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CRÉDITOS

Conteudista
Frederico Augusto Leopoldino Koehler

Coordenação Pedagógica
Marizete da Silva Oliveira

Coordenação de EaD
Daniella Gonçalves Cabeceira

Revisão
Kátia Carolina dos Santos

Design e Diagramação
Allan Mendes de Jesus
SUMÁRIO

Unidade III: A Aplicação Prática dos Precedentes 1

Introdução: Vamos juntos? 1

1 Os precedentes e a otimização da gestão processual 3

2 Instrumentos Processuais para o Processamento das Causas Repetitivas 8

2.1 Improcedência liminar do pedido 8

2.2 Tutela antecipada de evidência 10

2.3 Suspensão de segurança para várias liminares em casos repetitivos (Lei n.

8.437/1992, art. 4º, § 8º; Lei n. 12.016/2009, art. 15, § 5º) 13

3 Gestão dos recursos com base nos precedentes: negativa de seguimento; juízo de

retratação; sobrestamento; julgamentos sumários de recurso pelo relator 17

Conclusão 25

Referências 26
Unidade III
A Aplicação Prática dos
Precedentes
Introdução: Vamos juntos?
Seja muito bem-vindo à Unidade III do curso Teoria e Prática dos Precedentes.

Chegamos, com fôlego renovado, à Unidade III da nossa caminhada pelo sistema

de precedentes. Vamos rememorar com brevidade o que foi visto até o momento.

Na Unidade I, aprendemos com a professora Mariana Marinho Machado

sobre a Teoria Geral dos precedentes, tendo sido estudado com profundidade todo

o embasamento teórico necessário para o magistrado lidar com a temática dos

precedentes à luz do Código de Processo Civil de 2015, lastreando-se na doutrina

nacional e estrangeira sobre o tema.

Dentre os conteúdos examinados, listamos:

1) a conceituação dos precedentes;

2) os princípios aplicáveis ao sistema de precedentes, especialmente os

referentes à efetividade da prestação jurisdicional;

3) estudo comparado entre o sistema de precedentes no Civil Law e no Common

Law, acentuando seus pontos de aproximação e de diferenciação;

4) o microssistema de causas repetitivas, com seus institutos comuns e aplicação

recíproca de normas para sanar lacunas internas no sistema;

1
5) as funções e o uso dos precedentes;

6) o impacto do sistema de precedentes vinculantes nos princípios da segurança

jurídica e da isonomia.

Na Unidade II, Identificando e gerindo as demandas repetitivas e de massa, a

professora Ana Beatriz Estrella nos capacitou a identificar e classificar as demandas

repetitivas que causam congestionamentos em nossas unidades judiciárias. Focamos

em selecionar e aplicar, com base no sistema de precedentes, as ferramentas

adequadas para sistematizar o nosso trabalho, conferindo mais celeridade à

prestação jurisdicional.

Do rico conteúdo analisado, destacamos: 1) a identificação das ações de massa

e demandas repetitivas; 2) a utilização de institutos como o Incidente de Resolução

de Demandas Repetitivas – IRDR, Incidente de Assunção de Competência – IAC,

os Recursos Extraordinário e Especial Repetitivos e a repercussão geral; 3) as

soluções de gestão, para saber qual tipo de precedente aplicar no caso concreto; 4)

as ferramentas e os órgãos de apoio nos Tribunais locais e Superiores, destacando o

papel dos Núcleos de Gerenciamento de Precedentes – NUGEP’s.

Temos agora, portanto, todo o arcabouço teórico para ingressarmos com força

total na Unidade III do nosso curso!

Ao final desta Unidade III, nós conseguiremos: a) aperfeiçoar a capacidade de

aplicar o sistema de precedentes vinculantes nos respectivos órgãos jurisdicionais

da forma mais otimizada e eficiente possível; b) implementar, com isso, ganhos na

produtividade e no tempo médio de tramitação dos processos.

Todos prontos? Então, vamos lá!


2
1 Os precedentes e a otimização da gestão processual
Iniciamos com um fato curioso, muitas vezes esquecido: a existência de

precedentes vinculantes não é inédita em nosso sistema jurídico, nem foi uma

inovação completa trazida pelo CPC/2015.

Há antecedentes históricos bem antigos comprovando o uso de decisões judiciais

vinculantes no Brasil, como os assentos da Casa de Suplicação na época colonial,

que eram de observância obrigatória para os julgadores de todas as instâncias.1 Tais

exemplos contam mais como exceções à regra geral, sendo adequado afirmar que a

vinculação a precedentes não é algo enraizado em nossa tradição jurídica.

Assim, é louvável a iniciativa do legislador do CPC/2015 de trazer para uma

posição de proeminência o sistema de precedentes vinculantes, que tem o potencial

de tornar o processo civil brasileiro mais racional, resultando em uma prestação

jurisdicional mais eficiente e isonômica. Outro aspecto essencial é que esse sistema

visa a proteger a boa-fé e a confiança dos cidadãos na previsibilidade de como se

portar diante das normas do país. Resumindo em duas palavras: segurança jurídica.

