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CARMO C HAGAS

POLÍTICA
Arte de Minas
Jornalista Carmo Chagas

A significativa participação dos polí-


ticos mineiros, ao longo da história do
país, principalmente a vivida nesses úl-
timos 104 anos de República, é a essên-
cia desta obra, cuja criação exigiu mi-
nuciosa pesquisa e "o apoio de amigos,
de companheiros da velha guarda do
jornalismo mineiro, familiares e pessoal
técnico", como nos diz o autor, que
procura analisar a maneira pela qual a
elite de Minas transformou o fazer polí-
tico numa verdadeira arte.
Ao longo da obra Política, Arte de Mi-
nas, o mineiro Carmo Chagas usa toda
sua experiência e contato no jornalismo
político — especialmente o de Minas —
para narrar a longa trajetória dos mi-
neiros no poder, além de revelar
episódios pitorescos de que alguns des-
ses políticos foram protagonistas.
POLÍTICA, ARTE DE MINAS
defende a tese de que existe uma
elite política mineira, capaz de in-
fluenciar decisivamente o cenário
nacional quando se une e se dispõe
a agir. A obra divide-se em cinco
capítulos: o primeiro, Os Mintiros r
o Poder, desenvolve esta tese; o ter-
ceiro, A Arte Mineira de Fazer Polí-
tica, conta seis episódios em que
políticos mineiros demonstraram
sua maestria, entre eles o famoso
duelo entre Artur Bernar-des e
Melo Viana nos anos 20; o quarto
e maior capítulo do livro, traz as
biografias de algumas das mais
importantes lideranças mineiras em
pouco mais de um século de Repú-
Política,
blica. Lá estão os sete mineiros que •
chegaram à presidência da Repú-
blica, os dez que chegaram a vice-
Arle de Minas •

presidência, todos os governadores


(com exceção dos vices que apenas
completaram os mandatos de go-
vernadores que morreram no cargo
ou partiram para vôos mais altos).
Nos dois capítulos mais curtos,
mas certamente os mais saborosos
do livro, o segundo e o quinto,
POLÍTICA, ARTE DE MINAS re-
lata casos do folclore político em
que mineiros aparecem como per-
sonagens, e seleciona frases que re-
sumem a sabedoria dos políticos de
Minas Gerais. Uma delas, de autor
desconhecido: - "Quando dois po-
líticos brigam, os dois perdem• -,
ajuda a explicar por que a elite
mineira, apesar de todas as diver-
gências aparentes, prefere se manter
unida e influente.

Carmo Chagas

Política,
.,
Arle de Minas·
T
Projeto de Capa: Campos Blaiz
Sumário
Composição: CIK - Ass. Prest. Serv. Infonnática S/C Ltda
Fotolitos: BINHO'S Fotolito
Impressão e acabameoto: DAG - Gráfica e Editorial Ltda

Copyright © 1994 CARMO CHAGAS


Prefácio .............................................................................................................. 7

Capítulo 1 - Os Mineiros e o Poder .................................................................. 9


Dados Internacionais de catalogação na Publicação (CIP)
(c&mara Brasileira do Livro, SP, BrasiQ Capítulo 2 - Pérolas da Sabedoria Mineira ...................................................... 47

Capítulo 3 - A Arte Mineira de Fazer Política ................................................ 55


Chagas, Carmo - Cisão e Perdição .................................................................................... 58
Política : Arte de Minas I Carmo Chagas :
- Duelo Entre Filhos do Caraça ............................................................... 68
J prefácio de José Geraldo Bandeira de Melo J . -
- O Palácio Atropelado ............................................................................ 7 4
São Paulo : Carthago & Forte.. 1994.
- Palavras Serenas, Sóbrias e Claras ....................................................... 82
Bibliografia. - As 3 Vitórias de JK ............................................................................... 89
- A Obra-Prima de Tancredo ................................................................. 104 •
I. Características regionais -- Minas Gerais 2.
Minas Gerais -- Política e governo I. Título
Capítulo 4 -_Políticos de Minas (Biografias) ........................................•...: ..... 111
94-1507 CDD-306.4098I5t - Os Mineiros na Presidência da República ........................................... 111
- Os Mineiros na Vice-Presidência da República ................................... 142
Índ1ces para catálogo sistemático: - Os Governadores de Minas ................................................................. 159
1. Minas Gerais : Política : Características regionais :
Cultura : Sociologia 306.4098151 - Outras Estrelas Políticas de Minas ...................................................... 206
2. Politica mineira : Características regionais :
Cultura : Sociologia 306.4098151
Capítulo 5 - Folclore Político Mineiro .......................................................... 233

Obras Consultadas ......................................................................................... 261

Edição Créditos Fotográficos .................................................................................... 263


13579108642

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Prefácio
Muito bom este ensaio do jornalista Carmo Chagas sobre a arte política dos minei-
ros. A começar pelo estilo objetivo e substantivo, pouco retórico e adjetivado por baixo.
Carmo conta e conta de leve, opinando cheio de cautelas, mineiro que é, mineiro do Vale
do Rio Doce, de Inhapim, de falar menos ainda do que outros mineiros que costumam
utilizar o silêncio para denunciar.
Carmo demonstra que as elites mineiras existiram, eram de carne e osso, de pen-
AGRADECIMEN1DS
sar e de agir. O estilo da elite é aquela coisa sabida. Mineiro nasce nas montanhas, sua
terra não tem mar, só paredões. A terra é rica por baixo, mais do que por cima. No meio
Aos que leram os originais e ajudaram a eliminar erros de toda sorte: do Brasil, passagem de todos, Minas costuma pegar as idéias dos brasileiros que passam
Léa A. de Bartolo Chagas, Lila Byngton Egydio Martins, Maria Inês Pereira Leite, (e eles vêm de todas as direções) para espiar e conferir se têm algum valor. Igualzinho ao
Maria Sylvia Sampaio Doria, Ruy Pereira Leite. que faz com as pedras coradas e os minérios. Se vale, mineiro guarda a pedra para fazer
Aos consultores: bons negócios. Se não vale nada, joga fora, de modo que sobrevive em Minas apenas o
Antônio Maurício da Rocha, José Geraldo Bandeira de Melo. que tem valor, pelo menos algum valor.
Aos pesquisadores: Quem nasce entre montanhas, sentindo as nuvens roçar a cabeça, é de pisar com
Carolina Chagas, Ramon Garcia y Garcia e equipe. cuidado. Não pode dar passada em falso, tem de olhar para baixo, firme, porque é de
Aos revisores e checadores: Amaury Machado, Carlos Graieb, Carolina Chagas. baixo que vêm o fim e o começo da estrada, o fim de todos os recomeç~. •
Aos que ajudaram a apagar incêndios de toda sorte: Frederico Nasser, O líder, o da elite, é o que vai sempre na frente, o que sabe pisar melhor e enxerga
José Arantes, Luiz Adolfo Pinheiro. mais longe. Quem não vê direito, quem sente tontura, a perna bambear, quem é distraído
Aos repórteres-fotográficos: Alan Felisberto Rodrigues, Eduardo Tropia. ou apressado, fique atrás, o líder sabe para onde está indo e levará o grupo com calma e
À Assembléia Legislativa de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia segurança.
e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais A elite política mineira, sabendo pisar os caminhos, tanto governa com seguran-
e Fundação João Pinheiro, pelo acesso ao ça os apetrechos do Estado, a máquina do Estado, como também sabe conduzir a socie-
Dicionário Biográfico de Minas Gerais: Período Republicano- 1889/1991 dade.
(Coleção Mineiriana), indispensável na elaboração dos registros biográficos. Estadista é para isto mesmo, governar o Estado e guiar a sociedade, coisa que a
À Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, presidida por elite de Minas sempre soube fazer. Se era para apertar o passo, João Pinheiro não teve
José Alencar Gomes da Silva, pelo patrocínio fundamental à realização deste livro. medo. Mudou rotinas, acelerou o andor e descortinou novas realidades sem deixar a
gente mineira sentir medo nem tontura. Melo Viana, na sua mulatice assumida, também
quis sacudir a poeira, sacudiu e não fez ninguém amedrontar-se.
Outros não foram tão longe, só marcaram passo por sentir ou pressentir que a
caravana também não tinha pressa.
Muito bem, mas houve uma vez diferente. Um mineiro doidão, cismado em andar
com bota de sete léguas, Juscelino Kubitschek, inventou o 50 em 5, inventou o desenvolvi-
mento industrial a galope. Assustou as elites, mas entusiasmou o povão, tanto que, no
seu tempo, mais importante do que conferir estatísticas econômicas, era soltar a cabeça e
sonhar, sonhar alto e sentir-se livre, com vontade de mudar e de começar tudo outra vez.

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.
Ele agitou tanto, valseou tanto, que a sociedade foi muito mais longe do que o CAPÍTULO I
Estado. Até hoje, 33 anos depois que JK despilotou o Alvorada, a passada da sociedade
não confere com o passo do Estado. A sociedade quer ir numa direção, o Estado está indo
Os Mineiros e o Poder
para outra. Talvez um mineiro mais cauteloso que JK, muito mais cauteloso do que ele
foi, conseguisse emparelhar as marchas e ir resolvendo alguns problemas que a corrida
maluca do Juscelino provocou. Ele próprio sabia disso, mas fingia que não, como por
exemplo o seguinte: o crescimento da economia sempre provoca o crescimento das desi-
gualdades.

A
elite política mineira assumiu a responsabilidade de precipitar, em 1964, a mais
O Brasil de antes de JK era igual, embora igual na apatia, na frouxidão e na longa crise sofrida pelo Brasil no século XX. O golpe de Estado liderado pelo
mansidão com que acatava as ordens do Estado, até das elites desejando mudança das governador Magalhães Pinto, com o nome inicial de Revolução, saiu do Palá-
cabeças. cio da Liberdade. A mesma elite política mineira, duas décadas depois, assumiu a res-
O de hoje é o Brasil das desigualdades, do Estado incapaz de apaziguar os senti- ponsabilidade de conduzir o Brasil de volta à democracia. Também saiu do Palácio da
mentos, de acomodar as desesperanças e o desespero, ineficiente para limitar as aspira- Liberdade a redemocratização liderada pelo governador Tancredo Neves.
ções e tornar possível o que seja desejável. Apesar de contraditória, a decisiva presença mineira nesses dois movimentos na-
O de hoje é o Brasil aflito a exigir novas elites, as de sempre, as de Minas, cionais de natureza oposta confere a Minas Gerais coerência histórica. A elite política
aquelas elites que sabem, mais do que as outras, construir projetos políticos à base da mineira age assim mesmo. Sempre agiu assim. Desde a Colônia. Desde o Império. Desde
indignação. Essas elites usaram da indignação para construir o sonho de Vila Rica, o a República Velha em grande parte sustentada por Minas e desmontada, em 1930, com
sonho dos inconfidentes; liberais mineiros em 1842 administraram a indignação com significativa participação mineira. • •
paciência revolucionária para tentar mudar o que estava injusto; em 1943, outros minei- A oligarquia de Minas, à frente o presidente estadual Antônio Carlos Ribeiro de
ros souberam escrever um manifesto aparentemente doce, mas efetivamente indignado Andrada, ajmjpu a articular a Aliança Liberal, que no final da década de 20 empÕlgou os
para exigir um novo começo. Que veio dois anos depois, com a derrubada da ditadura meios políticos mais inconformados. Na seqüência, com Antônio Carlos sucedido em
Vargas. Minas por Olegário Maciel, a Aliança viabi!izou a vitória e a governabilidade da Revo-
A elite mineira existe, sempre existiu, só precisa aparecer de novo com a mesma lução de 30. No Estado Novo, o mineiro Francisco Campos forneceu o embasamento
voluntariedade de ontem, com a mesma pontualidade das pedras que o minerador desco- jurídico e o mineiro Benedito Valadares garantiu a sustentação partidária para que Getú-
bre de repente, até ali onde nunca apareceu pedra alguma. O Brasil de hoje está indigna- lio Vargas consolidasse a ditadura que durou de 1937 a 1945. O Manifesto dos Mineiros,
do, está rebelado, quer mudanças e novos caminhos, quer um líder que seja teimoso e seja de 1943, abriu a série de manobras que levaram à deposição de Vargas. Na
paciente, seja ousado e seja manso, que venha par~ mudar e para continuar e que seja redemocratização de 45/46, montou-se em terra mineira a maior base político-partidária
áspero e doce conforme a direção dos ventos. do país, com o Partido Social Democrático, PSD, e a União Democrática Nacional,
Minas sempre aparece na hora certa; até quando não apareceu era para não apa- UDN.
recer. Se a nação brasileira chamar um mineiro, ele não assumirá compromissos com o Rivais aparentemente inconciliáveis nas eleições estaduais de 1947 (vitória da
erro, nunca tentará legitimar o poder com a ilusão dos miseráveis. Afinal de contas, a UDN), 1950, 1955 (vitórias do PSD) e 1960 (UDN, de novo), pessedistas e udenistas
questão nacional não é tão aterradora assim, tudo consiste em surgir um líder que trans- conciliaram-se em 1%4, quando Magalhães Pinto (UDN) convocou as elites para com-
forme problemas em oportunidades. Um mineiro, outra vez. por um secretariado de crise. Tomaram a se unir a partir de 1984, quando o governador
Tancredo Neves (PSD) simbolizava os moderados da oposição nacional e se aliou ao
José Geraldo Bandeira de Melo vice-presidente Aureliano Chaves (UDN), que simbolizava os moderados governistas.
As divergências, na verdade, não ultrapassam a superfície da elite política minei-

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ra. Liberais ou conservadores no Império, salistas (de Francisco Sales) ou bemardistas
(de Artur Bemardes) na República Velha, udenistas ou pessedistas, situacionistas ou
oposicionistas- tudo isso não passa de legenda, de fachada. No fundo, pertencem todos
à mesma elite bem informada, atualizada, atuante e sobretudo conciliadora, nascida com
a vocação e o talento de buscar a solução mais equilibrada e duradoura.
A propósito, o governador Hélio Garcia conta que só se tornou udenista porque
seu avô, Antônio Carlos de Carvalho, assinou o "Manifesto dos Mineiros" e sofreu
punições: "Meu avô foi perseguido por Getúlio Vargas e Benedito Valadares. Teve que se
afastar do Banco de Minas Gerais, o banco que ele fundou com o coronel Benjamin
Guimarães". Em 1945, quando se criaram os novos partidos e Valadares pontificou como
chefe do PSD, a família de Hélio Garcia não podia estar do mesmo lado. "Mas eu, no
fundo, sou um pessedista", afirma Hélio Garcia.

À direita: Honório Hermeto Cameiro Leão, o Marquês do Paraná, um dos maiores pollticos minei-
ros no Império. Montou o ministério de 1853, que garantiu Longa vida ao governo do imperador
Em 1933, o presidente Getúlio Vargas e Benedito Valadares, já escolhido interventor em Mi- Dom Pedro 1/.
nas Gerais. Durante os doze anos em que permaneceu à frente do governo mineiro, Valadares À esquerda: Bernardo Pereira de Vasconcelos, um dos maiores políticos mineiros no Império. Ora-
garantiu a sustentação de que Vargas tanto necessitava. dor inflamado e articulador de talento, sabia mudar de posição de acordo com as transformações a
sua volta.

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No princípio eram os "homens bons", senhores da mina e de escravos nos tempos
coloniais. Mandavam e desmandavam, punham e dispunham na região das minas gerais
da coroa portuguesa. Com o correr das décadas, o núcleo original começou a crescer, na
medida em que a descoberta de ouro ou diamante rendia fortuna e status a alguém que até
ontem se encontrava entre os " pés-rapados", aquela vaga classe média situada entre os
párias escravizados e os nobres barões da terra. A decadência da mineração, a partir de
meados do século XVIII, não afetou a essência desses formadores da elite política minei-
ra. De um modo geral, ocorreu apenas uma mudança de ramo. Os donos de minas se
tornaram donos de fazendas enormes, tão poderosos quanto antes.
Organizou-se, assim, a oligarquia mineira. Pelo início do século XIX, o núcleo
original já havia tomado forma. A sociedade aberta das décadas anteriores, permeável ao
pé-rapado que deu sorte na mina e ao comerciante que deu sorte nos negócios, tomou-se
mais exigente. Não bastava mais a quantidade de moedas na bolsa. Exigiam-se bons

Benedito Valadares (centro da foto) e uma de suas primeiras equipes de governo. Da esquerda
para a direita: Juscelino Kubitschek, Mário Matos, Ovúlio de Abreu, Carlos Luz, Valadares,
Noraldino Lima, Israel Pinheiro, Álvaro Batista de Oliveira, coronel Câncio de Albuquerque,
deputado Faria Alvim. ·

Com Tancredo Neves se deu o contrário. As injunções da política local o empurra-


ram para o PSD, embora tivesse inclinações udenistas. Até o fim da vida, Tancredo
Neves confessava grande admiração por estrelas da UDN como MI1ton Campos e Pedro
Aleixo, e mal disfarçava a antipatia por estrelas pessedistas como José Maria Alkmim e
&
Benedito Valadares. Mas ao se lançar na vida política, nos anos 30, contou com a prote-
ção e a s~bedoria de Augusto das Chagas Viegas, emérito chefe em São João dei Rei.
Como Viegas se filiou ao PSD de Valadares em 45, Tancredo teve que ir junto. "Mas eu,
no fundo, sou um udeoista", costumava dizer Tancredo Neves.
No fundo, um e outro- uns e outros- brotaram todos da mesma raiz, conforme
ficou magnificamente demonstrado na genealogia da política mineira que Cid Rebelo
Horta delineou, em 1956, na conferência " Fami1ias Governamentais de Minas Gerais".
Em seu texto, antes de destrinchar 27 troncos familiares ligados ao poder em Minas, Sentado na cadeira de encosto de palhinha, o governador (assim chamado, apesar de
interventor) Benedito Valadares. À direita dele, Carlos Luz. Logo atrás, cravo branco na lape-
Rebelo Horta afirma, com razão, que a história da política mineira "é a história de suas
la, o sempre elegante Kubitschek.
grandes famílias que fazem o jogo da cena desde a Colônia".

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modos, currículo enriquecido pela passagem por boas escolas, lastro familiar. Quando Membro do Conselho Provincial, vice-presidente da Província, deputado geral (fe-
veio a Independência, em 1822, a sociedade mineira já se viu sob o domínio de uma elite deral), senador, ministro da Justiça, do Império e da Fazenda, Bernardo Pereira deVas-
fechada, exigente, pronta para se iniciar no exercício da dominação política por meio do concelos dominou os primeiros anos do Brasil imperial. Exerceu grande influência durante
voto. todo o tempo em que deteve mandato político, entre 1825 e 1850. Ao escrever sobre ele,
Além de solidamente constituída, em termos políticos, a oligarquia que começou a Mílton Campos conta que "não se limitava a ocupar os cargos. Desempenhava-os
selecionar seus eleitos já exibia, no Império, as características comportamentais que o verdadeiramente. Ninguém o excedeu em labor, em esforço, em iniciativas e em interven-
tempo se encarregaria de polir e aprimorar. A introspecção, o senso da oportunidade, o ções. Sua vida, nas condições em que se desenvolveu, chega a ser motivo de espanto; e a
gosto pela observação, o cuidado para não se precipitar, a acurada noção do tempo- obra que realizou, em meio às incertezas e agitações do tempo, é razão de maravilha".
vem de muito longe tudo isso que se costuma atribuir ao político mineiro da atualidade. Orador inflamado, polemista, Bernardo de Vasconcelos oscilava entre o
l
Antropólogos, historiadores, sociólogos, escritores, cientistas políticos sem conta autoritarismo e o liberalismo com a maior naturalidade. Ainda nas palavras de Mílton
demonstraram que as serras e os morros forjaram, em Minas, um caráter a que a História Campos, "foi liberal quando a autoridade degenerou em despotismo e conservador quan-
daria contornos definitivos. Forçado ao isolamento pelas montanhas que limitam hori- do a liberdade se corrompeu em anarquia". Doente, paralítico, Bernardo de Vasconcelos
zontes, o mineiro se habituou a refletir, a meditar. Oprimido pelos cobradores de tributos,
o homem das minas se esmerou nas artes e manhas de dissimular, resistir, defender o seu.
Pela força da história e da geografia, o mineiro desenvolveu um comportamento
ímpar, no Brasil, caracterizado pelo equilíbrio. "Se é radical não é mineiro, se é mineiro
não é radical", ensinava Tancredo Neves. Devoto e sacerdote do meio-termo, o mineiro
foge dos extremismos com rapidez e sofreguidão iguais às que o conduzem ao centro. No •
seu insuperável ensaio "Voz de Minas", Alceu de Amoroso Lima ressalta que, entre os
mineiros, prevalecem três primados: o da concentração sobre a irradiação, o da lentidão
sobre a velocidade, o da qualidade sobre o número.
Essa gente que prefere ir devagar, mas no rumo certo, começou a votar a partir de
1822. Na Independência principia, de fato, a prática da política em Minas. Vem de lá a
constante contribuição dada pela elite mineira à política nacional.
As classes mais pobres não tinham direito de votar, ainda. Os critérios vigentes
impunham uma seleção econômica, antes de tudo, para a indicação dos administradores
da Província e dos representantes da Província na administração do Império. Podia votar,
para escolher seus representantes, quem provasse determinada renda mínima anual. Eram
os votantes. Os escolhidos por eles tinham o nome de eleitores e deveriam provar o dobro .!
daquela renda mínima anual para indicar os deputados- que, por sua vez, deveriam ter
o dobro da renda anual dos eleitores. Como se vê, uma filtragem econômica rigorosa, de
modo que só os legítimos representantes da oligarquia gotejassem, ao final, na Câmara
provincial e na Câmara imperial.
Funcionava assim em todo o Brasil. Mas os representantes mineiros, já então, se
Foto clássica do governador de Minas no Palácio da Liberdade, com seu secretariado. Senta-
destacavam tanto pela capacidade de se articular para chegar ao poder quanto pela habili- do, no centro, Benedito Valadares. À direita dele, Carlos Luz, à esquerda, Alcides Lins. Em pé,
dade ao exercê-lo. Estudiosos do período chamam a atenção para a atuação de Bernardo o primeiro à esquerda é Mário Matos, os dois seguintes são Soares de Matos e Noraldino
de Vasconcelos e Honório Hermeto, o marquês de Paraná. Lima.

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Re~ião de in~egral.istas mineiros. Nos primeiros anos 30, tendo Francisco Campos co~ princzp·ai eles tiveram influência em Minas. Numa de suas passeatas, até o governador Olegário Maciel chegou a
vestzr o cáqut dos zntegralistas. "'"''u'' '""~''·•
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morreu cedo, aos 55 anos, deixando inimigos ferozes e admiradores entusiasmados tanto Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves). Nesse período, a oligarquia mineira se man-
entre os Hberais como entre os conservadores. Como se vê, tem profunda raiz histórica o teve na periferia, participante do jogo político mas ausente da cadeira presidencial. Como
feitio mineiro de se deslocar entre o fechamento (1937, 1964) e a abertura (1945, 1985). primeiro mineiro na presidência, Afonso Pena foi também o primeiro presidente a desa-
Na mesma época em que o ouropretano Bernardo de Vasconcelos, brilhava no fiar o mandachuva da época, o senador gaúcho José Gomes Pinheiro Machado, gen~ral
cenário político nacional outro mineiro, nascido no Arraial de Jacuí com o nome de honorário do Exército. Evidenciava-se, nacionalmente, uma característica do governante
Honório Hermeto Carneiro Leão, sepultado no Rio de Janeiro com o título de marquês de mineiro: não dividir o poder, reservar-se a palavra final nas questões mais importantes,
Paraná. Se Vasconcelos explica o vezo pendulardo político mineiro, o marquês de Paraná neutralizar as eminências pardas.
ajuda a entender por que a elite de Minas se inclina tanto para a conciliação. Nos carnavais do início do século, cantou-se muito a marchinha que dizia "lá-lá
Juiz em São Paulo, deputado por Minas, presidente das províncias do Rio de Ja- me deixa subir nessa ladeira/ Eu sou da turma dos pega-na-chaleira/ Lá vem o cordão dos
neiro (1841) e Pernambuco (1849), senador por Minas, ministro e conselheiro do Impé- puxa-saco/ Dando vivas aos seus maiorais/ Quem está na frente vá passando para trás/
rio, Paraná assegurou a longevidade do trono de dom Pedro 11 ao montar o ministério de Que o cordão dos puxa-saco cada vez aumenta mais". A ladeira referida na marchinha
1853. Ali estavam representados, pela primeira vez, os liberais e os conservadores. A era 0 morro da Graça, no Rio, onde residia Pinheiro Machado. Pegar na chaleira: entrar
partir dessa conciliação, a administração imperial ganhou estabilidade e pôde se manter na roda do chimarrão gaúcho, em que a água quente se renova constantemente.
até que soprasse, 35 anos depois, o furacão republicano. O cordão dos bajuladores, por mais de vinte anos, prestou reverência ao homem
A sensibilidade política de Honório Hermeto percebeu que as divergências entre o que fazia e desfazia presidentes. O próprio Afonso Pena se elegeu por influência direta
Partido Liberal e o Partido Conservador não ultrapassavam a superfície. Da mesma dele. Mas já no dia da posse, 12 de março de 1906, as relações entre os dois estavam
forma, no século seguinte, udenistas e pessedistas constataram que, no fundo, não exis- estremecidas, pois pela primeira vez um presidente havia formado o ministério sem con-
tiam desentendimentos que impedissem a uniãq, fosse para fechar, fosse para abrir. É a sultar Pinheiro Machado. a.
oligarquia mineira, em suma, desempenhando seu papel de zelar pelas tradições, quando O estremecimento se tornou público em setem-
ameaçadas, mas ao mesmo tempo disposta a abrir passagem para as idéias renovadoras. bro do mcsmu.ano, quando os dois discursaram na pos-
O conselheiro Afonso Pena, primeiro governador eleito de Minas Gerais, opôs-se se do governador de Minas, João Pinheiro da Silva. Na
ao furacão republicano. Até novembro de 1889, lutou pela manutenção da monarquia. sua vez, o senador gaúcho exaltou o regime republica-
Vitoriosa a República, empossado o presidente Deodoro da Fonseca, designados os go- no e ressaltou a importância de se governar com ener-
vernos provisórios nos vários Estados, Afonso Pena curvou-se à vontade da maioria. gia, sem concessões à tolerência e à conciliação. Em
Convertido à idéia republicana, o conselheiro corrigiu os rumos pretendidos pelos síntese, tratava-se de uma provocação, condenar aque-
elaboradores do anteprojeto da primeira constituição de Minas Gerais. Alertou-os para a les valores básicos da ação política mineira em meio a
contradição de se adotar um modelo centralizador, calcado no regime monárquico. Pelo uma solenidadade realizada no Palácio da Liberdade.
seu parecer, que orientou a Assembléia Constituinte, Executivo e Jucidiário passaram a Afonso Pena aproveitou sua vez para dar o tro-
ter esferas de ação predeterminadas, o município saiu fortalecido. co. Ergueu a taça à saúde de seu antecessor, Rodrigues
Monarquista até dois anos antes, Afonso Pena renunciou ao mandato de senador Alves, num gesto de boa vontade para com quem, na
em 1891, quando o autoritário Floriano Peixoto ampliou os poderes presidenciais. Dois campanha sucessória, apoiou outro candidato. Mais Tiradentes, Joaquim José da
anos adiante, em dezembro de 1893, no exercício do mandato de governador, redigiu e direto, arengou sobre a necessidade de o presidente da Silva Xavier, herói que o Impé-
divulgou o "Manife&to aos Mineiros", em que colocava Minas Gerais ao lado de Floriano rio quis apagar. Com a Repú-
República colocar-se acima de injunções partidárias.
blica, foi reabilitado, em grande
e da União ameaçada pela Revolta da Armada, de inspiração monarquista. Na peroração, louvou a tolerância e a conciliação como parte pela campanha do sena-
Nos primeiros anos do Brasil republicano, dois generais sucederam-se na presi- virtudes essenciais para quem governa em harmonia e dor e depois governador João
dência da República (Deodoro e Floriano). A eles se seguiram três paulistas (Prudente de repudia o despotismo. Pinheiro.

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de ação do jardim-de-infância. Alardeando que agia em nome da inteligência, da cultura,
do patriotismo e da honestidade, Carlos Peixoto desafiava abertamente os velhos chefes
e seus conchavos.
Além de Peixoto, destacavam-se entre os integrantes do jardim-de-infância o tam-
bém mineiro João Luís Alves e dois fluminenses aclimatados a Minas Gerais, com passa-
gens por secretarias mineiras: David Moretzsohn Campista (na ocasião, ministro da
Fazenda) e João Pandiá Calógeras (enturmado com os mineiros desde o curso de Enge-
nharia feito na Escola de Minas de Ouro Preto). Outro fluminense do grupo era o jorna-
lista Alcindo Guanabara. Havia lá até um conterrâneo de Pinheiro Machado, James Darcy.
Na realidade, aquele momento representou a primeira tentativa da elite mineira de
se instalar no poder federal. Como instituição. De fonna duradoura. Após três sucessivas
presidências paulistas, Minas se achava no direito de iniciar a sua seqüência. Achava-se
no direito e dispunha dos meios: a maior bancada na Câmara, a presidência da Câmara,
a presidência da República- e, sobretudo, um candidato excelente, João Pinheiro, sem
dúvida o líder mineiro mais envolvente daquele começo de século.


Francisco Campos, o Chico Ciência, considerado até por adversários como uma das maiores
inteligências da política mineira. Garantiu a in.stilucionalização de duas ditaduras: a doEs-
tado Novo, em 37, e a Revolução de 64.

Ao murmúrio mal contido no salão nobre do Palácio da Liberdade, seguiu-se


comemoração festiva no luxuoso Grande Hotel da rua da Bahia. Lá se encontravam,
como era costume da época em Belo Horizonte, as principais lideranças mineiras, prin-
cipalmente um grupo de jovens parlamentares animados pelas idéias renovadoras de João
Pinheiro.
No Rio, esses jovens mineiros costumavam se hospedar no Grande Hotel da Lapa.
A eles se juntou uma nova geração de políticos talentosos de outros Estados. Com a
ascensão do governador João Pinheiro e do presidente Afonso Pena, o grupo passou a
circular com maior desenvoltura pelo Catete, pelo Senado, pela Câmara. Um deles, o
baiano Miguel Calmon du Pio e Almeida, foi nomeado ministro da Viação, contra a
vontade de Pinheiro Machado, que indicara o deputado Augusto de Freitas. Este, discur-
sando logo em seguida na Câmara, lamentou que o novo presidente se deixasse cercar de
noviços, "convertendo este país em verdadeiro jardim-de-infância".
No dia em que o Brasil decidiu entrar na I Guerra Mundial, contra a Alemanha, um mineiro
Era o nome que faltava, para o grupo. Um deles, o mineiro Carlos Peixoto, saltou assina a declaração de guerra, o presidente Venceslau Brás, e outro mineiro testemunha, o
da liderança da Maioria para a presidência da Câmara. Ampliava-se cada vez mais o raio futuro presidente Delfim Moreira (canto direito).

20 21
No Senado, João Pinheiro impressionava pelo grande conhecimento do Brasil e do to à figura de Afonso Pena. Mas a partir da preferência do presidente por Rui Barbosa,
mundo. Comparava a situação brasileira com a dos Estados Unidos, onde o governo não havia mais por que suportar os rapazes que com tanta competência se punham a
incentivava a agricultura com generosas dotações orçamentárias. Discorria sobre o mo- enfrentar os mais antigos. A interpretação de Bessone ajuda a entender o que aconteceu.
delo econômico adotado na Argentina, que privilegiava uma agricultura dinâmica e Mas não tira a mancha.
expansionista. Concluía pela urgência de o Brasil seguir o mesmo caminho, propunha A elite mineira, na ocasião, simplesmente se aliou ao adversário. Encantoado,
soluções para o melhor aproveitamento do solo brasileiro, ao mesmo tempo que salienta- diminuído em sua influência, Pinheiro Machado nunca deixou de lutar. Mas só voltou a
va a necessidade de acelerar o processo de industrialização, à época restrito a São Paulo ter ponto de apoio e espaço político quando recebeu a adesão de Francisco Sales, Venceslau
e Rio de Janeiro e apenas incipiente em Minas Gerais e outros Estados. Brás e Artur Bernardes, entre outros expressivos representantes do mando político em
Agradava sobremodo aos mineiros que seu senador e depois governador reabili- Minas Gerais. Pelos antecedentes e pelos desdobramentos, terá sido esta, por certo, a
tasse, como reabilitou, o culto à figura de Tiradentes, um herói encoberto e ignorado pelo mais nociva intervenção da elite mineira na vida nacional.
Império. Agradava-lhes, igualmente, a maneira como João Pinheiro situava seu Estado
no Brasil: "Minas Gerais, pela sua posição central entre os demais Estados, resume em
seu próprio solo as belas qualidades do solo da pátria, e em seu próprio povo as do povo
brasileiro. Nas contendas dos partidos, na própria violência das paixões distingue-se
sempre (em Minas), dominando-as em alta linha, o senso grave da ordem, que é o sinal
mesmo do gênio mineiro".
No primeiro semestre de 1908, Afonso Pena dava declarações públicas a favor de •
João Pinheiro, chamando atenção para a administração revolucionária que desenvolvia
em Minas. Em agosto, o presidente já se referia ao governador mineiro como alguém
capaz de reunir todas as correntes do Estado c, assim, firmar-se como a pessoa ideal para
"atender ao direito, que compete a Minas, de ter um segundo período presidencial".
Veio outubro de 1908, no entanto, e João Pinheiro morreu subitamente. A rapa-
ziada do jardim-de-infância ainda quis ressuscitar o projeto de poder, tentando articular
a candidatura do ministro David Campista. Mas Afonso Pena se sentiu preso a compro-
misso com Rui Barbosa, seu contemporâneo na Faculdade de Direito de São Paulo,
brasileiro eminente e, além do mais, recém-chegado de uma festejada participação na
Segunda Conferência Internacional da Paz, em Haia (daí o chamarem, pelos jornais,
"Águia de Haia").
Antes que a talentosa ala jovem se recuperasse, o próprio Afonso Pena veio a
falecer, em junho de 1909, desgostoso com os rumos tomados para a sua sucessão. Todo
esse episódio, além de frustrar a imensa expectativa criada entre a elite mineira, deixou
mancha indelével na ficha cadastral do político mineiro.
Darcy Bessone, biografando Venceslau Brás em Um Pescador na Presidência,
talvez seja quem mais se aproximou de uma explicação política dos fatos passados entre
1908 e 1910. Enquanto João Pinheiro viveu, a elite mineira tolerou aquela nova geração O governador Artur B ernardes (direita) recebe no Palácio da Liberdade o presidente Epitácio
que crescia à volta dele. Morto João Pinheiro, um resto de tolerância persistiu em respci- Pessoa (centro). Junto, o ministro da Marinha e futuro governador, Raul Soares.

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Ficou nos registros da crônica política (e na memória popular, por duas ou três
décadas) que o presidente Hermes da Fonseca trazia má sorte, que se deslumbrou com o
segundo casamento (a artista gráfica Nair de Tefé, muito mais jovem que ele, bonita,
exuberante), que era um tipo bronco, que virou personagem de piada, a alegria dos
chargistas, que não tinha personalidade firme. A verdade é muito pior. Até o início de
1912, segundo ano do governo Hermes, as influências vinham dos filhos do primeiro
casamento, em parte, e de Pinheiro Machado. Dali em diante, marido em segundas núp-
cias, o marechal-presidente ficou por inteiro sob o comando do senador.
A mistura de mandachuvismo civil decadente com militarismo revanchista produ-
ziu um caldo administrativo devastador. Os oficiais-generais e os altos burocratas, de um
momento para outro, resolveram fulminar as oligarquias regionais, em nome da moralidade
administrativa, do civismo, das tradições e outras alegações. Ná maioria dos casos, esta-
vam mesmo preocupados, cada um, em exercer o domínio na terra natal.
O general pernambucano Emílio Dantas Barreto, ministro da Guerra, houve por
bem desalojar a oligarquia Rosa e Silva em Pernambuco. Candidatou-se a presidente do
Estado. Mas seu espírito democrático parou aí. Na campanha, tropas federais constran-
geram ostensivamente a polícia local. A artilharia assestou armas e chegou a disparar
contra o Palácio do Governo e o jornal que dava cobertura aos Rosa e Sil'Vl. Apurados os •
votos, venceu a velha oligarquia. Dantas Barreto não se conformou. Insistiu nas demons-
trações de fo!ça· Até que o Congresso Estadual, na hora de proclamar os resultados,
À porta do Palácio do Cate te, no Rio, o presidente Artur Bernardes e sua primeira equipe de
concluiu pela derrota da oligarquia. O general havia conquistado seu Estado natal, aben-
ministros. Era o inicio de um dos perlodos de maior autoritarismo na história republicana.
çoado por Pinheiro Machado.
Os antecedentes, em síntese: o projeto mineiro de poder, polido e lubrificado nos O episódio se repetiu na Bahia, onde o ministro José Joaquim Seabra se candidatou
laboratórios do jardim-de-infância, carregava no andor a liderança quase religiosa (não em nome do governo federal. Escaldado pelos acontecimentos de Pernambuco, Rui Bar-
fosse ele um positivista) de João Pinheiro, substituído pela efêmera candidatura David bosa instruiu os deputados provinciais para que se reunissem fora da capital. Longe dos
Campista até que surgisse a sólida e erudita opção civilista de Rui Barbosa, para se fuzis federais, o Congresso Estadual baiano poderia proclamar os resultados imparcial-
contrapor à manobra pinheirista de colocar na presidência mais um títere militar dócil ao mente. Antes que a manobra se efetivasse, tropas do Exército cercaram o edifício do
puxar de seus cordéis.
Congresso e o governador Aurélio Viana recebeu ordem para que retirasse as tropas
Antecedentes, ainda: ao Brasil que se recompunha do severíssimo aperto de cintos
estaduais. Como o governador desatendeu à ordem, o Exército bombardeou Salvador.
imposto entre 1898 e 1902 pelo presidente Campos Sales e seu ministro da Fazenda
Cena final: Seabra proclamado o novo governador da Bahia.
Joaquim Duarte Mortinho (engenheiro, médico homeopata, deflacionista implacável), os
Também na economia a crise adquiriu tons tenebrosos. A máquina arrecadadora
novos mineiros propuseram o dinamismo de João Pinheiro, soberano mas aberto ao capi-
tal estrangeiro, e quando a morte ceifou essa proposta, tentaram a apimentada opção entrou em pane. Agricultura, indústria, comércio, todos os setores vitais se ressentiam da
Campista antes de se engajarem na venerável opção Rui Barbosa. ausência de orientação segura. Até o fim do mandato de Hermes da Fonseca, em 1914,
Antecedentes, para terminar: a Minas Gerais antiga preferiu ficar com Pinheiro Pinheiro Machado voltou a dar as cartas e o país viveu um período de grande turbulên-
Machado e o marechal Hermes da Fonseca e tudo o que, adiante, vai exposto como cia, para a qual a elite mineira contribuiu de maneira decisiva.
desdobramento daquela desastrosa contribuição da elite política mineira à vida nacional. Outro mau passo histórico dos mineiros se estendeu por um período mais longo,

24 25
1. .

mineiras. As ameaças à esquerda (os comunistas) e à direita (os integralistas) forneceram


a solda ideológica que uniu a oligarquia.
Oculta sob essa chapa ideológica, latejava a perspectiva de levar um mineiro,
Benedito Valadares, para a presidência da República. Na solenidade que marcou o
surgimento do Acordo Político, na Associação Comercial, falaram oradores antigos e
novos, federais, estaduais, municipais, representando todas as correntes. Foi quando o
jovem advogado Tancredo Neves pronunciou seu primeiro discurso de maior repercus-
são.
Ninguém, ali, percebeu o que na verdade estava tramando Getúlio Vargas. Agre-
gados contra os extremismos e embevecidos pela véspera de retornar ao poder, os minei-
ros não notaram que Vargas dava corda em Benedito Valadares apenas para neutralizar
duas candidaturas que cresciam, a do paulista Armando de Sales Oliveira e a do gaúcho
José Antônio Flores da Cunha. Mais até, a mobilização de Minas e a lealdade de Benedi-
to Valadares garantiriam a Vargas, em 1937, a base política para que desfechasse um
golpe de Estado e instalasse uma ditadura de inspiração fascista, com o nome de Estado
Novo.
Pior ainda, para a história mineira, o ideário do Estado Novo saiu da privilegiada

À porta do Palácio da Liberdade, em Belo 1Jorizonte, o governador (presidente, ainda) Antô-
cabeça de Francisco Campos, por muitos visto como a inteligência políti~a mais fulgu-
nio Carlos Ribeiro de Andrada, cercado de autoridades civis, militares e do clero. Em pé, o rante que Minas Gerais já produziu. "A maior cabeça que Minas teve nestes últimos
primeiro à esquerda é Abílio Machado. Os dois de óculos e bigode logo atrás de Antônio cinqüenta anos", disse Tancredo Neves na década de 80. "Um espírito de escol, pela
Carlos são Gudesteu Pires (o careca) e Francisco Campos. À direita de Campos, Carlos Pi- inteligência e pela cultura", escreveu Paulo Pinheiro Chagas. Secretário do governo
nheiro Chagas.
Valadares, depois ministro de Vargas, Francisco Campos defendia pontos de vista inequi-
vocamente autoritários.
entre 1930 c 1945. No caso, a oligarquia mineira pode ressalvar que foi enganada. O la da pregação à prática, como na criação da Legião de Outubro, em Minas, para
desenrolar dos fatos produziu resultados diferentes dos pretendidos. Derrubar a velha difundir os ideais da Revolução de 30. Pinheiro Chagas, no livro de memóriasEsse Velho
ordem estava nos planos e isso foi obtido pela Aliança Liberal e a Revolução de 30. Mas Vento da Aventura, o apresenta nessa época como " travestido de duce", empenhado na
a sagacidade de Getúlio Vargas não estava nos cálculos de Minas, assim como a todos conquista da opinião pública, "fardando seus adeptos com a camisa cáqui e usando e
surpreendeu que o interventor escolhido para Minas Gerais, Benedito Valadares, fosse abusando dos sovados mitos fascistas". Numa concentração, "com aquela inteligência
tão submisso em relação ao poder central c, ao mesmo tempo, tão engenhoso e hábil nas que Deus lhe deu , brada, sob os formidáveis aplausos dos legionários fardados: 'Nesta
composições dentro do Estado.
hora, o legionário marcha a passo cadenciado o solo mineiro. Legião é braço e punho'".
Ficou como fato histórico, concreto, que Minas Gerais funcionou durante todo o A Legião de Outubro não empolgou a oligarquia de Minas, nem quando passou a
ciclo Vargas como o anteparo às eventuais insubmissões de paulistas e gaúchos. Em se chamar Legião Liberal Mineira. Mas o seu líder aproveitou a oportunidade, surgida
1936, quanóo o país se preparou para as eleições presidenciais marcadas para o ano em 1937, de colocar em prática as idéias em que acreditava. A contribuição de Francisco
seguinte, Valadares conseguiu a proeza de reunir as principais lideranças mineiras no que Campos à consolidação do Estado Novo foi expressiva c duradoura. Coube a ele
recebeu o nome de Acordo Político. Mais ou menos na mesma época, nasceu o Partido institucionalizara golpe, como redator principal da Constituição de 1937. No Ministério
Progressista, dominado por Valadares e também formado por expressivas lideranças da Justiça, em seguida, promoveu grandes reformas na legislação brasileira, com a ela-

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boração de novos códigos, a atualização de antigos, a consolidação de leis esparsas. De Presumia-se que o substituto de João Goulart ficasse no posto apenas pelo restante
~m. modo geral, um trabalho de primeira ordem, assim reconhecido pela maioria dos do mandato presidencial. Para as eleições marcadas para 1965, Minas tinha um candida-
Junstas.
to oficial, Juscelino Kubitschek, pelo PSD. A marcha vitoriosa de Magalhães Pinto po-
O Brasil progrediu materialmente, no Estado Novo. Minas também. Mas os sacri- deria credenciá-lo a sair candidato pela UDN, onde também sobressaía a possível
fícios políticos e culturais foram enormes. A falta do exercício democrático enferrujou candidatura de Carlos Lacerda, no terço final de uma administração competente e reali-
reflexos, inibiu o nascimento e a formação de novas lideranças. Pela ausência do debate, zadora, no Rio. O sucessor de Goulart poderia ser o presidente da Câmara, como previa
cessou toda e qualquer renovação de idéias. Mais uma desairosa anotação na coluna do a Constituição, ou até um chefe militar, extraordinariamente. Mais que tudo, importava
"Deve", para a elite política mineira.
manter o calendário eleitoral, as eleições presidenciais de 1965.
Outra ocorreria entre 1964 e 1965. Uma vez mais com a ressalva de que os fatos Assim cogitava a elite mineira, ao assumir a responsabilidade de precipitar a
se sucederam à revelia do concebido em Minas. Uma vez mais com a definitiva contribui- movimentação de tropas contra um presidente que radicalizava o discurso de conotações
ção de Francisco Campos.
socialistas. Os próprios conspiradores militares, no Rio, também pensavam parecido.
Àquela altura, ele já estava afastado da vida pública por mais de duas décadas Esse pensamento desmoronou com a entrada em cena de Francisco Campos e sua tese
dedicado apenas aos caros e substanciosos pareceres dados em questões jurídicas leva~
das revoluções que se legitimam. Dali por diante, por mais de duas décadas, os políticos
das ~s mais a~tas instâncias. Desfechado o golpe militar, concretizada a deposição do
passaram a atuar como coadjuvantes. Os mineiros, inclusive.
presidente Joao Goulart, estalou a perplexidade no meio dos vitoriosos. Minas havia
Mesmo um caráter firme e independente, como o de Aureliano Chaves, aparece em
iniciado a movimentação militar, mas os principais comandantes estavam no Rio. A
mais de uma ocasião, durante o ciclo militar, dançando conforme a música executada
exi~tência de muitos chefes significava, na verdade, que não havia liderança definida.
pelos militares. No dia 19 de outubro de 1971, o deputado federal Aure~iano ocupou a
~ai~ grave que a confusão hierárquica, era a confusão institucional. Ninguém sabia •
tribuna, no pequeno expediente da Câmara, para comunicar que o governo Rondon Pacheco
diTeito como apresentar o triunfo à opinião pública, que nome dar ao golpe, como se
comportar diante da legislação vigente, em especial a Constituição de 1946, que por acabava de lançar, em Minas, o Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento. Por coincidên-
quase duas décadas vinha sendo reverenciada como intocável. cia, no mesmõ instante o governo federal dava à apreciação do Congresso o Plano Na-
Lembraram-se então de consultar Francisco Campos. De um dia para 0 outro, 0 cional de Desenvolvimento Econômico e Social.
veterano do Estado Novo deu a fórmula, mostrou o caminho. Aquilo não havia sido um As palavras do deputado Aureliano Chaves, já urna estrela de primeira grandeza
golpe de Estado nem um movimento militar. Aquilo havia sido uma revolução. As revo- no cenário nacional, mostram corno Minas ia a reboque de Brasília: "A coincidência
luções se leg~ti~~m, não precisam de prestar reverência nenhuma à legislação em vigor, reflete salutar preocupação de perfeita sintonia entre os governos dos Estados e o gover-
nem à Constitutçao. As revoluções impõem o seu próprio ordenamento jurídico. Esses no Federal. Com isso, garante-se a melhor aplicação dos recursos e, conseqüentemente, a
c~nceitos constavam da abertura do Ato Institucional, o instrumento criado pela prodi- elevação do rendimento dos esforços comuns em benefício de um desenvolvimento mais
giOsa cabeça de Francisco Campos para dar ordem e rumo ao golpe, que passou a se rápido e mais harmônico".
tratar pelo nome de Revolução de 31 de Março. No parágrafo seguinte de seu pronunciamento, o udenista Aureliano lembrou que
A data corresponde ao dia em que o governador Magalhães Pinto despontou como a primeira experiência de planejamento, em Minas, se dera no governo udenista de MI1-
o líder civil da movimentação contra João Goulart e as tropas do Exército sediadas em ton Campos, vinte anos antes, com excelentes resultados que a administração do udenista
Minas iniciaram marcha sobre o Rio de Janeiro. Dez dias depois o Alto Comando da Rondo Pacheco procurava agora reencontrar.
Revolução publicou o Ato Institucional, com a suspensão dos direitos políticos de exatos Ultrapassado o parágrafo partidário do discurso, Aureliano retomou a atitude
2
100 cidadãos (n 1, o líder comunista Luís Carlos Prestes; n2 100 o presidente da Asso- reverenciosa perante o governo central: "A convergência de propósitos e a estratégia
ciação dos Marinheiros e Fuzileiros navais, cabo Anselmo José dos Santos, que mais adotada na solução de vários problemas estabeleceram uma estreita identidade de com-
tarde se soube ser um espião infiltrado na esquerda). A essa altura, a elite mineira já portamento entre o governo do Estado e o governo da União, permitindo-nos antever que
estava posta à margem do processo.
não faltará a indispensável colaboração federal ao soerguimento da economia mineira,

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Antiga, usaram com sabedoria os enormes poderes de que dispunham, avançando passos
definitivos na construção do conceito de democracia.
No Brasil dos generais-presidentes, só dois deles, o primeiro (Castelo Branco) e o
penúltimo (Ernesto Geisel), sentaram-se na cadeira de presidente conscientes de que esta-
vam ali de passagem. Erraram e acertaram, na administração. Os graves erros econômi-
cos e políticos de Geisel, em especial, causaram estragos profundos e de efeito retardado.
Mas não se pode negar que ele e Castelo agiram com o norte voltado para a redemocra-
tização, para o momento em que o poder voltasse às mãos de quem recebe, do eleitor,
mandato para governar.
Foi só a partir do processo de distensão coordenado por Geisel que a classe polí-
tica começou a respirar com o mínimo de sossego. Nesse instante, a elite mineira voltou
ao primeiro plano, no desempenho do papel que lhe coube em tantas passagens da Histó-
ria do Brasil: depois de contribuir para o passo em falso, ajudar a encontrar o caminho
para o retomo à normalidade.
Como já foi referido, aconteceu assim, no início do século. No primeiro momento,

O governador Mílton Campos (direita) recebe em Belo I Jorizonte o presidente Eurico Gaspar
Dutra. Logo atrás de Dutra, semi-encoberto, Alkmim, que já se destacava entre os cardeais
doPSD.

fator essencial à segurança e à tranqüilidade da Nação. O Movimento de Março de 1964,


que teve em Minas o seu suporte-matriz, está introduzindo profundas modificações em
nossos processos administrativos. A improvisação cede lugar ao planejamento, e este
. . . '
mtmmtzando os desperdícios, cria condições à aceleração do nosso desenvolvimento".
Ninguém, evidentemente, prega o desentendimento entre &tados e União. O bom
senso aponta a sintonia como ideal, mais inteligente, mais eficaz. Nos 21 anos de gover-
Diante da Igreja de Lourdes, na rua da Bahia, o primeiro governador de Minas (antes dei~ s6
nos militares, entretanto, vigorou uma sintonia imposta de cima para baixo. Brasília presidentes e interventores), Mílton Campos (de cinza, ao centro), e seu secretariado. A es-
dizia e o resto do país tinha de obedecer sem discutir. Dependendo da clarividência de querda dele, Pedro A/eixo segura uma pasta branca. À direita dele, de terno escuro, Giannetti.
quem dita as regras, esse procedimento pode até funcionar. Sólon e Péricles, na Grécia Logo atrás de Giannetti, segurando o chapéu, Magalhães Pinto.

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ção da oposição ao vice-presidente pode despertar desconfianças e formar-se uma atmos-
fera de suspeição em torno do vice-presidente".
Recuar para se preservar. A oligarquia mineira uma vez mais usava essa tática,
que exige exata noção do tempo para contornar o risco do ostracismo. Bem executada,
funciona magnificamente. Enquanto o governante inconveniente (ou corrupto, ou incom-
petente, ou impopular) se desgasta, o líder prudente permanece em seu refúgio, de modo
que possa ressurgir intacto na hora certa. Outros mineiros agiram assim, antes e depois
de Venceslau. Mas foi essa, no final das contas, a única atitude política que diminuiu a
má impressão deixada por Minas na época.
Para o bem da honra mineira, a articulação de 1913/1914 merece entrar na galeria
dos lances de mestre. Com paciência de pescador, Venceslau Brás fisgou a presidência da
República bem na hora em que Pinheiro Machado ia atirar na água o seu anzol. Passado
dos 60 anos, enfastiado de dar ordens a partir dos bastidores, o senador gaúcho resolveu
ele próprio se fazer presidente da República. Mal sabia o que a esperteza mineira ia lhe
aprontar.
Em seu livro, Darcy Bessone publica trechos da correspondência entre Venceslau
e o governador mineiro, Júlio Bueno Brandão. É um primor de dissimulação e estratégia
política. Ao analisar a movimentação de aliados, os dois tinham até o cpidado de usar •
nomes em código. Pedro era Francisco Sales. Bonifácio era Ribeiro Junqueira. Bueno
Brandão aparecia como Prates. O general Dantas Barreto vinha com o codinome de
Ponto alto na história da política mineira: o governador Mflton Campos discursa ao dar
p~sse a seu sucessor, Juscelino Kubitschek. Sem que tivesse planejado assim, a elite polltica Niticó. Numa-dessas cartas, Venceslau chama atenção para outra regra de ouro da elite
mrneira dava ali o passo decisivo para chegar ao poder nacional cinco anos mais tarde, com política de Minas Gerais: "Só poderei acrescentar que Minas não pode se precipitar,
Kubitschek. Entre os dois, de óculos, o vice de JK, Clóvis Salgado. porque qualquer precipitação importará em reação contra Minas da parte de todos os
pretendentes c seus sequazes".
a oligarquia mineira forneceu os meios para que Pinheiro Machado pusesse o marechal Detalhe por detalhe, os dois montaram a operação de tal modo que a presidência
Hermes da Fonseca na presidência. No momento seguinte, os mineiros se recuperaram, ou caía nas mãos de Venceslau ou nas de Bueno Brandão. No lance final, quando Pinhei-
com a notável articulação que elegeu Venceslau Brás. No início do governo Hermes, 0 ro Machado jogou todo seu prestígio sobre o Partido Republicano Conservador (único,
vice-presidente Venceslau começou a polir a embaçada imagem do político mineiro com praticamente, e sempre dominado por ele), os mineiros retrucaram com o Pacto de Ouro
a decisão de ir para casa, em Itajubá, às margens do rio Sapucaí. Em carta ao marechal- Fino, terra de Bueno Brandão. Por esse pacto, o governador de Minas e o de São Paulo,
presidente, Venceslau alinhou as razões por que se retirava de cena, eximindo-se até de Rodrigues Alves, indicavam Venceslau para presidente.
presidir as reuniões do Senado, prerrogativa que a Constituição reservava aos vice-pre- Prevalecia, nesse tempo, a prática das eleições fraudadas, uma herança dos tem-
sidentes.
pos imperiais. Mais que a votação, valia a ata redigida pelos líderes do partido dominan-
Escreveu Venceslau a Hermes da Fonseca: "Presidirei pouco o Senado; estarei te. Na ata, venciam sempre os candidatos que interessavam a quem comandasse a máquina
mesmo ausente do Rio durante quase todo o período governamental. Como sabe, Mare- partidária. As expressões "eleição ganha a bico de pena", "ata falsa", "degola", "voto a
chal, toda oposição pretende envolver o vice-presidente contra o presidente. Queixas e rogo", "eleitor fantasma" tinham uso corrente e significado semelhante. Ou indicavam o
mais queixas são dirigidas ao vice-presidente contra atos do governo. E essa aproxima- resultado forjado ou o método utilizado para forjá-lo.

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desprazer de declarar que vai deixar de apoiar o seu governo. Os ministros por sua vez
deixarão suas pastas, ficando talvez com você apenas um".
Todos os ministros ficaram com o presidente Venceslau. Nenhum seguiu a orienta-
ção de Pinheiro Machado. Quando ele morreu assassinado em 1915 (apunhalado pelas
costas, no Rio, por motivos nunca bem esclarecidos), era apenas uma sombra do incon-
testável das décadas anteriores.
O êxito da manobra para neutralizar a força do mandachuva das primeiras déca-
das da República credenciou os mineiros para nova tentativa de um projeto duradouro de
poder. Legítimos representantes da mais austera conduta mineira, Artur Bernardes e Raul
Soares principiaram sua costura pela desmontagem do esquema dominado, em Minas,
por Francisco Sales. Surgiram como renovadores dos costumes políticos em Minas.
Atuando sempre em parceria, chegaram juntos ao poder, em 1922, Raul Soares como
go~ernador do Estado, Bernardes como presidente da República.
Competentes, talentosos, habilidosos e, acima de tudo, duríssimos na condução
dos assuntos de Estado, contavam com o instrumental para executar a obra a que se
lançaram. Contra eles, no entanto, conspirou a saúde de Raul Soares, que morreu de uma
cardiopatia em meio ao mandato. Quanto a Bernardes, teve que lutar contra um quadro
político adverso. Quando assumiu, o país estava sob estado de sítio, decretado no gover- •
no Epitácio Pessoa para conter a insatisfação militar. A mesma situação excepcional
O presidente Kubitschek aplaude o candidato Tancredo Neves, numa inauguração. Atrás de perduraria du{ante praticamente toda presidência de Bernardes.
Tancredo, sua mulher, dona Risoleta. Um projeto pessedista de poder estadual que naufragou. Em fevereiro de 1946, como deputado, ele teve ocasião de defender seu governo,
em debate na Câmara. Lembrou que suspendeu o estado de sítio em dezembro de 1923:
Para que os estratagemas funcionassem, entretanto, era indispensável que os dois "A suspensão durou por mais de seis meses, até que, sobrevindo nova comoção intestina,
com a revolta de 5 de julho em São Paulo, o Poder Legislativo, e não o Executivo, de
Estados mais populosos agissem em sintonia. Donos dos maiores eleitorados, São Paulo
novo teve de revigorar a medida constitucional do sítio. Não é justo, portanto, que meu
e Minas se impunham aos demais, quando se tratava de eleições presidenciais. O Pacto
governo seja visto, sem protesto, como amante do estado de sítio.(... ) A revolta explodi-
de Ouro Fino, assim, deixava os adversários sem ação. Aquele era o limite respeitado
da em São Paulo durou todo o resto do quatriênio e ainda penetrou pelo período presiden-
para qualquer ação fraudulenta. Sem outra saída, a Comissão Executiva do PRC vetou
cial do eminente sr. Washington Luís".
formalmente a candidatura de Pinheiro Machado, sem levar em consideração que ele era
De todo modo, a morte do governador Raul Soares trouxe a marca da frustração
o presidente do partido.
para mais um projeto mineiro de poder, como já havia acontecido em 1908, com a morte
A vitória de Venceslau, candidato eleito para a presidência em 1914, teria como
de João Pinheiro. O projeto que vingou, em 1955, com a eleição de Juscelino Kubitschek,
coroamento a derrubada definitiva do senador gaúcho na formação do ministério. Venceslau
talvez existisse no fundo das almas mineiras. Mas não resultou de nenhuma articulação
foi preenchendo os cargos por conta própria, indiferente a injunções estranhas. Poucos
encetada com esse objetivo específico.
dias antes de anunciar a equipe completa, recebeu a visita de Pinheiro Machado. Ouviu
Minas chegou ao poder, com Kubitschek, e executou um governo revolucionário,
mas não levou em conta as ponderações e sugestões. Até que o poderoso presidente do sem que a oligarquia mineira agisse pelo balizamento de um plano. Para Minas e para o
PRC recorreu à ameaça: "Pois, meu caro Venceslau, o velho Pinheiro Machado tem o Brasil deu-se ali uma coincidência muito feliz. Por uma obra maravilhosa do acaso,
'
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Lançamento da pedra fundamental da Mannesmann, perto de Belo Horizonte, em 1952. Sorri- Inauguração da Mannesmann, em 12 de agosto de 1954. Cabisbaixo, o governador Kubitschek
dentes, o governador Kubitschek e o presidente Getúlio Vargas comemoram um dos maiores acompanha o circunspecto presidente Getúlio Vargas - que dali a doze dias, no Rio de J anei-
avanços no processo de industrialização do Brasil. ro, cometeria suicldio.

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Legislativa sua primeira mensagem, que incluía o Plano de Recuperação Econômica e de
Fomento da Produção, assinado por Giannetti. Previa-se ali, como prioridade das priorida-
des, criar as bases para dotar Minas Gerais de sistemas integrados de transportes e de
produção de energia elétrica (exatamente os pilares do binômio "Energia e Transporte"
que elegeu Kubitschek, depois).
Para execução imediata, o plano pressupunha uma ação permanente na agricultu-
ra, pelas respostas rápidas que o setor propicia e pela urgência de garantir alimentação
farta e de boa qualidade. Giannetti chamava atenção para a contradição de a agricultura
receber tão pouco, para o fomento da produção, e oferecer tanto para a arrecadação
tributária. Em números: o agricultor mineiro recebia menos de 1% do Orçamento, para
produzir, e contribuía com cerca de 30% de tudo o que o Tesouro arrecadava.
O plano destinava mais verba para a produção agrícola, começando pela elabora-
ção de um levantamento acurado da carta agrogeológica de Minas Gerais. Bem ao estilo
organizado e atento de MJ1ton Campos, ia-se começar pelo começo. Primeiro conhecer o

À mesa, várias tendências da política mineira (da direita para a esquerda): o pessedista Tancredo
Neves, o udenistaJoséAparecido de Oliveira, o advogado SobraLPilllo e, em infcio de carreira, Raul
Belém.

Mílton Campos se elegeu governador pela UDN, contra todas as expectativas (dele pró-
prio, inclusive), realizou um esplêndido governo de recuperação e, na seqüência,
Kubitschek teve a sorte de sair candidato pelo PSD e o eleitorado mineiro teve a sabedo-
ria de não escolher o candidato apoiado por Mflton Campos (Gabriel Passos, já então um
nacionalista fervoroso, predisposto a reagir contra toda e qualquer iniciativa do capital
estrangeiro).
Mt1ton Campos chegou ao governo cercado da maior credibilidade. Político, sim,
mas também um intelectual de prestígio, professor universitário, advogado respeitado,
um requintado pensador mineiro. A partir dessa base de credibilidade pessoal, ele conse-
guiu montar uma equipe da maior competência (preocupação freqüente entre os governantes
mineiros, por sinal), em que se destacaram três nomes: Pedro Aleixo na secretaria do
Interior, José de Magalhães Pinto na das Finanças e América Renné Giannetti na da Tempo de radicalização, em 1963 (à mesa, da esquerda para a direita): o líder das Ligas
Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho. Camponesas Francisco Julião, o deputado 1àncredo Neves, o presidente João Goulart, o
Em junho de 1947, terceiro mês de governo, Mílton Campos enviou à Assembléia petebista Ernani Maia (discursando) e o governador Magalhães Pinto.

38 39

O governador Aureliano Chaves recebe em Minas o presidente Ernesto Geisel, com quem
sempre manteve sintonia perfeita. À esquerda de Geisel, o ministro Severo Gomes e o general
Hugo Abreu.

solo. Depois, decidir o tratamento mais adequado para o que se deseja produzir. Daí em
diante, o plano descia a detalhes, como o aperfeiçoamento da mão-de-obra, o planeja-
mento da produção, a obtenção de sementes e adubos, a distribuição. Na saúde, na edu-
cação, em todos os setores, a mesma sensatez, o mesmo detalhamento.
Era preciso dinheiro para executar o planejado. Magalhães Pinto desincumbiu-se
dessa parte com grande competência . Adotou, como procedimento rotineiro, discutir as
principais medidas com fazendeiros, comerciantes, industriais, empresários de todos os
portes. Garantiu apoio generalizado até quando se tratou de cobrar taxas novas.
Recém-saído de quinze anos de interventoria submissa à ditadura Vargas, o gover-
no mineiro se ressentia de vícios e maus costumes de toda sorte. Era urgente moralizar, O governador Magalhães Pinto (de óculos) descendo as escadarias do Palácio da Liberdade
rever comportamentos, reestruturar a administração. Pedro Aleixo cuidou dessa parte. em companhia do presidente Castelo Branco.

