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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE DIREITO

Daniela Oliveira Sampaio Sathler

A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO PENAL NA PERSPECTIVA


DO MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO E NA VISÃO DA
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Viçosa (MG)
2018
Daniela Oliveira Sampaio Sathler

A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO PENAL NA PERSPECTIVA


DO MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO E NA VISÃO DA
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade


Federal de Viçosa, como requisito para aprovação na disciplina
DIR 499 – Monografia II e obtenção do título de bacharel em
Direito.

Orientador: Prof. Dr. Fernando Laércio Alves da Silva

Viçosa (MG)
2018
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pela força diária para que eu nunca desista
dos desafios aos quais me proponho.
Aos meus pais, pelo carinho, incentivo e por entenderem todas as minhas
ansiedades e preocupações.
Aos meus irmãos, por encherem os meus dias de luz e por tanto me apoiarem
nesse difícil ano que antecede a formatura.
Aos meus amigos, que dividiram este momento comigo, os medos e as
expectativas, sempre me incentivando ao longo do caminho.
Aos professores do Departamento de Direito da UFV, por todos os
ensinamentos passados nestes quase 5 anos de curso.
Por fim, um agradecimento especial ao meu orientador Fernando Laércio
Alves da Silva, por dividir tantos conhecimentos, por compreender as minhas
angústias e por não medir esforços para que esse trabalho fosse concluído.
RESUMO

A presente monografia objetiva analisar o direito constitucional da razoável duração


do processo criminal. Para tanto, mediante a utilização de pesquisa bibliográfica,
inicialmente se busca identificar o conceito de tempo, sendo estabelecido o tempo
kairológico como marco teórico da pesquisa, juntamente ao modelo constitucional de
processo. Desse modo, procura-se relacionar tal teoria com o tempo processual e a
necessidade de compreender as complexidades de cada caso concreto. Soma-se a
isso o estudo do modelo constitucional de processo e as formas de acesso à justiça,
sendo garantidas pelos princípios constitucionais. Entretanto, por outro lado, estes
também podem ser afetados diante do desrespeito ao princípio da duração razoável
do processo. Nesse contexto, analisa-se a legislação pátria e as consequências da
morosidade processual injustificada, sendo estudada a jurisprudência da Corte
Interamericana de Direitos Humanos no intuito de compreender os critérios utilizados
para aplicação da garantia a fim de chegar a uma conclusão sobre o problema
exposto.

Palavras-chave: Modelo constitucional de processo penal. Prazos processuais.


Tempo kairológico. Princípio da duração razoável do processo penal. Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7
2 O DEVIDO TEMPO PROCESSUAL ........................................................................ 9
2.1 Tempo cronológico e tempo kairológico ..................................................... 10
2.2 O tempo do processo .................................................................................... 13
2.2.1 Processo e procedimento ..................................................................... 14
2.2.2 Tempo processual e duração do processo ......................................... 16
2.3 Teoria do Não Prazo ...................................................................................... 17
3 MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO E ACESSO À JUSTIÇA ............ 20
3.1 O tempo kairológico do modelo constitucional de processo .................... 23
3.2 A duração do processo penal no Brasil ....................................................... 25
3.2.1 Breve análise dos prazos previstos no processo penal..................... 26
4 A GARANTIA DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO PELA CONVENÇÃO
AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS ................................................................. 30
4.1 Julgados da Corte Interamericana acerca da demora processual ............ 32
4.2 A demora processual na visão do Supremo Tribunal Federal ................... 37
5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 42
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 44
7

1 INTRODUÇÃO

A presente monografia estuda a duração razoável do processo na perspectiva


do tempo kairológico, do modelo constitucional de processo e na ótica dos julgados
da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O Código de Processo Penal prevê alguns prazos para a prática de
determinados atos processuais, entretanto, não se vislumbra no ordenamento pátrio
qual seria o prazo máximo para duração do processo, de modo que se torne
necessário um estudo acerca de qual seria essa duração razoável de um processo
penal, levando em conta as suas complexidades e peculiaridades caso a caso.
Em vista da observância do elevado número de processos no sistema jurídico
brasileiro, somados à evidente morosidade da justiça para resolvê-los, surgem
violações aos direitos fundamentais e consequentes implicações na esfera pessoal
daqueles que estão interessados na resolução de suas demandas.
Neste sentido, ao constatar a violação de princípios sob a ótica do modelo
constitucional de processo, pretende-se buscar na Corte Interamericana de Direitos
Humanos, órgão jurisdicional internacional do qual o Brasil submete-se à sua
jurisdição, qual seria a melhor forma para garantir a efetividade do princípio da
duração razoável do processo, através do estudo de seus julgados.
Desse modo, o objetivo geral do estudo refere-se a analisar a aplicação dos
princípios constitucionais frente a concepção existente acerca de tempo e prazos
processuais, de acordo com casos nacionais e internacionais já julgados.
Como objetivos específicos, adentrou-se no estudo do tempo, principalmente
aplicado aos processos penais, fazendo uma leitura do princípio constitucional da
duração razoável do processo e buscando entender os motivos pelos quais a
morosidade se sobressai. Buscou-se também elucidar as maiores consequências de
um processo demasiadamente lento, bem como o estudo dos demais princípios a
serem prejudicados por essa demora.
Tendo em vista o tema proposto neste trabalho monográfico, realizou-se
pesquisa do tipo bibliográfica, tendo por base a legislação vigente, especialmente a
Constituição Federal, o Código de Processo Penal e a doutrina relacionada ao tema,
sendo acessada tanto a brasileira, quanto algumas obras internacionais. Neste
sentido, foram utilizadas obras de alguns autores já conhecidos por se debruçarem
sobre temas como este, além de se recorrer a periódicos e pesquisas da internet.
8

Diante do explanado, a estrutura deste trabalho está organizada do seguinte


modo: o segundo capítulo aborda o conceito de tempo a luz de teorias aptas a explicá-
lo, estabelecendo-se o marco teórico do tempo Kairológico e a análise da forma como
o tempo influencia no transcorrer do processo.
O terceiro capítulo aborda o conceito de modelo constitucional de processo e o
acesso à justiça, com a análise do tempo aplicado à este modelo de processo, bem
como as previsões contidas no Código de Processo Penal brasileiro e os problemas
práticos decorrentes da demora.
No quarto capítulo estuda-se o funcionamento da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, e as jurisprudências deste órgão, relacionando a jurisprudência
pátria, no intuito de encontrar a melhor definição de prazo razoável e quais são as
possíveis soluções para o problema, inclusive identificando de quem seria a
reponsabilidade por definir e alcançar a duração razoável do processo.
Por fim, apresenta-se as considerações finais, consistentes em reflexões sobre
a temática e objetivos apresentados.
9

2 O DEVIDO TEMPO PROCESSUAL

É fato que atualmente é impossível pensar em processo sem relacioná-lo ao


tempo. Isto porque, juntamente ao início do processo, iniciam-se as expectativas dos
seus interessados, o que implica nas indagações sobre qual seria o prazo necessário
até que o processo alcance a sua conclusão. O problema é quando essa expectativa,
somada às angústia e incertezas, confunde-se com a pressa e então as partes
passam a desejar que tudo ocorra muito rápido, o que pode gerar uma visão destrutiva
do tempo, quando, na verdade, o tempo possui um caráter altamente construtivo.
O modo como o tempo atua em nossas vidas é exposto por Aury Lopes Júnior
e Gustavo Henrique Badaró:

Vivemos numa sociedade regida pelo tempo, em que a velocidade é a


alavanca do mundo contemporâneo, nos conduzindo à angústia do
presenteísmo. Buscamos expandir ao máximo esse fragmento de tempo que
chamamos de presente, espremido entre um passado que não existe, uma
vez que já não é, e um futuro contingente, que ainda não é, e que por isso,
também não existe. Nessa incessante corrida, o tempo rege a nossa vida
pessoal, profissional e, como não poderia deixar de ser, o próprio direito.
(LOPES JR.; BADARÓ, 2009, p. 3)

Diante da complexidade do tempo, o que se visa é determinar qual seria a


duração razoável do processo penal, a partir do marco teórico Kairológico, adiante
explicado, bem como o Estado Democrático de Direito1, respeitando o modelo
constitucional de processo2 e seus princípios, além de levar em consideração as
consequências psicológicas, sociais e processuais sob as quais as partes encontram-
se submetidas.

1 Para Fábio Passos Presoti e José Santiago Neto (2013, p.295-296): “o Estado Democrático de Direito
se constituirá no momento em que for assegurado a todos os seus integrantes o acesso à participação
em sua construção, de modo igual e sem discriminações ou preconceitos”.
2 Para Ítalo Andolina e Giuseppe Vignera (1997, p.08) apud BARROS, Flaviane de Magalhães (2008),

a Constituição apresenta o instituto do processo cercado por uma série de princípios, que podem ser
considerados como o modelo constitucional de processo. Conforme expõe Flaviane (2008, p. 333-334),
trata-se de uma base principiológica uníssona e aplicável a todo e qualquer processo, já que todo
processo é constitucional, seja em razão de sua fundamentação ou de sua estrutura.
10

2.1 Tempo cronológico e tempo kairológico

Ainda que o mundo tenha se modernizado ao longo dos tempos e as


sociedades tenham acumulado diversas contribuições teóricas, não se pode negar
que muito dos discursos teóricos permanecem ligados ao tradicionalismo, de modo
que o tempo cronológico, no modo tempo-calendário, ainda persiste em uma
sociedade hipermoderna, como a forma de conceber o tempo de forma absoluta.
Para Giacomo Marramao (2005)3, a persistência desse tempo cronológico,
permeado por complexidades, tem origem etimológica e decorre de um equívoco na
própria compreensão do real significado de tempo. Segundo a sua compreensão, a
reconstituição adequada do conceito de tempo contestaria a credibilidade do tempo
cronológico e aconselharia o tempo kairológico como seu substituto.
Dentro deste conceito de tempo kairológico haveria a ideia de tempestividade,
pautada no tempo devido, em que se deve evitar os extremos da demora e da pressa,
haja vista que ambas se consolidam como formas de intempestividade. Além disso,
tal conceito busca ser uma alternativa apta a lidar com todas as complexidades
derivadas do evento temporal integrando as contribuições teóricas sobre o tema,
surgidas ao longo do século XX.
Para fins de esclarecimento, seguem detalhes acerca de cada um dos
conceitos de tempo propostos como objeto de estudo no presente tópico.
Inicialmente, cumpre destacar a forma como o tempo é medido nos dias atuais,
sendo por meio da expressão tempo-calendário, em que o mesmo é medido através
da contagem de segundos, minutos, horas, dias, meses e assim por diante.
Entretanto, nem sempre foi assim, haja vista que muito anteriormente, o tempo era
definido de acordo com a repetição dos fenômenos naturais o que, sem dúvida, foi
essencial para que se alcançasse o sistema de medição que possuímos atualmente,
uma vez que a necessidade da sua formulação surgiu ainda mais evidente, a partir do
momento em que a sociedade passou a ser industrial.
Fato é que, tendo em vista a existência das mais variadas civilizações e povos
religiosos ao longo dos tempos, os fenômenos naturais ocorridos não puderam ser
compatíveis entre si, sendo que cada sociedade elaborou seu calendário da melhor