No que tange à otimização da gestão processual, já tivemos a oportunidade

de defender que ela decorrerá da simplificação do ônus argumentativo do juiz, ao

transpor para o caso concreto a ratio decidendi contida no precedente. Com isso,

economiza-se o tempo que o magistrado perderia enfrentando novamente toda a

argumentação jurídica que já fora apreciada no momento de formação do precedente,

o que será especialmente útil nas demandas de massa.2


1 Sobre o tema, confira-se: SOUZA, Marcus Seixas. Os precedentes na história do Direito Processual Civil brasileiro:
Colônia e Império. Dissertação apresentada à Universidade Federal da Bahia - UFBA, como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito Processual Civil. Salvador: 2014.
2 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. O sistema de precedentes vinculantes e o incremento da eficiência na

3
Chaim Perelman leciona sobre o princípio da inércia, segundo o qual um

precedente somente pode ser modificado se existirem razões suficientes, pesando

em seu favor o ônus argumentativo, ou seja, a presunção a favor dos precedentes.3 O

princípio da inércia argumentativa é concretizado no art. 489, § 1.º, V e VI, do CPC,

cujo conteúdo consiste em dispensar de uma ampla argumentação o magistrado

que, no julgamento de caso posterior, segue precedente firmado em caso análogo.

Por outro lado, exige-se uma carga argumentativa qualificada ao magistrado

que pretenda se afastar da ratio decidendi de precedente aplicável ao caso em

julgamento. Exige-se do julgador uma fundamentação qualificada, com pesado

ônus argumentativo, do qual se desincumbirá apenas se demonstrar superação

(overruling) do precedente – o que só poderá ser feito pelo tribunal que formou o

precedente ou por tribunal superior – ou a distinção (distinguishing).4

Mark Tushnet enfatiza duas diretrizes que justificam a vinculação a precedentes:

eficiência e humildade. Ressaltando uma maior importância da primeira para o

sentido vertical – ou seja, observância dos precedentes firmados nas instâncias

superiores pelos magistrados das instâncias inferiores.5

prestação jurisdicional: aplicar a ratio decidendi sem rediscuti-la. Revista de Processo, vol. 258, p. 341-356, ago. 2016.
3 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 357.
4 ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes e fundamentação no NCPC. In: SANTANA, Alexandre Ávalo;
ANDRADE NETO, José de (coord.). Novo CPC: análise doutrinária sobre o novo direito processual brasileiro, vol. 3.
Campo Grande: Contemplar: 2016, p. 345.
5 TUSHNET, Mark. Os precedentes judiciais nos Estados Unidos. Tradução de Flavio Portinho Sirangelo. Revista de
Processo, São Paulo, v. 38, n. 218, p. 99-110, abr. 2013.

4
Leia na íntegra as ideias do autor sobre essas duas diretrizes.
Imagine a hipótese na qual um juiz ou tribunal de grau inferior receba uma causa contendo questão jurídica
idêntica à que já foi submetida e resolvida no âmbito de um juiz ou tribunal de instância hierarquicamente
superior. Suponha também que o julgador da instância inferior desconsidere a lógica do sistema de
precedentes e, ao contrário, examine o mérito da questão jurídica sob uma ótica jurídica exclusivamente
pessoal. Se a solução dada à causa pelo julgador originário, nesta hipótese, seguir a mesma linha de
orientação já estabelecida pelo juiz ou tribunal de instância superior, tanto esse julgador quanto as partes
litigantes terão despendido o seu tempo e os seus esforços inutilmente. Assim, parece simplesmente eficiente
solucionar-se a questão mediante remissão ao precedente já estabelecido em decisão da Corte superior. Por
outra, se o julgador originário soluciona a questão de maneira contrária àquela com que operou o julgador da
instância superior, a parte vencida pode recorrer e o órgão julgador da instância superior reformará a decisão
originária por ter cometido (sob o prisma do julgador da instância superior) um equívoco jurídico. Mas, se a
parte vencida não apelar por lhe faltarem recursos materiais para tanto – é difícil imaginar que outro motivo
haveria para impedir um recurso da parte vencida ao grau apelação disponível nessas circunstâncias – o
princípio do Estado de Direito resta violado. Assim, ou bem o tempo e a energia das partes litigantes serão
consumidos desnecessariamente, ou os valores que inspiram o Estado de Direito ficarão comprometidos.

Não se pode deixar de frisar que a aplicação de um precedente não consiste em

uma operação subsuntiva mecânica e cega. Não se dispensa, por óbvio, algum grau

de interpretação para a aplicação do acórdão paradigma.6

É com essa preocupação que vários doutrinadores alertam sobre os perigos de

uma aplicação dos precedentes de forma dedutiva subsuntiva mecânica, como um

silogismo, e alertando ser indispensável – e inescapável –, também nesses casos,

a intepretação por parte do julgador. As decisões que utilizarão como base a ratio

decidendi de um precedente vinculante não devem ser frutos de silogismo acrítico.


6 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. O sistema de precedentes vinculantes e o incremento da eficiência na
prestação jurisdicional: aplicar a ratio decidendi sem rediscuti-la. Revista de Processo, vol. 258, p. 341-356, ago. 2016.

5
Pelo contrário, elas também constituem atos hermenêuticos.7

Há que se ter sempre o cuidado de não se utilizar os precedentes de forma

irrefletida, isto é, sem que se faça a comparação dos fatos do caso concreto com a

situação fática que compõe a ratio decidendi. Uma decisão que aplica determinado

precedente a situação substancialmente distinta daquela que gerou a ratio decidendi

viola frontalmente a isonomia, princípio basilar que a sistemática de precedentes

vinculantes visa a proteger.