40 41
O governador Mílton Campos pôde apresentar, como grande marco de sua admi- Muitas vezes, o dinheiro saiu do governo federal, com quem Juscelino procurou
nistração, a restauração do Estado. Não se caracterizou pelas grandes obras, mas ao fim manter as melhores relações possíveis (mais um dos mandamentos que o governante
de seu governo os mineiros voltavam a se orgulhar de Minas. mineiro faz questão de seguir). Só no ano de 1951, o presidente Getúlio Vargas liberou
Muito compreensivelmente, os udenistas acreditavam ter grande chance de eleger 528 milhões de cruzeiros para o governo de Minas, isto é, quase 30% das despesas do
o sucessor de Mílton Campos. Até porque, haviam escolhido uma chapa excelente, com Estado naquele ano.
o engenheiro Gabriel Passos para governador e Pedro Aleixo para vice-governador. Sem ter pensado nisso, a elite política mineira produziu, na seqüência Mílton Cam-
No PSD, enquanto isso, o germe da cisão ameaçava produzir o estrago de 1947, pos-Juscelino Kubitschek, um modelo ideal, em que se somavam previsão e ousadia,
quando a disputa entre os pré-candidatos Carlos Luz e Bias Fortes enfraqueceu o partido cautela e dinamismo. Ou coragem com prudência, síntese recomendada pela personagem
e facilitou a vitória de Mílton Campos. Em 1950, Bias era pré-candidato, de novo. Con- Riobaldo Tatarana no Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.
tra ele, o ex-prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek. O político mineiro chegou ao seu ponto mais alto nos anos seguintes, entre 1955 e
1961, período que abrange a campanha presidencial e o governo do presidente Juscelino
Para sorte dos pessedistas, Kubitschek ganhou a convenção (por um voto). Para
Kubitschek. A frustração da morte de João Pinheiro, meio século atrás, desaparecia até
sorte dos mineiros, ganhou também a eleição para governador.
pela presença de um filho dele, Israel Pinheiro, como o responsável pela construção da
A partir da faxina realizada pelo governo Mílton Campos, com a máquina do
Estado recuperada c criada a infra-estrutura básica, JK se sentiu livre e desimpedido nova capital brasileira.
Conta-se muito, aliás, que Kubitschek resolveu construir Brasília para cumprir
para soltar a criatividade e a ousadia. Se os mineiros voltaram a se orgulhar de Minas,
uma promessa feita durante a campanha. Num comício no interior de Goiás, alguém ao
com Mílton Campos, passaram a se sentir entusiasmados, com Juscelino. Estradas, hi-
pé do palanque pegou o candidato pela palavra: se o senhor vai mesmo cumprir a Cons- •
drelétricas, fábricas, escolas, empresas estatais surgiam em ritmo acelerado e num clima
tituição, então terá que trazer a capital do Brasil para Goiás, porque exi!He um preceito
de absoluta liberdade, quase de festa, à imagem e semelhança do governador pé-de-valsa
constitucional prevendo assim. Desafiado, Kubitschek respondeu que sim, sua intenção
que não perdia bailes.
de cumprir a .Constituição incluía a transferência da capital para uma região mais cen-
Consolidaram-se, na era JK, a pujança dos bancos c o vigor das empresas de
tral.
construção civil de Minas Gerais. Foi a partir do crescimento vertiginoso iniciado no O próprio Kubitschek divulgou essa versão, em entrevistas, artigos e até no livro
governo Kubitschek que os bancos mineiros se tornaram fortes o suficiente para conquis- de memórias que publicou. Na realidade, aquele era um sonho antigo, talvez até um
tar outros mercados, entrando para a relação dos maiores do país. Quanto às construto- atavismo. Em 18 de maio de 1946, discursando na Câmara, o deputado Juscelino
ras, ganharam tanto com as obras de JK quem nem se apressavam em receber antigas Kubitschek começou assim: "Sr. Presidente, há mais de meio século, cogita-se da possi-
dívidas do governo. Segundo informação de alguns empreiteiros, o grande lucro tinha bilidade de transferir a Capital Federal para o interior do Brasil. Razões inúmeras alicerçam
uma explicação relativamente simples: a empreiteira cobrava seus serviços por uma ta- 0 ponto de vista dos que assim pensam. As imensas regiões do interior, à força de uma
bela de trabalho braçal, mas como recebia isenções para importar equipamentos, tocava decisão política que trans ferisse para o seu meio o centro vital da administração brasilei-
a obra com a maquinaria nova e mais eficiente, sem alterar a antiga tabela de preços. ra, passariam a constituir imediatamente um elemento novo de profunda significação
No governo Mílton Campos, valia como lei a ordem de primeiro providenciar os econômica e social".
recursos para só depois gastar (outra regra que o governante mineiro costuma seguir, No prosseguimento de sua argumentação, o deputado Kubitschek soltava a imagi-
historicamente). No governo JK, respeitava-se essa ordem até certo ponto. Quando a nação: " Na rota do progresso do Brasil, o grande sonho de se recuar a fronteira econômi-
urgência da obra exigia, Juscelino mandava tocar, mesmo que não se soubesse onde obter ca do país, levando-a para regiões que ainda hoje aguardam uma nova epopéia de
a verba necessária. Nessas ocasiões, se algum auxiliar mais zeloso insistia em alertar bandeirantes, foi o fator decisivo que acalentou, durante gerações sucessivas, o propósito
para o risco que se corria, Juscelino costumava responder: "Vamos em frente. Não se de se vitalizar o sertão brasileiro, plantando no coração da pátria um centro poderoso de
preocupe com o dinheiro. Depois, eu tiro o dinheiro da minha cabeça". irradiação cultural, econômica c social".

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entre os vários locais apontados por uma comissão de parlamentares, da qual foi relator
o senador João Nepomuceno Kubitschek". Referia-se a um tio-avô que foi senador esta-
dual e vice-governador de Minas, no tempo de Crispim Jacques Bias Fortes. Antes de se
transformar em sonho de deputado e promessa de campanha, aquela idéia estava incrus-
tada desde a infância na cabeça de Kubitschek.
Embora não tenha premeditado um governo estadual de recuperação sucedido por
outro de realizações como plataforma para lançar Minas às alturas da administração
federal que mais transformou e mais modernizou o Brasil, embora não seguisse um pla-
no, a verdade é que a elite política mineira pode se gabar de ter produzido Mílton Campos
e Juscelino Kubitschek. Um e outro deixaram, como governantes, lições e ensinamentos
praticados pelas gerações anteriores. Os dois mostraram capacidade acima da média,
sem dúvida, mas agiram de acordo com um manual não escrito que os bons governantes
mineiros costumam saber de cor.
No plano administrativo, toda atenção à economia. O governante mineiro tem a
obsessão de botar a casa em ordem. Sanear as finanças, para a quase totalidade deles, é
uma questão de honra, uma idéia fixa. Não se sabe, em conseqüência, de denúncias de
corrupção que comprometam toda uma administração, em Minas. Há, em várias delas,
esse ou aquele episódio nebuloso. Mas são casos isolados. Mesmo a aevoinistração de •
Newton Cardoso (1987-1991), que terminou sob suspeição generalizada de uso indevido
do dinheiro p~blico, deixou organizadas as finanças estaduais.
O governante mineiro tem também uma preocupação prioritária e constante com a
agricultura. Nada menos que onze governadores eleitos (além de Mílton c Kubitschek)
cuidaram de aperfeiçoar e melhorar a produção agrícola mineira: Afonso Pena, Crispim
Os dois brasileiros de origem mais humilde que chegaram à presidência da República: Itamar Jacques Bias Fortes, Francisco Sales, João Pinheiro, Delfim Moreira, Artur Bernardes,
Franco, ex-prefeito de Juiz de Fora, em seu primeiro mandato de senador. e Juscelino Raul Soares, Antônio Carlos, Olegário Maciel, Magalhães Pinto e Israel Pinheiro. Na
Kubitschek, já colocado à margem da política. ' intervcntoria de Benedito Valadares c entre os governadores nomeados do ciclo militar
(Rondon Pacheco, Francelino Pereira e Aureliano Chaves), a agricultura também foi
O sonho da nova capital habitava a alma de Kubitschek, como se vê, bem antes de prioritária. Na mesma linha age o atual governador, Hélio Garcia. Outros assuntos
um correligionário provocá-lo no comício goiano de 1955. Mas um outro discurso, de 12 prioritários, pela ordem: minérios, transportes, energia, educação, polícia c saúde.
de dezembro de 1947, talvez revele razões mais profundas, mais remotas. Registrando No abstrato âmbito das ações políticas, o governante mineiro persegue a união
para os anais do Congresso o cinqüentenário de Belo Horizonte, celebrado naquele dia, o partidária no Estado como instrumento para se fortalecer nacionalmente. Segundo maior
deputado diamantinense citou o Decreto n2 36 do governo mineiro, assinado em abril de colégio eleitoral brasileiro, com metade dos votos de São Paulo, Minas pertence ao redu-
1890 por João Pinheiro, pelo qual a freguesia de Curral d 'El Rey passava a se denominar zido grupo de Estados (com Bahia, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Paraná) capazes
Belo Horizonte, como preparação para as obras da nova capital de Minas. de produzir lideranças tão influentes quanto as paulistas.
Em seguida, Juscelino menciona a comissão encarregada de escolher o melhor Os governantes mineiros prestam grande atenção a essa contabilidade. Como os
local para construir a cidade, lembrando que a região de Belo Horizonte estava "incluída paulistas costumam se dividir, o líder mineiro que consiga unir as principais correntes do

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Estado adquire estatura para se sentar à mesa com cacife semelhante aos dos líderes de CAPÍTULO 11
São Paulo. Em condições normais, o cacife mineiro supera largamente os dos baianos,
gaúchos, pa~anaenses e pernambucanos. Pérolas da Sabedoria Mineira
Além do expressivo número de votos, o líder mineiro se senta à mesa das grandes
decisões nacionais com o lastro hist6rico de quem já deu ao país sete presidentes da
República e dez vice-presidentes.
Também contam pontos a favor do político de Minas a tradição de hábil negocia-
dor, articulador astuto e, em especial, o talento para conciliar. Foi esse talento que permi- proverbial sabedoria dos polfticos mineiros vem muitas vezes contida em frases
tiu a Tancredo Neves, na oposição, e a Aureliano Chaves, no governo, operar a manobra
que resultou na redemocratização de 1984/1985.
Na época, a elite política mineira estava se recompondo, depois de vinte e um anos
de ditadura militar. A morte de Tancredo Neves, com certeza, retardou o processo de
A curtas. As pequenas pérolas extrafdas da experi€ncia de cada um talvez consti-
tuam, de fato, o que de mais sábio exista no cotidiano dos polfticos de Minas
Gerais. Em geral, traduzem ensinamentos práticos, resultantes do aprendizado de cada
eleição e úteis não apenas para a viv€ncia político-partidária, mas para todos os mo-
rearticulação. Mas, o que resta da elite política mineira vem conseguindo presença ra- mentos da vida. Integram essa categoria tanto as tiradas aniJnimas, repetidas de gera-
zoável na cena nacional. O Ministério montado por Tancredo e herdado por José Sarney ção para geração, quanto as reflexões pronunciadas ou escritas por polfticos conheci-
contou com importante participação mineira. Em 1992, nos debates sobre o impeaclzment dos.
do presidente Fernando Collor, o deputado mineiro Humberto Souto teve atuação políti- Há, no entanto, pensamentos mais profundos, realmente filosóficos, como os de
ca impecável, apesar da causa ingrata. Como líder do governo, utilizou argumentação Mflton Campos e Gustavo Capanema. Admirados em Minas e fora de Minas como
poderosa na defesa do presidente que chafurdava no mar de lama. Humberto Souto per- politicos e administradores, o pessedista Capanema e o udenista Campoti destacaram- •
deu, vai assim para o limbo dos derrotados, mas os mais atentos reconhecem que ele se também pela cultura vastlssima e por terem deixado, por escrito, muitas de suas
lutou com bravura. reflexões. Expjica-se, assim, que pertença aos dois a maioria das frases de autoria
Para a elite política mineira, de todo modo, restou na ocasião o consolo de existir conhecida, na seleção a seguir.
um político do Estado pronto a assumir, quando o afastamento do presidente se consu-
masse. Bem ou mal, Itamar Franco entraria para a Hist6ria como o décimo mineiro vice-
FRAsES DE VÁ RIOS AUTORES
presidente da República, e o sétimo a chegar à presidência. Outros por certo virão.

O PRIMEIRO dever do governo é não assus- PoúTICA é como nuvem. Uma hora você
tar. olha e ela está de um jeito. Depois, quando
J. F. 8IAS FoRTES torna a olhar, está completamente diferen-
te.
A VERDADE é sempre mais importante do MAGALHÃFS PINTO
que a astúcia. (atribufda também a Ant6nio Carlos)
MAGALHÃES PINTO
FAÇAMOS a revolução antes que o povo a
EM POLÍTICA, não se deve perguntar aos ou- faça.
tros o que fazer. ANToNIO CARLOS
PEDRO ALEI XO (na primeira experiência brasileira de
voto secreto, realizada em Minas, em
PARA os correligionários, tudo. Para os ad- 1929. A versão integral da frase: "Faça-
versários, a lei. mos serenamente a revolução, antes que
AlmJR B ERNARDES
o povo a faça com violência")

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MINAS FSTÁ onde sempre esteve. NÃo SE PEDE nada a um inimigo no poder. FRAsES DE JuscELINO KUBITSCHEK
ANToNIO CARLOS Nem demissão.
(na época da Revolução de 30. Em artigo AUGU!ITO DB UMA NÃo aprendi a odiar. NÃo PODE ninguém governar jamais, nem
para a Folha de S. Paulo, o escritor Otto (resposta a seu adversário Artur
NÃo vruo sentido nas vidas que se econo- acertar, nem conduzir os negócios públi-
Lara Resende se declarou autor) B emardes, recém-empossada na presidên-
cia da Estada, em 1918. Bemardes que- mizam, que se recusam a consumir-se na cos, sem ter quem o avise ou previna de
Os vENaoos devem estender a mão aos elei- ria que Augusto de Lima pedisse demis- perigos, quem se erga para mostrar des-
chama de um ideal.
tos das umas. são da Imprensa Oficial). vios da rota, quem policie as fraquezas,
BENEDITO V AL.ADARES NÃo ME HABITUEI, desde a infância, às coi- erros e enganos a que estão sujeitas todas
A BELEZA da democracia está em que, nela, sas fáceis. Tudo que consegui foi lutando
Esrou Rouco de tanto ouvir. as organizações, todos os atos e todas as
ninguém pode tudo, nem pode sempre. decididamente, à custa de trabalho e sa-
BENEDITO VALADARES
AFONSO PENA
pessoas.
(evitando dar declarações à imprensa, de- crifício. Posso assegurar, todavia, que a
(no Mar~ifesto aos Mir~eiros de 1893, SEMPRE soube o que queria. Sempre soube
pois do Al-5, em 1968) luta por Brasília foi um dos combates mais
quando a Revolta da Armada quis impor
árduos da minha vida. querer. E isso ex plica Brasília.
QuEM BATE demais esfola a mão, de tanto um retomo à monarquia)
bater. FUI CONSERVADOR. Então, a ordem perigava,
PEDRO ALEIXO
ameaçada pelas insurreições. A de- FRASES DE TANCREDO NEVES
NÃo SE QUFSTIONA sobre o que é melhor sorganização e a anarquia punham em ris-
fazer-se quando o aperto das circunstân- co a nação. Fui conservador. Hoje, porém, NA POLíTICA mineira, nem sempre a menor LIBERDADE é o utro nome de Minas.
cias só nos faculta indagar o que se pode é diverso o aspecto da sociedade. O prin- distância entre dois pontos é a linha reta.
UM PARTIDO deve ser como um buquê de
fazer. cípio da autoridade tudo ganhou e muito SÃo AS idéias que brigam, não os homens. flores. Deve ter cravos, rosas e até flor de
BERNARDO DE VASCONCELOS já compromete. O que agora periga é a li- defunto. ~

(em 1827) S E É MINEIRO, não é radical. Se é radical,
berdade. Sou liberal.
não é mineiro.
PREFIRO CAIR com Minas a cair em Minas. BERNARDO DE! VASCONCELOS Esrou CADA vez mais convencido de que a
B UENO B RANDÃO (em 1833). O PROCESSO di,tatorial, autoritário, traz con- intransigência, a intolerância e posições
sigo o germe da corrupção. irredutíveis são interferências funestas à
FRASES ANôNIMAS O QUE existe de pior no processo autoritá- composição psicológica do nosso povo.
rio é que começa desfigurando as institui- A ARTE do político é evitar que as crises
NÃo sou coNTRA nem a favor, antes pelo PARA os AMIGOS, marmelada, para os ini- ções e acaba desfigurando o caráter do ci- atinjam momentos extremamente agudos,
contrário. migos, bordoada. dadão.
(atribuída a Silviano Brandão) que só se resolvam com o uso da força.
(atribufda a vários polfticos mi11ei1Us)
EscREvo POUCO, porque a palavra escrita
PARA sE VINGAR, pense naquilo que seus ad- UMA IDÉIA só se combate com outra.
D E BARRIGA de mulher, de cabeça de juiz e significa compromisso formal e, em polí-
versários mais gostariam que você fizesse
de boca de urna, nunca se sabe o que vai tica, a gente tem que ser muito flexível. DISCURSO não muda voto.
e, depois, faça exatamente o contrário.
sair.
(atribufda a Tancredo Neves)
É MEUJOR JX>RMJR no chão que cair da cama. Voro COMPRADO é sinal de que voto te m
valor. FRASES DE IIÉLIO GARCIA
M ELHOR QUE SER governo, é ser amigo do
governo. O POLÍTICO DEVE respeitar o padre, que con-
segue votos, o juiz, que preside a eleição, CoMPROMISSO escrito some, desaparece. A O MINEIRO, quando não gosta, não briga,
CoNVERSA de mais de dois é comício. e o soldado, que garante a posse. palavra fica. mas também não faz as pazes.

R EUNIÃO, só depois de tudo decidido. QuANDO dois políticos brigam, os dois per- CADA VEZ que deixo de assinar um papel, As GRANDES ambições não levam a gran-
(princípio básico do pessedismo) dem. o Estado economiza. des soluções.

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O Povo aceita a dissidência mas não acei- TENHO secretários para me trazerem solu-
QuEM sE coloca nos extremos conta com SEM ALIBERDADE, cairemos na opressão po-
ta o dissidente. ções e não problemas.
facilidades sedutoras, inclusive com a lítica. Sem a igualdade, consolidaremos a
DA AGITAÇÃO à convulsão, é um pulo. É UMA PALAVRA que me anima, fazenda. É ilimitação, que seduz como a liberdade mas opressão econômica. Num caso e noutro,
fazendo. É disso que eu gosto. atrai como o abismo. No meio, há a pres- estará esquecida a pessoa humana e a de-
OBRA não elege, mas ausência de obra der-
são dos lados e surge a necessidade de rea- mocracia falecerá na sua missão.
rota.
O POúTICO tem de lutar por s uas posições gir, de medir e de compor. As IDÉJAS, em geral, nascem despreveni-
EM MINAS os políticos divergem, mas se mas não pode fugir ao dever de ficar com
O MEIO TEMPO é a barca salvadora que evi- das e desarmadas, como é próprio dos Cru-
entendem. a maioria.
ta os naufrágios, e o que lhe falta em bele- tos do espírito. Mas a paixão as envolve,
za, em ímpc;:to e em espetáculo, se com- o amor-próprio dos homens as desnatura,
pensa pelo que nos oferece de estável, de a emulação as faz agressivas e, ao cabo, a
FRASFS DE MfLTON CAMPOS
repousante e de humano. própria idéia de paz torna-se um pretexto
de guerra.
SENDO UM momento da eternidade, temos O MAIOR problema das ditaduras nem sem- O EQUILÍBRIO -eis o traço característico
o eterno em nós. O ceticismo comodista é pre está no ditador, mas no soldado, no da índole mineira c que é, ao mesmo tem- Os GOVERNOS que se distraem da Justiça,
que nos leva à convicção de que somos pas- inspetor de quarteirão. Se são eles os en- po, sua glória e seu drama. Porque o equi- na preocupação do resultado, não atingem
sageiros (em 1922, quintanista de Direito, carregados de fazer cumprir as leis da di- líbrio exige esforço excepcional, em con- o que pretendem e perdem, com a perda da
22 anos). tadura, que segurança resta ao cidadão? traste com as facilidades dos ímpetos, dos paz pública, aquela paz interior que só lhes
O TEMPO é infinito e indivisível. Mas o ho- impulsos, das posturas despreocupadas. pode vir da retidão da conduta.
CuMPRE DISfiNGUIR entre a revolução e seu
mem finge limitá-lo e dividi-lo com a fic- processo. A revolução há de ser perma- É NECESSÁRIO que o homem de governo
O coMANDO de um só homem ou de um só •
ção dos anos e dos dias, para ter a ilusão nente como idéia e inspiração. O processo saiba sofrer com o povo c seja capaz de
grupo de homens não é apenas uma
consoladora de que é o tempo que passa revolucionário há de ser transitório e bre- mergulhar verticalmente nas camadas mais
usurpação política. É também o método
por ele, e não ele pelo tempo (1922). ve, porque s ua duração tende à consagra- profundas, para delas emergir, não como
ineficaz e ilusório de captar maliciosamente
DIZ-SE QUE o instinto é mau, que o instinto ção do arbítrio, que elimina o direito, sentimento esportivo de alívio, mas com
a confiança do povo, para traí-lo em se-
é cego. No entanto, ele é a marca da divin- in tranqüiliza os cidadãos c paralisa o meio as apreensões de quem encontrou a verda-
guida.
dade na criatura. O que conseguimos além social. de e viu que a verdade é triste.
do instinto é por trabalho nosso, com es- O sENTIDO do equilíbrio não há de se en-
O povo, por mais que se lhe diga que é a
forço doloroso. Com o instinto, vamos por As SOLUÇÕES políticas nunca são perfeitas tender como estático e passivo, nem se re-
fonte do poder, não se interessa por exercê-
caminhos diretos e claros; só com ele, não e suscitam sempre um exame comparativo ve la num só lance, mas do conjunto deles.
lo.
fugiríamos a nosso fim. O sofrimento é das vantagens e desvantagens. Tais sejam as circunstâncias do meio em
dado momento, o equilíbrio tanto pode es- NÃo SE PENSE em fazer do filósofo um es-
uma criação da inteligência (1922). A EsrRUTURA constitucional pode ser a mais tar na posição defensiva como na atitude tadista nem do estadista um filósofo, como
Só o PENSAMENTO desinteressado pode ser bela e o seu texto pode ser modelar. Se no sonho da república platônica. Mas há
agressiva. O essencial é a constância de
realmente audaz (1922). entretanto a boa aplicação não lhes tira os uma inspiração orientadora, sempre pre- que aproximar as duas missões, porque
A JUSfiÇA não está na lei, ma~ na interpre- efeitos benéficos da coletividade, é que a sente na ação, nas lutas e nas soluções. elas têm uma finalidade comum, que é a
tação da lei. Se a lei proíbe aglomerações, Constituição falhou ao seu destino. Não de elevar o homem e orientá-lo para a per-
será culpa dela, mas dos aplicadores. A POLíTICA é, por definição, a arte das tran- feição moral e para a paz.
uma interpretação taca nha pode estendê-
sigências.
la até a batizados e casamentos. MAIS VALE demorar-se na reflexão que pre- NEM TODO regionalismo é odioso e
A PRIMEIRA qualidade de uma Constituição cipitar-se num impulso de agir que nos Os GOVERNOS, como todas as construções, im pa tri6tico.
é ate nder à realidade do povo ou da nação pode levar à prática de erros irremediá- são sempre obra da juventude, qualquer
que seja a idade do governante ou do cons- NÃo sÃo os textos legais que mais impor-
a que vai servir. veis. tam, e sim a prática das instituições.
trutor.

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PARA QUE a república seja, realmente, o go- O HOMEM LIVRE é sobretudo um ideal. Os HoMEM TEMIDO não é o homem forte, mas NA roúnCA, a coisa mais difícil é guardar
verno do povo, pelo povo e para o povo, é imediatistas o abandonam. Os frívolos o 0 que está disposto a lutar em todas as o silêncio; e não guardar o silêncio é a coi-
preciso que o povo, além de estar presente desconhecem. Os golpistas o desprezam. circunstâncias. sa mais perigosa.
nos negócios públicos pelos seus represen- É que, para o seu florescimento, muitas e CoRAGEM e fortaleza devem andar juntas. A AKrE DE VIVER é criar afetos. O mais fe-
tantes, interfira diretamente e com mais fre- duras são as condições, que a ligeireza de A coragem do fraco não é coragem e não o liz dos homens é o que tiver sabido viver
qüência na ordem pública. espírito e o egoísmo dos impulsos nem che- toma temido. Toma-o ridículo. como mestre dessa arte.
HÃ, INATO em todo bom mineiro, um fino gam a compreender.
A REGRA na política é não ter regra. Tal SE o NOSSO amigo não nos tiver dado ja-
sentimento de malícia, de desconfiança, de processo convirá num caso, não servirá mais nenhum desgosto, só por isso lhe fi-
O GOVERNO é ainda obra de cultura, na mais
ironia, que anda muito próximo do ceti- noutro caso. A audácia, por exemplo. Nem camos devendo a nossa gratidão.
ampla e abrangente significação do termo.
cismo. sempre a sorte ajuda os audaciosos. A au-
EsTIMEMOS, mais e mais, os nossos ami-
A LIBERDADE é uma batalha incessante e A REALIDADE é muito poderosa e de sua ho- dácia não raro os desaponta, muitas vezes
gos. E busquemos habituar-nos a ir viven-
sempre a perdem os povos que descansam nesta interpretação podem resultar altera- os perde. Em muitas situações, porém, (a
do sem eles.
na suposição de a haverem conquistado de- ções no modo de considerar os homens, as audácia) é o processo que conduz à vitó-
finitivamente. idéias e as instituições. ria. O POLiTJco deve viver sem estar na depen-
dência de ninguém e tudo fazer para con-
NA VIDA POÚTICA, a prudência e a paciên-
tar com a boa vontade de todos.
cia ajudam a conquistar os objetivos. A
FRASES DE GusrAvo CAPANEMA bondade e a justiça trazem a estima do NA roLinCA, fugir das intimidades. Con-
povo. A alegria e a gentileza tornam maior vém guardar sempre, com relação a todas
NAS COISAS POÚTICAS, a versão muitas ve- O LÍDER tanto mais dura quanto menos o número de amigos. as pessoas, um fundo,. irrevelado e •
zes vale mais do que a verdade (apropria- manda. intocável.
0 VERDADEIRO POUTICO, quando está no po-
da por José Maria de Alkmim e TR~ SUPERIORES qualidades deve ter o ho- der, jamais se_desvincula do povo, nem se Os CHEFES duros não ficam no coração do
simplificada para "Na política, mais vale mem de governo: ser realista, ser progres- descuida de ir, cada vez mais, encurtando povo. Os que façam mil coisas essenciais
a versão que o fato"). sista, ser otimista. Tal homem, portanto, as distâncias. pela pátria, mas não tenham grande bon-
UMA REVOLUÇÃO só é vitoriosa quando não não pode ser nem sonhador, nem rotineiro, dade, brandura, comiseração, esses não
A AÇÃO POÚTICA não se apresenta com uma
é mais propriedade de ninguém. nem cético. Esses defeitos, ainda que só ficam populares. Exemplos não faltam na
só direção. Ordinariamente, deve ser pele-
um deles, tirariam ao estadista o sinal de nossa história.
PoúTICA é a arte de conquistar e conservar ja no sentido do poder. Será muitas vezes
grandeza. CoiSA RARA é aestima desinteressada. Mais
o poder. defesa, algumas vezes, agressão. É preci-
A EXPERIÊNCIA é tida como excelente dom so, portanto, não perder de vista nem o ami- raro ainda é que alguém mereça ser esti-
O SII.P.NaoPODEserum modo de ficarmos con- do homem de governo. Mas o lúcido espí- mado com desinteresse.
go, nem o inimigo.
tfa: o que os outros nos estão dizendo. rito, cheio de saber, vale muito mais.
NAS ocoRJW.iCIAS de política, é preciso teres- As PESSOAS, em regra, se entristecem mais
A POÚTICA TEM de ser o primado da razão O HOMEM sem ideal, ou que apenas seja pecial cuidado com as hipóteses. A gente ad- com os nossos infortúnios do que se ale-
contra a violência. Nas épocas de apaga- capaz de adotar este ou aquele ideal de mite duas, três ou mais, pensando ter esgotado gram com os nossos êxitos.
mento do saber, é indispensável que uma empréstimo, ou de circunstância, poderá todas as possibilidades. Mas o acontecimento
lúcida minoria continue vigiando a chama, NÃo DIGAMOS a nenhuma pessoa, em tom
vir a ser um político influente, não será não raro vem a ser diferente de todas as solu-
a fim de que a luz da razão não venha a de brincadeira, o que não lhe diríamos a
jamais um autêntico homem de estado. ções admitidas. Ajusta previsão escapa mes-
fenecer de todo. sério.
0 PRESIDENCIALISMO tem necessidade do mo ao tino político mais agudo.
A POúTICA é o terreno do inesperado.
HA PESSOAS que não têm nenhuma impor- grande homem; mas o grande homem pode O SILÊNCIO do político deve encerrar um
tância, mas têm amigos nas redações dos vir a ser o maior perigo do presidencialis- certo mistério. Convém ser algo enigmáti- ToDA GLÓRIA é sempre cercada de ódios pe-
jornais. mo. co. rigosos.

52 53
Aos POÚTicos, quanto mais prestigiosos A MODÉSTIA não é virtude; a humildade, CAPíroLOlll
sejam, todo mundo pede coisas, na maior sim.
parte das vezes, impossíveis. Não é corre- A Arte Mineira de Fazer Política
PESSOA NENHUMA gosta de estar na compa-
to, e só traz malquerença, tomar atitude
nhia de quem não cessa de olhar o relógio.
enganosa ou dúbia, deixando que o tempo
traga, a quem pede, o desengano. O que é CoNSEGUIR DIZER bem a coisa óbvia é sinal
correto, e pode mesmo ser motivo de gra- de superior talento.
tidão, é logo prometer e providenciar, ou 0 SUPERIOR CRITÉRIO sabe evitar OS erros
dizer as razões pelas quais o atendimento vitória do oposicionista Magalhães Pinto, UDN, sobre o situacionista Tancredo

A
antes das experiências.
não vai ser possível. Neves, PSD, nas eleições para o governo de Minas, em 1960, é um episódio-
Tooo MOVIMENTO pela liberdade, mesmo er-
0 POÚTICO DE PRIMEIRA ordem está sempre síntese da arte mineira de fazer política.
rado, deve ser lembrado com gratidão.
acima dos acontecimentos e não desnor- Outro, mais distante: as oscilações e mudanças de posições que resultaram na
teado e arrasado por eles. ENQUANTO os outros hesitam, avancemos
eleição de Olegário Maciel, em 1930, com o aplauso de Artur Bernardes e contra as
sem perda de tempo.
MUITAS VEZES, é preciso distinguir, nos ou- pretensões de Fernando de Melo Viana.
tros, o que é pouco caso do que é simples O ESPÍRITO de conciliação é grande quali- Ainda no plano das disputas estaduais, um terceiro episódio-síntese, mais recente:
falta de educação. dade do político. Mas é preciso evitar que
a escolha do baiano Newton Cardoso como candidato do PMDB, em 1986, contra o
O QUE TORNA DIFÍCIL uma carreira política desande em duplicidade, a qual, no políti-
co, está entre os maiores defeitos. mineiríssimo Pimenta da Veiga, e sua posterior eleição ao governo, vencendo o senador
é a necessidade de uma simultânea
Itamar Franco, mineiro de Juiz de Fora.
pluralidade de ação intensa. O artista, o O PRIMEIRO DEVER de uma nação, que aspi- •
Fora das eleições, um outro episódio-smtese: o Manifesto dos Mineiros de outubro
historiador, o filósofo, o poeta, o profes- ra à verdadeira grandeza, é colocar a edu-
de 1943, cuja importância na luta pela redemocratização seria realçada pela História
sor, o romancista, o homem de negócios, o cação popular de teor cada vez mais
militar, o sacerdote, o cientista, cada qual elevado continuadamente no primeiro lu- mas, na ocasião, percebida apenas pelos espíritos politicamente mais evoluídos (para o
tem a sua província delimitada e pode dar- gar, entre todos os demais problemas. No bem, os que tiveram a coragem e a oportunidade de assinar, ou para o mal, os que em
se inteiramente a uma obra. O político não. Brasil, desgraçadamente nunca foi e não é seguida puniram os signatários).
O político tem de multiplicar-se c ser, ao assim. Duas eleições presidenciais também sintetizam a sensibilidade política dos minei-
mesmo tempo, responsável por um sem- ros transformada em arte: em 1955, quando Juscelino Kubitschek, PSD, venceu Juarez
Os GOVERNANTES não devem perder de vis-
número de coisas diferentes e difíceis. Por
ta que todo abuso, mais cedo ou mais tar- Távora, UDN, c trinta anos depois, em 1985, quando o oposicionista Tancredo Neves
isso não é raro fracassar ou não passar de
de, é punido, e não raro, tragicamente. personificou o desejo nacional de redemocratização e derrotou o candidato situacionista,
uma categoria média. O grande político é
um caso de genialidade. O DINHEIRO é como o amor, porque não ape- Paulo Maluf.
nas pode unir profundamente dois seres Em 1960, não se cogitava de vitória de um candidato da UDN. Ganharia o do
NÃo É RARO, nos grandes momentos políti-
humanos, como pode contrapô-los em ódio PSD, qualquer que fosse. Falava-se até em nomeação, em vez de eleição. Afinal, o PSD
cos, que tal ou qual pessoa venha, apres-
sem remédio. estava na presidência da República, no efervescente mandato de Juscelino Kubitschek.
sada e alegre, contar-nos uma novidade
feliz, de que já tenhamos conhecimento. Di- No GABINETE do político, todos devem en- Também pertencia ao PSD o governador José Francisco Bias Fortes, filho de um dos pais
zer-lhe que de tudo estamos informados é contrar certo conforto, que não estará nos da Minas Republicana; Crispim Jacques Bias Fortes, o homem que mudou a capital de
o que faz o comum dos homens. Mas o tapetes e nos quadros, nas poltronas ou na Ouro Preto para Belo Horizonte. À exuberância de JK e à tradição de Bias Fortes, veio se
mais próprio do político dotado de eleva- xícara de café oferecida. Estará nas pala-
somar a habilidade do candidato escolhido, Tancredo Neves. As circunstâncias se torna-
da cortesia é simular ignorância do assun- vras dadivosas, na boa vontade para com
ram ainda mais favoráveis ao pessedismo quando a UDN escolhe u para candidato um
to e manifestar o contentamento desejado os possíveis pedidos, na infinita paciência
pelo portador da boa notícia. diante da imprevista hos tilidade. banqueiro, Magalhães Pinto. No entanto, Tancredo perdeu.

54 55
Em 1930, a eleição de Olegário Maciel pôs termo a uma disputa em que esteve em
cena, também, o verdadeiro estilo mineiro de fazer política. De um lado, o metódico
Artur Bernardes, homem de hábitos contidos, político habituado a calcular antecipada-
mente cada gesto, uma liderança construída com vagar e audácia, o desafio lançado
apenas no momento mais propício. De outro lado, Fernando de Melo Viana, homem de
hábitos extravagantes, político de decisões e intervenções meteóricas, uma liderança surgida
de um momento para outro, permanentemente apto a desafiar e aceitar desafios. Os dois
estudaram no Colégio do Caraça, foram contemporâneos. Na vida e na política, Bernardes
deixou a impressão de quem queria preservar a severidade e a austeridade do Caraça, que
Melo Viana parecia o tempo todo querer contrariar e destruir. Prevaleceu, no capítulo
final, o estilo bernardista. Mas Olegário Maciel acabaria por se sobrepor a ambos, no
lance seguinte.
Em 1986, Newton Cardoso surgiu como um trator (autodefinição), na disputa do
governo estadual. Como o resto do Brasil, Minas convalescia de duas décadas de ditadu-
ra. Reaqueciam-se e reexercitavam-se a habilidade, a sutileza, o senso de observação, a
noção de tempo e outros elementos que compõem a estrutura da política mineira. Fazia
um ano da morte de Tancredo Neves. Hélio Garcia completava o seu segundo ano de
governo. O PMDB ostentava ainda cintilante o distintivo de grande frente da luta contra •
a ditadura. Nesse cenário, Pimenta da Veiga e Itamar Franco despontavam como princi-
pais postulantes, até que Itamar Franco decidisse abrir dissidência e, para surpresa geral,
Hélio Garcia escolhesse Joaquim de Melo Freire como candidato do partido. Só então
todos se deram conta de que não haviam levado a sério o crescimento de Newton Cardo-
so. Mas aí já era tarde.
Era extremamente arriscado, em 1943, levantar-se contra o Estado Novo. O dita-
dor Getúlio Vargas exibia uma face sorridente e bonachona. Nas grandes linhas, seu
governo confirmava essa cordialidade. Nos porões, entretanto, vigorava uma ditadura
violenta, vigilante, vingativa. Em 1942, Vargas decidiu comemorar o centenário da Re-
volução Liberal de Minas e São Paulo, liderada em Minas por Teófilo Otoni. Para os
mineiros conhecedores da história mineira, era uma afronta. Houve reações. Mas não
houve punições. As antenas mais sensíveis da política mineira interpretaram a ausência
de punição como sinal da existência de pontos vulneráveis na carapaça do monstro. Dali
por diante, foram meses e meses dedicados a articular, escrever, rever, reescrever, até
Uma seqüência pessedista que parecia irreversível mas que não deu certo: o presidente e ex- surgir um texto final passado de mão em mão para a assinatura dos que concordavam e,
governador Kubitschek abraça o candidato Tancredo Neves, que não conseguiu se eleger por fim, a impressão numa gráfica de Barbacena e a distribuição cautelosa, de maneira
para o lugar do governador Bias Fortes. que o governo só descobrisse quando um número expressivo de pessoas já tivesse recebi-
do sua cópia do manifesto "Ao Povo Mineiro".

56 57
A vitória de Juscelino Kubitschek em 1955 foi a mais entusiasrnante que Minas As eleições de 1960, no entanto, guardam segredos extraordinários, para quem
gerou e acompanhou. A escalada política de Kubitschek, por sinal, encanta e fascina esteja de fato interessado em conhecer a política e os polfticos de Minas Gerais. Por
desde a prefeitura de Belo Horizonte. Não por acaso, toda eleição brasileira, em todos os várias razões. Foi o último dos quatro confrontos diretos entre os dois maiores partidos
níveis, sempre registra um ou outro candidato que se diz inspirado no --e até herdeiro do do estado, Partido Social Democrático, PSD, e União Democrática Nacional. Foi naque-
- estilo JK. Deveriam informar-se melhor sobre a campanha de 1955. Primeiro, la eleição que se viu, com mais clareza, como PSD e UDN, de tanto se enfrentar, torna-
Kubitschek precisou se impor como candidato dentro do PSD, uma luta só por si enorme. ram-se idênticos, numa concretização do fenômeno sociológico conhecido como mimetismo
Indicado candidato, enfrentou urna venenosa conspiração gol pista para garantir a perma- do duelo. Foi ali, também, que Tancredo Neves e Magalhães Pinto iniciaram a longa série
nência da candidatura. Finalmente, veio a campanha eleitoral, duríssima, travada em de negaceias que encenaram por mais de vinte anos. Nunca mais, desde então, deixaram
condições adversas, sem nenhum dos confortos, recursos e facilidades hoje existentes. de espreitar um ao outro.
Mas os sobressaltos não pararam, com a vitória nas urnas. Faltava ainda um confronto Na virada da década de 70 para a de 80, quando os dois chegaram a coabitar sob
com o golpismo, que usou de todos os meios para anular a eleição e impedir a posse. Um o mesmo teto da presidência do Partido Popular, PP, Magalhães Pinto armou uma arapuca
episódio-síntese da arte mineira de fazer política, sem dúvida. para Tancredo Neves, que percebeu em tempo: "Magalhães quer me forçar a me declarar
O sexto episódio-síntese, completando a série dos escolhidos como ilustração do candidato. Eu não vou fazer isso. Se eu me declarar candidato, ele ficará contra e eu terei
estilo mineiro de fazer política, é o da redemocratização de 1985. A montagem da candi-
datura de Tancredo Neves mostra como age e persegue seus objetivos o político mineiro
de boa cepa. Desde 1974, início do governo Geisel e do processo de distensão política,
Tancredo Neves estava consciente de que chegava a sua vez. Olhava à sua volta e não via
outro político tão preparado para se tornar o primeiro civil na chefia do governo, quando •
cessasse o ciclo dos generais-presidentes. Os pronunciamentos, entrevistas, articulações,
intervenções -cada gesto de Tancredo Neves, a partir de então, visava a sucessão
presidencial. A manobra final, que implicou torpedear a aprovação da emenda das dire-
tas-já em maio de 1984, é de um requinte incomparável. Dali para a frente, restava
apenas o trabalho delicadíssimo e minucioso de completar a obra.
A seguir, uma abordagem mais detalhada de cada um desses seis episódios que
sintetizam a arte mineira de fazer política.

1960
Cisão e Perdição

As eleições de 1960 aparecem muito de passagem, na infinidade de textos biográ-


ficos sobre Tancredo Neves, publicados ao tempo de sua vitória, em janeiro de 1985, e de Volta por cima: derrotado em 1960 por Magalhães Pinto (à direita, na foto), Tancredo se
sua morte, em abril. Na Imprensa e em livros, poucas linhas contam sobre 1960. Muito tornou primeiro-ministro no ano seguinte, no governo parlamentarista presidido pelo gaúcho
superficialmente, sempre. João Goulart.

58 59
que Magalhães. Os dois, na verdade, tinham a presidência da República como objetivo
final desde que se candidataram a governador de Minas, em 1960. Sabiam, ambos, que o
Palácio da Liberdade é um dos atalhos mais seguros para se chegar ao Palácio do Planal-
to.
Na ocasião, as maiores chances estavam com Tancredo Neves. Teoricamente, pelo
menos. O PSD de Tancredo tinha a presidência da República, com JK, o governo do
Estado, com Bias Fortes, e havia montado com o PTB e o PR a mais forte coligação já
vista na história das eleições mineiras. A montagem dessa coligação, operada por Tancredo
e que o tomava imbatível, na prática se voltou contra ele.
As raposas pessedistas notaram, naquela armação competente, que surgia um novo
chefe da matilha. O presidente Kubitschek, amigo de Tancredo até o fim da vida, tinha
planos de voltar à presidência nas eleições de 1965. Permanecendo fora do Executivo nos
próximos cinco anos, sua candidatura talvez não resistisse, caso a figura de Tancredo
Neves crescesse, no mesmo período. Apesar da grande e sincera amizade, portanto, não
convinha a Kubitschek que um pessedista tão competente governasse Minas. Não torpe-
deou Tancredo. Mas também não emprestou todo o seu entusiasmo à campanha do ami-
go. Manteve atitude de magistrado, observada também pelo governador Bias Fortes
(nenhum dos dois subiu em palanque tancredista). •
"

Trinca pessedista: Kubitschek, Valadares e Tancredo. Embora menos preparado intelectual-


mente, Valadares foi o grande cacique do PSD desde a fundação do partido, em 1946.

que me manter candidato de qualquer maneira, quando realmente ainda não aspiro à
candidatura".
Na mesma época, Tancredo aprontou uma maldade contra Magalhães. Foi, mais
precisamente, em agosto de 1978, em Porto Alegre, em comício da Frente Nacional de
Redemocratização, organizada pelo MDB (fancredo), a dissidência da Arena (Maga-
lhães) e a sociedade civil, para influir na sucessão do general Ernesto Geisel. Magalhães
foi um dos mais vaiados no comício. Em várias ocasiões, nos dias seguintes, Tancredo
insistia em declarar aos jornalistas: "Quero me solidarizar com o senador Magalhães
Pinto pelas manifestações de hostilidade contra sua pessoa, ocorridas em Porto Alegre".
Na verdade, a declaração de Tancredo tinha o efeito de expor publicamente, mais uma
vez, a ferida aberta no orgulho do conterrâneo que, como ele, insistia em chegar à presi-
dência. Outra trinca pessedista: Capanema, grande intelectual do partido, o governador Bias Fortes
O longo duelo e a vigilância recíproca acabaram por fundir os estilos, ao ponto de e Alkmim, político dos bastidores, extraordinário articulador, ql!-e preferiu ficar conhecido
freqüentemente Magalhães parecer mais pessedista que Tancredo, e Tancredo mais udenista pelo folclore.

60 61
Ara posa-mor do PSD, No mesmo dia (30 de agosto) em que aceitou formar chapa com Ribeiro Pena,
Benedito Valadares, também Aikrnim viajou para o Rio, onde se reuniu com Benedito Valadares, presidente nacional
não gostou da ascensão de do PSD. Examinaram de que maneira a dissidência repercutiria, em Minas, na campanha
Tancredo. Valadares achava do candidato pessedista a presidente da República, o general Henrique Teixeira Lott. A
que Tancredo havia celebra- avaliação de Alkmim: "A dissidência trará benefícios, porquanto o PSD mineiro se acha
do acordos demais, para paralisado, no que tange a Lott. Tancredo não pode falar o nome de Lott nos comícios,
viabilizar a candidatura. para não prejudicar os compromissos de seus companheiros de chapa".
Acordos dentro e fora do A formação das chapas, de fato, constituiu um dos grandes erros cometidos por
PSD. Valadares costumava Tancredo Neves em 1960. Prometeu o lugar de vice-governador ao PR e ao PTB. Cada
dizer, explicando sua oposição um lançasse o seu candidato, o mais votado seria o vice-governador. Ao partido menos
à candidatura de Tancredo : votado para vice-governador, o PSD garantiria depois a presidência da Assembléia
"Ele não sargenteou. Na polí-
tica mineira , tem que
sargentear para se chegar a
coronel". Mais que frase,
Valadares produziu ação con-
tra a candidatura de Tancredo.
Abençoou a dissidência aber-
ta por José Ribeiro Pena e José
Maria de Alkmim, decisiva na

derrota de Tancredo Neves.
Isto é: mais duas fel-
pudíssimas raposas do PSD
afiaram dentes e unhas con-
tra Tancredo Neves na última
Abraço de aliados, embora de partidos opostos: o pessedista semana de agosto de 1960, a
Alkmim, que abriu dissidência em 1960, e o udenista Ma-
pouco mais de trinta dias das
galhães Pinto, que soube aproveitar a divisão dos adversá-
rios para vencer. eleições (realizadas em 3 de
outubro).
Apesar de membro da comissão executiva do PSD e ex-ministro da Fazenda de
Kubitschek, Alkmim confirmou que ia sair como vice na chapa de Ribeiro Pena, pelo
PDC. Explicação dada por Alkmim: "Entendo ser de meu dever considerar a possibilida-
de de minha participação direta no pleito que se avizinha. Aceito a indicação e aguardarei
o encaminhamento do assunto com o propósito de quem apenas quer servir a Minas".
Entre dirigentes pessedistas, por todo o estado, germinava aos poucos a suspeita
de que a candidatura Tancredo Neves era causa imediata dos perigos que ameaçavam seu
partido. Valadares, Ribeiro Pena, Alkmim nunca deixavam de lamentar, nas conversas
ao pé do ouvido de correligionários, o excesso de vantagens oferecidas por Tancredo ao Chapa derrotada, apesar do brilho: o candidato a vice, San Tiago Dantas, uma das mais
fulgurantes cabeças políticas produzidas por Minas, e o candidato a governador, Tancredo
PR e ao PTB. Em conseqüência, o sistema situacionista viu-se desfalcado de um grupo
Neves.
ponderável de líderes.

62 63
dência pessedista, nem a competência política de Magalhães Pinto figuravam nas análi-
ses e declarações públicas de Tancredo Neves.
Uma e outra exerceram papel preponderante, no entanto. Os números finais,
arredondados, foram os seguintes: Magalhães Pinto 760 mil votos, Tancredo Neves 690
mil votos, Ribeiro Pena 70 mil votos, brancos e nulos 158 mil votos. Vê-se, por esses
números, que faltaram a Tancredo, para empatar com Magalhães Pinto, exatamente os
70 mil votos da dissidência. Unida, a base pessedista por certo garantiria o suficiente
para barrar, em Minas, o efeito Jânio Quadros.
Mas não foi só a dissidência que derrotou Tancredo. A competência política de
Magalhães Pinto também pesou. Tancredo Neves vinha de ocupar a Secretaria da Fazen-
da, no governo Bias Fortes, depois de ter passado pela Carteira de Redescontos do Banco
do Brasil e por uma diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Havia

Zezinho Bonifácio, udenista histórico, ao lado de Nélson Thibau, figura folclórica da polltica
mineira e uma das pequenas causas da derrota de Tancredo em 1960, com sua decisão de
também sair candidato a vice-governador.

Legislativa. Um e outro, de todo modo, podiam contar antecipadamente com uma impor-
tante quantidade de secretarias, diretorias, chefias.
Tanta generosidade despertou ciumeira entre pessedistas. Convencido da vitória,
Tancredo Neves desdenhou: "As defecções no PSD são inexpressivas, do ponto de vista
eleitoral". Desdenhou a força do adversário: "O sr. Magalhães Pinto pessoalmente é um
candidato respeitável, mas politicamente está circunscrito à reduzida área udenista". Des-
denhou até o furacão Jânio Quadros, apoiado pela UDN, que varria o Brasil: "O que se
verifica, em relação ao sr. Jânio Quadros, é mais curiosidade do que uma simpatia popu-
lar profunda. O estilo político do sr. Jânio Quadros não toca o homem mineiro".
No futuro, em mais de uma ocasião, Tancredo atribuiria sua derrota ao furacão
Jânio, associado à pujança dos cofres de Magalhães Pinto. Nunca, nas declarações e Última passagem do PSD pelo poder: o vice-presidente Alkmim (governo Castelo Branco) e o
análises de Tancredo Neves publicadas pelos principais jornais e revistas do Brasil, apa- governador Israel Pinheiro, cuja eleição irritou os militares e contribuiu para a extinção dos
rece a dissidência pessedista como fator fundamental nas eleições de 1960. Nem a dissi- antigos partidos.

64 65
Além do mais, a pecha de banqueiro, que a teoria política põe no topo das mais
nocivas a qualquer candidato, não se aplicava nocivamente a Magalhães Pinto, na época.
Estava recente, na memória de Minas, o fato de que ele só se tornou banqueiro por ter
assinado o Manifesto dos Mineiros, de 1943. Na campanha, Magalhães Pinto soube
realçar essa condição de vítima do Estado Novo, mas não uma vítima indefesa e inerte.
Apresentou-se como alguém que, demitido pela ditadura de uma diretoria do Banco da
Lavoura, retrucou com a criação, em Minas, de um dos maiores bancos brasileiros.
Outro lance competente de Magalhães, na campanha: não teve candidato a vice-
governador. Um lance arriscado, mas decisivo, se funcionasse. Tancredo tinha três can-
didatos a vice: SanTiago Dantas (PTB), Clóvis Salgado (PR) c Nélson Thibau (dissidente
do PTB). Havia ainda um quarto candidato a vice, Alkmim, na chapa pcdecista de Ribei-
ro Pena. Pois bem, o candidato udenista estava livre para dobrar (fazer dobradinha) com
qualquer um deles.
Deu certo. Magalhães Pinto venceu. No governo, reali7ou uma administração efi-

À mesa, na campanha de 1960: o candidato a vice-governador San Tiago Dantas, o candidato


a vice-presidente João Goulart, o candidato a presidente Lott e o candidato a governador
Tancredo. Dos quatro, Goulart foi o único vitorioso.

ficado sem mandato eleitoral desde 1954, quando acompanhou até o fim, como ministro
da Justiça, o desfecho do drama do presidente Getúlio Vargas. Retornou à Câmara, após
o suicídio de Vargas, mas já havia passado o prazo para se candidatar à reeleição.
Sem mandato, Tancredo mergulhou fundo na candidatura de Kubitschek, em 1955,
ganhou a mais importante diretoria do BB, outra do BNDE e finalmente desembarcou no
governo Bias. Como secretário da Fazenda, incumbiu-se de botar ordem nas finanças
mineiras. Conseguiu. Podia até dizer, no início de 1960: "O governo Bias Fortes é um
governo austero, simples, de acordo com a índole clássica dos mineiros. O governador
Bias Fortes prefere trabalhar em silêncio, sem a pomposidade do ruído e da propaganda".
As finanças mineiras ficaram em ordem, mas à custa de um implacável trabalho de
fiscalização, que o competente candidato Magalhães Pinto soube explorar. Um dosslogans
mais usados pela campanha de Magalhães dizia o seguinte: "Vamos substituir os jipes da Melo Viana nos tempos de senador; reverenciado como um dos fundadores do PSD. Nos anos
fiscalização pelos caminhões da produção". 20, foi governador; vice-presidente e quase presidente.

66 67
caz, mas sem alarde, e pôde até aproveitar, como slogan ("Minas trabalhou em silên- te, o seu ocupante não tinha mais futuro no serviço público, pois se tomava pessoa
cio"), parte da frase que Tancredo Neves usou antes para definir o governo Bias Fortes. antipatizada. Explica-se: cabia ao advogado-geral executar os devedores do Tesouro, o
que significava espetar a lança no peito de quem era pego em flagrante de sonegação.
Numa terra onde as pessoas historicamente só pagam impostos com grande relutância, o
1930 advogado-geral ficava sem amigos e sem clientes, ao deixar o cargo.
Duelo Entre Filhos do Caraça Melo Viana conseguiu contrariar essa regra da vida pública. Simpático, bem-
humorado, vistoso, conquistava a simpatia até daqueles de quem exigia a atualização das
dívidas com o erário. Essa habilidade o credenciou para o cargo de secretário do Interior
do governo Raul Soares, que assumiu em 1922- mesmo ano em que chegava à presi-
A República Velha agonizava, na década de 20, mas o suspiro derradeiro demora-
va. A Tarasca, apelido dado à cúpula dência da República outro mineiro, Artur Bernardes.
do Partido Republicano Mineiro (sig- Bemardes e Raul Soares consolidavam, naquele exato momento, seu plano de
nifica mulher braba e feia, espécie de assumir o controle da política mineira. Mais que assumir o controle, planejavam renovar
bruxa mandona e incontestável), ain- os métodos da política mineira. Mas os fatos se precipitaram de tal maneira que tumul-
da ditava as regras, elegia, destituía, tuaram e reviraram os melhores planos de Bemardes e Raul Soares. Veio, primeiro, a
nomeava, mas sem a mesma força das doença de Raul Soares, um distúrbio cardíaco diagnosticado poucos meses depois de ele
décadas anteriores.
Foi bem nessa ocasião que •
Fernando de Melo Viana irrompeu com
estardalhaço no cenário político de Mi-
nas Gerais. Fica difícil entender como
uma personagem tão arrebatada s ubis-
se para os degraus mais altos pelas
mãos de Artur Bernardes, exemplar
sem retoques do mineiro contido e com-
posto, que até em casa, ao café da
manhã, só se apresentava de temo im-
pecavelmente passado, colete, grava-
ta, os poucos cabelos repartidos com
apuro, escanhoado.
A aparição de Melo Viana, em
si, espanta. Depois de longa experiên-
cia como advogado e juiz pelo interior
mineiro, ele chegou a advogado-geral
Artur Bernardes em foto oficial, com a faixa de
(hoje, procurador-geral) do Estado. presidente da República. No inicio do século, No centro da foto, de bigode branco, o presidente Washington Luls. À esquerda dele, Melo
Tratava-se, na época mais que agora, Bernardes se consagrou como polftico com voca- Viana, no cargo de vice-presidente, que obteve como espécie de prêmio de consolação por não
de um cargo terminal. Dali para a fren- ção e talento para o poder. ter chegado à presidência. À esquerda de Melo VLana, dom ·António dos Santos Cabral.

68 69
mia. Em Minas, porém, o novo governador esbanjava otimismo. O contraste chamava
atenção da imprensa. O noticiário despertava a curiosidade dos militares mais rebeldes.
Pouco tempo depois de feito governador de Minas, Melo Viana viajou a Januária,
já nos primeiros meses de 1925. Animado com a recepção calorosa, fez um discurso em
que lamentava a tristeza em que o país estava mergulhado e recomendava, como caminho
para a conciliação nacional, uma anistia ampla aos revoltosos de 1922 c 1924. A notícia
da pregação de Melo Viana chegou à capital da República e causou grande impacto. Em
seguida, eminentes figuras federais o convidaram para um encontro reservado, no Rio.
O governador mineiro atendeu ao convite. Chegando ao Rio, de trem, foi recebido
na estação pelos senadores Lauro Sodré e Paulo de Frontin. Propunham um encontro em
local secreto. Melo Viana concordou. O encontro era com dois generais e dois almirantes.
Os quatro oficiais-generais garantiam que tinham Exército e Marinha sob controle e
ofereciam a Melo Viana a presidência da República. Bastava ele dizer sim, que sairia dali
para o Palácio do Catete.

No Palácio da Liberdade, o governador Olegário Maciel (sentado) posa com uma de suas
equipes de governo. No canto esquerdo, de óculos, o jurista Mário Casassanta. Os dois de
braços cruzados são Carlos Luz e Gustavo Capanema (de óculos). Logo atrás da cabeça de
Olegário, está Gabriel Passos. No canto direito, de gravata-borboleta, Noraldino Lima. Elei-
to quando já era bem idoso, Olegário surpreendeu pela vitalidade com que governou Minas.

tomar posse. Licenciou-se por uns meses, reassumiu, licenciou-se de novo. Por mais que
quisesse, não podia mais funcionar como o parceiro de quem Bernardes dependia tanto,
no seu turbulento período de presidente da República.
O pior ocorreu em julho de 1924, quando Raul Soares morreu. Bernardes indicou
o velho companheiro do Caraça como candidato único às eleições para completar o man-
dato de Raul Soares. Melo Viana assumiu, no fim do ano, e se revelou um governante
espalhafatoso, cheio de rompantes, orador prodigioso e sem freios, animado a falar sem-
pre que ajuntava povo a sua volta e permanentemente preocupado em ajuntar povo a sua
volta.
Dinâmico e realizador, na administração, mas um furacão, no estilo de se compor-
No Palácio da Liberdade, o governador Artur Bernardes (na cadeira do meio) posa com um
tar e de fazer política. Nacionalmente, grassava a inquietação contra o governo federal. grupo de visitantes, provavelmente médicos. A essa altura, Bernardes já articulava sua elei-
Bernardes usava punhos de aço para conter a insatisfação militar e pôr ordem na econo- ção para a presidência da República.

70 71
havia escolhido Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, num lance que deixou Bernardes
sem ação, pela ousadia e pela precisão. A ousadia: contrariar Bernardes, desafiar a Tarasca.
A precisão: escolher Antônio Carlos, um nome acima de qualquer suspeição.
Aproximando-se 1930 e a sucessão de Washington Luís, surgia para Bemardes a
oportunidade de responder à altura. Sabia que Melo Viana continuava querendo a presi-
dência da República. Percebeu que essa também passava a ser a aspiração de Antônio
Carlos. Quando Was4ington Luís fincou pé no nome do paulista Júlio Prestes, Antônio
Carlos retrucou com a articulação da Aliança Liberal. Quanto a Melo Viana, contentar-
se-ia com a indicação para o governo de Minas. Bcmardes viu ali o momento de devolver
o golpe de quatro anos atrás, indicando Olegário Maciel, um nome tão respeitável quan-
to o de Antônio Carlos e, pela idade (75 anos), um governador potencialmente dócil ao
mando bemardista.
Não estava nos cálculos de Melo Viana, por certo, mas o destino se incumbiria de
zerar as contas políticas entre ele e Bemardes. Barrado em sua escalada rumo ao Palácio
da Liberdade, Melo Viana abriu dissidência em Minas, passou a apoiar o presidente
Bernardes viaja para o exllio, em 1932, como um dos derrotados na Revolução
Constitucionalista. Washington Luís, perdeu a parada na Revolução de 30 e acabou tendo de exilar-se. De
seu lado, Bernardes foi surpreendido pela energia e pela independência de Olegário Maciel,
Melo Viana disse não, em nome da velha amizade com Bemardes. O jornalista tentou derrubá-lo em agosto de 1931, fracassou, ficou com os paulistas na Revolução

Assis Chateaubriand escreveu, anos depois, que teve conversas demoradas com Melo Constitucionalista de 1932, perdeu a parada e também teve que ir para <text1io.
Viana, antes e depois de o governador mineiro recusar a presidência à frente de um golpe
militar. Escreveu Chateaubriand: "Ele se sentia humilhado e acabrunhado por ver Minas,
sua terra, sua gente, em choque com o resto da nação, em virtude de urna crise de
incompreensão que o preocupava". Depois da recusa, conta Chateaubriand, "constatei
que ele agiu, no recuo que fez, pelo respeito que lhe merecia a autoridade de Artur Bernardes
e pela amizade que lhe consagrava".
De todo modo, o nome de Melo Viana já havia subido para a órbita mais alta das
cogitações políticas, inflado também pela ruidosa cobertura que lhe dava, noCo"eio da
Manhã, o jornalista Mário Rodrigues (pai de Mário Filho e Nélson Rodrigues). Nessa
condição, ele não via por que apoiar o paulista Washington Luís para a sucessão de
Bemardes, apenas para cumprir o rodízio do nunca escrito acordo "café-com-leite". Ha-
via recusado chegar a presidente por meio de uma quartelada. Agora, sentia-se com
direito à indicação. Deu muito trabalho, para Bemardes, demover Melo Viana, que afinal
concordou em ser vice-presidente.
Contrariado por Bemardes, Melo Viana deu o troco na mesma ocasião. Sabia que
o presidente da República planejava indicar Alfredo Sá para o governo de Minas. Quan- A multidão aglomerada na rua da Bahia, em Belo Horizonte, no dia em que Bernardes retornou
do o emissário bernardista chegou a Minas com o nome de Alfredo Sá, Melo Viana já do exflio.

72 73
Não se tratava de alguém à altura do cargo e, no momento certo, saberia enxergar o seu
lugar.
Hélio Garcia dominava a cena. Refeito da prostração em que caiu após a morte de
Tancredo Neves, em abril de 1985, ele havia vencido as eleições para a prefeitura de Belo
Horizonte, em agosto, quando também se manteve afastado das articulações até o penúl-
timo instante. Quando resolveu entrar no jogo, indicou um candidato sem maior destaque
nas pesquisas, o radialista esportivo e deputado Sérgio Ferrara. "Ele é um nome novo na
política, o eleitor vai gostar disso", sentenciou Hélio Garcia. Mais que sentenciar, o
governador entrou firme na campanha. Licenciou-se do governo, para subir a todo palan-
que erguido na cidade. Venceu.
Em 1986, de novo, Hélio Garcia dominava a cena mas demorava a se manifestar.
Todos esperavam um pronunciamento do Palácio das Mangabeiras, as semanas se passa-
vam e o pronunciamento nunca vinha. Um por um, os postulantes foram desistindo, até
que restaram três: Itamar Franco, Pimenta da Veiga e, teimoso, Newton Cardoso. Nessa

Bernardes carregado por admiracú:Jres e acenando com o lenço, na praça da Estação, em •


1934, ao voltar de dois anos de exflio na Europa. Embora respeitado, ele nunca mais recupe-
rou o poder do passado.

1986
O Palácio Atropelado

O governador Hélio Garcia dominava a cena política mineira, em 1986. Todos os


postulantes a sua sucessão sabiam que a vitória dependia dele. Precisavam da bênção do
governador e da legenda do PMDB, inflada na ocasião com os ventos do Plano Cruzado
que o país aprovava e aplaudia. Três dos postulantes peemedebistas pertenciam ao secre-
tariado de Hélio Garcia: Leopoldo Bessone, Carlos Cotta e Ronan Tito. Outro brilhava
como líder do partido na Câmara, Pimenta da Veiga. O quinto grande postulante era o
senador Itamar Franco, um dos fundadores do PMDB em Minas, estrela do partido desde - -- - -- -
a inesquecível campanha de 1974, reeleito em 1982 (quando, contrafeito, cedera vez a
Tancredo Neves). Existia ainda um sexto postulante, o baiano Newton Cardoso, muito
O governador Newton Cardoso, que em várias entrevistas se comparou a um trator, em termos
rico, duas vezes prefeito de Contagem, o deputado federal mais votado do partido em de atuação política e administrativa. De fato, veio a se constituir em caso especial na cena
1978. Mas os cardeais do PMDB não levavam a sério as pretensões de Newton Cardoso. política mineira.

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75
mais um tanto do partido menor pelo qual ele saísse candidato, e chegavam à soma final
do triunfo indiscutível que toda conta teórica permite.
O ex-governador, ex-vice-presidente e, na época, ministro Aureliano Chaves, foi
um dos pefelistas que mais influíram na decisão de Itamar Franco. Quando finalmente o
senador saiu do PMDB e se filiou ao PL, Aureliano exultou: "Tínhamos uma eleição
difícil de ganhar, agora temos uma eleição impossível de perder".
Sobravam, para a convenção peemedebista, Pimenta da Veiga e Newton Cardoso.
Um, baiano de Brumado, migrado para Belo Horizonte aos 13 anos, militante da
diretta nos tempos de estudante secunda rista e universitário, integrante da juventude que
em 1964 apoiou ostensivamente a deposição do presidente João Goulart, comerciante
enriquecido com as prestações descontadas dos salários dos operários da Cidade Indus-
trial, um populista barulhento, um trator que ameaçava atropelar o Palácio da Liberdade,
em tudo o oposto das mais venerandas tradições mineiras.
O outro, mineiro da gema, filho do célebre criminalista João Pimenta da Veiga em
cujo escritório Hélio Garcia estagiou depois de formado, combativo líder do PMDB na
Câmara, bem relacionado com a imprensa, bom orador, desembaraçado na televisão, em
tudo a encarnação do que Minas gera de melhor.

No canto direito, o governador Hélio Garcia acompanha a entrevista do senador Itamar Fran-
co, qu.e pretendia sair candidato do PMDB ao governo em 1986. À direita de Itamar, o prefeito
Sérgio Ferrara. No canto esquerdo, Newton Cardoso, que afinal foi o candidato peemedebista,
e sua vice, Júnia Marise.