3MARRAMAO, Giacomo. Kairós: apologia del tempo debto apud COUTINHO, Carlos Marden Cabral.
Duração razoável: o tempo (kairológico) do devido processo constitucional. Belo Horizonte, 2014. p.
11.
11

forma que fosse apta a atender as suas exigências do momento e em relação ao


estágio de desenvolvimento que vivenciava.
Na mitologia grega, Chronos era visto como o senhor do tempo e da pressão
das horas comandadas pelo relógio. Era responsável por controlar o tempo real,
sendo determinante para a quantidade de atividades a serem realizadas ao longo do
dia, bem como as realizadas desde o nascimento até a morte.
Seria ainda aquele que quantifica o tempo, estando tudo ligado a uma
sequência temporal e, portanto, nossas vidas seriam como dependentes do
cronômetro, sendo o relógio quem dita os acontecimentos influenciadores da nossa
realidade e ignora uma série de circunstâncias particulares (COUTINHO, 2014). Neste
sentido, Carlos Marden Cabral Coutinho faz uma crítica acerca da forma que o tempo
cronológico é concebido:

A percepção comum de tempo que hoje predomina, apesar de intuitiva, é


definitivamente bastante peculiar e não necessariamente compatível com
outras visões que predominavam em outras épocas ou que subsistem ainda
hoje; chegando mesmo a preservar confessas imperfeições (como a
supressão de aproximadamente seis horas extras que existem em cada ano),
em nome de sua maior operacionalidade. (COUTINHO, 2014, p. 25-26)

Assim, o problema central do tempo cronológico é o fato de perceber o tempo-


calendário como arbitrário, não guardando perfeita relação com a passagem do
tempo. Carlos Marden (2014, p. 26) chega a dizer que o tempo cronológico marcado
no calendário através de dias, meses e anos, não implica em um recomeço, sendo,
na realidade, um instrumento de manipulação da existência, não demonstrando
aspiração por representar o verdadeiro ritmo de passagem do tempo.
Dessa forma, diante do caráter absoluto de tempo assinalado dentro da teoria
do tempo cronológico, faz-se necessária alcançar uma teoria acerca do tempo que
transcenda a simplicidade do tempo-calendário e que some todas as contribuições
teóricas acumuladas sobre o tema ao longo dos tempos (COUTINHO, 2014, p. 75).
Neste cenário, surge a importância de estudar o tempo kairológico. Antagônico
a Chronos, Kairós era o Deus do tempo oportuno, aquele que não podia ser
cronometrado, mas sim qualificado, de modo que se passa a exercer as atividades
diárias de forma valorizada, permeadas pela leveza e felicidade (COUTINHO, 2014,
p. 90).
12

A fim de chegar-se a esse tempo kairológico e na tentativa de resolver todas as


complexidades que o tempo apresenta, foram incorporadas diversas contribuições
teóricas acumuladas ao longo do século XX, dentre as quais é possível citar as mais
importantes: a descoberta de que o tempo é relativo (e não absoluto, como fazia crer
o tempo cronológico) e intrinsicamente ligado ao espaço, sendo que a forma como é
medido depende de cada observador; segundo a Lei da Termodinâmica4 o tempo é
real e flui no sentido do passado para o futuro; o tempo permite um potencial criativo5;
além da constatação de que movimentos como o Iluminismo, a
Reforma/Contrarreforma e a Revolução Francesa marcaram uma nova fase da
modernidade, tendo permitido um aumento das expectativas em relação a aceleração
do tempo. Ademais, foi possível constatar um grande entrave a ser resolvido e que
permeia a modernidade, haja vista a recorrente intenção de se agir de forma ágil no
intuito de alcançar o resultado rapidamente, entretanto, atropela-se o tempo
necessário para executar determinada ação e, em contrapartida, age-se sem
planejamento numa tentativa de se adequar ao tempo que lhe é disponível.
Sendo assim, a fim de melhor compreender a evolução do tempo kairológico, é
necessário fazer uma breve explicação acerca do seu desenvolvimento ao longo da
história. Antigamente, o tempo possuía um perfil dúplice, sendo que na Grécia Antiga
era reconhecido como chronos e aión. Chronos remetia ao tempo cronológico e
portanto, tinha sua versão quantitativa e homogênea. Já aión remetia à duração,
sendo uma versão qualitativa, sensitiva e impassível de medição exata, pelo fato de
incluir passado e futuro ilimitados. Aión é o lugar dos acontecimentos incorporais e
dos atributos distintos das qualidades (MONEGALHA, 2008, p. 93), sendo o tempo
aiônico referente a algo que não cessa, apresentando estrita relação com o
acontecimento.
É preciso esclarecer que tais conceitos não são opostos, mas sim
complementares, podendo coexistir dentro de um mesmo modelo temporal, sendo que

4 Segunda Lei da Termodinâmica: “em qualquer processo irreversível, a função S, conhecida como
entropia, sofre um aumento, ao passo que, nos processos reversíveis, ela permanece constante.” Para
Ilya Prigogine (2011) seria possível relacionar o aumento de entropia com a irreversibilidade e, dessa
forma, relaciona-se com a passagem do tempo do passado para o futuro (é a denominada flecha do
tempo, uma vez que segue o sentido do futuro) apud COUTINHO, Carlos Marden Cabral. Duração
razoável: o tempo (kairológico) do devido processo constitucional. Belo Horizonte, 2014. p. 37.
5 O tempo não é mais visto de maneira ilusória e nem mesmo como agente de degradação, mas sim

dentro da ideia de tempo-criação, uma vez que aa concessão de tempo a determinados sistema lhes
permite evoluir de maneira criativa e alcançar elevados pontos evolutivos (PRIGOGINE, 2008) apud
COUTINHO, Carlos Marden Cabral. Duração razoável: o tempo (kairológico) do devido processo
constitucional. Belo Horizonte, 2014. p. 40
13

transcendem as suas utilidades a partir da existência do outro. Logo, a adaptação que


chronos representa através do número é complemento à duração de aion, sendo esta
eterna, haja vista não admitir exata medição e sendo, portanto, autêntica quanto a sua
passagem.
Kairós é um conceito ainda mais amplo, que abarca tanto chronos quanto aión,
envolvendo a medição do tempo através do número, mas também a autenticidade de
sua passagem, a fim de que se chegue ao tempo devido que, na visão kairológica,
nem sempre será o de menor duração (COUTINHO, 2014, p. 90)
Dessa forma, o tempo kairológico encontra-se intrinsicamente relacionado à
tempestividade. Isto porque, tal teoria não se preocupa em atuar de maneira breve em
suas ações, mas sim, procura analisar o tempo necessário para alcançar seus
objetivos e, a partir daí, atuar de forma lógica e apta a atingir os resultados
qualitativamente. Assim, visa abandonar o mal da pressa vislumbrado nos dias atuais,
para dar espaço ao tempo devido e flexível, baseado na tempestividade.
Logo, o que se verifica acerca do estudo kairológico é que o mesmo permite
suprir as lacunas existentes dentro da temática temporal, bem como perfazer as
peculiaridades do tempo, de forma que será analisado enquanto tempo devido e como
marco teórico apto a estabelecer a correta relação entre tempo e processo, conforme
o nosso Estado Democrático de Direito vigente.

2.2 O tempo do processo

Estabelecido o conceito de tempo kairológico como o tempo qualificado e que


permeará o presente trabalho, faz-se necessário fazer uma relação entre o tempo e o
processo, sendo este o principal instrumento vigente para fazer valer a lei e promover
a justiça.
Já se discutiu a inegável importância do tempo em nossas vidas, mas no que
se refere ao Direito, pretende-se dar uma atenção especial acerca de como o tempo
atua nos processos judiciais, especialmente aqueles que envolvem o Direito Penal.
Para Cruz e Tucci (1997, p. 28-29), o tempo do processo interrompe o
desenvolvimento linear do tempo cotidiano e seria um tempo inteiramente ordenado
que permite à sociedade regenerar a ordem social e jurídica. Dessa forma, os direitos
subjetivos dos cidadãos devem ser providos da máxima garantia social, com o mínimo
14

de sacrifício das liberdades individuais e com o menor dispêndio possível de tempo e


energia (CRUZ E TUCCI, 1997, p. 30).
Em se tratando do direito e do processo penal, o tempo influencia diretamente
na decisão judicial, haja vista a necessidade de se definir a lei aplicável de acordo
com o tempo do crime, além de estabelecer um prazo temporal pelo qual a pena deve
ser cumprida, de acordo com a gravidade e as circunstâncias do delito.
O que se busca é que a conclusão do processo penal seja alcançada num prazo
célere, mas que esteja em equilíbrio ao respeito às liberdades individuais e direitos
fundamentais. Dessa forma, entendem Aury Lopes e Gustavo Badaró:

Ressalte-se, porém, que o direito a um julgamento no prazo razoável não


pode ser entendido, simplesmente, como o direito a um processo que busque
a celeridade processual a qualquer custo. Ou seja, o processo no prazo
razoável não é o processo em sua celeridade máxima. Para se respeitar o
direito ao processo no prazo razoável a busca da celeridade não pode violar
outras garantias processuais como a ampla defesa e o direito de a defesa
possuir o tempo necessário para o seu exercício adequado. (LOPES JR.;
BADARÓ, 2009, p. 44)

2.2.1 Processo e procedimento

No Brasil, o Estado é o responsável por dizer o Direito e conferir a uma terceira


pessoa, imparcial e estranha à demanda, o poder de decidir quem tem razão no
conflito. Dessa forma, o Estado deve administrar a prestação jurisdicional a fim de que
promova a resolução do maior número de conflitos possível.
O processo surge então para, segundo BÜLOW6, prestar-se a função
jurisdicional e sistematizar a relação jurídica processual, pautada entre as partes e o
juiz, além de também ser ordenadora da conduta dos sujeitos do processo em seus
conjuntos de diretos e obrigações recíprocas. Seria então “encarado pelo aspecto dos
atos que lhe dão corpo e das relações entre eles e igualmente pelo aspecto das
relações entre os sujeitos.”
Aury Lopes Jr. ainda complementa:

Para BÜLOW, o processo é uma relação jurídica de natureza pública, que se


estabelece entre as partes (MP e réu) e o juiz, dando origem a uma
reciprocidade de direitos e obrigações processuais. Sua natureza pública
decorre do fato de o vínculo se dar entre as partes e o órgão público da
Administração de Justiça, numa atividade essencialmente pública. Neste