É justamente por esse motivo que o CPC prevê a técnica da distinção (distinguish),

nos arts. 489, § 1.º, V e VI, e 927, § 1.º, por meio da qual o julgador deve verificar se há

similitude fática entre o caso paradigma e o caso em julgamento, de modo a fazer

incidir ou não a ratio decidendi. Deve o julgador delinear, também, e de forma explícita,

a tese jurídica adotada para se chegar à conclusão exposta na parte dispositiva. Isso

para que as partes possam submeter a aplicação da ratio a eventual controle recursal.8

Logo, não se afirma aqui que o magistrado deva seguir os precedentes de forma

acrítica. Apesar da possibilidade de uma fundamentação mais concisa nesse caso, tal

fato não exime o magistrado de, como dito acima, comprovar a correlação fática e

jurídica entre o caso concreto e aquele apreciado no processo paradigma. Verificando

não existir essa correlação fática e jurídica, deverá o julgador operar a distinção,

desvinculando a solução do caso concreto daquela solução obtida no precedente.9


7 STRECK, Lênio; ABBOUD, Georges. O NCPC e os precedentes – afinal, do que estamos falando. In: DIDIER JR., Fredie;
CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes. Coleção
Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 175-182. SEDLACEK, Federico D. Misceláneas
argentinas del precedente judicial, y su relación con el nuevo CPC de Brasil. In DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo
Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes. Coleção Grandes Temas do
Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 380-381.
8 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova,
direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. Vol. 2. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 469 e 471.
9 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. O sistema de precedentes vinculantes e o incremento da eficiência na
prestação jurisdicional: aplicar a ratio decidendi sem rediscuti-la. Revista de Processo, vol. 258, p. 341-356, ago. 2016.

6
Corroborando o afirmado, observe-se o que dispõem o enunciado n. 306 do

Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC10:

“O precedente vinculante não será seguido quando o juiz ou tribunal distinguir o caso sob
julgamento, demonstrando, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada
por hipótese fática distinta, a impor solução jurídica diversa.”

E o enunciado n. 20 da Enfam11:

“O pedido fundado em tese aprovada em IRDR deverá ser julgado procedente, respeitados
o contraditório e a ampla defesa, salvo se for o caso de distinção ou se houver superação
do entendimento pelo tribunal competente”.12

Vídeo complementar 1 : Aprofundando os conhecimentos com o Prof. Edilson


Vitorelli

10 O FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis consiste em um encontro semestral (anual a partir de
2016) que conta com a participação de professores de processo de várias carreiras jurídicas (no último encontro,
em Brasília, estiveram presentes mais de 300 participantes de todo o país), e que tem como objetivo a elaboração de
enunciados interpretativos sobre o CPC/2015. Para aprovação de um enunciado, exige-se a inexistência de objeção de
qualquer um dos participantes, o que demonstra um forte grau de consenso doutrinário em cada enunciado.
11 Os enunciados da ENFAM foram propostos, votados e aprovados durante o seminário “O Poder Judiciário e o
Novo CPC”, promovido pela escola nos dias 26, 27 e 28 de agosto de 2015, em Brasília. O seminário contou com a
participação de Ministros do STF, do STJ e magistrados estaduais e federais de todo o Brasil.
12 Para comentários aprofundados sobre cada um dos enunciados da ENFAM e do FPPC, indicamos as seguintes
obras: 1) KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino; PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura; FLUGMINAN, Silvano José
Gomes (Orgs.). Enunciados ENFAM - Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados: organizados
por assunto, anotados e comentados. Salvador: Juspodivm, 2019. v. 19; 2) PEIXOTO, Ravi (Org.). Enunciados FPPC
- Fórum Permanente de Processualistas Civis: organizados por assunto, anotados e comentados. 2. ed. Salvador:
Juspodivm, 2019. v. 18.

7
2 Instrumentos Processuais para o Processamento
das Causas Repetitivas
Agora é hora de entrarmos no tema dos instrumentos processuais úteis ao

gerenciamento das causas repetitivas.

Não percamos tempo e vamos a eles!

2.1 Improcedência liminar do pedido


A sentença liminar de improcedência foi introduzida em nosso ordenamento na

época em que o processo civil brasileiro passava por uma série de reformas visando à

concretização do princípio da razoável duração do processo13, garantia constitucional

fundamental incluída pela EC n. 45/2004 (Reforma do Poder Judiciário), no artigo

5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal. Nesse contexto, a Lei n. 11.277, de 7 de

fevereiro de 2006, acrescentou o art. 285-A ao CPC/73, passando o instituto a ser

regulado pelo art. 332 do CPC/2015.

O artigo 285-A do CPC de 1973 erigia como um dos requisitos para aplicação da

sentença liminar de improcedência que já tivesse sido proferida no juízo sentença

de total improcedência em outros casos idênticos.

O CPC/2015 altera esse panorama, na medida em que fixa outras hipóteses de

cabimento da improcedência liminar do pedido. A partir do novo diploma processual,

o instituto é aplicável apenas quando o pedido contrariar:

I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal

de Justiça;
13 Sobre o princípio da razoável duração do processo, recomendamos: KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. A
razoável duração do processo. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2013.

