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HISTÓRIA

3º ANO
2023

DISCIPLINA DE HISTÓRIA
ENSINO MÉDIO – 3º ANO
HISTÓRIA DO BRASIL
A República da Espada
A República foi o resultado de uma estranha conjunção de forças, formando uma verdadeira salada: a da propaganda feita
pelos chamados republicanos históricos desde 1870 que obedeciam à liderança de Quintino Bocaiúva; a dos exaltados, que
seguiam Silva Jardim, que desapareceu cedo do cenário político, tragado pelo vulcão Vesúvio; a dos políticos desencantados e
conservadores pós-abolição; a dos federalistas (Sistema de governo federativo em que vários estados se reúnem para formar uma
nação, mas cada um conserva sua autonomia), como Rui Barbosa; e a do entusiasmo da juventude militar, cujo inspirador era
Benjamin Constant, divulgador e defensor do positivismo no Brasil.

Nessa teia de interesses e disputas, os militares conseguiram sobrepor-se às demais facções. Desde o final da Guerra do
Paraguai, os militares trombavam com a monarquia, que teimava em impedir qualquer manifestação política dos militares.
Nas eleições ocorridas em 31 de agosto de 1889, os senhores que governavam o Império venceram e, assumindo o poder,
resolveram primeiro, abater as correntes políticas que se opunham ao regime e, segundo, submeter o exército que andava “pondo
as mangas de fora”. E, para isso, o visconde de Ouro Preto, presidente do Conselho de Ministros, pretendia colocar a Guarda
Nacional em local de destaque no desfile militar que seria realizado em 02 de dezembro, para comemorar o aniversário do
imperador. Além disso — diziam os boatos — a Guarda Cívica comandada pelo conde D’Eu também estava no desfile.
E para complicar mais ainda, essas corporações estariam portando armamento novo e moderno.
Benjamin Constant, ao tomar conhecimento desses boatos, exclamou: “O exército brasileiro não é composto de janízaros;
sob a farda de cada soldado, pulsa o coração de um cidadão e de um patriota”.
Dessa forma, a facção militar passou a comandar a oposição republicana à monarquia. Era necessário, entretanto,
convencer o marechal Deodoro da Fonseca a liderar o movimento. Mas Deodoro hesitava, afirmando que a questão era apenas
militar e bastava derrubar o ministério. Benjamim Constant insistia na República. Deodoro, com o semblante carregado,
respondia: “Eu queria acompanhar o caixão do imperador, que está velho e a quem respeito muito.” E Benjamin, insistia. Por fim,
Deodoro concordou e liderou o movimento de 15 de novembro.
A Gazeta da Tarde, às dezoito horas, publicava: “A partir de hoje, 15 de novembro de 1889, o Brasil entra em nova fase,
pois pode-se considerar finda a monarquia, passando a regime francamente democrático com todas as consequências da
liberdade. Foi o exército que operou esta magna transformação; assim como em 7 de abril de 1831 ele firmou a monarquia
constitucional, acabando com o despotismo do primeiro imperador, hoje proclama, no meio da maior tranquilidade e com
solenidade verdadeiramente imponente, que queria outra forma de governo. Assim, desaparece a única monarquia que existia na
América...”
Em outro jornal, O Diário Popular, Aristides Lobo escrevia: “O povo assistiu bestializado à proclamação da República”.
1. O Governo Provisório (1889-1891)

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No mesmo dia da proclamação da República, foi organizado o Governo Provisório e seu primeiro decreto foi oficializar a
República federativa sob a denominação de República dos Estados Unidos do Brasil, denotando uma nítida influência do modelo
norte-americano. Em seguida, foram tomadas outras medidas, como a grande naturalização, separação entre Igreja e Estado,
regulamentação do casamento e do registro civil, a secularização dos cemitérios, reforma do Código Criminal e reforma do
ensino.
O marechal Deodoro foi colocado como chefe desse governo que, em seguida, colaborou na composição do ministério
que iria governar com ele.
O destaque desse ministério coube a Rui Barbosa, ministro da Fazenda, responsável pela reforma bancária e financeira. E
aí, sim, houve uma tremenda encrenca.

A. O Encilhamento
O ministro da Fazenda, Rui Barbosa, declarou uma reforma financeira que, pouco antes, havia sido iniciada pela
monarquia. Consistia, basicamente, no que fora feito nos Estados Unidos durante o governo do Presidente Lincoln, com os
National Banks: substituía-se o lastro-ouro pelos títulos de dívida federal como lastro de emissões bancárias.
Recorrendo ao que lhe parecera uma salvação, Rui Barbosa assentou a garantia do meio circulante sobre títulos da dívida
pública, ampliando, inclusive, a emissão de dinheiro por bancos autorizados, visando, também, à possibilidade de uma
industrialização no País.
Entretanto, numa sociedade que se baseou durante três séculos e meio no trabalho escravo, seria praticamente impossível
que, num passe de mágica, o trabalho se tornasse algo dignificante para a elite. Dessa forma, em vez de usar o dinheiro das
emissões para a indústria, passou-se a especular na Bolsa de Valores, negociando ações de indústrias inexistentes. Não demorou
muito e a Bolsa faliu, algumas indústrias que foram implantadas fecharam as portas e a população estava endividada ao mesmo
tempo em que a inflação atingia patamares próximos da loucura. Crise que passou a ser chamada de Encilhamento.

B. A Constituição de 1891
Realizadas as eleições em 15 de setembro de 1890, reuniu-se a constituinte republicana no prazo fixado, a 15 de
novembro do mesmo ano. Em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a Constituição republicana do Brasil, modelada na
Constituição dos Estados Unidos.
As instituições que vigoravam no império foram profundamente alteradas:
– o unitarismo monárquico foi substituído pelo federalismo.
– o poder moderador foi extinto e implantado o equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
– foi extinta a vitaliciedade do Senado, passando a ser temporário, por 8 anos, e o sistema eleitoral foi implantado com a extinção
do voto censitário.
– as eleições indiretas da monarquia deram lugar ao sistema de eleições diretas para todos os cargos: o voto era a descoberto e
universal, mas proibido a mendigos, analfabetos, religiosos de ordens monásticas e mulheres.
– a união Estado-Igreja foi substituída pela liberdade de culto.

Entre o texto constitucional e a realidade política e socioeconômica do País, as diferenças eram enormes e tornou-se
impossível aplicar, na prática, o que a Constituição, em teoria, havia assegurado. Pelas regras estipuladas em relação ao direito de
voto, apenas 4% da população estava enquadrada. O federalismo, para funcionar, necessitava de um mínimo de uniformidade
econômica e social entre as regiões brasileiras, o que na realidade estava longe de existir. Na prática, ao conceder autonomia
política e administrativa aos Estados, o País entrava numa situação que iria beneficiar os Estados mais ricos e populosos da
Federação, capazes de eleger o Presidente da República e assegurar uma bancada majoritária na Câmara dos Deputados.

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De acordo com a Constituição, o primeiro presidente e o vice da República seriam escolhidos pelo voto indireto da
Assembléia Constituinte. Foram eleitos o Marechal Deodoro da Fonseca para a Presidência e o Marechal Floriano Peixoto para a
Vice-Presidência.

2. Presidência de Marechal Deodoro da Fonseca (1891)


O governo de Deodoro começou já apresentando sinais de crise, pois, durante a eleição no Congresso, correram rumores
de que, se Deodoro fosse derrotado, a constituinte seria fechada e o Marechal seria aclamado ditador pelos militares. Isso levou
até setores oposicionistas a votarem em Deodoro, a fim de evitar uma possível ditadura ou até uma revolta armada.
Porém, a rejeição do Congresso ao presidente eleito tornou-se cada vez mais consistente, como, por exemplo, a moção
em memória de Benjamin Constant como “belo modelo de virtudes aos presidentes”; a recepção do Congresso a Deodoro foi fria
e glacial quando de sua chegada, enquanto Floriano Peixoto recebia uma calorosa salva de palmas.
Foi inevitável o choque entre o presidente e o Congresso, acrescentando-se ainda a falta de “jogo de cintura” de Deodoro,
caracterizado como militar exemplar e apegado à disciplina do quartel. Devido às críticas, resolveu substituir o ministério que
vinha desde o governo provisório por outro, sob o comando de um tradicional político monarquista – o barão de Lucena. Esse fato
aumentou a tensão no Congresso, pois lembrou, um pouco, a maneira pela qual se organizavam os gabinetes da monarquia, e, ao
mesmo tempo, sem atender aos interesses políticos, desencantando os republicanos e afastando de Deodoro a juventude militar.
A 03 de novembro de 1891, Deodoro fechou o Congresso, prometendo novas eleições e uma revisão na constituição. Nas
palavras de Deodoro, a revisão seria no sentido de “fortalecimento do Poder Executivo da União e de uma comedida autonomia
dos Estados, sem os exageros de soberania que trariam fatalmente a dissolução nacional”.
O País ficou indiferente ao golpe de Deodoro, com exceção no Rio Grande do Sul, onde parecia haver uma tentativa de
se opor por meio de luta armada; no Pará, onde governava Lauro Sodré, positivista e antigo secretário de Benjamin Constant; e o
almirante Custódio de Melo, que ameaçou se revoltar comandando um levante da Marinha.
Ao mesmo tempo, a crise econômica provocada pelo Encilhamento aumentava com várias falências. Em 21 de
novembro, Deodoro ordenou a convocação de novas eleições, a serem realizadas em 1892. No dia seguinte, os ferroviários
decretaram greve e, em seguida, o almirante Custódio de Melo ameaçou dar início a uma revolta, apoiado pelas tripulações dos
navios Aquidabã, Primeiro de Março e Riachuelo, ancorados na baía de Guanabara.
Às 06 horas da manhã do dia 23, recolhido ao seu quarto por causa de violenta crise de asma, Deodoro é informado da
situação. Tentou levantar-se da cama para reagir à situação crítica, mas não conseguiu. Pediu, então, que chamassem o vice-
presidente Floriano Peixoto.
Ao receber Floriano Peixoto, passou-lhe o governo e pediu sua reforma do exército.

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3. Presidência do Marechal Floriano Peixoto (1891-1894)
Floriano Peixoto assumiu o governo em condições difíceis: além da crise política, arrastava-se uma grave crise
econômica desde o Encilhamento. Colocou nos governos estaduais homens de sua confiança e deu início a medidas econômicas
de caráter popular, como: redução dos aluguéis de trabalhadores, redução no preço de artigos alimentícios e construção de casas
populares em substituição às precárias moradias conhecidas como “cabeça de porco”.
Nos primeiros dias de janeiro de 1892, sublevava-se a fortaleza de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Floriano, rápido,
dominou o movimento sedicioso.
Ao mesmo tempo, apareceram na imprensa insinuações no sentido de se respeitar a Constituição e de se proceder a novas
eleições presidenciais. Um artigo, o 42, da nova Constituição, estabelecia que, no caso de vaga, proceder-se-ia a uma nova eleição.
Deodoro renunciara no primeiro ano de governo. Os partidários da continuação de Floriano para que completasse os quatro anos
de presidência receavam um novo pleito e alardeavam o artigo 42, baseando-se nas Disposições Transitórias do texto
constitucional. Nestas, prescrevia-se a norma para a primeira eleição feita no Congresso, estatuindo que o presidente e o vice-
presidente eleitos na forma deste artigo ocuparão a Presidência e a Vice-Presidência durante o primeiro período presidencial.
Eram possíveis duas interpretações, mas o Congresso resolveu que valia o sentido das Disposições Transitórias da
Constituição.
Em abril do mesmo ano, treze generais, baseados na outra interpretação, enviaram a Floriano uma mensagem em que
solicitavam a realização de novas eleições para a Presidência. Floriano mandou prender e, em seguida, reformar os generais
revoltosos. Seus auxiliares ficaram debatendo a legalidade das prisões efetuadas antes da publicação do decreto no Diário Oficial.
Floriano, ao passar pelo grupo, perguntou o motivo de tanta discussão. Ao ser informado do motivo, disse: “Bom, vão discutindo
que eu vou mandando prender”.
Porém, a situação política iria piorar.

A – A Revolta da Armada e a Revolta Federalista


No Rio de Janeiro, o almirante Custódio de Melo passou a liderar uma segunda Revolta da Armada, iniciada em
setembro de 1893, visando a restaurar o império da Constituição, conforme declarava o manifesto então divulgado. Apoiado pela
jovem oficialidade, pelas classes médias e pelo Partido Republicano Paulista, Floriano conseguiu dominar os revoltosos por meio
da compra de uma nova esquadra na Inglaterra e nos Estados Unidos, que os rebeldes chamavam sarcasticamente de “Esquadra de
Papelão”.
Ainda no ano de 1893, eclodiu no Rio Grande do Sul um violento conflito entre dois partidos políticos, o Republicano
Gaúcho, apoiado por Floriano, e o Federalista, representado pelos tradicionais estancieiros gaúchos. A Revolta Federalista, como
ficou conhecida, arrastou-se por dois anos seguidos, provocando a morte de aproximadamente dez mil pessoas.

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Terminou em 1895, já no governo de Prudente de Morais, mas já sem o ímpeto inicial, desde que Floriano debelou em
grande parte a revolta, principalmente em Santa Catarina ao derrotar os revoltosos em Desterro, capital do Estado que, a partir daí,
passou a se chamar Florianópolis.

B – O Florianismo
No fim do seu mandato, Floriano foi pressionado pelos oficiais das Armas a permanecer na presidência, cancelar as
eleições e, através de um golpe, implantar uma ditadura que iria “regenerar” o Brasil. Mais uma vez, as Forças Armadas tentavam
impor ao País aquilo que acreditavam ser sua missão salvacionista, a crença de que os militares são a salvação nacional. Por outro
lado, o Marechal havia assumido, em 1891, um compromisso com os paulistas de devolver o poder aos civis no final de seu
governo.
Confiante de que o militar cumpriria o acordo firmado, o Partido Republicano Paulista (PRP) indicou Prudente de Morais
para a sucessão presidencial. A vitória do paulista levou os chefes militares a planejar um golpe para impedir sua posse: quando
Floriano e Prudente chegassem ao Senado para a cerimônia de transmissão do cargo, o presidente eleito seria impedido pelos
militares de entrar; sem ter para quem passar o poder, o militar continuaria na Presidência. Desconfiando da manobra, Floriano
Peixoto não compareceu à posse de Prudente de Morais. Entretanto, conforme crônicas e bochichos da época, Floriano não
compareceu porque não gostou da vitória de Prudente de Morais e por isso ficou em sua modesta casa cuidando de suas queridas
rosas. A sua ausência frustrou o golpe militar, encerrou o período chamado “República da Espada” e permitiu à oligarquia
cafeeira, através do PRP, tornar-se soberana no poder.

A República Oligárquica – Prudente de Morais

Eleito pelo voto popular, Prudente de Morais deu início à chamada República Oligárquica (Palavra de origem grega que
significa governo de poucas pessoas, pertencentes a uma mesma classe social ou a uma mesma família), representando os
interesses dos cafeicultores paulistas. Assumindo a presidência em 1894, deparou-se de imediato com dois grandes problemas: a
pacificação do Rio Grande do Sul, onde ainda existiam alguns focos remanescentes da Revolução Federalista, e o afastamento dos
militares da política, principalmente dos chamados florianistas.
Existia, ainda, o grave problema econômico resultante das crises herdadas da monarquia, do encilhamento e das despesas
militares com a Revolta Federalista.
Dessa forma, o governo de Prudente de Morais não seria, certamente, um mar de rosas.
Enquanto o presidente encarava esses problemas internos, na política externa as coisas iam bem. Prudente reatou relações
diplomáticas com Portugal, rompidas por Floriano Peixoto durante a Revolta da Armada, quando um navio português acolheu
alguns marinheiros revoltosos, após o afundamento de seu navio.
Com a Inglaterra, o Brasil disputava a posse da ilha de Trindade. Ocupada pela marinha inglesa, a ilha de Trindade, no
meio do oceano Atlântico, seria uma excelente base militar para a Inglaterra. Entretanto, a ilha sempre pertencera ao Brasil. A
questão foi para um foro internacional, que indicou Portugal como árbitro, dando ganho de causa ao Brasil, os ingleses
desocuparam a ilha.
Outra disputa foi com a Argentina, na Questão de Palmas ou também chamada questão das Missões. O barão do Rio
Branco representou os interesses brasileiros com sucesso, pois o presidente Cleveland, dos Estados Unidos, agindo como árbitro
da questão, deu ganho de causa ao Brasil.
Em 24 de junho de 1895, a morte de Saldanha da Gama em combate pôs fim ao último foco da resistência federalista, e
no dia 29 morria Floriano Peixoto, em sua fazenda no interior do Estado do Rio de Janeiro, dessa forma, o florianismo perdeu o
seu símbolo e o movimento perdeu, também, o seu ímpeto revolucionário.
Mas, o maior problema do governo de Presidente de Morais estava por vir: Canudos.

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Canudos (1896-1897)
A Revolta de Canudos expressou basicamente a falta de terras, a miséria e o abandono das populações rurais do interior
do país, tendo forte caráter messiânico.
Essa situação foi o resultado do processo colonizatório sustentado no latifúndio e na oligarquia. E foi piorando com o
advento da República, que não trouxe qualquer melhoria para as condições de vida dessas populações, como também permitiu o
aumento dos poderes dos latifundiários. Acrescentem-se as constantes secas que assolavam a região nordestina, aumentando ainda
mais os problemas econômicos e sociais.
Neste contexto apareceu Antônio Conselheiro, rezando e conclamando fiéis para consertar igrejas e cemitérios pelo
Nordeste. Atraiu a atenção e o respeito de multidões de fiéis. Em 1893, Antônio Conselheiro se estabeleceu num vilarejo
abandonado. Em pouco mais de dois anos, o antigo vilarejo se transformou num aglomerado de mais de 20 mil pessoas,
trabalhando e cultivando as terras em forma de comunidade. A maior parte dessas pessoas era de trabalhadores rurais, explorados
por grandes latifundiários que, aos poucos, foram ficando sem mão de obra. Ao mesmo tempo, a Igreja passou a se sentir
ameaçada com as pregações de Antônio Conselheiro. Chefes políticos estaduais passaram a exigir que o governo dispersasse o
agrupamento de crentes. Os motivos alegados eram o roubo de gado e o desejo de restabelecer o regime monárquico. A imprensa
em geral e alguns intelectuais da época, demonstrando acentuado elitismo e forte preconceito, condenavam Canudos pelo
“fanatismo” e pelo perigo que poderia trazer à jovem República.
Em 1896, o governo do Estado da Bahia enviou uma expedição militar composta de 100 soldados, comandados pelo
tenente Manuel Pires Ferreira. Os sertanejos de Canudos, comandados por Quelé do Pajeú e João Abade, derrotaram a expedição
governamental. A derrota repercutiu em Salvador e no Rio de Janeiro. Organizou-se, então, uma expedição composta por soldados
do Exército, da polícia estadual da Bahia e por jagunços dos grandes fazendeiros, armada com duas metralhadoras e dois canhões
Krupp. Utilizando a guerrilha como forma de combate, os sertanejos conseguiram derrotar também essa expedição.
A derrota dessa nova expedição acirrou a histeria contra Canudos: florianistas atacaram o governo de Prudente de Morais
e empastelaram jornais monarquistas.
Uma nova expedição foi formada sob o comando do coronel Moreira César, conhecido como “o corta-cabeças”, apelido
que ganhara durante a Revolução Federalista pelas atrocidades cometidas na repressão aos revoltosos. Era também um florianista
fanático. Ao chegar a Salvador, disse aos repórteres que o entrevistavam: “Podem escrever: vou trazer a cabeça de Antonio
Conselheiro amarrada à sela de meu cavalo!” Diante dessa declaração todo mundo concluiu: “Agora, vai.” Não foi. No primeiro
ataque aos revoltosos, Moreira César foi mortalmente ferido e caiu em poder dos sertanejos, que o arrastaram por um bom pedaço
de chão e depois botaram fogo no seu cadáver.
O coronel Tamarindo, vendo o estrago que os sertanejos estavam fazendo em suas tropas – ele assumiu o comando após a
morte do coronel Moreira César – deu a ordem mais esdrúxula que já se ouviu no exército: “Em tempo de Murici, que cada um
cuide de si.” Foi o caos.
“Oitocentos homens – escreveu Euclides da Cunha – desapareciam em fuga abandonando as espingardas, arriando as
padiolas, em que se estendiam os feridos; jogando fora as peças de equipamentos, desarmando-se; desapertando os cinturões
para a carreira desafogada; e correndo, correndo ao acaso, correndo em grupos, em bandos erradios. E nos seus calcanhares,
os sertanejos berrando e gargalhando. O coronel Tamarindo não conseguiu fugir: foi abatido com um tiro e colocado enroscado
num arbusto seco, parecendo-se a um espantalho fardado. E ali secou, como o arbusto”.
Quando a notícia do desastre chegou ao Rio de Janeiro, o pânico tomou conta do governo. Prudente de Morais, que
estava licenciado por motivo de saúde – o vice-presidente, Manuel Vitorino, estava em seu lugar – retornou ao poder e passou,
juntamente como o ministro da Guerra, marechal Bittencourt, a comandar a luta contra Canudos.
Uma nova expedição – a quarta – foi organizada, agora com dez mil soldados, vários canhões, armamento novo, recém-
adquirido na Alemanha, comandada por três generais, ficando o comando-geral a cargo do general Artur Oscar.
Depois de três meses de cerco, Canudos começou a apresentar os primeiros sinais de enfraquecimento. Mesmo assim,
sem água e comida, os sertanejos resistiam. Não foi por muito tempo. Em 05 de outubro de 1897, a cidade capitulou, tendo apenas

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– conforme descreveu Euclides da Cunha – quatro combatentes: um velho, um rapaz de 16 anos e dois adultos. A população de
Canudos ou morreu na batalha ou foi degolada pelo Exército. O corpo de Antônio Conselheiro, que morrera em setembro, foi
desenterrado e decapitado.
Enquanto o governo comemorava a vitória no Rio de Janeiro, apesar da tentativa de assassinato do presidente Prudente
de Morais por um florianista, em Salvador, os alunos da Faculdade de Medicina se recusavam a participar dessas comemorações.
Exigiam explicações sobre a ausência de prisioneiros, pois não apareceu nenhum sobrevivente para contar a história. Rui Barbosa
criticou severamente a maneira como foi conduzida a ação política e militar em relação a Canudos. Mais tarde, o jornalista
Euclides da Cunha, que havia feito reportagens sobre episódios para o jornal O Estado de S. Paulo, denunciou a chacina com mais
pormenores em seu livro: Os Sertões.

O atentado e o fim do florianismo


O governo fez festa no Rio de Janeiro e anunciou que o próprio presidente Prudente de Morais iria recepcionar os heróis,
assim que desembarcassem no cais do Arsenal de Guerra.
No dia 5 de novembro de 1897, a banda militar já se encontrava no Arsenal de Guerra para tocar o Hino Nacional na
recepção aos soldados. Prudente de Morais apareceu ladeado pelo ministro da Guerra, marechal Bittencourt e pelo chefe da Casa
Militar, coronel Mendes de Morais. O presidente caminhou por entre a massa popular e entrou no pátio do Arsenal. De repente,
um grito: “Viva Floriano Peixoto!” O grito partiu do cabo Marcelino Bispo de Melo que, rapidamente, saiu das fileiras, colocou
um revólver próximo ao rosto do presidente e atirou. O tiro falhou. Com a cartola na mão, o presidente afastou o cano da arma. O
marechal Bittencourt e outros militares pularam sobre o agressor e rolaram no chão. O cabo Marcelino, sem o revólver, sacou um
punhal e desferiu golpes para todos os lados, totalmente ensandecido, até ser contido. Contudo, o marechal Bittencourt ficou
gravemente ferido, vindo a falecer logo depois.
Esse fracassado atentado – escreve Lincoln de Abreu Penna – “foi amplamente explorado pelo governo de Prudente.
Serviu para decretar a punição política dos jacobinos envolvidos e também para afastar essa corrente republicana da política do
país. Sem liderança de expressão nacional, deixam de ter um referencial político que os una (…) O governo de Prudente
responde, dessa maneira, pela transição da República jacobina à República oligárquica”.

A República Oligárquica – Campos Sales

O café, desde o Império, era o principal produto de exportação. A produção cafeeira concentrava-se, no início da
República, no Oeste paulista, responsável pela maior parte da produção nacional, secundado pelo sul de Minas e Baixada
Fluminense. Em sua marcha para o Oeste, as plantações de café foram responsáveis pela formação de fazendas e cidades e, ao
findar o século XIX, o Brasil já controlava o mercado mundial.
A expansão capitalista da economia cafeeira promoveu o desenvolvimento da rede ferroviária, a ampliação dos portos e
dos serviços urbanos. Além disso, difundiu o trabalho assalariado no campo e na cidade, possibilitando o aumento do mercado
consumidor e estimulando a produção manufatureira e industrial.
Entretanto, a euforia resultante dessa expansão começou a murchar e, em alguns momentos, transformou-se em
verdadeiro pavor quando apareceram as primeiras crises de superprodução. Era uma decorrência não só do aumento da produção
brasileira, mas também da produção de outros países como Colômbia, Nicarágua e das colônias africanas de países europeus que
despejavam cada vez mais café no mercado internacional. As rendas começaram a diminuir. A economia brasileira passou a sentir
seus efeitos. Se isso não bastasse, o País enfrentava ainda os resquícios financeiros do Encilhamento e dos gastos militares com as
Revoltas da Armada e Federalista.
A situação ficou sombria já no final do governo de Prudente de Morais, quando a superprodução deu seu primeiro alerta.
A oferta mundial ultrapassou em muitas toneladas o consumo, ocasionando uma queda nos preços do café em torno de 40%.

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A. O funding-loan
A baixa atingiu em cheio os cafeicultores, mas o governo, tratou de criar uma política de defesa do nível de renda dos
proprietários. Assim, o governo passou a desvalorizar o mil-réis, de modo que, ao trocá-lo por libras provenientes da venda do
café, os cafeicultores recebiam uma quantia maior de moeda brasileira, o que compensava o declínio dos preços. A isso, o
economista Celso Furtado chamou de “socialização das perdas”.
Por exemplo:
- antes: 01 saca = 02 libras = 02 mil-réis.
- depois: 01 saca = 01 libra = 02 mil-réis.
A desvalorização da moeda implicou numa tremenda inflação, com prejuízos principalmente para os assalariados. Os
banqueiros estrangeiros não viam com bons olhos essa desvalorização da moeda, pois receavam não receber os empréstimos
efetuados.
No final do governo Prudente, foram iniciadas conversações para se chegar a um acordo com os credores internacionais.
Quando Campos Sales foi eleito, porém ainda não empossado, entabulou negociações com o principal credor do Brasil, a Casa
Rothschild, em Londres. Foi assim que começou a elaboração do funding-loan, que significava um empréstimo de consolidação
de uma dívida. Na prática, era um esquema para dar folga e garantir, através de um novo empréstimo, o pagamento dos juros e do
montante de empréstimos anteriores.
Conforme o acordo, o Brasil comprometia-se a pagar as dívidas antigas e contrair um novo empréstimo de 10 milhões de
libras esterlinas, representadas pelos títulos emitidos pela Casa Rothschild, denominados United States of Brazil Funding Bonds.
Como garantia a esse empréstimo, o governo brasileiro deveria hipotecar as rendas da alfândega do Rio de Janeiro e, caso fosse
necessário, as rendas de outros portos do País.
O pagamento da dívida – convertida, agora, em uma só, pois as antigas e a nova foram acopladas – seria feito no prazo de
63 anos, a partir de julho de 1898.

A política deflacionária colocada em prática pelo ministro da Fazenda Joaquim Murtinho resolveu o problema das elites
rurais, mas o povo se viu cada vez mais na miséria. A foto acima mostra um cortiço, também chamado de “cabeça de porco”,
local composto de vários quartinhos ocupados por várias famílias. O banheiro e o tanque eram usados por todos. Os varais
também.
Ao mesmo tempo, o Brasil deveria colocar em prática uma violenta política deflacionária. Esse verdadeiro abacaxi coube
ao Ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, que cortou o crédito à indústria e ao comércio, criou novos impostos e aumentou o
valor dos que já existiam.
Dessa maneira, o País escapou da insolvência, mas os anos seguintes foram de verdadeira quebradeira de indústrias,
bancos e casas comerciais, o que gerou, um imenso desemprego. Assim, todos os sonhos de um país industrializado viraram
fumaça, pois como o próprio Campos afirmou: “É tempo de tornar o caminho certo; e o que devemos fazer para esse fim é nos
esforçarmos para exportar tudo quanto pudermos produzir em melhores condições do que outros países e importar tudo quanto
eles possam produzir em melhores condições do que nós.”

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B. A política dos governadores
Para garantir a política de proteção ao café, a aprovação do funding-loan pelo Congresso e para consolidar o poder
oligárquico, Campos Sales passou a organizar a chamada política dos governadores ou política dos Estados. Essa organização
oligárquica era necessária, também, para atuar em consonância com o capitalismo internacional. Conforme Nelson Werneck
Sodré, “para efetivar essa política – dos governadores – era indispensável o apoio externo. Esse apoio é encontrado no capital
financeiro, e a aliança, que antes era tácita, fica estabelecida de modo ostensivo. A partir de 1898, pois, o imperialismo está
instalado oficialmente na política do café (...).”
O pacto oligárquico era composto pelos grupos dominantes de São Paulo, Minas Gerais e oligarquias de alguns Estados,
destacando-se o Rio Grande do Sul, graças à presença marcante do senador Pinheiro Machado. Mais tarde, porém, essa política
dos governadores se tornaria conhecida como “política do café-com-leite” em virtude da preponderância dos Estados de São
Paulo e Minas Gerais na presidência da República, na qual se alternavam paulistas e mineiros.
Enquanto São Paulo era o Estado mais poderoso economicamente, Minas Gerais tinha o maior peso político,
representado pelo maior contingente eleitoral do País. Nos outros Estados, de economia frágil e pequeno contingente eleitoral,
despontavam poucas oligarquias, algumas regionais ou locais. A maior e mais poderosa geralmente se aliava à política dos
governadores. Essas oligarquias, por sua vez, tinham à frente o famoso “coronel”, nome originado da Guarda Nacional, criada em
1831, por Diogo Feijó. Durante o Império, o poder desses “coronéis” foi sufocado pelo centralismo político empregado pela
monarquia; mas com a República e a posterior descentralização feita pelo federalismo, os “coronéis” passaram a ser figuras
dominantes do cenário político.
O poder dos “coronéis” residia no controle sobre os eleitores, principalmente a partir dos chamados “currais eleitorais”,
ou seja, eleitores controlados que votavam sempre nos candidatos indicados por eles, em troca de pequenos favores, o que
representava uma relação de compadrio. Dessa forma, os votos dados nos candidatos do “coronel” representavam aquilo que se
denominava de “voto de cabresto”.
Mas, se tudo isso falhasse — o que era difícil — entrava em cena a Comissão Verificadora de Poderes, composta por
membros da Câmara dos Deputados, que tinha a incumbência de verificar as listas das eleições e diplomar o vencedor.
Evidentemente, a Comissão só diplomava os candidatos da “patota” e degolava os candidatos — mesmo se fossem os vencedores
nas urnas — da oposição.

C. Os felizes e os infelizes
Por tudo isso, podemos dizer que o governo de Campos Sales representou a adaptação de nossa economia às
necessidades e interesses do capitalismo internacional, ao mesmo tempo em que o Estado estava consolidado em mãos das
oligarquias rurais. Assim, os grupos estrangeiros readquiriram confiança no Brasil e os capitais externos voltaram a ser aplicados
no país.
Por outro lado, a situação do povo era desesperadora, o que provocou uma série de manifestações operárias,
principalmente com greves. Foi nessa época que os anarquistas começaram a despontar nos movimentos de massa no Brasil.
Os Rothschild, felizes da vida, enviaram um telegrama de felicitações ao final do mandato de Campos Sales, em 1902.
As oligarquias também estavam felizes. Menos o povo, que, ao ver o trem que levava Campos Sales do Rio de Janeiro para São
Paulo, resolveu demonstrar sua revolta atirando paus, pedras e muitos palavrões contra Campos Sales que, para sua sorte, estava
protegido lá no fundo do trem.

A República Oligárquica – Rodrigues Alves

Campos Sales, ao implantar a política dos governadores, possibilitou a preponderância política dos Estados de São
Paulo e Minas Gerais. Isso também era decorrência da existência de partidos políticos estaduais, pois a diversidade econômica

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implicava, também, numa diversidade política. Os interesses dos cafeicultores que formaram as oligarquias paulista e mineira
eram muito diferentes daqueles dos pernambucanos, que dependiam da produção açucareira.
Dessa forma, no final do governo de Campos Sales, as oligarquias já tinham escolhido o seu sucessor: Rodrigues Alves.
Alguns oposicionistas tentaram impor o nome de Quintino Bocaiúva, mas Rodrigues Alves, grande produtor de café e ex-
governador do Estado de São Paulo, prevaleceu e foi eleito presidente da República, tendo como vice-presidente o mineiro Afonso
Pena.
Rodrigues Alves assumiu um governo com a economia saneada, graças ao funding-loan feito pelo seu antecessor e pela
política deflacionária imposta pelo ministro Joaquim Murtinho, à qual deu continuidade, aplicando os mesmo recursos
monetaristas.

Porém, o grande objetivo de seu programa de governo era o saneamento e a urbanização da cidade do Rio de Janeiro. A
cidade ainda conservava muito da época colonial, com ruas estreitas, praças pequenas, falta de saneamento básico e de higiene,
enfim, uma imundície. Fatores responsáveis por epidemias e endemias como febre amarela, dengue, varíola, cólera, peste
bubônica e malária, que dificultavam o comércio internacional e a imigração. A coisa estava tão feia que empresas de turismo na
Europa, ao anunciarem viagens para a América do Sul, diziam: Nossos navios não aportam no Rio de Janeiro.

A. Urbanização e saneamento
O presidente Rodrigues Alves, ao propor o saneamento e a urbanização da capital do País visava – como ele mesmo dizia
– alavancar o desenvolvimento nacional. Não era um projeto para apenas embelezar o Rio de Janeiro. Ao montar sua equipe de
governo, colocou o engenheiro Pereira Passos como prefeito, com a incumbência de reurbanizar a cidade, e como diretor da saúde
pública, o Dr. Osvaldo Cruz, sanitarista de renome internacional.
O prefeito Pereira Passos, juntamente com o engenheiro Paulo de Frontin, responsável pelas obras de reurbanização,
começaram o famoso “bota-abaixo”: casas e prédios antigos foram demolidos, sendo que muitas dessas construções serviam de
moradias para populações pobres e desempregadas que foram obrigadas a sair e, sem terem para onde ir, acabaram montando
barracos nos morros. Estavam surgindo as famosas favelas cariocas.
No lugar dos velhos prédios, surgiram grandes avenidas, como a Avenida Central (atual Rio Branco) e a Beira-Mar, com
prédios novos. Ruas do centro foram alargadas, como, por exemplo, a Treze de Maio, a Carioca e a Uruguaiana, entre outras.
Jardins foram formados, como o campo de São Cristóvão, Praça Tiradentes e Duque de Caxias. Em seguida veio Osvaldo Cruz

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com suas equipes mata-mosquitos. Ele havia concluído que a febre amarela era transmitida por um mosquito rajado que
proliferava em águas estagnadas. Essa conclusão estava baseada em estudos e pesquisas efetuados pelo Dr. Finlay, em Cuba.
Assim, ele formou um contingente de 85 homens que tinham como missão percorrer quintais, jardins, porões, telhados para
realizar a limpeza e jogar petróleo nos alagados.
No início das operações, o carioca se divertia em ver tanto marmanjo caçando mosquito. Quando eles apareciam, a
garotada berrava, ao mesmo tempo em que gargalhava: “Olha os mata-mosquitos! ”

Porém, com o passar do tempo, a brincadeira passou a se tornar hostilidade. A imprensa que fazia oposição ao presidente
Rodrigues Alves aproveitou para entrar em cena, criticando o “bota-abaixo”, ridicularizando a operação mata-mosquito e
chamando Osvaldo Cruz de “czar dos mosquitos”.
Além da imprensa, todos os setores da oposição aproveitaram a situação para malhar o governo. Osvaldo Cruz,
entretanto, manteve-se inflexível e continuou com a operação mata-mosquito.
Em 1904, a febre amarela estava praticamente extinta no Rio de Janeiro.
Mas existia um mal maior: a varíola. Osvaldo Cruz sabia que a única defesa contra a varíola era a vacinação em massa da
população.
Era o que vários países europeus estavam fazendo. E de forma obrigatória.
Em 1904, Osvaldo Cruz solicitou à Comissão de Saúde Pública da Câmara a aprovação de uma lei estabelecendo a
obrigatoriedade da vacina.
Sem esperar pela lei, Osvaldo Cruz determinou aos seus funcionários que começassem a vacinação. O erro foi não ter
conscientizado a população da necessidade dessa vacinação. A oposição, a mesma que foi contra a operação mata-mosquito,
reaparece e, agora, com força total. Apesar de a lei ter sido aprovada (31 de outubro de 1904), as hostilidades foram aumentando
cada vez mais. Foi criada a Liga contra a Vacina Obrigatória, apoiada pelos positivistas, oposicionistas ferrenhos de Rodrigues
Alves. Políticos e imprensa passaram a insuflar o povo contra o governo através de discursos inflamados e charges que ironizavam
Osvaldo Cruz e seus funcionários.
Daí em diante começaram a se propagar as coisas mais absurdas sobre a vacina: que ela não evitava a moléstia e causava
outras doenças, que era preparada com o sangue dos ratos empestados, e assim por diante.
A imprensa chegou ao ponto de colocar a vacina obrigatória como um desrespeito às senhoras e senhoritas, pois “os
funcionários da Saúde Pública, sem o devido respeito ao recato das esposas e das filhas, as vacinariam à força, na coxa”.
O descontentamento popular, que vinha crescendo desde o governo Campos Sales, que provocou carestia e desemprego,
problemas somados ao “bota-abaixo” e à operação mata-mosquito do governo Rodrigues Alves, acabou explodindo com a
vacinação obrigatória.

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B. A Revolta da Vacina
Na tarde de 10 de novembro de 1904, um sujeito foi preso pela polícia por estar berrando impropérios e palavrões contra
a vacinação obrigatória, provocando uma tremenda confusão na Praça Tiradentes. Populares tentaram tirar o sujeito das mãos da
polícia e então a coisa virou um verdadeiro tumulto. Uma tropa da cavalaria chegou a fim de botar ordem, mas provocou uma
generalização do conflito. Pedras, paus, paralelepípedos voaram por todos os lados, enquanto os cavaleiros desciam o cassetete. O
Jornal do Commércio descreveu assim o episódio: “A multidão fora refugiar-se na rua do Sacramento, onde havia casas em
ruína, montões de madeiras e pedras, início das obras da futura Avenida Passos. Do restaurante Criterium e de quase todas as
casas daquele trecho, onde avultavam as proporções da luta, eram arremessados, pratos, copos, garrafas, calhaus e pedaços de
madeira sobre a força em constantes movimentos. Compacta, fremente, a multidão vaiava o governo, a polícia, aclamando o
Exército. O chefe de polícia ordenou que a força avançasse para desalojar os amotinados daquela via pública, onde já se
erguiam trincheiras e barricadas. Rompeu a cavalaria a galope, descarregando clavinotes (carabinas pequenas), espadeirando
(bater com espada) quantos fugitivos alcançava. Descargas serradas atroavam os ares, tombando vítimas sem conta. Um menino
caía morto na calçada do Tesouro”.
Esse episódio ficou conhecido como o “Quebra-Lampiões”.
Durante vários dias a cidade foi transformada num verdadeiro campo de guerra: casas foram apedrejadas, bondes foram
tombados e queimados, barricadas foram erguidas e trincheiras foram cavadas nas ruas.
No dia 14, o general Silvestre Travassos comanda um levante militar contra o governo, apoiado pelos florianistas e
positivistas. Na Escola Militar da Praia Vermelha, reúnem-se os oposicionistas – positivistas, florianistas e outros – a fim de
propor a derrubada de Rodrigues Alves e, posteriormente, a implantação de uma ditadura positivista chefiada pelo senador Lauro
Sodré.
Osvaldo Cruz foi obrigado a fugir de sua casa, que foi praticamente demolida a pedradas. Dinamite passou a ser usada
em vários pontos da cidade. O ar da cidade cheirava a pólvora e enxofre.
O governo lançou sobre os revoltosos todo o seu poderio policial e militar e, no dia 15 de novembro, finalmente,
conseguiu sufocar a revolta. Centenas de pessoas foram desterradas para o Acre, milhares foram para a cadeia e os estrangeiros –
principalmente os anarquistas – foram expulsos do País.

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C. O Convênio de Taubaté
Enquanto a cidade do Rio de Janeiro se transformava com a urbanização, saneamento e erradicação das epidemias, como
também se agitava com a Revolta da Vacina, no interior do País a produção cafeeira aumentava cada vez mais. A inflação
beneficiava os cafeicultores, pois o produto era cotado em libras; o crédito era facilitado e abundante; havia disponibilidade de
expansão do cultivo em novas terras; esses foram alguns dos fatores que levaram a uma tremenda superprodução de café. A safra
de 1906 atingiu cerca de 22 milhões de sacas que, somadas aos estoques dos anos anteriores – 4 milhões de sacas –,
representavam um excedente de 16 milhões de sacas sobre o consumo mundial. Era preciso tomar alguma providência.
Os governadores dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, produtores de café, reuniram-se em Taubaté a
fim de elaborar um acordo para valorizar o café. De um modo geral, a política de valorização consistia nas seguintes ações: o
governo estadual interviria no mercado, comprando os excedentes; o financiamento dessa compra seria feito com empréstimos
externos; o serviço (juros) desses empréstimos seria coberto com um novo imposto sobre cada saca de café exportada.
Esse acordo passou a ser chamado de Convênio de Taubaté. O presidente Rodrigues Alves, apesar de ser um grande
fazendeiro de café, não apoiou o convênio. Ele achava que esse tipo de providência era apenas uma alternativa superficial e que
num futuro próximo os problemas iriam aparecer mais intensos.
O acordo prevaleceu entre os três estados até o final do mandato de Rodrigues Alves para, no governo Afonso Pena, ser
assumido pelo governo federal.
Tal como acreditava Rodrigues Alves, esse negócio não iria dar certo. Anos depois, os estoques de café estavam em
níveis perigosos. Muito perigosos.

A República Oligárquica – Afonso Pena e Nilo Peçanha

Presidência de Afonso Pena (1906 - 1909)


Como passara a ser tradição, o presidente, no último ano de seu mandato, dava início ao processo de sucessão.
Dessa forma, Rodrigues Alves indicou a candidatura do paulista Bernadino de Campos, que acabou malogrando em virtude de sua
posição reticente em revelação à política de valorização do café. O vencedor foi o vice-presidente Afonso Pena, defensor
incondicional do Convênio de Taubaté, tanto é que, logo após a sua posse, assinou o compromisso de defender a valorização do
café em âmbito federal.
Afonso Pena não era tão mão-de-ferro em questões financeiras e fiscais como era Rodrigues Alves, daí os cafeicultores
paulistas terem apoiado sua candidatura. Formou seu ministério que passou a ser chamado de “jardim de infância” com políticos
quase desconhecidos e em sua maioria jovens.

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A Imigração
Um dos aspectos mais importantes do governo Afonso Pena foi o incremento à imigração, cujo objetivo era não só
aumentar a oferta de mão-de-obra para a lavoura cafeeira, mas também povoar e ocupar regiões desabitadas do País. Daí o lema
de seu governo ter sido: Governar é povoar.
Durante o período republicano, o esforço de trazer mão-de-obra estrangeira ficara a cargo dos Estados, sem que houvesse
uma política de âmbito federal. Isso provocou uma concentração de imigrantes em São Paulo, único Estado que investia na vinda
de imigrantes.
Afonso Pena, por sua vez, desejava ocupar áreas despovoadas, deixando o objetivo da mão-de-obra para segundo plano.
Montou, então, um programa para subsidiar passagens e distribuição de terras para os imigrantes e o órgão que colocaria isso em
prática seria o Serviço de Povoamento do Solo Nacional. Os resultados foram imediatos. O fluxo imigratório acelerou-se e os
imigrantes passaram a se dirigir para outros Estados, além de São Paulo, como Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Paralelamente
a isso, o governo federal passou a construir ferrovias a fim de facilitar a criação de núcleos populacionais como também para
escoar a produção desses núcleos.

A Águia de Haia
Em 1907 realizou-se em Haia, na Holanda, uma conferência internacional para promover um acerto de interesses que
evitasse possíveis conflitos entre países que, na época, disputavam áreas de influência num contexto acirrado do capitalismo
imperialista. Convidado a participar juntamente com outras 43 nações, o Brasil enviou uma delegação chefiada por Rui Barbosa.
Inicialmente, Rui Barbosa alinhou-se às propostas apresentadas pelos Estados Unidos, destacando-se a proposta sobre a
imunidade da propriedade privada no mar. Mas quando entrou em pauta a formação de um Tribunal Permanente de Arbitragem,
destinado a resolver pendências internacionais, Rui Barbosa foi contra. Não contra o Tribunal, mas quanto à sua composição: pelo
projeto, o Tribunal seria composto por 16 juízes, sendo 9 indicados pelas grandes potências e 6 indicados por oito grupos de
países, um deles englobando dez nações da América Latina.
Rui Barbosa reagiu e rejeitou a humilhação a que, principalmente, os Estados Unidos – mentor do projeto – e outras
potências tentavam impingir ao Brasil e à América Latina. Rui propunha veementemente a igualdade entre os Estados soberanos.
Com esse discurso, Rui Barbosa tornou-se o líder dos países mais fracos e levou a conferência a um impasse. Depois de
muito “blá-blá-blá”, aprovou-se apenas uma proposta sugerindo a formação do Tribunal, sem entrar em detalhes sobre sua
estrutura.
Consagrado pelos seus conhecimentos de direito internacional, Rui Barbosa voltou ao Brasil como a “Águia de Haia”.
Porém, o principal objetivo dessa conferência, que era assegurar a paz, não se concretizou, pois, em 1914, sete anos
depois de sua realização, irrompeu a Primeira Guerra Mundial.

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A Presidência de Nilo Peçanha e a Campanha Civilista
Como era costume, o presidente, no seu último ano de mandato, coordenava o processo sucessório. Afonso Pena passou a
apoiar a candidatura de Davi Campista, mineiro como ele, visando dar continuidade à sua política de governo. O senador Pinheiro
Machado discordou dessa candidatura e indicou a candidatura do Marechal Hermes da Fonseca.
Foi durante essas discussões políticas que o presidente Afonso Pena faleceu, assumindo o cargo o vice-presidente Nilo
Peçanha. Como presidente da República, Nilo Peçanha anunciou seu apoio ao Marechal Hermes da Fonseca. E vejam só: o
candidato que era de oposição passou a ser de situação.
A oligarquia paulista, enquanto isso, estava desesperada à procura de um nome alternativo para disputar as eleições,
quando o Partido Republicano da Bahia lançou a candidatura de Rui Barbosa. O PRP, então, resolveu apoiar Rui Barbosa,
afastando-se do PRM e, assim, desfez, pelo menos por algum tempo, a “política café-com-leite”.
A candidatura de Rui Barbosa, no entanto, parecia ser uma causa perdida, apesar do apoio da forte oligarquia paulista e
dos discursos e conferências proferidos por Rui Barbosa. Entre o dia 3 de outubro de 1909 e o dia 1º de março de 1910, Rui
Barbosa percorreu vários Estados, pronunciando 15 discursos, dez alocuções e oito conferências. Isso nunca ocorrera no Brasil,
pois era costume simplesmente assistir às eleições previamente decididas nos conchavos palacianos.
Por outro lado, as camadas populares também não entendiam muito bem o linguajar intelectual de Rui Barbosa, apesar de
ele propor o voto secreto como condição primordial para o exercício da cidadania.
Mas a Campanha Civilista, contrapondo-se à militarista de Hermes da Fonseca, serviu, pelo menos, para quebrar a rotina
e o marasmo da política feita na época. Assim, graças aos recursos do governo, o Marechal Hermes da Fonseca elegeu-se
presidente da República.

A Crise das Oligarquias – Hermes da Fonseca

A política café-com-leite que vinha desde Campos Sales sofreu seu primeiro abalo com a Campanha Civilista de Rui
Barbosa e posterior vitória do marechal Hermes da Fonseca. Serviu para quebrar a rotina e o marasmo da política dos gabinetes,
para sair às ruas e também mostrar que a política café-com-leite tinha suas fragilidades.
Ao assumir a presidência, o marechal Hermes não podia, ainda, imaginar as encrencas que ele iria ter.

