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Solicitamos aos eventuais leitores que, caso disponham de outras informações que possam
enriquecer este verbete, favor encaminhá-las à Fundação José Augusto através do seu
Centro de Estudos e Pesquisas Juvenal Lamartine-CEPEJUL, situado na Rua Jundiaí, 641,
Tirol, CEP 59020-120, ou, pelo E-mail fjacepejul@rn.gov.br
José Augusto Bezerra de Medeiros - Político, professor, escritor, jornalista, governou o Estado. É
nome de Rua em Areia Preta, Natal, de Centro educacional em Caicó, de fundação cultural e da Assembleia
Legislativa do RN. José Augusto nasceu em Caicó-RN, a 22 de setembro de 1884 e faleceu no Rio-RJ, a 28
de maio de 1971.
MEDEIROS, José Augusto Bezerra de - Nasceu em Caicó, a 22.09.1884, filho de Manoel Augusto
Bezerra de Araújo e d. Cândida Olindina de Medeiros. Descendia de Tomaz de Araújo Pereira (primeiro
presidente da Província do Rio Grande do Norte) e do Senador José Bernardo de Medeiros. Começou a
estudar aos cinco anos. Além de sua mãe, foram seus professores primários d. Maria Leopoldina de Brito
Guerra e Manoel Hypólito Dantas, em Caicó; d. Adelaide Câmara e José Amorim Garcia, em Natal, e Tomaz
Sebastião de Medeiros em Acari, onde concluiu o curso (1896). Casou-se com d. Alice Godoy Bezerra de
Medeiros, de família gaúcha (1917), e teve quatro filhos (Cândido, Manoel, Marina e José). Concluíra o curso
jurídico em 1905, na Faculdade de Direito do Recife, logo assumindo a Procuradoria da República no Estado. A
partir daí, exerceu os cargos de professor e diretor do Atheneu Norte-rio-grandense; Juiz de Direito da
Comarca de Caicó; vice-Presidente da Conferência Institucional do Ensino Primário; Chefe de Polícia do
Estado do Rio Grande do Norte; redator dos jornais “Diário de Notícias”, “O Jornal” e “A Manhã” (todos no Rio
de Janeiro), e de diretor das Revistas “A Educação” e “Revista Brasileira de Educação”. Aliás, Fernando de
Azevedo (A Cultura Brasileira, p. 647) cita a revista “Educação”, fundada e dirigida por José Augusto no Rio
de Janeiro em 1922, como (...) uma das novas correntes do pensamento pedagógico, tecendo algumas
considerações elogiosas ao potiguar. José Augusto foi Deputado Estadual, Deputado Federal (em seis
legislaturas), Senador (duas legislaturas) e Governador do Estado do Rio Grande do Norte. Entre outros,
escreveu os seguintes livros: Famílias Seridoenses; Representação Profissional das Democracias; Pela
Educação Nacional; O Regime Parlamentarista; O Sal e o Algodão na Economia Potiguar; O Seridó e O
Anteprojeto da Constituição em Face da Democracia (1934). Era sócio efetivo do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro; sócio benemérito do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e da
Associação Comercial do Rio de Janeiro; sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico do Ceará; sócio
remido da Associação Brasileira de Imprensa; membro do Conselho Nacional de Economia, da Sociedade
Brasileira de Economia Política, da Comissão Diretora da Associação Comercial do Rio de Janeiro, da
Comissão Executiva do Instituto Nacional do Sal, da Sub-Comissão de Legislação Social, da Comissão
Diretora da Associação Brasileira de Educação, da Academia Norte-rio-grandense de Letras e da Academia
Brasileira de Escritores, além de, a nível internacional, haver pertencido, também na qualidade de membro, ao
Conseil de Direct on de l´academie internacional de Science Politique et d´Histoire Constitucionelle e a Société
de Legislation Comparée, ambos na França. José Augusto, que foi inclusive Delegado do Brasil à Assembléia
Geral da Organização das Nações, em Paris (1951-1952), é o Patrono da Fundação Cultural do Estado e dá
nome ao Palácio da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte e a uma rua na Praia de Areia Preta. (...)
José Augusto era um tipo humano que amava o lugar de nascimento, a civilização do gado e do couro, o
agreste do algodão, a caatinga, com seus cactos e sua paisagem dura, angulosa e trágica, disse João
Medeiros Filho. - Mas, completou, o homem José Augusto não foi um cacto, foi um político amável, habilidoso,
contemporizador, envolvente, olhos fitos no progresso e bem-estar do seu povo (Contribuição à História
Intelectual do Rio Grande do Norte, p. 45). Um homem singular. Faleceu no Rio de Janeiro, a 28 de maio de
1971.
Manoel Gomes de Medeiros Dantas - Manoel Dantas, natural de Caicó, nascido a 26 de abril de 1867.
Advogado, promotor de justiça, jornalista. Professor, deputado estadual e intendente de Natal. Faleceu em
Natal, 16 de junho de 1924
Antes de projetar-se na vida pública, José Augusto exerceu diversos cargos, pouco demorando em cada
um destes, numa instabilidade que bem demonstra a busca incessante de afirmação profissional. Foi ele,
sucessivamente:
Procurador da República, interino, da Seção do Rio Grande do Norte (1905); Professor de História Geral
e do Brasil no Atheneu Norte-rio-grandense (1906, logo depois de formado pela Faculdade ele Direito do
Recife); Inspetor do Governo Federal junto ao Colégio Abílio, Rio de Janeiro (1907): professor de Geografia
(1908) e Diretor do Atheneu (1910) ; Juiz de Direito da Comarca de Caicó (1911) e Chefe de Polícia no RN
(1912).
Em 1913, elegeu-se Deputado à Assembleia Legislativa do Estado. Começa. então, a trajetória política e
administrativa: Secretário Geral do Estado no governo Ferreira Chaves (1914); Deputado à Assembleia
Constituinte do RN (1915), Deputado Federal pelo Rio Grande Norte, em três legislaturas sucessivas (1915 a
1923), 1º Secretário da Câmara dos Deputados (1921 a 1922) e 2° vice-presidente da mesma (1923),
Governador do Estado (1924 a 1927); Senador Federal,
completando o mandato do Senador Juvenal Lamartine, que renunciara por ter sido eleito Governador do Rio
Grande do Norte (1928 a 1929); Senador reeleito, logo perdendo o mandato, em virtude do fechamento do
Congresso, pela Revolução de 30; Deputado Federal (1935 a 37); Deputado à Assembleia Constituinte
Nacional (1946); Deputado Federal -1º vice-presidente da Câmara (1948 a 1950); outra vez, Deputado Federal
- 1° Vice-Presidente, de novo, 1951 a 54.
Tanto no Congresso Nacional quanto no Governo do Estado, José Augusto dedicou especial atenção à
Saúde Pública, à Educação, bem como ao problema do algodão e do sal na economia potiguar. Como político,
marcou época, liderança inconteste no Partido Popular, que ajudou a fundar, e, depois, na UDN.
Em 1955, não conseguindo reeleger-se Deputado Federal, prejudicado, segundo consta, pela prática de
"brejeiras", afastou-se da política, porém continuou a atuar, embora setuagenário, em outros setores de
atividades, como o jornalismo e a pesquisa historiográfica. Foi também Presidente do Conselho Nacional de
Economia (1956 a 1957). da Associação Comercial do Rio de Janeiro, da Federação das Associações
Comerciais do Brasil e da Federação das Câmaras de Comércio Exterior no Brasil em 1959.
Pertenceu a inúmeras instituições, dentre as quais, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Associação Brasileira de Imprensa, Associação
Brasileira de Educação, Academia Norte-rio-grandense de Letras e Associação Brasileira de Escritores. Nesta
última, juntamente com Hermes Lima, Carlos Lacerda, Astrogildo Pereira e Caio Prado Júnior, redator da
Declaração de Princípios, no famoso Congresso de Escritores de São Paulo, em 1945. (Manoel Onofre Júnior)
Fonte: Transcrito de 400 Nomes de Natal – Natal (RN), Prefeitura Municipal do Natal, 2000, págs. 413 a 414.
JOSÉ AUGUSTO
Por Jurandir Navarro
Dizem contemporâneos seus ter sido uma das expressões mais nobilitantes do cenário político do Rio
Grande do Norte. Expressão, também, cultural. Vimo-lo na tribuna do Instituto Histórico proferir a sua última
conferência em Natal. Fê-la de improviso. A visão apagava , aos poucos, o brilho que iluminou a sua vida, no
longo caminho percorrido.
Além de outras homenagens, o Estado deu o seu nome augusto a uma Fundação Cultural, no Governo
Aluízio Alves, e, a Assembléia Legislativa, pelos seus Deputados, no átrio de sua sede oficial gravou a
inscrição: – Palácio “José Augusto”.
Foi, sem dúvida, um dos maiores políticos da gleba potiguara. Governante da Província e Deputado
Federal. Orador primoroso e conferencista notável. Bateu-se, a vida inteira, pelo progresso da terra nordestina
que lhe deu berço, máxime pela Educação.
Interpretava a Instrução publica por um prisma mais consentâneo para a alma humana; ou seja, aquela
higienizadora do espírito. Não somente na aplicação dos métodos técnicos que, sem a co-participação da
moral religiosa, embrutece, em vez de educar.
A Educação para ele, certamente, deveria ser a apregoada por Fichte, na Alemanha ocupada por
Napoleão. Não a educação restrita a estudantes cultos, nem a educação popular, mas a educação nacional,
acionada pelo que o filósofo germânico evangelizava – a revestida do caráter fundamental.
Disse Michelet que o verdadeiro gênio grego era o gênio da transformação pela educação.
Na sua ação política, José Augusto Bezerra de Medeiros deveria concordar com o axioma: la politique
d’abord, isto é, a Política na vanguarda, ela em primeiro lugar, porquanto, todas as demais atividades humanas
a ela se subordinam, excetuando a Religião.
Daí, poderia ter pensado como Nietzsche, quando sentenciou: – “O mundo é a Vontade de Poder –, e
nada mais!”
O pensador católico Jacques Maritain defende, com Santo Thomaz de Aquino, a Política da Prudência.
Parece-nos ter sido esta a política pautada por José Augusto. A propósito, Santo Thomaz, considerado “o mais
sábio dos santos e o mais santo dos sábios”, visitava, certa vez, um Mosteiro, num dia em que ia haver eleição
para a sua Direção. Dois candidatos concorriam – um deles, o mais sábio daquele Mosteiro e, o outro,
considerado o mais santo, dentre eles. Questionado, sobre quem deveria ser o eleito para dirigir aquela
Tebaide, respondeu Doutor Angélico: - nenhum dos dois. E argumentou: o sábio deve ensinar aos outros; e, o
santo, por eles rezar. E concluiu: o mandato deve ser entregue ao mais Prudente!
Vale ressaltar que o termo Prudente, significava no século XIII o discernimento, ou seja, a decisão lúcida.
Igualmente o vocábulo Virtude, que para o grego eqüivalia a Excelência, e para o romano, Força.
Concedendo toda uma longa existência à Política, José Augusto adquiriu vasta experiência nessa área
polêmica do Poder; e, a exemplo dos eminentes estadistas, o seu tirocínio político elegeu a forma democrática
do poder como a melhor, dentre as demais.
Disse John Dewey que na Democracia o processo de experiência é de suma importância. Como o
processo de experiência pode ser educativo, a fé na democracia é una com a fé na experiência na educação.
Esta, sem dúvida, a Política conceptual do líder seridoense, conferindo o primado a uma Educação
capaz de soerguer uma nacionalidade referta de analfabetos, como a do seu tempo; e, por via de
conseqüência, sem o valor de um caráter fundamental e uma personalidade marcante, indivisa, fixação moral
de um povo destituído dos vícios da barbárie. Isto é utópico, ainda hoje, sabemos, quanto mais no seu tempo.
Todavia, sonhar já é plantar no espírito uma semente dadivosa.
Não uma educação tipo a de Platão, isolando as crianças dos pais, nem a do homem superior de
Nietzsche, elitista, repudiando o regime político popular e o Cristianismo.
E sim, uma educação consentânea com a alma humana, com seus defeitos e suas virtudes. Educação
que instruísse o talento, a técnica profissionalizante, sem descurar a elevação sempre ascensional do espírito.
Foi, José Augusto Bezerra de Medeiros, o orador oficial da sua Turma da Faculdade de Direito do
Recife, em 1901, sendo o Paraninfo Clóvis Beviláqua, famoso jurista brasileiro.
O ilustrado político seridoense ascendeu, também, a Presidência da Federação das Academias de
Letras do Brasil, dentre inúmeros títulos outros conquistados por sua inteligência e cultura reconhecidas.
Fonte: MAIA, Agaciel da Silva. Parlamentares do Rio Grande do Norte: Senadores do Império à República / Agaciel da Silva Maia; prefácio de José
Sarney. Brasília: Senado Federal, 2002. (págs. 98-100)
Fonte: Extraído do livro “Perfil da República no Rio Grande do Norte (1889-2003)”, de autoria do jornalista e historiador João Batista Machado (págs. 69-73)
JOSÉ AUGUSTO
“Olhem minhas mãos. Vejam-nas. São limpas. Não têm manchas de sangue, nem o cheiro de azinhavre
dos dinheiros públicos”. Com esta frase lapidar, que entrou para os anais da Câmara dos Deputados, José
Augusto Bezerra de Medeiros despediu-se da vida pública no último discurso pronunciado naquela Casa em
que convivera, durante várias legislaturas, com as mais expressivas figuras da vida nacional e na qual era
respeitado e acatado por todos.
Desceu da tribuna emocionado, após ter sido aparteado ao longo do seu discurso por parlamentares dos
mais diversos partidos. Resolveram homenagear um homem que, durante vários mandatos, ganhara a
confiança e o respeito de todos que o admiravam. Formou-se uma longa fila para abraçá-lo e cumprimentá-lo.
Foi Juiz de Direito em Caicó, cargo do qual pediu demissão para ingressar na vida pública. Secretário
geral do Estado, no segundo governo de Ferreira Chaves, deputado federal por mais de 20 anos, senador da
República duas vezes, governador do Rio Grande do Norte e, candidatando-se novamente a deputado federal,
não conseguiu a reeleição.
Vítima de uma “brejeira” (violação de urnas) nos idos de 50, encerrou sua vida pública, tendo renunciado
até mesmo à primeira suplência para a qual se elegera. Deixou a política desiludido. A eleição “tomada”
magoou profundamente o velho José Augusto, que morreu decepcionado com a fraude que o afastou da vida
pública.
José Augusto, como era mais conhecido, fazia o gênero do político conversador e vivia sempre de bom
humor. Costumava freqüentar o Café “Cova da Onça”, na Ribeira, para um bate-papo com os amigos e
correligionários. Era afável com todos. Um excelente “papo”. Quando a ditadura de 37 fechou o Congresso
Nacional, o velho político caicoense, sem recursos, foi vender seguros de uma corretora para poder sustentar
sua família. E o fez com a mesma competência de quem exercia um mandato popular.
Foi fundador do Partido Popular no Rio Grande do Norte em 1933 e já na fase de redemocratização do
País, em 1945, participou igualmente da fundação da União Democrática Nacional. Por este novo partido foram
eleitos deputado federal apenas ele e Aluízio Alves. Foi uma das mais respeitáveis figuras da vida pública do
Estado. Sucedeu a Antônio de Souza no Governo do Estado e foi sucedido por Juvenal Lamartine.
Hoje, empresta seu nome à sede do Poder Legislativo do Estado, a qual recebeu a denominação de
Palácio José Augusto, numa homenagem ao homem que sempre soube honrar os mandatos outorgados pelo
povo. O ex-governador Aluízio Alves homenageou o velho político, dando ao órgão que cuida da cultura do Rio
Grande do Norte a denominação de Fundação José Augusto. As duas homenagens são fruto do
reconhecimento do Estado a um dos seus filhos mais ilustres.
Na campanha sucessória de 1960, já doente e quase cego, José Augusto lançou um manifesto ao povo
do Rio Grande do Norte, apoiando o nome de Aluízio Alves para governador. Foi o último gesto político, de
quem antes deixara a política decepcionado com a “brejeira” de São Paulo do Potengi.
Sentiu-se recompensado com a vitória de Aluízio, a par da melhor receptividade obtida por seu manifesto
dentro da UDN. Morreu na certeza de, no último gesto, ter feito a melhor opção para o Estado, apesar dos seus
laços de parentescos com o então governador Dinarte Mariz.
Sobre ele escreveu o consagrado poeta Carlos Drummond de Andrade “... foi dito que o algodão é uma
das principais riquezas do Seridó, e isso porque a maior talvez seja mesmo o velho parlamentar José Augusto,
democrata da melhor fibra. A longa tarimba da oposição não o tornou nem menos fiel aos seus princípios
políticos, nem perante a vida e os homens menos humano e cordial”.
O professor, jornalista e historiador Edgar Barbosa, autor do livro “História de uma campanha” e um dos
maiores estilistas do seu tempo, diz sobre José Augusto: “O dr. José Augusto tem a sua biografia gravada na
memória de duas gerações norte-rio-grandenses. Bacharel no Recife aos 21 anos, professor, magistrado,
jornalista, parlamentar, governador, líder incontestado do idealismo democrático, honrou a segunda geração
republicana e erigiu-se, através de longa vida pública, em padrão das virtudes requeridas pela ética do regime”.
E prossegue o mestre Edgar Barbosa: “Filho de uma pequena província política, elevou-a nos altos
conselhos da Nação, tornando-a respeitada mesmo nas mais precárias vicissitudes do nosso federalismo. Seu
nome continua a ser um exemplo para a mocidade, e sua obra, presente em livros, em ensaios, em
monografias, revela o estudioso dos problemas de educação, de direito público, de economia, de história, de
ciência política. Em todos os cargos e funções que exerceu deixou a marca indelével do idealismo e o traço
intérmino do desprendimento que lhe conferem, na gloriosa velhice, o título de homem pobre”.
Em seu discurso de posse (01/01/1924 - 01/01/1928) afirmou José Augusto Bezerra de Medeiros:
“Nos regimes democráticos, os governos são efêmeros delegados de confiança pública, com poderes,
ou antes, com atribuições delimitadas em leis às quais eles devem obediência e respeito absolutos”.