8
II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal

de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas

ou de assunção de competência;

IV – enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.

Percebe-se, assim, que houve uma restrição da aplicação do instituto sob análise, partindo-

se, originalmente, da previsão amplíssima do art. 285-A do CPC/73 (no qual bastava a

existência de precedente do mesmo juízo), para a incidência somente em casos específicos,

de contrariedade a determinadas espécies de precedentes ou enunciados sumulares.

A ideia subjacente a tal alteração é que o magistrado apenas julgue liminarmente

improcedente o pedido baseado em posicionamento pacificado nos tribunais, de

forma a manter a jurisprudência íntegra, estável e coerente. Evitam-se, assim,

sentenças contrárias a entendimentos consolidados nos tribunais, com riscos à

segurança jurídica e à própria isonomia na distribuição da justiça.

Em nossa opinião, o CPC/2015 foi demasiadamente restritivo no ponto.

Entendemos que seria suficiente que o novo diploma legal vedasse o julgamento

liminar de improcedência em contrariedade aos precedentes elencados no art. 332,

não sendo proibido, no entanto, que o magistrado proferisse sentença liminar de

improcedência sem que já existissem tais precedentes.

9
Em outras palavras: em nossa opinião, o magistrado deveria poder julgar

liminarmente improcedente o pedido, desde que não atentasse contra os precedentes

referidos no art. 332. Tal orientação seria suficientemente equilibrada para, a um

só tempo, proteger a integridade da jurisprudência e possibilitar a resolução dos

processos em tempo razoável. Não parece haver utilidade em aguardar todo o trâmite

processual se o magistrado já tem posição firmada em caso que não necessite de

dilação probatória se, ao final, mesmo sem a presença de nenhum dos precedentes

indicados nos incisos do art. 332, findará por proferir sentença de improcedência.14

Ao contrário do que uma primeira impressão pode passar, a improcedência

liminar do pedido é boa não apenas para o réu, mas também para o autor. Assim

pensamos, pois ao demandante não interessam gastos inúteis na produção de

provas desnecessárias. Ele também não será alimentado com falsas esperanças

de um julgamento favorável que não virá no juízo de primeiro grau e terá a via

recursal aberta de forma bem mais célere, ocasião em que poderá buscar a reversão

da sentença e o acolhimento de sua pretensão.

Vamos ao próximo item.

2.2 Tutela antecipada de evidência


O CPC/2015 regula a tutela da evidência no seu artigo 311.

A tutela da evidência será concedida independentemente da demonstração

do perigo, bastando a caracterização do abuso do direito de defesa ou o manifesto


14 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. As novidades do NCPC com relação à improcedência liminar do pedido
(art. 285-A do CPC/73, atual art. 332 do NCPC). In: FREIRE, Alexandre; MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi
(Coords.). Doutrina Selecionada: procedimento comum. Vol. 2 (Coleção Novo CPC: Doutrina Selecionada). 2. ed.
Salvador: Juspodivm, 2016, p. 123-131.

10
propósito protelatório da parte, ou, ainda, a presença dos requisitos indicados nos

incisos II, III e IV.15

Isso decorre da sistematização adotada pelo CPC, que fixou o gênero tutela

provisória e as espécies tutela de urgência – baseada no perigo da demora – e tutela

de evidência – baseada na verossimilhança do direito alegado.

Um aspecto que logo chama a atenção é que as hipóteses de aplicação da tutela

de evidência previstas no art. 311, inc. II são mais restritas do que as da improcedência

liminar do pedido, pois, segundo a literalidade do CPC, limitam-se aos casos em que

houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos16 ou em súmula vinculante.

Parcela relevante da doutrina, no entanto, defende uma unificação do regime de

aplicação das ferramentas processuais, devido a uma interpretação sistemática do

CPC. Assim, seria possível a tutela antecipada de evidência com base no art. 311, inc.

II não apenas quando houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou

em súmula vinculante, mas na presença de qualquer dos precedentes obrigatórios

previstos no art. 927 do CPC, como, por exemplo, as decisões do STF em controle

concentrado de constitucionalidade, os enunciados das súmulas do Supremo

Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em

matéria infraconstitucional, e a orientação do plenário ou do órgão especial aos

quais estiverem vinculados.17

15 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino e MIRANDA, Gabriela Expósito Tenório. Da tutela provisória: um esboço
de conceituação e classificação da antecipação dos efeitos da tutela, da tutela cautelar e da tutela de evidência. In:
COSTA, Eduardo José da Fonseca; PEREIRA, Mateus Costa; GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos (Coords.). Tutela
Provisória. (Coleção Grande Temas do Novo CPC, Vol. 6). Salvador: Juspodivm, 2016, p. 71-85.
16 Importante recordar que o conceito de julgamento de casos repetitivos está positivado no art. 928 do CPC,
abrangendo o incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR e os recursos especial e extraordinário
repetitivos - REER.
17 Confira-se, por todos: MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador:
Juspodivm, 2015, p. 544-546.