A Revolta da Chibata
Na manhã do dia 22 de novembro de 1910, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes foi levado ao convés do
encouraçado Minas Gerais para receber a sua punição por haver bebido e brigado com outro marinheiro. Amarrado ao mastro,
passou a receber as chibatadas, que deveriam ser em número de 250. Ao começarem os golpes, os tambores rufaram para abafar
os berros do supliciado e, também, dar um aspecto – oficial – ou ritual ao evento macabro.
A chibatada era o que de pior existia para os marinheiros brasileiros, que ainda eram obrigados a trabalhar pesado, com
baixos salários, disciplina rigorosa e alimentação insuficiente.
O estado de semiescravidão dos marinheiros tornou-se ainda mais intolerável quando o governo comprou dois
encouraçados da Inglaterra, os mais modernos da época, só existindo quatro no mundo: dois na própria Inglaterra e os dois
adquiridos pelo Brasil (batizados de São Paulo e Minas Gerais, em homenagem à política café-com-leite). Durante o treinamento
recebido na Inglaterra para o manejo dos modernos encouraçados, os marinheiros brasileiros entraram em contato com os
marinheiros ingleses, bem tratados, politizados e organizados, e concluíram que era chegada a hora de mudarem as coisas na
Marinha do Brasil.
Assistindo às chibatadas, os marinheiros decidiram que era chegada a hora de colocar em prática as conversas que
vinham tendo há muito tempo.
Às 22 horas, os marinheiros do Minas Gerais, liderados por João Cândido Felisberto, tomaram o encouraçado após
imobilizar os oficiais. Quase simultaneamente, as tripulações de outros navios, como o São Paulo, o Deodoro e o Bahia, também
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se revoltaram. A tomada desses navios pelos marinheiros foi violenta e sangrenta, com lutas corpo-a-corpo e o uso de espadas,
baionetas e machadinhas. Ao verem os mortos no chão dos navios, os oficiais se renderam e desembarcaram.
Em seguida, os marinheiros enviaram uma mensagem ao presidente Hermes da Fonseca (que, tranquilamente, assistia à
ópera Tanhäuser, de Wagner, no Clube da Tijuca) e ao ministro da Guerra, exigindo o fim da chibata, a diminuição dos trabalhos,
melhores condições de vida e o aumento dos vencimentos.
No Ministério da Guerra e no Congresso foram debatidas as medidas possíveis de serem tomadas. Se o governo não
dispunha de meios para tranquilizar o País, disse Rui Barbosa, em tal caso, o que a prudência, a dignidade e o bom senso lhe
aconselham é a submissão às circunstâncias do momento. Somente Rui e outros poucos defenderam os marinheiros nos órgãos
parlamentares, enquanto a oficialidade pretendia boicotar o projeto de anistia discutido no Ministério. Para não parecer que esta
fora dada sob pressão, e como forma de conciliação necessária, os marinheiros aceitaram depor as armas, sendo imediatamente
aprovada a anistia, que acabaria não sendo cumprida.
Não foi cumprida porque, dois dias depois, o governo decretou a expulsão, da Marinha, de alguns dos marinheiros
revoltosos. Outros foram presos em celas feitas no chão do presídio da Ilha das Cobras (entre eles João Cândido), onde,
posteriormente, com requintes de perversidade, jogaram cal por cima. O restante foi deportado para a Amazônia, a bordo do navio
Satélite, e nove deles foram fuzilados e atirados ao mar.
João Cândido sobreviveu à prisão e foi trabalhar como estivador nas docas do Rio de Janeiro. No dia em que o “seu
navio” Minas Gerais virou sucata, ele pegou um barco e foi ao mar despedir-se do encouraçado. Após a sua morte, na década de
1960, o cantor e compositor João Bosco homenageou-o com a canção O mestre-sala dos mares, onde João Cândido é “o navegante
negro que tem por monumento as pedras pisadas do cais”.

As Salvações
Durante a sua campanha, o marechal Hermes da Fonseca prometia acabar com as oligarquias que atravancavam a
democracia e o desenvolvimento do País. Para isso, foi apoiado pelo senador gaúcho Pinheiro Machado e pelos militares; o
primeiro queria, na verdade, tirar de circulação alguns políticos inimigos do PRP, enquanto que os militares pressionavam para
implantar uma moralização na vida pública, que redundaria em um grande fiasco.
Pinheiro Machado fundou o Partido Republicano Conservador, de caráter nacional, e, em seguida, tentou provocar uma
intervenção federal em São Paulo. Mas o governador paulista Albuquerque Lins e o PRP organizaram batalhões patrióticos e
mobilizaram a Força Pública — atual Polícia Militar — que consistia numa organização militar respeitável. Diante disso, o
governo federal recuou e desistiu.
As “salvações”, no entanto, tiveram algum êxito no Nordeste, como, por exemplo, em Pernambuco, com o general
Dantas Barreto, que depôs Rosa e Silva, e na Bahia, possibilitando a posse de J. J. Seabra, após muitas pancadas e tiros.
A encrenca maior dessa “política das salvações” foi no Ceará, que desencadeou a revolta de Juazeiro, também conhecida
como Revolta do padre Cícero.

A Revolta de Juazeiro
A revolta que ocorreu no Ceará, em 1914, não pode ser entendida como se fosse simplesmente uma consequência das
“salvações” empreendidas pelo presidente Hermes da Fonseca e pelo todo-poderoso senador Pinheiro Machado. Tal revolta
relaciona-se, inicialmente, à estrutura pré-capitalista que vigorava na região e à sua crise frente às transformações econômicas
promovidas pela burguesia comercial e pela política nacional.
Dessa forma, quando o governo federal interveio no Ceará para afastar a oligarquia Acioli, o coronel Floro Bartolomeu
buscou o padre Cícero, famoso na região como Padim Ciço e milagreiro, para protestar contra o governo federal.
Armados, milhares de sertanejos, orientados pelo “milagreiro” padre Cícero, conhecido mais tarde como “Coronel de
Batinas”, envolveram-se em uma luta que não era deles, mas sim dos coronéis da região. A violência foi tal que o governo federal
cedeu e retirou o interventor que havia colocado e devolveu o poder à antiga oligarquia dos Acioli. Quanto ao padre Cícero,
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conseguiu não só influência política como também vários latifúndios. O seu prestígio de milagreiro junto às massas sertanejas
aumentou e, ainda hoje, é reverenciado como “santo” no Nordeste.

A Sucessão
O governo de Hermes da Fonseca não cumpriu suas promessas de modificar o panorama político do País. O próprio
marechal Hermes admitiu isso no final de seu governo: “A minha plataforma, que foi um brado sincero dos meus intuitos
patrióticos, não a realizei! Tarde reconheci o mal enorme que representou para mim a minha boa intenção de ferir de morte as
oligarquias. Passei pela triste decepção de verificar que ‘amigos’ meus o eram mais dos oligarcas”.
Além disso, estava terminando em meio a uma tremenda crise econômica. A prosperidade iniciada no governo de
Rodrigues Alves estava acabando, pois as exportações, principalmente as do café e da borracha, estavam declinando. Os rumores
de uma guerra na Europa — que depois se tornaria mundial — provocavam a retração dos capitais europeus e, conseqüentemente,
uma diminuição dos investimentos estrangeiros no País. Pinheiro Machado, responsável pela articulação da candidatura do
marechal Hermes da Fonseca e o político que mais influenciou na chamada “política das salvações”, parecia o candidato natural à
sucessão de Hermes da Fonseca.
Os políticos paulistas, entretanto, ergueram-se contra a sua candidatura, pois não haviam esquecido sua intromissão na
indicação de Hermes nem perdoado a sua tentativa de intervenção no Estado em 1911. Para agradar aos mineiros e fazer voltar a
velha política café-com-leite, indicaram o vice-presidente Venceslau Brás, que acabou vencendo as eleições.

A Crise das Oligarquias – Venceslau Brás

Findo o governo do marechal Hermes da Fonseca, a política do café-com-leite retornou. Mesmo abalada pelos golpes da
campanha civilista e pela ação das “salvações”, ela ainda respirava. Todavia, as “salvações” fracassaram e o poder político do
senador Pinheiro Machado desgastou-se.
O desgaste ficou visível quando o candidato ao governo do Estado do Rio de Janeiro, Feliciano Sodré, apoiado pelo
senador, perdeu as eleições para Nilo Peçanha. Nilo Peçanha venceu, mas não pôde tomar posse, pois a Assembleia Legislativa,
controlada por Pinheiro Machado, era contra. Nilo Peçanha só conseguiu tomar posse graças à intervenção do presidente
Venceslau Brás. Pinheiro Machado foi derrotado mais uma vez; porém, ele ainda conseguia aporrinhar muita gente, até que
alguém resolveu pôr um fim à questão: assassinando-o. No dia 15 de setembro de 1915, Pinheiro Machado descia a escadaria do
Hotel dos Estrangeiros, no Rio de Janeiro, quando foi apunhalado várias vezes por Francisco Manso de Paiva, certamente
contratado por seus inimigos políticos.
Apesar do desaparecimento do poderoso senador Pinheiro Machado, o governo do presidente Venceslau Brás não foi um
mar de rosas. Quando assumiu o governo, já estava em andamento a Guerra do Contestado, no sul do país.

A Guerra do Contestado (1912-1916)


Quinze anos após a destruição de Canudos, um novo movimento messiânico, igualmente ligado ao problema da terra e da
miséria, ocorreu no interior do Brasil. Só que em vez de acontecer num sertão inóspito, ocorreu numa região de vegetação
abundante e de terras férteis. O local situava-se entre os Estados de Santa Catarina e Paraná, em uma área de 48 000 km2
disputada pelos dois Estados. Daí o nome de “Contestado”.
Além da disputa da área pelos dois Estados, acrescente-se, ainda, mais um fator complicador: o empresário norte-
americano Percival Farquhar iniciou, em 1908, a construção da estrada de ferro São Paulo – Rio Grande do Sul com sua empresa
Brazil Railway Company. Ao mesmo tempo, implantou um projeto de colonização para imigrantes europeus e uma serraria, a
Southern Brazil Lumber & Colonization. Para isso, o governo brasileiro cedeu-lhe o direito de propriedade de uma faixa de terra
de 15 km de cada lado da ferrovia.

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Nessa imensa faixa de terra cedida pelo governo, moravam e trabalhavam milhares de posseiros os quais, em vista do
projeto de colonização e construção da ferrovia, foram expulsos das terras que ocupavam. Por outro lado, centenas de serradores e
madeireiros ficaram arruinados em razão da concorrência da serraria de Percival Farquhar, que usava técnicas modernas na
extração e no corte dos troncos.

Essa situação desenvolveu, entre a população prejudicada, a esperança de uma justiça divina, manifestada por meio de
um enviado de Deus, ou seja, de um messias. O fato de certa população prejudicada buscar solução por intermédio do
messianismo pode ser explicado pela ignorância e pelo abandono que sofre por parte dos órgãos do governo.
A região do Contestado escutava, desde 1844, história de que certa vez um monge, conhecido por João Maria, andou
fazendo milagres e, de repente, desapareceu sem deixar pistas. Por volta de 1894, outro beato, também chamado João Maria,
surgiu na região, ganhando inúmeros seguidores para, logo depois, desaparecer também. Assim consolidou-se o mito de seu
retorno glorioso. Quatro anos depois, apareceu um novo beato chamado José Maria; para a população miserável e desprotegida,
ele era o messias João Maria, que voltava com outro nome. Seus seguidores formaram uma comunidade conhecida como
“Monarquia Celeste” e José Maria dizia que o rei D. Sebastião, de Portugal, com seu exército encantado empreenderia uma guerra
santa contra os poderosos, em favor dos pobres.
Espalhou-se, dessa maneira, o boato de que os “fanáticos” desejavam reimplantar a Monarquia no Brasil. Entretanto, o
que realmente ocorreu foi o receio dos coronéis e da oligarquia diante do movimento popular.
Os fazendeiros mais fracos aliaram-se ao “monge” José Maria, engrossando ainda mais os exércitos divinos. Nas
primeiras escaramuças, alguns caboclos do exército de José Maria foram presos e tiveram seus cabelos cortados. Em
solidariedade, todos os outros decidiram raspar suas cabeças e passaram a ser chamados de “pelados”, enquanto os inimigos
receberam o apelido de “peludos”.
Ainda durante o governo de Hermes da Fonseca, foram enviadas algumas expedições militares, mas todas foram
derrotadas pelos “pelados”. Numa delas, o “monge” José Maria foi morto, porém, entre seus fiéis desencadeou-se um misticismo
ainda maior, aumentando o fanatismo e a violência da população em defesa das terras.
Em 1915, o governo, temendo uma repetição de Canudos, enviou uma expedição militar composta por sete mil soldados
sob o comando do general Setembrino de Carvalho, contando com poderosa artilharia e também aviões que bombardearam
incessantemente os redutos dos crentes, cuja resistência só foi aniquilada em maio de 1916, quando Adeodato, o último dos chefes
“pelados”, caiu prisioneiro. Terminaria, assim, a Guerra do Contestado, com um saldo de vinte mil mortos.

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O Brasil e a Primeira Guerra Mundial
Ao iniciar a Primeira Guerra Mundial, o Brasil manteve uma posição de neutralidade, porém, com o afundamento de
alguns navios mercantes brasileiros, o presidente Venceslau Brás foi obrigado a rever essa posição.
Em janeiro de 1917, o governo alemão notificou o Brasil de que havia estabelecido um bloqueio naval ao redor da
Inglaterra e nos litorais da França e da Itália. Em abril do mesmo ano, submarinos alemães afundaram o navio mercante Paraná,
no Mediterrâneo. Em maio, foi afundado o Tijuca.
O Brasil rompeu relações diplomáticas com a Alemanha e apreendeu navios alemães que se encontravam ancorados em
portos brasileiros. Os ânimos no Brasil se exaltaram. Poetas, escritores, políticos passaram a defender a participação do Brasil na
guerra. Olavo Bilac, conhecido nacionalista, fundou a Liga de Defesa Nacional.
Em outubro, foi torpedeado o navio Macau, no litoral da Espanha – foi o fator determinante para o presidente Venceslau Brás
declarar o país em “estado de guerra” contra as potências centrais, aliando-se aos Estados Unidos.
Entretanto, o Brasil não entrou em combates, participando apenas com o patrulhamento do litoral brasileiro e da costa
africana, com a Divisão Naval em Operação de Guerra comandada pelo almirante Pedro de Frontin.
Porém, a importância maior da guerra foram as consequências que trouxe para a economia brasileira.

A Industrialização
As primeiras fábricas, se é que podemos chamar assim, surgiram na segunda metade do século XIX, em decorrência da
Tarifa Alves Branco, da abolição do tráfico de escravos que liberou capitais e da atuação do Barão de Mauá.
Na passagem para o século XX, a cidade de São Paulo passou a crescer em ritmo acelerado, impulsionada pelo afluxo de
imigrantes. Conforme o historiador Boris Fausto, “a cidade oferecia campo aberto ao artesanato, ao comércio de rua, às
fabriquetas de fundo de quintal, aos construtores autodenominados ‘mestres italianos’, aos profissionais liberais. Como opção
mais precária, era possível empregar-se nas fábricas nascentes ou no serviço doméstico. A capital paulista era também o grande
centro distribuidor dos produtos importados, o elo entre a produção cafeeira e o porto de Santos e a sede do governo. Aí se
encontravam a sede dos maiores bancos e os principais empregos burocráticos”.

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Dessa forma, a cafeicultura foi o meio pelo qual foi possível acumular capitais e investi-los na produção industrial.
Estimulou as transações em moeda e o crescimento da renda e, consequentemente, de um mercado consumidor; além disso,
promoveu investimentos em ferrovias, possibilitando o alargamento e, ao mesmo tempo, a integração desse mercado consumidor.
As indústrias que surgiram eram basicamente de tecidos e alimentos, fazendo aquilo que passou a ser conhecido como
“substituição de importações”, isto é, produzir aqui o que era importado.
A substituição de importações foi fortemente acelerada durante a Primeira Guerra Mundial, gerando um grande surto
industrial. Segundo o censo de 1920, naquele ano havia 13.336 unidades fabris e 275.512 operários, concentrados, principalmente,
em São Paulo.
O censo de 1920 mostrou também que, entre os vários ramos industriais desenvolvidos, o que mais se destacou foi o de
carnes congeladas. A Guerra (1914-1918) colaborou bastante para o seu crescimento, estimulando a produção e a exportação
brasileiras. Esse setor estava praticamente dominado por grandes frigoríficos estrangeiros, como Armour, Swift, Anglo e Wilson.
Aproveitando-se de vantagens existentes, várias empresas estrangeiras estabeleceram subsidiárias no Brasil, a fim de
montar produtos trazidos por elas e, dessa forma, livraram-se de alguns impostos, o que permitia uma lucratividade maior ao
vender no mercado nacional.
Na década de 1920, começaram a aparecer as primeiras indústrias de base de certa relevância. Incentivadas pelo governo,
surgiram, em Minas Gerais, a Siderúrgica Belgo-Mineira e, em São Paulo, a Cia. de Cimento Portland. Ao mesmo tempo, com a
experiência e capitais acumulados durante a Primeira Guerra Mundial, foi possível que pequenas oficinas se transformassem em
indústrias de máquinas e equipamentos.

A Formação da Classe Operária


As primeiras fábricas brasileiras foram criadas durante o Império, mas sua importância social e econômica era pequena;
foi no início da República que o processo de industrialização ganhou fôlego e tornou-se um componente considerável da
economia nacional. O número de operários que em 1889 era de mais ou menos 54 000, em 1920, já atingira cerca de 275 000 e
continuou aumentando nos anos seguintes.
A industrialização criou duas novas classes sociais: a burguesia industrial e o proletariado. A burguesia industrial
brasileira tem origem no campo, trata-se de uma parcela da aristocracia rural, sobretudo do baronato do café que, no final do
século XIX, passou a investir também no setor industrial. Alguns poucos imigrantes tornaram-se capitães de indústria, como foi o
caso de Matarazzo e Crespi, mas a maioria dos investidores no setor industrial eram fazendeiros. Como por exemplo, Antonio
Prado que era proprietário de seis milhões de pés de café, e seus investimentos abrangiam o Frigorífico de Barretos, a Vidraria
Santa Marina, o Banco Indústria e Comércio e a Estrada de Ferro Santos – Jundiaí.
Os primeiros grupos de operários foram formados por imigrantes que vieram para o Brasil com o objetivo de trabalhar
nas fazendas de café. Os trabalhadores eram portugueses, espanhóis e italianos, com predomínio deste último grupo. Na Europa,
esses homens já haviam experimentado o trabalho fabril e vivido os conflitos de interesses que opõem a burguesia ao proletariado.
Tinham igualmente a consciência política forjada na luta entre o Capital e o Trabalho.
Os industriais brasileiros, pela sua origem rural, habituados que foram durante quatrocentos anos a serem donos dos seus
trabalhadores, tinham dificuldade de se adaptar ao trabalho assalariado, que substituiu a escravidão, no qual o trabalhador é livre e
é natural que lute para melhorar suas condições de vida. Por outro lado, a sociedade brasileira recebeu um contingente de
trabalhadores estrangeiros com ideias políticas já amadurecidas, habituados a lutar por seus direitos. Naturalmente, o encontro
dessas duas razões tão diferentes só poderia resultar em muito conflito, em muita violência. Os industriais brasileiros, pela sua
origem rural, habituados que foram durante quatrocentos anos a serem donos dos seus trabalhadores, tinham dificuldade de se
adaptar ao trabalho assalariado, que substituiu a escravidão, no qual o trabalhador é livre e é natural que lute para melhorar suas
condições de vida. Por outro lado, a sociedade brasileira recebeu um contingente de trabalhadores estrangeiros com idéias
políticas já amadurecidas, habituados a lutar por seus direitos. Naturalmente, o encontro dessas duas razões tão diferentes só
poderia resultar em muito conflito, em muita violência.

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Anarquistas e Socialistas
O movimento operário brasileiro no começo do nosso século foi influenciado pelo socialismo e pelo anarquismo. As duas
correntes são doutrinas de esquerda que pregam o fim da sociedade capitalista burguesa, mas divergem quanto à organização que
viria com o fim do estado burguês. Enquanto os socialistas acreditam na propriedade social dos meios de produção como
instrumento para se chegar ao comunismo, isto é, à sociedade sem luta de classes, os anarquistas pregam a autogestão e o fim
absoluto do Estado, pois acreditam que qualquer forma de governo é origem de males sociais. Até o início da década de 1920,
houve predomínio da tendência anarquista, sobretudo anarcossindicalista. Como na teoria anarquista o Estado não deve existir, a
sociedade precisa se organizar em pequenos grupos com autogestão; o anarcossindicalismo defende que a organização seja feita
por sindicatos de trabalhadores. Depois de 1920, o comunismo ganhou força graças à implantação do regime na Rússia.
Os imigrantes europeus que formaram os primeiros grupos de operários brasileiros, já traziam de seus países de origem a
prática da luta política como meio de conseguir melhores condições de existência. Sabiam se organizar em sindicatos, editar
jornais operários e promover greves; essa experiência foi passada para os operários brasileiros e, mesmo quando a classe passou a
ter predomínio de trabalhadores nacionais, a prática política não desapareceu. Algumas categorias, como os gráficos, tinham por
costume treinar o aprendiz tanto na arte profissional como na participação política, e aqueles que se recusavam a tomar partido na
luta de classes eram discriminados pelos próprios companheiros.

A Greve de 1917
Ainda com maioria anarcossindicalista, o movimento operário realizou no ano de 1917 um dos maiores movimentos
populares da nossa história. Revelando que a consciência operária não era privilégio das vanguardas militantes, os operários

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aderiram à greve antes mesmo da convocação sindical. A paralisação começou em junho de 1917 no Cotonifício Crespi, em São
Paulo, com os grevistas reivindicando aumento de salário. A situação econômica havia se agravado para as classes pobres porque
o Brasil exportava grande parte do alimento produzido aqui para os países europeus que estavam em guerra, e a falta de
mercadorias fez os preços subirem muito acima dos aumentos salariais. O setor da fábrica Crespi onde começou a greve era
formado apenas por mulheres, as primeiras a perceberem que a fome rondava as casas dos operários.
A princípio, a greve foi setorizada, atingindo poucos estabelecimentos. Num comício de grevistas realizado no centro da
cidade, a polícia matou um operário anarquista, o que fez aumentar a revolta popular e a adesão à greve. No dia do enterro do
operário, aconteceram tantas manifestações violentas que a polícia não conseguiu reprimir a revolta.
A paralisação atingiu as cidades do interior do estado e o setor de transportes; entre os dias 12 e 15 de julho de 1917, São
Paulo ficou paralisada. A desordem se generalizou, houve saques, depredações, piquetes, muitos comícios e violências, tanto dos
grevistas como da polícia.
A burguesia empresarial, percebendo a seriedade do conflito e contabilizando o prejuízo que estava sofrendo com a
paralisação, propôs um acordo, com o compromisso de conceder aumento salarial de 20%, ao mesmo tempo em que o governo
estadual daria anistia aos operários presos. A proposta foi aceita, e no dia 16 os operários voltaram ao trabalho. Essa vitória
importante não significou a solução dos problemas vividos pelo proletariado; o aumento de 20% rapidamente foi consumido pela
inflação. Outros direitos importantes, como descanso semanal, diminuição da jornada diária, regulamentação do trabalho das
crianças etc, ficaram de fora do acordo de 1917.

A Sucessão
As transformações econômicas e sociais que estavam acontecendo no país em decorrência da Primeira Guerra Mundial, o
surto industrial e o desenvolvimento do operariado ainda não haviam atingido as bases das estruturas políticas. Tanto é que na
sucessão presidencial, venceu, folgadamente, a chapa formada por Rodrigues Alves (paulista) e Delfim Moreira (mineiro).
Portanto, o café-com-leite ainda conseguia manter-se no poder. Mas não seria por muito tempo.
Rodrigues Alves, acometido pela gripe espanhola, que na época estava matando milhares de pessoas, faleceu antes da
posse. Delfim Moreira, conforme preceito constitucional, assumiu o governo e convocou novas eleições. Aí a coisa complicou.
Não houve consenso entre paulistas e mineiros quanto ao candidato: os mineiros diziam que era a vez deles, pois Rodrigues Alves
era paulista; os paulistas retrucavam dizendo que Rodrigues Alves nem sequer havia tomado posse, logo não governou, e os
mineiros, no repente, diziam: “se morreu, problema de vocês, agora é a nossa vez!”
Depois de muita discussão, resolveram indicar um “tertius” (terceiro), o paraibano Epitácio Pessoa, na época com
bastante prestígio, graças à sua presença na Conferência de Paz, em Paris. Rui Barbosa, candidato em 1910 – com a Campanha
Civilista – e em 1914, resolveu apresentar-se como candidato e enfrentar Epitácio Pessoa. E outra vez é derrotado.

A Decadência das Oligarquias – Epitácio Pessoa

O paraibano Epitácio Pessoa foi o nome de consenso escolhido por paulistas e mineiros em decorrência do impasse
surgido com a morte do presidente eleito Rodrigues Alves. Conforme a Constituição, caso o eleito não tivesse ocupado o governo
por dois anos e um dia (50% mais um dia), deveriam ser realizadas novas eleições. Epitácio Pessoa teve 249.324 votos contra
118.303 dados a Rui Barbosa, que ao tentar mais uma vez a presidência da República, fracassou.
Ao formar seu ministério, Epitácio Pessoa arrumou encrenca com os militares: nomeou dois civis para as pastas militares.
Para o ministério da Guerra nomeou Pandiá Calógeras, e para a Marinha, Raul Soares. A oficialidade não gostou nem um pouco,
pois esses ministérios sempre foram ocupados por militares. O general Cardoso de Aguiar declarou que “as nomeações não
satisfaziam as aspirações do Exército”.
Por outro lado, Epitácio Pessoa constatava que a prosperidade que ainda reinava era consequência da Primeira Guerra
Mundial e que, fatalmente, haveria mudanças na realidade econômica. A Europa, reconstruindo as suas indústrias e sua economia,
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diminuía gradativamente suas importações do Brasil. Assim, começaram a cair as exportações e os cafeicultores e negociantes
começaram a se alarmar. Em princípio de 1921, quase dois anos antes do término do mandato presidencial de Epitácio Pessoa, os
chefes políticos passaram a conversar sobre a sucessão. Essa antecipação representava, sem dúvida, a falta de habilidade de
Epitácio Pessoa.

A Sucessão e a Reação Republicana


Os políticos de São Paulo e Minas Gerais reuniram-se para lançar um candidato do café-com-leite. Foi escolhido o
mineiro Artur Bernardes, que fora governador do Estado de Minas Gerais.
Alguns setores políticos não gostaram e os militares também mostraram descontentamento. O ministro da Guerra, Pandiá
Calógeras, chegou a ser acusado de subverter as normas militares e de causar a desunião do Exército, atirando seus chefes uns
contra os outros. No Rio Grande do Sul , o governador Borges de Medeiros não gostou da imposição do nome de Artur Bernardes,
que dava continuidade à política café-com-leite. Logo em seguida, Pernambuco e Bahia também romperam com a candidatura
oficial.
Nilo Peçanha, ex-presidente, candidato fluminense, conseguiu a adesão dos Estados descontentes e lançou sua chapa
composta com J.J. Seabra, para a Vice-Presidência: estava, assim, constituída a Reação Republicana, uma espécie de aliança dos
Estados médios contra os grandes. Não havia programa político, administrativo ou ideológico, mas apenas ambições pessoais;
revelava, porém, um descontentamento contra a política café-com-leite praticada pelos grandes Estados.
A campanha da Reação Republicana colaborou para aumentar a tensão política e Artur Bernardes passou a ser injuriado
pela imprensa e por políticos da oposição. Nunca, salvo no tempo do marechal Hermes da Fonseca, um candidato foi mais
maltratado e ridicularizado que o carrancudo Artur Bernardes, o “seu Mé”, das canções populares daqueles tempos.
Para piorar a situação, surgiram as tais “cartas falsas”: o jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, publicou, no dia 09
de outubro de 1921, uma carta supostamente escrita por Artur Bernardes a Raul Soares, líder da bancada mineira no Congresso e
ex-ministro da Marinha, com expressões insultuosas e ofensivas ao marechal Hermes da Fonseca, que não gostou nem um pouco
de ser chamado de “sargentão sem compostura”.
Artur Bernardes defendeu-se com veemência, negando a autoria da referida carta.
No dia seguinte, 10 de outubro, o mesmo jornal publicou uma segunda carta, também atribuída a Artur Bernardes, onde
chamava Nilo Peçanha de “moleque capaz de tudo”.
A situação política pegou fogo, tornou-se um caos total.
Uma semana depois, Artur Bernardes viajou para o Rio de Janeiro – ele estava em Belo Horizonte – para ler sua
plataforma de governo. Foi recebido com uma chuva de tomates e ovos podres. À imprensa, ao ser questionado sobre as tais
cartas, respondeu apontando erros de gramática e dizendo: “Meu pai, português severo, nunca me permitiria coisas desse tipo.”
Para resolver a pendenga, o Clube Militar formou então uma comissão para realizar um exame pericial das cartas. No dia
13 de dezembro, os peritos Serpa Pinto e Simões Correia declararam que elas eram falsas. Porém, alguns dias depois, uma outra
comissão declarava que Artur Bernardes fora o autor das tais cartas.
Apesar dessa encrenca toda, Artur Bernardes foi eleito presidente da República, em março de 1922, com 1.575.735 votos
contra 708.247 dados a Nilo Peçanha.
Enquanto ocorria esse tremendo bate-boca eleitoreiro, em São Paulo um evento cultural importante se realizava: a
Semana de Arte Moderna.

A Semana da Arte Moderna de 1922


No final do século XIX, havia um pensamento pessimista da intelectualidade brasileira em relação à gente brasileira.
Deploravam nosso atraso, nossa inferioridade étnica, enaltecendo a raça superior, branca e europeia. Isso era o reflexo das teorias
raciais da época, que colocavam os brancos de olhos azuis como raça superior, principalmente as teoria do francês Gobineau, que

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foi embaixador de seu país no Brasil, durante a monarquia. Achava que a única pessoa digna com quem se podia conversar
assuntos civilizados era o imperador D. Pedro II. Além de imperador, D. Pedro II era branco e de olhos azuis.
A Primeira Guerra Mundial trouxe várias transformações para a sociedade como um todo; Cruz Costa escreve: “o
espetáculo da Guerra e de suas trágicas consequências (...) nos levariam a novos rumos (...). A Guerra de 1914 confirmava a
inferioridade das nações que dependiam do estrangeiro para as coisas essenciais da vida. Demonstrava (...) que éramos capazes
de improvisar várias indústrias. O nacionalismo econômico nascia, pois, com a guerra.”
A ideia de organizar uma Semana de Arte Moderna partiu do casal Paulo e Marinette Prado, fazendeiros de café, e do
pintor Di Cavalcanti. A intenção era, como disse Paulo Prado, “assustar essa burguesia que cochila na glória de seus lucros.”
Durante as noites de 13,15 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, o público escutou músicas de
Villa-Lobos, poemas de Manuel Bandeira e trechos de obras de Menotti del Picchia, Mário de Andrade e outros. No saguão do
teatro foram expostos quadros de Anita Malfatti e Di Cavalcanti e esculturas de Vitor Brecheret. A conferência de Graça Aranha
foi assistida com atenção e respeito. Até aí tudo ia bem e a burguesia ainda não se assustara, como dissera Paulo Prado. Porém,
quando Oswald de Andrade, na segunda noite, disse: “Carlos Gomes é horrível”, o auditório veio abaixo, entre vaias, insultos e
urros. O crítico Mário da Silva Brito conta que “Mário de Andrade não sabe como teve coragem para dizer versos diante de uma
vaia tão barulhenta (...) Sérgio Milliet falou sob o acompanhamento de relinchos e miados.” No dia 18 de fevereiro, uma nota na
“Seção Livre” do jornal O Estado de S. Paulo dava a medida dos acontecimentos desencadeados pelo evento: “Na última
pagodeira da Semana Futurista foi preciso fechar as galerias para evitar que o palco se enchesse de batatas.”
Apesar dos tumultos e das manifestações da burguesia assustada, a Semana de Arte Moderna conseguiu acrescentar
inovações e, conforme Alfredo Bosi, consistiu no “primeiro esforço concreto do grupo para sistematizar os novos ideais estéticos
ainda confusamente misturados nas noites barulhentas do Teatro Municipal. Mas (...) permaneciam baralhadas duas linhas
igualmente vanguardeiras: a futurista (...), linha de experimentação de uma linguagem moderna aderente à civilização da técnica
e da velocidade; e a primitivista, centrada na liberação e na projeção das forças inconscientes.”

“O modernismo foi, sobretudo, um deflagrador de movimentos, mais do que um movimento em si mesmo. Dele saíram
várias correntes, alguns dos seus participantes derivaram para a ação política de esquerda, como foi o caso de Oswald de
Andrade; outros, como Plínio Salgado, foram para a direita integralista. E também foi muito importante por ter representado o
fim da primazia da literatura sobre as outras artes. Pintores, como Portinari e Di Cavalcanti, tornaram-se mundialmente
conhecidos. Também músicos, como o já citado Villa-Lobos. A arte brasileira, enfim, começava a adquirir características
próprias, decretando sua independência (com cem anos de atraso) (...)”
(Alencar, História da Sociedade Brasileira, Ao Livro Técnico S/A. Rio de Janeiro p. 245).

Os Dezoito do Forte
O ano de 1922 estava bastante movimentado. Em junho, tropas federais sufocaram revoltas populares em Pernambuco; o
marechal Hermes da Fonseca esperneava-se contra o governo enviando um telegrama ao comandante militar da 6a Região Militar,
sediada em Recife, insinuando para que ele não cumprisse as ordens enviadas pelo governo federal. Em certo trecho da
mensagem, diz: “Não esqueçais que as situações políticas passam e o Exército fica.”
O ministro da Guerra, o civil Pandiá Calógeras, questionou o marechal Hermes sobre o tal telegrama, mas ele nem deu
bola e preferiu dirigir-se diretamente ao presidente Epitácio Pessoa. Confirmou a autoria da mensagem e, diante disso, o governo
mandou prendê-lo; o Clube Militar foi fechado por seis meses.
Os militares se alvoroçaram, principalmente, no Rio de Janeiro. E não era uma manifestação de descontentamento. A
conversa era derrubar o governo. Na opinião dos revoltosos, o Forte de Copacabana estava numa posição privilegiada e, por isso,
a revolta deveria começar por ali.
Em 05 de julho de 1922, o Forte de Copacabana se revoltou, apoiado pelo Forte do Vigia e por alunos da Escola Militar.
O Forte de Copacabana era comandado pelo filho do Marechal Hermes, o capitão Euclides da Fonseca. De madrugada, o forte
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disparou alguns tiros contra pontos estratégicos da cidade. O governo, tendo ao seu lado a maioria das Forças Armadas, cercou-o
ao mesmo tempo em que dominava outros setores revoltosos, inclusive o Forte do Vigia e a Escola Militar.
Diante da reação das tropas legalistas, os rebeldes resolveram se render, menos o Forte de Copacabana. O ministro
Pandiá Calógeras tentou entrar em entendimento por telefone na madrugada do dia 6. Os líderes, então, resolveram abrir os
portões para quem quisesse aceitar o entendimento e se retirar: dos 301, saíram 272, restando apenas 29 militares. Os
encouraçados São Paulo e Minas Gerais bombardearam o Forte. O ministro Calógeras telefonou mais uma vez e conseguiu um
encontro com o capitão Euclides Hermes, que seguiu para parlamentar com o ministro, mas foi preso. Acabou o diálogo: ou os
rebeldes se rendem ou serão bombardeados até o extermínio. Sob o bombardeio, o tenente Siqueira Campos decide combater as
tropas legalistas fora do Forte. Com seu canivete, cortou uma bandeira brasileira em 29 pedaços, que entregou aos 28 militares
presentes, guardando um pedaço para o capitão Euclides Hermes.
Começou a caminhada pela Avenida Atlântica; eram 28 rebeldes contra 03 mil legalistas, como se fora um duelo. Alguns
debandaram. Próximo ao Hotel Londres, sobraram 18. Um civil, Otávio Correia, atravessou a avenida, pegou uma arma e juntou-
se aos revoltosos. Em seguida, a Avenida Atlântica foi sacudida pelo estrondo de armas atirando. Dos dezenove, apenas 10
continuaram caminhando, 09 militares e 01 civil. Outra carga de fuzilaria e todos caíram no chão. Mas dois deles estavam vivos:
os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes.
Debelada a rebelião, o presidente Epitácio Pessoa solicitou ao Congresso Nacional que decretasse o estado de sítio
(suspensão temporária de certos direitos e garantias individuais) no Rio de Janeiro.
Foi nessa confusão toda que Artur Bernardes tomou posse, no dia 15 de novembro de 1922. Mas a confusão só estava
começando.
A Decadência das Oligarquias – Artur Bernardes

A década de 1920 foi marcada por vários acontecimentos que mudaram o cenário econômico e social do País. O café,
principal produto de exportação, começava a apresentar o esgotamento de seu modelo exportador, aumentando cada vez mais seus
estoques. Ao mesmo tempo, a Europa se recuperava da guerra e importava cada vez menos do Brasil outros produtos agrícolas,
como algodão, couro, fumo, entre outros. No plano social, a classe média urbana havia crescido, como também o operariado.
Ambos reivindicavam maiores direitos e olhavam a política café-com-leite como uma barreira aos seus anseios.

Culturalmente, a década de 1920 viu nascer novas formulações estéticas, cuja maior expressão foi a Semana de Arte
Moderna de 1922. A partir daí, o modernismo passou a prevalecer nas artes e na literatura; surgiu a corrente verde-amarela e
depois a antropofágica – eram expressões de um pensamento urbano impondo-se ao mundo rural que havia prevalecido até então.
As camadas médias urbanas que participaram do movimento republicano do final do século XIX e do jacobinismo do
início da república reapareceram, fortalecidas pelo crescimento provocado pela guerra e pelas crises da política café-com-leite.
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O movimento operário, ativo desde o início do século XX, com intensa participação na greve de 1917 e apoiando a
fundação do Partido Comunista em 1922, sofreu um refluxo devido à repressão desfechada por Epitácio Pessoa.
Neste contexto, a jovem oficialidade do Exército assumiu o papel de força política organizada em oposição às
oligarquias. O tenentismo marcaria toda a década de 1920, expressando o descontentamento dos setores populares e médios com o
conservadorismo da República do café-com-leite. E quem sofreria, praticamente, com todas essas pressões seria o presidente
Artur Bernardes.

O Governo de Artur Bernardes e o Tenentismo


Artur Bernardes assumiu a Presidência em 15 de novembro de 1922 e, em seu discurso de posse, afirmou que o
presidente esquecerá as mágoas do candidato. No entanto, a promessa não foi cumprida: dias depois mandou fechar o jornal
Correio da Manhã, responsável pela publicação das famosas cartas falsas. E, de lambuja, mandou prender seu diretor, Edmundo
Bittencourt.
Em seguida, anulou os atos da Assembleia do Rio de Janeiro para forçar a vitória de seu candidato ao governo do Estado;
mandou tropas para assegurar a derrota de seu inimigo político J. J. Seabra ao governo da Bahia. A sua bronca ainda não havia
sido saciada: expurgou vários oposicionistas do Congresso e desterrou outros para a Amazônia, inclusive militares. Tudo isso era
possível graças ao estado de sítio.
Ao mesmo tempo, no Rio Grande do Sul, as coisas estavam ficando complicadas.

A Revolução Gaúcha de 1923 – Pedras Altas


Outro episódio que conturbou a presidência de Artur Bernardes foi a revolta rio-grandense de 1923. A Constituição
gaúcha era a única do País que permitia a reeleição do governador, o que possibilitou a Borges de Medeiros governar o Estado por
25 anos. Nas eleições de 1922, as oposições se organizaram num movimento político chamado Aliança Libertadora, lançando a
candidatura de Assis Brasil, que acreditava contar com o apoio do presidente Artur Bernardes, uma vez que Borges de Medeiros
havia apoiado Nilo Peçanha durante a Reação Republicana.
As eleições foram conturbadas e Borges de Medeiros acabou vencendo... pela quinta vez consecutiva. No dia da posse de
Borges Medeiros estourou a revolta e durante oito meses o Estado ficou dividido entre maragatos (federalistas ou libertadores),
como eram chamados os aliados de Assis Brasil, e chimangos (ou pica-paus), elementos ligados a Borges de Medeiros.
Artur Bernardes procurou pacificar o Estado, através da intervenção federal, enviando o general Setembrino de Carvalho,
Ministro da Guerra, para negociar um acordo de paz. Assim, no dia 14 de dezembro de 1923, foi concluído o Acordo de Pedras
Altas, pelo qual as partes beligerantes fizeram concessões recíprocas, ao mesmo tempo que ficou proibida a reeleição em qualquer
nível executivo no Estado do Rio Grande do Sul.
Assim, mesmo sem vencer militarmente, os libertadores (ou maragatos) conseguiram impor todas as suas exigências,
exceto a saída de Borges Medeiros, que cumpriu o seu quinto (e último) mandato.

As Revoluções de 1924
Desde o fracasso da Revolta do Forte de Copacabana (05 de julho de 1922), permaneceu nos quartéis uma insatisfação
que cresceu à medida que se sucederam as repressões e arbitrariedades feitas pelo presidente Artur Bernardes. O clima de revolta
pairava no ar. Os militares passaram a se reunir para debater os acontecimentos e, ao mesmo tempo, partir para uma ação mais
organizada. Em dezembro de 1923, a Justiça se pronunciou sobre o julgamento dos rebeldes do Forte e da Escola Militar: foram
acusados de pretender, pela violência, mudar a forma de governo e a Constituição do País. A expectativa era de anistia ou de uma
acusação mais branda. Os militares concluíram que o Judiciário fora subserviente ao Executivo. Executivo significava Artur
Bernardes.
Os tenentes convidaram o general Isidoro Dias Lopes para chefiar o movimento contra o governo e São Paulo foi
escolhido para sediar a revolução. A Força Pública, chefiada por Miguel Costa, aderiu ao movimento. Elaboraram um programa

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político de caráter liberal do qual constavam voto secreto, limitação das atribuições do Executivo, ampliação da autonomia do
Judiciário e obrigatoriedade do ensino primário e profissional.
Entretanto, esse programa liberal não representava, na prática, uma ambição democrática. Os tenentes passaram a
demonstrar um certo elitismo e (por que não?) um certo autoritarismo ao conceber a revolução como uma missão técnica de uma
vanguarda, no caso, militar. Conforme o historiador Lincoln de Abreu Penna, “O programa concebido pelos seus líderes era
vago. No fundo, acreditavam que os problemas originaram-se da mediocridade dos governantes e, para saná-los, impunham sua
substituição. Não questionavam as estruturas econômicas, sociais e político-ideológicas, embora como movimento político
afetassem essa ordem de coisas, logo fica descartada sua caracterização como movimento revolucionário. Integra-se, nesse
sentido, a concepção salvacionista que estimulou a visão maniqueísta (pessoa que entende a realidade a partir de princípios
opostos, como bem e mal) opondo militares a civis, portadores de todos os males, enquanto aqueles representavam a pureza tão
necessária ao saneamento da República”.
No dia 05 de julho de 1924, segundo aniversário da Revolta do Forte de Copacabana, eclodiu a Revolta Tenentista em
São Paulo. As tropas rebeldes, compostas de soldados do Exército e da Força Pública de São Paulo, ocuparam vários redutos na
cidade. Os bombardeios e tiroteios afugentaram a população, que abandonou os locais onde se travavam as batalhas, fugindo para
o mato ou cidades vizinhas. Algumas pessoas, diante da confusão, aproveitaram para saquear lojas e armazéns. Enquanto isso, as
bombas e as balas iam fazendo estragos.
E assim foi até o dia 27, quando as tropas legalistas cercaram a cidade e ameaçaram bombardear os redutos até a sua
extinção. Diante disso, os rebeldes resolveram abandonar São Paulo e dirigir-se ao Paraná, onde se concentrariam em Foz do
Iguaçu.
Com o objetivo de expandir a revolta tenentista, Isidoro enviou Juarez Távora ao Rio Grande do Sul para contatar os
revoltosos gaúchos. A revolta gaúcha, sob o comando do capitão Luís Carlos Prestes, havia começado em 29 de outubro, nas
unidades militares sediadas em Santo Ângelo, São Luís, São Borja e Uruguaiana. Os objetivos principais dessa revolta consistiam
em lutar contra Borges de Medeiros e desestabilizar o governo de Artur Bernardes.
Entretanto, as forças do governo, comandadas pelo general Flores da Cunha, mais numerosas e mais bem equipadas,
conseguiram colocar em retirada os rebeldes, que foram se unir à coluna paulista em Foz do Iguaçu. Essa união entre as colunas
paulista e gaúcha deu origem à Coluna Prestes.

A Coluna Prestes
A 11 de abril de 1925, gaúchos e paulistas se encontram em Foz do Iguaçu. O general Isidoro propôs o fim da luta e
refugiar-se nos países vizinhos. Luís Carlos Prestes rejeitou a ideia e propôs: juntos, gaúchos e paulistas formariam uma só coluna,
entrariam no Mato Grosso pelo Paraguai e empreenderiam uma grande marcha pelo interior do Brasil, praticando uma guerra de
movimento. O objetivo seria manter ativa a revolução até a queda do governo. O plano foi aceito e o comando supremo foi
entregue a Miguel Costa e todos formaram a Coluna Fênix, que, mais tarde, seria conhecida como Coluna Prestes.
No dia 27 de abril, a Coluna Prestes atravessou o rio Uruguai e entrou no Paraguai, rumo ao Mato Grosso. Estava
começando a grande aventura que levaria três anos, percorrendo 25 mil quilômetros pelo interior do Brasil. Porém, os rebeldes
iriam se defrontar com um Brasil desconhecido, conforme escreve Jorge Amado em O cavaleiro da esperança. Os homens que
partiam do litoral civilizado, das grandes cidades do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Porto Alegre, iriam se defrontar com o
inimaginável. Sua primeira constatação é que desconheciam completamente o Brasil. (…) Davam-se conta agora de que essa
revolta era absolutamente superficial para a profundidade dos problemas básicos do país.
A Coluna Prestes encerrou o movimento tenentista, pois se esgotaram seus objetivos políticos. Além disso, a partir de
1930 “não havia mais condições históricas para ele prosseguir. Emergiam novas forças, particularmente ligadas ainda à
pequena burguesia, mas também à classe trabalhadora, no campo e na cidade. No novo quadro histórico, o Tenentismo acabou.
Tanto que alguns tenentes optaram pela esquerda, outros pela direita, outros pelo oportunismo e quase todos desapareceram. O

27
Tenentismo morreu porque se haviam esgotado suas possibilidades históricas. Morreu de morte morrida, e não de morte matada.
Ninguém o matou, ele morreu por si”. (Sodré, História Militar do Brasil)

A Sucessão
O mandato de Artur Bernardes fora extremamente conturbado, espelhando as transformações ocorridas no pós-guerra,
obrigando-o a governar sob estado de sítio. Em 1926, conseguiu uma reforma constitucional que lhe permitiu fortalecer o poder
para fazer frente às revoltas que se sucediam. No mesmo ano, em São Paulo, foi fundado o Partido Democrático, uma cisão do
PRP, resultado da crise da cafeicultura e pela marginalização de empresas exportadoras paulistas, como a Prado e Chaves, em
benefício de grupos ingleses. Acrescente-se, ainda, que as cotas de embarque de café, estabelecidas pelo Instituto de Café de São
Paulo, eram concedidas em maior quantidade às propriedades mais antigas, como as de Ribeirão Preto, servidas por maior número
de ferrovias, prejudicando as novas lavouras, afastadas dos terminais ferroviários.
Apesar desse quadro político e econômico complicado, as oligarquias do café-com-leite conseguiram apresentar seu
candidato, o fluminense de Macaé Washington Luís, porém proprietário rural e político em São Paulo, onde fora vereador e
prefeito em Batatais, deputado estadual, secretário da justiça, prefeito da capital e governador do Estado.
As eleições foram tranquilas – uma surpresa – e Washington Luís tomou posse em 15 de novembro de 1926.

A Decadência das Oligarquias – Washington Luís e a Revolução de 30

Em 15 de novembro de 1926, assumiu a presidência da República o candidato da política café-com-leite Washington


Luís Pereira de Sousa. Fluminense de Macaé, descendente de políticos do Império, fez toda a sua vida política em São Paulo,
começando como vereador em Batatais, até chegar a governador de São Paulo.
Sua plataforma política resumia-se no slogan: Governar é abrir estradas; esse interesse em abrir estradas vinha desde os
tempos em que fora secretário da Segurança do Estado de São Paulo, quando incumbiu detentos da Delegacia de Vadiagem de
reconstruir o antigo Caminho do Mar, estrada que ligava São Paulo a Santos.
A sua posse, após desfilar pelas ruas do Rio de Janeiro em carro aberto, foi muito aplaudida. O povo, cansado de tantas
encrencas e revoltas que marcaram o governo de seu antecessor Artur Bernardes, esperava melhores dias. No ar havia uma grande
euforia: todos achavam que o novo presidente iria acabar com o estado de sítio, daria anistia aos presos políticos e possibilitaria
maior liberdade, pacificando o País.
Entretanto, as coisas não foram bem assim, pois o presidente havia firmado compromissos com o governo anterior de não
rever certas prisões e, além disso, o Exército não iria aceitar o retorno dos revolucionários tenentistas aos seus quadros legais.
Mas, pelo menos, o estado de sítio Washington Luís revogou. Não adiantou. A oposição, reforçada agora pelo Partido
Democrático – fundado em 1926, durante o governo de Artur Bernardes – aumentou suas críticas ao governo, principalmente
através dos jornais. O governo reagiu, reforçando a Lei de Imprensa.
O operariado reiniciou suas greves e manifestações tendo à frente o Partido Comunista Brasileiro e o BOC (Bloco
Operário e Camponês), fundado em 1926. O governo reprimiu com o aparato policial – diziam na época que a questão social era
uma questão de polícia – e com uma nova legislação: a Lei Aníbal Toledo, ou Lei Celerada, como era mais conhecida.
Promulgada em 1927, a Lei Celerada aumentou os poderes do governo na repressão ao operariado e aos comunistas, permitindo,
inclusive, fechar organizações cujos atos fossem considerados lesivos ao bem público. Dessa forma, o Partido Comunista
Brasileiro passou para a ilegalidade, onde ficaria até 1945.
Enquanto isso, no Nordeste, ampliava-se o movimento conhecido como banditismo social: o cangaço. A valorização das
terras, o coronelismo e a impunidade fizeram o cangaço se expandir por todo o Nordeste. Milhares de famílias foram expulsas de
suas terras, cobiçadas pelos grandes latifundiários, para regiões mais áridas. A polícia, na maioria das vezes, era o instrumento
dessa violência, manipulada pelos grandes fazendeiros.

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Com o tempo, esses grupos de cangaceiros passaram a operar de modo independente, assaltando vilarejos e fazendas. O
cangaço conheceu sua fase áurea entre os anos de 1919 e 1927, quando chegaram a atuar no sertão nordestino nada menos que 25
bandos.
Na economia, Washington Luís pretendia realizar uma reforma financeira. Com o ministro da Fazenda, Getúlio Vargas, à
frente do projeto, foi estabelecida uma taxa fixa de câmbio, quebrando o padrão oficial, que vinha desde 1846. A estabilidade da
moeda seria garantida por uma caixa de estabilização, que podia emitir papel-moeda contra os depósitos-ouro do Brasil em
Londres e Nova Iorque. Dessa maneira, Washigton Luís pretendia evitar as frequentes oscilações cambiais e incrementar as
exportações. Como o padrão estabelecido baixou o valor do mil-réis, a medida agradou aos cafeicultores, mas provocou uma
reação de descontentamento nas camadas médias, pois elas consumiam produtos importados, que, depois dessa reforma, tiveram
seus preços elevados. A bronca foi grande e essa medida passou a ser chamada de câmbio vil. Porém, a encrenca maior viria do
exterior: a crise de 29.