6Apud CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria Geral do Processo. 24. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 300.
15

sentido, o processo é uma relação jurídica de direito público, autônoma e


independente da relação jurídica de direito material. (LOPES JR, 2014, p. 45)

À vista disso, o processo é entendido como uma relação jurídica que funciona
como a direção do movimento, enquanto o procedimento é a sua lógica formal,
definido pela sucessão de atos processuais no tempo e de acordo com a lógica
apresentada por cada processo. Mais do que isso, o procedimento é dinâmico e não
termina em um único momento, sendo destinado a desenvolver-se no tempo através
de atos processuais que progridem em várias etapas e interligam os sujeitos
processuais.
José Rogério Cruz e Tucci discute o tema em sua obra “Tempo e Processo”:

Os atos do procedimento, portanto, tendo uma prévia fixação cronológica –


prazos judiciais – devem ser realizados no momento oportuno. Todavia, a
experiência mostra que esse ideal, na grande maioria das vezes, em
decorrência de múltiplos fatores, não vem cumprido. (CRUZ E TUCCI, 1997,
p. 15)

Para os atos processuais serem cumpridos, a lei estipula um espaço temporal


em que impõe, veta ou permite as suas práticas, sendo que podem ser diferentes
entre si, de acordo com a área do direito que está sendo trabalhada.
No processo penal, por exemplo, a existência de prazos impróprios 7 contribui
de forma significativa para que, em muitos casos, os atos processuais não sejam
cumpridos no tempo cronológico. Isto se justifica pelo fato de não haver previsão de
consequência prática para os agentes da justiça que se delongam em seus atos e
consequentemente, afetam diretamente na morosidade do processo.
Em suma, uma melhor forma de erradicar o problema é tentar buscar o
equilíbrio através de um prazo intermediário para a execução dos atos processuais,
compreendido entre o processo acelerado que ignora as garantias do devido processo
legal e entre o processo demasiadamente lento por causas injustificáveis. Assim,
pretende alcançar uma decisão justa, que respeita o tempo dos atos processuais, mas
também os direitos fundamentais previstos em nossa Constituição.

7“Para Nelson Nery Júnior, o prazo impróprio é aquele fixado na lei apenas como parâmetro para a
prática do ato, sendo que seu desatendimento não acarreta situação detrimentosa para aquele que o
descumpriu, mas apenas sanções disciplinares.” (LARA, 2006). Disponível em:
<https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=103>
16

2.2.2 Tempo processual e duração do processo

O processo é o espaço para a realização das mais variadas matérias do Direito,


sendo fato que todas elas necessitam de tempo para o seu desenvolvimento. Em
relação ao Direito Penal, o processo buscará a aplicação da pena, mas também atuará
nas garantias dos direitos e liberdades individuais, sendo constantemente associado
ao tempo, uma vez que este está interligado à quantidade da pena a ser cumprida,
bem como torna necessário utilizá-lo para respeitar os prazos processuais.
Tendo em vista que o próprio direito se produz, essa sua independência poderia
gerar conflitos acerca do prazo que cada legislador estipula para a prática de
determinados atos processuais, sendo que seu resultado pode potencializar ainda
mais a expectativa e a angústia das partes interessadas ao aguardarem essa solução
processual.
Dessa forma, o que se pretende é alcançar qual seria a forma razoável para
chegar-se a prazos processuais que respeitem os direitos fundamentais, o princípio
do contraditório8 (artigo 5º, LV, da CF) e estejam de acordo com o que propõe a nossa
Constituição Federal, conforme Emenda Constitucional nº 45/04 que acrescentou o
inciso LXXVII9 ao art. 5º da CF/88, como forma de garantir a duração razoável do
processo.
Ademais, a Convenção Americana de Direitos Humanos (ou denominada como
Pacto de São José da Costa Rica)10, da qual o Brasil é signatário, também estabeleceu
em seu texto a garantia ao direito de se ter a conclusão processual dentro de um prazo
razoável.
Pelo fato de não haver uma definição exata de qual seria a duração temporal
ideal, tendo em vista que cada processo possui suas peculiaridades, é preciso

8 Para Flaviane de Magalhães Barros, o contraditório deve ser compreendido como o espaço
procedimentalizado para garantia da participação dos afetados na construção do provimento.
(BARROS, 2008, p. 18)
9 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à


igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LXXVIII a todos, no âmbito judicial
e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação; [...]
10 Artigo 8. Garantias judiciais: 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro

de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido


anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se
determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza;
[,,,]
17

respeitar esta complexidade individualmente apresentada, bem como os vários ritmos


paralelos que um processo pode conter.
Neste sentido, é preciso fazer uma diferenciação entre o tempo processual e a
duração do processo. Esta seria a soma entre o tempo processual e o tempo morto
(tempo inútil do processo em que nada está acontecendo), sendo, simplificadamente,
o tempo decorrido entre o início e a conclusão do processo. Já aquele é o tempo
necessário para que se efetivem todos os atos necessários a um processo e, ao final,
seja atingido a sua finalidade, levando em conta o procedimento em contraditório.
(COUTINHO, 2014, p. 99-100)
O tempo processual é intrínseco ao processo, sendo que por meio dele é
possível fazer relação com os direitos fundamentais e princípios constitucionais, além
de ressaltar o seu poder criativo, haja vista possibilitar que o processo caminhe para
a conclusão devida e assim, deixe um pouco de lado a visão que a demora demasiada
do é somente prejudicial e degradante, sem realmente analisar a complexidade que
envolve cada caso.
No que tange ao tempo como garantidor do devido tempo processual
Constitucional, tenta-se atingir a sua finalidade de forma célere, porém qualificada,
assimilando-se a ideia do tempo processual ao tempo kairológico. Isto porque não se
pode deixar seduzir pela síndrome da pressa que, cada vez mais, exerce influência
em nosso cotidiano e faz com que, muitas vezes, se privilegiem respostas imediatas
às devidamente fundamentadas e adequadas para a realidade concreta.
Assim, a intenção primordial é entender as principais diferenças, mas também
a relação existente entre duração do processo e tempo processual. Sendo este último
de fundamental importância até mesmo para entender o processo em si e quando da
sua abordagem constitucional, haja vista ser o tempo devido necessário para que
cumpra a sua finalidade dentro do que se propõe e que respeite as garantias
fundamentais.

2.3 Teoria do Não Prazo

Diante das explicações acerca do tempo processual e das tantas


complexidades a serem analisadas de acordo com cada processo, o Brasil adotou em
seu sistema jurídico a Teoria do Não Prazo.
18

Tal Teoria originou-se na Corte Europeia de Direitos Humanos e entende que


a duração razoável de um processo só pode ser determinada a partir da análise do
caso concreto. Assim, por mais que a resposta deva ser célere, ela deve respeitar as
garantias processuais e também as peculiaridades do caso que está sendo analisado.
Havendo violação, esta deve ser apurada por meio de critérios já previamente
estabelecidos.
Essa mesma Teoria também foi concebida pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos e ainda definiu três critérios na hora de analisar a duração
processual e que trouxerem à tona a importância de analisar os efeitos prejudiciais
resultantes da demora processual, sendo eles: a complexidade do caso, o
comportamento das partes e o comportamento das autoridades judiciárias envolvidas.
Entretanto, o fato de analisar cada caso concreto sem que haja os critérios
temporais específicos pré-estabelecidos pode gerar insegurança jurídica, tendo em
vista que abriria espaço para discricionariedades e, assim, o prazo para a parte
responder ao processo fica nas mãos do juiz, não havendo estabilidade nas decisões,
podendo ser mais benéficas ou prejudiciais, a depender do sentir do magistrado. Aury
Lopes Jr. faz uma crítica à esta doutrina, por considerá-la ineficaz diante da não
fixação de prazos certos e preclusivos para a garantia do direito ao processo sem
dilações indevidas (2014, p. 126)
Dentro dessa linha de pensamento, Flaviane de Magalhães Barros e Marcelo
Andrade Cattoni de Oliveira (2014)11 se debruçam sobre o estudo da Teoria do Não
Prazo e também criticam a maneira como a mesma é adotada no Brasil. Isso se deve
ao fato da Teoria estar sendo utilizada pelo nosso Supremo Tribunal Federal numa
tentativa de afastar o Estado como um dos responsáveis pela demora processual,
uma vez que o sistema não estipula um prazo máximo e, portanto, dificulta a aplicação
de sanções aos responsáveis.
Tendo em vista todos os problemas relacionados à duração razoável do
processo penal, o que se pretende é esclarecer que, na verdade, o intuito não é
estabelecer uma duração abstrata para todos os processos, mas sim analisar
detalhadamente cada caso e atender as necessidades dos mesmo e, por óbvio, sem
deixar de lado a responsabilidade do Estado no caso de ser o causador da demora
processual e sem razão.

11 Apud COUTINHO, Carlos Marden Cabral. Duração razoável: o tempo (kairológico) do devido
processo constitucional. Belo Horizonte, 2014, p. 107.
19

Dessa maneira, entende Carlos Marden:

A questão referente a um suposto prazo máximo de duração do processo


será deixada de lado em favor de um tratamento individualizado, no qual se
privilegie o entendimento de que a duração do processo só pode ser
considerada como razoável (ou não) quando no contexto do modelo
constitucional de processo. (COUTINHO, 2014, p.108)

É fato que auferir um prazo razoável para o processo encontra as suas


dificuldades, uma vez que se trata de conceito abstrato e de difícil delimitação,
devendo analisar todas as circunstâncias do caso concreto, como entende Nereu José
Giacomolli:

Na verificação da duração razoável interferem vários fatores, específicos de


cada caso, tanto no aspecto objetivo (fato que está sendo investigado),
quanto do comportamento dos sujeitos e instituições envolvidas na
investigação. Contudo, exige-se o estabelecimento de mecanismos para
evitar a desproporção entre a demanda investigatória ou processual e a
capacidade de resposta, nos limites temporais estabelecidos legalmente.
Mecanismos de simplificação procedimental, inclusive incidentais, com a
diminuição da estrutura arcaica e a busca do essencial, serão necessários,
ao lado de sanções nas esferas civil, administrativa e processual, para coibir
a morosidade da persecução penal. Quando do processo (maior a energia
acumulado no vazio, geradora de uma maior expansão). A duração razoável
não se aplica somente ao procedimento em contraditório pleno, ou seja, ao
processo judicial, mas como em toda obra humana, privada ou pública, possui
magnitude também aos demais procedimentos. (GIACOMOLLI, 2014, p. 323)

Desse modo, a Teoria do Não Prazo se aplica na análise de cada caso


concreto, devendo observar o que se considera como duração razoável e dentro de
um limite temporal máximo, ainda que não previamente fixado, mas respeitando as
especificidades objetivas e subjetivas dos fatos.
20