11
O enunciado n. 48 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF dispõe: “É

admissível a tutela provisória da evidência, prevista no art. 311, II, do CPC, também em

casos de tese firmada em repercussão geral ou em súmulas dos tribunais superiores”.18

Tal argumento, aliás, também é plenamente aplicável à improcedência liminar do pedido, que

seria cabível igualmente nas hipóteses não expressamente previstas no art. 332, tais como

na existência de tese firmada em repercussão geral, súmula vinculante ou orientação do

plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados sobre a matéria debatida no feito.

O objetivo da tutela de evidência é justamente promover a eficiência da

prestação jurisdicional, invertendo, para tanto, o ônus do tempo do processo em

desfavor daquele que – em virtude da verossimilhança das alegações da parte

adversa – aparenta não ter razão. Não se trata de antecipar o julgamento do mérito

da demanda, mas apenas de antecipar os efeitos da tutela final de forma provisória,

fundada em cognição sumária. Difere, assim, do julgamento antecipado do mérito

(art. 355 do CPC) e do julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356 do CPC),

que acontecem em fase posterior do processo, com cognição exauriente e formação

de coisa julgada material.19


A tutela de evidência permite antecipar – inclusive liminarmente, antes mesmo
18 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino; PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura; FLUGMINAN, Silvano José Gomes
(Orgs.). Enunciados CJF - Conselho da Justiça Federal/Jornadas de Direito Processual Civil: organizados por assunto,
anotados e comentados. Salvador: Juspodivm, 2019. v. 21, p. 138-141. CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Comentários
ao art. 311 do CPC. In: SANTOS, Silas Silva et al (Coords.). Comentários ao Código de Processo Civil: perspectivas da
magistratura. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 397.
19 GOUVEIA, Lúcio Grassi de. Comentários ao art. 311 do CPC. In: ALVIM, Angélica Arruda et al (Coords.). Comentários
ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 414-415.

12
da citação da parte ré, nas hipóteses dos incisos II e III do art. 311, conforme prescrito

no parágrafo único do dispositivo – os efeitos da tutela final. É uma clara exceção ao art.

10 do CPC, que, louvando o contraditório substancial e a ideia de efetiva possibilidade

da parte influenciar as decisões judiciais com seus argumentos, proíbe a prolação

de decisões-surpresa. Note-se que mesmo a sentença de mérito não tem eficácia

imediata, pois, via de regra, é impugnável por apelação com efeito suspensivo (art. 1.012,

caput, do CPC,). No caso de sentença que confirme – ou mesmo conceda – tutela de

evidência, a apelação é desprovida de efeito suspensivo (art. 1.012, §1º, inc. V do CPC).

Avancemos!

Vídeo complementar 2 : Aprofundando os conhecimentos com o Prof. Edilson


Vitorelli

2.3 Suspensão de segurança para várias liminares


em casos repetitivos (Lei n. 8.437/1992, art. 4º, §
8º; Lei n. 12.016/2009, art. 15, § 5º)
A doutrina costuma conceituar a suspensão de segurança como um incidente

processual, isto é, uma questão incidental que não dá origem a um novo processo, e

não possui a natureza jurídica de recurso.

13
Esse ponto é importante, pois deixa claro que não compartilha das características e

pressupostos de admissibilidade típicos dos recursos, como a tempestividade, o preparo, a

devolutividade, a legitimidade, a competência para apreciação, a tipicidade dentre outros.

Esse ponto é importante, pois deixa claro que não compartilha das características

e pressupostos de admissibilidade típicos dos recursos, como a tempestividade, o

preparo, a devolutividade, a legitimidade, a competência para apreciação, a tipicidade

dentre outros.20

Quando se tratar de um recurso, a parte recorrente tenta demonstrar que o órgão

julgador cometeu um erro de julgamento (error in judicando) ou de procedimento

(error in procedendo), pedindo que a decisão atacada seja anulada ou substituída por

outra. Na suspensão de segurança, por sua vez, cabe ao requerente demonstrar o

manifesto interesse público, pedindo que sejam suspensos os efeitos da decisão

impugnada (sem substituí-la ou cassá-la), a fim de evitar grave lesão à ordem, à

saúde, à segurança e à economia públicas.

A extensão da suspensão a decisões cujo objeto seja idêntico, mediante simples

aditamento do pedido original dirigido ao presidente do tribunal, foi inovação da

Medida Provisória n. 1.984-19, de 29 de junho de 2000.

A novidade sofreu pesadas críticas na doutrina, por supostamente ferir o devido

20 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança: sustação da eficácia de decisão judicial proferida contra o
Poder Público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 92-98.

14
processo legal, ao permitir que um pedido de suspensão espraie seus efeitos além do

processo em que foi deferido, demonstrando a necessidade que o legislador possui

de criar uma enorme disparidade de armas entre os ligitantes, acobertando-a sob o

manto das prerrogativas da Fazenda Pública.21

O objetivo do legislador, no entanto, foi evitar a multiplicação desnecessária de

pedidos de suspensão autônomos, otimizando a prestação jurisidicional e promovendo

a economia processual. Além de evitar dispêndio de tempo e energia do tribunal com

autuações, registros e distribuições, a medida prestigia o princípio da isonomia, pois

facilita o tratamento igualitário aos cidadãos que estão em situações idênticas.22

Demais disso, a possibilidade de o presidente do tribunal, numa única decisão, suspender,

a um só tempo, várias liminares ou provimentos de urgência conspira em favor do

interesse público. É que, se em uma demanda que contenha, como parte autora, apenas

uma pessoa, com insignificante expressão econômica, vier a ser concedida uma liminar,
afigura-se sobremaneira difícil demonstrar a ocorrência de grave lesão a um dos interesses

públicos relevantes.

