiciário um resguardo
efetivo contra eventuais arbitrariedades do Estado. O incremento de outras vias, como a
audiência de custódia, por exemplo, sem a menor sombra de dúvida, permite um controle
mais eficaz e célere das prisões em flagrante, garantindo o direito de ir e vir, ainda no
nascedouro, preservando-o de eventuais ilegalidades. As demais vias recursais fazem-se
necessária também, porque, quanto maiores forem as possibilidades de as pessoas buscarem
o resguardo da função jurisdicional do Estado, mais eficaz será a prestação jurisdicional. O
caminho para o verdadeiro e eficaz acesso à justiça está na ampliação dos meios que levam
à função jurisdicional. A mim me parece inadequada a obstrução de uma via, por meio de
uma jurisprudência defensiva, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, fazendo reviver
uma regra existente em um regime autoritário, com a finalidade única de promover
desobstrução das pautas e a redução do trabalho.

O Supremo Tribunal Federal é a última trincheira na qual uma pessoa pode


buscar o resguardo, pela via da prestação jurisdicional, para a manutenção do direito de
liberdade ambulatorial. A alegação de que a via recursal seria a mais adequada, não pode,
nem deve afastar a tradição libertária brasileira de admitir a utilização dos habeas corpus
substitutivos. Todas a vias processuais são válidas, e bem vindas, porém, ainda não
superam a via da ação de habeas corpus, tendo em vista as vantagens inequívocas que esta
ação proporciona, na medida em que qualquer pessoa, mesmo sem possuir conhecimento
técnico jurídico e habilitação específica pode dela se valer, sem precisar arcar com custas
judiciais, isso sem mencionar a celeridade que a via do habeas corpus proporciona, com a
possibilidade da medida liminar, bem superior à via recursal. Não se trata de refutar
qualquer mecanismo que possa vir a garantir o direito de ir e vir, mas assegurar que mais
um meio esteja à disposição da população, como garantia contra eventual violência estatal.

No Brasil as liberdades democráticas foram conquistadas pelo povo com muita


luta e sacrifício, por inúmeras vezes a sombra do autoritarismo e intolerância se abateu
sobre o país. Grupos interessados apenas na manutenção do poder e de privilégios, não
116

hesitam em tentar submeter toda uma população aos seus caprichos frívolos. As instituições
democráticas, e o Poder Judiciário, em particular e especialmente, precisam e devem estar
atentos aos desmandos e a toda e qualquer manobra que tente, de alguma forma mitigar ou
subtrair as liberdades democráticas. Nenhuma forma de ditadura pode ou deve ser aceita,
porque, quando se instala, seja pelo argumento que for, o primeiro bem a deixar de existir é
a liberdade das pessoas comuns do povo. O grupo detentor do poder utiliza da retórica, da
força, ou de qualquer meio disponível para manter o seu poder e os seus privilégios. É
dever das pessoas de bom senso se oporem à possibilidade de um retorno de ideais
autoritários. A função jurisdicional do Estado sempre teve um papel de protagonismo e
relevância na luta pela manutenção das liberdades democráticas no Brasil; cabe aos
profissionais do Direito se empenharem para preservar todas as conquistas alcançadas, lutar
pela manutenção do acesso efetivo e célere à justiça, pois não há motivo algum que deva
restringir, seja por que razão for, qualquer via que possa permitir, ao comum do povo, levar
a sua questão ao conhecimento da função jurisdicional. A obstrução de qualquer via judicial
pode causar sérios problemas, na medida em que uma eventual lesão à direito pode ficar
escondida. É por essa razão que os ingleses sempre se preocuparam com a liberdade de
locomoção; diziam eles, que a lesão à integridade física, ou à vida, não se mostrava tão
grave, porque sempre, de alguma forma, ela seria exposta ao público, já a lesão ao direito
de ir e vir poderia ficar oculto indefinidamente. A manutenção das vias judiciais é crucial
para evitar o obscurantismo de lesões praticadas ao direito. Nesse sentido, a jurisprudência
defensiva do Tribunais Superiores, com a finalidade exclusiva de reduzir carga de trabalho,
torna-se um instrumento perigoso, capaz de manter às ocultas uma eventual lesão a direitos,
especialmente a liberdade de ir e vir que é mais vulnerável, pois uma pessoa pode ficar
oculta por anos, presa ilegalmente, sem que haja justo motivo. Não é crível que os senhores
Magistrados queiram se furtar ao trabalho e, para tanto, deixem ao desamparo indivíduos
que estejam sofrendo arbitrariedades por conta do Estado. É dever, e não faculdade. Cabe,
constitucionalmente, à função jurisdicional, o controle de legalidade dos atos praticados no
território brasileiro, por conta disso, todos os mecanismos precisam estar à disposição das
pessoas para que possam levar ao judiciário as suas questões, não devendo encontrar, para
tanto, nenhuma espécie de entrave de ordem processual, seja burocrático, seja
jurisprudencial. O entrave a que me refiro não se trata de questão de mérito, mas
117

processual. As pessoas, segundo a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988


tem o direito de levar as suas questões ao conhecimento do Poder Judiciário, uma
jurisprudência defensiva, de ordem processual, que retire esse direito, não me parece
condizente com os autênticos valores de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Thomas Jefferson, um dos pais fundadores dos Estados Unidos da América,


segundo diz a tradição, já afirmava: “o preço da liberdade é a eterna vigilância.”
Independentemente da corrente ideológica, não há como existir democracia sem liberdade,
e, em especial, a liberdade de ir e vir. Assim sendo, é preciso estar atento para a eficácia
prática do “Remédio Heroico”, porque ele é o sinalizador que irá apontar para as incursões
obscuras dos ideais antidemocráticos. Nesse sentido está a relevância da manutenção da via
do habeas corpus substitutivo, sem desmerecer as outras vias processuais, porque é ele o
caminho mais eficaz e célere para levar ao conhecimento dos Tribunais Superiores, e em
particular ao Supremo Tribunal Federal, última trincheira do Estado Democrático de
Direito, a ocorrência de eventuais arbitrariedades praticadas pelos agentes do Estado.

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