E prossegue: “Ao assumir a direção administrativa do Estado, em face do voto dos meus coestadanos
que, em uma unanimidade que tanto me desvanece e honra, julgaram de acerto entregar-me a
superintendência dos altos interesses de nossa terra, no quatriênio que hoje se inicia, venho com a
compreensão exata e nítida do papel que me cabe desempenhar”.
Mais adiante disse: “Quero governar o Estado obedecendo às leis; quero que a minha ação de
administração vá procurar o seu prestígio na confiança popular, o que não é difícil conseguir, desde que se
tenha o propósito deliberado e firme como é o que alimento, de governar em vista do bem público. Não
pouparei esforços, antes redobrarei de energias, visando fazer da administração a meu cargo um posto
permanente de trabalho”.
Salientou então o governador: “A instrução e a saúde públicas, o crédito agrícola, o transporte, o
aproveitamento dos vales úmidos do litoral, o voto popular, a justiça, a segurança pública, o fomento à
produção, ao nosso algodão, à cana de açúcar, ao sal, à pecuária, à cera de carnaúba, o combate às secas,
todas essas questões, das quais depende o nosso futuro, merecerão cuidado vigilante de minha parte”.
E concluindo afirmou: “Quero para todos os meus atos o exame e a crítica dos meus coestadanos,
sentindo-me feliz no dia em que, para retomar o bom caminho, a opinião pública me faça retroceder de estrada
mal segura, porventura desavisadamente seguida. O Estado não me pertence, não é propriedade dos que vão
governar; pertence a todos os que nele habitam e trabalham. Assim, todos de-vem ter a sua parcela de
influência que, pela ordem natural das cousas, não podendo nem devendo ser exercida diretamente, tem que
se manifestar pela análise e pela fiscalização dos que estão na temporária direção dos negócios públicos”.
O amor à terra comum levou José Augusto a quebrar o silêncio e fazer da sua proclamação ao povo do
Rio Grande do Norte, em prol da candidatura de Aluízio Alves ao Governo do Estado, em 1960, obtendo uma
vitória política. Foi seu último gesto na vida pública norte-rio-grandense. Tinha uma admiração especial por
Aluízio, e este lhe tinha respeito e admiração.
Segundo o jornalista e escritor Nilo Pereira, José Augusto foi, antes de tudo, um grande democrata. Seu
governo deu ênfase à educação, construindo escolas, e à cultura algodoeira, reconhecendo sua importância
para a economia do Rio Grande do Norte. Chegou a criar o Serviço do Algodão no Estado para incentivar o seu
beneficiamento e comercialização.
O fato negativo da sua gestão foi atrasar o pagamento do servidor público por mais de oito meses,
deixando essa herança indesejável para o seu sucessor. José Augusto nasceu em Caicó, em 22/09/1884, e
faleceu no Rio de Janeiro, em 28/05/1971.
MEDEIROS, José Augusto Bezerra de - Nasceu em Caicó, a 22.09.1884, filho de Manoel Augusto
Bezerra de Araújo e d. Cândida Olindina de Medeiros. Descendia de Tomaz de Araújo Pereira (primeiro
presidente da Província do Rio Grande do Norte) e do Senador José Bernardo de Medeiros. Começou a
estudar aos cinco anos. Além de sua mãe, foram seus professores primários d. Maria Leopoldina de Brito
Guerra e Manoel Hypólito Dantas, em Caicó; d. Adelaide Câmara e José Amorim Garcia, em Natal, e Tomaz
Sebastião de Medeiros em Acari, onde concluiu o curso (1896). Casou-se com d. Alice Godoy Bezerra de
Medeiros, de família gaúcha (1917), e teve quatro filhos (Cândido, Manoel, Marina e José). Concluíra o curso
jurídico em 1905, na Faculdade de Direito do Recife, logo assumindo a Procuradoria da República no Estado. A
partir daí, exerceu os cargos de professor e diretor do Atheneu Norte-rio-grandense; Juiz de Direito da
Comarca de Caicó; vice-Presidente da Conferência Institucional do Ensino Primário; Chefe de Polícia do
Estado do Rio Grande do Norte; redator dos jornais “Diário de Notícias”, “O Jornal” e “A Manhã” (todos no Rio
de Janeiro), e de diretor das Revistas “A Educação” e “Revista Brasileira de Educação”. Aliás, Fernando de
Azevedo (A Cultura Brasileira, p. 647) cita a revista “Educação”, fundada e dirigida por José Augusto no Rio de
Janeiro em 1922, como (...) uma das novas correntes do pensamento pedagógico, tecendo algumas
considerações elogiosas ao potiguar. José Augusto foi Deputado Estadual, Deputado Federal (em seis
legislaturas), Senador (duas legislaturas) e Governador do Estado do Rio Grande do Norte. Entre outros,
escreveu os seguintes livros: Famílias Seridoenses; Representação Profissional das Democracias; Pela
Educação Nacional; O Regime Parlamentarista; O Sal e o Algodão na Economia Potiguar; O Seridó e O
Anteprojeto da Constituição em Face da Democracia (1934). Era sócio efetivo do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro; sócio benemérito do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e da
Associação Comercial do Rio de Janeiro; sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico do Ceará; sócio
remido da Associação Brasileira de Imprensa; membro do Conselho Nacional de Economia, da Sociedade
Brasileira de Economia Política, da Comissão Diretora da Associação Comercial do Rio de Janeiro, da
Comissão Executiva do Instituto Nacional do Sal, da Sub-Comissão de Legislação Social, da Comissão
Diretora da Associação Brasileira de Educação, da Academia Norte-rio-grandense de Letras e da Academia
Brasileira de Escritores, além de, a nível internacional, haver pertencido, também na qualidade de membro, ao
Conseil de Direct on de l´academie internacional de Science Politique et d´Histoire Constitucionelle e a Société
de Legislation Comparée, ambos na França. José Augusto, que foi inclusive Delegado do Brasil à Assembléia
Geral da Organização das Nações, em Paris (1951-1952), é o Patrono da Fundação Cultural do Estado e dá
nome ao Palácio da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte e a uma rua na Praia de Areia Preta. (...)
José Augusto era um tipo humano que amava o lugar de nascimento, a civilização do gado e do couro, o
agreste do algodão, a caatinga, com seus cactos e sua paisagem dura, angulosa e trágica, disse João
Medeiros Filho. - Mas, completou, o homem José Augusto não foi um cacto, foi um político amável, habilidoso,
contemporizador, envolvente, olhos fitos no progresso e bem-estar do seu povo (Contribuição à História
Intelectual do Rio Grande do Norte, p. 45). Um homem singular. Faleceu no Rio de Janeiro, a 28 de maio de
1971.
O EPISÓDIO NORTE-RIO-GRANDENSE
João Batista Cascudo Rodrigues
Realmente, a propaganda feminista no Rio Grande do Norte teve inicio com o programa administrativo
que Juvenal Lamartine deu a conhecer a seus coestaduanos, em 9 de abril de 1927. No último tópico de sua
plataforma, aquele homem público exaltava a justa campanha que se desenvolvia pela correspondência dos
direitos e deveres cívicos de ambos os sexos, avocando depois à sua administração a prerrogativa de contar
“com o concurso da mulher não só na escolha daqueles que vêm representar o povo, como entre os que
elaboram e votam a lei que tiver de aplicar”. Com tais motivações, tornava a manifestar o indeclinável propósito
da elevação da “mãe que embala o berço norte-rio-grandense”. Depois de eleito, no discurso de agradecimento
à homenagem que lhe foi prestada pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, ao receber em agosto
daquele ano urna comissão de suas integrantes, em sua residência, no Rio de Janeiro.
Em Natal, àquela época, já o Congresso Estadual reabrira a sessão legislativa anual. Adauto da Câmara
depõe, em sua “História de Nísia Floresta”, que então se cuidava da elaboração da lei eleitoral do Rio Grande
do Norte, para adaptar à Constituição revista em 1926 e — prossegue o representante, filho de Mossoró —,
“éramos o leader da Assembléia Legislativa. O projeto correu todos os trâmites, até a redação final. Aprovada
esta, chega do Rio um telegrama de Juvenal Lamartine, a fim de que fizesse incluir urna disposição
consagrando a igualdade de direitos dos cidadãos de ambos os sexos. José Augusto, que era então Presidente
do Estado, relutou, e replicou a Lamartine, usando entre outros o argumento de que a redação final estava
aprovada. Lamartine não se deu por vencido e voltou à carga. José Augusto deixando de lado os seus
escrúpulos de exegeta do texto constitucional, arranjou as coisas, para satisfazer a Lamartine, certo como
estava de que tudo aquilo era um fogo de artifício... Éramos também redator do órgão oficial — “A República”,
e, nesta qualidade, fazíamos a resenha dos trabalhos parlamentares. José Augusto, que vivia mais na “A
República’ do que em Palácio, sugeriu-nos incluir na resenha uma emenda apresentada por nós, instituindo o
voto feminino. Assim se fez. Quando a lei foi publicada, lá estava a grande “conquista”, concretizada no art. 77
das Disposições Gerais: “No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados sem distinção de sexos, todos
os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei.”
Poucos dias depois, repercutia favoravelmente na Câmara dos Deputados “a grande conquista liberal
que esse Estado é o primeiro no Brasil a incorporar na sua legislação”, dizia um despacho telegráfico do Rio, e
publicado em “A República”, em comentário sobre discurso pronunciado pelo representante mineiro Augusto de
Lima. O próprio deputado Adauto da Câmara, “que apresentou na Assembléia Legislativa o projeto”, consoante
informava o órgão oficial do Estado, em 8 de novembro, recebera do senador Juvenal Lamartine um expressivo
telegrama de congratulações sobre “a aprovação do artigo da lei eleitoral que permite o voto feminino”,
acrescentando que “os jornais daqui comentam com muita simpatia o gesto da Assembléia do nosso Estado. A
notícia foi transmitida para a Europa e Estados Unidos, cujo Embaixador me felicitou.”.
Fonte: Fragmentos do livro “A MULHER BRASILEIRA — DIREITOS POLÍTICOS E CIVIS”, de João Batista Cascudo Rodrigues
Um novo estilo
por Nilo Pereir
Em 1923 chegava eu a Natal, vindo do Ceará-Mirim, para iniciar os Preparatórios.
O governador era Antônio José de Melo e Sousa. Dava a impressão de ser homem pouco acessível.
Solteirão, morava num casarão recuado, próximo à do meu cunhado Francisco Fernandes Sobral, juiz
municipal de Natal, que residia à rua de S. José, onde fiquei hospedado.
O Dr. Sousa, como era conhecido, parecia ser homem recolhido, ensimesmado, talvez pouco político.
Era romancista: uma atividade que, decerto, não seria bem recebida num governante, de quem se exigia que
fosse plástico à vida tumultuária da política, ao jogo partidário, que exige concessões a amigos e
correligionários, enquanto que para os adversários se reserva o duro império da lei.
A esse governador seco, esquisito, estrábico – que celebrou com tanto brilho o centenário da
Independência Nacional e deixou a fama inquestionável de um homem público honesto e austero – sucedeu
José Augusto Bezerra de Medeiros.
O confronto entre os dois dava bem a impressão dos contrastes impressionantes. José Augusto, era o
oposto de Antônio de Sousa. Simpático, envolvente, aliciante, seria por toda a sua vida a imagem quase
sensorial da Democracia, traduzi da numa popularidade contagiante, catalítica.
Não estávamos habituados a ver um governador andando a pé, tomando o bonde, pouco usando o carro
oficial, cumprimentando toda gente, apertando a mão ao homem do povo, conhecendo cada um pelo nome,
numa quase fantástica demonstração de memória prodigiosa.
Com isso ele renovava os estilos políticos. A imagem do governante democratizava-se naturalmente.
Nada havia de demagógico nesse comportamento. Era o homem público em sua identidade perfeita, o retrato
sem retoque do democrata.
Nenhum outro como ele assim tão próximo do povo. A tradição política, que faz de Pedro Velho e de
Alberto Maranhão homens apolíneos, não os consagrou como figuras do cotidiano ou expressão de uma
popularidade derramada, vizinha, às vezes, da caricatura que o falso democrata oferece como pano de fundo
do seu disfarce maquiavélico.
Homens assim como Pedro Velho e Alberto Maranhão seriam tidos, hoje, como elitistas. Ou oligárquicos,
como pareceu a José da Penha, na sua malograda aventura de renovador. O próprio Pedro Velho falava na
sua oligarquia «mansa».
E, no entanto, a ninguém deve o Estado mais do que a Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Deve-
lhe a propaganda e a implantação do regime republicano, a pureza de um ideal que o imortalizou. Como deve a
Alberto Maranhão o mecenato das letras e das artes. E a Augusto Severo, outro irmão, nome maior da “ínclita
geração”, o pioneirismo que o sagrou herói e mártir da aviação.
O jornal A Republica, fundado por Pedro Velho, é ainda hoje o testemunho do seu idealismo e da sua
combatividade. Os três irmãos – vale a pena dizer – foram grandes pianistas. O que é relevante na biografia de
políticos mais do que políticos, isto é, homens de grande sensibilidade, capazes de fazer da Política antes uma
arte do que uma técnica. Antes uma aventura do espírito do que uma rotina pragmática em que intervém, via
de regra, o interesse pessoal. Antes uma realização do que uma am-bição de mando.
José Augusto vinha dessa escola, como vinham Ferreira Chaves, Antônio de Sousa, Eloy e Henrique
Castriciano, Juvenal Lamartine e outros. Era a velha política da Primeira República, originária em parte do
Segundo Reinado, com o seu Senado vitalício, o seu Poder Moderador e os seus Conselheiros, alguns dos
quais, como Afonso Pena e Rodrigues Alves, dirigentes do País em boa forma castiçamente imperial.
A conciliação, segundo Paulo Mercadante, – em ensaio hoje clássico, intitulado – A Consciência
Conservadora no Brasil, 3ª edição, Editora Nova Fronteira, 1980 – era a medida dessa atividade política em
que se tentava estratificar a proclamada cordialidade do espírito brasileiro. Parece que o conceito de
cordialidade não deve ser tomado rigidamente ao pé da letra, pois nem sempre existiu esse entendimento alto,
impessoal, supra-partidário, capaz de evitar maiores atritos ou atenuar os radica-lismos de grupos.
Vindo, embora, dessa escola, como já foi acentuado, José Augusto se distanciava do modelo antigo pelo
processo psicológico de sua formação individual e do seu temperamento.
Liberal por natureza criou a sua própria imagem. Ao encontrar na rua um homem qualquer, de quem não
soubesse o nome, o que, aliás, era raro, costumava dizer com aquela voz meio rouca que também o
singularizava:
– Bom e velho amigo na boa e na má fortuna.
Isso ninguém disse antes dele, porque os métodos políticos eram outros. Depois, ninguém diria; seria
mera imitação. Ele ficou único na sua maneira de ser político. Inimitável. Carismático.
É assim que a sua figura volta. O homem simpático que Natal tantas vezes viu pelas ruas, sempre com a
mão pronta para tirar o seu chapéu ao primeiro que encontrasse e o gesto largo de quem abraça mesmo de
longe, fez escola sem deixar discípulos.
Sendo um dos últimos representantes da Primeira República, quase não pertencia mais à sua primitiva
sistemática política ou à sua moldura ruybarbosiana.
Já estava em outra dimensão, sem perder, contudo, o que nele foi uma virtude jamais desmentida – a
fidelidade aos amigos e ao seu Partido.
Emerge, hoje, do fundo dos tempos como um político moderno. Não como um cortejador de votos. Ou
um populista curvado ao peso de promessas demagógicas. Ou um endeusador do povo como mito ou da
juventude como força.
Tem por si a sinceridade de atitudes que não se contradisseram na sua essência. E, ao lado disso, a
brava e heróica honestidade que fez dele, em todos os tempos, mesmo nos mais prósperos, um homem pobre,
sacrificado. Mais de encargos do que de car-gos. Incapaz de se aproveitar do poder para enriquecer e para
ostentar o brilho fugi dia daqueles a quem chamou “os moedeiros falsos da Democracia”.
Seu governo foi um aprendizado político. As novas gerações, habituadas ao padrão antigo, começaram
a ver nele um modelo surpreendente de governante, que se misturava com estudantes e operários, ia quase
diariamente ao Café “Cova da Onça”, deambulava sozinho pela Ribeira, depois do seu longo expediente em
Palácio.
O autor deste ensaio várias vezes o viu no citado Café, entre políticos, conversando, discutindo,
debatendo problemas do tempo.
Simples estudante de Preparatórios e da Escola de Comércio de Natal, dirigida por Alberto Roselli e
Ulysses de Góes, não me aproximava dos grupos; ia conhecendo de longe políticos, advogados, magistrados,
médicos, jornalistas, empresários, comerciantes – o mundo pequeno-burguês que ali se movia.
A história do “Cova da Onça”, como a do “Grande Ponto” – para mencionar apenas os extremos
sociológicos da cidade, dividida entre Xarias e Canguleiros – ainda não foi escrita com as minúcias que a
crônica social reclama.
No seu livro – Natal que eu vi – Lauro Pinto faz a sua viagem um tanto sentimental pela cidade e
registra a atividade cultural e política que se exercia em vários pontos, inclusive nos que aí estão mencionados.
Já é um bom começo da crônica social natalense, que Luís da Câmara Cascudo esgotou na sua História da
Cidade do Natal, valendo-se aqui e ali de depoimentos pessoais, cuja significação histórica é indiscutível.
José Augusto deixou a sua imagem de democrata como que impressa na cidade, oferecendo-se, talvez
sem o perceber, ao julgamento do seu povo, que verdadeiramente amou e com o qual se identificou pela magia
da sua popularidade.
Era o construtor de novos tempos. Abria o Rio Grande do Norte à civilização que vinha chegando com os
primeiros aviões e com o voto feminino, até entregar o Estado a outro pioneiro - o Presidente Juvenal
Lamartine - que, embora diferente, ia completar a obra de democracia e de antecipação progressista, que se
consolidava pelo impulso irresistível do tempo novo e das novas coisas.
Participamos – nós, estudantes da época – dessa renovação que fazia de Natal um reduto do progresso,
uma cidadela da comunicação aérea, que chegava vertiginosa.