3 MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO E ACESSO À JUSTIÇA

A nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXV 12, assegura a
todos o direito ao acesso à Justiça em caso de lesão ou ameaça a qualquer um dos
seus direitos, de modo a também ser concebido como um meio de assegurar as
nossas garantias fundamentais.
Neste sentido, o modelo constitucional de processo, perspectivado por diversos
autores, entre os quais José Alfredo Baracho e Eduardo Couture ainda sob o nome
de processo constitucional e descrito em suas estruturas por Ítalo Andolina e
Giuseppe Vignera resta absorvido pelo ordenamento constitucional brasileiro de 1988
em razão de sua compatibilidade com o Estado Democrático de Direito que passou a
vigorar com mais força, para negar o caráter autoritário e estabelecer a participação
dos interessados, por meio da argumentação e defesa, como coautores da decisão
judicial final, além de apresentar o processo como um meio de realização dos seus
direitos fundamentais.
Para Fernando Laércio, o Estado Democrático de Direito seria uma aglutinação
entre os princípios do Estado de Direito e do Estado Democrático. Aquele entendido
como o que tem por base de sustentação a Constituição, enquanto este seria aquele
que permite aos cidadãos uma série de escolhas e participação na tomada de
decisões coletivas, efetivado pela participação ativa dos indivíduos nos mecanismos
de ação política (2015, p. 168).
Soma-se a essa noção de modelo constitucional de processo, as lições
Andolina e Vignera:
O modelo constitucional de processo é “um esquema geral de processo” que
possui três importantes características: a expansividade, que garante a
idoneidade para que a norma processual possa ser expandida para
microssistemas, desde que mantenha sua conformidade com o esquema
geral de processo; a variabilidade, como a possibilidade de a norma
processual especializar-se e assumir forma diversa em função de
característica específica de um determinado microssistema, desde que em
conformidade com a base constitucional; e por fim, a perfectibilidade como a
capacidade de o modelo constitucional aperfeiçoar-se e definir novos
institutos por meio do processo legislativo, mas sempre de acordo com o
esquema geral (ANDOLINA; VIGNERA, 1997, p. 9-10 apud BARROS, 2008,
p.14-15)

12 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXV - a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito
21

O que se depreende é que no modelo constitucional são estabelecidos alguns


limites ao legislador, porém concomitantemente há espaço para atuar de acordo com
cada caso específico. Em outras palavras, o modelo constitucional possui uma base
uníssona advinda da Constituição Federal que estabelece os princípios processuais
codependentes, uma vez que não devem ser interpretados isoladamente para que se
concretizem, e indicam o processo como garantia, mas que também permitem ir além
e estudar cada processo de acordo com suas características próprias. (BARROS,
2008, p. 17)
No que diz respeito ao modelo constitucional de processo penal, entende
Flaviane de Magalhães Barros:

Logo, o microssistema do processo penal tem especificidades diante dos


direitos fundamentais a que visa garantir. Desse modo, a base principiológica
uníssona, consolidada pelo contraditório, ampla argumentação,
fundamentação da decisão e o terceiro imparcial, precisa ser interpretada
sem desconsiderar o princípio constitucional da presunção de inocência e a
garantia das liberdades individuais dos sujeitos, justamente em virtude das
características do próprio modelo, que são a expansividade, a variabilidade e
a perfectibilidade. (BARROS, 2008, p. 15-16)

Assim, os princípios processuais previstos na Constituição Federal devem ser


utilizados dentro da noção de processo como garantia, em que as partes e o juiz
atuarão em condições paritárias, sendo essa igualdade evidenciada através da
aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa13, da motivação das
decisões14 e da imparcialidade do julgador.
O modelo constitucional de processo, por meio da garantia dos princípios
constitucionais processuais, abre maior espaço para a atuação jurisdicional, de modo
que o acesso à justiça, que também é um princípio, vem sendo encarado como
requisito fundamental de um sistema jurídico moderno e igualitário que visa

13 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LV - aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes.
14 Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da

Magistratura, observados os seguintes princípios: [...]IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei
limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes,
em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o
interesse público à informação.
22

principalmente garantir, e não somente proclamar os direitos dos cidadãos.


(CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 12). Assim:

O “acesso” não é apenas um direito social fundamental, crescentemente


reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna
processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento
dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica. (CAPPELLETTI;
GARTH, 1988, p. 13)

Cappelletti e Garth ainda definem que a ideia de acesso à justiça estaria


associada a duas finalidades básicas do sistema jurídico, sendo elas: o sistema deve
ser igualmente acessível a todos e o sistema deve produzir resultados individuais e
socialmente justos. Além de ter que alcançar essas finalidades, o acesso à justiça
somente será efetivo se os direitos previstos em leis forem realmente assegurados
aos cidadãos, conforme prevê o nosso Estado Democrático de Direito.
Ocorre que diversos podem ser os obstáculos até que se alcance o acesso à
justiça, não só os jurídicos, como também os de ordem social e econômica. Dentre
eles, pode se destacar as despesas do processo, envolvendo as custas judiciais
(como por exemplo taxas judiciárias e despesas necessárias à determinados atos
processuais) e os honorários advocatícios (sendo pagos pela contratação, mas
também pagos os honorários de sucumbência pela parte perdedora), bem como a
duração excessiva de um processo e a ausência de informação para as partes.
O tempo pode ser um obstáculo ainda maior do acesso à justiça na medida em
que se conjuga ao obstáculo econômico, tornando-se uma situação ainda mais
vulnerável para o jurisdicionado que apresenta dificuldades financeiras, uma vez que
quanto mais durar o processo, mais ônus financeiro ele representa às partes.
(CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 20).
Ademais, um processo demasiadamente longo fere tantas outras garantias
constitucionais, uma vez que o réu vai perdendo a credibilidade perante a sociedade
ao longo do tempo, além de que o contraditório, ampla defesa e as condições
financeiras e psicológicas podem se tornar cada vez mais problemáticas.
As causas para a morosidade processual podem ser variadas, como, por
exemplo, deficiência nas leis processuais, elevado volume de processos, preparação
insuficiente dos servidores da justiça, alta demanda de recursos, escassez de
funcionários, entre tantas outras a serem melhor elucidadas mais à frente.
23

Em vista da existência desses obstáculos, o que se pretende é combatê-los em


conjunto, através dos estudo de três ondas que seriam estratégias específicas para o
enfrentamento dos problemas de acesso à justiça.
Neste sentido, os autores CAPPELLETTI E GARTH definem que a primeira
onda seria a da assistência judiciária gratuita, com o intuito de oportunizar
representação àqueles que por razões econômicas não possuem acesso à justiça. A
segunda onda seria a dos interesses difusos, em que se preocupa em oportunizar
representação jurídica para os interesses metaindividuais, como por exemplo
referentes à proteção ambiental e aos direitos do consumidor. Já a terceira onda,
propõe-se ao enfoque do acesso à justiça, preocupando-se com a assistência
judiciária e interesses difusos, mas examina o problema de maneira global,
procurando enfrentar de forma articulada todos os problemas que estejam envolvidos
no acesso à justiça, inclusive o da duração razoável de um processo no modelo
constitucional abordado. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 31).
Assim, o que se quer garantir é a uma prestação jurisdicional justa, efetiva e
que seja proferida dentro de um prazo razoável a fim de se fazer valer o direito
fundamental do acesso à justiça em tempo hábil, respeitando a dignidade do réu
enquanto pessoa humana, o interesse probatório, a ordem pública e o correto
funcionamento do Poder Judiciário.
Nesta esteira, cito as lições de Cruz e Tucci:
O pronunciamento judicial que cumpre com sua nobre missão de compor uma
controvérsia intersubjetiva ou um conflito de alta relevância social (na esfera
penal) no momento oportuno proporciona às partes, aos interessados e aos
operadores do direito grande satisfação. Mesmo aquele que sai derrotado
não deve lamentar-se da pronta resposta do Judiciário, uma vez que, sob o
prisma psicológico, o possível e natural inconformismo é, sem dúvida, mais
tênue quando a luta processual não se prolonga durante muito tempo. É
inegável, por outro lado, que, quanto mais distante da ocasião tecnicamente
propícia for proferida a sentença, a respectiva eficácia será
proporcionalmente mais fraca e ilusória. De tal sorte “um julgamento tardio irá
perdendo progressivamente seu sentido reparador, na medida em que se
postergue o momento do reconhecimento judicial dos direitos; e, transcorrido
o tempo razoável para resolver a causa, qualquer solução será, de modo
inexorável, injusta, por maior que seja o mérito científico do conteúdo da
decisão.” (CRUZ E TUCCI, 1997, p. 64)

3.1 O tempo kairológico do modelo constitucional de processo

Ao se falar em modelo constitucional de processo e também em acesso à


justiça, a duração razoável de um processo não pode ser simplesmente pautada
24

naquela do tempo cronológico e absoluto. Deve-se encontrar uma zona de


tempestividade, entre a pressa e a demora, sob a ótica do tempo kairológico, a fim de
encontrar um equilíbrio qualitativo acerca do prazo razoável para conclusão do
processo. (COUTINHO, 2014, p. 169).
Dentro de um modelo constitucional de processo, a partir do momento em que
se utiliza o processo como espaço para garantia de direitos fundamentais é necessário
que se identifique o tempo mínimo da duração razoável como elemento do modelo
constitucional e com o intuito de fazer valer os princípios previstos na Carta Magna.
Assim, deve-se buscar a conciliação entre celeridade e efetividade, sendo que
esta não se confunde com aquela, mas também não pode pautar-se na demora
injustificada, sendo que para a decisão ser efetiva em seu provimento, ela deve
respeitar os limites temporais mínimos e máximos, além de permitir o exercício dos
direitos fundamentais processuais.
Nesta linha de pensamento, COUTINHO (2014, p. 173) acredita que
trabalhando com a ideia de modelo constitucional de processo, deve-se diminuir o
tempo morto dos processos, para dar maior atenção ao tempo processual, adotando
medidas que repercutam diretamente no tempo destinado à prática dos atos
processuais e que garantam a duração mínima e efetiva do processo.
Isso seria possível na perspectiva kairológica, na medida em que a zona de
tempestividade abordada nessa teoria abarca o caráter criativo do tempo e,
consequentemente, respeita a duração mínima e a duração máxima do processo,
sendo de atuação efetiva e resguardando as eventuais angústias e ansiedades das
partes interessadas. Neste sentido, também devem ser respeitadas as complexidades
do caso e os tempos individuais que as partes apresentam, conforme aduz
COUTINHO:

Efetivamente, cada um dos interessados (e também o magistrado) tem seu


próprio tempo subjetivo a partir do qual deveria ser encarada a sua
participação no processo, o que não é possível quando se trabalha com um
conceito de tempo cronológico, que submete todos a uma corrida contra o
relógio, ignorando sua subjetividade. (2014, p. 184)

Logo, a concepção que a teoria kairológica traz para a descoberta acerca da


duração razoável de um processo penal reflete muito no tempo que as partes
possuirão para manifestarem, uma vez que se concede um tempo mínimo a fim de
que conheçam o processo e formulem suas argumentações. Isto também serve para
25

o magistrado, que não deve julgar prematuramente, mas sim analisar todas as provas
carreadas e as versões dos interessados a fim de obter todos os meios aptos a
fundamentarem a sua decisão.
Diante desse estudo, retoma-se a Teoria do Não Prazo, haja vista a
necessidade de que, no modelo constitucional de processo, que envolve tantas
particularidades e atos processuais, seja avaliado cada caso dentro das suas
circunstâncias, como, por exemplo, a elevada quantidade de partes, o local de
domicilio das mesmas, a gravidade do caso, a necessidade de detalhada instrução
probatória, a revisão das decisões, entre tantos outros.
Sendo assim, o tempo kairológico visa determinar a análise detalhada dos
processos, na medida em que fornece os pilares para que os processos não sejam
distorcidos em razão da síndrome da pressa, além de promover um processo
democrático com a prática dos atos processuais no seu tempo devido, sem que isso
implique em dilações injustificadas. (COUTINHO, 2014, p. 195).