É corriqueiro, entretanto, haver casos que caracterizam as chamadas demandas de

massas: milhares de pessoas que litigam contra a Fazenda Pública encontram-se na

mesma situação, em demandas diversas, com o mesmo objeto. Desse modo, em face de

uma liminar ou de um precedente específico, seguirão na mesma trilha várias e várias

21 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança: sustação da eficácia de decisão judicial proferida contra o
Poder Público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 230-231
22 RABELLO, Bruno Resende. Suspensão de eficácia de decisão judicial contrária ao Poder Público. In: FERÉS, Marcelo
Andrade e CARVALHO, Paulo Gustavo M. (Coords.). Processo nos Tribunais Superiores: de acordo com a Emenda
Constitucional n. 45/2004. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 132.

15
pessoas, dando azo ao ajuizamento de incontáveis pedidos de suspensão para o

presidente do tribunal, cujo volume de trabalho irá elevar-se consideravelmente.

Sobre este ponto, confira o pensamento de Leonardo Carneiro da Cunha:

Demais disso, a possibilidade de o presidente do tribunal, numa única decisão, suspender,


a um só tempo, várias liminares ou provimentos de urgência conspira em favor do interesse
público. É que, se em uma demanda que contenha, como parte autora, apenas uma pessoa, com
insignificante expressão econômica, vier a ser concedida uma liminar, afigura-se sobremaneira
difícil demonstrar a ocorrência de grave lesão a um dos interesses públicos relevantes.

É corriqueiro, entretanto, haver casos que caracterizam as chamadas demandas de


massas: milhares de pessoas que litigam contra a Fazenda Pública encontram-se na
mesma situação, em demandas diversas, com o mesmo objeto. Desse modo, em face
de uma liminar ou de um precedente específico, seguirão na mesma trilha várias e
várias pessoas, dando azo ao ajuizamento de incontáveis pedidos de suspensão para

A extensão da suspensão a liminares em causas repetitivas atinge ainda, em

acréscimo, um duplo objetivo: 23

(a) evitar o efeito multiplicador de uma determinada liminar obtida;

(b) uniformizar a jurisprudência.24

Essa aplicação da decisão do presidente do tribunal a outros processos, em um

autêntico efeito erga omnes, não é automático, devendo o requerente comprovar a

identidade de objeto quanto aos outros feitos, inclusive as liminares supervenientes.25

23 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas. Revista de Processo, vol. 179, p.
139-174, jan. 2010.
24 TOVAR, Leonardo Zehuri. O pedido de suspensão de segurança: uma sucinta sistematização. Revista de Processo,
vol. 224, p. 209-238, out. 2013.
25 MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de. Mandado de segurança individual e coletivo. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 182.

16
Vídeo complementar 3: Aprofundando os conhecimentos com o Prof. Edilson
Vitorelli

3 Gestão dos recursos com base nos precedentes:


negativa de seguimento; juízo de retratação; sobrestamento;
julgamentos sumários de recurso pelo relator
A legislação processual prevê diversos instrumentos de otimização da gestão

dos recursos com base em precedentes. Essas ferramentAs servem como filtros para

encurtar a tramitação de recursos sem chances de êxito, promovendo os valores da

segurança jurídica, da isonomia e da eficiência.

Vamos destrinchá-los juntos.

O art. 932 do CPC prevê os poderes do relator, dentre os quais as hipóteses em

que deverá, por meio de decisão monocrática:

i) “não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado


especificamente os fundamentos da decisão recorrida;” (art. 932, inc. III); ii) “negar
provimento a recurso que for contrário a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal,
do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo
Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento

17
de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução
de demandas repetitivas ou de assunção de competência;” (art. 932, inc. IV); iii)
“depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso
se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do
Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo
Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento
de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução
de demandas repetitivas ou de assunção de competência;” (art. 932, inc. V).

O art. 557 do CPC/73 prescrevia que o relator teria os poderes de negar

seguimento ou dar provimento, a depender do caso, a recurso em confronto com

jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

O art. 932 promoveu uma mudança importante no ponto, pois

não se valeu do conceito ambíguo de jurisprudência dominante,

trazendo hipóteses específicas em que deve ocorrer o julgamento

monocrático pelo relator.

Nem se diga, a propósito, que o art. 932, inc. VIII do CPC/2015 (“Incumbe ao

relator: exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal”)

autorizaria o regimento interno a atribuir ao relator competência para julgar

recursos de forma unipessoal com base em “jurisprudência dominante”. Isso porque

a matéria “julgamento monocrático pelo relator” é exaustivamente tratada no art.

932 do CPC/2015, não podendo os regimentos internos dos tribunais dispor sobre

essa mesma atribuição de forma diversa.26

26 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Comentários ao enunciado nº 648 do FPPC. In: PEIXOTO, Ravi (Org.).
Enunciados FPPC - Fórum Permanente de Processualistas Civis: organizados por assunto, anotados e comentados. 2.
ed. Salvador: Juspodivm, 2019. v. 18, p. 725-727.