Era alguma coisa de que não podíamos sequer suspeitar. O poeta Jorge Fernandes - o maior nome da
poesia modernista no Rio Grande do Norte, redescoberto por Veríssimo de MeIo – anunciava em alguns dos
seus poemas as mudanças que começavam, quando se referia aos primeiros automóveis, o Ford de bigodes
que ia ser o burro motorizado do sertão, seguido de perto pelo Chevrolet igualmente civilizacional.
O Dr. José Augusto Bezerra de Medeiros estava precisamente no ponto de inserção das velhas coisas
com as novas. Ia caber-lhe o papel histórico de receber nas suas mãos o mundo que rasgava no céu as
estradas das grandes inovações. Augusto Severo, mártir da aviação, marcava a cidade do Natal pelo seu
trágico pioneirismo que, só na aparência, tinha sido derrotado pela fatalidade de um desastre.
Ninguém arrebataria ao Rio Grande do Norte o galardão dessa vitória, como de outras. Os primeiros
aviões e o primeiro sufrágio feminino eram os sinais da civilização que nós, jornalistas iniciantes, íamos
registrando nas nossas tímidas reportagens. Participávamos da História sem que o soubéssemos. Admirável
mistério do tempo!
José Augusto e Juvenal Lamartine tiveram um destino comum no alvorecer desses novos tempos.
Inauguraram estilos políticos e administrativos que chegaram, muitas vezes, a chocar o espírito
conservador ainda dominante, embora certos pioneirismos, como a fundação, em 1914, da Escola Doméstica
de Natal, tenha sido um passo arrojado na estrada das conquistas liberais. Henrique Castriciano sempre foi
contrário ao chamado “feminismo”, que começava a agitar as elites intelectuais. Ele queria formar a mulher
para o lar e não para a política, para uma competição com o homem. A mulher que o grande poeta pretendia
criar não era a mulher competitiva, a mulher eleitora, a mulher no governo, e sim a mulher doméstica,
preparada para dirigir a sua casa e educar os seus filhos.
Não era, portanto, o feminismo de Nísia Floresta que ele defendia e preconizava, embora admirasse
tanto a escritora.
De resto, segundo pude perceber das conversas que tive com Henrique Castriciano, o que ele admirava
em Nísia era mesmo a escritora, a poetisa, a comensal de filósofos como Augusto Comte – de quem chegou a
ser quase que uma segunda Clotilde de Vaux – ou de poetas como Lamartine, ou de historiadores como
Alexandre Herculano.
Henrique falava sempre no livro que pretendia escrever sobre Nísia Floresta Brasileira Augusta. Teria
sido um livro definitivo esse que ele não deixou. A tarefa, com o êxito esperado, ia caber a Adauto da Cmara
e, em síntese, a Oliveira Lima, em conferência pronunciada em Natal.
O artigo que Henrique publicou no Livro do Nordeste, comemorativo do centenário do “Diário de
Pernambuco”, em 1925, não está à altura do grande escritor, ainda que seja, como de fato é, um estudo lúcido
da forte personalidade de tão insigne mulher de letras.
Fonte: Extraído do Livro José Augusto Bezerra de Medeiros, “Um Democrata”, de autoria de Nilo Pereira. (págs. 47-52)
Este livro contou com o apoio da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte e da Secretaria de Cultura do Ministério da Educação e Cultura.
O Sr. José Augusto — Sr. Presidente, não venho fazer um discurso de combate, nem mesmo de crítica,
ao projeto de remodelação do ensino nacional, ora em debate.
Afastado radicalmente do ponto de vista em que se colocou o legislador atual, pensei em oferecer, nesta
3ª discussão, já que não tivera oportunidade de o fazer na 2ª, pois que me achava ausente da Capital, um
substitutivo ao projeto, no qual consubstanciasse as idéias e doutrinas que, a respeito do problema, de há
longo tempo, tenho firmado.
Não o farei, porém, e não o farei porque tenho absoluta certeza — eu o senti bem e perfeitamente o vi
acompanhando a votação em 2º turno — de que o substitutivo não mereceria a aprovação da Câmara,
orientada, como se mostrou, em sentido diametralmene oposto ao que me colocaria.
Se, porém, não insistirei em apresentar o meu substitutivo, nem por isso deixarei de frisar os princípios
em nome dos quais falo neste assunto, princípios que julgo os únicos convenientes à remodelação do ensino,
os únicos capazes de conduzir à solução dos graves problemas sociais que a vida nacional provoca e agita.
A minha divergência, Sr. Presidente, com o atual projeto de reforma, é radical.
Coloca-se o projeto no ponto de vista da oficialização, do monopólio do ensino pelo Estado, desde que
se firma no privilégio dos diplomas expedidos pelos institutos oficiais, ou pelos que a eles forem equiparados.
Ora, esse privilégio do diploma é, ao meu ver, empecilho insuperável à boa organização do ensino nacional.
(Apoiados.) E desde que o diploma seja considerado atestado único de capacidade, assegurado com
privilégios excepcionais, implicitamente o Estado arreda da concorrência, na preparação de profissionais, todos
aqueles que se não podem apresentar armados ou aparelhados da faculdade de conceder diplomas com os
mesmos privilégios e regalias.
V. Ex. imagina que estaria assegurada a liberdade de produção ou de comércio, se o poder público,
declarando haver essa liberdade, ao mesmo tempo determinasse só poderem produzir ou negociar tais e tais
estabelecimentos?
No meu modo de ver — e neste ponto insisto — o privilégio do diploma é o maior obstáculo ao pleno
desenvolvimento da instrução.
O fato é este: se assegurar a liberdade de comércio e, por outro lado, se restringir a determinados
estabelecimentos a faculdade de comerciar, essa liberdade estará de fato burlada.
O Sr. Joaquim Salles — A liberdade de comércio está estabelecida pela Constituição.
O Sr. José Augusto — Como o está a liberdade de ensino.
Os apartes dos nobres Deputados muito me honram, demonstração positiva que são da simpatia com
que me ouvem; mas, o tempo está a se esgotar e sou obrigado a prosseguir.
O Sr. Joaquim Salles — Ouvimos a V. Ex. com a maior atenção. (Apoiados gerais.)
O Sr. José Augusto — Muito grato a VV. EEx.
Dizia eu que, no substitutivo que elaborei para enfrentar o problema do ensino, parti do princípio da
abolição do privilégio do diploma, isto é, de que o diploma expedido por qualquer escola do Brasil não devia dar
situação especial ao que dele fosse portador.
Assim, entendo que, por um lado, melhor consultaria os interesses do ensino, que não pode, sem grave
prejuízo, ficar preso a essa preocupação do diploma, e, por outro lado, atenderia ao texto da Constituição e ao
seu espírito.
O Sr. Caldas Filho — Não se chamem diplomas; chamar-se-ão atestados, certidões de capacidade, e os
próprios adversários do diploma estabelecem o meio de verificar a competência, que é o concurso.
O Sr. José Augusto — O princípio do concurso é princípio republicano e ao concurso devem poder
comparecer todos, quer sejam ou não portadores de diplomas; aí se apurará não a presunção de capacidade,
mas a sua manifestação palpável, evidente.
Logo, o princípio do concurso não se pode equiparar ao princípio do privilégio do diploma; ao contrário, é
um princípio que a esse privilégio se contrapõe. (Apoiados.)
O Sr. Ildefonso Pinto — Um é a liberdade; outro, o monopólio.
O Sr. Caldas Filho — Louvo essas idéias do distinto orador, acho-as belíssimas, mas, S. Ex. supõe uma
sociedade muito bem organizada, onde cada qual tenha perfeita compreensão dos seus deveres e não procure
prejudicar a quem quer que seja, e disso, infelizmente, ainda estamos longe.
O Sr. José Augusto — Agradeço a colaboração de V. Ex.; mas, peço licença para prosseguir afim de que
possa terminar hoje o meu discurso.
Dizia eu, Sr. Presidente, que no substitutivo que elaborei e desejava oferecer à consideração da Casa,
tinha, como ponto de partida, o princípio de que o diploma não é a prova real da capacidade de quem quer que
seja. Portanto, não pode ter seu portador uma situação excepcional, não podendo com ele deixar de concorrer
terceiros que não sejam portadores de diplomas, mas que dêem provas de competência.
Diversos cultores do direito tenho conhecido, sem diploma, muito mais capazes que outros, diplomados.
No Rio Grande, há juizes não diplomados, e muito competentes. O Sr. Augusto Uflacker, por exemplo.
O Sr. Joaquim Salles — Lobão não era diplomado.
O Sr. José Augusto — Sr. Presidente, dizia eu que estabelecia como ponto básico do substitutivo, que
pretendia oferecer à consideração da Casa, o princípio de que os diplomas não devem garantir nenhuma
situação privilegiada aos seus portadores; ao contrário, como mera presunção de capacidade, devem ceder às
demonstrações reais da competência de outros que os não possuam.
Esta é a doutrina republicana que está assentada no texto da Constituição, e, quando não estivesse no
texto, estaria no espírito de regimes que adotamos.
O Sr. Joaquim de Salles — A verdade, entretanto, é que, com a liberdade do ensino, os diplomas, que
antigamente eram presunção de saber, ficaram sendo presunção de ignorância.
O Sr. José Augusto — Ao lado, Sr. Presidente, deste princípio básico, fundamental, eu estabelecia o
princípio da interferência do Estado em matéria de ensino. Quer dizer que eu não sou daqueles que acreditam
dever alhear inteiramente o problema da instrução da função do Estado.
Quero que o Estado, como ordenador supremo das necessidades sociais, venha colaborar, cooperar
com as outras forças sociais para a obra primacial de todo regime político, que se firma no sufrágio universal,
que é a obra da educação popular, sobretudo no regime republicano. Mas, si admito a colaboração do Estado,
a sua cooperação no problema do ensino, não justifico que esta intervenção se faça diretamente, o Estado
criando escolas, o Estado fundando escolas, o Estado provendo às escolas, o Estado regulando programas,
alterando-os, legislando a respeito de doutrinas científicas.
O Sr. Ildefonso Pinto — V. Ex. não quer a direção do Estado no assunto, mas somente a cooperação.
O Sr. José Augusto — Precisamente: quero a colaboração, não a monopolização pelo Estado.
O Sr. Ildefonso Pinto — V. Ex. está com a boa doutrina.
O Sr. José Augusto — A opinião de V. Ex. muito me satisfaz, porque parte de uma autoridade, de um
distinto professor de duas escolas superiores modelares no Rio Grande do Sul, uma figura brilhante da sua
bancada. (Apoiados.)
O Sr. Ildefonso Pinto — Muito obrigado a V. Ex.
O Sr. José Augusto — Estabelecia no meu substitutivo o princípio da intervenção do Estado no que
entende com o ensino; mas determinava que essa ingerência se fizesse de modo indireto, o Estado
subvencionando, amparando a iniciativa particular, vindo em auxílio desta onde ela existisse e criando
condições de tal ordem que permitissem que no meio social brasileiro essa iniciativa surgisse, cada vez mais
eficiente e cada vez mais proveitosa.
Para isso, é preciso que a immiscuição não seja direta, porque esta, por parte do Estado, é sempre
nociva, sendo o Estado o pior dos educadores; mas é necessário seja indireta, cooperador, subvencionada...
O Sr. Antonio Moniz — Fiscalizadora.
O Sr. José Augusto — ... e fiscalizadora também, naqueles institutos auxiliados pelo Estado.
Eu, Sr. Presidente, acentuava como é benéfica essa colaboração indireta do Estado na obra educativa e
como é nefasta a colaboração direta, monopolizadora, do Estado, em matéria de ensino. Para comprovar o que
venho afirmando, não careço mais do que recorrer à história nacional, nesse departamento da atividade social.
Nós temos feito, sobretudo no regime republicano, sucessivas reformas, todas elas, mais ou menos, com
exceção da do Sr. Rivadavia Corrêa, no sentido da oficialização, do monopólio do Estado; no entanto...
O Sr. Caldas Filho — Em 1901 não se fez oficialização: ao contrário, houve os equiparados.
O Sr. José Augusto — ... entram ministros, saem ministros e todos eles vem afirmar que o problema do
ensino não foi abordado, que continuamos sem instrução, sem educação nacional, isto porque a intervenção
do Estado tem sido, ao invés de benéfica, unicamente maléfica.
O Sr. Caldas Filho — A lei de 1891 foi inspirada pelo Sr. Benjamin Constant, cuja orientação positivista é
conhecida; entretanto, manteve a oficialização.
O Sr. José Augusto — V. Ex. não conhece, como eu, a história da elaboração daquela reforma por
informação de autorizado colega nosso; se conhecesse não diria dessa reforma, que é a lei Benjamin
Constant.
O Sr. Caldas Filho — Scripta est.
O Sr. José Augusto — A história nos bastidores é muito diversa. Oportunamente, eminente colega
nosso, de grande autoridade, esclarecerá a verdade histórica.
O Sr. Flávio da Silveira — Perfeitamente. Trata-se do Sr. Rodrigues Lima.
O Sr. José Augusto — a história do ensino no Brasil contradiz o princípio da intervenção imediata,
porque toda vez que o Estado tem procurado chamar a si a função direta de provar o ensino, a sua
interferência tem falhado em absoluto. Não sou eu quem o diz, são todos os ministros que tem ocupado a
pasta que superintende esse serviço; nos seus relatórios, nós encontramos a confirmação das palavras que eu
estou proferindo.
E, Sr. Presidente, a intervenção direta do Estado não tem sido funesta somente no regime republicano.
Também no regime monárquico, em que a orientação era no sentido da oficialização e do monopólio do
Estado, também no regime monárquico cujas excelências pedagógicas têm sido tantas vezes apregoadas,
também naquele regime, a obra da educação pelo Estado foi uma obra falha, incompleta e, mais do que isso,
nociva aos interesses da educação nacional. Quem o afirma, ainda não sou eu, é o Sr. Ruy Barbosa, no seu
celebrado parecer relatando o projeto de remodelação do ensino, em 1882, em palavras que vou ter a
oportunidade de ler e são as seguintes, diz s. Ex.:
“A verdade, dizia o Sr. Ruy Barbosa em 1882, é que o ensino público está à orla do limite possível a uma
nação que se presume livre e civilizada; é que há decadência, em vez de progresso; é que somos um povo de
analfabetos, é que a massa deles, se decresce, é uma proporção desesperadoramente lenta; é que a instrução
acadêmica está infinitamente longe do nível científico desta idade; é que a instrução secundária oferece ao
ensino superior uma mocidade cada vez menos preparada para o receber; é que a instrução popular, na Corte,
como nas Províncias, não passa de um desidenatum; é que há sobeja matéria para nos enchermos de
vergonha, e empregarmos heróicos esforços por uma reabilitação, em bem da qual, se não quisermos deixar
em dúvida a nossa capacidade mental ou os nossos brios, cumpre não recuar ante sacrifício nenhum.”
Já vê V. Ex., Sr. Presidente, e vê a Câmara que, se a intervenção direta do Estado, o monopólio do
Estado, no que toca ao ensino público, tem sido funesto na República, como atestam os relatórios de todos os
Ministros, também o fôra na Monarquia, como afirmam as palavras do Sr. Ruy Barbosa, grande autoridade na
matéria.
E, si a influição do Estado tem sido nefasta, como atesta a história da República e como atesta a história
da Monarquia, nós devemos procurar uma outra solução para o problema, encará-lo por outra face, buscar
outra orientação que não conduza o ensino a essa situação de descalabro a que se referia o Sr. Ruy Barbosa e
que se reflete nos relatórios de todos os Ministros do Interior na República.
Creio que a imiscuição indireta do Estado seria benéfica.
A intervenção indireta tem sobra a direta muitas vantagens; e ocupando-me da matéria referente ao
ensino primário, quando tive oportunidade de dirigir a instrução pública na minha terra, escrevi, em relatório a
respeito desse ensino, que a intervenção direta do Estado era incapaz de resolver o problema do Brasil.
A intervenção indireta, ao contrário, facilitaria a solução do problema, teria sobre a direta, pelo menos,
quatro vantagens. A primeira delas entende com a economia: a interferência mediata é a mais econômica em
toda parte. O Estado para auxiliar e subvencionar escolas precisaria lançar mão de recursos muito menores do
que para provê-las diretamente, nomeando professores, sustentando-os, marcando-lhes ordenados e
vencimentos.
A intervenção indireta do Estado tem, portanto, a vantagem de ser mais econômica, e com esta a de ser
mais democrática e nós que vivemos em um país que se diz democrático não devemos desprezar esta face da
questão. É mais democrático, digo, porque, pagando o Estado mais barato o ensino com a sua intervenção
indireta, poderá ter maior número de escolas e, portanto, maior número de educandos, que é o ideal da
democracia. (Muito bem.)
Ao lado destas vantagens de ordem democrática e econômica, ainda há a vantagem consistente em que
a intervenção indireta é muito mais eficaz, e isto porque em toda parte do mundo o professor particular exerce
muito melhor a sua função, interessa-se muito mais pela educação das crianças confiadas à sua guarda e
preenche muito melhor o seu papel de educador do que o funcionário público, embora se chame professor.
O Sr. Flávio da Silveira — Tem mais responsabilidade.
O Sr. José Augusto — Tem-na, de fato, porque além da fiscalização do poder público, tem a fiscalização
da família, principal interessada no assunto.
Além destas vantagens, econômica e democrática, e de ser mais eficaz, a intervenção indireta do Estado
ainda terá a vantagem de ser mais educativa, por isso que fará surgir na nacionalidade brasileira o espírito de
iniciativa em matéria de ensino, (muito bem), iniciativa que as leis atuais, ao invés de desenvolver e defender,
procuram embaraçar-se e dificultar.
Assim, a imiscuição mediata se justifica pelo menos por quatro razões, cada qual de maior valor: é mais
econômica, é mais democrática, é mais eficaz e é mais educativa. (Muito bem.)
A intervenção direta não tem sido nefasta somente no Brasil. Se consultarmos a história de todos os
povos, no capítulo referente ao ensino, verificaremos que toda vez que o Estado procura chamar a si a
atribuição de prover diretamente ao ensino público, a instrução decai e a sociedade retrograda.
Poderia citar aqui exemplos da história de quase todos os povos, mas limitarei a minha observação à
França, servindo-me de palavras das figuras mais representativas da intelectualidade francesa.
Antes de tudo, citarei Taine, o grande historiador filósofo nas Origens da França Contemporânea.