3.2 A duração do processo penal no Brasil

O tempo pode ter várias vertentes dentro da concepção do Direito Penal e do


Processo Penal sendo, por exemplo, fator determinante para a aquisição da
maioridade penal, responsável pelos prazos em que as penas serão cumpridas ou
também fator influenciador da prescrição, perempção e decadência.
Conforme já exposto, o Brasil é signatário da Convenção Interamericana de
Direitos Humanos que, entre outras proteções, garante o direito ao processo em uma
duração razoável. Entretanto, nem sempre tal garantia é respeitada em nosso Poder
Judiciário, principalmente em vista do quão antigo é o Código de Processo Penal,
datado de 1941. Por este motivo, pode-se dizer que o princípio da duração razoável
do processo somente ganhou destaque efetivo após a promulgação da Emenda
Constitucional nº 45, que inseriu o inciso LXXVIII no artigo 5º, da CF/88.
Nessa esteira, passou-se a observar mais fortemente a ligação intrínseca
existente entre direito e tempo. No entanto, por vezes entra-se em um conflito muito
grande, pelo fato de nem sempre os prazos estabelecidos pelo nosso Código de
Processo Penal serem cumpridos em sua totalidade, conforme expõe Daniel R.
Pastor:
26

A indeterminação da duração dos julgamentos penais provoca nos cidadãos


uma situação de dupla dúvida que se traduz, logicamente, na certeza de uma
injustiça, porque, ou os acusados são culpados e, então, devem ser punidos
prontamente, ou são inocentes e eles devem ser liberados da suspeita o mais
rápido possível. (PASTOR, 2009, p. 89)15

Isto porque, ainda que existam previsões legais acerca do prazo destinado à
prática de determinados atos processuais, a não obediência destes pode gerar nas
partes interessadas a sensação de injustiça, problema que já foi levantado neste
estudo, em vista das angústias e incertezas sobre os rumos do processo, somadas
ao desejo de logo se ver o litígio finalizado. Entretanto, tais sentimentos devem ser
conciliados às garantias fundamentais, na tentativa de alcançar o equilíbrio entre a
urgência que se requer a decisão e os princípios que asseguram os direitos das
partes, principalmente o acusado, que necessita de tempo para a realização de todas
as suas faculdades e defesas processuais. (PASTOR, 2009, p. 91)
Neste sentido, serão analisados os prazos estabelecidos pelas nossas Leis
para a prática dos principais atos processuais da área penal.

3.2.1 Breve análise dos prazos previstos no processo penal

É sabido que o Código de Processo Penal define vários prazos para a


ocorrência dos seus atos, mas que nem sempre são seguidos à risca, em virtude de
motivos variados, como é o caso por exemplo da conclusão do Inquérito Policial,
previsto no artigo 10, do CPP16, que prevê a conclusão do inquérito em 10 dias, no
caso de réu preso e 30 dias para o caso de réu solto.
É completamente compreensível que nem todas as investigações criminais se
encerrem nesse prazo, em virtude do grande acúmulo de trabalho, bem como a
atenção que as mesmas demandam, haja vista que exigem estudo do caso e
detalhada apuração acerca do envolvimento das partes e da dinâmica da ocorrência
do crime. Por este motivo, o Projeto de Lei 156 de 2009 propõe uma reforma do CPP

15 Texto original: La indeterminación de la durácion de los juicios penales siembra em los ciudadanos
uma situación de doble duda que se traduce, logicamente, em la certeza de uma injusticia, porque, o
los acusados son culpables y, entonces, deben ser castigados tempestivamente, o son inocentes y
deben ser liberados de toda sospecha tan pronto como sea posible.
16 Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante,

ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar
a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.
27

e consequentemente aumenta os prazos de conclusão do inquérito17, uma vez que os


torna mais reais, tendo em vista as circunstâncias que envolvem as investigações e
seus empecilhos no Brasil.
Terminado o inquérito e remetido ao representante do Ministério Público, inicia-
se o prazo para o oferecimento da denúncia nos procedimentos sumários e ordinários,
conforme dispõe o CPP.18
A denúncia, ao ser recebida pelo magistrado, ordena a citação do réu para
responder à acusação no prazo de 10 dias.19 Após a análise dessa resposta à
acusação, o juiz pode mandar seguir o procedimento em seu curso normal ou, no caso
de haver uma das hipóteses previstas no artigo 397, do CCP20, pode decretar a
absolvição sumária e consequentemente encerrar o processo naquele momento, sem
a necessidade de prosseguir com a audiência de instrução e seus atos posteriores.
Conforme Aury Lopes Jr. e Gustavo Badaró:

Tanto a possibilidade expressa de rejeição liminar da denúncia ou queixa,


quanto a previsão da absolvição sumária, após a reposta do acusado, se bem
aplicados, também darão maior celeridade ao processo. Isso porque muitas
denúncias infundadas serão rejeitadas, com a desnecessidade do
desenvolvimento dos respectivos processos, ou depois da resposta do
acusado será absolvido sumariamente, contribuindo para reduzir o número
de processos pendentes. (LOPES JR.; BADARÓ, 2009, p. 87)

No caso de ser ordenado o seguimento do processo, será marcada uma


audiência una, em que serão ouvidas a vítima, o acusado, as testemunhas e os
peritos, casa haja, nos moldes do artigo 400, do CPP.21

17 Art. 31. O inquérito policial deve ser concluído no prazo de 90 (noventa) dias, estando o investigado
solto. § 1º Decorrido o prazo previsto no caput deste artigo sem que a investigação tenha sido
concluída, o delegado de polícia comunicará as razões ao Ministério Público com o detalhamento das
diligências faltantes, permanecendo os autos principais ou complementares na polícia judiciária para
continuidade da investigação, salvo se houver requisição do órgão ministerial. [...] § 3º Se o investigado
estiver preso, o inquérito policial deve ser concluído no prazo de 15 (quinze) dias.
18 Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da

data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu
estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial,
contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.
19 Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a

rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por
escrito, no prazo de 10 (dez) dias. (Código de Processo Penal)
20 Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá

absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da


ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo
inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; IV - extinta a punibilidade
do agente.
21 Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta)

dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela
28

Após essa audiência, caso seja constatada a complexidade do caso, o


magistrado pode conceder aos advogados das partes o prazo sucessivo de 5 dias
para a apresentação de alegações finais escritas (artigo 403, § 3º do CPP).22 Logo
depois, o juiz terá o prazo de 10 dias para proferir a sentença.
Ainda que existam previsões legais acerca do prazo para a prática de
determinados atos processuais, não é possível encontrar em nossos códigos e leis
qual seria o prazo máximo para que o processo chegue à sua conclusão, sendo que
muitas vezes a definição desse prazo fica a cargo do entendimento jurisprudencial.
Essa ausência de prazo máximo abre espaço inclusive para o não cumprimento
dos atos derivados de prazo impróprio23, uma vez que o seu descumprimento não
gera qualquer sanção processual aos juízes ou servidores da justiça e, portanto,
representando um grave obstáculo ao princípio da celeridade.
Segundo SILVA, se o Estado-juiz, historicamente, avocou para si a função de
dizer o direito e solucionar os litígios existentes na sociedade, deve ele exercer esse
mister com eficiência e atender aos reclamos da sociedade, sob pena de, não o
fazendo, frustrar as expectativas dos cidadãos, gerar insegurança jurídica, causar
instabilidade social e, ainda, prejudicar a viabilização dos direitos fundamentais (2006,
p. 24).
Logo, além da flagrante violação aos princípios constitucionais, podem surgir
as consequências práticas, como por exemplo a concessão de liberdade ao réu preso
preventivamente em razão do excesso de prazo24; ou o alcance do lapso temporal
necessário para configurar prescrição25, como resultado da falta de interesse de agir
do Estado.

acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos
esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-
se, em seguida, o acusado.
22 Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações

finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais
10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença. [...] § 3o O juiz poderá, considerada a complexidade do
caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a
apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença.
23 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 91389/SP. Quinta

Turma. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Data do julgamento: 17/05/2018. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=%22PRAZO+IMPR%D3PRIO%22+DILA%C
7%C3O&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=2>. Acesso em: 25 out. 2018
24 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 452103/SP. Sexta Turma. Relator Ministro

Antônio Saldanha Palheiro. Data do julgamento: 04/09/2018. Disponível em: <


http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=452103&&tipo_visualizacao=RESUMO&b=AC
OR>. Acesso em: 25 out. 2018
25 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1421934. Sexta

Turma. Relator Ministro Nefi Cordeiro. Data do julgamento: 26/06/2018. Disponível em:
29

Isto porque, conforme já explanado, a ação penal por si só já é permeada por


diversos danos àqueles que dela participam, podendo atingir o âmbito moral, social,
psicológico e econômico. No caso da demora processual, tal problema torna-se ainda
mais evidente, tendo em vista que os agentes criam expectativas que dependem do
resultado final da ação penal, uma vez que eventual condenação pode ser um tanto
quanto dolorosa e determinante para o prosseguimento da vida em meio a sociedade.
Dessa forma, no próximo capítulo serão identificados melhor tais problemas,
em vista da análise de julgados internacionais e no intuito de encontrar a melhor forma
de auferir o prazo para a duração razoável de um processo.

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=prescricao+ocorrencia+criminal+lapso+temp
oral&b=ACOR&p=true&l=10&i=1>. Acesso em 25 out. 2018
30

4 A GARANTIA DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO PELA CONVENÇÃO


AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

A necessidade de se adequar o direito de ser julgado em um prazo razoável


surgiu após a Segunda Guerra Mundial, sendo que coincidiu com a promulgação da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 1948.
Dada essa preocupação de tratar o tema da duração razoável do processo, a
Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais, assinada em 4 de novembro de 1950 por doze países europeus, foi a
primeira a prever regras sobre o tema, conforme dispõe o seu artigo 6.1:

6.1 Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa
e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e
imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação
dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de
qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve
ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa
ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da
moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade
democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida
privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada
estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais,
a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.