A Crise de 29 e a Sucessão
Em 1929, uma violenta crise econômica atingiu o sistema capitalista a partir do crash da bolsa de Nova Iorque. Uma
baixa súbita e violenta no valor das ações negociadas na Bolsa levou várias empresas à falência e milhares de pessoas à miséria. A
partir daí, a crise se espalhou por todo o sistema capitalista. Em São Paulo, cuja economia se baseava na exportação de café,
passou-se a sentir os seus efeitos, pois o produto, já estocado às toneladas, aumentou ainda mais porque ninguém estava
comprando. E a situação piorou por tratar-se de um produto dispensável, de sobremesa. Os grandes fazendeiros, impotentes diante
da crise, assistiam desesperados ao acúmulo tanto das dívidas quanto dos estoques de café.
“Os cafeicultores solicitaram a Washington Luís o enfrentamento da crise, por meio da concessão de novos
financiamentos e de uma moratória de seus débitos. Os financiamentos seriam feitos pelo Banco do Brasil, com recursos às
emissões, tendo em vista as dificuldades pelas quais passava o Banco do Estado. Preocupado em manter o plano de estabilidade
cambial, que, aliás, acabou indo por água abaixo, o presidente recusou. Uma onda de descontentamento se levantou em São
Paulo. Realizou-se um congresso de lavradores em fins de dezembro de 1929/janeiro de 1930, no qual o governo foi
violentamente atacado. O Congresso tinha sido preparado não só pelo Partido Democrático como por todas as associações
rurais, cujos dirigentes, em sua maioria, estavam ligados ao PRP, (...) os descontentamentos resultantes da crise mundial
deixaram marcas em São Paulo. Se os democráticos já estavam na oposição, crescia o número daqueles que podiam até votar no
governo, mas não se dispunham a jogar nele toda a sua sorte”. (FAUSTO, Boris. História do Brasil)
Foi nesse contexto que se desenvolveu a campanha para a sucessão presidencial. Como já estava decidido, o sucessor de
Washington Luís deveria ser um mineiro, atendendo assim à política café-com-leite. Surpreendendo a todos, o presidente resolveu
apoiar, para a sua sucessão, o governador de São Paulo, Júlio Prestes. Washington Luís achava que Júlio Prestes, um paulista,
daria continuidade à sua política de recuperação financeira.
Frustrado com a decisão presidencial, o governador de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, buscou o apoio
dos gaúchos para articular uma candidatura de oposição, reproduzindo, em certos aspectos, o alinhamento político ocorrido em
1909. Após várias conversações e confabulações, a oposição lançou a candidatura de Getúlio Vargas para presidente e a de João
Pessoa para vice-presidente. Dessa aproximação resultou a união política dos dois Estados na chamada Aliança Liberal, que
recebeu apoio do Partido Democrático de São Paulo e de outros setores da sociedade, como classe média, operariado, comunistas
etc. Enfim, era uma verdadeira “salada”.
O programa da Aliança Liberal refletia, em grande parte, os interesses e aspirações das classes dominantes regionais
excluídas do núcleo cafeeiro e procurava sensibilizar a classe média. Defendia a necessidade de incentivar a produção agrária em
geral e não apenas o café; combatia a valorização artificial do café; propunha o voto secreto, reforma judiciária e uma legislação
trabalhista.

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As eleições foram realizadas em 1º de março de 1930 e saiu vitorioso Júlio Prestes, graças ao apoio e ao uso dos recursos
da máquina eleitoral do governo. Essa vitória foi bastante contestada, desencadeando um profundo descontentamento nos setores
oposicionistas.
Apesar de todos os problemas e da disputa acirrada entre os grupos envolvidos, o resultado das eleições parecia, no fim
das contas, ter sido aceito. Borges de Medeiros, importante componente da Aliança Liberal, numa entrevista a um jornal carioca,
afirmou que o Rio Grande do Sul estaria disposto a colaborar com o governo, caso fosse feito qualquer convite nesse sentido.
Por outro lado, alguns componentes afirmavam que através do voto nunca se mudaria nada no País, dado que as
estruturas de poder estavam de posse das oligarquias dominantes. A única maneira para mudar seria por meio das armas. Esse fora
o caminho trilhado pelos tenentes na década de 20 e foram derrotados. Quem sabe se agora a história seria outra?
“Um setor da classe dominante dispunha-se assim a seguir o caminho que os tenentes haviam tomado praticamente
sozinhos. Embora derrotado, o movimento tenentista continuava sendo uma força de importância por sua experiência militar e
seu prestígio serem respeitados no interior do Exército. A aproximação entre os políticos mais jovens e os militares rebeldes
tinha agora condições de realizar-se. Já no curso da disputa eleitoral alguns contatos haviam sido feitos nesse sentido, mas os
tenentes revelavam desconfianças. O balanço de suas relações com a oposição consentida era bastante negativo. Eles tinham
sido utilizados para proveito próprio da oposição, sem nada receber em troca. Além disso, na Aliança Liberal estavam alguns de
seus maiores inimigos: Bernardes, o perseguidor da Coluna, que simbolizava todos os vícios da República; João Pessoa,
promotor militar, acusador de muitos militares rebeldes; entre os jovens, vários deles, como Osvaldo Aranha, tinham-se
destacado na luta contra as insurreições tenentistas no Rio Grande do Sul. Apesar dessas restrições, que aliás eram recíprocas,
chegou-se a um acordo”. (Fausto, Boris. História do Brasil)
Entretanto, a conspiração revolucionária não deslanchava nem tomava nenhuma decisão efetiva. Foi, nessa época, que
um fato inesperado aconteceu para tirar os militantes do marasmo e iniciar a dita revolução.

A Revolução de 30
As condições para um evento revolucionário já existiam, como vimos, desde a década de 20. O fato que acendeu o
estopim foi o assassinato de João Pessoa, candidato derrotado à vice-presidente pela Aliança Liberal, na Paraíba. O assassinato,
cometido por João Dantas, um de seus adversários políticos, combinava motivos políticos e pessoais, mas, na época, decidiram
falar apenas os motivos políticos, pois as pessoas poderiam “arranhar” a imagem de mártir, que seria usada mais tarde pelos
revolucionários. Os motivos políticos remontam a quando João Pessoa fora governador da Paraíba e decidira canalizar as
transações comerciais de exportação de algodão do interior da Paraíba, que eram feitas pelo porto de Recife, para portos da capital
e de Cabedelo. Isso prejudicou as oligarquias paraibanas, inclusive a família Dantas. As divergências entre o governador e as
oligarquias resultaram na Revolta de Princesa, reprimida por João Pessoa. Quanto aos motivos pessoais, decorreram da descoberta
de cartas de amor trocadas entre João Dantas e uma professora primária, Anaíde Beiriz, no escritório de Dantas. O episódio
tornou-se público e a família de Anaíde abandonou-a. Ela fugiu para Recife, onde acabou se suicidando. João Dantas foi preso e
acabou sendo assassinado na cadeia.
Esse fato, o assassinato de João Pessoa, portanto, passou a ser canalizado emocionalmente pelos revolucionários junto à
população. Assim, em 03 de outubro, a revolução começou, primeiro em Minas Gerais e Rio Grande do Sul e, em seguida, houve
a adesão de outros Estados. São Paulo, Rio de Janeiro, Pará e Bahia ainda apoiavam o governo.
No Nordeste, o movimento armado teve início na madrugada do dia 04 de outubro sob o comando de Juarez Távora.
Antes que houvesse um choque entre as tropas revolucionárias e as tropas fiéis ao governo, em São Paulo, os generais Tasso
Fragoso, Mena Barreto e Leite de Castro, do Exército, e o almirante Isaías Noronha, da Marinha, depuseram o presidente
Washington Luís, no Rio de Janeiro, constituindo, em seguida, uma junta provisória de governo.
“A junta tentou permanecer no poder, mas recuou diante das manifestações populares e da pressão dos revolucionários
vindos do Sul. Getúlio Vargas deslocou-se de trem a São Paulo e daí seguiu para o Rio, onde chegou precedido de 3 mil soldados
gaúchos. O homem que, no comando da nação, iria insistir no tema da unidade nacional, fez questão de fazer transparecer,

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naquele momento, seus traços regionais. Desembarcou na capital da República em uniforme militar, ostentando um grande
chapéu dos pampas. O simbolismo do triunfo regional se completou quando gaúchos foram amarrar seus cavalos em um obelisco
existente na Av. Rio Branco. A posse de Getúlio Vargas na presidência, a 03 de novembro de 1930, marcou o fim da Primeira
República e o início de novos tempos, naquela altura ainda mal definidos”. (Fausto, Boris. História do Brasil)

A Era Vargas – O Governo Provisório (1930-1934)

Em 03 de novembro de 1930, um mês depois do início da Revolução de 30, no Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas tomou
posse como presidente provisório. Às 16 horas, os salões do Palácio do Catete estavam lotados de políticos, autoridades e puxa-
sacos para assistir à cerimônia de posse.
O general Tasso Fragoso, membro da Junta Governativa, após um discurso no qual criticou severamente o presidente
deposto Washington Luís, passou o governo para Getúlio Vargas, que anunciou o seu Ministério.
Conforme Leôncio Basbaum, tal ministério não agradou a todos os líderes do movimento revolucionário, mas, é claro
que, para contentar a todos os que se julgavam com direito a um posto no ministério, seriam necessárias pelo menos cem pastas.
Não obstante, para satisfazer as reivindicações dos mineiros e dos gaúchos, (...) foram criados mais dois Ministérios: o da
Educação, para o mineiro Francisco Campos (...), e o do Trabalho, Indústria e Comércio, para o gaúcho Linfolfo Collor.
Dias depois, por uma Lei Orgânica, foram limitados os poderes discricionários (arbitrário, ilimitado, ditatorial) de que se
achava investido o Governo Provisório. A Constituição de 1891 continuou em vigor em sua maior parte. Entretanto, a limitação de
poderes não correspondeu à realidade, pois o Congresso Nacional, os Senados Estaduais, as Assembleias Legislativas e as
Câmaras Municipais de todo o País foram dissolvidos, ocasionando, dessa forma, uma extrema centralização do poder central. Os
poderes Executivos estaduais e municipais foram preenchidos por meio de nomeações feitas pelo Governo Provisório, com
interventores federais.
Para Juarez Távora, por sua participação revolucionária e seu prestígio, principalmente no Norte do país, foi criada a
Delegacia Regional do Norte. Seu poder ia do Espírito Santo até o Amazonas e, por isso, passou a ser conhecido como o vice-rei
do Norte.
Um dos aspectos mais marcantes do governo Vargas foi a política trabalhista, que tem como objetivo principal reprimir
os esforços de organização da classe trabalhadora urbana fora do controle do Estado e captá-la para dentro da órbita do governo. A

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partir da criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, seguiram-se leis de proteção ao trabalhador, de enquadramento
dos sindicatos ao Estado e a criação dos juntas de Conciliação e Julgamento. Porém, essas reformas trabalhistas não chegaram ao
trabalhador do campo. A conciliação que Getúlio fez com as oligarquias dizia da necessidade de se manter intocáveis as relações
sociais no campo. Estava surgindo o chamado Estado de Compromisso.

A Política Cafeeira
Com a superprodução e a crise econômica do capitalismo mundial, o café, principal produto de exportação, passava por
uma de suas crises mais violentas. Milhares de toneladas estavam estocadas à espera de bom preço no mercado internacional.
Entretanto, em razão da crise mundial, os preços baixavam cada vez mais.
Como o café era fator primordial para a economia brasileira, Getúlio Vargas criou, em 1931, o Conselho Nacional do Café (CNC).
Assim, uma das primeiras medidas do CNC foi a queima dos estoques, com o objetivo de reduzir a oferta e, consequentemente,
aumentar a procura.
No entanto, o ministro da Fazenda, José Maria Whitaker, foi contrário à medida e, por isso, foi substituído por Osvaldo
Aranha. O novo ministro da Fazenda, por meio de emissões e impostos sobre a exportação, iniciou a destruição do excedente do
café, pondo fogo e jogando-o ao mar. Ou, ainda, usando-o como combustível em locomotivas nas ferrovias brasileiras.
Ao comprar o café excedente para depois destruí-lo, o governo injetava dinheiro na economia e, dessa forma, estimulava
o consumo e, em contrapartida, a produção de artigos manufaturados. Em virtude das dificuldades em importar, por causa da
depressão econômica após a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, os industriais brasileiros procuraram ocupar esse espaço
com a diversificação da produção. Isso foi fundamental para que o Brasil enfrentasse a crise e, assim, ter sido um dos primeiros
países a se livrar dela.
Entre os anos de 1931 e 1937 foram destruídas cerca de 70 milhões de sacas de café. Ao mesmo tempo, o governo
proibiu novas plantações por um prazo de três anos e incentivou o cultivo de novos produtos. Em 1933, o Conselho Nacional do
Café foi substituído pelo Departamento Nacional do Café.
Os cafeicultores, apesar do apoio governamental, não estavam gostando da nova situação política.

A Revolução Constitucionalista de 1932


Ao mesmo tempo em que colocava em prática a sua política-econômica, Getúlio realizava, também, articulações para a
elaboração de uma constituinte. Só que as coisas iam bem devagar. Enquanto isso, Getúlio continuava governando
provisoriamente.
Foi do Rio Grande do Sul que partiu a campanha pela constitucionalização do País, recebendo rápida adesão de São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A constitucionalização apresentava-se como arma muito propícia à luta das forças políticas
regionais contra o Governo Provisório da Revolução.
A ofensiva das oligarquias estaduais iniciou-se em maio de 1931. No Rio Grande do Sul, o Partido Libertador e o Partido
Republicano uniram-se para reivindicar que o País voltasse à legalidade. No Rio de Janeiro, fundou-se a Liga pela Constituição e
pela Ordem. Em São Paulo, o PRP e o Partido Democrático, até então ferrenhos inimigos, uniram-se e formaram a Liga de Defesa
Paulista.
Diante disso, Getúlio resolveu acelerar as providências e publicou, em 24 de fevereiro de 1932, o novo Código Eleitoral e
o anteprojeto da Constituição. Pelo novo código, foram estabelecidos o voto secreto e o voto feminino, como também o voto
classista, isto é, os sindicatos, tanto patronais como de trabalhadores, elegeriam deputados que teriam os mesmos direitos dos
demais parlamentares.
Os tenentes não gostaram disso e foram procurar Getúlio para pedir o adiantamento de eleições, pois achavam que não
era o momento adequado para a reconstitucionalização do País. Argumentavam que as mudanças estruturais de que o Brasil
necessitava seriam frustradas por eleições imediatas, que apenas reporiam nos cargos a elite tradicional ou seus aliados.

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As oligarquias, contudo, sentiam que essas discordâncias no governo poderiam facilitar seu movimento. O historiador
Lincoln Penna afirma que os líderes usavam-no (o movimento) para mascarar seu verdadeiro objetivo: fazer a revolução retornar
aos princípios do velho federalismo. E esse velho federalismo interessava muito mais aos cafeicultores de São Paulo, que já
haviam conseguido uma vitória contra o tenentismo ao exigirem a substituição do interventor no Estado, o capitão pernambucano
João Alberto, pelo paulista e civil Pedro de Toledo.
No dia 22 de maio, o ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha, veio a São Paulo. Espalhou-se o boato de que ele viera impor
um secretariado tenentista ao interventor Pedro de Toledo. Como consequência, uma enorme massa humana saiu às ruas para
protestar. No dia seguinte, o movimento cresceu, recebendo várias adesões, inclusive da Associação Comercial, que ordenou o
fechamento de várias lojas, em sinal de protesto.
A agitação ficou mais intensa na Praça da República, quando alguém lançou a ideia de atacar a sede da Legião
Revolucionária, entidade tenentista, transformada no Partido Popular Progressista (PPP), dirigido pelo general Miguel Costa.
Imediatamente, a massa humana convergiu para o prédio do PPP, tentando arrombar suas portas.
Porém, os legionários, que estavam armados, receberam os manifestantes à bala. A coisa virou um pandemônio: pânico,
berros, correria, palavrões. A multidão dispersou-se na busca de um refúgio. Mas quatro dos manifestantes não correram – ficaram
estendidos no chão, mortalmente feridos. Eram os jovens: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Das iniciais de seus nomes,
surgiu o MMDC, entidade que teve uma participação preponderante na organização da revolução. Na surdina, o MMDC passou a
angariar fundos para a compra de armamentos, e os doadores ficaram com seus nomes gravados no Livro de Ouro.
No dia 9 de Julho de 1932, eclodiu o movimento armado sob a liderança militar dos generais Isidoro Dias Lopes, de São
Paulo, e Bertoldo Klinger, do Mato Grosso, que, apesar de ter sido destituído de suas funções pelo Governo Provisório,
compareceu para participar do movimento armado. A liderança civil ficou com Pedro de Toledo.

Mas esse clima de euforia foi substituído, em seguida, por uma sucessão de fatos desastrosos. No Rio de Janeiro,
prenderam Agildo Barata e quase todos os oficiais vinculados ao movimento. No Rio Grande do Sul, o interventor Flores da
Cunha mudou de lado, passando a apoiar Getúlio Vargas. Minas Gerais, que se havia comprometido com uma “neutralidade
simpática”, surpreendeu com uma hostilidade armada. Foi tão hostil que, do território mineiro, partiram, mais tarde, as tropas
federais comandadas pelo general Góis Monteiro, para sufocar a revolta paulista.
Em meados de setembro, percebendo que o movimento se enfraquecia, apesar da luta renhida, o general Bertoldo Klinger
enviou ao Governo Provisório uma proposta de armistício. No dia 29 de setembro, chegaram a um contato, mas não saiu o acordo.
Muitos paulistas eram contrários a qualquer forma de acordo, mas toda resistência fora inútil. A guerra acabou: morreram 633
paulistas durante o conflito.

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A Constituição de 1934
A 15 de novembro de 1933, Vargas instalou a Constituinte, que, a 16 de julho de 1934, promulgava uma Constituição de
caráter conservador. Em relação às eleições presidenciais, o texto dispunha que elas seriam diretas. No entanto, para o primeiro
quadriênio constitucional, a própria Assembleia elegeria o presidente.
No dia seguinte, Getúlio Vargas foi eleito presidente da República, derrotando por boa margem de votos os dois outros
candidatos: Borges de Medeiros e Góis Monteiro.
A promulgação da terceira Constituição em 1934 veio, assim, atender às pressões da opinião pública nacional,
principalmente de São Paulo, que exigia do presidente Getúlio Vargas a legitimação do regime revolucionário de 1930.
A nova Constituição mudou completamente o equilíbrio estabelecido pela Constituição de 1891, aparecendo agora o
Estado com funções de intervenção e controle do desenvolvimento econômico (direito de instituir monopólios, por exemplo), bem
como controlar a vida social e política do País.
Foi extinto também o cargo de vice-presidente da República. Além de admitir uma Câmara com representação de classes
(sindicatos de empregadores e empregados – influência da Constituição italiana, já na época do Fascismo), a novidade desta
Constituição é que ela continha um capítulo sobre a legislação trabalhista.
Nesse capítulo, ficou estabelecido(a) o(a):
– Proibição de diferença de salários para um mesmo trabalho por motivos de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil;
– Salário mínimo capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades normais do trabalhador;
– Trabalho diário não excedente a oito horas, reduzíveis, mas prorrogáveis nos casos previstos em lei;
– Proibição do trabalho a menores de 14 anos, de trabalho noturno a menores de 16 anos e em indústrias insalubres a menores de
18 anos e às mulheres;
– Repouso semanal remunerado, de preferência aos domingos;
– Indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa;
– Permissão do voto feminino e a extensão do voto a todos os maiores de 18 anos.

A vitória de Vargas nas eleições indiretas de 1934 expressava muito bem o jogo político que ele vinha desenvolvendo:
deixar que os tenentes se desgastassem, enfrentando as oligarquias, mas manter, enquanto fosse conveniente, o apoio de uns e de
outros. E, de fato, observava-se um esvaziamento gradual do tenentismo. No novo Ministério, por exemplo, as pastas militares

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continuaram nas mãos dos tenentes, mas as demais foram distribuídas de forma a compor o governo federal com as oligarquias:
Vargas precisava fazer-lhes concessões para estar bem com elas – pelo menos por enquanto.
Nas eleições para os Legislativos estaduais, em outubro do referido ano, os tenentes foram fragorosamente derrotados nos
Estados ricos (São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul).

A Era Vargas – O Governo Constitucional

A crise de 29, iniciada pela quebra da Bolsa de Nova Iorque, gerou a grande depressão dos anos 30. O sistema capitalista
ameaçava entrar em colapso no mundo ocidental. Se não bastasse a crise econômica e social, as estruturas políticas baseadas no
liberalismo começaram a ser ameaçadas pelo avanço do comunismo e, em seguida, pela formação e expansão do fascismo.
Ambos, apregoavam que eram a solução para a crise.

Na Itália, Benito Mussolini organizou o Partido Fascista embasado no glorioso passado italiano – o Império Romano e a
Renascença – defendendo um programa que preconizava, conforme as palavras do próprio Mussolini: “(…) uma nação contra os
democratas que tornaram tudo medíocre e uniforme, tentaram sufocar e tornar silenciosa a autoridade do Estado. (…) A
democracia tirou a elegância da vida das pessoas, mas o fascismo a traz de volta, isto é, traz de volta a cor, o pitoresco, o
inesperado, o misticismo, enfim, tudo o que falta às almas da multidão”. Além do autoritarismo, a doutrina fascista foi
antiparlamentar, militarista, corporativista e anticomunista.
Na Alemanha, seguindo os mesmos passos de Mussolini, mas com uma competência muito maior, Adolf Hitler, que
organizou o Partido Nazista. , isto é, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, e por meio de eleições, conseguiu
chegar ao poder em 1934. As burguesias e classes médias destes países deram total apoio a essa forma de governo, pois temiam o
comunismo e os movimentos operários. Queriam sossego e, evidentemente, a manutenção da produção e dos lucros. E, tanto
Mussolini como Hitler estavam conseguindo tirar seus países da crise. A ideologia e o sucesso na implantação de reformas
econômicas, ao mesmo tempo que enaltecia o nacionalismo, levariam outros países, mais tarde, a assimilar o fascismo – total ou
em parte – como sistema de governo, caso, por exemplo, de Espanha, Portugal, Polônia e Brasil, entre outros.

O Brasil e as Ideologias
O liberalismo algemou o Estado Democrático com pesada cadeia das constituições e das fórmulas jurídicas estáticas…
Estado impotente e ridículo da democracia liberal… O liberalismo enfraqueceu, castrou os seus governos… Todos os sofrimentos
do mundo moderno se originaram num só defeito da grande máquina: a falta de disciplina… O mundo está agonizando por falta

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de autoridade do Estado. Essas são palavras de Plínio Salgado, intelectual que participou da Semana de Arte Moderna de 1922, e
responsável pela sistematização da Teoria do Estado Integral. Defendia a extinção do liberalismo, o corporativismo, o
nacionalismo e tinha como lema “Deus, Pátria e Família”.
O fascismo brasileiro surgiu em 1930 com a fundação do Partido Fascista Brasileiro, feita pelo militar Afonso Rodrigues
Filho. Em 1931, o tenente Severino Coimbra organizou a Legião Cearense do Trabalho e, no mesmo ano, apareceu em Minas
Gerais a Legião de Outubro, tendo entre seus fundadores Francisco Campos e Gustavo Capanema. Em seguida, surgiram outros
partidos fascistas em todo o território nacional.
Como a pluralidade partidária é contrária à doutrina (conjunto coerente de ideias fundamentais a serem divulgadas,
ensinadas ou transmitidas.) fascista, todos os partidos e movimentos resolveram se fundir na chamada Ação Integralista
Brasileira, que colocou Plínio Salgado como seu líder máximo. Oficialmente, a AIB tornou-se pública em outubro de 1932 com o
lançamento do Manifesto de Outubro.
Em 23 de abril de 1933, Plínio Salgado, à frente de 40 pessoas, realizou a primeira marcha integralista em São Paulo. Em
1934, o integralismo, conforme seus dirigentes, teria cerca de 300 mil membros espalhados pelo País em 04 mil células. Na
imprensa – conforme declaração de Plínio Salgado – os integralistas controlavam oito jornais, entre eles A Ofensiva, no Rio e
Ação, em São Paulo, e mais de uma centena de publicações periódicas como Panorama e Anauê!. Como acontecia em todos os
movimentos fascistas, havia um intenso uso de símbolos em uniformes, bandeira, hinos, marchas com estandartes. O símbolo que
identificava o integralismo era o sigma, feito de maneira a parecer a suástica nazista, e seus membros saudavam-se com o brado
Anauê, palavra tupi-guarani usada como cumprimento ou saudação. O uniforme tinha uma camisa verde, imitando os camisas-
negras italianos e os camisas-pardas alemães; os adversários dos integralistas, devido à camisa verde, chamavam-nos de galinhas
verdes.

O crescimento do integralismo assustou muita gente, desde os democratas mais liberais, até os comunistas fanáticos. E os
comunistas já tinham um exemplo, na Alemanha, da força das ideologias de direita. Em 1933, os comunistas alemães se
recusaram a apoiar os social-democratas nas eleições para o Parlamento e, assim, acabaram facilitando a eleição de muitos
nazistas, o que possibilitou a ascensão de Hitler ao poder.
Assim, a partir de 1934, os comunistas passaram a propor a formação de frentes únicas, com socialistas, radicais, liberais
e quem mais desejasse combater o fascismo.
O ex-tenente e líder da Coluna Prestes, Luís Carlos Prestes, convertido ao comunismo, ao retornar de Moscou, procurou
os remanescentes do tenentismo e propôs uma aliança, não só para combater o integralismo, mas também a política de Getúlio, na
qual apareciam muitos elementos das velhas oligarquias. Em janeiro de 1935, Luís Carlos Prestes, na Câmara Federal, anunciou a
criação da Aliança Nacional Libertadora que, em seguida, recebeu o apoio de várias facções da sociedade, como operários,
estudantes, representantes da classe média e políticos liberais. O programa da ANL possuía cinco pontos fundamentais: governo
popular, liberdade, proteção aos pequenos e médios proprietários, nacionalização das empresas estrangeiras e cancelamento
unilateral da dívida externa e possuía o lema “Pão, terra e liberdade”. Sob imensa aclamação, um estudante, Carlos Lacerda –
que mais tarde seria um importante político anticomunista – propôs Luís Carlos Prestes como presidente de honra da ANL.
Em pouco tempo, a ANL organizou cerca de 1.500 núcleos de militantes, e só no Rio havia mais de 50 mil adeptos. A
capacidade de mobilização feita pelos aliancistas contrastava com as formas arcaicas de atuação dos políticos tradicionais.

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Diante desses movimentos oponentes, o cenário político brasileiro ficava cada vez mais conturbado. O historiador
Thomaz Skidmore afirma: “Muito significativo era o fato de que o Integralismo e a Aliança Nacional Libertadora constituíam os
primeiros movimentos políticos nacionais de aguda orientação ideológica. Os componentes da descosida Aliança Liberal, que
haviam feito a revolução de 30, não passavam de políticos locais, unidos apenas pelo desejo comum de derrubar a estreita elite
governante da República Velha. Agora, tinham sido eclipsados por movimentos nacionais mais ambiciosos, mais disciplinados,
de bases mais amplas e mais radicais”.

A Intentona de 35
A ANL cresceu rapidamente, tornando-se um vigoroso movimento de massas, antepondo-se aos integralistas e ao
governo de Vargas, acusado de autoritário e de ser de caráter antipopular. Discretamente, Getúlio aproximava-se dos integralistas,
mas ao mesmo tempo não apoiava os aliancistas. Na verdade, isso demonstrava a grande habilidade de Getúlio em manipular os
extremos, um contra o outro, produzindo na sociedade uma tremenda insegurança e receio ante uma política aberta como a que
estava sendo praticada, numa época em que o liberalismo estava em baixa.
No dia 30 de março, o governo conseguiu aprovar uma lei de segurança nacional, a qual lhe dava poderes especiais para
reprimir atividades políticas consideradas subversivas.
Luís Carlos Prestes, muito confiante na força da ANL – ou, talvez ingênuo – em 05 de julho, comemorando o aniversário
da revolta do Forte de Copacabana, pronunciou um violento discurso no Congresso, atacando Getúlio e clamando a necessidade
de um governo popular, revolucionário e anti-imperialista. Ao final do discurso, bastante inflamado, gritou a plenos pulmões:
Abaixo o governo odioso de Vargas! Abaixo o fascismo! Por um governo popular nacional revolucionário! Todo o poder à
Aliança Nacional Libertadora!
No dia 13 do mesmo mês, Getúlio respondeu aos gritos de Prestes: mandou a polícia invadir os escritórios da ANL e
confiscou documentos que provavam que o movimento era financiado pela União Soviética. Em seguida, seus principais líderes
acabaram na cadeia.
Thomaz Skidmore diz que: “(…) a ala revolucionária do Partido Comunista, que havia rejeitado a tática de frente
popular, pedindo, em seu lugar, um levante armado, funcionava com tal perfeição nas mãos de Vargas, que muitos participantes,
mais tarde, concluíram que esses acontecimentos eram planejados por agentes do governo, infiltrados tanto na Aliança Nacional
Libertadora quanto no próprio Partido Comunista.
Em fins de novembro de 1935, os militares revolucionários das guarnições nordestinas de Natal e Recife promoveram
uma quartelada, assassinando oficiais superiores, mas os rebeldes do Nordeste tinham falhado em coordenar o seu golpe com os
conspiradores do sul. Quando os militares comunistas rebeldes se movimentaram no Rio de Janeiro, os comandos locais tinham
sido completamente alertados e a revolta foi facilmente esmagada pelas forças do governo”.
A Intentona Comunista serviu para que Getúlio se fortalecesse mais ainda no poder. No dia 25, logo após a revolta feita
em Natal, Getúlio enviou à Câmara uma mensagem solicitando a votação do estado de sítio, que foi aprovada. A partir daí, o
governo aproveitou para jogar nas costas dos comunistas todas as desgraças do mundo, como por exemplo: a queda brusca no
câmbio em Londres e Nova Iorque pelos agentes da III Internacional, a campanha do separatismo de São Paulo em 1932,
campanha do ódio paulista ao nordestino, e da desagregação nacional, entre outras barbaridades. O plano para um golpe estava
sendo elaborado. E os comunistas certamente seriam os culpados.

O Plano Cohen e o Golpe


Apesar do Putsch (golpe de Estado com uso da força) comunista e do estado de sítio, as eleições presidenciais, que
deveriam ser realizadas em janeiro de 1938, mantiveram-se programadas. Em 1937, dois candidatos se apresentaram: Armando de
Salles Oliveira, governador de São Paulo, candidato da União Democrática Brasileira, e o outro, José Américo de Almeida, antigo
tenentista, considerado candidato do governo. Mas Getúlio não demonstrava apoio a nenhum candidato. Diante disso, os
integralistas resolveram participar das eleições, indicando Plínio Salgado como seu candidato.

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Enquanto isso, Getúlio elaborava com seus auxiliares e oficiais militares estratégias para um golpe. Em setembro, um de
seus aliados militares, o general Góis Monteiro, apresentou um documento que dizia ser o plano de combate de uma revolução
comunista. Apresentou uma falsificação grosseira conhecida como Plano Cohen, fabricada pelos integralistas e entregue a ele
pelo capitão Olímpio Mourão Filho. O tal plano foi levado ao ministro da Guerra, general Dutra, e a Getúlio, que o aprovaram
como pretexto para o golpe.
Os boatos sobre o possível cancelamento das eleições correram pelo país. Sales Oliveira decidiu apelar aos militares para
que mantivessem a ordem e as instituições democráticas e também as eleições. Não adiantou. Conforme Thomaz Skidmore, “ na
sua transmissão radiofônica de 10 de novembro, Vargas explicou que o Brasil devia deixar de lado a ‘democracia dos partidos’
que ‘ameaça a unidade pátria’. Descreveu o Congresso como sendo ‘aparelho inadequado e dispendioso’, cuja continuação era
‘desaconselhável’. O Brasil não tinha outra alternativa senão instituir ‘um regime forte, de paz, justiça e de trabalho’, concluiu o
novo ditador, ‘para reajustar o organismo político às necessidades econômicas do país’. Para sublinhar o seu ponto de vista,
Vargas anunciava, no mesmo discurso, a decisão do Brasil de suspender todos os pagamentos de juros e amortizações da sua
dívida externa. Todos os partidos políticos foram abolidos a 02 de dezembro e começou a nova consolidação do poder federal.”
Estava começando o Estado Novo.

A Era Vargas – O Estado Novo

“Nos períodos de crise como o que atravessamos, a democracia de partidos, em lugar de oferecer segura oportunidade
de crescimento e progresso, dentro das garantias essenciais à vida e à condição humana, subverte a hierarquia, ameaça a
unidade da Pátria e põe em perigo a existência da Nação, extremando as competições e acendendo o facho da discórdia civil”.
Essas foram as palavras proferidas por Getúlio Vargas, num discurso ao país na noite de 10 de novembro de 1937 e no qual
anunciava o início da chamada “nova ordem”. No mesmo dia, tropas da polícia – o Marechal Dutra, que apoiava o golpe, não quis
enviar soldados do exército – fecharam o Congresso Nacional, as assembleias legislativas e as Câmaras Municipais e, em seguida,
foi outorgada uma nova Constituição, elaborada por Francisco Campos, conhecido como Chico Ciência.
Conforme Boris Fausto, “o regime foi implantado no estilo autoritário, sem grandes mobilizações. O movimento popular
e os comunistas tinham sido abatidos e não poderiam reagir; a classe dominante aceitava o golpe como coisa inevitável e até
benéfica. O Congresso dissolvido submeteu-se, a ponto de oitenta de seus membros irem levar solidariedade a Getúlio Vargas a
13 de novembro, quando vários de seus colegas estavam presos”.
Em 02 de dezembro, Getúlio Vargas decretou a extinção dos partidos políticos inclusive da Ação Integralista Brasileira,
que havia apoiado o golpe. Isso foi uma tremenda frustração para Plínio Salgado e seus seguidores, que pensavam em se
beneficiar do golpe, já que os comunistas haviam sido eliminados.
Nem sequer foram chamados para compor o novo governo, bem próximo, na sua estrutura, de seu programa ideológico.
Getúlio não deu importância aos camisas-verdes. Eles não gostaram.
Em maio de 1938, um pequeno grupo de integralistas armados, apoiado por alguns militares anti-Vargas, liderado por
Belmiro Valverde e Severo Fournier, atacou e invadiu o Palácio Guanabara, residência oficial do presidente. Dizem que parte da
Guarda Presidencial colaborou com os atacantes, mas os soldados legalistas conseguiram ajudar Vargas e sua filha Alzira que, de
armas em punho, atiravam contra os invasores. Agora, Getúlio tinha a mesma justificativa para reprimir os integralistas que a que
lhe havia sido dada pelos comunistas em 1935. Dessa forma, o último dos movimentos políticos nacionais que haviam surgido no
principio da década de 30 acabava de ser reprimido. De agora até fins de 1944, o Estado Novo repousou no apoio das Forças
Armadas, da polícia política e na desorganização e debilidade da oposição.
Thomaz Skidmore diz que “o Estado Novo era um estado híbrido, não dependente de apoio popular organizado na
sociedade brasileira e sem qualquer base ideológica consistente. Vargas esperava assumir, para seu próprio proveito político, a
direção das mudanças sociais e do crescimento econômico do Brasil. A despeito das roupagens corporativistas (adepto do

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corporativismo, que prega a união das classes produtivas em corporação sob a fiscalização do Estado), o seu Estado Novo era uma
criação altamente pessoal”.

1. A Política Administrativa
Acompanhando a centralização política, a administração pública também foi centralizada a partir da criação do DASP
(Departamento Administrativo do Serviço Público), em 1938, órgão ligado à Presidência da República, incumbido de
recrutamento de pessoal a partir da qualificação profissional. Diz Boris Fausto que na cúpula do aparelho burocrático, a maioria
das indicações continuaram a ser feitas de acordo com as preferências do presidente da República ou de seus ministros para os
chamados cargos de confiança, cujos ocupantes podiam ser demitidos a qualquer tempo.
Na mesma época, foi criado o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão de sustentação do regime, na
medida em que elaborava e divulgava a propaganda oficial do governo, além de servir como órgão de censura. O DIP recebeu
funções bastante extensas, indo da censura a todos os meios de comunicação até a divulgação das realizações do governo através
da música, cartilhas e de um programa radiofônico, de âmbito nacional, chamado Hora do Brasil que, por sinal, está no ar até hoje.
A repressão era feita pela Polícia Especial.
“Mas a confiança de Vargas nestes instrumentos – diz Thomaz Skidmore –emprestados do fascismo europeu, não era,
em sentido algum, irreversível. Sabia muito bem que o espírito irreverente dos seus patrícios, principalmente o dos cariocas,
visava o ditador. Vargas, mais tarde, explicou que, durante os anos de 1930 a 1945, ‘o anedotário do povo foi meu guia,
indicando-me o caminho certo através do sorriso amável e do suave veneno destilado pelo bom humor dos cariocas.’ Concluiu
dizendo que foi este ‘respeito profundo à inteligência popular que criou a identidade de nossos espíritos e a comunhão entre a
ação do governo e a vontade do povo’ (...). Os seus exasperados inimigos rotularam-no de ‘maquiavélico’. Essa denominação era
exata; Getúlio Vargas também a teria achado lisonjeira”.

2. A Política Social e Econômica


A política social do Estado Novo caracterizou-se essencialmente pela legislação trabalhista e por uma política econômica
nacionalista, intervencionista e protecionista.
A política trabalhista, iniciada com a criação do Ministério do Trabalho em 1931, teve continuidade com uma série de
leis regulamentando as relações entre patrões e empregados. Os sindicatos tornaram-se dependentes, controlados pelo governo.
Em 1940, foi criado o imposto sindical com o objetivo de financiar e sustentar os sindicatos. Era um pagamento anual feito pelos
trabalhadores, correspondente a um dia de trabalho. Conforme Boris Fausto, “o imposto sindical deu suporte à figura do ‘pelego’.
A expressão deriva de um de seus significados: ‘pelego’ é uma cobertura de pano ou couro colocada sobre a sela de um animal
de montaria para amortecer o choque produzido pelo movimento do animal no corpo do cavaleiro. A ideia de amortecedor se

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mostrou bastante adequada. ‘Pelego’ passou a ser o dirigente sindical que na direção do sindicato atua mais no interesse próprio
e do Estado do que no interesse dos trabalhadores, agindo como amortecedor dos atritos”.
Em maio de 1940, por meio de um decreto-lei, foi oficializado o salário mínimo e o país foi dividido em várias regiões
com a finalidade de fixar o valor a ser pago, estabelecendo-se uma escala variável, de acordo com a região.
Em 1943, todas as leis trabalhistas foram compiladas na Consolidação das Leis Trabalhistas – conhecida como CLT – e
que continua em vigor até os dias de hoje.
A política agrária, por meio de uma severa intervenção estatal, promoveu a diversificação da produção, incentivando a
policultura em decorrência das sucessivas crises ocorridas no café, principalmente após 1929. Foram criados vários órgãos de
incentivo e controle, como o Instituto do Açúcar e do Álcool, o Instituto do Pinho e o Instituto do Mate. Em São Paulo, expandiu-
se a produção algodoeira em substituição à do café.
A política industrial, iniciada logo após a Revolução de 30, teve um grande impulso no início da década de 1940, graças à
Segunda Guerra Mundial. Desde 1939, Getúlio e Souza Costa, Ministro da Fazenda, preparavam um Plano Quinquenal,
objetivando a construção de uma usina de aço, uma fábrica de aviões, a usina hidrelétrica de Paulo Afonso, estradas de rodagem e
ferrovias.
Em 1940, manobrando politicamente entre Alemanha e Estados Unidos, Getúlio conseguiu um empréstimo de vinte
milhões de dólares do governo americano, a fim de construir a Usina de Volta Redonda, possibilitando, assim, a criação da
Companhia Siderúrgica Nacional em 1941. Em 1942, foi criada a Companhia Vale do Rio Doce, garantindo, dessa forma, o
fornecimento e o controle da matéria-prima, isto é, o ferro, para a indústria pesada. O Brasil estava mudando.

3. O Brasil e a Segunda Guerra Mundial


“Considerando que atos de guerra são praticados contra o continente americano; considerando que ao passo que o
Brasil respeitava, com máxima exatidão e lealdade, as regras de neutralidade universal, aceitas do Direito Internacional, o navio
de guerra brasileiro Taubaté foi atacado, no mar Mediterrâneo, por forças de guerra da Alemanha; considerando que,
assumindo solenemente a obrigação de reparar o dano causado por este ato, o Governo alemão até hoje não cumpriu este
compromisso; considerando que (...) unidades desarmadas da Marinha Mercante brasileira, viajando com fins de comércio
pacífico, foram atacadas e afundadas (...); considerando que tais atos constituem uma agressão não provocada (...) decreta [que]
os bens e direitos dos súditos alemães, japoneses e italianos, pessoas físicas ou jurídicas, respondam pelo prejuízo que, para os
bens e direitos do Estado brasileiro, e para a vida, os bens e os direitos das pessoas jurídicas ou físicas brasileiras, domiciliadas
ou residentes no Brasil, resultaram, ou resultam, de atos de agressão praticados pela Alemanha, pelo Japão e pela Itália.”
Com esse decreto, de março de 1942, o Brasil pendeu, definitivamente, para o lado dos Aliados, apesar de não significar
que o Brasil entrava na guerra. O governo vacilava apesar de a Alemanha passar a torpedear navios brasileiros no Atlântico e até
próximo ao litoral brasileiro. Em agosto de 1942, o governo decretou o “estado de beligerância”. As manifestações populares
aumentaram, exigindo que o Brasil entrasse na guerra. A UNE (União Nacional dos Estudantes) promovia passeatas,
manifestações e atos públicos contra os países do Eixo, exigindo que o Brasil entrasse na guerra. O Partido Comunista – na
ilegalidade – realizou a Conferência da Mantiqueira decidindo pela União Nacional em torno de Getúlio Vargas.
“O Governo, porém, vacilava, adiando a decisão de entrar na guerra. Não só em face do despreparo militar, como pela
existência de uma forte ala ‘germanófila’ no ministério. O próprio Vargas mostrara-se inclinado a uma aproximação com os
alemães no célebre discurso de 11 de junho de 1940. Dutra, Góis Monteiro e Filinto Müller eram francamente favoráveis aos
países do Eixo. Em 1940, Dutra queria declarar guerra à Inglaterra. E Francisco Campos, Ministro da Justiça, publicara, no
mesmo ano, um livro que fazia aberto elogio a Hitler. Quanto ao general Góis, ainda em janeiro de 1942, opunha-se ao
rompimento de relações com Alemanha e Itália. Mas lá fora, o povo fazia passeatas de protesto e seria precisamente uma
manifestação de massas que iria precipitar a primeira crise de gabinete no Estado Novo: a 04 de julho de 1942, Filinto Müller
tentou impedir que a UNE realizasse uma passeata antinazista. Favorável aos estudantes, Vasco Leitão da Cunha – ministro
interino da Justiça – entrou em choque com o chefe de polícia. Müller interpelou-o rudemente, e foi preso. O ministério entrou em

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crise. Lourival Fontes, Francisco Campos, Filinto Müller e Vasco Leitão demitiram-se de seus cargos. Solidificava-se, assim, a
base do governo para o envolvimento na guerra. E Oswaldo Aranha, pró-aliado, via sua posição fortalecida no Ministério.”
(Nosso Século – Brasil. Abril Cultural)
No mesmo ano de 1942, foi realizada a Conferência dos Chanceleres Americanos em que os países americanos
romperam relações com o Eixo – exceção do Chile e da Argentina – e, em janeiro de 1943, foi formada a Comissão Mista de
Defesa Brasil – Estados Unidos que, entre outros assuntos, acertou a permissão para a construção de bases militares norte-
americanas no Nordeste. No mesmo mês, chegou a Natal o presidente norte-americano Franklin Roosevelt para um encontro com
Getúlio, no qual foi sugerido a Getúlio que o Brasil fosse um dos membros fundadores das futuras Nações Unidas.
Em junho, começaram a se apresentar os voluntários para a formação de uma força expedicionária. Em seguida foi criada
a FAB (Força Aérea Brasileira) para participar também do conflito, juntamente com a FEB.
Mas somente em julho de 1944 é que as tropas brasileiras desembarcaram na Europa. Os primeiros soldados, de um total
de 25.534, desembarcaram no porto de Nápoles, levados pelo navio-transporte norte-americano General Mann.

As tropas brasileiras, subordinadas ao general Mark Clark, comandante do V Exército norte-americano, participaram de
várias batalhas em território italiano, ocupado pelas tropas alemãs.
Os principais combates fizeram parte das operações que tinham como objetivo romper a Linha Gótica e a Linha Gengis
Khan que se estendiam pelos Apeninos, no vale do Pó.
Após várias batalhas, como Camaiore, Monte Castelo, Montese, Colecchio, Fornovo, entre outras, as tropas brasileiras
chegaram a Alessandria, a 60 km de Turim, e depois seguiram para Susa, próxima à fronteira ítalo-francesa. Em 02 de maio de
1945 foi encerrada a campanha brasileira na Itália. Quatrocentos e cinquenta e quatro soldados brasileiros ficaram na Itália.
Mortos em combates foram enterrados no cemitério brasileiro de Pistóia. Em 05 de outubro de 1960, suas cinzas foram trazidas
para o Brasil e colocadas na cripta do Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no aterro da Glória, no Rio
de Janeiro.

4. A Redemocratização
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À medida que os ventos da vitória passaram a soprar para os lados dos Aliados, Getúlio Vargas, uma velha raposa
política, passou a se preparar para uma atmosfera política com ares democráticos. E isso não acontecia somente com ele. Em
outubro de 1943, um grupo de intelectuais e políticos mineiros subscreveu um manifesto – o famoso Manifesto dos Mineiros –
pedindo a redemocratização do Brasil. Em 1944, Getúlio ficou sabendo que oficiais estavam criticando o Estado Novo, certamente
pela situação estranha em que se encontravam: lutando pela democracia contra regimes nazifascistas quando, no Brasil, o regime
se assemelhava ao nazifascista.
Diante desse cenário, Getúlio, em uma de suas falas à Nação, em 15 de abril de 1944, disse que “os brasileiros poderiam
se declarar e escolher os seus representantes, dentro da democracia, da lei e da ordem”.
As Forças Armadas, pressionadas pela opinião pública, reviam sua posição, passando a encarar o retorno ao regime
democrático como uma aspiração legítima do povo brasileiro e uma necessidade, dentro das novas condições da política
internacional.
Contemporizando e usando o seu jogo de cintura, Getúlio discursou em um grande comício no dia 1º de maio de 1945,
dizendo que sua missão estava cumprida. No dia 28 do mesmo mês, assinou decreto fixando a data para as eleições para 02 de
dezembro de 1945. Ao mesmo tempo, libertou os presos políticos e permitiu a formação de partidos.
Organizaram-se, então, alguns partidos de âmbito nacional, surgindo como mais importantes: a União Democrática
Nacional (UDN), que congregava os mais ferrenhos adversários de Vargas entre os industriais, banqueiros e profissionais liberais;
o Partido Social Democrático (PSD), formado por representantes dos grandes proprietários e da grande burguesia (embora não
fosse oficialmente patrocinado por Vargas, o PSD era representante das “novas oligarquias”, surgidas da atuação dos interventores
junto às oligarquias tradicionais); o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), um partido de massas sustentado pelo vínculo então
estabelecido entre Vargas e o proletariado urbano; o Partido Democrata Cristão (PDC); o Partido Social Progressista (PSP) e a
legalização do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
O primeiro candidato a ser indicado para concorrer à presidência foi o ex-ministro da Guerra, General Dutra, pela
coligação PSD/PTB. Em meados de agosto, a UDN formalizou a candidatura de Eduardo Gomes.
Entretanto, essa atmosfera democrática foi nublada tanto por agitações das esquerdas como manifestações vindas do
próprio palácio presidencial.
Conforme o historiador Thomaz Skidmore, “um grupo de adeptos de Vargas começou um movimento no sentido de adiar
as eleições presidenciais realizando, em lugar destas, eleições para a Assembleia Constituinte. O seu objetivo era
‘redemocratizar’ o Brasil sob os auspícios do ditador. (...) Os que desejavam que Getúlio continuasse como presidente, ou se
declarasse candidato nas próximas eleições, foram denominados ‘queremistas’, devido ao refrão por eles usado: ‘Queremos
Getúlio’. O seu lema era ‘Constituinte com Getúlio!’ Salientando-se entre os líderes desse movimento, estavam membros do
Partido Comunista, bem como lugares-tenentes de Vargas, como Hugo Borghi, que havia começado a organizar o Partido
Trabalhista Brasileiro, ou PTB”.
As atitudes dúbias de Getúlio, durante a campanha para as eleições de dezembro, generalizaram as suspeitas de que ele
pretendia ainda encontrar um modo de continuar no poder. Os ânimos oposicionistas acirraram-se mais ainda a 25 de outubro,
quando Vargas substituiu João Alberto Lins e Barros, chefe de polícia do Distrito Federal, por seu irmão Benjamin Vargas (Bejo).
Ante o grande descontentamento político e militar, o general Góis Monteiro, ministro da Guerra, mobilizou o Exército contra
Vargas, destituindo-o do poder a 29 de outubro de 1945. Terminado o Estado Novo, as eleições foram realizadas na data prevista,
saindo vencedor o candidato da coligação PSD-PTB, general Eurico Gaspar Dutra.

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A República Populista – Dutra e Getúlio

“O grande desafio da transição operada a partir de 1945 era como convencer a população das vantagens da
democracia constitucional. Numa sociedade tendencialmente conservadora, em que cidadania era um nome estranho para a
maioria, em que só um pequeno número de seus membros a exercia efetivamente, como invocar uma redemocratização? Essa
questão torna-se ainda mais problemática se nos lembrarmos de que as massas populares só passam a gozar de alguns direitos –
trabalhistas principalmente – durante o período de vigência da ditadura “estado-novista”. Desse modo, o significado da
redemocratização soa irônico porque sugere objetivamente um convite ao retrocesso, na medida em que faz lembrar o tempo da
liberdade dos patrões”.
O historiador Lincoln de Abreu Penna colocou, nas palavras acima, um dos principais aspectos que marcaria o período
posterior à Era de Vargas. Outro aspecto seria o nacionalismo, herdado da época de Vargas, em oposição à presença do capital
estrangeiro – principalmente norte-americano – aliado a interesses de setores da burguesia brasileira, conhecidos como "
entreguistas".