“Assim termina na França o cometimento francês da educação pelo Estado. Quando um negócio deixa
de estar nas mãos dos interessados e um terceiro, cujos interesses são outros, toma-o a seu cargo, tal negócio
não pode ir bem: cedo ou tarde, sua falha original se manifesta, e por efeitos inesperados. Aqui, o efeito
principal foi a desconveniência crescente da educação e da vida. Nos três grãos da instrução, para a infância, a
adolescência e a mocidade, a preparação teórica e escolar sobre bancos, por livros, prolongou-se e
sobrecarregou-se, em vista do exame, do diploma e da carta, em vista disto somente, e pelos piores meios,
pela aplicação de um regime anti-natural e anti-social, pelo retardamento excessivo da aprendizagem prática,
pelo internato, pela estafa, sem atenção ao futuro, à idade adulta e aos ofícios viris que o homem é chamado a
exercer, abstenção feita do mundo real no qual o moço viverá em breve, da sociedade ambiente à qual é
preciso adaptá-lo ou resigná-lo de ante mão, do conflito humano em que, para se defender e vencer, ele
precisa estar, antes de tudo, aparelhado, armado, exercitado.
Este aparelhamento indispensável, esta aquisição mais importante que todas as outras, esta solidez do
bom senso, da vontade e dos nervos, nossas escolas não podem comunicar; ao contrário, muito longe de dar
ao moço qualidades, elas o desarmam para sua condição próxima e definitiva. Pelo que sua entrada no mundo
e seus primeiros passos no campo da ação prática não são, o maior número de vezes, senão uma seqüência
de quedas dolorosas.
É assim Sr. Presidente, que Taine caracteriza a situação de desorganização a que chegou o ensino na
França com a intervenção direta do Estado.
Mas não é só Taine.
Gustavo Le Bom pinta-nos o quadro do insucesso da educação pelo Estado, na França, dando-lhe cores
ainda mais precisas.
São do eminente autor da “Psychologie de L’Education” as seguintes afirmações:
“Eis aí o que a Universidade fez da mocidade que lhe foi confiada, desta esperança da França, de que
ela não fez senão perverter ou atrofiar as almas.
Que virão a ser moços assim formados? Que serão eles mais tarde?
O que eles serão, sabemo-lo já, resignados ou desclassificados. Resignados, os que puderem entrar
para os empregos públicos, funcionários, magistrados, etc. Os prefeitos que os dirigiam no colégio serão
substituídos por outros que apenas pelos seus títulos diferirão dos primeiros. Sob a nova direção, cumprirão
com inércia as novas tarefas.
Encaminhar-se-ão lentamente para a maturidade, para a velhice, depois deixarão o mundo, após trinta
ou quarenta anos de vida vegetativa, com a certeza de terem sido seres nulos, tão inúteis a si próprios quanto
à pátria.
E os outros?
Os outros poderiam dirigir-se para a agricultura, a indústria, o comércio, mas não o fazem senão depois
de todas as tentativas. Entram, pois a contragosto e, em conseqüência, não vencem jamais. Por estas
profissões, que fazem a riqueza e a grandeza de um país, a Universidade só lhes tem ensinado o desprezo.”
Da educação moral, acrescenta Le Bon, as universidades não se ocupam absolutamente; das aptidões
intelectuais, apenas uma, a memória, é cultivada.
Julgamento, raciocínio, arte de observar, método, etc., não sendo catalogáveis em questões de exames,
são considerados inteiramente desprezíveis.
Todo o ensino secundário é feito à custa de manuais ou de ditados que o aluno deve aprender de cor e
recitar, com o que terá abertas as portas de todas as carreiras, incluindo o professorado, embora seja incapaz
do mais insignificante trabalhos pessoal.
Parecem, Sr. Presidente, escritas para o Brasil as palavras de Le Bon, tal a precisão com que se ajustam
ao nosso caso. Nem são só depoimentos de Taine e de Le Bon; tenho também o de Ribot, cuja autoridade no
assunto é extraordinária, porque foi ele quem provocou a grande enquete, da qual resultou a remodelação do
ensino da França.
Pois bem, é Ribot quem afirma:
“Nosso sistema de educação, é, em uma certa medida, responsável pelos males da sociedade francesa.
Um sistema que classifica os homens aos vinte anos, segundo os diplomas obtidos, priva o Estado do direito
de escolher os que se tem feito por si próprios e que as profissões livres têm posto fora de concorrência.
Aplicado somente a certas carreiras, como a de engenheiro, este sistema tem os seus inconvenientes.
Estendido à maior parte das funções públicas, torna-se um perigo, porque conduz a mocidade toda à
busca de diplomas inúteis, porque falseia as idéias sobre o papel da educação, porque enfraquece os laços
morais da nação, formando mais ou menos desclassificados que naufragam nos exames e que não tem
energia para empreender logo após uma segunda educação, e dando aos que triunfam a ilusão de que nada
mais lhes resta que o esforço para obter um emprego público.”
Ouçam V. Ex. e a Câmara o depoimento de Edmond Demolins, que, na minha opinião, é a figura mais
notável dos tempos últimos em matéria de educação na França. E digo figura mais notável, porque não foi
simplesmente um teórico do ensino. Sem jamais ter exercido qualquer função pública, na França, Demolins,
convencido de que os males de que o seu país se ressentia, eram males de educação, como por igual o são os
que nós sentimos, foi praticamente realizar a reforma que lhe parecia dever trazer solução ao problema que o
impressionava e interessava a toda a França.
Vou ler as palavras do grande vulto da pedagogia francesa.
O Sr. Ildefonso Pinto — V. Ex. poderia dizer que os resultados obtidos por Demolins vieram confirmar
suas previsões.
O Sr. José Augusto — V. Ex. diz bem. Os resultados colhidos por Demolins, na sua célebre “Ecole des
Roches”, foram tão extraordinários, que aquela escola tem hoje nunca menos de seis ou oito filiais, todas
preparando indivíduos úteis à pátria.
E tão notável foi a influência de Demolins nos destinos da França, que ao se iniciar a campanha pela
remodelação do ensino, em um preito de justiça, ao humilde, mas benemérito servidor do país, o próprio Ribot
afirmou que o que havia impressionado o seu espírito e determinado a resolução de promover essa
remodelação, a fim de que assim se chegasse à remodelação social, foi uma visita à “Ecole des Roches”. Ele
viu que a “Ecole des Roches” não preparava nem diplomados, nem bacharéis, porém homens para a vida
prática, de acordo com a bela divisa da escola:
“Bien armés pour la vie”.
A orientação de Demolins foi tão eficaz, que Ribot o veio confirmar, acrescentando que a ação do grande
educador era mais notável quanto ao ensino, embora nunca tivesse sido, sequer, bedel de um estabelecimento
de instrução, que a de quantos ministros tem passado pela pasta da instrução pública, na França, e V. Ex.
sabe, Sr. Presidente, que alguns tem sido competências verdadeiras.
Pois bem, é de Demolins a palavra:
“Nosso regime escolar atual, diz Demolins, forma essencialmente funcionários; é pouco apto a dar outro
produto. É, sobretudo, incapaz de formar o homem.
Para galgar uma situação de independência é preciso ter, antes de tudo, iniciativa, vontade, hábito de
confiar em si próprio. O regime escolar francês não somente não desdobra estas aptidões, como as comprime,
as esmaga”.
Eis aí, Sr. Presidente, o depoimento da história do ensino francês.
Toda vez que o Estado quis interferir diretamente, investindo-se de funções que lhe não deve caber, o
fracasso foi completo.
Como o da França, eu poderia citar o exemplo de outros povos, e poderia referir a V. Ex. que só os
povos que não tem a preeminência social na época atual procuram restringir ainda o ensino a uma função
exclusiva do Estado.
Somente assim se faz nas nações em que não há a escola harmonizada com a vida, mas, ao contrário, a
preocupação da formação de burocratas, grave praga que, infelizmente, se enraizou em nosso país.
Meu substitutivo, portanto, ao lado desse princípio central, abolindo os privilégios dos diplomas,
estabelecia o princípio da intervenção indireta do Estado; mas o meu substitutivo, que chamarei manqué
(Protestos)...
O Sr. Caldas Filho — Só porque não o chegou a apresentar...
O Sr. José Augusto — ...não estabelecia somente esses dois princípios: a abolição do privilégio, que cria
uma situação excepcional para alguns, e o princípio da intervenção do Estado dever ser feita indiretamente; ele
ainda se afastava da orientação do atual projeto, no seguinte: enquanto na reforma em discussão,
exclusivamente se atende ao ensino secundário e ao superior, o meu substitutivo não cogitava, absolutamente,
desses dois aspectos do assunto, justamente porque creio que o ensino secundário e superior devem ser como
que o coroamento do edifício, a sua cimalha, e, em um regime que se intitula democrático, em cuja vigência
vivemos...
O Sr. Ildefonso Pinto — Apoiado! E a democracia é, essencialmente, contra todos os privilégios.
O Sr. José Augusto — ... devemos cuidar, antes de tudo, dos alicerces, da base, dos suportes; devemos
cuidar, sobretudo, do problema do ensino primário, doméstico, normal, técnico e profissional (apoiados), pois,
só isso pode, dar ao ensino uma orientação eficiente, de finalidade prática para a grandeza e para a
prosperidade do nosso país. (Muito bem.)
Reformar, porém, como Euclydes da Cunha dizia, pelas cimalhas, reformar o ensino secundário e o
superior, é incidir no erro em que temos vivido, e criar uma espécie de ensino oligárquico, porque é, em toda a
parte, de exceção este ensino, não é o ensino popular por excelência.
Em um país que se diz democrático, a reforma do ensino primário deveria vir antes de qualquer outra,
justamente porque a democracia não deve, nem pode existir sem o esclarecimento das massas; sem a
formação da consciência dessas mesmas massas; e não é possível esclarece-las, nem lhes dar consciência,
estabelecendo apenas um ensino para a elite, para as classes dirigentes.
O Sr. Joaquim Osório – Sem haver a menor preocupação com o ensino primário.
O Sr. José Augusto — Neste ponto, portanto, eu me afastava ainda da orientação de reforma atual, e
creio que me afastava, para melhorar o ensino, para dar-lhe, pelo menos, essa finalidade prática, proveitosa,
benéfica aos interesses do país.
Devemos partir do princípio de que a crise que nós sentimos, sob as diversas modalidades, quer se
chame crise política, econômica, financeira, quer se chame crise moral, quer se chame crise de caráter, tudo
se reduz, Sr. Presidente, a uma questão de defeito, de falta de educação. (Muito bem. Apoiados.) É, acima de
todos, o problema, nacional; e a democracia brasileira tem se mostrado até hoje impotente para resolvê-lo, com
a constante preocupação de fazer reformas pela fachada, pela cimalha, pelo alto...
O Sr. Presidente — Peço o orador o obséquio de resumir suas considerações, porquanto faltam apenas
cinco minutos para terminar a hora regimental da sessão.
O Sr. José Augusto — Agradeço a V. Ex. o aviso, e vou terminar as observações com relação este ponto
do meu substitutivo, pedindo a V. Ex. que me reserve o direito de falar amanhã.
O Sr. Presidente — Há outros oradores inscritos.
O Sr. José Augusto — Perfeitamente. Peço a V. Ex. me considere inscrito para falar em outra
oportunidade, pois não faço questão de precedência.
Dizia eu, Sr. Presidente, que o meu substitutivo cuidava, de um lado, de fazer vingar a abolição do
privilégio do diploma, princípio constitucional descurado até hoje: buscava, de outro lado, estabelecer a
intervenção indireta do Estado em matéria de ensino, afastada a preocupação do Estado educador; e, em
terceiro lugar, procurava incrementar, desenvolver, dar mão forte a iniciativa particular, no que entende com o
ensino primário, doméstico, normal, profissional e técnico.
Amanhã, ou quando V Ex. me der a palavra, continuarei a discutir do meu ponto de vista, justificando
minha orientação com relação a cada um desses aspectos do ensino. (Muito bem; muito bem. O orador é muito
felicitado.)
O Sr. José Augusto — Sr. Presidente, vou prosseguir nas considerações que ontem havia iniciado em
derredor da questão do ensino público, ora em debate nesta Casa do Congresso,
Para fazê-lo, e melhor methodizar a minha exposição, devo começar recapitulando, embora em breves
termos, os princípios hontem por mim formulados, que me parecem os únicos capazes de conduzir a uma
solução satisfactoria o problema do ensino.
O Sr. Flávio da Silveira — Solução definitiva.
O Sr. José Augusto — Exactamente.
Sr. Presidente, todos os aspectos da actividade social, o modo de ser de cada povo, suas instituições,
seus costumes, seu direito, sua cultura, sua civilização, tudo dimana de uma tríplice ordem de causas,
cósmicas, biológicas, moraes.
Não obstante, o factor preponderante é sempre a educação.
Os sociólogos mais autorizados, e entre elles Demolins em uma série de livros notáveis pelo vigor e
justeza de sua argumentação, são accórdes em affirmar que as nações evoluem ou decahem, não
simplesmente porque os seus habitantes pertençam a tal ou qual raça superior ou inferior, mas, sobretudo,
quando a educação que recebem é de molde a fazer sociedades fortes ou povos sem energias.
O confronto entre as civilizações latina e anglosaxonia, feito por Colajanni, Demolins e outros de igual
valia deixa demonstrado de modo a não poder pairar sombra de dúvida no espírito o mais exigente que, por
exemplo, a superioridade inconteste actualmente exercida no mundo pelo inglês, não é o fructo de condições
de natureza physica, não resulta de qualidades ethnológicas, mas prende-se directamente à admirável
organização do seu systema educativo, orientado desde os mais remotos tempos para a formação de uma
nacionalidade composta de homens vigorosos e enérgicos que sabem ter um ideal e prossegui-lo até o fim, de
um povo que vence todos os outros, em todos os continentes e em todos os domínios, entregando-se antes de
tudo às profissões que dão a um país a força e a supremacia — a agricultura, a indústria, o comércio.
Não assim entre os latinos, cuja finalidade educativa se reduz, na hora presente, a formação de
burocratas e bacharéis.
Firmada a influência decisiva da educação nos destinos da sociedade, ressalta como corollario lógico a
necessidade de interferir o poder público, responsável que é pela direcção da vida social, no que entende com
as instituições educativas, o que não quer dizer que eu applauda a attitude dos que pretendem a absoluta
officialização do ensino, o monopólio pelo Estado desse serviço, em todos os seus grãos, quando razões de
toda ordem, ao contrário, aconselham que limitemos o papel do Estado ao de fomentador e incrementador de
sua ampla diffusão.
Isto, Sr. Presidente, si realmente é nosso o propósito de dar ao ensino proveitosa e fecunda missão
educativa.
É da história de todos os povos a lição.
É da história do próprio Brasil, onde o insuccesso das constantes, repetidas reformas por que tem
passado a instrucção pública, conforme deixei demonstrado, todas mais ou menos no sentido da officialização,
evidencia-nos irrefragavelmente que a interferência directa do poder público não convém, antes contradiz, os
elevados interesses da instrucção.
Na França assim tem sucedido.
Foi o que hontem mostrei abundantemente, Sr. Presidente, citando palavras de Taine, o grande
historiador-philósopho nas Origens da França Contemporânea, de Gustavo Le Bon, autor da Psychologia da
Educação, de Ribot, o promotor da enquête parlamentar que deu em resultado a última remodelação da
educação francesa e, afinal, de Edmond Demolins, a maior figura da pedagogia na França, nos últimos annos,
todos concordes na condennação formal ao regimen de estadismo, como chama Le Bon, a que se procurou
reduzir, naquelle grande país, a questão do ensino.
O exemplo da França é, pois, eloqüente como attestado da inferioridade do Estado quando busca prover
directa e immediatamente às cousas do ensino.
E si lançarmos as nossas vistas para o que se passa nas outras nações orientadas no sentido da
absorção pelo poder público das funcções da vida privada, concluiremos, como conclui hontem, que onde quer
que o Estado tenha procurado monopolizar a direcção do ensino, este tem falhado por completo, mentindo à
sua finalidade.
O Sr. Simões Lopes — Neste ponto pode-se citar a excepção da Allemanha.
O Sr. José Augusto — Mesmo o exemplo da Allemanha invocado pelo meu illustre amigo e distincto
collega, cujo nome declino com sympathia, Sr. Simões Lopes, não confirma de todo o princípio intervencionista,
porquanto, se o governo allemão intervém em matéria de ensino, não o faz excluindo a cooperação das outras
forças sociaes. É sabido que as Universidades, modeladas segundo o typo das universidades medievaes, são,
na Germânia, reguladas em grande parte por estatutos que ellas mesmo se traçam e a sua administração é
confiada a reitores eleitos dentre os professores ordinários.
Accresce que o que tem feito principalmente a grandeza da Allemanha, tem sido o seu admirável ensino
profissional e technico...
O Sr. Dunshere de Abranches — Apoiado.
O Sr. José Augusto — ... e este, conforme ainda há pouco li em um bello trabalho de George Blondel,
tem surgido alli, quasi sempre, da iniciativa particular, vindo o Estado posteriormente, como auxiliar, agindo,
pois, indirectamente.
O Sr. Simões Lopes — Mas o ensino primário é obrigatório na Allemanha.
O Sr. Pedro Moacyr — A lei Rivadavia, tão desastradamente revogada pela reforma Maximiliano, tinha
um certo fundo universitário allemão, mais ou menos trançado com a orientação positivista.
O Sr. José Augusto — Affirmei, Sr. Presidente, no meu primeiro discurso, que a intervenção indirecta do
Estado em matéria de ensino tem sobre o systema que se lhe oppõe, pelo menos quatro vantagens evidentes:
a vantagem de ordem econômica, ou financeira, a de ser mais democrática, podendo o Estado estender o
benefício da instrucção a muito mais elevado número de educandos, a de ser mais efficaz, porque em toda
parte do mundo o professor particular interessa-se mais pelo ensino do que o professor funccionário público, e
finalmente a de ser mais educativa, fazendo surgir e animando a iniciativa privada em assumpto que, por sua
própria natureza, aos particulares, à família é que deveria estar affecto.
O Sr. Pedro Moacyr — É pena que não estejam presente os membros da Commissão de Instrucção
Pública para ouvir o bello trabalho de V. Ex.