época Hélio Garcia produziu, numa entrevista, uma comparação chocante: "Campanha
eleitoral é como caminhão carregado de porcos. Todos gritam muito no começo da via-
gem, mas depois vão se acomodando".
Cansado de esperar, Itamar Franco abriu dissidência, em maio de 1986. Newton
Cardoso, pouco antes da decisão de Itamar, havia renunciado à prefeitura de Contagem.
Desincompatibilizava-se, por exigência da legislação eleitoral, numa demonstração de
que não estava brincando. Ia mesmo disputar a convenção do PMDB. Alardeava que
contava com votos para ganhar.
-Você não tem os votos que pensa ter, eu te derroto- avisava Hélio Garcia.
-Acho que tenho- respondia Newton Cardoso.
A desincompatibilização de Newton Cardoso coincidiu com a decisão de Itamar
Franco, mas não influiu tanto. O que mais atormentava o senador de Juiz de Fora era a
indefinição do governador. O segundo maior partido mineiro, o PFL, estava sem candi-
dato, e começou a assediar Itamar Franco. Os pefelistas mostravam os números de seu O senador Itamar Franco e correligionários, na ocasião em que decidiu abrir dissidência no
PMDB e sair candidato pelo PL, com apoio do segundo maior partido mineiro, o PFL.
eleitorado, acrescentavam os votos tirados do PMDB pelo prestígio pessoal de Itamar,

76 77
ganhar. Mas tinha um compromisso público: só ir à convenção unindo o partido. Não
tinha cabimento cu ir lá dilacerar ainda mais o partido", explicou-se depois Hélio Garcia.
Se ganhava ou não da brigada newtista, nunca se saberá. Mas ele de fato tinha penetra-
ção no partido.
Maior ainda era a penetração de Hélio Garcia nas umas mineiras, como se verifi-
cou nas escaramuças finais da luta eleitoral. Newton Cardoso discursa mal, nos palan-
ques, e projeta imagem pouco atraente, na televisão, mas se movimenta com desembaraço
no corpo-a-corpo das campanhas eleitorais, causa impressão forte junto às classes mais
baixas.
Só isso, entretanto, não lhe bastaria. Antes de se decidir por entrar na campanha de
Newton Cardoso (passaram-se três semanas, entre a convenção peemedebista e o anún-
cio de que o governador ia subir nos palanques), Hélio Garcia quis ver pesquisas que o
orientassem. As pesquisas mostraram que Newton Cardoso poderia subir até 150%, se
apoiado por Hélio Garcia, enquanto o crescimento de Itamar Franco, com o mesmo apoio,
ficaria nos 100%.
Isto é: a presença do governador, um legítimo político mineiro, neutralizaria as

Dom Serafim Fernandes Araújo, desde os anos 60 a mais destacada figura da Igreja em Mi- •
nas, dá a comunhão ao governador eleito Newton Cardoso e à vice Júnia Marise.

Entre os dois, Hélio Garcia escolheu Joaquim de Melo Freire.


Isso mesmo, Joaquim de Melo Freire, até ali apenas o árbitro de toda a disputa, na
condição de presidente regional do PMDB. A explicação de Hélio Garcia, na época: "Eu
supunha que o presidente do partido, duas vezes eleito para o cargo, fosse querido no
partido e capaz de manter unidas as lideranças do partido. Para vice, compondo a chapa,
indiquei o presidente da Assembléia, Dalton Canabrava".
A fórmula não funcionou. O partido reagiu mal. Melo Freire sentiu-se na obriga-
ção de renunciar. Pimenta da Veiga e Newton Cardoso bateram chapa na convenção. O
baiano venceu o mineiríssimo, mais de cem votos de frente, comprovando a supremacia
que tanto alardeava. Mas Newton Cardoso não venceu apenas porque somou quantidade
maior de votos. A aritmética política se constrói de nuances e sutilezas que o resultado
final nem sempre revela.
Peemedebistas leais a Itamar Franco contribuíram para a vitória de Newton Car-
doso. Preferiam Newton Cardoso como adversário. Diziam: "Ele ganha a convenção,
mas perde a eleição". Em fins de 1985, o governador llélio Garcia abraça carinhosamente o deputado Magalhães
Também contribuiu para a vitória de Newton Cardoso o recuo de Hélio Garcia, Pinto, que quase três décadas antes o introduziu na política. Pela sagacidade, os dois ficaram
depois da desistência de Melo Freire. "Eu nunca tive medo de ir à convenção. Eu ia conhecidos como udenistas de estilo pessedista.

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muitas sombras e dúvidas que pairavam eleições): "O deputado Aécio Cunha, vice na chapa de Itamar Franco, disse que queria
sobre o candidato peemedebista, emaranha- conversar comigo. Tinha conversado com o dr. Aureliano, o dr. Aureliano estava preocu-
do em denúncias que iam desde a corriquei- pado com a política mineira, com o prestígio político do Estado, com o Acordo de Minas
ra corrupção até um desagradável acertado entre ele e o dr. Tancredo Neves para o bem de Minas e da transição democrá-
indiciamento por estupro. tica. Propunha, em suma, uma união em nome de Minas. Eu então falei: 'Está na hora,
Pelo lado de Itamar Franco, embora mesmo. Você retira o nome de seu candidato, o Murilo Badaró já declarou, a mim e em
não houvesse nada em seu passado quedes- nota oficial, que retira o dele, eu assumo a responsabilidade de tirar o do Newton Cardo-
se vez a denúncias desonrosas, pipocavam so, e aí procuramos um nome de união'. O deputado Aécio Cunha disse que não dava
problemas no relacionamento do candida- mais para retirar a candidatura de Itamar Franco: ' Não podemos, já temos muitos com-
to com correligionários e com a imprensa. promissos assumidos na campanha'. Nesse ponto, dei por encerrada a conversa".
Apesar de benquisto pelo eleitorado, era A idéia de lançar uma candidatura de união estadual tinha o objetivo, atingido, de
apenas a terceira vez que percorria Minas mostrar ao eleitorado mineiro uma predisposição de transigir pelo bem de Minas. Não se
Gerais. A carreira política de Itamar Fran- cogitava de nada além de mostrar essa disposição. Quanto a Murilo Badaró, citado na
co é, acima de tudo, local, juiz-fora na. Pre- entrevista de Hélio Garcia, aparece como personagem do outro golpe decisivo na vitória
feito pelo MDBem 1%6, reeleito em 1972, de Newton Cardoso.
saltou direto para o Senado, em 1974, no Murilo Badaró é político mineiro de primeira ordem, além de intelectualmente
vácuo de uma avassaladora e inesperada muito preparado, conhecedor de música clássica, excelente redator. Serviu no Exército
com Hélio Garcia, os dois montaram juntos na Cavalaria do Centro de Preparação de •
onda oposicionista. Foi de Juiz de Fora (ci-
dade mais sintonizada com o Rio de Janei- Oficiais da Reserva (CPOR). Iniciaram vida partidária na mesma época, embora perten-
ro) para Brasília e só voltou a viajar pelos centes a parti~os diferentes, Hélio udenista, Murilo pessedista. A antiga camarâdagem,
grotões de Minas em 1982, quando se ree-. assim, facilitou o entendimento e Murilo Badaró, em vez de se aliar a Itamar Franco na
legeu senador. coligação Movimento Democrático Progressista, concordou em se lançar candidato pelo
Uma contradição, além do mais, per- PDS.
turbava a candidatura Itamar Franco: em Para os pedessistas, acendia-se a chama de uma vitória eom características
entrevistas e discursos, ele freqüentemente bairristas: entre dois candidatos baianos (Itamar Franco veio à luz a caminho de Minas,
se in titulava peemedebista histórico, o que a bordo de um navio que transportava sua mãe viúva de retorno a Juiz de Fora), o eleito-
Em fins de 1986, Hélio Garcia no Palácio da
rado mineiro escolheria um candidato mineiro.
Liberdade, na primeira vez em que governou só evidenciava sua condição de dissidente.
Minas. Solitário, Hélio Garcia tem como ca- E, como costuma repetir Hélio Garcia, "o Para Hélio Garcia, conhecedor da história eleitoral mineira, definia-se ali uma
racterística jogar com o tempo; sempre es- eleitor aceita a dissidência, mas não aceita cisão semelhante à que derrotou os pessedistas em duas ocasiões, 1947 e 1960.
pera a penúltima hora para revelar suas Depois da eleição, tanto Itamar Franco quanto Newton Cardoso reconheceram que
o dissidente".
opções pollticas.
Todas as circunstâncias deixavam a participação de Hélio Garcia determinou o resultado final. Contrariado, o senador
Hélio Garcia mais no controle da situação. Nenhuma das personagens centrais conhecia Itamar Franco acusava o governador de não ter garantido para ele a legenda governista:
aquela história tão bem quanto o governador de Minas. Pouco antes da reta final da "Eu, com a sigla do PMDB, ganharia com 90% dos votos".
campanha, ele desfecharia dois golpes decisivos. Um, revelado por ele próprio, teve como O vitorioso Newton Cardoso também argumentava com base em números: "Hélio
testemunha o deputado Israel Pinheiro Filho. Garcia influenciou na minha campanha, sim. Acho que minha eleição se deveu a três
Contou Hélio Garcia à revista lstoÉ, em setembro de 1986 (dois meses antes das grandes forças: 33% do PMDB, 33% do Hélio Garcia e o resto, prestígio meu".

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para a rebeldia, daí surgindo a Revolução Liberal de Minas e São Paulo que o poder
central sufocou com violência. Teófilo Otoni teve oportunidade de fugir. Mas preferiu a
prisão e o julgamento, em Mariana, onde os jurados se levantaram respeitosamene à sua
entrada e, ao final, presentearam-no com a pena usada para redigir a sentença absolutória.
Estudiosos da história mineira colocam Teófilo Otoni na mesma galeria habitada
por Tiradentes e Felipe dos Santos. Um desses estudiosos foi Paulo Pinheiro Chagas,
autor do livro "Teófilo Otoni, Ministro do Povo", redigido durante 1942 e publicado em
janeiro de 1943.
Antes de publicar o livro, Pinheiro Chagas valeu-se de registros biográficos de
Teófilo Otoni para diluir, em artigos para a imprensa, a frustração vivida em Minas
durante a ditadura do Estado Novo. Minas havia garantido a vitória da Revolução de
1930, foi o estado de maior peso político e econômico entre os que desafiaram o poder
central, quem mais teve a perder foram os mineiros, mas o governo ficou com os gaú-
chos, o poder coube aos gaúchos e, com o Estado Novo, a voz liberal de Minas estava
obrigada ao silêncio.
Uma trinca udenista: Pedro Alei.xo (de chapéu), Zezinho Bonifácio (centro) e João Franzen de
Lima. Os três assinaram em 1943 o Manifesto dos Mineiros, que precipitaria a derrubada da
ditadura do Estado Novo.

A conta de Newton Cardoso parece certa. Quanto a Hélio Garcia, acertou no que
viu: " Nunca perdi nada. Se perdêssemos a eleição, a derrota seria minha. Mas sabia que
me sairia bem do episódio". Acertou também no que anteviu, pois avisou que se afastaria
da polftica, depois das eleições, para se preservar e só voltar quando sentisse ter chegado
a hora (o que aconteceu com sua vitória nas eleições de 1991 para o governo de Minas).

1943
Palavras Serenas, Sóbrias e Claras

A raiz do Manifesto dos Mineiros, de 24 de outubro de 1943, foi fincada 101 anos
antes, quando Teófilo Otoni liderou, em Minas Gerais, a Revolução Liberal de Minas c
São Paulo.
O liberalismo mineiro, por sinal, deve muito a Teófilo Otoni. Deputado geral (fe-
Personagens ligadas ao Manifesto. Ao centro, América René Giannelli, que se recusou a de-
deral) no Império, protestou vivamente contra a Lei de Interpretação, de 1838, quedes- mitir signatários. À esquerda dele, Magalhães Pinto (ainda com alguns fios de cabelo) e
mantelava o trabalho de aperfeiçoamento da Constituição de 1824. Os protestos evoluíram Darcy Bessone. À direita dele, Franzen de Lima.

82 83
A censura, a tortura, as de Melo Franco estavam no núcleo original, juntamente com Luís Camilo de Oliveira
prisões espalhavam o medo por Neto, Dario de Almeida Magalhães, Pedro Aleixo e José de Magalhães Pinto.
toda parte, ao mesmo tempo em Na época, Magalhães Pinto ainda não era dono de banco. Mas talvez já fosse,
que a propaganda de obras e rea- entre todos, o de melhor situação financeira, como um dos principais diretores do Banco
lizações do governo difundia uma da Lavoura. Financiou as primeiras viagens, além de ter participado das conversas e
imagem positiva e esperançosa, articulações que chegaram à conclusão de que o mais eficaz, naquele momento, seria
ressaltada pela cara risonha de redigir um manifesto e procurar um jornal que topasse furar o bloqueio da censura.
Getúlio Vargas, o ditador. Para Era já pelo final de julho de 1943, quando o núcleo original se decidiu por um
quem concordasse, ótimo, per- manifesto. Sua decisão seria estimulada, em agosto, pelo Congresso Jurídico Nacional,
feito. Mas um horror, para quem no Rio, promoção do Instituto dos Advogados. A programação do congresso previa um
discordasse, pois não havia ca- painel em que se discutiria a volta ao Estado de Direito. Não se tratava de tema central,
nal, não existia por onde exprimir apenas uma das muitas questões que costumam entrar nas pautas de encontros jurídicos
a discordância. As almas su-
Milton Campos (canto direito), um dos responsáveis pelo em todos os tempos. Mas naquele tempo era melhor não discutir esse tema, no entender
focadas pela opressão, como a de
texto do Manifesto e, depois, fundador dn UDN e pri- dos organizadores do congresso. Poderia parecer provocação. Assim, riscou-se dos de-
meiro governador eleito pelo partido. Com ele, Gabriel Pinheiro Chagas, recorriam a
bates da volta ao Estado de Direito. Inconformadas, as bancadas de Minas e do Distrito
Passos, o candidato udenista derrotado por Kubitschek toda sorte de subterfúgios c vál-
em 1950. Federal se retiraram do Congresso -e, de novo, ficou por aquilo mesmo; não houve
vulas. O exemplo de Teófilo Oto-
ni funcionava como uma dessas
punição ao gesto de rebeldia.
~

tábuas de salvação. Para os novos conjurados de Minas, não havia mais dúvida. Chegara a hora de
agir. Virgílio de Melo Franco, Dario de Almeida Magalhães e Odilon Braga redigiram os
Talvez porque já tivesse esgotado todo o repertório de comcmo_rações, talvez por
três primeiros- textos. Cada um em separado. Cada um com seu estilo, como analisou
excesso de confiança, talvez espicaçado pelos muitos artigos enaltecendo a figura de
Teófilo Otoni, talvez simplesmente por um desses acasos da sorte, Getúlio Vargas resol- Paulo Pinheiro Chagas: "O texto de Virgílio era talvez o mais vibrante; o de Dario, o
veu promover uma cerimônia que marcasse o centenário da Revolução de 1842. Da mais jurídico, e o de Odilon, o mais evocado r do sentimento c do passado mineiros".
comissão encarregada dos festejos, naturalmente, deveriam participar mineiros e paulistas. Pedro Aleixo e Mílton Campos leram, propuseram supressões e acréscimos, reme-
Afonso Arinos de Melo Franco, convidado a tomar parte da comissão, recusou-se. teram todo o material para o Rio, onde Virgílio se encarregou de fundir os três textos em
Naquele momento, ninguém ousava recusar nada que o Estado Novo propusesse. Recu- um só. Alcançada a forma final, o texto voltou de novo a Belo Horizonte, para a última
sa, para a ditadura, implicava retaliação, perseguição, lista negra. No caso, porém, Afonso revisão de Mílton Campos.
Arinos achou que não podia aceitar. A seu ver, não existia o menor sentido na homena- Iniciava-se a segunda etapa, a da coleta de assinaturas. As primeiras cópias,
gem a Teófilo Otoni, feita por um governo que o liberalismo do homenageado segura- mimeografadas, correram de mão em mão. Os conjurados tinham o cuidado de só mos-
mente repudiaria. trar o texto a quem, com certeza, assinaria. Sofreram algumas decepções, como no caso
A sensibilidade mineira notou, naquele instante, que não houve punição à recusa de Venceslau Brás, ex-presidente da República, ex-governador de Minas, retirado da
de Afonso Arinos. Embora tênue, era um primeiro sinal de que alguma transformação se vida pública mas ainda um líder de enorme prestígio. Seu nome, entre os signatários,
passava nas entranhas da ditadura. conferiria respeitabilidade ao manifesto. Mas Venceslau preferiu não assinar, alegando
Incidental, no começo, mas intencional c intensa a partir de certo ponto, iniciou-se que não tinha mais nada a ver com política.
a atividade entre os mineiros que se opun ham à ditadura. Havia surgido a oportunidade Por mais que só se procurassem pessoas da mais absoluta confiança, a polícia
de uma ação, de uma manifestação, de uma reação. Os irmãos Afonso Arinos e Virgílio ficou sabendo que corria m por Minas aquelas várias versões do manifesto. Os jornais

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foram avisados de que não deveriam publicar. Tomou-se urgente, assim, imprimir o texto A mão punitiva da ditadura estendeu-se até a iniciativa privada. A direção do
e providenciar a mais ampla distribuição possível, por todo o Brasil, ainda que de mão
Banco da Lavoura ficou sabendo que enfrentaria dificuldades na Carteira de Redescontos
em mão. A urgência das providências finais explica por que não apareceram, na primeira
(na época, com funções hoje desenvolvidas pelo Banco Central) do Banco do Brasil, caso
impressão, os nomes de todos os signatários.
insistisse em manter Magalhães Pinto entre seus diretores.
A primeira lista teve 92 nomes. Estava incompleta, mas não dava para esperar
-Mas Juquinha, logo agora, que você estava indo tão bem no banco! -lamen-
outras listas que ainda circulavam, com mais outro tanto (pelo menos) de assinaturas.
tou a mãe de Magalhães Pinto, dona Maricota.
Logo abaixo do texto vinham aqueles primeiros 92 nomes, em ordem alfabética, come-
-Não se preocupe, mamãe. Seu filho não nasceu para banqueiro. Nasceu para
çando por Adauto Lúcio Cardoso e terminando por Virgílio de Melo Franco(*).
ser presidente da República- respondeu Magalhães Pinto.
O número um, na verdade, caberia a Achiles Maia, amigo de Virgílio, comerciante
Além de perder a diretoria do Banco da Lavoura, Magalhães Pinto teve que desis-
próspero em Barbacena e dono da gráfica em que se imprimiu a edição inicial. Mas como
tir da presidência da Associação Comercial. Reagiu rápido: em pouco meses, ele e o
Achiles não era conhecido por suas convicções políticas, começar a lista dos signatários
pelo seu nome tiraria do documento a conotação desejada. Resolveu-se então pela mo- irmão Waldomiro inauguravam o seu próprio banco, o Nacional, e Magalhães aparecia
dernização da grafia, Achiles virou Aquiles. como presidente de uma nova entidade, a Federação do Comércio.
Sob o título "Ao Povo Mineiro", o texto limpo, em estilo de primeira ordem, come- Américo Renné Giannetti, no futuro secretário no governo Mílton Campos e pre-
çava assim: "As palavras que nesta mensagem dirigimos aos mineiros, queremos que feito de Belo Horizonte, presidia a Cia. Mineira de Estradas e Construções, uma grande
sejam serenas, sóbrias e claras. Nelas não se encontrará nada de insólito, nenhuma reve- empreiteira. Benedito Valadares convocou-o ao Palácio, informou que Getúlio Vargas
lação. Dirigimo-nos, sobretudo, ao espírito lúcido e tranqüilo dos nossos coestaduanos, à exigia as cabeças dos diretores Paulo Pinheiro Chagas e Dario de Almeida Magalhães.
sua consciência firme e equilibrada, onde as paixões perdem a incandescência, se amor- Resposta: "A minha é uma empresa privada onde nunca se cogitou da coqfissão ideoló- •
tecem e deixam íntegro o inalterável senso de análise e de julgamento". gica de seus acionistas. Ninguém será afastado por motivo de suas opiniões políticas. Se
Adversários do Manifesto dos Mineiros, nome popularizado desde o começo, ten- não me for po~sível manter esse ponto de vista, serei eu o primeiro a sair, dissolvendo a
taram diminuir-lhe a importância. Getúlio Vargas disse que não se preocupava com aqui- firma".
lo, não passava de "tertúlia de leguleios em férias". Benedito Valadares, no mesmo tom, O governador Hélio Garcia conta que seu avô, Antônio Carlos de Carvalho, assi-
afirmou que era inofensivo como "água de flor de laranjeira". nou o Manifesto e sofreu punições: "Foi perseguido por Getúlio Vargas e Benedito
Mas a verdade é que o Manifesto repercutiu intensamente, feriu a ditadura não Valadares. Foi afastado do Banco de Minas Gerais, o banco que ele fundO\~ com o coro-
tanto pela profundidade da cutilada mas pelo ineditismo. Pela primeira vez, desde a de- nel Benjamin Guimarães".
cretação do Estado Novo, circulava um texto imprésso sem ter passado pelo filtro da No dizer de Paulo Pinheiro Chagas, "a ditadura estremeceu em sua estrutura e
censura. Ainda que fosse uma circulação clandestina ("Demorei mais de um ano para ler entrou em pânico, desabituada que estava de ouvir a verdadeira voz da nação, voz livre,
o Manifesto", contava Tancredo Neves), ainda que adotasse tom cauteloso ("Este não é que nem a propaganda, nem o suborno, nem a violência haviam conseguido silenciar".
um documento subversivo; não visamos agitar nem pretendemos conduzir", começava o Em dois anos, viriam os resultados daquela ação política audaciosa, típica do jeito equi-
terceiro parágrafo), disseminava por todo canto a semente do descontentamento. librado do mineiro na política. Caía a ditadura, em outubro de 1945, a partir das palavras
A reação do governo, além do mais, desmente a indiferença fingida por Vargas e serenas, sóbrias e claras do Manifesto dos Mineiros.
Valadares. Por ordem dos dois, dezenas de signatários sofreram punições. Mílton Cam-
pos foi demitido do Departamento Jurídico da Caixa Econômica Federal. Pedro Aleixo
perdeu o cargo de diretor do Departamento Jurídico do Banco Hipotecário. Luís Camilo,
simples funcionário da biblioteca do Itamaraty, também perdeu o emprego. Virgílio teve
de sair do Banco Alemão.

86 87
(*) É esta a lista dos signatários do Manifesto dos Mineiros: L p
68) Lair Resende de Paleta Tostes 81) Paulo Pinheiro Chagas
69) Lincoln Prates 82) Pedro Aleixo
A D 83) Pedro Batista Martins
70) Luís Camilo de Oliveira Neto
1) Adauto Lúcio Cardoso 36) Dalmo Pinheiro Chagas 84) Pedro da Silva Nava
2) Adolfo Bergamini 37) Daniel de Carvalho
M
3) Afonso Arinos de Melo Franco 38) Dario de Almeida Magalhães R
71) Mário Brant
4) Afonso Pena Júnior 39) Darcy Bessone de Oliveira Andrade 85) Raul de Faria
72) Maurício Limpo de Abreu
5) Agenor de Oliveira 40) Dilennando Cruz 86) Ronan Rodrigues Borges
73) Miguel Batista
6) Alaor Prata 74) Mílton Soares Campos
7) Alberto Deodato
E
75) Múcio Continentino
s
41) Edgard de Oliveira Lima 87) Salomão de Vasconcelos
8) Alfredo Carneiro Viriato Catão
42) Edmundo Menezes Dantas 88) Sílvio Barbosa
9) Alfredo Martins de Lima Castelo Branco N 89) Sílvio Marinho
10) Aloísio Ferreira Sales 76) Nélson de Sena
F
11) Álvaro Mendes Pimentel 43) F. Men.des Pimentel T
12) André Faria Pereira 44) Fausto Alvim o 90) Teófilo Ribeiro da Costa Cruz
13) Antônio Carlos Vieira Christo 45) Feliciano de Oliveira Pena 77) Octávio Murgel de Rezende 91) Tristão da Cunha
46) Flávio Barbosa Melo Santos 78) Odilon Braga
14) Antônio Neder,
15) Aquiles Maia, 47) Francisco de Assis Magalhães Gomes 79) Orlando Bonfim v
80) Ovfdio de Andrade 92) Virgílio Alvim de Melo Franco.
16) Aroeira Neves
17) Artur Bernardes G
18) Artur Bernardes Filho 48) Galba Moss Veloso •
49) Geraldo Rezende
19) Artur Soares de Moura 1955
50) Geraldo Teixeira da Costa
20) Astolpho Rezende
21) Augusto Couto
51) Gilberto Alves da Silva Dolabela As Três Vitórias de JK
52) Gudesteu Pires
22) Augusto Lima Júnior
11
B 53) Heitor Lima O resumo da vida de Juscelino Kubitschek, nos registros de jornais e nos compên-
23) Belmiro Medeiros da Silva dios escolares, diz mais ou menos o seguinte: diamantinense humilde sustentado pela mãe
24) Bilac Pinto J viúva até a adolescência, estudou Medicina trabalhando à noite como telegrafista, foi
25) Brasil Araújo 54)J.Sandova1Babo
26) Bueno Brandão 55) João do Amaral Castro médico da Polícia Militar, conseguiu emprego no gabinete do interventor Benedito
56) João Edmundo Caldeira Brant Valadares, nomeado prefeito de Belo Horizonte revolucionou e embelezou a cidade, foi
c 57) João Franzen de Lima deputado federal, elegeu-se governador de Minas e revolucionou o Estado, elegeu-se
27) Caio Mário da Silva Pereira 58) João de Rezende Costa presidente da República e mudou para sempre a cara do Brasil, foi perseguido por adver-
59) João Romero
28) Caio Nélson de Senna sários ressentidos mas nunca perseguiu ninguém, foi o último presidente civil eleito a
60) Joaquim de Sales
29) Cândido Naves passar a faixa a um presidente civil eleito.
61) Jonas Barcelos Corrêia
30) Carlos Sampaio
61) José Bonifácio Lafaiete de Andrada Pelo resumo, parece uma vida venturosa, quase um conto de fadas. Por isso,
31) Carlos Faria Tavares 63) José de Magalhães Pinto certamente, tantos políticos procurem dizer que adotam o estilo JK, vão repetir JK.
32) Carlos Horta Pereira 64) José Maria Lopes Cançado
33) Carmelindo Pinto Coelho Mas as vitórias políticas de Kubitschek não aconteceram facilmente, não resulta-
65) José Mário Leão
34) Cincinato de Noronha Guarani 66) José Urbano Baeta Alvim ram de mero estalar de dedos. Para se tornar candidato do PSD a governad~r, em 1950,
35) Clenarvan Faria Alvim 67) José do Vale Ferreira precisou de grande habilidade, juntou muitos amigos numa a rticulação abrangente e, no

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fim, contou com a ajuda da sorte. Chegou à convenção do partido sem certeza de que
pudesse vencer o outro postulante, Bias Fortes. Ganhou a indicação por apenas um voto.
Outro lance de pura sorte favoreceu a vitória de Kubitschek nas eleições de 1950.
Getúlio Vargas fora deposto, em outubro de 1945, mas continuava influente, candidato a
presidente pelo PTB com grande chance de vencer, apoiado nacionalmente pelo PSD. Só
que, para o governo de Minas, Vargas preferia apoiar o candidato da UDN, Gabriel
Passos. Não queria que o PSD mineiro saísse exageradamente forte daquelas eleições. O
candidato a vice-governador na chapa de Gabriel Passos era Pedro Aleixo, um udenista
de princípios rígidos. Pedro Aleixo não aceitou, de jeito nenhum, a composição com o ex-
ditador. Sem outra opção, Vargas apoiou Kubitschek.
Mais dura foi a luta em 1955. Muito maior, mais pesada, mais cara, mais perigo-
sa. Começou com um lance do destino, o suicídio de Vargas em agosto de 1954. Se
Vargas tivesse chegado ao fim de seu governo, a história das eleições de 1955 provavel-
mente seria diferente. Seu passado e seu gosto pelo poder pennitem supor, por exemplo,
que ele cogitaria de emendar a Constituição para se reeleger. No mínimo, puxaria todos
os cordões ao seu alcance, nos bastidores, para fazer o seu sucessor e continuar influindo
na vida brasileira.

O jovem Juscelino Kubitschek de Oliveira, recém-formado em Medicina, com curso de espe-


cialização em Paris e sonhos de fazer polltica. JK em campanha para governador, em 1950, nos braços de pessedistas mineiros. Atrás dele,
também carregado, Cristiano Machado, o candidato do PSD a presidente da República (o que
foi "cristianizado" pelo partido).

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A cúpula militar franzia o cenho quando alguém insinuava o assunto. A elite política
armava cautelosamente um esquema seguro para a sucessão. As frágeis instituições na-
cionais se recompunham, a obra da redemocratização ia pela metade. Sucessão presiden-
cial? Só no momento certo. Só pela voz dos interlocutores autorizados.
Kubitschek não pensava assim. Perguntado, respondeu. Um dos primeiros efeitos
de sua resposta foi o desmoronamento do Esquema Etelvino.
Governador de Pernambuco, pessedista bem sintonizado nacionalmente com os
udenistas, Etelvino Lins estava encarregado das conversações que conduzissem à esco-
lha de um candidato único às eleições de 1955. Por isso, Kubitschek foi chamado ao Rio,
uma semana depois da inesperada resposta de Araxá. O presidente da República, Café
Filho (o vice que sucedeu Vargas), convocava para uma conversa importante. Pedia que
Kubitschek não tocasse mais naquele assunto. Principalmente, recomendava que desis-
tisse da idéia de se candidatar a presidente, se por acaso estivesse pensando naquilo.


Kubitschek ouve Valadares. O cochicho em reuniões e convenções ficou como marca registra-
da do PSD. Valadares foi um mestre nessa arte.

Ao sair de cena, nas circunstâncias em que saiu, Vargas alterou todo o jogo
sucessório. Sua ausência abriu por inteiro o leque de opções. Passava a existir espaço.
Quem quisesse e tivesse cacife eleitoral, que se habilitasse.
O governador de Minas Gerais, em princípio, é um dos que têm cacife para entrar
nesse jogo. Sempre. Pelo tamanho do eleitorado mineiro, pelas proporções da economia
mineira, pela tradição política de Minas. Kubitschek se apresentou para a disputa numa
visita a Araxá, logo depois das eleições municipais e legislativas de 3 de outubro de
1954, folgadamente vencidas em Minas pelo PSD (320 das 485 prefeituras então exis-
tentes no Estado). Sem maior preocupação com a pergunta, um repórter quis saber do
governador Kubitschek se aquela esmagadora vitória pessedista o credenciava a pensar
na eleição para presidente da República, marcada para outubro do ano seguinte.
- Chegou a hora de discutir a questão sucessória - respondeu o governador
mineiro, também despreocupado quanto à repercussão da resposta. Kubitschek (canto direito) e dois representantes do PR que tiveram atitudes diferentes em
A repercussão da resposta foi enorme, quando os jornais do dia seguinte circula- relação a sua candidatura a presidente: Bernardes (centro), que relutou em apoiar, e Clóvis
ram. O jovem (43 anos) e impetuoso governador de Minas Gerais tocava num tema-tabu. Salgado, o vice-governador que deu apoio imediato.

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Kubitschek estava pensando naquilo, sim. Mas não respondeu claramente a Café mens do PR ouviram o seguinte: persistindo a condição imposta pelo velho Bemardes,
Filho. Deixou o presidente em dúvida. Café Filho insistiu, falou sobre as instituições, Juscelino desistiria de se candidatar a presidente e o PR não teria um dia sequer de
sobre os militares, a paz nacional. A conversa durou cinco horas. Ao fim, o presidente governo; retirada aquela condição, o PR teria quase um ano de governo e Bernardes
continuava inseguro. Kubitschek continuava decidido a sair candidato a presidente. Filho podia contar, desde já, com o lugar de vice na chapa do candidato pessedista em
Relatou ao amigo e correligionário Tancredo Neves, ainda no Rio, a conversa 1955. O velho Bemardes relutou e negaceou muito, antes de aceitar a oferta (excelente,
havida com Café Filho. Ex-ministro de Getúlio Vargas, mal curado das feridas políticas de resto) que Kubitschek apresentava.
deixadas pelo suicídio presidencial de um ano atrás, Tancredo Neves enxergou na candi- Passo seguinte: acertar com Benedito Valadares o envolvimento e o entusiasmo
datura de Kubitschek a oportunidade de revidar o revés sofrido. Encarregou-se de iniciar das bases do PSD mineiro. Protegido de Valadares desde 1932, prefeito de Belo Horizon-
as conversações com seus amigos do PTB, armando desde logo a maior coligação possí- te indicado por ele, governador com seu apoio, Kubitschek estava convencido de que
vel. aquela seria uma conversa tranqüila. Surpreendeu-se, porém, com a atitude reticente da
Kubitschek teve outro encontro definitivo, antes de retornar a Belo Horizonte. Foi raposa-chefe do pessedismo. Valadares achava muito perigoso desafiar os militares, ain-
ao presidente nacional do PSD, Amaral Peixoto. Casado com uma filha de Vargas, Amaral da mais com a perspectiva de aliança com o PTB dos herdeiros políticos de Vargas.
Peixoto era outro que buscava meios para retomar ao poder. Achou que a candidatura do Desgostava-o, além de tudo, aquele compromisso firmado com o PR, dez meses de go-
governador mineiro podia ser esse atalho . Entrou para a articulação. verno e nova vice-governança.
Dali por diante, Kubitschek ia cuidar de seu terreiro mineiro. Para sair candidato
a presidente, teria que deixar o governo de Minas dez meses antes da data marcada para
a posse, 31 de janeiro. Seu vice, Clóvis Salgado, pertencia ao PR. Uma primeira tarefa,
portanto, consistia em garantir a fidelidade de Clóvis Salgado e, mais ainda, da chefia do •
PR, nas mãos de Artur Bernardes Filho mas sob influência de Artur Bernardes, pai,
ardiloso político da República Velha, agora um nacionalista ferrenho e sempre um ho-
mem com a vocação do poder e do mando.
A conversa com Clóvis Salgado foi fácil. Parceiros de chapa, colegas de Medici-
na, os dois pensavam parecido e o vice prometeu ao governador a fidelidade solicitada.
Kubitschek tomou apenas o cuidado de levar Amaral Peixoto para a conversa com Cló-
vis Salgado. Confiava no parceiro e colega, mas esse tipo de amarração fica mais firme
com a presença de uma testemunha. Deu certo. No que dependesse de Clóvis Salgado,
Kubitschek podia sair tranqüilo para sua cruzada. A máquina do governo mineiro não
seria posta a serviço de nenhuma outra candidatura.
A conversa com o velho Artur Bernardes (o filho presidia o partido, mas qualquer
articulação dependia antes da aprovação do pai) foi a pior possível. Atento e astuto aos
80 anos, Bemardes disse sim, concordava com as pretensões do governador, louvava-lhe
o senso de oportunidade, entendia como importante o apoio do PR. Só impunha uma
condição: nas eleições para o governo estadual, no mesmo 3 de outubro de 1955, o PSD
de Kubitschek não apresentaria candidato, apoiaria o do PR. Queria o Palácio da Liber- O presidente Kubitschek e seu ministro, Tancredo Neves. Foi durante a campanha presiden-
dade para o PR, em troca do apoio à caminhada de JK rumo ao Palácio do Catete.
• cial que Tancredo deu uma das maiores demonstrações de lealdade ao amigo, nas articula-
Kubitschek voltou a Clóvis Salgado, que chamou Bernardes Filho. Os dois ho- ções e na arrecadação de fundos.

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outro havia ousado. Em menos de dois meses de intensa atividade política, saiu candi~ato
a candidato. Era cedo para cantar vitória, mas estava na hora de montar uma eqmpe.
Amaral, Tancredo e Alkmim bastaram para conquistar o diretório. A confirmação da
candidatura na convenção e depois a campanha, propriamente, exigiriam muito mais
gente. Em especial, quem conseguisse levantar fundos. . .
O embaixador Francisco Negrão de Lima aceitou a tarefa. Outro que acettou fOI
Sebastião Paes de Almeida, milionário do setor de vidros. Em Minas, a coordenação
financeira ficou com Francisco Rodrigues, alto funcionário do Banco da Lavoura. O
paulista Horácio Lafer, de um ponto em diante, entrou na equipe dos g~rimpadores de
fundos para a campanha, onde Tancredo e Alkmim também atuaram mutto.
Tancredo e Alkmim, na verdade, foram os polivalentes da campanha. Eles e Augusto
Frederico Schmidt, editor, poeta, intelectual e dono de grande fortuna. Pelas mãos de
Schmidt muitos intelectuais embarcaram na nave JK.
0~ na aeronave, um DC-3 adaptado para a campanha, com lugar para dormir e
um escritório mas com autonomia para voar apenas mil quilômetros. Vale dizer: entre o
fim de nove~bro e o começo de fevereiro, Kubitschek viajou por todo o Brasil num
No centro CÚl foto, à esquerda de Getúlio Vargas, o embaixador Negrão de Lima, pessedista
refinado e também um dos grandes responsáveis pela arrecadação de fundos na campanha pinga-pinga, pousando quase sempre em pistas de terra. Mas chegou à convençã~ ~orta­
presidencial de JK. lecido, pois aproveitou aqueles pousos forçados para dar entrevis~s e fazer comtcws. •
A oposição, indiretamente, contribuiu para fortalecer a candtdatura JK: Os adver-
Kubitschek tinha consciência de que o cargo de governador lhe garantiria o entu-
sários, desde o início, bateram na tecla da divisão nacional. O tempo todo, reptsavam que
siasmo das bases pessedistas, mas saiu do encontro com Valadares desconfiado. Seu
a candidatura estava dividindo o
velho e estimado líder não o apoiaria com o mesmo entusiasmo, não era alguém com
país. Articulavam os nomes de
quem pudesse contar, nas situações mais difíceis.
Etelvino Lins, Mílton Campos e
Posta a casa relativamente em ordem, o governador mineiro atirou-se à conquista o general Canrobert Pereira, en-
dos diretórios estaduais do PSD. Para 25 de novembro estava marcada a reunião do tre outros, como candidatos de
diretório nacional, que decidiria se o partido devia lançar candidato próprio às eleições união nacional. Em várias oca-
presidenciais e, em caso positivo, quais candidatos disputariam a convenção nacional do siões, chegaram até o candidato
partido, em fevereiro de 1955.
pessedista apelos dramáticos para
Sobrava pouquíssimo tempo, menos de seis semanas, para alinhavar o apoio dos que renunciasse.
principais diretórios estaduais. O número de votos de cada diretório era proporcional à Kubitschek transformava
representação de cada Estado no Congresso. Nas duas primeiras semanas, Kubitschek, todas essas tentativas em evidên-
Tancredo e José Maria de Alkmim (também um combatente desde a primeira hora) fecha- cia de que sua candidatura era
ram acordo com dezessete Estados. Na maioria, diretórios do Norte e do Nordeste, o que forte. Nas entrevistas e discursos,
significava dizer volume insatisfatório para impor uma posição ao diretório nacional. As apresentava os contatos havidos
quatro semanas seguintes foram gastas no convencimento de Pernambuco (o mais difícil, como sinais de que a oposição JK em campanha para presidente, visitando em ltajubá
por causa de Etelvino Lins), Bahia, São Paulo, Rio. estava em pânico. o ex-presidente Venceslau Brás, grande reserva moral
Para sorte de Kubitschek, nenhum outro pessedista estava em campanha. Nenhum A mais ousada armação de Minas.

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Entravam pela terceira hora de conversação quando o presidente mencionou o memorial
e ressaltou que se tratava de um veto militar. Kubitschek não esmoreceu. Pediu para ler.
Até então, muito se falava no memorial, até os jornais publicavam comentários,
roas só os três ministros e o presidente o conheciam. Café Filho concordou em mostrar.
Kubitschek leu. Viu que não havia ali nenhum veto, nenhuma proibição. Era apenas uma
consideração sobre a gravidade da situação nacional e a necessidade de as pessoas de
responsabilidade agirem com toda a cautela, em nome da continuidade democrática. Ne-
nhuma menção expressa à candidatura JK, como se chegou a alardear. Seria até conve-
niente, para Kubitschek, a publicação do memorial.
Com a expressão mais tensa e preocupada que conseguiu, Kubitschek suplicou ao
presidente Café Filho que não publicasse o documento. Argumentou longamente, em
nome da tranqüilidade do eleitorado, em nome da organização partidária, em nome da
redemocratização. Queria que Café Filho ficasse com a impressão de que ele, Juscelino,
estava apavorado com o teor do papel que acabara de ler. Na verdade, tentava induzir o
presidente a publicá-lo.
Ao final da reunião, prepararam uma nota para a imprensa. Em resumo, a nota
dizia que o presidente da República e o governador de Minas estavam empenhados em
"encontrar uma solução harmoniosa para o problema da sucessão".

JK já eleito, em ~isi~a ~ Diamantina e, à moda de sua terra natal, participando de uma
serenata. Sentada a dtreua dele, sua mulher, dona Sarah Kubitschek. Ao violão o s t .
César Prates. , eres etro

oposici~n~sta foi a do memorial dos militares. Existiu de fato esse memorial, assinado
p~los m1~1stros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e entregue ao presidente Café
F~ lho. Nao se conheci.a o teor do documento. Espalhou-se, porém, que trazia uma proibi-
çao expressa da candidatura de Kubitschek. O próprio Café Filho deu a entender que se
tratav~ de um veto militar, em conversa com Benedito Valadares, que na mesma hora foi
a ~ubitschek.com o conselho para que refletisse melhor e considerasse a hipótese de
retirar a candidatura.
Como Kubitschek se mantivesse irredutível, Café Filho 0 convidou para uma con-
versa e.m fins ~e janeiro, duas semanas antes da convenção do PSD. O virtual candidato
pessedista aceitou o convite. Como sempre fazia nesse tipo de encontro, levou junto uma
testemunha. Dessa vez, Artur Bernardes Filho, com quem Café Filho se dava bem.
De n~vo, o presidente dissertou sobre a fragilidade das instituições, a conveniência
O presidente Juscelino Kubitschek. Atrás dele, seu vice, João Goulart. À esquerda de Goulart,
de ~m candidato de união nacional. Kubitschek argumentou que a campanha eleitoral, o deputado Ranieri Mazzilli, que nas crises dos anos 60 assumiu a presidência da República,
ma1s que qualquer outra medida, contribuiria para revigorar as instituições e unir 0 país. na condição de presidente da Câmara.

98 99
A assessoria de Kubitschek considerou a nota perigosa. Permitia a interpretação Alkmim levantou uma questão que não havia ocorrido a ninguém, até ali: pode uma CPI
de que o candidato pessedista viesse a renunciar, em benefício da citada solução harmo- investigar a declaração de bens de um candidato a presidente da República? Estabeleceu-
niosa. Os temores se justificavam, pois a assessoria de Café Filho já havia distribuído, se a dúvida, adiou-se a reunião e a questão foi parar na Comissão de Justiça, dominada
junto com a nota, a notícia de que o presidente aguardava uma resposta do governador pelo PSD c de onde nunca mais saiu. Um excepcional trabalho de AJkmim para a candi-
mineiro sobre a questão da união nacional. Com a manobra, obrigava o pessedista a datura JK.
responder. Outra contribuição extraordinária foi a da instituição da cédula única. Por mano-
Em vez de responder, Kubitschek perguntou: se o presidente estava tão interessado bra da UDN, ficou resolvido que só o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) imprimiria
em tranqüilizar o país, por que permitia a disseminação de tantos boatos sobre a iminência cédulas das eleições presidenciais. Seria a cédula oficial. Para o PSD, aquilo representa-
de um golpe militar? va uma enorme desvantagem. Partido de bases rurais, num tempo em que a maioria da
Café Filho deu o troco, na forma que Kubitschek mais desejava. Pela Voz do população brasileira vivia no campo, o PSD tinha na impressão das próprias cédulas um
Brasil, falou à nação contra uma candidatura que ameaçava jogar o Brasil de volta à de seus maiores trunfos. Imprimindo quantas quisesse, na forma que preferisse, levava-
inquietação anterior a agosto de 1954 e leu o memorial dos ministros militares. as em grandes quantidades ao seu imenso eleitorado interiorano. Agora, não. Teria que se
Em nota à imprensa, o pessedista salientou que o memorial nada tinha contra ele e submeter às parcelas que o TSE decidisse. Pior: teria que se sujeitar aos humores de
que o presidente, ao divulgá-lo, havia quebrado a promessa de manter o documento sob funcionários e representantes do TSE.
reserva. Terminava afirmando que sua candidatura não representava nenhum perigo à Alkmim contra propôs uma pequena c esperta alteração: em vez da cédula oficial,
democracia, pelo contrário. a cédula única. Todos os candidatos imprimiriam um só modelo de cédula, determinado
Se Kubitschek precisava de algum fato político de grande impacto para ganhar a pelo TSE, mas cada um estava livre para imprimir quantas desejasse. A presidência do •
convenção, não precisava mais. O PSD se uniu, entusiasmado com a coragem de TSE achou razoável. Aceitou a cédula única. A candidatura JK se viu liv ri de um cabres-
Kubitschek. No PTB, produziu-se efeito idêntico. A coligação era sólida, a candidatura to que dificultaria enormemente sua movimentação.
estava lançada, a articulação pessedista havia conquistado a primeira vitória, na escala- Durante toda a campanha, o setor gol pista da UDN tentou torpedear a candidatura
da rumo ao Catete. JK. O argumento mais usado foi o do apoio dado a Kubitschek pelo proscrito Partido
A definição de uma candidatura pelo PSD acelerou os procedimentos para a esco- Comunista. Um candidato eleito por votos de um partido ilegal automaticamente setor-
lha de um candidato da UDN. Passaram-se várias semanas, examinaram-se vários nomes nava ilegal, insistiam os gol pistas. Insistiram também em desclassificar a coligação com
(Etefvino Lins, Jânio Quadros, Carlos Luz, Afonso Arinos, Mílton Campos) antes de se o PTB, que apresentou João Goulart como candidato a vice-presidente. Goulart personi-
chegar à definição pelo general Juarez Távora. Ao mesmo tempo, cresciam no Congresso ficaria a intenção de um retorno do getulismo que as Forças Armadas tanto receavam.
as denúncias contra Kubitschek. Denúncias de corrupção no governo de Minas e, antes, Hoje, passados quase quarenta anos, pode parecer inofensivo, esse tipo de bom-
na prefeitura de Belo Horizonte. Coube a Alkmim rebater a torrente de denúncias. bardeio. Na ocasião, os ataques gol pistas nada tinham de inofensivos. O tipo de imprensa
Alkmim teve atuação brilhante, nos debates da Câmara. Defendia Kubitschek, que se praticava, os métodos criados por Getúlio Vargas, os costumes vigentes na políti-
mas, ao mesmo tempo, deixava no ar a impressão de que alguém capaz de se enriquecer ca em geral, a predisposição dos militares de intervir na política, todo o contexto da
tanto seria capaz de fazer muito mais pelo Brasil. A situação mais delicada que enfrentou época tornava aquelas manobras altamente preocupantes e destrutivas.
foi, provavelmente, a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para Foi preciso vencer tudo isso, além da disputa eleitoral em si, contra um candidato
investigar a declaração de bens de Juscelino. A UDN conseguiu facilmente as assinaturas muito forte. A crônica política costuma desconsiderar os vencidos. Erra, no entanto,
necessárias para abrir a CPI. quem pense que Kubitschek venceu um adversário pouco qualificado. O general Juarez
Alkrnim não podia concordar com o funcionamento da comissão, mas se inscreveu Távora era bem mais conhecido nacionalmente que Kubitschek, no começo da campa-
nela como representante do PSD. Na reunião feita para escolher o presidente e o relator, nha. Participava da vida pública desde a década de 20, como um dos mais ativos líderes

100 101
do tenentismo, integrante da Coluna Prestes. Tinha sido o "vice-rei" do Nordeste, na A posse de Kubitschek de fato correu sério risco, na primeira quinzena de novem-
Revolução de 30, por vários anos encarregado de supervisionar e comandar todas as bro de 1955. No dia 12 , foi enterrado o general Canrobert Pereira da Costa, chefe do
forças revolucionárias nos Estados nordestinos. Resistiu à ditadura do Estado Novo Estado Maior das Forças Armadas (Emfa) e um dos presidenciáveis cogi lados pela UDN
atuou com coragem na redemocratização de 1945/1946. ' antes da escolha de Juarez Távora. Nos funerais do general Canrobert, o coronel Jurandir
O vice na chapa de Juarez Távora era outro nome altamente respeitado e conheci- de Bizarria Mamede discursou em nome do Oube Militar (na época, entidade de forte
do, o ex-governador mineiro Mílton Campos. Ao contrário, o vice petcbista a que influência na política nacional) e repetiu a argumentação lacerdista de que não se podia
Kubitschek estava coligado, João Goulart, também era pouco conhecido nacionalmente. admitir a posse do representante da minoria.
Pouco e mal, pois visto como herdeiro político de Getúlio Vargas, o presidente havia O ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, presente aos funerais, en-
pouco levado ao suicídio por uma avalanche de denúncias de corrupção. tendeu que o coronel Ma mede havia cometido um ato de indisciplina, com aquele discur-
Um outro candidato a presidente, o integralista Plínio Salgado, também era mais so. Resolveu puni-lo. Mas a UDN levantou uma questão: como o coronel Mamede estava
antigo na política e mais conhecido. Mas essa candidatura convinha a Kubitschek. Na subordinado ao Emfa e o Emfa respondia à presidência da República, a decisão de puni-
verdade, os próprios pessedistas se empenharam para que Plínio Salgado se candidatasse. lo cabia exclusivamente ao presidente. Antes que se chegasse a uma conclusão, o presi-
Tancredo e Alkmim insistiram com Plfnio Salgado, alegando que tinha o dever de se dente Café Filho sofreu um infarto, teve que ser substituído pelo presidente da Câmara,
candidatar e até chance de vencer. Também Kubitschek teve conversa parecida com Plfnio ninguém menos que Carlos Luz, outro presidenciável cogitado pela UDN, além de
Salgado, enaltecendo o valor da concorrência e a oportunidade de divulgar suas idéias, pessedista dissidente desde 1947, quando foi preterido como candidato a governador de
na campanha. O que os pessedistas pretendiam, na realidade, era introduzir um candida- Minas pelo PSD.
to que canalizasse a votação mais radicalmente conservadora, direitista. Já que o paulista Carlos Luz assumiu a presidência da República no dia 8 de novembro. No dia 9,
Adernar de Barros, também candidato, atrairia em São Paulo uma votação que sem ele •
concluiu oficialmente que Lott não tinha autoridade para punir Mamedê. Desgostoso,
beneficiaria JK, era necessário achar quem roubasse votos naturalmente destinados a
Lott se demitiu. Os gol pistas da UDN se sentiram estimulados. Os pessedistas viiam que
Juarez Távora.
a candidatura "Kubitschek estava por um fio.
Os resultados finais da eleição comprovam a pertinência das manobras pessedistas.
Foi quando entrou em cena o general Odílio Denys (pai do general Bayma Denys,
Kubitschek terminou em primeiro lugar, com 3.077.411 votos (33,8% do total). Em se-
futuro ministro nos governos Sarney e Itamar), um dos mais prestigiados no Exército e
gundo, Juarez Távora, com 2.610.462 votos (28, 7 %). Em terceiro, Adernar de Barros,
aliado dos pessedistas. Convenceu Lott de que devia reconsiderar o pedido de demissão,
com 2.222.725 votos (24,4%). Em quarto, Plínio Salgado, com 714.037 votos (7,9%).
destituir Caros Luz e garantir a posse de Kubitschek, em nome da legalidade c para
Se contasse com a votação dada a Plínio Salgado, Juarez Távora terminaria com mais de
salvaguardar a hierarquia militar. Na madrugada do dia 11, em sintonia com a argumen-
300 mil votos à frente de Juscelino, em vez de quase 500 mil atrás.
tação de Denys, Lott prendeu o general Fiúza de Castro, nomeado seu substituto, e des-
Antes porém que o PSD pudesse comemorar a vitória, o golpismo udenista apron-
tou mais uma. Alegava-se que Kubitschek representava a minoria do eleitorado. A tituiu Carlos Luz. Deu a sua ação o nome de "contragolpe preventivo".

maioria era formada pela soma dos votos dos demais candidatos. Para se tornar o legíti- A situação voltava, assim, para a área polftica, onde a competência de Alkmim e
mo vencedor, Kubitschek deveria ter alcançado a maioria absoluta, mais de 50% do Tancredo novamente funcionou. Rapidamente, votou-se o impeaclzmeltl de Carlos Luz e
eleitorado. Como ficou nos 33,8%, não podia tomar posse. O jornalista Carlos Lacerda, a presidência da República passou às mãos do presidente do Senado, o catarinense Nereu
sem dúvida o maior oposicionista deste século no Brasil e um dos textos mais envolventes Ramos, do PSD.
c brilhantes do nosso jornalismo, não deixava de argumentar em torno da ilegitimidade Era a terceira vitória de Kubitschek, an tes de chegar ao Catctc. Primeiro, derrubou
da vitória de Kubitschek. Repetia, diariamente, que o vencedor das eleições não podia as barreiras que o impediam de se tornar candidato. Depois, teve que vencer as eleições.
tomar posse. Acrescentava, com preocupante freqüência, a ameaça: "Não pode e não vai Por fim, enfrentou a manobra gol pista. Não foi nada fácil, como às vezes se deprecndc da
tomar posse". leitura apressada dos resumos de jornal e dos compêndios escolares.

102 103
para se movimentar. Pouquíssimo espaço, pouquíssima liberdade. Melhor que nada, po-
rém.
Alguns discursos, algumas articulações, alguns acertos de bastidor e logo Tancredo
estava pronto para entrar em ação. Tinha consciência de que era um dos únicos civis em
condições de operar o retomo à democracia e, ao final, ocupar o poder reconquistado
pela classe política . Tinha noção de que iniciava uma travessia longa, complexa, prova-
velmente turbulenta. Mas estava disposto. Mais, até, estava ansioso para iniciar e levar a
cabo a tarefa .
Líder do MDB até 1978, senador a partir de 1978, fundador do Partido Popular
em 1979, articula dor da fusão do PP com o PMDB em fins de 1981, eleito governador de
Minas em 1982, no Palácio da Liberdade a partir de março de 1983. Passo a passo, com
método e competência, Tancredo alcançava enfim a cadeira perdida para Magalhães em
1960, mas quase nem pensou nisso. Bem mais que o triunfo finalmente conquistado,
saboreava naquele momento o prazer de estar no ponto que lhe permitiria armar o cerco
final ao regime militar. Gênio da arte mineira de fazer política, Tancredo Neves sentia
chegada a hora de executar sua obra-prima .
Como praticamente procedem todos os governadores mineiros ao assumir, Tancredo

tratou de organizar as finanças estaduais, que nem estavam tão mal assim. Formou a
equipe, estabeleceu as prioridades, deu as grandes linhas e passou a se dedicar, e!" tempo
Dois pessedistas em momento de reposicionamento político, no início da década de 70: integral, à mo.ntagem do cenário para a reconquista do poder pelos civis.
Kubitschek ex-presidente e decidido a se manter afastado, Tancredo preparando-se para vol- O ano de 1983 ainda não estava terminado e o governador mineiro já havia amar-
tar à tona, como deputado.
rado uma combinação importante com o vice-presidente da República, Aureliano Cha-
ves. Ex-governador de Minas, Aureliano é de origem udenista, rival no passado do
1985
pessedismo de Tancredo. Melhor assim, pois um acerto entre os dois unia a Minas do
A Obra-Prima de Tancredo presente (o oposicionista Tancredo e o situacionista Aureliano) e a do passado. Firma-
ram o Pacto Mineiro, pelo qual os dois buscariam um nome que unisse o Estado na
sucessão presidencial marcada para janeiro de 1985.
Por dez anos, entre 1964 e 1974, Tancredo Neves submergiu. Os militares assumi- Qualquer um dos dois poderia ser esse nome, embora Aureliano tivesse menos
ram o comando da vida nacional. Militares antipessedismo, antigetulismo, antidiálogo, chances. O presidente João Figueiredo estava contrariado com Aureliano, pelo estilo
anti tudo aquilo que Tancredo Neves sempre simbolizou. Sobre sua carótida, afiadíssima, muito dinâmico do mineiro nas vezes em que assumiu interinamente a presidência. O
ia e vinha a navalha que volta e meia decepava mandatos e direitos políticos de antigos dinamismo contrastava com a marcha lenta adotada por Figueiredo, que se sentia provo-
companheiros do PSD e das alianças com Getúlio Vargas e seus herdeiros. Quanto menos cado, desafiado pelo vice. Tancredo conhecia essa nuance de bastidor. Assim, ao de-
Tancredo se mexesse, mais chances tinha de sobreviver. Permaneceu quase imóvel por monstrar apoio a uma eventual candidatura de Aureliano, estava na verdade preparando
dez anos. terreno para, na ocasião oportuna, merecer a reciprocidade.
A partir de 1974, com o general Ernesto Geisel sucedendo o general Emílio Médici Ao mesmo tempo, amiudou os contatos com duas outras estrelas do governo, o ex-
na presidência da República, Tancredo entendeu que voltava a haver espaço e liberdade governador baiano Antônio Carlos Magalhães e o chefe da Casa Civil, João Leitão de

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no fundo da alma nacional, a disposição de enfrentar o governo militar. Outros comícios,
em praças igualmente apinhadas, sucederam-se por outras capitais e grandes cidades.
Tancredo tomou então esta decisão: "Vou fazer um vôo cego até a votação da emenda
propondo eleição direta. Depois, voltarei a fJzer política".
Não foi bem assim. O vôo cego terminou bem antes da votação da emenda das
diretas, no dia 25 de abril de 1984. Pelo final de março, o governador mineiro pressentiu
que aumentavam as chances de aprovação da emenda. A onda das diretas-já, como pre-
vira Montoro, sensibilizava mesmo os congressistas. Os da oposição vibravam com a
imensidão crescente da massa em cada comício. Os do governo, impressionados, come-
çavam a abrir dissidência. Tancredo procurou então seu velho amigo Thales Ramalho,
pessedista pernambucano, parceiro de muitas articulações. Em sua análise, a aprovação
da emenda das diretas favoreceria o deputado Ulysses Guimarães, presidente nacional do
PMDB e grande campeão da resistência aos governos militares. Chamado de sr. Diretas,
reverenciado a cada aparição nos palanques, Ulysses se tornava o candidato natural da
Quatro exemplares dil elite polftica mineira põem as divergências de lado e se unem para oposição, na hipótese de aprovação das diretas-já. Também crescia como favorito o go-
chegar ao poder: o udenista Aureliano (paletó branco) e o pessedista Tancredo no mesmo sofá vernador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola.
e, lado a lado, o udenista Hélio Garcia (paletó branco) e o pessedista Renato Azeredo (seu
filho, Eduardo Azeredo, depois seria prefeito de Belo Horizonte). •

Abreu. Por essa ocasião, o deputado pernambucano Fernando Lyra lançou Tancredo à
presidência, como nome de união nacional, em entrevista à TV Globo. Não haviam com-
binado. Fernando Lyra citou Tancredo por iniciativa própria, num gesto que a muitos
pareceu precipitação. Tancredo não se preocupou. Pareceu-lhe conveniente deixar acesa
aquela chama. Até telefonou a Fernando Lyra, para agradecer a amabilidade da lembran-
ça.
Fora dos planos de Tancredo Neves, desabrochou em fins de 1983 a flor das dire-
tas-já. O governador Franco Montoro, de São Paulo, acreditava no êxito de um movi-
mento de massa por eleições diretas para presidente da República. A seu ver, se grandes
multidões saíssem à rua com essa reivindicação, os deputados e senadores se sensibiliza-
riam e aprovariam, por maioria de dois terços, uma emenda à Constituição, que previa
eleições indiretas para presidente. Montoro tanto insistiu que, aos poucos, outros
emedebistas se entusiasmaram. Por fim, marcaram um primeiro comício_
"Essa é uma idéia lírica", menosprezou Tancredo Neves. Não acreditava que pu-
desse prosperar. Mas prosperou. Para surpresa da maioria dos oposicionistas, para es-
Tancredo Neves, eleito presidente pelo voto indireto em janeiro de 1985, re.cebe os .cw~rpri­
panto dos governistas, o primeiro comício das diretas, realizado em São Paulo, na praça
mentos de Aureliano Chaves, vice-presidente e um dos principais responsáveiS pela vttóna de
da Sé, juntou mais de 200 mil pessoas. Talvez o dobro disso. De fato existia, adormecida Tancredo.