1. A Presidência de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951)


O general Eurico Gaspar Dutra foi eleito pela coligação partidária formada por PSD e PTB, vencendo o forte concorrente
da UDN, representado pelo brigadeiro Eduardo Gomes. Apesar de derrotada, a UDN tinha grande influência política e conseguiu
participar do governo Dutra ocupando dois ministérios: o das Relações Exteriores e o da Educação. Interessava à UDN colaborar
com o governo para tentar reduzir a importância do prestígio de Getúlio Vargas junto à população, pois nas eleições de 1945,
beneficiando-se da lei eleitoral, elegeu-se deputado e senador por vários Estados, optando por ser senador pelo Rio Grande do Sul,
Estado de seu nascimento.

O Partido Comunista saíra da ilegalidade e seus líderes e membros, muitos dos quais saídos das prisões, tiveram larga
votação nos centros urbanos, chegando a eleger Luís Carlos Prestes para o senado e uma bancada expressiva na Câmara dos
Deputados. Possuindo cerca de 200 mil militantes, o Partido Comunista tornou-se o mais forte partido comunista da América
Latina.

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Em 18 de dezembro de 1946, foi promulgada a 4ª Constituição da República – a 5ª do Brasil – mantendo o
presidencialismo, o federalismo e os três poderes.
Apresentava, ainda, as seguintes características: restabelecimento o cargo de vice-presidente, fortalecimento do poder
central; mandato de cinco anos para presidente e vice, voto universal obrigatório para maiores de 18 anos, exceto para analfabetos,
cabos e soldados. A Assembleia Constituinte baseou-se na Constituição de 1934, principalmente no que se referia às questões
sociais, manutenção de muitas instituições corporativistas do Estado Novo.

A. A Política Econômica
O presidente Dutra recebeu a balança de pagamento em situação favorável. O surto industrial e o aumento das
exportações, provocados pela guerra, haviam deixado ao país uma reserva disponível de 708 milhões de dólares. Aplicando uma
política financeira exageradamente liberal, o governo abriu o país às importações indiscriminadas, principalmente para artigos de
luxo, além de ter comprado diversas empresas estrangeiras deficitárias, como a de estradas de ferro, por preços elevados. O
resultado disso foi a redução repentina das reservas brasileiras de 708 milhões para 29 milhões de dólares, no prazo de um ano.
Essa política econômica, baseada em princípios liberais, procurava abster o Estado do controle sobre a economia,
especialmente em relação ao câmbio, tentando livrar a economia do espectro da intervenção estatal que marcava o Estado Novo.
O Ministro da Fazenda, Correia e Castro, afirmou – como se ainda estivesse na República Velha – que “o Brasil deveria
continuar sendo um país essencialmente exportador de produtos primários e importador de produtos industrializados, pois esta é
uma característica da economia latino-americana.”
Devido aos estragos feitos por essa política liberal, o governo resolveu abandoná-la em junho de 1947, com a
reintrodução dos controles cambiais, pois as reservas em dólares estavam praticamente esgotadas, dificultando a capacidade de
importação. Ao mesmo tempo, foi implantada uma política de créditos bancários a setores importantes da indústria, gerando um
relativo crescimento da produção industrial.
No mesmo ano, foi elaborado o Plano Salte (saúde, alimentação, transporte e energia), que não chegou a ser implantado
por falta de verba para sua execução. A mesma coisa ocorreu com os estudos feitos pela missão Cooke e Abbink, enviada ao Brasil
pelo governo norte-americano, no contexto da política de boa vizinhança, para colaborar com análises sobre os fatores que, no
Brasil, tendiam a promover ou retardar o desenvolvimento econômico. A missão concluiu que, diante dos vultosos recursos
necessários para a realização de todas as sugestões dadas e da impossibilidade de o governo e a iniciativa privada nacional
disporem de verbas, a solução era buscar recursos externos.
O historiador Lincoln de Abreu Pena diz que “mais do que um plano de ação, o que resultou desse diagnóstico foi um
conjunto de subsídios de modo a satisfazer às necessidades do conhecimento da realidade brasileira por parte dos Estados
Unidos. Atendia também à concepção dominante do governo Dutra, particularmente à sua orientação ‘privativista’ e pro-norte-
americana. Acrescente-se a essa convergência de interesses a situação internacional marcada pela Guerra Fria, que forçava os
países dependentes economicamente a se aliarem face à bipolarização reforçada pelo desfecho da Guerra.”

B. Os Comunistas e a Guerra Fria


As maiores dificuldades do governo Dutra eram representadas pelos comunistas – que arregimentavam o operariado – e
por setores getulistas. Os comunistas passaram a compor, cada vez mais, bancadas legislativas; em São Paulo, por exemplo, 18
vereadores da Câmara Municipal eram comunistas, e na Assembleia Legislativa foram eleitos 23, com boa votação em cidades
operárias como Santo André; em Recife, dos 25 membros da Câmara Municipal, 11 eram comunistas. Além disso, o PCB
estabeleceu alianças com setores políticos originários da Era Vargas, como aconteceu com Ademar de Barros, do PSP, e
Agamenon Magalhães, do PSD de Pernambuco. Ambos foram interventores – o primeiro em São Paulo e o segundo, em
Pernambuco – durante a Era Vargas. Em 1947, o cenário nacional ficou mais tenso com a repercussão da Doutrina Truman, que
dera início à Guerra Fria. Campanhas contra os comunistas passaram a ser uma constante na imprensa, como na revista O
Cruzeiro e no jornal O Estado de S. Paulo.

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Diante disso, os comunistas, ironicamente, passaram a desestimular as greves. O Movimento de Unificação dos
Trabalhadores (MUT), criado pelos comunistas em 1945 com a finalidade de fazer política intersindical, chegou até a solicitar
aos trabalhadores que tivessem calma e apertassem o cinto. Não adiantou. O governo decretou a extinção do PCB, com a alegação
de que o partido era regido por um estatuto clandestino. Em seguida, o poder legislativo cassou os mandatos de todos os
parlamentares que haviam sido eleitos pelo PCB.
Durante o ano de 1947, 143 organizações sindicais sofreram intervenção governamental, atingindo cerca de 400 até o ano
de 1950. Em maio de 1947, o Brasil rompeu relações com a União Soviética.
“A atitude do governo Dutra, no que se refere à repressão ao comunismo, não era isolada. Integrava, na realidade, uma
estratégia concebida pelo governo dos Estados Unidos para o continente latino-americano. Seu principal instrumento surgiu na
Conferência Interamericana de Petrópolis, de agosto de 1947, quando do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca
(TIAR). Este instrumento se incumbiria de prestar cooperação econômica aos seus membros, mas sobretudo de muni-los contra
as possíveis agressões do comunismo internacional.” (Lincoln de Abreu Penna - República Brasileira)

C. A Sucessão
Nem bem Dutra havia assumido a Presidência, em janeiro de 1946, e os adeptos de Getúlio Vargas já estavam
manipulando o seu retorno ao poder.
As eleições de 1945, em que Getúlio teve uma enxurrada de votos, foram um grande estímulo para que se articulasse o
seu retorno. Getúlio optou pela cadeira no Senado, representando o Rio Grande do Sul, mas pouco apareceu por lá.
Em 1949, Getúlio começou a aparecer com mais vigor e ostentando uma postura democrática. Thomaz Skdimore diz que, como
líder do PTB, Vargas enunciava a sua filosofia política do trabalhismo – uma mistura de medidas de bem-estar social, atividade
política da classe operária e nacionalismo econômico. (...) O trabalhismo não foi no entanto o único movimento político a
funcionar nas cidades. O Partido Comunista havia mostrado força em 1945 e 1947, especialmente no Rio de Janeiro e em São
Paulo. O seu fechamento legal em 1947 cedo o afastou como força autônoma, publicamente justificável. Força eleitoral mais
dinâmica em São Paulo, era o movimento do político populista Ademar de Barros. Ademar havia montado uma formidável
máquina eleitoral, o PSP, que se infiltrava bem pelo interior do Estado de São Paulo.
Graças a esta estratégia, Getúlio Vargas conseguiu vencer as eleições de 03 de outubro de 1950. Enquanto Getúlio
recebia 48,7 por cento dos votos, o brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, ficava com 29,7 por cento e, em terceiro lugar, aparecia
o candidato do PSD, Cristiano Machado, com 21,5 por cento dos votos.

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2. A Presidência de Getúlio Vargas (1951-1954)
No dia 31 de janeiro de 1951, Getúlio Vargas assumiu a Presidência da República. Pela primeira vez alcançava a
Presidência pelo voto popular direto. E o País não era o mesmo que ele havia governado anteriormente: a sociedade estava mais
complexa e diferenciada, os industriais se fortaleceram, as classes médias urbanas cresceram e os trabalhadores se multiplicaram.
Outro aspecto novo era a grande presença do capital externo na economia brasileira.
Neste contexto, desenvolveram-se duas correntes de pensamento econômico: uma delas defendia a participação do
capital externo – principalmente norte-americano – para possibilitar o desenvolvimento; a outra defendia um desenvolvimento
baseado no capitalismo nacional e não aceitava a presença do imperialismo. A primeira era defendida pela UDN e políticos e
industriais liberais, os quais passaram a ser chamados de “entreguistas”; a segunda corrente era apoiada pelos estudantes, classe
média, trabalhadores e comunistas. Getúlio manteve-se fiel ao seu pensamento nacionalista-populista, mas sabia que não podia
menosprezar a forte presença do capital norte-americano e a poderosa influência política dos EUA. Entretanto, defendia que esses
capitais deveriam ser disciplinados e o Estado teria uma parcela importante no desenvolvimento do País.
Em 1951, uma Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico buscava eliminar obstáculos
ao fluxo de investimentos públicos e particulares, estrangeiros e nacionais, necessários para promover o desenvolvimento
econômico. Vargas permitia o capital estrangeiro no País, em associação com os capitais nacionais, mas não admitia a
desnacionalização da economia. O governo, com base em empréstimos do Exim bank e do Bird, iniciou um programa de
investimentos em infraestrutura, como energia, transporte, indústria de base, siderurgia, petroquímica etc.

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Em 1952, Vargas criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), destinado a “anular ou reduzir
deficiências infraestruturais que impedem o regular desenvolvimento da economia brasileira.”
A política cambial favorecia a importação de matérias-primas e equipamentos e restringia a de bens de consumo,
reservando para os produtos nacionais o mercado interno de bens manufaturados de consumo.
Fazendo o que ficou conhecido como “confisco cambial”, Vargas possibilitou a redistribuição de renda nacional em favor
do governo e do setor industrial. Segundo organismos oficiais, como a Cepal (órgão de estudos e pesquisas econômicas para a
América Latina, com Sede em Santiago) e a Fundação Getúlio Vargas, o crescimento industrial brasileiro, entre 1946 e 1955,
atingiu a média anual de 8,5%.
Entretanto, o nacionalismo crescia na sociedade brasileira. A expressão máxima desse nacionalismo expressou-se na
campanha “O petróleo é nosso”. As discussões sobre o petróleo no Brasil vinham desde o governo Dutra, quando algumas
empresas petrolíferas estrangeiras passaram a se interessar pela pesquisa de solo. No Clube Militar, alguns oficiais passaram a
defender publicamente o controle da exploração do petróleo pelo governo brasileiro e cunharam a frase que se tornaria o lema da
campanha: “O petróleo é nosso”. No ano de 1948, a UNE (União Nacional dos Estudantes) promoveu várias manifestações em
defesa do monopólio do petróleo. Houve até um concurso para eleger a Rainha do Petróleo Brasileiro, cuja vencedora foi – atente
para seu nome – Petronilha Pimentel.

A campanha ganhou novo ímpeto a partir da eleição de Getúlio Vargas e com as divergências entre os “nacionalistas” e
“entreguistas”. Em dezembro de 1951, Getúlio Vargas enviou ao Congresso a mensagem nº 469, com o projeto que criava a
Petrobras. Esse projeto não falava em monopólio estatal, com o objetivo de não atrapalhar possíveis interessados particulares que
pudessem investir na exploração de petróleo. Com isso, Getúlio esperava agradar a todos. Não agradou. Os nacionalistas botaram
a boca no mundo, qualificando o projeto de “entreguista”. Em 1952, o deputado Eusébio Rocha apresentou um substitutivo em
que a Petrobras seria uma empresa de capital misto e propunha um rígido monopólio estatal (prospecção e produção seriam
atribuições exclusivas do Estado), não admitia refinarias particulares e excluía a iniciativa privada de todos os setores, exceto na
distribuição e na posse de ações negociadas em bolsa por brasileiros natos. E foi assim que, em 03 de outubro de 1953, Getúlio
Vargas criou a Petrobras baseada na lei nº 2004.
Após a criação da Petrobras, as coisas começaram a ficar cada vez mais complicadas para Getúlio. De um lado, os
trabalhadores, descontentes com a inflação que corroía seus salários, e, de outro, os Estados Unidos, raivosos com a política
nacionalista imprimida por Getúlio, acelerada com a mudança de seu ministério, destacando-se Osvaldo Aranha na Fazenda e
João Belchior Marques Goulart no Trabalho.
Os trabalhadores passaram a realizar sucessivas greves, o que levou o governo a promulgar uma “lei sobre os crimes
contra o Estado e a ordem política e social”, pela qual seriam considerados delinquentes aqueles que “convocam ou realizam
comício ou reunião pública a céu aberto, em lugar não autorizado pela polícia.”
Os Estados Unidos embromavam nas promessas feitas de apoiar o desenvolvimento industrial e, em novembro, um mês
depois da criação da Petrobras, o governo norte-americano avisou que, dos 250 milhões de dólares prometidos pelo então
presidente Truman, somente seriam entregues 100 milhões. Era, na verdade, uma resposta não só à criação da Petrobras, mas

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também a outras ações do governo brasileiro, como a reforma cambial – que encarecia os bens importados para favorecer a
indústria nacional –, a lei de remessa de lucros e a sustentação do preço do café.
A fim de ganhar o apoio dos trabalhadores para enfrentar a oposição, Getúlio aprovou a proposta de João Goulart em
aumentar o salário mínimo em 100%. A oposição explodiu. A imprensa despencou em impropérios, um grupo de coronéis emitiu
um documento conhecido como Memorial, acusando o governo de corrupto e comunista, exigindo a demissão de João Goulart.
Getúlio cedeu às pressões e demitiu o ministro do trabalho que, ao sair, disse: “aceitar o capitalismo honesto, mas não o
desumano (...) caracteristicamente antibrasileiro, que gera trustes e cria privilégios”.
A UDN e os conservadores passaram a pensar em destituir Getúlio, nem que fosse pelo golpe.

A. O Atentado da Rua Toneleros e o Suicídio


À meia-noite e meia da madrugada de 05 de agosto de 1954, Carlos Lacerda chegava em sua residência, na Rua
Toneleros, 180, em Copacabana, em companhia de seu filho e do major Rubens Vaz, da Aeronáutica. Despediam-se à porta da
residência de Lacerda, quando alguém disparou um tiro que atingiu o pé de Lacerda. O major Vaz, dando a volta em torno do seu
carro, surpreendeu o atirador e avançou em sua direção. Novos disparos e o major caiu mortalmente ferido. Foi ferido também o
guarda municipal Sávio Romeiro, que, tendo presenciado o atentado, conseguiu revidar com um tiro, que acertou o táxi em que o
atirador fugia, e anotar a placa do veículo.
O inquérito sobre o caso saiu da responsabilidade da polícia e passou para a Aeronáutica – daí o nome de República do
Galeão. No dia 8, a trama começou a ser esclarecida com a prisão do motorista do táxi usado na emboscada. No dia 17, graças às
informações prestadas pelo motorista do táxi foi preso no Estado do Rio, no meio do mato, apavorado, Climério Eurides de
Almeida, o atirador assassino.
Climério pertencia à guarda presidencial e a investigação acabou chegando ao chefe da guarda de Getúlio, Gregório
Fortunato, acusado de ter sido o mandante do atentado.
A Aeronáutica, a oposição – principalmente a UDN com a sua “banda de música” – e a imprensa fizeram um verdadeiro
show, com acusações absurdas e irresponsáveis com o intuito de atemorizar a população.
“A 21 de agosto de 1954, o vice-presidente, Café Filho, que era um alvo especial para a tentativa da UDN de fomentar
uma cisão dentro do governo, sugeriu a Getúlio que ambos resignassem o mandato presidencial. Getúlio recusou-se, dizendo a
Café Filho que não abandonaria o Palácio antes do fim do seu mandato, exceto morto. No dia 23 de agosto, Café Filho rompeu
publicamente com o presidente.
No mesmo dia, 27 generais do Exército fizeram um manifesto à Nação exigindo a renúncia de Getúlio.
Na madrugada de 24 de agosto, Vargas suicidou-se com um tiro no coração, afirmando numa carta-testamento que não
pôde resistir a uma campanha subterrânea dos grupos internacionais aliados a grupos nacionais que tentavam bloquear o regime
de proteção ao trabalho, as limitações dos lucros excessivos e as propostas de criar a Petrobras e a Eletrobrás, que os lucros das
empresas alcançavam até 500% ao ano e terminava a carta, afirmando: ‘Eu ofereço em holocausto minha vida. Agora ofereço a
minha morte. Nada receio, serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História’.
Autêntica ou não, a carta-testamento foi imediatamente aceita como tal pelo povo. Terminaria a indecisão de Getúlio
entre uma política ortodoxa ou nacionalista. Sua carta-suicídio era o apelo nacionalista mais vigoroso que jamais fizera.
A reação do povo surpreendeu seus oponentes. Uma onda de simpatia por Getúlio Vargas envolveu o país. Lacerda, o
jornalista da cruzada, cuja coragem havia galvanizado a oposição, precisou esconder-se e pouco depois deixava o país à espera
de que a fúria do povo amainasse. Caminhões de entrega do jornal oposicionista O Globo foram queimados pela multidão
enfurecida, que se lançou de assalto ao edifício da embaixada dos Estados Unidos”
. (Skidmore, Thomas. Brasil: De Getúlio a Castelo. Ed. Saga).

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B. De Getúlio a Juscelino: as Presidências de Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos
Após a morte de Getúlio Vargas, o governo passou ao vice-presidente Café Filho, que deveria completar o mandato
presidencial.
Nas eleições presidenciais de outubro de 1955, três candidatos concorreram: o marechal Juarez Távora, pela UDN, o
governador paulista, Ademar de Barros, pelo PSP, e o governador mineiro, Juscelino Kubitschek de Oliveira, pela coligação
PSD/PTB. Juscelino foi eleito, tendo como vice-presidente João Goulart, ex-ministro do Trabalho de Getúlio Vargas.
A 08 de novembro do mesmo ano, o presidente Café Filho licenciou-se por motivo de saúde e foi substituído pelo
presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, que pertencia a uma ala dissidente do PSD mineiro e fora contrário à
candidatura de Juscelino Kubitschek.
O ministro da Guerra, general Teixeira Lott, proibia os militares da ativa de se manifestarem sobre a atualidade política.
Havia muitas desconfianças da parte da alta oficialidade militar contra os eleitos, sobretudo em relação a Goulart; o coronel
Bizarria Mamede discursou no enterro do general Canrobert Pereira da Costa, manifestando-se contrário à posse dos eleitos.
Como estivesse submetido diretamente à Presidência da República, o ministro da Guerra solicitou ao presidente sua punição.
O general Lott não renunciou e desfechou, em 11 de novembro, um Golpe de Estado preventivo. O Congresso declarou
o impedimento de Carlos Luz e a Presidência passou para Nereu Ramos, presidente do Senado Federal, que, em 31 de janeiro de
1956, entregou a presidência para Juscelino Kubitschek de Oliveira e a vice-presidência para João Goulart.

A República Populista – JK e Jânio

1. Presidência de Juscelino Kubitschek (1956-1961)


“Juscelino começou a governar enfatizando a necessidade de se promover ‘desenvolvimento e ordem’, objetivos gerais
compatíveis com os das Forças Armadas. O presidente tratou de atender reivindicações específicas da corporação militar, no
plano dos vencimentos e de equipamentos. Tratou também de manter, tanto quanto possível, o movimento sindical sobre controle.
Além disso, acentuou-se a tendência de indicar militares para postos governamentais estratégicos. Por exemplo, na Petrobras,
assim como no Conselho Nacional do Petróleo, os principais cargos ficaram em mãos de membros das Forças Armadas. (...) Um
dos principais expoentes do apoio militar ao governo JK foi o general Lott – ministro da Guerra durante praticamente os cinco
anos de mandato presidencial. (...) No plano da política partidária, o acordo entre PSD e PTB garantiu a sustentação aos
principais projetos do governo no Congresso. (...) Em boa parte de seu governo, Juscelino conseguiu sintetizar os limites de ação
dos dois partidos. O princípio de ‘desenvolvimento e ordem’ era adequado aos quadros do PSD, de onde provinha. No plano
social, não se opôs aos interesses da burocracia sindical e tratou de limitar as explosões grevistas. Desse modo, não cortou os
passos do PTB e de Jango, embora não se possa dizer que fizesse o jogo desse partido. O PSD representou a força predominante
da aliança partidária. Ele possuía maioria no Congresso, fornecia o maior número de ministros de Estado e controlava a política
financeira do país”. (Fausto, Boris. História do Brasil).

A. O Nacional-Desenvolvimentismo
A expressão nacional-desenvolvimentismo, que marcou o governo JK, não denominava, na verdade, o nacionalismo, mas
uma política econômica que combinava a ação do Estado com as empresas nacionais e com o capital estrangeiro para promover o
desenvolvimento baseado na industrialização. Isso foi possível graças à relativa estabilidade política do período, resultado da
habilidade de JK em encontrar soluções para cada caso, evitando, assim, possíveis conflitos diretos com a oposição. Conforme
Skidmore, “isto significava capitalizar as alianças getulistas sem o autoritarismo ou o populismo dos quais Vargas lançou mão
em vários estágios de sua carreira”. Um exemplo disso foi quando militares da Força Aérea se revoltaram contra o governo: a
primeira revolta foi em 1955, em Jacareacanga, e a segunda, em 1959, em Aragarças. Ambas, frutos da pregação golpista de –
veja só – Carlos Lacerda, o “corvo da política brasileira”. Juscelino, agindo à moda mineira, anistiou os revoltosos, propagando,
dessa forma, uma atitude benevolente e conciliatória. Ao mesmo tempo, enfatizava suas realizações, Brasília, por exemplo.
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Brasília foi o símbolo de seu governo e a meta-síntese de seu Plano de Metas. Durante a campanha eleitoral, JK
ressaltava a necessidade de se construir a nova capital, cumprindo um preceito constitucional que vinha desde a Constituição de
1891. Ele colocou a construção de Brasília como um ponto de honra de seu governo. Entregou a responsabilidade do projeto e da
construção ao arquiteto Oscar Niemayer e ao urbanista Lúcio Costa. Brasília não foi construída apenas para cumprir a
Constituição, mas também para retirar a capital do Rio de Janeiro, onde a agitação política era muito intensa, e incentivar a
interiorização da população e da economia.

B. Os “50 Anos em 05” e suas Consequências


Os “50 anos em 05” aumentaram as desigualdades regionais, alargando o fosso entre o Nordeste e o Centro-Sul do país.
A velha dinâmica da substituição de importações cedeu lugar à produção de bens de capital e de bens de consumo duráveis. A
indústria de materiais de transporte, por exemplo, aumentou sua produção em 700% entre 1956 e 1961; a de máquinas e
ferramentas em 125%; a indústria química em 106% e a metalúrgica em 78%. Entre as indústrias de bens de consumo duráveis, o
grande destaque foi a automobilística, que levou à instalação ou desenvolvimento de outros setores, como o de autopeças, o
metalúrgico, o siderúrgico, entre outros.
Com o desprezo pelo meio agrário, acentuou-se o êxodo rural, o que provou o aumento do desemprego e dos problemas
de transporte urbano, habitação e saneamento nas cidades.
Em junho de 1959, não querendo prejudicar o seu Plano de Metas nem provocar perturbações sociais, JK rompeu com o
Fundo Monetário Internacional, que exigia um plano de estabilização econômica. Conseguiu aplausos e apoio dos setores de
esquerda e dos nacionalistas.

C. O Desenvolvimentismo
Cruz Costa afirma “que os estudos sobre o problema do desenvolvimento passaram por algumas fases: na primeira parte
da época de Vargas, vestiram-se de uma forma mais positiva ou pragmática; no governo Dutra esses estudos foram malvistos e
considerados, pelo reacionarismo político que caracterizou aquele governo, como fruto da influência de doutrinas exóticas e
subversivas, identificando-o com o comunismo. Quando do retorno de Vargas, em 1951, com a polêmica em torno da questão do
petróleo, os estudos desenvolvimentistas tomaram novo vigor e, ao mesmo tempo, tornaram-se para alguns ainda mais suspeitos.
Por fim, os estudos desenvolvimentistas assumiram um aspecto histórico, técnico e especulativo, apresentando-se algumas
publicações do Instituto superior de Estudos Brasileiros confusas e equívocas, oscilando entre teses de direita e de esquerda e
até, por vezes, confundindo-se”.

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Para José Honório Rodrigues, “o governo JK representou um traço de otimismo que sensibiliza e atrai os brasileiros. A
liderança otimista que vê no desenvolvimento o problema fundamental, que promete e confia no alívio próximo das dificuldades
populares, que acredita mais na salvação do que na danação, que não odeia, não discrimina, não lamenta frustrações ou
ressentimentos”.

D. A Sucessão
Nas eleições de 1960, concorreram três candidatos à presidência da República: Jânio Quadros, de uma coligação
partidária encabeçada pelo PTN e pela UDN, o marechal Henrique Teixeira Lott, da coligação PSD-PTB e com o apoio de JK, e
Ademar de Barros, pelo PSP. Jânio Quadros obteve uma das mais estrondosas vitórias eleitorais vistas até então: 48% dos votos,
enquanto Lott obtinha 28% e Ademar de Barros, 23%. Para vice-presidente foi eleito João Goulart, componente da chapa eleitoral
de Lott. Isso foi possível porque, na época, o eleitor podia votar no candidato a presidente de uma chapa e no candidato a vice de
outra.

2. Presidência de Jânio Quadros (1961)


No seu discurso de posse, Jânio Quadros enfatizou os dois grandes problemas que teria de enfrentar: a inflação e a dívida
externa. Isso não seria fácil, pois qualquer plano de contenção de despesas e controle de inflação mexe com vários interesses.
Além do mais, um problema extremamente sério ainda perdurava: a disparidade na
formação do Congresso Nacional em relação à posição do presidente. Ou seja, as oligarquias agrárias ainda dominavam os
Estados predominantemente rurais – muitas delas ainda pensavam em termos da vida política anterior à Revolução de 30 – e, em
virtude de membros do Congresso serem escolhidos de acordo com a população, elas eram super-representadas em relação às
áreas mais desenvolvidas. Enquanto isso, o presidente era eleito pelo voto nacional total e deveria representar os interesses
nacionais, o que criava, portanto, uma situação conflitante. “Assim – escreve Celso Furtado –, a estrutura constitucional
brasileira, como outros sistemas federais, combinando um presidente eleito popularmente com um corpo legislativo carregado de
grande representação regional, apresenta incapacidade para responder com presteza à necessidade de rápidas transformações
socioeconômicas”.
Jânio, tendo que enfrentar esses obstáculos, mesmo sem um plano de governo, procurou superá-los.
Dessa forma, assinou a Instrução 204 da Sumoc (Superintendência da Moeda e do Crédito) com diversos dispositivos: o
sistema cambial foi reformado e o cruzeiro (moeda da época) desvalorizado em 100%. Jânio diminuiu os subsídios para a
importação do trigo e da gasolina, provocando uma alta dos preços do pão e dos transportes; restringiu o crédito, aumentou os
impostos, congelou os salários e reduziu os vencimentos e vantagens dos militares.
Essas medidas procuravam aumentar as exportações, o que resultaria no aumento das reservas em moeda estrangeira e na
redução do déficit governamental. A repercussão no exterior foi favorável, possibilitando que o FMI (Fundo Monetário
Internacional), já de relações reatadas com o Brasil, aprovasse a renegociação da dívida externa brasileira e autorizasse novos
empréstimos ao Brasil. Foram feitos acordos com vários países, obtendo o Brasil recursos da ordem de 726 milhões de dólares.
Jânio também promoveu reformas na administração pública, procurando dar mais eficiência e diminuindo a corrupção.
Era uma maneira de demonstrar que estava colocando em prática a sua política de “limpar” o governo dos corruptos, usando a sua
vassoura (seu símbolo político de campanha).
Entretanto, a política econômica e a política administrativa geraram descontentamentos em vários setores da sociedade,
inclusive no Congresso Nacional, que fazia oposição ao presidente vetando as iniciativas do Executivo ou aprovando-as somente
após longos e intensos debates, como já era previsto.
Talvez por esses motivos, Jânio tenha passado a se preocupar com coisas supérfluas, como as proibições das corridas de
cavalo nos hipódromos em dias de semana, do uso de biquíni nas praias, das brigas de galo e do uso de lança-perfume no carnaval.
Enquanto Jânio encontrava sérios obstáculos na política interna, a política externa também apresentava sérios problemas.
Com o seu ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco, da UDN, Jânio procurou levar o Brasil a uma

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política externa independente. Ou seja, procurou não seguir a “cartilha” dos Estados Unidos ditada pela Guerra Fria, procurando
se relacionar diplomática e comercialmente com todos os países, independentemente de sua posição ideológica. O interesse de
Jânio era expandir e aumentar as exportações brasileiras para todo o mundo, inclusive para os países do bloco comunista, que
constituiria um grande mercado consumidor para os produtos brasileiros, inclusive os produtos industrializados.
Dessa forma, Jânio estava colocando em prática uma política de defesa do princípio de autodeterminação dos povos.
Destacou-se nessa política a não-aceitação, pelo Brasil, do boicote econômico e da intervenção arma da norte-americana, em
1961, contra Cuba. Essa posição fez com que as relações com os Estados Unidos, durante a presidência de John Kennedy,
ficassem abaladas.
Por esses motivos, Jânio passou a ser duramente criticado pelos setores conservadores da sociedade, especialmente pela
Igreja Católica, por facções das Forças Armadas, por políticos de direita e pela imprensa, destacando-se a Tribuna da Imprensa, O
Globo e O Estado de S. Paulo e, principalmente – ele não podia faltar – Carlos Lacerda.
Apesar das críticas e da forte oposição, Jânio continuou com sua política econômica e com a sua política externa
independente. Em maio, o presidente recebeu uma missão comercial da República Popular da China. Em junho, esteve no Brasil a
Missão Soviética de Boa Vontade, cujo objetivo era incrementar o comércio e o intercâmbio cultural.
Em 18 de agosto, deu-se um fato que incendiou as relações entre o presidente e a oposição: Jânio Quadros condecorou
Che Guevara, ministro da Indústria e Comércio de Cuba. A repercussão foi intensa. A imprensa colocou o presidente em posição
de “judas de malhação”, protestando com veemência e promovendo manifestações violentas, como a realizada pela Cruzada
Brasileira Anticomunista.

A. A Renúncia
Somando-se a toda essa crise, na noite de 24 de agosto de 1961, Carlos Lacerda – governador do Estado da Guanabara –
fez um pronunciamento transmitido pelo rádio e pela televisão, onde denunciava uma tentativa de golpe articulado por Jânio e por
seu ministro da Justiça Oscar Pedroso Horta.
No dia seguinte, bem cedo, logo após passar em revista as tropas, na comemoração do Dia do Soldado, Jânio renunciou
ao mandato.

Após passar em revista as tropas, no dia 25 de agosto, Dia do Soldado, o presidente Jânio Quadros para e fica em dúvida: “Para a esquerda, para a direita
ou fico no centro?” Nenhuma dessas alternativas: resolveu sair – renunciou à presidência.

“A renúncia não chegou a ser esclarecida. O próprio Jânio negou-se a dar uma versão clara dos fatos, aludindo sempre
às ‘forças terríveis’ que o levaram ao ato. A hipótese explicativa mais provável combina os dados de uma personalidade instável
com um cálculo político equivocado. Segundo essa hipótese, Jânio esperava obter com uma espécie de ‘tentativa de renúncia’
maior soma de poderes para governar, livrando-se até certo ponto do Congresso e dos partidos. Ele se considerara
imprescindível para o Brasil como presidente. Acaso os conservadores e os militares iriam querer entregar o país a João
Goulart? (...) Logo após renunciar, Jânio partiu apressadamente de Brasília e desceu em São Paulo, no aeroporto de Cumbica,
que era então uma base militar. Aí recebeu um apelo dos governadores dos Estados, entre os quais se encontravam Carvalho
Pinto, de São Paulo, e Magalhães Pinto, de Minas Gerais, para que reconsiderasse seu gesto. Afora isso, não houve nenhuma

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outra ação significativa pelo retorno do presidente. Cada grupo tinha razões de queixa contra ele e começava a tomar pé na nova
situação. Como renúncias não são votadas e sim simplesmente comunicadas, o Congresso tomou apenas conhecimento do ato de
Jânio. A partir daí, a disputa pelo poder começou. ”
(Fausto, Boris. História do Brasil)

A Crise do Populismo – Jango e o Golpe de 1964

1. A Crise da Sucessão e o Parlamentarismo


O populismo brasileiro, que surgiu com Getúlio Vargas durante o Estado Novo, voltava-se para a expansão do setor
industrial em conjugação com os interesses do setor agroexportador e obedecia a uma política de participação efetiva do Estado na
economia. Representava o que se costumou chamar de “Estado de compromisso”.
Os setores conservadores, entretanto, viam com receio crescente o avanço do populismo, pois as massas tendiam a exigir
cada vez mais direitos e fatias maiores do bolo. E os líderes populistas, para ganharem eleições ou se manterem no poder,
atendiam a essas reivindicações.
Com a renúncia inesperada de Jânio Quadros, abriu-se a porta da presidência ao vice João Goulart, conhecido líder
populista vinculado ao movimento sindicalista. Isso causou inquietações nas camadas conservadoras e nos setores militares, que
passaram a articular um movimento contra a posse de Jango, que, no momento da renúncia de Jânio, se encontrava na China em
missão diplomática e comercial.
Ao saber do ocorrido, Jango achou mais prudente esperar para ter certeza se Jânio realmente renunciara ou fora deposto.
Na ausência do vice-presidente, assumiu interinamente o cargo de presidente da República o presidente da Câmara dos
Deputados, Ranieri Mazilli. Ao mesmo tempo, as Forças Armadas entraram em prontidão em todo o País, ocupando todos os
ministérios; o palácio presidencial foi cercado por tanques e os aeroportos de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília foram ocupados
por tropas da Polícia do Exército.
O país se dividiu entre “golpistas” e “legalistas”: os primeiros desejavam o impeachment de Goulart e a convocação de
novas eleições, enquanto os segundos eram pela posse, expressando a ordem constitucional.
Os partidários do impeachment, apesar do respaldo dos ministros militares, encontraram a oposição do Congresso, que se
negou a vetar a posse de João Goulart e criou uma comissão para encontrar uma solução pacífica para a situação. No sul do país, o
governador Leonel Brizola, cunhado de João Goulart, e o general Machado Lopes, comandante militar do III Exército,
ameaçavam distribuir armas à população a fim de formar milícias, ao mesmo tempo em que se expandia a “Cadeia da
Legalidade”, formada por várias emissoras de rádio.
No dia 4 de setembro, os ministros militares concordaram em aceitar a solução política do Congresso, dada dois dias
antes por meio de um Ato Adicional que emendava a Constituição e criava o parlamentarismo.
Nas repúblicas parlamentaristas, o presidente é o chefe de Estado, seu representante oficial máximo, mas não é o chefe de
governo. Esta função é desempenhada pelo primeiro-ministro, proposto pelo presidente mas obrigatoriamente submetido à
aprovação do Congresso Nacional. Esse seria o sistema de governo implantado a partir da posse de João Goulart; no final de seu
mandato, haveria um plebiscito a fim de consultar a população sobre a manutenção do parlamentarismo ou o retorno do
presidencialismo.
Assim, no dia 5 de setembro, João Goulart desembarcava em Brasília, depois de um longo caminho de volta, uma
verdadeira “odisseia” durante a qual passou por Cingapura, Paris, Nova Iorque, Montevidéu e Porto Alegre.

2. O Governo Parlamentarista de João Goulart (1961-1963)


João Goulart tomou posse em 07 de setembro de 1961 como presidente e no dia seguinte o Congresso aprovou o primeiro
Conselho de Ministros, presidido por Tancredo Neves. Apesar do caráter conservador do ministério, houve decisões bastante
progressistas, como o cancelamento de todas as autorizações à Hanna Corporation, que explorava o minério de ferro em Minas
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Gerais, prejudicando a Companhia Vale do Rio Doce, e o restabelecimento das relações diplomáticas com a União Soviética,
rompidas em 1947, quando do início da Guerra Fria.
Em junho de 1962, o Gabinete Tancredo Neves se demitiu, a fim de se desvincular dos cargos para poder concorrer às
eleições estaduais de outubro do mesmo ano.
Depois de duas indicações frustradas, a primeira com San Tiago Dantas (que o Congresso recusou) e a segunda com
Auro Soares de Moura Andrade, foi encontrado um nome de consenso: Brochado da Rocha, político gaúcho filiado ao PSD. Seu
ministério teve curta duração e foi marcado pela campanha pela antecipação do plebiscito no qual a população seria consultada a
respeito do retorno ao presidencialismo. Na madrugada do dia 15 de setembro de 1962, o Congresso votou e aprovou a
antecipação do plebiscito para o dia 6 de janeiro de 1963. Pouco antes da aprovação da antecipação, o Gabinete Brochado da
Rocha renunciou e foi substituído por Hermes Lima, primeiro-ministro socialista, que, em seus quatro meses de governo, lançou
mão de todos os meios possíveis para a vitória do “não” à pergunta: “Aprova o Ato Adicional que institui o parlamentarismo?”
Quase 10 milhões de eleitores, num total de 13 milhões, deram como resposta o “não”, possibilitando assim o retorno do
presidencialismo.
Com a revogação da emenda parlamentarista, João Goulart assumiu, em 23 de janeiro de 1963, os plenos poderes
presidenciais estabelecidos pela Constituição de 1946.

3. O Governo Presidencial de João Goulart (1963-1964)


Assumindo os plenos poderes presidenciais, João Goulart implementou um conjunto de soluções para os diversos
problemas do País, como inflação (52% em 1962), saúde, educação, habitação, saneamento etc., condensados no Plano Trienal,
elaborado pelo economista Celso Furtado. Para colocar em prática essas reformas, conhecidas como Reformas de Base, Goulart
formou um ministério de políticos moderados, conhecido como “a esquerda positiva”, a fim de conquistar a opinião pública em
geral. As medidas a serem aplicadas pelo Plano Trienal não seriam populares, pois implicavam em contenção de crédito, dos
salários e do orçamento federal. Além disso, o Congresso Nacional não ajudava muito, pois os congressistas, em sua maior parte,
eram de oposição. Em março de 1963, o ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, foi a Washington tentar um empréstimo de 398
milhões de dólares, mas conseguiu somente 84 milhões, e o restante ficou condicionado aos rumos da política antiinflacionária
colocada em prática pelo governo. A situação ficou ainda mais tensa quando os militares reivindicaram um reajuste salarial de
60%, enquanto o governo dizia ser possível conceder apenas 40%.
O deputado Armando Falcão esgoelava semanalmente, num programa de rádio, a ladainha de sempre: “Foi para tomar
suas terras que você elegeu o deputado de sua região?” Era uma queixa contra a lei de reforma agrária enviada pelo presidente ao
Congresso, assustando os proprietários rurais. Isso tudo colocava, cada vez mais, em dificuldades o Plano Trienal. No início de
junho, o ministro da Fazenda San Tiago Dantas renunciou ao cargo, afirmando: “O país inteiro está em suspenso, à espera de (...)
uma decisão que restabeleça o espírito de iniciativa, pois só se sairá da crise através de um impacto sério, com medidas eficazes,
formando-se um governo forte (...), nacionalmente respeitado. Encerrava-se, assim, melancolicamente, o governo da esquerda
positiva”.
João Goulart, tentando demonstrar que não desejava radicalizar, nomeou para o ministério da Fazenda o conservador
Carvalho Pinto, ex-governador de São Paulo. Porém, a situação já estava radicalizada. De todos os lados. À esquerda, as Ligas
Camponesas de Francisco Julião estavam invadindo terras, bradando: Vamos ocupar na marra; Leonel Brizola reclamava das
vacilações de João Goulart na implementação das reformas sociais e criticava o imperialismo, representado por empresas
americanas como a American & Foreign Power Company (Amforp). Para lutar contra isso, Brizola assumiu o controle da Rádio
Mairink Veiga, lançou o semanário O Panfleto e começou a organizar o Grupo dos Onze, que deveria ajudar nas reformas de base
e era composto por, entre outras entidades, CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e UNE (União Nacional de Estudantes).
À direita, surgiram o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), financiado pela CIA, e o IPES (Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais), os quais aglutinavam empresários, profissionais liberais, intelectuais e militares, o MAC
(Movimento Anticomunista), o Ca.M.De. (Campanha da Mulher pela Democracia) e outros.

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Entre os militares, crescia cada vez mais um movimento conspiratório contra Jango. Uma revolta de cabos e sargentos
ocorrida em Brasília colaborou ainda mais para incentivar os conspiradores, que passaram a contar com o apoio do general
Humberto de Alencar Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército. A rebelião dos cabos e sargentos foi contra a decisão
do Supremo Tribunal Federal de confirmar a impossibilidade de sargentos se candidatarem a cargos políticos.
“A tragédia dos últimos meses do governo Goulart pode ser apreendida pelo fato de que a resolução dos conflitos pela
via democrática foi sendo descartada como impossível ou desprezível por todos os atores políticos. A direita ganhou os
conservadores moderados para sua tese: só uma revolução purificaria a democracia, pondo fim à luta de classes, ao poder dos
sindicatos e aos perigos do comunismo”. (Fausto, Boris. História do Brasil).
Diante desse quadro, Goulart optou por realizar as reformas de base através de decretos, apoiando-se em dispositivos
militares e sindicais. Deixaria, dessa forma, o Congresso Nacional de lado. Para demonstrar força e apoio popular, faria uma série
de comícios, anunciando as reformas. O primeiro comício foi realizado no dia 13 de março na Praça da República, no Rio de
Janeiro, situada em frente à Estação Central do Brasil (daí ficar conhecido como “o Comício da Central”). Cerca de 150 mil
pessoas se espremiam na praça, agitando bandeiras vermelhas, faixas pedindo a legalização do Partido Comunista, reforma
agrária, reforma bancária, direito de voto ao analfabeto etc. A televisão mostrou tudo isso, inclusive os discursos inflamados de
Leonel Brizola, Miguel Arraes e outros. Para aumentar o desespero dos conservadores, por volta de 21 horas, Jango tomou a
palavra para encerrar o comício, anunciando, entre outras coisas, os decretos de desapropriação de terras improdutivas e de
encampação das refinarias de petróleo particulares.

4. O Golpe civil militar de 1964


O Comício da Central pode ser considerado o começo do fim do governo de Jango. Além do comício, um outro fato
também colaborou para agravar mais ainda a situação: a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada em São
Paulo em 19 de março, a fim de apoiar os conservadores num possível golpe contra o governo. Apoiaram e participaram da
marcha o governo do Estado de São Paulo (encabeçado pelo governador Ademar de Barros), setores da Igreja Católica, a
Sociedade Rural Brasileira e todas as forças de oposição a Jango.
Mais tarde, o deputado Cunha Bueno, um dos principais organizadores da Marcha, declararia: Sabíamos que os militares
só definiriam sua posição depois que houvesse uma manifestação pública e inequívoca de que ninguém mais suportava aquela
situação.
Em meio à crescente tensão e aos rumores de levantes militares, João Goulart foi, na noite de 30 de março de 1964, à
sede do Automóvel Club, no Rio de Janeiro, a fim de ser homenageado pela Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia
Militar. Compareceram o almirante Aragão, o cabo Anselmo, os ministros da Marinha, Aeronáutica e Justiça. Tancredo Neves e
outros políticos moderados tentaram convencer Jango a não ir, porém o presidente foi, incentivado pelo general Assis Brasil,
chefe da Casa Militar, que teria dito: “Ninguém na Presidência da República tivera um dispositivo militar como o de João
Goulart”.
Engano. Naquele exato momento, o general Olímpio Mourão Filho, o mesmo do Plano Cohen em 1937, juntamente
com o general Luís Carlos Guedes, mobilizou as suas tropas sediadas em Juiz de Fora e se deslocaram em direção ao Rio de
Janeiro.
Para enfrentar as tropas que vinham de Minas, foi enviado do Rio de Janeiro o poderoso Regimento Sampaio. As tropas
se encontraram no vale do Paraíba, mas não houve combate: os oficiais cariocas do Sampaio aderiram ao golpe. Em seguida, o
general Amauri Kruel, comandante do II Exército, sediado em São Paulo, também aderiu. O dispositivo militar de Jango estava
desmoronando.
Na noite de 1º de abril, com Jango saindo de Brasília em direção a Porto Alegre, o presidente do Senado, Auro Soares de
Moura Andrade, declarou vago o cargo de presidente da República, assumindo, conforme o decreto constitucional, o presidente da
Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli.

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Leonel Brizola tentou mobilizar tropas e a população do Rio Grande do Sul, mas não teve sucesso. O golpe militar estava
praticamente vitorioso. Em fins de abril, Brizola se exilou no Uruguai, onde Jango já se encontrava.
Como podemos explicar que a deposição de João Goulart tenha ocorrido de maneira tão simples, isto é, tão facilmente e
sem resistência, se o presidente contava com o apoio dos mais importantes sindicatos do País, da UNE, da maior parte da
intelectualidade, de setores importantes das Forças Armadas e de alguns empresários nacionalistas?
A resposta pode ser encontrada na ampla mobilização popular em prol do golpe, no receio e no pavor de uma reforma
agrária e na quebra da hierarquia castrense, tão prezada pelos militares. Para responder à avalanche de reivindicações sindicais, as
classes empresárias acabaram se aglutinando no IPES, em aliança com os militares descontentes. Na esfera militar, quatro eventos
acabaram por minar as bases de sustentação do governo, fazendo com que as facções legalistas e de centro acabassem por aderir à
conspiração contra um governo que estaria conduzindo o País ao caos e ao comunismo, destruindo os fundamentos das Forças
Armadas – a disciplina e o respeito à hierarquia: o primeiro foi a revolta dos sargentos, em 1963; o segundo, o comício do dia 13
de março (em que se reivindicava o direito ao voto e à elegibilidade dos sargentos); o terceiro, a rebelião dos marinheiros, em 26
de março; e o quarto, o discurso presidencial no Automóvel Club, no dia 30.

O Governo Militar – O Endurecimento

“(...) o regime instalado em 1964 deu bastante campo de ação e pôs em destaque os formuladores da política econômica,
homens como Delfim Neto e Mário Henrique Simonsen. Privilegiou setores da burocracia do Estado, em especial os dirigentes
das empresas estatais, onde havia também, mas não apenas, militares como grupo decisório final mais importante e a burocracia
técnica do Estado. A palavra “técnica” indica a diferença entre esse novo estrato social e a velha burocracia existente no serviço
público. Outra noção associada ao regime militar é o autoritarismo. De fato, o regime não teve características fascistas: não se
realizaram esforços para organizar as massas em apoio ao governo; não se tentou construir o partido único acima do Estado,
nem uma ideologia capaz de ganhar os setores letrados. (...) Há mesmo quem considere que, com exceção do período Médici, o
Brasil pós-1964 se caracterizou mais por uma situação autoritária do que por um regime autoritário. (...) As diferenças entre o
regime representativo, vigente entre 1945 e 1964, e o regime militar são claras. Quem manda agora não são os políticos
profissionais, nem o Congresso é uma instância decisória importante. Mandam a alta cúpula militar, os órgãos de informação e
repressão, a burocracia técnica do Estado.” (Fausto, Boris. História do Brasil).

1. Presidência do Marechal Castelo Branco (1964-1967)


O marechal Castelo Branco foi eleito pelo Congresso Nacional, já expurgado dos chamados subversivos, cassados pelo
AI-1 (Ato Institucional nº 1), juntamente com Goulart, Jânio Quadros, Brizola, Arraes e muitos outros.
Empossado no dia 15 de abril, Castelo Branco organizou um ministério, com maioria da UDN, tentando oferecer
garantias de retorno à normalidade democrática. Configuravam-se os “princípios que legitimariam a Revolução”: a ordem e a paz
social, com a eliminação do perigo comunista, o combate à corrupção e a retomada do crescimento econômico sob as regras
capitalistas.
Para atingir esses objetivos, era necessário enfrentar a caótica situação econômico-financeira herdada do governo
Goulart, controlar os trabalhadores do campo e da cidade e promover uma reforma no aparelho estatal.
Atacando o fator econômico-financeiro, foi lançado o PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo), sob a
responsabilidade dos ministros do Planejamento, Roberto Campos, e da Fazenda, Otávio Gouveia de Bulhões.
O plano procurou reduzir o déficit do setor público, contrair o crédito privado e comprimir os salários. O reequilíbrio das
finanças do governo federal foi obtido através da melhora da situação das estatais, do corte de subsídios a produtos básicos e do
aumento da arrecadação de impostos. Introduziu-se uma novidade, conhecida como correção monetária, a fim de cobrar impostos
atrasados. Não pagar em dia os impostos passou a ser um péssimo negócio.

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Em junho de 1964, foi aprovada a Lei de Greve pelo Congresso, trazendo tantas exigências burocráticas que se tornou
praticamente impossível a realização de greves. Em seguida, o governo extinguiu a estabilidade no emprego após dez anos de
serviço, garantida pela CLT, introduzindo o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Quanto ao campo, após uma série
de repressões aos chamados agitadores, o governo mandou ao Congresso, para aprovação, o Estatuto da Terra, visando à reforma
agrária e a uma nova política agrícola. Entretanto, apesar de aprovado, o Estatuto não funcionou, ficando apenas no papel.
Em setembro de 1965, realizaram-se as eleições para governadores dos Estados, e na Guanabara e em Minas Gerais
venceram os candidatos não apoiados pela “Revolução”. Isso desencadeou uma nova crise política.
Desta crise originou-se o Ato Institucional nº 2, que renovou os poderes de cassação de mandatos e suspensão dos
direitos políticos e dissolveu todos os partidos existentes, criando o bipartidarismo, restrito à Aliança Renovadora Nacional
(Arena) e ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Estes partidos representavam, respectivamente, o apoio e a oposição ao
governo.
O Ato Institucional nº 2 estabeleceu também a eleição indireta para a presidência da República, medida completada no
dia 5 de fevereiro de 1966 pelo Ato Institucional nº 3, que determinou a eleição indireta também para os governos dos Estados.
A Constituição de 1967 foi votada pelo Congresso Nacional conforme as condições determinadas pelo Ato Institucional
nº 4. A nova Carta mantinha o regime federalista, embora menos acentuado que na Constituição de 1946. Reforçava o
presidencialismo, através do fortalecimento do Executivo. Os presidentes e vice-presidentes seriam eleitos indiretamente por um
colégio eleitoral composto pelo Congresso Nacional e por delegados das Assembleias Legislativas estaduais.
A Constituição previa, ainda, prazos limitados para a discussão, no Congresso, dos projetos de lei propostos pelo
Executivo, que, em casos de urgência e interesse público, poderia também baixar decretos com força de lei.
A Constituição ampliava, ainda, as medidas relativas à “segurança nacional”. Ela entrou em vigor a 15 de março de 1967,
no mesmo dia da posse do segundo presidente da Revolução, o marechal Artur da Costa e Silva.