O Sr. Flavio da Silveira — Nas há alguns membros presentes, o Sr. Rodrigues Lima, o Sr. Caldas Filho,
eu e o próprio orador.
O Sr. José Augusto — Sr. Presidente, a immiscuição do Estado no que entende com o ensino, para ser
proveitosa, deve ser mediata, indirecta.
Para confirmá-lo, basta olhar para a situação de prosperidade a que attingiram as sociedades em que a
intervenção se faz indirectamente, entre ellas os Estados Unidos e a Inglaterra.
Vou ler, em relação à Norte América, um trecho de Paul de Rousiers, no seu formoso livro “La Vie
Americaine”, auctor que escolhi de preferência entre os que daquelle país se teem occupado por ser filho da
França, país intervencionista e referir-se a Nação que segue a orientação opposta.
O Sr. Pedro Moacyr — Individualista.
O Sr. José Augusto — Individualista, perfeitamente.
Diz Paul de Rousiers: Por toda parte onde conduzimos nossa observação verificamos que o que faz do
americano o trimphador, o que constitue o seu typo, o que faz predominar o bem sobre o mal, é o valor moral,
a energia pessoal, a energia em acção, a energia creadora.
Essa energia creadora é de tal sorte fecunda que, lançando hoje as vistas sobre esse immenso
continente, quasi deserto ha cem annos, povoado somente de búfalos e de índios, vel-o-hemos cortado de
estradas de ferro, coberto de cidades florescentes, de ricas searas; sua cultura, sua indústria, seu commercio
tornaram-se uma ameaça para a Europa, e o Velho Mundo, armado até aos dentes, respeita e teme esse país
em que a conscripção é desconhecida.
Quem realizou semelhante transformação? Uma poderosa metrópole? Um soberano de gênio? Não,
particulares, um pequeno número de cultivadores e mercadores.
Fizeram mais ainda os americanos: organizaram um governo que os serve, e contra os excessos do qual
elles podem reagir sem uma revolução violenta.
Em summa, tudo fizeram e sua obra cada dia se desdobra.
Foi bem, pois, pela energia dos indivíduos que a sociedade americana se constitui e se sustenta.
E a energia individual que é a mais segura característica da sociedade americana, decorre justamente
do seu admirável apparelho educativo que Omer Buyse resume nas seguintes palavras: “Em cada phase dos
trabalhos escolares, desde os jardins da infância até os collegios technicos, o jovem americano é conduzido
frequentemente a actos de iniciativa. Em cada uma das suas faculdades intellectuaes e moraes, elle accumula,
no decorrer dos seus estudos, uma somma de energia potencial de que se utilizará em situações ulteriores,
nas diversas circunstâncias da vida, ao saber de suas necessidades.
É por seus méthodos viris que a escola depõe nos músculos e nos nervos da mocidade, as virtudes que
fazem o valor do povo americano, a necessidade de actividade tenaz e perseverante, a energia para “realizar o
esforço”.
O mesmo poderia dizer-se da Inglaterra, cuja formação social obedece, em suas linhas geraes, aos
mesmos processos que norteam a actividade nos Estados Unidos.
Entretanto, Sr. Presidente, trata-se de povos em que os diplomas não dão situação privilegiada, valendo
apenas como distincções honoríficas e em que a ingerência do poder público no que toca ao ensino surgiu
tardia e timidamente, limitando-se o Estado, quase sempre, a auxílios indirectos, entregando às forças privadas
a administração das próprias escolas públicas, em harmonia com os poderes locaes, havendo, afinal, não
opposição, mas cooperação entre as forças públicas e as forças privadas, e entre os poderes locaes e o
Estado, conforme assignala Paul Descamps.
É a interferência indirecta no ensino, como a praticam com efficiência os Estados Unidos, a Inglaterra e
outros povos, que eu advogo para o nosso país.
E aqui está um dos pontos em que divirjo radicalmente do projecto que discutimos, pois este reduz o
ensino quase que exclusivamente aos institutos officiaes, afastando, annullando as boas iniciativas
particulares.
Mas do projecto me afasto ainda quando este cuida somente de instrucção secundária e superior e eu
desejaria, ao contrário, que a nossa preoccupação primeira fosse a diffusão do ensino primário, dever
elementar dos regimes que se rotulam de democráticos.
O Sr. Gustavo Barroso — V. Ex. dá licença para um aparte?
O Sr. José Augusto — Como não? Ouço sempre a V. Ex. com o mais vivo dos prazeres.
O Sr. Gustavo Barroso — O problema do ensino, no Brasil, é como uma casa de que só se pinta a
fachada.
O Sr. José Augusto — É justamente o que eu tinha dito. Nós só nos preoccupamos com a parte
decorativa.
O Sr. Gustavo Barroso — Com a parte básica ninguém se preoccupa.
O Sr. José Augusto — Ao envez de prepararmos os alicerce da nossa nacionalidade, fazendo guerra
firme e decidida ao analphabetismo, cuidando do ensino popular, vivemos a legislar para as élites, para uma
pequena parte da população brasileira, justamente aquella...
O Sr. Almeida Fagundes — A que a fortuna favorece.
O Sr. José Augusto — ... a que, como bem diz o meu prezado collega, Sr. Almeida Fagundes, a fortuna
favorece.
O Sr. Octacílio de Albuquerque — Que já vem acarretando com os erros e vícios do ensino elementar.
O Sr. Gustavo Barroso — Com a falta do ensino primário, no Brasil.
O Sr. José Augusto — Conclui hontem as observações que me pareceram opportunas em relação à
questão do ensino, affirmando a necessidade da União immiscuir-se no desenvolvimento do ensino primário,
na educação da mulher, no ensino normal e no profissional e technico, embora por meios indirectos.
Meu fito hoje, Sr. Presidente, não é outro que precisar a acção que o poder público deve Ter em relação
a cada um desses problemas.
O Sr. Octacílio de Albuquerque — V. Ex. representa a opinião acceitável, porque é uma espécie de meio
termo entre a officialização e a emancipação do ensino.
O Sr. José Augusto — Sou muito grato ao apoio que V. Ex. dá às minhas opiniões.
Sr. Presidente, uma das objecções mais repetidas e insistentemente levantadas contra a intervenção do
poder federal em matéria de ensino primário é a que entende com o texto constitucional, que se diz ter tornado
privativo dos Estados o legislar sobre aquelle serviço.
Eu não procuro examinar, Sr. Presidente, si o pacto federal, na materialidade de sua lettra, impede à
União de agir no sentido da diffusão da instrucção elementar, embora de maneira indirecta.
Se o texto constitucional dá lugar a semelhante interpretação, e devo notar que não está unanimemente
firmada a doutrina dos que assim opinam, havendo entre os jurisconsultos brasileiros quem affirme justamente
o contrário, como o fez Araripe Junior e como o fazem no seio desta Câmara, os illustres Srs. Passos de
Miranda, Augusto de Lima, José Bonifácio e Felix Pacheco, entre outros, o que sei é que nós vivemos sob um
regimen que se diz democrático e republicano, regimen que se deve firmar, antes de tudo e sobretudo, na
consciência esclarecida das massas populares; o que sei, Sr. Presidente, é que a Constituição, que é a
objctivação organizada de tal regimen, não pode permitir que a autoridade federal cruze os braços deante do
problema, de cuja solução depende a vida e a efficacia das proprias instituições, pois, como bem observa
Reinach, quanto mais um regimen político se democratiza, tanto mais os problemas de ensino primário tomam
a dianteira aos do ensino secundário. O contrário se produz logo que o regimen revela tendência olygarchica
ou censitaria.
Si a lettra da Constituição não permite a interferência da União na questão do ensino primário, não
esbarremos nós deante da materialidade da lei, pois temos acima dessa materialidade o espírito das
instituições que adoptamos, a salvação do próprio regimen, pois não são possíveis república e democracia em
um país de analfabetos.
Acresce, Sr. Presidente, que há no direito público moderno uma accentuada corrente liberal, de origem
creio que americana, segundo a qual os textos das Constituições devem ser interpretados elasticamente,
mudando de significação, embora a inalterabilidade de sua lettra, conforme as mutações das necessidades
fundamentaes e orgânicas da sociedade.
A semelhante orientação fazia, em 1907, referencia no Senado da República, o então eminente Senador
pela minha terra, o Sr. Meira e Sá, hoje honrando a magistratura federal no Rio Grande do Norte, com
applausos na Câmara dos Deputados de um outro brilhante espírito, o Sr. Castro Pinto.
E que as necessidades nacionaes reclamam a acção do Poder Federal no assumpto do ensino primário
é o que facilmente poderá ser demonstrado. Os Estados federados do Brasil sentem-se incapazes de resolver
o problema da ampla diffusão do ensino elementar.
Citarei o exemplo do próprio Estado de São Paulo, que é o modelo constantemente, e com justiça,
invocado em nosso país.
Consumindo com a instrucção elementar uma dotação orçamentária talvez impossível de exceder de ora
em deante, S. Paulo não tem conseguido escolas públicas sinão para menos de 40% da população em idade
escolar.
Isto quer dizer que, dentro dos recursos que a Constituição reservou aos Estados, e tendo estes de curar
de outros problemas e não simplesmente do ensino primário, não é possível encontrar solução completa para a
instrucção pública elementar.
O Sr. Octacílio de Albuquerque — Há poucos dias, e no sentido das affirmações de V. Ex., os jornaes
publicaram uma estatística curiosa relativa ao ensino creio que nos Estados de S. Paulo, Minas, Santa
Catharina e Espírito Santo.
O Sr. Pedro Moacyr — V. Ex. deve também notar que o regimen constitucional dos Estados varia sobre
este ponto. Constituições há que dizem dever ser o ensino primário leigo e gratuito. Outras accrescentam a
obrigatoriedade, etc.
O Sr. José Augusto — V. Ex. tem razão. Sr. Presidente, eu poderia appellar até mesmo para o exemplo
do meu Estado, certamente pequenino, modesto e de recursos parcos, mas onde a preoccupação de animar
as obras educativas ainda não abandonou os seus dirigentes. Quando occupei funcção directora na instrucção
pública do Rio Grande do Norte, tive opportunidade de mostrar que, ainda mesmo que orçamento do Estado
triplicasse, isto é, quando a receita global fosse não de dous mil contos, mas de seis mil, e quando todos os
seis mil contos fossem exclusivamente applicados em obras de educação elementar, ainda assim não teríamos
escolas para toda a população em idade de frequentá-las.
Isto quer dizer, e as estatísticas demonstram, que os Estados, por muito bem orientados que sejam,
como o de S. Paulo, não podem por si sós, com os seus recursos próprios, resolver o caso do ensino primário.
Reatando, Sr. Presidente, o fio das minhas observações, dizia eu que, ainda mesmo que a letra do
nosso estatuto supremo impedisse à União interferir em assumpto de ensino primário, eu preferia appellar,
deante da impotência dos Estados para resolvê-lo, para o espírito do regimen, para o espírito republicano que
reclama da União a cooperação nessa obra que reputo de salvação da nossa nacionalidade, ou pelo menos de
salvação das instituições políticas que nos regem. (Muito bem.)
A questão do ensino primário é, portanto, uma questão básica, uma questão fundamental, e assim tem
sido comprehendida, por todos os povos, cuja evolução histórica se faz justamente, na hora actual, no sentido
de tornar o problema do ensino primário, o aspecto primacial da actividade dos altos poderes governamentaes.
(Apoiados.)
Por isso, Sr. Presidente, eu estabelecia no meu substitutivo...
O Sr. Pedro Moacyr — V. Ex. chegou a apresentar substitutivo?
O Sr. José Augusto — Não o apresentei em 2ª discussão porque estava ausente desta Capital, em
obediência a imperiosos deveres que me chamaram com urgência ao seio da família.
Não o apresentarei agora...
O Sr. Pedro Moacyr — V. Ex. da tribuna está mostrando grande competência...
O Sr. José Augusto — Bondade de V. Ex. do mais, está revelando que é veterano e não calouro, pois os
projectos que não têm o bafejo das comissões estão condemnados.
O Sr. José Augusto — É por este motivo que me não animo a apresentar o meu substitutivo.
O Sr. Joaquim Osorio — Em todo caso, há um projeto do Sr. Alvaro Baptista que contém idéas
approximadas das que o nobre Deputado pretendia consubstanciar no seu substitutivo.
O Sr. José Augusto — É verdade. O meu ponto de vista é approximadamente o do Sr. Álvaro Baptista;
divergimos apenas em nuances.
Mas dizia eu, Sr. Presidente, que não offerecia o meu substitutivo, justamente por que tinha a certeza,
deante do pronunciamento da Câmara no 2º turno, de que quando muito elle lograria uma palavra de generosa
sympathia dos meus dignos companheiros da Commissão de Instrucção Pública.
O Sr. Pedro Moacyr — Enterro de primeira classe.
O Sr. José Augusto (rindo) — Enterro de primeira classe.
No meu substitutivo cogitava eu ainda de outros aspectos educativos, a respeito dos quaes creio de
utilidade o interesse do poder federal.
É assim, Sr. Presidente, que eu providenciava a respeito da educação da mulher, e o fazia ainda do
ponto de vista em que me colloquei desde o começo no que entende com a acção do Estado que só reputo
legítima e útil, quando se faz sentir por meios indirectos, fomentando as iniciativas privadas.
O Sr. Pedro Moacyr — Nessa opinião é preciso andar com muito cuidado...
O Sr. José Augusto — Ando sempre cuidadosamente principalmente quando me refiro às mulheres.
Além do mais, apesar de já ter transposto os trinta janeiros, ainda estou solteiro e preciso não me
incompatibilizar com ellas. (Risos.)
O Sr. Pedro Moacyr — ... porque a respeito da educação da mulher poderemos chegar a conclusões um
pouco differentes dos excellentes princípios fundamentaes que V. Ex. estabeleceu em começo.
O Sr. José Augusto — V. Ex. vae ver que não há contradicção. Neste assumpto, como em todos os
aspectos do ensino, o que quero é que o Estado auxilie, subvencione, anime, ampare as Escolas que se
fundarem com o intuito de dar à mulher a educação que a conduza à situação de preeminência social que lhe
cabe a justo título.
O Sr. Almeida Fagundes — Sem programma official.
O Sr. José Augusto — Está claro: sem programma official, porque não reconheço no Estado a
capacidade de traçar programmas e decretá-los.
Sr. Presidente, a propósito da educação feminina eu pediria licença à V. Ex. e à Câmara para ler uma
página formosíssima de um distincto poeta patrício, ao mesmo tempo um espírito prático, dotado de grandes
qualidades de observação, página em que o poeta, através de um ligeiro incidente de viagem, põe em
contraste o que a educação fez da mulher na Suissa e o que produz no Brasil.
O escriptor a que me refiro é o Sr. H. Castriciano.
O Sr. Pedro Moacyr — Seu patrício é muito distincto.
O Sr. José Augusto — Muito illustre vice-governador da minha terra.
Como vae vêr a Câmara, é um poeta que lida com as musas e com as questões sociaes e políticas.
O Sr. Pedro Moacyr — Há tantos outros: Lamartine, por exemplo.
O Sr. Simões Lopes — José Bonifácio.
O Sr. José Augusto — Diz H. Castriciano: “Em fins do outomno de 1909, viajava eu no lago Leman, de
Genebra, para Lausanna, quando irreprehensivelmente vestido, veio sentar-se perto de mim, um casal
brasileiro.
Eu viajava como touriste de recursos parcos, calçando sólidas botinas de couro de bezerro, vestindo
econômico e rude casacão de casemira escura.
Cumprimentei os patrícios, elles retribuíram com frieza a minha saudação; e não foi adiante a nossa
cortesia.
Entre nós cahiu um silêncio frio, irritante, hostil.
Comecei a ler ou a fingir que lia; o casal me observava com disfarce, mal escondendo a sua confusão
deante de um compatriota sem jóias finas e sem trajar no rigor da moda.
As barcas que trafegam no Leman conduzem sempre número considerável de passageiros; foi-me fácil,
portanto, mudar de banco. Fiquei mais à vontade e pude olhar sem vexame esse par de compatriotas
ingênuos, não sei si ricos, não sei se distinctos, mas muito bem trajados.
O rapaz, magríssimo, ostentava no indicador direito magnífico annel: doutor em qualquer cousa... A
moça, de olhos garços e tez branca, formosíssima, tinha o ar macilento das reclusas, a belleza mórbida das
mulheres fataes.
A barca estacionou um instante em Coppet, onde, com a mais viva alegria, entraram diversas
educandas, acompanhadas das professoras, em respeitosa camaradagem, sorrindo ao sol de Outubro,
excepcionalmente bello naquelle dia, derramando também o seu riso de luz no lago tranquilo e nos Alpes
nevados.
Aquellas moças vestiam com absoluta simplicidade e conduziam, sem lânguidos requebros, pesadas
bolsas a tiracollo, contendo artefactos de ensino.
A mais alentada sentou-se junto da minha patricia e, puxando volumoso livro de notas, começou a
escrever rapidamente, a perna direita sobre a esquerda, sem ligar importância à estrangeira amuada que o
acaso lhe dera por vizinha de alguns minutos.
Talvez porque lhe fizesse mal aos nervos o ruído do lápis annotador, talvez porque lhe magoasse a vista
o grosso vestuário da jovem, o certo é que a senhora brasileira ergueu-se, arrimada ao braço do marido, de
quem concertou o laço da gravata, e murmurou fazendo beicinho:
Que gente!
Elle, muito superior, acquiesceu em concordar que aquelle povo era realmente atrasado, com mulheres
que andavam mal vestidas, pesadamente, como se fossem pessoas do commercio, — accrescentou,
sibilante...
Momentos depois, desembarquei em Ouchy, arrabalde de Lausanna, a velha capital do cantão de Vaud
e, como é sabido, uma das cidades mais cultas da Suissa, com muitos estabelecimentos de ensino, onde se
educam dezenas de crianças estrangeiras, cujas famílias, não raro, alli vão residir enquanto os filhos
completam os estudos.
E uma cousa me chamou logo a attenção: nas principaes ruas, em frente às calçadas cheias de
transeuntes, disposta com o máximo asseio e arte, formando o originalíssimo renque de plantas mortas,
achava-se exposta à venda immensa quantidade de flores, de verdura e de fructos.