Já em 1969, foi assinada a Convenção Americana de Direitos Humanos


(CADH), ratificada pelo Brasil somente em 1992 (Decreto no 678, de 6 de novembro
de 1992), no quarto ano que se seguiu à promulgação da Constituição Federal de
1988, assinada pelo presidente à época, Itamar Franco. Tal Convenção, também
conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, igualmente trouxe previsões
acerca da duração razoável do processo, conforme se segue:

7.5 Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença
de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e
tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em
liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser
condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.
[...]
8.1 Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de
um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e
imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer
acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos
ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
31

Embora introduzida no sistema jurídico brasileiro desde 1992, em 2004 a


garantia ao prazo razoável do processo adquiriu status constitucional, status esse
decorrente da promulgação da Emenda Constitucional n. 45, que a inseriu no artigo
5º, inciso LXXVIII do texto constitucional de 1988. Note-se ainda que esse status
constitucional não é exclusividade brasileira, sendo também possível visualizá-lo nas
Constituições de Estados como Canadá, Portugal, Espanha, Colômbia, Venezuela,
Paraguai, entre outros. Neste sentido, dispõe Daniel R. Pastor:

Todas estas fórmulas referem-se a uma configuração mesma do direito


fundamental em análise e têm o mesmo alcance: o réu goza de um direito
constitucional subjetivo segundo o qual seu processo deve finalizar
definitivamente dentro de um termo que assegure um processo expedito.
(PASTOR, 2009, p. 48)26

Diante das obrigações que os países passam a ter ao se aliarem à Convenção,


a mesma determinou dois órgãos competentes para perfectibilizar a proteção dos
direitos humanos, sendo eles a Comissão e a Corte.
As funções da Comissão estão previstas no artigo 41 da CADH27 e uma das
principais seria a de receber as reclamações de indivíduos, grupos de pessoas ou
entidades não governamentais, acerca da violação de direitos humanos. Satisfeitos
os requisitos para peticionar, a Comissão tem um regime próprio para dar seguimento
às suas proposições e recomendações. (GIACOMOLLLI, 2014, p. 7-8)
Já a Corte, é composta por sete juízes, com atuação para seis anos e que
possui competência consultiva (das Convenção e Tratados) e contenciosa (análise de
violação de preceitos da Convenção). Em caso de violação da Convenção, a Corte

26 Texto original: Todas estas fórmulas remiten a una miesma configuración del derecho fundamental
en análisis y tienen los mesmos alcances: el imputado goza de um derecho constitucional subjetivo
según es cual su processo debe finalizar definitivamente dentro de um plazo que assegure un
enjuiciamento expeditivo.
27 Art. 41. A Comissão tem a função principal de promover a observância e a defesa dos direitos humanos

e, no exercício do seu mandato, tem as seguintes funções e atribuições: a. estimular a consciência dos
direitos humanos nos povos da América; b. formular recomendações aos governos dos Estados membros,
quando o considerar conveniente, no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos
humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucionais, bem como disposições
apropriadas para promover o devido respeito a esses direitos; c. preparar os estudos ou relatórios que
considerar convenientes para o desempenho de suas funções; d. solicitar aos governos dos Estados
membros que lhe proporcionem informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos
humanos; e. atender às consultas que, por meio da Secretaria-Geral da Organização dos Estados
Americanos, lhe formularem os Estados membros sobre questões relacionadas com os direitos humanos
e, dentro de suas possibilidades, prestar-lhes o assessoramento que eles lhe solicitarem; f. atuar com
respeito às petições e outras comunicações, no exercício de sua autoridade, de conformidade com o
disposto nos artigos 44 a 51 desta Convenção; g. apresentar um relatório anual à Assembleia Geral da
Organização dos Estados Americanos.
32

ainda pode determinar o pagamento de indenização à vítima, bem como condenar o


Estado a sanções judiciais.
Neste caso, a Corte Interamericana preocupa-se em analisar a existência ou
não de julgamento no prazo razoável por meio de quatro critérios, quais sejam: a)
espécie de processo; b) complexidade do caso; c) atividade processual do
interessado; e d) conduta das autoridades judiciárias. Válido ressaltar que estes
critérios podem ser adaptados em razão das peculiaridades que o caso apresenta.
Em relação à complexidade do caso, a mesma será constatada em um conjunto
de fatos e elementos qualificados que exigem um dispêndio de energia além do
comum para resolvê-los.
Já quanto a atuação do Poder Judiciário, para GIACOMOLLI (2014, p. 326), o
argumento de indisponibilidade de meios materiais e humanos, deficiências
estruturais e alto volume de processos não afastam o cumprimento do preceito
constitucional da efetividade, imprescindível à duração razoável do processo. O
Estado e os magistrados são os responsáveis por garantir um processo penal sem
dilações indevidas, sendo que ao Estado ainda cabe o dever de estruturar o Poder
Judiciário, proporcionando meios financeiros, técnicos, metodológicos e humanos à
prestação jurisdicional efetiva.

4.1 Julgados da Corte Interamericana acerca da demora processual

A Corte Interamericana de Direitos Humanos interpreta seus casos de acordo


com os princípios que considera essenciais, com o objetivo de promover o maior
respeito possível às garantias dos homens.
Em relação ao Brasil, a Corte já julgou vários casos em que foi constatada a
violação dos direitos humanos, principalmente no que diz respeito à duração razoável
do processo, sendo o primeiro deles o caso Damião Ximenes Lopes, julgado em 2006.
Neste caso, o cidadão Damião Ximenes Lopes foi internado no dia 01/10/1999
em uma clínica psiquiátrica na cidade de Sobral/CE. Entretanto, no dia 04/10/1999,
sua mãe, ao visitá-lo na clínica, o encontrou numa situação degradante, cheio de
hematomas, sujo, roupa rasgada, sangrando e gritando por socorro, em um visível
estado de quem havia sofrido tortura. Dessa forma, pediu ajuda à clínica para salvar
o filho, sendo que este foi medicado, porém faleceu duas horas depois, por causa
mortis indeterminada, segundo os médicos.
33

Em 22 de novembro de 1999, a irmã da vítima apresentou representação contra


a República Federativa do Brasil, diante da evidente inércia do Judiciário e das
autoridades locais que não tomaram providências sobre o caso, inclusive com a
notícia de que outro paciente também havia sido vítima de tortura na mesma casa
psiquiátrica.
O Brasil foi notificado acerca da representação, porém permaneceu mais de
ano sem apresentar resposta aos fatos alegados de modo que a Comissão decidiu,
em 30/09/2004, remeter o caso à Corte, diante da violação dos direitos à vida, à
integridade física, à proteção da honra e da dignidade, ao recurso judicial e por não
respeitar as garantias e direitos contidos na CADH.
Perante a Corte, o Estado brasileiro se manifestou com uma proposta
conciliatória que não foi aceita pela família da vítima. Foi realizada produção de provas
em que a Corte reconheceu por unanimidade, em 04 de julho de 2006, a
responsabilidade parcial do Estado pela violação dos direitos à vida, à integridade
física, às garantias judiciais e ao direito de recurso. Ademais, ressaltou a intensa
demora das autoridades judiciais, uma vez que transcorreram 6 anos desde o
oferecimento da ação penal, sem que houvesse prolação da sentença na primeira
instância.

180. Após quase quatro anos de processo interno, a investigação dos fatos
foi efetuada com a rapidez, seriedade e exaustividade requerida pela
Convenção Americana. Ao não investigar adequadamente os fatos
concernentes à morte de Damião Ximenes Lopes, o Estado violou os artigos
1.1, 25 e 8 da Convenção Americana, relacionados com a obrigação de
investigar, o direito a um recurso efetivo e o direito a garantias judiciais.
181. A Comissão conclui que a falta de uma devida investigação dos fatos
relacionados com a morte de Damião Ximenes Lopes, nos termos
anteriormente explicados, constitui violação pelo Estado brasileiro das
obrigações contidas nos artigos 25 e 8 da Convenção Americana, em
concordância com o estabelecido no artigo 1(1) deste tratado.
[...]
218. A Comissão Interamericana conclui, e solicita à Corte que assim o
determine, que o Estado é responsável pela violação dos direitos
consagrados nos artigos 4, 5, 8 e 25, bem como do descumprimento da
obrigação geral contida no artigo 1(1) da Convenção Americana, devido à
hospitalização do senhor Damião Ximenes Lopes em condições cruéis,
desumanas ou degradantes, apesar de seu dever de cuidado como
garantidor de seus direitos, as violações a sua integridade pessoal, a seu
assassinato; e as violações da obrigação de investigar, do direito a um
recurso efetivo e das garantias judiciais relacionadas com a investigação dos
fatos.28

28Íntegra do acordão disponível em <http://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/demandas.asp>. Acesso


em 01 nov. 2018.
34

Diante desse cenário, ao auferir a razoabilidade do tempo transcorrido ao longo


de todo o processo, a Corte levou em conta a análise de três tópicos, sendo eles:
complexidade do caso, a atividade processual do interessado e a conduta das
autoridades. Ocorre que, ao considerar todos os fatos e elementos do caso, a Corte
considerou ser um caso simples, tendo em vista que havia uma única vítima que foi
identificada facilmente, além de ser preciso o local onde os fatos ocorreram.
Logo, a Corte dispôs que é dever do Estado garantir, dentro de um prazo
razoável, o processo destinado a investigar e sancionar os responsáveis pelo fato;
que a decisão deveria ser publicada no Diário Oficial, no prazo de seis meses; que
também é dever do Estado desenvolver programas de formação e capacitação
profissional a todas as pessoas vinculadas ao atendimento da saúde mental. Ainda
determinou que o Estado, no prazo de um ano, apresentasse à Corte um relatório
acerca das medidas adotadas, bem como o condenou a pagar indenização 29 por
danos materiais e imateriais à família da vítima, no valor de US$ 146000,00,
igualmente no prazo de um ano. (GIACOMOLLI, 2014, p. 46-47)
Segundo GIACOMOLLI, este caso deixou ainda mais evidente a realidade de
mazelas do processo penal brasileiro:

Observa-se a ausência de uma investigação séria, efetiva e imediata da


morte de uma pessoa portadora de deficiência mental, em um órgão público
de saúde; o descaso na realização da perícia e na coleta de provas acerca
do fato; a demora não só na investigação, mas também no oferecimento de
uma acusação completa (mais de três anos para que o MP aditasse a
denúncia), bem como na condução do processo criminal (seis anos sem
pronunciamento definitivo de primeira instância). (2014, p. 47)

Um outro julgamento que também evidenciou os problemas jurisdicionais


brasileiros e que ficou muito famoso foi o caso Maria da Penha, que inclusive deu
origem a criação da Lei 11.340/06, que visa criar mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher.