18
É fato notório, no entanto, que os tribunais costumam fazer “vista grossa” para

o teor do art. 932 do CPC, sendo comum a prolação de decisões monocráticas com

base em jurisprudência dominante. Nesse sentido, note-se que a Súmula 568/STJ

(“O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou

negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do

tema.”) continua sendo aplicada normalmente após o advento do CPC/2015.

Referido enunciado sumular deveria ter aplicação residual, apenas para os

recursos interpostos com base no CPC/73 (relativos a decisões publicadas até 17 de

março de 2016), nos termos do enunciado administrativo n. 2/STJ sobre o CPC/2015.

Para os demais casos (a maioria), a Súmula 568/STJ ficou sem base normativa, não

podendo mais ser aplicada.27

A continuidade de aplicação do art. 557 do CPC/73 revogado é um fenômeno

que não é isolado, havendo alguns dispositivos-zumbis da legislação anterior que

continuam a ser utilizados, talvez por questão de costume.28 O STJ, por exemplo,

apesar de ter alterado seu Regimento Interno para adequá-lo ao CPC/2015, por meio

da Emenda Regimental n. 22, de 16 de março de 2016, manteve no art. 34, inc. XVIII,

alíneas “b” e “c”, a referência à possibilidade de o relator negar ou dar provimento a

recurso ou pedido com base na “jurisprudência dominante” acerca do tema.

27 GAJARDONI, Fernando Fonseca et al. Execução e recursos: comentários ao CPC 2015: volume 3. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018, p. 608.
28 ROQUE, André. O novo CPC e os dispositivos-zumbis. Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2015/08/03/novo-
cpc-dispositivos-zumbis/>. Acesso em: 26 out. 2020.

19
Sobre o tema, a propósito, confiram-se os enunciados n. 462 (“É nula, por usurpação

de competência funcional do órgão colegiado, a decisão do relator que julgar

monocraticamente o mérito do recurso, sem demonstrar o alinhamento de seu

pronunciamento judicial com um dos padrões decisórios descritos no art. 932.”) e 648

(“Viola o disposto no art. 932 a previsão em regimento interno de tribunal que estabeleça

a possibilidade de julgamento monocrático de recurso ou ação de competência originária

com base em ‘jurisprudência dominante’ ou ‘entendimento dominante’.”) do FPPC.

Já tivemos a oportunidade de defender que, caso o relator decida

monocraticamente um recurso fora das hipóteses do art. 932, estará julgando de

forma isolada o que apenas deveria ser julgado pelo órgão colegiado, o que pode

ser passível de anulação. Enfatize-se que o CPC/2015 não trilhou o mesmo caminho

do CPC/73, que permitia o julgamento unipessoal de mérito em hipóteses muito

abertas, como as de “manifesta procedência” ou “evidente improcedência” (vide art.

557, caput, e § 1º-A, do CPC/73).29

Os institutos da negativa de seguimento, do juízo de retratação e da determinação

de sobrestamento estão previstos nos arts. 1.029, § 4º, 1.030 e 1.041, § 1º do CPC.

O art. 1.029, § 4º busca enfrentar a proliferação de decisões divergentes a respeito

de feitos em que se discuta a mesma tese jurídica. Para tanto, prevê a suspensão das
29 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Comentários ao enunciado nº 462 do FPPC. In: PEIXOTO, Ravi (Org.).
Enunciados FPPC - Fórum Permanente de Processualistas Civis: organizados por assunto, anotados e comentados. 2.
ed. Salvador: Juspodivm, 2019. v. 18, p. 700-702.

20
demandas repetitivas em todo o país enquanto se fixa a tese vinculante.30

Em nossa opinião, a extensão da suspensão a todo o território

nacional é bastante recomendável quando, por ocasião do

processamento do incidente de resolução de demandas repetitivas

– IRDR, tratar-se de discussão sobre lei federal com potencial

de decisões conflitantes em diferentes TRF’s ou TJ’s. Seria um

contrassenso que uma lei federal fosse aplicada de forma diversa e,

ainda por cima, vinculante, a depender da localidade onde o cidadão

se encontre.

Acerca do sobrestamento determinado no art. 1.030, inc. III, importante referir

o enunciado n. 78 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF:

“A suspensão do recurso prevista no art. 1.030, III, do CPC deve se dar


apenas em relação ao capítulo da decisão afetada pelo repetitivo, devendo
o recurso ter seguimento em relação ao remanescente da controvérsia,
salvo se a questão repetitiva por prejudicial à solução das demais matérias.”.

No que tange ao juízo de retratação, note-se que a referência do art. 1.041 do CPC

ao art. 1.036, § 1º – quando negada a retratação e mantido o acórdão divergente pelo

tribunal de origem – está equivocada. A remissão correta deveria ser ao art. 1.030,

inc. V, alínea “c”, que impõe ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido

a realização do juízo de admissibilidade antes de remeter o feito ao STF ou ao STJ.

Deixamos para o final do nosso curso duas questões controvertidas de profunda

importância no cotidiano dos magistrados: 1) A partir de qual momento o julgador

30 GAJARDONI, Fernando Fonseca et al. Execução e recursos: comentários ao CPC 2015: volume 3. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018, p. 1.127.