Mal. Castelo Branco

2. Presidência do Marechal Costa e Silva (1967-1969)


Logo após assumir a presidência, Costa e Silva formulou e passou a executar o PED (Programa Estratégico de
Desenvolvimento), a fim de dar continuidade ao PAEG de Castelo Branco, porém buscando a retomada da expansão econômica.
O ministério do Planejamento foi entregue a Hélio Beltrão e o da Fazenda, a Antonio Delfim Netto, que passaram a
estimular as exportações, criando o lema “exportar é a solução”.
Com a preocupação de criar uma reserva de mão-de-obra para os centros industriais, que fosse saudável e alfabetizada, o
governo criou o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), o Plano Nacional de Saúde e o Projeto Rondon.
A política econômica do governo Costa e Silva lançou as bases para que no governo seguinte ocorresse o chamado
“milagre brasileiro”.
Mas, ao mesmo tempo, crescia a oposição ao regime, até por parte de alguns setores que haviam contribuído para o golpe
de 64. Carlos Lacerda, por exemplo, radicalizava suas críticas ao governo de Costa e Silva e teve sua “Frente Ampla” extinta em
abril.
O movimento estudantil, liderado pela UNE, mobilizava as universidades contra a ditadura e a favor de reformas no
ensino superior, através de passeatas e outras manifestações. Os setores de oposição mais radical já agiam na clandestinidade e
tudo indicava que o movimento estudantil fornecia à linha dura o pretexto para o “endurecimento”.
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Em março de 1968, uma tropa de choque da Polícia Militar da Guanabara matou o menor Edson Luís de Lima Souto,
estudante secundarista, quando reprimia a tiros um protesto estudantil em frente ao restaurante universitário Calabouço. Esse fato
provocou confrontos de rua, entre estudantes e militares, que culminaram na “sexta-feira sangrenta”, quando morreram 28
pessoas. Intelectuais, artistas e estudantes realizaram em protesto a “Passeata dos Cem Mil”, que acabou não sendo reprimida,
com o recuo do governo, que ordenou a retirada das tropas.
Ao mesmo tempo, ocorriam greves operárias de grande vulto em Contagem (MG) e Osasco (SP), que foram igualmente
reprimidas pelos militares.
No Congresso, os deputados da oposição (MDB) também se manifestavam com duras críticas ao regime. O deputado
Márcio Moreira Alves provocou os “duros” do Exército ao exortar, em seu discurso, os pais e estudantes para que boicotassem as
festividades do 07 de Setembro, em protesto contra o regime militar. Os ministros militares exigiram que o Congresso
suspendesse a imunidade do deputado para que ele pudesse ser processado pelos insultos às Forças Armadas. Mesmo com a
maioria da Arena (partido governista), a Câmara negou-se a suspender a imunidade do deputado, em votação ocorrida em 12 de
dezembro.
No dia 13, a nação foi “presenteada” com o Ato Institucional nº 5 (o famigerado AI-5) e com o Ato Complementar nº 38,
que colocava o Congresso em recesso por tempo indeterminado. O AI-5 ampliava absurdamente o autoritarismo do presidente da
República: suspensão de direitos políticos, cassação de mandatos, intervenção em Estados e municípios, suspensão das garantias
constitucionais etc.
O AI-5 foi acompanhado de novos expurgos: cassação de 88 deputados, aposentadoria forçada de vários ministros do
Supremo Tribunal e de vários professores universitários, como Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni e
dezenas de outros. Estendeu-se a censura à imprensa, que foi colocada sob controle do regime militar.
Com a nação jogada no mais profundo e obscuro autoritarismo, o presidente Costa e Silva, apesar de representante da
“linha dura”, ainda tentou evitar que o país caísse por completo nas mãos dos reacionários e torturadores, que pretendiam um
endurecimento ainda maior.
Mas, em 28 de agosto de 1969, Costa e Silva foi acometido de uma trombose cerebral, que o levaria à morte pouco
depois. Os ministros militares, contrariando o art. 78 da Constituição de 1967, impediram a posse do vice Pedro Aleixo;
assumiram eles mesmos o poder. Essa Junta Militar interina foi formada pelo almirante Augusto Rademaker, pelo general Lyra
Tavares e pelo marechal-do-ar Márcio de Sousa e Melo.
Essa Junta Militar foi responsável pela outorga da Emenda Constitucional no 1, que incorporava à Constituição a prisão
perpétua e a pena de morte, ampliava o período de estado de sítio e criava a “fidelidade partidária”. Assim, a Lei de Segurança
Nacional, pedra angular do regime, fortalecia-se, e o país entrava no período mais repressivo de sua história.
A fim de se conferir uma aparência democrática à situação, o Congresso Nacional, que estivera fechado desde outubro de
1968, foi convocado pela Junta Militar para eleger o presidente Emílio Garrastazu Médici e seu vice, almirante Augusto
Rademaker, previamente indicados pelo Supremo Comando Militar.

Mal. Costa e Silva

3. Presidência do General Médici (1969-1974)


De todos os governos militares, o do presidente Médici foi o mais autoritário e repressor. Apesar do extraordinário
crescimento econômico, que se convencionou chamar de “milagre brasileiro”, a sociedade civil viveu durante anos submetida ao
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jugo do mais vil arbítrio, do terror psicológico, das prisões arbitrárias, dos grampeamentos telefônicos, da tortura e dos meios mais
desumanos para obter confissões dos chamados “subversivos” (pessoa ou ato que pretende destruir ou transformar a ordem
política, social e econômica estabelecida).
A censura implacável impedia que a imprensa em geral noticiasse os fatos, salvo aqueles permitidos oficialmente. A
censura era também rigorosa com a literatura, o cinema, o teatro, shows e novelas.
Médici, que, em seu discurso de posse, prometera restaurar a democracia, aprofundava a ditadura. Quanto às reformas
sociais, ele lançou o fracassado programa de construção da Transamazônica, com o objetivo de povoar a floresta com nordestinos
miseráveis, fugindo das secas.
Sua postura repressora já se evidenciara quando fora chefe do SNI e defendeu o AI-5 como necessário para “deter o mal”
e a “contrarrevolução”.

Charge de Ziraldo, satirizando o lema nacionalista divulgado durante o governo Médici.

A oposição foi literalmente calada. Ironicamente, dizia-se, na época, que o MDB era o partido do “sim”, e a Arena o
partido do “sim, senhor”. Ao lado da oposição legal suportada, outros grupos mais radicais foram jogados na clandestinidade e
duramente perseguidos por órgãos especiais de repressão, como o Destacamento de Operações Internas e Comando Operacional
de Defesa Interna (Doi-Codi), bem como a Operação Bandeirante (Oban), criada em São Paulo e financiada por grupos
empresariais.
A essas forças repressoras somava-se a ação de facções extremistas de direita, como o Comando de Caça aos Comunistas
(CCC), e de milhares de alcaguetes espalhados pelo País, que delatavam covardemente colegas de trabalho em fábricas,
repartições públicas, jornais, entidades culturais, nas escolas etc.
As esquerdas, divididas em mais de duas dezenas de grupos, muitos dos quais optaram pela luta armada, recrudesceram
sua ação contra o regime militar, principalmente a partir de 1968. Ficaram famosos a Aliança Libertadora Nacional (ALN), a
Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e o Movimento Revolucionário de 08 de Outubro (MR-8).
O terrorismo de esquerda praticava assaltos a bancos, ataques a quartéis, assassinatos e sequestros de diplomatas
estrangeiros. Seu objetivo era conquistar espaço na imprensa para divulgar a luta contra a ditadura e conseguir libertar alguns
companheiros presos, em troca da liberdade dos sequestrados.
Entre 1969 e 1970, quatro grandes sequestros aconteceram: o do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick,
trocado por quinze prisioneiros políticos; o do cônsul-geral japonês em São Paulo, Nobuo Okushi, trocado por cinco prisioneiros;
o do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, solto em troca de setenta prisioneiros; e o do embaixador alemão-ocidental
Ehrenfried von Holleben, trocado por quarenta prisioneiros.
O infeliz e inglório terrorismo de esquerda, que arrastou centenas de estudantes sonhadores, apenas confirmou a previsão
do PCB de que os militares usariam a luta armada das esquerdas como pretexto para radicalizar sua ação repressora.
A imprensa foi proibida de divulgar notícias sobre as ações armadas. Os órgãos de segurança passaram a prender e
torturar os suspeitos de ligação com a guerrilha. A tortura foi institucionalizada. Agentes foram infiltrados nas organizações
terroristas de esquerda. Dezenas de guerrilheiros foram mortos e enterrados em cemitérios clandestinos.
Depois da morte de Carlos Marighela e Joaquim Câmara Ferreira, da ALN, e Carlos Lamarca, da VAR-Palmares
(Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), a guerrilha de esquerda entrou em declínio e deixou de ser ameaça ao regime
militar, mas os aparelhos repressivos não foram desmontados.

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Além disso, o regime procurou atuar em nível ideológico, promovendo grande propaganda de exaltação patriótica, com
slogans como “Brasil: ame-o ou deixe-o” e “Ninguém segura este país”. A vitória da seleção brasileira na Copa do Mundo no
México, o mar de duzentas milhas e músicas como “Prá frente, Brasil” mascaravam a violência do regime e angariavam a
simpatia popular para o governo Médici. O fantástico crescimento econômico, mesmo com os índices inflacionários manipulados
pelo ministro Delfim Neto, permitia ao governo obter apoio de vários setores da sociedade, notadamente das classes médias, que,
na época, auferiam um aumento de renda e de consumo, em contraposição a um forte arrocho salarial imposto aos trabalhadores.

Porém, a teoria de grande potência apresentava dois grandes problemas que atravancavam essa imagem: o analfabetismo
e a mortalidade infantil. Para combater esses dois pontos vulneráveis, o governo Médici foi buscar os remédios receitados pelo
governo anterior, do marechal Costa e Silva; o Mobral, o Plano Nacional de Saúde e o Projeto Rondon. Entretanto, não surtiram
os efeitos desejados: o Mobral alfabetizou pouco e quando o fez, fez mal; o Plano Nacional de Saúde ficou no papel; e o Projeto
Rondon, em pouco tempo, passou a atrair cada vez menos universitários, até acabar de vez.
Tal qual esses projetos de impacto que fracassaram, o próprio governo Médici, em seu final, já fazia vislumbrar uma crise
econômica que atingiria setores importantes da economia e da sociedade brasileiras, como, por exemplo, as classes médias que
passaram a ter seu consumo diminuído e sua renda também. Dessa forma, o apoio ao regime militar passou a diminuir também,
obrigando o governo a alterar sua postura autoritária para um processo lento e gradual de abertura política.

Gen. Médici

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Regime Militar – A Abertura

1. Presidência do General Ernesto Geisel (1974-1979)


No dia 15 de março de 1974, o país assistiu pela TV à pompa com que foi realizada a posse de Ernesto Geisel na
Presidência. Foram gastos quase dois milhões de dólares em solenidades e comemorações. Compareceram 89 delegações
estrangeiras, destacando-se as presenças dos presidentes do Chile (general Augusto Pinochet), do Uruguai (Juan María
Bordaberry) e da Bolívia (general Hugo Banzer) e, ainda, da esposa do presidente dos Estados Unidos, Pat Nixon.
Geisel pronunciou um discurso breve, com apenas onze parágrafos e nenhuma referência concreta aos objetivos de seu
governo. Sua ascensão ao governo marcava o retorno do grupo castelista e, consequentemente, da tendência de recolocar o país na
normalidade democrática.
De personalidade marcante, austero e avesso à propaganda, Geisel e seu grupo consideravam a falta de liberdade
extremamente perigosa, comprometendo a popularidade do regime militar e podendo resultar numa explosão social.
A crise econômica e a aceleração inflacionária iniciadas em 1974 provocaram a primeira grande derrota eleitoral da
Arena naquele ano. O MDB quase duplicou o número de seus deputados na Câmara, triplicou o número de seus senadores e
passou a assumir seu verdadeiro papel de oposição. A sociedade civil manifestava nas urnas o seu repúdio ao regime militar.
Era preciso criar mecanismos políticos que evitassem maiores desgastes ao governo e garantissem a continuação dos
militares no poder. Foi com este propósito que o presidente Geisel iniciou o processo de abertura política, que resultou, mais tarde,
num processo de redemocratização, embora não fosse essa a intenção da maioria dos militares.
Era claro que a abertura de Geisel, ao mesmo tempo que um real processo de transição para a democracia, era uma
estratégia de sobrevivência do regime militar. Este processo, sob a ótica dos militares, sempre esteve sob a ameaça dos radicais de
esquerda e por isso mesmo sua caminhada em direção à democracia foi lenta e gradual, marcada por períodos de fluxo e refluxo,
isto é, avanços e recuos.
Coube ao presidente Geisel, e a seu grupo de “moderados”, convencer os “duros” da necessidade da distensão, obter o
apoio majoritário da oficialidade, diminuir o poder de ação da linha dura e controlar os torturadores e os órgãos de repressão. Mas
o projeto de Geisel era muito limitado, principalmente pelas concessões que teve de fazer aos “duros”, retrocedendo em vários
momentos. A repressão ainda continuou prendendo, torturando e confinando os vários opositores do regime com base na Lei de
Segurança Nacional ou no AI-5.
A sociedade civil, no entanto, mobilizava-se cada vez mais, fazendo avançar a luta pela democracia. A Igreja, a Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), ao lado do MDB, uniram-se em protesto contra as
torturas e as arbitrariedades policiais.
Em outubro de 1975, o assassinato do jornalista Wladimir Herzog, em São Paulo (versão oficial: suicídio), deu início a
pressões insuportáveis, que fizeram o regime recuar. Em janeiro de 1976, o assassinato do operário Manuel Fiel Filho, torturado e
morto quando era submetido a interrogatório no DOI-CODI em São Paulo, levou Geisel a demitir o comandante do Segundo
Exército, o general Ednardo D’Ávila Mello. Começava o desmantelamento dos órgãos repressores. Os torturadores eram,
finalmente, golpeados.
Mas tudo isso tinha um preço. Para evitar novas vitórias eleitorais do MDB, eram necessários novos mecanismos que
manipulassem a vontade das urnas. Assim, o governo criou a Lei Falcão (que limitava a propaganda eleitoral no rádio e na
televisão) e decretou o Pacote de Abril, após ter fechado o Congresso. Com isso, buscava-se garantir a vitória da Arena nas
eleições de 1978, com a nomeação de senadores pelo governo (os chamados senadores biônicos) e a manutenção das eleições
indiretas para governadores.
A sucessão de Geisel foi tumultuada. Os “duros” articulavam a candidatura do ministro do exército, o general Sílvio
Frota, enquanto Geisel já havia escolhido o general João Batista Figueiredo, então chefe do SNI.
A reação dos frotistas à candidatura de Figueiredo levou Geisel a demitir Frota, demonstrando mais uma vez seu poder
pessoal.

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O MDB, assim como já havia feito quando da eleição de Geisel, lançando a anticandidatura de Ulysses Guimarães,
lançou agora o general Euler Bentes Monteiro como forma de protesto e denúncia contra o processo de eleições indiretas.
Figueiredo e seu vice, Aureliano Chaves, foram eleitos pelo Colégio Eleitoral, formado pelo Congresso e por representantes das
Assembleias estaduais.
Nas eleições parlamentares de novembro, apesar de o MDB ter conseguido a maioria dos votos, a Arena continuou sendo
o partido majoritário no Congresso, graças às manobras do Pacote de Abril e aos senadores biônicos. A população usava, mais
uma vez, o voto como instrumento para manifestar insatisfação com o regime militar, exigindo o retorno da democracia ao país.
Ficava claro que a redemocratização era uma conquista da sociedade civil e não uma simples concessão do regime. Em
31 de dezembro de 1978, como presente de Ano Novo, Geisel extinguiu o AI-5. A abertura política avançava sob pressão da
sociedade civil, mas a redemocratização ainda passaria por caminhos tortuosos.

Gen. Geisel

2. Presidência do General João Figueiredo (1979-1985)


“Reafirmo meu inabalável propósito (...) de fazer deste país uma democracia”. Com estas palavras, tomou posse na
Presidência da República, em março de 1979, o presidente João Batista Figueiredo. Era grande a esperança de que se completasse
a abertura democrática iniciada por Geisel. Mas a situação econômica sacrificava terrivelmente a classe trabalhadora, provocando
várias greves, com destaque para as do ABC paulista, onde 160 mil metalúrgicos, liderados por Luís Inácio da Silva, o Lula, com
o apoio da Igreja e de outros setores importantes da sociedade civil, paralisaram o trabalho.
As greves do ABC, consideradas ilegais, eram um desafio frontal ao novo presidente. O governo reagiu intervindo nos
sindicatos e ordenando a prisão dos principais dirigentes dos trabalhadores. Apesar da violência oficial, a greve prosseguiu até fins
de abril, com o apoio de importantes personalidades e entidades que forneciam comida e dinheiro para os trabalhadores resistirem.
A continuidade do movimento forçou as negociações, que resultaram vitoriosas para os metalúrgicos, inclusive com o
retorno de Lula e outros dirigentes sindicais que haviam sido expurgados.
Em 1979, mais de quatrocentas greves de professores, empregados da construção civil, motoristas de ônibus, portuários,
bancários, garis, funcionários públicos, entre outras categorias, marcaram o nascimento do novo sindicalismo, com projeção de
lideranças e métodos novos na luta dos trabalhadores.
Nesse contexto de verdadeira ascensão das massas, na luta pela redemocratização, o presidente Figueiredo tomou a
decisão de decretar a anistia geral aos condenados por crimes políticos, depois da grande mobilização da sociedade civil pela
anistia ampla, geral e irrestrita. Mas a lei do governo anistiou também os acusados de prática de tortura. A anistia restabelecia os
direitos políticos dos exilados, permitindo sua reintegração normal à vida política. Retornaram, depois de vários anos de exílio,
Leonel Brizola, Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes e vários outros.
Ainda em 1979, Figueiredo decretou uma reforma partidária, extinguindo a Arena e o MDB e abrindo condições para a
volta do pluripartidarismo. Era mais uma jogada casuística do governo militar, uma manobra para dividir a oposição e evitar que
esta chegasse ao poder pela via eleitoral.
Os apoiadores do regime, membros da Arena, reagruparam-se no Partido Democrático Social (PDS). A maior parte do
MDB formou o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), mas a ala mais conservadora, sob a liderança de
Tancredo Neves e Magalhães Pinto, formou o Partido Popular (PP). Outros partidos surgiram: o PTB (Partido Trabalhista
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Brasileiro), sob liderança de Ivete Vargas; o Partido Democrático Trabalhista (PDT), sob a liderança de Leonel Brizola; e o
Partido dos Trabalhadores (PT), formado principalmente por autoridades do novo sindicalismo e da Igreja, sob a liderança do
metalúrgico Luís Inácio da Silva, o Lula.
Em 1980, Figueiredo decretou o restabelecimento das eleições diretas para governador de Estado, mas manteve a Lei
Falcão e aprovou uma lei eleitoral que proibia as coligações partidárias, a fim de dificultar o fortalecimento da oposição. Por isso,
o PP se reaglutinou ao PMDB, tendo em vista as manobras do governo para ganhar as eleições de qualquer jeito.
Os reacionários e a extrema direita reagiram com violência diante dos avanços da redemocratização. Deflagaram o
terrorismo urbano com vários atentados a bancas de jornais e a entidades de defesa dos direitos humanos. O sequestro e
espancamento do jurista Dalmo de Abreu Dallari, em São Paulo, e um atentado à bomba na Câmara Municipal do Rio de Janeiro,
que resultou na morte de uma pessoa e sérios ferimentos em outras seis, são alguns exemplos da reação.
Mas, na noite de 30 de abril de 1981, ocorreu o mais grave atentado à bomba da extrema direita. Durante um show
comemorativo do 1º de Maio no Riocentro, uma bomba explodiu no carro em que se encontravam um capitão e um sargento do
Exército. A explosão matou o sargento e feriu gravemente o capitão. O Exército, através de comunicados, negou qualquer
participação dos envolvidos no caso.

No entanto, as evidências eram muito fortes e mostravam o jogo sujo da extrema direita, que se articulava com setores
militares. O general Golbery do Couto e Silva, principal articulador da abertura e chefe do Gabinete Civil da Presidência,
manobrou para que o inquérito sobre o Riocentro caminhasse por vias legais. Não conseguiu seu intento e, desgastado, demitiu-se
em agosto.
Apesar dos perigos que corria a redemocratização, os militares pró-abertura garantiram a sua continuidade e a oposição
democrática ganhou força para denunciar o terrorismo e formar uma frente de luta contra ele. A linha dura recuava cada vez mais
e as eleições de 1982 deram uma nítida vitória à oposição mais uma vez. Era a resposta da sociedade aos algozes da democracia.
A profunda recessão econômica, apesar das promessas do ministro Delfim Neto e de seu Terceiro PND, produzia efeitos
drásticos para aqueles que pretendiam o continuísmo militar. Em 1983, teve início uma campanha, articulada pelos partidos de
oposição e entidades da sociedade civil, que contestava frontalmente a legitimidade das eleições indiretas: era a campanha das
Diretas Já!
Em março daquele ano, um deputado de Mato Grosso, Dante de Oliveira (PMDB), apresentou ao Congresso uma emenda
constitucional que restabelecia as eleições diretas para presidente e vice em 1985. Enquanto essa emenda tramitava no Congresso,
a campanha das Diretas Já ganhava as ruas com comícios que chegaram a ter mais de um milhão de pessoas, como no Vale do
Anhangabaú, em São Paulo. A sociedade se empolgava e entusiasticamente aplaudia e participava da campanha. Mas a emenda
não conseguiu alcançar os 2/3 dos votos necessários para sua aprovação e foi rejeitada por 22 votos.
Apesar da derrota das Diretas Já, o regime militar estava com seus dias contados. Na convenção do PDS para escolher o
candidato do partido à Presidência da República, o coronel Mário Andreazza, candidato do governo, foi derrotado por Paulo
Maluf. O PMDB, por sua vez, apresentava a candidatura de Tancredo Neves e formava com o Partido da Frente Liberal (PFL –
dissidência do PDS, liderada por Aureliano Chaves, Marco Maciel e José Sarney) a chamada Aliança Democrática. O candidato a
vice na chapa de Tancredo foi José Sarney, ex-udenista, ex-presidente do PDS, um dos articuladores da derrota da emenda Dante
de Oliveira.

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Em 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo Neves e José Sarney para presidente e vice. Naquele
momento, fazia-se a transição, sem trauma, do poder militar para o poder civil.

A Nova República – José Sarney

Às vésperas de sua posse na presidência da República, Trancredo Neves foi internado no Hospital de Base de Brasília.
Motivo alegado: uma diverticulite aguda. Quis o destino que o primeiro presidente civil, depois de 21 anos de ditadura, não
tomasse posse. O fato era estarrecedor e colocava em perigo a ordem institucional. A “linha dura” e Figueiredo ameaçavam não
entregar o poder ao vice, José Sarney. Os dias que se seguiram foram de perplexidade. O sonho se desvanecia, pois ninguém
acreditava que Sarney, ex-presidente da Arena, ex-defensor do regime militar, o responsável direto pela não-aprovação das
diretas, pudesse atender as expectativas da sociedade por mudanças. O “muda-Brasil” das faixas e cartazes da campanha das
diretas e, depois, da campanha indireta de Tancredo, parecia cada vez mais amarelo que verde...
Em 21 de abril de 1985, era anunciada a morte de Tancredo Neves, aos 75 anos, o líder civil que encerrou um longo ciclo
de governos autoritários no país.

1. Presidência de José Sarney (1985-1990)


Sarney assumiu a chefia do governo num momento de esperança, apesar das grandes dúvidas: era mesmo capacitado para
concluir o processo de redemocratização, cuja liderança a nação confiara a Tancredo? Mas havia um forte consenso de que o
regime democrático seria o ideal para o atendimento das aspirações sociais. De certa forma, isso impulsionou o governo Sarney,
formado por peemedebistas e pedessistas dissidentes, a enviar ao Congresso diversos projetos de lei, instituindo medidas
democratizantes, destacando-se:

65
– Fim do Colégio Eleitoral e restabelecimento das eleições diretas para presidente e vice-presidente da República;
– Retorno das eleições para prefeitos das capitais, das cidades consideradas de segurança nacional e das estâncias hidrominerais;
– Reconhecimento da liberdade e autonomia dos sindicatos;
– Direito de voto aos analfabetos;
– Ampla liberdade de organização de novos partidos, inclusive os que viviam na clandestinidade, como o PCB e o PC do B.

O acesso de todos os partidos a quaisquer meios de comunicação ficou também garantido. A legalização dos partidos de
esquerda alterou o panorama político-eleitoral, reduzindo, de certa forma, a influência de muitos políticos conservadores.
Com o fim da Lei Falcão, as campanhas eleitorais ganharam uma nova dimensão por meio do “horário gratuito”, dando
oportunidade para acirrados debates que, muitas vezes, caíram na agressão pessoal e na falta de respeito aos ouvintes e
telespectadores.
Voltávamos à democracia, mas por algum tempo ainda persistiu o que se chamou de “entulho autoritário”, ou seja,
algumas leis remanescentes da ditadura, como a Lei de Segurança Nacional, a Lei de Imprensa, a prerrogativa do presidente
baixar decretos-leis etc.
Por outro lado, a democracia trouxe à tona todo um conjunto de práticas fisiológicas, como a política do “é dando que se
recebe”, o nepotismo (nomeação de parentes para cargos públicos), os deputados “pianistas”, os “trens da alegria” etc., gerando
uma visão negativa e perigosa sobre os políticos em geral. A tendência à generalização tem colocado político respeitáveis no
mesmo patamar que políticos desonestos. É importante que saibamos distinguir o verdadeiro do falso, pois não se pode nivelar por
baixo todos os homens públicos do país. É ainda necessário esclarecer que, sob o regime autoritário, todas essas mazelas na
política também existiam, só que a censura não permitia que fossem divulgadas e por isso a população não tomava conhecimento.

2. O Plano Cruzado
A ditadura deixou como herança para a Nova República um grande superávit na balança comercial. Em 1985, ele atingiu
cerca de 12 bilhões de dólares. A maxidesvalorização da moeda em 1983 e os baixos salários permitiam a redução dos preços dos
produtos brasileiros no mercado internacional e daí aumentaram as exportações.
Mas, ao lado desse enorme superávit, a ditadura deixou também uma colossal dívida interna e externa, o aumento do
déficit público e uma inflação galopante. A aceleração inflacionária anulava a perspectiva de estabilização da economia e levava
muitos empresários a não investirem no setor produtivo da economia, preferindo aplicações a curtíssimo prazo, como o overnight.
Por isso tivemos a supervalorização do mercado financeiro em prejuízo do setor produtivo, pois o capital privado
procurava garantir o fluxo da renda real. As constantes remarcações de preços também foram outro mecanismo usado pelos
empresários para garantir a rentabilidade.
A grande expectativa das massas trabalhadoras por mudanças no governo sustentava a capacidade das organizações
sindicais de promoverem mobilizações na defesa de seus interesses. Exemplos disso foram centrais sindicais como a CUT
(Central Única dos Trabalhadores) e a CGT (Central Geral dos Trabalhadores), agora mais combativas e inovadoras nos métodos
de luta e defesa dos trabalhadores. Aumentos reais de salários, redução da jornada de trabalho, reajustes trimestrais automáticos
eram alguns pontos das pautas de reivindicações de 1985 e 1986.
Buscando um tratamento de choque para o processo inflacionário, Sarney e seu ministro da Fazenda, Dilson Funaro,
decretaram, em fevereiro de 1986, o Plano Cruzado.
Controle de preços e salários e desindexação da economia foram os dois princípios básicos desse programa de
estabilização econômica. A correção monetária foi extinta e congeladas as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional. A
intervenção do governo na economia contribuiu diretamente para a recomposição da renda e para a elevação das taxas de
reinvestimento nos setores produtivos pelo empresariado. Apesar das críticas quanto aos mecanismos de reajuste de salários, não
há dúvidas de que o Plano Cruzado aumentou a participação dos trabalhadores assalariados na rendas nacional, pelo menos nos

66
primeiros meses. O sistema de gatilho (reajuste automático todas as vezes que a inflação atingisse 20%) e o seguro-desemprego
contribuíram para isso também.
O congelamento de preços também atuou como um mecanismo de redistribuição de renda, aumentando o poder de
compra dos trabalhadores, o que levou a um extraordinário aumento de consumo. A incerteza sobre quanto tempo duraria o
congelamento também provocou a febre de antecipação das compras. Exemplo do consumismo, principalmente por parte da classe
média, foi a queda de 27% nos depósitos de poupança entre fevereiro e maio de 1986.
E o governo se popularizava. Milhões vestiram a camisa do Plano Cruzado e saíram pelas ruas como “fiscais do Sarney”,
fechando supermercados e prendendo caixas e gerentes de lojas. Nas palavras de Paul Singer: “Milagre ou mágica, eis como o
povo está encarando a reforma monetária que o governo decretou em 28/2/1986. Segundo seus autores, com a reforma ninguém
perde e todos ganham, pois o sistema econômico, ao se livrar da inflação, adquire mais transparência e racionalidade. Mas o
povo está maravilhado porque pensa o contrário: ele acha que o congelamento pune o ricaço, o especulador, o assaltante-
remarcador de preços, com ganhos líquidos para o consumidor, sobretudo para o “pequeno”, cujo dinheirinho deixará de se
desvalorizar a cada dia”.
A euforia do consumo gerou sérios problemas: a oferta não dava conta da demanda. Os empresários escondiam os
produtos ou maquiavam-nos e até diminuíam-lhes a qualidade. A cobrança de ágio tornou-se usual. Ao final de oito meses, sem
mecanismos de controle por parte do governo, o Plano Cruzado fracassou. A economia voltou a ser indexada e a inflação ganhou
nova força de aceleração.
Ficaram, no entanto, os dividendos políticos do Plano. Sarney virou herói nacional; o PMDB, nas eleições parlamentares
de 1986, fez 23 governadores e 260 deputados federais. Mas o descongelamento veio alguns dias após as eleições...
A decretação da moratória do pagamento da dívida externa, em fevereiro de 1987, foi a medida de maior repercussão
internacional do governo Sarney, que procurava, com isso, promover a defesa das reservas brasileiras e buscar uma solução
definitiva para o problema da dívida externa. A reação dos bancos credores fez o governo brasileiro recuar. O resultado foi o fim
do relacionamento amigável com o governo norte-americano e os bancos credores a partir do início de 1988.
Um novo plano econômico de combate à crise e de controle inflacionário, o Plano Bresser, também fracassou, e a
popularidade de Sarney despencou. O preço político veio logo: desastre eleitoral para o governo nas eleições municipais de 1988,
com a vitória de candidatos do PT e do PDT nas grandes cidades e em algumas capitais importantes.
Em janeiro de 1989, um novo plano econômico: o Plano Verão, do ministro Maílson da Nóbrega, que era uma reedição
piorada do Plano Cruzado. Foi criado o cruzado novo, promoveu-se uma nova desindexação da economia, com o fim das OTNs,
elevação dos juros bancários e recomposição salarial pela média do salário real dos últimos doze meses.
Na prática, o Plano Verão fracassou, e nada de concreto resultou dele. O déficit público aumentou e a espiral
inflacionária atingiu a fabulosa taxa diária de mais de 2%, em fevereiro de 1990, mês que antecedeu a posse de Fernando Collor
na presidência.

3. A Constituição de 1988
De 1986 a 1988, os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte geraram grande expectativa em toda a nação. A
demora na elaboração dessa nova Carta, a maneira conservadora como os constituintes resolviam questões de vital importância
para a sociedade e os conflitos ideológicos entre os constituintes provocaram muito desencanto e descrédito quanto à real
afirmação do regime democrático no país.
Mas o interessante foi a presença da sociedade organizada nos debates através de entidades e grupos diversos que
buscavam influenciar as decisões dos constituintes.
No entanto, surgiu também o Centrão, reunindo parlamentares de direita e de centro-direita, com a finalidade de impedir
que as propostas progressistas fossem transformadas em lei. De qualquer forma, a Constituição promulgada em 3 de outubro de
1988 trouxe significativos avanços sociais e políticos para a nação. No geral, ela aprofundou a democracia, garantiu direitos mais
amplos aos trabalhadores rurais e urbanos, consolidou os direitos dos cidadãos e deu sustentação jurídica ao estado de direito. Por

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outro lado, ela exagerou no detalhismo, como, por exemplo, definindo a taxa de juros a ser praticada no país, quando, na verdade,
os juros correspondem às expectativas do mercado ou de um certo momento na economia; apresentou contradições como a
ampliação das conquistas sociais dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, retirava do governo federal os meios para satisfazê-las.
Entre as inovações que constam na Constituição, destacam-se:
– fim dos decretos-leis, muito comuns durante a Ditadura Militar;
– ampliação dos direitos dos índios sobre a terra que ocupam;
– desapropriação de terras que não cumprem sua função social mediante prévia indenização;
– direito de voto a partir dos 16 anos;
– afirmação do direito de voto ao analfabeto;
– consideração do crime de racismo como “inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, na forma da lei;
– ampla liberdade e autonomia sindical, bem como direito de greve, exceto para os setores considerados essenciais;
– férias remuneradas acrescidas de 1/3 do salário;
– extensão dos direitos dos trabalhadores urbanos também aos trabalhadores rurais e aos domésticos;
– redução da jornada semanal de trabalho para 44 horas e pagamento de 50% a mais do valor da hora normal para a hora extra.

4. Voltaram as Diretas – As Eleições Presidenciais de 1989


O último ano do governo Sarney foi, em todos os sentidos, desastroso. O clima de fim de festa expunha a prática
fisiológica mais condenável, o que contribuía para o desgaste da classe política perante a opinião pública. O desgoverno era o
prenúncio do caos e da anarquia. Já era possível encontrar colantes nos automóveis com os dizeres: “Figueiredo: eu era feliz e
não sabia...”.
Mas a classe trabalhadora, mais bem organizada e mobilizada nas suas centrais sindicais, respondia à crise econômica e
ao desgoverno com um sem-número de greves que davam uma amostra do caos econômico e político que ameaçava a
institucionalização do regime democrático no país.
Esse era o clima em que ocorreram as primeiras eleições diretas para presidente da República, em novembro de 1989,
depois de 20 anos sem que o povo escolhesse democraticamente o supremo mandatário do país. A campanha eleitoral ganhou,
assim, contornos ideológicos, pois os mais expressivos candidatos eram de esquerda e de direita, com clara definição de sua linha
programática em termos de projetos econômicos, sociais e políticos para o país.
Todos os candidatos, indistintamente, atacaram a política econômica do governo Sarney, a corrupção e a imoralidade
administrativa, na tentativa de ganhar a simpatia popular.
A campanha ficou polarizada em torno de alguns nomes de expressão nacional: Paulo Maluf, Mário Covas, Leonel
Brizola, do sindicalista Luís Inácio Lula da Silva e do até então desconhecido Fernando Collor de Mello, de família oligárquica
alagoana, ex-prefeito “biônico” de Maceió e ex-governador de Alagoas pelo PDS.
Sustentado por um partido inexpressivo – o Partido de Reconstrução Nacional (PRN) – Collor soube como ninguém
utilizar a mídia eletrônica para construir uma imagem favorável junto à opinião pública. Tendo como aliado nesse verdadeiro
show de marketing político várias emissoras de rádio e televisão, Collor soube vender a imagem de “caçador de marajás” e
defensor dos “descamisados”. Collor transformou-se em pouco tempo no símbolo do “novo” contra o “velho”, refletindo o
cansaço e o descrédito da população em relação à velharia política.
A campanha eleitoral transcorreu em total clima de liberdade e, em alguns momentos, alcançou elevada tensão. Os
debates transmitidos pelo rádio e pela televisão chamavam a atenção de toda a opinião pública. Os comícios mobilizavam
milhares de cidadãos em todo o país. A recusa da Justiça Eleitoral em registrar a candidatura de Sílvio Santos, lançada 15 dias
antes das eleições, pelo Partido Municipalista Brasileiro (PMN), tornou a decisão dos eleitores alguma coisa realmente séria para
o país.
O resultado do primeiro turno mostrou Collor com 25,11% dos votos, Lula com 14,16%, Brizola com 13,60% e Mário
Covas com 9,49%. Assim, Collor e Lula deveriam disputar o segundo turno das eleições no dia 17 de dezembro. Um,

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representante das oligarquias, e o outro, dos operários. Ambos se colocaram como defensores e comprometidos com as massas
carentes e descamisadas. Venceu Collor com margem pequena de votos: 43,75% contra 37,86 de Lula. O vencedor gritava aos
quatro ventos que o eleitorado, na sua expressiva maioria, optara pelo seu programa neoliberal e sepultaria de vez a velha política.
A direita, embalada no ocaso do mundo socialista, deu vivas à vitória de Collor e prometeu realizar um governo nunca antes,
sequer, sonhado. O futuro iria conferir essas previsões.

A Nova República – Collor

1. Presidência de Fernando Collor (1990-1992)


Já acostumada com os pacotes econômicos da era Sarney, a população até que não reagiu tanto contra o pacote
econômico da ministra Zélia Cardoso de Mello, um dia após a posse do presidente Fernando Collor de Mello. A não ser contra as
decisões que quebravam frontalmente as promessas, feitas por ele na campanha eleitoral, de não mexer na poupança popular. O
ousado “Plano Brasil Novo”, como ficou conhecido, tinha como elementos fundamentais:
– reforma monetária com a volta do cruzeiro;
– bloqueio rigoroso dos ativos financeiros das pessoas físicas e das empresas;
– enxugamento da máquina administrativa com a extinção de várias empresas estatais e vários órgãos administrativos;
– abertura às importações com o objetivo de aumentar a base tributária;
– congelamento parcial e controlado dos preços;
– prefixação de vários rendimentos, inclusive dos salários.
O aspecto mais criticado do Plano Collor foi, sem dúvida, o confisco da poupança; mas conseguiu reduzir,
consideravelmente, a taxa inflacionária, o que provocou uma expectativa positiva de vários setores de uma real possibilidade de
solução para um problema tão antigo e de consequências tão dramáticas para a sociedade.
Mas, dois anos após a posse, a inflação já se encontrava no patamar de 21% ao mês. O Plano Brasil Novo fracassara.
Collor, que prometera abater a inflação com um único tiro, teve de reestruturar seus planos. Foi destituída a equipe da ministra
Zélia Cardoso de Mello, e Marcílio Marques Moreira tornou-se o segundo ministro da Fazenda da era Collor.
O ministro Marcílio Marques Moreira esforçou-se ao máximo para recuperar a credibilidade do país junto aos
organismos financeiros internacionais, e, para isso, retomou negociações e acordos com o FMI, o Clube de Paris e os bancos
privados.
Enquanto o crescimento econômico não acontecia, o trabalhador brasileiro vivia o impasse entre salários baixos e
inflação alta. A inflação só era controlada em torno dos 25%, com o arrocho salarial. O consumidor não comprava, o comércio
não vendia, a indústria não se livrava dos estoques. E a recessão aprofundava-se cada vez mais. A imagem de Collor encontrava-
se desgastada e suja. Não era somente a crise econômica que sujava o governo. O país havia se transformado em campo aberto
para epidemias de dengue, malária, lepra e, principalmente, cólera, fruto das condições precárias de saúde e saneamento,
agravadas pela deterioração das condições sociais.
Os numerosos escândalos de corrupção envolvendo ministros de Estado, licitações fraudulentas, desvio de verbas, tráfico
de influências, superfaturamento nas compras, contratos sem licitações transformaram o governo Collor num “mar de lama” e o
levaram ao fundo do poço.
As mais sérias denúncias envolveram o ministro da Saúde, Alceni Guerra, e o ministro Antônio Rogério Magri, acusado
de ter sido subornado por uma empreiteira para a construção de uma obra pública no Acre. A cadeia de denúncias envolvia a
própria ministra Zélia Cardoso de Mello, acusada de vazar informações que contribuíram para a especulação do preço do café no
mercado internacional.
Entretanto, algumas dessas denúncias representavam uma luta de interesses e poder, como por exemplo, as denúncias
sobre o “escândalo das bicicletas”, que envolveu o ministro Alceni Guerra, que não passou de interesse do “esquema PC” em tirá-
lo do poder e facilitar suas falcatruas juntamente com o seu irmão Luís Romero, secretário executivo do Ministério da Saúde.
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2. O Impeachment – “Fora Collor”
A partir de maio de 1992, o país viveria uma das páginas mais trágicas e, ao mesmo tempo, mais cívicas de sua história.
A revista Veja, naquele mês, trazia uma entrevista com Pedro Collor, irmão do presidente, denunciando um vasto esquema de
corrupção liderado pelo empresário alagoano Paulo César Farias, o PC, o tesoureiro da campanha eleitoral de Collor. Segundo
Pedro Collor, PC traficava influências, nomeava altos funcionários do Estado e arrecadava milhões de dólares fraudando o Fisco e
chantageando empresas.
Na entrevista, o irmão do presidente deixava transparecer que PC mantinha estreitas ligações com o Planalto e que
Fernando Collor de Mello usava PC como instrumento para a realização de negócios escusos, corrupção e assalto ao dinheiro
público.
A entrevista explodiu como uma bomba. O país ficou estarrecido. Em junho, o Congresso instaurou uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso. Muitos acreditavam que tudo “terminaria em pizza”. Outros apregoavam
que a democracia brasileira era ainda muito frágil para suportar um processo tão traumático de investigações que acabaria
envolvendo o próprio presidente.
A imprensa abria caminho para as investigações da CPI. A entrevista do motorista Eriberto à revista IstoÉ, denunciando
várias manobras de Paulo César Farias e seus irmãos, foi histórica. Ela possibilitou o desvendamento do esquema PC baseado na
existência de várias contas fantasmas em diversos bancos do país. Ficou rapidamente comprovada a veracidade das denúncias
contra Paulo César Farias e suas ligações estreitas com o presidente. A credibilidade de Collor caía vertiginosamente e ele não
conseguia convencer a nação de sua inocência em relação à corrupção e ao lamaçal que grassavam no país.
Amigos e colaboradores do presidente bolaram o “Plano Uruguai” para justificar a origem do dinheiro que engordava as
contas do presidente, de sua mulher e de outros envolvidos. Ficou comprovado que esta operação era uma farsa grosseira.
A sociedade civil levantou-se mais uma vez e, a partir de agosto, centenas de passeatas e atos públicos em todo o país,
organizados principalmente por estudantes, exigiam o impeachment do presidente. “A juventude pinta a cara em contestação à
bandalheira e sai às ruas exigindo punição aos culpados e restauração da moralidade pública”. A democracia mostrava-se forte e o
povo na rua sustentava a investigação da CPI.
Desfecho da CPI: por 16 a 5, vence o pedido de impeachment do presidente. Em 09 de setembro, Collor entrou com um
mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF), tentando conseguir que a votação do impeachment na Câmara fosse
secreta. Por 8 votos a 1, o parecer do STF foi favorável à votação aberta. Os governistas em desespero continuaram afirmando que
as oposições não conseguiriam os 336 votos necessários para aprovar o processo de impeachment.
Em setembro de 1992, por 441 votos a favor, 38 contra, uma abstenção e 23 ausências, a Câmara dos Deputados
autorizava a abertura do processo de impeachment do presidente Collor, numa decisão inédita em toda a história da América
Latina. O Senado é que deveria agora dar andamento e finalizar esse processo. Imediatamente foi empossado, como presidente em
exercício, o vice-presidente Itamar Augusto Cautiero Franco.
Em 12 de outubro, o arquiteto da redemocratização, o “Senhor Diretas”, como ficou conhecido pela bravura ao liderar a
campanha das Diretas Já, Ulysses Guimarães, desaparecia para sempre na queda de um helicóptero, próximo a Angra dos Reis. A
morte de Ulysses parece ter sido o contraponto trágico daquele grandioso movimento cívico que ficou marcado para sempre nas
páginas da História do Brasil.
No final de dezembro de 1992, Collor renunciou, mas mesmo assim, foi julgado e condenado pelo Senado, sendo
definitivamente afastado da presidência da República.

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A Nova República – Itamar

Presidência de Itamar Franco (1992-1993)


Com o impeachment de Collor, o vice Itamar Franco assumiu a Presidência em 29 de dezembro de 1992. Tinha diante de
si um quadro social desanimador: inflação, planos econômicos frustrados, população decepcionada e assustada com a expansão da
miséria e da recessão.
Ao mesmo tempo, ocorriam investigações sobre corrupção herdada do governo Collor, aparecendo, inclusive, novas
denúncias, obrigando o Congresso a ampliar seu trabalho com várias CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito). As mais
importantes foram as que investigaram o Orçamento, que envolveram 23 parlamentares, seis ministros e três governadores de
Estado acusados de tráfico de influência na distribuição de verbas, a que investigou a Presidência e a CPI que envolvia o ex-
presidente Collor e PC-Farias.
Porém o governo Itamar ganhou sua própria personalidade a partir de maio de 1993, com a indicação de Fernando
Henrique Cardoso, ministro das Relações Exteriores, para ocupar o Ministério da Fazenda, quando lançou o Plano Real, em julho
de 1994. O Plano Real tirou o cruzeiro e, em seu lugar, entrou o real, novo padrão monetário. Ao contrário dos planos anteriores,
o Plano Real foi precedido de etapas preparatórias que deram possibilidade de acomodação do mercado e reequilíbrio das contas
do governo.
Intuindo no sucesso do plano, que baixou a inflação para 6% em julho, continuando a cair nos meses seguintes, o PSDB,
ao qual Fernando Henrique Cardoso pertence, resolveu lançá-lo como candidato às eleições de 1994. Aliando-se ao PFL, a
candidatura de FHC foi impulsionada pelo Plano Real, que continuava dando certo. Conforme Lincoln de Abreu Penna, o PFL foi
o parceiro que atendia às necessidades eleitorais para esse fim. Era um partido de grande penetração nos grotões e influente na
região Nordeste do país. Com essa estratégia eleitoral perfeitamente azeitada, foi possível juntar forças distintas, porém afins nos
propósitos de evitar a ascensão de governos sem compromissos com as medidas de austeridade que o país reclamava, de acordo
com os mesmos aliados. Com este intuito e apesar da discrepância política em algumas regiões, a aliança da social-democracia
com os liberais ganhou consistência e força eleitoral suficiente para o sucesso dessa estratégia (...).
O resultado consagrador das urnas (54,2%), dando a vitória em primeiro turno ao candidato apoiado pelo governo,
provocou uma sensível desarticulação nas esquerdas, aturdidas pelo resultado até certo ponto surpreendente e pelo destino de
duas lideranças nacionais representativas dessa corrente política e ideológica: Lula e Brizola, pela segunda vez derrotados
eleitoralmente.
A Nova República – FHC

1. Presidência de Fernando Henrique Cardoso (1995-1999)


Sustentado pelo Plano Real, o governo FHC, continuou baixando a inflação, a qual se manteve à taxa de 5% ou 6% ao
ano. Entretanto, o plano ocasionou efeitos preocupantes como a inadimplência e o desemprego. Uma soma de fatores provocou
essa situação: juros altos, estoques, concorrência com os importados, expansão tecnológica e cheques pré-datados.
Em relação a isso, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, anunciava que o governo pretendia dar continuidade às
mudanças estruturais da economia. Precisamos modernizar o setor público, aumentar a eficiência na gestão da coisa pública,
iniciar a reforma da previdência e reduzir o chamado “custo Brasil”. Nós temos de reduzir o custo do capital, o custo da
contratação da mão-de-obra, da tributação que incide sobre a atividade produtiva, bem como nossos custos portuários e de
infraestrutura.
Temos de desregulamentar e desburocratizar várias áreas.
Porém, várias dessas reformas não foram feitas, principalmente em razão dos entraves surgidos no Congresso Nacional,
pois estão em jogo vários interesses que, por sua vez, pressionam por todos os lados.
O processo de privatização, iniciado ainda no governo Collor, ganhou intensidade no ano de 1997, quando foi privatizada
a Companhia Vale do Rio Doce. Ao mesmo tempo, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) acirrava ainda mais
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sua atuação em ocupações de terras devolutas e latifúndios improdutivos, tentando agilizar o mecanismo da reforma agrária –
neste país, a terra sempre foi um entrave nas relações sociais e econômicas de maior relevância – que se arrasta desde a época
colonial.
Nesse mesmo ano de 1997, aceitou-se a hipótese de reeleição do presidente da República. Entretanto, os partidos aliados
a FHC queriam que tal medida também beneficiasse todos os cargos dos executivos – estaduais e municipais – e dos governantes
em exercício. A reeleição visava, entre outros aspectos, à manutenção do Plano Real e dos fluxos de investimentos internacionais.
Após inúmeras negociações – algumas duvidosas – o Congresso Nacional aprovou a emenda constitucional que garantia a
reeleição a todos os cargos executivos.
Dessa forma, mesmo com um quadro social meio conturbado, mas tendo ainda o Real como escora política, o presidente
FHC lançou-se à reeleição e conseguiu, ainda no primeiro turno, vencer seu principal oponente, Luis Inácio Lula da Silva, do PT.