No centro das ruas, aliás íngremes e estreitas, era grande o número de senhoras, de andar firme, com o
aprumo natural dos fortes, enluvadas e trajando roupas sóbrias. Compravam, sem discussão, pagavam às
pressas e lá iam, rua acima, rua abaixo, conduzindo ellas mesmas, em cabazes apropriados, a couve, a
cenoura, o espargo — em uma palavra, tudo quanto uma horta européia produz.
Eu acabava de chegar do Brasil, da terra em que o trabalho manual é considerado castigo infamante, em
cuja metrópole dará triste cópia de si quem, decentemente vestido, atravessar a rua do Ouvidor conduzindo
qualquer pacote.
Vinha do Brasil de hoje, sob tantos aspectos ainda colonial, não obstante o verniz de civilização com que
se ostenta; do Brasil que não há muito memorou o seu quarto centenário apertado no espartilho das
ordenações — já golpeado felizmente — immenso gigante desnutrido, paupérrimo no meio de fabulosa
riqueza.
Entrei na livraria Payot, situada no começo da rua de Bourg, a Ouvidor de Lausanna; e, após discreta
indagação, vim a saber do livreiro que essa feira é bi-semanal e as suas frequentadoras pertencem às
primeiras famílias da cidade: o livreiro accrescentou, envaidecido, esta phrase que seria irônica em lábios
franceses:
Na Suissa ninguém se envergonha de trabalhar, porque todo o mundo sabe ler...
Testemunha da ordem, da simplicidade, da alegria nada ruidosa dessa república inimitável, o que no
momento me chamava a attenção e me dispertava a irrequieta curiosidade, não era a calma actividade do povo
em geral, mas a robustez e a tranquilla segurança das mulheres, todas evidentemente preocupadas com
alguma tarefa séria.
Mais tarde, consultando ligeiro trabalho econômico, encontrei a explicação de tudo em poucos
algarismos.
A felicidade, tão lembrada sempre, do povo suisso está na educação das mulheres. Esse pequeno povo
de menos de quatro milhões de indivíduos, habitando um território de pouco mais de quarenta e um mil
kilômetros quadrados, dos quaes um quarto é improductivo, sem minérios, sem colônias, fallando três línguas,
com duas religiões que em toda a parte do globo se combatem, tornou-se profundamente unido, depois de
graves dissenções, um dos primeiros do mundo, porque fez do sexo feminino um sério elemento de progresso.
Comprehendem os dignos collegas que me distinguem com a sua attenção que, não devo concordar em
absoluto com o poeta em apresentar a lânguida brasileira que encontrou no lago Leman como o modelo real da
educação da mulher no Brasil.
Mas, o que é impossível esconder é que nós não fazemos da mulher, como a Suissa, um sério elemento
de progresso social.
Ensinamos-lhe o piano e o francês, mas esquecemos habilita-la para exercer a sua missão de natural
educadora do lar ...
O Sr. Barbosa Rodrigues — Para a indústria materna.
O Sr. José Augusto — ... como esquecemos dar-lhe uma certa formação profissional para que se não
encontre ao desamparo toda vez que lhe falte (e quantas vezes isto succede!) o amparo amigo do esposo, do
pae, do irmão.
Devo dizer, Sr. Presidente, que não sou adepto do feminismo, no sentido de trazer as mulheres para as
profissões que os homens exercem e só os homens devem exercer, mas há pequenas indústrias que vão
muito bem com a delicadeza das mãos femininas.
Neste sentido, posso dizer a V. Ex. e à Câmara, há no meu Estado, tão pequeno e desconhecido, uma
escola, fundada por iniciativa do Sr. H. Castriciano...
O Sr. Pedro Moacyr — Agora, pelo nome, é que vejo que esse autor é de uma família intelligentíssima: é
irmão do Senador Eloy de Souza e da poetisa Auta de Souza. Parabéns à sua terra...
O Sr. José Augusto — Muito agradecido.
Na minha terra, Sr. Presidente, por iniciativa do Sr. H. Castriciano e com a collaboração patriótica dos
seus dirigentes há uma escola doméstica, moldada pela de Friburgo, na Suissa, e dirigida por duas
competentes filhas daquelle admirável país.
O Sr. Simões Lopes — É uma bella iniciativa.
O Sr. José Augusto — O Estado cooperou indirecta, mas efficazmente, construindo um prédio
apropriado, fornecendo todo o material pedagógico reclamado, e está subvencionando com a quantia de 30
contos annuaes.
Na escola estão matriculadas moças, filhas das mais distinctas famílias minhas conterrâneas: e pelos
resultados do primeiro anno ( é estabelecimento fundado em 1914), já podemos affirmar que há de ter o mais
duradouro dos êxitos e que há de exercer proveitosa acção no desenvolvimento cultural do Rio Grande do
Norte, incorporando a actividade feminina ao patrimônio geral da sociedade.
Por que não fazer a União, à semelhança do que está fazendo o pequeno Estado do norte, intervir para
amparar as iniciativas que surgirem nas obras que entendem com a educação feminina?
No meu substitutivo preocupava-me, por igual, com o ensino normal, a respeito do qual até este
momento não conheço nenhuma providência de natureza federal.
É certo, Sr. Presidente, que nos Annaes desta Casa existe um bello projecto do antigo representante da
Bahia, um dos brilhantes espíritos que por aqui passaram, o Sr. Miguel Calmon, projecto que autorizava a
União a fundar escolas normaes para a preparação do professorado primário e uma escola normal superior e
que até hoje dorme, sem parecer, na pasta da Commissão de Instrucção Pública.
Eu não quero, Sr. Presidente, como pretendia o illustre Sr. Calmon, que a União vá fundar e manter
escolas normaes.
O que desejo é que o Governo Federal não se desinteresse do assumpto e auxilie as que porventura
apparecam, para que possamos ter professores na altura da missão destacada que lhes cabe na vida social.
É uma face do ensino que cumpre não relegar para plano inferior.
Ainda hontem, Sr. Presidente, em formosa e brilhante oração que aqui pronunciou um dos mais
distinctos entre os novos representantes da Nação, o meu illustre amigo, Sr. Ildefonso Pinto, affirmou que a
questão de efficiência da educação se resolve em uma questão de methodos.
O Sr. Barbosa Rodrigues (irônico) — Ora, isso é uma questão de regimento interno...
Não se preocupe V. Ex. com isso...
O Sr. José Augusto — Accrescentou o Sr. Ildefonso Pinto que a questão do méthodo está intimamente
presa à questão do professor, porque não é possível praticar bons méthodos pedagógicos sinão quem
aprendeu a applica-los.
Para a efficacia do ensino é, pois, indispensável que tenhamos bons methodos e bons professores.
Logo, Sr. Presidente, não podemos nem devemos por de lado o problema do ensino normal, que em
todos os países cultos tem logar assignalado nas cogitações dos dirigentes.
Não quero furtar-me ao prazer de deixar aqui as palavras com que o eminente Sr. Miguel Calmon põe
em relevo a importância do ensino normal.
“Levo a considerar, diz S. Ex., as escolas normaes, entre nós, onde há tanta falta dellas para a formação
de bons mestres, como o factor preponderante no progresso do ensino público devendo, quanto a mim,
desdobrarem-se todos os gymnasios de modo que comprehendam secções pedagógicas, com as respectivas
escolas de applicação.
Foi a fusão que se operou na Suissa, parecendo-me, porém, que convinha aqui inverter a disposição lá
adoptada, e passar os gymnasios a meros departamentos das escolas normaes.
Mudariam aquelles de nome e, assim ganharia mais o ensino em unidade, como é hoje aspiração
universal, corrigindo-se os inconvenientes das antigas denominações (collegios, lyceus, etc.), que lembram as
castas medievaes, e os embaraços decorrentes do nosso regimen constitucional, tão pouco apto a realizar o
fim de toda a educação moderna, que é ser integral.
Attenda-se também à circunstância de que a todos aproveita um curso com caracter pedagógico, salvo o
traquejo didactico mais longo, reservado só aos futuros profissionaes, pois não há quem, na vida, prescinda de
exercer o magistério, seja como pae, irmão ou simples membro de uma aggremiação humana.”
Sr. Presidente, o extraordinário progresso das sciências nesses últimos tempos, a grande expansão da
vida industrial e commercial, a complexidade crescente dos interesses sociaes teem feito surgir, diariamente,
continuadamente, necessidades novas a que é preciso inelutavelmente attender.
Examinando-se attentamente os phenomenos sociaes, taes como se nos apresentam, chegamos
facilmente à conclusão de que a mais assignalada feição dos tempos que correm é a feição econômica.
O mais inflexível utilitarismo: — eis o que marca e precisa a época em que vivemos.
Como correspondendo a esse estado geral da civilização contemporânea, o ensino, phenomeno social
que é, tem fatalmente de ressentir-se do espírito que domina o momento histórico.
E que assim, realmente, está sendo, é o que poderemos verificar na evolução pedagógica dos diversos
países do globo.
Bunge assignala no seu livro “La Educación”, que o ensino tem actualmente um evidente caracter
econômico. E accrescenta que o que hoje se busca é, antes de tudo, desenvolver as aptidões econômicas dos
indivíduos e melhorar as condições econômicas da sociedade.
Dir-se-ia que cada pensador procura hoje os meios de melhorar as condições econômicas da sua pátria,
convencido de que com semelhante attitude promove-lhe o progresso.
A educação que faz o porvir, deve formar a riqueza do porvir: tal é o lemma claro ou velado.
Vejam-se os systemas educativos da França, da Inglaterra, da Allemanha; analyse-se o seu espírito;
estudem-se todas as theorias e projectos de reforma, em uns 30 ou 40 autores e os estadistas
contemporâneos desses países, socialistas, individualistas, positivistas, idealistas, orthodoxos ou
heterodoxos...
Os territórios, os climas, as raças, os princípios, as religiões, a política tudo differe dentro da civilização
coetânea...
Há, porém, conclue Bunge, um traço commum: a tendência para reformar baseada em considerações
econômicas.
Ora, Sr. Presidente, si é este o caracter que mais distingue a civilização contemporânea, não sei como
vamos fazer a remodelação do nosso ensino sem que lhe demos a feição que elle tem em todos os países que
querem evolver e prosperar. Nesse ponto, Sr. Presidente, não vejo instrumento mais efficiente do que a
instrucção profissional e technica, de tal sorte que os países realmente à frente dos destinos do mundo, a
Allemanha, a Inglaterra, os Estados Unidos, hoje a própria França...
O Sr. Dunsche de Abranches — O Japão.
O Sr. José Augusto — ... o Japão, appellam para a educação profissional e technica, como a poderosa
arma para lutar e vencer nos bons combates pelo progresso.
Por essas razões, no substitutivo que eu pensei em submetter à consideração da Câmara, eu
providenciava, mandando a União auxiliar as escolas que fossem surgindo.
V. Ex. veria que esses auxílios visando fazer, pela educação, uma sociedade forte, capaz de trabalhar,
de agir, de produzir, longe de aggravarem, concorreriam mais tarde para afastar as innumeras crises em que
vivemos a nos afundar. (Muito bem.)
Já é tempo de nos convencermos de que males econômicos e financeiros não cedem a palliativos,
dependem de medicação mais séria, reclamam uma política de reconstrução econômica (apoiados), com base
em um sólido apparelho educativo. (Apoiados.)
Mas, Sr. Presidente, sinto que já vou cançando a attenção dos meus distinctos collegas. (Não apoiados.)
O Sr. Barbosa Rodrigues — Absolutamente não; nós estamos ouvindo V. Ex. com muito prazer.
O Sr. José Augusto — Vou sentar-me para dar o logar a outros collegas que discutam o assumpto com a
proficiência que me falta. (Não apoiados.)
O Sr. Simões Lopes — V. Ex. está fallando com o maior brilhantismo e com grande competência.
(Apoiados.)
O Sr. José Augusto — É bondade de VV. EEx.
Não quero, porém, deixar a tribuna, Sr. Presidente, sem accentuar que vamos votar a remodelação do
ensino nacional, do ensino secundário e superior da República, remodelação já em vigor, embora ainda
pendente do voto do Congresso...
O Sr. Caldas Filho — V. Ex. devia considerar a reforma uma medida de occasião, conveniente e
opportuna.
O Sr. José Augusto — É justamente porque só nos temos soccorrido de medidas de occasião que até
hoje não conseguimos resolver o problema do ensino de modo definitivo.
Mas, dizia eu, Sr. Presidente, que vamos ainda uma vez reformar o ensino secundário e superior.
Dentro de muito poucos annos, porém, si o Ministro a quem estiver affecto o serviço de instrucção
pública, lançar as suas vistas para a situação real do Brasil, por certo virá dizer ao país, com sinceridade e
patriotismo, que continuamos a ter quasi 90% de analphabetos, com alguns tantos por cento de bacharéis mais
ou menos illetrados: que as camadas populares debatem-se na mais angustiosa das situações, porque não
receberam a instrucção profissional e technica que, nos países cultos e organizados, apparelha os vários
elementos sociaes para a luta do presente; que a mulher brasileira, de admiráveis predicados moraes, não
recebe a educação que a habilite à magestade do seu nobre sacerdócio: que não temos grandes professores,
embora tenhamos grandes sabedores das matérias que professam, justamente porque para se ser professor
não basta ter a sciência que se adquire nos livros, mas antes de tudo, o preparo profissional, que só se
consegue na aprendizagem prática, que nos falta.
Tudo isso, Sr. Presidente, nos dirá o Sr. Ministro, e mais ainda, que a reforma de 1915 não foi uma força
efficiente no sentido de impulsionar a sociedade brasileira para o progresso e para a felicidade.
Que, ao menos, nesse tempo, os que tiverem de indicar a medicação para os males que forem
apontados lembrem-se de que já é tempo de cuidarmos dos alicerces de nossa vida social, fazendo uma larga
e fecunda política constructora, que , para ser efficaz, deve começar pela educação popular, pelo ensino
primário, pela preparação de professores, pela educação da mulher, pela instrucção profissional e technica.
São estes, Sr. Presidente, os meus mais ardentes votos, de brasileiro e de republicano. (Muito bem:
muito bem. O orador é calorosamente felicitado e abraçado por todos os Deputados presentes.)
Hercolino Cascardo
De 31-07-1931 a 11-06-1932
por João Batista Machado
(1)
Capitão-tenente da Marinha, Hercolino Cascardo permaneceu apenas dez meses no cargo. Recebeu
como missão de Getúlio Vargas conviver e prestigiar o grupo político de José Augusto, que fora governador do
Estado, antes de 1930, ao mesmo tempo em que Vargas era ministro da Fazenda. Além de nutrir admiração
por José Augusto, o velho caudilho dos pampas não simpatizava com Café Filho.
O comandante Cascardo chefiava a Capitania dos Portos do Estado, quando foi nomeado pelo
presidente do governo provisório, Getúlio Vargas, interventor federal no Rio Grande do Norte. Hercolino
Cascardo apoiou ostensivamente o grupo político de José Augusto Bezerra de Medeiros, que estava no
ostracismo após a revolução de 30.
Depois do afastamento da interventoria do Rio Grande do Norte, por decisão de Getúlio Vargas, o
comandante Cascardo retomou ao Rio de Janeiro e filiou-se à Aliança Libertadora Nacional, tendo chegado à
sua presidência oito dias após a filiação. Na sua gestão isentou o sal do imposto de exportação, criou o Serviço
de Malária e reorganizou a Justiça no Estado.
Progressista
Apesar de ser um militar de idéias progressistas e liberais, Hercolino Cascardo foi contra a leitura do
manifesto de Prestes, lido pelo jovem Carlos Lacerda, perante a assembléia geral da ALN. Condenou, também,
a rebelião militar que mais tarde apoiaria a intentona comunista de 35, por discordar de sua ideologia totalitária.
Hercôlino Cascardo participou ativamente de todos os movimentos e rebeliões militares na década de
1920, inclusive da revolução de 1930 e do movimento constitucionalista de São Paulo, em 1932. Era um
militante político e atuante nas Forças Armadas, onde exercia uma liderança reconhecida por seus
companheiros de farda. Foi preso várias vezes, defendendo suas idéias e objetivos políticos como homem de
esquerda.
Alto, bem apessoado, o capitão-tenente Hercolino Cascardo, apesar da sua atribulada vida de
revolucionário de tendência nitidamente esquerdista, chegou ao posto de almirante coroando sua brilhante
carreira militar e comprovando sua liderança nos meios militares, mesmo tendo participado de todos os
movimentos revolucionários da sua época. O comandante Cascardo sempre contestou o sistema político
vigente no País. Nasceu no Rio de Janeiro, em 02/0111900, onde morreu aos 67 anos.
(1)
A grafia do nome do interventor Hercolino Cascardo aparece escrita com “o” e com “u”. Segundo Luís da Câmara Cascudo e Gil Soares,
Hercolino é grafado com “o”. Na foto oficial que se encontra no Palácio da Cultura, está escrito com “u”. No seu livro de memórias “O Salão
dos Passos Perdidos”, o jurista Evandro Lins e Silva escreve o nome do interventor com “u”. O autor optou pela forma usada pelos
historiadores norte-rio-grandenses.
Fonte: Extraído do livro “Perfil da República no Rio Grande do Norte (1889-2003)”, de autoria do jornalista e historiador João Batista Machado (págs. 99-
102)
Observação
Solicitamos aos eventuais leitores que, caso disponham de outras informações que possam
enriquecer este verbete, favor encaminhá-las à Fundação José Augusto através do seu
Centro de Estudos e Pesquisas Juvenal Lamartine-CEPEJUL, situado na Rua Jundiaí, 641,
Tirol, CEP 59020-120, ou, pelo E-mail fjacepejul@rn.gov.br
MÁRIO CÂMARA
Após concluir sua missão na administração pública Federal como Ministro da Fazenda dos governos
Café Filho e Nereu Ramos, Mário Leopoldo Pereira da Câmara recolheu-se à vida privada, embora mantivesse
contatos esporádicos com alguns políticos do Rio Grande do Norte que o visitava em seu apartamento no Rio
de Janeiro.
Nessas conversas informais o ex-interventor do Rio Grande do Norte reconhecia que tinha cometido
excessos, principalmente durante o pleito indireto de 1935, mais por influências de seus correligionários do que
por atos de vontade própria. Esse radicalismo, segundo ele, comprometeu até os êxitos administrativos da sua
gestão.