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O problema, na análise de Tancredo e Thales, é que os militares dificilmente entre- Tancredo poderia mesmo vencer a eleição indireta, mas ainda relutava quanto a levar a
gariam a presidência a Ulysses Guimarães. Muito menos a Brizola. Anteviam esta se- oposição ao colégio eleitoral de janeiro de 1985.
qüência de fatos: diretas-já aprovadas, Ulysses eleito presidente, ou Brizola, -Tenho o apoio das seções estaduais do PMDB, dos governadores peemedebistas,
recrudescimento da linha-dura militar e impasse criado. Decidiram, então, torpedear a dos dissidentes do PDS e de quase todos os governadores pedessistas. Mas só irei ao
aprovação das diretas-já. colégio eleitoral se tiver o seu apoio pessoal- afirmou Tancredo a Ulysses.
Nos palanques, Tancredo clamaria veementemente por eleições diretas e fim da Depois de uma demorada meditação, Ulysses se rendeu:- Você não terá apenas o
ditadura militar. Nos bastidores, Thales começaria a operação de retirar do Congresso, meu apoio pessoal. Vou além disso. Vou chefiar a sua campanha. Vou me jogar inteiro na
no 25 de abril, os governistas dissidentes. Por motivo de doença, por atraso na viagem a sua campanha. Vamos vencer juntos.
Brasília, por falta de comunicação, por qualquer motivo bem ou mal inventado, provi- Com Ulysses à frente, empunhando a bandeira das indiretas, as bases oposicionis-
denciou-se para que dissidentes potenciais não comparecessem no dia da votação. A tas voltaram a se empolgar. Pesquisas de novembro registravam 80% de apoio à decisão
emenda das diretas-já não passou. de tentar a derrubada do regime militar pelo voto indireto.
No dia 26 de abril, um grupo de governadores peemedebistas se reuniu no Hotel Antes dessa aprovação maciça, ocorreram alguns lances decisivos. A reciprocida-
Nacional, em Brasília. Passaram em revista os acontecimentos dos últimos meses, concluí- de plantada por Tancredo nas conversações com Aureliano Chaves, no ano anterior,
ram que não havia como evitar as eleições indiretas mas não se desanimaram. O entu- floriu e frutificou com vigor. O vice-presidente da República abriu dissidência e levou
siasmo da população, bem trabalhado, ajudaria a levar à vitória um candidato oposicionista. junto a lgumas estrelas de primeira grandeza da constelação governista, inclusive o presi-
Entenderam que o candidato natural para a vitória no colégio eleitoral de janeiro estava dente do PDS, senador José Sarney, mais tarde escolhido para vice-presidente na chapa
ali, naquele momento: o mineiro Tancredo Neves. de Tancredo.
Hábil como sempre, Tancredo Neves ponderou que ainda não era a hora de definir Lançado Paulo Maluf como candidato a candidato pelo PDS, contrapondo-se ao
nomes. Concordava com a análise dos companheiros, também via grandes chances de preferido do presidente Figueiredo, o ministro Mário Andreazza, Tancredo aproveitou

vitória na eleição indireta. Ressalvava, entretanto, a necessidade de esperar mais um para plantar outra reciprocidade. Fez chegar a Andreazza a promessa de apoiá.-lo, caso
pouco, até passar a frustração popular. Lembrava, além do mais, a precedência do nome fosse o escolpido pelo PDS. Para ficar mais claro: Tancredo se comprometia a apoiar
de Ulysses Guimarães. Andreazza, o que significaria desistir da própria candidatura, na hipótese de o PDS
Três semanas depois, outra reunião de governadores peemedebistas, no Palácio escolher Andreazza como candidato.
dos Bandeirantes, sede do governo paulista. De novo, o nome de Tancredo Neves brotou Uma jogada arriscada demais? Nem tanto. Tancredo estava bem informado sobre
como o melhor para a disputa do pleito indireto. De novo, Tancredo sugeriu paciência c os bastidores pedessistas, sabia que Maluf ia vencer. Acenava com a promessa de apoio
repetiu que a prioridade pertencia, por direito, a Ulysses Guimarães. a Andreazza para atrair, no lance seguinte, os andreazzistas. O primeiro deles se apresen-
Por que o governador de Minas insistia tanto em Ulysses Guimarães? Por dois tou logo depois que a convenção pedessista consagrou a candidatura de Paulo Maluf.
motivos principais. Um: Ulysses recusava-se a aceitar a hipótese de levar a oposição "No Maluf eu não voto de jeito nenhum", avisou o baiano Antônio Carlos Magalhães.
para a eleição indireta; achava que ainda havia tempo e condições para tentar a aprova- Bem ao seu estilo vistoso, Antônio Carlos Magalhães acrescentou cores fortes a
ção de uma emenda constitucional mudando as eleições para diretas; c se essa nova sua adesão no dia 4 de setembro, data de seu aniversário. Em Salvador para uma cerimô-
tentativa também fracassasse, preferia continuar fora do poder. Dois: sem a participação nia no aeroporto, o brigadeiro Délio Jardim de Matos, ministro da Aeronáutica, classifi-
de Ulysses Guimarães, no entender de Tancredo Neves, o PMDB iria fraco para a eleição cou como traidores os que se bandeavam para a candidatura de Tancredo Neves. Em
indireta; percebendo a fragilidade do PMDB, os potenciais dissidentes do PDS preferi- meio ao festejo natalício, Antônio Carlos Magalhães soube do discurso do brigadeiro
riam permanecer no governo. Délio e, na hora, escreveu uma resposta dura, violenta, onde a certa altura acusava:
Tancredo expôs seu ponto de vista ao governador Montoro e ao senador Fernando "Traidor é ele, que apóia um corrupto".
Henrique Cardoso. Os dois se encarregaram de conversar com Ulysses. Pelo final de Na medida em que a candidatura de Tancredo crescia no plano político, cada vez
junho, Ulysses procurou Tancredo. Marcaram um encontro no Palácio das Mangabeiras, mais adquirindo contornos de favorita, a linha dura gol pista começou a agir nas sombras.
residência oficial do governador mineiro. Menos intransigente, Ulysses admitia que Paredes de Brasília, pelo final de setembro, apareceram cobertas de cartazes proclamao-

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do: " PCB- Chegaremos lá". Em seguida, inscrições semelhantes apareceram nos mu- CAPÍTULO IV
ros de Goiânia e Salvador, insinuando que uma eventual vitória de Tancredo significaria
a adesão do Brasil ao comunismo. Políticos de Minas - (Biografias)
Tancredo conhecia muito bem aquele enredo. Tentava-se a repetição do que levou
o presidente Getúlio Vargas ao suicídio, em 1954, quase impediu a posse de Juscelino
Kubitschek, em 1955, e terminou com a deposição do presidente João Goulart, em 1964.
Escaldado pela História, providenciou um encontro secreto com o ministro do Exército, Os Mineiros na Presidência da República
general Walter Pires.
-Estamos preocupados com a possibilidade de um golpe. Sinto-me no dever de
avisá-lo que, se vier o golpe, haverá res is tência e derramamento de sangue- advertiu o ele poUticos mineiros chegaram à presidência da República. Quatro naRepúbli-
candidato Tancredo.
-Não se preocupe. Garanto que não haverá nenhum golpe- tranqüilizou o
ministro.
S ca Velha: Afonso Pena, Venceslau Brás, Delfim Moreira e Artur Bernardes. Um
depois da redemocratização de 1945/1946: Juscelino Kubitschek. Dois depois
da redemocratização de 1985: Tancredo Neves, eleito pelo voto indireto em janeiro de
Mas o candidato mineiro não se tranqüilizou. Providenciou outro encontro, com o 1985 e falecido antes de tomar posse, e Itamar Franco, eleito vice em dezembro de
general Ernesto Geisel, na reserva mas ainda o nome de mais prestígio no Exército. 1989 e empossado em setembro de 1992, com o afastamento do presidente no correr de
Geisel assegurou a Tancredo que não existia clima para golpe, no Exército. Mais que as um processo de impcachmenl
palavras de Geisel, o que confortou Tancredo foi sua atitude, ao final do encontro: o A seguir; a história polftica de cada um deles.
general desceu até a porta do prédio onde morava, no Rio, para que os fotógrafos e
cinegrafistas registrassem e todos tomassem conhecimento do encontro havido. Aquele

Afonso Pena
gesto, para Tancredo, tinha a força de um compromisso. Podia contar com o prestígio de
Geisel, se algum militar mais insatisfeito ensaiasse um golpe.
nome completb: Afonso Augusto Moreira Pena
Pelo menos um ensaio de golpe existiu, mas não exigiu intervenção de Geisel. Em nascimento: 30.11.1847, na Vila de Santa Bárbara do
meados de outubro, numa palestra para uma centena de oficiais, um general do Centro de Mato Dentro, hoje Santa Bárbara.
Informações do Exército (o CIEx tantas vezes identificado com a linha-dura) definiu o morte: 14.6.1909, no Rio de Janeiro, como presi-
dente da República.
momento nacional como pré-revolucionário e carimbou a candidatura de Tancredo Ne-
ves como preparação de terreno para o comunismo. Previa-se a repetição da advertência Primeiro governador eleito de Minas Gerais.
em outras guarnições militares. Mas a imprensa divulgou a palestra, generais legalistas Primeiro mineiro eleito para a presidência da
República. Primeiro civil a exercer o cargo
reagiram e o plano abortou. de ministro da Guerra, no Império (o outro,
Afastadas as ameaças gol pistas, faltava apenas ir juntando mais votos dissidentes na República, foi Pandiá Calógeras). Segun-
para chegar ao 15 de janeiro de 1985, quando finalmente o colégio eleitoral elegeu um do mineiro escolhido para a vice-presidên-
sexto mineiro para a presidência da República, por 480 votos, contra 180 de Paulo Maluf. cia da República.
Terminava a travessia. Tancredo Neves cntrdva para a História sem ter deixado
nenhuma grande hidrelétrica, ponte ou estrada. Em vez de uma colossal estrutura de Filho do comerciante português Do-
concreto, legou ao país urna extraordinária construção política. Teria competência para mingos José Teixeira Pena e de Maria
colocar a obra-prima dentro da moldura de uma administração produtiva, realizadora, Guilhermina de Oliveira Pena, filha do viscon-
capaz de garantir prosperidade ao Brasil e vida justa aos brasileiros? de de Carandaí. Estudou no Colégio do Caraça,
Como Tancredo morreu sem ter tomado posse, não existe resposta segura para formou-se advogado em São Paulo, na turma de
essa pergunta. Só o sonho. 1870, a mesma de Rui Barbosa, Joaquim Nabuco,

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Castro Alves, Rodrigues Alves e do também futuro governador de Minas Crispim Jacques onando Economia Política c Ciência das Finanças na Faculdade de Direito de Ouro Pre-
Bias Fortes. Advogou em Santa Bárbara e Barbacena, destacando-se como defensor de to. Apesar da insistência do presidente Prudente de Morais, recusou os convites para
escravos. ministro do Supremo Tribunal Federal e para representar o Brasil no Uruguai. Alegava
No Império, atuou como deputado provincial (estadual) e deputado geral (federal) que não queria sair de Minas. Em 1895, porém, aceitou a presidência do Banco da Repú-
entre 1874 e 1889, pelo Partido Liberal. Aos 35 anos, no gabinete Martinho Campos, blica, hoje Banco do Brasil, cargo que exerceu por três anos.
exerceu o cargo de ministro da Guerra. Aos 36, no gabinete Lafayete, foi ministro da Em 1899,já em Belo Horizonte, presidiu o Conselho Deliberativo da nova capital
Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Aos 38, foi ministro da Justiça, no gabinete mineira, órgão encarregado de dividir com o prefeito a gerência da cidade. No ano se-
Saraiva. Nessa função, em setembro de 1885, assinou a lei que dava liberdade aos escra- guinte, elegeu-se senador estadual. Reeleito em 1903, licenciou-se por ter sido escolhido
vos maiores de 60 anos. Nomeado conselheiro pelo imperador dom Pedro II, em 1888, para a vice-presidência da República, vaga pela morte Francisco Silviano de Almeida
participou da comissão que redigiu o Código Civil. Mesmo depois de proclamada aRe- Brandão (terceiro governador eleito de Minas e primeiro mineiro eleito vice-presidente,
pública, a maioria das pessoas o chamava de conselheiro Afonso Pena. falecido antes de tomar posse). Na condição de vice-presidente da República, Afonso
Proclamada a República, voltou a advogar. Meses mais tarde, aceitou integrar a Pena presidiu o Senado até o fim do mandato do presidente Rodrigues Alves, em 1906.
comissão encarregada de elaborar a primeira Constituição de Minas Gerais. Eleito sena- Candidatou-se então a presidente. Tomou-se o primeiro mineiro eleito presidente
dor estadual, em 1891, destacou-se entre os redatores da constituinte. A sessão de pro- da República, em 12 de março de 1906. Na presidência, ficou conhecido por duas atitu-
mulgação da Constituição Mineira, em 15 de junho de 1892, aprovou moção que reconhecia des marcantes. Uma logo no início da administração: o prestígio dado a um bloco de
os méritos de Afonso Pena como legislador. Na semana seguinte, quando Floriano Peixo- jovens parlamentares para dar apoio a suas iniciativas renovadoras. Eram os integrantes
to sucedeu Deodoro da Fonseca na presidência da República, o presidente nomeado de do "jardim-de-infância", inspirados nos ideais modcrnizadores de João Pinheiro no go-
Minas Gerais, José Faria de Cesário Alvim, renunciou. Afonso Pena foi indicado para verno de Minas c componentes de um grupo extremamente popular na R<>4>ública Velha. •
substituí-lo. Em 30 de junho, pela unanimidade dos votos da ASsembléia, elegeu-sego- Outra atitude marcante de Afonso Pena se deu nos seus últimos meses como presi-
vernador (ou presidente, como se disse até 1933). dente. Discor9ava das pretensões presidenciais de seu ministro da Guerra, Hermes da
Realizações como governador: Fonseca. Resistiu enquanto pôde à ascensão do general à presidência, articulada pelo
• construção de estradas de ferro poderoso senador gaúcho Pinheiro Machado e apoiada por outras expressivas lideranças
• criação da Primeira Junta Comercial do Estado nacionais, inclusive os mineiros Francisco Sales, Artur Bcmardes e Venceslau Brás (que,
• reforma do sistema de ensino público aliás, foi o vice de Hermes). A seu lado, o presidente Afonso Pena tinha também gente de
• amortização da dívida pública expressão, especialmente Rui Barbosa, que deflragrou então sua histórica Campanha
• aperfeiçoamento do Poder Judiciário Civilista. Quando o presidente se deu conta de que não havia como conter as articulações
• reorganização da polícia pró-Hermes, caiu em profunda prostração. Seus médicos, na ocasião, afirmaram que
• criação da Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais, em Ouro Preto esse grande desgosto foi causa determinante em sua morte. Afonso Pena morreu aos 61
• Promulgação da lei de transferência da Capital para Belo Horizonte anos, um ano antes do fim de seu mandato.
Um de seus gestos políticos mais expressivos, como governador: o lançamento do Realizações como presidente da República:
Manifesto aos Mineiros, em 1893, em apoio ao presidente Floriano Peixoto (uma de suas • estímulo ao ensino profissional e técnico
frases, no documento: "A beleza da democracia está em que, nela, ninguém pode tudo, • criação da Comissão de Obras no território do Acre
nem pode sempre"). Na ocasião, a Marinha tentou restabelecer a Monarquia, no episódio • instalação de núcleos agrícolas na A.mazônia
conhecido como a Revolta da Armada. Pelo seu decidido apoio ao governo federal, Afon- • instituição da Caixa de Conversão (para regular a ascensão das taxas cambiais
so Pena recebeu a patente de general-de-brigada. e assegurar a estabilidade da balança comercial)
Deixou o governo de Minas em 1894 e voltou à advocacia e ao magistério, teci- • criação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio

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• propaganda do Brasil no exterior
menta do Rio de Janeiro e a obrigatoriedade da vacina, Venceslau Brás assumiu a lide-
• reorganização do Instituto de Manguinhos/Oswaldo Cruz
rança da maioria na Câmara. Teve então desempenho fundamental para a aprovação das
• reorganização do Exército, com o serviço militar obrigatório
leis encaminhadas pela presidência da República.
• ampliação e melhoria dos portos
Era de novo deputado federal, no governo Afonso Pena, quando morreu o gover-
• apoio à missão do marechal Rondon (ligação telegráfica entre o litoral c a Ama-
zônia) nador mineiro João Pinheiro, em outubro de 1908. Venceslau Brás foi então eleito pela
Assembléia e assumiu a presidência estadual em abril de 1909, para completar o manda-
to de João Pinheiro (até setembro de 1910). Ao assumir, comprometeu-se a dar prosse-
guimento à obra renovadora do antecessor. Destacou-se no cumprimento dessa promessa,
Venceslau Brás com algumas realizações importantes:

nome completo: Venceslau Brás Pereira Gomes • criação de cooperativas de café


nascimento: 26.2.1868, em São Caetano da Vargem • criação de colônias agrícolas c fazendas-modelo
Grande, distrito de São José do Paraí- • aumento do número de escolas de e nsino primário
so, hoje Brasópolis.
morte: 15.5.1966, em llajubá. No terreno político, foi um dos poucos governadores mineiros a não dar apoio ao
presidente da República- por coincidência, um mineiro, Afonso Pena. O fato excep-
Segundo mineiro eleuo presidenJe da Repú- cional se deu nas manobras sucessórias iniciadas em 1909. Venceslau ficou ao lado das
blica. Terceiro mineiro a ocupar a vice-pre-
sidência da República. Em 1916, sancionou lideranças paulistas c do senador gaúcho Pinheiro Machado, eminência incontestável da
o Código Civil. Em 1917, tomou a decisão R epública Velha, e jogou o peso de Minas a favor da a rticulação que ga~ntiu a eleição •
de mandar tropas brasileiras para a I Guer-
do general Hermes da Fonseca para presidente. Compôs chapa com Hermes e, assim,
ra Mundial. Retirou-se cedo da política, aos
50 anos. Viveu até os 98 anos. elegeu-se vice-presidente.
Como vice-presidente da Re pública, presidiu o Senado entre 1910 e 1914. Nesse
Seu pai era político e coronel da Guar- cargo, fortaleceu-se o suficiente para, em 1914, frustrar as manobras de Pinheiro M a-
da Nacional. Estudou sempre em São Paulo, chado. O senador gaúcho, depois de fazer presidentes c influir em seus governos, preten-
desde o ginásio até se formar em Direito. Nos dia ele próprio presidir a República. Mas Venceslau Brás, so lidamente enraizado na
tempos de universitário, destacou-se como ora- política mineira, onde dividia com Francisco Sales o comando do Partido Republicano
dor brilhante c participou da propaganda republica- Mineiro, aliou-se uma vez mais aos paulistas e confirmo u-se como o ele ito para a presi-
na, com artigos em jornais paulistas. dência entre 1914 e 1918.
Depois de formado, começou como promotor, em Jacuí. Em seguida, mudou-se Como preside nte, deu continuação à obra de neu tralizar a influência de Pinhei ro
para Monte Santo, já como advogado. Vereador, presidente da Câmara e agente executi- Machado. Não o consultou para a formação de seu ministé rio. Nos meses seguinte, arre-
vo municipal de Monte Santo. Em 1892, eleito deputado estadual. Reeleito em 1895. No batou-lhe a liderança do Partido Republicano Conservador, na prática o único partido
governo de Silviano Brandão (1898-1901), Venceslau Brás exerceu o cargo de secretário político então existente. Quando Pinheiro Machado morreu em 1915, assassinado,
do Interior, responsabilizando-se então por algumas das medidas mais impopulares que o Venceslau Brás detinha o controle da política nacional. Com auto ridade, resolveu a ques-
momento estadual exigia.
tão da dupla presidência (governança) do Estado do Rio, ao determinar que a Força
Ao fim do governo Silviano Brandão, voltou à advocacia em Monte Santo. No ano
Federal baseada em territó rio flumine nse garantisse o cumprimento do habeas-corpus do
seguinte, elegeu-se deputado federal. Foi líder da bancada mineira. Quando o governo
Supremo Tribunal Federal, que reconhecia Ni lo Peçanha como governador legítimo.
Rodrigues Alves (1902-1906) atravessou período de grande turbulência, com o sanca-
Mas os dois maiores mome ntos de Vencesla u Brás, na presidência da República,

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seriam outros. Em 12 de janeiro de 1916, sancionou o Código Civil, redigido pelos mais Delirm Moreira
importantes juristas brasileiros da época. E em 26 de outubro de 1917, como reação ao
nome completo: Delfim Moreira da Costa Ribeiro
torpedeamento de vários navios mercantes brasileiros por canhões alemães, decidiu in-
nascimento: 7.11.1868, em Cristina.
corporar tropas do Brasil às forças aliadas que derrotaram a Alemanha na I Guerra morte: 1.7.1920, em Santa Rita do Sapucaí.
Mundial. A paz foi assinada antes que os soldados brasileiros tivessem de entrar em
Presidente da R epública por oito meses. Sofria
combate. de uma esclerose precoce. Morreu novo, aos
Outras de suas realizações como presidente: 52 anos, mas ainda no centro da cena políli-
ca, como presidente do Senado. Como secre-
• criação de uma nova lei eleitoral tário do Interior e governador de Minas, criou
• estímulo à produção agrícola fama de bom em finanças. Recuperou a eco-
• aumento das exportações de alimentos nomia estadual.
• estímulo à expansão da indústria
Delfim Moreira era filho do coronel
• incentivo à exploração do carvão
da Guarda Nacional Antônio Moreira da
• incremento do ensino profissional
Costa. Começou os estudos no Colégio Men-
• criação do Comissariado da Alimentação (para combater a carestia)
donça, de Pouso Alegre, c no Seminário de
A administração federal de Venceslau Brás se deu em período de grande dificulda-
Mariana. Formou-se em Direito em São Paulo,
de financeira internacional, com graves reflexos na vida brasileira. Ainda assim, ao fim
em 1890. Foi contemporâneo de Venceslau Brás,
de seu mandato ele reunia popularidade suficiente para continuar na vida pública, além
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e Estêvão Lobo •
da grande experiência acumulada. Tinha então 50 anos de idade e se elegeria facilmente
Leite Pereira. Com eles, em São Paulo, fundou e dirigiu o
para o Senado, com chances reais de numa primeira oportunidade voltar ao governo de Clube Republ~cano Acadêmico Mineiro. Quando estudante e também depois de formado,
Minas ou à presidência da República. publicou na imprensa vários artigos de propaganda republicana.
No entanto, Venceslau Brás preferiu se afastar da vida pública. Voltou à advoca- Formado, exerceu o cargo de promotor em Santa Rita do Sapucaí, onde se elegeu
cia, reassumiu o comando da Cia. Industrial Sul-Mineira, que havia fundado em 1912 e vereador, presidente da Câmara e agente executivo municipal. Em 1895, ganhou as elei-
que compreendia o Banco de ltajubá, a Fábrica de Tecidos Codorna e uma empresa de ções para deputado estadual. Na Câmara estadual, teve atuação destacada na comissão
eletricidade. Seu único e breve retorno à cena política se deu em 1931, quando aceitou a de Orçamento. Ao fim do mandato de deputado, assumiu a Secretaria do Interior, no
presidência do Comitê Supremo da Legião Liberal Mineira. Tratava-se de composição governo presidido por Francisco Sales (1902-1906).
para pacificar as lideranças políticas de Minas Gerais, desavindas desde a Revolução de Eleito senador estadual em 1907, renunciou dois anos depois, para exercer o
30. mandato de deputado federal. Outra vez, licenciou-se em meio ao cumprimento do man-
Diferentes correntes insistiram em tomá-lo governador de Minas, em 1933 e em dato, em 1910, para assumir de novo a Secretaria do Interior, agora no governo de Bueno
1945, e presidente da República, em 1950 (tinha então 82 anos e constituía uma das Brandão.
maiores reservas morais do país). Indiferente a todos os apelos, Venceslau Brás seguiu Em 1914, foi eleito para a presidência de Minas Gerais. Passou a ser respeitado,
tocando seus negócios e dedicando as horas livres à pescaria, paixão maior de seus últi- inclusive além das fronteiras mineiras, por ter colocado em ordem as finanças estaduais.
mos dias. Morreu aos 98 anos, conhecido como "O Solitário de ltajubá". Suas principais realizações como governador:
• expansão do ensino técnico c profissional
• criação da Diretoria de Higiene
• reforma da Secretaria da Agricultura

117
116
• aumento das vias de comunicação estaduais Artur Bemardes
• intensificação do uso de máquinas na agricultura
Em março de 1918, como companheiro de chapa de Rodrigues Alves, elegeu-se nome completo: Artur da Silva Bernardes
vice-presidente da República. Meses depois de eleito, o presidente contraiu a "Gripe nascimento: 8.8.1875, na Vila de Santa Rita do Tur-
vo, hoje Viçosa.
Espanhola". Delfim Moreira tornou-se então o terceiro mineiro a assumir a presidência morte: 23.3.1955, no Rio de Janeiro.
da República, no dia 15 de novembro de 1918.
Para a cerimônia de posse, uma comitiva de deputados e senadores o aguardava no Renovador da política mineira. Mestre na prá-
tica de articular com objetivos a longo prazo.
Hotel Internacional de Santa Tereza, no Rio. Todos envergavam seus melhores fraques e 0 mais duro dos núneiros que ocuparam a
coletes, as gravatas presas em laços irrepreensíveis. Os tecidos da moda eram o linho e o presidência da República. Por mais de dez
a 11os, senhor absoluto da vida política de
fustão lavrado. Diante de tanta elegância, o deputado Celso Bayma comentou: "Um gru-
Minas. Até o fim da vida, um nacionalista
po assim, tão elegante, vai fazer um contraste terrível com o homem." intransigente e radical.
Delfim Moreira era o homem a quem Bayma se referia. Esperavam que o vice-
presidente chegasse como costumava aparecer em solenidades, vestindo um fraque fora Filho do português Antônio da Silva
de moda e amassado, com uma grossa corrente de relógio saindo do bolso do colete e uma Bernardes, coronel da Guarda Nacional. A
vistosa medalha na lapela . Para surpresa geral, Delfim Moreira surgiu num fraque impe- mãe, Maria Aniceta Pinto Bernardes, perten-
cável, calça com o vinco bem marcado c foi considerado o mais elegante da festa. cia à família Vieira de Souza, uma das mais
Durante os oito meses em que Delfim Moreira governou o país, cresceu o boato de aristocráticas da Zona da Mata mineira. Seu •
que o ministro da Viação, Afrânio de Melo Franco (pai do jurista e parlamentar Afonso sogro era o senador Carlos Vaz de Melo, de quem
Arinos), era o verdadeiro presidente da República. Na verdade, desde o governo de Mi- Artur Bernardes veio a herdar o comando político na
nas, Afrânio de Melo Franco funcionava como principal auxiliar de Delfim Moreira, que região de Viçosa.
sofria de uma espécie precoce de esclerose. Apesar da reserva que se guardava então, há Iniciou os estudos no Colégio do Caraça. Na política, adotou a disciplina rígida
mais de um relato em que Delfim Moreira aparece como alguém que não tem o inteiro que aprendeu com os padres do Caraça, embora não tenha podido completar ali o curso
domínio das faculdades mentais. ginasial. A crise financeira que se seguiu à abolição da escravatura afetou os negócios do
Numa dessas ocasiões, já na presidência da República, um grupo de engenheiros coronel Antônio Bernardes e, em fins de 1888, o filho Artur teve de mudar para escola
expunha os planos, mapas e plantas de uma obra. De repente, o presidente pareceu alheio menos cara, em Viçosa mesmo. Na mesma ocasião, o jovem Artur Bernardes conseguiu
a tudo. Em seguida, pegou uma das plantas, fez com ela um canudo longo, foi até a janela emprego na vizinha Rio Branco, como guarda-livros, atividade que também ajudou a
e, .como se aquilo fosse uma luneta, ficou por um tcmpci a observar a paisagem. Depois, moldar seu estilo político-administrativo.
voltou, desenrolou a planta, recolocou-a sobre a mesa e continuou acompanhando a apre- Passada a crise financeira da família, Bernardes transferiu-se para Ouro Preto.
sentação dos engenheiros, como se nada de anormal houvesse ocorrido. Terminou os primeiros estudos no Ginásio Mineiro, matriculou-se na Faculdade Livre de
Com a morte de Rodrigues Alves, em janeiro de 1919, convocaram-se novas elei- Direito. Vem da faculdade sua amizade com Raul Soares, colega de turma e, no futuro,
ções, vencidas por Epitácio Pessoa. Delfim Moreira continuou na presidência até 26 de parceiro de importantes manobras na política mineira.
julho, data da posse de Epitácio. Apesar da saúde abalada, permaneceu no centro da cena Os dois fizeram os últimos anos do curso de Direito em São Paulo. Ali, em 1897,
política até o dia de sua morte, aos 52 anos. Era então o presidente do Senado. ajudaram a organizar o Batalhão Patriótico Bias Fortes, que pretendia combater em Ca-
nudos. Não chegaram a viajar para a Bahia. Pertenceram também à Bucha, sociedade
secreta de alunos e ex-alunos, de natureza filosófica e política. Apesar de a famflia ter
recursos, Bemardes trabalhou para se manter como estudante em São Paulo. Foi revisor

118 119
no Correio Paulistano, funcionou como fiel em um cartório deu aulas de latim e po t Brás, autoridades máximas do PRM. Os dois ficaram sem ação, pois a recusa da indica-
r u-
gues.
A •

ção trincaria o partido. . .


Formado, voltou para Minas e pôs banca de advogado em Viçosa. Com a morte d Eleito presidente de Minas, Bemardes consolidou sua hderança no PRM e, em
s~gro, em 1904, iniciou sua vida de chefe político, caracterizada no âmbito local pel~ continuação à estratégia de demolir antigas práticas, buscou a elite intelectual- em vez
dtsputa permanente com a família Pacheco. Tinha então 29 anos. Em editoriais c artig de recorrer às forças cleitorciras - para a formação de seu secretariado. Entre eles,
. I c·da os
no J.oma t de de Viçosa, que passou a dirigir, publicou seguidas críticas à situação Clodomiro Augusto de Oliveira, engenheiro e professor da Escola de Minas, de Ouro
nacwnal, tumultuada a seu ver pela excessiva autonomia dos Estados diante da União. Preto, viria a exercer influência determinante na formação das convicções nacionalistas
Uma
. de. suas campanhas mais constantes visava à reforma da Constituição de 1891 , a que caracterizaram os últimos anos de Artur Bernardes.
pnmetra da República. Adotou o mesmo procedimento de perfil elitista ao reformar os estatutos do PRM,
Elegeu-se deputado estadual em 1907. Deveria ficar na Assembléia até 1910. An- em 1919. Na ocasião, afastou dois terços dos deputados c metade dos senadores esta-
tes disso, porém, foi eleito deputado federal. Tanto em Belo Horizonte quanto no Rio sua duais, rudes lideranças municipais ou regionais, substituindo-os por gente nova e que
atu~çã~ parlamentar foi medíocre. Não há registros dessa sua primeira experiê~cia tivesse título universitário. Aumentou o número de membros da Comissão Executiva,
legtslallva, nem nas comissões técnicas, nem em plenário. onde passou a controlar a maioria dos votos. Estabeleceu também um rodízio anual na
Renunciou ao mandato de deputado em 1910, para assumir a Secretaria das Fi- presidência c na secretaria do partido, o que fulminou de vez os feudos em que se nutriam
nanças de Minas, no governo de Bueno Brandão. O cargo executivo, mais adequado ao as antigas lideranças pcrrcmistas.
seu temperamento, permitiu que Bemardcs aprimorasse o estilo de administrar sempre Mais que o controle absoluto sobre o PRM, na verdade Bernardcs visava, sempre
c.om os olhos voltados para resultados políticos de longo prazo. O programa de cmprés- em parceria com Raul Soares, garantir uma base sólida para se lançar candidato a presi-
ttmos aos municípios, desse modo, tinha como objetivo principal diminuir a hegemonia dente da República em 1922. Como secretário do Interior, Raul Soares pr~parava-se, por
da região central do Estado, ao mesmo tempo que, para ele próprio, deitava raízes para sua vez, para suceder Bernardcs na presidência de Minas.
um controle político mais abrangente e duradouro. Celebrou acordos fiscais com São Algumas das principais realizações de Bernardes como governador:
Paulo e Espírito Santo, mas o objetivo maior era aumentar a arrecadação mineira, que de • aquisição e cncampação de várias estradas de ferro
fato se beneficiou do aprimoramento necessário para agir em sintonia com paulistas c • campanhas de saneamento rural
capixabas. • combate ao analfabetismo
. D~i~an~o a Secretaria das Finanças, elegeu-se deputado federal em 1915. A polí- • feiras agropecuárias
ttca mumctpahsta -que nas décadas futuras seria copiada em praticamente todos os • formação de colônias agrícolas
Estados- garantiu a Bemardes uma votação consagradora. O municipalismo bcrnardista • reforma do sistema penitenciário
era o que todo profissional da política ainda hoje sonha em dominar: municípios dinâmi- • instalação, em Viçosa, da escola de agricultura c veterinária que se transforma-
cos e criativos na produção da riqueza local e, ao mesmo tempo, dóceis ao comando e às ria na Universidade Federal de Viçosa, hoje uma das mais importantes do Brasil
diretrizes do governante estadual. Em sua segunda passagem pelo Legislativo, desempe- No seu tempo de governador, Bernardcs viveu o episódio que serviria de matriz
nhou papel importante. Entre outras missões de destaque, presidiu a Comissão Especial para a intransigente defesa das riquezas naturais brasileiras, assumida no terço final de
do Código de Contabilidade. sua vida pública . Recusou-se, em 1920, a ratificar o acordo firmado entre o governo
Nessa época, Artur Bemardes já se impunha dentro do Partido Republicano Mi- federal e a Itabira Iron, idealizada pelo empresário americano Percival Farqhuar. In-
neiro. Em sintonia com Raul Soares, decidiu romper a tradição de o governante mineiro fluenciado por seu secretário c engenheiro Clodomiro Augusto de Oliveira, Artur Bem ardes
sair sempre do secretariado da administração que chegava ao fim. Raul Soares era secre- estava convencido de que a Itabira Iron iria apenas explorar c exportar in natura o
tário da Agricultura e indicou Artur Bernardes para suceder Delfim Moreira. A manobra minério mineiro. Impôs tautas restrições, fez tantas exigências que afinal não saiu o
surpreendeu o ex-governador Francisco Sales e o então presidente da República Venceslau aco rdo entre Brasil c Farqhuar.

120 121
No fundo, Bemardes preferia a idéia de Clodomiro: em lugar de uma grande side- Uma verdadeira bomba. Provocação da primeira à última linha. É importante um
rurgi.a depende~te do carvão mineral estrangeiro, uma infinidade de pequenas siderurgias rápido recuo, para se perceber todo o veneno ali contido. O presidente da República era
mov1das a carvao vegetal brasileiro. Quanto ao carvão mineral, propunha incrementar a Epitácio Pessoa, político de sólida fonnação jurídica e consistente reputação como diplo-
produção das minas de Santa Catarina, de maneira a reduzir ao mínimo a dependência de mata. Ainda assim, os meios políticos da capital nunca se esqueciam de que se tratava de
im.portação. Por essa época, visitou o Brasil o rei Alberto, da Bélgica. Bcrnardes apro- um nordestino, um paraibano. Ao formar seu ministério, Epitácio acrescentou a ousadia
veitou para lançar as bases da Cia. Siderúrgica Bclgo-Mineira. Movida a carvão vegetal. -jamais repetida- de nomear um civil para a Guerra, João Pandiá Calógeras, e outro
~ndidato a presidente na sucessão de Epitácio Pessoa, Bernardes tinha eleição para a Marinha, o mineiro Raul Soares.
garanllda pelo predomínio que o Partido Republicano Conservador exercia na vida bra- A carta forjada por Oldcmar c Jacinto iniciava pelo deboche contra Hermes da
sileira. Mas enfrentou a candidatura oposicionista de Nilo Peçanha, lançado pela Rea<;ão Fonseca, ex-presidente da República, ex-ministro da Guerra, sobrinho do proclamador
Republicana . A campanha gerou o notório episódio das "cartas falsas", talvez o mais da República, Deodoro da Fonseca. Nos seus tempos de presidente, o marechal Hermes
escandaloso caso de fraude já ocorrido na história política brasileira. sofrera muitos ataques e piadas. Mas nada tão duro como naquele texto que trazia assi-
O Palácio do Catetc, sede do governo federal, no Rio, até a mudança da capital natura rigorosamente igual à do governador de Minas. As supostas recomendações de
para Brasília, era conhecido como Palácio das Águias. Artur Bernardes, tipo físico ma- Bemardes a Raul Soares pretendiam evidenciar que alguém estranho ao governo federal
gro, ossudo e severo, rosto alongado por um cavanhaque, exibia no entender de seus por ali dava ordens. Para arrematar toda a trama, a frase final que jogava todo o generalato
adversários figura semelhante à de um cabrito. Fe/ grande sucesso, então, a marchinha no fosso dos venais. Publicou-se depois uma segunda carta, igualmente virulenta.
carnavalesca marcada pelo seguinte estribilho:
Apesar da oposição fortíssima, prevaleceu a hegemonia e Bernardes se elegeu
Ai, seu Mé presidente da República. Mas a chaga aberta pela campanha não se fechou. Pouco tempo
Ai, seu Mé
depois de proclamada a vitória de Bernardes, jovens oficiais se rebelaram, no Forte de •
Copacabana. O episódio, desde então conhecido como Os Dezoito do For~c (na realida-
Lá no Palácio
de, eram pouco mais de dezoito, os revoltosos), terminou com várias mortes e marcou o
das Águias, olé!
nascimento do movimento tenentista. Dava-se ali, igualmente, o tom do governo Bemardes,
Não hás de pôr o pé.
quase todo o tempo sob estado de sítio e com a imprensa rigidamente controlada.
O apelido caprino ofendia o perfil caracensc de Bernardes. O jornal Co"eio de O novo presidente brasileiro ainda não havia completado 50 anos de idade. Como
Manhã movia oposição encarniçada, sob a inspiração devastadora ~o diretor de redação, havia feito na composição do secretariado, em Minas, buscou nomes de prestígio para
Mário Rodrigues (pai do jornalista c dramaturgo Nélson Rodrigues). Mas o pior foram montar seu ministério. Tinha como principais objetivos eliminar a dívida do Banco do
as cartas falsas, idealizadas por Oldemar Lacerda c escritas por Jacinto Guimarães, Brasil, criar um Banco Central que retomasse as finanças nacionais ao padrão ouro e
homem dotado de rara habilidade caligráfica, capaz de imitar perfeitamente a letra de adotar o Plano de Defesa Permanente do Café, aprovado pelo Congresso.
qualquer pessoa. Precisava, antes de mais nada, de um volumoso empréstimo externo. Recorreu,
Os dois saíram do Rio, instalaram-se num hotel de Belo Horizonte, conseguiram como era praxe, aos banqueiros Rothschild, na Inglaterra, e aceitou que uma missão de
num cartório a assinatura de Artur Bernardes. Estavam prontos para forjar a primeira peritos ingleses promovesse uma avaliação e desse um diagnóstico das finanças brasilei-
carta, supostamente de Bernardes para Raul Soares. Começava assim: "Amigo Raul ras. A missão Montagu, chefiada por Edwin Samuel Montagu, deixou um vasto repertó-
Soares. Saudações afetuosas. Estou infonnado do ridículo banquete dado pelo Hermes, rio de recomendações, quase todas seguidas pelo governo Bernardes. Muitas, por sinal,
esse sargentão sem compostura, aos seus apaniguados, e de tudo o que nessa orgia se continuam atuais. As principais:
passou. Espero que use de toda energia, de acordo com a minhas últimas instruções, pois • reformar as técnicas de preparação do orçamento
essa canalha precisa de uma reprimenda para entrar na linha". As frases finais diziam: • uma política fiscal mais restritiva
"A situação não admite contemporizações e os que forem venais, e que são quase a • redução dos gastos públicos
totalidade, compre-os com todos os seus bordados e galões". • rígido controle das dívidas dos Estados c Municípios

122 123
• vender empresas públicas deficitárias Na resistência à ditadura, Bernardes estava entre os signatários do Manifesto dos
• parar com os programas de sustentação dos preços do café Mineiros, de outubro de 1943. Com a deposição de Vargas, dois anos depois, iniciou-se
Duas recomendações tiveram impacto especial. Uma: cobrar Imposto de Renda da a redemocratização do país. Para Bemardes, abria-se o período de intensa pregação
atividade agrícola; os ingleses achavam verdadeira aberração- e Bernardes concordou nacionalista, em defesa do ferro, do petróleo, da Amazônia. Intransigente e inflexível
com eles- que, numa economia dominada pela agricultura, os fazendeiros fossem isen- como em toda sua vida, tornou-se por fim um radical. Só em condições muito excepcio-
tos de pagar impostos de um modo geral. A outra: transferir para o Estado de São Paulo nais aceitava a intervenção do capital estrangeiro na economia nacional.
o controle do preço do café; também parecia absurdo, aos ingleses- e Bernardes con- Criou uma espécie de ojeriza pelos diplomatas. Dizia, sobre os brasileiros em
cordou, de novo-, que funcionários instalados no Rio de Janeiro definissem a política missões no Exterior: "Os homens que ali servem ao Brasil, aos poucos se desnacionalizam,
de uma produção inteiramente implantada em São Paulo. devido talvez ao tempo que passam fora da Pátria, no trato com estrangeiros. Poucos são
Todo esse conjunto tumultuoso de medidas de natureza econômica também ajuda a os que ali pensam nacionalmente sobre os problemas brasileiros. Quase todos pensam
explicar por que, no final das contas, Artur Bernardes sentiu necessidade de recorrer a internacionalmente".
medidas de força para governar. Tempos mais tarde, analisando o período, Afonso Arinos Até morrer, aos 80 anos, Bernardes foi um político atuante, embora nunca mais
de Melo Franco admitia que Bcrnardcs foi despótico, no governo. Mas ressalvava: "um recuperasse por inteiro o domínio exercido no passado. Seu novo partido, o PR, mal
despotismo esclarecido". alcançava porte médio, freqüentemente atuando como fiel da balança disputada por PSD
Na mesma ocasião em que Bernardes assumiu a presidência da República, Raul e UDN, os grandes. Para as gerações mais recentes, o que ficou de Bernardes foi mesmo
Soares elegeu-se presidente de Minas Gerais. Era o êxito da estratégia traçada vários o perfil de nacionalista intransigente. O grande líder, senhor absoluto e incontestável da
anos antes. Mas as turbulências da administração bernardista prejudicaram o objetivo de cena política brasileira, esse se tornou apenas uma figura dos livros.
estabelecer um controle total da política brasileira. Pior ainda, a saúde de Raul Soares,
que nunca tinha sido ótima, piorou e ele veio a morrer na metade do mandato de governa-
dor, em agosto de 1924. Juscelino Kubitschek
Ao deixar a presidência, assim, Artur Bernardes não era mais um polftico tão
forte. Fernando de Melo Viana, escolhido sem participação de Bernardes para completar nome completo: Juscelino Kubitschek de Oliveira
o tempo de Raul Soares, também não se sentiu na obrigação de ouvir ninguém, ao esco- nascimento: 12.9.1902, em Diamantina.
lher Antônio Carlos Ribeiro de Andrada para governar Minas de 1926 a 1930. Sem morte: 22.8.1976, em acidente de carro na Via
Dutra, no município Dum inense de
capacidade de resistir aos fatos políticos, Bernardes decidiu concorrer ao Senado Fede-
Resende.
ral, na esperança de que, com o tempo, voltasse a paz na política mineira. Elegeu-se em
1927, com mandato até 1932. O prefeito que modernizou Belo Horizonte. O
Mas a Revolução de 30 e seus desdobramentos alteraram os planos que havia governador que acelerou a industrialização
de Minas. O presidente que fez o Brasil pro-
traçado. Sua vida política entra então numa etapa de sucessivas quedas c recuperações. gredir meio século em cinco anos. Único ci-
Embora sem grande entusiasmo, concordou em que o PRM apoiasse a Aliança Liberal vil eleito, desde 1926, a passar a faixa
que se levantou então contra o governo federal c acabou por tomar o poder, entregando- presidencial a outro civil eleito. A cassação,
o ao gaúcho Getúlio Vargas. Em 1931, Bernardes articulou um golpe para derrubar o exílio, o vexame dos inquéritos policiais
militares, o acidente fatal no km 165 do. Via
Olegário Maciel do governo de Minas. Fracassou. Dutra.
No ano seguinte, colocou-se contra Vargas, como participante da Revolução
Constitucionalista desencadeada por São Paulo. Como vários outros derrotados de então O sobrenome vem do bisavô matemo,
- e de sempre-, Bernardes amargou o exOio, com os direitos políticos suspensos. Jan Nopomukaya Kubitschek, marceneiro imi-
Passou dois anos em Portugal, até a anistia de 1934. Elegeu-se deputado. Mas perdeu o
grado em 1830 da Boêmia, então parte do Impé-
mandato em 1937, quando Vargas desfechou o golpe do Estado Novo e, entre outras
rio Austro-Húngaro, mais tarde, Checoslováquia. No
arbitrariedades, fechou o Congresso.

124 125
Brasil, Jan virou João, Nopomukaya virou Nepomuceno. Não havia como aportuguesar l]ledicina. Em 1938, já era tenente-coronel-médico. Em 1940, seu consultório médico já
o último sobrenome, que ficou Kubitschek mesmo, sem prejuízo para a carreira polftica
era um dos mais conhecidos de Belo Horizonte. Foi quando Benedito Valadares o sur-
do bisneto, um século depois.
reendeu com a indicação para prefeito da capital mineira.
Um tio-avô, João Nepomuceno, foi advogado, professor, participou do movimento p Nascia, ali, o administrador ousado e o ganhador de eleições que Minas e o Brasil
republicano, ao lado de João Pinheiro, elegeu-se senador estadual e chegou a vice-gover-
conheceriam na década seguinte. Algumas das realizações de Juscelino Kubitschek como
nador de Minas, compondo chapa com Crispim Jacques Bias Fortes. O pai de Juscelino
prefeito nomeado de Belo Horizonte:
J~ão César de Oliveira, foi garimpeiro, lapidado r, caixeiro-viajante, delegado de polícia: • asfaltamento das avenidas Afonso Pena e do Contorno
fiscal de rendas municipais. Quando o pai morreu, de tuberculose, Juscelino tinha 3 anos
• abertura de avenidas radiais, de ligação com a do Contorno
c sua irmã, Maria da Conceição, 4. Os dois foram criados unicamente com 0 que ganha-
• ampliação c criação de vários bairros
va a mãe viúva, a professora Júlia.
• criação da Escola de Pintura, entregue à direção de Guignard
Juscelino estudou de graça no Seminário Diocesano de Diamantina. Aos 15 anos,
• fundação da Escola de Arquitetura e Belas-Artes
mudou-se para Belo Horizonte. Passou no concurso para telegrafista, mas só foi nomea-
Mais marcante do estilo JK, porém, seria a implantação do conjunto arquitetônico
do dois anos depois. Um colega dos tempos de correio, José Maria Alkrnim, se tornaria
da Pampulha, com as linhas arrojadas do projeto de Oscar Niemeyer e a desconcertante
companheiro político e amigo para o res to da vida.
arte do ateu Cândido Portinari na Capela de São Francisco de Assis.
Em 1922, entrou para a Faculdade de Medicina. Continuou trabalhando como
A deposição de Vargas, em outubro de 1945, significou o afastamento de Benedito
telegrafista, à noite, até o final do curso. Formado, continuou como assistente, na facul-
Valadares do governo de Minas e de Juscelino Kubitschek da prefeitura de Belo Horizon-
dade, e trabalhou com seu futuro cunhado, Júlio Soares, na Santa Casa. A essa altura
Alkmim já era advogado e vice-diretor da Imprensa Oficial. Por influência dele, Jusccli~
te. Foi nessa ocasião que JK abandonou em definitivo seu consultório médico. Daí por
diante, já como secretário do recém-criado Partido Social Democrático (PSD), ia atuar •
no ganhou o lugar de médico da Caixa Beneficente da Imprensa Oficial.
Entre abril e novembro de 1930, viveu na França, onde se especializou em urologia. como um profissional da política. As serenatas, o gosto pelos bailes, o sorriso a?erto, o
Conseguiu empréstimo bancário para fazer o curso. De volta ao Brasil, foi nomeado otimismo exacerbado, as viagens de avião, a vocação para conciliar- esses e outros
médico da Força Pública Mineira, em março de 1931. No fim do ano, casou-se com Sara itens viriam a -compor um dos mais entusiasmantcs fenômenos já surgidos na política
Gomes de Sousa Lemos, filha de político e prima dos políticos Otacílio, Francisco c Jair brasileira.
Negrão de Lima. Uma irmã de Sara, Amélia, casou-se com o engenheiro Gabriel de Elegeu-se deputado federal c, novamente, teve passagem apagada pelo Legislativo.
Resende Passos, com quem Juscelino viria a disputar o governo de Minas nas eleições de Nos bastidores do PSD, entretanto, atuava com grande desenvoltura, sob a sombra pode-
1950. rosa de Benedito Valadares. Ao costurar a aliança do PSD com o Partido Republicano,
Mas a porta da carreira política se abriria apenas em julho de 1932, quando atuou recém-criado pelo ex-presidente c ex-governador Artur Berna:-des, Kubitschek viabilizou
como médico das forças mineiras que combateram as de São Paulo, na Revolução sua candidatura a governador, em 1950. O outro pretendente, José Francisco Bias For-
Constitucionalista. Entre os amigos de campanha, es tava o delegado federal na região da tes, não teria o apoio do PR.
Mantiqueira, Benedito Valadares. No ano seguinte, Benedito tornou-se interventor em O outro grande partido de Minas, a União Democrática Nacional (UDN), estava
Minas Gerais, designado por Getúlio Vargas, c levou Juscelino Kubitschek para seu no governo estadual, com Mílton Campos. Realizava um governo d~ recu~ração do
gabinete.
Estado, que exigia medidas impopulares. Assim, JK não encontrou ma10res d.Ificuldad.es
Embora ~ontinuasse médico da polícia, Juscelino havia então posto o pé na políti- para se eleger governador, com quase 200 mil votos de vantagem sobre o uderusta Gabnel
ca. O pé e a alma. Elegeu-se deputado federal em 1934, pelo Partido Progressista. Teve Passos (num eleitorado de cerca de 1,2 milhões). .
atuação apagada, no Legislativo. Foi como se não existisse, para ele, toda a efervescência No governo, Kubitschek se orientou por planos de governantes antenores, com~
que antecedeu o golpe dado por Vargas para implantar o Estado Novo, em 1937. Fechado
João Pinheiro e Benedito Valadares, não se constrangeu em aproveitar e ampliar o que fm
o Congresso, extintos os antigos partidos, Juscelino voltou a dedicar-se unicamente à
deixado por Mílton Campos e, em especial, esbanjou criatividade e arrojo. Para livrar o

126
127
Estado da "civilização da lenha", criou a empresa Centrais Elétricas de Minas Gerais verdade, essa intensa articulação só veio a cessar em 11 de novembro, quando o ministro
S.A. (Cemig), planejada pelo governo anterior. Do mesmo modo, recorreu a providências da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, interveio com o que ficou conhecido como
preliminares do governo Mílton Campos, que havia iniciado a reorganização do Departa- "contragolpe preventivo" (o general também falou em "movimento de retomo ao regime
mento Estadual de Rodagem. Sobre esses dois pilares consolidou o binômio Energia e constitucional vigente").
Transporte, que tanto havia apregoado na campanha para governador. Com a morte de Vargas, assumiu o vice, Café Filho, fortemente influenciado pelo
Com recursos do Estado, da iniciativa privada mineira e internacionais, pontilhou setor golpista da UDN. Semanas antes das eleição presidencial, Café Filho adoeceu.
com novas hidrelétricas o mapa de Minas. Adotou uma generosa política de incentivos Assumiu então o presidente da Câmara dos Deputados, o mineiro Carlos Luz, um dissi-
para tornar Minas Gerais ainda mais atraente a indústrias que já se sentiam cativada~ dente do PSD c aliado dos golpistas. Manobrava-se abertamente, nos corredores dos
pela multiplica~São do potencial energético mineiro. Entre essas, viria a Mannesmann ministérios e do Palácio do Catctc, para que Café Filho retornasse c impedisse a posse de
alemã. Anunciada em 1952, inaugurada em 1954, permanece como uma das maiore~ Kubitschek. Foi quando o general Lott, dizendo agir em nome da legalidade, afastou
siderúrgicas instaladas no Brasil. Carlos Luz, determinou que Café Filho não poderia reassumir c entregou o governo ao
Muito se debatia, na época, a questão do capital estrangeiro. Radicais argumenta- pessedista catarincnsc Nercu Ramos, presidente do Senado, incumbindo-o de se manter
vam com igual veemência contra c a favor. O governador mineiro, enquanto isso, ia no posto até o dia de entregar a faixa presidencial a Juscelino Kubitschek (esse fato está
pragmaticamente atraindo quem pudesse investir na modernização do Estado. Atacava, narrado com mais detalhes em capltulo anterior deste livro, "A Arte Mineira de Fazer
ao mesmo tempo, um ambicioso plano de interligação rodoviária de todas as regiões de Polftica", no trecho que conta "As Três Vitórias deJK").
Minas, em torno de três estradas-tronco que ligavam o Sudeste ao Centro, o Centro ao Aos 53 anos, o novo presidente assumia com a promessa de fazer o Brasil avançar
Norte e a capital à Zona da Mata. Da parte do governo federal, obteve o compromisso de cinqüenta anos durante os cinco anos de sua administração. Mesmo seus adversários
pavimentação das rodovias que ligavam Belo Horizonte a São Paulo e Rio. Sem contar reconhecem que cumpriu o prometido, até onde se possa medir em anqs o resultado •
as estradas federais, o governo JK acrescentou mais de 3 mil quilômetros à malha viária obtido. Números da economia, de todo modo, confirmam o enorme avanço registrado.
de Minas, que havia encontrado com menos de 5 mil quilômetros. Entre 1948 c 1~955, a economia nacional cresceu a uma taxa média de 3.2%, côm uma
Outras de suas realizações como governador: renda anual per capita de 242 dólares (semelhante à do México, 262 dólares, mas bem
• ampliação das matrículas escolares, de 680 mil para 1,1 milhão abaixo à da Venezuela, 648 dólares). A população brasileira, de 60 milhões de habitan-
• 120 novos postos de saúde distribuídos por todo o Estado tes, crescia então a uma taxa anual de 2,7%, projetando um total superior a 200 milhões
• criação de duas faculdades de Medicina, uma de Direito, uma de Farmácia e de habitantes para o ano 2000. Durante a era JK (1956-1960), embora a expansão
Odontologia demográfica permanecesse alta, a economia registrou o vertiginoso crescimento de 7,3%
• criação de cinco conservatórios de música c uma escola de Belas-Artes ao ano. Isto é; ainda que não haja medida indiscutível para conferir a exatidão do slogan
Vitorioso como governador de Minas, estrela em ascensão no PSD nacional, Jus- 50 anos em 5, os novos números respondiam que Juscelino Kubitschek cumprira a pro-
celino Kubitschek sentiu-se preparado para disputar a presidência da República. Conta- messa feita ao assumir a presidência.
va com a quase totalidade do partido. Podia contar com o apoio do PTB. Era o suficiente Pela primeira vez, um presidente chegava ao Catctc acenando com um Plano de
para enfrentar a oposição udenista, em grande parte dominada pela inclinação gol pista Metas minuciosamente esquematizado pela nata da inteligência nacional. Eram trinta
que, em agosto de 1954, havia levado o presidente Getúlio Vargas ao suicídio. metas, divididas em seis grupos: energia (elétrica, carvão, nuclear, petróleo), transporte
Era o suficiente. Mas não foi fácil. A oposição a JK usou de todos os meios e (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos), alimentação, indústrias de base (aço, alumí-
artifícios. Apresentaram sua candidatura como ameaça à paz nacional, pela coligação nio, cimento, álcalis, não-ferrosos, papel e celulose, borracha) e educação. Completando
com o PTB, que havia indicado como candidato a vice o herdeiro político de Vargas, João a lista, cintilava a construção da nova capital federal, Brasília, com o status de metas-
Goulart. Procuravam jogar as Forças Armadas contra a candidatura JK. Mesmo depois síntese.
de vencer as eleições, em 3 de outubro de 1955, persistiram as manobras anti-JK. Na Outra novidade introduzida por JK foi a administração paralela, em que grupos de

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especialistas estudavam o potencial de implantação ou expansão de diversos setores. Urn
. 0 I Exército comanda a Vila Militar, onde sempre se concentrou o mais importante
Rto,
desses era o Grupo Executivo da Indústria Automobilística, Geia, instalado em junho de 1·
arsenal bélico brasileiro e de onde, no passado, desencadearam-se manobras go ptstas
1956 e que, dois anos depois, apresentava o primeiro carro montado no Brasil com 50%
de peças de fabricação nacional, o sedan DKW-Vemag. bem-sucedidas. .
No início de 1961, quando passou a presidência a Jânio Quadros, Kubttschek era
Tudo, sob o presidente JK, parecia pipocar instantaneamente. O projeto da nova
rande esperança do PSD de reassumir o poder, nas eleições de 1965. Surgiam, cada
capital, elaborado por SanTiago Dantas, foi encaminhado ao Congresso em setembro de avez
g mais, flâmulas e inscrições anunciando JK-65. A renuncta • Q d
, . d e JAamo ua ros, e_m
1956. Em 21 de abril de 1960, dava-se a inauguração de Brasília, já com uma população
agosto de 1961, representou um primeiro susto para todas as articulações polí~icas entao
de 100 mil habitantes. Pouco mais de três anos bastaram para o presidente vencer o que
em curso (Carlos Lacerda e José de Magalhães Pinto, pela UDN, Leonel Bnzola, pelo
ele sempre considerou a maior de todas as suas batalhas, igualmente árdua como desafio
PTB, entre outras). Um segundo susto ocorreria em abril de 1964, quando um golpe
político e como realização física.
militar de forte inspiração udenista depôs o presidente João Goulart.
Algumas das principais realizações de Kubitschek como presidente da República:
Mas ainda havia um fio de esperança. Tanto que o PSD manteve a candidatura de
• a rodovia Belém-Brasília, de 2 mil quilômetros
JK a presidente, lançada oficialmente em convenção realizada em 2~ de março de ~964.
• asfaltamento das ligações rodoviárias Brasília-Santos, São Paulo-Cuiabá e São
Na ocasião, o candidato anunciou que seu próximo governo realizana uma revoluçao na
Paulo-Belo Horizonte
• criação da Sudene agricultura. Em junho de 1964, porém , o novo ministro da Guerra, Artur da ~sta e
Silva, impôs a cassação do manda to de senador (por Goiás, obtido em 1961) de Kubt tschek
• construção das barragens de Três Marias e Fumas
e a suspensão de seus direitos políticos por dez anos.
• construção da refinaria de Duque de Caxias
Era, de vez, o ocaso de JK. Em 1965, as eleições de pessedistas para os governos
• estímulo à produção de cimento e asfalto
de Minas e Rio deram motivo para os militares baixarem o Ato Institucio'1al nQ2, que
• construção dos estaleiros da Yshikawajima e da Verolme
extinguiu os antigos partidos. Frustrou-se, no mesmo ano, a Frente Ampla, movimento
Mais até que os impressionantes resultados administrativos, muitos analistas polí-
coordenado por Lacerda para unir inimigos de outras campanhas, inclusive Goulart; num
ticos destacam como principal obra do governo JK a estabilidade que conferiu às institui-
esforço para conseguir a reconstitucionalização. .
ções democráticas. Basta dizer, nessa área, que desde a transmissão do cargo de Artur
Para JK, sobraram os anos de ex11io, as conferências em universidades amencan~s
Bemardes para Washington Luís, em 1926, foi ele até agora (1994) o único presidente
e européias, os vexames dos interrogatórios em inquéritos policiais militares, a aleg~a
civil, eleito democraticamente, a passar a faixa presidencial a outro civil democratica-
mente eleito. fugaz de uma eleição para a Academia Mineira de Letras, em 1974, seguida da decepçao
de uma derrota na disputa de uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, em 1976.
Também esse extraordinário feito político não brotou espontaneamente. Kubitschek
Finalmente, o acidente fatal, no quilômetro 165 da Via Dutra, em Resende, RJ, às
teve de agir com enorme habilidade, para contornar as dificuldades. Transferir a capital,
15 horas de 22 de agosto de 1976. Naquele dia, Juscelino estava hospedado na Casa da
do Rio para Brasília, contrariou interesses de toda ordem,' desde a simples comodidade
do funcionalismo habituado à vida à beira-mar até a natural resistência da economia
Manchete, que então tinha esse nome, em São Paulo. Acordou tarde, bem-disposto. :es-
tia um roupão vinho sobre um pijama azul, ao tomar o café da manhã. Almoçou ftlés.
carioca. A oposição udenista em nenhum momento esmaeceu. Militares golpistas em
Presenteou a cozinheira com dinheiro para comprar ingresso para um show do cantor
duas ocasiões (Jacareacanga e Aragarças) chegaram mesmo a esboçar tentativas de der-
rubar pela força o presidente. Roberto Carlos. À última hora, desistiu de ir de avião para o Rio. Seu motorista de
muitos anos, Geraldo Ribeiro, o havia trazido de carro até São Paulo. Voltaria com ele
Kubitschek sustentou-se em dois núcleos principais. No campo partidário, garantiu
para 0 Rio. Ultrapassavam um ônibus da Viação Cometa, q~ando inexplic~velmente o
maioria com a distribuição de cargos entre os dois partidos que o elegeram, PSD e PTB.
Opala de JK não conseguiu fazer a curva, atravessou o canteiro central e fm bater numa
Tratava-se, além do mais, de uma promessa de campanha. O outro ponto de apoio: os
carreta que vinha em sentido contrário. ,. . .
militares. Aqui, Kubitschek manteve o general Lott no Ministério da Guerra e, ao mesmo
O corpo de Juscelino Kubitschek foi sepultado em Brastha, no ccmtténo Campo
tempo, colocou no comando do I Exército o prestigioso general Odílio Denys. Sediado no
da Esperança, e trasladado para o Memorial JK em 12 de setembro de 1981.

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Tancredo Neves união de suas principais lideranças. O jovem advogado lhe parecia uma liderança pro-
missora. Lançou-o candidato a vereador.
As previsões de Viegas se confirmaram. Tancredo foi o mais votado nas eleições
nome completo: Tancredo de Almeida Neves
nascimento: 4.3.1910, em São João del Rei. municipais de 1934, em São João, tomando-se em seguida presidente da Câmara. Nessa
morte: 21.4.1985, em São Paulo. condição, causou impressão excelente ao discursar perante o governador Benedito
Valadares em agosto 1936, durante assembléia convocada para discutir a formação do
O presidente eleito que não tomou posse. Vee-
mente nos palanques das diretas e diligente Partido Nacionalista Mineiro. O novo partido, se vingasse, deveria fortalecer Valadares
nos bastidores pelas indiretas. No governo de e, no plano nacional, Getúlio Vargas, então atormentado pela onda integralista, a onda
Minas, cuidando da redemocratização do
comunista e a intensa agitação política vivida pelo país. Mas Vargas preferiu aproveitar
Brasil. Com Getúlio Vargas e João Goulart,
a lealdade na queda. As articulações e as aquele contexto turbulento para desencadear o golpe que criou o Estado Novo e, pelos
verbas para eleger Juscelino Kubitschek. oito anos seguintes, proscreveu partidos e liberdades democráticas.
Tancredo Neves voltou então a sua banca de advogado e a algumas atividades
Nenhum outro político acendeu tanta empresariais, em São João. Seria o seu primeiro mergulho político, do qual só emergiu
esperança no povo brasileiro como Tancrcdo com a rcdemocratização dos fins de 1945. Filiou-se então ao nascente Partido Social
Neves nos primeiros meses de 1985. Nenhuma Democrático (PSD), pelo qual se elegeu deputado estadual.
outra morte de político brasileiro foi tão chorada Comemorou a vitória do partido na eleição de Eurico Gaspar Dutra para presiden-
como a de Tancredo Neves, em abril de 1985. O te, em dezembro de 1945. Chorou a derrota pessedista nas eleições para o governo esta-
passar dos anos, entretanto, cedo tirou Tancredo Neves ..,..lilll::!:tJ;'JP~ dual, em janeiro de 1947. A UDN tinha um candidato ilustre, mas eleitoralmente fraco,

do lugar de honra no altar das devoções nacionais, devolvendo-o rapidamente aos basti- Mílton Campos. O PSD dominava a cena estadual, sob o comando de Benedito Valadares,
dores onde ele viveu e brilhou como articulador extraordinário. que governou Minas entre 1933 e 1945. Imbatíveis, os pessedistas tornaram-se vulnerá-
Neto, filho e sobrinho de políticos de São João dei Rei, Tancredo Neves pensava veis no momento em que se dividiram entre José Francisco Bias Fortes, da ala ortodoxa,
em ir para a Marinha, nos tempos de criança. Terminou os estudos no Ginásio Santo e o dissidente Carlos Luz.
Antônio, de sua terra, inscreveu-se para o curso preparatório da Marinha mas não conse- Na Assembléia Legislativa, Tancredo Neves destacou-se em duas funções. Como
guiu aprovação. Resolveu então tentar a Engenharia . Mudou-se para Ouro Preto, pen- constituinte, acabou sendo escolhido para a função de relator-geral da nova Constituição
sando em entrar na célebre Escola de Minas de lá. Desistiu, em meio aos preparativos. mineira. Como líder do PSD, desencadeou oposição severa e permanente ao governo
Foi então para Belo Horizonte e para uma terceira opção, o Direito, que afinal cursou c Mílton Campos.
concluiu em 1932. Preocupava-o, sobretudo, a divisão nas hastes pessedistas. Com paciência e habi-
Seu tempo de universitário coincidiu com as vibrantes pregações da Aliança Libe- lidade, ajudou a minimizar os conflitos e o partido chegou unido às eleições de 1950, com
ral, vitoriosa na Revolução de 30. Entusiasmou-se com as novas idéias. Assim que se a vitória de Juscelino Kubitschek. Na mesma ocasião, Tancredo Neves e legeu-se deputa-
formou, foi nomeado promotor de São João del Rei, mas logo se voltou para a advocacia do federal. Ia para a capital, o Rio de Janeiro, para o grande jogo das decisões nacionais
e, já então, para a política, sob a orientação do sábio chefe político Augusto das Chagas em que se revelou mestre exímio.
Viegas. Em 1953, quando o presidente Getúlio Vargas promoveu uma reforma do ministé-
Era o ano de 1934 e os políticos mineiros procuravam juntar os cacos da desagre- rio, Tancredo Neves substituiu na Pasta da Justiça o também pessedista mineiro, mas
gação do antes sólido PRM, atingido em cheio pela ventania renovadora. Em São João, radicado no Rio, Francisco Negrão de Lima. Entrou para o governo quando a crise já
Viegas organizava o núcleo local do Partido Progressista, agremiação nascida para estava instalada . Evoluía o inquérito parlamentar aberto pela oposição udenista para
reunificar a política mineira. Como outros experientes chefes políticos, também ele sabia apurar as transações financeiras entre o Banco do Brasil e o jornal governista Oltima
que Minas só se apresentava forte e com poder de decisão, no cenário nacional, com a Hora. Tomavam corpo as articulações do governador pernambucano Etelvino Lins, empe-

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nhado em tomar a oposição invencível nas próximas eleições. O jornalista Carlos Lacerda Coube a ele estabelecer contato com Goulart, que retomava ao Brasil para assu-
intensificava os ataques que desde antes das eleições anunciava (disse, quando Getúlio mir a presidência, vindo de uma viagem à China. Das conversas com o vice-presidente,
Vargas, então senador, decidiu se candidatar a presidente em 1950: "Getúlio, senador, em Porto Alegre, Tancredo voltou a Brasília com a solução parlamentarista: Jango assu-
não pode ser candidato a presidente. Eleito, não pode tomar posse. Empossado, lutare- miria a presidência, mas num sistema parlamentarista que o Congresso viesse a aprovar
mos com todas as forças para derrubá-lo"). em regime de urgência.
A história não costuma contemplar os derrotados. Mas os registros e depoimentos O parlamentarismo passou. E Tancredo se tornou primeiro-ministro. Seu progra-
conhecidos destacam a competência e a habilidade do ministro Tancredo, naqueles meses ma de governo deixava transparente o esforço para contornar algumas das grandes polê-
passados até o suicídio de Vargas, em agosto de 1954. Voltou ele então à cadeira de micas que a opinião pública debatia:
deputado federal, mas fora do prazo para se candidatar à reeleição. • propunha reajustes salariais que neutralizassem a inflação
Aqui, outro momento delicado na vida de Tancredo Neves, posto diante do desafio • defendia uma política externa independente
de sobreviver politicamente sem um mandato. Nomeado diretor do Banco de Crédito • reconhecia a necessidade de uma reforma agrária
Real, do governo mineiro, passou a trabalhar pela candidatura de Juscelino Kubitschek • pretendia regulamentar a remessa de lucros das empresas estrangeiras
às eleições presidenciais de 1955. Foi, de fato, um dos principais responsáveis pela vitó- • lançava uma ofensiva contra o analfabetismo
ria de JK. Contribuiu de maneira decisiva tanto para levantar fundos quanto para desviar • intensificava a construção de casas populares
os seguidos torpedos políticos e jurídicos disparados pelos adversários udenistas. • ampliava o sistema rodoviário
Eleito, Kubitschek nomeou Tancredo Neves para a estratégica Carteira de Em pouco mais de um ano como primeiro-ministro, Tancredo Neves quase não
Redescontos do Banco do Brasil, responsável por assegurar a liquidez dos bancos priva- teve tempo de se dedicar à administração. O caldo político não parava de ferver. Goulart,
dos, função posteriormente desenvolvida pelo Banco Central. Em 1958, o governador o PTB e os políticos esquerdistas, insatisfeitos com a solução parlamentarista, armavam

pessedista de Minas, Bias Fortes, nomeou Tancredo para a Secretaria das Finanças, na o plebiscito para a volta do presidencialismo. Os militares continuavam"inquietos. O
clássica manobra de preparar seu sucessor. Quase todos os governadores mineiros, na setor golpista da UDN atirava mais e mais lenha à fogueira.
Tancredg achou melhor renunciar à chefia do gabinete parlamentarista e se
primeira metade do século, passaram pela Secretaria das Finanças.
candidatar a deputado federal. Eleito, despontou como a melhor solução para liderar a
Daquela vez, com Tancredo, a manobra não deu certo. No empenho de aperfeiçoar
maioria. Repetia-se, de certo modo, o drama vivido nos tempos de ministro de Vargas.
a máquina arrecadadora, ele se tomou impopular. O descontentamento afetou algumas
Novamente ia se debater em meio a uma crise instalada e crescente. Mais um desfecho
lideranças pessedistas, acabando por gerar a candidatura dissidente de José Ribeiro Pena.
desfavorável, com a deposição de Goulart em 31 de março de 1964. Mais um registro
Candidato apesar dos sinais que pressagiavam uma repetição do malogro pessedista de
positivo nos anais da História, para Tancredo, louvado pelo esforço de conciliar até
1947, Tancredo contribuiu para mais um erro tático, ao concordar com a decisão de sair
quando não havia mais conciliação possível e pela lealdade até o fim.
com três candidatos a vice-governador, Clóvis Salgado pelo PR, SanTiago Dantas c
No dia 31 de março, em discurso na Câmara, o deputado Tancredo disse: "Mais do
Nélson Thibau pelo PTB, partidos coligados ao PSD.
que nunca, o meu destino está indissoluvelmente vinculado ao do presidente João Goulart,
Como em 1947, quando o eleitoralmente fraco Mílton Campos venceu a máquina
para a vitória e para a derrota. Os que me conhecem a formação e os sentimentos jamais
trincada do PSD, o banqueiro José de Magalhães Pinto ganhou as eleições para a UDN, me fariam a injustiça de supor-me capaz de uma deserção no fragor da luta".
beneficiado em grande parte- também- pelo furacão Jânio Quadros, que empolgava Consumada a queda de Goulart, seguiu-se uma uutm reprise, na vida de Tancredo:
o eleitorado nacional. seu segundo mergulho político. Ele praticamente desapareceu d~ cena, entre a catástrofe
Pela segunda vez na vida, Tancredo Neves se via na incômoda condição de político de 1964 e as eleições de 1974, quando seu partido, o oposicionista MDB, contrariou
sem mandato. O incômodo passou logo. A crise da renúncia deJânio, em agosto de 1961, todas as pesquisas e previsões .e arrasou a situacionista Arena. Tancredo pronunciou
gerou outra crise: os militares não aceitavam a posse do vice, João Goulart. No impasse, apenas cinco discursos na legislatura 1967-1971, todos eles inofensivos à ditadura mili-
brilhou a estrela de Tancredo, o amigo de Goulart desde o ministério de Vargas e, ao tar: saudação ao rei da Noruega, homenagem ao centenário de nascimento de Antônio
mesmo tempo, o político juscelinista em quem os militares confiavam. Carlos Ribeiro de Andrada, homenagem póstuma ao ex-governador Bias Fortes, apre-