2. Presidência de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002)


Logo após sua posse, foi oficialmente inaugurado o Mercosul (Mercado Comum do Sul), união aduaneira composta por
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Dessa forma, as tarifas alfandegárias existentes, entre esses países, sobre quase todos os
produtos comercializados foram extintas. Porém, com os problemas políticos e econômicos surgidos na Argentina em 2001/2002,
o Mercosul foi seriamente abalado.
Outro problema sério que abalou o segundo mandato de FHC decorreu da especulação intensa, feita principalmente por
especuladores internacionais. O Banco Central foi obrigado a intervir no mercado, colocando dólares à venda para manter a sua
cotação em patamares aceitáveis em relação ao real.
Em 2002, teve início o processo sucessório para eleições presidenciais e o governo lançou seu candidato, o ex-ministro
da Saúde José Serra. Mesmo o governo possuindo ainda algum prestígio, o seu candidato não consegue convencer os eleitores,
pois o candidato oposicionista, Luís Inácio Lula da Silva, do PT, mantém-se folgadamente em primeiro lugar em todas as
pesquisas feitas até poucos dias antes do pleito. Depois de vencer José Serra no segundo turno da eleição, Lula se elege presidente
do Brasil, tornando-se o segundo presidente mais votado do mundo, atrás apenas de Ronald Reagan na eleição estadunidense de
1984.

HISTÓRIA GERAL
Primeira Guerra Mundial (1914-18)
Fatores Estruturais e Conjunturais
Por volta do final do século XIX e da primeira década do século XX, a Europa vivia um clima de otimismo e confiança,
ao mesmo tempo em que o avanço da industrialização (Segunda Revolução Industrial – Difusão) e da corrida imperialista
(neocolonialismo) denotavam uma fase do capitalismo capaz de gerar crises.
A constante disputa por mercados fornecedores e consumidores trazia uma forte inquietação e o prenúncio de um conflito
iminente entre as potências europeias. Esse embate, conhecido como Primeira Guerra Mundial (1914/18), ocorreu como resultado
de um conjunto de fatores determinantes que, em nível conjuntural e estrutural, passaremos a analisar.
O imperialismo resultante da evolução do sistema capitalista para o chamado capitalismo monopolista, do qual teve
origem a expansão colonialista em direção à África e Ásia, culminou num clima de disputas territoriais entre os países
industrializados, contribuindo sobremaneira para o agravamento das tensões mundiais.
O rompimento do equilíbrio europeu após o surgimento da Alemanha pós-unificação (1871) foi um fator de grande
importância para a eclosão do conflito. O crescimento econômico da Alemanha, apesar de sua unificação e industrialização tardia,
foi surpreendente, pela rapidez e dimensão alcançadas. Num curto espaço de tempo, a Alemanha conseguiu superar
economicamente a França e, no início do século XX, disputava com a Grã-Bretanha sua posição hegemônica em relação à Europa
e ao mundo.

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Nesse clima de disputa por mercados entre os países europeus industrializados, começou a se desenhar uma conjuntura de
“Paz Armada”, que levou os países industrializados a aumentarem sua produção de material bélico antevendo uma possível
guerra.
O nacionalismo crescente nas múltiplas minorias nacionais, que foram englobadas às grandes monarquias europeias
(Congresso de Viena, 1814/15), contribuiu para acentuar as tensões no continente europeu. O Império austro-húngaro pode ser
lembrado como o exemplo mais claro desse momento.
O Império era composto por um conjunto de pequenas nacionalidades (húngaros, croatas, romenos, tchecos, eslovacos,
bósnios etc.) que não conseguiam manter laços de unidade e organizavam-se para questionar, por meio de movimentos
nacionalistas, a monarquia dual austro-húngara e lutar contra ela.
Em decorrência do clima de rivalidade e crescente hostilidade que envolvia a Europa, acentuou-se a “Política de
Alianças”, que teve em Bismarck, ao final da unificação alemã, o seu precursor. A Tríplice Aliança era formada pela Alemanha,
Áustria-Hungria e Itália, enquanto a Tríplice Entente era composta por Inglaterra, França e Rússia.

Os Principais Conflitos e os Antecedentes da Guerra


• Conflito Franco-Alemão – A França queria o revanchismo sobre a Alsácia e Lorena, esta última extremamente rica em minério
de ferro. Os alemães tomaram esses territórios após vitória sobre os franceses na guerra de 1870. A partir daí a burguesia francesa
alimentou na imprensa, igrejas, escolas e quartéis, cada vez mais, o espírito de revanche, que foi largamente responsável pela
Grande Guerra. Esse conflito tornou-se mais agudo à medida que os dois países disputavam, na África, o Marrocos.
• Conflito Anglo-Alemão – O crescimento industrial alemão criou a concorrência comercial anglo-alemã; paralelamente a isso,
crescia também a rivalidade naval. O desenvolvimento da Marinha alemã abalou o domínio inglês nos mares. Por outro lado, a
Alemanha penetrava comercialmente no Império turco, e a prova disso foi o plano de construir a estrada de ferro Berlim – Bagdá.
Esse empreendimento tornava mais fácil o acesso ao petróleo existente naquela região (Oriente Médio).
• Conflito Germano-Russo – Devido à disputa dos dois imperialismos no Leste europeu, sobretudo na Turquia.
• Conflito Austro-Russo – Esse conflito girou em torno da Sérvia (região que, em 1830, tornou-se independente do Império
turco). Havia o pan-eslavismo da Rússia, política pela qual essa nação procurava proteger os povos eslavos, presentes na Europa
Central e nos Bálcãs, subjugados aos impérios turco e austríaco.
O crescimento da Sérvia se colocava em função da independência e do agrupamento de uma série de povos eslavos,
como os bosnianos, os croatas e os montenegrinos. Dessa forma, criava-se a Grande Sérvia ou antiga Iugoslávia; entretanto, esse
anseio chocava-se com os domínios dos impérios turco e austríaco.
A guerra foi antecedida por uma corrida armamentista desenvolvida pelos países europeus a partir das crises do Marrocos
e dos Bálcãs.

As Crises do Marrocos
A disputa entre França e Alemanha pelo domínio daquele país quase levou à guerra, que só foi evitada graças à
diplomacia de vários países.

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A questão marroquina foi resolvida em 1911, quando a França tomou o Marrocos e a Alemanha apoderou-se de uma
parte do Congo Francês.

As Crises Balcânicas
Essas crises foram marcadas pelo crescimento da Sérvia e pelas rivalidades entre Rússia, Áustria e Turquia.
Os planos de crescimento da Sérvia foram frustrados quando a Áustria, no ano de 1906, anexou os territórios da Bósnia e
Herzegovina. Desse modo, os sérvios expandiram-se para o sul, onde desenvolveram vários conflitos contra a Turquia, sobretudo
nos anos de 1911 e 1913.
As Guerras Balcânicas (nome dado aos conflitos travados na região dos Bálcãs) fortaleceram a Sérvia, que agora se
voltava com maior força contra a Áustria.
Os sérvios aumentavam cada vez mais a propaganda nacionalista entre os eslavos dominados pela Áustria-Hungria.
Pensando em minimizar a agitação antiaustríaca, o arquiduque Francisco Ferdinando, futuro imperador do Império
austro-húngaro, pretendia incluir um reino eslavo. Isso criaria uma monarquia tríplice e dificultaria a independência dos eslavos
daquele império.

Causa Imediata
A crise diplomática surgiu com o assassinato do arquiduque da Áustria, Francisco Ferdinando (28/7/1914) em
Sarajevo (Bósnia), por um patriota sérvio da sociedade secreta “Mão Negra”.
Em Viena, decidiu-se eliminar, por uma humilhação diplomática ou guerra, a Sérvia, que era sempre fator de agitação
antiaustríaca. Berlim concordou, mas a Rússia não aceitou a repressão, pois a Sérvia era instrumento do pan-eslavismo.
Em 23 de julho, um ultimato austríaco à Sérvia exigia que se desfizessem todas as agitações sérvias e que aceitassem a
participação de funcionários austríacos nas perícias sobre o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando.
Sob o conselho da Rússia, a Sérvia rejeitou as imposições, alegando que o ultimato atentava contra a sua soberania. A
Áustria declarou guerra à Sérvia, a Rússia mobilizou suas tropas destinadas a operar sobre as fronteiras austro-russas.
A Alemanha exigiu a desmobilização da Rússia e, como não obteve resposta, mobilizou-se. Quando a Alemanha invadiu
a Bélgica para atacar a França, esta lhe declarou guerra.

O Conflito
A Primeira Grande Guerra apresentou três frentes de batalha:
– a frente ocidental, onde belgas, ingleses e franceses combatiam os alemães.
– a frente oriental, onde os russos combatiam os alemães.
– a frente dos Bálcãs, onde os sérvios combatiam os austríacos.
O primeiro momento do conflito foi marcado pela Guerra de Movimento (de agosto a novembro de 1914).
No ano de 1914, o exército alemão tratou de colocar em prática seu plano de guerra chamado Plano Schlieffen (do
general Von Schlieffen). Esse plano mostrava que a Alemanha deveria invadir primeiro a Bélgica, para facilitar depois a invasão
da França e, em seguida, investir sobre a Rússia.
Na execução do plano, os alemães não contavam com um imprevisto: o avanço russo sobre a Alemanha. Isso exigiu da
Alemanha a criação de uma frente oriental de combate, o que enfraqueceu a frente ocidental. Dessa forma, seu avanço sobre a
França foi detido na batalha sobre o rio Marne, em setembro (Batalha do Marne).
Ainda no final de 1914, a guerra ganharia outra característica: a guerra de movimento seria substituída pela guerra de
posições, isto é, uma Guerra de Trincheiras. Foram abertas trincheiras de ambos os lados (Aliados e Ententes) que iam desde o
mar do Norte até a Suíça.
Do lado oriental, o exército russo mostrava sua fraqueza. A falta de equipamentos militares era notória no final de 1914;
dessa forma, o exército russo começava a perder territórios para os alemães.
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Em 1915, a Itália entrava na guerra ao lado da Entente, surpreendendo o mundo. É que esse país manifestava interesse
em tomar territórios controlados pela Áustria-Hungria.
Em 1917, a situação tornava-se difícil. Na França, Inglaterra, Alemanha e Rússia estouravam levantes populares,
sobretudo de operários, recusando a guerra. Nesses levantes populares, os operários tentavam se organizar em conselhos de
fábrica, por meio dos quais buscavam, inclusive, o controle da produção industrial.
Entretanto, nesse ano, ambos os lados do conflito tentaram quebrar o equilíbrio de forças em busca da vitória; foi assim
que a Alemanha investiu sobre a Inglaterra com uma nova estratégia de guerra: a guerra submarina. Por meio dela, os alemães
pretendiam interromper o fornecimento de matérias-primas e alimentos à Inglaterra e seus aliados.

A Entrada dos EUA e sua Proposta de Paz


Os norte-americanos mantinham-se neutros, liderados pelo presidente Wilson e, com isso, ganhavam os mercados
ingleses abandonados na América Latina.
Porém, da neutralidade passaram para a intervenção. O bloqueio britânico no mar do Norte impôs uma contrarréplica
alemã com bloqueios submarinos em torno da Inglaterra.
Vários navios americanos foram afundados em fevereiro de 1917; os americanos romperam relações com a Alemanha e,
concomitantemente à ruptura, a Rússia se retirava da Entente devido à revolução. Por outro lado, os banqueiros e industriais norte-
americanos temiam que, se a Alemanha ganhasse a guerra, tornar-se-ia difícil receber as imensas dívidas que os países da Entente
tinham para com os Estados Unidos.
Os Estados Unidos entravam agora de fato para cobrir a retirada da Rússia, mobilizando 1 200 000 homens e uma
vastíssima produção industrial. Porém, Wilson procurava restabelecer a paz, propondo os “14 pontos de paz”, que pregavam o
retorno de Alsácia e Lorena para a França, a Independência da Bélgica, Polônia, Sérvia e Romênia, e também liberdade nos mares
e a criação da Sociedade das Nações, que deveria ser árbitro internacional e fazer reinar a justiça.

A Saída da Rússia
Em novembro de 1917, a Rússia se retirava da guerra, totalmente batida pela sua falta de organização e de suprimentos;
além do mais, apresentava um saldo negativo de, aproximadamente, três milhões de mortos, feridos e desaparecidos.
Nesse país, desenvolvia-se um processo revolucionário que inauguraria, para a história, o primeiro governo socialista.
Esse governo assinaria, com o governo alemão, um acordo de paz e de retirada da Rússia da guerra, chamado Brest-Litovsk.

Fim da Guerra
Em 1918, a Alemanha começou a sofrer várias derrotas no campo de batalha e, internamente, o país passava por levantes
populares; o movimento operário se reorganizava, surgiam vários conselhos operários que governavam as cidades abandonadas
pelo poder central. A Monarquia chegava ao fim, com a abdicação de Guilherme II, em novembro, após o estouro da revolução.
Era o fim do Segundo Reich.
A Alemanha, derrotada em todas as frentes, pediu a paz no dia 11 de novembro.

Os Tratados Pós-Guerra

O Tratado de Versalhes
Composto por Lloyd George, da Inglaterra, Wilson, dos EUA, e Clemenceau, da França. Firmaram-se as seguintes
disposições no tratado:
– Os 14 pontos – propostos por Wilson – foram esquecidos; os vencidos eram considerados culpados e deveriam:
– Alemanha – entregar para a França a Alsácia e Lorena; a Polônia seria restabelecida e a Alemanha deveria ceder territórios à
Dinamarca;
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– Os alemães cederiam 60 km de suas fronteiras orientais à Polônia, o “corredor polonês”, e lhe entregariam a cidade de Dantzig;
– A região mineradora de Sarre ficava sob a tutela da Liga das Nações, mas suas minas de carvão passavam para a França;
– Ainda pela paz, a Alemanha seria desmilitarizada, seu exército teria no máximo 100 000 homens. O exército alemão e o Reno
deveriam ser totalmente desmilitarizado;
– As colônias alemãs na África e na Ásia seriam divididas entre Inglaterra, França, Bélgica e Japão;
O tratado amputava, de maneira significativa, a Alemanha, considerada culpada pelas agressões. O resultado do Tratado
feriu o sentimento alemão que se manifestaria na Segunda Guerra Mundial.
Esse tratado evidenciou os interesses que uniam os países vencedores:
• enfraquecer o capitalismo alemão;
• colocar fim à agitação que contagiou a Europa, após o final da guerra;
• criar condições para destituir o governo socialista soviético. Uma das medidas tomadas nesse sentido foi a criação do “cordão
sanitário”, que objetivava neutralizar geograficamente a presença soviética na Europa. O “cordão sanitário” consistia na formação
de uma série de pequenos países dominados por ditaduras de extrema direita, nas fronteiras europeias da União Soviética.

Fundação da Liga das Nações


Por uma proposta de Wilson, surgiu, em Versalhes (1919), a Liga das Nações. Entretanto, o congresso norte-americano
não ratificou o Tratado de Versalhes e, assim, os EUA nunca chegaram a fazer parte da Liga das Nações.
Historicamente, a Liga das Nações limitou-se a resolver possíveis divergências entre os países vencedores, bem como
“proteger” o mundo capitalista da influência bolchevique.
Entretanto, as tentativas de assegurar a paz internacional, tão defendida pelas nações vencedoras da guerra, apresentavam
seus limites. A crise econômica e social, provocada pelas pesadas indenizações impostas aos países vencidos, a opressão das
minorias nacionais, e as rivalidades imperialistas entre os vencedores prepararam o caminho para a Segunda Guerra Mundial.

Tratados de Saint-Germain, Neully, Trianon e Sèvres


No Tratado de Saint-Germain, a Áustria cedia territórios à Hungria, Tchecoslováquia, Romênia, Iugoslávia e Polônia.
Ao mesmo tempo, o governo austríaco era forçado a reconhecer a independência desses novos países.
A Itália recebeu Trento, Trieste, Ístria e Fiume.
Pelo mesmo tratado, ficava proibido qualquer tipo de aliança com a Alemanha.
Por meio do Tratado de Neully, a Bulgária perdia territórios para a Romênia, Iugoslávia e Grécia.
Com o término do conflito, a Hungria passava a ser um Estado soberano, já que se desmembrara da monarquia austro-
húngara.
O Tratado de Trianon reduziu o território húngaro, com a cessão da Eslováquia à Tchecoslováquia, da Transilvânia à
Romênia e da Croácia-Eslavônia à Iugoslávia.
O Tratado de Sèvres fez com que a maior porção do território turco na Europa fosse cedida à Grécia.

Consequências da Primeira Guerra Mundial


• Progressiva degradação dos ideais liberais e democráticos, resultante das crises do período Pós-Guerra (entre guerras
1919 a 1939) e do avanço dos totalitarismos de direita e de esquerda (nazi-fascismo e ditadura soviética).
• Fortalecimento das paixões e dos sentimentos nacionalistas, gerados pelos tratados de paz (principalmente o de
Versalhes), que levaram à manutenção do “revanchismo europeu” (especialmente por parte da Alemanha e da Itália).
• Com a desmobilização ao final do conflito, verificou-se um grande desemprego nos países europeus.
• A Primeira Guerra Mundial expôs a fragilidade européia e o progressivo declínio dos países europeus no contexto
mundial.

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• O equilíbrio europeu desapareceu à medida que o resultado do conflito e as alterações político-territoriais permitiram a
supremacia da França e da Grã-Bretanha, em detrimento do resto da Europa.
• Ascensão dos Estados Unidos como grande potência mundial.

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Revolução Russa (1917)

A Rússia do Século XIX


Em pleno século XIX, a Rússia ainda se encontrava na Idade Média – política, econômica e socialmente, o país era
semifeudal.
Economicamente, a Rússia era essencialmente rural, predominando a grande propriedade, com uma agricultura
extensiva de resultados medíocres. Quanto à indústria, ainda se encontrava em estado embrionário.
Socialmente, os boiardos (título atribuído aos membros da aristocracia russa do século X ao século XVII)
predominavam como proprietários das terras, submetendo os camponeses com impostos e corvéia. A mão-de-obra industrial era
pouco numerosa, medíocre e miserável, inexistindo praticamente a burguesia.
Politicamente, toda a autoridade concentrava-se nas mãos dos czares, que impunham um regime de opressão em todos
os sentidos.
A Rússia territorialmente compreendia um vasto Império, com 67 milhões de habitantes, unidos pela língua eslava e pela
religião ortodoxa. Entretanto, tal união não se verificava na Polônia, Lituânia e Bessarábia, chamadas províncias exteriores, que
conservavam suas línguas e suas religiões, perante a submissão russa ou sob a russificação.

A. A Situação da Rússia antes da Revolução


Após a morte de Nicolau I, ascende Alexandre II (1855/81), que, tentado por ideais românticos, introduziu reformas
como:
• abolição da servidão, livrando os mujiques (camponeses) dos endividamentos, dando direitos de justiça;
• reformulação da justiça, inspirando-se nos tribunais ocidentais; ainda reformou o exército, construiu estradas de ferro, criou
numerosas manufaturas que, por sua vez, geraram uma massa incalculável de míseros proletários.
Enfim, procurou liberalizar o regime.
O retorno à política de repressão foi determinado pela revolta liberal polonesa de 1863, que foi violentamente reprimida.
Essa repressão refletiu-se no interior, principalmente contra os judeus e contra aqueles que resistiam à russificação na Ásia Central
e no Cáucaso. Essa razão czarista fez com que elementos liberais revolucionários perpetrassem um atentado frustrado à vida do
czar.
À medida que Alexandre II se tornava mais absolutista, mais a oposição se multiplicava.
Dessa forma, surgiu um grupo político clandestino, chamado de Narodniki ou Narodnaia Volia (Liberdade do Povo),
que defendia a revolução dos camponeses russos por meio do terrorismo. Em 1881, num atentado, esse grupo assassinou o czar
Alexandre II.
Na oposição a esse governo estava o Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), de orientação marxista,
dirigido por um dissidente dos Narodnikis, George Plekanov.
O crescimento desse partido se realizava, mesmo vivendo na clandestinidade e com vários membros perseguidos pela
polícia, com a participação de intelectuais como Vladimir Ilitch Ulianóv (Lenin) e da pequena, mas atuante, classe operária
russa.

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No interior do Partido existia um debate, a respeito da implantação do socialismo, proporcionado por estas duas teses:
• a implantação do socialismo passaria por uma lenta evolução natural;
• ou o socialismo seria alcançado por uma insurreição revolucionária do proletariado.
Essa segunda tese, apresentada por Lenin, conquistou a maioria do Partido, tornando-se vitoriosa. Desse modo, o grupo
liderado por Lenin passou a ser chamado de bolchevique (a maioria), e outro grupo liderado por Martov Dan, Tsereteli e, por
algum tempo, por Leon Bronstein (Trotski), de menchevique (minoria).
Após a queda da tentativa liberal sob Alexandre II, uma repressão violenta se abateu na Rússia.
Alexandre III (1881/94) de início reprimiu o terrorismo e censurou os jornais, as bibliotecas e as Universidades.
Contra os judeus sua opressão foi mais radical (oposição à russificação). Os judeus eram vítimas de medidas vexatórias e
discrimináveis, principalmente nas Universidades, e tornaram-se inimigos violentos do regime, desempenhando um papel
importante no movimento revolucionário.
Da mesma forma, contra os lituanos e, sobretudo contra os poloneses católicos, que eram nacionalistas, impôs a língua
russa e a religião ortodoxa, utilizando-se de métodos brutais (deportação de crianças).
Paralelamente, a expansão russa se fazia no Cáucaso, no Turquestão e na Manchúria (1845).
Enquanto isso, o êxodo rural se sentia nas indústrias, consequência da abolição da servidão. Os capitais estrangeiros,
principalmente franceses, buscavam a Rússia, no fim do século XIX (a fim de compensar com a mão-de-obra barata e anular
qualquer crescimento alemão). As siderúrgicas surgiram junto às indústrias têxteis e também se explorava petróleo, razão pela
qual, junto a esses pólos, foram construídas estradas de ferro como a Transcaspiana – 1888 – e a Transiberiana.
Em consequência desse avanço industrial, aumentava o proletariado, miseravelmente maltratado, e apareciam os kulaks,
camponeses ricos com o comércio de cereais.
Essas transformações, no entanto, minavam as estruturas tradicionais, isso porque persistia uma enorme população de
mujiques (almas); predominava ainda a grande propriedade, manuseada pelos kulaks, em detrimento de camponeses, que sofriam
uma carga de violentos impostos; e, nas cidades, os operários, miseráveis e famintos, eram maltratados pela cólera em 1892, e
outras epidemias. Tudo isso minou as estruturas tradicionais.

B. Os Antecedentes e Fatores da Revolução


O clima revolucionário intensifica-se, a partir de 1901, com as greves suscitadas pelos bolcheviques e pelo terrorismo dos
Narodnikis.
A derrota contra o Japão, em 1905, resultado imprevisto de uma “pequena guerra vitoriosa”, abalava o prestígio do
regime com a reação da oposição.
Em 1905, explodiu violenta manifestação em San Petersburgo, que foi massacrada: foi o “Domingo Vermelho”. Em
consequência disso, os moderados e os revolucionários se uniram. Ondas de atentados se seguiram, culminando com o Motim do
Encouraçado Potemkin, em julho de 1905. Greves gerais foram organizadas pelos Sovietes (conselho de trabalhadores), em
outubro de 1905.
O regime foi obrigado a conceder o manifesto de 30 de outubro. Firmou liberdades e uma Assembleia Legislativa
(Duma), eleita por sufrágio restrito.

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Embora o regime fosse moderado, Nicolau II, percebendo que os conflitos cessavam, iniciou a reconquista, dissolvendo
as Dumas Liberais e favorecendo as Dumas Senhoriais, buscando sustentáculo para o regime. A queda do regime iniciou-se com a
dissolução de uma Duma de Esquerda, em 1912, que consequentemente determinou a reaparição de ondas revolucionárias com
greves encorajadas por Lenin.
Em 1914, o regime desacreditado foi profundamente abalado pela agitação revolucionária e só seria destruído com uma
nova crise, a Guerra de 1914.
Nessa guerra, a Rússia lutava ao lado da França e da Inglaterra.
Entretanto, suas derrotas sucessivas nas Batalhas Tannemberg e Kouno, em 1916, diante da Alemanha, desencadearam o
processo revolucionário. As perdas de imensos territórios e a morte da metade dos efetivos militares formaram o quadro que se
estava apresentando na Rússia.
Internamente, a guerra proporcionara crises na alimentação (queda da produção e aumento dos preços), nos transportes e
na indústria (paralisações).
Os efeitos da guerra determinavam greves operárias e minavam o regime, dando condições às massas de uma ação
revolucionária. Em Petrogrado, nas primeiras semanas de 1917, as greves eclodiram diante das condições calamitosas.
Ao czar Nicolau II, senhor de toda a Rússia, não restava outra alternativa senão a abdicação. No final de fevereiro de
1917, a Monarquia terminava.

C. As Etapas e o Processo da Revolução


Em fevereiro de 1917, a situação da Rússia era insustentável: derrotas na guerra (I Guerra Mundial), motins militares
contra os oficiais em comando, deserções, greves nas indústrias, falta de alimentos e combustíveis nos principais centros urbanos,
queda da produção, baixos salários, incapacidade do governo e a crescente miséria e fome da população criaram uma conjuntura
propícia e irreversível para a eclosão do movimento revolucionário.
Esse quadro conduziu à primeira etapa do movimento, conhecida como a “Revolução de Fevereiro”, em que a marca
maior foi a ação das massas populares por meio de greves nas principais cidades (Petrogrado) e a adesão das forças encarregadas
da repressão. Ao final de fevereiro, o governo já havia perdido o controle da situação.
Entre os meses de fevereiro e outubro de 1917, o país estava, na prática, dividido por dois poderes. Por um lado, a
burguesia liberal, buscando garantir seus interesses e participação no processo revolucionário, organizou um “Governo
Provisório”, formado por representantes da Duma. Por outro lado, as massas proletárias estruturaram-se em sovietes. O mesmo
ocorreu com os soldados, e, no interior do país, os camponeses também estabeleceram sua mobilização. Enquanto no Governo
Provisório, prevalecia o partido Kadete, a influência nos sovietes era dos socialistas revolucionários (mencheviques e
bolcheviques).
Durante o Governo Provisório, foram tomadas algumas medidas de caráter liberal e reformista, de acordo com os
princípios do Partido Constitucional Democrata ou Kadete:
• Proclamação das liberdades civis.
• Anistia aos presos políticos e permissão para o retorno dos exilados.
• Planos para a eleição de uma Assembleia Constituinte, que, contudo, foram constantemente adiados.
• A manutenção da Rússia no conflito mundial.
Nesse mesmo contexto, com a queda do regime czarista, observou-se o retorno do exílio de Lenin e de vários líderes
bolcheviques, que se opunham ao caráter moderado e reformista do “Governo Provisório”.
O Partido Bolchevique foi reorganizado e Lenin publicou as “Teses de Abril”, que, em linhas gerais, reivindicavam todo
o poder para os sovietes. Propunham, ainda, o controle operário nas fábricas, a imediata distribuição das terras da aristocracia e da
Igreja Ortodoxa aos trabalhadores rurais e o estabelecimento de um governo liderado pelo proletariado. Lema: “Paz, Pão e Terra”.

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A partir da segunda metade do ano de 1917, frente ao desgaste progressivo do Governo Provisório, gerado pelas derrotas
no conflito mundial, a crise econômica crescente e a inércia do Reformismo, os bolcheviques organizaram a derrubada do
Governo Provisório, que tinha no general Kerensky seu principal líder.
No mês de setembro, Trotsky, importante teórico e líder bolchevique, foi eleito presidente do soviete de Petrogrado.
Nessa mesma época, formou-se a “Guarda Vermelha”, braço armado do Partido Bolchevique e importante instrumento na tomada
do poder. Se a “Revolução de Fevereiro” foi marcada pela eclosão espontânea do processo revolucionário diante da crise, a etapa
conhecida como “Revolução de Outubro” resultou da organização e da cuidadosa preparação dos bolcheviques. Entre 24 e 25 de
outubro de 1917, os bolcheviques tomaram o poder e elegeram para presidente do “Conselho dos Comissários do Povo” seu líder
maior: Lenin.
O novo governo dominado pelos bolcheviques e baseado nos sovietes adotou de imediato uma série de medidas
socializantes:
• controle das fábricas pelo proletariado.
• expropriação das terras da Igreja, da realeza (czar) e da aristocracia e sua distribuição aos trabalhadores rurais através de
“Comitês Agrários”.
• proposta de paz imediata e saída da Rússia da I Guerra Mundial (Tratado Brest-Litovsky).
• organização do Exército Vermelho, dirigido por Trotsky.
• decreto de autodeterminação das nacionalidades até então submetidas à Rússia.
Seguiu-se uma guerra civil entre o Exército Branco e o Exército Vermelho, na qual os primeiros representavam os
interesses das classes expropriadas pela Revolução Socialista de Outubro (burguesia e aristocracia). O exército Branco foi
comandado por antigos oficiais czaristas e contaram com grande apoio das potências capitalistas que viam na Revolução
Bolchevique um perigoso exemplo.
O exército Vermelho, sob o comando de Trotsky, conseguiu garantir o Estado socialista, e, em 1921, consolidou a vitória
bolchevique. A partir desse momento, as potências capitalistas adotaram, em relação à URSS (1922), uma política de isolamento,
marcada pela criação de um “Cordão Sanitário” antirrevolucionário e antissocialista.
Com a morte de Lenin (1924), houve uma disputa interna pelo poder no nascente Estado socialista. De um lado, Trotsky,
favorável à internacionalização da Revolução Proletária, adepto da tese do “Comunismo Internacional”; e, de outro, Stalin,
comissário para as nacionalidades, favorável ao comunismo num só país. Com maior apoio do partido a suas teses, Stalin saiu
vitorioso, dando início a um período marcado pelo personalismo e autoritarismo, conhecido como Era Stalinista (1927/1953) .
Como exemplo do perfil ditatorial de Stalin, podemos citar a perseguição a Trotsky e seus partidários, expulsos da URSS em
1927.
Do ponto de vista da implantação dos princípios de socialização da economia na Rússia Soviética, podemos destacar três
etapas:
I) Comunismo de Guerra (1918/21) – Em que se implantou uma economia totalmente centralizada e planificada pelo Estado.
Nessa etapa podemos observar a equiparação salarial, o confisco da produção agrícola e o intervencionismo estatal em todos os
setores da economia.
II) A N.E.P. (1921/27) – Nova Política Econômica. Etapa em que foi mantida a economia dirigida e planificada pelo Estado,
contudo, permitiu-se a existência de uma economia de mercado e a livre iniciativa em alguns setores.

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III) Os Planos Quinquenais e a Coletivização dos Campos (1928) – Essa etapa foi marcada pelo confisco dos Kulaks (médias
propriedades) e a formação dos Kolkhozes (fazendas coletivas) e dos Sovkhozes (fazendas estatais). Concomitantemente, o
Estado promoveu um grande incentivo à indústria de base, em prejuízo da indústria de bens de consumo. Toda a economia foi
dirigida e planificada pelo Estado stalinista.

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A América Latina no Século XX

A colonização espanhola na América foi implantada a partir da formação de três vice-reinos e quatro capitanias gerais.
Porém, a metrópole tentou impor uma unidade a partir da língua, da religião e da estrutura político-administrativa.
Esses elementos, entretanto, não conseguiram representar forças de coesão que garantissem a manutenção da unidade do
império espanhol. Correspondiam, por sua vez, à natureza do sistema colonial – originário do absolutismo monárquico e do
mercantilismo – que não levava em consideração as diversas identidades existentes entre os povos nativos e mesmo entre os
brancos nascidos na América, conhecidos como criollos.
No aspecto econômico, também houve colaboração para desestruturar essa pretensa unidade: o declínio da mineração foi
um grande abalo na organização colonial, impulsionando a descentralização econômica.
Dessa forma, quando a crise do sistema colonial abateu-se sobre o continente, vários movimentos de independência
foram formados, demonstrando, mais uma vez, as diferenças existentes. A independência fez desaparecer o elo compulsório
imposto pela metrópole espanhola, fazendo a derrubada de seu império na América e dando lugar ao surgimento de dezoito países
independentes.
Essa fragmentação atendeu aos interesses das oligarquias rurais e aos seus maiores representantes: os caudilhos. Apesar
de se dividirem em liberais e conservadores, socialmente eram oriundos da aristocracia rural e tinham no caudilhismo um meio de
controlar as massas populares.
Dessa forma, o século XIX foi marcado pelas lutas políticas entre caudilhos, disputando ora o poder regional, ora o poder
nacional e, quase sempre, prestando contas ao imperialismo inglês que se fazia presente pelos seus empréstimos espoliadores,
aproveitando-se, assim, dessas lutas pessoais em que o povo, em última instância, era quem pagava – com trabalho, com dinheiro
e também com a vida.
Com a chegada do século XX, algumas mudanças iriam ocorrer no continente latino-americano. Uma delas seria a troca,
em alguns casos, da presença inglesa pela norte-americana. Os Estados Unidos, usando a Doutrina Monroe, passaram a
influenciar a política e a economia dos países ao sul do rio Grande, às vezes até usando violência, como na política do Big Stick.
A primeira vítima dessa política foi a Colômbia, que colocou empecilhos aos planos norte-americanos de construir um
canal para ligar os Oceanos Atlântico e Pacífico. Dessa forma, os Estados Unidos insuflaram um movimento de independência na
região – Panamá – em que desejavam construir o canal. Em novembro de 1903, o movimento separatista deu início à rebelião
contra a Colômbia, enquanto os fuzileiros navais norte-americanos desembarcaram para ajudar os rebeldes, que saíram vitoriosos.
Logo após a independência, o novo governo – aliado dos Estados Unidos – arrendou a região do canal perpetuamente.
Porém, no ano 2000, o governo norte-americano concordou em entregar o canal do Panamá.

1. O México
Após a execução de Maximiliano , em 1867, que ocupou o trono da monarquia criada por Napoleão III, o México entrou
numa série de lutas armadas promovidas por caudilhos em busca do poder. Em 1876, um deles, Porfírio Diaz, conseguiu ocupar o
poder, apoiado pela maioria dos militares.
Organizou um governo embasado na filosofia positivista – a mesma defendida pelos militares brasileiros que
organizaram o movimento republicano –, pretendendo transformar o México num país moderno. Uma das primeiras atitudes foi
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abrir a economia nacional ao capital estrangeiro, que dominou praticamente toda a exploração petrolífera do país. Ferrovias e
produção agrária passaram, também, em grande parte ao capital estrangeiro, principalmente norte-americano. Em 1886, o governo
promulgou uma lei que exigia que todos os proprietários rurais apresentassem documentação de posse de suas terras. Entretanto,
muitos índios não possuíam nenhuma documentação. Eram terras conhecidas como ejidos: propriedades comunitárias da terra
existentes desde antes da chegada de Colombo à América e que foram mantidas até então. E, para atender a tal “modernização”, o
governo de Porfírio Diaz acabou entregando essas terras a latifundiários e ao capital estrangeiro.
Diante disso, as revoltas populares começaram a pipocar em várias partes do país. Para reprimir essas revoltas, o governo
criou uma polícia conhecida como rurales, formada por ex-criminosos e extremamente violenta. A repressão era justificada da
seguinte forma: “o povo é uma multidão de doidos e de crianças”.
Em 1910, os camponeses armaram-se e reuniram-se sob o lema de “Terra e Liberdade” e passaram a lutar sob a liderança
de Francisco Madero. Era o início da Revolução Mexicana. Em 1911, Porfírio Diaz, acuado, resolveu renunciar e asilar-se na
França, enquanto Madero ocupava o governo.

No poder, Madero aproximou-se da burguesia e se “esqueceu” de resolver o problema da terra. Os camponeses, ainda
mobilizados, passaram a atacar as propriedades dos latifundiários, exigindo a reforma agrária. Surgiram vários líderes como, por
exemplo, Emiliano Zapata, no sul do país, Filipe Carillo na região de Yucatán e Pancho Villa ao norte do país. Essa situação
levava as elites ao terror. E como acontece quase sempre na América Latina, quando as elites estão acuadas pelas reivindicações
do povo, o negócio é pedir ajuda externa. Assim, a elite recorreu aos Estados Unidos para colaborar na repressão. Durante dois
anos (1913-1914) a luta continuou, e a marinha norte-americana, ocupou o porto de Vera Cruz e o exército invadiu o norte do
México, tentando capturar Pancho Villa.
Enquanto isso, ao sul do país, Emiliano Zapata publicou o chamado Plano Ayala, que se constituía, basicamente, nos
seguintes itens: expropriação de parte das terras dos grandes proprietários, as quais seriam divididas entre camponeses sem terra;
devolução dos ejidos às comunidades indígenas; fundação de um banco agrário; criação de um partido político agrário; confisco
total das propriedades de quem se opusesse às reformas.

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Como a resistência popular não fraquejava, os proprietários rurais e a burguesia acabaram aceitando a formação de uma
Assembleia Constituinte. Em 1917, em Querétaro, a Assembleia se reuniu e elaborou uma constituição relativamente avançada
para a época, destacando-se alguns princípios, como: o retorno dos ejidos às comunidades indígenas, separação entre Igreja e
Estado e a revolução como um direito do povo oprimido.
Mas a revolução continuou, pois os preceitos constitucionais ficaram apenas no papel e os camponeses exigiam que eles
fossem colocados em prática. Porém, o movimento popular sofreu um refluxo em 1919, com o assassinato de Zapata, e mais ainda
em 1923, com o assassinato de Pancho Villa.

Diante disso, a Igreja e as elites ganharam espaço político. As pressões diplomáticas dos Estados Unidos alternavam-se
com ameaças de intervenção armada; o clero ameaçava com as penas do inferno todos os que simpatizassem com as ideias da
Revolução; vários revolucionários no governo procuravam enriquecer-se, traindo as massas populares de forma escandalosa; as
novas leis não eram colocadas em prática. (Campos, R. História da América).
Apesar disso, as manifestações populares continuaram a pressionar os governos que se sucediam. Em 1929, houve o
início da famosa crise que abalou o mundo capitalista por toda a década de 30. Isso facilitaria a mudança, com o surgimento do
populismo.
Em 1933, foi eleito Lázaro Cárdenas e, com ele, o México começou a colocar em prática os preceitos da Constituição de
1917. As propriedades eclesiásticas foram expropriadas, e grande parte do clero foi expulsa do país; foi feita a distribuição de
terras aos camponeses, com assistência técnica e financeira; foi fundado o Banco Nacional dos Ejidos; foi instituída a
nacionalização das ferrovias e das companhias petrolíferas e a criação do monopólio estatal do petróleo exercido pela Pemex
(Petróleo de México). Como a maioria das empresas nacionalizadas era norte-americana, esperava-se uma intervenção armada dos
Estados Unidos, o que não aconteceu. A resposta a esse “milagre” está em dois aspectos: o grande apoio popular dado a Cárdenas
e a preocupação dos Estados Unidos com as ameaças japonesas na Ásia e com a ascensão do nazi-fascismo na Europa.
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), haveria mudanças no país, refletindo a política internacional.

2. A Argentina
O país era um dos maiores produtores de carne e cereais do mundo, possibilitando um crescimento econômico aliado a
uma intensa imigração, que contribuía para a urbanização e para o aumento do mercado interno.

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Essas mudanças abalaram as velhas oligarquias, que foram obrigadas aceitar, em 1912, o sufrágio universal para homens
maiores de dezoito anos. A União Cívica Radical, partido formado pelas oligarquias dissidentes e classe média, obteve maioria no
Congresso e, ao mesmo tempo, conseguiu eleger Hipólito Irigoyen, seu candidato à presidência da República, em 1916.
Hipólito Irigoyen conseguiu conciliar os interesses das oligarquias com as suas propostas, que não eram tão radicais.
Criou um Departamento do Trabalho, o salário mínimo e um programa de construção de casas populares.
Em 1928, foi reeleito, mas a crise de 29 abalou a economia argentina e as oligarquias aliadas aos militares depuseram o
presidente em setembro de 1930.
Os militares colocaram no poder o general José Uriburu, que tinha como objetivo primordial manter os interesses das
oligarquias. E, para que isso fosse possível, fechou os sindicatos, suprimiu a lei que havia criado o salário mínimo e realizou
acordos com a Inglaterra para a exportação de carne.
Os ingleses e as oligarquias auferiram grandes lucros, enquanto a população empobrecia cada vez mais, aumentando as chamadas
villas miseria.
Manifestações populares passaram a ser frequentes, principalmente em Buenos Aires. Em 1943, militares nacionalistas
do GOU (Grupo de Oficiais Unidos) depuseram o governo e assumiram o poder. Ao formar um novo governo, os nacionalistas
colocaram na Secretaria de Trabajo y Provisión o coronel Juan Domingo Perón, que rapidamente realizou uma política de
aumentos salariais e de respeito aos direitos trabalhistas. Sua popularidade cresceu junto aos trabalhadores. O governo militar
passou a temer essa popularidade de Perón e resolveu destituí-lo do cargo. Ele não gostou e passou a criticar o governo, que
decretou sua prisão.
Quando a notícia de sua prisão chegou aos ouvidos dos trabalhadores, foi uma verdadeira explosão de ira. O dia 17 de
outubro de 1945 ficou na história da Argentina. Durante todo o dia, os trabalhadores convergiram para a Praça de Maio, onde se
encontrava Eva Perón – esposa de Perón – conclamando o povo para que exigisse a libertação de Perón. Na Casa Rosada – sede
do governo – os militares esquentavam a cabeça para achar uma solução, enquanto a multidão chegava a 300 mil pessoas. Às 23
horas, Perón foi solto e caminhou em direção à massa que gritava: “Mañana es San Perón, que trabaje el patrón”: O caminho ao
poder – e ao populismo – estava aberto.

Entreguerras – A Crise de 29 e o New Deal

1. A Crise Mundial de 1929


O mundo do século XX assistia, de um lado, à inauguração do socialismo na jovem União Soviética e, de outro, à maior
crise que o mundo capitalista havia sofrido.
Os Estados Unidos viveram, após a Primeira Grande Guerra, um momento aparente de riqueza generalizada.
Entretanto, nos últimos anos da década de 1920, uma profunda crise provocaria falência e desemprego em índices jamais
vistos. Os norte-americanos só se recuperariam efetivamente da crise ao fim da Segunda Grande Guerra.

2. Os Estados Unidos Antes da Crise


Na década de 20, os EUA viveram um momento de grande prosperidade econômica. O american way of life, produto
dessa prosperidade, transformou-se em modelo a ser seguido por países contrários ao socialismo.
Os EUA ganharam muito dinheiro durante a Primeira Grande Guerra e depois dela, e suas perdas humanas e materiais
foram insignificantes. Tal fato refletiu-se num grande crescimento industrial e agrícola.
Em poucos anos da década de 20, no país já havia um automóvel para cada cinco pessoas e foram vendidos 60 milhões
de aparelhos eletrodomésticos (principalmente o rádio). Na cultura, a produção musical se baseou no jazz; a arquitetura ganhou
outro estilo, o “arranha-céu”. Toda essa riqueza aparente era resultado do rigoroso trabalho dos operários americanos, que por
várias vezes entravam em greve.

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Este período também se caracterizou por ser uma época de violência e conservadorismo político e moral. A implantação
da “lei seca” possibilitou o surgimento de uma vasta rede de comércio clandestino de bebidas (praticado por gângsteres) e de
corrupção envolvendo até senadores. A aparente democracia norte-americana considerava o Partido Comunista ilegal, enquanto a
Ku Klux Klan incentivava o racismo contra os negros.
Os EUA, nessa década, sustentaram uma presença apenas econômica na Europa, enquanto na América Latina chegaram a
efetuar, reiteradas vezes, invasões militares.
Mas toda essa prosperidade tinha suas contradições: por exemplo, no final da década de 20, houve uma queda sensível no
consumo de produtos agrícolas.
Em pleno auge do american way of life havia 4 milhões de desempregados. Isso prova que o crescimento econômico era
desigual, ou seja, a riqueza não atingiria toda a população nem todos os EUA.
Além de existirem desempregados, os salários reais não acompanhavam os preços dos produtos manufaturados. Aqui está
presente a contradição principal da crise: taxa de lucros inversamente proporcional à taxa de salários.
Na economia capitalista há uma tendência de o capitalismo investir mais na aquisição de máquinas e de matérias-primas
(capital constante) em detrimento da aquisição da força de trabalho e dos salários (capital variável). Consequentemente, se isso for
levado ao extremo, teremos uma retração no consumo, que implicará redução da taxa de lucro.

3. Os Estados Unidos na Crise


A produção crescia rapidamente e o consumo não acompanhava o mesmo ritmo, o que levou a um crescente desemprego
na indústria. O comércio exterior entrava em crise, pois os países europeus respondiam com a mesma moeda à ação norte-
americana de impor altas taxas alfandegárias.
Apesar desse quadro, a especulação na Bolsa de Valores de Nova Iorque continuava. Os grandes bancos e as grandes
empresas emitiam, cada vez mais, ações uma vasta rede meramente especulativas, sem valor real.
No dia 24 de outubro de 1929, na “Quinta-Feira Negra”, quando se acentuou, de forma brutal, a tendência à baixa no
preço das ações, toda essa especulação encontrou um fim. Era o crack da Bolsa de Valores de Nova Iorque.
Mais de cinco bancos faliram, carregando, na sua queda, numerosas empresas e aumentando o desemprego, que chegou,
em 1933, à soma de 15 milhões. Na agricultura, não havia quem consumisse os estoques de cereais porque não se tinha dinheiro.
O resultado era drástico: consumidores passavam fome, enquanto os bancos tomavam as propriedades dos pequenos agricultores.
Nas grandes empresas, a realidade era um pouco diferente. Com salários cortados pela metade, operários despedidos e
jornada de trabalho reduzida, as grandes empresas conseguiram sobreviver.

4. Os Estados Unidos Saem da Crise


No final do governo Hoover, a situação ficou pior. Os operários se organizavam e o governo os reprimia.
Mesmo diante dessa situação, duramente o Partido Republicano (do governo Hoover) insistia em manter a política liberal
de não intervenção na economia.
De outro lado, os democratas, liderados por Franklin Delano Roosevelt, defendiam o intervencionismo como forma de
resolver a crise.
Em 1933, após ganhar as eleições, Roosevelt contou com o auxílio de um grupo de tecnocratas (chamado brain trust – os
“cabeças pensantes” – inspirado no economista inglês John Maynard Keynes) para elaborar seu programa econômico-social
conhecido por New Deal (“novo tratamento”).
Esse programa defendia:
• a diminuição da produção agrícola e o pagamento aos pequenos agricultores para que não plantassem mais, forçando assim a
subida dos preços;
• a reconstrução da indústria, com limitação da produção, acordos sobre preços e estabelecimento de salários mínimos para os
trabalhadores, incentivando o consumo;

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• a resolução do desemprego, com realização de obras públicas (estradas, hidrelétricas, barragens) para absorver a mão-de-obra
ociosa;
• a criação do seguro aos desempregados e a assistência aos inválidos;
• o fortalecimento dos sindicatos e o direito de greve;
• o limite de crédito aos bancos e empresas, para evitar novas falências, com a “inflação legalizada”.
No entanto, a completa recuperação econômica dos EUA só ocorreria com a Segunda Guerra Mundial, que cobrou do
país uma política de rearmamento.

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Entreguerras – Nazi-fascismo
O Avanço Nazifascista

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A Primeira Guerra Mundial (1914/18) não conseguiu resolver as contradições e os problemas econômicos e políticos que
a geraram. Ao contrário, a paz determinada pelo Tratado de Versalhes veio apenas acentuar os conflitos já existentes, uma vez que
acentuou o revanchismo europeu (Alemanha) e gerou um desequilíbrio econômico com suas retaliações, que proporcionaram os
agentes desencadeadores das crises do entreguerras: a recessão, o desemprego e a inflação.
Nessa conjuntura pós-guerra, o surgimento de governos totalitários de direita (nazifascistas) ou de esquerda (socialistas)
tornou-se inevitável, com a falência das “Democracias Liberais” nos países mais atingidos pelos reflexos da Primeira Guerra.
Marcados pelo autoritarismo, nacionalismo expansionista e militarista, corporativismo e valorização do sentimento em
detrimento da razão, ergueram-se Estados ditatoriais na Europa e no mundo entreguerras.