29 A previsão do pagamento de indenização encontra-se no artigo 63 do Pacto de São José da Costa


Rica: Art. 63.1. Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção,
a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade
violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida
ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa
à parte lesada.
35

Em 29 de maio de 1983, em Fortaleza/CE, Maria da Penha foi vítima de disparo


de arma de fogo, enquanto dormia em sua casa, tendo como autor o seu marido,
Marco Antônio Heredia. A vítima sobreviveu, entretanto ficou paraplégica em estado
irreversível.
Em 20 de agosto de 1998, Maria da Penha, com a ajuda de órgãos de amparo
à mulher, representou contra a República Federativa do Brasil, na Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, uma vez que havia se passado mais de 15 anos
desde o acontecimento dos fatos sem que houvesse chegado à sentença final. Entre
vários argumentos utilizados, a reclamação ressaltou o temor pela ocorrência de
prescrição e consequente resultado de impunidade ao réu.
Neste sentido, a Corte entendeu que houve violação ao direito ao recurso, ao
julgamento dentro de um prazo razoável, à igualdade e à justiça. Afirmou que a
complexidade da causa, a atividade das autoridades e das partes não justificam a
demasiada demora do andamento processual, além de ter aduzido que o Estado
brasileiro não foi capaz de garantir os direitos fundamentais à vítima, que ficou à mercê
da demorada atuação do Poder Judiciário nacional. Segue trecho do julgado:

44. No caso em apreço, os tribunais brasileiros não chegaram a proferir


uma sentença definitiva depois de 17 anos, e esse atraso vem se
aproximando da possível impunidade definitiva por prescrição, com a
consequente impossibilidade de ressarcimento que, de qualquer maneira,
seria tardia. A Comissão considera que as decisões judiciais internas neste
caso apresentam uma ineficácia, negligência ou omissão por parte das
autoridades judiciais brasileira e uma demora injustificada no julgamento de
um acusado, bem como põem em risco definitivo a possibilidade de punir o
acusado e indenizar a vítima, pela possível prescrição do delito. Demonstram
que o Estado não foi capaz de organizar sua estrutura para garantir esses
direitos. Tudo isso é uma violação independente dos artigos 8 e 25 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação com o artigo 1(1)
da mesma, e dos artigos correspondentes da Declaração. 30

Como consequência, o Estado brasileiro ficou responsável por concluir, de


forma rápida, o julgamento do caso; por proceder a uma investigação séria e adotar
as medidas necessárias, para assegurar à vítima uma adequada reparação pelas
violações; por apresentar à Comissão relatório sobre as medidas tomadas, sobre as
recomendações propostas, no prazo de 60 dias e ainda foi estipulada a indenização
no valor de US$ 20.000,00, a ser paga a Maria da Penha.

30Íntegra do acordão disponível em < https://cidh.oas.org/annualrep/2000port/12051.htm>. Acesso em


01 nov. 2018.
36

Além de outros casos brasileiros envolvendo a violação ao princípio da duração


razoável do processo, destacam-se alguns ocorridos em países da América, como é
o caso Suárez Rosero contra o Equador, país localizado na América do Sul.
Rafael Ívan Suárez Rosero foi preso em 23/06/1992, sem que houvesse
situação de flagrante, sem ordem judicial, foi interrogado sem a presença de
advogado, sendo ainda vítima de tortura. (GIACOMOLLI, 2014, p. 333).
Foi interposto habeas corpus que, entretanto foi denegado após mais de um
ano de tramitação. Somente em julho de 1995 que se iniciou a fase processual e foi
decretada a sua soltura. Porém, tendo em vista recurso interposto pelo Ministério
Público, Suárez Rosero continuou preso até 1996, tendo permanecido mais de quatro
anos preso provisoriamente e, ao final, foi condenado a pena de apenas 2 anos de
prisão.
Ao analisar o caso, a Corte Interamericana levou em conta a complexidade, o
comportamento do interessado e das autoridades judiciárias; sendo que neste caso
em concreto, não foram aptas a explicar a morosidade do processo, principalmente
pelo fato da pena cumprida a título de prisão provisória ter sido maior do que aquela
a qual foi efetivamente condenado. (PASTOR, 2009, p.18).
Dessa forma, a Corte decidiu terem sido violados o direito de ser julgado em
um prazo razoável, o direito de não ter sido posto em liberdade antecipadamente 31 e
o direito a presunção de inocência.32 O Estado do Equador foi condenado a investigar
a responsabilidade das autoridades nacionais, bem como pagar uma indenização ao
nacional Suárez Rosero. (PASTOR, 2009, p. 218). Segue trecho do julgado:

70. O princípio do prazo razoável referido nos artigos 7.5 e 8.1. O objetivo da
Convenção Americana é impedir que o acusado permaneça por um longo
tempo sob acusação e garantir que seja decidido prontamente. No presente
caso, o primeiro ato do procedimento constitui o apreensão do senhor Suárez
Rosero em 23 de junho de 1992 e, portanto, a partir desse momento, o termo
deve começar a ser apreciado.
71. A Corte considera que o processo termina quando uma sentença final é
proferida e firme no assunto, com o qual a jurisdição está esgotada (veja Cour
eur. DH, arrêt Guincho du 10 juillet 1984, série A No. 81 , para. 29) e que,
particularmente em direito penal, este período deve abranger todo o
processo, incluindo Recursos de instância que podem eventualmente
surgir. Baseado no prova que consta do dossier no Tribunal de Justiça, estima

31 Art. 7.5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra
autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo
razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser
condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. (CADH)
32 Art. 8.2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se

comprove legalmente sua culpa. (CADH)


37

que a data de conclusão do processo contra o senhor Suárez Rosero na


jurisdição equatoriana foi em 9 de setembro de 1996, quando o Presidente
do Superior Tribunal de Justiça de Quito emitiu uma sentença
condenatória. Enquanto na audiência pública, o Sr. Suárez Rosero
mencionou a interposição de recurso contra a referida sentença, não essa
afirmação foi demonstrada.
72. Este Tribunal partilha o critério do Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem, o que analisou em vários julgamentos o conceito de prazo razoável
e afirmou que deve levar em conta três elementos para determinar a
razoabilidade do termo em que o processo é desenvolvido: a) a complexidade
do assunto, b) a atividade processual do interessado e c) a conduta das
autoridades judiciais (ver Caso Genie Lacayo, Sentença de 29 de janeiro de
1997. Série C No. 30, par. 77; e Eur. Tribunal de Justiça, Motta Sentença de
19 de fevereiro de 1991, Serie A No. 195-A, par. 30; Eur. Tribunal de Justiça,
Ruiz Mateos v. Espanha Sentença de 23 de junho de 1993, Série A No. 262 ,
par. 30 ).
73. Com base nas considerações precedentes, ao realizar um estudo do
procedimento na jurisdição interna contra o senhor Suárez Rosero, a Corte
adverte que o referido procedimento durou mais de 50 meses. Na opinião do
Tribunal, este período excede em muito o princípio de um prazo razoável
estabelecido Convenção Americana.
74. Da mesma forma, a Corte considera que o fato de um tribunal equatoriano
ter condenou o Sr. Suárez Rosero do crime de ocultação não justifica que
haviam sido privados de liberdade por mais de três anos e dez meses, quando
a lei equatoriana estabeleceu um prazo máximo de dois anos como
penalidade para esse crime.
75. Com base no exposto, a Corte declara que o Estado do Equador violou
ao senhor Rafael Iván Suárez Rosero o direito estabelecido no os artigos 7.5
e 8.1 da Convenção Americana devem ser julgados dentro de um prazo
razoável ou ser liberado.33

4.2 A demora processual na visão do Supremo Tribunal Federal

Ainda que o Brasil seja signatário da Convenção Americana desde a década


de 90, os Tribunais brasileiros somente passaram a se atentar efetivamente com o
princípio da duração razoável do processo depois que foi promulgada a Emenda
Constitucional nº 45 de 2004, em que se passou a observar a preocupação do
Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal com a aplicação do
referido princípio.
O problema é que, pode-se dizer que os Tribunais não seguem um padrão, pois
ora aplicam os critérios de julgamento assim como utilizados na Corte, ora se
distanciam destes, de modo que muitas vezes a decisão fica a cargo da
discricionariedade da Câmara a qual está julgado o caso.
No intuito de realizar um trabalho investigativo acerca do teor dos julgados do
Supremo Tribunal Federal sobre a duração razoável do processo, foi realizada uma

33Íntegra do acordão disponível em


<http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_35_esp.pdf>. Acesso em 01 nov. 2018.
38

pesquisa na jurisprudência do STF, através do site do referido tribunal34, em que foram


utilizadas as palavras-chave: “duração”, “razoável”, “processo”, “penal”. Resultado da
pesquisa foram 374 acórdãos, sendo analisados somente os que se referiam à
decisões colegiadas. Houve decisões que foram favoráveis ao princípio da duração
razoável do processo, bem como houve decisões contrárias, que utilizaram como
argumento a complexidade do feito. Neste sentido, seguem dois julgados do Supremo
Tribunal Federal, a título de exemplificação:

Ementa: HABEAS CORPUS. DECISÃO MONOCRÁTICA DE MINISTRO DO


STJ. SÚMULA 691/STF. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI.
PRONÚNCIA. PRECLUSÃO. RECURSO ESPECIAL PENDENTE DE
JULGAMENTO. SOBRESTAMENTO DO CURSO DO PROCESSO. PRISÃO
PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. 1. À vista da Súmula 691/STF, de
regra, não cabe ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus
impetrado contra decisão do relator pela qual, em habeas corpus requerido a
tribunal superior, não se obteve a liminar, sob pena de indevida supressão de
instância, ressalvadas situações em que a decisão impugnada é teratológica,
manifestamente ilegal ou abusiva. Precedentes. A hipótese dos autos,
todavia, autoriza a superação dessa regra procedimental. 2. A preclusão da
pronúncia como causa obstativa do curso do processo, enquanto pendente
de julgamento recurso especial, desprovido de efeito suspensivo e de
restritivo cunho de cognição, contrapõe-se ao manifesto interesse processual
do paciente na realização da sessão plenária do júri. 3. A segregação do
paciente por 6 anos, sem que sequer tenha previsão para a data de seu
julgamento pelo Tribunal do Júri, é incompatível com o princípio da razoável
duração do processo (CF, art. 5º, XXLIII). A segregação cautelar durante o
curso da ação penal é tomada no pressuposto implícito de que o processo
tenha curso normal e prazo razoável de duração, o que, aliás, é direito
fundamental dos litigantes (Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
promulgada pelo Decreto 678/92, art. 7º). 4. Habeas corpus concedido para
que o paciente seja colocado em liberdade, com a ressalva de que fica o
Juízo competente autorizado a impor, considerando as circunstâncias de fato
e as condições pessoais do paciente, as medidas diversas da prisão (art. 319
do CPP), com a determinação, ainda, para que (a) o juízo de origem designe,
desde logo, data para realização da sessão de julgamento pelo Plenário do
Júri; e (b) o Superior Tribunal de Justiça imprima celeridade ao julgamento do
AREsp 498.285. (HC 131715, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda
Turma, julgado em 06/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-168
DIVULG 31-07-2017 PUBLIC 01-08-2017)35