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sentação de um projeto de dotação orçamentária, apresentação de um projeto que altera- propôs que todos os partidos de oposição se fundissem num só partido, de modo a
va o decreto-lei que definia os crimes contra a segurança nacional. Na legislatura seguin- reconstituir o poderio do MDB. Dos principais, só mesmo o PP seguiu a proposta e, em
te, 1971-1975, mais cinco discursos cautelosos: na morte de Mílton Campos, saudação fevereiro de 1982, se fundiu ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro, PMDB.
ao presidente de Portugal, homenagem póstuma a dona Margarida Alacoque Moreira Foi por essa nova versão do MDB que Tancredo se lançou candidato e venceu as eleições
Neves, pelos 70 anos do poeta Carlos Drummond de Andrade e homenagem póstuma a para governador de Minas, em 1982.
Augusto das Chagas Viegas. À frente do governo mineiro, sua atividade principal se voltava para o cenário
Nas eleições de 1974, Tancredo era o candidato natural do MDB ao Senado, por nacional. Tinha consciência do papel que lhe cabia, de preparar a transição do poder, dos
Minas Gerais. Mas preferiu não se arriscar. Nas eleições municipais de 1972, a Arena militares para os civis. Corno outros veteranos da política, foi surpreendido pelo apoio
obtivera vitória tão acachapante que a liderança emedebista discutiu muito seriamente a avassalador da opinião pública à campanha por eleições diretas para presidente. Cada
autodissolução do partido. Por todo o país, o MDB deu preferência à indicação de jovens vez maiores, as massas lotavam as capitais clamando por diretas-já.
lideranças para o Senado, preservando seus quadros de maior prestígio para a menos Nos palanques das diretas, Tancredo era um dos oradores mais veementes. Nos
arriscada disputa de uma cadeira de deputado federal. bastidores, porém, duvidava que aquele fosse o caminho mais seguro. Advertia contra o
Foi assim que, em São Paulo, por exemplo, saiu candidato ao Senado o jovem e perigo de se alarmar os militares. A partir de março de 1984, quando parecia inevitável a
impetuoso ex-prefeito de Campinas, Orestes Ouercia, contentando-se o venerável Ulysses aprovação de urna emenda constitucional propondo eleições diretas para presidente da
Guimarães com a Câmara. Em Minas, pelo mesmo processo, saiu candidato ao Senado o República em janeiro de 1985, Tancredo passou a atuar, nos bastidores, contra as dire-
jovem e impetuoso prefeito de Juiz de Fora, Itamar Franco. tas-já. Pressentia que, passando a emenda das diretas, o novo presidente seria o deputado
A avalanche emedebista deu novo ânimo a Tancredo Neves. Chegava ao fim o Ulysses Guimarães. Ou, mais grave ainda, Leonel Brizola. Num caso e noutro, no seu
mergulho de uma década inteira. Por um voto, tomou-se líder do MDB na Câmara. entender, os militares não aceitariam o resultado.
~

Pertencia à ala moderada do partido, sempre em conflito com os radicais da ala autênti- Com a parceria do experimentado pernambucano Thales Ramalho, Tancredo Ne-
ca. Em 1976, na morte de Juscelino Kubitschek, pronunciou um discurso corajoso, em ves esvaziou ~ bancada que daria vitória à emenda das diretas-já, na votação de abril.
que denunciava a intolerância dos governos militares. A partir desse momento, intensifi- Para a emenda passar, exigia-se maioria de dois terços. Computando-se a ala disciplina-
cou seus contatos com lideranças empresariais, preocupado em montar as bases para um da da bancada governista, a ala dissidente e os oposicionistas, chegava-se à vitória das
Projeto Brasileiro de Oposição. diretas por cerca de 25 votos. Margem pequena, num colégio eleitoral de pouco mais de
Em 1978, elegeu-se senador e passou a reivindicar a convocação de uma assem- 500 votos. Bastaria que alguns dissidentes menos convictos não comparecessem no dia
bléia nacional constituinte, a pregar a anistia política e a redemocratização. Pelo lado do da votação, por doença ou qualquer outro motivo, e as diretas-já ficariam na história
governo, o presidente Ernesto Geisel, seu principal interlocutor militar na crise da renún- apenas corno um dos mais impressionantes movirnent<:-.5 de massa já ocorridos no Brasil.
cia de João Goulart, avançava metodicamente com o projeto de abertura gradual, lenta e Assim aconteceu. Na seqüência, o nome do governador Tancredo Neves cresceu
segura. como a grande esperança civil e democrática para vencer, em eleições indiretas, o candi-
Com a volta do pluripartidarismo, em 1979, Tancredo se juntou ao adversário dato que o governo viesse a apoiar. Tratava-se, agora, de inverter a manobra junto aos
Magalhães Pinto para a formação do Partido Popular, de feitio moderado e conservador, dissidentes do partido governista, para ga rantir maioria no Colégio Eleitoral.
na medida para se tomar a oposição a quem os militares concordariam em entregar o Em janeiro de 1985, celebrou-se a vitória de Tancredo Neves, lançado pela Alian-
poder. Tancredo foi escolhido presidente do PP, cabendo a Magalhães Pinto a presidência ça Democrática, sobre Paulo Maluf, do PDS. Percorreu todo o país a sensação de que,
de honra. Em Minas, a candidatura de Tancredo se impunha como favorita para o gover- finalmente, aparecera o tão esperado salvador da pátria. Todas as esperanças, todas as
no estadual, nas eleições previstas para 1982-as primeiras eleições diretas para gover- angústias, toda a ansiedade, tudo que atormentava e tudo que entusiasmava o Brasil se
nador, desde 1965. cristalizava na pessoa do veterano político mineiro.
Em novembro de 1981, porém, o governo do presidente João Figueiredo alterou as No dia 14 de março, véspera da posse, a saúde traiu Tancredo Neves. Para desen-
regras eleitorais, vetando coligações em 1982. O PP tomava-se menos forte. Tancredo canto e desespero dos brasileiros, o que parecia boato de mau gosto revelava-se verdadei-

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ro: o presidente eleito tinha que ser internado no Hospital de Base, em Brasília, para uma tiveram que trabalhar desde muito cedo. Ao caçula Itamar cabia a tarefa de entregar
cirurgia de emergência. Subiria a rampa do Palácio do Planalto, em seu lugar, o vice marmitas. Infância e adolescência de grandes sacrifícios na família caracterizam Itamar
eleito, senador José Sarney, um dos dissidentes do partido governista. como o de origem mais humilde, entre todos os nossos presidentes da República, compa-
De cirurgia em cirurgia, Tancredo Neves foi transferido para o Incor, em São rável apenas a Juscelino Kubitschek.
Paulo. Rádios e televisões muitas vezes ficaram 24 horas seguidas na cobertura dos I ta mar Franco, sem nenhuma dúvida, é um homem de Juiz de Fora. Só não nasceu
boletins médicos, visitas, notícias passadas por parentes, informações de especialistas lá. Fez todos os estudos em escolas de Juiz de Fora, onde se formou em engenharia em
em cirurgia do aparelho digestivo. Foi assim até o dia 21 de abril, quando veio finalmente 1954. Na faculdade, os primeiros exercícios políticos, na presidência do diretório acadê-
a notícia de que Tancredo Neves estava morto. mico. Freqüentou alguns cursos de especialização depois de formado, inclusive na Facul-
Velado no Palácio do Planalto, em Brasília, e no Palácio da Liberdade, em Belo dade de Administração de Empresas, Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.
Horizonte, foi enterrado em São João dei Rei, no cemitério anexo à Igreja da Ordem As três frases mais usadas, nos meios políticos mineiros, para definir Itamar Fran-
Terceira de São Francisco de .Assis.
co: ele é muito temperamental, ele tem estrela, ele é honesto.
As explosões de temperamento se tornaram mais conhecidas quando se candidatou
a governador, e perdeu, em 1986. Nos comitês e até nos palanques, irritava-se a toda
Itamar Franco hora com assessores e correligionários. Muitos fotógrafos c repórteres sofreram com as
sobras dessa irritação.
nome completo: Itamar Augusto Cautiero Franco A referência à boa estrela de Itamar começou em 1974, quando saltou direto de
nascimento: 28.6.1931, no litoral da Bahia, de retorno prefeito de Juiz de Fora para senador da República. Nova referência à boa estrela, em
a Juiz de Fora. •
1989, quando talvez tivesse dificuldade de se reeleger senador e, de repent&, virou candi-
O político de estrela, que saltou de prefeito a se- dato a vice-presidente da República e se elegeu completando a chapa de um gov~mador
nador, que era vice e se tomou presidente. A in-
fância humilde, entregando marmitas nas ruas nordestino pouco conhecido e sem grande estrutura política. A fama de político de sorte
de Juiz de Fora. O temperamento difícil, as di- se confirmou no final de 1992, quando o presidente Fernando Collor foi afastado e Itamar
vergências com o presidente Collor, as discus- Franco, vice, tornou-se o sétimo político mineiro a chegar à presidência da República.
sões com ministros. O parlamentar
competente. A coexistência difícil com Itamar Franco foi prefeito de Juiz de Fora em duas ocasiões. Na primeira, em
Tancredo. 1966, elegeu-se.como um técnico, um engenheiro, alguém disposto a derrubar as oligar-
quias locais. Entre outras obras, o prefeito Itamar domou as águas do Paraibuna, que nas
O pai de Ita mar, engenheiro Augusto enchentes de quase todo ano inundavam até a rua Halfeld, a principal da cidade. A boa
César Stiebler Franco, trabalhava nas obras administração rendeu a Itamar Franco prestígio suficiente para se eleger de novo, em
de saneamento das palafitas do bairro de 1972. Ta bem , no segundo mandato, quando surgiu a possibilidade de se tornar um polí-
Alagados, em Salvador. Contraiu malária tico de expressão nacional, nas eleições de 1974.
na capital baiana e morreu quando o filho A ascensão de Itamar Franco ao plano federal, aliás, contém um dos episódios
estava para nascer. A mãe, dona Itália mais característicos de seu estilo. Ele pertencia ao MDB, dominado em Minas pelo então
Cautiero Franco, decidiu voltar para Juiz de deputado federal Tancrcdo Neves. Caberia a Tancredo, por méritos vários, a condição de
Fora. O navio se encontrava em águas baianas, candidato a senador. Mas Tancrcdo não se sentia seguro. Achava arriscado ~oncorrer ao
quando a criança nasceu, às cinco da manhã. Senado quando havia uma só vaga em disputa. E, lembravam-se todos, nas eleições
Era o quarto filho de dona Itália, que lutou municipais de 1972 a Arena quase arrasara o MDB. Muitos emcdcbistas chegaram a
sozinha para educar a família. As crianças também
pregar a autodissolução do partido.

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Em suas articulações, Tancredo chegou ao nome do competente prefeito de Juiz de eleições como candidato pelo PL, com apoio do PFL. Foi bem votado, esteve perto de
Fora. Só faltava mais um encontro, para o anúncio solene da candidatura. Tancredo ganhar.
sugeriu que Itamar viajasse até Belo Horizonte. Ou até São João del Rei, terra de Tancredo. Essa condição o credenciou a entrar na lista dos políticos mineiros que os vários
Foi quando Itamar pela primeira vez mostrou seu estilo peculiar: recusou-se a ir ao candidatos a presidente procuraram, em 1989, na hora de compor as chapas. No caso do
encontro de Tancredo. Não ia a Belo Horizonte. Nem a São João. Exigia o encontro em governador alagoano Fernando Collor, a abordagem de um vice de Minas esteve muito
Juiz de Fora. Espantado com a teimosia, mas conciliador, Tancredo sugeriu um local a perto de se consolidar com Márcia Kubitschek, antes do acerto final com Itamar Franco.
meio caminho, em Barbacena. Foi lá, no Hotel Grogotó, que se consagrou a indicação de A filha de Juscelino Kubitschek aceitou o convite, mas sua mãe, dona Sara, achava que
Itamar Franco a senador pelo MDB mineiro. a família não poderia prejudicar a candidatura de Ulysses, do PMDB, compan heiro fiel
Num primeiro momento, ninguém do MDB, em nenhum Estado, acreditava que dos velhos tempos de PSD. Realizou-se até uma reunião de Márcia, dona Sara e doze
tivesse chance de ganhar a eleição para o Senado. Em São Paulo, todos os políticos antigos caciques do PSD mineiro, no apartamento do colunista Wilson Frade, em Belo
tinham certeza de que o desconhecido emedebista Orestes Quércia perderia para o Horizonte. Quando Márcia se viu em condições de dizer o sim a Collor, havia passado
renomado arenista, ex-governador e ex-ministro Carvalho Pinto. Para o interiorano tanto tempo que chegava ao fim o prazo para registro das candidaturas. E o presidente do
Quércia, a candidatura funcionaria apenas como meio de se tornar conhecido. O mesmo PRN, para evitar surpresas, tinha oferecido o lugar na chapa a Itamar Franco. Márcia
se previa, em Minas, para o juiz-forano Itamar. Na abertura das urnas, a surpresa da exigiu que o convite a Itamar fosse retirado. Collor respondeu que não podia.
esmagadora vitória do MDB em quase todos os Estados, inclusive em Minas. E assim Itamar Franco se tornou candidato a vice- c um companheiro de chapa
No Senado (ao contrário de Quércia), Itamar Franco teve um bom desempenho. que deu muito trabalho. Em duas ocasiões, ameaçou renunciar. Como vice, continuou
Foi um senador aplicado, atuante. Demonstrou coragem e competência na Comissão provocando confli tos. Discordou do ritmo c do sistema adotado para as privatizações,
Parlamentar de Inquérito que investigou o acordo nuclear Brasil-Alemanha, nos tempos porque preferia mais vagar c mais exigências. Reclamou que o presidente" não o ouviu
do presidente Ernesto Geisel. Ainda hoje, no Congresso, fala-se de Itamar Franco como nas escolhas e trocas de ministro. Declarou que a recessão não podia ir tão fundo. Entrou
um parlamentar de alto nível, embora temperamental. em atrito com ministros em algumas das ocasiões em que ocupou a presidência, nas
Itamar integrou a corrente dos "autênticos" do MDB e aprofundou suas divergên- viagens do presidente. Numa dessas, esteve perto de demitir o então ministro Jarbas
cias com o "moderado" Tancredo Neves, também eleito para o Senado, em 1978. Na Passarinho.
reorganização dos partidos, em 1979, Tancredo saiu do MDB para fundar o PP, te ndo Itamar Franco assumiu a presidência em circunstância absolutamente excepcio-
Hélio Garcia como um dos principais articuladores. nal, na crista de uma imensa onda de denúncias contra o presidente e seus colaboradores.
Enquanto durou o PP, Itamar Franco cresceu como liderança maior do PMDB. A corrupção, pelo que se apurou na demorada e minuciosa Comissão Parlamentar de
Elegeu-se presidente do partido em Minas e seria o candidato a governador, em 1982. Inquérito aberta no Congresso, grassava em todos os porões e desvãos do poder, alastra-
Mas a proibição de coligações, em fins de 1981, tornou o PP um partido inviável. Tancredo va-se pelos ministérios e por algumas das maiores empresas brasileiras, contaminava a
Neves voltou ao PMDB e à condição de candidato natural do partido ao governo de sociedade e as instituições.
Minas, reduzindo de novo o espaço político de Itamar, que teve de aceitar a reeleição Mas não atingia a vice-presidência. Adquiria consistência, desse modo, a terceira
para o Senado. frase que sempre se usou para definir Itamar Franco: ele é um home m honesto. Com
As divergências entre Tancredo e Itamar tornaram-se maiores, com o passar do muita sorte, além da capacidade e da competência, chegou a presidente. O temperamento
tempo. Quando Tancredo se candidatou a presidente contra Paulo Maluf, em 1985, hou- instável por certo dificulta as composições e articulações que a prática política recomen-
ve intensas negociações para garantir o voto de Itamar, que não concordava com a elei- da- mas a honestidade ajuda a preservar a confiança conquistada.
ção indireta. No ano seguinte, quando Newton Cardoso atropelou a convenção e saiu
candidato a governador pelo PMDB, Itamar Franco mudou de partido e disputou as

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Os Mineiros na Vice-Presidência da República Silviano Brandão

nome completo: Francisco Silviano de Almeida Brandão


nascimento: 8.9.1848, em Santana do Sapucaí, dis-
ez~oltticos m~~iros chegar_am a vice-~residentes da República. Seis na Repú- trito de Campanha, hoje Silvianópolis.

D bflca Velho.: Szlvwno Brandão (de Rodrzgues Alves), Afonso Pena (de Rodrigues
Alves também, pois Silviano Brandão morreu antes de tomar posse), Venceslau
Brds (de Hermes da Fonseca), Delfim More ira (na segunda eleição de Rodrigues Alves,
morte: 25.9.1902, em Belo Horizonte.

Primeiro médico a ocupar o governo de Mi-


nas. Primeiro mineiro eleito para a vice-pre-
sidência da República. Autor da lei que dava
em 1918), Francisco Álvaro Bueno de Paiva (de Epitácio Pessoa) e Fernando de Melo aos governantes mineiros o título de presi-
Viana (de Washington Lufs). Tres foram vices durante os governos militares do perlodo dente. Principal colaborador de Campos
Sales na implantação da "política dos gover-
1964-1985: José Maria de Alkmim (de Castelo Branco), Pedro A/eixo (de Costa e Sil- nadores", que garantiu a estabilidade do país
va) e Aureliano Chaves (de João Figueiredo). O décimo, depois da redemocratização no início da era republicana.
de 1985: Itamar Franco.
Duas vezes cunhado do governador
Dois deles chegaram a assumir, na vaciincia da presidencia: Delfim Moreira
(presidente, como se dizia) Bueno Brandão: ca-
por oito meses, pois Rodrigues Alves pegou a "gripe espanhola" antes da posse e
sou-se com Maria Isabel, irmã de Bueno Brandão,
morreu sem ter assumido; Itamar Franco entrou na presidencia interinamente em se-
ficou viúvo, casou-se de novo, com outra irmã dele, Es-
tembro de 1992, quando o presidente Collor foi afastado para que corresse contra ele •
ter Cândida.
o processo de impeachment, e se tornou presidente efetivo em dezembro, quando Collor
Fez os cursos básicos em São Paulo, no Seminário Episcopal. Diplomou-se em
renunciou no inicio da sessão em que o Congresso votou sua destituição.
medicina no R!o, em 1875. Dava aulas particulares para se manter, nos tempos de estu-
O vice-presidente Aureliano Chaves exerceu a presidencia interinamente nas via-
dante. ComeÇou a clinicar em Ouro Fino. Passou depois, em definitivo, para Pouso Ale-
gens e nas doenças do preside~te Figueiredo. O vice-presidente Pedro Alei..xo foi impe-
gre, onde fundou o Clube Republicano, em 1877, e de onde dominou uma das mais
dido de assumir a presidencia, na doença de Costa e Silva.
importantes correntes políticas do Sul de Minas.
A seguir, as histórias JXJllticas dos vice-presidentes mineiros (exceto Afonso Pena,
Deputado estadual em 1880. Preocupava-se em consolidar o território mineiro e,
Venceslau Brds, Delfim Moreira e Itamar Franco, já relacionados entre os que chega-
nesse sentido, procurou criar e fortalecer os municípios localizados nas fronteiras com
ram a presidente da República).
outros Estados.
Deputado federal (geral, como se dizia no Império) em 1881, destacou-se na pre-
gação abolicionista, mesmo sabendo que essa atitude desagradava aos senhores de terras
e escravos que dominavam suas bases eleitorais. Seus temores se confirmaram, pois não
se reelegeu em 1885, mas a Abolição, em 1888, consolidou-o como liderança regional e
garantiu uma eleição tranqüila, em 1889. Só não chegou a tomar posse, então, por causa
da proclamação da República.
Senador no Congresso Constituinte Mineiro, em 1891. Foi dele a lei que conferia
aos governantes mineiros o título de presidente, em vez de governador, como se dava pelo ·
resto do país. Licenciou-se em 1892, convidado para assumir a .S ecretaria do Interior no

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Bueno de Paiva
governo de Afonso Pena. Ao fim do governo, recusou a indicação para suceder Afonso
Pena. Preferiu voltar para o Senado estadual, em 1895. Três anos depois, tornou-se o
nome completo: Francisco Álvaro Bueno de Paiva
presidente de Minas, com mandato até 1902. nascimento: 17.9.1861, em São Sebastião doJaguari,
Assumiu o governo mineiro em meio à crise internacional que afetou os preços do distrito de Caldas, hoje Andradas.
morte: 4.8.1928, no Rio de Janeiro.
café c atingiu em cheio a economia estadual. Suas principais providências na crise: seve-
ra contenção de gastos c racionalização do sistema tributário. Quando deixou o governo, Deputado federal por nove anos, senador por
dezenove anos. Presidente das conússões de
as finanças estaduais estavam em ordem, Minas gozava de amplo crédito. Finanças e Justiça, na Câmara. Vice-presi-
Foi em seu mandato que se articulou a chamada "política dos governadores", dente da República, na vaga surgida com a
morle de Delfim Moreira. Presidiu o Se-
idealizada pelo presidente da República Campos Sales para estabilizar o regime republi-
nado de 1920 a 1922.
cano. Minas tinha a maior bancada, c o apoio de Silviano Brandão a Campos Sales foi
definitivo. Importante político mineiro na vi-
Cabia ao Congresso, então, reconhecer os resultados eleitorais. Antes da política rada do século XIX para o século XX.
dos governadores, que se responsabilizavam pelo controle de suas bancadas, o momento Filho de Antônio de Paiva Bueno, major
do reconhecimento com freqüência degenerava em desordem. Dali por diante, os gover- da Guarda Nacional. Estudou em São Pau-
nadores davam oficiosamente o reconhecimento, que depois o Congresso oficializava. lo, onde se diplomou em 1883 na Faculdade
Outro mineiro fundamental para o presidente da República, na implantação da política de Direito. Nos dois primeiros anos depois de
dos governadores, foi o presidente do Senado, Carlos Vaz de Melo (sogro de Artur fonnado, advogou no interior de São Paulo. De •
Bernardes). volta a Minas, advogou por um tempo na terra na-
tal. No início de 1885, foi designado promotor de São
Em 1902, ao fim de seu mandato na presidência de Minas, o nome de Silviano
José do Paraíso, hoje Paraisópolis. No fim do ano, passou a juiz da comarca, permane-
Brandão s urgiu como candidato natural a vice-presidente da República, compondo cha-
cendo no cargo até 1889.
pa com o paulista Rodrigues Alves. Adoeceu logo depois de eleito e morreu sem ter
Abolicionista e republicano, elegeu-se deputado federal para a primeira legislatura,
tomado posse (numa antecipação do que viria a acontecer com Rodrigues Alves, em
em 1891, mas renunciou no ano seguinte, para reassumir o cargo de juiz em São José do
1918). Para o lugar de Silviano Brandão, foi então indicado o ex-governador Afonso
Paraíso. Retornou à política em 1894, como vereador e presidente da Câmara.
Pena. Eleito senador estadual em 1899, renunciou no ano seguinte, para voltar à Câmara
dos Deputados. Foi deputado até 1909, com intensa atividade de plenário e nas comis-
sões técnicas. Presidiu as comissões de Finanças e Justiça. Em 1909, foi eleito senador.
Pennaneceu no Senado até morrer, em 1928.
Bueno de Paiva chegou à vice-presidência da República em julho de 1920, para
compor chapa com o paraibano Epitácio Pessoa. A presidência, antes, estava ocupada
pelo mineiro Delfim Moreira, eleito vice em 1918, na chapa de Rodrigues Alves, que
morreu em janeiro de 1919 sem ter tomado posse. No cargo até a posse de Epitácio, em
julho de 1919, Delfim Moreira retornou à vice-presidência por mais um ano; quando
morreu, foi substituído pelo senador Bueno de Paiva, considerado então um dos mais
influentes políticos mineiros no Congresso.

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Ao deixar a vice-presidência, em 1922, Bueno de Paiva ficou pouco tempo fora do
e Uberaba. No govern<,> de Artur Bernardes, funcionou como advogado-geral do Estado.
Senado. Logo foi chamado para completar o mandato de Raul Soares, eleito para o
No governo seguinte, de Raul Soares, foi secretário do Interior.
governo de Minas. Em 1924, Bueno de Paiva reelegeu-se senador, firmando-se então
como líder da bancada mineira, membro das comissões de Finanças e Justiça, relator do Com a morte de Raul Soares, em agosto de 1924, Melo Viana foi eleito para
Orçamento, integrante das comissões especiais de reforma da Lei Eleitoral, do Código completar o mandato de governador. Até recentemente, explicava-se apenas com a força
Civil, do Código Comercial e da Lei do Montepio. Morreu aos 67 anos, quando ainda do populismo sua surpreendente escolha para compor, como vice-presidente, a vitoriosa
tinha mais um ano de mandato a cumprir. chapa que levou Washington Luís à presidência da República em 1926. Sabe-se hoje que
houve uma esperta manobra de bastidor, além do estilo populista.
O populismo, em primeiro lugar. Logo ao tomar posse, Melo Viana deu a ordem de
Melo Viana desarmar a guarda do Palácio da Liberdade. Em entrevista amplamente divulgada pelo
jornal carioca Correio da Manhã (e aqui está uma ponta da esperta manobra de basti-
nome completo: Fernando de Melo Viana dor), o recém-empossado governador mineiro explicou por que tirar os fuzis da guarda
nascimento: 15.3.1878, em Sabará. palaciana:
morte: 1.2.1954, no Rio de Janeiro.
-Soldados armados para quê? Se o presidente é eleito pelo povo, não pode temer
O primeiro populista no governo de Minas. As esse povo.
caminhadas a pé até o Palácio da Liberdade. A atitude desassombrada, irreverente e inequivocamente demagógica contrastava
A ameaça de romper as regras da política
café-com-leite. A vice-presidência da Repú- com os austeros governos logo anteriores, chefiados por Artur Bernardes e Raul Soares.
blica como prêmio à ousadia. A dúvida so- Mas agradou à massa. Toda vez que voltava de viagens, Melo Viana encontrava lotada a
bre um tiro no pescoço, em Montes Claros. praça da Estação (hoje, praça Rui Barbosa), em Belo Horizonte. Passeava a cavalo pelas

O voto a favor da imigração japonesa e a
federalização da Universidade de Minas Ge- ruas da cidade. Discursava para o povo e subia a pé até o Palácio da Liberdade, c~rca de
rais. um quilômetroJadeira acima.
Algumas de suas obras, como governador:
Filho de um comerciante português e • criação da alfândega seca, em Belo Horizonte
uma brasileira, Fernando de Melo Viana foi • instalação do Conservatório Mineiro de Música
um pioneiro do populismo no Brasil, apesar • criação da Escola Maternal, em Belo Horizonte
da formação no severo Colégio do Caraça. Pas- • construção do Abrigo de Menores, em Belo Horizonte
sou também pelo Ginásio Mineiro, em Ouro Pre- • criação do Instituto São Rafael, para cegos
to, antes de se formar advogado pela Faculdade Livre • construção de escolas em 54 cidades mineiras
de Direito de Minas Gerais, em 1900. No ano seguinte, atuou • lançamento da escola ambulante (que percorria o interior)
como promotor em Mar de Espanha, mas logo deixou o cargo. Preferiu advogar. • pagamento da dívida externa de Minas
Outra peculiaridade na vida de Melo Viana foram os vários casamentos. Primeiro O estilo demagógico de Melo Viana chamou atenção do jornalista Mário Rodrigues
com Maria José de Sousa Viana. Viúvo, voltou a se casar, agora com Alfida Magalhães (pai de Mário Filho e de Nélson Rodrigues), que dirigia a redação do Correio da Manhã,
de Melo Viana. Viúvo pela segunda vez, casou-se pela terceira, com Clotilde Elejade de
no Rio, com métodos que a mentalidade moderna considera como inescrupulosos, no
Melo Viana (indiferente aos protestos da Igreja Católica, porque ela já era casada no
mínimo, mas de prática mais ou menos generalizada, na época. Mário Rodrigues oferecia
religioso).
a cobertura do jornal a governantes, em troca de subvenções ao jornal (como se faz,
Elegeu-se deputado estadual em 1903. De novo, renunciou para trabalhar como
apenas mais discretamente, ainda hoje). Viajou então a Belo Horizonte, para uma audiên-
advogado, com banca em Sete Lagoas. Depois, foi juiz em Pará de Minas, Serro, Carangola
cia com o governador Melo Viana.

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Aqui entra a manobra esperta, revelada pelo livro O Anjo Pornográfico, em que 0 redator-chefe Carlos Drummond de Andrade disse que o título seria: "Os assassinatos de
jornalista e escritor mineiro Ruy Castro conta a vida de Nélson Rodrigues. Na audiência, Montes Claros". O governador aconselhou o poeta a mudar o título para: "O conflito de
Mário Rodrigues picou Melo Viana com a mosca azul: em vez do paulista Washington Montes Claros".
Luís, como se articulava, melhor resultaria, para o Brasil, que Melo Viana ocupasse 0 Confirmando-se o tiro no vice-presidente da República, o presidente Washington
Catete como o próximo presidente da República, a partir de 1926. Luís poderia até usar esse pretexto para uma intervenção em Minas. Nunca se deu essa
Está no livro de Ruy Castro: "Melo Viana, um mulato alto e pernóstico, ponderou confirmação. Não houve intervenção. A Aliança Liberal deu o suporte político que levou
a sugestão e começou a achar que o outro podia ter razão. O Brasil ia mal e precisava à vitória e ao poder a Revolução de 30. Vargas assumiu.
dele, que estava disposto a sacrificar-se, quem sabe não fora para isso que viera enrique- Melo Viana foi para o exílio, na Espanha. Voltou em fins de 1931, advogou por um
tempo em Belo Horizonte, transferiu-se para o Rio, onde ganhou emprego público do
cer o planeta. E deu o sinal verde a Mário Rodrigues. Diz-se que deu também duzentos
interventor mineiro Benedito Valadares. Para todos os efeitos, terminava ali a meteórica
contos de réis em dinheiro vivo ao jornalista, tirados de suas economias pessoais- ou do
carreira política do populista pioneiro.
salário das professoras mineiras, como sopraram os maldosos".
Em seu livro de memórias, Esse Velho Vento daAventura, Paulo Pinheiro Chagas
A chapa de Washington Luís, na verdade, estava armada, tendo Miguel Calmon
retrata um Melo Viana diferente, humilde, embora arrebatado no gesto: "O ex-presidente
como vice. Ao candidato virtualmente eleito para o governo de Minas, Antônio Carlos
de Minas, ex-vice-presidente da República, era, não obstante, um homem pobre, confor-
Ribeiro de Andrada, cabia a formalidade de comunicar ao governador mineiro que, pelas
me o estilo e a tradição desses varões austeros que passaram pelo Palácio da Liberdade.
regras da política café-com-leite, Minas deveria apoiar a indicação do político paulista.
Durante o exílio, foi sustentado pelo filho, engenheiro Fernando de Souza Melo Viana,
Para surpresa de Antônio Carlos, Melo Viana recebeu-o com a argumentação de que
sem o que não teria tido recursos para enfrentar aqueles dias adversos. De volta ao
talvez não devessem as coisas continuar daquele modo, talvez conviesse ao país que ele, •
Brasil, é chamado por Valadares que, impressionado com sua situação de quase penúria,
Melo Viana, sucedesse o mineiro Artur Bernardes.
nomeia-o advogado do Estado no Rio de Janeiro, com vencimentos de Secretário de
Ficou evidente que Melo Viana ia romper os acordos políticos em vigor, como já
Estado, cargo _çriado especialmente para ele. Melo Viana, como todo homem bom e sim-
vinha quebrando o cerimonial com seu comportamento espalhafatoso. Como evitar o ples, era um emotivo, um sentimental, um afetivo. Daí o seu gesto, presenciado por
desastre? Recompondo a chapa, com Melo Viana candidato a vice-presidente, em lugar Theódulo Pereira, então repórter dos Diários Associados, e que era amigo dele e de
de Miguel Calmon. O único perigo seria Melo Viana recusar a proposta, mas ele aceitou. Valadares. Acompanhado de Oscar Behring, depois diretor do Arquivo Público Mineiro,
Tornou-se, assim, vice-presidente da República e, por força do cargo, presidiu o Senado foi agradecer ao governador de Minas e nomeação. E num desses impulsos de seu tempe-
até 1930. ramento de indivíduo sensível, ajoelha-se e beija a mão que o retirava do ostracismo e das
Ele voltaria a surpreender Antônio Carlos em 1930, na campanha para a sucessão aperturas financeiras, dando-lhe uma situação condigna".
de Washington Luís. Era a vez de um mineiro. Mas Washington Luís indicou outro paulista, Com a redemocratização, em 1945, Melo Viana ensaiou um retomo à cena. Foi
Júlio Prestes. As lideranças mineiras, Antônio Carlos à frente, uniram-se na Aliança um dos fundadores e membro da comissão executiva do Partido Social Democrático
Liberal e responderam com a candidatura do gaúcho Getúlio Vargas. Mas Melo Viana (PSD). Elegeu-se senador em 1946. No Senado, presidiu a Comissão de Relações Exte-
preferiu ficar com a candidatura situacionista de Júlio Prestes e lançou, em Minas, a riores. Nesse posto, foi o responsável pela derrubada do veto à imigração de japoneses. A
caravana da Concentração Conservadora. comissão examinava um projeto que proibia a entrada de imigrantes japoneses no Brasil.
Ao passar por Montes Claros, a caravana de Melo Viana sofreu violento ataque Na hora de votar o projeto, deu empate. Cabia ao presidente desempata~. Melo Viana
dos aliancistas, comandados pela matriarca Ttburtina de Andrade Alves. Houve tiroteio, decidiu então que o projeto era racista, discriminador. Votou contra. Outra intervenção
com mortos e feridos, o próprio Melo Viana chegou a Belo Horizonte com o pescoço expressiva, como senador: o projeto de lei que federalizou, em 1949, a Universidade de
protegido por um cachecol, dizendo-se vítima de um tiro. No Palácio da Liberdade, o Minas Gerais.
governador Antônio Carlos quis saber como o jornal do governo ia dar a notícia. O Quando morreu, em 1954, estava com 76 anos.

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Alkmim Com a redemocratização, em 1945, participou da fundação do Partido Social De-
mocrático (PSD), pelo qual se elegeu. deputado federal seguidas vezes, começando na
nome completo: José Maria de Alkrnim
nascimento: 11.6.1901, em Bocaiúva. legislatura 1946-1951, como líder da Maioria e membros das comissões de Constituição
morte: 22.4.1974, em Belo Horizonte. e Justiça, Educação e Cultura, Economia. Na comissão do Vale do São Francisco, conse-
guiu incluir o Norte de Minas, sua região eleitoral, no Polígono das Secas.
Pessedista histórico. Um dos respon.siÍveis pela
vitória de Kubitschek em 1955. Um dos res- Cargos públicos que ocupou:
ponsáveis pela derrota de Tancredo Neves em • secretário das Finanças no governo Kubitschek
1960. Vice-presidente da República. O inicio
como telegrafista, jornalista, advogado. A • diretor da Carteira de Redescontos do Banco do Brasil
carreira toda em importantes cargos federais • ministro da Fazenda no governo Kubitschek
e estaduais. O ocaso como suplente de depu-
tado federal. • secretário da Educação no governo Israel Pinheiro
Mais que a atividade nos cargos públicos, no entanto, merece respeito a atividade
O mais notório dos políticos minei- de Alkmim nos bastidores da política brasileira. Sem ele, dificilmente Kubitschek teria
ros, quando se trata de matreirice, esperte- conseguido viabilizar sua candidatura a presidente da República . Coube a Alkmim, na
za e episódios folclóricos. Ele mesmo Câmara, coordenar a reação aos ataques orquestrados pela "banda de música" da UDN,
provocou essa fama, com casos e frases que grupo oposicionista competente e aguerrido. Nos momentos mais graves, era o próprio
criou ou dos quais se apropriou. Prejudicou, Alkmim quem subia à tribuna, para rebater as acusações de corrupção e de ameaça de
assim, o justo reconhecimento de sua competên-
desagregação do país, entre tantas outras. ~

cia como homem público, que talvez superasse a no-
Foi dele a solução para que não vigorasse, nas eleições de 1955, a cédul~ oficial
toriedade como personagem do anedotário.
que a oposição propunha. Até então, cada candidato imprimia suas cédulas, o que favo-
Alkmim fez os primeiros estudos na terra de Juscelino
recia os mais ricos, porque podiam oferecer mais quantidade e material melhor. Distri-
Kubitschek, Diamantina, mas só veio a se tornar amigo do futuro presidente da Repúbli-
buindo mais cédulas por mais pontos do país, as candidaturas milionárias se beneficiavam,
ca quando os dois trabalharam como telegrafistas, em Belo Horizonte. Formou-se em
ainda, da fraude endêmica entranhada nos lugarejos mais remotos. Era essa, pelo menos,
Direito, em 1929. No tempo de estudante, foi tesoureiro do Centro Acadêmico Afonso
Pena. Depois de formado, tornou-se catedrático de Economia Política da faculdade. a argumentação dos oposicionistas em defesa da cédula oficial, a ser impressa exclusiva-
Foi revisor e redator da Imprensa Oficial, onde conseguiu para Kubitschek o lugar mente pelo Tribunal Superior Eleitoral, TSE. Quem ficasse contra, de certo modo, con-
de médico da Caixa Beneficente. Participou da Aliança Liberal, em 1930, e como reconheci- fessava intenção de fraudar e de abusar do poder econômico.
mento por sua atuação o governador Olegário Maciel o nomeou reitor do Ginásio Minei- Mas o PSD de Juscelino tinha de ficar contra. Sua força estava principalmente nos
ro. Dois anos de pois, o cargo de fiscal do Banco Hipotecário, que acumulava com o grotões da pátria. A máquina do partido era rica, possuía verba para imprimir uma infi-
emprego no mesmo escritório de advocacia onde também se iniciavam Mílton Campos e nidade de cédulas. Aceitar a cédula oficial do TSE significaria abrir mão de armas fun-
Pedro Aleixo. damentais. Alkmim leu então, no Correio da Manhã, um artigo que sugeria a criação de
Deputado federal em 1934. Renunciou no ano seguinte, nomeado para o Tribunal uma cédula única. Todas as cédulas teriam de ser iguais, conforme padrão aprovado pelo
de Contas do Estado. Secretário do Interior de Benedito Valadares, entre 1"~36 e 1939, TSE, mas cada candidato podia imprimir a quantidade que desejasse. Desse artigo em
construiu a Penitenciária Agrícola de Neves, que dirigiu até 1942. Já era, desde 1938, diante, Alkmim passou a defender a cédula única, que afinal prevaleceu, para sorte de
provedor da Santa Casa de Misericórdia, de Belo Horizonte, à qual se dedicou até o fim Kubitschek.
da vida.
Juntamente com Tancredo Neves e Sebastião Paes de Almeida, foi ele ainda o

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responsável pela arrecadação dos fundos para a campanha. Depois da eleição, Alkmim Pedro Aleixo
continuou a ter presença fundamental na defesa de seu ex-colega dos Correios e Telégra-
nome completo: Pedro Aleixo
fos. Antes de o ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, dar o "contragolpe nascimento: 1.8.1901, no distrito de São Sebastião
preventivo" que afastou do poder os que desejavam impedir a posse de Kubitschek, Alkmim (hoje Bandeirantes), em Mariana.
morte: 3.3.1975, em Belo Horizonte.
neutralizou quase todas as manobras udenistas. Desfechado o golpe de Lott, em 11 de
novembro, foi crucial o seu apoio ao presidente provisoriamente empossado, o pessedista Presidente da Câmara em 1937, não chegou à
catarinense Nereu Ramos, que presidia o Senado. No governo, como ministro da Fazen- presidência da República por causa do golpe
do Estado Novo. Vice-presidente em·J969, os
da, permaneceu como colaborador incansável e polivalente. ministros TTÚ.lüares o impediram de ocupar a
A história pessedista de Alkmim tem um momento controverso, em 1960, quando presidência, vaga com a doença de Costa e
Silva. O criminalista inspirado e a defesa his-
apoiou a candidatura dissidente de Ribeiro Pena e provocou a derrota do correligionário tórica no crime das irmãs Poni. O influente
Tancredo Neves, nas eleições para o governo estadual. Dava-se como indiscutível, na Pedro I do governo Mílton Campos.
ocasião, que qualquer candidato apresentado pelo PSD venceria as eleições em Minas,
Um dos maiores oradores que oBra-
pois o partido controlava a máquina estadual (governador Bias Fortes) e a máquina
sil conheceu. No Congresso, quando estava
federal (presidente Kubitschek). Os cardeais pessedistas não chegaram a acordo, o udenista
inscrito discursar, circulava pelos corredores
Magalhães Pinto venceu e, desde então, nunca mais existiu bom relacionamento entre
e salas a notícia, "o Pedro vai falar", e logo o
Alkmim e Tancredo.
plenário estava lotado. Nos muitos fóruns em que •
O golpe de 1964, desencadeado em Minas por Magalhães Pinto e os generais
atuou como criminalista, até os advogados da outra parte
Olímpio Mourão Filho e Carlos Luís Guedes, encontrou os dois veteranos pessedistas em esperavam ansiosos pelo exórdio e a peroração de Pedro Aleixo.
posições opostas. Tancredo submergiu politicamente, encolheu-se atrás dos muros da Político, advogado, jornalista, escritor, Pedro Aleixo fez os estudos básicos em
oposição. Alkmim apoiou os militares e se tomou vice-presidente da República, compon- Ouro Preto e Belo Horizonte. Formou-se advogado em 1922, em Belo Horizonte, ainda
do chapa com o general Humberto Castelo Branco. nos tempos da Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais. No escritório de Abflio
Ao fim do governo Castelo, Alkmim achou abrigo no governo pessedista de Israel Mach!ldo, foi colega de Mílton Campos e José Maria de Alkmim.
Pinheiro, que o convidou para a Secretaria da Educação. O desgaste de ter apoiado os Trabalhou como jornalista no Diário da Manhã. Foi um dos fundadores e diretor
militares custou a Alkmim uma suplência nas eleições de 1971. Era suplente de deputado de redação do Estado de Minas, presidiu em Minas várias empresas dos Diários Asso-
federal, ocupando vaga deixada por um titular, quando morreu em 1974, pouco antes de ciados.
completar 73 anos. Como tantos outros de sua geração, recebeu o batismo político nas pregações da
Aliança Liberal, em 1930. Como deputado constituinte, a partir de 1934, participou da
elaboração do capítulo dos direitos e garantias individuais. Foi líder da Maioria e em
1937 substituiu Antônio Carlos Ribeiro de Andrada como presidente da Câmara, partici-
pando de manobra orquestrada por Getúlio Vargas. Logo em seguida, perderia o cargo e
o mandato, com o golpe do Estado Novo que fechou o Congres.s o e extinguiu a vida
partidária.
De volta a Minas e à advocacia, presidiu o Instituto dos Advogados e o departa-
mento jurídico do Banco Hipotecário, de onde seria demitido, em 1943, por ter assinado
o Manifesto dos Mineiros.

152 153
Pouco tempo depois, com o fim do Estado Novo e a deposição de Vargas, filiou-se antecipou, ali em Ouro Preto, berço da antiga e tradicional Minas Gerais, a essência do
à recém-criada União Democrática Nacional (UDN), partido que o elegeu deputado esta- discurso feminista que o Hemisfério Norte anos mais tarde nos exportaria. A igualdade
dual em 1947. Participou da campanha vitoriosa de Mílton Campos ao governo estadual. entre os sexos, o respeito entre homem e mulher, o direito às mesmas oportunidades e ao
Foi secretário do Interior de março de 1949 a julho de 1950. Nesse período, tornou-se mesmo tratamento, ninguém falava nisso em 1963.
uma das figuras mais influentes do governo. Nos meios políticos, chamavam-no então de O júri absolveu as irmãs Poni. E voltou a absolver, num segundo julgamento,
"Pedro I", porque sempre que ia decidir sobre qualquer assunto mais sério, o governador sempre em função daquela clarividente pregação feminista.
Mílton Campos dizia: "Tenho que ouvir o Pedro, primeiro". Pedro Aleixo voltou à política em 1959, eleito deputado federal. Reelegeu-se em
Candidato a vice-governador em 1950, na chapa de Gabriel Passos. Derrotado 1963. Foi líder do governo nos sete meses da administração Jânio Quadros. De agosto de
pela chapa Juscelino Kubitschek-Oóvis Salgado. Permaneceu os nove anos seguintes 1961 em diante, tornou-se líder da Oposição. Voltou a liderar a bancada governista de-
sem mandato. Foi o tempo em que consolidou o renome de um dos maiores criminalistas pois do golpe de 1964, durante o governo Castelo Branco, de quem foi também ministro
que Minas Gerais já conheceu. Um de seus maiores momentos, como advogado, se deu da Educação.
no julgamento das irmãs Poni, em 1963. Em 1967, por eleição indireta do Congresso, tornou-se vice-presidente da Repú-
Eram duas irmãs, Edina e Etel, pertencentes à nata da sociedade mineira. Em Ouro blica, em chapa com o general Artur da Costa e Silva. Foi o único dos membros do
Preto, mataram a amante do marido de Edina. No julgamento, tiveram Pedro Aleixo Conselho de Segurança Nacional , em dezembro de 1968, a argumentar e votar contra a
como defensor principal e, na acusação, o professor Jair Leonardo Lopes, também estre- edição do Ato Institucional n11 5, o mais violento entre todos editados nos 21 anos de
la de primeira grandeza. ditadura militar.
Jair Leonardo esmiuçou os autos. Deixou claríssimo que as duas irmãs não deram Seu confronto definitivo com a linha-dura militar se daria um ano mais tarde,
~

a menor chance de defesa à vítima. Repisou que uma delas, Edina, era campeã de tiro, e quando o presidente Costa e Silva adoeceu e teve de deixar a presidência da República. O
que a outra tinha bastante força física. Uma segurou. A outra atirou. A surpresa da ação, vice Pedro Aleixo, segundo a Constituição, deveria assumir. Os ministros militares pen-
com a violência partindo de representantes da mais fina flor mineira, inviabilizou qual- savam diferenté, e o político mineiro chegou a ser detido por mais de uma semana, na
quer reação. Jair Leonardo, com brilho e argumentos sólidos, fulminou uma provável casa de sua filha , no Rio de Janeiro. Nesse episódio, de acordo com a avaliação do
alegação de legítima defesa. Caracterizou, de modo muito convincente, a frieza do crime, udenista histórico brigadeiro Eduardo Gomes, faltou a Pedro Aleixo maior conhecimento
a mesquinhez das criminosas. Aquilo representava o que Minas tinha de melhor? Parecia do espírito militar. Disse o brigadeiro a Pedro Aleixo: "Naquele dia, se o senhor garantis-
que não, ao final da arenga de Jair Leonardo. se aos três ministros que permaneceriam como os ministros militares do seu governo, eles
Aí entra em cena Pedro Aleixo e, com a mais ensaiada das displicências, deixa os não o impediriam de assumir a presidência".
autos de lado. O gesto sutilíssimo ao afastar o calhamaço dos autos, longe de demonstrar Nos anos seguintes, Pedro AJeixo voltou à advocacia, sem o mesmo entusiasmo do
desrespeito pela peça básica de todo júri, dava a entender que os jurados, o juiz, todos os passado. Tentou ainda um retomo à política, com as articulações para a formação de um
presentes iam saltar para outro espaço, navegar rumo a outra dimensão. De certo modo, partido que quebrasse o bipartidaris mo imposto pelos militares. Mas o seu POR (Partido
foi o que aconteceu na segunda metade da arenga de Pedro Aleixo. Na primeira parte ele Democrata Republicano) não vingou.
contou uma história de amor, a vida de Edina e o marido Fernando, a idílica convivência Em 1974, foi hospitalizado em Belo Horizonte, atacado de enfisema pulmonar. Foi
de um casal da aristocracia mineira contemporânea- até que surge a amante, vinda do essa doença que o matou, no início de 1975, aos 73 anos. Antes de morrer, tranqüilizou a
longínquo Nordeste, e o sonho termina, a paz se quebra, a harmonia desmorona. O mal filha Eloísa: "Parto para a liberdade".
assediando o bem, em suma.
Na segunda parte da arenga, Pedro Aleixo voou para o futuro. Não pronunciou a
palavra femin.ismo, que ainda não constava do vocabulário conhecido na época. Mas

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Aureliano Chaves Minas. Antes dele, os bens manufaturados representavam 21,5% do PIB mineiro. Ao fim
de seu governo, havia saltado para 34,8%. A construção subiu de 3,4% para 7,5%.
nome completo: Antônio Aureliano 01aves de Mendonça Preocupou-se também com a modernização da máquina administrativa do Estado.
nascimento: 13.1.1929, em lrês Pontas. A seu ver, a eficiência de um governo se baseia em órgãos técnicos eficientes. Com esse
O engenheiro que entrou na política. A afinida- pensamento, criou a Secretaria de Planejamento e Coordenação e a Secretaria de Ciência
de com Geisel e a indicação para o governo de e Tecnologia, além de estimular a atividade do Instituto de Desenvolvimento Industrial,
Minas. A prioridade para a industrialização e
a modernização. A vice-presidência e as di-
Indi, da Cia. de Distritos Industriais, CDI, e da Fundação João Pinheiro. Só o Indi, no
vergências com Figueiredo. A dissidência e governo Aureliano, garantiu para Minas Gerais a implantação de 61 novos projetos, que
os votos que garantiram a vitória de representaram 20 mil empregos diretos.
Tancredo. A den-ota em 1989 e a decisão de
nunca mais se candidatar a nada. Habituado a políticos de oratória elegante e floreada, rica de metáforas, o eleitora-
do mineiro estranhou o estilo seco e técnico das falas do governador Aureliano Chaves.
Fez os principais estudos em Itajubá. Trecho de sua mensagem à Assembléia, em 1977: "Cumpre acentuar, como exemplo
No Instituto Eletrotécnico, hoje Escola Fe- singular de harmonia e entrosamento, a cooperação sempre presente de todos os sistemas
deral de Engenharia, tirou o diploma de enge- operacionais que integram a administração pública estadual, permitindo ao governo de-
nheiro mecânico e eletricista, turma de 1953. senvolver atuação satisfatória, embora sob conjuntura desfavorável".
Estagiou na prefeitura de ltajubá, quando estudan- Dois setores mereceram tratamento prioritário em seu governo: a expansão da
siderurgia e a produção de insumos básicos, principalmente fertilizantes. Na siderurgia,
te. Formado, deu aulas de Máquinas Elétricas, na es-
os três projetos mais importantes foram a implantação da Açominas, a. expansão da
cola de Itajubá . Continuou como professor de engenharia ao
Usiminas e a nova linha de produção da Siderúrgica Mendes Júnior.
se mudar para Belo Horizonte. Lecionou Transmissão de Energia Elétrica na Universida-
Com a Valefértil, em Uberaba, a Valep, em ltabira, e a Fosfértil, em Patos de
de Católica de Minas Gerais.
Minas, o governo mineiro procurava dar sua contribuição para garantir a auto-suficiên-
Na política desde 1959, como suplente deputado ·estadual da UDN. Assumiu em
cia do Brasil no setor dos fertilizantes.
1961, mas renunciou em seguida, para um cargo na diretoria da Eletrobrás. O mesmo
Outras realizações do governo Aureliano Chaves:
fenômeno se repetiria em 1963: elegeu-se deputado estadual mas logo renunciou, para
• implantação do Programa de Desenvolvimento dos Cerrados, iniciativa do go-
ocupar a secretaria da Educação, no governo Magalhães Pinto, de quem foi também
verno federal
secretário de Comunicações e Obras Públicas.
• criação da Comissão de Política Ambiental
Como integrante do governo Magalhães Pinto, participou das articulações que • instalação de centros sociais urbanos na região de Belo Horizonte
resultaram na deposição de João Goulart, em 1964. Quando o Ato Institucional n2 2 • implantação da Orquestra Sinfônica Mineira
extinguiu os antigos partidos, como resposta à vitória oposicionista nas eleições esta- Até assumir o governo de Minas, Aureliano Chaves era conhecido basicamente
duais de 1965, Aureliano Chaves filiou-se à Arena, o novo partido governista. como um técnico, um engenheiro na vida pública. A partir de 1979,já fora do governo de
Elegeu-se deputado federal pela Arena, em 1967. Na Câmara, caracterizou-se por Minas, eleito vice-presidente da República pelo Congresso, compondo chapa com o ge-
uma atividade política sempre baseada em princípios técnicos. Esse estilo, marcado pela neral João Figueiredo, Aureliano chaves passa a compor um perfil político. Crescia a
austerida~e e pela honestidade, garantiu o prestígio de Aureliano Chaves junto ao general insatisfação com a longa permanência dos militares no poder, e o vice Aureliano em mais
Ernesto Geisel, que veio a se tornar presidente da República em 1973. Indicado por de uma ocasião entrou em sintonia com o novo sentimento manifestado pela população.
Geisel, Aureliano chaves se tornou governador de Minas em 1974. A anistia aos condenados, exilados e banidos pelos governos militares, por exem-
No governo mineiro, Aureliano Chaves consolidou o novo perfil industrializado de plo, nunca lhe pareceu assunto descabido. Era a favor. As eleições de 1982, quando pela

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primeira vez desde 1965 o brasileiro pôde votar em seus governadores, registraram vitó- Os Governadores de Minas
rias expressivas dos partidos de oposição. No governo, tentaram fingir que havia sid~
diferente. O vice Aureliano reconheceu a derrota, bem no seu estilo seco: "Não adianta
querer esconder o sol com a peneira". fonso Pena foi o primeiro governador eleito de Minas Gerais. Antes, o Estado
Apesar de fora de sintonia com a linha-dura militar, Aureliano Chaves foi o pri-
meiro vice civil a ocupar a presidência, nas ausências do presidente. Ficavam então mais
definidas as diferenças entre o seu estilo (pontual, decidido, eficiente) e o de Figueiredo
(moroso, nebuloso, inapetente). Mesmo quando Figueiredo teve de ficar várias semanas
A se adaptava à República recém-proclamada. Nesse perlodo, funcionaram go-
vernadores provisórios nomeados pelo presidente Deodoro da Fonseca. O pri-
meiro deles foi AnttJnio Olinto dos Santos Pires. O segundo, José Faria de Cesário
A/vim, ficou poucos meses e foi substitufdo por seu grande amigo João Pinheiro, mais
fora do governo, recuperando-se de uma cirurgia cardíaca realizada nos Estados Unidos, tarde governador eleito.
ninguém da linha-dura se pronunciou contra a interinidade de Aureliano. Quase todos os polUicos mineiros que chegaram à presitMncia e à vice-presitMn-
As divergências se aprofundariam ainda mais no segundo semestre de 1984, quan- cia da República passaram antes pelo Palácio da Liberdade. Assim, o Leitor interessa-
do o governador mineiro Tancredo Neves já estava em campanha para se tomar o primei- do em montar a cronologia dos que ocuparam (eleitos ou nomeados) o governo de
ro civil na presidência da República desde a deposição de João Goulart, em 1964. Aliás, Minas dispõe de todos os nomes, neste Capitulo IV, de Biografias. Buscando
influiu muito para que Tancredo se lançasse candidato a decisão de Aureliano de abrir alternadamente nos grupos dos presidentes, dos vice-presidentes e neste, dos governa-
dissidência no partido governista. Com ele, saiu um grande grupo, reunido na Frente dores, obterá a seguinte ordem exata dos que governaram Minas desde a proclamação
Liberal que praticamente garantia os votos necessários à vitória de Tancredo Neves, em da República até o atual governador, Hélio Garcia (1994): AnttJnio Olinto dos Santos
janeiro de 1985. Pires, José Faria de CesárioAlvim, AnttJnioAugusto de Lima, Afonso Pe~ Bias For-
Com a morte de Tancredo Neves, a presidência coube ao vice José Sarney, parcei- tes (pai), Silviano Braiulão, Francisco Sales, João Pinheiro, Bueno Brandão, Venceslau
ro de Aureliano na criação da Frente Liberal. Como ministro das Minas e Energia, Brás, Delfim Moreira, Artur Bernardes, Raul Soares, Melo Viana, AnttJnio Carlos,
readquiriu um perfil mais técnico que político, certamente por influência da área que lhe Olegário Maciél, Benedito Valadares, Nlsio Batista de Oliveira, João Tavares Correa
coube administrar. Em 1989, tentou a eleição para presidente da República. Embora Beraldo, Júlio Ferreira de Carvalho, Noraldino Lima, Alcides Lins, Mllton Campos,
saísse candidato por um dos maiores partidos, o PFL, terminou entre os últimos coloca- Juscelino Kubitschek, Bias Fortes (filho), Magalhães Pinto, Israel Pinheiro, Rondon
dos, logo abaixo de Ulysses Guimarães, o candidato do também gigantesco PMDB e um Pacheco, Aureliano Chaves, Francelino Pereira, Taitcredo Neves, Newton Cardoso,
dos campeões das lutas pelo retomo das eleições diretas em todos os níveis. Hélio Garcia (1994). Ficarão faltando apenas os poucos casos de vice-governadores
Aos 60 anos, Aureliano Chaves tinha ainda idade e prestígio para tentar uma que assumiram para completar mandatos de governadores que se elegeram presidentes
recuperação política. Preferiu parar por ali. Sua conclusão, no início de 1990: "Existem ou vices, ou que morreram no cargo.
dois motivos para se fazer política: muitos interesses ou muito idealismo. Nunca fiz nada A seguir, as histórias dos governadores mineiros (exceto os que já constam das
movido por interesses. E como posso ainda ter algum idealismo, depois do que aconteceu Listas de presidente e vice-presidente da República).
comigo na campanha do ano passado? Não me candidato mais a coisa nenhuma!"

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Antônio Olinto dos Santos Pires a interpelação de 1877 ao ministro da Fazenda, o baiano barão de Cotegipe. Trecho do
discurso que pronunciou ao passar o governo ao amigo João Pinheiro: "Prometi que,
O primeiro governador nomeado de Minas Ge- comandante de nossa nau em mares tempestuosos, eu seria o último a abandoná-la, em
rais nasceu na cidade do Serro, em 15.12.1860. caso de sossobro. Verificou-se que fui o primeiro a saltar dela, mas tocando o porto do
Morreu em Belo Horizonte, em 25.2.1925. En- salvamento". Voltou a governar Minas entre 18 de junho de 1891 e 16 de junho de 1892,
genheiro formado pela Escola de Minas de eleito pela Assembléia Constituinte. Seu último cargo público, no governo de Campos
Ouro Preto, onde também foi professor de Sales (1898-1902) foi o de prefeito do Distrito Federal.
Matemáticas, Agrimensura, Topografia e
Cosmografia. Nomeado governador pro-
v isório com a proclamação da República,
deixou o cargo no dia 24 de novembro de Antônio Augusto de Lima
1889, substituído por José Faria de Cesário
AIvim. Eleito e reeleito deputado federal, re- Nasceu em 5.4.1859, em Sabará. Morreu em
nunciou em meio à segunda legislatura, para 22.4.1934, no Rio de Janeiro. Criou fama de me-
assumir o Ministério da Indústria no governo nino burro, por causa de um incidente nos tem-
Prudente de Moraes. Quando o presidente se afas- pos em que era alfabetizado. Viu no livro a
tou interinamente, em novembro de 1896, Antônio frase "a águia voa altaneira" e avisou ao

Olinto também saiu do governo. Nunca mais veio a ocu- padre: "Há um erro aqui no livro, onde está
par cargos públicos, dedicando-se apenas à engenharia. escrito que agúia voa". O padre: "Agulha
pode voar, sim.-Burro como você é que não
voa". Na verdade, era extraordinariamente
inteligente, profundo conhecedor do latim,
José Faria de Cesário Alvim escrevia e falava português perfeito, casti-
ço. Formou-se advogado em São Paulo. Ad-
Nasceu po arraial de Pinheiro, em vogou e foi juiz, antes de se dedicar à atividade
7.6.1839. Morreu em Belo Horizonte, em política, em que começou como chefe de polícia
4.12.1903. Governou Minas entre 25 de para todo o Estado de Minas. Defensor da mudança
novembro de 1889 e 10 de fevereiro de da capital mineira para Belo Horizonte, recebeu o seguinte """~~~~~~~lllllal'.:!:lr_,....
1890. Órfão de pai desde criança, arrimo telegrama do barão de Lucena, ministro da Justiça, em março de 1891: "Aceita governo
de família desde a adolescência, teve um iní- Estado, condição mudar capital"'? Respondeu assim: "Aceito governo Estado, condição
cio de vida muito semelhante ao de João Pi- agir inteira liberdade". Foi nomeado e governou Minas de 18 de março a 16 de junho de
nheiro, de quem foi grande amigo. Formou-se 1891. Jornalista, músico, compositor e escritor, dirigiu por muitos anos o Arquivo Públi-
em Direito em 1862, em São Paulo. No Impé- co Mineiro, foi membro da Academia Mineira de Letras, lecionou na Faculdade de Direi-
rio, foi deputado provincial (estadual) e geral (fe- to em Belo Horizonte, elegeu-se e reelegeu-se deputado federal entre 1910 e 1930.
deral), destacando-se em sua experiência parlamentar

160 161
Eduardo Gama Cerqueira direito em São Paulo, na mesma turma de Joaquim Nabuco, Castro Alves, Rui Barbosa,
Rodrigues Alves e do também mineiro Afonso Pena.
Nasceu em 15.12.1840, em São João del Rei. Sua base sempre foi Barbacena, como promotor, juiz, advogado, fazendeiro e,
Morreu em 11.11.1907, no Rio de Janeiro. De principalmente, chefe político. Foi deputado provincial (estadual), chegando a ocupar a
origem humilde, trabalhou para se sustentar até presidência da Assembléia, preocupado sempre com as questões financeiras do governo
se formar advogado, em São Paulo, em 1868. e com a moralidade administrativa. Mas renunciou, declarando-se republicano. Tentou
Advogou no Estado do Rio, depois em se eleger de novo, em 1889, teve grande votação mas não foi diplomado, por interferência
Minas, em Leopoldina e Cataguases. dos partidos Liberal e Conservador.
Militante entusiasmado da propaganda Já se destacava, entretanto, como importante liderança política mineira e João
republicana, elegeu-se senador estadual Pinheiro o convidou para preparar o anteprojeto da primeira Constituição mineira, logo
logo após a proclamação da República. Era depois de proclamada a República. Em 1890 e 1891, exerceu o governo provisório de
grande amigo de Cesário Alvim, de quem Minas em quatro ocasiões (alguns meses, cada vez), por indicação do presidente Deodoro
foi eleito vice-governador (ou vice- da Fonseca.
presidente, como se dizia) em junho de 1891,
Elegeu-se deputado estadual em 1891 e, na presidência da Assembléia, coordenou
assim que a Assembléia Constituinte
a redação da primeira Constituição republicana de Minas Gerais. Foi eleito também
promulgou a primeira constituição mineira. Em
senador constituinte, mas renunciou em 1894, quando tomou-se o segundo governador
junho do ano seguinte, quando Cesário Alvim
eleito de Minas (o primeiro foi Afonso Pena), com mandato até 1898. Procedeu à trans-
renunciou ao governo, coube a Gama Cerqueira perma-
ferência da capital mineira, de Ouro Preto para Belo Horizonte (que deixhva de ter o
necer no cargo até a posse de Afonso Pena, o primeiro
nome de Cidade de Minas, usado durante sua construção).
governador eleito pelo voto direto.
Prioridades como governador:
• desenvolver a agricultura, levando imigrantes para a lavoura
• reformar o ensino agrícola e veterinário
Bias Fortes (pai) • ampliar a rede ferroviária
Findo o governo, voltou ao Senado, para o qual foi seguidamente reeleito até sua
nome completo: Crispim Jacques Bias Fortes
morte, aos 69 anos. Nesse período, participou sempre da política mineira. Na sucessão
nascimento: 25.10.1847, no distrito de Livra-
mento, então pertencente a de Francisco Sales, em 1906, tentou voltar ao governo, mas sofreu oposição dos silvianistas
Barbacena, hoje Oliveira Fortes. (seguidores de Silviano Brandão), que apoiavam Venceslau Brás. As duas facções se
morte: 14.5.1917, em Barbacena.
retiraram quando se propôs o nome de João Pinheiro como candidato de conciliação.
O governador que transferiu a capital de O nome de Bias Fortes foi cogitado para a presidência da República, em 1906.
Ouro Preto para Belo Horizonte. Autor do
anteprojeto da primeira Constituição minei- Mas ele preferiu apoiar seu colega de faculdade, o conselheiro Afonso Pena.
ra. Convidado para candidato a presidente da
República, preferiu apoiar Afonso Pena. Toda
a carreira com base na políJica de Barbacena.