Apesar de ser um técnico respeitado, especializado em finanças públicas, até sua nomeação para
Interventoria do Rio Grande do Norte, Mário era conhecido como um homem afável e de fácil convívio. No
exercício do cargo revelou-se o contrário um administrador competente, porém, arbitrário. Como ele próprio
reconheceu, os méritos da sua administração, principalmente nos setores de educação e saúde foram
relegados a planos secundários e sobressaiu a figura do governante violento e radical que mergulhou o Estado
num clima de terror.
Diziam seus adversários, na época, que Mário Câmara teria optado pela truculência por influência do seu
chefe de Polícia, João Café Filho, que tinha grande ascensão sobre ele, por ser um homem de vivência política
contrária às oligarquias conservadoras do Rio Grande do Norte, que rejeitavam suas posições ideológicas
esquerdizantes e progressistas.
Ao nomear Mário Leopoldo Pereira da Câmara interventor do Rio Grande do Norte, Getúlio Vargas lhe
fez recomendações no sentido de prestigiar o grupo político liderado por José Augusto Bezerra de Medeiros.
Tinha afinidades com o velho José Augusto, porque o seu pai, Augusto Leopoldo Raposo da Câmara, havia
sido vice-governador na gestão de José Augusto.
Quando chegou ao Estado, Mário Câmara tomou a decisão de aliar-se a José Augusto. Quando da
formação do Partido Popular, o interventor queria presidir o partido. José Augusto disse que iria ouvir os chefes
políticos para depois dar uma definição. As bases consultadas disseram não à sua pretensão. Recusado pelo
aliado, Mário Câmara afirmou ao ex-governador: “Não tem problema. Os senhores criam seu partido e eu vou
cuidar do meu. Agora os senhores vão ver o interventor pelo avesso”.
E cumpriu a sentença. Começou, então, uma fase de violência política no Rio Grande do Norte com atos
de arbitrariedade na capital e, principalmente, no interior do Estado, onde foram praticados vários assassinatos
políticos, dentre outros, o do filho do ex-governador Juvenal Lamartine, o jovem engenheiro agrônomo Otávio
Lamartine de Faria, em sua fazenda “Ingá” no município de Acari.
Se não tivesse descambado para a violência, o interventor Mário Câmara poderia ter sido eleito
governador indireto, pela Assembléia Legislativa, com o apoio de Café Filho, que era seu aliado. Mas diante da
radicalização desistiu da candidatura e apresentou seu primo, desembargador Elviro Carrilho, que foi derrotado
por Rafael Fernandes Gurjão por 14 votos a 11. O pleito e a posse do novo governador foram garantidos por
forças do exército vindas da Sétima Região Militar, cujo comandante era o general Manoel Rabelo.
Votaram em Rafael Fernandes para governador os deputados Ezequiel Bezerra, Felinto Elísio, Felismino
Dantas, Glicério Cícero de Oliveira, Gonzaga Galvão, João Câmara, João Marcelino de Oliveira, José Varela,
José Tavares, Júlio Régis, Maria do Céu Pereira Fernandes, João da Mata, Nominando Gomes e Pedro Matos.
Sufragaram o nome de Elviro Carrilho os parlamentares Amâncio Leite, Abelardo Calafange, Benedito
Saldanha, Cincinato Chaves, Djalma Marinho, Felipe Guerra, Gil Soares, José Lopes Varela, Maltez
Fernandes, Raimundo Macêdo e Sandoval Wanderley.
Apesar de sua gestão conturbada, Mário Câmara era um homem público competente e com visão do
futuro, tendo realizado uma administração eficiente. Construiu dezenas de grupos escolares pelo interior do
Estado; contratou e deixou em cofre os recursos necessários para os serviços de saneamento e água de Natal,
além de verbas destinadas à construção do Grande Hotel. Construiu também o prédio da Segurança Pública,
atual sede do Instituto Técnico e Científico de Polícia (ITEP), dentre outros.
Ao deixar o cargo, Mário Câmara foi nomeado por Getúlio Vargas delegado do Tesouro Nacional em
Nova York, de onde retornou, após a morte de Vargas, para ser subchefe do gabinete civil e, depois, ministro
da Fazenda do presidente Café Filho, tendo permanecido no cargo, no governo Nereu Ramos, até a posse de
JK em 1956. Único ministro do governo deposto justificou sua presença afirmando a um jornalista que o
interpelou sobre o assunto: “meu filho, eu sou apenas um técnico”. Mário Câmara nasceu em Natal, em
03/09/1891, e faleceu no Rio de Janeiro, em 03/12/1967.
THEODORICO BEZERRA
(1903-1994)
Aprendeu a ler e escrever na escola da vida. Trocou os cadernos e os livros pelo trabalho de enxada.
Era um filósofo na sua sabedoria sertaneja. Vejamos algumas pérolas da sua lavra: “Acordo cedo, ando ligeiro
e falo pouco para não perder tempo”; “A política é feita de tudo que é bom: festa, dança, foguetão e aplausos”;
“A luz que vai na frente é a que clareia mais”; “Política é como planta: se você não aguar, ela morre”. Gostava
de repetir uma frase que tinha destaque nas paredes da casa grande da Fazenda Irapuru: “Amigos são todos
eles como ave de arribação; se faz bom tempo eles vêm, e se faz mal tempo eles vão”.
Na sua fazenda, era exigido o cumprimento dos dez mandamentos do morador que consistiam na
proibição das seguintes práticas: 1) andar armado, seja qual for a arma; 2) tomar aguardente ou qualquer outra
bebida alcoólica; 3) jogar baralho ou qualquer outro tipo de jogo; 4) fazer feira em outra localidade que não seja
Irapuru; 5) caçar ou consentir pessoas estranhas fazê-lo; 6) possuir espingarda ou qualquer outra arma; 7)
brigar com seu vizinho ou outra qualquer pessoa; 8) fazer quarto a doentes; 9) fazer baile sem consentimento
do proprietário; 10) criar seus filhos sem aprender a ler ou escrever; 11) falar mal da vida alheia e 12) inventar
doença para não trabalhar. E finalmente a advertência: aqui, ninguém parado: mesmo na hora da morte, esteja
estrebuchando. E ai de quem infringisse algum destes mandamentos: era imediatamente indenizado e posto
para fora.
Embora sua “patente honorífica” fosse de “majó”, outorgada pela voz do povo, Theodorico Bezerra foi o
mais importante “coronel” da política do Rio Grande do Norte, pelo poder, sabedoria e argúcia. Foi quase tudo
na vida. Vendedor de couro de bode, feirante, agricultor, fabricante de “caixão de anjo”, hoteleiro, sócio de
cassino, agropecuarista, industrial e político. Fez parte do folclore político do Estado. Conheceu de perto a
fama e o ocaso. A ascensão e a queda. O prestígio e o ostracismo voluntário.
Nasceu praticamente dentro de um hotel. Seus pais, naturais de Araruna, na Paraíba, eram proprietários
do “Hotel Santa Cruz”, da cidade do mesmo nome, na região Trairi. De origem pobre, o menino Theodorico
começou cedo o seu “ganha-pão” com o suor do seu rosto, demonstrando habilidade para o comércio.
Pouco tempo depois, Theodorico se muda para Natal e compra o “Hotel dos Leões”, na Ribeira. Em
seguida, adquire o “Hotel Internacional”, no mesmo bairro. Em 1939, por insistência do interventor Rafael
Fernandes, arrendou ao Governo do Estado o recém-construído “Grande Hotel”, o mais sofisticado da época,
que se transformou no maior sucesso empresarial, logo após a eclosão da II Grande Guerra e a implantação
de uma base militar norte-americana nas cercanias de Natal (Parnamirim). Era ali que se hospedavam as
pessoas ilustres.
Com o sucesso empresarial, veio o convite para o ingresso no Partido Popular, em 1933, ao lado de
José Augusto, Dinarte Mariz e outros. Em 1945, foi um dos fundadores do PSD no Rio Grande Norte, pelo qual
foi candidato a deputado estadual constituinte em 1947. Participou ativamente da campanha que levaria José
Varela ao Governo do Estado, derrotando o udenista Floriano Cavalcanti de Albuquerque.
Com a redemocratização do país em 1945, Theodorico Bezerra, João Câmara, General Antônio
Fernandes Dantas, Georgino Avelino, Ubaldo Bezerra, monsenhor Walfredo Gurgel, José Varela, Dioclécio
Duarte, Georgino Avelino, Manoel Gurgel do Amaral e outros, que tinham fundado o PSD, participaram
ativamente da campanha que elegeu o general Dutra para a presidência da República, e Georgino Avelino e
seu primo José Ferreira de Souza, para o Senado da República.
Ao mesmo tempo em que desfrutava de prestígio político, o “majó” ampliava seus negócios
empresariais. Foi um dos maiores plantadores, compradores e beneficiadores de algodão do Estado, tendo
implantado uma usina em Santa Cruz, no Trairi, em sociedade com o irmão João Bianor, gerando emprego e
renda na região.
O hotel passou a ser ponto de encontro de políticos, empresários, militares e personagens
internacionais, dentre elas o ator Tyrone Power. Os grandes banquetes oficiais também se realizavam no hotel,
que teve a sua fase marcante justamente naquela época. Lá, o “majó” recebia políticos importantes para
almoços e conversas. O “Grande Hotel” era o cartão postal da cidade.
Após a morte do senador João Câmara, em 1948, o “majó” assume a presidência do Diretório Regional
do PSD e fica até a extinção do partido em 1965. Theodorico era cortejado pelos “cardeais” pessedistas aqui e
do país. Era amigo pessoal de Tancredo Neves, Amaral Peixoto, Nereu Ramos, Armando Falcão e Juscelino
Kubitschek, dentre outros. Visitou Getúlio Vargas, em São Borja (RS), antes do seu retorno, em 50, nos braços
do povo, derrotando o brigadeiro Eduardo Gomes.
Na campanha pela presidência em 1955, JK esteve no Estado participando de uma vaquejada em Santa
Cruz, onde foi recepcionado pelo “majó”. No Governo dele, Theodorico era o político mais prestigiado do Rio
Grande do Norte. Não se nomeava ninguém, nem se liberava qualquer verba federal sem o aval político do
“cacique” pessedista.
Foi eleito quatro vezes deputado federal (50/54/58/66) e vice-governador do Estado em 1962, por
escolha indireta da Assembléia Legislativa, em substituição ao monsenhor Walfredo Gurgel, que fora eleito
pelo povo em 1960 como companheiro de chapa de Aluízio Alves, e como senador da República em 1962. O
“majó”, que concorrera a outra vaga, foi derrotado pelo ex-governador Dinarte Mariz. Foi também deputado
estadual em quatro legislaturas.
No auge da vida pública, o “majó” foi peça importante na candidatura de Aluízio Alves ao Governo do
Estado em 1960. Sem a legenda do PSD, a história poderia ter sido bem diferente. No começo, Theodorico,
que era desafeto pessoal de Aluízio, pelas acusações que este lhe fazia, pensou em apoiar a candidatura de
Djalma Marinho, seu velho amigo, desde que este tivesse o apoio do governador Dinarte Mariz.
Uma corrente do PSD queria um candidato do partido, no caso o próprio Theodorico. Aluízio obteve
acesso ao presidente JK, e este dissuadiu o “majó” de pleitear sua candidatura, como também o levou a apoiar
o oposicionista Aluízio Alves, que seria eleito o governador do Estado pela coligação “Cruzada da Esperança”.
Com a decretação do AI-5, o deputado federal Theodorico Bezerra conhece o outro lado da moeda. A
perseguição durante o regime militar culminou com sua prisão na base Naval de Natal para interrogatórios. São
22 dias de angústia. Os adversários políticos aproveitam a ocasião, e surge todo tipo de acusação. O velho
político resiste a todo tipo de ameaças.
É liberado da prisão na Marinha e passa mais 22 dias em prisão domiciliar, entre a casa do filho Kléber
Bezerra e o genro Hélio Nelson. No auge do processo contra ele, aviões da FAB faziam vôos rasantes sobre a
cidade de Santa Cruz, para ameaçar as pessoas intimadas a depor na Base Naval. Um clima de terrorismo se
alastra por toda a região Trairi. Uma onda de denuncismo ultrapassa todos os limites.
Conseguiu sobreviver a todas as acusações e voltou à vida pública, elegendo-se deputado estadual em
mais duas legislaturas, em 1974/1978, quando encerra suas atividades políticas. O filho Kléber Bezerra o
substitui na vida pública e se elege mais duas vezes deputado estadual. Theodorico recolhe-se ao “Grande
Hotel”, onde recebe os amigos para almoço e rodadas de uísque nos fins da tarde, figurando entre eles, como
um dos mais assíduos, o senador Jessé Freire, seu velho amigo de longas caminhadas.
O “Grande Hotel” e a Fazenda “Irapuru”, em Tangará, preenchiam seu tempo. Eram suas paixões. Lá
recebia políticos, amigos e correligionários para conversas informais sobre os caminhos, veredas e atalhos da
política do Rio Grande do Norte, que ele conhecia muito bem, principalmente os homens, com sua experiência
de sertanejo. Sabia usufruir da política e das amizades. Convivendo num mundo de “doutores”, o “majó”
ocupava seu espaço com sabedoria e esperteza.
Por intermédio de amigos, aproximou-se do comandante do CATRE, brigadeiro Murilo Santos, de quem
se tornou amigo e juntos idealizaram a primeira “Aero-Vaquejada”, em “Irapuru”, símbolo do poder do velho
“majó”. Enquanto os bois eram derrubados no pátio da fazenda, os aviões lá em cima faziam acrobacias e vôos
rasantes sobre os domínios do “cacique”, que assistia a tudo regozijado. Era o troco que o “majó” dava aos
seus detratores.
Desta vez, os aviões não assustavam mais, mas, ao contrário, faziam “deferências” ao “majó”
Theodorico, o senhor de “Irapuru”, ou o “Imperador do Sertão”, como disse um globo-repórter sobre ele,
veiculado pela TV-Globo. Foi grande o salto do “majó” em termos nacionais. O então cronista do jornal O
Globo, o ex-senador Arthur da Távola, considerou o melhor programa daquele ano.
“Irapuru” e o “Grande Hotel” eram os templos sagrados do velho “coronel”, mas a fazenda tinha um
fascínio diferente. Quando fez as pazes com Aluízio em 1960, fez questão de que o acordo fosse realizado
num almoço na fazenda. Aos que o procuravam para demovê-lo da idéia, dizia incisivo: “só faço o acordo em
Irapuru”. E assim foi feito. Lá, na casa grande, o “majó” encheu seus alpendres com frases colhidas em
folhinhas e na Bíblia. São sentenças e conceitos que fazem parte da vida dos homens.
Durante a visita do embaixador da Hungria ao Rio Grande do Norte, foi sugerida uma visita a “Irapuru”,
pois era desejo do diplomata conhecer o interior do Estado. O fato ocorreu no Governo Aluízio Alves. O “majó”
concordou com a sugestão, embora fosse um empedernido reacionário.
De chapéu, botas e roupa cáqui, saiu mostrando ao embaixador a sua fazenda e foi desafiando-o em
termos ideológicos, para seu espanto:
- Aqui é uma fazenda socialista. Os açudes são meus, mas o peixe e os camarões, dos moradores; o
gado é meu, mas o leite é dos moradores; aqui todos são obrigados a aprender a ler e escrever, além de pôr
os filhos na escola; todo mundo tem que ter uma profissão. Ou faz artesanato ou vai ser músico. E saiu por aí
desfilando seus “conceitos sociológicos” para o embaixador atônito, que desconhecia os “ensinamentos
socialistas” daquele “coronel”, senhor absoluto daquelas terras. Assim era o “majó” Theodorico Bezerra, com
seus erros e acertos, virtudes e defeitos, que são inerentes à condição humana. Morreu em Natal aos 91 anos
de idade.
MARIA DO CÉU
Desde pequena, a menina Maria do Céu conviveu com os livros na extensa biblioteca da casa grande do
agropecuarista Vivaldo Pereira de Araújo, um autodidata que convivia em harmonia com os livros e incentivava
nos filhos mais velhos o gosto pela leitura. Na sua juventude, a jovem e precoce Maria do Céu já tinha lido
todos os clássicos da língua portuguesa e francesa, numa época em que as mulheres eram destinadas a
cuidar da casa e dos filhos, funções eminentemente domésticas.
Fundou jornais em Currais Novos, incentivou o teatro amador e promoveu saraus literários, num tempo
de discriminação feminina, cuja região era marcada pelo machismo, praticado pelos velhos coronéis, de acordo
com os quais “lugar de mulher é na cozinha”. Ela quebrou todos os tabus para ocupar seu lugar na província e
até ultrapassar suas divisas, vencendo obstáculos com perseverança e capacidade intelectual, estando sempre
à frente do seu tempo.
Filha mais velha do casal Vivaldo Pereira de Araújo – Olindina Cortez, desde cedo demonstrava aptidão
para a leitura, buscando livros na vasta biblioteca do seu pai, um homem dos sertões secos do Seridó e que,
apesar de autodidata, era um devorador de livros e possuidor de uma razoável cultura para os “coronéis” do
seu tempo.
Logo cedo, o abastado “coronel” Vivaldo, descobrindo o potencial da filha, mandou-a estudar em Natal,
internando-a no Colégio Imaculada Conceição, onde chegou aos 14 anos. Concluiu o curso de Técnico em
Comércio, na década de 20, o equivalente ao diploma de “Técnico em Contabilidade” (Contador) dos anos
50/60, com direito a anel de formatura em solenidade formal.
Concluída sua missão em Natal, retornou a Currais Novos, onde uma de suas primeiras iniciativas foi
criar um ginásio para atender aos estudantes pobres que não tinham condições de se deslocar até Natal para
estudar, como ocorreu com ela, filha de um agropecuarista abastado. Maria do Céu Fernandes Pereira
conseguira, na época, a única formatura permitida às mulheres, que era o curso secundário. Aos filhos homens
eram reservados os cursos superiores em outros Estados da federação.
A biblioteca do velho Vivaldo Pereira, repleta de livros raros, foi a responsável pela cultura humanista de
Maria do Céu, que leu quase todos os clássicos franceses, no original, o que era um feito inédito para uma
mulher do seu tempo, no interior do Rio Grande do Norte. Além disso, devorou os clássicos da língua
portuguesa e ensinava francês no colégio fundado por sua inspiração. À noite, fazia tertúlias para a família,
tocando violino.