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E


PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE TRÁFICO ILÍCITO DE
ENTORPECENTES E DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ARTIGOS 33
E 35 DA LEI 11.343/06. AUSÊNCIA DE JULGAMENTO DE AGRAVO
REGIMENTAL. ÓBICE AO CONHECIMENTO DO WRIT NESTA CORTE.
ALEGADA NULIDADE PROCESSUAL. TEMA NÃO DEBATIDO PELAS

34 Supremo Tribunal Federal. Disponível em


<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 02 nov. 2018.
35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 131715/MG. Segunda Turma. Relator

Ministro Teori Zavascki. Data do julgamento: 06/09/2016. Disponível em:


<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28131715%2ENUME%2E+
OU+131715%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/gonnmpm>. Acesso em:
02 nov. 2018.
39

INSTÂNCIAS PRECEDENTES. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PLEITO DE


REVOGAÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. ALEGADO EXCESSO DE
PRAZO. NECESSIDADE DE SE AFERIR A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO
PROCESSO À LUZ DAS ESPECIFICIDADES DO CASO CONCRETO.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A supressão de instância impede
o conhecimento de Habeas Corpus impetrado per saltum, porquanto ausente
o exame de mérito perante a Corte Superior. Precedentes: HC nº 100.595,
Segunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 9/3/2011, HC nº 100.616,
Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 14/3/2011, HC nº
103.835, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 8/2/2011,
HC 98.616, Primeira Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 22/02/2011. 2. In
casu, o recorrente foi condenado à pena de 10 (dez) anos e 06 (seis) meses
de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes previstos nos
artigos 33 e 35 da Lei 11.343/06. 3. O conhecimento desta impetração sem
que a instância precedente tenha examinado o mérito do habeas corpus lá
impetrado consubstancia indevida supressão de instância e, por conseguinte,
violação das regras constitucionais definidoras da competência dos Tribunais
Superiores. 4. Esta Suprema Corte sufraga o entendimento de que a
complexidade dos fatos e do procedimento permite seja ultrapassado o prazo
legal. 5. A reiteração dos argumentos trazidos pelo agravante na petição
inicial da impetração é insuscetível de modificar a decisão agravada.
Precedentes: HC 136.071-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, DJe de 09/05/2017; HC 122.904-AgR, Primeira Turma Rel.
Min. Edson Fachin, DJe de 17/05/2016; RHC 124.487-AgR, Primeira Turma,
Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 01/07/2015. 6. Agravo regimental
desprovido. (HC 158260 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma,
julgado em 24/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-187 DIVULG 05-09-
2018 PUBLIC 06-09-2018)36

Enquanto no primeiro caso o habeas corpus foi concedido pelo fato da


segregação cautelar do paciente ser incompatível com o direito fundamental de que o
processo tenha curso normal e prazo razoável de duração, a segunda nega o pedido
de habeas corpus e afirma que a complexidade do caso e do procedimento permite
que seja ultrapassado o prazo que se considere razoável.
Logo, o que se verifica é que o fato do Supremo Tribunal Federal aplicar os
critérios de forma tão voluntarista e subjetiva abre margem para a insegurança
jurídica, haja vista que muitas vezes a definição do que é duração razoável para
determinado caso jurídico depende do entendimento pessoal dos julgadores; de modo
que nem sempre as decisões seguirão o padrão esperado. Afinal, se isso ocorre no
Supremo Tribunal Federal, o que se poderá dizer dos órgãos judiciários inferiores, aí
incluídos tanto os tribunais estaduais, como os tribunais regionais federais e os
próprios juízos singulares.

36BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 158260/MG. Primeira Turma. Relator Ministro
Luiz Fux. Data do julgamento: 24/08/2018. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28158260%2ENUME%2E+
OU+158260%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/yaj5n4vf>. Acesso em:
02 nov. 2018.
40

Neste sentido, Pastor (2009, p. 369) acredita que para evitar a


discricionariedade dos juízes, o Poder Legislativo deve ser o responsável por
estabelecer a duração ao longo de todo o processo:

Quanto ao problema da duração excessiva do processo penal, o referido


regime determina que nem o limite máximo de prolongamento de um
processo (prazo razoável) nem as consequências legais de sua transferência
podem ser definidos por lei de forma aberta ou abandonados para a
determinação dos juízes (teoria do conceito jurídico indeterminado), mas
deve ser estabelecida pelo Parlamento para realmente governar em toda a
sua extensão o princípio político segundo o qual toda a atividade do Estado,
mas especialmente a que implica o exercício de sua violência punitiva, tenha
sua legitimidade na lei e encontrem nela também seus limites, mesmo os
temporais.37

O autor ainda entende que somente a lei poderá garantir o cumprimento do


Estado de Direito, sendo que os juízes apenas poderão estabelecer o prazo de
maneira provisória, quando reconhecida a omissão do legislador, e somente em
benefício do imputado, em âmbito análogo à lei positiva. (PASTOR, 2009, 372-373).
Logo, diante da manifesta insegurança jurídica gerada em razão da
discricionariedade dos juízes estabelecerem a duração que consideram razoável ao
processo, a legislação pátria traz algumas sanções para punir os magistrados que dão
causa injustificada à dilação de prazo, podendo ser constatado no artigo 93, inciso II,
alínea “e”, da CF38, que prevê sanção administrativa, e no artigo 801, do CPP39, que
prevê sanção pecuniária.
Entretanto, ainda que tais punições estejam expressas no ordenamento
brasileiro, nem sempre apresentam os resultados esperados, diante do coleguismo

37 Texto original: En cuanto al problema de la excesiva durácion del proceso penal, el esquema
anteriormente expuesto determina que ni el limite máximo de prolongácion de un proceso (plazo
razonable) ni las consecuencias jurídicas de traspasarlo pueden ser definidos por la ley de un modo
abierto ni abandonados a la determinácion de los jueces (teoría del concepto jurídico indeterminado),
sino que deben ser establecidos por el Parlamento para que realmente rija en toda su exténsion el
principio político según es cual toda la actividad del Estado, pero especialmente la que entraña el
jercicio de su violencia punitiva, tenga su legitimación en la ley y encuentre em ella también sus límites,
incluso temporales
38 Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da

Magistratura, observados os seguintes princípios: [...] II - promoção de entrância para entrância,


alternadamente, por antiguidade e merecimento, atendidas as seguintes normas: [...] e) não será
promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo
devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão.
39 Art. 801. Findos os respectivos prazos, os juízes e os órgãos do Ministério Público, responsáveis

pelo retardamento, perderão tantos dias de vencimentos quantos forem os excedidos. Na contagem do
tempo de serviço, para o efeito de promoção e aposentadoria, a perda será do dobro dos dias
excedidos.
41

que existe entre os Tribunais e que acaba gerando compreensão acerca dos atrasos
ocasionados pelos magistrados.
42

5 CONCLUSÃO

Diante de tudo o que foi exposto no presente trabalho, o que se verificou é que
tempo e processo estão intimamente ligados, de modo que este depende daquele
para que consiga cumprir todas as suas finalidades previstas constitucionalmente.
Uma dessas finalidades é observar o princípio da duração razoável do
processo, previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal. Para isso, é
necessário que o processo chegue ao seu pronunciamento final dentro de um prazo
apto a fazer valer todas as garantias fundamentais, mas que não seja
demasiadamente lento e promovedor de dilações indevidas.
Neste sentido, o tempo kairológico se mostra efetivo dentro da temática do
modelo constitucional de processo e da preservação da sua duração razoável, uma
vez que tal modelo fornece os elementos necessários a garantir que a zona de
tempestividade de cada processo seja operada e se desenvolva em um prazo
equilibrado, entre a lentidão e a pressa. Isso se explica pelo fato da teoria do tempo
kairológico abandonar o absolutismo do tempo cronológico e possuir como ideal a
concepção de tempo relativo, de natureza qualitativa e baseado na ideia da
tempestividade.
Por meio de análise dos julgados da Corte Interamericana de Direitos Humanos
e também do Supremo Tribunal Federal foi possível perceber que o Brasil ainda tem
muito a avançar no que se refere à promoção de um processo penal dentro dos limites
temporais razoáveis. Isto porque, além de já ter sido condenado na Corte por casos
que não respeitou a duração razoável do processo, é visível que o STF não apresenta
um conjunto de decisões uniforme, de modo a fornecer segurança jurídica às partes.
Ainda que o Brasil tenha adotado a Teoria do Não Prazo, consoante
entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, esta deve ser aplicada
com ressalvas. Acredita-se que o fato de não haver um prazo final previamente
estabelecido amplia a discricionariedade dos magistrados de modo que a decisão final
seria prolatada de acordo com o sentir do juiz.
Entretanto, acontece que em vista do princípio da legalidade, o mais adequado
seria que houvesse uma legislação apta a estabelecer um prazo máximo para o
término do processo e, no caso de não ser respeitado, aplicar efetivamente as
sanções previstas em nosso ordenamento àqueles que colaboraram para as dilações
indevidas.
43

Neste sentido, ainda que o presente estudo não seja capaz de auferir
exatamente qual seria esse prazo razoável, é possível adotar medidas que visem
assegurar o princípio e ainda erradicar as graves consequências às quais as partes
estão submetidas.
Dentre elas, seria interessante a quantificação de uma média acerca do prazo
máximo de acordo com a razoabilidade do tempo necessário à duração do processo
de apuração da ocorrência e da punição de cada delito. Uma forma para facilitar seria
quantificar de acordo com grupos, por exemplo: crimes contra a vida, crimes contra o
patrimônio, contra a Administração Pública e etc. Assim, tendo um contato maior com
as espécies de crimes, ficaria mais fácil a aplicação das sanções já previstas em nosso
ordenamento.
Além disso, essa média temporal considerada razoável pela legislação poderia
permitir, também, dilações moderadas em virtude do número de réus, testemunhas,
expedição de precatórias e realização de perícias, de modo a prever um controle
acerca do que é considerado atraso justificável ou não.
Feito isso, o que se pretende é ao menos chegar perto de um ordenamento
jurídico que respeite a duração razoável do processo como deve ser e,
consequentemente, que garanta o exercício de outros princípios constitucionais, tais
como do contraditório, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana,
efetivando, assim as diretrizes do Estado Democrático de Direito.
44

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