Filho de um capitão da Guarda Nacional,


fez os estudos básicos em Barbacena e se formou em

162 163
Em 1900, assim, começa a carreira de Francisco Sales no Congresso nacional,
Francisco Sales
onde foi lfder da bancada mineira e inspirador da maioria dos projetos encaminhados
pelos deputados de Minas.' Ele próprio não apresentou nenhum projeto, preocupava-se
nome completo: Francisco Antônio de Sales
nascimento: 22.1.1864, na vila de Lavras do Funil, apenas em dar a idéia e, depois, garantir a tramitação.
hoje Lavras. Deixou a Câmara em 1902, para assumir o governo de Minas, onde montou um
morte: 16.1.1922, no Rio de Janeiro. secretariado essencialmente jovem. Ao mesmo tempo, teve o cuidado de atrair para o
Secretário das FifUlnças em dois governos. governo importantes lideranças que andavam desgarradas, como Silviano Brandão. Co~­
Quarto prefeito de Belo Horizonte. Um paci- siderava fundamental pacificar a política, para administrar bem. Algumas de suas reah-
ficador, nos tempos de governador de Minas. zações:
SenlwrabsolutodapolíJica mineira por duas
• aprimoramento da agricultura, com a importação de sementes, adubos e
décadas. Um ortodoxo nos tempos de minis-
tro da Fazenda. A demissão, com o "caso da reprodutores
prata", e a perda da liderança sobre o eleito- • regularização das fronteiras com São Paulo e Espírito Santo
rado de Minas.
• reorganização da Brigada Policial
• impulso ao ensino básico
Filho de tenente-coronel da Guarda • redução das taxas de impostos, como parte de um programa de recuperação das
Nacional, estudou em Mariana e Ouro Preto,
finanças públicas
antes de se mudar para São Paulo, onde se Quando Francisco Sales deixou o governo de Minas, seu nome constava da lista
diplomou advogado em 1886. Desde estudante, dos possíveis escolhidos pelo Partido Republicano para ocupar a presidência da Repúbli-
entusiasmou-se pela causa republicana. Formado, pôs ca entre 1906 e 1910. Havia na lista três ex-governadores mineiros: ele, Crispim Jacques

banca de advogado em Lavras mas aproveitava toda opor- Bias Fortes e Afonso Pena. Os dois primeiros apoiaram Afonso Pena, que assim assumiu
tunidade para viajar pelo interior de Minas, fundando grande quantidade de clubes repu-
fortalecido pelª união de Minas. ,. . .
blicanos. A pulverização de tais clubes ajuda a explicar o predomínio que Francisco Francisco Sales, a essa altura, dominava como senhor absoluto a pobtlca mmeua.
Sales veio a exercer por muitos anos, na política mineira. Eleito senador (federal), teve grande influência na escolha da chapa Hermes da Fonseca~
Com a proclamação da República, Francisco Sales foi indicado, quase ao mesmo Venceslau Brás para a sucessão de Afonso Pena, contra a opção civilista pregada por Rm
tempo, para juiz municipal de Lima Duarte e como candidato ao Congresso constituinte Barbosa e preferida pelo próprio presidente Afonso Pena.
mineiro. Eleito deputado, seu estilo conciliador e moderado o credenciou para a presidên- No governo Hermes, Francisco Sales foi nomeado ministro da F~zenda. ~ ~rôni~
cia da Câmara (nome original da Assembléia), com presença também nas comissões de política costuma realçar mais o "caso da prata", que provoco.u sua sa1d~ ~~ mtmsténo.
Orçamento e Justiça. Foi, em resumo, o seguinte: o ministro Francisco Sales autonzou a aquJStçao ~c b~rras
Foi secretário das Finanças de dois governos consecutivos, o de Bias Fortes e o de de prata, com as quais cunharia moedas destinadas a substituir as cédulas de mtl-réts.e 2
Silviano Brandão. Teve oportunidade, então, de implantar os serviços de arrecadação do mil-réis, pensando com essa medida fortalecer o dinheiro nacional- o que, na prática,
Estado, organizar a elaboração dos orçamentos, promover acordos com Rio, São Paulo e não funcionou, muito pelo contrário.
Espírito Santo para harmonizar e tornar eficiente a cobrança do imposto sobre o café Antes desse insucesso, porém, o ministro Francisco Sales tomou várias medidas
exportado. importantes, sempre dentro de uma linha ortodoxa no trato das finanças públicas. Algu-
Elegeu-se senador estadual em 1899, mas em seguida renunciou, para assumir a mas delas:
prefeitura de Belo Horizonte, por indicação de Silvia no Brandão. Foi o quarto prefeito da • acerto da máquina arrecadadora
capital mineira. Elegeu-se, em seguida, para o Senado mineiro, mas a direção de seu • combate ao déficit público
partido, o poderoso PRM, achou melhor que ele nem assumisse, para concorrer a uma • proteção à indústria
cadeira de deputado federal. • regularização da circulação de cheques

165
164
A demissão do Ministério da Fazenda custou a Francisco Sales, também, a perda
Entre os professores da Escola Normal e os colegas da Faculdade de Direito, João
do controle absoluto da política mineira, onde já crescia a influência de Artur Bernardes.
Pinheiro adquiriu sobretudo novas idéias. Tornou-se positivista, abolicionista, republica-
Reelegeu-se senador, permaneceu no Senado até 1923, mas cada vez mais afastado das
no. De volta a Minas, formado, pôs banca de advocacia em Ouro Preto, em 1888, mas já
decisões na política mineira. Quando morreu, aos 69 anos, não tinha mais mandato nem
dedicava grande parte de seu tempo à propaganda republicana, em parceria com José
militância política. Era apenas empresário e agricultor.
Faria de Ccsário Alvim.
Os dois estariam juntos no início republicano de Minas, logo depois de proclama-
da a República, Cesário Alvim chefiando o governo provisório e João Pinheiro como
João Pinheiro
secretário de Estado c vice-governador. Em fevereiro de 1890, tornou-se o chefe do go-
verno provisório, com a ida de Cesário Alvim para o Ministério do Interior. No governo,
nome completo: João Pinheiro da Silva
nascimento: 16.12.1860, no Serro. formou uma equipe jovem que mais tarde, ao atuar no plano federal, no governo Afonso
morte: 25.10.1908, em Belo Horizonte, no Palácio Pena, seria chamada de jardim-de-infância.
da Liberdade.
Eleito deputado constituinte, deixou o governo para representar Minas na Comis-
A maior promessa de MilUlS para o Brasil, no são dos 21, composta de um representante de cada Estado e encarregada de encaminhar
início do século. Menino pobre, filho de imi-
grante italiano, trabalhou como zelndor para o projeto da primeira Constituição do Brasil. No ano seguinte, com a deposição do presi-
pagar os estudos. Positivista, abolicionista e dente Deodoro da Fonseca, Cesário Alvim caiu do ministério e João Pinheiro renunciou
republicano de idéiasprogressistas. Adminis-
ao mandato de deputado.
trador dinâmico, aberto para o que existia
de mais avançado. A morle súbita e o fim de Voltou para Minas, passando vários anos como professor da Faculda~e de Direito
um sonho de poder. de Ouro Preto e dono de uma próspera cerâmica em Caeté. Em 1899, estava de volta à
política, como vereador, presidente da Câmara e prefeito de Caeté. Em 1904, no governo
Filho do imigrante italiano Giuseppe Francisco Sale;, presidiu o I Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de Minas Ge-
Pignataro, caldeireiro que, em Minas, rais. Esse encontro representava a resposta mineira à política recessionista praticada
abrasileirou o nome para José Pinheiro. O pai então pelo governo federal.
morreu cedo. A mãe, Carolina Augusta, viveu Conduzindo os debates, João Pinheiro confirmou-se como líder de idéias progres-
muitos anos em casas de parentes. Para educar os sistas e não teve dificuldades de se eleger senador, no mesmo ano. Ficou no Senado
filhos José e João, recorreu à ajuda do padre João de Santo ""'~~~~lllllll:lmt;:íll~ pouco mais de um ano. Na sucessão de Francisco Sales, em 1906, as principais forças
Antônio, que internou as crianças no Seminário de Mariana. José se tornou padre e mor- políticas se dividiram entre as candidaturas de Venceslau Brás e Crispim Jacques Bias
reu moço, aos 30 anos, como vigário de Jequeri. João se tornou um dos mais importantes Fortes. O nome de João Pinheiro surgiu como candidato de conciliação, aceito por todas
políticos que Minas Gerais já conheceu, criador do estilo administrativo dinâmico e revo- as correntes.
lucionário que, meio século depois, inspirou Juscelino Kubitschek. Rico, rt!Speitado, progressista, João Pinheiro assumiu o governo de Minas aos 46
Do seminário, João Pinheiro viajou poucos quilômetros até Ouro Preto, onde se anos e reuniu gente nova para compor sua equipe. Em ritmo acelerado, a administração
matriculou na Escola de Minas. Ao final do segundo ano do curso, descobriu que não João Pinheiro em pouco tempo redefinia o perfil sócio-econômico de Minas Gerais. Entre
tinha vocação para engenheiro. Mudou-se então para São Paulo, matriculou-se na Facul- as inovações administrativas de mais impacto, introduziu na vida política mineira o Go-
dade de Direito e, para se manter, trabalhou como zelador e preparador do laboratório de verno Itinerante, que consistia no deslocamento do governador e do secretariado para
Física e Química da Escola Normal paulista. Mais tarde, foi contratado como professor diferentes pontos do Estado, permitindo-lhe conhecimento próximo e abrangente de todo
da escola.
o território mineiro. Outra novidade lançada por João Pinheiro no início do século e

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copiada por futuros governantes em Minas e fora de Minas: a política de incentivos Bueno Brandão
fiscais para atrair investidores para regiões promissoras.
João Pinheiro era um entusiasta da agricultura. Acreditava que a grande chance do nome completo: Júlio Bueno Brandão
nascimento: 11.7.1858, em Ouro Fino.
Brasil estava na modernização da produção agrícola, o que significava abrir o país- e morte: 21.3.1931, no Rio de Janeiro.
não fechar, como tantos defendiam - para as descobertas e evoluções praticadas no
Vice-governador e continuador da obra de João
resto do mundo. Coerente, em 1907 cedeu terras do governo mineiro à empresa america-
Pinheiro. Senador por quinze anos. A reformo.
na Empire Fibre Company, que traria para Minas as mais modernas técnicas e máquinas administrativa e os novos municípios, nos tem·
para a produção do arroz em escala industrial. Entre as condições impostas aos america- pos de governador. O Pacto de Ouro Fino,
com São Paulo, para esvaziar a influência
nos, estava a de treinar aprendizes indicados pelo governo. de Pinheiro Machado e garantir a eleição de
Defendeu com ardor a policultura, em lugar da monocultura tradicionalmente pra- Venceslau Brás para a presidência da Repú·
ticada pelos agricultores brasileiros. Acelerou a importação de reprodutores, para apri- blica.
morar o rebanho mineiro. Insistia na ampliação do ensino técnico voltado para o meio
Filho de um coronel da Guarda Na-
rural. Frase dele: "Em matéria de ensino técnico e profissional, num país que vive quase
cional, Bueno Brandão foi um autodidata.
exclusivamente da agricultura, como o nosso, nada, é a triste verdade, temos feito até
Depois de alfabetizado, passou a estudar so-
agora".
zinho. Aprendeu o suficiente para atuar no fórum
O pensamento de João Pinheiro empolgava Minas Gerais. Seu estilo de governar de Ouro Fino, inicialmente como solicitador, mais
despertava a consciência mineira. Dizia ele: "A política das fórmulas vazias, dos desejos tarde como advogado mesmo, aprovado em exame de
vãos e das puras vaidades pessoais já fez o seu tempo. Os hábitos da antiga centralização qualificação do juiz de Camanducaia (Jaguari, na época).
admi nistrativa e política estão se extinguindo, para darem lugar às únicas aspirações Chego\! a ser juiz de Ouro Fino, onde por dois anos desempenhou também a fun-
dignas -as do bem do maior número no interesse coletivo das massas, na exclusiva ção de delegado de polícia. Na política local, foi vereador e agente executivo, função
preocupação das vantagens reais do povo, ensinando-o a ler, ensinando-o a trabalhar, equivalente a prefeito, no Império. Já na República, o governador Crispim Jacques Bias
para que, instruído e forte, possa ser independente e para que, independente, possa ser Fortes nomeou Bueno Brandão para a presidência da Intendência de Ouro fino.
livre". Eleito deputado estadual, em 1893, permaneceu na Assembléia até 1897, quando
A grande esperança muito rapidamente se desfez, porém, com a morte súbita de se elegeu para o Senado Federal (na época, existia também o estadual). F icou no Senado
João Pinheiro, em 1908, dois anos antes de completar o mandato de governador, dois até 1908, nos últimos três anos acumulando a senatoria com o cargo de vice-presidente
meses antes de completar 48 anos. de Minas Gerais, no governo João Pinheiro.
Em 1960, registrando no Senado o centenário de nascimento de João Pinheiro, Com a morte de João Pinheiro, em outubro de 1908, assumiu interinamente o
MOton Campos arriscou-se a imaginar o que teria acontecido se ele não tivesse morrido governo estadual, até que se procedesse à eleição do substituto, Venceslau Brás, empossado
tão cedo: " Seria ele o presidente da República. Para o governo levaria, com a sua moci- em abril de 1909. Nesses seis meses à frente do governo, lim itou-se a dar continuidade ao
dade e o seu idealismo republicano temperado pelo senso da realidade, as marcas da programa de João Pinheiro, por sinal, o mesmo procedimento que viria a ser adotado por
verdadeira República. Contribuiria para a luta contra os privilégios que vieram se acen- Venceslau Brás.
tuando e hoje desfiguram o regime, tomando vão e triste o nobre sonho dos fundadores. Criou o Serviço de Assistência à Infância Desamparada, que incluía.o Jardim-de-
Teríamos, quem sabe, acelerado nosso progresso material, intelectual e moral, na linha Infância Bueno Brandão, em funcionamento até hoje. Modernizo u a segurança pública.
evolutiva natural que outros países conheceram". Estimulou a imigração. Em abril de 1909, voltou para Ouro Fino, à espera da indicação
para se candidatar à presidência mineira em 1910. A indicação, pelo dominante Partido

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Republicano Mineiro (PRM), significava eleição garantida, de modo que o retiro em Raul Soares
Ouro Fino era apenas uma preparação para assumir o governo.
Para seu secretariado, Bueno Brandão convocou três das principais estrelas em nome completo: Raul Soares de Moura
ascensão na época, Delfim Moreira (Interior), Artur Bernardes (Finanças) e José Gon- nascimento: 7.8.1877, em Ubá.
morte: 4.8.1924, em Belo Horizonte, no Palácio da
çalves de Sousa (Agricultura). No governo, criou quarenta novos municípios, em respos- Liberdade.
ta à necessidade de consolidar o território mineiro. Abriu 45 escolas, contratou instrutores
Primeiro e único civil a comandar o Ministé-
suíços para treinar a polícia militar, modernizou a Imprensa Oficial, restabeleceu e reor-
rio da Marinlw. O administrador duro e deci-
ganizou a Secretaria da Agricultura. Pela Lei Bueno Brandão, subvencionou os serviços dido. O intelectual brilhante, fundador da
de instalação de energia elétrica, saneamento e construção de estradas em todo 0 Estado. Academia Paulista de Letras. O articulador
habilidoso e competente. O governador de
Outras realizações de seu governo: saúde fraca e a morte que frustrou o projeto
• criação do Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais de dominar a política nacional, em parceria
• criação das escolas de Medicina e Engenharia com Artur Bernardes.
• construção da Maternidade Hilda Brandão
Filho de coronel da Guarda Nacional,
Uma intervenção política expressiva, em 1913: participou da manobra que veio a
fez os primeiros estudos em Mariana,
esvaziar a influência do senador gaúcho Pinheiro Machado na política nacional. Eminên-
Barbacena e Ouro Preto. Estudou na Faculda-
cia parda de vários governos, Pinheiro Machado nomeava e demitia em todos os esca-
lões, definia candidaturas, atuando sempre nos bastidores. Havia feito a candidatura do de de Direito ouropretana até o terceiro ano, quan-

então presidente Hermes da Fonseca. Sentiu-se no direito de sucedê-lo e convidou do se transferiu para a de São Paulo, onde completou
0
governador mineiro para entrar na chapa, como vice-presidente. o curso em 1900, na mesma turma de Artur Bernardes, par-
Àquela altura, porém, o mineiro Venceslau Brás, vice de Hermes, também se lan- ceiro inseparável desde os bancos escolares.
çava à disputa da cadeira de presidente. Se Bueno Brandão aceitasse formar chapa com Antes mesmo de se formar, já estava nomeado promotor de Carangola, perto da
Pinheiro Machado, as chances de Venceslau diminuiriam significativamente, pois deixa- divisa com o Espírito Santo, região turbulenta, na época. Já conhecido como alguém de
ria de contar com a união de Minas em torno de seu nome. fibra, o recém-formado Raul Soares assumia o cargo com a missão de pacificar a política
Recusar o convite de Pinheiro Machado, de todo modo, representava um sério municipal. Nos três anos passados em Carangola, foi também delegado de polícia, por
risco político. Mas Bueno Brandão ousou recusar. Reuniu-se em sua terra natal com o um tempo. Ambientou-se tão bem que pensou em se fixar na cidade, como advogado.
governador paulista e ex-presidente da República Rodrigues Alves e, ali, os dois firma- Havia feito, no entanto, concurso para catedrático de Português no ginásio Esta-
ram o Pacto de Ouro Fino, uma aliança em torno da candidatura de Venceslau. Foi nessa dual de Campinas (SP). Aprovado, mudou-se para lá, em 1904. Foram anos de intensa
ocasião que Bueno Brandão disse: "Prefiro cair com Minas a cair em Minas". atividade intelectual, com artigos literários e políticos na imprensa paulista. Num deles,
Saindo do governo, recolheu-se por um período em Ouro Fino, antes de se eleger contra a revisão da-Constituição de 1891, discordava de artigos escritos em Minas por
senador, em 1915. Permaneceu no Senado até 1930. Decidido a encerrar a carreira polí- seu amigo Artur Bernardes. Essa presença na área cultural resultou em convite para
tica, aos 72 anos, foi premiado com a nomeação para Tabelião de Notas do Distrito participar da fundação da Academia Paulista de Letras. Ocupou a cadeira n2 26 e esco-
Federal, mas morreu sem tomar posse do cartório. lheu Euclides da Cunha como patrono.
Voltou a Minas em 1910, para assumir o controle da política da região de Ubá e
Visconde do Rio Branco, vaga com a morte de seu irmão Carlos. Foi vereador, presidente
da Câmara e prefeito de Rio Branco, antes de se eleger deputado estadual para a legislatura

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1911-1914. Na capital, foi também professor de Direito Constitucional na Faculdade eleição de Artur Bernardes, agora para a presidência da República. Toda a crônica polí-
Livre de Direito. tica da época apontou a habilidade e a competência de Raul Soares como fundamentais
Em 1914, no governo Delfim Moreira, exerceu o cargo de secretário da Agricultu- para neutralizar os violentos ataques desfechados pela oposição a Bemardes.
ra. Dali, desenvolveu articulação permanente para garantir a eleição de seu amigo Artur Ao mesmo tempo- e sempre em parceria com Bemardes -,articulava sua pró-
Bernardes, para o período 1918-1922. A vitória de Bemardes significou a permanência pria eleição para o governo de Minas. Os dois tomaram posse em 1922, Bernardes na
de Raul Soares no governo, agora na Secretaria do Interior. presidência da República, Raul Soares na presidência de Minas. O duplo poder deveria
Raul Soares era um administrador duro, severo. Chegava a ser ríspido. Um episó- assegurar, para eles, uma hegemonia consistente e duradoura na vida política brasileira.
dio ilustrativo de seu estilo ocorreu no início de julho de 1924, quando ele era governador Mas esse apogeu teve curta duração. A saúde de Raul Soares, que nunca fora boa, come-
de Minas e já estava muito doente. Na ocasião, São Paulo se insurgiu contra o governo çou a piorar a partir do segundo ano de governo.
federal, presidido por Artur Bernardes. Houve combates em várias capitais. Em Belo O escritor e crítico literário Agripino Grieco contava que o viu num restaurante do
Horizonte, Raul Soares convocou uma reunião na madrugada do dia 6, no Palácio da Rio, já nos tempos de governador. Sempre cismado com o aspecto pouco saudável do
Liberdade. Lá estavam os principais secretários e os oficiais superiores da polícia mili- político mineiro, Grieco resolveu prestar atenção no que Raul Soares comia. Descreveu o
tar, ocupados em montar a defesa de Minas, que apoiava o governo central. escritor, com a habitual irreverência: "Raul levava minutos colocando sobre a mesa as
A certa altura, Raul Soares começou a distribuir as funções dos militares e um pílulas, pós e conta-gotas, que retirava do bolso. A disposição da farmacologia asseme-
coronel percebeu que outro oficial estava escalado para assumir o seu lugar no comando lhava-se à formação de um exército de soldados de chumbo, dispostos nos pontos estra-
de um quartel. Começou então a falar: " Peço licença para fazer algumas ponderações a tégicos. Após a operação, não havia espaço para um ovo estrelado ... "
V. Excia", mas foi bruscamente interrompido por Raul Soares. "O senhor não foi convo- Raul Soares se afastou do governo em fins de 1923, para um tratamepto de saúde.
cado para fazer ponderações, mas sim para ser informado de que foi destituído do co- Reassumiu em abril do ano seguinte, com aparência sadia. Dois meses depois, entretan-
mando de seu batalhão." to, reacendiam-~ os boatos de que poderia morrer a qualquer momento. Desde o começo
Foi por esse temperamento decidido, certamente, que o presidente Epitácio Pessoa de 1924, na Câmara dos Deputados, no Rio, e na Assembléia Legislativa, em Belo Hori-
escolheu Raul Soares, em 1919, como um dos dois civis destinados a ocupar as pastas . zonte, parlamentares fiéis ao governo trataram de desmentir o boato. Mas bastava passar
militares. Coube-lhe o Ministério da Marinha, pela primeira e única vez dirigido por um pelas vizinhanças do Palácio da Liberdade, luzes acesas noite adentro, entra e sai de
civil, ficando Pandiá Calógeras com o Ministério da Guerra Gá dirigido pelo civil Afonso médicos o dia todo, para se ter certeza da veracidade dos boatos. Mais um pouco e os
Pena, no Império). boletins médicos confirmavam a gravidade do caso: problemas gástricos, renais, nervo-
Raul Soares impôs-se na Marinha graças a uma administração eficiente e atenta. sos. Ao anoitecer de 4 de agosto, finalmente, a notícia de que o governador Raul Soares
Algumas de suas realizações: acabara de falecer.
• intensificação da defesa submarina
• desenvolvimento da aviação naval
• remodelação geral da frota
• uso de carvão nacional para resolver o crônico problema da falta de combus-
tível
• reaparelhamento do arsenal
Ao sair do Ministério da Marinha, elegeu-se senador. No Senado, como já se dera
ao tempo de secretário da Agricultura em Minas, ocupou-se especialmen te de articular a

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Antônio Carlos Em seguida, elegeu-se senador estadual, para a legislatura 1907-1910, e em 1911
já era deputado federal. Foi na Câmara dos Deputados que passou o maior tempo de sua
nome completo: Antônio Carlos Ribeiro de Andrada
nascimento: 5.9.1870, em Barbacena. carreira: até 1925, numa primeira temporada, e de 1933 até 1937, quando a preparação
morte: 1.1.1946, no Rio de Janeiro. do golpe do Estado Novo incluiu seu afastamento da presidência da Câmara e, então,
O grande arliculador mineiro na Revolução de Antônio Carlos se retirou da política. Em 1917, licenciou-se da Câmara, para assumir o
30. Deputado federal por duas décadas, sem- Ministério da Fazenda, no final do governo Venceslau Brás. Por um ano, em 1925 e
pre atento aos assuntos econômicos. Prefeito
de Belo Horizonte e ministro da Fazenda de começo de 1926, passou pelo Senado. Renunciou ao mandato para se eleger presidente
Venceslau Brás. O governador que fundou a de Minas Gerais.
Universidade de Minas e expandiu o ensino
primário. Autor da lei que instituiu o voto Tomou posse no governo de Minas em 7 de setembro de 1926, como resultado de
secreto. sua influente presença na política mineira e nacional da época e também porque, ao seu
tempo, as vitórias eleitorais não dependiam tanto da real participação do eleitorado. Se
O mais aristocrático dos governado- tivesse de fazer uma carreira política com base no voto popular, dificilmente Antônio
res mineiros, chamado pela imprensa de seu Carlos iria muito longe. Não existia maior identificação entre ele, homem de elite, e o
tempo de estadista de raça e político de san- povo. Mas seu governo foi, sem dúvida, voltado para o bem comum. Algumas das reali-
gue. Tinha o mesmo nome do pai, o paulista zações de Antônio Carlos como governador de Minas:
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, descendente • fundação da Universidade de Minas Gerais, hoje federal
do Patricarca da Independência, José Bonifácio de
• expansão do ensino primário e médio
Andrada e Silva, e fundador do ramo mineiro da família. A
• remodelação dos serviços de saúde pública
mãe de Antônio Carlos, Adelaide Feliciano, era bisneta do inconfidente José Aires Go- • expansão das estradas de rodagem
mes e irmã do ministro e senador José Rodrigues Lima Duarte. Antônio Carlos se casou • extensão das comunicações telefônicas
com Julieta Guimarães, filha do barão de Rio Preto e bisneta do marquês de Olinda.
• incentivo à agricultura e à indústria
Antônio Carlos viveu e estudou em Barbacena até a adolescência, quando se mu-
Embora não se misturasse com as massas, Antônio Carlos foi um político sincera-
dou para São Paulo, onde se formou advogado em 1891. Voltou logo depois de formado,
mente preocupado com os destinos de Minas e do Brasil. Foi por uma lei sua, de 1927,
como promotor em Ubá, onde também atuou como juiz. Foi juiz em Palma, ainda, antes
que se instituiu no país o voto secreto, destinado a terminar com as vitórias eleitorais
de se fixar em Juiz de Fora, como advogado, professor de História e Economia, jornalista
e político, vereador e presidente da Câmara. simuladas em gabinetes, que ele conhecia tão bem. Logo depois de aprovada a lei, reali-
No J ornai do Comércio, onde trabalhou, e no Diário Mercantil, que fundou, dis- zou-se uma eleição para preencher vaga de vereador em Belo Horizonte, o que deu a
cutia com ve:emência e conhecimento os assuntos financeiros de Minas. Era esse, tam- Minas a oportunidade de ser o primeiro Estado brasileiro a praticar o voto secreto.
bém, o teor de seus discursos em apoio à candidatura de Francisco Sales ao governo Ao encaminhar seu projeto ao Congresso, Antônio Carlos pronunciou a frase que
estadual. Com a vitória de Francisco Sales, foi nomeado secretário das Finanças. se tornaria célebre: "Façamos serenamente a revolução, antes que o povo a faça pela
Na secretaria, teve oportunidade de pôr em prática o que teorizava pelos jornais. violência". Subiam alto, nesse tempo, as chamas dos ideais renovadores e rebeldes do
Substituiu o imposto interestadual pelo de indústria e profissões. Incentivou a política de tenentismo, prenunciando a Revolução de 30 que sepultou a República Velha e seu
valorização do café. Ouviu fazendeiros, industriais e comerciantes para reorientar a po1 monolítico Partido Republicano Conservador.
lítica econômica. Deixou a secretaria no último ano do governo Francisco Sales, para No governo de Minas, Antônio Carlos desempenhou papel fundamental na arma-
assumir a prefeitura de Belo Horizonte. ção da Aliança Liberal. Num primeiro momento, a Aliança uniu Minas, Rio Grande do

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Sul e Paraíba em tomo da candidatura do ga~cho Getúlio Vargas, desafiando o governo
Olegário Maciel
central, onde o presidente Washington Luís queria impor o também político paulista Júlio
nome completo: Olegário Dias Maciel
Prestes como seu sucessor. nascimento: 6.10.1855, em Bom Despacbo (na épo-
Num segundo momento, quando os resultados anunciados davam vitória a Júlio ca, município de Pitangui).
morte: 5.9.1933, em Belo Horizonte, no Palácio
Prestes, a Aliança Liberal se transformou em bandeira de luta desfraldada contra o go- da Uberdade.
verno central, primeiro na forma de denúncias da fraude havida, mais tarde na forma da
O engenheiro, fazendeiro e políiico bissexto
revolução que veio a depor o presidente Washington Luís e empossar Getúlio Vargas. que se converteu em reserva nwral de Minas.
Nesse segundo momento, Antônio Carlos já havia passado o governo de Minas a Olegário O candidato de conciliação eleito governa-
dor em 1930. O septuagenilrio que surpreen-
Maciel. Mesmo fora do Palácio da Liberdade, no entanto, ele continuou em ação política deu pela energia com que governou e pelas
e revolucionária. corajosas decisões que tomou. O precursor
que começou a fabricar álcool de mandioca
Dos três Estados formadores da Aliança Liberal, Minas era o mais importante.
em Minas meio século antes do Pró-Álcool.
Territorialmente, economicamente, politicamente. Quem mais arriscou e mais influiu na
vitória da Revolução de 30, foi Minas. As lideranças mineiras esperavam, em conse- Era celibatário. Filho de coronel da
qüência, ocupar grandes espaços no governo, ainda que o comando ficasse com o gaúcho Guarda Nacional. Educado no Colégio do
Vargas. Mas a divisão do poder desagradou os mineiros. Por isso, quando São Paulo se Caraça. Engenheiro diplomado pela Politécnica
rebelou contra Vargas, na Revolução Constitucionalista de 1932, importantes lideranças do Rio de Janeiro. Político bissexto, de carreira
intermitente, alternava exercícios de mandatos eleito-
mineiras deram apoio apenas discreto ao governo central. Antônio Carlos foi um desses
rais com demorados retiros na vida particular, como fazen-
quase ausentes no apoio a Vargas, apesar de ocupar a presidência da Câmara dos Depu-
deiro ou engenh.eiro. Por isso, certamente, caracterizou-se como reserva moral- e de
tados, um posto de evidente importância estratégica.
competência- na cena política mineira. .
O descontentamento em relação a Vargas foi se tomando divergência, com o pas- Logo depois de formado, em 1878, Olegário Maciel foi viver com os pats, que
sar do tempo, na medida em que Antônio Carlos percebia que o governo resvalava mais haviam se mudado para Patos de Minas. Lá, foi vereador, agente executivo (equivalente
e mais para o autoritarismo. Vargas também tinha consciência de que o político mineiro, a prefeito) e juiz de paz. Por lá, ainda no Império, se elegeu deputado provincial (esta-
um fervoroso adepto do liberalismo clássico, faria tudo para barrar o projeto de endure- dual) e exerceu 0 mandato de 1880 a 1883, quando pela primeira vez se afastou da
cimento do regime, então em curso. Meses antes do golpe do Estado Novo, Vargas mano- política pará se dedicar ao trabalho como engenheiro. Nessa condição, a partir de 1888,
brou para forçar o afastamento de Antônio Carlos da presidência da Câmara, contando dirigiu a Estrada de Ferro Pitangui-Patos.
Voltou à política com a proclamação da República, eleito deputado federal em
com a ajuda do governador mineiro Benedito Valadares.
1891. Exerceu o mandato até 1911. Pela segunda vez, então retirou-se da política. Nesse
Antônio Carlos estava com 67 anos. Achou que havia chegado sua hora de parar.
período, começou sua vida de fazendeiro, sem deixar de lado a eng~nharia. Como e~ge­
Até morrer, aos 75 anos, nunca mais se envolveu com a política. nheiro, exerceu os cargos de consultor do Ministério da Viação e de mspetor dos servtços
de Vias Férreas.
Os meios políticos respeitavam Olegário Maciel pela seriedade e pela competência
profissional. Por essas virtudes, foi convidado para formar chapa com Raul Soares, que
se elegeu presidente de Minas em 1922. Era mais um retomo à política. Q~ando Raul
Soares se licenciou para tratamento de saúde, entre setembro de 1923 e abnl de 1924,
Olegário Maciel assumiu. Voltaria a assumir em agosto de 1924, na morte de Raul Soa-

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rcs. Completou o mandato, até dezembro. Em fevereiro de 1926, eleito deputado estadual Benedito Valadares
presidia a Assembléia e, pela terceira vez, chefiou o governo interinamente, quando 0
'
governador Melo Viana pediu licença para se candidatar a vice-presidente da República. nome completo: Benedito Valadares Ribeiro
nascimento: 4.12.1892, em Mateus Leme, então dis-
Nas eleições de 1930, o nome de Olegário Maciel surgiu como candidato de conci-
trito de Pará de Minas.
liação. Eleito já aos 75 anos, surpreendeu pela energia com que governou e pela firmeza morte: 2.3.1973, no Rio de Janeiro.
com que tomou decisões políticas.
A mais fulminante - e a mais chocante -
A primeira decisão polftica surpreendente: nomeou o secretariado sem consultar a
ascensão ao governo de Minas. lnLervenLor e
direção do ainda todo-poderoso Partido Republicano Mineiro. Disse, na ocasião, que se governador durante doze anos. A lealdade ab·
iniciava uma nova era na vida nacional e que ele estava em sintonia com os novos tempos. soluLa ao preside n/e e ditador Getúlio Vargas.
As muitas obras de um governo progressista
Surpreenderia ainda mais no ano seguinte, 1931, quando as velhas agremiações e realizador. Mestre maior na grande escola
políticas não mais existiam oficialmente. Insatisfeito por perder o controle da política política do PSD. Na ditadura militar, a mor-
mineira, o antigo chefe supremo do PRM, Artur Bemardes, tentou derrubar Olegário te política sem chance de ressurreição.
Maciel com uma manobra golpista. Três secretários de Estado receberam a missão de
levar a Olegário Maciel a proposta de uma renúncia coletiva do secretariado, à qual se Filho de um tenente-coronel da Guar-
seguiria o afastamento do idoso e, supunham eles, vulnerável governador. da Nacional. Freqüentou a Escola Livre de
A reação de Olegário Maciel foi fulminante. Demitiu os três: Cristiano Machado Odontologia e Farmácia, em Belo Horizonte, an-
(Interior), José Carneiro de Resende (Fazenda) e Alaor Soares (Agricultura). Sempre tes de se mudar para o Rio de Janeiro, onde cur-
sem consultar a cúpula perremista, substituiu-os respectivamente por Gustavo Capanema, sou a Faculdade de Direito e se formou, em 1920.
Amaro Lanari e Cincinato de Noronha Guarani. Nos tempos de estudante, no Rio, trabalhou como inspetor
Como administrador, Olegário Maciel só foi tradicional ao manter a política bem de alunos e professor.
mineira de busca do equilíbrio orçamentário, dentro da orientação liberal de buscar a Advogado em Pará de Minas, elegeu-se vereador e, na efervescência política de
parceria com a iniciativa privada. Incluía-se entre os defensores da policultura, ao con- 1930, aderiu à Aliança Liberal, elegeu-se prefeito e apoiou a candidatura oposicionista
trário da idéia dominante da monocultura de exportação. Achava mais importante abrir de Getúlio Vargas à presidência da República. Terá sido esse- e pelo pouco tempo que
estradas que escolas ou postos médicos, pois considerava o transporte como condição durou- o único momento em que Benedito Valadares assumiu os riscos de uma oposi-
essencial para a evolução da economia, sem o que não haveria avanços reais na educação ção abertamente desafiadora e renovadora. Talvez pressentisse as reais chances de êxito.
ou na saúde. Vitoriosa a Revolução de 30, empossado Getúlio Vargas, Benedito Valadares foi confir-
A mais revolucionária das atitudes do governador Olegário Maciel foi a fabrica- mado como prefeito. Em 1932, quando São Paulo deflagrou a Revolução
ção de álcool para uso como combustível. Quase meio século antes da crise do petróleo e Constitucionalista, Benedito Valadares se incorporou às tropas legalistas, ganhou a pa-
do Pró-Álcool, Olegário Maciel sustentava que a imensidão territorial brasileira permitia
tente de capitão e, na função de chefe de polícia na Mantiqueira, tornou-se amigo do
plantar grandes extensões de cana e mandioca, de onde se extraísse álcool suficiente para
jovem capitão-médico Juscelino Kubitschek. Por muitos anos, dali por diante, os dois
tornar o Brasil auto-suficiente no setor de combustíveis.
conviveriam na política de Minas c do Brasil.
Mais que defender essa idéia, o governador colocou-a em prática. Em 1931, libe-
Valadares se elegeu deputado constituinte em 1933. No mês seguinte, Getúlio Vargas
rou verbas para a construção de uma usina de álcool de mandioca em Divinópolis. Antes
0 nomeou interventor em Minas Gerais. Foi essa, sem dúvida, a mais fulminante ascen-
de morrer, aos 75 anos, Olegário Maciel teve o prazer de ver Minas produzindo álcool
são de um político ao governo mineiro- e a mais chocante, também.
combustível. E mais: de 1932 a 1935, enquanto funcionou, a usina de Divinópolis produ-
O governador Olegário Maciel havia falecido. Substituindo-o estava o seu secre-
ziu 1,6 milhões de litros de álcool e 6 mil litros de óleo, gerando um lucro líquido de 208
tário do Interior, Gustavo Capanema, já então reverenciado como sumidade cultural.
contos de réis.

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Poliglota, erudito, político brilhante e voluntarioso, dava-se como certo que Vargas vies- • incentivou a policultura, para livrar o Estado da monocultura cafeeira
se a confirmar Capanema no cargo. Além de tudo, havia participado ativamente da Re- • criou a Escola de Indústrias Agrícolas Cândido Tostes, em Juiz de Fora
volução de 30 e tinha o apoio de pelo menos metade das principais lideranças mineiras. • implantou o Departamento Estadual de Estatística
A outra metade defendia a nomeação de Virgílio de Melo Franco, igualmente uma • fundou a Rádio Inconfidência
sumidade, poliglota, erudito, filho de tradicional família política e, tanto quanto Capanema, • deu incentivos e isenções a indústrias que se instalassem na vizinhança de Belo
um revolucionário desde a primeira até a última hora. Horizonte, no município de Contagem, onde viria a se instalar a Cidade Indus-
Não havia como comparar Benedito Valadares com nenhum dos dois. Fosse pela trial que tanta importância teve no desenvolvimento de Minas
densidade política, fosse pelo preparo intelectual, fosse pela experiência administrativa, Mais que a capacidade administrativa, entretanto, o que se destaca em Benedito
tudo pesava contra Benedito Valadares, apenas ex-vereador e ex-prefeito de Pará de Valadares é sua habilidade política. Invulnerável ao anedotário criado e propalado du-
Minas, recém-eleito deputado. rante todo o tempo em que governou Minas Gerais, soube manter sob seu comando uma
Sua escolha causou espanto geral, na época. Hoje, entende-se que não convinha a equipe competente, quase sempre formada por gente mais ilustre e preparada que ele,
Getúlio Vargas fortalecer a posição de Minas. O liberalismo enraizado nas lideranças como Israel Pinheiro (engenheiro brilhante e administrador incansável, além de filho do
mineiras por certo dificultaria a adoção de medidas mais drásticas que a situação vinha ainda muito pranteado ex-governador João Pinheiro).
exigindo e exigiria por mais tempo. Melhor, para ele, ter no governo mineiro alguém mais Na redemocratização, a partir de 1946, Benedito Valadares não sucumbiu. Preser-
dócil, mais fiel. O homem era Benedito Valadares. vou a influência dos tempos de governador e interventor e conseguiu reunir um grupo de
Contam-se muitas histórias sobre os momentos que antecederam a decisão de Vargas. políticos extremamente versáteis e criativos no novo partido que veio a comandar, o

De um modo geral, são histórias que procuram realçar o menor preparo de Benedito Partido Social Democrático (PSD). Se é verdade- e é - que o PSD foi u111a importante
Valadares, na comparação com os preparadíssimos Capanema e Melo Franco. É certo, escola política, não há como negar que Benedito Valadares foi um de seus mestres mais
de todo modo, que Vargas realmente encarregou Benedito Valadares de ajudá-lo nas son- importantes. -
dagens para a escolha do interventor em Minas, assim como de fato existia um parentes- Na política mineira, o PSD só perdeu eleições para o Palácio da Liberdade nas
co remoto entre os dois. Mas a boa análise política diz que Benedito Valadares se credenciou duas ocasiões em que Benedito Valadares não conseguiu evitar cisões. A primeira foi
ao cargo porque representava garantia absoluta de que não causaria nenhum problema. logo que o partido nasceu, quando José Francisco Bias Fortes saiu como candidato.
Não causou, de fato. Nos doze anos em que permaneceu à frente do governo minei- Preterido, Carlos Luz abriu dissidência e a UDN venceu as eleições, com Mílton Cam-
ro, foi o aliado em quem Vargas sempre pôde confiar. Ficou como interventor até 1935, pos. Na segunda cisão, em 1960, Tancredo Neves saiu candidato pelo PSD, Ribeiro Pena
quando a Assembléia o elegeu governador e, com o golpe do Estado Novo, 1937, retornou abriu dissidência e a UDN voltou a ganhar, com Magalhães Pinto.
à condição de interventor (embora mantivesse a designação de governador), assim per- Deputado federal pelo PSD em 1946, Benedito Valadares permaneceu na Câma-
manecendo até a deposição de Vargas, em 1945. ra até 1955, quando se elegeu senador. Reeleito seguidas vezes, permaneceu no Senado
Como contrapartida à fidelidade mesmo quando Vargas se tornou ditador, fechou até 1971. A partir de 1964, quando os militares depuseram o presidente João 9oulart e
o Congresso, extinguiu a vida partidária, Benedito Valadares recebeu o apoio necessário assumiram o poder, Benedito Valadares sumiu de cena. A receita que ensinou então:
para fazer um governo que merece a classificação de progressista. Algumas das realiza- "Chegou o momento de fingir de morto e ir ressuscitando aos poucos, na medida em que
ções de seu governo: a situação permitir".
• estabeleceu rígido controle sobre os bancos do governo Já afastado da política, Benedito Valadares morreu em 1973, aos 80 anos, sem ter
• reorganizou a Caixa Econômica Estadual tido ocasião para ressuscitar.
• modernizou a estrutura administrativa do Estado

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Redemocratização João Tavares Correia Heraldo
Nasceu no distrito de Santana do Sapucaí de
Pouso Alegre, hoje Silvianópolis, em 20.2.1891.
A deposição do ditador Getúlio Vargas, em outubro de 1945, implicou a remoção
Morreu em Juiz de Fora, em 17.3.1960. Cursou a
dos interventores designados por ele nos Estados. Em Minas, terminou o reinado de doze Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais e a
anos de Benedito Valadares. Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, pela
Enquanto se criavam novos partidos e se preparavam as eleições para os governos qual se formou em 1916. Advogado, verea-
estaduais, realizadas em janeiro de 1947, o presidente interino, ministro José Linhares dor, presidente da Câmara e prefeito de Pou-
começou a nomeação de interventores para a transição. No caso de Minas, foram cinco, so Alegre. Deputado estadual entre 1918 e
nomeados por Linhares ou pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, eleito em dezembro de 1930. Deputado federal de 1934 a 1937. Juiz
1945. Cada um deles ficou poucos meses cuidando dos negócios mineiros. de direito em Cabo Verde, São Gonçalo do
Sapucaí e Cambuí. Secretário do Interior de
A seguir, rápidas informações sobre os cinco interventores da redemocratização
agosto de 1940 a maio de 1941. Nomeado em
em Minas Gerais.
seguida para a diretoria do Banco de Crédito Real,
licenciou-se em fevereiro de 1946, para substituir
Nísio Batista de Oliveira como interventor em Minas
Gerais, nomeado pelo recém-empossado presidente Dutra.
Deixou a interventoria em agosto e retornou à diretoria do Banco de Créd~o Real, •
do qual foi presidente.

Nísio Batista de Oliveira Júlio Ferreira de Carvalho

Nasceu em Juiz de Fora, em 7.7.1889. Morreu Nasceu em 28.1.1894, em São Tiago. Morreu
em Belo Horizonte, em 9.12.1969. Advogado for- em 22.10.1962, em Belo Horizonte. Formado pela
mado pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais em
1915. Advogado e professor em São João dei
Janeiro, em 1911. Delegado de polícia em For-
Rei. Promotor em Estrela do Sul. Advogado
miga. Promotor de justiça em Juiz de Fora.
em Belo Horizonte. Procurador da Justiça Elei-
Procurador-geral do Estado no governo An- toral de 1932 a 1937. Chefe do Serviço Jurí-
tônio Carlos. Desembargador a partir de dico do Instituto de Aposentadoria e Pensões
1930, presidente do Tribunal de Justiça entre dos Comerciários de 1941 a 1946. Nomeado
1939 e 1958. Nessa condição foi designado interventor em Minas pelo presidente Dutra
o primeiro interventor da redemocratização, em agosto de 1946, deixou a função em no-
em 29 de outubro de 1945, por decisão do mi- vembro, para se candidatar a deputado esta-
nistro José Linhares. dual. Ao fi m do ma ndato de deputado, foi
advogado-geral do Estado, advogado do Banco Mi-
neiro da Produção e professor da Faculdade de Direi-
to da então Universidade Católica.

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Noraldino Lima Mílton Campos

Nasceu em São Sebastião do Paraíso, em nome completo: Milton Soares Campos


12.1.1885. Morreu no Rio de Janeiro, em nascimento: 16.8.1900, em Ponte Nova.
morte: 16.1.1972, em Belo Horizonte.
30.11.1951. Formado em farmácia em Juiz de
Fora, em 1910. Formado em Direito em Belo O govenuulor que preparou as bases para o de-
Horizonte, em 1914. Funcionário público na senvolvimento de Minas. O iniciador da polí-
prefeitura de Belo Horizonte e no governo es- tica de energia e transporte que pennitiu a
explosão do fenômeno JK. O liberal udenista
tadual até 1919, quando tomou posse como duas vezes derrotado em eleições para vice-
deputado estadual (havia ficado como suplente presidente da república. O apoio aos milita-
nas eleições do ano anterior). Diretor da Im- res que derrubaram João Goulart. O senador
que rompeu com os militores.
prensa Oficial e redator-chefe do Minas Ge-
rais. Secretário da Educação no fim do governo
Olegário Maciel, permaneceu no cargo nos pou- Filho de desembargador. Estudou no
cos meses da interventoria de Gustavo Capanema Ginásio Mineiro e no Colégio Arnaldo, em
e nos primeiros meses da interventoria de Benedi- Belo Horizonte. Advogado formado pela Fa-
to Valadares. Deputado federal de 1935 a 1937. Di- culdade Livre de Direito de Minas Gerais, em
retor do Departamento Nacional do Café. Interventor em 1922. Para se manter como estudante em Belo Ho-
Minas por um mês, de 14 de novembro a 18 de dezembro de rizonte, trabalhou como funcionário da Estrada de Fer-

1946. Elegeu-se em seguida deputado federal, mas logo renunciou, para assumir uma
ro Oeste de Minas. Formado, advogou inicialmente em Boa
diretoria da Caixa Econômica Federal, da qual chegou a ser vice-presidente.
Esperança, antes de entrar para o escritório de Abílio Machado, em Belo Horizonte, onde
Alcides Lins também estagiaram Pedro Aleixo, um colega para o resto da vida, e José Maria de Alkrnim,
um adversário para o resto da vida.
Nasceu em Ouro Preto, no dia 2.5.1891. Mor- Até o fim da vida, Mílton Campos chamou atenção tanto pela clareza com que
reu no Rio de Janeiro, em 9.11.1969. Engenheiro expunha suas idéias, conversando, como pela precisão com que as apresentava, escre-
formado pela Escola de Minas de Ouro Preto.
vendo. Escritores, oradores, políticos, jornalistas, todos os que profissionalmente desen-
Diretor da Rede Sul Mineira de Viação, do
volvem a técnica de se comunicar, conhecem o segredo que Ml1ton Campos dominava.
Lloyd Brasileiro e do Departamento Estadual
Ele pensava, antes de falar. Assim como todas as pessoas pensam antes de escrever, os
de Viação e Obras Públicas. Prefeito nomea-
do de Belo Horizonte de novembro de 1929 a melhores profissionais da comunicação aprendem a pensar também antes de falar. Por
setembro de 1930. Secretário das Finanças isso, não se conhece situação em que Mílton Campos tenha dito o que não convinha,
na interventoria de Benedito Valadares, de de- embora se saiba de situação em que ele manifestou descontentamento com a democracia.
zembro de 1932 a fevereiro de 1934. Era dire- O que o anedotário registra, e mais de uma testemunha confirma, é que um tipo
tor da Leopoldina Railway em dezembro de folclórico de Belo Horizonte, o Voluntário, udenista como o recém-empossado governa-
1946, quando o presidente Dutra o nomeou dor Ml1ton Campos, em 1947, deu jeito de entrar no Palácio da Liberdade, chegar à
intervento!" em Minas. Coube a Alcides Lins pas-
piscina e lá se refestelar, nu. Chegando ao palácio depois do almoço, para completar o
sar o governo ao eleito Mílton Campos, em 19 de
dia de trabalho, Mílton Campos entrou pelo portão que dá para a avenida Cristóvão
março de 1947.

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Colombo (a caminho do hoje chamado bairro da Savassi), deu com o bajulador na pisci- O golpe de 37 reduziu a atividade de Mílton Campos. Era apenas advogado e
na. "Caia n'água dr. Mílton, está uma delícia", convidou o bajulador pelado. O comentá- jornalista. Empregou-se no Departamento Jurídico da Caixa Econômica Federal. Perdeu
rio de Ml1ton Campos, para um tenente que o acompanhava: "Às vezes eu acho que 0 emprego em outubro de 1943, como signatário do Manifesto dos Mineiros. Um de seus
democracia é uma porcaria". registros de seu humor fino é dessa época em que perdeu o emprego: "A onda do Mani-
Desde os tempos de estudante, Mílton Campos ficou conhecido como um espiri- festo dos Mineiros, ainda que não provoque nada, provocará vagas".
tuoso, um pensador, alguém que tinha consciência do momento de se pronunciar, porque Moderado, equilibrado, nem por isso Ml1ton Campos recusou-se a correr riscos.
sabia o que dizer. Ou de se calar, ao entender que se tratava de assunto fora de sua Durante a ditadura do Estado Novo, foi um dos principais redatores do jornal clandestino
capacidade. O livro Testemunhos e Ensinamentos, uma seleção das palestras, conferên- Liberdade, que circulava em Minas, de mão em mão, de casa em casa.
cias e artigos de Mílton Campos, seleção e edição de Antônio Gontijo de Carvalho, traz Com a redemocratização, em 1946, reassumiu o cargo de advogado-geral, ao mes-
também uma coleção de reflexões curtas, como esta: "Nosce te ipsum. - Conselho mo tempo em que participava da fundação da União Democrática Nacional (UDN). Ele-
perigoso, que a poucos é dado seguir; quem resistirá às vertigens que a gente sofre, ao geu-se deputado federal e, na Constituinte, relatou o capítulo "Do Poder Judiciário".
debruçar-se à beira de um abismo?" Logo em seguida, renunciou ao mandato de deputado para disputar o governo estadual,
Ml1ton Campos anotou essa reflexão aos 22 anos de idade. Ninguém se espante mesmo sabendo que tinha pouca chance de vencer. Concorreu para divulgar as idéias
que ele soubesse latim, pois a maioria dos ginasianos de então entenderiam que a frase liberais em que acreditava, contra o situacionismo e o estadonovismo que, no entender da
latina incentiva que cada pessoa conheça a si própria. Impressiona é que rapaz tão jovem UDN, estavam representados pelos adversários. Até o slogan escolhido para a campa-
tenha refletido, por um átimo que fosse, sobre os perigos que corre alguém que tem noção nha, com o verbo no imperativo- "Para o bem de Minas, votai em Mílton Campos"-
de tudo aquilo de que é capaz e, gravíssimo, de tudo aquilo de que é incapaz. É a beira do , mostra como o partido se preocupou em nivelar pelo alto. "Se quisesse ganhar, a UDN
abismo. É o fio da navalha. Mas que um ponte-novense de 22 anos tenha percebido a teria escolhido outro, não eu", repetiu o candidato, várias vezes.
sutileza dessa circunstância, em 1922, a ponto de registrar por escrito o que refletiu, é Ganhou, porque apresentou idéias capazes de entusiasmar o eleitorado, porque
isso o que mais impressiona no jovem Mílton Campos.
pela primeira vez na história mineira (e brasileira) se realizaram eleições limpas (salvo
O que acendeu em Mílton Campos a chama da política foi a Revolução de 1930.
esse ou aquele caso de fraude) e também porque o PSD, tão recém-fundado quanto a
Foi a Aliança Liberal. Foi o desafio de mudar. Como se dizia, era a hora de acabar com
UDN, se cindiu.
os carcomidos da República Velha. Como tantos outros de sua geração, Mílton Campos
O governo de Mílton Campos constitui, sem dúvida, um divisor de águas na polí-
se incorporou à pregação aliancista, participou dos comícios da candidatura oposicionis-
tica de Minas Gerais. Frase dele, ao assumir: "Afasto a pretensão de ser no governo o
ta de Getúlio Vargas, contra a candidatura situacionista de Júlio Prestes, denunciou o
taumaturgo ou o herói, disposto a operar milagres e praticar façanhas. O que espero ser
resultado fraudulento das eleições, concordou com a deposição do presidente Washing-
é 0 incansávellidador da causa pública que conhece o limite de suas forças e conta com
ton Luís, apoiou a posse de Vargas- e se iniciou na vida pública com um emprego no
0 auxílio dos colaboradores, com o apoio popular e com a contribuição dos homens de
novo governo. No seu caso, advogado-geral do Estado, em 1932 e 1933.
boa vontade. O governo que ora inicio procurará ser modesto, como convém à Repúbli-
Em 1934, elegeu-se deputado estadual. Mas não deixou de funcionar como advo-
gado e jornalista, em Belo Horizonte. Até o golpe de Estado de 1937 (Estado Novo), ca, e austero, como é do gosto dos mineiros".
Mílton Campos assumiu o governo de Minas Gerais depois dos doze anos em que
acumulava o mandato legislativo com a chefia da sucursal mineira dos Diários Associa-
dos. Regularmente, publicava artigos na imprensa mineira, reproduzidos pela cadeia 0
interventor-governador Benedito Valadares funcionou principalmente como grande ponto
associada pelo resto do país. Pouco tempo depois, acrescentou a essas a atividade de de apoio do presidente-ditador Getúlio Vargas. No período que chegava ao fim, Minas
professor de Direito Público, Direito Civil e Direito Constitucional na Faculdade de Di- evoluíra de acordo com o ponto de vista federal, no vácuo do que a capital federal predis-
reito de Minas Gerais. punha.

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Logo ao assumir, Milton Campos escolheu dois auxiliares fundamentais, na área preocupação de respeitar a lei, de transformar o Palácio da Liberdade em tribunal políti-
econômico-financeira: América Renné Giannetti (Secretaria da Agricultura, Indústria, co, recusando-se a nele montar um laboratório de soluções facciosas".
Comércio e Trabalho) e José de Magalhães Pinto (Finanças). Mais do que colocar em dia Evidentemente, Mílton Campos não era nenhum santo, alguém de outra órbita que
as finanças estaduais, uma preocupação dominante na administração mineira (um pré- tivesse baixado no governo de Minas pensando unicamente em preparar as bases para
requisito, como dizia Milton Campos), o novo governo preocupou-se em criar uma estru- um adversário se lançar nacionalmente, como veio a acontecer com seu sucessor, Jusce-
tura capaz de alicerçar e dar impulso ao desenvolvimento de Minas Gerais. O Plano de lino Kubitschek. Não era intenção de Mílton Campos servir de trampolim para o fenôme-
Recuperação Econômica e de Fomento da Produção, apresentado por Mílton Campos à no JK. Mas foi isso o que aconteceu. A tarefa de redemocratizar, de reestruturar, de
Assembléia em junho de 1947, pressupunha a criação de sistemas integrados de trans- promover a faxina geral depois de quinze anos de autoritarismo nacional (doze, em Mi-
portes e de criação de energia elétrica (bases do binômio Energia e Transporte com que 0 nas), essa tarefa exigiu medidas impopulares que prejudicaram a campanha do candidato
pessedista Juscelino Kubitschek se elegeu governador, em 1950), mas dava prioridade à udenista, Gabriel Passos. Além do mais, o candidato adversário, Kubitschek, era ex-
agroindústria e à agricultura (como já pregava João Pinheiro, no inicio do século). traordinariamente comunicativo e cativante, capaz como poucos de entusiasmar e des-
Predominaram, no governo Mt1ton Campos, os princípios clássicos do liberalis- pertar esperanças.
mo: o mínimo de impostos, o máximo de vigilância na arrecadação. Não deixou de haver A UDN perdeu as eleições de 1950, em Minas e, com o brigadeiro Eduardo Go-
intervenção governamental naquilo que se considerava indispensável, entretanto. Algu- mes, nacionalmente. Mílton Campos deixou o governo, foi dar aulas na Faculdade de
mas realizações de Mt1ton Campos como governador de Minas: Direito de Minas Gerais Gá federalizada), advogou, participou da direção nacional da
• tornou mais eficaz a Caixa Econômica Estadual UDN, percorreu Minas e outros Estados no trabalho de ampliação das bases partidárias.
• racionalizou e modernizou a burocracia estadual Nas eleições de 1955, candidatou-se a vice-presidente da República, na chapa de
• regulamentou a formação das sociedades de economia mista, criando a base
" Juscelino
Juarez Távora. Perdeu para João Goulart, vice na chapa do também vencedor
jurídica para a construção e a exploração das usinas hidrelétricas (o que só viria Kubitschek. Elegeu-se senador em 1958. Licenciou-se para outra vez candidatar-se a
a acontecer no governo seguinte) vice-presidente, em 1960, formando chapa com o vencedor Jânio Quadros, mas perdeu
• iniciou a construção da Usina de Salto Grande, completada na administração novamente para João Goulart, que formou chapa com o general Henrique Teixeira Lott
seguinte (na época, votava-se em separado para presidente e vice).
Às administrações seguintes, na verdade, caberia completar a obra iniciada pela Era senador, em 1964, quando o governador udenista de Minas, Magalhães Pinto,
de Mílton Campos, como ele próprio assinalou na mensagem à Assembléia Legislativa, despontou como o líder civil do golpe que depôs João Goulart da presidência da Repúbli-

no inicio de 1950, final de seu governo: "Preocupou-nos sobretudo a atuação ordenada e ca. Mt1ton Campos apoiou a deposição de Goulart, aceitando uma semana antes o cargo
silenciosa de assentar alicerces sólidos para a construção de nossa grandeza". Outra de secretário sem pasta do governo de Magalhães. Como outros nomes ilustres da políti-
frase de MOton Campos, dita numa entrevista, ao assumir- "Meu governo será mais da ca mineira, entrou no governo apenas para conferir prestígio à ação gol pista.
lei que dos homens."-, evidencia suas preocupações superiores, em contraste com o Deposto João Goulart, Mílton Campos foi nomeado pelo general Castelo Branco
fisiologismo praticado na política mineira durante o Estado Novo getulista. ministro da Justiça, com a missão de conferir "ordenamento jurídico à Revolução". Fi-
Líder da oposição ao governo Mílton Campos, o pessedista Tancredo Neves mais cou no ministério até outubro de 1965, quando candidaturas de conotação oposicionista

tarde testemunhou: "Na direção do Estado, ninguém melhor do que eu pode dizê-lo, líder venceram as eleições para governador em vários Estados, principalmente em Minas (Is-

que fui da oposição ao seu governo na Assembléia Legislativa, Mílton Campos portou-se rael Pinheiro) e Rio de Janeiro (Francisco Negrão de Lima). Como resposta, o governo
federal baixou o Ato Institucional n2 2, que extinguiu os antigos partidos, impôs o
como magistrado. Foi o defensor do partido vencido (o PSD) e, às naturais exigências
bipartidarismo, estabeleceu eleições indiretas para governador e presidente da República
dos correligionários, respondia apelando para a lei, recusando-se formalmente à prática
-tudo isso sem consulta ao ministro da Justiça.
das derrubadas solicitadas. Tive com o governador vários contatos e pude verificar a

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Saiu do governo mas se incorporou ao recém-criado partido governista, a AlianÇa Bias Fortes (filho)
Renovadora Nacional, Arena, pela qual se reelegeu senador em 1966. Ao tomar posse
como senador, pronunciou um discurso de alerta aos militares no poder: "Cumpre distin- nome completo: José Francisco Bias Fortes
nascimento: 3.4.1891, em Barbacena.
guir entre a Revolução e seu processo. A Revolução há de ser permanente como idéia e morte: 30.3.1971, no Rio de Janeiro.
inspiração, para que, com a colaboração do tempo, invocada pacientemente, possa pro-
Candidato derrotado em I 947, vitorioso em
duzir seus frutos, que se caracterizam principalmente pela mudança consentida das estrutu- I 955. O governador que completou a obra de
ras e da mentalidade dominante, seja no povo, seja nas elites. O processo revolucionário Kubitschek, com a preocupação de reduzir o
déficit público. Aliado de Valadares no Esta-
há de ser transitório e breve, porque sua duração tende à consagração do arbítrio, que do Novo, como prefeito de Barbacena. Par-
elimina o direito, intranqüiliza os cidadãos e paralisa a evolução do meio social. O que ceiro de Valadares na fundação do PSD. Um
urge institucionalizar, portanto, é a Revolução e não o seu processo". fim de vida tranqüilo, afastado da política.

Embora não concordasse com os rumos que a Revolução (assim foi chamado
Filho do segundo governador eleito
durante muito tempo o golpe que derrubou João Goulart) tomava, Mílton Campos per-
de Minas, Crispim Jacques Bias Fortes. Fez
maneceu no partido governista. Só rompeu em 1969, quando os ministros militares impe-
os primeiros estudos em Barbacena c Belo
diram a posse de Pedro Aleixo, vice-presidente do adoentado general Costa e Silva, e
Horizonte. Cursou Direito em Belo Horizonte
meses depois impuseram ao Congresso o nome do general Emílio Médici.
e no Rio, formou-se em 1912. Formado, advo-
Durante os meses tomados por esse processo, Mílton Campos retirou-se do Sena-
gou por pouco tempo em Barbacena. Logo entrou
do e foi para Minas. Ao reassumir, fez um discurso de rompimento e despedida. Além de
na política, como vereador, presidente da Câmara. Em
repetir o alerta da transitoriedade do processo revolucionário, o senador Mílton Campos
1915 já estava em Belo Horizonte, como deputado estadual
dis~: "Por meio da abstenção, quis significar minha divergência com o processo adotado
e lei to pelo PRM: vice-presidente e presidente da Assembléia.
pela cúpula dirigente para resolver a crise que desnecessariamente se criara. Nada tinha
Nos tempos de deputado estadual, Bias Fortes apareceu com destaque em duas
a alegar contra os nomes propostos ao partido e ao Congresso Nacional, que são chefes
ocasiões. Após a morte de Raul Soares, em 1924, ajudou a articular a eleição de Melo
respeitados nas Forças Armadas e, portanto, dignos do respeito dos concidadãos. Mas Viana para completar o mandato de governador. Em 1926, ajudou a articular a eleição de
por que se lançou mão de um processo inédito, quando a Constituição, nesse particular Antônio Carlos, o que significava participar das manobras para esvaziar o domínio de
bem fundada na tradição republicana e na natureza das coisas, previa o processo certo e Artur Bemardes na política mineira.
prudente?" Estava eleito deputado federal, em 1926, quando Antônio Carlos o convidou para
Adiante: "Reconheço a correção do impedimento do presidente Costa e Silva, a Secretaria de Segurança. Nem foi ao Rio assumir o mandato. No início de seu quarto
vítima de enfermidade que toda a Nação lamentou e lamenta e que o inabilitou, por prazo ano como secretário, divergiu de Antônio Carlos nas discussões sobre a sucessão esta-
que não se podia prever, para o exercício das funções. Mas nem por isso havia necessida- dual. Apoiava Melo Viana, enquanto o governador buscava um nome de conciliação,
de de destituí-lo. Era muito claro o artigo 79 da Constituição: 'Substitui o presidente, em afinal Olegário Maciel. No plano federal, porém, ficou ao lado de Antônio Carlos, na
caso de impedimento, e sucede-lhe, na vaga, o vice-presidente"'. Aliança Liberal que apoiou a candidatura rebelde de Getúlio Vargas a presidente.
Mílton Campos ainda estava no exercício do mandato de senador, mas distante da Fora do governo, deixou a Aliança, aderiu à Legião Liberal que Olegário Maciel
política, quando morreu, aos 71 anos, em Belo Horizonte. estimulou para pacificar a política mineira e por fim se filiou ao PRM, àquela altura
perto da extinção. Elegeu-se deputado federal pelo PRM, em 1934, ficou no Rio até o
golpe do Estado Novo, em 1937. Fechado o Congresso, retomou a Barbacena, nomeado

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nhou amplamente as eleições de 1972, com 70%dos votos. Foi um dos pouquíssimos
emedebistas a vencer, naquele ano. Na ocasião, a cúpula naciona ldo MDB chegou a
cogitar da autodissolução do partido, temerosa de que não havia como concorrer com a

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Embora duas vezes derrotado, constituiu-se como liderança nova na cidade e ga-

Elegeu-se, vencen do o candidato da coligação PL-PFL, senador Itamar Franco.