21
deve aplicar um precedente vinculante? 2) É possível, em sede de julgamento de

embargos de declaração, adequar o julgado a precedente vinculante surgido

posteriormente à prolação da decisão embargada?

Quanto à primeira questão, surgem algumas alternativas:

a) aplica-se a partir do dia do julgamento?;

b) da data de publicação do acórdão? ou;

c) do trânsito em julgado?

A posição do STF sobre a matéria é reiterada no sentido de que a existência

de precedente firmado pelo Plenário da Corte ou de decisão de mérito julgada sob

a sistemática da repercussão geral autoriza o julgamento imediato de causas que

versem sobre o mesmo tema, independente da publicação ou do trânsito em julgado

do paradigma. Confiram-se:

a) RE 1112500 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado

em 29/06/2018, DJe-163 DIVULG 10-08-2018 PUBLIC 13-08-2018;

b) ARE 673256 AgR/RS, Rel. Min. Rosa Weber, Dje de 21/10/2013.

O STJ segue a mesma trilha, a exemplo do AgInt no RE no AgRg no REsp 1.411.245/

SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, DJe 13.12.2019.

Portanto, mesmo que esteja o processo pendente do julgamento de embargos de

declaração, ou caso penda debate sobre eventual modulação dos efeitos do julgado, é

permitida a imediata aplicação do precedente pelas demais instâncias.

22
Quanto ao segundo questionamento, a posição das duas turmas do STF é pela

possibilidade de adequação ao precedente surgido posteriormente ao julgado, em

sede de embargos de declaração. Confira-se, a propósito:

a) Rcl 15724 AgR-ED, Relator(a): Rosa Weber, Relator(a) p/ Acórdão: Alexandre

de Moraes, Primeira Turma, julgado em 05/05/2020, DJe-151 DIVULG 17-06-2020

PUBLIC 18-06-2020;

b) ARE 1131284 AgR-ED, Relator(a): Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em

25/10/2019, DJe-244 DIVULG 07-11-2019 PUBLIC 08-11-2019.

A questão remanesce em aberto no STJ, havendo posição antiga da 1ª Seção

(EDcl no AgRg no CC n. 103.085/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, 1ª S., DJe

18/9/2009) e recente da 5ª Turma (EDcl no AgRg no RHC 109.530/RJ, Rel. Ministro

Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. em 26/05/2020, DJe 01/06/2020) no mesmo sentido

do STF, enquanto a 6ª Turma diverge (EDcl no AgInt no PExt no HC 484.074/SP, Rel.

Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. em 30/06/2020, DJe 04/08/2020).

A importância da questão salta aos olhos quando se observa que os precedentes

da 5ª e 6ª Turmas acima citadas referem-se à mesma questão, qual seja, a adequação

(ou não) da jurisprudência do STJ ao entendimento firmado pela Suprema Corte

no HC n. 176.473, de Relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, que trouxe novo

posicionamento, fixando a premissa segundo a qual “[n]os termos do inciso IV do

artigo 117 do Código Penal, o Acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição,

inclusive quando confirmatório da sentença de 1.º grau, seja mantendo, reduzindo

ou aumentando a pena anteriormente imposta”. Em resumo, o caso concreto

demonstra que, em função da posição adotada quanto ao questionamento que

23
trouxemos, haverá a condenação ou a absolvição do acusado.

Parte da doutrina discorda do posicionamento do STF, sendo possível argumentar

que a adequação do julgado a uma alteração jurisprudencial superveniente

configuraria a aplicação de um “pós-cedente” e não de um precedente.

Entretanto, razões de eficiência parecem recomendar que se aplique

a posição do STF. Além disso, é de se ponderar que o advento da tese

repetitiva após o julgamento, estando pendente o julgamento dos

embargos declaratórios, pode ser enquadrado como fato superveniente,

a ser considerado até mesmo de ofício pelo órgão julgador. Incidiria, no

caso, o art. 933 do CPC, devendo o relator, de ofício, intimar as partes

para falar em cinco dias sobre o precedente em tese aplicável ao caso

concreto. Se o tribunal deixa de aplicar o novo precedente nos embargos

declaratórios, há omissão que pode ser sanada por meio de segundos

embargos.

Por fim, caso haja a recusa em aplicar o novo entendimento vinculante em sede

de embargos, pode-se cogitar do cabimento de ação rescisória com base no art. 966,

§ 5º do CPC. Ou seja, no fim das contas, a parte prejudicada conseguiria que a nova

posição jurisprudencial fosse aplicada ao caso concreto, apenas demandando gasto

de tempo e recursos maiores caso não se adote a posição do STF.

24
Vídeo complementar 4: Aprofundando os conhecimentos com o Prof. Edilson
Vitorelli

25
Conclusão
Chegamos ao final do nosso curso e o sentimento que fica é um misto de saudade e

vontade de aprendermos ainda mais juntos.

O sistema de precedentes é um tema novo no Brasil, demandando muito estudo

e reflexão. Há toda uma gama de institutos e conceitos a serem compreendidos e

aperfeiçoados, mas esperamos que a importância desse sistema para o nosso labor

cotidiano desperte em todos o desejo de se aprofundar nos estudos sobre o tema.

Desejamos bons estudos e um ótimo trabalho, torcendo para que nos

reencontremos com brevidade.

Até logo!

26
Referências
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