O Fascismo na Itália
De 1919 a 1922, a Itália atravessou uma tríplice crise de extrema violência:
- Crise moral: Apesar de estar no bloco vencedor, não teve reparações financeiras e retirou-se humilhada da Conferência de Paris.
- Crise econômica: Inflação, alta nos preços (a lira é desvalorizada em 75%), pobreza; o país possuía poucas indústrias e a que
maior força tinha, a Fiat, oprimia os operários; os pequenos proprietários rurais eram explorados pelos grandes latifundiários.
- Crise política: A Confederação Geral do Trabalho lançava apelos de greve e desocupação das fábricas. Os governos liberais
eram apoiados por uma coligação de liberais e populares, mas as dissensões proibiam todas as iniciativas governamentais.
A fraqueza governamental fazia surgir uma força de defesa contra o anarquismo: o fascismo.
Benito Mussolini, jornalista, abandonava o jornal socialista (Avanti) em 1914, para sustentar a tese da guerra contra a
Áustria (para os fascistas a guerra passa a ser um símbolo de glória). Os fascistas queriam restaurar a grandeza do passado italiano
e acabar com a anarquia.
Financiados pelos grandes proprietários capitalistas, armados pelos militares organizados em brigadas (Squadri), os
camisas-negras rompiam as greves e puniam os chefes sindicalistas e socialistas.
Em agosto de 1922, os fascistas substituíram a força pública e obrigaram a CGLI (Confederazione Generale Italiana del
Lavoro) a suspender uma ordem de greve geral; a prévia foi feita nesse momento, sem nenhum obstáculo; o caminho ao poder
estava livre.
Em outubro, Mussolini, o Duce, reuniu suas tropas em Perouse e Nápoles. Os 27 presidentes do Conselho de Facta,
demissionários, são ameaçados pela marcha dos fascistas, em Roma.
Vitor Emanuel III abandona o Conselho de Facta e convida Mussolini para formar um ministério.
Habilmente, Mussolini se introduz nos gabinetes liberais e populares, obtendo plenos poderes da Câmara e deixando
intactas as liberdades públicas.
Em 1924, os fascistas só conseguiram 60% das cadeiras. Matteotti, um socialista, denunciou na tribuna os crimes do
fascismo e foi assassinado.
A partir desse momento, Mussolini perdeu posição, mas por pouco tempo – “Se o fascismo é uma associação de
criminosos, eu me responsabilizo”. Mussolini excluiu os deputados da oposição, suprimiu os partidos políticos, menos o Fascista,
dissolveu os sindicatos, fechou os jornais hostis, exilou seus adversários, etc.
Em suma, pode-se dizer que uma ditadura, um cesarismo democrático que ambiciona restaurar uma Roma Imperial,
pesava sobre a Itália que, passivamente, permitia.
Mussolini impôs à Itália a ditadura do fascismo de 1925 a 1943. O fascismo possuía uma nova concepção (ou talvez
fosse uma síntese de concepções antigas); criou um sistema político original, transformou a economia italiana numa economia
poderosa e procurou levar a Itália a partilhar do mundo colonial, enfim, a constituir-se num Império Colonial.
O fascismo poderia ser uma projeção violenta sobre o mundo exterior da personalidade de Mussolini. Entretanto, a ação
do Duce (líder) é a síntese de Nietzche, George Sorel, Charles Maurras e até mesmo da encíclica Rerum Novarum Leão XIII, de
1891.
De acordo com os princípios do pensamento fascista:
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• O indivíduo nada mais é do que uma fração do Estado. O indivíduo deve estar a serviço do Estado e deve procurar exaltar a
grandeza da pátria.
• A vida é um combate perpétuo contra as forças destruidoras do Estado, a guerra exalta e enobrece o homem, regenera os povos
ociosos e decadentes, reafirma a virilidade que a paz destrói.
• As lutas de classe, que enfraquecem o Estado, cessarão, os trabalhadores e patrões solidários unir-se-ão em corporações para
uma melhor produção, sob o comando do Estado, ao jugo do interesse nacional.
O Duce se tornou presidente do Conselho, responsável somente diante do rei, governava por decretos, nomeava ministros
e era assistido por um grande conselho fascista. Os trabalhadores foram reunidos em sindicatos fascistas, e os patrões, nas
federações industriais, formando corporações presididas por delegados do Duce que regulamentavam o trabalho e os preços.
Em 11 de fevereiro de 1929, era assinado o Acordo de Latrão (Tratado de Latrão, Tratado de Santa Sé ou Tratado de
Roma-Santa Sé), que estabelecia o reconhecimento da soberania do Estado do Vaticano e proclamava o catolicismo como religião
do Estado. Mussolini reestabeleceu as relações com o Vaticano, rompidas em 1870.
A imigração passa a ser proibida, com o programa fascista de colonização da Tripolitânia (parte da Líbia). A agricultura e
a indústria se desenvolviam, sanando o desemprego e a falência de bancos e indústrias, comuns depois de 1929.
Fruto dessa situação surge a Guerra da Etiópia (antiga Abssínia). Em 1935, o general Badoglio toma Adis Abeba. Ainda
foi criado o Instituto de Reconstrução Industrial, um organismo financeiro que impulsionava a indústria.
As relações ítalo-alemãs resultavam da oposição franco-inglesa à Itália.
Em 1936, Mussolini proclamou o eixo Roma-Berlim. Mas a Itália se aproximava da Alemanha com a Guerra Civil
Espanhola, em que alemães e italianos entram em favor de Franco.
Os italianos ocupavam a Albânia, enquanto os alemães ocupavam a Boêmia e a Morávia, em 1939.

Nazismo
1. Alemanha no Pós-Guerra
Com o final da Primeira Guerra Mundial (1914-18), foi proclamada a República de Weimar, dominada pelos setores
moderados; a crise social radicalizou as posições políticas, dificultando sua sobrevivência na Alemanha do entreguerras.
A crise econômica de 1929 abateu-se sobre o mundo, atingindo a Europa e, em especial, a Alemanha. Essa crise
paralisou a indústria e deixou um grande número de desempregados.
O nacional-socialismo, liderado por Adolf Hitler, germinou em meio à crise, definindo-se pelo seu caráter racista
(antissemitismo) e pela defesa de um Estado totalitário sob a autoridade de um único chefe e partido.

2. A República de Weimar (1919-33)


A composição de forças sociais e políticas do início da República de Weimar era a seguinte:
I. A antiga aristocracia rural e os grandes industriais eram os maiores beneficiários do regime.
II. O proletariado e o campesinato, que representavam a maior parte da população, estavam abertos às pregações socialistas.
Nesse cenário político, em 1918, um grupo de socialistas radicais, liderado por Karl Liebknecht e Rosa de Luxemburgo,
tomou o poder em Berlim, porém por pouco tempo, sendo esmagado pelos exércitos enviados pelo marechal Hindenburg da frente
de batalha.
Em 1919, a Constituição da República de Weimar criava um Estado federalista, democrático, liberal e parlamentarista,
composto por duas câmaras, o Reichstag e o Reichrast. O poder executivo cabia ao presidente, eleito para um mandato de sete
anos, e o governo seria exercido por um chanceler.
A constituição permitiu o surgimento de vários partidos, que se digladiavam na arena política: nacional, democrata,
populista, católico, social-democrata…
No plano econômico, o pagamento das reparações de guerra levaria à inflação, agravada pela ocupação do vale do Ruhr
pelos franceses em 1923. Foi criada uma nova moeda, o rentenmark, garantido por empréstimos externos.
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A indústria recuperou-se, desenvolvendo-se um processo de concentração e relativa estabilidade.
O impacto da crise de 1929 acabou com a estabilidade atingida pela república de Weimar. As grandes corporações
continuavam firmes na sua posição, mas a situação das camadas intermediárias era difícil e o desemprego cresceu de um milhão
(1929) para 6,5 milhões (1931).

3. O Avanço Nazi
A crise de 1929 e seus efeitos criaram as condições necessárias para o avanço do partido nacional-socialista (nazi), que,
reorganizado por Adolf Hitler, no final dos anos 20, contribuiu sobremaneira para sua ascensão ao poder no início dos anos 30.
Adolf Hitler nasceu na Áustria. Era autodidata e tentou a carreira artística em Viena, sem muito sucesso. Alistou-se,
então, no exército alemão, participando da Primeira Guerra Mundial, quando foi ferido e condecorado com a “Cruz de Ferro”.
Em 1919, ingressou no partido trabalhista alemão, fundado por Anton Drexler. Em 1920, ajudou a transformá-lo no
Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, tornando-se seu líder devido à sua extraordinária capacidade de oratória.
Em 1923, aproveitando-se da conjuntura da crise socioeconômica, tentou um golpe na Baviera com o apoio de
Ludendorff. (Putsch de Munique). O golpe falhou, Hitler acabou preso, e na prisão escreveu a obra-base da ideologia nazi, Mein
kampf (Minha Luta).
Após oito meses detido, saiu da prisão graças a uma anistia dada pelo governo e reorganizou o partido, dando-lhe
eficiência, racionalidade e hierarquização. Possuía um jornal e importantes agrupamentos paramilitares, como:
I) SA (Sessões de assalto)
II) SS (Sessões de segurança)
Hitler buscou em diversas fontes a ideologia do nacional-socialismo:
I) o antissemitismo em Joseph Arthur de Gobineau (Segundo ele, a miscigenação era inevitável e levaria a raça humana a graus
sempre maiores de degenerescência física e intelectual. É-lhe atribuída a frase: “Não creio que viemos dos macacos, mas creio que
vamos nessa direção”), Houston Stewart Chamberlain (sustentou, na sua obra que a raça superior ariana, descrita por Gobineau,
era ancestral de todas as classes superiores europeias e da Ásia, indo mais além, afirmando que ela não havia sido extinta,
subsistindo em estado puro na Alemanha e no norte da Europa) e Richard Wagner (O judeu, segundo Wagner, só seria mesmo
capaz de copiar arte);
II) O pangermanismo (ideologia e movimento que visam agrupar num mesmo Estado os povos de origem germânica) em
Wagner;
III) O neopaganismo (é a reconstrução da antiga religião praticada durante séculos pelos germânicos, referente a todos os povos de
sua origem) em Alfred Ernst Rosenberg (considerava negros, bem como judeus e outros povos semíticos, como o nível mais
baixo da escala);
IV) O Estado forte em Oswald Spengler (defendia uma espécie orgânica e nacionalista de socialismo autoritário não marxista,
mas foi deixado de lado por não ser racista);
V) O III Reich em Arthur Moeller Van Den Bruck (autor do livro “O Terceiro Reich” que promovia o nacionalismo alemão e que
exerceu uma forte influência sobre o nazista Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães).
O elemento essencial da doutrina nazi é o racismo. A ideia de superioridade da raça ariana opunha-se à ideologia liberal,
ao marxismo, à Igreja Católica e, fundamentalmente, aos judeus (semitas).
O totalitarismo era uma decorrência natural dessa proposta, pois somente um estado totalitário seria capaz de resgatar o
interesse nacional, e, para tanto, deveria haver um chefe absoluto, o Führer.
Também estavam evidentes na ideologia o antimarxismo, que identificava o marxismo ao judaísmo, e o
anticapitalismo, que associava o capital internacional aos judeus.
As principais metas do nazismo deveriam ser alcançadas pela ação do partido nazista.

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O partido seria dotado de forças paramilitares especiais, principalmente as “SS”, e a temida polícia política, a “Gestapo”.
Essa vanguarda deveria incumbir-se da propaganda junto à população, com destaque para o recrutamento e formação da
juventude por intermédio de programas especiais.

4. A Escalada Nazi Rumo ao Poder


A grave crise econômica e social resultante da crise mundial de 1929 criou as condições ideais para o avanço do
nacional-socialismo, o qual apresentava um programa contraditório, heterogêneo e oportunista.
Adolf Hitler surgia como o grande defensor da Alemanha contra o comunismo, atraindo o apoio de grandes capitalistas
alemães. A combinação desses fatores levaram a um avanço político nazi nas eleições de 1930 e 1932.
No ano de 1933, com um total de quase 38% dos votos, o partido nacional-socialista, com o apoio dos conservadores,
levou Hitler ao cargo de chanceler do governo do então presidente Hindenburg. Tendo nas mãos o aparelho do poder, Hitler e seus
partidários ampliaram sua atuação e domínio sobre o Estado. Novas eleições foram convocadas, mas conduzidas pelo nazista
Goering, que, apoiado nas “SA” e “SS”, por meio do terror, conseguiu a maioria para os nazi (44% dos votos).
O Reichstag (parlamento alemão) foi incendiado e a culpa atribuída aos comunistas. Com esse pretexto, 81 parlamentares
eleitos pelo partido comunista foram sumariamente cassados, como também socialistas e opositores ao partido nacional-social.
O programa nazista foi colocado em prática através de medidas ditatoriais, tais como: partidos proibidos, sindicatos
suspensos, concentração de poder e medidas antissemitas.
Hitler realizou um grande expurgo purificador dentro do próprio partido, eliminando o comandante das “SA” e vários de
seus subordinados mais próximos. Tal fato ficou conhecido como “A noite dos longos punhais”. Começaram, então, a funcionar
na Alemanha os “campos de concentração”.

5. O Terceiro Reich
A partir da morte do presidente Hindenburg, Hitler acumulou o cargo de presidente e chanceler, iniciando sua trajetória
rumo à formação do Terceiro Reich.
O poder foi centralizado na figura de Hitler (“Führer”), os membros do partido nazista ocuparam todos os postos na
administração pública e grandes manifestações nazi passaram a acontecer nas grandes cidades alemãs.
A perseguição às minorias, em especial aos judeus, passou a ser sistemática. Sofrendo todo tipo de restrição à liberdade,
foram sendo confinados em verdadeiros “guetos”.
O intervencionismo estatal na economia foi na organização da produção, regulamentação do trabalho, proibição de
greves e organização de corporações para trabalhadores e patrões.
No campo, criou-se o Erbhof, unidade produtiva hereditária, que fixava obrigatoriamente o campesinato à terra.
O processo de concentração econômica através da formação de grandes corporações e cartéis foi estimulado pelo governo
nazi. Através de planos quadrienais, o Estado nazista buscou atingir importantes metas econômicas:
I. Estimulou as obras públicas e combateu o desemprego (1933-36);
II. Dirigido por Hermann Goering, passou a dar autonomia à Alemanha, livrando-a da dependência de matérias-primas
estratégicas, por exemplo, o petróleo.
Ao instalar o Terceiro Reich, Hitler e o partido nazista eliminaram seus opositores, iniciando a conquista militar do
“espaço vital” ou “Lebensraum” (foi concebido por Friedrich Ratzel, nos seguintes termos: “Toda a sociedade, em um
determinado grau de desenvolvimento, deve conquistar territórios onde as pessoas são menos desenvolvidas. Um Estado deve ser
do tamanho da sua capacidade de organização”), responsável direto pela eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-45).

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Segunda Guerra Mundial (1939-45)

1. Fatores e Antecedentes
A terceira década do século XX foi marcada pela instabilidade das relações internacionais, pela crise econômica e pelo
crescimento dos regimes nazifascistas. Esse contexto, acrescido das disputas entre URSS, EUA, França e Inglaterra (Aliados) de
um lado, e Alemanha, Itália e Japão (Eixo – Pacto Tripartite) de outro, gerou a Segunda Grande Guerra.

A. O Rearmamento Alemão
Hitler preocupou-se com o rearmamento e com os aliados. Em 1935, por um plebiscito, restabelece o Sarre para a
Alemanha. Em 1936, reocupou militarmente a Renânia. Em 1939, o serviço militar agrupa 1.500.000 homens ao exército alemão,
que compõem as unidades blindadas (Panzerdivisionen) e a aviação militar (Luftwaffe).

B. A Política Externa de Hitler


A concretização dos objetivos hitleristas e as primeiras reações européias deram-se de 1933 a 1935. Seus objetivos
estavam expostos no livro Mein Kampf e eram, basicamente, livrar a Alemanha da humilhação onerosa de Versalhes, reunir em
um grande Reich alemão todas as populações europeias de língua alemã e conquistar o oeste (Polônia e Ucrânia) para usá-lo como
fornecedor de matérias-primas para a Alemanha.
Em 14 de outubro de 1933, Hitler obtinha igualdade de direitos, em relação aos franceses, em matéria de armamentos,
abandonando a Conferência de Desarmamento.
Em 25 de julho de 1934, os nazistas austríacos assassinaram o chanceler Dolfuss, na esperança de provocar o Anschluss
(a união da Áustria com a Alemanha).
Hitler procurava se isolar, mas Mussolini inseriu a Alemanha no “Pacto dos Quatro” (França, Inglaterra, Alemanha e
Itália), de 1933, a fim de modificar as fronteiras da Europa Central.
Os franceses, imediatamente, aliaram-se aos eslavos e firmaram o Pacto de Assistência Mútua, que Stalin aceitou diante
da ameaça nazista. Mais tarde, a França procurou sacrificar a Etiópia e estabelecer um acordo com a Itália, junto à Inglaterra, em
1935.

C. A Guerra Civil Espanhola


A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) foi decisiva para o delineamento da Segunda Guerra Mundial.
Em 1931, uma parcela da burguesia espanhola, unida aos trabalhadores, proclamou a República. Os republicanos
espanhóis pretendiam realizar um programa de reformas, entre as quais estavam a reforma agrária e a reforma urbana.
Para combater o programa republicano, os latifundiários, o clero e os oficiais do exército se organizaram no Partido da
Falange, de orientação fascista.
Em 17 de julho de 1936, quando o país se debatia em intensa agitação, levantaram-se os militares, comandados pelo
general Francisco Franco, para derrubar a República.
Os fascistas espanhóis receberam ajuda da Itália e Alemanha, que enviaram homens e armas; os republicanos contaram
com o apoio da União Soviética e das Brigadas Internacionais, formadas por trabalhadores e intelectuais de diversos países.

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A França e a Inglaterra insistiam na idéia de que os países deveriam praticar uma “política de não-intervenção”.
Como a ajuda recebida pelos republicanos revelou-se insuficiente, as forças do fascismo venceram a guerra em 1939.
Com a vitória que se consolidou em 28/03/1939 e com a queda de Madri, Franco passou a ser apoiado pela Igreja e por uma
parcela dos trabalhadores. Foi mais uma vitória da ditadura que nasceu da democracia. A guerra proporcionou, para a Alemanha,
um experimento de seus materiais bélicos e uma aproximação com a Itália.

D. As Alianças
Tanto a França como a Grã-Bretanha pronunciaram sanções contra a Itália em relação à Etiópia, o que aproximou Hitler
da Itália. A Guerra Civil Espanhola, em 1936, deu a Hitler e a Mussolini uma aproximação ideológica e estratégica na medida em
que apoiaram Franco. Em 1o de novembro de 1936, Mussolini proclamou o eixo Roma-Berlim, uma manifestação de
solidariedade e não-aliança, pois esta só se completaria com a visita do Führer a Roma, em 1938.
O Japão, tomando a China, temia a URSS e assinaria, em 1936, com a Alemanha, o Pacto Anticomintern (protegerem
contra a ameaça da Internacional Comunista - Comintern), ao qual aderiram a Itália de Benito Mussolini, a Hungria de Miklós
Horthy e a Espanha de Francisco Franco. Hitler criava pontos de apoio.

E. O Anschluss (anexação)
Desde 1934, com o assassinato do chanceler austríaco Engelbert Dollfuss (na tentativa fracassada de golpe), os nazistas
alemães passaram a exercer cada vez mais influência na política interna da Áustria. Com o crescimento econômico implantado por
Hitler na Alemanha, aliado ao nacionalismo pangermânico, os austríacos, cada vez mais, tendiam a aceitar uma anexação à
Alemanha, unindo, dessa forma, a raça germânica sob um Reich (império ou reino).
Em maio de 1938, foi realizado um plebiscito sobre o Anschluss e o resultado foi de 99,75% a favor. Estava, assim,
concretizado o Anschluss.

Cédula de votação do referendo de 10 de abril de 1938. O texto diz: “Você concorda com a unificação da Áustria com o Império Germânico sob o führer
Adolf Hitler?”. Sim (Ja)\Não(Nein).
F. A Crise da Tchecoslováquia
A política expansionista alemã continuou em 1938.
Hitler exigiu, em Nuremberg, a região dos Sudetos (Sudeten), incorporada à Tchecoslováquia em 1919, onde viviam
aproximadamente três milhões de alemães. Os tchecoslovacos resistiram e pretenderam não entregar; para tanto contavam com o
apoio da França e da URSS.
Para evitar a guerra, Mussolini propôs uma conferência das quatro grandes potências em Munique. Mussolini, Hitler,
Neville Chamberlain e Edouard Daladier representaram, respectivamente, a Itália, a Alemanha, a Inglaterra e a França. A
Tchecoslováquia não foi admitida na reunião.
Hitler saiu vitorioso mais uma vez, posto que a região dos Sudetos lhe foi concedida; e, em março de 1939,
desrespeitando o acordo de Munique, o führer tomou o resto do país.

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G. A Vez da Polônia e o Início da Guerra
Um acordo germânico-soviético decidiu a crise final. O pacto de não-agressão nada mais era do que a repartição da
Polônia em duas áreas de influência e a passagem da Finlândia, Estônia, Letônia e Bessarábia (Moldávia/Ucrânia) para o controle
russo.
Em 28 de março de 1939, Hitler exigiu Dantzig da Polônia. A Polônia, encorajada pela França e pela Inglaterra, resistiu.
Hitler, temendo uma reação ocidental conjunta com a Rússia, assinou um pacto germânico-soviético de não-agressão ( Pacto
Molotov-Ribbentrop), reiniciando, a partir daí, a agressão à Polônia.
Em 1º/09/1939, embora a Inglaterra procurasse estabelecer um pacto entre Berlim e Varsóvia, tropas alemãs penetravam
na Polônia. A Inglaterra e a França, em questão de horas, exigiram a retirada da Alemanha e declararam guerra.

2. A Guerra
Enquanto a Polônia era invadida pelos alemães, a oeste, e pelos soviéticos, a leste, a França e a Inglaterra declararam
guerra à Alemanha.
Na Polônia, os alemães aplicaram uma nova tática de guerra em que o movimento era um dos elementos fundamentais.
Tratava-se da blitzkrieg, a guerra-relâmpago, embasada na aviação, na artilharia de grande alcance e nos tanques (panzers).
Essa tática de guerra permitiu a vitória alemã em poucas semanas. A Polônia, no final de setembro, estava dividida entre
a Alemanha e a URSS.
No Ocidente, França e Inglaterra não acreditavam na guerra e insistiam em realizar a paz com a Alemanha.
Entretanto, em abril de 1940, os alemães invadiram a Dinamarca e a Noruega e, em seguida, a Holanda e a Bélgica,
preparando o ataque sobre a França.
No território francês, tentou-se impedir o avanço alemão, através da Linha Maginot (rede de fortalezas), formada por
franceses e ingleses. A fragilidade dessa defesa obrigou o exército franco-inglês a constantes retiradas.
As forças alemãs, com seus submarinos, atacavam os navios ingleses, e com os aviões, as cidades inglesas. Mas, em
setembro, a Inglaterra obteve uma vitória sobre a Alemanha. A Real Força Aérea (RAF) afastou a Força Aérea Alemã (Lutfwaffe)
dos céus ingleses.
Por outro lado, no norte da África, o exército alemão (Afrikakorps), comandado pelo general Erwin Rommel (a “Raposa
do Deserto”), atacou os ingleses, somando numerosas vitórias, porém não conseguiu a conquista do canal de Suez.
Em junho de 1941, o exército alemão atacou a União Soviética, desrespeitando o tratado de não-agressão. A operação
Barba Ruiva (Operação Barbarossa) determinou a invasão àquele país em três frentes:
– norte, para ocupar Leningrado;
– centro, para ocupar Moscou;
– sul, para ocupar a região da Ucrânia e do Cáucaso.

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A resistência soviética se fez através da campanha da “terra arrasada”, isto é, em seu recuo os soviéticos queimavam e
demoliam tudo aquilo que os invasores pudessem utilizar e, com isso, conseguiram deter o avanço alemão.
Em dezembro, chegava ao fim a tentativa de negociação entre EUA e Japão a respeito da expansão deste país na Ásia,
com o ataque japonês à base de Pearl Harbor.
A entrada dos EUA na guerra reforçou os aliados, visto que sua indústria foi convertida para a produção bélica. Os norte-
americanos tornaram-se os abastecedores das diversas nações que lutavam contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão).
Em 1942, os japoneses sofreram suas primeiras derrotas. O Afrikakorps também foi derrotado pelo exército inglês do
marechal Montgomery, na batalha de El Alamein. Em 1943, na batalha de Stalingrado, o exército alemão, após perder 350 mil
homens, foi derrotado. O Exército Vermelho, liderado pelo marechal Zukov, começava seu avanço. Na batalha do Atlântico, a
marinha anglo-americana abateu os submarinos alemães e, em seguida, as cidades alemãs sofreram, diariamente, ataques aéreos
das forças anglo-americanas.
Mesmo diante dessa derrotas, a Alemanha se mostrava forte. Porém, no dia 06 de junho de 1944, começava a Operação
Overlord, que consistia no desembarque de milhares de soldados no norte da França, na região da Normandia, cujo objetivo era
acabar com a dominação alemã na Europa Ocidental.
A Alemanha resistia através da propaganda nazista e das bombas voadoras, enquanto os aliados invadiam seu território.
No dia 8 de maio de 1945, a rendição alemã colocava fim ao Terceiro Reich.
Por outro lado, na Ásia, a guerra continuava com a resistência japonesa. No entanto, a 06 de agosto de 1945, os norte-
americanos realizaram o bombardeio atômico em Hiroshima e a 09 de agosto em Nagasaki.
Em 16 de agosto, após vencer a resistência de militares que desejavam continuar a guerra, o governo japonês pediu a paz,
encerrando dessa forma a Segunda Guerra Mundial.

100
Consequências da Segunda Guerra – Tratados e ONU

Os Acordos de Paz
A questão da redefinição da ordem mundial e do papel que caberia às grandes potências foi debatida em pleno
desenvolvimento do conflito, com o encontro dos líderes dos países aliados. Os principais acordos firmados foram:
• Carta do Atlântico (1941): Roosevelt (EUA) e Churchill (Inglaterra) decidiram que os Estados Unidos e a Inglaterra não
visavam ao engrandecimento territorial, defendiam o direito de autodeterminação dos povos e a igualdade nas relações comerciais.
• Declaração das Nações Unidas (1942): EUA, URSS, Inglaterra e China se comprometeram a não assinar a paz em separado.
• Conferência do Cairo (1943): Roosevelt, Churchill e Chiang-Kai-Shek decidiram o destino do império japonês. Concordaram
que todos os territórios tomados à China pelo Japão, com exceção da Coreia, seriam devolvidos à China.

A. Conferências dos Três Grandes: Roosevelt, Stalin e Churchill


Os problemas da Alemanha e da Europa Oriental foram regulamentados em conferências entre líderes aliados. Roosevelt
e Churchill são pela capitulação alemã, mas Stalin quer estabelecer uma paz em separado, à medida que as forças alemãs vão
sendo derrotadas.
• Teerã (1943): determinou que as repúblicas bálticas anexadas pela Rússia, assim como a Polônia e também o oeste polonês,
deveriam se submeter ao Comitê da Libertação de Dublin (e não aos governos nacionais refugiados em Londres).
• Yalta (1945): delimitou as fronteiras polonesas e o estabelecimento do controle dos “três grandes” (EUA, Inglaterra e URSS)
nos países centrais da Europa sem interferência alemã, bem como estabeleceu as zonas de ocupação na Alemanha. Os russos se
comprometeram a entrar em guerra contra o Japão em troca de Porto Arthur e das ilhas Sacalinas.
• Potsdam (1945): Stalin, Truman (substituindo Roosevelt, que havia morrido) e Attle (no lugar de Churchill) fixaram a
repartição da Alemanha. Desmembraram as indústrias de guerra, limitaram a produção de aço, desnacionalizaram o parque
industrial e levaram a julgamento os principais líderes nazistas. Em 23 de maio, em Nuremberg, 12 chefes nazistas foram
condenados à morte. O Sarre ficou na zona de ocupação francesa para mais tarde ser explorado e dividido com a Alemanha
(1956).
• Outros Tratados: Conferência de Paris (1946): sob a presidência do ministro de Relações Exteriores da França, Bidault,
firmaram-se tratados com a Itália, Hungria, Bulgária, Romênia e Finlândia. A Itália abandonou a Etiópia, a Albânia e a Ístria, que
se integrou à Iugoslávia.
- A URSS cedeu a Bessarábia à Romênia; Dobrouja à Bulgária; Transilvânia à Hungria e Carélia à Finlândia.
- A Áustria se separou da Alemanha.
- Em 1951, com o Japão, a Rússia e os EUA assinaram o Tratado de São Francisco.

B. O Imediato Pós-Guerra
A Segunda Guerra Mundial provocou uma profunda modificação do quadro geopolítico mundial. Seu encerramento
marcou o surgimento de duas superpotências (EUA e URSS). De um lado, liderando as democracias liberais, estavam os EUA; de
outro, o bloco socialista, com a URSS, exercendo um papel destacado. A partir do final dos anos 40, esse bloco foi ampliado com
a incorporação da China. A política internacional foi marcada pela bipolaridade, destacando-se com frequência as superpotências
e seus interesses. Cada uma buscava ampliar seu espectro de influência pelo mundo, aproveitando-se das crises e da instabilidade
da conjuntura do pós-guerra.
O Terceiro Mundo, ou melhor, os países que não se posicionavam no mesmo patamar de desenvolvimento dos blocos
capitalista e socialista, tornaram-se objeto de disputas acirradas.
No Extremo Oriente, o Japão, um país derrotado e destruído, passou à condição de aliado dos EUA, sobretudo após a
revolução socialista na China (1949).

101
O final da Segunda Guerra também foi marcado pela desestruturação dos impérios coloniais que ainda sobreviviam, no
processo conhecido como descolonização. Vários países surgiram na Ásia, Oriente Médio e África após os movimentos
emancipacionistas. Quase sempre eram resultados de guerras nacionais e antiimperialistas, conduzindo muitas vezes ao
socialismo, gerando, em conseqüência, mais áreas de tensão entre os blocos rivais.
Na busca de estabelecer uma saída diplomática entre as nações, diminuir o clima de tensão e impedir um terceiro conflito
mundial, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU).

C. A ONU
A Organização das Nações Unidas foi criada para substituir a falida Liga/Sociedade das Nações.
Ainda no contexto da Segunda Guerra, em 1942, representantes de várias nações reuniram-se em Washington,
estimulados pelo presidente norte-americano (F. D. Roosevelt), e elaboraram o anteprojeto da ONU, que seria reformulado na
conferência de Yalta (URSS – 1945). Sua instituição se deu na Conferência de São Francisco (EUA – 1945).
A primeira sessão da ONU foi realizada no início do ano de 1946, quando foi preenchido o quadro de sua organização e
se elegeu seu primeiro secretário-geral.
Contudo, a ONU já nasceu contaminada pela atmosfera do pós-guerra. A Assembleia Geral teve sempre um papel
meramente consultivo. O órgão essencial sempre foi o Conselho de Segurança que, embora eleito pela Assembleia, continuou
limitado a cinco membros permanentes (EUA, Grã-Bretanha, França, URSS e China) com direito a voto. Dessa forma, o
organismo foi utilizado como um instrumento nas mãos dos EUA e seus aliados (democracias liberais), para garantir seus
interesses frente à URSS, durante a Guerra Fria.
A ONU, entretanto, também desempenha outras tarefas no mundo, através de seus organismos, como por exemplo:
I. UNESCO(Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura).
II. OIT (Organização Internacional do Trabalho).
III. OMS (Organização Mundial da Saúde).
IV. BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento).
V. FMI (Fundo Monetário Internacional).

A América Latina no Pós-Guerra


Introdução
A partir da década de 1930, o populismo desenvolveu-se em vários países da América Latina com lideranças que
lembravam antigos caudilhos. Os mais importantes líderes populistas foram Getúlio Vargas, no Brasil, Lázaro Cárdenas, no
México, e Juan Domingo Perón, na Argentina. O populismo consistiu, como organização política, numa decorrência da crise do
sistema oligárquico e o consequente processo de industrialização, quando as massas populares urbanas e setores das camadas
médias, marginalizadas até então, foram incorporados à vida política nacional.
No México, o populismo começou a se delinear a partir de 1912, em decorrência da Revolução Mexicana, que abalou o
poder das oligarquias rurais, possibilitando a ascensão de Cárdenas ao poder; no Brasil e na Argentina, após a crise de1929, as
oligarquias foram desalojadas do poder, facilitando a ascensão de Getúlio Vargas e Domingo Perón.
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945), da qual somente o Brasil participou efetivamente, gerou nos países da América
Latina uma grande acumulação de divisas, graças ao aumento substancial das exportações de produtos agrícolas para a Europa em
guerra e, posteriormente, em recuperação e reconstrução, o que a impossibilitava de produzir o suficiente para o consumo de sua
população.
Ao mesmo tempo, com a impossibilidade de importar máquinas e manufaturas, alguns países latino-americanos, como
Brasil e Argentina, implementaram um crescimento industrial baseado na substituição de importações.
Portanto, é no contexto do populismo, do processo de industrialização baseado na substituição de importações e da
chamada Guerra Fria que alguns países da América Latina implementaram reformas modernizantes no período do pós-guerra.
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1. O México
Após o governo populista de Cárdenas, o México apresentou um grande crescimento da classe média urbana, decorrente
da industrialização que se desenvolveu nas décadas de 1950 e 1960, provocando reivindicações democráticas, pois o país tinha
praticamente um partido político: o PRI (Partido Revolucionário Institucional). Os outros partidos não tinham expressão política.
O governo, formado por políticos oriundos do PRI, monopolizava o poder no país.
Mesmo com a oposição crescendo, o PRI conseguiu eleger os presidentes em 1971 e 1976 com Luís Echeverria, e 1977 e
1988, com José Lopez Portilho.
Em 1988, foi eleito, também pelo PRI, Carlos Salinas de Gotari, que privatizou a maioria das estatais mexicanas,
seguindo a moda do chamado neoliberalismo, que se iniciava naquela época.
Em 1993, o México entrou no NAFTA (North America Free Trade Agreement) e no ano seguinte, o país foi sacudido
pelo movimento formado, basicamente, por camponeses indígenas no estado de Chiapas, liderado pelo Exército Zapatista de
Libertação Nacional, e chefiado pelo subcomandante Marcos.
O movimento exigia a ampliação da autonomia política e dos direitos sociais dos indígenas e terras.
Depois de vários atritos, alguns armados, com o governo, o movimento continua atuando até os dias de hoje, porém com
menos violência e na espera de que o atual presidente coloque um ponto final na situação atendendo às reivindicações dos
camponeses.
Apesar das sucessivas crises e do aumento da oposição, o PRI permaneceu no poder, ainda na década de 1990, elegendo
Ernesto Zedillo.
Em 1994, o México sofreu uma crise conhecida como “efeito tequila”, ocasionada pelo déficit na balança comercial e
pela fuga de investimentos de curto prazo, provocando uma desvalorização de 40% na moeda mexicana. Isso provocou uma
reação em cadeia, atingindo as economias de quase todos os países emergentes, inclusive o Brasil, uma vez que os valores dos
títulos desses países despencaram no mercado internacional. Os Estados Unidos, para deter esse processo, fizeram vultosos
empréstimos ao México.
Em 1996 e 1997, o PRI levou uma tremenda bordoada, representada pelo escândalo que envolveu o irmão do ex-
presidente Salinas, Raúl Salinas.
A polícia suíça divulgou um relatório em que destaca a participação de Raúl Salinas no tráfico de cocaína, principalmente
para os Estados Unidos e Europa. O governo americano pressionou o México e realizou a Operação Casablanca, que chegou a se
infiltrar em território mexicano à caça de traficantes. O México protestou, mas teve que mostrar interesse na questão do tráfico:
prendeu e condenou Raúl Salinas a cinquenta anos de cadeia.
No ano 2000, o PRI perdeu a sua primeira eleição presidencial: foi eleito Vicente Fox, do PAN (Partido da Ação
Nacional), graças à ausência de fraudes nas eleições. Porém, o PRI manteve a maioria das cadeiras na Câmara dos Deputados e no
Senado.
Em seu início de governo, Fox conseguiu um crescimento de 6,9% – a taxa mais alta da América Latina – mas acabou
passando por uma recessão, com queda das exportações e perda de 500 mil empregos em 2001. Ficou no poder até 2006. Foi
sucedido por Felipe Calderón (2006-2012), Enrique Peña Nieto (2012-2018) e Andrés Manuel López Obrador (2018-presente).

2. Chile
As oligarquias governaram o Chile até a Primeira Guerra Mundial, que provocou várias transformações no país.
A partir daí, a oposição só cresceu e, com a crise de 1929, a agitação social aumentou ainda mais, chegando ao seu auge
com a implantação de uma República Socialista, em 1931, porém, com duração de apenas cem dias. Em 1940, houve uma outra
experiência de esquerda com a formação de um governo integrado por comunistas, socialistas e radicais, que realizou diversas
reformas trabalhistas, ao mesmo tempo que promoveu um crescimento industrial.

103
No governo de Jorge Alessandri (1958-1964), houve uma grande penetração do capital internacional no país, mas uma
inflação galopante, chegando a 400% ao ano, deteriorou os salários dos trabalhadores. Em 1964, Eduardo Frei foi eleito presidente
e conseguiu tirar o Chile da influência norte-americana, passando a ter maiores relações comerciais com países europeus.
Frei realizou uma reforma agrária, indenizando as terras expropriadas. Sua política externa, seguindo a mesma orientação
das relações econômicas, rejeitou a orientação norte-americana de hostilizar Cuba. Evidentemente, os Estados Unidos não
gostaram dessa atitude chilenas e passaram a fazer pressões, principalmente no ambiente econômico. Surtiu efeito. No final do
mandato de Eduardo Frei, as dificuldades apareceram: o preço do cobre – principal produto de exportação – despencou no
mercado internacional. Isso se refletiu no valor da moeda, gerando um aumento da inflação e do custo de vida.
Se por um lado esse cenário agradava aos Estados Unidos, por outro possibilitou a eleição de Salvador Allende nas
eleições presidenciais de 1970. O novo presidente foi eleito graças a uma coligação de partidos de esquerda, revivendo, assim, o
ocorrido em 1940.
Salvador Allende promoveu grandes mudanças, como, por exemplo, o aprofundamento da reforma agrária, a estatização
de várias indústrias, a nacionalização de várias empresas estrangeiras, como a Anaconda e ITT, sem indenização, pois o governo
deduziu do que seria pago os lucros exorbitantes que essas empresas obtiveram até o momento da nacionalização.
O troco veio a galope: os capitais sumiram – foram para o exterior –, a burguesia chilena passou a boicotar as iniciativas
do governo e as empresas multinacionais que ainda não tinham sido nacionalizadas fecharam as portas, gerando um violento
desemprego. Os caminhoneiros, em greve, não transportavam a produção hortifrutigranjeira, provocando escassez de alimentos.
Alguns jornalistas e cientistas sociais conseguiram desvendar o mistério da greve dos caminhoneiros: o governo norte-americano,
com algumas empresas multinacionais, estava pagando polpudas quantias em dinheiro aos caminhoneiros para que eles ficassem
de “papo para o ar”. Ao mesmo tempo em que financiavam a greve dos caminhoneiros, o governo americano e empresas norte-
americanas procuravam quem pudesse dar um golpe de Estado e tirar o governo Allende do poder.
Em setembro de 1973, conseguiram achar esse alguém: o general Augusto Pinochet, liderando militares rebeldes, atacou
o Palácio de La Moneda, inclusive com bombardeio. Salvador Allende recusou-se a render-se e morreu resistindo ao golpe.
Uma junta militar chefiada pelo general Augusto Pinochet assumiu o poder, dissolveu os partidos políticos, implantou
uma férrea censura e perseguição aos oposicionistas. A violência do regime provocou a morte de milhares de pessoas, um outro
tanto de desaparecimentos e muitas prisões. Ao mesmo tempo, anulou as mais variadas conquistas trabalhistas, favoreceu os
grandes capitais e – veja só – devolveu as empresas nacionalizadas, acompanhadas de pedido de mil desculpas e ainda as
indenizou.
Em 1981, foi elaborada uma constituição a fim de legalizar o regime militar que permaneceria no poder até 1989,
quando, pelo Acordo pela Democracia, houve eleições presidenciais e foi eleito Patrício Aylwin. Porém, devido a um preceito
constitucional, Pinochet permaneceu à frente das Forças Armadas até 1998, quando passaria a ocupar uma cadeira no Senado.
Em outubro de 1998, Pinochet foi preso em Londres, atendendo a um pedido da justiça espanhola, que o acusa de crimes
contra a humanidade. O governo chileno protestou alegando a imunidade diplomática de Pinochet. A população Chilena se divide
entre os pró-Pinochet e os contra Pinochet. Em virtude do seu estado de saúde e da idade avançada, em julho de 2001 o processo
foi encerrado.
O Chile foi governado por Ricardo Lagos Escobar (2000 - 2006), Michelle Bachelet (2006 - 2010 e 2014 - 2018) e
Sebastián Piñera (2010 - 2014 e 2018 - presente).

3. Peru
Após a Segunda Guerra Mundial, durante o governo de Manuel Odria (1950-1956), houve uma intensa penetração de
capitais estrangeiros no país, que recebiam vários incentivos e favorecimentos, como, por exemplo, o pagamento de baixos
salários aos trabalhadores e impostos baixos. A oposição, representada principalmente pela APRA (Aliança Popular
Revolucionária Americana), fundada em 1926 por Victor Raul Haya de la Torre, defendia um programa nacionalista, indigenista –

104
em virtude da grande presença indígena no país – e socialista, e não conseguia crescer por causa das barreiras impostas pelas
oligarquias e pelos militares.
Na década de 1960, movimentos de esquerda passaram para a ação guerrilheira, com apoio de camponeses. Entre os
militares incumbidos da repressão aos movimentos guerrilheiros, alguns oficiais, sem vínculos com as oligarquias, concluíram que
o desenvolvimento econômico-social seria a melhor forma de acabar com as guerrilhas.
O fortalecimento adquirido pelos militares na repressão à guerrilha possibilitou, em 1968, que o general Juan Velasco
Alvarado, por meio de um golpe militar, depusesse o presidente Belaunde Terry e assumisse o poder.
Ao contrário do que sucedeu em vários países da América Latina que tiveram regimes militares, no Peru, os militares
procuraram aliar-se aos setores populares e implementar um governo nacionalista. O primeiro decreto do novo governo foi mudar
o nome do palácio presidencial de Francisco Pizarro para Tupac Amaru. Em seguida, foi nacionalizar várias empresas estrangeiras
inclusive a norte-americana International Petroleum Company, sem indenização. Os Estados Unidos não gostaram das atitudes do
governo militar peruano e começaram a fazer pressão. Em vista disso, o Peru passou a buscar apoio externo no bloco neutralista,
ao mesmo tempo que melhorava suas relações diplomáticas e comerciais com os países socialistas.
No plano interno, o general Juan Velasco Alvarado aprofundava a reforma agrária e implementava reformas populares e
nacionalistas, tendo o SINAMOS (Sistema Nacional de Apoio à Mobilização Social) como órgão de apoio.
Entretanto, as pressões norte-americanas e do empresariado peruano começaram a surtir efeito a partir de 1973, com o
aumento da inflação, do desemprego e da diminuição das exportações. Em 1975, o presidente Alvarado foi afastado por militares
da ala conservadora das Forças Armadas, que formaram um novo governo, o qual anulou algumas das realizações sociais feitas
pelo general Alvarado, ao mesmo tempo em que iniciava a transição para o poder civil. Em 1980, venceu as eleições presidenciais
Belaunde Terry, o mesmo que fora deposto em 1968.
No mesmo ano, surgiu o Sendero Luminoso, movimento guerrilheiro de inspiração comunista e tendência maoísta, que
passou a atuar em várias regiões do país.
Em 1985 foi eleito Alan Garcia à presidência. Logo após a posse, decretou a moratória da dívida externa. Os Estados
Unidos reagiram suspendendo qualquer ajuda ao país. A inflação chegou a 7.600% em 1990, ao mesmo tempo em que o Sendero
Luminoso aumentava sua ação terrorista.
Em 1990, foi eleito Alberto Fujimori, que impôs um pacote recessivo e concedeu aos militares amplos poderes na
repressão aos senderistas. Em abril de 1992, Fujimori deu um autogolpe: fechou o Congresso e suspendeu as garantias individuais.
Em setembro do mesmo ano, o líder do Sendero, Abimael Guzmán, foi preso, julgado e condenado à prisão perpétua.
Em 1993, Fujimori aprovou uma nova Constituição, que permitia a reeleição presidencial e a pena de morte para autores
de atos terroristas.
Em 2000, Fujimori conseguiu o registro para a sua candidatura a um terceiro mandato. A oposição, liderada por
Alejandro Toledo – de origem indígena – não conseguiu derrotar Fujimori, em virtude das fraudes ocorridas nas eleições. Em
setembro, um escândalo veio a público através de um vídeo: o assessor de inteligência do governo, Vladimiro Montesinos,
subornou um deputado oposicionista para que mudasse para o lado da situação. Em seguida, outros componentes foram
descobertos, como narcotráfico, lavagem de dinheiro e contas bancárias na Suíça.
A situação ficou cada vez mais insustentável para Fujimori que, numa viagem à Ásia, em novembro de 2000, resolveu,
em Tóquio, renunciar à presidência do Peru. A justiça peruana tentou enquadrar Fujimori como responsável por crimes contra a
humanidade, mas o Japão afirmou que suas leis não permitem a extradição de cidadãos nacionais – Fujimori, surpreendentemente,
tem nacionalidade japonesa.
O Peru foi governado por Alejandro Toledo (2001 - 2006), Alan García Pérez (2006 - 2011), Ollanta Humala (2011-
2016), Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018) e Martín Vizcarra (2018 – presente).

105
Guerra Fria

O fim da Segunda Guerra Mundial (1939-45) assinalou o declínio da Europa e a ascensão de superpotências: EUA e
URSS. A partir de 1945, a política internacional tornou-se bipolar e dois sistemas antagônicos passaram a defrontar-se: o
capitalismo e o socialismo.
A Guerra Fria, que é a definição dessa conjuntura de conflito internacional, foi desencadeada pelo avanço soviético no
Leste Europeu e pela afirmação explícita da liderança norte-americana com a Doutrina Truman.
A Guerra Fria adquiriu um caráter internacional, pois em todo o mundo capitalistas e socialistas mediam suas forças.
Com a Revolução Chinesa (1949), o foco principal das tensões passou a se localizar no Sudeste Asiático: na Guerra da Coréia
(1950-53) e na Guerra do Vietnã, cuja intervenção americana iria de 1954 até 1975.
A ameaça de uma guerra total (nuclear) espalhou o clima de terror pelo mundo. Por conta dessa nova tecnologia bélica e
sua imensa capacidade de destruição, um acordo bilateral parecia ser a resolução política mais prudente. A partir da Conferência
de Genebra (1953), as duas superpotências decidiram-se pela “coexistência pacífica”. Mesmo assim, as tensões internacionais não
diminuíram, pois o confronto bipolar continuava. O clímax da Guerra Fria situou-se em 1961, com a decisão do presidente
Kennedy de bloquear Cuba. Superada essa divergência sobre os mísseis soviéticos em solo cubano, teria início um período de
coexistência pacífica e détente que marcaria os anos 60/70. Ao longo dos anos 80 havia no ar uma “nova” Guerra Fria, porém,
com a queda do muro de Berlim (1990) e o desmembramento da URSS (1991-92), revelou-se o término desse período.

1. Guerra Fria “Clássica” (anos 40/50)

A. Winston Churchill e a “Cortina de Ferro”


No início do ano de 1946, o líder britânico Winston Churchill, em visita aos EUA, fez um discurso na cidade de Fulton,
tendo ao seu lado o presidente norte-americano Harry Truman. Nesse pronunciamento, conclamou os norte-americanos a
fornecerem ajuda econômica e militar à Grécia e à Turquia, cujos governos estavam mergulhados em uma luta interna contra o
partido comunista. Alertava o ex-primeiro ministro britânico para o perigo que representava para o “mundo livre” essa expansão
do comunismo.

B. A Doutrina Truman
Em resposta ao discurso de Churchill e em atenção aos seus próprios interesses, o presidente Harry Truman elaborou, em
1947, uma mensagem ao congresso norte-americano que ficou conhecida na história como Doutrina Truman. Nessa mensagem
histórica, Harry Truman solicitava aos congressistas a concessão de ajuda econômica e militar aos governos grego e turco. Estava
atendendo, assim, ao pedido feito por Winston Churchill. A Doutrina Truman, na verdade, declarava oficialmente a Guerra Fria.

C. O Plano Marshall (1947) e o Plano Molotov (1947)


Uma vez que teve início a Guerra Fria, dentro dos planos norte-americanos de contenção do expansionismo soviético,
seria de suma importância cuidar da reconstrução da Europa. Isso foi proposto pelo general George Marshall (Plano Marshall) e
aceito pelo governo norte-americano. Milhões de dólares foram injetados na Europa Ocidental, com o claro objetivo de propiciar

106
uma rápida recuperação, para fazer frente ao avanço soviético. É importante frisar que tal ajuda foi oferecida também aos países
da Europa Oriental, os quais foram impedidos de aceitar pelo líder soviético Joseph Stalin. Somente a Iugoslávia desobedeceu aos
ditames soviéticos, gerando o primeiro cisma dentro do bloco socialista. O presidente Josip Broz Tito aceitou a ajuda norte-
americana, mas manteve-se socialista. Em resposta, a União Soviética criou o Plano Molotov, mais tarde expandido para o
COMECON, um sistema de acordos comerciais bilaterais e uma aliança econômica entre os países socialistas do Bloco Oriental.
Essa ajuda permitiu que os países da Europa parassem de depender da ajuda americana e, portanto, permitiram que os estados do
Plano Molotov reorganizassem seu comércio para a URSS. O plano era de certa forma contraditório, no entanto, porque ao mesmo
tempo os soviéticos estavam ajudando países do bloco oriental, eles exigiam que os países que eram membros das potências do
Eixo pagassem reparações à URSS.

D. A OTAN e o Pacto de Varsóvia


Para cercear o avanço soviético, não bastava ajuda econômica. Foi necessário, ainda, criar uma aliança militar na Europa
Ocidental. Isso se concretizou com a criação da Organização do Atlântico Norte (OTAN), em abril de 1949. A OTAN é uma
organização militar, formada por países da Europa Ocidental, pelos EUA e o Canadá, fundamentada na “defesa” político-militar
dos seus componentes.
Por sua vez, os soviéticos reagiram a todas essas tentativas de contenção. Os países da Europa Oriental foram
“sovietizados”, em resposta à tentativa norte-americana de atraí-los para sua influência econômica e política. Nos primeiros anos
do pós-guerra, os governos desses países-satélites ainda reuniam elementos dos antigos partidos burgueses e camponeses. Os
partidos comunistas não eram em geral os mais poderosos e consolidados. No entanto, à medida que as pressões e interferências
norte-americanas aumentaram, todos os partidos foram dissolvidos, instituindo-se regimes totalitários (partido único – ditadura)
estimulando a coletivização das terras. Reorganizou-se também o Komiform (comitê de informação dos partidos comunistas) e
foi criada a aliança militar dos países da Europa Oriental e da URSS, chamada de Pacto de Varsóvia.

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E. O Bloqueio de Berlim
No contexto da Guerra Fria, uma das regiões mais explosivas e de maior tensão entre o bloco capitalista e o socialista foi
a Alemanha. Com o término da Segunda Guerra Mundial (1939-45), a Alemanha foi dividida em quatro setores, ocupados por
soviéticos, norte-americanos, ingleses e franceses. A cidade de Berlim, antiga capital da Alemanha, ficou também dividida em
quatro setores, posteriormente reduzidos a dois. Em 1948, enquanto se debatiam questões relativas à criação da nova moeda
alemã, o problema de Berlim tornou-se crítico e os soviéticos iniciaram um bloqueio da cidade, com o objetivo de impedir o
abastecimento da parte ocidental.
Entretanto, uma ponte aérea organizada pelos norte-americanos e ingleses conseguiu manter o abastecimento da cidade,
determinando mais tarde o fim do bloqueio. Imediatamente após tais acontecimentos, os soviéticos criaram a República
Democrática Alemã (RDA), e os norte-americanos, ingleses e franceses unificaram seus setores fazendo surgir a República
Federal da Alemanha (capitalista).

F. O Macarthismo
No final dos anos 40, dentro dos EUA, o clima de histeria anticomunista atingiu seu ponto máximo com a campanha
desenvolvida pelo então senador Joseph Raymond McCarthy para eliminar os elementos comunistas da sociedade norte-
americana. Um sem-número de perseguições e prisões foram feitas, inclusive no meio artístico. Uma das mais famosas vítimas foi
o ator e diretor de cinema Charles Chaplin. A onda de caça às bruxas era alimentada constantemente com novos acontecimentos: a
URSS explodiu suas primeiras bombas atômicas, e a China fazia sua revolução, aderindo também ao socialismo. Esse clima de
paranoia e histeria que se instalou no seio da sociedade norte-americana só teve fim quando o senador McCarthy passou a acusar
elementos das forças armadas de comunistas. Em 1954, o senador foi condenado pelo Congresso por suas atividades e caiu no
ostracismo.