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Francisco Campos Elegeu-se deputado federal em 1921. Na Câmara, seguiu a mesma linha de defesa
das soluções autoritárias, que ele sabia expor com argumentação sólida, clara, objetiva.
nome completo: Francisco Luís da Silva Campos Era muito fácil discordar de Francisco Campos. Mas era praticamente impossível argu-
nascimento: 18.11.1891, em Dores do lodaiá. mentar melhor que ele. Já então, circulava um dos muitos apelidos a ele atribuído, Chico
morte: 1.11.1968, em Belo Horizonte.
Ciência.
Veja-se, como exemplo, de que maneira minuciosa e inteligente Francisco Campos
Reconhecido como um dos maiores gênios da
politica nacional. Desde jovem, defensor de opunha restrições ao voto direto. Primeiro, um arrazoado genérico: "A maior parte dos
idéias autorüárias. Era fácil discordar dele, mas eleitores não se preocupa com a coisa pública. As questões econômicas e financeiras, as
quase impossível argumentar melhor. Autor da de organização da economia nacional, as do comércio interno e externo, questões ~ob~e­
Constituição que deu sustentação jurídica à dita-
dura de Vargas, em 1937. Autor do Ato tudo técnicas, por sua natureza, incapazes de provocar emoção, passaram ao pnmetro
Institucional que deu sustentação jurídica à dita- plano. À medida que os problemas em debate se tomam complexos e pelo seu.caráter
dura militar de 1964. técnico impróprios a provocar nas massas emoção, a opinião pública passa a desmteres-
sar-sc do processo político propriamente dito, só exigindo dos governos resultados que se
Opinião de Tancredo Neves, nos anos 80, traduzem efetivamente em melhoria do bem estar do povo".
sobre Francisco Campos: "Foi a maior cabeça Na seqüência desse pensamento, vinha a conclusão restritiva à extensão do voto
que Minas teve nestes últimos cinqüenta anos. para todos e para tudo: "Por isso, devem-se reservar para .o sufrágio un.iversal a~nas ~s
Era um homem de uma cultura excepcional, questões eminentemente políticas, colocadas em termos Simples e gerais, para cuJa deci-
uma inteligência política penetrante, arrasado- são não se exija da massa senão a visão panorâm ica da vida política. O sufrágio univer-
ra A obra intelectual do Campos é realmente, sal se mostra meio impróprio à aferição e à crítica das decisões políticas. Estas se passam
sem favor, das maiores, se não a maior do seu em regiões remotas ou inacessíveis à competência ordinária do corpo eleitora1. O proble-
tempo no Brasil. (Mas) Ele é, dentro de Minas, ma atual não é o de estender o sufrágio, seja atribuindo o direito de voto a todo mundo,
uma singularidade. Em que pese todo o seu valor, em que pese toda a força da sua seja submetendo-à competência do eleitorado todos os problemas do governo. Trata-se,
intelectualidade, em que pese toda a sua criatividade, que era espantosa, ele não era ao contrário, de organizar o sufrágio, reduzindo-o à sua competência própria, que é a de
dentro de Minas um mineiro. Porque ele era muito mais um homem da razão, muito mais pronunciar-se apenas sobre o número menor de questões e particularmente sobre as ques-
um homem da inteligência, do que um homem do coração, da contemporização e da tões mais gerais e mais simples".
conciliação, que é uma característica mineira". Em 1926, o governador Antônio Carlos o indicou para secretário do Interior. Ne~-
Ao contrário da maioria dos seus contemporâneos, Francisco Campos começou os se tempo, o Interior cuidava também das questões educacionais c o ~ovo secretáno
estudos básicos em São Paulo, completou-os na cidade natal e em Sabará e se formou desenvolveu uma profunda reformulação no ensino mineiro, ainda hoje cttada como R~­
advogado em Belo Horizonte, em 1914. Desde estudante ficou conhecido pela inteligên- forma Francisco Campos. Sob sua orientação, abriram-se em Minas 3.662 escolas pn-
cia muito acima da média, legenda que o acompanharia pelo resto da vida, exaltada até márias (o triplo do que até então existia). . _
pelos muitos adversários que deploravam os brilhantes serviços prestados por Francisco Contratou mestres na Suíça, na França e na Bélgica para garantir preparaçao de
Campos às duas longas ditaduras sofridas pelo Brasil no século XX alto nível nas dezenove novas Escolas Normais que inaugurou e nas poucas outras, que
Iniciou a carreira advogando e dando aulas em Belo Horizonte, como um dos mais remodelou. Coube a ele, ainda, criar a Universidade de Minas, com a reunião<:: o aperfei-
jovens catedráticos da história da Faculdade de Direito. Entrou cedo também para a çoamento das faculdades em funcionamento no Estado (Odontologia e Farmácia, Medi-
política, eleito deputado estadual em 1919. A idéia que mais defendia, na época: centra- cina, Direito, Engenharia). . .
lizar as decisões esta.duais nas mãos do governador, a quem caberia nomear os prefeitos Na área política, foi um dos articuladores da Aliança Liberal, que apoiou a candi-
em todo o Estado, com autorização para intervir na administração municipal sempre que datura rebelde de Getúlio Vargas a presidente da República, contra o indicado pela si-
julgasse necessário. tuação, 0 paulista Júlio Prestes. Manteve-se entre os principais aliancistas nos meses

209
208
Gustavo Capanema
seguintes, quando o resultado oficial das eleições deu vitória a Prestes e os getulistas
responderam com a Revolução de 30.
nome completo: Gustavo Capanema
Vitoriosa a Revolução, empossado Getúlio Vargas, Francisco Campos assumiu o nascimento: 10.8.1900, em Pitangui.
Ministério da Educação, criado na época. Foi um dos mais importantes auxiliares de morte: 10.3.1985, no Rio de Janeiro.
Vargas, tambÇm como ministro da Justiça e consultor-geral da República. Candidatou-se
O mineiro que reformulou de alto a baixo o
a deputado federal em 1933, não se elegeu. Na mesma época, tentou se eleger membro da ensino brasileiro. Competente articulador des-
Academia Brasileira de Letras, mas também fracassou. de a Revolução de 30. Grande inspirador da
Infeliz nas umas, retomou ao governo, como secretário da Educação do Distrito filosofia pessedista. Deputado, senador, um
dos mais brilhantes intelectuais da política
Federal. Em novembro de 1937, deu sua maior contribuição a Getúlio Vargas, ao redigir
nacional.
a reforma constitucional que fundamentou juridicamente o golpe do Estado Novo. Até
então, o presidente governava legitimado pela força de uma revolução vitoriosa e, a Teórico e pensador-mor da filosofia
partir de 1934, com base em uma Constituição redigida por uma Assembléia Nacional
pesscdista, enquanto José Maria de Alkmim
Constituinte.
ficou com a fama de síntese c raposa-mor
De 1937 até a deposição, oito anos depois, Vargas governou como ditador. A
do pessedismo. Disputaram os dois a autoria
Constituição que encomendou a Francisco Campos, inspirada no nazi-fascismo em ascen-
são na Europa, prestava-se a tudo que desejasse. Por isso ganhou o apelido de polaca, da frase "Em política a versão vale mais que o
referência maliciosa a personagens dominantes no baixo meretrício carioca. fato", assim alardeada por Alkmim, embora
Logo nomeado ministro da Justiça, Francisco Campos promoveu grandes refor- Capanema tenha sido o primeiro a pronunciá-la, no
mas na legislação brasileira, com a elaboração de novos códigos, a atualização de anti- seguinte formato mais elaborado: "Nas coisas políticas, ~_ . ,
gos, a consolidação de leis esparsas. São desse período o Código de Processo Civil, o a versão muitas vezes vale mais do que a verdade". Perpetuou-se a versao atnbUlda a
Código Penal, a Lei de Sociedades por Ações, o Código de Processo Penal c a Lei das Alkmim . Tal\lez por isso, Capanema tenha cunhado uma outra frase, que consta do seu
Contravenções Penais. De um modo geral, um trabalho de primeira ordem, assim reco- livro Pensamentos, de 1983: "Há pessoas que não têm nenhuma importância, mas têm
nhecido pela maioria dos juristas. amigos nas redações dos jornais".
Em março de 1942, para surpresa geral, Francisco Campos rompeu com Vargas. Afiado, fino de trato, Gustavo Capanema iniciou os estudos na terra natal, passou
Acusava-o de ter apequenado o governo brasileiro e de ter-se transformado em apenas depois pelo Colégio Arnaldo e pelo Ginásio Mineiro (Estadual, mais tarde), em Belo
mais um ditador sul-americano. A partir de então, manteve-se à marge m da vida pública,
Horizonte. Formou-se pela Faculdade de Direito em 1924.
recolhido a sua banca de advogado, uma das mais procuradas por quem precisasse de
Lecionou em Belo Horizonte, depois de formado. De volta a Pitangui, advogou,
pareceres em questões judiciais nas mais altas instâncias da justiça nacional.
elegeu-se vereador, escreveu no jornal local. Indicado para oficial-de-gabinete~~ gover-
Permaneceu assim, como jurista caro e respeitado, mas distante da cena política,
até abril de 1964. Reapareceu por rapidíssimas semanas, como o gênio das leis que deu nador Olegário Maciel, retornou a Belo Horizonte em 1930, a tempo de p~rt1c1par d~s
sustentação jurídica ao golpe que depôs o presidente João Goulart. No preâmbulo do Ato articulações logo anteriores e posteriores à Revolução. Foi um dos signatános do ~aru­
Institucional, escreveu- depois disse, em entrevistas- que as revoluções se legitimam. festo dos Mineiros de 1931, lançado para realizar os ideais revolucionários por melO da
Dali por diante, o que era e ufemisticamente chamado de movimento militar passou a ter educação e da ação política. .
também o nome de movimento revolucionário c Revolução, com maiúscula como a de Em seguida, assumiu a Secretaria do Interior, onde ajudou a fundar o- Part1do
30. Progressista, uma das tentativas de rearmonizar a política mineira da época. ~~ a
Jnstitucionalizada a ditadura, Francisco Campos seguiu a vida de advogado céle- morte de Olegário Maciel, o presidente Getúlio Vargas o nomeou interventor pr~v1són~,
bre, no Rio. Passava muitas temporadas na fazenda da família, em Pompéu, pescando e em setembro de 1933. Metade das principais lideranças mineiras apoiava a conflrmaçao
conversando com os caipiras.
211
210
de Capanema no cargo. A outra metade, igualmente ilustre, apoiava VirgOio de Melo
Carlos Luz
Franco. Getúlio Vargas preferiu um tertius, Benedito Valadares, e em dezembro de 1933
Capanema deixou a interventoria.
nome completo: Carlos Coimbra da Luz
Em compensação, foi nomeado ministro da Educação e Saúde, no ano seguinte. nascimento: 4.8.1894, em Três Corações.
morte: 9.2.1961, no Rio de Janeiro.
Pennaneceu no cargo até a deposição de Vargas, em outubro de 1945. Muito se fala da
atuação de Capanema no ensino, mas o também intelectual mineiro Abgar Renault lem- Um pessedisla sempre sintonizado com os rivais
udenistas. A dissidência nas eleições para o_ g~­
brou uma contribuição importante na saúde: "Devemos a Capanema a extinção da malá- vemo estadual em 1947. Presidente da Republt-
ria no Brasil, com a contratação de especialistas da Rockfeller Foundation". ca por 48 horas, em 1955. O apoio às .tramas
armadas para impedir a posse de Kubüschek.
Foi na área cultural, de todo modo, que ele deixou sua marca maior, tendo o poeta Deposto pelo ministro da Guerra, general Lott.
Carlos Drummond de Andrade como auxiliar mais importante. A Reforma Capanema
representou uma reformulação de alto a baixo no ensino brasileiro, começando pela Estudos básicos no Ginásio de Lavras,
redefinição das séries nos cursos primário e ginasial, concluindo por uma vasta moderni- Direito em Belo Horizonte, diplomado na tur-
ma de 1915. Funcionário público estadual, nos
zação do ensino superior. No seu tempo de ministro, Oscar Niemeyer teve a oportunida-
tempos de estudante. Fonnado, foi advogar em
de de se lançar internacionalmente, com o projeto da sede do Ministério da Educação. Leopoldina, onde se elegeu vereador, presiden-
Algumas das realizações do ministro Capanema: te da Câmara, nomeado também delegado, pro-
• criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional motor e prefeito (agente executivo). Dirigia a
• criação do Serviço Nacional do Teatro prefeitura leopoldinense pela segunda vez e com
• instalação dos museus Nacional de Belas Artes (Rio), das Missões (São Miguel, renome crescente na Zona da Mata, em 1931,
RS) e do Ouro (Sabará) quando o governador Olegário Maciel o nomeou _ . •
secretário da Agricultura. Com a morte de Macie l e a ascensao de Benedtto Valadares,
• criação do Conselho Nacional de Desportos
passou a secretário do Interior. Cabia a ele, na maioria das vezes, responder pela
• edição dos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, entre dezenas de outras interventoria quando Benedito Valadares por alguma razão se ausentava.
Eleit; deputado federal em 1934, mudou-se para o Rio e lá pennaneceu me~mo
obras editadas
Deposto Vargas, Capanema permaneceu na política, como um dos fundadores do depois de 1937, quando 0 golpe do Estado Novo dissolveu o Congresso. Passou ~nt~o a
PSD, pelo qual se elegeu seguidamente deputado federal. Na extinção dos antigos parti- participar do conselho administrativo da Caixa Econômica Federal, da qual fm VICe-
dos, em 1965, filiou-se ao partido do governo, a Arena, que o elegeu senador, com man- presidente em 1938 e presidente de 1939 até 1945. Elegeu-se deputado federal em dezem-
dato até 1979. bro 1945, mas não assumiu, pois 0 recém-empossado presidente Eurico Gaspar Dutra o
nomeou ministro da Justiça. .
Estava então com 79 anos, ao fim do mandato de senador, e resolveu se afastar da
Surge nesse momento a divergência entre Carlos Luz e seus com~anhet~os ~e
política, limitando-se ao cargo de membro do conselho do Banco do Estado de Minas
partido, 0 PSD. Quis ser candidato a governador de Minas, mas a conven~ao parttd~na
Gerais. No ano seguinte, tentou uma eleição, para a Academia Brasileira de Letras, mas preferiu José Francisco Bias Fortes. Desistiu da candidatura, mas a máquma pesscdtsta
perdeu para Dinah Silveira de Queiroz. Morreu em seu apartamento carioca, aos 85 entrou trincada para a disputa, vencida pelo udenista Mílton Campos: Embora pe.r;nane-
anos, quando convalescia de um derrame cerebral. cessc no PSD, que 0 elegeu deputado federal seguidamente; n~nca ma.IS se recompos com
os correligionários. Na verdade, afinava-se mais com os nvats udemstas.
Carlos Luz chegou à presidência da Câmara dos Deputados, ~m 1955, com os
votos da UDN e de seus parceiros de dissidência pessedista. O cand~dato do PSD, na
ocasião, era Ranieri Mazzilli. Na presidência da Câmara, Carlos Luz deu cobertura às

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manobras do setor golpista (majoritário, então) da UDN. Primeiro, foram as tentativas Afrânio de Melo Franco
de evitar a candidatura de Juscelino Kubitschek, alegando que dividiria o país ainda
abalado pelo suicídio do presidente Vargas no ano anterior. Depois da campanha eleito-
nome completo: Afrânio de Melo Franco
ral, com a vitória de JK, foram as tentativas de anular as eleições, sob a alegação de que nascimento: 25 .02.1870, em Paracatu.
o vencedor não conquistara maioria absoluta. A soma dos votos de JK, argumentavam os morte: 1.1.1943, no Rio de Janeiro.
udenistas, era menor que a soma dos votos dos outros candidatos derrotados; logo, uma
Um dos mais importantes diplomatas brasilei~os.
minoria estaria chegando ao poder, com JK. Eminência parda no governo Delfim M~re.m;.
Foi nesse sentido que se pronunciou o coronel Jurandir de Bizarria Mamede, nos Responsável pela modernização da c_o'!stllwça?
funerais do general Canrobert Pereira da Costa (também um pessedista mais sintonizado mineira no início do século. Secretarw túls p,_
nanças 'em Minas. Líder da bancada mineira na
com a UDN), no dia 1 de novembro de 1955. Como Bizarria Mamede falou em nome do Cámara. Ministro da Justiça e das Relações Ex-
Clube Militar, deixou no ar a forte impressão de uma oposição militar à posse de teriores.
Kubitschek. O ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, decidiu punir o coro-
nel Bizarria Mamede. Político, promotor de Justiça, advogado,
Discutia-se a punição nos quartéis (contra o ministro Lott, uma corrente sustenta-
professor e diplomata, estudou em São João dei
va o seguinte: o coronel cursava na época a Escola Superior de Guerra, subordinada ao
Rei, Barbacena e na Faculdade de Direito de
Estado Maior das Forças Armadas, por sua vez subordinado diretamente à presidência
da República; logo, só o presidente podia puni-lo, se achasse necessário), quando o pre- São Paulo, onde se bacharelou em 1891. Na
sidente Café Filho adoeceu. A doença se agravou (era um· infarto) e, na noite de 8 de capital paulista, participou do movimento de
novembro, o presidente da Câmara, Carlos Luz, assumiu interinamente a presidência da propaganda republicana revolucionária, como
República. colaborador do jornal A Metralha.
Para o setor gol pista da UDN, surgia a oportunidade de um avanço importante nas Entrou na vida pública em Ouro Preto,
tramas de barrar a posse de Kubitschek. No dia 9, um artigo do udenista Carlos Lacerda, como promotor interino. Dali foi transferido .
na Tribuna de Imprensa, dizia textualmente: "Os eleitos não poderão e não tomarão para Queluz (hoje Conselheiro Lafaiete), durante o governo provisór.io do co~se~helTO
posse". Carlos Luz correspondeu a esse anseio, no dia 10, ao dar razão à corrente que José Faria de Cesário Alvim. Participou da fundação da Faculdade Ltvre de Dttetto do
negava a Lott autoridade para punir Bizarria Mamede. Foi além: resolveu destituir Lott
Rio de Janeiro, em 1892, onde trabalhou como secretário até 1896.
do ministério, substituindo-o pelo general Fiúza de Castro.
Na madrugada do dia 11, com o apoio de chefes militares mais antigos, principal-
Depois de servir como promotor em Juiz de Fora por três meses, f~i nomeado
mente o marechal Mascarenhas de Morais e o general Odflio Denys, o ministro Lott Procurador Seccional da República no Estado de Minas Gerais, de onde ~atu em ~8%
desconheceu as ordens de Carlos Luz, permaneceu no ministério e deu ordem de prisão para entrar na carreira diplomática, na embaixada brasileira em Montevidéu. Depots de
contra o general Fiúza. Os pessedistas ortodoxos, nessa hora, agiram rápido, votaram no passar por Bruxelas, voltou ao Brasil, em 1898, para estabelecer-se como advogado em
Congresso o impeachment de Carlos Luz e deram posse ao correligionário Nereu Ra- Belo Horizonte, que acabava de se tomar capital de Minas. .
mos, presidente do Senado. Àquela altura, Carlos Luz, Bizarria Mamede, Lacerda e Elege-se então deputado estadual, em 1903. Foi líder do governo ~e ~ranctsc~
outros líderes udenistas se refugiaram no navio Tamandaré, ancorado na baía de Sales. Durante esse período, destacou-se por sua atuação na reforma constttuctonal mt-
Guanabara.
neira. Em 1906, eleito deputado federal, entra para a Comissão de Diplomacia, ond~ ~ca
No dia 14, Carlos Luz renunciou à presidência da Câmara, com um discurso emo-
até 1917. Nesse período, além de seguidas viagens ao exterior, teve tempo para parhctpar
cionado, sincero, ouvido em silêncio reverente. Gustavo Capanema comentou, na oca-
sião: "O Luz caiu de pé". Continuou deputado federal, apoiou Jânio Quadros (contra da redação do Código Civil Brasileiro, em 1915. .
Lott) nas eleições de 1960. Morreu no ano seguinte, aos 66 anos, e foi sepultado com Em 1917, esteve na Bolívia como representante do Brasil na posse do novo prest-
. - E do presidente Venceslau
honras de chefe de estado. dente. Por trás da gentileza protocolar, uma mtssao. m nome

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Brás, Afrânio de Melo Franco deveria consultar os outros chefes de Estado sobre a Afonso Arinos
intervenção dos Estados Unidos na I Guerra Mundial, além de ajudar na formulação de
nome completo: Afonso Arinos de Melo Franco
uma legislatura para a entrada dos países latino-americanos no conflito.
nascimento: 27.11. 1905, em Belo Horizonte.
Assumiu a Secretaria das Finanças de Minas Gerais, a convite do governador morte: 27.8.1990, no Rio de Janeiro.
Artur Bernardes, em setembro de 1918. No final do mesmo ano, aceitou o convite para
Jornalista e intelectual, membro da Academia
ocupar o Ministério da Viação e Obras Públicas no governo Rodrigues Alves. Com a Brasileira de Letras. PolíJico e diplomata, minis-
morte de Rodrigues Alves e o avanço da esclerose que atacou o vice-presidente Delfim tro das Relações Exteriores, autor da lei contra a
discriminação racial. Liberal clássico, udenista
Moreira, Afrânio de Melo Franco acabou por funcionar como um primeiro-ministro, curtido nas lutas da oposição a Vargas. Inspirador
responsável por dar resposta às principais necessidades do país no momento. Nos corre- e um dos principais redatores do Manifesto dos
Mineiros. O apaixonado marido de Anah.
dores do Congresso, esse período ficou conhecido como "Regência Republicana". Em
fins de 1919, já no governo Epitácio Pessoa , Afrânio de Melo Franco embarcou para Em meados dos anos 50, as transmissões
Was hington, como delegado à 1a Conferência Internacional do Trabalho. radiofônicas dos debates entre udenistas e pes-
Novamente deputado federal em 1921, foi líder da bancada mineira e presidente da sedistas eram quase tão empolgantes quanto a
Comissão de Justiça. No final do ano, renunciou à liderança do PRM c saiu para nova final de um campeonato de futebol. Por todo o
missão diplomática, no Chile. país, como torcedores, os correligionários se ins-
De volta ao Brasil, em 1924, funcionou por um tempo como embaixador brasileiro talavam ao pé do rádio para acompanhar os
passes de um armador de boa dialética, o então
na Liga das Nações Unidas, mas no mesmo ano voltou à Câmara dos Deputados e à
líder da UDN, Afonso Arinos de Melo Franco.
presidência da Comissão de Constituição e Justiça. Em 1930, ajudou a viabilizar a can-
Mineiro de Belo Horizonte, ele nasceu
didatura e a ascensão de Getúlio Vargas, como integrante da Aliança Liberal. Ministro da
numa família de polfticos, diplomatas e intelectuais. No ano de seu nascimento, seu pai,
Justiça interino, passou em seguida para o Ministério das Relações Exteriores. Afrânio de Melo Franco, estava sendo eleito deputado federal, um dos primeiros passos
Renunciou ao cargo em 1934, quando foi convidado a mediar a questão litigiosa de uma carreira política que passou por ministérios e muitas embaixadas no exterior. Seu
do território de Letícia, disputado por Peru e Colômbia. Sua assinatura no protocolo avô paterno, Virgílio Martins de Melo Franco, foi deputado provincial do Império. O avô
entre os dois países valeu-lhe uma indicação para o prêmio Nobel da Paz de 1935. No materno, José Faria de Cesário Alvim, foi deputado geral por Minas, presidente da Pro-
ano seguinte tornou a ser indicado. víncia do Rio de Janeiro e, depois da proclamação da República, governador provisório
Nas eleições de 1934, candidatou-se ao mesmo tempo à Câmara Federal e à Cons- de Minas por duas vezes. Cesário Alvim foi ainda ministro da Justiça e prefeito do Rio,
tituinte mineira. Optou pelo mandato estadual. Como representante da minoria, partici- quando a cidade era o Distrito Federal. Do tio, Afonso Arinos de Melo Franco, ele her-
dou o tino literário e o sobr~nome Arinos, que não consta de seu registro de nascimento.
pou da comissão incumbida de rever e encaminhar o projeto da Constituição de 1935.
Colocou-o mais tarde, nos tempos de colégio.
Promulgada a carta mineira, renunciou e voltou definitivamente para o Rio de Janeiro.
Afonso Arinos mudou de Minas para o Rio com menos de 5 anos. Com essa idade,
viajou para a Suíça, onde aprendeu a ler e escrever, em francês. Formado pela Faculdade
de Direito do Rio de Janeiro, em 1927, com especialização em Genebra, até os 40 anos
Afonso Arinos se dedicou à vida jurídica, à literatura - com mais de sessenta títulos
publicados, é dele uma das cadeiras da Academia Brasileira de Letras. Em 1952, quando
se tornou imortal, derrotou por 27 votos contra 10 ninguém menos que o também mineiro
Guimarães Rosa. Dedicou-se ainda ao magistério, na França, como professor de Cultura

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Com a renúncia do presidente Jânio Quadros, o País viu-se mergulhado numa crise
Brasileira na Sorbonne, e na Argentina, como professor de Literatura Brasileira na Uni-
que levaria à total desestabilidade da democracia. No impasse criado pelos ministros
versidade de Buenos Aires.
militares, que se recusavam a permitir a posse do vice-presidente João Goulart, o senador
Devotou-se totalmente a Ana Guilhermina, neta do ex-presidente da República e
ex-governador paulista Rodrigues Alves, ou Ana h de Melo Franco (a Anah de Afonso), Afonso Arinos abandonou o cenário e procurou refúgio em sua casa de Petrópolis, junto
com quem se casou em 2 de outubro de 1928 e viveu mais de sessenta anos. Com freqüên- com a mulher. À noite, não conseguiu pegar no sono. Percebendo a agitação do marido,
cia, referia-se ao pacto firmado entre eles: "Ela não vai morrer antes de mim, porque eu Anah quis saber o que estava acontecendo. Afonso Arinos explicou-lhe que, a seu ver,
não suportaria viver sem ela. Sei que ela também terá dificuldades em viver sem mim, apenas a adoção do parlamentarismo tiraria o país da confusão. Anah não se conteve:
mas ela é mais forte do que eu". De fato, depois de morte de Afonso, Anah só viveu seis "Então por que você não vai encaminhar de vez essa solução, em vez de ficar revirando
semanas, quando seu coração parou de bater subitamente, como tinha acontecido com o na cama?" . Afonso Arinos fez as malas, tomou um vôo para Brasília e ajudou a articular
dele. o parlamentarismo.
O ingresso para a política, como Afonso Arinos gostava de dizer, foi comprado a Em março de 1964, Afonso Arinos era secretário do governo Magalhães Pinto, em
contragosto. No início dos anos 40, quando já tinha passado pelo jornalismo e se dedica- Minas, como parte da estratégia mineira para depor João Goulart. Caberia a ele, em caso
va à tarefa de escrever a biografia de seu pai (Um Estadista da República), juntou-se ao de guerra, negociar o reconhecimento internacional da situação. Em 1966, ele foi um dos
irmão Virgílio, que em Minas Gerais fazia ardente oposição a Getúlio Vargas. O movi- formadores da Aliança Renovadora Nacional, a Arena, o novo partido governista. Con-
mento resultou no célebre Manifesto dos Mineiros, que entrou para a história como o cluiu seu mandato em janeiro do ano seguinte, afastou-se do regime vigente e, num dos
documento que primeiro solapou politicamente a ditadura Vargas. Em 1945, enfim, seus últimos discursos sobre a reforma constitucional, apresentou a emenda propondo a
candidatou-se a deputado federal por Minas, pela UDN. Mas ficou só com a primeira
adoção do regime parlamentarista.
suplência. Dois anos depois, assumiu a vaga de Mílton Campos, eleito governador. As
opiniões de Afonso Arinos a respeito de Vargas, assim como todas as transformações
Só interromperia as atividades intelectuais por um rápido momento, em 1978, •
convidado a dar seu parecer sobre as reformas políticas coordenadas por Petrônio Portela,
vividas pelo ditador do Estado Novo, balizaram sua atuação política nos anos seguintes.
durante o governo do general Ernesto Geisel. Afonso Arinos aproveitou para batçr firme
Sempre contra Vargas, Afonso Arinos reelegeu-se deputado federal em 1950, che-
gando à liderança udenista em 1952. Com um invisível fio de modéstia, ele repetiu por no Ato Institucional n2 5, caracterizando-o como" a mais violenta manifestação ditato-
anos um conceito que começou a lapidar nessa época: "Não há liderança política de rial da história do Brasil". Propôs uma definição clara do poder militar e de novo lançou
minha parte. A diferença está entre liderança e influência. Eu tenho influência". É desta a semente do parlamentarismo.
época, também, a Lei Afo.n so Arinos, que considera contravenção penal a prática do Em 1985, o retorno definitivo à política, quando o presidente José Sarney o cha-
preconceito de raça e de cor: mou para presidir o grupo de notáveis encarregado de preparar um anteprojeto para a
A reforma ministerial realizada por Vargas em 1953 mereceu dele a mais ferrenha futura Constituição do Brasil. Em sua homenagem, o grupo recepeu o nome de " Comis-
oposição. Junto com outros udenistas, integrantes da "Banda de Música" que azucrinava são Afonso Arinos". No ano seguinte elegeu-se senador, pelo PFL, e presidiu a Comissão
os ouvidos presidenciais, reclamava principalmente da nomeação de João Goulart para o de Sistematização, uma das principais da Assembléia Constituinte.
Ministério do Trabalho. Num discurso proferido em plenário no dia 9 de agosto de 1954, Lutou pelo direito de voto aos 16 anos, a favor do direito de greve, da reforma
acusou o governo pelo atentado da rua Toneleros, contra Carlos ,Lacerda, sugerindo ao agrária, pelo mandato de cinco anos para o presidente Sarney e contra o sistema
presidente que renunciasse. No dia 31 daquele mês, uma semana depois do suicídio de presidencialista.
Getúlio Vargas, Afonso Arinos voltou à tribuna para dizer que o presidente caíra "vítima Participou da fundação do PSDB, em 1988.
de seus próprios erros". Deixou uma das maiores bibliotecas particulares do Brasil. No fundo do casarão
Afonso Arinos foi novamente eleito deputado federal em 1954; depois elegeu-se da rua Dona Mariana, no Rio de Janeiro, distribuídos em 22 estantes, mais de 132 prate-
senador, em 1959. Em 1961, foi escolhido Ministro das Relações Exteriores do curto
leiras, ficaram mais de 15 mil livros, sua maior paixão. Costumava dizer que jóias e
governo de Jânio Quadros, substituindo SanTiago Dantas. Da experiência tirou uma das
luxos não o atraíam, mas os livros, sim: "É sempre bom viajar pelas estantes descobrindo
frases características de seu bom humor: "A UDN é o partido das indecisões unânimes.
livros perdidos, livros que me servirão, com certeza, até a morte".
Jânio é a UDN de porre".

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Na Revolução Constitucionalista de 1932, permaneceu ao lado do governo de
Virgílio de Melo Franco
Vargas, contra os paulistas. Era ele, aliás, o principal emissário de Vargas junto à admi-
nome completo: Virgfiio Alvim de Melo Franco nistração mineira. Recomposta a política estadual, ajudou a fundar o Partido Progressis-
nascimento: 10 .6.1897, em Ouro Preto. ta e elegeu-se deputado à Assembléia Constituinte de 1934 e suplente para a legislatura
morte: 29.10.1948, no Rio de Janeiro.
do ano seguinte.
Emissário de Bernardes à Europa, no episódio A partir de 1934, porém, começa a decepcionar-se com a política de centralismo
das "carlas falsas". lnJegrante da Aliança Libe- autoritário adotada por Vargas e afasta-se do governo. Com o golpe e a instituição do
ral que deu a vitória a Vary:as em 1930. Adversá-
rio de Vargas em 1943, como um dos arliculadores Estado Novo, em 1937, mudou-se para Pirapora, onde abriu uma fábrica de óleo de
principais do Manifesto dos Mineiros. Fundador algodão. Em seguida, foi para o Rio de Janeiro, montar um escritório imobiliário.
e presidente da UDN em Minas. Empresário, jor-
nalista, deputado. Durante a Segunda Guerra Mundial, aceitou o convite do governo e assumiu o
cargo de Interventor no Banco Alemão Transatlântico. Em outubro de 1943, rompeu de
Virgilinho, como todos o chamavam, era vez com a ditadura, como um dos principais articuladores do Manifesto dos Mineiros.
o irmão mais velho de Afonso Arinos. Seu pai Perde, então, seu cargo no Banco Alemão.
ainda não tinha se transferido para a nova capi- Fundador da UDN, colaborou para a vitória de Mílton Campos para o governo
tal mineira, quando ele nasceu, em 1897, em estadual, em 1947, mas recusou todos os convites para assumir qualquer cargo ou secre-
Ouro Preto. Político, advogado- formado pela taria. Preferiu continuar na articulação e fortalecimento da UDN como oposição nacio-
Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro, nal. Por causa dessa atitude, alguns cronistas da época o considerarall\ um político
em 1918 -,jornalista e empresário, começou antimineiro, mais interessado no reforço de grandes partidos nacionais. De todo modo,
sua carreira como escrevente de cartório. Na presidiu a seção mineira da UDN até sua morte, em outubro de 1948.
adolescência, era grande admirador do marechal Hermes da Fonseca. Nos tempos de Teve também uma importante carreira jornalística. Foi um dos fundadores, junto
faculdade, mudou de opinião e se integrou ao pensamento civilista de Rui Barbosa. Acom- de Azevedo Amaral, do matutino carioca O Dia, jornal que apoiou a candidatura de
panhou de perto toda a movimentação em torno da I Grande Guerra, entusiasmado pelos Artur Bernardes. Escreveu para o Diário Carioca e o Estado de Minas, entre outros
aliados. jornais. Com o irmão Afonso Arinos, fundou em Belo Horizonte o jornal oposicionista
Entrou na política logo que terminou o curso universitário, como secretário de Folha de Minas.
gabinete do Ministério da Viação, ocupado então por seu pai, Afrânio de Melo Franco.
De lá foi para o gabinete de Carlos Sampaio, prefeito do Distrito Federal. Participou
ativamente da campanha de Artur Bernardes para a presidência, em 1922. Coube a
Virgilinho a missão de ir à Europa encontrar especialistas capazes de provar a falsidade
das cartas publicadas pelo jornal Correio da Manhã e atribuídas a Bernardes.
Nesse mesmo ano, entrou para a Câmara Estadual mineira, para cumprir o restan-
te do mandato de um candidato à Câmara Federal. Reelegeu-se por mais duas legislaturas,
em 1923 e 1927. Foi um dos primeiros mineiros a engajar-se na Aliança Liberal. Chegou
mesmo a firmar-se como importante elemento de ligação entre gaúchos e mineiros, nos
acontecimentos que resultaram na Revolução de 30.

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Américo Giannetti
dos liberais mineiros. Nessa condição, entrou para o secretariado do governador Milton
nome completo: Américo Renné Giannetti Campos. Coube a Giannetti a Secretaria da Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho.
nascimento: 20.4.1896, em Rosário, RS. Sua principal participação no governo Mílton Campos foi a elaboração do Plano de
morte: 6.9.1954, em Belo Horizonte.
Recuperação Econômica do Estado de Minas Gerais. Até hoje, o planejamento concebi-
Engenheiro e empresário com inclinação política. do por Giannetti é visto como peça fundamental para a modernização que Minas veio a
A fiado dos articuladores e signatários do Manifes- registrar nas décadas seguintes. Desse plano surgiu, por exemplo, a expansão do sistema
to dos Mineiros. Resistiu na diJadura à ordem de
Vargas e Valadares. Secretário do governo Milton energético de Minas Gerais, base da política desenvolvimentista adotada pelo governa-
Campos. Elaborou o Plano de Recuperação Eco- dor Juscelino Kubitschek na administração seguinte.
nômica de Minas. Morreu como prefeito de Belo
Horizonte. No âmbito de sua secretaria, Giannetti introduziu o ensino agrário ambulante e
reequipou as estâncias hidrominerais mineiras. O perfil de administrador competente
Chegou criança a Belo Horizonte, onde garantiu a Giannetti a eleição para a prefeitura de Belo Horizonte, em 1949. Despontava
estudou no Colégio Arnaldo e no Instituto Claret. como estrela da política, quando morreu, aos 60 anos, no exercício do mandato de
Formou-se engenheiro pela Escola de Minas de prefeito.
Ouro Preto, em 1923. No mesmo ano se tornou
diretor da Usina Siderúrgica de Rio Acima, fun-
dada por seu pai, o gaúcho Pedro Giannetti. Re- Gabriel Passos
organizou e ampliou a empresa, que em seguida
mudou de nome, para Siderúrgica Santo Antô- nome completo: Gabriel de Resende Passos
nascimento: 17.3.1901, em ltapecerica.
nio. morte: 19.6.1962, no Rio de Janeiro.
Retornou a Belo Horizonte em 1928. Especializou-se então na construção civil.
Integrante da Aliança Liberal que deu a vitória à
Colahorou no Plano Rodoviário de Minas Gerais. Como empresário, criou e dirigiu vá- Revolução de 30. Auxiliar de Cristiano Machado
rias empresas, como a Fábrica de Papel Cruzeiro, a Cerâmica Santo Antônio, a Imobi- e Benedito Valadares. Procurador-geral da Re-
pública, com Getúlio, e participante da
liária Mineira, a Cia. Mineira de Estradas e Construções, a Eletro-Química Brasileira.
redemocratização de I 945, contra Getúlio. Der-
Em meio a um estágio nos Estados Unidos, feito entre 1938 e 1941, participou da insta- rotado por Kubitschek para o governo de Minas.
lação da primeira indústria de alumínio no Brasil, em Ouro Preto, em 1939. Lúler nacionalista no Congresso. Convidado por
Tancredo para o Ministério das Minas e Energia.
Aproximou-se da política na década de 40, identificado com os liberais mineiros
que se opunham à ditadura do Estado Novo. Dois deles, Paulo Pinheiro Chagas e Dario
Contemporâneo de Gustavo Capanema c
de Almeida Magalhães, eram diretores da Cia. Mineira de Estradas e Construções. Assi-
Francisco Negrão de Lima na Faculdade de Di-
naram o Manifesto dos Mineiros, em 1943. Dizendo falar em nome do ditador Getúlio
reito de Minas Gerais, onde se formou em 1924.
Vargas, o governador mineiro Benedito Valadares convocou Giannetti ao Palácio da Li-
Advogou em São João dei Rei, Oliveira e Belo
berdade e exigiu a demissão de Pinheiro Chagas e Almeida Magalhães. Giannetti recu-
Horizonte. Ao mesmo tempo, aproximou-se do
sou-se, mesmo sob a ameaça de um relacionamento cada vez mais difícil com o governo,
meio político. Como chefe do gabinete do pre-
dali por diante.
feito Cristiano Machado, na capital, acompa-
Em 1945, com a deposição de Vargas e a redemocratização, manteve-se próximo
nhou as articulações para a formação da Aliança

~ 222
223
Liberal, responsável pela vitória da Revolução de 1930. Com o tempo, tomou-se figu ra Bilac Pinto
de destaque na Aliança e veio a integrar o gabinete do governador Olegário Maciel.
nome completo: Olavo Bilac Pinto
Elegeu-se deputado estadual constituinte em 1933. Renunciou em 1935, para as- nascimento: 8.2.1908, em Santa Rita do Sapucaf.
sumir a Secretaria do Interior no governo constitucional de Benedito Valadares. Meses morte: 18.4.1985, em Brasfiia.
mais tarde, Getúlio Vargas o nomeou Procurador-geral da República. Deixou o cargo Obrigado a pedir aposentadoria por ter assinado
antes do final do período ditatorial de Vargas, para participar da campanha pela o Manifesto dos Mineiros. Conspirou pela depo-
sição de Vargas e o fim do Estado Novo. Candi-
redemocratização. Em seguida, atuou na campanha do brigadeiro Eduardo Gomes, can- dato derrotado da UDN ao governo mineiro em
didato da UDN à presidência da República. 1955. Secretário das Fina"fas em Minas. Autor
da L ei B ilac Pinto, de Defesa dos Direitos da
Eleito deputado estadual constituinte, novamente, em 1945, renunciou ao mandato
Pessoa. E mbaixador do Brasil na França, minis-
em fins de 1949, para disputar o governo de Minas, pela UDN, contra seu concunhado, tro do S upremo Tribunal Federal.
Juscelino Kubitschek, candidato do PSD. Dizia-se em Minas, no início da campanha
(
para o governo estadual, que só havia certeza quanto ao nome da sogra do futuro gover- Comerciário, bancário e escrivão de po-
a nador, Luiza Gomes de Lemos, mãe de Sara, mulher de Kubitschek, e de Amélia, mulher lícia, antes de se formar em 1929 pela Faculda-
t. de Gabriel Passos. de de Direito de Minas Gerais, o nde por quatro
c Derrotado nas eleições de 1950, Gabriel Passos se mudou para o Rio de Janeiro e anos d irigi u o Diretório Acadêmico Afonso
F voltou a advogar. Em 1955, elegeu-se deputado federal. Começa aí a se torna r conhecido Pena. Líder estudantil vibrante, chego u a ser
e como um dos principais líderes nacionalistas do Brasil. Como ativo integrante da Frente preso no Rio, nos primeiros comícios da Alian-
Sl ça Liberal. Antes de a Aliança se tornar vito-
Parlamentar Nacionalista, lutou pelo monopólio do Estado sobre energia elétrica, miné-
rios e serviços públicos de interesse da segurança nacional. No mesmo período, a tuo u riosa na Revolu<ião de 30, desempenhou papel
fa como líder da UD N e presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito da Energia Nuclear. de grande utilidade para os aliancistas, na condição de delegado de Polícia.
p1 Q uando Tancredo Neves se tornou primeiro-ministro, em 1961, convidou Gabriel Deixou a função de delegado logo após a Revolução, para trabalhar como advoga-
ai Passos para ministro das Minas e Energia . Como ministro, criou as Cent rais Elétricas do da prefeitura de Belo Horizonte. Em 1934, elegeu-se deputado estadual constituinte.
Brasilei ras S.A., Eletrobrás, iniciou as obras do Porto de Tubarão e decidiu pela criação Continuou atuando como advogado e dirigiu a Revista Forense, que logo se transforma-
ga de uma refinaria perto de Belo Horizonte, em Betim, hoje Refinaria Gabriel Passos. ria em uma das principais publicações brasileiras com especialização em Direito. Na
o. Morreu no cargo de minis tro, aos 61 anos de idade. revista, entrou em contato com San liago Dantas, Carlos Alberto Lúcio Bitencourt e
a ti José de Magalhães Pinto, com quem veio a fundar a Editora Forense.
Vi Bilac Pinto era professor da Faculdade de Direito, em 1943, quando assinou o
da Manifesto dos Mineiros e foi obrigado a se pedir aposentadoria, aos 35 anos. A essa
altura, já estava em campanha contra o Estado Novo, em viagens por todo o país. Vo ltou
te c à advocacia e ao magistério, com o fim da ditadura.
em Em 1955, foi o candidato da UDN ao governo de Minas. Perdeu para José Fran-
me cisco Bias Fortes, do PSD. Elegeu-se deputado federal em 1957 e, reeleito, permaneceu
acc na Câmara até 1966. Destacou-se como integrante do bloco de oposição mais ferrenha ao
governo Kubitschek, entre 1956 e 1961, e como autor da Lei de Defesa dos Direitos da

22(
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Pessoa Humana, conhecida como Lei Bilac Pinto. Licenciou-se da Câmara em 1961, Na ocasião, seu tio Antônio Carlos governava o Estado e José Francisco Bias Fortes, seu
para assumir a Secretaria das Finanças de Minas no governo Magalhães Pinto. concunhado, era o secretário da Segurança.
Quando saiu do Congresso, em 1966, o presidente Castelo Branco o nomeou em- Zezinho Bonifácio foi um dos ativos participantes dos preparativos da Revolução
baixador do Brasil na França . De volta ao Brasil, em 1970, Bilac Pinto foi nomeado de 1930, em Barbacena. Ajudou a editar oJornal do Comércio, além de funcionar como
ministro do Supremo Tribunal Federal, pelo presidente Emílio Médici. Aposentou-se em assistente civil da 4 8 Região Militar Revolucionária. A vitória do movimento armado
1976 e passou a cuidar de suas fazendas em Santa Rita do Sapucaí e no interior de Goiás. rendeu-lhe a nomeação para a prefeitura de Barbacena, onde ele ficou de 1931 a 1934.
Bilac Pinto estava vendo televisão no dia 18 de abril de 1985, à espera de notícias Eleito deputado estadual Constituinte para a legislatura de 1935 a 1937, teve grande
sobre mais uma das várias cirurgias sofridas pelo presidente eleito Tancredo Neves, quando participação na elaboração dos estatutos do Estado. Implantada a ditadura do Estado
se sentiu mal e morreu subitamente, aos 77 anos. Novo, em 1937, voltou a Barbacena e à advocacia. Seu nome estava entre os signatários
do Manifesto dos Mineiros, distribuído em outubro de 1943, e na lista dos presentes à
reunião inaugural da União Democrática Nacional (UDN), dois anos depois.
Zezinho Bonifácio Redemocratizado o país, candidatou-se a deputado federal Constituinte. Venceu.
Foi na Câmara dos Deputados que Zezinho Bonifácio firmou seu nome. Reelegeu-se
nome completo: José Bonifácio Lafayeltc de para oito legislaturas e ficou no Legislativo de 1946 a 1979. Nesse período, ocupou
Andrada vários cargos na Câmara: 1 2 Secretário (1958-1965), 2 2 Vice-presidente (1966), 12 Vice-
nascimento: 1.5.1904, em Barbacena.
presidente (1967-1968), Presidente da Comissão Executiva e Líder do Governo (1968-
Ativo participante da Revolução de 1930, em 1969). Participou das comissões de Orçamento, Segurança Nacional, Sei"iiço Público,
Barbacena. Signatário do Manifesto dos Minei-
ros. Fundador da UDN e da Arena, filiado ao Polígono das Secas e Transportes.
PDS. Defensor radical e agressivo do governo Sua notoriedade aumentou no governo Geisel, entre 1973 e 1978, quando lhe cou-
Geisel, nos debates da distensão polúica. Depu-
tado federal por oito legislaturas. be a tarefa de principal defensor do governo na Câmara. Crescia, naquele período, a
onda oposicionista, estimulada em grande parte pelo processo de distensão comandado
No começo do século, no Rio, apontava- por Geisel. O fim da censura à imprensa, em especial, abriu espaço generoso para parla-
se o severo Colégio Santo Inácio como um mal mentares e intelectuais. Todos procuravam aproveitar a oportunidade de, finalmente,
necessário à boa formação de um homem . Foi protestar e denunciar sem o risco de perder mandatos, direitos políticos ou ir preso.
lá que o mineiro José Bonifácio Lafayette de Coube a Zezinho, nesse período, funcionar como a voz mais antipática do Con-
Andrada fez seus estudos secundários, antes de gresso, fosse na resposta a acusações que considerasse injustas ou indevidas, fosse na
inscrever-se no curso de Direito da Universida- advertência (que ele repetia com indisfarçado prazer) de que o exagero no uso da liberda-
de do Rio de Janeiro, onde se diplomou em 1927. de podia representar retrocessos indesejáveis. Estava então com mais de 70 anos e aquela
Zezinho Bonifácio, como ficou nacional- foi sua última grande aparição no cenário político nacional , antes de se recolher à vida
mente conhecido, nasceu em uma família de tranqüila de Barbacena.
políticos. O avô, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, firmou-se como líder político de
Barbacena. Seguiram seus passos, entre tantos outros Andradas, José Bonifácio de
Andrada e Silva, pai de Zczinho, e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, seu tio. Zezinho
entrou na política como oficial do gabinete da Secretaria da Segurança de Minas Gerais.

226 227
Adauto Lúcio Cardoso ainda funcionando no Rio de Janeiro), mas renunciou no ano seguinte para voltar à advo-
cacia. Tentou eleger-se ao Senado Federal em 1950, mas fracassou. Na mesma ocasião,
nome completo: Adauto Lúcio Cardoso liderou a campanha contra a candidatura de Adernar de Barros ao Senado. Adernar,
nascimento: 24.12.1904, em Curvelo. então governador de São Paulo, teve sua candidatura impugnada.
morte: 20.07.1974, no Rio de Janeiro.
No ano seguinte, Adauto Lúcio Cardoso elegeu-se deputado. Nos primeiros anos
Um dos mais brilhantes lwmens de oposição que de Câmara, ainda na década de 50, destacou-se como um dos principais integrantes da
o Brasil conheceu. Assinou o Manifesto dos Mi-
neiros combateu até o fim a ditadura Vargas. Banda de Música da UDN, grupo que fazia oposição ardorosa e brilhante. Fez parte das
I nteg~nte d4 barulhenta e irupirada Bantúz de comissões de Constituição e Justiça, Relações Exteriores c Segurança Nacional. Foi o
Música da UDN. Apoiou a deposição de João
Gouúut, em 1964, mas resistiu à invasão do Con- líder da UDN em 1963 e participou do golpe que depôs o presidente João Goulart. No
gresso por militares, em 1966. começo de 1965, presidiu o Bloco Parlamentar Revolucionário, do qual viria a nascer, no
fim do ano, a Aliança Nacional Renovadora (Arena), o partido governista. Antes do
Apesar de ter nascido em Minas, Adauto surgimento da Arena, em março, entrou para a assessoria do chefe do Gabinete Civil de
Lúcio Cardoso firmou-se como político no Rio Castelo Branco, Luís Viana Filho, na coordenação das ações do governo nas eleições
de Janeiro, para onde se mudou em 1927, afim para os governos de nove Estados.
de cursar a Faculdade de Direito. Ainda era uni- Tomou-se presidente da Câmara dos Deputados, em 1966. Apesar de homem da
versitário quando começou a colaborar para o Revolução desde as articulações para a deposição de João Goulart, Adauto Lúcio Cardo-
jornal A Noticia. Paralelamente, servia como

so era visto como político coerente e ético. Mesmo nos tempos da Banda de Música, até
conferente de cargas do Lloyd Brasileiro, onde os adversários reconheciam nele um debatedor que sabia respeitar os limites da qoa con-
chegou a consultor jurídico, depois de formado. vivência parlamentar.
Dali passou por vários cargos consultivos do antigo Distrito Federal. Foi promotor ad- A confirmação do bom nome de Adauto Lúcio Cardoso se daria ainda em 1966,
junto da Justiça, diretor da Carteira de Seguros do Instituto de Aposentadoria e Pensões numa das maciças cassações de mandatos decidida!! pelo governo. Houve, na ocasião,
dos Marítimos, membro do Conselho Administração do porto carioca e consultor jurídi- invasão do Congresso por tropas do Exército. Enquanto pôde, Adauto Lúcio Cardoso
co do Ministério da Viação e Obras Públicas. resistiu à intervenção militar. Em seguida, renunciou à presidência da Câmara.
Foi um dos grande opositores do governo Vargas, combatente feroz do Estado No ano seguinte, foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Fe.deral, de onde se
Novo. Coube-lhe, pelo critério escolhido de publicar os nomes em ordem alfabética, afastou em 1971, para aposentar-se de vez da política.
aparecer como signatário n2 1 do Manifesto dos Mineiros, em 1943. Com uma série de
artigos de jornal, iniciada em 1942, engrossou a campanha contra os cassinos, que igno-
ravam a legislação vigente e funcionavam abertamente. Como resposta, o governo Fede-
ral alterou a lei das contravenções e eliminou o dispositivo que tornava o jogo uma
atividade ilegal. Participou do Movimento de Resistência Democrática de 1944, que pro-
punha a extinção total da ditadura. No final do ano, Adauto Lúcio Cardoso foi preso pela
polícia federal, sem maiores explicações. Ficou detido por dez dias.
Com 0 fim da ditadura, engajou-se na campanha à presidência do candidato udenista,
brigadeiro Eduardo Gomes. Elegeu-se vereador à Câmara do Distrito Federal (na época

228 229
Francisco Negrão de Lima Instaurado o novo regime, assumiu a chefia do gabinete de Francisco Campos no
Ministério da Justiça. Ficou ali até 1941, quando foi para a Embaixada do Brasil na
nome completo: Francisco Negrão de Lima
nascimento: 24.8.1901, em Nepomuceno, que per- Venezuela, com a missão de aumentar a importação de produtos brasileiros pelos
tencia ao município de Lavras. venezuelanos. Na época, o volume de exportação brasileiro tinha caído muito, devido à
morte: 26.10.1981, no Rio de Janeiro.
guerra na Europa. Da Venezuela se transferiu para o Paraguai, onde ficou quatro anos, e
J orna/isto., advogado, diplonulla, político da mais de lá para a Bélgica. Não ficou nem um ano na Europa e teve de voltar ao Paraguai, para
fina flor pessedista. Chefe do gabinete de Fran-
cisco Campos. Ministro da Justiça de Va~gas, mi- servir de mediador entre grupos em luta armada na cidade de Concepción.
nistro das Relações Exteriores de Kubitschek. De novo no Brasil, ocupou o cargo de secretário-geral da Administração do Distri-
Prefeito do Rio de Janeiro. Governador eleito do
to Federal (ainda no Rio de Janeiro), de onde foi transferido para a Procuradoria do
Rio e estopim doAIo Institucional que decretou o
fun dos partidos politicos e das eleições diretas, Tribunal de Contas. Com a volta de Getúlio à presidência, em 1951, foi nomeado minis-
em 1965. tro da Justiça. Chefiou a missão especial do Brasil na posse do presidente do Uruguai.
Deixou o ministério em 1953, para tratar da política de "nacionalismo cooperativo",
Filho do empresário c político João
como embaixador do Brasil na Bolívia. Tarefa principal: cuidar dos interesses brasileiros
Nepomuceno de Lima. Secundarista do Giná-
na negociação dos tratados referentes à venda do petróleo boliviano.
sio Mineiro de Belo Horizonte e bacharel pela
Ocupou vários cargos durante a presidência de Juscelino Kubitschek. Passou pela
Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais. •
prefeitura do Distrito Federal (de 1956 a 1958, ainda no Rio), pelo Ministério das Rela-
Repórter do Diário de Minas, órgão do Partido
ções Exteriores e pela Embaixada de Portugal, onde ficou até 1963.
Republicano Mineiro. Chefe da primeira sucur-
Foi um cjos principais articuladores da eleição de Juscelino Kubitschek, e~ 1955,
sal mineira do jornal O Estado de S. Paulo, ins-
e comandava a campanha pela volta de Kubitschek ao poder, em 1965. Mas os militares
talada em Belo Horizonte em 1929. Advogou na capitais mineira e carioca entre 1924 e
subiram ao poder em 1964 e quem se elegeu em 1965 foi o próprio Negrão de Lima,
1930.
como candidato do PSD ao governo do Rio de Janeiro. Sua eleição, em conjunto com a de
Entrou na política durante o governo de Fernando de Melo Viana, em 1924, como
chefe de gabinete do Secretário do Interior de Minas Gerais, Sandoval Soares de Azeve- Israel Pinheiro em Minas, irritou a cúpula militar, que reagiu com a edição do Ato

do. Ficou no cargo até 1926. Filiou-se, dois anos depois, à Aliança Liberal. Com a Institucional o~ 2. Estavam extintos os antigos partidos. As eleições para presidente e
vitória da Revolução de 1930, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde ocupou o cargo de governador, dali por diante, passariam a indiretas. Mas Negrão tomou posse e governou
encarregado do serviço telegráfico do jornal Minas Gerais. Em 1932, foi designado se- o Rio de Janeiro até o fim do mandato, em 1971, quando deixou o cargo e a vida pública.
.I cretário da Federação Industrial do Rio de Janeiro, no ano seguinte passou a secretário-
geral.
Elegeu-se deputado federal Constituinte em 1934. Por sugestão de Benedito
Valadares, Getúlio Vargas incumbiu-o, nos fins de 1937, de articular com os governado-
res do Norte e do Nordeste a instalação do Estado Novo. À chamada "Missão Negrão de
Lima" cabia informar e esclarecer sobre os pontos básicos das mudanças institucionais
que entrariam em vigor depois do golpe. Negrão de Lima visitou os Estados nortistas e
nordestinos (menos Bahia e Pernambuco, governados por opositores de Vargas), e voltou
com o apoio de todos.

230 231
CAPtruLoV
Folclore Político Mineiro

folclore polftico confere a José Maria de Alkmim a autoria da maioria das

O frases e tiradas atribuldas à sabedoria polftica dos mineiros. Em muitos ca-


sos, o verdadeiro autor era outro. O que só dá razão ao ex-deputado, ex-
ministro e ex-vice-presidente Alkmim, para todos os efeitos autor da seguinte frase:
"Em polltica o que conta niio são os fatos, mas a versão". Gustavo Capanema, certa
vez, reclamou direito autoral sobre a frase. E Alkmim: "Voe~ pode ter dito primeiro,
mas lá no interior, para suas professoras. Quem disse primeiro na capita~ para a
imprensa, fui eu. Fica mesmo provado que o que vale é a versão".
Ele próprio costumava contar que consolidou a renúncia de J tlnio Quadros, em
1961. Ao receber a carta-renúncia, o presidente do Senado, Auro Moura Andrade,

pensou em discutir a questão em plenário. Mas Alkmim, na ~ra, invetltou uma juris-
prutMncia: "Uma renúncia é um ato unilateral e irretratável. Voe~ só tem que cam~icá­
la". A crt>niaz polftica credita ao próprio Moura Andrade, entre outros, o enunciado
da jurisprutMncia que selou o fim de J tinio Quadros na presitMncia. Mas Alkmim fazia
questão de se incluir entre esses outros posstveis autores. Aproveitava-se, por certo, da
incerteza que cerca a maioria dos relatos do folclore polttico. Em geral, niio existe
segurança quanto à veracidade do episódio, nem quanto às personagens de fato envol-
vidas.
Magalhães Pinto pronunciou, nos anos 70, a metáfora: "Polttica é como nuvem.
Uma hora voe~ olha e ela está de um jeito. Dali a pouco, quandd ~orna a olhar, está de
outro". Mas há quem diga que o verdadeiro autor da frase foiAlkmim. E niio poucos a
atribuem a Ant()nio Carlos.Ribeiro de Andrada, que governou Minas de 1926 a 1930.
Pertencem de fato a Antt>nio Carlos duas frases mineiras muito citpdas. Tendo
de dizer com quem Minas estava, nas articulações que antecederam a Revolução de 30,
saiu com a célebre .resposta: "Minas está onde sempre esteve" . Mas em artigo para a
Folha de S. Paulo, o jornalista e escritorOttoLaraResende conta que criou a frase tr~s
décadas adiante, na crise da renúncia do presidente Jtlnio Quadro.s, em 1961. Foi
ainda Antt>nio Carlos quem disse: "Façamos serenamente a revolução, antes que o

233
povo a faça com vioMncia ". A frase é do seu segundo ano de governo, quando pela Casos de Alkmim
primeira vez se ia exercitar o voto secreto numa eleição brasileira, para completar a
Ctlmara dos Vereadores de Belo Horizonte. Prevaleceu, no entanto, uma versão mais O que explica a presença de José Maria deAlkmim em tantos casos e passageJtS
curta -Façamos a revolução antes que o povo a faça. - de sentido bem diferente. E do anedotário polttico? Duas razões principais: ele se dava bem com a impreJtSa e, de
há quem diga que a frase pertence a outros polfticos mineiros. fato, tinha grande presença de espfrito. Nos corredores do Congresso, nas ante-salas
Logo depois do golpe de 1964, o senador e ex-governador Benedito Valadares dos ministérios, nos restaurantes, nos saguões dos hotéis, nas recepções oficiais, nunca
produziu uma resposta exemplar, quando os repórteres lhe perguntaram o que estava deixava de se aproximar das rodinhas formadas de jornalistas. Nessas ocasiões, conta-
achando dos atos institucionais. "Estou rouco de tanto ouvir", Limitou-se a dizer Bene- va casos, confirmava ou corrigia histórias. Com freqü~ncia, personificava ali mesmo,
dito. Atribufram essa resposta a Alkmim, que não se preocupou em negar a autoria. na hora, situações engraçadas que os jornais e revistas publicavam nos dias seguintes.
Alkmim, Magalhães, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves nunca negaram A seguir, histórias de Alkmim, vertdicas, algumas delas; outras, nem tanto.
participação 110 exemplar diálogo do telegrama entre dois grandes llderes de Minas,
espécie de sfntese da matreirice. Ninguém pode garantir que tal diálogo realmente No SEU TEMPO DE SECRETÁRIO esta- demorada. Ia recebê-los amanhã. Mas já
existiu, mas a versão corrente diz que um polftico mineiro fez aniversário e outro poU- dual, Alkmim recebeu o pedido de uma no- que estão aqui, vamos entrar.
tico mineiro, seu amigo, esqueceu a data. Quando os dois se encontraram, dias depois: meação em Barbacena. Estranhou que a Entraram. Os jornalistas expuseram
-Não pude ir à sua casa, mas mandei um telegrama. Voe~ recebeu? nomeação era apoiada pelos arquirivais da seus planos, suas razões. O secretário deu
terra, José Bonifácio e Bias Fortes. Rea- trela, concordou com tudo. Mas, no fim,
- Receb~ sim. E já mandei a resposta, agradecendo. Voe~ recebeu?
ção dele: "Não nomeio. Se esses dois es- teve que dizer não.
Uma seleção de histórias curtas, como estas, compõem este capftulo com o Fol- •
tão de acordo, quem perde é o Estado". -Vocês são intelikentes, bem in-
clore Polttico Mineiro. Em grande parte, são histórias aqui contadas pela primeira vez.
formados, sabem como são essas coisas
Algumas constam de livros já publicados. Sebastião Nery, João Guerra, Olavo Roma-
Os JORNAUSTAS MINEIROS queriam fi- de abrir precedente no serviço público. Não
no, José Carlos Bardawi~ Dario Macedo e vários outros escritores e jornalistas colhe-
nanchmento para adquirir casa própria. temos dinheiro para a saúde, nem para a
ram casos e compuseram o seu anedotário. Eles próprios reconhecem tratar-se de
Procuraram o secretário da Fazenda, José educação, nem para o saneamento, nem
histórias sem dono, na maioria, criadas por n.ão se sabe quem e depois repetidas,
Maria de Alkrnim. Não foram atendidos para as gestantes, nem para as crianças.
adaptadas, aperfeiçoadas, atualizadas.
no primeiro dia. Nem no segundo. Nem no Se liberarmos esse financiamento para a
É também o que se faz neste capftulo, com a peculiaridade de que reunimos
terceiro. A decisão tomada: "Ele sabe que imprensa, acaba ficando mal para todos
apenas as que t~m polfticos mineiros como personageJtS, agrupadas em cinco seleções: nós, para o governo e para os jornalistas.
nós estamos querendo esse financiamento.
1. Casos de Alkmim; 2. Casos de Benedito Valadares; 3. Casos de udenistas; 4. Casos Diante da decepção dos jornalistas,
Não vai nos atender nunca. O jeito é ir à
de pessedistas; 5. Misceltlnea, com casos de pollticos mineiros de várias origens. Alkmim pediu que esperassem um minu-
casa dele, à noite. Ficamos lá, esperando
todo o tempo necessário. Só assim conse- to. Saiu da sala de visitas, foi para a dire-
guiremos esse financiamento". ção da cozinha. Voltou dali um pouco. Nas
À noite, Alkmim chega em casa, vê mãos, uma Iicoreira e copinhos de cristal.
os jornalistas, não tem como escapar. - O financiamento, infelizmente,
- Mas quanta honra! Estou mes- não posso lhes dar. Mas tenho aqui um co-
mo querendo ver vocês há vários dias, mas nhaque esplêndido que o Juscelino me trou-
ando com a agenda muito cheia, sem tem- xe dos tempos em que estudou na França.
po para uma conversa mais tranqüila, mais Tem mais de quinze anos. Uma delícia.

234 235
Faço questão que vocês experimentem. obra e prometeu que a impediria a qual- - Você tem toda razão. vemador, gostaria muito de aceitar o seu
Com esse friozinho de hoje, não há nada quer custo. Um assessor, depois da vitória À saída, a mulher de Alkmim o re- convite, mas agora é impossível. Estou aqui
melhor. na eleição, pergunta: crimina: com o nosso companheiro fulano de tal e
Os jornalistas beberam, elogiaram - E agora, deputado, como fare- - Você deu a razão ao vereador não posso sair". Era infalível, no mesmo
a bebida, saíram comentando a fidalguia mos para impedir a tal barragem? do PSD e depois ao da UDN! instante a visita indesejável se despedia,
de Alkmim, a classe dele ao dizer um não. - Pode ficar tranqüilo, esse proje- - É mesmo. Você tem toda razão. desculpando-se.
Como de fato estava frio, resolveram en- to nunca existiu.
UM CORREUGIONÁRIO procura José ALKMIM ERA MINISIRO da Fazenda de
trar no bar da esquina, para tomar mais
Maria de Alkmim, na Secretaria das Fi- Juscelino Kubitschek. Foi procurado por
uma bebida. FOI VISITAR AS OBRAS de sua casa na
nanças: "Vim saber do emprego que o se- um veterano da 11 Guerra. O ex-pracinha
- O senhor tem algum conhaque avenida do Contorno, em Belo Horizonte.
nhor me prometeu". Na hora, o secretário da Força Expedicionária Brasileira (FEB),
bom? Apareceu um futuro vizinho, que ele nun-
pega o telefone, disca, espera meio minuto neurótico de guerra mas muito popular no
-Tenho sim. Este aqui. O dr. ca vira:
Rio de Janeiro, apresentou seu pleito:
Alkmim acaba de me comprar duas garra- - Dr. Alkmim moro aqui ao lado. e começa a falar: "Chefe, lembra daquele
-Estou pensando em viajar para a
fas dele. Estou à sua disposição. emprego que você me prometeu? Para o
Lua, sr. ministro. Mas não tenho dinheiro,
-Eu sabia que você mora aqui. Isto nosso correligionário? Você esqueceu, Jus-
nem sei como comprar a passagem. É só o
EM CAMPANHA, duas senhoras rigo- influiu muito na minha escolha. celino? Mas vai dar um jeito, não é? Posso
senhor quem pode me ajudar.
rosamente iguais, gêmeas idênticas, pos- ficar tranqüilo? Então está ótimo, está cer-
Se dissesse não, o homem sairia pe- •
tadas ao pé do palanque. O cabo eleitoral UM CONTERRÂNEO de Bocaiúva foi to. Um abraço". Desliga e diz para o corre- ~

los jornais reclamando da ingratidão. Se


desafia: procurar Alk:mim na Secretaria da Educa- ligionário: "Está nas mãos do governador.
dissesse sim, o homem sairia pelos jornais
- S6 o senhor, para descobrir qual ção. Queria ajuda financeira para o parto Daqui por diante, entenda-se direto com a
alardeando a promessa absurda. Alkmim
das duas é a mais velha. da mulher: assessoria dele". O correligionário sai fe-
não se apertou:
-Impossível é descobrir quem é a - Sabe como é, doutor, não sei liz, sem perceber que o fio do telefone não
-Vamos estudar seu pedido com o
mais nova! como vou me arranjar para minha mulher estava ligado a nenhuma tomada. (Atribui- carinho e a atenção que merecem os heróis
ter a criança, estou desprevenido. se a mesma história também a Benedito da pátria. Agora, com o Sputinik inventa-
NUMA DAS PRIMEIRAS campanhas -Ora, se você sabe que ela vai ter Valadares, com telefonemas fantasmas a · do pelos russos, já existe a possibilidade
para deputado federal, José Maria de o filho há nove meses e está desprevenido, Getúlio Vargas.) de chegar à Lua. S6 preciso saber a qual
Alkmim planejou uma estratégia infalível como é que eu posso estar então, sabendo Lua você deseja ir.
para ganhar os votos na região de disso apenas agora? NovAMENTE coM o TELEFONE, um es- Como o pracinha demonstrasse dú-
Bocaiúva, no norte de Minas, sua cidade quema especial para afastar as visitas in- vida, Alkmim logo acrescentou:
natal. Mandou divulgar a notíci.a de que o NuMA FESTA IX> INTERIOR de Minas, desejáveis: debaixo da mesa, para ser - Você tem que escolher, porque
governo federal construiria, perto da ci- o vereador do PSD ataca um da UDN. acionada com o pé, uma campainha com o existem quatro luas, a Nova, a Cheia, a
dade, uma represa que inundaria uma gran- Alkmim concorda: som semelhante ao de um telefone. Quan- Minguante e a Crescente. A data de parti-
de área e desalojaria centenas de _famílias. - Você tem toda razão. do a conversa ficava insuportável, ele acio- da é diferente, para cada uma. O preço tam-
Dias depois, marc~lU um comício para o Sai o vereador do PSD, chega o da nava a campainha, tirava o fone do gancho bém varia.
local onde a barragem seria construída e UDN e começa a atacar o pessedista. e simulava uma conversa com o governa- -É verdade, eu não havia pensado
fez um discurso emocionante, condenou a Alk:mim concorda de novo: dor de Minas. A certa altura, dizia: " Go- nisso ...