De volta às suas origens, Maria do Céu despertou para a luta feminista e fundou o jornal “Galvanópolis”,
que dava sustentação às forças lideradas na região Seridó por José Augusto Bezerra de Medeiros e Juvenal
Lamartine de Faria. Com o advento da Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio ao poder, surgia no Rio
Grande do Norte uma nova liderança sob o comando de João Café Filho, revolucionário de 30, e, para
combatê-la, as lideranças tradicionais de José Augusto e Juvenal Lamartine entraram em ação.
Seu pai, o coronel Vivaldo Pereira, tinha sido intendente (o equivalente a prefeito hoje) de Currais Novos
e deputado estadual, desfrutando de uma liderança respeitada em toda a região do Seridó. Logo surgiu o nome
de Maria do Céu como algo novo e renovador na política daquela região. Seu trabalho, sua cultura e sua
influência logo se tornaram uma realidade. Seria candidata a deputada estadual constituinte pelo Partido
Popular, numa época de violência na política do Rio Grande do Norte, em 1934.
Maria do Céu era a única mulher a concorrer àquele pleito. Os deputados seriam eleitos com a finalidade
de escolher o futuro governador do Estado, indiretamente, pela Assembléia Legislativa. O eleitor já votava no
candidato sabendo da sua posição no plano estadual. Para as 25 vagas, a oposição elegeu 14 deputados, e a
situação 11. A maioria iria decidir quem seria o governador do Estado: Rafael Fernandes, pela oposição, ou
Elviro Carrilho, candidato do interventor Mário Câmara, pela situação.
Os candidatos eleitos pela oposição, Partido Popular, começaram a ser pressionados pelo governo, em
busca de votos que pudessem mudar a situação do seu candidato. Começaram as ameaças de espancamento,
tentativa de suborno e até de envenenamento. O Rio Grande do Norte vivia momentos de tensão e violência
por parte dos partidários de Mário Câmara. A oposição se sentia ameaçada, mas não tinha a quem requerer
proteção para o dia da eleição do novo governador.
Nesta fase, a deputada teve uma participação decisiva, encorajando os seus correligionários recém-
eleitos a reagirem às ameaças do governo. Os oposicionistas requereram garantias aos tribunais federais, para
assegurar o direito de voto com liberdade.
A oposição se refugiou na Paraíba, somente retornando ao Estado com a garantia do Exército para o
exercício do voto na Assembléia Legislativa. O oposicionista Rafael Fernandes Gurjão foi eleito com 14 votos,
contra 11 dados ao situacionista, Elviro Carrilho. Na época, Maria do Céu Pereira Fernandes foi uma das
primeiras mulheres do país a exercer um cargo eletivo na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte. A
outra foi a paulista Carolina Pereira de Queiroz eleita para a Assembléia Nacional Constituinte em 1934.
Já casada com o agropecuarista e minerador Aristófanes Fernandes, Maria do Céu Pereira Fernandes
teve um papel destacado na constituinte, realizando palestras e congressos no interior do Estado, defendendo
a participação da mulher na vida pública, apoiando a luta da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino
(FBPF).
Encerrou seu mandato em 1937, com o golpe do Estado Novo, decretado pelo presidente Vargas, que
se autoproclamou ditador até sua queda, em 1945. Maria do Céu, que tinha sido uma das primeiras mulheres
do país a assumir um mandato parlamentar, a primeira do Rio Grande do Norte, decepcionada, deixava a vida
pública. Seu marido, Aristófanes Fernandes, fundador da UDN, seria, mais tarde, deputado estadual em duas
legislaturas e deputado federal, quando veio a falecer no exercício do mandato, no Rio de Janeiro, após uma
operação de úlcera perfurada no duodeno.
Maria do Céu enfrentou ainda outras tragédias em sua vida: a perda de dois filhos, de maneira trágica. O
primeiro, atropelado em Recife, quando ela passava férias na praia de Boa Viagem; e o segundo, assassinado
numa “pensão” da Ribeira, quando saiu em defesa de uma mulher que estava sendo espancada por um
desafeto.
Fixou residência no Rio de Janeiro, na tentativa de curar as feridas que ficaram em sua alma, e
raramente vinha ao Rio Grande do Norte. Nos últimos anos, seu filho, o ex-deputado Paulo de Tarso, construiu
uma casa na praia de Caraúbas, onde ela vinha passar seus últimos veraneios e receber os amigos e
familiares. A última homenagem que lhe foi prestada, no Rio Grande do Norte, após sua morte, foi à
inauguração de um ginásio de esportes em Mossoró, que tem o seu nome, num gesto de apreço da prefeita de
Mossoró, Rosalba Ciarline.
CASCUDO RODRIGUES
Jurandy Navarro
Quem primeiro elevou em plenitude a Mulher à dignidade humana foi Jesus Cristo. Antes, no paganismo,
não passava ela de uma desprezível pária social. O Cristianismo foi que a dignificou como Mãe, Esposa e
Filha.
Todavia, outras conquistas deveriam complementar esses princípios básicos, que as legislações
negavam, na cronologia dos tempos. Seria a sua promoção perante o Direito.
A partir do início deste século, a sujeição da Mulher passou a ser mais questionada: sua situação jurídica
perante o marido; dispor de parte dos bens privados; a sua emancipação intelectual, também.
Khadija, primeira esposa de Maomé, reivindicou e conseguiu, do marido, os direitos legais e econômicos,
assim como a escolha dos futuros parceiros para o sacramento do matrimônio (antes negado) e o dote, por lei,
à Mulher. Contudo, tais conquistas foram efêmeras.
Sob o aspecto intelectual surge a primeira luz com Sor Inês de la Cruz, notável poetisa mexicana, de
vôos filosóficos. Depois, a emancipação política, em que o nosso Estado, no Brasil, foi pioneiro, no fato da
Mulher eleitora e, por via de conseqüência, eleita, por força da Lei n. 660, de 25 de outubro de 1926, no
Governo José Augusto.
O Rio Grande do Norte deu, outrossim, a sua primeira Deputada Estadual – Maria do Céu Pereira
Fernandes, a emérita oradora.
Condorcet, foi, na Revolução Francesa, há três séculos passados (1789), através de seus discursos na
Assembléia Nacional, quem inicialmente pugnou, na tribuna política oficial, nos últimos tempos, pelo feminismo
mundial, embora a sua voz não tivesse sido ouvida, na ocasião.
Felizmente, hoje, a situação é diferente. As “leis sálicas” que interditavam a Mulher dos seus direitos vão
sendo, dia a dia, revogadas.
Discípulo de Condorcet, nesse aspecto, João Batista Cascudo Rodrigues tem profligado contra essa
aberração social, escrevendo livros, enaltecendo a dignidade, a inteligência e a doçura da Mulher, mormente
da mulher brasileira. A ela, devotou-lhe obras imorredoiras.
Tobias Barreto entendia ser natural que a Mulher, por uma fraqueza, seja sempre uma escrava do
homem, mas é cultural que ela se mantenha em pé de igualdade, quando não lhe seja superior.
Falando sobre as mulheres de Cartagema, disse Miguel Unamuno que elas, por estarem mais ligadas à
terra e refletirem melhor o seu espírito telúrico, são as guardiães mais fiéis da alma nacional.
Cascudo Rodrigues tem sido, habitualmente, um cidadão ocupado com encargos de severa
responsabilidade. E, portanto, a desídia, a fada malfazeja, sempre esteve distante de suas preocupações.
Foi-lhe berço a bela cidade de Mossoró que ele lutou uma vida inteira pela sua grandeza – política,
cultural, social.
Formado, ingressou no Ministério Público Estadual, onde, na tribuna do Júri pontificava a oratória
matizada da eloquência judiciária. Interessou-se pela Educação, culminando a sua carreira de magistério como
Reitor Magnífico da Universidade Regional do Rio Grande do Norte, sediada na sua terra berço.
Foi Assessor de vários Ministérios na Capital política do País, ao longo de sua vida pública, toda ela
perpassada de afazeres. Nos dias presentes exerce cargo de responsabilidade política: Secretário de Estado
Extraordinário, em Brasília.
Pertenceu ao Conselho Estadual de Cultura. É Sócio Efetivo da nossa “Casa da Memória”, membro
titular da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, da Academia de Ciências do Rio Grande do Norte e da
Academia de Letras e Música do Brasil, além de outras organizações culturais que ornam-lhe a sua imagem de
intelectual.
Diversas as obras publicadas de sua autoria. A pessoa de João Batista Cascudo Rodrigues deu e vem
dando valioso contributo à causa das letras e da inteligência potiguaras.
Bibliografia
– O autor pesquisou a memória da Primeira República em três excelentes trabalhos, que muito contribuíram para o resgate da história política do Rio Grande
do Norte:
–”A República Velha no Rio Grande Norte” (1889 a 1899) (2), de autoria do professor e historiador Itamar de Sousa, publicado durante o centenário do ciclo
republicano no Estado.
–”Personalidades Históricas do Rio Grande Norte- Século XVI a XIX,” editado pela Fundação José Augusto e o Centro de Estudos e Pesquisas Juvenal
Lamartine. -”Coleção Nosso Brasil - O Nosso Rio Grande do Norte,” de autoria do jornalista Murilo Meio Filho, membro da Academia Brasileira de
Letras.
(2)
Na Primeira República, também conhecida como “República Velha”, voltaram ao poder, pela segunda vez, os governadores Ferreira Chaves, Alberto
Maranhão e Antônio de Sousa.
Fonte: Extraído do livro “Perfil da República no Rio Grande do Norte (1889-2003)”, de autoria do jornalista e historiador João Batista Machado (págs. 75-
81)
Aluízio Alves
De 31-01-1961 a 31-01-1966
por João Batista Machado
Aos 11 anos, ainda de calças curtas, assistiu à fundação do Partido Popular no Rio Grande do Norte.
Aos 13, participava de comícios em praça pública. Aos 23, chegou à Câmara Federal e, aos 39, elegeu-se
governador do Rio Grande do Norte. Essa trajetória rápida e trilhada com sucesso foi construída por Aluízio
(1)
Alves , que, desde menino, demonstrava sensibilidade para a vida pública e cultivava essa vocação desde os
bancos escolares como se fosse um verdadeiro sacerdócio.
Começou sua atuação profissional como revisor do jornal “A República”. E a vida pública, como oficial de
gabinete da Interventoria. Designado pelo secretário-geral Aldo Fernandes, coordenou a assistência aos
flagelados da seca que se aglomeravam em Natal. Desse trabalho nasceu o Serviço Estadual de Reeducação
e Serviço Social - SERAS, do qual foi o primeiro diretor. Em seguida seria nomeado diretor da LBA no Estado.
Exonerou-se desses cargos, solidário com José Augusto Bezerra de Medeiros, em 1945.
Magro, voz rouca, estatura mediana, o jovem que surgia em sua cidade como menino-prodígio começou
a conquistar a admiração de políticos como José Augusto, Juvenal Lamartine de Farias, Dinarte de Medeiros
Mariz, Vivaldo Pereira e outros, que viam nele uma liderança nata, que haveria de ocupar um lugar de
destaque na vida pública do Rio Grande do Norte. E o tempo se encarregou de demonstrar esse acerto e
essas previsões dos mais velhos.
Jovem
Com a redemocratização do País, candidatou-se a deputado federal em 1946, pela UDN, apenas para
preencher uma das vagas do partido. Terminou eleito com 23 anos e chegou à Câmara Federal, com corpo e
cara de menino, num ambiente de homens maduros e sisudos. Elegeu-se quatro vezes seguidas, sempre com
votações consagradoras. Participou pouco da eleição de Dinarte Mariz para governador em 1955, porque foi
(2)
acometido de problemas pulmonares. Dinarte eleito, Aluízio , para ajudar o amigo, entregou-lhe urna espécie
de “plano de governo”, no qual estavam norteadas as principais ações do futuro governador. Dinarte leu e
disse: “Aluízio, guarde para quando você for governador”!
Aluízio recebeu o plano de volta, mas não esqueceu a frase. Nem engoliu seu conteúdo. Cinco anos
depois, dava o troco a Dinarte, elegendo-se governador do Estado, derrotando Djalma Marinho, candidato de
Mariz. No governo, pôs em prática o plano que seria destinado ao governo anterior. Daí surgiu no Rio Grande
do Norte a Assessoria de Planejamento, que depois viria a ser Secretaria, com a finalidade de planejar as
ações de governo.
Moderno
Aluízio Alves introduziu na campanha métodos técnicos, com a realização de pesquisas, o que foi feito
pela primeira vez no Rio Grande do Norte. O responsável era Roberto Jorge Albano, que tinha feito idênticas
campanhas no Rio e em São Paulo.
Usando a fé corno dogma e a esperança como símbolo, Aluízio inovou os meios de fazer política e criou
as “vigílias cívicas”, que consistiam em comícios e passeatas até o dia amanhecer. Transformouse em líder
carismático. Diante dele, ninguém ficava indiferente. Amava-o ou detestava-o. Multidões o acompanhavam por
onde passava, carregando ramos verdes e levantando o polegar para cima em sinal de aprovação.
Paulo Afonso
Fez um governo criativo e renovador. Implantou a Companhia de Serviços Energéticos do Rio Grande do
Norte-COSERN, a Telecomunicações do Rio Grande do Norte-TELERN e a Companhia de Águas e Solos do
Rio Grande do Norte-CASOL. Com recursos da “Aliança Para o Progresso”, programa do governo dos Estados
Unidos destinado à América Latina, construiu escolas, reciclou professores e implantou, na cidade de Angicos,
o método revolucionário de alfabetização de adultos, pioneiro no País, denominado “Paulo Freire”. Criou o IPE
e o Hospital Infantil Varela Santiago.
Nas áreas de cultura e educação, criou a Fundação “José Augusto”, a Faculdade de Jornalismo “Eloy de
Souza” e o Centro de Estudos e Pesquisas “Juvenal Lamartine”, além de haver promovido festivais culturais
com presenças de renomados escritores nacionais em Natal. Inaugurou a energia de “Paulo Afonso”, tornando
realidade um sonho de quase duas décadas, como deputado federal, e ampliou o abastecimento d’água de
Natal; construiu os hotéis “Reis Magos” em Natal, “Esperança” em Mossoró e “Cabugi” em Angicos, além da
sede do DER na capital; foi pioneiro na implantação da reforma agrária no RN, na região do Mato Grande, em
terras do espólio de João Câmara, penhoradas ao Banco do Brasil como garantias de dívidas. Construiu ainda
o parque “Aristófanes Fernandes” em Parnamirim, para incentivar a pecuária no Estado, através da exposição
de animais.
Atropelo
Aluízio pensava em retomar ao governo, quando foi atropelado pelo ciclo dos governadores indiretos.
Antes tentou ser senador, mas terminou deputado federal, tendo sido cassado em 1969. Tornou-se empresário
no Rio de Janeiro, tendo sido um dos diretores do grupo UEB-União de Empresas Brasileiras, que implantou no
Rio Grande do Norte um pólo têxtil, no distrito de Igapó, durante o governo Cortez Pereira, que, apesar de seu
adversário político, apoiou a iniciativa.
Mas, como sua vocação era a vida pública, retomou à política antes de terminado o prazo de cassação,
na chamada “Paz Pública”, quando apoiou Jessé Pinto Freire (ARENA) para o Senado, ao lado do governador
Tarcísio Maia. Tentou eleger-se governador, pelo voto direto, em 82, mas foi derrotado por José Agripino Maia.
Foi auxiliar do governo Tancredo Neves, em Minas Gerais, e um dos principais colaboradores na caminhada do
mineiro rumo à presidência da República.
Íntimo
Ministro da Administração no governo José Samey, de quem era íntimo desde os tempos da velha UDN,
passou a ser o homem forte no Estado, devido à amizade com o presidente. Voltou à atividade partidária,
elegendo-se deputado federal, consolidando a liderança do seu grupo político que voltava ao poder no Rio
Grande do Norte.
Foi também ministro da Integração Regional no governo Itamar Franco, tendo concebido e planejado o
projeto de transposição do rio São Francisco para os Estados do Nordeste carentes de recursos hídricos, um
sonho que um dia poderá se transformar em realidade, graças aos esforços desenvolvidos nesse sentido por
outro norte-rio-grandense, o atual ministro da Integração Nacional, Senador Fernando Luiz Gonçalves Bezerra.
Mesmo sem mandato eletivo, Aluízio ainda exerce uma liderança fecunda pelo carisma de seduzir
multidões através do tempo que já tingiu seus cabelos de branco. Atualmente é o presidente reeleito do
diretório regional do PMDB no Rio Grande do Norte.
(1)
Vice-governador: Monsenhor Walfredo Gurgel, que renunciou ao mandato em 1962 para assumir a cadeira
de senador para a qual acabara de ser eleito. Para substituí-lo foi eleito indiretamente, pela Assembléia
Legislativa, o “majó” Theodorico Bezerra, que tinha sido derrotado na disputa para o Senado por Dinarte Mariz.
(2)
Aluízio Alves governou o Rio Grande do Norte num clima de radicalismo, numa época em que o Estado era
sectariamente dividido em cores, gestos e bandeiras.
Fonte: Extraído do livro “Perfil da República no Rio Grande do Norte (1889-2003)”, de autoria do jornalista e historiador João Batista Machado (págs. 185-
192)
Bibliografia
Governo do Rio Grande do Norte, 2ª Volume, de autoria de Luís da Câmara Cascudo. Mossoró-RN, Coleção Mossoroense, série “C”,
volume DXXXI, 1989.
MAIA, Agaciel da Silva. Parlamentares do Rio Grande do Norte: Senadores do Império à República / Agaciel da Silva Maia; prefácio
de José Sarney. Brasília: Senado Federal, 2002.
“Perfil da República no Rio Grande do Norte (1889-2003)”, de autoria do jornalista e historiador João Batista Machado
“A MULHER BRASILEIRA — DIREITOS POLÍTICOS E CIVIS”, de João Batista Cascudo Rodrigues.
José Augusto Bezerra de Medeiros, “Um Democrata”, de autoria de Nilo Pereira
“TCE Conta Sua História”, 2007.