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G. A Guerra da Coreia
Ao longo dos anos 50, um dos momentos mais tensos da primeira fase da Guerra Fria foi a Guerra da Coreia (1950-53).
Após a Segunda Guerra Mundial, a Coreia fora desmembrada em duas áreas de influência: o norte, sob controle comunista e
apoiado pela URSS; e o sul, capitalista e apoiado pelos EUA. De acordo com a decisão da ONU, após as eleições gerais haveria
um processo de reunificação. Contudo, conflitos fronteiriços, a partir de 1950, levaram a uma guerra entre o norte e o sul, com o
envolvimento direto dos EUA apoiando a Coréia do Sul, enquanto a URSS e China deram apoio ao norte.
O conflito se estendeu até 1953, quando foi assinado um acordo, confirmando a divisão da Coreia (paralelo 38°), situação
inalterada até hoje.

H. O Muro de Berlim
Em 1961, o êxodo de centenas de milhares de trabalhadores da Alemanha Oriental para o lado Ocidental, em busca de
melhores condições de vida e trabalho, provocou a construção do muro de Berlim. Construído pelos comunistas, seria o maior
ícone da Guerra Fria.

I. A Questão dos Mísseis


A fase final dessa primeira fase foi marcada pela crise dos mísseis soviéticos em Cuba. A Revolução Cubana, liderada
por Fidel Castro e Ernesto Che Guevara, ocorreu em 1959 e levou a ilha caribenha para o bloco socialista. A espionagem norte-
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americana descobriu que estavam sendo construídas plataformas de lançamento de mísseis, o que levou o presidente John
Fitzgerald Kennedy a ordenar o bloqueio de Cuba pela marinha norte-americana e a imediata retirada dos mísseis sob ameaça de
invasão.
O governo soviético optou por atender à imposição norte-americana, mas garantindo, por outro lado, que os EUA não
provocariam a derrubada de Fidel Castro.

Essa crise serviu para mostrar que a política de enfrentamento entre as duas superpotências poderia levar a consequências
desastrosas. Havia algum tempo a liderança soviética vinha dando sinais em direção a uma “coexistência pacífica”. A instalação
do “telefone vermelho”, ligando Washington (Casa Branca) a Moscou (Kremlin), foi um exemplo e um termo dessa primeira fase
da Guerra Fria.

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2. A Coexistência Pacífica (anos 60/70)
A ideia de uma coexistência pacífica foi concebida por Nikita Kruschev, que sucedeu Josef Stálin na URSS. Ele partia do
princípio de que a luta entre os sistemas (capitalismo x socialismo) deveria ser travada no campo econômico e não no campo
militar. Ao longo dos anos 60, essa tese foi incorporada pelos EUA, passando a nortear as novas relações entre as duas
superpotências. Estes esforços de aproximação e de atitudes antibeligerantes, no entanto, serviram para acobertar um dos maiores
massacres do século XX: a Guerra do Vietnã, que se difundiu pelo Sudeste Asiático (ex.: Laos e Camboja). Ao longo dos anos 70,
sob a liderança de Richard Nixon (EUA) e Leonid Brejnev (URSS), as relações entre os dois países entraram em uma atmosfera

de distensão (détente é uma palavra francesa que significa distensão ou relaxamento. O termo tem sido usado em política
internacional desde a década de 1970).
O cenário mundial sofreu significativas mudanças em relação aos primeiros momentos da Guerra Fria. Por exemplo: no
conflito entre a URSS e a China, os americanos procuraram a aproximação com os chineses. Para tanto, era necessário pôr um
ponto final na Guerra do Vietnã, o que foi feito em 1972. A reaproximação entre China e EUA tinha como principal objetivo fazer
a URSS encarar a China como um potencial concorrente no bloco socialista, mais perigoso que os EUA. Com a ascensão de
Jimmy Carter ao governo norte-americano, essa política foi mantida, porém, no final dos anos 70, uma série de conflitos
localizados contribuíram para a instabilidade internacional. Em especial, a ascensão do Aiatolá Khomeini, no Irã, em substituição
ao Xá Mohammad Reza Pahlavi, antigo aliado dos EUA. Essa nova conjuntura praticamente congelou a détente. Contudo, é
importante esclarecer que o choque entre as duas superpotências não teria um termo, na medida em que pode ser sentido na
descolonização africana e no apoio norte-americano a Israel.
Mas o “esfriamento” das relações ficou bastante evidenciado na invasão do Afeganistão pela URSS (1979). Como forma
de reação a essa invasão, os EUA resolveram boicotar os Jogos Olímpicos de 1980, realizados em Moscou.
Nos EUA, a questão dos reféns americanos presos no Irã e a indecisão do governo Carter contribuíram para uma onda
conservadora que levou à vitória o ex-ator Ronald Reagan nas eleições presidenciais. Um novo discurso agressivo e de
enfrentamento em relação à URSS passou a ser praticado, gerando o que pode ser chamada de “nova” Guerra Fria.

3. A Nova Guerra Fria (anos 80/90)


O novo presidente americano havia se destacado nos anos 40/50, apogeu do macarthismo, como um elemento que, sendo
ator do cinema, contribuiu para denunciar ao FBI uma série de colegas de profissão. Na condição de presidente da maior potência
militar e econômica do mundo, Ronald Reagan proferiu vários discursos contra os “satânicos” comunistas e revelou a disposição
para um novo enfrentamento bipolar.
Isso pôde ser notado na ajuda econômica e militar à guerrilha afegã e, especialmente, na América Latina, com o apoio
inconteste dado à oposição ao governo sandinista da Nicarágua, que havia derrubado o ditador pró-EUA Anastácio Somoza.
O cerceamento à Nicarágua foi feito inclusive com apoio financeiro e logístico aos “contras”, elementos que, baseados
em países limítrofes à Nicarágua, tentavam derrubar o governo sandinista. A invasão na Ilha de Granada pelos marines norte-
americanos foi um sinal direto para os nicaraguenses.

No entanto, a reviravolta histórica ficou por conta da ascensão de Mikhail Gorbatchov na URSS e sua política de
Glasnost, associada à Perestroika.

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O fato é que, devido às novas propostas do dirigente soviético, interessado em reduzir os orçamentos militares para
atender às necessidades mais urgentes da economia soviética, os norte-americanos foram surpreendidos com as propostas de
destruição de armamento (mísseis) e desarmamento sugeridas por Mikhail Gorbatchov.
Os novos tratados firmados em 1987 reduziram muito pouco os arsenais das duas superpotências, mas foi um primeiro
passo no sentido de trazer paz e uma nova conjuntura geopolítica.

4. Fim da Guerra Fria


A Guerra Fria começou a se desmantelar quando reformas radicais ocorreram no bloco soviético. Em 1985, Mikhail
Gorbatchov assumiu o poder na URSS e lançou as políticas reformistas da Glasnot (transparência) e da Perestroika
(reestruturação). Gorbatchov implantou uma política interna de descentralização e abertura política e econômica estimulando a
abertura de empresas privadas e a entrada de capital estrangeiro. Decretou o fim da censura à imprensa e às artes, a liberdade
religiosa, a libertação de presos políticos e o combate à corrupção e aos privilégios dos altos funcionários do governo.
No âmbito internacional, o líder soviético desencadeou uma ofensiva diplomática em prol da paz e do desarmamento, e
anunciou a suspensão dos testes nucleares subterrâneos da URSS.
A grande virada da política externa soviética ocorreu no segundo semestre de 1989 quando teve início a desagregação do
bloco soviético. Os regimes socialistas foram varridos da Europa Oriental, sem que houvesse resistência interna ou externa
significativa. Neste processo, ocorreu:
- Extinção do governo comunista na Hungria, Polônia, Romênia e Checoslováquia.
- Queda do muro de Berlim (1989).
- Reunificação da Alemanha (1990).
- Extinção da URSS (1991), desmembrada em 15 países: Rússia, Ucrânia, Bielorrússia, Moldávia, Estônia, Letônia, Lituânia,
Armênia, Geórgia, Azerbaijão, Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Quirguistão e Tadjiquistão.
- Desmembramento da Checoslováquia em 02 países: República Checa e Eslováquia.
- Desmembramento da Iugoslávia em 06 países: Eslovênia, Croácia, Macedônia, Bósnia-Herzegovina, Sérvia e Montenegro.
Na última década do século XX, restavam como países comunistas: Cuba, Coreia do Norte, Vietnã e China. O mundo pós
Guerra Fria não era mais bipolar, mas unipolar tendo os Estados Unidos como a única superpotência remanescente. Há quem
preveja um retorno da bipolaridade no século XXI, tendo a China (e não mais a Rússia) como o segundo polo de hegemonia
mundial.
O fim da Guerra Fria foi visto por muitos como a vitória da democracia e do capitalismo e a derrota do socialismo e do
comunismo. Mas a história tem apresentado outros desafios aos “vencedores” como as crises cíclicas do capitalismo e a enorme
desigualdade de renda em todo planeta.
O historiador marxista Eric Hobsbawn (1917-2012), questionado sobre a “derrota” do socialismo comentou:
“A causa a que devotei boa parte da minha vida não prosperou. Eu espero que isto me tenha transformado em um historiador
melhor, já que a melhor história é escrita por aqueles que perderam algo. Os vencedores pensam que a história terminou bem
porque eles estavam certos, ao passo que os perdedores perguntam por que tudo foi diferente, e esta é uma pergunta muito mais
relevante.” (Eric Hobsbawm).
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Expansão do Bloco Socialista
1. A URSS e a Europa Oriental
Até o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, somente a URSS era um estado socialista. No entanto, vários países do
leste europeu, que haviam sido ocupados pelos nazistas ao longo da guerra, se uniram aos soviéticos formando o bloco socialista
da Europa Oriental.
A implantação de governos pró-URSS nesses países resultou de uma conjunção de fatores, tais como:
1. A participação dos comunistas nas frentes de resistência à dominação nazista;
2. O apoio do exército soviético às lideranças em cada um dos países apontados no mapa;
3. A constituição, após a guerra, de governos provisórios de orientação socialista, compostos por elementos oriundos das frentes
de resistência, agora transformadas em frentes patrióticas;
4. A exclusão dos partidos burgueses da direção dos novos governos;
5. A imposição da reforma agrária e a nacionalização das indústrias, sinalizando o caminho para uma sociedade socialista;
6. A proibição de partidos burgueses e a purificação nos partidos comunistas.

Por tudo isso, ficou evidente que a implantação de regimes socialistas na Europa Oriental foi resultado, em grande parte,
do poder e dos interesses da URSS no imediato pós-guerra.
Como podemos observar no mapa, no leste-europeu, um bloco de países que apoiavam e eram apoiados pela URSS foi
constituído. Polônia, Tchecoslováquia, Iugoslávia, Albânia, Hungria, Romênia, e Bulgária tornaram-se “comunistas”.
Em 1948, o líder comunista da Iugoslávia, Josip Broz Tito, adotou em seu país uma forma própria de socialismo,
recusando-se a adotar o modelo da URSS.
Em 1953, com a morte de Joseph Stalin, algumas modificações se fizeram notar. O processo conhecido como
“desestalinização” estimulou uma conjuntura de reformas e liberalização. Tais foram os casos, por exemplo, da Hungria e da
Tchecoslováquia.
Entre a Revolta da Hungria (1956) e a Revolta da Tchecoslováquia (1968) passou-se mais de uma década, no entanto,
pode-se encontrar uma ligação entre elas. Tanto na primeira como na segunda, foi necessária a intervenção militar da URSS para
pôr termo aos levantes proletários estudantis que exigiam uma autêntica democracia comunista. Nos dois movimentos foi notória
a indecisão das lideranças partidárias diante dos acontecimentos.
O movimento de 1956, na Hungria, foi marcado pelo caráter contrarrevolucionário, merecendo a censura ou o silêncio
dos partidos comunistas da Europa Ocidental. Já o movimento de 1968, na Tchecoslováquia, conhecido como “Primavera de

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Praga”, contou com a solidariedade da esquerda ocidental, inconformada com a violência que marcou a dissolução da revolta por
parte das forças armadas da URSS. Nesse contexto, a “Primavera de Praga” contribuiu sobremaneira para que as esquerdas
europeias compreendessem a verdadeira face do regime soviético e, mesmo, as contradições e limites da chamada
“desestalinização”.
Tais acontecimentos provocaram a rejeição do modelo soviético e a condenação da intervenção armada, levando os
partidos comunistas da Europa Ocidental (Ex.: Itália e França) a uma releitura teórica que deu origem ao chamado
“Eurocomunismo”.
Na essência do Eurocomunismo reside a compreensão de que o caminho para o socialismo deve ser pacífico e
democrático, atraindo os setores das camadas médias, além do proletariado. Através da crítica ao dogmatismo e monolitismo da
URSS e seus satélites, a Europa Ocidental passou a buscar soluções nacionais e não a orientação da URSS.
A busca de um “socialismo de rosto humano” e a da total democratização do bloco socialista ficariam como significado
maior da “Primavera de Praga”.
De certa forma, esses ideais estiveram presentes, ao longo dos anos 80/90, nas reivindicações do sindicato Solidariedade
da Polônia, nas manifestações estudantis na China e, de maneira oficial, com a Glasnost e a Perestróica, propostas pelo líder
soviético Mikhail Gorbachev.

2. A China e a Revolução
A república chinesa foi proclamada por Sun Yat-Sen, fundador do partido nacionalista, em 1912. Chiang Kai-shek
assumiu o controle do novo governo em 1925, vencendo os generais que faziam oposição à república, e rompeu com o partido
comunista.
Mao Tsé-tung, que fundou o Partido Comunista em 1921, após o rompimento da aliança com o governo republicano de
Chiang Kai-shek, organizou tropas de guerrilheiros e proclamou a República Soviética Chinesa em 1931, em oposição à
República Nacionalista de Chiang Kai-shek.
Para evitar o cerco do governo da República Nacionalista, Mao Tsé-tung e seus comandados se deslocaram para o norte
do país. Esse deslocamento ficaria conhecido como a “Longa Marcha” (1934/35).
Com a invasão japonesa em 1931, Chiang Kai-shek fez um acordo com os comunistas para a expulsão dos invasores. O
conflito arrastou-se até 1945, com a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial. A partir daí o conflito civil entre comunistas e
nacionalistas se reacendeu.
Ao longo de 1949, os nacionalistas foram derrotados pelas forças comunistas, refugiando-se na ilha de Formosa (atual
Taiwan), recebendo apoio dos EUA. Mao Tsé-tung implantou a República Popular da China, governada pelo ditador até sua morte
em 1976.
Mao Tsé-tung promoveu reformas como desapropriação dos latifúndios (reforma agrária), concessão de terras ao
campesinato, educação gratuita e obrigatória, igualdade entre os sexos e controle da natalidade.
A independência da China Popular na condução da economia levou a um processo de ruptura com a URSS (Cisma Sino-
soviético – 1960), prejudicando o “grande salto para a frente”, plano industrial chinês que contava com o apoio da URSS.
A partir de 1966, Mao Tsé-tung promoveria a “Revolução Cultural” que duraria até 1975, fazendo uso dos jovens
comunistas que, através da guarda vermelha, perseguiam, censuravam e eliminavam os possíveis opositores ao governo.
Com a morte de Mao Tsé-tung em 1976, Deng Xiaoping assumiu o governo, estimulando o desenvolvimento econômico
e a militarização do país. Reatou relações diplomáticas com os EUA em 1979 e promoveu a perseguição aos seus opositores.
Deng Xiaoping morreu em 1997, mas seus sucessores deram continuidade ao processo de abertura econômica por ele iniciado.
Em maio de 1989, estudantes promoveram grandes manifestações na “Praça da Paz Celestial”. Foram reprimidos com
grande violência e, assim, o movimento pela liberdade, que ficou conhecido como “Primavera de Pequim”, foi extirpado.

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A falta de democracia não impediu o desenvolvimento econômico chinês. A economia do país mais populoso do mundo
cresce à proporção de 10% ao ano, fazendo surgir um sistema híbrido que vem conciliando o forte controle político comunista
com a política de mercado capitalista.

3. O Socialismo no Sudeste Asiático


Na Ásia, o socialismo foi implantado, inicialmente, pelos soviéticos, no norte da Coréia, ficando o sul no regime
capitalista e sob influência norte-americana. A Guerra da Coréia entre 1950-1953 consolidou a divisão entre os dois estados no
paralelo 38°.
No Vietnã, desenvolveu-se uma das guerras mais violentas do mundo contemporâneo, culminando com a estabilização
do socialismo no Vietnã do Norte. No Vietnã do Sul, com apoio do Vietnã do Norte, houve a vitória dos “vietcongs” sobre os
EUA. Em seguida, o norte e o sul unificaram-se sendo chamados de República Socialista do Vietnã (1968-1975).
Os guerrilheiros comunistas do Laos (pathet lao) tomaram o poder em 1975, sob a influência da conjuntura vietnamita.
No mesmo ano, o Khmer Vermelho tomou o poder no Camboja, proclamando a república comunista.
Esses fatos marcaram o fim da influência ocidental na antiga Indochina e o abandono da “teoria dominó” na Ásia.

116
Descolonização Afro-Asiática
Após a Segunda Guerra Mundial, dois blocos se confrontavam na Guerra Fria, o bloco Capitalista (EUA) e o Socialista
(URSS). Enquanto isso, as nações-metrópoles européias, concentradas em sua recuperação, observavam a derrocada dos seus
impérios coloniais na África e Ásia.
As potências imperialistas europeias, enfraquecidas pelos efeitos mais gerais da Primeira Guerra, crise de 1929 e
Segunda Guerra, não conseguiram barrar os processos emancipacionistas coloniais.
Ao longo do pós-guerra, a população colonial começou a identificar as contradições existentes entre os princípios
propagados pelos colonizadores europeus e suas práticas políticas e administrativas.
Esses fatores conjugados estimularam os movimentos de descolonização e de luta pela autodeterminação (direito de uma
nação à soberania, autonomia e independência). Diferentemente do processo emancipacionista ocorrido nas Américas (séculos
XVIII-XIX), que tinha apenas um caráter político-jurídico, o nacionalismo afro-asiático do século XX, tinha também um conteúdo
econômico-social, reagindo não só ao colonialismo, mas também ao racismo e ao imperialismo.
A eclosão do processo de descolonização trouxe uma estratégia dos países que emergiam no continente africano e
asiático. Em Bandung (1955), na Indonésia, reuniram-se 29 desses países que se apresentavam naquela conjuntura como o
terceiro mundo. Pronunciaram-se pelo socialismo e neutralismo, como também contra o ocidente (EUA e Europa) e contra a
URSS, e proclamaram o compromisso de povos liberados de ajudar a libertação dos povos dependentes. O espírito de Bandung
permaneceu por mais de uma década alimentando movimentos de libertação.
Contudo, esse posicionamento da Conferência de Bandung não deu aos movimentos de libertação uma uniformidade.
Isto resultou da própria forma de colonização, feita por metrópoles diversas que impuseram nos seus domínios costumes e valores
diferentes.
Por isso, a independência afro-asiática foi marcada por caminhos opostos, pacíficos ou violentos. Cada processo teve
uma situação peculiar determinada pela situação de cada colônia e pela posição da respectiva metrópole a respeito da
independência.

1. A África
Uma das primeiras consequências da Segunda Guerra Mundial foi a emancipação política dos antigos povos coloniais,
particularmente na África e na Ásia. Tanto num como noutro continente, as antigas colônias europeias participaram ativamente do
conflito, lutando, ombro a ombro, ao lado de suas metrópoles contra o inimigo comum. No decurso dos vários anos de guerra,
várias dessas colônias foram subitamente abandonadas à sua própria sorte e tiveram de enfrentar sozinhas situações de extrema
necessidade, o que as forçou a uma experiência de autonomia.
Finda a guerra, a Europa viu-se enfraquecida, obrigada a aceitar a ajuda das superpotências, os EUA e a URSS, as quais
começaram a disputar entre si áreas de influência na Ásia e na África, estimulando o processo de descolonização. Ao mesmo
tempo, a elite intelectual das diferentes colônias afluía, em número cada vez maior, aos grandes centros universitários, não só
europeus como americanos, inteirando-se dos ideais de liberdade, sobretudo daqueles expressos na Carta das Nações Unidas e na
Declaração Universal dos Direitos do Homem. Todo esse conjunto de fatores levou os povos afro-asiáticos a exigirem que seus
direitos à liberdade e à autonomia fossem reconhecidos e conduziu-os à dissolução dos antigos impérios coloniais.
Até 1950 existiam na África apenas quatro países independentes: a Etiópia, a Libéria, o Egito e a República Sul-Africana.
Entre 1951 e 1958, conquistaram sua independência, no continente africano, a Líbia (1951), o Sudão (1956), o Marrocos (1956),
Gana (1957) e Guiné (1958).
Após a Conferência de Bandung (Indonésia, 1955), onde foi aprovado o princípio da coexistência pacífica e dos direitos
à autonomia e à liberdade dos países africanos e asiáticos, o ritmo de descolonização e o processo de independência aceleraram-se
consideravelmente, na África, a partir de 1960. Muitas das antigas colônias europeias adotaram nomes nativos; por motivos de
dissensões ou de conflitos internos, algumas delas desmembraram-se em novos países.

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Algumas dessas dissensões internas não chegaram a se concretizar como desmembramentos, mas se destacaram pela
guerra violenta e pela participação de forças externas, tais como: a tentativa de Katanga de se seccionar do Zaire, ex-Congo Belga
(1960–1965), e a de Biafra de se seccionar da Nigéria (1967–1970).
As colônias portuguesas foram aquelas que mais tiveram de lutar pela sua independência, uma vez que o regime
salazarista de Portugal negava-se a qualquer diálogo no sentido de autonomia das colônias. Somente após a queda do regime
(1974), foram possíveis os entendimentos para a independência de Moçambique (25 de junho de 1975) e de Angola (10 de
novembro de 1975).

Um dos grandes problemas da África atual é a posição adotada pela República Sul-Africana e pelo Zimbábue (antiga
Rodésia). Enquanto, na maioria das colônias, o branco praticamente se retirou, entregando o poder aos negros, naqueles dois
países, a independência foi feita pelos próprios brancos, que permaneceram no poder e não reconheceram os direitos da maioria
negra. Por essa razão, vêm sofrendo pressões da ONU e dos demais países africanos.

2. Ásia
Na Ásia, o processo de descolonização foi bem mais complexo e as consequências repercutem ainda em nossos dias.
As Ilhas Filipinas puderam chegar pacificamente à sua autonomia em 1946. Em 1947, a Índia, a mais importante das
antigas colônias britânicas na Ásia, tornou-se independente graças à atuação de Mahatma Gandhi, usando o princípio da não-
violência, subdividindo-se, porém, a seguir, em República da Índia e República do Paquistão. Ainda em 1947, a Inglaterra
concedeu independência à Birmânia. A Holanda viu-se compelida a reconhecer a independência da Indonésia em 1949. Convém
lembrar agora que, em 1949, após a vitória do regime comunista na China, esta se dividiu em República Popular da China e China
Nacionalista (Formosa - Taiwan). A presença das duas Chinas é ainda um ponto de tensão no Oriente, embora, em 1971, a
República Popular da China tenha sido admitida na ONU em detrimento da China Nacionalista. O surgimento da China comunista
alterou sensivelmente o quadro das relações entre os povos do Oriente. Já em 1950, interferiu na Guerra da Coreia, ao lado da
Coreia do Norte, que tinha o apoio dos EUA. Pouco tempo depois, passou a interferir também na Guerra do Vietnã, a favor do
Vietnã do Norte (comunista), apoiado pelos russos, contra o Vietnã do Sul, apoiado pelos americanos.
A Guerra do Vietnã foi uma consequência direta do processo de descolonização da Ásia. Após prolongadas lutas, a antiga
Indochina francesa conseguiu finalmente a sua independência em 1954, mas se desmembrou em Laos, Camboja e Vietnã. Neste
último, desencadeou-se a guerra civil entre o Vietnã do Norte, controlado pelos comunistas e recebendo apoio da URSS e da
China, e o Vietnã do Sul, que recebeu apoio dos EUA. Essa guerra se transformou num dos mais violentos conflitos do mundo
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contemporâneo (1963-1973). A retirada das tropas americanas do Vietnã e as conversações em Paris permitiram o
estabelecimento da paz em 1973, mas o desfecho final se deu em 1975, quando o Vietnã foi unificado dentro do regime
comunista.

A Guerra do Vietnã terminou por envolver também o Camboja e o Laos. Nesses países, as forças em choque foram as
mesmas da Coreia e do Vietnã. O resultado final foi o avanço, na Ásia, de regimes comunistas. Em 1975, instalou-se no Camboja
um Estado socialista, criando a República do Khmer; e, no Laos, foi instalada a República Democrática Popular do Laos, também
adotando a linha socialista.
Apesar do auxílio da URSS para o desenvolvimento da China, as relações amistosas entre os dois países começaram a se
alterar a partir de 1959. Nesse ano, a URSS anulou o acordo de cooperação no campo atômico, porém não conseguiu impedir que,
em 1964, a República Popular da China explodisse sua primeira bomba atômica. As dissensões entre as duas potências chegaram
até a ataques armados em torno da região de Ossuri (2 a 15 de março de 1969). Entretanto, o afastamento das duas nações
comunistas permitiu uma aproximação entre a China e os EUA, e deste com a URSS, resultando em mais equilíbrio e maior
distensão na política internacional.

Oriente Médio
O Oriente Médio continua a ser uma das regiões mais instáveis do mundo. Isso é decorrente de um conjunto de fatores
que vão desde a contestação das fronteiras traçadas pelo neo-colonialismo ou imperialismo franco-britânico, até mais
recentemente, à proclamação do Estado de Israel na Palestina (1948), o que provocou de imediato uma primeira guerra árabe-
israelense. Israel conseguiu repelir o ataque, desferido pelos países árabes limítrofes. Mais três guerras seguiram-se ao longo das
décadas de 1950 a 1970, transformando o Oriente Médio numa região explosiva e, por isso, cenário de guerras e revoltas
constantes.

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1. Principais Pontos do Conflito Árabe – Judeu
O Holocausto nazista contra os judeus na Segunda Guerra Mundial fortaleceu o movimento pela criação do Estado de
Israel. Muitos judeus migraram para a Palestina entre as décadas de 1930/40, e Israel foi criado pela ONU em 1948, juntamente
com o Estado Palestino, através da divisão da Palestina em dois territórios.
O líder judeu David Ben Gurion declarou a independência de Israel. A Liga Árabe recusou a partilha da Palestina
decidida pela ONU. Egito, Iraque, Líbano, Síria e Transjordânia (atualmente parte da Jordânia, Arábia Saudita, Iraque) atacaram
Israel, que venceu o que chamou de Guerra de Independência e ampliou seu território (1948-49).

Em meados dos anos 1950 ocorreu a Guerra de Suez (1956). A principal causa deste conflito foi a nacionalização do
Canal de Suez por parte do Egito. Israel, preocupado com a perda de Eilath, no golfo de Ácaba, aliou-se à França e Inglaterra e
desfechou um ataque contra o Egito. A guerra terminou com a intervenção da ONU e o Egito manteve o controle sobre o canal.

Ao longo da década de 60, a tensão continuou e intensificou-se. Foi fundada a Organização pela Libertação da
Palestina (OLP). Em 1964, a ONU reconheceu-a como a única representante legítima do povo palestino. No ano de 1967 eclodiu
a chamada Guerra dos Seis dias. Os quase dez anos entre a crise de Suez e a Guerra dos Seis Dias não foram de paz. A violência
na região aumentava com a política de repressão de Israel e os ataques de organizações guerrilheiras palestinas reunidas sob o
comando da OLP.

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A URSS apoiava as forças armadas sírias e egípcias, contrabalançando o apoio dos EUA a Israel. A unidade árabe
começava a se estabelecer nessa conjuntura de resistência e Guerra Fria. O Egito decidiu fechar a entrada do Golfo de Ácaba aos
navios israelenses e ordenou que as tropas da ONU estacionadas no Sinai abandonassem o território. Sentindo-se ameaçado, Israel
antecipou-se, fez um ataque relâmpago aos países fronteiriços, e, em apenas sete dias ganhou a guerra. Israel ampliou seus
domínios territoriais em quase dezoito vezes, incorporando a península do Sinai, a Faixa de Gaza (pertencentes ao Egito), a
Cisjordânia, o setor oriental de Jerusalém (da Jordânia) e as colinas de Golã (pertencentes à Síria). Ao longo do ano de 1967,
surgiram duas novas organizações palestinas: a Frente Popular de Libertação da Palestina e a Frente de Luta Popular da
Palestina.
A década de 1970 foi marcada pela intensificação da violência através dos ataques terroristas. Em 1972, um grupo
palestino matou onze membros da delegação de Israel nos Jogos Olímpicos de Munique, Alemanha. Israel vingou-se matando
vários líderes palestinos aparentemente ligados com os assassinatos em Munique. No ano de 1973, a tensão provocou novos
conflitos na região. Desde a ocupação dos territórios árabes, em 1967, Israel vinha sendo advertido pela ONU por meio de
resoluções aprovadas pela maioria dos países do mundo, as quais estabeleciam a devolução daqueles territórios a seus donos, mas
Israel ignorava todas as advertências. Sua política consistia em estimular a colonização desses territórios por judeus. Egito e Síria
atacaram Israel de surpresa no dia 06 de outubro de 1973, exatamente no Yom Kippur, o dia do perdão dos judeus.
A Síria avançou pelas colinas de Golã e o Egito atacou ao longo do canal de Suez. Israel contra-atacou, bombardeou
Damasco, a capital da Síria, e obrigou os egípcios a recuarem no Sinai. EUA e URSS impuseram um cessar-fogo, que
praticamente restabeleceu as fronteiras vigentes ao final da Guerra dos Seis Dias. Em 1974, dez anos depois do reconhecimento da
ONU, os países árabes admitiram que a OLP era a única representante dos palestinos. Nesse mesmo ano, terroristas palestinos
mataram vinte e seis pessoas (crianças, na maioria) numa escola de Maalot. No ano seguinte, militantes da organização terrorista
Fatah ocuparam o hotel Savoy em Tel-Aviv, capital de Israel, matando onze pessoas. Em setembro de 1978, depois de anos de
guerra, terror e negociações, foi assinado o Acordo de Camp David, nos Estados Unidos, que selou o compromisso de devolver a
península do Sinai ao Egito. Em 26 de março de 1979, Egito e Israel assinaram um tratado de paz em Washington, na Casa
Branca, o primeiro entre judeus e árabes. A Síria e a Jordânia, ausentes do tratado, acusaram o Egito de traição da causa árabe. O
tratado voltou a dividir os países árabes. Israel passou a adotar uma política de anexação dos territórios ocupados, redefinindo suas
fronteiras e desrespeitando as resoluções da ONU.

Ao longo da década de 1980, a política expansionista israelense gerou mais instabilidade e reações terroristas. Em 1980,
o parlamento israelense aprovou a anexação de Jerusalém e, no ano seguinte, a anexação das colinas de Golã.
Em 1982, Israel devolveu o Sinai ao Egito, mas por outro lado, invadiu o Líbano. Em Beirute, a OLP foi cercada e
obrigada a sair do país. Milícias cristãs libanesas, apoiadas por Israel, massacraram perto de seiscentos refugiados palestinos nos
campos de Sabra e Chatila. No final dos anos 80, as principais facções do movimento palestino de resistência (guerrilheiros)
reunificaram-se, submetendo-se à OLP. Em dezembro de 1987, teve início a Intifada (Revolta das Pedras), o maior movimento
popular, até então, de repúdio à ocupação israelense em Gaza e na Cisjordânia. Assim foi fundado o Hamas, movimento de

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resistência islâmica que seria o maior adversário entre os palestinos, do processo de paz e devolução dos territórios ocupados por
Israel. Em 1988, o levante palestino nos territórios ocupados, cuja liderança a OLP logo assumiu, tomou maior vulto. No final
desse mesmo ano, o Conselho Nacional Palestino proclamou o Estado palestino e, pouco depois, o líder da OLP, Yasser Arafat,
reconheceu o Estado de Israel.
No início dos anos 90, o Iraque invadiu o Kuwait, provocando manifestações contrárias no mundo todo, e ampliando a
tensão no Oriente Médio. Em janeiro de 1990, começou a Guerra do Golfo. OLP e Jordânia apoiaram o Iraque do ditador Saddam
Hussein. No final do mesmo ano, teve início a conferência de paz para o Oriente Médio que abriu um caminho para acordos
diplomáticos a fim de solucionar os problemas da região.
Em 1993, Israel e OLP deram um passo na direção da paz, assinando o acordo de reconhecimento mútuo.
Em maio de 1994, um novo acordo entre israelenses e palestinos estabeleceu a autonomia da Palestina sobre a faixa de
Gaza e a área de Jericó. O dirigente palestino, Yasser Arafat, o primeiro-ministro Yizhak Rabin e o ministro do exterior Shimon
Perez, de Israel, receberam o prêmio Nobel da Paz. Jordânia e Israel assinaram um tratado de paz.
Em setembro de 1995, Rabin e Arafat, assinaram um acordo que restabelecia a eleição de um conselho legislativo e a
retirada israelense das maiores cidades palestinas nos territórios ocupados. Em 04 de novembro, Rabin foi assassinado por um
extremista judeu, colocando em risco o processo de paz no Oriente Médio.
Shimon Perez assumiu o cargo de primeiro-ministro e em meio a atentados de ambas as partes comprometeu-se a dar
procedimento às negociações com a recém-criada Autoridade Nacional Palestina, presidida por Yasser Arafat. Entretanto, as
eleições de 1996 deram a vitória apertada ao candidato do Likud (partido de direita reticente aos acordos de paz) Benyamin
Netanyahu. Desde então, o processo de paz encontrou mais dificuldades, apesar das pressões internacionais contra a intransigência
do novo governo israelense e sua política, de novas colônias judaicas em territórios árabes ocupados.

2. O Líbano e a Guerra Civil


O Líbano tornou-se independente da França logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, no contexto da descolonização
afro-asiática. Ao longo dos anos 60, foi administrado por um governo dividido entre cristãos e muçulmanos. Com a expulsão dos
palestinos da Jordânia em 1970, muitos deles fixaram-se no território libanês. A presença deles rompeu o equilíbrio, levando o
país à Guerra Civil a partir de 1975.
Em 1976, a Síria interveio na guerra e, em 1982, Israel invadiu o Líbano com o objetivo de expulsar os palestinos e
enfrentar a Síria. Em 1990, a Síria consolidou sua influência sobre o Líbano e a luta cessou. Porém, o clima de tensão na fronteira
libanesa e nas relações sírio-israelenses perduram até hoje.

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3. Do Irã dos Aiatolás à Guerra do Golfo
O Aiatolá Khomeini assumiu o poder no Irã (antiga Pérsia) em 1979, depois de uma revolução que destronou o xá
Mohammad Reza Pahlavi, aliado histórico dos EUA. A chamada Revolução Islâmica instalou um regime fundamentalista que
contou, no contexto da Guerra Fria, com o apoio da URSS. Khomeini estimulou o terrorismo e a Jihad (Guerra Santa) contra os
opositores do Islamismo, principalmente os EUA.
No início da década de 80, o Oriente Médio também foi abalado pela Guerra Irã-Iraque (1980-88).
O Iraque, perdendo o controle de navegação no canal de Chatt Al-Arab, principal escoadouro de sua produção petrolífera,
e sentindo-se ameaçado pela Revolução Islâmica no Irã, invadiu o Irã em setembro de 1988. A guerra teve várias reviravoltas,
inclusive com a utilização de armas químicas, fazendo mais de um milhão de mortos, seiscentos mil só de iranianos, deixando os
países destruídos e economicamente falidos. Em 1988, foi assinado um cessar-fogo. No final dos anos 1990, os moderados
venceram as eleições no Irã, diminuindo o radicalismo conservador dos aiatolás.
O clima na região continuou explosivo e, em agosto de 1990, as tropas iraquianas invadiram, ocuparam e anexaram o
Kuwait, dando origem ao conflito conhecido como Guerra do Golfo. Esse fato provocou a intervenção internacional com o aval
do Conselho de Segurança da ONU e a derrota do Iraque que ainda mais tarde teve que aceitar a criação de zonas de exclusão
aéreas.
Por tudo isso, o Oriente Médio ainda contribui bastante para a instabilidade da conjuntura mundial.

A Crise do Socialismo Autoritário


1. O Fim da URSS
Ao longo dos anos 1980, o socialismo autoritário do bloco soviético dava sinais de fadiga e crise estrutural. Até mesmo
no interior do bloco socialista as críticas foram cada vez mais contundentes, contudo foi em 1985, com a ascensão de Mikhail
Gorbatchov ao poder da URSS, que a abertura do regime se tornou irreversível, levando o sistema que fez contrapondo ao
capitalismo durante grande parte do século XX.
Os principais fatores conjunturais e estruturais da crise soviética foram:
I. O desenvolvimento capitalista da Terceira Revolução Industrial, liderando a produtividade em todos os setores.
II. A corrida armamentista, obrigando a URSS a continuados gastos para preservar seu status de superpotência bélica e espacial.
III. As pressões internacionais pela liberalização política da URSS e seus satélites e, no plano ideológico, as cobranças pelos
limites alcançados no bem-estar social quando comparado com o padrão médio das sociedades capitalistas desenvolvidas, por
exemplo, EUA e Europa Ocidental.

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IV. A burocracia que impedia as inovações tecnológicas, a livre iniciativa e a liberdade de expressão.
V. O centralismo político-econômico, fruto do estado monolítico e burocrático, que imprimia lentidão na tomada de decisões e
implementação produtiva, contrastando com o dinamismo e agilidade dos países capitalistas fundados nos princípios liberais.
VI. Os elevados gastos exigidos pela Guerra Fria, seja na indústria bélica, seja para garantir estados satélites e grupos políticos
pró-URSS.
VII. A limitada produtividade e baixa qualidade dos bens de consumo soviéticos diante das crescentes exigências da sociedade
soviética e dos seus aliados, por exemplo, a Europa Oriental.

2. A Perestroika e Glasnost
Em 1985, com a morte de Konstantin Tchernenko, Mikhail Gorbatchov assumiu a secretaria-geral do partido. Começava
a ser implementado um amplo plano de reformas na URSS, com a Perestroika – reconstrução da economia e a Glasnost –
transparência na política. As primeiras evidências dessas reformas foram, dentre outras: a diminuição da censura, anistia e
libertação dos dissidentes políticos e medidas liberalizantes em vários setores da vida e sociedade soviética. Gorbatchov
surpreendeu o mundo quando de forma unilateral comprometeu-se a suspender os testes nucleares subterrâneos.
Em fevereiro de 1986, durante o XXVII Congresso dos PCUS (Partido Comunista da União Soviética), lançou as linhas
gerais de seu plano de reformas para a URSS. Em 26 de Abril, o acidente nuclear de Chernobyl (Ucrânia) liberou uma imensa
nuvem radioativa que ameaçava contaminar regiões importantes da URSS e Europa. O acidente foi tratado com transparência
singular sem precedentes na história da URSS. Seria a primeira grande prova da glasnost. Nesse mesmo ano, Gorbatchov
telefonou, pessoalmente, ao físico Andrei Sakharov, preso na cidade de Gorki, para comunicar sua libertação.
Em 1987, surgem, na cúpula do PCUS, as primeiras controvérsias sobre os caminhos, ritmos e prazos da Perestroika. Em
uma sessão plenária do comitê central do PCUS, em novembro, Boris Yeltsin fez pesadas críticas aos burocratas do partido, em
particular a Igor Ligatchov e pediu mais agilidade e profundidade nas reformas. Nos meses seguintes, Yeltsin perderia seus cargos
de chefe do comitê municipal do PCUS em Moscou e de membro-candidato ao politburo.
Em uma atmosfera de liberdade de discussão, realizou-se, em junho/julho de 1988, a XIX Conferência do PCUS. As
decisões tomadas evidenciaram a necessidade de ser construído um “Estado de direito” no país. Nessa nova arquitetura, foi feita a
desburocratização do partido e do Estado para a implementação do “pluralismo socialista”, isto é, o livre debate, mas somente
entre os membros do PCUS e uma urgente democratização das relações étnicas dentro da URSS. Em agosto, o exército soviético
iniciou sua retirada do Afeganistão num clima de derrota e frustração por não ter conseguido atingir seus objetivos. A saída das
tropas seria completada em fevereiro de 1989, após uma década de guerra, que causou pelo menos 15 mil baixas entre os
soviéticos e um milhão entre os afegãos.
Na Estônia, um movimento ecológico constituiu-se no estopim para o surgimento da “Frente Popular” (organização
nacionalista); que estimularia movimentos semelhantes na Letônia e na Lituânia, difundindo-se, rapidamente pela Armênia,
Geórgia e Azerbaijão (Cáucaso) e, posteriormente, nas demais repúblicas soviéticas.
A Igreja Ortodoxa obteve permissão para celebrar o milésimo aniversário de sua fundação na Rússia, com festas e
comemorações na capital Moscou e em várias regiões do país.
Os costumes começaram a sofrer importantes modificações, com a permissão de grandes shows de rock, concursos de
beleza e maior transparência informativa. Temas até então tabus ou proibidos, como a prostituição e as drogas, passaram a ser
debatidos pela mídia.
Na Polônia, o sindicato Solidariedade conquistou a legalidade, colocando termo à Lei Marcial decretada em dezembro de
1981.
Em março de 1989, foram realizadas as eleições para o CDP (Congresso dos Deputados do Povo). Participaram e foram
eleitos antigos dissidentes, como A. Sakharov e Roy Medevedev. Nesse pleito, Boris Yeltsin obteve 90% dos votos na capital
Moscou. Em 25 de maio, foi realizada a primeira sessão do CDP, atraindo as atenções do país. Um deputado pediu o
desmantelamento da KGB diante das câmeras de televisão.

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Mikhail Gorbatchov foi eleito presidente, e Boris Yeltsin formou um bloco parlamentar de oposição. Nessa conjuntura,
desenvolveu-se um processo irreversível de liberdade política.
Em maio, Mikhail Gorbatchov viajou à China, para reatar as relações rompidas desde 1960 (Cisma sino-soviético). Em
Pequim, Gorbatchov mostrou-se simpático ao movimento dos estudantes chineses pela democracia. Em junho, o governo chinês
ordenou o massacre de dois mil estudantes que protestavam pela democracia, acampados na praça da Paz Celestial (“Massacre da
Paz Celestial”). Em setembro, o Vietnã retirou-se do Camboja, resultado do acordo celebrado entre Den Xiaoping e M.
Gorbatchov. A URSS reduziu vertiginosamente seus efetivos militares estacionados ao longo dos 7.500 quilômetros da fronteira
com a China.
Em outubro, uma visita de Gorbatchov a Berlim Oriental estimulou, como já havia acontecido antes em Pequim, grandes
manifestações de protesto contra o regime ditatorial de Erich Honecker, dirigente comunista da Alemanha Oriental. Em 9 de
novembro, as manifestações assumiram caráter irreversível , levando à queda de um dos maiores símbolos da Guerra Fria: “o
muro de Berlim”. A partir de então, com o consentimento de Moscou, todos os regimes burocráticos do Leste Europeu foram
ruindo em cadeia, por exemplo a Romênia – Nicolae Ceausescu.
Em dezembro do histórico ano de 1989, Gorbatchov reuniu-se, sucessivamente, com o papa João Paulo II (Vaticano),
com o presidente norte-americano George Bush (em Malta-Mediterrâneo) e com o presidente francês François Mitterrand (em
Kiev). Estava nascendo uma “Nova Ordem” Mundial.
Ao longo do ano de 1990, importantes mudanças atingiram a URSS e seus antigos satélites na Europa Oriental. Foi
dissolvido o Comecon. Piorou a situação econômica, social e política da URSS. Os movimentos emancipacionistas envolveram
todas as repúblicas do Báltico, Ucrânia, Belarus, Moldávia e Geórgia.
Em março, o CDP revogou o artigo 6º da Constituição, que legitimava a ditadura do Partido Único Soviético. Os
burocratas e generais “linha-dura” intensificaram seus ataques a Gorbatchov que, no XXVIII Congresso do PCUS, em julho, foi
acusado de ter “capitulado sem combate” diante do imperialismo ocidental, ao ter “abandonado” o Leste Europeu. Gorbatchov
aproveitou o Congresso, para estabelecer um acordo com os “centristas”, manobra essa que isolou momentaneamente a
“esquerda” (B. Yeltsin – reformistas) e a “direita” (Ligatchov – burocratas). Yeltsin, recém-eleito presidente da Rússia, rompeu
com o PCUS, seguido por vários reformistas importantes.
Em setembro, Gorbatchov firmou um acordo que permitia a “reunificação da Alemanha”, concluída em outubro de 1990.
Realizou-se em novembro, na França (Paris), a Conferência para a Segurança e Cooperação Europeia (CSCE), que discutiu os
princípios de uma casa comum europeia, nas palavras de Gorbatchov uma “Europa unida do Atlântico ao Pacífico”. Gorbatchov
também alertou para o perigo de uma “libanização europeia”, isto é, a fragmentação de Estados sob o impacto de problemas
étnicos e nacionais, como os vividos pela URSS.
O chanceler soviético Eduard Shevardnaze renunciou ao cargo (dezembro) e denunciou uma “marcha da ditadura” na
URSS.
Nessa conjuntura, começaram a ganhar força movimentos separatistas na Croácia, na Eslovênia (duas das seis repúblicas
da Iugoslávia) e na Tchecoslováquia.
Em 1991, as transformações foram cada vez mais intensas. Em abril, foi dissolvido o “Pacto de Varsóvia” e, em maio,
Boris Yeltsin foi eleito presidente da Rússia em eleições diretas e secretas. Gorbatchov afastou-se dos ortodoxos e se dispôs a
firmar o “Tratado da União”, que concedia ampla autonomia a todas as repúblicas da URSS. Contudo, um dia antes da entrada em
vigor do “Tratado da União”, setores ortodoxos do PCUS, que não apoiavam as concessões e os princípios da glasnost,
organizaram um golpe de Estado e afastaram Gorbatchov, que estava em férias na Criméia. Boris Yeltsin, apoiado por milhares de
manifestantes nas ruas e praças de Moscou, resistiu e levou o golpe ao fracasso. Gorbatchov dissolveu PCUS e o Parlamento
Soviético declarou o partido suspenso por tempo indeterminado.
Em setembro, a URSS foi dissolvida e Boris Yeltsin, pelo Tratado de Minsk, propôs a criação da CEI – Comunidade de
Estados Independentes.

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Em dezembro, o Parlamento Soviético foi dissolvido e Gorbatchov renunciou à presidência. Depois de sete décadas, a
URSS deixava oficialmente de existir.
A partir de 1992, Boris Yeltsin intensificou o processo de desestatização da economia. Todavia, a transição para a
economia de mercado não acarretou os benefícios esperados. Ao contrário, gerou crises e instabilidade, provocando inflação,
recessão, marginalização e exclusão social e decorrente aumento da criminalidade (exemplo, a máfia russa).

3. O Bloco Socialista – Leste Europeu


Com a Perestroika e a Glasnost, os problemas internos da URSS vieram à tona, bem como as contradições do socialismo
no Leste Europeu. O efeito dominó atingiu da Polônia à Iugoslávia, onde o bloco foi rapidamente desmoronando entre 1990 e
1992.
Seis anos antes da glasnost, greves operárias fizeram o governo polonês permitir os sindicatos livres. Surgiu assim o
“Solidariedade”, liderado por Lech Walesa. Confrontos entre o Solidariedade e o governo polonês levaram Walesa à prisão em
1981. O sindicato foi posto na ilegalidade, voltando à cena política em 1989, quando venceu as eleições parlamentares. Em 1990,
Walesa foi eleito Presidente da República.
Na Hungria, ao longo dos anos 80, permitiu-se o funcionamento de empresas privadas (1981) e terminou o monopólio do
poder comunista (1989).
Em 1989, uma greve geral pôs fim ao poder do Partido Comunista da Tchecoslováquia e Václav Havel tornou-se
Presidente da República. No início dos anos 1990, de forma pacífica, o país dividiu-se, nascendo a República Tcheca e a
Eslováquia (1993).
Ao longo dos anos 1980, as reformas se intensificaram na Bulgária, com a expulsão dos políticos corruptos do partido
comunista. Em 1990, o governo foi deposto.
Na Romênia, a violência marcou o fim do poder comunista. Em 1989, Nicolae Ceausescu ordenou a repressão ao
movimento que lutava pela democracia, porém, o conjunto das Forças Armadas aderiu ao movimento contrariando o ditador.
Nicolae Ceausescu e sua família tentaram fugir do país, mas foram detidos e executados.
Na Alemanha Oriental, os governantes rejeitaram as reformas soviéticas propostas por Gorbatchev. Porém, com a
abertura da fronteira entre Hungria e Áustria, milhares de alemães orientais começaram a fugir para o lado ocidental por esse
caminho. Começaram as manifestações contra o governo. O líder Erich Honecker foi destituído do poder em 1989 e, no mesmo
ano, o novo governo derrubou um grande ícone da Guerra Fria: o muro de Berlim.
A partir da Primeira Guerra, a Iugoslávia representava o conjunto de seis repúblicas: Croácia, Eslovênia-Sérvia, Bósnia-
Herzegovina, Macedônia e Montenegro. O país era compartilhado ainda por outras minorias étnicas e de diferentes religiões. Até
a morte do marechal Tito (1988), as diferenças foram conciliadas através de um rodízio no poder. Em 1991, os sérvios se
opuseram a que um croata assumisse a presidência. Tal fato levou a Croácia e a Eslovênia a romperem com a Iugoslávia, dando
início à guerra civil. Em 1992, Macedônia e Bósnia-Herzegovina também se declararam independentes. Dessa forma, a Iugoslávia
unia apenas a Sérvia e Montenegro. Os conflitos mais intensos ocorreram na Bósnia-Herzegovina, dividida entre bósnios
muçulmanos e sérvios cristãos ortodoxos. Os sérvios dessa república desejavam manter-se unidos à Sérvia e não aceitaram o
governo independente.
No final de 1995, um acordo estabeleceu a paz e a divisão do território da Bósnia-Herzegovina entre sérvios e
muçulmanos. Contudo, o clima de tensão perduraria ao longo dos anos 1990.

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