236 237
- Não se apresse. Vá para casa, -Mas como! Que notícia mais tris- bes. No dia seguinte, Schmidt entrou logo No FI NALDO GOVERNO João Goulart,
pense direitinho, converse lá com sua mu- te a senhora me traz! Quando foi que acon- cedo no gabinete de Kubitschek, para con- Alkmim entrou firme na conspiração para
lher, sua família. Quando vocês chegarem teceu essa tragédia? tar a novidade. derrubar o presidente. Bem à sua maneira,
a uma conclusão, volte aqui e na hora o -Hoje de madrugada, doutor. Vim -Presidente, fiquei sabendo ontem quando alguém falava sobre o governo,
seu problema será resolvido. Pode contar aqui para ver se o senhor pode me ajudar o que significa Alkmim. Alkmim engatilhava a pergunta debocha-
comigo. com os funerais. -Eu também já estou sabendo, ele da:
Semanas depois, o pracinha voltou: - Claro, minha senhora. Claro. mesmo me ligou ontem à noite, todo vito- -Que governo?
-É a lua Nova, doutor. Quero viajar para Faça apenas o seguinte: vá agora para casa, rioso. AI é o artigo O. E kmim, com o k João Goulart ficou sabendo e resol-
a lua Nova. reúna a família c veja lá se vocês querem pronunciado forte mas ligado ao restante veu testar o deboche. Telefonou para
-Perfeito! Uma ótima escolha! É enterro de primeira classe, de segunda clas- da palavra, significa valentia. Alkmim é o Alkmim, tomando o cuidado de disfarçar
a mais bonita, a mais romântica, a mais se ou de terceira classe. Assim que chega- valente. a voz:
brasileira ... Vai ser uma grande honra, para rem a uma decisão, volte aqui e -Ministro Alkmim?
o governo, atender a este pedido de um he- resolveremos seu problema na hora ... LOGO NO INÍCIO DO GOVERNO -Sim.
Kubitschek, o BNDE preparou um plano -Estou ligando para falar sobre o
rói de guerra. Vamos agora definir o itine-
NuM ALMOÇO com diplomatas ára- para conter a inflação. Plano ortodoxo, in- governo ...
rário.
falível, em que o governo cortaria verbas -Que governo?
-O itinerário, doutor? bes, o então ministro da Fazenda José Ma-
c se limitaria a gastar o que arrecadasse.
-Sim, o itinerário. Há umSpulinik ria de Alkmim quis saber o significado de Jango riu e, sem disfarce na voz,
José Maria de Alkmim, ministro da •
que passa por Vênus, Mercúrio e Marte. seu sobrenome. Diplomaticamente, os di- identificou-se. Alkmim nãq se apertou:
Fazenda, desaprovou:
Outro começa por Plutão, vai até Saturno plomatas desconversaram. O ministro, es- - Eu havia percebido que era o
- Governo não pode cortar verba
e dá a volta em torno do Sol, antes de des- perto, também desconversou. Mas o senhor, presidente. Só queria saber se o se-
nem gastar só o que tem. Governo libera
cer na Lua Nova. igualmente esperto Augusto Frederico nhor se referia ao governo municipal, ao
verba, gasta prometendo pagar e depois,
- Prefiro esse, que dá a volta no Schmidt, poeta, editor, intelectual governo estadual ou ao governo federal...
não paga.
Sol. finíssimo, ghostwriter do presidente Jus-
-Mas aí você não conhecerá Mar- celino Kubitschek, pressentiu que havia ali DEPOIS DE ELEITO, Jânio Quadros
AINDA QUANDO MINISTRo, ele iniciou
te, o planeta vermelho, nem Vênus. É isso uma situação muito especial e insistiu em prometeu governar sem olhar para trás.
uma campanha contra o crediário. Apon-
mesmo que você quer? saber o significado do sobrenome Alkmim. Quer dizer: sem apontar erros de seu
tava as prestações como o maior fator de
Como o pracinha titubeasse, Constrangido, um dos diplomatas antecessor, Juscelino Kubitschek. Não
inflação. Os comerciantes cariocas ficaram
Alkmim aconselhou: explicou: cumpriu o prometido. Passou as primei-
furiosos, foram queixar-se ao presidente
-Faça o seguinte, meu herói. Vol- - AI é o artigo masculino O. Na ras semanas desancando o governo JK.
Juscelino Kubitschek. JK mandou chamar
te para casa. Converse com sua mulher, sílaba seguinte, pronuncia-se o K bem rá- o ministro para dar explicações. José Maria de Alkmim, ministro da Fazen-
com sua família. Quando decidir, volte aqui pido, mas bem forte, para compor o res- - Alkmim, eles dizem que você está da ao tempo de Juscelino, resolveu ir à for-
e resolveremos na hora o seu problema. tante da palavra, kmim. Significa mentira. prejudicando o comércio com essa propa- ra. Como? Envenenando. Ligou para
Foi indo assim até que, dois anos -Então, Alkmim quer dizer men- ganda contra a prestação. Magalhães Pinto, governador de Minas,
depois, compareceu ao gabinete de Alkmim tiroso?- riu Schmidt. - Mas presidente, cu não estou partidário de Jânio.
uma senhora. Vestida de preto. Era a viú- Todos riram, inclusive o ministro contra a venda a prestação. Estou é contra - Estou no Rio, vou amanhã para
va do pracinha. Alkmim, para alívio dos diplomatas ára- a compra à prestação. Belo Horizonte, de carro. Você sabe se está

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tudo bem lá em Juiz de Fora? Me falaram tares. Alkmim ligou para Pedro Aleixo. A certa altura, Pedro Aleixo dispara uma - Como vai seu pai, rapaz?
que há algum problema com o Exército, - E então, Pedro, o que está acon- argumentação mais violenta, contundente. -Meu pai já morreu há muito tempo.
por lá. tecendo? Alkmim faz cara de perplexo, põe a mão -Morreu para você, filho ingrato.
- Não há nada não. Mas se você - Só aquilo que você sabe, no ouvido em forma de concha. Porque continua vivo no meu coração.
tem alguma dúvida, por que não vem de Alkmim. -O que você disse mesmo?, Pedro,
avião, em vez de viajar de carro? -Mais nada, além do que eu já sei? não entendi. O ARQUITETO Marcos Vasconcelos,
Alkmim agradeceu o bom conselho. -Mais nada. - Ah, Alkmim, você não me enga- um dos mais brilhantes que o Brasil já co-
E passou a ligar para adversários e corre- Nas horas seguintes, cresceram os na mais com essa mania de surdo! nheceu, era mineiro radicado no Rio. Seu
ligionários, com o seguinte recado: rumores da oposição militar a Pedro pai foi amigo de José Maria de Alkmim,
- A coisa não está boa para o go- Aleixo. Falava-se até que ele estava pre- EM 1969, como secretário da Edu- na mocidade. Apresentou-o a Alkmim, cer-
verno na região de Juiz de Fora. Parece so. Alkmim telefonou de novo. Pedro cação, ele foi obrigado a comparecer à As- ta ocasião, ainda em Minas. Mais de dez
que os milicos estão agitados, por lá. Tan- Aleixo não atendeu. Os três ministros mi- sembléia Legislativa para explicar o atraso anos depois, Marcos Vasconcelos estava
to que eu ia viajar para Belo Horizonte, de litares haviam assumido a chefia do go- de nove meses no pagamento das profes- numa roda de amigos, no Rio, quando
carro, e o Magalhães Pinto me aconselhou verno. soras: Alkmim chegou, sentou e conversou com
a ir de avião. -Não há atraso nenhum, há ape- todos, sem dar sinal de que tivesse reco-
NA CRISE oo DERRAME de Costa e Sil- nas um retardamento no envio do numerá- nhecido o arquiteto. A saída, segurou
No DIA DA CASSAÇÃO de Juscelino, va, em 1969, Israel Pinheiro e Alkmim te- rio. compungido as duas mãos de Marcos Vas-
um jornalista liga para o gabinete da vice- lefonaram para Pedro Aleixo, o vice que concelos. ..
presidência da República: não assumiu por oposição dos militares. No CENTRO DE BELO HoRIZONTE, __..:.....Sabe que dia é hoje?
- Dr. Alkmim, como o senhor re- Sugeriam que Pedro Aleixo fosse para Alkmim encol!tra o jornalista Oswaldo No- -Não me ocorre nada de êspecial.
cebeu a cassação de JK? Minas organizar a resistência ao novo go- bre. - Hoje faz cinco anos da morte de
- Por telex, meu filho, por telex. verno. O telefone de Pedro Aleixo estava - Estou cada vez mais impressio- seu pai.
grampeado. Alkmim e Israel foram cha- nado com O Combate. Parabéns. Era verdade.
EM DEZEMBRO DE 1968, logo após a mados para confirmar a conspiração. - Obrigado, dr. Alkmim, mas o
decretação do implacável Al-5, um jorna- Alkmim ouviu a gravação com toda tran- nome do jornal é O Debate. PASSEANDO PELA PRAÇA da Liberda-
lista ligou para Alkmim. qüilidade, imperturbável. Depois, disse -Mas eu falo é do combate que de, encontra um eleitor fidelíssimo, da ve-
- Como é que vai o regime, depu- para Israel e os coronéis que os interroga- você trava diariamente pelas páginas do lha guarda de Bocaiúva. Só que não
tado? vam: seu jornal. consegue lembrar, de jeito nenhum, o nome
-Excelente, meu filho. Já perdi três -Estão vendo? Você está vendo, -Mas o meu jornal é um semaná- do companheiro de tantas campanhas. O
quilos. Israel? É perfeita. Eu sempre disse ao Re- rio, dr. Alkmim. velho amigo percebe o esquecimento, de-
nato Azeredo que ele parasse com essa ma- -Semanário para você, que o edi- monstra ter ficado contrariado. Alkmim
PEDRo AL.Elxo era vice-presidente da nia de imitar a voz de todo mundo. ta uma vez por semana. Para mim, que leio tenta consertar.
República. No fun de 1969, o presidente Brincadeira de mau gosto. todos os dias, é diário. - Como é m~'-mo o seu nome in-
Costa e Silva sofreu um derrame. O vice teiro?
deveria assumir, pela Constituição, mas No PLENÁRIO DA CÃMARA, um deba- ATRIBUI-SEA ALKMJM- e ele nunca - Diz a parte que o senhor sabe,
existia forte oposição dos ministros mili- te ardoroso entre Alkmim e Pedro Aleixo. negou- este diálogo: depois eu _d igo o resto.

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UM DOS MAIS CÉLEBRES diálogos atri- -Jovem o quê! Já sou até avó. - São de ver tudo, meu filho. De -O senhor acha, então, que é caso
buídos a Alkmim teria acontecido com a -Avó? Só se for por merecimen- ver gente, de ver cachorro, de ver qual- de prisão?
soprano Lia Salgado, casada com o vice- to. Nunca por antiguidade. quer coisa que passar pela frente. - Não foi isso o que eu disse.
governador Clóvis Salgado, que governou (Atribui-se o mesmo diálogo ao minei-
ro-piauiense Francelino Pereira, ex-governa- - Foi, sim. Obrigado pelo conse-
Minas em 1955, completando o mandato ATRIBUEM A BENEDITO Valadares
dor de M.inas. Teria ocorrido com Maria lho jurídico.
de Juscelino Kubitschek. Baiana, uma grande liderança política da ci- uma solução providencial diante de uma
-Sempre jovem, hem dona Lia?! dade de Coronel Fabriciano) seqüência de desastres ferroviários que Só UMA VEZ Benedito Valadares se
atingia sempre o último vagão das compo- sentiu superado em astúcia. Foi em 1937,
Casos de Benedito Valadares sições: "Preparem um decreto suprimindo quando Getúlio Vargas o encarregou de es-
o último vagão de todo trem que passar colher um novo presidente da República,
Em muitos dos casos e anedotas onde se destaca como personagem central, o ex- por Minas Gerais". alguém capaz de superar a crise política
governador e ex-senador Benedito Valadares aparece como pouco inteligente. Explica- que o país sofria. Depois de muito pensar
se essa caracterfstica pelo momento em que ele subiu à chefia do governo mineiro, em EM 1937, quando perdeu a presi-
e de apresentar seguidas sugestões,
1933. Na ocasião, os favoritos eram Gustavo Capanema e Virgflio de Melo Franco- dência da Câmara, Pedro Aleixo ficou mui-
Valadares se convenceu de que o velho di-
poliglotas, eruditos, respeitados ambos pela cultura profunda e vasta. Dois homens to irritado com Benedito Valadares,
tador só admitia e articulava uma solução:
poderosos também, na medida em que contavam com o apoio das principais lideranças governador de Minas, que dava todo apoio
ele mesmo no poder. Com os olhos cheios
de Minas. ao golpe de Getúlio Vargas. Assim que che-
de admiração e saudade, Valadares costu-
Contra todas as expectativas, o ditador Getúlio Vargas designou interventor em gou a Belo Horizonte, Pedro Aleixo man-
mava lembrar essa experiêhcia e admitia:
Minas Gerais o obscuro deputado e ex-prefeito de Pará de Minas, Benedito Valadares. dou entregar a Benedito uma carta
"Velho tremendo. Ele me enganou."
Apesar de homem do interior, um caipirão, Benedito Valadares não era o analfabeto desaforada.
bronco das piadas a seu respeito. De fato, ficava muito abaixo, na comparação ·c om os O governador chamou o presidente
UM INSPE'IDR DE ENSINO resolveu con-
preteridos Capanema e Melo Franco, mas quase ninguém, em Minas e fora de Minas, do Tribunal de Justiça.
- Recebi esta carta do dr. Pedro tar ao governador Benedito Valadares um
possufa conhecimentos à altura daqueles dois.
Aleixo. É um desacato ao governador de caso engraçado ocorrido com uma profes-
Com o tempo, Benedito Valadares passou a exibir um perfil diferente, nas histó-
rias a seu respeito. Em lugar do ignorantão deslumbrado pelo poder, surgiu o matreiro, Minas. Tenho que tomar uma providência. sora do interior. Numa aula de História, a
esperto, sabido, ladino. Muito do que se atribui ao polftico mineiro, na verdade vem O que o senhor me sugere? professora perguntou a um aluno quem ti-
desse perfil renovado. A seguir, uma seleção das histórias de Benedito Valadares. -Nada. O senhor não deve fazer nha roubado o colar da rainha Maria
nada. Ninguém vai ficar sabendo. Se o to- Antonieta. O garoto, muito humilde e as-
mar alguma providência, todo mundo fica sustado, começou a chorar:
EM MINAS, morre Olegário Maciel, - Não. Desta vez acho que foi o
sabendo. Será pior. -Não fui eu não professora, juro
presidente do Estado. Semanas depois, no Getúlio.
- Mas o governador não pode so- por Deus.
Rio, Benedito Valadares chega tarde da
noite ao quarto de hotel e acorda a esposa. BENEDITO COMEÇOU a usar Óculos. frer um desacato desses e ficar quieto! O inspetor ria muito, com o caso.
-Odete, acorda! Eu sou o novo Alguns dias depois encontrou-se com um - Ainda acho que o senhor não Mas Benedito continuava atento, quieto.
interventor em Minas! de seus assessores, num corredor. deve fazer nada. Mas se decidir prender o Finalmente perguntou, sério:
- Benedito, você andou bebendo -Bonitos óculos, Excelência. As Dr. Pedro, evite mandá-lo para a cadeia. - E a professora descobriu quem
outra vez? lentes são divergentes? Ofereço minha casa. era o ladrão?

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Jos~ MARIA DE ALKMIM, secretário -Meu filho, tenho muito prazer em do Pompéu. O livro, na prática, represen- não outros interessados fazem fila no meu
do Interior de Minas, mandou construir a lhe ouvir e nenhum em lhe falar. ta uma árvore genealógica da política bra- gabinete.
Penitenciária de Neves, perto de Belo Ho- sileira. Todo político brasileiro de primeira
ri.z onte. Benedito, o governador, estava ENSINAMENrO de Benedito Valadares, linha tem parentesco com a matriarca. NA MESMA VIAGEM, em Paris, Bene-
querendo livrar-se de Alkmim no Secreta- como método infalível para nunca ser opo- Benedito Valadares sempre usou dito voltou a convidar Adirson de Barros
riado, mas não conseguia. No dia da inau- sição, arte em que foi mestre: esse livro como ponto de apoio para suas para jantar. Adirson levou o fotógrafo Luís
guração, Alkmim caprichou no discurso, -Nas horas graves, a gente tem de manobras e articulações. Se surgia dificul- Carlos Barreto. Benedito ficou calado o
falando do modernismo da penitenciária, fingir de morto e ir ressuscitando devaga- dade com alguma liderança de peso, con- jantar inteiro. No dia seguinte, Adirson liga
dos novos métodos de recuperação de pre- rinho, sem ninguém notar. sultava o livro, descobria o parentesco e para Benedito:
sos, da obra de valor social e humanitário
dava o jeito de aparar as arestas. Deu cer- .....:... Senador, o senhor ficou calado o
· que entregava ao povo mineiro etc. Bene-
No AUGE DA CRISE dos sargentos, em to até com o general Castelo Branco, ele- tempo todo. O que houve?
dito assistiu a tudo, tranqüilamente. No dia
setembro de 1963, o deputado Renato vado à presidência depois do movimento ....:. Você conhece bem esse cabelu-
seguinte, mandou chamar Alkmim ao seu
Azeredo telefonou para Benedito, então lí- militar de 1964. do que jantou conosco?
gabinete.
der do governo no Senado, dizen<Jo que ha- Mas não deu certo com o general- - Oaro, é fotógrafo de O Cruzeiro.
- Olha, Alkmim, gostei muito do
via vários mortos e que era preciso tomar presidente seguinte, Costa e Silva. Por mais -Você confia nele?
que você disse ontem. A nova penitenciá-
alguma posição. Benedito esquivou-se: que procurasse, Benedito não achava laço -Confio sim. É meu colega, meu
ria é de fato uma obra de muito valor e
-Mas Renato, eu não posso fazer de família entre ele e o novo presidente. amigo, gente ótima.
não deve ser entregue a qualquer um. Pre-
nada agora, ainda estou dormindo. Tele- Comentário desolado de Benedito: -Pois eu não confie, não.
cisa ser dirigida por uma pessoa que real-
fona mais tarde, quando eu acordar. - O Cintinho esqueceu de botar o
mente entenda do assunto. Você está
Costa e Silva no livro. CoM os GENERAIS no poder, em abril
nomeado diretor da Penitenciária de Ne-
ves. No SENADO, uma discussão braba de 1964, os pessedistas seguiam a orienta-
entre o alagoano Silvestre Péricles e o pre- EM DEZEMBRO DE 1964, Castelo ção de evitar viagens a Brasília, baixada
l..ooo APÓS AREvOLUÇÃO de 64, José sidente da casa, o paulista Auro Moura Branco na presidência da República, Be- por Benedito Valadares. Mas José Maria
Maria de Alkmim telefonou fazendo co- Andrade. Perguntaram a Benedito nedito Valadares foi a Londres, convidou de Alkmim, que acabaria indicado para
mentários políticos. Benedito Valadares in- Valadares o que ele faria, se Silvestre para jantar os jornalistas Narceu de vice-presidente do general Castelo Bran-
terrompeu: realmente voltasse ao Senado com um re- Almeida, que já morava lá, e Adirson de ca, precisava ir à capital. Resolveu viajar,
- Fala baixo Alknüm, cuidado. vólver .38, como prometia. Daria·apoio a . Barros. Narceu tinha um irmão preso em na esperança de que ninguém ficasse sa-
Alk:mim respondeu irritado: Auro? Goiás. Na sobremesa animou-se: bendo da viagem. Mas no aeroporto, dá
-Que você tenha medo de falar eu -Minha solidariedade só vai até o -Senador, quero pedir-lhe um fa- de cara com Benedito, que chegava a Belo
admito. Mas medo de ouvir... ferimento leve. vor. Meu irmão, estudante, está preso em Horizonte, vindo do Rio.
Goiás, acusado de fazer subversão na uni- -Para onde você vai, Alkmim?
Os MIUTARFS NO PODER, pós-64, um DoNA JoAQUINA, matriarca da cida- versidade e não é nada disso, é apenas po- - Para Brasília.
repórter telefonou para Benedito de de Pompéu, mandou na política minei- lítica estudantil. O senhor poderia tentar Despediram-se, separaram-se. Co-
Valadares. Queria que o senador se defi- ra, nos tempos do Império. Deixou muitos soltá-lo? mentário de Benedito:
nisse sobre a nova direção da Arena, o par- descendentes. Um deles, Jacinto Guima- -Posso, vou soltar o seu irmão. -Esse Alkmim é esperto. Diz que
tido do governo. rães, escreveu uma biografia de Joaquina Mas vocês não digam nada a ninguém, se- vai para Brasília, para eu pensar que ele

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vai para o Rio. Mas está indo é para -Se você for o escolhido, me no- do alguém como você. Para tomar o po- eleições?, perguntou-lhe um jornalista mi-
Brasília mesmo. meia secretário, Alkmim? der, os gaúchos são a companhia ideal. neiro.
-De jeito nenhum, Benedito. Está - Porque o Jango teve mais votos
MINAS ESPERAVA a decisão de Getú- louco? que eu.
Nos SEUS TEMPOS de líder da UDN
No dia seguinte, para surpresa ge-
lio Vargas, em 1933. A qualquer momen- na Câmara, um dia Pedro AI eixo precisou
ral, Getúlio escolheu Benedito. Um dos pri- PADRE DuTRA, de Belo Horizonte,
to, surgiria o nome do interventor no de usar muito talento numa discussão com
meiros a aparecer para dar os parabéns foi não ia votar em seu xará, general Eurico
Estado. Na véspera da escolha, Benedito José Aparecido. Como um dos principais
Alkmim. Benedito o nomeou secretário do Gaspar Dutra, candidato a presidente pelo
encontrou José Maria de Alkmim, no Rio. Interior. integrantes da "bossa nova", grupo reno-
vador dentro da UDN, José Aparecido re- PSD, em 1945. Como udenista, ia votar
cusava-se a participar de reunião em que no brigadeiro Eduardo Gomes. Um dia, as-
a bancada ia analisar as ações do Instituto sistiu a um comício pró-Outra, na praça
Casos de Udenistas Sete. Foi comentar com MI1ton Campos.
Brasileiro de Ação Democrática (Ibad).
-O senhor precisava ver, dr. MI1-
-Esse lbad é contra os interesses
Os udenistas se caracterizaram, na polftica nacional, pelo perfil carrancudo, ton. O senhor precisava ver a cara daque-
nacionais. E há muita gente da UDN tra-
mais dado- contraditoriamente- ao fiel cumprimento da lei e ao golpismo. Nem les pessedistas pedindo voto até a Deus.
dicional envolvida com o lbad. Não vou Já
sempre, porém, os udenistas eram apenas sisudos. Nem todos, do mesmo modo, cediam -Eu queria ver era a cara de Deus,
de jeito nenhum.
à tentação de golpear as instituições para neutralizar derrotas eleitorais. nessa hora.
Depois de muita argumentação,
Por exemplo, Mflton Campos. Homem da lei, polftico dotado de discernimento
para as questões económicas e administrativas, Milton Campos ficou conhecido tam-
Pedro Aleixo recorreu a sua longa expe-
QUANDO GOVERNADO!t, Mílton Cam-

riência política.
bém pela fineza de seu humor, pela elegtJncia de sua fala, pelo estilo apurado de seu pos recebeu o deputado e profes-
- Como líder da bancada e como
texto. Uma amostra se encontra na seleção de histórias com personagens da UDN, a sor Alberto Deodato, presidente da UDN
homem mais vivido, sinto-me em condi- mineira, acompanhado de uma comissão
seguir.
ção de lhe ensinar. Na vida, nem sempre udenista do Sul do Estado. Os correligio-
podemos escolher os amigos, nem os ini- nários exigiam a exoneração de um inspe-
PEDRO ALEixo, como presidente da CoMO PRESIDENTE de Minas, Antô-
migos. Se a gente pudesse escolher só os tor escolar da região, velho médico, com
Câmara, deveria assumir a presidência da nio Carlos aliou-se ao Rio Grande do Sul
bons, para amigos, e só os ruins, para ini- mais de trinta anos na função. Quem mais
República, em 1937. Mas Getúlio deu o nas articulações da Revolução de 30, con-
migos, estaríamos no paraíso, não na ter- insistia era um respeitadíssimo coronel ude-
golpe, fechou o Congresso, Pedro Aleixo tra o presidente da República, Washing-
foi para casa. Em 1969, Pedro Aleixo era ra. nista. O governador era contra a exonera-
ton Luís. Pedro AIeixo não entendeu direito
vice-presidente da República, quando o ção.
a manobra. Pediu uma explicação. MfLTON CAMPOS, extraordinário go-
presidente, Costa e Silva, sofreu um der- -É uma injustiça, coronel. Conhe-
-Como presidente do Estado e ho- vernador de Minas, reverenciado como um ço esse homem. É um médico caridoso.
rame e teve que deixar o governo. O vice
mem mais vivido, sinto-me em condição dos mais ilustres homens públicos doBra- Tem prestado relevantes serviços à causa
deveria assumir o poder, mas os ministros
militares se opuseram, deram um golpe e de lhe ensinar. A gente tem que escolher as sil, candidatou-se a vice-presidente em do ensino.
Pedro Aleixo foi de novo para casa. Co- companhias de acordo com as circunstân- 1955 e em 1960. Nas duas ocasiões, per- -Mas pertence ao PSD.
mentário dele: cias. Numa briga de bar, por exemplo, eu deu para João Goulart, muito menos res- - Não o exonero.
-Dizem que o raio não cai duas gostaria de ter do meu lado os filhos do peitado como homem público. -Nesse caso, apresento o meu pe-
vezes no mesmo lugar. Comigo, caiu. Mendes Pimentel. Para ir ao teatro, convi- - Por que o senhor perdeu essas dido de desligamento da UDN.

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-Acho justo esse pedido. Mas não rizonte, Tancredo saindo e Mílton entran- Dias depois, Ml1too chamou o gru- lhães, mas saiba que nunca pensei nisso.
compete a mim deliberar. Entregue-o ao do. po. Nunca pensei em ser papa.
presidente do partido. -Nem precisa entrar, governador. - Podem publicar o resultado do Depois que o cardeal se afastou,
Não vai encontrar nada de bom. Acabo de inquérito de vocês, mas terão que acres- Magalhães comentou:
O GOVERNADOR Mílton Campos re- comprar a coleção completa da Plêiade centar este material aqui. - Exatamente como os políticos.
solveu acabar com a violência entre UDN francesa. -Que material é este? Todos dizem que não pensam em ser pre-
e PSD no município de Mutum, na região - Ah, é? Não sabia que você esta- -As minhas notas de despesas. sidente, mas todos são candidatíssimos.
fronteiriça com o Espírito Santo. Como pri- va decorando seu novo apartamento na - Mas ministro, não é justo. As
meira providência, convocou seus correli- avenida Atlântica. suas despesas são maiores. Afinal, aumen- PAULO EoYDIO MAimNS, quando go-
gionários udenistas para uma reunião em tou muito o trabalho do ministério, com vernador de São Paulo, incluiu quatro mi-
Belo Horizonte. TALVEZ A RESPOSTA mais extraordi- todos os inquéritos em andamento. neiros na sua equipe: Murilo Macedo,
-Depois vou chamar os líderes lo- nária de Ml1ton Campos tenha sido a que -Então não vamos publicar nada. Joffre Alves de Carvalho, Nilo Medina,
cais do PSD para urna conversa séria. Mas acabou com a greve dos trabalhadores da Afrânio de Oliveira. Em Brasília, Maga-
vocês, como correligionários, têm que dar Rede Mineira de Viação, em 1949. A polí- DoNA DM, mulher de Mílton Cam- lhães Pinto comentou:
o exemplo. Essas desavenças desonram as cia propunha mandar uma composição car- pos, certa vez achou que ele não devia fa- -O Paulo Egydio está conseguin-
tradições políticas de Minas. regada de soldados até a estação onde os zer determinada viagem de avião. Tinha do, em São Paulo, reunir mais mineiros
- Desonram mesmo, governador. grevistas faziam um piquete. maus pressentimentos. Mílton não viajou que eu, no meu tempo de governador.
Mas nós não podemos parar agora. Eles - :Por quê, afinal, eles declararam e o avião de fato teve muitos problemas, ~

estão com três mortos de vantagem. greve? quase caiu. Tempos mais tarde, antes de MAGALHÃES PINTO crescia dentro da

-Reclamam de salários atrasados. outra viagem aérea, dona Déa contou que UDN nacional, na década de 50. Jânio
SECRETÁRIO DO INTERIOR, Pedro -Os salários estão de fato atrasa- de novo tivera maus pressentimentos. Mas Quadros, já governador de São Paulo, não
Aleixo propôs ao governador Mílton Cam- dos? dessa vez ele teve que viajar. Embarcou era udenista mas tinha grande influência
pos uma série de retaliações contra depq- - Estão sim, há oito meses. tenso e mais tenso ficou quando o avião no partido. Não gostava da liderança cres-
tados pessedistas que exageravam nos -Nesse caso, em vez de mandar o entrou em zona de turbulência. A aeromo- cente de Magalhães. Recebeu-o uma vez,
ataques ao governo. Mílton Campos achou trem militar, não é melhor mandarmos o ça percebeu, tentou tranqüilizá-lo. em palácio.
melhor não retaliar. trem pagador? -O senhor está com falta de ar? -Como vai, dr. Bilac Pinto?
-Releve, Pedro. Todo mundo gos- - Não. Estou é com falta de terra. -Muito bem, dr. Adernar de Bar-
ta de falar mal do governo. Além do mais, No FINAL DB 1%4, Mílton Campos ros.
eu mesmo às vezes tenho grande dificul- era ministro da Justiça do governo Caste- NA MORTE DE UM PAPA, é tradição que
dade em defender este nosso governo. lo Branco. Recebeu o grupo encarregado o conclave dos cardeais escolha um deles BILAC PINm apresentou um projeto
de examinar as contas do ministro ante- próprios para a sucessão. Sabendo disso, mudando nome do Ministério da Aeronáu-
CoMo úDER da oposição, Tancredo rior, Abelardo Jurema. Magalhães Pinto insinuou que o cardeal tica, em 1964, logo depois que o general
Neves às vezes exagerava nas denúncias - Ministro, temos de publicar es- gaúcho dom Vicente Scherer estaria indo Castelo Branco assumiu a presidência da
contra o governo Mílton Campos. Os dois tas notas com as despesas feitas no tempo para Roma numa viagem sem volta, quan- República. O novo no.ne proposto: Minis-
se encontraram, certa ocasião, à porta de de Abelardo Jurema. É um escândalo. do da morte do papa Paulo VI. tério da Aviação. O projeto nem chegou a
uma livraria da rua da Bahia, em Belo Ho- -Deixem aqui. Vou examinar. - Percebo sua sutileza, dr. Maga- obter a provação nas comissões técnicas da

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Câmara dos Deputados. Decidido o arqui- Jânio Quadros, ocupou a presidência da desta, um fiel correligionário nosso, pau nificado de inaplegfvel. Para desespero do
vamento, quiseram saber por que Bilac República. para toda obra, companheiro capaz de tudo secretário municipal, Adauto Lúcio Car-
Pinto havia apresentado projeto tão sem Um udenista reclama com outro: para ganhar uma eleição. Precisamos dele doso respondeu:
sentido. Resposta: -Não adianta, compadre, udenista em posição estratégica, de preferência na - Não tenho a menor idéia do que
- É porque o presidente Castelo só serve mesmo para oposição. Quem sabe área de finanças. Uma diretoria de banco signifique, pois acabo de inventar essa pa-
não consegue dizer Aeronáutica. Só diz aproveitar, no governo, é o PSD. Veja só ou a tesouraria de um instituto qualquer. lavra. Mas o secretário, que adota esse cri-
Areonáutica. este pedido de emprego que um correligio- Arrumar uma boa colocação para ele é uma tério, deve saber o que significa.
nário nosso mandou para o ministro João questão de prestígio para nós. Atenda-o
Do REPERTÓRIO de José Aparecido, Agripino. sem falta, nem que seja preciso criar a ZEZINHO BoNIFÁCIO, como todos nos
deputado, ministro, governador de Brasília, O outro udenista pega o envelope, vaga. Só assim continuaremos a ganhar as meios políticos se referiam ao deputado
embaixador, consta o seguinte diálogo com abre e lê: "Meu caro ministro João Agri- eleições em nossa região". José Bonifácio Lafaiete de Andrada, tinha
um conterrâneo de Conceição do Mato pino. Com todo respeito e consideração, uma peculiaridade: a contradição entre o
Dentro: apresento-lhe meu sobrinho, que acaba de ADAuro Lúcto CARDOSO, mineiro ra- tom grave de sua voz e o teor estridente do
-Como vão as coisas? Alguma no- voltar de um curso de pós-graduação na dicado no Rio, foi vereador carioca e, des- que dizia. Presidia a Câmara, em 1976,
vidade? conceituada Escola de Mineralogia do de então, um udenista brilhante na quando o presidente Ernesto Geisel viajou
-As coisas vão bem, doutor. Mas Colorado, nos Estados Unidos. Obteve, lá, oposição. Numa sessão da Câmara, armou à Inglaterra.
as novidades, não sei não, porque deu de- as mais altas notas já dadas pela Escola a uma arapuca para desmoralizar o secretá- Num dos deslocamentos da comiti-
feito na televisão. um estudante estrangeiro, como o caro rio municipal da Saúde, que prestava con- va brasileira, pelas ruas de Londres, um •
-Sua televisão não pega? ministro pode ver pelo certificado anexo. tas aos vereadores. enorme grupo de manifestabtes se alinhou
-Pois é. Às vez farta prosa, às vez Também aqui no Brasil, na respeitadíssima -Pelo que ouvi de sua exposição, por vários quarteirões. As faixas protesta-
farta feição. Escola de Minas de Ouro Preto, ele já ha- Excelência, a problemática sanitária do Rio vam contra a tortura e outras arbitrarieda-
via conquistado notas excepcionais (cur- está sendo enfrentada por um critério des cometidas, no Brasil, nos porões da
AINDA oo REPERTÓRIO de José Apa- rículo anexo). Posso afiançar que se trata inaplegfvel. ditadura militar. Os jornalistas quiseram
recido, a história de um petebista que o de um jovem de caráter sem jaça, interes- - Sem dúvida, senhor vereador. saber o que Zezinho Bonifácio achava da-
procurou, quando ele era secretário do pre- sado em trabalhar e com reais contribui- Nem poderia haver outro critério. quela manifestação.
sidente Jânio Quadros. Cheio de em pá fia, ções a oferecer ao seu ministério e ao país. C)lrlos Lacerda, também vereador, - Não posso achar nada. Não sei
o sujeito exigia uma nomeação: Em existindo vaga e em sendo de acordo também udenista, aparteia para saber o sig- inglês.
- Não devo nada ao PTB. Pelo com a lei a nomeação, responsabilizo-me
contrário, o PTB me deve. Sou indepen- inteiramente ..."
dente. Nunca ninguém me deu nada. Tudo Notando a perplexidade no rosto do Casos de Pessedistas
o que eu tenho, tirei. amigo, o primeiro udenista toma-lhe a car-
ta, num gesto gentil. Estende-lhe outra: Alegres e pragmáticos, os pessedistas deixaram muitas histórias. Tantas que,
UDENISTAS GOSTAM de contar este -Agora, veja este pedido de em- neste capftulo dedicado ao Folclore Polftico Mineiro, duas seleções de histórias fica-
caso, para realçar a enorme diferença com prego que um pessedista encaminhou ao ram exclusivamente para os pessedistas José Ma ria de A lkmim e Benedito Valadares.
os pessedistas, no campo da ética política. vice-presidente João Goulart. Mas o elenco pessedista tem outros nome ilustres, de Juscelino Kubitschek a Tancredo
A história se passa em 1961, naqueles O amigo pega o envelope, abre e lê: Neves, de Israel Pinheiro a Bias Fortes, personagens de cenas e situações divertidas e
curtíssimos sete meses em que a UDN, com "Jango, querido. Apresento-lhe, por meio curiosas, como se comprova na seleção a seguir.

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- São Geraldo não esquece seus OlTfRA HISfÓRIA referente ao Contes-
SAN TIAGO DANTAS era o cacique- TANCREOO NEVES era ministro da tado Minas-Espírito Santo é de quando
devotos, telegrafou o amigo.
mor do PTB mineiro. Artur Bemardes Fi- Justiça de Getúlio Vargas. Caiu do poder Venceslau Brás governou Minas Gerais,
lho era o cacique-mor do PR mineiro. O em 1954, com o suicídio de Vargas. No no início do século. Ao receber o prefeito
NA MESMA CAMPANHA, Tancredo en-
PSD queria o apoio dos dois partidos a novo governo, presidido pelo vice Café de uma cidade que antes era capixaba,
frentava uma estrada esburacada, a bordo
Bias Fortes, candidato pessedista ao go- Filho, o também mineiro - e udenista, Venceslau quis saber se os moradores esta-
de um velho jipe dirigido por um motoris-
verno estadual, em 1955. Em nome do adversário do pessedista Tancredo- José vam gostando da nova condição de minei-
ta estouvado.
PSD, Tancredo Neves procurou SanTiago Monteiro de Castro subiu ao poder, como ros.
- Dr. Tancredo, como nóis sofre!
e prometeu ao PTB algumas das melhores chefe da Casa Civil. Tancredo passou este - Nóis sofre sim, mas ganhando a -Está muito bom. Tudo às mil ma ·
secretarias e diretorias, além do lugar de telegrama para José Monteiro: "Mais ami- ravilhas. Só ainda não nos acostumamos
eleição nóis vai mandá.
vice-governador. San Tiago topou. Assi- gos do que nunca, mais adversários do que como clima.
naram um acordo formal. Depois, nunca". NovAMENfE CANDIDATO a governador,
Tancredo procurou Artur Bernardes Filho, em 1982, Tancredo chegou afônico para JuscELINO KuBITSCHEK sabia que não
prometeu as mesmas secretarias e direto- - DR. TANCRE.DO, vou lhe contar um um comício na divisa com o Espírito San- podia contar com Café Filho, o vice que
rias, além do lugar de vice-governador. segredo. Mas é segredo mesmo, não con- assumiu a presidência da República depois
to.
Bernardes Filho topou. Assinaram um tei para ninguém, nem para a minha mu- -Fala mais alto! Fala mais alto! do suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. A
acordo formal. lher. -gritaram ao pé do palanque. toda hora, colhia sinais de que Café parti-
Levados ao Palácio da Liberdade, -Então não conte nem para mim. - Melhor não - sussurrou cipava das conspirações cqntra a candida- •
para o anúncio da coligação, San Tiago e Se você, que é o dono do segredo, não está Tancredo.- Não quero que os capixabas tura, a eleição e a posse de Kubitschek. O
Bernardes Filho notaram a superposição dando conta de guardá-lo, muito menos eu. escutem. candidato mineiro estava especiallnente ir-
de promessas. Ambos exigiram primazia. ritado com Café, um dia, quando um go-
Ambos ameaçaram romper. Tancredo NA CAMPANHA para governador, em Nos TEMPOS de Juscelino presiden- vernador nordestino perguntou:
achou na hora a solução: mais secretarias 1960, Tancredo Neves aceitou os conse- te, década de 50, recrudesceu a disputa - Qual é, em toda essa história, a
e diretorias seriam criadas, novas empre- lhos de um amigo e fez uma promessa a fronteiriça entre Minas e Espírito Santo. posição do Café?
sas de economia mista, mais uma coletoria São Geraldo. Jusceli~r) chamou os dois governadores. - Qual Café? O vegetal ou o ani-
em cada município. Haveria, em suma, - São Geraldo não esquece seus Depois de longa conversação a três, veio a mal?
lugares esplêndidos tanto para o PTB devotos, garantiu o amigo. conclusão de que as hostilidades deviam
quanto para o PR. Tancredo perdeu a eleição, para Ma- parar de imediato, voltando os limites es- ELEITO PRESIDENTE, Juscelino dedi-
- E o lugar de vice na chapa de galhães Pinto. Reclamou com o amigo: taduais à situação anterior, enquanto co- cou-se à delicada ourivesaria da montagem
Bias Fortes?- quiseram saber os dois. - Desta vez, São Geraldo esque- missões de alto nível, dos dois Estados, do ministério. Pretendia atender São Pau-
- Não tem problema - desaper- ceu um devoto. procurassem uma solução. lo e a comunidade judaica com a indica-
tou-se Tancredo. - O partido que ficar Menos de um ano depois, Jânio Qua- Ao final da reunião, os jornalistas ção de Horácio Lafer para as Relações
com o vice terá uma secretaria a menos. E dros renunciou e o vice João Goulart, para cercaram os dois governadores, querendo Exteriores. Lafer adoeceu gravemente,
o outro ficará com o cargo de presidente assumir, teve que concordar com a implan- saber se havia alguma decisão. O de Mi- antes de receber o convite. Juscelino foi
da Assembléia Legislativa, que vem a ser tação do parlamentarismo, uma exigência nas, Bias Fortes, resumiu: visitá-lo no hospital, encontrou-o muito
dos militares. Tancredo foi escolhido pri- - Acabou-se o qüi proquo, vol-
o segundo vice-governador. mal, recebendo transfusão de sangue.
Deu certo. meiro-ministro. tamos ao status quo.

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- Que pena, Horácio. Ia convidá- Em Bata tais surgiu um gênio do fu-
lo para me ajudar no ministério. Mas pelo tebol. Num jogo contra o Palmeiras, o gê- -Por favor, me leve até a casa do contato com a embaixada, ofereceu vanta-
que estou vendo, não posso exigir mais esse nio local não só garantiu o empate como dr. Bias Fortes. gens, passagens, hospedagens. Dois me-
sacrifício de você. -Qual o endereço? ses depois, chegou a delegação de
quase provocou a derrota do poderoso time
-Pode sim, presidente. Estou bem. da capital. Os palmeirenses logo contrata- - Copacabana. agricultores do Japão. Israel os levou para
Pode contar comigo. -Mas o nome da rua, o número, o percorrer os arredores de Brasília. Nenhum
ram o rapaz. Levaram-no na mesma
Pouco tempo depois, de fato, senhor não sabe? deles falava nada de português. Na verda-
viagem para São Paulo. Dali a dois dias o
Horácio Lafer saiu do hospital, em perfei-
Palmeiras ia sair para um jogo em Paris.
' -Precisa nada disso não, sô! Todo de, nenhum deles falava nada. Nem com o
tas condições para atender à convocação mundo conhece o dr. Bias. intérprete.
Havia uma vaga na delegação. Resolve-
da pátria.
ram levar o gênio de Batatais. Isto é: em O motorista carioca olhou pelo Ao final de terceiro dia de poeira
menos de 72 horas, o rapaz estava saindo retrovisor, reparou bem na cara do caipi- vermelha e silêncio oriental, Israel resol-
P ASCHOAL CARLOS MAGNO dava as- ra, deu umas voltas além do necessário, veu provocar o intérprete, na tentativa de
do interior para Paris. Chegando em Pa-
sessoria ao presidente Juscelino em assun- finalmente parou na avenida Nossa Senho- saber o que os japoneses estavam achan-
ris, os jogadores mais veteranos resolve-
tos culturais. Um dia, Juscelino queixou-se do. Seguiu-se uma demorada conferência.
ram fazer uma brincadeira com o caipira. ra de Copacabana.
de falta de tempo.
Foram com ele até a Torre Eifel. Enquan- - Muito bem, chegamos a - Terra ruim. Terra muito ruim.
-As pessoas vêm aqui conversar, Copacabana. Será que alguém por aqui Custa muito dinheiro produzir aqui. Terra
ficam esticando a conversa, não me dei- to o rapaz olhava para o alto, extasiado,
os outros se esconderam. No minuto se- sabe onde mora o dr. Bias Fortes? ruim demais.
xam trabalhar em paz.
guinte, quando reapareceram, o rapaz ti- - Aquele ali sabe. É o motorista -Disso eu sei. E vocês acham que
- Use o protocolo, presidente. O
nha sumido. Procuraram, procuraram, e do dr. Bias. Muito obrigado. se a terra fosse boa eu me 'preocuparia em
protocolo ensina que cabe ao presidente en-
nada. Voltaram para o hotel, preocupados. c~amar japoneses para plantar? .
cerrar esse tipo de conversa.
No saguão do hotel, folheando uma revis- O (JENERAL DuTRA, candidato do
No dia seguinte, Paschoal Carlos
ta, estava o craque de Batatais, muito PSD a pct;sidente em 1945, estranhou os GuSTAVO CAPANEMA discursa num
Magno levou uma comitiva de intelectuais
indignado: ataques da imprensa, logo no início da cam- comício, em Pará de Minas. Quando cita
para apresentar um requerimento a Jusce-
-Vocês, hem? Vocês me deixaram panha. Queria responder aos ataques, exi- verbas e cifras, faz questão de dizer os nú-
lino. O presidente deu uma olhada no pa-
pel, disse que ia examinar com mais sozinho, numa cidade desconhecida. Se não gia retratação. Israel Pinheiro interveio. meros todos, desde os bilhões até os cen-
atenção, levantou-se e estendeu a mão para fosse um amigo meu de Batatais que pas- - General, não se afobe. Ataque tavos. Um assessor pergunta:
os cumprimentos de despedida . Enquanto sou ali na hora, eu estava perdido. da imprensa é como sol de praia, nas fé- -Por que tantos quebradinhos?
todo o grupo saía, meio desconcertado, Jus- O mesmo aconteceu com um caipi- rias. A pele arde nos primeiros dias, de- Capanema esclarece:
celino puxou Paschoal Carlos Magno pelo ra de Barbacena. Homem da roça, deslo- pois a gente se acostuma. - Para mentir, é preciso ser
braço c cochichou: cava-se com certa dificuldade até mesmo preciosista. Assim, ninguém percebe que
-Estou apenas usando o protoco- na cidade de Barbacena. Um dia precisou Ao FINAL da construção de Brasília, você está mentindo.
lo, como você ensinou. Não reclame. ir ao Rio, resolver uma questão urgente surgiu o problema de abastecimento da ci-
com Bias Fortes, seu líder político. Sabia dade. Ninguém plantava nada, na região. ÚLTIMO DE CARVALHO, do PSD, fus-
A IIISTÓRIA oo CRAQUE de Batatais apenas que Bias Fortes morava em Tudo teria que chegar de São Paulo, de tigava insistentemente o líder da UDN na
' Minas, de longe. Assembléia Legislativa, Dnar Mendes.
no interior paulista, tem um antecedente Copacabana. Chegou ao Rio de trem. Na
na política mineira. estação, pegou o primeiro táxi. Israel Pinheiro resolveu então con- Numa tarde, para encerrar um debate, Úl-
vidar agricultores japoneses. Entrou em timo decretou:
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ELEITO GOVERNADOR, Negrão de - Mas tudo isso?
- Para mim, Vossa Excelência não "Por favor, confirmem a notícia de minha
Lima estava em dificuldade para atender a -Lá em Minas, o pessoal acredita
existe mais. É um homem morto. morte apenas para meus credores".
um amigo, interessado em transferir, para muito nos milagres da água de Fátima.
Na tarde seguinte, Último discursa-
o centro, um médico lotado em repartição - O senhor faz o favor de desem-
va, Dnar levantou a mão: O CORONEL DO PSD mineiro foi ao
do subúrbio. brulhar as garrafas?
-Vossa Excelência me permite um Rio conhecer o candidato do partido a pre-
-Acho melhor, neste caso, fazer- -Pois não, naturalmente.
aparte? sidente, em 1960, general Henrique Lott.
mos o seguinte: em vez de mudarmos o seu -Mas deputado, isso é uísque.
-Vá baixar noutro centro! Voltou decepcionado. Procurou o deputa-
médico, você muda de médico. - Ué, não é que já se deu o mila-
do Último de Carvalho.
NA DÉCADA DE 70, a revista Veja pre- -Não tem jeito, deputado. Vou vo- gre?
0 DEPUTADO PESSEDISTA chega da (Quando Newton Cardoso governou
parou uma reportagem de capa sobre a tar no Jânio Quadros. Esse general é qua-
Europa com cinco garrafas embrulhadas. Minas, circulou uma adaptação dessa his-
industrialização de Minas Gerais, sob o drado demais. Me recebeu no ministério
A alfândega quis saber o que era: tória, colocando-o como o viajante flagrado
impulso da recém-instalada fábrica da Fiat. da Guerra, conversou só os quinze minu-
- Água milagrosa de Fá ti ma. na alfândega).
Na hora de editar o texto final, o editor tos combinados. Na hora de ir embora, fui
cismou com a informação de que o ex-de- na direção do elevador. Ele me puxou pelo
putado Último de Carvalho já estava mor- braço e disse que eu tinha que pegar outro
to. Ligou para a sucursal de Belo elevador. Aquele era privativo do minis- Miscelânea
Horizonte, chefiada então pelo sempre tro. •
competente jornalista Carlos lindemberg. - E por isso o senhor decidiu vo- Em torno do PSD e da UDN, giravam os partidos menores, às veles muito inte-
-Você tem certeza de que o Últi- tar no adversário? ressados em coligações, como o PTB, às vezes bastante arredios, como o PR. Nessa
mo de Carvalho já morreu? - Claro, deputado! Foi uma mesma gal~ia, giravam os intelectuais, os diplomatas, os jornalistas. Estão todos
-Não. Acho melhor conferir isso. desconsideração. O senhor não acha? aqui, abran~:idos pela mesma miscelllnea, juntamente com poltticos da República Ve-
Aviso daqui a pouco. - Não foi desconsideração. Foi lha, anteriOres à hegemonia pessedista-udenista, e pollticos surgidos após o Ato
Dali a pouco, a confirmação. Ou- uma lição. É esse o homem que nós preci- Institucional ng 2, que extinguiu os antigos partidos.
tros jornalistas e políticos de Belo Hori- samos eleger. O Brasil está precisando é
zonte garantiam que o ex-deputado estava de quem ponha ordem no país, começando NEwroN CARDOSO é personagem de - Não precisa levantar, vereador.
morto. Nos arquivos de um dos jornais lo- por indicar a cada um o seu elevador. muitas histórias que, no passado, foram Fale deitado mesmo.
cais, constava até a notícia do falecimen- atribuídas a Benedito Valadares, Eurico
to, alguns anos antes. A revista circulou NEGRÃO DE LIMA, candidato do PSD Gaspar Dutra, Costa e Silva e outros polí- OuTRA DO NEwroN, ao conhecer as
então, a partir do domingo, com aquela in- ao governo do Rio, em 1965, reuniu-se com ticos de físico e modos robustos. Uma de- instalações do Palácio das Mangabeiras,
formação. Na tarde de segunda-feira, che- um grupo de esquerdistas. las teria ocorrido ao receber, em Palácio, residência oficial do governador, um pro-
ga à redação da sucursal de Brasília um - Como pretende tratar os comu- uma comitiva de vereadores da cidade de jeto de Oscar Niemeyer. O chefe do ceri-
envelope timbrado do Tribunal de Contas nistas, se ganhar as eleições? Ipanema. Ao entrar no gabinete do gover- monial mostrava tudo. A piscina, a
da União. Dentro, em texto primoroso, -Democraticamente. Se for o caso nador, um dos vereadores escorregou, caiu. biblioteca, a adega, a garagem.
bem-humorado, Último de Carvalho infor- de prender um hoje, dá-se um jeito de sol- Levantou-se, aprumou-se mas, novamen- - E aqui fica o heliporto.
mava que ainda vivia e aproveitava para tar outro amanhã. E assim iremos levan- te, a botina o traiu, outro tombo. Newton - Ficava, no tempo do Hélio
encaminhar o seguinte pedido à revista: do. achou uma solução. Garcia. Agora vai ser Newton porto.

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pel em branco a Marcílio, levantou-se, com o ditador Alfredo Stroessner, pediu
NA DÉCADA DE 50, um candidato a bem com Luís Camilo, admirava sua com-
empertigou-se e passou a "ler", folha por audiência. Horas depois, o próprio
vereador escreveu nos muros do bairro da petência, chamou-o para uma conversa,
folha, até o fim. Num francês impecável. Stroessner telefonou.
Floresta, em Belo Horizonte: "Nasci na quem sabe se dava um jeito.
- Senhor embaixador, será uma
Floresta. Cresci na Floresta. Sempre vivi - Você não devia ter assinado.
No FINAL DE 1963, San 1iago Dantas honra recebê-lo. O senhor pode vir ao pa-
na Floresta. Morrerei na Floresta". Criou uma situação delicada, para mim.
fez uma derradeira tentativa de salvar o lácio amanhã cedo?
Um gaiato logo acrescentou: "Pode Ponha-se no meu lugar, Luís Camilo ...
governo João Goulart. Apesar de muito - Certamente, senhor presidente.
matar que é bicho". -Isso é impossível, ministro.
doente, iniciou uma articulação de todos A que horas?
-Porquê?
os partidos em defesa da estabilidade, da -Às cinco.
A PRAXE DA POLÍTICA antiga determi- - Porque eu nunca ficaria no seu
go.vernabilidade. Os líderes dos partidos -Da manhã?
nava que o ganhador de uma eleição tinha lugar.
de esquerda, àquela altura encastelados no - Sim, senhor embaixador. Gosto
a obrigação, quase o direito, de demitir os
poder, discordaram. de madrugar. Logo cedo é a melhor hora
diretores e chefes nomeados na gestão an- MELO VIANA, presidente de Minas
- Ou vocês concordam com esta para se conversar tranqüilamente.
terior pelo adversário. Artur Bemardes foi de 1924 a 1926, foi visitar o Hospital Raul
reunião que estou propondo, ou a próxima - Senhor presidente, em nome da
um fervoroso seguidor desse costume, ao Soares, para doentes mentais, recém-inau-
reunião de vocês será na cadeia - adver- amizade entre nossos países, o senhor não
seu tempo de presidente do Estado, de 1918 gurado em Belo Horizonte. Ficou penali-
tiu SanTiago, com toda a razão que a His- podia marcar a conversa para um
a 1922. Mas teve constrangimento de de- zado ao reconhecer um amigo de
tória viria a lhe conferir. pouquinho mais tarde? Às onze, por exem-
mitir o diretor da Imprensa Oficial, ores- adolescência num dos quartos. O amigo
plo?
peitado Augusto de Lima. Encarregou um também o reconheceu.
0 ADVOGADO SoBRAL PINTO, mineiro
amigo de convencer Augusto de Lima a - Femandinho, que alegria! O que
de Barbace foi preso em Goiânia, em "0 BRASIL ELEGEU um presidente
pedir demissão. você anda fazendo?
dezembro d , 1968, logo após baixado o moribundo e um vice doente". Logo de-
- Dr. Augusto, estou aqui em nome -Sou o presidente de Minas.
AI-5. Apesar (Je septuagenário, Sobral re- pois da morte do presidente Rodrigues
do dr. Bernardes. Ele o respeita muito, - Fala baixo, Fernandinho. Se os
sistiu à prisão. Tiveram que levá-lo à for- Alves, em janeiro de 1919, esta frase fi-
como o senhor sabe. Apesar de os senho- médicos escutarem, não deixarão você sair
ça. Na cadeia, um coronel quis puxar cou muito popular. O vice doente era Del-
res serem adversários, ele não gostaria de daqui.
conversa. fim Moreira, ex-governador de Minas, que
demiti-lo. Preferia que o senhor pedisse de-
-No fundo, dr. Sobral, nós quere- sofria de uma esclerose precoce. No dizer
missão. SANTIAGO DANTAS era ministro das
mos a mesma coisa, a democracia. A úni- popular da época, um lunático.
- Pois, por favor, volte e diga ao Relações Exteriores. Um de seus assesso-
ca diferença é que o senhor quer a Delfim Moreira presidiu o Brasil de
dr. Bemardes que a um adversário eu não res era Marcílio Marques Moreira (anos
democracia internacional, grega, e eu quero novembro de 1918 até junho de 1919,
peço nada. Nem demissão. mais tarde, ministro da Fazenda). Numa
uma democracia à brasileira. quando já estava eleito o novo presidente,
viagem à Polônia, SanTiago recebeu o tí-
-Nada disso. A democracia é uma Epitácio Pessoa. Logo no primeiro despa-
SIGNATÁRIO oo MANIFfSTO dos Mi- tulo de Doutor de uma universidade. Nes-
só. À brasileira, só o peru. cho, Delfim Moreira implicou com seu mi-
neiros, em 1943, Luís Camilo de Oliveira ses casos, manda o protocolo que o
nistro da Fazenda, Amaro Cavalcanti, uma
Neto ia ser demitido das funções de bi- agraciado leia um discurso de agradeci-
O ESCRITOR MÁkJO PALMÉRIO, minei- escolha de Rodrigues Alves. Depois de
bliotecário do ltamaraty. O ministro, mento. SanTiago não havia redigido texto
ro de Monte Carmelo, foi embaixador do consültaro relógio, Delfim Moreira pediu
Oswaldo Aranha, relutava em cumprir a nenhum, mas não se apertou. Chegada sua
Brasil no Paraguai. Precisava conversar a Cavalcanti que v oi tas se na manhã _seguin-
ordem do ditador Getúlio Vargas. Dava-se vez de falar, pediu algumas folhas de pa-

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te. Estava na hora da partida do noturno com-as-outras" ou que estou aqui para to- Obras Consultadas
mineiro e ele ia à estação despedir-se de lerar implicância de velho?
seu amigo Venceslau Brás, o ex-presidente Afrânio tentou contornar a situação, Amora, Paulo- Vultos de Dois Regimes
que embarcava para Belo Horizonte. O ex- lembrando das ligações de Cavalcanti com Badaró, Murilo -Memorial Polltico
periente Cavalcanti achou que devia dar Rodrigues Alves, mas Delfim foi terminan- Bardawil, José Carlos - Os Sobreviventes
um conselho ao presidente novato. te: Bessone, Darcy- Um Pescador na Presid~ncia
- O protocolo não permite a um - Faça o que estou pedindo. Ar- Bloch, Jonas, c Dângelo, Jota- Oh! Oh! Oh! Minas Gerais
presidente comparecer ao embarque de ranje outro ministro, o velho não fica. Campos, Mílton- Testemunhos e Ensinamentos (organizado por Antônio Gontijo de
amigos. Para isso, deve-se convocar o mi- No dia seguinte, Cavalcanti foi Carvalho, editado pela Livraria José Olympio Editora)
nistro da Casa Civil ou o da Casa Militar. substituído pelo banqueiro João Ribeiro de Capanema, Gustavo -Pensamentos
- Com protocolo ou sem protoco- Oliveira e Souza, amigo de infância e Castro, Ruy - O Anjo Pomográfico -Biografia de Nélson Rodrigues
lo, eu irei. Há trinta anos levo à estação conterrâneo de Delfim Moreira. Chagas, Paulo Pinheiro- Esse Velho Vento da Aventura
meu velho amigo Venceslau. Não com- Dantas Mota- Elegia do Pais das Gerais
preendo que a Presidência da República BEIRANDO os 100 anos de idade, Deodato, Alberto- Pollticos e Outros Bichos Domésticos
me impeça de fazer uma coisa que a bem adoeceu o venerando chefe político da ser- Deodato, Alberto- Roteiro da Lapa e Outros Roteiros
dizer faço desde que nasci. ra da Mantiqueira, leal correligionário de Dulci, Otávio Soares- As Elites Mineiras e a Conciliação; a Mineiridade como Ideo-
Delfim Moreira foi à estação, des- Delfim Moreira e Venceslau Brás. Uma das logia (Ciências Sociais Hoje, 1984)
pediu-se de Venceslau Brás. Na volta, cha- filhas levou-lhe uma sopa. Góis Monteiro, Norma de -Dicionário Biográfico de Minas Gera~: Pertodo Republi-
mou Afrânio de Melo Franco, - Não tomo, não. Não gosto de
caltO- 1889-19?,1 (Assembléia Legislativa de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e
superministro, o amigo em quem mais con- sopa. Ciências Humarl.as da Universidade Federal de Minas Gerais, Fundação João Pinheiro
fiava. -Esta aqui está uma delícia. É do
-Coleção Mineijiana)
- Afrânio, esse homem do Minis- outro mundo! Guerra, João- A Oltima do Newton e Outras Estórias que os Mineiros Contam ao Pé
tério da Fazenda não pode continuar. -Do outro mundo? Então vou to-
do Ouvido
Acham então que sou uma "Maria-vai- mar, para ir me acostumando. Horta, Cid Rebelo - F amflias Governamentais de Minas Gerais
Kubitscheck, Juscelino -A Escalada Polltica
Lamounier, Bolivar- Getúlio Vargas (Nova Cultural)
Mayrink, Geraldo -Juscelino Kubitschek (Nova Cultural)
Nery, Sebastião -Folclore Polltico (2, 3 e 4)
Neves, Lucília- Tancredo Neves, Trajetória de um Liberal
Nunes, Augusto- Tancredo Neves (Nova Cultural)
Pinheiro, Luiz Adolfo - A República dos Golpes
Renault, Delso - Chão e Alma de Minas
Resende, Maria Efigênia Lage de- Reação Oligárquica e Avanço Centralizador em
Minas Gerais no Pós-Revolucionário de Outubro de 30
Riedinger, Edward Anthony- Como se Faz um P residente -A Campanha deJK
Werneck, Humberto - O Desatino da Rapaziada

260 261
Créditos Fotográficos

Arquivo José Góes


pgs. 10, 12, 13, 16,20,30,31,32,34,36,37,38,39, 40,
41,44,56, 59,60,61,62,63,64,65,66,82,83,84,90,91,
93, 95, 96, 97, 98, 99, 104, 106, 107 e Capa.

Higino Bonfioli / Arquivo José Góes


pgs. 15, 26, 70 e 71.

Arquivo Público Mineiro


pgs. 21, 23, 24, 67, 68, 69, 72, 73 e 74.

Marcelo Prates
pgs. 75, 76, 78, 79 e 80.

Palácio da Liberdade
Fotos das biografias.

263
~ {1(0~ O autor

6 I t1~(l..iõ~ I\.,.
CARMO CHAGAS, mmeJ.Co de
Inhapim, é jornalista desde 1962,
...rfo. saído da excelente safra de profis-
sionais formados na escola do Cor-
rrio dt Minas. De Belo Horizonte
mudou-se para São Paulo, convida-
do para um dos mais ousados pr~
jetos edito ri ais da década de 60, o
Jornal da Tardt, lançado em janeiro
de 1966. Em setembro de 1968,
integrou a equipe de fundadores do
último empreendimento editorial
de grande vulto no Brasil, a revista
Vt;a, o nde permaneceu por doze
anos e exerceu os cargos de editor
assistente, editor e redator-chefe.
Atento aos fat~ políticos como
jornalista, Carmo Chagas viveu
uma experiência no cor~a-corpo
eleitoral, como assessor de Im-
prensa do empresário Antônio
Ermírio de Morais, candidato a g~
vernador de São Paulo em 1986.
Nas eleições presidenciais de 1989,
coordeno u a cobertura política do
jornal O Estado dt S. Paulo, onde
era editor-executivo. Desde 1990,
Carmo Chdgas trabalha por conta
própria, em sua empresa de produ-
ção editorial. Em março de 1992,
nomeado diretor-gerdl do Escritó-
rio de Representação do Governo
de Minas Gerais em São Paulo, teve
a o portunidade de uma nova expe-
riêncid prcí.tica no mundo da políti-
ca. Desta vez, em contato próximo
com políticos mineiros, tema deste
• DAG GRAFICA E EDITORIAL LTDA . seu livro, POLÍTICA, ARTE DE
Av. N. Senhora do O, 1782, tel. 857-6044 MINAS.
Imprimiu
COM FILMES FORNECIDOS PELO EDITO:

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